PT 44 - Igreja e Consciência
PT 44 - Igreja e Consciência
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1
ECO, Umberto; MARTINI, Carlo Maria. Em que creem os que no creem?. Rio de
Janeiro: Record, 2000, p. 75.
2
MARTINI, Carlo Maria; SPORSCHILL, Georg. Dilogos noturnos em Jerusalm: sobre
o risco da f. Rio de Janeiro: Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro; So
Paulo: Paulus, 2008, p. 32-33.
3
Ibid. p. 138.
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EDITORIAL
IGREJA E CONSCINCIA
O tema da conscincia tornou-se questo central do nosso tempo. Horizontes alargados ressignificam conceitos, linguagens, prticas e atitudes. O
fenmeno do pluralismo cultural, ideolgico e religioso, a secularizao, as
novas antropologias, novos modelos de famlia, a biomedicina e a
biogentica, o acesso irrestrito informao, a consolidao da democracia
e dos direitos humanos, a ampliao das opes morais, o sujeito psmoderno e sua relativizao das normas objetivas, a emancipao da sociedade e do cidado do controle das religies, extrapolaram consideravelmente a noo da conscincia como rbitro dos comportamentos vinculados moral. A intimidade do indivduo no est condicionada apenas pela
religio. O acmulo e acelerao das mudanas exigem esforo de escuta
atenta das diferentes experincias, convices e paradigmas. Os impasses
ticos desafiam no apenas a conscincia crist, mas a conscincia de toda
a humanidade.
Em tema to delicado e central, a Igreja, com sua complexidade, vive tenses internas. Constata-se a retomada de modelos autoritrios recheados
de pessimismo que, apoiados em certa ideia de conscincia, quer a todo
custo coadunar discurso condenatrio com a boa notcia do Evangelho. So
tentativas reais de controle das conscincias atravs do policiamento
ostensivo do pensamento e dos comportamentos cotidianos do fiel.
Pretensos representantes de uma viso de Igreja tridentina, reforada por
certa interpretao do Conclio Vaticano I, manipulam textos bblicos,
instrumentalizam o Direito Cannico, dogmatizam o Catecismo e servemse das declaraes da hierarquia. A obsesso denunciante e intransigente
os torna coadores de mosquitos que engolem camelos (Mt 23,24). Intolerantes, pervertem o sacramento da Penitncia para atemorizar o fiel com
uso indiscriminado da ideia de pecado. Por entender a conscincia como
rgo de ressonncia das normas institucionais pregam a submisso rigorosa autoridade. Uma moral de absolutos, do tudo ou nada, sem
matizaes, cujo nico intrprete a hierarquia, vale por si mesma. Conscincias afnicas, cuja voz silenciada cultiva uma vida moral infantilizada,
e de fiis amedrontados ante o risco do pecado e intimidados pela ameaa
da censura.
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So pessoas e entidades que, ao sentirem-se ameaadas na identidade religiosa, beiram o fundamentalismo. Atam fardos pesados e os colocam
sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos no esto dispostos a levantar um s dedo para mov-los (Mt 23,4). A intransigncia nota-se em
alguns movimentos eclesiais (novos e antigos). Para parcelas do clero, da
vida religiosa e do laicato, ser catolicamente correto equivale a submeter-se, sem questionar, disciplina moral determinada pela hierarquia.
Diante desse restauracionismo arcaico, incentivado muitas vezes por representantes de estruturas eclesisticas hostis ao Conclio Vaticano II, no
h como no parafrasear Bernhard Hring: Sofro com a Igreja quando
vejo partes dela escravizadas por tradies mortas, em contradio com
nossa f num Deus vivente que age com seu povo em todas as pocas.
Tal conceito fossilizado de conscincia contradiz frontalmente a doutrina
do Conclio Vaticano II, o grande catecismo dos nossos tempos (Paulo
VI), a bssola com a qual orientar-se (Joo Paulo II). Todo cristo est
obrigado a seguir suas decises, pois promanam da suprema instncia da
Igreja no ensinamento da f e da moral. Rejeitar o Conclio provocar o
cisma e militar como Igreja paralela. Joo XXIII colocou toda a Igreja em
sintonia dialogal e respeitosa com o sujeito contemporneo. A Igreja no
tem resposta para tudo, quer aprender da histria. Com este esprito ela
est a oferecer sua compreenso sobre a conscincia.
O esquema preparatrio De ordine morali christiano apresentado pela Cria
Romana, descrevia a ordem moral como absoluta, com elenco de preceitos,
proibies e autorizaes. Ele foi rejeitado pelos padres conciliares. Era
uma sntese da ideia de conscincia antes do Conclio. No estaramos
assistindo recomposio das foras defensoras do citado esquema? O
quadro descrito anteriormente no seria a revanche dos pretensos derrotados no debate conciliar? Monsenhor Lefebvre e cismticos no declarados no seriam apenas a ponta do iceberg? O Conclio no comps um
documento exclusivo sobre a conscincia. Tratou dela em contexto mais
amplo da relao da Igreja com o mundo contemporneo, expressada na
Constituio Pastoral Gaudium et spes. A partir da compreenso de conscincia como o nucleus secretissimus atque sacrarium hominis, in quo solus
est cum Deo (Santo Agostinho) afirma-se a doutrina da dignidade da conscincia moral: No fundo da prpria conscincia, o homem descobre uma
lei que no se imps a si mesmo, mas qual deve obedecer; essa voz, que
sempre o est a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento
oportuno, na intimidade do seu corao: faze isto, evita aquilo. O homem
tem no corao uma lei escrita pelo prprio Deus; a sua dignidade est em
obedecer-lhe, e por ela que ser julgado. A conscincia o centro mais
secreto e o santurio do homem, no qual se encontra a ss com Deus, cuja
voz se faz ouvir na intimidade do seu ser. Graas conscincia, revela-se
de modo admirvel aquela lei que se realiza no amor de Deus e do prximo (Gaudium et spes, 16).
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Essa conceituao representa uma autntica volta s fontes do cristianismo. Suas razes bblico-teolgicas identificam a conscincia como o corao, a interioridade da pessoa. Chamado Aliana com Deus, o ser humano est em escuta contnua de sua Palavra e a conserva no corao. Na
interioridade Deus escreve a lei (Jr 17,1; 31,31-34; Ez 14,1-5; 36,26). Toda
conduta brota desse centro cujo nico habitante Deus (Jr 11, 20). Encontra-se semelhante significado no Novo Testamento. O Evangelho de Jesus,
manso e humilde de corao (Mt 11, 28-30), germina no mais ntimo da
pessoa (Mt 13, 19). A mesma interioridade fonte das palavras, aes,
atitudes e comportamentos desumanos (Mc 7, 18-23). O apstolo Paulo
interpreta a tradio semtica do corao e assume sua globalidade na
noo grega de conscincia (syneidesis) como expresso ntima da nova
criatura, do existir em Cristo (Hb 9, 12). Nessa intimidade, o cristo descobre o sentido ltimo da vida. A conscincia se entende como propriedade fundamental do ser sujeito, cuja dignidade exige que aja de acordo com
uma opo consciente, livre e por convico pessoal, no por mera coao
externa (Gaudium et spes, 17).
J ensinava Santo Toms que quem cumpre a lei simplesmente porque
um preceito no age moralmente, j que no livre. Nenhuma ao pode
considerar-se boa ou m, se no faz referncia conscincia, como eco da
voz de Deus. A conscincia lugar teolgico sagrado e inviolvel. Toda
pessoa, pelo fato de ser criada imagem e semelhana de Deus, tem em
si a capacidade de desenvolver as potencialidades humanas em busca do
bem. A experincia de f favorece o dinamismo da conscincia e seu
amadurecimento. Por isso o Conclio pede que a doutrina moral da Igreja
seja renovada atravs do contato vivo com o mistrio de Cristo e com a
histria da salvao (cf. Optatam totius, 16). Tal interioridade, como sacrrio
do homem, no de isolamento, mas de comunho. um encontrar-se tu
a tu com Deus, um escutar a sua palavra que aguarda resposta (cf. Gaudium
et spes, 12). A conscincia no ensimesmamento, mas reciprocidade e
convivncia. Na fidelidade conscincia, os cristos se unem aos outros
homens para buscar a verdade e para encontrar sadas a tantos problemas
morais que surgem tanto na vida individual quanto na social (ibidem,
16). Na medida em que a verdade e os valores objetivos estiverem envolvidos, a conscincia humana nunca ser infalvel. A conscincia pode se
tornar insensvel e cega, mas jamais perde a dignidade (Gaudium et spes,
16).
uma doutrina da conscincia que brota da prpria Revelao explicitada
na Constituio Dogmtica Dei Verbum. A concepo relacional da
Revelao desdobra os efeitos no mbito da formao da conscincia. A
Revelao no se reduz a contedo de verdades a acreditar ou de preceitos
morais a cumprir, mas uma experincia de encontro com Deus que no
seu grande amor fala aos homens como a amigos, e convive com eles, para
convid-los e receb-los em comunho com Ele (Dei Verbum, 2). Em Jesus
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Cristo, Deus se autocomunica de maneira definitiva. A raiz ltima da oferta a conscincia (ibid., 5). Em face da Palavra Revelada a conscincia
integra a dupla atitude religiosa e atitude moral. Ser cristo vai muito alm
da dimenso do dever. A conscincia adulta se mostra quando a liberdade
e responsabilidade da conscincia so assumidas diante de Deus e interpretadas na existncia histrica. Catlogos de normas e cdigos disciplinares so importantes quando esto em funo desta experincia fundamental. Original na conscincia a graa de Cristo, nunca o pecado, pois f e
conscincia so inseparveis (1Tm 1,5.19).
A Constituio Dogmtica Lumen gentium outro documento conciliar
importante no tema da conscincia. A prtica oficializada no Decretum
decreta (1142) de Gratianus entre Igreja docente e Igreja discente foi abolido pelo Conclio Vaticano II tambm no que se refere a problemas de
conscincia. H uma volta s fontes para afirmar a Igreja como comunidade de iguais. Cristo no quer servos, mas amigos (Jo 15, 15). Todo fiel
templo do Esprito, sem distino de classes ou categorias, pois em um s
Esprito fomos batizados todos ns, para formar um s corpo, judeus ou
gregos, escravos ou livres; todos fomos impregnados do mesmo Esprito
(1Cor 12,13). O Esprito faz da Igreja povo de Deus e Corpo de Cristo
um reflexo da comunho trinitria e um sinal eficaz do Reino de Deus. Se,
por um lado, os apstolos recebem a misso do nico Mestre (Mt 23, 10),
de transmitir a Palavra e manter o Povo de Deus na f (Lumen gentium,
24), por outro, o mesmo Mestre soprou seu Esprito sobre toda a comunidade eclesial (Jo 16,13; 19, 22). Esta comunho d contedo real s palavras
irmos e irms em dilogo na busca da unidade. Jesus no quer chefes
sentados sua direita e esquerda. A sua Igreja se constri pela koinonia de
iguais (Mc 10, 35-45). A funo da hierarquia entendida a partir desta
eclesiologia. O magistrio um ministrio exercido a servio do Povo que
de Deus e do Corpo cuja cabea Cristo. Portanto, o Magistrio no
uma entidade supraeclesial que tem o monoplio do Esprito. Entretanto,
a aura transcendente criada em torno da figura do Pontfice, servus
servorum Dei, como supremo intrprete da Palavra extrapolou o carisma
petrino alm dos limites da Revelao. preciso afirmar que as normas
pastorais particulares aplicadas a problemas contextuais e histricos no
so objeto do seu magistrio infalvel.
Conscincia, como saber compartilhado como a prpria etimologia insinua, incide diretamente na vida do Povo de Deus. Se o laicato, juntamente com os pastores, participa da mesma misso de Cristo, a verdade
deve ser buscada atravs da reciprocidade das conscincias. Os leigos
podem esperar dos sacerdotes luz e fora espiritual. Mas no pensem que
seus pastores so sempre to competentes que tenham soluo concreta
para cada questo, mesmo a mais grave, ou que esta seja sua misso
(Gaudium et spes, 43). O Conclio tambm incentiva aos fiis liberdade
de investigao, de pensamento e de informar-se, humilde e corajosamen348
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born of the effort in the desire of rational understanding of morality can help both
the Magisterium and the theologians in the performance of their respective duties,
by means of truthful dialogue.
enhum catlico srio se atreveria a negar o valor que tem o Magistrio da Igreja. Como sacramento de salvao, ela visa conservar intacta
a palavra de Deus e transmitir fielmente a seus fiis a mensagem de Jesus.
A tarefa de interpretar autenticamente a palavra de Deus, escrita ou transmitida, foi confiada exclusivamente ao Magistrio vivo da Igreja, cuja autoridade exercida em nome de Jesus1. evidente que em seu ensino,
alm dos aspectos relacionados com a f, incluem-se, tambm, aquelas
prticas e costumes que vo contra os dados da revelao. Como em toda
instituio, deve-se limitar as fronteiras para saber quem faz parte dela, ou
quem se encontra em reas marginais.
Alm disso, faz algum tempo que algumas igrejas protestantes lamentaram a falta de normas e orientaes, visto que a exclusiva responsabilidade
pessoal no est livre de perigo. E h, alm disso, o risco de um pluralismo
excessivo e contraditrio, mas sem cair, como se afirma em algum documento, na via legalista e autoritria do magistrio catlico2.
A aceitao da doutrina catlica no eliminou, sem dvida, as inevitveis
tenses que sempre existiram ao longo da histria. J faz alguns anos que
a Comisso Teolgica Internacional publicou um documento sobre a relao entre a teologia e o magistrio, onde falava da inevitvel tenso entre
essas funes. A autoridade desta Comisso impede catalogar este fenmeno como ato de rebeldia ou como um gesto de falta de amor em relao
instituio eclesial. Valoriza-o, em primeiro lugar, como um fato que no
tem nada de anormal ou extraordinrio: no estranho nem se deve
esperar que se possa solucionar uma vez por toda nesta terra. E o considera, alm disso, como algo positivo e enriquecedor, visto que no supe
inimizade ou autntica oposio, mas um esforo vital e estmulo para
cumprir juntos, em forma de dilogo, o prprio ofcio de cada um3.
Constituio Dogmtica sobre a Divina Revelao, n. 10.
Assim, por exemplo, COMISSIONE SINODALE DI STUDIO. La sessualit nella Bibbia
nel tempo presente, Torino 1984, p. 3. GESTEIRA GRAZA, M. La autoridad magisterial
de la Iglesia a la luz del dilogo ecumnico. Micelnea Comillas, v. 59, n. 115, juliodiciembre, p. 431-456, 2001.
3
Theses de Magisterii ecclesiastici et Theologiae ad invicem relatione. Documenta
(1969-1985), Editrice Vaticana: Roma 1988, p. 136. Cf., alm do breve, mas realista
comentrio que em seguida se insere, p. 155, Tambm NOVO CID-FUENTES, A. J. EL
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Como exemplo da postura tradicional, conservada constantemente, podemos consultar:
VERMEERSCH, A. Theologia Moralis. Gregoriana: Roma, 1933, p. 9. Entre os mais
recentes: FERNNDEZ, A. Diccionario de Teologa Moral. Monte Carmelo: Burgos 2005,
p. 909-912.
7
JUAN PABLO II. Encclicas. El esplendor de la verdad, n. 44 (a cursiva encontra-se
no original); El valor inviolable de la vida humana, 71 y 72; Sobre las relaciones entre
fe y razn, n. 85, etc.
8
SNCHEZ VZQUEZ, A. tica. Barcelona: Editorial Critica, 1981, p. 25-26.
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Da submisso autonomia
Eu sempre critiquei a existncia de uma moral infantil to frequente na
prxis crist, que sabe muito bem o que se tem a fazer, entretanto ignora
e desconhece as razes desse comportamento. a dificuldade atual de
muitos padres e mestres que se sentem incapazes de dar uma explicao
razovel s novas perguntas que lhes so feitas9. A eticidade de uma conduta no se radica na revelao de Deus ou no ensino da Igreja. A autoridade, fora a legislao positiva, no pode ser nunca o argumento definitivo para provar a malcia de uma ao. Isto significa que a normativa tica
no pode ter outro ponto de partida que a racionalidade da prpria conduta. A tradio, o magistrio da Igreja, a mesma palavra de Deus deve ser
uma fonte de dados importantes para se tomar qualquer deciso posterior
a mais honesta e objetiva possvel. No entanto, uma coisa a ajuda para
evitar potenciais erros e subjetivismos exagerados, e, outra coisa, muito
diferente, aceitar a licitude ou imoralidade de uma conduta pelo fato de
ser ordenada ou proibida.
Todos os autores que trataram sobre o desenvolvimento do sentido moral
insistem em que esta autonomia, ainda que se designe de diferentes modos, a meta de todo processo educativo: que o indivduo esteja convencido do modo e do porqu tem que agir10. A prpria abordagem de Santo
Toms, quando fala da ofensa a Deus, extraordinariamente moderna:
Deus no se sente ofendido por ns a no ser porque agimos contra nosso
prprio bem11. Isto significa que, quando algum se considera incorreto
ou pecaminoso, todo ser humano tem o direito em pedir uma explicao
para que possa agir a partir de uma convico pessoal e no pelo simples
fato de ter sido mandado. Santo Toms volta a nos recordar que aquele
que evita o mal no por ser mal, seno por ser mandado, no livre, mas
aquele que o evita por ser um mal, esse livre12.
Dito de outro modo, no se pode apresentar uma doutrina como tica e
exigir uma submisso sem argumentos racionais. Por f aceitamos uma
srie de verdades que no se explicam com justificativas humanas, seno
pela autoridade de Deus que se revela, mas as obrigaes ticas no perCf. LPEZ AZPITARTE, E. Fundamentao da tica crist. So Paulo: Paulus, 1995,
p. 87-110. La educacin moral en la famlia, Revista Agustiniana, v. 36, p. 503-535,
1995. Hacia una nueva visin de tica cristiana. Santander: Sal Terrae, p. 86-110, 2003.
10
Cf. QUINTANA CABANAS, J. M. Pedagogia moral. El desarrollo moral integral.
Dykinson: Madrid 1995. E a magnifica reflexo de VALADIER, Paul. Un cristianismo de
futuro. Por una nueva alianza entre razn y fe, PPC: Madrid 2001. Tambm TORRES
QUEIRUGA, A. Moral y religin: de la moral religiosa a la visin religiosa de la moral.
Selecciones de Teologa, v. 44, n. 174, p. 83-92, abr./jun., 2005.
11
Summa contra gentes III, 122.
12
In epistolam ad Corinthios, cap. III, lect. III. In: Opera Omnia, t. 21, Vivs: Paris 1876,
p. 62.
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tencem a esse mundo de mistrios. verdade que a confiana na autoridade suficiente para os que no conhecem nem desejam saber as razes
que existem, porm essa mesma autoridade tem que estar capacitada para
dar uma justificativa razovel sempre que algum a solicite.
No acredito que exagere muito se sublinho o valor excessivo que tiveram
os argumentos de autoridade. Desde pequeno nos ensinaram com toda
exatido como devia ser nosso comportamento, mas apenas preocupavamse em dar uma explicao razovel do por que se deve agir de tal maneira.
No fundo, ficava sempre uma motivao oculta, mas muito eficaz: era uma
condio indispensvel para se obter o carinho insubstituvel de nossos
pais, a estima e o apreo das pessoas que nos rodeavam e, sobretudo, a
amizade com Deus que, como crentes, resultava ainda mais importante.
Uma fundamentao muito heternoma, baseada, sobretudo, no medo em
perder o afeto e o carinho dos demais.
13
MARDONES, J. M. Existe tambin una manipulacin religiosa?. Santander: Sal
Terrae, v. 72, n. 7-8, p. 521-536, 1984. GARCIA-MONGE, J. A. Psicologa de la sumisin
y psicologa de la responsabilidad en la Iglesia. Sal Terrae, Santander, v. 84, n. 296, p.
21-34, enero 1996. ARRIETA, Lola. El poder en la Iglesia Poder para dominar o para
servir y liberar?. Sal Terrae, v. 84, n. 296, p. 35-51, 1996. BEINERT, W. Dilogo y
obediencia en la Iglesia. Selecciones de Teologa, v. 39, n. 153, p. 61-70, enero-marzo
2000.
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poltico, so aplicveis tambm ao mundo psicolgico14. Em qualquer hiptese, a subordinao est mantida no por motivaes racionais, seno
por influxos, muitas vezes inconscientes, do mundo afetivo. Os sentimentos de medo, admirao ou carinho fazem que o subalterno renuncie a
pedir explicaes e se entregue sem dvida vontade daquele que decide.
Esta mentalidade ficou bastante marcada em uma encclica de Pio X quando afirmava que a Igreja por sua natureza uma sociedade desigual;
compreende duas categorias de pessoas: os pastores e a grei... s a hierarquia move e dirige... O dever da grei aceitar ser governada... Enquanto
o povo no tem outra sada que deixar-se conduzir e seguir docilmente a
seus pastores15. Para oferecer uma segurana maior que fomentara uma
atitude de docilidade, recordou-se sempre, sem que agora pretendamos
negar essa ajuda, a assistncia especial do Esprito para evitar o erro nos
ensinamentos da Igreja.
H que se reconhecer, sem dvida, como j disse, que hoje vivemos em
uma sociedade onde se respiram outros valores diferentes. A Igreja no
uma democracia, certamente; no entanto, da mesma maneira que incorporou em outros tempos elementos muito significativos da sociedade
monrquica, como a forma mais adequada de governo, tambm hoje poderia recolher certos aspectos da nossa cultural atual que no v com bons
olhos uma autoridade absoluta. Ainda que alguns telogos pretendam o
contrrio, o papado no deveria se considerar com os atributos de uma
monarquia absoluta. A igualdade dos batizados diante de Deus, que com
tanta fora se proclama, deveria se expressar, tambm, em sua prpria
estrutura, sem desprezar ningum de sua inspirao evanglica16.
14
Vale a pena ler FROMM, E. El miedo a la libertad. Martnez de Murgua: Madrid,
1977, especialmente a anlise sobre a conscincia autoritria em tica y psicoanlisis.
Fondo de Cultura Econmica: Mxico 1971, p. 157-172. ROVALETTI, M. Consciencia y
autoridad en el pensamiento de Erich Fromm. Revista Internacional de Sociologa, v. 44,
p. 547-561, 1986. GARCA COLLADO, M J. Falseamiento de la libertad y la obediencia.
Sal Terrae, v. 78, n. 4, p. 303-309, abril 1990.
15
Pio X, encclica Vehementer nos de 11-II- 1906. Pode-se consultar em AA. VV., Nueva
Historia de la Iglesia. Cristiandad: Madrid 1977, v. V, p. 146, j que desapareceu das
ltimas edies do DENZINGER-SCHNMETZER.
16
SEIBEL, W. Es la democracia ajena al ser de la Iglesia?, Selecciones de Teologa,
n. 35, n. 139, p. 173-174, julio-septiembre 1996. HEINZ, H. Democracia en la Iglesia.
Corresponsabilidad y participacin de todos los bautizados, Selecciones de Teologa, n.
35, n. 139, p. 163-172, 1996. ESTRADA, J. A. De la sociedad desigual a la comunidad
de bautizados, e tambm: TORRES QUEIRUGA, A. Magisterio, teologa y pueblo. In:
AA. VV., Retos de la Iglesia ante el nuevo milenio, Fundacin Santa Maria: Madrid, 2001,
45-68 y 99-135. MAIER, H. Democracia en la Iglesia?, San Pablo: Madrid, 2005.
ROSHWALD, M. Races bblicas de la democracia, Selecciones de Teologa, n. 47, p.
227-240, 2008. VALADIER, P. Quelle dmocratie dans lglise?, em sua obra La morale
sort de lombre, Descle De Brouwer: Paris 2008, p. 275-283.
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cupar-se seriamente por algo. Sem dvida alguma, nesta imagem pode-se
contemplar a situao na qual se encontra o pensamento teolgico atual"33.
A avaliao no deixa de ser demasiado dura, mas me parece muito objetiva e realista, sobretudo pela autoridade do que se atreveu a escrev-la.
um toque de ateno para evitar aquelas apresentaes que obscurecem
ainda mais o rosto de Deus e o distanciam do mundo atual. Uma dificuldade que aumenta ainda mais, quando fazemos referncia aos problemas
ticos, que afetam mais de perto a vida das pessoas.
Quero dizer que a tica normativa, como conjunto de valores, no tem sido
configurada de maneira definitiva e para sempre, mas est submetida tambm a um processo evolutivo. As mudanas culturais e cientficas fazem
com que nos aproximemos da realidade a partir de uma ptica diferente.
No no sentido de uma mudana constante, como se a moral fosse uma
vareta nas mos do vento que sopra, mas uma atitude de busca permanente para responder em cada situao, de forma mais humana e evanglica,
aos problemas que se apresentam. A vista cansada que necessita distanciar-se dos objetos, para contempl-los melhor, ser um defeito orgnico,
mas se converte em uma condio necessria para olhar com lucidez os
acontecimentos da histria. Esta evoluo histrica tem que provocar necessariamente momentos de crise e vacilao, pois toda mudana rompe a
estabilidade conseguida e supe um desajuste entre o novo e a norma
aceita anteriormente.
Manter-se plenamente fiis aos critrios tradicionais significaria condenar
para sempre qualquer nova experincia que no se atenha s normas anteriores. Aquelas nasceram para iluminar situaes concretas de seu momento histrico, mas possvel que se considerem defasadas para orientar
as novas possibilidades que se apresentam no decurso da histria. Existe
em muitos a crena ingnua de que a verdade j foi descoberta completamente, sem outra possibilidade para repetir o mesmo de maneira contnua.
A moral seria, ento, uma cincia esttica, andina, incapaz de responder
s interrogaes atuais que se apresentam, pois a soluo j foi buscada
anteriormente. Mais ainda, chegaria a converter-se em uma fora opressora para impedir qualquer evoluo, como s vezes tem sido feito, e defender outras seguranas e interesses, que com frequncia se escondem em
algumas atitudes imobilistas e radicalmente conservadoras. H fidelidades
que no nascem para conservar um valor para defend-lo contra o desgaste do tempo, mas pela inrcia de um costume que j no tem sentido, ou
pela obstinao narcisista e cmoda do que prefere a rotina, sem atreverse a recriar o passado.
RATZINGER, Joseph. Introducin al cristianismo. Salamanca: Sgueme, 1976, p. 22.
Verso brasileira: RATZINGER, Joseph. Introduo ao cristianismo: prelees sobre o
smbolo apostlico com um novo ensaio introdutrio. So Paulo: Loyola, 2005.
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Da mesma maneira a riqueza histrica e o patrimnio cultural das geraes anteriores no se podem sacrificar em favor de qualquer novidade.
Como se os descobrimentos e esforos de nossos antepassados houvessem
sido totalmente falsos e em nada pudessem ajudar-nos. Um trabalho e
esforo que requerem dilogo e discernimento para encontrar o melhor
para a pessoa humana, que se identifica tambm com a vontade de Deus.
Mas mesmo que exista uma mentira que possa destruir o rico patrimnio
herdado da tradio, tambm se faz presente com frequncia, lamentavelmente, um esprito mentiroso que no quer abrir-se a uma verdade que se vai
gestando. A opacidade, em ambos os casos, se converte em um impedimento
para descobrir onde se encontra a luz que possa seguir iluminando.
Os ensinamentos da histria
Se a mudana e a evoluo so necessrias, para no cair em uma esclerose
lamentvel, ou para que nossa oferta no seja a de um paraso em frase
de Ratzinger do que a gente sorri e a que no se d nenhuma credibilidade,
a mensagem tica da Igreja necessita tambm, como tenho dito, de certa
renovao. Quando a nica alternativa na Igreja for repetir exclusivamente
e ao p da letra o que o magistrio afirma, como hoje se volta a dizer e se
quer impor, no pode existir nenhuma possibilidade de avano. Antes que
a autoridade oficial aprove uma nova orientao, essa ideia tem que se
gestar antes em outros nveis.
A histria demonstra como tais discrepncias foram fecundas para o processo de uma doutrina. Basta recordar o que j ocorreu na Igreja no comeo e meados do sculo anterior, sem analisar agora outras situaes parecidas em tempos anteriores. Os novos avanos no campo da Escritura
exigiram muito trabalho at que fossem integrados em sua doutrina. O
mesmo que a renovao teolgica, na dcada de 50, provocou outra srie
de condenaes e proibies. Em ambas as reformas, bastantes crentes
pagaram a ousadia de abrir novos caminhos: livros proibidos, telogos
afastados de suas ctedras ou condenados ao silncio. No entanto, quando
agora se leem os numerosos documentos publicados, naqueles anos, contra as novas contribuies bblicas e teolgicas, inevitvel um sorriso de
benevolncia. E alegra saber que, precisamente, os telogos suspeitos e
condenados foram os renovadores do Conclio Vaticano II, e at a prpria
Igreja reconheceu seus mritos e os servios prestados com dignidades
eclesisticas. Graas ao sofrimento, pacincia e fidelidade destes cristos
ameaados, a prpria Igreja acabou enriquecendo-se com seu trabalho.
E que no supe nenhum descrdito para a autoridade o reconhecer que
seu carisma e funo no se centram precisamente em ser agente de mudana, mas em manter a harmonia, coeso e unidade do grupo para evitar
o perigo da desintegrao. Por isso, como a tranquilidade definitiva nunca
resulta possvel e seria, alm disso, um sinal de que a vida languesce
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Recomendo a leitura de GMEZ SERRANO, P. J. El miedo en la Iglesia hoy. Sal
Terrae, Santander, v. 98, n. 1148, p. 695-709, septiembre 2010.
35
Apesar dos anos passados, resultam ainda interessantes os artigos de FOUREZ, G.
Transgression et morale: une problematique. Supplment, n. 35, p. 5-18, 1982 e DHANEN.
De la trace transgressive. Problmes et apports dune analyse historienne de la
transgression, ib., p. 31-40.
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Chamou-me a ateno a seguinte citao de La Civilt Cattolica contra o catolicismo
liberal do sculo XIX que, no melhor dos casos, algum repetiria hoje com gosto: Os
princpios catlicos no se modificam, nem porque os anos correm, nem porque se muda
de pas, nem por causa de novos descobrimentos, nem por razo de utilidade... Quem os
aceita em sua plenitude e rigor catlico; o que duvida, se adapta aos tempos, transige,
poderia dar-se a si mesmo, se quiser, o nome que queira, porm diante de Deus e da
Igreja, um rebelde e um traidor. Tomado de LABOA, J. M. Historia de la Iglesia
Catlica: edad contempornea. Madrid: BAC, 1999, p. 82-83.
37
LPEZ AZPITARTE, E. Esperanza que perdura en la vida de cristianos amenazados.
CIAS (Argentina), n. 651, p. 415-426, 2002.
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fatos da Igreja, e a obedincia silenciosa da aceitao: No entanto, a verdadeira obedincia no a obedincia dos aduladores..., que evitam todo
choque e pem sua intangvel comodidade acima de todas as coisas... O
que a Igreja de hoje necessita (e de todos os tempos) no so panegiristas
do existente, mas homens em quem a humildade e a obedincia no sejam
menores que a paixo pela verdade; homens que deem testemunho a despeito de todo desconhecimento e ataque; homens, em uma palavra, que
amem a Igreja mais que a comunidade38.
E estes crentes tambm existem. Gente que deseja buscar novos caminhos,
que tem uma experincia de Deus, mas que no esto totalmente satisfeitos com algumas ofertas que se apresentam ao povo cristo. Seria lamentvel que sua voz ficasse abafada pela fora, como se no tivessem nenhuma contribuio a dar nos momentos atuais, ainda que pudessem resultar
tambm incmodos.
No entro agora em todos os problemas que esto implicados na recepo
da doutrina por parte dos fiis; nem sobre o que diz o Direito Cannico
sobre esta prtica que tem e suas experincias histricas; o que afirma mais
recentemente um documento romano: Nem todas as ideias que circulam
no seio do Povo de Deus resultam coerentes com a f, mais ainda quando
podem sofrer facilmente a influncia de uma opinio pblica difundida
pelos atuais meios de comunicao39. Porm nem tudo pode vir de m
vontade ou da rebeldia interior. Quando um numeroso grupo de crentes
comprometidos com sua f, que amam a Igreja, sinceros em suas reflexes
experimentam srias dificuldades em algumas posies ticas, devem estar
em jogo verdades fundamentais40.
Todos esto de acordo em que a sociologia no tem fora normativa alguma, pois constata simplesmente a realidade, a margem dos valores que
encerra. Nem tampouco o bem perde seu carter universal e obrigatrio
porque a maioria das pessoas no querem viv-lo. No entanto, ajuda a
revelar a existncia de outras convices e motivos mais ocultos, que explicam os caminhos de conduta acontecidos ou os que se poderia realizar
no futuro prximo. Se os fatos por si mesmos no tm fora moral para
impor uma conduta, se podem enfrentar-nos com uma realidade oculta
que justificaria um reconhecimento mais profundo dos dados anteriores. O
38
RATZINGER, J. El nuevo pueblo de Dios. Barcelona: Herder, 1972, p. 292-293. Pouco
mais adiante continua: Mas no se dever reprov-la (a Igreja) que, por excesso de
solicitude, declara demasiado, regramento demasiado e que tantas normas e regulamentos tm contribudo para abandonar ao sculo a incredulidade, que no a salv-lo dela...?,
p. 294-295.
39
CONGREGAO PARA A DOUTRINA DA F. Instruccin sobre la vocacin eclesial
del telogos, n. 35.
40
Remeto-me de novo ao livro de J. I. GONZLEZ FAUS, Op. cit. (nota 23).
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Sobre o tema pode ver-se: CONGAR, Y. La recption comme ralit ecclsiologique.
Revue de Sciences Philosofique et Thologique, n. 56, p. 369-403. VORGRIMLER, H. Del
sensus fidei al concensus fidelium, Concilium, 200, p. 5-19, 1985. Verso brasileira:
Concilium, Petrpolis, v. 200, n. 4, p. 6-15, 1985. VITALI, D. Sensus fidelium. Una
funzione ecclesiale di intelligenza della fede. Brescia: Morceliana, 1993. LANNE, E. La
notion ecclsiologique de rception. Revue Thologique de Louvain n. 25, p. 30-45, 1994.
ANTN, A. La recepcin en la Iglesia y eclesiologa. Gregorianum n. 77, p. 57-95 e 437469, 1996. LEGRAND, H.; MANZANARES, J.; GARCA Y GARCA, A. (Org.). La recepcin
y la comunin entre las Iglesias; actas del Coloquio Internacional. Salamanca: Universidad
Pontificia, 1997. VITALI, D. Universitas fidelium in credendo falli nequit (LG 12). O
sensus fidelium al Concilio Vaticano II. Gregorianum, n. 86, p. 607-628, 2005. (Temtica
desse nmero): Leer el Magisterio y la Tradicin. Sal Terrae, Santander, v. 97, n. 1139,
2009.
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Eplogo
Quem v nestas linhas um elogio incondicionado desobedincia e rebeldia porque acrescenta algo mais ao que est dito. Ningum busca o
protesto nem o rechao frente aos ensinamentos da Igreja, como se a verdade fosse patrimnio dos insubmissos. Porm tambm a autoridade se
equivoca e quando o sdito expe, demanda, critica e se rebela no est
sempre impulsionado pelo mau esprito. Sem obedincia no h
humanismo, ordem e tranquilidade, mas sem transgresso tampouco existir avano44 . O difcil nesses momentos discernir quem se aproxima
mais da verdade, quem a busca com maior afinco, disposto a jogar-se todo
por defend-la. So circunstncias que ainda requerem um tempo de clarificao, durante o qual o conflito se faz inevitvel, mas enriquecedor para
todos. Se o silncio, a submisso e a pacincia seguem sendo valores importantes para o cristo, tampouco se pode conden-lo em todos os casos,
43
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quando se faz molesto e conflitivo. Por isso, me daria pena tambm que de
nossa comunidade eclesial desaparecessem os crentes e telogos incmodos que nos impulsionam a caminhar para diante45 .
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6,45): DOCILIDADE AO
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sobrecarregada e distorcida da Igreja, da religio da cristandade, que desperta o ressentimento dos pobres e do conjunto do povo, oprimindo-os e
os provocando qual Igreja aliada do poder e dos poderosos. Ela se impe
sob forma de poder absoluto em nome do poder divino.
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se poderia dizer que ele se oferece como a resposta plena e adequada a essa
interrogao angustiosa, que se perpetua no decorrer das geraes.
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ta. Nada de conflitos na Igreja. Que se aceite tudo o que a Igreja hierrquica
aprova ou simplesmente deixa se realizar nas devoes ou prticas dos fiis.
Mas na medida mesma do triunfo dessa renovao, nas elites espirituais que
passam pela pedagogia e pela graa renovadora dos Exerccios, o sentir com
a Igreja se afirma e cresce em seu significado profundo. Na Igreja hierrquica (o termo se difunde ento, sob o prestgio de Incio), na Igreja institucional,
apesar dos pesares, resplandece o mistrio da Igreja, rosto visvel, histrico,
comunitrio do Mistrio da Comunho Trinitria.
Hoje o ideal da obedincia se coloca no clima do dilogo, dentro da Igreja
e em seus contatos com o exterior. Uma primeira evidncia testemunha o
triunfo ao menos da necessidade do sentir com a Igreja, lembrando as
vicissitudes pouco felizes de um passado recente: no estamos to longe
dos santos Pontfices, que tudo apostavam em condenaes devassas e
excomunhes. Mas, desponta e cresce a certeza salvadora. Sem a confiana, sem instncias estabelecidas e sem a prtica habitual do dilogo, haver
crises de obedincia, com a responsabilidade, com a corresponsabilidade
partilhada entre Pastores e suas ovelhas.
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te, aborda o tema do Episcopado, no captulo III, aps ter redefinido a Igreja
como Mistrio, presena e manifestao da Santssima
Trindade, Sacramento da reconciliao de Deus e de toda a humanidade
(Captulo I), realizando-se como Povo de Deus, participante do sacerdcio, do profetismo e da realeza de Cristo (captulo II). S ento o Conclio
passa a expor a doutrina da Igreja hierrquica, no ponto em que a deixara
o Vaticano I, o Episcopado. Mas, j no Prlogo se v bem marcada a originalidade do novo paradigma eclesiolgico em continuidade com a doutrina de base, dos dois primeiros captulos, se proclama que os ministros
revestidos do poder sagrado esto a servio do Povo de Deus (n. 18 da
Lumen gentium). Uma primeira exposio da colegialidade (que ser completada no Decreto Sobre o Mnus dos Bispos) mostra a modalidade de
comunho que o poder hierrquico deve assumir dentro do paradigma
tradicional, mas radicalmente inovado pela eclesiologia da Comunho.
A Igreja definida como Mistrio e como Sacramento universal acentua
uma renovao do paradigma teolgico que havia mais de um sculo vinha se afinando nos grandes mestres e nos maiores centros da teologia e
cujos continuadores estavam a servio dos Padres conciliares. Entre eles
que se destaquem apenas as figuras de Henri de Lubac e de Yves Congar.
Este lembra muito particularmente a Escola de Tbingen, simbolizada por
A. M.-J. Scheeben, bem como os comeos de uma eclesiologia que faz da
Igreja o Mistrio de acesso aos Mistrios fundadores do cristianismo.
Mas, a partir da Constituio sobre a Igreja, e j prenunciada na primeira
Constituio, sobre a Liturgia, pode-se constatar a presena de um paradigma
fundador e unificador, muitas vezes formulado, mas sempre influindo nas
opes e orientaes renovadoras e mais ainda inovadoras do Conclio.
Quando se pergunta por que e donde vm as qualidades primordiais, as
propriedades da Igreja, em sua vida interna e em suas relaes com as
outras confisses religiosas, com a humanidade, com o mundo de hoje,
com seus valores e seus problemas, a resposta adequada vem a ser: a
fonte da originalidade singular do Vaticano II que ele optou pelo
paradigma teologal, que prioriza a contemplao de Deus resplandecendo,
se dando e se comunicando como Amor Universal. A verificao mais
simples dessa opo conciliar de base a leitura crtica e atenta dos grandes dados e aos matizes dos textos mais marcadamente doutrinais que so
os Prlogos e os primeiros Captulos de todos os Documentos conciliares,
sobretudo das quatro Constituies. Nesses textos liminares se antecipa
uma elucidao que ser completada e aprimorada no conjunto da mensagem exposta em todo o contedo de cada texto.
Sem dvida, como todos os Conclios, o Vaticano I parte do Mistrio de
Deus, contemplado e admirado na transcendncia de seu Ser e de seus
Atributos. A singularidade do paradigma de base do Vaticano II est na
prioridade efetiva reconhecida ao Amor, ao Amor gratuito, ao puro Amor,
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Essas doutrinas clssicas, desde o advento de uma moral legalista, dita moral da conscincia, se prestavam a um jogo casustico para se determinar se
houve ou no pecado a confessar no tribunal do sacramento da Penitncia.
O que significativo e relevante aqui a utilizao geral que faz o Vaticano
II de uma doutrina ampla e cuidadosamente elaborada. O Conclio a aplica
aos grandes temas do ecumenismo, das relaes da Igreja com as outras
religies e de modo geral na apreciao das condies e qualidades morais
dos diferentes setores e do conjunto da sociedade. Assim, ele estabelece um
clima de confiana e de estima mtua entre as pessoas e as comunidades de
irmos hoje separados, sejam quais forem as reponsabilidades dos seus
antepassados nos apaixonados momentos das separaes e das controvrsias.
As geraes das diferentes comunidades tm conscincia de pertencerem
Igreja de Cristo e assim devem ser acolhidas fraternalmente no dilogo e nos
encontros visando a perfeita unidade ecumnica. o que se expe, por exemplo, no Decreto sobre o Ecumenismo, cap. I, n. 3.
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Ainda bem que havia missionrios que tinham outra compreenso, a boa
compreenso do Evangelho. Alguns deles informaram o Papa Paulo III, que
condenou essa prticas como desumanas e antievanglicas. E proclamou o
direito natural desses povos a serem reconhecidos como homens, como criaturas de Deus, s quais o Evangelho deveria ser anunciado com afabilidade
e todo respeito liberdade deles. Isso em 29.05.1537, com a bula Sublimis
Deus, visando especialmente os Reis Catlicos da Espanha que tinham recebido plenos poderes das mos de Alexandre VI para colonizar a Amrica.
Alis, esses Reis Catlicos, Fernando e Isabel, juntam s suas assinaturas o
qualificativo de Domadores dos povos. A atitude plurissecular da cristandade em relao escravido, as posies intransigentes dos papas dos sculos XVIII e XIX, culminando no Slabo de Pio IX, tudo isso so exemplos do
apelo ao Deus todo poderoso, para que esteja do lado de seus fiis, no para
os mudar em suas vidas e suas ideias, mas para proteg-los em seus
desmandos e injustias.
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Igreja com as Religies no Crists, e, de maneira bem construda, na Declarao sobre a Liberdade Religiosa.
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Paradigma eclesiolgico
Esse paradigma se encontra na base da Constituio LG. Ele inspira a
Constituio DV, especialmente o cap. 2, no que toca misso da Igreja
na transmisso da Revelao. Ele est presente nos documentos que determinam as posies conciliares no plano ecumnico, missiolgico, face ao
pluralismo das religies e culturas.
A singularidade do Conclio tem aqui seu ponto alto. Ele se empenha em
propor uma alternativa ao modelo dos Conclios eclesiolgicos anteriores,
que, ao menos em parte, merecem o nome de eclesiocntricos. Sempre com
os olhos fitos no Amor divino universal e totalmente gratuito, o Vaticano
II se d a difcil e sublime misso de definir a plenitude da Graa pelo
vazio da prepotncia, definir o plroma pela kenose, mostrar a plenitude
dos dons e da presena do Esprito atravs do vazio da pretenso e da
prepotncia humanas. Dessa forma, ele visa definir a Igreja como a Igreja
da Cruz e do Esprito, como a perfeita mediao, que se revela deveras
eficaz, porque de todo transparente.
Essa teologia prope e ordena umas tantas prioridades, cujo feixe constitui
o paradigma eclesiolgico do Conclio Vaticano II. Antes de tudo, a Igreja
vista concretamente como povo de Deus, como realizao plena e perfeita das qualidades bblicas do povo escolhido por Deus e para Deus, amoldado segundo Deus pela pedagogia de Deus. E por que no reconhecer
que o Vaticano II est dentro da sensibilidade moderna e fala para a
mentalidade moderna que distingue o povo e a massa. Pois, o povo
coletivo nobre, protagonista da civilizao, chamado a ser ativo, a participar, a assumir e exigir responsabilidade.
Convm explicitar um dado importante na histria e na atualidade do
cristianismo. O Vaticano II se caracteriza por sua atitude de valorizar a
habitao, a permanncia habitual e ativa do Esprito Santo, animando
toda a Igreja, todos e cada um dos fiis. A comunidade chamada a ser
a realizao peregrinante da Comunho dos Santos, a fora evangelizadora
de Deus no mundo. Em tempo de crises, de controvrsias e polmicas, a
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Paradigma antropolgico
Na Constituio Gaudium et spes, o Vaticano II chegou finalmente a proferir sua definio do ser humano, aps um trabalho exemplar, de longo
e penoso tatear, para atender a todos os elementos e aspectos dessa compreenso integral, sem resvalar no perigo das abstraes filosficas.
Em nosso esboo de leitura, ficou assinalado o grande achado do Conclio.
Ele soube tirar todo proveito da juno dessa dupla viso cultural e bblica:
a dignidade singular da pessoa em sintonia com a imagem divina, de que
ela revestida, no plano da criao e da salvao.
Assim, no captulo da economia, fica-se surpreendido pela compreenso
humana da empresa que prope o Conclio, afirmando a convenincia e
mesmo a exigncia da participao de todos nos lucros e na vida dessa
empresa, todos esses dados de tica pessoal e social so fundados e explicados luz da dignidade singular da pessoa, reconhecida como feita
imagem de Deus (cf. GS n. 68).
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nios de Gaudium et spes. Desses dois princpios, deveras fundadores, derivar toda a constelao dos valores que formam o firmamento tico.
A dignidade humana resplende qual valor social, pois tida como referncia normativa, objetiva e universal. De fato, o respeito dignidade da
pessoa humana se impe como imperativo absoluto, para que a sociedade
se una em um consenso autenticamente humano. Ela ser o primeiro princpio de autenticidade e de unidade para o prprio sujeito tico, para todos
e cada um dos membros da sociedade, e para essa mesma sociedade, considerada como um todo. Mas essa dignidade humana tem uma dimenso
subjetiva igualmente fundamental. A dignidade da pessoa inspira e suscita
a responsabilidade.
Sob esse aspecto subjetivo, a novidade mais tpica do Conclio a proposio de uma tica da responsabilidade, que integra e leva perfeio a
moderna aspirao liberdade e s liberdades. Ela confirma e qualifica
essa aspirao liberdade, tornando-a um valor tico de base, dando-lhe
o lugar de uma virtude universal, o equivalente da virtude clssica de
prudncia pessoal e poltica. No plano social, a responsabilidade ser levada a se desdobrar nas atitudes de participao e de partilha, inspirandose no respeito da dignidade da pessoa e na promoo do bem comum.
A responsabilidade a realizao plena e adulta da liberdade, como apetite racional do bem, para si, para o outro e para a coletividade. Nessa
perspectiva, a novidade mais tpica do Conclio a proposio de uma
tica da responsabilidade, que integra e leva perfeio a moderna aspirao liberdade e s liberdades.
Dessa forma, em vez de condenar o subjetivismo, o Conclio procura estabelecer o justo equilbrio e a plena conciliao da dimenso objetiva e
subjetiva da tica. Ele se inspira na tradio, dando provas de uma fidelidade dinmica e criativa. Com um mesmo discernimento, acolhe a
modernidade em suas aspiraes e seus valores mais profundos. que o
Vaticano II permanece atento ao Evangelho que afirma: nada da lei est
abolido; mas insiste com o mesmo vigor: o homem no foi feito para o
sbado, mas o sbado para o homem (cf. Mt 5, 17; Mc 2, 27).
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processo progressivo. Agora a Declarao sobre a Liberdade se mostra significativa da originalidade do Vaticano II, na harmonia que ele estabelece
entre a viso da Igreja como comunho, como a valorizao dos leigos, com
a misso prpria deles de ser santos e de testemunhar o Evangelho no
mundo. O que leva proposio insistente do dilogo, do ecumenismo e
abertura simptica ao mundo moderno. A bandeira da liberdade avanava enfrentando dificuldades e oposies da parte dos que desejavam
conformar-se s posies tidas e ditas tradicionais, quando eram apenas
uma adaptao menos rude do Slabo de Pio IX.
Essa derradeira tomada de posio de todo o Conclio, concretizada na
Declarao Sobre a Liberdade, com razo se ostenta como fidelidade ao
cerne da pregao evanglica. E ento, a afirmao da Liberdade se articula com a atitude da f, com o processo de acolher a verdade divina e
mesmo de se converter a essa verdade, que tem a eficcia de uma graa,
de uma luz revelando o Pai pelo Filho no Esprito Santo.
Com os olhos na Escritura e na plena realizao das Promessas que o Pai
est cumprindo em seu Filho, Jesus proclama: Nos Profetas est escrito:
todos sero Teodidatas (Jo 6, 45). Todos sero discpulos diretos e imediatos de Deus, dele recebendo e acolhendo a Verdade divina no ntimo do
corao por ela transformado. Esta palavra luminosa resume a revelao
evanglica em toda sua fora e beleza. O ser humano se afirma e confirmado na autenticidade de sua conscincia, na confiana e obedincia
Igreja, enquanto mediadora fiel e transparente do Esprito de verdade e de
amor, que pede docilidade na autonomia, na liberdade que se faz criativa
pelo amor.
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MAGISTRIO E CONSCINCIA
Bernard Sesbo*
RESUMO: Este artigo prope uma breve reflexo sobre a relao histrica e atual
relationship between the exercise of the Magisterium and the need to respect the
conscience of believers. A first part follows the evolution of conscience from modern
times and its consequences: a new figure of faith and of life within the Christian
community. A second part recapitulates the different forms of exercise of the ecclesial
Magisterium in the course of history and the difficulties posed by its encounter
with modernity. The author proposes a dream by proposing a new way to proceed:
no longer simply surveillance, but the animation of a large planetary debate about
all difficulties made the act of believing, in order to give new life to the sensus fidei
of Christian people. The third part takes up the problem of truth in which teaching
and modern conscience must find a genuine consensus.
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I A conscincia
1. A evoluo irreversvel da conscincia moderna
Chegamos, sem dvida, ao fim de um processo, dito da modernidade, que
desde o sculo XVIII desceu lentamente da intelligentsia at os meios
populares. Pode-se definir a modernidade, seguindo um artigo clssico de
Abel Jeannire1, como aquilo que repousa sobre quatro revolues decisivas dos tempos doravante chamados modernos: a revoluo cientfica
que comea com Newton e rompe com a viso simblica e tradicional de
um universo cheio de significaes, para conduzir a um mundo inteiramente matematizvel (at a relatividade de Einstein); a revoluo poltica,
que fez a humanidade passar da concepo do prncipe cuja autoridade
era proveniente de Deus ao ideal da democracia baseada na razo que v
no povo a fonte do poder; a revoluo cultural, herdada do Iluminismo,
que racionaliza e seculariza os critrios do pensamento, em detrimento de
toda tradio recebida; a revoluo industrial enfim, que faz o trabalho
humano passar do instrumento tradicional mquina e mquina-instrumento que permite a produo rpida de todos os bens. Somos todos
testemunhas das consequncias dessas quatro revolues em nossa vida
social, religiosa e pessoal e dos numerosos problemas engendrados por
1
JEANNIRE, Abel. Qest-ce que la modernit?. Etudes, Paris, v. 373, n. 5, p. 499-510,
nov. 1990, p. 501.
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essas mutaes, das quais se pode dizer que fizeram a humanidade passar
idade plenamente adulta. No nos demos ainda, inteiramente, conta das
consequncias da ltima revoluo, a da informtica.
Fala-se, hoje, seguindo a reflexo de Arnold Toynbee, de ps-modernidade,
que afeta doravante a mentalidade corrente em todos os pases ditos desenvolvidos e progride rapidamente nos pases em via de emergncia econmica. Um trao caracterstico deste conceito fluido que a psmodernidade perdeu as iluses da modernidade, que via no progresso
contnuo da cincia e das tcnicas a garantia da felicidade futura da humanidade. Esta desiluso se caracteriza pela perda das ideologias e de um
grande nmero de valores adquiridos, por certo relativismo e um grande
individualismo; no s um desencantamento do mundo, mas ainda um
desencantamento do homem a respeito de si mesmo e finalmente a experincia de certo no-sentido (P. Ricur).
A maioria de nossos contemporneos acede assim a uma conscincia adulta, particularmente suscetvel e sensvel a valores inteiramente novos: respeito da liberdade do homem; exigncia de concertao no exerccio da
autoridade, suscetibilidade extrema diante de toda excluso; desejo de ser
associado busca da verdade; rejeio de receber do alto, somente por via
da autoridade, afirmaes frequentemente incompreendidas.
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f adulta e refletida, que no quer mais ser tratada maneira das crianas
ou dos adolescentes. No se est mais no tempo em que os responsveis
pela Igreja podiam dizer a seus fiis que eles deveriam observar as concluses de um novo documento oficial, sem ao mesmo tempo aceitar os
considerandos. Prescrio e fundamento constituem unidade.
Esta f espera tambm um discurso magisterial no qual o tema do convite
anterior ao da obrigao, e ela pretende ser vivida a partir do modelo da
comunicao fraterna. Ela quer que seja interpelado seu desejo profundo
e que se lhe faa compreender que a mensagem crist para o bem e a
felicidade do ser humano. Ela est em harmonia espontnea com o esquema escolhido pelo Vaticano II para falar da revelao. Quando Deus se
revela, ele se dirige ao ser humano como um amigo fala a um amigo (Ex
33,11), ele instaura um dilogo, uma longa conversao, com a humanidade4. Por exemplo: se o ensinamento da Igreja sobre a moral sexual to
mal recebido, certamente em razo de sua exigncia, mas tambm, em
grande parte, porque toma uma forma autoritria e estranha e no chega
a ir ao encontro do ponto profundo no qual a experincia humana pode
reconhec-lo como um bem.
Esta nova figura da f quer viver o ritual em comunho viva com o
existencial. A execuo pura do rito sacramental no a satisfaz mais, se
este rito no vai ao encontro da experincia da existncia humana. uma
nova exigncia com relao liturgia. Esta f pretende tambm voltar ao
Evangelho, imitar a maneira de agir do Cristo e dos apstolos e se
manifestar por certo estilo cristo de vida. A solidariedade do dizer e do
fazer, prpria mensagem de Jesus, frequentemente recordada. preciso
que a pregao transparea em modo de viver. preciso que esta nova
figura da f se torne atrativa para os no cristos e lhes d o desejo e o
gosto de crer. Isso esperado tambm do discurso magisterial.
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II O magistrio e a regulao da f
1. O magistrio eclesial na histria
A funo magisterial na Igreja uma funo absolutamente necessria,
mas ela tambm uma funo ingrata, pois consiste no somente em ensinar
a mensagem da f, mas tambm, e frequentemente, em repreender aqueles/as cujos propsitos ameaam levar a um desvio na f. Esta dificuldade
foi a de todos os tempos. A histria da Igreja est a para atestar ao mesmo
tempo a necessidade da funo magisterial e os graves conflitos que ela
produziu. Desde o Novo Testamento vemos nascerem inquietudes a propsito dos pseudoprofetas ou dos pseudodidscalos (2Pd 2,1 ; 1 Jo 4,1)
ou dos heterodidscalos (1Tm 1,3 ; 6,3), ou seja das pessoas que ensinam
outra coisa que a mensagem apostlica. preciso ento uma vigilncia
(episkop) que se exerce acompanhando o anncio da mensagem crist e
assegurando a guarda do depsito (parathk, 1Tm 6,20 ; 2Tm 1,12.14). No
decorrer dos dois primeiros sculos o mesmo fenmeno ganha amplido.
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4. Eu tenho um sonho
Sem contradizer a reflexo anterior no disse eu que no pode haver
gesto totalmente pacfica da regulao da f? , arrisco algumas proposies que parecero utpicas com relao ao estado de nosso mundo e da
Igreja. O que vou propor ser at julgado perigoso, aos olhos de alguns, e
insuficiente ou mesmo intil para os outros, porque supe o problema
resolvido, como se os homens no fossem mais homens. Em meu pensamento, so apenas sugestes de simples sabedoria em vista de um funcionamento, se possvel, mais correto da regulao da f na Igreja e de uma
melhor articulao entre o magistrio e a conscincia, tal como ela vivida
em nosso mundo contemporneo.
Sei muito bem que hoje so postos em xeque dados fundamentais do cristianismo e que se multiplicam as tentaes de dar-lhes uma interpretao
que quer respeitar sua inteno com o risco de sacrificar os fatos. Ora, o
cristianismo anuncia o fato incrvel da interveno de Deus na histria, a
fim de nos revelar o desgnio de nossa eleio em Cristo desde antes da
fundao do mundo (Ef 1,4). preciso que alguns fatos venham atestar e
inscrever em nossa histria este dado maior. O fato e o sentido so, portanto, solidrios. O sentido separado do fato no o mesmo sentido que
o sentido ligado ao fato. Sabemos que muitos dos que se dizem catlicos
tomaram grande distncia das afirmaes do Credo.
Essas contestaes, s vezes radicais, se inscrevem num tempo em que o
tecido comunitrio de nossas Igrejas se fragmenta em tendncias diversas
e s vezes opostas: integristas em ruptura com Roma, tradicionalistas e
conservadores de todas as nuanas; fiis ao aggiornamento proposto pelo
Vaticano II e convencidos da urgncia ecumnica, mas decepcionados pelo
clima atual que parece recuo; progressistas que desejam uma simplificao
mais ou menos drstica do Credo; contestadores de muitas exigncias morais
lembradas recentemente pela Igreja; e certamente outras tendncias que
esqueo. Do outro lado, no posso ignorar o papel da mdia e seu preconceito frequentemente suspeitoso e crtico com relao linguagem da Igreja. A mdia exerce, sua maneira, um verdadeiro magistrio no nosso
mundo pelas posies que toma, autoriza ou desaprova. Ela realiza sem
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dvida um servio eminente quando nos informa; mas ela tambm nos
engana, seja por ignorncia ou induo coletiva, seja s vezes por inteno
deliberada. Nessas condies no ilusrio esperar um retorno a um consenso fundamental nas coisas da f? Enfim, tendo em vista o comportamento tradicional e sempre atual do magistrio da Igreja, permitido esperar de sua parte a audcia de entrar no movimento aqui sugerido?
Sempre permitido esperar. Meu sonho se inscreve na dinmica inaugurada pelo Vaticano II, o conclio do dilogo, cujo cinquentenrio celebramos. Gostaria que o magistrio eclesial, ou seja, o papa e os bispos, possa
se liberar da figura dominante da vigilncia7 que a sua, para voltar da
animao. O exerccio do magistrio hoje no pode se contentar de cuidar
em reagir aos erros. Ele deve responder s mltiplas questes que a
modernidade e a ps-modernidade pem f; e para isso, precisa engajar
progressivamente um grande dilogo e um debate prolongado com a comunidade crist planetria, organizando as questes de maneira precisa.
Este dilogo da Igreja se dirigiria ao sensus fidei que habita a conscincia
crist. Alguns podero evidentemente me objetar que este dilogo s encontrar uma opinio pblica sob influncia, e que esta s propor solues fceis conformes ao ar do tempo e ignorantes dos desafios da f. A
reao primeira ser talvez desta ordem. Mas o papa Pio XII, no tinha
falado, com bastante respeito, de uma opinio pblica na Igreja? A aposta
consistiria em esperar que a seriedade dos debates possa despertar o autntico sensus fidei que habita a conscincia crist e provocar uma reflexo
positiva que faria redescobrir o sentido e o valor dos pontos maiores da f.
Seria uma aposta no Esprito Santo. O magistrio teria sob sua responsabilidade aportar respostas credveis, mostrando seu fundamento nas Escrituras e na tradio, elaborar sua formulao numa linguagem no somente
compreensvel, mas tambm falante e sugestiva para nosso tempo. No
suficiente repetir a doutrina, necessrio compreender seu sentido profundo e sua motivao, mostrar em que ela portadora da verdade do ser
humano e que ela ordenada sua felicidade. O magistrio deve, por sua
misso mesma, dizia outrora G. Dejaifve, dialogar com o povo cristo e
no ter um monlogo estril que se contentaria de se repetir sem se encontrar com as dificuldades e as aporias que os fiis levantam no exerccio de
sua vida crist e de seu apostolado8.
Sonho ento ver se colocar em caminho uma imensa circulao de energias
da f permeando o conjunto do povo de Deus, numa vasta cooperao e
uma srie de intercmbios construtivos, graas aos quais o duplo movimento que vai da cabea aos membros e sobe dos membros cabea seria
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Bernard Sesbo,
Sesbo religioso jesuta. Tem licenciatura em letras clssicas, obtendo o diploma de estudos superiores em filosofia (Sorbonne); doutor em teologia na Universidade
Gregoriana, 1979, com a tese Traduction et analyse thologique de lApologie dEunome
de Cyzique et du Contre Eunome de Basile de Csare. Professor emrito pela Faculdade
de Teologia do Centre Svres, Paris, Frana. Foi professor na Faculdade de Teologia
Jesuta de Lyon-Fourvire, Frana. Tem 388 ttulos publicados cujas referncias se encontram no livro Sauvs par la grce, Editions facults jsuites de Paris, 2009.
Endereo: 42 rue de Grenelle
75343 Paris, Cedex 07 France
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influncia do pensamento agostiniano sobre seu prprio tempo expandiu-se para muito alm dele. Santo Agostinho um dos pilares do
pensamento medieval. Suas reflexes sobre as relaes entre f e razo
deixam como legado para a Idade Mdia um programa intelectual, fornecem, por assim dizer, aos medievais um quadro de pensamento que eles
iro desenvolver. Com Santo Agostinho constitui-se uma filosofia crist
(em outras palavras, um filosofar-na-f) que, por mais de um milnio,
influenciar o pensamento ocidental.
Se a ateno for dirigida histria das relaes entre a f e a razo no
cristianismo, seus primrdios podem ser postos no pensamento dos Padres
gregos Clemente de Alexandria (nascido em torno do ano 150) e Orgenes
(nascido por volta de 185), expoentes da escola catequtica de Alexandria1.
Com eles o problema das relaes entre f e razo expressamente apresentado. Esse problema encontra uma primeira soluo muito clara em
Santo Agostinho, a ser apresentada aqui de modo introdutrio, e tornar-se tema central na Escolstica, dando origem a diversas reflexes, frteis em
implicaes e consequncias2.
Agostinho tem importncia notvel durante toda a Idade Mdia; at o
sculo XIII, juntamente com Bocio, o autor de maior influncia. Havendo grande unidade do pensamento cristo em suas linhas gerais desde a
Patrstica, ele torna-se indispensvel para se compreender o pensamento
medieval e a questo do nexo entre a f e a razo.
A relao entre a f e a razo definidora da Weltanschauung de Santo
Agostinho: ela , por assim dizer, o ncleo de onde provm e a partir de
onde se ramifica seu pensamento. Por exemplo: o nexo entre a f e a razo
remete questo da beata uita e do livre-arbtrio da vontade3, com seu
papel na busca da verdade (aqui se est no mbito da tica); o nexo entre
a f e a razo converge para o conhecimento do Deus Uni-trino (aqui se est
no mbito da metafsica: crede ut intelligam); o nexo entre a f e a razo pode
ser analisado tambm sob o prisma do processo cognitivo: o conhecimento
sensvel e o inteligvel no dispensam o binmio f-razo (no entanto, preciso esclarecer o significado da f no conhecimento sensvel, pois como observar Santo Agostinho, a no se trata da f teologal).
1
Por volta de 180 em Alexandria, Panteno, um estoico convertido ao cristianismo, funda
uma escola catequtica que ter como expoentes mximos Clemente e Orgenes. Cf.
REALE, G.; ANTISERI, D. Histria da Filosofia I, So Paulo: Paulus, 1986, p. 411.
2
Cite-se por exemplo: Bocio, Santo Anselmo, Pedro Abelardo, Santo Toms de Aquino,
Guillherme De Ockham.
3
A f pode ser recusada ou no pelo livre-arbtrio da vontade. No entanto ela fundamental para se alcanar a beata uita. De trinitate, (XIII, XX, 25): Todos os homens
querem ser felizes, mas nem todos possuem f, atravs da qual o corao se purifica e se
chega felicidade. Beatos esse se uelle, omnium hominum est: nec tamen omnium est
fides, qua cor mundante ad beatitudinem peruenitur.
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A primeira parte da exposio contm um esclarecimento sobre a terminologia agostiniana e sobre o sentido especfico da ratio; em seguida ser
abordada a questo das relaes entre a f e a razo na busca da verdade.
***
Em Santo Agostinho o termo ratio possui diversos significados. Algumas
vezes a razo dividida em duas: ratio superior e inferior. Quando Santo
Agostinho fala em ratio superior refere-se funo mais elevada da alma,
que a de apreender as verdades inteligveis. Os termos intellectus e
intellegentia so empregados tambm como sinnimos de ratio superior.
Por outro lado, a ratio inferior sempre remete apreenso e elaborao do
conhecimento ligado realidade sensvel (cincia).
Quando no adjetivada em superior e inferior, ratio pode ser atribuda
uma de ambas acepes citadas acima e mais ainda uma terceira significao; a ratio ento concebida como: 1 - aquilo que h de mais elevado
na alma4 e que permite apreender o inteligvel; 2 - um movimento, atividade do pensamento (inferior intellegentia ou intellectus) que tem como
finalidade a aquisio de conhecimento ( o movimento pelo qual o pensamento passa de um de seus conhecimentos a um outro para associ-los
ou dissoci-los)5, e, finalmente 3 - quando empregada no plural, como
rationes, significa as prprias ideias divinas. preciso, portanto, se ater ao
conjunto do pensamento agostiniano para alcanar o significado do termo.
Ressalte-se tambm que muitas vezes a intellegentia e o intellectus referem-se ao resultado de uma atividade racional, isto , compreenso do
conhecimento gerado pela atividade da ratio. O costume de considerar a
inteligncia e o intelecto como sendo estritamente faculdades poderia
levar a equvocos: essas distines modernas so estranhas ao pensamento
de Santo Agostinho, para quem a inteligncia antes o resultado alcanado pelo pensamento graas sua atividade como razo.
Sendo os termos intellectus e intellegentia utilizados nas Escrituras, e desse
modo impostos a Santo Agostinho, quando este vai falar das relaes entre
a f e a razo no que se refere ao conhecimento do Deus-Trindade, frequentemente emprega intellegentia, e no razo (ratio). Quer dizer, ele d
continuidade linha de expresso encontrada nas Escrituras quando diz,
por exemplo, cr para compreender, compreende para crer6 e o intelecto recompensa da f7. O contedo especfico dessas expresses fica mais
4
Quare vide, obsecro, utrum aliquid invenire possis, quod sit in natura hominis ratione
sublimius? Nihil omnino melius vdeo; De libero arbitrio II, VI, 13, p. 239.
5
Ratio est mentis motio, ea quae discuntur distinguendi et connectendi potens. De
ordine, II.
6
Crede ut intelligas, intellige ut credam; Sermo 43, VII.
7
Intellectus merces est fidei; Iohannes Evangelium tractatus XXIX, 6.
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evidente ao se entender a intellegentia e o intellectus como o conhecimento, a compreenso resultante de uma atividade da razo.
Ao se considerar que a intellegentia remete ao prprio conhecimento obtido
pela razo (conhecimento ou viso das verdades inteligveis), a uma viso
interior (Enarrationes in Psalmos 32, 22) atravs da qual o pensamento apreende a verdade, fica mais clara a opo de santo Agostinho por essa terminologia quando quer falar sobre o conhecimento da realidade atemporal.
Assim, a f busca o intellectus, e no a ratio 8. O nexo estabelecido mais
constantemente entre a f e o intellectus, ou a intellegentia, entre a f e a
compreenso (e no entre a f e uma faculdade, potncia da alma). E por
ltimo, como ressalta E. Gilson, importa no procurar na definio
agostiniana das relaes entre a f e a inteligncia a soluo do problema
moderno das relaes entre a f e a razo9. Portanto, ao se falar, na
sequncia deste artigo, do nexo entre a f e a razo, compreenda-se ratio
principalmente no sentido de ratio superior, intellegentia ou intellectus,
levando-se tambm em conta as outras acepes da palavra conforme o
contexto em que empregada.
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Quanquam et ipsum credere, nihil aliud est, quam cum assensione cogitare; De
praedestinatione sanctorum II, 5.
13
De trinitate XIII, II, 5: Sed ita dicitur eadem credentium fides una quemadmodum
eadem uolentium uoluntas una ...
14
Sobre este tema ver HOLTE, R. Beatitude et Sagesse, Paris: tudes Augustiniennes,
1962, cap. I.
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A busca da Verdade
O cogito agostiniano 25
A busca da verdade pela via f-razo confronta-se com o ceticismo. Contra
suas investidas o ato da f que se ope a ele e a prpria afirmao do
sujeito pensante (o reconhecimento da existncia da verdade se d a partir
do reconhecimento indubitvel da existncia do sujeito pensante). Isto , a
certeza da verdade fundamenta-se na existncia do sujeito existente, vivente e pensante. Ningum pode pr em dvida os dados imediatos da
conscincia:
Quem duvidar que vive, que recorda, que entende, que quer, que pensa,
que sabe e que julga? Pois, se duvida, vive; se est em dvida acerca daquilo de que duvida, lembra-se (ou tem conscincia disso); se duvida, sabe que
24
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De trinitate X, X, 14.
De ciuitate dei XI, 26.
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O enigma
Essa temtica se entrelaa a outra questo: a natureza humana to
incognoscvel quanto Deus. No chegamos a nos conhecer completamente,
nem a Deus. Participar da incognoscibilidade de Deus pelo ser que recebe-
28
A felicidade temporal antecede a felicidade plena que reservada vida eterna e
viso face a face de Deus.
29
De trinitate. XV, II, 2: Sic enim sunt incomprehensibilia requirenda ne se existimet
nihil inuenisse qui quam sit incomprehensibile quod quaerebat potuerit inuenire.
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mos dele nos torna semelhantes a ele. Assim, compreende-se o que Santo
Agostinho diz quando explica: no pensemos nada ter descoberto se pudemos descobrir quo incompreensvel o que procurvamos.
A busca da verdade a inteleco dos dados da f remete aqui busca
da imagem de Deus no ser humano. Remete tentativa de explicitao da
passagem de Gnesis (1, 26): Deus disse: Faamos o homem nossa
imagem, como nossa semelhana. Saber-se incompreensvel tambm se
conhecer como imagem de Deus, se conceber imagem da Trindade (que
supera a mente e compreenso humana). O enigma torna-se mais manifesto e a imagem de Deus na alma torna-se mais clara por ser obscura.
Mas isso poderia novamente parecer uma espcie de ceticismo escamoteado, a rejeio do argumento de que a verdade pode ser encontrada, de
que o Deus-Trindade pode ser compreendido a partir da criao, mais
exatamente a partir da alma30. A demonstrao procurada, isto , a inteleco
da verdade (do Deus-Trino) parece ser negada devido nfase posta na
incognoscibilidade de Deus e na necessidade de uma busca fundada na f.
Novamente se conduzido ao especfico modus operandi da busca
explicitado anteriormente, ao jogo claro/escuro da inteleco da verdade.
Importa salientar, no entanto, que tal incognoscibilidade parcial e que a
imagem na alma nos conduz a uma certa inteleco de Deus (na nossa
alma h algo que vemos e no vemos, compreendemos e no compreendemos). Visto que compreendemos Deus parcialmente, numa viso temporal e mutvel, ele deve ser buscado para ser encontrado, encontrado para
ser buscado.
Se na busca da verdade que se traduz aqui em busca da imagem do
Deus-Trino (Pai, Filho, Esprito Santo) na alma h no apenas uma
similitude negativa (a incognoscibilidade pode ser considerada aqui uma
similitude negativa), h tambm similitudes positivas.
Deus Trindade, a essncia da alma tambm trinitria, eis uma imagem
da Trindade: a memria, inteligncia e vontade (memoria, intellegentia,
voluntas) esto intimamente ligadas, so potncias da alma distintas entre
si mas no podem atuar separadamente e formam uma unidade. So
inextricveis. O ato do pensamento sempre aciona trs potncias da alma,
a memria, inteligncia e vontade: quando eu penso, lembro-me daquilo
sobre o que estou pensando; compreendo algo sobre o que estou pensando;
e a vontade direciona o pensamento para a lembrana daquilo que estou
recordando (a vontade pode chegar a interromper o fluxo do pensamento
ou dar continuidade a ele).
A obra De trinitate pode basicamente ser dividida em duas partes: uma pretende
demonstrar a verdade da Trindade pelas Escrituras, a outra se prope explic-la atravs
do intelecto.
30
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As similitudes trinitrias encontradas na alma, que Agostinho apresenta no De trinitate,
so as seguintes:
- amans, amatus, amor (VIII, X, 14);
- mens, notitia (sui), amor (sui) (IX, IV, 4);
- memoria, intellegentia, uoluntas (X, XI, 17);
- res, uisio, intentio (XI, II, 2);
- memoria, interna uisio, uoluntas (XI, III, 6);
- scientia (fidei), cogitatio, uoluntas (XIII, XX, 26);
- memoria Dei, intellegentia Dei, amor Dei (XIV, XII, 15).
Sobre uma exposio das imagens trinitrias na alma ver Introduo Trindade em
Santo Agostinho, Dissertao de Mestrado de Mariana P. Srvulo da Cunha, Universidade Estadual de Campinas, 1995.
32
Cf. MARROU, H. Le dogme de la rsurrection des corps et la thologie des valeurs
humaines selon lenseignement de saint Augustin. Revue des tudes Augustiniennes, n.
12, p. 130, 1966.
33
A temtica da pessoa vincula-se individuao (por exemplo, na beata uita o ser
humano inteiro que chega a reaver pela ressurreio seu prprio corpo unido alma), que
uma singularidade do cristianismo em relao ao pensamento grego (onde no h a
garantia da individuao, pois a alma emanao) e ao orientalismo, por exemplo, onde
h uma dissoluo e integrao da pessoa no nirvana (sobre o tema do nirvana ver
LAMBERT, Y. La naissance des religions. Paris: Armand Colin, 2007, p. 290; 456).
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Referncias
Edies da obra completa de santo Agostinho consultadas:
OEuvres de Saint Augustin, Col. Bibliothque Augustinienne. Paris: Descle de
Brouwer, 1987.
Corpus Christianorum, Series Latina, Turnhout: Brepols, 1970.
Literatura secundria:
REALE, G.; ANTISER, D. Histria da Filosofia I, So Paulo: Paulus, 1986.
GILSON, . Introduction ltude de Saint Augustin, Paris: Vrin, 1982.
________. El Espritu de la Filosofia Medieval, Buenos Aires: Emec, 1952.
LAMBERT, Y. , La naissance des religions, Paris: Armand Colin, 2007.
MADEC, G. Saint Augustin et la Philosophie , Paris: Institut dtudes
Augustiniennes, 1996.
MARROU, H. Le dogme de la rsurrection des corps et la thologie des valeurs
humaines selon lenseignement de Saint Augustin, Revue des tudes
Augustiniennes, v. 12 , p 111-136, 1966.
SRVULO DA CUNHA, M. P. O Movimento da Alma, Porto Alegre: PUCRS, 2001.
________. Introduo Trindade em Santo Agostinho, Dissertao de Mestrado,
Universidade Estadual de Campinas, 1995.
HOLTE, R.. Batitude et sagesse: Saint Augustin et le problme de la fin de lhomme
dans la philosophie ancienne, Paris: tudes Augustiniennes, 1982.
Mariana Paolozzi Srvulo da Cunha graduada em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Universidade de So Paulo (USP), 1990; Mestra em Filosofia pela Faculdade de
Filosofia, Universidade de Campinas (Unicamp), 1995. Introduo Trindade em Santo
Agostinho: imagens e conceitos; Doutora em Filosofia pela Universidade de Campinas
(Unicamp), 2000. Perspectivas da vontade em Santo Agostinho.
Endereo: Rua Vereador Ramon Filomeno, n. 255/ap. 301 (bloco Baa Sul).
88034-495 Florianpolis SC.
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RESUMO: O artigo examina a questo de Deus num mundo de violncia com base
nos desafios dos estudos de paz e das pesquisas de conflitos. Distinguem-se os
conceitos de violncia, conflito e no violncia pela definio de conflitos como
integrante da vida e dos seres vivos que podem ser transformados de forma violenta ou no violenta e assim ameaarem a vida ou promov-la. Como Deus aparece num mundo assim examinado a partir da Bblia e depois formulado sistematicamente. Evidencia-se assim que os textos esto abertos em sua relao
violncia, mas a inspirao da no violncia sempre permaneceu, permitindo seu
lugar no contexto atual dos estudos de no violncia e no Conclio Vaticano II.
Entendido como triunidade que se doa, torna-se o mistrio divino um significado
que acompanha a mudana do mundo pela no violncia e a paz justa.
PALVRAS-CHAVE: Deus, Violncia, No violncia, Conflito, Paz, Vaticano II.
ABSTRACT: The article examines the question of God in a world of violence based
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is at the Bible and then systematically formulated. There is evidence that the texts
are open in their relationship to violence, but the inspiration of nonviolence always
remained, allowing its place in the current context of studies of non-violence.
Understood as triunity which gives itself, the divine mystery becomes a significant
element that accompanies the progress of the world towards non-violence and just
peace.
Introduo
Deus um monstro moral? pergunta um livro publicado recentemente nos Estados Unidos1, debatendo, especialmente com os assim chamados novos ateus e suas objees contra Deus e a religio. Um outro
livro mais antigo, publicado na Alemanha, colocava temtica semelhante
com o ttulo Der Un-heile Gott 2 (O Deus nocivo), perguntando se Deus
ainda pode ser sustentado num mundo marcado e ameaado pela violncia, e se faz sentido permanecer em sua proximidade. As citaes mencionadas pelos autores das obras mal deixam dvidas quanto gravidade
do problema.3 No se trata apenas de, como se diz na Gaudium et Spes n.
19, que os fiis, por uma exposio inadequada da f e por uma vida moral
e social incoerente mais escondem que manifestam a face genuna de
Deus e da religio. , isto sim, Deus mesmo quem atacado em seu ser.
Os textos que testemunham sobre Ele e sobre os quais a f se apoia esto
contaminados por violncia de tal modo que honestamente no se pode
mais ser cristo4. Diante desse desafio, o presente artigo pretende refletir
sobre o modo como o tema Deus, pode ser elaborado em perspectiva bblica e crist frente alternativa entre violncia e no violncia.
O contexto e o ponto de partida so os estudos acerca da paz e a narrativa
de um mundo violento, violncia essa que nasce de e consiste em agresses
a pessoas, seja para atacar ou para defender-se, quando no so sacrificadas
silenciosamente.
1
COPAN, P. Is God a Moral Monster? Making Sense of the Old Testament God. Grand
Rapids, MI: Baker Books, 2011.
2
GRG, M. Der un-heile Gott. Die Bibel im Bann der Gewalt. Dsseldorf: Patmos, 1995.
3
semelhana do que relata J. ARIAS sobre um taxista diante do que via na cidade de
Roma: se eu fosse Deus, ficaria envergonhado (cf. Um Deus para 2000: contra o medo
e a favor da felicidade, Petrpolis: Vozes, 1999, p. 28).
4
Subttulo da obra de constestao Bblia, de F. BUGGLE, Denn sie wissen nicht, was
sie glauben oder: Warum man redlicherweise nicht mehr Christ sein kann. Eine
Streitschrift, Aschaffenburg: Alibri, 2004.
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1 O mundo da violncia
As pesquisas em diferentes mbitos mostram que a violncia nem sempre
compreendida da mesma forma e que, como afirma P. Imbusch, a violncia um dos conceitos mais confusos e ao mesmo tempo um dos mais
difceis das Cincias Sociais 5. Nesse primeiro pargrafo pretende-se fazer
uma resenha dos principais conceitos, a fim de permitir sua confrontao
com o Mistrio Divino da Tradio crist.
Hanna Arendt, ao distinguir entre poder (Power) e violncia (Violence),
designa violncia como nada diferente do que a ostensiva apario do
poder. Sua referncia afirmao de Bertrand Jouvenel segundo a qual
um homem se sente muito mais homem quando pode subjugar a outros
e transform-los em instrumentos de seu poder, o que lhe d um um
prazer incomparvel, , talvez, uma boa indicao do que constitui a
violncia individual. Poder, ao contrrio, pode ser entendido como expresso de uma vontade social e ser sustentado por essa vontade social6. Enquanto o poder repousa sobre ao concertada com outras pessoas, a violncia apenas est em sua prpria fora e deve ser entendida sempre de
maneira instrumental.
Para a Organizao Mundial da Sade (OMS) violncia consiste no uso
consciente de fora fsica ameaadora ou real contra si mesmo, contra uma
outra pessoa ou contra um grupo de pessoas ou sociedades, que provoca
ferimentos, mortes, prejuzos psquicos, malformaes ou deficincias, ou
os causar com grande probabilidade 7. O relatrio leva em considerao
a violncia contra jovens, crianas, parceiros, pessoas idosas, violncia sexual, suicdio e violncia coletiva (guerra, genocdio, crime organizado etc.).
Desse modo tem-se uma cifra de 1,6 milhes de mortes por diferentes
formas de violncia, enquanto muitas outras pessoas so prejudicadas de
outras formas.
No caso brasileiro, um relatrio do Ministrio da Justia, citando Y. Michaud,
entende que h violncia quando, em uma situao de interao, um ou
vrios atores agem de maneira direta ou indireta, macia ou esparsa, causando danos a uma ou a mais pessoas em graus variveis, seja em sua
integridade fsica, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em
5
IMBUSCH, P. Der Gewaltbegriff. In: HEITMEIYER, W.; HAGAN, J. (Hrsg.).
Internationales Handbuch der Gewaltforschung. Wiesbaden: VS Verlag fr
Sozialwissenschaften, 2002, p. 26-57, aqui p. 26.
6
ARENDT, H. Excerpt from On Violence. In: STEGER, M. B.; LIND, N. S. Violence and
Its Alternatives. An Interdisciplinary Reader, New York: St. Martins Press, 1999, p. 311, aqui, p. 6.
7
KRUG, E. G. et al. (Ed.). World Report on Violence and Health. Geneva: World Health
Organization, 2002, p. 5.
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presente no pensador grego para quem o fim das lutas entre deuses e seres
humanos levaria tudo a perecer (cf. Fragmento 27). Seria a violncia, ento,
o contedo da existncia histrica e humana? Ou seria, antes, uma forma
que as relaes interpessoais podem assumir?
J em Hegel, parece que o estado natural de violncia deve ser superado.14
Eric Weil, por seu turno, entende a violncia como o estado no discursivo
da natureza humana, aquele estado em que a liberdade, caracterstica do
ser humano, decide pela forma violenta de se relacionar.15 Paul Ricoeur,
em seu texto sobre as pessoas no violentas e seu papel na sociedade,
insiste na seriedade da questo da violncia e pe como uma condio
fundamental haver experienciado a sua espessura. preciso ter medido
o comprimento, a largura, a profundeza da violncia para no se fixar em
aspectos isolados ou parciais. Deve-se ter presente que a violncia sempre
existiu na edificao e runa de imprios, na promoo pessoal, na aquisio e derrubada de privilgios e propriedades, nas disputas e guerras
religiosas e nas lutas de poder16. Robert P. Wolff, pelo mesmo tempo que
Hanna Arendt, qualifica a violncia como o uso no autorizado de fora
para impor decises contra a vontade e o desejo de outros 17. Subentendese, com isso, entre outras coisas, que pode existir um uso permitido de
violncia e esta pode ser considerada neutra.
Slavoj Zizek, por sua vez, diferencia entre violncia subjetiva e objetiva,
sendo que esta pode ser simblica ou sistmica18. Violncia subjetiva desigCf. Enzyklopdie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse 502. Hegel est
discutindo o lugar do Direito Natural e afirma sua diferena frente o Estado de Direito:
O Direito da natureza , por isso, a existncia da fora e o fazer valer do poder e um
estado natural um estado da violncia e da injustia do qual nada de verdadeiro se pode
dizer, a no ser que dele se deve sair. A sociedade, pelo contrrio, o estado no qual
apenas o Direito tem a sua realidade; o que deve ser limitado e sacrificado a arbitrariedade e a violncia do estado natural.
15
Cf. PERINE, M. Filosofia e violncia: Sentido e inteno da Filosofia de Eric Weil, So
Paulo: Loyola, 1987; WITWE, H. Eric Weil ber Vernunft und Gewalt. In: BISEUL, Y.
(Hrsg.), Moral, Gewalt und Politik bei Eric Weil, Berlin: Lit, 2006, p. 59-74. Para o ncleo
do pensamento sobre a violncia nas obras de Eric WEIL pode-se ver Logique de la
Philosophie. Paris: Vrin, 1996, p. 54-88.
16
Cf. RICOEUR, P. O homem no-violento e sua presena na Histria. In: ______. Histria e verdade, Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 225-236, aqui pp. 226-227. Em sua
anlise da relao entre o amor e a violncia punitiva, Ricoeur constata uma dissociao
no caso das ditaduras ou das guerras, registrando seu divrcio. Essa ruptura leva a
afirmar a violncia como o motor da histria a tal ponto que a histria do homem
parece ento identificar-se histria do poder violento (Estado e violncia. In: Ibid. p.
237-250, aqui, p. 245).
17
WOLFF, P. R. On Violence. In: STEGER. M. B.; LIND, N. S. (Ed.). Violence and Its
Alternatives: an Interdisciplinary Reader, p. 12-22, aqui, p.15.
18
Segue-se aqui a edio inglesa ZIZEK, S. Violence. Six Sideways Reflections. New York:
Picador, 2008, p. 9-15. A obra teve recenses muito diferentes e nem parece clara em suas
definies, mas oferece, assim mesmo, perspectivas laterais do complexo mundo da
violncia.
14
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2. Conflitos e violncia
O sculo XX, como sabido, pelas experincias refletidas das guerras, pelo
poder devastador das armas, pelos embates ideolgicos, pela brutalidade
das ditaduras, obrigou a buscar alternativas melhores do que pequenos
remendos no uso da violncia contra pessoas, grupos ou povos e nas relaes internacionais. De outro lado, foi tambm no sculo XX que algumas estratgias no violentas conseguiram realizar objetivos normalmente
buscados pela violncia e a intuio de alguns pensadores, levando a
reavaliar as posies tradicionais do recurso guerra como estratgia
poltica.
Como Hegel deixara entrever23, o estado natural de violncia no pode ser
o definitivo em mbito humano, mas deve ser superado pelo estado de
direito. Eric Weil, conforme j foi visto anteriormente, a partir de sua experincia com a realidade da violncia nazista, que era de Estado, entende
tratar-se de uma deciso da liberdade que mais fundamental e pode
escolher entre a violncia e o discurso como a forma de convivncia24. E a
partir dos anos 1970 aparece cada vez mais o tema do conflito, no contexto
das pesquisas de paz. Foi reconhecido como categoria prpria no mbito
das Cincias Sociais e pode ser assimilado com vantagens para as pesquisas de paz 25. De modo geral, nas palavras de F. Fetsch, o conflito pode ser
definido como um estado de tenso que tem sua origem no fato de haver
contraposio inconcilivel entre dois grupos a respeito de um determinado bem26. Como nota mais tarde o mesmo autor, trata-se de interesses ou
motivos sobrepostos a respeito do mesmo bem, de natureza material ou
espiritual, dos quais surgem contraposies. Um conflito, no entanto, existe apenas quando essas contraposies se tornam aes, sendo que a
forma de enfrent-lo pode ser com ou sem regras, com ou sem violncia.
Por isso nas pesquisas sobre conflitos no se trata de eliminar as oposies causadoras, mas da questo de sua regulao, em caso ideal, de uma
soluo pacfica ou impedimento de discusses violentas27.
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Com esta definio torna-se claro que o que algumas vezes visto como
parte natural da convivncia humana violenta ou em guerra28, na realidade
no a violncia e sim a conflitividade. A sua resoluo necessria, mas
a forma o decisivo para a vida ou a morte, conforme seja no violenta ou
violenta. De fato, a superao do conflito exige um plano externo e superior, reflexivo e deliberativo em que se escolhem os meios correspondentes. A forma irracional, no discursiva, em termos weilianos, consiste na
supresso do sujeito ou outro com quem se d o conflito. No entanto, a
forma violenta no a nica maneira de resoluo do conflito, da ser
necessrio contemplar a possibilidade da resoluo no violenta.
3. Conflitividade e no violncia
Para o caso de a conflitividade ou o conflito pertencerem vida, de
supor-se que devam ser valorados de forma neutra29. Um conflito no
nem bom e nem mau, nem positivo e nem negativo, mas simplesmente
pertence vida e ao mundo. Ser destrutivo ou construtivo se da resultar
respectivamente algo em benefcio de todos ou em prejuzo de algum.
Nesse ltimo caso, quando algum num conflito sai prejudicado, que se
fala em violncia. Em caso contrrio, podemos falar em no violncia.
O termo no violncia, num primeiro momento pode soar negativamente
como se se tratasse apenas de no usar violncia e como se fosse idntico
a passividade. Contra essa forma de compreenso, fala, porm, a histria
do conceito enquanto traduo do snscrito Ahimsa (no violncia) e
Satyagraha (fora da verdade), dois dos conceitos mais importantes cunhados a partir da vida e doutrina de Mahatma Gandhi. O momento de negao da violncia, presente na traduo, exprime apenas uma parte do
significado. Sem violncia no significa inao, mas aponta para empenho,
participao, ao, mas sem violncia. A famosa afirmao de Gandhi de
28
Assim I. V. de OLIVEIRA para quem talvez fosse o caso de aceitarmos o fato de que
nem toda violncia um mal, de que ela um dinamismo prprio do aprendizado humano, de que no h como evit-la e nem algo para ser evitado (Violncia do saber:
metafsica e discurso sobre Deus. In: Idem, de PAIVA, M. A. [Org.] Violncia e discurso
sobre Deus, So Paulo: Paulinas; Belo Horizonte: PUC Minas, 2010, p. 31-82, aqui 64).
29
Alm da conflitividade ou do conflito que um componente estrutural de toda relao
com outros e, por isso, da vida social como um todo, J.-M. MULLER assinala o conceito
de agressividade como combatividade, como autoafirmao, um componente de minha
personalidade que me capacita a enfrentar aos outros sem titubear (Non-violence in
Education. UNESCO; Institut de Recherche sur la Rsolution Non-violente des Conflits
(IRNC), p. 15 e 18 respectivamente). Disponvel em http://portal.unesco.org/education/en/
file_download.php/fa99ea234f4accb0ad43040e1d60809cmuller_en.pdf acessado em 20/09/
2011.
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LOHFINK, N. Gewalt als Thema alttestamentlicher Forschung. In: HAAG, E. et alii.
Gewalt und Gewaltlosigkeit im Alten Testament, Freiburg: Herder, 1983, (Quaestiones
Disputatae 96), p. 16ss.
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Os prncipes esto prostrados dizendo: Paz. Entre os Nove Arcos nenhum levanta a cabea. Tehenu [=Lbia] est devastado; o Hatti est em paz.
Cana est privada de toda a sua maldade; Ascalon est deportada; Gazer
foi tomada; Yanoam est como se no existisse mais; Israel est aniquilado
e no tem mais semente; O Haru [=Cana] est em viuvez diante do Egito38.
O Javismo no conseguiu transformar o conceito corrente de paz. O contexto sociocultural simplesmente no tornaria isso possvel. Com o conceito moderno de paz, Israel no sobreviveria. Assim sendo, toda a sua
cosmoviso, incluindo a teologia, no pode deixar de espelhar essa compreenso de paz: conquista, submisso, vingana etc. Toda a histria da
conquista (Js e Jz) reflexo dessa maneira de pensar. Detalhes so dispensveis.
A ttulo de exemplo, observaremos Jz 11,29-40. O contexto o de consolidao da terra conquistada. Jeft, lder de bando, aps vrios percalos
aclamado juiz, tomando a iniciativa de atacar os amonitas, emitindo
para isso um voto (nder). O voto entrelaa guerra e convico religiosa.
As razes concretas do conflito com os amonitas no aparecem com toda
a clareza nesta passagem: poderia se tratar simplesmente de vingana. O
voto, com sua fora vinculante, pode ser considerado como elemento ideolgico catalisador: a vitria significa aprovao e o voto dever ser cumprido, pois a guerra estava justificada pelo aval divino.
Em nosso texto, o voto restringe-se a uma promessa aleatria em caso de
vitria: a primeira pessoa que, ao seu regresso, lhe viesse de encontro, seria
sacrificada a Jav. A sorte coube sua prpria filha, no casada ainda (no
mximo 14 anos). Para nossos critrios atuais, trata-se praticamente de
uma criana. Nos tempos veterotestamentrios, de qualquer maneira, trata-se de uma pessoa sem direitos civis. As prprias palavras da filha
atestam a justificao ideolgica da violncia mediante o voto: ela encoraja o pai a cumprir seu voto, pedindo apenas um perodo de luto pela sua
virgindade. Nesse aspecto, a narrativa bem mais dramtica do que Gn
22,1-14 que, na verdade, representa um protesto contra o sacrifcio humano.
De um modo geral, todo o AT, ao menos nas tradies consideradas prexlicas, move-se no contexto da violncia estabelecida e aceita o regra do
jogo. verdade, como observa E. Zenger, que na literatura geralmente
classificada como ps-exlica e do que por ele denominado monotesmo
reflexo, ocorrem tentativas de romper, de certa maneira, com essa lgica
da violncia, e que os textos violentos deveriam ser lidos luz e a partir
38
PRITCHARD, J. B. Ancient Near Eastern Texts relating to the Old Testament (ANET),
Princeton: Princeton University Press, 1969, p. 376-378; cf. VAUX, R. de. Historia Antigua
de Israel, Madrid: Cristiandad, 1975, v. 1, p. 375.
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Cf. ZENGER, E. Der Mosaische Monotheismus im Spannungsfeld vom Gewaltttigkeit
und Gewaltverzicht. Eine Replik an Jan Assmann. In: WALTER, P. (Hrsg.). Das
Gewaltpotential des Monotheismus und der dreieine Gott, Freiburg: Herder, 2005), p. 3973, aqui p. 67ss; ______. Violncia em nome de Deus. O preo necessrio do monotesmo
bblico?. In: FRST. A (Org.). Paz na Terra?: As religies universais entre a renncia e
a disposio violncia. Aparecida: Idias & Letras, 2009, p. 15-63.
40
Cf. SCHWANTES, M. Interpretao de Gn 12 15 no contexto da elaborao de uma
hermenutica do Pentateuco, Estudos Bblicos, n. 1, p. 31-39, 1980, p. 41s; cf. GUNKEL,
H. Die Urgeschichte und die Patriarchen: Das erste Buch Mosis, Gttingen: 1911, p. 171;
WESTERMANN, C. Genesis, Neukirchen: Neukirchener, 1981, p. 429-447.
41
Cf. ALONSO SCHKEL, L. La Palabra Inspirada. La Biblia a la luz de la ciencia del
lenguaje, Madrid: Cristiandad 1986, pp. 114ss.
42
Cf. ALONSO SCHKEL, L. Hermenutica de la Palabra I. Hermenutica Bblica.
Madrid: Cristiandad, 1986, p. 103ss.
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Para uma viso geral, cf. COSTE, R. Thologie de La paix, p. 138-151; para uma viso
do contexto poltico, ver KELLER, A. Die politischen Voraussetzungen der Entstehung
der bellum iustum-Tradition bei Ccero und Augustinus. In: WERKNER, I.-J.;
LIEDHEGENER, A. (Hrsg.). Gerechter Krieg gerechter Frieden. Religionen und
friedensethische Legitimationen in aktuellen militrischen Konflikten, Wiesbaden: Verlag
fr Sozialwissenschaften, 2009, p. 23-41.
47
Pode constatar-se at hoje nos Estados Unidos e em alguns outros pases a produo
de uma literatura para sustentar o belicismo em nome da paz ou em nome dos interesses do bem. Recorde-se que na Espanha do sculo XVI G. Seplveda defendia a guerra
contra os povos indgenas com o recurso da doutrina da guerra justa (Cf., p. ex., As justas
causas de guerra contra os ndios, segundo o tratado Democrates alter de Juan Gins de
Seplveda. In: SUESS, P. [Org.]. A conquista espiritual da Amrica Espanhola, p. 531537). De forma semelhante, hoje se fala no preo da paz relendo a mesma doutrina para
aplic-la s intervenes humanitrias, combate ao terrorismo e entre outros (Cf. REED,
C.; RYAL, D. The Price of Peace: Just War in the Twenty-First Century, Cambridge:
University Press, 2007). Mais radicalmente ainda chega-se a falar em guerra justa como
discipulado cristo (Cf. BELL Jr., D. M. Just War as Christian Discipleship: Recentering
the Tradition in the Church rather than the State. Grand Rapids, MI: Brazos Press, 2009)
e concluindo ser a guerra justa no menos que a melhor formulao do pacifismo cristo,
um ato de f em Deus (p. 241).
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O Conclio, sabe-se, teve lugar num perodo marcado pelo fim da Segunda Guerra, mas em plena vigncia da Guerra Fria e da corrida
armamentista, sendo que a Igreja estava em ambos e entre os lados da
polarizao. As naes de onde vinham os Padres Conciliares, no raramente estavam em conflito entre si Israel e mundo rabe e em alguns
casos, como na Alemanha, divididas internamente. Ou seja, alm das
questes teolgicas e eclesiais, havia uma teologia poltica implcita defendendo interesses antagnicos a respeito de Deus, da violncia e da paz.
Sobre esse pano de fundo, trs temas do Conclio podem ser considerados
decisivos para a mudana de perspectiva catlica: a possibilidade da
releitura da revelao divina e a reinterpretao do Mistrio Divino,
consubstanciada nas constituies Lumen Gentium e Dei Verbum; a relao com as outras confisses crists (Unitatis Redintegratio) e as outras
religies (Nostra Aetate), e a Igreja no mundo contemporneo (Gaudium
et Spes).
A forma como o Conclio fala de Deus j por si mesma indicativa de uma
opo em favor da no violncia. Ao iniciar o discurso a respeito da Igreja
como mistrio da Igreja que vem do Mistrio de Deus, abre-se o espao
ao que vem, sem a presuno da posse (cf. LG 1-6). A imagem divina aqui
proposta a de quem escolhe e acolhe, trinitariamente. Alm de recuperar
a tradio trinitria e pneumatolgica do discurso a respeito de Deus, como
Pai, Filho e Esprito Santo e esta marca de todo Vaticano II tambm
recupera a compreenso oriental em que no se tem simplesmente uma
unidade essencial em trs pessoas, mas a unidade a partir do Pai. Abre-se,
assim o espao para privilegiar o Amor como realidade mais fundamental
e no a afirmao de um absoluto abstrato identificado com um grupo
encarregado de impor ou defender seus interesses. A misso da Igreja e,
por extenso, de toda pessoa que cr no Mistrio Divino, de servir Luz
dos Povos que Jesus Cristo e ao Reinado de Deus por ele anunciado (cf.
LG 1).
Como aparece em vrios estudos posteriores, o fato de insistir na realidade
divina como Mistrio Trinitrio ou triunidade divina, refora o compromisso com a construo da paz. Assinala, por isso, a Lumen Gentium, o
chamado universal unidade do povo de Deus que prenncio da paz
universal (n. 13). Sublinha, em particular, o papel dos fiis leigos, ao
longo do n. 36, na medida em que preparam o campo do mundo para
melhor receber a semente da palavra divina e abrem as portas Igreja,
para que atue como anunciadora da paz.
Especialmente na Dei Verbum, a constituio sobre a revelao divina, se
tratou do encontro de Deus com o ser humano atravs da autocomunicao
divina. Resolvidas as divergncias que marcaram o surgimento do texto, a
linha fundamental da compreenso do Conclio a respeito de Deus a da
sua autocomunicao (cf. n. 6), como amigo (cf. n. 2), em vista da salvao
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(n. 11). Ao assumir essa linha geral, retoma-se o contato com os textos
sagrados do Cristianismo, abre-se o caminho ao seu estudo com os modernos recursos de pesquisa e como inspirao para a existncia crist no
mundo atual. Desse modo, o texto bblico poder ser relacionado ao pensamento atual e ao desenvolvimento dos conceitos, com a ajuda de outras
cincias, includos os estudos de paz e os esforos de superao da violncia. A Bblia e a Tradio deixam de ser uma justificativa para um Deus
violento e pode ser recuperada como fora inspiradora para a convivncia
pacfica.
De grande alcance foram os dois documentos a respeito do dilogo entre
as confisses crists e as outras religies. Sem entrar em maiores detalhes,
basta assinalar que o fato de propor o dilogo ecumnico representou um
ato de converso simplicidade e uma qualidade essencial do Cristianismo, a vinculao ao Deus trinitrio e ao evangelho da paz (UR n. 2), bem
como histria e tradio do povo judeu e muulmano (NA, nn. 3-4).
Lembrando a designao de Ef 2, 14-16, Cristo como nossa paz (cf. n. 4),
tendo afirmado a unidade do gnero humano em busca da transcendncia
(cf. n.1), reconhecendo explicitamente a contribuio do Hindusmo e
Budismo (cf. n. 2), o Conclio condena decididamente qualquer forma de
discriminao por motivos religiosos e raciais e defende uma convivncia
pacfica entre os povos (cf. n. 5).
Finalmente, o texto mais explcito do Conclio e que foi o fruto de longas
discusses em torno dos problemas polticos especialmente entre os defensores dos recursos guerra defensiva e preventiva, mormente os bispos
americanos, e aqueles que pretendiam uma posio mais claramente
condenatria da corrida armamentista e das guerras: Gaudium et Spes (cf.
especialmente os n. 77-90). Insiste na origem cristolgica (cf. n. 38,77) e
trinitria da paz (cf. n. 78). A consequncia fundamental dessa perspectiva
que a partir da nem a noo de f em Deus e nem em Jesus Cristo pode
servir de pretexto violncia. Graas ao Vaticano II a vocao crist
situada no interior e na continuidade de um Deus que amor, que sofre,
mas no pode ser associado justificao da violncia.
Certamente a posio do Conclio, alm do recurso Tradio do Evangelho de paz, foi influenciado positivamente pelas experincias recentes,
na esteira de Gandhi e do movimento ecumnico (Dietrich Bonhoeffer e
Albert Schweizer). Martin Luther King, Hlder Cmara, o pacifismo europeu dos anos 1980, a Firmeza Permanente no Brasil, vrios movimentos
de resistncia no Leste europeu seguiram seus passos para a transformao da sociedade, frequentemente com grupos cristos e sua inspirao
religiosa.
Ao invs de permanecerem presos tradio da guerra justa, vrios representantes das Igrejas Crists se comprometeram de forma progressiva com
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Dentre os documento das Igrejas, podem ver-se SEKRETARIAT DER DEUTSCHEN
BISCHOFSKONFERENZ, Gerechter Friede, 2. Aufl. Bonn, 2000. Disponvel em: http://
www.justitia-et-pax.de/GerechterFriede.pdf; KUMENISCHER RAT DER KIRCHEN, Ein
kumenischer Aufruf zum gerechten Frieden, Genf, 2011. Disponvel em: http://www2.wcccoe.org/uploads.nsf/index/companion_DE/$FILE/just_peace_companion_DE.pdf, acessado
em 11.11.2011. JUSTENHOVEN, H.-G.; SCHUMACHER, R. (Hrsg.), Gerechter Friede
Weltgemeinschaft in der Verantwortung. Zur Debatte um die Friedensschrift der deutschen
Bischfe, Stuttgart: Kohlhammer, 2003; STRUB, J.-D. Der Gerechte Friede.
Spannungsfelder eines friedensethischen Leitbegriffs, Stuttgart: Kohlhammer, 2010.
53
Cf. KUMENISCHER RAT DER KIRCHEN, Ein kumenischer Aufruf zum gerechten
Frieden, Genf, 2011, n. 11. Disponvel em:
http://www2.wcc-coe.org/uploads.nsf/index/companion_DE/$FILE/
just_peace_companion_DE.pdf, acessado em 11.11.2011.
54
Em mensagem depois do 11 de setembro, ao insister na necessidade de cooperar com
a ONU e as partes interessadas no Afeganisto, diz a Conferncia: As aes de nossa
nao e de outras deve assegurar que a guerra agora seja justa e a paz justa depois (The
actions of our nation and other nations must ensure a just war now and a just peace
later.). Cf. United States Conference of Catholic Bishops, A Pastoral Message: Living
With Faith and Hope After September 11. Disponvel em: http://old.usccb.org/sdwp/
sept11.shtml . Acesso em 11.11.2011.
55
Cf. NATIONAL CONFERENCE OF CATHOLIC BISHOPS, The Challenge of Peace:
Gods Promise and Our Response, 1983. Disponvel como E-Book em http://
www.turnbacktogod.com/wp-content/uploads/2009/02/the-challenge-of-peace.pdf . Acesso em
11/11/2011. De modo semelhante, mas com mais fora, dez anos depois, volta-se insistncia em romper com as armas nucleares e a buscar um mundo mais justo por meio da
converso pessoal e das polticas de construo de relaes internacionais correspondentes (Cf. Id. The Harvest of Justice is Sown in Peace, 17 de novembro de 1993. Disponvel em http://www.archchicago.org/departments/peace_and_justice/pdf/teaching_doc/
harvest_justice.pdf . Acesso em: 11/11/2011).
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Cf. The Harvest of Justice is Sown in Peace, seo 1; Challenge of Peace, n. 15, 284.
Essa mesma ideia desenvolvida por BISER, E. Er ist unser Friede, Freiburg i. B.:
Herder, 1984; COSTE, R. Il est notre paix. Paris: Ouvrires, 1991.
56
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58
Kritik der Gewalt. In: TIEDEMANN, R.; SCHWEPPENHUSER, H. (Hrsg.). Walter
Benjamin Gesammelte Schriften, vol. II.1, Frankfurt a.M: Suhrkamp, 1999, p. 179-204),
aqui p. 198.
59
Ibid., p. 200-201.
60
Ibid., p. 199.
61
Cf. MERTON, T. Gewaltlosigkeit. Eine Alternative, p. 204-211, esp. 208-209. In: Digitale
Bibliothek Sonderband: Handbibliothek Christlicher Friedenstheologie, CD.
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Irineu J. Rabuske,
Rabuske Mestre em Cincias Bblicas pelo Pontifcio Instituto Bblico, Roma.
Doutor em Teologia pela Faculdades EST, Instituto Ecumnico de Ps-Graduao, So
Leopoldo, com a tese: Jesus Exorcista: estudo exegtico e hermenutico de Mc 3,20-30.
Professor de Exegese e Teologia do Novo Testamento na Faculdade de Teologia da Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, desde 1992. Principais publicaes: Obras
mais significativas publicadas: Jesus Exorcista: estudo exegtico e hermenutico de Mc
3,20-30. So Paulo: Paulinas, 2001; Evangelhos e Atos dos Apstolos: novssima traduo
dos originais. Traduo, introduo e notas de Cssio Murilo Dias da Silva e Irineu J.
Rabuske.
Endereo
Endereo: Av. Ceres 129, Partenon
91530-030 Porto Alegre RS
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Israeli Jerusalem and eventually included in the history of the conquest of Judah,
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Introduo
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O estado redacional da narrativa pressupe que Jud (v. 4a) seja o agente israelita por trs da campanha contra Bezeq3 e seu senhor4 (v. 4b-7).
Que Jud tenha conseguido Adoni Bezeq5 para Jerusalm, a narrativa explica no v. 8: os filhos de Jud batalharam contra Jerusalm, tomaram
a cidade, passaram seus habitantes ao fio da espada e a incendiaram.
Sempre segundo o estado redacional da narrativa, depois do incidente de
Bezeq e da tomada de Jerusalm, os filhos de Jud continuam sua
campanha contra o cananeu que habitava a Montanha, o Negueb e a Plancie (hl'pVe h. w; > bg<Nh< w; > rh'h' bveAy ynI[n] K: B. ; v. 9).
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5
Sozinho, o singular no teria fora para sustentar a proposta de algum tipo de quebra
na narrativa (cf. SOGGIN, J. Alberto. Judges, p. 21). No entanto, o singular apenas um
dos indcios de que o v. 4 contm muito provavelmente evidncia de operao redacional.
6
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9
Para Jz 1,8 como glosa, cf. DE VAUX, Roland. The Early History of Israel, p. 541
(para explicar a estranha histria narrada nos versos precedentes). Da mesma forma,
cf. MARTIN, James. The Book of Judges, p. 21.
10
No se v, como, todavia, fizeram Clmence e Glaire, inferir que, por conta dessa
nota, a redao de Juzes deva ser colocada, ento, pelo menos nesse limite Samuel
teria sido seu autor, por exemplo. A nota de Jz 1,21 vale, apenas, para esse documento, no necessariamente para o conjunto do livro (cf. CLMENCE, Joseph-Guillaume.
LAuthenticit des Livres tant du Nouveau que de lAncien Testament, p. 255-257, e
GLAIRE, Jean-Baptiste. Introduction Historique et Critique aux Livres de lAncien et du
Nouveau Testament, p. 112. Que a redao final de Juzes serve-se de escribas e de
arquivos coisa que se prope pelo menos desde Richard Simon (cf. SIMON, Richard.
De lInspiration des Livres Sacrs, p. 27-28 e 38). Para a recente pesquisa sobre a
formao de Juzes, cf. LANOIR, Corinne. Juges, p. 345-357 e RMER, LHistoire
Deutronomiste (Deutronome-2 Rois), p. 315-331. Para a histria da pesquisa de Jz 1
especificamente, cf. GUILLAUME, Philoppe. Waiting for Josiah, p. 82-87.
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Cf. BRETTLER, Marc Zvi. The Book of Judges, p. 101. Nesse sentido, cf. DIETRICH,
Walter. Histoire et Loi, p. 297ss, e, particularmente, MARCO, Natalio Fernndes.
LHistoire Textuelle. Les livres historiques (Juges), p. 163-169.
12
Cf. a srie de questes que sobre isso levanta GOTTWALD, Norman Karol. The Tribes
of Yahweh, p. 167 (cf. p. 568 onde, no entanto, ele mesmo considera ter sido Israel
o agente que captura e mata Adoni Bezeq). Cf., ainda, GRINDEL. Juzes, p. 234-235.
Fohrer considera que o v. 8 fruto de uma compreenso errada (misunderstanding) do
v. 7 por parte do redator (cf. FOHRER, George. Zion-Jerusalem in the Old Testament,
p. 302-303).
13
Quase como que literalmente esboado, cf. LEWIS, Arthur. H.. Jueces y Rut, p. 22, e
LOKEN, Israel P. The Old Testament Historical Books, p. 73. Para variaes, mais ou
menos prximas do sugerido, cf.: EDERSHEIM, Alfred. Bible History, p. 68; OCONNELL,
Robert H. The Rhetoric of the Book of Judges, p. 63-64; SCHNEIDER, Tammi. Judges,
p. 7-8; WOERLEE, G. M. The Unholy Legacy of Abraham, p. 146; KAISER, Walter C.
History of Israel, p. 177.
14
Cf. 2 Sm 5,6-10. Cf. AULD, A. Graeme. Joshua, Judges, and Ruth, p. 135.
15
Para uma soluo em campo totalmente diferente (justaposio de perspectivas),
cujo efeito, sem deixar de notar, em sentido sincrnico, as contradies entre os v. 4b7, 8 e 21, torn-las, na prtica, no-contradies, cf. MARAIS, Jacobus. Representation
in Old Testament Narrative Texts, p. 77.
16
Cf. BOLING, Robert. G. Judges, p. 55.
17
Cf. HAMLIN, E. John. At Risk in the Promised Land, p. 27.
11
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sim, o redator pode ter tomado esse eles pelos homens de Jud, mas
que, a rigor, s se pode falar efetivamente de os perseguidores do rei
(kings followers)53 .
O documento, incompleto, mas perfeitamente compreensvel conta(ria) a
seguinte histria. Bezeq constitua uma cidade poderosa, que mantinha
sob seu controle poltico uma quantidade considervel de cidades de seu
entorno. Essa interpretao pode ser analtico-discursivamente extrada do
dito de Adoni Bezeq setenta reis (...) tornaram-se recolhedores debaixo
da minha mesa. Adoni Bezeq, portanto, governava com mo de ferro
uma considervel extenso de cidades cananeias, impondo a seus reis
tratamento humilhante. Numa certa ocasio, uma coalizao de cidades,
liderada por Jerusalm, subleva-se contra o senhor de Bezeq. Essa interpretao pode ser extrada tambm analtico-discursivamente a) do plural
relacionado aos combatentes contra a cidade de Bezeq, b) da referncia, de
novo, aos setenta reis e, c) quanto liderana de Jerusalm na coalizao,
do fato de o senhor capturado ter sido levado para essa cidade e ali morto.
Por esse caminho de interpretao do documento, logo, da histria, Adoni
Bezeq no rei de Jerusalm, mas, como seu prprio ttulo ou nome
sugere, rei de Bezeq. Jerusalm acaba sendo a cidade para onde Adoni
Bezeq levado e onde morto pelo fato, aqui hipotetizado, de ter sido essa
a cidade que liderara a ento vitoriosa coalizao de libertao e vingana.
Essa interpretao do documento tornaria mais fcil compreender, de um
lado, a declarao de Adoni Bezeq, de que reis, de dedos decepados, comiam sob a sua mesa, e, de outro, a mutilao que lhe impingida pela
coaliso ora, se a coalizo faz-se constituir de homens das cidades
subjugadas pelo terror das montanhas, trata-se da aplicao da lei de
talio. Tambm assim que o rei interpreta seu sofrimento, ainda que
atribua a Deus a retribuio.
Tratar-se-ia, portanto, de um episdio antigo, pr-israelita, guardado de
modo honroso nos arquivos daquela cidade que, liderando a coalizao,
libertou as montanhas do opressor de Bezeq Jerusalm. O sujeito eles,
que Soggin entende tratar-se apenas redacionalmente, mas no necessria
e originalmente, dos homens de Jud, deve ser considerado, pois, como
o conjunto dos reis pr-israelitas da coaliso em campanha de vingana
contra o rei opressor de Bezeq identidade automaticamente revelada se,
de fato, se est diante de um documento jebuseu.
Eu no sei que implicaes Davis tiraria de sua prpria declarao todavia, a mim me parece que considerar Jz 1,6-7 como eyewitness accounts
(narrativa de testemunha ocular)54 tem, no presente contexto, implicaCf. SOGGIN, J. Albert. Judges, p. 22.
Cf. DAVIS, Craig. Dating the Old Testament, p. 187. As prprias implicaes, se as
teve, reservou-as para si.
53
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todavia, ela somente faz exacerbar a contradio j enorme entre Jz 1,4b7, de um lado, o v. 8, de outro, e Jz 1,21, finalmente. Mesmo que se trate
de prestigiar Jud em detrimento de Benjamin, no se chega a explicar
satisfatoriamente como Jud pode ter levado Adoni Bezeq para Jerusalm,
se no a tomou. O v. 8 somente refora a necessidade de uma explicao
e ele mesmo pretende ser essa explicao, funcionando, todavia, como o
topo artificial de uma montanha, em cujo cume (os filhos de) Jud
governa(m), soberano(s), a prpria Montanha, o Negueb e a Plancie.
Se a hiptese for sustentvel, estamos, ento, diante de um dos mais antigos documentos da Bblia Hebraica ainda que, todavia, no exatamente
um documento do povo de Yahweh. Em termos retricos, todavia, uma
vez que toda a terra de Israel contada como tendo sido conquistada
cooptada, tomada aos cananeus, ter sido essa pequena histria igualmente tomada, dessa vez aos jebuseus de quem, alis, foi tomada a prpria
cidade no nos deve causar estranhamento.
Todavia, quanto cidade de Jerusalm, a despeito de ser, hoje, isto ,
nos tempos veterotestamentrios mdio e tardio, de judatas, a tradio
registrou ter sido ela tomada aos antigos e poderosos moradores os
jebuseus. No caso de Jz 1,4b-7, todavia, conta-se, at hoje, a histria, como
uma proeza de Jud. E, todavia, parece que no parece tratar-se de uma
antiga e formidvel proeza dos jebuseus. E no s a formidvel proeza,
mas igualmente a redao da proeza e o documento que a preserva at
hoje.
Consideraes Finais
Apresentada e defendida a hiptese, convm antecipar algumas questes
que lhe so necessariamente decorrentes. Antes de tudo: como se dava o
processo material de elaborao redacional desses textos? Props-se que Jz
1,4b-7 constitua documento jebuseu, preservado nos arquivos israelitas de
Jerusalm. Pois bem, de que forma o documento era arquivado? De que
forma pode ser empregado para a redao da percope? Devemos imaginar, literalmente, uma mesa de trabalho, o suporte material da escrita em
posio, e os diversos documentos espalhados ao redor, de modo que o
escriba vai tomando parte a parte cada documento e copiando-o no suporte material no qual se processa a redao? O escriba est com o prprio
documento jebuseu? Ou trata-se de uma cpia, j ela preservada depois de
irrecuperveis ocasies de transcrio? E mais: o redator sabe que se trata
e um documento jebuseu? Ou ele j o interpreta, agora que o tem nas
mos, como deseja que ns o assumamos: momento inaugural da conquista de Jud? So questes que precisam ser respondidas, porque na
materialidade da vida que as rotinas hermenuticas se sustentam.
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Uma segunda questo deve ser enfrentada: se verdade que se trata de uma
coalizao de reis pr-israelitas, enfrentando o exrcito do rei opressor de
Bezeq, ele tambm pr-israelita, que significado tem o documento fazer referncia a o cananeu e o perezeu? Toda a hiptese desmonta-se diante desse
pormenor? Ou devemos considerar que os termos cananeu e perezeu
eram tambm empregados pelas populaes pr-israelitas? Por esse caminho, caso se considere as hipteses defendidas por Israel Finkelstein e Neil
Asher Silberman57, de um lado, e Mario Liverani58, de outro, de que os israelitas
so uma elaborao de identidade sociolgica dentro da prpria populao
palestinense, resulta necessrio admitir que, se os israelitas empregam os
termos, porque eles eram empregados tambm pelas populaes locais.
, pois, essa, uma questo a ser enfrentada.
H, todavia, tambm, que angariar argumentos na defesa da hiptese depois de se t-la submetido a uma confrontao. Defendeu-se que o sujeito
eles em Jz 1,4b-7 refere-se coalizao de cidades contra Bezeq todas
elas, nesse caso, pr-israelitas. Ora, a ideia de coalizo no despropositada.
Em Js 10, -se informado de uma coalizao de reis de Jerusalm (ainda
jebusita), de Hebrom, de Jarmut, de Laquis e de Eglom contra Gabaon, por
conta de sua aliana com Saul. Gabaon pedir socorro a Saul, que enfrentar
e vencer a coalizo. Tambm j se havia sido informado de uma guerra de
coalizaes em Gn 14, ocasio em que Abrao se v envolvido, em decorrncia do rapto de L. Assim, a ideia de uma coalizao de cidades pr-israelitas
contra um rei pr-israelita no tem, em si, nada de inusitada.
Alis, a referncia coalizao de Jerusalm e dos reis amorreus contra
Gabaon oportunidade de recordar que Js 10 no esconde o fato de que
se serve como fonte de um livro de Iasar (rvYh; rp,se Livro do
Justo). No se pode garantir tratar-se de um livro israelita pode-se?
Talvez, quem sabe?, seja um livro pr-israelita, talvez, tambm, quem sabe?,
semelhantemente quele velho documento jebuseu, pequeno demais para
ser chamado de livro, mas grande demais para passar despercebido. Ao
menos para mim se no vi para alm das evidncias...
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Osvaldo Luiz Ribeiro tem graduao em Teologia pelo Seminrio Teolgico Batista do
Sul do Brasil. Mestre em Teologia (Antigo Testamento), 2002, Seminrio Teolgico Batista do Sul do Brasil Tijuca, Rio de Janeiro. Doutor em Teologia (Antigo Testamento),
PUC-Rio. Professor do Departamento de Ps-Graduao da Faculdade Unida de Vitria.
Endereo
Endereo: Rua Dr. Dido Fontes, 565-A
Edifcio Artmis, Apto. 302 Jardim da Penha
29.060-280 Vitria ES
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NOTAS BIBLIOGRFICAS
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diante de situaes difceis, as rixas com os irmos, a realidade das famlias divididas, a incompreenso dos pais. Tudo isso, porm, tratado com
suavidade e iluminado pela boa-nova da mensagem crist.
Alm da reflexo madura e sapiencial sobre os temas bblicos, h tambm
passagens saborosamente autobiogrficas, como, por exemplo, quando
Martini se diz um garoto tmido na infncia, com medo de falar em pblico, ou quando conta que, por ser desafinado, tinha vergonha de cantar, e
que essa vergonha o acompanhou mesmo quando, como cardeal em Milo, tinha que cantar nas celebraes, ou ainda quando relata sua experincia visitando pessoas nas prises. Nesse sentido, a traduo de Silva
Reis foi muito feliz, pois conseguiu manter o tom de intimidade das cartas,
como a de um av que se dirige com carinho e respeito a seus netos.
Quem j tentou escrever para crianas sabe como difcil achegar-se ao
seu mundo, pois isso exige que se seja simples e profundo ao mesmo
tempo. Martini e Modena conseguem um excelente resultado no desafio
que assumiram. Como todo bom livro infantil, sua leitura agrada tambm
aos adultos que ainda no perderam aquele corao de criana do qual
Jesus fala nos Evangelhos.
A obra, oferecendo alimento saboroso e consistente para a vida crist, com
certeza poder servir como estmulo e subsdio para catequistas, professores de religio, pais e todos aqueles que se dediquem a ajudar as crianas
a fazerem uma bonita e autntica experincia da f crist.
As ilustraes, que acompanham muito bem o texto, e a impresso primorosa fazem com que a obra seja um prazer tambm aos olhos e ao tato, o
que certamente agradar sobremaneira o pblico infantil (mas certamente
no s a ele).
Claudio Paul SJ
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a criatura pe exclusivamente a salvao e no na fora dos cavalos. Experincia importante para um povo pequeno e frgil, cercado de inimigos
poderosos que o submeteram ao esplio e cativeiro. O fundo cultural da
teologia patrstica sobre a salvao se delineia no confronto com a tradio
judaica, com o desafio do gnosticismo ao lado da importncia dada aos
gnsticos, com a identificao com o Imprio romano. E nesse contexto,
predominam quatro modelos de imagens: a salvao como iluminao,
como vitria sobre o diabo, como divinizao e como sacrifcio de reconciliao.
Outros dois campos da experincia da salvao receberam ateno. A
liturgia e a pastoral. A primeira situa-nos na borda escatolgica da salvao. Torna presente a salvao (j), mas tambm aponta para a plenitude
final (ainda no). A pastoral pretende ser a multiforme prxis da Igreja que
concretiza aqui e agora a salvao vinda de Deus. Ela se entende a partir
da compreenso de salvao. Da se segue que se multiplicam concepes
de pastoral segundo as diversas interpretaes de salvao.
Se o leitor se interessa por algumas dessas idias, colhidas do livro, encontrar nele sua explicitao e aprofundamento. Obra bastante ampla. Satisfaz a muitas preocupaes teolgicas, espirituais e pastorais. H trabalhos
de viso ampla e outros detalhistas. Todos trazem contribuio para
elucidar com amplido o conceito de salvao. Esse tipo de livro tem as
qualidades da pluralidade de autores e temas, mas perde em unidade e
organicidade.
J. B. Libanio SJ
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Geraldo De Mori, SJ
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RECENSES
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Jaldemir Vitrio SJ
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grande relevncia para as pessoas que vivem neste nosso mundo moderno.
Com esta intuio, Gallagher apresenta seu mais novo trabalho Mappe della
Fede, dieci grandi espolatori cristiani. Nele o A. apresenta dez grandes exploradores da f, pessoas que deixaram um itinerrio, um mapa, para todo
aquele que deseja buscar itinerrios para viver a f. O leque de autores
diversificado e abrangente, Gallangher escolheu autores que foram importantes em sua reflexo pessoal, a saber, John Henry Newman, Maurice Blondel,
Karl Rahner, Hans Urs Von Balthasar, Bernard Lonergan, Flannery OConnor,
Dorothee Slle, Charles Taylor, Pierangelo Sequeri e Bento XVI.
A intuio do A. , diante da dificuldade atual de transmitir a f, traduzir
em uma linguagem no acadmica, a grande tradio teolgica, adaptando-a para aqueles que no tiveram a possibilidade de ler e aprofundar o
conhecimento sobre ela (p. 8). Tradio que, perguntando pela f, pergunta pelo sentido da vida, pela vida humana em sua totalidade e sustenta
que, A mais alta meta do homem o encontro com Deus. Nascemos do
amor, somos mantidos em vida pelo amor e a plenitude da vida chega
quando reconhecemos este amor e o acolhemos livremente (p. 13). Para
executar esta intuio o A., em cada captulo, apresenta um pensador e
como este pensador indica um caminho, um itinerrio, um mapa em direo f, mapa que pode nos ajudar a traar nosso prprio itinerrio. Todos
estes pensadores se esforaram por repensar os fundamentos da f e dar
a razo da prpria esperana. No final de cada captulo o A. imagina um
monlogo onde ele apresenta, com as palavras dos pensadores, o itinerrio
a ser explorado para viver a f crist na cultura contempornea.
O primeiro pensador apresentado John Henry Newman (1801-1890). Para
o A., Newman foi uma grande figura espiritual que aprofundou a discusso sobre o empenho do cristo no mundo. Desde Agostinho, nenhum
outro telogo prestou tanta ateno subjetividade, interioridade humana. Sempre atento cultura na qual vivia, Newman achava que a f tinha
que enfrentar trs grandes desafios: o racionalismo cientfico, o liberalismo
e a prpria religio quando se esquecia da grande tradio teolgica. Para
enfrentar tais desafios, Newman comea dando grande ateno conscincia. Newman se interessava, principalmente, pelas atitudes pessoais necessrias para se chegar a f. Para ele, a refutao da f nasce muitas vezes
de uma inadequao do corao, no do intelecto (p. 19). Por outro lado,
o corao normalmente atingido, no atravs da razo, mas por meio da
imaginao (p. 24). Da o papel importante da imaginao. A imaginao
possui a funo de tornar a f uma presena real na vida das pessoas. Para
Newman a imaginao uma forma de conhecimento (Paul Ricoeur) e um
caminho para adentramos no mistrio da encarnao crist (David Tracy). A
imaginao uma ponte entre a definio histrica da encarnao e a estrada mais subjetiva e ntima que nos conduz ao sim da f (p. 27). Para o A.,
a aventura espiritual de Newman quer nos ajudar a entrarmos em ns mesmos e prestarmos ateno nossa conscincia, e l nutrir nossa imaginao.
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social o novo estilo de vida que a cultura moderna propunha. Para isso,
seu trabalho foi buscar os fundamentos do conhecimento e da f. Primeiramente, Lonergan se preocupa com o conhecimento: como podemos
justificar os juzos de verdade em campos como a f que no so empricos?
(p. 88). Sua investigao procura justificar a estrutura cognitiva da experincia e da reflexo. Pouco a pouco, ele comea a dar um passo maior em
direo compreenso de que reconhecer Deus no o mesmo que verificar um experimento, mas uma questo que envolve nossa liberdade.
um processo intelectual que nos conduz em direo ao reino da liberdade,
atravs de uma escolha fundamental a respeito do objetivo da nossa existncia (p. 92). Para Lonergan, cada um tem a responsabilidade pela qualidade
da prpria vida, da o percurso que ele prope: (1) ser atento experincia
humana em todas as suas formas, (2) ser inteligente tentando sempre entender, (3) ser razovel verificando a verdade, (4) ser responsvel tomando
decises em sintonia com o nosso conhecimento e (5) ser apaixonado reconhecendo o amor de Deus por ns. Sobre o ltimo ponto o A. esclarece que,
para Lonergan, a experincia religiosa um apaixonar-se por Deus. No
como conquista, mas como dom recebido. Dom que a suprema realizao
de nossas capacidades e o pice de nossa liberdade no amor. Para explicar,
Lonergan gostava de citar So Paulo (Rm 5,5): O amor de Deus est presente em nossos coraes por meio do Esprito Santo que nos foi dado. Central
neste caminho de amor a converso dos afetos. um saber-se amado por
Deus com a mente, mas tambm, e, especialmente, com o corao. Segundo
Gallagher, para Lonergan o cristianismo implica no somente o dom interior de ser apaixonado por Deus, mas tambm a expresso exterior do amor
divino em Jesus Cristo que morre e ressuscita (p. 96).
A literatura tambm est presente nesta obra com a escritora america
Flannery OConnor (1925-1964). Escritora profundamente preocupada com
temas religiosos, ela se definia como uma tomista rural. Dona de um estilo
irnico, sempre lutou contra a separao entre razo e imaginao. Sua
estratgia ao escrever era sempre a de chocar o leitor mostrando-se contra
uma cultura cada vez mais secularizada e, tambm, contra uma religio
muito segura de si. Para ela, a f um caminhar na obscuridade e no um
desvelar do mistrio. Diante deste mistrio, ela entendia que sua misso
era alargar a imaginao do leitor. Segundo Gallagher, que neste captulo
comenta vrias histrias de OConnor, suas histrias queriam servir f
desafiando e transformando a imaginao, e ao mesmo tempo guiando o
leitor em direo a uma viso mais ampla da realidade (p.108). Para
OConnor, o cristianismo ideal no pode nunca existir, mas no podemos
deixar de ns abrirmos realidade espiritual e experincia religiosa,
conscientes de que o dogma na verdade guardio do mistrio.
No stimo captulo Gallagher apresenta uma teloga luterana pouco conhecida na amrica latina: Dorothee Slle (1929-2033). Teloga preocupada com a justia e a mstica, ela estuda questes contemporneas da f e
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a questo do sofrimento. Da sua preocupao social que coloca em destaque o papel crucial da escolha, do tomar posio, mas vai alm do horizonte meramente individual ou existencial (p. 124), preocupando-se com
a poltica e com as posies feministas. Para Slle, o maior inimigo da f
a apatia, a incapacidade de sentir compaixo, que separa as pessoas uma
das outras e as torna cegas injustia. A f crist, ento, significa escolher
o caminho do evangelho, o caminho de Jesus Cristo, contra todo individualismo, falta de solidariedade e neutralidade. um dar testemunho do
Deus de Jesus Cristo no mundo muitas vezes dominado pela morte. Rezar
e lutar so para ela dois momentos necessrios nesta viagem interior onde
silncio e encontro com o mistrio so, como na tradio mstica de Silesio
e Eckhart, experincia de libertao no qual a solidariedade a expresso
mais humana do amor divino (p. 129).
Charles Taylor (1931) o pensador do oitavo captulo. Filsofo conhecido
mundialmente, nos ltimos anos a f catlica de Taylor cada vez mais
explcita em seus escritos, onde ele critica abertamente a ortodoxia acadmica por ignorar a dimenso espiritual da vida humana. Suas pesquisas
sobre as mudanas culturais que condicionam a conscincia moderna do
indivduo so importantes para compreender o lugar onde se enraza a f
crist. Contra uma autossuficincia solitria, um eu desengajado, Taylor reflete sobre a vida de um eu engajado em tradies e contextos que marcam
profundamente sua forma de ser e imaginar. Para Taylor, o imaginrio social,
que vem antes que a teoria aparea com suas explicaes e anlises (p. 141)
o pano de fundo de nossas vidas. Da sua hiptese de que as pessoas
comuns do sentido prpria vida por meio, no de conceitos explcitos, mas
de narraes, imagens e prticas partilhadas da comunidade (p. 143). Neste
sentido, a modernidade produz uma mudana na sensibilidade cultural do
indivduo. Estas mudanas atingem a vida espiritual das pessoas que passam
ento a buscar uma nova linguagem que as ajudem a aproximarem-se do
mistrio da vida e de Deus em sociedades secularizadas como so as contemporneas. A presena divina, ento, se torna mais pessoal e menos
institucionalizada, mas a necessidade humana de uma mais profunda plenitude continua viva. Da a concluso de Gallagher de que para Taylor a
religio uma dimenso crucial e universal da nossa humanidade (p. 149).
No qualquer religio, mas aquelas que nos conduzem, gradualmente, a uma
converso diria ao amor de Deus e ao amor aos outros.
Para Pierangelo Sequeri (1944), o problema da cultura moderna que ela
coloca um forte acento sobre a dimenso racional da f, relegando a um
segundo plano a afetividade e a espiritualidade. Da que a vivncia da f
precisa descobrir trs reas importantes: a liberdade, a afetividade e a
beleza. Segundo Sequeri, a cultura atual, movida pela racionalidade cientfica, pela ideia de uma verdade impessoal, pelo paradigma do indivduo
autossuficiente e pela separao entre liberdade e sentimentos, causa danos reflexo teolgica. Para ter uma palavra de valor para o homem
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DRAPER, Brian: La inteligencia espiritual: Un nuevo modo de ser. Traduo do original ingls de 2009 por Milagros Amado Mier. Santander: Sal
Terrae, 2010. 264 pp., 20 X 13,5 cm. Col. El Pozo de Siquem, 267. ISBN 97884-293-1869-2.
Inteligncia emocional de Goleman fez sucesso. Ele contrapunha-a inteligncia iluminista, racionalista, objetivista. Fundamentalmente relaciona-a
com o correto gerenciamento das emoes prprias e com a capacidade de
relacionar-se com as dos outros.
O presente livro participa dessa inspirao originria, mas vai mais longe.
Por trs esto as intuies da escritora Danah Zohar que escreveu Spiritual
Intelligence: the Ultimate Intelligence [Bloomsbury: London, 2001]. O A.
no se prende a sua teoria e raciocnios. Antes se interessou por indicar
oportunidades para desenvolver a inteligncia espiritual (IE).
A IE reside na parte profunda do eu. Liga-se com a sabedoria que supera
o ego ou a mente consciente. Por meio dela, reconhecemos os valores existentes e descobrimos novos. Ajuda-nos a ser mais pessoa neste mundo.
O A. traa um itinerrio em quatro nveis para desenvolver a IE precisamente num mundo em que ela se v atropelada por causa da nsia de
ambies, do querer aparecer, do mergulhar em ativismo desmedido. Cada
nvel abarca quatro passos diferentes.
Um primeiro nvel consiste em tomar conscincia crtica de onde estamos.
Parte-se desse primeiro fato. E para explicit-lo, percorrem-se quatro etapas: despertar para onde se est, ver tal situao de maneira nova, experimentar uma mudana e transmiti-la.
O despertar para onde se est implica dar-se conta de certo nvel de inconscincia em que se vive, entregue a aes mecnicas. De que se deve
despertar? Cada um sabe o que o aliena: TV, Internet, etc. Uma experincia
de ruptura com tal mundo funciona como despertador, como seria um
apago de luz que dispe a pessoa para outras aes. O A. sugere exercPerspectiva Teolgica, Belo Horizonte, Ano 44, Nmero 124, p. 467-486, Set/Dez 2012
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J. B. Lbanio SJ
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so, onde os temas so trazidos para a vida dos leitores, e uma lista bsica
de Leitura recomendada.
A insistncia no tema do antijudasmo da literatura neotestamentria e a
preocupao de no enfraquecer as identidades religiosas de cristos e judeus (p. 19) fazem pensar que a A. escreve num ambiente onde o conflito
judeus-cristos forte, com desvantagem para os judeus. Da a necessidade
de tomar as dores deles. Como no existe no Brasil este clima de hostilidade
antijudaica por parte das igrejas crists, o leitor brasileiro poder se sentir
deslocado ou pensar que a A. vive num ambiente de Idade Mdia. Eventuais
intolerncias antijudaicas partem de grupos marginais da sociedade, como os
skinsheads, sem nenhuma conotao religiosa. verdade que os escritos
neotestamentrios foram interpretados num vis antijudaico. Porm, no tem
sentido acus-los de antijudaicos, pois, na poca em que foram escritos, o
cristianismo era um dos vrios grupos dentro do judasmo, como a A. reconhece na p. 225. Alis, um grupo sob serrada presso dos que detinham mais
poder, como era o caso dos escribas e fariseus das sinagogas. O Novo Testamento fala das perseguies sofridas pelos cristos por parte de outros
grupos judaicos, jamais de perseguies promovidas pelos cristos.
Emblemtica a autorizao recebida por Saulo para ir a Damasco e trazer
para Jerusalm, para serem devidamente punidos, quem pertencesse ao
Caminho (At 9,2). No final do sc. I, os membros da comunidade de Mateus,
em Antioquia, recebem a seguinte advertncia: Guardai-vos dos homens:
eles vos entregaro aos sindrios e vos flagelaro em suas sinagogas (Mt
10,17). Tratavam-se, portanto, de querelas intestinas da religio judaica, sem
que esta fosse posta em cheque. As interpretaes antijudaicas de textos
neotestamentrios so muito posteriores, feitas em contextos muito distintos.
A leitura teocntrica da Bblia tem fundamento e pode ser til para promover
o dilogo judeu-cristo. Todavia, dispensar a leitura cristocntrica para salvlo no atitude recomendvel para quem se apresenta como teloga e
eticista crist (p. 11). Qui ps-crist, pois deixa de lado elementos fundamentais da teologia crist, em vista de salvaguardar o dilogo interreligioso.
O ttulo promete mais do que a obra, efetivamente, oferece. A Bblia
libertada da leitura antijudaica feita pelos cristos. Porm, que exegeta
cristo srio, hoje, investe em tal tipo de leitura? Alis, no mbito da Igreja
Catlica, o Conclio Vaticano II, na Declarao Nostra aetate, sobre as
relaes da Igreja com as religies no-crists, incentiva os catlicos a
seguirem o caminho inverso (cf. NA 4). o que tem acontecido! Enquanto
Guia para curiosos e perplexos fica a pergunta: Quem so eles? Curiosidades e perplexidades em torno da Bblia, no Brasil e alhures, seguem
direes muito distintas das trabalhadas pela A.
Jaldemir Vitrio SJ
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Sem ttulo-6
Perspectiva Teolgica, Belo Horizonte, Ano 44, Nmero 124, p. 467-486, Set/Dez 2012
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28/11/2012, 15:39