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Feminae Dicionario Contemporaneo 2013

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Dicionário Contemporâneo
Podem ser reproduzidos pequenos excertos desta publicação, sem necessidade de autorização,
desde que se indique a respetiva fonte.
Os conteúdos apresentados não exprimem necessariamente a opinião da Comissão para a Cida-
dania e a Igualdade de Género.

Título
Feminae
Dicionário Contemporâneo

Direção
João Esteves e Zília Osório de Castro

Coordenação
Ilda Soares de Abreu e Maria Emília Stone

Preparação da edição
Divisão de Documentação e Informação

1.a edição
dezembro, 2013

COMISSÃO PARA A CIDADANIA E A IGUALDADE DE GÉNERO


www.cig.gov.pt
Avenida da República, 32, 1.o, 1050-193 Lisboa – Portugal
Tel.: (+351) 217 983 000
Fax: (+351) 217 983 098
E-mail: cig@cig.gov.pt
Delegação do Norte:
Rua Ferreira Borges, 69, 2.o C, 4050-253 Porto – Portugal
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Fax: (+ 351) 222 074 398
E-mail: cignorte@cig.gov.pt

Aplicação do acordo ortográfico, pré-impressão, impressão e acabamento


Editorial do Ministério da Educação e Ciência

Tiragem
1000 exemplares

Depósito legal
368 238/13

ISBN
978-972-597-372-1 (impresso)
978-972-597-373-8 (pdf)
João Esteves e Zília Osório de Castro
(direção)

Ilda Soares de Abreu e Maria Emília Stone


(coordenação)

Feminae
Dicionário Contemporâneo

Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género


2013
Nota Prévia
Com a presente publicação, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género associa-
-se ao Centro Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, na edição de mais um Dicionário de História
Contemporânea (séculos XIX e XX) produzido no âmbito dos Estudos sobre as Mulheres, domínio
no qual esta Comissão foi pioneira, nos anos 70 e 80 do século passado.
A atividade editorial marca a ação desta Comissão desde a sua criação, enquanto mecanismo
nacional para a igualdade, até aos dias de hoje, sendo igualmente relevante, até ao final do século
passado, a organização de Seminários e Conferências de cariz científico, frequentemente em
parceria com instituições de ensino superior e de investigação. Iniciadas nos anos 70 as suas três
primeiras linhas editoriais, Cadernos Condição Feminina (1976), Informar as Mulheres (1979) e
Planeamento Familiar (1976), a então CCF visava, com a primeira, a produção e a divulgação do
conhecimento sobre a situação das mulheres (e das relações entre mulheres e homens) na so-
ciedade portuguesa, sob a égide dos Women Studies, e, com as duas outras, proporcionar o acesso
da população em geral a informação essencial, com utilidade prática para a melhoria do quoti-
diano das mulheres portuguesas. Produzem-se na CIG os primeiros levantamentos da situação das
mulheres em Portugal e alguns dos primeiros estudos sobre as mulheres em áreas tão diversas
como o direito, a demografia e os fenómenos migratórios, o emprego e as diferenças salariais, a
formação profissional, a imprensa, a educação e a publicidade. Ainda nesta década, em 1979,
inicia-se com Mudar as Atitudes a 1ª linha editorial destinada à educação, um dos domínios de
intervenção privilegiado pela Comissão, que visava fomentar a mudança, quer das atitudes e dos
comportamentos individuais e coletivos de mulheres e de homens, quer da organização social,
nos diferentes setores da vida que ambos partilham. Atualmente, das coleções que continuam a
ser editadas pela CIG, cerca de um terço destina-se à educação formal e não formal e à formação
de profissionais de educação.
Nos anos 80, foi possível assistir à realização pela CCF de alguns dos primeiros Seminários
enquadrados nos Estudos sobre as Mulheres e de que é imperioso destacar, em 1983, o Semi-
nário Estudos sobre a Mulher, organizado com a Fundação Calouste Gulbenkian, acompanhado
pela primeira Exposição Bibliográfica sobre a Mulher, da autoria de Regina Tavares da Silva,
patente durante o Seminário. Outras iniciativas se seguiram, como a que juntou a CCF com a
Universidade Nova de Lisboa, sobre a Mulher e o Poder (1985), ou com a Junta Nacional de In-
vestigação Científica e Tecnologia, sobre As Mulheres, o Ensino Superior, a Investigação Cientí-
fica e as Novas Tecnologias (1986).
Nos anos 90, a Comissão, então CIDM, sem deixar de renovar a sua estratégia de divulgação
e informação (Ditos & Escritos surgem em 1991), alarga a sua atividade editorial focalizando-se
no domínio das políticas públicas, área que passará a ser uma das suas prioridades editoriais. Com
Agenda Global (1995), a Comissão publica alguns dos documentos emanados das Conferências
Mundiais das Nações Unidas, que tiveram lugar nesta década e que trouxeram os Direitos das
Mulheres para a agenda política internacional, culminando com a Conferência Mundial sobre as
Mulheres, em Pequim, no ano de 1995. A CIDM edita então, em língua portuguesa, os dois do-
cumentos de política internacional de referência para as políticas de igualdade entre mulheres e
homens: a chamada Convenção CEDAW e a Plataforma de Ação de Pequim. No mesmo ano, com
Bem-Me-Quer, a Comissão evidencia a necessidade de atender à dimensão territorial e local das
políticas públicas de igualdade, reforçando e renovando, no fim da década, a sua ação no domínio
da educação com Cadernos Coeducação. Interpelando a academia, a quem convida e desafia para
os Seminários que continua a promover, volta a organizar um Seminário subordinado aos Estu-
dos sobre as Mulheres (1993), desta vez em parceria com a Comissão Europeia, então designada
Comissão da Comunidade Europeia, e a Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres, e
realiza em 1994, em parceria com diversas entidades, aquela que foi uma das suas iniciativas, de
cariz científico, mais emblemática e mobilizadora da comunidade científica portuguesa e lusó-
NOTA PRÉVIA 8

fona, desta vez do campo específico da produção historiográfica, o Congresso Internacional


O Rosto Feminino da Expansão Portuguesa, integrado nas atividades Lisboa 94, Capital Europeia
da Cultura.
Já neste século, é a vez da coleção de bolso Fio de Ariana (2004), a terceira linha editorial des-
tinada à educação. Nos últimos dez anos, no quadro dos Gender Studies, mantendo a CIG a
prioridade dada à difusão da produção científica, é a vez de Estudos de Género (2005). A atenção
conferida às políticas públicas e a necessidade de divulgação em língua portuguesa de relatórios
sectoriais e de outros documentos, nacionais e internacionais, levam a Trilhos de Igualdade
(2008), ao mesmo tempo que o fenómeno da violência doméstica e a intervenção junto dos dife-
rentes grupos profissionais que atuam e dão resposta a este fenómeno se traduzem na criação da
coleção Violência Doméstica (2009).
A constância e diversidade da atividade editorial da CIG conduziram ainda a inúmeras
edições fora de coleção de investigadoras e investigadores de diversos domínios científicos, bem
como a parcerias com editoras comerciais que permitiram a publicação de estudos realizados no
âmbito da Comissão, o último das quais constitui hoje uma referência indispensável para a pro-
dução científica nacional em Estudos sobre as Mulheres e, em especial, em História das Mu-
lheres, A Mulher – Bibliografia portuguesa anotada (monografias, 1518-1998), de Regina Tavares
da Silva e prefácio de Maria de Lurdes Pintasilgo.
O Dicionário de História Contemporânea que a CIG agora dá à estampa surge, pois, numa
linha de atuação estratégica de continuidade quanto à sua finalidade, que é a da efetivação dos
direitos das mulheres e da igualdade entre mulheres e homens.
Apesar da produção científica realizada nos últimos 35 anos no âmbito dos Estudos sobre as
Mulheres, esta permanece uma área de investigação fundamental para que possamos olhar o
mundo, o presente e o passado, numa perspetiva relacional, exigência epistemológica trazida
pelo conceito de género para as diferentes áreas científicas e, nestas, para a ciência histórica a par-
tir do ponto de viragem que constituiu o incontornável contributo teórico de Joan Scott, nos anos
80.
O século XIX constitui, como é sabido, uma época de profundas mudanças que consolidarão
os novos fundamentos de organização política, económica e social de que são, ainda hoje,
herdeiras a maioria das sociedades ocidentais. Nesse sentido, espera-se que o presente Dicionário
seja um importante contributo para o conhecimento da sociedade portuguesa do presente e, a
partir desse conhecimento, para a identificação e a compreensão dos avanços, das hesitações,
dos bloqueios, das resistências e dos fatores de mudança de que deve partir a conceção das políti-
cas públicas de igualdade entre mulheres e homens. A ciência histórica, quando alicerçada numa
perspetiva relacional, confronta-nos com uma História da Humanidade pautada pela (re)cons-
trução das relações de mulheres e homens, pelo modo como umas e outros viveram enquanto
coletivos e pelas transformações sociais, económicas, políticas, culturais e mentais para que
ambos concorreram e de que ambos foram sujeitos.
O Dicionário Feminae constituirá certamente um valioso instrumento para que seja esse olhar
integrado e integrador da diversidade humana, presente em homens e mulheres, que configure a
atuação política e a intervenção de organismos públicos e privados, da sociedade civil e dos
movimentos sociais, numa época de profundas alterações da vida de homens e de mulheres.

A Comissão para a Cidadania


e a Igualdade de Género
Introdução
É extremamente gratificante para Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, equipa de investigação
do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa, assim como para quem lhe
prestou uma colaboração a muitos títulos preciosa, poder apresentar publicamente o resultado do
seu trabalho. Debruçar-se sobre o mundo feminino nos seus múltiplos aspetos, embora não seja
tarefa fácil, é sempre aliciante. Descobrem-se facetas inesperadas, relevam-se figuras esquecidas
ou ignoradas, dá-se conta de dinâmicas imprevisíveis, conhecem-se iniciativas que deram sentido
à vida de tantas e tantas mulheres. Numa palavra, torna-se possível empreender a tarefa complexa
de ir compondo a imagem de uma realidade praticamente invisível, mas nem por isso menos pre-
sente. Neste processo não importa primordialmente apontar culpas – incidindo, maioritária ou
exclusivamente, sobre os homens –, mas denunciar situações que se foram consolidando ao lon-
go dos tempos. Isto não significa que se minimize o conhecimento e a reflexão sobre o real vivi-
do ou que se vive. Isto significa, sim, que a reflexão sobre o presente, a reflexão ativa e objetiva,
terá de ser inevitavelmente o fundamento indispensável à mudança desejada. Só uma reflexão li-
vre de preconceitos e de ideias feitas poderá informar a conquista do essencial com a consciên-
cia de que este, na sua concretização, contém uma multiplicidade de soluções e implicações. Con-
traria o pensamento ou perspetiva exclusiva do único, colocando-o no plano abstrato, do irreal,
já que a vida vivida, o concreto, se caracteriza pela multiplicidade, que, sem negar a unidade fun-
dante, dita a diferença real e enriquecedora, porque decorrente das inúmeras potencialidades pes-
soais.
As mulheres, tal como os homens, são, acima de tudo, pessoas. Ignorá-lo traz consigo a de-
cadência individual e comunitária e, daí, o empobrecimento da humanidade que, em casos ex-
tremos, tenderá para a sua aniquilação. Deixando de haver pessoas, deixa de haver humanidade.
E resta o quê…? Neste sentido, a responsabilidade de todos os seres humanos – mulheres e ho-
mens – é imensa. Se todos são pessoas, todos têm de viver como pessoas. Isto é, como pessoas
responsáveis pelos seus atos, como seres dotados de liberdade. Ora a opressão, seja ela de que teor
for, corrói a humanidade. Daqui que as suas consequências recaiam tanto sobre o ser humano opres-
sor como sobre o ser humano oprimido. Ambos contrariam o seu estatuto de pessoa. Uns porque
ultrapassam os limites da sua responsabilidade, da sua liberdade; outros porque lhes são veda-
dos esses limites. Todavia, atribuindo a esta realidade não um significado humanista, mas sim de
exercício efetivo de poder, os seres opressores são os seus detentores quando o exercem indis-
criminadamente sobre os outros seres humanos, os oprimidos. Estes teriam naturalmente como
objetivo a conquista de um poder libertador por definição, mas que a não contemplar a humani-
dade de todos os seres humanos se tornaria, por sua vez, opressor. Daqui que, consequente-
mente, a humanidade continuaria a percorrer o mesmo inalterável caminho de decadência pela
carência real de pessoas.
Transpondo esta reflexão para o “mundo” feminino dos séculos XIX e XX, na parte abrangi-
da por este Dicionário verifica-se que um apreciável número de mulheres procurara conquistar
o seu espaço de pessoas no tempo e na sociedade em que nasceu e viveu. Em diversos campos,
houve quem procurasse viver como pessoa. Quem quer que fosse, tornou-se, sem dúvida, um fer-
mento com potencialidades de transformação. Sem a vida de cada uma, a sociedade de hoje se-
ria diferente. Com o seu contributo, consciente ou inconsciente, alguma coisa mudou ou está a
mudar. Por isso, conhecê-las nas suas vidas vividas adquire o sentido de uma homenagem por
tudo o que fizeram e como fizeram. Foram cidadãs, mas acima de tudo foram pessoas. Apesar dis-
so, em muitos casos, foram esquecidas, ignoradas, o que constitui, realmente, uma forma de opres-
são. Apagar a memória, ou, pior ainda, impedir a memória, significa anular a existência e a vida
de uma pessoa que viveu. Feminae – Dicionário Contemporâneo, na sequência do Dicionário do
Feminino (séculos XIX-XX), pretende manter vivas muitas mulheres que marcaram com o selo
da sua presença e ação o seu tempo. Iguais, porque viveram como pessoas; diferentes, porque per-
INTRODUÇÃO 10

correram caminhos diversos. Todas dignas de ficarem na memória. Todas dignas de continuarem
a viver no dia a dia do tempo que ajudaram a construir. Conservar a memória das várias facetas
do mundo feminino aqui presente – facetas pessoais e facetas institucionais –, objetivo último des-
te trabalho, atingirá o seu ponto culminante quando a Memória se transformar em História. Isto
é, quando os dados recolhidos e publicados servirem para a compreensão e interpretação da His-
tória da Sociedade e da Cultura em Portugal pela pena de historiadoras e historiadores com o sen-
tido da globalidade dos fenómenos sociais e sensibilidade para integrar mulheres e homens na
perspetiva humanista do mundo e da vida.
Temos consciência que os dois dicionários acima mencionados, elaborados por iniciativa de
Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, mais não são do que uma pequena gota de água no imen-
so universo das mulheres. Mas são uma gota de água só possível com o contributo de dezenas de
colaboradores e a dedicação dos membros de Faces de Eva, que desde o primeiro dia não rega-
tearam o seu trabalho para que este projeto se concretizasse. Uma palavra muito, muito especial
é devida ao João Esteves. Sem ele, estas obras não teriam sequer nascido.
À CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género –, na pessoa da sua presidente,
a Senhora Dr.a Fátima Duarte, que tornou possível esta edição, e a toda a sua equipa, pela sim-
patia e eficácia com que sempre nos atendeu, são devidos os maiores agradecimentos de Faces
de Eva. Estudos sobre a Mulher.

Zília Osório de Castro


Apresentação
Tendo por ponto de partida o projeto apresentado, em 2003, à Fundação para a Ciência e Tecnologia
por Faces de Eva. Centro de Estudos sobre a Mulher, unidade de investigação da Faculdade de Ciên-
cias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa entretanto integrada no CESNOVA, no sen-
tido de dar continuidade ao Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX) editado pelos Livros Horizonte
em 2005, esta obra persiste em desvendar mulheres que souberam contornar e romper com a esfera
privada, historicamente reservada ao universo feminino, e impor-se no espaço público.
Centrado no mesmo período, Feminae – Dicionário Contemporâneo expõe, assim, um conjunto
heterogéneo de mulheres que se evidenciaram ou, a posteriori, merecem ser resgatadas de silên-
cios e omissões em que foram submersas. Mais do que uma preocupação com as ausências, ine-
vitáveis, sem que tal implique a sua desvalorização, já que um dicionário implica opções, man-
teve-se a decisão de fazer emergir outros nomes, impercetíveis porque desconhecidos, ignorados
ou anulados, a par de abordagens diferenciadas e complementares de outros sobejamente estu-
dados. Acolheram-se, ainda, quase todas as propostas que foram chegando aos coordenadores do
empreendimento e procurou-se uniformizá-las, visando assegurar a unidade possível na diver-
sidade de estilos, de metodologias e de perspetivas.
Se se procurou construir um Dicionário aberto, plural, inclusivo e diversificado, envolven-
do um conjunto riquíssimo de vivências únicas, ele também comporta um cunho afetivo, ao in-
cluir entradas mais centradas na perspetiva familiar de algumas das biografadas, proporcionan-
do um enfoque mais humanizado devido aos laços assumidos por quem escreve e onde o quoti-
diano, o público e o privado se cruzam.
Contando com a colaboração de mais de setenta autores oriundos de diversas profissões, áreas
do saber e centros académicos, de Portugal e do Brasil, que tão pacientemente aguardaram pelo
desfecho da sua edição, o Dicionário contém mais de um milhar de nomes, envolvendo advoga-
das, arquitetas, assistentes sociais, atrizes, bailarinas, cantoras, compositoras, dançarinas, dramaturgas,
educadoras, empresárias, encenadoras, enfermeiras, escritoras, escultoras, fadistas, fotógrafas, his-
toriadoras, jornalistas, maestrinas, mestras, museólogas, musicólogas, operárias, pedagogas, pe-
riodistas, pianistas, pintoras, precetoras, professoras, proprietárias, rainhas, religiosas, traduto-
ras, violinistas, violoncelistas, bem como inglesas que intervieram no quotidiano português, be-
neméritas e ativistas políticas, católicas, comunistas, democratas, espíritas, feministas, monárquicas,
oposicionistas – clandestinas e na legalidade – à ditadura militar e ao salazarismo –, primeiras-
-damas, presas políticas e republicanas. Todas concorreram, à sua maneira, para a afirmação da
cidadania feminina. De uma forma ténue ou consciente, ousada ou subtil, revolucionária ou tra-
dicional, notória ou recatada, contribuíram, irrevogavelmente, para a conquista do espaço público
pelas mulheres e respetiva visibilidade enquanto cidadãs de plenos direitos.
Embora a maioria dos textos corresponda a nomes de mulheres já falecidas, algumas recentemente,
há exceções que envolvem mulheres ainda ativas, sobretudo as últimas filiadas no Conselho Nacio-
nal das Mulheres Portuguesas e na Associação Feminina Portuguesa para a Paz, e cujo percurso foi
possível desenvolver a partir de informações despoletadas por entradas incluídas no Dicionário no Fe-
minino. Nestes casos, o recurso à história oral e a documentos particulares revelou-se profícuo na cor-
reção e preservação de legados que, doutra forma, poderiam não ser tão facilmente resgatados.
Em menor número, há ainda a considerar as entradas sobre associações de mulheres – Asso-
ciação das Antigas Alunas e Amigas do Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho, Associação Fe-
minina Portuguesa para a Paz, associações de mulheres nas décadas de 70 e 80 do século XX, Cru-
zada das Mulheres Portuguesas, Mocidade Portuguesa Feminina, Sociedade da Cruz Branca de
Coimbra; instituições – Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas, Assistência das Portuguesas às
Vítimas da Guerra, Associação Benéfica dos Súbditos Britânicos em Portugal, Clube Lisboeta de
Senhoras, Comissão da Condição Feminina, Comissão para a Política Social Relativa à Mulher,
Instituto Monsenhor Airosa, Lar da Boa Vontade, Lar Internacional de Lisboa, Núcleo Feminino
APRESENTAÇÃO 12

de Assistência Infantil da Junta Patriótica do Norte, Obra das Mães pela Educação Nacional; pe-
riódicos – Alma Feminina (1907-1908, 1931), ASA (A) (1919, 1924-1926), Astro da Lusitânia (1820-
-1823), Ave Azul (1899-1900), Futuro (O), Mulheres, Mulheres Magazine, Natal (boletim da União
Noelista Portuguesa), Nova Alvorada, Nova Aurora, Toucador (O); e temáticas – advogadas, co-
educação, comendadeiras, direitos sexuais e reprodutivos, Escola Maria Pia, Festa da Flor, fun-
cionalismo público feminino, imagens da mulher na literatura portuguesa oitocentista, imagens
de mulheres nos manuais escolares de História, Liceu D. Filipa de Lencastre, liceus secundários
femininos (1888-1906), madrinhas de guerra, Maria da Fonte, medicina e mulher, morgadio em
Portugal – uma perspetiva no feminino, mulheres espíritas, mulheres tradutoras, operárias, pa-
rentesco no feminino, prostituição, recolhidas, regentes escolares, telefonistas.
Cada entrada é assinada pelas iniciais do respetivo autor e, na sequência de projetos idênti-
cos assegurados pela mesma equipa, seguiu-se a metodologia de serem ordenadas segundo o pri-
meiro nome, optando-se, maioritariamente, pelo nome completo de batismo e/ou de casamento
e não pelo mais conhecido, recorrendo-se nestes casos a entradas remissivas. O asterisco (*) as-
sinala nomes, associações ou instituições cujas entradas integram o presente Dicionário, e a bi-
bliografia encontra-se organizada em três módulos, nomeadamente no caso das biografias: ma-
nuscritos (mss.) ou fontes; textos da biografada (da autora); e obras, estudos, textos, notícias ou
informações acerca da entrada (bib.). No caso das biografias, os textos da autoria das biografadas
apresentam-se ordenados cronologicamente, independentemente de serem artigos da imprensa
ou obras, e a bibliografia disposta pelo primeiro nome do autor e, quando não identificado, por
ordem cronológica. Atendendo a que muitos dos textos datam de há já alguns anos, não coinci-
dindo com a data da edição, nem sempre foi exequível acrescentar a bibliografia ou retificar o cur-
rículo dos autores. Nas transcrições, atualizou-se, com raras exceções, a grafia atualmente em vigor,
respeitando-se a pontuação original, tendo ainda o Dicionário sido formatado segundo o Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, apesar das polémicas e desacordos que tem suscitado.
Por não ter sido possível contactar com os respetivos autores, apesar de várias diligências efe-
tuadas, decidiu-se não se incluir nesta edição final cinco entradas, já revistas e formatadas, refe-
rentes a outras tantas biografadas, situação que se lamenta.
Com lacunas, até porque seria inviável cobrir a totalidade do universo feminino contemporâneo,
mais do que o apontar das ausências daquelas entradas que cada um pondera indispensável a este
género de obras, espera-se que o leitor, o cidadão, o estudioso ou o crítico considere antes os adita-
mentos, as complementaridades e as singularidades que cada uma pode conter, num contributo mais
alargado para a perceção da intervenção feminina autónoma durante os séculos XIX e XX. E, por sua
vez, que cada uma delas propicie novas investigações, revelações, interpretações, correções e rees-
critas, tal como sucedeu a partir do Dicionário no Feminino, e que outros projetos e investigadores
continuem este desbravar da memória, inacabada e inacabável, da cidadania feminina.
*
Esta obra não teria sido possível sem o voluntarismo, a generosidade, a dedicação e a compreensão
de todos os autores/colaboradores; o empenho, perseverança, disponibilidade e estímulo das coor-
denadoras Maria Emília Stone e Ilda Soares de Abreu, desde o início associadas ao projeto e que
souberam reatá-lo sempre que necessário; e a direção da Professora Doutora Zília Osório de Cas-
tro. Uma palavra de reconhecimento é também devida a António Ferreira de Sousa, obreiro dos
contactos, da recolha e organização da primeira fase do Dicionário; a Natividade Monteiro, pela
cooperação na sua ultimação; e a Pedro Stone, pela pronta disponibilidade, amabilidade e eficá-
cia com que correspondeu sempre que solicitado.
Gostaria de deixar um apontamento pessoal de quão gratificante foi ter participado neste vas-
to projeto, ter convivido, ainda que à distância, com uma plêiade de autores doutra forma inacessíveis,
ter aprendido com os seus escritos únicos e poder reencontrar, nalgumas das entradas,
nomes que tive a ventura de conhecer desde sempre e cujos exemplos alicerçaram a minha for-
mação enquanto pessoa, historiador e cidadão.
Um agradecimento final à Presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género,
Dr.a Fátima Duarte, por ter proporcionado a edição desta obra.
João Esteves
Colaboradores
[A. C.] Adélia Caldas. Professora de História e rosianos e, na generalidade, no da literatura por-
de História Arte no Ensino Secundário oficial tuguesa dos séculos XIX e XX. É responsável
e no Ensino Superior privado; formadora de pro- pelo tratamento e edição de espólios literários
fessores; investigadora e historiadora com par- (Raul de Carvalho, Florbela Espanca). Tem pu-
ticipação em diversos colóquios e congressos. blicado, organizado e orientado diversos livros,
Licenciada em História pela Faculdade de Le- edições críticas, capítulos de livros, ensaios e
tras da Universidade Clássica de Lisboa; Mes- entradas de dicionários.
tre em História da Arte pela FCSH da UNL com
tese de Doutoramento pela FCSH da UNL en- [A. M.] Adriana Mello. Doutoranda em Litera-
tregue mas ainda não defendida. tura na Universidade de Évora e professora na
Escola Superior de Educação de Portalegre. Li-
[A. C. O.] Ana Cristina Gomes Reis de Olivei- cenciada em Ciências da Comunicação pela Uni-
ra. Mestre em Estudos Anglo-Portugueses – Li- versidade Nova de Lisboa e Mestre em Estudos
teratura Inglesa pela FCSH da UNL. Pós-licen- Lusófonos pela Universidade de Évora; parti-
ciada no RFE – Português e Inglês. Licenciada cipante do grupo de Filosofia Brasileira e Por-
em LLM – Português e Inglês. Professora de In- tuguesa junto do Centro de Filosofia Brasileira
glês e Português do 3.o Ciclo e do Ensino Se- do Programa de Pós-graduação em Filosofia da
cundário. Recebeu prémio PEN Clube Portugal Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“1.a Obra” em 2006 pela versão publicada da dis-
sertação Continentes Negros em She e The Sto- [A. M. C. L.] Ana Maria Costa Lopes. Mestre em
ry of an African Farm. Membro-investigador das Estudos Luso-Asiáticos (Variante Literatura) pela
Faces de Eva. Universidade de Macau e doutorada em Língua
e Cultura Portuguesa pela Universidade Cató-
[A. C. S.] Amaro Carvalho da Silva. Professor lica Portuguesa. Professora Auxiliar da Facul-
de Filosofia na Escola Secundária Maria Amá- dade de Ciências Humanas da Universidade Ca-
lia Vaz de Carvalho – Lisboa, membro fundador tólica Portuguesa e investigadora do Centro de
da PROSOFOS (Associação para a Promoção da Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Por-
Filosofia), doutorando da Faculdade de Letras tuguesa, desde 1983, e do Centro de Estudos de
da Universidade de Lisboa na área de História Comunicação e Cultura, da mesma universi-
e Cultura das Religiões, “investigador integra- dade. Investiga nas áreas do género e da litera-
do” do Centro de Estudos de História Religio- tura tradicional portuguesa e estrangeira. Autora,
sa (CEHR) da Universidade Católica Portugue- entre outras obras, de Imagens da Mulher na
sa e autor de diversos trabalhos de investigação. Imprensa Feminina de Oitocentos, e Percursos
de Modernidade e de diversos artigos em revistas
[A. d. S.] Armindo dos Santos. Professor As- portuguesas e estrangeiras.
sociado da FCSH da Universidade Nova de Lis-
boa, onde obteve a Agregação. Doutorado em An- [A. M. G. e Filhos] António Matos Gomes. Ar-
tropologia Social pela École des Hautes Études quiteto. Membro n.o 161 da Ordem dos Arqui-
en Sciences Sociales e pelo Collège de France. tetos. Primeiro diretor, entre novembro de
É igualmente doutorado em Estudos Portugue- 1981 e dezembro de 1982, do Jornal Arquitetos,
ses pela UNL. Licenciou-se em Sociologia e em iniciativa da Secção Regional do Sul da Asso-
Geografia, na Universidade de Paris VII, e ob- ciação dos Arquitetos Portugueses.
teve o Mestrado em Sociologia na Universida-
de de Paris VIII. [A. P. F.] António Pinto da França (12/09/1935-
-04/06/2013). Diplomata e escritor, foi embai-
[A., G., I. e J. D. C. R.] Ana, Guida, Isabel e João xador em Bissau, Luanda, Bona e Santa Sé.
David Cardigos dos Reis.
[A. V.] Ana Vicente. Nasceu em 1943. Licenciou-
[A. L. V.] Ana Luísa Vilela. Ensina Literatura Por- -se em Letras pela Universidade de Lisboa. En-
tuguesa na Universidade de Évora, onde tem de- tre muitas outras atividades, trabalhou na Co-
senvolvido pesquisa no âmbito dos estudos quei- missão para a Igualdade e para os Direitos das
COLABORADORES 14

Mulheres, de que também foi presidente (1992- equipa da Casa da Cerca – Centro de Arte Con-
-1996). Membro de várias ONG, incluindo o Mo- temporânea. Comissária independente de ex-
vimento Internacional Nós Somos Igreja. Autora posições de artes plásticas. Membro da secção
de 16 livros (questões de género, história, bio- portuguesa da AICA.
grafia, infantil), entre os quais uma história da
sua família, Arcádia – Notícia de uma família [E-M. v. K.] Eva-Marie von Kemnitz. Doutora-
anglo-portuguesa. Publicou, em 2011, Memórias da (2006) em História das Ideias pela Univer-
e Outras Histórias. Pertence à quinta geração de sidade Nova de Lisboa, com a tese O Orienta-
mulheres da sua família que escreve. É casada, lismo em Portugal no Contexto Europeu e no das
mãe de dois filhos e avó de cinco netos. Relações Luso-magrebinas (sécs. XVIII e XIX).
Mestre (1976) em Filologia Oriental (Estudos
[C. B.] Cecília Barreira. Professora Auxiliar com Árabes e Islâmicos) pela Universidade de Var-
Agregação no Departamento de Estudos Portu- sóvia, com a tese Tradycje kultury arabsko-
gueses da Universidade Nova de Lisboa. Dou- muzulmanskiej w Portugalii (Tradições da Cul-
torou-se e agregou-se em Estudos Portugueses tura Árabe-Muçulmana em Portugal).
pela Universidade Nova de Lisboa na especia-
[E. S. A.] Elsa Santos Alípio. Licenciada em His-
lidade de Cultura Portuguesa Contemporânea.
tória e Mestre em História Contemporânea
[C. E.] C. Empis. pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL).
[D. D.] Diana Dionísio (n. 1982). Licenciada em Investigadora Integrada do Instituto de História
Línguas e Literaturas Modernas – variante Por- Contemporânea – UNL. Técnica Superior do Mu-
tuguês – Francês, pela Faculdade de Letras da seu da Presidência da República.
Universidade de Lisboa, onde realizou o Mes-
trado em Estudos de Teatro, apresentando [F. M.] Fernando Mascarenhas. Licenciado
uma dissertação sobre Manuela Porto (2007). em Filosofia pela Universidade de Lisboa, fre-
Pertence à direção da Casa da Achada – Centro quentou a Universidade de Coimbra e a de Nan-
Mário Dionísio, em Lisboa, em cujo centro de terre. Foi Assistente e, depois, Assistente Con-
documentação trabalha desde 2009. vidado da Universidade de Évora, entre 1979 e
1988. Instituiu, em 1989, a Fundação das Casas
[D. M. T. M.] Dalila Maria Teixeira Milheiro. de Fronteira e Alorna, atribuindo-lhe uma vo-
Mestrado em Estudos sobre as Mulheres pela cação cultural. Marquês de Fronteira.
Universidade Aberta e Licenciatura em Línguas
e Literaturas Modernas, variante de Estudos Por- [F. M. S.] Fabio Mario da Silva. Doutorando em
tugueses pela Faculdade de Letras da Univer- Literatura pela Universidade de Évora, sendo
sidade de Coimbra. Professora de Português e bolseiro da FCT. Membro integrado do CLEPUL
Formadora nas áreas da Didática do Português (Centro de Literaturas e Cultura Lusófona e Eu-
e da Educação e Multiculturalidade. Investiga- ropeia) da Faculdade de Letras da Universida-
dora do CEMRI – Universidade Aberta. de de Lisboa, já lecionou na Universidade de
Varsóvia (Polónia) como Professor Convidado.
[E. D. M. R.] Elzira Dantas Machado Rosa. Li- Atualmente, dirige, em conjunto com a Profes-
cenciada em História pela Faculdade de Letras sora Cláudia Pazos Alonso, a edição anotada das
da Universidade de Lisboa e Mestre em Histó- Obras Completas de Florbela Espanca pela Edi-
ria Social Contemporânea pelo Instituto Supe- torial Estampa.
rior de Ciências do Trabalho e da Empresa (Sec-
ção Autónoma de Lisboa). Cofundadora do [F. P.] Fátima Pombo. Professora na Universidade
Museu Bernardino Machado e orientadora de Leuven, Bélgica, e na Universidade de Avei-
científica da respetiva Exposição Permanente. ro. Foi investigadora de pós-doutoramento na
Investigadora na área biográfica de Bernardino Universidade de Munique, com uma bolsa da
Machado na história da educação feminina. Au- Alexander von Humboldt Stiftung. Participa em
tora de diversas publicações. projetos de investigação, revistas científicas e
antologias nas áreas da teoria, história e críti-
[E. F.] Emília Ferreira. Doutora em História da ca do design e da filosofia estética. Para a RDP,
Arte Contemporânea, pela FCSH da Universi- Antena 2, escreveu 22 crónicas com o título ge-
dade Nova de Lisboa. Investigadora do Institu- nérico Fantasia dos Pássaros. Comentou con-
to de História da Arte da FCSH-UNL. Integra a certos de música clássica na Casa da Música,
15 COLABORADORES

Porto. Autora de romances e de literatura juvenil gar. A política feminina do Estado Novo (pré-
e infantil. Estudou Música no Conservatório de mio Ensaio da revista Máxima, 2011). Recebeu
Música do Porto. ainda o Prémio Pessoa, atribuído pelo Expres-
so e pela Unysis, em 2007, e o Prémio Seeds of
[G. D. C. R.] Guida David Cardigos dos Reis.
Science, categoria Ciências Sociais e Humanas,
[H. G. Mc C.] Honor Grace Mc Cabe. Autora do concedido em 2009.
livro A Light Undimmed, é religiosa dominicana
[I. G.] Idalete Giga. Licenciada em Ciências Mu-
de uma congregação irlandesa. Nascida na ci-
sicais pela Universidade Nova de Lisboa e
dade de Cork, Irlanda, licenciada pela Univer-
doutorada em Ciências da Educação pela Uni-
sidade Nacional da Irlanda, doutorada em Teo-
versidade de Évora, onde foi docente de 1991
logia Espiritual em Maryvale, Birmingham, In-
a 2007, no Departamento de Pedagogia e Edu-
glaterra. Viveu muitos anos no Convento de Nos-
cação.
sa Senhora do Bom Sucesso em Lisboa, reside
atualmente em Dublin. Ensina teologia espiri- [I. Gç.] Iria Gonçalves. Licenciada em Ciên-
tual e escreve artigos sobre a mística cristã para cias Histórico-Filosóficas pela Universidade de
revistas religiosas e também é autora do livro Lisboa e Doutora em História Medieval pela Uni-
A Hidden Mystic, biografia da Venerável Celeste versidade Nova de Lisboa. Lecionou na Facul-
Crostarosa. dade de Ciências Sociais e Humanas da UNL até
[I. D. C. R.] Isabel David Cardigos dos Reis. Es- à sua Jubilação, em 2003.
pecializada em contos da tradição oral portu- [I. H. J.] Maria Isabel de Chagas Henriques de
guesa, diretora do Centro de Estudos Ataíde Oli- Jesus. Pertence à equipa de Faces de Eva e é
veira, da Universidade do Algarve, onde trabalha membro integrado do CESNOVA/FCSH/UNL.
desde 1994, após um doutoramento em King’s Professora na ESE do IPS. Licenciada em Psi-
College London, com uma tese sobre o conto de cologia da Educação e doutorada em Línguas e
encantamento. Literaturas Românicas, especialidade de Lite-
[I. B.] Isabel Baltazar. Doutorada em História ratura Portuguesa Moderna, pela FCSH/UNL.
e Teoria das Ideias, especialidade de História das A sua área de intervenção e de investigação, para
Ideias Políticas (2008), pela Faculdade de Ciên- além da lecionação na Formação de Professo-
cias Sociais e Humanas da Universidade Nova res, centra-se nos Estudos sobre as Mulheres, in-
de Lisboa. Investigadora do CESNOVA/Faces de cidindo particularmente na representação das
Eva (FCSH/UNL) e do CEIS20 (Universidade de mulheres na literatura portuguesa contempo-
Coimbra). rânea e nas teorias feministas, com destaque para
a “segunda vaga do feminismo”.
[I. F. P.] Irene Flunser Pimentel. Licenciada em
História pela Faculdade de Letras da Universi- [I. L.] Ivone Leal. Licenciada em Ciências His-
dade de Lisboa, Mestre em História Contem- tórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da
porânea (século XX) e doutorada em História Ins- Universidade de Lisboa. Investigadora colabo-
titucional e Política Contemporânea pela Fa- radora do CESNOVA/Faces de Eva (FCSH-
culdade de Ciências Sociais e Humanas da Uni- UNL).
versidade Nova de Lisboa. Elaborou diversos es- [I. S. A.] Ilda Maria Assunção e Silva Soares
tudos sobre o Estado Novo, o período da Se- de Abreu. Licenciada em História pela Facul-
gunda Guerra Mundial, a situação das mulhe- dade de Letras da Universidade de Lisboa e Mes-
res e a polícia política durante a ditadura de Sa- tre em História Cultural e Política pela FCSH da
lazar e Caetano. Investigadora do Instituto de Universidade Nova de Lisboa. Investigadora de
História Contemporânea (FCSH da UNL). Au- Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher.
tora de diversos artigos e livros, entre os quais
se contam: História das Organizações Femini- [J. E.] João Esteves. Professor e historiador. Li-
nas do Estado Novo (prémio Carolina Michaë- cenciado em História pela Faculdade de Letras
lis, 1999); Judeus em Portugal durante a Se- da Universidade de Lisboa (1983) e Mestre em
gunda Guerra Mundial. Em fuga de Hitler e do História dos Séculos XIX-XX pela FCSH da Uni-
Holocausto (prémio Adérito Sedas Nunes, ICS, versidade Nova de Lisboa (1988). Doutorando
2007); A História da PIDE (prémio especial da em História Moderna e Contemporânea no IUL
revista Máxima, 2008) e A cada Um o Seu Lu- – ISCTE.
COLABORADORES 16

[J. E. F.] José Eduardo Franco (n. 1969). Dire- onde viria a exercer as funções de diretor da-
tor do Centro de Literaturas e Culturas Lusófo- queles serviços. Pertenceu à direção da BAD –
nas e Europeias da Faculdade de Letras da Uni- Associação Portuguesa de Bibliotecários, Ar-
versidade de Lisboa. Doutorou-se pela EHESS quivistas e Documentalistas. Foi monitor de cur-
de Paris na especialidade de História e Civili- sos de formação. Escreveu no Diário de Notícias
zações. Concluiu projetos de investigação nos artigos sobre diversos temas, nomeadamente his-
domínios da História da Cultura, da História Re- tória e informação. Em 1982, foi requisitado pelo
ligiosa, da Mitocrítica e das grandes polémicas Governo de Macau para reformular o Centro de
históricas, entre os quais, o Dicionário das Or- Documentação do Gabinete de Comunicação So-
dens, a Obra Completa do Padre Manuel An- cial do Território. Ali, organizou e orientou o I
tunes, em 14 volumes E o projeto de levanta- Curso Básico de Biblioteconomia e de Técnicas
mento da documentação portuguesa patente no Documentais, destinado a funcionários de di-
Arquivo Secreto do Vaticano. Coordena a pre- versos organismos.
paração do Dicionário dos Antis: A cultura por-
tuguesa em negativo e o Dicionário Histórico- [L. S.] Lúcia Serralheiro. Professora. Licencia-
-Crítico das Heresias; e codirige, com Pedro Ca- da em Filologia Germânica pela Faculdade de
lafate, o projeto de edição da Obra Completa do Letras da Universidade de Lisboa (1975) e
Padre António Vieira em 30 volumes, sob a égi- Mestre em Estudos sobre as Mulheres pela Uni-
de da Reitoria da Universidade de Lisboa. versidade Aberta (2004).
[Ju. E.] Judite Maria Nunes Esteves. Licencia- [M. A. S.] Maria Augusta Seixas. Licenciada em
da em História pela Universidade de Lisboa, Jornalismo e Mass Media pela Universidade Li-
Mestre em Literatura e Cultura Portuguesa e dou- vre de Bruxelas (1970) e Mestre em Comuni-
torada em Estudos Portugueses, especialidade cação e Jornalismo pela Faculdade de Letras da
de Cultura Portuguesa, pela Universidade Nova Universidade de Coimbra (2004). Grande Pré-
de Lisboa. Atualmente num agrupamento de es- mio Gazeta de Jornalismo (1989 e 2001) e Pré-
colas do concelho da Amadora, desempenha mio Reportagem Elina Guimarães (2002). In-
funções de professora bibliotecária e leciona a vestigadora convidada do CEIS20.
disciplina de História.
[M. C. B. V. B.] Maria do Céu de Brito Vairinho
[J. P. C.] José Pereira da Costa. Licenciado em Borrêcho. Mestre em História Cultural e Polí-
História pela Faculdade de Letras da Universi- tica pela Universidade Nova de Lisboa. Licen-
dade de Lisboa e membro do Conselho Geral da ciada em História pela Universidade de Lisboa.
Fundação Inês de Castro. Docente do quadro do Ensino Secundário.
[L. B. C.] Luís Brito Correia. Mestre em Ciên- Membro fundador do Centro de Investigação Fa-
cias Jurídicas pela Faculdade de Direito da Uni- ces de Eva, Estudos sobre a Mulher.
versidade de Lisboa, MBA pelo INSEAD (Fon- [M. E. S.] Maria Emília Stone. Mestre em His-
tainebleau) e advogado. Foi docente da Uni- tória Cultural e Política pela FCSH da Univer-
versidade Católica Portuguesa, da Faculdade de sidade Nova de Lisboa. Investigadora colabo-
Direito da Universidade de Lisboa e da Uni- radora do CESNOVA/Faces de Eva (FCSH-
versidade Internacional. UNL).
[L. C.] Licínia Correia. Licenciada em Filologia [M. F. C. F. B.] Maria de Fátima de Castro Freire
Românica. Doutorada em História da Arte. Bagulho.
Professora Auxiliar, aposentada, da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universida- [M. F. P. S.] Maria de Fátima Pereira Stocker.
de Nova de Lisboa. Licenciada em História pela Faculdade de Le-
tras da Universidade de Lisboa (1984). Profes-
[L. G.] Leonel Gonçalves. Leonel Grosso Gon- sora do Ensino Secundário.
çalves nasceu em Loulé, em 1937. Possui o Cur-
so de História da Faculdade de Letras de Lisboa. [M. F. R.] Maria Fernanda Rilho. Investigado-
Concluiu, na mesma Faculdade, o Curso de Es- ra. Licenciada em História pela Faculdade de Le-
pecialização em Ciências Documentais (pós-gra- tras da Universidade de Lisboa. Mestre em Es-
duação). Em 1959, entrou para o sector de Bi- tudos sobre as Mulheres pela Universidade
blioteca e Documentação do Diário de Notícias, Aberta.
17 COLABORADORES

[M. J. R.] Maria José Remédios. Licenciada em [M. T. P. M.] Maria Teresa Pinto Mendes.
Filosofia e Mestre em Ciências da Educação pela
[M. T. S.] Maria Teresa Santos. Docente da Uni-
Universidade Católica de Lisboa. Doutoranda do
versidade de Évora, investigadora integrada no
Instituto de Educação da Universidade de Lis-
CIDEHUS/UÉ e membro colaborador do
boa. Professora da Escola Secundária D. Filipa
CESNOVA.
de Lencastre.
[M. V. F.] Marília Viterbo de Freitas. Licencia-
[M. L. B. M.] Maria Lúcia de Brito Moura. Dou-
da em História pela Faculdade de Letras da Uni-
tora em História pela Universidade de Coimbra.
versidade de Lisboa. Licenciada em Enferma-
[M. L. B. P.] Maria Laura Bettencourt Pires. Pro- gem. Investigadora.
fessora Catedrática (Estudos Ingleses e Ameri-
[N. C.] [Manuel Norberto Corrêa]. Nasceu em Lis-
canos) e diretora da revista Gaudium Sciendi,
boa, em 1926 e diplomou-se em Arquitetura, em
da Sociedade Científica da Universidade Cató-
1953. Trabalhou no Ministério das Obras Públicas.
lica Portuguesa. Docente de Teoria da Cultura
Estabeleceu ateliê em Lisboa, onde desenvolveu
(Licenciatura, Mestrado e Doutoramento) e
centenas de projetos de arquitetura e planos ur-
membro de júris em universidades portuguesas,
banísticos. Estabeleceu-se igualmente como ar-
inglesas e americanas. Interessa-se pelo tema da
quiteto em Toronto. Colaborou na fundação da As-
alteridade. Publicou vários livros e artigos,
sociação Internacional de Urbanistas (ISOCARP)
como Intelectuais Públicas Portuguesas – As mu-
e foi, também, membro fundador da Associação de
sas inquietantes (2011) e Teorias da Cultura
Urbanistas Portugueses (AUP), de que veio a ser vice-
(2004, 2006).
-presidente e presidente do Conselho Diretivo.
[M. L. C. S.] Manuela Lobo da Costa Simões. Li-
[N. M.] Natividade Monteiro. Licenciada em
cenciada em Ciências Histórico-Filosóficas
História e Mestra em Estudos sobre as Mulhe-
pela Faculdade de Letras da Universidade de
res. Professora de História e investigadora do
Lisboa. Professora aposentada do Ensino Se-
CESNOVA/Faces de Eva (FCSH-UNL) e do
cundário. Tem obras publicadas sobre Histo-
CEMRI (Universidade Aberta). Tem publicado
riografia Liberal Portuguesa.
livros e artigos, coordenado exposições e ciclos
[M. R. S.] Maria Reynolds de Souza. Licencia- de conferências e participado em congressos, se-
da em Filologia Germânica pela Faculdade de minários, tertúlias, cursos livres e projetos de
Letras da Universidade de Lisboa. Assessora da investigação e divulgação sobre feminismos,
então Comissão para a Igualdade e para os Di- educação, cidadania e associativismo feminino
reitos das Mulheres. na I República. Integra os órgãos sociais da As-
sociação de Professores de História, é membro
[M. R. T. B.] Maria do Rosário Themudo Barata. do Conselho Consultivo do Centro de Docu-
Professora Catedrática aposentada da Faculdade mentação e Arquivo Feminista Elina Guimarães
de Letras da Universidade de Lisboa. Licenciada da UMAR e é sócia da Associação Portuguesa
em História (1967) e doutorada em História Mo- de Estudos sobre as Mulheres.
derna e Contemporânea (1984) pela FL da UL.
[N. S.] Nuno Saldanha. Historiador da Arte. Pro-
[M. R. T. S.] Maria Regina Tavares da Silva. Li- fessor Auxiliar / IADE-U.
cenciada em Filologia Germânica, ex-presi-
dente da Comissão da Condição Feminina e da [O. G.] Odette Gonçalves. Licenciada em Ciên-
Comissão para a Igualdade e para os Direitos das cias Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras
Mulheres, consultora internacional na área da da Universidade de Lisboa. Professora aposentada.
igualdade de género. Tem-se dedicado a estudos sobre as mulheres, ten-
do colaborado, por vezes, na revista História.
[M. T.] Manuela Tavares. Doutorada em Estu-
dos sobre as Mulheres pela Universidade Aber- [P. G.] Paulo Guinote. Licenciado em História
ta com a tese “Feminismos em Portugal (1947- e Mestre em História Contemporânea (FCSH-
-2007)”. Investigadora do CEMRI – Centro de Es- UNL). Doutorado em História da Educação
tudos das Migrações e Relações Interculturais (FPCE-UL). Professor do Ensino Básico. Autor
– da Universidade Aberta de Lisboa. Membro de diversos estudos sobre temáticas de Histó-
da direção da UMAR (União de Mulheres Al- ria Contemporânea, História da Mulher e His-
ternativa e Resposta). tória da Educação.
COLABORADORES 18

[P. P.] Palmira Parente. Licenciada em História tegrado do Instituto de História da Arte da UNL,
pela Faculdade de Letras da Universidade de é colaboradora de Faces de Eva desde o ano 2000.
Coimbra, em 1980, exerceu funções de docên-
cia na Escola Secundária de Montemor-o- [S. M.] Susana Martins. Mestre e doutoranda em
-Velho, é membro da Cooperativa Cultural Tea- História Contemporânea pela Faculdade de
tro dos Castelos, da mesma vila, lecionando Ciências Sociais e Humanas da Universidade
atualmente na Escola Secundária Infanta D. Ma- Nova de Lisboa (FCSH/UNL). Investigadora In-
ria, em Coimbra. tegrada do Instituto de História Contemporânea
– UNL. Professora da Escola Superior de Edu-
[P. S-L.] Pedro Sena-Lino (n. 1977). Doutoran- cação de Lisboa. Ex-colaboradora do Museu da
do em Literatura Feminina do Século XVII, com Presidência da República.
uma tese sobre Feliciana de Milão, investigador
do projeto “Portuguese Women Writers”. Edi- [S. P.] Susana Pinheiro. Licenciada em Histó-
tou criticamente a poesia de Natércia Freire. Poe- ria e licenciada em Arqueologia pela Universi-
ta e romancista, professor e autor de manuais dade de Lisboa. Mestre em História da Arte pela
de escrita criativa. FCSH da Universidade Nova de Lisboa e dou-
toranda na mesma Universidade, tendo con-
[R. A. A. T.] Rui André Alves Trindade. Dou- cluído o Curso de Doutoramento. Investigado-
torado em História da Arte Medieval pela ra, escritora e professora do Ensino Secundário.
FCSH da Universidade Nova de Lisboa. A sua
atividade como investigador tem sido pautada [T. A.] Teresa Alvarez. Maria Teresa Alvarez Nu-
por diversas conferências proferidas em con- nes é licenciada em História e Mestre em Co-
gressos e instituições universitárias e pela pu- municação Educacional Multimédia, tendo
blicação de vários artigos científicos. defendido tese sobre as representações de gé-
nero em materiais pedagógicos de História. In-
[R. G.] Rita Garnel. Doutorada em História Con- vestigadora do CEMRI, da Universidade Aber-
temporânea pela Universidade de Coimbra. ta, do Grupo de Investigação em Estudos sobre
Membro do CESNOVA – Centro de Estudos de as Mulheres, Sociedades e Culturas. Autora da
Sociologia da Universidade Nova de Lisboa. Au- obra Género e Cidadania nas Imagens de His-
tora de mais de uma dezena de artigos disper- tória (CIDM, 2004) e de diversos artigos sobre
sos por revistas de História, Direito e Filosofia, a problemática do género em educação. Coor-
tem em curso uma investigação sobre políticas denou o projeto de produção dos guiões de
de saúde pública no período da I República. educação Género e Cidadania, editados pela CIG
entre 2010 e 2012, destinados ao Pré-escolar e
[R. S.] Rui Santos.
ao Ensino Básico.
[S. A. T. S.] Sónia Armanda Teles e Silva. Nas-
[T. P.] Teresa Pinto. Doutorada e Mestre em Es-
ceu a 24 de abril de 1963, no Porto. Filha de Ma-
tudos sobre as Mulheres (UAb), licenciada em
ria Armanda Gonçalves Teles e de Hernâni Al-
História (FL-UL) com uma pós-graduação em
fredo Ramalho e Silva. Licenciada em Arquite-
Economia e Sociologia Históricas (FCSH-UNL).
tura pela Faculdade de Arquitetura da Univer-
Investigadora do CEMRI-UAb e colaboradora no
sidade do Porto, em 1988. Colabora, em regime
Mestrado em Estudos sobre as Mulheres da UAb.
de coautoria e de uma forma permanente, com
Investiga sobre trabalho, educação e relações so-
os arquitetos Sérgio Secca, João Paulo Fernan-
ciais entre mulheres e homens numa perspeti-
des e Gustavo Miguel Rebolho. Em dezembro de
va histórica, tendo vasta obra publicada. Pro-
2002 constitui a sociedade SJGS Arquitectos Lda.
fessora do Ensino Secundário e formadora de do-
[S. C. S.] Sandra Costa Saldanha. Diretora do centes. Presidente da APEM, dirige a revista
Secretariado Nacional para os Bens Culturais da científica ex aequo.
Igreja. Doutorada em História da Arte pela Fa-
[V. D.] Virgínia Dias. Licenciada em Línguas e
culdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Literaturas Modernas, variante de Estudos Por-
[S. L.] Sandra Leandro. Doutorada e Mestre em tugueses e Ingleses. Mestre em Estudos Anglo-
História da Arte Contemporânea pela Univer- -Portugueses. Professora na Escola do Ensino Bá-
sidade Nova de Lisboa. Professora Auxiliar na sico dos 2.o e 3.o Ciclos Maria Veleda. Investi-
Universidade de Évora, é, atualmente, diretora- gadora de Faces de Eva. Centro de Estudos so-
-adjunta da Escola de Artes da UÉ. Membro in- bre a Mulher.
A
A. A. graça comunicativa”. Sendo-lhe ainda aponta-
Iniciais de Ana Augusta Plácido* (1831-1895). das “qualidades de imaginação e de composi-
ção”, Ada da Cunha foi, logo após a conclusão
Acácia Reis do curso, aclamada como “uma escultora do
Atriz. Cantou o fado na revista Na Ponta da mais brilhante futuro” [Ilustração Portuguesa,
Unha (1901), de Alfredo Mesquita e Câmara n.o 154, p. 160]. Apresentada por Teixeira Lo-
Lima, ao lado de Beatriz Rente*. No verão de pes ao rei D. Carlos como a sua discípula pre-
1902, entrou nas revistas A Aranha, escrita por dileta, a jovem viria a presentear D. Amélia com
D. João da Câmara, Júlio Dantas e Henrique Lo- aquele trabalho, exposto em Gaia no ateliê do
pes de Mendonça, música de Filipe Duarte, e mestre por ocasião da visita real. Aplaudida pela
Céu Azul, de Luís Galhardo, Pereira Coelho e rainha, que lhe “profetizava […] uma gloriosa
Gustavo de Matos Sequeira, música de Tomás carreira artística, já agourada por Teixeira Lo-
Del Negro, ambas no Teatro da Avenida. Atuou pes” [Ilustração Portuguesa, n.o 230, p. 71], a
em Flor de Rua (1914), opereta em 3 atos. obra voltaria a ser exposta em 1910, naquela que
Bib.: António Pinheiro, Contos Largos, Lisboa, Tip. Cos-
foi a sua primeira aparição pela Sociedade Na-
ta Sanches, 1929, p. 65; Vítor Pavão dos Santos, Revis- cional de Belas-Artes e, talvez, no meio lisboeta.
ta à Portuguesa – Uma história breve do teatro de revista, Premiada com uma medalha de 3.a classe logo
Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978, p. 251. no ano da estreia, Ada da Cunha apresentou ain-
[I. S. A.] da uma Cabeça de Africana, “bastante expres-
siva” e mais tarde adquirida pela Câmara Mu-
Ada da Cunha nicipal do Porto. Expôs também uma Cabeça de
Escultora. Natural de Vila do Conde, nasceu a Criança, propriedade de Berta Ramos Arroio, e
11 de outubro de 1886, tendo-se dedicado es- um busto de D. Manuel II, trabalho bastante apre-
pecialmente à prática da escultura. Filha de Jor- ciado por seu mestre. Em carta publicada pela
ge e de Clotilde da Cunha, iniciou a formação revista Serões, Teixeira Lopes alude à qualida-
no Liceu Central do Porto, frequentando, entre de das obras que a discípula havia enviado àque-
1900 e 1901, as disciplinas da 3.a classe do Cur- le salão, detendo-se particularmente no busto
so Geral dos Liceus. Ingressou então na Aca- do rei, que considerava ter “qualidades pouco
demia de Belas-Artes do Porto, onde permane- vulgares, não obstante ser feito de fotografias,
ceu até 1907. Os primeiros anos foram dedica- trabalho sempre ingrato, que daria imensas di-
dos ao estudo do desenho histórico, onde teve ficuldades fosse a quem fosse” [Serões, n.o 62,
por mestre José de Brito, aplicando-se, a partir p. 151]. Na referida carta, datada de 16 de junho
de 1903, no curso de escultura, sob a tutoria de de 1910, Teixeira Lopes dirige à discípula pa-
António Teixeira Lopes. Classificada com 17 va- lavras de claro incentivo ao dizer-lhe: “Sabe
lores, foi determinante a influência exercida por como eu aprecio as suas aptidões para a escul-
este último na definição do seu futuro artísti- tura, estando de há muito convencido que tem
co. Concluído o curso de Belas-Artes em 1909, diante de si um lindo futuro, em Portugal, onde
durante a fase de arranque da sua atividade, Ada poucas senhoras se entregam seriamente às ar-
parece ter permanecido sob a tutela do célebre tes ou à ciência. […] seja artista, mas seja-o a va-
mestre gaiense. Escultora portuense com morada ler, entregue-se completamente, incondicio-
na Praça da Batalha, no Largo do Viriato, e mais nalmente a esse ideal, aceitando as rosas e os es-
tarde na Praça da Liberdade, uma das suas pri- pinhos” [Serões, n.o 62, p. 150]. Posteriormen-
meiras obras, também alvo de maiores elogios, te, Ada da Cunha continuaria a fazer-se repre-
foi A Infância de Jesus. Neste gesso, esculpido sentar nos certames da SNBA, como foi o caso
como prova final do 5.o ano do curso da Aca- de 1913, ano em que expôs o gesso Amuo, obra
demia, a artista soube “interpretar na sua mais que voltou a surgir em 1914 em mármore, jun-
alta significação pondo nele o sentido religio- tamente com Garoto dos Jornais e o Escudo da
so que o tema comporta, e realizar com perfei- República Portuguesa. Neste mesmo ano par-
ta mestria de composição, de simplicidade e de ticipou também na Exposição de Arte dos Ar-
ADA 20

tistas do Norte, promovida pela Sociedade de labor da mãe, trabalhando em diversas institui-
Belas-Artes do Porto, à qual levou trabalhos já ções britânicas até à morte. A mãe também fun-
conhecidos. Em junho de 1917 integrou o dara a Associação de Enfermagem Britânica,
Grande Certame de Arte, mostra realizada no Pa- que prestava cuidados ao domicílio realizados por
lácio de Cristal, onde Ada da Cunha possuía à enfermeiras com formação no Reino Unido. Esse
data um ateliê. Sendo também professora do Li- trabalho foi continuado pela filha, que durante al-
ceu Nacional Feminino do Porto, a escultora le- guns anos foi secretária da direção. Durante a Se-
vou a esse evento algumas obras novas, no- gunda Guerra Mundial trabalhou dedicadamen-
meadamente retratos, como o busto de Rodri- te para o Instituto de Homens de Mar Britânicos
gues de Freitas (que era então propriedade do (British Seamen’s Institute), que se constituiu em
liceu com o mesmo nome), de Barbosa Gama e Lisboa em 1941, na Rua de São Paulo, para dar
de Raul Dória – este último havia de dar origem apoio aos feridos de guerra e evacuados da Ma-
ao monumento público portuense inaugurado rinha Mercante aliada. Foi presidente da direção
em 1972, no Largo Dr. Tito Fontes. Em 1930, Teó- da referida International Home durante várias dé-
filo de Braga reconhecia na escultora não ape- cadas. Trabalhou igualmente como membro da Co-
nas as suas capacidades técnicas, mas também missão Coordenadora dos Fundos Caritativos Bri-
a “conceção filosófica para chegar à beleza da tânicos*,, entre 1921 e 1971. Colaborou com arti-
síntese artística” [T. Braga, 1930]. gos no The Anglo-Portuguese News*. Condecorada
Bib.: Ana Paula Pereira Queiroz, A Criação Escultórica pela rainha Isabel II com a Ordem do Império Bri-
Feminina em Portugal: 1891-1942, Dissertação de Mes- tânico, com o grau de MBE (Member of the Bri-
trado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Universidade tish Empire), era uma pessoa muito afetuosa, o que
Aberta, 2003; Catálogo da Exposição de Arte dos Artis-
tas do Norte, Sociedade de Belas-Artes, 1914; Décima Ex- lhe criava numerosas amizades.
posição, 1913, Lisboa, Sociedade Nacional de Belas-Ar- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 994, 06/02/1971,
tes, 1913; Décima Primeira Exposição Anual, 1914, Lis- n.o 1280, 26/08/1982, n.o 1281, 09/09/1982.
boa, Sociedade Nacional de Belas-Artes, 1914; Grande Cer- [A. V.]
tame d’Arte, Porto, Empresa Guedes, 1917; Joaquim Vas-
concelos, “Infância de Jesus”, Arte, Lisboa, n.o 44,
31/08/1908, pp. 60-62; José Guilherme Ribeiro Pinto de Adelaide Brazão
Abreu, A Escultura no Espaço Público do Porto no Século Atriz amadora. Entrou em Ódio de Raça (1887),
XX: Inventário, história e perspetivas de interpretação, de Gomes de Amorim, no Teatro Garrett, e Abel
Dissertação de Mestrado em História da Arte, Porto, Uni- e Caim, comédia-drama em 3 atos de António
versidade do Porto, 1996; Michael Tannock, “Ada da Cu-
nha”, Portuguese 20th Century Artists: A biographical dic- Mendes Leal, peça inaugural do Teatro Folies
tionary, Chichester, Phillimore, 1978, p. 56; Oitava Ex- Dramatiques, com atores amadores, em 1887.
posição, Lisboa, Tipografia Almeida e Machado, 1910; Teó- Bib.: “Palcos particulares”, O Recreio, Lisboa, n.o 15,
filo Braga, “Uma escultora notável: D. Ada da Cunha Bra-
23/05/1887.
vo”, Modas e Bordados, Lisboa, n.o 971, 17/09/1930,
[I. S. A.]
p. 4; “A Infância de Jesus”, O Ocidente, Lisboa, n.o 1080,
30/12/1908, p. 282; “Figuras e factos: Uma nova escul-
tora”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 154, Adelaide Carolina
01/02/1909, p. 160; “Uma escultora portuguesa: D. Ada Dançarina. Atuava, em 1846, nos intervalos das
da Cunha”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, peças de repertório e dos benefícios no novo Tea-
n.o 230, 18/07/1910, pp. 70-71; “Senhoras em evidência”,
Serões, Lisboa, Vol. XI, n.o 62, Agosto, 1910, pp. 150-151. tro do Ginásio.
[S. C. S.] Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
Ada Lithgow Johnson nicipal de Lisboa, 1967, p. 308.
Nascida em 1890 e falecida em 1982, era filha do [I. S. A.]
Reverendo Robert McNicol Lithgow, pastor da
Igreja Escocesa em Lisboa durante 28 anos, e de Adelaide Coutinho
sua mulher Adele. Casou com William Johnson, Atriz. Nasceu em Lisboa a 25 de janeiro de 1857
que morreu em 1964 e também muito trabalhou ou 1861 e faleceu, a 4 de outubro de 1952, na Casa
para a comunidade britânica na zona de Lisboa. dos Artistas do Rio de Janeiro. Era filha da atriz
Não tiveram filhos. Sua mãe foi a principal fun- Doroteia Coutinho*. Foi casada, em primeiras
dadora, em 1903, do Lar Internacional* (Interna- núpcias, com o violoncelista e maestro José Si-
tional Home), destinado a acolher mulheres com mões Júnior, filho do ator Simões (José Simões
fracos recursos financeiros. A filha continuou o Nunes Borges), pai de Lucinda Simões*, e com
21 ADE

o ator brasileiro João Barbosa Dey Burns. Em 1872, Adelaide Cristina da Silva Amaral
estreou-se no Teatro do Príncipe Real em Os In- Atriz. Nasceu em Ponta Delgada, ilha de S. Mi-
cendiários, drama em 5 atos, tradução de Bayard. guel (Açores), a 18 de agosto de 1837 e faleceu
Retirou-se de cena e voltou ao Príncipe Real in- no Rio de Janeiro a 13 de setembro de 1889. Emi-
tegrada na Companhia Teatral de Paladini. Fez grou com a família para o Brasil com sete anos
algumas digressões pelo Brasil, onde fez parte, apenas. Casou, naquela cidade, com o ator Pe-
juntamente com a mãe, de uma companhia de dro Joaquim da Silva Amaral. Por volta de 1840,
vaudeville que teve muito êxito, e entrou na co- fazia parte da companhia teatral de José Caeta-
média Dora, no Teatro de S. Pedro de Alcânta- no, juntamente com Ludovina Soares*. Es-
ra, no Rio de Janeiro. Voltou a abandonar o pal- treou-se no Teatro de S. Pedro, do Rio de Janeiro,
co e, em 1889, integrava a companhia artística or- a 15 de março de 1849 e, em 1852, pertencia ao
ganizada por Maria Adelaide*, a atuar no Teatro elenco da Companhia José Gil, do Ginásio
de S. Pedro de Alcântara, onde foi a “ingénua” Dramático daquela cidade, onde atuavam Lu-
da peça Joana de Fortier, de Montépin e Dorney, cinda Simões*, Eugénia Infante da Câmara* e Ga-
tendo sido muito aplaudida em Dama das Ca- briela Velluti*, com quem fez uma digressão à
mélias (1889), drama em 5 atos de Alexandre Du- Baía em 1876. Era uma boa atriz e rivalizava, na
mas, filho, tradução de António Joaquim da Sil- preferência dos espectadores brasileiros, com Eu-
va Abranches, e noutras peças que representou génia Infante da Câmara. Foi a grande paixão de
na empresa de Dias Braga, em teatros brasileiros. Tobias Barreto de Meneses (07/06/1839-
Voltou a Portugal e, em 1900, ainda era uma das 27/06/1889), Lente em Filosofia, militante do
favoritas do Teatro do Ginásio, onde se estreou Partido Liberal de Pernambuco e poeta com al-
gum valor que estabeleceu uma polémica com
em Ciumenta (1900), comédia em 3 atos de Bis-
o poeta abolicionista e dramaturgo António de
son e Leclercq, tradução de Leopoldo de Carva-
Castro Alves (1847-1871), por sua vez apaixo-
lho. Na época 1903-1904, pertencia à Empresa
nado por Eugénia, cada um apoiando a amada
Ruas & Carvalho, então no Teatro do Príncipe
na imprensa teatral. Ficaram célebres as inter-
Real, onde apareceu em Perdidos no Mar, drama pretações da atriz nas peças de Sesinando Na-
marítimo em 3 atos e 5 quadros, imitação de José buco e França Júnior. Faleceu na miséria.
António Moniz (1849-1917). Em 1904, voltou ao
Brasil com a companhia do ator Cipriano de Sou- Bib.: Afonso Ruy, História do Teatro na Bahia, Séculos
XVI-XIX, Publicações da Universidade da Bahia, 1959,
sa e, por volta de 1912, era figura de destaque no p. 53; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
elenco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 18;
onde se evidenciou na peça O Canto sem Pala- Brício de Abreu, “Eugénia da Câmara e Adelaide Ama-
vras, do brasileiro Roberto Gomes, e representou, ral: duas rivais”, Esses Populares tão Desconhecidos, Rio
de Janeiro, E. Raposo Carneiro, Editor, 1963, pp. 35-40;
ao lado de Cinira Polónio* e Pepa Ruiz*, nas pe- Henrique Marinho, O Teatro Brasileiro, Paris/Rio de Ja-
ças 28 Dias de Clarinha, opereta em 4 atos de H. neiro, H. Garnier, Livreiro – Editor, 1904; Manuel Alves
Raymond & A. Mars, tradução de Gervásio Lo- de Oliveira [textos] e Manuela Rego [pesquisa icono-
bato e Acácio Antunes, música de Victor Roger, gráfica], O Grande Livro dos Portugueses, Lisboa, Cír-
culo de Leitores, 1990, p. 38.
e O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas. [I. S. A.]
Em 1944, entrou para a Casa dos Artistas daquela
cidade onde permaneceu até à morte. Adelaide da Piedade Carvalho Félix
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Professora. Filha de Emília Anunciação Carvalho
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 284; Félix e de Joaquim Félix, coronel do Exército, nas-
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, ceu a 24 de fevereiro de 1892, sendo natural de
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 186 e 276; Santarém. Da sua família muito pouco se sabe, a
Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II,
Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de não ser que tinha uma irmã mais nova, Emília da
Lisboa, 1967, p. 369; Henrique Marinho, O Teatro Bra- Anunciação Carvalho Félix, a qual se formou em
sileiro, Paris/Rio de Janeiro, H. Garnier, Livreiro – Edi- Letras na Universidade de Coimbra e desempe-
tor, 1904; Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões nhou funções de 1.a Conservadora no Arquivo Na-
de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, cional da Torre do Tombo [Jorge Nunes, 1940, p.
p. 450; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Tea-
tro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 208; O Pal- 18]. Concluiu o Curso de Filologia Germânica na
co, Lisboa, n.o 3, 05/02/1912, p. 39. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
[I. S. A.] em 1912, apresentando como dissertação de li-
ADE 22

cenciatura o trabalho, posteriormente publicado Seu Milagre… (1941), que havia obtido, em
com prefácio de Teófilo Braga, Shakespeare e o 1936, o Prémio Rosa de Ouro nos Jogos Florais da
‘Othelo’: Esboço crítico. Obteve, ainda, habilita- Emissora Nacional, o romance No Estoril: Uma
ção para o Magistério Liceal, conforme consta do noite igual a tantas (1952), os contos Eu, Pecador,
registo biográfico do liceu a cujo quadro perten- Me Confesso (1954) e o romance Um Seixo na Tor-
cia à data da aposentação, em 1955, concluídos rente (1963). Participou, ainda, na coletânea de
os 40 anos de serviço docente. Adelaide Félix ini- contos Histórias Breves de Escritores Ribatejanos
ciou a atividade docente com 23 anos de idade, (1968), a par de Álvaro Guerra, Alves Redol, Ân-
no Liceu Nacional de Leiria, em 28 de setembro gela Sarmento, António Borga, Mário Ventura e
de 1915, aí permanecendo cerca de sete anos, isto Severiano Falcão. Entre as suas várias conferên-
é, até 7 de agosto de 1922. Efetivou-se no Liceu cias destacam-se duas. Na primeira, realizada a
Sampaio Bruno a partir de 4 de abril de 1922 e, 7 de novembro de 1937 no Liceu D. Filipa de Len-
entre 1 de outubro de 1922 e 31 de outubro de castre, na Sessão Solene de abertura do ano leti-
1926, ensinou no Liceu Carolina Michaëlis, no Por- vo, discorreu sobre a educação feminina e, abor-
to, transitando, em 1 de novembro de 1926, para dando a sua evolução desde 1900, não deixou de
outro liceu feminino, o Maria Amália Vaz de Car- reconhecer “quanto a hora que passa encerra para
valho, em Lisboa. A partir de 1 de agosto de 1937 a Mulher, de promessa, de sonho e de conquis-
ocupou uma vaga do quadro do Liceu D. Filipa ta”. Na outra, que veio a ser publicada com o tí-
de Lencastre, aí permanecendo até ser aposentada, tulo Roteiro de Viagens Feitas, no Mar Tormen-
com 63 anos de idade. Durante uma carreira do- toso das Letras, por Gentes de Leiria e Seu Ter-
cente de 40 anos só ocupou um cargo, o de dire- mo, proferida na Casa do Distrito de Leiria em 22
tora de classe, por dois anos letivos (1924-1925 de março de 1944, abordou, numa perspetiva dia-
e 1925-1926), quando lecionou no Liceu Caroli- crónica, os principais vultos literários da referi-
na Michaëlis, e integrou por uma vez o júri de Exa- da região portuguesa. Acresce, ainda, a colaboração
mes de Estado do Liceu Normal de Lisboa. Afir- na obra de Jorge Nunes 44 Ex-líbris Desenhados
mando-se na criação literária, compreende-se que (1940), escrevendo o prefácio, no qual revela a pro-
tenha equilibrado a atividade profissional de do- funda admiração pelo artista plástico que havia
cente com a de escritora, pelo que reduziu o exer- conhecido na casa da pintora Fernanda Lapa, que
cício do magistério à lecionação. Algumas das alu- frequentava assiduamente. A sua personalidade
nas ouvidas caracterizam-na como “uma aman- transparece na produção literária. Os problemas
te da literatura”, uma professora que se demarcava por ela focados, fazendo-o de uma forma apai-
das restantes, arrojada na forma de vestir e que nas xonada, são problemas reais de humanos que vi-
aulas de Inglês não deixava de ler poesia e de fa- vem uma existência marcada pela contingência,
lar dos sentimentos humanos, naquilo que eles ainda que aspirando ao Absoluto. Como nos re-
tinham de complexo, o que não era, por vezes, por vela, desvelando-se a ela mesma, no romance No
elas entendido. Entre as docentes do Liceu D. Fi- Estoril: Uma noite igual a tantas, “a água nasce
lipa de Lencastre, terá sido aquela que maior pro- limpa, vem a vida turvá-la, vem o mundo per-
dução literária deixou, conforme o confirma o Ca- turbar e conturbar a inocência. No fundo os ho-
tálogo da Biblioteca Nacional, do qual constam mens são bons, simples, honestos, a sociedade en-
16 títulos a que se pode acrescer mais um, ape- sina-lhes o mal, porque a sociedade estrutura-
nas existente nas bibliotecas da Fundação Calouste se a partir da coexistência do mal e do bem”.
Gulbenkian e do Instituto Britânico de Lisboa. Mss.: Acervo Documental do Liceu D. Filipa de Len-
Como escritora, não se fixou num único género castre, “Caixa dos Processos Individuais de Professores,
literário e abarcou, a par do romance, o conto e n.o 1: Capa Adelaide da Piedade Félix, n.o 5”; Livro de
a poesia, contemplando ainda a tradução. Iniciada Actas das Sessões Solenes, 1934 a 1948: Ata n.o 4, 7 de
a produção literária com o ensaio sobre o Othe- novembro de 1937, fl. 10v.
Da autora: Shakespeare e o ‘Othelo’: Esboço crítico, Lis-
lo de Shakespeare (1913), a sua afirmação nas Le- boa, Tip. da Cooperativa Militar, 1913; Hora de Instin-
tras propriamente dita ocorre com a publicação to, Lisboa, Livraria Ferin, 1919; Miragens Torvas, Lis-
do romance Hora de Instinto (1919), que de ime- boa, Livraria Ferin, 1921; Personae, Lisboa, Livraria Fe-
diato se viu esgotado, a que se seguiram os livros rin, 1926; Grito da Terra, Porto, Editora Civilização, 1936;
Nunca o Direi, Lisboa, Argo, 1940; Cada Qual com o Seu
de contos Miragens Torvas (1921) e Personae Milagre, Lisboa, Argo, 1941; Roteiro de Viagens Feitas,
(1926), os romances Grito da Terra (1936) e Nun- no Mar Tormentoso das Letras, por Gentes de Leiria e
ca o Direi… (1940), os contos Cada Qual com o Seu Termo, Lisboa, Papelaria Veneza, 1944; No Estoril:
23 ADE

Uma noite igual a tantas, Lisboa, Tip. Escola da Cadeia cador de Saltério. Sócia efetiva da Sociedade Na-
da Penitenciária de Lisboa, 1952; Eu, Pecador, Me Con- cional de Belas-Artes, passou a ser sua exposi-
fesso, Lisboa, Publicações Europa-América, 1954; Um
Seixo na Torrente, Lisboa, Publicações Europa-Améri- tora habitual logo desde os primeiros certames
ca, 1963; Histórias Breves de Escritores Ribatejanos [obra promovidos pela instituição, mantendo parti-
coletiva], Lisboa, Prelo, 1968. Prefácio: Jorge Nunes, cipações bastante regulares durante as duas pri-
44 Ex-líbris Desenhados, Lisboa, edição do autor, 1940. meiras décadas do século XX. Nesse salão,
Traduções: Friedrich von Gottl-Ottilienfeld, O Essencial conseguiu obter uma honrosa medalha de 2.a
da Economia, Lisboa, Argo, 1940; Mariac Dimbla,
Acerca da Arte e Preceito de Palmar Jeito, Lisboa, Agên- classe, em 1909, com a pintura a óleo Lendo e,
cia Internacional de Livraria e Publicação, 1961; Paul em 1914, uma menção honrosa com o pastel Ro-
Thomas, Nada de Novo na Rússia, Lisboa, Argo, 1940. mãs. Em 1915, expondo somente dois pastéis,
[M. J. R.] livrou-se da aspereza de Luís Chaves que, refe-
rindo-se a essa categoria, excluiu os trabalhos de
Adelaide de Almeida Lima Cruz Catalão, Bonvalot e Lima Cruz, entre o que con-
Nasceu em Lisboa em 1877 e morreu na mesma siderava poder “ter sido tudo rejeitado que não
cidade em Setembro de 1963, tendo-se celebri- fazia pena” [O Ocidente, 1915, p. 176]. Além de
zado, sobretudo, no domínio da pintura e da mú- um comedido reconhecimento nacional, Ade-
sica. Casada com o eng.o Augusto Chaves Cruz, laide de Lima Cruz foi das poucas pintoras que
foram seus filhos Maria Antonieta de Lima Cruz, conseguiu alguma projeção internacional. Com
Maria Adelaide de Lima Cruz e António Chaves obras dispersas por algumas coleções, o quadro
Cruz. As duas filhas parecem ter seguido as vo- Lendo, exposto e premiado com um 2.o lugar pela
cações da mãe, uma pela via da pintura, outra SNBA em 1909, acabaria por ser adquirido pela
da música. Maria Antonieta, que nasceu em Lis- Galeria Peckman de Nova Iorque. Em 1910, foi
boa a 3 de novembro de 1901, tornou-se pianista, premiada com uma medalha de bronze na Ex-
compositora e musicóloga. Maria Adelaide, posição Internacional de Belas-Artes de Santiago
também natural de Lisboa, onde nasceu a 9 de do Chile e, em 1912, sabe-se que recebia enco-
outubro de 1908, notabilizou-se como pintora. mendas do mercado brasileiro, como foi o caso
Tal como a mãe, foi discípula de Carlos Reis e da obra A Cigana, que executou nesse ano. To-
aperfeiçoou os estudos em Paris (1934). Enfim, davia, a verdadeira consagração teria de aguar-
uma “Santíssima Trindade de artistas…” [João dar pelos anos 20. Paralelamente aos eventos da
Ameal, 1922, p. 268]. Discípula de Margueritte SNBA, Adelaide de Lima Cruz começou então
Chaley em canto e de Alexandre Rey-Colaço em a expor individualmente. Com efeito, alcançou
piano, Maria Adelaide parece ter operado al- assim algo que no seu tempo só algumas pinto-
gumas mudanças no domínio da música, no- ras conseguiam, como foi o caso das artistas Zoé
meadamente pela remodelação dos programas Wauthelet* ou Emília dos Santos Braga*. Sucesso
de música vocal. Impulsionando algumas ten- aliado ainda ao facto de o fazer com bastante re-
dências modernas no início do século, levou a gularidade, singulariza-se por ter correspondi-
cabo a sua ação renovadora juntamente com a do de igual modo a uma boa, e invulgar, aceitação
pianista Elisa de Sousa Pedroso. Mas será so- por parte da crítica do tempo. Logo em 1912 le-
bretudo no âmbito da pintura que a sua obra vai vou a cabo uma das suas primeiras exposições
ser incontestavelmente reconhecida ao longo de individuais. Num ano em que a SNBA não con-
toda a primeira metade do século XX. Retrata- cretizou a sua mostra anual, a iniciativa da ama-
da em 1908 por Carlos Reis, a atividade expo- dora seria bastante bem aceite pela crítica.
sitiva de Adelaide de Lima Cruz remonta ainda Depois de se referir a Emília dos Santos Braga,
às salas do Grémio Artístico, onde foi reconhe- o autor de um artigo dedicado às amadoras de
cida com a atribuição de uma menção honrosa. pintura recorda que “Ainda uma outra senhora
Sobre esse tempo, lembrava a Ilustração Portu- acaba de dar provas cabais na pintura, a sr.a D.
guesa que há “anos apareceu na exposição do Adelaide Lima Cruz, discípula de Carlos Reis e
Grémio e era entre as senhoras expositoras a que que honra o mestre, como sucedeu com os seus
revelava aquela qualidade intensamente” [Ilus- quadros ultimamente expostos” [Ilustração Por-
tração Portuguesa, n.o 323, p. 575]. Refere-se pro- tuguesa, n.o 327, p. 696]. A partir de 1920, Ade-
vavelmente o texto à primeira aparição em pú- laide de Lima Cruz deu início a uma série de
blico, na 6.a exposição do Grémio Artístico, rea- diversas exposições anuais no celebrado Salão
lizada em 1896, onde Adelaide expôs a obra To- Bobone. Localizado no Chiado, no n.o 11 da Rua
ADE 24

Serpa Pinto, era já nessa altura um local incon- com o quadro Sonata de Mozart, pintado por vol-
tornável no panorama das exposições lisboetas. ta de 1914. Em 1927, a Ilustração Moderna de-
Por lá passaram diversos nomes da pintura da dicou à família Lima Cruz um artigo por altura
época, assim como algumas mostras coletivas, da sua visita ao Porto, no início desse ano. Jun-
entre as quais muitas das exposições do Grupo tamente com a filha Maria Antonieta, Adelaide
de Ar Livre que, encabeçado por Carlos Reis, per- protagonizou um sarau musical no Teatro Gil Vi-
petuava a tendência naturalista na pintura. Na cente, onde cantou acompanhada ao piano por
verdade, não só o grupo expunha conjuntamente, Irene Gomes Teixeira. Pela mesma ocasião,
como todos os seus elementos ali se apresenta- mas agora ao lado de Maria Adelaide, que con-
vam individualmente. Apesar de não pertencer tava então 18 anos, expôs algumas obras de pin-
a essa sociedade, não devemos esquecer que Ade- tura no Salão Silva Porto, o que possibilitou des-
laide de Lima Cruz continuava a ser uma das de logo confrontar “dois temperamentos dife-
mais conceituadas discípulas do mestre Carlos rentes”, apesar da formação congénere [Ilustra-
Reis. Estas mostras contaram, todavia, com ção Moderna, 1927, p. 251]. Nessa mostra apre-
uma outra presença, a da filha Maria Adelaide, sentou algumas obras já antigas, e expostas an-
que iniciou então aquela que viria a ser a sua ati- teriormente, como é o caso de Veludos e Metais
vidade futura. Aspeto aparentemente plausível, (1911) ou Sonata de Mozart (1914). Referindo-
justificou a admiração de muitos o facto desta se a essa exposição, Joaquim Costa considerou
contar apenas 11 anos de idade. A “pequenina que Adelaide de Lima Cruz se havia já emanci-
pintora” que então se revelava teria logo na se- pado da influência de Carlos Reis, qualificando
gunda aparição pública, em 1921, direito a ex- a sua pintura como “uma afirmação serena da sua
por 35 obras a óleo, pastel e aguarela, em con- conformidade com a vida envolvente” [Idem, p.
fronto com apenas dois óleos apresentados por 252]. Quanto à caracterização da obra de Ade-
sua mãe naquele salão. Entrevistada no ano se- laide Lima Cruz, parecem-nos sintomáticas as
guinte pelo historiador João Ameal, a mais suas próprias palavras ao definir a sua arte como
nova artista de Portugal revelava então os seus “A pintura do silêncio”, consequência dos am-
gostos artísticos, provavelmente um reflexo bientes tranquilos que ilustra, mas também pe-
próximo dos ideais estéticos transmitidos pela las “surdinas de tons e de linhas, conjuntos se-
mãe. No tocante à arte antiga, cita Van Dick, Ve- renos afagantes de beleza suave” [João Ameal,
lasquez, Rembrandt e Corot. Sobre a pintura con- 1922, p. 268]. Estilisticamente, alguns autores
temporânea diz-se apreciadora do espanhol consideram que reflete também uma “acentua-
Joaquin Sorolla, da francesa Rosa Bonheur, as- da preferência pelos modernistas, o que fez com
sim como do conhecido ilustrador René Vincent. que se acolhesse ao cenáculo do seu ateliê a mo-
Quanto aos artistas portugueses, Carlos Reis, tam- derna geração de artistas nacionais e estrangei-
bém seu professor, foi naturalmente o eleito, que ros” [Diário de Notícias, 16/09/1963]. Quanto às
nomeou como “o mestre do sol”, confessando- suas tendências temáticas, distingue-se a pre-
-se também admiradora de Leal da Câmara e de ferência pela natureza-morta e uma preocupa-
José Malhoa [João Ameal, 1922, p. 268]. Nessa ção constante na representação de efeitos lu-
exposição, que teve início a 15 de março de 1922, minosos. Com claras aptidões de ordem técni-
foram apresentados um total de 49 trabalhos, dos ca, reveladas pela capacidade de captação da luz,
quais apenas três eram da autoria da mãe, uma nomeadamente através da análise do seu com-
discrepância que se verificará nas mostras pos- portamento, esse aspeto é por vezes a única
teriormente concretizadas por ambas. Com ape- temática da sua pintura. Característica também
nas 16 anos de idade, a jovem Maria Adelaide assinalada por Joaquim Costa. O autor aludiu ain-
apresentou publicamente os primeiros trabalhos da ao feminino encanto com que a pintora “dis-
a óleo na SNBA. Adelaide Lima Cruz não só in- põe, à sua volta, os objetos que mais solicitam
centivava a filha como prosseguia uma intensa a sua atenção, e fixa na tela os vasos decorativos,
atividade, por vezes a seu lado, acompanhando- os leques de frescos e luminosos coloridos, as fru-
-a nas exposições que organizou, tanto em Lis- tas risonhas e sumarentas, os veludos e os me-
boa como no Porto. Em 1922, João Ameal con- tais em cuja cintilação descobre artisticamente
tava já cerca de 15 exposições realizadas pela pin- efeitos de contraste” [Ilustração Moderna, 1927,
tora. Em 1925, foi premiada com uma medalha p. 251]. É o caso de algumas naturezas-mortas
de prata na Exposição Internacional do Brasil, e de obras como Brilhos e Reflexos, Sèvres e Se-
25 ADE

das, Estudo de Metais, Veludos e Metais ou Lima Cruz e sua filha no Salão Bobone”, Ilustração Por-
Faianças. Obras tratadas como um exercício de tuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 738, 12/04/1920, p. 263;
“Arte e artistas: a exposição Lima Cruz”, Ilustração Por-
luz, foi um tipo também praticado por outras dis- tuguesa, Lisboa, 2.a série n.o 785, 05/03/1921, p. 158;
cípulas de Carlos Reis, igualmente dedicadas ao “Atualidades”, Ilustração, Lisboa, n.o 30, 16/03/1927, p.
estudo de materiais e de efeitos luminosos. Por 10; “As decorações no teatro da pintora Maria Adelai-
fim, uma outra faceta menos conhecida da sua de de Lima Cruz”, O Notícias Ilustrado, Lisboa, 2.a sé-
atividade foi a de se ter dedicado ao ensino da rie, n.o 56, 07/07/1929, p. 17; “D. Adelaide Lima Cruz”,
Diário de Notícias, Lisboa, 16/09/1963.
pintura, fator sintomático da consagração e do [S. C. S.]
prestígio alcançado por raras artistas no tempo.
Como outras pintoras contemporâneas, o ateliê Adelaide de Amaral
de Lima Cruz contou com um grupo de alunas, v. Adelaide Cristina da Silva Amaral
de que são exemplo Adelaide Avelino Joyce, Ema
Mendes da Fonseca, assim como a própria filha, Adelaide Douradinha
Maria Adelaide. Além da pintura a óleo, a que v. Adelaide Efigénia de Faria Douradinha
se dedicou particularmente, viria também a pres-
tar colaboração no teatro, como de resto sucedeu Adelaide Efigénia de Faria Douradinha
a diversas artistas portuguesas do tempo, nomea- Atriz, de nome próprio Adelaide Ifigénia de Fa-
damente a filha, autora de algumas decorações ria, tornou-se conhecida por “Douradinha”. Nas-
e cenários para o Teatro da Trindade, em Lisboa. ceu em 1836 e faleceu em Lisboa a 23 de se-
Residente durante vários anos na Rua da Graça, tembro de 1896. Filha de uma hortaliceira que
n.o 63, Adelaide de Lima Cruz viria a falecer no vendia no mercado do Campo de Santana, es-
n.o 42 da Rua São Filipe de Nery, de onde foi fregou casas antes de iniciar a carreira teatral,
transportada para o Cemitério do Alto de São segundo deixou dito Augusto Ricardo. Apare-
João. ceu, pela primeira vez, no palco de um teatro
Bib.: Catálogo da Nona Exposição da Sociedade Na- de barracão armado num pátio da então Rua do
cional de Belas-Artes, Lisboa, SNBA, 1911; Catálogo da Olival à Pampulha. Entrou, depois, para o corpo
3.a Exposição de Pintura: Lima Cruz, Lisboa, Salão Bo- de baile do Teatro de S. Carlos, continuando a
bone, 1922; Décima Exposição, Lisboa, SNBA, 1913; Dé-
cima Primeira Exposição Anual, Lisboa, SNBA, 1914;
representar papéis de “dama” em sociedades
Fernando de Pamplona, “Adelaide de Almeida Lima particulares, onde se distinguiu em A Pobre das
Cruz”, Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses, Ruínas, drama em 5 atos de Mendes Leal. Pas-
Vol. III, Lisboa, Civilização Editora, 1988, pp. 208-210; sou pelo Teatro D. Fernando, em Lisboa, como
Fernando de Pamplona, Um Século de Pintura e Es- discípula de arte de representar, fazendo pe-
cultura em Portugal (1830-1930), Porto, Livraria Tava-
res Martins, 1943; João Ameal, “A entrevista da sema- quenos papéis. Voltou, como corista, ao Teatro
na: Maria Adelaide Lima Cruz”, Ilustração Portuguesa, de S. Carlos e, nos intervalos das épocas líricas,
Lisboa, 2.a série, n.o 840, 25/03/1922, pp. 268-269; Joa- integrava elencos de artistas amadores nos tea-
quim Costa, “Uma família de artistas”, Ilustração Mo- tros Garrett, Thalia, Thalense, Apolo e Aljube,
derna, Porto, n.o 11, Março, 1927, pp. 249, 251-253; Luís
Chaves, “A Exposição da Sociedade Nacional”, O Oci-
da capital, e outros teatros particulares dos ar-
dente, Lisboa, n.o 1311, 1915, pp. 173-176; Segunda Ex- redores, que lhe proporcionaram experiência
posição: Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa, para os futuros papéis de “dama central”, “ca-
SNBA, 1902; Sociedade Nacional de Belas-Artes: 12.a racterística cómica”, “criada” e “ingénua”. Es-
exposição, Lisboa, SNBA, 1915; 6.a Exposição Lima Cruz, criturou-se, depois, nos teatros da Rua dos
Comercial Gráfica, 1925; 8.a Exposição de Lima Cruz,
1928; “Exposição de pintura Carlos Reis”, Brasil-Portugal, Condes e Variedades, onde representou Os Cos-
Lisboa, n.o 229, 01/08/1908, pp. 203-204; “Mulheres ar- sacos, Trabalho e Honra, comédia-drama em
tistas: D. Adelaide Lima Cruz”, Ilustração Portuguesa, 3 atos, imitação de César de Lacerda, ao lado do
Lisboa, 2.a série, n.o 230, 1910, pp. 95-96; “Belas-Artes: grande ator Artur Simões, nome artístico de José
exposição de pintura de D. Adelaide Lima Cruz”, Ilus- Simões Nunes Borges, e O Cofre dos Encantos,
tração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 323, 29/04/1912,
pp. 575-576; “Amadoras de pintura”, Ilustração Portu- mágica em 3 atos de José Frederico Parisini
guesa, Lisboa, 2.a série, n.o 327, 27/05/1912, pp. 695-696; (1809-1885), música de Francisco Alvarenga
“Sociedade Nacional de Belas-Artes: 10.a exposição, inau- (1844-1883). Foi para o Teatro da Avenida,
guração do palácio de exposições”, Ilustração Portuguesa, onde se distinguiu no papel de “contrabandis-
Lisboa, 2.a série, n.o 379, 26/03/1913, pp. 658-672; “Vida
elegante: a ilustre cantora e pintora sr.a D. Adelaide de ta” na peça O Crime das Picoas. Transitou, em
Lima Cruz no seu atelier”, Brasil-Portugal, Lisboa, 1881, para o Teatro do Príncipe Real, onde se
n.o 347, 01/07/1913, p. 173; “Vida artística: a exposição manteve até sair de cena. Das representações se-
ADE 26

guintes, destacam-se os papéis de “Frochard” em teira, maior de idade e residente em Coimbra, ten-
Duas Órfãs, dramalhão em 5 atos de Adolphe do já nove anos de prática de ensino de diver-
d’Ennery, tradução de Ernesto Biester, cocote em sas disciplinas no Colégio de Santa Isabel. No
Nana, drama de Émile Zola, “mãe Champoreau” processo de candidatura aos Institutos Secun-
em A Carvoeira, drama em 5 atos e 7 quadros de dários Femininos apresentou carta da diretora
Hector Crémieux e Pierre Decourcelle, tradução do Colégio que certificava as boas qualidades de
de Acácio Antunes e Eduardo Schwalbach, Adelaide Barros, referindo os conhecimentos de
com grandes ovações do público. Brilhou, tam- Português, Francês, Aritmética e Música, embora
bém, em O Naufrágio da Fragata Medusa, dra- não tivesse mais que o exame de admissão. En-
ma marítimo em 5 atos, traduzido por Joaquim tregou também um certificado passado pelo Li-
Augusto de Oliveira, e em O Brasileiro Pancrá- ceu Nacional de Lamego em como fez exame de
cio (1896), peça de costumes em 3 atos, de Sá Instrução Primária de admissão aos liceus.
d’Albergaria, com música de Freitas Gazul. A úl- Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
tima vez que representou foi como protagonis- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
ta no drama Cambaia & C.a. Era uma grande atriz, [A. C. O.]
comparada a Ana Cardoso* no género de “ca-
racterísticas” e “megeras” a quem imprimia tal Adelaide Ivone de Sousa
cinismo que o público pateava a personagem. Feminista e espírita, usou o pseudónimo Hei-
O ator, encenador e empresário Carlos Posser di de Tebelen. Segundo o que revela na revis-
(1850-1949) assinou uma tabela honrosa em seu ta Estudos Psíquicos, foi educada pelo pai nas
nome e da empresa que a deixou tão emocionada teorias materialistas, mas desde criança mani-
que pediu que lha colocassem sobre o peito quan- festou grande tendência para conhecer a “razão
do morresse. Casada com um cantor de igreja e das coisas” e, por isso, nunca compreendeu nem
contratador de músicos para festas, tinha mui- aceitou o determinismo e, muitas vezes, dis-
tos filhos e, quando os salários se atrasavam, ven- cordou das ideias defendidas por Hobbes, Bos-
dia cautelas na Praça da Figueira. Vestia muito suet, Rousseau e Voltaire. Passou da infância à
mal, sempre com um xaile traçado no peito e um juventude sem acreditar em Deus, nem no
chapéu velho. Apesar dessa demonstração de po- Diabo, amando as Belas-Artes e fazendo delas
breza, parece ter deixado alguns bens de fortu- o seu ideal terreno: “no culto das belezas tran-
na, segundo a notícia que o jornal O Século pu- sitórias, podemos achar o caminho da beleza
blicou por ocasião da morte da atriz. Vítima de eterna, a imortalidade do espírito”. Todavia, as
doença cardíaca, faleceu na sua residência, na desigualdades sociais e a transitoriedade da vida
Travessa das Amoreiras, a Arroios, de onde o cor- e do belo levaram-na a duvidar do valor dos ar-
po saiu para o Cemitério do Alto de S. João. gumentos dos mestres do materialismo e a pro-
curar um outro sentido da existência humana:
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 333;
“Como a borboleta volteja em torno da luz, as-
António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia Cos- sim o meu espírito percorria loucas e fantásti-
ta Sanches, 1923, p. 63; António Sousa Bastos, Dicionário cas distâncias, em busca de uma luz que não en-
do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Sil- contrara ainda…” Terá fixado residência em
va, 1908, p. 185; Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, França, pois Ivone de Sousa foi convidada a in-
Editorial Século, 1947, pp. 314-316; Augusto Ricardo,
Motivos de Teatro, Lisboa, Nunes de Carvalho, Editor, gressar na Sociedade Teosófica daquele país em
1934, p. 95; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, 1922. Foi o estudo da Teosofia que a ajudou a
Vol. IX, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, superar a perda de alguém muito querido. Em
Lda., p. 272; Rafael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Tea- 1927, encontrava-se no Norte de África quan-
tros, circos e mais diversões de outras épocas, Porto, Do- do algo de grave aconteceu, de modo que a sua
mingos Barreira Editor, 1943, pp. 46 e 49; Revista Tea-
tral, 3.a série, n.o 26, 15/01/1896; “A atriz Douradinha” vida e saúde ficaram muito abaladas. Regressou
[c/ retrato à pena], O Século, 24/09/1896, p. 3. a Lisboa e, durante os tratamentos a que se sub-
[I. S. A.] meteu, converteu-se ao espiritismo, apesar da
descrença inicial e das recomendações dos
Adelaide Etelvina Pereira de Barros mestres teosóficos “de nunca frequentar sessões
Aquando da apresentação da sua candidatura ao espíritas”. A partir de 1939 dedicou-se ao es-
lugar de mestra para os Liceus Secundários Fe- piritismo militante, tornou-se membro do Cen-
mininos* (carta de 5 de maio de 1890), era sol- tro Espiritualista Luz e Amor* e colaborou as-
27 ADE

siduamente na revista Estudos Psíquicos – Adelaide Neves de Carvalho [Dulce Maria Ro-
Mensário de estudos psíquicos e neo-espiri- drigues], aquele passou a viver em Lisboa, no
tualismo experimental, órgão oficial desta as- Bairro Alto, enfrentando algumas dificuldades.
sociação espírita. Escreveu sobretudo artigos so- Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
bre feminismo, educação e espiritismo, os das, Temas e Debates, 2011, pp. 154-155; João Gomes Es-
quais ilustram a sua vasta cultura e espírito de teves, A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas –
reflexão. Em 1949, Ivone de Sousa propôs a Uma organização política e feminista (1909-1919),
construção de uma casa de repouso para espí- Lisboa, ONG do Conselho Consultivo da CIDM, 1992.
[J. E.]
ritas. Em jeito de resposta, Maria Veleda* lou-
vou a ideia e alvitrou que se lhe desse o nome Adelaide Mercês da Cunha
de Casa de Repouso Maria O’Neill. Conhece- Espírita. Pertenceu, em 1929, à direção da Co-
-se uma Adelaide Ivone de Sousa Marrocos que missão Federativa de Propaganda Espírita da Fi-
aderiu, em 1932, ao Conselho Nacional das Mu- gueira da Foz.
lheres Portuguesas.
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p. 5.
Da autora: [Heidi de Tebelen], “O espiritismo emanci- [N. M.]
pador da mulher”, Estudos Psíquicos, n.o 20, novembro-
dezembro, 1942, pp. 239-241, n.o 21, janeiro-fevereiro,
1943, pp. 267-270, n.o 22, março-abril, 1943, pp. 311-312, Adelaide Nunes da Graça
n.o 23, maio-junho, 1943, pp. 333-335, n.o 24, julho-agos- Professora. Nasceu a 30 de dezembro de 1895
to, 1943, pp. 358-361; “Conte o seu caso… Como se tor- e faleceu a 6 de fevereiro de 1990. Nascida na
nou espírita?”, Estudos Psíquicos, n.o 9, Ano V, julho, Moita, Barreiro, considerava-se “filha” de Ílha-
1944, pp. 276-278; [Adelaide Ivone de Sousa], “Edu-
cação”, O Mensageiro Espírita, n.o 61, março-abril, 1945, vo, a terra de seus pais e familiares e onde vi-
p. 3; “D. Maria Veleda”, Estudos Psíquicos, 16.o ano, abril, vera parte da infância e da adolescência. Or-
1955, n.o 4, p. 103. gulhava-se dos ilhavenses, homens que se ha-
Bib.: Maria Veleda, “Casa de repouso para espíritas”, Re- viam distinguido nas lides marítimas e que
vista de Metapsicologia, março, 1949, pp. 55-56.
[N. M.]
testemunhavam bravura e filantropia, como o
«lobo do mar» Arrais Ançã. Era filha de Ade-
Adelaide Lopes laide da Conceição e de José Nunes da Graça,
Atriz. Era irmã de Emília Lopes*. Deu récita no professor do Magistério Primário, e a terceira
Teatro Taborda e entrou em Os Sinos de Cor- mais velha na ordem de nascimento de 11 ir-
neville, opereta em 3 atos e 4 quadros de Clair- mãos. O pai deixara o seminário para casar com
ville e Gabet, tradução de Eduardo Garrido, mú- sua mãe. Adelaide Graça a ele sempre se refe-
sica de Robert Planquette, que integrou, por es- ria com profunda admiração pela sua grande cul-
pecial deferência, alguns atores amadores. tura, fortes convicções políticas e como “o mais
cristão dos ateus”. Fora um dos obreiros da Re-
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Na- pública, tendo sido vítima de perseguição po-
cional D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do
Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955; Guiomar Torrezão, lítica já após a instauração do regime republi-
“Através dos palcos”, Diário Ilustrado, 25/03/1884. cano, por discordar de certas posições tomadas
[I. S. A.] pelos seus correligionários. Adelaide Nunes da
Graça foi uma das primeiras alunas da Facul-
Adelaide Marques Neves de Carvalho dade de Ciências de Lisboa, tendo-se licencia-
Ativista da Liga Republicana das Mulheres Por- do em Ciências Físico-Químicas com alta clas-
tuguesas em Benavente, era filha de José Mar- sificação. Após a licenciatura, realizou o Exa-
ques Perinhas e de Ana Perinhas, proprietários, me de Estado exigível para a docência, nele ob
e faleceu na capital em 1946. Casou com Joa- tendo a classificação de 19 valores. A perda do
quim Neves de Sequeira Carvalho (f. 1927), fun- pai aos 27 anos levou a que ela e a irmã mais
dador e diretor do periódico local republicano velha, professora do ensino primário, fossem o
O Benaventense, vice-presidente da Câmara sustentáculo económico de uma família nu-
(1905-1913) e administrador do concelho (1913- merosa, ambas contribuindo para que os irmãos
1916), cuja mãe, Mariana Fausta de Carvalho, pudessem ter uma formação universitária. Ade-
era a presidente do Núcleo de Benavente da laide Graça foi colocada no Liceu D. Filipa de
LRMP. Segundo Fina d’Armada, que publicou Lencastre, onde exerceu como professora de Fí-
uma fotografia do casal cedida pela sobrinha de sico-Químicas até à aposentação, aos 70 anos.
ADE 28

Foi considerada uma professora brilhante e com Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
vasta cultura científica, tendo recebido vários res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1041.
[I. S. A.]
convites para lecionar no ensino superior que
nunca aceitou por considerar que a excelência
Adelaide Rochedo
do ensino deveria ser exercida prioritariamen-
Atriz. Irmã das atrizes Mariana Rochedo*, Emí-
te nos graus de ensino anteriores. Em 1964, foi-
lia Rochedo* e Hortense Rochedo, corista. A fa-
-lhe atribuída a Ordem Honorífica da Instrução
mília vivia num 4.o andar da Calçada do Sa-
Pública que se destina a galardoar altos servi- cramento, frente ao Chiado. As irmãs estudavam
ços prestados à causa da educação e do ensino. música com o maestro Miguel Ramos e repre-
Nas várias gerações de alunas que a tiveram sentavam pequenos papéis numa companhia do
como professora, deixou forte admiração, alian- Teatro da Trindade. Seguiu a carreira de atriz e
do uma grande humanidade a uma vasta cultura, entrou em Valentim, o Diabrete (1881), ópera có-
poder de comunicação e grande gosto pelas ma- mica em 3 atos de Vanloo e Leterrier, música de
térias que ensinava. Contribuiu para despertar Lamôme, no Teatro da Trindade, e Amazonas
muitas vocações, por ser capaz de transmitir aos de Tormes (1881), zarzuela traduzida por Pas-
alunos o que chamava “a poesia da Física”. sos Valente.
[L. C.]
Bib.: Guiomar Torrezão, “Rumores dos palcos”, Ribal-
tas e Gambiarras, Lisboa, série 1, n.o 12, 09/03/1881,
Adelaide Peixinho p. 99, e n.o 24, 15/05/1881, p. 190.
Operária. Nasceu em Alhandra, em 1915, co- [I. S. A.]
meçou a trabalhar aos 16 anos e casou com An-
tónio Peixinho aos 19, pelo registo civil, tendo Adélia Pereira
tido dois filhos. O marido, militante comunis- Atriz. Nasceu em Aljezur, Algarve, a 1 de no-
ta da Cimentos Tejo, foi detido na sequência da vembro de 1880 e faleceu no Hospital de S. José,
Marcha da Fome e das greves de 8 de maio de em Lisboa, a 2 de janeiro de 1917. Era muito for-
1944 em Alhandra, sem lhe ter sido aberto qual- mosa. Estreou-se no Pará, durante uma digres-
quer processo ou sujeito a julgamento. Preso ini- são artística ao Brasil, em 1902, no drama em
cialmente na Praça de Touros de Vila Franca de 3 atos Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.
Xira e solto, tornou a ser detido dias depois e Quando regressou a Lisboa, integrou o elenco
levado para o governo civil de Lisboa, onde per- do Teatro do Ginásio, onde foi muito aplaudi-
maneceu mais de 40 dias. A mulher, operária da na comédia A Menina do Chocolate, de Paul
da Juta, Sociedade Têxtil do Sul Lda., ficou tem- Gavault. Entrou, em 1905, para a empresa de
porariamente desempregada e, por isso, visita- Eduardo Vitorino, onde estavam Emília de
va-o dia sim, dia não, sem que soubesse da sua Oliveira* e Maria Falcão*, e embarcou novamente
militância, nem por que forma recebia o Avan- para o Brasil. No regresso, atuou em O Azebre
te! Antónia Balsinha incluiu o nome de Adelaide (1909), peça em 3 atos de Henrique Lopes de
Peixinho no estudo pioneiro que fez sobre o pa- Mendonça, no Teatro do Príncipe Real, no pa-
pel das mulheres de Alhandra na resistência ao pel de “Isolda”; em A Conspiradora (1913), em
fascismo nos anos 40, tendo-a entrevistado a 20 4 atos, e em Marialvas (1914), ambas de Vasco
de julho e 15 de agosto de 2000. Faleceu a 10 de Mendonça Alves, no Teatro do Ginásio. Os
de maio de 2003. êxitos da sua carreira estão ligados às digressões
pelo Brasil e pelas províncias.
Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
sência, 2005. res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1029;
[J. E.] António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 278; Carlos
Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de Um Ac-
Adelaide Pessoa tor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publi-
Atriz. Nasceu por volta de 1840 e faleceu em cidade, 1950, p. 154; Gustavo de Matos Sequeira, O Car-
1897. Foi companheira do ator Joaquim de Al- mo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais
da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 374; Luiz Fran-
meida (1838-1921). Estreou-se no Teatro da Rua cisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lis-
dos Condes, em 1863, em O Corsário, de José Fi- boa, Prelo Editora, 1978.
lipe Ovídio Romano. Retirou-se de cena. [I. S. A.]
29 ADE

Adélia Soler 1873), e no Asilo de D. Luís em Marvila, onde


Atriz. Nasceu em Alenquer, a 3 de março de desempenhou funções desde 9 de fevereiro de
1873, e faleceu no Pará, Brasil, em 1903, pou- 1875 até 4 de fevereiro de 1878 e, como regen-
co depois da morte do marido, o ator Sebastião te, desde 4 de fevereiro de 1878 até à sua saí-
Alves (1871-1903). Era filha dos atores Silvéria da, em 14 de março de 1880. Em 1881, era di-
Soler* e de Alfredo Soler, irmã da atriz Alda So- retora do Colégio de Buenos Aires, na Rua de
ler*, neta de Josefa Vasquez Soler e de José So- São Domingos à Lapa, 72. A partir de 1882, Ade-
ler, comediantes, e sobrinha da atriz Bárbara Vol- lina Rosenstok lecionou em colégio próprio, de-
kart* (irmã da mãe). Ainda muito nova fez par nominado Liceu Froebel, sito na Rua de Buenos
te da Companhia Artística Soares, a que per- Aires, 19, 2.o, tendo habilitado, segundo afirmou,
tenciam os pais, com a qual percorreu as pro- com bom êxito as alunas para exame de ma-
víncias. Em Lisboa, estreou-se no Teatro da Trin- gistério. No processo de candidatura aos insti-
dade, na comédia Como se Escolhe Um Genro, tutos femininos, enviado para a 2.a Repartição
passando em seguida para os teatros da Alegria da Direcção Geral de Instrução Pública, apre-
e da Rua dos Condes, onde participou na revista sentou cartas de professoras que certificavam te-
Fim de Século (1892), de António Sousa Bastos rem sido preparadas para o magistério por
(1844-1911), musicada por Rio de Carvalho Adelina Rosenstok e cartas do Asilo de D. Luís
(1838-1907), e Ginásio, em 1896, onde a mãe era comprovando as suas informações.
atriz. Nesse ano, fez Carteira de D. Pepito, peça Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
traduzida do castelhano por Leopoldo de Car- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
valho, e o papel de “Joana, a criada”, em Cães Bib.: Carlos Augusto da Silva Campos, Almanaque Co-
e Gatos, joguete cómico em verso, em 1 ato, de mercial de Lisboa de 1881 para 1882, 2.o ano, Lisboa,
Tipografia Lisboa, 1881.
D. José Estremera, tradução de Libânio da Sil- [A. C. O.]
va, ao lado de atrizes consagradas como Beatriz
Rente* e sua tia Bárbara Volkart. Com a com- Adelina Laura Fernandes
panhia daquele teatro foi em digressão ao Bra- Atriz e cantadeira de fados. Nasceu em Lisboa
sil, onde veio a falecer de febre-amarela. a 26 de janeiro de 1896 e faleceu, na mesma ci-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- dade, a 12 de março de 1983. Foi educanda do
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1234; Asilo Oficina de Santo António, em Lisboa, onde
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 18, 185 e
fez o papel de “Rosalina” em Sinos de Corneville,
201; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, numa festa de amadores a 6 de julho de 1919,
Vol. XXIX, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopé- e demonstrou vocação para o palco. Estreou-
dia, Lda., p. 565; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo -se como atriz na revista Aqui d’El-Rei (1919),
e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da de Luís Galhardo e Barbosa Júnior, música de To-
Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 366; Revista Tea-
tral, 3.a série, 2.o Vol., n.o 27, 01/02/1896; “Teatros – Foi más Del Negro, Alves Coelho e Baptista Ferrei-
neste dia…”, O Século, 01/03/1960, p. 6. ra, no Teatro Eden, e fez “Cesária fadista”, a pro-
[I. S. A.] tagonista da opereta Mouraria (1920), de Lino
Ferreira, Silva Tavares e Lopo Santos Lauer, mú-
Adelina Augusta da Silveira Pinto Rosenstok sica de Filipe Duarte, no Teatro Apolo, um dos
Filha legítima de António Manuel Pinto e de seus maiores êxitos. Representou em todos os tea-
Olímpia Augusta Silveira Pinto, nascida em tros de Lisboa e do Porto, e foi em digressão pelo
1854 [?], casada, residente em Lisboa na altura Brasil. Constam do seu repertório: A Casta Su-
em que apresentou candidatura ao lugar de mes- sana, opereta em 3 atos de J. Okonkowsky, mú-
tra nos Liceus Femininos (carta de 12 de abril sica de J. Gilbert, tradução de E. Nascimento Cor-
de 1890). Adelina Rosenstok casou-se aos 27 reia; A Vida de Um Rapaz Pobre (Teatro da Ave-
anos na freguesia da Lapa, no dia 26 de fevereiro nida), drama em 5 atos e 7 quadros de Octave
de 1881, com Reint Tiemen Rosenstok, empre- Feuillet, tradução de Joaquim José Annaya; Se-
gado do Consulado da Holanda, protestante vera, de Júlio Dantas; as revistas Burro em Pé
batizado em Roterdão, filho de Reint Tiemen Ro- (Apolo, 1920), de Lino Ferreira e Xavier de Ma-
senstok Sénior e de Hermínia Scheffer. Foi ha- galhães, música de Luz Júnior e Vasco Macedo,
bilitada na Escola Normal de Lisboa com tiro- Arca de Noé, Balancé (Ginásio), de Aníbal Na-
cínio. Exerceu na Escola Oficial de Santiago do zaré e Luís de Oliveira Guimarães, Perna de Pau,
Cacém (pelo despacho de 20 de outubro de Trolaró (revista Tam Tam, refundida, 1920), de
ADE 30

Ascensão Barbosa e Abreu e Sousa, música de quim Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lis-
Alves Coelho, O Secretário dos Amantes (1927), boa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 450.
[I. S. A.]
de Lino Ferreira, Xavier de Magalhães, L. Ro-
drigues, Silva Tavares e Lopo Lauer, música de
Adelina Pereira
Filipe Duarte, A. Gomes, Raúl Ferrão, Raúl Por-
Atriz. Foi muito festejada no Teatro do Ginásio,
tela e Cruz e Sousa, e Sorte Grande, Os Alfine-
onde recebeu 5 chamadas no final da Traviata,
tes (1934), de Muñoz Seca, tradução de Lino Fer-
tragédia burlesca de José Romano. Em 1886, es-
reira, Fernando Santos e Almeida Amaral; Co-
tava no Teatro do Príncipe Real, representando
ristas (1942), comédia em 3 atos de Armando
O Incêndio do Brigue Atlântico, drama de
Vieira Pinto; Santa Joana (1956), de G. Bernard
grande espetáculo traduzido por Maximiliano
Shaw. No cinema, interpretou o papel de “Ba-
de Azevedo, e, em 1890, entrou em O Comis-
ronesa de Souto-Real”, em Os Fidalgos da Casa
sário de Polícia, comédia em 3 atos, original de
Mourisca (1920), filme de George Pallu, e entrou
Gervásio Lobato, no Teatro do Ginásio.
em Tragédia de Amor, da Invicta Film. No Tea-
tro Nacional, integrou o elenco de Dulcineia. Fez Bib: Diário Ilustrado, 11/05/1878, p. 4; O Recreio, Lis-
digressões artísticas a Espanha, Brasil, Uruguai boa, 18/09/1886.
[I. S. A.]
e Argentina. Gravou discos de fados e canções
e traduziu livros para editoras brasileiras, de que
Adocinda Lobato
possuiu representação em Portugal. Retirou-se
Atriz. Estreou-se em 1893 no Teatro da Trindade,
em 1939, ano em que entrou na opereta Cacho ao lado de Mercedes Blasco*, em Brasileiro Pan-
Doirado. Era mãe do Dr. Renato Bottino, que crácio, peça de costumes em 3 atos de Sá de Al-
doou vestidos de cena ao Museu do Teatro. bergaria (1850-1921), música de Freitas Gazul
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- (f. 30/09/1942).
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 397;
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XI, Bib.: O Recreio, Lisboa, 15.a série, n.o 14, 10/07/1893.
Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda., [I. S. A.]
p. 97; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Atua-
lização, Vol. V, p. 60; Luiz Francisco Rebello (dir.), Di- Adozinda Tavares
cionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978; Atriz de teatro amador. Foi muito aplaudida no
Idem, História do Teatro de Revista em Portugal, 2. Da
República até hoje, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1985, papel de “Mauritana” da reprise de D. Cesar Ba-
pp. 111 e 289-297; Vítor Pavão dos Santos, Revista à Por- zin, de Adolphe d’Ennery, na Academia Re-
tuguesa – Uma história breve do teatro de revista, Lis- creativa de Lisboa (07/05/1922).
boa, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 118-119.
[I. S. A.] Bib.: “O Mundo Teatral nos Clubs – Academia Recrea-
tiva de Lisboa”, Mundo Teatral, Lisboa, 15 a 30 de maio
de 1922, p. 2.
Adelina Nobre [I. S. A.]
Atriz. Nasceu a 14 de fevereiro de 1873. Estreou-
-se no Teatro da Avenida, em 1896, no papel de Adriana de Noronha
“mágica” em O Regimento Vermelho e entrou Atriz cantora. No Teatro da Avenida, entrou em
no drama histórico O Rei Maldito, original de A Casta Susana (1912), opereta de J. Okon-
Marcelino Mesquita. Na época 1903-1904, per- kowsky, tradução de Acácio Antunes, música
tencia à Empresa Ruas & Carvalho, então no Tea- de J. Gilbert, e fez parte do elenco da revista
tro do Príncipe Real, onde apareceu em Perdi- A Canção do Trabalho (1913), no Teatro Apolo.
dos no Mar (1904), drama marítimo em 3 atos
Bib.: “Teatros – Foi neste dia…”, O Século, 29/02/1952,
e 5 quadros, imitação de José António Moniz, p. 4.
fez o papel de “Leonor” na peça Em Ruínas [I. S. A.]
(1904), em 3 atos, de Ernesto da Silva, e sa-
lientou-se na revista Festas do Centenário de Adriana de Vecchi
Santo António (1905), de Álvaro Cabral e Penha Nasceu em Monserrate, freguesia do concelho
Coutinho, música de Tomás Del Negro, em cena de Viana do Castelo, em 14 de setembro de 1896,
no Teatro da Avenida. Integrou elencos de di- e faleceu em Lisboa, em 1995. Era filha de pai
gressões artísticas pelo Brasil. português e de mãe italiana – Sebastião da Sil-
Bib.: Carlos Leal, No Palco e na Rua – Impressões do ho- va Neves e Clotilde Devecchi, respetivamente.
mem e do artista, Lisboa, Tip. Costa Sanches, 1920; Joa- Demonstrou desde muito cedo aptidão pela mú-
31 ADR

sica e pelas letras, situação a que não foi alheio nhecimento científico da criança com base
o ambiente familiar. Na casa de Adriana, em Via- numa educação acomodada à sua capacidade;
na do Castelo, respirava-se um ambiente cultural 2 – Liberdade individual e respeito raciocina-
só notado em algumas famílias seletas da elite do pelo ser infantil; 3 – Criação de um ambiente
social do país na transição do século XIX para belo onde as crianças possam crescer e movi-
o século XX. No gineceu acolhedor, a música se- mentar-se livremente; 4 – Autoeducação, a
ria desde tenra idade a sua referência mental, que se aplica o princípio da autoatividade; 5 –
tanto mais que em casa era uma constante atra- A criança deve ser um agente ativo da própria
vés dos irmãos mais velhos, os quais eram ex- educação; 6 – O professor não deve apontar o
celentes pianistas, e da irmã, também mais ve- erro nem emendá-lo, mas a própria criança é que
lha, uma ótima violinista. Adriana, em entrevista há de notá-lo e corrigi-lo; 7 – O professor não
ao jornal Público, recorda essas primeiras ima- deve ensinar, mas apenas observar. Adriana de
gens da infância: “A minha mãe dizia que só me Vecchi fez a sua formação académica em Itália,
faltava ter nascido debaixo de um piano de cau- mas a paixão pela música nunca deixou de a
da. Havia um piano muito grande lá em casa. acompanhar, dedicando-se inclusivamente ao
Brincava debaixo dele.” Em 1898, com apenas seu ensino. Terá sido neste período que escolheu
dois anos, foi para Itália, passando ali o resto da o instrumento da sua vida – o violoncelo –, cujo
infância e juventude, residindo na cidade de Tu- nome, sempre que se lhe referia, pronunciava
rim. Com uma personalidade comunicativa em italiano. Nas palavras de Adriana, o vio-
por natureza, demonstrou desde criança uma loncelo “tem uma sonoridade mais humana” e
tendência extraordinária para o ensino. Como é o instrumento “que mais se aproxima do cor-
se de um jogo se tratasse, transmitia facilmen- po humano, aquele que tocamos quase como um
te a outras crianças tudo o que na escola apren- abraço”. O período italiano terminou nos inícios
dia. Segundo as suas palavras, “a sua mãe di- dos anos 20, quando voltou a Portugal, conhe-
zia, com frequência, que a sua filha já tinha nas- cendo então o futuro marido, o violoncelista e
cido com esse imenso gosto de partilhar com os professor Fernando Costa. Após o regresso, de-
outros tudo aquilo que sabia”. Essa vocação para dicou-se a diversas atividades na área das letras,
o ensino levá-la-ia mais tarde, naquela cidade publicando vários artigos em jornais e traba-
italiana, a estudar e a especializar-se em Peda- lhando como colaboradora do escritor Valério
gogia dentro das doutrinas então desenvolvidas Cordeiro, nomeadamente na tradução de obras
por Maria Montessori, cuja escola influenciou italianas para português. Nesta fase, dedicou-
várias gerações de pedagogos, contribuindo -se também à escrita, mais precisamente ao con-
simultaneamente de forma marcante para o to, tendo obtido o 1.o Prémio em Jogos Florais.
avanço da Pedagogia moderna. Esse ensina- O Dr. João de Barros e o secretário da Academia
mento, adquirido por Adriana de Vecchi naquela das Ciências, Dr. Joaquim Leitão, bem como o
experiência académica, seria decisivo para a sua Dr. Joaquim Manso, incentivaram-na a prosse-
formação humana e valioso para, mais tarde, em guir uma carreira literária. No entanto, a voca-
Portugal, influenciar a sua inovadora pedago- ção para a música e para o seu ensino, já antes
gia musical. Mesmo de forma sucinta, vale a revelados, foram mais fortes, dedicando-se-
pena passar em revista o trabalho daquela pe- -lhes em absoluto. Com efeito, realizou diver-
dagoga italiana e o contributo para as Ciências sas palestras em Lisboa sobre a temática musi-
da Educação. Maria Montessori nasceu em cal e o seu ensino, defendendo principalmen-
Roma em agosto de 1870, sendo a primeira mu- te o ensino musical infantil e advogando, si-
lher que cursou Medicina e Ciências Naturais multaneamente, que este tipo de ensino, nesta
naquela cidade. Licenciada em Medicina, foi fase de crescimento da criança, não devia ser im-
auxiliar na Clínica de Psiquiatria, onde desen- posto como uma disciplina rígida, mas sim em
volveu trabalho com crianças. Lecionou An- plena liberdade de movimentos ativos peda-
tropologia na Universidade de Roma e Antro- gogicamente bem conduzidos. O ano de 1953 re-
pologia e Higiene no Instituto Superior do velou-se como ano de viragem e início de uma
Magistério Feminino. A experiência científica nova etapa da vida de Adriana de Vecchi, e tam-
levou-a a materializar uma nova doutrina pe- bém o ano da oportunidade para pôr em práti-
dagógica para o ensino das crianças, a qual se ca os conhecimentos pedagógicos sobre o ensino
resume em sete preceitos metodológicos: 1 – Co- da música e o seu método racional amadureci-
ADR 32

dos por anos de reflexão, corporizando-os num alunos passavam num ápice para a divertida prá-
projeto que, generosamente, como é apanágio tica musical. Utilizando um sistema pedagógi-
das pessoas superiormente inteligentes, punha co inovador, o ensino da música era realizado
agora ao alcance de todas as crianças do país. com um método sem rigidez e de fácil assimi-
O espírito sagaz, combativo e motivado nunca lação, deixando aos alunos plena liberdade para
a fez desistir deste objetivo que ela julgava ser criar e entusiasmando-os para seguirem em fren-
merecedor da atenção da sociedade onde se en- te na prática musical e no contacto com o ins-
contrava inserida, a qual, infelizmente, na- trumento. No entanto, todo este trabalho pe-
quele tempo estava pouco desperta para ações dagógico tinha subjacente, da parte do docen-
inovadoras. A conferência “O Ensino da Músi- te, uma grande disciplina e exigência no rigor
ca na Infância e a sua Projeção no Futuro”, pro- dos corretos preceitos musicais. Adriana dizia
ferida na Casa-Museu João de Deus, em Lisboa, que “É preciso despertar na criança o sentido
foi naquele ano a alavanca da já referida vira- da criação. E não só na música.” A paixão pelo
gem. Em boa hora, entre a assistência encon- ensino da música havia de se manter pelo res-
trava-se então Sofia Abecassis, conhecida me- to da vida e talvez tenha sido este contacto cons-
cenas lisboeta, que, fortemente impressionada tante com os mais novos o segredo da grande vi-
com a amplitude e profundidade do projeto, logo talidade e lucidez que manteve e demonstrou
pôs à disposição algumas salas da sua residên- até ao final: “Gosto de ensinar. Conforme ensi-
cia particular, onde começaram as primeiras au- namos, a criança também nos ensina muito.
las do que viria a ser a Fundação Musical dos O contacto alerta-nos para a vida. É bom.” Com
Amigos das Crianças. Nesse mesmo ano, numa o projeto de ensino ministrado pela Fundação
segunda-feira, dia 29 de junho, nos amplos sa- Musical dos Amigos das Crianças consolidado
lões da casa da Rua Saraiva de Carvalho, n.o 97, e tendo agora a seu lado a colaboração e a de-
em Lisboa, morada de Sofia Abecassis, Adria- dicação preciosa do marido, o professor Fer-
na de Vecchi inaugurava, aos 57 anos, a sua Es- nando Costa, Adriana de Vecchi não descura-
cola Cultural e Infantil, numa altura da vida em va a divulgação da sua obra e, através dela, da
que a maioria das pessoas se encontra no começo música pelo país. Neste âmbito, a par da ativi-
da fase descendente. O projeto, agora tornado dade pedagógica, organizou, nas décadas de
realidade, assumia-se como uma atividade re- 1960 e 1970, com a colaboração de Fernando
gular, garantindo aulas às crianças três vezes por Costa, várias iniciativas de divulgação musical:
semana – segundas, quartas e sextas – e con- a convite do Círculo de Cultura Musical, vários
tando com a colaboração permanente de músi- concertos de violoncelo e de música de câma-
cos e professores de nomeada no círculo musical ra; criou, em Lisboa, as “Tardes Culturais para
da capital: aulas de Piano lecionadas pelo pro- a Infância”; e apresentou, em centenas de con-
fessor Abreu Mota; de Violino, pelo professor certos, a Orquestra Juvenil de Instrumentos de
Lamy Reis; de Canto Coral, pelo professor Jai- Arco da Fundação Musical dos Amigos das
me Silva; e de Violoncelo, pela própria. Com- Crianças. Organizou também as “Jornadas de Di-
pareceram a estas primeiras aulas crianças de vulgação Musical”, em que aquela fundação foi
ambos os sexos, o que era, no ensino da época, pioneira em Portugal, contribuindo para a des-
algo de inovador e invulgar. No desenvolvimento centralização da música, realizando digres-
do trabalho da Fundação, Adriana criou mate- sões por todo o país, incluindo Madeira, Aço-
rial didático para o ensino da música dirigido res e África. Desta fundação saíram muitos ar-
aos alunos em idade pré-escolar, facilitando- tistas que hoje fazem carreira nas orquestras por-
lhes o conhecimento de todos os símbolos tuguesas, conceituados solistas, chefes de or-
musicais. Aprendia-se brincando com aquelas questra e de coros, e ainda professores do en-
pequenas “tabuinhas” que não eram mais do que sino oficial e particular. Os outros alunos,
um jogo, um puzzle atrativo, onde em cada ta- aqueles que não seguiram a via profissional da
buinha retangular, da largura de dois dedos, fi- música, tiveram a oportunidade de fazer ali a
gurava desenhada uma pauta com uma só nota sua formação, que não só lhes deu conheci-
musical. A junção de várias peças deste jogo pe- mentos musicais, como também sólidos prin-
los alunos compunha uma frase musical, pos- cípios cívicos, equilibrados entre a liberdade e
teriormente executada no instrumento. A brin- a responsabilidade, porque a fundação assumia-
car aprendia-se o solfejo e, deste, os pequenos se, além de escola de música, como uma esco-
33 ADV

la de civilidade. Foi esse o triunfo do sucesso nos corredores das academias do Direito era mui-
do projeto global de educação para jovens de to escassa e assim permaneceria durante um par
Adriana de Vecchi. Em 1978, no âmbito das co- de décadas. Em 1927, por ocasião do primeiro
memorações dos 25 anos da Fundação Musical levantamento feito pela recém-criada Ordem dos
dos Amigos das Crianças, esteve patente na Fun- Advogados, no conjunto de mais de 1700 indi-
dação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, uma ex- víduos que tinham requerido a devida habilitação
posição subordinada ao tema “Duas Vidas, para exercer a profissão em Portugal, apenas se
Uma Obra”, sobre Adriana de Vecchi e Fernando encontram seis mulheres, cinco delas estabele-
Costa. Em 1984, foi agraciada com o Grau de Co- cidas na capital entre os 487 profissionais aí exis-
mendador da Ordem de Instrução Pública por tentes (Carmen da Conceição Marques, Judite
Sua Excelência o Presidente da República Por- Rosa Cabeçadas, Mapril Ogando Sequeira, Ma-
tuguesa. Em 1985, viu o seu trabalho reconhe- ria Cândida de Bragança Parreira e a já citada Re-
cido ao ser atribuída à fundação, “Em reco- gina da Glória de Magalhães Quintanilha) e uma
nhecimento pelo trabalho realizado em prol do outra entre os 68 identificados em Coimbra (Urâ-
ensino da música em Portugal”, a Medalha Mú- nia de Bastos Leite Braga). A presença de mu-
sica – Prestígio de uma Carreira. Em 1988, foi- lheres nos meandros da justiça era encarada com
lhe conferida, pelo Governo de Itália, a Ordem muitas reservas e suspeição, mesmo quando isso
de Cavalieri della República Italiana. “O que acontecia a um nível mais subalterno ou inter-
mais pretendo dar? O resto da minha existên- médio; Aurora de Castro e Gouveia, notária de
cia por aquele sonho que nasceu em menina. profissão, daria uma entrevista à publicação Vida
Oxalá nunca deixe de sonhar, e que possa sem- Feminina no ano de 1925 em que já defendia o
pre concretizar esse sonho. Ai daqueles que não acesso feminino à magistratura, mas tal demo-
sabem conservar no seu íntimo e não possuem raria cerca de meio século a ser conseguido. No
a Fé para caminharem sempre e ir mais além…” início do século XX, Portugal ia atrasado em re-
Dirigiu com lucidez a Fundação Musical dos lação a algumas nações em que as mulheres já
Amigos das Crianças até à véspera da morte. Fa- tinham alguma representação na área académi-
leceu em Lisboa, em 1995, com a idade de 99 ca e profissional do Direito, mas como veremos
anos, deixando à sociedade e ao país uma obra a evolução acabaria por ser bem mais favorável
que no presente ainda permanece, sendo diri- a longo prazo [B. Solomon, 1985, p. 127]. As
gida por aqueles que foram os seus mais dile- advogadas eram, e não só em Portugal, uma no-
tos alunos. vidade e como tal lutavam contra muitas difi-
[R. T.] culdades de afirmação e a sua atividade profis-
sional demoraria a expandir-se a todas as esfe-
Advogadas ras de ação possíveis, mantendo-se, durante al-
Como diversas outras profissões liberais, a ad- gum tempo, muito ligadas à defesa de questões
vocacia foi também durante muito tempo um do- femininas, como o faria longamente, embora mais
mínio exclusivamente masculino e uma das ati- num plano teórico do que na barra dos tribunais,
vidades em que a presença feminina só se fez Elina Guimarães. Esta, que se tornou uma das
timidamente sentir quando o século XX já tinha portuguesas mais reconhecidas nessa área mes-
mais de uma década. Embora ela viesse depois mo não tendo exercido a advocacia como pro-
a tornar-se maioritária no final do século XX, os fissão, assim explica um pouco da sua expe-
progressos iniciais foram lentos e demoraram riência e do seu contexto: “Como se abriam no-
mais de 50 anos a consolidar-se. Demonstrando vos caminhos, a instrução feminina foi pouco a
como a situação era tida como perfeitamente ex- pouco deixando de lado as ‘prendas de sala’ em
traordinária, Regina Quintanilha, a primeira mu- favor da preparação cultural e profissional e co-
lher formada em Direito e a exercer a profissão meçaram a estudar a sério nos níveis primário
de advogada, seria objeto de cobertura jornalís- e secundário as raparigas que, em número ele-
tica e direito a referência de primeira página por vado, iriam frequentar mais tarde a Universidade.
ocasião da sua estreia profissional, sendo apre- Apesar da Faculdade de Direito ser, de longe, a
sentada como “a primeira senhora que exerce a de menor frequência feminina, já em 1926 nos
advocacia, tendo-se estreado brilhantemente formámos cinco em Lisboa.” [E. Guimarães, 1969,
há dias no Tribunal da Boa Hora” [Ilustração Por- p. 20]. E nesta passagem encontra-se o aspeto fun-
tuguesa, 24/11/1913]. Mas a presença feminina damental para o progresso da presença femini-
ADV 34

na na esfera da formação jurídica e do exercício dos candidatos e que no ano letivo seguinte, em
de profissões dela decorrentes: o progressivo princípio, a taxa de feminização das matrículas
avanço feminino nos diversos níveis de ensino no primeiro ano seria de 18%. Na Faculdade de
e, sempre que as barreiras legais não se levan- Direito de Lisboa, os números eram ainda um
tavam, a sua sucessiva entrada em todas as áreas pouco superiores, pois obtiveram aprovação 13
de formação académica e do mundo do trabalho. candidatas (50% das que se tinham apresenta-
Apesar de, e como parece natural, isso não es- do a exame), o que equivalia a mais de 21% das
tar ao alcance de todas as que o desejavam, fos- potenciais matrículas; a taxa de aprovação no
se por entraves resultantes de bloqueios sociais exame também tinha sido muito mais elevada
e/ou ideológicos que ao nível familiar o não per- no caso feminino (50%) do que no masculino
mitissem, fosse por incapacidade material para (36,4%). Quanto ao número total de discentes
suportar os respetivos encargos. Tal como outras que então se encontravam a frequentar estas duas
profissões ditas “liberais”, excluindo talvez faculdades, este era de 816, sendo que 82 eram
um pouco a medicina, a advocacia era uma ati- alunas (c. 10%), 32 em Coimbra (8,3%) e 50 em
vidade que representava, para uma rapariga e Lisboa (11,6%). Esta ordem de grandeza, a ron-
para a sua família, um longo investimento edu- dar ou a passar um pouco os 10% em termos de
cativo cujo retorno era mais do que incerto. Era, frequência, não tinha sofrido grande alteração
pois, algo a que só poderiam almejar poucas das uma década depois, ainda que a proporção de
raparigas que, concluindo os estudos secundá- admissões tivesse variado um pouco, verificando-
rios, tivessem a possibilidade e o apoio indis- se uma razoável retração em termos relativos,
pensáveis para ir mais longe. Se as futuras mé- mesmo se em números absolutos a descida fos-
dicas tinham um mercado de trabalho potencial se apenas de 22 para 21. Em 1948, quando a Or-
no público feminino e infantil, no caso das ad- dem dos Advogados fez o levantamento de ad-
vogadas essa possibilidade defrontava maiores vogados que exerciam nas maiores comarcas do
obstáculos práticos resultantes dos preconceitos país (Lisboa, Porto e Coimbra), identificou 14 ad-
sociais dominantes. Do lado do investimento fa- vogadas em Lisboa (num total de 580 na cida-
miliar e pessoal, para além dos óbvios custos ma- de, mais 14 fora dela), apenas uma no Porto (em
teriais que tornavam tal opção acessível apenas 162) e duas em Coimbra (em 66 inscritos den-
a grupos sociais restritos e com algum desafogo tro e fora da cidade). A taxa global de feminização
económico, havia também o evidente investi- era de 2,4%, sendo mais elevada em Coimbra
mento de ordem pessoal, que podia ir desde a (3%). Entre 1949 e 1950 candidataram-se à en-
necessidade de deslocação do domicílio (as pos- trada nos cursos de Direito 28 raparigas, das quais
sibilidades de ingressar em Direito resumiam- foram aprovadas 21 (75%), enquanto dos 283 ra-
-se a Coimbra e a Lisboa) à capacidade de ul- pazes seriam aprovados 171 (60,4%); no con-
trapassar as resistências mais ou menos assu- junto, as novas alunas rondariam os 11%.
midas à entrada de uma mulher em ambientes Quanto à frequência dos cursos, em Coimbra as
tidos como exclusivamente masculinos e aí per- alunas eram 67 em 672 (10%) e, em Lisboa, 84
manecer vários anos. Existe ainda necessidade em 639 (13%), o que no conjunto equivalia a
de distinguir entre as mulheres que se licen- 11,5% do pessoal discente das duas faculdades.
ciavam em Direito e as que efetivamente aca- Quando se passa para a conclusão dos cursos,
bavam por exercer a advocacia, pois o cresci- nesse mesmo ano, encontram-se seis licenciadas
mento das primeiras é, apesar de tudo, bem mais em Direito, num total de 68, mais três em Ciên-
rápido, porque muitas vezes se assumia que a for- cias Jurídicas (em 79) e uma bacharel (em 30).
mação obtida não era para ter uma correspon- Para esse mesmo ano de 1950, e ainda de acor-
dente entrada no mercado de trabalho [B. So- do com os dados do recenseamento, contabili-
lomon, 1985, pp. 115 e ss]. No ano de 1940, e de zavam-se 46 advogadas e 1536 advogados, o que
acordo com os dados colhidos no respetivo re- dava uma taxa de participação feminina ainda
censeamento, na Faculdade de Direito de Coim- abaixo dos 3%, mas que curiosamente não es-
bra seriam aprovadas nos exames de admissão tava muito longe dos valores para os Estados Uni-
nove candidatas, num total de 50 novos alunos, dos da América (3,5% em 1950 e 1960), onde a
sendo que se tinham proposto 28 raparigas e 151 existência de muitas universidades exclusiva-
rapazes; isto significava que 32% das candida- mente femininas permitia um maior número de
tas tinham sido aprovadas contra apenas 27% formadas nesta área [B. Solomon, 1985, p. 127];
35 ADV

ou seja, o movimento era claramente ascensio- 1993, a taxa de feminização da advocacia já pas-
nal, com um evidente diferencial entre quem se sava os 30% e, a cada cinco anos, os ganhos se-
candidatava e entrava numa faculdade de Direito riam na ordem de mais 10%, ultrapassando mui-
e quem acabava por exercer a profissão, com cer- tos dos indicadores para outros países ociden-
ca de 10-15% de novas alunas admitidas para tais com uma tradição universitária e profissional
cada ano letivo, um valor acima dos 10% na fre- feminina mais antiga (em 1990, na Inglaterra e
quência e, ao nível apenas da licenciatura es- em Gales, o valor era de apenas 18%, subindo
pecífica em Direito, já perto de 10% de licen- para menos de 30% em 2000). Ao nível do topo
ciadas, descendo esse valor para menos de 6% da carreira, em termos institucionais, Maria de
se fossem tidas em conta todas as possibilidades Jesus Serra Lopes foi, até ao momento, a única
de conclusão de um curso em matérias jurídicas mandatária (1990-1992) da Ordem dos Advo-
(incluindo as variantes de Ciências Jurídicas e gados, organização de classe criada em 12 de ju-
Político-Económicas), culminando tudo isso lho de 1926, revelando que, apesar da femini-
num número bem mais baixo de mulheres a exer- zação da profissão, a ascensão ao seu topo é a úl-
cer a advocacia. Uma das fontes mais curiosas tima fase de um longo processo de conquista de
para identificar as futuras licenciadas em Direito um espaço paritário. Curiosamente, essa foi uma
e potenciais advogadas são os tradicionais livros posição que nos EUA só foi alcançada pela pri-
de finalistas ou de “quartanistas” e “quintanis- meira vez em associações profissionais de ad-
tas” dos cursos de Direito, em que, tal como em vogados (que aí se organizam ao nível estadual)
outros cursos, se caricaturavam os alunos. Para em meados dos anos 1990 e em Nova Iorque
o ano de 1951/52, o respetivo Livro dos Quar- [J. Glazer-Raymo, 1999, p. 120]. Em termos me-
tanistas da Faculdade de Direito de Lisboa apre- ramente académicos, a primeira mulher douto-
senta 12 mulheres entre os 62 caricaturados, em- rada em Direito, Anabela Rodrigues, sê-lo-ia ape-
bora o total de alunos identificados fosse de 83 nas em 1995, merecendo tal facto o correspon-
(os restantes 21 eram todos homens). No ano le- dente destaque na imprensa, mesmo se já sem
tivo de 1954/55, os dados disponíveis demons- os laivos de excecionalidade que tinham sido de-
tram como os ganhos eram lentos, mas notórios: dicados a Regina Quintanilha 82 anos antes. Ou-
entre os 971 alunos da Faculdade de Direito de tro efeito da entrada das mulheres no universo
Coimbra, a instituição mais tradicionalista e mais do Direito, para além da esfera do exercício da
longamente fechada à mudança, as mulheres che- própria advocacia, e não apenas em Portugal, pas-
gavam aos 8,7% e em Lisboa já eram 11,4%, o sou pela capacidade de exercer uma maior
que no conjunto dava pouco mais de 10% (186 pressão sobre a produção legislativa e, assim, co-
alunas num universo de 1827, pois nenhuma se meçar a lutar pela existência de um Direito das
encontrava nos Cursos Complementares de Mulheres na sequência do desenvolvimento da
Ciências Jurídicas ou de Ciências Político-Eco- chamada Teoria Feminista do Direito [T. Stang
nómicas). Entre 131 recém-licenciados, existiam Dahl, 1993]. Neste campo, as mulheres deixaram
20 mulheres (15,3%), sendo que seis delas ob- de ser objeto do Direito e de lutar apenas pela
tiveram médias de 14 ou mais valores (20% do melhoria da sua condição jurídica, dentro e fora
total). A situação manter-se-ia durante mais uma dos tribunais, mas passaram a ser agentes da mu-
década sem grandes alterações. Tal como em ou- dança legislativa e, por extensão, a modelar a pró-
tros sectores de atividade que implicavam uma pria conceção do Direito como algo multiforme
qualificação académica mais elevada e um per- e com necessidade de maior adaptação às mu-
curso mais longo no sistema educativo, só a par- tações sociais. No entanto, permanecem obstá-
tir de meados dos anos 1960 os ganhos se co- culos neste campo e há quem admita que “está
meçaram a fazer sentir de forma mais evidente. muito longe, ainda, de se poder considerar o Di-
O salto da escolarização feminina nos anos 1950 reito das Mulheres […] um assunto mains-
ao nível dos estudos secundários, teria nos anos tream. Raras são, por exemplo, as alunas que se
1960 o seu equivalente no ensino superior e só deixam tentar pela vontade de continuar a in-
daí em diante os indicadores femininos nesta vestigação nestas áreas para as suas dissertações
área deixariam de estar colados aos 10% e dis- de mestrado, embora o seu interesse intelectual
parariam rapidamente nos vinte anos seguintes, e até as suas convicções políticas estejam des-
atingindo valores comparativamente superiores pertos nesse sentido” [T. Beleza, 2002, p. 83].
a muitas outras sociedades ocidentais. Em Neste contexto, a feminização a que se veio a as-
AGU 36

sistir nas últimas duas décadas é apenas uma das Quadros Provisórios dos Advogados Que Requereram
linhas de progresso, e talvez a de maior suces- para Ser Inscritos de Pleno Direito e Que Poderão Ad-
vogar no Continente e Ilhas Adjacentes de Portugal, Lis-
so e visibilidade (42% de advogadas em 1998, boa, Imprensa Nacional, 1927; Portugal: A situação das
53,5% em 2003), de uma teia que se pretende Mulheres [vários anos], Lisboa, CIDM; Teresa Pizarro Be-
mais vasta e que passa pelo maior acesso femi- leza, “Antígona no reino de Creonte – O impacto dos es-
nino a todas as esferas do exercício do Direito, tudos feministas no Direito”, ex-aequo, n.o 6, 2002,
da Magistratura (onde já ultrapassaram os 40% pp. 77-89; The Educational Progress of Women, [Was-
hington], US Department of Education – National Cen-
em três décadas) à produção legislativa (e nesse ter for Education Statistics, 1995; Tove Stang Dahl, O Di-
caso o problema passa pela participação políti- reito das Mulheres – Uma introdução à teoria do direito
ca e pela eleição para o Parlamento). De qualquer feminista, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
forma, e seguindo um padrão comum a diversos 1993; Ilustração Portuguesa, 1913; Vida Feminina, 1925.
outros ramos de atividade a que as mulheres fo- [P. G.]
ram acedendo desde o início do século XX, a fe-
minização da advocacia foi conseguida ao lon- Águeda Conceição Albuquerque Osório Garcia
go dessa centúria, em especial do seu último Filha de António José Garcia e de Maria da Con-
terço. E, tal como todas aquelas que exigem um ceição Pinto Osório, natural de Vila Real. Fez
maior investimento pessoal e material, assim o curso em Bragança, tendo obtido nos exames
como uma formação académica mais prolonga- de admissão 16 valores. Fez também exame de
da, o “salto” foi dado a partir da década de 1960, 2.o ano de Português em 1885, sendo aprovada
época crucial em que os fundamentos de uma com 3 valores, e exame de Francês, com a mes-
instrução secundária feminina alargada já esta- ma nota. Foi publicamente examinada nas dis-
vam consolidados e permitiram que isso se re- ciplinas que constituíam o segundo grau de ins-
fletisse em diversos sectores do mundo acadé- trução primária, tendo obtido a classificação de
mico, mesmo nos que antes tinham resistido mais suficiente, com 6 valores. Águeda Garcia foi pro-
ao sentido da mudança. fessora habilitada com diploma para o ensino
Bib.: Advogados Inscritos pelas Comarcas de Lisboa, Por- elementar e complementar dos 1.o e 2.o graus,
to e Coimbra, Lisboa, Ordem dos Advogados, 1948; cargo que exerceu em Alcobaça a partir de 8 de
A Igualdade de Género em Portugal, Lisboa, CIDM, 2003; fevereiro de 1889. No processo de candidatura
Alberto Sousa Lamy, A Ordem dos Advogados Portu- aos Liceus Secundários Femininos*, que enviou
gueses: História, órgãos, funções, Lisboa, Ordem dos
Advogados, 1984; Anabela Miranda Rodrigues, A De- em 16 de abril de 1890 para a 2.a Repartição da
terminação da Medida da Pena Privativa de Liberdade: Direcção Geral de Instrução Pública, afirmava
Os critérios da culpa e da prevenção, Dissertação de Dou- sentir-se preparada para lecionar qualquer uma
toramento em Ciências Jurídico-Criminais, Coimbra, Uni- das disciplinas do ensino complementar, ma-
versidade de Coimbra, 1994; Anuário Estatístico de
Portugal [vários anos], Lisboa, Direcção-Geral de Esta-
nifestando, contudo, preferência pelas de Ma-
tística/INE; Barbara Miller Solomon, In the Company of temática, Geografia e História. No conjunto de
Educated Women – A history of women and a higher edu- documentos entregues apresentou um certifi-
cation in America, New Haven/London, Yale University cado passado pelo subinspetor do 3.o ciclo da
Press, 1985; Carol Dyhouse, No Distinction of Sex? Wo-
men and British universities (1870-1939), London,
3.a Circunscrição Escolar, atestando que era pro-
University College of London Press, 1995; Censos da Po- fessora desde 8 de fevereiro de 1889, tendo de-
pulação [vários anos], Lisboa, Imprensa Nacional/INE; sempenhado o cargo com muita competência.
Elina Guimarães, A Lei em Que Vivemos… (Noções de Incluía também um certificado passado pelo ad-
direito usual relativo à vida feminina), Lisboa, O Século, ministrador do concelho e pela Câmara.
1937; Idem, A Condição Jurídica da Mulher no Direito
de Família perante as Nações Unidas, Porto, 1962; Idem, Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
“Evolução da situação jurídica da mulher portuguesa”, – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
A Mulher na Sociedade Contemporânea, Lisboa, Prelo, [A. C. O.]
1969, pp. 9-28; Joaquim Ferreira Gomes, “Regina Quin-
tanilha: a primeira caloira de Direito”, Revista Portuguesa
de Pedagogia, n.o 25, 1991, pp. 47-64; Judith Glazer-
Aida Cardigos
Raymo, Shattering the Myths – Women in Academe, Bal- Professora. Irmã de Aurora Fernandes David*,
timore, The Johns Hopkins University Press, 1999; Li- apenas 11 meses mais velha do que esta, nas-
vro dos Quartanistas da Faculdade de Direito de Lisboa ceu em 28 de janeiro de 1908 e faleceu a 14 de
– Ano de 1951/52, Lisboa, Tipografia Emílio Braga, 1952;
Mary Jane Mossman, The First Women Lawyers – A com-
dezembro de 1998, tendo tido uma realização
parative study of gender, law and the legal professions, pessoal e social de uma natureza muito diferente
Oxford, Hart Publishing, 2006; Ordem dos Advogados, daquela. A morte da mãe em 1914, a proximi-
37 AID

dade da idade entre ambas e o desígnio pater- levando com ela dois filhos e deixando ao cui-
no de nunca as afastar uma da outra são fatores dado de sua irmã, Aurora, as filhas mais velhas
que terão levado a que as duas irmãs, embora e o bebé. Reparte os dois anos e meio dessa pri-
muito diferentes, se tivessem mantido tão so- meira estadia entre o Liceu Salazar e, no últi-
lidárias e estreitamente unidas pela vida fora. mo ano, o Hospital de Lourenço Marques. Re-
Foi Aida quem guardou e transmitiu aos filhos gressou com os dois filhos e foi internada no
memórias pungentes do paraíso perdido com a Sanatório do Caramulo, onde escreveu uma co-
morte da mãe. A educação estritamente laica, média (Teresa, a de Camilo), representada com
ponderada cuidadosamente pelo pai no mais ri- muito êxito pelos doentes e residentes do sa-
goroso espírito da jovem República, não lhes per- natório, e se tornou colaboradora assídua do jor-
mitiu o batismo religioso. No entanto, ambas fo- nal Ecos da Serra, contribuição essa que se pro-
ram batizadas no mesmo dia, pouco antes de longou mais tarde em Lisboa com a rubrica
atingirem a maioridade, por influência de ami- “Cartas Alfacinhas” de Lena. Em 1954, voltou
gos, nomeadamente Aida Gomes da Conceição, para Lourenço Marques, onde permaneceu até
sua colega de liceu, futuramente a primeira di- 1956, anos em que colaborou na Rádio Clube de
retora do Instituto de Odivelas. Na Faculdade Moçambique com as peças radiofónicas O Ra-
de Letras de Lisboa frequentou o curso de His- paz da Gravata Verde ou O Que Tem de Ser…,
tória e Geografia e licenciou-se com uma tese in- O Diabo Estava atrás da Porta e o conto radio-
titulada O Imperialismo Norte-americano. Ca- fónico Revelação. A deterioração do estado de
sou em 1933 com Norberto Cardigos dos Reis, saúde obrigou-a, mais uma vez, a regressar à me-
brilhante colega de curso e desassombradamente trópole. Em 1965, retomou o ensino no Liceu
de esquerda. Ficam claramente determinados os Maria Amália Vaz de Carvalho. Outra recaída,
diferentes rumos de vida destas duas irmãs, sem- em 1967, obrigou a novo internamento no Ca-
pre tão próximas, que também une uma mesma ramulo. Restabelecida, voltou ao liceu, repar-
vocação para o ensino, começando ambas por tindo agora a atividade entre o serviço de ensino
serem professoras de liceu: enquanto Aurora op- e a direção de duas publicações na Mocidade
tou por uma vida de despojo, entrega a Deus e Portuguesa Feminina, a revista Mãos Dadas e
apagamento de si que, por ironia dos labirintos a Agenda, que lhe devem muito do que nelas foi
políticos do tempo, a levaria a um alto cargo de escrito. De outubro de 1972 a 1974 foi destacada
chefia na Mocidade Portuguesa Feminina*, a vi- para o Secretariado da Juventude, com dispensa
brante e sedutora personalidade de Aida iria con- total do serviço de ensino, sendo finalmente apo-
jugar o papel de mulher casada e mãe de cin- sentada por decisão de uma junta médica. En-
co filhos com o de carismática professora e mu- contra-se à guarda dos filhos uma caixa com os
lher de letras, irradiando encanto nos círculos seus manuscritos, os contos O Pedido e A Pon-
aonde os caminhos da vida a levaram. Começou te, um caderno de poemas, as peças e os con-
por ensinar no Algarve, nos liceus de Faro e Por- tos radiofónicos referidos acima. Publicados, os
timão, entre 1935 e 1941, nesta altura já com frutos da sua colaboração em Ecos da Serra e nas
duas filhas e um filho. Entre 1941 e 1944, en- revistas da MPF. Aqueles que cruzaram o seu
quanto professora no Instituto de Odivelas, es- caminho, que ela ensinou, tocou e inspirou,
creveu uma série de peças de teatro para as alu- guardam e transmitem o brilho e o calor que ir-
nas representarem em celebrações várias e nas radiou. E esses, cremos, não se extinguem.
festas de fim de curso: Auto da Encruzilhada, [G. D. C. R./I. D. C. R.]
São Muitos os Caminhos na Casa de Meu Pai,
Desapareceu Um Xaile, Projectos e Devaneios. Aida da Conceição Paulo
Em fins de 1942, deu à luz uma menina. Sur- Ajuntadeira de calçado. Filha de Luísa da Con-
giram em 1944 os primeiros sintomas de uma ceição Paulo*, tecedeira, e de Carlos Luís Pau-
tuberculose pulmonar, doença que veio a acom- lo, pintor da construção civil, nasceu em Lisboa,
panhá-la intermitentemente ao longo da sua vida na Rua de Campo de Ourique, a 9 de dezembro
ativa. Em 1945, nasceu o quinto e último filho, de 1918, e faleceu a 25 de outubro de 1993, com
e em 1947, ainda não clinicamente curada, foi 75 anos, na mesma cidade. Aderiu ao Partido Co-
ter com o marido (que escolhera ensinar em Mo- munista Português em 1936, com apenas 18 anos,
çambique, no Liceu Salazar, em Lourenço Mar- e manteve, tal como a mãe, duradoura ativida-
ques, numa espécie de deportação voluntária), de nas casas de apoio, sendo indissociável o per-
AID 38

curso e a cumplicidade de ambas na luta clan- tilharam a mesma cela. Pouco tempo depois da
destina, passando, por vezes, por nora e sogra. Revolução de 25 de Abril de 1974, prestou de-
Presa pela polícia política do Estado Novo poimentos separados a Gina de Freitas e a Rose
(PVDE, PIDE) por três vezes, entre 1939 e 1967, Nery Nobre de Melo sobre três décadas de vi-
duas das quais com Luísa Paulo: de 27/05/1939 vência política clandestina, antes e depois da
a 27/10/1940 (Cadeia das Mónicas); de reorganização do PCP em 1940-1941, e as prisões
02/12/1958 a 14/01/1965 (Caxias); e de sofridas, que estão recolhidos nos livros A For-
28/07/1967 a 02/05/1968 (Caxias). A primeira ça Ignorada das Companheiras e Mulheres
detenção aconteceu com a mãe e Augusto da Cos- Portuguesas na Resistência. Neles, evocou a in-
ta Valdez (n. 01/02/1914), evadido a 19 de mar- fância em Campo de Ourique e bairros próximos,
ço de 1939 de Caxias, numa tipografia clandes- a aspiração de ser médica e as explicações da mãe
tina em Algés. Transferida para a Cadeia das para que não sonhasse com isso, a deportação do
Mónicas a 13 de junho de 1939, seria julgada pelo pai, “um democrata honesto e consequente”, para
Tribunal Militar Especial a 19 de outubro de 1940 Angola, em 1927, o momento em que, com a mãe,
e condenada a 12 meses de prisão e perda de di- embarcou para África, o regresso, a leitura do jor-
reitos políticos por cinco anos. Libertada, vol- nal Avante! e a adesão ao PCP, atividades clan-
taria à militância, passando imediatamente destinas, a família, a solidão, o isolamento, as-
com a mãe para uma casa na Chamboeira (Frei- sim como eventos relacionados com cada uma
xial, Loures), com Sérgio Vilarigues e, poste- das prisões. Descreveu ainda as situações em que
riormente, Álvaro Cunhal, sendo as duas únicas se deram as detenções, agentes envolvidos, in-
mulheres que, embora através dos serviços de terrogatórios, humilhações, condições prisionais,
apoio, participaram no I Congresso Ilegal do PCP torturas e contacto com presas de delito comum,
realizado no Monte Estoril, em 1943. A segun- entre outros aspetos. É uma das pioneiras, nos
da prisão deu-se quase vinte anos depois, numa anos 1940, do jornal 3 Páginas, cuja colaboração
habitação clandestina em Lisboa, na Rua Casti- era só feminina – uma década depois, em julho
lho, da qual resultou a condenação a dois anos de 1956, mudou o nome para A Voz das Ca-
e meio, acompanhada da medida de segurança maradas das Casas do Partido –, onde escreveu
“de internamento indeterminado de seis meses com regularidade, incluindo contos, “com o
a três anos, prorrogável”, e que correspondeu, na pseudónimo de Marta”. Também colaborou no
prática, a mais de seis anos de reclusão. A últi- órgão central do PCP. O apelido surge na maior
ma deu-se quando já estava na legalidade, em ju- parte das vezes como Paula, inclusive na ficha
lho de 1967, tendo sido enviada incomunicável prisional da PIDE e na capa do seu livro Com a
para a esquadra de Campolide e torturada pela Certeza de Quem Quer Vencer, editado na co-
PIDE. Editou-se, então, em França um folheto in- leção Episódios da Resistência Antifascista
titulado “É preciso salvar Aida Paula”, o qual Contados por Quantos a Viveram.
chegou a Itália através da Organização das Mu-
Da autora: Com a Certeza de Quem Quer Vencer, Lisboa,
lheres Democráticas [Avante!, n.o 391, maio de Edições Sociais, 1974; “E assim passavam os meses que
1968], onde se denunciava a sua situação pri- se podiam somar por anos”, depoimento de Aida Pau-
sional. Julgada a 2 de maio de 1968 e absolvida, lo a Gina de Freitas, A Força Ignorada das Companheiras,
foi imediatamente libertada. Autora duma das Lisboa, Plátano Editora, 1975, pp. 57-67.
13 cartas incluídas no manifesto enviado clan- Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela,
2004; António Ventura, Memórias da Resistência – Li-
destinamente da Prisão de Caxias, datado de teratura autobiográfica da resistência ao Estado Novo,
maio de 1961, e dirigido às “organizações fe- Câmara Municipal de Lisboa, 2001, pp. 41-42; Comissão
mininas e democráticas do mundo inteiro”, onde do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Presos Políticos
se fazia a denúncia das torturas e das precárias no Regime Fascista II – 1936-1939, Mem Martins, 1982,
pp. 371-373; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma
condições em que as presas políticas estavam en- Biografia Política, Vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Revolu-
carceradas. Abandonou a clandestinidade em cionário (1913-1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999; José
1965 – o jornal Portugal Democrático, de São Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Polí-
Paulo, noticiou a libertação ocorrida nesse ano tica, Vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clandestino (1941-
– para cuidar da mãe, gravemente doente. Tra- -1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001; Maria Manuela
Cruzeiro, Maria Eugénia Varela Gomes – Contra ventos
balhou ainda no consultório da médica Julieta e marés, Porto, Campo das Letras, 2003; Rose Nery No-
Gandra*, na Rua Manuel da Maia, cujo conhe- bre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resistência, Lis-
cimento datava da Prisão de Caxias, onde par- boa, Seara Nova, 1975, pp. 31-40; São José Almeida, “Car-
39 AID

tas – manifesto de mulheres na Prisão de Caxias” [c/ fot.], tes que o estado de saúde se agravasse, bem como
Público, 20/11/2004, pp. 12-13, e 21/11/2004, pp. 14-15; “uma ampla amnistia que abranja todos os pre-
São José Almeida, “Cartas – manifesto de mulheres na
Prisão de Caxias – I”, Público, 20/11/2004, pp. 12-13; sos políticos, todos os exilados, todos os demi-
Idem, “1917-2007 – Julieta Gandra – A transgressora, fe- tidos por motivos políticos!”, responsabilizan-
minista e anticolonialista”, Público, 22/10/2007; “Aida do o governante, enquanto mais alta entidade
Paulo deve ser libertada”, Avante!, Ano 33, série VI, n.o executiva, “pelo que possa acontecer a meu ma-
347, dezembro, 1964, p. 3, col. 3; Portugal Democrático,
São Paulo, maio, 1965; “Solidariedade a Aida Paula”,
rido e a todos os mais que venham a tombar, ví-
Avante!, Ano 37, série VI, n.o 391, maio, 1968, p. 5, col. timas do regime repressivo que o Governo de-
1; “Aida Paula foi libertada”, ibidem, p. 6, col. 4. fende e mantém”. Rose Nery insere a “Biografia
[J. E.] Prisional”, entrecortada por esclarecimentos
de Aida Magro, no livro Mulheres Portuguesas
Aida de Freitas Loureiro Magro na Resistência.
Filha de um republicano da capital, nasceu a 4
Da autora: Carta de Aida Loureiro Magro ao Presidente
de abril de 1918, no distrito da Uila, em Ango- do Conselho, datada de 23/10/1973 [cópia datilografada].
la, e faleceu a 11 de novembro de 2011, com 93 Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista,
anos de idade. Estudou Química, no Instituto In- Presos Políticos no Regime Fascista VI – 1952-1960, Mem
dustrial de Lisboa, participou nos movimentos Martins, 1988, pp. 219-220; João Pina e Rui Daniel Gali-
za, “Aida Magro – Uma vida e um amor ‘fora do normal’”,
estudantis de oposição ao salazarismo, casou com Por Teu Livre Pensamento – Histórias de 25 ex-presos po-
José Alves Tavares Magro (1920-23/02/1980), pri- líticos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, pp. 20-21 e 75-78;
mo num grau afastado e ativista do Partido Co- Maria Manuela Cruzeiro, “Aida Magro”, blogue Caminhos
munista, partido a que também aderiu em 1942, da Memória, 04/11/2008, http://caminhosdamemo-
durante a Segunda Guerra Mundial. De forma a ria.wordpress.com/2008/11/04/aida-magro/; Rose Nery
Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resistência
estar com o marido, terá entrado na clandesti- [c/fot.], Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 139-147; São José
nidade em 1945, com uma filha de meses, e aí Almeida, “Cartas – manifesto de mulheres na Prisão de
nasceu-lhe um rapaz: segundo Manuela Cruzeiro, Caxias – I”, Público, 20/11/2004, pp. 12-13; II Congres-
“passou ao todo por 14 casas clandestinas”. En- so Republicano de Aveiro, Teses e Documentos, Vol. II,
tretanto, José Magro foi detido e Aida Magro man- Lisboa, Seara Nova, 1969; http://www.noticiasdaama-
dora.com.pt/nad/artigo.php?aid=5184&coddoss=23.
teve-se na ilegalidade durante uma década até [J. E.]
ser presa, a 27 de maio de 1957, recolhendo ao
Forte de Caxias. Seria então membro do Comi- Aida Laranjeiro dos Reis
té Local de Lisboa e, enquanto tal, responsável Filha de Maria Clorinda Clara dos Reis e de An-
pela Zona Oriental. “Permaneceu em isola- tónio Laranjeiro, nasceu em Cantanhede a 25 de
mento e interrogatórios durante seis meses” [Por fevereiro de 1888. Foi, segundo Fina d’Arma-
Teu Livre Pensamento, p. 75] e foi julgada a 1 de da, uma das cinco mulheres, em 80 assinaturas,
julho de 1958: condenada a dois anos e meio de a subscrever o auto de proclamação da República
prisão maior, suspensão de direitos políticos por feito nos Paços do Concelho daquela localida-
15 anos e medidas de segurança, só seria liber- de a 9 de outubro de 1910. No mês seguinte, a
tada em 2 de fevereiro de 1963, passando a tra- 24 de novembro, casou-se com João António Ro-
balhar no âmbito do apoio aos presos políticos. drigues e passou a residir no Porto. Enviuvou
Nessa qualidade, endossou ao II Congresso Re- cedo e voltou a casar, em 22 de junho de 1921,
publicano de Aveiro, realizado em 1969, uma com António Baeta da Fonseca.
mensagem em representação de um grupo de fa-
mílias de presos políticos, onde se refere às du- Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
das, Temas e Debates, 2011, pp. 159-160, 166; “A pro-
ras condições em que estes viviam, em resulta- clamação da República em Cantanhede”, Notícias de
do de “um regime duríssimo, que parece con- Cantanhede, 16/10/1910, p. 2, col. 2.
cebido para alcançar, lenta mas eficazmente, a [J. E.]
sua ruína física e psíquica” [II Congresso Re-
publicano de Aveiro, Teses e Documentos, Albertina de Oliveira
p. 161]. Em 23 de outubro de 1973, quando o ma- Atriz. Em 1912, estava no Teatro do Ginásio, onde
rido entrara já no vigésimo primeiro ano de pri- entrou em O Rei dos Gatunos, peça em 4 atos, tra-
são e no décimo segundo consecutivo, dirigiu dução de Portugal da Silva, no papel de “Ger-
uma infrutífera carta ao Presidente do Conselho, mana”. Fez parte do elenco do Teatro Nacional
Marcello Caetano, pedindo a sua libertação an- quando era gerente Lino Ferreira, destacando-
ALB 40

se em Amor à Antiga (1915), comédia em 4 atos, to daquela escola, referiu no respetivo relatório
de Augusto de Castro, ao lado de Lucinda do Car- as sugestões de Albertina Pedroso e Mota no sen-
mo*, e Mártires do Ideal (1915), peça em 4 atos tido de adequar a oficina de lavores femininos
de Augusto de Lacerda. Passou por outros teatros, às necessidades locais. Segundo a mestra, as ra-
onde entrou nas revistas A Torre de Babel (Apo- parigas, na sua maioria filhas de operários, pre-
lo, 1917), de Eduardo Rodrigues, Félix Bermu- feriam a aprendizagem da costura à dos borda-
des e João Bastos, música de Tomás Del Negro e dos, mas para isso tornava-se necessário equipar
Bernardo Ferreira, A Trombeta da Fama (Éden- a oficina de máquinas e material. António Arroio
Teatro, 1918), de Lino Ferreira, Artur Rocha e Xa- propôs no seu relatório que os trabalhos manuais
vier de Magalhães, música de Luz Júnior; pro- femininos fossem reorganizados, continuando sob
tagonizou A Morgadinha de Valflor (1918), dra- a regência de Albertina Pedroso e Mota.
ma em 5 atos de Pinheiro Chagas, em reprise, e
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério da
História de sempre (1918), peça em 3 atos de Vic- Educação, Fundo da Direcção-Geral do Comércio e In-
tor Mendes e Carrasco Guerra. Entre 1923 e 1925 dústria do Ministério das Obras Públicas, Série Processos
pertenceu à Sociedade Artística do Teatro Na- Individuais, Processos Individuais de Professores (1872-
cional, evidenciando-se em O Desejo -1916). Fontes impressas: Decreto de 14/12/1897, Diário
do Governo, n.o 283, 15 de dezembro de 1897; António Ar-
(20/12/1924), tradução da peça Amour Défendu roio, Relatório sobre a Situação da Escola Industrial “Cam-
de Pierre Wolff por José Sarmento, e nas comé- pos Melo” da Covilhã, Lisboa, Imprensa Nacional, 1914.
dias Dicky (1924), de Armont e Gerbidon e J. Ma- Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oitocen-
noussi, tradução de Alberto Morais, que se tista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa,
manteve dois meses em cartaz, e Abade Cons- Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A Formação
Profissional das Mulheres no Ensino Industrial Público
tantino (1925), que Hector Crémieux e Pierre De- (1884-1910). Realidades e representações, Dissertação de
courcelle extraíram do romance do mesmo títu- Doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008.
lo de Ludovic Halévy, tradução de Pinheiro Cha- [T. P.]
gas, ao lado de Jesuína Chaby* e Ilda Stichini*.
Bib.: O Palco, Lisboa, n.o 3, 05/02/1912, p. 42; Ilustra- Albertina Marques Teixeira
ção Portuguesa, 1915, p. 256; O Teatro, Lisboa, n.o 8, ju- Operária têxtil. Filha de uma família numero-
lho-agosto, 1918; “Teatros – Foi neste dia…”, O Sécu- sa e operária, nasceu em Riachos, distrito de San-
lo, 16/01/1956, p. 4, 11/05/1956, p. 4, 20/12/1961, p. 5, tarém, em setembro de 1934, e foi viver para o
e 31/03/1962, p. 4.
[I. S. A.] Barreiro com apenas um ano de idade, terra onde
faleceu a 4 de dezembro de 2008, com 74 anos
Albertina de Sousa Pedroso e Mota de idade. Os familiares empregaram-se na
Primeira mestra da oficina de lavores femininos Companhia União Fabril (CUF) e Albertina Mar-
da Escola Industrial da Covilhã. Residente na ci- ques, operária do sector têxtil, tornou-se em
dade da Covilhã, candidatou-se, em 25 de feve- 1956, com 22 anos, militante do Partido Co-
reiro de 1895, ao lugar de mestra de trabalhos ma- munista: “‘Foi uma opção de vida’, diz com ale-
nuais elementares para o sexo feminino, ou seja, gria na voz, ‘as dificuldades eram muitas mas
de costura e bordados, na Escola Industrial nós tínhamos uma força tão grande que nunca
Campos Mello, na mesma localidade, tendo pensámos em desistir. Pelo contrário!’” [Arte
sido nomeada dois dias depois. Na sequência do Barreiro]. Nesse meio operário, distribuía a im-
decreto de 14/12/1897, que reorganizou o ensi- prensa partidária, como o Avante!, O Militan-
no nas escolas industriais e de desenho indus- te e o Corticeiro, recolhia assinaturas e a sua casa
trial, foi criado, naquela escola, o curso de lavores foi lugar de várias reuniões clandestinas, nun-
femininos com a respetiva oficina e Albertina Pe- ca sendo detetada: “‘Era uma tarefa tão perigo-
droso e Mota passou a auferir, como mestra e em sa quanto apaixonante’. Quando pressentia
conformidade com a tabela anexa ao referido problemas, levava os materiais do partido para
decreto, um vencimento de 300$000 réis anuais. a quinta da mãe que, cuidadosamente, os en-
Regista-se o seu longo percurso profissional na terrava na capoeira das galinhas até voltar a ser
Escola Campos Mello, na qual ainda se encon- segura a sua circulação” [idem]. Em 1957, foi de-
trava ao serviço em 1916. Em 1914, António Ar- tida e levada para Caxias durante dois dias e, de
roio, inspetor das escolas industriais, ao ser in- vez em quando, era interrogada na sede da PIDE.
cumbido pelo Ministério das Obras Públicas de Passou à clandestinidade em 1964, quando era
averiguar as causas do deficiente funcionamen- companheira do engenheiro químico e dirigente
41 ALB

Fernando Augusto da Silva Blanqui Teixeira Correspondência Expedida (1886-1892), 2 Vols. Fontes
(04/05/1922-01/10/2004). Usou os pseudónimos impressas: Ministério das Obras Públicas, Comércio e
Indústria, Direcção Geral do Comércio e Indústria, Re-
“Margarida”, “Ana”, “Rosa” e “Paula”, mudou latórios sobre as Escolas Industriais e de Desenho In-
de vida, de casa e de lugares por várias vezes, dustrial da Circunscrição do Norte (1890 a 1891), Lis-
encontrando-se no Porto quando se deu o 25 de boa, Imprensa Nacional, 1893; Ministério das Obras Pú-
Abril de 1974: como não era seguro abandonar blicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do Comércio
a casa do Partido, “assisti a tudo da janela, as e Indústria, Relatórios sobre as Escolas Industriais e de
Desenho Industrial da Circunscrição do Norte (1891-
lágrimas caíam-me, sabia que a minha filha es- -1892), Lisboa, Imprensa Nacional, 1893.
tava no Porto mas não podia vê-la” [idem]. Re- Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oitocen-
gressou ao Barreiro em maio desse ano, junta- tista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa,
mente com uma irmã que também vivia na clan- Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A Formação
Profissional das Mulheres no Ensino Industrial Público
destinidade, onde se juntou ao companheiro, res- (1884-1910). Realidades e representações, Dissertação de
ponsável pela abertura do primeiro Centro de Doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008.
Trabalho legal. Trabalhou neste, primeiro na Rua [T. P.]
Eusébio Leão, depois na Rua Vasco da Gama, e
integrou a Comissão Concelhia do PCP, sempre Albina Fernandes
com responsabilidades na área de recolha de Combatente da Resistência francesa e ativista co-
fundos e tesouraria. Em 2006, a Câmara Muni- munista, a quem a PIDE infligiu violentas tor-
cipal atribuiu-lhe o galardão “Barreiro Reco- turas psíquicas, nasceu a 5 de janeiro de 1929
nhecido” na categoria “Resistência Antifascis- em França, onde os pais, “que já eram comunis-
ta”. Nessa ocasião, foi publicada uma biografia tas” [M. E. Varela Gomes, p. 220], se encontra-
sua em Arte Barreiro, tendo então afirmado: vam emigrados e “estiveram em riscos de ser
“Sinto que, à minha maneira, contribuí para presos quando foi da invasão alemã” [ibidem].
construir um mundo melhor. Estou contente Nesse país, iniciou muito jovem a militância na
com a vida que escolhi e com as opções que fiz!” Juventude Comunista e, finda a Segunda Guer-
Manteve mais de cinco décadas de militância ra, veio para Portugal, onde aderiu ao Partido
política ativa e aparece, por vezes, identificada Comunista Português. Casou, em 1948, com Al-
por Albertina Marques Blanqui Teixeira. cino de Sousa Ferreira (n. 28/12/1920) que, em
Bib.: http://www.artbarreiro.com/noticias/barreiro-
outubro de 1949, passou a funcionário e com
rec/galardoados1.html “Albertina Marques Teixeira re- quem viveu clandestina até este ser preso,
cebe galardão «Barreiro Reconhecido»”, Arte Barreiro, mais uma vez, em 12 de fevereiro de 1951. Ha-
08/07/2006. bitou “diversas casas clandestinas durante os 11
[J. E.] anos seguintes” [Ana Barradas, As Clandestinas,
p. 160], e foi detida em 15 de dezembro de 1961,
Albina Cândida Pereira Magro no mesmo dia que o companheiro Octávio Pato
Mestra de lavores femininos na oficina da Escola (01/04/1925-19/02/1999), embora em locais
de Desenho Industrial de Braga, por nomeação diferentes. Sem ter a quem os confiar, levou os
de 16 de agosto de 1889, assegurou os trabalhos filhos Isabel (filha de Antónia Joaquina Mon-
da primeira oficina para o sexo feminino das es- teiro) e Rui Pato (filho de Albina), de seis e dois
colas industriais da circunscrição do Norte. A anos, e manteve-os junto de si em Caxias: dei-
inauguração da oficina, porém, ocorreu apenas tava-os no único divã e “descansava de joelhos
em 7 de janeiro de 1891. A diminuição da afluên- no chão e com as mãos agarradas aos pulsos de-
cia às matrículas teria levado ao seu encerra- les, para que não lhos tirassem” [A Força Ig-
mento e Albina Magro foi transferida, em de- norada das Companheiras, p. 30], segundo des-
zembro de 1891, para a Escola Infante D. Hen- crição da própria a Maria Rodrigues Pato*, a
rique, no Porto, onde preparou a abertura da res- quem entregou os netos. Julgada em 17 de no-
petiva oficina de lavores, a qual iniciou o seu fun- vembro de 1962, no mesmo dia de Octávio Pato,
cionamento em maio de 1892. Manteve-se no lu- e condenada “na pena de prisão maior, na va-
gar no ano letivo seguinte, após o qual foi subs- riável de três anos, na fixa de suspensão de di-
tituída por Carolina da Assunção Lima*. reitos políticos durante 15 anos e no mínimo de
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
Imposto de Justiça e na medida de segurança de
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- internamento de seis meses a três anos prorro-
cas, Comércio e Indústria, Secretaria-Geral, Registos de gável” [“Biografia Prisional”], acabou por per-
ALB 42

manecer seis anos e sete meses na Cadeia de Ca- ser através dos nossos comuns familiares?” [“In-
xias. Em novembro de 1966, numerosos cida- tervenção realizada por Octávio Pato perante o
dãos assinaram uma petição a solicitar a sua li- tribunal fascista que o julgou, em novembro de
bertação, atendendo a já ter cumprido a pena a 1962”, pp. 151-152]. Segundo notícia publicada
que tinha sido condenada e ao debilitado esta- no jornal Avante! de novembro de 1970, o seu fu-
do de saúde em que se encontrava. Só lhe foi neral “incorporou cerca de 1500 pessoas” [Avan-
concedida a liberdade condicional a 9 de julho te!, n.o 422, p. 4, col. 3] e nele se gritaram várias
de 1968 e solta a 11, depois de devidamente fo- palavras de ordem. Escassos meses após o 25 de
tografada. Suicidou-se a 2 de outubro de 1970, Abril de 1974, Cecília Areosa Feio* sublinhou,
com apenas 41 anos de idade, situação denun- em depoimento a Gina de Freitas, a importância
ciada pela Circular n.o 6, de 23 de outubro de de recordar Albina Fernandes, que “foi uma com-
1970, da Comissão Nacional de Socorro aos Pre- batente da Resistência francesa, foi uma militante
sos Políticos. A mesma Comissão, em telegra- ativa no Partido Comunista Português, lutou na
ma enviado ao Presidente do Conselho Marce- clandestinidade, foi presa, sofreu seis anos de pri-
lo Caetano e subscrito, entre outros, por Cecí- são, foi libertada, lutou corajosamente pela li-
lia Areosa Feio*, Maria Eugénia Varela Gomes bertação do seu marido e contudo não conseguiu
(n. 18/12/1925) e Sophia de Mello Breyner An- resistir às torturas que sofreu e que lhe causaram
dresen* (1919-2004), responsabilizou direta- perturbações graves no sistema nervoso” [A
mente o Governo pelo “trágico acontecimento Força Ignorada das Companheiras, pp. 188-189];
consequência não só longa prisão sofrida con- Sofia Ferreira (n. 10/05/1922 – f. 22/04/2010) res-
dições desumanas como cruel expetativa quan- ponsabilizou o conhecido médico da PIDE José
to à situação seu marido Octávio Rodrigues Pato Godinho Gama Barata pelo falecimento precoce,
preso há nove anos cumprindo agora medidas por não lhe ter prestado “nenhuma assistência,
de segurança” [Presos Políticos – Documentos apesar de ter sido testemunha visual de inúme-
1970-1971, pp. 65-66]. Este, na intervenção no ras crises nervosas e psíquicas que ela teve na pri-
Tribunal Plenário de Lisboa em 1962, repudiou são” [testemunho a Rose Nery Nobre de Melo, p.
que no despacho de pronúncia se afirmasse “que 56]; e recentemente, Maria Eugénia Varela Gomes,
eu e a minha companheira, a Sra. Albina Fer- sua companheira de cela, em conversa com Ma-
nandes, arguida neste mesmo processo, vivía- nuela Cruzeiro, referiu a forma impiedosa como
mos ‘como amantes’”, explicitando que “o os filhos pequenos e a mãe foram tratados na ca-
nosso casamento não está oficializado unica- deia. Rose Nery insere a “Biografia prisional” no
mente em consequência direta da intensa per- livro Mulheres Portuguesas na Resistência. Tam-
seguição policial que nos moviam. Oficializá- bém conhecida por Albina Pato ou Albina Fer-
lo sempre foi e continua sendo um anseio de am- nandes Pato, usou o pseudónimo “Rosália”.
bos, embora saibamos que tal facto em nada al- Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela,
tera os nossos sentimentos, a nossa estima e o 2004; Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
conceito que possuímos dos sólidos laços que ta, Presos Políticos no Regime Fascista V – 1949-1951,
1987, pp. 224-225; Cecília Areosa Feio, “A maioria das
estabelecemos. // Afirmar-se que vivíamos pessoas nem imagina o que foi a luta daquelas mulhe-
‘como amantes’ constitui não só uma infâmia do res”, depoimento a Gina de Freitas, A Força Ignorada
ponto de vista pessoal mas também uma ten- das Companheiras, Lisboa, Plátano Editora, 1975, pp.
tativa de caluniar os comunistas e os princípios 185-190; Comissão Nacional de Socorro aos Presos Po-
que os norteiam. // Essa infâmia fica mais cla- líticos, Presos Políticos – Documentos 1970-1971, Por-
to, Afrontamento, 1972, pp. 64-66; Henrique Custódio,
ra se se disser que desde a minha prisão (há por- “O fascismo existiu e foi Abril que o derrubou – Octá-
tanto 11 meses) tenho insistentemente requerido vio Pato conta o que foi a tortura do sono”, Avante!, n.o
junto dos ministros do Interior e da Justiça (e 1273, 23/04/1998; Irene Flunser Pimentel, A História da
meus familiares junto do próprio Presidente da PIDE, Círculo de Leitores – Temas e Debates, 2007; Ma-
ria Manuela Cruzeiro, Maria Eugénia Varela Gomes –
República) para obter a necessária autorização Contra ventos e marés, Porto, Campo das Letras, 2003;
para oficializar o meu casamento. Nenhumas ra- Maria Rodrigues Pato, “A minha vida foi um pesadelo”,
zões foram aduzidas para que tal autorização ain- depoimento a Gina de Freitas, A Força Ignorada das
da não me tenha sido dada. […] // Será para ‘jus- Companheiras, Lisboa, Plátano Editora, 1975, pp. 27-31;
Não Falar na Polícia Dever Revolucionário, Editorial
tificar’ a infâmia acima citada? E será também Avante!, 1972; Octávio Pato, “Intervenção realizada por
para ‘justificar’ estar impedido de corresponder- Octávio Pato perante o tribunal fascista que o julgou, em
me com minha mulher, de quem nada sei a não novembro de 1962”, A Defesa Acusa, Lisboa, Edições
43 ALB

Avante!, 1975, pp. 151-152; Rose Nery Nobre de Melo, didatura do general Norton de Matos à Presi-
Mulheres Portuguesas na Resistência [c/ fot.], Lisboa, Sea- dência da República e, em 1958, integrou, jun-
ra Nova, 1975, pp. 216-217; Vanda Gorjão, Mulheres em
Tempos Sombrios. Oposição feminina ao Estado Novo, tamente com o irmão Joaquim Bastos, também ad-
Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2002, pp. 241 e vogado, a equipa que promoveu e organizou a
244; “Morreu a camarada Albina Fernandes”, Avante!, candidatura presidencial do general Humberto
série VI, n.o 422, novembro, 1970, p. 4, cols. 3-4. Delgado, de quem foi colaboradora próxima e a
[J. E.] quem procurou honrar a memória póstuma. Es-
teve diretamente envolvida no processo que pro-
Albina Pato curou fundir as duas candidaturas oposicionis-
v. Albina Fernandes tas, a de Arlindo Vicente e a de Delgado. Após
as eleições, fez parte da Comissão Permanente do
Alcina
Movimento Nacional Independente (MNI), cria-
Atriz. Começou pelo teatro de opereta e, como
do pelo general em 18 de junho, e desempenhou
não tinha boa voz para o canto, transitou para
cargos nos Centros Republicanos António José de
o teatro declamado. Estreou-se no papel de “Su- Almeida e Almirante Reis. Solidária, defensora,
sana” em Demi-Monde, comédia de Alexandre enquanto advogada, de vários presos políticos,
Dumas, filho, que representou com distinção, integrou a Liga Portuguesa dos Direitos do Ho-
segundo Fialho de Almeida. mem. Após 25 de Abril de 1974, aderiu ao Mo-
Bib.: Fialho de Almeida, “A eminente atriz”, Aves Mi- vimento Democrático Português (MDP), onde se
gradoras, Lisboa, Livraria Clássica Editores de A. M. Tei- manteve entre 1975 e 1979; participou no Con-
xeira, 1921, p. 303.
[I. S. A.] selho Português para a Paz e Cooperação (CPPC);
interveio no âmbito da União dos Resistentes An-
Alcina Bastos tifascistas Portugueses (URAP), de que fora uma
v. Alcina de Sousa Bastos das fundadoras e dirigente; tornou-se sócia da As-
sociação das Mulheres Juristas; e colaborou
Alcina de Sousa Bastos com o Movimento Democrático de Mulheres*. Ca-
Advogada e jurista. Filha de Filomena de Sou- sada com Armando Pereira de Castro Agatão Lan-
sa Vilarinho Bastos e de Adelino Soares de Bas- ça, teve uma filha (n. 1955) que seguiu o mesmo
tos, inspetor escolar, nasceu em Fiães, concelho trajeto profissional da mãe. Enterrada com a sua
de Vila da Feira, a 7 de abril de 1915 e faleceu a toga no Cemitério dos Prazeres, foi-lhe atribuí-
17 de agosto de 1993. Fez a instrução primária da um ano depois, a título póstumo, a Ordem da
na terra natal, frequentou o ensino secundário no Liberdade. Em 1999, por Edital n.o 35/99, de 7
Colégio dos Carvalhos e, entre 1934-1935 e de maio, a Câmara Municipal de Lisboa deu o seu
1939-1940, cursou a Faculdade de Direito da Uni- nome a uma rua na freguesia de São Domingos
versidade de Coimbra, onde se licenciou neste de Benfica.
último ano. Passou a exercer a advocacia três ou Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em
quatro anos depois, primeiro no Porto, Espinho Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997; Hen-
e Vila da Feira e só posteriormente em Lisboa. rique Manuel Costa Gariso, O Direito no Feminino. As
estudantes da Universidade de Coimbra durante o Es-
Teve, desde muito nova, consciência das perse- tado Novo (1933-1960), Dissertação de Mestrado em Es-
guições políticas salazaristas – seu pai, oposi- tudos sobre as Mulheres, Lisboa, Universidade Aberta,
cionista republicano convicto, entrou nos pre- 1999, Anexos II e III; José Pacheco Pereira, Álvaro Cu-
parativos da revolta do Porto de 1937, tendo sido nhal – Uma Biografia Política: O prisioneiro (1949-1960),
Vol. 3, Lisboa, Temas e Debates, 2005; Lúcia Serralhei-
condenado a quatro anos de prisão – e partici- ro, Mulheres em Grupo contra a Corrente [Associação
pou de forma firme, coerente e corajosa nas ati- Feminina Portuguesa para a Paz (1935-1952)], Rio Tin-
vidades antifascistas que procuravam restabele- to, Evolua Edições, 2011; Maria do Céu Borrêcho e Vir-
cer a liberdade e a democracia. Quando estudante gínia Dias, “Lisboa, Toponímia no Feminino IX”, Faces
em Coimbra, colaborou com o Socorro Vermelho de Eva, n.o 10, 2000, pp. 217-218; Paula Machado, Al-
cina Bastos: Advogada 1915-1993, Lisboa, Câmara
Internacional (SVI) e, na década seguinte, já no Municipal de Lisboa, 2000.
Porto, com residência na Rua Sá da Bandeira, 52, [J. E.]
2.o, tornou-se a sócia n.o 211 da Delegação da As-
sociação Feminina Portuguesa para a Paz* Alda Chaves de Aguiar Simões Vieira
(AFPP), e aderiu ao Movimento de Unidade De- Atriz. Nasceu em Lisboa, a 25 de setembro de
mocrática (MUD). Em 1949, empenhou-se na can- 1880 ou 1884. Começou a vida artística em 1903,
ALD 44

numa digressão ao Alentejo e Algarve ao lado de tro do Ginásio, onde entrou na farsa Guerra ao
Amélia Pereira*, e teve muito êxito nos papéis que Vinho e protagonizou a peça A Tia Andreza, de
representou nas comédias Meter-se a Redentor, Paso e Joaquín Dicenta. Fez parte do elenco dos
de Echegaray, tradução de Aristides Abranches, filmes Malmequer, de Leitão de Barros, Ladrão
e As Alegrias do Lar, de Hannequin, tradução de Precisa-se (1946), de Jorge Brun do Canto, e Fado
Carlos de Moura Cabral (1852-1922). Estreou- (1947), de Perdigão Queiroga. Figurava na gale-
se, em outubro desse mesmo ano, no Teatro ria de retratos de atores da companhia do em-
D. Maria II, na peça em 1 ato Sonho de Um Prín- presário Eduardo Schwalbach, no Teatro Apolo.
cipe, de Henrique Lopes de Mendonça, e ali con- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
tinuou por mais uma época, salientando-se no pa- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 17;
pel de “Berta da Cunha” em Casamento de Con- Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II,
veniência (1904), peça em 4 atos de Joaquim José Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de
Lisboa, 1967, p. 374; Hermano Neves, “Alda Aguiar”
Coelho de Carvalho, e Amor de Perdição [c/retrato], Almanaque dos Palcos e Salas para 1920, Lis-
(11/03/1904), drama adaptado do romance de Ca- boa, Arnaldo Bordalo, Editor, pp. 48-50; Joaquim Ma-
milo Castelo Branco por D. João da Câmara. Em dureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer-
1908, apareceu no Teatro do Ginásio com um pa- reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 452; Luiz
Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português,
pel de destaque em O Filho Milagroso, tradução Lisboa, Prelo Editora, 1978, pp. 26-27; M. Félix Ribei-
de Portugal da Silva. No elenco do Teatro Apo- ro, Filmes, Figuras e Factos da História do Cinema Por-
lo fez os papéis de “Joana”, em O Chico das Pe- tuguês, 1896-1949, Lisboa, Cinemateca Portuguesa,
gas (1912), opereta em 3 atos de Eduardo 1983, p. 50; Pedro Cabral, Relembrando… Memórias de
Schwalbach, música de Filipe Duarte, “Adelai- Teatro, Lisboa, Livraria Popular, 1924; O Palco, Lisboa,
n.o 1, 08/01/1912, p. 6, n.o 3, 05/02/1912, p. 45, e n.o 5,
de”, em alternância com Juliana Santos*, em Os 05/03/1912, p. 71; O Anunciador Ilustrado, 1914; O Tea-
Pimentas (1912), comédia em 3 atos de Eduar- tro, n.o 8, julho-agosto, 1918; “Teatros – Foi neste
do Schwalbach, “Ludgarda”, de O Pobre de Val- dia…”, O Século, 11/03/1952, p. 4.
buena (1912), farsa lírica em 1 ato e 3 quadros de [I. S. A.]
Carlos Arronches e Enrique Garcia Alvarez, tra-
dução de Acácio Antunes, música de Valverde Alda de Aguiar
(filho) e Torregrosa. Passou, depois, por vários tea- v. Alda Chaves de Aguiar Simões Vieira
tros de Lisboa: Variedades, para figurar o “Sol”
em Peço a Palavra!, revista de João Bastos e Ál- Alda de Sousa
varo Cabral, música de Tomás Del Negro e Alves Atriz do teatro de revista. No Teatro Maria Vitó-
Coelho; Ginásio, onde entrou em A Ratoeira ria, cantou “Saias de Balão” na revista Fado Cor-
(1912), adaptação do original alemão por Freitas rido (1923), de Alberto Barbosa, Xavier de Ma-
Branco; Rua dos Condes, para representar figu- galhães e Lourenço Rodrigues, música de Bernardo
ras alegóricas na revista O 31 (1913), de Alber- Ferreira e Raul Portela, e entrou em As Cerejas
to Barbosa, Luís Galhardo e Pedro Coelho, mú- (1926), tradução de Pedro Cabral (1855-1927).
sica de Alves Coelho e Tomás Del Negro, e Aler- Bib.: Luiz Francisco Rebello, História do Teatro de Re-
ta! (1913), revista de Luís Galhardo, Alberto Bar- vista em Portugal, II. Da República até hoje, Lisboa, Pu-
bosa, Pedro Coelho e Barbosa Júnior, música de blicações D. Quixote, 1985; Vítor Pavão dos Santos, Re-
vista à Portuguesa – Uma história breve do teatro de re-
Alves Coelho, Carlos Calderón e Tomás Del Ne- vista, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 219 e 252.
gro; Ginásio, então integrada na Companhia [I. S. A.]
Lucinda Simões, onde fez “Kátia” da peça Prín-
cipe Herdeiro (1913), de Meyer-Foerster, entrou Alda Henriques Verdial Godinho
em A Conspiradora (1913), peça em 4 atos de Vas- Republicana. Nasceu no Porto a 15 de maio de
co de Mendonça Alves, A Menina de Chocola- 1889, cidade onde faleceu a 26 de janeiro de 1964,
te (1914), de P. Gavault, Pato (1914), comédia de com 74 anos de idade. Filha de Maria Alves Ren-
George Feydeau, e Chuva de Filhos, farsa de M. ta e de Miguel Henriques Verdial, ator, empresário
Mayo. Em 1917, no Teatro República, foi-lhe atri- teatral e republicano, com participação ativa na
buído um papel de responsabilidade em Rasto revolta de 31 de janeiro de 1891 e, por isso, con-
de Mulher, de R. Coolus, ao lado de Augusto Rosa, denado a degredo e enviado para África. Segundo
e foi ao Teatro da Avenida representar na comé- refere Fina d’Armada no livro Republicanas qua-
dia Homens de Gelo (1918). Fez digressões pe- se Desconhecidas, só seria registada três dias an-
las províncias. Em 1925, estava de novo no Tea- tes do casamento com Francisco Magalhães Go-
45 ALD

dinho, ocorrido a 4 de janeiro de 1913, e parti- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
cipou com a cunhada, Emília Santos Silva*, em res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1234;
Memórias de Chaby, Lisboa, Editora Gráfica Portugue-
iniciativas de cariz republicano. sa, Lda. 1938, p. 69.
Bib.: Fina d’Armada, As Mulheres na Implantação da [I. S. A.]
República, Lisboa, Ésquilo, 2010; Idem, Republicanas
quase Desconhecidas, Círculo de Leitores e Temas e De- Alda Teixeira
bates, 2011, pp. 96-98.
[J. E.]
Atriz. Integrava o elenco do Teatro do Infante,
em Lisboa, frequentado pela família real, onde
Alda Soares representou na mágica A História da Carochi-
Atriz. Foi a segunda esposa do empresário Luís nha (1901), de Eduardo Schwalbach. Em 1914,
Ruas (21/06/1871-1940) depois de este se ter di- pertencia à Companhia da Empresa Ruas, no
vorciado de Adelina Abranches. Integrava o Teatro Apolo, de Lisboa, com a qual foi ao Tea-
elenco do Teatro do Infante (1901), em Lisboa, tro Nacional do Porto representar na peça
frequentado pela família real, e ali representou Águia Negra, de Ernesto Rodrigues, Félix Ber-
na mágica A História da Carochinha, de Eduar- mudes e João Bastos, música de Joaquim Ala-
do Schwalbach. Passou pelo Teatro do Prínci- garim, e desempenhou alguns papéis em O Novo
pe Real, onde se salientou no papel de “Clau- Mundo (1918), revista em 2 atos de Ernesto Ro-
dino” em Dois Garotos (1906), drama em 2 par- drigues, Félix Bermudes e João Bastos, música
tes e 8 quadros de Pierre Decourcelle, traduzi- de Alves Coelho e Venceslau Pinto.
do por Guiomar Torrezão e, em 1915, apareceu Bib. Pedro Cabral, Relembrando… Memórias de Teatro,
no Teatro Apolo Terrasse, do Porto, em A Ca- Lisboa, Livraria Popular, 1924; “Teatros – Foi neste
dia…”, O Século, 22/01/1956, p. 4, e 07/03/1956, p. 7.
pital Federal, opereta brasileira de Artur Aze- [I. S. A.]
vedo, música do maestro Nicolino Milano. En-
trou no filme O Suicida da Boca do Inferno, de Aldina de Sousa
João Tavares, Portugália Film, que se estreou no v. Gualdina Soromenho de Carvalho
Salão do Teatro da Trindade a 26 de abril de
1911. Pelo trabalho nesse filme, recebeu a Alexandrina
quantia de 14 tostões por quadro. v. Alexandrina Maria da Costa
Bib.: Pedro Cabral, Relembrando… Memórias de Teatro,
Lisboa, Livraria Popular, 1924; M. Félix Ribeiro, Filmes, Alexandrina Andrade Silva
Figuras e Factos da História do Cinema Português, 1896-
-1949, Lisboa, Cinemateca Portuguesa, 1983, pp. 33-38;
Comerciante. Filha de João Rosa de Andrade e
“Teatros – Foi neste dia…”, O Século, 22/02/1956, p. 7. de Maria Antónia de Andrade, nasceu em Faro
[I. S. A.] em 1893. Com residência em Lisboa, na Rua do
Mundo, n.o 67 s/loja, foi presa em 29 de agosto
Alda Soler de 1929, “por ter ligações com vários foragidos
Atriz. Nasceu a 24 de junho de 1875. Era neta políticos, entre eles, com José Domingos [Do-
da comediante Josefa Vasquez Soler, natural da mingues] dos Santos [08/05/1885-16/08/1958]”,
Corunha, e do ator José Soler, de Valença, que estadista da I República que participou na com-
representavam, em 1824, na Companhia de Ato- ponente civil da revolta de fevereiro de 1927 con-
res Espanhóis, estabelecida no Teatro do Bair- tra a ditadura militar. Libertada em 15 de se-
ro Alto, filha dos atores Silvéria Soler* e Alfre- tembro de 1929, depois de aberto o respetivo pro-
do Soler, irmã da atriz Adélia Soler* e sobrinha cesso, verifica-se pelo seu Cadastro Político que
das famosas atrizes Josefa Soler de Assis* e Bár- antes da detenção, bem como depois, era aten-
bara Wolkart* (irmã da mãe). Alda acompanhava, tamente vigiada nos contactos que mantinha com
frequentemente, Bárbara Wolkart nas digressões. o namorado, Mário Silva, preso e incomunicá-
Representou pela primeira vez em Novela em vel, por haver a possibilidade daquele dirigen-
Ação, drama sacro em 3 atos e 7 quadros, com te republicano ainda se encontrar em Lisboa e
prólogo e epílogo de José Maria Braz Martins, estar em preparação, com data marcada, novo
em Benavente, numa pequena companhia di- movimento contra o regime recém-instaurado,
rigida pelo seu pai. Estreou-se, como atriz, no envolvendo também o capitão Jaime [Pereira Ro-
Teatro do Ginásio, na comédia Cadeia Perpétua. drigues] Baptista, entretanto evadido de Ponta
Fez digressões pelas províncias. Delgada em outubro, onde se encontrava com re-
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sidência fixa. Consta da mesma biografia que, nas para os animais em cima de uma carvalheira, so-
vésperas de 7 de fevereiro, “Almeida Santos e freu uma grave queda, aos 14, saltando da janela
outros estiveram em casa da epigrafada onde fo- de sua casa para o quintal, sofreu nova queda que
ram dar a senha que era ‘Avante e Fé’” [Presos muito a perturbou psicológica e fisicamente. Afir-
Políticos no Regime Fascista – II, p. 409]. ma ela própria: “Aos 14 anos e quatro meses dei-
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis- xei o trabalho para sempre […]. Principiei a con-
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939, sultar médicos, coisa que me custava imenso”
Mem Martins, 1982, pp. 408-409. [ibidem, pp. 13-14]. Apresentava problemas de
[J. E.] anorexia e de paraplegia. Por volta dos 16 anos
foi para a Póvoa de Varzim em busca de trata-
Alexandrina de Balasar mento; em 1922, fez a primeira viagem ao Por-
v. Alexandrina Maria da Costa to para ser examinada pelo especialista
Dr. Abel Pacheco, que previu problemas graves
Alexandrina Maria da Costa de saúde; no dia 27 de março de 1924, fez a se-
1. Origens. Beatificada em Roma no dia 25 de gunda viagem ao Porto para ser examinada pelo
abril de 2004, pelo papa João Paulo II, nasceu na especialista Dr. João Almeida, que lhe diagnos-
freguesia de Balasar, concelho da Póvoa de Var- ticou futura paralisia. “Apesar do tratamento, o
zim, no dia 30 de março de 1904, e aí faleceu a mal ia seguindo o seu curso, obrigando-a a pas-
13 de outubro de 1955. Alexandrina e sua irmã sar períodos mais ou menos longos de cama até
Deolinda, nascida a 21 de outubro de 1901, eram que, aos 21 anos – em 14 de abril de 1925 –, aca-
filhas de namoro de Maria Ana da Costa (1877- mou definitivamente” [Artigos Biográficos…,
-1961) e António Gonçalves Xavier (1875-1944), pp. 12-13]. “Desde então, [sua irmã] Deolinda
“um aventureiro que saltitava entre Portugal e [costureira] torna-se a sua enfermeira e secretá-
Brasil […] que se enamorou de outra mulher e ria, enquanto a mãe continua a trabalhar fora de
a desposou” [Gabriele Amorth, pp. 15-16]. Ori- casa, para ganhar o pão de cada dia” [Humber-
ginária de uma família humilde de camponeses, to M. Pasquale, 2004?, p. 46]. Em 1928, tentou
Alexandrina viveu as mais duras privações fazer a peregrinação a Fátima com conterrâneos
materiais e sentiu profundamente a orfandade seus na esperança de uma cura milagrosa, mas
a que a votou o pai. Educada na observância mais familiares, pároco e médico assistente demo-
estrita e rural dos ensinamentos tradicionais da veram-na de tal viagem. Confessava com amar-
Igreja Católica, foi uma criança de grande viva- gura: “Como não consegui nada, morreram os
cidade e muito irrequieta, frequentemente tra- meus desejos de ser curada e para sempre, sen-
tada por “maria-rapaz”, revelando grande poder tindo cada vez mais ânsias de amor ao sofrimento
de comunicação e de empatia. Com a irmã Deo- e de só pensar em Jesus” [M. Pinho, 1990, p. 20].
linda, que chegou a concluir a 3.a classe, fre- O ano de 1928 marcou uma viragem na situação
quentou a escola primária a partir de janeiro de psicológica e espiritual de Alexandrina, pois par-
1911, na Póvoa de Varzim. Não concluiu a tiu para uma busca de sentido da sua existência
2.a classe. “Na Póvoa fez também a Primeira Co- sofrida. Foi uma situação limite onde mais
munhão e, em Vila do Conde, recebeu o Sacra- sentiu a finitude e a fragilidade do ser humano
mento da Confirmação” [Alexandrina Maria da condensado em si própria. Segundo os biógra-
Costa, Sorrindo à Dor, p. 6]. Desde muito cedo fos, em 1931 e 1932 deram-se os primeiros fe-
começou a trabalhar na agricultura, ajudando a nómenos místicos de matriz ainda indefinida,
mãe e a família. Ela própria refere: “Até aos 14 por se misturarem fenómenos psicológicos com
anos trabalhei nos campos, e com tal cuidado, atitudes místicas e situações de grande revolta,
que me pagavam o jornal como a minha mãe” a ponto de serem denominadas obsessões ou até
[Mariano Pinho, 1990, p. 13]. Também serviu mesmo possessões. Foi o paranormal que se co-
como criada, por um período de cinco meses, na meçou a mostrar e a instalar na existência sofrida
casa de um lavrador vizinho. A par destes árduos de uma crente; foi o desespero que se insinuou
trabalhos rurais e da sua humilde existência, ini- como uma doença mortal (Kierkegaard). “O pá-
ciaram-se os problemas de saúde que se agra- roco que lhe levava Jesus todos os dias é subs-
variam por toda a sua vida, a ponto de se trans- tituído pelo padre Leopoldino Rodrigues Mateus
formarem num inenarrável calvário. Aos 12, teve (03/07)” [H. Pasquale, 2004?, p. 22]. 2. Leitura
febre tifoide, aos 13, andando a apanhar heras mística do sofrimento. Em agosto de 1933, sur-
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giu o primeiro diretor espiritual, o padre jesuí- desenvolveu “uniões progressivas a Cristo” e sen-
ta Mariano Pinho, que, segundo ele próprio afir- tiu-se “vítima de Jesus”. No que parecia ser uma
mou, “a conheci pessoalmente, durante um trí- clara assunção do papel de intermediária dos de-
duo que preguei em Balasar (S. Eulália) de 16 a sígnios da Providência, “[…] no ano de 1935, es-
20 de agosto de 1933 […]. Até ali, tinha-a diri- creveu ao Santo Padre Pio XI para obter dele a
gido o Espírito Santo tão-somente: não sabia o Consagração do Mundo ao Imaculado Coração
que era um diretor espiritual. A seus rogos, en- de Maria, oferecendo-se como vítima para tal ob-
carreguei-me então, pouco a pouco, da sua di- jetivo” [Art.os Biog., p. 23]. Por sua vez, em 1936,
reção espiritual” [M. Pinho, 1990, p. 21]. Com com o mesmo propósito, o seu diretor espiritual,
a direção espiritual desenvolveu-se e afirmou- o padre jesuíta Mariano Pinho também tomou
-se uma mais clara espiritualização do sofrimento a iniciativa de escrever ao cardeal Eugénio Pa-
e melhor se definiu a atitude mística de Ale- celli (futuro papa Pio XII), secretário de Estado
xandrina. Devido ao seu reduzido nível de ins- de Pio XI. Na sequência destas cartas, a Santa Sé
trução, a irmã Deolinda, como se de uma natu- (Sagrada Congregação do Santo Ofício) solicitou
ral extensão de si própria se tratasse, tornou- informações ao arcebispo de Braga (1932-1963),
-se o seu anjo protetor, a confidente sempre pre- D. António Bento Martins Júnior. Transitando o
sente, a enfermeira inigualável, a secretária de- assunto para a Nunciatura de Lisboa, o Provin-
dicada e “a ponte para comunicar por escrito com cial da Companhia de Jesus, padre Paulo Durão,
o diretor espiritual, sendo nisto ajudada, amiu- ficou incumbido de mandar examinar Alexan-
dadas vezes, pela professora da terra e amiga ín- drina, o que sucedeu em maio de 1937 na pes-
tima, D. Maria da Conceição Leite Reis Proen- soa do padre jesuíta António Durão, irmão do
ça (Sãozinha)” [Art.os Biog., pp. 14-15]. Entre 1934 Provincial. A partir do momento em que Ale-
e 1938 intensificaram-se os fenómenos para- xandrina começou a ter projeção pública e as au-
normais, que alguns classificavam como “pos- toridades religiosas se viram na necessidade de
sessões diabólicas”, progrediu a atitude anoré- tomar posição sobre o caso, começaram, pri-
tica, passando diversos dias sem tomar qualquer meiramente, os exames médico-teológicos e, em
alimento, viveu intensos momentos de inquie- seguida, as manifestações populares em seu re-
tação espiritual, desenvolveu atitudes de dor in- dor. Deu-se a passagem do domínio privado para
fligida ou autoagressão, segundo os processos que o domínio público: Alexandrina passou a in-
ela própria tinha ao seu alcance para martirizar terpelar a própria Igreja Católica, com as suas di-
o próprio corpo, ocorreu-lhe a ideia de suicídio ferentes sensibilidades, e os crentes. A princí-
[H. Pasquale, 2004?, p. 153] e, paralelamente, co- pio houve curiosidade e perplexidade, depois
meçou a aderir à tese mística de “amor ao so- manifestações ora de ceticismo ora de devoção.
frimento”. Segundo essa tese, delineada pelo di- Enquanto uns se inclinavam para uma sinto-
retor espiritual, o sofrimento, o calvário de uma matologia estritamente psicológica, outros si-
vida, com o seu valor pedagógico de redenção, tuavam Alexandrina no campo dos fenómenos
deveria formar o centro da vida espiritual de Ale- místicos. O dilema estava instalado. Neurótica
xandrina. Nestes termos, protagonizando o so- ou mística? Intrujice ou um caso de manifesta-
frimento, Alexandrina assumiu a redenção dos ção dos desígnios da Providência? Começaram
males e pecados seus e da humanidade e, por os suplícios dos exames médico-teológicos e os
isso, se foi preocupando constantemente com a diferendos em torno do seu caso. Transfor-
“salvação das almas” e a “conversão dos peca- mou-se num caso polémico no interior da pró-
dores”. Numa relação especial com o divino, pa- pria Igreja Católica. Foi muito difícil a gestão des-
recia ter encontrado todo o sentido da existên- te dilema e Alexandrina, como pessoa na sua sin-
cia na completa e absoluta imolação de si mes- gularidade de vida, foi sujeita às mais diversas
ma, numa entrega incondicional. Parecia que ações de invasão da privacidade e intimidade.
Alexandrina pretendia encurtar o abismo que 3. Exames médico-teológicos e polémicas pú-
existia entre si e a divindade através da doação blicas. A partir de 3 de outubro de 1938, às sex-
infinita de si mesma ao Ser amado. E assim, foi tas-feiras, pelo meio-dia solar, davam-se os
na transmutação do sofrimento físico em sofri- chamados “êxtases da Paixão”: “Durante um lon-
mento moral e espiritual e destes em sofrimen- go êxtase que durava normalmente três horas, re-
to místico que se desenvolveu todo o percurso vivia no seu quarto as várias passagens da Pai-
místico de Alexandrina: “teve êxtases e paixões”, xão de Jesus, incluindo a crucifixão e morte”
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[Art.os Biog., p. 56]. Em face de manifestação tão lou-se em fraude, surgiram indignações e alguns
viva e sentida, “o diretor espiritual da doente es- falaram de escândalo. Divulgando-se cada vez
creveu diretamente a Pio XI, a 24 de outubro de mais o caso, em plena Guerra Mundial, o povo
1938. O resultado foi ser de novo examinada a começou a afluir em grande número e as auto-
doente por mandado da Santa Sé” [M. Pinho, ridades eclesiásticas proibiram a propaganda e
1990, p. 106]. Entre 6 e 11 de dezembro de 1938, limitaram as visitas. O sofrimento de Alexandrina
instalando-se no Colégio das Filhas de Maria Ima- como metáfora do sofrimento da Humanidade.
culada, fez exames médicos no Porto com o Entretanto, o diretor espiritual, padre Mariano
Dr. Roberto de Carvalho (radiografias) e com o Pinho, despedindo-se de Alexandrina a 7 de ja-
Dr. Pessegueiro. No dia 26 desse mesmo mês, foi neiro de 1942, foi, no dizer de Humberto Pas-
visitada pelo psiquiatra e professor da Univer- quale, “afastado de Balasar” e “segregado na casa
sidade de Coimbra (Patologia Interna, Neurolo- dos jesuítas em Macieira de Cambra”. Em 20 de
gia e Psiquiatria) Dr. Elísio de Azevedo e Mou- fevereiro de 1946, foi para o Brasil e faleceu no
ra (Braga, 1877-1977). A 5 de janeiro de 1939, foi Recife em 1963, quando estava em desempenho
examinada pelo cónego Manuel Pereira Vilar, de funções no Colégio Nóbrega. O padre Alber-
Reitor do Seminário de Braga [M. Pinho, 1990, to Gonçalves Gomes, pároco de Travassos (Bra-
p. 106]. Os chamados “êxtases da Paixão” tive- ga), passou a ser o confessor ordinário de Ale-
ram dois períodos distintos de ocorrência: o pri- xandrina a partir de 1942, depois da saída do di-
meiro vai de 03/10/1938 a 27/03/1942, tendo- retor espiritual de Balasar, até ao seu falecimento.
se verificado essa manifestação, invariavel- O segundo diretor espiritual de Alexandrina se-
mente, em todas as sextas-feiras; o segundo, de ria o padre salesiano Humberto Pasquale, que a
1942 até ao seu falecimento, em 1955. Incorpo- viria a conhecer no dia 21 de junho de 1944. Por
rando a Paixão de Cristo na própria vida e in- conseguinte, entre janeiro de 1942 e setembro de
teressando-se pela dimensão pública do seu so- 1944, Alexandrina esteve sem diretor espiritual.
frimento, Alexandrina assumiu-se inequivoca- Em 1942, Alexandrina voltou a fazer novos exa-
mente como portadora de uma mensagem, im- mes médicos que confirmaram: “É portadora tam-
buída de uma missão redentora da pátria e do bém de uma cistite possivelmente devida aos ca-
mundo que vivia a Guerra Mundial (1939- teterismos efetuados, durante longo tempo,
1945). Foi assim que “A 5 de setembro [de 1940], mas o que principalmente avulta, na sua sinto-
escreve ela própria, com grande sacrifício, uma matologia, é a compressão medular, ou mielite
carta ao Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel que a impossibilita de mexer-se, atento o grau que
Cerejeira, e outra a Salazar” [G. Amorth, p. 168]. ela atingiu, na sua evolução de anos. […] sentia
Em 29 de janeiro de 1941, o médico e teólogo Ma- astenia profunda e dores por todo o corpo […]
nuel Augusto Dias de Azevedo (1894-1971), na- sendo estas acentuadíssimas na região lombo-
tural de Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, con- sagrada e nos membros inferiores“ [M. Pinho,
tactou pela primeira vez com Alexandrina e pas- 1990, pp. 16-17]. “A partir do dia 27 de março
sou a ser o seu médico assistente até ao final da de 1942, até à morte, passou a alimentar-se ex-
vida. Foi o médico mais presente e mais com- clusivamente da Eucaristia, que lhe era levada
preensivo que Alexandrina teve, pois não só a quase diariamente. […] Durante igual período de
tratou medicamente, como se interessou pela di- tempo verificou-se o facto da sua total anúria”
mensão espiritual e mística da sua vida. O Dr. [Art.os Biog., p. 16]; “[…] esse jejum durou mais
Manuel Azevedo convidou o especialista Dr. de 13 anos, temos que assimilá-lo aos jejuns dos
Abel Pacheco para a examinar, o que aconteceu grandes místicos conhecidos da Hagiografia,
no Porto em junho (ou julho?) de 1941. Também como o de Santa Ângela de Foligno que esteve
na mesma altura (15/06/1941), no Porto, foi exa- 12 anos sem tomar nenhum alimento; Santa Ca-
minada pelo neurologista Dr. Henrique Gomes tarina de Sena, oito; Santa Livínia de Schiedman,
de Araújo. “No dia 29 de agosto [de 1941], o P. 28, etc., etc.” [M. Pinho, 1990, p. 118]. Prolon-
José Alves Terças assiste ao êxtase da Paixão, põe- gando-se e intensificando-se o dilema em torno
no por escrito e publica-o” [G. Amorth, p. 169]. de Alexandrina – neurótica ou mística? –, ago-
Tornado público esse relato, os crentes tradi- ra em jejum que já durava há uns meses, deci-
cionais da Igreja Católica interpelaram-se e tor- diu-se proceder a um exame médico que ofere-
naram mais densa a polémica em torno do caso cesse as maiores garantias de rigor, fiabilidade,
Alexandrina. Levantaram-se muitas dúvidas, fa- seriedade e critério de modo a enquadrar-se a dis-
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cussão teológica em terreno sólido e, posterior- “É para nós inteiramente certo que, durante os
mente, levar a Igreja bracarense a tomar uma po- 40 dias de internamento, a Doente não comeu
sição adequada. Nestes termos, o médico assis- nem bebeu; não urinou nem defecou e esta cir-
tente de Alexandrina, Dr. Manuel Augusto Dias cunstância leva-nos a crer que tais fenómenos
de Azevedo, a convite do arcebispo de Braga, pro- possam vir a produzir-se de tempos anteriores.
moveu diversos exames feitos por vários espe- Não podemos duvidá-lo. Os 13 meses, como nos
cialistas e com as maiores garantias de fiabili- informaram? Não sabemos” [M. Pinho, 1990,
dade. Esses exames médicos de 1943 assumiram p. 115]. No campo da ciência médica também se
particular importância por diversas razões: cria- verificaram duas atitudes: cientismo estrito de
ram-se as condições para uma prolongada aná- cariz cético e ateu e cientismo crente aberto para
lise científica do caso, intervieram diversos es- os fenómenos não explicáveis pela ciência ex-
pecialistas, foram criadas elevadas expectativas perimental, como foi o caso do teólogo e médi-
em torno dos resultados e desenvolveu-se o in- co Dr. Manuel de Azevedo, médico assistente de
teresse dos populares pela “doentinha de Bala- Alexandrina. Pelo esquematismo positivista
sar”. Estes exames realizaram-se, entre 10 de ju- das ciências médicas, o enigma da ausência de
nho e 20 de julho de 1943, no Refúgio de Para- nutrição e de anúria por tempo tão prolongado
lisia Infantil da Foz do Douro, sob a supervisão não foi minimamente compreendido nem en-
do diretor do Refúgio, Dr. Henrique Gomes de quadrado nos seus padrões de análise. Este caso
Araújo, especialista em doenças nervosas e ar- coloca-nos o problema do confinamento da
tríticas e membro da Real Academia de Medicina ciência, do saber positivo e a necessidade de aber-
de Madrid. Também fez parte da equipa um es- tura a outros domínios do saber e da reflexão.
pecialista em doenças de nutrição. Foram 40 dias 4. Posição do paço bracarense e expansão do
de exames ininterruptos por empenho especial culto. Na sequência dos exames médicos soli-
de uma equipa que congregava várias sensibi- citados e de um clima crescente de curiosidade,
lidades médicas, várias posturas religiosas e uma inquietação espiritual e polémica pública, “O ar-
grande expectativa médica. No final, os atesta- cebispo [de Braga, D. António Bento Martins Jú-
dos e os relatórios médicos foram claros nas suas nior] nomeou uma comissão de sacerdotes. Era
conclusões. Veja-se o que referiu o atestado mé- presidida pelo cónego [António Gonçalves]
dico passado em 26 de julho de 1943: “Nós abaixo Molho de Faria, coadjuvado pelo Dr. Álvaro Dias
assinados, Doutor Carlos Alberto de Lima, Pro- e pelo P. José Magalhães Alves da Costa. […]
fessor jubilado da Faculdade de Medicina do Por- O arcebispo tinha ordenado aos três sacerdotes
to, e Manuel Augusto Dias de Azevedo, Doutor que não assistissem aos êxtases de sexta-feira. […]
em Medicina pela dita Faculdade, atestamos que, Só depois de alguns anos, o cónego Molho de Fa-
tendo examinado Alexandrina Maria da Costa, ria se apercebeu do seu engano e foi chorá-lo
[…] verificámos que era portadora de uma afe- muitas vezes sobre a campa da Alexandrina. En-
ção ou compressão medular, causa da sua pa- tretanto, foi dado aval às calúnias mais infames
raplegia. Atestamos também que estando inter- e totalmente inventadas, como a afirmação de que
nada, desde o dia 10 de junho até 20 de julho cor- o jejum da enferma era só um truque para arranjar
rente, no Refúgio de Paralisia Infantil da Foz do dinheiro” [G. Amorth, p. 98]. A referida comis-
Douro, sob a direção do Dr. [Henrique] Gomes são de sacerdotes desenvolveu o seu trabalho no
de Araújo, e sob a vigilância feita de dia e de noi- meio de uma grande agitação e confronto de pers-
te por pessoas conscienciosas e desejosas de in- petivas. Fosse a afirmação da visão mística dos
dagar a verdade, foi constatado que a sua absti- fenómenos ligados a Alexandrina, fosse a afir-
nência de sólidos e líquidos foi absoluta, durante mação da perspetiva cética e racionalista des-
o seu internamento, conservando-se o seu peso, crente da autenticidade do caso, nenhuma que-
temperatura, respiração, tensões, pulso, sangue ria dar-se por vencida. Pelo facto de Alexandrina
e faculdades mentais sensivelmente normais, ser a segunda filha de uma mãe solteira, não sa-
constantes e lúcidas e não havendo, durante es- bemos até que ponto o preconceito e o estigma
ses 40 dias, nenhuma evacuação de fezes nem social foram determinantes para a análise do
a mínima excreção de urina” [H. Pasquale, caso. Em 11 de outubro de 1943, Alexandrina es-
2004?, p. 196]. Por sua vez, o relatório – “Um no- creveu uma carta ao papa. “O parecer conclusivo
tável caso de abstinência e anúria” – do Dr. Hen- da comissão, datado de 16 de junho de 1944, ini-
rique Gomes de Araújo atestava o seguinte: cia-se com as palavras do arcebispo, em que afir-
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ma que ela é formada por sacerdotes ‘prudentes, drina’. Tal afirmação levou-me a enviar ao Sr. Ar-
doutos, especializados em ciências filosóficas e cebispo Primaz um relatório em que eu afirmava
teológicas’. Depois subdivide-se em duas partes. exatamente o contrário […]. Também no mesmo
A primeira parte: os êxtases da Alexandrina e o relatório eu punha em evidência os seguintes fac-
seu reviver da Paixão são fruto de nevroses e de tos: a) Os teólogos, encarregados do estudo do
autossugestão. O seu jejum é uma simples ano- caso, haviam provocado a disposição, sem terem
rexia. […] A segunda parte: afirma que não são sequer falado com a Alexandrina; b) Os referi-
autênticas as comunicações que a Alexandrina dos teólogos não tinham lido os escritos dela; c)
diz ter do Céu. […] com estas premissas, a co- Também não tinham interrogado, a tal respeito,
missão exorta o arcebispo a tomar ‘todas as me- o seu diretor espiritual, então segregado em Ma-
didas necessárias para a glória de Deus e tran- cieira de Cambra. Enquanto o meu relatório era
quilidade de tantas almas’. Não honra nada o submetido a exame, a Alexandrina pediu-me que
arcebispo de Braga o facto de ter tomado como assumisse a sua direção espiritual. Não lhe dei
ouro de lei este resultado (que era conforme a sua uma resposta imediata […] falar, primeiro, com
mentalidade) e de ter emanado imediatamente o Rev.o Padre Pinho […]. […] Numa breve con-
uma circular [com data de 25/06/1944] em versa, expus ao Rev.o Padre Pinho o que tanto me
que: 1) se ordena fazer silêncio sobre os factos preocupava. […] Foi assim que, a partir de se-
de Alexandrina, proibindo que se fale disso em tembro de 1944, a Alexandrina passou a ser ofi-
público; 2) se admoestam os sacerdotes a fim de cialmente dirigida por mim. […] Enquanto
que impeçam o interesse de quem quer conhe- viva, ia visitá-la uma ou duas vezes por mês. Via-
cer estes factos; 3) se encarrega o pároco de Ba- gem cansativa por ser grande a distância e es-
lasar de vigiar para que cessem as visitas a casa cassos meios de transporte entre Balasar e Mo-
da Alexandrina” [G. Amorth, pp. 98-99]. Em face gofores onde eu então residia” [Gabriel Bosco,
da posição do paço bracarense, surgiram diver- 1975, pp. 48-49]. “A Autoridade eclesiástica proi-
sas manifestações, ora de apoio ora de repúdio biu-me [em outubro? de 1944] de exercer qual-
dos fenómenos alegadamente místicos atribuí- quer função sagrada na paróquia de Balasar [con-
dos a Alexandrina, e surgiu também, a 21 de ju- fessar, administrar a comunhão, rezar missa ou
nho de 1944, o padre salesiano Humberto Ma- dar assistência espiritual]. […] No entanto, foi
ria Pasquale, Diretor e Mestre de Noviços da Casa proibida, qualquer visita à Alexandrina. […] No
dos Salesianos de Mogofores (Anadia), que se tor- cumprimento de uma ordem recebida de Braga,
naria, a partir de 8 de setembro de 1944, o seu o abade de Balasar deu conhecimento à Ale-
segundo diretor espiritual. Parece este ter sur- xandrina do que se estava a passar. […] Mas al-
gido num momento particularmente difícil e pro- guém houve que compreendeu esta dolorosa e
blemático. Para além das controversas disposi- injusta situação. Esse alguém foi o meu Pro-
ções do paço bracarense, surgiram outras polé- vincial, o padre Hermenegildo Carrá. (E devo di-
micas da mais variada índole: questões de zer que muito contribuíram para isso os meus ir-
autoridade e de jurisdição eclesiásticas, diferentes mãos da casa de Mogofores.) Tendo tido co-
modos de encarar a espiritualidade de Alexan- nhecimento através do diário da Alexandrina de
drina e as questões místicas, confronto de sen- que, no dia 27 de novembro de 1944, o abade de
sibilidades no interior da Igreja Católica, con- Balasar lhe dissera: ‘O padre Humberto pode vir
fronto entre posições místico-idealistas e cético- aqui como visita e aconselhar-te por escrito’, au-
racionalistas, inquietação espiritual dos crentes torizou-me, primeiramente, a escrever à Serva
e polémicas públicas. “No dia 15 de agosto [de de Deus e, logo a seguir, no mês de janeiro de
1944], ela inscreve-se entre os Cooperadores Sa- 1945, permitiu-me que a visitasse” [G. Bosco,
lesianos” [G. Amorth, p. 170]. Discordando 1975, pp. 55-56]. Ora adotando, por vezes, uma
frontalmente das disposições do paço bracarense forma esquiva, ora utilizando a correspondên-
e vendo a necessidade de acudir aos chama- cia escrita, ora rodeando certas disposições
mentos espirituais de Alexandrina, o padre eclesiásticas, o padre Pasquale sempre deu ele-
Humberto Pasquale tomou posição e assumiu a vada importância à direção espiritual de Ale-
sua direção espiritual. Referia o padre Pasqua- xandrina, pois a entendia como sua missão ou
le: “Entrementes, surgira uma disposição da Au- seu dever, continuando a ação do padre Maria-
toridade Eclesiástica na qual afirmava ‘não ha- no Pinho. De acordo com uma sugestão do seu
ver nada de sobrenatural no caso da Alexan- diretor espiritual, padre Pasquale, Alexandrina,
51 ALE

acompanhada por sua irmã Deolinda, padrinho riedade entre pessoas abastadas e pobres: “Aju-
e mais uma ou outra pessoa, deslocou-se a Fá- dou várias famílias a construir a própria casinha,
tima em maio de 1946. Na viagem, contou com a outras emprestou dinheiro para o mesmo fim”
a colaboração do padre Pasquale e da família [ibidem, p. 349]. “Quis a Providência que Mons.
Sommer, que cedeu automóvel e deu hospeda- Mendes do Carmo, professor do Seminário da
gem no Palácio da Cardiga [H. Pasquale, 2004?, Guarda e antigo reitor do Colégio Português em
pp. 325-326]. Em 24 de novembro de 1946, Ale- Roma, assistisse às últimas horas da vida terre-
xandrina foi sujeita a mais um exame médico- na da Alexandrina” [M. Pinho, 1990, p. 153].
-teológico. Em setembro de 1948, foi afastado o Mons. Mendes do Carmo ia para Fátima, mas de-
seu segundo diretor espiritual: “É certo que um cidiu passar por Balasar. Alexandrina faleceu no
desgosto houve que superou todos os outros. E dia 13 de outubro de 1955. Ao funeral, no dia
isto não só em relação a mim […] mas também 15, acorreu uma grandiosa multidão de crentes.
em relação à própria Alexandrina. Refiro-me às 5. Post mortem e processo de beatificação. Após
duas vezes em que fui obrigado a afastar-me dela. a morte, não abrandou o culto do “calvário” de
O segundo e definitivo afastamento verificou- Alexandrina; as peregrinações a Balasar passa-
-se no outono de 1948, quando a obediência aos ram a ser normais e em grande número. Parale-
Superiores Maiores me chamou a Itália” [G. Bos- lismo com as aparições de Fátima? Expressão do
co, 1975, pp. 50-51]. “Em dezembro, recebe pela movimento mariano? Movimentos de base de ca-
primeira vez a visita do secretário do arcebispo tólicos a lutarem pela valorização do exemplo
de Braga, P. Dr. Sebastião Cruz” [G. Amorth, de vida de Alexandrina? Neste processo de afir-
pp. 170-171]. A partir de 1948, o padre Olavo Tei- mação do caso de Alexandrina destacaram-se os
xeira Martins (1911-2005) foi, informalmente, di- padres salesianos e o arcebispo de Braga (1963-
retor espiritual de Alexandrina. Os contactos en- -1977), D. Francisco Maria da Silva (1910-
tre os dois já se haviam iniciado em 1946. O pa- 1977), que convidou, em 1965, Humberto Pas-
dre Olavo estava em Silva, Barcelos, no noviciado quale e Heitor Calovi a organizarem o processo
da congregação do Espírito Santo como mestre diocesano sobre as virtudes de fama e santida-
de noviços (1946-1953). De 1953 a 1959, o pa- de de Alexandrina. Em 1973, o processo dioce-
dre Olavo foi provincial e passou a residir em sano foi encerrado e entregue na Sagrada Con-
Lisboa, sede do provincialato. Entretanto, e gregação para a Causa dos Santos. Em 1977, a Sa-
apesar das controvérsias em torno de Alexan- grada Congregação para a Doutrina da Fé acei-
drina, continuava a aumentar o número de tou tratar da Causa de Alexandrina. A 18 de ju-
pessoas que a iam visitar: “No mês de setembro lho de 1978, o corpo de Alexandrina foi trasla-
[de 1952], o arcebispo de Braga emana outra cir- dado do cemitério para a igreja paroquial de Ba-
cular proibindo tais visitas; em fins de novem- lasar. Em 1979, cardeais, bispos, Conferência
bro, porém, a proibição é anulada e a afluência Episcopal Portuguesa e personalidades da Igre-
dos visitantes aumenta ainda mais: a missão ja foram convidados a solicitar ao papa a beati-
evangelizadora da Alexandrina está em plena ex- ficação de Alexandrina. Em 1980, foi feito o pe-
pansão” [G. Amorth, p. 169]. Agora eram dido formal ao papa. A Congregação para a Cau-
multidões. Era o sofrimento de um país que pro- sa dos Santos declarou-a “Venerável” em 12 de
curava remédio e sentido para os seus padeci- janeiro de 1996. No dia 25 de abril de 2004, ano
mentos. Aliás, bem se poderia dizer que Ale- do centenário do seu nascimento, foi beatifica-
xandrina foi uma metáfora ou uma alegoria do da, em Roma, pelo papa João Paulo II. Estabe-
sofrimento e da mentalidade da população ru- leceu-se o dia 13 de outubro (aniversário da sua
ral portuguesa. Muitos dos crentes que sofriam morte) para a festa litúrgica da bem-aventurada
e que a visitavam reviam-se nela. Muitos acor- Alexandrina.
riam para lhe pedir auxílio: “Há elementos para
Da autora: Sorrindo à Dor, Edição do Cavaleiro da Ima-
provar que talvez não haja obra que ela não se culada, Porto, 2001.
empregasse em ajudar; dos seminários às mis- Bib.: Alberto Tavares, Alexandrina, a Martirizada de Ba-
sões, da sua paróquia às várias congregações re- lasar, Cucujães, edição do autor, 1990; Arquidiocese de
ligiosas, das famílias pobres aos doentes e aos Braga, Alexandrina de Balasar – Testemunho e men-
sagem, Braga, edição da Arquidiocese de Braga, 2005;
órfãos, das vocações pobres, masculinas e fe- Artigos Biográficos da Serva de Deus Alexandrina Ma-
mininas, às associações pias” [H. Pasquale, ria da Costa – Posições e artigos para o Processo Infor-
2004?, p. 348]. Fomentou correntes de solida- mativo Diocesano, Porto, Empresa de Publicidade do
ALE 52

Norte, 1966; Domingos da Silva Araújo (coord.), Beata Alice Augusta Maulaz Moderno
Alexandrina – Do sofrimento à glória, Braga, edição da Nasceu a 11 de agosto de 1867. Os seus pais, Ce-
Paróquia de Balasar, 2005; Eugénia e Chiaffredo Signorile,
Vida Interior da Beata Alexandrina, Braga, Editorial do lina Pereira de Mello Maulaz e João Rodrigues
Apostolado da Oração, 2004; Gabriel Bosco, S. D. B., Moderno, eram filhos de imigrantes no Brasil (in-
A Alexandrina de Balasar, Porto, Edições Salesianas, terior do Rio de Janeiro), onde nasceram e se ca-
1959; Idem, S. D. B., A Serva de Deus, Alexandrina de saram. A ascendência paterna localiza-se na ilha
Balasar, Porto, Edições Salesianas, 1967; Idem, O Que
Dizem de Alexandrina, Porto, Cavaleiro da Imaculada,
da Madeira, e o avô materno, Auguste François
1975; Gabriele Amorth, Por detrás de Um Sorriso, Ale- Joseph Maulaz, era de origem francesa. Nascida
xandrina Maria da Costa, Porto, Edições Salesianas, em Paris, ainda criança acompanhou a sua família
1994; Humberto M. Pasquale, S. D. B., Eis a Alexandrina, na mudança para os Açores, onde sempre viveu
Balasar, edição da Postulação da Causa, 1967; Idem, Ve- e faleceu (20/02/1946, Ponta Delgada). Acima de
nerável Alexandrina, Porto, Edições Salesianas, 1998;
Idem, Beata Alexandrina, s.l. [Porto?], Edições Sale- tudo, Alice Moderno foi um espírito indepen-
sianas, s.a. [2004?]; Jorge Veríssimo, “Nos caminhos da dente e pioneiro. Considerando-se o papel da mu-
Beata Alexandrina Maria da Costa. Testemunhos do Pe. lher no século XIX, circunscrita ao espaço fa-
Olavo Teixeira Martins”, Ao Serviço da Rainha do Mun- miliar, a escritora ultrapassou todos esses limi-
do, Carapeços – Barcelos, 2.a Série, n.o 194, maio-junho,
2004, pp. 1-7; José Ferreira, Vinde Todos… À Descoberta
tes, sempre com a mesma finalidade: mudar o
da Alexandrina, Fábrica da Igreja de Balasar, 2005; conceito do feminino tanto do ponto de vista
M. de Faria, “O aniversário do Sr. Arcebispo Primaz – mental quanto emocional. Ressalte-se, portanto,
Dez anos do mais santo e laborioso Apostolado”, A Ação quanto à sua vida sentimental, que Alice Moderno
Católica, Braga, n.o 5, maio, 1943, pp. 249-258; Maria- foi companheira de Maria Evelina de Sousa du-
no Pinho, S. J., Uma Vítima da Eucaristia, Alexandri-
na Maria da Costa, a Doentinha de Balasar, Porto, Es- rante 40 anos e que ambas morreram com a di-
cola Gráfica Salesiana da Imaculada Conceição, 1959; ferença de apenas oito dias. Defensora dos direitos
Idem, Uma Vítima da Eucaristia, Alexandrina Maria da humanos e dos animais, ela promoveu a funda-
Costa, a Doentinha de Balasar, s.l., Editor Pároco de Ba- ção de um hospital veterinário, inaugurado em
lasar, 1975; Idem, Uma Vítima da Eucaristia, Alexan-
drina Maria da Costa, a Doentinha de Balasar, s.l., Edi- 1948, com o seu nome, e destinado a acolher ani-
tor Pároco de Balasar, 1990; Idem, No Calvário de Ba- mais maltratados. Personalidade múltipla, Ali-
lasar – Alexandrina Maria da Costa, Braga, Editorial do ce Moderno foi a primeira mulher a frequentar
Apostolado da Oração, 2005; Mendes do Carmo, “As úl- o Liceu de Ponta Delgada e, além de poetisa, exer-
timas horas da doentinha de Balasar”, Diário do Minho, ceu várias atividades para garantir o seu sustento:
Braga, n.o 11.414, 15/10/1955, p. 1; Pedrosa Ferreira, Ale-
xandrina, Nos Caminhos do Crucificado, Porto, Edições foi comerciante, agente de seguros, professora e
Salesianas, 2004; “Na freguesia de Balasar…”, O Co- jornalista. Pertenceu também a diversas agre-
mércio do Porto, Porto, n.o 140, 23/05/1953, p. 2; “Ne- miações científicas e literárias, entre as quais a
crologia – D. Alexandrina Maria da Costa”, Diário do Mi- Società Luigi Camoens (Itália), a Sociedade Li-
nho, Braga, n.o 11.413, 14/10/1955, p. 3; “Faleceu a
‘Doentinha de Balasar’”, O Comércio do Porto, Porto, terária Almeida Garrett, a Sociedade de Geogra-
n.o 283, 15/10/1955, p. 5; “O funeral da doente de Ba- fia de Lisboa, o Grémio Literário Funchalense e
lasar”, Diário do Minho, Braga, n.o 11.415, 16/10/1955, o Instituto de Coimbra. Mas foi sobretudo como
p. 1. ativista que se destacou na organização de mu-
[A. C. S.]
lheres na Primeira República, quando participou
Alexandrina Quadrio na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas,
Atriz. Faleceu a 8 de março de 1921. Estreou- na Associação de Propaganda Feminista e na As-
-se, em 1909, no Teatro D. Amélia, na peça Os sociação Feminina de Propaganda Democrática,
Postiços, de Eduardo Schwalbach. Integrou o sendo de assinalar que em 1913 a Liga Republi-
elenco de estreia de O Camarim (22/02/1910), cana das Mulheres organizou uma festa em sua
peça em 1 ato de Urbano Rodrigues e Victor homenagem. Trata-se, portanto, de uma precur-
Mendes, e As Nossas Amantes (1912), comédia sora do feminismo em Portugal. Além de cola-
em 3 atos de Augusto de Castro. Fez, depois, par- borar com a imprensa local, foi diretora e fun-
te da companhia dramática do mesmo teatro já dadora de dois jornais regionais: O Recreio das
denominado República. Nos últimos anos de Salas (publicação mensal, noticiosa, científica,
vida integrou uma companhia que, habitual- histórica, literária, biográfica, bibliográfica e re-
mente, só trabalhava na província. creativa) e A Folha (jornal literário, noticioso e
Bib.: “Teatros – Foi neste dia…”, O Século, 22/02/1952,
comercial). Alice Moderno também publicou na
p. 8, e 08/03/1960, p. 4. imprensa nacional e internacional, nomeada-
[I. S. A.] mente em alguns almanaques, sendo de destacar
53 ALI

o Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro guesia de Vera Cruz de Aveiro, concelho de Avei-


(1851-1932), que funcionou como um importante ro, era coronel de cavalaria com o curso do Es-
espaço de diálogo entre portugueses e brasilei- tado-Maior (1907): “Em 1911 fez parte da colu-
ros. A sua obra literária abrange vários géneros na que operou em Vinhais contra os incursio-
– poesias, crónicas, contos, romance, ensaios, tex- nistas monárquicos que penetravam no país, to-
tos teatrais e traduções. Em sua longa carreira de mando também parte nos trabalhos preparató-
profissional das letras, Alice Moderno usou rios ao Sector de Chaves e reconhecimento de
pseudónimos e criptónimos: Encília, Gyp, Da Ja- Casares. […] tomou parte no combate de Chaves
nela do Levante e Dominó Preto. Alguns dos seus em 8 [de julho de 1912] […]. Nomeado provi-
versos foram traduzidos em alemão, francês, in- soriamente lente adjunto da 4.a cadeira da Escola
glês, italiano e sueco. Considerada por Sampaio de Guerra […]. Chefe do Estado-Maior da ex-
Bruno como “escritora de mérito”, as suas poe- pedição à P. de Angola em 1914. […] Tomou par-
sias encontram-se principalmente em antologias te no combate contra os insurretos monárquicos
como Poetisas Portuguesas, de Nuno Catarino na serra de Monsanto nos dias 23 e 24 de janeiro
Cardoso (org.), e As Melhores Páginas da Lite- de 1919. […] Governador de Cabo Verde [entre
ratura Feminina: Poesia, de Albino Forjaz de julho de 1919 e maio de 1921] […] Governador
Sampaio (org.). Atualmente, o nome da escrito- da Província de Macau [de outubro de 1925 a ju-
ra é topónimo de uma rua na freguesia de São Pe- nho de 1926]. […] Louvado pela muita inteli-
dro, em Ponta Delgada. gência, desvelado zelo e notável critério, sendo
Da autora: A Apoteose (teatro, 1910); Açores, Pessoas e digna de especial menção a dedicação que pelo
Coisas (ensaio, 1901); A Folha (jornal, 1902/1917); As- serviço público manifestou durante os traba-
pirações (poesia, 1886); A Voz do Dever (teatro, 1915); Ma- lhosos primeiros dias da implantação do novo
ter Dolorosa (poesia, 1909); Na Véspera de Uma Incur- regime [1910] […] Comendador da Ordem Mi-
são (teatro, 1913); No Adro (poesia, 1899); O Asilo de Men-
dicidade (poesia, 1897); O Dr. Luís Sandoval (romance, litar de Aviz [1919], Comendador da Ordem de
1892); Os Mártires (poesia, 1904); Os Mártires do Amor S. Tiago da Espada [1919] […] Oficial da Legião
(poesia, 1894); Os Piratas da Suécia (tradução, 1893); de Honra da República Francesa [1920] […] Gran-
O Recreio das Salas (publicação mensal, 1888, 1889); O de Oficial da Ordem Militar de Aviz [1928] […]”
Romantismo em França (tradução, 1894); Trevos (poesia, [Processo Individual, Arquivo Histórico--
1930); Trilos (poesia, 1888); Versos da Mocidade (1911).
Bib.: Adriana Mello Guimarães, “Notas sobre a presença Militar]. A primeira infância e adolescência de
feminina na Revista de Portugal” [no prelo], Revista Alice Maia Magalhães ficaram profundamente
Aprender, Escola Superior de Educação de Portalegre, marcadas pela vida militar do pai, que se dis-
n.o 33; Inocêncio Francisco da Silva, Dicionário Bi- tinguiu como um republicano de ideais bem pro-
bliográfico Português, T. XXIII, 1923; Maria da Concei-
ção Vilhena, Alice Moderno: A mulher e a obra, 1987; nunciados. Pode dizer-se que foi como militar
Idem, Uma Mulher Pioneira. Ideias, intervenção e e republicano que ele mais contribuiu para a es-
ação de Alice Moderno, 2001; Idem, Joaquim de Araú- truturação da sua personalidade. O espírito de
jo, Diálogo Epistolar com Alice Moderno: Da literatura rigor e o espírito científico, intimamente ligados
ao amor frustrado, 2008; Pedro Silveira, “Alice Moderno,
uma precursora do feminismo”, Revista Colóquio/Letras,
aos ideais iluministas do republicanismo da 1.a
108, março de 1989. República, definiram uma pessoa disciplinada,
[A. M.] racionalista, voluntariosa, autónoma, solidária
e envolvida em causas públicas. Por outro lado,
Alice Beaumont bem cedo Alice, acompanhando os pais por Cabo
v. Maria Alice Mourisca Beaumont Verde e Macau, aprendeu o sentido da cidada-
nia e da universalidade, e começou a construir
Alice Bravo Torres Maia Magalhães a sua autonomia intelectual. Apesar de seu pai
Professora de Físico-Química no ensino secun- ter falecido quando tinha 18 anos, sempre se dis-
dário, assistente na Faculdade de Ciências de Lis- tinguiu como uma aluna brilhante e de espíri-
boa, cidadã interveniente e dinamizadora de to empreendedor. Frequentou o curso geral no
obras de solidariedade social, nasceu a 8 de ju- Liceu de Chaves e o complementar no Liceu Fe-
nho de 1914 na freguesia de Bonfim, concelho minino Maria Amália Vaz de Carvalho – Lisboa
do Porto, e faleceu em Lisboa no dia 4 de janeiro (1929-1931). Em 1935, licenciou-se em Ciências
de 1989. Era filha de Manuel Firmino de Almeida Físico-Químicas na Faculdade de Ciências de Lis-
Maia Magalhães (1881-1932) e de Helena Bravo boa com a média final de 18 valores. Alice teve
Torres Maia Magalhães. Seu pai, natural da fre- uma irmã mais nova, Maria Madalena, nascida
ALI 54

em 1923, que, segundo consta, faleceu de doen- tembro de 1972, só nesta altura considerada pro-
ça com a idade de 20 anos. Ingressando no en- fessora efetiva do 7.o grupo [Despacho de
sino público como professora de Ciências Físi- 27/03/1972], esteve no Liceu de Almada. Por fim,
co-Químicas, terminou a profissionalização em a partir de 1 de outubro de 1972 [Diário da Re-
30 de abril de 1937 e foi professora dos Liceus pública, 03/05/1973] e até ao termo da sua ati-
D. João de Castro (exames em julho de 1937) e vidade profissional, que aconteceu a 4 de junho
Pedro Nunes (1937-1942), antes de ser coloca- de 1984, por ocasião do 70.o aniversário de nas-
da, de 2 de janeiro de 1943 a 29 de dezembro de cimento, foi professora efetiva do Liceu Maria
1947, na Faculdade de Ciências de Lisboa como Amália Vaz de Carvalho. Com o 25 de Abril de
“2.a assistente, além do quadro, do 2.o grupo (Quí- 1974, foi feita a reparação política e adminis-
mica) da 2.a Secção”. Nessa Faculdade, a par do trativa dos 22 anos que esteve afastada do ensino
ensino, iniciou trabalhos de investigação em ra- público: “Por despacho de Sua Excelência o Mi-
dioatividade. Como cidadã, participou em va- nistro da Educação de 14/04/1976, foi homolo-
riadas iniciativas culturais e foi assumindo po- gado o parecer da Comissão para a Reintegração
sições públicas crescentemente polémicas. Em dos Servidores do Estado do qual esteve afastada
1947, por razões políticas, os docentes Prof. Dou- por motivos políticos, no período de setembro
tor Manuel José Nogueira Valadares (1904- de 1949 a fevereiro de 1972, sendo-lhe contados
-1982) e Prof. Doutor Aurélio Marques da Silva 22 anos, 153 dias; deste tempo já foi requerido
(1905-1965) foram demitidos das suas funções à Caixa Geral de Aposentações a contagem do
na Faculdade de Ciências da Universidade de tempo referido, para fins de aposentação” [Re-
Lisboa. Pela honestidade intelectual e compe- gisto Biográfico, Escola Secundária Maria Amá-
tência científica destes professores, muitos dos lia]. Foi no Liceu Feminino/Escola Secundária
seus colegas da Faculdade solidarizaram-se e Maria Amália Vaz de Carvalho onde mais no-
subscreveram um documento em abono do va- toriamente se afirmou como educadora e peda-
lor desses docentes e contra a medida política goga. Aí desenvolveu diversas atividades rele-
de exoneração. Alice Maia Magalhães foi subs- vantes, quer no seu grupo disciplinar – delega-
critora do “abaixo-assinado Valadares” e, se- da de grupo e diretora do laboratório – quer na
gundo consta, tomou a palavra em assembleias escola – direção e dinamização da ALMAC (As-
públicas. Em 1948, também por razões políticas, sociação das Antigas Alunas e Amigas do Liceu
o Prof. Doutor Mário Augusto da Silva (1901- Maria Amália*). A ALMAC, fundada em 1931 no
-1977), docente da Faculdade de Ciências da Uni- Liceu Maria Amália por iniciativa da sua reito-
versidade de Coimbra, “passou compulsivamente ra, Maria Baptista Guardiola, fora lançada com
à reforma”. Em 7 de outubro de 1948, a profes- o propósito de contribuir para a afirmação da po-
sora Alice Maia Magalhães regressou ao ensino lítica da Ditadura Nacional, concretamente no
secundário, ao Liceu Maria Amália Vaz de Car- domínio da educação feminina. Com o 25 de
valho. Aí permaneceu até 10 de agosto de 1949, Abril de 1974, a ALMAC adaptou-se aos novos
data da sua expulsão do ensino público por mo- tempos, muito por iniciativa da professora Ali-
tivos políticos. Esteve afastada até à reintegra- ce Maia Magalhães, e continuou a intervir na vida
ção em 1 de fevereiro de 1972. Expulsa do en- da escola: dinamizava ações culturais, distribuía
sino público, dedicou-se a lições particulares prémios aos melhores alunos e desenvolvia ati-
(“explicações”) de Físico-Química e à edição, em vidades ligadas ao apostolado social. Segundo
parceria com o professor Túlio Lopes Tomás, dos a Dr.a Júlia Palma Carlos, a ALMAC acabou com
“livros únicos” de Química. Estes Compêndios a sua morte. A professora Alice gostava do lado
de Química foram – e são ainda hoje – uma re- experimental da Física e mostrava-se como
ferência para quem estuda ou elabora manuais uma profissional interveniente e dinâmica. Fi-
escolares: competência e honestidade intelectual, caram célebres as aulas práticas e as visitas de
rigor científico, enquadramento histórico das teo- estudo com os alunos. Por ocasião da aposen-
rias e autores estudados e apresentação experi- tação, os colegas da Escola Maria Amália qui-
mental e pedagógica das matérias [Amorim da seram fazer-lhe uma homenagem. Pela sua sim-
Costa, 1983?]. No dia 1 de fevereiro de 1972, a plicidade e desapego, proferiu uma aula – a úl-
professora Alice voltou ao ensino no Liceu Pe- tima – no anfiteatro de Química para a despe-
dro Nunes, onde permaneceu até 15 de setem- dida oficial, seguida de um almoço de confra-
bro do mesmo ano. Depois, entre 16 e 30 de se- ternização com os colegas de Físico-Química da
55 ALI

escola para festejar o 70.o aniversário. E assim, to de 1987, aprovou por unanimidade um lou-
no dia 8 de junho de 1984, o anfiteatro de Quí- vor público e a organização de uma homenagem
mica transbordou com os alunos que nessa hora em sua honra. Também a propôs para Presidente
tinham aula com ela, antigos alunos que ali lhe Honorária, o que foi aprovado por unanimida-
quiseram manifestar carinho e admiração, Con- de na assembleia-geral de sócios reunida em 19
selho Diretivo e muitos professores. Esta última de setembro de 1987. Alegando razões de ordem
aula, de conclusão do programa de Química pessoal, não aceitou esse título. A homenagem
numa turma do 12.o ano, começou pela realiza- realizou-se no dia 19 de março de 1988, nas ins-
ção de uma experiência de oxidação – redução talações da Obra Social do Ministério das Obras
a cargo de um aluno da turma. Nesta experiên- Públicas (OSMOP), à Rua Saraiva de Carvalho,
cia, mergulhando palha-de-aço numa solução de n.o 2, Lisboa. A ASSP conta hoje com cerca de
sulfato de cobre, o cobre deposita-se sobre a pa- doze mil associados ativos e quinze delegações
lha-de-aço, obtendo-se o que a professora Alice (Açores, Algarve, Aveiro, Beja, Coimbra, Évora,
chamava “barbas do D. Dinis”. Feita a expe- Guimarães, Leiria, Lisboa, Madeira, Portalegre,
riência, e mostrando-se tão encantada como se Porto, Santarém, Setúbal e Viseu). Alice Maia Ma-
tivesse observado o fenómeno pela primeira vez, galhães partilhou a vida com diversas crianças
passou-se à formulação da respetiva equação quí- e jovens, suas afilhadas, no sentido de as auxi-
mica, escrita no quadro. No final, como com- liar, educar e acompanhar nos estudos. Foi uma
plemento pedagógico e enquadramento histórico, obra de acolhimento de grande mérito. Foram es-
a Dr.a Alice referiu-se à vida e obra de quatro quí- tas as suas filhas. Faleceu no Hospital de San-
micos portugueses do século XIX, assunto que ta Maria no dia 4 de janeiro de 1989 e o seu cor-
a envolvia naquele momento: Roberto Duarte Sil- po foi sepultado, sem cerimónia religiosa, no Ce-
va (1837-1889); António Augusto de Aguiar mitério do Alto de S. João, no dia 5. O seu pa-
(1838-1887); Agostinho Vicente Lourenço (1862-
trimónio, parte dele herdado dos pais, foi doa-
-1893) e António Joaquim Ferreira da Silva (1853-
do às mais diversas instituições e pessoas. À
1923). Pelo seu profissionalismo, dedicação, in-
ASSP, doou a residência situada no Largo do
teligência e empenho, foi uma referência. Como
Monte, n.o 1, Lisboa, para servir de residência de
cidadã de elevada formação intelectual e espí-
professores – onde a ASSP está a instalar a sua
rito racionalista de cariz republicano, Alice Maia
Magalhães nunca teve uma prática religiosa sede – com o nome “Residência Maia Maga-
tradicional. Inserimo-la num ideário pautado pe- lhães”, em homenagem a seu pai; o automóvel;
los mais belos conceitos humanistas e ilumi- a casa da Parede, em Cascais (“Vivenda Tani”,
nistas. Teve uma estreita ligação ao Partido So- antiga “Vivenda Seda”), sita na Rua Martins Vi-
cialista e foi dinamizadora sindical (FENPROF). dal, n.o 2; a casa da Parede, em Cascais, à rua 3
Solteira e sem filhos, dedicou grande parte da de Maio. Doou também à delegação do Porto da
vida a diversas obras de apostolado social. A in- ASSP a “Casa da Torre e respetivo quintal”, si-
tervenção mais relevante deu-se no âmbito do tuada na freguesia de Sobrosa, Paredes, para ser-
lançamento, constituição e dinamização da As- vir como residência de professores, e mais qua-
sociação de Solidariedade Social dos Professo- tro prédios rústicos. O espólio militar do pai foi
res (ASSP), cujos estatutos foram aprovados em doado, ainda em vida de Alice Maia Magalhães,
21 de maio de 1981. Alice Maia Magalhães foi ao Arquivo Histórico-Militar, Museu Militar de
para a ASSP (sócia n.o 34) por convite da Dr.a He- Lisboa e à secção militar do Museu Municipal
lena Romão Figueiredo e tornou-se uma das suas de Chaves. Depois de tentada, sem sucesso, a doa-
mais destacadas fundadoras. Como os sindica- ção de parte substancial da biblioteca particu-
tos e o Ministério da Educação não respondes- lar à Escola Secundária Maria Amália Vaz de Car-
sem ao problema do acompanhamento dos pro- valho, por intermédio do seu primo Arnaldo Bra-
fessores reformados, de idade e condições de saú- vo Torres Félix Alves, foi ela doada a diversas
de a merecerem cuidados, a ASSP foi criada com instituições e pessoas: Biblioteca de Aveiro, Es-
o propósito de os acudir e acompanhar. Alice cola Secundária de S. João do Estoril, Escola Se-
Maia Magalhães foi a primeira pessoa a ocupar cundária Luísa de Gusmão (peças de laborató-
a Presidência da Direção da ASSP, por um pe- rio) e afilhadas. Segundo informações não con-
ríodo de dois mandatos. Pelos relevantes servi- firmadas, ao Museu Nacional de Arte Antiga de
ços ali prestados, a direção, no dia 18 de agos- Lisboa foram doadas algumas obras de arte.
ALI 56

Da autora: “Uma festa linda”, Boletim Informativo da mânica, foi professora do 3.o grupo nos liceus In-
A.S.S.P., Lisboa, n.o 35, maio-junho, 1988, pp. 5-6; “Dis- fanta D. Maria – Coimbra (1919-1921 e 1927-
posições Testamentárias da Sr.a D. Alice Bravo Torres
Maia Magalhães”, Boletim Informativo da A.S.S.P., -1928), Carolina Michaëlis – Porto (1921-1924)
Lisboa, n.o 41, março-abril, 1989, pp. 1-2; [c/ Túlio Lo- e Garrett – Maria Amália Vaz de Carvalho
pes Tomás], Compêndio de Química – 6.o ano [livro úni- (1924-1927 e 1928-1967). “Fez parte, como Pre-
co], Porto, Edições Maranus, s.a.; Compêndio de Química sidente de Júri, de vários concursos de provas
– 7.o ano [livro único], Porto, Edições Maranus, s.a.; Ques-
tionários de Física e Química – Problemas – 6.o ano, s.l., públicas para professoras de Lavores Femininos,
Livraria Popular Francisco Franco, s.a.; Questionários que se realizaram neste Liceu [Maria Amália Vaz
de Física e Química – Problemas – 7.o ano, s.l., Livra- de Carvalho]” [Processo Individual] e desem-
ria Popular Francisco Franco, s.a. penhou os cargos de vice-reitora e reitora (1946-
Fontes: Livro de Honra do Liceu Maria Amália Vaz de
Carvalho, Arquivo da Escola Secundária Maria Amália
-1967) do mesmo. Por Decreto de 12 de outubro
Vaz de Carvalho; Processo Individual de Alice Bravo Tor- de 1959 [Diário do Governo, 291, II, 15/12/1959],
res Maia Magalhães, Secretaria [Divisão dos Recursos foi agraciada com o grau de Comendador da Or-
Humanos] da Universidade de Lisboa, Reitoria; Processo dem da Instrução Pública.
Individual do Coronel de Cavalaria Manuel Firmino de
Almeida Maia Magalhães, Arquivo Histórico-Militar, Lis- Fontes: Processo Individual, Arquivo da Secretaria da Es-
boa, Caixa 2204; Registo Biográfico, Arquivo Morto da cola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa.
Secretaria da Escola Secundária Maria Amália Vaz de [A. C. S.]
Carvalho; Diário da República, n.o 22, II – S, 27/01/1943
[Portaria de 15/01/1943]; Diário da República, n.o 231, Alice Damasceno Albuquerque
II – S, 02/10/1948 [Portaria de 24/09/1948]; Diário da
República, n.o 104, II – S, 03/05/1973 [Despacho de Empregada do comércio. Filha de Mabília da
25/04/1972]; Diário da República de 21/05/1981. Piedade e de João Damasceno Albuquerque, nas-
Bib.: A. M. Amorim da Costa, “Do uso da história da Quí- ceu em Coimbra a 8 de abril de 1925. Aderiu,
mica no seu ensino”, Boletim da Sociedade Portugue- por intermédio de Madalena Coelho Marques de
sa de Química, Lisboa, 1983 [?], pp. 12-15; João Esteves,
“Alice Bravo Torres Maia Magalhães”, Dicionário no Fe- Almeida*, à delegação de Coimbra da Associa-
minino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, ção Feminina Portuguesa para a Paz*. Assinou
pp. 45-46; Krystyna Kabzinskam, “Os estudantes por- em abril de 1952, juntamente com outros nomes
tugueses do Lab. Curie no Instituto do Rádio, em Paris, da direção local, o comunicado da AFPP às só-
e os Pioneiros do Estudo do Cancro em Portugal”, Ga-
zeta de Física, Sociedade Portuguesa de Física, Lisboa, cias esclarecendo o encerramento da agremia-
Vol. 12, Fasc. 3, julho-setembro, 1989, pp. 107-109; ção por decisão do Ministério do Interior.
S. M., “Homenagem à Dr.a Alice Maia Magalhães”, Bo- Fontes: ANTT, Processo PIDE/DGS, Del. C PI, 5791.
letim Informativo da A.S.S.P., Lisboa, n.o 29, julho-agos- Bib.: Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios. Opo-
to, 1987, pp. 1-2; Sousa Moura, “Saudações”, Boletim sição feminina ao Estado Novo, Imprensa de Ciências
Informativo da A.S.S.P., Lisboa, n.o 79, janeiro-feverei-
Sociais, 2002, pp. 169-170.
ro, 1996, p. 3; Vanda Gorjão, A reivindicação do voto no
[J. E.]
programa do Conselho Nacional das Mulheres Portu-
guesas (1914-1947), Lisboa, ONG da Comissão para a
Igualdade e para os Direitos das Mulheres, junho, Alice da Purificação Dias de Azevedo
1994, p. 64; “Dr.a Alice Maia Magalhães, primeiro Pre- Presa política na década de 30. Natural de Via-
sidente Honorário”, Boletim Informativo da A.S.S.P., Lis- na do Castelo, foi detida em Vila Nova de Cerveira
boa, n.o 30, setembro-outubro, 1987, p. 1; “Homenagem
à Dr.a Alice Maia Magalhães”, Boletim Informativo da em 29 de julho de 1936, “por propaganda sub-
A.S.S.P., Lisboa, n.o 31, novembro, 1987, p. 1; “Justiça versiva”, tornando-se na primeira presa a ter fo-
de uma homenagem”, Boletim Informativo da A.S.S.P., tografia na “Biografia Prisional”. Transferida na
Lisboa, n.o 33, janeiro-fevereiro, 1988, p. 1; “Homena- mesma data para o Porto, foi julgada pelo Tribunal
gem”, Boletim Informativo da A.S.S.P., Lisboa, n.o 34,
março-abril, 1988, pp. 1 e 4. Militar Especial um ano depois, em 6 de agosto,
[A. C. S.] absolvida e libertada no dia seguinte. Rose Nery
Nobre de Melo inseriu a “Biografia Prisional” no
Alice Costa Pinto de Andrade livro Mulheres Portuguesas na Resistência.
Nasceu no dia 9 de dezembro de 1897, em Coim- Bib.: Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas
bra, filha de Albano Rodrigues Madeira de An- na Resistência [c/fot.], Lisboa, Seara Nova, 1975, p. 22.
drade e de Maria Costa Pinto de Andrade. No dia [J. E.]
1 de setembro de 1928 casou com Abílio da Cu-
nha Veiga Madeira de Andrade, advogado, na- Alice de Matos Machado
tural de Midões, concelho de Tábua. Com li- Presa política na década de 30 por atividades co-
cenciatura e Exame de Estado em Filologia Ger- munistas. Filha de José de Matos Machado Jú-
57 ALI

nior, deportado político em Timor e, posterior- mininos*, enviado em 14 de março de 1890, de-
mente, Angra do Heroísmo, na Fortaleza de São clarou estar habilitada com o curso dos Liceus,
João Baptista, e de Ana da Conceição Tavares Ma- tendo realizado exame de Química Mineral na Es-
chado, nasceu em Lisboa, em 1908, e cursou a cola Politécnica de Lisboa. Alice Ferreira, no en-
Faculdade de Direito até ao 3.o ou 4.o ano. De- tanto, não juntou quaisquer documentos. No
tida em 16 de julho de 1932, “encontrando-se Anuário Comercial de 1898 há uma entrada com
presentemente retirada dos estudos” [Presos Po- o nome da Alice Ferreira enquanto professora par-
líticos no Regime Fascista II, p. 420], acusada de ticular de Português, Francês, Geografia e História
fazer parte da Organização Feminina do Parti- no Largo de D. Estefânia, n.o 11, 1.o andar.
do Comunista; de manter contactos com Manuel Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
Augusto da Rosa Alpedrinha e a mulher de Ber- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
nard Freund, organizador da Federação das Ju- Bib.: Caldeira Pires (coord.), Anuário Comercial ou Anuá-
ventudes Comunistas Portuguesas no início rio Oficial de Portugal, Ilhas e Ultramar, da Indústria,
Magistratura e Administração para 1899, Lisboa, 1898,
dos anos 30, Wilma; recrutar homens, como Raul p. 738.
Batalha Correia, que usava o pseudónimo de Pe- [A. C. O.]
trovitch; e assegurar a ligação entre este e Álvaro
Eugénio Pereira Condinho, enfermeiro a traba- Alice Maia Magalhães
lhar no Sanatório Sousa Martins da Guarda, ci- v. Alice Bravo Torres Maia Magalhães
dade onde desenvolvia ação política [Alberto Vi-
laça, p. 88, nota 104]. Ainda segundo a biogra- Alice Rey Colaço
fia elaborada pela Secção Política e Social da Po- v. Alice Schmidt de Lafourcade Rey Colaço Me-
lícia de Vigilância e Defesa do Estado, “manti- nano
nha correspondência extrapartidária, com o
Condinho e Luciano José de Carvalho, a quem Alice [Rodrigues de Oliveira]
fornecia todos os informes colhidos por si sobre Irmã do jornalista, editor e livreiro Manuel Ro-
a marcha da situação política do País, informa- drigues de Oliveira (1911-1996), membro das Ju-
ções essas que o Condinho transmitia para os exi- ventudes Comunistas e do Partido Comunista
lados políticos” [p. 421], que conhecia de reu- desde a década de 20, preso em 1934, com pas-
niões realizadas em casa do pai antes da sua de- sagem pelo Forte de Peniche e Fortaleza de An-
portação. Libertada a 10 de dezembro de 1932, gra do Heroísmo, fundador e proprietário da edi-
por ter sido considerada abrangida pela amnis- tora Cosmos por sugestão de Bento António Gon-
tia de 5 do mesmo mês, foi posteriormente al- çalves (02/03/1902-11/09/1942), com quem
terada a sua situação e o processo enviado em conviveu nos Açores e o aconselhou a contac-
24 de fevereiro de 1933 para o Tribunal Militar tar Bento de Jesus Caraça (18/04/1901-
Especial, que a julgou em 21 de novembro do ano -25/06/1948). Tal como o irmão, Alice foi mi-
seguinte, deu como provado o crime de que era litante da Federação das Juventudes Comunis-
acusada e, “atendendo ao seu bom comporta- tas Portuguesas na década de 30, tendo sido por
mento anterior”, condenou-a na pena de 18 me- seu intermédio que Hermínia* se filiou em 1934
ses de prisão correcional e perda de direitos po- na organização. Morava em Campo de Ourique
líticos por 5 anos. O documento biográfico da po- e formou nesse ano, com mais algumas rapari-
lícia refere-se a Alice Machado como “possui- gas, um pequeno núcleo ligado à Universidade
dora de certo grau de cultura” [p. 420], “deve- Popular Portuguesa que desenvolveu ações de
ras inteligente e dotada de grande subtileza” propaganda no bairro. Manteve a mesma dedi-
[p. 421]. Usava o pseudónimo “Stenka”. cação e coragem na década seguinte, sendo res-
Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em ponsável por guardar na casa de Campo de Ou-
Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997, rique muitos livros de editoras comunistas
pp. 60-61; Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fas- brasileiras proibidos e importados pelo irmão
cista, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
Mem Martins, 1982, pp. 420-421. e Francisco Lyon de Castro (24/10/1914-
[J. E.] 11/04/2004), também militante comunista nos
anos 30, aquando da fundação das Publicações
Alice Deolinda da Silva Ferreira Europa-América em 1945.
No seu processo de candidatura ao ensino da ca- Fontes: Informações prestadas por Ricardo Macha-
deira de Desenho nos Liceus Secundários Fe- queiro em 22/02/2009.
ALI 58

Bib.: Edmundo Pedro, Memórias. Um Combate pela Li- ce-nos sintomática a influência exercida pelo
berdade, Vol. I, Lisboa, Âncora Editores, 2007, pp. 212, mestre. Sendo todas as nomeadas discípulas de
236; Ricardo Machaqueiro, “Manuel Rodrigues de Oli-
veira vai hoje a enterrar. O Homem da Cosmos”, Públi- Carlos Reis, o pintor fazia nessa altura parte da
co, 12/07/1996, p. 27. direção da SNBA, assim como do júri de ad-
[J. E.] missão ao concurso. Apesar da certeira coinci-
dência, 1909 foi de facto um ano especialmen-
Alice Rodrigues te propício para as amadoras de pintura, não obs-
Atriz. Foi “Sol” em Peço a Palavra, revista de tante as influências que as subsidiavam. Ano em
João Bastos e Álvaro Cabral, música de Tomás que Maria de Távora Folque, Isaura Lambertini
Del Negro e Alves Coelho (Variedades, 1911), e Mily Possoz foram incentivadas com a atri-
e “Fi-Fi”, em alternância com Elvira Costa*, na buição de menções honrosas, é também curio-
sátira A Feira do Diabo, em 1 ato, prólogo e 3 so notar uma invulgar quantidade de reprodu-
quadros, de Eduardo Schwalbach (Apolo, 1912). ções de obras femininas no catálogo. É o caso dos
Mereceu figurar na galeria de retratos de atores trabalhos de Lima Cruz, Benvinda Madeira
da companhia do empresário Eduardo Schwal- Pinto, Isaura Lambertini, Maria Aida Gomes Ro-
bach, no Teatro Apolo. berto e Zoé Wauthelet*. Posteriormente, Alice
Bib.: Ilustração Portuguesa, 2.a série, Vol. II, Lisboa, 1911, Rey Colaço continuaria a concorrer à categoria
pp. 280 e 476-479. de pintura a óleo, participando nos certames se-
[I. S. A.] guintes, onde apresentou um número bastante
mais considerável de obras: nove em 1910 e seis
Alice Schmidt de Lafourcade Rey Colaço Me- em 1911. Após o interregno de 1912, em que não
nano se realizou a exposição anual da SNBA, Alice Rey
Alice Rey Colaço, filha do célebre pianista e com- Colaço juntou-se a Mily Possoz e concretizou, em
positor Alexandre Rey Colaço, e de Alice Março de 1913, uma mostra no salão da Ilus-
Schmidt de Constant Lafourcade, nasceu em 11 tração Portuguesa. No mesmo ano em que por
de outubro de 1893 e faleceu em 1978. Discípula ali tinha já passado José Campas, o evento foi
de Carlos Reis, desenvolveu uma expressiva ati- qualificado de “curioso” e na obra de Alice Rey
vidade no domínio da pintura, que ocorreu, Colaço assinalada a “predileção dos assuntos vi-
numa fase inicial, paralelamente à atividade da vos” e a “ideia de verdade”, em contraste com
sua colega e amiga Mily Possoz*. Porém, como o que a crítica qualificava de tendências “exó-
outras pintoras do tempo, essa carreira abrandaria ticas” e “desequilibradas do cubismo e do fu-
em 1924, por altura do seu casamento com Ho- turismo” [Ilustração Portuguesa, n.o 370, pp. 358-
rácio Paulo Menano, e seria bastante reduzida 359]. Seis anos mais tarde, voltou a juntar-se a
pelo nascimento consecutivo dos filhos: Horá- Mily Possoz, levando a cabo uma exposição de
cio Paulo (1925), Cecília (1926), Manuel (1928) pintura, ilustração e desenho no consagrado ate-
e Isabel (1932). Deste modo, podemos balizar en- liê Bobone, salão de grande prestígio, marcado
tre 1909 e 1924 o principal período da sua ati- pela realização da Exposição Livre (1911) e por
vidade enquanto pintora, datando de então as pri- diversas mostras do futuro grupo Silva Porto, en-
meiras obras e exposições. Não obstante, a sua cabeçado por Carlos Reis. A obra de Rey Cola-
formação deve ter-se iniciado anos antes, já que ço foi assinalada como uma “arte simples e in-
seria retratada em 1908 pelo mestre Carlos génua”, caracterizada pela representação de
Reis. Com apenas 16 anos, Alice Rey Colaço pa- motivos populares, que cativava “pela correção
rece ter iniciado a atividade expositiva em do seu desenho, e pela graciosidade das suas cria-
1909, nos salões da Sociedade Nacional de Be- ções” [Ilustração Portuguesa, n.o 687, p. 318].
las Artes, ocasião em que se estreou também Mily Ainda em 1919, merece particular destaque a sua
Possoz. Alice apresentou-se publicamente com presença no 3.o Salão de Modernistas do Porto,
dois estudos a óleo. Anunciando um esperançoso onde se estreou, mais uma vez, com a amiga Pos-
futuro, a jovem amadora alcançou logo nessa oca- soz. No ano seguinte, participou numa exposi-
sião um súbito reconhecimento, sendo-lhe con- ção infantil de desenho, realizada na Société
cedida uma medalha de 3.a classe. Num ano em Amicale Franco-Portugaise, e em Maio de 1922
que o mesmo prémio foi também atribuído a Ma- levou a cabo a primeira mostra individual.
ria Aida Gomes Roberto e em que Adelaide de Com um total de 41 obras, sobrepõem-se à pin-
Lima Cruz* obteve um honroso 2.o lugar, pare- tura os trabalhos para ilustração, teatro, artes grá-
59 ALM

ficas e artes decorativas. Com uma carreira ini- Alma Feminina, redigida pelas mais notáveis es-
cial bastante paralela à de Mily Possoz, também critoras portuguesas e brasileiras, título que so-
Alice viria a ilustrar diversos livros, área fre- freu alteração a partir do n.o 10, passando a ser,
quentemente do domínio feminino, e uma ocu- ao mesmo tempo, um pouco mais modesto e
pação que a artista manteve mesmo após o ca- mais internacional – Alma Feminina, redigida
samento. Considerada por Diogo de Macedo por algumas das mais notáveis escritoras por-
como ilustradora de mérito, colaborou, funda- tuguesas e estrangeiras. A revista, desde o pri-
mentalmente, em obras na área da música, do tea- meiro número, publicado em 6 de maio de 1907,
tro e da literatura infantil. até ao último consultado, de 6 de fevereiro de
Obras ilustradas pela autora: Adolfo Coelho, João Pateta: 1908, foi objeto de várias mudanças, quer a ní-
conto popular, Lisboa, Tip. Eduardo Ferreira, 1918; Al- vel de estrutura/organização interna, quer de pro-
fredo Cortês, Zilda: peça em 4 atos, Porto, Companhia prietários e tipografias, incluindo o próprio lo-
Portuguesa Editora, 1921; Francisco Lage e João Corrêa cal de redação. Até ao n.o 10, o proprietário e ad-
de Oliveira, Os Lobos: tragédia rústica em três atos, Por- ministrador foi Maurício Pimenta e a redação lo-
to, Companhia Portuguesa, 1921; Honorina de Moraes
Graça, Quatro canções, s.l, s.n., s.a.; Joaquim Leitão, Os calizava-se na Rua Luz Soriano, n.o 29, Lisboa,
Cegos: peça em 3 atos, Porto, Companhia Portuguesa Edi- passando a ser o proprietário C. A. Silva, a ad-
tora, 1926; Maria da Luz Sobral, Contos e Lendas da Nos- ministração a cargo de Álvaro Prazeres, e a re-
sa Terra, 2.a ed., Porto, Liv. Civilização, 1935; Maria Pau- dação a situar-se na Calçada do Combro. No
la de Azevedo, Vida de Jesus para os Pequeninos, Lis-
boa, Bertrand, 1941; Idem, A História do Mundo Con-
n.o 6, o local de impressão deixou de ser a Im-
tada às Crianças, Lisboa, Sá da Costa, 1944. prensa Sousa & Santos, passando o periódico a
Bib.: AA.VV., O Grafismo e Ilustração dos Anos 20, Lis- ser composto nas oficinas da Imprensa Lucas e,
boa, Fundação Calouste Gulbenkian. Centro de Arte Mo- a partir do n.o 10, nas do Jornal da Noite e im-
derna, 1986; Arsénio Sampaio de Andrade, “Alice Rey presso nas do Diário Ilustrado, na Travessa do
Colaço”, Dicionário Histórico e Biográfico de Artistas e
Técnicos Portugueses, Lisboa, Ed. do autor, 1959, pp. 52- Queimado. No n.o 12, o local de impressão mu-
-53; Diogo de Macedo, “Notas de Arte”, Ocidente, Vol. dou novamente e esta passou a ser efetuada nas
XVII, n.o 50, Junho, 1942, pp. 271-280; Fernando de Pam- oficinas de João Sousa e, por fim, a partir do n.o
plona, “Alice Rey Colaço”, Dicionário de Pintores e Es- 17, passou a ser impresso nas oficinas da Coo-
cultores Portugueses, Vol. V, Lisboa, Civilização Edito- perativa Militar, na Rua de São José. A revista
ra, 1988, p. 48; “Exposição de pintura Carlos Reis”, Bra-
sil-Portugal, Lisboa, n.o 229, 01/08/1908, pp. 203-204; tem cerca de oito páginas, com um formato um
Catálogo ilustrado da 7.a exposição de pintura, escul- pouco maior que o A4, sendo que a paginação,
tura, arquitetura, desenho, aguarela, Lisboa, Imprensa que é contínua de número para número, só con-
da Silva, 1909; Sociedade Nacional de Belas-Artes: Oi- ta com o miolo. A capa e a contracapa são, por
tava Exposição, Lisboa, Tip. Almeida & Machado,
1910; Catálogo da nona exposição da Sociedade Na-
norma, reservadas para publicidade ou diversos
cional de Belas Artes, Lisboa, SNBA, 1911; “Amadoras (na maioria dos casos para retratos de impor-
de Pintura”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, tantes figuras femininas da época). Dirigida no
n.o 327, 27/05/1912, pp. 695-696; “Figuras e factos”, Ilus- número inaugural por Albertina Paraíso, nos res-
tração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 428, 1914, tantes números não existe qualquer referência
pp. 573-574; “Exposição Mily Possoz – Alice Rey Co-
laço”, A Capital, Lisboa, n.o 3080, 04/04/1919, p. 2; “Duas ao papel desta figura na revista, nem a qualquer
artistas”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 687, outra diretora, ao passo que Virgínia Quaresma,
21/04/1919, p. 318; Mily Possoz, Alice Rey Colaço: pin- por outro lado, de secretária de redação no nú-
tura, ilustração e desenho, Lisboa, s.n., 1919; “A ex- mero um, passou a redatora principal até ao fim
posição infantil na Société Amicale Franco-Portugaise: da publicação do periódico. O nome de Alber-
uma interessante conferência”, Ilustração Portuguesa,
Lisboa, 2.a série, n.o 750, 05/07/1920, p. 10; Exposição tina Paraíso passou a aparecer apenas ocasio-
de Alice Rey Colaço: catálogo, Lisboa, s.n., 1922. nalmente, como autora de artigos ou de poesia.
[S. C. S.] No editorial do primeiro número é feita uma sín-
tese dos objetivos que inspiravam a revista e a
ALMAC dedicação que se perspetivava dar: “Jornal de
v. Associação das Antigas Alunas e Amigas do mulheres e feito para mulheres, única publica-
Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho ção assim orientada em Portugal, é necessário que
ele corresponda às vibrações intensas com que
Alma Feminina (1907-1908) o espírito moderno anda convulsionando e en-
Periódico semanal ilustrado com, pelo menos, riquecendo o problema do feminismo. A Alma
vinte e nove números, cujo título completo é Feminina não será um jornal exclusivamente fe-
ALM 60

minista; mas não pode deixar de agitar […] esse tor de “De relance” nunca vem identificado. No
grande problema social. […] O feminismo tal “Cancioneiro Estrangeiro” deparamo-nos com
como o compreendemos e deve ser por nós tra- versos de Madame Rostand (Rosemonde Gérard)
tado, obedece a uma lógica clara e serena e al- e um fragmento da Éternelle Chanson, um poe-
veja um fim vantajoso para a mulher e para a so- ma de amor. Na mesma página encontra-se um
ciedade e intentará demonstrar que a feminista soneto da médica Domitila de Carvalho. “As ma-
verdadeira não se pode confundir com alguns es- nhãs do Campo Grande”, cinco gravuras da aris-
píritos femininos que à falta de ilustração e de tocracia portuguesa, ocupam as páginas centrais.
critério, só propagam aquilo que as suas fanta- Em “Caleidoscópio”, é feito um relato das ati-
sias, exaltadas e incoerentes lhes ditam. O nos- vidades num domingo de mau tempo em Lisboa.
so combate feminino será um combate leal de cé- Existem ainda dois espaços dedicados à poesia,
rebro e de coração e podemos altivamente afir- apesar de não ser formalizada uma secção para
mar que os próprios espíritos acorrentados a um os textos líricos. Assim, esta edição inclui de
atavismo que nos envergonha e humilha, hão de, Branca de Gonta Colaço “Lua Cheia” e de Al-
no fundo das suas consciências, acabar por tran- bertina Paraíso “Quimeras ainda”. Olga Morais
sigir com a justiça dos nossos argumentos” [p. [Sarmento da Silveira] é autora de “A mãe e a
2]. A Alma Feminina pretendia ser uma “revis- sua influência no desenvolvimento psíquico do
ta de arte, de letras, de ciência, inserindo uma filho”, enfatizando que a educação dos filhos nos
secção de modas, consagrará também algumas primeiros anos deve pertencer exclusivamente
linhas à ménagère, que, para nós, tem um papel à mãe, reconhecendo a influência desta no seu
extremamente simpático e altamente social. desenvolvimento intelectual: “para que a mãe se
Quando asseguramos a superioridade intelectual possa desempenhar [sic] desta tão difícil como
da mulher, quando a incitamos a cultivá-la, e a nobre tarefa, necessário é que a sua ilustração es-
servir-se dela mais tarde com vantagem para si teja à altura da sua grandeza e responsabilida-
e para a sociedade, não queremos, de forma ne- de. […] Educar e ilustrar a mãe, é assentar em
nhuma, roubá-la ao seio da família e desvirtuá- bases eternas o progresso humano” [p. 6]. Em
la para a poesia e para o amor. Simplesmente nos “Carteira feminista. De longe ….”, o leitor depara-
assiste o direito de proclamarmos a reivindica- se com novidades do mundo relativamente a con-
ção dos seus direitos sociais, em deveres mais quistas femininas, exemplos considerados a
extensivos e complexos” [p. 2]. Importante é tam- seguir. Na secção “Elegâncias e Mundanidades”
bém referir que a responsável pelos editoriais fez trata-se, inevitavelmente, a moda, contrariando
questão de esclarecer, no n.o 7, que este femi- a ideia preconcebida de que as mulheres eman-
nismo defendido na revista não fazia distinção cipadas eram pouco ou nada femininas. Também
de classes, da mesma forma que não a faziam os na última página se encontra a secção “Con-
preconceitos. As mulheres de diferentes estra- versação Íntima”, neste primeiro número da res-
tos sociais sofriam a sua impotência de formas ponsabilidade de Ana de Castro Osório, subin-
díspares, mas todas eram afetadas. Uma vez que titulado “A vida da criança”. A autora chama a
a organização interna das revistas não era sem- atenção para a alimentação dos bebés e para a
pre a mesma, passa-se a apresentar um resumo necessidade de as salvaguardar de contacto ex-
de cada número. No n.o 1, com uma imagem de cessivo com os empregados. Este número fina-
Maria Amália Vaz de Carvalho para iniciar a ga- liza com a secção “Pequena Correspondência”,
leria de honra da revista, não existe secção de reservada a cartas de leitoras(es). No número dois,
anúncios, mas esta seria dada gratuitamente a com Carolina Michaëlis de Vasconcelos na pri-
médicas e escritoras que o solicitassem (apenas meira página, existe também um sumário, o ex-
os demais anunciantes teriam de comprar espaço pediente e o boletim do concurso. No seu edi-
na revista). No expediente há informação sobre torial há referência à muito boa receção do pri-
uma festa que seria organizada pela revista e rea- meiro número, o que denota um tímido despertar
lizada possivelmente daí a um ano. O periódi- da letargia. É também feita nova crítica à socie-
co inclui um bilhete para um sorteio de prémios dade portuguesa que enaltece a mulher eman-
para senhoras. Na secção “De relance” é retra- cipada estrangeira, mas desaprova e coloca en-
tada, num discurso encomiástico, Elisa Baptis- traves a esta emancipação no seu país. Nas pá-
ta de Sousa de Carnaxide, incluindo uma gravura ginas iniciais, além do editorial, apresenta um
da mesma (algo que é regra nesta rubrica). O au- poema de Octaviano de Sá, “Tísica”, e a secção
61 ALM

“De relance”, desta feita votada à famosa violi- apelo à boa educação da mulher. Este número ter-
nista Guilhermina Suggia*. No texto “Razão do mina com “Registo Bibliográfico”, uma recensão
Feminismo” [p. 11], de Teófilo Braga, a mulher crítica. Na capa do número quatro [o três não se
e o homem são definidos como par sexual que encontra em nenhuma das coleções] figura um
biologicamente constitui a Família. Segundo Teó- retrato da atriz Eleonora Duse e a página de aber-
filo Braga, a mulher foi deixada no seu estado tura exibe um retrato de Domitila de Carvalho.
biológico e o homem avançou no estado socio- “De relance” é dedicado a Virgínia Suggia, pia-
lógico, alcançando o máximo da evolução. O fe- nista de renome no estrangeiro, tal como a sua
minismo, a seu ver, pretende que a mulher as- irmã, Guilhermina Suggia. A nível lírico, este nú-
cenda a esse estado, o que é indispensável para mero apresenta o poema “Cor-de-Rosa”, de Al-
a evolução da sociedade: “Assim o par sexual se bertina Paraíso, e “Rápida”, de Rogelio Fernández
transformará no par sociológico; se um consti- Güell, dedicado a Olga [Morais Sarmento da] Sil-
tuiu essa maravilhosa construção da Família, o veira, incluído na rubrica “Cancioneiro Estran-
outro tem de estabelecer o estado normal da hu- geiro”. Dois dos pensamentos apresentados são
manidade. A fatalidade biológica em que ainda da autoria de Olga Morais Sarmento da Silvei-
está imersa a mulher expressa-se neste adágio ra e o outro é anónimo. Além da “Carteira Fe-
português: Que é casar? – é fiar, parir e chorar. minista”, que relata as novidades em França, Ale-
O fim desta frase impõe-se como uma necessi- manha e Itália, este número inclui um artigo, “As
dade ao progresso humano. […] A mulher, ten- Mulheres da Finlândia”, que descreve a posição
do por característico do seu ser o poder suges- das finlandesas na sociedade, enaltecendo o seu
tivo, a ela compete inspirar sentimentos gene- papel ativo em todos os campos, tendo-lhes sido,
rosos, os nobres pensamentos, fortificando os al- inclusivamente, facultado assento no Parla-
tos caracteres. Eis a essência do Feminismo” [p. mento. Madeleine Frondoni Lacombe continua
11]. A posição deste intelectual face a este mo- o seu artigo do n.o 2, “A’s mulheres (Contra a guer-
vimento e a sua participação neste periódico te- ra)”. “O que pensam as grandes notabilidades
rão sido francamente importantes. De seguida, portuguesas sobre o problema feminista – I – o
de Alice Pestana (Caïel) temos um “Pensamen- nosso «interview» com Guerra Junqueiro” [com
to”, pequeno excerto de uma obra sua em que imagem], é precisamente uma entrevista ao
alerta para a necessidade de fazer evoluir a mu- poeta. A seu ver, a mulher deveria afastar-se de
lher na sociedade. O artigo “A varina”, de Má- tudo o que é mesquinho e, logo, da política. A
rio Relvas, com três ilustrações, apresenta essa educação dada à mulher deveria ser atualizada.
personagem, um tipo de mulher forte que me- Guerra Junqueiro considera que deve ser fran-
rece o louvor da sociedade pela sua humildade queada àquela a possibilidade de ingressar
e capacidade de trabalho: “Que admirável numa carreira profissional. O “Caleidoscópio”
exemplo de atividade na luta de todos os dias versa as receções elegantes do conde de Fontalva
não dá ela aos preguiçosos, aos ociosos e aos de- e a exposição Silva Porto. No final, encontramos
salentados!... sempre de cara alegre e para a fren- a secção “Elegâncias e Mundanidades” e a aná-
te! É o seu lema” [p. 13]. No “Cancioneiro es- lise de um poema de Shelley feita por Cláudia
trangeiro” é incluído um poema de Vittoria Co- de Campos. No número cinco, a capa apresen-
lonna, traduzido pela baronesa de Tallenay. “A’s ta a atriz Tina di Lorenzo, enquanto a primeira
[sic] mulheres (A guerra)”, da autoria de Ma- página tem indicações redatoriais, como as ou-
deleine Frondoni Lacombe, constitui um inci- tras revistas anteriores, e uma fotografia da rai-
tamento à união contra a guerra, pois as mães de- nha da Roménia (que frequentemente utiliza o
vem estimular o amor e o pacifismo. Nessa mes- pseudónimo Carmen Sylva), autora de várias
ma página encontramos um poema de Alberti- obras: Hammerstein, Sapho, Novos Contos e No-
na Paraíso, “Num leque”, e “Pensamento” de Ana velas, Servidão do Pelesch e Os Pensamentos de
de Castro Osório, sobre a importância de educar Uma Rainha. O editorial intitula-se “Parêntesis
as mulheres para elas poderem adequadamen- – Bien faire et laisser dire” e questiona se a so-
te educar os seus descendentes. O “Caleidos- lidariedade feminina é, afinal, uma utopia,
cópio”, “Conversação Íntima” e “Elegâncias e uma vez que Caïel reclamou por serem incluí-
Mundanidades” voltam a tratar a moda e ofe- dos nas revistas pensamentos seus, sem lhe ser
recem conselhos práticos. “A educação da mu- pedida autorização. A responsável pelo editorial
lher”, texto de Maria Vale e Sousa, é mais um mostra-se um pouco indignada pela queixa de
ALM 62

Alice Pestana. Nas páginas deste quinto núme- sequências funestas para as famílias. A última
ro encontra-se um soneto de M. Duarte de Al- página inclui um soneto de Maria José Alvarrão
meida; a secção “De relance” é dedicada à con- Pacheco, além das rubricas “Caleidoscópio” e
dessa de Almedina, autora de Soeur Marthe. Não “Elegâncias e Mundanidades”. No número sete,
obstante a reclamação de Caïel, é novamente in- a capa tem uma fotografia de Lucylli, cançone-
cluído um pensamento da sua autoria, sendo este tista do casino de Paris, e a primeira página pre-
alusivo à família. Os outros “Pensamentos” senteia os leitores com um retrato de Branca de
são retirados das obras de Ana de Castro Osório Gonta Colaço. No editorial, como já foi referido,
e de Maria Amália Vaz de Carvalho, sem se sa- a palavra de ordem é que o feminismo deve ser
ber de qual delas, uma vez que o periódico peca propagado a todas as classes sociais, pois as mu-
pela ausência de indicação de fontes. A nível da lheres, sem distinção de estirpe social, sofrem
poesia, é incluído um soneto de Branca de Gon- as suas dores por terem de se subjugar à vonta-
ta Colaço e, no “Cancioneiro Estrangeiro”, “Ré- de masculina: “O feminismo deve harmonica-
ponse” de Madeleine Frondoni Lacombe. Da obra mente difundir as suas doutrinas, pregar a sua
da rainha da Roménia, a Alma Feminina apre- Bíblia de Amor por toda a parte onde possa en-
senta um fragmento significativo: “Ao entregar- contrar uma alma de mulher. Se os códigos que
-se a mulher julga dar uma felicidade eterna e a escravizam, os preconceitos que a atrofiam, o
o homem julga aceitar um momento de prazer” desprezo que a avilta não reconhecem frontei-
[p. 35]. Alfredo Guimarães participa neste nú- ras na sociedade, como os havemos nós de re-
mero com o artigo “Como se veste uma mulher conhecer?” [p. 50]. A nível lírico, este número
do Minho” e Angelina Vidal com “A mulher nas conta com composições de Domitila de Carva-
grandes indústrias”, texto que inclui fotografias lho, Mário Relvas, Giuseppe Levy (rubrica
das operárias das fábricas de Alcântara. Ange- “Cancioneiro Estrangeiro”), M. Duarte de Al-
lina Vidal aponta o medo da concorrência como meida e Júlia Cortines. Os “Pensamentos” são de
móbil que leva o homem a diminuir as capaci- Georges Sand. “De relance” apresenta África Ca-
dades das mulheres e critica ainda as diferenças limério [nome artístico de África da Silva Cabral],
salariais. Um dos grandes problemas é também soprano, e, na mesma página, também votado à
o facto de a mulher operária não ter tempo para música, é incluído o artigo de Madeleine Fron-
ser mãe. A secção “Caleidoscópio” dá-nos con- doni Lacombe “A música e a sua influência no
ta de exposições realizadas e “Elegâncias e organismo humano”. Neste número não existe
Mundanidades” apresenta as últimas novidades a rubrica “Carteira Feminista”, contudo o texto
da moda. Ventura Ledesma Abrantes dedica o ar- “A Espanha intelectual”, redigido por Blasco Iba-
tigo da última página, “Mãe”, a Albertina Paraíso. ñez, transmite informação similar. À seme-
A capa do sexto número revela uma fotografia lhança de alguns números anteriores, é apre-
da atriz espanhola Pilar Marti e a página inicial sentada uma entrevista com uma figura proe-
tem uma fotografia de Cláudia de Campos, minente masculina, sendo Lopes de Mendonça
uma reconhecida escritora e colaboradora des- o visado. Na ótica do entrevistado, a mulher de-
te periódico com obras publicadas: Elle, Sphyn- veria ter uma educação geral, que abrangesse tam-
ge, Último Amor, Mulheres, Baronesa de Stäel. bém conhecimentos de culinária e economia do-
No editorial são nomeados os diversos campos méstica, sendo extremamente perigoso conferir-
em que se incita a mulher a desenvolver as suas lhe o direito ao voto sem ela. Eduardo Metzner,
capacidades e são dados exemplos de mulheres por seu lado, no texto “Mulher Emancipada” in-
bem-sucedidas. M. Duarte de Almeida contribuiu cita o homem a fazer uma revolução: “Libertai-
com o soneto “Naquela casa” e Vasconcelos de -vos do preconceito de considerá-la nossa infe-
Sá, também numa composição lírica, com “O pi- rior. Educai-a. Armai-a para a batalha darwinista
nheiro das rimas pobres”, o “Pensamento” é no- da vida cheia de egoísmo” [p. 55]. As páginas fi-
vamente de Olga Morais Sarmento da Silveira, nais incluem o costumeiro “Caleidoscópio”, “Ele-
enquanto Domitila de Carvalho tece “Ligeiras gâncias e Mundanidades” e “Pequena Corres-
considerações sobre a vida”. A rubrica “De re- pondência” (esta última menos frequente que as
lance” privilegia a condessa de Taboeira. A ar- anteriores), bem como um pequeno artigo sobre
ticulista Angelina Vidal continua o texto iniciado “Asseio e Higiene”. O número oito brinda os lei-
no número anterior, criticando as péssimas tores com um retrato de Concepción Gimeno de
condições de trabalho das operárias fabris e con- Flaquer na página de abertura e a continuação
63 ALM

do tema do feminismo nas diversas classes so- pode ainda apreciar as composições líricas de Ed-
ciais no editorial. A contemplada com a rubri- viges de Sá Pereira e de Júlio Santos, um “Pen-
ca “De relance” é a cantora condessa de Almeida samento” de Lamartine e “Uma lenda” de Má-
Araújo. Lucinda Tavares* apresenta o texto rio Relvas. Alfredo Guimarães descreve e elogia
“O ideal do futuro”, enaltecendo as capacidades as qualidades de “A Mulher do Norte”, enquanto
apaziguadoras femininas em contraste com o be- Júlio Borges escreve um artigo intitulado “Mal
licismo masculino. João Chagas é também arti- de Viver”. Como é quase regra, este número ter-
culista, com uma crítica à frivolidade dos casa- mina com as secções “Caleidoscópio” e “Ele-
mentos na classe média. Duas outras colabora- gâncias e Mundanidades”. O n.o 10, como já aci-
ções masculinas pertencem à mão de Xavier de ma referido, foi um número de mudança a nível
Carvalho e de Vítor Ribeiro, a primeira, uma car- de redação, algo que é explicado no editorial:
ta a Virgínia Quaresma, sobre a necessidade de “motivos de carácter particular obrigaram a re-
atualizar a educação da mulher, e a segunda, tam- dação primitiva de Alma Feminina a deixar de
bém sobre a educação, consiste num comentá- fazer parte efetiva deste jornal […] Não fizemos,
rio à obra A Mulher em Portugal de D. António contudo, uma rutura completa […] novamente
da Costa. Maria Vale e Sousa participa com um voltamos ao nosso primeiro lugar, não nos pou-
artigo relativo à mesma temática: “A educação pando ao esforço e à luta de fazermos deste jor-
da mulher, sua influência na família”. As com- nal um centro solidário de atividade e estímu-
posições poéticas são da autoria de Cândido lo da mulher portuguesa” [p. 74]. Desta feita, os
Guerreiro, Guedes Teixeira, M. Duarte Almeida, dois retratos eleitos foram de Toledo e de Mag-
Maria de Carvalho e Alice Moderno*. Branca de dalena Santiago Fuentes, feminista e escritora es-
Carvalho apresenta a história do movimento fe- panhola que participa com o artigo “ A mulher
minista em “A mulher” [p. 60]. Pela primeira vez e a Paz”. Volta a surgir a rubrica “Carteira Fe-
surge a rubrica “Crónica de Arte”, que se iria minista”, mantêm-se os “Pensamentos”, desta vez
manter em praticamente todos os números sub- de D. António da Costa, Platão e Monsenhor Du-
sequentes, da responsabilidade de Artur No- panloup, e os espaços líricos com um poema de
gueira, lado a lado com “Caleidoscópio”, “Con- Júlio Dantas, “Dúvida”, um de Cruz de Olivei-
versação Íntima” (versando a área da medicina), ra, “Águas Passadas”, e “Mosaicos” de Berta de
“Elegâncias e Mundanidades”, “Pensamento” Ataíde. Artur Nogueira, na sua “Crónica de Arte”,
(uma citação da obra de Olga de Sarmento) e “Pe- lamenta a escassez artística do momento, en-
quena Correspondência”. As habituais fotogra- quanto Vítor Ribeiro critica as desumanas con-
fias de abertura incluem uma de Pia Carozzi e dições de trabalho das mulheres das classes so-
outra de Carmen de Burgos y Seguí, artista eru- ciais mais baixas em “A mulher em Portugal”.
dita e redatora principal do Diário Universal, no “De relance” constitui um elogio a Hermínia Ala-
n.o 9. No editorial são apresentadas duas noções garim, cantora. O número dez conta ainda com
de feminismo, ambas prejudiciais ao ideal que um conto anónimo, “A abnegação de uma mu-
deverá realmente servir de força motriz a esse lher”; “Elegâncias e Mundanidades”; “Conver-
movimento, uma por ser extremamente radical sação Íntima” (sobre higiene física e intelectual);
e outra pelas ideias retrógradas que reflete e “Pequena Correspondência”. As fotografias de
(como advogar a educação da mulher apenas por- Mary Bruni e de Madame Sylvie Flammarion,
que ela é a educadora dos filhos). Neste núme- fundadora da associação La Paix et le Désar-
ro, surgem dois artigos votados à arte, um de Ma- mement par les Femmes, ocupam a capa e pá-
deleine Frondoni Lacombe, sobre a arte em Itá- gina inicial do n.o 11. O editorial debruça-se so-
lia, e outro inserido na rubrica “Crónica de Arte”, bre o aspeto económico do feminismo, en-
de Artur Nogueira. A médica Domitila de Car- quanto Beatriz Pinheiro e Tomás de Andrade ver-
valho aparece com um artigo dedicado à temá- sam a questão da educação nos seus artigos “Edu-
tica da saúde, intitulado “Propriedades Vitais”. cação Feminina” e “Criminosa”, respetivamen-
“De relance” é dedicado à poetisa brasileira Ed- te. No primeiro texto, advoga-se que a educação
viges de Sá Pereira e, numa continuação da ho- deve ser feita de acordo com o grau de inteli-
menagem à mulher brasileira, aparece um arti- gência desta e, no segundo, critica-se a frivoli-
go do visconde de São Boaventura dedicado a dade da educação feminina que almeja, sobre-
Narcisa Amália, de quem também temos o so- tudo, agradar ao homem. Neste número, apare-
neto “Porque sou Forte”. Nesta revista, o leitor cem dois artigos dedicados às notícias do exte-
ALM 64

rior: “O Feminismo no Estrangeiro”, com uma sobre a vinda da pequena condessa Clary Mila-
imagem de Marie V. Besobrasol, sem autor; e o ni a Lisboa; “Elegâncias e Mundanidades” e “Pe-
segundo integrado na rubrica “Carteira Femi- quena Correspondência”. No 13.o número, há
nista”. A “Crónica de Arte”, “Elegâncias e uma melhoria notória da qualidade das imagens
Mundanidades” e “Pequena Correspondência” e do papel, que passa a ser do tipo couché bri-
mantêm-se. A nível literário, em prosa, temos lhante para o miolo. A primeira página tem in-
“Briséis”, sem autor, e no campo da poesia, com- dicações redatoriais como as revistas anteriores
posições da Rainha da Roménia (“Não”), de Flo- e uma fotografia de Mme. Séverine, jornalista.
rência de Morais (“Vida Nova”), de Mário Rel- O editorial é dedicado ao certame literário pro-
vas (“As crianças”) e, de um anónimo, “Tou- movido pela revista, agradecendo-se às partici-
jours”. Maria da Glória Teixeira de Vasconcelos pantes. Este número conta com o artigo “Atra-
é a homenageada na habitual secção “De relan- vés da História”, por Rocha Martins, inclui fo-
ce”. Os “Pensamentos” são de Cláudia de Cam- tografia de Mme. de Sévigné e visa essa perso-
pos, de Charlotte Brontë e da Rainha da Romé- nagem e a de Soror Mariana. Na rubrica “O que
nia. Em destaque, aparece o texto sobre “O nosso pensam as notabilidades portuguesas sobre o pro-
certame literário” [com fotografias]. No n.o 12, blema feminista – O nosso interview com João
deparamo-nos com um retrato de Emília Pata- Chagas”, o entrevistado considera que o movi-
cho, aluna da escola médica de Lisboa que con- mento equivale à emancipação da mulher. Este
cluiu o curso com distinção. No editorial, é abor- importante elemento do partido republicano afir-
dado o aspeto moral do feminismo na vertente ma em primeiro lugar que “a mulher portugue-
da educação da mulher. O facto de esta ser toda sa tem uma mentalidade superior à do homem,
a vida instruída para o matrimónio que, não raro, segundo, que tem uma curiosidade e um inte-
resulta em desilusão, é um erro crasso a ser emen- resse natural por tudo o que socialmente a cer-
dado urgentemente. A educação, que pode ca, terceiro, que é insuficientemente educada”
franquear novos privilégios e acesso a trabalho [p. 99]. A publicação desta entrevista deveria ser
honesto e garantias sociais, é a chave para a sal- concluída no número seguinte. Como que a pro-
vação das encurraladas num casamento infeliz var o ponto de vista de João Chagas relativamente
e das que se encontram em perigo de cair nas re- ao interesse feminino pelo que o rodeia, o arti-
des da prostituição. São citados exemplos de paí- go “A mulher e a Paz”, sem autor, relata os es-
ses europeus, como a Dinamarca e a Finlândia, forços envidados em prol da manutenção da paz.
em que se verifica um elevado grau de educação Este artigo inclui fotos das primeiras delegadas
feminina e menos males sociais. A corroborar à Conferência de Haia pela paz no mundo: con-
este ponto de vista aparece também a rubrica “O dessa Versichiode Castelmardo (Nova Iorque);
Feminismo no Estrangeiro – A Mulher na Rús- princesa Mele Barese (Itália); marquesa del
sia”, sobre as mulheres na escola médica, as far- Mérito (Espanha); lady Aberdeen (escocesa e es-
macêuticas e massagistas, os estudos superiores posa do vice-rei da Irlanda); baronesa Bertha de
e comerciais e seus benefícios para a mulher e Suttner. Da última dessas pacifistas é citado um
sociedade, com fotos de M. Anna de Philosofoff “Pensamento”. Relativamente a assuntos menos
e Dra. Anna de Schabanoff. Este artigo faz ain- austeros, surgem as “Cantigas” de Olívia Soares
da referência a Mme. Lerwieska, a primeira far- da Silveira, “Caleidoscópio” e “Elegâncias e
macêutica russa a poder abrir a própria farmá- Mundanidades”. Artur Nogueira, na habitual
cia. Júlio Borges escreve acerca da perniciosidade “Crónica de Arte”, volta a escrever sobre Alfre-
da literatura pornográfica e sobre doenças psi- do Keil e a secção “Conversação Íntima” reve-
quiátricas, como a astenia, resultante de más in- la perturbações pouco conhecidas resultantes de
fluências, no seu artigo “Mal de Viver”. A nível uma alimentação viciosa nas crianças. A capa do
de literatura, artes e mundanidades, encontram- n.o 14 inclui novamente uma foto, desta vez de
se os poemas “Tua”, “ Operários da Ideia” e “Sau- Cavalieri, com a legenda “Celebridades Artísti-
dades”, de Beatriz Pinheiro, Angelina Vidal e cas”. A primeira página exibe, além das costu-
Narcisa Amália, respetivamente; o conto “Bri- meiras indicações redatoriais, uma fotografia de
séis” (não assinado), já iniciado em número an- Mme. Juliette Adam, escritora e fundadora do pe-
terior; a rubrica “O nosso certame literário com riódico Nouvelle Revue, em 1879. O editorial re-
fotos”; “Caleidoscópio” (inclui referência ao fa- toma o tema “O que deve ser a educação femi-
lecimento de Alfredo Keil); “Crónica de Arte”, nina?”, advogando ser necessário refletir cui-
65 ALM

dadosamente sobre qual o modelo a implementar terior, é recuperada, privilegiando Beatriz Ar-
adequado às necessidades da mulher (portu- disson Ferreira. Por outro lado, as rubricas
guesa). Esta posição é reiterada no artigo de “Elegâncias e Mundanidades” e “Expediente”
A. M., “Feminismo e Amor”, e na conclusão da não existem neste número e apenas a primeira
entrevista de João Chagas, com excertos que me- voltará a surgir no n.o 26 [note-se que não se teve
recem ser transcritos: “Em Portugal já vamos ven- acesso aos n.os 3, 15, 16, 19, 21, 22, 23]. O úni-
do mulheres ocupando certas profissões que dan- co “Pensamento” incluído é de Concepción Gi-
tes eram monopólio exclusivo do homem. Mu- meno de Flaquer, uma das primeiras mulheres
lheres médicas, caixeiras, etc. Mas que lento é articulistas espanholas. No n.o 17, a primeira pá-
tudo isso!... os colégios estão em condições de- gina apresenta uma foto de Mme. Renée d’An-
ploráveis; há um único liceu feminino em todo jou (Maria Ablancourt), escritora e redatora em
o país, o censo anual regista um número as- diversos jornais e colaboradora da Alma Femi-
sombroso de mulheres analfabetas e as que se nina. “O Divórcio”, seus aspetos positivos e ne-
apontam como sabendo ler e escrever mal sabem gativos, é o assunto abordado no editorial. Em
em muitos casos traçar o seu nome” [p. 108]. João modo de substituição da rubrica “De Relance”,
Chagas considera que a mulher é uma cidadã, ao aparece o artigo de Olga Morais Sarmento da Sil-
contrário dos seus congéneres: “Alguns ho- veira “A Roménia Intelectual”, com foto de Ma-
mens riem-se desdenhosamente quando me dame Lucile Kitzö, a homenageada neste artigo
ouvem chamar à mulher cidadão. Pois o que é que escreveu, em 1893, O problema das relações
ela? Dizem-me que os deveres domésticos são in- entre a Filosofia e a Ciência, com uma análise
compatíveis com essas atribuições” [p. 108]. Em das soluções dadas a este problema por Kant,
consonância com estes pontos de vista surge o Comte e Spencer. Daniela redige um apelo
artigo inserido na rubrica “O Feminismo no Es- “Aos pais”, para que estes invistam numa edu-
trangeiro”, que continua a ser votado à mulher cação séria e enlevadora para as suas filhas, de
na Rússia, com os subtemas “As mulheres nas modo a evitar que estas venham a ser escravas
Belas Artes – A vida das estudantes – As esco- de futuros maridos. Uma das hipóteses de es-
las profissionais – As mulheres editoras e a sua capar a essa possível futura escravidão é a
ação intelectual – A opinião de Madame Mou- emancipação através da independência econó-
romtzoff sobre a mulher russa numa entrevista mica. Nesse sentido, surge uma nova rubrica, “As
com uma redatora da Femina” [p. 110]. Neste Mulheres Portuguesas nas Grandes Indústrias”,
país, os cursos de música, escultura e desenho desta feita sobre a fábrica Ramiro Leão e C.a, que
eram muito populares pois eram disciplinas ob- enaltece a força das mulheres trabalhadoras por
rigatórias na escola. As alunas diplomadas pela oposição à lassidão das classes mais altas, na sua
escola industrial facilmente encontram empre- maioria completamente dependentes dos mari-
go e o ensino profissional é cuidadosamente or- dos. Nesta secção, sem indicação de autor, a re-
ganizado, o que tem resultados muito positivos vista propõe-se apresentar todos os estabeleci-
a nível da sociedade em geral. Quanto a temas mentos do país que sejam centros de emprego
mais ligeiros, este número inclui conselhos de feminino. No caso específico desta fábrica, as tra-
floricultura, o que é novidade, um artigo sobre balhadoras têm boas condições, o que é prova-
as vantagens de praticar ténis, uma modalidade do nas fotografias incluídas [pp. 132-133].
desportiva elegante e com muitos benefícios fí- Como não é só o trabalho que importa, a mulher
sicos, a rubrica “Caleidoscópio”, “Crónica de deve também cultivar o corpo para se tornar mais
Arte” e “Pequena Correspondência”. A nível li- saudável e este número devota a secção “Con-
terário, as composições de Berta de Ataíde (“A versação Íntima” à ginástica, referindo que é cru-
voz do sino – impressão nostálgica”), Branca de cial fazer uma boa seleção dos exercícios, pois
Gonta Colaço (“Pianíssimo”), Albertina Paraíso que, segundo o autor, o Dr. Ardisson Ferreira,
(quadra), Domitila de Carvalho (soneto), Beatriz existem alguns que apenas são adequados aos ra-
Pinheiro (“Hino ao Sol”), bem como o reapare- pazes [p.134]. Neste número surge também, pela
cimento da rubrica “Cancioneiro estrangeiro”, primeira vez, a “Crónica de Paris” por Renée
com o poema “L’île aux mouettes” de Daniel Le- d’Anjou, que seria continuada nos números pos-
sueur, e a continuação do conto de Vasconcelos teriores. Como o próprio nome indica, celebra
e Sá, “Briséis”, enriquecem este número. A sec- a modernidade e a elegância da vida parisien-
ção “De Relance”, não incluída no número an- se, contexto ideal para o desenvolvimento de
ALM 66

uma mulher ousada, alegre e preparada para pio” e “Pequena Correspondência”. O n.o 24 in-
abordar qualquer assunto em sociedade. Também clui uma das raras fotografias de Ana de Castro
cantando a emancipação feminina, aparece a pri- Osório na primeira página. Ana Peito de Car-
meira parte do romance feminista Mulheres Mo- valho, uma aristocrata portuguesa famosa pela
dernas, de Paul e Victor Marguerite. A nível li- sua habilidade com o piano e a harpa, é a figu-
terário, continuam a ser incluídas composições ra celebrada em “De relance”. João Brandeiro co-
poéticas e em prosa. Assim, temos dois sonetos, labora novamente na Alma Feminina, agora com
um de Adelina Lopes Vieira (“Anoitece”) e ou- um artigo sobre a educação da mulher, que cri-
tro de Carlos Cília de Lemos, além de um con- tica asperamente em “As Mulheres” [p. 192].
to feminino, agora pela mão de João Brandeiro, Também sobre o tema da instrução é inserido o
com o título “Chuva de Ouro”. Artur Nogueira texto votado ao “Ensino dos Cegos em Portugal”,
refere o trabalho de Paulina Stegner Júdice na ru- que incorpora diversas imagens. Este relata
brica sobre arte. Dois dos três pensamentos in- uma visita feita pela redação à Escola Profissional
cluídos pertencem a um autor clássico, Plínio, Branco Rodrigues, mencionando o trabalho
sendo o terceiro de Madame Virginie Ancelot, louvável desenvolvido por alunos e professores,
cujas perspetivas feministas e políticas causaram que lhes possibilita uma vida tão igual à dos não
alguma celeuma na França do século XIX. A fi- invisuais quanto possível, quer a nível escolar
nalizar este número, aparecem as cartas dos lei- quer profissional, e explora as capacidades dos
tores em “Pequena Correspondência”. O número envolvidos no processo educativo de forma po-
seguinte apresenta novamente uma celebridade sitiva. O diretor dessa escola, Branco Rodrigues,
artística na capa, Mademoiselle Vailliére. Na pri- refere a devoção incansável de Maria de Deus Pe-
meira página, a revista contém a foto da marquesa reira Coutinho, “que foi, em Portugal, uma das
d’Ayerbe, intelectualidade hispânica vinculada primeiras pessoas que escreveram em Braille os
à Union Ibero-Americana. O editorial conclui o livros necessários para o ensino geral do curso”
tema “Divórcio” iniciado anteriormente, agora [p. 189]. Os “Pensamentos” de Wang e Rousseau,
enumerando os aspetos funestos no que concerne que acompanham o artigo, advogam a tolerân-
às crianças. Relativamente ao incontornável cia e o pacifismo, aconselhando a adotar um con-
tema da educação, Madalena Antunes insiste que ceito de honra mais íntegro, evitando conflitos
se deve abandonar a inércia e erradicar a maleita mesquinhos. Na vertente menos interventiva e
da ignorância feminina desde as cidades até às mais cultural do periódico temos as habituais cró-
aldeias mais afastadas [“A Educação da Mulher”, nicas de Renée d’Anjou e Artur Nogueira, mais
p. 139]. Em jeito de homenagem, aparece a ha- uma parte do romance de Paul e Victor Mar-
bitual rubrica “De Relance”, sobre Madame Co- guerite, poesia de Domitila de Carvalho, Mário
lumbini (cantora de ópera oriunda de Córdova), Pacheco e de Virgínia C. Silva Águas, um “Pen-
o artigo “A Mulher Brasileira” do Visconde de samento” de Broca, e “Matinas”, uma crítica à
S. Boaventura, enaltecendo as capacidades fe- obra de Branca de Gonta Colaço. Georges Reg-
mininas e especialmente o papel da princesa re- nal, diretora da Simple Revue e redatora do Le
gente do Império do Brasil, D. Isabel – A Re- Figaro e Le Petit Journal, é a figura homenagea-
dentora, na abolição da escravatura, e ainda o da na primeira página do n.o 25. No editorial, in-
canto feminista “A Alma Feminina – Novas Al- titulado “Em erro?”, a redação informa que con-
voradas”, de Maria José Alvarrão Simões. As au- tinua a receber críticas construtivas e negativas
toras Renée de Anjou, com a sua crónica, e Ma- (sobretudo no que concerne às numerosas gra-
deleine Frondoni Lacombe, que escreve acerca lhas, até nos nomes dos colaboradores) e defende-
dos salões literários em “Através de Paris”, de- se, afirmando que tanto publica artigos de con-
dicam-se às últimas novidades da capital fran- ceituadas figuras, como das pessoas mais mo-
cesa. Artur Nogueira, por sua vez, dá conta das destas, sobre quem também escreve. Nesta sec-
notícias artísticas em terras lusitanas, debru- ção, refere-se ainda que o Conseil des Femmes
çando-se sobre os teatros. Ao invés do que é nor- e a mais famosa revista feminista francesa fe-
ma nos números anteriores, este não inclui pen- charam em França por falta de apoios financei-
samentos nem poesia, compreendendo apenas ros. Também com informações desanimadoras
a continuação do romance de Paul e Victor Mar- de França surge a crónica da responsabilidade
guerite e o conto “Sol-Posto”, de Branca de Gon- de Renée d’Anjou, que relata as injustiças feitas
ta Colaço. A revista termina com “Caleidoscó- nos julgamentos, censurando a parcialidade
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dos juízes e o favorecimento das classes mais capa apresenta fotografia de Henriqueta Veiga
abastadas e do sexo masculino. Por outro lado, com o título “Pelos Palcos” e a primeira página
o reaparecimento da rubrica “Carteira feminis- inclui um retrato de Lucie Félix Faure, funda-
ta” anuncia a fundação da instituição Le Foyer dora e diretora da Ligue Fraternelle des Enfants
de la Jeune Fille, dirigido por religiosas e laicas de France. O pessimismo, visto como moda que
visando facultar emprego às jovens, normalmente afeta Portugal, é explanado por Ana de Castro
órfãs, que buscam a independência. O facto de Osório em “A Mulher e os Pessimistas” [pp. 210-
alguns economistas estarem a trabalhar no sen- -211]. De Paris, chega a crónica de Renée d’An-
tido de se equiparar o salário de ambos os sexos jou e a peça de teatro aí representada, O Mon-
e permitir à mulher ser a administradora do seu senhor em Férias, é transcrita e ocupa as pági-
vencimento mereceu destaque nesta secção. nas dos números subsequentes. Madalena An-
“Através da História”, pela mão de Carlos Cília tunes assina “A Educação da Mulher”, um dos
de Lemos, é dedicado a Madame Vigée-Le- temas prediletos da Alma Feminina. Madeleine
brun. Madeleine Frondoni Lacombe colabora Frondoni Lacombe, Branca Gonta de Colaço, Car-
com uma partitura de “Avé Maria”, enquanto a los Cília de Lemos e Maria G. Teixeira de Vas-
nível literário o número conta com participações concelos participam com poemas. Lucie Félix
de Mário Relva (“Bouquet”), Mad, Maria Clara oferece um pensamento inédito, o único deste
da Cunha Santos (“O Riso”) e Virgínia C. Silva número, a este periódico. Na presente revista, en-
Águas (“Imaculada”). Os “Pensamentos” são de contra-se ainda uma mensagem de J. Castelbranco
Sófocles, Massilon, Berta de Ataíde e de Régnol, a Berta de Ataíde, a “Crónica de Arte” de A. No-
sendo este último inédito e oferecido à Alma Fe- gueira e o reaparecimento da rubrica “Registo Bi-
minina pela autora. O número termina com a bliográfico”. No 28.o número, a gravura da capa
“Crónica de Arte” e com “Caleidoscópio” ves- para “Celebridades Artísticas” é de Ângela Pin-
tido de luto pelo falecimento de D. João da Câ- to* e a da primeira página é de D. Maria Pia*, fun-
mara. A primeira página do n.o 26 tem indica- dadora do instituto Infante D. Afonso, único es-
ções redatoriais e uma fotografia da duquesa de tabelecimento modelar de educação feminina
Rohan, patrocinadora de salões literários e poe- (sem conotações feministas), merecedor do ar-
tisa. Este número abrange artigos de diversas tigo inicial desta edição. No que concerne a ar-
áreas: desde a História, na rubrica “Através da tigos, há a destacar a “Carteira Feminista”, que
História” sobre Madame de Stäel; Puericultura, menciona o facto de Domitila de Carvalho ter
com um artigo sobre a obra O Guia das Mães do sido honrada com o seu nome numa rua, além
Dr. Ardisson Ferreira; Arte, por Artur Nogueira; de dar notícias do estrangeiro. Esta edição inclui
Política, por J. de Castelbranco, que dedica o ar- também um texto sobre croché, as crónicas de
tigo “A Mulher e a Política” a Virgínia Quares- Artur Nogueira e Renée d’Anjou, a continuação
ma, advertindo para a urgência de a mulher se da peça referida no número anterior, “Pequena
tornar um organismo social; “Elegâncias e Mun- Correspondência” e poesia de Madeleine Fron-
danidades”, rubrica que reaparece. Sem refe- doni Lacombe, “Pour Toujours”, de Renée Vivien,
rência de autor está um artigo intitulado “A Arte “Elle Passe” (inserido na rubrica “Cancioneiro
de Colecionar”, um elogio da mulher parisien- Estrangeiro”), e de Virgínia Silva Águas. Os “Pen-
se e uma crítica à portuguesa, que se dedica a fri- samentos” são citações de Marquesa de Poma-
volidades como a curiosidade relativamente à res, Bastos, Sófocles, Paulo Bertong, Sterre,
vida dos outros. A um tipo de colecionismo, mas Massillon e Bossuet. O último número a que ti-
do alheio, é dedicada a “Crónica de Paris” de Re- vemos acesso, o 29.o, de 6 de fevereiro de 1908,
née d’Anjou, que lamenta a dificuldade em tra- apresenta, na primeira página, um retrato de-
var novos conhecimentos, uma vez que a so- senhado da rainha D. Amélia*, uma homenagem
ciedade francesa reduz os encontros devido a a esta “Mater Dolorosa” que sofreu a perda de
uma vaga de furtos realizada por indivíduos com filho e marido cinco dias antes do lançamento
falsas identidades. Este número apenas inclui desta edição. O regicídio e o luto daquela foram
prosa, com a colaboração de João Brandeiro com também assuntos de abertura. Quanto a artigos,
o conto “A Tesourinha”. Os “Pensamentos” são João Ribbrando participa com o texto “ Amor Li-
de Wang, Madame Flabaut e da duquesa de Ro- vre” (que distingue amor livre de libertinagem
han (inédito). Mais uma vez, a edição finaliza e promiscuidade), de autor anónimo a pesqui-
com “Pequena Correspondência”. No n.o 27, a sa “Que fariam as Mulheres se Reinassem”, com
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respostas de figuras conhecidas de diversos paí- sabeth, a rainha]; Régnol; Renée d’Anjou; Renée
ses e, de Carlos Cília Lemos, novo artigo sobre Vivien; Rocha Martins; Rogelio Fernández
lavores femininos. “Crónica de Paris” e “Crónica Güell; Teófilo Braga; Tomás de Andrade; Vas-
de Arte” fazem, mais uma vez, parte das rubri- concelos de Sá; Ventura Ledesma Abrantes; Vic-
cas presentes neste periódico, bem como a “Pe- tor Marguerite; Virgínia da Conceição Silva
quena Correspondência” a fechar a edição. J. Cas- Águas; Visconde de São Boaventura; Vítor Ri-
telbranco (“A Inteligência”), Maria José Alvar- beiro; Xavier de Carvalho. Entrevistados: Guer-
rão (“Duas Saudades”), Virgínia A. S. Águas ra Junqueiro; João Chagas; Lopes de Mendonça.
(“Nuvens”), João Brandeiro (“Mãe”) e a conti-
Bib.: Daniel Pires, Dicionário da Imprensa Periódica Li-
nuação da peça Monsenhor em Férias enrique- terária Portuguesa do século XX (1900-1940), Lisboa, Gri-
cem literariamente a Alma Feminina. A nível de fo, 1996, pp. 54-55; Maria Augusta Seixas, “Virgínia Qua-
“Pensamentos” são citados autores como Bastos, resma”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lis-
Sófocles, Paulo Bertong, Lucie Félix (inédito) e boa, Livros Horizonte, 2005, pp. 889-895.
Jules Simon, sendo deste último a mensagem [A. C. O.]
chave da revista “Cada mulher que se instrui é
uma escola que se funda”. Não sabemos se exis- Alma Feminina (1931)
tem mais números, mas há indicações de que ha- Jornal do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho
via intenção de os editar, uma vez que se previa dirigido por Amélia Maria da Encarnação, Er-
que alguns artigos fossem concluídos ou conti- nestina de Sousa e Silva, Nair Fernandes e Ar-
nuados no seguinte. Colaboradores (incluem- minda Gomes Barbosa, tendo como editora Ma-
-se nesta lista os autores das composições lite- ria Amélia Maia. Este jornal passaria a ter, a par-
rárias, uma vez que não é explícito se são en- tir do n.o 3, o título de Mocidade Feminina. Pu-
viadas propositadamente para a revista, e ex- blicado no ano de 1931, os quatro números con-
cluem-se os autores dos “Pensamentos”, salvo sultados têm uma periodicidade mensal, da-
quando há indicação expressa destes de que a tando o primeiro de 25 de abril e o último de
sua citação foi oferecida à Alma Feminina): 22 de julho. O jornal era redigido e administrado
A. M.; Adelina Lopes Vieira; Albertina Paraíso; no próprio edifício do liceu e impresso na Rua
Alfredo Guimarães; Alice Moderno*; Alice Pes- Ferregial de Baixo. Este periódico apresenta-
tana (Caïel); Ana de Castro Osório; Angelina Vi- se em formato A3, em papel de jornal, com oito
dal; Ardisson Ferreira; Artur Nogueira; barone- páginas, à exceção do primeiro número que tem
sa de Tallenay; Beatriz Pinheiro; Berta de Ataí- apenas seis. Como jornal liceal, a ilustração que
de; Blasco Ibanez; Branca de Carvalho; Branca acompanha o título, da autoria de Júlia Masse-
de Gonta Colaço; Cândido Guerreiro; Carlos Cí- neiro, é alusiva às diversas disciplinas com ma-
lia de Lemos; Cláudia de Campos; Cruz d’Oli- nuais das cadeiras de Física, Francês, História
veira; Daniel Lesueur; Daniela; Domitila de de Arte, História, Latim, Inglês, Álgebra e Os Lu-
Carvalho; Eduardo Metzner; Edviges de Sá Pe- síadas, bem como instrumentos de Química.
reira; Florência de Morais; Giuseppe Levy; A presença de duas figuras animais, o mocho
Guedes Teixeira; J. de Castelbranco; João Bran- e algo semelhante a uma raposa, remetem para
deiro; João Chagas; João Ribbrando; Júlia Corti- a sabedoria e para a necessidade de se estar sem-
nes; Júlio Borges; Júlio Dantas; Júlio Santos; Lu- pre alerta de modo a evitar enganos e desilusões.
cie Félix; Lucinda Tavares; M. Duarte de Al- Na parte superior da primeira página há também
meida; Madalena Antunes; Madame Rostand; indicação do preço do número avulso (1$00) e
Madeleine Frondoni Lacombe; Magdalena San- da assinatura de outubro a julho (9$00). A pu-
tiago Fuentes; Maria Clara da Cunha Santos; Ma- blicidade inserida no jornal, e que ocupa toda
ria de Carvalho; Maria G. Teixeira de Vascon- a última página, é também relativa à vida escolar,
celos; Maria José Alvarrão Simões [por vezes as- podendo encontrar-se anúncios de colégios, pa-
sina Maria José de Alvarrão Pacheco e outras só pelarias, materiais e manuais escolares, pelo que
Maria José Alvarrão]; Maria Vale e Sousa; Má- não restam dúvidas em relação ao público-alvo.
rio Pacheco; Mário Relvas; Narcisa Amália; As alunas responsáveis por este periódico
Octaviano de Sá; Olga Morais Sarmento da Sil- agradecem, no primeiro número, à reitora,
veira [por vezes assina só Olga Morais]; Olívia Doutora Maria Guardiola, por ser um modelo de
Soares da Silveira; Paul Marguerite; rainha da Ro- liberdade de preconceitos, estando aberta a uma
ménia [ou Carmen Sylva – pseudónimo de Eli- evolução [artigo “Ao Abrir”, p. 1]. No editorial,
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da autoria de Arminda Barbosa, o leitor é es- possamos vir a ser úteis à nossa pátria, dando-
clarecido sobre o(s) propósito(s) da publicação: lhe todo o entusiasmo e dedicação da nossa
“A Alma Feminina nasceu da ideia de tornar Alma Feminina” [p. 3]. Contudo, esta Alma Fe-
mais sã e intensa a camaradagem entre os minina não subsistiria por muito tempo, pelo
membros da grande família académica e, mui- menos com esse nome, apesar de todo o pa-
to principalmente, de mostrar como se vive e se triotismo manifesto e vontade de agir. As alu-
trabalha dentro deste enorme casarão do largo nas responsáveis apercebem-se de que não po-
do Carmo. […] O nosso jornal será também um dem manter o título da revista, uma vez que o
campo de treino literário, científico e artístico Boletim do Conselho Nacional das Mulheres
no qual poderão exercitar-se os talentos que aqui Portuguesas (referido pelas alunas como Cruzada
se vão desenvolvendo. […] É preciso, pois, que das Mulheres Portuguesas*) tinha precisamen-
a rapariga atual compreenda que amanhã será te esse nome e alteram-no, no n.o 3, para Moci-
ela quem susterá esse glorioso troféu que as se- dade Feminina, sob o qual seria publicado esse
nhoras de hoje, médicas, advogadas, professoras, número e o seguinte. As responsáveis lamentam
farmacêuticas, etc., [sic] souberam conquistar na os possíveis equívocos causados por desco-
renhida peleja contra a incredulidade de alguns nhecimento e prometem manter a mesma vi-
sobre a capacidade intelectual feminina, hoje no- vacidade. Apesar de o Estado Novo só ter sido
toriamente demonstrada. Para isso urge que, à oficialmente decretado dois anos após a publi-
cultura intelectual, se alie uma sólida cultura cação desta revista, a censura e os ideais que o
moral, visto que só assim conseguiremos ser ra- enformam terão, possivelmente, limitado e in-
parigas úteis à nossa Pátria; só assim poderemos fluenciado um pouco o conteúdo dos artigos,
manter o prestígio da nossa Raça, contribuir para poesia e contos. De uma forma mais ou menos
o engrandecimento da nossa querida terra” discreta, é sempre feita a apologia da defesa da
[p. 2]. Curiosamente, Arminda Barbosa não ex- pátria, da família e do trabalho árduo. Defende-
plica o porquê do título e apenas no n.o 2 é dada se a emancipação da mulher, mas não há pro-
a devida justificação por Alice Maia Magalhães*. priamente retratos de mulher enquanto figura
Esta estudante afirma que o título resume o de- independente; as esposas, irmãs, noivas são sem-
sejo das alunas em seguir o movimento inte- pre muito dedicadas e capazes de autoabnega-
lectual da época: “Neste século […] mal se com- ção em favor dos outros. Modelos como estes são
preende que a mulher se deixe estiolar, como particularmente enaltecidos, talvez também
antigamente, dentro dos acanhados limites em pelo facto de as autoras serem jovens adoles-
que vivia, com uma instrução reduzida ou centes, imbuídas de um espírito altruísta, que
quase nula, e não venha desassombradamente insistem em estimular o carinho e auxílio aos
dar também a quota-parte do seu esforço, da sua mais carenciados, dentro e fora do liceu. Gran-
inteligência, para o desenvolvimento das letras, de parte do conteúdo do jornal vai ao encontro
das artes e das ciências. Já de há muito que a mu- desse espírito, exortando as alunas a agir quer
lher vem sentindo necessidade imperiosa de cul- diretamente, quer através de exemplos em
tivar o seu espírito, de se tornar, por si, capaz poemas, artigos [“Uma Bela Ação”, n.o 2, p. 4]
de enfrentar a vida sem ter de permanecer em ou contos [“O meu primeiro conto”, de Zaida
constante e deprimente dependência” [p. 3]. Ali- Marques, n.o 3 p. 2]. Existe uma “Página Femi-
ce Maia Magalhães faz menção ao facto de as fe- nina” nos dois primeiros números, com ilus-
ministas serem objeto de troça por os homens trações de bordados como sugestão para os tra-
pensarem que elas apenas pretendem imitá-los balhos que serão oferecidos aos pobres. Nos nú-
nos modos, nas vestes e nas atitudes, “o que fa- meros 2, 3 e 4 registam-se artigos sobre a festa
zia perder o seu natural encanto” [p. 3], e en- do liceu, a associação de estudantes e a canti-
fatiza o papel da primeira Grande Guerra na na escolar, nos quais se encontram sempre re-
emancipação da mulher, ao exigir que esta saís- ferências ao trabalho em prol dos carenciados
se de casa, uma vez que os braços masculinos e respeitosos agradecimentos quer às alunas in-
eram necessários na frente de batalha. É feita re- tervenientes, quer a professoras e a funcionárias
ferência a D. Maria Amália Vaz de Carvalho, que administrativas, cujo papel teria sido funda-
deveria ser vista como um modelo a seguir: “To- mental nessas ações [“A Associação escolar do
memos esses belos exemplos, estudando e tra- liceu Maria Amália Vaz de Carvalho”, n.o 2, p.
balhando com alegria e devotadamente, para que 4; “Caridade” e “A festa do dia 16”, n.o 2, p. 5;
ALM 70

“A cantina da associação escolar do nosso liceu”, Portugal no século XVI”, respetivamente, en-
n.o 3, p. 6; “Um Discurso”, n.o 4 p. 2]. As auto- quanto Cecília Marques e Maria Macedo es-
ras dos contos e dos poemas procuram, inva- crevem recensões críticas no n.o 4. Maria das Do-
riavelmente, deixar ao leitor uma moralidade: res Luazes dos Santos adapta a obra de Gomes
dever de respeito aos adultos; sentido de união Teixeira, Uma Santa e Uma Sábia, apresentando
familiar; acentuar a feminilidade das meninas, a vida de Sofia Kowalewski, princesa rejeitada
por exemplo através de prendas oferecidas; im- da Hungria e que, pelo amor à ciência, leva uma
potência do Homem perante o destino, por ve- vida árdua, mas conquista o grau de doutora e
zes cruel [“A força do Destino”, n.o 1, p. 4, so- chega a dar a lição inaugural na Universidade
bre uma jovem atingida pela tuberculose]; de- de Estocolmo, falecendo logo depois [n.o 3 e 4].
ver de respeitar e preservar a natureza; dever Maria dos Santos se, por um lado, apresenta os
para com a pátria. Nos editoriais dos números preconceitos com que se defronta uma mulher,
2 e 3, Arminda Gomes Barbosa faz críticas in- também mostra que é possível que o sexo fe-
cisivas, declarando no n.o 2 que são a inveja e minino vingue numa área normalmente asso-
a mesquinhez que não deixam o país avançar, ciada ao sexo varonil. Ofélia Albuquerque ini-
sendo, portanto, imperioso abandonar esses pen- cia, no n.o 3, um retrato do mestre flamengo Van
samentos e investir num desenvolvimento mo- Dick, retrato esse continuado no n.o 4 e que se-
ral, antes até de um desenvolvimento intelec- ria, possivelmente, concluído no n.o 5 (pelo me-
tual. O orgulho é outro mal de que padecem os nos existe indicação de que o artigo seria con-
portugueses, afirma no n.o 3, pois é conducen- tinuado no número seguinte). Existe em todos
te a grandes catástrofes e denota uma “inferio- os números uma pequena secção humorística
ridade de carácter e uma deficiência intelectual”. com “Perfis Burlescos” de Ernestina da Silva
A necessidade de maior modéstia é premente, e/ou anedotas. Este periódico, sem ser na sua
e as alunas parecem querer deixar bem claro que essência feminista, retrata o viver de jovens es-
a atmosfera humilde (ou, pelo menos, é essa a tudantes que exprimem opiniões, expectativas,
imagem que deixam) e de entreajuda que reina desejos, de uma forma bem pessoal e sentida,
no seu liceu deveria ser alargada ao exterior. A constituindo um importante legado e testemu-
título de exemplo, o discurso transcrito da pre- nho do mundo feminino desta época. Na Bi-
sidente da Associação de Estudantes está repleto blioteca Nacional, sob o número de depósito le-
de diminutivos, o que deixa transparecer a ideia gal Q111441, existem apenas os quatro primeiros
de pequenez, mas não uma insignificância números, todos eles com a indicação de terem
moral, como que para transmitir a noção de que sido visados pela Comissão de Censura. Deve
por pequenos atos e modéstia se chega a gran- referir-se que havia intenção de publicar pelo
des feitos. A vida escolar domina, naturalmente, menos mais uma revista, dado que há referên-
o jornal e, para além dos artigos já referidos, en- cia, no n.o 4, de que determinados artigos seriam
contram-se outros sobre visitas de estudo, um continuados no número seguinte. Esta coleção
de ficção da autoria de Fernanda Vieira Marques, encontra-se numa miscelânea e contou com as
“A vida no Liceu Maria Amália no ano 2000”, seguintes colaborações, por ordem alfabética:
e “Tragédia”, de Amélia Sarmento, sendo este Alda Masseneiro; Alice Maia Magalhães; Amé-
último sobre a aflição quotidiana de poder che- lia Sena Sarmento; Arminda Gomes Barbosa;
gar atrasada à aula. A nível cultural, o jornal con- Aurora Lopes de Carvalho; Berta de Matos Rosa;
templa a literatura, a pintura, o cinema, a Cândida Lipari Garcia; Cecília Marques; Deo-
ciência e, de certa forma, o turismo. Cândida Li- linda Pinheiro; Elisa Rosabela Moreira Silva San-
pari Garcia recorda e compara paisagens e mo- tos; Elsa Cavaleiro Mendes; Emília Costa;
numentos italianos e portugueses nos números Ernestina de Sousa e Silva; Fernanda Vieira Mar-
1 e 3; Amélia Sarmento faz crítica cinemato- ques Guimarães; Gabriela C. Gomes; Ivone Ro-
gráfica nos números 2 e 4, revoltando-se con- cha; Maria A. Alves da Veiga; Maria Amélia da
tra a escolha de atores para representar perso- Fonseca Maia; Maria das Dores de Castro Lua-
nagens históricas e lamentando a inclusão de zes dos Santos; Maria de Lurdes Vieira; Maria
som, pois que o filme mudo providenciava ali- dos Remédios Monteiro; Maria Helena Rebelo
mento para a imaginação. A nível da literatu- da Silva; Maria Júlia T. Q. Ribeiro; Maria Ma-
ra, no n.o 3, Noémia Almeida e Elsa Mendes es- cedo; Maria Manuela Barros; Nair Fernandes;
crevem sobre Camões lírico e “O bucolismo em Noémia Gomes de Almeida; Ofélia Albuquer-
71 ALZ

que; Olívia Guilhermina Trigo de Sousa; Palmira Amélia Ângela da Silva


do Amaral Seabra; Ramira Monteiro; Suzete Republicana portuense, irmã de António Nar-
Amélia L. Soares; Vera Torres; Zaida Marques. ciso Santos Silva. Confecionou a bandeira re-
[A. C. O.] publicana desfraldada, em 6 de outubro de 1910,
Alzira Mendonça nos Paços do Concelho do Porto, aquando dos
Atriz. Fez o papel de “Sol” em Peço a Palavra!, festejos da implantação da República.
revista de João Bastos e Álvaro Cabral, música Bib.: Fina d’Armada, As Mulheres na Implantação da
de Tomás Del Negro e Alves Coelho (Teatro das República, Lisboa, Ésquilo, 2010; Idem, Republicanas
Variedades, 1911), e entrou em Pobre de Val- quase Desconhecidas, Círculo de Leitores e Temas e De-
bates, 2011, pp. 379-380.
buena, farsa lírica em 1 ato e 3 quadros de Car- [J. E.]
los Arronches e Enrique Garcia Alvarez (1873-
-1931), tradução de Acácio Antunes, música de Amélia Augusta Pereira Alves
Valverde (filho) e Torregrosa (Teatro Apolo, Nascida a 14 de março de 1863, em Braga, filha
1912). Mereceu figurar na galeria de retratos de
de Emília Augusta Ribeiro e de João José Pereira
atores da companhia do empresário Eduardo
Alves, neta materna de António Cardoso e
Schwalbach, no Teatro Apolo.
Joana Maria. O seu certificado de batismo de-
Bib.: Ilustração Portuguesa, Lisboa, Vol. II, p. 280; O Pal- clara-a afilhada de José Maria da Silva, sapateiro
co, Lisboa, n.o 5, 05/03/1912, p. 71. de profissão, e de Amélia Josefa, sua esposa.
[I. S. A.]
Amélia Alves, aquando da sua candidatura aos
Amália Fossa Mirabela Liceus Secundários Femininos* recebida pela 2.a
Atriz, irmã de Emília Fossa*. Havia um ator de Repartição da Direcção Geral de Instrução Pú-
nome Carlos Fossa, possivelmente pai das blica em 18 de dezembro de 1890, tinha 25 anos,
duas atrizes. Estreou-se no Teatro da Trindade, era casada com António Monteiro de Azevedo
a 26 de novembro de 1868, na ópera cómica Mar- e residia no Porto. Na carta de apresentação con-
celo, o Tocador de Flauta. sidera-se habilitada a concorrer para professora
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda- nos Liceus Secundários, além de ser professo-
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu- ra de piano. Dos documentos entregues fazem
nicipal de Lisboa, 1967, p. 385. parte uma declaração em como tinha bom
[I. S. A.] comportamento moral; um certificado atestan-
do que foi professora de determinadas crianças
Amália Perpétua
durante alguns anos, ensinando-lhes lavores e
Dançarina que, por vezes, aparece referida
como Amélia Perpétua. Terá nascido por volta música; e um certificado da Câmara do Porto
de 1832. Apareceu, pela primeira vez, no Tea- atestando que fez exame de instrução primária
tro do Salitre, a 26 de dezembro de 1843, num elementar em 8 de agosto de 1888, com classi-
bailado em que dançavam crianças, entre elas ficação de suficiente (10 valores).
Judite Rugalli*. Frequentou a Aula de Dança do Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
Conservatório de Arte Dramática e, como dis- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
cípula, fazia parte dos bailados que animavam [A. C. O.]
os intervalos das peças teatrais, integrada nas
coreografias de Ciríaco Marsiglian. Em 1846, era Amélia Avelar
dançarina do novo Teatro do Ginásio e, na épo- Atriz. Nasceu a 21 de dezembro de 1865 e fa-
ca de 1868-1869, dançou nas peças Guerreira, leceu, repentinamente, em Lisboa, a 24 de no-
de Darvinne, e Vivandeira, bailete para flauta vembro de 1904. Era muito bonita e apreciada
de J. I. Canongia, no Teatro de S. Carlos. pelo público. Estreou-se no Teatro da Trindade,
a 17 de setembro de 1880, no papel de “Pajem”
Bib.: Eduardo de Noronha, A Dança no Estrangeiro e em
Portugal, Coimbra, Coimbra Editora, Lda., 1922, p. 204;
em Barba Azul, ópera burlesca em 3 atos e 4 qua-
Francisco Fonseca Benevides, O Real Teatro de S. Carlos dros, de Henri Meilhac e Halévy, tradução de
de Lisboa, Lisboa, Tipografia Castro & Irmão, p. 302; Gus- Francisco Palha, música de Offenbach. Retirou-
tavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lis- -se de cena em 1884, reaparecendo no Teatro da
boa, Publicações da Câmara Municipal de Lisboa, 1967,
p. 308; Mário Costa, Danças e Dançarinos em Lisboa, Lis-
Avenida em 1889. De regresso ao Teatro da Trin-
boa, edição da Câmara Municipal de Lisboa, 1962, p. 249. dade, ali fez Miss Helyett (1891), peça traduzi-
[I. S. A.] da por Gervásio Lobato e Eça Leal, e entrou na
AME 72

revista Na Lua (1892), de Ludgero Viana, no Tea- em Lisboa a 9 de março de 1842 e faleceu, na
tro da Rua dos Condes, tendo desaparecido no- mesma cidade, a 9 de janeiro de 1929. Era mãe
vamente de cena e voltado ao Teatro da Aveni- de Alfredo Barros e avó da cantora Raquel
da. Contratada pela companhia dirigida por Pepa Adelaide Barros. Iniciou a carreira teatral como
Ruiz* para integrar o elenco da reprise de Tim atriz amadora em 1860, no Teatro da Esperan-
Tim por Tim Tim, revista em 3 atos de Sousa ça do Funchal, na comédia Entre a Bigorna e o
Bastos, música de Plácido Stichini, e, depois, Martelo, de Paulo Midosi, e representou, entre
Mulher Polícia (03/12/1899), arranjo de Eduar- outras peças, Cinismo, Ceticismo e Crença, em
do Fernandes (Esculápio) e Salvador Marques. 2 atos, de César de Lacerda. Seguiu para os Aço-
Durante os ensaios desta peça passou a viver, res, onde se manteve durante alguns anos no Tea-
maritalmente, com Eduardo Fernandes, de tro Micaelense de Ponta Delgada e colheu mui-
quem teve uma filha, Emília Fernandes*. Em tos aplausos no drama Os Homens Ricos, de Er-
1900, estava no Teatro D. Amélia, onde entrou nesto Biester. Em 1875, estreou-se no Teatro Prín-
na opereta A Princesa Encantada, tradução de cipe Real, do Porto, na opereta Joana do Arco,
Eduardo Fernandes e Acácio de Paiva de La Bel- de Alfredo de Ataíde, música de João Pedro Go-
le au Bois Dormant, música de Lecoq, em que mes Cardim, com muito êxito. Partiu para Lis-
Mercedes Blasco*, sua amiga, era a protagonis- boa, passou pelo Teatro da Rua dos Condes, onde
ta. Nesse ano, entrou para a Companhia Sousa representou a comédia em 3 atos A Tia Maria.
Bastos, no Teatro da Avenida e, no benefício do A 7 de setembro de 1876, entrou para o Teatro
contrato, o empresário escolheu um papel de da Trindade e ali fez Um Favor de Procópio, co-
pouco interesse. Magoado, Eduardo Fernandes média em 1 ato, Nem Tanto ao Mar, de Quirino
escreveu Quo Vadis?, monólogo que foi recita- Chaves, Valentim o Diabrete, ópera cómica em
do pelo ator Roldão no benefício da atriz. A ré- 3 atos de Vanloo e Leterrier, música de Lacôme,
cita foi um sucesso, com a casa cheia. Pouco de- Amazonas de Tormes, zarzuela traduzida por
pois, retirou-se do teatro. Por influência de Hint- Passos Valente. Quando Delfina do Espírito San-
ze Ribeiro, foi nomeada, em Diário do Governo, to* deixou o teatro, substituiu-a no papel de “Rai-
societária de 2.a classe no Teatro D. Maria II, com nha Clementina” de Barba Azul (1880), ópera
o vencimento de 60.000 réis por mês. A socie- burlesca em 3 atos e 4 quadros de Meilhac e Ha-
dade que havia adjudicado o teatro não sim- lévy, música de Offenbach. Em 1882, no Teatro
patizou com a escolha e deram-lhe poucos do Rato, fez a reposição de A Tia Maria, integrada
papéis, entrando, no entanto, em Dolores, tra- na récita de despedida do ator Correia, que par-
dução de Joaquim José Coelho de Carvalho, per- tia em tournée. Em 1885, foi em digressão ao Bra-
sonificou “Juliana”, em Casamento de Conve- sil e voltou ao Trindade em 1887, onde se man-
niência, peça em 4 atos do mesmo autor (1904), teve até 1919. Neste teatro, entrou em O Homem
e Amor de Perdição (11/03/1904), drama adap- da Bomba, vaudeville em 3 atos, tradução de Ger-
tado do romance de Camilo Castelo Branco por vásio Lobato e Mendonça e Costa, música de Frei-
D. João da Câmara. Faleceu nesse mesmo ano. tas Gazul, e criou os papéis de “Zepherine”, de
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- Dois Garotos, drama em 5 atos e 8 quadros de
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio Silva, 1908, p. 185; Pierre Decourcelle, e Musette, ambas traduzidas
Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa, por Guiomar Torrezão; representou, em 1898,
Parceria António Maria Pereira, 1940, pp. 34, 249 e 257; “Joaquina”, em Falar Verdade a Mentir, comé-
Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, dia em 1 ato de Almeida Garrett, e entrou em Bo-
Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de
Lisboa, 1967; Idem, História do Teatro Nacional D. Ma- cacio, ópera cómica em 3 atos, tradução de
ria II, Vol. II, Publicação Comemorativa do Centenário Eduardo Garrido, música de Frédéric Suppé
1890-1962, Lisboa, s. n., p. 444; Joaquim Madureira (Braz (1898). Nesse ano, integrou uma companhia
Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, artística organizada por Sousa Bastos para re-
Lda. Editores, 1905, p. 453; Mercedes Blasco, Memórias
de uma actriz, Lisboa, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907; presentar no Brasil e, em 1900, sob a direção da
“Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 11/03/1952, p. 4. Empresa José Ricardo & Gouveia, que tomou o
[I. S. A.] Teatro da Trindade, brilhou no papel de “Carlota”
de O Homem das Mangas (1901), vaudeville de
Amélia Barros Oscar Blumenthal, tradução do alemão por
Atriz, cantora de opereta e boa “característica”, Freitas Branco e Melo Barreto, música coorde-
conhecida como “A dos pés pequenos”. Nasceu nada por Tomás Del Negro. Ao tempo da Em-
73 AME

presa Afonso Taveira no Teatro da Trindade, en- fidências, de Lamartine. Fez, durante 43 anos,
trou em O Cão do Regimento, opereta em 4 atos papéis de “característica” no Teatro da Trinda-
de Pierre Decourcelle (1904), O Rei da Monta- de. Retirou-se de cena.
nha (1912), ópera cómica em 3 atos, extraída do Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
romance francês de About por Victor Léon, tra- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 117;
dução de Acácio Antunes, música de Franz Le- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
har, O Dia do Juízo (1915), revista de Eduardo Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 278;
Schwalbach, com música de Tomás Del Negro Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
e Alves Coelho. São do seu repertório, as mági- heráldico, numismático e artístico, Vol. II, Lisboa, João
cas Gata Borralheira, em 3 atos, imitação de Joa- Romano Torres, Editor, 1906, pp. 179-180; Francisco A.
quim Augusto de Oliveira e música de Angelo de Matos, “Ecos dos Espectáculos”, O Recreio, Lisboa,
Frondoni, Gato Preto, em 3 atos, arranjo de Au- 2.a série, n.o 16, 28/11/1887; Gustavo de Matos Sequei-
ra, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações
gusto Garraio, e A Fada do Amor, imitação do Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967,
italiano por Sousa Bastos e Acácio Antunes, am- pp. 392, 394, 413, 417; Joaquim Madureira (Braz Buri-
bas musicadas por Freitas Gazul, Relógio Mágico, ty), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda.
de Eduardo Garrido, Ramerrão, de Acácio de Pai- Editores, 1905, p. 453; Luiz Francisco Rebello (dir.), Di-
va e Esculápio (Eduardo Fernandes), e Giroflé- cionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978,
p 80; Mário Moreau, “Raquel Adelaide Barros”, Dicio-
-Giroflá; Almas do Outro Mundo, comédia em nário no Feminino (Séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Ho-
2 atos, traduzida por Gervásio Lobato; os vau- rizonte, 2005, pp. 827-828; Tomaz Ribas, O Teatro da
deville, em 3 atos, A Cigarra, de Meilhac e Ha- Trindade, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1993, p. 33;
lévy, tradução de Acácio Antunes e Machado A Scena, Lisboa, n.o 38, 22/01/1898; A Scena, Lisboa,
Correia, e Niniche, de Millaud e Hannequin, tra- n.o 54, 15/05/1898, e n.o 63, 17/07/1898; O Palco, Lis-
boa, n.o 1, 08/01/1912, p. 10; “Teatros – Foi neste dia...”,
dução de Sousa Bastos, música de Francisco Al- O Século, 09/01/1956, p. 4, e 13/02/1956, p. 6.
varenga; as revistas Três Mulheres para um Ho- [I. S. A.]
mem e Sal e Pimenta, em 3 atos e 12 quadros de
António Sousa Bastos; as óperas burlescas em Amélia Carmo Oliveira
3 atos Noite e Dia, tradução de Eduardo Garri- Militante comunista da década de 30. Quando pre-
do e Cardoso Leoni, e Barba Azul, de Henri Mei- sa, motivou, em 1939, um apelo do Partido Co-
lhac e Ludovic Halévy, tradução de Francisco Pa- munista a seu favor e de Maria Adelaide de Oli-
lha e música de Jacques Offenbach; as operetas veira*, mãe de Francisco Paula de Oliveira, “cha-
O Testamento da Velha, de Ciríaco Cardoso, Ger- mando a atenção para ‘duas camaradas presas [...]
vásio Lobato e D. João da Câmara, Os Filhos do doentes e não têm família, pai, marido’” [JPP].
Capitão-Mor, de Eduardo Schwalbach, música
Bib.: José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Bio-
de Augusto Machado e Tomás Del Negro, 28 Dias grafia Política, Vol. 1 – “Daniel”, o Jovem Revolucionário
de Clarinha, em 4 atos, de H. Raymond e A. Mars, (1913-1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999, p. 311.
tradução de Gervásio Lobato e Acácio Antunes, [J. E.]
música de Victor Roger, e D. Juanita, em 3 atos
e quatro quadros, de Manuel Casademund, ar- Amélia da Silva Borges de Sousa
ranjo de Cereseda, tradução de Eduardo Garri- Atriz, conhecida pelo nome artístico de Amé-
do, música de Frédéric Suppé; as óperas cómi- lia Simões. Filha do ator José Simões Nunes Bor-
cas, em 3 atos, Dragões d’El Rei, tradução de ges e de Maria Elisa Borges da Silva, irmã das
Francisco Palha e Eduardo Garrido, música de atrizes Laura e Lucinda Simões* e do maestro
José Rogel, Mascote, de Chivot e Doru, tradução Simões Júnior. Iniciou a carreira como amado-
de Eduardo Garrido, música de E. Andran, O Bur- ra e, nesta qualidade, foi ao Teatro do Ginásio
ro do Sr. Alcaide, de Gervásio Lobato e D. João integrar o elenco das comédias Amor Londrino,
da Câmara, música de Ciríaco Cardoso, A Moi- em 1 ato, de Domingos Monteiro, O Cão e o Gato
ra de Silves, de Lorjó Tavares, música de Guer- e Isidoro, o Vaqueiro, ao lado do pai e da irmã,
reiro da Costa, e Miss Helyett, tradução de Ger- Lucinda Simões. Em 1870, foi escriturada pela
vásio Lobato e Eça Leal; El Rei Danado; a zarzuela companhia dramática de António Moutinho de
Duende, em 2 atos, tradução de João Baptista Fer- Sousa (1834-1898), então no Teatro Baquet, do
reira, música espanhola; A Tempestade, saine- Porto, juntamente com a irmã. Abandonou a car-
te em verso, e o drama Graziela, em 1 ato, de José reira teatral para se casar com António Mouti-
Maria de Andrade Ferreira, inspirado em Con- nho de Sousa.
AME 74

Bib.: AA.VV., Lucinda Simões na festa do seu cin- dução de Aristides Abranches. Entrou em Se-
quentenário artístico [c/retrato], abril de 1868 a abril de vero Torelli (1887), drama trágico, em verso, de
1918, Lisboa, Oficina “Ilustração Portuguesa”, 1918; Lu- François Coppée, tradução do conde de Mon-
cinda Simões – Memórias, Factos e Impressões, Rio de saraz e Jaime Victor; Abade Constantino (1887),
Janeiro, Lito-Tipografia Fluminense, 1922. que Crémieux e Décourcelle extraíram do ro-
[I. S. A.] mance do mesmo título, tradução de Pinheiro
Chagas, e brilhou no papel de “Madalena”, de
Amélia da Silveira Afonso VI (1890), drama histórico de D. João da
Atriz. Nasceu em Portalegre, em 1852, e faleceu Câmara. Foi muito aplaudida em Mulheres
no Rio de Janeiro, a 1 de janeiro de 1892, de fe- Nervosas e Luta Pela Vida. Em 1891, fez a pri-
bre-amarela. Vestia-se com elegância e bom gos- meira de três digressões ao Brasil, sempre mui-
to e pela fina distinção detinha um lugar à par- to admirada nas peças de grande repertório que
te na cena portuguesa. Começou a representar lá representou. Um dos seus últimos papéis foi
no teatro popular da sua terra natal. Quando de “sogra” em Belle-Mamam, de Victorien Sar-
Emília das Neves* foi àquela cidade inaugurar dou. As interpretações em que mais se eviden-
um teatro a que haviam dado o seu nome, fal- ciou foram aquelas em que a personagem se
tou uma atriz da peça que iam representar. Fez, adaptava ao seu temperamento frio e desde-
então, um teste a Amélia da Silveira que re- nhoso. Faleceu no Rio de Janeiro, de febre-ama-
presentou o papel a contento. De Portalegre, foi rela, quando tinha atingido o apogeu da carreira
para o Porto, onde entrou em mágicas e revis- e se preparava para organizar uma empresa tea-
tas em teatros populares. Esteve três anos no Por- tral. Deixou uma filha de 12 anos, Ester da Sil-
to e, no Teatro Variedades daquela cidade, re- veira, que vivia com a avó de 75 e sem recur-
presentou os dramas Hernâni, de Victor Hugo, sos. A educação da menina foi subsidiada, até
tradução de Pinheiro Chagas, Jesuítas, de José 1898, por verbas angariadas em récitas promo-
de Alencar, Fausto, opereta de Florimond Her- vidas por artistas de diversos teatros, uma ini-
vé, e D. João de Maranha. Veio para Lisboa e es- ciativa da atriz Rosa Damasceno* e da Empre-
treou-se na empresa de Salvador Marques, no sa Rosas & Brazão, enquanto explorou o Teatro
Teatro dos Recreios, na comédia Convido o Co- D. Maria II.
ronel. Na época de verão, fez uma digressão pe- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
las províncias com os atores Maria das Dores*, res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1218;
César Pola e Augusto de Melo. A Sociedade Ar- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
tística do Teatro D. Maria II contratou-a e, ali, Lisboa, Imprensa Libânio Silva, 1908, p. 186; Idem, Re-
cordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947,
fez de dama galã em Sociedade onde a Gente se p. 178; Eduardo de Noronha, Reminiscências do Tablado,
Aborrece (1881), comédia de costumes de Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927, p. 178; Gervá-
Édouard Pailleron, adaptada por Gervásio Lo- sio Lobato, “Amélia da Silveira”, O Ocidente,
bato, sendo muito aplaudida. Nesse teatro, en- 01/03/1892, p. 50; Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira, Vol. XXVIII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial
trou em O Cardeal de Richelieu, de Edward Bul- Enciclopédia, p. 902; Gustavo de Matos Sequeira, His-
wer-Lytton, tradução de José António de Frei- tória do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, Publicação
tas; Parisiense, tradução de Alfredo Ataíde, Comemorativa do Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955;
música de Offenbach adaptada por Duarte de Sá; Memórias de Eduardo Brazão, que seu filho compilou
e Henrique Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Em-
Idade Ingrata, de Édouard Pailleron, tradução presa da Revista de Teatro, Editora, p. 159; Diário Ilus-
de Gervásio Lobato; Dionísia, de Alexandre Du- trado, 13/05/1884; “Amélia da Silveira” [c/retrato], Pon-
mas, filho, tradução de Guiomar Torrezão; D. Ce- tos nos ii, 13/05/1886; “Amélia da Silveira”, O Recreio,
sar Bazin, ópera em 5 atos de Adolphe d’Ennery, Lisboa, 2.a série, n.o 11, 21/12/1891, pp. 161-163;
tradução do conde de Monsaraz, e O Grande In- “Amélia da Silveira” [c/retrato à pena, por Pastor], Al-
manaque das Senhoras para 1893, Lisboa, Redação do
dustrial (1884), peça em 5 atos, adaptação de Le Almanaque das Senhoras, 1892, pp. 145-146.
Maître de Forges, de Georges Ohnet, por Carlos [I. S. A.]
Moura Cabral. Fez os papéis de A Morta (1884),
drama de Henrique Lopes Mendonça; “Rainha Amélia de Figueiredo Feio
D. Leonor” na estreia de O Duque de Viseu Filha de Sebastião Pereira Rebelo Feio, natural
(1886), drama histórico em verso, em 5 atos, tam- do concelho de Vila Real, residente no Porto, sol-
bém de Henrique Lopes de Mendonça; A Noi- teira, maior de idade na altura em que se can-
va de Florestano (1887), comédia em 3 atos, tra- didatou ao lugar de mestra nos Liceus Secun-
75 AME

dários Femininos*,, em 26 de março de 1890. da Rosa, Vasco Infante da Câmara, Francisco Al-
Estava habilitada com o curso da Escola Normal ves, Francisco Mota e Pedro Cardia. No mesmo
da cidade do Porto e pediu para ser colocada ano, presidiu às sessões do Ciclo “Diálogos Fi-
num dos três Liceus Femininos, preferindo as losóficos”, subordinadas aos temas “Centros eté-
cadeiras de Geografia e História, na cidade do ricos do Homem” e “Centros de força psíquica
Porto. Amélia Feio propôs-se para o lugar de pro- e influência mental”, promovidas pela Federa-
fessora da 1.a classe, tendo obtido média de 8,3 ção Espírita Portuguesa, que decorreram durante
valores, correspondendo à classificação de seis meses.
Bom e ficando, consequentemente, habilitada Bib.: A ASA, n.o 9, setembro, 1919; Luz e Caridade, se-
para o magistério primário. A esta aluna do tembro, 1921, p. 84; A ASA, n.o 1, outubro, 1924, p. 13;
3.o ano da Escola Normal Primária do Porto da A ASA, n.o 6, março, 1925, p. 86; A ASA, n.o 12, setembro,
1.a classe foi conferido o segundo prémio or- 1925, p. 178; O Espírita, n.o 1, janeiro, 1926, pp. 1-19,
dinário por ter frequência regular, ótimo com- 32; O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro,
1929, p. 6; O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929,
portamento e boa qualificação no exame final. p. 5; O Mensageiro Espírita, n.o 6, julho-agosto, 1929
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição p. 5; O Mensageiro Espírita, n.o 8, setembro-outubro,
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. 1929, p. 6.
[A. C. O.] [N. M.]

Amélia dos Santos Amélia Fonseca do Carmo


v. Amélia Vieira dos Santos Companheira do militante e dirigente comunista
José Gregório (Marinha Grande, 19/03/1908-
Amélia Ferreira Grilo -Praga, 10/05/1961), com quem assegurou, em
Espírita, residente em Lisboa. Em 1919 perten- 1941, juntamente com Joaquim Correia
cia ao Grupo Espiritualista Luz e Amor e era as- (f. 1946), a principal tipografia do grupo dos reor-
sinante da revista A ASA*, periódico que di- ganizadores do Partido Comunista Português,
vulgava o espiritismo filosófico, científico e ex- dando reinício à publicação do jornal Avante!,
perimental, fundado e dirigido por Maria Vele- impresso na casa clandestina sita na Avenida Ca-
da*. Em 1921, contribuiu para a Caixa de As- pitão Almeida Meleças, em Alverca do Ribate-
sistência aos Necessitados do Centro Espírita de jo. Aquele trio foi o responsável, entre agosto da-
Braga. Em 1923, fez-se sócia do Centro Espiri- quele ano e maio de 1942, pela execução dos pri-
tualista Luz e Amor* e, um ano depois, integrou meiros dez números da VI série daquele perió-
o grupo de mulheres que constituíam a direção. dico que, desde então, não mais deixou de se pu-
Nesse mesmo ano, tornou-se membro do corpo blicar ininterruptamente. Detetada a tipografia
editorial da revista A ASA – órgão oficial do re- pela PIDE, foi desmontada e a impressão pas-
ferido Centro. Participou nas despesas do 1.o Con- sou para outro local e para outros militantes.
gresso Espírita Português, realizado em Lisboa, Seguidamente, Amélia Fonseca do Carmo
em maio de 1925, e na subscrição a favor da re- acompanhou José Gregório no seu trabalho or-
presentação portuguesa no Congresso Espírita In- ganizativo no Algarve e no Norte, onde era o res-
ternacional, realizado em Paris, em setembro de ponsável pelas regiões do Porto, Vale do Vouga,
1925. Em 1926, era também assinante de O Es- Trás-os-Montes e Coimbra, e com ele partiu para
pírita, revista mensal de estudos psíquicos, a Checoslováquia, em 1956, quando já se en-
metapsíquicos e de propaganda doutrinária do contrava muito doente e onde veio a falecer com
espiritismo, fundada em 1920. Em 1929, foi elei- apenas 53 anos de idade. Em 1971, decorrida
ta para desempenhar as funções de tesoureira da uma década sobre a sua morte, publicou um
Comissão de Beneficência da Federação Espírita anúncio no Diário de Notícias, encimado com
Portuguesa, presidida por Quintina do Carmo Sa- a sua fotografia, com os seguintes dizeres: “10
les e Silva* e constituída por Elena de Melo Gon- anos são passados, mas continuas presente na
çalves Teixeira, Maria O’Neill, Maria Margarida minha memória: não se esquecem companhei-
Santos*, Maria Emília de Carvalho Gonçalves*, ros tão dedicados e leais. Tão suave seja a paz
Ana Costa, Alice Jane Moura, Ana do Carmo Sa- em que descansas, como suaves foram os 20 anos
les e Silva, Laura Barbosa*, Cecília de Sousa, ge- da nossa união”, assinando “A tua Amélia” [DN,
neral Júlio César Barata Feyo, Dr. José de Ma- 1971]. Cândida Ventura, que trabalhou anos con-
galhães e Meneses, coronel José Augusto Faure secutivos com José Gregório e conviveu com o
AME 76

casal naquele país, faz referências a ambos no go dos Diabos, no papel de “Bebé”, A Filha da
livro O Socialismo Que Eu Vivi. Testemunho de Senhora Angot, em 3 atos, de Clairville, Paul Si-
uma ex-dirigente do PCP. raudin e Koning, tradução de Francisco Palha,
Bib.: “1908-2008 – Centenário do nascimento de José Gre- Arquiduquesa, em 3 atos, tradução de Sousa Bas-
gório”, Exposição organizada pelo PCP e inaugurada na tos, Orfeu nos Infernos, em 4 atos, tradução de
Marinha Grande, em março de 2008; Cândida Ventura, Augusto Garrido, música de Offenbach; as ópe-
O Socialismo Que Eu Vivi. Testemunho de uma ex-di- ras cómicas A Mascote, em 3 atos, de Chivot e
rigente do PCP, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1984; José Pa- Doru, tradução de Eduardo Garrido, música de
checo Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política,
Vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clandestino (1941-1949), E. Andran, A Perichole, em 3 atos e 4 quadros
Lisboa, Temas e Debates, 2001; Linda Kundrátová, Os con- de Henri Meilhac, com música de Offenbach, Ar-
tactos da oposição portuguesa antisalazarista com a Che- gonautas, em 3 atos, de Augusto Garraio; as co-
coslováquia entre 1933-1974. Contribuição para o estudo médias Moços e Velhos, em 3 atos, tradução de
das relações luso-checas; “José Gregório”, Diário de No- Rangel de Lima, Rédeas do Governo, imitação
tícias, maio, 1971; “1941 – Renascem os prelos do PCP”,
Avante!, n.o 1551, 21/08/2003; “Grande obreiro do Par- de Rebelo da Silva, Amar sem Conhecer, zarzuela
tido”, Avante!, n.o 1791, 27/03/2008, pp. 16-17. em 3 atos, tradução de Aristides Abranches; Es-
[J. E.] pelho da Verdade, peça fantástica em 4 atos, ar-
ranjo de Augusto Garraio, O Milho da Padeira,
Amélia Garraio ópera cómica em 3 atos e 4 quadros, música de
v. Amélia Mendes Garraio Offenbach, e Pastor Soldado. Quando, em julho
de 1881, veio para o Teatro dos Recreios, em Lis-
Amélia Gregório boa, já era uma estrela da Companhia de Ópe-
v. Amélia Fonseca do Carmo ra Cómica do maestro Francisco Alves Rente
(07/09/1801-10/05/1891). Neste teatro, repre-
Amélia Guilhermina sentou o repertório da companhia portuense e
Atriz. Em agosto de 1857, trabalhou na Com- a crítica gabou-lhe a voz. Ali representou Dra-
panhia de Francisco Fernandes, ator e empre- gões d’El Rei (1881), ópera cómica em 5 atos, tra-
sário do Jardim Mitológico e, depois, na Com- dução de Eduardo Garrido e Francisco Palha, mú-
panhia Portuguesa Lírico-Dramática. sica de José Rogel, onde cantou uma composi-
Bib.: Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, De- ção do maestro Alves Rente, em homenagem à
cadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Roma- imprensa, Pompon, opereta, no papel de “Dr. Pi-
no Torres & Ca., 1922, p. 125. colo”, em travesti, e A Bilha Quebrada, entre ou-
[I. S. A.] tras. A voz começou a faltar-lhe e enveredou pelo
teatro declamado, distinguindo-se como “ca-
Amélia Mendes Garraio racterística” durante anos no Teatro do Ginásio,
Atriz. Nasceu em Lisboa, em 1857, e faleceu no ao lado de Jesuína Saraiva* e Bárbara Volkart*.
Rio de Janeiro a 8 de fevereiro de 1894, de febre- Em 1888, integrava o elenco do Teatro Baquet
-amarela. Era filha de Damião Mendes, ator con- quando este ardeu e tinha em cena Os Dragões
trarregra do Teatro da Rua dos Condes, e de Luí- de Villars, letra de Lockroy e Cormon, tradução
sa de Albuquerque Mendes, e irmã da atriz Del- de Gaspar Borges de Avelar e Jaime de Séguier,
mira Mendes*. Casou, na Foz do Douro, Porto, música de Maillart, e a zarzuela de costumes
a 17 de fevereiro de 1875, com o escritor dra- Gran-Via, música de Chueca e Valverde. Fez al-
mático, empresário e ensaiador Augusto Garraio gumas digressões pelas províncias. No verão de
(1843-1893). Aos 12 anos, foi para o Porto e, pela 1892, foi ao Brasil integrada na Companhia Tea-
mão da atriz Carolina Falco*, estreou-se no tral de Sousa Bastos e representou com muito su-
Teatro Baquet, na comédia em 2 atos Uma Fá- cesso a “Dona Mansa” de O Burro do Sr. Alcai-
brica de Casamentos (1874), e teve assinalável de, ópera cómica em 3 atos, de Gervásio Lobato
êxito no drama A Velhice de Richelieu, de Oc- e D. João da Câmara, música de Ciríaco Cardo-
tave Feuillet. Representou todos os géneros, dra- so. Do seu repertório constam, ainda, os dramas
mas, comédias, farsas, zarzuelas, mágicas, mas Os Lazaristas, em 3 atos, de António Enes, Duas
depois de casada dedicou-se à opereta e, neste Órfãs, em 5 atos, de Adolph d’Ennery, tradução
género, conquistou o primeiro lugar. Demorou- de Ernesto Biester, A Corte na Aldeia, de T. Bar-
-se alguns anos no Porto, naquele teatro e no Prín- rière, imitação de Mendes Leal, Nobres e Plebeus,
cipe Real, e foram desse tempo as operetas Ami- em 5 atos e 8 quadros de Octave Feuillet, tra-
77 AME

dução de Francisco Palha, Homens do Mar, ma- dos Pobres, Mulher-Demónio, O Palhaço, Após-
rítimo em 4 atos, de César de Lacerda, Sargen- tolos do Mal, Não Cobiçarás, entre outras. Quan-
to-Mor de Vilar, do romance de Arnaldo Gama, do Augusto Garraio voltou do Porto estava mui-
e Os Fidalgos da Casa Mourisca, do romance de to doente, ainda ensaiou no Teatro da Trindade,
Júlio Dinis, ambos adaptados por Augusto Gar- mas o evoluir da doença obrigou-o a retirar-se de
rido, O Arco de Sant’Ana, de Almeida Garrett, cena. A atriz tinha dois filhos, vivia com muitas
Júlia, de Octave Feuillet, tradução de Ernesto dificuldades e resolveu voltar ao Brasil, em 1893,
Biester, Trapeiro de Paris, de Félix Pyat, Cons- desta vez com a Companhia do Teatro D. Maria II.
piração na Corte, adaptação de A. Duarte de Al- Ali faleceu, deixando os filhos órfãos e na miséria.
meida de El Marqués de Siete Iglesias, original Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
de Manuel Fernández y Gonzalez, Paralítico, em res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981,
5 atos, tradução de Ferreira de Mesquita, Mulher pp. 460-461; António Meneses, “Atriz Garraio” [c/ fot.],
Que Deita Cartas, em 5 atos e 7 quadros, de Vic- O Contemporâneo, n.o 99, Lisboa, 1881, pp. [1-2]; An-
tor Séjour, tradução de Ernesto Biester, O Cu- tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis-
boa, Imprensa Libânio Silva, 1908, p. 185; Idem, Re-
nhado, traduzido por Gaspar Borges de Avelar, cordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947,
Vivandeira do 16 de Linha, em 3 atos, tradução p. 137; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portu-
de Salvador Marques, Crime de Taverna, imi- gal. Dicionário histórico, corográfico, biográfico, bi-
tação de Sousa Bastos, e O Cardeal Dubois; as bliográfico, heráldico, numismático e artístico, Vol. III,
Lisboa, João Romano Torres & Ca. Editores, 1907, pp. 701-
comédias As Mulheres de Mármore, de T. Bar- -702; Gervásio Lobato, “Crónica Ocidental”, O Ocidente,
rière e L. Thiboust, tradução de Augusto César n.o 549, 21/03/1894, p. 74; Grande Enciclopédia Por-
de Lacerda, Selo da Roda – As Proezas de Ri- tuguesa e Brasileira, Vol. XII, Lisboa/Rio de Janeiro, Edi-
chelieu, tradução de Les Premières Armes de Ri- torial Enciclopédia, p. 183; Luiz Francisco Rebello (dir.),
chelieu de Eugène Scribe, em 2 atos, Sargento Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora,
1978, p. 340; Mercedes Blasco, Memórias de Uma Ac-
Frederico, em 5 atos, tradução de Francisco Pa- triz, Lisboa, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907, p. 79; Ri-
lha, A Botija, em 4 atos, de Meilhac e Halévy, tra- baltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, 26/03/1881, p. 238;
dução de Pinheiro Chagas, Huguenotes, em 2 Diário Ilustrado, 07/07/1881 e 08/07/1881.
atos, de Echegaray y Eizaguirre, tradução de Leo- [I. S. A.]
poldo de Carvalho, Depois de Velhos... Gaitei-
ros, E. Nordeste & Ca, de Alfredo Ataíde; as ópe- Amélia O’Sullivand
ras cómicas Barba Azul, em 3 atos e 4 quadros, Atriz portuguesa. Nasceu a 30 de dezembro de
de Meilhac e Halévy, tradução de Francisco Pa- 1848 e faleceu a 12 de dezembro de 1921. Es-
lha, música de Jacques Offenbach, Rouxinol das treou-se no Teatro D. Maria II, em 1889, na peça
Salas, em 3 atos, arranjo de Aristides Abranches O Fim de Sodoma, de Hermann Sudermann, tra-
a partir da peça Monsieur Garat, musicada por dução de Carlos de Moura Cabral em colabo-
Angelo Frondoni, Ponte dos Suspiros, em 4 atos, ração com Luís Freitas Branco. Fez o papel de
música de Offenbach; as operetas Sinos de “criada” em Serenata de Schubert (1898), co-
Corneville, em 3 atos e 4 quadros, de Clairville média em 1 ato de João Francisco Xavier de Eça
e Gabet, tradução de Eduardo Garrido, música Leal. Esteve no Teatro D. Maria II que, na épo-
de Planquette, Joana do Arco, de Alfredo Ataí- ca 1903-1904, pertencia à Empresa Rosas & Bra-
de, música de João Pedro Gomes Cardim, Dia do zão, no Teatro D. Amélia. Há referências a um
Juízo, de Eduardo Schwalbach; as zarzuelas O ator, e depois contrarregra, de nome Carlos
Duende, em 2 atos, tradução de João Baptista Fer- O’Sullivand, nascido em 1842, que ingressou na
reira, e Segredo duma Dama, em 3 atos, tradu- carreira teatral em 1867, possivelmente familiar
ção de Aristides Abranches; as mágicas Gata Bor- da atriz e que contracenou com ela em D. Afon-
ralheira, em 3 atos e 15 quadros, arranjo de Joa- so VI, drama em 5 atos, em verso, de D. João da
quim Augusto de Oliveira, música de Angelo Câmara (1890).
Frondoni, Gato Preto, em 3 atos, arranjo de Au- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
gusto Garraio, música de Freitas Gazul; e as pe- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 997;
ças As Minhas duas Mulheres, Primo Luís, Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro,
Morta do Azinhal, Espadelada, Se Eu fosse Rei, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 453;
Luiz Francisco Rebello, 100 anos de Teatro Português
O Visconde, Dá Cá os Suspensórios, Narciso com (1880-1980), Porto, Brasília Editora, 1980, p. 178; A Sce-
dois Pés, As Cerejas, Homem das Ruas, Portei- na, n.o 47, 27/03/1898.
ro da Casa n.o 15, Demónio do Jogo, República [I. S. A.]
AME 78

Amélia Pereira Félix Bermudes e Marçal Vaz (Lino Ferreira), mú-


Estrela de opereta e atriz. Terá nascido em 26 de sica de Frederico Duarte e Carlos Calderon;
junho de 1872 (1874, segundo Sousa Bastos) e O Preto no Branco (1912), de Eduardo Schwal-
faleceu em 1953. Era filha do alfaiate Pereira, que bach e Acácio de Paiva, música de Filipe Duar-
teve um estabelecimento na Rua do Carmo e, te. Criou os papéis de “Sol”, em Peço a Palavra!
mais tarde, na Rua dos Fanqueiros. De pequena (1911), revista de João Bastos e Álvaro Cabral,
estatura, tinha boa presença e olhar expressivo. música de Tomás Del Negro e Alves Coelho;
Foi casada com o ator Nascimento Fernandes “Faustina”, em O Chico das Pegas (1912), ope-
(1881-1955), com quem teve uma empresa de rea- reta de Eduardo Schwalbach, música de Filipe
lização de filmes de cinema mudo. Divorciou- Duarte; “Paco”, de O Pobre de Valbuena (1912),
se para casar com o ator Francisco Armando de farsa lírica em 1 ato e 3 quadros, de Carlos Ar-
Seixas Pereira, de quem enviuvou em 1943. Co- ronches e Enrique Garcia Alvarez, tradução de
meçou a carreira no teatro amador. Em 1895, ini- Acácio Antunes, música de Valverde (filho) e Tor-
ciou-se no teatro profissional, no papel de “in- regrosa; “D. Conveniência” e “A Mentira”, em
génua” da Marechala, de Alphonse Lemonnier A Feira do Diabo (1912), sátira em 1 ato, prólo-
e Jean-Louis Perricaud, tradução de João Fran- go e 3 quadros, “Balbona”, em Os Pimentas
cisco Xavier de Eça Leal, no Teatro Micaelense (1912), comédia, ambas de Eduardo Schwalbach,
de Ponta Delgada, quando se deslocou aos Aço- e “marquesa de Surville”, em O Diplomata dos
res integrada na Companhia-Empresa de Pedro Figurinos (1912), vaudeville em 2 atos, de Eugène
Cabral, ali representando também A Cigarra, de Scribe e Casimir Delavigne, tradução de Acácio
Meilhac e Halévy, adaptação de Acácio Antunes Antunes, música de Filipe Duarte. Foi ao Tea-
e Machado Correia, música de Freitas Gazul; As- tro da Avenida representar na revista O 31 (1913),
modeu, comédia em 4 atos, em verso, adaptação de Alberto Barbosa, Luís Galhardo e P. Coelho,
de Augusto César de Lacerda; Mademoiselle Dia- música de Alves Coelho e Tomás Del Negro, e
brete, comédia traduzida por Guiomar Torrezão, ao Teatro Politeama na revista D’Alto a Baixo
e A Cossaca, vaudeville em 3 atos, de Meilhac (1914), de André Brun e Chagas Roquete, mú-
e Millaud, adaptação de Gervásio Lobato e Eça sica de Filipe Duarte e Carlos Calderon. Voltou
Leal, música de Florimond Hervé. Nesse mes- ao Teatro Apolo e foi muito aplaudida na revista
mo ano, entrou para a Companhia de Lucinda Torre de Babel (1917), de Eduardo Rodrigues, Fé-
Simões, então no Teatro da Rua dos Condes, e lix Bermudes e João Bastos, música de Tomás Del
ali se estreou na peça Madame Sans-Gêne, de Negro e Bernardo Ferreira, entre outras. Em 1918,
Victorien Sardou, e fez os papéis de “Marceli- abandonou o teatro e com Nascimento Fernan-
na”; em Demi-Monde (1896), de Alexandre Du- des, então seu marido, viajou para Barcarena,
mas, filho, ao lado de Lucinda Simões*; “Emí- onde se situavam os estúdios da Royal Film, para
lia, a criada”, em Duas Lições numa Só (1896), realizarem pequenos filmes, entre eles Vida
comédia em 1 ato, imitação de Duarte de Sá, e Nova, baseado no vaudeville de Ernesto Rodri-
entrou em A Lagartixa (1900), comédia em 3 atos gues, Félix Bermudes e João Bastos. Integrada no
de Georges Feydeau, tradução de Eduardo Gar- elenco da Companhia Lucília Simões – Erico Bra-
rido. Fez parte de diversas companhias, nos Tea- ga, entrou em Uma Mulher sem Importância
tros D. Amélia, Príncipe Real, Avenida, Politeama (1923), de Oscar Wilde, no Porto, e Madame Flirt
e Coliseu. Esteve contratada em teatros do Por- (1924), de Gavault e Berr, tradução de Melo Bar-
to, onde muito agradou. Nas digressões pelas reto. No Teatro da Avenida, entrou em Greve de
ilhas, províncias e Brasil foi muito aplaudida. Em Amor (1932), fantasia de Lourenço Rodrigues, Xa-
1903, pertencia ao Teatro da Trindade e, no ve- vier de Magalhães e Álvaro Leal. Em 1933, re-
rão desse ano, foi ao Alentejo e Algarve, onde re- presentou em Alfama, peça em 3 atos de Antó-
presentou Meter-se a Redentor, comédia de nio Boto, e Divórcios, comédia em 3 atos de Lorjó
Echegaray, tradução de Aristides Abranches, e Tavares. Segundo Eduardo Brazão, Amélia Pe-
As Alegrias do Lar, de Hannequin, tradução de reira foi admirável estrela de opereta, de decla-
Carlos de Moura Cabral. Na época seguinte, per- mação, exímia na comédia e tinha graça canaille
tencia à Empresa Eduardo Portulez, então no Tea- nas revistas. Depois de Ângela Pinto*, foi con-
tro da Avenida. Foi para o Teatro Apolo e, ali, siderada a melhor intérprete de Severa, peça de
entrou nas revistas Agulha em Palheiro (1912), Júlio Dantas. Mereceu ter lugar de honra na ga-
em 8 atos e 14 quadros, de Ernesto Rodrigues, leria de retratos de atores da companhia do em-
79 AME

presário Eduardo Schwalbach, no Teatro Apo- tos, fez parte do elenco na estreia de Dois Garotos,
lo. Retirou-se de cena pouco depois de enviuvar. drama em 2 partes e 8 quadros de Pierre De-
Viveu o resto dos seus dias com uma pensão da courcelle, traduzido por Guiomar Torrezão.
Caixa de Previdência dos Artistas Teatrais. Pertenceu à Sociedade Artística do Teatro D. Ma-
Bibl.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres ria II, criada por Decreto do Diário do Governo
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1029; de 11/08/1898, e, em 1904, era societária de 2.a
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, classe. Ali entrou em Tartufo (1900), comédia de
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 11; Idem, Lis- Molière, traduzida em verso pelo visconde de
boa Velha, Sessenta anos de Recordações, 1850 a 1910,
Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1947, p. 191; Gran- Castilho; nos dramas D. Afonso VI, em 5 atos, em
de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXI, Lis- verso, de D. João da Câmara; Amor de Perdição
boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 115; Joa- (11/03/1904), adaptado do romance de Camilo
quim Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lis- Castelo Branco, por D. João da Câmara. Prota-
boa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 453; Luiz
Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português,
gonizou Dolores, de Feliu y Codina, tradução de
Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 403; Idem, História do Tea- Joaquim José Coelho de Carvalho (1852-1934);
tro de Revista em Portugal, II. Da República até Hoje, Lis- e personificou “Irmã Expectação”, na estreia de
boa, Edições D. Quixote, 1985; Memórias de Eduardo Bra- Casamento de Conveniência (1904), peça em
zão, que seu filho compilou e Henrique Lopes de Men- 4 atos da autoria daquele tradutor. Abandonou
donça prefaciou, Lisboa, Empresa da Revista de Teatro,
Editora, 1.a ed., p. 159; Pedro Cabral, Relembrando... Me- o palco muito cedo.
mórias de Teatro, Lisboa, Livraria Popular, 1924; Ilus- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
tração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, Vol. II, 1911, p. 280; res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1344;
O Palco, Lisboa, n.o 1, 08/01/1912, p. 6, e n.o 5, Carlos Santos, Cinquenta anos de Teatro – Memórias de
05/03/1912, p. 71; O Teatro, Lisboa, n.o 1, janeiro, Um Actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de
1918, p. 10. Publicidade, 1950, p. 84; Guiomar Torrezão, Ribaltas e
[I. S. A.] Gambiarras, Lisboa, série 1, 01/01/1881 e 29/01/1881;
Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacio-
Amélia Perry nal D. Maria II, Vol. II, Publicação Comemorativa do Cen-
v. Josefina Augusta Amélia Saraiva tenário 1890-1962, Lisboa, s.n., p. 444; Joaquim Madu-
reira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer-
reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 453; “Teatros –
Amélia Simões Foi neste dia...”, O Século, 11/03/1952, p. 4, e
v. Amélia da Silva Borges de Sousa 01/05/1956, p. 7.
[I. S. A.]
Amélia Viana
Atriz. Nasceu a 22 de julho de 1849. Estreou- Amélia Vieira
-se no Teatro das Variedades, em 1875, na má- v. Amélia Vieira dos Santos
gica em 3 atos Cofre dos Encantos, de José Fre-
derico Parisini (1809-1885), música de Francisco Amélia Vieira dos Santos
Alvarenga (1844-1883). Em 1881, estava no Atriz. Nasceu em Lisboa a 17 de fevereiro de 1850
Teatro da Rua dos Condes, representando os dra- e faleceu, na mesma cidade, a 9 de janeiro de
mas Os Bombeiros, 5 atos e 6 quadros, de José 1928. Órfã aos seis anos, foi viver com uma tia
Romano, ao lado de Sofia Oliveira*, e A Probi- que a matriculou na Escola de Dança do Teatro
dade, em 1 diálogo e 3 atos, de César Lacerda, de S. Carlos, em Lisboa. As alunas eram obri-
que deu 100 representações. Em 1882, por oca- gadas a figurar nos espetáculos do teatro, quan-
sião da visita do Rei D. Luís a Lamego, integrou do as coreografias necessitassem, e eram remu-
a companhia que se deslocou àquela cidade para neradas com um tostão por dia. A primeira vez
representar na peça A Batalha das Damas, ao que dançou foi num bailado chinês, naquele tea-
lado de Maria das Dores*. No Teatro dos Recreios, tro, quando a atriz Ristori ali representava Me-
fez papéis na revista Et Coetera e Tal (1882), de deia e a escolheu para o papel de sua “filhinha”,
“Argus” (pseudónimo de António de Meneses), pelo que recebeu 100 réis e uma vela. Como bai-
música de Rio de Carvalho. Ainda nesse mesmo larina integrou, depois, elencos de mágicas nos
ano, entrou em Demi-Monde, comédia de Ale- Teatros das Variedades e Rua dos Condes. En-
xandre Dumas, filho (1824-1895), no Teatro dos quanto frequentava a classe de Declamação, da
Recreios, com Lucinda Simões*, e Drama do Povo Escola de Arte Dramática do Conservatório de
(1886), de Manuel Pinheiro Chagas. Em 1898, no Lisboa, onde foi uma distinta aluna dos mestres
Teatro da Trindade, sob a direção de Sousa Bas- Alfredo de Melo e Duarte de Sá, fez parte de um
AME 80

grupo de amadores dramáticos que trabalhava tave Feuillet, tradução de Ernesto Biester. Fin-
nos Teatros dos Anjos, Floresta Egípcia, Aljube, do o contrato no Teatro D. Maria II, acompanhou
Fiúza e Inglesinhos, representando, neste últi- a empresa, em 1877, para o Ginásio, já classifi-
mo e com bastante êxito, o papel de “criada” em cada em “primeira ingénua”. Dali passou para
A Porta Falsa, comédia em 3 atos, tradução de o Teatro da Rua dos Condes, onde acrescentou
António Joaquim Pereira. Por volta de 1865, es- ao seu repertório e reputação artística grandes
tava no Teatro do Príncipe Real, foi em digres- êxitos nos dramas: A Avó, tradução de José Car-
são às ilhas adjacentes com uma companhia di- los Santos; Saltimbanco (1877), em 4 atos, de An-
rigida pelo ator Joaquim Ferreira Ribeiro; estreou- tónio Enes; As Duas Órfãs, em 5 atos, de
-se em S. Miguel (Açores) no drama marítimo em Adolph d’Ennery, tradução de Ernesto Biester;
4 atos Homens do Mar, de César Lacerda, e re- Filipa de Vilhena, histórico, de Almeida Garrett;
presentou um vasto repertório de peças que ti- e fez o papel de “Júlia de Rieme” em Mirabeau
nham sido sucessos da atriz Manuela Rey*. De (1881), de J. Claretie, tradução de Salvador
regresso a Lisboa, contratada pelo ator Isidoro Sa- Marques. No mesmo ano, entrou em Ladrões de
bino Ferreira (1828-1876) que dirigia o Teatro das Lisboa, peça popular em 5 atos e 6 quadros, de
Variedades, fez o papel de “Lisboa” numa revista António Sousa Bastos. Voltou para o Teatro
e ali conheceu o ator José Carlos Santos (1833- D. Maria II e ali representou A Taberna (1882),
-1886), de alcunha “Pitorra”, que se apaixonou a partir de L’Assommoir, de Émile Zola, drama
por ela, fez dela sua discípula e uma notável ar- em 5 atos e 7 quadros adaptado por Zola e Bus-
tista. Mais tarde, foi sua mulher e mãe de dois nach, imitado por José Carlos Santos. Foi com
filhos, Henrique e Carlos Santos, que também fo- a companhia do Teatro da Rua dos Condes ao
ram atores. Naquele teatro, ainda representou, Teatro dos Recreios representar A Linda de Cha-
entre outras peças, Inês de Castro, drama his- mounix (1882), original de Donizetti e, no Tea-
tórico de Maximiliano de Azevedo, ao lado de tro do Príncipe Real, fez O Quebra Queixos
Lucinda do Carmo* e do ator Júlio Soler (1843- (1883) e protagonizou A Leitora, ao lado de Car-
-1908). Em 1869, integrada na Empresa José Car- los Santos, já quase cego. Retirou-se do teatro
los Santos & Pinto Bastos, que explorava o Tea- quando o marido piorou e perdeu a visão. Em
tro do Príncipe Real, fez o papel de “ingénua” 1886, ficou viúva e com dificuldades económi-
em Montjoie, comédia de Octave Feuillet, e en- cas para educar os filhos, um deles o futuro ator
trou nas peças A Harpa de Deus, poema dra- Carlos Santos, que contava apenas 14 anos e que
mático sacro, com música de João Pedro Gomes ingressou na Escola de Marinha por influência
Cardim, e Por Causa de Uma Carta, de Victorien do rei D. Luís, admirador de José Carlos Santos.
Sardou. Em 1870, acompanhou a nova Empre- A atriz prosseguiu a carreira, voltou ao Teatro do
sa José Carlos Santos & José Joaquim Pinto para Príncipe Real, onde criou Tosca, drama em 4 atos
o Teatro D. Maria II, onde se evidenciou nas pe- de Victorien Sardou, tradução de Maximiliano
ças Visconde de Algirão e Homens e Feras, am- de Azevedo (1850-1911); protagonizou A Dama
bas de Augusto César de Lacerda; O Camões do das Camélias, drama em 5 atos, de Alexandre Du-
Rocio, comédia em 3 atos, de Inácio Maria Fei- mas, filho, tradução de António Joaquim da Sil-
jó; Cora, ou A Escravatura, drama em 5 atos e va Abranches, de que foi considerada uma das
7 quadros, de Jules Barbier, tradução de Ernes- melhores intérpretes; Condessa Sara, drama em
to Biester; Tartufo e As Sabichonas, comédias de 5 atos de George d’Ohnet, tradução de Guiomar
Molière traduzidas pelo visconde de Castilho; Torrezão, em que se afirmou como a última atriz
Oração da Tarde, de M. de Lara, tradução de Ma- romântica do teatro português (15/04/1887). So-
nuel Pinheiro Chagas; Marquês de Villemer bre esta interpretação, disse Guiomar Torrezão
(1874), de George Sand, comédia em 4 atos tra- que Fernand Bourgeat escreveu na publicação
duzida por Ramalho Ortigão; Verão de S. Mar- Gil Blas, de 23 de abril de 1887: “[...] o papel de
tinho, Cláudia, drama em 5 atos, vertido para por- Jane Hading desempenhado hors ligne por uma
tuguês por Rangel de Lima da obra italiana Um atriz de grande talento”. Fez benefício com O Cri-
Passo Errado; e fez os papéis de “ingénua” nos me das Picoas (1890), de Maximiliano de Aze-
dramas em 5 atos As Mulheres de Mármore, de vedo, e protagonizou, em 1896, A Carvoeira, dra-
T. Barrière e L. Thiboust, tradução de Augusto ma em 5 atos e 7 quadros de Hector Crémieux
César Correia de Lacerda; Morgadinha de Val- e Pierre Decourcelle, tradução de Acácio Antu-
flor, de Manuel Pinheiro Chagas, e Júlia, de Oc- nes e Eduardo Schwalbach. Dois anos depois, fa-
81 AME

zia parte da Sociedade dos Artistas Dramáticos fael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, Circos e mais
do Teatro das Variedades, distinguindo-se no pa- diversões de outras épocas, Porto, Domingos Barreira Edi-
tor, 1943, pp. 69-70 e 81; António Sousa Bastos, Dicio-
pel de “condessa” em Os Dois Garotos, drama nário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da
em 2 partes e 8 quadros, de Pierre Decourcelle, Silva, 1908, pp. 11 e 145; Carlos Santos, Cinquenta anos
traduzido por Guiomar Torrezão. A compa- de Teatro. Memórias de um ator, Lisboa, Tipografia da
nhia de teatro de que fazia parte deslocou-se ao Empresa Nacional de Publicidade, 1950, pp. 115 e 180;
Brasil no primeiro trimestre de 1903 e Amélia Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
Vieira representou, no Teatro da Paz, no Pará, A heráldico, numismático e artístico, Vol. III, Lisboa, João
Vida de um Rapaz Pobre, drama em 5 atos e 7 Romano Torres, Editor, 1907, pp. 446-447; Grande En-
quadros, de Octave Feuillet, tradução de Joaquim ciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXXV, Lisboa/Rio
José Annaya; A Tosca, de Victorien Sardou, e To- de Janeiro, Editorial Enciclopédia, pp. 227-228; Guio-
mar Torrezão, “Amélia Vieira”, Almanaque das Senhoras
mada da Bastilha. Durante a sua carreira artís- para 1887, Lisboa, Redação do Almanaque das Senho-
tica percorreu teatros de Lisboa, Porto e Brasil, ras, p. 91; Idem, Almanaque das Senhoras para 1888,
notabilizando-se, além das peças já citadas, nos Lisboa, Redação do Almanaque das Senhoras, pp. 155-
dramas: A Irmã do Cego, em 3 atos, tradução de 157; Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Tea-
José Carlos Santos; A Mendiga, em 5 atos e 1 pró- tro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905; Jú-
lio César Machado, Os Teatros de Lisboa, Lisboa, Edi-
logo, de Braz Martins; O Paralítico, em 5 atos, torial Notícias, 1991, p. 140; M. Félix Ribeiro, Filmes,
versão de Augusto César Ferreira de Mesquita; Figuras e Factos da História do Cinema Português, 1896-
Fernanda, ou o Juramento, de Braz Martins; Os 1949, Lisboa, Cinemateca Portuguesa, 1983, p. 50; Me-
Lazaristas, em 3 atos, de António Enes; A mórias de Eduardo Brazão, que seu filho compilou e
Consciência, em 4 atos, de António Maria de Henrique Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa
da Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., p. 159; Pinto de Car-
Campos Júnior; Maria Antonieta, em 5 atos, de valho, “O Velho Ginásio”, Lisboa de outros tempos, Tomo
Giacometti, tradução de Ernesto Biester; João 1, Lisboa, Livraria de António Maria Pereira, Editor, 1898,
José, em 4 atos, de Joaquim Dicenta, tradução de pp. 166-177; Diário Ilustrado, 08/05/1880, 19/03/1882
Carlos Schore; O Duque de Viseu, histórico, em e 26/03/1883; Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série 1,
24/02/1881; Revista Teatral, 3.a série, 2.o Vol., n.o 26,
verso, em 5 atos, de Henrique Lopes de Men- 15/01/1896; A Scena, Lisboa, n.o 38, 22/01/1898; O Sé-
donça; Noventa e Três, adaptado do romance his- culo, 26/03/1903 e 10/11/1928.
tórico de Victor Hugo, e Judeu Errante, de Le Juif [I. S. A.]
Errant, de Eugène Sue, adaptação de Soulié. Em
1903, numa das digressões pelas províncias, caiu América Garção Stockler Machado
e ficou muito mal. Muito surda, retirou-se do tea- Republicana de Gouveia, possuidora de grande
tro. Em outubro de 1904, a imprensa noticiava fortuna. Filha de Inácio Pinto Ribeiro Garção,
um acidente na Póvoa de Varzim. Para o cine- natural do Brasil, e de Quitéria de Almeida
ma, fez o papel de “Inês de Castro” no filme Rai- Stockler, natural de São Tomé, nasceu nesta ilha
nha Depois de Morta, com argumento de Antó- no ano de 1842, terra onde se casou pela pri-
nio Rafael Ferreira, ao lado do filho, Carlos San- meira vez, e faleceu em Lisboa a 15 de agosto
tos, que interpretou o papel de “D. Pedro”, e do de 1925. Viúva, casou, em 1907, com o repu-
ator Eduardo Brazão, no papel de “D. Afonso IV”. blicano e maçon Pedro Amaral Botto Machado
O filme foi passado no Salão Central, Palácio Foz, (10/08/1868-31/01/1921), que participou na
a 1 de maio de 1910 e, depois, em casas de es- revolta de 31 de janeiro de 1891 e foi condenado
petáculos do país, África e Brasil. Tomou parte a três anos de degredo em Angola (Luanda e Ben-
na récita de homenagem a José Carlos Santos, seu guela), igualmente viúvo por a mulher e a filha
marido, quando se inaugurou o busto do ator, es- terem falecido nesta colónia. A vida de ambos
culpido por Costa Mota, no Teatro Nacional D. repartiu-se por Gouveia, onde o casal tinha re-
Maria II, em 1914, representando um ato do dra- sidência, ela participava na vida quotidiana e
ma Maria Antonieta. Tinha casa em Lisboa, num o marido chegou a ser presidente da Câmara; São
3.o andar da Rua do Pelourinho. Faleceu a 9 de Tomé e Príncipe, onde foi, por duas vezes, Go-
janeiro de 1928, pelas cinco e meia da manhã, vernador-geral da Província Ultramarina de São
de congestão cerebral. Deixou uma filha, Vitó- Tomé e Príncipe (1913-1915, 1916-1917); e
ria, casada com Pedro dos Santos, que a imprensa Lisboa, enquanto deputado (1911) e senador
referiu aquando do enterro. (1915, 1919, 1921), eleito sempre nas listas do
Bib.: Alfredo Oscar May, “Amélia Vieira” [c/fot.], O Con- Partido Democrático de Afonso Costa. Améri-
temporâneo, Lisboa, n.o 79, 1880, pp. [1-2]; António Ra- ca Stockler Machado esteve associada a diver-
AMY 82

sas iniciativas republicanas, ainda durante a Mo- mais nova, Maria José Plácido. No prefácio do
narquia, e de beneficência, sendo, por isso, a fi- livro Luz Coada por Ferros, datado de 30 de ou-
gura feminina local mais reconhecida, perdu- tubro de 1862, Ana Plácido lamentava a falta de
rando o seu retrato na Associação de Benefi- apoio da família perante uma paixão que lhe
cência Popular de Gouveia e na Associação dos trouxe problemas. Escrevia: “Hoje que me acho
Socorros Mútuos. só, filha, quando mal me amparo às grades do
Bib.: Fina d’Armada, As Mulheres na Implantação da Re- sarcófago que te esconde, a nossos pais e famí-
pública, Lisboa, Ésquilo, 2010; Idem, Republicanas lia, penso com tristeza nos nossos quatro irmãos,
quase Desconhecidas, Círculo de Leitores e Temas e De- que ainda vivem, dos doze que eram. Nem um
bates, 2011; Maria Lúcia de Brito Moura, Viver e Morrer só se lembra de mim: todos esqueceram a que
em Gouveia nos Alvores do Século XX, Viseu, 1996. lhes serviu de segunda mãe!” [p. 5]. Escritora e
[J. E.]
mulher de letras, Ana Augusta Plácido é, no en-
tanto, apenas conhecida por alguns como a “mu-
Amy Dawson Rawes
lher fatal” de Camilo Castelo Branco, a sua “Ra-
Nasceu em Lisboa em 1882, vindo a falecer em
quel”, criptónimo usado pelo escritor. No dia 28
1975. Era filha de Errington Dawson e de Leo- de setembro de 1850, aos 19 anos, casou, por im-
nora Cannell, ambos pertencentes a famílias in- posição dos pais, com Manuel Pinheiro Alves,
glesas há muito residentes em Portugal. Estudou um rico negociante do Porto de 43 anos. A 11 de
em casa e num colégio em Bruxelas, destinado agosto de 1858, nasceu Manuel Augusto Pinheiro
a ensinar a arte de ser uma boa dona de casa a Alves, mais conhecido por Manuel Plácido. A
meninas da alta burguesia. Eram conhecidos paternidade do filho ainda hoje não é consen-
como Finishing Schools, terminando aí a for- sual. Se, por um lado, há quem defenda que o
mação considerada necessária para um poste- filho é de Camilo Castelo Branco, por outro há
rior casamento. Casou com Stanley Rawes, defensores de que é filho legítimo de Pinheiro
que também nascera em Lisboa e que pertencia Alves. O estudioso Alexandre Cabral refere
igualmente a uma família inglesa residente em que havia quem considerasse que o pai seria um
Portugal, constituindo o casal a quinta geração antigo namorado de Ana Plácido, António Fer-
em Lisboa. Durante a Primeira e a Segunda Guer- reira Quiques. Porém, de acordo com este autor,
ras Mundiais trabalhou para a Cruz Vermelha e perante a documentação publicada, não restam
e apoiou grande número de refugiados, muitos dúvidas que “Manuel era o fruto dos amores
dos quais acolheu na sua linda casa situada no Ana/Camilo” [Dicionário de Camilo Castelo
Largo do Rilvas. Anglicana, era uma paroquia- Branco, p. 499]. A verdade é que já antes do nas-
na ativa da Igreja de São Jorge. Também apoiou cimento do filho se comentavam as relações amo-
o Hospital Inglês de Lisboa. Dotada de uma per- rosas entre ambos. Aliás, a relação de Ana com
sonalidade muito carinhosa e atraente, recebia o escritor tornou-se pública quando, casada com
constantemente em casa pessoas de todas as ida- Pinheiro Alves, partiu para Viana do Castelo com
des e tinha um círculo muito alargado de ami- o pretexto de acompanhar a irmã doente, Maria
gos. Mãe de um filho, Eric, que, alistado na Royal José, que sofria de tuberculose pulmonar. Devido
Air Force (RAF), morreu na Segunda Guerra à relação extraconjugal da esposa, Pinheiro Al-
Mundial, e de duas filhas (Elizabeth e Dorothy) ves levou-a para a casa de Agostinho Francisco
que lhe sobreviveram. Velho. O marido traído pediu também ajuda a
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1101, 15/03/1975. António Bernardo Ferreira e Francisco de Pau-
[A. V.] la da Silva Pereira, de modo a evitar os encon-
tros amorosos. No entanto, as iniciativas foram
Ana Augusta Plácido infrutíferas. Ana Plácido recolheu-se no Con-
Nasceu a 27 de setembro de 1831, na cidade do vento da Conceição, em Braga, e aí permaneceu
Porto, e faleceu, a 19 de setembro de 1895, em durante 38 dias, mas o breve recolhimento não
São Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão. foi suficiente para esquecer o amor de Camilo.
Filha de António José Plácido Braga e Ana Au- Pinheiro Alves, perante a contínua exposição pú-
gusta Vieira. O pai desapareceu no naufrágio do blica, decidiu processar a mulher por crime de
vapor Porto, em 1852, e a mãe morreu três anos adultério e Ana Plácido foi encarcerada a 6 de
depois. Os pais tiveram doze filhos, tendo so- junho de 1860, na Cadeia da Relação do Porto,
brevivido seis, todos casados, à exceção da filha onde manteve correspondência com o amante.
83 ANA

Camilo, acusado do mesmo crime, depois de fu- da morte de Camilo também foram difíceis
gir durante algum tempo, acabou por se entre- para Ana Plácido. As dificuldades financeiras
gar à justiça, no dia 1 de outubro desse mesmo agravaram-se, a saúde deteriorou-se e as saudades
ano. Durante o tempo em que esteve preso, es- do amado eram muitas. Numa carta a António
creveu algumas das suas mais importantes Vicente Leal e Sousa, datada de 8 de junho de
obras e foi visitado pelo rei D. Pedro V. Este 1891, Ana Plácido escreveu que “com o muito
“amor de perdição” foi amplamente comentado que tenho chorado sinto um grande desfalque na
pela opinião pública. Os dois amantes foram jul- vista […] além disto, sinto-me muito enfraque-
gados a 15 de outubro de 1861 e, um dia depois, cida e doente e conto que Deus se lembrará de
o juiz (pai do escritor Eça de Queirós) absolveu mim tirando-me deste limbo escuro e tenebro-
os réus. O casal escolheu a capital para iniciar so em que a minha alma suspira pela redenção”
uma vida livre, mas devido a problemas finan- [Carta I – Camilo em Landim, p. 61]. A 14 de ju-
ceiros separou-se por uns tempos e Ana insta- nho de 1893, continuava a lamentar-se: “V. Ex.a
lou-se no Recolhimento de São Cristóvão. Em deve compreender melhor do que ninguém, qual
1863, estavam de novo juntos e, em Lisboa, a 26 é a minha vida presente! Saudade funda e cru-
de junho, nasceu Jorge Camilo Plácido Castelo ciante do passado, esperança só na paz do se-
Branco. A 15 de julho do mesmo ano, Pinheiro pulcro e no esquecimento” [Carta IV – Camilo
Alves faleceu, em Vila Nova de Famalicão, fi- em Landim, p. 65]. Manuel Simões, numa nota
cando Ana Plácido a administrar a fortuna que preambular de Camilo em Landim, escrevia que
o filho herdara do pai legal. Mais desafogados “as cartas de Ana Plácido traduzem muito bem
em termos monetários, Ana e Camilo mudaram- as saudades posteriores à morte de Camilo, a gra-
se primeiro para o Porto e, depois, para a Quin- tidão pelas atenções dos amigos e ainda as di-
ta de S. Miguel de Seide, património legado ao ficuldades financeiras por que passava ocasio-
filho, Manuel Plácido. Aí, a 15 de setembro de nalmente” [p. 8]. A Viscondessa de Correia Bo-
1864, nasceu o último filho do casal, Nuno Plá- telho faleceu em 1895. Em O Romance de Ca-
cido de Castelo Branco. A 15 de julho de 1866, milo, Aquilino Ribeiro afirma que, depois da mor-
Castilho, na companhia de Tomás Ribeiro e de te do escritor, ela “entrou por sua vez para o Con-
Eugénio de Castilho, visitou S. Miguel de Sei- vento de Santa Maria Egipciana” [Boletim Cul-
de, tendo Ana Plácido, como recordação dessa tural, p. 17]. Ana Augusta Plácido dedicou-se à
visita, mandado erigir um obelisco na cerca da literatura assinando com as iniciais do seu
casa. Vitorino Nemésio, em Ondas Médias, fez nome (A. A.) e utilizando três pseudónimos: Gas-
uma descrição soturna da habitação minhota: “A tão Vidal de Negreiros, Lopo de Sousa e Pedro
casa do escritor, já em 1880, tem um aspeto som- de Sousa, como é referido por Guerra Andrade
brio, com aquele obelisco postiço, sagrando a vi- [Dicionário, p. 420]. Ana colaborou em diversas
sita de Castilho; as janelas da casa de jantar afo- publicações, fez traduções, ajudou Camilo em al-
gadas de trepadeiras, e a árvore de que Raul Bran- guns textos e dedicou-se também à poesia. A sua
dão fez o espectro e o espelho da vida daquelas carreira literária ficou marcada pela colaboração
pessoas trágicas – Camilo e Ana Plácido – acor- na revista conimbricense O Ateneu (1859); no jor-
dadas do sonho e do desespero pelos ramos que nal portuense O Nacional e na Revista Con-
batiam nos vidros” [Boletim Cultural, p. 18]. A temporânea de Portugal e Brasil (1860); na re-
17 de setembro de 1877, morreu Manuel Pláci- vista fluminense O Futuro (1862-1863); no pe-
do com 19 anos de idade, na Póvoa do Varzim, riódico O Civilizador (1865); no semanário de re-
onde passava férias com a família. Ana e Camilo creio literário dedicado às damas A Esperança,
oficializaram finalmente a sua relação, casando- publicado no Porto entre 1865-1866; na Gaze-
se a 9 de março de 1888, pelas 21 horas, num pré- ta Literária do Porto (1868), com o pseudónimo
dio da Rua de Santa Catarina, no Porto, três anos de Gastão Vidal de Negreiros, e no Almanaque
após a atribuição a Camilo do título de viscon- da Livraria Internacional (1873). De acordo
de de Correia Botelho. A vida de Ana e Camilo com Alexandre Cabral, em 1861, Ana Plácido
e de seus filhos em Seide é apelidada de “Inferno pretendera criar o jornal literário Esperança “com
de Seide” [Cartas Inéditas], pois os infortúnios o confessado objetivo de sobreviver inteiramente
sucederam-se. O agravamento da doença de Ca- à sua custa” [Dicionário de Camilo Castelo
milo, o martírio físico e familiar, culminará com Branco, p. 500], mas o projeto não se concreti-
o seu suicídio em 1890. Os anos passados depois zou. O romance Regina, escrito em nome de Gas-
ANA 84

tão Vidal de Negreiros, ficou incompleto devi- to literário” revela as angústias e as torturas a que
do à suspensão da Gazeta Literária. Ana Augusta foi sujeita na vida e que contribuíram, sem dú-
Plácido publicou a compilação Luz Coada por vida, para essa escrita vivida e sofrida patente
Ferros em 1862, dedicando-a à memória da irmã em alguns dos seus textos. Como refere a in-
mais nova, e onde confessa que ela fora a sua vestigadora brasileira Mónica Rector, “A vida de
“única amiga neste mundo: não conheci afeição Ana Plácido foi uma novela romântica” [idem],
mais verdadeira” [p. 5]. A obra é uma espécie de pois transpôs para a escrita todo o sofrimento que
memórias do cárcere e, segundo a própria autora, a acompanhou até ao fim dos seus dias. Segun-
“grande parte destes escritos nasceram na cala- do ela própria, teve uma “vida de desgostos e
mitosa época do cárcere e do escárnio dos amarguras” [Cartas inéditas, p. 15]. Ana Augusta
meus algozes, nunca saciados das torturas que Plácido apresenta-se como uma mulher escritora,
me infligiram” [idem]. Júlio César Machado es- folhetinista e memorialista, tradutora e que co-
creveu uma elogiosa introdução salientando o laborou com regularidade na imprensa periódica.
talento delicado da escritora e destacou que a fan- A voz desta mulher, que aqui se desvenda, re-
tasia presente na sua escrita se ficava a dever em vela uma série de múltiplas relações: com ela pró-
parte “ao conhecimento da vida social e à sua pria, com a família, com Camilo, com o amor,
triste experiência da dor” [Luz Coada por Fer- com a dor, com a literatura, com a escrita e com
ros, p. 9]. Teresa Leitão de Barros referiu que as a vida. Como regista Ernesto Biester, as duas ini-
pequenas novelas e os apontamentos autobio- ciais (A. A.) que a escritora utilizava “valem um
gráficos que constavam desta compilação já ti- grande talento e escondem uma senhora!” [Car-
nham sido publicados em jornais e revistas, como tas Inéditas].
a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, Da autora: Herança de Lágrimas; Luz Coada por Ferros
nos jornais portuenses O Nacional e Amigo do – Escritos Originais, Coleção António Maria Pereira, Lis-
Povo, na revista fluminense O Futuro e na revista boa, Parceria António Maria Pereira, 1904; Cartas iné-
conimbricense O Ateneu [Escritoras de Portugal, ditas da segunda mulher de C. C. B., Lisboa, Livraria de
J. Rodrigues e C.a, 1916; Cartas inéditas de Camilo e de
p. 197]. A escritora publicou o romance Herança D. Ana Plácido, Lisboa, Francisco Franco, 1933.
de Lágrimas, em 1871, com o pseudónimo Bib.: Adriano da Guerra Andrade, Dicionário de Pseu-
Lopo de Sousa. Também com este pseudónimo dónimos e Iniciais de Escritores Portugueses, Lisboa, Bi-
masculino publicou as seguintes traduções: blioteca Nacional, 1999, p. 420; Afonso de Azevedo Nu-
nes Branco [notas e comentários], Cartas inéditas da se-
Como as Mulheres se Perdem e A Vergonha Que gunda mulher de Camilo Castelo Branco, Lisboa, Livraria
Mata, em 1874, da autoria de Amedée Achard; de J. Rodrigues & C.a, 1916; Alexandre Cabral, Dicionário
Aprender na Desgraça Alheia, em 1875, de Ben- de Camilo Castelo Branco, Lisboa, Caminho, 1989; Ál-
jamim Constant; e Feitiços de Mulher Feia, em varo Manuel Machado (organização e direção), Dicionário
1876, de Victor Cherbuliez, publicado em Coim- de Literatura Portuguesa, Lisboa, Editorial Presença,
1996; “Camilo. O Homem e o Artista”, Boletim Cultu-
bra, pela Imprensa da Universidade. Anonima- ral, Fundação Calouste Gulbenkian, Serviço de Biblio-
mente, Ana Plácido traduziu: O Mês de Maria tecas itinerantes e fixas, VII série, 4, outubro, 1991; Emí-
da Imaculada Conceição, do padre Graty, pu- lia Sampaio Névoa Faria [leitura, introdução e notas],
blicado no Porto (1865); A Vida Futura do Pa- Camilo em Landim: cartas inéditas de Camilo e Ana Plá-
cido para Alberto Sampaio e António Vicente de Car-
dre Lescoeur, versão portuguesa revista e pre- valho Leal e Sousa, Centro de Estudos Camilianos, Es-
faciada por Camilo Castelo Branco (1877); Pio IX, tudos Camilianos 2, 1990; Inocêncio Francisco da
de Villefranche (1877); e O Papa e a Liberdade, Silva, Dicionário Bibliográfico Português, Lisboa, Im-
do padre Constant (1879). Ajudou ainda Cami- prensa Nacional, 1858-1958; João António de Freitas For-
lo a traduzir o Dicionário Universal de Educa- tuna, Cartas de J. A. de Freitas Fortuna a D. Ana Augusta
Plácido e a Camilo Castelo Branco, 1924; Júlio Dias da
ção e Ensino de E. M. Campagne (1873). Ana Plá- Costa [prefácio e notas], Dois Anos de Agonia: cartas de
cido escreveu também poesia e adaptou para tea- Camilo e de Ana Plácido a Freitas Fortuna, Lisboa, Li-
tro o romance de Méry Les damnés de l’Inde, in- vraria Editora Guimarães & C.a, 1930; Mónica Rector, Mu-
titulando-o Aurora, drama em quatro atos pu- lher – objecto e sujeito da Literatura Portuguesa, Porto,
Universidade Fernando Pessoa, 1999; Teresa Leitão de
blicado no periódico do Porto O Civilizador, de Barros, Escritoras de Portugal – Génio feminino revelado
1865. Na perspetiva de Isabel Allegro de Maga- na Literatura Portuguesa, Vol. II, Lisboa, 1924.
lhães, a vida de Ana Plácido foi a “origem da for- [D. M. T. M.]
ça e da convicção de algumas das suas perso-
nagens assim como dos seus escritos” [citada por Ana Augusta Santos
Mónica Rector, p. 141]. De facto, o seu “instin- Aderiu ao espiritismo filosófico, científico e ex-
85 ANA

perimental. Em 1919, era assinante da revista Bayard, tradução de João Baptista Ferreira, O Len-
A ASA*, periódico de propaganda sociológica ço Branco, de Alfred Musset, e Moços e Velhos,
e das ciências psíquicas. Em 26 de fevereiro de traduzidas por Rangel de Lima, Casamento
1921, participou na sessão de confraternização Singular, de D. José de Almeida, A Infeliz Ca-
espírita que assinalou o enlace matrimonial de rolina, tradução do francês por Pinheiro Chagas,
Cândido Guerreiro Xavier da Franca, filho de Dente da Baronesa e Botina Verde, ambas de Tei-
Maria Veleda*, com Arminda da Costa Pinto da xeira de Vasconcelos, Tia Maria, em 2 atos, imi-
Silva*, sobrinha de Maria Emília Marques*. Na tação de Paulo Midosi, Nem César nem João Fer-
imprensa espiritualista há outras referências à nandes, de Costa Cascaes; nas peças Abençoa-
sua participação em sessões espíritas promo- da Diabrura, de Braz Martins, Máscara Social,
vidas pelo Centro Espiritualista Luz e Amor*. de Alfred Hogan; na mágica O Cabo da Caçarola,
Contribuiu para as despesas de publicação da de Joaquim Augusto de Oliveira e em Joana do
revista O Futuro*, periódico fundado em 1921 Arco, de Alfredo Ataíde, música de Gomes Car-
que substituiu A ASA, e para a subscrição a fa- dim; e da autoria de César de Lacerda, A Aris-
vor da representação portuguesa no Congresso tocracia e o Dinheiro, em 3 atos, Oração de Mãe,
Espírita Internacional, que se realizou em Pa- A Probidade, comédia-drama marítimo em 3 atos,
ris, em setembro de 1925. Mistérios Sociais, em 4 atos, O Defensor da Igre-
Bib.: A ASA, n.o 5, maio, 1919; O Futuro, n.o 2, março, ja, drama sacro em 4 atos, e Fidalguinho, peça
1921, pp. 15-16, n.o 3, abril, 1921, p. 16, e n.o 12, julho, de costumes populares de Ferreira de Mesqui-
1923, p. 14; A ASA, n.o 12, setembro, 1925, p. 178; O Es- ta. Distinguiu-se, também, em Pretos e Brancos,
pírita, n.o 1, janeiro, 1926, pp.1-19.
[N. M.] Pródigos e Económicos, Tia Ana de Viana, Fa-
mília do Colono, A Pastora dos Alpes, entre ou-
Ana Cardoso tras. Foi ao Brasil, para uma digressão de qua-
Distinguiu-se como atriz cómica, dramática e “ca- tro anos e, quando regressou, entrou para o
racterística”. Faleceu a 12 de outubro de 1878. Teatro D. Maria II, onde se notabilizou nos dra-
Foi das últimas discípulas de Émile Doux (f. mas Morgadinha dos Canaviais, adaptação de
1876), ensaiador e diretor do Teatro da Rua dos Barbosa Machado do romance de Júlio Dinis,
Condes, entre 1837 e 1840. Tinha uma fisiono- Loucura ou Santidade, Visconde de Letorières,
mia rebelde e dizia-se que copiava as persona- tradução de António Joaquim Mendes Leal, e na
gens do mundo que a cercava. Em 1849, apare- comédia chistosa O Neto dos Reis, em seu be-
ceu a protagonizar a peça A Mulher da Perna de nefício, em que, segundo a crítica do tempo, Ana
Pau no Teatro D. Fernando e, segundo um crí- Cardoso melhor revelou os seus dotes de atriz
tico que assistiu à representação, “era detestá- cómica. Faleceu, já idosa, foi enterrada no jazi-
vel, pela fisionomia, voz, e maneiras que adotou” go pertencente à Associação dos Socorros Mú-
[Revista Popular, 1849, p. 272]. No entanto, en- tuos Montepio dos Actores Portugueses, no
trou em Trabalho em Vão (1850); A Batalha de Cemitério dos Prazeres.
Montreau (1850); na comédia O Baile (1851), tra- Bib.: Alberto Gama, “A actriz Ana Cardoso” [com gra-
duzida do francês, onde foi muito louvada pela vura de Alberto], O Ocidente, n.o 21, 01/11/1878, pp. 166-
crítica; fez o papel de “Emparedada” na peça O 168; Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Rei e o Eremita, drama sacro em três atos, imi- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 197;
tação de José Maria Braz Martins (1823-1872) a António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11, 186, 232;
partir da peça Nossa Senhora de Paris, de Vic- Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século,
tor Hugo, com êxito. Em 1852, estava no Teatro 1947, pp. 279-181; Esteves Pereira e Guilherme Rodri-
da Rua dos Condes. Quando este teatro reabriu gues, Portugal. Dicionário histórico, corográfico, bio-
em 1856, após falência, integrou o elenco da gráfico, bibliográfico, heráldico, numismático e artísti-
co, Vol. II, Lisboa, João Romano Torres, Editor, 1906, p.
Companhia César Lacerda & José Carlos Santos. 174; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol.
Foi para o Teatro do Ginásio, onde se manteve VI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 902;
durante vinte anos, e se destacou em Mestre Je- Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol.
rónimo (1866), peça em 2 atos, imitação de Ran- II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal
gel de Lima, ao lado de Luís Furtado Coelho e de Lisboa, 1967, pp. 332 e 336; “Revista dos Espetácu-
los”, Revista Popular, Lisboa, Vol. II, n.o 34, 27/10/1849,
em As Georgianas (1868), opereta, tradução de p. 272; Revista Popular, Lisboa, Vol. IV, 1851, pp. 38-
Eduardo Garrido, música de Offenbach; nas co- 39; Diário Ilustrado, 02/03/1878, p. [1].
médias em 3 atos O Gaiato de Lisboa, de [I. S. A.]
ANA 86

Ana das Peles Representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,


v. Bonequeiras de Estremoz Universidade Aberta, 2008.
[T. P.]
Ana de Jesus Almeida
Primeira mestra de costura e corte da oficina de Ana de Melo
lavores femininos da Escola Industrial de Por- Atriz. Estreou-se no Teatro do Ginásio em 1870.
talegre. Foi uma distinta aluna de desenho da Fazia parte do elenco do Teatro do Príncipe Real,
Escola de Desenho Industrial Fradesso da Sil- onde representou nos dramas populares O Povo
veira, em Portalegre, como comprovam o pré- (1880), de António Sousa Bastos, música de An-
mio honorífico em “Desenho elementar com- gelo Frondoni, O Naufrágio da Fragata Medu-
pleto” obtido no ano letivo de 1887/88 e a in- sa (1882), mágica de Joaquim Augusto de Oli-
tegração de alguns dos seus trabalhos na Ex- veira, e entrou no drama de grande espetáculo
posição Industrial Nacional de 1888, realizada O Incêndio do Brigue Atlântico (1886), tradução
na Avenida da Liberdade, e na Exposição das es- de Maximiliano de Azevedo, ao lado de Jesuí-
colas industriais patente no Museu Industrial na Saraiva*, e em O Baralho de Cartas (1886), co-
e Comercial de Lisboa em 1891. Em novembro média em 4 atos, de Júlio Vieira.
de 1893, a oficina de trabalhos para o sexo fe- Bib.: Pinto de Carvalho, “O Velho Ginásio”, Lisboa de
minino daquela escola encontrava-se em con- outros tempos, T. 1. Figuras e cenas antigas, Lisboa, Liv.
de António Maria Pereira, Editor, 1898, pp. 166-177; Cró-
dições de ser inaugurada. Luciano Cordeiro, ins- nica dos Teatros, 18/07/1880; Diário Ilustrado,
petor das escolas industriais da circunscrição 13/12/1882; O Recreio, Lisboa, 18/09/1886.
do Sul, tuteladas pelo Ministério das Obras Pú- [I. S. A.]
blicas, Comércio e Indústria, propôs superior-
mente o nome de Ana de Jesus Almeida para a Ana do Carmo Pessoa
função de mestra de costura e corte. A nomea- Nasceu em Lisboa em 13 de junho de 1808, era
ção concretizou-se em 1 de dezembro do mes- filha de António Ribeiro Pessoa e de Ana Maria
mo ano, tendo-lhe sido atribuído um vencimento da Piedade. Em 1815, a família estabeleceu-se em
de 12$000 réis mensais. Em janeiro de 1894, po- Coimbra e, em 1843, Ana recolheu ao Conven-
rém, pediu a demissão, tendo sido substituída to do Desagravo, de Vila Pouca da Beira, onde
por Maria Amália Reis Bentes*. Em 1896/97, vol- permaneceu até 1844. Nesse mesmo ano, ocu-
tou a ser contratada como mestra de Lavores Fe- pou o lugar de professora do Colégio das Ursu-
mininos na mesma escola e ainda exercia à data linas, da Vila de Pereiro, onde faleceu em julho
da implantação da República. de 1845. Escreveu e traduziu cerca de uma de-
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das zena de obras de propaganda religiosa, em pro-
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- sa e em verso. Mandou imprimir alguns opús-
cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- culos de devoção e os seguintes livros: O novo
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, mês de Maria, publicado em Coimbra, pela Im-
Copiadores de correspondência expedida (1891- 1892;
1893; 1894). Fontes impressas: Ministério das Obras Pú- prensa da Universidade, em 1838, com reedições
blicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do Comér- em 1839 e 1858; Paráfrase do Salmo Miserere,
cio e Indústria, Relatórios sobre as Escolas Industriais com versos da autora, e Paráfrase do Salmo Mi-
e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul. Anos serere ou Afectos de um Coração Penitente e
lectivos de 1886-1887 (segunda parte) e 1887-1888, Lis-
boa, Imprensa Nacional, 1888; As Escolas Industriais da
Compungido, edição póstuma da Imprensa da
Circunscrição do Sul na Exposição Industrial de Lisboa Universidade de Coimbra, em 1866.
em 1888. Catálogo dos Desenhos e outros objectos exe- Bib.: Inocêncio Francisco da Silva e Brito Aranha, Di-
cutados e expostos pelos alunos, Lisboa, Tipografia Mo- cionário Bibliográfico Português, Lisboa, Imprensa Na-
derna, 1888; Ministério das Obras Públicas, Comércio e cional-Casa da Moeda, 1911, Tomo XX, pp. 157-158.
Indústria, Direcção Geral do Comércio e Indústria, Ca- [N. M.]
tálogo dos trabalhos expostos no Museu Industrial e Co-
mercial de Lisboa e executados nas Escolas Industriais
e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul no Ano Ana Elisa Pereira
lectivo de 1889-1890, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; Atriz e estrela de opereta conhecida por Ana Pe-
Decreto de 14/12/1897, Diário do Governo, n.o 283, 15 reira. Nasceu em Cadafais, concelho de Alenquer,
de dezembro de 1897; Anuário Comercial de Portugal,
Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910.
a 27 de julho de 1845, e faleceu em Lisboa a 24
Bib.: Teresa Pinto, A Formação Profissional das Mulheres de novembro de 1921. Era filha de Agostinho
no Ensino Industrial Público (1884-1910). Realidades e Lourenço Pereira e de Maria Isabel Pereira e irmã
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de Margarida Clementina*, atriz, e de Francisco do, Sargento Frederico, comédia em 5 atos, e O


Xavier Pereira, que foi solicitador encartado da Xerez da Viscondessa, ambas traduzidas por
comarca de Lisboa. Bastante pobres, partiram Francisco Palha, Viver em Paris, opereta, Pepe
para Lisboa, quando o pai cegou, a fim de pro- Hillo, zarzuela, Rosa das Sete Folhas, Flor de
curar algum trabalho. António Martins Romão Chá, Princesa Trebizonda, A Mãe dos Pobres
(f. 1878), então encenador do Teatro do Ginásio, (1867), drama de Ernesto Biester; as mágicas Três
e antigo condiscípulo do pai das crianças, in- Rocas de Cristal, arranjo de Aristides Abranches,
tegrava as meninas em peças infantis a troco de e A Gata Borralheira, em 3 atos, imitação de Joa-
algumas moedas que suavizavam as dificulda- quim Augusto de Oliveira, ambas musicadas por
des económicas da família. Eram conhecidas, en- Frondoni, representando, nesta, o papel de
tre os atores, como “as filhas do cego”. Ana Pe- “Príncipe”, depois de se recusar, alegando as
reira tinha cabelos e olhos escuros, era morena, cláusulas do contrato, aceites por aquele teatro,
de tipo viril, talvez devido ao buço, mas reve- de não vestir maillot. As divergências com
lava grandes aptidões para o palco. Estreou-se, Francisco Palha, empresário do teatro, levaram
como atriz profissional, em 1861, no Teatro do à saída da atriz em 1874, ingressando nos Tea-
Ginásio, em Pecados do Século XIX, drama de tros do Príncipe Real, onde permaneceu entre
Braz Martins. Ali fez Escola de Mulheres, co- 1875-1876, e D. Maria II, a convite da Empresa
média de Molière, Lição aos Noivos, Efeitos da Biester, Brazão & Ca., onde fez benefício no pa-
Fotografia, sempre festejada pelo público e pel de “Aspásia”, da comédia Filha de Fígaro
pela crítica. Em 1862, as irmãs foram contrata- (1878), e representou as suas coroas de glória, as
das por Emília das Neves*, para uma companhia comédias Capitão Carlota, Gaiato de Lisboa
teatral que foi atuar nos teatros do Porto, e Ana (1879), em 2 atos, de Bayard, tradução de João
Pereira salientou-se, desde logo, pela forma como Baptista Ferreira, Barba Azul (1879), em que era
cantou um couplet da opereta O Que tem de Ser. inimitável no papel de “Carlota”. Ali fez os dra-
A companhia deslocou-se ao Teatro D. Luís, em mas Morgadinha de Valflor (1879), em 5 atos, e
Coimbra, e as irmãs foram ali igualmente aplau- Filho de Corália (1880), ambos de Pinheiro Cha-
didas. Em 1864, foram para Lisboa, contratadas gas; Os Burgueses de Pontarcy (1880), em 5 atos,
pela Empresa César de Lima & Ruas, para inau- tradução de Chaves de Aguiar, A Mantilha de
gurar o Teatro do Príncipe Real. Margarida Cle- Renda (1880), comédia em 3 atos, em verso, de
mentina, bonita, elegante e com muito boa voz, Fernando Caldeira; O Segredo de Miss Aurora
fez-se desde logo notar, mas retirou-se cedo de (benefício, 1880). Durante seis anos, represen-
cena, para se casar com o capitalista Júlio César tou neste e noutros teatros, protagonizando A Mu-
da Silva. Ana Pereira fez sucesso no papel de tra- lher Pirata (1881), drama de Júlio Howorth, no
vesti na opereta em 1 ato A Herança do Tambor- Príncipe Real; Louco de Évora, drama patrióti-
Mor, de José Inácio de Araújo. Passou, depois, co em 3 atos, de João Ferreira Cruz, com muito
pelo Teatro do Ginásio, onde mostrou o seu alto sucesso, na Rua dos Condes. Quando a empre-
mérito em Mongini ou o Dó de Peito (1865), de sa do Teatro D. Maria II se desfez, reconciliou-
Augusto Garraio; na mágica O Castelo da Rocha -se com Francisco Palha e reapareceu, no Tea-
Negra (1866), de António dos Santos Júnior; nas tro da Trindade, a 9 de novembro de 1880, to-
peças Honra dos Nobres, Trevas e Luz e no en- mando parte nas principais peças do seu re-
treato Discórdias e Concórdia. A 28 de maio de pertório, entre as quais as óperas cómicas em 3
1868, estreou-se no Teatro da Trindade na co- atos, Rouxinol das Salas (1890), arranjo de
média Tentações do Demónio, de Victorien Aristides Abranches a partir da peça Monsieur
Sardou, e ali fez uma carreira brilhantíssima Garat, musicada por Frondoni, Valentim Dia-
como primeira atriz de opereta. São dessa fase brete, de Vanloo e Latterrier, música de Lacôme
Barba Azul (1868), ópera burlesca em 3 atos e (benefício, 1883), Sino do Eremitério (1881), tra-
4 quadros, de Meilhac e Halévy, música de Of- dução de Costa Braga, música do maestro Fran-
fenbach; Fausto o Petiz, de Hector Crémieux cisco Alvarenga, Bocacio, tradução de Eduardo
(1828-1892) e Jayme Adolphe Fils (1824-1901), Garrido, música de Frédéric Suppé, Noite e o Dia,
opereta em 3 atos e 4 quadros, traduzida por Aris- tradução de Eduardo Garrido e Cardoso Leoni,
tides Abranches com música de Florimond Piperlin (1881), comédia em 3 atos, tradução de
Hervé; Sol de Navarra (1871), gracejo de Alfre- Eduardo Garrido, Os Dragões de Villars, letra de
do de Ataíde, com música de Augusto Macha- Lockroy e Cormon, música de Aimé Maillart, tra-
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dução de Gaspar Borges de Avelar e Jaime de Sé- chala, de Alphonse Lemonnier e Jean-Louis Per-
guier, D. Juanita (1881), opereta em 3 atos e 4 ricaud, tradução de João Francisco Xavier de Eça
quadros de Manuel Casademund, arranjo de Ce- Leal, em que era admirável. Depois de uma di-
reseda, tradução de Eduardo Garrido, música de gressão pela província e Ilhas, entrou para a Com-
Frédéric Suppé, Mulher do Papá (1882), comé- panhia Rosas & Brazão, Teatro D. Maria II, sa-
dia onde representou uma cena de embriaguez lientando-se em “Isidra”, de João José, drama em
ao lado de Taborda, Mocidade de Fígaro, Garra 4 atos de Joaquim Dicenta, em tradução de Car-
de Leão, drama com prólogo e 5 atos, de los Schore, e Os frutos de Oiro (1896), de Augusto
Edouard Philippe, versão de João Soler. Fez, em Queiroz. Retirou-se de cena por volta de 1900,
travesti, a Leitora da Infanta, tradução de La Pe- voltando a pisar o palco do D. Amélia, para criar
tite Muette por Eça Leal, música do maestro Au- os papéis de “Lucrécia”, na estreia de Meia-noi-
gusto Machado, peça em que também repre- te, peça em 3 atos de D. João da Câmara, e “Brá-
sentou Mercedes Blasco*, Sérgio Panine (1885), zia”, em Viriato Trágico, de Júlio Dantas. Fize-
de Georges Ohnet, tradução de Lino d’Assunção, ram-lhe uma récita de homenagem, no Teatro da
Amor Molhado (1887), opereta, traduzida por Trindade, em fevereiro de 1912, com atrizes, ato-
Eduardo Garrido, música de Varney, Estudante res e políticos. Reformou-se pelo Cofre de Sub-
Pobre, O Papão, comédia em 3 atos, tradução de sídios e Reformas da Sociedade Artística do Tea-
Freitas Branco, as óperas cómicas Rei de Ouros tro Nacional Almeida Garrett (D. Maria II), sem
(1887), de Latterrier e Vanloo, tradução de Ger- ter pertencido à Sociedade Artística do mesmo
vásio Lobato e Urbano de Castro, música de teatro. Foi-lhe atribuída a pensão anual de
Théodore Lagarte, A Grã Duquesa de Gerolstein, 900$00 correspondente à aposentação de artis-
ópera burlesca em 3 atos e 4 quadros, de Mei- ta de 1.a classe, por decreto promulgado pelo Pre-
lhac e Halévy, tradução de Eduardo Garrido, mú- sidente da República. Em 1917, Estevão Ama-
sica de Offenbach; Heloísa e Abelardo, Último rante promoveu uma festa em sua homenagem.
Figurino, peça onde conheceu um êxito retum- Entrou no filme O Condenado (1921?). Depois
bante. Depois do insucesso do espetáculo A Sex- de doloroso sofrimento, faleceu em casa, na Rua
ta Parte do Mundo, em que caiu no palco, ten- do Rato, n.o 37, 4.o andar, donde saiu para o ja-
tou suicidar-se com arsénico, ficando muito de- zigo de família no Cemitério do Alto de S. João
bilitada e impossibilitada de trabalhar durante aquela a quem chamaram “Marechala da Arte”.
um ano. Regressou ao Teatro da Trindade, a 13 Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
de fevereiro de 1890, ainda de muletas, no 1.o ato res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1029;
de Rouxinol das Salas, em reprise, com delirante Eça Leal “Ana Pereira” [c/retrato], Almanaque dos Pal-
ovação do público. Continuou a representar, nes- cos e Salas para 1908, Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor,
pp. 48-50; Eduardo de Noronha, Reminiscências do Ta-
te teatro, José João (1896), paródia de Eduardo blado, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927, p. 100;
Fernandes (Esculápio) o drama João José de Joa- Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
quim Dicenta, D. César, comédia em 5 atos ex- cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
traída da peça de Adolphe d’Ennery, traduzida heráldico, numismático e artístico, Vol. V, Lisboa, João
Romano Torres, Editor, 1911, pp. 578-579; Gustavo de
por Acácio Antunes e música inspirada em Dal- Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D. Maria
linger, Só morre quem Deus Quiser, Contos de II, vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário
Bocacio, Viver de Paris, Pepe Hélio, Paulo e Vir- 1846-1946, Lisboa, s.n., 1955; Idem, O Carmo e a Trin-
gínia, ópera de Aspa, Robinson, O Tributo das dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
Cem Donzelas, drama de Alboize e Lopes, Municipal de Lisboa, 1967, pp. 163, 386, 401; Guiomar
Torrezão, “Rumores dos Palcos”, Ribaltas e Gambiarras,
adaptação de Mendes Leal, Três Dias na Berlinda, Lisboa, n.o 10, 05/03/1881, pp. 86 e 95; Idem, “Cartei-
D’Artagnan, opereta extraída de Os Três Mos- ra dos Teatros”, 07/05/1881 e 12/05/1881; João Pinto de
queteiros, de Alexandre Dumas, pai, em travesti, Carvalho (Tinop), “O Velho Ginásio”, Lisboa de outros
Brasileiro Pancrácio, comédia de costumes em tempos, T. 1. Figuras e cenas antigas, Lisboa, Livraria
de António Maria Pereira, Editor, 1898, pp. 166-177; Jú-
3 atos, original de Sá de Albergaria (1850- lio César Machado, Os Teatros de Lisboa, Editorial No-
1921) e música de Freitas Gazul, Académicos e tícias, 1991, p. 162; Mercedes Blasco, Caras Pintadas,
Futricas, El Rei Pimpão, opereta em 1 ato, arranjo Lisboa, Portugália Editora, 1923, pp. 59-62; Pedro Pin-
de Eduardo Garrido, música de Frederico Fer- to, “Ana Pereira” [c/ retrato, já idosa], O Ocidente, n.o
964, 10/10/1905, pp. 219 e 221; Tomaz Ribas, O Teatro
reira. Em 1894, foi contratada para o Teatro da da Trindade, 125 Anos de Vida, Porto, Lello & Irmão –
Rua dos Condes, distinguiu-se em todas as pe- Editores, 1993; Victor Pavão dos Santos e João Bénard
ças, em especial na soberba criação de A Mare- da Costa, O Cinema Vai ao Teatro, 1996-1997, Lisboa,
89 ANA

Cinemateca Portuguesa/Museu Nacional do Teatro, p. que nasceu. Oriunda de uma família progressista,
16; A Scena, Lisboa, n.o 63, 17/07/1898; O Palco, Lis- o pai era um republicano convicto, valorizando
boa, 05/04/1912, p. 103; “A Actriz Ana Pereira – com
76 anos de idade, faleceu ontem a célebre estrela de ope- a educação como uma forma de libertar a mu-
reta” [c/fot.], O Século, 25/11/1921, pp. 3 e 5; “Teatro lher da dependência do homem. Licenciada pela
– Foi neste dia...”, O Século, 29/04/1961, p. 5. Universidade de Coimbra, obteve a habilitação
[I. S. A.] para o Magistério Liceal fazendo o Exame de Es-
tado na Escola Normal Superior, em Coimbra, o
Ana Fortes qual concluído lhe permitiu começar a lecionar
Atriz. Integrou a Companhia de Ópera Cómica no Liceu Infanta D. Maria, localizado nessa mes-
dirigida por Pedro Cabral e José Pedro da Sil- ma cidade, durante o ano letivo de 1926-1927,
va, numa digressão pelos Açores. continuando aí, como professora provisória do
Bib.: Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro, então 8.o grupo, entre 20 de janeiro de 1927 e 30
Lisboa, Livraria Popular, 1924. de julho de 1927. Ascendendo a professora in-
[I. S. A.] terina, ingressou no Liceu Maria Amália, onde
se manteve em exercício durante o ano letivo de
Ana Isabel Reuter 1927-1928. Criado o Liceu D. Filipa de Lencas-
Atriz portuguesa de ascendência sueca, sobrinha tre, em outubro de 1928, pertenceu ao seu pri-
de um negociante residente em Lisboa, de meiro corpo docente, tornando-se professora
nome Kerrulf. Cantava bem, tinha bonita figu- agregada neste a partir de 5 de dezembro de 1928
ra e mostrava qualidades para o teatro. Foi uma e até 30 de setembro de 1930 [2.a série do Diá-
das primeiras mulheres que integraram o elen- rio do Governo n.o 237, de 11 de outubro de
co organizado pelo empresário António José de 1930]. Após dois anos no Liceu D. Filipa de Len-
Paula (f. 1803), para atuar no Teatro Nacional da castre (1928-1929 e 1929-1930), a partir de 1 de
Rua dos Condes, na primavera de 1800, depois outubro de 1930 [2.a série do DG n.o 240, de 14
de revogada a proibição, imposta por D. Maria de outubro de 1930] e até 30 de setembro de
I, de contratar figuras femininas para represen- 1931, lecionou no Liceu Nacional Sá da Bandeira,
tar nos palcos portugueses. Não foram encon- em Santarém. Ainda como professora agregada,
tradas referências às peças em que entrou. regressou de novo ao Liceu D. Filipa de Len-
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis- castre, em 1 de outubro de 1931 [2.a série do DG
boa, Editorial Século, 1947; Carl Israel Ruders, Viagem n.o 237, de 13 de dezembro de 1931], tornando-
em Portugal 1798-1802 [prefácio e notas de Castelo Bran- -se efetiva a partir de 30 de dezembro de 1931
co Chaves], Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981, p. 114;
Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro [2.a série do DG n.o 299, de 13 de janeiro de 1932].
Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 335. Neste liceu, manteve-se até completar os 36 anos
[I. S. A.] de serviço, tempo necessário para a reforma, apo-
sentando-se a 1 de fevereiro de 1964. O reco-
Ana Joaquina Mendes da Silva nhecimento do seu mérito pedagógico pelo mi-
Professora. Filha de Amélia Augusta de Castro nistro da Educação ocorreu quando ainda exer-
e de Carlos Mendes da Silva, nasceu a 16 de se- cia as funções de reitora e posteriormente à sua
tembro de 1897, na freguesia de Linhares, con- aposentação. Assim, em 1961, foi agraciada com
celho de Carrazeda de Ansiães, onde passou a o grau de Comendador da Instrução Pública [DG,
infância. Casou por volta dos 40 anos com Cus- n.o 168, de 19 de julho de 1961] e, após a apo-
tódio Gago, dado ter valorizado em primeiro lu- sentação do serviço docente, foi novamente re-
gar a carreira profissional, acabando por se fixar conhecido o mérito pedagógico ao publicar-se a
em Lisboa até à data da sua morte, em 9 de fe- seu respeito, em Diário do Governo [n.o 37, de
vereiro de 1984. Não sendo usual na época as 26 de março de 1964]: “Louvada pela muita de-
mulheres prolongarem os estudos ao nível uni- dicação, alta competência e inexcedível zelo,
versitário, o filho atribui o facto de a mãe ter fei- quer como professora, quer como Reitora”. En-
to uma licenciatura em Matemáticas, na Uni- tre os variados cargos desempenhados no Liceu,
versidade de Coimbra, a duas razões. A primeira, como os de Diretora de Classe (1933-1934 e 1934-
certamente, ficou a dever-se ao facto de gostar 1935) e Diretora de Ciclo (entre o ano letivo de
de estudar. Contudo, considera que, à concreti- 1935-1936 até 1946-1947), conta-se, também, o
zação desse gosto e aspiração em fazer estudos de Vice-Reitora (entre 1944-1945 e 1947-1948).
académicos, não foi alheio o quadro familiar em Tornou-se Reitora a partir de junho de 1948 [DG
ANA 90

n.o 135, 12 de junho 1948, ratificado pelo DG de deveres para com o Estado. Admitamos ser pos-
24 de junho de 1948] até 23 de agosto de 1963. sível que, por essa razão, as alunas entrevista-
A valorização dada ao exercício dessas funções das a definam, essencialmente, como uma pro-
não pode ser omitida por duas razões, ficando fessora e uma reitora sobretudo ocupada com os
a primeira a dever-se ao facto de ser nomeada problemas académicos, não convivendo muito
para tal exercício uma mulher que, segundo re- com elas. Algumas que a tiveram como profes-
lata o filho, afirmou a Baltazar Rebelo de Sousa sora referem a exigência imposta na aprendiza-
parecer-lhe não reunir as qualidades necessárias gem da matemática. Pode-se entender que es-
para o exercício do cargo. O subsecretário de Es- tamos perante uma mulher que assumiu o ma-
tado da Educação argumentaria que havia sido gistério valorizando a vertente instrutiva à for-
informado que qualidades não lhe faltavam, tal- mativa, evitando, assim, cair no endoutrinamento
vez pudesse apontar relativamente à sua pessoa das jovens colocadas à sua guarda. Não deixa,
a ausência de certos defeitos. Mas, não nos po- ainda, de ser interessante referir que, algumas das
demos esquecer que, sendo Ana Joaquina filha alunas, que frequentaram o Liceu D. Filipa de
de um convicto republicano, e não sendo uma Lencastre durante o seu reitorado, ou parte dele,
mulher de prática religiosa católica, certamen- ao pedir-se para nomearem a reitora ignorem que
te nesta escolha pesou a constatação de carac- ela o era ou não se lembrem do seu nome. Mui-
terísticas tais como a inteligência, associada à ca- tas dessas mesmas alunas, refletindo sobre a
pacidade de trabalho para dirigir um liceu fe- questão, acabam por dizer que quem dominava
minino, cujo mérito era reconhecido estatalmente a vida liceal, entendida na vertente não letiva,
e pela sociedade lisboeta. O modo como exerceu era a Subdelegada, mais tarde Delegada distri-
as funções constitui o segundo dado a não des- tal da MPF cuja delegacia funcionava naquele
prezar. A par de, enquanto docente, nunca ter de- Liceu. Algumas delas chegavam mesmo a pen-
sempenhado qualquer atividade no centro da sar ser esta última professora a reitora, o que só
Mocidade Portuguesa Feminina do liceu, ao tor- veio a ocorrer anos mais tarde. Está a falar-se da
nar-se reitora delegou as funções de diretora do Professora Maria Emília de Sousa e Castro*, do-
centro da referida organização numa outra pro- tada de enorme capacidade de liderança junto
fessora, mesmo quando estas lhe competiam por das alunas. Também não é raro entre as alunas
inerência da lei. E, não deixa de ser significati- mais antigas, que haviam conhecido o reitora-
vo que numa deslocação da Comissária Nacio- do da Professora Maria Margarida Silva*, nomear
nal da Mocidade Portuguesa Feminina ao liceu, esta reitora e esquecerem-se de Ana Joaquina da
Maria Guardiola, não se encontra, numa das fo- Silva como aquela que ainda dirigiu o liceu nos
tos tirada na altura, entre as professoras presentes últimos anos que o frequentaram. Aqui, as razões
no exterior do liceu para a receber. Ana Joaquina apontadas são de outra ordem e associam a ou-
acompanhou a comitiva da Mocidade Portuguesa tra reitora a uma mulher que, pela sua formação
Feminina* apenas enquanto se processou a vi- literária, valorizava muito a dimensão cultural
sita ao interior do estabelecimento de ensino que da escola e incentivava sistematicamente as alu-
dirigia, não sendo só a determinação quanto às nas a tornarem-se escol de mulheres intelectuais.
funções que desempenhava suficiente para as- Julgamos que perspetivas diferentes da função
sumir um ato desta natureza. A ele tem de se as- da escola marcaram os reitorados liceais, e que
sociar uma enorme coragem para o fazer num pe- interferiram no julgamento que as alunas fazem
ríodo histórico em que a MPF havia conquista- das reitoras. Certamente, Ana Joaquina tinha uma
do um maior controlo da vida liceal, estando sob visão mais alargada da escola, diferenciando-a
a sua tutela as disciplinas escolares de Educa- de uma academia intelectual, por um lado, e, por
ção Física, Trabalhos Manuais e Canto Coral e outro, também, não partilhava a ideia da esco-
todas as atividades extracurriculares. Em tem- la como um espaço privilegiado de formação do
pos de autoritarismo, a forma de viver encontrada carácter, a fim de evitar o perigo de cair no dou-
por Ana Joaquina talvez lhe tenha permitido rea- trinamento ideológico das alunas e na manipu-
lizar uma enorme tarefa em prol da instrução. lação que podia desencadear-se com certa faci-
Não enfrentando o poder estabelecido, soube ser- lidade dada a idade delas. Ministrar-lhes um bom
vir o interesse público sem ser subserviente ao ensino parece ter sido a sua aposta, para que um
salazarismo, mas não deixando de assumir com dia, dispondo de um conjunto de conhecimen-
inteira lealdade o que considerava serem os seus tos diversificado, pudessem fazer escolhas li-
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vremente e tomar decisões. Por natureza reser- logia da nobreza não exista qualquer referência
vada, deixava que o seu estilo do dever de en- a ela ou ao seu progenitor. Em 30 de agosto de
sinar e administrar convenientemente um liceu, 1888, data em que apresentou a candidatura ao
isto é a exigência de um bom desempenho pro- lugar de professora dos Liceus Secundários Fe-
fissional, fosse intuído pelas alunas. Por último, mininos*, sendo uma das primeiras candidatas,
não se pode deixar de admitir que o modo de declarou já residir no Porto há 11 anos. Na sua
pensar, a forma de dirigir a escola, esteja tam- carta de apresentação, indica que frequentou o
bém marcado pela experiência de vida, no- Liceu do Porto, onde se submeteu a exames, ten-
meadamente pelo exemplo recebido do pai du- do obtido as classificações de Bom e Distinto, e
rante a infância, assim como pelo facto de ter sido que lecionava as línguas portuguesa e francesa
a única reitora mãe de um jovem estudante li- num estabelecimento de instrução primária e se-
ceal. O seu sentido de aceitação da liberdade do cundária desde há cinco anos. Ana de Sousa Hols-
outro não pode deixar de ser salientado, o qual tein candidatou-se aos lugares de docente das dis-
se revela nos fortes laços afetivos que vem a es- ciplinas de Português, Literatura, Francês, Peda-
tabelecer com o neto, que optou por fazer um per- gogia e Higiene ou Economia Doméstica no
curso no teatro, em vez de escolher formação aca- futuro Liceu Feminino do Porto. Uma vez que o
démica numa área de maior reconhecimento so- processo de criação dos Liceus estagnou, auto-
cial. rizou o pai a retirar os documentos anexos à can-
Bib.: Acervo Documental do Liceu D. Filipa de Lencastre,
didatura que se encontrava na Direcção Geral de
“Caixa Processos Individuais dos Professores, n.o 2: Capa Instrução Pública, os quais foram devolvidos a
Ana Joaquina Mendes da Silva, n.o 51”. 4 de dezembro de 1893 a D. Frederico de Sousa
[M. J. R.] Holstein. No Anuário Comercial de 1892 para
1893 aparece referência a Ana de Sousa Holstein
Ana Laura Chaveiro Calhau que, entretanto, teria casado, pois o último
Republicana. Filha de Joaquim Inácio Calhau e nome é agora Mendonça. Era nessa altura dire-
de Maria Pires Chaveiro, grandes lavradores, pro- tora do colégio Luso-Italiano, sito na Rua do Bon-
prietários da Herdade da Comenda Grande, jardim, 503-513, no Porto, em parceria com D. Ra-
nasceu em Igrejinha, Arraiolos, em 1892, e fa- quel de Sousa Holstein. No entanto, no Anuário
leceu a 27 de maio de 1955. Pertencente a uma de 1894 e subsequentes, deixa de haver qualquer
família de republicanos, evidenciou-se, com ape- referência quer ao colégio quer a Ana Holstein.
nas 16 anos, ao discursar no majestoso comício Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
realizado em Évora a 26 de julho de 1908, ao lado – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
de Bernardino Machado e de Afonso Costa. Ade- Bib.: Carlos A. S. Campos, Anuário – Almanaque Co-
riu, tal como outras familiares, à Liga Republi- mercial de Magistratura e Administração, Lisboa, Com-
cana das Mulheres Portuguesas, onde era a só- panhia Tipográfica, 1892, p. 117.
[A. C. O.]
cia n.o 159, e após a implantação da República
fez parte do grupo de senhoras eborenses que bor-
Ana Maria Canhoto Segura de Faria Brito Cor-
dou a bandeira nacional e a ofereceram à Câmara
reia
Municipal local, tendo discursado no ato da ofer-
É um exemplo de dedicação militante a Deus,
ta, a 30 de novembro de 1910. Segundo Fina
à família, à cultura e aos amigos. Herdou de seus
d’Armada, abandonou a atividade política após
pais – Maria Eduarda dos Santos Canhoto Se-
o casamento.
gura de Faria e Estêvão de Segura y Jimenez de
Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconhecidas, Faria – um extraordinário dinamismo, uma no-
Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011; João Gomes tável capacidade de comunicação, de fazer e cul-
Esteves, A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas
– uma organização política e feminista (1909-1919), Lis- tivar amigos e de apreciar as artes plásticas e de-
boa, ONG do Conselho Consultivo da CIDM, 1992. corativas, a música, a literatura, as viagens e a
[J. E.] cultura em geral. Nasceu em 26 de março de
1942 e viveu em Lisboa, tendo grande entu-
Ana Maria Antónia de Sousa Holstein [Men- siasmo pelas suas belezas e um acentuado
donça] sentido crítico para tudo o que as diminuía. Li-
Filha de D. Frederico de Sousa Holstein, nasci- cenciou-se em Filologia Germânica pela Fa-
da em Milão, seria, possivelmente, parente do Du- culdade de Letras da Universidade de Lisboa,
que de Palmela, ainda que nos livros de genea- com uma tese sobre John Henry Newman – A
ANA 92

Vida e a Obra de Um Educador (1968). Mestre levantados pelas ações de corso e pirataria, en-
em História da Arte pela Universidade Nova de volvendo navios portugueses, durante o século
Lisboa, defendeu uma dissertação sobre o Con- XVI, e os desenvolvimentos diplomáticos daí de-
vento dos Cardais. Casou, em 19 de outubro de correntes. Durante os três anos que se seguiram,
1968, com Luís Baltazar Brito da Silva Correia, e em que manteve aquela bolsa e o respetivo es-
advogado e docente de direito, de quem teve três tatuto, trabalhou arduamente, por vezes com al-
filhos (Margarida, Miguel e Isabel) e seis netos. gumas dificuldades, até de ordem económica, que
Trabalhou vários anos, como voluntária, no a levaram a lançar mão de tarefas remuneradas
Museu Nacional de Arte Contemporânea, no que complementassem o seu orçamento, dada a
Museu Nacional de Arte Antiga e na Sé de Lis- crónica insuficiência das bolsas portuguesas no
boa, empenhando-se especialmente em angariar estrangeiro e a conjuntura política que então se
patrocinadores para a aquisição de diversas vivia no país. Durante esse período, em que per-
obras de arte para as respetivas coleções. De- maneceu em França, percorreu diversos arqui-
dicou vários anos à recuperação da sua casa, na vos, não só franceses, mas também belgas e in-
Lapa, e das obras de arte que foi juntando. Foi gleses, que lhe proporcionaram a reunião de um
militante da JUC, do Movimento Por um Mun- importante espólio documental, que iria, poste-
do Melhor, membro de um grupo de Catecu- riormente, explorar em diversos estudos que pu-
menato, das Equipas de Nossa Senhora e do Mo- blicou e em outros que deixou inéditos e inaca-
vimento Comunhão e Libertação, sendo toda a bados. Regressada a Portugal, agora bolseira do
sua vida um testemunho notável de vida cris- Instituto Nacional de Investigação Científica, con-
tã. Faleceu no Estoril, em 4 de agosto de 2009, tinuou, nessa qualidade, a desenvolver o seu tra-
vítima da rutura de um aneurisma cerebral. balho científico. Em outubro de 1980 foi con-
[L. B. C.] tratada como assistente da Universidade Nova de
Lisboa, onde, na Faculdade de Ciências Sociais
Ana Maria Pereira Ferreira e Humanas, passou a integrar o grupo de docentes
Nasceu em Lisboa, a 27 de janeiro de 1949, e fa- do Departamento de História, trabalhando em te-
leceu em Cascais, a 23 de fevereiro de 2006. Ter- máticas de história política e institucional, e nos
minados os estudos secundários, que cursou na problemas relacionados com a Expansão dos sé-
sua cidade natal, ingressou, em outubro de culos XV e XVI, com destaque para as questões
1966, na Faculdade de Letras da Universidade de de história marítima e diplomática. Em outubro
Lisboa, como aluna da licenciatura em Ciências de 1991 defendeu, naquela Faculdade, a sua dis-
Históricas, a qual concluiria em 1972, com a apre- sertação de doutoramento, que intitulou Pro-
sentação e defesa de uma tese sobre A importa- blemas marítimos entre Portugal e a França na
ção e o comércio têxtil em Portugal no século XV, primeira metade do século XVI. Nessa mesma Fa-
trabalho que posteriormente viria a ser publica- culdade continuou sempre, até à sua morte, quer
do pela Imprensa Nacional. Ao tempo em que na docência, quer na investigação, apresentan-
completou a licenciatura, e porque se distinguira, do trabalhos em congressos científicos, tanto no
pela sua inteligência, como uma aluna brilhan- país – Lisboa, Porto, mas, sobretudo, nas ilhas da
te, era já colaboradora do Centro de Estudos His- Madeira e dos Açores –, como no estrangeiro –
tóricos do Instituto de Alta Cultura, anexo à Fa- Espanha, Estados Unidos (Califórnia), Brasil, Itá-
culdade de Letras da Universidade de Lisboa, lia –, realizando conferências, publicando livros
organismo em que ingressara a convite da sua e artigos. Entretanto, fixara residência em Cascais
diretora, Professora Doutora Virgínia Rau*, ca- e aí começara a participar, com alguma assidui-
tedrática de História Medieval daquela Univer- dade, na vida cultural do concelho, quer por meio
sidade. Aí participou em diversos trabalhos de conferências que foi solicitada a proferir, quer
que se desenvolviam no âmbito do referido pela atividade como membro do júri do prémio
Centro, até julho de 1973, altura em que, como “D. Carlos I”, atribuído pelo Museu do Mar de
bolseira, no estrangeiro, do Instituto de Alta Cul- Cascais, júri que integrou desde 1995. Por esta ati-
tura, iniciou em França, na Universidade de Pa- vidade, que desenvolveu ao longo de anos e que
ris IV – Sorbonne, sob a orientação conjunta dos culminou com o legado da sua biblioteca pessoal
Professores Virgínia Rau e Michel Mollat, os tra- ao concelho, foi-lhe atribuída, a título póstumo,
balhos conducentes à dissertação de doutora- a Medalha Municipal. Deixou-nos uma obra cien-
mento, onde se propunha estudar os problemas tífica de valor. Para lá da atividade profissional
93 ANA

e científica que exerceu, não pode ser esqueci- gal e as Canárias no século XVI (1521-1537)”, Atas do II
da uma outra importante faceta do seu labor, tal- Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal,
1989; “Defesa do Atlântico: algumas medidas de Portu-
vez menos conhecida mas, nem por isso, menos gal na primeira metade de Quinhentos”, Atas do III Co-
significativa. Poetisa de grande sensibilidade, dei- lóquio Internacional de História da Madeira, Funchal,
xou uma obra poética de vulto e elevado valor 1993; “Têxteis europeus na expansão colonial portuguesa
literário. Em vida, publicou apenas dois livros de (finais do século XV princípios de Quinhentos)”, ibidem,
poesia. O primeiro deles, com poemas de ju- Funchal, 1993; “Alexandre Herculano: O historiador e o
modelo municipal”, Arquivo de Cascais, n.o 11, 1992-94;
ventude, que intitulou Recordo e Aviso (Braga, “Portugal en la Peninsula Iberica”, La paz y la guerra en
1969), o segundo, obra já amadurecida, a que cha- la época del Tratado de Tordesillas, Madrid, Electa, 1994;
mou Arquipélagos da Memória, a Torre de Ba- Problemas marítimos entre Portugal e a França no século
bel e outras histórias (Lisboa, 1984). Mas, so- XVI, Redondo, Patrimonia, 1995.
bretudo, deixou, descuidadamente disperso pe- [I. Gç.]
las suas próprias gavetas e pelas casas dos ami-
gos, um riquíssimo espólio poético, à espera de Ana Pereira
publicação. v. Ana Elisa Pereira
Da autora : “La Course et la Piraterie entre le Portugal et
la France dans la première moitié du XVIéme siècle: quel-
Ana Plácido
ques aspects économiques”, Course et Piraterie, Paris, v. Ana Augusta Plácido
C.N.R.S., 1975; “O processo de Pedro Barreto contra Jean
Forrestier: Um episódio nas relações Luso-Francesas”, Re- Ana Reis
vista da Faculdade de Letras, IV série, n.o 1, 1976-77; “Téc- Atriz. Entrou em Os Filhos da Noite (1891), dra-
nicos náuticos e marinheiros portugueses ao serviço do
Duque de Borgonha (1439-1445)”, Revista da Faculdade ma em 4 atos de José Reis e Costa Serrão, no Tea-
de Letras, IV série, n.o 2, 1978; “Feitores de Portugal em tro do Rato.
Veneza no início do século XVI”, Anuario de Estuds Me-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 18/06/1968,
dievales, Vol. X, Barcelona, 1980; “Os Açores e o corso
p. 4.
francês na primeira metade do século XVI: a importân-
[I. S. A.]
cia estratégica do arquipélago (1521-1537)”, Boletim do
Instituto Histórico da Ilha Terceira, Vol. XLI, Angra do He-
roísmo, 1983; A importação e o comércio têxtil em Por- Anastasia Cosgrove Shannon
tugal no século XV (1385-1481), Lisboa, Imprensa Na- Inglesa, nasceu em Derbyshire em 1904, filha de
cional-Casa da Moeda, 1983; “Mare Clausum, Mare Mr. and Mrs. Thomas Cosgrove, e faleceu em
Liberum”, dimensão doutrinal de um foco de tensões po-
líticas”, Cultura-História e Filosofia, Vol. III, Lisboa, I.N.I.C., 1986. Fez um curso de educadora de infância
1984; O essencial sobre o Corso e a Pirataria, Lisboa, Im- em Manchester. Casou com George Frazer
prensa Nacional-Casa da Moeda, 1985; “Dois portugue- Shannon, na Igreja Anglicana do Porto, em 1934.
ses ao serviço de Borgonha no século XV”, 1383/1385 e Tiveram um filho, James. Durante a Segunda
a Crise Geral dos séculos XIV-XV. Jornadas de História
Medieval, Lisboa, 1985; “Algumas despesas do municí- Grande Guerra, exerceu como educadora no Co-
pio portuense no início do século XVI: 1509-1510”, Bo- légio Inglês de Carcavelos* (St. Julian’s School),
letim Cultural da Câmara Municipal do Porto, 2.a série, onde se revelou excelente profissional. Traba-
Vol. 3/4, Porto, 1985-86; “A Madeira, o comércio e o cor- lhou também gratuitamente para instituições da
so francês na primeira metade do século XVI”, Atas do
I Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal,
comunidade britânica. Por duas vezes, fundou
1986; “O Algarve e a importação têxtil no final da Idade escolas pré-primárias e do ensino básico, de pe-
Média: algumas notas sobre o mercado e as rendas”, Atas quena dimensão, na linha do Estoril, a última
das I Jornadas de História Medieval do Algarve e Anda- das quais, em Cascais, onde conheceu grande
luzia, Loulé, 1987; O essencial sobre Portugal e a origem sucesso. Converteu-se ao catolicismo.
da Liberdade dos Mares, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 1988; “Da defesa do monopólio do “Mare Clau- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1367, 10/04/1986.
sum”: Alguns apontamentos na correspondência de [A. V.]
João Pereira Dantas (1562-1565)”, A viagem de Bartolo-
meu Dias e a problemática dos Descobrimentos. Atas do
Seminário realizado em Ponta Delgada, Angra do He- Andorinha
roísmo e Horta (de 2 a 7 de maio de 1988), Universida- Pseudónimo literário de Áurea Paes Falcão.
de dos Açores/Centro de Estudos Gaspar Frutuoso,
1989; “O corso francês e o comércio açoriano na primeira Andresa do Nascimento
metade do século XVI (1521-1537)”, Os Açores e as di-
nâmicas do Atlântico do Descobrimento à II Guerra Mun-
Autora de uma invulgar autobiografia correlata
dial, Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Ter- de uma vida invulgar. Andresa do Nascimento
ceira, 1989; “O corso francês e o comércio entre Portu- era natural da Ilha de Santiago, arquipélago de
ANG 94

Cabo Verde, nasceu em maio de 1859 e faleceu giene de certos homens. Refere que estava a es-
no final dos anos 30 do século XX. Excelente bai- crever o segundo volume de um Manual do Co-
larina do “rasga ao som do ganzá”, foi raptada zinheiro Indígena, contudo ainda não se en-
enquanto adolescente pelo capitão de marinha controu qualquer registo do primeiro. O nome
Jerónimo Antunes Martins, que a levou para Da- de Fernanda do Vale consta entre o das pessoas
kar e com quem viveu dez dias. Nessa cidade, que assistiram à conferência do Manifesto Fu-
conheceu Frederick Kremps, um alemão nego- turista da Luxúria, proferida por Almada Ne-
ciador de cerveja e dono da Cervejaria Jasen em greiros no Teatro República (atual Teatro de São
Lisboa. Casou com ele quase de imediato, ten- Luís).
do-se separado dez meses mais tarde. Entre as Da autora: [Fernanda do Vale], Recordações d’uma Co-
diversas atividades que a tornaram conhecida lonial – Memórias da Preta Fernanda, impressa nas ofi-
destaca-se a de modelo. Andresa posou para Gio- cinas da Ilustração Portuguesa, 1912; A preta Fernan-
vanni Ciniselli, encarregado de esculpir as figuras da: (memórias): recordação d’uma colonial, Lisboa, Teo-
rema, 1994.
episódicas do sopé do pedestal da estátua de Bib.: Marina Tavares Dias, Lisboa Desaparecida, 3.o Vol.,
bronze consagratória dos merecimentos heroi- Lisboa, Quimera, 1993, pp. 27-31.
cos do marechal marquês Sá da Bandeira, inau- [M. T. S]
gurada em 1884. Enquanto modelo representante
de África, foi-lhe atribuído um subsídio diário Ângela Aureliana Coelho de Morais
de 560 réis, tendo sido louvada em Diário do Go- Espírita. Em 1929, foi eleita para a Comissão Or-
verno datado de 3 de março de 1880. Esteve em- ganizadora das Festas de Beneficência e de Con-
pregada no salão de Ernestina Cavalcanti até de- fraternização da Federação Espírita Portuguesa,
cidir abrir sozinha um espaço do mesmo tipo. constituída por Julieta Bensaúde*, Maria da Ma-
Elegeu para si um novo nome, mudando para dre de Deus Leite Dinis*, Maria Teresa Miranda
Fernanda do Vale, que se lhe afigurava de so- Sena*, Laura Tágide Tavares*, Leonor d’Eça*, Inês
noridade mais adequada à vida social e artísti- Cardia*, Maria Emília Cardoso Antunes*, Maria
ca de Lisboa. Em 1912, com o apoio do empre- Alice Morais Machado da Cruz*, coronel José Au-
sário José Segurado, Fernanda do Vale toureou gusto Faure da Rosa e Virgílio Saque.
a cavalo na Praça de Algés, embora sem grande Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, 1929,
sucesso. Na ocasião, Alberto de Sousa aguare- p. 5.
lou-a vestida de toureiro. Essa aguarela serviu de [N. M.]
capa à autobiografia, escrita entre 1910 e 1911,
intitulada Recordações d’uma Colonial – Me- Ângela Pinto
mórias da Preta Fernanda, impressa nas ofici- v. Ângela Rita Clara de Almeida Pinto
nas da Ilustração Portuguesa e publicada em
1912. O objetivo do livro está enunciado nestes Ângela Rita Clara de Almeida Pinto
termos: “contribuir como sincera colonial para Atriz que se distinguiu na comédia, drama, tra-
o ressurgimento e resolução completa do deca- gédia, farsa, opereta e revista. Nasceu na Rua do
dente problema da leitura intermetropolitana” Arco da Graça, n.o 30, ao Rossio, em Lisboa, e
[p. 5]. Na página 159, foi incluído um elabora- apontam-se três datas de nascimento: 15 de no-
do “Mapa sinóptico e descritivo e classificação vembro de 1866 (Sousa Bastos), 15 de outubro
geral dos movimentos oscilatórios do meu co- de 1869 (Mário Jacques) e 15 de novembro de
ração desde 1877 até 1911, inclusive” com seis 1869, sendo esta a mais provável, por constar na
colunas de categorias (Nomes, Profissões, Na- notícia da sua morte [O Século, 10/03/1925, pp.
turalidade, Classificação, Duração, Observa- 1-2]. Faleceu, na mesma cidade, a 9 de março de
ções), nas quais registou os nomes de trinta e três 1925. Era filha de Júlia de Almeida Pinto e de
homens, de diversas proveniências e de varia- João de Almeida Pinto, músico que, por vezes,
díssimas profissões, com quem passou anos, ou foi contratado pelo Teatro de S. Carlos e cons-
meses, ou dias, ou horas. Na classificação, refere tava na folha de rosto de O Contemporâneo,
ainda a razão do relacionamento, fosse matri- como um dos proprietários desta publicação de-
mónio, culto à farda, admiração equestre ou ou- dicada a artistas dramáticos e a assuntos de tea-
tro motivo qualquer. Na coluna das Observações, tro, que tinha por sede o ateliê de retratos e bio-
e em frente de alguns dos nomes registados, faz grafias, no mesmo endereço de sua casa. Ânge-
vários e breves comentários sobre a falta de hi- la Pinto frequentou o colégio da D. Carolina, jun-
95 ANG

to à Calçada do Duque e, depois, um colégio da de Carlos Romão; Ladrão e Sansão, ambas de


Rua da Betesga, de que era proprietário e dire- Henri Bernstein, tradução de Eduardo de No-
tor Alberto Bramão, também ensaiador teatral. ronha. A 4 de setembro de 1892, regressou ao
Teve uma educação cuidada e falava correta- Teatro da Rua dos Condes, onde conheceu um
mente francês. Desde a infância, privava com êxito retumbante na criação de “Manuela”, de
muitos dos escritores e tradutores ligados ao tea- O Solar dos Barrigas, ópera cómica de Gervásio
tro, alguns deles redatores de O Contemporâneo, Lobato e D. João da Câmara, música de Ciríaco
como Gervásio Lobato (1850-1895), António de Cardoso, e na revista em 3 atos O Reino da Bo-
Sousa Bastos (1844-1911), Salvador Marques lha (1897), de Eduardo Schwalbach, música de
(1843-1907) e Pedro Vidoeira, o que teria de- Freitas Gazul e Tomás Del Negro. Por essa altu-
terminado o fascínio que a cena exercia sobre ela. ra, estava hospedada no Hotel Continental. Em
Casou, ainda muito jovem e contra a sua vontade, 1898, fazia parte da Companhia Taveira, então
com um homem bastante mais velho que aban- no Teatro da Trindade, e com ela passou ao Tea-
donou no dia do casamento. Dedicou-se, então, tro do Príncipe Real do Porto, onde protagoni-
ao teatro começando por representar, em 1885, zou Ali... à Preta! (1898), revista em 3 atos e 16
numa barraca de feira, em Setúbal, na zarzuela quadros de Guedes de Oliveira, música, parte ori-
em 1 ato Simão, Simões & C.a, traduzida por José ginal, parte coordenada, por Ciríaco Cardoso. Re-
Sebastião Machado Correia, e continuou em tea- gressou com a companhia a Lisboa e, em 1900,
tros particulares, até que iniciou a carreira pro- estava no Teatro do Ginásio, onde apareceu em
fissional no Porto, onde esteve alguns anos e mui- A Bisbilhoteira, comédia em 3 atos de Eduardo
to progrediu. A 29 de outubro de 1889, estreou- Schwalbach. Nesse ano, foi para o Teatro D. Amé-
se no Teatro da Rua dos Condes, em Lisboa, no lia, onde protagonizou Lagartixa (1900), comé-
papel de “Leonor” em Lobos do Mar, tradução dia em 3 atos, tradução de Eduardo Garrido da
de João Soler da zarzuela Los Lobos Marinos, de peça La Dame Chez Maxim’s, de Georges Fey-
Ramos Carrion, musicada por Chapin, e na co- deau; Zá-Zá (1901), peça em 5 atos de Pierre Ber-
média adaptada por Fábio Stichini, Saltos e So- ton e Charles Simon, tradução de Eduardo Gar-
bressaltos. Bem recebida pelo público, foram- rido; A Severa (1901), drama em 4 atos de Júlio
lhe dados papéis de responsabilidade em O Rei- Dantas, em que cantou o fado e mereceu a Eduar-
no das Mulheres (1890), peça fantástica em 3 atos, do Brazão uma crítica em que a classificava de
adaptação do vaudeville de Ernest Blum por Sou- “Destrambelhada, mas com extraordinário ta-
sa Bastos, com música coordenada por Freitas lento” [Memórias, 1925, p. 154]; e foi “Helena”
Gazul, e A Cigarra, vaudeville em 3 atos de Hen- de Crucificados (1902), drama de Júlio Dantas.
ri Meilhac e Ludovic Halévy, tradução de Acá- Nesse ano, integrou um elenco escolhido por
cio Antunes e José Sebastião Machado Correia. Afonso Taveira, para uma digressão pelo Brasil,
Nesse teatro, integrou uma companhia de ópe- onde interpretou, além de algumas peças do seu
ra cómica, onde cantava coplas e teve ovações repertório, Sapho, de Gounod; Dor Suprema, tra-
estrondosas. A 24 de maio de 1890, entrou para gédia burguesa, em 3 atos, de Marcelino Mesquita
o Teatro do Príncipe Real, em Lisboa, e ali re- (1856-1919); Coraly & C.a, comédia de Pierre Ber-
presentou Diabo à Solta e Marcos, Marques e Ma- ton e Simon, tradução de Eduardo Garrido, A
laquias, opereta de Gervásio Lobato. Voltou ao Cruz da Esmola, drama em 5 atos de Eduardo
Porto, a 29 de outubro de 1890, a convite da Com- Schwalbach, e Nelly Rosier, no Teatro Apolo do
panhia Afonso Taveira & José Ricardo que ex- Rio de Janeiro. Quando já estava a bordo do pa-
ploravam o Teatro D. Fernando, onde cantou “la- quete que a traria de volta a Portugal, joalheiros
vradeira” em Simão, Simões & Ca. Ficou na brasileiros foram buscar os solitários de bri-
cidade até parte de 1892 e são desses anos as cria- lhantes que trazia nas orelhas e que não tinha
ções: “Ravolet”, em travesti, de A Bela Perfu- pago. Em 1903, era societária de 1.a classe no Tea-
mista, opereta de Offenbach, traduzida por Au- tro D. Maria II, onde fez os papéis de “Madale-
gusto Mesquita; Três Mulheres para um Marido, na de Vilhena”, em Frei Luís de Sousa, drama
de António Sousa Bastos; Kikikokambo, comé- em 3 atos, de Almeida Garrett; “Marquesa de Sei-
dia; A Coroa de Fogo, peça fantástica de Gaspar de”, de Um Serão nas Laranjeiras (1903), de Júlio
Borges de Avelar; O Licor de Ouro; A Lâmpada Dantas; protagonista de A Consciência dos Fi-
Maravilhosa, mágica em 3 atos e 16 quadros, ar- lhos (1903), drama de G. Dévore, tradução de Ma-
ranjo de Joaquim Augusto de Oliveira, música ximiliano de Azevedo; “Laura”, em A Festa da
ANG 96

Atriz (1903), peça em 1 ato de Jorge Santos; Do- protagonizou Entre Giestas (1917), drama em 3
lores (1904), de Feliu y Codina, tradução de Joa- atos de Carlos Selvagem; e representou “Laura
quim Coelho de Carvalho, em estreia; “Clorin- Mendes”, em O Sr. Freitas (1917), comédia em
da”, em A Aventureira, de Émile Augier. Criou 3 atos, original de Álvaro Lima e Chagas Roquete.
os papéis de “Maria Gonçalves” em Casamen- Em 1918, o Teatro República tomou o nome de
to de Conveniência (1904), peça em 4 atos de Joa- Teatro S. Luís e ali se estreou como “caracte-
quim José Coelho de Carvalho; “Mariana” de rística” em Géneros Alimentícios (1918), comédia
Amor de Perdição (1904), drama em 7 atos, de em 3 atos, traduzida da peça Mr. Burdin, profi-
Camilo Castelo Branco, adaptado por D. João da teur, de Y. Mirande e G. Montignac, por Melo Bar-
Câmara; “Gonerill”, em Rei Lear (1904), de Sha- reto, e em Bola de Sabão, comédia em 3 atos, tra-
kespeare, adaptação de Júlio Dantas, e A Mártir, dução de Mariano de Carvalho. Em 1919, Ângela
drama em 3 atos, de Adolph d’Ennery, tradução Pinto integrou a Companhia do Teatro da Trin-
de Guiomar Torrezão. Em 1910, com a implan- dade, dirigida por Augusto Pina, brilhando em
tação da República, o Teatro D. Maria II passou A Exilada (1919), de Kistemaeckers, e Em Guar-
a denominar-se Teatro Nacional e entrou em pro- da!, comédia de Wolff e Capus, tradução de Sou-
cesso de reforma. Ângela Pinto passou, então, sa Tavares. Foi em digressão ao Brasil, na Trou-
para o Teatro Apolo (antigo Teatro do Príncipe pe Ângela Pinto – Chaby Pinheiro, composta por
Real), onde representou, em travesti, Hamlet atores e atrizes do antigo Teatro D. Amélia, onde
(1910), tragédia de Shakespeare adaptada por representaram a Primrose, de Robert Flers e Gas-
Santos Tavares e foi muito aplaudida. Ainda nes- ton Caillavet. Reapareceu em Lisboa, no Teatro
se mesmo ano, transitou para o Teatro Repúbli- de S. Carlos, no papel de “Tourare” da peça O
ca (antigo Teatro D. Amélia) e ali foi “Isabel Con- Regresso, daqueles autores, tradução de Lino Fer-
ti” de Santa Inquisição, drama de Júlio Dantas; reira, e num pequeno papel da comédia Asas
entrou na revista Num Rufo, de José Sebastião Quebradas (1921), que a Companhia Rey Cola-
Machado Correia e João Foca (pseudónimo de ço – Robles Monteiro incluiu no seu escolhido
Baptista Coelho); em O Botequim do Felisberto repertório. Em 1922, fez o papel de “Juliana”, no
(1912), traduzido da peça de Tristan Bernard, Le filme O Primo Basílio, realizado por Georges Pal-
Petit Café, por Acácio Paiva; e foi ao Teatro da lu, da Invicta Film do Porto. Das muitas repre-
Avenida no elenco da revista Alerta! (1913), de sentações de Ângela Pinto lembramos ainda as
Luís Aquino (pseudónimo de Luís Galhardo), óperas cómicas, traduzidas por Eduardo Garri-
Barbosa Júnior e Alberto Barbosa, música de To- do, A Gran-Duquesa de Gerolstein, em 3 atos e
más Del Negro, Carlos Calderon e Alves Coelho. 4 quadros, de Henri Meilhac, música de Jacques
Fez os papéis de “Jacqueline”, em A Primeira Offenbach, Moleiro de Alcalá, em 3 atos, extraída
Causa, adaptação da peça La Femme X, de Bis- do romance O chapéu de Três Bicos, de Alarcon,
son, por Cunha e Costa; “A Pinola”, no 3.o qua- música de Justino Clerice, Bocacio, em 3 atos,
dro de A Feira do Diabo (1912), sátira em 1 ato, de Nicolau Leroy, música de Fréderic Suppé,
prólogo e 3 quadros, de Eduardo Schwalbach, Mascote, em 3 atos, de Chivot e Doru, música de
música de Filipe Duarte; “Clotilde”, em O E. Andran, O Burro do Sr. Alcaide, em 3 atos, de
Apóstolo, tragédia moderna em 4 atos, de Pau- Gervásio Lobato e D. João da Câmara, música de
lo Hacinthe Loyson; e protagonizou João José, Ciríaco Cardoso; as operetas Os 28 Dias de Cla-
drama em 4 atos, de Joaquim Dicenta. Em 1914, rinha, em 4 atos de H. Raymond & Alastair Mars,
um incêndio destruiu o Teatro República e Ân- tradução de Gervásio Lobato e Acácio Antunes,
gela Pinto foi contratada pela gerência da So- música de Victor Roger, em travesti, Noite e Dia,
ciedade Artística do Teatro D. Maria II, a fim de em 4 atos, tradução de Eduardo Garrido e Car-
representar o papel de “Raquel” na peça Telhados los Leoni, música de Frédéric Suppé, Rosa En-
de Vidro (1914), de Augusto César de Lacerda. jeitada, a partir do drama de D. João da Câma-
Regressou ao Teatro República, onde fez de com- ra, por António Carneiro, Lino Ferreira e André
père em Coração à Larga! (1915), revista de Mar- Brun; as comédias A Trovisqueira, adaptada por
çal Vaz (Lino Ferreira), Artur Rocha, Henrique Émile Fabre, do romance de Honoré de Balzac,
Roldão e Álvaro Santos, música de Hugo Vidal tradução de Acácio de Paiva, O Ganha – Perde,
e Vasco Macedo. Entrou em Castelos no Ar em 3 atos, de D. João da Câmara, Noiva de Eneias,
(1916), de Eduardo Schwalbach e Acácio de Pai- em 3 atos, de Gervásio Lobato, Hotel de Livre
va, música de Tomás Del Negro e Alves Coelho; Câmbio, em 3 atos, de Georges Feydeau, tradu-
97 ANG

ção de Carlos de Moura Cabral, Lisboa em Ca- Oficial da Ordem de Santiago da Espada, Prémio
misa, de Gervásio Lobato, versão de André Brun, às Letras Artes e Ciências. Quando saía à rua, era
Bode Expiatório, adaptada do alemão por Frei- conhecida pelo grande chapéu preso por fitas e
tas Branco; as zarzuelas de costumes A Grande gostava de beber café pelo pires da chávena. Vi-
Avenida, em 1 ato e 4 quadros, paródia de Fran- veu os últimos dias com um amigo, que a am-
cisco Jacobetty a Gran-Via, com música de parava, na Rua da Emenda, n.o 3, em Lisboa, onde
Chueca e Valverde, Nitouche, traduzida por Ger- faleceu, mirrada e quase hemiplégica, a 9 de mar-
vásio Lobato e Urbano de Castro; as farsas Tes- ço de 1925, pelas 20 horas e 40 minutos. O cor-
tamento da Velha, de D. João da Câmara e po saiu de sua casa na carreta dos Bombeiros Vo-
Gervásio Lobato, música de Ciríaco Cardoso, e luntários de Campo de Ourique, de que era só-
Princesa Trebisonda; a sátira Boubouroche, de cia honorária, para a Igreja das Chagas e o funeral
Georges Courteline, tradução de Carlos de Moura seguiu para o jazigo 1500 da Rua 11, no Cemi-
Cabral; os dramas Um Drama no Fundo do Mar, tério dos Prazeres, pertencente à Associação dos
em 5 atos, de Ferdinand Dugué, tradução de Pe- Socorros Mútuos Montepio dos Actores Portu-
dro Vidoeira, Petrónio, adaptado de Quo Vadis?, gueses, sendo acompanhado de homens de le-
de Henrik Sienkiewicz, por Mário Mesquita, O tras, artistas dramáticos, amigos e público de to-
Infante de Sagres, épico em 4 atos de Jaime Cor- das as classes sociais. Além da homenagem que
tesão, Almas Doentes, de Marcelino Mesquita, lhe foi prestada pelo Teatro Águia de Ouro, no
Egas Moniz, em 5 atos e em verso, original de José Porto, com a colocação de uma lápide alusiva ao
da Silva Mendes Leal, Catarina, de Lavedan, O acontecimento, o S. N. I. criou o “Prémio Ângela
Ciúme, em 4 atos, de Ruben de Lara, tradução Pinto” a atribuir nos Concursos de Arte Dra-
de Mafalda Mouzinho de Albuquerque, Fedora, mática. Por Edital de 12 de março de 1932, foi
de Victorien Sardou, e Odette, ambas traduzidas dado o seu nome a uma rua na Freguesia de
pelo rei D. Luís, A Sorte, de Alfred Capus, A Bo- S. Jorge de Arroios, em Lisboa. A 29 de janeiro
tija, de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, tradução de 1938, foi-lhe prestada homenagem no Reti-
de Manuel Pinheiro Chagas. Outras peças: A Ma- ro da Severa. A poetisa e dramaturga Anita Pa-
luquinha de Arroios, em 3 atos de André Brun, trício falou em nome das Mulheres Intelectuais
Viagem à Turquia, As Três Filhas do Sr. Dupont, Portuguesas e Ramada Curto evocou a vida da
O Outro Eu, Casamento Simulado, Os Besouros atriz. Tinha dois netos.
e Na Rua. Era muito querida do público, que en- Bibl.: AA.VV., Os Grandes Comediantes Portugueses in
chia as plateias dos teatros onde atuava, e co- Memoriam Ângela [sob a direção e prefácio de Francis-
nhecida como muito bondosa e caritativa. Fez co Nogueira de Brito], Lisboa, Empresa “O Teatro”, 1925;
uma vida de boémia, com banquetes no restau- Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres Cé-
lebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1049; An-
rante Tavares e ceias no botequim Magrinho, e tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis-
manteve um relacionamento íntimo com D. Luís boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 279; Carlos San-
do Rego, com quem partilhava o gosto pela tau- tos, Cinquenta anos de Teatro, Memórias de um actor,
romaquia. Foi acometida da doença que a viti- Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade,
1950, pp. 115 e ss.; Eduardo Brazão, Memórias de Eduar-
mou, no Teatro Politeama, durante a represen- do Brazão, que seu filho compilou e Henrique Lopes de
tação da peça As Flores, dos irmãos Quintero, tra- Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa da Revista de Tea-
dução de Avelino de Almeida. Em maio de 1923, tro, Editora, 1.a Ed., [1925], p. 154; Eduardo de Noronha,
foi solicitada, ao Parlamento, uma pensão vita- Reminiscências do Tablado, Lisboa, Guimarães e C.a Edi-
lícia a favor de Ângela Pinto. A 19 de novembro tores, 1927, p. 80; Eduardo Victorino, “Ângela Pinto”, Ato-
res e Atrizes, Rio de Janeiro, Oficinas de Obras Gráficas
de 1923, os amigos e colegas organizaram, no Tea- da S. A. “A Noite”, 1937, pp. 75-78; Esteves Pereira e Gui-
tro de S. Carlos, uma festa grandiosa em sua ho- lherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, coro-
menagem e que teve o saldo líquido de gráfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático
32.173$64: a atriz e a Comissão Promotora e artístico, Vol. V, Lisboa, João Romano Torres, Editor,
1911, pp. 757-758; Grande Enciclopédia Portuguesa e Bra-
combinaram que lhe fosse entregue, de imediato, sileira, Vol. XXI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enci-
a quantia de 6 173$64 e o resto depositado na clopédia, p. 790; João de Almeida Pinto, Esboços, Ho-
Casa Bancária Pinto & Sotto Mayor, a render ju- menagens e Apreciações Críticas, Lisboa, Livraria Edi-
ros. Nos primeiros dias de cada mês, Ângela Pin- tora Viúva Tavares Cardoso, 1906; Joaquim Madureira
(Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira &
to ou seu procurador levantavam a quantia de Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 453; Luiz Silveira Bo-
1500$00, até esgotar a soma. O chefe de Estado telho, A Mulher na Toponímia de Lisboa, Câmara Mu-
condecorou-a, nessa festa, com as insígnias de nicipal de Lisboa, 1990, pp. 29-30; Maria do Céu Borrêcho,
ANG 98

Marília Viterbo de Freitas e Virgínia Dias, “Lisboa, To- Antónia Augusta Godinho Farracha
ponímia no Feminino XIII”, Faces de Eva, n.o 14, 2005, Filha de António da Conceição Godinho e de Joa-
p. 205; Mário Jacques e Silva Heitor, Atores na Toponí-
mia de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Co- na Pita Ivo Godinho, nasceu a 20 de julho de
missão Municipal de Toponímia, 2001, pp. 43- 44; To- 1907. Casada com o comerciante livreiro Joaquim
maz Ribas, O Teatro da Trindade, Porto, Lello & Irmão, Farracha (22/12/1904-11/03/1978), desenvolveu,
Editores, 1993, p. 33; Victor Pavão dos Santos e João Bé- tal como o marido e os filhos, continuada ati-
nard da Costa, O Cinema Vai ao Teatro, Lisboa, Cine- vidade política de oposição ao Estado Novo. Per-
mateca Portuguesa/Museu Nacional do Teatro, 1996-1997,
p. 16; “As nossas Gravuras – Ângela Pinto”, O Ociden- tenceu à Comissão Central do Movimento Na-
te, n.o 764, Lisboa, 20/03/1900, p. 57; “Retrato de Ângela cional Democrático Feminino, surgido na se-
Pinto”, O Ocidente, n.o 910, 10/04/1904, p. 76; O Palco, quência dos resquícios da campanha eleitoral do
Lisboa, n.o 1, 08/01/1912, p. 3, n.o 3, 05/02/1912, pp. 44- general Norton de Matos, sendo, por isso, pre-
45, e n.o 8, 05/05/1912, p. 115; O Ocidente, n.o 1123, sa pela primeira vez em Olhão, terra onde resi-
20/02/1912, pp. 39-40; O Teatro, Lisboa, n.o 3, feverei-
ro, 1918, p. 44, e n.o 8, junho-agosto, 1918, p.143; Mun- dia, a 26 de setembro de 1949. Enviada para o
do Teatral, Lisboa, n.o 35, 19/05/1923, p. 8; “Ângela Pin- Forte de Caxias, foi libertada em 14 de janeiro
to”, O Século, 26/11/1923, p. 3; “Morreu Ângela Pinto”, de 1950, por ordem do 3.o Juízo Criminal de Lis-
O Século, 10/03/1925, pp. 1-2; “Ângela Pinto – Foi esta boa, mas voltou a ser detida a 18 de outubro de
madrugada homenageada a sua memória no Retiro da Se-
vera com o descerramento do seu retrato”, O Século,
1950, desta vez em Portimão, juntamente com
30/01/1938, p. 6, col. 1. o marido e a filha, Maria Cristina Godinho Far-
[I. S. A.] racha, estudante, tendo ambas recolhido àque-
la cadeia e sido postas em liberdade condicio-
Angélica Augusta dos Santos nal em 15 de novembro. Obteve, tal como a fi-
Professora do curso de 1.o e 2.o grau pela Esco- lha, liberdade definitiva em 3 de novembro de
la Normal de Lisboa e ex-aluna voluntária do Ins- 1952, enquanto o marido continuou a ser várias
tituto Industrial e Comercial de Lisboa, onde con- vezes detido pela PIDE, entre 1950 e 1967, pas-
cluiu o curso da 4.a cadeira (Matemática), ficando sando pelas prisões de Caxias e do Aljube. Se-
aprovada com 18 valores, e o da 7.a cadeira (Fí- gundo refere Maria João Raminhos Duarte, no
sica Geral e suas aplicações à indústria), em que exaustivo e precioso trabalho sobre Silves e o Al-
obteve 15 valores. Foi nomeada por quatro ve- garve: uma história de oposição à ditadura, a li-
zes, por concurso documental da Câmara de Lis- vraria de Joaquim Farracha, em Olhão, “era um
boa, para reger, por comissão, a 3.a cadeira (Arit- ponto de referência da oposição, que merecia vi-
mética, sistema legal de pesos e medidas, noções gilância cerrada da Polícia política”, tendo
de Álgebra, Geometria e suas aplicações), do cur- aquele sido detido seis vezes (1950, 1952, 1953,
so de habilitação para o magistério primário. Na 1958, 1965 e 1967) [p. 266, nota 25].
carta de candidatura, enviada a 14 de março de Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
1890, a professora nos Liceus Secundários Fe- ta, Presos Políticos no Regime Fascista V – 1949-1951,
mininos*, pediu para ser nomeada professora de Mem Martins, 1987, pp. 98, 192-193; Maria João Ra-
Matemática elementar nos novos liceus. O seu minhos Duarte, Silves e o Algarve: uma história da opo-
sição à ditadura, Edições Colibri, 2010; Vanda Gorjão,
processo não tem mais documentos, uma vez que Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição feminina ao
foi tudo devolvido em 2 de setembro de 1891. Estado Novo, Imprensa de Ciências Sociais, 2002, p. 205.
Em 1893, estava registada como professora da Es- [J. E.]
cola Central Primária n.o 10, para o sexo femi-
nino, em Lisboa e, em 1905, Angélica dos Antónia Clementina Homem de Moura Portugal
Santos aparece listada juntamente com outro pes- Republicana. Filha de Maria Clementina do Cou-
soal docente destacado para fazer substituições to Portugal e Almeida (1850-02/09/1924) e de
no 2.o Bairro de Lisboa. José Homem de Moura Portugal (f. 12/07/1893),
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
nasceu em Rio Torto, a 29 de janeiro de 1894,
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. poucos meses depois da morte do pai, e faleceu
Bib.: Caldeira Pires, Anuário Almanaque Comercial da em Vila Nova de Tazem, a 3 de agosto de 1975,
Indústria, Magistratura e Administração ou Anuário Ofi- com 81 anos. Irmã mais nova das republicanas
cial para 1894, Lisboa, s.e., 1893; Caldeira Pires, Anuá- Maria Adelaide Homem de Moura Portugal
rio Comercial de Portugal Ilhas e Ultramar da Indústria,
Magistratura e Administração ou Anuário Oficial para
(07/08/1890-05/05/1976) e Maria José Homem
1905, Lisboa, s.a., 1904, p. 836. de Moura Portugal (07/04/1892-22/06/1934) as-
[A. C. O.] sinou, com as irmãs e a mãe, a ata da instalação,
99 ANT

em Rio Torto, da Comissão Paroquial Republi- Antónia Girão Azuaga Santos


cana lavrada na sessão de 4 de setembro de 1910. Nasceu na primeira década do século XX e fa-
Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci- leceu a 4 de novembro de 2002, com 94 anos de
das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011. idade. Assinou, com Aida Mesquita, Berta Ne-
[J. E.] ves, Cândida Bastos, Cecília Moreira, Claudina
Martins, Ema Rosine Cunha, Henriqueta Mes-
Antónia de Sousa quita, Laura Neves de Castro, Leopoldina
Atriz. Nasceu em Lisboa, a 1 de março de 1872. Mesquita, Maria Clarisse Bastos, Maria Lucena,
Casada com o pedagogo e libertário Luís da Mata, Maria Silva e Natalina Mora Pereira Bastos*, o
que fez parte da Companhia do Teatro Livre (1908) manifesto O Dia do Armistício, que um grupo
e foi professor da Escola-Oficina N.o 1. Mãe da atriz de senhoras distribuiu profusamente na cidade
Fernanda Amélia da Mata*, que usou o nome ar- do Porto e noutras terras do país (1934). Na dé-
tístico de Fernanda de Sousa. Começou por re- cada seguinte, tornou-se a sócia n.o 228 da de-
presentar dramas no teatro amador. Foi convidada, legação do Porto da Associação Feminina Por-
com insistência, para representar em teatros tuguesa para a Paz*, com residência na R. do
públicos e trocar o nome que usava como atriz Bonfim, 295. Provável familiar de Fernanda Gi-
amadora. Com o seu nome próprio, estreou-se no rão de Azuaga que, em maio de 1916, se tornou
Teatro da Avenida, na mágica A Lenda do Rei de acionista da Empresa de Propaganda Feminis-
Granada, de Joaquim Augusto de Oliveira. Pou- ta e Defesa dos Direitos da Mulher.
co depois, transitou para o Teatro do Príncipe Real, Bib.: Lúcia Serralheiro, Mulheres em Grupo Contra a Cor-
onde fez papéis importantes, entre eles “Mada- rente [Associação Feminina Portuguesa para a Paz
lena”, em A Carvoeira (1896), drama em 5 atos e (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011; “O Dia
7 quadros de Hector Crémieux e Pierre Decour- do Armistício”, Pensamento, t. 3, n.o 57, dezembro, 1934,
p. 365.
celle, tradução de Acácio Antunes e Eduardo [J. E.]
Schwalbach. António Sousa Bastos contratou-a
para o Teatro da Trindade e seguiu a companhia Antónia Rodrigues
organizada por aquele empresário numa digres- Bailarina. Era muito conhecida por executar a
são ao Pará (Brasil), onde foi muito aplaudida. De dança popular Cachucha, que se sabe ter dan-
regresso ao Trindade, representou Os Nossos Ren- çado no intervalo da comédia Frederico Augusto,
dimentos (1898), comédia em 4 atos, versão de An- Rei da Polónia, no Teatro do Bairro Alto, em
tónio Sousa Bastos, e fez os papéis de “Laura”, pro- 1829.
tagonista de O Padrinho (1898), comédia em 1 ato
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 19/02/1956,
de Luís da Mata, e “Rui Mendo, escudeiro”, em p. 4.
Auto dos Esquecidos (1898), drama em 3 jorna- [I. S. A.]
das e 1 prólogo, em verso, original de Sousa Mon-
teiro, peça premiada no concurso para o Cente- Antonina Adélia Mesquita
nário da Índia. Em 1899, integrava o elenco do Tea- Republicana. Filha de Maria Cândida Pinto Mes-
tro D. Maria II, onde brilhou no papel de “Berta” quita e de José Pinto Mesquita e Oliveira, nas-
na estreia de Peraltas e Sécias, comédia em 3 atos ceu em Cantanhede a 27 de outubro de 1887 e
de Marcelino Mesquita. Outras peças: O Mari- faleceu, na mesma localidade, em 1935. Segundo
nheiro, As Surpresas do Divórcio, Quem vê Ca- Fina d’Armada, foi uma das cinco mulheres a
ras. Abandonou o teatro ainda nova. subscrever, a 9 de outubro de 1910, o auto da
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- proclamação da República naquela vila.
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
1238-1239; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011.
Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. [J. E.]
202; Carlos Santos, Cinquenta anos de Teatro, Lisboa, Ti-
pografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1950, p.
57; Luiz Francisco Rebello, História do Teatro de Revista Apolónia Pinto
em Portugal, 1. Da Regeneração à República, Lisboa, Pu- Atriz, considerada a primeira “ingénua” do tea-
blicações D. Quixote, 1984, p. 344; Revista Teatral, 3.a tro brasileiro. Nasceu em S. Luís, Maranhão, Bra-
série, 2.o Vol., n.o 26, 15/01/1896; A Scena, Lisboa, n.o 39,
30/01/1898, n.o 46, 20/03/1898, e n.o 52, 01/05/1898; “Tea-
sil, em 1854, e faleceu em 1937. Era filha de dois
tros – Foi neste dia...”, O Século, 01/03/1960, p. 6. atores portugueses, Feliciano da Silva Pinto (f.
[I. S. A.] 1861) e Rosa Adelaide Marchy da Silva Pinto*,
ARC 100

que a levaram para o Pará quando contava ape- vedoso*, nasceu em 1918, no mesmo ano que o
nas quatro meses. Em 1866, com 12 anos de sobrinho, Edmundo Pedro (08/11/1918). Se-
idade, voltou ao Maranhão, onde se estreou na gundo este descreve nas suas Memórias, in-
companhia dramática de Vicente Pontes, em A fluenciada pelo exemplo da irmã Margarida, 15
Cigana de Paris, drama em 5 atos, traduzido por anos mais velha, em cuja casa passou a viver
João Baptista Ferreira. Em 1868, era aplaudida quando trocou o Samouco por Lisboa, para con-
em teatros de Pernambuco e, em 1870, apare- tinuar a estudar, empenhou-se na militância po-
ceu na inauguração do Teatro São Luís, no Rio lítica e “foi um membro ativo da FJC” [Edmun-
de Janeiro, protagonizando A Morgadinha de do Pedro, pp. 29-30], Federação das Juventudes
Valflor, drama em 5 atos, de Manuel Pinheiro Comunistas Portuguesas, durante os anos 1930.
Chagas, integrada na companhia dramática di- Através do sobrinho, ligou-se a Completo, tam-
rigida por Furtado Coelho, de quem foi discí- bém jovem comunista, oriundo do Arsenal da
pula. Trabalhou, também, na Companhia Dias Marinha, e “passou a levar, tal como eu e a irmã,
Braga. Em 1879, voltou a Pernambuco, onde lhe uma vida frenética. Muito mais do que ao estu-
prestaram uma significativa homenagem. For- do, o seu tempo passou a ser ocupado com reu-
mou sociedade artística com o ator português niões, com distribuição de manifestos, com
José António Moniz e organizou uma companhia leituras e discussões políticas, com as mais di-
que percorreu o Brasil em 1884. Fez algumas co- versas tarefas, enfim, impostas pela luta clan-
médias e dramas até que ensurdeceu e se reti- destina” [EP, p. 279]. No entanto, a sua existência
rou do teatro por algum tempo. Reapareceu, ao foi curta e “morreu de tuberculose, com apenas
lado do ator brasileiro Leopoldo Fróes, no Tea- dezanove anos!” [EP, p. 30], em 1937.
tro do Trianon. Esteve no Teatro do Ginásio, em Bib.: Edmundo Pedro, Memórias. Um Combate pela Li-
Lisboa, onde agradou na representação de “ca- berdade, I Volume, Lisboa, Âncora Editores, 2007, pp.
racterísticas”. Uma das suas últimas criações foi 29-30, 278-279, 349.
no papel de “mãe”, na comédia Flores de Som- [J. E.]
bra, de Cláudio de Sousa. Em 1925, por ocasião
das suas bodas de ouro artísticas, os colegas ho- Armanda da Conceição Silva Martins Forjaz de
menagearam-na no Teatro Municipal do Rio de Lacerda
Janeiro. Das peças que representou, salientam- Filha de Maria Josefina da Conceição Rocha e Sil-
se, ainda, os papéis de “Margarida”, de Fausto, va e de José Martins Pacheco, nasceu em Oliveira
“Cecy”, de Guarany, “Heléne”, de Filha Única, de Azeméis, a 26 de fevereiro de 1919. Militan-
e as protagonistas em Vaz Teles, Risos e Pran- te comunista na década de 1940, era irmã de José
tos, Filha do Mar, drama marítimo em 4 atos, de Augusto da Silva Martins (1912-1956) e casada
Luccotte; entrou em Estátua de Carne, Estran- com Miguel Pereira Sarmento Forjaz de Lacerda
geira, de Alexandre Dumas, filho, tradução de (28/12/1913-20/04/1993), ambos importantes
António Enes, Lazaristas, drama em 3 atos, ori- quadros e dirigentes do PCP na mesma época. Ca-
ginal de António Enes, Pai Pródigo, comédia de sou pouco tempo antes de passar à clandestini-
Alexandre Dumas, filho, Os Fourchambault, de dade; usou o pseudónimo “Conceição”; partici-
Émile Augier, e A Família Danicheff, drama em pou, enquanto companheira, no apoio logístico
4 atos de Alexandre Dumas, pai. à V reunião ampliada do Comité Central realizada,
em maio de 1945, na Casa da Granja; e escassos
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. 1054-
dias depois, a 14 de junho, foi presa com o ma-
1055; António Sousa Bastos, Lisboa Velha, Sessenta Anos rido, então membro suplente do CC, numa casa
de Recordações, 1850 a 1910, Lisboa, Câmara Municipal em Moreira da Maia usada, como tipografia pelo
de Lisboa, 1947, pp. 148-149; Eduardo Victorino, Atores Comité Local do Porto. Tal como Dalila Duque
e Atrizes, Rio de Janeiro, Oficinas de Obras Gráficas da da Fonseca*, presa na mesma data, mas noutro
S. A. “A Noite”, 1937, pp. 38-42; Guiomar Torrezão, “A
Actriz Apolónia Pinto, filha dileta do Teatro Brasileiro” local, foi solta em liberdade condicional e, em 4
[c/ fot.], Diário Ilustrado, 19/05/1884, p. 1. de novembro de 1946, condenada a três meses
[I. S. A.] de prisão correcional, “por ser esposa do réu Mi-
guel Lacerda e assim o haver acompanhado na
Arciolinda [Tavares Fernandes Ervedoso] clandestinidade” [Irene Pimentel, p. 140]. Nes-
Filha de Cristiano Fernandes e de Maria do Car- te mesmo ano, segundo documento de setembro,
mo, irmã de Margarida Tavares Fernandes Er- o Secretariado do Comité Central acusara o ma-
101 ARM

rido de ter “contribuído para o afrouxamento da o enlace matrimonial com uma cerimónia de con-
firme posição que sua companheira, Armanda fraternização espírita; o primeiro terá ocorrido
Martins de Lacerda, vinha mantendo e para que em 1919, entre Luísa Pacheco e Alberto Marques.
ela fizesse algumas declarações prejudiciais”, A sessão espírita iniciou-se com a “Avé Maria”
aconselhando-a a confirmar “o que a polícia já da ópera Fausto de Gounod, cantada por Maria
sabia”, expulsando-o do PCP. Terá sido a sócia da Madre de Deus Dinis de Almeida, seguindo-
n.o 301 da delegação do Porto da Associação Fe- se as comunicações mediúnicas de duas Enti-
minina Portuguesa para a Paz*, com o nome de dades que, invocando Jesus e Maria, abençoaram
Armanda Lacerda. Mãe de um único filho, nas- os noivos e transmitiram-lhes “os mais puros e
cido em Pinheiro de Bemposta, Oliveira de salutares ensinamentos”, terminando com uma
Azeméis, a 21 de janeiro de 1947, morreu mui- alocução do guia “Luz e Amor” que os exortou
to nova, no dia 22 de fevereiro de 1955, a qua- a viver a união em amor, como “esposos ternos
tro dias de completar 36 anos de idade. e castos, como verdadeiros esposos cristãos”. Fre-
quentou as sessões espíritas, culturais e recrea-
Bib: Irene Flunser Pimentel, A história da PIDE, Círculo
de Leitores – Temas e Debates, 2007; José Pacheco Pe- tivas, promovidas pelo referido Centro, até
reira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política, Vol. 2 – 1923, data em que acompanhou o marido para
“Duarte”, o Dirigente Clandestino (1941-1949), Lisboa, trabalhar em Angola, onde se mantiveram até
Temas e Debates, 2001; Lúcia Serralheiro, Mulheres em 1975. As filhas elogiam as suas qualidades mo-
Grupo Contra a Corrente [Associação Feminina Portu- rais colocadas sempre ao serviço dos outros, na
guesa para a Paz (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições,
2011; Secretariado do CC, A Todos os Militantes do PCP. família e na comunidade.
Disciplina Partidária. Resolução do Secretariado, se- Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
tembro de 1946. Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
[J. E.] Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Disser-
tação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lis-
Arménia Alves Frota boa, Universidade Aberta, 2004; O Futuro, n.o 12, julho,
1923, p. 4, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31.
Republicana. Filha de Guilhermina de Miranda [N. M.]
Rocha e de António Alves da Costa Dinis, nas-
ceu em Febres, Cantanhede, a 8 de outubro de Arminda dos Santos Soares
1893. Segundo Fina d’Armada, secretariou, com Filha de Luís António Soares e de Olívia dos
apenas dezassete anos, dois eventos republica- Santos Espinho Soares, irmã de Pedro dos
nos: o primeiro, aquando da inauguração do Cen- Santos Soares (13/01/1915-10/05/1975). Ca-
tro Republicano 1.o de Dezembro, em Covões, em souda com o advogado escalabitano Humberto
8 de janeiro de 1911; e o segundo foi o comício Pereira Diniz Lopes (17/10/1919 - 23/11/1984),
realizado em Febres no dia 12 de fevereiro. ambos militantes do Partido Comunista Portu-
Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci- guês, o primeiro na clandestinidade e o outro
das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011. com vida legal. Quando se encontravam presos
[J. E.] no Forte de Peniche e se preparou a fuga de Ál-
varo Cunhal, do irmão e de outros camaradas,
Arminda da Costa Pinto da Silva Guerreiro da em janeiro de 1960, Arminda dos Santos Soa-
Franca res constituía o primeiro sinal para a confirmar,
Filha de Joaquim António da Silva e de Maria através da visita dominical ao marido, o que não
da Costa Pinto, nasceu no Porto a 19 de agosto sucedeu pelo facto de os planos terem sido an-
de 1902 e faleceu, no Montijo, a 19 de março de tecipados uma semana. Em determinada ocasião,
1979. Ficou órfã quando era ainda criança e, tal terá sido “condenada a 15 dias de prisão por pro-
como um dos irmãos, foi entregue aos cuidados testar contra as violências a que tinha sido su-
de uma tia, Maria Emília Marques*. Convertida jeito o marido” [Irene Pimentel, p. 442].
ao espiritismo filosófico, científico e experi- Bib.: Irene Flunser Pimentel, A história da PIDE, Círculo
mental, tornou-se sócia do Grupo Espiritualis- de Leitores – Temas e Debates, 2007; José Pacheco Pe-
ta Luz e Amor*, herdeiro do Grupo das Sete, cria- reira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política – O Pri-
do por Maria Veleda* em 1916. Casou em 26 de sioneiro (1949-1960), Vol. 3, Lisboa, Temas e Debates,
2005; Mário Matos e Lemos, Candidatos da Oposição
fevereiro de 1921 com Cândido Guerreiro Xavier à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973). Um
da Franca, filho de Maria Veleda e do poeta Cân- Dicionário, Texto Editores, 2009, pp. 191-192.
dido Guerreiro, sendo o segundo casal a assinalar [J. E.]
ARM 102

Arminda Neves pirações, triunfantes e radiosas”. A propaganda


Atriz. Em 1915, integrada na Companhia do do espiritismo estava a cargo do general Viria-
Eden Teatro de Lisboa, foi ao Teatro Sá da Ban- to Zeferino Passaláqua com “ABC Espírita”, mas
deira, do Porto, cantar na opereta italiana o tema era também tratado por outros colabo-
Amor de Máscara, de Carlos Zangarini, tradu- radores. A secção “Ecos do Além” relatava e ex-
ção de Acácio Antunes. plicava comunicações medianímicas pela me-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 13/03/1956, dianeira (médium) Ernestina e recebia a cola-
p. 7. boração de todos os correspondentes, desde que
[I. S. A.] isentos de fanatismo. Também se divulgavam tex-
tos de autores famosos e poesia dos melhores
ASA (A) poetas, inspirados na ideia de Deus e da imor-
Órgão do Centro de Propaganda das Ciências Psí- talidade da alma. Para informar os leitores do mo-
quicas Luz e Amor – tinha como subtítulo “Re- vimento espírita internacional, transcreviam-
vista mensal de propaganda sociológica e de ciên- se artigos, entrevistas e notícias publicadas em
cias psíquicas”. Era dirigida por Maria Veleda*, periódicos estrangeiros. A diretora da revista, Ma-
secretariada por Cândido Guerreiro Xavier da ria Veleda, tinha a seu cargo os editoriais, as no-
Franca, editada por Hermínio do Nascimento e tas da redação, a correspondência com os leitores
administrada por Albino Martins. Estava sediada e a troca de informações com outras publicações
na Rua da Prata, 178, 2.o, em Lisboa. Começou nacionais e estrangeiras. Sob o pseudónimo Fred,
a ser publicada em janeiro de 1919 e teve como diminutivo do apelido Frederico, assinava tam-
colaboradores Ana de Castro Osório, A. P. Xan- bém a secção “Em toda a parte”, onde abordava
drus, Carlos Quesada, Carneiro de Moura, E. Cas- e comentava assuntos criteriosamente escolhi-
telar, Eduardo Frias, Ernestina Gameiro, Eva de dos com intuitos éticos e pedagógicos. Também
Val Flor (Maria Veleda), Francisco Nóbrega se publicavam contos ou excertos de obras de ca-
Quintal, Fred (Maria Veleda), Frederico de Côr- rácter espiritualista ou reencarnacionista, cujas
te-Real (Cândido Guerreiro Xavier da Franca), traduções eram assinadas por Wasilisa*, Maria
Hermínio Nascimento, Ignotus, João Correia Viei- da Madre de Deus Leite Dinis de Almeida, e Eva
ra, L. D., Luís Leitão, Magalhães Lima, Maria da de Val Flor, outro pseudónimo de Maria Veleda.
Madre de Deus Leite Dinis de Almeida*, Maria A publicação de A ASA terminou em dezembro
Arouca Massano, Viriato Zeferino Passaláqua e de 1919, sendo substituída pela revista O Futuro*
Wasilisa* (pseudónimo). No dizer da sua dire- com idênticas características e os mesmos ob-
tora, A ASA “é pensamento que eleva; força que jetivos. Porém, A ASA reapareceu em outubro
nos transporta a regiões ignoradas; vela que faz de 1924, como revista mensal literária e de pro-
singrar o batel da imaginação do mar bonanço- paganda, órgão do Centro Espiritualista Luz e
so da ventura. Tem asas de luz a alma que se eleva Amor*. Era também dirigida por Maria Veleda,
para Deus; asas têm o espírito liberto das prisões secretariada por Laura Barbosa* e, depois, por
terrenas quando procura decifrar o misterioso João José Alves, administrada por Maria Emília
enigma da formação e da vida dos mundos”. Marques* e tinha como redator principal Viria-
Queria isto dizer que A ASA se dedicaria a to- to Zeferino Passaláqua. A sede era na Rua da Pro-
dos os assuntos que se prendessem com “a ele- cissão, 165, 2.o, Lisboa. A ASA ostentava então
vação moral e intelectual da humanidade”, um círculo com um triângulo ao centro, sobre-
procurando espalhar “ideias de paz, de amor e posto a um Sol radioso, no interior do qual es-
de liberdade”. Dedicada a todos os adeptos das tavam entrelaçadas as letras L e A, iniciais das
doutrinas espiritualistas, defendia a “emanci- palavras “Luz” e “Amor”. O cume do triângulo
pação da mulher, a proteção das crianças, a pro- era encimado por uma cruz latina e duas asas
paganda contra a prostituição e o alcoolismo” e abertas. Simetricamente à cruz, três estrelas for-
combatia a iniquidade, a opressão, o uso da for- mavam um triângulo sobre os raios do Sol. À vol-
ça e da violência, as ambições mesquinhas e a ta do círculo podia ler-se “Possa o facho res-
negação dos direitos humanos. Fazia a propa- plandecente da Verdade iluminar o caminho que
ganda do espiritismo filosófico, científico e ex- procuramos abrir”. Esta revista marcava algumas
perimental, para “aplanar o caminho por onde diferenças em relação à sua antecessora. As te-
hão de seguir os pioneiros do futuro – almas li- máticas abordadas eram menos diversificadas,
bertas de ódios e de preconceitos, irmãs nas as- porque o principal objetivo era a preparação do
103 ASI

1.o Congresso Espírita Português para “melhor parece não ter agradado aos corpos sociais do
e mais homogénea organização das ciências psí- Centro Espiritualista Luz e Amor, pois foi no-
quicas em Portugal”. O grupo editorial, que ar- meado um corpo redatorial, constituído por Ma-
cava com a maior parte das despesas da publi- ria da Madre de Deus Dinis de Almeida, Maria
cação, era constituído por treze homens e oito O’Neill*, Maria Emília Carvalho Gonçalves*, Di-
mulheres, a saber: António Guedes da Silva, An- nah Santos Lima, capitão Augusto Flores, J. B.
tónio J. Correia, Artur A. Silva, Carlos Quesada, S., Júlio Costa e José de Almeida Abrantes. Este
Francisco Marques Rodrigues, João da Cruz Matos, grupo publicou mais dois números, em abril e
João José Alves, José Maria Pereira Bravo, Ma- maio de 1926, terminando aqui a vida do órgão
nuel Martins Fernandes, Manuel dos Santos Ca- oficial do maior e mais ativo Centro Espírita do
boz, Dr. Mário Machado, Sebastião Ribeiro, Vi- país naquela época, e responsável pela criação
riato Zeferino Passaláqua, Amélia Ferreira Grilo*, da Federação Espírita Portuguesa.
Dinah Santos Lima*, Elisa da Conceição Santos Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
Lima*, L. D. A., Luísa Ferreira Ludovice*, Maria Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
da Madre de Deus Leite Dinis, Maria Emília Mar- Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Disser-
ques, Maria Rita das Dores Silva. Como veícu- tação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lis-
boa, Universidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no
lo privilegiado do Centro Espiritualista Luz e labirinto espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva,
Amor, A ASA dinamizou o processo de consulta n.o 15, 2006, pp. 83-109.
e da reunião de todos os Centros e Grupos Es- [N. M.]
píritas, a fim de preparar o 1.o Congresso Espí-
rita Português, que se realizou em Lisboa em Asilo da Bandeira
maio de 1925. O programa do evento, as teses v. Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas
apresentadas, assim como a controvérsia gera-
da em torno de algumas delas, o lançamento da Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas
Federação Espírita Portuguesa e as polémicas que Em maio de 1877, por iniciativa de um grupo de
se seguiram à proposta de extinção do Centro Es- católicos defensores do apostolado social de ín-
piritualista Luz e Amor dominaram a maior par- dole caritativo, foi fundado, em Viana do Caste-
te da informação da revista até finais desse ano. lo, um asilo para meninas órfãs e desamparadas,
Foi precisamente em novembro de 1925 que a dos cinco aos doze anos, com o propósito de lhes
diretora Maria Veleda escreveu uma “Carta dar instrução, educação e proteção. Esta insti-
Aberta” aos leitores, manifestando a intenção de tuição ainda hoje continua a realizar os objetivos
abandonar o cargo e de se afastar do espiritismo iniciais com o nome de Lar de Santa Teresa. En-
militante, alegando estar desiludida com a quadrados pela Associação das Filhas de Maria
orientação desta ciência em Portugal. Lem- [Pinho Leal], tal como aconteceu na criação da
brando as denúncias públicas que vinha fazen- Casa de Abrigo de Braga (1869), foram os vis-
do em periódicos da especialidade, lamentava condes da Torre das Donas [Decreto de
que os seus gritos de alerta não tivessem tido con- 08/08/1872] – Joaquim de Azevedo de Araújo e
sequências a nível da reflexão e do debate sobre Gama (1833-1883), Governador Civil de Viana,
certas práticas ridículas, fraudulentas e até pe- e Maria Emília de Barros Lima de Azevedo do
rigosas, muito comuns em meios fanatizados ou Rego Barreto* (1835-1921) – os principais pro-
ignorantes. Afastava-se porque condenava a motores da iniciativa de fundação desta obra de
vulgaridade de muitas sessões experimentais que beneficência. Foi no dia 15 de maio de 1877, a
passaram a ser “um passatempo barato”, em vez convite da viscondessa, e na sua casa de resi-
de “motivo de estudo” criterioso e lúcido. Ao re- dência, que se realizou a primeira reunião para
nunciar à direção da revista A ASA, renuncia- apreciação dos estatutos que viriam a ser apro-
va também ao cargo de presidente do Centro Es- vados pelo governo civil no dia 26 de maio de
piritualista Luz e Amor, por discordar da sua ex- 1877 (data oficial da fundação do asilo). Em 31
tinção, mas garantia a sua substituição nos de maio de 1877, realizou-se, na casa dos vis-
dois cargos pelo Dr. António Freire, médico, es- condes, a primeira assembleia-geral. A primei-
critor e espírita dedicado. Entretanto, este de- ra reunião da direção do asilo aconteceu no dia
sobrigou-se do compromisso tomado, alegando 15 de junho de 1877, de novo na casa dos vis-
que A ASA devia dar lugar ao Portugal Espíri- condes. Como principais sócios fundadores po-
ta, órgão da Federação. Todavia, esta proposta deremos considerar os seguintes: viscondessa e
ASI 104

visconde da Torre das Donas, Ana Mendes, -se a insuficiência das provisórias instalações,
Ana Verneck, António da Silva S. Miguel, An- nova casa foi procurada. Após obras de benefi-
tónio Marinho, Caetano Luís da Silva, Domingos ciação e de adaptação, a nova casa do asilo, pro-
Gonçalves de Carvalho, Eugénia Maria Celesti- priedade de José de Barros Lima de Azevedo Rego
no Soares, João Coelho de Castro Vilas-Boas e Sá, Barreto, irmão da viscondessa e Administrador
Manuel António Pinto de Andrade, Manuel da do Concelho, alugada, onde mais tarde se insta-
Silva Viana, Manuel Viana da Mota, Maria Augusta lou a Associação Nuno Álvares, passou a ser na
Pereira da Cunha, Miguel Manuel da Silva, Ni- Rua da Bandeira. As asiladas foram para essa casa
colau Calheiros de Magalhães, Rosa da Silva Car- no dia quatro ou cinco de fevereiro de 1880. Aí
valho e Sebastião José Fernandes. A inauguração permaneceram durante 21 anos (1880-1901) e fi-
do Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas ocor- caram conhecidas por “Meninas do Asilo da Ban-
reu a 8 de agosto de 1877 e, nesse mesmo dia, as deira”. Ao longo do seu historial, o asilo admi-
primeiras seis meninas admitidas, com idades tiu alunas pensionistas e alunas externas que
compreendidas entre os cinco e os dez anos, fi- pagavam o seu ensino e educação de modo a col-
caram instaladas, gratuita e provisoriamente, no matar os gastos e dificuldades de sustentação das
segundo andar da casa de habitação do benfei- alunas internas asiladas que, em finais de 1878,
tor Miguel Manuel da Silva, à Rua das Rosas, atual já eram 14, em março de 1883, 23, em junho de
Rua General Luís do Rego. Três irmãs hospita- 1886, 25 e em 30 de junho de 1887 eram 40. As
leiras acompanharam as seis meninas desde o pri- meninas externas pagavam uma pensão de 5.000
meiro dia, com o objetivo de zelarem pela sua réis, em 1885, e as pensionistas pagavam 7.500
educação e ensino. De acordo com o artigo 2.o dos réis, em junho de 1896 [Manuel Rocha, 2002, p.
estatutos, em vigor até à implantação da Repú- 114]. Esmolas, doações e cotizações dos sócios
blica em 1910, “Esta instituição terá por objeto também contribuíam para a sustentação do asi-
proteger, educar e instruir crianças pobres do sexo lo. Uma vez assumido pela cidade de Viana, vá-
feminino como alunas internas”. O artigo 3.o dos rias iniciativas recreativas e culturais foram
mesmos estatutos especifica: “A proteção con- realizadas para se obterem donativos para as me-
sistirá em sustentá-las, enquanto estiverem na casa ninas órfãs e desamparadas. O asilo também foi
do Asilo, tratando do seu agasalho e asseio e pres- contemplado com diversas doações e legados, al-
tar-lhes todos os cuidados que sua tenra idade re- guns bastante avultados para a época (500.000 réis
clama”. Quanto à formação intelectual, refere o em 1878, 220.000 réis em 1879, 2.500.000 réis em
artigo 5.o: “A instrução compreenderá os ele- 1885). Por sua vez, as meninas asiladas também
mentos da doutrina cristã, ler, escrever e contar, colaboravam no seu próprio sustento: partici-
e todas as mais noções gerais ao alcance da pri- pavam nos trabalhos de manutenção do asilo, fa-
meira infância, e os trabalhos próprios do seu sexo ziam diversos trabalhos de costura e lavores e de-
compatíveis com suas idades [trabalhos de cos- sempenhavam as funções de carpideiras nos fu-
tura, croché, lavores, música, francês, inglês]”. nerais. Continuando a aumentar o número das
“Ali se ensinavam [pelas religiosas hospitaleiras] meninas asiladas, externas e pensionistas e pen-
todas as disciplinas exigidas para o exame de ad- sando a direção do asilo em encontrar instalações
missão aos liceus, tendo sido introduzido, em mais amplas, possibilitadoras de uma nova di-
1881, o método de João de Deus” [Manuel Rocha, nâmica, fizeram-se as diligências necessárias para
p. 114]. Ainda segundo os estatutos, seriam ad- a aquisição do Convento das Carmelitas, um con-
mitidas as meninas com cinco anos completos, vento quase deserto devido às leis contra as or-
sem doenças contagiosas, órfãs e pobres (art.o 26.o). dens religiosas (1834). E assim, por Carta de Lei
“Só poderão, por via de regra, conservar-se asi- de 13 de julho de 1889 [Diário do Governo n.o 160,
ladas as meninas até à idade de doze anos” (art.o de 20/07/1889], “É concedido ao Asilo de Me-
27.o). Findo o tempo de internato, seriam entre- ninas Órfãs e Desamparadas da cidade de Viana
gues à família ou a uma casa que as acolhesse e do Castelo o edifício do Convento das Religiosas
lhes proporcionasse emprego, normalmente, Carmelitas da mesma cidade, com a respetiva igre-
como costureiras ou criadas de servir. Verificando- ja e paramentos, cerca, quinta e dependências des-
-se uma procura elevada nos meses seguintes à ta, a fim de nele ser instalado o referido asilo, ve-
sua fundação, o asilo admitiu mais meninas e, por rificando-se a concessão depois do falecimento
isso, tornou-se necessária mais uma irmã hos- da última freira” [Manuel Rocha, 2002, pp. 90-
pitaleira. Pouco tempo depois, reconhecendo- 91]. A última freira da Comunidade das Carme-
105 ASI

litas Descalças de Viana do Castelo no Conven- (1914-1918). Por essa altura, subsidiada pela Co-
to do Desterro de Jesus, Maria e José, Josefa Ma- missão Distrital de Assistência e governo civil,
ria do Santíssimo Sacramento, faleceu no dia 15 distribuiu-se no asilo a sopa aos pobres da cidade,
de outubro de 1900. A partir de 20 de fevereiro cujo número variou entre 40 e 150. Embora a sopa
de 1901, o asilo começou a instalar-se no Con- dos pobres trouxesse contrapartidas ao asilo, isso
vento das Carmelitas, o primeiro edifício próprio não era suficiente e as meninas asiladas conti-
e onde tem permanecido até aos dias de hoje. Pe- nuaram, e até intensificaram, os seus trabalhos
rante espaços tão amplos e património tão avul- na cerca e na quinta do Convento das Carmeli-
tado, parece não terem existido as atitudes mais tas. As crianças asiladas desempenhavam as mais
realistas e saudáveis de gestão e administração. diversas ocupações ou serviços destinados à sua
No entanto, em 25 de agosto de 1902 fez-se con- própria formação e sustento: manutenção do asilo
trato de arrendamento da cerca agrícola do con- (limpeza, cozinha, tratamento de roupas e cal-
vento a um caseiro [Manuel Rocha, 2002, pp. 308- çado), realização de tarefas lucrativas ou traba-
-309] e as meninas asiladas passaram a desem- lhos remunerados (costura, engomagem, tecela-
penhar os mais diversos trabalhos no convento gem, fiação e serviço de carpideiras) e serviços
(limpeza e manutenção), na cerca e na quinta (ser- agrícolas e agropecuários (horticultura, agricul-
viços agropecuários e de horticultura). Avolu- tura e tratamento de animais). Afirmava-se a edu-
maram-se os problemas com as dificuldades de cação pelo trabalho. Era regra manter as crianças
sustentação do asilo, devido à morte de desta- e as adolescentes ocupadas e fornecer-lhes os ru-
cados benfeitores e sucessivas e graves crises di- dimentos para o desempenho de uma profissão
retivas (1902-1909). Depauperava-se o asilo com futura, sobretudo costureiras e criadas de servir.
o declinar da Monarquia, no meio de clivagens O ensino especificamente feminino, para além da
sociais e políticas na cidade de Viana. Face às di- componente religiosa e doutrinal, em nada se al-
ficuldades por que passava, em junho de 1902 re- terou com a República. Em abril de 1922, dá-se
duziram-se de sete para cinco as irmãs hospita- conta das seguintes matérias de ensino: história,
leiras responsáveis pela educação e ensino das física, educação moral e religiosa, costura, meia,
meninas internas e externas. Em novembro de renda, fiação de linho, tecelagem, lavores, gi-
1906 existiam “´[...] vinte e três asiladas, oito alu- nástica sueca, jogos infantis e passeios. Entre 1919
nas pensionistas e noventa e cinco alunas ex- e 1962, apesar da Segunda Guerra (1939-1945),
ternas” [Manuel Rocha, 2002, pp. 109-110]. Em as memórias do asilo dão conta de um período
outubro de 1908, matricularam-se 78 meninas (in- de alguma tranquilidade e afirmação. Para esta
ternas e externas). As pensionistas pagavam 9.000 tranquilidade contaram muito as práticas de boa
réis em 1902. Com a implantação da República gestão, a ligação à cidade e a exploração criteriosa
em 1910, e a consequente expulsão das ordens dos seus bens, fosse ao nível da cerca e da quin-
religiosas, o asilo ressentiu-se muito neste período ta do Convento das Carmelitas, fosse ao nível das
conturbado da vida social e política. Era o ter- Leiras da Caxada da Meadela. Por volta de 1926
minar de um período assente na caridade cristã extinguiu-se o serviço remunerado de carpidei-
e na íntima relação entre Igreja e Estado e o iní- ras ou assistentes de funerais feito pelas asiladas.
cio, revolucionário, de um novo período que pro- “[...] em 26 de outubro de 1927 a escola do asi-
punha as mais diversas medidas de solidariedade lo foi provida de uma professora oficial nomea-
e justiça social laicas. O asilo conheceu dias de da pelo Ministério da Instrução [...] Estava assim
grande instabilidade e agitação devido à substi- oficializada a escola do Asilo [...], mais tarde cha-
tuição das irmãs hospitaleiras por um corpo téc- mada escola do Asilo das Carmelitas com ensi-
nico laico, tendo sido contratadas quatro pro- no de qualidade garantido e sem encargos para
fessoras, ao fim das direções monárquicas, à de- o mesmo” [Manuel Rocha, 2002, p. 142]. Em ju-
missão de toda a direção presidida pelo viscon- nho de 1919, são 32 as asiladas; em 1930/31, 31;
de de Montedor, à reorganização da administração em 1931/32, 39; em 1932/33, 50; em 1933/34, 56;
e do ensino, ao fecho da igreja ao público, à de- em 1934/35, 58 asiladas; e “Em 1938 [...] com 78
gradação das instalações e à falta de beneméri- asiladas, se verifica o maior número de que te-
tos. Por exigência das circunstâncias, novos es- mos referência” [Armando Pereira, 1993, p. 18].
tatutos foram aprovados pelo governador civil, Com a repressão da mendicidade, o asilo passou
em 16 de junho de 1914. Os tempos difíceis pro- por uma fase de crescente institucionalização pois
longaram-se pelo período da Primeira Guerra acolhia meninas pobres encaminhadas pela Co-
ASS 106

missão Distrital de Assistência e pela Polícia de dos Mártires. Apesar de sentidas algumas difi-
Segurança Pública, recebendo um correspondente culdades por ocasião do 25 de Abril de 1974, o
subsídio. Entre os anos 1940 e 1960, o asilo con- Lar de Santa Teresa prosseguiu a sua tarefa de
tou com as comparticipações do Instituto de As- educação e proteção sem sobressaltos nem cri-
sistência a Menores e os pagamentos das alunas ses. A este propósito, e sinal de grande vitalidade,
pensionistas, que entregavam 100$00 e, depois, refiram-se as grandiosas comemorações do seu
150$00 mensais. Em 9 de dezembro de 1942, no- primeiro centenário em 1977. Por esta altura, o
vos estatutos são aprovados pelo Governador Ci- lar passou a ser denominado como Instituição de
vil do Distrito de Viana. Continuando o caminho Solidariedade Social. Em 1975 [Diário do Governo
da sua institucionalização, em 17 de julho de de 10/11/1975], extinguiu-se a Escola Primária
1964, o asilo foi reconhecido como “pessoa co- n.o 8 do Lar de Santa Teresa, passando as alunas
letiva de utilidade pública administrativa, ficando a frequentar a Escola Primária n.o 1. Nas décadas
assim isento de contribuição predial” [Manuel Ro- de 1980 e 1990, fizeram-se grandes obras no lar
cha, 2002, p. 173]. A partir de 1965, a Fundação (auditório, recinto desportivo, modernização
Calouste Gulbenkian passou a apoiá-lo. A década dos equipamentos, museu de arte sacra, etc.). Em
de 1970 iniciou-se com a definição de uma nova outubro de 1981 criou-se o Jardim Infantil do Lar
fase para o asilo. Efetivamente, a 29 de janeiro de de Santa Teresa. Com esta iniciativa conseguiu-
1970 [Diário do Governo, n.o 39, III série, se uma segura fonte de receitas, encontrou-se uma
16/02/1970] surgiu o Despacho de aprovação dos ocupação profissional para algumas educan-
novos estatutos, passando o Asilo de Meninas Ór- das, abriu-se o lar à cidade e respondeu-se a uma
fãs e Desamparadas a ser designado Lar de San- necessidade social da cidade de Viana do Castelo.
ta Teresa. É um virar de página de uma institui- Bib.: Armando Soares Pereira, “Homenagem ao Lar de
ção largamente enraizada na sua cidade e o iní- Santa Teresa”, A Nau [Boletim do Lions Clube], Viana
cio da sua plena maturidade e autonomia. Com do Castelo, 03/09/1993, pp. 12-22; Artur Coutinho, A Ci-
estes novos estatutos, e devido a um acordo de dade de Viana no Presente e no Passado (Da Bandeira
à Abelheira), edição da Paróquia de N. Sr.a de Fátima,
cooperação com o Instituto de Assistência a Me- Viana do Castelo, 1986, pp. 43-46; José Luís Branco, “Para
nores, estabeleceu-se um quadro fixo de pessoal a História da Misericórdia e do Tribunal de Viana do Cas-
devidamente remunerado: uma diretora, uma au- telo”, Estudos Regionais [Revista de Cultura do Alto Mi-
xiliar da diretora, uma cozinheira, um criado de nho], Viana do Castelo, Centro de Estudos Regionais, n.o
lavoura, duas criadas de lavoura, um médico, uma 16, dezembro, 1995, pp. 95-110; Manuel Inácio Fer-
nandes da Rocha, O Lar de Santa Teresa – 125 anos de
enfermeira, um escriturário e uma professora de Solidariedade e Amor (1877- 2002), Lar de Santa Tere-
ginástica [Manuel Rocha, 2002, p. 185]. Assim se sa, Viana do Castelo, 2002; Pinho Leal, “Viana do Cas-
entrou num período de normalização financei- telo”, Portugal Antigo e Moderno, Vol. 10, Livraria Edi-
ra e profissionalização da assistência às crianças tora de Matos Moreira e Cardoso, Lisboa, 1882; “Asilo
desprotegidas. Por sua vez, as crianças internas das Meninas Órfãs”, O Povo, Viana do Castelo,
17/11/1910, p. 2; “Esclarecendo – O ‘Asilo das Meninas
passaram a frequentar as escolas públicas da ci- Órfãs e Desamparadas’“, O Povo, Viana do Castelo,
dade e foi aceite o prolongamento de estadia no 01/12/1910, p. 1; “’Asilo das Meninas Órfãs e Desam-
lar das adolescentes e jovens que apresentassem paradas’ – O que por lá vai...”, O Povo, Viana do Cas-
dificuldades de integração familiar, problemas de telo, 04/12/1910; “Asilo das Meninas Órfãs e Desam-
paradas”, O Povo, Viana do Castelo, 22/12/1910; “Ne-
integração profissional ou que quisessem pros- crologia”, A Aurora do Lima, Viana do Castelo,
seguir estudos. Nesta altura também passou a ser 29/04/1921, p. 2.
autorizada a permanência de internadas pen- [A. C. S.]
sionistas com mais de 18 anos, em instalações
próprias. Refira-se que, dado o interesse públi- Assistência das Portuguesas às Vítimas da
co pelo património conventual e sacro, no final Guerra
dos anos 1960 procedeu-se à consolidação e re- Poucos dias após a declaração de guerra da Ale-
novação de um edifício velho e arruinado. Por manha a Portugal, o que aconteceu em 9 de mar-
sua vez, devido ao crescimento da cidade de Via- ço de 1916, um grupo de mulheres pertencen-
na, nos anos 1970 uma parte substancial dos ter- tes à aristocracia monárquica começou a ser no-
renos da cerca foi cedida para a construção de um tícia nos jornais. Em destaque apareciam as con-
pavilhão gimnodesportivo, requerido pela Câmara dessas de Burnay e de Ficalho, a viscondessa de
Municipal em 1971 e, em 1975, para as novas ins- Santo Tirso (de quem teria partido a ideia), So-
talações da Escola EB – 2/3 D. Frei Bartolomeu fia de Mello Breyner* (que viria a ser condessa
107 ASS

de Mafra), Maria de Lencastre Van-Zeller que, ridos terá de ser entendido dentro do clima de
reunindo frequentemente, se propunham cons- confronto ideológico em que vivia a sociedade
tituir uma agremiação que prestasse auxílio às portuguesa, provocado, em boa parte, pela prá-
vítimas da guerra. Aliás, seguiam o exemplo de tica agressivamente anticlerical dos governos re-
muitas mulheres pertencentes a estratos eleva- publicanos. Conquanto parecesse iminente a par-
dos das sociedades de outros países em guerra tida dos combatentes para o campo de batalha,
que encontraram forma de ser úteis, revelando os responsáveis políticos mostravam-se relutantes
capacidades que não lhes eram reconhecidas até em corresponder aos pedidos do sector católi-
então. Em poucos dias lançavam-se as bases do co no sentido de ser assegurada a assistência re-
agrupamento que recebeu a designação de As- ligiosa em campanha (só em janeiro de 1917 se-
sistência das Portuguesas às Vítimas da Guerra. ria autorizada a presença de capelães junto dos
Embora lhes interessasse o auxílio aos comba- combatentes em França). A presença de enfer-
tentes e suas famílias, o centro de preocupações meiras da confiança dos católicos colmataria de
das associadas encontrava-se na organização de certo modo esse vazio espiritual. Lembre-se que
cursos de enfermeiras. Nesse período de arran- o Dr. Mello Breyner era um católico militante que
que, Maria Amélia de Carvalho Burnay*, con- viria a fazer parte da Comissão Central de As-
dessa de Burnay, presidia à comissão central. A sistência Religiosa em Campanha. Quanto aos du-
condessa de Ficalho (Maria Josefa de Melo*) e a ques de Palmela – de onde partira uma das ofer-
viscondessa de Santo Tirso eram, respetivamente, tas de instalações prontas a acolher feridos de
vice-presidente e secretária. Em reunião de 2 de guerra –, eram grandes beneméritos desta Co-
abril, decidiram aceitar o símbolo de outra so- missão, doando mensalmente 40$00 para a
ciedade entretanto surgida em Coimbra e que per- obra. A imprensa republicana viria a relacionar
seguia objetivos idênticos: a Sociedade da Cruz frequentemente as atividades da associação
Branca de Coimbra*. As inscrições para os cur- com o auxílio aos capelães. É evidente que o di-
sos de enfermagem tiveram enorme êxito, apa- namismo das católicas, de algum modo susce-
recendo, nesse mês de março, mais de noventa tíveis de conotação a movimentos monárquicos,
candidatas, na grande maioria pertencentes a fa- não agradaria ao sector mais radical que domi-
mílias que dominavam a cena política antes do nava a cena política. O ministro do Interior co-
5 de Outubro. Contudo, os cursos, apesar de pa- locou dificuldades ao concretizar dos cursos de
gos, não eram de acesso tão restrito como se pode enfermagem e acabou por proibir o seu funcio-
pensar. Cada uma das inscritas podia matricu- namento. Ou melhor: somente autorizava se as
lar gratuitamente uma jovem pobre, da sua senhoras se inscrevessem na Cruz Vermelha –
confiança, que soubesse ler e escrever. As aulas esta sociedade tomaria a iniciativa de criar
teóricas iniciaram-se de imediato, regidas pelo cursos de enfermagem de guerra já depois de ter
Dr. Tomás de Mello Breyner (futuro conde de Ma- sido dado a conhecer o projeto da Assistência das
fra e genro de Maria Amélia de Carvalho Burnay). Portuguesas às Vítimas da Guerra. A proibição
Para os cursos técnicos contaram desde o início governamental foi objeto de diversos comentá-
com o Dr. Reinaldo Santos e a Dr.a Domitila de rios nos jornais, pensando alguns que tudo não
Carvalho. Como os cirurgiões do Hospital de S. passava de manigância política. Aliás, os crité-
José desejavam constituir um curso de enfer- rios do ministro talvez não tivessem justificação,
magem de guerra, em breve surgiram como co- pois, pouco tempo depois, uma nova associação,
laboradores da Assistência, fornecendo insta- a Cruzada das Mulheres Portuguesas*, muito co-
lações para essas aulas. No entusiasmo do mo- lada ao Governo, recebeu, para além de muitas
mento, diversos particulares (entre eles a con- outras prerrogativas, o direito a organizar cursos
dessa de Burnay) prontificaram-se a disponibi- de enfermagem. A Assistência das Portuguesas
lizar edifícios com condições para serem adap- às Vítimas da Guerra poderia ter morrido aqui.
tados a hospitais. Alguns destes beneméritos res- Em razão das dificuldades ou devido a qualquer
ponsabilizavam-se mesmo pelos tratamentos ne- desinteligência, a condessa de Burnay demitiu-
cessários à recuperação de determinado núme- -se do cargo que exercia. O casal Mello Breyner
ro de feridos. Também aqui se seguia o exemplo deixou de ter o papel ativo que tivera no seu ar-
do que se passava nos países que se haviam en- ranque. Mas isso não significou desistência da
volvido na guerra muito antes. Numa esfera mais luta. A condessa e o genro prosseguirão, dentro
específica, este interesse pela assistência aos fe- da Cruz Vermelha, a sua campanha em favor da
ASS 108

assistência aos soldados feridos. Sofia encetará formações respeitantes a cada pedido. Na capi-
outro combate, dinamizando uma nova insti- tal, essa tarefa era atribuída por freguesias. As
tuição: as Madrinhas de Guerra*. A Assistência atividades estavam divididas por comissões: pro-
das Portuguesas às Vítimas da Guerra, depois de teção no trabalho, com o encargo de vender os
um período em que chegou a ser anunciado o seu trabalhos encomendados às mulheres familiares
desaparecimento, continuou o percurso sob a dos mobilizados; confeção de roupas e agasalhos
presidência da condessa de Ficalho. A formação para os soldados na frente; comunicações com
de enfermeiras deixou de estar no centro da or- o Comité de Lausanne, para informações e cor-
ganização até porque, entretanto, outras socie- respondência com os prisioneiros de guerra na
dades se propuseram formar enfermeiras (a Alemanha. Durante muitos meses a sede fun-
Cruz Vermelha e a Cruzada das Mulheres Por- cionou na residência da condessa de Ficalho –
tuguesas). Mas algumas associadas não desisti- Rua Luz Soriano, 53. Passou para a Travessa dos
ram do seu primeiro intento e frequentaram os Fiéis de Deus, n.o 106 e, depois, para a Rua dos
cursos da Cruz Vermelha. Eram vinte as asso- Caetanos, 36. Conseguia obter dinheiro através
ciadas da Assistência que, em fevereiro de de donativos privados, de organização de festas
1917, concluíram os seus cursos. Alguns ele- e quermesses, tendo sido a Festa da Flor, na Pri-
mentos da associação prestaram serviços na Cruz mavera de 1917, a iniciativa mais rentável. Para
Vermelha, especialmente em França, no hospi- conseguir recursos, e como forma de propa-
tal que esta Sociedade estabeleceu em Amble- gandear a sua ação, o grupo do Porto tomou a ini-
teuse. Um caso exemplar é o de Maria Antónia ciativa de estampar e reproduzir uma “obreia pa-
Jervis de Atouguia Ferreira Pinto*, chefe das “da- triótica”, que era colocada na correspondência
mas enfermeiras” da Cruz Vermelha. É natural a expedir. Mas as necessidades de dinheiro eram
que, falhando o objetivo nuclear do arranque da consideráveis. Num tempo de miséria, que a
associação – a formação de enfermeiras –, hou- guerra agravara, mães, esposas, filhas, irmãs de
vesse um período de desânimo. Isso pode jus- mobilizados apareciam em grande número a im-
tificar o atraso na legalização, com aprovação dos plorar auxílio, expondo desgraças. Tinha que se
estatutos, que se dá logo a seguir à Festa da Flor* atender a cada circunstância, caso a caso. Em
(15 de março de 1917). O enorme êxito desta ini- abril de 1917, com o produto da Venda da Flor,
ciativa da Assistência das Portuguesas às Víti- a instituição enviara 200$00 às famílias dos pes-
mas da Guerra serviu de relançamento da mes- cadores cujos barcos foram afundados por sub-
ma. Em finais de abril de 1917, a associação era marinos alemães, auxiliara, através do Comité
presidida pela condessa de Ficalho, sendo vice- de Lausanne, os marítimos aprisionados em cam-
-presidentes a marquesa de Lavradio, a viscon- pos de concentração alemães e distribuía men-
dessa de Santo Tirso e D. Maria de Jesus salidades a famílias de combatentes necessita-
Ornelas. Maria de Lencastre Van-Zeller era a se- dos. Enquanto durou a guerra, procurou resol-
cretária da organização e Rita Ferrão de Caste- ver dificuldades do dia a dia: resgate de máquinas
lo Branco de Mascarenhas tinha a função de te- de costura penhoradas, distribuição de leite e re-
soureira. Vogais eram a viscondessa dos Olivais, médios, pagamento de rendas de casa, batizados
Maria Domingas de Sousa Coutinho e Genove- de crianças, regularização de situações familia-
va Mayer Ulrich. A condessa de Sabugosa pre- res por meio de casamento. Para as mulheres dos
sidia à Mesa da Assembleia-Geral, secretariada combatentes que desejavam encontrar trabalho,
pelas condessas da Ponte e do Seisal. Entretan- a Assistência dispunha, no Pátio do Pimenta, 1-A,
to, a organização estendera-se ao Porto. Aqui era de um ateliê. Aí podiam aprender a executar tra-
presidida por Maria da Conceição de Lemos Ma- balhos manuais, sobretudo as que estavam li-
galhães*. Os grupos de Lisboa e do Porto, embora gadas à costura. Em abril de 1918 mantinha um
regendo-se pelos mesmos estatutos e exercendo dispensário para os filhos dos militares, aos quais
a sua ação de comum acordo, eram autónomos, fornecia serviço médico, remédios e farinhas ali-
tendo cada um os seus fundos próprios e os seus mentícias. O apoio não se ficava por Lisboa. Pou-
órgãos diretivos. A Assistência de Lisboa cobria co antes enviara ajuda para oitenta e sete con-
grande parte do país: distritos de Beja, Castelo celhos. A Associação enfrentou problemas de na-
Branco, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre, turezas muito diferentes: dificuldades finan-
Santarém e Viseu. Em cada concelho tinha ceiras, ausência de apoio governamental, des-
uma representante com o encargo de obter in- confianças por parte do radicalismo anticlerical.
109 ASS

As carências económicas teriam contribuído para menta, “As Mulheres Portuguesas na Guerra de 1914/18”,
que a sua ação se concretizasse mais no apoio As Mulheres, a Identidade Cultural e a Defesa Nacional,
Cadernos da Condição Feminina, n.o 29, Lisboa, Comissão
às famílias dos combatentes do que a contactos da Condição Feminina, 1989; O Dia, 27/03/1916, p. 3,
diretos com os mobilizados. A rodeá-la teve sem- col. 2, 03/04/1916, p. 3, col. 4, 10/04/1916, p. 2, col. 5,
pre (pelo menos até à tomada do poder por Si- 13/04/1916, p. 1, col. 5, 14/04/1916, p. 1, col. 3; Diário
dónio Pais) um ambiente de hostilidade por par- de Notícias, 15/04/1916, p. 2, col. 1; O Dia, 28/04/1916,
te do sector anticlerical, que interpretava as ações p. 2, col. 1, 01/06/1916, p. 2, col. 2; Diário Nacional,
11/04/1917, p. 1, col. 1, 28/04/1917, p. 1, col. 3; O Dia,
de bem-fazer como estratagema para proselitis- 25/05/1917, p. 1, col. 3; Diário Nacional, 10/06/1917, p.
mo religioso ou político. As associadas eram acu- 1, col. 7; A Opinião, 03/07/1917, p. 1, col. 5; O Dia,
sadas de extorquir dinheiro para enviarem aos 07/08/1917, p. 2, col. 2.
capelães – o Estado acabara por permitir a par- [M. L. B. M.]
tida de quinze, mas não lhes concedia qualquer
subsídio. Nos meses a seguir à Festa da Flor, pro- Associação Benéfica dos Súbditos Britânicos em
palava-se a intenção de o Estado exercer o seu Portugal
controlo sobre o auxílio aos combatentes e Esta Associação, conhecida em inglês como
suas famílias. Jornais afetos ao Governo acusa- Trash and Treasure (Lixo e Tesouros), foi fundada
vam as associadas da Assistência das Portuguesas em 1963 e tem como objetivo principal recolher
às Vítimas da Guerra de “jesuitismo e má-fé” e fundos para distribuir por organizações de soli-
lançavam apelos aos “bons portugueses” para que dariedade portuguesas e britânicas. A sua ativi-
suspeitassem dessas mulheres, “impedindo por dade principal é manter uma loja na Praça do Jun-
todas as formas que elas continuem no seu men- queiro, em Carcavelos, onde se vendem objetos
tiroso papel de protetoras das vítimas de guer- novos e em segunda mão, oferecidos ou à
ra, quando na verdade o que elas são é... filhas comissão. Nas décadas de 1970 e 1980, Dinah
de Maria, netas de Loyola e acima de tudo irmãs Touzet e Mónica Rankin encontravam-se entre as
de S. Vicente de Paula”. Em agosto de 1917, o colaboradoras mais ativas. Entre 1972 e 1981, dis-
ministro da Justiça, Alexandre Braga, falando no tribuíram cerca de 2.250 contos por 20 organi-
Parlamento, lançou acusações aos que, “apro- zações diferentes. Em 1983, distribuíram 669 con-
veitando o lance da guerra e a coberto de uma tos e em 1985, 1.070 contos. A grande maioria dos
hipócrita caridade”, utilizavam o dinheiro ob- voluntários é do sexo feminino.
tido na compra e oferta de “bugigangas e amu- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1245, 27/02/1981,
letos de pretos [refere-se a terços, medalhas e ou- n.o 1260, 23/10/1981, n.o 1291, 10/02/1983, n.o 1303,
tros objetos religiosos], procurando dominar pela 11/08/1983, n.o 1377, 11/09/1986.
superstição” a fraqueza de espírito dos soldados. [A. V.]
O ministro do Interior ordenou aos governado-
res civis que procurassem inquirir como eram Associação das Antigas Alunas e Amigas do Li-
aplicadas as importâncias provenientes das ceu de Maria Amália Vaz de Carvalho (AL-
Festas da Flor. Pretendia-se saber se havia sido MAC)
enviado qualquer auxílio a capelães militares ou Fundada no Liceu Maria Amália Vaz de Carva-
se o dinheiro era gasto na aquisição de livros ou lho a 4 de janeiro de 1931 e aí extinta em 1989,
folhetos de propaganda religiosa. Mas o Estado por ocasião do falecimento da Dr.a Alice Bravo
não ousou proceder à expropriação dos fundos Torres Maia Magalhães* (1914-1989). Foi por con-
conseguidos pela Assistência, nem hostilizou de vite de Maria Batista dos Santos Guardiola
maneira frontal, certamente por compreender (1895-1987), reitora (1928-1946) do liceu, que “No
que, se seguisse por essa via, muitos doadores dia 4 de janeiro […] reuniram, no edifício do mes-
passariam a retrair-se. mo Liceu, muitas das suas antigas alunas, com
o fim de resolverem sobre a possibilidade de se
Bib.: Maria Lúcia de Brito Moura, “A Assistência aos Com-
batentes na I Guerra Mundial – Um conflito ideológico”, organizarem em associação. […] nomeou-se
Revista Portuguesa de História, Tomo 38, FLUC, 2006; uma comissão para redigir os respetivos estatu-
Idem, A «Guerra Religiosa» na I República, 2.a ed., tos. […] O projeto dos estatutos, aprovado depois
CEHR/UCP, 2010, pp. 456-457; Idem, “Resistências fe- pelo conselho escolar, foi enviado à Direção dos
mininas ao laicismo republicano”, Mulheres na I Re-
pública. Percursos, Conquistas e Derrotas (coord. Zília
Serviços do Ensino Secundário e aprovado por
Osório de Castro, João Esteves e Natividade Monteiro), despacho de S. Ex.a o Ministro. Em julho, foi elei-
Ed. Colibri, 2011, pp. 173-175; Maria Teresa Viegas Pi- ta a direção da nova Associação […]” [Anuário
ASS 110

do Liceu, 1932, p. 113]. A esta iniciativa funda- 1935 foi aprovada, por unanimidade, a “proposta
dora, inserida no espírito de celebração do 25.o da Direção para que se designasse por Prémio Dr.a
aniversário de criação do primeiro liceu feminino Maria Batista dos Santos Guardiola o prémio com
português, aderiram de imediato cerca de 150 mu- que será galardoada, em cada ano letivo, a ex-alu-
lheres entusiasmadas com a perspetiva de for- na do Liceu de Maria Amália que conclua o Cur-
mação de uma genuína organização feminina. so do Magistério Primário com a classificação
Pelo número e tipo de iniciativas tomadas, a rei- mais elevada e não inferior a quinze valores” [Por-
tora Maria Batista dos Santos Guardiola, vogal do tugal Feminino, março de 1936, p. 8]. A ALMAC
Conselho Superior de Instrução Pública desde já tinha instituído dois prémios, Domitila de Car-
1930, queria fazer do “seu” liceu feminino um valho e Maria Amália, e agora surgia um tercei-
centro de educação e promoção da Mulher. De ro. A ALMAC supõe a existência de uma rede que
acordo com os seus estatutos, os principais ob- envolve a sócia, a organização associativa e a en-
jetivos da ALMAC visavam engrandecer a obra tidade protetora ou empregadora. Para que toda
educativa do liceu, desenvolver ações de soli- a orgânica da associação funcionasse, tornava-
dariedade entre as associadas, “prestar assistência se indispensável um bom serviço de informações.
moral e material” e estabelecer uma “bolsa de tra- Este espírito de tutela sobressai no meio de tan-
balho” para as associadas mais necessitadas. No ta iniciativa anunciada. Pelo Livro de Pagamento
dia 21 de junho de 1932, a direção da ALMAC de Cotas da ALMAC ficamos a saber das inscri-
decidiu “Criar dois prémios intitulados – o pri- ções das associadas. Assim, 152 em 1932, 177 em
meiro [no valor de 100$00] – ‘Prémio Dr.a Do- 1935, 296 em 1936, 384 em 1941, 407 em 1942,
mitila de Carvalho’ e – o segundo [no valor de 569 em 1944, 708 em 1945 e 959 em 1952. Es-
200$00] – ‘Prémio Maria Amália Vaz de Carva- tes números falam-nos das inscrições cumulati-
lho’, para, respetivamente, galardoar, em cada ano vas feitas e não da situação regular de cada as-
letivo, a aluna mais distinta entre as da sétima sociada. Ao longo dos anos algumas faleceram e
classe liceal, e a associada que, tendo sido alu- outras desistiram ou anularam a sua inscrição.
na do aludido Liceu, conclua um curso superior Como imagem e balanço da dimensão da AL-
com a mais elevada classificação. Em ambos os MAC, estes números são muito significativos. A
casos deverá a valorização ser sempre superior ALMAC, sofrendo os sobressaltos da história por-
a 15 valores” [Anuário do Liceu, 1932, pp. 123- tuguesa, passou por vários períodos bem distintos,
124]. Com sede no liceu, em espaço próprio, e ten- quer quanto às iniciativas realizadas, quer quan-
do por presidente de honra a reitora em exercí- to aos ideais preconizados. No tempo posterior
cio, a ALMAC dinamizou ações culturais, fo- à Segunda Guerra Mundial, as orientações vão
mentou a leitura, possuiu um sistema de em- sendo alteradas para se divisar uma crise destas
préstimo de livros, distribuiu prémios às melhores organizações nos anos 1960. Com o 25 de Abril
alunas, desenvolveu atividades ligadas ao apos- de 1974, e a subsequente extinção de tudo o que
tolado social e realizou, anualmente, almoços, fes- se relacionasse com o anterior regime, a ALMAC
tas e confraternizações. Com o novo edifício do ficou paralisada por algum tempo. No entanto,
liceu, inaugurado em outubro de 1933 à Rua Ro- foi reabilitada e continuou as suas ações, agora
drigo da Fonseca, a eleição, em 1935, da reitora viradas para valores democráticos e de promo-
Guardiola e da professora do mesmo liceu Do- ção da pessoa. Dinamizou ações culturais, dis-
mitila de Carvalho para deputadas, o Curso Es- tribuiu prémios aos melhores alunos, fomentou
pecial de Educação Feminina (1915), a Associação a leitura e desenvolveu atividades ligadas ao apos-
Escolar (1915) e o estabelecimento da Mocidade tolado social. Segundo a Dr.a Júlia Palma Carlos,
Portuguesa Feminina* (1936), a ALMAC ga- a ALMAC acabou com a morte, em 1989, da pro-
nhou uma dimensão institucional elevada e foi fessora Alice Bravo Torres Maia Magalhães.
integrada numa dinâmica de afirmação dos
Mss.: Livro das Actas da Direcção da Associação das An-
ideais políticos, corporativos e cívicos da Dita- tigas Alunas e Amigas do Liceu de Maria Amália Vaz de
dura Nacional e do Estado Novo. Em face de um Carvalho [manuscrito de 50 folhas contendo 136 atas, de
entusiasmo tão elevado e de um voluntarismo tão 05/12/1931 a 19/01/1957], Arquivo da Escola Secundária
pronunciado, julgamos que muitas iniciativas se Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa; Livro de Paga-
mento de Cotas da ALMAC: 1932-1952, Arquivo da Es-
duplicaram e se caiu num ocasional protago- cola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa.
nismo. Refira-se, a este propósito, que em As- Bib.: Amaro Carvalho da Silva, “Liceu Maria Amália Vaz
sembleia-Geral da ALMAC relativa ao ano de de Carvalho”, Liceus de Portugal – História, Arquivos,
111 ASS

Memórias, Porto, Edições Asa, 2003, pp. 484-505; to da guerra-fria na década de 1950. É neste con-
Anuário do Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho – texto internacional, e em pleno Estado Novo, que
Ano Escolar de 1930-1931, Imprensa Nacional, Lisboa,
1932; “Associação das Antigas Alunas e Amigas do Li- as mulheres associadas, sobretudo as eleitas para
ceu de Maria Amália Vaz de Carvalho”, Portugal Fe- os corpos gerentes diretivos, protagonizaram um
minino, Lisboa, ano VII, n.o 74, março, 1936, pp. 8, 13 movimento associativo a favor dos direitos das
e 24; Estatutos da Associação das Antigas Alunas e Ami- mulheres, incutindo nos seus programas ideais
gas do Liceu Maria Amália (ALMAC), Lisboa, Papela- pacifistas, seguindo a linha das primeiras repu-
ria Fernandes – Livraria, 1946; Teresa Leitão de Barros,
“Os Nossos Liceus. O Liceu Maria Amália Vaz de Car- blicanas. A educação e a instrução eram os ins-
valho”, Liceus de Portugal [Boletim da Ação Educativa trumentos que faltavam sobretudo às mulheres
do Ensino Liceal], n.o 2, junho, 1940, pp. 86-96; Zília Osó- e seus filhos e que elevariam o estatuto dos se-
rio de Castro, “Associação das Antigas Alunas e Ami- res humanos. Para isso, organizaram em Lisboa
gas do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho”, Dicioná-
rio no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Ho- e no Porto várias séries de cursos de alfabetiza-
rizonte, 2005, pp. 140-141. ção, dactilografia, puericultura, línguas, 4.a clas-
[A. C. S.] se para adultas, contabilidade, socorrismo, cor-
te e costura, entre outros, superando enormes di-
Associação das Mulheres dos Diplomatas Por- ficuldades, tais como descobrir espaços apro-
tugueses priados, pois nem todos os senhorios queriam alu-
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 gar casas a associações. Talvez por isso, Lisboa
e 80 do século XX e Porto tiveram sedes em vários endereços. A
constituição de bibliotecas, nomeadamente em
Associação de Mulheres Socialistas hospitais, como o de D. Estefânia, bem como con-
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 ferências sobre poesia, educação, saúde, sessões
e 80 do século XX de cinema, bailes, festas próprias para crianças,
coro infantil, dirigido pela sócia Francine Benoit*,
Associação Feminina Portuguesa para a Paz na capital, e no Porto uma sala para crianças com
Em 11 de novembro de 1935, data dos Estatutos uma biblioteca devidamente adaptada aos mais
da AFPP, formou-se em Lisboa a Associação Fe- pequenos, eram atividades que exigiam um em-
minina Portuguesa para a Paz, que teve duas de- penho quase diário. Acresce dizer que os dois
legações, uma no Porto (1942-1952), rondando princípios estatutários mais citados eram: “a
as cinco centenas de sócias, e outra em Coimbra AFPP não tem cor política nem religiosa” e o
(1950-1952), com cerca de 30 associadas no iní- cumprimento das regras e atividades previstas nos
cio. A data da fundação, o dia do Armistício, era estatutos serão sempre executados “tendendo à
pelas associadas celebrada em Lisboa junto ao mo- Paz Universal”. Através dos seus escritos, às ve-
numento aos mortos da Primeira Guerra Mundial, zes assinados com pseudónimos, caso de Elisa
na Avenida da Liberdade, depondo flores e pro- Guimarães, perceciona-se que as mulheres da
ferindo algumas palavras alusivas. Essa come- AFPP se pensavam seres autónomos em várias
moração representava algo muito sério para a frentes, a saber: A) Pacifistas, porque assumiam
AFPP, que se tinha formado para lutar contra “as nos seus discursos a ideia de mães/educadoras
ameaças de guerra”. Quando se criou a delega- para a paz, não querendo que as crianças usas-
ção de Coimbra, ao assinalar-se essa mesma data, sem brinquedos de guerra, em sintonia com mo-
esta foi reprimida pela PIDE e perseguidas as pes- vimentos estrangeiros da época; preferiam or-
soas intervenientes, tal como acontecia em Lis- ganizar festas para crianças e, no Porto, pensa-
boa. A expressão “ameaças de guerra”, constante ram até em criar uma creche; desenvolveram des-
nos Estatutos da AFPP, era frequentemente citada de o início, no espaço público, iniciativas perante
no seu Boletim, de publicação irregular, exceto as ameaças de guerra da Abissínia e da Guerra
de 1947 a 1951, época em que a coesão entre as Civil de Espanha, tendo como objetivo imedia-
associadas sobressaiu. Entre o início (1935) e o to o envio de correspondência e víveres aos pri-
fim (1952) da AFPP, cruzaram-se, em quase duas sioneiros de guerra em França, através de liga-
décadas, vários tipos de ameaças à “Paz Uni- ções exteriores com José Rodrigues Miguéis; pro-
versal” que mobilizaram aquelas mulheres: a moveram a participação e organização das ma-
Guerra Civil de Espanha, desencadeada em nifestações do fim da Segunda Guerra Mundial
1936, a Segunda Guerra Mundial, a ajuda aos pri- no Porto, sobressaindo a carta de Amélia Cal Bran-
sioneiros de guerra em França e o aparecimen- dão, de crítica à postura do Ditador durante a guer-
ASS 112

ra e suas consequências para as mulheres, o que Estado Novo, liam e divulgavam obras como
fez desse documento um ícone do feminismo por- Abaixo às Armas, de Bertha von Suttner, primeira
tuguês, e a paralisação de aulas incentivada pe- mulher a receber o Prémio Nobel da Paz, em 1907.
las mais jovens, como a filha de Irene de Castro Transcreveram textos desse livro, também pre-
e Manuela Delgado, entre outras, levando todos sente na Exposição de Livros organizada pelo
os alunos para a rua; vitoriaram o final da guer- CNMP em 1947, do qual a AFPP fazia parte, e
ra em Lisboa; aderiram ao movimento de “par- note-se que a quase totalidade da parte cultural
tidárias da Paz” e tornaram a AFPP mais politi- desse evento esteve a cargo de associadas da
zada; fizeram das celebrações do XV aniversário, AFPP. Entre as associadas da AFPP contava-se
em 1950, um programa articulado entre Lisboa a maioria das mulheres de letras portuguesas da
e Porto e do qual resultou, no Norte, um abaixo- primeira metade do século XX: Lília da Fonse-
assinado dirigido ao Secretário-Geral das Nações ca, Irene Lisboa, Matilde Rosa Araújo, Ilse Lose,
Unidas, de apoio explícito ao acordo de Esto- Manuela Porto, Alice Gomes, Maria Lamas, en-
colmo contra as armas nucleares, e em Lisboa a tre outras. Nomes ligados às Artes, Desporto e ao
criação da Comissão Nacional para a Defesa da Direito, como Maria Clementina Moura, Maria
Paz. B) Lutadoras pela emancipação das mu- Keil do Amaral, Rosendo Dias, Elina Guimarães,
lheres, organizando eventos culturais e visitas de Laura Lopes e Maria de Jesus Barroso, também
estudo, trajando calças, usando fatos de banho, pertenceram à AFPP. Para conseguir derrubar a
andando de bicicleta, defendendo a Educação Se- única Associação de Mulheres que ainda sobre-
xual. A sócia Virgínia de Moura, do Porto, as- vivia fora do enquadramento do Estado Novo, o
sumiu-se declaradamente como política e parti- Governo teve de mudar as leis e reformar o Có-
dária e, por isso, não frequentava a sede da sua digo Administrativo, para que fossem conside-
delegação, para não pôr em causa o preceito da radas ilegais as associações desenquadradas
AFPP de não ter cor política nem opção religio- pelo regime, alegando que se afastavam dos fins
sa. Nos finais da década de 1960, algumas das as- para que haviam sido criadas e/ou que, pelo seu
sociadas reapareceram no MDM e, depois do 25 funcionamento, fossem irregulares face ao refe-
de Abril de 1974, muitas foram ativistas na im- rido código. Assim, em junho de 1952, o coleti-
plementação de novas estruturas democráticas, vo das mulheres deixou de existir como tal e o
como os sindicatos, caso de Armanda Teles*, que percurso de cada uma das sócias foi, daí para a
formou um sindicato no hospital onde trabalhava, frente, fortemente penalizado pelo facto de terem
foram eleitas autarcas, redigiram novos ma- pertencido à AFPP. Às licenciadas e titulares de
nuais escolares, como Irene Cortesão, e tiveram diplomas, universitários ou outros, foram-lhes es-
assento como deputadas na Assembleia da Re- tes retirados, o que as impediu de exercer uma
pública. Aí continuaram defendendo os direitos profissão remunerada, quer no sector público,
das mulheres, agora sem subterfúgios, incluin- quer no privado. Nenhum crítico literário, nem
do a interrupção voluntária da gravidez, como o historiador da última metade do século XX, deu
fez Beatriz Cal Brandão na primeira legislatura. espaço ou importância ao facto de terem existi-
C) Fazedoras de memórias, escrevendo e edi- do mulheres associadas num espaço próprio, “re-
tando, nomeadamente uma coleção de postais de beldes” ao ponto de terem deixado de existir por
mulheres célebres, em 1943; as conferências de motivos políticos e serem alvo de perseguições
Maria Lamas e Teixeira Pascoais, em 1950, por da PIDE. Manuela Delgado, que já tinha sido pre-
ocasião das celebrações do XV aniversário, sa por pertencer ao MUD Juvenil, ficou sem o di-
apreendidas pela PIDE; a conferência da sócia Ire- ploma do ensino particular; o mesmo se passou
ne Lisboa. Fizeram-se também ouvir em pro- com Branca de Lemos, impedida, mesmo nos
gramas de rádio, escreveram textos para os jor- Açores, de ser professora na década de 1960; Ade-
nais e distribuíram panfletos, como o Apelo aos laide Baía, funcionária dos Correios no Porto, fi-
intelectuais e o Apelo às mães. Após a Revolu- cou sem o emprego por ter andado a recolher as-
ção do 25 de Abril, tiveram vontade de fazer res- sinaturas para um abaixo-assinado; Maria Ângela
surgir a AFPP, uma ideia de Stella Fiadeiro*, mas Vidal*, também associada da AFPP mas envol-
a proposta não foi aprovada pela maioria das pre- vida em atividades clandestinas do PCP, foi pre-
sentes, alegando a existência do CPPC – Conse- sa com o filho de tenra idade e libertada passa-
lho Português para a Paz e Cooperação. D) Mu- dos nove anos. Todas eram jovens e opositoras
lheres cultas e não-alinhadas nas associações do ao regime e tudo isto aconteceu apesar de mui-
113 ASS

tos cuidados e estratégias. Coube a Irene de Cas- Documentação Mulheres – IDM, que tinham ação
tro, ilustre pedagoga, professora do ensino pri- conjunta (1977/78); Grupo Autónomo de Mu-
mário e última presidente da delegação do Por- lheres do Porto – GAMP (1978); e Grupo de Mu-
to, a tarefa de informar as sócias que todos os bens lheres da Associação Académica de Coimbra
da AFPP tinham sido arrolados pela PIDE e fe- (1979). Na década de 1980 surgem: REDE de Mu-
chada a sede para sempre, ainda que tivesse sido lheres (1980); Grupo de Mulheres de Lourosa
apresentado recurso pelos advogados associados (1981); Grupo de Mulheres do Porto (1982);
da AFPP. As sócias da AFPP arriscaram levar as MAPA – Mulheres a Preparar o Amanhã (1983);
suas convicções para além dos limites permiti- Associação das Mulheres dos Diplomatas Por-
dos pelo Estado Novo no contexto associativo na- tugueses (1982); Associação Portuguesa de Ciên-
cional. Pagaram com o sofrimento do quotidia- cias Domésticas, depois designada por Associa-
no das suas vidas privadas e profissionais na al- ção Portuguesa de Cultura e Desenvolvimento
tura e, depois, pela vida fora, como pressentiam (1983); Associação Mátria (1985); Associação Por-
no slogan que repetiam nos últimos boletins: “A tuguesa de Mulheres Empresárias (1985); So-
batalha de paz é a batalha da vida”. roptimistas Internacional – Clube de Lisboa
Bib.: Lúcia Serralheiro, A Associação Feminina Portu- (1986); Liga dos Direitos das Mulheres (1986); Clu-
guesa para a Paz (1935-1951), Dissertação de Mestrado be Começar de Novo (1986); Intervenção Femi-
em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Universidade nina – IF (1986); Associação de Mulheres
Aberta, 2004; Idem, Mulheres em Grupo Contra a Cor- Socialistas (1987); Associação Portuguesa das Mu-
rente [Associação Feminina Portuguesa para a Paz
(1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011. lheres Agricultoras – AMAP (1987); Associação
[L. S.] Portuguesa de Mulheres Juristas – APMJ (1989);
Federação de Mulheres Empresárias e Profis-
Associação MAPA – Mulheres a Preparar o sionais de Portugal (1989); Associação das Mu-
Amanhã lheres que Trabalham em Casa – AMEC (1989).
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 Cerca de metade das associações formadas na dé-
e 80 do século XX cada de 1980 está orientada para setores profis-
sionais ou de intervenção. É interessante verifi-
Associação Portuguesa de Mulheres Empre- car que, em termos comparativos, nas organiza-
sárias ções formadas na década seguinte (anos 90) esta
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 tendência é substituída pela necessidade de as
e 80 do século XX associações abarcarem novas áreas de atuação:
Violência (Associação de Mulheres contra a
Associação Portuguesa de Mulheres Juristas Violência, 1993); Minorias Étnicas (Associação
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 Mulher Migrante, 1993, e Associação para a Pro-
e 80 do século XX moção das Mulheres e Famílias de Minorias Ét-
nicas); Paridade (Associação Convergência,
Associações de Mulheres nas décadas de 70 e 1992, e Associação para a Democracia Paritária);
80 do século XX Estudos sobre as Mulheres (Associação Portu-
Das associações de mulheres que desempenha- guesa de Estudos sobre as Mulheres, 1991). Ao
ram papel na sociedade portuguesa nas décadas longo deste Dicionário, algumas destas associa-
de 1970 e de 1980, pode fazer-se uma primeira ções têm a sua entrada específica.
separação, tendo como base a data de fundação:
antes ou após o 25 de Abril. Destacam-se como GRAAL
associações formadas antes do 25 de Abril: o É um Movimento Internacional de Mulheres Cris-
GRAAL (1958) e o Movimento Democrático de tãs que teve início na Holanda, em 1921, a par-
Mulheres – MDM (1968). Das associações e gru- tir de um grupo de estudantes da Universidade
pos de mulheres formados após o 25 de Abril, ain- de Nimegue. Em Portugal, existe desde 1957 e,
da na década de 1970, referem-se: Movimento de segundo os seus estatutos, é uma associação de
Libertação das Mulheres – MLM (1974); UMAR carácter social e cultural que tem por objetivos
– União de Mulheres Alternativa e Resposta, que proporcionar condições de valorização pessoal
na época se designava por União de Mulheres An- e educação permanente a mulheres de todas as
tifascistas e Revolucionárias (1976); Cooperati- condições sociais e estimular a contribuição das
va Editorial de Mulheres e o grupo Informação mulheres para a criação de novos modelos de
ASS 114

vida em sociedade. No período pós 25 de Abril, e da criança, e do protesto contra a guerra co-
o trabalho do GRAAL foi muito orientado para lonial. Foi debaixo da repressão do anterior re-
a intervenção no meio rural. É de referir que já gime que o MDM realizou algumas das suas ini-
em 1961 tinha sido desenvolvido um projeto de ciativas, como o seu 1.o Encontro Nacional, a 21
Promoção Humana e Evangelização na região de de outubro de 1973, na Cova da Piedade, com
Portalegre. Programas de alfabetização tinham a participação de 300 mulheres. Após o 25 de
também surgido em Coimbra, em alguns bairros Abril, um comunicado datado de 15 de maio ex-
pobres de Lisboa e, de igual modo, em Portale- plicava às mulheres portuguesas o que era o
gre. Dentro da mesma orientação de intervenção MDM e divulgava um programa de reivindica-
– privilegiar o local, em especial, o meio rural ções [“O que é o Movimento Democrático de
–, o GRAAL dinamizou, no início dos anos 1970, Mulheres”]. Ainda em 1974, a 4 de agosto, o
um projeto de Sociologia Participada em aldeias MDM propôs a inclusão na nova lei eleitoral do
do distrito de Coimbra, com inquérito às popu- direito de voto para todos os cidadãos e cida-
lações sobre a saúde. Logo a seguir ao 25 de Abril, dãs analfabetos(as) [documento da reunião da
formaram-se equipas móveis com o objetivo de Coordenadora Nacional, 04/08/1974]. Nos anos
pôr as comunidades a refletir sobre a Revolução de 1975 e 1976, a atividade do MDM incidiu so-
do 25 de Abril e o Evangelho. Foram cobertas 150 bre as comemorações do 8 de Março; o dia in-
aldeias do Norte e Centro do País. No início de ternacional da criança; solidariedade interna-
1975, o GRAAL avançou com um projeto de ani- cional com o povo chileno; visita da cosmonauta
mação sociocultural com mulheres rurais, pos- Valentina Terechkova, com comício no Pavilhão
teriormente designado por “Projeto de animação dos Desportos; as questões da Paz; diversas ho-
de raparigas e mulheres rurais”, e que se de- menagens a Isabel Aboim Inglês e a Maria La-
senvolveu entre 1975 e 1983. Nos anos 1980, o mas. Nos anos de 1977 a 1979, a ação do MDM
GRAAL continuou a privilegiar a atuação no centrou-se na luta contra o aumento do custo de
meio rural, desenvolvendo diversos programas vida, participando em manifestações convoca-
de animação infantil em várias aldeias dos das pelo movimento sindical e apoiando a for-
concelhos de Vila da Feira, Vila Nova de Gaia e mação de Comissões Unitárias de Mulheres. A
Marco de Canavezes [“Animação infantil em partir dos anos 1980, o MDM inseriu-se de for-
meio rural: experiência carregada de futuro; mo- ma mais ativa na luta pela legalização do abor-
vimento GRAAL é o promotor”, Jornal de No- to. Continuou a tratar o tema da Paz e colocou-
tícias, 11/02/1981]. Em 1984, foi lançado um se na defesa dos direitos das mulheres consig-
novo projeto, denominado “Modelo” – Mulhe- nados na Constituição. Em 1985, realizou um
res Organizam-se para o Desenvolvimento Lo- Seminário sobre a Década das Nações Unidas
cal. Nos anos seguintes, o GRAAL desenvolveu para a Mulher, a 25 de maio. De 1987 a 1989,
o projeto “jovens e autoemprego”; ações em Cabo incidiu a atividade na exigência da aplicação das
Verde, em colaboração com a CARITAS; en- três leis aprovadas na Assembleia da Repúbli-
contros de intercâmbio cultural entre diferentes ca, em 1984, sobre a Maternidade, Paternidade,
zonas do País. Interveio ainda na formação de o Planeamento Familiar e a Interrupção Vo-
redes de interação (Rede Mulheres/Libertação; luntária da Gravidez. Posicionou-se contra a re-
Rede Mulheres/Europa) e um projeto de ani- visão das leis laborais e realizou um Tribunal
madores de turismo rural. Realizou diversos pro- de Opinião sobre a violência e um Parlamento
gramas culturais no “Terraço”. Alternativo Europeu de Mulheres.

MDM – Movimento Democrático de Mulheres MLM – Movimento de Libertação das Mulheres


Formado em 1968, foi muito marcado “por po- Surgiu a 7 de maio de 1974, na sequência da ab-
sições políticas gerais, como a luta contra a guer- solvição de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa
ra colonial, o apoio aos presos políticos; era um Horta e Maria Velho da Costa, autoras das No-
movimento onde existia muita ação reivindi- vas Cartas Portuguesas, obra proibida e apreen-
cativa numa luta de carácter geral” [entrevista dida pela PIDE antes do 25 de Abril, e foi o pri-
realizada em 12/05/1997 a Luísa Amorim, di- meiro grupo feminista a exigir uma sede à Jun-
rigente do MDM, na época]. Em 1970, o MDM ta de Salvação Nacional, exibindo as suas ati-
realizou diversas iniciativas comemorativas vistas cartazes com os dizeres: “Queremos
do 8 de Março, em torno da situação da mulher sede”; “Mulheres uma força política”; “As mu-
115 ASS

lheres não são secundárias” [Joaquim Vieira, Por- título Les femmes s’entendent. O IDM publicou
tugal Século XX, Crónica em Imagens (1970- diversos boletins e, a partir de 1982, a revista fe-
1980), 2000, p. 104]. A brochura que identifica minista LUA passou a ser publicada pela Coo-
o movimento tem a data de 1975 e apresentava perativa Editorial. A partir de 1979, com a for-
como reivindicações a declaração, a inserir na mação da CNAC – Campanha Nacional pelo
Constituição da República, da igualdade de di- Aborto e Contraceção, estas associações empe-
reitos para os dois sexos, com condenação pe- nham-se totalmente na luta pela legalização do
nal pelas discriminações sexistas; a revisão do aborto. A denúncia da situação de opressão das
Código Civil, do Código Penal e da legislação do mulheres na família era uma linha de fundo de
trabalho; o direito de salário igual para trabalho grupos feministas como o IDM, assim como as
igual e o acesso a todas as profissões em igual- ligações internacionais ao ativismo feminista
dade; o reconhecimento pelo Estado do valor eco- noutros países. Em 1987, o IDM realizou um se-
nómico do trabalho doméstico. O mesmo do- minário em Lisboa sobre a violência contra as
cumento considerava as leis sobre a infância e mulheres, participando ainda nesse mesmo
a maternidade como um dever da sociedade para ano na formação da Coordenadora Nacional de
com o seu futuro e não como “proteção” às mu- Mulheres. Antigas dirigentes da Cooperativa Edi-
lheres; exigia creches e equipamentos sociais pa- torial de Mulheres/IDM entregaram à UMAR, em
gos pelos governos, assim como reforma e as- 2006, o espólio da associação, constituído por
sistência médica e medicamentosa para todas as livros, revistas e recortes de jornais da época, a
mulheres, por direito próprio, como trabalha- partir do qual é possível apercebermo-nos da im-
doras e não como “dádiva” dependente dos ho- portância das suas ligações internacionais. En-
mens; colocava como reivindicação importan- contra-se, deste modo, informação sobre outros
te o direito à contraceção e ao aborto livre e gra- centros de documentação feministas em outras
tuito, acompanhado de uma campanha de partes do mundo; revistas de associações femi-
esclarecimento sobre educação sexual. Também nistas europeias, em especial holandesas e ita-
em 1975, o MLM tornou-se conhecido pela ma- lianas; e obras não publicadas em Portugal de au-
nifestação realizada no Parque Eduardo VII a 13 toras feministas dos anos 1960 e 1970. Com sede
de janeiro. Esta realização consistiu no atear de na Rua Filipe da Mata, em Lisboa, onde regu-
uma fogueira, onde seriam queimados símbolos larmente se faziam reuniões e convívios, o
de opressão feminina, nomeadamente revistas IDM e a Cooperativa Editorial de Mulheres cons-
pornográficas, o Código Civil português, livros tituíram, nos finais dos anos 1970, um espaço
de autores machistas, brinquedos sexistas, ob- feminista e um centro de documentação pioneiro,
jetos de lida doméstica, tudo o que representasse embora não tivesse tido a divulgação que outros
a deturpada interpretação do papel da mulher centros e espaços semelhantes tiveram em ou-
na sociedade como “fada do lar”. A especulação tros países.
e deturpação desenvolvida por alguns órgãos de
comunicação social, que noticiaram a “queima UMAR – União de Mulheres Alternativa e Res-
de soutiens”, levaram à ocorrência de inciden- posta
tes e atitudes provocatórias por parte das cen- Formada em 12 de setembro de 1976, através de
tenas de homens presentes. Nos anos seguintes, um Encontro de Mulheres no Instituto Superior
o centro da atividade foi a luta pela legalização Técnico, em Lisboa, por iniciativa de mulheres
do aborto. que tinham tido papel nas movimentações so-
ciais do 25 de Abril, como se pode apreciar em
Cooperativa Editorial de Mulheres / IDM documento de balanço realizado num dos en-
Em 14 de fevereiro de 1977 formou-se a Coo- contros da associação: “As centenas de mulhe-
perativa Editorial de Mulheres e o centro de In- res que em 12 de setembro formaram a UMAR
formação/Documentação de Mulheres – IDM, que vieram de todas as movimentações do 25 de
acabou por constituir uma iniciativa da Coope- Abril: das lutas nos bairros pelo direito a uma
rativa Editorial. Uma especial referência a um li- casa, por creches; das lutas nas empresas pelo
vro publicado pela Cooperativa Editorial de Mu- direito ao emprego e a salário igual; das noites
lheres, As Mulheres Rompem o Cerco, uma co- à volta de uma mesa a aprender as primeiras le-
letânea de textos com prefácio de Simone de tras; das idas à Junta e à Câmara a exigir a água,
Beauvoir e que na edição francesa tinha como a luz, a estrada” [UMAR – 4.o Encontro Nacio-
ASS 116

nal – Documento de Balanço, 1989]. A UMAR reprodução que as mulheres se encontram


centrou a sua atividade no apoio à formação de “oprimidas”; todas as mulheres devem possuir
comissões de mulheres desempregadas em zonas independência económica; e é necessária a
do Alentejo; numa carta aberta ao primeiro-mi- participação dos homens nas tarefas domésticas.
nistro sobre o aumento dos preços; e no apoio à O direito ao corpo, o controlo da reprodução e
luta das mulheres nas empresas. A realização da a legalização do aborto livre e gratuito são con-
manifestação no Porto contra o tráfico de mu- sideradas questões cruciais, assim como a ne-
lheres jovens, no início de 1978, marcou uma vi- cessidade de educação sexual nas escolas e nas
ragem para outras áreas de atuação. Já em 1977, famílias e uma linguagem não sexista. A luta con-
a UMAR tinha tomado posição pública pela le- tra os maus-tratos que as mulheres recebem na
galização do aborto e apoiado a primeira petição sociedade deve ser tarefa das associações de mu-
à Assembleia da República [“Organização fe- lheres. O GAMP foi, também, um grupo de in-
minina contra disposição do decreto antiabor- tervenção social, destacando-se, como exemplo,
to”, Jornal de Notícias, 01/04/1977]. Durante os o apoio à Cooperativa de Serviço Doméstico Coo-
anos de 1978 e 1979, as questões centrais na ação perserdo, a primeira iniciativa do tipo no país.
da associação colocaram-se ao nível da luta pela
legalização do aborto, em especial a partir da for- Grupo de Mulheres do Porto (GMP)
mação da CNAC nas ações de solidariedade com Foi considerado um grupo intimista, mais virado
Conceição Massano e Maria Antónia Palla. Nos para a discussão e reflexão em pequenos círculos
anos 1980, a UMAR continuou a luta pela le- de mulheres. Surgiu em 1982, editou a revista
galização do aborto. Publicou um manifesto em Artemísia, cujo primeiro número apareceu em
defesa dos direitos das mulheres consignados na janeiro de 1985 e que pretendia ser “um proje-
Constituição e no Código Civil. Posicionou-se to aberto a todos os discursos e tendências fe-
contra o projeto de decreto-lei que visava criar ministas” [Artemísia, janeiro de 1985, p. 1]. O
o estatuto de “mãe de família”. Solidarizou-se último número da revista é de julho de 1987. Do
com as operárias da Plessey, da Fábrica Simões, conteúdo destas edições destaca-se: sexualida-
da Standard e da Lótus. Em 1985, opôs-se à po- de feminina; violências sobre as mulheres;
sição assumida pelos bispos contra o planea- saúde das mulheres; mulheres em luta no Gru-
mento familiar. Apoiou, em 1986, a campanha po Mondego; situação da mulher na China; 2.o
de Maria de Lourdes Pintasilgo à Presidência da Encontro de Mulheres Feministas realizado em
República. Em 1988, denunciou a posição do fevereiro de 1985; Movimento Feminista na Ga-
CDS, na revisão constitucional, de querer colo- liza; Lesbianismo – quebrar o silêncio; artigo so-
car o aborto como crime. Realizou um encontro bre Simone de Beauvoir; mulheres na ciência;
sobre A Mulher e a Saúde e participou no Se- novas tecnologias de reprodução; para um dos-
minário europeu As Mulheres e a Pobreza. Em siê sobre a IVG. Como colaboradoras da revis-
1989, iniciou uma campanha por creches e jar- ta Artemísia surgem os nomes de Adelaide Sou-
dins de infância, dinamizando o debate “Mulher, sa, Anabela Arnoldt, Ana Maria Braga da Cruz,
mãe, cidadã – estruturas de apoio às famílias”, Aurélia Ribeiro, Berta Nunes, Bonina Brandão
no Centro de Estudos Judiciários em Lisboa. Pedro, Celeste Guedelha, Fátima Ferreira, Fina
d’Armada, Francisca Reis, Gi Magalhães, Isabel
Grupo Autónomo de Mulheres do Porto Barreno, Ivette Rondy, Ivone Alves, Isabel
(GAMP) Moura, Isabel do Carmo, Ivone Olim, Inês Lou-
Formado em 1978, existem deste grupo feminista renço, Luísa Ferreira da Silva, Maria Gonçalves,
notícias publicadas no Jornal de Notícias, em Teresa Sá e Melo, entre muitas outras. A coor-
1979, anunciando as comemorações do dia 8 de denação estava a cargo de Gi Magalhães, Ana-
Março e a solidariedade com as mulheres do Irão bela Arnoldt, Adelaide Sousa, Berta Nunes e Inês
[“Em favor das mulheres do Irão”, JN, Lourenço. Em 1983, o Grupo de Mulheres do
20/03/1979; “Mulher é uma mulher”, JN, Porto realizou de 5 a 9 de outubro um encon-
08/03/1979]. O grupo editava um boletim inti- tro feminista em Gaia. Do seu relato, no Bole-
tulado Situação da Mulher, com periodicidade tim Zero do Grupo de Mulheres do Porto, é pos-
pouco regular. Da linha de intervenção deste gru- sível entender um conjunto de preocupações do
po sobressaem as seguintes ideias, retiradas da feminismo mais radical expressas nas temáticas
sua declaração de princípios: é no domínio da abordadas. O programa do encontro tinha uma
117 ASS

componente de debate teórico em torno de se- de março, e nele se afirmava: “A rede de mulhe-
xualidade, lesbianismo, planeamento familiar, res terá de ser voz de mulheres, ação de mulhe-
maternidade, aborto, violência contra as mu- res, mulheres que se transformam e que trans-
lheres, feminismo e uma componente prática formam” [REDE, Da rede ao nó, boletim de mar-
inovadora em Portugal: o “wen-do”, um méto- ço de 1981]. Maria de Lourdes Pintasilgo afirmava
do de autodefesa das mulheres perante situações em 1982, num Encontro da Rede de Mulheres da
de violência, e o “autoexame”, que consistia Zona Norte, que a existência da rede era a resposta
“num melhor conhecimento do corpo das mu- aos problemas específicos que eram colocados pela
lheres para desfazer bloqueios”. As metodolo- realidade da vida das mulheres: “Trabalhamos a
gias utilizadas consistiam no trabalho em pe- ligação entre aquilo que é pessoal e aquilo que em
queno grupo com troca de experiências e, de- termos muito amplos se pode chamar de políti-
pois, debates no grupo mais alargado. co. [...] Numa Rede de Mulheres as relações en-
tre o público e o privado são um ponto fulcral. [...]
Grupo de Mulheres da Associação Académica A base do nosso trabalho político não é qualquer
de Coimbra coisa fora de nós, a tal coisa que podemos ma-
Formado em 1979, deste grupo existem vários nipular à nossa maneira, mas qualquer coisa que
boletins, reveladores de uma atividade regular está profundamente ligada com a nossa vida de
e bastante interveniente. Dos títulos analisados cada dia” [ibidem, p. 25]. Ainda segundo Maria
sobressaem os seguintes temas: o aborto em Itá- de Lourdes Pintasilgo, a razão de ser dos novos
lia; entrevistas a mulheres; artigo de Alexandra grupos de mulheres colocava-se no reconheci-
Kollontai sobre o Dia Internacional das Mu- mento da sua situação enquanto grupo social opri-
lheres; solidariedade com 10 trabalhadoras mido. Numa carta publicada no boletim de julho
despedidas da Ovícula da Pedrulha; sexualidade de 1982, após o Encontro da Rede, Maria de Lour-
e contraceção; poemas de mulheres; a “loucu- des Pintasilgo refere Juliet Mitchell no seu livro
ra” nas mulheres; cinema-projecto de um filme Women’s Estate, quando esta afirmou que a “po-
sobre as mulheres em Portugal; consultas de pla- lítica separatista” de libertação das mulheres re-
neamento familiar em Coimbra; sexualidade; sultou da sua condição de oprimidas e da falta de
conferência sindical das mulheres trabalhado- confiança em si próprias. Na referida carta é ain-
ras – contraceção e aborto, uma questão mais da referido que “o carácter exclusivamente fe-
uma vez adiada; aborto e contraceção – as mu- minino dos novos movimentos de mulheres é pa-
lheres decidem – encontro internacional em Bar- radoxalmente uma afirmação da igualdade”.
celona; a mulher e a procura de emprego; a mu-
lher e o direito; legislação do trabalho; dossiê Grupo de Mulheres de Lourosa
sobre as mulheres no Irão; 1.o Congresso da Mu- Sobre o GML foi elaborado um trabalho de in-
lher Brasileira. A diversidade de temas tratados, vestigação que incide sobre a história de vida
a informação internacional e a ligação a diver- de uma das suas mulheres [Maria José Maga-
sos sectores de mulheres fazem crer que este gru- lhães, Maria Laura Fonseca Fernandes e Olga
po não se confinava à atuação junto dos Guedes de Oliveira, História de vida de uma
sectores académicos, apesar de estar ligado a operária da indústria corticeira – Construção das
uma Associação Académica. identidades através de diferentes processos edu-
cativos, Lisboa, CIDM, 1990]. Existe também
REDE de Mulheres uma entrevista, em julho de 1991, publicada no
Criada em 1980, propunha-se contribuir para uma n.o 1 da revista Simulher, da qual se conclui que
“sociedade solidária e não competitiva” e estru- o grupo surgiu em 1981, após um Encontro de
turou-se em 15 distritos do país: “A REDE mo- Mulheres em Coimbra onde participou a Eng.a
bilizou na sociedade portuguesa entre 1980 e 1986, Lourdes Pintasilgo. Os problemas mais abor-
cerca de 500 participantes, e teve como impul- dados no grupo possuíam cariz familiar e laboral.
sionadora principal a Eng.a Maria de Lourdes Pin- Realizaram debates alargados à população so-
tasilgo” [GRAAL, Fundação Cuidar o Futuro, Rede bre saúde, planeamento familiar, sexualidade,
de Mulheres, Com Maria de Lourdes Pintasilgo, educação infantil. Promoveram um encontro so-
Rede de Mulheres 25 anos depois, 2005, p. 12]. bre o papel da mulher na Igreja. Os problemas
Um dos boletins da REDE tecia referências a um da fábrica onde trabalhavam (sector de cortiças)
encontro de mulheres realizado em Coimbra, a 7 foram também muito abordados. Este grupo che-
ASS 118

gou a fazer parte da Coordenadora Nacional de do, em 1987, nas eleições para a Assembleia da
Mulheres, estrutura criada em 1987 e que in- República, solicitou tempos de antena a diver-
tegrava os seguintes grupos e associações de mu- sos partidos de esquerda e promoveu desta for-
lheres: UMAR – União de Mulheres Alternati- ma os direitos das mulheres. A 4 de março de
va e Resposta; MDM – Movimento Democrático 1989, a Liga Portuguesa dos Direitos das Mu-
de Mulheres; LDM – Liga dos Direitos das Mu- lheres organizou o debate “Feminismo – finais
lheres; AMS – Associação de Mulheres Socia- do século XX, princípio do século XXI”, com a
listas; Grupo “Ser Mulher”; Cooperativa Editorial intervenção de Luísa Amorim sobre “Movi-
de Mulheres/IDM; e Grupo de Mulheres de Lou- mentos feministas europeus”. Maria Isabel Bar-
rosa. reno falou das perspetivas das lutas das mulheres
no presente e no futuro. “Discurso sofrido da mu-
Associação MAPA – Mulheres a Preparar o lher – que mudança?” foi o tema de Maria do Céu
Amanhã Guerra. Maria José Paixão deu o seu depoimento:
Foi constituída em dezembro de 1983, na se- “Uma feminista, anos depois”. Natália Correia
quência de um projeto de intervenção do pronunciou-se sobre “A mulher e o poder”, Te-
GRAAL junto do meio rural. Possuía âmbito re- resa Ambrósio sobre “Identidade e afirmação fe-
gional, com delegações em várias aldeias, onde minina – caminhos, becos e atalhos”, Maria Te-
mantinha centros de animação infantil (Campo, resa Horta sobre “Feminismo, que mudança?” e
Lordelo, Recarei, Reiros, Vilarinho, Canidelo, Lo- Zita Seabra questionou “O feminismo exis-
bão, Sanguedo, Serreleis, Vila Nova de Gaia, Sto. tiu?” A moderação dos debates foi feita pelas jor-
Isidoro-Livração). A associação chegou a ter 700 nalistas Maria Antónia Fiadeiro, Maria Antónia
sócias e a editar um boletim. Palla e Antónia de Sousa. O tom do debate sus-
citado pelas intervenções foi o da “crise do fe-
Associação das Mulheres dos Diplomatas Por- minismo”. Teria o feminismo ultrapassado a sua
tugueses fase reivindicativa? O que estaria em “crise”: a
Formada em 1982, tinha por objetivo “Promo- causa ou as formas? Ana Sara Brito, autarca e
ver a ligação de todas as mulheres de diplomatas membro da Liga dos Direitos das Mulheres, afir-
portugueses, quer no estrangeiro, quer em Por- mava na altura: “As associações de mulheres não
tugal ou em trânsito; pugnar pelos interesses co- estão em crise, têm é de saber atuar. Devemos
muns do grupo” [Estatutos arquivados no Se- aprofundar a nossa maneira de atuar. Ser cria-
cretariado das ONGs do Conselho Consultivo da tivas e dar a volta. Não nos fecharmos em dis-
CIDM]. Esta associação integrou o Conselho Con- cussões que nos satisfazem intelectualmente, mas
sultivo da Comissão para a Igualdade e Direi- afastadas da maioria das mulheres”.
tos das Mulheres nos anos de 1980.
Associação Portuguesa de Mulheres Juristas
Associação Portuguesa de Mulheres Empre- Constituída em 1989. Apesar de ser formada por
sárias mulheres de um único sector profissional, tem
Formada em 1985, visava, segundo os estatutos, objetivos alargados de atuação que se refletem na
“Assegurar a representação das mulheres em- generalidade das mulheres, como se depreende
presárias face aos poderes públicos, organiza- dos seus estatutos: “Promover o esclarecimento
ções públicas, nacionais ou estrangeiras; estudar e debate sobre a situação das mulheres, divulgar
e defender os direitos constitucionais e interesses os seus direitos e denunciar, por todos os meios,
gerais das mulheres empresárias” [Estatutos ar- as formas de discriminação; propor às instâncias
quivados no Secretariado das ONGs do Conse- competentes a elaboração, alteração ou revoga-
lho Consultivo da CIDM]. Também a Federação ção de quaisquer diplomas, a fim de se obter a
de Mulheres Empresárias e Profissionais de Por- plena igualdade de direitos e oportunidades” [Es-
tugal prossegue o mesmo tipo de objetivos. Am- tatutos arquivados no Secretariado das ONGs do
bas as associações integram o Conselho Conselho Consultivo da CIDM].
Consultivo da CIDM.
Soroptimistas Internacional
Liga dos Direitos das Mulheres Organização não Governamental internacio-
Formada em 1986, conseguiu ter algum prota- nal vocacionada para o desempenho de ações
gonismo, tornando-se bastante conhecida quan- que visem o desenvolvimento do nível de de-
119 ASS

sempenho profissional e a melhoria e defesa das e Verdes. Foi aprovado na generalidade, baixando
condições de vida e estatuto das mulheres. O à Comissão Parlamentar da Condição Feminina];
Clube de Lisboa das Soroptimistas Internacio- um pedido de audiência à Comissão Parlamen-
nal afirma ter “como objeto a manutenção de um tar da Condição Feminina, ameaçada de extin-
elevado nível de moralidade nos negócios, na ção; a realização de um Tribunal da Pobreza e a
profissão e na vida em geral, a promoção dos di- participação numa realização europeia seme-
reitos humanos e em especial a promoção da lhante. Até 1993, a Coordenadora Nacional de
mulher, o desenvolvimento da amizade e sen- Mulheres funcionou, tendo representatividade
timento de unidade entre as Soroptimistas de junto da Coordenadora Europeia de Mulheres, por
todos os países, a manutenção do espírito de ser- via de delegação nas diversas associações que a
viço e compreensão humana” [Estatutos arqui- compunham, de forma rotativa e pelo período de
vados no Secretariado das ONGs do Conselho um ano. Apesar de a composição desta coorde-
Consultivo da CIDM]. nadora permitir formas mais avançadas de debate
dos direitos das mulheres, o certo é que esta pla-
Associação de Mulheres Socialistas taforma de ação comum de ONGs acabou por ser
Dos estatutos da AMS retiram-se os seus prin- preterida perante uma outra plataforma mais ins-
cipais fins: “Contribuir para a consciencializa- titucional: a secção das ONGs do Conselho
ção das mulheres na luta pela efetiva igualda- Consultivo da Comissão para a Igualdade e Di-
de de direitos e oportunidades; lutar para que reitos das Mulheres.
sejam superadas as discriminações e os obstá- [M. T.]
culos que se opõem à plena participação das mu-
lheres no processo de desenvolvimento políti- Astro da Lusitânia
co, económico, social e cultural, como contri- Este periódico saiu à estampa pela primeira vez
buintes e beneficiárias desse processo”. a 30 de outubro de 1820 e prolongou a sua edi-
ção até 15 de abril de 1823. Ao todo foram pu-
Intervenção Feminina blicados 698 números, divididos por III séries.
A IF refere ter como objetivos: “a promoção da O jornal foi publicado inicialmente às segundas,
valorização profissional das mulheres e do quartas e sábados, saindo a partir do n.o 16 dia-
seu acesso a cargos de responsabilidade e de- riamente, exceto nos dias de culto religioso. A
cisão; denunciar as situações de violência e dis- colaboração era aberta a todos e os artigos en-
criminação a que as mulheres estão sujeitas; viados eram geralmente assinados sob pseudó-
desenvolver laços de solidariedade” [Estatutos nimo. O redator do Astro da Lusitânia foi Joa-
arquivados no Secretariado das ONGs do Con- quim Maria Alves Sinval, natural de Viseu e
selho Consultivo da CIDM]. formado em Cânones pela Universidade de
Coimbra. Foi diretor do Jornal de 1820 a 1823
Coordenadora Nacional de Mulheres e, em resultado de questões políticas e restrição
Surgida em 1987, veio a integrar não só asso- da liberdade de imprensa, foi presente aos tri-
ciações dos anos 1980 (LDM, AMS), como tam- bunais em abril de 1823, acabando por ser ab-
bém associações da década de 1970 (UMAR, solvido. Abarcando um elevado número de as-
MDM, CEM/IDM, Grupo de Mulheres de Lourosa) suntos incluídos em artigos, avisos e cartas, en-
e ainda o Grupo “Ser Mulher”, criado em 1988. dereçadas ao redator, foi o Astro da Lusitânia um
Formada na sequência de um seminário sobre a precioso periódico do século XIX, declarada-
“Violência contra as Mulheres”, promovido em mente vintista e provocador. Muito apreciado na
Lisboa pela Coordenadora Europeia de Mulhe- sociedade portuguesa, destinava-se a uma clas-
res, desenvolveu alguma atividade importante: se média alfabetizada e instruída, constitucio-
o lançamento de um manifesto eleitoral, tendo nalista, onde se recrutavam os seus assinantes.
em perspetiva as eleições para a Assembleia da O periódico era assim um jornal de cariz libe-
República, nesse mesmo ano; a elaboração de um ral, contestatário e esclarecido e, em certa me-
Projeto-Lei das Associações de Mulheres e sua dida, muito avançado e interventivo a nível so-
divulgação em conferência de imprensa e junto cial, sendo um dos jornais mais lidos na época.
dos grupos parlamentares [Este projeto-lei foi dis- Contrariamente ao que seria de esperar, encon-
cutido a 08/03/1988 na Assembleia da Repúbli- tramos algumas mulheres a escrever, e talvez ou-
ca, apresentado e assumido pelo PRD, PS, PCP tras houvesse, cuja intervenção se mascararia por
ASS 120

detrás dum pseudónimo masculino. Através das manufaturada na loja de bebidas do Rossio, o Ni-
“Cartas ao Sr. Redator”, podemos traçar todo um cola, em Lisboa [N.o 165, 08/07/1821, p. 4]. Por
modelo do dia a dia da sociedade de oitocentos, sua vez, a viúva Veiga & Filhos continuava o fa-
não tão diferente da nossa como alguns pensa- brico de laticínios da Covilhã, à venda numa loja
riam. O próprio “clima” criado pela Revolução da Rua Augusta, e a viúva Bertrand anunciava
Liberal terá libertado alguns preconceitos e tra- o seu estabelecimento. Certa “viúva Penélope”
zido mudanças, que, sobretudo ao nível da Igre- escreveu uma carta ao redator em 1 de março de
ja, tiveram grandes repercussões. Foi neste con- 1822. Uma notícia sobre as injustiças feitas a uma
texto que surgiram os artigos, anúncios, notícias viúva, mãe de 5 filhos menores, Angélica Mar-
e cartas femininas, algumas surpreendentes, e de garida de Sousa Souto, foi veiculada por José Pin-
que passamos a referir alguns exemplos, havendo to Rodrigues Moura em Lisboa, a 4 de fevereiro de
muitas mais. A educação no feminino era tida 1822 [N.o 8, 14/02/1822, pp. 3-4]. Mas também
aqui como importante. Encontramos no jornal se denunciavam abusos feministas, como o
de 5 de dezembro de 1821 [n.o 310, p. 4] um “Avi- caso de um António José Linguiça que foi pre-
so” da nova edição de um livro traduzido do fran- so por denúncia de briga com a sua mulher, pela
cês e intitulado O Amigo das Mulheres. Nos seus própria, Margarida, tendo de pagar 5.585 réis [N.o
capítulos tudo era tratado, desde o estado das 148, 18/05/1821, p. 4]. Foi também referido o
mulheres na sociedade, até ao casamento e edu- caso do Desembargador Émauz, que teve a des-
cação dos filhos. Havia uma nítida preocupação graça de casar com uma senhora “mui capri-
didática em relação ao papel da mulher na So- chosa” que queria “representar no grande mun-
ciedade Liberal. Outro livro anunciado foi A Apo- do” e a qual acabou por fugir com a filha, ex-
logia das Mulheres, de Mr. Thomaz, obra tam- propriando o marido. Ao contrário, numa car-
bém traduzida do francês [N.o 266, 13/10/1821, ta ao redator contra Stockler, assina-se uma “Sua
p. 3]. Mulheres liberais também escreveram para Constante Leitora, G.M.I.”, o que pressupõe que
o periódico, como seja o caso de “Uma Portu- muitas mulheres leriam o Astro da Lusitânia [N.o
guesa Constitucional” que aventava a hipótese 252, 27/09/1821, pp.1-2]. É com razão que, numa
de um novo modelo de laço nacional para co- carta assinada por um “Compatriota Institucio-
memorar o ano de 1820 [N.o 265, 12/10/1821, p. nal”, se considerava o jornal como uma “Senti-
4]. Mas igualmente eram denunciados casos de nela de Liberdade” [N.o 249, 24/09/1921, p. 4].
flagrante injustiça, como a situação de uma “des- As mulheres eram aí contempladas e até acari-
graçada aldeana” que fugiu para casar com um nhadas. O ideal liberal aplanava nos seus con-
homem, foi presa e na cadeia teve uma criança ceitos o caminho feminino. Não é por acaso que
passados 7 meses. Aproveitava-se para acusar o numa carta não assinada se referia o exemplo de
País de não fazer trabalho nas prisões como no D. Filipa que, ao lado do marido, D. António Fi-
resto da Europa [N.o 279, 29/10/1821, pp.1-2]. lipe Camarão, derrotou na batalha de Cunhas
Outro caso curioso era o de uma filha trintona (Brasil) o exército “Bélgico” que era o triplo do
que fugiu para casar com um colega de negócios seu [N.o 281, 31/10/1821, p. 4]. Especifiquemos
do pai, escapando assim também à sua triste sor- agora alguns casos especiais de leitoras do jor-
te de criada do pai e de um irmão abade. O pai, nal mais relevantes: Ana Senhorinha de Barros
viúvo ultrajado, escreveu o artigo com algum hu- Lassence, casada com Lourenço José Lassence,
mor [N.o 350, 26/01/1822, p. 4]. Pugnava-se por holandês e comerciante: desenvolveu-se, como
uma maior justiça social e, no extrato da sessão uma novela, ao longo de muitos números, a saga
do dia 3 de julho das Cortes Constituintes, dis- do seu conturbado divórcio. Era esta senhora de
cutia-se a situação das filhas de Félix de la Es- origem macaense. Catarina Teresa de Sousa: es-
pada, professor de Latinidades da Universidade de creveu uma carta ao redator por uma questão de
Coimbra, que necessitavam de ser socorridas mo- heranças. Gertrudes: órfã de Francisco Vieira Ne-
netariamente por morte do pai. Dava-se a hipó- grão, de Paderne, querendo contrair matrimónio
tese a senhoras viúvas, negociantes que herda- com um rapaz barbeiro, teve de lutar com a opo-
ram o modo de vida dos maridos, de anuncia- sição da mãe, viúva e futura provisionária e re-
rem no periódico. Um “Aviso” referia que a viú- querente ao juiz de fora de Albufeira, provando
va de Joaquim Coelho de Ataíde, arrematante do a igualdade de pessoa e bens para que o juiz lhe
contrato de fornecimento de neve, continuaria suprisse a licença. Os contraentes foram consi-
esta atividade, inclusive colocando à venda neve derados iguais pelas bases da Constituição e pu-
121 ATR

deram casar [N.o 232, 03/09/1821, pp. 3-4]. Atriz Veledo


G.M.I.: senhora que escreveu uma carta ao Sr. Re- Atriz. Teve uma vida difícil, passou fome e che-
dator contra Stockler e assinou “Sua Constante gou a ganhar a vida como criada de servir numa
Leitora G.M.I.” [N.o 252, 27/09/1821, pp. 1-2]. hospedaria. Tinha boa presença, era alta e mui-
“Freira Desesperada”: lamentava-se da sua con- to branca. Trabalhou em pantomimas de feira, foi
dição forçada e denunciava casos semelhantes bailarina e, aos 15 anos, já era mãe. Boémia, be-
[N.o 109, 29/06/1822, p. 4]. Maurícia da Fonse- bia cognac, café e fumava charutos. Aos trinta
ca: correspondente jornalística do Correio do Por- anos, como atriz, fez o papel de “Madalena de Vi-
to, prometendo redigir sempre, depois do seu ca- lhena” em Frei Luís de Sousa, drama em 3 atos
samento, “meteu a viola no saco até ao presen- de Almeida Garrett, protagonizou Fernanda, de
te”. Maria Luísa Smith: esta senhora inglesa José Maria Braz Martins (1823-1903), e A Mor-
anunciou uma “casa de educação pública com gadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis (1839-1871),
muitas pensionistas”. A instrução de meninas adaptação de Barbosa Machado.
podia ser na modalidade interna e externa. O en- Bib.: Fialho de Almeida, “A eminente actriz”, Aves Mi-
sino incluía aulas de Português, Inglês, Francês, gradoras, Lisboa, Livraria Clássica Editores de A. M. Tei-
Gramática, Escrita, Leitura, Aritmética; aulas de xeira, 1921, p. 88.
elaboração de flores, Costura, Bordado e Músi- [I. S. A.]
ca, estas seguidas pelo Prof. Gama; e ainda de
dança, com o Prof. Zenóglio. Uma Constitucio- Atriz Virgínia
nal Portuguesa: admiradora do periódico que, in- v. Virgínia Dias da Silva
dignada, em resposta a um artigo do N.o 23, foca
o “problema dos espartilhos femininos, ao qual Augusta Bresd’lind
contrapõem as barbas de baleia dos lenços de Atriz. Nasceu em Coimbra e faleceu em Lisboa,
pescoço e coletes dos cavalheiros que estes usa- a 2 de março de 1906. Não era instruída nem boa
vam para ficar bem esticados”. Pergunta-se se atriz, mas tinha bons protetores e ostentava bons
eram mais espartilhadas as senhoras ou os se- vestidos, capas e chapéus, condição essencial
nhores e afirmava que espartilhados necessita- para conseguir contratos. Iniciou a carreira no
vam de ser eles na distribuição dos seus rendi- Teatro da Avenida, por volta de 1887, donde
mentos em casa [N.o 27, 18/12/1820, p. 4]. transitou para o Teatro D. Maria II, Empresa Ro-
Uma Senhora de Braga: escritora e leitora de Bra- sas & Brazão, e tomou a alcunha de “A Calca-
ga que publicou uma “Ode a El-Rei” de certa qua- nhares”, papel que representou na estreia do dra-
lidade [N.o 183, 04/07/1821, p. 4]. ma histórico Afonso VI (1890), de D. João da
Câmara. Fez os papéis de “Uma Senhora”, em
Bib.: António J. da Silva Pereira, “O Tradicionalismo Vin- Dor Suprema (1895), de Marcelino Mesquita;
tista e o Astro da Lusitânia”, Revista de História das
Ideias, Vol. I, 1977; Gina Rafael e Manuela Santos, Jor-
“Antónia”, em Manelich (1898), drama em 3
nais e Revistas Portuguesas do Séc. XIX, Lisboa, Bi- atos, original do catalão D. Angel Guimera, ver-
blioteca Nacional, Ministério da Cultura, 1998; José Ma- tido em castelhano por José Echegaray, tradução
nuel Tengarrinha, História da Imprensa Periódica Por- livre de João Soler; e entrou em Quermesse, peça
tuguesa, Lisboa, Ed. Caminho, 1989, pp.131-133; Susana em 3 atos de Carlos de Moura Cabral. Seguiu a
M. D. Pinheiro, “Religião, Sociedade e Vintismo no Jor-
nal Astro da Lusitânia”, Lusitânia Sacra – Mutações Re- Empresa Rosas & Brazão para o Teatro D. Amé-
ligiosas na Época Contemporânea: Figuras e Pensamento, lia, onde representava antes de falecer.
2.a s., Tomo XVI, Lisboa, Universidade Católica Portu- Bib.: Carlos Santos, Cinquenta Anos de Teatro. Memó-
guesa, 2004, pp.345-358. rias de um ator, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacio-
[S. P.] nal de Publicidade, 1950, p. 57; Revista Ilustrada, Lis-
boa/Porto, Livraria de António Maria Pereira, 15/04/1891,
Atriz Bárbara p. 6; Revista Teatral, 3.a série, 2.o Vol., n.o 25, 01/01/1896,
p. 4; A Scena, Lisboa, n.o 38, 22/01/1898; “Teatros – Foi
v. Bárbara Mafra Volkart neste dia...”, O Século, 02/03/1952, p. 7.
[I. S. A.]
Atriz Delfina
v. Delfina Perpétua do Espírito Santo Augusta Cordeiro
Atriz de opereta e comédia. Nasceu em Santa-
Atriz Florinda rém, a 12 ou 22 de janeiro de 1868, e faleceu em
v. Florinda Benevenuto Toledo Lisboa, a 27 de novembro de 1952. Em 1884, era
AUG 122

corista no Teatro dos Recreios, em Lisboa. de Lys, de Alexandre Dumas, filho, (1902);
Como atriz amadora, foi em digressão pela pro- “Baronesa de Runa”, em Casamento de Conve-
víncia, numa companhia artística organizada por niência, peça em 4 atos de Joaquim José Coelho
Pinto Bastos e, mais tarde, trabalhou em teatros de Carvalho, estreada no Teatro D. Maria II (1904);
do Algarve. Dizia corretamente, tinha boa figu- “Flora Brasier”, de A Trovisqueira, adaptação do
ra e sabia vestir com elegância, qualidades que romance de Honoré de Balzac por Émile Fabre,
lhe mereceram integrar o elenco do Teatro da tradução de Acácio de Paiva; “Rainha” de El-Rei
Trindade, na comédia A Menina do Telefone, tra- Seleuco (1905), de Camões. Protagonizou A Dú-
dução de Guiomar Torrezão, a 12/03/1892, vida (1906), peça em 4 atos de Augusto Lacer-
peça que representou em reprise, em 1920, com da; foi “Laura”, em O Pai (1908), de August
muito êxito. Seguiram-se A Ponte do Diabo Strindberg; “Lady Chilternes”, em Um Marido
(1892), drama em 3 atos; as operetas Os 28 Dias Ideal (1909), de Oscar Wilde; “Helena”, em À
de Clarinha, em 4 atos, de H. Raymond & Margem do Código (1910), peça em 3 atos, de
Mars, tradução de Gervásio Lobato e Acácio An- Luís Barreto da Cruz; A Morgadinha de Valflor
tunes, música de Victor Roger; D’Artagnan (1908), drama em 5 atos, original de Manuel Pi-
(1893), extraída de Os Três Mosqueteiros, de Ale- nheiro Chagas; e A Virgem Louca (1914), de Hen-
xandre Dumas, pai, por Rangel de Lima, músi- ri Bataille. Foi principal figura feminina em O
ca de Plácido Stichini; Tio Celestino, A Corte d’El Príncipe Pilsen (1911), em travesti; O Repostei-
Rei Pimpão, arranjo de Eduardo Garrido, com ro Verde (1912), de Júlio Dantas; O Sol da Meia-
música de Frederico Ferreira; Viagem do Rei Car- -Noite (1912), peça alemã em 3 atos, tradução de
rapato, Burro do Sr. Alcaide, em 3 atos, original Freitas Branco; Frei Luís de Sousa, drama em 3
de Gervásio Lobato e D. João da Câmara; e Três atos, de Almeida Garrett; Rei Lear, de Shakes-
Dias na Berlinda. Passou para o Teatro D. Ma- peare, tradução em verso de Júlio Dantas; Me-
ria II, a convite da Empresa Rosas & Brazão e, dicina Doméstica, comédia em 3 atos de Antó-
quando esta saiu para o Teatro D. Amélia, em nio Rafael Ferreira; e Pai Pródigo, comédia de
1898, foi nomeada societária de 1.a classe da nova Alexandre Dumas, filho. Em 1914, integrou o
companhia do Teatro D. Maria II, onde perma- elenco da companhia do Teatro Nacional que foi
neceu até 1923, contracenando com os atores ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto, representar
mais conhecidos desse tempo. Neste teatro, re- Segundas Núpcias, de Ramada Curto. De volta,
presentou As Ovelhas de Panurgio (1895), co- entrou em A Malquerida (1915), de Benavente;
média de Henri Meilhac e Halévy, tradução de História de Sempre (1918), peça em 3 atos de Vic-
Jaime Romão, no benefício de Augusto de Melo; tor Mendes e Carrasco Guerra; A Pecadora
Dor Suprema (1895), drama; e Peraltas e Sécias (1920), de Guimerá; O Ciúme, peça em 4 atos,
(1899), comédia em 3 atos, ambas originais de original de Ruben de Lara [pseudónimo de D.
Marcelino Mesquita, esta última em estreia; Ca- Mafalda Mouzinho de Albuquerque]; Zilda
tarina (1900), de Henry Lavedan; Sinhá (1902), (1921), de Alfredo Cortez; Leque de Lady Win-
peça em 3 atos de Marcelino Mesquita; O Enig- dermere (1922), de Óscar Wilde; O Comedian-
ma (1902), drama de Paul Hervieu, tradução de te (1923), de Raquel Bastos, contracenando
Joaquim Madureira; e Um Serão nas Laranjeiras com Palmira Bastos*; e Sergio Panine, drama em
(1903), de Júlio Dantas. Em 1907, foi ao Teatro 5 atos de Georges Ohnet, traduzido por Lino da
Sá da Bandeira, do Porto, protagonizar Triple- Assunção. Fez várias digressões pelo Brasil.
ratte. Na volta, brilhou em Os Fourchambault
Bib.: Alfredo Mesquita, Revista Ilustrada, Lisboa/Porto,
(1908), de Émile Augier; Uma Aposta, comédia Livraria de António Maria Pereira, 03/03/1892, p. 1; Amé-
em 1 ato, tradução livre do castelhano, por Lor- rico Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres Célebres,
jó Tavares; A Lei do Divórcio (1910), de Augus- Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 272; António Sou-
to de Lacerda; A Infelicidade Legal (1911), de Joa- sa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Im-
prensa Libânio da Silva, 1908, p. 279; Carlos Santos, Cin-
quim José Coelho de Carvalho; e A Cilada quenta anos de Teatro. Memórias de um actor, Lisboa,
(1914), comédia em 1 ato, de Pedroso Rodrigues. Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1950,
Do seu vasto repertório, salientam-se as inter- pp. 107, 115 e 154; Eduardo de Noronha, Reminiscên-
pretações nos papéis de A Grã Duquesa de Ge- cias do Tablado, Lisboa, Guimarães e Ca., Editores, 1927,
p. 100; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal.
rolstein (1896), ópera cómico-burlesca em 3 atos Dicionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográ-
e 4 quadros, de Henri Meilhac; “condessa”, em fico, heráldico, numismático e artístico, Vol. II, Lisboa,
Casamento de Fígaro, de Beaumarchais; Diana João Romano Torres, Editor, 1906, pp. 1132-1133; Fer-
123 AUG

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Correio da Manhã, 20/01/1895; Gazeta Musical de Lis-
boa, 3.a série, n.o 144, 16/07/1896, p. 3; A Scena, Lisboa,
n.o 50, 17/04/1898; O Ocidente, Lisboa, 10/12/1912, p. Augusta Freire
272; O Teatro, Lisboa, n.o 4, março, 1918, p. 58; “Teatros Atriz. Fez carreira no Teatro Apolo. Notabilizou-
– Foi neste dia...”, O Século, 06/01/1956, p. 7. se nos papéis de “Sol”, na revista Peço a Pala-
[I. S. A.]
vra (1911), de João Bastos e Álvaro Cabral, mú-
sica de Tomás Del Negro e Alves Coelho; “Es-
Augusta das Dores Ornelas
perança”, em O Chico das Pegas (1912), opere-
Mestra de costura, corte e bordados, desde a inau-
ta de Eduardo Schwalbach, música de Filipe
guração da oficina de lavores femininos da Es-
Duarte; “Maria Ladina” em alternância com Je-
cola Industrial António Augusto Aguiar, no Fun-
suína Saraiva*, em A Feira do Diabo (1912), sá-
chal. Augusta das Dores Ornelas foi proposta para
tira em 1 ato, prólogo e 3 quadros de Eduardo
o cargo em julho de 1893, por Luciano Cordei-
Schwalbach; e entrou em O Pobre de Valbuena
ro, inspetor das escolas industriais da circuns-
crição do Sul, e a sua nomeação foi autorizada (1912), farsa lírica em 1 ato e 3 quadros de Car-
em 1 de dezembro do mesmo ano, tendo-lhe sido los Arronches e Enrique Garcia Alvarez, tradu-
atribuído um vencimento de 20$000 réis men- ção de Acácio Antunes, música de Valverde, fi-
sais por acumular o ensino de costura e corte com lho, e Torregrosa. Mereceu figurar na galeria de
o de bordados. Na sequência do Decreto de retratos de atores da companhia do empresário
14/12/1897, que reorganizou o ensino nas escolas Eduardo Schwalbach, no Teatro Apolo.
industriais e de desenho industrial, passou a au- Bib.: Ilustração Portuguesa, Lisboa, Vol. II, 1911, p. 280;
ferir, como mestra e em conformidade com a ta- O Palco, Lisboa, n.o 1, 08/01/1912, p. 6, e n.o 5,
05/03/1912, p. 71.
bela anexa ao referido decreto, um vencimento [I. S. A.]
de 300$000 réis anuais. Ainda exercia à data da
implantação da República. Augusta Martins
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das Atriz. Era filha de Pedro Echavenio Martinez, na-
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- tural de Valladolid, província de Castela-a-
cas, Comércio e Indústria, Inspeção das Escolas Indus-
triais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Velha, e de Dolores Rey, natural de Santiago de
Copiadores de correspondência expedida (1891-1892; Compostela, que vieram para Portugal numa
1893; 1894). Fontes impressas: Decreto de 14/12/1897, companhia de saltimbancos que percorreu o país
Diário do Governo, n.o 283, 15 de dezembro de 1897; e por aqui ficaram. Quando o pai abandonou a
Anuário Comercial de Portugal, Ilhas e Ultramar (1896- família, deixando, sem recursos, Augusta, uma
1911), Lisboa, 1895-1910.
Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oito- irmã de nome Maria da Conceição Echavenio
centista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lis- Martinez, que viria a ser a notável atriz conhe-
boa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A for- cida por Palmira Bastos*, e um irmão, a mãe em-
mação profissional das mulheres no ensino industrial pregou-se numa casa de costura e, à noite, tra-
público (1884-1910). Realidades e representações, Dis-
sertação de Doutoramento, Lisboa, Universidade Aber- balhava como corista nos Teatros da Trindade e
ta, 2008. da Rua dos Condes, onde era conhecida por “Mu-
[T. P.] chacha”. Incentivada pela mãe, Augusta in-
gressou na carreira artística, de que pouco se sabe.
Augusta de Melo Há notícia de ter representado os papéis de “Ma-
Atriz. Em 1886, estava no Teatro do Ginásio e ria”, em O Padrinho (1898), comédia em 1 ato
AUR 124

de Luís da Mata, e “Lúcia”, em Auto dos Es- dos seus maiores êxitos; A Melhor das Mulhe-
quecidos (1898), drama em 3 jornadas e 1 pró- res, de Billaud e Hanequin, tradução de Carlos
logo, em verso, original de Sousa Monteiro, peça Trilho; criou o papel de “Anjo” no Auto da Bar-
premiada no concurso para o Centenário da Ín- ca do Inferno de Gil Vicente, em adaptação de
dia, ambas no Teatro da Trindade. Nesse ano, in- Afonso Lopes Vieira; Prisão Celular, O Assalto,
tegrou um grupo de atores para representar O Blanchette, de Brieux; A Garota, de P. Veber e
Desquite, comédia em 1 ato, de Paul Ferrier, tra- S. Crosse; Boa Gente, Alma Forte, de Dario Ni-
duzida por Jaime de Séguier, em benefício da As- codemi; O Amigo de Peniche, A Alegria de Vi-
sociação de Imprensa. ver, A Migalha, Caminho do Sol, O Fogo Sagrado,
Bib.: A Scena, Lisboa, n.o 46, 20/03/1898, e n.o 54, de Eduardo Schwalbach; Saber Amar, de Mário
15/05/1898. de Almeida; A Menina do Chocolate, de P. Ga-
[I. S. A.] vault; A Mulher e os Fantoches, O Gaiato de Lis-
boa, de Bayard, tradução de Aristides Abranches;
Aura Abranches Ruas Pinto Grijó A Cruz de Clarinha, A Língua das Mulheres,
Nasceu em Lisboa a 9 de maio de 1896 e faleceu, Ouro Americano, A Velha, Candeia que vai
na mesma cidade, a 22 de março de 1962. Es- Adiante, O Domador de Sogras, de Félix Ber-
tudou no Convento do Santíssimo Sacramento, mudes e Eduardo Antunes Martinho, entre ou-
em Alcântara. Casou, aos 16 anos, com o ator Joa- tras. Entrou nos filmes Lisboa (1930), de Leitão
quim Pinto Grijó (1877-30/10/1934) e era mãe de Barros, e A Rosa de Alfama (1960), de António
do pintor ceramista Fernando Abranches Ruas Lopes Ribeiro. Além das obras citadas no Di-
Pinto Grijó. Depois de casada, tornou-se em- cionário no Feminino, Vol. I, escreveu: Madalena
presária de teatro, com o marido, a mãe, sozinha Arrependida, comédia em 3 atos, representada
ou em parceria com os colegas José Loureiro, Luís em S. Paulo (1922) e noutras cidades brasileiras,
Pereira, Chaby Pinheiro e Lucília Simões*. Com no Teatro Sá da Bandeira do Porto e em Lisboa
o ator Alexandre de Azevedo, introduziu em Por- (1923); as peças em 3 atos Aquele Olhar, repre-
tugal o Teatro da Natureza, cujas representações sentada no Teatro da Trindade (1924), e Três Cães
decorreram no Jardim da Estrela, entre elas Elec- a Um Osso, no Teatro Politeama (1929); as pe-
tra, de Jean Giraudoux, tradução em verso ças em 1 ato Santa Teresinha, Surpresa, Avó e
branco de Joaquim José Coelho de Carvalho, no Neta, no Teatro da Trindade (1937); Duas Vezes
papel de “Electra”. Em 1917, a Companhia Somos Crianças, peça em 3 atos, que foi à cena
Chaby Pinheiro-Aura Abranches estava no Tea- no Teatro Nacional (1940); Uma Visita Inespe-
tro Politeama, com a peça, em cartaz, Adeus Mo- rada e Eva e o Fantoche, peças em 1 ato, esta úl-
cidade, comédia em 3 atos, adaptação de Cha- tima em colaboração com Alice Ogando (1939),
by Pinheiro, e anunciava, para breve, Modelo, ori- representadas no Teatro Sá da Bandeira, do Por-
ginal de Julião Machado, Eva, de Paulo Barre- to, em 1950; e com o escritor francês Charles Oul-
to, e a comédia As Ligas de Minha Mulher, em mont, a peça dramática Perdida. Traduziu, tam-
que Aura era figura principal. Neste teatro, e no bém para o teatro: O Pardalito (1933), de Sabatino
mesmo ano, representou também Marido em Lopez, e A Sorte Grande (1939), representadas
Branco, de Tyerbidon e Armont, tradução de Pau- no Teatro Nacional, e Duas Vidas, de Charles
lo Guimarães. A 9 de abril de 1921, a Companhia Oulmont, no Trindade (1942). Faleceu na sua re-
Adelina-Aura Abranches estreou a peça O sidência, na Rua Rodrigo da Fonseca, n.o 95, R/C,
Grande Amor, de Dario Nicodemi, no Palácio em Lisboa, e ficou em jazigo de família, no ce-
Teatro do Rio de Janeiro. Nos últimos dez anos mitério do Alto de S. João. Por Edital de
de vida, foi algumas vezes contratada pela Em- 31/01/1978, foi dado o seu nome a uma rua na
presa Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro para freguesia de Benfica, em Lisboa.
atuar no Teatro Nacional D. Maria II, onde par-
Bib.: Eugénia Vasques, Mulheres que Escreveram Teatro
ticipou nas peças Lady Frederick, de Somerset no Século XX em Portugal, Lisboa, Edições Colibri, 2001,
Maugham, Crime e Castigo, original de Dos- p. 87 (62), p. 68 (70), p. 91 (80), p. 92 (85), p. 98 (115), p.
toievsky, A Voz da Cidade, de Ramada Curto, O 101 (132), p. 102 (139) e (140); Fernando Peixoto, “O Sé-
Regente, drama histórico de Marcelino Mesquita, culo XX em Portugal”, História do Teatro Europeu, Lis-
boa, Edições Sílabo, 2006, pp. 346 e ss.; Luiz Francisco
A Senhora das Brancas Mãos e Castelos no Ar. Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Pre-
Do seu vasto repertório, salientam-se: Primrose, lo Editora, 1978, p. 17; Luiz Silveira Botelho, A Mulher
de Robert Flers e Gaston Caillavet, que foi um na Toponímia de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa,
125 AUR

Comissão Municipal de Toponímia, 1998, pp.14-16; fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do
Mário Jacques e Silva Heitor, Actores na Toponímia de Norte, Tip. Mendonça, 1918, p. 135; António Nóvoa (dir.),
Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Comissão A Imprensa de Educação e Ensino: Repertório analíti-
Municipal de Toponímia, 2001, pp. 59-60; Memórias de co (séculos XIX-XX), Lisboa, Instituto de Inovação
Adelina Abranches, apresentadas por Aura Abranches, Educacional, 1993; Américo Lopes de Oliveira, Dicio-
Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1947; Quem nário de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Irmão Edi-
é Quem (Who’s Who in Portugal), Dicionário Biográfico tores, 1981, p. 45; Fina d’Armada, Republicanas quase
das Personalidades em Destaque do Nosso Tempo, Lis- Desconhecidas, Círculo de Leitores e Temas e Debates,
boa, Portugália Editora, Lda. 1947, p. 34; Victor Pavão dos 2011; João Carlos Paulo, “Amaral, Áurea Judite”, Di-
Santos e João Bénard da Costa, O Cinema Vai ao Teatro, cionário de Educadores Portugueses, Porto, Edições ASA,
1996-1997, Lisboa, Cinemateca Portuguesa/Museu Na- 2003, pp. 83-85; J. E. Moreirinhas Pinheiro, “Áurea Ju-
cional do Teatro, p. 16; Virgínia Dias, “Aura Abranches dite Amaral”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX),
Ruas Grijó”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 150-152; Portugal
Lisboa, Livros Horizonte, 2005, p. 150; “Teatros – Foi nes- Feminino, n.o 19, agosto, 1931.
te dia...”, O Século, 09/04/1960, p. 4, e 23/03/1962, p. 12. [J. E./N. M.]
[I. S. A.]
Áurea Paes Falcão
Áurea Judite Amaral A biografia desta escritora permanece, em larga
Professora e inspetora escolar. Filha de Francisca medida, desconhecida. No acervo da Bibliote-
Emília Cordeiro Rocha, costureira e mãe solteira, ca Nacional encontram-se quatro obras suas –
nasceu em Alfândega da Fé a 24 de agosto de duas de ficção, uma de memórias e um ensaio
1889 e faleceu em Belas, com 87 anos, a 3 de ju- feminista – das quais se retiram poucas infor-
nho de 1977. Prestigiada pedagoga e educado- mações concretas a respeito da sua vida. Me-
ra, revelou-se toda a vida estudiosa do ensino. morialista. Áurea privilegiou, assim como mui-
Cursou a Escola Normal Primária, a Faculdade tas outras autoras, a relação com a Natureza ao
de Letras do Porto e a Escola Normal Superior escolher o pseudónimo “Andorinha” para assi-
de Lisboa; na Suíça, enquanto bolseira da Jun- nar o livro inicial da sua carreira, A minha In-
ta de Educação Nacional, frequentou a Uni- fância, em 1928. Nele omite, e por vezes usa as-
versidade de Genebra e o Instituto Jean-Jacques teriscos para substituir, todos os nomes que pos-
Rousseau. Pertenceu ao núcleo do Porto da Liga sam servir para identificação. Esconde o da sua
Republicana das Mulheres Portuguesas (1914- terra natal, algures no Alentejo, acerca da qual
1915), tendo assinado um pequeno escrito li- a referência mais elucidativa está numa passa-
terário no jornal A Madrugada; colaborou na re- gem em que conta ter ido com os pais passar a
vista Alma Feminina (1926), órgão do Conselho época balnear a uma “bonita vilazinha na foz do
Nacional das Mulheres Portuguesas, com um rio *** que igualmente banha aquela que me foi
texto sobre Carolina Michaëlis de Vasconcelos, berço” [p. 33]. Mas também escondidos são os
de quem era amiga, aquando do seu falecimento; nomes dos progenitores, das irmãs e do único ir-
e foi correspondente, naquela cidade, da revista mão caçula, das tias e do tio, da pequenina afi-
Portugal Feminino, dirigida por Maria Amélia lhada deste, de uma (amiga de sua mãe e tias)
Teixeira. Foi ainda contribuinte do Núcleo Fe- “virtuosa e fina” senhora natural de Moura, e de
minino de Assistência Infantil*, criado no âm- sua dedicada criada que lhe dispensavam mimos
bito da Junta Patriótica do Norte para dirigir a e atenções, das professoras, das criadas e cria-
Casa dos Filhos dos Soldados, instituição fun- dos e outros intervenientes nas suas recordações.
dada em 25 de junho de 1917 para acolher e edu- Como se toda a precaução fosse pouca para que
car os órfãos de guerra, e diretora do Instituto a vida de gente respeitável não andasse na boca
Presidente Sidónio Pais. do mundo. Áurea viu a luz “no mês das festas
populares” de um ano indeterminado, que os in-
Da autora: “Madrugada triste” [texto literário], A Ma- dícios sugerem situar-se nas cercanias de 1900,
drugada, n.o 38, 31/01/1915, p. 2, cols. 2-3; “Dr.a Caro- visto a escritora confessar, nessa obra pioneira,
lina Michaëlis de Vasconcelos”, Alma Feminina, n.o 2,
2.o trimestre de 1926, pp. 4-7; “A escritora Noëlle Ro- “já não sou muito nova” [p. 6]. Afirmação que,
ger”, Portugal Feminino, n.o 17, junho, 1931, pp. 20-21; à época, era uma frase dúbia que tanto se podia
“Regenerar: salvar vidas – A Condessa Carton de aplicar aos trinta e tal como aos vinte e muitos
Wiart”, Portugal Feminino, n.o 21, outubro, 1931, p. 14. anos de uma mulher. Nasceu filha primogénita,
Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Actos da Jun-
ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916 no seio de uma família abastada e católica, de
até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva pai lavrador e mãe dona de casa. Teve problemas
com o concurso do Núcleo Feminino de Assistência In- de saúde, dos quais foi sucessivamente recu-
AUR 126

perando com cuidados e carinhos de todos. To- os cabelos cortados à última moda, chegando de
davia, a sua “infância terminou aqui, aos doze uma viagem pela Europa. Ela desposa um ator
anos” [p. 81], quando surgiram outras atribula- e vai iniciar carreira, em récita de caridade, na
ções: primeira, vendo chegar repentinamente a sua terra natal [“Alma de comediante”, pp. 49-
seus pais grandes preocupações pecuniárias que 58]. Mas Matilde, apesar de também aceder à in-
os obrigaram a mudar-se para outra casa; se- dependência por meio de nova roupa, novas ati-
gunda, a morte repentina do irmãozinho benja- tudes, profissão e casamento, não é Monique Ler-
mim, logo ao fim de duas semanas após a mu- bier. A trama está longe da complexidade (fe-
dança; terceira, uma doença grave e longa do pai. minista e antifeminista) de La Garçonne. Esta no-
Então, vivendo numa atmosfera de cautelas e má- vela, que Victor Margueritte escrevera em 1922,
goas, sempre junto dos mais entristecidos, sem provocara tais distúrbios – talvez devido à rei-
distrações nem prazeres necessários à juventu- vindicação de novos costumes sexuais – na es-
de, começou a ver a vida por um ângulo im- treia teatral em Lisboa (janeiro de 1927), com gri-
próprio da sua idade: “fiz-me mulher antes de taria e pancadaria entre aplausos e apupos, que
tempo, ou fiz-me velha sendo criança” [p. 82]. a sua representação esteve dois dias proibida pelo
Passados alguns anos, voltou o contentamento ministro do Interior. Áurea Paes Falcão escreveu
à casa que as irmãs, já todas na adolescência, en- outra obra de ficção, denominada Entre Searas
chiam de alegria. Contudo, Áurea sofria ainda e Montados (1941) que, por debaixo do título,
“pois que para mim vieram então muitas atri- apresenta a indicação “novela regional alente-
bulações…” [p. 83]. Quais, não nos diz. O pú- jana possivelmente aproveitável para um filme”.
blico leitor e investigador fica sem saber se, di- Recomendação desperdiçada, pois parece nun-
reta ou indiretamente, estariam relacionadas com ca ter sido aproveitada. Ambos os livros são do-
a sua confissão sobre a vivência difícil da alte- minados por pares de “irmãos rivais”, como amor
ridade: “há hoje quem me chame esquisita, de e ódio, altruísmo e egoísmo, luxúria e castida-
uma forma tal que reconheço ser uma forma de- de, e outras dicotomias com crítica social em
licada de me chamarem doida” [p. 17]. Em con- pano de fundo. Feminista. Relativamente ao con-
trapartida, sabe-se que nessa primeira dúzia de teúdo da sua obra em prol de metade da huma-
anos teve uma educação feminina esmerada – em nidade, intitulada Pela Mulher (1938), logo nas
que aprendeu não só as disciplinas escolares, primeiras páginas Áurea assume, justifica e ili-
com professoras em casa, como todos os servi- ba a sua posição feminista. Usando o plural aca-
ços domésticos, incluindo horticultura – mas démico, ela diz: “Sabemos bem como o nosso
contrabalançada por grandes paixões como mú- modesto trabalho vai ser censurado, criticado e
sica e literatura. Salienta “as histórias fantasio- até escarnecido por certos intelectuais apologistas
sas e morais de D. Ana de Castro Osório […] que da escravidão da mulher” [p. 9]. Refere o anti-
deviam ser dadas a ler a todas as crianças das es- feminismo, para o qual a única função da fêmea
colas primárias do país, tão educativas elas são” se deverá resumir a ser “esposa e mãe”, e a mi-
e, também, “O Gafanhoto, magnífico quinzenário soginia, que a acusa de ser “sempre culpada de
para crianças, que se publicava em Lisboa, or- todo o mal” [p. 37]. Nada disso a intimida e ini-
ganizado por alguns dos nossos melhores es- be, porque brada que não se masculinizou, não
critores e desenhistas desse tempo, e que re- virou uma virago, e as suas palavras “não tra-
creava, educava e instruía, por meio de contos, duzem, de forma alguma, má vontade ao sexo for-
versos, e excelentes estampas em cores berran- te”, declaração com um misto de convicção, li-
tes” [p. 54]. Ficcionista. Uma das suas duas obras sonja e ironia da autora. Esta clama permanecer
de ficção é um conjunto de histórias curtas – in- orgulhosamente feminina “como toda a mulher
titulado Papoilas. (Contos alentejanos) (1934) – que se preza de o ser” e que, por isso, conclui:
em que dominam as protagonistas: Helena, “considero o homem metade do meu ser na Ter-
Carminda, Maria da Nazaré, Mariana Luísa, Gui- ra” [p. 5]. A justificação de Áurea subentende que
lhermina, Silvina, Matilde. Apenas esta última “a questão é outra, meus senhores”, resumindo-
é a personagem que mais se aproxima da eman- se simplesmente à constatação lamentável e re-
cipada new woman que tinha incendiado as oci- voltante de que “a mulher portuguesa é ainda
dentais imaginações de simpatizantes e oposi- uma vítima tão grande da sociedade que não há
tores. A heroína é uma jovem, formosa e vo- palavras bastantes para o mostrar. Por muito que
luntariosa, que se maquilha e veste tailleur, com se diga do seu sofrimento, não se diz tudo, sem-
127 AUR

pre se diz pouco” [p. 7]. Portuguesa que consi- nem a organização americana ou alguma das suas
dera vítima, ainda mais do que as ocidentais em filiais (os numerosos conselhos nacionais) que,
geral, da lei e de costumes estúpidos que a con- até à I Guerra Mundial, tinham sido sucessiva-
denam ao “grilhão opressor”. Prenunciando as mente criadas em toda a Europa, nem nenhuma
defensoras de uma epistemologia feminista, outra associação de mulheres. Os argumentos
sustenta a sua legitimidade em interceder na im- usados para reivindicar novas leis, maior capi-
portância, para toda a comunidade, de vários tal educativo e independência económica ba-
“pontos de vista”: “o parecer de uma pessoa de seiam-se nas ideias de razão, progresso e felici-
outro sexo deve ser levado em conta pois vê por dade, direito natural, desenvolvimento da per-
um outro prisma, o que não se deve desprezar” sonalidade, intervenção positiva da educação e
[p. 13]. Os seus objetivos são contribuir para dig- utilidade social da libertação da mulher. O seu
nificar e melhorar, tanto quanto possível, a tris- simbólico aux armes, citoyennes é o incitamento
tíssima situação das mulheres; e isso por várias final: “Portuguesas, avante pelo sonho da nos-
razões. Por um lado, porque a mulher merece sa emancipação… Avante pela nossa liberdade,
consideração como ser humano e não deve ser que é Progresso, Ventura e Alegria…” [p. 161].
“mal julgada simplesmente por ser do sexo fra- Entre os grandes “clássicos” que alimentaram a
co que é ainda injustamente considerado infe- consciência feminista das primeiras vagas con-
rior” [pp. 11-12]. Os seus defeitos, dos menos aos temporâneas, as de Oitocentos e da primeira me-
mais divulgados, como frivolidade, ciúme e bea- tade do século seguinte, somente o de August Be-
tice [pp. 73-83], devem ser encarados com to- bel, Die Frau in der Vergangenheit, Gegenwart
lerância, não só porque tolerante é a sociedade und Zukunft (1879), é citado na versão portu-
para com as “fraquezas” masculinas mas também guesa. Essa obra, de um dos fundadores e diri-
porque é o homem o principal responsável pela gentes da social-democracia alemã e da II In-
situação a que está constrangida. Destaca a ternacional, marca o livro de Áurea mais a
arma da infantilização para situar a mulher como nível informativo – nomeadamente todo o ca-
“menor”: “Tratam-na ainda hoje como uma pítulo V, “A mulher através dos tempos” [pp. 85-
criança a quem se perdoam algumas birras, mas 100] – do que teórico. A forma essencialista como
a quem não se dá a consideração devida às pes- são apreendidas as “naturezas” humanas origi-
soas adultas” [p. 12]. A naturalização das cate- na duas derivas neste texto. Uma é a pitada de
gorias binárias é constante e constata-se, por racismo observável na afirmação de que a mu-
exemplo, que “a mulher” é “mais fraca, mais sen- lher portuguesa tem “mais inteligência do que
sível, mais delicada” [p. 42] do que o seu par- as mouras e mais sensibilidade do que as outras”,
ceiro “homem” mas não lhe é inferior, isso nun- as “das raças do norte”, e por isso “compreen-
ca. Ao propor demonstrar o valor da mulher, e de melhor e sente mais os suplícios que in-
a justiça que lhe assiste de ter na vida direitos conscientemente lhe são infligidos” [p. 8]. A au-
iguais, dá largo destaque à memória daquelas que tora usa “inconscientemente” parecendo ex-
se notabilizaram por seus merecimentos [pp. 101- pressar que os cuidados diplomáticos nunca fi-
-127]. O “feminino” é percebido tão-somente zeram mal a ninguém, ainda para mais sendo fe-
como “diferente” e “complementar” do “mas- minista. Outra deriva é a pitada de pacifismo por
culino”. Por outro lado, outro motivo para a me- obra e graça da “salvadora”: “em a mulher par-
lhoria da situação do sexo desfavorecido é que ticipando, como deve, em todas as questões so-
não se vê “que o passado de escravidão da mu- ciais e políticas, e tendo de todas essas coisas ver-
lher tenha podido dar felicidade verdadeira ao dadeiro conhecimento, a guerra deixará de
homem e menos ainda à mulher” [p. 9]. Assim, existir. Não há dúvida que a mulher é muito mais
ela precisa de reabilitação tanto intelectual diplomata e sensível que o homem, e então ela
como moral e também de direitos, visto “que se saberá evitar esse monstro hediondo, esse abis-
lhe exigem deveres” [p. 8]. Esta afirmação remete mo medonho” [p. 160]. A tese é que a guerra não
para o lema do Conselho Internacional das se coaduna nem com a sensibilidade “feminina”
Mulheres que havia sido fundado, em Was- nem com uma civilização em que a Ciência de-
hington (1888), no 40.o aniversário da Seneca monstra o valor da vida. O enfoque é pessoal, he-
Falls Declaration, embora a importância mate- donista, existencial, sem nenhuma consideração
rial e psicológica do associativismo seja uma das crítica sobre as bases da sociedade e os interes-
lacunas desta obra em que nunca são referidas ses belicistas. Tal como aconteceu com a maio-
AUR 128

ria das feministas que antecederam as das ge- 1885-1886, conjuntamente com a irmã Laurin-
rações de 1860, 1870 e seguintes, Áurea mostra- da, passando no ano seguinte para a Escola Mé-
se mais à vontade em Coração e Virtude do que dico-Cirúrgica. A imprensa, atenta às novidades
no Corpo. De forma banal, os temas fraturantes da sociedade portuguesa, não deixou passar um
(na sociedade e entre as próprias feministas) so- acontecimento que comporta excecionalidade.
bre orientação sexual, contraceção, aborto e ou- Assim, O Ocidente, na sua edição de 1 de julho
tros estão omissos. Porém, tem um brevíssimo de 1888, referindo os nomes de Aurélia e Lau-
apontamento, invulgar (sobretudo) no Portugal rinda de Moraes Sarmento como estudantes da
da sua época, em que discorda que só a alma te- Escola Médico-Cirúrgica do Porto, acrescenta:
nha valor e o “ato carnal” pouco valha: “Ora pela “As jovens alunas fizeram exame do segundo ano
nossa maneira de ver, nem tanto ao mar nem tan- de medicina e ficaram plenamente aprovadas.
to à terra, mas dando o devido desconto é real- Deste modo o Porto terá dentro em pouco duas
mente belo…” [p. 29]. Áurea Paes Falcão con- médicas, como é já coisa de há muito corrente
seguiu arranjar editora para todas as suas obras nos Estados Unidos” [p. 151]. Aurélia con-
exceto para este texto feminista. O qual é uma cluiu, a 9 de novembro de 1891, o curso de Me-
“Edição da Autora” muitíssimo modesta, na qua- dicina, após “aprovação plena” na sessão do “Ato
lidade do papel e da impressão, em que as gra- grande”, ao defender a tese Higiene da primei-
lhas são mais do que muitas. ra infância. Tornou-se uma das primeiras mé-
Da autora: A minha Infância, Lisboa, Artur Brandão &
dicas portuenses, juntamente com a sua irmã
C.a, 1928; Papoilas (Contos alentejanos), Lisboa, Casa Edi- Laurinda e Maria Leite Paes Moreira*, colegas de
tora Gonçalves, 1934; Pela Mulher, Lisboa, edição da au- curso, engrossando o grupo das mulheres pio-
tora, 1938; Entre Searas e Montados – Novela regional neiras no exercício da Medicina em Portugal. Ter-
alentejana possivelmente aproveitável para um filme, minado o curso, abriu consultório com a irmã
Montijo, Gazeta da Sul Editora, 1941.
[M. F. R.] (Rua do Almada, n.o 579), orientando a prática
clínica para as “doenças de senhoras e crianças”
Aurélia de Moraes Sarmento e serviço de partos. Candidatou-se em 1894, con-
Segunda filha de Anselmo Evaristo de Moraes juntamente com a irmã Laurinda, a um lugar de
Sarmento e de Rita de Cássia Oliveira, nasceu a clínica auxiliar no Hospital de Santo António,
4 de junho de 1869, na cidade do Porto. O seu o qual foi preenchido pela sua ex-colega e tam-
pai, oriundo duma família aveirense de tradições bém concorrente Maria Paes Moreira. Apesar do
liberais, além de proprietário da Tipografia Im- recurso interposto pelas manas Moraes Sarmento,
prensa Portuguesa, fundou e dirigiu periódicos, o lugar veio a ser desempenhado por aquela mé-
participando ativamente na Gazeta Literária do dica. Sabe-se que Aurélia casou em 1900 com o
Porto (1868), A Atualidade (1874-1891) e A Ideia descendente do famoso ator italiano Salvini, Jú-
Nova – diário democrático (1891-1892), afirmou- lio Gustavo Romanoff Salvini, tendo tido três fi-
se, ainda, como crítico de literatura. Aurélia cres- lhos, Anselmo, Aurélia e Julieta.
ceu num ambiente familiar marcado por ideais Da autora: Higiene da Primeira Infância, Porto, Imprensa
políticos democráticos, o que lhe proporcionou Portuguesa, 1891.
Bib.: C. Santos, A Mulher e a Universidade do Porto. A
a convivência com prestigiados vultos do meio propósito do centenário da formatura das primeiras mé-
cultural da época, os casos de Antero de Quen- dicas portuguesas, Porto, Universidade do Porto, 1991.
tal, Camilo de Castelo Branco, Eça de Queirós, [M. J. R.]
Oliveira Martins, Ramalho Ortigão e Teófilo Bra-
ga. Do seu pai deve ainda ser dito que apostou Aurélia dos Santos
na educação dos cinco filhos que teve, não dis- Cantora. Estreou-se a 25 de outubro de 1881 no
criminando as quatro raparigas, tirando todos eles Teatro do Príncipe Real, no Porto, no papel de
um curso superior. Aurélia, assim como as “Fiametta”, de A Mascote, ópera cómica em 3
suas irmãs Laurinda* e Guilhermina*, cursou Me- atos, de Chivot e Doru, tradução de Eduardo Gar-
dicina, Rita* formou-se em Engenharia Civil e Joa- rido, música de E. Andran. Cantava bem, tinha
quim diplomou-se em Direito. Fez os estudos li- excelentes recursos vocais e naquele teatro teve
ceais recebendo lições particulares e candidatou- um longo repertório sob a direção do maestro
se aos exames no Liceu Central do Porto, tal como Francisco Alves Rente, evidenciando-se em
as irmãs. Com 16 anos de idade, ingressou na Noite e Dia, opereta em 4 atos, tradução de Eduar-
Academia Politécnica do Porto, ano letivo de do Garrido e Carlos Leoni, e Bocácio, ópera có-
129 AUR

mica em 3 atos, traduzida por Eduardo Garrido, média em 1 ato, de P. Ferrier, tradução de Jaime
ambas com música de Frédéric Suppé; A Bilha de Séguier, em benefício da Associação de Im-
Quebrada, comédia de Heinrich Kleist; nas ópe- prensa. Em 1912, fez parte do elenco da Com-
ras cómicas A Filha do Tambor Mor, em 3 atos, panhia de Leopoldo Frois, em digressão pelas
tradução de Sousa Bastos, música de Offenbach; Ilhas dos Açores.
Dragões d’El-Rei, em 5 atos, tradução de Eduar- Bib.: Francisco António de Matos, “Aurélia dos Santos”
do Garrido e Francisco Palha, música de José Ro- [c/fot.], O Recreio, Lisboa, 21.a série, n.o 20, 21/12/1896,
gel; nas operetas Os Sinos de Corneville, em 3 atos pp. 305-306; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trin-
e 4 quadros, de Clairville e Gabet, tradução de dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
Eduardo Garrido, música de Planquette, Princesa nicipal de Lisboa, 1967, p. 396; Mercedes Blasco, Memórias
de uma Actriz, Lisboa, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907,
das Canárias, de Lecocq, O Copo de Prata; e A p. 79; A Scena, Lisboa, n.o 60, 26/06/1898, e n.o 63,
Grã Duquesa de Gerolstein, ópera burlesca em 3 17/07/1898; O Palco, Lisboa, n.o 3, 05/02/1912, p. 40; “Tea-
atos e 4 quadros, de Henri Meilhac, tradução de tros – Foi neste dia…”, O Século, 25/10/1962, p. 4.
Eduardo Garrido, música de Offenbach. Dirigi- [I. S. A.]
da pelo maestro Domingos Ciríaco Cardoso
(1846-1900), continuou com muito êxito em Gi- Aurélia Vale
roflé-Giroflá, Coração e Mão, e O Moleiro de Al- Do Concelho de Vila Franca, foi presa devido
calá, zarzuela, arranjo de Eduardo Garrido. Foi à sua militância antifascista. Integrou, durante
para o Teatro da Trindade, onde brilhou em A as greves de 8 e 9 de maio de 1944, o Comité de
Mascote, peça em que se havia estreado. Em 1888, Greve da zona de Alhandra.
quando o Baquet ardeu, integrava o elenco da- Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
quele teatro nas peças Os Dragões de Villars, le- sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
tra de Lockroy e Cormon, música de Aimé sência, 2005; António Dias Lourenço, Vila Franca de
Xira. Um Concelho no País – Contribuição para a his-
Maillart, tradução de Gaspar Borges de Avelar e tória do desenvolvimento socioeconómico e do movi-
Jaime de Séguier, e na zarzuela Gran-Via. Passou mento político-cultural, edição da Câmara Municipal de
para o Teatro D. Afonso com Ciríaco Cardoso, que Vila Franca de Xira, 1995, pp. 246-250; Giovanni Ric-
levou à cena Carmen, de Bizet, cantada em por- ciardi, Soeiro Pereira Gomes, Uma biografia literária, Lis-
tuguês, e Aurélia cantou a parte de “Micaela”. En- boa, Editorial Caminho, 2000, pp. 159-160; José Pacheco
Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política, Vol. 2
trou, também, em Garra de Açor, Linda de Cha- – “Duarte”, o Dirigente Clandestino (1941-1949), Lisboa,
mounix, de Donizetti, Vale de Andorra, Freychutz Temas e Debates, 2001.
e Fra Diavolo. Voltou para a Companhia Alves [J. E.]
Rente até à morte deste, em 1891. Aurélia dos
Santos foi, então, contratada por Guilherme da Aureliana Teixeira Bastos
Silveira para uma digressão pelo Brasil, onde ob- Poetisa, pacifista e espírita. Eleita, em 1906, Vo-
teve muito sucesso. Adoeceu de febre-amarela e gal do Comité Português da associação La Paix
regressou ao país em 1892, ano em que foi con- et le Désarmement par les Femmes, aderiu, no iní-
tratada pela Empresa Ferreira para o Teatro cio da década de vinte, ao espiritismo filosófico,
Príncipe Real, do Porto. Esteve no Teatro da Ave- científico e experimental e fez-se sócia, em
nida para representar O Burro do Sr. Alcaide 1923, do Centro Espiritualista Luz e Amor*. Em
(1896), ópera cómica em 3 atos, de Gervásio Lo- 26 de fevereiro de 1921, já tinha participado na
bato e D. João da Câmara, música de Ciríaco Car- sessão de confraternização espírita que assinalou
doso, e A Lenda do Rei de Granada (1896), má- o enlace matrimonial de Cândido Guerreiro Xa-
gica de Joaquim Augusto de Oliveira, antes de in- vier da Franca, filho de Maria Veleda*, com Ar-
tegrar a Companhia de José Ricardo, no Teatro D. minda da Costa Pinto da Silva Guerreiro da Fran-
Afonso, do Porto, com a qual passou, em 1898, ca*, sobrinha de Maria Emília Marques*. Em 1923,
para o Teatro da Trindade, em Lisboa, onde in- o seu nome é citado a propósito de outras sessões
terpretou as reprises de óperas cómicas de Of- espíritas em que também esteve presente.
fenbach, Suppé e Planquette e foi particularmente Bib.: O Futuro, n.o 2, março, 1921, pp. 15-16, n.o 12, ju-
apreciada em Reino das Mulheres (1898), peça lho, 1923, p. 4, e n.o 2, Ano II, outubro, 1923, pp. 30-31.
fantástica em 3 atos, imitação de Sousa Bastos, [N. M.]
música coordenada por Freitas Gazul. Nesse ano,
integrou um grupo de atores da companhia do Aurora Celeste Dubini
Teatro D. Amélia que representou O Desquite, co- Atriz. Nasceu em Vilar de Maçada, Vila Real, a
AUR 130

13 de maio de 1897 e faleceu em 1962. Repre- Mocidade Portuguesa Feminina*. Em 1970, é uma
sentou comédias, operetas e revistas. Foi casada das pessoas que constituem o primeiro Grupo de
com o ator e ponto teatral Carlos Dubini. Estreou- Trabalho a quem foi confiada a missão de defi-
se no Teatro Águia de Ouro do Porto a 20 de ja- nir uma política nacional global acerca da mu-
neiro de 1910, na peça Casa de Orates, drama em lher, nomeado pelo então secretário de Estado do
3 atos, imitação de Rangel de Lima. Em 1918, en- Trabalho, Dr. Silva Pinto, e presidido pela Eng.a
trou na revista Terra e Mar, de Virgílio Pinheiro Maria de Lurdes Pintasilgo*. Recorde-se que ocor-
(Alfredo Cortez), música de Filipe Duarte, no Tea- ria desde a década anterior uma entrada maciça
tro Nacional do Porto. Em 1929, pertencia à Em- da mulher no trabalho, consequência da forte emi-
presa Teatral Ester Leão & Alexandre de Olivei- gração e da guerra de África. Aurora Fonseca de-
ra, que atuava no Teatro D. Maria II. Fez digres- sempenhou nessa altura ação relevante na or-
sões pelas províncias. Abandonou a cena ainda ganização e gestão de tal equipa. Em 1971 fez
muito nova e faleceu pouco tempo depois. igualmente parte do Grupo de Trabalho para a Par-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
ticipação da Mulher na Vida Económica e Social,
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 335; que sucedeu ao anterior, sob a mesma presidência
Luciano Reis, Divas do Teatro Português, Lisboa, Sete- e que apresentou atempadamente o relatório das
caminhos, 2005, p. 24. questões levantadas pela situação das mulheres,
[I. S. A.] propondo programas para a sua integração no de-
senvolvimento do país. Em outubro de 1973 foi
Aurora de Freitas criada a Comissão para a Política Social Relati-
Atriz. Declamava acentuando muito os “rr”. No va à Mulher*, e Maria de Lourdes Pintasilgo, sua
Teatro dos Recreios, entrou em A Vida de Um Ra- presidente, propôs à tutela a nomeação de Au-
paz Pobre (1881), drama em 5 atos e 7 quadros de rora Fonseca como Vogal a tempo inteiro, dadas
Octave Feuillet, tradução de Joaquim José Annaya, as “excecionais qualidades reveladas na cola-
e, no mesmo ano, em Suicídio, drama em 5 atos, boração inestimável que prestou ao Grupo de Tra-
de Paulo Ferrari, tradução de Delfim de Noronha balho para a Participação da Mulher na Vida Eco-
[pseudónimo de Guiomar Torrezão]. Tinha uns lin- nómica e Social”, a sua “longa experiência de con-
dos cabelos e, por isso, representou no Teatro do dição feminina em Portugal adquirida nos Ser-
Príncipe Real a mágica A Princesa dos Cabelos de viços Prisionais do Ministério da Justiça e nos ser-
Ouro (21/02/1884), de Eduardo Garrido, escrita viços de Ação Social deste Ministério [das Cor-
expressamente para ser representada por ela. Foi porações e Previdência Social]”, e ainda a ca-
para o Brasil e por lá ficou. pacidade de “captação das tendências recentes
relativas ao trabalho feminino”, sublinhando a
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis-
boa, Editorial Século, 1947, p. 104; Guiomar Torrezão, “inexcedível dedicação e zelo com que assegu-
“Teatro dos Recreios”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, ra o bom andamento das tarefas a que se dedica”.
01/01/1881, p. 2. Em 1975 passou a integrar a Comissão Instaladora
[I. S. A.] da Comissão da Condição Feminina (CCF), tu-
telada pelo Ministério dos Assuntos Sociais. To-
Aurora de Oliveira Fonseca mou então parte ativa nas acaloradas reuniões das
Aurora Fonseca, como era conhecida, nasceu a organizações não-governamentais de mulheres
18 de novembro de 1927 em Vila Nova da Ba- que haveriam de constituir mais tarde o Conse-
ronia, no Alentejo, filha de Joaquim Gomes lho Consultivo da CCF. Representou a tutela na
Fonseca e Isabel Oliveira Fonseca. Morreu num Comissão Interministerial do Horário de Traba-
lar de Montemor-o-Novo em 18 de janeiro de lho Nacional e na Direcção-Geral de Preços. Uma
2008. Solteira. Licenciada em Direito. Pertenceu vez institucionalizada a Comissão da Condição
à Ação Católica e a fé norteou a sua vida. Iniciou Feminina, foi integrada no quadro deste serviço,
a carreira na Função Pública, em 1953, como se- onde permaneceu até à aposentação. Especiali-
cretária da Cadeia Central de Mulheres em Tires. zada nas questões do trabalho das mulheres, re-
Em 1960 integrou os Serviços de Ação Social do digiu o primeiro projeto de diploma legislativo
Ministério das Corporações e Previdência Social, sobre a igualdade no trabalho e no emprego, pro-
sendo depois destacada para o respetivo Gabinete posto pela Comissão da Condição Feminina, e que
de Planeamento. Ainda nos anos 1960, foi “au- constituiu núcleo-base do Decreto-Lei n.o 392/79
xiliar do serviço de formação de dirigentes” da que originou a CITE (Comissão para a Igualda-
131 AUR

de no Trabalho e no Emprego), onde Aurora Fon- Aurora Dias Castro de Azevedo


seca representou a CCF durante muitos anos. Na Filha de José Raimundo de Azevedo e de Mar-
CCF criou o então chamado Gabinete de Aten- garida Dias de Castro, natural da freguesia da Sé
dimento, que consistia num serviço de infor- e moradora no Porto. Na altura em que concor-
mação e consulta jurídica, nas áreas da compe- reu ao lugar de professora ou de mestra auxiliar
tência da comissão, aberto ao público, inteira- do Liceu Secundário Feminino previsto ser
mente gratuito, a que acorriam sobretudo mu- criado no Porto, em 19 de março de 1890, era sol-
lheres e que foi um verdadeiro observatório da teira e tinha vinte e quatro anos de idade. Au-
real situação daquelas em Portugal: questões de rora Azevedo juntou no seu processo diversos
trabalho, de assédio sexual, de família, da dupla documentos, sendo um deles um recorte de jor-
tarefa, de violência contra as mulheres – ques- nal em que um pai lhe agradecia a boa instru-
tões para que a CCF foi das primeiras vozes a cha- ção que ministrara à sua filha. Apresentou tam-
mar a atenção – eram pacientemente ouvidas por bém um certificado do Liceu do Porto em como
Aurora Fonseca (e mais tarde por outras técni- fez exame de admissão aos liceus nacionais em
cas da CCF); foram, não raro, ponto de partida 12 de maio de 1879 e foi admitida com distin-
para ações de informação mais ampla e institu- ção, tendo tido 16 valores; outro de exame de Li-
cional ou de propostas de medidas que a co- teratura Portuguesa e de Francês em que foi apro-
missão veio a assumir. Aurora Fonseca dedicou vada, a 7 de agosto, sendo que, no segundo, apro-
sempre especial atenção a esta vertente do seu vou com distinção; um documento de 1888, pas-
trabalho, excedendo muita vez horários normais sado pelo Diretor do Colégio Pestalozzi, sendo
de serviço e envolvendo-se pessoalmente na re- referido o seu comportamento irrepreensível e
solução de problemas mais aflitivos. Além dis- cumprimento dos deveres. Aurora Azevedo in-
so, tomou parte em diversas instâncias interna- cluiu ainda no seu processo um atestado de bom
cionais: Bureau International du Travail, Comi- comportamento moral e religioso, da responsa-
té de Peritos do Conselho da Europa sobre a Dis- bilidade da freguesia do Senhor do Bonfim, um
criminação baseada no sexo, Comité para a certificado de robustez física datado de 20 de
Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Ho- março de 1890, certificados de bom comporta-
mens da CEE, OCDE, etc. Nos últimos anos da sua mento moral e civil passados pela Administra-
vida profissional, prestou grande atenção às ques- ção do Bairro Oriental do Porto e pela Comissão
tões das crianças, colaborando com o Instituto de da Câmara Municipal do Porto.
Apoio à Criança (IAC). Após a aposentação, em Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
dezembro de 1994, recebeu um louvor público – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
no Diário da República, evidenciando a sua “gran- [A. C. O.]
de competência e empenhamento no trabalho”
[DR de 14/02/1995]. O Presidente da República Aurora Fernandes David
condecorou-a no Dia Internacional da Mulher de Nasceu em 1 de janeiro de 1909 e faleceu a 1 de
2000 com o grau de Grande-Oficial da Ordem do outubro de 1978, com 69 anos de idade. Mem-
Mérito “pela meritória ação desenvolvida em prol bro da equipa fundadora da Ação Católica Fe-
das mulheres e das crianças, designadamente ao minina em Portugal, Comissária Nacional Adjunta
nível da informação e da adaptação do sistema da Mocidade Portuguesa Feminina*. A mais nova
jurídico”. de duas irmãs, com apenas uma diferença de onze
Da autora: Guia dos Direitos das Crianças para o IAC, meses de Aida Cardigos*. Embora com vocações
que o editou em 1989, com abertura de Manuela Ramalho muito diferentes, foram tão unidas que é difícil
Eanes e introdução de Armando Gomes Leandro; Direitos escrever sobre uma sem referir a outra. Nasceram
Fundamentais – Direitos das Mulheres, Lisboa, CIDM, e viveram os anos de estudo em Lisboa, na zona
1994; A Convenção dos Direitos da Criança [ed. lit.] de de Campo de Ourique. A mãe morreu em 1914
Aurora Fonseca, revista e atualizada por Dulce Rocha
e Carla Fonseca, [Lisboa], Civitas, D.L. 1999. e o pai, João Fernandes David, militante repu-
Fontes: Arquivo da CCF/CIDM/CIG e memórias pessoais. blicano, anticlerical, não permitiu que fossem ba-
Bib.: Marcelo Rebelo de Sousa, Baltazar Rebelo de Sou- tizadas e facultou-lhes uma sólida educação lai-
sa – Fotobiografia, Venda Nova, Bertrand Editora, ca. Procurou mantê-las juntas na mesma classe,
1999, pp. 307-8; Irene Flunser Pimentel, História das Or-
ganizações Femininas no Estado Novo, Rio de Mouro,
nos anos de escola, e, sendo homem de poucos
Círculo de Leitores, 2000, p. 245. e tardios estudos e de poucos meios, empenhou-
[M. R. S.] -se duramente para que tivessem acesso ao ensi-
AUR 132

no superior. Também não descurou prepará-las to da Ação Católica, conviveu de perto com Ma-
para defender a jovem República, fazendo mes- ria Alexandra Almeida Eusébio (fundadora da Es-
mo questão que se graduassem ainda adolescentes cola Avé Maria), diretora do jornal da JUCF Uni-
como atiradores civis. Aurora cresceu com uma versitárias entre 1941 e 1944, e com Ilídia Duar-
profunda devoção pelo pai, deixando guardados te Ribeiro, médica e dirigente de prisões femi-
todos os seus papéis, entre os quais se encontrava ninas, redatora do mesmo jornal entre 1941 e 1942
averbada, no “diploma de funções públicas”, uma [o número de julho da revista reflete bem a ami-
declaração do parlamento reconhecendo João Da- zade e ideal de missão que as unia]. Estas ativi-
vid “Cidadão Benemérito da Pátria, pela sua con- dades na Ação Católica Feminina acompanharam
tribuição para a implantação e defesa da Repú- a sua profissão de professora: de 1934 a 1938, no
blica”. Aurora sentiu-se sempre profundamen- Liceu de Faro; depois, durante um ano, no Liceu
te republicana, quanto mais não fosse por respeito de Setúbal (onde foi professora de Sebastião da
pelos gestos e convicções de seu pai. Nos últimos Gama, que lembrava com carinho). A partir de
anos do liceu teve papel relevante na conversão maio de 1939, Aurora David foi destacada pelo
das duas irmãs Aida Gomes da Conceição, colega ministro Carneiro Pacheco, e, por sugestão do car-
e amiga, também ela uma convertida (mais tar- deal patriarca de Lisboa, como secretária do Co-
de a primeira diretora do Instituto de Odivelas, missariado Nacional da Mocidade Portuguesa Fe-
escola do ensino secundário para filhas de ofi- minina (MPF), fundada no ano anterior, no sen-
ciais das Forças Armadas). O percurso de con- tido de aproveitar a sua vocação para transformar
versão de Aurora David foi também acompanhado em fervor cristão o zelo político e patriótico da-
por Manuel Duque Vieira, colega de faculdade. quela organização do Estado Novo. Foi-lhe en-
Foram batizadas em 1929, ambas no mesmo dia. comendada, também por Carneiro Pacheco e pelo
A partir de então as suas vidas tomaram rumos cardeal Cerejeira, a formulação de um catecismo
diferentes, embora se tivessem mantido sempre para a infância, que veio a ser integrado nos li-
muito unidas. Aurora licenciou-se em Filologia Ger- vros da instrução primária dos anos 1940, in-
mânica e Aida em Ciências Histórico-Geográfi- formação que consta do texto da proposta da Co-
cas. Aida casou-se com Norberto Cardigos dos menda da Instrução Pública, de 1969. O serviço
Reis, colega de curso e manifestamente de es- docente, que Aurora muito amava e que deixou
querda. Por seu lado, Aurora rompia o noivado boa memória entre os seus alunos, passou a ser
com Duque Vieira para se entregar inteiramen- exercido intermitentemente (entre 1940 e 1942
te ao serviço da Igreja, ingressando como pos- na Escola Patrício Prazeres e, em 1945-1946, no
tulante, em outubro de 1933, na Sociedade das Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho), vindo a ser
Filhas do Coração de Maria (Filles de Marie), uma definitivamente interrompido quando, em 1947,
congregação religiosa cuja presença em Portugal Aurora foi integrada no corpo dirigente da MPF,
datava do ano anterior. Face a um convite do car- de que era comissária nacional Maria Baptista dos
deal Cerejeira [depoimento de religiosas da So- Santos Guardiola. Em 1948, foi nomeada co-
ciedade das Filhas do Coração de Maria],aceitou missária nacional adjunta da MPF, cargo que exer-
deixar as Filles de Marie e ser reencaminhada para ceu até à sua exoneração em 1968. Em 1969, foi
as Auxiliares do Apostolado, ordem laica de- condecorada com a Comenda da Ordem de Ins-
pendente do patriarcado. Foi um passo penoso, trução Pública pelo trabalho realizado na MPF
dado por espírito de obediência. O cardeal Ce- [grau de comendador, alvará de 17/01/1969, saí-
rejeira fora já antes instrumental na definição da do no D.G. de 28/02/1969], cuja proposta men-
vocação de Aurora, quando abraçou a congre- ciona “uma doação total aos problemas da ju-
gação das Filles de Marie [declaração escrita em ventude” e iniciativas como a criação de campos
francês de uma dessas religiosas, sua contem- de férias, tendo dirigido em 1942 o primeiro para
porânea]. Em 1934, foi nomeada presidente ge- filiadas universitárias daquela organização. A sua
ral da Juventude Escolar Católica Feminina integridade, a aura de doçura e sensibilidade, a
(JECF) [Boletim da Ação Católica Portuguesa, Ano discrição e sensatez com que sabia ouvir as pes-
I, junho, 1934, n.o 2, p. 80] e fundou, em janei- soas, resolvendo dificuldades e transformando
ro desse ano, o jornal mensal da JECF Ao Largo, situações, são sempre referidas pelas pessoas que
de que foi editora até julho, altura em que foi no- com ela lidaram no âmbito das funções que de-
meada presidente geral da JUCF [Ao Largo, de- sempenhou – nomeadamente Maria de Lourdes
zembro de 1938, Ano IV, n.o 53, p. 4]. No âmbi- Belchior* e Maria de Lourdes Pintasilgo* (no tra-
133 AUR

balho de Igreja). Maria Ana da Luz Silva, poste- ções laicas; entre o respeito e preocupação pela
rior comissária nacional da MPF, fala dela como res publica (de que era devedora ao pai) e, nos
de alguém que transmitia a presença de Deus sem últimos anos de vida, o ter vindo a ser excluída
quase nunca falar dele, acrescentando, por ou- do direito cívico de votar; entre a escolha do ce-
tro lado, que ela era como “um cavalinho fogo- libato para inteira entrega a Deus e os cinco fi-
so mas domado por Deus” [depoimento em en- lhos da irmã, que criou e educou com uma de-
trevista gravada em 19/01/2007]. Maria Joana Emi- dicação profundamente maternal – Aurora es-
liano, que veio a ser a última comissária nacio- colheu abdicar dos seus gostos pessoais e acei-
nal e antes trabalhara com Aurora durante 14 tar as soluções que entendeu serem a vontade de
anos, refere a sua “simplicidade, afabilidade, de- Deus. O nosso consenso como seus sobrinhos é
licadeza, suavidade, compreensão, sentido con- o de termos tido nela uma outra mãe, sempre pre-
ciliatório e piedade profunda e discreta” [de- sente connosco, quer junto da irmã, quer subs-
poimento autógrafo e entregue pela própria na en- tituindo-a nos anos em que esta esteve ausente
trevista para este artigo], relatando também uma (em sanatórios ou em Lourenço Marques, onde
ocorrência reveladora da integridade que estava o marido lecionou). Nesses anos e sempre, a “Na-
na raiz das qualidades que lhe atribuía. Como nita” foi uma bênção muito especial na vida de
membro do Comissariado Nacional, Aurora par- cada um de nós, que nos marcou profundamente
ticipara na recolha de documentação relativa aos e àqueles que dela nos vieram dando testemunho.
movimentos de juventude europeus, no âmbito [A, G., I. e J. D. C. R.]
de um estudo para a remodelação da MPF, para Aurora Silva
o que se deslocou a Madrid e a Paris em fevereiro Em 1915, integrada na companhia do Eden –
de 1965. Aurora e a comissão do referido estu- Teatro de Lisboa, foi ao Teatro Sá da Bandeira
do, de que Maria Joana era presidente, foram unâ- do Porto cantar na opereta italiana Amor de Más-
nimes em que “era necessária uma renovação que cara, de Carlos Zangarini, tradução de Acácio
consistiria em colocar os jovens a construir o seu Antunes.
próprio movimento”. O relatório redigido nestes
termos – manifestamente opostos ao discurso po- Bib.: “Teatros – foi neste dia...”, O Século, 13/03/1956,
lítico de então – foi proposto à aprovação da co- p. 7.
missária nacional, que se recusou a assiná-lo. As- [I. S. A.]
sim, por vontade dos subscritores e com o as-
sentimento de Aurora como comissária adjunta, Aurora Videira
o relatório foi entregue ao ministro Inocêncio Gal- Republicana. Segundo Fina d’Armada, foi uma
vão Teles em julho de 1965, sem a assinatura de das seis mulheres a assinar, em Luanda, o “Auto
Maria Guardiola [declaração de Maria Joana Emi- de Reconhecimento da Bandeira da República
liano em entrevista feita em sua casa, em Portuguesa”, o qual teve lugar no Palácio do Go-
22/01/2007] – atitude considerada temerária verno a 9 de outubro de 1910.
nesse tempo. A remodelação da MP e MPF fei- Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
ta em 1966 pelo MEN, que lhes retirou muitos dos das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011.
poderes [Decreto-Lei n.o 47.311, de 12/11/1966], [J. E.]
vem a refletir, de algum modo, o conteúdo da-
quele relatório. Com a extinção da MPF após o Ave Azul
25 de Abril, Aurora David foi sacrificada ao es- Em 15 de janeiro de 1899, saiu o primeiro número
pírito dos novos tempos, tendo sido impedida de desta “Revista d’arte e crítica” publicada em Vi-
votar: uma exclusão da participação na demo- seu e impressa na Tipografia da Folha. Beatriz Pi-
cracia que sentiu como (e indubitavelmente nheiro e Carlos de Lemos, um casal de professores
era) incompreensível e injusta. Também não foi residente na referida cidade, foram os seus di-
compreendido o seu papel moderador, que fez a retores. Editava-se com periodicidade mensal, à
diferença entre o perfil político e militarizante da exceção dos fascículos de janeiro e fevereiro, ju-
MP e a devoção religiosa e humanista da MPF nos nho e julho, agosto e setembro, outubro e no-
anos do Estado Novo. Nas contradições que di- vembro de 1900, que saíram bimestralmente. No
vidiram a sua vida – entre um pai ateu e a sua formato de 23 cm, a folha de rosto, no canto su-
vocação religiosa; entre o desejo de professar e perior esquerdo, representava uma andorinha, se-
a aceitação de um dever que a manteve em fun- gurando no bico o lema latino “aethere puro”. De
AVE 134

início, a redação e a administração estiveram se- tas famílias, monopoliza-o o homem, num egoís-
diadas na Praça Luís de Camões, em Viseu. Mas, mo feroz” [p. 450]. De conteúdo idêntico ao ex-
a partir do n.o 6 da 1.a série, mudaram-se para a certo acabado de reproduzir, já Beatriz Pinheiro,
Rua de D. Duarte, 65, na mesma cidade. As con- na “Crónica” do n.o 8, de 1899, perguntara
dições de assinatura eram as seguintes: em Por- “Com que direito faz o homem monopólio de to-
tugal e Espanha, cada série custava 2$000 réis e dos esses cargos [médicos, advogados, enge-
mais um tostão para o porte do correio, fora de nheiros] e condena a mulher à miséria ou à ver-
Viseu; nos Países da União Postal, vendia-se a 10 gonha, não a chamando a partilhar como sua es-
francos; no Brasil, a 12$500 réis fracos; nas Pro- posa do pão e dos confortos assim adquiridos?”
víncias Ultramarinas, 2$500 réis. O número [p. 325]. Com o pretexto de uma suposta infe-
avulso ficava a 200 réis. O periódico conheceu rioridade intelectual feminina, ministrava-se à
duas séries: doze fascículos no ano de 1899, num mulher uma educação superficial e rotineira de
total de 576 páginas; doze fascículos no ano de forma a que ela não pudesse concorrer com o ho-
1900, totalizando 720 páginas. Contou com co- mem em termos laborais. Os meios que se de-
laboradores e colaboradoras de nomeada. Entre veriam fornecer ao sexo feminino para que esti-
os primeiros, cite-se Afonso Lopes Vieira, Camilo vesse à altura da sua missão de educadora eram
Pessanha, Eugénio de Castro, João Correia de Oli- o trabalho e a instrução. Aí, residia “a sua carta
veira, Paulino de Oliveira (marido de Ana Cas- de alforria contra a miséria e contra a prostitui-
tro Osório) e Severo Portela. Quanto às segundas, ção”, afirmava Beatriz Pinheiro [“Crónica”, n.os
aponte-se os nomes de Amélia Janny, Ana de Cas- 1 e 2, 1900, p. 8]. Carlos de Lemos e a mulher de-
tro Osório, Florência de Morais, Maria Veleda*, sencadearam uma polémica sobre o feminismo
Sofia da Silva e Teresa Luso. Também do es- nas páginas da revista: ela, com Sousa Sampaio;
trangeiro, recebeu colaboração distinta. “Cróni- ele, com o padre Sena Freitas. Beatriz Pinheiro
ca” assinada por um ou outro dos dois diretores, respondeu ao primeiro – “não fiz feminismo; fiz
“Sala de visitas”, “Artes e letras”, “Revista das humanitarismo simplesmente” [“Crónica”, n.o 11,
revistas”, “Portugal lá fora”, “Registo bibliográ- 1899, p. 497]. E, no mesmo artigo, aproveitava
fico”, “Carteira de Ave Azul” e “Galeria femini- para explicar o que pretendia o feminismo – “pôr
na” (a partir de maio de 1899) constituíam as ru- a mulher em condições de viver dignamente na
bricas habituais. Carlos de Lemos, no número sociedade, por meio do seu trabalho, sem precisar
inaugural, anunciava o que seria a nova publi- de um homem que a mantenha” [p. 500]. A po-
cação – “pura e simplesmente, uma revista de arte lémica aberta entre Carlos de Lemos e Sena Frei-
e crítica: mais nada. Nas suas páginas se reco- tas envolveu, entre outros jornais, A Tribuna e o
lherão versos, quanto possamos, bons; prosas, Mundo Católico. O diretor de Ave Azul não pre-
quanto possamos, corretas; e, […], para não abor- tendia a masculinização da mulher, ao contrário
recer demasiado, umas notas de Estética, ligei- do que o padre Freitas e a própria Igreja recea-
ras, comezinhas, ao alcance de todos, de pura vul- vam: “A emancipação da mulher não tem em
garização” [n.o 1, 1899, p. 5]. Pelo que ficou dito, mira o predomínio da mulher sobre o homem;
não se pode considerar Ave Azul como um pe- tem simplesmente em vista a sua equivalência de
riódico feminino. Contudo, “pugnou o melhor direitos e de deveres: nada mais”, explicava Car-
que soube e pôde pela emancipação da mulher, los de Lemos [“A emancipação da Mulher”, n.o
ou seja: pela sua instrução e educação, de forma 10, 1899, p. 474]. Em suma, as teses feministas
a ela se tornar, como deve ser e Deus a destinou perfilhadas pela revista assentavam em duas pre-
que fosse, verdadeira mãe, portanto – conselheira missas essenciais. Mulheres e homens eram su-
e guia – das futuras gerações” [“Crónica”, n.o 12, jeitos de iguais direitos e deveres. A autonomia
1900, p. 659]. Dessa “pugna” se encarregaram Bea- feminina só seria atingida quando as mulheres
triz Pinheiro e Carlos de Lemos. Maria Veleda pudessem ter acesso à instrução e ao trabalho, ou
acompanhou-os com o texto “A emancipação fe- seja, quando o universo masculino deixasse de
minina” [n.os 8 e 9, 1900, pp. 449-452], defen- temer a concorrência da outra metade da Hu-
dendo a “necessidade imperiosíssima” da edu- manidade. Em dezembro de 1900, saiu o último
cação da mulher. Em seu entender, “A ilustração número de Ave Azul, após dois anos ininterruptos
feminina em Portugal é ostentação e nada mais”, de existência. Segundo os diretores, era “força-
sem ter em vista qualquer objetivo útil, dado que da a interromper […] a sua publicação, a fim de
“O trabalho honesto, que seria a honra de mui- se preparar para nova e mais longa viagem” [n.o
135 AVE

12, 1900, p. 657]. O certo é que, lamentavelmente,


foi uma “viagem” sem retorno.
[M. E. S.]

Avelina Correia Pereira


Republicana e espírita. Militou na Liga Repu-
blicana das Mulheres Portuguesas e, em 1919,
era assinante da revista A ASA, órgão do Cen-
tro de Propaganda Sociológica e das Ciências Psí-
quicas Luz e Amor*, fundada e dirigida por Ma-
ria Veleda*. Em 1921, contribuiu para a Caixa
de Assistência aos Necessitados do Centro Es-
pírita de Braga, fundado em 1917. Em 1929, per-
tencia aos Corpos Sociais do Centro Espírita “Re-
flexos da Verdade”, de Beja, onde residia, de-
sempenhando as funções de secretária.
Bib.: A ASA, n.o 7, julho, 1919; Luz e Caridade, janei-
ro, 1922, p. 200; O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-
abril, 1929, p. 5.
[N. M.]
B
Bárbara da Conceição Aldeia, naquele teatro, quando ali era ensaiador
Atriz. Irmã de Emília dos Anjos*, nasceu por vol- Romão António Martins, sendo bastante apre-
ta de 1850 e faleceu a 6 de agosto de 1863, aos ciada pela crítica. Convidada a escriturar-se, não
13 anos, cerca de dois anos depois de iniciar a aceitou as condições desvantajosas e preferiu in-
carreira artística. Salientou-se por ser muito tegrar elencos de sociedades e de teatros parti-
bonita e talentosa. Estreou-se no velho Teatro da culares, entre eles os de Alhandra e Inglesinhos.
Rua dos Condes, em 1861, nos entreatos de Al- Em 1866, foi contratada pela Empresa de César
cântara Chaves, Querem ser Artistas e Mudan- Lima, que explorava o Teatro do Príncipe Real,
ça de Posição, contracenando com o ator Eduar- distinguindo-se na mágica Princesa dos Cabe-
do, conhecido por Soares Franco, que faleceu los de Ouro, de Eduardo Garrido, e no ano se-
pouco tempo depois dela. guinte entrou para o Teatro da Rua dos Condes
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis- a convite da Empresa José Romano & Vilar Coe-
boa, Editorial “O Século”, 1947, pp. 83-84. lho, ali se estreando no papel de “Calypso” de
[I. S. A.] Jovem Telémaco, zarzuela de Eusebio Blasco,
adaptada por Eduardo Garrido, sendo bem aco-
Bárbara Gomes lhida pelo público. Na época seguinte, passou
Pseudónimo de Maria da Graça Monteiro Pina para a Empresa Bramão, no Teatro das Varieda-
de Morais*. des, cantando papéis principais em vaudeville,
e tomou parte num quarteto da opereta Cara-
Bárbara Leal cotchim, música de Bela Helena, em que subs-
v. Bárbara Maria Cândida Leal tituiu, admiravelmente, a letra e o canto das ou-
tras vozes que se tinham calado por troca de com-
Bárbara Mafra Volkart passo, logo no início do trecho. Apesar do
Cantora de opereta e atriz, mais conhecida por embaraço, o público aplaudiu ruidosamente a
“Atriz Bárbara”. Nasceu em Lisboa, a 20 de mar- atriz. Depois de acabar a época nesta empresa,
ço de 1848, e faleceu em Benguela, Angola, a 20 Bárbara foi em digressão pelas províncias,
de julho de 1935. Filha de Eugénia de Sousa Ma- numa companhia composta pelos seus irmãos
fra e de um modesto ator, de quem não se sabe José e Silvéria e mais alguns artistas, enchendo
o nome, nem em que teatros representou e que as salas em Coimbra, Figueira da Foz, Chaves,
faleceu deixando a família em precárias condi- Vila Real, Santarém, Portalegre, Elvas e Olivença.
ções económicas. Bárbara, de 5 anos, e os cin- Durante a digressão, conheceu João Volkart
co irmãos, entre eles Luísa Mafra*, Silvéria (1843-1878), empresário e escritor dramático, que
Mafra Soler*, José Mafra e Maria da Glória, sen- tinha sido secretário de Thomas Price (do circo
do ainda, possivelmente, familiar de Carlota Ma- equestre e ginástico Price), com quem casou, em
fra*, eram conhecidos como os “filhos da viúva” Vila Real, no ano de 1871. No regresso, voltou
no meio teatral que os chamava para figurações, para o Teatro do Príncipe Real, onde se consa-
permitindo-lhes, assim, angariar algum dinhei- grou no género de “característica” no drama José
ro para suavizar a miséria em que se encontra- do Telhado, que se representou em seu benefí-
vam. A carreira artística acabou por se tornar no cio, e fez, em travesti, o papel de “Luís Sousa”
objetivo de todos os irmãos, embora só Bárbara na comédia O Lanceiro, de Annaya. Nas épocas
se evidenciasse. Começou como amadora no tea- de Verão, incorporava companhias de outros tea-
tro particular dos Inglesinhos, situado num tros ou fazia digressões às províncias e ao Brasil,
pátio junto à Igreja dos Ingleses, em Lisboa. Em sendo a primeira em 1873/74, com a companhia
1860, entrou para a aula de canto do Conserva- do ator Vale. Por volta de 1873, ingressou no Tea-
tório Real e trabalhou como corista no Teatro do tro D. Maria II, a convite da Empresa Santos &
Ginásio. Desistiu das aulas ao fim de três anos, Ca., e por lá ficou durante três anos, represen-
por sofrer de uma doença de olhos. Pouco tem- tando com todo o êxito as comédias em 1 ato
po depois, foi chamada a substituir a atriz Ma- Cena das Cenas, No Quinto Andar, Os Sabi-
ria José Noronha* na comédia O Bom Prior da chões, sátira à Geração de 70, de Ernesto Bies-
BAR 138

ter; os papéis de “velha” em Madalena, drama cada de uma já representada, havia muitos
em 5 atos de Ferreira, “regateira”, em A Caridade anos, com o título A Água das Caldas. Fez Tor-
(1875), de Costa Cascais, em que se defendia a re de Babel e as comédias O Botão das Calças
roda dos enjeitados, “marquesa de Carmelo”, em (1884), Sua Excelência (1884), em 3 atos, de Ger-
Claudia, original de Georges Sand, “velha Fro- vásio Lobato, As Rédeas do Governo (1885), imi-
chard”, em Duas Órfãs, dramalhão de Adolph tação de Rebelo da Silva, Um Marido para duas
d’Ennery traduzido por Ernesto Biester, Tartu- Mulheres (1886), em 2 atos, de Carlos Borges, Ver-
fo, tradução em verso do visconde de Castilho. dadeira Nobreza (benefício, 1887), de Scribe, Três
Em 1876, a exploração do teatro foi adjudicada Mulheres para Um Marido (1887), em 3 atos, de
à Empresa Biester, Brazão & Ca. e Bárbara Grenet-Dancourt, tradução de Gervásio Lobato,
acompanhou a nova Empresa Santos & Pola para Danado (festa artística, 1887), em 3 atos, de Louis
o Ginásio, onde esteve até ao fim de junho de Bataille e Henri Fengere, tradução de Carlos Lo-
1877, interpretando, brilhantemente, os papéis pes; entrou em Durand & Durand (1886); criou
de “Cavalheiro de Jaucourt”, no Laço de Fita, “a “Marta Strogoff”, de Miguel Strogoff (1887), dra-
velha” de A Moda, travesti na Ingénua e “D. Iria” ma em 5 atos, de Júlio Verne e Adolph d’Enne-
em Saltimbanco (1877), drama em 4 atos de An- ry, tradução de Carlos de Moura Cabral, Jucun-
tónio Enes. Em setembro desse ano, foi para o da (1889), comédia em 3 atos, de Abel Botelho,
Teatro da Rua dos Condes, onde permaneceu até “mulher do conselheiro Faustino”, em O Co-
1880, representando os dramas O Correio de Lião missário de Polícia (1890), em 3 atos, de Gervásio
(1878), em 5 atos e 7 quadros, adaptado por Sal- Lobato, e “D. Urraca”, de Em Boa Hora o Diga
vador Marques, Louco de Évora (1879), patrió- (1891). Foram grandes êxitos as suas participa-
tico em 5 atos de João Ferreira da Cruz, e O Es- ções nas comédias O Sr. Ferrugento, Os Primos
pelho da Verdade (1880), peça fantástica em 4 de Minha Mulher (1894), em 1 ato, de Ramiro
atos, arranjo de Augusto Garraio. Nesse ano, en- Blanco, tradução de Leopoldo de Carvalho,
trou para o Teatro do Ginásio, na Empresa José Amor... e Banhos de Chuva (1895), em 3 atos, de
Joaquim Pinto e, sob a direção de Leopoldo de Jerónimo Marini e Achilles Tedeschi, tradução
Carvalho, progrediu ao ponto de ser considera- de Pin-Sel [pseudónimo de Manuel Macedo], e
da uma das melhores intérpretes de comédias e os papéis de “Clotilde”, em Feixe de Nervos
farsas. Ali criou os papéis de “Madame de Saint- (1895), em 3 atos, de Rangel de Lima Júnior, A
Hermine” em Casamentos Ricos (1880), “Ama Madrinha de Charley (1895), e a principal figura
Joaquina” de Médico à Força, de Molière, tra- feminina de Hotel de Livre Câmbio (1896), am-
dução do visconde de Castilho, onde foi, segundo bas em 3 atos e traduzidas por Carlos de Mou-
Guiomar Torrezão, de “talento maleável e opu- ra Cabral, “Baronesa das Loisas” em Quem
lento de recursos, [que] deu um relevo cintilante Empresta Um Tio?, comédia em 3 atos, versão
ao personagem da ama”, interpretou papéis de de Eça Leal de L’Oncle Bidoucho (1896), origi-
responsabilidade em João, o Carteiro (1881), dra- nal de Henri Chivot, Albert Vanloo e Paul Rou-
ma em 5 atos e 7 quadros, tradução de Ferreira get, “Madalena”, em Cães e Gatos (1896), joguete
de Mesquita, Rosalino, comédia em 3 atos, tra- cómico em verso, em 1 ato, de D. José Estreme-
dução de Guilherme de Azevedo (Teatro dos Re- ra, tradução em verso de Libânio da Silva. Pro-
creios, 1881), e Divorciemo-nos, de Sardou, tra- tagonizou Carteira de D. Pepito (1896), peça tra-
dução de Pinheiro Chagas. Fez “D. Eustáquia” duzida por Leopoldo de Carvalho. Nesse ano, foi
de Marido no Campo (1882), comédia, e “Su- ao Real Coliseu de Lisboa cantar na estreia de O
sana” em A Casamenteira (1883), peça em 2 atos, Sr. Comendador Ventoinha, opereta de costumes
tradução de Gervásio Lobato. Foi em digressão populares, em 3 atos. No Ginásio, continuou nos
ao Brasil, numa companhia em que figuravam papéis de “Conceição”, em A Sra. Ministra
Beatriz Rente* e Maria das Dores*, representan- (1898), comédia em 3 atos de Eduardo Schwal-
do Princesa George, de Alexandre Dumas, filho, bach, “Carlota Maria”, em Pobreza, Miséria & Ca.
e Demi-Monde (1883), de Alexandre Dumas. A (1898), comédia em 1 ato de Eduardo Coelho;
28 de fevereiro de 1884 fez benefício, no Teatro protagonizou O Papá e Lebonard (1898), drama
do Ginásio, protagonizando a comédia em 3 atos em 4 atos, em verso, de Jean Aicard, tradução de
Cabeça de Vento, de Theodore Barrière e Ed- Manuel Penteado e Luís Galhardo. Em finais de
mond Gondinet, tradução de Gervásio Lobato, 1898, entrou para a Companhia Rosas & Brazão,
e a comédia em 1 ato O Sr. Amaral, peça reto- Empresa S. Luís de Braga que explorava o Tea-
139 BAR

tro D. Amélia e ali fez, além de peças do seu re- rográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático
pertório, as comédias Ministro das Águas Fur- e artístico, Vol. VII, Lisboa, João Romano Torres & Ca. Edi-
tores, 1915, p. 691; Gabriel Cláudio [Guiomar Torrezão],
tadas (1903), de Eduardo Coelho, ao lado do ator “Através dos palcos”, Diário Ilustrado, 10/01/1883,
Telmo, O Morgado de Fafe, em 2 atos, de Camilo 17/02/1883, 10/04/1883, 22/02/1884, 28/02/1884,
Castelo Branco, Ciumenta, em 3 atos, de Bisson 19/03/1884 e 18/04/1884; Gervásio Lobato, “A atriz Bár-
e Leclerq, tradução de Leopoldo de Carvalho, e bara”, O Recreio, Lisboa, 12.a série, n.o 9, 07/12/1891, pp.
183-185; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
Marianela. No Teatro dos Recreios, entrou em Vol. XXXVI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia,
Pim Pam Pum, revista original de António de p. 605; Guiomar Torrezão, “Teatro dos Recreios”, Ribaltas
Meneses. O Teatro do Ginásio não a dispensa- e Gambiarras, 1.a série, n.o 1, 01/01/1881, p. 2, e n.o 8,
va, tanto pelo talento como pela simpatia do pú- 19/02/1881; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a
blico, e, em 1904, quando o ator Vale o passou Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
Municipal de Lisboa, 1967, pp. 358, 367, 371, 372 e 379;
a explorar, a atriz Bárbara voltou e foi muito fes- Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro,
tejada em O Quarto Independente (1905), de Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905; Júlio Cé-
Eduardo Coelho, e na comédia Pai da Pátria sar Machado, Os Teatros de Lisboa, Editorial Notícias,
(1905). Em 1906, foi em digressão com a Com- 1991, p. 133; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do
Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 55; Pe-
panhia Brazão. Pertenceu ao Teatro Livre e ao dro Pinto, “Bárbara Volkart”, Almanaque dos Palcos e
Teatro da Natureza, no Jardim da Estrela, numa Salas para 1907, Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor, 1906,
companhia em que estavam Adelina*, Aura pp. 17-19; Salvador Marques, “Bárbara Volkart” [c/fot.],
Abranches*, Luz Veloso*, entre outros atores, e O Contemporâneo, Lisboa, n.o 31, 1876, pp. 1-2; Ilustração
Universal, Lisboa, n.o 2, 16/10/1884, p. 28; Revista Tea-
que se estreou com Orestes (1911), versão livre tral, 3.a série, Vol. 2.o, n.o 25, 01/01/1896, n.o 26,
da tragédia de Ésquilo, por Coelho de Carvalho. 15/01/1896, e n.o 27, 01/02/1896; Gazeta Musical de Lis-
Passou ao Teatro República e desempenhou os boa, 3.a série, n.o 142, 16/06/1896, p. 3; A Scena, Lisboa,
papéis de “tia Chica”, em As Nossas Amantes n.os 37, 38 e 39, de 12/01, 22/01 e 30/01/1898; O Palco,
(1912), comédia em 3 atos do Dr. Augusto de Cas- Lisboa, n.o 1, 08/01/1912, p. 3, n.o 2, 20/01/1912, pp. 18-
19, e n.o 3, 05/02/1912, p. 42; “Teatros”, Ilustração Por-
tro, “Violante”, em O Sr. Freitas (1912), comé- tuguesa, Lisboa, n.o 418, 23/02/1914, p. 230.
dia em 3 atos, original de Álvaro Lima e Chagas [I. S. A.]
Roquete, “Perpétua”, em A Feira do Diabo
(1912), sátira em 1 ato, prólogo e 3 quadros de Bárbara Maria Cândida Leal
Eduardo Schwalbach, A Mulher do Juiz (1914), Atriz que se distinguiu nos papéis de “lacaia”
no vaudeville de Hannequin e Veber, traduzido e de “característica”. Nasceu em 1780 (em
por André Brun, “Clara”, em Entre Giestas 1846, disse ter 56 anos) e faleceu em Lisboa, a
(1917), drama em 3 atos de Carlos Selvagem, ao 16 de setembro de 1857, de febre-amarela. Se-
lado de Ângela Pinto*. Em 1925, já com 78 anos, gundo Gustavo de Matos Sequeira, era conhecida
recitou versos de João Saraiva, alusivos à rea- pela forma peculiar como se vestia: de chitas, len-
bertura do Teatro do Ginásio que tinha ardido ço pregado e repregado no peito e uma manti-
a 6 de novembro de 1921. Foi extraordinária nos lha de lã ou chapéus velhos na cabeça. Era de
papéis de “característica” e “mãe nobre”. Se- uma fealdade clássica e ignorante na arte de re-
gundo Pedro Pinto, pertencia ao “limitadíssimo presentar, mas tinha uma graça natural que ca-
grupo de artistas de 1.a classe que não recusa- tivava o público. Usava uma linguagem vulgar
va as comédias em 1 ato”. Enviuvou em 1878. que, no teatro, por vezes chegava à obscenida-
A 7 de dezembro de 1918 partiu para África, de. Iniciou a carreira no Teatro Mecânico e Pi-
onde viveu os últimos anos com a sobrinha Alda toresco, que se situava num palheiro do Pátio do
Cid, casada com Frederico Baptista Cid. Fale- Patriarca, a S. Roque. Em 1815, inaugurou a nova
ceu em Benguela. Era tia das atrizes Alda Soler* Casa dos Espetáculos na Sociedade Dramática
e Adélia Soler*. do Teatro de S. Roque (Bairro Alto), quando já
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
era 1.a dama, ao lado dos atores António José Fer-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1365; reira e Borges Garrido, onde se tornou conhecida.
António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria Bor- Ali entrou no drama sacro A Passagem do Mar
dalo Editora, 1912, p. 25; António Sousa Bastos, Dicio- Vermelho ou O Resgate dos Hebreus (1825), de
nário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Luís José Baiardo. Passou pelo Teatro do Salitre,
Silva, 1908, p. 279; Carlos Santos, Cinquenta Anos de Tea-
tro, Memórias de um actor, Lisboa, Tipografia da Empresa onde se salientou em As Mulheres de Emprés-
Nacional de Publicidade, 1950, p. 57; Esteves Pereira e timo (1838), A Volta Inesperada (1838), imita-
Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, co- ção, de António Feliciano de Castilho, Os Es-
BAR 140

tudantes Alemães ou Os Conspiradores (1838), 1838; A Assembleia Literária, Lisboa, n.o 37, 21/09/1850,
e nos papéis de “Teresa, doida mãe”, no drama pp. 46-48, e n.o 38, 05/10/1850, p. 55; Revista Ilustrada,
Lisboa/Porto, Livraria de António Maria Pereira,
em 5 atos Filipe Mauvert (1838), de Cesar Peri- 30/04/1890, p. 13; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sécu-
ni de Lucca, tradução de António Feliciano de lo, 10/03/1956, p. 7.
Castilho, e “Brazia”, em O Remexido (1838), dra- [I. S. A.]
ma em 4 quadros e 1 prólogo. Transitou para o
Teatro da Rua dos Condes, onde fez sucesso nas Bárbara Rosa de Carvalho Pereira
peças A Duquesa de Nolles, D. António de Por- Republicana. Irmã de Maria Emília de Carvalho
tugal (1840), drama em 5 atos, imitação de Men- Gonçalves* (f. 15/12/1942), teve percurso idên-
des Leal, Primeiras Proezas de Richelieu, de Les tico no associativismo pacifista, maçónico, re-
Premières Armes de Richelieu de Eugène Scri- publicano e feminista das primeiras três décadas
be, comédia francesa em 2 atos, O Homem da do século XX, iniciando a sua militância em To-
Máscara de Ferro ou o Bravo de Veneza, no pa- mar, cidade onde nasceu a 30 de março de 1883.
pel de “Teodora”, A Calúnia (1842), comédia em Aderiu, em 1907, ao Comité Português da As-
5 atos de Scribe, ao lado de Carlota Talassi* e da sociação La Paix et le Désarmement par les Fem-
então principiante Emília das Neves*, foi “sogra” mes; em 1909, tornou-se sócia da Liga Republi-
em A Hospedeira da Carruagem Acria ou O Ma- cana das Mulheres Portuguesas; e, quando se
rido da Atriz (1843), tradução de Les Cabinets mudou para Lisboa, integrou a Loja Humanida-
Particuliers por António Feliciano de Castilho, de do GOLU, a Loja Humanidade do Direito Hu-
entrou em O Delito (1843), comédia em 3 atos, mano e o Conselho Nacional das Mulheres Por-
imitação de Mendes Leal, O Gato por Lebre tuguesas, exercendo funções diretivas.
(1843), imitação de Rodrigo Felner. Saiu do Tea-
tro da Rua dos Condes para integrar o elenco do Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011; João
Teatro D. Maria II quando este abriu (13/04/1846), Gomes Esteves, A Liga Republicana das Mulheres Por-
classificada em “1.a característica” pelo júri com- tuguesas – Uma organização política e feminista (1909-
posto por membros do Conservatório e Castilho, 1919), Lisboa, ONG do Conselho Consultivo da CIDM,
Rebelo da Silva, Mendes Leal e Rodrigo Felner. 1992; Idem, “Bárbara Rosa de Carvalho Pereira”, Di-
Ali se fixou e se evidenciou a ponto de ser clas- cionário no Feminino (séculos XIX-XX); Lisboa, Livros
Horizonte, 2005, pp. 162-163.
sificada atriz de 1.a classe (30/08/1848). Do seu [J. E.]
repertório, salientam-se também as peças de Joa-
quim da Costa Cascais O Castelo de Faria
(1843) e Noite de Santo António na Praça da Fi- Bárbara Volkart
gueira, peça de costumes populares em 3 atos, v. Bárbara Mafra Volkart
O Estrangeiro, os papéis de “avozinha” em o
Gaiato de Lisboa (1847), comédia em 2 atos de Beata Alexandrina
Bayard, tradução de João Baptista Ferreira, v. Alexandrina Maria da Costa
“parteira” em Trapeiro de Lisboa, adaptação de
um melodrama de Bayard, “Mme Pipelet” de Beatriz Bento
Mistérios de Paris, de Eugène Sue e Dineau, e Atriz. Integrava, em 1901, o elenco do Teatro da
“criada Laforêt” em Molière (1851), de D. António Rua dos Condes, onde entrou em O Tabelião do
de Costa de Sousa Macedo. Fez A Taberna, dra- Pote das Almas, de André Brun e Carlos Simões,
ma em 5 atos e 7 quadros, de Zola e Busnach, e no benefício do ator Ferreira da Silva, ao lado
A Ponte do Diabo, drama em 3 atos. da atriz Virgínia*.
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 05/01/1956,
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 111; p. 8.
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, [I. S. A.]
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 186;
Gustavo de Matos Sequeira, Teatro de Outros Tempos –
Elementos para a história do teatro português, Lisboa, Beatriz Costa
1933, pp. 410-411; Idem, História do Teatro Nacional D. v. Maria da Conceição Costa
Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centená-
rio 1846-1946, Lisboa, s.n., 1955, p. 165; Luiz Francis-
co Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa,
Beatriz de Lacerda
Prelo Editora, 1978, p. 275; O Entre-Acto, n.o 6, p. 26, Nasceu em Figueiró dos Vinhos a 24 de junho
1837; O Desenjoativo Teatral, Lisboa, n.os 2, 8, 9, 13, 16, de 1891 e morreu a 8 de novembro de 1961. De-
141 BEA

pois de completar o liceu, iniciou o curso da Es- Beatriz Emília Rente


cola Normal de Coimbra, a 4 de novembro de Atriz. Nasceu em Portalegre, a 22 de janeiro de
1908, após o qual começou a sua atividade como 1859, e faleceu em Lisboa, a 17 de abril de 1907.
professora, que culminou em 1916, na Escola Era filha de Joaquina Rita Duarte e de Joaquim
Central de Figueiró dos Vinhos. Residindo en- Manuel Rente, alfaiate, que se dedicava à mú-
tão em Figueiró (Rua da Palmeira, n.o 12), recebe sica, ao teatro amador e que faleceu deixando cin-
lições de Malhoa entre 1930 e 1933, aquando das co filhos menores, entre eles Beatriz, com cer-
deslocações do mestre ao seu Casulo. Os con- ca de três anos. Em 1861, estava num asilo para
tactos com Malhoa ocorreram, uma vez mais, por a infância desvalida, na companhia da tia ma-
via familiar, através do pai, Augusto de Araú- terna, Rita da Piedade Duarte, que ali trabalha-
jo Lacerda. Durante este período trocou alguma va como regente. Aos 13 anos, representou, numa
correspondência, na qual recebeu diversas récita de amadores, o papel de “mendiga” no dra-
orientações e conselhos. Deixou-nos também um ma sacro A Rainha Santa Isabel, de Soares Fran-
interessante caderno de apontamentos de alu- co. O Dr. Costa e Silva, médico de Portalegre e
na, que ainda hoje constituem um raro teste- amador teatral, achou-lhe talento e preparou-a
munho dos ensinamentos do mestre. Após a para a carreira artística. Quando fez 15 anos, par-
morte de Malhoa, por motivos de saúde, Bea- tiu com a mãe para Lisboa, levando cartas de re-
triz de Lacerda acabaria por se aposentar. Co- comendação de Manuel de Barros e Álvaro da
meçou então a trabalhar com Faustino Sampaio Fonseca para Francisco Palha, então empresá-
e, mais tarde, por intermédio de Conceição Sil- rio do Teatro da Trindade, que lhe deu um pe-
va, com o pintor Mário Augusto. Depois de fre- queno papel na comédia Escalda Favais, que não
quentar alguns cursos da SNBA, só expôs pela chegou a representar porque Emília Adelaide*,
primeira vez em 1935, ano em que tinha morada sua conterrânea e madrinha, a tomou sob pro-
em Lisboa, na Rua da Escola Politécnica, n.o 20. teção e a levou para o Teatro D. Maria II. Ali, sob
Incentivada pelo primeiro mestre, e por alguma a direção do ator, encenador e empresário José
crítica mais condescendente, Beatriz de Lacer- Carlos dos Santos, conhecido como “Santos Pi-
da começou finalmente a pintar com regulari- torra”, Beatriz Rente estreou-se, em novembro
dade. Sócia correspondente da SNBA, voltou a de 1874, na comédia Quem Empresta não Me-
participar nesse salão em 1937. A partir de 1945 lhora, impressionando, desde logo, pela beleza,
retirou-se de novo para Figueiró, onde viria a expressão dos olhos negros e elegância. Nas duas
falecer. O estilo e a temática da sua obra deri- épocas em que ficou naquele teatro foram-lhe da-
va diretamente da influência de Malhoa (quan- dos pequenos papéis, até que se salientou como
do não modificada pelo mesmo), o que se “Sra. de Santis” em Demi-Monde, comédia de
pode evidenciar nos seus trabalhos, ou nos tes- Alexandre Dumas, filho, e “Martinha” em Sa-
temunhos da própria artista nas suas notas, dan- bichonas, comédia de Molière, tradução do
do-nos conhecimento das frequentes visitas do visconde de Castilho. Em 1876, assumindo a leal-
mestre ao seu ateliê, das suas recomendações, dade de colega que sempre a caracterizou, seguiu
ensinamentos ou sugestões de emendas. o empresário José Carlos Santos, que acabava de
perder a concessão do Teatro D. Maria II, para
Bib.: Homenagem a D. Beatriz de Lacerda, pintora, 1891-
1961, Figueiró dos Vinhos, Câmara Municipal de Figueiró
o Teatro do Ginásio, apesar do contrato mais van-
dos Vinhos, 1992; Nuno Saldanha, José Malhoa – Tradição tajoso que lhe oferecia a Companhia Rosas & Bra-
e modernidade, Lisboa, Scribe, 2010. zão, nova empresária do Teatro D. Maria II. No
[N. S.] Ginásio, foi discípula do ensaiador Leopoldo de
Carvalho (1844-1913) e conservou-se, durante 24
Beatriz de Melo épocas seguidas, em elencos em que figuravam
Atriz. Fez, em travesti, um papel na comédia O artistas já consagrados como António Pedro, Vale,
Cabelo Branco (1881), adaptação de Le Cheveu César Pola, Maria das Dores Pola*, Bárbara Vol-
Blanc de Octave Feuillet, no benefício de Jesuína kart* e Emília Cândida*, entre outros. Neste tea-
Marques*, no Teatro do Ginásio, e mostrou gran- tro, fez sucesso em comédias e dramas e criou
de mérito para a cena. os principais papéis de peças escritas expres-
Bib.: Guiomar Torrezão, “Rumores dos palcos”, Ribal-
samente para ela, entre as quais Lição Cruel, dra-
tas e Gambiarras, Lisboa, série 1, n.o 1, 01/01/1881. ma, de Pinheiro Chagas, as comédias em 3 atos
[I. S. A.] A Bisbilhoteira e Senhora Ministra, ambas de
BEA 142

Eduardo Schwalbach, Jucunda, de Abel Botelho, da Casa Mourisca, em 5 atos, adaptação da obra
e Feixe de Nervos, de Rangel de Lima Júnior, de Júlio Dinis, por Carlos Borges, Duas Órfãs, em
onde lhe foi dada oportunidade de revelar os do- 5 atos, de Adolph d’Ennery, tradução de Ernesto
tes artísticos que os papéis que até aí lhe eram Biester, O Sargento-Mor de Villar, drama em 5
atribuídos nem sempre permitiam. Além destas atos, adaptação de Augusto Garraio. Não des-
peças, representou O Cabelo Branco, adaptação denhou representar peças em 1 ato, de que lem-
de Le Cheveu Blanc, de Octave Feuillet, Paris e bramos a magistral interpretação em D. Brizida,
Lisboa (1879), entreato de Carlos de Moura Ca- de D. João da Câmara, e Amor e Veneno (1893).
bral, Polícia (1879), drama de Belot, versão de Fez excursões artísticas ao Porto e províncias,
Salvador Marques, Casamentos Ricos (1880), A sempre muito aplaudida. Em 1883, representou
Voz do Sangue (1881), comédia em 3 atos, adap- no Brasil, onde fez sucesso em Princesa Geor-
tação de Gervásio Lobato. Beatriz era o ídolo do ge, de Alexandre Dumas, filho, e foi a Madrid e
Teatro do Ginásio, onde continuou, já como es- Barcelona, integrada na companhia artística
trela, em Noviciado Conjugal (1882), de Mery, do Teatro D. Maria II. De entre as festas artísti-
tradução de Coutinho Miranda, Saltimbanco, cas, sempre muito concorridas, salientam-se as
drama em 4 atos, de António Enes, A Infeliz Ca- de 1884, com a primeira representação de Um
rolina (1882), tradução do francês por Pinheiro Marido Experiente, tradução de Gervásio Loba-
Chagas, Amor Veneno (1882), arranjo de João to, a comédia em 3 atos Divorciemo-nos, de Vic-
Baptista Montedónio, O Coupé 117 (1886); en- torien Sardou, tradução de Pinheiro Chagas, e
trou nas comédias em 3 atos O Marido Debutante Noviciado Conjugal (1893), de que ficou a no-
(1885), de Meilhac e Halévy, e Três Mulheres para tícia de vários e valiosos presentes – objetos de
Um Marido (1887), de Grenet-Dancourt, ambas prata, joias em ouro, caixas, um chapéu, lenços
traduzidas por Gervásio Lobato, Danado (1887), para o pescoço, meias de fio da Escócia, almo-
de Louis Bataille e Henri Fengere, tradução de fada da Índia, guarda-joias de cristal, outro em
Carlos Borges, No Dia do Casamento (1890), Co- cristal e jaspe, três frascos de água de Colónia,
missário de Polícia (1890), em 4 atos, de Gervásio doces, como pudim gelado, fios de ovos, vinho
Lobato, A Madrinha de Charley, de Brandon Tho- velho do Douro, etc. Em julho de 1899, foi atuar
mas, e Cenas Burguesas (1895), ambas traduzi- ao Teatro de Portalegre e a sua cidade homena-
das por Carlos de Moura Cabral. Representou Fei- geou-a fazendo publicar uma folha impressa, in-
xe de Nervos (1895), de Rangel de Lima Júnior, titulada Beatriz no Teatro de Portalegre, de quatro
Hotel do Livre Câmbio (1896), tradução de Car- páginas, com o retrato da atriz na folha de rosto.
los de Moura Cabral, As Médicas, em 4 atos, de Protagonizou A Bisbilhoteira (1900), comédia em
Gervásio Lobato, em colaboração com Fernan- 3 atos de Eduardo Schwalbach, a sua última peça
do Caldeira, Em Boa Hora o Diga e As Noivas de no Teatro do Ginásio. Nesse ano, saiu daquele
Eneas, ambas de Gervásio Lobato, Médico à For- teatro para integrar a companhia artística diri-
ça, de Molière, arranjo do visconde de Castilho, gida pelo ator Vale, no Teatro da Rua dos
O Filho de Carolina, de Eduardo Schwalbach; Condes, onde se distinguiu na comédia, revis-
Francillon, de Alexandre Dumas, filho, tradução ta e peças fantásticas. Lembramos, entre elas,
de Guiomar Torrezão, Contos da Rainha de Na- Dente de Maçarico, peça fantástica, que repre-
varra, de Alexandre Dumas, tradução de Andrade sentou em travesti, O Filho do Comissário de Po-
Ferreira, Receita dos Lacedemónios e As Mu- lícia e O Impedido do Coronel, tradução de
lheres São o Diabo. Protagonizou Gabriel e Lus- Eduardo Schwalbach, no benefício de Silva Fer-
bel ou o Taumaturgo Santo António (1895), mis- reira (1901). Voltou, em 1902, para o Teatro D.
tério em 3 atos e 4 quadros, de Brás Martins, Maria II como atriz e societária de 1.a classe, onde
incluído nas festividades comemorativas do cen- terminou a carreira. Neste teatro, distinguiu-
tenário do Santo, e foi a figura principal em Cães se em Peraltas e Sécias, comédia de costumes
e Gatos (1896), joguete cómico em verso, em 1 de Marcelino Mesquita, Ciúme, As Três Filhas
ato, de D. José Estremera, tradução em verso de do Sr. Dupont, de Eugène Brieux, Verdadeira No-
Libânio da Silva. Brilhou, igualmente, nos dra- breza, comédia de Scribe da obra Les Doits de
mas: O Papá Lebonard (1898), em 4 atos, em ver- Fée, O Morgado de Fafe, comédia em 2 atos de
so, de Jean Aicard, tradução em prosa de Manuel Camilo Castelo Branco, foi “marquesa de Alvor”
Penteado e Luís Galhardo, O Sogro, Os Laza- em Casamento de Conveniência, peça em 4 atos
ristas, em 3 atos, de António Enes, Os Fidalgos de Joaquim José Coelho de Carvalho, em estreia
143 BEA

naquele teatro (19/03/1904), O Íntimo, comédia mático e artístico, Vol. VI, Lisboa, João Romano Torres
em 4 atos, de Eduardo Schwalbach, e Diana de & Ca. Editores, 1912, pp. 187-188; Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira, Vol. XXV, Lisboa/Rio de Janeiro,
Lys, drama de Alexandre Dumas, filho. Do seu Editorial Enciclopédia, pp. 119-120; Gustavo de Matos
vasto repertório contam-se, além das peças já ci- Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publi-
tadas, as revistas: Lisboa por Um Óculo, de Ur- cações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967,
bano de Castro, D. Quixote, de Francisco Jaco- pp. 351, 353, 365; Joaquim Madureira (Braz Burity), Im-
pressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Edi-
betty, A Torre de Babel, de Eduardo Rodrigues, tores, 1905; Luiz Francisco Rebello, História do Teatro
Félix Bermudes, e J. Baptista, Vivinha a Saltar de Revista em Portugal, 2. Da República até hoje, Lis-
(1904), em 3 atos e 12 quadros, de Câmara Lima, boa, Publicações D. Quixote, 1984; Francisco António
versos de Melo Barreto, música de Luís Filgueiras de Matos, “Eco dos espectáculos”, O Recreio, Lisboa, 4.a
e Del Negro, Favas Contadas (1907), de Câma- série, n.o 8, 03/10/1887, pp. 121-123; Salvador Marques,
“Beatriz Emília Rente” [c/ fot.], O Contemporâneo, Ciên-
ra Lima, música de F. Duarte; os dramas A Avó, cia, Letras, Artes, Comércio e Indústria, Lisboa, n.o 34,
tradução de Maximiliano de Azevedo, O As- 1877, pp. [1-2]; Ilustração Portuguesa, Lisboa, 1880; Ri-
sassino de Macário, de Clairville, Brot e Bérnard, baltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, n.o 1, 01/01/1881;
tradução e adaptação de Camilo Castelo Bran- Diário Ilustrado, 20/10/1881, 26/10/1881, 16/06/1882,
06/11/1882, 13/12/1882, 16/12/1882, 17/12/1882,
co, O Cunhado, tradução de Borges de Avelar, 17/02/1883, 10/04/1883, 26/12/1883, 22/01/1884,
O Prestidigitador, em 5 atos, traduzido do fran- 01/01/1884, 30/01/1884, 01/02/1884 e 21/03/1884; As
cês por José Maria Pereira Rodrigues e Eduardo Instituições, Lisboa, 01/02/1884 e 17/02/1884; Gazeta
Coelho, Pai Pródigo, tradução de Ferreira Mes- Musical de Lisboa, 3.a série, n.o 138, 10/04/1896, p. 3;
Revista Teatral, 3.a série, 2.o Vol. n.o 26, 15/01/1896; A
quita, O Caminheiro, drama em verso de Jean Ri- Scena, Lisboa, n.o 37, 12/01/1898, n.o 39, 30/01/1898;
chepin, tradução de Júlio Dantas, Vencidos da “Beatriz Rente, o seu falecimento”, O Século, 18/04/1904,
Vida, sátira de Abel Botelho; as comédias Ca- p. 5, 19/04/1907, p. 4; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sé-
sados Solteiros, em 3 atos, de Augusto de La- culo, 05/01/1956, p. 8.
[I. S. A.]
cerda, Emancipação da Mulher e Educação Mo-
derna, ambas originais de Guiomar Torrezão, e
Toupinel Que Deus Haja, tradução da mesma es- Beatriz José de Lacerda e Almeida
critora; as peças A Serpente, A Linha, Olha Quem v. Beatriz de Lacerda
Fala, Cerco ao Tio, Na Boca do Lobo, Os Na-
morados, Aleluia, O Gancho, Ouros, Copas, Es- Beatriz Rente
v. Beatriz Emília Rente
padas e Paus, Pedra de Toque e Escola Antiga.
Nas épocas de verão, integrava companhias de
Beatriz Viana
outros teatros ou fazia digressões pelas provín-
Atriz. Nasceu por volta de 1900. Frequentou o
cias e Brasil organizadas pelo ator Vale e pelo ator
Conservatório Nacional. Em 1917, estava no Tea-
Brazão. Foi casada com Eduardo Franco, repórter
tro República, onde fez o papel de “Maria Joa-
do Diário de Notícias. Faleceu em 1907, vítima
quina” no drama em 3 atos Entre Giestas,, de Car-
de cirrose, aquela de quem Gomes Leal afirmou
los Selvagem, ao lado de Ângela Pinto*; e entrou
ter sido uma das nossas mais graciosas actrizes
em O Grande Mágico (1918), tradução de Jorge
da alta comédia e uma das mais encantadoras
de Abreu do arranjo francês Monsieur de Ber-
mulheres de Lisboa. O funeral saiu de sua
veley, de Berr e Verneuil, original inglês de Hac-
casa, na Rua Anchieta, n.o 29, 2.o andar, para ja-
koff. No Teatro da Trindade integrou o elenco da
zigo no Cemitério Ocidental. No cortejo fúnebre
revista O Gato Maltês (1918), de Artur Arriegas,
incorporaram-se artistas de todos os teatros da música de Luís Filgueiras e Alfredo Mântua. Ca-
capital, escritores, jornalistas e muitos admira- sou com um industrial de Gouveia e abandonou
dores. Nos teatros D. Maria II, Ginásio e Trindade o teatro.
não houve espetáculos.
Bib.: Luiz Francisco Rebello, D. João da Câmara e os Ca-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- minhos do Teatro Português, Lisboa, edição do autor, s.a.,
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1104; p. 270; O Teatro, Lisboa, n.o 1, janeiro, 1918, pp. 27-28,
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, e n.o 7, junho, 1918, p. 130.
Lisboa, Imprensa Libânio Silva, 1908, p. 186; António [I. S. A.]
Ventura, “Beatriz no Teatro de Portalegre”, Publicações
Periódicas de Portalegre (1836-1974), Portalegre, Câmara
Municipal de Portalegre, 1991, p. 37; Esteves Pereira e Belmira das Neves
Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, co- Filha de João de Deus e de Quitéria das Dores,
rográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numis- nasceu em Portimão a 5 de agosto de 1886 e mor-
BEL 144

reu, na mesma cidade, a 26 de janeiro de 1967. Martins, 1985, p. 257; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal
Conterrânea de Manuel Teixeira Gomes, foi – Uma Biografia Política, Vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente
Clandestino (1941-1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001.
nessa cidade algarvia que conheceu o futuro che- [J. E.]
fe de Estado. Contrariando a família, que não via
com bons olhos a diferença de idades e de meios Benvinda Canedo
sociais, passaram a viver em comum a partir de Atriz. Fez parte de uma companhia de vaude-
1899, em Portimão. Em 1906 e 1910 nasceram as ville que teve muito sucesso no Brasil, junta-
duas filhas do casal. Durante a permanência de mente com Adelaide Coutinho*, Doroteia Cou-
Teixeira Gomes em Londres (como representante tinho* e Georgina Vieira*.
de Portugal), Belmira continuou no Algarve, com
Bib.: Henrique Marinho, O Teatro Brasileiro, Paris/Rio
as filhas. Em outubro de 1923, Manuel Teixeira de Janeiro, H. Garnier, Livreiro-Editor, 1904, p. 440.
Gomes tomou posse como Presidente da Repú- [I. S. A.]
blica, altura em que se mudou para o Palácio de
Belém. Belmira nunca visitou o Presidente, mas Benvinda da Conceição Fernandes
as filhas eram presença assídua na residência ofi- Mestra na oficina de rendas da Escola Industrial
cial do chefe de Estado. A partir do exílio vo- de Peniche a partir de 1893. Rendeira de Peniche,
luntário de Teixeira Gomes na Argélia, em 1925, começou a frequentar, com 21 anos, a Escola de
Belmira das Neves não voltou a vê-lo, receben- Desenho Industrial Rainha D. Maria Pia, daque-
do, esporadicamente, uma carta sua. la localidade, desde a sua abertura, no ano leti-
Bib.: Cristina Pacheco, “As primeiras-damas na República vo de 1887/88. Após a conclusão do grau de de-
Portuguesa”, A República e os Seus Presidentes, Lisboa, senho elementar, cursou desenho geométrico e or-
Câmara Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu República namental do curso de desenho industrial, tendo
e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e Elsa San- completado o seu percurso escolar em 1891. Foi
tos Alípio (coord.), As Primeiras-Damas da República Por-
tuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da República, uma aluna distinta, como comprovam os diver-
2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio de Be- sos prémios obtidos, não só pecuniários (10$000
lém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presidência réis, 11$000 réis e 10$000 réis em “Fabrico de ren-
da República, 2005, pp. 34-73; João Esteves, “As pri- das”, respetivamente, em 1888, 1890 e 1891),
meiras-damas. Primeira República”, As Primeiras-Damas. como honoríficos (“Oficina de rendas” em 1889,
Presidentes de Portugal. Fotobiografia, Lisboa, Museu da
Presidência da República, 2006, pp. 3-23; Urbano Tavares “Desenho de ornato” em 1891) e de distinção
Rodrigues [prefácio] e Vítor Wladimiro Ferreira [notas (“Oficina de lavores” em 1890). Na Exposição In-
e biobibliografia], O Cristal da Palavra. Cartas inéditas dustrial Nacional de 1888, realizada na Avenida
de M. Teixeira Gomes a Afonso Lopes Vieira, Lisboa, Edi- da Liberdade, não só exibiu trabalhos seus,
ções Colibri – Câmara Municipal de Portimão, 1999; Vi-
tal Fontes, Servidor de Reis e de Presidentes, Lisboa, Edi-
como foi uma das três alunas escolhidas para exe-
tora Marítimo-Colonial Lda., 1945. cutar rendas de bilros, à vista do público, num ate-
[E. S. A. / S. M.] liê instalado, para o efeito, no espaço ocupado pela
Escola de Peniche naquela exposição. A perfei-
Belmira Rodrigues Tiago ção dos trabalhos, a simpatia das executantes e
Nasceu a 27 de agosto de 1915 em Silvares, Fun- o interesse do processo de produção das rendas,
dão, e era filha de Maria do Rosário Catarina e quase desconhecido para a maior parte das pes-
de José Rodrigues. Casada com José Tiago, o ca- soas, tornaram aquela mostra um dos maiores atra-
sal fez parte do grupo de emigrantes portugue- tivos da Exposição da Avenida da Liberdade, se-
ses comunistas em França nos anos 1930 e 1940 gundo Francisco da Fonseca Benevides, inspetor
e estava identificado pela polícia política por- das escolas industriais da circunscrição do sul.
tuguesa através de informadores. Quando do re- Os trabalhos de Benvinda Fernandes figuraram
gresso ao país, foi presa na fronteira de Vilar For- igualmente na coleção de rendas, das alunas da
moso a 8 de agosto de 1947 e transferida, dois Escola Rainha D. Maria Pia, enviada à Exposição
dias depois, para o Forte de Caxias. Aqui pas- Universal de Paris de 1889 e merecedora de uma
sou o trigésimo segundo aniversário, sendo li- medalha de ouro atribuída pelo júri internacio-
bertada em 3 de novembro do mesmo ano. nal. Em 1891, marcou presença na exposição das
escolas industriais realizada no Museu Industrial
Fontes: ANTT, PIDE, Serviços Centrais, Registo Geral de
Presos, liv. 90, registo n.o 17 810. e Comercial de Lisboa, com trabalhos de desenho
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, e de rendas, entre os quais um almofadão, exe-
Presos Políticos no Regime Fascista IV – 1946-1948, Mem cutado em 49 dias a sete horas por dia, copiado
145 BER

de um desenho feito pela professora e diretora da Berenice Pereira Gomes


escola, Etelvina Augusta da Paz Assunção*. Ben- Professora do ensino primário, nasceu a 3 de mar-
vinda Fernandes foi nomeada mestra da oficina ço de 1913 e morreu, no Porto, a 21 de feverei-
de rendas da mesma escola por despacho de 11 ro de 2004. Filha de Alexandre Pereira Gomes
de janeiro de 1893, com um vencimento inicial e de Celestina Soeiro Pereira Gomes, irmã de Joa-
de 9$000 réis mensais. Em dezembro do mesmo quim, Alice, Alexandre, Jaime e Alfredo Perei-
ano passou a auferir 18$000 réis mensais. Na se- ra Gomes, nasceu, tal como os últimos quatro,
quência do decreto de 14/12/1897, que reorga- em Espinho, na casa da tia-avó Leopoldina da
nizou o ensino nas escolas industriais e de de- Costa, que desempenhava o cargo de chefe dos
senho industrial, passou a auferir, como mestra telefones e era também parteira naquela locali-
e em conformidade com a tabela anexa ao refe- dade. Oriunda de uma família da média bur-
rido decreto, um vencimento de 300$000 réis guesia rural do concelho de Baião, cresceu e vi-
anuais. Em fevereiro de 1928, após o falecimen- veu em Gestaçô até 1924, ano em que o pai, pro-
to de Etelvina Augusta da Paz Assunção, assumiu prietário rural de ideias republicanas, “que
provisoriamente a direção da escola, então de- soube transmitir a todos os filhos amplos ideais
nominada Escola de Rendeiras, tendo sido subs- de liberdade e democracia” [Giovanni Ricciar-
tituída, em abril do mesmo ano, por Elisa da Con- di, p. 116], se mudou com os quatro filhos mais
ceição Paninho*. novos para o Porto, onde Alice Pereira Gomes
(1910-1983) estudava, enquanto Joaquim Soei-
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas, ro Pereira Gomes (14/04/1909-05/12/1949) fre-
Comércio e Indústria, Inspeção das Escolas Industriais e quentava, em Coimbra, o curso de engenheiros
de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Livro de agrícolas da Escola Nacional de Agricultura. Se
Registo do Pessoal de Inspecção e das Respectivas Escolas a intervenção política de Berenice não pode ser
(1884-1894) e Copiadores de correspondência expedida
(1891-1892; 1893; 1894). Fontes impressas: Ministério das
equiparada à de Joaquim ou de Alice, em de-
Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do terminado momento a “passionária” da família
Comércio e Indústria, Relatórios sobre as Escolas In- e ativista do Socorro Vermelho Internacional pre-
dustriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul. sa em outubro de 1936, juntamente com Adol-
Anos lectivos de 1886-1887 (segunda parte) e 1887-1888, fo Casais Monteiro [idem], foi, no entanto, uma
Lisboa, Imprensa Nacional, 1888; As Escolas Industriais
da Circunscrição do Sul na Exposição Industrial de Lis- das centenas de sócias da delegação do Porto da
boa em 1888. Catálogo dos desenhos e outros objectos exe- Associação Feminina Portuguesa para a Paz*. Re-
cutados e expostos pelos alunos, Lisboa, Tipografia Mo- sidia então na Rua Francisco Barreto, 35, e es-
derna, 1888; Francisco da Fonseca Benevides, Relatório tava registada como a sócia n.o 329.
sobre as Escolas Industriais e de Desenho Industrial da
Circunscrição do Sul. Ano lectivo de 1888-89, Lisboa, Im- Bib.: Giovanni Ricciardi, Soeiro Pereira Gomes – Uma
prensa Nacional, 1889; Ministério das Obras Públicas, Co- biografia literária, Lisboa, Editorial Caminho, 1999; Lú-
mércio e Indústria, Direcção Geral do Comércio e Indústria, cia Serralheiro, Mulheres em Grupo contra a Corrente
Relatório sobre as Escolas Industriais e de Desenho In- [Associação Feminina Portuguesa para a Paz (1935-
dustrial da Circunscrição do Sul (1889-1890), Lisboa, Im- 1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011.
prensa Nacional, 1890; Francisco da Fonseca Benevides, [J. E.]
Relatório sobre as Escolas Industriais e de Desenho In-
dustrial da Circunscrição do Sul. Ano lectivo de 1890-91, Bernardina Antunes Araújo Neves
Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; Ministério das Obras Filha de Francisco Antunes Araújo e de Maria
Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do Co- da Cruz. Costureira, casada com o tipógrafo Al-
mércio e Indústria, Catálogo dos Trabalhos Expostos no
Museu Industrial e Comercial de Lisboa e executados nas fredo Neves, residia em Coimbra, onde era
Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Circuns- uma das subscritoras do jornal O Proletário, de
crição do Sul no Ano lectivo de 1889-1890, Lisboa, Im- orientação marxista-leninista, e terá sido, se-
prensa Nacional, 1891; Decreto de 14/12/1897, Diário do gundo Alberto Vilaça, a primeira presa política
Governo, n.o 283 de 15 de dezembro de 1897.
Bib.: Mariano Calado, História da Renda de Bilros de Pe-
daquela cidade devido a atividades antifascis-
niche, Peniche, Ed. Autor, 2003; Teresa Pinto, “Ensino tas de influência anarcossindicalista. Detida com
industrial feminino oitocentista”, Dicionário no Feminino o marido em 28 de agosto de 1934, na casa que
(séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311- habitavam na Rua Martins de Carvalho, 34, 4.o,
315; Idem, A Formação Profissional das Mulheres no En- seria entregue à Polícia de Vigilância e Defesa do
sino Industrial Público (1884-1910). Realidades e re-
presentações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa, Estado a 15 de fevereiro de 1935, que se deslo-
Universidade Aberta, 2008. cou para isso àquela cidade, e confiada à PSP de
[T. P.] Lisboa no dia 26. Julgada a 23 de março pelo Tri-
BER 146

bunal Militar Especial, foi condenada a 180 dias lidade portuguesa; em 1882 casou com Elzira
de prisão correcional, dada por expiada com a Dantas*, filha do Conselheiro Miguel Dantas Gon-
prisão sofrida, e a perda de direitos políticos por çalves Pereira, plebeu ilustre enriquecido no Bra-
cinco anos; libertada a 26 de março, faleceu pou- sil. A aliança matrimonial reforçou as tradições
co tempo depois no Hospital de São José, quan- minhotas da família, visto que o Conselheiro Mi-
do teria cerca de 40 anos de idade. Segundo in- guel Dantas era natural de Formariz, concelho
vestigações feitas por Alberto Vilaça no ANTT, de Paredes de Coura, região que beneficiou do
“a sua prisão ficou a dever-se à atividade de re- seu mérito e da sua fortuna. O percurso acadé-
ceção e distribuição dos n.os 1 e 2 da série clan- mico do futuro cientista, pedagogo e político foi
destina de A Batalha para o seu endereço, en- rápido e brilhante: em 1862, concluiu a instru-
viados por Manuel Henriques Rijo (n. 1897), con- ção primária no Porto; em 1866, matriculou-
forme sugestão do anarquista conimbricense se no primeiro ano da Faculdade de Matemáti-
Arnaldo Simões Januário (06/06/1897- ca da Universidade de Coimbra e, no ano se-
-27/03/1938), então preso no Forte da Trafaria guinte, inscreveu-se, igualmente, no primeiro ano
pelos acontecimentos do 18 de janeiro, e diri- de Filosofia. Entre os 24 e os 26 anos de idade
gidos “ ‘à camarada Dryada’” em papel timbra- obteve, sucessivamente, os graus de licenciado,
do da CGT” [Alberto Vilaça, 1997, p. 61, nota 76]. doutor e professor substituto da Faculdade de Fi-
Neste mesmo estudo, considera-se esta costureira losofia, defendendo as teses respetivas no âm-
“uma personagem merecedora de atenção pelo bito da Física e da Matemática. Aos 28 anos de
seu ativismo antifascista” [idem], confirmado pe- idade já era catedrático. Desempenharia as fun-
las entrevistas a Emília Pessoa, sobrinha con- ções de professor universitário, acumulando a
sanguínea do marido, e ao sapateiro Guilherme regência de cadeiras diferentes com outros car-
Luís (n. 29/04/1904), ambas datadas de maio de gos ligados à Universidade e a diversas insti-
1992. O mesmo autor publicou, em trabalho pos- tuições internacionais que reconheciam e agra-
terior, uma fotografia de 1934 de presos políti- ciavam o seu mérito de pedagogo europeu. A car-
cos nas instalações da SP de Coimbra onde são reira do homem público entrelaça-se e alimen-
visíveis Bernardina Araújo e Alfredo Neves. ta-se da sua experiência pedagógica: durante a
Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em Monarquia, o estadista desempenhou as funções
Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997, pp. de deputado regenerador (1882-1884; 1884-
60-61; Idem, Resistências Culturais e Políticas nos Pri- -1886), par do reino (1890 e 1894) e ministro das
mórdios do Salazarismo, Porto, Campo das Letras, 2003, Obras Públicas, Comércio e Indústria do mi-
pp. 56-57; Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas
na Resistência, Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 19-20. nistério regenerador presidido por Hintze Ribeiro
[J. E.] (1893). Em 1903, aderiu ao Partido Republica-
no, porque “já não era lícito esperar a salvação
Bernardino Luís Machado Guimarães dentro da Monarquia. Não era possível!”. Pro-
Cientista, pedagogo e político da I República Por- clamada a República, foi nomeado, sucessiva-
tuguesa. Nasceu em 28 de março de 1851, no Rio mente, ministro dos Negócios Estrangeiros do Go-
de Janeiro, Império do Brasil, filho de António verno Provisório (1911), ministro de Portugal no
Luís Machado Guimarães, emigrante portu- Brasil (1912) e chefe do Governo (1914). Assu-
guês, e de Praxedes de Sousa Ribeiro Guimarães, mindo, no ano seguinte, o cargo de chefe de Es-
luso-brasileira. Faleceu no Porto a 29 de abril de tado (1915-1917), visitaria, no contexto da Pri-
1944. A biografia do estadista vinculou-o, des- meira Guerra Mundial, o Corpo Expedicionário
de a infância, à região dos seus ascendentes pa- Português, na Flandres. Na sequência da revo-
ternos, no contexto da emigração nortenha para lução sidonista, em dezembro de 1917, Bernar-
o Brasil: em 1860, o pai regressou, com suces- dino Machado suportou o seu primeiro exílio,
so e família, à sua freguesia de origem, S. Sal- lutando, em França, pela normalização da vida
vador de Joane, concelho de Vila Nova de Fa- republicana no seu país. O regresso a Portugal
malicão. Instalou-se, em primeiro lugar, na (1919) implicou uma nova etapa na carreira do
Casa da Torre, transferindo-se, mais tarde, para homem público, acompanhando a viragem po-
o palacete brasonado, localizado no centro da lítica no interior do próprio regime republicano.
vila; em 1872, o jovem Bernardino Machado, Pela segunda vez iria assumir os cargos de Se-
atingida a maioridade, declarou, na Câmara Mu- nador, chefe do Governo e Presidente da Repú-
nicipal daquela vila, que optava pela naciona- blica (1925), até renunciar, de livre vontade, ao
147 BER

seu segundo mandato presidencial (1926). Du- de ensino; em 1888, o Governo autorizou, fi-
rante o segundo exílio, o estadista polarizou, mais nalmente, a criação de um liceu feminino, ini-
uma vez, um núcleo de resistência contra a si- ciativa que provocou a resistência dos meios con-
tuação de ditadura saída do golpe militar che- servadores e católicos, aparentemente preocu-
fiado pelo general Gomes da Costa em 28 de Maio pados com requisitos de ordem moral. Bernar-
de 1926. Sacrificou, nesse esforço, “vidas e fa- dino Machado interveio no debate publicando
zendas” da própria família. Deflagrou, entretanto, um importante artigo intitulado “Liceus para a
a Segunda Guerra Mundial. Os exilados políti- Mulher”, através do qual desmontava os argu-
cos portugueses (entre os quais o antigo chefe de mentos reacionários tendentes à anulação do pro-
Estado) regressaram ao seu país, abrangidos pela cesso. O articulista rematou a polémica recor-
amnistia concedida pelo Governo. Bernardino dando que o país ainda não estava irremedia-
Machado recolheu-se no seu Palacete de Man- velmente perdido sem mestres que prestassem
telães, em Paredes de Coura, onde continuou a para a educação das suas filhas. “Nem todos se-
representar, até ao fim da vida, um polo de en- riam mercenários ou inábeis!” E sugeriu, a pro-
corajamento democrático e de esperança. Es- pósito, uma lista de brilhantes pedagogos ou ho-
perança de que o “espetáculo ultrajante da di- mens e mulheres de letras que reuniam os pre-
tadura”, porventura, caísse, arrastado pelo des- dicados profissionais, “para dirigir a educação
calabro dos restantes regimes autoritários da épo- feminina ou masculina, indispensável sempre
ca. Não lhe foi dada a felicidade de realizar esse para lidar com meninas […]”. No âmbito do en-
sonho. Faleceu, em 29 de abril de 1944, no Por- sino profissional, o estadista, à data ministro das
to. Ao longo deste notável percurso individual, Obras Públicas Comércio e Indústria (1893), en-
Bernardino Machado soube articular o seu pen- saiou um projeto formativo de inspiração euro-
samento pedagógico com a ação política, de- peia, iniciado com a colaboração da pedagoga
fendendo uma via ideológica em que a política Alice Pestana. Na conceção da reforma, o mi-
e a educação “se entrelaçavam intimamente”, ten- nistro visara os seguintes objetivos: eliminar o
do em vista a promoção cívica da população por- analfabetismo, flagelo que se tornara no princi-
tuguesa. Com esta fórmula responderia às ca- pal inimigo da produtividade operária; articu-
rências diagnosticadas no âmbito da instrução lar a atividade intelectual com a atividade ma-
pública, nomeadamente, no sector do ensino fe- nual, no domínio do ensino; dignificar o estatuto
minino. Contrapôs, portanto, à mentalidade social da mulher operária, por ambas as vias, do
convencional da época, sexista e classicista, um trabalho e da instrução. A implementação do
modelo de educação humanista e cívico infor- projeto desdobrou-se em três etapas: a primei-
mado pelo princípio da igualdade de oportuni- ra foi a realização de uma visita de estudo, pro-
dades sem distinção de género. Este conceito de- tagonizada por Alice Pestana, aos estabeleci-
veria concretizar-se num sistema de ensino pú- mentos de ensino profissional do sexo
blico, laico e democrático aberto a todos os es- feminino, no estrangeiro (maio de 1893). O re-
tratos sociais, níveis etários e sexos. Neste sen- latório desta visita de estudo, apresentado pela
tido empreendeu medidas concretas de rees- pedagoga ao Governo, é um verdadeiro manifesto
truturação do ensino público, defendendo o prin- das novas correntes pedagógicas experimenta-
cípio da coeducação, nos diversos graus de es- das no ensino técnico europeu, e da viabilida-
colaridade, devendo iniciar-se a sua aplicação de da sua aplicação, no meio nacional. A segunda
no ensino primário: “Porque se não hão de reu- consistiu na elaboração de uma proposta sobre
nir, irmãmente, os rapazes com as meninas, na os cursos primários, nas escolas industriais, apre-
escola como se reúnem em família?” No âmbi- sentada por Bernardino Machado ao ministro e
to do Ensino Secundário Liceal debateu, su- secretário de Estado dos Negócios do Reino (22
cessivamente, o problema da criação dos liceus de agosto de 1893). O estadista pretendia o es-
femininos em quatro instâncias diferentes: em tabelecimento de aulas de instrução primária,
1883, na estreia parlamentar, o deputado rege- masculinas e femininas, num certo número de
nerador, pronunciando-se sobre o projeto de re- escolas industriais, indicadas em duas listas. Es-
forma do ensino secundário, criticava, precisa- tas aulas funcionariam em cursos diurnos e no-
mente, o facto de aquele documento se aplicar, turnos. A proposta do Ministério das Obras Pú-
apenas, à população masculina; em 1886, vol- blicas foi aceite pelo Ministério do Reino. Um
taria a insistir na urgência da criação desse ramo ofício do inspetor Luciano Cordeiro confirma-
BER 148

ria a frequência das raparigas nas escolas de Se- referidas, às tristes lacunas da sociedade por-
túbal e de Peniche, predominante, nos cursos tuguesa, nomeadamente, feminina e operária, co-
diurnos (12 de dezembro de 1893). A última re- berta pela “mancha vergonhosa do analfabetis-
laciona-se com a publicação do decreto sobre a mo”. Da eficácia do processo educativo depen-
organização dos cursos das escolas industriais deria, entretanto, o exercício consciente dos
e respetivos programas (5 de outubro de 1893). direitos políticos, meta prioritária da ideologia
No novo diploma legal enumeravam-se 30 es- republicana. Pioneiro na defesa da cidadania fe-
pecialidades de cursos industriais, destacando- minina, Bernardino Machado reforçou a inclu-
se um elenco de cursos especializados para o são das mulheres no seu projeto de moderniza-
sexo feminino: bordadeira, rendeira, modista, ção social: destaca o universo feminino, enquanto
costureira e florista. O investimento do minis- alvo preferencial no processo de alargamento e
tro das Obras Públicas no domínio da formação aprofundamento da democracia. Propõe um novo
profissional “no feminino” não excluiu, natu- modelo de comportamento social que passaria,
ralmente, os preconceitos sociais relacionados prioritariamente, pelo desempenho profissional,
com as diferenças “de género”, dominantes na garantia indispensável para se atingir a plenitude
mentalidade coeva. Se foi louvável (e genuína) dos direitos cívicos. Esta meta significava tan-
a determinação do legislador, no sentido de pro- to a capacidade de elegerem como a de serem
mover o estatuto sociocultural das mulheres da eleitas. Coerente com este propósito, o político
classe popular (envolvendo-as, aliás, de medi- republicano defendeu o direito de sufrágio fe-
das complementares de proteção social), não é minino em três momentos diferentes da sua car-
menos verdade que o último diploma legal de- reira de homem público: em 1911, quando in-
sencadeava efeitos perversos decorrentes do tegrava o Governo Provisório e se discutia a lei
acantonamento das operárias em sectores es- eleitoral; em 1924, quando presidia à sessão de
pecíficos de mão de obra, discriminadas e mal abertura do primeiro Congresso Feminista e da
remuneradas, efeitos que se tornariam, a médio Educação; em 1932, durante o segundo exílio.
prazo, noutros tantos fatores de degradação so- Confirma-se, neste ponto, a influência recípro-
cial. Confirmando, por fim, a capacidade inte- ca de duas correntes ideológicas: feminismo e re-
lectual das mulheres para ingressarem no ensi- publicanismo. O estadista republicano absorveu,
no superior, recordaria os seus estudos de An- sem dúvida, um discreto mas poderoso influxo
tropologia, nos quais “mostrara, a toda a luz, da corrente feminista, através do intercâmbio so-
como as faculdades do homem e da mulher se cial e cultural praticado com personalidades fe-
completavam, sem nenhuma hierarquia ou pri- mininas destacadas no meio intelectual do
vilégio. A mentalidade feminina era diversa, mas país, tais como Carolina Michaëlis de Vascon-
não inferior […]” (1924). No âmbito do ensino celos, Alice Pestana e Ana de Castro Osório. Re-
livre, destaca-se a intervenção de Bernardino Ma- ciprocamente, o movimento feminista, no início
chado no Congresso Pedagógico Hispano-Por- do século XX, capitalizou um somatório de
tuguês-Americano, realizado por ocasião do apoios institucionais e familiares, fastidiosos de
centenário de Colombo, em Madrid (1892). O pe- enumerar, atestando a atitude coerente do pu-
dagogo organizou a representação portuguesa e blicista republicano. No plano institucional
foi eleito vice-presidente do congresso. Apre- comprova-se, a título de exemplo, a contribui-
sentou duas comunicações, que fizeram histó- ção decisiva de Bernardino Machado para a fun-
ria, sobre a necessidade da educação feminina, dação e manutenção da Liga Republicana das
intituladas, respetivamente, Introdução à Pe- Mulheres Portuguesas (1908), organização fe-
dagogia e O Que Deve Ser a Instrução Secun- minista que resultou, entre outros motivos, de
dária da Mulher? A primeira era de sua autoria uma feliz “conspiração” entre o estadista e
e a segunda era da autoria da escritora Alice Ana de Castro Osório, dirigente e ativista daquela
Pestana (Caïel), a quem Bernardino Machado so- instituição. No plano familiar, tornou-se indis-
licitara opinião sobre o tema em debate. Ber- pensável a colaboração disponibilizada pela mu-
nardino Machado encerrou o congresso con- lher do estadista, Elzira Dantas, e pelas filhas,
cluindo pela proclamação, clara e inequívoca, Rita*, Maria* e Joaquina*, tanto para a sobrevi-
do princípio da igualdade dos dois sexos, em ma- vência da Liga Republicana, como de outras or-
téria de educação. O projeto sociocultural de Ber- ganizações de mulheres (ditas feministas ou não),
nardino Machado responderia, nas modalidades tais como a Associação de Propaganda Feminista,
149 BER

a Comissão Pró-Pátria, a Cruzada das Mulheres sos de interpretação, com Alfred Cortos (piano)
Portuguesas*, etc. Nas vésperas da implantação e de didática musical, com o Prof. Edgard Wil-
da I República já o propagandista do novo regime lems. A partir de 1946, foi professora da classe
associara, declaradamente, as duas causas, re- de música de câmara no Conservatório de Mú-
publicana e feminista: “[…] não se pode ser fe- sica do Porto. Em 1949, passou a reger a cadei-
minista sem ser republicano […]”. Em suma: a ra de piano do curso superior do mesmo esta-
atitude de Bernardino Machado introduziu belecimento. Atuou simultaneamente em mui-
uma visão diferente no debate sobre a “questão tos recitais e concertos, quer a solo, quer como
feminina”, quer no contexto ideológico, quer nos acompanhadora, quer ainda como regente. Em
pressupostos científicos igualitários, opostos à 25 de junho de 1931, atuou gratuitamente como
mentalidade da época, sobre o desempenho dos pianista no Sarau de Gala realizado no Teatro de
papéis sociais femininos. São João no Porto, a fim de comemorar o 14.o
Do autor: Introdução à Pedagogia, Lisboa, Congresso Pe- Aniversário da Casa dos Filhos dos Soldados, ins-
dagógico Hispano-Português-Americano, secção por- tituição fundada pela Junta Patriótica do Norte
tuguesa, 1892; O Ministério das Obras Públicas, Comércio e dirigida pelo Núcleo Feminino de Assistência
e Indústria em 1893; A Indústria, Coimbra, 1898; O En- Infantil*. Nesse mesmo ano colaborou no “Me-
sino Primário e Secundário, Coimbra, 1899; O Ensino
Profissional, Coimbra, 1899. morial Artístico” que assinalou a mesma efe-
Bib.: Elzira Machado Rosa, Bernardino Machado, Alice méride, publicado em 1932. Ainda no Porto, a
Pestana e a Educação da Mulher, nos Fins do Século XIX, partir de 1939, fez crítica musical nas colunas
Lisboa, Comissão da Condição Feminina, 1989; Idem, de O Primeiro de Janeiro. Obteve o prémio Mo-
“Bernardino Machado: cientista, pedagogo e político (raí-
zes minhotas e brasileiras)”, Os Brasileiros da Emigra-
reira de Sá, em 1941, conferido pelo Orfeão Por-
ção, Jorge Fernandes Alves (coord.), Coleção Cadernos tuense. Foi vogal do Instituto de Alta Cultura.
Museu Bernardino Machado, n.o 1, Câmara Municipal, Realizou inúmeras conferências. Pianista, re-
Vila Nova de Famalicão, 1999; Idem, “Bernardino Ma- velou-se uma distinta intérprete de Bach e de
chado e a educação feminina”, Bernardino Machado: O Chopin. Como compositora seguiu uma linha im-
homem, o cientista, o político e o pedagogo, Norberto Cu-
nha (coord.), Cadernos Museu Bernardino Machado, n.o pressionista-expressionista com base na poli-
4, Câmara Municipal, Vila Nova de Famalicão, 2001; tonalidade, tendo publicado, entre outras obras,
Idem, A Educação Feminina na Obra pedagógica de Ber- o poema sinfónico Vasco da Gama, a suite O Jo-
nardino Machado – Propostas a favor da igualdade e da vem Rei, Bailado Oriental, um Stabat Mater, um
emancipação das mulheres, Coleção Cadernos Museu
Bernardino Machado, n.o 2, Câmara Municipal, Vila Nova Concerto de Câmara (piano e instrumentos de
de Famalicão, 1999; Idem, “Bernardino Machado”, Ber- câmara), um Dueto (piano e violoncelo), Sona-
nardino Machado, Catálogo da Exposição Permanente – ta, para violoncelo, Quinteto, para cordas e pia-
Museu Bernardino Machado, coord. Filipe Jorge, Pro- no, sobre um conto de Oscar Wilde, Variações,
dução Editorial “Argumentum”, 2002; Idem, Bernardi-
no Machado – Fotobiografia, Presidentes de Portugal –
para dois violoncelos e piano sobre o romance
Fotobiografias, Lisboa, edição Museu da Presidência da do Conde Nino, Variações sobre Um Tema Al-
República, 2006. garvio, Vos tenieis mi corazon (para um poema
[E. D. M. R.] de Luís de Camões), 1949, A Fonte dos Amores
(sobre a estância 135 do canto III de Os Lusía-
Berta Cândida Alves de Sousa das, do episódio de Inês de Castro), 1965, Pro-
Pianista e compositora, nascida em Liège, em 8 curando Uma Flor ao Luar, novela, 1955.
de abril de 1916, de família oriunda do Porto, ci-
Bib.: AA.VV., Memorial Artístico (Coletânea literária, ar-
dade para onde foi muito nova e onde faleceu tística e musical) Comemorativo do 15.o Aniversário da
em 1994. Diplomada em Piano no Conservató- Junta Patriótica do Norte (13.III.1916-13.III.1931) e do 14.o
rio do Porto, em 1942, foi discípula de Juliana da Casa dos Filhos dos Soldados (25.VI.1917-25.VI.1931),
Falconière de Oliveira*, Cesarina Lira*, Morei- Porto, edição da Junta Patriótica do Norte, 1932; Alber-
to de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916 – 15 Anos
ra de Sá, Luís Costa, Lucien Lambert e Carlos Car- de Benemerência – 1931. Relato geral da sua obra e da
neiro. Entre 1927 e 1929, estudou em Paris, com Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos Órfãos da
Wilhelm Bachaus e Teodor Szantó (piano) e Geor- Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica do Porto,
ges Migot (composição). Em Lisboa, aperfeiçoou- Lda., 1932, p. 186; Catálogo Geral da Música Portugue-
se com Viana da Mota. Interessando-se poste- sa, Repertório Contemporâneo, Lisboa, Secretaria de Es-
tado da Cultura, Direcção-Geral do Património Cultural,
riormente pela direção de orquestra, estudou com 1978; Dicionário da Música (dir. Tomás Borba e Fernando
Clemens Krauss, em Berlim, e Pedro de Freitas Lopes Graça), Lisboa, Ed. Cosmos, 1956; Grande Dicio-
Branco, em Lisboa. Frequentou mais tarde cur- nário Enciclopédico Ediclube, Alfragide, Ediclube, s.a.;
BER 150

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXIX, xou uma perna mais curta, vindo para Portugal,
Lisboa, Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédica, Lda., s.a., por volta dos três anos, para ser tratada. Foi re-
p. 776; O Grande Livro dos Portugueses, Lisboa, Círcu-
lo de Leitores, 1990, p. 481. cebida em Caminha pelas tias de Sidónio Pais,
[J. P. C./N. M.] com as quais ficou a viver algum tempo. A in-
tervenção cirúrgica decorreu em Lisboa, após a
Berta da Costa Ribeiro Arthur Craveiro Lopes qual foi convalescer em casa da viscondessa de
Nasceu em Lisboa a 15 de outubro de 1899, fi- Semelhe, onde ficou a viver até à juventude. Daí
lha de Sezinando Ribeiro Arthur e Maria Clara saiu para ir estudar no Colégio das Doroteias, onde
Pereira, numa família de forte tradições milita- aprofundou a formação literária e a religiosida-
res. Em dezembro de 1918, casou com Francis- de católica e conheceu a grande amiga Maria que,
co Craveiro Lopes, na cidade de Lourenço Mar- mais tarde, casaria com Francisco Sousa Tavares
ques. O casal seguiu a carreira militar de Craveiro (pai). Quando deixou o colégio, Berta foi viver
Lopes, vivendo em Moçambique, Índia e em vá- com a madrinha, Lucrécia Cabral Ferreira, pas-
rias cidades de Portugal. Tiveram quatro filhos. sando grande parte do tempo na Quinta de S. Pe-
Em 1951, a eleição de Craveiro Lopes para Pre- dro, no Pragal. No verão, frequentava a praia da
sidente da República alterou radicalmente a vida Trafaria, onde travou conhecimento com o as-
da família, desde logo com a mudança para a re- pirante da Marinha José Carlos da Maia, que aí
sidência oficial do chefe de Estado, o Palácio de também passava férias com a família. Este co-
Belém. Numa altura em que a designação “pri- nhecimento veio na sequência das relações de vi-
meira-dama” começava a ser frequente, Berta de- zinhança e de amizade que já uniam as duas fa-
dicou-se às atividades de beneficência, acom- mílias, pois ambas residiam junto ao Largo
panhando também o marido nas deslocações e Stephens, em Lisboa, e D. Lucrécia, a madrinha
receções oficiais. A imprensa salientou o seu ca- de Berta, era amiga de D. Encarnação, a mãe de
rácter afável e a figura elegante de Berta Craveiro José Carlos da Maia. Este oficial da Marinha era
Lopes, nomeadamente por ocasião da visita à já, nesta época, considerado um herói da Revo-
Grã-Bretanha, em 1955. Durante a visita a Mo- lução de 5 de Outubro de 1910, pois fizera par-
çambique, em 1956, foi inaugurado um busto seu te do grupo que se apoderara do quartel de Al-
num jardim com o mesmo nome e que atual- cântara, chefiara os revolucionários que tomaram
mente ainda existe: o Jardim D. Berta Craveiro o cruzador D. Carlos e fora eleito deputado à As-
Lopes, na atual cidade de Maputo. Morreu a 5 sembleia Constituinte de 1911. Berta e José
de julho de 1958, no Palácio de Belém, vítima Carlos da Maia apaixonaram-se, namoraram e
de um acidente vascular cerebral, ainda duran- marcaram casamento para novembro de 1913. Es-
te o exercício de funções do seu marido. tava tudo tratado, mas ele recebeu ordem para em-
barcar em missão. Parecia que o destino já aqui
Bib.: António Costa Pinto e Anne Cova, “O salazarismo lhes “queria trocar as voltas”, mas Berta não quis
e as mulheres, uma abordagem comparativa”, Penélope,
n.o 17, 1997, pp. 71-94; Cristina Pacheco, “As primeiras- adiar a cerimónia. Esta partida inesperada do noi-
-damas na República Portuguesa”, A República e os Seus vo até evitaria alguns constrangimentos religio-
Presidentes, Câmara Municipal de Lisboa, Biblioteca Mu- sos e ideológicos. Sendo ela profundamente ca-
seu República e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gas- tólica e ele mação e livre-pensador, a ponto de
par e Elsa Santos Alípio (coord.), As Primeiras-damas da
República Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da
a acompanhar à missa mas recusar-se a entrar na
República, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Pa- igreja, Berta encontrou a solução ideal. Pediu à
lácio de Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da sua amiga Maria Tavares para que o marido, Fran-
Presidência da República, 2005, pp. 34-73; Sílvia Espí- cisco Sousa Tavares, tomasse o lugar de José Car-
rito Santo, “As primeiras-damas. Ditadura militar/Esta- los da Maia na cerimónia e o casamento se fizesse
do Novo”, As Primeiras-damas. Presidentes de Portugal.
Fotobiografia, Lisboa, Museu da Presidência da República, na igreja, por procuração. Quando Carlos da Maia
2006, pp. 27-62. regressou da viagem já tinha a patente de capi-
[E. S. A. / S. M.] tão-tenente da Armada. Algum tempo depois foi
nomeado governador de Macau, para onde par-
Berta de Castro e Maia tiu com a mulher, em junho de 1914. Durante dois
Nasceu em Belém do Pará, Brasil, em 1885. O pai anos, Berta pôde observar o empenho do mari-
era um industrial têxtil de sucesso e a mãe des- do em governar e desenvolver o território, ape-
conhecida. Na primeira infância terá sido afeta- sar das grandes dificuldades provocadas pela Pri-
da pela poliomielite ou outra doença que lhe dei- meira Guerra Mundial. Assistiu à fundação de es-
151 BER

colas, à reorganização dos Bombeiros e criação na “camioneta fantasma” e barbaramente assas-


do Corpo de Voluntários de Macau, ao estabele- sinado. Na mesma noite, foram mortos também
cimento da ligação telegráfica com as ilhas de Tai- o almirante Machado Santos, fundador da Re-
pa e Coloane, à dragagem do porto, à ligação da pública, o capitão de fragata Carlos Freitas da Sil-
Praia Grande com a marginal do Porto Interior e va, o coronel Botelho de Vasconcelos e António
à criação de uma gafaria na ilha de S. João. Tes- Granjo, chefe do governo deposto. Os crimes des-
temunhou também o apoio político que Carlos ta noite sangrenta horrorizaram o país. Cunha Leal
da Maia deu aos republicanos chineses, parti- classificou-os de “bárbara chacina política”,
dários de Sun Yat-Sen, “que, numa carta de agra- “hecatombe” e “medonho massacre”; José Bran-
decimento enviada de Xangai, diz desejar ar- dão fala em “festim de sangue”, enquanto outros
dentemente ‘o apoio e o exemplo da república se lhe referem como “fúria sanguinária” e “mo-
portuguesa’ para instalar uma nova ordem na Chi- numental tragédia”. Quando foram buscar Car-
na [...]” [Espólio particular de José Carlos da Maia los da Maia, Berta, suspeitando das intenções dos
e Berta de Castro e Maia]. O reconhecimento pela marinheiros e soldados, suplicou-lhes de joelhos
boa administração, valorização do território e de- que não o levassem e tentou persuadir o marido
fesa dos interesses portugueses está patente a não obedecer às pretensas ordens de se apre-
numa mensagem que os notáveis de Macau lhe sentar no Arsenal da Marinha. Embora alguns es-
entregaram no momento de despedida, em de- tivessem quase a ceder às suas veementes sú-
zembro de 1916. O casal deixou lá alguns ami- plicas, o “Dente de Ouro” não o permitiu, dizendo
gos, entre os quais o poeta Camilo Pessanha (1867- “Ele também não teve dó de mim, mandou-me
1926), que manteve correspondência regular para a África a ganhar 10 réis por dia e minha mãe
com Berta de Castro e Maia. Esta também não fi- morreu de dor” [Berta Maia, As Minhas Entre-
cou indiferente aos apelos de solidariedade de- vistas com Abel Olímpio «O Dente de Ouro», p.
sencadeados pela situação da guerra. Reuniu al- 19]. Ainda nessa noite, Berta foi informada do as-
gumas mulheres no Palácio do Governo para con- sassinato do marido e das circunstâncias em que
fecionarem agasalhos para os soldados portu- ocorreu. Louca pela perda e cega pelo ódio, gri-
gueses. O acontecimento ficou registado em fo- tou desesperada e jurou que também era capaz
tografia, na qual um grande grupo feminino apa- de matar. Mais tarde, agradecerá a Deus a dádi-
recia em afadigado labor, tricotando, cortando te- va do Amor que lhe apagou da alma e do cora-
cidos e cosendo à mão e à máquina, numa sala ção todo o espírito de vingança: “Berta Maia é a
ampla e luminosa. Também em consequência da encarnação suprema da dor, é, com o seu arzito
guerra, a viagem de regresso ao país foi longa e insignificante de senhorinha, morena, de olhos
atribulada. Partiram de Macau em dezembro de vivos, claudicante e assombrada ainda, a perso-
1916 em direção à América, continente que atra- nificação da amargura e do amor por um corpo
vessaram para rumar a Portugal através do de herói caído numa cilada” [Fantoches, n.o 37,
Atlântico, embarcados num cargueiro espanhol. 15/09/1923, cit. José Brandão, A Noite Sangrenta,
Embora pensassem regressar a Macau, a insta- p. 207]. A primeira interrogação que Berta fez a
bilidade política portuguesa não o permitiu. Em si própria visava a compreensão e justificação de
1918, a convite de Sidónio Pais, Carlos da Maia um ato tão hediondo. Se o “marido era justo e
aceitou ser exonerado do cargo de governador e bom, se nunca cometeu crime nenhum, se sou-
nomeado ministro da Marinha. A seguir, teve tam- be, com galhardia, jogar a vida e a situação pelo
bém um papel decisivo na derrota dos rebeldes amor da sua Pátria e da humanidade, como foi
monárquicos que se instalaram em Monsanto para possível matá-lo?!” [Berta Maia, p. 19]. Sendo ma-
bombardear Lisboa, em 23 de janeiro de 1919. rinheiros os executores do crime, mais incom-
Finda a rebelião, foi nomeado ministro das Co- preensível se tornava tal ato, visto que a atuação
lónias do governo de José Relvas, cargo que exer- de Carlos da Maia, enquanto ministro, deu pro-
ceu por escassos meses. A partir desta data não vas das suas preocupações com este grupo das
voltou a ocupar qualquer cargo político. Passa- Forças Armadas, criando um sanatório para sar-
dos dois anos e meio, em 19 de outubro de 1921, gentos e marinheiros tuberculosos e nunca man-
data de mais um golpe revolucionário, foi ar- dou desterrar ninguém. Berta iniciou as inves-
rancado de casa por um grupo de marinheiros e tigações a partir das afirmações que o “Dente de
soldados da guarda republicana, chefiado pelo Ouro” proferiu em sua casa quando lhe levou o
cabo Abel Olímpio, o “Dente de Ouro”, levado marido. Sabendo que aquele nunca tinha sido
BER 152

condenado ao desterro em África e que a mãe ain- los, indivíduo que já tinha visto antes na Esco-
da vivia, não havia motivos que justificassem la Naval, e questionou novamente Abel Olímpio.
qualquer vingança; a sua ação apenas se podia Desta conversa também não resultaram quaisquer
enquadrar numa trama urdida por alguém que o progressos na investigação, devido ao clima
aliciara e recrutara para a executar: “Havia um dramático criado pelas suas súplicas e lamentos
mistério tenebroso nos sangrentos crimes dessa e, sobretudo, pelas palavras exaltadas do cunhado
noite. Uma mulher doente, figura frágil, sozinha que sempre a acompanhava nestas visitas. A en-
e abatida por um imenso desgosto que para sem- trevista terminou quando ela teve de evitar um
pre lhe deu cabo da vida, vai carregar até à mor- confronto físico entre o cunhado e o “Dente de
te a ânsia de descobrir os segredos dessa maca- Ouro”, após aquele lhe ter chamado “assassino”.
bra escuridão” [José Brandão, A Noite Sangren- Entretanto, jornalistas, investigadores e alguns dos
ta, p. 164]. Para Berta, a morte do marido foi in- intervenientes nos acontecimentos da noite de 19
justa, cruel e infamante. Por uma questão de dig- de outubro de 1921 encarregavam-se de esclarecer
nidade, a memória do herói da Revolução de 5 as circunstâncias em que ocorreram os crimes e
de Outubro de 1910 impunha o apuramento de apurar os nomes dos responsáveis: “Todos tinham
toda a verdade. Mais que o castigo para os exe- versões. Todos queriam sacudir a água do capo-
cutores, importava saber quem foi o cérebro ou te. Carrascos, mandatários, chefes e oficiais da su-
cérebros da trama, o mandante ou mandantes e blevação que abriu as portas à chacina, desdo-
os motivos do crime. Abel Olímpio era a chave bravam-se, acusavam-se, atabalhoavam-se em ar-
do mistério que parecia adensar-se de cada vez ranjos de toda a espécie” [José Brandão, p. 175].
que tentava desvendá-lo, mas ela estava dispos- Apurar a verdade não se revelou tarefa fácil, pois
ta a tudo fazer para lhe arrancar a verdade. A par- só os executantes foram julgados e condenados;
tir desse momento, dois objetivos norteavam a sua as figuras gradas e os oficiais dados como im-
vida: criar e educar o filho, à data com seis me- plicados foram todos ilibados. A condenação de
ses, e honrar o bom nome do marido, denun- Abel Olímpio e do grupo que comandou na noi-
ciando os responsáveis pelo seu assassinato. te sangrenta ocorreu em junho de 1923 e, nesse
Pouco mais de um mês após a noite sangrenta, dia, Berta Maia disse-lhe “Tu falarás, não hoje,
Berta foi convidada a ir ao governo civil a fim de neste tribunal, mas mais tarde, tu falarás. Hou-
participar no interrogatório ao “Dente de Ouro”. ve alguém dentro do movimento, ou que talvez
Apesar do estado de debilidade física e psico- nem nele tivesse entrado, que inteligente e ma-
lógica em que se encontrava, compareceu e quiavelicamente conseguiu os seus fins” [Berta
identificou-o como chefe do grupo que foi a sua Maia, pp. 16-17]. O réu foi condenado a dez anos
casa e lhe levou o marido para a morte. Ela con- de prisão maior celular, seguidos de 20 anos de
ta como esse momento foi doloroso; ter de encarar degredo. Berta considerou que o tribunal, além
o homem que lhe roubou a felicidade e lhe des- de não ter conseguido apurar a verdade, o con-
truiu a família e a vida. Confrontou-o com as men- denou sem o julgar. Teria de ser ela “a cumprir
tiras com que justificou a sua ação naquela noi- o que se [lhe] impunha como um dever para hon-
te, responsabilizou-o pelo sofrimento bem visí- rar a memória do [...] marido, desafrontá-lo do ul-
vel no seu corpo cambaleante, transformado traje da sua morte ignominiosa. Como havia [...]
numa sombra da mulher que fora: “Conheces- de encarar sem horror aquele homem que o ar-
me? Olha bem para mim! Não me deste tiros, mas rastara para o suplício, insensível às [suas] sú-
vê bem que eu sou um cadáver!” [Berta Maia, p. plicas?” [Berta Maia, p. 24]. Lutando contra a opi-
19]. Acusou-o da sua viuvez, da orfandade pre- nião e conselho de amigos e familiares, em 3 de
coce do filho e da pobreza em que vivia e im- maio de 1925 procurou o Diretor da Penitenciária
plorou-lhe que lhe contasse toda a verdade e de Coimbra para lhe pedir uma audiência com
apontasse os responsáveis da conspiração que le- Abel. Como era contra os regulamentos impor vi-
vou ao crime. Apesar da insistência, o “Dente de sitas aos presos, esta só foi possível porque ele
Ouro” apenas confirmou ter sido aliciado para aceitou recebê-la. Desta vez, Berta tentou con-
o movimento pelo padre Maximiliano Lima e às vencê-lo de que ele era, por certo, um crimino-
perguntas respondia com palavras vagas, confusas so, mas mil vezes mais criminoso era quem o ti-
e ininteligíveis. Passados alguns meses, foi cha- nha mandado executar tão hediondo crime.
mada à Prisão da Junqueira para ver se reconhecia Após a troca de algumas palavras, ele negou que
mais algum marinheiro. Reconheceu o José Car- alguém o tivesse mandado e disse-lhe para ela per-
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guntar ao tenente Mergulhão, pois fora ele que publicanos, dando-lhes caça... sobretudo aos de
lhe dera a camioneta. Ela insistiu em que ele ha- 5 de Outubro” [Berta Maia, p. 31]. Além do pa-
via de sentir remorsos e que falaria. E acrescen- dre Lima, que o aliciara e lhe entregara grandes
tou: “Os que te mandaram desejam a tua morte, quantias de dinheiro para atrair outros mari-
porque tu, vivo, és uma ameaça para eles! Eu, não. nheiros, mencionou também Gastão de Melo Ma-
Eu quero que tu vivas para que da tua boca saia tos, Luís Moutinho de Carvalho e o jornal A Épo-
a verdade que procuro!” [Berta Maia, p. 26]. Pela ca, entre outros. Confessou também que a lista
primeira vez, o “Dente de Ouro” admitiu que em que constavam os nomes dos republicanos a
“eles” haveriam de ir à prisão para o matar, o que eliminar lhe foi tirada por Virgílio Pinhão, adjunto
confirmava as suspeitas de Berta: “Alguém man- da Polícia de Segurança de Estado, já depois da
dou.” Ela insistia em saber quem eram “eles”, mas noite sangrenta. Algumas destas declarações
em vão. Por fim, o Abel desenganou-a, disse-lhe foram corroboradas pelo monárquico Gastão de
que não contasse com ele, que o esquecesse e que Melo Matos, que se assumiu como um dos che-
não o procurasse mais. Numa atitude quase de- fes da organização conservadora pronta a inter-
safiadora, respondeu-lhe “Não, não te esquece- vir nos acontecimentos em momento oportuno.
rei. Voltarei aqui. Tu mesmo me mandarás cha- Este antigo oficial do Estado-Maior declarou ain-
mar, eu virei e tu falarás!” Realmente, sete dias da que os financiadores do movimento eram o
depois, 10 de maio de 1925, Berta recebeu uma conde de Tarouca, amigo do rei no exílio, Carlos
carta do Abel Olímpio em que dizia estar disposto Pereira, dono da Companhia das Águas e do Ban-
a revelar quem matara o seu marido e que podia co Comercial de Lisboa, e monárquicos exilados
visitá-lo, acompanhada pelo cunhado e por um em Espanha: “As declarações do Abel, embora
advogado. Nas declarações prestadas e registadas, feitas naquelas circunstâncias em que nem os
sobressaía apenas o nome do sargento que dis- maiores criminosos sabem mentir, não atingiriam
parara sobre Carlos da Maia. Não satisfeita, toda a importância que têm se não pudessem ser
mais uma vez lhe implorou que contasse toda a confrontadas com as declarações de pessoas de
verdade, sem resultado. Indignada, recriminou-o categoria que com ele acamaradaram nos con-
e interpelou-o com violência. Ele, perturbado, ciliábulos revolucionários” [Berta Maia, p. 35].
comoveu-se e chorou, fez menção de falar mas Depois destas revelações, Berta de Castro e
retraiu-se mais uma vez. Embora desolada, mos- Maia pretendeu falar com o Dr. Barbosa Viana,
trou uma fé inabalável e uma esperança sem li- ex-diretor da polícia, para ouvir a sua opinião
mites em que ele um dia falaria e pediu-lhe para acerca deste assunto, visto que este já lhe tinha
pensar, refletir, pois acabaria por lhe dar razão. falado na intervenção de “elementos integralis-
Um ano depois, 6 de maio de 1926, Berta rece- tas nos crimes de 19 de outubro”. Porém, este se-
beu outra carta do Abel Olímpio, em que se mos- nhor, alegando uma indisposição, delegou a au-
trava disponível para dizer mais alguma coisa. dição em Virgílio Pinhão, o homem que supos-
No dia seguinte, partiu para Coimbra para o en- tamente teria na mão a prova da conspiração
trevistar. Quando o viu notou que estava muito monárquica, isto é, a lista dos nomes dos repu-
pálido e, julgando-o tuberculoso, disse-lhe “Ai, blicanos a abater. Alegando que Berta “possuía
Abel, como tu estás! Morres e eu fico sem saber todas as provas morais de que a morte do mari-
nada! [...]. Tu morres, marinheiro, e eu não que- do tinha vindo de monárquicos, mas não teria a
ro que morras! É preciso que o médico te trate. prova jurídica”, negou a existência de tal lista.
Desconfias? Escolhe o que quiseres. O que é pre- Ela recordou-lhe que, apesar de todos os oficiais
ciso é que vivas. Tu hás de falar. Diz a verdade, implicados terem sido absolvidos, havia quem os
quem te mandou!” [Berta Maia, p. 29] Seguiram- julgasse culpados e pediu-lhe que, se tivessem
se momentos de comoção e muitas lágrimas. To- conhecimento de algum “documento que escla-
dos os presentes o encorajaram e incitaram a fa- recesse a questão”, lho comunicassem. Este
lar sem receio, garantindo-lhe que ele não era o prometeu, mas nenhum deles a voltou a contactar.
maior criminoso. Por fim, ele contou como se viu Entretanto, Barbosa Viana e Virgílio Pinhão já ti-
envolvido num movimento conspirativo de ele- nham sido demitidos das suas funções e ainda
mentos monárquicos para liquidar alguns repu- tentaram trazer a público algo do que sabiam, mas
blicanos, citando nomes e moradas. “Falava-se foram arredados do processo e nem como teste-
em vingar a morte de el-rei D. Carlos, empalmar munhas foram ouvidos: “Berta Maia chegava ao
o movimento que se preparava, liquidando os re- fim de um percurso que ela sempre soube estar
BER 154

coberto de um extenso matagal traiçoeiro e que sempre o momento em que ele as proferiu: “Como
teimosamente aceitara desbravar com toda a ener- eu quisera descrever minuciosamente a sua figura!
gia de uma força que não podia ter, mas tinha. A Outrora, no dia da minha desdita, ousado, alti-
frágil figura de uma mulher [...] tinha vencido vo, quem sabe se julgando-se salvador. Hoje, aba-
numa luta desigual em que todos, ou quase to- tido, chorando convulsivamente, doente, tu-
dos, aceitavam a derrota do que lhes era impos- berculoso, trémulo, ante a vítima viva do seu ódio
to como verdades da noite sangrenta” [José tresloucado! Deus meu, quem soubera descrever
Brandão, A Noite Sangrenta, pp. 214-215]. Afi- a cena imensa, para que então o mundo pudes-
nal, ela conseguiu ir muito mais longe que o Tri- se julgar se ‘naquela hora – sem igual – era pos-
bunal Militar Extraordinário de Santa Clara. Mais sível mentir!’ Eu julgo-o no silêncio da minha
não poderia fazer. No entanto, não conformada consciência, ouvindo-o como ainda o ouço nes-
com o silêncio e o imobilismo das autoridades te instante... Mas não o condeno. Condenai-o Vós,
que, perante as declarações do “Dente de Ouro” Senhor, quando e como Vos aprouver!” [Berta
e de Gastão de Melo Matos não procederam ime- Maia, p. 83] Nestas páginas, que ela dizia serem
diatamente às rigorosas diligências que se im- mais um desabafo que um protesto, comentou as
punham, Berta decidiu escrever o livro para declarações do carrasco do seu marido e ques-
relatar as entrevistas com o Abel Olímpio, re- tionou a justiça dos tribunais que deixaram im-
produzindo todas as declarações registadas nos punes os verdadeiros responsáveis pelos crimes
autos. Aliás, foi ela que, perante a demora do re- da noite de 19 de outubro de 1921. Propôs até que
gisto oficial, fez todas as diligências para que as se libertasse o “Dente de Ouro”, que expiava o
mesmas fossem transcritas e assinadas por Abel “crime hediondo que outros planearam, conce-
Olímpio e pelas autoridades presentes nos in- beram e prepararam, escondendo-se atrás do seu
terrogatórios. Luís Moutinho de Carvalho e Gas- vulto de fanático boçal”. Ele, preso, garantia a im-
tão de Melo Matos, mencionados por Abel punidade dos verdadeiros criminosos, calava as
Olímpio, só foram ouvidos três e quatro meses reivindicações justiceiras da consciência públi-
depois, respetivamente, mas as suas declarações, ca e acomodava o sentido moral das cabeças bem
embora constituíssem matéria suficiente para pensantes. A primeira edição deste livro causou
prosseguir as investigações até ao apuramento da muita polémica e até uma campanha violenta de
verdade, não produziram qualquer efeito: “Os recriminações e insultos movida por alguma im-
grandes espaços de tempo que intervalam estas prensa, cujos responsáveis se sentiram atingidos
diligências sobre matéria tão grave, a falta de di- pelas declarações vindas a público. Foi o caso do
ligências complementares – não se fizeram aca- matutino monárquico e católico A Voz, sucessor
reações, nem se ouviram os muitos indivíduos de A Época, que recorreu a todos os meios para
referidos nas declarações do Abel Olímpio, [...] desacreditar a idoneidade de Berta, acusando-
mostram bem como se inutilizou todo o meu es- a até de estar ao serviço da Maçonaria. A segunda
forço e a nenhuma vontade de chegar à verdade” edição do livro incluiu algumas das acusações vei-
[Berta Maia, p. 83]. Nas considerações finais que culadas por esta imprensa, assim como as res-
Berta faz no livro que escreveu, atesta que não foi postas bem fundamentadas que o cunhado de Ber-
o ódio nem o instinto de vingança que ditaram ta lhes dirigiu em carta, visto que em 1928 a
os seus passos na procura da verdade, mas ape- ditadura militar já tinha proibido a discussão jor-
nas o “dever de mulher imensamente ultrajada nalística deste assunto. Surgia aqui também a re-
pela morte cruel, pela morte vil que deram ao ferência ao jornal A Imprensa da Manhã, “a
bem-amado da sua alma! Eu quis cumprir o meu amante mais cara do grande industrial Alfredo
dever de viúva de um homem fuzilado sem cul- da Silva”, que moveu uma virulenta campanha
pa formada e que eu sabia honrado, justo, leal e contra António Granjo, chefe do Governo, e pre-
bondoso. Eu quis que a história pudesse registar parou a atmosfera revolucionária do 19 de ou-
a verdade sobre a sua morte, que foi um crime tubro que culminou com os crimes do Arsenal.
monstruoso. Eu quis, indo até à beira do homem A ligação dos executantes dos crimes e tripulantes
sinistro e abominável, [...] arrancar da sua alma da camioneta fantasma a este órgão de impren-
turvada pelo ódio, abalando-a com as minhas sú- sa foi também muito falada e dada como prova-
plicas, a verdade que eu pressentia aferrolhada da. Berta estava consciente do papel deste jornal
no seu silêncio obstinado”. Berta nunca duvidou na preparação do clima que levou à noite san-
das palavras de Abel Olímpio e recordará para grenta, mas limitou-se a reproduzir as declara-
155 BER

ções de Abel Olímpio, circunscrevendo às mes- deixaram viúva, a sobrevivência de Berta de Cas-
mas as suas reflexões, constatações e interroga- tro e Maia e do filho passou a depender da aju-
ções. O jornalista republicano Bourbon de Me- da de familiares e amigos. Impossibilitada de
nezes foi um dos que, insensível às ameaças, manter a casa onde vivia com o marido, foi aco-
defendeu Berta e o seu livro. Mas tanto ele como lhida por uma amiga, familiar do almirante Al-
depois outros que, durante o Estado Novo, ten- meida d’Eça, que morava na Rua Buenos Aires.
taram esclarecer o público e revelar o que já se Outros amigos estão na memória da família,
tinha apurado sobre os crimes da noite sangrenta como, por exemplo, o almirante Alfredo Botelho
foram silenciados. No decurso da campanha que de Sousa, Boaventura Real, Carlos Cabral, João
a imprensa monárquica e conservadora moveu Pinto Moraes, Luís Pereira Eduardo, Nuno Teles
a fim de denegrir a sua imagem de mulher, mãe Pinto, Rocha Martins, Sebastião Peres Rodrigues
e militante católica, Berta manteve-se silencio- e o Dr. Simões Baião. Mas Francisco Sousa Ta-
sa. Só em 15 de dezembro de 1928 respondeu ao vares (filho), o afilhado de Berta, a quem ela ter-
jornal Povo para dizer que ninguém, católico ou namente tratava por Tareco, nomeia outros ami-
não, teve influência na decisão de publicar as en- gos, alguns que ele conheceu em sua casa: Ro-
trevistas com o “Dente de Ouro”: “O meu livro drigues Miguéis, António Sérgio, o padre Alves
pertence-me, exclusivamente, e quem me conhece Correia, Filomeno da Câmara e o almirante
sabe bem que eu não aceitaria influências, fos- Mendes Cabeçadas. Este jornalista e político, num
se de quem fosse. A morte do meu marido des- artigo que escreveu em A Capital, evocando o “19
pojou-me de toda a felicidade que é possível nes- de outubro”, afirma: “Vivi na minha infância essa
ta vida. Estou ainda viva porque não se morre de tragédia, com estranha intensidade, porque Ber-
dor e porque os assassinos me deixaram nos bra- ta Maia, a espantosa viúva de Carlos da Maia, era
ços uma criancinha que eu quero educar no cul- minha madrinha, a maior amiga de minha mãe,
to da puríssima memória à sombra da qual me uma das pessoas que mais marcou a minha vida.
alimento duma saudade que o tempo não apaga.” Ela foi [...] uma estátua viva de dor, de fidelida-
[Berta Maia, p. 87] Na segunda edição do livro, de, de chamamento de justiça. [...] Macerada pelo
Berta inseriu um artigo de Bourbon de Menezes, sofrimento físico, a sua face quase reduzida ao
intitulado “Páginas de sangue e agonia”, como sopro essencial da vida, os olhos imensamente
forma de gratidão por este jornalista dar voz pú- negros, brilhavam com a inteligência de sempre,
blica à sua defesa. Citam-se as palavras que me- a tentativa de compreensão, a dor invencida e in-
lhor a retratam em tempos tão conturbados: “Eu vencível, a revolta perante a morte que lhe par-
não vejo em Berta Maia – a senhora. A tragédia, tira a vida [...]. Foi ela, antes de mais ninguém,
açoitando-a na praça pública, arrancou-lhe todos que mais me ensinou o preço da justiça e o va-
os títulos. A senhora, engoliu-a a bocarra tene- lor da liberdade. Unia o amor da democracia ao
brosa da tragédia. No seu vulto sombrio, clau- mais profundo sentido cristão da existência.”
dicante e doloroso, o que eu vejo é a mulher, na [Francisco Sousa Tavares, “O 19 de outubro”, A
humildade da sua dor, que sorri, heroica, à ino- Capital, 19/10/1976, pp. 1 e 20] Berta criou e edu-
cência dum filho pequenino e da própria de- cou o filho, Francisco Manuel Carlos da Maia,
sesperação tira um alento extraordinário para a com muito sacrifício e este tornou-se um médi-
sua fé numa justiça perfeita e numa misericór- co oftalmologista muito conceituado. A sua re-
dia sem limites” [Berta Maia, p. 9]. Setenta anos ligiosidade ajudou-a a superar a dor e a ameni-
depois, José Brandão apontava algumas dificul- zar uma longa vida dedicada à memória e à sau-
dades em apurar a verdade completa dos factos, dade. A publicação das suas Entrevistas com o
apesar de muito se ter escrito sobre o assunto: “o Abel Olímpio foi um ato de coragem e um desafio
fantástico mistério que só grandes interesses são à justiça sempre submetida aos interesses do po-
capazes de perpetuar”; as precárias recolhas do- der e da política. Faleceu em 25 de janeiro de
cumentais que originaram um vasto, variado e 1973. Repousa no Cemitério dos Prazeres, no ja-
contraditório leque de opiniões, hipóteses e zigo dedicado ao marido.
conclusões; o extenso rol de indicações erradas, Fontes: Espólio particular da família de José Carlos da
enganos vulgares e outros lapsos que inundaram Maia e Berta de Castro e Maia.
Da autora: As Minhas Entrevistas com o Abel Olímpio,
as páginas de parte significativa das obras que “O Dente de Ouro”, Lisboa, 1929.
abordavam o tema e as personagens envolvidas. Bib.: Carlos Ferrão, “Os Crimes da ‘Noite Sangrenta’. A
Na sequência dos trágicos acontecimentos que a Verdade sobre a ‘Noite Sangrenta’ ”, História de Portu-
BER 156

gal (coord. João Medina), Lisboa, edição Clube Inter- Oitocentos registam-se os nomes de Ana das Pe-
nacional do Livro, 1997, pp. 231-254; Consiglieri Pereira, les, Luzia, Gertrudes Rosa Marques e Mariana
A Noite Sangrenta, Lisboa, 1924; Cunha Leal, Eu, os Po-
líticos e a Nação, Lisboa 1926; Cunha Leal, As Minhas Estopa. Ana das Peles foi uma das bonequeiras
Memórias, Lisboa, s. n., 1967; David Ferreira, “Maia, José que, a convite do Dr. José Maria de Sá Lemos,
Carlos da”, Dicionário de História de Portugal (dir. Joel diretor da Escola Industrial de António Augusto
Serrão), Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, vol. II; Fran- Gonçalves, participou no curso de olaria, exem-
cisco Sousa Tavares, “19 de outubro”, A Capital,
19/10/1976, pp. 1 e 20; Hélder Costa, O Mistério da Ca-
plificando os morosos processos de modelação
mioneta Fantasma, Lisboa, Edições Colibri, 2001; João e acabamento, precisamente a secagem, coze-
Aguiar, “Vida e morte de um marinheiro”, Macau, II sé- dura, pintura com têmperas ou óxidos e, final-
rie, n.o 6, Lisboa, Livros do Oriente, 1992, pp. 27-35; José mente, o envernizamento. Algumas das suas pe-
Brandão, A Noite Sangrenta, Testemunhos Contempo- ças encontram-se expostas no Museu Munici-
râneos, Lisboa, Publicações Alfa, 1991; Martins e Bour-
bon de Menezes, Um Marinheiro Romântico, Lisboa, s. pal da cidade. A sua irmã Luzia, casada com o
n., 1924; Raul Brandão, Memórias, Lisboa, 1983; Raul mestre barrista Caciano Ernesto, era considerada
Proença, Obra Política, Lisboa, Seara Nova, 1972; Raul uma das bonequeiras mais imaginativa. Maria-
Rego, História da República Portuguesa, Lisboa, Círculo na Estopa e Gertrudes Rosa Marques represen-
dos Leitores, 1987; Sousa Costa, Páginas de Sangue, Lis-
boa, 1938; “Macau – Palácio do Governo”, Ilustração Por- tam as bonequeiras com atividade independente
tuguesa, n.o 481, 10/05/1915, p. 606. das olarias, embora nelas tenham aprendido a
[N. M.] manipular o barro. O arqueólogo Luís Chaves
encomendou a Gertrudes Rosa Marques uma co-
Berta Falcão leção de figuras para o Museu de Etnografia. Mo-
Diretora e editora da revista Sciência Nova, ór- rava na Rua do Outeiro e, em idade avançada,
gão da União Racionalista Humanitária Uni- fabricava ganchos de meia e assobios. Da gera-
versal Oculta, destinada à defesa dos Direitos ção de Novecentos destaca-se Sabina da Con-
do Homem. Garantia a informação segura dos ceição, considerada uma das maiores intérpre-
mais abalizados profissionais nas áreas cientí- tes da barrística estremocense. Filha do mestre
fica, artística e económica e assegurava consultas Narciso, da Olaria Alfacinha, nasceu no ano
psicológicas gratuitas. A revista estava sediada 1921, em Estremoz, e faleceu em abril de 2005
na Travessa do Arco de Jesus, 1, 3.o E, em Lis- na mesma cidade. No Museu Municipal Pro-
boa. Os colaboradores apresentavam-se por fessor Joaquim Vermelho realizou-se, em 2007,
meio de iniciais e de algarismos. uma exposição sobre um representativo espó-
Bib.: A ASA, n.o 9, setembro, 1919. lio da barrista: “Coleção Sabina Santos – Bonecos
[N. M.] de uma vida”. Pertencendo à mesma família e
oficina, regista-se o nome Liberdade Banha da
Berta Miranda Conceição, casada com o mestre Mariano e na-
Atriz. Em 1915, integrava o elenco do Teatro tural de Estremoz. Em decisão autárquica de 7
Olímpia do Porto, onde entrou em Apita, Zé!, de dezembro de 1992, foi registado o topónimo
revista local de Álvaro Machado e Adriano Men- Rua Liberdade da Conceição, no Bairro da Sal-
donça, música dos maestros Pascoal Pereira e sinha (7100-102 Estremoz).
Júlio de Almeida. Bib.: AA.VV., Brinquedos de Louça de Estremoz, A Ter-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 10/03/1956, ra Portuguesa, Lisboa, 2, 1916; Joaquim Vermelho, Bar-
p. 7. ros de Estremoz, Estremoz, edição de autor, 1990;
[I. S. A.] Idem, Sobre as Cerâmicas de Estremoz. Arquivos de me-
mória, Lisboa, Edições Colibri/CME, 2005; João Falca-
Bonequeiras de Estremoz to, Bonecos de Estremoz, Malgas do Redondo e Potes de
Nisa, Mensário das Casas do Povo, Lisboa, IX, 101, 1954;
Artesãs barristas de Estremoz que modelavam Sebastião Pessanha, “Terra portuguesa”, 1.o Vol., n.o 4,
e pintavam pequenas figuras – os bonecos –, po- maio, 1916, pp. 105-106.
pularmente conhecidas por “boniqueiras”. In- [M. T. S.]
tegradas em olarias ou exercendo atividade em
regime domiciliário, o seu trabalho nunca foi re- Branca Carvalho
conhecido como ofício examinado, acentuando Aquando da sua candidatura para diretora ou
a sua desvalorização. É difícil detetar e desta- professora de Francês, ou Literatura, ou Portu-
car a presença destas mulheres, por falta de fon- guês, ou Geografia, ou História, dos liceus se-
tes. Distinguem-se duas gerações. Da geração de cundários femininos*, em 8 de abril de 1890, era
157 BRA

casada e residente no Porto. Branca Carvalho in-


dica ser habilitada com conhecimento de várias
disciplinas de instrução secundária, contudo o
seu processo de candidatura está incompleto,
pelo que não existem mais detalhes. No Anuá-
rio Comercial de 1892 para 1893 aparece refe-
rência a Branca de Carvalho enquanto diretora
do Colégio da Ave-Maria, no Largo de Santo An-
dré, no Porto.
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Bib.: Carlos A. S. Campos, Anuário – Almanaque Co-
mercial de Magistratura e Administração, Lisboa, Com-
panhia Tipográfica, 1892, p. 117.
[A. C. O.]

Branca Durão Fins


Casada com Joaquim da Silveira Santana, viveu
na década de 30 em França, tendo a casa deste
casal de comunistas funcionado, segundo José Pa-
checo Pereira, como ponto de apoio da Interna-
cional Comunista em Paris e albergou, em finais
de 1936 e durante vários meses, Álvaro Cunhal
e Francisco de Paula Oliveira (Pável). Dois anos
depois, em 1938, o casal assumiu durante es-
cassos meses a direção da organização comunista
portuguesa em França, preenchendo o período
que mediou entre a partida de Armando Maga-
lhães para Portugal, em março, e a chegada de
Francisco de Paula Oliveira, fugido do Aljube em
maio e chegado àquele país em julho. Branca Du-
rão Fins e Joaquim Santana terão regressado a Por-
tugal pouco depois, na transição da década.
Fontes: ANTT, PIDE, Serviços Centrais, Registo Geral de
Presos, liv. 36, registo n.o 7035.
Bib.: José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Bio-
grafia Política, Vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Revolucionário
(1913-1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999, p. 240; José
Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Polí-
tica, Vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clandestino (1941-
1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001.
[J. E.]
C
Cacilda Machado Pedra no Sapato. Fez teatro na Radiotelevisão
Atriz. Foi uma magnífica “ingénua”. Sabe-se que Portuguesa.
entrou em Papa Flores (1900), de Von Mozer, Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
tradução de Freitas Branco, ao lado de Adelina res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 654;
Santos. Teatro Estúdio do Salitre, Lisboa, Sociedade Portugue-
sa de Autores, Publicações D. Quixote, 1996, p. 20.
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Na- [I. S. A.]
cional D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do
Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955, p. 437.
[I. S. A.] Cândida Ribeiro Gaspar Caraça
Licenciada em Ciências Económicas e Financeiras
Camila Ávila de Castro pelo Instituto Superior de Ciências Económicas
Violoncelista, residente em Lisboa. Abrilhantou, e Financeiras (ISCEF), onde conheceu Bento de
em 1923, algumas sessões culturais e recreati- Jesus Caraça (1901-1948), com quem casou a 25
vas promovidas pelo Centro Espiritualista Luz de agosto de 1943, depois de terminado o curso.
e Amor*. Atuou ao lado da cantora lírica Maria Participou, com muitos outros jovens intelectuais,
da Madre de Deus Dinis de Almeida* e das pia- nomeadamente Cândida Ventura (n. 30/06/1918),
nistas Dinah Santos Lima* e Eulália Amado*. Lídia Monteiro (n. 31/10/1910, casada com An-
Numa destas sessões, o Dr. Carneiro de Moura tónio Aniceto Monteiro), Maria do Pilar Baptis-
proferiu uma conferência sobre o papel das mu- ta Ribeiro*, Maria Helena Correia Guedes, Maria
lheres na espiritualização da vida da humani- Lucília Estanco Louro*, Maria Olívia, Stella Fia-
dade ao longo dos séculos e Maria Veleda* leu deiro* (depois, Stella Biker Correia Ribeiro Piteira
um conto de sua autoria. Santos) e Virgínia Redol (cujo nome era Maria dos
Santos Mota), nos passeios de barco pelo rio Tejo,
Bib.: O Futuro, n.o 10, fevereiro-maio, 1923, p. 8, e n.o de características marcadamente culturais e po-
11, junho, 1923, p. 15.
[N. M.] líticas, realizados nos anos de transição da década
de 30 para a de 40. Nos anos 1940, militou na As-
Camila Simões sociação Feminina Portuguesa para a Paz*, onde
Atriz. Nasceu em Lisboa e faleceu, na mesma desempenhou as funções de 2.a Suplente (1944-
cidade, em 1905. Era muito bonita e tinha uma 1945) do Conselho Fiscal, sendo 1.a Suplente Ma-
certa aura devido a proteções ligadas à sua vida ria Lucília Estanco Louro, e associou-se à criação
íntima. Estreou-se no drama Uma Vítima, em do Movimento de Unidade Democrática. Em
1859, no Teatro da Rua dos Condes. Fez carreira 1949, já viúva e empregada nos serviços meca-
no Teatro D. Maria II até que se retirou, para se nográficos da Federação das Caixas de Previ-
dedicar à vida familiar. dência, viu-se impedida de ser promovida a che-
fe de divisão por informação desfavorável da
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- PIDE, que a considerava influenciada “pelo ma-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio Silva, 1908, p. 187; Gus-
tavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D. rido para as ideias comunistas, razão pela qual
Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centená- não deveria continuar no emprego” [Irene Pi-
rio 1846-1946, Lisboa, 1955, p. 221. mentel, p. 91]. Posteriormente, casou com An-
[I. S. A.] tónio de Seixas da Costa Leal (1921-2007), pas-
sando a assinar como Cândida Ribeiro Gaspar da
Cândida de Lacerda Costa Leal. O Arquivo & Biblioteca da Fundação
Atriz. Nasceu nas Caldas da Rainha e faleceu jo- Mário Soares contém vasta documentação refe-
vem, em 1975. Era neta da atriz Carolina Falco* rente ao casal Cândida e Bento de Jesus Caraça,
e do ator e dramaturgo Augusto César Correia de disponibilizada pelo filho de ambos, João Manuel
Lacerda (1829-1903) e familiar de Virgínia Fal- Gaspar Caraça. Dispõe, igualmente, de fotogra-
co*. Começou como atriz amadora no Teatro da fias de diversas proveniências.
Estufa Fria, em Lisboa. Entrou, no Teatro do Sa- Bib.: António Mota Redol, “A história do ceifeiro rebelde.
litre, num pequeno papel na peça em 1 ato Uma Uma biografia de Alves Redol”, Alves Redol – Horizonte
Distinta Senhora (1947) e, no Monumental, em revelado, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Mu-
CAR 160

seu do Neo-Realismo, Assírio & Alvim, 2011, pp. 242- quês de Seiglière, tradução de Luís Augusto Pal-
310; Helena Neves (pesquisa e texto), Bento de Jesus Ca- meirim, e As Jóias de Família, drama de César
raça. Fragmentos de uma vida breve, Lisboa, Escola Pro-
fissional Bento de Jesus Caraça, 1998; Irene Pimentel,
de Lacerda. Fazia parte do elenco de A Pata da
A História da PIDE, Lisboa, Círculo de Leitores – Temas Cabra, última peça a ser representada no Teatro
& Debates, 2007; Lúcia Serralheiro, Mulheres em Gru- Trindade, do Porto, antes do incêndio, a 16 de ju-
po contra a Corrente [Associação Feminina Portugue- nho de 1875. Chegou a representar no Teatro D.
sa para a Paz (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, Maria II. Em 1903, com mais de 60 anos e duas
2011; Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios.
Oposição feminina ao Estado Novo, Imprensa de Ciên- vezes viúva, trabalhava em teatros de 3.a ordem
cias Sociais, 2002. em Lisboa e no Porto. Foi numa companhia aos
[J. E.] Açores. Desapareceu de cena.
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis-
Carlota Fonseca boa, Editorial Século, 1947, p. 241; Duarte Ivo Cruz, “So-
Atriz. Nasceu a 16 de janeiro de 1875. Tinha ciologia do actor”, História do Teatro Português – O Ci-
muitas qualidades artísticas, finura e graça na- clo do Romantismo, Lisboa, Guimarães Editores, 1988, pp.
tural. Estreou-se no Teatro do Rato, na mágica 104-105; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol.
II, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 216;
Gata Branca. Na época 1903-1904, pertencia à Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional
Empresa J. J. Pinto, então no Teatro do Ginásio, D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário
onde entrou nas peças do repertório e na estreia 1846-1946, Lisboa, 1955, p. 211; Pedro Cabral, Relem-
de Gente para Alugar (1904), comédia alemã em brando... Memórias de Teatro, Lisboa, Livraria Popular,
1924; Ramalho Ortigão, Crónicas Portuenses (1859-1866),
4 atos, adaptada por Freitas Branco. Foi em di- Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1944, pp. 116 e 156.
gressão pelas províncias na companhia teatral [I. S. A.]
de Lucinda Simões*. Suicidou-se de uma jane-
la para a rua, nas Taipas. Carlota Rosa Lobato Pimentel Alegria
Bib.: Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Educadora de infância e poetisa. Natural de Évo-
Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905; ra-Monte, nasceu a 21 de agosto de 1919 e faleceu
Memórias de Chaby, Lisboa, Editora Gráfica Portugue- a 17 de março de 1976, em Évora. Frequentou o
sa, Lda. 1938, p. 78; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sé- curso superior de composição, canto e piano no
culo, 04/03/1952, p. 4.
[I. S. A.] Conservatório de Lisboa e, por ser filha de uma pro-
fessora do ensino primário, ficou instalada no Ins-
Carlota Mafra tituto Sidónio Pais, em Lisboa. Em 1941 estava nes-
Atriz. Possivelmente familiar de Bárbara Mafra ta cidade e publicava poemas nos jornais estre-
Volkart*. Integrou, em 1881, o elenco de O Luxo, mocenses Brados do Alentejo e Ecos, assinados
de António Enes, no Teatro D. Maria II, ao lado com o diminutivo familiar Lota. Seguiu para Coim-
de Emília dos Anjos* e Rosa Damasceno*. bra, onde frequentou o Curso de Didática Pré-Pri-
[I. S. A.] mária pelo Método João de Deus. Nesse período
escreveu “Vá a bater a outra porta”, letra da mar-
Carlota Porfíria Veloso cha do cortejo da queima das fitas de 1947, adap-
Atriz. Foi casada com o ator Alves (1841- tada à música La paloma. Exerceu a profissão no
11/03/1869) e era mãe das atrizes Tomásia Veloso* Colégio da D. Céu Sande Lemos, em Évora. Foi exí-
e Margarida Veloso*. Depois de viúva, casou com mia na improvisação de quadras acomodadas a mo-
o ator Francisco Emílio Salazar (1834-1892) e foi tes populares e manifestou uma imaginação mui-
com ele para Coimbra, onde ambos integraram to viva, quer em cartas versejadas dirigidas à
a companhia dirigida por Apolinário Azevedo. família e a amigos, quer em publicidade aos pro-
Iniciou a carreira, como amadora, no teatro de cor- dutos da moda. O bom humor e a ironia fina do-
del, no Teatro das Carmelitas, um barracão que minantes nas quadras contrasta com o conjunto
ficava na Cerca das Carmelitas, no Porto. Estreou- mais complexo e condensado das poesias de tra-
se, como atriz profissional, no velho Teatro da Rua ço autobiográfico, impregnados de tristeza e onde
dos Condes, a 16 de julho de 1854, num papel transparece abatimento. Existem cinco cadernos
de criança na comédia Um Casamento em Mi- de poesia na posse da família.
niatura. Em 1859, estava no Teatro de S. João, no
Bib.: Marques Crespo, Estremoz e o Seu Termo «Re-
Porto, onde fez o seu benefício com a peça Es- gional», 2.a ed., Estremoz, edição fac-similada/Centro So-
pinhos e Flores e, em 1862, representou papéis cial Paroquial Santo André, s.a., p. 175.
importantes de “característica” na comédia Mar- [M. T. S.]
161 CAR

Carlota Talassi Carlos Magno. Protagonizou os dramas em 3 atos


v. Carlota Talassi da Silva Um Auto de Gil Vicente, original de Almeida Gar-
rett, no espetáculo de gala dedicado à rainha D.
Carlota Talassi da Silva Maria II no dia do seu aniversário (17/08/1838),
Atriz de comédia e tradutora. Nasceu na freguesia Catarina Howard (1838), de Alexandre Dumas,
de Santo Ildefonso, Porto, a 20 de setembro de pai, Maria Tudor (1838), de Victor Hugo; fez os
1811 e faleceu no Campo Grande, Lisboa, a 28 papéis de “Madame” na comédia em 1 ato A Ma-
de agosto de 1891. Filha da atriz Catarina Talassi* drinha, “filha de Perez” em Estudante de S. Ciro,
e tia de Eduardo Jaime Talassi (1851-1874), mú- drama de grande espetáculo, em 5 atos, e Nova
sico e compositor, era culta, inteligente e mui- Castro, tragédia em 5 atos, em verso, de João Bap-
to considerada no meio artístico pelo compor- tista Gomes Júnior, contracenando com o ator
tamento irrepreensível. Casou com Caetano Epifânio. A 26 de outubro de 1838, a companhia
José da Silva (conhecido, entre os atores, como do Teatro da Rua dos Condes foi ao S. Carlos re-
“Silva Caneta”), tio do Dr. Augusto Carlos Tei- presentar Um Duelo no Tempo de Richelieu, em
xeira de Aragão, escritor, médico e ilustre nu- que Carlota desempenhou um papel importan-
mismata (avô paterno de Helena Augusta Teixeira te. Seguiram-se A Conquista de Lisboa (1838) e
de Aragão Breia, jornalista, conhecida pelo os dramas Os Dois Renegados (1839), em 5 atos,
nome de Helena de Aragão). Caetano José da Sil- de Mendes Leal, no papel de “Isabel”, Miguel Per-
va fez parte, juntamente com Epifânio, Mata e rin (1840), em 2 atos, que contou com mais de
Sargedas, da Sociedade de Atores, que dirigia, uma dezena de representações, Os Últimos
em 1844, a companhia artística do então Teatro Dias de Veneza (1840), O Marquês de Pombal,
Nacional da Rua dos Condes, onde atuava Car- histórico em 4 atos e 8 quadros de Cesar Perini
lota Talassi. A atriz estreou-se aos nove anos no de Lucca; foi “Esposa”, em O Proscrito (1840),
Teatro de S. João, do Porto, na peça Os Mouros de Soulié, tradução de J. Augusto Correia Leal.
em Espanha, representada para festejar o ani- Em 1841, sob a direção do conde de Farrobo, es-
versário de D. João VI, no dia 13/05/1821. Par- treava O Cativo de Fez, drama em 5 atos, origi-
tiu para Lisboa em 1825, entrou para o Teatro do nal de António Joaquim da Silva Abranches, a
Salitre e, depois, para o Teatro Nacional da Rua que se seguiram Júlia e Joaninha, comédia em
dos Condes. Voltou ao Teatro do Salitre, enquanto 3 atos, e O Doido, drama em 3 atos e 4 quadros,
o Teatro da Rua dos Condes atravessava uma cri- ambas traduzidas do francês e todas ao lado dos
se e fechou, representando os papéis de “Mãe dos grandes atores Epifânio e Tasso. Fez depois, em
Príncipes” em Os Filhos de Eduardo, drama em 1842, O Copo de Água, comédia em 5 atos, de
5 atos. Quando, em 1834, o ator Émile Doux veio Scribe, tradução de Gaudêncio Martins, A Ca-
a Portugal integrado numa companhia francesa, lúnia, comédia em 5 atos de Scribe, em que re-
os atores portugueses declamavam enfatica- presentou uma convincente cocote, A Abadia de
mente, à antiga. Almeida Garrett convidou Viterbo, no benefício de Assunção Radice*. Fi-
Émile Doux a ficar no Teatro da Rua dos Condes cou célebre nos papéis de “Henriqueta”, em O
como ensaiador com o fim específico de ensinar Homem de Cinzento (1843), “D. Maria de Por-
aos nossos atores a nova maneira de dizer e de tugal”, em D. Maria Alencastro, drama em 3 par-
se comportar em palco. Uma das discípulas foi tes de Mendes Leal, e “Margarida”, no drama Na-
Carlota Talassi. Entre 1837 e 1840, Doux dirigiu poleão do mesmo autor, inspirado em Napoléon
o elenco do Teatro da Rua dos Condes e Carlo- Bonaparte de Alexandre Dumas, “D. Maria da
ta Talassi era, em maio de 1837, a única “dama” Piedade”, em O Delito, comédia em 3 atos, imi-
e quando estava doente anulava-se o espetácu- tação de Mendes Leal, “Isabel”, em Fábio No-
lo. Entraram, posteriormente, Florinda Toledo*, víssimo de Milão (1844), e protagonizou Brazia
Delfina Espírito Santo*, Emília das Neves* e o ator Parda, drama em 5 atos de António Pereira da
Epifânio. Carlota criou, neste teatro, os papéis Cunha, e o papel feminino na farsa O Vilão em
de “Margarida de Borgonha” de Torre de Nesle, Casa de Seu Sogro. Em 1844, o Teatro da Rua dos
drama em 5 atos e 9 quadros de Alexandre Du- Condes passou a ser gerido por uma Sociedade
mas, pai, representando com o ator Epifânio, de Atores, constituída por Mata, Sargedas, Car-
“Duquesa de la Vaubalière”, na comédia Teke- lota Talassi e Epifânio, que era também diretor
li ou o Cerco de Mongatz, melodrama de Pixé- e ensaiador. O teatro fechou em 1846. Carlota foi
récourt, tradução, e “Pérola” em O Imperador escolhida para primeira-dama da Companhia
CAR 162

Dramática do Teatro D. Maria II, e entrou na an- to de Amor, A Cisterna de Albi, A Câmara Ar-
testreia integrada no elenco da peça O Senhor dente, Delito e Arrependimento, Conde Juliano,
Dumbick, comédia de Alexandre Dumas, tra- Conde de Resmeville, Luisa Bernard, original de
dução de João Baptista Ferreira, levada à cena Alexandre Dumas, pai, O Ciúme, Ambição e Re-
para festejar o aniversário do príncipe-consor- morsos. Sofria de uma lesão cardíaca e, já mui-
te D. Fernando (29/09/1845). Ficou neste teatro to doente, era levada ao Teatro D. Maria II para
até ao fim da carreira artística, que contou com assistir aos espetáculos. Faleceu, já viúva, aos 80
40 anos, criando papéis de grande importância anos, na sua casa, no Campo Grande, então ar-
em A Pobre das Ruínas (1846), melodrama em redores de Lisboa.
3 atos, de Mendes Leal, Ambição e Remorsos Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
(1847), A Sobrinha do Marquês (1848), de Al- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1267;
meida Garrett. Evidenciou-se em “Rainha do António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Sabá” na peça Templo de Salomão (1849), dra- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 187; Es-
teves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicioná-
ma bíblico em 3 atos, imitação de Mendes rio histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, he-
Leal, nos dramas Lucrécia Borgia, em 5 atos, de ráldico, numismático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João Ro-
Victor Hugo, Joana de Flandres, Filipa de Vi- mano Torres & Ca., Editores, 1909, p. 410, e Vol. VII, 1915,
lhena, de Almeida Garrett, O Capitão Paulo, em p. 16; Gervásio Lobato, “Carlota Talassi da Silva” [c/ re-
5 atos, de Alexandre Dumas, tradução livre, A trato], O Ocidente, Lisboa, Vol. XIV, n.o 462, 21/10/1891,
p. 238; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol.
Duquesa de Marsan, tradução da atriz, e A Nó- XXX, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 573;
doa de Sangue (1852), em 5 atos, tradução de A. Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional
Pires Marinho. A partir de 1853, e sob a direção D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Cente-
de cena do Dr. Luís da Costa Pereira, foi igual- nário 1846-1946, Lisboa, 1955, p. 139; José Duarte Ramalho
mente aplaudida nos dramas A Pobreza Enver- Ortigão, Teatro Contemporâneo, Lisboa, Imprensa Na-
cional, 1871, p. 9; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário
gonhada (1857), em 5 atos, inspirado em Les Pau- do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, pp. 247-
vres de Paris, original de Brissebane e E. Nus, 248; O Entre-Acto, n.os 3, 4, 6, 10, 11, 16, de 1837, e n.os
adaptação de Mendes Leal, Cora ou a Escrava- 7, 9, 13, 14, de 1840; Atalaia Nacional dos Teatros, Lis-
tura, em 5 atos, de Jules Barbier, tradução de Er- boa, Tipografia do Largo do Contador, 1838; O Desenjoativo
Teatral, Lisboa, n.os 2, 4, 6, 8, 12, 1838; A Sentinela do Pal-
nesto Biester, e na comédia em 5 atos Tartufo, co, n.o 1, 1841; Espelho do Palco, 1842; “Necrologia”, O
de Molière, traduzida em verso por António Fe- Século, 30/08/1891, p. 4.
liciano de Castilho. A última peça que repre- [I. S. A.]
sentou foi O Luxo (31/12/1859), drama, tradu-
ção de Paganino, em que foi pateada. Reformou-
se em 1860. Outras peças do seu repertório: Inês Carlota Veloso
de Castro, Os Incendiários, drama em 5 atos, tra- v. Carlota Porfíria Veloso
dução de Bayard, O Bom Amigo, Trinta Anos ou
A Vida de Um Jogador, melodrama, original de Carmen Cardoso
Ducange, tradução, os dramas Luísa de Ligue- Atriz. Nasceu em Jerez de la Frontera, Andalu-
rolles, em 4 atos, de Dinaux e Legouvé, tradução, zia (Espanha), em 1872. Veio para Portugal aos
Sineiro de S. Paulo, em 4 atos e 1 prólogo, tra- 15 anos e começou a carreira como corista no Tea-
dução do original inglês, por Ferreira, A Câmara tro de S. Carlos, em Lisboa. Estreou-se, como atriz,
Ardente, em 5 atos, de G. Marcel, tradução da em 1888, no Teatro da Trindade, Empresa Fran-
atriz, Um Erro, A Rainha e a Aventureira, em 5 cisco Palha, na ópera cómica em 5 atos Dragões
atos, de António Augusto Correia de Lacerda, O d’El-Rei, traduzida por Eduardo Garrido e Fran-
Cego, de Adolph d’Énnery e Anicet Bourgeois, cisco Palha, música de D. José Rogel, no papel de
tradução de José Lima Felner, Dr. Sesinando, e “Luísa”. Estava doente e a representação não teve
O Livro Negro. Foi tradutora de muitas peças re- o êxito esperado. Integrou, depois, o elenco da
presentadas nos teatros da Rua dos Condes e D. Companhia Sousa Bastos, que se seguiu naque-
Maria II, entre elas Cristina e Júlio ou O Afecto le teatro, em Reino das Mulheres (1890), peça fan-
Filial, em colaboração com N. J. da Silva e Eduar- tástica em 3 atos, imitação de Sousa Bastos,
do Antunes Martinho [BN, cod. 12013]; Os Er- música coordenada por Freitas Gazul, e foi re-
ros da Mocidade, Marido Rapaz e Mulher Velha, cebida sem grande entusiasmo pelo público. Pas-
comédia em 3 atos; os dramas Paula ou a Esposa sou para o Teatro da Rua dos Condes, onde fez
Virtuosa, em 5 atos, A Duquesa de Marsan, Pac- uma época, representando “vivandeira” em A Fi-
163 CAR

lha do Tambor-Mor, ópera cómica em 3 atos, tra- so por Acácio Antunes, música de F. Bernicat, In-
dução de Sousa Bastos, música de Offenbach, ao trigas no Bairro, paródia às óperas cómicas, em
lado de Pepa Ruiz*, e teve papéis na revista Fim 2 atos, de Luís de Araújo, música coordenada por
do Século (1892), de Sousa Bastos, música de Rio Eugénio Monteiro de Almeida, Copo de Prata, Úl-
de Carvalho. Foi, depois, para Madrid, onde en- timo Figurino, Burro do Sr. Alcaide, ópera cómica
trou nas zarzuelas Folies Bérgères, Espada d’Ho- em 3 atos, de Gervásio Lobato e D. João da Câ-
nor, Lucero del Alba, Diva, Miserere, Gran mara, música de Ciríaco Cardoso, A Fada do
Capitan, Bodas de Oro, Pobres Forasteros, Se- Amor, arranjo da peça italiana por Sousa Bastos
cuestrados, Diablo en el Molino, El Husar, Cha- e Acácio Antunes, música de Freitas Gazul, en-
teau Magaux, Rey que Rabió, entre outras, nos tre outras. Sempre se considerou discípula de
teatros Eslava e Príncipe Alfonso. No regresso, Afonso Taveira. Retirou-se de cena já idosa.
entrou para a Companhia Taveira, no Porto, e foi Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
muito festejada no papel de “criada” em Vinte e res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 198;
Oito Dias de Clarinha, opereta em 4 atos de H. António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Raymond & A. Mars, tradução de Gervásio Lo- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 279-280;
Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século,
bato e Acácio Antunes, música de Victor Roger. 1947, pp. 285-187; Grande Enciclopédia Portuguesa e Bra-
Em 1894, foi para o Trindade e, sob a direção de sileira, Vol. VI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo-
Sousa Bastos, seria muito aplaudida cantando o pédia, p. 904; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a
fadinho do “Carro do Jacinto”, em Sal e Pimen- Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
ta, revista em 3 atos e 12 quadros de Sousa Bas- Municipal de Lisboa, 1967, p. 411; Luís de Oliveira Gui-
marães e José Ribeiro dos Santos, Memórias dos Outros,
tos. Voltou ao Porto e, no Teatro do Príncipe Real, Lisboa, Editora Marítimo-Colonial, Lda., 1944, p. 151; Mer-
entrou em Ali... à Preta! revista do Porto, de 1897, cedes Blasco, Memórias de Uma atriz, Lisboa, Edição Viú-
em 3 atos e 16 quadros de Guedes d’Oliveira, va Tavares Cardoso, 1907; Raul Bramão, “Carmen Car-
música parte original, parte coordenada por Ci- doso”, Lisboa, O Recreio, 20.a série, n.o 14, pp. 209-210;
ríaco Cardoso. Nesse ano, integrou o elenco da Almanaque das Senhoras para 1893, Lisboa, Redação do
Almanaque das Senhoras, 1892, pp. 69-70.
Companhia Afonso Taveira que passou a dirigir [I. S. A.]
o Teatro da Trindade e brilhou em Ramerrão
(1900), revista de Acácio de Paiva e Esculápio Carmen Martins
(Eduardo Fernandes), música de Ciríaco Cardo- Atriz. Em 1912, estava no Teatro da Avenida onde
so, em Alma do Outro Mundo, Bocacio, ópera có- fez os papéis de “Amélia”, em A Dançarina Des-
mica em 3 atos, traduzida por Eduardo Garrido, calça, opereta em 3 atos, tradução de Acácio An-
música de Frédéric Suppé, A Cigarra, vaudevil- tunes, música de F. Albini, e “Irma”, em A Cas-
le em 3 atos de Meilhac e Halévy, tradução e adap- ta Susana, opereta em 3 atos de J. Okonkowsky,
tação de Acácio Antunes e Machado Correia, Pi- tradução de Acácio Antunes, música de J. Gilbert.
colino, Gato Preto, mágica em 3 atos, arranjo de
Bib.: O Palco, Lisboa, n.o 5, 05/03/1912, pp. 77 e 88.
Augusto Garraio, música de Freitas Gazul. Foi [I. S. A.]
com a Companhia Taveira ao Rio de Janeiro. Vol-
tou ao Porto e por lá se conservou algum tempo. Carmen Oliveira
Em 1903, estava no Teatro da Avenida, em Lis- Atriz. Entrou na revista O Novo Mundo (1918),
boa, onde era uma das primeiras figuras femi- em 2 atos, de Ernesto Rodrigues, Félix Bermu-
ninas. Pedia salários muito altos e, por isso, an- des e João Bastos, música de Alves Coelho e Ven-
dava de teatro para teatro. Das suas criações, sa- ceslau Pinto, no Éden Teatro.
lientam-se: A.B.C. (1908), revista de Acácio Pai-
va e Ernesto Rodrigues, música de C. Calderón Bib.: Luiz Francisco Rebello, História do Teatro de Revista
em Portugal, 2. Da República até hoje, Lisboa, Publica-
e Tomás Del Negro, Cavaleiros Andantes, Homem ções D. Quixote, 1984, p. 293; Roque da Fonseca, “Eden
da Bomba, vaudeville em 3 atos, tradução de Ger- Teatro”, O Teatro, Lisboa, n.o 1, janeiro, 1918, p. 8.
vásio Lobato e Mendonça e Costa, música de Frei- [I. S. A.]
tas Gazul, Tio Braz, opereta em 1 ato, tradução
de Garcia Alagarim, música de Offenbach, Tim Carmen Osório
Tim por Tim Tim, revista em 3 atos de Sousa Bas- Atriz. Nasceu a 8 de março de 1894, de pais es-
tos, música de Plácido Stichini, Salamandra, ope- panhóis. Era graciosa e sabia tirar o máximo par-
reta, O Meia Azul, ópera cómica de E. Dubreuil, tido dos papéis que lhe eram atribuídos. Com 14
E. Humbert e P. Burani, traduzida em prosa e ver- anos, entrou na peça A Filha do Tambor-Mor, ópe-
CAR 164

ra cómica em 3 atos, tradução de Sousa Bastos, Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 04/03/1956,
música de Offenbach, no Teatro da Trindade. In- p. 4.
[I. S. A.]
tegrou o elenco da Companhia do Teatro da Rua
dos Condes, que foi em digressão ao Brasil e en-
trou na revista O Diabo Que o Carregue, de An- Carolina Augusta de Castro
dré Brun, no Teatro Recreio do Rio de Janeiro. Foi Espírita. Em 1929 pertencia aos Corpos Sociais
muito apreciada pelo público carioca. Em 1915 do Centro Espírita de Viana do Castelo, de-
estava no Teatro Apolo Terrasse, Rua José Falcão, sempenhando as funções de secretária.
no Porto, onde entrou em A Capital Federal, ope- Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p. 5.
reta brasileira de Artur Azevedo, música do maes- [N. M.]
tro Nicolino Milano. Fez parte do elenco da re-
vista Terra e Mar, de Virgílio Pinheiro (Alfredo Carolina Corneta
Cortez), música de Filipe Duarte, no Teatro Na- Nasceu em Alhandra em 1916, ficou órfã de mãe
cional do Porto, em 1918. Chegou a ser primei- muito nova e viveu a infância e a adolescência
ra figura da Companhia Ruas. A 25 de junho de com os avós paternos até o pai reconstituir a vida
1920, colaborou na festa infantil comemorativa conjugal. Começou a trabalhar como criada
do terceiro aniversário da Casa dos Filhos dos Sol- com apenas oito anos, após ter frequentado a 2.a
dados, realizada no parque das suas instalações, classe, laborou na Juta, Sociedade Têxtil do Sul
na Rua da Cedofeita, 452-460, naquela cidade. Lda. e, posteriormente, em casa. Depois de vi-
Nesse evento contracenou com Vasco Santana, ver maritalmente com João Corneta, casou pelo
Maria Luísa de Almeida, Maria Soares, Caetano Registo Civil após o nascimento da filha e habitou
Reis Matias de Almeida, Esmeraldo Matos e Rei- a casa dos sogros. Mulher de um militante co-
naldo de Azevedo. A Casa dos Filhos dos Sol- munista de Alhandra, preso dois dias depois no
dados foi criada pela Junta Patriótica do Norte, local de trabalho, na fábrica do Cimento Tejo, na
em 25 de maio de 1917, para acolher e educar os sequência da Marcha da Fome e das greves de
órfãos de guerra, sendo dirigida pelo Núcleo Fe- 8 de maio de 1944, e a quem não terá sido aber-
minino de Assistência Infantil*. Retirou-se de cena to qualquer processo nem terá sido julgado, ape-
em data desconhecida. sar de enviado para o Aljube, onde permaneceu
Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916 três meses. Embora o casal lesse o Avante!, o ma-
– 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua rido é que era ativista do Partido Comunista Por-
obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos tuguês, distribuindo o jornal na fábrica onde tra-
Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica balhava. Antónia Balsinha incluiu o nome de Ca-
do Porto, Lda., 1932, p. 74; Américo Lopes de Olivei-
ra, Dicionário de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Ir- rolina Corneta no estudo pioneiro que fez sobre
mão, Editores, 1981, p. 995; Grande Enciclopédia Por- o papel das mulheres de Alhandra na resistên-
tuguesa e Brasileira, Vol. XIX, Lisboa/Rio de Janeiro, Edi- cia ao fascismo nos anos 40, tendo-a entrevistado
torial Enciclopédia, p. 717; Pedro Cabral, Relembrando... a 24 de março de 2000.
Memórias de teatro, Lisboa, Livraria Popular, 1924; Ra-
fael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, circos e mais Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
diversões de outras épocas, Porto, Domingos Barreira Edi- sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
tor, 1943, p. 34. sência, 2005.
[I. S. A./N. M.] [J. E.]

Carmen Vaz Figueiredo Carolina da Assunção Lima


Espírita e membro do grupo editorial da revis- Mestra de lavores femininos na Escola Infante D.
ta O Futuro*, periódico que divulgava o espiri- Henrique, no Porto, a partir de 1893. Nasceu em
tismo filosófico, científico e experimental, fun- 26 de abril de 1862, em Santarém e foi batizada
dado em 1921 e que substituiu A ASA*, órgão do na Igreja de S. Nicolau da mesma cidade. Fale-
Centro Espiritualista Luz e Amor*. ceu no Porto, em 27 de setembro de 1948. Com-
Bib.: O Futuro, 31/03/1925, p. 74. pletou dois cursos de instrução primária ele-
[N. M.] mentar, o antigo e o moderno, na Escola Normal
de Lisboa e exerceu o Magistério Primário no Asi-
Carolina Augusta de Almeida lo da Ajuda entre 9 de abril de 1884 e 26 de se-
Atriz. Entrou no drama Eufémia e Polidoro tembro de 1885. Concluiu o curso complemen-
(1834), no Teatro S. João do Porto. tar da Escola Normal do Porto, em 14 de agosto
165 CAR

de 1890, com a classificação de Bom. Tendo tra- lidades e Representações, Dissertação de Doutoramen-
balhado, na cidade invicta, como professora aju- to, Lisboa, Universidade Aberta, 2008.
[T. P.]
dante na Escola de Massarelos, em 31 de janei-
ro de 1891 assumiu o lugar de professora primária
Carolina de Oliveira
elementar e complementar na Escola da Anadia
Atriz. Em agosto de 1857, trabalhou na Com-
(Aveiro), onde se manteve até 9 de abril de 1893.
panhia de Francisco Fernandes, ator e empre-
Em 1892 participou, com uma comunicação in-
sário do Jardim Mitológico, e, depois, na Com-
titulada Anotações à Instrução Primária Femi-
panhia Portuguesa Lírico-Dramática, ao tempo
nina, no Congresso Pedagógico Hispano-Portu-
de Ludovina*, Maria José Fernandes* e Amélia
guês-Americano que teve lugar em Madrid [so-
Guilhermina*.
bre as ideias pedagógicas que expressou neste
Congresso, ver Dicionário de Educadores Por- Bib.: Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, De-
tugueses, dir. de António Nóvoa]. Em 19 de de- cadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Roma-
no Torres & Ca., 1922, p. 125.
zembro de 1893, entrou ao serviço do Ministé- [I. S. A.]
rio das Obras Públicas, Comércio e Indústria,
tendo sido nomeada, como mestra provisória, Carolina Emília
para a Escola Industrial Infante D. Henrique, no Atriz que se especializou em papéis de segun-
Porto. Foi substituir a anterior mestra, Albina Cân- da dama. Nasceu em Lisboa, em 1826, e faleceu,
dida Pereira Magro*, no ensino de lavores femi- na mesma cidade, a 2 de outubro de 1877. Es-
ninos e de costura no curso industrial de costu- treou-se no Teatro Nacional da Rua dos Condes
reira. Em setembro de 1895 requereu autorização a 8 de outubro de 1843, na farsa, em 1 ato, O Sur-
para acumular o curso de bordadeira na mesma do, e com maior relevo na comédia O Homem
escola. Na sequência do decreto de 14/12/1897, de Cinzento, a 16 do mesmo mês, onde fez o pa-
que reorganizou o ensino nas escolas industriais pel de “Ema”, ao lado de Vitoriano Ciríaco da Sil-
e de desenho industrial, passou a auferir, como va. No mesmo ano, entrou em O Vilão em Casa
mestra e em conformidade com a tabela anexa ao do Seu Sogro, farsa, ao lado de Carlota Talassi*,
referido decreto, um vencimento de 300$000 réis e protagonizou A Hospedeira da Carruagem
anuais. Ainda exercia à data da implantação da Acria ou O Marido da Atriz, traduzido de Les Ca-
República. Sublinhe-se que, até ao ano letivo de binets Particuliers por António Feliciano de Cas-
1907/08, a oficina de lavores femininos da Escola tilho. Fazia parte do elenco que inaugurou o Tea-
Industrial Infante D. Henrique foi a única em fun- tro D. Maria II, em 1846, e ali fez carreira no gé-
cionamento no conjunto das escolas industriais nero de comédia. Também foi neste teatro que
da circunscrição do Norte. Naquele ano inau- teve uma desavença, a que não foi alheia Emí-
guraram-se as oficinas de trabalhos para o sexo lia das Neves*, e disparatou a ponto de ser man-
masculino na Escola Brotero, em Coimbra. dada prender, no Aljube, pela Comissão Inspe-
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério da tora dos Teatros. A 11 de setembro de 1848 foi
Educação, Fundo da Direcção Geral do Comércio e In- promovida a atriz de 2.a classe. Em 1853, inte-
dústria do Ministério das Obras Públicas, Série Pessoal, grou a nova companhia no Teatro D. Maria II,
Cadastro do Pessoal das Escolas Industriais da Cir-
cunscrição Norte (1894) e Relação do Pessoal das Escolas quando era comissário do Governo Sebastião Ri-
Industriais da Circunscrição do Norte (1894); Arquivo beiro de Sá. Além das peças em repertório, sa-
Histórico do Ministério das Obras Públicas, Fundo do Mi- lienta-se a sua atuação em O Livro Negro (1858),
nistério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Re- drama em 5 atos e 6 quadros de Léon Gozlan, tra-
partição de Indústria, Registo de Correspondência Entrada
(1895-1896; 1896-1897). Fontes impressas: Decreto de
dução de Pedro Vidoeira, em estreia, e As Joias
14/12/1897, Diário do Governo, n.o 283, de 15 de de- da Família (1862), de César de Lacerda. Saiu de
zembro de 1897; Anuário Comercial de Portugal, Ilhas cena reformada em societária de 1.a classe. Foi
e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910. companheira do conhecido ator António Teo-
Bib.: Teresa Pinto, “Instrução e feminidade: a pluralidade dorico Baptista da Cruz (1818-1885).
dos discursos em finais de oitocentos”, Zília Osório de
Castro (dir.), Falar de Mulheres. Da igualdade à paridade, Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Lisboa, Livros Horizonte, 2003, pp. 261-278; Idem, “En- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 358;
sino industrial feminino oitocentista”, Dicionário no Fe- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
minino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, Lisboa, Imprensa Libânio Silva, 1908, p, 187; Gustavo
pp. 311-315; Idem, A Formação Profissional das Mu- de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D. Ma-
lheres no Ensino Industrial Público (1884-1910). Rea- ria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário
CAR 166

1846-1946, Lisboa, 1955, p. 115; Luiz Francisco Rebel- a ópera cómica francesa, e em que desempenhou
lo (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo alguns papéis. De seguida, foi para o Teatro do
Editora, 1978, p. 265; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sé-
culo, 04/02/1952, p. 4. Príncipe Real e, sob a direção do ator Carlos San-
[I. S. A.] tos, estreou-se na protagonista de Grã-Duquesa de
Gerolstein, ópera burlesca, em 3 atos e 4 quadros,
Carolina Falco de Lacerda de Meilhac e Halévy, tradução de Eduardo Gar-
Bailarina e atriz que se notabilizou no género de rido, música de Offenbach, e protagonizou A Har-
dama coquete. Nasceu em Lisboa a 16 de janei- pa de Deus, poema dramático com música de João
ro de 1839 [Luiz Francisco Rebello aponta a data Pedro Gomes Cardim. Percorreu os teatros do Gi-
de 24 de fevereiro] e faleceu em Pernambuco, Bra- násio, onde representou, ao lado do marido, en-
sil, a 26 ou 28 de agosto de 1906. Era filha de um tão empresário deste teatro, a peça em 1 ato Cle-
casal de italianos que trabalhavam no Teatro de ro, Nobreza e Povo e Os Homens Que Riem (1870),
S. Carlos. Ainda bebé, entrou numa peça, no Tea- comédia em 3 atos, ambas de César de Lacerda,
tro da Rua dos Condes, figurando a filha da pro- Baquet, do Porto, e Micaelense, da ilha de S. Mi-
tagonista de um drama. Começou a carreira guel (Açores), onde representou todos os géneros
artística como dançarina nos bailados do Teatro teatrais e foi muito festejada pelo público. De vol-
da Rua do Salitre, onde entravam muitas crian- ta a Lisboa, em 1873, passou pelos teatros do Prín-
ças. Entre os 10 e os 13 anos, foi bailarina no Tea- cipe Real com parte do seu repertório e O Monarca
tro de S. Carlos, enquanto cursava a Aula de Mú- das Cochilas, comédia em 3 atos de ambientes bra-
sica no Conservatório Nacional e, aos 14 anos, can- sileiros, original de César de Lacerda, D. Amélia,
tava naquele teatro. Estreou-se, como profissio- e acabou por se fixar no D. Maria II, então ex-
nal, no Teatro S. João, do Porto, em 1858, nas ópe- plorado por Carlos Santos. Ali criou “Marion”, de
ras cómicas Fra Diavolo e Dominó Negro, ambas As Mulheres de Mármore, de T. Barrière e L. Thi-
de Eugène Scribe, música de Auber. Nas épocas boust, tradução de César de Lacerda, e conquis-
de 1858 a 1863, apareceu como 2.a dama na com- tou um lugar de destaque na Empresa Meneses,
panhia lírica do Teatro de S. Carlos, fazendo par- que sucedeu à Companhia Santos. Neste teatro,
te das representações de Il Lombardi e Favorita representou as peças de César de Lacerda: Homens
(1858), Macbeth e La Traviata (1859), de Verdi, e Feras (1874), drama em 3 atos e 1 prólogo, Os
e Sonambula (1860), de Bellini. Entretanto, fre- Viscondes de Algirão (1875), comédia-drama
quentava os teatros de música ligeira e foi mui- em 3 atos, e O Botão de Âncora (1876), melodrama
to bem recebida no papel de “Teresa Pomares”, patriótico em 5 atos, que deu 24 representações.
uma saloia velha, na estreia da peça em 1 ato Zé Seguiram-se O Genro do Sr. Poirier (1876), de Au-
Canaia Regedor (1860), cena de costumes, orna- gier, tradução de Ernesto Biester, A Corte na Al-
da de coplas, cantigas populares, coros e des- deia (1876), imitação do drama de Theodore Bar-
garradas, organização portuguesa de Luís de rière Les Ivresses de L’Amour por Mendes Leal,
Araújo Júnior, em benefício do ator Taborda, no O Bobo (1877), de Alexandre Herculano, adap-
Teatro do Ginásio. Em 1863, foi contratada como tação de Carlos Borges, no benefício do ator Joa-
dama de contralto pela Companhia do Teatro Lí- quim de Almeida, Capitão Paulo, de Alexandre
rico do Rio de Janeiro, cidade onde casou com o Dumas, Asmodeu (1879), comédia em 4 atos em
ator e dramaturgo Augusto César Correia de La- verso, adaptação de César de Lacerda, e prota-
cerda (1829-1903), de quem teve três filhos: Au- gonizou A Morgadinha de Valflor, drama em 5 atos
gusto Carolino Correia de Lacerda, dramaturgo, de Pinheiro Chagas. Em 1880, o Teatro D. Maria
Júlio de Lacerda e Carlos Correia de Lacerda, que II passou a ser explorado pela Sociedade dos Ar-
se estreou como ator no Teatro da Rua dos Con- tistas Dramáticos Portugueses, que se estreou com
des, em 1895, ao lado de Lucinda Simões*. Ca- A Estrangeira, original de Alexandre Dumas, fi-
rolina Falco fez, de seguida, uma digressão a Bue- lho, tradução de António Enes, e Carolina Falco
nos Aires, com a Companhia do Teatro Lírico. foi escolhida para o papel de “Mrs. Clarckson”.
Apoiada pelo marido, enveredou pelo teatro de- Fez o benefício, a que tinha direito, com As Duas
clamado, género em que atuou em vários teatros Damas (1881), de P. Ferrari, tradução de Pinhei-
do Brasil. Depois de uma longa digressão por aque- ro Chagas, protagonizou A Filha de Corália
le país, voltaram a Lisboa, em 1868, e a atriz in- (1881), em adaptação de Eduardo Schwalbach, e
gressou no elenco do Teatro da Trindade, então a comédia em 1 ato A Serenata de Schubert, ori-
dirigido por Francisco Palha, que ali implantara ginal de Eça Leal, em que contracenou com o ator
167 CAR

João Rosa, brilhou nos papéis de A Martha, dra- rechala (1899), comédia de Alphonse Lemonnier
malhão de Georges Ohnet, arranjo de Guiomar Tor- e Jean-Louis Perricaud, tradução de João Francisco
rezão, em 1881, de “Matilde”, na estreia de Ca- Xavier de Eça Leal, João José (1899), drama em
samento Civil (1882), comédia-drama em 4 atos 4 atos de Joaquim Dicenta, tradução de João So-
de Cipriano Jardim, e de “Emília”, de Otelo. Em ler, A Lagartixa, comédia em 3 atos, original de
1882, integrou a companhia do Teatro da Rua dos George Feydeau, tradução de Eduardo Garrido, e
Condes, que se deslocou ao Teatro dos Recreios no papel de “Mme. Petypon”, Lálá (1900), de Ber-
para representar O Grande Industrial, drama de ton e Simon. Em 1901, regressou ao Teatro D. Ma-
Georges Ohnet encenado por Carlos de Moura Ca- ria II como societária de 1.a classe e foram-lhe con-
bral. De volta ao D. Maria II, entrou em A Linda fiados papéis de responsabilidade em As Semi-
de Chamounix, original de Donizetti, tradução de virgens (1901), adaptação do drama Les Demi-Vier-
Francisco Palha, repetiu o benefício a 26 de janeiro ges de Marcel Prévost, por Carlos Selvagem, Amor
de 1884, com Flor dos Trigais, comédia em ver- de Perdição (1903), extraído do romance de Ca-
so de Augusto Lacerda, salientou-se em “Sra. Bris- milo Castelo Branco, por D. João da Câmara, Ca-
sot”, de Dionísia, de Alexandre Dumas, filho, tra- samento de Conveniência (1904), peça em 4 atos
dução de Guiomar Torrezão, entrou em O Mari- de Joaquim José Coelho de Carvalho, em estreia,
do (1885), de Eugène Ives e Arthur Arnold, tra- Cavalaria Ligeira, de Courteline, Os Filhos
dução de Abreu Marques, em O Duque de Viseu, Alheios (1904), de Brieux, Engano da Alma
drama histórico em 5 atos e em verso, de Henri- (1904), peça em 1 ato de João Gouveia, Os Velhos
que Lopes de Mendonça, no papel de “Infanta D. (1906), de D. João da Câmara, A Dúvida (1906) e
Beatriz”, e em Martin, extraído do romance de Ri- Aspásia, ambas da autoria do filho, Augusto La-
chebourg, por Adolph d’Ennery, traduzido por cerda. Em 1906, foi na Companhia Ângela Pinto
Guiomar Torrezão. Em 1886, era societária da em- em digressão ao Rio de Janeiro e Pernambuco,
presa artística do Teatro D. Maria II, ali fez be- onde faleceu. Outras peças do seu repertório: O
nefício com Samuel (1887), da autoria de seu fi- Judeu Polaco, drama em 3 atos e 5 quadros, de Erk-
lho Augusto Lacerda, no papel de “Sara” e con- mann-Chatrian, vertido para português por João
tinuou, com as melhores referências da crítica, em Soler; Marquês de Villemer, de Georges Sand, e
Hamlet (1887), tragédia de Shakespeare, tradução, Antony, de Alexandre Dumas, ambas traduzidas
no papel de “Rainha da Dinamarca”, Surpresas por Ramalho Ortigão, Lua de Mel, peça em 1 ato,
do Divórcio (1888), de Bisson, O Íntimo (1891), de Echegaray, versão de Leopoldo de Carvalho,
de Eduardo Schwalbach; criou “Marieta”, de A A Arlesiana, de Daudet, os dramas O Xaile de Ca-
Madrugada (1892), comédia em verso em 4 atos, chemira, de Alexandre Dumas, e O Suplício de
de Fernando Caldeira, e a protagonista de Os Cas- Uma Mulher, em 3 atos, de Girardin, ambas em
tros (1893), de Marcelino Mesquita. No verão de tradução de César de Lacerda, As Comoções, co-
1895, depois de uma digressão pelo Brasil, inte- média em 1 ato, e Não Há Fumo sem Fogo, pro-
grou uma companhia dramática organizada pela vérbio em 12 atos, ambas as peças imitadas do
atriz Virgínia* e pelo diretor de cena do Teatro D. francês por César de Lacerda, Os Burgueses de
Maria II, Augusto de Melo, para percorrer as pro- Pontarcy, drama em 5 atos, tradução de Chaves
víncias. Levaram algumas peças do repertório do de Aguiar, As Pragas do Coronel, Terra Mater, peça
teatro e inéditas, entre elas A Toutinegra Real, em em 1 ato de Augusto Lacerda, Posso Falar à Sra.
4 atos, de D. João da Câmara, escrita expressamente Queiroz?, farsa em 1 ato, imitação de Aristides
para a digressão, e A Evasão, traduzida por Fia- Abranches, a comédia Miguel, o Torneiro, Calú-
lho de Almeida, para ser representada por Caro- nia, drama em 5 atos, tradução de Rangel de Lima
lina Falco. No regresso, protagonizou O Velho e Ferreira Mesquita, Elogio Mútuo, tradução de
Tema (1896), de Marcelino Mesquita, fez os pa- Camaraderie de Scribe por João Ricardo Cordei-
péis de “Maria do Ó”, em A Triste Viuvinha (1897), ro Júnior, Os Mistérios Sociais, peça em 4 atos, de
opereta de D. João da Câmara, e “Pepa”, em Ma- César Lacerda, Chuva e Bom Tempo, Sociedade
nelick, drama em 3 atos, original do catalão D. An- onde a Gente se Aborrece, comédia de costumes
gel Guimera, vertido em castelhano por José Eche- de Édouard Pailleron, e O Paralítico, drama em
garay, tradução livre de João Soler. Em 1898, acom- 5 atos, em verso, de Ferreira de Mesquita.
panhou a Empresa Rosas & Brazão para o Teatro Da autora: Colaborou em Tragédia, Lisboa, n.o único pu-
D. Amélia, então explorado pelo visconde de S. blicado pela Sociedade dos Artistas Dramáticos do Tea-
Luís de Braga, e ali foi muito aplaudida em A Ma- tro D. Maria II, 1885.
CAR 168

Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- março de 1999, com 87 anos. Aos 15 anos par-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 382; tiu, com a mãe, para Lisboa e estudou no Liceu
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Lisboa, Imprensa Libânio Silva, 1908, p. 187; Carlos San- Maria Amália Vaz de Carvalho, a funcionar no
tos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de um acctor, Largo do Carmo. Tornou-se, nos anos 1930,
Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, destacada militante e dirigente comunista, com
1950, pp. 115, 154 e ss; Esteves Pereira e Guilherme Ro- passagens pela União Soviética e missões da In-
drigues, Portugal. Dicionário histórico, corográfico, bio-
gráfico, bibliográfico, heráldico, numismático e artísti-
ternacional Comunista na Espanha republicana
co, Vol. III, Lisboa, João Romano Torres & Ca., Editores, durante a Guerra Civil, estando parte do seu per-
1907, pp. 272-273; Francisco Fonseca Benevides, O Real curso envolvido em mistério e polémicas, no-
Teatro de S. Carlos de Lisboa, Lisboa, Tipografia Castro meadamente a partir do momento em que, pre-
Irmão, 1883, p. 269; Gabriel Cláudio [Guiomar Torrezão], sa, se envolveu emocionalmente com o inspetor
“Rumores dos palcos”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa,
15/01/1881; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, da PIDE que trabalhava no seu processo. Prima
Vol. X, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, pp. dos ativistas comunistas Álvaro (1910-1975) e Da-
860-861; Guiomar Torrezão, “Carolina Falco”, Almana- lila Duque da Fonseca* (15/01/1911-1992), era,
que das Senhoras para 1886, Lisboa, Redação do Al- tal como aqueles, originária de Cabo Verde e di-
manaque das Senhoras, 1885, pp. 203-204; Júlio César
Machado, Os Teatros de Lisboa, Editorial Notícias, rigente da Federação das Juventudes Comunis-
1991; Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de tas Portuguesas nos primórdios da década de
Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905; 1930, depois de ter aderido por intermédio de José
J. M. Teixeira de Carvalho, Teatro e Artistas, Coimbra, Im- Grácio Ribeiro, estudante de Direito mais tarde
prensa da Universidade, 1925, p. 60; Memórias de
Eduardo Brazão, que seu filho compilou e Henrique Lo-
afastado e que enfileirou na União Nacional. In-
pes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa da Revis- tegrou a primeira célula feminina comunista, or-
ta de Teatro, Editora, 1.a edição, pp. 159 e 394; Diário Ilus- ganizada por Wilma Freund, cedo se tendo no-
trado, 03/12/1877, 21/03/1878, 22/10/1879, 11/02/1880, tabilizado pela dedicada militância e enquanto
22/02/1880, 14/05/1880, 21/05/1880, 19/03/1882, autora de parte dos artigos da imprensa da
21/01/1884 e 13/05/1884; Almanaque dos Teatros, para
1879, continuação do Almanaque da Senhora Angot, por FJCP. Presa pela primeira vez a 6 de setembro de
Mendonça & Costa, 4.o Ano, Lisboa, Livraria Pacheco & 1932, passou pela Cadeia das Mónicas, saiu em
Carmo, 1878; O Recreio, Lisboa, 4.a série, n.o 16, liberdade um ano depois e engravidou de seguida,
28/11/1887; “Carolina Falco”, O Recreio, Lisboa, 15.a sé- em resultado da união com o seu companheiro
rie, n.o 14, 10/07/1893, p. 160; Tardes e Noites, n.o 1,
11/11/1897, p. 11, e n.o 6, 19/11/1897, p. 5; A Scena, Lis- Carlos Luís Correia Matoso (n. 15/07/1908), di-
boa, n.o 50, 17/04/1898; O Século, 02/01/1903, p. 2; “Tea- rigente do Partido Comunista, que não terá che-
tros – Foi neste dia...”, O Século, 24/02/1960, p. 4. gado a conhecer a filha Helena: julgado à reve-
[I. S. A.] lia em 20 de outubro de 1934 e condenado a dez
anos de degredo, foi preso em 11 de maio de 1938,
Carolina Felgas tendo passado sucessivamente por diversas es-
Atriz. Era muito elegante e teve alguma proje- quadras, Cadeia do Aljube, Forte de Caxias e de
ção no Teatro da Trindade. Entrou na estreia de Peniche, até ser enviado para o Campo de Con-
A Gata Borralheira (1869), mágica em 3 atos e centração do Tarrafal, onde entrou a 20 de junho
14 quadros, arranjo de Joaquim Augusto de Oli- de 1939. Solto em 20 de dezembro de 1945, re-
veira, com música de Ângelo Frondoni. Deixou gressou a 10 de janeiro de 1946 e emigrou para
o teatro e tornou-se dona de uma casa de hós- o Brasil, onde se suicidou “passado pouco tem-
pedes de gente pacata, situada na sobreloja do po, em condições misteriosas” [Edmundo Pedro,
n.o 80 da Rua da Condessa, de que há notícia de p. 131]. Em março de 1935, Carolina Loff partiu
ter funcionado entre 1883 e 1891. para a União Soviética com a bebé, a convite de
Bib.: Eduardo de Noronha, Reminiscências do Tablado, Francisco Paula de Oliveira, frequentou a Esco-
Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927, p. 100; Gusta- la Leninista, da Internacional Comunista, com o
vo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lis-
boa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lis-
pseudónimo Ana Marta, e quando Bento Gon-
boa, 1967, pp. 157 e 238. çalves e Álvaro Cunhal foram a Moscovo, nesse
[I. S. A.] mesmo ano, reencontraram-na a trabalhar “como
intérprete e tradutora nas edições em língua es-
Carolina Loff da Fonseca trangeira” [JPP, vol. 1, p. 130], destinadas so-
Filha de Domingos José da Fonseca e de Caroli- bretudo ao Brasil. Aí, lidou com alguns dos no-
na Leger Loff, nasceu em Cabo Verde (Praia, San- mes importantes da Internacional Comunista que,
tiago) a 12 de novembro de 1911 e faleceu a 6 de em 1937, a enviaram para Espanha com a fina-
169 CAR

lidade de montar uma emissora clandestina do apurar o real envolvimento com os serviços de
Comintern para Portugal (mais conhecida por rá- espionagem soviética, já que se revelara um qua-
dio do PCP) que passasse por funcionar em Lis- dro ao serviço da Internacional Comunista com
boa e denunciasse o apoio do Governo aos re- tarefas atribuídas em Espanha e Portugal e que
voltosos espanhóis, o que sucedeu [JPP, vol. 1, p. continuou sempre a entrar e sair da URSS com
382]: a emissão “era feita a partir do próprio edi- enorme facilidade. O seu nome, a par do de He-
fício da sede do PCE em Valência e transmitida lena [Vieira] Faria, constou como exemplo nefasto
pela Telefónica para Madrid”, fazendo quase tudo nas primeiras edições do importante manual po-
sozinha – “era a locutora e redigia grande parte lítico de conduta em caso de detenção pela po-
do material que era transmitido” [JPP, vol. 1, p. lícia política Se Fores Preso, Camarada..., bem
295]. Além disso, “lidava diretamente com os como no Lutemos contra os Espiões e Provoca-
mais altos responsáveis do PCE” [JPP, vol. 1, p. dores – Breve história de alguns casos de pro-
264] e “intervém diretamente junto da comuni- vocação no PCP, da autoria do Secretariado do
dade portuguesa exilada em Espanha, informando CC do PCP e saído em 1952. Usou ainda os pseu-
sobre o seu comportamento político quer o dónimos Berta, Marta da Costa e Sylvie. Edmundo
PCE, quer os serviços de informação associados Pedro manteve relações de amizade com Caro-
ao secretariado de Togliatti/‘Alfredo»’ ” [JPP, vol. lina Loff, que lhe apresentou a filha, então já se-
1, p. 383], usando um passaporte belga em xagenária, criada e educada na União Soviética,
nome de Berthe Mouchet. Nesse ano de 1937, o sendo uma dos muitos estrangeiros, incluindo fi-
seu nome surgiu como possibilidade para subs- lhos de portugueses, que passaram pela Escola
tituir Armando Magalhães em Paris, o quadro Internacional de Ivanovo. Pacheco Pereira, no pri-
mais influente naquela cidade e em rota de co- meiro volume dedicado à biografia política de Ál-
lisão com as orientações de Francisco de Paula varo Cunhal, insere uma fotografia sua. O per-
Oliveira, então o principal dirigente do PCP, numa curso intrigante e enigmático de Carolina Loff saiu
tentativa de solucionar conflitos internos que se reforçado por se ter recusado sempre, apesar da
arrastavam sem solução a contento deste. Em sua longevidade, a esclarecer episódios dessa vi-
1938, fez parte da direção da União Antifascis- vência, originando a obra de ficção O Enigma de
ta dos Portugueses Resistentes em Espanha, se- Zulmira, de Vasco Graça Moura.
diada em Madrid, trabalhou no Comité da Fren- Bib.: Anabela Natário, “Carolina Loff”, Portuguesas
te Popular em Barcelona e manteve-se naquele com História – Século XX, Temas & Debates, 2008, pp.
país até ao fim da Guerra Civil, tendo sido pre- 134-143; Armindo Rodrigues, Um Poeta Recorda-se. Me-
sa e torturada pelos franquistas, afirmando-se en- mórias de uma vida, Lisboa, Edições Cosmos, 1998; Co-
tão como jornalista belga. As autoridades espa- missão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Presos
Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939, Mem Mar-
nholas entregaram-na na fronteira portuguesa em tins, 1982, pp. 311-312; Edmundo Pedro, Memórias. Um
outubro de 1939, “acompanhada por um perso- combate pela liberdade, I Vol., Lisboa, Âncora Editores,
nagem misterioso [Nikolas Gargoff], suposto 2007; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Bio-
delegado da IC, e que vai ter um papel igualmente grafia Política, Vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Revolucionário
(1913-1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999; José Pacheco
obscuro no processo da ‘reorganização’ ” [JPP, vol. Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política, Vol. 2
1, pp. 372-373] do Partido Comunista Português – “Duarte”, o Dirigente Clandestino (1941-1949), Lisboa,
em 1940-1941, e ao não ser, estranhamente, de- Temas e Debates, 2001; Secretariado do CC do PCP, Lu-
tida, regressou à luta política dentro do núcleo temos contra os Espiões e Provocadores – Breve histó-
dirigente daquele. Até ser presa em maio de 1940, ria de alguns casos de provocação no PCP, Editorial Avan-
te!, 1952; Se Fores Preso, Camarada..., Editorial Avan-
viveu clandestina, usou o nome de Maria Luísa, te!, 1947; Vasco Graça Moura, O Enigma de Zulmira, Lis-
manteve estreita colaboração com Álvaro Cunhal boa, Livros Quetzal, 2002.
no Secretariado, contribuiu para a redação de do- [J. E.]
cumentos políticos e de textos sobre a política in-
ternacional do movimento comunista, bem Carolina Matilde Esmeraldo
como interveio na sua distribuição. Devido ao Nasceu em S. Miguel, Açores, em 20 de maio de
comportamento na prisão, chegando a ser aca- 1806. Era filha do brigadeiro José Joaquim Bet-
reada com Álvaro Cunhal e Francisco Miguel, e tencourt Esmeraldo e de Rita Berenguer de
ao facto de se ter ligado ao subinspetor da PIDE Araújo Esmeraldo, ambos naturais da Madeira.
Júlio de Almeida, com quem viveu, viria a ser ex- Traduziu ou imitou do alemão A Estátua de S.
pulsa do Partido na década de 1940, estando por Jorge, publicado em Paris pela Tip. de Firmin Di-
CAR 170

dot, em 1844 (127 pp.). Há notícia de ter tradu- Carolina Santos


zido A Máscara de Ferro, de Alexandre Dumas, Atriz. Nasceu em Lisboa, a 15 de dezembro de
e de ter escrito poesia que se encontrava inédi- 1870, e faleceu na mesma cidade a 11 de maio
ta em 1865. de 1926. Representou no Teatro Chalet do Araú-
Bib.: A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em Por- jo, situado perto do reservatório das Águas Li-
tugal, 2.o Vol., 1835-1850, Lisboa, Ministério da Educação vres, na Feira das Amoreiras. O Chalet foi, de-
– Instituto Cultural da Língua Portuguesa, 1992, p. 141; pois, para o recinto demolido do teatro velho da
Inocêncio Francisco da Silva e Brito Aranha, Dicioná- Rua dos Condes e ali se representavam revistas
rio Bibliográfico Português, Lisboa, Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, Tomo IX, p. 47.
e mágicas. Passou para o Teatro da Rua dos Con-
[N. M.] des, onde entrou, em 1884, em O Micróbio, de
Francisco Jacobetty, música de Rio de Carvalho.
Carolina Noémia Abranches de Sousa Esteve ainda nos teatros Alegria, Príncipe Real,
Poetisa, considerada a “mãe dos poetas moçam- Avenida, Rato e Moderno.
bicanos”, tradutora, jornalista e militante políti- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
ca, Noémia de Sousa nasceu em Catembe, Mo- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1174;
çambique, a 20 de setembro de 1926, e faleceu em Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol.
XXVII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p.
Cascais, onde residia, com 76 anos, a 4 de de- 349; Rafael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, cir-
zembro de 2002. Ainda adolescente, redigiu, cos e mais diversões de outras épocas, Porto, Domingos
com José Craveirinha, Ricardo Rangel e Dolores Barreira Editor, 1943, p. 76.
Lopes, “um documento exigindo a independên- [I. S. A.]
cia de Moçambique” [JL]; empenhou-se no Mo-
vimento de Jovens Democratas Moçambicanos, ver- Carolina Silva
são local do MUD Juvenil; esteve envolvida, em Atriz. Foi casada com o ator Santos Júnior, que
1947 e 1948, com Sofia Pomba Guerra*, na edifi- dirigia a Sociedade Artística do Teatro do Rato.
cação de uma estrutura comunista local; e parti- Substituiu Mercedes Blasco* na revista Ás de Co-
cipou, em 1949, na campanha presidencial de Nor- pas (1888), de Ludgero Viana, música de Fran-
ton de Matos. Com aquela terá sido deportada para cisco Symaria, no Teatro do Rato.
a metrópole, onde conviveu com Mário Pinto de Bib.: Mercedes Blasco, Memórias de Uma Actriz, Lisboa,
Andrade, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Alda Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907.
do Espírito Santo, Lúcio Lara e Francisco José Ten- [I. S. A.]
reiro no Centro dos Estudos Africanos, assim como
com ativistas do Partido Comunista Português. Tra- Carolina Tavares de Lemos
balhou como tradutora e, por motivos políticos, Professora. Filha de Laura Celeste Tavares Men-
esteve exilada nove anos em França, trabalhando des Lemos* (18/09/1894-1979) e do destacado li-
na Embaixada de Marrocos, donde regressou, ain- bertário e pedagogo conimbricense Álvaro Via-
da antes de 1974, para trabalhar na agência Reu- na Lemos (28/03/1881-21/08/1972), nasceu em
ter e, posteriormente, Anop. A coletânea Poesia Pontevedra, Tuy, a 24 de dezembro de 1917, cer-
Negra de Expressão Portuguesa, editada em abril ca de um ano após o casamento dos pais em Es-
de 1953, da responsabilidade de Mário Pinto de panha, onde então viviam. Casou com o médico
Andrade e Francisco José Tenreiro, incluiu poe- pediatra e esperantista Augusto César Rodri-
mas seus. Em setembro de 2001, por ocasião dos gues Anjo (11/11/1915-27/11/1965), que co-
seus 75 anos, a poesia, reunida por Nelson Saú- nheceu em 1934, quando ambos frequentavam,
te, foi publicada sob o título Sangue Negro. Dali- em Coimbra, o Centro Republicano Académico,
la Cabrita Mateus e Álvaro Mateus incluíram-na e que já militava no Partido Comunista Português
na galeria dos dez Nacionalistas de Moçambique. desde 1932. Participou, em 1942, na fundação
do núcleo de Coimbra da Associação Feminina
Bib.: Dalila Cabrita Mateus, A Luta pela Independência
– A formação das elites fundadoras da FRELIMO, MPLA Portuguesa para a Paz*, secção onde a sua mãe
e PAIGC, Editorial Inquérito, 1999; Dalila Cabrita Mateus também militou e foi eleita presidente em 1950.
e Álvaro Mateus, Nacionalistas de Moçambique, Texto Edi- Juntamente com o marido, integrou desde a dé-
tores, 2010; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma cada de 30 os vários movimentos oposicionis-
Biografia Política – O Prisioneiro (1949-1960), Vol. 3, Lis-
boa, Temas e Debates, 2005; “Noémia de Sousa (1926-
tas daquela cidade e manteve estreitas relações
2002)”, Jornal de Letras, 11/12/2002, p. 5, cols. 1-2. com a intelectualidade comunista de Coimbra.
[J. E.] Depois de uma vida dedicada à educação, ini-
171 CAS

ciada em 1940, nos arredores da Figueira da Foz, aquela viveu os primeiros dois anos de vida na
e concluída em 1987, ano em que completou 70 cadeia. Condenada, em 1951, a 20 meses de pri-
anos, foi agraciada em 8 de maio de 2004, du- são correcional, expiada com a detenção pre-
rante a Semana da Educação, com a Ordem de ventiva sofrida, e a um ano de medidas de
Instrução Pública (Comendador) pelo então segurança, foi restituída à liberdade em 13 de no-
Presidente da República, Jorge Sampaio. Para vembro, enquanto o companheiro só seria li-
além de ter lecionado em 16 escolas do ensino bertado em 1955, falecendo pouco depois. Se-
primário e de ter feito mais do que um Exame gundo contou a Rose Nery Nobre de Melo,
de Estado, esteve ainda ligada à Escola do Ma- “durante 20 anos percorri o caminho das cadeias
gistério de Coimbra e foi, tal como o pai e o ma- fascistas deste país, pois nunca mais deixei de
rido, esperantista. ter familiares presos. Depois do meu marido sair,
Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em ficou lá o meu cunhado, o Júlio Martins. Mais
Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997; tarde, a minha filha Ivone é presa e lá fica du-
Idem, Resistências Culturais e Políticas nos Primórdios rante sete anos. Bem, houve uma altura em que
do Salazarismo, Porto, Campo das Letras, 2003; José Pau- tive três pessoas presas ao mesmo tempo” [Mu-
lo Oliveira, “Carolina Tavares de Lemos”, Jornal da Fen- lheres Presas na Resistência, p. 63]. A pedido de
prof, maio, 2004, p. 14.
[J. E.] Álvaro Cunhal, foi testemunha, juntamente
com outros detidos na tipografia de Coimbrões,
Casa de Abrigo na primeira sessão do seu julgamento realizado
v. Instituto Monsenhor Airosa a 2 de maio de 1950. Apesar de todas as vicis-
situdes, nomeadamente por ter sido afetada pelo
Casa do Retiro percurso do companheiro, com quem insistia em
v. Instituto Monsenhor Airosa casar, manteve a militância até ao final da vida.
Após 25 de abril de 1974, desempenhou tarefas
Casimira da Conceição Silva [Martins] no Centro de Estudos Sociais do PCP. Rose Nery
Costureira, nasceu em Vila Franca de Xira a 8 de Nobre de Melo inseriu parte da sua “Biografia
setembro de 1917 e faleceu a 5 de janeiro de Prisional” e uma entrevista com Casimira da Con-
2009, com 91 anos. Filha de “camponeses com ceição no livro dedicado às Mulheres Portuguesas
pouca instrução”, entrou na militância comunista na Resistência.
clandestina muito nova por via do casamento Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
com António Dias Lourenço (25/03/1915- ta, Presos Políticos no Regime Fascista V – 1949-1951,
07/08/2010), então torneiro-mecânico e membro Mem Martins, 1987, p. 78; José Pacheco Pereira, Álva-
ro Cunhal – Uma Biografia Política, Vol. 2 – “Duarte”,
do Partido Comunista desde 1932. Em 1942, já o Dirigente Clandestino (1941-1949), Lisboa, Temas e De-
mãe de Ivone Conceição Dias Lourenço * bates, 2001; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma
(03/04/1937-24/01/2008) e de Lígia Dias Lou- Biografia Política – O Prisioneiro (1949-1960), Vol. 3, Lis-
renço, passou à clandestinidade com o marido boa, Temas e Debates, 2005; Rose Nery Nobre de Melo,
Mulheres Portuguesas na Resistência [c/ fot.], Lisboa, Sea-
e as duas filhas e trabalhou durante alguns anos ra Nova, 1975, pp. 58-63; “Camaradas falecidos”, Avan-
nas tipografias. Tornou-se, depois, companhei- te!, n.o 1832, 08/01/2009, p. 8.
ra de José Augusto da Silva Martins (1912-1956), [J. E.]
importante quadro comunista desde meados da
década de 30 até 1950. Foram ambos detidos na Catarina Fontory
madrugada de 9 de abril de 1949, juntamente Atriz e cantora. Nasceu na Argentina e era filha
com António Eusébio Bastos Lopes (08/08/1924- de um italiano e de uma francesa. Falava por-
05/11/2007) e Mercedes de Oliveira Ferreira (n. tuguês e tinha muito boa voz. Estreou-se em
09/12/1928), na tipografia ilegal de Coimbrões 1884, no Teatro da Trindade, em Bocácio, ópe-
(Leiria), estando então grávida de cinco meses. ra cómica em 3 atos, traduzida por Eduardo Gar-
Presa em Caxias, devido ao empenho de Cesi- rido, música de Frédéric Suppé. Foi muito bem
na Bermudes* acabou por ter o seu parto na Ma- recebida pelo público. Pertencia ao elenco da
ternidade Alfredo da Costa, nascendo o filho a companhia deste teatro em 1894. Integrou a
18 de agosto de 1949. Torturada física e psico- Companhia de Ópera Cómica dirigida por Pe-
logicamente, atribuindo propositadamente a dro Cabral e José Pedro da Silva numa digres-
PIDE a paternidade da criança ao primeiro ma- são pelos Açores. Foi algumas vezes ao Brasil,
rido, de quem já estava separada havia anos, onde continuou a ser muito aplaudida. Era mui-
CAT 172

to bonita e levava uma vida de boémia. Faleceu nidade em 1973, tendo Joaquim Rafael morrido
na miséria. escassos dois meses após o 25 de Abril. Catari-
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda- na Rafael, que usou o nome de Maria, manteve
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu- a militância de sempre, tendo sido entrevistada
nicipal de Lisboa, 1967, pp. 397 e 407; Pedro Cabral, Re- por Gina de Freitas. A filha, Mariana Rafael, nas-
lembrando... Memórias de teatro, Lisboa, Livraria Popular, cida em 1949 numa tipografia situada na freguesia
1924. de Coina, cresceu e viveu na clandestinidade até
[I. S. A.]
1974 e muito cedo passou a ajudar na composi-
ção e impressão das edições, tornando-se a
Catarina José Baião da Lança Pereira de San-
mais nova tipógrafa clandestina. Os seus dois fi-
de Salema
lhos também nasceram na clandestinidade.
Foi casada com Joaquim de Magalhães Mexia
Macedo, desembargador da Casa da Suplicação. Da autora: “Dei o que pude e o que soube ao meu Par-
tido”, depoimento a Gina de Freitas, A Força Ignorada
Administrou vínculos na Lousã e na Vila de Tor- das Companheiras, Lisboa, Plátano Editora, 1975, pp.
rão. Em 1863, o filho Jerónimo de Magalhães 45-49.
Baião de Sande Lança Mexia Salema, primeiro Bib.: Mariana Rafael, “Nascer e crescer na clandestini-
visconde de Torrão, registou, na qualidade de dade”, URAP, n.o 126, janeiro-março, 2010, p. 11;
imediato sucessor, os referidos vínculos no go- Avante!, 03/01/2008, pp. 16-17.
[J. E.]
verno civil de Coimbra.
Fontes: ANTT, Vínculos Abelho, Coimbra, Processo n.o 21. Catarina Talassi
[Ju. E.] Atriz, filha do poeta Augusto Talassi, que veio
para Portugal no século XVIII ao serviço da rai-
Catarina Rafael nha D. Maria I, e mãe da atriz Carlota Talassi* e
v. Catarina Ramos Machado Rafael do trompetista Jerónimo Talassi, que pertenceu
à orquestra do Teatro de S. Carlos. Começou a
Catarina Ramos Machado [Rafael] carreira, com muito êxito, no Teatro de S. João,
Oriunda de uma família de pequenos comer- no Porto. Em 1831, fazia parte da companhia do
ciantes, nasceu em Vale de Vargo, concelho de Teatro do Salitre, em Lisboa, juntamente com as
Serpa, em 1917 e faleceu a 15 de abril de 2010, atrizes Florinda Toledo*, Bárbara Leal* e Ludo-
em Almada, com 92 anos. O pai e o irmão tinham, vina*. Em 1835, passou para o Teatro da Rua dos
desde os anos 1930, atividade política, recebendo Condes, onde o célebre ator Epifânio se havia es-
em sua casa, entre outros, Bento Gonçalves, e Ca- criturado e nesse mesmo ano entrara Émile Doux,
tarina Ramos Machado terá aderido ao Partido Co- que modernizou a arte cénica de acordo com a
munista no início da década seguinte e mante- escola francesa. Ali se tornou conhecida pelo pa-
ve, entre 1947 e 1973, papel de destaque na edi- pel de “Joana do Taco” do Auto de Gil Vicente
ção da imprensa clandestina. Com Joaquim (1838), drama em 3 atos, de Almeida Garrett,
Serrão Rafael (14/12/1907-22/06/1974), cam- peça em que entrou a filha, que viria a ser uma
ponês nascido em Tremês, no distrito de Santa- das grandes atrizes do seu tempo. Representou,
rém, com quem casou, trabalhou 26 anos con- também, no teatro particular da Rua de Buenos
secutivos em tipografias clandestinas de vários Aires, integrada em companhias dos teatros do
pontos do país (Santo António da Charneca – Bar- Salitre e Rua dos Condes.
reiro, Lisboa, Rio Tinto), nunca sendo presos pela
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
polícia política. O trabalho de tipógrafo do casal res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1267;
foi sempre considerado de extrema importância António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
e reconhecido pelas sucessivas direções políti- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 187;
cas, responsável pela impressão do Avante!, O Mi- Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século,
1947, p. 131; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasi-
litante, O Camponês, O Têxtil, A Terra, Tribuna leira, Vol. XXX, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enci-
Militar (órgão da Comissão de Unidade Militar), clopédia, p. 573; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues,
o Amanhã (jornal de jovens das Juntas Patrióti- Portugal. Dicionário histórico, corográfico, biográfico,
cas da Juventude) e outros jornais e folhetos. De- bibliográfico, heráldico, numismático e artístico, Vol. VI,
Lisboa, João Romano Torres & Ca., 1909, p. 407; Luiz
vido ao estado de saúde do marido, vítima de Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português,
doença provocada pelo chumbo das tipografias, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 182.
tiveram de deixar, contra vontade, a clandesti- [I. S. A.]
173 CEC

Cecília Areosa Feio de João Gouveia, As Preciosas Ridículas, comédia


v. Cecília Simões Areosa Feio de Molière, tradução de Eduardo Fernandes (Es-
culápio), Frei Luís de Sousa, drama em 3 atos de
Cecília das Neves Almeida Garrett, Os Romanescos, comédia de
Atriz. Nasceu em Lisboa a 27 de setembro de Edmond Rostand, tradução de Joaquim Madu-
1875. Estreou-se a 31 de março de 1898, no Tea- reira, Anjinho da Pele do Diabo, Pai Pródigo, de
tro da Rua dos Condes, em Agulhas e Alfinetes, Alexandre Dumas, filho, O Avarento, comédia
revista em 3 atos de Eduardo Schwalbach, mú- em 5 atos de Molière, adaptada pelo visconde de
sica de Filipe Duarte. Na época 1903-1904, per- Castilho, Irmã mais Velha, A Aventureira, de
tencia à Empresa Rosas & Brazão, então no Tea- Émile Augier, A Marechala, de Alphonse Le-
tro D. Amélia, onde entrou na peça A Casa em monnier e Jean-Louis Perricaud, tradução de João
Ordem, de Artur Piñero, no papel de “Mme Francisco Xavier de Eça Leal, Um Serão nas La-
Tomé”. No verão de 1904 foi em digressão pe- ranjeiras, de Júlio Dantas, e Pai Tirano. Em 1912,
las províncias, numa caravana artística dirigida pediu a aposentação ao Teatro Nacional D. Ma-
por Alfredo Santos, com as comédias O Desquite, ria II.
em 1 ato, tradução de Jaime de Séguier da peça
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
francesa Chez L’Avocat de P. Ferrier, Mantilha res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 757;
de Renda, em 2 atos, em verso, original de Fer- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
nando Caldeira, O Grande Cagliostro, em 5 atos, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 280; Carlos
de Carlos Malheiro Dias, e Os Postiços (1908), Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de um ac-
comédia em 5 atos de Eduardo Schwalbach. tor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publi-
cidade, 1950, pp. 115 e ss; Gustavo de Matos Sequeira,
Bib.: António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria História do Teatro D. Maria II, Vol. 2, Publicação Co-
Bordalo Editora, 1912, p. 47; Eduardo de Noronha, Re- memorativa do Centenário, 1890-1962, Lisboa, p. 438;
miniscências do Tablado, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, Joaquim Madureira [Braz Burity] Impressões de Teatro,
1927, p. 15; Joaquim Madureira [Braz Burity], Impressões Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 460;
de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905; “Cecília Machado”, Almanaque dos Palcos e Salas, para
“Teatros – Foi neste dia...”, 31/03/1960, p. 4. 1905, Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor, 1904, pp. 17-18;
[I. S. A.] “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 11/03/1952, p. 4,
e 24/02/1960, p. 4.
Cecília Machado [I. S. A.]
Atriz. Nasceu em Lisboa a 30 de junho de 1875
ou 1878 e faleceu, na mesma cidade, a 22 de maio Cecília Simões Areosa Feio
de 1965. Era de baixa estatura mas bonita e in- Fez parte do numeroso grupo de jovens mulhe-
sinuante. Começou a carreira como atriz amadora res que aderiram ao Conselho Nacional das
em operetas, de que se destacam Tio Braz, em Mulheres Portuguesas quando este passou a ser
1 ato, tradução de Garcia Alagarim e música de liderado por Maria Lamas, destacando-se como
Offenbach, cantada no Teatro da Rua dos Con- uma das mais assíduas intervenientes nas reu-
des, integrada na sociedade de amadores dra- niões realizadas entre novembro de 1945 e junho
máticos Grupo Cecília Machado. Poucos anos de- de 1947, tendo sido eleita 2.a secretária da dire-
pois, em 1900, entrou como societária de 2.a classe ção (1945) e integrado a Comissão de Propaganda
no Teatro D. Maria II, onde se estreou na comé- (1945 e 1946). Na mesma década, militou na As-
dia Papa Flores (1901), de Von Mozer, tradução sociação Feminina Portuguesa para a Paz*, cons-
de Freitas Branco. Ali representou Tartufo, de tando nos processos da PIDE o respetivo boletim
Molière, tradução em verso do visconde de Cas- de inscrição [Vanda Gorjão, pp. 174-175], e as-
tilho, Marquês de Villemer, de Georges Sand, tra- sinou as listas, em 1945, para a constituição do
duzida por Ramalho Ortigão, Peraltas e Sécias, Movimento de Unidade Democrática (MUD). De
comédia popular em 3 atos, de Marcelino Mes- seguida, terá trabalhado até 1949, segundo Ma-
quita, Casamento de Conveniência (1904), peça ria Alda Barbosa Nogueira, com esta e Maria das
em 4 atos de Joaquim José Coelho de Carvalho, Dores Cabrita no sector de Mobilização e Orga-
no papel de “Helena de Melo”, Morgado de Fafe, nização das Mulheres Comunistas e “em conjunto
comédia em 2 atos de Camilo Castelo Branco, controlávamos a movimentação, mobilização e
Amor de Perdição (1904), drama extraído do ro- organização das mulheres comunistas que tra-
mance de Camilo Castelo Branco por D. João da balhassem ou desejassem trabalhar nos movi-
Câmara, Engano da Alma (1904), peça em 1 ato mentos de massas – movimentos democráticos
CEL 174

associativos, recreativos, desportivos, etc.” [Mu- Iniciativas Editoriais, 1975; José Ricardo [pseudónimo
lheres Portuguesas na Resistência, p. 177]. Pre- de Lino Lima], Romanceiro do Povo Miúdo. Memórias
e confissões, Lisboa, Edições Avante!, 1991, p. 179, nota
sa na vaga de prisões de 17 de dezembro de 1949, 1; Manuela Tavares, Feminismos: Percursos e desafios
ficou na mesma cela do Forte de Caxias com Geor- (1947-2007), Texto, 2011; Maria Manuela Cruzeiro,
gette Ferreira, Maria Lamas e Virgínia Moura, sen- Maria Eugénia Varela Gomes – Contra ventos e marés,
do libertada sob caução. Participou, com Maria Porto, Campo das Letras, 2003; Organização das Mulheres
da Piedade Morgadinho, Maria José Ribeiro, Ma- Comunistas, Subsídios para a História das Lutas e Mo-
vimentos de Mulheres em Portugal sob o Regime Fas-
ria Luísa Costa Dias* e Sofia Ferreira*, no Con- cista (1926-1974), Lisboa, Edições Avante!, 1994; Rose
gresso Mundial de Mulheres realizado em Hel- Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resis-
sínquia, em 1969, onde se abordou as condições tência, Lisboa, Seara Nova, 1975; São José Almeida, “Car-
de vida das trabalhadoras, as iniciativas em de- tas – manifesto de mulheres na Prisão de Caxias” [c/ fot.],
fesa da paz e campanhas de solidariedade reali- Público, 20/11/2004, pp. 12 e 13, e 21/11/2004, pp. 14-
15; Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios.
zadas no país. A partir desse ano, e até abril de Oposição feminina ao Estado Novo, Imprensa de Ciên-
1974, tornou-se um dos nomes mais ativos da Co- cias Sociais, 2002; A Voz das Camaradas das Casas do
missão Nacional de Socorro aos Presos Políticos Partido, n.o 49, dezembro, 1969, p. 1.
(CNSPP), apondo a sua assinatura em muitos dos [J. E.]
documentos emitidos, nacional e internacio-
nalmente, em defesa dos detidos. Teve, ainda, Celeste Leitão
“uma atuação decisiva no acompanhamento Atriz. Cursou a Escola da Arte de Representar.
aos filhos dos presos, organizando colónias de fé- Entrou na peça La Donna é Mobile (1914), adap-
rias no Norte do país para crianças e adolescen- tação de Júlio Dantas, no Teatro do Ginásio, e
tes de famílias afetadas pela repressão política” O Senhor Roubado (1916), de Chagas Roquete,
[Vanda Gorjão, p. 219]. Foi entrevistada, em 1974, ambas ao lado de Maria Matos.
por Gina de Freitas e o depoimento encerra o li- Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
vro A Força Ignorada das Companheiras, es- de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
clarecendo que desde meados da década de 40 nicipal de Lisboa, 1967, p. 375.
que se preocupava com o auxílio aos presos e que [I. S. A.]
colaborara no auxílio aos detidos no Tarrafal e,
em 1947, “quando grande número de jovens do Celestina Paladini
MUD Juvenil estiveram presos, nas faculdades or- Atriz italiana. Nasceu em 1845. Foi casada com
ganizávamos brigadas que iam a Caxias levar lan- Andó Paladini, que teve uma companhia de tea-
ches e outros géneros de auxílio” [A Força Ig- tro e de quem se divorciou. Estreou-se no Teatro
norada das Companheiras, pp. 186-187]. Viveu do Príncipe Real, por volta de 1876, com bastante
intensamente o período subsequente à revolução êxito. Estudou português e, em 1879, estava no
de 25 de Abril de 1974, mantendo a militância Teatro D. Maria II representando Dora, de Vic-
política de sempre. Em 8 de março de 1977, no torien Sardou, Os Burgueses de Pontarcy, drama
âmbito das comemorações do Dia Internacional em 5 atos, tradução de Chaves de Aguiar, e Ma-
da Mulher promovidas pelo Movimento Demo- ria Joana ou Uma Mulher do Povo. Foi um fias-
crático de Mulheres*, participou no debate rea- co, por falar mal português. Retirou-se definiti-
lizado no Teatro Vasco Santana sobre “A luta de vamente para Itália.
resistência das mulheres portuguesas”, junta- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
mente com Alice Rocha, Luísa Amorim e Stella res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1006;
Piteira Santos*. Memórias de Eduardo Brazão, que seu filho compilou e
Henrique Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa
Da autora: “A maioria das pessoas nem imagina o que da Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., pp. 108-109.
foi a luta daquelas mulheres”, depoimento a Gina de Frei- [I. S. A.]
tas, A Força Ignorada das Companheiras, Lisboa, Plá-
tano Editora, 1975, pp. 185-190.
Bib.: Célia Rosa Batista Costa, O Conselho Nacional das Centro Espiritualista Luz e Amor
Mulheres Portuguesas (1914-1947) – Uma organização Associação espírita fundada em 1923, com
feminista, Dissertação de Mestrado em Estudos sobre as sede na Rua Sampaio Pina, 11A, 3.o, em Lisboa.
Mulheres, Lisboa, Universidade Aberta, 2007; Comissão Esta agremiação foi a herdeira do Grupo das Sete,
Nacional de Socorro aos Presos Políticos, Presos Polí-
ticos – Documentos 1970-1971, Porto, Afrontamento,
criado em 1916 por Maria Veleda*, Maria da Ma-
1972; Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políti- dre de Deus Leite Dinis de Almeida*, Maria Emí-
cos, Presos Políticos – Documentos 1972-1974, Lisboa, lia Carvalho Gonçalves*, Maria Emília Mar-
175 CEN

ques*, Maria Augusta Setas*, Emília Bähr Fer- desvendar os mistérios do mundo visível e in-
reira* e, provavelmente, Ernestina Burguette*. O visível, guiadas pelos espíritos superiores de mu-
Grupo reunia todas as semanas em casa de Ma- lheres e homens que na Terra foram geniais, bons
ria da Madre de Deus Dinis, em sessões de lei- e generosos e que, no astral, mais próximos das
tura, meditação e experimentação, presididas e verdades divinas, poderiam orientá-las no ca-
orientadas pelo Guia “Luz e Amor”. Quando os minho de uma maior espiritualização da vida,
progressos espirituais do Grupo justificaram o vivida no amor pelo Bem e pelo Belo. Não ten-
seu alargamento, convidaram outras pessoas a do sido um fenómeno exclusivamente nacional
participar nas reuniões, perdendo este o carác- a aliança entre feminismo e espiritismo, é pelo
ter feminino e alargando-se a adeptos de ambos menos surpreendente verificar que Maria Vele-
os sexos. Assim nasceu o Grupo Espiritualista da não foi caso único nesta conciliação de
Luz e Amor, cujos corpos gerentes eram cons- ideais. Ela foi a dinamizadora da formação do
tituídos apenas por mulheres, entre as quais as Grupo das Sete, mas a seu lado estavam Maria
fundadoras que, coletivamente, promoveram vá- da Madre de Deus Dinis, Maria Emília Carvalho
rias atividades de âmbito cultural e recreativo Gonçalves e Maria Emília Marques, velhas
com objetivos de propaganda espiritualista. companheiras da Liga Republicana das Mulhe-
Com os mesmos objetivos, em 1919, Maria Ve- res Portuguesas e das lutas feministas. Pouco de-
leda fundou A ASA*, revista mensal de propa- pois, outras se foram juntando: Angélica Viana
ganda sociológica e das ciências psíquicas, Porto, Dinah Santos Lima*, Elisa da Conceição
órgão do Centro de Propaganda das Ciências Psí- Santos Lima*, Eulália de Sousa Amado, Lénia
quicas Luz e Amor, destinada a todos os adep- Loio Pequito, Maria Augusta Ravasini, Maria
tos das doutrinas espiritualistas, mais interes- O’Neill e Ofélia Carvalho Gonçalves. É a partir
sados no “problema filosófico do que, propria- de 1919 que as revistas A ASA e, depois, O Fu-
mente, na questão religiosa ou científica”. A ASA turo* fornecem informações sobre o número de
pretendia espalhar “ideias de paz, de amor e de mulheres e homens convertidas/os à nova dou-
liberdade”, defender a “emancipação da mulher, trina e associadas/os do Grupo Espiritualista Luz
a proteção às crianças”, fazer “a propaganda con- e Amor. Em fevereiro de 1921, A ASA foi subs-
tra a prostituição e o alcoolismo” e contribuir tituída pela revista O Futuro, com as mesmas ca-
para “a elevação moral e intelectual da huma- racterísticas e objetivos, sendo de distribuição
nidade” [A ASA, janeiro, 1919, p. 2]. As linhas gratuita aos sócios do Grupo Espiritualista Luz
orientadoras do Grupo Espiritualista Luz e e Amor. A sua edição era bastante irregular por
Amor e da revista A ASA não se afastavam mui- falta de verbas, sendo frequente o recurso a do-
to dos ideais que muitas destas mulheres sem- nativos de associados e simpatizantes. Em junho
pre defenderam. Numa época em que a luta rei- de 1922, Maria Veleda lançou nesta revista a ideia
vindicativa feminista tinha esmorecido, devido da realização de um Congresso Espírita, a fim de
às preocupações patrióticas e de solidariedade aproximar todos os grupos nacionais, dar visi-
feminina para com os combatentes portugueses bilidade e prestígio à nova filosofia e nova reli-
na Primeira Guerra Mundial, as mulheres en- gião e delinear estratégias de combate ao pseu-
contraram outra forma de se unir, a fim de con- do-espiritismo fraudulento que comprometia e
tinuarem a marcar presença no espaço público amesquinhava os ideais do verdadeiro espiri-
e a dar o seu contributo para o progresso mate- tismo. Em 1923, o Grupo Espiritualista Luz e
rial e espiritual da humanidade. As conse- Amor já contava com 78 mulheres e 61 homens,
quências económicas e sociais da guerra agra- cujas profissões se centravam nas áreas do en-
varam a instabilidade política da I República, o sino, medicina, advocacia, engenharia, oficialato
que também terá contribuído para os sentimentos das Forças Armadas, comércio, indústria e fun-
de desencanto e desilusão de muitas mulheres cionalismo público. O número de adeptos ob-
republicanas e feministas. Ligadas agora por uma rigava a um desdobramento das sessões expe-
doutrina que se pretendia filosófica, científica rimentais e à transformação do Grupo em agre-
e experimental, caminhavam na vanguarda de miação de mais larga envergadura. Surgiu assim
um movimento libertador que procurava o o Centro Espiritualista Luz e Amor, com estatutos
aperfeiçoamento individual e coletivo e a asce- aprovados em assembleia-geral de 15 de abril de
se espiritual da humanidade. Quais sacerdoti- 1923, com existência devidamente legalizada e
sas iniciadas nas ciências do oculto, pretendiam funcionamento autorizado pelas entidades ofi-
CEN 176

ciais. Foram eleitas sete mulheres para a direção outubro de 1924, foi publicado o primeiro nú-
desta agremiação, algumas das quais eram fun- mero do órgão oficial do Centro Espiritualista Luz
dadoras do Grupo que lhe deu origem, como, por e Amor, a revista A ASA, sob a direção de Ma-
exemplo, Maria Veleda, presidente, Maria Emí- ria Veleda e com um grupo editorial constituí-
lia Carvalho Gonçalves, secretária, Maria Emí- do por 14 homens e oito mulheres. O novo pe-
lia Marques, tesoureira e Maria da Madre de Deus riódico assumiu, desde logo, tornar-se o elo en-
Dinis, vogal, mas também outras mulheres que tre os vários grupos espíritas nacionais, com o
se foram juntando ao grupo inicial: Dinah San- objetivo de realizar o 1.o Congresso Espírita, para
tos Lima, Elisa Santos Lima e Maria Augusta Be- “melhor e mais homogénea organização das ciên-
liter*. Sendo a direção exclusivamente femini- cias psíquicas, em Portugal”. Através da revis-
na, a mesa da assembleia-geral ficou em mãos ta, o Centro Espiritualista Luz e Amor consul-
masculinas: general Viriato Zeferino Passaláqua, tou os grupos e centros espíritas do país sobre
José Alves Teixeira e Artur António Silva. O Cen- a pertinência da sua realização e a disponibili-
tro tinha como objetivos “estudar as forças da na- dade de cada um para apoiar o esforço do grupo
tureza e as suas relações com o progresso da hu- promotor. Como a maioria se mostrou interes-
manidade; praticar a solidariedade [...] confor- sada na concretização do evento, o Centro pro-
me os recursos que estejam ao seu alcance; in- moveu uma reunião magna no Ateneu Comer-
tensificar a propaganda em prol das ideias neo- cial, em 11 de janeiro de 1925, com represen-
espiritualistas e desenvolver, por meio de pu- tantes de todos os grupos, na qual se deliberou
blicações, de conferências ou de sessões parti- que ele teria lugar no mês de maio seguinte. O
culares ou públicas, o amor pelo Bem e pelo Belo; entendimento dos vários grupos sobre o título
realizar matinés ou serões de arte, organizados a dar-lhe não foi fácil, o que sugere existirem di-
por forma que elevem e eduquem o espírito, des- ferentes sensibilidades e interpretações acerca
tinados a obter recursos para auxiliar associações do assunto. Maria Veleda propôs que se deno-
de beneficência que lutem com dificuldades para minasse Congresso Espiritualista, o que foi
manter-se e levar algum conforto a pobres doen- aceite pela maioria. No entanto, uma minoria que
tes e desamparados; fundar um jornal ou revis- preferia o título Congresso Espírita ameaçou
ta quando esteja em condições em fazê-lo” [O Fu- abandonar a reunião, comprometendo a reali-
turo, fevereiro-maio, 1923, p. 1]. Tanto o Grupo zação do mesmo. Maria Veleda, considerando
Espiritualista Luz e Amor, como, depois, o que o adiamento punha em causa a união de to-
Centro com o mesmo nome levaram a cabo “ses- dos os grupos e o objetivo da criação da Fede-
sões recreativas” e/ou de “confraternização”, ração Espírita Portuguesa, retirou a sua proposta,
geralmente constituídas por palestras, música, depois de consultar os seus apoiantes. Todavia,
recitação de poesia e teatro. Na Quinta do Por- os consensos foram difíceis: a delegação da So-
tinho, Trafaria, e no Asilo de Santo António fo- ciedade Teosófica, não concordando com a de-
ram representadas, em 1924, cinco peças de tea- signação de Congresso Espírita, abandonou a
tro originais da autoria de Maria Veleda. As mu- assembleia e o Centro Luz e Caridade de Braga
lheres do Grupo e do Centro também organiza- também não participou. A preparação do con-
vam festas infantis, seguidas de lanche, para as gresso ficou a cargo da direção do Centro Espi-
crianças do Asilo de Santo António e do Asilo ritualista Luz e Amor, constituída apenas por mu-
de Cegos Branco Rodrigues. Na quadra do Na- lheres, que recebeu o apoio de alguns “irmãos
tal, encarregavam-se de comprar roupa, calçado cheios de boa vontade e devoção pela causa”.
e brinquedos para oferecerem às crianças que se Realizou-se em Lisboa, nos dias 14, 15, 16 e 17
encontravam com as mães na Cadeia do Aljube de maio de 1925, no Ateneu Comercial, onde fo-
ou internadas no Instituto Bacteriológico Câmara ram apresentadas e debatidas as seguintes teses:
Pestana e outros hospitais. A solidariedade fe- “O Bem, religião da humanidade”, “O aperfei-
minina estendia-se ainda ao Albergue das Crian- çoamento do espírita”, “Solidariedade e não ca-
ças Abandonadas e ao Albergue dos Inválidos ridade”, “A moral espírita”, “Destrinça entre a
do Trabalho. O Grupo e o Centro tinham uma Cai- ciência espírita e a moral espírita – valor moral
xa de Assistência, cujos donativos eram distri- daquela e influência espiritual desta”, “Rein-
buídos por famílias necessitadas e instituições. carnação e em que ela se baseia”, “Espiritualis-
As listas de receitas e despesas eram publicadas mo e espiritismo”, “Socialismo e espiritismo”,
regularmente nas revistas O Futuro e A ASA. Em “A atitude da ciência perante o espiritismo”, “O
177 CEN

espiritismo como ação social”, “Podem ser ad- punha que a Federação aceitasse apenas a ins-
mitidos dogmas na ciência espírita?”, “Loucu- crição de grupos e centros legalizados oficial-
ra espírita ou obsessão”, “A união dos espíritas mente, de modo a garantir a sua fidelidade aos
portugueses”, “Porque não se deve confundir es- sagrados princípios da crença espírita e a ho-
piritismo com espiritualismo no sentido de nestidade das suas práticas. Alargar o crivo da
teosofia, ou seja, a sabedoria divina”, “Assistir seleção permitiria a entrada de qualquer grupo,
aos deserdados da fortuna moral e material” e o que se lhe afigurava inaceitável, visto que a sua
“Relatório da Comissão Pró-Federação”. Durante maior preocupação era combater tudo o que con-
os trabalhos, o médico António Freire e Maria tribuísse para denegrir, comprometer e ames-
Veleda foram eleitos, respetivamente, presi- quinhar o verdadeiro espiritismo. Transigir
dente e vice-presidente da Comissão Pró-Fede- com grupos de filosofias e práticas duvidosas se-
ração, encarregada de elaborar os estatutos e im- ria legitimar o que se queria combater. O Dr. An-
plementar a fundação ou refundação da Fede- tónio Freire contemporizava em relação a todas
ração Espírita Portuguesa. Em 27 de agosto do estas exigências, porque os grupos oficialmen-
mesmo ano, elegeu-se o Conselho Superior De- te legalizados não chegariam a três dezenas e com
liberativo da Federação, do qual faziam parte o um número reduzido de associados, o que não
Dr. António Freire, Maria Veleda, Dr. Martins Ve- bastaria para uma base
lho e Dr. Adolfo Serra. Na realidade, a Federa- sólida da Federação. Daí a necessidade de ex-
ção Espírita Portuguesa tinha existência jurídi- tinguir o Centro Espiritualista Luz e Amor e trans-
ca desde 14 de maio de 1918, com estatutos apro- ferir os cerca de quinhentos associados para aque-
vados pelo governo civil de Lisboa. Das fontes la. Maria Veleda, não vendo qualquer incom-
consultadas deduz-se que se manteve inativa até patibilidade na coexistência dos grupos e cen-
1925, daí a necessidade de rever aqueles, por não tros e a Federação, não concordou com a proposta
se adequarem à realidade de então, submetê- do seu correligionário e deixou que a mesma fos-
los a aprovação em assembleia-geral e promover se apresentada aos corpos gerentes, na reunião
o seu funcionamento de facto. Os novos estatutos, de 29 de novembro de 1925, a qual foi aprova-
elaborados pela comissão eleita no 1.o Congresso da por oito votos a favor e um contra. Seguiram-
Espírita Português, foram aprovados pelo governo se tempos muito conturbados na vida do Cen-
civil de Lisboa em maio de 1926. António Frei- tro Espiritualista Luz e Amor. Muitos dos sócios,
re e Maria Veleda discordaram no modo de for- não concordando com a decisão da maioria dos
mar a Federação. O médico propôs a Maria Ve- membros da direção, acusaram o Dr. António
leda a dissolução do Centro Espiritualista Luz Freire da morte do Centro e tornaram-se dissi-
e Amor e a sua fusão na Federação Espírita Por- dentes do mesmo. Derrotada e inconformada,
tuguesa, porque a sobrevivência desta dependia Maria Veleda demitiu-se da presidência e da di-
da existência de sócios inscritos. O Centro Es- reção da revista A ASA. A dissolução do Cen-
piritualista Luz e Amor era o maior do país, con- tro que fundara era a moeda de troca para a via-
tando com cerca de quinhentos associados, bilização da Federação, cuja criação ela imple-
distinguindo-se muitos deles pela inteligência, mentara e à qual devia fidelidade, como vice-pre-
cultura e dedicação à causa e foi o iniciador e pro- sidente da Comissão e como membro do Con-
motor da Federação. Na sua perspetiva, fazia todo selho Superior Deliberativo. Pouco depois, por
o sentido a extinção do Centro, passando os seus uma questão de coerência, demitiu-se também
constituintes a sócios fundadores da Federação. destes dois órgãos da novel associação, o que não
O Dr. António Freire defendia que em Lisboa de- agradou ao Dr. António Freire, gerando-se alguns
veriam existir apenas “pequenos grupos espíri- mal-entendidos entre ambos e acesa polémica
tas familiares”, embora condescendesse com a nos meios espíritas. Quando Maria Veleda dei-
união de vários grupos na província. Esta posi- xou o cargo de diretora da revista A ASA, ga-
ção favorável à concentração de grupos apenas rantiu a sua substituição pelo Dr. António Frei-
fora da capital dever-se-á ao facto de não querer re, o que não viria a suceder porque ele se de-
hostilizar a União Espírita do Algarve, bastan- sobrigou do compromisso tomado, alegando que
te numerosa e dinâmica. Maria Veleda que, des- este periódico devia desaparecer para dar lugar
de há algum tempo, vinha manifestando um cer- ao Portugal Espírita, órgão da Federação. No en-
to desencanto pelo modo como era interpreta- tanto, esta proposta parece não ter sido bem aco-
do e praticado o espiritismo em Portugal, pro- lhida pela direção do Centro Espiritualista Luz
CES 178

e Amor, pois foi nomeado um corpo de redação desta segunda fase de existência celebraram-
alargado, constituído por Maria da Madre de se no salão de conferências da Sociedade Teo-
Deus Dinis, Maria O’Neill, Maria Emília Carva- sófica. Em setembro de 1939, surgiu o periódi-
lho Gonçalves, Dinah Santos Lima, capitão Au- co Estudos Psíquicos, “Revista de Estudos Psí-
gusto Flores, J. B. S., Júlio Costa e José Almei- quicos e Neo-Espiritualismo Experimental”,
da Abrantes. Este grupo manteve-se inativo órgão oficial do Centro Espiritualista Luz e Amor.
durante os três primeiros meses de 1926, pu- Bib.: Maria Veleda, “Memórias de Maria Veleda”, Repú-
blicando apenas dois números, um em abril e ou- blica, 26/02/1950-11/04/1950; Natividade Monteiro,
tro em maio do mesmo ano. Sem a direção de Maria Veleda (1871-1955) – Uma professora feminista, re-
Maria Veleda, a revista entrou em decadência e publicana e livre-pensadora. Caminhos trilhados pelo di-
morreu. Pouco depois, o Centro Espiritualista Luz reito de cidadania, Dissertação de Mestrado em Estudos
sobre as Mulheres, Lisboa, Universidade Aberta, 2004;
e Amor também se extinguiu. Alguns dissiden- Idem, “Maria Veleda no labirinto espiritualista, místico
tes fundaram, com Maria Veleda, o Grupo Es- e esotérico”, Faces de Eva, n.o 15, 2006, pp. 83-109; A ASA,
pírita “General Passaláqua”, em homenagem a n.o 1, janeiro, 1919, pp. 5 e 17, n.o 3, março, 1919, p. 2,
este venerando decano do espiritismo que en- n.o 5, maio, 1919, n.o 6, junho, 1919, pp. 86-87, n.o 7, ju-
lho, 1919, n.o 8, agosto, 1919, pp. 119-122, n.o 11, no-
tretanto tinha desencarnado, e criaram a revis- vembro, 1919, pp. 175-176, n.o 12, dezembro, 1919, pp.
ta A Vanguarda Espírita. O Centro Espiritualis- 181-182, 191, 196; O Futuro, n.o 1, fevereiro, 1921, pp. 13-
ta Luz e Amor parece ter acolhido associados 16, n.o 2, março, 1921, pp. 3-4, n.o 10, fevereiro-maio, 1923,
simpatizantes das duas correntes mais conhe- pp. 1-2, n.o 11, junho, 1923, pp. 12-14; A ASA, n.o 2, no-
cidas do espiritismo: a kardecista e a roustanista. vembro, 1924, p. 25, n.o 4, janeiro, 1925, p. 63, n.o 6, mar-
ço, 1925, pp. 85-85, n.o 7, abril, 1925, pp. 99, 108-109, n.o
É o que se deduz da contenda gerada na revis- 8, maio, 1925, pp. 118-119, n.o 10, julho, 1925, p. 157, n.o
ta A ASA, a propósito de algumas opiniões ex- 1, Ano II, outubro, 1925, pp. 1-6, 7-16, 33-34, n.o 2, Ano
pressas em uma das teses apresentadas no I Con- II, novembro, 1925, p. 41, n.o 3, Ano II, dezembro, 1925,
gresso Espírita Português, que causaram al- pp. 56-60, 179; Diário de Lisboa, 12/05/1925, p. 11; O Es-
pírita, n.o 4, Ano VI, abril, 1926, pp. 104-111; Ecos do
guns engulhos e protestos na assembleia e Além, 15/06/1926, pp. 88-89, 97-121, agosto, 1926, pp.
tiveram os seus defensores e detratores em ar- 97-121; O Espírita, n.os 7-8, Ano VI, julho-agosto, 1926,
tigos publicados naquele periódico nos meses se- pp. 193-239; Ecos do Além, 30/09/1926, pp. 139-142,
guintes ao evento. O Centro Espiritualista Luz 15/10/1926, pp. 164-166; Estudos Psíquicos, set.-out., 1939,
e Amor teve sempre relações estreitas com a So- pp. 2, 32, novembro-dezembro, 1940, pp. 235-236, 249-
252, janeiro, 1944, p. 79, junho, 1945, pp. 244-246; Ecos
ciedade Teosófica – Ordem da Estrela do Orien- do Além, agosto, 1946, p. 242; A Fraternidade, n.o 179,
te em Portugal, cujo órgão oficial era a revista Ísis, maio, 1978, pp. 129-133.
dirigida pelo coronel Óscar Garção, e com a So- [N. M.]
ciedade Portuense de Investigações Psíquicas.
Através do seu órgão oficial, a revista A ASA, Cesaltina das Dores
mantinha também o intercâmbio com as revis- Operária com a 3.a classe, nasceu em Alhandra
tas espíritas de países europeus, sobretudo da Es- em 1922, terra onde começou a trabalhar com
panha, França e Itália, e com os centros espíri- treze anos. Participou na Marcha da Fome ou
tas e os periódicos do Brasil. A revista A Verdade, Marcha do Pão realizada em 8 de maio de 1944
órgão da União Espírita do Pará, transcrevia ar- em Alhandra e que atravessou a vila durante o
tigos de Maria Veleda publicados em A ASA e desfile reivindicativo em direção a Vila Franca
Ecos do Além. O Centro Espírita “Luís Gonza- de Xira, na sequência do movimento grevista
ga” de Itapira – Associação Espírita Beneficen- desse dia na região. Foi uma das mulheres alhan-
te e Instrutiva de Cachoeira, Itapemirim – Esta- drenses presa pela GNR na praça de touros de
do do Espírito Santo, conferiu a Maria Veleda o Vila Franca de Xira, interrogada pelo PIDE Sil-
título de sócia honorária, por unanimidade, em va Pais, transportada para Lisboa, para a praça
assembleia-geral extraordinária. Esta associação de touros do Campo Pequeno, e, no dia 11, en-
sustentava uma colónia regeneradora, uma far- viada para o Forte de Caxias, onde permaneceu
mácia homeopática, um colégio, um albergue e enclausurada até agosto, sem que tivesse sido
oficinas de costura. O Centro Espiritualista Luz aberto qualquer processo ou sujeita a julgamento.
e Amor reorganizou-se em finais de 1938 e, após Tal como Maria Matos*, e ao contrário de Rosa
um ano de atividade e propaganda, inaugurou Charrua*, outras presas de Alhandra, durante os
nova sede na Rua do Salitre, 149-1.o D, em Lis- três meses de reclusão só foi uma vez ao inter-
boa. As comemorações do primeiro aniversário rogatório e durante o dia. Antónia Balsinha in-
179 CES

cluiu o seu nome no estudo pioneiro que fez so- “abolição do regulamento da prostituição, salá-
bre o papel das mulheres de Alhandra na re- rio igual para trabalho igual, equiparação jurídica
sistência ao fascismo nos anos 1940, tendo-a en- para ambos os sexos, assistência social para to-
trevistado em 2001. das as mulheres independentemente de crenças,
Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re- credos políticos e estado social, e sufrágio uni-
sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au- versal”, para além do desejo de “acabar para sem-
sência, 2005. pre com o fascismo em Portugal” [Vanda Gorjão,
[J. E.] p. 201]. Juntamente com Ermelinda Cortesão e
Luísa de Almeida, marcou presença na assem-
Cesina Borges Adães Bermudes bleia de delegados de 7 de fevereiro, realizada no
Médica. Filha de Félix Redondo Adães Bermu- Centro Republicano António José de Almeida, em
des (1874-1960), escritor e dramaturgo, e de Cân- que se decidiu pela não ida às urnas daquele. Pre-
dida Bermudes, nasceu a 20 de maio de 1908, na sa em 14 de outubro de 1949, por integrar a Co-
freguesia lisboeta dos Anjos, e faleceu a 9 de de- missão Central do Movimento Nacional Demo-
zembro de 2001, com 93 anos. Oriunda de uma crático Feminino, formado na sequência dos res-
família da burguesia, viveu a infância com os pais, quícios do trabalho desenvolvido pela oposição
três irmãos e duas tias, terá feito a instrução pri- durante as eleições presidenciais, recolheu ao For-
mária em casa e estudou no Liceu Camões, ao te de Caxias, de onde foi libertada três meses de-
contrário da irmã Clara, quatro anos mais nova, pois, a 14 de janeiro de 1950, depois de subme-
que frequentou o Liceu Gil Vicente, sendo am- tida a três interrogatórios. Neste mesmo ano, es-
bas boas alunas. Segundo entrevista concedida teve envolvida na constituição do Comité Na-
a Vanda Gorjão, datada de 15 de maio de 1999, cional de Defesa da Paz, juntamente com Maria
o seu desejo de ser médica manifestou-se aos 11 Isabel Aboim Inglês, Maria Lamas e Virgínia Mou-
anos e contou sempre com o apoio dos pais. Aca- ra, e, aquando da trasladação dos restos mortais
bou o 7.o ano em 1926 e licenciou-se na Facul- do antigo Presidente da República Manuel Tei-
dade de Medicina de Lisboa em 1933, tendo por xeira-Gomes em outubro, marcou presença no cor-
colega Maria Fernanda Andorinha Marques. tejo fúnebre rumo ao cemitério de Portimão, com
Concluiu o curso com 24 anos e fez, de seguida, centenas de outros oposicionistas. Assinou,
“o internato geral, o internato de cirurgia e, em com Virgínia Moura, o documento comemorati-
1936-37, a especialidade de obstetrícia” [Vanda vo do 10.o aniversário do MUD (1955) e, em 1957,
Gorjão, p. 103]. Foi Assistente de Anatomia do integrou, com as escritoras Maria Lígia Valente
Professor Henrique de Vilhena (1879-1958) na Fa- da Fonseca Severino e Natália Correia, a Comissão
culdade de Medicina de Lisboa e, em 1947, con- Cívica Eleitoral de Lisboa, para que a oposição
cluiu o doutoramento com 19 valores, sendo a pri- pudesse intervir legalmente nas eleições que se
meira mulher a fazê-lo. No entanto, não pôde to- avizinhavam, participando no jantar de home-
mar posse como professora efetiva devido à sua nagem à primeira, organizado pela CCE no dia
intervenção cívica e política e ao facto de ser de- 4 de janeiro de 1958, com fins deliberadamente
safeta ao regime. É que na década de 1940 de- políticos, no âmbito da escolha de um candida-
senvolvera atividade política de oposição ao sa- to presidencial. Apoiou ativamente a candidatura
lazarismo: depois de ter assinado, em 1945, as lis- de Arlindo Vicente e, depois, a do general Hum-
tas do MUD, subscrevendo a constituição no seu berto Delgado, diluindo-se, posteriormente, a sua
seio de uma comissão de mulheres, cujo programa visibilidade política. Manteve-se, no entanto, sem-
se apresentava no manifesto “As mulheres e o mo- pre solidária na assistência médica a muitas clan-
vimento de oposição”, envolveu-se ativamente, destinas do Partido Comunista Português, no-
em 1948-1949, na campanha presidencial do ge- meadamente na ajuda a parturientes vivendo na
neral Norton de Matos, sendo uma das dirigen- ilegalidade. Para além de ter sido campeã de na-
tes da respetiva Comissão Eleitoral Feminina em tação e de ter participado em corridas de bicicletas
Lisboa. Discursou, em seu nome, em vários co- e de automóveis, foi uma das introdutoras das téc-
mícios, “valendo-se da sua autoridade de peri- nicas do parto psicoprofilático (parto sem dor)
ta na sua área profissional, que sempre soube li- em Portugal depois de ter estado em Paris, em
gar a uma perspetiva eminentemente política” 1954, num curso sobre aquele e onde encontrou
[Helena Pinto Janeiro, p. 40], e em Santarém sin- os médicos Joaquim Seabra-Dinis (1914-1996), Pe-
tetizou as reivindicações que estavam em causa: dro Monjardino (1910-1969) e João dos Santos
CIN 180

(1913-1987). Seguindo as pisadas do pai, per- Cinira Alzira Polónio


tenceu, desde 1927, à Sociedade Teosófica, Atriz, cantora e compositora. Nasceu na Rua do
onde desempenhou as funções de secretária-ge- Ouvidor, n.o 45, Rio de Janeiro, a 17 de junho de
ral, acreditava na reencarnação e optou pela ali- 1857 e faleceu no Retiro dos Artistas, em Jacare-
mentação vegetariana. Apesar da relevância en- paguá (Rio de Janeiro), a 3 de abril de 1948. Era
quanto oposicionista, Cesina Bermudes consi- filha única de Marriale Vitale Polónio, natural de
derou-se, no final da vida, uma “política de meia- Bréscia, e de Marieta Colombo, de Milão, comer-
tigela” e “ter-me metido em política era uma ciantes no Rio de Janeiro. Teve uma educação cui-
questão de ser antissalazarista […] porque embora dada, estudou canto com Maria Sass e música com
tivesse muita atividade não era uma pessoa cons- Angelo Augustini e, além de tocar piano, falava
cientemente política” [Vanda Gorjão, p. 257]. A fluentemente as línguas italiana e francesa. Fre-
mesma leitura dos acontecimentos seria reafir- quentou, com o pai, o Teatro Lírico e conheceu
mada na entrevista concedida, a 7 de fevereiro muitas atrizes italianas que iam atuar naquele tea-
de 2000, a Ilda Soares de Abreu e Maria Teresa tro e se hospedavam em sua casa, factos que te-
Santos e publicada na revista Faces de Eva. Ape- riam influenciado a sua vocação. Em 1879, iniciou
sar deste desprendimento posterior, as suas ati- a carreira artística no papel de “Margarida”, na ópe-
tudes, não tão inconscientes como isso, como se ra Fausto, de Gounoud, no Teatro Lírico do Rio de
verifica pelos discursos e coerência nas respos- Janeiro, sem êxito. Nesse mesmo ano, faleceu o pai
tas dadas nos interrogatórios da PIDE, marcaram e a mãe comprou-lhe a parte na herança, o que lhe
os anos de oposição ao Estado Novo e serviram permitiu viajar pela Europa e domiciliar-se, por al-
de exemplo a muitas outras e outros oposicio- gum tempo, em Paris. Tinha uns lindos cabelos ful-
nistas, bem como a postura intrinsecamente hu- vos, naturais, usava grandes decotes e vestia-se ins-
manista que norteou a sua vida. pirada na elegância parisiense. Voltou ao Brasil em
Da autora: “Inquérito entre as mulheres portuguesas ao 1886, a convite de Heller, e integrou o elenco do
parto sem dor”, entrevista a Dulce Rebelo, Jornal-Ma- Teatro de Sant’Ana, no Rio de Janeiro, estreando-
gazine da Mulher, n.o 48, março, 1955. se, em travesti, na opereta A Canção de Infortú-
Bib.: Anabela Natário, “Cesina Bermudes”, Portuguesas nio, de Crémieux, música de Offenbach, traduzi-
com História – Século XX, Temas & Debates, 2008, pp. da expressamente para ela. Sob a direção de Hel-
98-107; Ana Maria Pires Pessoa, A Educação das Mães
e das Crianças no Estado Novo: A proposta de Maria Lú- ler, representou, ainda, O Chapelinho Vermelho
cia Vassalo Namorado, Dissertação de Doutoramento em (1888), de Blum e Touché, música de Gastão Ser-
Ciências de Educação, Lisboa, Faculdade de Psicologia pette, Galo de Ouro, de Maurice Ordenneau, mú-
e de Ciências da Educação, 2005, 2 Vols.; Comissão do sica de Audran, Béarnaise, A Noiva dos Girassóis
Livro Negro sobre o Regime Fascista, Presos Políticos no
Regime Fascista V – 1949-1951, Mem Martins, 1987, p. (1892), cantando couplets no 2.o ato da opereta,
104; Fernando Rosas e Cristina Sizifredo, Estado Novo Gentis Mosqueteiros e A Filha da Senhora Angot,
e Universidade: A perseguição aos professores, Lisboa, opereta em 3 atos de Lecocq, tradução de Francisco
Tinta-da-China, 2013; Helena Pinto Janeiro, “A questão Palha. Entrou em revistas da autoria de Artur Aze-
feminina na campanha de Norton de Matos”, Norton de vedo em colaboração com Moreira Sampaio: O Ca-
Matos e as Eleições Presidenciais de 1949. 60 anos de-
pois (coord. científica Heloísa Paulo e Helena Pinto Ja- rioca (1886), em 3 atos, 16 quadros e 1 prólogo,
neiro), Edições Colibri, 2010, pp. 35-56; Ilda Soares de onde imitou muito bem Sara Bernhardt, no Tea-
Abreu e Maria Teresa Santos, “Cesina Bermudes, um caso tro D. Pedro II, Mercúrio (1887) e, no mesmo ano,
de interesse prático pela condição feminina”, Faces de O Homem. Partiu para Portugal, onde foi aman-
Eva, n.o 5, 2001, pp. 195-200; Maria Teresa Santos, “Ce-
sina Borges Adães Bermudes”, Dicionário no Feminino te de Eduardo Cordeiro da Silva, que lhe propor-
(séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, p. 218; cionou o luxo com que se exibia, e frequentava a
José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Po- garçonnière O Paraíso com outros atores, onde can-
lítica, Vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clandestino (1941- tava. No Teatro da Rua dos Condes representou
1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001; José Pacheco Pe- uma versão de Reino da Bolha e entrou em Bo-
reira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política – O Pri-
sioneiro (1949-1960), Vol. 3, Lisboa, Temas e Debates, cácio, ópera cómica em 3 atos, tradução de
2005; Manuela Tavares, Feminismos: Percursos e desafios Eduardo Garrido, música de Frédéric Suppé. Foi
(1947-2007), Texto, 2011; Serviços Centrais da Candi- contratada por Francisco Palha para o Teatro da
datura do General Norton de Matos, Às Mulheres de Por- Trindade, onde se estreou em Noite e Dia
tugal, 1949; Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Som-
brios. Oposição feminina ao Estado Novo, Imprensa de
(12/02/1889), ópera cómica em 3 atos, de Lecocq,
Ciências Sociais, 2002. tradução de Eduardo Garrido e Cardoso Leoni.
[J. E.] Francisco Palha faleceu a 11 de janeiro de 1890
181 CIN

e a sociedade ficou sob a direção de Matoso da Câ- cipe da Bulgária (1902), em 3 atos, de Grenet Dan-
mara até 1892. Cinira fez ali a festa artística com court e George Bertal, tradução de Artur Azeve-
A Filha da Sra. Angot (1890), em reprise, entrou do e Azeredo Coutinho, no Teatro Lucinda Simões;
em Perichole, ópera cómica em 3 atos e 4 quadros, as comédias Marido na Corda Bamba, A Mulher
de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, música de Of- do Comissário (1902), de Hannequin, tradução de
fenbach, cantou e representou uma série de papéis, Adolfo Faria, Companhia de Cinira Polónio, no
todos de índole diferente, imitando na perfeição Teatro Lucinda Simões, As Doutoras (1908), de
atrizes célebres, tanto na voz, como na pose e na França Júnior, pela Companhia Dramática Brasi-
dicção, entre elas Sara Bernhardt. No Sarau da Cai- leira, Teatro João Caetano, A Pérola, comédia-dra-
xa da Sociedade de Socorros a Estudantes Pobres ma em 5 atos, de Marcelino Mesquita; as opere-
que decorreu no Teatro de S. Carlos (14/02/1893), tas Vida e Morte (1908), de Artur Azevedo, Vio-
cantou três canções em francês. Entre 1893 e 1897, leta e o Seu Boneco, versão de Artur Azevedo a
fez parte da companhia dirigida por Sousa Bastos partir de Les Pantins de Violette, de Adam, Amor
e Carlos Posser, em que figuravam grandes atores Molhado, A Filha do Senescal, A Mulher Solda-
e atrizes da cena portuguesa, como Mercedes Blas- do (1911), adaptação de Os 28 Dias de Clarinha,
co*, Palmira Bastos*, Ana Pereira* e Joaquim de Al- por Laura Corina, música de José Nunes, no Tea-
meida. Integrada nesta companhia, entrou em Os tro de S. José, Colégio de Senhoritas (1912), de Car-
28 Dias de Clarinha, opereta em 4 atos, de H. Ray- los Meneses, música de Chiquinha Gonzaga
mond & A. Mars, tradução de Gervásio Lobato e [Francisca Edwiges Neves Gonzaga], no Teatro de
Acácio Antunes, música de Victor Roger, O Con- S. José, Do Convento ao Teatro, Clarinha Angú,
de de Monte Cristo, drama de Alexandre Dumas, adaptação de A Filha de Maria Angú, por Artur
traduzido por José Maria da Silva Leal, O Solar dos Azevedo; as revistas Cá e lá, em 3 atos e 11 qua-
Barrigas, ópera cómica em 3 atos de Gervásio Lo- dros, de Tito Martins e B. de Gouveia, com mú-
bato e D. João da Câmara, música de Ciríaco Car- sica de Chiquinha Gonzaga, Cinira Polónio e Al-
doso, e Garra de Açor. Em Paris, tinha aprendido fredo Keil, no Teatro Recreio Dramático, onde re-
a dança radioativa denominada “dança serpen- presentou também Pepa Ruiz* (1904, com repri-
tina”, com Loïe Fuller (1862-1928), dançarina ses em 1906, 1907 e 1908), Chic-Chic (1906), de
nas Folies-Bergères, e em 1893 enchia plateias João do Rio (pseudónimo de Paulo Barreto), em
com esta dança e cantando La Demoiselle de Com- colaboração com J. Brito, pela Companhia Lucinda
mercy e La petite Baronne. O sucesso da dança foi Simões – Cristiano de Sousa, no Palace Theâtre,
tal que foi tema do filme-documentário Dança Ser- em que atuou também Lucinda Simões*, Berliques
pentina, de Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931), e Berloques (1907), em 3 atos e 13 quadros, de Raúl
filmado com a atriz nos jardins do realizador, em Pederneira, música de Pascoal Pereira, José Nu-
1896. Entrou em Retalhos de Lisboa (1896), revista nes e Luís Moreira, Companhia Dias Braga, no Tea-
em 3 atos de Eduardo Schwalbach, onde se dis- tro Recreio Dramático, Dinheiro Haja!... (1908), de
tinguiu, também, pelo luxo dos vestidos, e fez o João Foca [pseudónimo de Baptista Coelho] e João
papel de “Leonor” em O Gafanhoto (1897), no Tea- Cláudio, música de Pascoal Pereira, no Teatro Car-
tro da Rua dos Condes. Formou sociedade com Lu- los Gomes, O Cordão, em 1 ato e 5 quadros de Ar-
cinda do Carmo* e Ciríaco Cardoso para explorar tur Azevedo, música de Pascoal Pereira, pela Com-
o Teatro da Avenida, levando à cena O Meia Azul, panhia de Cinira Polónio, no Teatro Carlos Gomes,
ópera cómica de E. Dubreuil, E. Humbert e P. Bu- em 1909 e reposta em cena em 1910, 1918, 1921
rani, em tradução de Acácio Antunes, música de e 1922, Manobras do Amor (1911), revista musi-
F. Bernicat, O Direito Feudal, de Busini e Bou- cada por José Nunes, no mesmo teatro, Zé Perei-
cheron, tradução de Acácio Antunes, música de ra (1912), em 3 atos e 4 quadros, música de José
Léon Vasseur, e O Burro do Alcaide, ópera cómica Nunes, no Teatro de S. José, Pomada e Farofas
em 3 atos de Gervásio Lobato e D. João da Câma- (1912), em 3 atos e 5 quadros, de Cardoso Mene-
ra, música de Ciríaco Cardoso. Voltou ao Brasil, ses, música de Chiquinha Gonzaga, representada
onde continuou uma carreira de êxitos como atriz no Teatro de S. José, e, em 1913, Carestia, Ressa-
e como empresária teatral dedicada ao vaudevil- ca e Companhia, em 3 atos e 7 quadros, de Car-
le e comédia. Do seu repertório, lembramos os vau- los Bittencourt, música de Paulino Sacramento e
devilles: Niniche, de Millaud & Hannequin, tra- Raúl Martins. Com a companhia por ela formada,
dução de Sousa Bastos, música de F. Alvarenga, levou à cena O Deputado de Saias, tradução de
As Surpresas do Divórcio (1888), de Bisson, O Prín- Moreira Sampaio da peça Le Club des Femmes, de
CIN 182

Victor de Cottens e Pierre Weber, Quasi!..., adap- tos da História do Cinema Português, 1896-1949, Lisboa,
tação de Moins Cinq, de Paul Gavault e Georges Cinemateca Portuguesa, 1983, p. 13; Mercedes Blasco,
Memórias de Uma Actriz, Lisboa, Ed. Viúva Tavares Car-
Berr, por Artur Azevedo, Há Caça e Caça, tradu- doso, 1907, p. 119; Tomaz Ribas, O Teatro da Trindade:
ção de Mr. Chasse, de George Feydeau por Acá- 125 Anos de vida, Porto, Lello & Irmão-Editores, 1993;
cio Nunes, no Teatro Lucinda; as comédias bur- Revista Ilustrada, Lisboa/Porto, Livraria de António Ma-
lescas Comes e Bebes, em 3 atos, de Cardoso Me- ria Pereira, 30/04/1890, p. 13; Gabinete dos Repórteres,
neses, música de José Nunes, no Teatro de S. José, n.o 8, fevereiro, 1894; Gazeta Musical de Lisboa, 3.a sé-
rie, n.o 135, 25/02/1896; Tardes e Noites, n.o 1, 11/11/1897,
Forrobodó, em 3 atos, de Luís Peixoto e Carlos Bi- p. 11, e n.o 3, 28/11/1897, p. 3.
ttencourt (1912, com muitas representações se- [I. S. A.]
guidas), Nas Zonas, original de Cinira Polónio,
representada no Teatro Rio Branco. Em 1912, re- Cinira Polónio
presentava no Teatro Municipal do Rio de Janei- v. Cinira Alzira Polónio
ro (Brasil) ao lado de Pepa Ruiz e Adelaide Cou-
tinho*, onde foram êxito na peça O Canto sem Pa- Clara Ermelinda Vieira
lavras, do brasileiro Roberto Gomes. A atriz aper- Filha de António Lopes Vieira, natural de Avei-
cebeu-se da importância da divulgação para o êxi- ro, cursou o Liceu e a Escola Normal do Porto,
to dos espetáculos, chegando a dedicar, em 1900, obtendo a classificação de Bom e Distinto em am-
uma sessão do vaudeville Quasi! à imprensa. Le- bos os estabelecimentos. Apresentou, em 3 de
vou para o Brasil a implementação das sessões tea- setembro de 1888, candidatura ao lugar de pro-
trais, que foi muito contestada no país. Estava em fessora de ginástica e lavores no novo Liceu do
Paris, já idosa e sem recursos, quando voltou ao Porto. Do seu processo constam diversos docu-
Brasil e foi internada no Retiro dos Artistas, a 2 de mentos, entre os quais um certificado da Esco-
fevereiro de 1937. Era mãe de Gastão Polónio, que la Normal do Porto, onde foi examinada nas dis-
entrou no filme Fidalgos da Casa Mourisca, da In- ciplinas que constituíam o 2.o grau do curso, ob-
victa Film e que esteve ligado ao cinema. tendo a média de 8,5 valores, classificação de
Da autora: As partituras Souvenir du Brésil, grande val- Bom, e se submeteu também ao Exame de 1.o
se brillante pour piano, editada pela 10.a vez em Paris grau, tendo obtido 7,5 valores – Bom; um certi-
com a dedicatória “A Monsieur Le Chevalier de Oliveira ficado da Escola Normal Feminina primária da
Roxo”, e Sous Mon Regarde Sommeille, uma Berceuse,
com letra de Gustave Armand, dedicado a S. M. a Im- primeira classe de 23 de agosto de 1888, ates-
peratriz do Brasil; Tipos Fluminenses, com poema de tando que lhe havia sido conferido o segundo
França Júnior. Publicou “Coração de... Lona” tema de prémio ordinário e que Clara Vieira havia sido
teatro [prosa], Almanaque dos Palcos e Salas para 1905, aluna pensionista do 2.o grau; e um certificado
Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor, 1904, pp. 40-42; mú-
sica de Pschut! Olá, de Acácio Antunes; musicou as pe-
do Liceu Central do Porto. Neste, fez vários exa-
ças O Relógio do Cardeal, uma adaptação de Machado mes: Matemática, 1.a classe, em 30 de agosto de
Correia, que se estreou no Eden-Teatro em 1919, e Tra- 1886, aprovada com nível 4; Desenho, 1.a clas-
ço de União. se, em 19 de agosto de 1886, também com nível
Bib.: Ângela Reis, Cinira Polónio, a divette carioca, Rio 4; Francês, exame final em 25 de agosto de 1886,
de Janeiro, Arquivo Nacional, 1999; Américo Lopes de
Oliveira, Dicionário de Mulheres Célebres, Porto, Lello aprovada com distinção; 1.a classe em 1887; Por-
& Irmão, Editores, 1981, p. 1065; Francisco Fonseca Be- tuguês (passagem), em 22 de julho de 1887, apro-
nevides, O Real Teatro de S. Carlos de Lisboa, Lisboa, vada com distinção; Português (1.a classe), 28 de
Tipografia de Ricardo de Sousa & Sales, 1902; Grande En- junho de 1887, aprovada; 2.a classe aprovada no
ciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXII, Editorial
Enciclopédia, Limitada, Lisboa/Rio de Janeiro, s.a., p. 315; mesmo ano; Matemática (passagem), 5 de agos-
Guiomar Torrezão, “Rumores dos palcos”, Ribaltas e Gam- to de 1887, aprovada; Matemática (classe), 16 de
biarras, Lisboa, série 1, n.o 24, 15/05/1881, p. 190; Idem, agosto de 1887, aprovada com distinção; História
A Crónica, Lisboa, 30/07/1896, pp. 115-116; Gustavo de (passagem), 3 de agosto de 1887, aprovada; His-
Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, tória (classe), 17 de agosto do mesmo ano,
Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa,
1967, p. 408; João Pinto de Carvalho, “O Velho Ginásio”, aprovada com distinção. A 18 de abril de 1890,
Lisboa de Outros Tempos, T. 1, Lisboa, Liv. de António Clara Vieira apresentou de novo a sua candida-
Maria Pereira, Editor, 1898, p. 225; João Ramos, “Lucinda tura, anexando segundas vias dos mesmos do-
do Carmo”, Almanaque dos Palcos e Salas para 1899, cumentos enviados em 1888.
Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor, 1898, p. 6; Luiz Fran-
cisco Rebello, História do Teatro de Revista em Portu- Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
gal, 1. Da Regeneração à República, Lisboa, Publicações – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
D. Quixote, 1984; M. Félix Ribeiro, Filmes, Figuras e Fac- [A. C. O.]
183 CLA

Clara Lima dos Recreios, onde, ao lado da mãe, fez o papel


Militante espírita. Desempenhava, em 1929, fun- de “Clementina”, em Gabriel e Lusbel, ou o Tau-
ções diretivas na Comissão Federativa de Pro- maturgo Santo António (1887), mistério em 3 atos
paganda Espírita de Santarém, ao lado de Lu- e 4 quadros de Braz Martins, música de Frondoni,
cinda Conde, Júlia Amélia Nogueira Dias e Ma- e foi dama secundária na estreia de Lili, tradu-
ria da Piedade Cunha. ção de Gervásio Lobato e Urbano de Castro, mú-
Bib.: O Mensageiro Espírita, Ano II, n.o 8, setembro-
sica de Rio de Carvalho, nesse mesmo ano.
outubro, 1929, p. 5. Bib.: Rafael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, cir-
[N. M.] cos e mais diversões de outras épocas, Porto, Domingos
Barreira Editor, 1943, p. 129; Santos Gonçalves, “Da pla-
Claudina Laborrière teia”, O Recreio, Lisboa, n.o 13, 09/05/1887, p. 197.
[I. S. A.]
Atriz. Em 1892, estava na Companhia Ciríaco
Cardoso, no Teatro da Avenida, onde entrou na
Clotilde Augusta da Luz Xavier
opereta A Roupa dos Franceses, de Machado Cor-
Atriz de teatro declamado e musicado, nasceu
reia, música de Freitas Gazul, ao lado de Palmira
em Elvas, em 1870, e faleceu em Lisboa a 10 de
Bastos*.
março de 1939. Foi casada com o ator José Car-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 29/01/1956, doso. Iniciou a carreira no teatro amador, em El-
p. 4. vas. Foi para o Teatro da Avenida, em Lisboa,
[I. S. A.]
ao tempo da empresa do ator Joaquim Pinto. Fez
digressões pelas ilhas dos Açores e Madeira. Tra-
Claudina Rosa Botelho
balhou nas companhias teatrais de Palmira Bas-
Atriz. Começou a carreira no século XVIII. Em
tos, Alves da Cunha e Amélia Rey Colaço.
1808, fazia parte da companhia do Teatro do Sa-
litre. Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1387;
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXXVIII,
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 64.
e 187. [I. S. A.]
[I. S. A.]
Clube Lisboeta de Senhoras
Clementina do Céu O Lisbon Ladies Club foi fundado em 1922 por
Atriz. Estreou-se em 1886 no Teatro dos Recreios, um grupo de senhoras inglesas, liderado por Mrs
no papel de “Julieta”, em Maridos Que Choram, Cecil Turner. Entre o grupo inicial encontrava-
comédia traduzida por Maximiliano de Azeve- se Mrs Godfrey Pope, Miss Violet Harker, mais
do a partir de Maris Qui Pleurent, e revelou ter tarde Mrs Violet Walford, Mrs Stilwell, Miss Gla-
vocação para o teatro. Fez, de seguida, Miguel dys Cannell, Mrs W. H. Milne e Mrs Arthur Ar-
Strogoff (1886), drama em 5 atos de Adolph d’En- naud. A mulher do representante do governo bri-
nery, extraído do romance de Júlio Verne, tra- tânico em Portugal, Ladie Carnegie, aceitou ser
duzido por Pedro de Moura Cabral. Depois dis- a presidente honorária, assim como todas as suas
so, desapareceu de cena. sucessoras. A quota anual foi fixada em 120$00.
Bib.: Francisco António de Matos, “Da plateia”, O Re- De início, ficou instalado na Calçada do Com-
creio, Lisboa, 2.a série, n.o 9, 11/10/1886, p. 133. bro, 32, 1.o D, mas em 1923 foi transferido para
[I. S. A.] a Travessa André Valente, 13. Nesse mesmo ano,
o clube registou-se ao abrigo da lei portuguesa,
Clementina Santos com o nome Grémio Feminino de Lisboa SARL.
Atriz, filha da atriz Maria do Céu Silva Santos* Em 1929, foi considerada a hipótese de admitir
e de Manuel Domingues dos Santos, escritor que também homens como sócios, mas a proposta foi
foi administrador do concelho de Castelo Bran- rejeitada numa assembleia-geral extraordinária
co, e irmã de Sofia Santos* e de Juliana Santos*. por 17 votos contra 3. Em 1933, tinha 103 sócias
Foi casada com o ator e escritor teatral Carlos Au- e, no ano seguinte, 145. Em 1937, ficou instalado
gusto Almeida (1854-1932), que faleceu depois num grande andar no coração do Chiado, na Rua
da morte de um filho de tenra idade e Clemen- Nova da Trindade, 1, 2.o E. Dispunha de uma bi-
tina suicidou-se de seguida. Da sua participação blioteca, podendo os livros ser requisitados, de
em peças de teatro sabe-se que esteve no Teatro uma sala de estar, de uma sala de jantar, onde
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eram servidos almoços às sócias e seus convi- Coeducação em Portugal


dados, e ainda de um quarto que podia ser ocu- Em Portugal, foi durante a I República, em 1919,
pado por períodos temporários. Organizavam- que se adotou, pela primeira vez expressamente,
se conferências e convívios, servindo de local de o regime coeducativo nas escolas do ensino pri-
encontro e de acolhimento, quer para mulheres mário. Em 1926, logo após a instauração da di-
britânicas e de outras nacionalidades residentes tadura militar, iniciou-se um processo de cessa-
em Portugal, quer para mulheres estrangeiras que ção do regime coeducativo, que se foi alargando
se encontrassem temporariamente no país. As só- a todas as modalidades e graus de ensino ao lon-
cias pagavam uma quota anual e podiam ficar go do Estado Novo. A coeducação foi restabele-
instaladas no Helena Club e, mais tarde, no Ser- cida em 1972. Saliente-se, todavia, que as esco-
vice Women’s Club, quando de visita a Londres. las mistas do ensino público foram uma realida-
Embora aberta a senhoras de todas as naciona- de em Portugal ao longo do século XIX. Remon-
lidades, pelo menos um terço das sócias deve- ta à legislação de Costa Cabral de 1844 [Decreto
riam ser britânicas. Durante a guerra, a Organi- de 20/09/1844] a determinação de que, na falta
zação Feminina de Socorro* utilizou as instala- de escola oficial primária para o sexo feminino,
ções para reuniões e trabalho. Além disso, ser- poderia haver nas escolas para o sexo masculino
viu como espaço de acolhimento, longe dos olhos uma classe de raparigas. As legislações posteriores
dos muitos espiões de ambos os lados que fre- continuaram a prever o funcionamento de esco-
quentavam os cafés e restaurantes de Lisboa, para las mistas, sobretudo nas localidades em que a
grande número de mulheres britânicas que vie- existência de escolas femininas era inviável.
ram para Portugal durante a guerra reforçar o pes- Em 1877, o Anuário Estatístico do Reino de Por-
soal da embaixada, do consulado e de outros ser- tugal refere a existência de 310 escolas primárias
viços, como o controlo de passaportes e controlo mistas (13,5% do total de escolas públicas) e em
de navegação. Em 1943, chegou a Portugal um 1900 o seu número aumentara para 325 (apenas
grupo de mulheres americanas médicas, enfer- 7,2% do total de escolas, pois as escolas mascu-
meiras e assistentes sociais para dar apoio a crian- linas aumentaram mais de 50% e as femininas
ças refugiadas. Estas foram todas feitas sócias ho- quadruplicaram naquele período). Refira-se que,
norárias do clube. Nesse mesmo ano, um grupo em 1882, Adolfo Coelho propôs a criação de uma
de mulheres que tinha estado internado no cam- escola modelo para os dois sexos, que integrava,
po de Liebenau fez, no clube, uma exposição de em regime misto, um jardim de infância Froebel
trabalhos manuais que tinham conseguido fazer (3 a 6 anos) e uma escola intermédia (6 e 7 anos)
durante o seu cativeiro. No final da guerra, o clu- e, em regime de separação de sexos, uma escola
be tinha 189 sócias. A título de exemplo, lem- primária elementar (7 a 10-12 anos) e uma esco-
bra-se uma conferência realizada em 2 de de- la superior (10-12 a 14 anos). Este projeto, que não
zembro de 1946, em que Susan Lowndes Mar- chegou a ser concretizado na sua dimensão in-
ques falou sobre “Arte inglesa em Portugal”. Em tegrada e mista, daria origem às primeiras esco-
1948, o clube tinha 236 sócias, em 1957, 250, e las primárias superiores, criadas pela Câmara Mu-
em 1972, 160. A família Reynolds foi sempre nicipal de Lisboa, em 1883: a Escola Rodrigues
uma das suas grandes apoiantes. Nos anos 60 pas- Sampaio (masculina) e a Escola Maria Pia (fe-
sou por algumas dificuldades financeiras. Em minina). O ensino técnico industrial público foi
1966, o custo do quarto com todas as refeições frequentado pelos dois sexos desde a abertura das
incluídas, era de 80$00. O almoço ou jantar cus- suas escolas, em 1884/85. As escolas, e por vezes
tava 25$00. A quota anual para quem vivesse na as classes, eram mistas, funcionando a separação
área de Lisboa era de 400$00. Encerrou as suas de sexos apenas nas práticas oficinais [v. Ensino
portas em 1976, devido ao reduzido número de Industrial Feminino Oitocentista]. A Escola Ofi-
sócias e ao aumento dos custos. cina n.o 1 de Lisboa, criada em 1905, constituiu
Bib.: Jane Brandon, “Lisbon Ladies Club”, The Anglo- um caso singular de coeducação que merece re-
Portuguese News, n.o 872, 04/06/1966, p. 10, n.o 989, ferência. Era uma escola privada de origem re-
28/11/1970; Susan Lowndes, “Lisbon Ladies Club, público-maçónica, mas abraçou desde cedo, por
50th anniversary”, The Anglo-Portuguese News, n.o 1040, via dos seus professores, o ideal libertário anar-
11/11/1972; The Anglo-Portuguese News, n.o 363,
07/12/1946, n.o 629, 09/02/1957, n.o 867, 26/03/1966,
quista. Para além de instrução primária (só re-
n.o 869, 23/04/1966. conhecida oficialmente em 1912), a escola con-
[A. V.] feria uma formação profissional, apresentando a
185 COE

particularidade de as suas oficinas, fossem de mar- sexos vigente, mantendo as escolas primárias mis-
cenaria ou de costura, serem frequentadas pelos tas nas localidades onde, por motivos demográ-
dois sexos. Entre outros elementos do corpo do- ficos e económicos, não se justificava o desdo-
cente desta escola destacou-se Deolinda Lopes bramento. Foi só em 1919 que se decretou, em-
Vieira Quartin*. Quanto ao ensino liceal, a pro- bora sem carácter obrigatório, o regime coedu-
posta do seu alargamento ao sexo feminino de- cativo no ensino primário [Decretos n.o 5787-A,
sencadeou uma longa e acesa polémica em tor- de 10/05/1919, n.o 5787-B, de 10/05/1919, n.o
no das especificidades que deveriam determinar 6137, de 29/09/1919], completado pelo programa
a constituição do respetivo currículo e a questão de 1921 [Decreto n.o 7311, de 15/02/1921]. O mo-
arrastou-se desde as últimas décadas de oitocentos delo adotado, refletindo a falta de consenso em
até inícios do século XX, tendo o primeiro liceu torno do âmbito a conferir à coeducação, não dei-
feminino, o Liceu Maria Pia, sido criado apenas xou de integrar algumas diferenças curriculares.
em 1906. O currículo apresentava disciplinas Em 1920, as raparigas foram autorizadas a fre-
específicas para o sexo feminino – Moral, Eco- quentar os liceus masculinos. O regime coedu-
nomia Doméstica, Higiene, Culinária, Pedagogia, cativo instituído permaneceu, no entanto, uma
Caligrafia, Música e Trabalhos Manuais –, à se- questão conflitual ao longo da I República. Os seus
melhança das escolas ménagères que, desde o úl- opositores apontavam os perigos da promiscui-
timo quartel do século XIX, tinham sido instituídas dade sexual na formação moral e no desenvol-
na Europa com o objetivo de preparar as mulhe- vimento físico e psicológico de raparigas e de ra-
res para a gestão das atividades domésticas. Na pazes. A favor da coeducação apontavam-se as
última década de oitocentos, os debates sobre a vantagens económicas do sistema, a igual capa-
educação das mulheres foram ganhando espaço cidade intelectual das mulheres em relação aos
próprio nos congressos pedagógicos e de profes- homens, o direito das raparigas a acederem ao
sores, assistindo-se à inclusão de secções temá- mesmo tipo de instrução e a similitude do regi-
ticas específicas e a uma maior participação de me coeducativo com o contexto natural de con-
mulheres. Face à noção prevalecente de que toda vivência entre os sexos no seio da família. Em ju-
a educação das raparigas, desde o seu nascimento, nho de 1926, logo após a instauração da ditadu-
tinha como finalidade o exercício da maternida- ra, foi determinada a cessação, nos estabeleci-
de, as posições a favor do acesso das mulheres à mentos de ensino público, da “coeducação em to-
instrução dividiam-se. Podem, todavia, identifi- dos os centros de população aglomerada superior
car-se três posturas essenciais: a primeira advo- a 5000 habitantes, desde que neles haja mais de
gava um ensino feminino diferenciado, argu- um lugar de professor” [Lei n.o 1880, de
mentando que para as mulheres era mais im- 08/06/1926] e, no ano seguinte, a medida alargou-
portante a educação moral do que a instrução in- se a quase todas as escolas [Decreto n.o 13791, de
telectual, pois esta em demasia masculinizava- 16/06/1927]. A intensa polémica suscitada por es-
-as, pelo que num currículo apropriado às rapa- tas medidas não logrou inverter a tendência de
rigas havia que aligeirar os conhecimentos de ca- consolidação do regime educativo de separação
rácter humanístico e científico (caso, por exem- dos sexos considerado mais adequado para pre-
plo, de Maria Amália Vaz de Carvalho); a segun- parar mulheres e homens para o desempenho dos
da propunha a igualdade educativa para mulhe- distintos papéis que lhes eram socialmente atri-
res e homens, mas opunha-se a que aquelas buídos. A condenação veemente da coeducação
acedessem ao exercício de todas as carreiras pro- feita pelo papa Pio XI, que na encíclica Divini Il-
fissionais, apenas aceitando o desempenho de ati- lius Magistri, de 21 de dezembro de 1929, a clas-
vidades profissionais no caso das mulheres sol- sifica como perniciosa à educação cristã e fo-
teiras e viúvas (Alice Pestana e Carolina Michaëlis mentadora da promiscuidade, influiria na in-
de Vasconcelos exemplificam esta forma de pen- tensificação das medidas tomadas em Portugal no
sar); a terceira, minoritária, sustentava simulta- sentido da substituição do ensino misto pelo re-
neamente a igualdade educativa e profissional para gime de separação dos sexos. Em 1931, estendeu-
mulheres e homens (Carolina da Assunção Lima*, -se o regime de separação dos sexos a todas as lo-
Elisa Curado, Ana de Castro Osório, entre outras, calidades, com exceção daquelas em que não se
podem enquadrar-se nesta posição). A reforma do justificava o funcionamento de dois lugares de pro-
ensino de 1911, um ano após a implantação da fessor [Decreto com força de Lei n.o 20181, de
I República, não alterou o regime de separação de 07/08/1931]. Face à incapacidade de duplicar os
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edifícios escolares, determinou-se, em 1937, a pos- expressamente a coeducação. Nos finais daque-
sibilidade de “ser autorizado o funcionamento de la década, a UNESCO, na sequência de uma de-
dois lugares na mesma sala de aula, em horas le- cisão tomada pela Comissão do Estatuto da Mu-
tivas diferentes” [Decreto-Lei n.o 28081, de lher (1966) e de uma resolução do Conselho Eco-
09/10/1937]. No ano seguinte, porém, um pare- nómico e Social (1968), desenvolveu um estudo,
cer da Câmara Corporativa relativo ao ensino pri- Étude comparée sur l’enseignement mixte, pu-
mário alegava que, apesar de o regime coeduca- blicado em 1970, que abrangeu 103 países e ter-
tivo poder ser adequado aos países nórdicos, “não ritórios a nível mundial. Esse documento revelava
é de aconselhar na escola portuguesa, destinada a tendência de progressiva implementação da coe-
a populações que não adquiriram ainda, nem é ducação em todo o mundo, quer por razões de or-
fácil que adquiram, costumes, atitudes sociais e dem económica, quer por se considerar ser o sis-
formação ética comparável à desses países” [Pa- tema mais adequado à nova realidade social, na
recer da Câmara Corporativa de 05/03/1938 so- qual as mulheres desempenhavam um papel cada
bre a Lei n.o 1909, de 20/05/1938]. Em 1941 exor- vez mais importante na vida profissional e pública,
tava-se novamente para que o princípio da não e preconizava a sua generalização. Neste contexto,
coeducação dos sexos fosse “fielmente seguido em 1972, a coeducação viria a ser restabelecida
quanto às salas e sempre que possível quanto aos em Portugal no ensino primário e no ciclo pre-
edifícios, mesmo nos meios rurais” [Despacho do paratório do ensino secundário (Decreto-Lei n.o
Conselho de Ministros de 15/07/1941]. O regime 482, de 28/11/1972), com efeitos a partir do ano
de separação de sexos para o ensino primário par- letivo de 1973/74. A aprovação desta lei foi acom-
ticular foi estabelecido em 1936 e, em 1949, a lei panhada por amplos debates que, desde inícios
do ensino particular limitava a coeducação às es- de 1970, envolveram especialistas, docentes,
colas infantis, carecendo as restantes escolas de discentes e a comunicação social, e que consti-
autorização excecional do Ministério da Educa- tuíram um momento único, até hoje, de reflexão
ção Nacional para poderem ministrar o ensino a pública aprofundada sobre a coeducação. Foi edi-
crianças e jovens dos dois sexos, desde que não tado um conjunto de publicações, algumas de ini-
tivessem o regime de internato [Decreto-Lei n.o ciativa do próprio Ministério de Educação Na-
27279, de 24/11/1936; Lei n.o 2033, de cional, com o objetivo de divulgar as discussões
27/06/1949]. Em 1947 e em 1948 prescreveu-se e de apoiar a implementação de novas práticas pe-
que o ensino misto nos ensinos profissional, in- dagógicas. A consciência da complexidade ine-
dustrial e comercial só deveria funcionar exce- rente à implementação da coeducação encontra-
cionalmente [Lei n.o 2025, de 19/06/1947 e De- va-se expressa no próprio texto da lei: “É de sa-
creto n.o 37029, de 25/08/1948]. Em 1952, o re- lientar que não se trata apenas de constituir tur-
gime de separação de sexos foi aplicado ao ensino mas mistas, mas de realizar uma verdadeira
de adultos [Decreto n.o 38969, de 27/10/1952]. Em coeducação. A turma mista, só por si, limita-se a
1957, dividia-se o curso do INEF em secções fe- uma disposição material, enquanto a coeducação
minina e masculina para “efeito de lecionação de é um ambiente, possibilitando a franca camara-
todas as aulas práticas” [Decreto-Lei n.o 41447, de dagem entre rapazes e raparigas, tanto nas aulas
17/12/1957]. A ampliação da escolaridade obri- como nos recreios e nas restantes atividades. Aliás,
gatória, em 1964, levou à extensão do regime em as futuras construções escolares deverão ter em
vigor e, em 1966 e 1967, o regime de separação conta este princípio” [Decreto-Lei n.o 482/72]. Nos
de sexos foi definido para o ciclo preparatório do diversos debates que se realizaram discutiram-
ensino secundário [Decreto-Lei n.o 45810, de se o conceito de coeducação, os perigos ou van-
09/07/1964; Decreto-Lei n.o 47227, de 30/09/1966; tagens morais decorrentes da convivência de alu-
Decreto-Lei n.o 47480, de 02/01/1967]. Depois da nos dos dois sexos, o valor formativo da coedu-
Segunda Guerra Mundial, porém, o ensino mis- cação, a construção da igualdade entre os sexos
to foi registando progressos significativos na e as exigências pedagógicas da coeducação. Foi
Europa e em 1951 o papa Pio XII reconheceu a ne- ainda sugerida a aplicação de metodologias ati-
cessidade de ser repensada a encíclica de 1929, vas, consideradas facilitadoras da coeducação,
inaugurando, assim, uma suavização da posição questão igualmente contemplada no preâmbulo
da Igreja, cujos textos, a partir dos anos 1960, em- do Decreto-Lei: “o ambiente de coeducação dará,
bora continuassem a insistir num ensino que aten- aliás, todos os seus frutos quando vier a par de no-
desse à diferenciação dos sexos, já não condenava vas técnicas pedagógicas onde tenham lugar a par-
187 COE

ticipação ativa, o espírito criador e a atitude de tugal, que exortam os Estados a implementar po-
colaboração” [Decreto-Lei n.o 482/72]. Os argu- líticas educativas promotoras da coeducação e da
mentos enunciados traduziam, para além das prio- igualdade entre mulheres e homens. De entre os
ridades de carácter económico-financeiro, a documentos internacionais a que Portugal se en-
consciência de que a coexistência de raparigas e contra vinculado destacam-se a Plataforma de
rapazes nas escolas não se reduzia a um mero ato Ação aprovada na 4.a Conferência Mundial sobre
formal, mas implicava alterações de âmbito pe- as Mulheres (ONU, 1995) e as Iniciativas e
dagógico e educativo. A partir do 25 de Abril de Ações Futuras (ONU, 2000); a Resolução n.o 85/C
1974 a generalização do ensino misto foi acom- 166/01 do Conselho de Ministros da Educação da
panhada de uma uniformização curricular e do União Europeia, contendo um Programa de Ação
incremento do acesso de rapazes e raparigas ao sobre a Igualdade de Oportunidades das Rapari-
sistema de ensino. A dimensão de igualdade de gas e dos Rapazes em Matéria de Educação
oportunidades entre raparigas e rapazes foi tomada (1985); a Declaração sobre educação e igualdade
como uma decorrência automática do ensino mis- de oportunidades para raparigas e mulheres, ado-
to. Considerou-se que a coeducação era um fac- tada pela XIV sessão da Conferência Permanen-
to consumado sem necessidade de se proceder a te de Ministros Europeus da Educação (Conselho
quaisquer alterações de carácter organizativo, cur- da Europa, 1985); a Recomendação 1281, da As-
ricular e pedagógico. A Lei de Bases do Sistema sembleia Parlamentar do Conselho da Europa
Educativo, aprovada em 1986 [Lei n.o 46/86, de (1995) e a Comunicação 7707 do Comité de Mi-
14/10/1986], estabeleceu como objetivo do sistema nistros do Conselho da Europa (1996), relativas
educativo “Assegurar a Igualdade de Oportuni- à igualdade entre os sexos no domínio da edu-
dades para ambos os sexos, nomeadamente atra- cação.
vés das práticas da coeducação e da orientação es- Bib.: Ana Maria Costa Lopes, Imagens da Mulher na Im-
colar e profissional, e sensibilizar, para o efeito, prensa Feminina de Oitocentos. Percursos de moderni-
o conjunto dos intervenientes no processo edu- dade, Lisboa, Quimera, 2005; António Candeias, Educar
cativo” [art.o 3.o - j.], mas esta matéria não foi re- de Outra Forma – a Escola Oficina n.o1, 1905-1930, Lis-
gulamentada até ao presente. O Ministério da Edu- boa, IIE, 1994; António Nóvoa (dir.), Dicionário de Edu-
cadores Portugueses, Porto, Ed. Asa, 2003; Elzira Maria
cação manteve-se alheio à problemática da igual- Terra Dantas Machado Rosa, Situação da educação fe-
dade entre os sexos, as iniciativas universitárias minina na obra pedagógica de Bernardino Machado: pro-
foram pontuais e localizadas e a educação não postas a favor da igualdade e da emancipação das mu-
constituiu uma prioridade (ressalvando a ques- lheres, Dissertação de Mestrado, Lisboa, ISCTE, 1996; Fer-
tão do analfabetismo) das agendas reivindicati- nanda Henriques e Teresa Pinto, “Educação e género: dos
anos 70 ao final do século XX. Subsídios para a com-
vas dos movimentos de mulheres. Neste contex- preensão da situação”, ex æquo, n.o 6, 2002, pp. 11-54;
to, destaca-se o protagonismo da então Comissão Irene Vaquinhas, Rui Cascão, “Evolução da sociedade em
da Condição Feminina* (CCF) (depois CIDM, Co- Portugal: a lenta e complexa afirmação de uma civilização
missão para a Igualdade e para os Direitos das Mu- burguesa”, História de Portugal (dir. José Mattoso), Vol.
5, Lisboa, Ed. Estampa, 1993, pp. 441-457; Joaquim Fer-
lheres, e, na presente data, CIG, Comissão para a reira Gomes, Estudos para a História da Educação em
Cidadania e a Igualdade de Género) na promoção Portugal, Coimbra, Liv. Almedina, 1980; Maria Isabel Cé-
da igualdade entre raparigas e rapazes em edu- sar Anjo e Alberto Pedroso (coord.), Coeducação em De-
cação, através de projetos, congressos, publicações bate, Lisboa, LUDUS, 1971; Maria José de la Fuente, O
e ações de formação, realizadas desde a década Ensino Secundário Feminino – os primeiros vinte anos
da Escola Maria Pia, Dissertação de Mestrado [polico-
de 1970 até ao presente. A partir da década de piado], Lisboa, F.C.S.H./U.N.L., 1998; Ministério da Edu-
1990, assistiu-se a um incremento das investiga- cação Nacional, Coeducação no Ensino Básico, Lisboa,
ções e dos cursos sobre género e educação nas uni- M.E.N., 1972; Ministério da Educação Nacional, Para uma
versidades, a um aprofundamento da interação en- Pedagogia da Coeducação, Lisboa, SEEC-DGEB, 2 Vols.,
tre a CIDM e especialistas do ensino superior, e 1973; Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Por-
tugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1986; Te-
a uma formalização institucional da importância resa Pinto e Fernanda Henriques, Coeducação e Igual-
desta área de estudo e intervenção por via da sua dade de Oportunidades, Lisboa, CIDM, 1999; Teresa Pin-
inscrição nos Planos Nacionais para a Igualdade to, “Caminhos e encruzilhadas da co-educação”, ex æquo,
(1997 e seguintes). No contexto internacional, seja n.o 1, 1999, pp. 123-135; Idem, O Ensino Industrial Fe-
minino Oitocentista. A Escola Damião de Góis em
a nível mundial (ONU), seja a nível europeu (Con- Alenquer, Lisboa, Colibri, 2000; Idem, “Ensino industrial
selho da Europa e União Europeia), vários são os feminino oitocentista”, Dicionário no Feminino (séculos
documentos, ratificados e/ou subscritos por Por- XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315;
COL 188

UNESCO, Étude comparée sur l’enseignement mixte, “mulheres da obrigação dos cavaleiros de San-
ED/MD/15, Unesco, 1970 [em linha] disponível em tiago” (como se tornaram conhecidas) no Con-
http://unesdoc.unesco.org/images/0012/00126
4/126466fb.pdf [consultado em 10/10/2012]. vento de Santos prolongou-se até ao reinado de
[T. P.] D. João II. Por determinação deste monarca, em
1470, começou a ser construído um novo con-
Colégio de Regeneração vento na Estrada de Xabregas (no espaço onde
v. Instituto Monsenhor Airosa mais tarde veio a erguer-se o palácio de D. Lázaro
Leitão), para o qual se mudaram as comenda-
Comendadeiras deiras em 1490. Mas, porque esta casa também
Foram intituladas comendadeiras as senhoras no- não oferecia as melhores condições para os fins
bres, na sua maioria professas, que receberam co- a que se destinava, a comendadeira D. Ana de
mendas (benefícios eclesiásticos, que consistiam Mendonça (mãe do Mestre D. Jorge, filho natu-
em rendas, cedidas aos cavaleiros de ordens mi- ral de D. João II) procedeu a uma reforma notá-
litares) por inerência dos cargos de chefia que ocu- vel, ampliando e melhorando a traça do edifício
pavam nos conventos femininos das Ordens Mi- primitivo. Do número inicialmente fixado de 12
litares de Santiago e de Avis. As comendadeiras donas, passou-se para 18 e, em meados do século
eram designadas e eleitas por decisão régia e com XVI, para 24, até que o cardeal D. Henrique de-
o aval do mestre da respetiva ordem militar, mas terminou (por diploma redigido a 23 de janeiro
para chegarem a essa categoria, salvo nalguns ca- de 1580), que o mosteiro tivesse “continuamente
sos excecionais, passavam por três etapas hie- cinquenta freiras professas”. Crescendo o número
rárquicas: as de moças do coro, noviças e pro- de professas até finais do século XVI, depressa
fessas. Embora o título de comendadeira só o edifício de Xabregas se tornou exíguo, o que le-
pertencesse, de facto, à prelada da(s) comuni- vou D. Filipe II a ordenar a construção de um
dade(s), essa designação generalizou-se, com o novo convento, em 1609, designado de Santos-
tempo, a todas as professas dessas comunidades. o-Novo para se distinguir do primitivo edifício
Em Lisboa, existiram dois conventos de co- conventual de Santos. O projeto do novo con-
mendadeiras: o de Santos, fundado no século XII vento, da autoria de Baltazar Álvares ou de Ma-
e pertencente à Ordem de Santiago da Espada, teus do Couto, era tão ambicioso e dispendioso
e o de Nossa Senhora da Encarnação, fundado no que nunca chegou a ser concluído, apesar de as
século XVII e pertencente à Ordem de Avis. Es- obras de construção se terem arrastado até 1689.
ses dois conventos de comendadeiras, que sem- Porém, a parte do edifício construída, e que cor-
pre beneficiaram da proteção régia, obtiveram, ao responde a metade do projetado, ainda hoje é ad-
longo do tempo, muitos privilégios e doações que, mirável, quer pelas suas vastas dimensões, quer
associados aos rendimentos dos seus próprios pelo traçado de grande rigor e sobriedade. O edi-
bens, lhes garantiram riqueza e prestígio até ao fício conventual, cujos alçados exteriores estão
século XIX, ou seja, até à implantação do Libe- rasgados por um impressionante conjunto de 365
ralismo. 1. As Comendadeiras da Ordem de San- janelas, apresenta uma planta quadrada, centra-
tiago da Espada. Os cavaleiros de Santiago, con- lizada por um vasto claustro de três pisos com
trariamente aos das restantes Ordens Militares 104 arcos. Adossado à ala nascente do edifício
(Avis, Cristo e Hospitalários), tinham a prerro- encontra-se o corpo retangular da igreja, cuja sim-
gativa de poder casar, tornando-se, por isso, in- plicidade formal exterior contrasta com a riqueza
dispensável, desde os primeiros tempos, a exis- decorativa do interior (talha dourada, frescos e
tência de um local onde se recolhessem as suas azulejaria barrocas). As cerca de 49 habitações das
viúvas e filhas solteiras, frequentemente de- antigas comendadeiras (e outras enclaustradas)
samparadas pelos azares bélicos da arriscada vida distribuem-se, a par das capelas e oratórios de de-
militar. Pouco depois da conquista da cidade aos coração barroca, pelos três pisos do edifício. Es-
mouros, a Ordem de Santiago instalou-se em San- sas “unidades habitacionais” ou residências au-
tos, mas, com a fixação do Mestrado da Ordem tónomas, constituídas por três, quatro ou mais
em Palmela, no início do século XIII, o Convento compartimentos, estão organizadas em altura e
de Santos-o-Velho foi destinado ao recolhimen- abrem as respetivas portas e janelas para as ga-
to das donas Santiaguistas que, até essa altura, lerias do claustro. Desde os seus primeiros tem-
tinham vivido reunidas numa quinta em Arru- pos de existência, no reinado de D. Afonso I, as
da dos Vinhos. A permanência das donas ou das donas de Santiago acataram um conjunto de nor-
189 COL

mas, impostas pelos monarcas e/ou pelos Mes- gações religiosas e dos hábitos das enclaustradas;
tres da Ordem, que lhes regulava todos os aspe- o livro VI trata dos cargos e obrigações do prior
tos da vivência comunitária, fossem os ineren- e do capelão. No livro I, respeitante à escolha e
tes à admissão, ao vestuário, aos horários, à hie- eleição da Comendadeira, determinava-se no ca-
rarquia, à disciplina, às obrigações religiosas, etc. pítulo I que: (1) “A Prelada deste Mosteiro será
Dentre as primeiras regras impostas às donas, exis- perpetua: e por quanto ao seu Cargo pertence o
tia uma que as obrigava a levar “uma vida cas- governar, e presidir a huma Corporação de Pes-
ta” e a usar “toucados honestos”, o que muito con- soas Illustres em Sangue, e em Virtudes, cumpre,
tribuiu para que a comunidade optasse por um que ella tenha tambem estas mesmas qualidades”;
vestuário sóbrio, caracterizado por vestidos de (3) “A Comendadeira por Nós nomeada he pro-
seda preta e mantos brancos de tule com as cru- vida, pelo Titulo do seu Cargo, em Comenda com
zes de Santiago e/ou toucados brancos sobre os o Habito de Samt-Iago”; (5) “A Commendadei-
cabelos. D. Jorge, Grão-Mestre da Ordem de San- ra, bem como todas as Pessoas, que com o Habito
tiago (1491-1550), sistematizou as regras de possuem Bens e Rendas da Ordem, será obriga-
funcionamento interno do convento das co- da a pagar, antes de tomar posse, a meia annata;
mendadeiras num Regimento próprio, articu- que vem a ser, a metade do rendimento de hum
lando-o com a Regra e Estatutos da Ordem, que anno”; no capítulo III, (1) “Sendo a Commen-
foram aprovados em capítulo geral, em 1532 (es- dadeira, huma Religiosa professa, cumpre, que
tatutos posteriormente modificados por Filipe III, até no seu trage resplandeça aquella moderação,
em 1627). O cardeal D. Henrique, preocupado gravidade, e modestia, que devem ser insepará-
com a alteração de algumas práticas conventuais, veis do seu Estado, e Profissão. E por esta razão,
tidas como “pouco decentes”, como o “uso de quando for ao Coro, ou assistir a quaesquer ou-
toucados desonestos, os cabelos à vista ou a prá- tros actos de communidade, e sempre que ap-
tica das tranças”, e ainda pelo exagerado núme- parecer em público, usará de vestidos negros. In-
ro de criadas que cada senhora tinha ao seu ser- teriormente trará o Bentinho branco com a Cruz
viço, reformulou algumas regras do referido da Ordem; e exteriormente usará da mesma Cruz
Regimento de D. Jorge. A partir de 1579 e até fi- de oiro no meio do peito […] e deverá esta Cruz
nais do século XVIII, as donas de Santiago pas- ser alguma coisa maior que a das outras Freiras.
saram a regular-se pelo antigo Regimento, acres- O Manto que usar será fechado por diante; e, no
centado ou corrigido pelos designados Estatutos meio do peito […] terá uma Cruz de seda en-
de D. Henrique que, entre outras disposições, de- carnada, orlada de oiro”; (2) “Nos Vestidos po-
terminavam “que nenhuma Dona, nem moça do derá usar de Cauda”; no capítulo IV, (1) “Á Com-
Coro traga nenhum vestido de seda, nem ver- mendadeira pertence todo o governo interior do
dugos, nem debruns, e a Comendadeira não con- Mosteiro, e o promover com a maior vigilancia,
sentirá que as moças do coro tragam toucados se- zelo, e actividade, a inteira observancia da Regra,
não muito honestos, que não tragam cabelos de e dos Estatutos da Ordem”; (2) “Terá pois a Com-
fora, nem cabos de trançados” e ainda que “não mendadeira toda a authoridade necessaria para
consinta que cada dona tenha mais, por ora, que castigar as suas subditas pelas faltas, e culpas, que
duas servidoras”. D. Maria I determinaria, a 3 de commeterem”; (...) (6) “Devendo a Prelada des-
setembro de 1793, os novos Estatutos das Co- te Mosteiro zelar sobre tudo a conservação do res-
mendadeiras de Santos, concebidos para estar “ac- peito, e decóro delle, á mesma Prelada pertencerá
commodaddos ás actuaes circunstancias, acres- privativamente o dar licença ás Freiras, e Moças
centando, explicando, e moderando o primeiro do Coro para irem fallar á Grade”; (7) “[…] só lhes
(o de D. Jorge), para melhor governo, e authori- concederá similhantes licenças para fallarem com
dade do mesmo Mosteiro”. Apresentam-se estes seus Pais, Tios, Irmãos e Cunhados”. No livro II,
Estatutos organizados em seis livros, cada um de- o capítulo I respeita à escolha, nomeação e fun-
les subdividido em vários capítulos: o livro I tra- ções da vigária (que substituirá a comendadeira
ta da nomeação da comendadeira e da jurisdição quando esta estiver impossibilitada por qualquer
que lhe compete; o livro II trata da escolha (pela razão), e o capítulo II respeita às Porteiras, a quem
comendadeira) da vigária e das porteiras; o livro cabia a obrigação de “abrir as Portas do Mostei-
III trata da escolha e eleição (em capítulo) das ofi- ro pela manhã depois da Prima, fechallas pelas
ciais do mosteiro; o livro IV trata do número de Ave Marias” (2) e que “não consentirão, que pela
freiras e moças do coro; o livro V trata das obri- Portaria entre homem algum, salvo os que forem
COL 190

absolutamente indispensaveis para servir o Mos- No capítulo III, referente aos vestidos e hábitos,
teiro, ou conduzir para elle tudo aquillo, que por estipula-se que “Ao Côro, e a todos os mais ac-
causa do seu pezo, não possa ser levado da Por- tos de Communidade […] irão as Religiosas sem-
ta pelas criadas do Mosteiro” (3). O livro III tra- pre vestidas de preto […] saias e roupinhas pre-
ta da eleição das oficiais do mosteiro, feita “em tas, que poderão ser de seda liza; e com tres co-
Capitulo, e votando nella todas as Religiosas pro- vados de tafetá, tambem preto, lançados sobre os
fessas por votos secretos […]”, desde a mestra das hombros […] e no peito, da banda esquerda tra-
noviças, à cantora e sub-cantora, à organista, à sa- rão Habito de oiro com espada, que he a insig-
cristã, secretária, mordomas de fazenda e escri- nia da Ordem, pendente de huma fita encarna-
vã. O livro IV, respeitante às freiras e moças do da” (1) e os mantos usados nos dias mais sole-
coro do mosteiro, diz que o seu número (que não nes serão de “escumilha branca”. Por tudo o que
é fixado) dependerá “das Rendas do mesmo Mos- atrás referimos, depreende-se que o quotidiano
teiro” e que a eleição competirá ao rei/rainha e das donas de Santiago esteve sempre e em todos
grãos-mestres. No seu capítulo I, estipula que os os seus aspetos – horários, atividades, vestuário,
“Lugares, que vagarem de Religiosas, poderão ser visitas e saídas, habitação, doença e morte, etc.
providas as Moças do Coro pela ordem da sua an- – condicionado pelas normas vigentes (desde as
tiguidade” (4) e a(s) escolhida(s) iniciará(ão) um primitivas “recomendações” afonsinas às do
ano de noviciado, podendo então professar, de- Regimento de D. Jorge e às dos Estatutos de D.
vendo esse ato ficar registado no Livro de Ma- Henrique e, por fim, às dos Estatutos de 1793),
trícula (capítulo III, 3). No capítulo IV, determi- cujo cumprimento era rigorosamente vigiado pela
na-se que as pretendentes aos lugares de moças comendadeira. Porém, as regras estatutárias das
do coro terão de ser aprovadas por alvará régio comendadeiras de Santos (e também as das co-
(1), sendo obrigadas a pagar “cem mil réis pelo mendadeiras da Encarnação), comparativamen-
pizo” (2) e, embora “nem façam os votos, nem te com as que vingaram nas comunidades mo-
professem a observancia da Regra […] conformar- násticas, foram sempre mais “liberais”, o que se
se-hão todavia no Coro, e em todos os mais ac- deveu, sem dúvida, à elevada categoria social das
tos de Communidade, e no respeito á Policia donas aí residentes (professas ou seculares). In-
Claustral, com o que se acha estabelecido neste felizmente, grande parte da documentação res-
Regimento” (3). O capítulo V trata das recolhi- peitante às donas enclaustradas (como, por
das seculares, cuja admissão no convento só se exemplo, os Livros de Matrícula, onde se regis-
verificará com autorização régia e mediante o pa- tavam as novas professas), desapareceu e, por isso,
gamento de “cem mil réis pelo pizo” (2), obten- desconhecem-se os nomes da maior parte das se-
do “cada huma o seu aposento separado” (3). Em- nhoras que viveram naquele convento, no decurso
bora não sendo obrigadas à observância da dos seus quase sete séculos de existência. A ela-
Regra e dos Estatutos, ou a seguir os actos da Co- boração da lista das comendadeiras (preladas e
munidade, deverão “viver com muita edificação”, superioras) de Santiago, desde a época da fun-
não podendo “sair do Convento, nem receber vi- dação da comunidade até à data da extinção, foi
sitas, nem falar na Grade sem licença da Co- feita com algumas dificuldades resultantes da in-
mendadeira” (4). O capítulo VI, respeitante às cria- suficiência de dados seguros para o período com-
das das senhoras enclaustradas, estipula que “ne- preendido entre os séculos XII e XV e ainda da
nhuma Freira, ou Moça do Coro do Mosteiro terá situação de indefinição da comunidade entre
mais de tres criadas”, as quais só poderão entrar 1834 (legislação de Joaquim António de Aguiar
ao serviço depois da aprovação da comendadeira, sobre a extinção das ordens religiosas) e 1934
nunca podendo sair do mosteiro sem a mesma (data da integração definitiva do Convento de San-
aprovação. O livro V regulamenta, no capítulo I, tos nos Recolhimentos da Capital). Na lista que
as práticas religiosas (ofícios, etc.) e, no capítu- se segue, incluem-se todas as donas que gover-
lo II, as obrigações das religiosas, determinando- naram a comunidade Santiaguista, quer as que
lhes os mesmos votos dos cavaleiros: o da cas- obtiveram o cargo de comendadeira (ou vigária-
tidade (conjugal, uma vez que, tal como os ca- -presidente ou superiora) por nomeação régia até
valeiros, podiam casar, desde que obtivessem a finais do século XIX, quer ainda as que foram de-
autorização do Mestre da Ordem) (2) e o da po- signadas superioras ou regentes por nomeação mi-
breza, embora pudessem “possuir todos os bens, nisterial e usaram o título honorífico de “co-
e fazendas proprias, que tiverem e houverem” (3). mendadeiras”, ainda nas primeiras décadas do
191 COL

século XX: D. Sancha Martins Peres, primeira su- lipa Maria de Melo governou como vigária e pre-
periora, cerca de 1175; D. Auzenda Egas (filha de sidente de 1787 a 1791; D. Isabel José da Câma-
Egas Moniz) que foi a segunda ou terceira supe- ra governou como vigária e comendadeira de 1791
riora, em finais do reinado de D. Afonso I ou no a 1814; D. Maria Anna d’Almada, comendadei-
de D. Sancho I; D. Johane Telles, comendadeira ra de 1818 a 1826; D. Francisca de Sande e Cas-
em 1373; D. Enes Peres (mãe de D. Afonso, 1.o du- tro governou como vigária em 1865; D. Maria do
que de Bragança), comendadeira de 1384 a Carmo de Brito Guedes Portugal governou como
1434; D. Beatriz de Meneses, comendadeira em vigária e como comendadeira de 1884 a 1894; D.
1454; D. Catherina Nogueira, comendadeira em Maria Alexandrina de Portugal da Silveira (mar-
1490; D. Brites de Meneses, comendadeira de quesa de Sampaio), vigária e comendadeira de
1496 a 1504; D. Violante Nogueira (filha de Afonso 1894 a 1903; D. Maria Helena da Mota Porto Car-
Furtado de Mendonça, conselheiro de D. Afon- rero governou após a morte da anterior Comen-
so V), comendadeira de 1504 a 1508, sob cujo go- dadeira, de 1903 a 1904; D. Maria José de Meneses
verno as comendadeiras se mudaram para o Con- Ludovice governou de 1904 a 1905; D. Maria da
vento de Xabregas; D. Ana de Mendonça, Conceição de Velasques Osório Alarcão, última
comendadeira de 1508 a 1545, sucedendo a comendadeira de nomeação régia, governou de
D. Violante, sua tia, no governo da comunidade 1905 a 1910; D. Rita do Carvalhal Correia Hen-
(mãe de D. Jorge de Lencastre, filho natural de riques governou de 1910 a 1934. A partir de 1834,
João II, duque de Coimbra, grão-mestre da Ordem as comendadeiras de Santos sentiram, sem dú-
de Santiago); D. Helena de Lencastre (neta de D. vida, dificuldades acrescidas no exercício do seu
Ana, filha de D. Jorge de Lencastre e de D. Bri- mandato decorrentes, em grande parte, do clima
tes de Vilhena), comendadeira de 1550 a 1579; de grande instabilidade relativamente ao desti-
D. Ana de Lencastre (filha de D. Luís de Lencastre, no da comunidade religiosa, à redução do número
comendador-mor de Avis), comendadeira de de candidatas a professas e ao aumento do nú-
1580 a 1624; D. Brites de Lencastre (filha de D. mero das recolhidas seculares. Porém, as maio-
Afonso de Lencastre, comendador-mor da Ordem res dificuldades foram as de ordem económica,
de Santiago, e de D. Violante Henriques, filha do uma vez que se agravaram as despesas de ma-
conde de Redondo, D. João Coutinho), comen- nutenção da comunidade conventual, ao mesmo
dadeira de 1624 a 1634; D. Iria de Meneses Cas- tempo que decresceram os respetivos rendi-
telo Branco governou de 1634 a 1659, primeiro mentos, vindo essa situação a deteriorar-se ain-
como vigária e depois como comendadeira; D. Joa- da mais quando o Estado, em agosto de 1894, se
na de Castro (filha de D. João de Mascarenhas e apossou do património e rendas conventuais. De
de D. Maria da Costa), comendadeira de 1659 a facto, na sequência de sentença emitida pelo juiz
1675; D. Luísa de Távora (filha primogénita de da 1.a vara de Lisboa, que julgou “interdita por
Álvaro Pires de Távora, morgado da Torre de Ca- demência Dona Maria do Carmo Portugal, últi-
parica, e de D. Maria de Lima, filha de D. Lou- ma religiosa do Convento”, iniciou-se a “inven-
renço de Lima Brito e Nogueira, 6.o conde de Vila tariação e arrecadação para a Fazenda Nacional
Nova da Cerveira), comendadeira de 1675 a 1681; de todos os livros, documentos, vasos sagrados
D. Isabel de Castro Pereira (viúva de Luís Frei- e alfaias pertencentes ao dito Convento, toman-
re de Andrade Homem, senhor de Bobadela), co- do d’elles posse, bem como de todos os edifícios,
mendadeira de 1681 a 1689, sob cujo governo as bens e rendimentos do mesmo convento”, em
donas de Santiago mudaram para Santos-o- cumprimento das determinações emanadas pela
-Novo, a 23 de maio de 1685; D. Isabel de Cas- Repartição de Fazenda do Distrito de Lisboa. Al-
tro, presidente de 1689 a 1692; D. Inês Maria Vi- guns meses mais tarde, a marquesa de Sampaio,
lhena, comendadeira de 1692 a 1722; D. Luísa de em cujos ombros recaíra a responsabilidade do
Gusmão, vigária que presidiu no governo do con- governo de Santos-o-Novo, dirigiu ao monarca
vento, após a morte de D. Inês, até junho de 1722; a seguinte petição: “Senhor, […] tendo sido no-
D. Guiomar Manuel de Mendonça governou de meada Pro-Vigaria no total impedimento da úl-
1722 a 1742, primeiro como vigária e depois como tima freira professa da Ordem Militar de S. Thia-
comendadeira; D. Maria Rosa de Noronha (con- go da Espada do real Mosteiro de Santos o Novo,
dessa de Pombeiro) comendadeira de 1743 a e precisando fazer face ás importantes despezas
1786; D. Paula Margarida de Meneses governou indispensáveis e urgentes, para a sustentação do
como vigária-presidente de 1786 a 1787; D. Fi- pessoal existente no dito Convento, vem pedir a
COL 192

Sua Magestade lhe conceda um subsídio mensal anno findo […]”. Com tão limitados orçamentos,
de cento e oitenta e cinco mil reís em cuja som- as superioras não tinham capacidade de resposta
ma se comprehendem todas as despezas do Cul- face a situações inesperadas que implicassem des-
to […]”. Auscultada sobre aquela petição, a pesas extraordinárias (como a realização de
Procuradoria-Geral da Coroa e Fazenda deu o seu obras de reparação no edifício conventual, na igre-
parecer favorável, por ofício datado de 12 de mar- ja, etc), como se percebe da análise da carta en-
ço de 1895: “[…] A repartição informa favora- viada por D. Maria da Conceição de Alarcão Vel-
velmente esta pretensão, visto não receber a re- lasques Osório ao Diretor-Geral da Fazenda Pú-
querente os rendimentos do convento, acerca dos blica, a 19 de maio de 1914: “[…] Por interesse
quaes se providenciou pela mesma repartição em da Saúde Pública e nossa aqui residentes, parti-
ordem a assegurar a Fazenda a sua posse e ad- cipo a V.a Ex.a que já há dias se acha rebentado
ministração […] N’este convento dá-se, porém, o cano geral de esgotos que corre ao longo de uma
uma circunstancia digna de ponderação, cir- face d’este edifício, exalando mau cheiro; e
cunstancia que consta do processo e para a qual também que as casas concedidas às Senhoras ad-
chamou a attenção dos poderes públicos o offi- mettidas n’este recolhimento, condessa da Vi-
cio do Sr. Cardeal Patriarcha. Refiro-me ás se- digueira e D. Maria da Conceição d’Eça de Mel-
nhoras n’elle recolhidas, onde têm habitação, que lo necessitam de desenfecção e alguns pequenos
pagaram (pisos) e que vivem de subsídios pres- reparos […]”. Embora a maior parte das senho-
tados pelo rendimento do mosteiro. Seria de- ras residentes no Convento de Santos, antes e de-
masiado duro expulsar das suas habitações se- pois da implantação da República, proviessem
nhoras mais ou menos indigentes e que com- de famílias nobres ou de altas patentes militares,
praram o direito a viverem n’aquella casa. A lei tinham poucos recursos económicos e, por isso,
não justifica tal violencia que parece ter sido ar- também dependiam de subsídios pagos pelo Es-
redada no número 1.o da Lei de 4 d’Abril de 1861. tado (ministérios da Fazenda ou do Exército e ou-
De resto o paragrapho 2.o do artigo 11 da mesma tros), como se comprova pelo seguinte docu-
lei autorisa o Governo a prover a congrua sus- mento, datado de 12 de setembro de 1912:
tentação das religiosas professas dos conventos “Relação das senhoras recolhidas no ex-
supprimidos continuem ou não a viver em clau- -convento de Santos-o-Novo, situado no Pateo
sura. // Em vista d’estas considerações é meu pa- das Commendadeiras de Santos, na freguesia de
recer: // 1.o – Que o convento de Santos pode e S.ta Engracia
deve ser supprimido para se poder dar execução N.os casa Nomes Subsídios
12 D. Maria Rosa Estefique Rodrigues (Directora) tem
aos artigos 8 e seguintes das instrucções de 31 de 13 D. Maria da Conceição de Alarcão Osório não tem
maio de 1862. // 2.o – Que convirá que se tomem 14 D. Maria do Carmo Sousa Coutinho tem
providencias no sentido de assegurar às pessoas 16 D. Sophia da Gama Berquot tem
recolhidas no mesmo mosteiro a habitação que 15
17
D. Angela Correia Henriques e suas filhas D. Eliza
Carvalhal Henriques e D. Julia Correia Henriques e
tem

n’elle adquiriram. // 3.o – Que o requerimento da Rita Correia Henriques


Marqueza de Sampaio parece-nos caso de ser at- 19 D. Mathilde Correia Henriques Celestino Soares não tem
e três filhas menores
tendido, tendo em vista a congrua sustentação da 20 D. Maria Thereza Verdier Vintler não tem
freira professa, o culto da egreja e subsídio às re- 22 D. Idalina Pereira da Rocha não tem
colhidas enfermas e indigentes”. Nos anos e dé- 24 D. Maria Thereza Mello Breyner Portugal e sua filha tem
D. M Jacintho de Portugal
cadas seguintes, as superioras do Convento de 26 D. M.a José de Noronha e Menezes e sua afilhada não tem
Santos continuaram a debater-se com graves di- Joaquina Ritta Almeida Henriques
28 D. M.a Amalia Athaíde Carvalhosa tem
ficuldades económicas, insistindo, por isso,
29 D. Maria do Rosario e Maria Delfina tem
junto dos órgãos de tutela (Ministério da Fazenda 2 D. M.a Luiza de Magalhães Mexia tem
e depois Ministério do Interior) para que lhes fos- 3 D. Maria Nazareth d’Almeida e Silva tem
sem cedidos novos subsídios ou aumentados os 4 D. Maria José de Mendonça Arraes Cruz tem
5 D. Maria Miquelina de Sacadura não tem
existentes, como se depreende da leitura do ofí- 6 D. Maria Magdalena Andrade Bom não tem
cio abaixo transcrito, datado de 13 de abril de 7 D. Maria da Piedade Ordaz Caldeira e suas sobrinhas não tem
1904: “[…] A actual superiora do real mosteiro D. M.a José e D. M.a Helena Ordaz Caldeira
8 D. Maria Rita Correia de Sá tem
de Santos-o-Novo requer o restabelecimento do 9 D. Maria José de Magalhães Mexia tem
antigo subsídio de 116$000 reis mensaes para sus- 10 D. Maria da Graça de Carvalho tem
tentação do culto que foi redusido a 30$000 reis 11 D. Maria da Gloria Sarmento de Vasconcelos e sua não tem”
irmã D. Virgínia Sarmento
por despacho ministerial de 14 de Outubro do
193 COL

Muitos dos problemas económicos verificados em ras –, caracteriza-se exteriormente pela sobrie-
Santos até 1934 foram devidos às indecisões do dade formal e o despojo decorativo. Contígua ao
Governo quanto ao destino a dar ao antigo Con- lado oriental do convento, encontra-se a igreja
vento das Comendadeiras, o qual foi, sucessi- conventual, dedicada a Nossa Senhora da En-
vamente, integrado nos Recolhimentos da Capital carnação, em cujo lado sul se abre um portal la-
[Decreto n.o 12911, de 15 de dezembro de 1926], deado por colunas de alto soco, superiormente
desanexado dos Recolhimentos e reintegrado na dominado pela pedra de armas da Infanta D. Ma-
Ordem de Santiago [Decreto n.o 15622, de 21 de ria, e cujo interior ostenta uma riquíssima de-
junho de 1928] e, por fim, reintegrado definiti- coração barroca. O Convento das Comendadei-
vamente nos Recolhimentos da Capital [Decre- ras de Avis, tal como o das Comendadeiras de
to n.o 24371, de 17 de agosto de 1934]. Poste- Santiago, destinou-se a senhoras nobres (prefe-
riormente à conversão do Convento de Santos em rencialmente familiares dos cavaleiros da Or-
Recolhimento, em 1934, o título de Comenda- dem), que quisessem professar, embora também
deira (que perdera o seu sentido original e se tor- recebesse (tal como o Convento de Santos) se-
nara meramente honorífico) deixou de ser atri- nhoras leigas que, por razões económicas ou ou-
buído, tendo sido D. Rita Corrêa Henriques a úl- tras, aí desejassem recolher-se. As donas que in-
tima superiora a assinar como Comendadeira da gressavam no Convento da Encarnação (tal
Ordem Militar de Santiago da Espada. como no de Santos) para professar sujeitavam-
-se à hierarquia prevista no respetivo regimen-
2. As Comendadeiras da Ordem de Avis: o Con- to, que estabelecia as seguintes categorias: mo-
vento de N.a Sr.a da Encarnação. Foi a infanta ças do coro (37 “limpas de sangue”), noviças, pro-
D. Maria, filha de D. Manuel e de D. Leonor da fessas (25 de “nobre sangue”) e comendadeira
Áustria, quem determinou, por testamento da- “de nomeação régia”. As comendadeiras de Avis
tado de julho de 1577, a fundação de um mos- eram recebidas no Paço com grande considera-
teiro de religiosas (25 nobres e as restantes “lim- ção, possuindo todas as honras inerentes ao tí-
pas de sangue”) ligado à Ordem Monástica de S. tulo de condessa e ainda o privilégio (idêntico
Bento. Mas foi Filipe II quem criou condições ao das embaixatrizes) de usarem o manto bran-
para a execução daquele testamento, ao mesmo co a arrastar (manto com a cruz floreteada da Or-
tempo que conseguiu autorização do papa Pau- dem de Avis, a verde). O quotidiano, espiritual
lo V para que o futuro convento ficasse na de- e secular, das donas do Convento de Nossa Se-
pendência da Coroa e integrado na Ordem Mi- nhora da Encarnação, tal como o das donas de
litar (e não na Monástica) de S. Bento de Avis. Santos, obedeceu, no decurso de quase três sé-
A aquisição dos terrenos e o início da constru- culos, ao Regimento instituído pelo Mestre da
ção do Convento de Nossa Senhora da Encar- Ordem. Mas, a partir de 1834, alteraram-se
nação derivaram da ação da primeira comen- muitas das práticas conventuais, uma vez que
dadeira, D. Luísa das Chagas de Noronha (elei- decresceu o número de senhoras que pretendia
ta por despacho régio de 5 de agosto de 1617). professar, passando a predominar as recolhidas
Dado o rápido andamento das obras, logo em 15 leigas. Pela escassez de documentos encontra-
de setembro de 1630, entrou a comendadeira com dos (o arquivo conventual dispersou-se após a
as suas companheiras no novo convento. Con- apropriação do edifício pela Fazenda Pública),
sidera-se como muito provável que a traça do pri- não foi possível elaborar uma lista fiável das do-
mitivo edifício conventual tivesse sido da res- nas, professas e leigas, que ali viveram nos
ponsabilidade do arquiteto Baltazar Álvares, mas séculos XVII a XIX, embora se saiba que todas
o edifício, tal como se encontra atualmente, evi- pertenceram a famílias nobres ou a famílias de
dencia as sucessivas alterações sofridas nos sé- altas patentes militares. Por exemplo, uma das
culos XVIII (na sequência do grande incêndio so- donas que aí deu entrada em 1783 (tendo saído,
frido em agosto de 1734 e do Sismo de 1755) e para casar, em 1795) foi D. Olímpia Patronellia
XIX (devido à sua parcial ocupação pela Far- Ernestina de Schaumbourg Lippe, filha natural
mácia do Exército). Sendo constituído por qua- do marechal-general conde de Lippe. Aliás, mui-
tro corpos retangulares que envolvem um gran- to depois de 1834, grande parte das senhoras re-
de claustro central de dois pisos – no primeiro sidentes na Encarnação (e também em Santos-
dos quais se encontram dez oratórios e, no se- o-Novo) continuavam a ser oriundas de famílias
gundo, as habitações das antigas comendadei- nobres ou eram familiares de militares, conde-
COL 194

corados com a Ordem de Avis. Em 1858, a co- ria Xavier de Mello – natural de Lisboa, com 33
mendadeira do Convento da Encarnação, ela- anos, entrada em 1854; D. Joaquina Saldanha da
borou o Relatório que se segue, sobre as senho- Silva Ferrão – natural de Paris, com 18 anos, en-
ras aí residentes, dezasseis professas e sete se- trada em 1855; D. Isabel Maria de Lacerda Cas-
culares: D. Ana Carlota Giraldes Barbosa Menezes telo Branco – 21 anos, entrada em 1858. A fi-
– comendadeira – natural de Lisboa e professa nalizar este relatório, a comendadeira anotou que
desde 30 de janeiro de 1811, com 67 anos; D. Ma- “Todas as Senhoras que estão neste Real Mos-
ria Lúcia da Graça Lacerda Castelo Branco – es- teiro vivem de seus bens ou das mezadas das suas
crivã – natural de Peso da Régua, professa des- cazas, suprindo cada huma com o que podem
de 2 de outubro de 1852, com 37 anos; D. Ma- para as despezas do Culto Devino por não che-
ria Francisca de Sá Meneses – mestra – natural garem as rendas que actualmente tem o dito Mos-
de Mangualde, professa desde 8 de dezembro de teiro”. Na segunda metade do século XIX, o go-
1810, com 70 anos; D. Maria da Visitação do V. verno do Convento da Encarnação coube, su-
Castelo Branco – sacristão – natural de Lisboa, cessivamente, a D. Ana Carlota Giraldes B. Me-
professa desde 7 de abril de 1836, com 45 anos; nezes (1859), D. Maria da Visitação do Vadre Cas-
D. Luísa do Pilar Gorjão Henriques – moça do telo Branco (1866) e D. Maria Adelaide de Va-
coro – natural do Bombarral, professa desde 3 dre Coupers (1896), que lutaram contra cres-
de maio de 1810, com 71 anos; D. Maria das Mer- centes dificuldades económicas, como se de-
cês Lobo de Almada – moça do coro – natural preende da leitura da carta enviada por esta úl-
de Lisboa, professa desde 6 de fevereiro de 1812, tima comendadeira ao Rei, datada de 7 de
com 58 anos; D. Maria Leonor de Macedo – moça agosto de 1896: “Maria Adelaide do Vadre Cou-
do coro – natural de Lisboa, professa desde 4 de pers ultimamente nomeada Commendadeira
julho de 1846, com 35 anos; D. Juliana Xavier Bo- deste Real Mosteiro de Nossa Senhora da En-
telho – moça do coro – natural de Condeixa, pro- carnação […], não tendo rendimentos proprios,
fessa desde 5 de agosto de 1848, com 43 anos; como tinha a sua antecessora para a sua ali-
D. Joana Isabel da Câmara – moça do coro – na- mentação e para as despesas de representação
tural de Lisboa, professa desde 4 de março de inherentes a este cargo, despesas que não pode
1846, com 37 anos; D. Maria Carlota do V. Cas- tirar do rendimento dos bens deste Real Mosteiro
telo Branco – moça do coro – natural de Lisboa, por isso que estes mal chegam para sustentação
professa desde 16 de junho de 1848, com 52 anos; do Culto, nestas circunstancias, e para poder
D. Maria da Madre de Deus Peixoto – moça do exercer dignamente este lugar, pede a Vossa Ma-
coro – natural de Lisboa, professa desde 6 de abril gestade a graça de lhe ser arbitrada uma meza-
de 1850, com 22 anos; D. Maria Derrotea Peixoto da para o dito fim […]”. O agravamento da si-
– moça do coro – natural de Lisboa, professa des- tuação económica no Convento da Encarnação
de 6 de abril de 1850, com 20 anos; D. Maria da (por falta das antigas rendas conventuais e pe-
Piedade Lemos Pereira de Lacerda – moça do los reduzidos subsídios cedidos pelo Estado), que
coro – natural de Condeixa, professa desde 1 de continuou a verificar-se até às primeiras déca-
fevereiro de 1851, com 40 anos; D. Maria José Car- das do século XX, ficou a dever-se sobretudo (tal
doso de Menezes – moça do coro – natural de como no Convento das Comendadeiras de San-
Lisboa, professa desde 8 de março de 1856, com tos) à situação de indefinição existente: extinção
50 anos; D. Maria Teresa de Sá Vieira de Abreu e desanexação da Ordem de Avis, reintegração
– moça do coro – professa desde 18 de outubro na Ordem e, por fim, a integração definitiva nos
de 1858, com 24 anos; D. Luciana de Menezes recolhimentos da capital. As indecisões por par-
– moça do coro – professa desde 14 de abril de te de sucessivos governos, quanto ao destino de-
1858, com 23 anos; D. Brites Clara de Mendon- finitivo do convento, chegaram muitas vezes a
ça Pimentel – natural de Lisboa, com 72 anos, pôr em risco a permanência das enclaustradas
entrada em 1838; D. Maria da Glória Guelfe – na- ou recolhidas, como se deduz da leitura da se-
tural de Lisboa, com 32 anos, entrada em 1840; guinte exposição enviada ao ministro das Fi-
D. Joana Isabel de Araújo – natural de Lisboa, nanças pela Comissão Paroquial e direção do
com 70 anos, entrada em 1840; D. Joana de Dej- Centro Republicano da freguesia da Pena, em 26
nhansen – natural de Inglaterra, com 44 anos, en- de dezembro de 1910: “A Comissão […] vem por
trada em 1854; marquesa de Angeja – natural de esta forma reclamar […] 1.o, Contra o facto de ain-
Lisboa, com 68 anos, entrada em 1853; D. Ma- da permanecerem de posse do convento da En-
195 COM

carnação um determinado numero de senhoras Era ministra dos Assuntos Sociais a Engenheira
que professando o culto religioso vivem em com- Maria de Lourdes Pintasilgo*, que fora presidente
mum obedecendo a determinadas praxes; 2.o, da comissão que antecedeu a Comissão da Con-
contra o facto de ainda se consentir no mesmo dição Feminina – a Comissão para a Política So-
convento estas mesmas senhoras que possuin- cial Relativa à Mulher* – a qual, por sua vez, de-
do rendimentos se acobertam com a pobreza pre- correu do Grupo de Trabalho para a Participação
judicando assim os verdadeiros necessitados; 3.o, das Mulheres na Vida Económica e Social. Na sua
contra o facto de um edifício daquella ordem fase inicial, a Comissão da Condição Feminina
nada render para o Estado nem tam pouco ser foi gerida por uma comissão instaladora consti-
aplicado a qualquer obra de beneficencia como tuída, nos termos de despacho da ministra dos
o poderia ser; 4.o, contra o facto dessas mesmas Assuntos Sociais, de 28 de fevereiro de 1975 [D.R.,
senhoras que dispondo de influencias escan- II série, n.o 66], pelas mesmas duas técnicas que
dalosas estão gosando de determinados privi- tinham assegurado a gestão da comissão anterior
legios, taes como um pôsto da guarda Republi- na segunda metade de 1974, Maria de Fátima Fal-
cana para sua defeza, o que constitui um insul- cão de Campos e Bertina Sousa Gomes, ficando
to aos republicanos desta freguezia […]”. Em sob tutela direta da ministra que acompanhou
1834, com a promulgação do já referido Decre- de perto todos os trabalhos. Aliás, esta gestão foi
to n.o 24371, de 17 de agosto, o Convento de Nos- de curta duração, já que Maria de Lourdes Pin-
sa Senhora da Encarnação foi definitivamente tasilgo assumiu de novo a presidência da Co-
convertido num Recolhimento, o que determi- missão após cessação de funções governativas
nou o fim de muitas das antigas práticas, secu- na sequência do 11 de março, tendo mantido esta
lares e espirituais, de vivência conventual e, en- situação até agosto do mesmo ano, altura em que
tre outras coisas, deixou de ser atribuído o título assumiu funções como delegada permanente de
de comendadeira às senhoras que passaram a de- Portugal junto da UNESCO. O ano de 1975 que
sempenhar as funções de direção, por nomeação se vivia foi uma data marcante no mundo no que
ministerial. Como reminiscência das antigas tra- diz respeito às questões relativas à situação das
dições conventuais de cariz religioso, manteve- mulheres, à sua institucionalização a nível dos
se, até aos dias de hoje, a Irmandade das Escra- governos e à adoção de estratégias e mecanismos
vas do Santíssimo Sacramento, embora as “es- para lhes dar resposta. Foi o Ano Internacional
cravas” tenham deixado de ser as professas do da Mulher, celebrado pelas Nações Unidas e nele
convento e sejam agora seculares, na sua maio- se realizou a I Conferência Mundial sobre as Mu-
ria de ascendência nobre. O prestígio desta Ir- lheres, que teve lugar na Cidade do México, de
mandade deveu-se ao facto de a ela terem per- 19 de junho a 2 de julho, tendo sido aí aprova-
tencido, com o título de “Escrava das Escravas”, do um Plano de Ação Mundial para a Década da
as rainhas de Portugal, desde D. Maria Francis- Mulher, das Nações Unidas (1976-1985). Nesta
ca de Sabóia até D. Amélia de Bragança*. I Conferência Mundial, foram dadas indicações
claras aos governos sobre a necessidade de cria-
Fontes: ANTT, A.H.M.F.: Convento de Nossa Senhora ção de mecanismos nacionais para a prossecu-
da Encarnação, caixa 1955; Convento de Santos-o
-Novo, caixas 2000, 2001, 2002. B.N.: Res. 6934 A, “Re- ção de políticas tendo em vista a não discrimi-
gimento do Mosteiro de Santos da Ordem de Santiago nação contra as mulheres. Indicações que seriam
de Espada”. posteriormente retomadas, em 1980, na II Con-
Bib.: Joel Silva Ferreira Mata, “O Convento e as religiosas ferência Mundial, que se realizou em Copenha-
da Ordem de Santiago”, Monumentos, n.o 15, setembro, ga e, de novo, em 1985 na III Conferência, que teve
2001; Tude Martins de Sousa, “Comendadeiras de San-
tiago”, Arquivo Histórico de Portugal, Vol. IV, 1940, se- lugar em Nairobi. O documento de Nairobi – Es-
parata. tratégias para o Progresso das Mulheres até ao
[A. C.] ano 2000 – fala da “criação de mecanismos para
a igualdade com a finalidade de avaliar a si-
Comissão da Condição Feminina tuação das mulheres e contribuir para a for-
Institucionalizada pelo Decreto-Lei n.o 485/77 de mulação de políticas contra a discriminação”,
17 de novembro, depois de uma fase inicial em um mandato que é ainda vago e difuso, mas que
regime de instalação após a sua criação em janeiro será muito mais claro e incisivo 10 anos mais
de 1975, no âmbito do Ministério dos Assuntos tarde, em 1995, quando se fez a avaliação da dé-
Sociais [Decreto-Lei n.o 47/75 de 1 de fevereiro]. cada. Há um claro reforço da sua importância na
COM 196

Plataforma de Ação de Pequim, no texto adota- Ação Católica Independente, Associação para o
do na IV Conferência Mundial sobre as Mulhe- Planeamento Familiar, GRAAL, Guias de Por-
res, bem como cinco anos mais tarde em 2000, tugal, Movimento Democrático de Mulheres, Mo-
na Sessão Especial da Assembleia-Geral, habi- vimento de Libertação das Mulheres, Movi-
tualmente conhecida por Pequim+5, em que se mento Rural Católico, Noelistas, Grupo de Es-
atualizam e reforçam as orientações programáticas tudos da Mulher Engenheira, Grupo da Condi-
nesta matéria. Considera-se que a existência de ção Feminina do Partido Popular Democrático e
mecanismos nacionais é um aspeto prioritário das Comissão da Condição Feminina do Partido So-
políticas para a igualdade, um instrumento sine cialista. Ainda segundo o mesmo relatório de ati-
qua non para se avançar no caminho da igual- vidades, neste Plano Comum de Ação foi adotada
dade. Verifica-se, por outro lado, neste percurso, uma “estratégia, não de atos solenes ou festivos
uma mudança significativa de perspetiva no que de celebração, mas uma série de ações concretas
se refere à igualdade e aos mecanismos neces- e a vários níveis no sentido de alterar a situação
sários para a alcançar. De uma perspetiva de “eli- da mulher”. O projeto consistia em fazer um le-
minação da discriminação” passa-se para uma ou- vantamento de “situações reais de injustiça e dis-
tra que é a de “avançar no caminho da igualda- criminação, bem como apresentar propostas de
de”. Todas estas orientações internacionais viriam alteração e de solução para estas mesmas situa-
a ter algum reflexo entre nós. Remontando a 1975, ções”. Eram cinco as áreas propostas para este le-
a celebração do Ano Internacional da Mulher teve vantamento: Discriminações contra a Mulher no
reconhecimento oficial em Portugal e constituiu Direito de Família; Participação das Mulheres na
um vetor importante do trabalho da Comissão da Vida Cívica, Política e Sindical; A Dupla Tarefa
Condição Feminina. A 7 de janeiro, o Conselho das Mulheres Trabalhadoras em contraste com as
de Ministros aprovou uma resolução [D.R., I sé- Imagens Tradicionais do Papel da Mulher; De-
rie, 14 de janeiro de 1975] em que se reconhecia sigualdades de Salários entre Homens e Mulhe-
a importância da iniciativa que “coincide em Por- res e Condições de Trabalho nas indústrias com
tugal, com a consolidação da Revolução de 25 de maior percentagem de mão de obra feminina; e
Abril”, assumindo, assim, um significado “par- O Estatuto da Mulher e o Planeamento Familiar.
ticularmente importante para a evolução de um De alguns destes trabalhos, que incluíam uma
país em que as mulheres representam uma análise substantiva das temáticas, bem como ca-
grande força progressista”. Registou-se efetiva- sos concretos que ilustravam as discriminações
mente uma coincidência feliz entre o nacional e identificadas, resultaram as primeiras publicações
o internacional. Vivia-se entre nós uma época de da chamada “Coleção Condição Feminina” que
agitação e perturbação, de rutura com o passado, a Comissão viria a editar. O documento intitulado
mas também de novas perspetivas, de idealismos “Propostas de Alteração ao Código de Família”
e utopias, o que abriu a possibilidade de se avan- foi enviado ao Ministério da Justiça e ações sub-
çar mais depressa nesta área, como em outras, e sequentes da Comissão possibilitaram uma efe-
deu uma dinâmica particular à Comissão da Con- tiva contribuição nesta área. Por despacho do mi-
dição Feminina. Um aspeto importante do tra- nistro da Justiça de 30 de abril de 1976, foi cria-
balho da instituição foi, efetivamente, a abertu- do um grupo de trabalho para revisão da legis-
ra ao exterior com a preparação da I Conferên- lação civil no que dizia respeito a casamento, fi-
cia Mundial sobre as Mulheres e a negociação do liação, adoção e sucessão que integrou a técni-
Plano de Ação Mundial que aí foi aprovado; por ca Leonor Beleza, em representação da Comissão.
outro lado, foi também importante o início da ex- Por outro lado, a colaboração pioneira iniciada
pansão da atividade a nível nacional, possibili- com a sociedade civil no Plano comum de ação
tado por uma colaboração, que foi pioneira, com mostrou-se frutífera e viria a assumir contornos
organizações não governamentais de mulheres, institucionais, dois anos mais tarde, com o di-
que se associaram à Comissão nesta celebração ploma orgânico da Comissão da Condição Fe-
colaborando num Plano Comum de Ação. Como minina, que integrava representantes da sociedade
se refere no relatório nacional das atividades do civil no seu conselho consultivo. Outros aspetos
Ano Internacional da Mulher, foi dado particu- da ação desenvolvida traduziram-se numa sig-
lar relevo a esta colaboração com organizações nificativa e regular colaboração com vários
várias, feministas, partidárias, profissionais, meios de comunicação em todo o processo do
confessionais, designadamente as seguintes: Ano Internacional da Mulher, bem como em tra-
197 COM

balho efetuado com mulheres deputadas dos vá- da nova presidente após a cessação de funções
rios partidos presentes na Assembleia, com vis- de Maria de Lourdes Pintasilgo. Por sua suges-
ta à sugestão de alguns artigos para a defesa do tão, junto do ministro da tutela, a orientação e ges-
estatuto das mulheres, particularmente em áreas tão técnica e administrativa da Comissão estava
em que a sua ação é elemento estruturador da or- a ser assegurada por um comité executivo cons-
ganização social, e em ordem à sua eventual in- tituído por três das técnicas mais antigas: Aurora
clusão na Constituição, que então estava em fase Fonseca, Bertina Sousa Gomes e Maria Regina Ta-
de elaboração, o que não veio efetivamente a acon- vares da Silva. Assim se manteve até à nomea-
tecer. Um outro aspeto significativo da ação da ção de nova comissão instaladora, o que veio a
Comissão nesta altura teve a ver com a abertura ocorrer em finais de 1976, sendo nomeada pre-
ao internacional, consubstanciada não apenas na sidente Maria do Carmo Romão. Uma das tare-
Conferência do México, mas em várias outras ins- fas principais cometidas à nova comissão insta-
tâncias e contactos internacionais, algo de novo ladora era, naturalmente, a elaboração e proposta
então no nosso país. A delegação à Conferência de uma lei orgânica para a Comissão, tendo em
Mundial foi, aliás, bastante sui generis, já que era vista a sua institucionalização, o que veio a acon-
composta em partes iguais por representantes ins- tecer cerca de um ano depois, com o já citado De-
titucionais, técnicas da Comissão da Condição Fe- creto-lei 485/77, de 17 de novembro, que esta-
minina, e representantes de ONG, eleitas por si belecia os seus objetivos, bem como as suas atri-
próprias, numa atitude de abertura à sociedade buições e competências e a integrava no âmbi-
civil, que muitos países só adotariam anos e anos to da Presidência do Conselho de Ministros. Ma-
mais tarde e outros ainda nem sequer conside- ria do Carmo Romão foi convidada a assumir a
ram. Do Plano de Ação Mundial, aprovado na presidência da Comissão, cargo que manteve até
Conferência, a Comissão retirou a inspiração e a finais de 1979. Foi, depois, substituída por Joa-
legitimidade política para prosseguir com mui- na de Barros Baptista, que se manteve no cargo
tas das ações iniciadas e abrir novas perspetivas. até finais de 1985. Sucedeu-lhe Maria Regina Ta-
O relatório nacional de atividades do Ano In- vares da Silva, que assumiu a direção da Co-
ternacional da Mulher apontava para as princi- missão até à sua extinção e substituição pela Co-
pais linhas a prosseguir. Dizia assim: “Reco- missão para a Igualdade e para os Direitos das Mu-
nhecendo a validade para o nosso país da inter- lheres, em 1991 [Decreto-Lei 166/91 de 9 de
venção nas áreas definidas no Plano Mundial de maio]. Voltando a 1977, e à institucionalização
Ação como prioritárias e urgentes para o progresso da Comissão da Condição Feminina, o grande ob-
das mulheres e tendo consciência da realidade jetivo estabelecido pela lei orgânica foi formulado
da situação portuguesa atual, a Comissão da Con- em termos próprios do momento que então se vi-
dição Feminina define como seus objetivos es- via, isto é: “Apoiar todas as formas de cons-
senciais a análise e denúncia da opressão espe- ciencialização das mulheres portuguesas e a eli-
cífica das mulheres, bem como medidas e ações minação das discriminações contra elas prati-
tendentes à modificação e melhoria das suas con- cadas, em ordem à sua inserção no processo de
dições de vida.” Entre estas medidas e ações in- transformação da sociedade portuguesa, de acor-
cluíam-se trabalhos de índole teórica e de in- do com os princípios consignados na Consti-
vestigação, designadamente o “Levantamento es- tuição”. Naturalmente que este objetivo se des-
tatístico da situação das mulheres em Portugal”. dobrava em três outros ainda teóricos, mas um
E, por outro lado, trabalhos de ação direta jun- pouco mais específicos: “1) – Contribuir para a
to das mulheres, de informação e sensibilização transformação da maneira de ser e de pensar dos
sobre os seus direitos relativamente a domínios homens e das mulheres, de modo a que toda a
específicos como a educação e a saúde, e apon- pessoa humana – homem ou mulher – goze de
tando já para o que viria a ser uma linha impor- plena dignidade; 2) – Alcançar a corresponsa-
tante de ação em anos subsequentes, isto é, a in- bilidade efetiva das mulheres e dos homens em
formação e sensibilização relativamente ao pla- todos os níveis da vida social portuguesa; 3) – Tra-
neamento familiar. Especial relevo devia ser dado, balhar para que toda a sociedade encare a ma-
reconhecia ainda o relatório, à disposição legis- ternidade como função social e assuma as res-
lativa de licença de 90 dias por parto, adotada em ponsabilidades que daí decorrem.” O diploma
fevereiro de 1976, que resultou de proposta da continha aspetos que hoje se podem considerar
Comissão. Estava-se em 1976 e não fora nomea- francamente inovadores. Em particular, é de re-
COM 198

ferir a criação de um conselho consultivo com mereceu a particular atenção de Ivone Leal. Es-
duas vertentes: a secção interministerial e a sec- tes trabalhos levaram à publicação de novos nú-
ção de Organizações não Governamentais, cria- meros da coleção “Cadernos Condição Femini-
ção esta que parece traduzir já a perceção da im- na”, uma coleção que ainda hoje subsiste com
portância de dois conceitos que, mais tarde, vi- mais de seis dezenas de títulos publicados. Co-
riam a ser formulados internacionalmente e nhecimento ainda, através do incentivo e cola-
considerados decisivos para o sucesso das polí- boração, para a realização do primeiro Inquéri-
ticas para a igualdade. O primeiro, o conceito de to Nacional à Fecundidade, da responsabilida-
mainstreaming de género, isto é, a integração da de do INE, em 1979-80. 2) Alteração de legisla-
dimensão de género em todas as políticas, im- ção, através da apresentação de propostas e de
plicando a necessidade de articulação sistemá- participação em grupos de trabalho, entre outras,
tica com sectores responsáveis pela elaboração em áreas tais como: o direito de família, a pu-
de políticas nas várias áreas de governação, uma blicidade, a nacionalidade, a igualdade no tra-
perspetiva que implica a obrigação, consignada balho e no emprego, uma proposta efetuada com
no diploma, de a Comissão ser consultada rela- base na análise das discriminações existentes em
tivamente a todos os diplomas legais que, de al- convenções coletivas e que esteve na origem da
gum modo, pudessem afetar a condição das mu- CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e
lheres ou a igualdade. O segundo, o conceito de no Emprego). A necessidade de informar sobre
partnership, isto é, o estabelecimento de parce- as alterações legislativas esteve na base de uma
rias com a sociedade civil, designadamente nova coleção de publicações, a “Coleção Infor-
com organizações não governamentais de mu- mar as Mulheres”. Foi uma alteração global da
lheres ou defendendo os seus interesses, enca- legislação que permitiu que, em 1980, Portugal
radas como interlocutoras privilegiadas para a de- fosse um dos primeiros países do mundo a rati-
finição e aplicação dessas políticas. Quanto à or- ficar, sem reservas, a Convenção das Nações Uni-
ganização da Comissão, esta era equiparada a uma das sobre a Eliminação de todas as Formas de Dis-
Direção-Geral, tendo os seguintes órgãos: Presi- criminação contra as Mulheres, adotada pela As-
dente, Conselho de Coordenação Técnica e o re- sembleia-Geral em 1979. Esta é um marco na evo-
ferido Conselho Consultivo, a par de serviços de lução das questões relativas à igualdade a nível
carácter técnico: Divisões de Estudos e Forma- internacional e relativamente a ela se registou o
ção, de Documentação, Informação e Publicações interesse da Comissão desde o início, nomea-
e de Assuntos Jurídicos. Por outro lado, o diploma damente participando na preparação e negocia-
orgânico abria ainda a possibilidade de um tra- ção do texto, em primeiro lugar, depois no im-
balho de descentralização, ao criar uma primei- pulso dado para o processo de ratificação nacional
ra delegação da Comissão no Norte do país, pre- e, finalmente na apresentação de candidatura de
vendo-se a possibilidade de abertura de outras uma perita portuguesa logo no primeiro comité
delegações, o que nunca veio a concretizar-se. As de avaliação de cumprimento da convenção, o Co-
principais tarefas destes anos iniciais, isto é, dos mité CEDAW. 3) Criação de serviços para o pú-
fins da década de 1970 e primeira metade da dé- blico, designadamente: a) – Gabinete de infor-
cada de 1980, que poderiam considerar-se uma mação jurídica, em Lisboa e no Porto, que per-
primeira fase da Comissão, foram, sucintamen- manece até hoje, e que tem sido uma das grandes
te, as seguintes: 1) Conhecimento da situação real vertentes do trabalho da Comissão. Inspirado
das mulheres, através de levantamento estatístico numa recomendação da Conferência do México,
nas áreas de demografia, educação, trabalho, de- a criação e funcionamento deste serviço muito
semprego, salários, participação na vida cívica deveu à contribuição e empenho de Aurora Fon-
e política, etc. Isto constituiu o primeiro levan- seca. Além de constituir um observatório infor-
tamento de carácter global sobre a situação das mal da situação vivida de facto pelas mulheres,
mulheres no nosso país, um trabalho da soció- de identificação de problemas de discriminação,
loga Isabel Romão que, na sua sequência, passou de violência, ou outros, este serviço tem sido tam-
a integrar o quadro da Comissão. Conhecimen- bém um observatório da evolução de atitudes das
to também da situação em termos de imagens, es- próprias mulheres que, se no início procuravam
tereótipos e papéis sociais atribuídos às mulhe- essencialmente ajuda sem se interrogarem sobre
res, designadamente na publicidade, nos manuais os seus direitos, anos mais tarde se afirmavam de
escolares e na literatura infantil, uma temática que outro modo, querendo saber quais os seus direitos
199 COM

nas circunstâncias em que se encontravam; b) – mação e educação para o planeamento familiar,


Centro de documentação, em Lisboa e no Porto, uma matéria tabu até pouco tempo antes e sobre
construído a partir de 1975 com os primeiros ma- a qual se registava uma enorme necessidade de
teriais vindos da Conferência do México, desig- informação. Sobre ela se produziu uma enorme
nadamente publicações de vários países sobre as variedade de materiais informativos, publicaram-
questões da condição feminina. Também aqui -se inúmeros artigos e promoveram-se múltiplas
houve a perceção de um campo a explorar e a or- ações de sensibilização num projeto bem-suce-
ganizar, um campo importante para a investiga- dido, de que foram responsáveis Ana Vicente e
ção e a fundamentação de políticas. Em anos sub- Maria Reynolds de Sousa; b) – SIDA (Swedish De-
sequentes, desenvolveu-se, neste âmbito, um pro- velopment International Agency) – projeto de sen-
jeto de recuperação da memória do passado, com sibilização e formação de professores para uma
a identificação e recolha de livros e documentos educação não sexista, que incluiu percorrer
antigos sobre as mulheres em Portugal e a cons- pelo país as antigas escolas do magistério, em
tituição de uma secção de reservados no centro ações de sensibilização de professores, a elabo-
de documentação, que representa uma recolha ração de materiais, a realização de estudos, etc.,
significativa e única de escritos sobre as mulheres e que deu origem ao Projeto e Coleção “Mudar
em Portugal e de escritos por mulheres portu- as Atitudes”, de que foi principal responsável Isa-
guesas. 4) Dinamização da investigação sobre as bel Romão; c) – UNESCO – que motivou e fi-
mulheres, a partir do reconhecimento da im- nanciou as primeiras iniciativas em tema que vi-
portância que vinha assumindo a temática dos ria a merecer particular atenção anos mais tarde
Women’s Studies, em particular em países de cul- – a participação das mulheres na vida política,
tura anglo-saxónica. Realizaram-se, assim, con- como requisito de igualdade e de democracia, –
tactos com várias universidades (faculdades de bem como na área da investigação e formação no
Ciências Sociais e Humanas) sobre esta matéria, domínio da educação. 6) Contactos e colabora-
procedeu-se ao envio de informação e de um in- ção com os média – esta foi uma dimensão fun-
quérito, que teve como resultado algumas reações damental nos anos iniciais de trabalho da Co-
curiosas de espanto e até de negação do interesse missão. Contactos com jornalistas e difusão re-
de tais estudos, com o argumento de que qual- gular de informação, participação em programas
quer ciência é neutra e não há que ter em conta televisivos e radiofónicos, elaboração de textos
a dimensão de homens e de mulheres. Momen- para órgãos da imprensa nacional, regional e fe-
to importante deste processo foi o seminário “Es- minina, difusão de spots, etc., foram uma cons-
tudos sobre as Mulheres”, realizado na Funda- tante dessa colaboração que incidiu em temas va-
ção Gulbenkian em 1983, que despertou o inte- riados e novos para a época, desde os direitos na
resse da comunidade académica e foi acompa- família à violência sobre as mulheres, à conci-
nhado por uma exposição bibliográfica sobre a liação da vida familiar e profissional à partici-
temática da condição feminina, complementada pação das mulheres em postos de decisão e à his-
por obras de escultura e pintura sobre o mesmo tória das mulheres, etc. Se quiséssemos carac-
tema, das coleções da Fundação, que também fi- terizar o que descrevemos como primeira fase de
nanciou o respetivo catálogo. Dois anos depois, trabalho da Comissão, até meados dos anos
em 1985, e em resposta a um desafio lançado a 1980, diríamos que, sendo um departamento da
investigadores/as, realizou-se o primeiro grande administração pública, e dentro das regras que
colóquio sobre esta temática, na Faculdade de Le- a enformam, nasceu e cresceu com um espírito
tras da Universidade de Coimbra [A Mulher na de criatividade, dinamismo e militância que se
Sociedade Portuguesa: visão histórica e perspe- traduziu numa abertura progressiva a novos te-
tivas atuais”, Coimbra, Instituto de História mas e novas estratégias de atuação; na parceria
Económica e Social, Faculdade de Letras, 1986] com organizações da sociedade civil; e no diá-
e, posteriormente, em Lisboa, no Instituto de Ciên- logo com vários departamentos da administração
cias Sociais [Mulheres em Portugal: comunica- e com vários níveis de poder. Um diálogo que se
ções ao Colóquio organizado pelo Instituto de desenvolveu, muitas vezes, através de esquemas
Ciências Sociais, Lisboa, ICS, 1986]. 5) Projetos informais e espontâneos, com alguma ousadia,
Especiais: – com apoio financeiro de Organiza- própria de épocas de mudança, mas necessária
ções Internacionais, designadamente: a) – FNUAP para garantir a participação de representantes da
– projetos de educação para a saúde e de infor- Comissão, não só na Comissão de Revisão do Có-
COM 200

digo Civil, mas também no Conselho da Publi- vel nacional, registou-se, contudo, um novo fô-
cidade, na Comissão para a Igualdade no Traba- lego e uma viragem da perspetiva de não dis-
lho e no Emprego, na Comissão Interministerial criminação para a de igualdade de oportunida-
da Família, etc. Uma ousadia que se manteve, em des. Novas possibilidades foram também aber-
anos posteriores, relativamente à Comissão de Éti- tas através de financiamento comunitário para
ca para as Ciências da Vida, ao Conselho Geral projetos, designadamente na área da formação
da Comissão Nacional da UNESCO, etc. A mili- profissional. Projetos de formação de raparigas
tância foi, certamente, uma característica desta em áreas não tradicionais, incluindo na área de
primeira fase, bem como a noção de participação novas tecnologias, e também projetos de valori-
num processo mais vasto que estava em curso e zação e recuperação do artesanato têxtil tradi-
que corria a favor dos objetivos da Comissão e do cional, e de formação e capacitação de mulheres
próprio país. Efetivamente, a abertura de Portu- rurais para a criação de pequenas empresas e para
gal ao exterior foi uma dimensão determinante o desenvolvimento de redes e circuitos de co-
destes anos. Não só no âmbito mais vasto das Na- mercialização e distribuição destes produtos, uma
ções Unidas, como já referido, mas também a ní- atividade que prosseguiu de forma continuada
vel das instâncias europeias. Assim, em 1976, Por- com um grande empenhamento da Delegação
tugal torna-se membro do Conselho da Europa, Norte da Comissão, sediada no Porto e liderada
e aí é criado, em 1979, um primeiro Comité In- por Ana Maria Braga da Cruz. A adesão à Co-
tergovernamental sobre a Condição Feminina, munidade Europeia proporcionou ainda a par-
vindo a representação de Portugal a ser atribuí- ticipação em redes comunitárias de peritos/pe-
da à Comissão. Para a presidência do Comité se- ritas em áreas como a educação, a diversificação
ria eleita a técnica Leonor Beleza, em 1983 e 1984, de opções profissionais, o acesso à tomada de de-
e depois de este se tornar Comité para a Igualdade cisão, etc., o que, naturalmente, viria a ter impacto
entre Mulheres e Homens, em 1988, seria de novo em novas ações e novos projetos. Também no âm-
eleita a representante portuguesa Regina Tavares bito da OCDE e do seu grupo de trabalho sobre
da Silva, em 1988 e 1989, então presidente da Co- “O Papel das Mulheres na Economia” a Comis-
missão e, de novo, a mesma técnica em 1992 e são teve a sua contribuição. Entretanto, estava-
1993. Por outro lado, foi real a influência do pen- -se em meados dos anos 1980 e parecia desenhar-
samento desta organização no trabalho da Co- -se uma nova fase que abrange a segunda meta-
missão da Condição Feminina. Assim, o enfoque de desta década e o início dos anos 1990. Con-
sobre a proteção e promoção dos direitos hu- seguidas as mudanças legislativas, iniciada a in-
manos e liberdades fundamentais e a construção vestigação sobre a situação das mulheres e sobre
e manutenção da democracia foram dois vetores os constrangimentos e estereótipos inerentes a
que viriam a enformar cada vez mais as políti- essa situação, iniciada a sensibilização de mui-
cas da igualdade no nosso país. A adesão à Co- tos atores sociais e a tomada de consciência so-
munidade Europeia, em 1986, foi outro marco sig- bre a discriminação e a igualdade passava-se, as-
nificativo para a afirmação das questões da sim, a uma nova fase no percurso da Comissão
igualdade de género em Portugal, embora o e das questões da igualdade de género em Por-
quadro legislativo nesta área estivesse, já no ge- tugal. A partir da segunda metade da década de
ral, em conformidade com as disposições co- 1980 tiveram início anos de expansão, de di-
munitárias. A Comissão Europeia dispunha vulgação mais alargada, com novos temas, novas
também de um Comité Consultivo para a Igual- audiências, novos debates, novas pistas de re-
dade de Oportunidades entre Mulheres e Ho- flexão. Realizou-se uma série de grandes semi-
mens, composto por representantes das insti- nários, a testemunhar novos temas e novas
tuições nacionais responsáveis pelas políticas da preocupações para que era preciso chamar a aten-
igualdade de género, e encarregado do acompa- ção, numa perspetiva cada vez mais global e mul-
nhamento dos Programas Comunitários para a tifacetada. Por exemplo, seminários sobre: – “A
Igualdade. Também aí, a Comissão teve a sua re- Mulher e o Ensino Superior, a Investigação
presentante, tendo a então presidente da Co- Científica e as Novas Tecnologias”, em 1986, com
missão presidido a este Comité Europeu em 1991. participação forte da comunidade académica e
Não obstante a existência de normas globalmente ecos na imprensa, decorrentes da tomada de cons-
igualitárias e da consciência da necessidade de ciência da crescente participação feminina no en-
políticas para a igualdade que se verificava a ní- sino superior; – “Fundo Social Europeu e Projetos
201 COM

para Mulheres”, em 1986, com cerca de 400 par- bal para a Igualdade, o que, não obstante algum
ticipantes; – “As Mulheres Agricultoras”, em primeiro acolhimento, não veio a ter concreti-
1987, com mais de 600 participantes dos 12 paí- zação. Curiosamente, algo que a IV Conferência
ses comunitários; – “Igualdade, Democracia e Di- Mundial sobre as Mulheres das Nações Unidas,
reitos Humanos”, em 1990, uma abordagem a in- que se realizou em 1995, viria a recomendar aos
troduzir uma nova perspetiva de enquadra- Estados-membros da Organização. Em simultâ-
mento das questões da igualdade, na linha da pro- neo com estes desenvolvimentos entre nós, ve-
posta do Conselho da Europa; e ainda outros no rificava-se uma progressiva mudança, de carác-
âmbito de projetos específicos, designadamente ter substantivo, no encarar das questões da con-
na área da educação, tendo em vista a sensibili- dição feminina, a nível nacional e internacional.
zação e formação de professores para a igualda- Primeiro havia sido a passagem do conceito de
de; ou no âmbito da descentralização e desen- não discriminação para o de construção da
volvimento local, tendo em vista a sensibiliza- igualdade; agora reclamava-se a igualdade, não
ção de atores a esse nível. Verificou-se também apenas formal, mas de facto, não apenas de di-
um alargamento a novos públicos; continuou e reitos, mas de oportunidades e de sucesso. Tinha
aprofundou-se o trabalho com professores, com havido, por outro lado, uma mudança de enfo-
profissionais de saúde, com os média, mas tam- que, de uma mera questão de justiça social – a
bém com políticos e decisores a vários níveis, in- desigualdade é uma injustiça – para uma ques-
cluindo o nível local; com a comunidade aca- tão de democracia e direitos humanos. Evolução
démica e científica, etc. É de recordar, aliás, que que seguia a linha defendida no âmbito do
a Comissão promoveu a criação de uma Rede de Conselho da Europa, onde, em 1989, surgiu um
Estudos sobre as Mulheres que esteve na base da conceito novo – o conceito de democracia pari-
constituição da APEM – Associação Portuguesa tária – que também fez o seu caminho entre nós.
de Estudos sobre as Mulheres – posteriormente Um conceito que assenta no reconhecimento da
assumida pelos círculos académicos. O círculo dualidade da humanidade, que é composta por
expande-se até em relação às mulheres portu- homens e por mulheres, iguais em direitos e em
guesas migrantes, mercê da estreita cooperação dignidade, para além das diferenças que lhes são
com um projeto do Instituto de Apoio à Emi- próprias. Um conceito que reconhece e valoriza
gração a elas dirigido, iniciado em 1988, e que a diferença, combatendo a discriminação e a de-
se prolongou ao longo de vários anos em cinco sigualdade, enquanto noções totalmente opostas
países diferentes. Por outro lado, começaram tam- à primeira. Um conceito que exige a plena e igual
bém a desenvolver-se as primeiras ações de co- participação de homens e de mulheres a todos
laboração com os PALOP, particularmente no os níveis da vida social e política, incluindo os
apoio técnico aos mecanismos para a igualdade níveis de decisão e de poder. Esta visão teve ecos
de vários países, uma perspetiva de colaboração significativos entre nós, de que dão testemunho
que viria a intensificar-se em anos posteriores. A as ações conjuntas da Comissão com ONG sobre
linha de trabalho com autarquias vai prosseguir a participação política das mulheres, as ações jun-
e aprofundar-se em anos futuros, através de pro- to de partidos políticos, particularmente em mo-
jetos de sensibilização e formação para a intro- mentos de eleições, e o debate que se gerou so-
dução da dimensão de género nas políticas au- bre o que significa a plena participação das mu-
tárquicas e a criação de mecanismos de apoio: es- lheres em todos os níveis de decisão e sobre os
paços de informação, formação de conselheiros/as meios e estratégias para alcançar essa participa-
para a igualdade, etc. Tudo isto terá tradução no ção. Nesta evolução, uma outra mudança de pers-
projeto e coleção de publicações sob o título petiva vai também ocorrendo. Passa-se da for-
“Bem-me-quer”. Foram muitas as ações desen- mulação condição feminina, isto é, algo especí-
volvidas em vários sectores; mas, ao mesmo tem- fico que só às mulheres diz respeito, portanto, algo
po, foi crescendo a noção da horizontalidade da separado, marginal e até com um tom um tanto
questão de fundo que é a igualdade de género e fatalista, para as noções de igualdade e direitos
da globalidade de ação que ela implica. Esta vi- das mulheres. Igualdade, enquanto direito fun-
são, consentânea com a integração da Comissão damental para mulheres e homens e objetivo a
na Presidência do Conselho, levou a que a Co- atingir; e por outro lado, a vertente dos direitos
missão, primeiro em 1988 e depois em 1990, pro- das mulheres, ainda particularmente relevante no
pusesse ao Governo a adoção de um Plano Glo- nosso país, porque na situação de facto subsis-
COM 202

tia a discriminação e a menoridade em muitos as- respetivo ministro. A introdução do decreto re-
petos. Tratava-se de uma mudança de rumo, a fere que em todos os países “tem sido estimu-
ocorrer em vários países, particularmente da Eu- lada e efetivada a criação de comissões nacionais
ropa, que colocava o ênfase na construção da de iniciativa governamental, com o objetivo prin-
igualdade, numa perspetiva dinâmica, atuante e cipal de fazer face às condições das mulheres no
pró-ativa. Uma mudança que coincidia, também, trabalho e de tornar mais eficaz a presença das
com uma formulação, que começava a generali- mulheres no processo de desenvolvimento,
zar-se, da noção de género (gender), conceito que contribuindo assim para o progresso da sua con-
explicita a vertente de construção social de pa- dição social e para uma melhor definição do seu
péis de mulheres e homens, para além da vertente estatuto”. A Comissão teve antecedentes que im-
sexo. Uma formulação que implica, ainda, a cons- porta referir. Assim, desde a década de 1960 que,
ciência de que a mudança que se pretende al- ao nível das Nações Unidas, se haviam produ-
cançar envolve os homens e as mulheres, é mu- zido recomendações para a criação de tais co-
dança para uns e para outras, sendo facto assente missões a nível nacional, tendo em vista o pro-
que a situação das mulheres não progredirá nun- gresso da situação das mulheres e a sua parti-
ca sozinha e isolada de todo o progresso da so- cipação na vida económica e social. Em parti-
ciedade. A construção da igualdade de género tor- cular, a Resolução 961 F (XXXVI), de 12 de ju-
na-se, assim, uma questão de sociedade, de ca- lho de 1963, do Conselho Económico e Social,
rácter global e multissectorial, uma questão convidava os Estados-membros a considerar a
eminentemente política, essencial ao progresso “criação de comissões nacionais sobre a condi-
e ao desenvolvimento. Estava-se no início dos ção social e jurídica das mulheres, compostas de
anos 1990 e, por proposta da Comissão, depois homens e mulheres, com experiência na função
de um longo processo de negociação, é criada pública, na educação, no trabalho e emprego, no
uma nova Comissão e aprovado um novo diploma desenvolvimento comunitário e global, de modo
orgânico, mais consentâneo com esta nova filo- a estabelecer planos e a fazerem recomendações
sofia e com melhores possibilidades de inter- aos respetivos governos para a melhoria da par-
venção, em meios, estrutura, competências, etc. ticipação das mulheres na vida social e econó-
É o Decreto-Lei 161/91, de 9 de maio, que ex- mica dos respetivos países”. Estas recomenda-
tinguia a Comissão da Condição Feminina e cria- ções, retomadas em anos subsequentes, de
va a Comissão para a Igualdade e para os Direi- modo particular pela Comissão do Estatuto das
tos das Mulheres. A presidente da Comissão, que Mulheres, integraram-se na perspetiva do pro-
havia proposto a sua reestruturação, foi convidada grama a longo prazo para o progresso das mu-
a assumir a presidência da nova Comissão, o que lheres lançado pela ONU em 1968 e concretizado
se verificou; porém, na sequência da posse de um em 1970. Em Portugal, a hipótese de criação de
novo governo, em finais de 1991, e da transfe- tal mecanismo foi considerada desde 1970,
rência da Comissão para o Ministério do Emprego, não se tendo avançado imediatamente para a
apresentou a sua demissão por considerar que se constituição de uma comissão, mas antes para
tratava de uma evolução negativa, de uma res- um grupo de trabalho, que constituiu etapa in-
trição a um campo de ação sectorial, numa pers- termédia e fundamental para a sua posterior cria-
petiva contrária à que por toda a parte se verifi- ção. Num primeiro momento, a 4 de maio de
cava e as questões em causa exigiam. 1970, a Engenheira Maria de Lourdes Pintasil-
Fontes: Arquivo da CIDM/CIG e Arquivo pessoal. go*, a pedido do secretário de Estado do Traba-
Bib.: Vinte Anos ao Serviço da Igualdade, Lisboa, lho e Previdência, apresentou um projeto de
CIDM, 1997; “Uma Reflexão sobre a CIDM e o seu Per- constituição e de estabelecimento de objetivos
curso como Mecanismo Institucional para a Igualdade”,
Notícias da CIDM, 64, outubro-dezembro, 2002; A
de um Grupo de Trabalho para a definição de
Igualdade de Género em Portugal, Lisboa, CIDM, 2003. uma Política Nacional Global acerca da Mulher.
[M. R. T. S.] A 13 de maio do mesmo ano, foi constituído o
referido grupo de trabalho, composto por seis
Comissão para a Política Social Relativa à membros, mulheres com responsabilidades nas
Mulher áreas do trabalho, saúde, assistência, previ-
Criada pelo Decreto n.o 482/73 de 27 de setem- dência e ação social, designadamente Odete Es-
bro, no âmbito do Ministério das Corporações e teves de Carvalho, chefe de divisão de Salários
Previdência Social e na dependência direta do do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra,
203 COM

Maria do Carmo Romão, chefe de repartição da integração dos objetivos específicos da Comis-
Direcção-Geral de Previdência, Fernanda Agria, são a criar dentro dos trabalhos de preparação
assistente do Centro de Estudos Sociais e Cor- do IV Plano de Fomento; a promoção da igual-
porativos do Ministério das Corporações e Pre- dade de condições de trabalho para homens e
vidência Social, Bertina Sousa Gomes, do Cen- mulheres; a melhoria das condições de exercí-
tro de Estudos Sociais da Direcção-Geral da As- cio de responsabilidades familiares para as
sistência do Ministério da Saúde e Assistência, mulheres, bem como a resposta às necessidades
Aurora de Oliveira Fonseca*, assistente dos especiais das mulheres empregadas e com en-
Serviços de Ação Social do Ministério das Cor- cargos familiares. De acordo com nota subscri-
porações e Previdência Social e Maria das Do- ta pela presidente da Comissão para a Política
res Pimentel, secretária do ministro das Corpo- Social Relativa à Mulher, que viria a suceder ao
rações e Previdência Social. Para presidir ao gru- grupo de trabalho, datada de 13 de maio de 1974,
po, foi nomeada a mesma Engenheira, Maria de entre os trabalhos de maior relevo realizados pelo
Lourdes Pintasilgo, tendo tido ação de relevo na grupo de trabalho que a antecedeu contam-se vá-
sua organização e gestão a técnica Aurora Fon- rios estudos, designadamente: “A perspetiva in-
seca. Em fevereiro do ano seguinte, o grupo de ternacional relativamente à participação da
trabalho apresentou um primeiro relatório de ava- mulher na vida económica e social”; “Análise
liação dos problemas relativos à situação das mu- preliminar do estatuto da mulher no direito por-
lheres em Portugal e definiu objetivos para a ela- tuguês”; “Projeto de alteração do Código Civil na
boração de programas nacionais a curto e a lon- parte relativa ao Direito de Família”; “Estudo ana-
go prazo, tendo em vista a integração das mu- lítico das remunerações femininas e das dife-
lheres no plano de desenvolvimento global do renciações salariais entre homens e mulheres”
país. A proposta de constituição de uma co- (posteriormente publicado pelo Gabinete de Pla-
missão nacional foi ainda considerada prema- neamento do Ministério do Trabalho, em 1974);
tura e, assim, avançou-se antes para a formali- “Linhas gerais de aplicação do Programa de Ação
zação de um novo grupo de trabalho, intitulado Unificado para as Mulheres, da ONU, à situação
Grupo de Trabalho para a Participação das Mu- portuguesa”; “Elaboração de grelha de análise das
lheres na Vida Económica e Social. Este foi cria- características demográficas suscetíveis de de-
do na dependência do Gabinete do Secretário de finirem a condição das mulheres portuguesas”,
Estado do Trabalho e Previdência e, conforme etc. Foram também elaborados dois projetos de
despacho de 1 de maio de 1971, tinha como mis- regulamentação do trabalho das mulheres, um
são prioritária o estudo e regulamentação das de carácter mais global, sobre a situação da mu-
questões enquadradas pelo título genérico de lher trabalhadora, e outro traduzindo um aspe-
“trabalho das mulheres”. O grupo era constituído to regulamentar do anterior, que veio a resultar
pelas mesmas pessoas, a que se juntou uma ou- na Portaria n.o 186/73, de 13 de março, sobre Re-
tra especialista da área do trabalho, Maria de Fá- gulamentação do Trabalho Feminino – Trabalhos
tima Falcão de Campos, da Divisão de Contra- Condicionados, que reduziu as proibições de
tação Coletiva do Fundo de Desenvolvimento da exercício de certas funções às mulheres, res-
Mão de Obra, permanecendo também a mesma tringindo-as apenas àquelas que afetassem a sua
presidente. De 1 de maio de 1971 a agosto de função genética. Ainda com a colaboração da Di-
1973, o grupo de trabalho prosseguiu o seu man- recção-Geral do Trabalho e das Delegações do Ins-
dato, propondo-se objetivos específicos a vários tituto Nacional do Trabalho e Previdência de to-
níveis. No plano legal, propunha o estudo e aná- dos os distritos da Metrópole, foi realizado um
lise da lei portuguesa nos domínios cobertos por inquérito e feita a respetiva análise sobre a par-
convenções internacionais e a verificação da sua ticipação das mulheres na vida sindical. O gru-
coerência ou contradição com as normas inter- po de trabalho iniciou ainda, em articulação com
nacionais; o estudo das condições legais susce- o Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma ação
tíveis de reforçar a igualdade de acesso à edu- de intervenção a nível internacional, particu-
cação gratuita e capazes de favorecer o exercí- larmente com a Comissão do Estatuto da Mulher,
cio de responsabilidades familiares; e ainda a ela- tendo a sua presidente também participado na
boração de dispositivos legais para a aplicação delegação portuguesa a várias sessões da As-
da convenção relativa a salário igual para trabalho sembleia-Geral das Nações Unidas – Terceira Co-
igual. No plano socioeconómico, propunha-se a missão, onde, em novembro de 1972, apresen-
COM 204

tou uma comunicação sobre a situação da mu- dade das questões da condição feminina, que iam
lher. A ação de intervenção no plano interna- bem para além dela. Na mesma nota já referida,
cional teve também lugar no âmbito da OCDE e de 13 de maio de 1974, dizia a presidente: “Só
de um projeto aí em curso intitulado “O papel por razões ‘históricas’ é que a Comissão existe
das mulheres na economia”. A mesma dimen- no Ministério do Trabalho (como aliás aconte-
são foi ainda prosseguida através de contactos ce, em outros países, fruto da premência dos pro-
da presidente com organizações congéneres blemas do trabalho). No entanto, o seu âmbito
em outros países europeus, designadamente a co- é intersectorial, parecendo por isso aconselhá-
missão sueca e o comité do trabalho feminino vel que a sua reestruturação a torne um órgão in-
francês, bem como a instituição respetiva dos Es- terministerial (como acontece na Inglaterra em
tados Unidos. Uma tarefa fundamental do gru- que depende do primeiro ministro, nos Estados
po de trabalho foi a elaboração do projeto de di- Unidos em que depende da Casa Branca)”. Al-
ploma de criação da comissão nacional, que vi- guns aspetos do diploma refletiam, assim, esta
ria a designar-se Comissão para a Política Social visão pioneira, anunciando uma preocupação
relativa à Mulher. Criada a Comissão em se- com a dimensão transversal das questões da con-
tembro de 1973, Maria de Lourdes Pintasilgo foi, dição feminina e da igualdade. Nesta ótica, re-
de novo, convidada a assumir a sua presidência, feria-se a necessidade de interação com vários
sendo nomeada em novembro. A introdução do serviços e departamentos e a obrigatoriedade de
diploma que criou a Comissão dizia ter o Go- consulta à Comissão sobre projetos de medidas
verno julgado oportuno criar “uma comissão que, legislativas e regulamentos relacionados com as
no domínio da política social, contribua para a suas atribuições. A própria composição da Co-
crescente intervenção das mulheres a todos os missão era já de carácter interdepartamental com
níveis do processo de desenvolvimento, através representantes de vários sectores da adminis-
de uma incidência específica e global na con- tração e incluindo também representantes de ou-
dição do trabalho feminino”. Assim, a Comissão tras entidades com objetivos relacionados com
era definida como “um órgão de estudo e apoio as suas atribuições e ainda especialistas de re-
técnico para o problema do trabalho das mu- conhecida competência. Segundo a presidente,
lheres e da política social com incidência na po- na mesma nota de 13 de maio, “A Comissão não
pulação feminina”. O enfoque principal, na li- constitui um ‘serviço’ no sentido tradicional da
nha do que vinha sendo adotado pelos primei- administração pública mas uma ‘task-force’, de
ros mecanismos equivalentes de outros países, objetivos precisos, devendo a sua estrutura su-
era na área do trabalho das mulheres, conside- bordinar-se a condições de operacionalidade
rada como área crítica, numa altura em que se real”. Foi neste enquadramento e nesta ótica que
verificava a sua acentuada entrada no mercado se iniciou e desenvolveu a atividade da Comis-
de trabalho, com todas as consequências sociais são, que prosseguiu na mesma linha no pós 25
e culturais daí decorrentes e apontando para a de Abril, sendo membro de governo de tutela a
necessidade de prever medidas e ajustamentos sua anterior presidente, primeiro enquanto se-
de resposta às novas condições sociais. Assim, cretária de Estado da Segurança Social no 1.o Go-
à Comissão eram cometidas tarefas várias nes- verno Provisório em maio – julho de 1974 e, de-
ta área, bem como em outras para além deste do- pois, como ministra dos Assuntos Sociais, no 2.o
mínio específico, a saber: a realização de estu- Governo Provisório, a partir de julho de 1974 e
dos e trabalhos, tendo em vista a promoção da até ao 11 de março de 1975. Nessa qualidade, pro-
melhoria das condições do trabalho feminino; feriu, a 24 de junho de 1974, um despacho que
o fomento do acesso das mulheres a empregos determinaria as linhas de orientação prioritárias
produtivos e remuneradores; a efetiva partici- para o trabalho imediato da Comissão que, en-
pação das mulheres na organização corporativa; tretanto, era gerida colegialmente por duas das
a melhoria da segurança social das trabalhado- suas técnicas, Maria de Fátima Falcão de Cam-
ras; a participação das mulheres na vida social pos e Bertina Sousa Gomes. O despacho, pu-
e económica; o aperfeiçoamento do estatuto ju- blicado no Diário da República, I série, núme-
rídico das mulheres e o progresso da sua con- ro 155, fazia algumas considerações no Preâm-
dição social. No entanto, e não obstante a inci- bulo que podem considerar-se inovadoras para
dência particular na área do trabalho, houve, des- a época, nomeadamente que: “[…] segundo as
de o início, a visão muito clara da horizontali- tendências internacionais recentemente reafir-
205 COM

madas no projeto de convenção da ONU, sobre ganismos dependentes do Ministério dos As-
discriminações relativas às mulheres, a mater- suntos Sociais, uma enfermeira pediatra e um
nidade é considerada como função social e, como representante sindical. O estudo das várias ma-
tal, uma responsabilidade a ser assumida pela térias envolvidas e a elaboração das respetivas
sociedade”, bem como considerações relativas propostas constituiu o essencial do trabalho da
aos direitos das crianças e às “formas mais re- Comissão na segunda metade de 1974, tendo as
centes de proteção à primeira infância, adotadas propostas sido apresentadas à tutela em finais
internacionalmente”, e ainda à “necessidade de do mesmo ano. Entretanto, outras matérias se
garantir às mulheres trabalhadoras a possibili- revelaram relevantes para o trabalho da Co-
dade de conciliar as obrigações familiares com missão. A primeira teve a ver com o início do
as suas atividades profissionais”. Com estes processo de preparação do instrumento legal in-
fundamentos determinava “que a Comissão para ternacional que viria a ser a Convenção sobre
a Política Social Relativa à Mulher proponha a a Eliminação de Todas as Formas de Discrimi-
constituição, no prazo de dez dias, dos grupos nação contra as Mulheres, das Nações Unidas.
de trabalho que julgue necessários, os quais fi- Apresentado um projeto na sessão anual da Co-
carão incumbidos de concretizar as linhas de missão do Estatuto das Mulheres, em fevereiro
orientação definidas nos considerandos deste de 1974, a sua apreciação a nível nacional foi
despacho e de propor medidas de execução ime- confiada à Comissão, que sobre ele se pronun-
diata e a médio prazo”. O método é também de ciou, tendo posteriormente o seu seguimento
assinalar, já que anunciava formas de coopera- sido confiado à técnica Leonor Beleza, que acom-
ção que viriam a ser reconhecidas como funda- panhou de perto a sua elaboração até à finali-
mentais. Assim, estabelecia como requisitos para zação, em 1979. Uma outra matéria de relevo foi
a constituição dos grupos o seu carácter inter- a que se relacionava com a preparação, a nível
sectorial com elementos não apenas da Comis- nacional, do Ano Internacional da Mulher das
são, mas de outros ministérios, bem como de or- Nações Unidas, em 1975. Por ofício de 18 de ju-
ganizações não governamentais, com especial nho de 1974, do Gabinete da Ministra dos As-
competência nas matérias em causa. O despacho suntos Sociais, dirigido ao Ministério dos
foi complementado por despacho posterior, de Negócios Estrangeiros, foi indicada a Comissão
11 de julho, em que a secretária de Estado da Se-
para a Política Social Relativa à Mulher como
gurança Social determinava a composição de dois
entidade responsável por esta preparação e um
grupos de trabalho a funcionar no âmbito da Co-
dos seus membros, a técnica Regina Tavares da
missão para a Política Social Relativa à Mulher.
Silva, como elemento de ligação com o secre-
O primeiro era o “Grupo de trabalho para o es-
tariado das Nações Unidas e, mais tarde, por ofí-
tudo e propostas das medidas de segurança so-
cio da Comissão, de 19 de setembro, foi a mes-
cial e de regulamentação do trabalho no domí-
nio da proteção à maternidade e à primeira in- ma confirmada como responsável pela coorde-
fância” e era composto por quatro técnicas da Co- nação a nível nacional. No final de dezembro
missão, uma do Gabinete de Planeamento do Mi- de 1974, obedecendo ao solicitado no progra-
nistério do Trabalho, uma da Secretaria de Es- ma proposto pelas Nações Unidas, a Comissão
tado da Saúde, duas de organizações não go- apresentou uma proposta de várias iniciativas
vernamentais e uma representante sindical. O se- para a celebração do Ano Internacional da
gundo era o “Grupo de trabalho para estudo e Mulher em Portugal; entre elas, a aprovação de
proposta de medidas relativas a equipamentos uma Resolução pelo Conselho de Ministros ra-
coletivos e outros serviços de apoio à materni- tificando esta celebração em Portugal, o que vi-
dade e à primeira infância” e era composto por ria a concretizar-se no início de 1975. Em janeiro
três técnicas da Comissão, uma da Secretaria de de 1975, contudo, a Comissão para a Política So-
Estado da Habitação e Urbanismo, o diretor do cial Relativa à Mulher foi substituída pela
Centro de Saúde Mental Infantil de Lisboa da Se- Comissão da Condição Feminina*, criada em re-
cretaria de Estado da Saúde, o diretor do Cen- gime de instalação no âmbito do Ministério dos
tro de Orientação e Observação Pedagógica da Assuntos Sociais, sob a tutela da então minis-
Direcção-Geral da Assistência Social, duas re- tra Maria de Lourdes Pintasilgo.
presentantes de organizações não governamen- Fontes: Arquivo da CIDM/CIG e Arquivo pessoal.
tais, um técnico da Comissão dos Edifícios de Or- [M. R. T. S.]
CON 206

Conceição de Almeida tro do Chalet do Porto, no papel de “Jockey” na


Professora e militante espírita. Era, em 1929, vo- peça Grande Avenida, adaptação da zarzuela La
gal da Comissão Federativa de Propaganda Es- Gran Via, por Jacobetty. Passou para o Teatro do
pírita da Figueira da Foz. Príncipe Real, naquela cidade. Já conhecida, veio
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p. 5. para o Teatro do Rato, em Lisboa, onde se estreou
[N. M.] com o nome de Mercedes Blasco, em O Ás de Co-
pas (1888), revista de Ludgero Viana, música de
Conceição Mota Soares Francisco Symaria. Voltou ao Chalet, no Porto,
Professora da instrução primária. Pertenceu à Co- onde entrou nas revistas Sem Papas na Língua
missão de Professores da Junta Patriótica do Nor- (1888), de Alfredo Fragoso e António José Alves,
te, fundada em 15 de março de 1916, para apoiar no papel de “Primavera”, e Niniche, vaudevil-
os soldados portugueses na Primeira Guerra le em 3 atos, de Millaud e Hannequin, tradução
Mundial. A Junta Patriótica do Norte fundou de Sousa Bastos, música de F. Alvarenga, papel
também a Casa dos Filhos dos Soldados para criado por Pepa Ruiz*; Espelho da Verdade, peça
acolher e educar os órfãos de guerra, instituição fantástica em 4 atos, arranjo de Augusto Garraio;
dirigida pelo Núcleo Feminino de Assistência Os Bandidos, de Augusto Mesquita, Coroa de
Infantil*. Fogo, peça fantástica de Borges de Avelar, com
Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Actos da Jun- música de Manuel Benjamim; O Homem Rico de
ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916 Celorico (1888), imitação de Gervásio Lobato e
até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva Acácio Antunes de uma peça de Feydeau. Vol-
com o concurso do Núcleo Feminino de Assistência In- tou a Lisboa, em 1890, para integrar o elenco da
fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do
Norte, Tip. Mendonça, 1918.
companhia do Teatro da Trindade, a convite de
[N. M.] António Duarte da Cruz Pinto, crítico musical
de O Século, quando Matoso da Câmara era ge-
Conceição Vitória Marques rente daquele teatro. O vencimento acordado foi
Estrela de opereta, escritora poetisa. Usou os no- de 54$000 réis por mês e um benefício. Ali se
mes artísticos de Judith Mercedes Blasco e Ju- estreou, a 21 de outubro de 1890, na primeira re-
dith Mercedes, acabando por se fixar em Mer- presentação de Mademoiselle Nitouche, vau-
cedes Blasco. Nas colaborações assinou, além do deville, tradução de Gervásio Lobato e Urbano
nome próprio e do artístico, com os pseudóni- de Castro, música de Rio de Carvalho; e entrou
mos Dinorah Noemia e Mam’selle Caprice. Nas- nas operetas A Moira de Silves, original de Lor-
ceu prematura, em Minas de S. Domingos, con- jó Tavares e música do maestro Guerreiro da Cos-
celho de Mértola, no Baixo Alentejo, donde era ta; Colégio de Meninas, tradução de Gervásio Lo-
originária a família materna, a 4 de setembro de bato e Acácio Antunes; Noiva dos Girassóis
1867, e faleceu, em Lisboa, a 12 de abril de 1961. (1891), tradução de Guiomar Torrezão, Piparo-
Era filha de José Maria Marques, maquinista de te (1891), de Eduardo Garrido e música de Frei-
1.a classe da Companhia Real de Caminhos de tas Gazul; e Miss Helyett, tradução de Gervásio
Ferro, e que tinha sido engenheiro naval, em In- Lobato e Eça Leal, considerada, por muitos crí-
glaterra, quando estava casado em primeiras núp- ticos, como a sua melhor criação. Foi no Teatro
cias com uma senhora inglesa. Conceição Mar- da Trindade que cantou, pela primeira vez, can-
ques viveu em Huelva, Espanha, até aos sete ções francesas no género da artista Ivette Guil-
anos, idade com que veio, com os pais, para o bert. Na época de 1892/93, esteve no Teatro da
Porto. Nesta cidade, frequentou a Escola Normal, Avenida, onde criou “Diabo Elétrico”, de O Ca-
onde terá tirado o curso do Magistério Primário valeiro da Rocha Vermelha, mágica de Baptis-
e estudou língua francesa com a professora Blan- ta Machado, música de Dias Costa. Voltou ao Tea-
che Aussenac. Tinha os lábios carnudos, daí al- tro da Trindade, para interpretar papéis de res-
gumas colegas dizerem que tinha “beiços de pre- ponsabilidade na opereta Leitora da Infanta
ta”, o que era reforçado com os cabelos encara- (1893), tradução de Eça Leal da peça Petite Muet-
colados que ela usava curtos, e tanto os lábios te, música do maestro Augusto Machado; in-
como os cabelos se tornaram indicativos de be- terpretou ainda a parte musical da zarzuela
leza, em Portugal. Possuía uma voz afinada e ex- Segredo Duma Dama, e Fado do Amor; criou
tensa, no dizer de Eça Leal. Iniciou a careira ar- Brasileiro Pancrácio (1893), opereta de costumes
tística, sob o nome de Judith Mercedes, no Tea- populares de Sá de Albergaria com música de
207 CON

Freitas Gazul, onde cantou fados compostos por tradução de José Sebastião Machado Correia; as
ela e que, a pedido do público, chegaram a ser revistas Carvoeiros, Tim-Tim por Tim-Tim, de
repetidos dez vezes numa sessão. Em 1894, Mer- Sousa Bastos, música de Plácido Stichini e Fim
cedes Blasco era a grande vedeta do Trindade e, de Século, com música de Rio de Carvalho; re-
nesse ano, entrou em Sal e Pimenta, revista em presentou Cliquette, opereta traduzida por ela,
3 atos e 12 quadros de Sousa Bastos, música de em colaboração com Tito Martins. Voltou ao Tea-
Freitas Gazul. Apesar do sucesso, quando a So- tro da Trindade e, entre 1897 e 1903, fez parte
ciedade Artística daquele teatro entregou, em de companhias residentes, em que figuravam os
1894, a direção a António de Sousa Bastos, Mer- grandes nomes do teatro no feminino, tais
cedes Blasco viu em Palmira Bastos* uma rival como Ana Pereira*, Palmira Bastos*, Amélia Bar-
e abandonou o teatro. Na temporada de 1894/95, ros* e Augusta Cordeiro*. Passou pelo Teatro D.
integrou a Companhia Del Negro, no Teatro D. Amélia, onde protagonizou Tirano da Bella Ur-
Afonso, no Porto, onde representou Amazonas raca (1898), paródia de Marcelino Mesquita a Cy-
de Tormes, zarzuela em 2 atos, traduzida por Pas- rano de Bergerac, de Edmond Rostand e, no Real
sos Valente, Uma Aventura Régia, ópera cómi- Coliseu, fez as revistas A Geringonça e Frades
ca, no papel de Olivier, em travesti, e Capitão Lo- Mostenses. Entrou em Lobos Marinhos, de Ra-
bisomem, de Lopes Teixeira. Em 1896, partiu em mos Carrion, música de Chapin, tradução de João
digressão pelas províncias do norte do país. Fin- Soler, O Cabo dos Forcados, comédia em 1 ato,
da a época, voltou a Lisboa, cortou e pintou os de Esculápio, e escandalizou em As Farroncas
cabelos de louro, e hospedou-se no Hotel Alian- do Zé (1898), revista do escritor e jornalista Tito
ça. Entrou para o Teatro D. Amélia e, depois, para Martins e Baptista Machado, música de Rio de
o Teatro da Rua dos Condes, onde fez Cham- Carvalho, representando com um maillot para
pignol à Força, peça original de Georges Feydeau, melhor evidenciar as poses plásticas, o que foi
traduzida por Guiomar Torrezão, e escandalizou considerado obsceno. Nesse mesmo ano, partiu
em O Reino da Bolha (1897), revista de Eduar- para Madrid, na Empresa Salvador Marques e Pe-
do Schwalbach, música de Freitas Gazul e Del dro Cabral, onde se estreou no Teatro Moderno
Negro, em que entrou no palco de bicicleta e tra- (Alhambra) e foi convidada pelo Teatro Lara,
çou as pernas em cena, para segurar a viola que onde cantou La Sérénade de Gillotin, Laissez-
tocava para acompanhar as cançonetas france- moi Rire e fados. No regresso, seguiu a compa-
sas que faziam parte do repertório. Também ia nhia numa digressão pelo Minho, Trás-os-
de bicicleta de casa, do Chiado, onde vivia, para Montes e Beiras. Em 1899, foi escriturada pela
o Teatro da Rua dos Condes. Integrada na Com- Empresa Vale, então no Teatro da Rua dos Con-
panhia de Ópera Cómica Portuguesa, a atuar no des, onde representou alguns dos seus êxitos, O
Real Coliseu de Lisboa, sob direção de Pedro Ca- Poeta de Xabregas, de Eduardo Schwalbach, e
bral, com quem Mercedes então vivia marital- O Sacristão de Santo Eustáquio, vaudeville,
mente, entrou na estreia de O Sr. Comendador adaptação de Rafael Ferreira. Passou pelo Tea-
Ventoinha, opereta de costumes populares, em tro da Avenida e, em 1900, pelo Teatro D. Amé-
3 atos, em que apareceu também montada lia, onde criou Princesa Encantada, tradução de
numa bicicleta; fez O Harém d’El-Rei, opereta Acácio de Paiva e Esculápio. Em 1901, integrou
burlesca em 3 atos, de Tito Martins, música de a Companhia Taveira, que acabava de chegar do
Freitas Gazul; criou a personagem “Flor de abril”, Brasil, para representar, no Teatro do Príncipe
na primeira representação de A Mascote (1897), Real do Porto, O Burro do Sr. Alcaide, ópera có-
ópera cómica em 3 atos, tradução de Eduardo mica em 3 atos, de Gervásio Lobato e D. João da
Garrido, música de Oudran; protagonizou A Cos- Câmara, música de Ciríaco Cardoso. Entretanto,
saca, vaudeville em 3 atos de Meilhac e Millaud, ficou doente e foi substituída. A companhia re-
adaptação de Gervásio Lobato e Eça Leal, música gressou a Lisboa, mas os papéis que lhe estavam
de Hervé; 28 Dias de Clarinha (1897), opereta em atribuídos noutras peças não lhe foram resti-
4 atos, de H. Raymond e A. Mars, tradução de tuídos. Tinha esquecido Pedro Cabral; vivia, ma-
Gervásio Lobato e Acácio Antunes, música de ritalmente, com o jornalista Augusto Peixoto e
Victor Roger; e Pif-Paf (1897). Nesse ano, foi para apareceu, em cena, grávida. Voltou a Madrid a
o Pará, Brasil, na Companhia Sousa Bastos, onde convite do Teatro Romea, onde interpretou
ficou um mês e representou, além do seu re- cançonetas francesas e napolitanas, repertório
pertório, Simão, Simões & Ca., zarzuela em 1 ato, que repetiu no Teatro Marquez, de Cartagena. Na
CON 208

época de 1902/1903, fez parte da Companhia trabalho. Vivia com muitas dificuldades e, em
Luís Ruas, na opereta A Revolucionária, tradu- agosto de 1920, o senador Júlio Ribeiro apre-
ção de Xavier Marques, e entrou na revista À Pro- sentou no Parlamento um projeto de lei em que
cura do Badalo, de Baptista Dinis, música de Mi- propunha a atriz como societária do Teatro Na-
guel Ferreira que, ao fim de setenta e cinco re- cional, uma forma de pagamento pelos serviços
presentações, foi considerada obscena e obrigada prestados aos nossos soldados como enfermei-
a mudar o título para Num Sino. Ali fez bene- ra de guerra. O projeto era apoiado pelo geren-
fício com Pátria, original de Tito Martins, mú- te do teatro, que lhe deu um pequeno papel numa
sica de Oliveira Gallo. Depois passou para a Em- peça para justificar a entrada na Sociedade Ar-
presa Portulez, no Teatro da Rua dos Condes, tística do Teatro Nacional, e pela imprensa. Era
para representar nas peças Chico Banzé, Chico uma situação que lhe permitiria, mais tarde, ob-
da Carola, Cançonetas, onde cantou produções ter uma reforma do Cofre de Subsídios e Refor-
francesas, Cem Mil Diamantes, opereta fantás- mas da Sociedade Artística do Teatro Nacional,
tica de Sousa Rocha, Entre as Mulheres, de Ce- de que beneficiavam os atores do mesmo teatro.
lestino da Silva, O Solar dos Barrigas, ópera có- A notícia da entrada de Mercedes Blasco para o
mica, em 3 atos, de Gervásio Lobato e D. João da Teatro Nacional causou alguns embaraços rela-
Câmara, música de Ciríaco Cardoso. Em 1909, cionados com a única vaga que havia e que era
o jornal O Século, informava que Mercedes Blas- muito disputada. Ainda se elevou o número de
co tinha tomado parte, em Paris, numa festa pro- vagas de 18 para 19, mas os problemas levantados
movida por Julieta Adam, a famosa Madame levaram a Sociedade Artística a propor Irene Gra-
Lambert, em favor dos sobreviventes do abalo de ve para o lugar. As vozes discordantes lembra-
terra ocorrido a 23 de abril de 1909, no Ribate- vam que Mercedes Blasco nunca fizera teatro de-
jo, e que teve tal sucesso que a família imperial clamado e recordavam as atitudes da atriz em pal-
russa, então em Paris, a convidou para cantar no co, vistas como ousadas, para inviabilizar a en-
seu palácio. No dia 2 de junho de 1909, a atriz trada da atriz. Embora a imprensa movesse uma
exibiu o seu repertório de canções espanholas, campanha a favor de Mercedes, a decisão esta-
francesas e napolitanas, cantadas nos respetivos va tomada. Dedicou-se então a escrever, cola-
idiomas, e fados portugueses, acompanhados por borando em revistas e jornais, chegando a par-
ela à guitarra, perante o grão-duque Paulo e a es- ticipar nas Conferências Teatrais de Arte, orga-
posa, as princesas de Yourlevsky e Lobanoff, a nizadas pela Associação de Classe dos Traba-
marquesa de Montbello, a grã-duquesa Maria de lhadores do Teatro, com uma comunicação su-
Saxe Coburgo-Gotha e a princesa Beatriz, da Casa bordinada ao tema “Duas Qualidades Magnas do
Imperial da Alemanha, entre outras personali- Artista Dramático”. Foi a primeira atriz portu-
dades. Diz o mesmo jornal que foi muito aplau- guesa a escrever as suas memórias, ainda jovem.
dida e convidada para cantar, em Madrid, nos Nos últimos meses de vida do filho, viviam am-
já anunciados esponsais da princesa Beatriz com bos duma pequena pensão que o governador ci-
o príncipe Carlos de Bourbon. Atuou em Itália, vil de Lisboa, Viriato Lobo, concedeu ao pequeno.
na Holanda e na Bélgica, onde afirmou ter can- A 13 de junho de 1922, Marcelo faleceu, vítima
tado A Mascote no Teatro Real de Liège. Durante de tuberculose, e foi sepultado no compartimento
a Grande Guerra, Mercedes alistou-se como en- municipal n.o 298 do Cemitério dos Prazeres.
fermeira da Cruz Vermelha, em Bruxelas, e tra- Mercedes passou a viver da pensão que Filipe
tou de prisioneiros de guerra portugueses, Mendes, então o governador civil de Lisboa, lhe
doentes, em Liège (1918). Casou com o enge- manteve e aumentou a título de recompensa pela
nheiro eletricista belga Remi Ghekiere. Teve dois publicação dos artigos que escreveu sobre casas
filhos, Stelio que morreu em Liège, a 3 de se- de caridade, publicados na Ilustração Portuguesa.
tembro de 1917, quase à fome, e ficou sepulta- Manuel Marques, dono de uma pastelaria do
do no Cemitério Robermont, na mesma cidade, Chiado, ajudava não cobrando pelas refeições e
e Marcel (ou Marcelo) que voltou com ela para outras compras que ela fazia. Dedicou-se à es-
Lisboa, já muito doente. Aqui, tentou o teatro, crita, publicando um conjunto de obras que cons-
mas as ousadias artísticas que a tinham torna- tituem, no geral, a continuação do livro Memó-
do célebre, não se coadunavam com a Mercedes rias de Uma Atriz (1907). Em 1922 inseriu, em
envelhecida que tinha regressado e não foi Vagabunda, um capítulo que denominou “Um
bem recebida nos poucos teatros que lhe deram pouco de feminismo” em que advogava a favor
209 CON

da emancipação cultural e económica feminina, Coimbra, a 29 de março de 1930], Lisboa, J. Rodrigues,


o sufrágio universal, a partilha de poderes en- 1930; O Meu Príncipe, Lisboa, J. Rodrigues, 1930; Qual-
quer Coisa, 2.a edição, Lisboa, J. Rodrigues, 1930; Na-
tre géneros, a valorização da mulher enquanto morados e Amantes: Romance da Actualidade, Lisboa,
esposa e mãe, contra o divórcio, a dissolução dos J. Rodrigues, 1931; Hipócritas [prefácio de Agostinho For-
lares e a ilegitimidade dos filhos. Em 1925, ain- tes], Lisboa, J. Rodrigues, 1931; A Cabana do Pai Tomás
da entrou na peça A Intrusa, de Luna de Oliveira. [tradução do original de Harriet Beecher Stowe], Lisboa,
Como não tinha possibilidades de continuar a edição da Livraria Triunfo, 1933; Como se Conquista Um
Homem [Lisboa, Imprensa Lucas], 1933; Arco de Cupi-
pagar as quotas do Cofre de Subsídios, requereu do, Lisboa, J. Rodrigues, 1934; Uma Mulher, Um Beijo,
a devolução das quantias pagas, já que, não tra- Uma Traição, Lisboa [Imprensa Lucas], 1935; Mel e Fel,
balhando no Teatro Nacional, não tinha direito Lisboa, J. Rodrigues & Ca., [1936]; Nas Trincheiras da Vida,
à reforma. As dificuldades económicas pertur- Enjeitada [Livro de Memórias], Lisboa, J. Rodrigues & Ca.,
baram-na e, um dia, fugiu do cubículo em que 1936; Diário de Um Escriba, Luís J. Rodrigues, 1938; Bra-
sa Viva, Lisboa, J. Rodrigues, 1940; A Casa dos Malavo-
vivia e deambulava pela cidade quando a polí- glia [romance, tradução do original de Giovanni Verga],
cia a encontrou e internou na Mitra, até que fa- Lisboa, Argo, 1944; Corina [tradução do original de Ma-
miliares e amigos a foram buscar. Faleceu aos 94 dame de Stäel], Lisboa, Argo, 1945; Cartas de Agora [so-
anos, em casa de Alberto Bartisol, na Travessa neto Idílico]. Com o nome próprio, escreveu no Jornal da
Manhã, do Porto. Com o pseudónimo de “Mam’selle Ca-
do Rosário, n.o 6, em Lisboa, onde a tinham re- price” publicou artigos intitulados “No Bazar da Moda”,
colhido havia mais de um ano. Era o fim trági- que saíam à 5.a feira no jornal Novidades. Colaborou nos
co de uma atriz a quem Albino Forjaz Sampaio jornais Diário de Notícias, O Século, Ilustração Portuguesa,
classificou de poetisa muito culta, de sensibili- Revista dos Teatros e O Palco [Revista Teatral], Dir. E. Nas-
dade privilegiada e raffinée, com alma de artis- cimento Correia, Lisboa, E. da Cunha e Sá, Editor, Pro-
priedade da Empresa “O Palco”.
ta, e Pedro Cabral afirmou ser a única mulher de Bib.: Albino Forjaz Sampaio, “Mercedes Blasco” [c/fot.],
espírito que conheceu. Acompanharam-na, no Almanaque dos Palcos e Salas para 1909, Lisboa, Ar-
velório e no funeral, as sobrinhas Libânia Anjos, naldo Bordalo Editor, 1908, p. 32; Américo Lopes de Oli-
em cuja casa residiu, Isabel Maria Anjos Santos, veira, Dicionário de Mulheres Célebres, Porto, Lello &
Ivone Amélia Anjos Sá, Maria Mercedes Anjos Irmão, Editores, 1981, pp. 148-149; António Ventura, “A
Portuguesinha atrevida”, História, n.o 69, setembro, 2004,
Fragoso, Aurora Anjos, Maria de Lourdes Anjos pp. 64-65; Dicionário Cronológico de Autores Portu-
e os sobrinhos José Marques Anjos, João Marcelo gueses, Vol. III [coordenação de Eugénio Lisboa], Lisboa,
de Almeida Anjos e José Maria Marques. Foi se- Publicações Europa-América, 1990, pp. 94-95; Eduardo
pultada no talhão dos Artistas Teatrais, no Ce- Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa, Parceria An-
mitério dos Prazeres. tónio Maria Pereira, 1940, pp. 222, 256 e ss.; Eugénia Vas-
ques, Mulheres que Escreveram Teatro no Século XX em
Da autora: “Primeiro beijo” e “Amor!” [sonetos], Gabinete Portugal, Lisboa, Edições Colibri, 2001, p. 96 (105); Gus-
dos Repórteres, fevereiro-março, 1894, p. 3; Cliquette [ope- tavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II,
reta], traduzida em colaboração com Tito Martins (1902); Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de
“Carta Aberta”, Almanaque dos Palcos e Salas (1907); Me- Lisboa, 1967, pp. 407 e ss; Mário Monteiro Elias, O Dra-
mórias de Uma Actriz: Apreciações Críticas [c/fot.], Lis- ma de Mercedes Blasco, Mértola, Ed. do Autor com apoio
boa, Tipografia Francisco Luís Gonçalves, 1907; Musa His- da Câmara Municipal de Mértola, s.a.; Nuno Catarino
térica [poesia], Lisboa, Edição Viúva Tavares Cardoso, Cardoso, “Mercedes Blasco”, Poetisas Portuguesas, an-
1908; Vagabunda: Seguimento às Memórias de Uma Ac- tologia contendo dados bibliográficos e biográficos
triz, de 1908 a 1909, Lisboa, J. Rodrigues, 1920; “Na Bél- acerca de 106 poetisas, Ed. e Propriedade do Autor, Lis-
gica Mártir, para as Mães Portuguesas” [poesia], Alma- boa, Livraria Científica, 1917, pp. 55-57; Pedro Cabral,
naque dos Palcos e Salas (1920); Os Bastidores do “Lembrança de Gratidão a Mercedes Blasco”, Relem-
Amor [crónicas], Lisboa, Portugália, 1922; Caras Pinta- brando... Memórias de Teatro, Lisboa, Livraria Popular,
das, Lisboa, Portugália, 1923; Versos de Mulher, 2.a edi- 1924, p. 182; Tomaz Ribas, O Teatro da Trindade, Por-
ção, Lisboa, Portugália, 1924; Desventurada, Lisboa, to, Lello & Irmão, Editores, 1993, pp. 29, 32 e 33; Gazeta
Portugália, 1924; Tagarelices [crónicas], Paris, Aillaud & Musical de Lisboa, 3.a série, n.o 142, 16/06/1896, p. 3;
Bertrand, 1925; Adão e a Sua Costela [crónicas], Lisboa, Tardes e Noites, n.o 1, 11/11/1897, p. 11, n.o 5,
J. Rodrigues, 1926; Os Meus Homens, Lisboa, J. Rodrigues, 12/12/1897, p. 5, e n.o 6, 19/12/1897, p. 4; A Scena, Lis-
1926; Esta Vida, Lisboa, Portugália [1926]; Como Eles São, boa, n.o 38, 22/01/1898; “Mercedes Blasco” [c/ retrato],
Lisboa, J. Rodrigues, 1927; Como Fui Amada, Lisboa, J. O Ocidente, n.o 1056, 30/04/1908, p. 94; O Século,
Rodrigues, 1927; As Qualidades Magnas do Artista Dra- 07/08/1909, pp. 1-4; Mundo Teatral, Lisboa, 1-15 de agos-
mático [conferência], Lisboa, J. Rodrigues & Ca., 2.a edi- to de 1922, p. 1, e n.o 35, 19/05/1923, p. 2; Diário de Lis-
ção, 1927; Quando a Alma Fala, Lisboa, J. Rodrigues, 1928; boa, 13/04/1961, p. 11; Diário de Notícias, 13/04/1961,
Batalha dos Sexos, Lisboa, J. Rodrigues [1929]; Uma Mu- p. 8; “Mercedes Blasco terminou, ontem, aos 94 anos,
lher Que Acreditou no Amor, Lisboa, J. Rodrigues, 1930; a sua vida aventurosa e dramática” [c/fot.], O Século,
Uma Hora de Amor, [Conferência Recital realizado na As- 13/04/1961, p. 16.
sociação dos Estudantes de Letras, da Universidade de [I. S. A.]
CON 210

Condessa da Ega (2.a) fez a Matosinhos (cidade de onde era natural o


v. Juliana Maria Luisa Carolina Sofia de Oey- falecido) para realizar um estudo [Carta de
nhausen e Almeida 27/08/1901], e, mais tarde, à importância que es-
perava receber [Carta de 30/08/1901]. À seme-
Condessa d’Edla lhança do que era habitual, dias depois ficámos
v. Elisa Frederica Hensler a saber que o retrato era realizado por cópia de
uma fotografia [Carta de 13/09/1901]. Alguns me-
Condessa de Alto Marim ses mais tarde, encontrando-se já a concluir a
Nasceu em 1856 e faleceu em 1939. Era filha dos obra, comentou com Relvas que era seu propó-
viscondes de Rio Vez e irmã da viscondessa de sito levar o retrato à exposição da Sociedade Na-
Sistelo, sendo ainda sua enteada Maria Luísa de cional de Belas Artes, por vontade da própria
Alto Mearim. Casou, em 1894, com José João Mar- condessa de Alto Mearim [Carta de 19/03/1902].
tins de Pinho, 1.o conde de Alto Mearim (Ma- Expondo na Sociedade Nacional de Belas Artes
tosinhos, 1849 – Paris, 1900). Depois da sua for- desde 1903, a discípula de Malhoa só voltaria a
mação com Malhoa, Emília Roque escolheu o fazer referência ao facto de ser sua aluna entre
pintor francês Édouard Toudouze (1848-1907), 1906 e 1917 (e de Édouard Toudouze a partir des-
para complemento da sua formação, em Paris. se ano), bem como a propósito da Exposição Na-
Diversamente do que sucedeu com a irmã, a vis- cional do Rio de Janeiro, realizada em 1908. Ape-
condessa de Sistelo, que optara por J. J. Rousseau, sar desta referência tardia, sabemos que as lições
mais voltado para a pintura de paisagem, esco- apenas deviam ser interrompidas durante as suas
lheu E. Toudouze, que era um pintor de Histó- deslocações a Paris, já que, em 1903, era o pró-
ria, ilustrador e decorador. Os primeiros dados prio Malhoa quem aludia ao facto de estar a dar
que permitem relacionar os condes de Alto Mea- lições à condessa de Alto Mearim [Carta de ja-
rim a Malhoa remontam a 1892, ano em que Emí- neiro de 1903]. Com efeito, o percurso pessoal
lia Gonçalves Roque cedeu a quantia de 100$000 e artístico de D. Emília Gonçalves Roque, assim
réis para que o quadro O Último Interrogatório como o da irmã, a viscondessa de Sistelo, pas-
do Marquês de Pombal fosse oferecido ao Mu- sava necessariamente pelas prolongadas estadias
seu de Belas Artes. Essa afinidade manteve-se du- entre Portugal e França. De acordo com os da-
rante a década de 1890, época em que José João dos fornecidos para os catálogos das exposições,
Martins de Pinho adquiriu algumas obras de Ma- pudemos apurar que, entre 1896 e 1905, teve re-
lhoa expostas no Grémio Artístico – Ao Toque sidência em Lisboa, no n.o 176 da Rua do Sali-
das Trindades (1893), Estudo (1894) –, proce- tre, bem próxima do n.o 180 onde as irmãs, tam-
dimento em consonância com o seu espírito me- bém elas discípulas de Malhoa, Emília, Laura e
cenático. No entanto, as referências explícitas ao Virgínia Santos, tinham o seu ateliê e morada;
facto da condessa de Alto Mearim ter sido alu- em 1908, encontrava-se em Matosinhos, terra na-
na de Malhoa verificam-se apenas a partir de tal do marido; entre 1909 e 1910, em Paris, na
1896, nos catálogos do mesmo salão. Confir- Rue des Courcelles, 134, a mesma morada da
mando este relacionamento, dois anos depois, irmã. Meramente baseados nos temas da sua pin-
o próprio mestre confidenciava a José Relvas que tura, por volta de 1917, supomos que se tenha
ia concorrer ao Salon de Paris com uma Cabe- fixado em Arcos de Valdevez, de onde era na-
ça de Velho, “malgré a condessa de Alto Mea- tural o cunhado, o 1.o visconde de Sistelo, que
rim” [Carta de José Malhoa a José Relvas, ali edificou, na segunda metade do século XIX,
22/06/1898]. Pouco tempo depois, em 1900, o a revivalista Casa do Castelo. Sócia efetiva do
conde de Alto Mearim viria a falecer e, no ano Grémio Artístico desde 1892, participou em al-
seguinte, Emília Gonçalves Roque encomendou guns dos mais concorridos certames nacionais,
ao mestre um retrato de corpo inteiro do mari- designadamente nas exposições organizadas
do. Evidenciando o óbvio e necessário contac- pelo Grémio Artístico, desde 1896 (onde rece-
to com a viúva, esta incumbência seria por di- beu, em 1898, uma menção honrosa com A Bí-
versas vezes referida na correspondência trocada blia); nos da Sociedade Nacional de Belas Artes,
com José Relvas, logo desde agosto de 1901. Em desde 1903, onde recebeu também uma menção
apenas cinco dias, Malhoa aludia ao pagamen- honrosa; assim como na 5.a Exposição de Belas
to do desenho para o retrato [Carta de José Ma- Artes, organizada no Porto pelo Instituto de Es-
lhoa a José Relvas, 25/08/1901], à deslocação que tudos e Conferências e na qual, de acordo com
211 CON

António de Lemos, “A condessa de Alto Mea- são, para Nossa Senhora, no entanto um belo qua-
rim confirma de um modo justificado o seu ta- dro” [António de Lemos, 1906, pp. 43-44]. So-
lento hors ligne na confeção do belo quadro Po- bre a mesma exposição, o autor aludia ainda ao
veretta” [António de Lemos, 1906, p. 168]. Du- Retrato de M. de V., “que o trabalho é bom, a fi-
rante a estadia em França, sabemos que se gura está bem estudada, boa carnação, boas rou-
apresentou na Societé des Amis des Arts Seine- pagens, mãos bem tratadas, um bom quadro, en-
et-Vise (Versailles), em 1899, e na Exposição Uni- fim” [Idem, p. 44]. No tocante ao seu Estudo, tam-
versal de Paris de 1900, com as obras Soror Ma- bém apresentado por essa ocasião, considerava
riana, La Bible, Poveretta e Retrato de M. de V. que o mesmo “É bem feito, vê-se que esta senhora
Em 1906, estaria também presente no Salon, jun- não descura a base principal da pintura” [Idem,
tamente com a viscondessa de Sistelo, e na qua- p. 60]. Juntamente com a irmã, a viscondessa de
lidade de membro da Sociedade de Damas Pin- Sistelo, foi, sem dúvida, uma das discípulas mais
toras e Escultoras, expondo novamente o Retrato internacionais de Malhoa, pela constante pre-
de M. de V. No Brasil, participou na Exposição sença nos salões franceses, de Paris ou Nice.
Geral de Belas Artes de 1879, realizada no Im- Dado o longo período em que estas artistas vi-
perial Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro, onde veram em Paris, muita da informação acerca da
recebeu uma menção honrosa com estudos a sua vida e obra deve achar-se na capital france-
óleo, tal como as duas irmãs; foi premiada em sa. Não podemos deixar de chamar a atenção para
1908 com medalha de bronze na famosa Expo- a importância de uma posterior investigação so-
sição Nacional, na mesma cidade, em cujo ca- bre estas artistas, nomeadamente pela descoberta
tálogo foram reproduzidas as duas obras ali apre- do facto de terem pertencido à Sociedade das Da-
sentadas: Último raio de luz e Retrato de F. V. No mas Pintoras e Escultoras, uma das organizações
tocante à aceitação da sua obra no panorama na- francesas criadas para a promoção e apoio da car-
cional, a amostra que nos foi possível recolher reira das mulheres artistas.
das críticas publicadas permite depreender que Bib.: António de Lemos, Notas d’Arte, Porto, Tipogra-
ela foi, assim como a maioria das discípulas de fia Universal, 1906, p. 168; Jean Paul Bouillon, “Societés
Malhoa, enquadrada no contexto das muitas e d’artistes et institutions officielles dans la seconde moi-
mal interpretadas amadoras de pintura. Aludindo tié du XIXe Siècle”, Romantisme, n.o 54, 1986, pp. 89-
à sua participação de 1897, no salão do Grémio, 113; Monteiro Ramalho, Folhas d’Arte, Lisboa, Typografia
Portuense, 1897; Nuno Saldanha, José Malhoa – Tradi-
escreveu Ribeiro Artur que a condessa, “consa- ção e Modernidade, Lisboa, Scribe, 2010; Ribeiro Artur,
grando os seus ócios fidalgos ao cultivo da arte, “A exposição do Grémio Artístico”, Branco e Negro, n.o
dá-nos em – Soror Marianna – mais um dos seus 59, 17/05/1897, p. 106; s.a., “Os trabalhos das Damas Pin-
delicados pastéis” [Ribeiro Artur, 1897, p. 106]. toras e Escultoras na exposição do ‘Grand Palais’ em Pa-
ris”, Ilustração Portuguesa, 2.a Série, 4, 09/03/1906, p.
Já nas exposições da Sociedade Nacional de Be- 120; Tamar Garb, Sisters of the Brush: Women’s Artis-
las Artes, após acesa polémica quanto à crescente tic Culture in Late Nineteenth-Century Paris, New Ha-
presença dos discípulos de mestres consagrados ven, Yale University Press, 1994; Xylographo, “Exposição
nas exposições, a condessa de Alto Mearim foi da Sociedade Nacional de Belas Artes”, O Ocidente, n.o
simplesmente incluída no grupo de artistas 876, 30/04/1903, p. 91 ; O Dia, n.o 3761, 14/04/1903, p.
2 ; O Século, n.o 8368, 16/04/1905, p. 1.
amadoras que participaram na exposição [Xy- [N. S.]
lographo, 1903, p. 91], não obstante o reconhe-
cimento inequívoco da sua obra. No jornal O Dia,
Condessa de Burnay (1.a)
dias depois da inauguração da exposição de 1903,
v. Maria Amélia de Carvalho Burnay
a condessa de Alto Mearim foi, a par de Emília
Adelaide dos Santos Braga, considerada como
“a senhora que melhor se apresenta na exposi- Condessa de Ficalho (5.a)
ção” [O Dia, n.o 3761, p. 2]. Em 1905, a imprensa v. Maria Josefa de Melo
destacou-a como uma “antiga expositora” e
mencionou especialmente a obra Desesperança Condessa de Mafra (4.a)
[O Século, n.o 8368, p. 1]. De acordo com António v. Sofia Burnay de Melo Breyner
de Lemos, “Tem merecimento e muito esta
amadora – A Nossa Senhora do Refúgio, bem lan- Condessa de Proença-a-Velha (1.a)
çada de linhas, largas pinceladas dadas sem fe- v. Ludovina Augusta da Cunha Castro Meneses
minismo, talvez um pouco coquete, na expres- Pita
CON 212

Condessa de Stroganoff criaram a Confraternidade do Santo Rosário e, em


v. Juliana Maria Luísa Carolina Sofia de Oey- 1734, a Confraternidade de Santa Ana, destina-
nhausen e Almeida da a membros da nobreza, a qual perdurou até
1875. O terramoto de 1755 pouco afetou o con-
Condessa de Tomar (1.a) vento, apesar da sua proximidade com o rio. Com
v. Luísa Meredith Read o século XIX iniciou-se um período difícil, de-
vido à diminuição do número de vocações,
Convento de Nossa Senhora do Bom Sucesso problemas financeiros e eventos políticos. No iní-
Fundado no dia 12 de novembro de 1639. Des- cio desse século, havia apenas 26 religiosas, das
tinava-se a mulheres irlandesas da nobreza a quais a última irlandesa tinha entrado em 1795.
quem não era permitido realizarem uma vocação Durante as Invasões Francesas, entre 1807 e 1811,
religiosa, na Irlanda, devido ao facto de a fé ca- o convento sofreu às mãos quer dos franceses quer
tólica ser aí perseguida. A fundação foi instiga- dos soldados ingleses, estes comandados pelo ge-
da por um sacerdote dominicano irlandês, frei Do- neral Wellington. Um crucifixo de prata foi
mingos do Rosário O’Daly, o qual, em 1629, ti- roubado e Wellington ocupou a capela e insta-
nha fundado em Lisboa o Colégio de Nossa Se- lou os seus cavalos no pátio. Por sua vez, as re-
nhora do Rosário, destinado à formação de sa- ligiosas acolheram um pequeno grupo de reli-
cerdotes dominicanos irlandeses. O local esco- giosas inglesas da Ordem de Santa Brígida, cujo
lhido, não longe do Mosteiro dos Jerónimos, em convento tinha sido ocupado por Wellington para
Lisboa, pertencia à condessa da Atalaia, que já lá instalar um hospital militar. Com a desamor-
anteriormente tinha procurado aí fundar um con- tização, foram obrigadas a abandonar o conven-
vento, desejo contrariado pelo rei espanhol que to no dia 23 de maio de 1823 para se instalarem
então ocupava o trono de Portugal. Frei O’Daly no Convento do Rei Salvador, em Lisboa. Re-
tinha boas relações na corte e partiu para Madrid gressaram logo em 25 de junho desse ano, após
para obter a licença requerida. Esta só foi con- as vitórias miguelistas. Nesse dia, comemoram
cedida em troca do recrutamento de irlandeses a Festa de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Em
para os exércitos espanhóis. No dia da abertura 1829, a pedido do vice-cônsul britânico em Por-
do convento, cinco mulheres receberam o hábi- tugal, acolheram uma menina com 18 meses de
to dominicano. Destas, apenas uma era irlande- idade, filha de um casal irlandês que entretan-
sa. A prioresa e a mestre das noviças eram por- to tinha falecido. Mariana Russell Kennedy foi
tuguesas, oriundas do convento dominicano de viver com as religiosas em 8 de dezembro e foi
São João Baptista em Setúbal. Uma das religio- considerada a primeira aluna interna do Colégio
sas chamava-se Leonor do Calvário e era filha ado- do Bom Sucesso. Na sequência da crise política
tiva da condessa. O número de religiosas foi au- de 1834, o Convento do Bom Sucesso, assim
mentando e, depois da Restauração de 1640, Dona como outras comunidades religiosas femini-
Luísa de Gusmão, que se dizia parente de São Do- nas, passou a ter de pagar elevados impostos e
mingos de Gusmão, tornou-se benemérita do con- foi proibido de receber noviças. Durante a epi-
vento, pelo que este passou a ter um estatuto qua- demia de cólera e de febre-amarela, de 1856-57,
se de “convento real”. Em 1644, o convento foi morreram cinco religiosas. A prioresa Teresa Stau-
formalmente reconhecido pela Ordem Domini- ton apelou ao Arcebispo de Dublin para que en-
cana. O financiamento era garantido pelos pro- viasse religiosas irlandesas e, de facto, nos anos
ventos de propriedades pertencentes às religio- seguintes chegaram 11. Estas abriram uma escola
sas. Em 1645, iniciou-se a construção da cape- para as crianças pobres da zona e uma foi formada
la, sob a direção da prioresa Madalena da Silva para ensinar meninas com problemas de surdez.
Menezes, filha do marquês de Marialva, e com- Quando o rei Eduardo VII visitou Portugal em
pletou-se em 1670, contendo preciosas obras de 1903, pediu para visitar de novo o Convento do
arte. Foi também por esta altura que se finaliza- Bom Sucesso, que tinha conhecido quando ain-
ram os restantes edifícios conventuais, como o da príncipe de Gales. Com a instauração da Re-
claustro e o refeitório, de grande austeridade, re- pública, em 1910, a proteção do convento foi as-
fletindo o estilo de vida da comunidade. Ao lon- segurada pela Embaixada Britânica em Lisboa. O
go do século XVIII, a comunidade aumentou em colégio estava completamente lotado, até porque
número. Em 1704, tendo em vista desenvolver o houve outras escolas católicas que foram encer-
seu apostolado com o exterior, as dominicanas radas. Cerca de 1920, o noviciado reabriu e qua-
213 COO

tro noviças professaram em 1925. Em 1930, as re- Avenida, com sucesso. Passou ao Teatro Apolo,
ligiosas celebraram os 300 anos da sua fundação, onde entrou em A Torre de Babel (1917), de
fazendo e distribuindo 300 peças de roupa por Eduardo Rodrigues, Félix Bermudes e João Bas-
outras tantas crianças pobres. Em 1944, o con- tos, música de Tomás Del Negro e Bernardo Fer-
vento recebeu duas irlandesas que com dificul- reira e, depois, ao Teatro Maria Vitória, donde
dade, dada a guerra, conseguiram ali chegar. Em saiu por lhe serem distribuídos papéis abaixo da
1953, foi fundado um externato para raparigas e, sua categoria. Foi para o Porto e cantou nas re-
a partir de 1955, dada a redução do número de vistas Céu Azul (1917), de Luís Aquino, Perei-
religiosas, foi decidido acabar com a clausura e ra Coelho e Gustavo Sequeira, música do maes-
as religiosas passaram a poder sair para ações de tro Del Negro, no Teatro Águia de Ouro, e O Novo
formação, para se deslocarem a Fátima ou visi- Mundo (1918), em 2 atos de Ernesto Rodrigues,
tarem a família na Irlanda. Em 1964, encerrou o Félix Bermudes, e João Bastos, música de Alves
internato feminino que tinha funcionado desde Coelho e Venceslau Pinto, no Teatro Nacional do
a década de 30 do século XIX, e em setembro foi Porto. Fez parte do elenco do filme O Suicida na
aberto um colégio internacional, de ensino básico, Boca do Inferno (1922). Nesse ano, partiu em di-
para crianças de língua materna inglesa. O nú- gressão com Melita Marques e a imprensa noti-
mero de alunos não cessou de aumentar e a sec- ciou que se ia dedicar ao género Folies Bergères.
ção internacional foi deslocada para um novo Acabou por se fixar em Luanda, onde fundou o
estabelecimento em São Domingos de Rana. Na Grupo Infantil de Teatro Cremilda Torres, des-
década de 80 do século XX, as religiosas irlan- tinado a preparar atores.
desas que davam aulas no colégio internacional Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
criaram uma pequena comunidade em Oeiras. Em res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1305;
2006, duas religiosas trabalhavam com popula- Carlos de Miranda, “Álbum de Honor – Cremilda Tor-
res”, Mundo Teatral, Lisboa, n.o 5, 1 a 15 de julho de
ções desfavorecidas no Zambujal, outras duas di- 1922; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 13/02/1956,
rigiam o Centro da Sagrada Família, em Algés, p. 6, 07/03/1956, p. 7, e 19/04/1956, p. 4.
e outra era responsável por uma creche, situada [I. S. A.]
no próprio convento, também destinada a famí-
lias pobres. Em todas estas atividades, assim como Cruzada das Mulheres Portuguesas
nos dois colégios existentes, onde quer o corpo Instituição de assistência criada para apoiar a in-
docente quer a direção são constituídos por lei- tervenção militar portuguesa na Primeira Guer-
gas e leigos, o ideal da formação religiosa man- ra Mundial. A Cruzada das Mulheres Portuguesas
tém-se. Apesar da falta de vocações, continua o foi fundada por Elzira Dantas Machado*, mulher
ministério da pregação e do ensino, em toda a sua de Bernardino Machado*, à data, Presidente da
diversidade. I República Portuguesa (1916). A sua fundado-
[H. G. Mc C.] ra, que militava, simultaneamente, em diversas
[Tradução e adaptação – A. V.] organizações feministas, lançou o projeto da nova
instituição procedendo, no início, à remodela-
Cooperativa Editorial de Mulheres/IDM ção da Comissão Feminina “Pela Pátria” (1914),
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 associação que precedera a Cruzada no auxílio
e 80 do século XX aos militares mobilizados. No momento em que
o país entrou, definitivamente, em guerra con-
Coordenadora Nacional de Mulheres tra a Alemanha, entendeu, no entanto, que a fun-
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 ção da Comissão Feminina “Pela Pátria”, apesar
e 80 do século XX de ter representado o ponto de partida de uma
grande obra, teria de alargar os seus meios de
Cremilda Torres ação para realizar uma finalidade que traduzis-
Atriz e cantora. Nasceu em 1899. Estreou-se, aos se, com clareza, o espírito e a vocação da mulher
sete anos, no Teatro Infantil. Fez carreira no tea- portuguesa, a quem competia conhecer o que se
tro de revista, género em que ingressou, aos 14 passava no estrangeiro, e adaptar todas as ideias
anos, no elenco de Alerta!, de Luís Galhardo, es- e iniciativas ao carácter português, dando-lhes
crita em colaboração com Alberto Barbosa, Pe- uma forma genuinamente nacional. Rodeou-
reira Coelho e Barbosa Júnior, música de Alves se, para o efeito, de um grupo de senhoras per-
Coelho, C. Calderón e Del Negro, no Teatro da tencentes, na sua maioria, às famílias dos mi-
CRU 214

nistros e parlamentares do Governo vigente, no- “uma instituição patriótica e humanitária, des-
meadamente, as suas próprias filhas (Maria tinada a prestar assistência material e moral aos
Francisca e Joaquina Mariana) bem como Este- que dela necessitarem por motivo do estado de
fânia Macieira e Palmira Pádua, que desempe- guerra com a Alemanha”. No desenvolvimento
nharam, sucessivamente, os cargos de primeiras do seu programa, a associação previa duas me-
secretárias-gerais e Ester Norton de Matos, pre- tas: pretendia-se, a curto prazo, a assistência in-
sidente da comissão de assistência aos militares teligente da mulher portuguesa, não apenas aos
mobilizados. O núcleo fundador da Cruzada, que soldados que partiam, mas também às respeti-
contava, em 1916, com 80 sócias, funcionou, ape- vas famílias que aguardavam o seu regresso; essa
nas, como ponto de arranque das atividades, vis- recente mobilização voluntária feminina, serviria,
to que a organização recém-criada não se pau- a longo prazo, no pós-guerra, como enquadra-
tava por objetivos políticos, fundamentando-se, mento para a missão futura da mulher portuguesa
essencialmente, no ideal patriótico de aceitar a na sua função de educadora e dirigente de obras
colaboração de todas as mulheres portuguesas, de assistência social. Os objetivos enunciados
sem outra preocupação que não residisse na as- concretizavam-se através da estrutura da Cru-
sistência às vítimas da guerra, honrando a zada, organizada em comissões, com sede em Lis-
“raça” a que todas pertenciam. Estavam com a boa, e subcomissões disseminadas pelas pro-
Pátria e secundavam a obra do Governo. O que víncias de Portugal Continental, colónias e ter-
estava em causa, “naquela hora”, era a missão ritórios estrangeiros. As comissões eram as se-
de todos/as os/as portugueses/as. A criação guintes: comissão central (órgão dirigente), ad-
oficial da Cruzada das Mulheres Portuguesas cor- ministrativa, de propaganda e organização do tra-
responde à data de aprovação, para efeitos legais, balho, angariadora de donativos, hospitalar, de
dos seus estatutos pelo governo civil de Lisboa enfermagem, de assistência aos militares mobi-
[Alvará de 19 de agosto de 1916]. Na realidade, lizados, de assistência às mulheres dos mobili-
este organismo já se encontrava em funciona- zados, de assistência aos filhos dos mobilizados
mento antes dessa data, como se comprova pela em campanha. A eficácia do trabalho produzi-
representação entregue pela sua fundadora e pre- do pela agremiação dependia do funcionamen-
sidente-geral ao Ministério da Guerra, recordando to metódico e regular das comissões enumera-
que no programa dos trabalhos de hospitaliza- das. O funcionamento da Cruzada assentava num
ção e enfermagem da Cruzada estava consagra- fundo geral, ao qual pertenciam: todas as receitas
da a criação de um hospital permanente, em Lis- obtidas pela comissão angariadora de donativos;
boa, com cerca de 400 leitos, onde se instruís- as quotas dos sócios; os donativos feitos à Cru-
se e educasse o pessoal das comissões de hos- zada, para o seu fundo geral; a quota anual paga
pitalização e de enfermagem daquela organiza- pelas subcomissões. Em 1919, o governo repu-
ção, bem como a formação de uma ambulância blicano reconheceu a competência da benemé-
para cerca de 400 feridos, destinada a prestar ser- rita instituição, agraciando-a com a Grã-Cruz da
viço nos campos de batalha onde tivessem de Torre e Espada pelos humanitários e relevantes
combater os soldados portugueses. O Governo serviços prestados aos soldados que haviam com-
respondeu à petição reconhecendo as comissões batido em África e França; concedeu, em si-
de hospitalização e enfermagem da Cruzada das multâneo, à sua presidente-geral, Elzira Dantas
Mulheres Portuguesas como sociedades de so- Machado, a Grã-Cruz da Ordem de Cristo, como
corros voluntários, autorizadas a proceder ao le- homenagem à dedicação e civismo manifestados
vantamento, transporte e tratamento de feridos, no desempenho do cargo e às suas altas virtu-
quer em tempo de guerra, quer em tempo de paz, des de senhora. Em 1921, a associação reformou
bem como à organização de estabelecimentos sa- os estatutos originais; empenhou-se na atuali-
nitários; equiparou as comissões de hospitali- zação dos seus objetivos; tentou adaptar-se ao
zação e enfermagem da Cruzada à Sociedade Por- contexto nacional posterior à guerra, acrescen-
tuguesa da Cruz Vermelha, reconhecendo-as tando na nova definição estatutária que a Cru-
como as duas únicas entidades integrantes dos zada “continuaria, na paz, a ser uma Instituição
serviços da Cruz Vermelha Portuguesa [Decre- Patriótica e Humanitária, dentro das responsa-
to n.o 2493, Diário do Governo n.o 133, 1.a série, bilidades e direitos da mulher portuguesa” [Ar-
3 de julho de 1916]. Os estatutos originais da Cru- tigo 1 dos Estatutos da Cruzada das Mulheres Por-
zada, aprovados em 1916, definem-na como tuguesas, 1921].
215 CRU

Fontes manuscritas e impressas: Biblioteca Nacional de


Lisboa: Ministério da Guerra – A. C. L. Caixa 2; Estatutos
da Cruzada das Mulheres Portuguesas, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1916; Cruzada das Mulheres Portuguesas. Co-
missão de propaganda e organização do trabalho. Re-
latório e contas, Lisboa, 1917; Relatório da Comissão de
Assistência aos Militares Mobilizados; Cruzada das Mu-
lheres de Torres Novas – Palestrando, Lisboa, 1917; Cru-
zada das Mulheres Portuguesas. A Mulher Heróica. Ana
de Castro Osório. Conferência realizada na festa pa-
triótica de 4 de junho de 1916; A Semeadora, 1915-1918.
Bib.: Elzira Machado Rosa, A Educação Feminina na
Obra Pedagógica de Bernardino Machado – Propostas
a Favor da Igualdade e da Emancipação das Mulheres,
Coleção Cadernos Museu Bernardino Machado, n.o 2, Câ-
mara Municipal, Vila Nova de Famalicão, 1999; Idem,
“Bernardino Machado”, Bernardino Machado, Catálo-
go da Exposição Permanente – Museu Bernardino Ma-
chado, coord. Filipe Jorge, Produção Editorial “Argu-
mentum”, 2002; Idem, Bernardino Machado – Foto-
biografia. Presidentes de Portugal – Fotobiografias,
Lisboa, edição Museu da Presidência da República, 2006.
[E. D. M. R.]
D
Daisy Price esquadra e transferida novamente para a Cadeia
Nasceu em Almada em 1875, vindo a falecer em das Mónicas, onde permaneceu entre 30 de ju-
1973. Sendo a mais velha de 14 irmãos, a todos lho e 6 de agosto de 1938; um ano depois, a 28
sobreviveu. Formou-se como parteira e duran- de junho de 1939, repetiu-se o mesmo ciclo, com
te cerca de 40 anos exerceu a sua profissão com a detenção para averiguações, envio incomuni-
a maior competência. Prestou assistência a um cável para uma esquadra e, depois, para aque-
elevado número de parturientes portuguesas da la cadeia por poucos dias, de 30 de julho a 6 de
alta burguesia ou da aristocracia, quando na- agosto. Segundo José Pacheco Pereira, entrou
queles meios sociais os partos ainda se realiza- para funcionária do PCP em 1941 e desempe-
vam no domicílio. Solteira. Anglicana. nhava funções na casa do Secretariado, sita na
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1059, 04/08/1973. Estrada das Amoreiras, 245, quando presa em 1
[A. V.] de agosto de 1942, juntamente com os impor-
tantes dirigentes Joaquim Pires Jorge (28/11/1907-
Dalila Duque da Fonseca -06/06/1984), seu companheiro, Júlio de Melo
Empregada de comércio, nasceu na Cidade da Fogaça (10/08/1907-28/01/1980) e Pedro dos San-
Praia, Cabo Verde, a 15 de janeiro de 1911, e fa- tos Soares (13/01/1915-10/05/1975); enviada in-
leceu em 1992. Filha de Vasco Loff da Fonseca comunicável para uma esquadra e, depois, para
(1879-1959) e de Ermelinda Fernanda Montei- a Cadeia das Mónicas a 18 de setembro, nela per-
ro Duque da Fonseca (1884-1945), irmã do ar- maneceu até 30 de outubro de 1943, em virtu-
quiteto Álvaro Duque da Fonseca (1910-1975) e de de ter sido julgada pelo Tribunal Militar Es-
prima de Carolina Loff da Fonseca* (12/11/1911- pecial em 4 de junho e condenada “na pena de
-06/03/1999), também originária de Cabo Verde, 15 meses de prisão correcional, que desconta-
manteve, tal como estes dois familiares, im- do o tempo de prisão já sofrida fica reduzida a
portante actividade clandestina no Partido Co- 147 dias de prisão e na perda de Direitos Polí-
munista Português durante as décadas de 1930 ticos por cinco anos” [Rose Nery de Nobre Melo,
e 1940: o irmão, preso entre fevereiro de 1935 “Biografia Prisional”, p. 30]. O jornal Avante!,
e 12 de outubro de 1944, passou oito anos no de março de 1943, noticiou a aproximação do jul-
Campo de Concentração do Tarrafal (29/10/1936- gamento dos quatro e divulgou dados sobre pri-
-25/09/1944); e Carolina, igualmente destacada sões anteriores de cada um. Libertada, trabalhou
dirigente comunista, tem associada a si uma lon- como farmacêutica até final do ano seguinte,
ga história enigmática, já que, detida, manteve quando reingressou na clandestinidade a ins-
relacionamento amoroso com o inspetor da tâncias de Alfredo Diniz, que seria assassinado
polícia política encarregado do seu processo, foi a 4 de julho de 1945, com 28 anos, e voltou a fa-
expulsa do Partido e poderá ter trabalhado, des- zer par com Pires Jorge, evadido desde 13 de
de muito cedo, para os serviços secretos da União maio de 1943. Estiveram ambos instalados
Soviética, país onde entrava e saía com enorme numa casa do Partido, na Maia; passaram para
facilidade. Quanto a Dalila, esteve presa cinco outra em Vila Nova de Gaia e, em janeiro de 1945,
vezes entre 1937 e 1945: a primeira captura deu- mudaram-se para São Romão do Coronado, en-
se a 6 de junho de 1937; recolheu incomunicá- tão freguesia do concelho de Santo Tirso, onde,
vel a uma esquadra, foi transferida para a Cadeia a 14 de junho, se verificou a última prisão por
das Mónicas a 28 e julgada pelo Tribunal Mili- denúncia, com a PVDE a entrar de forma brutal
tar Especial a 2 de abril de 1938, “tendo sido con- e a recorrer ao lançamento de granadas de gás
denada na multa de 600$00, que não sendo paga lacrimogéneo, sem contudo conseguir apanhar
no prazo legal fica convertida em 30 dias de pri- aquele. Detida pela delegação do Porto da polí-
são correcional e na perda de Direitos Políticos cia política e transferida para a Prisão de Caxias,
por cinco anos” [Rose Nery Nobre de Melo, “Bio- sujeita a interrogatórios, relatou as atividades
grafia Prisional”, p. 29]; libertada a 5 de maio, clandestinas e saiu em liberdade condicional a
voltou a ser detida, para averiguações, a 28 do 18 de setembro, vindo, mesmo assim, a ser con-
mês seguinte, enviada incomunicável para uma denada, um ano depois, a 4 de novembro de
DAL 218

1946, a uma pena de dez meses de prisão cor- Neto e muitos outros com atividades políticas an-
recional. Ana Barradas refere que Dalila Duque tifascistas, trabalhou como empregada de livraria.
da Fonseca, segundo confissão à polícia, “en- Ainda solteira, integrou uma célula do Partido
carregava-se dos trabalhos domésticos, de dac- Comunista Português, controlada por Veneran-
tilografar relatórios internos e memorandos, de do Ferreira de Matos, também empregado de es-
traduzir documentos estrangeiros e de fazer a critório, e participou com este na comissão dis-
contabilidade de cotas e donativos de simpati- trital do MUD Juvenil local, o que motivou a sua
zantes” [As Clandestinas, p. 66]. Abandonou a prisão a 16 de outubro de 1947, em vésperas de
atividade política e partiu para Lourenço Mar- completar 22 anos de idade. Enviada para o For-
ques, provavelmente no final dos anos 1940, te de Caxias, foi libertada em 12 de dezembro,
onde viveu com José Marques Pereira por ter prestado fiança de 30 contos, e absolvi-
(04/04/1909-1984), reencontrou antigos cama- da pelo Tribunal Plenário de Lisboa em 12 de
radas e o irmão Álvaro. Segundo Ana Barradas, agosto de 1948, sendo a única mulher presente
no Dicionário de Mulheres Rebeldes, “manteve- no julgamento que ficou conhecido como o “Pro-
-se sempre em oposição ao regime colonial-fas- cesso dos 108”. Perdeu então o emprego na Coim-
cista” [p. 66], regressou a Portugal em 1981 e fa- bra Editora e foi impedida de trabalhar nos CTT,
leceu em 1992. Terá usado os pseudónimos Au-
apesar de aprovada em concurso público. Nes-
rora, Dália, Maria e Rosa. Rose Nery Nobre de
se mesmo ano, envolveu-se na campanha pre-
Melo insere a sua “Biografia Prisional” e res-
sidencial do general Norton de Matos. O casal
petivas fotografias tiradas pela polícia política,
radicou-se posteriormente em Abrantes, no ano
datadas de 31 de outubro de 1942.
de 1955, onde José Vasco se tornou um médico
Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela, respeitado, desempenhou funções autárquicas
2004; Idem, Dicionário de Mulheres Rebeldes, Lisboa, Ela
por Ela, 2006, p. 66; Irene Flunser Pimentel, A História no período posterior a 25 de Abril e presidiu à
da PIDE, Círculo de Leitores – Temas e Debates, 2007; Assembleia Municipal no quadriénio 1990-
José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Po- -1994. Dalila Marques Maia “passou pela vida
lítica: “Daniel”, o Jovem Revolucionário (1913-1941), sem fazer barulho, mantendo sempre uma pos-
Vol. 1, Lisboa, Temas e Debates, 1999; Idem, Álvaro Cu-
nhal – Uma Biografia Política: “Duarte”, o Dirigente Clan- tura humilde, quando poderia não ser assim”;
destino (1941-1949), Vol. 2, Lisboa, Temas e Debates, 2001; “ajudou toda a gente à sua volta, prescindindo
Idem, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política: O Pri- de bens materiais, para acudir a qualquer pes-
sioneiro (1949-1960), Vol. 3, Lisboa, Temas e Debates, soa carenciada ou frágil”; e, “à sua maneira, de-
2005; Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas
na Resistência [c/fot.], Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 29- fendeu os ideais da juventude até ao fim”
-30; Secretariado do CC, A Todos os Militantes do PCP. [http://marcadagua-pt.blogspot.com/2009/04/
Disciplina Partidária. Resolução do Secretariado, se- dalila-marques-maia.html].
tembro de 1946; “Nos tribunais fascistas – Julgamento
de Fogaça, Jorge, Soares e Dalila”, Avante!, série VI, Fontes: ANTT, PIDE, Serviços Centrais, Registo Geral de
n.o 28, 1.a Quinzena de março de 1943, p. 2, col. 1. Presos, liv. 90, registo n.o 17903.
[J. E.] Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em
Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997;
Idem, O MUD Juvenil em Coimbra. Histórias e Estórias,
Dalila Marques Maia Porto, Campo das Letras, 1998; Comissão do Livro Ne-
Filha de Palmira Maia de Resende e de António gro Sobre o Regime Fascista, Presos Políticos no Regi-
Godinho Marques, nasceu a 4 de novembro de me Fascista IV – 1946-1948, Mem Martins, 1985, p. 276;
1925, em Ovar, e faleceu a 26 de abril de 1993. http://marcadagua-pt.blogspot.com/2009/04/dalila-
marques-maia.html; http://porabrantes.blogs.sapo.pt/
Casou com o médico José Joaquim Brito Ribei- /764765.html.
ro Vasco (07/01/1924-27/04/2011) e era cunha- [J. E.]
da de Mário Emílio de Morais Sacramento
(07/07/1920-27/03/1969), esposo desde de- Dalila Pereira
zembro de 1944 da sua irmã mais velha, a pro- Atriz de teatro de revista. Integrou o elenco de
fessora liceal Cecília Marques Maia [Sacra- A Aranha (1902), escrita por D. João da Câma-
mento] (1918-24/09/2005), e de Gilberto Vasco, ra, Júlio Dantas e Henrique Lopes de Mendon-
irmão do marido, ambos clínicos e todos com mi- ça, música de Filipe Duarte.
litância comunista forjada em Coimbra. Nesta ci- Bib.: António Pinheiro, Contos Largos, Lisboa, Tip. Cos-
dade, para onde a família se deslocara e a mãe ta Sanches, 1929, p. 65.
hospedava estudantes, entre os quais Agostinho [I. S. A.]
219 DEL

Delfina Costa Lda. Editores, 1905; Luiz Francisco Rebello (dir.), Di-
Entrou na revista Terra e Mar, de Virgílio Pinheiro cionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978,
p. 231; A Scena, Lisboa, n.o 38, 22/01/1898.
(Alfredo Cortez), música de Filipe Duarte, no Tea- [I. S. A.]
tro Nacional do Porto, em 1918.
[I. S. A.]
Delfina da Conceição
Delfina Cruz Atriz. No verão de 1895 integrou uma companhia
Atriz. Nasceu em Sines a 19 de janeiro de 1872 dramática organizada pela atriz Virgínia*, de que
e faleceu em Lisboa a 14 de julho de 1953. Era faziam parte Carolina Falco*, Emília Lopes* e os
irmã da atriz Laura Cruz* que a acompanhou atores Soler e Ferreira da Silva, dirigidos pelo di-
numa digressão pelo país e que com ela traba- retor de cena do Teatro D. Maria II, Augusto de
lhou, em várias épocas, no Teatro D. Maria II. Es- Melo, para percorrer as províncias. Levaram al-
treou-se, em 1891, no Teatro da Rua dos Condes, gumas peças do repertório daquele teatro e ou-
na revista Tam-Tam, de Sousa Bastos, música de tras inéditas, tais como A Toutinegra Real, em
Filipe da Silva, e entrou em Solar dos Barrigas 4 atos, de D. João da Câmara, escrita expressa-
(1892), ópera cómica em 3 atos, de Gervásio mente para a tournée, A Evasão, tradução de Fia-
Lobato e D. João da Câmara, música de Ciríaco lho de Almeida, e Antonieta Rigaud, em 3 atos,
Cardoso. Em 1893, foi para o Teatro D. Maria II, tradução de Maximiliano de Azevedo.
Companhia Rosas & Brazão, onde fez o papel de Bib.: “Tournée” da Virgínia”, Correio da Manhã,
“criada” na tragédia burguesa, em 3 atos, Dor Su- 03/07/1895.
prema (1895), de Marcelino Mesquita, e entrou [I. S. A.]
em A Quermesse, peça em 3 atos de Moura Ca-
bral. Em 1898, ao fundar-se a última sociedade Delfina Lopes
artística no Teatro D. Maria II, ali ficou como so- Professora da Instrução Primária. Pertenceu à Co-
cietária de 2.a classe, onde progrediu sob a di- missão de Professores da Junta Patriótica do Nor-
reção de Augusto de Melo. Neste teatro foi par- te, fundada em 15 de março de 1916, para apoiar
ticularmente notada nos papéis de “Nuri”, em os soldados portugueses na Primeira Guerra
Manelich (1898), drama em 3 atos, original do Mundial.
catalão D. Angel Guimera, vertido em castelha- Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Atos da Jun-
no por José Echegaray, tradução livre de João Sol- ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916
ler, e “Clara”, na estreia de Peraltas e Sécias até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva
com o concurso do Núcleo Feminino de Assistência In-
(1899), comédia em 3 atos de Marcelino Mes- fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do
quita. Voltou para a Empresa Rosas & Brazão, no Norte, Tip. Mendonça, 1918.
Teatro D. Amélia, onde fez papéis de “ingénua” [N. M.]
mas não se salientou. Regressou ao Teatro D. Ma-
ria II. No Verão de 1904, partiu em digressão pe- Delfina Perpétua do Espírito Santo
las províncias, integrada na Caravana Artística Conhecida, simplesmente, como Delfina, foi das
dirigida por Alfredo Santos. Em 1906, entrou na atrizes mais engraçadas do teatro português.
peça de D. João da Câmara, Os Velhos, no Tea- Nasceu em Lisboa a 20 de abril de 1818 e faleceu
tro D. Maria II, ao lado de Virgínia* e Carolina a 22 de setembro de 1881. Era enjeitada e foi cria-
Falco*. Casou com Eduardo Lopes, produtor de da por uma senhora que lhe deu o seu nome e ape-
filmes, e retirou-se de cena. lido. Tinha uns lindos cabelos loiros, o que lhe
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- permitiu, com 7 ou 8 anos, figurar de cupido num
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 292; baile mitológico no Teatro de S. Carlos, sob a pro-
António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria Bor- teção de Josefa Soler*. Por essa altura, faleceu a
dalo Editora, 1912, p. 47; António Sousa Bastos, Dicio- mãe adotiva e os empregados do Teatro de S. Car-
nário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da
Silva, 1908, p. 280; Carlos Santos, Cinquenta anos de Tea- los tomaram-na sob a sua proteção, levando alguns
tro, Memórias de Um Actor, Lisboa, Tipografia da Em- cronistas a publicar que os pais trabalhavam na-
presa Nacional de Publicidade, 1950, p. 154; Esteves Pe- quele teatro. Continuou no corpo de baile com a
reira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário his- empresa do conde de Farrobo, ainda por influência
tórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico,
numismático e artístico, Vol. II, Lisboa, João Romano Tor-
da atriz Josefa Soler. Farrobo, que também a pro-
res, Editor, 1906, p. 1238; Joaquim Madureira (Braz Bu- tegia no Teatro de S. Carlos, deu-lhe um peque-
rity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, no papel na comédia Mulher, Marido e Amante,
DEL 220

no seu Teatro das Laranjeiras, permitindo-lhe re- Franceses, drama original de Florêncio José do
presentar ao lado do conde de Farrobo, de Pepi- Lago Sarmento, Reinado de Luís XV e Paz Do-
na Erba, antiga e jubilada dançarina de S. Carlos, méstica. Em 1853, integrou a nova companhia no
de Escassa, bailarino do mesmo teatro, e do maes- Teatro D. Maria II, com Emília das Neves, Gui-
tro Miró que, na peça, fazia o papel de “criado”. lhermina Rita da Silva*, Carolina Emília*, Maria
Delfina agradou, desde logo, pela presença, pela da Glória*, Maria Assunção Radici* e Guilhermina
forma como viveu o papel, pela voz agradável, in- Carlota da Trindade*, entre outros. Representou
sinuante e expressiva. Decidiu enveredar pela car- papéis importantes em Antes na Província (1859),
reira teatral e, passado pouco tempo, em 1841, apa- ao lado de Manuela Rey*, em A Dama de S. Tro-
receu no Teatro do Salitre, integrada na Associação pez (1860), drama em 5 atos de Anicet Bourgeois
Gil Vicente, formada para combater os métodos e Adolph d’Ennery, tradução de Ferreira, As Duas
considerados despóticos de Émile Doux, então di- Nobrezas (1862), em que contracenava também
retor-ensaiador do teatro. Faziam parte da Asso- com José Carlos Santos, e Os Primeiros Amores
ciação António Feliciano de Castilho e os em- de Bocage (1865), comédia em 5 atos, de Mendes
presários Paulo Midosi, pai, e César Perini di Luc- Leal. Em 1866, quando Francisco Palha deixou
ca. Ali entrou na mágica Roberto e o Diabo e, de- de ser comissário régio do Teatro D. Maria II, le-
pois, como “criada”, na peça Peão Fidalgo, uma vou os principais atores da companhia para o Tea-
tradução e adaptação de Le Bourgeois Gentil- tro da Rua dos Condes enquanto não acabavam
homme, de Molière, pelo capitão Manuel de Sou- as obras do novo Teatro da Trindade, para onde
sa. Em 1843, foi para o Teatro da Rua dos Condes, a companhia fora contratada. Entre estes conta-
por intercessão de Almeida Garrett, que gostou do va-se Delfina, que se distinguiu nos papéis que
seu desempenho naquele papel. Neste teatro es- criou, entre eles o de “velha” na Família Benoî-
tava Emília das Neves*, então no auge da sua car- ton, comédia em 5 atos de Victorien Sardou, tra-
reira. O primeiro papel que representou foi em duzida por Ernesto Biester, peça estreada em Pa-
Duas Filhas, de António Pereira da Cunha, a que ris em 1865. Por estes anos, residiu na Calçada do
se seguiram “Baronesa”, em Homem de Cinzen- Carmo, no 1.o andar do prédio onde vivia também
to (1843), “criada do rei”, em Madalena (1844), Emília Adelaide*. Quando o Teatro da Trindade
drama em 5 atos de José Maria Andrade Ferrei- abriu ao público, a 30 de novembro de 1867, per-
ra, a “Tapuya” de Ódio de Raça, de Francisco Gue- tencia ao elenco permanente. Ali encabeçou, jun-
des de Amorim (peça que repôs no Teatro D. Ma- tamente com Emília Adelaide e o ator Tasso, as
ria II, em 1854), “Catarina” em O Dote de Susa- peças inaugurais A Mãe dos Pobres, dramalhão
na, comédia em 4 atos, tradução de Mendes Leal. em 5 atos de Ernesto Biester, e a comédia Xerez
Em 1843, entrou nas farsas O Vilão em Casa do da Viscondessa, adaptação de Francisco Palha.
Seu Sogro, ao lado de Carlota Talassi*, Pecados Quando a companhia introduziu a ópera burles-
Velhos, traduzida do francês, e O Velho de 25 ca, Delfina viria a distinguir-se também nesse gé-
Anos, em 2 atos. Em 1846, saiu do Teatro da Rua nero, criando as personagens de “rainha Cle-
dos Condes e foi para o Teatro D. Maria II, quan- mentina” do Barba Azul (1868), em 3 atos e 4 qua-
do era explorado pela Associação dos Artistas, e dros, de Meilhac e Halèvy, tradução de Francis-
aí foi classificada como “primeira atriz cómica” co Palha, música de Offenbach. Foi exímia nos pa-
e societária de 1.a classe pelo júri composto por péis de “Teresa”, em Um Homem Político (1872),
membros do Conservatório e por Castilho, Rebelo comédia em 3 atos, imitação de Aristides Abran-
da Silva, Mendes Leal e Rodrigo Felner. Neste tea- ches, a “velha”, de Ilha do Tulipatan, e “Marti-
tro, brilhou nas personagens que representou nas nha” de Médico à Força, de Molière, arranjo do
peças A Afilhada do Barão (1848), de Mendes visconde de Castilho. Do seu repertório, lem-
Leal, protagonista, de Noite de Santo António na bramos, ainda, as comédias: Frou-Frou, de Mei-
Praça da Figueira, “ingénua”, em O Mineiro de lhac e Ludovic Halevy, Rascunho, Última Moda,
Cascais (1850), ambas de Joaquim da Costa Cas- em 3 atos, tradução de Rangel de Lima, Diabo a
cais, e “D. Sabina, velha rica e entusiasmada por Quatro, de Leuven, Brunswick e Giraudin, O Ca-
divertimentos”, em O Duende (1850), zarzuela tra- mões do Rocio, em 3 atos, de Inácio Maria Feijó,
duzida do original espanhol por João Baptista Fer- Demi-Monde, de Alexandre Dumas, filho, San-
reira, ao lado de Teodorico, que teve 34 repre- tinha de Pau Carunchoso, Amor Jovem em Pei-
sentações; entrou em Molière (1851), de D. An- to Velho, Não se Casem Assim; Procópio Baeta,
tónio da Costa de Sousa Macedo, No Tempo dos opereta em 1 ato, de Paulo Midosi, música de Of-
221 DEL

fenbach; os dramas As Pupilas do Sr. Reitor, adap- tavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D.
tação de Ernesto Biester do romance do mesmo Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário,
1846-1946, Lisboa, 1955, p. 250; Idem, O Carmo e a Trin-
nome de Júlio Dinis, Pedro, em 5 atos, de Men- dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
des Leal, Lei dos Morgados, em 5 atos, de Joaquim nicipal de Lisboa, Lisboa, 1967, pp. 163 e 384; José Ma-
Costa Cascais, Homens do Mar, marítimo em 4 ria d’Andrade Ferreira, Biografia da Actriz Delfina [com
atos, de César Lacerda, Fortuna e Trabalho, em retrato à pena de Sousa, assinado por ela], Lisboa, Tipo-
5 atos, de Ernesto Biester, A Taberna, em 5 atos grafia de Joaquim Germano de Sousa Neves, 1859; Júlio
César Machado, Os Teatros de Lisboa, Editorial Notícias,
e 7 quadros, de Zola e Busnach, tradução de José 1991, p. 165; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do
Carlos Santos, Cora ou a Escravatura, em 5 atos Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 226; To-
e 7 quadros, de Jules Barbier, tradução de Ernes- maz Ribas, O Teatro da Trindade, Porto, Lello & Irmão,
to Biester, Tempestades da Família, de Manuel editores, 1993; A Assembleia Literária, Lisboa, n.o 33,
15/06/1850, p. 15, n.o 37, 21/09/1850, pp. 46-47, e n.o 38,
Roussado, O Drama da Rua da Paz, em 5 atos, tra- 05/10/1850, p. 55; “Três Glórias do Passado”, Mundo Tea-
dução, Viver em Paris, tradução de La Vie, de Men- tral, Lisboa, n.o 5, 16 a 31 julho de 1922.
des Leal, Frutos e Flores, imitação do mesmo au- [I. S. A.]
tor, e Família, de Ricardo Cordeiro. Gervásio Lo-
bato, em O Ocidente, disse que o ator Salvini, Delmira Mendes
quando esteve em Lisboa, foi vê-la ao Teatro da Atriz e cantora. Nasceu em Lisboa, a 29 de fe-
Trindade e ficou impressionado com o desem- vereiro de 1864. Era filha do ator contrarregra Da-
penho de Delfina, classificando-a como “primeira mião Mendes. Esteve em Lisboa até aos seis anos,
atriz de Portugal”. Este teatro declarou-a “atriz de indo depois para o Porto. Começou a represen-
mérito transcendente”. Ficou no Teatro da Trin- tar ainda criança no Teatro Baquet, daquela ci-
dade até que resolveu retirar-se. Não quis fazer ré- dade, onde estava a irmã, a atriz Amélia Men-
cita de adeus; despediu-se na noite de 1 de julho des Garraio*. A verdadeira estreia como atriz foi
de 1880, com O Avarento, comédia em 5 atos de aos treze anos, no Teatro Príncipe Real, do Por-
Molière, adaptada pelo visconde de Castilho, no to, na peça A Torre de Babel, revista de Eduar-
Teatro da Trindade, terminando uma carreira glo- do Rodrigues, Félix Bermudes e J. Baptista, re-
riosa que atravessou sem dissabores, segundo Jú- presentando já como atriz consumada. A críti-
lio César Machado. Era tratada, carinhosamente, ca do Diário Ilustrado (1881) disse, então, que
pelos colegas por “Avozinha”. Passados dois me- tinha “voz afinada, era uma atriz regular, com fi-
ses, voltou ao teatro para representar, com Ana Pe- nura de maneiras e ar de mocidade fresco e ale-
reira*, Barba Azul, a 17, 19 e 22 de setembro de gre, embora não fosse uma beldade tinha doçu-
1880, já com evidentes falhas de memória. Era ra e era atraente”. Voltou para Lisboa em 1881
muito caridosa e gastou as economias ajudando e Francisco Palha escriturou-a no Teatro da Trin-
os mais necessitados. Faleceu depois de quatro dade, onde se estreou, a 10 de abril de 1881, em
meses de sofrimento. O funeral da atriz mobili- Noite e Dia, opereta burlesca em 3 atos de Le-
zou a população de Lisboa, que lhe prestou uma cocq, tradução de Eduardo Garrido e Cardoso
comovente homenagem de estima e simpatia. Foi Leoni, sendo muito aplaudida. Do seu repertó-
sepultada em jazigo pertencente à Associação dos rio, distinguem-se os papéis em Dragões de El-
Socorros Mútuos Montepio dos Atores Portu- -Rei, ópera cómica em 3 atos, tradução de Fran-
gueses, no Cemitérios dos Prazeres. Em julho de cisco Palha e Eduardo Garrido, musicada por José
1922, foi homenageada no Teatro da Avenida. Rogel; Dominós Brancos, comédia em 3 atos, tra-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- dução de Luís Quirino Chaves; Giroflé-Giroflá,
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 312; O Drama do Povo, de Manuel Pinheiro Chagas;
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Navarim, O Criado Brioso e Dia do Juízo, co-
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 11; Cunha Be- médias de António Sousa Bastos; Arquiduque,
lém, “A Morte de Delfina” [c/retrato], Diário Ilustrado, tradução de António Sousa Bastos; Espadelada,
24/09/1882, p. 1; Eduardo de Noronha, Reminiscências
do Tablado, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927, p. 100; Conspiração na Corte, tradução de A. Duarte de
Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicio- Almeida da obra Marquez de Siete Iglesias, ori-
nário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, ginal de Manuel Fernandez Y Gonzalez; As Ré-
heráldico, numismático e artístico, Vol. III, Lisboa, João deas do Governo, imitação de Rebelo da Silva;
Romano Torres e Ca. Editores, 1907, pp.195-196; Gervá-
sio Lobato, “Delfina do Espírito Santo”, O Ocidente, n.o
Pompon, opereta de Lecocq; Dinheiro do Diabo,
101, 11/10/1881, pp. 226-228; Guiomar Torrezão, Ribal- drama em 3 atos, tradução de C. de Miranda, en-
tas e Gambiarras, Lisboa, série 1, 27/08/1881, p. 335; Gus- tre outras. Esteve no Teatro da Trindade até 1884,
DEN 222

ano em que abandonou a carreira artística para Deolinda A. Loureiro


se casar. Não se sabe a data em que faleceu. Espírita. Colaborou na revista Luz e Caridade,
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- órgão do Centro Espírita de Braga, fundado em
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 888; 1917.
António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lisboa, Da autora: “Fé”, Luz e Caridade, junho, 1922, p. 355.
Editorial Século, 1947, p. 137; Gustavo de Matos Se- [N. M.]
queira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publica-
ções Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967,
p. 395; Guiomar Torrezão, “Europa de Relance – Atra- Deolinda da Luz
vés dos Palcos”, Diário Ilustrado, 05/07/1881, Participou na Marcha da Fome ou Marcha do
13/04/1882, 31/01/1883 e 26/03/1884. Pão realizada em 8 de maio de 1944 em Alhan-
[I. S. A.]
dra e que atravessou a vila durante o desfile rei-
vindicativo em direção a Vila Franca de Xira,
Denise Lester na sequência do movimento grevista desse dia
v. Margaret Denise Eileen Lester na região. Segurou, com Galiana*, uma faixa
branca que tinha inscrito a negro a expressão
Deodata Costa Castilho “Nós queremos Pão e Géneros”. Foi uma das mu-
Natural de Santa Maria de Belém, Lisboa, filha lheres alhandrenses presas pela GNR na Praça
de José Rodrigues, apresentou candidatura ao de Touros de Vila Franca de Xira.
lugar de docente nos Liceus Secundários Fe-
mininos* a 22 de abril de 1890. Na sua epísto- Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
la informou estar habilitada com o curso de se- sência, 2005; António Dias Lourenço, Vila Franca de
gundo grau da Escola Normal Primária de Lis- Xira. Um Concelho no País – Contribuição para a his-
boa, onde fez exame de admissão ao curso ge- tória do desenvolvimento socioeconómico e do movi-
ral dos liceus em maio de 1884. Deodata Cas- mento político-cultural, edição da Câmara Municipal de
tilho realizou, também nesse estabelecimento, Vila Franca de Xira, 1995, pp. 246-250.
[J. E.]
exames de Matemática, a 9 de outubro de
1888, tendo sido aprovada, em Português, do
Deolinda de Campos
1.o ano, a 17 de outubro de 1888, com 10 valo-
Estreou-se, em 1904, no Teatro do Ginásio.
res, e Desenho a 4 de outubro do mesmo ano.
Apresentou também certificado da Escola Nor- Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
mal Primária de 1.a classe para o sexo femini- nicipal de Lisboa, 1967, p. 372.
no. Nessa escola foi examinada a todas as dis- [I. S. A.]
ciplinas que constituíam o primeiro grau do cur-
so e obteve a média de nove valores, o que cor- Deolinda de Macedo
respondia à classificação de Muito Bom. Fez Atriz. Nasceu em Setúbal a 27 de março de 1894
também os exames para o segundo grau, obtendo e faleceu em Lisboa a 27 de novembro de 1945.
a média de 7,39 valores, correspondendo a Bom. Iniciou-se na vida artística como corista e fez car-
O último documento do seu processo é um cer- reira no teatro de revista. Vestia bem e tinha um
tificado em como lhe foi conferido o segundo romance com um marquês, segundo Mercedes
prémio do 3.o ano em sessão de 31 de agosto de Blasco*. Na época, as peças do guarda-roupa e
1889, de acordo com o disposto no Decreto Re- acessórios eram compradas pelas atrizes e ves-
gulamentar de 28 de julho de 1881 dessa esco- tir bem chegava a ser motivo de preferência na
la. No Anuário Comercial de 1898 para 1899, escolha para os papéis. Estreou-se em 1913, num
Deodata Castilho aparece referenciada como pro- teatro de Lisboa, na revista A Espiga, de Lino Fer-
fessora do quadro eventual da Escola Paroquial reira, P. Coelho e Gustavo de Matos Sequeira, mú-
n.o 21 para o sexo feminino, na Rua da Cruz de sica de Alves Coelho e E. Graça. Foi para o Por-
Santa Apolónia. to, onde entrou na revista Alerta!, de Luís Ga-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição lhardo, Alberto Barbosa, P. Coelho e Barbosa Jú-
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. nior, música de Alves Coelho, C. Calderón e Del
Bib.: Caldeira Pires (coord.), Anuário Comercial ou Anuá- Negro. Voltou a Lisboa, trabalhou nos Teatros da
rio Oficial de Portugal, Ilhas e Ultramar, da Indústria,
Magistratura e Administração para 1899, Lisboa, 1898,
Avenida, da Trindade e Apolo, criando canções
p. 650. que se popularizaram nas revistas de Eduardo
[A. C. O.] Schwalbach Verdades e Mentiras (1914), Dia de
223 DEO

Juízo (1915), O Ovo de Colombo (1918) e O Pé de profissional: em abril de 1923, foi a autora do
Meia (1919), musicadas por Del Negro e Alves manifesto às associadas, onde se apelava ao em-
Coelho, Ao Deus Dará, em 2 atos, música de Luís penho de todas na defesa da mulher grávida e
Filgueiras, O 31, de Luís Galhardo, Pereira Coe- da criança; presidiu à Secção de Educação en-
lho e Alberto Barbosa, música de Tomás Del Ne- tre 1922 e 1926; e, entre 1927 e 1929, foi elei-
gro e Alves Coelho. Fez os papéis de “caracte- ta presidente da Secção de Educação Infantil,
rística” em O Cabaz de Morangos (1926), de Lino assinando os respetivos relatórios. Nos primeiros
Ferreira, Luna de Oliveira, Acúrcio Pereira e Lopo anos da década seguinte continuou ligada à co-
Lauer, música de Alves Coelho, Wenceslau Pin- missão responsável pela Educação (1931, 1933,
to e Raul Portela, e Amor de Príncipes. Integrou 1934), secretariou reuniões e exerceu o cargo de
elencos que foram em digressão ao Brasil e às co- vogal da direção (1932). Deolinda Lopes Viei-
lónias. Faleceu num hospital e na miséria. O fu- ra interveio como oradora na sessão comemo-
neral foi pago pelo Sindicato dos Atores. rativa do aniversário do CNMP (1923); desem-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- penhou as funções de vogal da Comissão Or-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 754; ganizadora do Primeiro Congresso Feminista e
Eugénio Pimentel, A Vida d’um Teatro, Porto, Francis- de Educação (1924), sendo a autora da tese “Edu-
co J. d’Almeida, Editor, 1909, p. 79; Grande Enciclopédia cação de Anormais”; foi vogal da Comissão Or-
Portuguesa e Brasileira, Vol. XV, Lisboa/Rio de Janeiro,
Editorial Enciclopédia, p. 723; M. Luís de Freitas, “Ga- ganizadora do Primeiro Congresso Abolicionista
leria de Arte”, Mundo Teatral, Lisboa, 15-30 de junho, Português (1926); apresentou, no 2.o Congresso,
1922, p. 2; Mercedes Blasco, Caras Pintadas, Lisboa, Por- a tese “Escola Única” (1928); participou na re-
tugália Editora, 1923, pp. 107-111; O Teatro, Lisboa, ceção promovida pelo CNMP a Adelaide Cabete
n.o 5, abril, 1918, p. 89; “Teatro – Foi neste dia...”, O Sé-
culo, 27/03/1962. quando do seu regresso de África; e, em outu-
[I. S. A.] bro de 1931, representou-o no Congresso In-
ternacional de Proteção à Criança. Na comuni-
Deolinda Lopes Vieira Pinto Quartin cação Educação de Anormais (1924), mostrou-
Filha de Maria Cláudia Lopes e de José Gon- -se contrária à criação, na mesma escola, de clas-
çalves Vieira, nasceu em Beja, em julho de 1888, ses para diferentes tipos de alunos, por não be-
e faleceu em Lisboa, cidade onde passou a vi- neficiar o ensino, criar problemas sociais aos pais
ver desde os doze anos, a 8 de junho de 1993, e crianças e não haver formadores devidamen-
com 104 anos de idade. Frequentou a Escola te habilitados, e defendeu a criação de “escolas
Normal de Lisboa, onde foi aluna de Luís Pas- especiais para a educação de anormais”, “como
sos e participou na greve académica de 1907, es- medida preventiva contra o crime” e “como me-
pecializou-se no ensino infantil e exerceu a pro- dida de economia social, porque utiliza energias
fissão docente na Escola-Oficina N.o 1, também até aqui desprezadas” [A. Brazão, p. 131]. Es-
frequentada pelas filhas Orquídea Vieira Quar- sas escolas deveriam merecer cuidados especiais,
tin (pianista e professora de música) e Glicínia não só ao nível do ensino ministrado, para que
Quartin* (atriz) e pelo filho Hélio Vieira Quar- as crianças não sofressem pela vida fora com um
tin (desenhador). Após a implantação da Re- sistema de educação diferente, mas também no
pública, interveio no Segundo Congresso Na- próprio nome, para que os pais não se enver-
cional do Livre Pensamento, onde secretariou gonhassem de ter filhos que necessitassem de
a sessão noturna de 17 de outubro de 1910. En- uma educação especial. No mesmo encontro,
tre 1913 e 1915, esteve no Brasil, por o marido, propôs ao CNMP o estudo do problema da “Es-
o jornalista anarco-sindicalista António To- cola Única”, que começava a merecer discussão
más Pinto Quartim (15/01/1887-07/02/1970), ter internacionalmente, sugerindo a realização de
sido expulso do país. De volta a Portugal, vol- um inquérito a individualidades do meio pe-
tou a lecionar na Escola-Oficina N.o 1, ao lado dagógico e às associações de carácter educati-
de Adolfo Lima, António Lima, Luis da Matta, vo. Quatro anos depois, no Segundo Congres-
José Carlos de Sousa, retomou a colaboração na so Feminista e de Educação, apresentou nova
imprensa e evidenciou-se enquanto dinamiza- tese, exclusivamente subordinada àquela te-
dora do ensino da puericultura nas escolas. Ade- mática, tendo merecido a concordância dos pre-
riu ao Conselho Nacional das Mulheres Portu- sentes. Considerando a Escola, quando bem
guesas (CNMP) onde, a partir do início da dé- orientada, como a melhor instituição de defe-
cada de 20, interveio no âmbito da sua atividade sa da vida progressiva das sociedades, denun-
DEO 224

ciou o sistema escolar português por não cor- res de Portugal; Revista de Educação Geral e
responder às exigências da época. Entretanto, Técnica, Boletim da Sociedade de Estudos Pe-
foi vogal da Comissão Organizadora do Primeiro dagógicos; A Voz do Professor, Órgão da Asso-
Congresso Abolicionista Português, que de- ciação do Professorado Primário Terceirense, di-
correu em 1926, tendo sido uma das represen- vulgado em 1909-1910, em Angra do Heroísmo;
tantes do CNMP. Numa preocupação comum à e Suplemento Literário e Ilustrado – A Batalha.
época, alertou para os aspetos menos benéficos Manteve, durante a longa existência, a mesma
que o desenvolvimento da indústria cinemato- coerência e coragem enquanto educadora e ci-
gráfica exercia nas crianças, devido à perigosa dadã. Foi das raras mulheres a integrar o mo-
tendência de estas imitarem o que viam no ci- vimento libertário e recolheu influências de lei-
nema, o que as tornava mais violentas e agres- turas de Tolstoi, Kropotkin, Faure, Réclus,
sivas, e defendeu que os filmes a exibir deviam Jean Grave, entre outros, e da ideologia anar-
ser escrupulosamente escolhidos, consultando- quista e republicana. António Candeias entre-
se os professores, por melhor conhecerem o pú- vistou-a em 1985. O apelido tanto aparece
blico, de forma a adequá-los às necessidades do como Quartim ou Quartin, considerando Deo-
ensino, sendo apologista das matinés infantis. linda Lopes Vieira e filhas mais correta a utili-
Defensora do papel interveniente do educador zação da última grafia.
na sociedade, e consciente da sua missão de con- Da autora: “Sobre educação integral”, Amanhã, n.o 1,
tribuir para o seu saneamento moral, pronun- 01/06/1909, pp. 5-8; “Sobre a educação integral”, A Voz
ciou-se contra a ação nefasta das touradas, in- do Professor, n.o 12, 15/07/1909; “Educação ambidex-
tegrando a campanha desenvolvida em 1927. De- tra”, Educação, 1913, pp. 16-17; “O ensino da língua por-
pois de um interregno, Deolinda Lopes Vieira tuguesa na escola primária”, Educação, 1913, pp. 92-93;
“A protecção à criança”, Alma Feminina, n.o 5 e 6, maio-
Pinto Quartin voltou a aderir ao CNMP, inte- -junho, 1923, pp. 26-28; “Congresso feminista e de Edu-
grando o numeroso grupo de Lisboa que, em cação” [relatório], Revista Escola Nova, 1924; “O Ci-
1945, se filiou na agremiação. A militância no nema”, Educação Social”, 15/02/1926, pp. 12-14; “A edu-
Conselho coincidiu, tal como sucedeu com ou- cação dos anormais”, Alma Feminina, n.o 1, 1.o trimes-
tras ativistas, com a iniciação na maçonaria tre de 1926, pp. 5-6; “A acção nefasta das touradas”, Alma
Feminina, n.o 5, setembro-outubro, 1927, pp. 36-38; “Re-
(1923), onde adotou o nome simbólico de latório da Secção Educação Infantil”, Alma Feminina,
Igualdade e integrou a Loja Humanidade do Di- n.o 1, janeiro-fevereiro, 1928, p. 8; “Escola única”, Alma
reito Humano. Enquanto docente, foi eleita, em Feminina, n.o 3, maio-junho, 1928, pp. 9-13; “Home-
1925, para o secretariado da Associação de Pro- nagem”, O Ensino Primário, n.o 23, 16/11/1930, p. 4; “Re-
latório de D. Deolinda Lopes Vieira”, Alma Feminina,
fessores de Portugal, e interveio no congresso n.o 3 e 4, março-abril, 1932, pp. 10-12.
realizado em agosto desse ano. Meses depois, Bib.: António Candeias, Educar de uma outra forma, a
em janeiro de 1926, participou no Congresso da Escola-Oficina N.o 1 de Lisboa, 1905-1930, Lisboa,
União do Professorado Primário, tendo protes- 1994; Idem, “Uma professora: Deolinda Lopes Vieira Quar-
tado contra a proposta de encerramento das Es- tim”, Educação, Sociedade & Culturas, n.o 5, 1996,
pp. 192-200; António Nóvoa (dir.), A imprensa de edu-
colas Normais Primárias e reclamado a abertura cação e ensino: repertório analítico (séculos XIX-XX), Lis-
de mais escolas, como forma de evitar os pro- boa, Instituto de Inovação Educacional, 1993; Arnaldo
fessores sem colocação e combater o analfabe- Brazão, “Homenagem às relatoras das teses enviadas ao
tismo. Para além das intervenções em reu- primeiro Congresso Feminista e de Educação”, Alma Fe-
niões dedicadas aos problemas educativos e as- minina, n.o 9-12, setembro-dezembro, 1924, pp. 55-56;
Idem, O Primeiro Congresso Feminista e de Educação (Re-
sociativos, seria essencialmente através da im- latório), Lisboa, Edições Spartacus, 1925; Carvalhão Duar-
prensa que expôs o seu pensamento. Colaborou te, “Congresso do Professorado Primário”, Educação So-
nas seguintes publicações: Amanhã, revista po- cial, 15/03/1926, pp. 21-26; Fernando Marques da Cos-
pular de orientação racional, publicada em Lis- ta, A Maçonaria Feminina, Lisboa, Editorial Vega; Filo-
boa, em 1909, e conotada com a propaganda mena Bandeira, “Quartim, António Tomás Pinto”, Di-
cionário de Educadores Portugueses (dir. António Nó-
anarquista; Boletim Oficial do Conselho Na- voa), Porto, Edições ASA, 2003, pp. 1130-1132; Manuela
cional das Mulheres Portuguesas e Alma Fe- Ferreira, “Vieira Pinto Quartim, Deolinda Lopes”, Di-
minina; Educação, revista quinzenal de peda- cionário de Educadores Portugueses (dir. António Nó-
gogia, editada em 1913; Educação Social, revista voa), Porto, Edições ASA, 2003, pp. 1446-1450; Manuela
Góis, “Deolinda Lopes Vieira”, As Mulheres e a Repú-
de pedagogia e sociologia, publicada entre blica – Agenda Feminista 2010, UMAR e Faces de Eva,
1924 e 1927 e dirigida por Adolfo Lima; Esco- 2009; Rosemarie Wank-Nolasco Lamas, Mulheres para
la Nova, porta-voz da Associação de Professo- além do seu tempo, Bertrand, 1995; “Conselho Nacional
225 DEO

das Mulheres Portuguesas”, Alma Feminina, n.o 1-2, ja- Francisco da Costa Correia, conhecido “como
neiro-fevereiro, 1922, pp. 5-7; “Conselho Nacional das desafeto à atual Situação Política do País”. No
Mulheres Portuguesas – Assembleia Geral”, Alma Fe-
minina, n.o 1-2, janeiro-fevereiro, 1923, pp. 5-10; “Pro- Cadastro Político aberto pela Polícia de Defesa
paganda feminista”, Alma Feminina, n.o 9-10, setembro- Política e Social, refere-se ainda que, “embora
outubro, 1923, p. 49; “Assembleia geral do C.N.M.P.”, os mesmos versos não possam ser considerados
Alma Feminina, n.o 1-2, janeiro-fevereiro, 1924, pp. 7-- subversivos, encerram frases de que usual-
8; “Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas”, mente se servem os adversários da Ditadura, em
Alma Feminina, 1.o trimestre, 1925, p. 8; “Conselho Na-
cional das Mulheres Portuguesas”, Alma Feminina, n.o toda a sua propaganda, para manter e excitar o
1, 1.o trimestre, 1926, p. 8; “Relatório do Congresso Abo- entusiasmo dos apaniguados da causa que de-
licionista Português”, Alma Feminina, n.o 4, 1926; fendem” e “por este motivo fica justificado o vi-
“Corpos gerentes do Conselho Nacional das Mulheres Por- gor com que muitos dos assistentes aplaudiam
tuguesas”, Alma Feminina, n.o 3, maio-junho, 1927, p.
24; “Congresso feminista e de educação”, Alma Feminina, a epigrafada, quando esta entoava os seus fados”
n.o 6, novembro-dezembro, 1927, pp. 50-51; “Assembleia [Presos Políticos no Regime Fascista II, p. 416].
Geral do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas”, Libertada a 9 de fevereiro, foram enviadas, no
Alma Feminina, n.o 1, janeiro-fevereiro, 1928, pp. 5-8; dia 11, cópias do processo ao governador civil
“O 2.o Congresso Feminista e de Educação realizar-se-á e à Repartição do Gabinete do Ministério da
na próxima primavera em Lisboa”, O Rebate, 16/3/1928,
p. 1, col. 4; “Assembleia Geral do ‘Conselho Nacional das Guerra. Trabalhou, na mesma década, na casa
Mulheres Portuguesas’”, Alma Feminina, n.o 1, janeiro- de fados Retiro da Severa, sendo uma fadista
-fevereiro, 1929, pp. 3-5; “Novas sócias”, Alma Femini- muito considerada e com várias digressões
na, n.o 14, novembro, 1945, p. 10, col. 1. pelo país.
[J. E.]
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
Deolinda Saial Mem Martins, 1982, pp. 416-417; Vítor Duarte Marce-
Atriz de teatro amador. Nasceu em 1897. Era fi- neiro, http://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/93295.html;
lha de Adolfo Saial, ator amador que dirigia uma http://www.museudofado.pt/personalidades/deta-
pequeno grupo cénico onde atuavam os seus seis lhes.php?id=294.
filhos, entre eles Deolinda, Lusitana* e Rosali- [J. E.]
na Saial*, que seguiram a carreira teatral. Por vol-
ta de 1918, entrou em Rosas de todo o Ano, de Diamantina Jesus Vicente
Júlio Dantas, Vida de Um Rapaz Pobre, drama Filha de Adelaide Jesus Alves e de José Vicen-
em 5 atos e 7 quadros de Octave Feuillet, tra- te, operário corticeiro anarco-sindicalista, nas-
dução de Joaquim José Anaya, e Mancha que ceu a 19 de fevereiro de 1924, em Silves, e fa-
Limpa. Foi muito aplaudida no papel de “La- leceu a 1 de dezembro de 2007, em Santiago do
zarilho” da reprise de D. César Bazin Cacém, com 83 anos de idade. Frequentou, em
(07/05/1922), de Adolphe D’Ennery, na Aca- Silves, a Escola Comercial e Industrial até ao
demia Recreativa de Lisboa. Entrou no filme 3.o ano e casou, a 6 de abril de 1947, com o cor-
O Primo Basílio (1922), de George Pallu. ticeiro e militante comunista José Rodrigues Vi-
toriano (30/12/1917-03/02/2006), tendo vivido
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- dois períodos na clandestinidade, devido à ati-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1185;
L. de F., “Galeria de Arte”, Mundo Teatral, Lisboa, 15 vidade política do marido, cabendo-lhe “a de-
a 30 de maio, 1922, p. 3. fesa e a organização das instalações clandesti-
[I. S. A.] nas” [Maria João Raminhos Duarte, p. 469].
A primeira, no início da década de 50, em Se-
Deonilde Gouveia túbal; a segunda, data de 2 de janeiro de 1967
Fadista, filha de Mariana Amélia Gouveia e de e prolongou-se até 1974, com passagem por vá-
Gabriel Gouveia, nasceu em Rio de Mouro, Sin- rios países até se fixarem, em janeiro de 1971,
tra, no ano de 1900, e faleceu em agosto de 1947. no Porto, mantendo Diamantina Vicente “a seu
Trabalhou com o fadista Júlio Proença (Júlio Fon- cargo as instalações clandestinas” [p. 470],
seca), com quem reabriu, em março de 1931, o reunindo-se nelas a Comissão Executiva do PCP.
Solar da Alegria, na Praça da Alegria, e foi de- Prosseguiu a militância depois do 25 de Abril
tida em Lisboa a 3 de fevereiro de 1932, por or- de 1974, tendo o marido sido eleito vice-presi-
dem do governador civil do distrito, “sob a acu- dente da Assembleia da República entre 1976
sação de cantar em público versos considerados e 1987. Católica assumida, quis ser enterrada em
de propaganda subversiva” da autoria do tenente Silves. Maria João Raminhos Duarte entrevistou-
DIN 226

-a, bem como ao marido e ao filho único, rido de França, Nosso Fado, Por Amor, Apren-
aquando do estudo Silves e o Algarve: uma his- de a Conhecer-te, Duelo de Morte, Assim se
tória da oposição à ditadura. Escreve a História, Marinela, Sopa de Mel, O Afi-
Bib.: Maria João Raminhos Duarte, Silves e o Algarve: lhado da Madrinha, Alfaiate de Senhoras,
uma história da oposição à ditadura, Edições Colibri, Mamã, O Inferno, D. Carlota Joaquina, Reservado
2010. para Senhoras, sendo a última Os Lobos, de F.
[J. E.] Lage e João Correia d’Oliveira, em que desem-
penhou com muito talento o papel que lhe foi
Dina Pereira distribuído.
Atriz, considerada uma das primeiras “ingénuas”
Bib.: Carlos Almeida, “Galeria de Arte – Dina Pereira” [c/re-
da sua geração. Salientava-se pela educação e fino trato], Mundo Teatral, Lisboa, 1-15 de julho, 1922, p. 3;
trato. Trabalhou nas empresas Ernesto do Vale, Mundo Teatral, Lisboa, n.o 2, outubro, 1920, pp. 1-2.
Luz Veloso e Maria Matos, nos Teatros S. Luís, [I. S. A.]
Éden, Chiado Terrasse e Nacional, em Lisboa.
A atuação mais antiga que se lhe conhece foi no Dinah Santos Lima
Teatro do Príncipe Real do Porto, Empresa Ta- Republicana, feminista, professora de piano e em-
veira, no elenco de Ali... à Preta!, revista do Por- pregada de escritório. Aderiu à maçonaria e ao
to em 3 atos e 16 quadros, de Guedes d’Olivei- espiritismo na mesma época. Em 15 de abril de
ra, música parte original, parte coordenada por 1923, foi eleita secretária da direção do Centro
Ciríaco Cardoso. Ao longo da sua carreira entrou Espiritualista Luz e Amor*, associação espírita de-
nos dramas A Dama das Camélias, em 5 atos, de vidamente oficializada que surgiu na sequência
Alexandre Dumas, filho, tradução de António do Grupo das Sete e depois Grupo Espiritualis-
Joaquim da Silva Abranches, A Morgadinha de ta Luz e Amor, fundados por Maria Veleda* em
Valflor, em 5 atos, original de Pinheiro Chagas, 1916. Em outubro de 1924, pertencia ao grupo
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, editorial da revista A ASA*, órgão oficial do re-
adaptação de D. João da Câmara, Entre Giestas, ferido centro. Nesta época, vivia na Rua do Co-
em 3 atos, de Carlos Selvagem, Os Dois Garotos, mércio, 114, 4.o, em Lisboa. Em janeiro de 1925,
em 2 partes e 8 quadros, de Pierre Decourcelle, integrou o elenco do grupo de teatro amador que
traduzido por Guiomar Torrezão, Sacrificada, In- representou a peça Na Pele do Leão, obra de Léon
fanticida e Kean, de Alexandre Dumas; nas co- Goslan traduzida e adaptada por Maria Veleda,
médias A Lagartixa, em 3 atos, de Georges Fey- em benefício do Asilo de Santo António. Abri-
deau, tradução de Eduardo Garrido, Morgado de lhantou muitas outras sessões culturais, recrea-
Fafe em Lisboa, em 2 atos, de Camilo Castelo tivas e de propaganda espírita promovidas pela
Branco, Hotel de Livre Câmbio, em 3 atos, ori- direção feminina desta agremiação. Nesse mes-
ginal de Georges Feydeau, tradução de Carlos de mo ano tornou-se membro do grupo editor da re-
Moura Cabral, O Burro de Buridan, de Flers e vista O Futuro*. O Grupo Espírita de Ponta Del-
Caillavet, Pato, de George Feydeau, Conde Ba- gada nomeou-a sua representante na reunião de
rão, em 3 atos, de Ernesto Rodrigues, Félix Ber- todos os Grupos e Centros Espíritas do país que
mudes e João Bastos, Doidos com Juízo, em teve lugar no Ateneu Comercial, em janeiro de
3 atos, de Carl Laufs, tradução de Freitas Bran- 1925, com o objetivo de debater e decidir sobre
co, D. César Bazin, de Adolph d’Ennery; nas re- a realização de um Congresso Nacional. Como
vistas Apita, Zé!, do Porto, original de Álvaro Ma- membro da direção do Centro Espiritualista
chado e Adriano Mendonça, música dos maes- Luz e Amor, fez parte da Comissão Organizado-
tros Pascoal Pereira e Júlio de Almeida, Fava ra do 1.o Congresso Espírita Português, realiza-
Rica, Tiro ao Alvo (1922), no Chiado Terrasse. do em Lisboa nos dias 14, 15, 16 e 17 de maio de
Outras peças: As Alegrias do Lar, de Hannequin, 1925, integrando a subcomissão executiva e
tradução de Carlos de Moura Cabral, Montmar- administrativa. Contribuiu também com dona-
tre, de P. Frondaie, A Marcha Nupcial, de Hen- tivos a favor do dito congresso. A revista A ASA,
ri Bataille, O Senhor Roubado, de Chagas Ro- de outubro de 1925, publicou uma fotografia da
quette, Menina de Chocolate, de P. Gavault, A Comissão Organizadora, na qual Dinah Santos
Inimiga, de Dario Nicodemi, Rei dos Gatunos, Lima se encontra sentada na primeira fila ao lado
Casar para Morrer, Os Ciúmes, Lourenço Mar- de Maria Veleda. Em agosto do mesmo ano, foi
ques, Cocard e Bicoquet, Madrasta, Primeiro Ma- eleita para a comissão organizadora de ativida-
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des culturais e de confraternização do Centro Es- discriminação ou violência” [Plataforma de Ação


piritualista Luz e Amor. Nas sessões culturais e de Pequim, 1995]. Esta conceção dos direitos se-
recreativas que assinalaram o 3.o aniversário do xuais e reprodutivos como direitos humanos sur-
Centro e a inauguração da Federação Espírita Por- giu nos finais do século XX, deixando para trás
tuguesa, em 31 de julho de 1926, Dinah Santos uma longa luta pelo direito à contraceção e a uma
Lima acompanhou ao piano a cantora lírica Ma- maternidade livre e consciente. A primeira vaga
ria da Madre de Deus Leite Dinis d’Almeida*, in- dos feminismos (segunda metade do século XIX
terpretando Beethoven, Mozart e Chopin, e re- e primeiras décadas do século XX) não incluiu nas
citou o poema Confissão de Maria O’Neill*. Nos suas principais preocupações as questões relati-
anos seguintes, continuou a dar contributo ar- vas à contraceção e às sexualidades. Contudo, sur-
tístico e o seu labor à Federação Espírita Portu- giram mulheres de referência empenhadas na di-
guesa, a cujos corpos gerentes pertencia. vulgação de práticas anticoncecionais: Annie Be-
Bib.: João Esteves, “Dinah dos Santos Lima”, Dicionário sant, membro da Liga Neomalthusiana inglesa, foi
no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizon- presa, em 1877, por ter publicado um livro que
te, 2005, p. 276; Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871- se referia ao controlo da população [Fruits of Phi-
-1955) – Uma professora feminista, republicana e livre- losophy]; Nelly Roussel (1878-1922), feminista
-pensadora. Caminhos trilhados pelo direito de cidadania,
Dissertação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, francesa, que afirmou em 1903 que “Ninguém tem
Lisboa, Universidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Vele- o direito de impor uma maternidade, como nin-
da no labirinto espiritualista, místico e esotérico”, Faces guém tem o direito de a interditar; que toda a mu-
de Eva, n.o 15, 2006, pp. 83-109; O Futuro, n.o 10, feve- lher escolha, ela própria, o seu destino”, foi au-
reiro-maio, 1923, p. 1, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31; tora de mais de 200 artigos e realizou centenas de
A ASA, n.o 4, janeiro, 1925, p. 61, n.o 5, fevereiro, 1925,
pp. 66, 74; O Futuro, n.o 32, abril, 1925, p. 91; A ASA, conferências sobre maternidade livre e direito ao
n.o 8, maio, 1925, p. 125, n.o 1, outubro, 1925, p. 5; O Fu- aborto; Madeleine Pelletier (1874-1939), médica
turo, n.o 4, dezembro, 1925, p. 50; O Espírita, n.o 4, abril, francesa que publicou, em 1913, uma brochura
1926, pp. 105-107; A ASA, n.o 5, maio, 1926, p. 95; O Es- onde defendia o aborto perante uma contraceção
pírita, n.os 7-8, julho-agosto, 1926, pp. 225-239; A Fra-
ternidade, n.o 179, maio, 1978, pp. 129-133. falhada, foi presa, em 1939, pela prática de
[N. M.] aborto e internada em hospital psiquiátrico. Nos
EUA, Margaret Sanger e Emma Goldman contam-
Dinah Stichini -se entre as raras feministas que, antes da Segunda
Possivelmente familiar de Ilda Stichini* e do Grande Guerra, fizeram do tema da contraceção
compositor Plácido Stichini. Pertenceu ao elen- uma prioridade. Na década de 1920, as inglesas
co do Teatro Nacional do Porto. Entrou na re- Stella Browne e Mary Stopes empenharam-se em
vista Terra e Mar, de Virgílio Pinheiro (Alfredo campanhas pelo controlo dos nascimentos, fun-
Cortez), música de Filipe Duarte, naquele tea- dando a Society for Constructive Birth-Control. Em
tro, em 1918. 1936, com o apoio de ativistas desta associação,
Bib.: Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro,
foi formada uma associação pela reforma da lei
Lisboa, Livraria Popular, 1924. do aborto (proibido em todas as situações, com
[I. S. A.] exceção do perigo de vida para a mãe). Em Por-
tugal, segundo Helena Neves, existiram algumas
Dinorah Noémia mulheres do movimento libertário, como Deolinda
v. Conceição Vitória Marques Lopes Vieira* e Lucinda Tavares*, que colabora-
ram na propaganda pela contraceção nas primeiras
Direitos Sexuais e Reprodutivos décadas do século XX. Jornais e revistas libertá-
Os Direitos Sexuais e Reprodutivos foram con- rios anunciavam produtos contracetivos, mistu-
siderados Direitos Humanos e consagrados in- rados com receitas caseiras. Jornais de grande ti-
ternacionalmente nas Conferências das Nações ragem como O Primeiro de Janeiro, O Mundo e
Unidas sobre População e Desenvolvimento A República divulgaram também meios anti-
(Cairo, 1994) e sobre os Direitos das Mulheres (Pe- concecionais. Tal como aconteceu com a maio-
quim, 1995): “Os direitos humanos das mulheres ria das feministas na Europa, nesta primeira me-
incluem o direito de controlar os aspetos rela- tade do século XX, as feministas portuguesas não
cionados com a sua sexualidade, incluindo a saú- assumiram a contraceção como tema de debate.
de sexual e reprodutiva, e de decidir livre e res- O peso da maternidade como um elemento de va-
ponsavelmente sobre essas questões sem coação, lorização das mulheres conjugava-se com a bus-
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ca de novos papéis sociais e políticos até aí ne- todo o horizonte da sua realização pessoal. Em
gados pela sociedade. Para a historiadora Anne 1944, Maria Luísa Vanzeller, dirigente da OMEN
Cova, a imagem valorizada era a da mulher que (Obra das Mães pela Educação Nacional*), em dis-
conseguia conciliar a sua militância feminista com curso na Assembleia Nacional afirmava que “lu-
a da maternidade, sendo que esta era considera- tar contra o aborto e os profissionais de tal crime,
da como um meio de aceder à respeitabilidade. é lutar pela vitalidade da Pátria e pelo melhor bem-
Segundo o investigador João Gomes Esteves, exis- -estar da família”. Já em 1937, o médico Costa Sa-
tiram algumas, embora poucas, referências à cadura, diretor clínico na Maternidade Alfredo da
problemática do aborto por parte das feministas Costa, tinha publicado o livro Aborto Criminoso.
no início do século XX: o Jornal da Mulher, de 20 Suas consequências, onde se relatava o número
de setembro de 1906, na sua “Crónica feminista de processos-crime por aborto, constatando que
– os crimes da actualidade”; um artigo de Ade- a aplicação da lei era muito branda e que essa si-
laide Cabete, “Aborto provocado”, publicado na tuação deveria ser alterada. O aborto era punido
revista da Liga Republicana das Mulheres Por- pelo artigo 358.o do Código Penal, em vigor des-
tuguesas [A Mulher e a Criança, n.o 21, feverei- de 16 de setembro de 1886. Quem levasse a abor-
ro de 1911, p. 4]; um outro publicado no n.o 3 do tar uma mulher através de violências ou medi-
Boletim Oficial do Conselho Nacional das Mu- camentos, com ou sem o seu consentimento, se-
lheres Portuguesas, em agosto de 1911, “Questões ria punido com pena de prisão maior celular de
sociais – o aborto como consequência da guerra”; dois a oito anos, pena também aplicada ao médico,
e ainda um artigo da advogada Carmem Marques, cirurgião ou farmacêutico que concorresse para
“Incoerência e injustiça das leis que regem os cri- tal crime e à mulher que abortasse voluntaria-
mes de infanticídio e aborto”, publicado na mente. Esta lei esteve em vigor até 1984. As cir-
Alma Feminina [fevereiro de 1927, pp. 2-5]. O pe- cunstâncias da vida levavam, contudo, as mu-
ríodo entre as duas guerras foi marcado por me- lheres a abortar da pior maneira possível. Rela-
didas repressivas contra as práticas contracetivas. tos que ainda se ouvem de mulheres que viveram
Em França, uma lei de 3 de julho de 1920 proi- esses tempos mostram como tais práticas eram as-
bia toda e qualquer propaganda anticoncecional. sustadoras. No livro, publicado em 1975, Abor-
O aborto, até então julgado em tribunal criminal, to, Direito ao Nosso Corpo, de Maria Teresa Hor-
onde cerca de 80% das acusadas eram absolvidas, ta, Célia Metrass e Helena de Sá Medeiros, refe-
beneficiando de alguma indulgência, por uma lei rem-se algumas dessas práticas: “agulhas de tri-
de 1923, passou a ser julgado em tribunais cor- cot e de crochet, varetas de guarda-chuva, pés de
recionais, na expetativa de maior severidade das salsa, penas de pato, arames, talos de couve e ga-
sentenças. Em 1927, o julgamento de Henriette Al- lhos de árvores afiados. Ingeriam-se substâncias
quier, uma professora primária que redigira um tóxicas – chás de folha de tabaco, vinho fervido
relatório sobre “Maternidade Consciente”, gerou com pregos ferrugentos, mostarda com álcool puro.
um movimento de opinião a seu favor que aca- As mulheres recorriam a curiosas, parteiras me-
bou na sua absolvição. Em Portugal, em 1929, foi nos qualificadas, de cujas mãos, não raro, saíam
proibida a venda de contracetivos. O Decreto- com a saúde arruinada”. Em 1952, foi fundada a
-Lei 17 636 ilegalizou a venda de contracetivos, Federação Internacional de Planeamento Fami-
com punição para os farmacêuticos que os for- liar (IPPF) que proclamou, no ano seguinte, a con-
necessem. Em 1942, um novo decreto-lei veio rea- traceção como um direito. Só em 1966 a Assem-
firmar esta posição: Decreto-Lei 32 171, Art. 21.o bleia-Geral das Nações Unidas reconheceu este
– “Nunca pode ser autorizada a venda de aces- direito, quando a pílula contracetiva já estava lan-
sórios médicos ou apresentados como tais, cujas çada no mercado americano (1960). Os movi-
propriedades ou efeitos sejam contrários à moral mentos feministas da década de 1970 reivindi-
ou aos bons costumes ou capazes de interromper caram a libertação das mulheres do seu destino
ou perturbar de qualquer modo a marcha fisio- biológico. Romperam com o estigma de que o seu
lógica da gravidez”. A expressão “planeamento destino era a maternidade. Manifestaram-se con-
familiar” era evitada, porque significava que as tra as gravidezes não desejadas que conduziam
mulheres passavam a ter poder sobre a sua fun- ao drama do aborto clandestino. Reivindicaram
ção reprodutora. O regime do Estado Novo, ao o acesso à contraceção e à interrupção da gravi-
exaltar a função reprodutora das mulheres, co- dez em condições de legalidade e de segurança.
locava na maternidade e no cuidado com a família Segundo Maria Antónia Fiadeiro, no livro Abor-
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to, o Crime Está na Lei, publicado em 1983, “a ma- Constituição de 1976. A primeira referência ofi-
ternidade passa a poder ser um privilégio e não cial à situação do aborto clandestino em Portu-
uma fatalidade. A mulher poderá reivindicar o seu gal surgiu em março de 1976, num despacho do
direito ao prazer, sem risco de gravidez. O senti- então secretário de Estado da Saúde, Dr. Albino
mento de culpa disseminado e associado à rela- Aroso, que instituiu consultas de planeamento fa-
ção sexual tende a ser substituído pelo sentimento miliar em todos os centros de saúde. Apesar da
de responsabilidade. A ética da culpabilidade é grande participação das mulheres nos movi-
substituída pela da responsabilidade”. As movi- mentos sociais do pós-25 de Abril, a contraceção
mentações pela contraceção e pela legalização do e o aborto não surgiram como reivindicações des-
aborto envolveram milhares de mulheres nos Es- ses movimentos. Foi o MLM (Movimento de Li-
tados Unidos e em vários países europeus. Nas bertação das Mulheres*) que, em 1975, publicou
ruas surgiram as primeiras manifestações em tor- uma brochura feminista onde colocou o direito
no desta questão: 4000 mulheres em Paris (1971), à contraceção, ao aborto e à educação sexual. Em
10 000 em Amsterdão (1978), 3000 na Bélgica abril de 1975, na Galeria Quadrante, foi lançado
(1978), 7000 em Florença (1979). As admissões o MCALG – Movimento para a Contraceção e
de culpa surgiram também com grande impacto Aborto Livre e Gratuito, através de uma confe-
na comunicação social: manifesto de 343 mulheres rência de imprensa, onde participaram Maria José
de renome em França e outras 375 na Alemanha, Paixão, Clara Menéres, Madalena Barbosa, Lia Vie-
que declararam publicamente ter abortado. Pro- gas e o médico João Cabral Fernandes. Este mo-
fissionais de saúde, como o caso de 345 médicos vimento exigia, para além da legalização do
franceses, também declararam ter praticado abor- aborto e a sua realização em instalações hospi-
to. Petições de milhares de assinaturas pela abo- talares, a difusão e informação sobre contraceti-
lição das leis restritivas aconteceram em vários vos nos bairros, fábricas, escolas e zonas rurais.
países. Fortes movimentos de opinião pela lega- Contudo, foi a partir da segunda metade desta dé-
lização do aborto surgiram em torno de julga- cada que surgiram os principais factos que dão ori-
mentos de mulheres que tinham abortado, como gem à CNAC – Campanha Nacional pelo Aborto
foram os casos de duas jovens, uma italiana, de e Contraceção. Esta plataforma de ação jogou um
Pádua, e outra francesa, de Bobigny, esta defen- papel fundamental na pressão exercida sobre os
dida por Gisèle Halimi, uma das signatárias do ma- partidos políticos para que estes, na década de
nifesto das 343 e fundadora da associação Choi- 1980, apresentassem no Parlamento projetos de
sir, defensora do direito de escolha das mulheres despenalização do aborto. A 4 de fevereiro de
em matéria de interrupção da gravidez. Em Por- 1976, surgiu na RTP, no programa Nome-Mulher,
tugal, em 1967, surgiu a Associação para o Pla- uma reportagem de Maria Antónia Palla e Antó-
neamento da Família (APF). Segundo o médico nia de Sousa sobre o aborto. De imediato se le-
Dória Nóbrega, um dos primeiros sócios da APF, vantaram reações contra o programa por parte do
“a associação nasce, tornando-se incómoda para PDC, CDS e PPD e, ainda, da Ordem dos Médi-
os sectores mais conservadores da sociedade e para cos. A televisão suspendeu o programa e a jor-
o governo da época”. O seu lançamento público nalista Maria Antónia Palla foi processada por
surgiu em outubro de 1967, com uma conferên- “atentado ao pudor e incitamento ao crime”. O iní-
cia sobre planeamento familiar proferida pelo teó- cio do julgamento só se veio a registar em maio
logo holandês C. P. Sporken. A APF começou a de 1979. De 1976 a 1979, gerou-se uma onda de
promover consultas de regulação da natalidade solidariedade em torno desta jornalista e o debate
na sua sede em Lisboa. Editou um primeiro car- sobre o aborto saltou para a praça pública. No dia
taz dedicado ao “filho desejado”. Em 1973, o Mi- 8 de março de 1977, foi entregue à Assembleia da
nistério da Saúde autorizou consultas de pla- República uma petição com 5 mil assinaturas exi-
neamento familiar em alguns dispensários gindo a legalização do aborto. No mesmo dia, rea-
materno-infantis. O 25 de Abril de 1974 veio al- lizou-se na Casa da Imprensa um debate promo-
terar as condições em que trabalhava a APF. Um vido pela comissão organizadora da petição.
texto do programa de ação do Ministério dos Em março de 1978, a delegação de Lisboa da APF
Assuntos Sociais, assinado por Maria de Lourdes divulgou uma tomada de posição sobre o aborto
Pintasilgo*, fez a primeira referência oficial ao pla- e contraceção e realizou, em outubro, vários de-
neamento familiar como um direito constitucio- bates, assim como uma exposição fotográfica e do-
nal, o que veio a ser consignado no artigo 67.o da cumental. Também em 1978, foi lançado um pro-
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jeto da Comissão da Condição Feminina* de in- morte de cerca de 2 mil mulheres. O mesmo ar-
formação e educação sobre planeamento familiar, tigo refere, ainda, a morte de uma jovem de Faro,
cuja avaliação foi divulgada em brochura da CCF Ana Bela Delgado, que tinha aplicado pestici-
assinada por Ana Vicente e Maria Reynolds de da numa tentativa de autoaborto. A CNAC ga-
Sousa, com data de 1983. Em abril de 1979, foi nhou protagonismo e desenvolveu iniciativas de
formada a CNAC, que integrava mulheres a títu- informação. O MDM*, que não integrava a
lo individual, assim como diversas associações: CNAC, tomou também posição pública sobre o
MLM (Movimento de Libertação das Mulheres*), julgamento de Conceição Massano. Em junho de
IDM (Informação Documentação/Mulheres*), 1982, um conjunto de jornalistas e escritoras,
UMAR (União de Mulheres Alternativa e Res- reunidas em torno de uma plataforma que de-
posta*), Grupo Autónomo de Mulheres do Porto*, signaram por CLA – Comissão de Mulheres pelo
Grupo de Mulheres da Associação Académica de Legalização do Aborto e em defesa de uma Ma-
Coimbra*. No dia 12 de junho de 1979, a jorna- ternidade Consciente, entregaram na Assembleia
lista Maria Antónia Palla foi absolvida. No dia 24 da República um volumoso dossiê com infor-
de junho, realizou-se uma sessão da CNAC na mação sobre o aborto, a nível nacional e inter-
Voz do Operário, onde participaram advogadas, nacional. Por iniciativa da CLA, com a adesão
psicólogas e médicas. Em julho desse mesmo da CNAC, das organizações que integravam esta
ano, iniciou-se o julgamento de Conceição plataforma (UMAR, LDM, MLM, GAMP) e ain-
Massano, jovem de 22 anos, acusada por de- da a participação do MDM, foi realizada a 7 de
núncia anónima de ter feito um aborto. Segun- junho de 1982 uma sessão pública no Teatro
do uma entrevista realizada por Maria Teresa Aberto, onde intervieram Natália Correia, Teresa
Horta, esta jovem tinha tido uma infância mui- Ambrósio e a médica obstetra Idália Correia. De
to difícil em orfanato e aos 18 anos conseguiu 4 a 11 de novembro de 1982, foi promovida pela
entrar para a Escola de Enfermagem de Porta- CNAC e pela CLA uma semana pela legalização
legre. Foi aí que lhe descobriram o diário que do aborto. Foram realizadas várias ações de rua,
serviu de base à denúncia. O movimento de so- com a edição de um autocolante e de um jornal
lidariedade com Conceição Massano cresceu. de campanha, e elaborados manifestos: aos de-
A CNAC colocou a circular o abaixo-assinado putados, aos médicos e aos intelectuais. Foi fei-
“Nós abortámos” e recolheu 3 mil assinaturas. to um apelo para uma concentração de mulhe-
Foi no âmbito deste movimento que a artista Io res em frente à Assembleia da República, no dia
Apolloni apareceu na televisão e afirmou ter da discussão, a 11 de novembro, pelas 18 horas.
abortado. Chamada à Judiciária, Io Apolloni con- Nesse dia, no caloroso debate sobre o aborto, na
firmou tudo o que dissera na televisão. Em ou- Assembleia da República, a deputada Natália
tubro de 1979, a CNAC convocou uma con- Correia dirigiu o seguinte poema ao deputado
centração de mulheres junto ao Tribunal da Boa- João Morgado, do CDS, a propósito da polémi-
-Hora de apoio a Conceição Massano, que foi ab- ca por ele suscitada:
solvida. No comunicado da CNAC lia-se: “Jul-
gar Conceição Massano é julgar milhares de mu- “«O acto sexual é para ter filhos» – disse ele
lheres que abortam ou abortaram em Portugal”. Já que o coito – diz Morgado –
A Polícia de Segurança Pública teve uma in- tem como fim cristalino,
tervenção violenta nesta concentração, o que ori- fazer menina ou menino;
ginou ferimentos em duas mulheres e num jor- e cada vez que o varão
nalista. Tanto este julgamento, como o de Ma- sexual petisco manduca
ria Antónia Palla, mobilizaram a opinião pú- temos na procriação
blica. O eco destes julgamentos chegou à im- prova de que houve truca truca.
prensa internacional. Jill Jolliffe escreveu o ar- Sendo pai só de um rebento,
tigo “Century-old abortion law centre of storm lógica é a conclusão
in Portugal” [The Globe and Mail, 09/08/1979, de que o viril instrumento
p. 4], onde refere também a oposição da Ordem só usou – parca ração! –
dos Médicos à alteração da lei do aborto, assim uma vez. E se a função
como a estimativa de que seriam realizados faz o órgão – diz o ditado –
anualmente 180 mil abortos clandestinos em consumada essa excepção,
Portugal, o que originava, por complicações, a ficou capado o Morgado.”
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Escrito dentro do plenário e entregue aos jor- (Associação Regional para a Democracia e De-
nalistas, o poema desmontava, de forma mordaz, senvolvimento), com a presença da UMAR, da
a visão procriativa das relações sexuais defen- APF e da Associação de Mulheres Juristas.
dida pelo deputado do CDS. Na sua intervenção Desta realização resultou a formação de um gru-
no plenário, Natália Correia, então deputada do po de trabalho na APF, que lançou o MODAP –
PSD, argumentava: “Não sou católica, mas se o Movimento de Opinião pela Despenalização do
fosse não me preocupava com este assunto Aborto em Portugal, que veio a integrar diver-
porque confiava na consciência dos católicos. sas organizações de mulheres, departamentos de
Acho que ofendo um católico quando quero coer- partidos e sindicatos. Em julho de 1993, a APF
civamente obrigá-lo a fazer uma coisa que devia apresentou um relatório sobre a situação da in-
ser ditada pelo seu foro íntimo. Não aderiria a terrupção voluntária da gravidez em Portugal,
uma religião que suscitasse esse tipo de dúvidas com base em inquérito realizado aos hospitais,
na minha consciência. Não é o facto de o abor- onde se concluiu que, mesmo nos casos previstos
to existir que obriga as mulheres a praticarem- na lei, existiam dificuldades na aplicação da Lei
-no. Agora o facto de ele não estar legalizado é 6/84. Das razões invocadas constavam: inexis-
que obriga a que as pessoas o pratiquem em con- tência de serviços especializados nos hospitais,
dições abomináveis, repugnantes e que também objeção de consciência do corpo clínico, falta de
deveriam repugnar a consciência dos católicos” recursos e impossibilidade de cumprimento dos
[Diário da Assembleia da República de 12 de no- prazos previstos na lei. A 19 de março de 1994,
vembro de 1982, I série, n.o 12, p. 337]. A dis- realizou-se no Institut Franco-Portugais, por ini-
cussão dos três projetos do PCP sobre materni- ciativa do MODAP, o colóquio Dez anos depois,
dade e paternidade, planeamento familiar e edu- a situação do aborto em Portugal, que contou
cação sexual e interrupção voluntária da gravi- com a participação de Karen Newman, da IPPF
dez, apresentados por Zita Seabra, prolongou- (“Situação do aborto na Europa”); Filomena Del-
-se até de madrugada. O projeto-lei sobre a le- gado (“Aspetos ético-legais”); Luís Elmano Bar-
galização do aborto foi então recusado, com 127 roco, ginecologista (“Lei 6/84, uma lei desajus-
votos contra e 105 a favor. Dentro da Assembleia, tada”); Adélia Pinhão, médica (“A história de um
12 mulheres da CNAC exibiram, através de le- aborto legal recusado”); Nuno Lobo Antunes (“O
tras nas camisolas que vestiam, a frase: “Nós abor- desenvolvimento intrauterino do sistema nervoso
támos”. A 15 de outubro de 1983, por propos- central”); Manuela Tavares (“A perspetiva das
ta de Maria Belo, o congresso do PS aprovou a associações de mulheres”); e Duarte Vilar (“Si-
elaboração de um projeto de despenalização do tuação do aborto em Portugal”). Este seminário
aborto, a ser submetido à Assembleia da Repú- foi o motor de um conjunto de iniciativas que
blica. Este projeto, defendido por Zita Seabra, cortaram com a indiferença em que o problema
veio a ser aprovado na madrugada do dia 23 de do aborto tinha mergulhado na sociedade por-
janeiro de 1984, permitindo a interrupção da gra- tuguesa. Na segunda metade de 1996, surgiram
videz em três situações: perigo de vida para a no Parlamento novos projetos de lei de despe-
mãe, malformação do feto ou em caso de viola- nalização do aborto a pedido da mulher nas pri-
ção [Lei 6/84]. De 1984 a 1990, pouco se falou meiras 12 semanas de gravidez (PCP e Juventude
do aborto em Portugal. Foi um assunto arreda- Socialista). Em fevereiro de 1997, a UMAR di-
do da agenda política e da comunicação social. vulgou a Linha SOS/Aborto, destinada a reco-
Porém, uma notícia publicada no Diário de Lis- lher depoimentos de mulheres. Durante 10
boa, em setembro de 1990, despertou a atenção dias, mulheres de todos os pontos do país tele-
de uma associação de mulheres. Em comunicado fonaram, contando as suas experiências de
para os jornais, a UMAR contestou a peritagem aborto feitas na clandestinidade. Com estes de-
no Instituto de Medicina Legal, noticiada pelo poimentos, esta associação elaborou um dossiê
Diário de Lisboa, de mulheres acusadas de que entregou na Assembleia da República. Ain-
abortar clandestinamente. O processo tinha da em fevereiro de 1997, o MODAP, em confe-
sido instaurado pela Polícia Judiciária, através rência de imprensa, divulgou a recolha de 15 mil
da apreensão da agenda de uma parteira na Rua assinaturas pela despenalização do aborto e pro-
da Bica, onde constavam os nomes de 1200 mu- cedeu à sua entrega ao presidente da Assembleia
lheres. Este acontecimento acabou por originar da República no dia 19, véspera da votação no
a realização de uma sessão na associação ABRIL Parlamento dos projetos de despenalização do
DOL 232

aborto. No dia 20 de fevereiro, o projeto da JS nalização do aborto, contribuiu para o virar de


não foi aprovado pela diferença de um voto. No uma página na história da luta das mulheres pelo
dia 8 de março desse ano morreu uma mulher direito à escolha em matéria de direitos sexuais
do bairro de Aldoar do Porto, vítima de aborto e reprodutivos em Portugal.
clandestino. De nome Lizete Moreira, vivia no Bib.: Anne Cova, “Féminismes et maternité entre les deux
barraco n.o 13 com três filhos menores. Tinha guerres en France”, Questions actuelles au féminisme,
36 anos. No dia 10 de março, a UMAR realizou Les Temps Modernes, n.o 593, Paris, 1997; Bertina Sou-
uma conferência de imprensa alargada a Hele- sa Gomes, “Para a História do Planeamento Familiar em
na Roseta, Odete Santos, Diana Andringa, Ma- Portugal”, Planeamento Familiar – 20 anos da APF, 1987;
Françoise Thébaud, “Féminisme e maternité: les con-
ria Antónia Palla, Duarte Vilar e à Juventude So- figurations du siècle”, Maternité, affaire privée, affaire
cialista. Nesse dia, Helena Roseta anunciou que publique (Yvonne Knibiehler ed.), Paris, Bayard, 2001,
iria apresentar um voto de pesar na Assembleia pp. 29-47; Helena Neves, “O Movimento Feminista”, Se-
da República, o que veio a acontecer na sessão xologia em Portugal. Sexualidade e Cultura (org. Fran-
cisco Allen Gomes, Afonso Albuquerque, J. Silveira Nu-
plenária de dia 13 de março. No início de 1998, nes), II Volume, Lisboa, Texto Editora, 1987; Irene Pi-
o MODAP transformou-se em Plataforma pelo mentel, História das Organizações Femininas do Esta-
Direito de Optar, integrando o mesmo leque de do Novo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000; Jean-Yves
organizações. De novo, o PCP e a JS apresenta- Le Naour, Catherine Valenti, Histoire de l’avortement
ram projetos de lei de despenalização do abor- (XIX-XX siècles), Paris, Éditions du Seuil, p. 68, 2003;
João Freire, Maria Alexandre Lousada, “O Neo-maltu-
to, que foram debatidos no dia 5 de fevereiro de sianismo na propaganda libertária”, Análise Social,
1998 na Assembleia da República. O primeiro Vol. XVIII, 72-73-74, 1982, pp. 1367-1397; Manuela Ta-
não foi aprovado pela diferença de três votos. vares, Aborto e Contracepção em Portugal, Lisboa, Li-
O segundo foi aprovado. Algumas horas depois vros Horizonte, 2003; Maria Antónia Fiadeiro, Aborto,
desta votação, um acordo entre os dirigentes do o crime está na lei, Cadernos de Reportagem, n.o 3, Lis-
boa, Relógio d’Água Editores, 1983; Maria Teresa Hor-
PS e do PSD, António Guterres e Marcelo Re- ta, Célia Metrass, Helena de Sá Medeiros, Aborto, Direito
belo de Sousa, impôs ao país a realização de um ao Nosso Corpo, Lisboa, Editorial Futura, 1975.
referendo sobre o aborto. Foi no contexto des- [M. T.]
te referendo que surgiram movimentos pelo sim
e contra a despenalização do aborto. Foi um tem- Dolores Rentini
po de aceso debate na sociedade portuguesa, Atriz e cantora. Nasceu em Madrid a 15 de abril
com posições muito duras contra a despenali- de 1879, de uma família de atores italianos, e
zação do aborto por parte de membros da hie- faleceu no Recife, Brasil, a 15 de agosto de 1911.
rarquia da Igreja Católica. O referendo realizou- Em Madrid, cursou música e canto. Veio para
-se no dia 28 de junho de 1998. De mais de 8 mi- Portugal em 1895. Era formosa, elegante e tor-
lhões de eleitores votaram apenas 3 milhões: nou-se numa artista querida das plateias. Em-
51% dos votantes pronunciaram-se pelo Não e bora tivesse uma voz com bom timbre, alguns
49% pelo Sim à despenalização do aborto. Ape- críticos lamentavam que sentisse pouco os pa-
sar de não vinculativo em termos jurídicos, dado péis que representava. Estreou-se no Teatro do
que a abstenção ultrapassou os 50%, o referendo Príncipe Real, no Porto, na Companhia Tavei-
acabou por ser aceite politicamente pelos par- ra, em 1896 ou 1897, como artista de canto. In-
tidos com representação parlamentar na altura. gressou no Teatro da Avenida, em Lisboa, onde
A partir de 2001, os julgamentos de mulheres apareceu na ópera cómica Uma Viagem à Chi-
por aborto tornaram-se mais visíveis na socie- na, de Bazin, e mostrou-se competente no gé-
dade portuguesa. Em outubro de 2001, no tri- nero. Foi depois para o Teatro da Trindade, em
bunal da Maia, foram julgadas 43 pessoas, 17 das 1898, e regressou ao Avenida. Com as compa-
quais acusadas de terem abortado. Em dezem- nhias Taveira e José Ricardo, foi por três vezes
bro de 2003, no Tribunal de Aveiro foram 17 os ao Rio de Janeiro, onde era muito apreciada. Em
arguidos: sete mulheres acusadas de aborto, ma- 1910, fez uma digressão pelas províncias e
ridos, namorados e outros familiares acompa- voltou ao Teatro da Avenida, onde entrou em
nhantes. Em janeiro de 2004, iniciou-se outro quase todas as operetas do tempo, entre elas Viú-
julgamento em Setúbal e, em novembro desse va Alegre, em 3 atos, música de Franz Lehar,
mesmo ano, em Lisboa e Coimbra surgiram ou- A Princesa dos Dólares, em 3 atos, de A. M. Wil-
tros casos. Em 2007, no dia 11 de fevereiro, um ner e Fritz Gambaum, tradução de Ernesto Ro-
novo referendo, com a vitória do Sim à despe- drigues e Félix Bermudes, música de Leo Fall,
233 DON

e Sonho de Valsa, de Luís Teixeira. Formou a Dores Aço


Companhia de Operetas Dolores Rentini-Leo- v. Maria das Dores Aço Rodrigues
poldo Frois que foi ao Brasil em 1910 e ali vol-
tou, como empresária, no ano seguinte. Faleceu Dores Brêa
vítima de febre-amarela, no Hotel Moderno, onde Atriz, filha do ator Brêa. Destacou-se nos papéis
estava hospedada. de “característica”, género em que foi conside-
Bibl.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres rada uma das melhores do seu tempo.
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1105; Bib.: Mercedes Blasco, Memórias de Uma Actriz, Lisboa,
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907, p. 30.
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 280; Esteves [I. S. A.]
Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário his-
tórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico,
numismático e artístico, Vol. VI, Lisboa, João Romano Tor- Dorinda Rodriguez
res, Editor, 1912, p. 188; Grande Enciclopédia Portuguesa v. Maria Dorinda Rodrigues Nóvoa
e Brasileira, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopé-
dia, Vol. XXV, p. 120; A Scena, Lisboa, n.o 59, 19/06/1898; Doroteia Coutinho
“Necrologia – Dolores Rentini”, O Ocidente, n.o 1177, Atriz, mãe de Adelaide Coutinho*. Parece tra-
10/09/1911, p. 199.
[I. S. A.] tar-se da mesma Doroteia de quem Gustavo de
Matos Sequeira disse ser “ignorante e péssima
Dona Amélia atriz”. Entrou na revista Et Coetera e Tal (1882),
v. Maria Amélia Luísa Helena de Orleães e Bra- com Amélia Viana* e Guilhermina de Macedo*.
gança Fez uma temporada no Brasil, integrada numa
companhia de vaudeville considerada de 1.a qua-
Dona Maria Pia lidade, onde atuavam a sua filha, Adelaide Cou-
v. Maria Pia de Sabóia e Bragança tinho, Georgina Vieira* e Benvinda Canedo*.
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
Dora Vieira de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
nicipal de Lisboa, 1967, p. 385; Henrique Marinho,
Foi das primeiras atrizes a usar vestidos trans- O Teatro Brasileiro, Paris/Rio de Janeiro, H. Garnier, Li-
parentes. Estreou-se na revista O Diabo que o Car- vreiro-Editor, 1904, p. 440.
regue (1910), de André Brun e Baptista Coelho, [I. S. A.]
música de Luz Júnior e Vasco de Macedo, no Tea-
tro dos Recreios do Rio de Janeiro, durante uma Doroteia Cruz
digressão que a companhia do Teatro da Rua dos Atriz amadora, nasceu por volta de 1870. Em
Condes fez ao Brasil. Tornou-se notada no pa- 1887, entrou em Niniche, vaudeville de Millaud
pel de “menina do espelho” em De Capote e Len- & Hennequin, tradução de Sousa Bastos, música
ço (1913), revista de Ernesto Rodrigues, João Bas- de Francisco Alvarenga, Os Filhos de Adão, co-
tos e Félix Bermudes, música de Filipe Duarte média em 3 atos, e Ódio de Raça, de Gomes de
e Carlos Calderón, no Teatro República. Integrada Amorim, integrada no Grupo Dramático Tasso,
na Empresa Ferraz Brandão, então no Teatro Apo- no Teatro Garrett.
lo Terrasse, do Porto, entrou nas revistas No País Bib.: Guilherme Rodrigues, “Palcos Particulares”, O Re-
do Vinho (1914), de André Brun, Ernesto Ro- creio, Lisboa, 3.a série, n.o 13, 09/05/1887, p. 203, e
drigues e Leandro Navarro, música de Luís Fil- n.o 15, 23/05/1887.
gueiras e Filipe Duarte, e Apolo Revista (1914), [I. S. A.]
de Arnaldo Leite, Carvalho Barbosa e Simões de
Castro, música de Cruz Brás e Bernardo Ferrei- Dorothea Mary Potter Lewis Mitchell
ra. Apareceu, depois, em O Chico das Pegas De solteira Dorothea Mary Potter Lewis, filha de
(1917), opereta portuguesa em 3 atos de Eduar- John Potter Lewis e de sua mulher Halgina, ori-
do Schwalbach, música de Filipe Pinto, no Tea- ginários da Irlanda, veio a falecer em 1944. No-
tro Carlos Alberto, do Porto. tabilizou-se como actriz em Londres, usando o
nome Dorothea Desmond, tendo representado pa-
Bib.: Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro, péis principais em peças de Conan Doyle, entre
Lisboa, Livraria Popular, 1924; “Teatros – Foi neste dia...”,
O Século, 08/01/1956, p. 6, 01/03/1956, p. 4, e outros. Casou pouco depois da Primeira Guer-
05/03/1956, p. 4. ra Mundial com Wilfrid Mitchell e veio viver
[I. S. A.] para Portugal, onde o seu interesse pelo teatro
DOR 234

não se desvaneceu. Era conhecida como Thea radora assídua do Serviço Voluntário Feminino.
Mitchell. Em Portugal, escreveu duas peças, uma Coautora, com Marguerida Bucknall, de Histo-
sobre Lady Nelson, intitulada The Forgotten ry of the Anglican Church on the Costa do Sol
Lady, e outra intitulada The Fairchild Family, from 1872 to 1960. Nos últimos cinco anos de
que assinou com o nome George Potter. A par- vida, já quase cega e com problemas de mobili-
tir de 1940, com a chegada de grande número de dade, foi viver para um lar em Inglaterra, onde
refugiados a Lisboa, alguns dos quais atores e can- permaneceu até à morte.
tores, organizou serviços de apoio para este gru- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 901, 15/07/1967,
po em especial. Mais tarde, alguns montaram n.o 1371, 12/06/1986.
uma representação no Teatro da Trindade, em [A. V.]
Lisboa, a que deram o nome de Obrigada, Por-
tugal. Muitos destes refugiados obtiveram tra- Dulce de Almeida Sant’Anna
balho nos EUA, também devido aos esforços de Poetisa e modeladora, de formação autodidata.
Thea. Tinha ideias firmes sobre política e um Nasceu a 15 novembro de 1914, em Sines, e fa-
grande amor por Portugal, país onde declarava leceu a 13 de março de 2004, em Évora. Era fi-
querer sempre viver pois aqui tinha encontrado lha de Maurício de Almeida Fonseca e de Mi-
a felicidade. raldina Augusta da Cruz. A 7 de setembro de
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 233, 03/02/1944, 1941 casou com o engenheiro Augusto Ribeiro
n.o 237, 02/03/1944. Sant’Anna, de quem teve uma filha. Dulce
[A. V.] Sant’Anna começou tardiamente a registar os
seus poemas em cadernos datados, de lombada
Dorothy Eleanor Houssemayne du Boulay larga e numa caligrafia cuidada. O primeiro ca-
A mais velha de quatro irmãos, nasceu em Bath derno data do primeiro semestre de 1968, se-
em 1904 e veio a falecer em 1986. Frequentou guindo-se muitos outros. Em 1982, publicou Re-
colégios em Inglaterra e formou-se numa Esco- talhos de Uma Vida, livro que abre com um ex-
la de Formação de Professores. O seu primeiro -líbris desenhado pela autora e acompanhado
posto de trabalho foi de preceptora em casa de pela divisa “… e a luz dum farol me vai guian-
Lord e Lady Baden-Powell, fundadores do mo- do!...”. As 130 poesias, maioritariamente em so-
vimento escutista. Depois de oito anos de ex- neto e sextilha, exprimem uma emoção intimista
periência profissional, veio para Portugal, onde e através delas a autora resgata-se do quotidia-
entrou para o corpo docente do Colégio Inglês no desencantado. Sobre o registo autobiográfi-
de Carcavelos (St. Julian’s School) pouco tem- co da sua poesia escreve: “Fico toda em cada ver-
po depois de este ter sido fundado, em 1932. En- so meu // Mas toda… tão completamente // Que,
tre 1937 e 1945, trabalhou na Madeira e noutros quem me ler atentamente // Em cada verso, logo
locais, nomeadamente no seu país de origem, vê ser eu” [p. 44]. Privilegiou a ironia para dar
onde passou a guerra, colaborando em diversas conta de uma fina leitura da vida social. Sem-
organizações. Regressou ao Colégio de Carcavelos pre em regime de edição de autora, publicou Lá-
onde trabalhou até à reforma. Miss du Boulay, grimas Perdidas, em 1983, e Sombras… e Luz,
como era sempre tratada, foi uma das professo- em 1984, tendo deixado quatro livros inéditos.
ras mais emblemáticas, deixando marcas nas re- O trabalho poético está incluído na VII Antolo-
cordações de todos os alunos. Dava-se ao respeito gia de Poesia Contemporânea, na qual partici-
e impunha a ordem e a disciplina. Foi dirigen- pam 235 autores de 40 países, e encontra-se ain-
te das Guias no Colégio. Interessava-se por tea- da disperso por periódicos de âmbito regional
tro e dança e foi a produtora ou instigadora de como, entre outros, Jornal da Defesa, Jornal de
numerosas representações envolvendo os alunos. São Brás e Diário do Sul. De apurada sensibili-
Quando se reformou, em 1967, era a professo- dade estética, dedicou-se à modelagem e tece-
ra mais antiga. Os corpos gerentes do colégio e lagem. A modelagem distingue-se em dois tipos:
alunos fizeram-lhe uma homenagem. A rainha manequins de roca e quadros. Os manequins ou
Isabel II agraciou-a com a Ordem do Império Bri- “bonecos”, como Dulce Sant’Anna gostava de os
tânico, com o grau de MBE (Member of the Bri- designar, eram previamente desenhados e depois
tish Empire). Continuou a viver em Portugal, ten- modelados em figuras humanas de ambos os gé-
do sido uma paroquiana muito ativa da Igreja An- neros, vestidos integralmente e a rigor com tra-
glicana de São Paulo, no Estoril, e uma colabo- jes diversos, uns oferecidos, outros tecidos e con-
235 DUQ

fecionados pela própria. Deixou duas coleções estrutura ocupacional de uma sociedade que lhes
que exibem a evolução histórica do traje, desde dificultava a independência.
o século I ao século XX: 23 figuras grandes com Da autora: Retalhos de Uma Vida, Évora, Tipografia de
altura compreendida entre 160 e 180 centíme- São Pedro, 1982; Lágrimas Perdidas, Alcanena, Tipografia
tros e 64 miniaturas com cerca de 35 a 40 cen- S. Pedro Lda., 1983; Sombras… e Luz, Évora, Diana Li-
tímetros de altura. As duas coleções foram ofe- tográfica do Alentejo, 1984. Inéditos: Caminhos Flori-
dos; Reminiscências (Poesia livre); Sementes de Luz (Pen-
recidas à Eborensia Galeria. Os quadros, de di- samentos); Sonhos Desfeitos.
mensão variada, são em baixo relevo e esculpi- Bib.: VII Antologia de Poesia Contemporânea, Coorde-
dos em styropor, combinando-se com materiais nação e Prefácio de Luís Filipe Soares, Lisboa, Livros
variados como cortiça, corticite, poliéster, me- Universo, 1990, pp. 94-95; Dicionário Bibliográfico de
tais e outros. Formam dois grupos: um, que se Poetas Portugueses Contemporâneos; Gil do Monte, Di-
cionário Histórico e Bibliográfico de Artistas Amadores
pode designar por “Évora monumental”, inclui e Técnicos Radicados em Évora, Évora, Gráfica Eborense,
quadros como a Universidade, Igreja de Santo 1976, pp. 94-95; Sara Pereira, Memórias da Escola Pri-
Antão e Fonte coroada, Fachada da Catedral, Vis- mária, Lisboa, Livros Horizonte, 2002, pp. 84-86.
ta longitudinal da Catedral I, Vista da Catedral [M. T. S.]
II, Templo romano e Ermida de São Brás; o ou-
tro grupo abarca temáticas não específicas. A te- Duquesa de Palmela (3.a)
celagem manual foi uma ocupação persistente, v. Maria Luísa de Sousa Holstein
tendo fabricado requintados tecidos em múlti-
plos fios e variadas fibras sintéticas, quer para
confeção de vestuário familiar, quer para vestir
os “bonecos”, quer para decorar a casa, toda ela
transformada em grande estúdio de trabalho e
exposição. A criatividade no quotidiano do-
méstico foi uma constante, tendo adaptado e fa-
bricado mobiliário, por um lado, e, por outro, va-
lorizado as paredes e os tetos de algumas divi-
sões da sua casa com trabalhos escultóricos. A
pouco e pouco as suas diversas atividades ga-
nharam visibilidade, tendo realizado várias ex-
posições individuais: exposição Dulce Sant’An-
na – Artista eborense, Universidade de Évora, 21
a 25 de junho de 1993; exposição de Trabalhos
em baixo relevo executados em metais, Eborensia
Galeria, 17 de março de 1995; exposição Figu-
rinhas e Trajes. A evolução da Moda através do
Tempo, Biblioteca Municipal do Redondo, 15 a
30 de novembro de 2000; exposição póstuma de
Dulce Sant’Anna Trajes de Diversas Épocas, Ebo-
rensia Galeria, 19 de março a 5 de abril de 2005.
Também participou em três exposições coletivas:
1.o Salão de Arte Cigana, inaugurada a 13 de no-
vembro de 1970, no Palácio D. Manuel; exposição
de pintura no D. Manuel a 31 de janeiro de 1984,
promovida pelos Serviços Culturais da Câmara
Municipal de Évora; exposição Brinquedo An-
tigo, de 20 de junho a 23 de julho de 1995, no
Museu de Évora, onde expôs a completíssima
casa de bonecas que construiu para a filha. Toda
a atividade de Dulce Sant’Anna representa a de-
terminação com que muitas mulheres da média
e pequena burguesia, confinadas ao espaço do-
méstico, souberam intervir de modo criativo na
E
Edite Falcão tuguesas nos Descobrimentos, destinado, como
Atriz. Nasceu no Brasil, em 1896, e faleceu naquele afirmou, a desfazer a falsa ideia de que estas es-
país, em Nova Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro. tiveram ausentes desses eventos. Em 1975, foi
Era filha da atriz portuguesa Maria Falcão* e do condecorada pela rainha de Inglaterra com a Or-
ator brasileiro Venâncio. Teve uma educação cui- dem do Império Britânico, com o grau OBE (Or-
dada e ingressou no teatro contra a vontade da fa- der of the British Empire), pelos serviços pres-
mília. Estreou-se, em 1923, na peça Madame Zé- tados às relações culturais anglo-portuguesas. Nos
-Zé, no Cinema Íris, na Companhia Teatral de Ju- últimos 14 anos de vida foi presidente da As-
venal Fontes. Integrou outras companhias nos tea- sociação Luso-Britânica (Anglo-Portuguese So-
tros do Rio de Janeiro e S. Paulo. Abandonou o ciety). Anglicana.
palco para se dedicar ao comércio e foi viver com Da autora: O Sonho da Índia (Afonso de Albuquerque),
a mãe, em Nova Iguaçu, onde faleceu. Porto, Civilização, 1938; D. Henrique, o Navegador, Por-
to, Civilização, 1942; Em Demanda do Preste João, Por-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
to, Civilização, 1943; D. João de Castro, Porto, Civiliza-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 381;
ção, 1945; O Caminho da Índia, Porto, Civilização,
Brício de Abreu, “Maria Falcão”, Esses Populares tão Des- 1948; D. João II, Porto, Civilização, 1952; Cartas de D. João
conhecidos, Rio de Janeiro, E. Raposo Carneiro, Editor, de Castro, Porto, Civilização, 1955; Capitães do Brasil, Por-
1963, pp. 89-94; Luiz Francisco Rebello, História do Tea- to, Civilização, 1956; Casos e Curiosidades, Porto, Civi-
tro de Revista em Portugal, 1. Da Regeneração à Repú- lização, 1957; A Viagem de Vasco da Gama, Porto, Civi-
blica, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1984, p. 68. lização, 1958; O Rei de Boa Memória, Porto, Civilização,
[I. S. A.] 1958; Descobrimentos Henriquinos, Porto, Civilização,
1959; Castelos em África, Porto, Civilização, 1961; Os Por-
Elaine Antonia Sanceau tugueses na Etiópia, Porto, Civilização, 1961; Os Portu-
Escritora. Nasceu no Reino Unido em 1897 e fa- gueses na Índia, Porto, Civilização, 1963; Os Portugue-
leceu, no Porto, em 1979. Frequentou um colé- ses em Marrocos, Porto, Civilização, 1964; Recortes de Pe-
quena História, Porto, Civilização, 1964; O Reinado do
gio em Montreux, na Suíça, viveu, entre 1916 e Venturoso, Porto, Civilização, 1970; Mulheres Portugue-
1918, no Rio de Janeiro e foi para o Porto, com sas no Ultramar, Porto, Civilização, 1979.
a família, em 1930. Residiu durante longos anos Bib.: A. de Oliveira, “Sanceau (Elaine Antonia)”, Verbo.
em Leça do Bailio, juntamente com a irmã. Au- Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Vol. 16, Lisboa,
Editorial Verbo, 1994, cols. 1215-16; The Anglo-Portu-
tora de vasta obra sobre temas históricos por- guese News, n.o 890, 11/02/1967; n.o 1197, 26/01/1979.
tugueses, entre outros Afonso de Albuquerque, [A. V.]
Cavaleiro do Renascimento (a história de D. João
de Castro), Henrique o Navegador, O Príncipe Elisa Abreu
Perfeito e Capitães do Brasil. Em 1943, ganhou Atriz. Fez parte de várias companhias teatrais.
o Prémio Camões pelo seu livro Portugal in Quest Faleceu no Hospital da Misericórdia do Porto
of Prester John, também traduzido para portu- a 4 de junho de 1892.
guês, língua em que publicou O Caminho da Ín- Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 05/06/1892,
dia – a Viagem de Vasco da Gama, Castelos em p. 4.
África, Casos e Curiosidades e Recortes de Pe- [I. S. A.]
quena História. Em 1953, foi condecorada com
a Ordem de Santiago. Em 1955, foi eleita mem- Elisa Amado Bacelar
bro da Comissão do Centro de Estudos Históri- v. Maria Elisa Amado Bacelar
co-Ultramarinos. Em 1961, foi condecorada
pelo Presidente da República, Almirante Amé- Elisa Aragonez
rico Tomás, como Comendadora da Ordem do Atriz espanhola que foi uma “característica” ilus-
Infante D. Henrique. Colaborou no jornal Co- tre. Faleceu em 1903. Começou a carreira de atriz
mércio do Porto. Em 1965, foi eleita para a Aca- trabalhando em barracas de feira. Entrou, depois,
demia Internacional de Cultura Portuguesa. para o Teatro do Rato, mas foi no Teatro da Ale-
Era colaboradora do jornal The Anglo-Portuguese gria que se evidenciou na peça A Torpeza. Re-
News, onde no n.o 925, de 15 de junho, o artigo presentou nos Teatros da Rua dos Condes e Prín-
da primeira página incidiu sobre as mulheres por- cipe Real, onde foi muito apreciada em José João
ELI 238

(06/06/1896), paródia em 4 atos ao drama João do ensino de bordados. Na sequência do Decreto


José, de Joaquim Dicenta. Em 1903, pertencia à de 14/12/1897, que reorganizou o ensino nas es-
Empresa Eduardo Portulez, então no Teatro da colas industriais e de desenho industrial, pas-
Avenida, onde fez o papel de “Lisboa” na revista sou a auferir, como mestra e em conformidade
O Sarilho, de Eduardo Fernandes (Esculápio) e com a tabela anexa ao referido decreto, um ven-
Baptista Machado, música de Rio de Carvalho. cimento de 300$000 réis anuais. Assumiu pro-
Pouco antes de falecer tinha ido em digressão visoriamente a orientação da escola, então de-
ao Brasil. signada Escola de Rendeiras, entre abril e ou-
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- tubro de 1928, data em que o lugar de direção,
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 188; vago desde a morte de Etelvina Augusta da Paz
Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa, Assunção, foi ocupado por Vergílio de Sousa
Parceria António Maria Pereira, 1940, p. 196. Amaral.
[I. S. A.]
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi-
Elisa Cardoso Matinca cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In-
Natural de Lisboa, candidatou-se ao lugar de dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul,
mestra auxiliar dos liceus femininos que iriam Copiadores de correspondência expedida (1891-1892;
ser fundados, de preferência em Lisboa, em 28 1893; 1894). Fontes impressas: Ministério das Obras Pú-
blicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do Comér-
de abril de 1890, não incluindo quaisquer do- cio e Indústria, Relatório sobre as Escolas Industriais e
cumentos no seu processo. de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul (1889-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição -1890), Lisboa, Imprensa Nacional, 1890; Ministério das
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do
[A. C. O.] Comércio e Indústria, Catálogo dos trabalhos expostos
no Museu Industrial e Comercial de Lisboa e executados
nas Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Cir-
Elisa da Conceição Paninho cunscrição do Sul no ano lectivo de 1889-1890, Lisboa,
Mestra na oficina de lavores femininos da Es- Imprensa Nacional, 1891; Decreto de 14/12/1897, Diá-
cola Industrial de Peniche a partir de 1893. Ini- rio do Governo, n.o 283, 15/12/1897.
Bib.: Mariano Calado, História da Renda de Bilros de Pe-
ciou a frequência da Escola de Desenho Indus- niche, Peniche, Ed. Autor, 2003; Teresa Pinto, “Ensino
trial Rainha D. Amélia, em Setúbal, com 18 anos, industrial feminino oitocentista”, Dicionário no Feminino
no ano letivo de 1889/90. Teve um percurso es- (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311-
colar meritório, tendo sido várias vezes distin- -315; Idem, A Formação profissional das mulheres no en-
guida. No ano letivo de 1889/90 ganhou o pré- sino industrial público (1884-1910). Realidades e Re-
presentações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,
mio honorífico em “Princípios de desenho Universidade Aberta, 2008.
geométrico rigoroso” e em “Oficina de lavores [T. P.]
– costura, corte e em bordados”. Em 1891, ex-
pôs trabalhos na Exposição das Escolas Indus- Elisa da Conceição Lima
triais patente no Museu Industrial e Comercial Nascida em Lisboa, possivelmente em 1864, dado
de Lisboa. No final do ano letivo de 1890/91 ob- que à data da sua candidatura aos Liceus Fe-
teve 15 valores no último exame e foi-lhe mais mininos, em março de 1890, tinha vinte e seis
uma vez atribuído um prémio honorífico. Em anos de idade. Elisa Lima informou ser profes-
setembro de 1893, Etelvina Augusta Paz As- sora há 6 anos no magistério particular, lecio-
sunção*, diretora da Escola de Desenho Indus- nando as disciplinas de Português, Francês e Ma-
trial Rainha D. Maria Pia, em Peniche, propôs temática Elementar, possuindo, também, diploma
a Luciano Cordeiro, inspetor das escolas in- de professora de ensino primário complemen-
dustriais da circunscrição do Sul, o nome de Eli- tar. Do processo de candidatura consta um cer-
sa da Conceição Paninho para mestra de costura, tificado que atestava que Elisa Lima ensinou no
corte e bordados daquela escola, em substitui- seu Colégio da Rua dos Douradores a partir de
ção de Maria José Escazena*. O inspetor não se 1887. Esse certificado foi passado e assinado por
limitou a apresentar superiormente a proposta, Francisco Isidoro Nunes, pai de um ex-aluno,
mas foi insistindo no assunto até que a autori- dando provas das boas capacidades da profes-
zação foi concedida em dezembro do mesmo sora. Estão também incluídos outros certificados
ano, definindo um vencimento mensal de semelhantes de familiares de alunos por ela pre-
12$000 a que acresciam 6$000 pela acumulação parados para exames e que obtiveram bons re-
239 ELI

sultados, bem como um atestado de bom com- a monarquia. Convertida ao espiritismo filosó-
portamento e ainda o registo criminal. fico, científico e experimental, tornou-se sócia
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição do Centro Espiritualista Luz e Amor* em 1925.
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. Esta associação espírita foi fundada em 1923 e
[A. C. O.] resultou do alargamento do Grupo das Sete, cria-
do em 1916 por Maria Veleda*. Participou na
Elisa da Conceição Santos Lima subscrição a favor da representação portugue-
Republicana, feminista, maçónica e espírita. sa no Congresso Espírita Internacional, realizado
Em 15 de abril de 1923 foi eleita tesoureira da di- em Paris, em setembro de 1925, promovida por
reção do Centro Espiritualista Luz e Amor*, as- aquele centro.
sociação espírita devidamente oficializada que Bib.: A ASA, n.o 12, setembro, 1925, p. 178; O Espírita,
surgiu na sequência do Grupo das Sete e depois n.o 1, janeiro, 1926, pp.1-19; A ASA, n.o 4, abril, 1926,
Grupo Espiritualista Luz e Amor, fundados por p. 84.
Maria Veleda*, em 1916. Em outubro de 1924, fa- [N. M.]
zia parte do grupo editorial da revista A ASA*,
órgão oficial do referido centro. Na qualidade de Elisa Frederica Hensler
membro da direção daquela associação, integrou Cantora lírica. Oriunda da Suíça, nasceu em Cha-
a Comissão Organizadora do 1.o Congresso Es- teaux-de-Fonds, a 22 de maio de 1836 e faleceu,
pírita Português, realizado em Lisboa nos dias 14, em Lisboa, a 21 de maio de 1929. Filha de José
15, 16 e 17 de maio de 1925, desempenhando as Hensler (1797-1872) e Lizette Lorschter (1802-
funções de tesoureira da subcomissão executiva -1887), foi contratada na temporada de 1858-1859
e administrativa. Contribuiu também com do- para o Teatro de S. João, no Porto, integrada
nativos a favor do dito congresso. A revista A ASA numa companhia proveniente de Viena de
de outubro de 1925 publicou a fotografia da Co- Áustria. Na temporada seguinte, apresentou-
missão Organizadora, figurando Elisa Santos Lima -se pela primeira vez no Teatro de S. Carlos, em
na primeira fila, com a indicação de que tinha a Lisboa, onde a crítica lhe foi bem mais favorá-
profissão de guarda-livros. No início de 1925 tor- vel que no Porto, elogiando a voz, mas também
nou-se membro do grupo editor da revista O Fu- os dotes físicos: Elisa surgiu em palco, vestida
turo* e foi doadora regular da Caixa de Assistência de pajem e interpretando Un Ballo in Masche-
e de Propaganda do mesmo periódico. Quando ra, da autoria de Verdi. Tudo indica ser desta
o Centro Espiritualista Luz e Amor se extinguiu época a sua relação com Miguel Ângelo Perei-
para dar lugar à Federação, continuou a dar o seu ra, músico portuense, da qual nasceram dois fi-
contributo ao espiritismo. Foi eleita tesoureira da lhos. Em Lisboa, D. Fernando de Saxe-Cobur-
direção da referida coletividade. go-Gotha (Coburgo, 1816-Lisboa, 1885), viúvo
Bib.: João Esteves, “Elisa da Conceição Santos Lima”, Di- de D. Maria II (1819-1853), era presença assídua
cionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros no Teatro de S. Carlos devido à sua grande pai-
Horizonte, 2005, p. 295; Natividade Monteiro, Maria Ve- xão pela música e pelo canto. Não era certamente
leda (1871-1955) – Uma professora feminista, republi- por acaso que todos os anos a temporada lírica
cana e livre-pensadora. Caminhos trilhados pelo direito
de cidadania, Dissertação de Mestrado em Estudos so- tinha início a 29 de novembro, dia do aniver-
bre as Mulheres, Lisboa, Universidade Aberta, 2004; sário de Sua Majestade, e terminava na Prima-
Idem, “Maria Veleda no labirinto espiritualista, místi- vera com um concerto no Paço das Necessida-
co e esotérico”, Faces de Eva, n.o 15, 2006, pp. 83-109; des. Partilhando os mesmos interesses e fre-
O Futuro, n.o 10, fevereiro-maio, 1923, p. 1, n.o 2, outubro,
1923, pp. 30-31; A ASA, n.o 1, outubro, 1924, p. 13; quentando o mesmo meio, a aproximação en-
O Futuro, n.o 28, janeiro, 1925, p. 50; A ASA, n.o 5, fe- tre ambos terá certamente sido fácil, embora esta
vereiro, 1925, pp. 67 e 74; O Futuro, n.o 32, abril, 1925, não seja normalmente revelada, sabendo-se
p. 91; A ASA, n.o 8, maio, 1925, p. 125, n.o 1, Ano II, ou- apenas que datava já do reinado de D. Pedro V
tubro, 1925, p. 5; O Espírita, n.o 4, abril, 1926, pp. 105-
-107, n.os 7-8, julho-agosto, 1926, pp. 225-239; A Fra-
(1837-1861). Contudo, por respeito para com o
ternidade, n.o 179, maio, 1978, pp. 129-133. filho e rei, D. Fernando procurou ser discreto
[N. M.] e, quando viajou pela Europa com a soprano em
1863, teve o cuidado de se fazer acompanhar por
Elisa de Vasconcelos uma pequena corte e pelo infante D. Augusto.
Republicana e espírita. Ativista da Liga Repu- As críticas nos jornais não se fizeram esperar e
blicana das Mulheres Portuguesas ainda durante subiram de tom quando surgiu a hipótese de
ELI 240

D. Fernando desposar morganaticamente Elisa definitivamente por recusar ser rei de Espanha.
Hensler (a opinião pública aceitava perfeita- Regularizada a situação através do casamento
mente que este tivesse uma ligação com a can- abençoado pela Igreja Católica, a vida diária do
tora, mas não admitia a sua regularização). casal decorreu discreta, tranquila e rotineira en-
D. Luís (1838-1889), rei por morte do irmão, pro- tre o Paço das Necessidades e Sintra, onde, até
curou encontrar a melhor solução para forma- ao verão de 1999, existiu um chalet ao estilo ro-
lizar a situação do pai: parece ter consultado o mântico mandado construir por ambos no Par-
seu Presidente do Ministério, o bispo de Viseu, que da Pena (deve-se a ambos a sua arborização
sobre a possibilidade de fazer Elisa condessa de e cultivo, verdadeiro monumento natural cons-
Sintra. Este troçou da real intenção, mas, perante tituído por árvores e vegetação das mais diver-
a firmeza do monarca, sugeriu que o título no- sas origens – América do Norte, Europa Central,
biliárquico a surgir deveria vir do estrangeiro. Açores, Nova Zelândia, Brasil e Alemanha, en-
Também a infanta D. Isabel Maria*, tia de D. Ma- tre outras). A Casa do Regalo ou Chalet da Con-
ria II, envidou esforços no sentido de regulari- dessa foi completamente destruída por um in-
zar uma relação que tanto constrangia a sua pie- cêndio (a sua recuperação ficou concluída em
dosa devoção. Quanto a D. Fernando, entre duas agosto de 2011, sendo o chalet de novo aberto
breves regências (aquando da ausência de D. ao público). Entre idas à ópera, inaugurações
Luís em visitas de Estado ao estrangeiro), perante (como, por exemplo, a do Jardim Zoológico de
a insistência do general Juan Prim para que acei- Lisboa, em 1884, à qual compareceu a família
tasse o trono de Espanha (sucedendo à rainha real), organização de receções, saraus musicais,
Isabel II, que fora deposta e expulsa em conse- soirées, aos quais compareciam escritores es-
quência da revolução de setembro de 1868) e as trangeiros e nomes proeminentes ligados às ar-
críticas cada vez mais exacerbadas da impren- tes, e idílicos passeios pelos jardins da cidade
sa, continuava a tentar alcançar os seus objeti- e arredores, o casal ainda encontrava tempo para
vos, enviando mensagens através de damas da se dedicar à prática da caridade, auxiliando asi-
Corte ao Núncio Apostólico, que acabou por los, casas de beneficência, escolas e irmanda-
apoiar o consórcio. A cerimónia religiosa rea- des, entre outras instituições de utilidade pú-
lizou-se a 10 de junho de 1869 (a noiva tinha en- blica. No campo das artes, a condessa destacou-
tão 33 anos e o noivo aproximava-se dos 53), em -se não só na música, mas também na escultu-
Benfica, freguesia de Nossa Senhora do Amparo, ra (esculpiu um medalhão em mármore repre-
na capela privada do Palácio Devisme, pro- sentando D. Fernando com o qual participou,
priedade da madrinha, a infanta Isabel Maria. em 1876, na exposição da Sociedade Promoto-
A boda teve lugar no Palácio das Necessidades ra de Belas Artes e, em 1877, na exposição da
e estiveram presentes o rei D. Luís, o infante Academia das Belas Artes) e no desenho (tinha
D. Augusto e o príncipe Ernesto de Saxe, pa- o hábito de acompanhar D. Fernando quando
drinho dos noivos. Quanto à rainha D. Maria este desenhava nos jardins do Palácio da Pena).
Pia*, totalmente adversa ao enlace, encontrava- Ambos beneficiaram artistas portugueses, dan-
se doente e partiria em breve para França, em do-lhes a oportunidade de se deslocarem ao es-
busca de tratamento. Nesse mesmo dia, Elisa trangeiro com o objetivo de se aperfeiçoarem,
Hensler tornou-se Condessa d’Edla, título ou- como foi o caso de Columbano Bordalo Pinheiro
torgado pelo primo de D. Fernando, Ernesto II, e José Viana da Mota. Contudo, este quadro de
duque de Saxe-Coburgo-Gotha. O evento foi no- normalidade social estava assente numa base
ticiado com reserva na imprensa portuguesa, sal- algo instável: a Corte da Ajuda, dirigida por
vo nos jornais da oposição, que deram largas à D. Maria Pia (os jornais falavam em duas cor-
sua indignação. Entretanto, na vizinha Espanha tes: a da Ajuda, oficial, e a das Necessidades, di-
continuava a insistência para que D. Fernando namizada pela condessa), reprovou desde o iní-
aceitasse o trono. Apesar de ver satisfeitas as suas cio este casamento e manteve as distâncias, os-
exigências – entre elas, a sucessão aos dois tro- tracizando Elisa Hensler e não a reconhecendo
nos jamais deveria recair sobre o mesmo mo- como esposa oficial, o que a mantinha afasta-
narca (assegurava, desta forma, a independên- da do Paço e de aparições públicas sempre que
cia de Portugal) e o reconhecimento da condessa estas se revestissem de carácter oficial, facto que
d’Edla pelas autoridades espanholas como es- amargurava D. Fernando. Em 1871 esclarecia
posa em todos os eventos não oficiais –, acabou que, se determinado convite fosse para reunião
241 ELI

de família, não iria, pois a sua atual mulher tam- Pena (o Chalet e a Feteira da Condessa) e com
bém deveria ter sido convidada, uma vez que a posição de sua conservadora. Posteriormen-
já tinha sido visitada no Paço da Pena pelos reis te, acabou por vender ao Estado português a to-
de Espanha, Afonso XII e Maria Cristina. Ao lon- talidade das propriedades, mantendo, contudo,
go dos anos, porém, passou a utilizar o plural até à morte, o usufruto de lugares onde vivera
na correspondência protocolar que dizia respeito momentos de felicidade, partilhados com aque-
ao casal. A condessa, todavia, não impôs a sua le de quem não restavam mais que memórias.
presença e, com subtileza e diplomacia, soube A condessa d’Edla desocupou as instalações da
manter a cordialidade e ocupar o lugar secun- Pena em 1903; em 1901, mandara construir o
dário para o qual fora relegada. Vítima de um chalet da Parede, frente à Praia da Bafureira, para
cancro numa parte da face que lhe afetava a ca- onde entretanto se mudara. Aqui, recebia a rai-
pacidade cerebral e lhe provocava atrofia visual nha D. Amélia*, quando esta se deslocava ao
e dupla visão, D. Fernando faleceu a 15 de de- Paço do Alfeite para convalescer à beira-mar,
zembro de 1885. As cerimónias fúnebres de- com quem mantinha abundante correspon-
correram dentro da normalidade: D. Maria Pia dência, o que leva a acreditar na existência de
abraçou a viúva, que foi conduzida pela mão do grande intimidade entre ambas. Residiu igual-
rei até à sala do trono do Paço das Necessida- mente em Lisboa, isolando-se da sociedade após
des, onde o corpo se encontrava em câmara ar- a morte de D. Fernando e dedicando-se às gran-
dente. Nas celebrações fúnebres de carácter ofi- des paixões da sua vida: as plantas e as árvores,
cial, Elisa Hensler limitou-se a acompanhar dis- os livros e a arte em geral e a família descendente
cretamente o marido a caminho do panteão de da sobrinha Alice Hensler, os Azevedo Gomes.
São Vicente de Fora, onde colocou uma coroa Elisa Hensler faleceu serenamente no Palácio de
de hera, camélias e violetas frescas colhidas no Santa Marta, em Lisboa, na Rua de St.a Marta,
Parque da Pena com a dedicatória “Lágrimas e n.o 179, a 21 de maio de 1929, na véspera de
Flores”. Já não esteve presente na recepção ofi- completar 93 anos, vítima de uremia. De acor-
cial de pêsames organizada no Paço da Ajuda. do com um relato do conde de Mafra, inserido
Terminavam desta forma 36 anos de afetos e no primeiro volume das suas memórias, terá
cumplicidades amorosas e culturais. Porém, este “conservado até ao fim uma lucidez perfeita. Era
não foi ainda o fim da polémica iniciada com senhora de fino entendimento, tato admirável
o casamento de ambos: o testamento de D. Fer- e grande bondade”. Apenas nos derradeiros mo-
nando, publicado no próprio dia da morte, no- mentos de vida revelou a verdade sobre Alice:
meava a condessa herdeira da maior parte dos esta não era sua sobrinha, mas sim filha. En-
seus bens materiais, incluindo o Parque, o Pa- contra-se sepultada no Cemitério dos Prazeres,
lácio e o Chalet da Pena (os dois primeiros en- num jazigo da autoria de Raul Lino criado com
carados pela população como monumentos base nos últimos desejos da falecida: jazer
nacionais), o Castelo dos Mouros, a Casa de São eternamente numa miniatura de parte do lugar
Miguel e a Casa e Quinta da Abelheira. Solici- onde conheceu a felicidade, o Parque da Pena.
tava ainda a D. Luís proteção para a viúva e que No testamento, fez largas doações à família real,
o Palácio das Necessidades continuasse à sua assim como ao Museu de Arte Antiga, ao Con-
disposição enquanto lhe fosse conveniente. servatório Nacional de Música e a instituições
Excepto o infante D. Augusto, todos os outros de caridade: Asilo de Cegos Branco Rodri-
herdeiros sucessíveis da coroa foram excluídos gues, Associação do Mealheiro das Viúvas e Ór-
das disposições testamentárias. Foi um escân- fãos dos Operários Mortos de Desastre de Tra-
dalo a nível nacional e, durante meses, popu- balho, Sociedade Protectora dos Animais, Pa-
lares, jornalistas, intelectuais e políticos dis- vilhão para Tuberculosos do Lumiar, Hospital
cutiram, criticaram e atacaram o testamento do de Sintra, pobres de Sintra e 20 viúvas da fre-
rei-artista e a sua viúva. Durante quatro anos ti- guesia do Coração de Jesus.
veram lugar altas negociações entre o Estado e Bib.: António Cordeiro Lopes, “D. Fernando II e a con-
a condessa para que o Palácio da Pena e as pro- dessa de Edla, um germânico e uma suíça na corte dos
priedades circundantes fossem vendidas ao Go- Braganças: do escândalo privado à contestação da mo-
narquia (1869-1889)”, Revista da Faculdade de Letras,
verno, o que veio a tornar-se realidade a 12 de n.o 21-22, 5.a Série, 1996-1997, pp. 103-118; Azevedo Ne-
junho de 1890, ficando esta com o direito de usu- ves, El-Rei D. Fernando II – Discurso pronunciado no
fruto de algumas propriedades do Parque da Parque da Pena de Sintra em 4 de agosto de 1935 por
ELI 242

Azevedo Neves, Lisboa, Instituto Superior de Ciências triz Rente* atuou em Princesa George (1883), dra-
Económicas e Financeiras, 1935, pp. 10-11; “O casamento ma de Alexandre Dumas, filho. Entre 1887 e
com a condessa d’Edla”, D. Fernando II, Rei-Artista, Ar-
tista-Rei, Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1986, 1888, esteve no Teatro D. Maria II, Empresa Ro-
pp. 247-251; Eduardo Nobre, “Dom Fernando II – A can- sas & Brazão, e foi em digressão ao Brasil. Em
tora condessa”, Paixões Reais, Quimera, 2002, 1898, acompanhou esta mesma empresa para o
pp. 123-137; Idem, Casa Real – Fotografias, documen- Teatro D. Amélia e, ali, representou Tirano da
tos, manuscritos, memorabilia, s.l, Quimera Editores,
2003; Jean Pailler, D. Carlos I, rei de Portugal – Desti- Bela Urraca, paródia de Marcelino Mesquita a
no maldito de um rei sacrificado, Lisboa, Bertrand Edi- Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, que
tora, 2000; Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de Lucinda Simões* tinha montado naquele teatro
Portugal, Vol. II, Porto, Livraria Figueirinhas, 1984, p. no ano anterior. No verão de 1902, entrou na re-
349; José Hermano Saraiva (coord.), História de Portu-
gal – Dicionário de personalidades, Vol. XVI, Quidno- vista A Aranha, escrita por D. João da Câmara,
vi, 2004, p. 12; Maria Filomena Mónica, “Relações fa- Júlio Dantas e Henrique Lopes de Mendonça,
miliares”, D. Pedro V, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, música de Filipe Duarte. Na época de 1903-1904,
pp. 183-196; Rui Ramos, D. Carlos, s.l, Círculo de Lei- pertencia à Empresa Rosas & Brasão, então no
tores, 2006; Teresa Rebelo, Condessa d’Edla – A canto-
ra de ópera quasi rainha de Portugal e de Espanha (1836- Teatro D. Amélia. Faleceu na sua residência, na
1929), Lisboa, Alêtheia Editores, 2006; http://genealo- Travessa dos Inglesinhos, n.o 28, 3.o, em Lisboa,
gia.netopia.pt; http://pt.wikipedia.org. onde o caixão, ricamente coberto com pano bor-
[V. D.] dado a ouro e prata, esteve exposto. Fez as en-
comendações e o acompanhamento o Rev. Pe.
Elisa Santos Vieira da Mota. No funeral, estiveram presen-
Atriz. Nasceu em Lisboa a 9 de dezembro de tes alguns dos colegas de trabalho. Foi sepultada
1845 e faleceu, na mesma cidade, a 24 de no- em coval separado no Cemitério Oriental.
vembro de 1921, de lesão cardíaca. Foi com-
panheira dedicadíssima do escritor e jornalis- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1174; An-
ta Rafael Ferreira, que, à data da morte da ac- tónio Pinheiro, Contos Largos, Lisboa, Tip. Costa Sanches,
triz, era secretário da redação do Jornal de Co- 1929, p. 65; Idem, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria Bor-
mércio e Colónias. Muito simpática, vestia dalo Editora, 1912, p. 25; Delfim de Noronha [pseudóni-
bem e dava muita vivacidade aos seus papéis. mo de Guiomar Torrezão], Diário Ilustrado, 22/02/1879 e
Iniciou a carreira artística com 11 anos, no Tea- 16/06/1880; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasilei-
ra, Vol. XXVII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo-
tro do Ginásio, onde permaneceu durante 21 pédia, p. 352; Mercedes Blasco, Memórias de Uma Actriz,
anos, ao lado de grandes atores, entre eles Ta- Lisboa, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907; “Necrologia” e
borda, António Pedro, Vale, Joaquim de Almeida “Funerais”, O Século, 28/11/1921, pp. 2 e 4.
e Telmo. Enveredou pelos géneros de comédia, [I. S. A.]
opereta e revista, onde brilhou em papéis de
“criada” e “característica”. Um dos primeiros pa- Elsa de Oliveira
péis de relevo fê-lo no drama em 3 atos Os La- Atriz de teatro de revista. Cantou o fado na re-
zaristas (1875), de António Enes. Das peças que vista Na Ponta da Unha (1901), de Alfredo Mes-
representou naquele teatro, lembramos a festa quita e Câmara Lima, ao lado de Beatriz Rente*
artística com a estreia da comédia em 2 atos e Acácia Reis*. Em 1915, integrava o elenco do
O Túnel (1879), tradução de Gervásio Lobato, A Teatro Olímpia, do Porto, onde entrou em Api-
Tia da Baronesa, comédia em 1 acto original de ta, Zé!, revista local de Álvaro Machado e Adria-
Delfim de Noronha [Guiomar Torrezão], na fes- no Mendonça, música dos maestros Pascoal Pe-
ta artística de Emília dos Anjos*, em que me- reira e Júlio de Almeida.
receu da autora da peça elogios, afirmando que Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 10/03/1956,
era “actriz moderna, na posse plena de todos os p. 7.
segredos da sua arte e no ponto culminante do [I. S. A.]
talento festejado e aureolado de prestígios e ful-
gores” [Diário Ilustrado, 16/06/1880]; as co- Elvira Barreto de Figueiredo Perdigão
médias A Voz do Sangue (1881) e Sua Exce- Mestra na oficina de lavores femininos da Es-
lência (1881), ambas em 3 atos de Gervásio Lo- cola Industrial de Leiria a partir de 1893. Foi alu-
bato, O Marido no Campo (1882), em seu na da Escola Industrial Domingos Sequeira, em
benefício, e A Casamenteira (1883), em 2 atos, Leiria, enquanto exercia a atividade de profes-
tradução de Gervásio Lobato. Ao lado de Bea- sora primária e, no final do ano letivo de
243 ELV

1890/91, foi distinguida com dois prémios ho- Elvira Câmara Lopes
noríficos, um na oficina de lavores femininos Nasceu no dia 5 de setembro de 1857 e era na-
e outro em desenho de ornatos a aguarela, dis- tural da freguesia de Santo Ildefonso, da cida-
ciplina do ramo ornamental do curso de dese- de do Porto. Faleceu em Lisboa, no dia 11 de fe-
nho industrial. No ano letivo de 1893/94, foi vereiro de 1910, na sua residência à Avenida da
contratada para os lavores de costura, auferin- Liberdade, n.o 125, freguesia do Santíssimo Co-
do 12$000 réis mensais, tal como a outra mes- ração de Jesus. Filha legítima de Manuel Pon-
tra da oficina daquela escola, Maria Helena Sil- tes Câmara, natural da ilha da Madeira, e de Gui-
veira da Silva*. O Decreto de 14/12/1897, que lhermina de Matos Câmara, natural do Rio de
reorganizou o ensino nas escolas industriais e Janeiro [Registo de óbito]. Os pais eram ali abas-
de desenho industrial, confirmou-a como mes- tados comerciantes. Elvira, portadora de defi-
tra, mas pertencendo ao pessoal adido. Em 1904, ciência motora, casou com António Ferreira Lo-
deixou a escola industrial e passou a lecionar pes (1845-1927), funcionário da casa comercial
na escola de habilitação para o Magistério Pri- de seus pais e natural de Fontarcada, Póvoa de
mário de Leiria, onde exercia à data da im- Lanhoso. Pobre e órfão de mãe, António Ferreira
plantação da República. Lopes havia partido para o Brasil em 1857. Em
data que não sabemos determinar, Elvira veio
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério
das Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Pú-
com o marido para Portugal e fixou residência
blicas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- em Lisboa (Avenida da Liberdade). Dispondo de
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do avultada fortuna por herança, colocou-a ao
Sul, Copiadores de correspondência expedida (1891- serviço das obras sociais mais diversas na Pó-
1892; 1893; 1894); Arquivo Histórico do Ministério das voa de Lanhoso, que passou a ser, também, a
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Pú-
blicas, Comércio e Indústria, Repartição de Indústria,
“sua” terra. Elvira e António, abastados e sem
Registo de Correspondência Entrada (1895-1896; filhos, foram os principais beneméritos de
1896-1897). Fontes impressas: Francisco da Fonseca Be- obras que ainda hoje perduram e são das mais
nevides, Relatório sobre as Escolas Industriais e de De- significativas naquela cidade. Com uma sensi-
senho Industrial da Circunscrição do Sul. Ano lecti- bilidade especial para os problemas sociais, El-
vo de 1890-91, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; De-
creto de 14/12/1897, Diário do Governo, n.o 283, vira disponibilizou a fortuna pessoal e incen-
15/12/1897; Anuário Comercial de Portugal, Ilhas e Ul- tivou o marido a dedicar-se às mais diversas
tramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910. obras sociais e cívicas. Segundo a memória oral,
Bib.: Teresa Pinto, A Formação Profissional das Mulheres Elvira Lopes atingiu um estatuto de “quase san-
no Ensino Industrial Público (1884-1910). Realidades e ta” nas Terras de Lanhoso [José Abílio Coelho].
representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,
Universidade Aberta, 2008. No início do século XX, mandaram edificar o
[T. P.] Teatro Clube, que também serviu para sede da
corporação dos bombeiros voluntários [Eugénio
Elvira Bastos Mendes Pinto e Ricardo Santos Pinto, p. 45]:
Atriz. Esteve no Brasil, onde integrou a Com- “O casal – Elvira e António Lopes – foram os
panhia Dias Braga e entrou em Berliques e Ber- ‘pais’ da terra por alguns anos” [José Abílio Coe-
loques (1907), revista em 3 atos e 13 quadros de lho]. Os seus bens foram distribuídos pelas mais
Raúl Pederneira, música de Pascoal Pereira, José diversas instituições, dos bombeiros ao hospi-
Nunes e Luís Moreira, no Teatro Recreio Dra- tal, de uma escola aos edifícios da Câmara e do
mático, ao lado de Cinira Polónio*. No Teatro do tribunal. O Hospital da Póvoa de Lanhoso, atual-
Ginásio, em Lisboa, representou nas peças A mente gerido pela Santa Casa da Misericórdia,
Conspiradora (1913), em 4 atos, de Vasco Men- foi integralmente construído por “António Lo-
donça Alves, O Deputado Independente (1914), pes [que] pegou na ideia em 1913, contratou os
comédia de Chagas Roquete e Álvaro Lima, e Al- melhores técnicos e lançou-se na construção do
tar da Pátria (1918), tradução de Melo Barreto edifício. A inauguração decorreu a 5 de setem-
de L’Élevation de Henry Bernstein. bro de 1917, data do nascimento de Elvira Câ-
mara Lopes, esposa do fundador. Até 1927, data
Bib.: Ângela Reis, Cinira Polónio, a Divette Carioca, Rio da sua morte, António Lopes pagou todas as des-
de Janeiro, Arquivo Nacional, 1999; O Teatro, Lisboa,
n.o 8, julho-agosto, 1918, p. 150; “Teatros – Foi neste
pesas inerentes ao empreendimento. É de sa-
dia...”, O Século, 24/03/1956, p. 4. lientar, no edifício, a portaria principal, um dos
[I. S. A.] mais belos elementos arquitectónicos do con-
ELV 244

celho” [Eugénio Mendes Pinto e Ricardo San- drama em 4 atos de Hermann Sudermann, tra-
tos Pinto, p. 49]. O contributo de alguns “bra- dução de Pedro Vidoeira, no Teatro D. Maria Pia.
sileiros” foi decisivo para o registo de picos de Esteve no Apolo e ali fez os papéis de “Pureza”
desenvolvimento de muitas terras, como foi o e “Fi-Fi”, em alternância com Alice Rodrigues*,
caso presente de Póvoa de Lanhoso. Porque dis- em A Feira do Diabo (1912), sátira em 1 ato, pró-
tinta benemérita, a edilidade atribuiu o nome logo e 3 quadros de Eduardo Schwalbach, e em
de “Elvira Câmara Lopes” a uma rua. 1918 teve sucesso na revista A Trombeta da
Fontes: Entrevista ao Dr. Jorge Costa Oliveira, natural da Fama, de Lino Ferreira, Artur Rocha, X. de Ma-
Póvoa de Lanhoso e residente em Mem Martins, no dia galhães e música de Luz Júnior, no Eden Tea-
30 de novembro de 2005; José Abílio Coelho [diretor do tro. Destacam-se ainda os papéis em A Casaca
jornal Terras de Lanhoso], correspondência de janeiro Encarnada (1922), peça em 3 atos de Vitoriano
de 2006.
Bib.: Eugénio Mendes Pinto e Ricardo Santos Pinto, Pó- Braga, e Náufragos (1925), peça em 3 atos de Fer-
voa de Lanhoso – Por Terras de Lanhoso, Câmara Mu- nanda de Castro, no Teatro Nacional.
nicipal da Póvoa de Lanhoso, Reviver Editora, Paredes, Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis-
2003, 3.a edição; Manuel Magalhães dos Santos, Mo- boa, Editorial Século, 1947, p. 190; Guiomar Torrezão,
nografia da Póvoa de Lanhoso, edição de autor, Póvoa “Teatro do Príncipe Real”, Ribaltas e Gambiarras, Lis-
de Lanhoso, 1990. boa, série 1, 1881; Joaquim Madureira (Braz Burity), Im-
[A. C. S.] pressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Edi-
tores, 1905; Diário Ilustrado, 1879; As Instituições,
Elvira Costa 06/01/1884; O Recreio, Lisboa, 11/01/1887; A Scena, Lis-
Atriz. Nasceu em Lisboa a 11 de setembro de boa, n.o 38, 22/01/1898; O Teatro, Lisboa, n.o 8, julho-
-agosto, 1918, p. 150; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sé-
1855. Foi casada com o actor Francisco Costa culo, 03/02/1956, p. 6.
(1852-1906). Tinha muito boa voz e cantava bem [I. S. A.]
o fado. Estreou-se no Teatro da Rua dos Condes
em Abaixo as Décimas. Passou para o Teatro do Elvira da Fonseca
Príncipe Real, onde entrou em Os Nossos Ren- Atriz. Em 1880, integrava o elenco do Teatro do
dimentos (1879), comédia em 4 atos, versão de Príncipe Real, onde apareceu no drama popu-
Sousa Bastos, Revista do Ano (1880), O Quebra lar O Povo, autoria de Sousa Bastos e música de
Queixos (1883), O Segredo dos Médicos (1884), Angelo Frondoni.
drama em 5 atos de Mendonça e Costa e Júlio
Bib.: Crónica dos Teatros, 18/07/1880.
Howorth em seu benefício, O Suplício de Uma [I. S. A.]
Mulher (festa artística, 1884), de Girardin, tra-
dução de Ernesto Biester, A Princesinha dos Ca- Elvira de Jesus
belos de Oiro, mágica de Eduardo Garrido, Cau- Atriz. Estreou-se a 9 de maio de 1881. Entrou na
sa Célebre (1887), drama de Adolph d’Ennery reprise de José João, paródia em 4 atos ao dra-
e Cormon, tradução de Maximiliano de Azevedo, ma João José de Joaquim Dicenta, por Eduardo
Morgadinha do Vale Pereiro (1888), peça em Fernandes (Esculápio), música de Rio de Car-
5 atos em verso, paródia ao drama de Pinheiro valho, no Teatro do Rato. Em 1904, estava no Tea-
Chagas Morgadinha de Valflor, com arranjo de tro da Avenida e dali passou para o Teatro do
Júlio Vieira expressamente escrito para o be- Príncipe Real.
nefício de Adelina Abranches*, A Herança de
Ódio (1895), de Eugénio Silveira, em reprise, Bib.: Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa,
Parceria António Maria Pereira, 1940, p. 198; Joaquim
A Vivandeira do 16 Linha (1896), drama mili- Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa,
tar em 5 atos, tradução de Salvador Marques, e Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 463.
fez o papel de “Mariana” em Os Dois Garotos [I. S. A.]
(1898), drama em 2 partes e 8 quadros de Pier-
re Decourcelle, traduzido por Guiomar Torrezão, Elvira Loureiro
no Teatro da Trindade. Foi com a Empresa Ro- Cantora de opereta, considerada pela impren-
sas & Brazão para o Teatro D. Amélia, repre- sa como senhora da mais alta distinção moral.
sentando nas peças do repertório, entre elas Os Estreou-se em 1923, na Companhia Holbeche
Postiços (1908), comédia em 5 atos de Eduardo Bastos.
Schwalbach. Nesse ano, integrou a companhia Bib.: Mundo Teatral [c/ retrato], Lisboa, n.o 29,
daquele teatro na digressão ao Funchal, ilha da 24/03/1923.
Madeira, onde foi muito aplaudida em Magda, [I. S. A.]
245 ELV

Elvira Mendes Um Rapaz Pobre, drama em 5 atos e 7 quadros de


Atriz. Nasceu no Porto. Estreou-se na Compa- Octave Feuillet, tradução de Joaquim José Annaya.
nhia Ciríaco Cardoso, do Teatro Baquet daque- Na inauguração do Teatro Taborda, representou em
la cidade, num papel em travesti na peça O Co- O Livro Negro, de Pedro Vieira. Esteve muitos anos
ração e a Mão (1888). Quando o teatro ardeu, retirada do teatro e faleceu ignorada.
em 1888, integrava os elencos de Os Dragões de Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
Villars, letra de Lockroy e Cormon, música de tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 188;
Aimé Maillart, tradução de Borges de Avelar e Diário Ilustrado, 11/11/1879.
Jaime de Séguier, e da zarzuela Gran-Via. Em [I. S. A.]
1891, passou para o Teatro da Rua dos Condes,
onde agradou. Regressou ao Porto e, depois, in- Elzira Dantas Gonçalves Pereira Machado
tegrou diversas companhias de teatros de Lis- Fundadora da Cruzada das Mulheres Portu-
boa, onde foi atriz de “utilidade” (sabia vários guesas* e dirigente de organizações feministas
papéis e substituía uma atriz que faltasse) no tea- no início do século XX. Nasceu no Rio de Janeiro,
tro ligeiro. Foi muitas vezes ao Rio de Janeiro em 15 de dezembro de 1865, no contexto da emi-
e a S. Paulo, sempre bem recebida. Em 1908, es- gração oitocentista para o Brasil e faleceu em
tava contratada pelo Teatro da Avenida. 1942. O pai, Miguel Dantas Gonçalves Pereira,
natural de Formariz (Paredes de Coura), partiu
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 280
do Porto, ainda jovem, em direção ao Império
e 321; Fernando Peixoto, “Portugal no século XIX”, His- Brasileiro. Em 1860, estabeleceu-se no Rio de Ja-
tória do Teatro Europeu, Lisboa, Edições Sílabo, 2006, neiro como sócio de uma firma comercial e ca-
pp. 239-264; Mercedes Blasco, Memórias de Uma sou com uma senhora brasileira, Bernardina da
Actriz, Lisboa, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907, pp. 79 Silva, “que lhe trouxe dez contos de reis de dote
e ss.
[I. S. A.] e lhe daria a única filha” [J. F. Alves]. Retornou
ao país de origem, seis anos mais tarde, enri-
Elvira Mendonça quecido por via do seu trabalho mas viúvo. In-
Nascida em 1 de agosto de 1883, na Póvoa de tegrou-se no ambiente de euforia comercial e so-
Santa Iria, foi presa duas vezes pela Polícia de cial da época, contraindo matrimónio pela se-
Segurança Pública na década de 1930, quando gunda vez. Doravante reparte o tempo entre os
era viúva, acusada de “ligações comunistas”. Já negócios e a política, “conjugando a vida au-
quinquagenária, a primeira verificou-se em 13 tárquica com a parlamentar até ao resto da sua
de fevereiro de 1936, mas foi libertada pouco de- vida”: presidente da Câmara Municipal de Pa-
pois, no dia 28; a segunda deu-se imediatamente redes de Coura (1882-1895), deputado pelo
a seguir, a 21 de março, donde resultou julga- Partido Regenerador (1878), Conselheiro e Par
mento pelo Tribunal Militar Especial em 21 de do Reino (1900). Em 1876, cheio de vida, fez tes-
dezembro e condenação a 22 meses de prisão tamento “revertendo quase tudo para sua filha
correcional. Solta em 28 de dezembro de 1937, única, Elzira, com lembranças a familiares e ami-
terá morrido poucos anos depois. José Dias Coe- gos de Portugal e Brasil” [J. F. Alves]. Difícil de
lho, no livro A Resistência em Portugal, ins- avaliar em termos de moeda atual conclui-se, das
creveu o nome na lista daqueles que “morreram linhas e das entrelinhas do documento, que se
às mãos da PIDE ou em consequência das tor- tratava de um importante património. Filha úni-
turas” [p. 77]. Rose Nery Nobre de Melo inse- ca deste plebeu ilustre enriquecido no Brasil, El-
riu a “Biografia Prisional” no livro Mulheres Por- zira Dantas herdou uma considerável fortuna,
tuguesas na Resistência. desfrutando, desde a infância, de um ambiente
familiar desafogado e relativamente culto. O pai
Bib.: José Dias Coelho, A Resistência em Portugal, Lis- angariara meios para lhe proporcionar uma
boa, Edições Avante!, 2006; Rose Nery Nobre de Melo,
Mulheres Portuguesas na Resistência [c/ fot.], Lisboa, Sea- “educação esmerada” e não os economizou, pre-
ra Nova, 1975, p. 21. vendo, aliás, a sua frequência num colégio da
[J. E.] Suíça no caso de ele próprio falecer antes de a
criança completar os 12 anos de idade. Crescendo
Elvira Saldanha em plena atmosfera da Regeneração, a menina
Atriz. Representou nos Teatros das Variedades e recebeu a educação decorrente da mentalidade
do Príncipe Real, onde entrou na peça A Vida de da época, em consonância com a ideologia do
ELV 246

progresso económico e da utilidade social. As- tadista representava a perspetiva de trilhar duas
similou, portanto, o modelo educativo reserva- vias pessoais diferentes, as quais, não sendo, por
do, exclusivamente, às filhas-família, prove- natureza, contraditórias, seriam, no mínimo, di-
nientes da alta burguesia e destinadas ao casa- fíceis de conciliar: a tradição e a emancipação fe-
mento e à vida do lar: ensino doméstico, com uma mininas. A sociedade exigiria, sempre, o cum-
sólida componente de formação humanista ba- primento das tarefas familiares; mas, em con-
seada na literatura nacional e nas línguas es- trapartida, o casamento com uma figura em des-
trangeiras, nomeadamente francesa e inglesa, que taque na cena política nacional significava a aber-
falava fluentemente, brilhando em receções ofi- tura de horizontes socioculturais mais vastos, com
ciais e meios diplomáticos, mas não descuran- oportunidade de manifestar as suas ideias e de
do as tradicionais “prendas femininas”. Um dos as aplicar. Assumiu, com gosto e simplicidade,
seus biógrafos retrata-a “à noite, à grande mesa a sobreposição de funções, tanto na esfera privada
da sala de jantar, junto do marido, a ler e a co- como na pública. No domínio da vida privada,
mentar a vida dos varões, de Plutarco, no meio Elzira Dantas atualizou o modelo de comporta-
do respeitoso silêncio da estremecida prole” mento social “no feminino”, através da tríplice
[J. de Lemos]. Os seus livros de estudo, em lín- função de mãe-educadora, gestora do património
gua inglesa, conservam anotações registadas familiar e colaboradora do marido no ambiente
pelo seu punho desde 1875 até 1881 (ano ante- doméstico e social. Responsável por uma famí-
rior ao do casamento). Em princípio, este modelo lia excecionalmente numerosa (19 filhos), orien-
de educação “no feminino” destinava-se ao per- tou-a no culto da autenticidade e do dever. Edu-
feito desempenho dos papéis domésticos, mas, cadora, valorizou a formação moral de preferência
na prática, encerrava um duplo desafio, visto que à instrução, partilhando a opinião de alguns/as
a incitava ao investimento no espaço público, por intelectuais portugueses dos fins do século XIX.
via do estudo e do trabalho. Desafio que ela ex- Os filhos formaram-se no âmbito do ensino su-
plorou, com inteligência e discrição, preparan- perior (contando-se, entre eles, dois professores
do-se em duas vertentes: por um lado, cons- catedráticos); das quatro filhas mais velhas,
ciencializou a inevitabilidade das funções tra- uma formou-se num colégio da Suíça e as três res-
dicionais; por outro, avançou, em simultâneo, tantes foram educadas no Real Colégio Ursulino
com uma autoformação, visível no percurso das Chagas, em Coimbra; das filhas mais novas,
pessoal, através da qual ultrapassou os cons- duas frequentaram o Liceu Camões, em Lisboa;
trangimentos originais: leu, refletiu, viajou pela todas elas aprenderam música (piano ou violino),
Europa e Brasil, relacionou-se e correspondeu- canto e desportos. Durante a Primeira Guerra
se com numerosas e ilustres personalidades da Mundial, um dos filhos, Bernardino Luís, ofe-
sua geração, entre as quais as escritoras feministas receu-se para prestar serviço militar na Frente Oci-
portuguesas, espanholas e francesas, que a sen- dental. Aqui se encontrou com o pai, Bernardi-
sibilizaram para a “questão feminina”. Destacam- no Machado, quando este efetuou a visita pre-
-se, pela amizade ou influência, Alice Pestana, sidencial ao CEP, em 1917. Momentos de como-
Ana de Castro Osório, Maria Veleda* e Carmen ção vivida e testemunhada! Constrangida, pelas
de Burgos, com quem manteve um frutuoso in- vicissitudes da carreira académica e política do
tercâmbio intelectual, através do qual perpassa marido, esta “dona de casa” viu-se obrigada a fre-
o dramatismo da Grande Guerra com os proble- quentes mudanças de residência, tanto no país
mas sociais e políticos envolventes. Em 1882, ca- como no estrangeiro. O casal habitou, no míni-
sou com Bernardino Machado, também ele filho mo, 13 moradias em território português, com to-
de plebeu nobilitado e enriquecido no Brasil. O dos os incómodos que significavam a deslocação
jovem professor universitário de Coimbra já re- de um grande agregado familiar, cheio de crian-
velava, à data, a craveira intelectual e uma vo- ças com diversas idades. A partir de 1907, data
cação inequívoca para a brilhante carreira polí- em que Bernardino Machado se demitiu do car-
tico-intelectual que viria a percorrer. Os pais vi- go de professor catedrático, a família foi residir
ram, portanto, com bons olhos, a inclinação dos para Lisboa. Aqui, entre outras casas, a gestora
dois jovens, cujo casamento veio reforçar as raí- do lar superintendeu e acondicionou às neces-
zes minhotas da família, ligando duas casas abas- sidades da vida quotidiana o Palácio de Belém
tadas da província. Para a noiva, que completara (na parte reservada à residência oficial do pre-
17 anos de idade, o consórcio com o futuro es- sidente da República, ocupada por Bernardino
247 ELV

Machado no seu primeiro mandato presidencial), lheres e homens em uníssono defenderam a li-
a Cidadela de Cascais (alojamento similar) e o Cas- berdade da Pátria e os valores democráticos amea-
telo de Sta. Catarina, na Cruz Quebrada (onde se çados. No primeiro momento, encontramos co-
encontrava quando partiu para o segundo exílio, laboração ativa na criação da Liga Republicana
em 1927). Administrou, em simultâneo, com ri- das Mulheres Portuguesas (1909-1919), da As-
gor e sobriedade, um conjunto de propriedades sociação de Propaganda Feminista (1911-1918),
rurais, dispersas pela província minhota: o Pa- da Caixa de Auxílio aos Estudantes Pobres do
lacete e a Quinta de Mantelães, residência original Sexo Feminino (1912), da Obra Maternal (1916)
da família de seu pai, Miguel Dantas; a casa de e do Lactário da Paróquia de S. José, em Lisboa;
Molêdo, habitação de veraneio; e, especialmen- no segundo momento, deparamos com a entu-
te, as casas e quintas situadas no concelho de Vila siástica fundação da Cruzada das Mulheres Por-
Nova de Famalicão, região onde permaneciam as tuguesas (1916-1933), antecedida pela Comissão
moradias originais da família Machado – casas Feminina pela Pátria (1914). Analisemos a pri-
de Torre de Cima, Solar de Rorigo e o palacete bra- meira etapa da sua intervenção pública, no âm-
sonado no centro da vila. Incluía, na função de bito da Liga Republicana: a fundação deste or-
gestora do património, “discretas dádivas à po- ganismo resultou, entre outros motivos, de um
breza obscura [...] pois não seria capaz de proceder antigo plano amadurecido por Ana de Castro Osó-
como muitos favoneados pela fortuna que, in- rio e Bernardino Machado. Em 1904, já a escri-
sensíveis, se fechavam, friamente, ante a des- tora confidenciara ao estadista a intenção de or-
ventura e tribulações do próximo” [J. de Lemos]. ganizar uma liga feminista para a proteção das
A sua casa, apesar das alternâncias impostas pela mulheres e da criança, mas que não tomaria qual-
absorvente carreira política do estadista, fun- quer decisão sem ouvir, previamente, o conselho
cionou como um centro de convívio social e cul- do político. O projeto viria a concretizar-se cin-
tural, onde germinaram ideias, fomentaram re- co anos mais tarde, inspirando-se nas diretrizes
voluções e se cruzaram percursos, tais como os político-ideológicas adotadas pela sua dirigente:
das personalidades da Geração de 70 e dos po- educação e instrução das mulheres e das crian-
líticos republicanos. Tanto em Portugal como no ças, bem como luta pela conquista dos direitos
exílio, esta dona de casa recebeu e hospedou uma cívicos e políticos femininos dentro dos princí-
plêiade de homens e mulheres de cultura, por- pios democráticos. A colaboração prestada por
tugueses e estrangeiros, mais ou menos célebres. Elzira Dantas Machado e marido à dirigente fe-
Encontravam-se ligados a círculos de sociabili- minista na criação da liga explica-se pela evidente
dade tão diversos como as letras, as ciências, a coincidência de perspetivas ideológicas rela-
política, a pedagogia e as correntes pioneiras da cionadas com o ideal da promoção cívica das mu-
emancipação feminina. Destacavam-se, entre lheres portuguesas, perspetivas em que se en-
muitos outros: Guerra Junqueiro, Joaquim Urbano, trelaçavam as correntes culturais do republica-
Teófilo Braga, Afonso Costa, Jaime Cortesão, Aga- nismo e do feminismo. O apoio às campanhas cí-
tão Lança, Francisco Giner de Los Rios, Alice Pes- vicas de Ana de Castro Osório já se verificara em
tana e Ana de Castro Osório. Inserida no meio des- circunstâncias similares, nomeadamente quan-
ta elite político-intelectual, Elzira Dantas co- do a escritora fora perseguida pela reação mo-
mungou, naturalmente, do ideário republicano nárquica e clerical, que tentou impedi-la de pu-
e feminista, encontrando-se em condições de o blicar os seus textos de literatura infantil. Ana de
manifestar. Defendeu, publicamente, o seu pro- Castro Osório solicitou, no impasse, a interven-
jeto em prol da promoção social da mulher e con- ção pessoal do político republicano, que acorreu
cretizou-o no âmbito das instituições femininas desbloqueando a situação. A proteção moral, in-
que fundou ou com as quais colaborou. A in- telectual e material dispensada pelo estadista e
tervenção nas organizações de mulheres desen- pela mulher às atividades feministas da escrito-
volveu-se em duas conjunturas políticas e men- ra persistiu, aliás, até à morte desta (1935). Em
tais diferentes: no período imediatamente ante- referência à Liga Republicana, o casal disponi-
rior e posterior à implantação da República, épo- bilizou todos os meios ao seu alcance, tanto a ní-
ca em que a intelligentzia feminina acreditava na vel institucional como familiar, não esquecendo
capacidade de resposta do novo regime político os indispensáveis recursos financeiros. Elzira Dan-
para as suas justas aspirações cívicas; e, no con- tas, acompanhada de três filhas, Rita*, Maria Fran-
texto da Primeira Guerra Mundial, quando mu- cisca* e Joaquina*, representava o núcleo de apoio
ELV 248

familiar. Contribuíram, na qualidade de sócias, [João Esteves]. O seu discurso de cariz feminis-
com participação ativa e auxílio económico em ta, dirigido a uma elite intelectual feminina, ro-
diversas circunstâncias. Em 11 de agosto de 1910, deada de políticos e pedagogos sensibilizados
Elzira Dantas foi instada por Maria Veleda e por para a mesma questão, explicava, mais uma vez,
Adelaide Cabete para assumir o cargo de presi- a sintonia do agregado familiar de Elzira Dantas
dente daquela instituição, na sequência de cer- Machado com os objetivos da nova associação.
tas incompatibilidades verificadas entre as duas Em 1911, a representante deste núcleo familiar
facções sócio-mentais da Liga. A divergência gi- aderiu à Associação de Propaganda Feminista,
rava, essencialmente, em torno da “questão re- acompanhada de duas das filhas, Rita Olímpia
ligiosa”. Ana de Castro Osório defendia a tole- e Maria Francisca, na sequência das diferenças
rância religiosa no interior da instituição, en- de opinião manifestadas no interior da Liga Re-
quanto Maria Veleda argumentava que não se po- publicana. Durante o mesmo ano, a associação
dia tolerar aquilo que se combatia. Na opinião de deliberou enviar à Assembleia Nacional Cons-
Ana de Castro Osório, que se empenhava em rei- tituinte uma representação pedindo o voto res-
vindicar, gradualmente, o lugar da mulher por- trito para a mulher. Entre os deputados que es-
tuguesa na sociedade, as sócias que constituíam tavam encarregados de elaborar a futura consti-
o grupo mais culto da associação apoiavam a sua tuição figurava Bernardino Machado, notável pela
orientação, enquanto a facção “mais inculta e im- coerência e apoio à causa feminina, e uma das
paciente” considerava a influência de Ana de Cas- cinco sócias que assinavam a petição era a filha
tro Osório atrasada e o seu ideal burguês. Ten- Rita. Envolvida no contexto familiar, é natural que
tando ultrapassar as desavenças, Maria Veleda Elzira Dantas tenha exercido a habitual in-
insistiu junto de Elzira Dantas Machado para que fluência no processo, apesar de não encontrar-
esta se encarregasse da direção da liga, observando mos, até à presente data, provas documentais nes-
que “sem um nome conhecido e respeitável à se sentido. De qualquer modo, o resultado da
frente da liga, esta instituição poderia conside- hipotética pressão teria sido em vão, como,
rar-se morta, o que seria um fracasso para o par- posteriormente, se confirmou. Entre 1912 e
tido republicano”. Dado o melindre das cir- 1914, a militante da associação interrompeu a ati-
cunstâncias, a destinatária recusou o convite, mas vidade porque se deslocou ao Brasil, acompa-
continuou a manter a participação efetiva, como nhando o marido, nomeado para desempenhar
se comprova em diversos contextos, exemplifi- o cargo de ministro de Portugal no Rio de Janeiro.
cados na presidência da festa comemorativa do No regresso, encontramo-la exercendo o cargo de
sétimo aniversário da liga, realizada em 1916. Tan- presidente da Associação de Propaganda Femi-
to ela como as filhas acima referidas apareceram nista, eleita, oficialmente, em 1916, na assembleia-
envolvidas nos seguintes projetos daquele orga- -geral de 15 de fevereiro. No âmbito do seu man-
nismo: fundação das escolas móveis em cada lo- dato (1915, 1916, 1917), contribuiu para o reforço
cal onde se encontrassem sucursais da Liga Re- da instituição desenvolvendo a atividade nos se-
publicana (1909); criação de caixas de subsídio guintes sectores: apresentação de petições sobre
às sócias pobres, velhas e doentes; contribuição os direitos cívicos e políticos das mulheres; pro-
de donativos para a Obra Maternal e para as só- moção da imprensa da associação; auxílio fi-
cias mais pobres, em diversas circunstâncias, con- nanceiro; colaboração com organizações de mu-
tando-se, entre as últimas Maria Veleda. O pro- lheres nacionais e estrangeiras. No primeiro
jeto desta “empresa familiar”, apostada na difu- aspeto, colaborou com Ana de Castro Osório, pre-
são de um modelo de autonomia feminina, sidente do Grémio Carolina Ângelo. Ambas
prosseguiu no âmbito da Associação de Propa- promoveram e assinaram uma representação di-
ganda Feminista (1911-1918), associação ine- rigida ao Governo e ao Parlamento, contendo
quivocamente vocacionada para a conquista “o mínimo das reclamações femininas mais ur-
dos direitos cívicos e políticos das mulheres. Esta gentes” (10 de agosto de 1915). Cuidaram de a en-
“representou uma viragem em relação à Liga Re- viar, igualmente, a Teófilo Braga, Bernardino Ma-
publicana das Mulheres, não só porque se as- chado e Afonso Costa. Os ministros, senadores
sumiu como uma organização tolerante, peran- e deputados que receberam o documento “tive-
te as crenças religiosas das sócias e não necessitou ram todos expressões de aplauso por aquela ati-
de assegurar qualquer vínculo político e parti- tude”. A representação foi lida na Câmara dos De-
dário, como estruturou a luta de forma diversa” putados e aprovada a sua publicação no Diário
249 ELV

das Câmaras. Tratava-se de um importante do- duas ações e assumindo, em simultâneo, as fun-
cumento que confirmava, publicamente, as con- ções de presidente da comissão dirigente e ad-
vicções feministas da primeira signatária. Foi pu- ministrativa da sociedade, comissão composta por
blicado no jornal A Semeadora, órgão oficial da mais quatro importantes sócias. Pautando-se pela
Associação de Propaganda Feminista, mas não mesma ordem de preocupações, contribuiu para
tivemos acesso à primeira parte do conteúdo, pos- duas subscrições abertas a favor de duas sócias
sivelmente publicada no número cinco do mesmo doentes: Inês da Conceição Conde e Maria Veleda,
jornal. Na parte disponível do texto discorria- enferma e lutando com graves dificuldades eco-
-se sobre as carências da situação das mulheres nómicas. A subscrição que reverteu para a últi-
portuguesas nos domínios da instrução, assis- ma foi organizada através da Caixa de Auxílio dos
tência social, funcionalismo público e direitos po- Estudantes Pobres do Sexo Feminino, instituição
líticos, apresentando-se as respetivas reivindi- social da qual Elzira era igualmente sócia. Efe-
cações, nomeadamente no campo dos direitos po- tuou donativos similares para a Obra Maternal
líticos: o direito de voto restrito “para as mulheres (que, entretanto, se filiara na Cruzada das Mu-
diplomadas em cursos superiores, como afir- lheres Portuguesas). Representando a associação,
mação do princípio do sufrágio universal”; o di- trabalhou ainda com diversas organizações de
reito de serem eleitas, “antes mesmo de se abrir mulheres, tanto nacionais como estrangeiras: Gré-
largamente o eleitorado feminino”. Porque era mio Carolina Ângelo, colaborando com Ana de
mais fácil encontrar uma mulher que se distin- Castro Osório; Liga Republicana das Mulheres
guisse do que criar o grande eleitorado, contes- Portuguesas, mantendo a sua atividade de sócia
tando-se, embora, a opinião de que a mulher não fundadora, como se comprova pelo convite
estivesse preparada para exercer os direitos po- para presidir à festa do 7.o aniversário desta ins-
líticos, num país em que o homem não o estaria tituição; Comissão Feminina pela Pátria, orga-
melhor! A experiência poderia iniciar-se no nização que precedeu a Cruzada das Mulheres
âmbito da administração pública, fazendo-as en- Portuguesas no auxílio aos militares mobilizados;
trar, com discrição, nas juntas de paróquia e nas Cruzada das Mulheres Portuguesas, acumulan-
câmaras municipais, onde desempenhariam, do as funções inerentes às duas respetivas pre-
com benefício para os munícipes, esses lugares sidências; Carmen de Burgos, pioneira de orga-
de tanta responsabilidade “onde se requeria um nizações feministas espanholas e com quem se
grande amor à terra portuguesa, que, nas mulheres, relacionou no contexto específico da Cruzada; Al-
era proverbial”. Estratégia gradual, até conquis- liance internationale pour le suffrage des femmes,
tarem voz no Parlamento! É interessante notar a que a informava sobre os movimentos de liber-
coincidência entre o teor destas reivindicações tação das mulheres através do respetivo jornal,
e as propostas avançadas por Bernardino Ma- Jus Suffragii. O seu desempenho não se limitou,
chado, na sua campanha política a favor da pro- portanto, a um papel honorífico como, aliás, a pró-
moção cívica das mulheres, nomeadamente no pria associação reconheceu, registando na ata da
âmbito do Primeiro Congresso Feminista e da sessão que a elegeu para aquele cargo o seguin-
Educação (1924), no qual o estadista proferiu o te parágrafo: “A nossa consócia, D. Elzira Dan-
discurso de abertura. A verificação deste facto su- tas Machado, nossa ilustre presidente, merece,
gere persistência de um património ideológico co- aqui, uma especial menção, pelo auxílio moral
mum, circulando entre os diversos membros do que, em toda a parte, presta à nossa associação
agregado familiar e entre os/as amigos/as mais e à nossa causa, que defende pela palavra, pelas
próximos/as. Património que se alimentava de um obras, e pelo exemplo” [A Semeadora, n.o 9,
permanente intercâmbio republicano e feminista. 15/03/1916, p. 3]. O agravamento da conjuntu-
Constituiu-se, entretanto, durante o triénio do ra política resultante da Primeira Guerra Mun-
mesmo mandato, um grupo editor, a Empresa de dial exigiu uma intervenção diferente por parte
Propaganda Feminista e Defesa dos Direitos da das mulheres. Portugal participou no conflito. Os
Mulher. Era uma sociedade que assegurava a pu- imperativos nacionais suplantaram, no mo-
blicação do jornal A Semeadora, órgão difusor mento, os ideais específicos do género. A mili-
da Associação de Propaganda Feminista e do seu tante da Associação de Propaganda Feminista em-
ideário, distribuído, grátis, pelas sócias [João Es- penhou-se, prioritariamente, na Cruzada das Mu-
teves]. A presidente da associação participou na lheres Portuguesas (1916-1933), conjugando a pre-
criação e promoção da empresa, entrando com sidência das duas organizações. Iniciou, portanto,
ELV 250

a segunda etapa da sua intervenção pública. Os espírito e a ação da mulher portuguesa, seguin-
estatutos da cruzada definiam-na como uma ins- do o modelo de organizações europeias simila-
tituição patriótica e humanitária, destinada a pres- res, mas conferindo-lhe um carácter nacional; con-
tar assistência material e moral aos que dela ne- vocou, no Palácio de Belém, um grupo de se-
cessitassem por motivo do estado de guerra com nhoras, quase todas das famílias dos membros do
a Alemanha. A criação oficial deste organismo Governo, grupo que correspondeu, de forma bri-
data de 19 de agosto de 1916; na prática, a res- lhante, às suas expectativas, pois “encontrou em
petiva presidente geral já se encontrava em todos os corações o mais patriótico acolhimen-
exercício antes disso, como se comprova pela re- to”, nomeadamente, na colaboração de Estefânia
presentação que entregou no Ministério da Macieira, primeira secretária-geral, Palmira Pá-
Guerra, comunicando que no programa dos tra- dua e Ester Norton de Matos; em duas reuniões
balhos de hospitalização e enfermagem da cru- (a segunda mais numerosa do que a primeira) ela-
zada estava consignada a criação de um hospi- boraram, discutiram, “apaixonadamente”, e
tal permanente em Lisboa, com cerca de 400 lei- aprovaram, por unanimidade, o programa e os es-
tos, e a formação de uma ambulância para cer- tatutos da cruzada, demonstrando “que as mu-
ca de 400 feridos, destinada a prestar serviço nos lheres portuguesas, ao contrário do que muitos
campos de batalha onde tivessem de combater os supunham, tinham uma individualidade e cons-
nossos soldados [Decreto n.o 2493, de 3 de julho ciência autónoma e desejavam fazer obra da sua
de 1916]. Em 1917, numa notável entrevista con- própria responsabilidade”. A responsável pela
cedida ao jornal A Capital, interessado na Cru- criação do novo organismo distinguia dois níveis
zada das Mulheres Portuguesas, Elzira Dantas ex- de objetivos no desenvolvimento do seu pro-
plicou como lançara e concretizara “aquela lin- grama: pretendia-se, a curto prazo, a assistência
da obra feminina, da qual tinha a honra de ser inteligente da mulher portuguesa não só aos sol-
presidente, e à qual queria como se fosse uma coi- dados que partiam como às famílias que ficavam;
sa muito da sua alma e do seu pensamento”, su- mas, a longo prazo, a recente mobilização vo-
blinhando a colaboração familiar (nomeada- luntária feminina serviria, no pós-guerra, de en-
mente das filhas Maria e Joaquina) e de um grupo quadramento para a missão futura da mulher por-
de senhoras empenhadas e corajosas. Retor- tuguesa como educadora e dirigente das obras de
quindo ao elogio de “entusiástica defensora assistência social. A estrutura da cruzada, orga-
dos direitos das mulheres”, dirigido pelo jorna- nizada em comissões e subcomissões, e o seu fi-
lista, destacou, pelo contrário, o envolvimento de nanciamento espontâneo foram os dois princi-
um número considerável de mulheres portu- pais fatores responsáveis pelo sucesso dos re-
guesas na “causa feminina, que era a causa da jus- sultados. A avaliação das realizações práticas efe-
tiça: contrariada e tão ridicularizada, pelos es- tuadas nos dois primeiros anos (incompletos) des-
píritos superficiais, antes da guerra, tinha, então, te mandato remete-nos para a obra concretizada
o reconhecimento da sua legitimidade determi- no âmbito das respetivas comissões: a comissão
nado pelas circunstâncias”. Na entrevista inquiria- de assistência aos soldados angariou meios para
-se sobre os princípios ideológicos que norteavam a compra de roupas, agasalhos e tabaco para os
a cruzada; a sua instituição, programa e objeti- expedicionários de África e França; encarregou-
vos; estrutura orgânica e financiamento; e reali- -se da correspondência dos soldados com as fa-
zações práticas efetuadas. A entrevistada res- mílias; requereu ao Governo a cedência do an-
pondeu, respetivamente, àquelas questões, nos tigo Palácio de Linhares, em Arroios, preparan-
seguintes termos: a Cruzada das Mulheres Por- do-o para futura Escola de Soldados, inutiliza-
tuguesas não obedecia a fins políticos; fundara- dos por efeito da guerra, imitando iniciativas si-
-se “na ideia patriótica de ser colaborada por to- milares levadas a efeito em todos os países en-
das as portuguesas, sem outra preocupação que volvidos no conflito. A comissão de assistência
não fosse a assistência às vítimas de guerra”; no às mulheres concedeu subsídios às mulheres dos
momento em que o país entrara, definitiva- mobilizados, remediando o atraso dos subsídios
mente, no conflito, a militante da Comissão Fe- que foram, depois, oficialmente concedidos
minina “Pela Pátria” decidiu que este organismo pelo Governo; criou uma Casa de Trabalho que
deveria ser o ponto de partida de uma obra mais lhes era destinada, para aí encontrarem a segu-
vasta, alargando os meios de ação para realizar rança de um labor produtivo e, para algumas, a
uma finalidade que representasse claramente o primeira aprendizagem profissional, visando
251 ELV

uma atividade laboral honrada no pós-guerra. A ria, vítima da pneumónica, em Hendaya. Pobres
comissão de assistência infantil fundou uma cre- pais! A viragem política no interior do regime re-
che em Xabregas e estava em vias de acomodar publicano e o profundo desgosto provocado pela
a segunda em Alcântara, beneficiando este bair- morte da filha foram, por certo, dois fatores que
ro donde tantos soldados tinham saído para a pesaram na decisão de Elzira Dantas em aban-
guerra, na Europa e em África; preparava jardins donar as funções diretivas. Em fevereiro de
de infância articulados com futuras escolas pro- 1923 escreveu a Etelvina Pereira d’Eça, vice-pre-
fissionais. A comissão hospitalar obteve do Go- sidente da assembleia-geral da cruzada, solici-
verno a cedência do Convento de Campolide para tando a demissão e agradecendo às consócias a
hospital militar, tendo em vista o hospital da cru- colaboração prestada. No ano seguinte, a as-
zada, modelo de ordem e boa disposição que hon- sembleia-geral de 2 de abril elegeu-a de novo, des-
raria a iniciativa feminina. A comissão de en- ta vez presidente de honra da Cruzada das Mu-
fermagem, particularmente simpática à sua pre- lheres Portuguesas, eleição que “não era mais do
sidente geral, lançou os fundamentos para a fu- que um ato de justiça daquela agremiação que tan-
tura Escola de Enfermagem, preparando, entre- to lhe devia”. O declínio político da Primeira Re-
tanto, enfermeiras para seguirem para França. En- pública acelerou-se, entretanto, no contexto crí-
tre estas encontrava-se Maria, filha da responsável tico do pós-guerra. Seguiu-se o período de cons-
da cruzada, que se prontificara para o efeito. A piração partidária e o golpe militar que pôs fim
Escola de Enfermagem correspondia a um anti- ao regime (1926). Bernardino Machado, que re-
go projeto de Elzira Dantas que, no advento da nunciara de livre vontade ao seu segundo man-
República, já tentara criar uma escola profissio- dato presidencial, abandonou, mais uma vez, o
nal que substituísse, com disciplina e método, a país, intimado pelos ditadores vitoriosos (1927).
enfermagem religiosa. A comissão de propaganda Acompanhando o marido no segundo exílio, El-
organizou 76 subsecções, às quais cabia a assis- zira Dantas viveu 13 anos amargurados, ora em
tência local às vítimas de guerra; criou escolas pro- Espanha, ora em França, mudando frequente-
fissionais e colónias agrícolas femininas e auxi- mente de residência ao sabor da instabilidade con-
liou a colocação de mulheres na vida profissio- juntural espanhola e do relacionamento políti-
nal. Concluindo com a fundadora da cruzada: “o co entre os dois governos ibéricos. Ultrapassan-
impulso fora muito grande para voltar ao nada do as limitações, a sua casa funcionou, mais uma
de que saíra [...]. As senhoras que, naquele mo- vez, como um polo de resistência contra a dita-
mento, tinham entrado numa tão bela obra, dura: recebeu e auxiliou os emigrados republi-
dando-lhe o seu amor e a sua iniciativa, dificil- canos (quantas vezes à custa do pecúlio pessoal?)
mente se resignariam a ver o seu esforço destruído e apoiou a organização de encontros e reuniões
e as suas obras esquecidas ou mortas”. Em de- domiciliárias com os responsáveis da oposição
zembro de 1917, a revolução sidonista inter- ao salazarismo e demais resistentes. Comparti-
rompeu, brutalmente, a obra e o voto auspicioso lhou, com o estadista exilado, as retaliações de-
da sua criadora. A Junta Revolucionária destituiu sencadeadas por parte do Estado Novo: imposi-
Bernardino Machado do cargo de presidente da ção de uma multa de 200 contos, sob pretexto de
República e Elzira Dantas acompanhou-o no pri- conspiração contra a pátria; perseguição e prisão
meiro exílio. Em 1919, o ministro dos Negócios política de diversos membros da sua família, em
Estrangeiros, Xavier da Silva, comunicou à re- especial dos filhos, unicamente pelo facto de o
presentante da Cruzada das Mulheres Portu- serem. Da época de exílio, Elzira Dantas deixou-
guesas, exilada em Paris, que o presidente da Re- nos um comovente legado literário: a obra inti-
pública Portuguesa agraciara aquela beneméri- tulada Contos – Para os meus netos (1934) escritos
ta instituição com a Grã-cruz da Torre e Espada, em La Guardia, com o coração apertado de sau-
pelos humanitários e relevantes serviços prestados dades da família e de Portugal. Trata-se de um li-
aos soldados que haviam combatido em África vro de contos para crianças de cariz formativo,
e França, concedendo, em simultâneo, à respe- característica inerente à literatura para a infân-
tiva presidente, a Grã-cruz da Ordem de Cristo, cia do princípio do século XX. Recria cenas do
como “homenagem à dedicação e civismo ma- quotidiano infantil, exaltando as virtudes do es-
nifestado no desempenho do cargo e às suas al- tudo e do trabalho, bem como o mundo encan-
tas virtudes de senhora”. O casal regressaria à pá- tado das fábulas. A narrativa enquadra-se, nor-
tria, de luto, inconsolável, pela morte da filha Ma- malmente, no ambiente minhoto, reavivando as
ELZ 252

raízes familiares: Mantelães e Moselos (Paredes (filha), Sofia Peres Machado, Manuela e Manuel Machado
de Coura), Joane (Vila Nova de Famalicão), Co- Sá Marques (netos).
Bib.: Ana de Castro Osório, A Mulher Heróica, Conferência
vas (Caminha) e Molêdo do Minho. Estas pe- realizada na festa patriótica de 4 de junho de 1916; An-
quenas histórias, ora divertidas, ora moralistas tónio Machado, Bernardino Machado – Memórias, Fi-
(sempre graciosas), retratam a personalidade ou gueirinhas, 1.a edição 1945, 2.a edição 2000; Bernardino
estimulam a fantasia daqueles que as haviam ins- Machado, No Exílio, Famalicão, 1922; Elzira Machado
pirado: os seus netos. A experiência literária foi Rosa, Bernardino Machado, Alice Pestana e a Educação
da Mulher, nos Fins do Século XIX, Lisboa, Condição da
elogiada por escritores estrangeiros e nacionais, Condição Feminina, 1989; Idem, Bernardino Machado –
entre os quais Aquilino Ribeiro. A autora cola- Protagonista de Mudança, Cadernos Vale do Ave – 1, Câ-
borou, igualmente, em diversos periódicos in- mara Municipal de Vila Nova de Famalicão, V. N. Fa-
fantis, tais como, a título de exemplo, “O Co- malicão, 1991; Idem, Mostra Nacional – Bernardino
mércio Infantil” (suplemento do jornal O Co- Machado, Catálogo, coordenação do Departamento de Edu-
cação e Cultura [Artur Sá da Costa], Organização do Ar-
mércio do Porto, 1942). Em maio de 1940, no con- quivo Municipal, Vila Nova de Famalicão, 1995; Idem,
texto da Segunda Guerra Mundial, regressou a Subsídios para a História da Educação das Mulheres em
Portugal. Restou-lhe pouco tempo para reen- Portugal (séculos XIX e XX), 1997; Idem, “Bernardino Ma-
contrar a família e usufruir da chamada “liber- chado: Cientista, pedagogo e político (raízes minhotas e
brasileiras)”, Os Brasileiros da Emigração [coord. José Fer-
dade suficiente”, na expressão de Salazar. Em nandes Alves], Coleção Cadernos Museu Bernardino Ma-
21 de abril de 1942 faleceu no Porto, “encerrando chado, n.o 1, Câmara Municipal, Vila Nova de Famalicão,
os sacrifícios da sua vida com o estoicismo da sua 1999; Idem, A Educação Feminina na Obra Pedagógica
morte” [Bernardino Machado]. Durante o seu per- de Bernardino Machado – Propostas a favor da igualdade
curso pessoal, Elzira Dantas Machado viveu, sem e da emancipação das mulheres, Coleção Cadernos
Museu Bernardino Machado, n.o 2, Câmara Municipal, Vila
dúvida, momentos de triunfo mundano, mas tam- Nova de Famalicão, 1999; Idem, “Bernardino Machado
bém experimentou a adversidade: perdeu qua- e a educação feminina”, Bernardino Machado: O homem,
tro filhos, enfrentou duas guerras mundiais e so- o cientista, o político e o pedagogo [coord. Norberto Cu-
freu dois exílios que lhe roubaram a alegria de nha], Cadernos Museu Bernardino Machado, n.o 4, Câmara
viver no aconchego da pátria e da família. Edu- Municipal, Vila Nova de Famalicão, 2001; Idem, “Ber-
nardino Machado”, Bernardino Machado, Catálogo da Ex-
cada na ética republicana, trocou a comodidade posição Permanente – Museu Bernardino Machado
de um estatuto social elevado pela responsabi- [coord. Filipe Jorge], Produção Editorial “Argumen-
lidade da intervenção pública; ao ócio e à frivo- tum”, 2002; Idem, Bernardino Machado – Fotobiografia,
lidade preferiu o testemunho das suas convicções; Presidentes de Portugal – Fotobiografias, edição do Mu-
desprezando o protagonismo mediático, contri- seu da Presidência da República, Lisboa, 2006; João Go-
mes Esteves, A Liga Republicana das Mulheres Portu-
buiu, de facto, para reduzir a exclusão cívica das guesas – Uma organização política e feminista (1909-
mulheres. -1919), Lisboa, ONG do Conselho Consultivo da Comis-
Da autora: Contos – Para os meus netos, Famalicão, 1938. são para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, 1992;
Fontes manuscritas e impressas: Biblioteca Nacional de Idem, As Origens do Sufragismo Português – A primei-
Lisboa – Ministério da Guerra – A. C. L. Caixa 2: Esta- ra organização sufragista portuguesa: A Associação de
tutos da Cruzada das Mulheres Portuguesas, Lisboa, Im- Propaganda Feminista (1911-1918), Lisboa, Editorial Bi-
prensa Nacional, 1916; Cruzada das Mulheres Portu- zâncio, 1998; Jorge Fernandes Alves, O Percurso Migra-
guesas – Comissão de propaganda e organização do tório do Conselheiro Miguel Dantas, Separata dos cadernos
trabalho, Relatório e Contas, Lisboa, 1917; Relatório da de Arqueologia e Património, n.os 2/3 da Câmara Muni-
Comissão de Assistência aos Militares Mobilizados; Cru- cipal de Paredes de Coura – Gabinete de Arqueologia e
zada das Mulheres de Torres Novas, Palestrando, Lis- Património, 1993, 1994; Maria Ivone Leal, Um Século de
boa, 1917; A Semeadora, n.o 3, 15/09/1915, p. 4, n.o 9, Periódicos Femininos: Arrolamento de periódicos entre
15/03/1916, pp. 3-4, e 1918, pp. 1-2. Museu Bernardi- 1806 e 1926, Lisboa, CIDM, 1992.
no Machado – Fundo Particular Bernardino Machado: [E. D. M. R.]
correspondência de Elzira Dantas Machado com escri-
toras feministas; Diplomas: Cruzada das Mulheres Por- Elzira Dantas Machado
tuguesas. Diploma de Honra conferido a Dona Elzira Dan- v. Elzira Dantas Gonçalves Pereira Machado
tas Machado – Fundadora e presidente perpétua da C.
M. P. 1916; Lactário da Paróquia de S. José. Diploma de
Honra. Lisboa e Sala de Sessões do Lactário da Paróquia Ema da Conceição Oliveira
de S. José, em 28 de março de 1916; Publicações pe- Atriz cómica e fadista. Nasceu no Porto, a 2 de
riódicas: O Paiz, “A Cruzada das Mulheres Portuguesas”, março de 1891, e faleceu em Lisboa, a 3 de se-
28/11/1916; O Mundo, “Cruzada das Mulheres Espa-
nholas”, 15/08/1920.
tembro de 1951. Foi casada com Rafael de Oli-
Fontes orais: Família de Elzira Dantas Machado e de Ber- veira, ator e empresário teatral. Estreou-se como
nardino Machado, nomeadamente Sofia Dantas Machado corista no Teatro da Rua dos Condes, a 13 de se-
253 EMA

tembro de 1912, na revista Sempre Fresquinho, abril de 1941. Segundo investigação de Fina d’Ar-
de Eduardo Marta e Schwalbach, música de Vas- mada, confecionou, juntamente com Etelvina de
co de Macedo. Passou ao Teatro da Avenida, onde Almeida*, a bandeira republicana arvorada na Câ-
entrou em O 31 (1913), revista de Luís Galhar- mara Municipal de Alfândega da Sé aquando da
do, Pereira Coelho, Alberto Barbosa, música de implantação da República, a qual tinha inscri-
Del Negro e Alves Coelho, e regressou ao Teatro ta as palavras “Ordem e Progresso”.
da Rua dos Condes, já como atriz, para representar Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
Canção de Portugal (1914). Atuou na maioria dos das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011.
teatros lisboetas. No género revista, popularizou [J. E.]
as canções “A Varina Vai ao Conde” de O Novo
Mundo, de Eduardo Shwalbach, Félix Bermudes Ema de Oliveira
e João Bastos, música de Alves Coelho e Ven- v. Ema da Conceição Oliveira
ceslau de Morais (Eden Teatro, 1916), “Fado de
Paris” e “Rapaz Antigo”, de Cabaz de Morangos, Ema Pereira
de Lino Ferreira, Silva Tavares, Luna de Olivei- Atriz. Nasceu em Lisboa. Estreou-se no Teatro Car-
ra, Acúrcio Pereira, música de Venceslau Pinto, los Alberto, do Porto, a 7 de outubro de 1911, na
Alves Coelho e Raul Portela (Eden Teatro, 1926), opereta O Camponês Alegre. Fez o papel de “ci-
“Lavadeiras de Caneças”, de A Rambóia, de Luís gana” na peça Uma Mancheia de Rosas, entrou
Galhardo e Xavier de Magalhães, música de Hugo em Flor do Tojo, Botas de Napoleão e na revis-
Vidal, Raul Ferrão e Frederico de Freitas (Maria ta Às Armas, de A. Leite e C. Barbosa, música de
Vitória, 1928), “Recrutas e Sopeiras”, em Chá de Pascoal Pereira. Foi para Lisboa, para o Teatro da
Parreira, de Xavier Magalhães, música de Fre- Avenida, integrada na Empresa Galhardo, onde
derico de Freitas (Variedades, 1929). Foi muito repetiu o seu repertório e entrou em Brasileiro
aplaudida em Feira da Luz, de Félix Bermudes, Pancrácio, peça de costumes em 3 atos de Sá de
João Bastos e Pereira Coelho, música de Frede- Albergaria, música de Freitas Gazul, Solar dos
rico de Freitas e Carlos Calderón (Trindade, 1930), Barrigas, ópera cómica em 3 atos de Gervásio Lo-
O Cavaquinho, de Carlos Ataíde e Carlos Ro- bato e D. João da Câmara, Família Polaca, A Ge-
drigues, música de Camilo Rebocho (Variedades, nerala, e nas revistas Có-có-ró-có (1912), de Er-
1930), A Festa Brava, de Lino Ferreira, Fernan- nesto Rodrigues, Félix Bermudes e André Brun,
do Santos e Amadeu do Vale, música de Raúl Fer- música de Assis Pacheco, Del Negro, A. Coelho
rão, Jaime Mendes e J. B. do Nascimento (Apo- e Nicolino Milano, e Alerta! (1913), de Luís Ga-
lo, 1933), Na Ponta da Unha, de Dois e Dois, lhardo Alberto Barbosa, P. Coelho e Barbosa Jú-
música de Raul Portela, Fernando de Carvalho nior, música de Alves Coelho, Carlos Calderón
e Frederico Valério (Maria Vitória, 1939), Boa e Del Negro.
Nova, de Amadeu do Vale, Manuel Santos Car- Bib.: “Artistas Novos – Ema Pereira”, O Ocidente, n.o
valho e Fernando Ávila, música de Frederico Va- 1251, 30/09/1913, p. 297.
lério (Variedades, 1942). Fez várias digressões às [I. S. A.]
províncias, colónias e Brasil. Tinha especial ap-
tidão para papéis de “característica” cómica. Dei- Ema Quintas Alves
xou a cena em 1950. v. Ema Zaira Quintas Alves
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 986; Ema Zaira Quinta Alves
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXXV, Professora, pedagoga e seareira, nasceu em
Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 361; Ví- 1915, em Torres Vedras, e faleceu em 1993. Le-
tor Pavão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma his-
tória breve do teatro de revista, Lisboa, Edições “O Jor- cionou Português no Liceu Charles Lepierre e
nal”, 1978, pp. 224, 225 e 251-253. preocupou-se com a criação de bibliotecas para
[I. S. A.] os mais novos, sendo autora da obra pioneira Pe-
quenas Bibliotecas: Como as organizar moder-
Ema da Costa Pessoa namente e como utilizá-las, inserida na Biblio-
Republicana. Filha de Leopoldina Amélia Cor- teca Cosmos, dirigida por Bento de Jesus Cara-
deiro da Costa Pessoa e de Adolfo Inácio da Cos- ça. Traduziu, para a mesma colecção, o livro de
ta Pessoa, nasceu em Alfândega da Sé a 22 de M. Iline, 100.000 porquês: uma viagem à roda
agosto de 1885 e faleceu em Valverde a 18 de da casa, e dirigiu, nos anos 1960, a Coleção Cos-
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mos Juvenil. Manteve, desde os tempos de es- caso amoroso, a seguir à carreira teatral. Biester
tudante em Coimbra, atividade de oposição ao passou a escrever quase exclusivamente para ela.
salazarismo: assinou, em 1945, as listas para a Matriculou-se no Conservatório Dramático de Lis-
constituição do Movimento de Unidade Demo- boa, onde foi lecionada por Duarte Cardoso de Sá,
crática (MUD); apoiou a candidatura de Norton que a acompanhou durante o percurso artístico,
de Matos a presidente da República, cabendo- e completou rapidamente a sua educação literá-
-lhe a leitura da mensagem de Isabel Aboim In- ria. Estreou-se no Teatro D. Maria II, em 1857, em
glês na sessão realizada na Voz do Operário, no A Chávena Quebrada, comédia em 1 ato de Luís
dia 29 de janeiro de 1949; fez parte da Comis- Vasconcelos, e foi uma revelação. Biester deu-lhe,
são Central do Movimento Nacional Democrá- a seguir, um papel de relevo na peça A Carida-
tico Feminino (MNDF), juntamente com Maria de na Sombra, onde conquistou a admiração do
Lamas, Maria Isabel Aboim Inglês, Cesina Ber- público. Naquele teatro, entrou em Os Beijos
mudes* e Manuela Porto; integrou a Comissão (1859), peça em 1 acto, O Amor Pedindo Abrigo
Nacional do 3.o Congresso da Oposição Demo- (1860), em travesti, Uma Menina de Quinze Anos
crática, realizado em Aveiro entre 4 e 8 de abril (1860), Galeria Familiar (1861), de Ernesto Bies-
de 1973. Colaborou nas revistas Os Nossos Fi- ter; nos dramas em 5 atos, Egas Moniz (1862), em
lhos, dirigida por Maria Lúcia Vassalo Namorado, verso, e Pedro (1863), ambos de Mendes Leal; Vida
Seara Nova e Vértice. Doou a importante bi- de Um Rapaz Pobre, em 7 quadros de Octave
blioteca particular e outra documentação à Bi- Feuillet, tradução de Joaquim José Anaya, e No-
blioteca Municipal de Torres Vedras. bres e Plebeus, em 8 quadros, versão de La Bel-
le au Bois Dormant de Octave Feuillet, traduzi-
Da autora: Pequenas Bibliotecas: Como as organizar mo-
dernamente e como utilizá-las, Lisboa, Cosmos, 1946; do por Francisco Palha; fez o papel de “pagem”
“As modernas bibliotecas de crianças”, Vértice, 1953; em Fidalgos de Bois Doré, drama de George Sand
“Sobre o ensino da língua pátria”, Seara Nova, n.o 1490, traduzido por Pinheiro Chagas; e participou em
1969, pp. 413-414; “O ensino da língua no contexto so- O Morgado de Fafe Enamorado, comédia em
cial”, Seara Nova, n.o 1494, 1970, pp. 128-130.
Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em
3 atos de Camilo Castelo Branco. No verão de
Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997; Ana 1863, foi com a companhia do Teatro D. Maria II
Maria Pires Pessoa, A Educação das Mães e das Crian- pela primeira vez ao Porto, onde fez sucesso. Nes-
ças no Estado Novo: A proposta de Maria Lúcia Vassalo se ano, foi ao Ginásio representar Diana de Lyz,
Namorado, Dissertação de Doutoramento em Ciências drama de Alexandre Dumas, filho. Emília Ade-
de Educação, Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciên-
cias da Educação, 2005, 2 Vols.; Vanda Gorjão, Mulhe-
laide conseguiu permissão do Governo para se des-
res em Tempos Sombrios. Oposição feminina ao Esta- locar, em visita de estudo, a Londres e Paris, fi-
do Novo, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2002. cando nesta cidade três meses com o intuito de
[J. E.] contactar com a escola de teatro onde pontifica-
vam Sarah Bernhardt, Hortense Schneider e
Emília Adelaide Victorien Sardou. Tinha, então, em cartaz a co-
v. Emília Adelaide Pimentel média realista, em 5 atos, A Família Benoîton.
Quando regressou de Paris exigiu a representa-
Emília Adelaide Pimentel ção desta peça, traduzida por Ernesto Biester, para
Atriz. Nasceu numa pequena povoação nos ar- pôr em prática o que aprendera com as grandes
redores de Castelo Branco (algumas fontes in- figuras da comédia francesa e apresentou-se
dicam a cidade de Portalegre), a 1 de novembro com um luxuoso vestido do costureiro Worth. Se-
de 1836 e faleceu a 11 de setembro de 1905. Era guiram-se Os Primeiros Amores de Bocage (1865),
filha de Maria José de Resende Pavia e de Luís comédia em 5 atos de Mendes Leal, com José Car-
Dias Pimentel, operário que veio para Lisboa pro- los Santos no protagonista, os dramas Angelo, ou
curar uma vida melhor e deixou de contactar a o Tirano de Pádua, em 4 atos, de Victor Hugo, tra-
família. Aos 11 anos foi com a mãe e duas irmãs dução de Augusto Rebelo da Silva, em que fez o
para Castelo Branco, em busca de emprego que papel de “Catarina” ao lado de Emília das Neves*,
as sustentasse e, em 1854, costurava num ate- Fernanda, de Victorien Sardou, e Dama das Ca-
liê de modista, no Arco do Bandeira, em Lisboa, mélias, em 5 atos, de Alexandre Dumas, filho, tra-
e representava num teatro de cordel, sendo en- duzida por António Joaquim da Silva Abranches.
tão aconselhada por Ernesto Biester, que se te- Contratada por Francisco Palha para integrar a
ria apaixonado por ela e com quem manteve um companhia do futuro Teatro da Trindade, en-
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quanto duraram as obras o empresário explorou, vidamente autorizados pelo proprietário, abriram-
temporariamente, o Teatro da Rua dos Condes com -no a 13 de agosto de 1881. Emília Adelaide es-
o elenco em que figurava Emília Adelaide. Entre treou-se no Príncipe Real com os dramas Suicí-
1860 e 1866, residiu na Calçada do Carmo, n.o 3, dio, em 5 atos, de Paulo Ferrari, tradução de
em Lisboa. A 30 de novembro de 1867, entrou no D. Noronha, e Madalena (03/01/1884), de Pinheiro
espetáculo inaugural do Teatro da Trindade com Chagas, uma das mais belas criações dramáticas
a estreia das comédias A Mãe dos Pobres, em 5 atos, da atriz; nesse mesmo mês, levou ao Teatro dos
de Ernesto Biester, e O Xerez da Viscondessa, em Recreios A Ceia Infernal e fez temporada no Por-
1 ato, traduzida do original espanhol e adaptada to. Depois de alguns anos afastada do palco, de-
por Francisco Palha, ao lado de Delfina Espírito dicada à companhia, representou os papéis prin-
Santo* e do ator Tasso. Ali criou as protagonistas cipais nas peças das suas festas artísticas, entre
de Morgadinha de Valflor (1869), drama em 5 atos as quais O Tutor (05/04/1884), drama em 5 atos
que Pinheiro Chagas escreveu para benefício da de Esteves de Carvalho, ao lado de Pinto de Cam-
atriz e que foi um dos seus grandes triunfos, e da pos. A 24 de junho de 1884, tomou o vapor Se-
comédia Mademoiselle de Belle Isle, de Williams negal para a Baía, donde partiu em tournée pelo
Seymours. Percorreu as províncias e ilhas com Brasil e, no Rio de Janeiro, representou com mui-
uma companhia dramática de que era diretora e, to agrado, no Teatro S. Luís, peças do seu reper-
em 1871, no apogeu da glória, foi atuar ao Brasil, tório e os dramas O Amor e o Dever, de Francis-
onde obteve um dos maiores sucessos que atores co Serra, Fortuna e Trabalho e Homens Ricos, am-
portugueses haviam alcançado. Os proventos que bas em 5 atos de Ernesto Biester, As Pupilas do
auferia incentivaram-na a fazer-se empresária de Sr. Reitor, extraído do romance de Júlio Dinis, Pe-
uma numerosa companhia, que se revelaria pou- cadora e Mãe, Dalila, em 3 atos, de Octave Feuil-
co rentável e lhe proporcionou grandes dissabo- let, imitação de António Serpa Pimentel, e Tar-
res. Em 1871, de volta ao Teatro D. Maria II, re- tufo, comédia de Molière, traduzida em verso pelo
presentou os dramas: em 5 atos, Visão Redento- visconde de Castilho. O seu último papel, antes
ra, de Rangel de Lima e Ferreira de Mesquita, Ma- de abandonar a cena, foi “Adélia” em Antony, dra-
ria Antonieta (1872), de Giacometti, tradução de ma de Alexandre Dumas, pai, traduzido por Ra-
Ernesto Biester, As Duas Órfãs (1876), de Adolph malho Ortigão, no Teatro D. Maria II, atingindo
d’Ennery, tradução de Ernesto Biester; em 3 notável perfeição, reconhecida pelo público e pela
atos, Suplício de Uma Mulher (1873), de Mme. Gi- crítica. Guiomar Torrezão afirmava que Emília
rardin, tradução de Ernesto Biester, no papel de Adelaide não recuava diante de nenhum género
“Matilde”, A Aventureira (1874), de Augier, A Ca- teatral, por mais difícil e arriscado que pareces-
ridade (1875), de Costa Cascais, ao lado de An- se. Seguiu para o Rio de Janeiro, onde fundou um
tónio Pedro e que deu 27 récitas. Foi a Coimbra importante estabelecimento de modas. Em 1902,
representar, no Teatro Académico, Frei Caetano foi residir para Lisboa. Do Brasil, guardava 16 di-
Brandão, drama em 5 atos de Silva Gaio, e ali re- plomas de corporações científicas e de benefi-
cebeu o diploma de sócia honorária da academia. cência, entre os quais o de sócia do Retiro Lite-
Em fevereiro de 1880, Emília Adelaide fez parte rário do Rio de Janeiro, da Beneficência Portu-
de uma companhia do ator Vicente Pontes de Oli- guesa, da Sociedade do Amor à Monarquia, das
veira em digressão pelo Brasil e foi muito aplau- Congregadas das Filhas de Maria, este último en-
dida nos teatros das principais cidades por onde tregue pela própria imperatriz do Brasil. Ao fim
passou. De regresso, formou uma companhia que de tão gloriosa carreira, viveu os últimos dias mo-
tomou o Teatro dos Recreios, em Lisboa, ali re- destamente, ao lado da irmã, e faleceu a 11 de se-
presentando Teresa Raquin (1880), de Émile tembro de 1905, com 69 anos incompletos. Re-
Zola, e Os 30 Botões, comédia de Eduardo Gar- sidia, então, na Rua de S. Bernardo, à Estrela, em
rido. Em janeiro de 1881, suspendeu os espetá- Lisboa. Emília Adelaide estava reformada desde
culos no Teatro dos Recreios, reservando-se para 1885, auferindo como artista de 1.a classe do Tea-
recomeçá-los em maio, no Príncipe Real, que ti- tro Nacional 72$000 réis mensais, o que corres-
nha arrendado por três anos. No Teatro dos Re- pondia ao vencimento de um oficial general. Os
creios, parte dos artistas ficaram sem escritura e principais escritores da época disputavam-na para
outros, que não a tinham desde o princípio da épo- intérprete das suas produções e foi a criadora, em
ca, associaram-se para trabalhar em comum. Es- Portugal, do repertório de Victorien Sardou.
colheram para o efeito o Teatro dos Recreios e, de- Quando faleceu, Pedro Pinto recordou-lhe o
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olhar meigo e insinuante, o sorriso adorável, o gé- Emília Amélia Sampaio Sirgado
nio carinhoso e afável, a voz simpática e atraen- Republicana. Segundo Fina d’Armada, foi uma
te. Foi uma das paixões do pintor Miguel Ânge- das seis mulheres a assinar, em Luanda, o “Auto
lo Lupi (1826-1883), que lhe fez um retrato que de Reconhecimento da Bandeira da República
esteve exposto ao público em Londres (1866) e na Portuguesa”, o qual teve lugar no Palácio do Go-
Exposição de Paris (1867). verno a 9 de outubro de 1910.
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 8; das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011.
António Manuel da Cunha Belém, Emília Adelaide: Es- [J. E.]
boço biográfico, Lisboa, Escritórios da Empresa, Tipo-
grafia Sousa Neves, s.a., pp. 1-32; António Sousa Bas-
tos, Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa
Emília Amélia Gomes Correia Pereira de Castro
Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 188-189; Idem, Recor- Professora primária das Escolas Paroquiais de
dações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947, pp. 169- Santo Ildefonso, pela Câmara Municipal do
172; Duarte Ivo Cruz, “Sociologia do actor”, História do Porto. Na sua candidatura, em 28 de abril de 1890,
Teatro Português – O Ciclo do Romantismo, Lisboa, Gui- ao lugar de professora primária da 1.ª classe no
marães Editores, 1988, pp. 104-105; Eduardo de Noro-
nha, Reminiscências do Tablado, Lisboa, Guimarães e Liceu Secundário Feminino, cuja criação havia
Ca. Editores, 1927, p. 100; Eduardo Victorino, Atores e sido prevista em 1888, indicava estar habilitada
Atrizes, Rio de Janeiro, Oficinas de Obras Gráficas da com longa experiência no exercício do magisté-
S. A. “A Noite”, 1937, pp. 46-48; Esteves Pereira e Gui- rio oficial e livre. Emília Castro invocava na car-
lherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, co-
rográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numis-
ta de apresentação o facto de ter uma família nu-
mático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João Romano Torres merosa e vencimentos exíguos como argumento
& Ca. – Editores, 1909, p. 414; Gustavo de Matos Se- para obtenção do lugar desejado. Apresentou cer-
queira, História do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, tificado passado pela Câmara atestando o de-
Publicação Comemorativa do Centenário 1846-1946, Lis- sempenho do cargo de professora ajudante.
boa, 1955; Idem, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa,
Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
1967, pp. 163 e 354; José Duarte Ramalho Ortigão, Bio- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
grafia de Emília Adelaide Pimentel, Lisboa, Imprensa [A. C. O.]
Nacional, 1871, pp. 3-20; Júlio César Machado, Os Tea-
tros de Lisboa, Editorial Notícias, 1991, p. 144; Memó- Emília Augusta de Sá Vargas Morgado
rias de Eduardo Brazão, Que Seu Filho Compilou e Hen-
rique Lopes de Mendonça Prefaciou, Lisboa, Empresa Médica, nasceu em Bragança, em 1905. Em 1942
da Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., p. 52; Pedro Pin- publicou um livro intitulado Cuidemos das
to, “Necrologia – Emília Adelaide”, O Ocidente, n.o 962, Criancinhas. Noções de puericultura e conselhos
20/09/1905, pp. 207-208; Rafael Bordalo Pinheiro, O An- às mães.
tónio Maria, 03/04/1884, p. 112; Tomaz Ribas, O Tea-
tro da Trindade, Porto, Lello & Irmão, editores, 1993; Re- Da autora: Cuidemos das Criancinhas. Noções de pue-
vista Teatral, 1871, p. 25; “Rumores dos Palcos”, Ribaltas ricultura e conselhos às mães, Porto, Imprensa Portu-
e Gambiarras, Lisboa, série 1, 01/01/1881, 22/01/1881; guesa, 1942.
Diário Ilustrado, 10/03/1884, 26/03/1884, 29/03/1884, [M. T. S.]
03/04/1884, 05/04/1884, 08/05/1884, 25/06/1884; O Sé-
culo, 13/02/1884; Ilustração Portuguesa [c/ retrato], Lis- Emília Bähr Ferreira
boa, 2.a série, n.o 98, 18/09/1905; “Teatros – Foi neste
dia...”, O Século, 02/02/1956, p. 4. Espírita. A convite de Maria Veleda*, foi cofun-
[I. S. A.] dadora, em 1916, do Grupo das Sete e do Grupo
Espiritualista Luz e Amor, os quais se transfor-
Emília Adelaide Xavier dos Santos e Silva maram no Centro Espiritualista Luz e Amor* em
v. Emília dos Santos Braga 15 de abril de 1923, associação devidamente le-
galizada, com estatutos aprovados em assembleia-
Emília Alves Martins -geral. Participou assiduamente nas atividades cul-
Atriz amadora. Bonita e elegante, representou turais, recreativas e de confraternização promo-
no Clube da Estefânia, sito na Rua Pascoal de vidas pelo grupo e, depois, pelo Centro Espiri-
Melo, O Cabelo Branco, uma adaptação de Le tualista Luz e Amor. Em 26 de abril de 1921, as-
Cheveu Blanc de Octávio Feuillet. sistiu à sessão espírita que assinalou o enlace ma-
Bib.: Memórias de Chaby, Lisboa, Editora Gráfica Por-
trimonial de Cândido Guerreiro Xavier da Franca,
tuguesa, Lda. 1938, p. 36. filho de Maria Veleda, com Arminda da Costa Pin-
[I. S. A.] to da Silva*, sobrinha de Maria Emília Marques*.
257 EMI

Contribuiu para as despesas de publicação da re- Emília Cândida


vista O Futuro*, periódico de propaganda socio- Dançarina e atriz que se distinguiu em papéis de
lógica e de ciências psíquicas, adepto do espiri- “lacaia”. Nasceu em Lisboa, a 18 de maio de 1823
tismo filosófico, científico e experimental, fundado e faleceu, na mesma cidade, a 11 de fevereiro de
em 1921 e dirigido por Maria Veleda até 1924. Este 1908. Tia da atriz Florinda de Macedo, que foi vi-
periódico publicou, algumas vezes, extratos das ver com ela ainda bebé, Emília Cândida era mui-
intervenções ou pensamentos expressos por to bonita e conhecida, no meio teatral, por
Emília Bähr Ferreira nas sessões de leitura, debate “Emília Vareta”, por ser magrinha e “ter tenui-
e reflexão sobre um tema proposto pelo(a) dire- dade da cambraia, criatura que quase se podia cin-
tor(a) da reunião ou nas que se destinavam a in- gir com uma bracelete flexível como um felino,
vocar os espíritos guias e protetores do grupo para cheia de ginásticas elegantes”, como deixou dito
pedir conselhos e orientações. Em 1926, contri- João Pinto de Carvalho (Tinop), e, ainda, por
buiu com donativos para o Natal das crianças po- “Emília, a Travessa”, por ter representado, com
bres, organizado pelo Grupo Espírita General Pas- aplauso do público, a peça do mesmo nome no
saláqua, fundado por dissidentes do Centro Es- Teatro do Ginásio, em 1849. Estreou-se em Beja
piritualista Luz e Amor. na companhia do ator António Augusto Xavier
de Macedo, seu primo, de que fazia parte Antó-
Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) – nia de Macedo, esposa do ator, no dramalhão Si-
Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora. neiro de S. Paulo, em 4 atos e 1 prólogo, origi-
Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Disser-
tação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lis- nal inglês, onde granjeou, desde logo, nome. Fin-
boa, Universidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no da a digressão, entrou para o Novo Ginásio Lis-
labirinto espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva, bonense, uma barraca construída à pressa e sem
n.o 15, 2006, pp. 83-109; O Futuro, n.o 2, março, 1921, condições na Travessa do Secretário da Guerra,
pp. 15-16, n.o 3, abril, 1921, p. 16, n.o 9, novembro 1922- nome depois dado à Rua Nova da Trindade, onde
-janeiro 1923, pp. 5-7, n.o 11, junho, 1923, pp. 4-7, n.o
12, julho, 1923, p. 4, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31; A
debutou, a 13 de novembro de 1845, na dança mí-
Vanguarda Espírita, n.o 1, novembro, 1927, p. 4; Estu- mica em 3 atos Os Salteadores de Vitré, e fez o
dos Psíquicos, novembro-dezembro, 1940, pp. 235-236. papel de “Soror Benedita” no drama histórico,
[N. M.] em 5 atos, D. Afonso VI (20/03/1846), de D. João
da Câmara. O teatro foi reconstruído e, a 17 de
Emília Berardi maio de 1846, abriu com a denominação de Tea-
Atriz, possivelmente familiar de Maria Isabel Be- tro Nacional Lisbonense. Emília Cândida, que se
rardi*. Fez o papel de “Laura” em A Bisbilhoteira rodeara de uma corte de admiradores, ficou como
(1900), comédia em 3 atos de Eduardo Schwal- dançarina e foi utilizada como atriz. Sob a dire-
bach, no Teatro do Ginásio, e Os Postiços (1908), ção de Émile Doux, integrou o espetáculo de es-
comédia em 5 atos do mesmo autor, no Teatro treia, o melodrama Os Fabricantes de Moeda Fal-
D. Amélia. sa, de Cesar Perini de Lucca, professor no Con-
servatório, e fez benefício com A Gargalhada
Bib.: “Teatros – foi neste dia...”, O Século, 30/04/1956,
p. 4. (1848). Durante as revoltas da Maria da Fonte*,
[I. S. A.] o teatro fechou e Emília Cândida partiu em di-
gressão pelas províncias. De regresso ao Ginásio,
Emília Brazão entrou no drama de Braz Martins Fernanda ou
Atriz, parente de Maria Brazão*. Faleceu no Bra- O Juramento, na primeira revista que se fez em
sil, a 25 de abril de 1896. Em 1892, estava na Com- Portugal, Lisboa em 1850 (1851), de Francisco Pa-
panhia Ciríaco Cardoso, no Teatro da Avenida, lha, Faria de Lacerda e Latino Coelho, em Revista
onde entrou na opereta A Roupa dos Franceses, do Ano (1851), O Moinho das Tílias, tradução do
de Machado Correia, música de Freitas Gazul, ao francês com música de Maillart, e na comédia Ca-
lado de Palmira Bastos*. sado no Segundo Andar e Solteiro no Quinto
(1851). Quando o Teatro do Ginásio reabriu, de-
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- pois de modernizado, em 18 de novembro de
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 18; 1852, Emília entrou para a sociedade artística. Ali
Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa,
Parceria António Maria Pereira, 1940, p. 194; “Teatros fez O Festejo dum Noivado (1852), revista em
– Foi neste dia...”, O Século, 29/01/1956, p. 4. 3 atos de Braz Martins, Gabriel e Jusbel ou o Tau-
[I. S. A.] maturgo (1854), mistério em 4 atos de José Ma-
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ria Braz Martins, música de Angelo Frondoni, Juiz so em 4 atos, de Fernando Caldeira; O Fim de So-
Eleito (1854), comédia de costumes em 1 ato de doma (1892), de Sudermann. Com pouca vista
Luís António de Araújo, Amor Londrino (1855), e cansada, ninguém a quis contratar depois que
comédia em 1 ato de Domingos Monteiro, teve a Empresa Rosas & Brazão saiu do Teatro D. Ma-
o seu primeiro êxito em Mariquinhas a Leiteira ria II. O último papel que interpretou foi “velha
(1855), comédia em 1 ato de Aristides Abranches, Narcisa” em Os Velhos (1893), de D. João da Câ-
ao lado de Taborda, brilhou nos papéis de “Ma- mara. Outras peças do seu repertório: Os Castros,
ria Alha”, em Zé Canaia Regedor, cena de cos- de Marcelino Mesquita; O Bibliotecário, comé-
tumes, ornada com coplas da autoria de Luís de dia espiritualista de Gustav von Moser, tradução
Araújo Júnior, em benefício do ator Taborda, de José António de Freitas; Sonâmbula sem o Ser,
“Francisca”, em Nem Todo o Mato É Orégãos mágica, de Joaquim Augusto de Oliveira;
(1863), comédia em 1 ato, imitação de Aristides A Quermesse, peça em 3 atos de Carlos de Mou-
Abranches, e Nem César nem João Fernandes ra Cabral; Os Mistérios Sociais, de César de La-
(16/01/1865), comédia de Costa Cascais. Naquele cerda; O Luxo de António Enes; Guerra em Tem-
teatro, participou também nas peças: Que Circo!... po de Paz; Sagrada Confissão; A Mosca Branca;
Que amazona!... Que palhaços!..., A Velhice Na- Ensaio da Norma; Os Maridos aos 50 Anos; Pro-
morada sempre Leva Surriada, farsa de Francisco dígios Económicos; Uma Mulher que se Deita da
Xavier Pereira da Silva, música de Miró, Traba- Janela abaixo; Um Bernardo como Há Muitos;
lho e Honra, comédia-drama, em 3 atos, imita- Três Minhotos; A Pastora dos Alpes; as revistas
ção de César de Lacerda, A Tia Maria, O Autó- Qual Delas o Trará?, A Vingança de Um Come-
grafo, Cozinha, Casa de Jantar e Sala, A Tia Ana ta e Quadros Vivos; Os Lanceiros, vaudeville, tra-
de Viana, As Nossas Aliadas e Quatro Alminhas dução de A. Meneses e Acácio Antunes. A 2 de
do Senhor. Em 1870, foi para o Teatro D. Maria maio de 1906, quando completava 83 anos de ida-
II, ao tempo em que era empresário o ator José Car- de, o Teatro D. Maria II prestou-lhe homenagem
los Santos, onde fez Tartufo (1870), de Molière, numa récita extraordinária em que apareceu na
tradução do visconde de Castilho, e A Caridade peça Os Velhos, original de D. João da Câmara,
(1875), drama de Costa Cascais em que se abor- no papel de “Narcisa”, que tinha criado naque-
dava o problema da roda de enjeitados, ao lado le espaço. Era muito esmoler. Já idosa, sem re-
de António Pedro. Em 1880, a exploração do Tea- forma ou aposentação, ficou quase na miséria e
tro D. Maria II foi entregue à Sociedade Dramá- morreu abandonada aquela que fora ídolo de mui-
tica dos Artistas Portugueses, Empresa Rosas & tos e grande amor de Émile Doux e Mendes Leal.
Brazão, e Emília Cândida, então societária, in-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
tegrou o elenco das comédias A Mantilha de Ren- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 194;
da (1880), em 2 atos, em verso, de Fernando Cal- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
deira, O Grande Homem (1880), em 4 atos, de Tei- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 11; Idem, Re-
xeira de Queiroz, A Sociedade onde a Gente se cordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947,
pp. 150, 188-189; Carlos Santos, Cinquenta Anos de Tea-
Aborrece (1881), de Édouard Pailleron, adapta- tro, Memórias de um actor, Lisboa, Tipografia da Empresa
ção de Gervásio Lobato; Casamento Civil (1882), Nacional de Publicidade, 1950; Eduardo de Noronha, Es-
comédia-drama em 4 atos de Cipriano Jardim; Ida- troinas e Estroinices, Decadência do Conde de Farrobo,
de Ingrata (1883), de Édouard Pailleron, tradu- Lisboa, Edição Romano Torres & Ca., 1922, pp. 150 e 157;
ção de Gervásio Lobato; Jogo de Cartas, de Alves Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
Crespo, e Martha, dramalhão de George Ohnet, heráldico, numismático e artístico, Vol. II, Lisboa, João
tradução de Guiomar Torrezão, ambas em 1884; Romano Torres & Ca., 1906, pp. 701-702; Grande Enci-
O Grande Industrial (1885), de Georges Ohnet; clopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. V, Lisboa/Rio de
Fossilismo e Progresso (1886), de Manuel Rous- Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 713; Guiomar Torre-
sado; Abade Constantino (1888), comédia que zão, “Através dos palcos”, Diário Ilustrado, 13/01/1883,
21/01/1884 e 13/05/1884; Gustavo de Matos Sequeira,
Crémieux e Décourcelle extraíram do romance O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Cul-
do mesmo título, de Ludovic Halévy, tradução de turais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967; João Pin-
Pinheiro Chagas; D. Cesar Bazin, de Adolph d’En- to de Carvalho (Tinop), “O velho Ginásio”, Lisboa de Ou-
nery; O Casamento de Olímpia, de Émile Augier, tros Tempos, T. 1. Figuras e Cenas Antigas, Lisboa, Li-
vraria de António Maria Pereira, Editor, 1898, pp. 166-
tradução de D. João da Câmara e Gervásio Lobato; -177; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro
A Infeliz Carolina (1890), tradução de Pinheiro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 127; Idem, His-
Chagas; A Madrugada (1892), comédia em ver- tória do Teatro de Revista em Portugal, 1. Da Regeneração
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à República, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1984; Ra- Emília das Neves


fael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, circos e mais v. Emília das Neves e Sousa
diversões de outras épocas, Porto, Domingos Barreira Edi-
tor, 1943, p. 33; “Teatros”, Revista Popular, Lisboa, Vol.
IV, 1851, pp. 67 e 190; A Assembleia Literária, Lisboa, Emília das Neves e Sousa
2.a série, n.o 7, 12/01/185, p. 55; “Necrologia – Emília Cân- Atriz, conhecida pela “linda Emília”. Nasceu em
dida”, O Ocidente, Lisboa, n.o 1050, 29/02/1908, p. 48; Benfica, a 5 de agosto de 1820 e faleceu em Lis-
Almanaque dos Palcos e Salas para 1912, Lisboa/Por- boa, a 19 de dezembro de 1883. Era filha legíti-
to, Arnaldo Bordalo Editor, 1911, p. 50.
[I. S. A.] ma de Manuel de Sousa, natural da freguesia de
São Bartolomeu, bispado de Angra do Heroísmo,
Emília Costa ilha Terceira (Açores), e de Benta de Sousa, na-
Atriz. Estreou-se em 1844, no Teatro da Rua dos tural da freguesia de Benfica, moradores atrás da
Condes, então entregue a uma sociedade artísti- igreja paroquial de Nossa Senhora do Amparo da-
ca dirigida pelo ator Epifânio, de quem foi dis- quela freguesia, onde Emília das Neves foi bati-
cípula. Evidenciou-se na peça A Doida de Lon- zada. Tinha uma irmã, de nome Maria Clara de
dres. Em 1846, o Ginásio, até então um teatro de Sousa*, que também foi atriz. A família era mui-
barracão, modificou-se, passou a denominar-se to pobre e Emília, aos 18 anos, “vivia em cir-
Teatro Nacional Lisbonense e Emília Costa in- cunstâncias pouco felizes na casa de uma pessoa
tegrou o elenco da nova companhia, dirigida por que tinha conhecimento com alguns atores do
Émile Doux, no espetáculo de estreia, Os Fabri- Teatro da Rua dos Condes”, segundo Maximiliano
cantes de Moeda Falsa, melodrama de César Pe- de Azevedo. Não tinha instrução, mas era esbelta,
rini de Lucca, professor no Conservatório. Em bonita, insinuante e revelou possuir muito talento
1862, representou, no Teatro S. João do Porto, o para o teatro. Com os sucessos no palco, juntou
drama As Jóias de Família, de César de Lacerda, a estes predicados a altivez e exigência que ca-
ao lado de Carlota Veloso*. Casou com um tabe- racterizaram as suas difíceis relações com cole-
lião e deixou o teatro. gas e empresários. D. Luís da Câmara Leme afir-
ma, na biografia que escreveu sobre a atriz, que
Bib.: Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, De- a vocação teatral desta se revelou quando assis-
cadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Romano
Torres & Ca., 1922, p. 150; Gustavo de Matos Sequeira,
tiu a uma peça no Teatro da Rua dos Condes e
O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Cul- conseguiu reproduzir parte das falas e a expres-
turais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 306; João são dramática da protagonista com tal qualida-
Pinto de Carvalho (Tinop), “O velho Ginásio”, Lisboa de de que levou Henrique Nunes Cardoso a apre-
Outros Tempos, T. 1. Figuras e Cenas Antigas, Lisboa, Li- sentá-la a Émile Doux, então responsável pela di-
vraria de António Maria Pereira, Editor, 1898, p. 172; José
Duarte Ramalho Ortigão, Crónicas Portuenses (1859-1866), reção artística do teatro. Confirmados os dotes,
Lisboa. Livraria Clássica Editora, 1944, p. 116. foi incluída no papel de “ingénua” na comédia
[I. S. A.] em 2 atos O Depositário, e Almeida Garrett, que
assistiu aos ensaios, propô-la para o papel de “In-
Emília Costa Matos fanta D. Beatriz”, no drama em 3 atos, da sua au-
Republicana. Filha de Angélica Rosa Martins e toria, Um Auto de Gil Vicente. Gomes de Amo-
de Boaventura Costa, nasceu em Portalegre, em rim refuta tal afirmação e diz ter sido João Bap-
29 de agosto de 1874. Era irmã de Emílio e Fer- tista Ferreira, que foi tradutor oficial do Teatro
nando Costa e casou com Boaventura Rodrigo de D. Maria II, quem travou conhecimento com Emí-
Matos, dirigente do Partido Republicano Portu- lia das Neves, encantou-se com a figura e a voz
guês. Para além de ter colaborado com a Liga Re- melodiosa da jovem, levou-lhe os versos do Auto
publicana das Mulheres Portuguesas, Emília de Gil Vicente, que Garrett acabara de escrever,
Costa secretariou, a 6 de fevereiro de 1909, a ses- e apresentou-a ao dramaturgo. Dias depois esta-
são evocativa da revolta de 31 de Janeiro reali- va escriturada no Teatro da Rua dos Condes. Al-
zada no Centro Democrático de Portalegre. No ano meida Garrett ter-lhe-ia oferecido todos os ves-
seguinte, secretariou, com Leonor Bragança*, o tidos para a peça, ensinado a recitar os papéis e
importante comício realizado a 21 de agosto e que recomendado que lesse a história de todas as per-
terá juntado mais de mil pessoas. sonagens que representasse. De qualquer modo,
Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
sabe-se que se estreou, naquela peça, no espetá-
das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011. culo de gala em homenagem à rainha D. Maria
[J. E.] II, no dia do seu aniversário (17/08/1838). A Ata-
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laia dos Espectáculos resumiu o sucesso, ga- A Atriz, drama em 5 atos de José de Serpa Pimen-
bando-lhe as “qualidades físicas, som encanta- tel (benefício, 15/04/1841); Os Dois Campeões
dor da sua voz, acertadas inflexões”. Iniciava- (1841), drama histórico em 5 atos de Pedro da
-se, assim, a carreira daquela que viria a ser uma Costa de Sousa de Macedo; Eugénia ou Irmã e Ir-
das maiores atrizes do teatro declamado. Nesse mão (1842), comédia em 2 atos em que contra-
mesmo ano, representou a “ingénua” de O Meu cenou com o ator e encenador Epifânio; prota-
Amigo Grandet, comédia em 3 atos de Ancelot, gonizou Proezas de Richelieu, comédia em 2 atos,
e A Marquesa de Bruivilliers ou Câmara Ardente, original da obra de Eugène Scribe Les Premières
drama em 5 atos, peças traduzidas por João Bap- Armes de Richelieu, primeiro trabalho em travesti
tista Ferreira, e a comédia Um Erro. Brito Ca- que se fez no teatro português e sob influência
macho refere que no contrato, datado de fevereiro de Émile Doux, que trouxera a novidade no re-
de 1839, assinado com a empresa do Teatro Na- gresso de uma viagem a Paris (maio de 1842). A
cional da Rua dos Condes, Emília das Neves se peça foi apontada à censura como indecente pela
obrigava a dedicar o talento exclusivamente e sem Revista Universal Lisbonense, pelo jornal O De-
reserva ao teatro português, excluindo, assim, os senjoativo Teatral e pelo Conservatório Nacional
palcos particulares; tinha de cantar, representar e, por isso, proibida pela Inspeção-Geral dos Tea-
e fazer vaudeville; todo o vestuário seria à sua cus- tros e Espetáculos do Reino, mas o estrondoso êxi-
ta; em caso de doença, teria direito a 15 dias de to de Emília das Neves levou a que os empresá-
remuneração, com exceção para as doenças de rios movessem influências e a peça fosse repos-
mau comportamento (venéreas e sífilis), que da- ta em cena, com reprises noutros teatros. Ao lado
vam lugar a suspensão dos ordenados e anula- de Carlota Talassi*, uma das grandes divas do tea-
ção do contrato [Brito Camacho, p. 9]. Receberia tro de então, entrou em A Calúnia (1842), co-
oito mil réis. As condições eram aquelas a que média em 5 atos de Eugène Scribe, traduzida por
estavam obrigados os atores daquele teatro. Um Rodrigo de Lima Felner. Seguiram-se as criações
mês depois, os êxitos da atriz valeram-lhe um nas comédias, em 5 atos, O Copo de Água
substancial aumento do vencimento. Naquele tea- (16/08/1842), de Eugène Scribe, tradução de Gau-
tro representou O Templário (1839), drama em dêncio Maria Martins, Paula ou a Esposa Virtuosa
5 atos; Os Dois Renegados (09/07/1839), dra- (1842), tradução de Carlota Talassi, O Homem da
malhão em 5 atos de Mendes Leal, peça que con- Máscara Negra (1843), de Mendes Leal, e na far-
quistou um prémio no I Concurso do Conserva- sa O Beijo (1844), de José Maria da Silva Leal, mú-
tório de Artes Dramáticas; Angélica (1840), dra- sica de Frondoni. Acabado o contrato com a em-
ma em 5 atos, imitação do original francês por presa do então Teatro Nacional da Rua dos Con-
Henrique Lopes de Mendonça; O Marquês de des, aquele não foi renovado sob o pretexto de
Pombal ou O Padre Malagrida (1840), drama his- os seus honorários serem demasiado altos. Foi ao
tórico em 5 atos e 8 quadros, de César Perini de Porto, onde representou parte do seu repertório
Lucca; O Camões do Rossio (1840), comédia em e escandalizou em As Proezas de Maria Tudor,
3 atos escrita por António Maria Feijó e retoca- drama em 4 atos a partir da obra de Victor Hugo.
da por Almeida Garrett; Auzenda (1840), drama Voltou ao Teatro Nacional da Rua dos Condes em
em 4 atos de Mendes Leal. Em 1840, Émile Doux 1844, quando este era gerido por uma socieda-
deixou o Teatro da Rua dos Condes. Emília das de artística sob a direção do ator e encenador Epi-
Neves foi escriturada para o Teatro de S. Carlos fânio, e foi ali escriturada por 1000$000 réis. Se-
pelo conde de Farrobo (Joaquim Pedro Quinte- guiram-se os êxitos, com O Retrato ao Vivo (1844),
la), então empresário daquele teatro, com o or- comédia em 3 atos, tradução de Correia Leal; Um
denado anual de 40.000 réis, além de um bene- Casamento no Reinado de Luís XV (1844), co-
fício cujo rendimento seria total para a atriz e, em média em 5 atos de Alexandre Dumas, tradução
contrapartida, ela comprava vestuário e adereços, de Mendes Leal; Madalena (1844), drama em
com exceção para o vestuário histórico e calça- 5 atos, tradução de Ferreira; O Dote de Susana
do, que ficavam a expensas da empresa. Voltou (1844), drama em 5 atos, tradução de Mendes
ao Teatro da Rua dos Condes, onde fez O Cati- Leal; As Duas Educandas (1844), comédia em
vo de Fez (1841), drama em 5 atos, original de An- 5 atos de Sorrento, tradução de Ferreira; Lady Say-
tónio Joaquim da Silva Abranches; O Renegado mour (29/11/1845), drama em 5 atos de Henry
(1841), de Mendes Leal; Génio da Noite, comé- Meiller e Philippe Lille, tradução de Ferreira;
dia em 2 atos, tradução do conde de Farrobo; A Dama de S. Tropez (1845), drama em 5 atos de
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Anicet Bourgeois e Adolphe D’Ennery, tradução drama histórico em 5 atos de Almeida Garrett;
de Ferreira. Em 1846, foi convidada a integrar o A Calúnia (1846), comédia em 5 atos de Eugène
elenco do novo Teatro D. Maria II, classificada em Scribe, tradução de Rodrigo de Lima Felner; os
“primeira-dama absoluta” pelo júri composto por dramas em 5 atos A Mocidade de D. João V
membros do Conservatório e António Feliciano (1846), histórico, de Rebelo da Silva e Ernesto
de Castilho, Mendes Leal, Rodrigo de Lima Fel- Biester, A Cigana de Paris (1846), tradução de Fer-
ner e Luís Augusto Rebelo da Silva, este escolhido reira, Leonor ou Os Mortos Andam Depressa
para fiscal do Governo junto do teatro. Foi acor- (1846), de Cogniard, tradução de João Baptista Fer-
dado um contrato considerado “especialíssimo”: reira, e Duas Filhas (1846). Terminado o contrato
a quantia de 2500$000 réis ao ano; o tempo de com o Teatro D. Maria II, a empresa não tinha con-
duração do contrato era acordado entre as par- dições económicas para o renovar nos termos exi-
tes; dois benefícios garantidos em 50$000 réis gidos pela atriz e alegava a pouca afluência do
cada um e livres de despesas; descontos no ven- público à bilheteira devida ao género teatral, que
cimento só em caso de doença prolongada ou por apostava na qualidade, e aos escassos subsídios
suspensão do espetáculo ordenada superior- oficiais que não cobriam as despesas. Se acres-
mente; não ficava obrigada a representar se lhe centarmos a estas dificuldades os condiciona-
faltassem com os pagamentos; direito a dois me- lismos impostos aos teatros, proibindo espetá-
ses de licença sem vencimento; além de outras culos ou diversões públicas em cerca de um mês
prerrogativas que a empresa acabou por aceitar, por ano, sem contar com os aniversários e even-
tais como não representar em travesti, não entrar tuais dias de luto da família real, que ascendiam,
em duas peças na mesma noite, nem em peças por si só, a meses de teatro fechado. Sem contrato,
em 1 ato, não representar mais do que 14 peças Emília das Neves foi integrando companhias de
por ano, não lhe ser retirado qualquer papel de- outros teatros. Esteve no Teatro de Camões do Por-
pois de lhe ter sido entregue, não ser obrigada a to, em 1848, onde repetiu As Proezas de Riche-
cantar, só fazer, à sua custa, o vestuário moder- lieu; no Teatro do Salitre, em Lisboa, recitou Quei-
no e o baixo-vestuário, fornecendo-lhe a empresa xa Saudosa (1848), de João de Lemos. A 29 de
o vestuário de época que seria novo, a estrear; e, outubro de 1849 inaugurava-se o Real Teatro
por último, não se sujeitar ao regulamento geral D. Fernando, na Rua de Santa Justa, em Lisboa,
do teatro, uma vez que ficava invalidado por este e Émile Doux, empresário do novo teatro, con-
contrato. A escritura, assinada a 31 de março de tratou Emília pela quantia de 1.440.000 réis pa-
1846, só poderia terminar por convenção recí- gos em mesadas de 120.000 réis, concessão de
proca. Na antestreia do Teatro D. Maria II, brilhou dois meses de licença por ano para ir ao estran-
em O Senhor Dumbick, comédia de Alexandre geiro de férias e dois benefícios, um deles com
Dumas, tradução de João Baptista Ferreira, levada a peça A Condessa de Surnecey, de Bayard e
à cena para festejar o aniversário do príncipe- Adolph d’Ennery, tradução de José Maria da Sil-
-consorte D. Fernando (29/09/1845). A estreia do va Leal, que enchia as plateias. A companhia
teatro, a 13 de abril de 1846, fez-se com Álvaro inaugurou a temporada no dia do aniversário na-
Gonçalves, o Magriço, ou os Doze de Inglaterra, talício de D. Fernando, que dera o nome ao tea-
drama histórico em 5 atos, de Jacinto Heliodo- tro, com Adriana Lecouvreur, drama em 5 atos
ro de Faria Aguiar de Loureiro, protagonizado de Eugène Scribe e Ernest Legouvé, música de
pelo ator Tasso e com Emília das Neves no pa- Francesco Cilea, tradução de Zaluar, a que Al-
pel de “D. Beatriz, filha de D. João I”. Continuou meida Garrett assistiu. A peça foi repetida no Tea-
a somar êxitos nas peças A Pobre das Ruínas tro de S. Carlos em 1851. Ao fim de sete meses
(1846), melodrama em 3 atos, original de Men- a empresa faliu, apesar dos preços praticados es-
des Leal, que foi prémio do Conservatório Real; tarem abaixo daqueles que cobrava o Teatro
O Tributo das Cem Donzelas (1846), adaptação D. Maria II, e os artistas pretenderam unir-se em
do drama em 5 atos Le Tribut des 100 Vierges, de sociedade para explorar o teatro, mas Emília das
Alboize e Lopez, adaptação de Mendes Leal; Neves não abandonou o amigo de longa data e
A Madre Silva, drama em 5 atos de José da Sil- ficou do lado de Doux que, no ano seguinte, o rea-
va Mendes Leal Júnior (benefício, 13/06/1846); briu com a ópera cómica A Barcarola (1850), de
protagonizou Adelaide (05/09/1846), drama em Eugène Scribe, música de Auber. Entretanto, for-
5 atos e 6 quadros, tradução de Marie Joanne por mou uma empresa teatral com uma companhia
Ferreira; O Alfageme de Santarém (15/07/1846), de declamação que levou, em janeiro de 1851, ao
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Teatro de S. João, no Porto, Adriana Lecouvreur, garantidos em 400$000 réis cada um, além de
Adelaide, Madalena, drama em 5 atos de M.-M. outras exigências de carácter profissional que dei-
Anicet Bourgeois e Albert (pseud. de August Fran- xam antever a popularidade da atriz e os rendi-
çois Thierry), e Duas Bengalas, comédia em 1 ato, mentos que proporcionava às empresas tea-
tradução de Ricardo José de Sousa Neto, a farsa trais. Quando a rainha D. Maria II faleceu, a 15
em 1 ato Uma Noite sem Dormir, além de outras de novembro de 1853, o teatro fechou por 15 dias
peças. Sobre a estadia de Emília das Neves na- e os atores tiveram direito a 50% do vencimen-
quela cidade, A Assembleia Literária, de 2 de fe- to. Emília das Neves ficou no teatro até 1856,
vereiro de 1851, noticiava que a atriz se portava criando as protagonistas dos dramas Os Contos
mal e provocava quebra-cabeças e prisões por sua da Rainha de Navarra (17/12/1853), traduzido
causa e tinha fechado as portas do seu teatro à por José Maria de Andrade Ferreira a partir de La
maior parte dos jornalistas do Porto, apenas dan- Reine Margot de Alexandre Dumas, peça esco-
do entrada a dois. Passado pouco tempo, em mar- lhida e imposta pela atriz ao teatro, sendo um re-
ço, o bispo do Porto proibiu que a empresa de tumbante êxito, A Dama das Camélias (1854), em
Emília das Neves repetisse As Proezas de Ri- 5 atos, de Alexandre Dumas, filho, tradução de
chelieu, que tinha levado à cena várias vezes na António Joaquim da Silva Abranches, estreia em
capital. A 18 de junho de 1851 acabou a empresa Portugal, peça que viria a representar dezenas de
e voltou a Lisboa. Em julho desse ano, deu réci- vezes, Os Homens de Mármore (1854), inspira-
tas no Real Teatro de S. Carlos, voltou ao Porto do em Les Filles de Marbre de Dumas, original
com parte da companhia deste teatro, onde re- de Mendes Leal, as tragédias Maria Stuart
presentou, em seu benefício, Adriana Lecouvreur (1854), em 5 atos, de Schiller, versão de Mendes
e Afilhada do Barão (08/07/1851), comédia em Leal, e Erícia ou a Vestal (1854), em 3 atos, tra-
1 ato de Mendes Leal, ambas as peças com a be- duzida em verso por Manuel Maria Barbosa du
neficiada a desempenhar os papéis principais e Bocage; os dramas em 5 atos As Mulheres de Már-
a recitar a poesia O Sonho da Atriz, de João de more (1855), de Barrière, Pedro, O Grande e Ca-
Lemos. Nesta digressão criou Nódoa de Sangue tarina II (benefício, 1855), tradução de A Czari-
(1852), drama histórico em 5 atos, tradução de na, de Eugène Scribe, por João Pinto Carneiro, e
A. Pires Marinho, e a comédia César Cornélio. Em A Fé e a Dúvida, tradução de La Vie en Rose por
1853, a atriz regressou ao Teatro D. Fernando, em João Pinto Carneiro. Brilhou no papel de “Tisbe”,
Lisboa. O Dr. Sebastião Ribeiro de Sá era, então, em Angelo ou o Tirano de Pádua (26/01/1855),
comissário do Governo junto do Teatro D. Ma- drama de Victor Hugo, tradução de Augusto Re-
ria II e as diligências de Rodrigo da Fonseca para belo da Silva. Entrou nas comédias A Mosque-
que a atriz fosse integrada naquele teatro rece- teira (1855), em 2 atos, em travesti, peça repre-
beram como resposta que “os membros da di- sentada oito vezes entre fevereiro e maio, Os Sete
reção eram pouco afeiçoados à Sra. D. Emília”. Pecados Mortais (1855), em 1 ato, de Carmouche
A 18 de outubro de 1853 acabou por ser escri- e Paul Vermoud, em que representou três papéis
turada no D. Maria II, depois de uma polémica em travesti em quatro sessões, O Ocaso de Uma
entre a atriz e aquele comissário a propósito das Estrela (1856), em 1 ato, tradução do conde de
cláusulas do novo contrato, com explicações pú- Farrobo, peça que representou nove vezes, O Sar-
blicas de ambos os lados nos jornais afetos a um gento Frederico (junho de 1856), em 5 atos, tra-
ou a outro dos contendores: Emília das Neves con- dução de Francisco Palha, que repetiu quatro ve-
tava com o apoio político e os jornalistas de A Re- zes; Eugénia ou Irmão e Irmã (1856), drama em
volução de Setembro e Jornal do Comércio e ami- 2 atos, tradução; Como se Sobe ao Poder (1856),
gos que lhe dirigiam ataques e contra-ataques, pois de Luís Augusto Palmeirim. Em finais desse ano
a quase nula escolaridade da atriz não lhe per- acabou o contrato e, mais uma vez, não foi re-
mitia o desembaraço na escrita nem nas funda- novado pelas razões de sempre: era impossível
mentações que apresentava. Entre esses apoian- continuar a pagar-lhe as quantias exigidas. Foi
tes estava Câmara Leme, seu amante desde a me- para o Porto, onde representou as comédias O Ho-
ninice, que, segundo se dizia, a ajudava a perceber mem do Mundo (1858), em 4 atos, tradução de
e decorar os papéis das peças. Acabou por con- uma senhora, Maria Guardadora de Perus (1858),
seguir o contrato em condições muitíssimo van- em 3 atos, tradução de Cruz e Silva, e Arte e Co-
tajosas: 144$000 réis de vencimento e 40$000 réis ração (1858), monólogo de Paulo Midosi. Em
mensais para vestuário; dois benefícios anuais, 1859, estava no Teatro Baquet, onde repetiu An-
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gelo ou o Tirano de Pádua, a que a atriz Adelaide treou-se no Rio de Janeiro a 3 de agosto de 1865,
Ristori assistiu e publicamente louvou a sua atua- no Teatro Lírico, passando depois ao Teatro de
ção. A 17 de março de 1860, despediu-se daquele S. Pedro de Alcântara e seguiu para o Pará (1865).
teatro, homenageada pelo público com uma co- Entretanto, tinha sido classificada “atriz de mé-
roa de folhas e bagas de louro todas em ouro. As rito relevante”, por proposta de Francisco Palha.
relações com António Pereira (f. 1869), dono do Voltou do Brasil a 3 de janeiro de 1866 e ingressou
teatro, tinham sido tão tensas que este determi- no elenco da Empresa de Francisco Palha, que
nou, em testamento, a proibição definitiva da atriz explorava o Teatro Nacional D. Maria II, es-
entrar no Baquet. De passagem pelo Teatro Aca- treando-se no papel principal de Beatriz (1866),
démico de Coimbra, representou Eugénia Lam- comédia em 5 atos de E. Legouvé, tradução de Ri-
bert, Adriana Lecouvrer, Arte e Coração e Co- cardo Cordeiro. Emília das Neves continuou no
mediantes d’El-Rei a favor do Asilo da Infância teatro, nesta e nas empresas que se seguiram, re-
Desvalida e de Mendicidade e Associação Con- presentando os papéis principais nos dramas O
soladora dos Aflitos daquela cidade (março de Anjo da Meia Noite, em 5 atos, tradução de Luís
1860). Nesse ano, a companhia de Emília das Ne- Cardoso, Amores de Leão (1866), em 5 atos de
ves foi convidada a inaugurar o Teatro S. Geral- Ponsard, tradução de Mendes Leal, e A Corte na
do, de Braga, com Joana a Doida (1860), drama Aldeia (1867), em 3 atos, imitação da peça Les
em 5 atos, tradução de Alexandre Magno de Cas- Ivresses de L’Amour de T. Barrière por Mendes
tilho. D. António da Costa, então comissário ré- Leal, e fez benefício com O Doente de Cisma
gio do Teatro D. Maria II, escriturou a atriz. Ali (1867), arranjo de Castilho a partir da comédia
protagonizou Joana a Doida (1860), Judith Malade Imaginaire, de Molière, no Teatro do Gi-
(1860), tragédia em 5 atos de Paulo Giaccomet- násio. Quando se inaugurou o Teatro da Trindade,
ti, tradução de Mendes Leal, os dramas em 3 atos a 30 de novembro de 1867, Emília das Neves foi
Abençoadas Lágrimas (1860), de Camilo Caste- convidada por Francisco Palha para ali repre-
lo Branco, Martim de Freitas (1861), em verso, sentar as peças Joana a Doida, que fora um dos
e foi “Teresa Afonso” em Egas Moniz (1862), dra- seus grandes sucessos, O Drama da Rua da Paz
ma em 5 atos, ambos de Mendes Leal. Em 1862, e Faustina, drama em 5 atos de Ponsard, tradu-
Francisco Palha foi nomeado Comissário Régio ção de Augusto Vidal, envergando um vestido im-
e recusou as condições impostas por Emília das portado de Paris que lhe custou 6000 francos.
Neves. A atriz formou, novamente, uma com- O ator Salvini, que assistiu à representação, ofe-
panhia própria que percorreu o país. Dessa di- receu-lhe um pregador e a peça Der Fechtere von
gressão, salienta-se o desempenho em A Mulher Ravenna de Fréderic Halm (pseudónimo do ba-
Que Deita Cartas (Baquet, 1862), drama em 5 atos rão Munchen-Bellinghausen), que foi traduzida
e 7 quadros de Victor Séjour, tradução do origi- por Latino Coelho com o título de O Gladiador
nal francês por Ernesto Biester, entre outras pe- de Ravena e que a atriz viria a representar no pa-
ças do seu conhecido repertório. Em 1863, con- pel de “Thusnelda”, no seu benefício, em 1871,
vidou vários artistas para uma companhia que foi peça a que assistiram o rei D. Luís e a rainha. Me-
atuar em Lamego, Viana do Minho, e percorreu diu-se, mais uma vez, com Adelaide Ristori em
a Galiza e Corunha, onde foram representadas, O Coração e a Arte, comédia-drama em 6 atos,
com total êxito, algumas das suas melhores original de Leão Fortis escrito expressamente para
criações, entre as quais Joana a Doida e É Meu aquela atriz, depois oferecida a Emília das Ne-
Primo, comédia em 2 atos. A companhia dis- ves e que D. António da Costa traduziu; prota-
solveu-se devido às difíceis relações da atriz com gonizou os dramas Marion Delorme (1870), em
o elenco. Voltou para o Teatro D. Maria II, onde 5 atos de Victor Hugo, tradução de João Ricardo
protagonizou Medeia (1863), tragédia em 3 atos Cordeiro, e A Pena de Talião (1870), em 6 atos
de E. Legouvé, tradução de Mendes Leal, criou de Xavier de Montépin, tradução de Aristides
Cora ou a Escravatura (1863), drama em 5 atos Abranches e Rangel de Lima, que provocou pro-
e 7 quadros de Jules Barbier, tradução de Ernes- blemas judiciais com a peça Pecadora e Mãe
to Biester, A Vizinha Margarida (1863), comédia (1870), de Ernesto Biester. Emília das Neves ga-
de Alcantara Chaves, e entrou em A Cruz de S. nhou a contenda. Foi “Dolores” em A Pátria
Luís (1863), comédia-drama em 3 atos, tradução (1871), drama em 6 atos de Victorien Sardou, tra-
de Jerónimo Morazzi. A 29 de maio de 1864 se- dução de Sena de Freitas, e Lady Tartufo (1871)
guiu para o Brasil, a bordo do navio Bérarn. Es- na comédia em 5 atos de Mme. Émilie Girardin,
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tradução de C. L., criou “Maria Rosa” em A Doi- to, desempenhando num benefício de caridade
da de Montmayour, tradução livre de Guilherme As Proezas de Richelieu. Muito caridosa, socor-
Celestino do drama, em 5 atos, Marie Rose reu, em 1846, os presos políticos que iam de-
(1871), de Anicet Bourgeois e Michel Masson, em gradados para Angola e vestia crianças pobres.
que Emília das Neves foi ao Hospital de Rilha- Teve gestos de solidariedade para com os cole-
foles estudar o comportamento das doidas para gas ajudando, com extremo carinho, Silva Rosa
melhor desempenhar o papel. A 12 de agosto de e Vidal, este com tuberculose pulmonar, ampa-
1873, a companhia do Teatro D. Maria II foi ao rou a família de Jerónimo Morazzi, tradutor de
Porto e a atriz apresentou peças do seu repertó- algumas peças teatrais, quando aquele faleceu de
rio. Tomou parte na primeira récita da nova em- febre--amarela, promovendo récitas a favor dos
presa do Teatro do Ginásio, recitando As Mães, órfãos vítimas desta peste e asilados. Em 1860,
de Eduardo Vidal, e Avez Popule!, onde se foi considerada protetora especial do asilo de ór-
apresentou de cabelos cobertos de pó louro e um fãos da freguesia de Santa Catarina, pelo dona-
riquíssimo vestido de veludo azul celeste, ten- tivo que rendeu a festa dada pela atriz a favor da
do, no final, mais de quinze chamadas ao palco. instituição, e representou a favor da Associação
Neste teatro representou outras peças, entre Promotora da Educação Popular, no Teatro D. Ma-
elas O Afilhado de Pompignac (1874), drama em ria II. Era sócia honorária de muitas instituições
4 atos de Jules Jalin. O empresário Moutinho de artísticas e de caridade e sócia da Academia Dra-
Sousa contratou-a para algumas récitas no Tea- mática de Coimbra. Embora tivesse vivido ma-
tro do Príncipe Real do Porto, entre as quais Ote- ritalmente durante largos anos com D. Luís da Câ-
lo, Tocador de Realejo e Espadadela. No Teatro mara Leme, militar que chegou a ministro da Ma-
D. Maria II, a que pertencia, fez os papéis de Con- rinha de Saldanha, faleceu solteira a 19 de de-
dessa do Freixial (1874), drama em 5 atos de Fran- zembro de 1883, às sete horas da manhã, na Rua
cisco Rangel de Lima, e Lucrécia Bórgia (1874), Oriental do Passeio Público n.o 74, 1.o, freguesia
drama em 3 atos de Victor Hugo, adaptação de de Santa Justa, e sem sacramentos. Maximiliano
José Filipe Ovídio Romano. Entre 1875 e 1876, d’Azevedo, que a viu no caixão, deixou a infor-
participou em récitas extraordinárias no Teatro mação de que a mortalha foi um fato de veludo
do Príncipe Real, em Lisboa. Voltou ao Teatro D. preto com que tinha figurado na peça Duquesa
Maria II, inaugurando a época de 1876 com Ant- de Caminha. O funeral saiu para o Alto de S. João,
hony, de Alexandre Dumas, tradução de Rama- levando 70 carruagens a acompanhar. Foi para
lho Ortigão e, aos 56 anos, arriscou em travesti o jazigo n.o 993, pegaram-lhe nas borlas os es-
O Meia Azul (dezembro de 1876), ópera cómica critores Guiomar Torrezão, que a homenageou
traduzida, em prosa e verso, a partir da peça de com um discurso, Júlio César Machado, Pal-
E. Dubreuil, E. Humbert e P. Burani, música de meirim e artistas dos Teatros de D. Maria II, Gi-
F. Bernicat, protagonizou D. Leonor de Bragan- násio e Príncipe Real, com destaque para Virgí-
ça (14/03/1877), de Luís de Campos, no seu be- nia*, Rosa Damasceno*, Emília Anjos*, Carolina
nefício, que coincidiu com a estreia da Empre- Falco*, Amélia da Silveira*, Emília Cândida*, Bár-
sa Biester, Brazão, & Ca. naquele teatro. Continuou bara Elsa*, Beatriz Rente*, Jesuína*, Maria das Do-
nos papéis principais das peças A Duquesa de res* e Margarida Lopes*, entre outras. Emília das
Caminha (1879), de António de Sousa Vascon- Neves era possuidora de 80 contos de réis, uma
celos, e Rosa Miguel (1879), drama em 5 atos tra- fortuna grande para o tempo, legados com todos
duzido por Ricardo Cordeiro, peça em que Emí- os outros bens, em testamento, a D. Luís da Câ-
lia das Neves foi pateada. Retirou-se de cena em mara Leme, seu testamenteiro, que casou, seis
1880 e António Rodrigues Sampaio assinou a lei anos depois, aos setenta anos, com a atriz e es-
que lhe permitiu reformar-se com a pensão de 72 critora Ana de Albuquerque, de trinta. Parte dos
000 réis. Era muito económica e cautelosa nos ne- bens herdados de Emília das Neves, como mó-
gócios [M. de Azevedo], tinha comprado as pe- veis, joias, adereços e vestuário de cena, serviram
ças As Proezas de Richelieu e Artes, das quais re- para colmatar as dificuldades económicas em que
cebia os rendimentos. Embora fosse de um luxo aquela atriz se encontrou depois da morte de D.
exuberante no palco, era modesta no trajar fora Luís da Câmara Leme. A 10 de julho de 1884, fo-
de cena. Nos últimos três anos, já marcada pela ram trasladados os restos mortais de Emília das
doença, pouco saía de casa e, nesse lapso de tem- Neves para o jazigo que lhe mandou erigir aque-
po, representou, ainda uma vez, em 1882, no Por- le. Pegaram as borlas do caixão os Srs. D. Antó-
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nio da Costa, Rosa Araújo, o ator Pinto de Cam- ção de D. António da Costa, Borrascas do Cora-
pos, a criada Andreia, que a acompanhara na ção, tradução de uma senhora, A Vida de Uma
doença, e duas senhoras, conforme foi noticia- Atriz, tradução de Cruz e Silva, Diana d’ Au-
do na imprensa. A 19 de dezembro de 1888, foi berteilhe, tradução de A. Mendes Leal, Frei
colocado no átrio do Teatro Nacional um busto Caetano Brandão (também denominado Cinco Al-
em mármore da atriz, da autoria de Soares dos mas Fortes), original de António de Oliveira da
Reis e feito por iniciativa de D. Luís da Câmara Silva Gaio, Paula ou A Espada Virtuosa e Luísa
Leme. Por edital de 7 de agosto de 1911, o seu Bernard, traduzidas por Carlota Talassi, Homem
nome foi atribuído a uma rua na freguesia de Ben- Fatal, imitação de Correia Leal, O Juiz, O Castelo
fica. Emília das Neves representou 217 peças, en- de Faria, O Valido e A Lei dos Morgados, origi-
tre comédias, dramas, tragédias, melodramas e nais de Joaquim da Costa Cascaes, A Rainha e a
farsas. Além das já referidas, citamos os dramas, Aventureira e Fazer Fortuna, ambas de António
em 6 atos, O Livro Negro, de Camilo Castelo Bran- Augusto Correia de Lacerda, Brásia Parda, de An-
co, Satanás em Lisboa, imitação de Mendes Leal, tónio Pereira da Cunha, D. Maria Teles e O Dra-
Miguel Ângelo e O Conde João; em 5 atos, Luí- ma no Mar, de Ernesto Biester; em 4 atos, O Si-
sa de Liguerolles, de Dinaux e Legouvé, O Tem- neiro de S. Paulo, em 1 prólogo, original inglês,
plário, Os Incendiários ou Há Dezasseis Anos, de e Simão Ladrão; em 3 atos, O Negociante, O
Max Frish, tradução de Luís José Bayard, Joana Ramo de Rosas, A Cisterna de Albi, na tradução
de Flandres, A Justiça de Deus, Joana Kerdalck, de Guilherme Celestino, Tentações Diabólicas,
Pobre Mãe, tradução de João Baptista Ferreira, tradução de Luís Costa, Hariadan, Marido Rapaz,
A Graça de Deus, ornado de música, tradução do Mulher Velha, tradução de Carlota Talassi, Joa-
original inglês, por Ferreira, Cláudio Stocq, tra- na que Chora e Joana que Ri, Diogo Tinoco, de
dução de Pedro Ciríaco, Diana de Chivri, tradu- Inácio Pizarro, Inocência e Calúnia, de Rodrigo
ção de José Maria de Andrade Ferreira, O Barão José de Lima Felner, Os Mártires da Germânia,
de Uburg, Jacqueline da Baviera, Maria Les- de José Filipe Ovídio Romano; Laura Rambert,
combat, tradução do conde de Farrobo, A De- drama em 2 atos. Comédias: em 5 atos, A Ca-
golação dos Inocentes, D. Rodrigo, D. João Ma- maradagem e Gentil Bernard, ambas em tradu-
ranha, tradução de Carlos Leal, O Convidado de ção de João Baptista Ferreira, Uma Posição Me-
Pedra, Longa Espada, O Rui Brás, tradução e imi- lindrosa, Tartufo, de Molière, tradução, em ver-
tação em prosa de Eduardo Faria do drama his- so, pelo visconde de Castilho, Amanda; em 3 atos,
tórico, em verso, Ruy Blas, de Victor Hugo, O Al- O Peregrino Branco e O Bom Amigo, ambas tra-
quimista, O Cavaleiro do Templo, O Amazam- duzidas por João Baptista Ferreira, Mr. Botte, A
po ou a Descoberta da Quina, tradução do con- Sensibilidade no Crime, O Homem Honrado, Ga-
de de Farrobo, O Último Dia de Veneza, O Vale zeta dos Tribunais, tradução de L., Jacques I, Ma-
da Torrente, Les Diables Noirs, de Victorien Sar- rido, Mulher e Tio, imitação de António Joaquim
dou, tradução de Ricardo Rodrigues Cordeiro, Mendes Leal, Rédeas do Governo, de D. Henri-
Adelina d’Ormilly, A Praia dos Naufrágios, A Lis- que Zumel, traduzida por Luís Augusto Rebelo
ta dos Notáveis, O Casamento por Gratidão, da Silva, A Senhora Ajax, tradução de Castilho
D. João, conde de Vargas, O Capitão Paulo, de e Melo, Lopo de Figueiredo, de Inácio Pizarro, Po-
Alexandre Dumas, Os Bandidos, Os Dois Serra- bre Carlos, de Feijó, O Ramo de Violetas; em 2
lheiros, O Poder dos Remorsos, Leão-Forte Es- atos, O Jogador de Bilhar, Maria de Beaumar-
pada, Lady Hamilton, Fazer Fortuna, de Augusto chais, A Viúva de Mendives, O Duque de Ven-
César de Lacerda, O Astrólogo, de José Maria An- dôme, O Czar Cornélio, tradução de A. Mendes
drade Ferreira, A Condessa de San-Geran, O Cas- Leal, Um Por Outro, A Louca de Toulon, Cami-
telo de Moulluvier, Os Órfãos da Ponte de Nos- la ou o Irmão e a Irmã, tradução de G., Quem
sa Senhora, tradução de José Maria da Silva Leal, Quer Pode, Marquês de Lousã; em 1 ato, Artur
Martinho e Bambocha, Dalila, de Octave Feuil- e Cristina, O Casamento de Capuz, Mordomo
let, imitação de António Serpa Pimentel, Amo- como Há Poucos, O Calebe, Ando Fazendo das
res de Condé, tradução de Eduardo Vidal, Casa Minhas, de Molière, Os Conspiradores, O Pro-
Nova, imitação de Ferreira de Mesquita, A Filha fessor em Apuros, O Pau de Cabeleira, Estela ou
da Doida, As Alvíssaras, Planície de Grenelle, Os o Pai e a Filha, O Chichisbeu Italiano, tradução
Parasitas, tradução de L. Costa, A Tentação, tra- do conde de Farrobo, Mulher, Marido e o Aman-
dução de P. Carneiro, Berta, a Flamenga, tradu- te, de Paulo Kock, tradução de Alfredo Sarmento,
EMI 266

Teófilo, O Doutor Sovina, O Poder dos Remorsos, Porto, Círculo da Cultura Teatral, 1988; Mário Jac-
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va de 15 Anos, A Família Improvisada, A Mulher do, “Emília das Neves”, O Ocidente, n.o 185, 11/02/1884,
que Engana seu Marido, As Obras de Horácio, tra- pp. 33-37 [com retrato gravado por Alberto na folha de
dução de Guilherme Celestino, Artur, tradução rosto e “Homenagem a Emília das Neves”, com figura-
de G., As Duas Coroas, tradução de José Serpa Pi- ções da atriz em peças de teatro desenhadas por M. de
Macedo, na p. 36]; Memórias de Eduardo Brazão, que seu
mentel, O Último Ato, de Camilo Castelo Bran- filho compilou e Henrique Lopes de Mendonça prefaciou,
co; a farsa O Enredador, em 1 ato, de Fernando Lisboa, Empresa da Revista de Teatro, Editora, 1.a ed.,
António Vermuel; e a tragédia em 5 atos Inês de p. 51; Vicente Galhardo, O Sorvete, 10/04/1881; Virgínia
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Eva, n.o 8, 2002, pp. 204-205; Atalaia Nacional dos Tea-
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Régio do Teatro D. Maria II, Lisboa, Tip. de Joaquim Ger- pp. 62-64, n.o 10, 02/02/1851, p. 80, e n.o 15, 16/3/1851,
mano de Sousa Neves, 1859. p. 120; O Estandarte, 6, 10 e 11/07/1851; “Enterro da ac-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- triz Emília das Neves e Sousa”, Diário Ilustrado,
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125; Eduíno de Jesus, Enciclopédia Luso-Brasileira da tor, professor da Escola de Arte de Representar
Cultura, Vol. 14, Editorial Verbo, 2.a ed. s.a., pp. 47-48; do Conservatório de Lisboa que se distinguiu pela
Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di- introdução dos métodos da escola do Teatro Li-
cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, vre de André Antoine na linguagem teatral. Emí-
heráldico, numismático e artístico, Vol. V, Lisboa, João
Romano Torres, Editor, 1911, pp. 62-65; Fausto Xavier lia estreou-se no Teatro Juvénia, junto à Rua das
de Novais, Soneto à Sra. D. Emília das Neves represen- Escolas Gerais, em Lisboa, na peça Irmãs, a 14
tando o drama-comédia “Adriana de Lecouveur”, Por- de dezembro de 1924, e entrou no elenco dos pri-
to, Tipografia de José Nogueira Gandra & Filhos, 1851; meiros espetáculos do Teatro Livre e Teatro Mo-
Francisco Gomes de Amorim, Garrett: Memórias Bio-
gráficas, T. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1884, pp. 385 derno, de que o marido foi impulsionador, no Es-
e ss.; Guiomar Torrezão, “Leilão de objectos que per- túdio do Salitre. Agradou, também, nos papéis
tenceram à falecida actriz Emília das Neves”, Diário Ilus- de “Sra. Stockmann”, de O Inimigo do Povo, de
trado, 25/04/1884, p. [3] e 26/04/1884, p. [2]; Gustavo de Ibsen, fez o papel de “Ema” em Penumbra, de
Matos Sequeira, História do Teatro Nacional
D. Maria II, Vols. I e II, Publicação Comemorativa do Cen- Vieira de Almeida, peças em que revelou as in-
tenário 1846-1946, Lisboa, s.n., 1955; Idem, O Carmo e fluências da nova linguagem teatral ensinada
a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câ- pelo marido. Abandonou o palco depois da mor-
mara Municipal de Lisboa, 1967, pp. 346; Joaquim Ma- te deste e dedicou-se às traduções, trabalho a que
dureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer- se entregava antes de enveredar pela carreira tea-
reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 450; José Nogueira
Gandra, Soneto à primeira actriz contemporânea no tea- tral. Traduziu, entre outras obras relevantes, O
tro declamado Emília das Neves e Sousa no dia do seu Capital, de Karl Marx, A Caminho da União Li-
benefício no R. R. de S. João do Porto em 25/03/1851, Por- vre, de Alfred Naquet, Como Falava Zaratustra.
to, Tipografia Gandra, 1851; Júlio César Machado, Os Tea- Livro para Toda a Gente e para Ninguém, de Frie-
tros de Lisboa, Editorial Notícias, 1991, p. 97; [Luís da
Câmara Leme], Emília das Neves, Documentos para a sua drich Nietzsche, e A Grande Revolução, de P. A.
biografia, por um dos seus admiradores, com fotografia Kropotkine, editadas por Guimarães Editores em
e “fac-símile” da grande actriz, Lisboa, Livraria Universal 1912 e 1913, Espectros, drama em três atos, e
Silva Júnior, 1875; Luís de Oliveira Guimarães e José Ri- Casa de Boneca, ambas de Henrik Ibsen.
beiro dos Santos, Senhoras Conhecidas, Lisboa, Edito-
ra Marítimo-Colonial, Lda., 1945, p. 97; Manuel de Brito Bib.: A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em Portu-
Camacho, A Linda Emília, Lisboa, Guimarães Editores, gal, 5.o Volume, 1901-1930, Lisboa, ISLA – Instituto Su-
[1940]; Manuela Espírito Santo, O Teatro Baquet – perior de Línguas e Administração, S. A., Centro de Es-
No centenário de uma tragédia: 20 de março de 1888, tudos de Literatura Geral e Comparada, 1999, pp. 142, 154,
267 EMI

163, 164, 169, 170, 178, 186, 194, 196, 202, 208, 209, 264; das primeiras figuras da cena portuguesa e foram-
Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres Cé- -lhe dados papéis de importância: “condessa de
lebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1030; Gran-
de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXI, Lis- Sernaizes” em Primerose (1912), de Robert de
boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 132; Teatro Flers e Cailleret, tradução de Melo Barreto,
Estúdio do Salitre, Lisboa, 50 Anos, Lisboa, Sociedade Por- “Lucrécia” em O Botequim do Felisberto (1912),
tuguesa de Autores/Publicações D. Quixote, 1996. tradução da peça Le Petit Café de Tristan Bernard
[I. S. A./N. M.] por Acácio Paiva, protagonista em A Melhor das
Mulheres (1912), de Billaud e Hennequin, tra-
Emília de Oliveira dução de Carlos Trilho, em A Tomada de Berg-
Atriz que se distinguiu nos papéis de dama cen- op-zoom (1913), de Sacha Guitry, e em A Mulher
tral e “característica”. Nasceu em Lisboa a 25 de do Juiz (1914), vaudeville traduzido por André
novembro de 1875 e faleceu, na mesma cidade, Brun. Nesse ano, um incêndio destruiu o teatro
a 20 de julho de 1968. Tinha a voz harmoniosa, e até 1916 a companhia instalou-se no Teatro de
era bonita, elegante e vestia bem. Estreou-se no S. Carlos, onde levou à cena O Gavião, original
Teatro do Príncipe Real em 8 de dezembro de de F. de Croisset, O Diabo, de F. Molner, e A Bela
1899, na peça O Coxo do Bairro Alto, drama po- Aventura, de Flers e Caillavet, em que Emília se
pular em 6 atos de Eduardo Coelho, com êxito. fez notar. De regresso ao Teatro República depois
Em 1901, foi em digressão pelo Brasil, na Com- das obras de reconstrução, entrou em Envelhe-
panhia Teatral Eduardo Vitorino e, quando re- cer, tragédia de Marcelino Mesquita, Rei da Ga-
gressou, entrou para a Empresa Taveira, Teatro fanha, Rasto de Mulher (1917), de R. Coolus, Pão
da Trindade, onde foi muito aplaudida nas má- Alheio (1917), de Turguenev, Entre Giestas
gicas O Trevo das Quatro Folhas, As Duas Prin- (1917), drama em 3 atos de Carlos Selvagem, e
cesas, Tangerinas Mágicas e O Bico de Papagaio O Patriota. Em 1918, o teatro passou a chamar-
(1901), esta última original do escritor brasilei- -se “S. Luís”, em homenagem ao visconde de
ro Abdon Milanês, adaptada à cena por Eduar- S. Luís de Braga. Nesse ano representou Amor de
do Garrido. Na temporada seguinte estava no Tea- Perdição, drama em 7 atos de Camilo Castelo
tro do Príncipe Real, então gerido pela Empre- Branco, adaptação de D. João da Câmara, ao lado
sa Ruas & Carvalho, onde apareceu na revista de Ângela Pinto, e O Grande Mágico, tradução
À Procura do Badalo, de Baptista Dinis, música de Jorge d’Abreu do arranjo francês Monsieur de
de Miguel Ferreira, numa rábula que procurava Berveley, de Berr e Verneuil, por sua vez imita-
imitar Ângela Pinto*. Passou, depois, para a Com- do do inglês Hackoff, no papel de “viúva”,
panhia Rosas & Brazão, no Teatro D. Amélia, onde sempre com sucesso. A partir de 1906 fez várias
se tornou discípula de Augusto Rosa e se de- digressões ao Brasil, onde representou os dramas
morou vários anos, integrada no repertório que A Estrangeira, de Alexandre Dumas, filho, tra-
lhe permitia realçar os seus dotes artísticos e re- dução de António Enes, Lagartixa, comédia em
presentar ao lado de Eduardo Brazão, Ângela Pin- 3 atos, tradução de Eduardo Garrido, Fedora, de
to e outros grandes atores e atrizes da época. Ali, Sardou, A Pena de Talião, drama em 6 atos, de
interpretou A Severa, de Júlio Dantas, A Cruz da X. Montepin, tradução de Aristides Abranches
Esmola (1903), de Eduardo Schwalbach, A Cas- e Rangel de Lima, e Lição Cruel, de Pinheiro Cha-
telã (1904), peça em 4 atos de Alfred Capus, tra- gas, sempre com boas referências da crítica. Fez
dução de Acácio de Paiva, Perdidos no Mar viagens artísticas pelas províncias e ilhas, in-
(1904), drama marítimo em 3 atos e 5 quadros, clusivamente durante a Primeira Guerra Mundial
imitação de José António Moniz, O Encontro, sob o perigo da guerra submarina, representan-
A Rajada (1906), tradução de La Rajals, de Berns- do Meter-se a Redentor, de Echegaray, tradução
tein, por Carlos Selvagem, Ladrão (1908), drama de Aristides Abranches, entre outras peças do seu
moderno em 3 atos de Bernstein, Os Postiços repertório. Na época de 1919-1920, fazia parte da
(1908), comédia em 5 atos de Eduardo Schwal- Companhia Taveira no Teatro da Trindade, onde
bach, O Leque (1908), de Robert Flers e Francis entrou em Sua Excelência, comédia, original de
Caillavet; fez travesti na revista Em Nome do Pa- G. Lobato, O Papá, A Exilada e Emboscada, am-
dre (1908), de Câmara Lima, e brilhou em Chá bas de Kistesmaecker, a última em tradução de
das Cinco (1909), de Augusto de Castro. Com a Carlos Selvagem. Acompanhou parte do elenco
implantação da República, o teatro passou a de- do teatro para o Eden Teatro, sob direção de Au-
nominar-se “República”. Emília era, então, uma gusto Pina, onde fez Amante e Esposa, de Jacinto
EMI 268

Benavente. Regressou ao Trindade e ao repertó- ra, O Teatro, Lisboa, n.o 1, janeiro, 1918, pp. 7-8, e mar-
rio do teatro com destaque para Demónio (1920), ço, 1918, p. 58; J. M. Teixeira de Carvalho, Teatro e Ar-
tistas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1925, p. 214;
peça em 3 atos de Ramada Curto, no papel de Memórias de Eduardo Brazão, que seu filho compilou e
“Natália”, ao lado de Rosa Damasceno*. Entre Henrique Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa
1923 e 1924, esteve no Teatro Politeama e voltou da Revista de Teatro, Editora, 1.a ed. p. 159; Rolando da
ao Teatro da Trindade em 1925, onde protago- Silva, O Meu Jornal. Impressões de Teatro (Número dois),
nizou Braz Cadunha (1928), drama em 3 atos de Lisboa, edição do autor, 1932, p. 15; O Ocidente,
20/02/1912, pp. 33-40; O Palco, Lisboa, n.o 5, 05/03/1912,
Samuel Maia. Em 1929, o Teatro Nacional foi ad- p. 72; “Teatros”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, n.o 418,
judicado à Companhia Amélia Rey Colaço-Robles 23/02/1914, p. 230; Mundo Teatral, Lisboa, n.o 3, no-
Monteiro e Emília de Oliveira tornou-se figura vembro, 1920, pp. 1-2; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sé-
proeminente nas peças Cristalina, O Caso do Dia, culo, 05/02/1952, 09/03/1952 e 05/05/1956, p. 4.
Uma Noite de Agosto, Amanhecer, em 3 atos, de [I. S. A. ]
Martinez Sierra, tradução de Alberto Morais e Má-
rio Duarte, A Mulher Nua, de Henri Bataille, Emília Dionísia Ferreira dos Santos Silva Verdial
O Ai-Jesus!, A Fascinação, O Degredado, A Professora primária, republicana e democrata por-
Greve Geral, Afonso VI, drama histórico em 5 atos, tuense. Filha de Ana Teixeira (f. 01/06/1894) e
e Os Velhos, comédia em 3 atos, originais de D. de Dionísio Santos Silva (1853-1920), comer-
João da Câmara, Rosas de todo o Ano, de Júlio ciante de chapelaria e proprietário de jornais,
Dantas, Amadis da Gaula e Auto da Barca do In- irmã do médico republicano Eduardo Ferreira
ferno, de Gil Vicente, S. João Subiu ao Trono dos Santos Silva (18/03/1879-14/09/1960) e de
(1931), de Carlos Amaro, A Dançarina Vermelha mais três professoras, casou com o oposicionista
(1932), drama de Henri Hirsch, tradução de Ro- ao Estado Novo Mem Tinoco Verdial (n.
drigo Lessa, 1808 (1932), peça em 4 atos de Má- 03/12/1887), engenheiro industrial e professor
rio Domingues e Reinaldo Ferreira, Os Cinco Lo- nos Institutos Industriais de Lisboa e Porto e Ins-
bitos (1935), dos irmãos Quintero, tradução de tituto Comercial do Porto, deputado pelo Parti-
Luís Galhardo e Vasco Santana, em estreia, De- do Democrático entre 1919 e 1921 e, posterior-
sencontro (1935), de Armando Vieira Pinto, e O mente, ativista do MUD. Oriunda de uma família
Chefe (1937), tradução de Norberto Lopes. Per- portuense conhecida pelo republicanismo e
tenceu à Companhia Teatral Portuguesa dirigida combate antissalazarista, a sua intervenção cí-
por Abílio Alves e que se estreou no Teatro da vica prolongou-se por décadas. Enquanto pro-
Avenida a 15 de março de 1939 com a peça Sa- fessora no Clube Republicano Rodrigues de Frei-
crificado, de Máximo Portugal, ensaiada por An- tas, no Porto, foi, durante a monarquia, a primeira
tónio Pinheiro e acompanhada por uma or- oradora republicana daquela cidade [Fina d’Ar-
questra composta só por senhoras. Fez parte do mada, pp. 131, 156]; nomeada, em fevereiro de
Teatro do Povo, do S. N. I., entre 1944 e 1949. Par- 1911, professora da Escola Normal do Porto, per-
ticipou nos filmes mudos Cláudia, Olhos de tenceu, tal como outros familiares, ao Núcleo Fe-
Água, Tragédia de Amor e nos sonoros Lisboa minino de Assistência Infantil*, criado em 30 de
(1930), As Pupilas do Senhor Reitor (1935), A Re- agosto de 1916 no âmbito da Junta Patriótica do
volução de Maio (1937), Rosa do Adro (1938), Pão Norte, e foi subscritora permanente da Casa dos
Nosso (1940), O Pai Tirano (1941), Amor de Per- Filhos dos Soldados, destinada a acolher e
dição (1943) e A Vizinha do Lado (1945). educar os órfãos de guerra. Nos anos 40 era di-
retora da Escola Primária da Fábrica de Têxteis
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. 986- de Pinto de Azevedo, na Areosa. Mãe de seis fi-
-987; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- lhos, um dos quais Rolando dos Santos Silva
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 281; Henrique Verdial (n. 22/05/1924), com respon-
Carlos Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de sabilidades clandestinas no âmbito do Partido
um actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Pu-
blicidade, 1950, p. 154; Eduardo de Noronha, Reminis- Comunista Português, seria vítima das perse-
cências do Tablado, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, guições à família durante o Estado Novo e
1927, p. 57; Fernando Peixoto, História do Teatro Euro- morreu a 7 de outubro de 1960, no regresso de
peu, Lisboa, Edições Sílabo, 2006; Grande Enciclopédia uma visita ao filho, então preso em Caxias. Se-
Portuguesa e Brasileira, Atualização, Vol. VIII, Lis-
boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 469; Joaquim
gundo o jornal Avante!, de novembro, o seu de-
Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer- saparecimento foi acelerado pela forma desu-
reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 465; José Parrei- mana e humilhante como a PIDE a tratou, não
269 EMI

atendendo sequer à idade avançada da proge- particulares. Aos 15 anos entrou para o Conser-
nitora: começou por impedir a visita do dia 6 vatório Nacional onde cursou, entre 1861 e
pelo facto de Emília e Mem Verdial, vindos do 1864, as Aulas de Declamação e Arte de Repre-
Porto, terem chegado minutos depois da hora re- sentar sob a direção de Duarte Cardoso de Sá. Es-
gulamentar; no dia seguinte concederam-na, mas tavam anexas ao curso, como complementares,
não foi permitido aos pais que se aproximassem aulas de português e música. Aprendeu, também,
do preso, o beijassem e abraçassem; e o desen- as línguas castelhana e francesa. No primeiro ano,
lace fatal deu-se no regresso a casa, chegando já destinado à declamação, foi distinguida com uma
sem vida à sua residência. O sucedido serviu para pensão de 5$000 réis mensais, que passaram para
o Avante! alertar para a forma como o regime di- 7$000 réis e 8$000 réis nos dois anos seguintes.
tatorial tratava os familiares e presos desde sem- Quando completou o curso de Arte de Repre-
pre, assinalando que “milhares de pessoas, sentar fez provas públicas, a 4 de fevereiro de
numa significativa manifestação de dor e de re- 1865, com a comédia Por um Cabelo, imitação
pulsa, incorporaram-se no funeral de D. Emília de Duarte de Sá de Le Cheveu Blanc, de Octávio
Verdial, uma Mãe portuguesa como tantas e tan- Feuillet, e O Tio Simplício, de Almeida Garrett,
tas outras, vítimas do ódio do ditador fascista ao com o ator José Carlos, no Teatro D. Maria II, en-
longo destes 34 anos” [Avante!, n.o 295, no- tão regido por Francisco Palha. Foi classificada
vembro de 1960]. O seu nome completo consta em 2.o lugar, atrás de Máxima Rochedo*, e re-
da Biografia Prisional do filho. Fina d’Armada, correu da classificação para o Ministério do Rei-
na obra As Mulheres na Implantação da Repú- no, que não atendeu a reclamação. Ficou, no en-
blica, dá destaque ao papel pioneiro e inter- tanto, no teatro. Em 1866, Francisco Palha de-
ventivo de Dionísia Santos Silva. mitiu-se do Teatro D. Maria II e organizou uma
Bib.: A. H. de Oliveira Marques (coordenador), Parla- companhia destinada ao futuro Teatro da Trin-
mentares e Ministros da 1.a República (1910-1926), As- dade, que funcionou no Teatro da Rua dos Con-
sembleia da República/Edições Afrontamento, 2000, p. des enquanto as obras não foram concluídas. Emí-
437; Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Actos da Jun- lia dos Anjos fazia parte do novo elenco, con-
ta Patriótica do Norte, desde a sua origem em 15.III.1916
até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva com tratada pelo dobro do ordenado que recebera até
o concurso do Núcleo Feminino de Assistência Infantil então. No Teatro da Rua dos Condes desempe-
e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do Norte, nhou papéis de responsabilidade em Demónio
Tip. Mendonça, 1918, pp. 132 e 135; Idem, Junta Patriótica do Jogo, drama, Guerrilheiro, Nobrezas do Tra-
do Norte. 1916-15 Anos de Benemerência-1931. Relato
geral da sua obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (As- balho, Família Benoiton, comédia em 5 atos de
sistência aos Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. In- Victorien Sardou, traduzida por Ernesto Biester,
dust. Gráfica do Porto, Lda., 1932, p. 204; Comissão do ao lado de grandes atores como Tasso, Delfina Es-
Livro Negro Sobre o Regime Fascista, Presos políticos no pírito Santo* e Joaquim de Almeida. Fez parte das
regime fascista VI – 1952-1960, 1988, p. 70; Fina d’Armada,
As Mulheres na Implantação da República, Lisboa, És- peças de inauguração do Teatro da Trindade
quilo, 2010; Maria Otília Pereira Lage, Correspondência(s) (30/11/1867), A Mãe dos Pobres, dramalhão de
Mécia / Jorge de Sena (Evocação de Carrazeda, anos 1940), Ernesto Biester, e O Xerez da Viscondessa, co-
Guimarães, Universidade do Minho, Instituto de Ciências média em 1 ato, traduzida do espanhol por Fran-
Sociais, 2007; “D. Emília Verdial morta em consequên- cisco Palha. Seguiram-se Médico à Força, comédia
cia das perseguições às famílias dos presos”, Avante!, sé-
rie VI, n.o 295, novembro, 1960, p. 5, col. 1. de Molière, tradução do visconde de Castilho,
[J. E./N. M.] O Drama da Rua da Paz, em 5 atos, tradução, Vi-
ver em Paris, tradução de La Vie, Frou-Frou, co-
Emília dos Anjos média de Meilhac e Ludovic Halevy, Rascunho
Atriz que se distinguiu no drama e alta comédia. e Última Moda, comédia em 3 atos, tradução de
Nasceu em Lisboa, a 22 ou 23 de maio de 1846, Rangel de Lima. Em 1868, a exploração do Tea-
na freguesia dos Anjos, e faleceu, na mesma ci- tro D. Maria II foi concedida à empresa do Tea-
dade, a 3 de julho de 1921. A família era pobre tro da Trindade, dirigida por Francisco Palha, e
e não foi possível apurar os nomes dos pais. Ti- Emília dos Anjos representou aí Tempestade de
nha uma irmã, a atriz Bárbara da Conceição*. Ca- Família, de Manuel Roussado, Posições Equí-
sou com António José Enes (1848-1901), que foi vocas, Demi-Monde, de Alexandre Dumas, filho,
jornalista, deputado, ministro do Estado, diplo- Pedro, drama em 5 atos de Mendes Leal, e Cora
mata e dramaturgo, de quem teve um filho. Co- ou a Escravatura, melodrama de Jules Barbier tra-
meçou por representar como amadora em teatros duzido por Ernesto Biester. Em julho de 1871, aca-
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bou o contrato com o Teatro da Trindade e este- Bastardos, versão da comédia de Édouard Pail-
ve um ano retirada dos teatros de Lisboa. Durante leron Les Faux Ménages por Latino Coelho; As-
esse tempo, associou-se a um grupo de colegas, modeu, comédia em 4 atos, em verso, imitação
entre eles Maria das Dores*, César Pola, João Rosa, de Carlos Moura Cabral; A Estrangeira (1880), de
Eduardo Brazão, Braz Martins e Leopoldo de Car- Alexandre Dumas, filho, tradução de António
valho, para uma digressão artística pelos teatros Enes; O Grande Homem (1881), sátira política em
de Leiria, Santa Comba Dão, Viseu, Lamego e Vila 4 atos, original de Teixeira de Queiroz, com a atriz
Real com um pequeno, mas bem escolhido, re- Virgínia*; O Luxo (1881), de António Enes; A So-
pertório. Em setembro de 1872, entrou para o Tea- ciedade onde a Gente se Aborrece (1881), de
tro do Ginásio, onde conheceu o período mais bri- Édouard Pailleron, adaptação de Gervásio Lobato;
lhante da sua carreira e contou, entre os seus êxi- Heloísa (1882), de Gervásio Lobato; Casamento
tos, mais de vinte dramas e comédias, de que se Civil (1882), comédia-drama em 4 atos de Ci-
destacam: Os Campinos (1873), comédia de priano Jardim, no papel de “viscondessa do Sou-
costumes em 3 atos de Salvador Marques; A Ca- to”; Idade Ingrata (1883) de Édouard Pailleron,
lúnia, de Eugène Scribe, tradução de Luís da Cos- tradução de Gervásio Lobato; O Marido (1885),
ta Pereira; Paralítico, drama em 5 atos, versão de de Eugène Ives e Arthur Arnold, tradução de
Ferreira Mesquita; A Corte na Aldeia, drama em Abreu Marques; foi “Maria Teles” em Leonor Te-
5 atos, imitação de Mendes Leal da peça Les Ivres- les (1889), drama histórico em verso em 5 atos
ses de L’Amour, de Theodore Barrière; O Morgado de Marcelino Mesquita. Contracenou nas co-
de Fafe, comédia em 2 atos, e Último Acto, am- médias em 4 atos O Íntimo (1891), de Eduardo
bas de Camilo Castelo Branco; Feitiço Contra o Schwalbach, e A Madrugada, em verso, de Fer-
Feiticeiro, de Paulo Midosi; as comédias em 3 atos nando Caldeira, no papel de “Baronesa do Farol”
Bola de Sabão, tradução de Mariano de Carva- (1892). Retirou-se de cena pouco tempo depois.
lho, e Lenço Branco, de Alfred Musset, tradução Além do seu já conhecido repertório, Emília dos
de Rangel de Lima; Laços de Família, de César Anjos entrou no drama em 4 atos Eugénia Mil-
Pola; Três Mulheres e Órfã de Aldoar, de Teixeira ton, de António Enes; Susana, opereta em 3 atos
de Vasconcelos; Debaixo da Máscara, de Gervásio de J. Okonkowsky, música de J. Gilbert, tradução
Lobato; Família Mongrol; Que Faladora!; os de E. Nascimento Correia; A Torre de Babel; As
dramas Os Lazaristas, 3 atos, Os Engeitados (1876) Duas Orfãs, drama em 5 atos de Adolphe d’En-
e Os Saltimbancos (1877), em 4 atos, os três da nery, tradução de Ernesto Biester; Amor que Mata;
autoria de António Enes; Doente de Cisma, co- Casas, Criados e Agiotas, comédia em 3 atos de
média traduzida pelo visconde de Castilho de Ma- Francisco Rangel de Lima; Condessa Heloísa, de
lade Imaginaire, de Molière. Na temporada de Gervásio Lobato; Afilhado de Pompignac, co-
1877/78, foi com a companhia para o Teatro da média-drama em 4 atos de Jules Jalin. Fez, ain-
Rua dos Condes, onde representou Roca de Hér- da, os papéis de “Sra. Thaizette” em Dionísia, de
cules (1877), comédia escrita expressamente Alexandre Dumas, filho, e “Evelina Bavolet” em
para ela por Pinheiro Chagas. Passou, depois, a Clara Soleil, ambas traduzidas por Guiomar
societária de 1.a classe do Teatro D. Maria II, es- Torrezão; protagonizou os dramas em 5 atos Da-
criturada na Empresa Biester, Brazão & Ca., lila, de Octave Feuillet, imitação de A. Serpa Pi-
onde fez benefício na comédia Leões e Raposas mentel, e A Mártir, de Adolph d’Ennery e Park,
(1879) e em Os Fourchambault, ambas de Émi- tradução de Guiomar Torrezão; Duas Bengalas,
le Augier, A Família Danicheff, drama em 4 atos comédia em 1 ato, tradução de Ricardo José de
de A. Dumas; O Amigo Fritz, comédia em 3 atos Sousa Neto; Conspiração na Aldeia, de Victorien
de Erkmann-Chatrian, tradução do conde de Mon- Sardou, tradução de Pinheiro Chagas; As Médi-
saraz; fez benefício com A Tia da Baronesa, co- cas, peça em 4 atos de Gervásio Lobato em co-
média em 1 ato de Delfim de Noronha [Guiomar laboração com Fernando Caldeira; Gata Borra-
Torrezão], em 1880. Nesse ano, o Teatro D. Ma- lheira, mágica em 3 atos e 15 quadros, arranjo de
ria II passou a ser explorado pela Sociedade dos Joaquim Augusto de Oliveira, música de Ange-
Artistas Dramáticos Portugueses, Empresa Rosas lo Frondoni; Grã-Duquesa de Gerolstein, ópera
& Brazão, e Emília dos Anjos ficou no novo elen- burlesca em 3 atos e 4 quadros, de Henri Meilhac
co. Ali, foi muito aplaudida em As Ovelhas de e Lodovic Halévy, tradução de Eduardo Garrri-
Panurgio, comédia de Henri Meilhac e Ludovic do, música de Offenbach; Rouxinol das Salas,
Halévy, tradução de Jaime Romão; Casamentos ópera cómica em 3 atos, arranjo de Aristides
271 EMI

Abranches da peça Monsieur Garat, com músi- toras Virgínia Carlota Xavier dos Santos* e Ma-
ca de Frondoni; Provinciana em Lisboa; Rosa de ria Laura dos Santos*. No entanto, quem encorajou
Sete Folhas; Mão da Justiça; Carta Anónima; Diá- a jovem para uma carreira artística foi o avô pa-
rio de Notícias; Bons Vizinhos Papafinas; Con- terno, Manuel Inocêncio Liberato dos Santos Car-
tos de Bocaccio; Fruto Proibido; Pepe Hilo, zar- valho e Silva (1805-1887), célebre maestro e com-
zuela; Posso Falar à Senhora Queiroz?, farsa em positor, retratado por Emília nos finais do sécu-
1 ato, imitação de Aristides Abranches; Por Cau- lo XIX, cavaleiro da Ordem de Cristo e fidalgo da
sa de Uma Carta, comédia em 3 atos, adaptação Casa Real. Disso nos dá testemunho a própria ar-
de Les Pattes de Mouche de Victorien Sardou. Em tista num apontamento autobiográfico, afir-
1868, residia na Travessa do Sacramento, em Lis- mando que o avô, “um santo velhinho, um co-
boa. Quando enviuvou, em 1901, vivia em Que- ração de ouro que me idolatrava”, tinha o dese-
luz. Reformou-se como atriz de 1.a classe. jo de fazer dela uma artista. Claro está, na área
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
da música, precisamente onde Emília se inicia-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 63; rá aos 16 anos, estudando piano e harpa com Ma-
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, nuel Inocêncio, e canto, com o mestre Velani
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 203; Delfim [Emília dos Santos Braga, Autobiografia, c.
de Noronha [pseudónimo de Guiomar Torrezão], “Atra- 1932]. Apesar do apreço que mostrou pela arte
vés dos Palcos”, Diário Ilustrado, 13/01/1883; Eduardo
de Noronha, Reminiscências do Tablado, Lisboa, Gui- da música, a sua paixão era a pintura, como ela
marães e Ca. Editores, 1927, pp. 100 e 178; Esteves Pe- refere. Desde pequena, coloria gravuras que via
reira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário his- nos livros ou simples fotografias de família: “Sen-
tórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, ti, desde menina, uma estranhada predisposição
numismático e artístico, Vol. I, Lisboa, João Romano Tor- artística, e, aos oito anos, o meu brinquedo fa-
res, Editor, 1904, pp. 564-565; Grande Enciclopédia Por-
tuguesa e Brasileira, Vol. II, Lisboa/Rio de Janeiro, Edi- vorito era o de reproduzir, com um pedacinho de
torial Enciclopédia, p. 740; Guiomar Torrezão, “Rumo- lápis, todas as figuras que apanhava à mão, in-
res dos Palcos”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, clusive retratos” [Modas e Bordados, 10/02/1935]
24/02/1881, 26/03/1881; Guiomar Torrezão, “Emília dos e, na falta destes, “solicitava, então, às pessoas
Anjos”, Almanaque das Senhoras para 1888, pp. 87-88;
Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol.
crescidas da família, o favor de lhe desenharem
II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal coisas para colorir” [Julieta Ferrão, 1932, p. 7].
de Lisboa, 1967, p. 301; Luiz Francisco Rebello (dir.), Depois do avô, seria o irmão mais velho, Carlos
Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, José dos Santos Júnior, alferes de artilharia e, mais
1978, pp. 49-50; Manuel Alves de Oliveira [textos] e Ma- tarde, diretor da Fábrica de Pólvora em Chelas,
nuela Rego [pesquisa iconográfica], O Grande Livro dos
Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, Lda. 1990, quem daria o próximo impulso na concretização
p. 49; Memórias de Eduardo Brazão, que seu filho com- dos desejos artísticos da jovem. Segundo conta
pilou e Henrique Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, a pintora, o irmão, admirado com os seus pro-
Empresa da Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., p. 66; Pe- gressos, terá levado uma daquelas gravuras co-
dro Venceslau de Brito Aranha, Emília dos Anjos: esboço loridas (Paisagem com Riacho) aos amigos e com-
biográfico [c/retrato], Lisboa, Imprensa J. G. de Sousa Ne-
ves, 1874; Tomaz Ribas, O Teatro da Trindade, Porto, Lel- panheiros, com quem se reunia todas as noites
lo & Irmão, Editores, 1993. no famoso café Leão d’Ouro [Emília dos Santos
[I. S. A.] Braga, 1932, fs.1-2] e, “no grupo do Leão, foi apre-
ciado e declarado que quem fazia aquilo tinha,
Emília dos Santos Braga indubitavelmente, muita habilidade” [J. Ferrão,
Pintora. Filha do cirurgião militar Carlos José dos 1932, p. 7]. Terá sido Carlos José, por volta de
Santos e de Emília Adelaide dos Santos, nasceu 1886, quem convencera os pais, proporcionan-
em Lisboa a 19 de fevereiro de 1867 e faleceu, na do a educação artística da irmã Emília. No en-
mesma cidade, em 1949. Foi uma das mais im- tanto, eram várias as dificuldades que se colo-
portantes pintoras do seu tempo, apesar do es- cavam a uma mulher que quisesse seguir uma car-
quecimento a que tem sido votada pela histo- reira artística na área das artes plásticas, mor-
riografia, onde apenas é lembrada entre as várias mente dentro das instituições oficiais do nosso
discípulas de José Malhoa. O meio familiar país. Provavelmente, dado que a família não pos-
onde cresceu parece ter-lhe sido assaz favorável, suía fortuna pessoal que lhe permitisse financiar
dado que os pais não só permitiram que ela se- uma ida a Paris para frequentar a célebre Aca-
guisse uma carreira artística, como o mesmo vi- demia Julian, como muitas outras o fizeram, ou
ria a suceder com as irmãs mais novas, as pin- sequer para frequentar a Academie des Beaux Arts
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(aberta às mulheres só a partir de 1896), Emília, sempre ligada, tanto para o melhor, como para
bem como as suas irmãs Virgínia e Laura, acabou o pior, sempre encarada como uma das mais no-
por fazer a aprendizagem de pintura frequentando táveis das suas discípulas, até pelo próprio, que
lições particulares. O professor eleito seria pre- a considerava como “a mais forte de todas” [Car-
cisamente o elemento mais velho do Grupo do ta de José Malhoa a José Relvas, Lisboa,
Leão, José Moura Girão (1840-1916). A escolha 25/01/1900]. Também a crítica foi unânime na
de Girão deriva de várias circunstâncias. Primeiro, apreciação positiva do seu trabalho, embora fre-
porque parece ter sido ele quem fez o comentá- quentemente tentando derivar as razões do su-
rio citado sobre a estampa pintada pela jovem: cesso da influência do mestre. No entanto, di-
“esta afirmação levou o irmão a convencer seus versamente do que alguma crítica lhe apontava
pais a convidar o professor Girão, a dar lições à – ter uma obra demasiado identificável com a de
incipiente artista” [J. Ferrão, 1932, p. 7]. Esta es- Malhoa – a artista dedicou-se particularmente ao
colha foi consensual entre os pais, consoante Emí- retrato e à pintura de Nu, géneros que tinham
lia refere na autobiografia [f. 2]. Por outro lado, grande procura nos salões artísticos do seu tem-
aquele elemento do Grupo do Leão devia ser co- po. Naturalmente, foi sobretudo na arte do retrato
nhecido da família, dado que trabalhara em ce- que ela pôde inserir-se melhor no grupo dos dis-
nários para o Teatro de S. Carlos em Lisboa e era cípulos de Malhoa, dada a pouca atenção que o
membro de uma família de militares, natural- mesmo prestou à pintura de Nu. Emília dos San-
mente colegas do pai e do irmão de Emília. Mas tos Braga tinha duas características que inco-
a razão primordial devia residir na idade de Gi- modavam o juízo do seu tempo – era considerada
rão, o que tinha uma importância capital na es- amadora, ou seja, não tinha cursado a Escola de
colha de um professor particular, mormente para Belas Artes; e era mulher, o que também não fa-
uma rapariga solteira de 19 anos. O célebre pin- cilitava o progresso da sua carreira como artista
tor de galináceos era um conhecido professor de emancipada, apesar de ter seguido uma via
meninas de alto estrato social, tendo sido mes- profissional, com temática e ateliê próprios. Daí
tre de muitas outras jovens. No entanto, Emília que, por bastante tempo, a pintora foi quase sem-
Santos parecia insatisfeita com a escolha, não re- pre relegada para a posição confortável de “ama-
cebendo os conselhos do mestre com o agrado e dora” ou “discípula” (o que equivalia quase à
a admiração esperada. O facto foi sentido pela fa- mesma coisa), embora com a mais-valia de ter
mília e o pai acabou por lhe perguntar qual o ar- sido discípula de Malhoa, que começava então
tista que ela mais admirava e que gostaria de ter a destacar-se no panorama artístico nacional.
como professor, ao que ela respondeu entusias- A estreita associação ao nome do mestre era, ao
ticamente “José Malhoa!” [J. Ferrão, 1932, p. 7]. mesmo tempo que cómoda, também conve-
Segundo as palavras da pintora, “Escolhi o niente para a própria promoção da pintora,
grande Mestre Malhoa que eu não conhecia pes- como aliás sucedeu a muitas outras discípulas.
soalmente mas admirava imenso o seu talento e No entanto, para o caso de Emília, nem sempre
as suas belas telas, e assim comecei a minha car- assim foi e, a partir de dada altura, a relação tor-
reira artística” [f. 2]. A mudança nas lições deve nou-se mesmo de benefício comum. Isto é, o pres-
ter ocorrido por volta de 1888, quando Emília con- tígio que a artista começou a desfrutar acabou por
tava 21 anos, já casada com António Ferreira Bra- contribuir para o próprio prestígio do mestre. Esse
ga, e prolongou-se durante mais quatro, até vínculo a Malhoa pode observar-se no parecer de
1891. Com Malhoa parece ter descoberto a sua Emídio de Brito Monteiro (João Sincero), em 1892,
vocação, a pintura de figura – “Fiquei radiante: data em que a jovem pintora se estreou (com sete
desenhar figura era a minha paixão” [Modas e pinturas e um desenho), juntamente com outras
Bordados, 13/02/1935, p. 7]. Ao fim daquele tem- colegas de aprendizagem, Laura Sauvinet Ban-
po começou a expor nos certames do Grémio Ar- deira* e Elisa de Carvalho Burnay. Tratava-se da
tístico onde, em 1893, expôs duas cabeças de 2.a exposição do Grémio Artístico, do qual era só-
criança. Uma delas seria adquirida pelo rei D. Car- cia efetiva desde o início, sendo ali premiada com
los e galardoada com uma medalha de 3.a clas- uma medalha de 3.a classe em 1893. Logo desde
se, o que era inédito, não apenas para uma es- essa altura intitulou-se discípula de Malhoa, si-
treante (segunda vez que expunha), como para tuação que referiu sucessivamente nos catálogos
uma mulher. A formação junto de Malhoa pare- do Grémio Artístico (1892, 1893, 1895 e 1896),
cia começar a dar os seus frutos. E a ela estaria nos da Sociedade Nacional de Belas Artes (1902,
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1913, 1916, 1929 e 1943), bem como no catálo- p.1]. Brito Monteiro discorreu depois em parti-
go da Exposição Nacional do Rio de Janeiro de cular sobre as quatro obras ali expostas, o que era
1908. Brito Monteiro, referindo-se às obras ex- sintomático da boa aceitação dos seus trabalhos,
postas no salão do Grémio Artístico, contava que o que podemos efetivamente considerar um
“Um quadro que também enganou algumas pes- triunfo para uma artista que acabara de se estrear
soas (a mim, por exemplo), que à primeira vis- no ano anterior, com apenas 25 anos de idade.
ta o atribuíram ao Sr. Malhoa, tanto ele fez lem- O crítico louvou sobretudo as telas Boas Novas
brar alguns trabalhos deste senhor, foi o Estudo e Afinando, sobre as quais considerava que “apa-
da Sr.a D. Emília Santos Braga, representando uma recem qualidades reveladoras de um tempera-
senhora decotada, e que se via logo à entrada da mento de artista [...] as duas figuras decotadas [...]
primeira sala” [João Sincero, 1892, p. 107]. Ribeiro têm pedaços magníficos de fatura sólida, e que
Artur, por seu lado, considerando tratar-se de uma mostram um olho bem conformado, que sabe ver,
artista merecedora de muita atenção, viu no qua- e uma firmeza de pincel de artista que está qua-
dro Minha Irmã as influências de Charles Cha- se senhor dos processos da técnica da sua arte [...]
plin: “A Sr.a D. Emília Santos Braga merece mui- estes dois quadros honram o nome que os assi-
ta atenção com o seu estudo de figura – Minha na, que eu não duvido venha a ser de futuro uma
Irmã – que é realmente muito bem feito; é pena honra também para a pintura portuguesa”[J. Sin-
que tenha umas pretensões de imitar Chaplin” cero, 1893, p. 1]. Para rematar o longo elogio dos
[Ribeiro Artur, 1896, p. 241]. Aliás, idêntica crí- trabalhos de Emília Santos Braga, Brito Montei-
tica havia sido formulada a Malhoa no ano an- ro apontou uma sugestão à artista, que ela pare-
terior [A. A., 1891]. No ano seguinte, em 1893, ce efetivamente ter seguido e com a qual atingiu
logo na segunda exposição em que participou, grande sucesso na sua carreira – a de se espe-
Caetano Alberto (Xylographo) referia-se a ela ain- cializar na pintura de Nu: “Já o ano passado, ao
da como simples amadora, alguém que “se dis- apresentar-se ao público, esta senhora expunha
tingue muito vantajosamente entre o grande nú- um estudo de mulher decotada, que não só era
mero de amadores e estudantes de pintura que o melhor dos seus trabalhos, mas que tinha o seio
concorreram a esta exposição”. Debruçando-se e um braço pintados superiormente. Esse facto
depois sobre as obras ali presentes, criticou-lhe e os seus quadros deste ano parecem indicar uma
os excessos e o empastamento das cores, nos seus pronunciada aptidão para a pintura do Nu, tão
“abusos de tinta”, os defeitos que a crítica tam- raro nas nossas exposições. Porque não há de a
bém apontava a Malhoa. Embora concordante nes- Sr.a D. Emília Santos tentar francamente esse gé-
se aspeto, Emídio de Brito Monteiro voltará a es- nero, tendo, de mais, a vantagem sobre os seus
crever sobre a pintora, mas em termos bastante colegas do sexo feio da muito maior facilidade
mais elogiosos, a propósito daquela exposição, em arranjar modelos?” [João Sincero, 1893, p. 1].
inserindo-a no grupo de artistas que demons- Para além do interesse da proposta, este excer-
travam qualidades notáveis. Assim, logo no se- to é deveras interessante, pois pode justificar em
gundo número de O Século dedicado àquele cer- grande parte a ausência daquele género de pin-
tame, e onde em primeira página aparecia re- tura em Portugal. Os “brandos costumes” e a mo-
produzida a sua obra Afinando, Brito Monteiro ral rígida colocavam sérias dificuldades aos
começou por considerar que Emília Santos Bra- pintores do sexo masculino em encontrar mo-
ga progrediu notavelmente. Para além de lhe dar delos femininos que aceitassem posar despidas
um considerável destaque, ela sobressaía sobre para eles. Novamente Ribeiro Artur se referiu à
todas as outras discípulas, incluindo as suas ir- pintora, onde já menciona o nome de Malhoa e
mãs Virgínia e Laura Santos*. Voltou a insistir na o epíteto de discípula daquele. No entanto, o au-
sua ligação com Malhoa, escrevendo que “Nos tra- tor, que precisamente a propósito daquela ex-
balhos deste ano há ainda manifestações das li- posição fez uma invetiva crítica sobre a presen-
ções do seu mestre Sr. Malhoa”, embora consi- ça dos “amadores femininos”, elogiava Emília
derasse que esse aspeto não lhe era favorável, pois Santos Braga, escrevendo que “seria injustiça e
acabou por lhe criticar os mesmos defeitos do para me desmentir bastaria D. Emília dos Santos
mestre: “a verdade é ainda em grande parte sa- Braga, uma discípula de Malhoa, que possui um
crificada a uma certa preciosidade de fatura e de talento incontestável” [Ribeiro Artur, op. cit,
aspeto, que dá efeitos vistosos, mas imprime uma p. 294]. Também as primeiras notícias que temos
vida fictícia às suas figuras” [João Sincero, 1893, da sua apreciação pelo mercado datam deste ano,
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pois sabemos ter vendido o famoso Estudo ao ban- danha, n.o 1, participou na 5.a exposição da So-
queiro Emílio Ernesto Franco, marquês de Fran- ciedade Nacional de Belas Artes, onde voltou a
co e Almodôvar. Continuando a participar assi- ganhar destaque idêntico ao que lhe fora conce-
duamente nas 4.a, 5.a e 6.a exposições, mais tar- dido em 1893. Mais uma vez, O Século dedicou-
de, em 1897, por altura da 7.a exposição do Gré- -lhe especial atenção, reproduzindo três das cin-
mio Artístico, também Ribeiro Artur, apesar de co obras expostas, sempre em primeira página.
dedicar apenas uma coluna ao “numeroso gru- Logo no primeiro número, dedicado à inaugu-
po feminino”, considera ainda Emília Santos Bra- ração daquele certame (no qual a artista esteve
ga como “uma das mais distintas discípulas de presente), o jornalista considerava que “As se-
Malhoa” e que a pintora apresentava “trabalhos nhoras têm uma razoável representação este ano”
que merecem muita atenção” [Ribeiro Artur, 1897, [O Século, n.o 8367, p. 1], onde sobressaem os no-
p. 106]. Em 1900, Emília dos Santos Braga fez- mes de Emília Santos Braga, e de outras discípulas
-se representar, pela primeira vez, num certame de Malhoa, a condessa de Alto Mearim, a vis-
internacional. Tratava-se da importantíssima condessa de Sistelo ou Virgínia Avelar. De se-
Exposição Universal de Paris, com as repercus- guida, afirmava que Emília Santos Braga era quem
sões inerentes à projeção da sua obra a nível in- continuava a ocupar, na galeria feminina, o lu-
ternacional. Na preparação deste certame foi elei- gar de honra, dando como exemplo os seus qua-
to um júri constituído pelo pintor Veloso Salga- dros ali expostos, nos quais “se reconhece uma
do e pelo escultor Simões de Almeida, encarre- firmeza de pulso, segurança de técnica e intui-
gados de fazerem a seleção das obras para a re- ção psicológica verdadeiramente notáveis”. Dois
presentação portuguesa. Entre os candidatos, en- dias depois, voltando a escrever sobre a exposi-
contravam-se quase todas as discípulas de Ma- ção, o crítico reiterava a sua opinião, aludindo
lhoa, que viram alguns dos seus trabalhos serem à “vocação artística testemunhada em obras de
rejeitados. O facto é que, apesar disso, todas elas real valor, irmanam-se e confundem-se nos
acabaram por ali estar representadas, talvez por aplausos dos visitantes das salas da Academia”
pressão feita pela condessa de Alto Mearim e pela [O Século, n.o 8369, p. 1]. Repare-se também que
viscondessa de Sistelo que, em Paris, serviram a maioria dos trabalhos expostos por Emília San-
de elo de ligação à legação portuguesa. Estrean- tos Braga eram quase todos de figuras femininas,
do-se assim a pintora nos circuitos artísticos in- despidas, ou seminuas, indo assim ao encontro
ternacionais, ali se apresentou com quatro obras da sugestão formulada por Emídio de Brito
– Soror Mariana, Endormi, Rêverie e Varina, mar- Monteiro em 1893. Também nesse ano, Caetano
chande de poissons. A partir de 1901, foi uma das Alberto lhe teceu alguns elogios acerca das
artistas que se associaram à nova Sociedade Na- obras aí presentes, embora Emília dos Santos Bra-
cional de Belas Artes, expondo com regularida- ga continuasse a ser vista apenas como uma sim-
de desde o primeiro salão e em cujos certames ples “amadora” entre as muitas que expunham
receberia medalhas de 3.a e de 2.a classe. Até 1904, as suas obras. A mesma ideia estava ainda pre-
a crítica não parece ter-lhe prestado grande sente nos comentários publicados em Brasil-
atenção, voltando a considerá-la como mera dis- Portugal e na Ilustração Portuguesa, a propósi-
cípula, consoante referia Xylographo em 1902 e to da sua exposição de 1908: “o que aproveitou
1903, ou apenas elogiando-lhe pontualmente al- das lições do Mestre à farta se verifica nas suas
gumas das obras, como foi o caso do jornalista de telas, especialmente nos seus belos trabalhos so-
O Dia [n.o 3761, p. 2], ou de António de Lemos, bre o nu, em que não há um pormenor anatómico
que escreveu sobre os trabalhos ali patentes, elo- que seja desprezado, uma atitude plástica que não
giando a técnica e a cor dos trabalhos expostos obedeça às exigências da impecável arte helénica”
[António de Lemos, 1906, p. 45]. Situação diversa [Brasil-Portugal, n.o 226, p. 157] e “tantos dos sin-
parece ter-se desenhado em 1904, por altura da gulares méritos do insigníssimo pintor adquiriu
4.a exposição daquela sociedade, como referia o no seu incomparável convívio e com a sua ad-
crítico de O Século no ano seguinte: “Emília Bra- mirável lição [...]” [Ilustração Portuguesa, n.o 118,
ga, já o ano passado, como há dois anos, con- p. 671]. O ano de 1908 marcou um novo percurso
quistara as admirações unânimes da crítica e do na carreira da pintora, cada vez mais autónoma
público frequentador das exposições de arte” de Malhoa, promovendo exposições indivi-
[O Século, n.o 8367, p. 1]. Em 1905, altura em que duais, onde se assinalava, para além da sua obra,
a pintora se mudou para a Praça Duque de Sal- a oportunidade de divulgar os trabalhos das pró-
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prias discípulas. Também se fez representar no- 1905 apenas lhe tinha consagrado uma simples
vamente em certames internacionais, desta vez linha para elogiar o seu Estudo de Nu, a propó-
na Exposição Nacional do Rio de Janeiro, com o sito da tela Ociosidade, uma das obras mais co-
quadro Zíngara. Esse ano foi crucial para o de- nhecidas da pintora, escrevia que “a autora
senvolvimento do seu percurso artístico e para afirma suas grandes qualidades de desenho e de
o reconhecimento consensual da crítica, no- pintura, tão correto o primeiro como natural a se-
meadamente pelo sucesso que obteve com a sua gunda. A formosa plástica do seu modelo está ma-
primeira exposição individual, em conjunto gistralmente reproduzida, quer na forma, quer na
com as discípulas, que teve lugar no ateliê da Rua cor da pele rosada e fresca [...]”. Sobre o quadro
Pinheiro Chagas, n.o 3, e na qual foram apre- Ansiedade, o mesmo autor considerou que ela ti-
sentadas 27 pinturas a óleo e outros trabalhos a nha toda a característica da pintura Moderna, que
pastel e fusain. O ensino da pintura tornou-se, de resto “se observa nos quadros da distintíssi-
assim, outra das atividades principais da artis- ma artista” [Caetano Alberto, 1908, p. 107]. No
ta desde 1904 [Rincón y Garcia, 1988, p. 382] e, ano seguinte, voltamos a encontrar Emília San-
por altura da exposição de 1908, já tinha como tos Braga na inauguração da 7.a exposição da So-
discípulas Alda Santos Silva, Maria Etelvina Lobo ciedade Nacional de Belas Artes, representada
dos Santos e Silva (1880-1921) e Rita da Cássia com oito obras de pintura a óleo e um pastel.
Lobo dos Santos e Silva (1889-1958), primas da Eduardo de Noronha dedicou-lhe um parágrafo
pintora, Eulália Santos, Maria Isabel Ortigão Ra- na crítica à exposição, publicada em abril no Diá-
mos (n. 1891, neta do escritor Ramalho Ortigão), rio de Notícias, com uma curiosa apreciação do
Isaura Ferreira, Filomena Freitas, Sara Lamarão Estudo de Nu. Assim, ao referir-se aos “primo-
Bramão (n. 1870), Susana Sagastume e Maria rosos trabalhos” da “ilustre artista”, o crítico pa-
Eduarda Lobo Côrte-Real Castelo Branco. A es- rece ter-se deixado prender mais pelo assunto do
tas, viriam a juntar-se, alguns anos mais tarde, Ma- que pela técnica, confessando mesmo que não
ria Alice Sousa Leitão, Leonor Maia de Lourei- conseguia desviar o olhar daquele corpo de mu-
ro, Maria Eduarda Lapa de Sousa Caldeira, Ma- lher: “O quadro que mais chama a atenção é a
ria José Rodrigues e Sofia de Campos Henriques dama nua que de costas para nós nos obriga a fi-
de Almeida Pinhel (1897-1966), filha do 1.o con- xar imediatamente os olhos nela, [...] não há ma-
de de Pinhel. Numa altura em que tinha já um neira de sossegadamente analisar as demais te-
considerável número de alunas, contaria ainda las. A pupila, desobediente e irrequieta, por mais
com importantes nomes da pintura nacional, esforços que façamos lá se prega e não se desvia
como Mily Possoz* (1888-1967), por volta de fi- dali. Mas é um soberbo estudo, de linhas largas
nais de Oitocentos, e também com Maria Hele- e suaves, de contornos pujantes e delicados, cheia
na Vieira da Silva (1908-1992), sua discípula em de carnação viva e fremente de mocidade”
Desenho entre 1919 e 1927. O êxito da exposi- [Eduardo de Noronha, 1909, p. 3]. Também a re-
ção patenteia-se no facto de vários periódicos da vista Serões lhe dedicou (e à irmã Virgínia dos
época se terem debruçado sobre o evento – o Bra- Santos Avelar) três pequenos artigos nesse ano,
sil-Portugal, O Ocidente ou a Ilustração Portu- entre janeiro e maio, referindo-se a ela como al-
guesa – onde quase todos lhe teceram brilhan- guém que ocupava um dos mais “distintos lugares
tes elogios: “[...] vastíssimo trabalho repassado de na galeria dos pintores portugueses”, cuja obra
talento, a intuição da verdade, o estudo da na- era “já copiosa e toda reveladora de um altíssi-
tureza, o rigor dos pormenores, a execução per- mo mérito” [Serões, n.o 43, p. 74]. Depois, a pro-
feitíssima, todo um núcleo de qualidades artís- pósito de Virgínia, comentava o articulista que
ticas fixado nessa obra notável” [Brasil-Portugal, “como ela, uma artista ilustre que honra sobre-
n.o 226, p. 157]. Para além da aclamação da sua modo a arte portuguesa [...] um seu retrato pri-
obra, repare-se como a pintora era, a partir de ago- morosamente pintado por sua irmã, demonstra
ra, já considerada consensualmente como “artista” mais uma vez que há famílias com as quais Deus
e não apenas como “amadora”: “Entre as artis- se não mostrou avaro nem em dons nem em be-
tas portuguesas da atualidade, a Sr.a D. Emília San- leza” [Serões, n.o 44, p. 159]. Por fim, em maio,
tos Braga ocupa [...] um lugar de eleição [a sua foram reproduzidas três obras de Emília, Carícia
obra demonstra] os complexos recursos da notável de 1905, Ociosidade e Velho Fidalgo, ambas de
artista” [Ilustração Portuguesa, n.o 118, pp. 670- 1908, que estiveram presentes na exposição da
-672]. Do mesmo modo, Caetano Alberto, que em S.N.B.A. desse ano, com pequenos sonetos de-
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dicados aos quadros referidos. Com um reco- dado que poucas seriam as artistas do seu tem-
nhecimento crescente, e caminhando de suces- po a realizar tantas exposições desse tipo. A crí-
so em sucesso, o ateliê de Emília dos Santos Bra- tica não cessou de lhe tecer elogios, novamente
ga ia-se enchendo, cada vez mais, de discípulas chamando a atenção para as particularidades da
ansiosas por partilharem o seu êxito, o que levou excelente técnica artística: “[...] artista possuidora
a pintora a organizar duas novas exposições in- de grandes qualidades e de uma técnica perfei-
dividuais (1911 e 1913), em colaboração com as ta. A sua pintura tem frescura, tem brilho e é cu-
suas aprendizas, no Salão da Ilustração Portu- riosa, tratada sempre com esmero, sempre agra-
guesa. Assim, no seguimento da sua primeira exi- dável à vista e à nossa emotividade artística” [Ilus-
bição em 1908, em 1911 foi realizada uma mos- tração Portuguesa, n.o 729, p. 107]. Em 1922 e
tra de trabalhos das alunas no Salão da Ilustra- 1924 participou, pela última vez, em certames in-
ção Portuguesa, que repetiria em 1913 e, no iní- ternacionais. No primeiro, em Nova Iorque, na
cio de 1920, no Ateliê Bobone, que contou so- Exposição de Arte Portuguesa da Anderson Art
bretudo com trabalhos das discípulas (apenas três Gallery; no segundo, estava de regresso ao Rio de
obras suas e 36 trabalhos de alunas, entre telas, Janeiro, onde recebeu novo galardão, a Medalha
pastéis e desenho a carvão). Embora em 1911 e de Prata. Emília Santos Braga continuou a pin-
1912 os títulos dos artigos da Ilustração Portu- tar e a fazer-se representar em diversas exposi-
guesa continuassem a referi-la como amadora, ções da S.N.B.A., como as de 1929 e 1943, mas
louvando, uma vez mais, os Nus ou apontando a sua presença naqueles certames era cada vez
o “grande relevo de colorido e execução”, tam- mais rara, ao mesmo tempo que, após a morte do
bém agora se afirmava que as suas pinturas se po- seu mestre Malhoa, as notícias sobre a sua car-
diam colocar “a par dos quadros dos nossos me- reira se tornaram cada vez mais escassas. Em
lhores mestres” [Ilustração Portuguesa, n.o 327, 1931, aderiu ao Conselho Nacional das Mulhe-
p. 696]. Novamente foi a temática do Nu que criou res Portuguesas, por proposta da escritora Sara
sensação entre a crítica e o público e, por esta data, Beirão, sendo então elogiada num soneto de Ma-
Emília dos Santos Braga já não se podia disso- ria O’Neill, a escritora e crítica de arte de Serões,
ciar deste género de pintura: “Sente-se sob a pa- onde assinava os artigos como Lina Marville, pu-
leta daquela artista uma tendência para pintar as blicado em Alma Feminina. Nesse ano de 1931,
belas carnes femininas, os formosos rostos, as ex- a pintora recebeu finalmente a primeira home-
pressões suaves, as graças da mulher, as lindas nagem, com uma exposição retrospetiva realizada
cabeças onde palpita bem expressiva beleza. Os nos Armazéns Grandela, em Lisboa. A impren-
seus quadros são quase todos assim, retratos ou sa continuou a falar dela e a promover entrevis-
nudezas, carnes que parecem palpitar, uma obra tas, onde a idosa artista se lamentava do facto de
toda de delicadeza, onde há colorido, mimo, en- o Estado português nunca lhe ter dado a devida
canto”[Ilustração Portuguesa, n.o 268, p. 452]. Foi atenção: “algum valor tenho entre as mulheres
também um Nu de grandes dimensões, Fumadora do meu País, e todavia, por um esquecimento que
de Ópio, que a artista levou à Secção Portugue- parece acintoso, o Estado ainda não adquiriu um
sa da Exposição Nacional de Belas Artes de Ma- quadro meu para o Museu de Arte Contempo-
drid, em 1912, e na qual também participou Ma- rânea” [Modas e Bordados, 13/02/1935, p. 13].
lhoa com Os Bêbados. Emília dos Santos Braga Mas Sousa Lopes, o então diretor do museu, não
expôs Indecisão e Fumadora de Ópio, esta últi- parece ter-lhe dado ouvidos. Em 1938, faleceu o
ma, premiada com a comenda de Afonso XII de segundo marido, Francisco Augusto Trindade
Espanha, assinalada pela crítica de Adelardo Co- Baptista e, 11 anos depois, morria Emília dos San-
varsi como um Nu “de suelta factura y muy bién tos Braga na mesma cidade que a vira nascer 82
de color” [Adelardo Covarsi, 1912, p. 123]. Três anos antes. Para além de uma indubitável qua-
anos depois, em 1915, voltou aos circuitos in- lidade técnica, apesar da reduzida formação aca-
ternacionais, estando representada na célebre Ex- démica, conseguiu impressionar favoravelmen-
posição Panamá-Pacífico, em São Francisco da te quer a crítica do seu tempo, quer o público em
Califórnia, ao lado de tantos outros artistas por- geral. Uma das razões determinantes para o su-
tugueses. Em fevereiro de 1920, a pintora pre- cesso da pintora foi precisamente o de se ter de-
parou uma nova exposição individual, no Ate- dicado à pintura de Nu, seguindo assim o con-
liê Bobone, um claro indício do seu sucesso pro- selho em boa hora enunciado por Brito Montei-
fissional e também da procura das suas obras, ro, logo no início da carreira. O trabalho assen-
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te sobre o Nu feminino era um sinal da ambição de sedução, com aliciantes modelos em poses ten-
das mulheres daquele tempo e muitas delas, na tadoras, naturalmente atrativos à burguesia fre-
viragem para o século XX, fizeram dessa temá- quentadora daqueles salões artísticos. Rejeitan-
tica a sua especialidade [Frances Borzello, 2000, do o “Nu heroico” da tradição clássica, os seus
p. 158]. Foi também por esta via que Emília se quadros transitam por uma “vaidade doméstica”,
pôde facilmente emancipar do seu antigo mes- mais apegados a um deleite livre de subterfúgios
tre, criando assim um espaço próprio e distinto retóricos ou ideológicos. Neste sentido, ela re-
do de Malhoa, o qual só se interessou por aque- novou o panorama da pintura portuguesa den-
le género, e esporadicamente, a partir de 1894, tro desta temática, mais habituada ao Nu de he-
mas sem ter atingido o sucesso da discípula, como rança clássica e trágica, disfarçado sob a capa do
logo o notara a crítica da época: “Os nus do Sr. mito, da fábula ou da religião. Seria precisamente
Malhoa se não são de uma correção e execução esta vertente do género que triunfaria nos diversos
irrepreensíveis, revelam contudo o progresso num salões do século XX, independentemente do
género em que as nossas exposições têm sido uma “conservadorismo” ou “modernismo” dos seus
completa miséria” [Xylographo, 1894, p. 132]. criadores. Por outro lado, a opção por esta te-
Este comentário do crítico de O Ocidente, talvez mática, para além das outras a que se dedicou,
Caetano Alberto, é revelador da fraca presença é também um claro exemplo da maturidade das
da pintura de Nu nas exposições nacionais, logo suas opções enquanto artista profissional, e não
da existência de uma grande procura do merca- de simples amadora, consoante sucedeu a mui-
do, que a artista soube magistralmente preencher. tas outras. É verdade que nos finais do século XIX
Embora as irmãs tivessem igualmente conheci- muitas mulheres na Europa e nos Estados Uni-
do algum sucesso, nunca atingiram um reco- dos, mormente das classes média e alta, prati-
nhecimento tão elevado e também não procura- cavam a pintura e o desenho, naquilo que eram
ram um espaço concorrencial, dado que Virgínia consideradas as “prendas” que, desde o século
Santos Avelar e Laura Santos se dedicaram em XVIII, as tornavam socialmente mais atraentes e
especial à pintura de flores e natureza-morta. Emí- procuradas. Mas, na prática, estas mulheres
lia, por seu lado, soube fazer do seu handicap burguesas ou aristocráticas pouco mais repre-
uma vantagem, isto é, ser mulher proporcionou- sentavam nas suas pinturas que os ambientes do-
-lhe alguns benefícios, mormente na facilidade mésticos envolventes – autorretratos, membros
em encontrar modelos que posassem livres de da sua família mais próxima e amigos íntimos,
quaisquer impedimentos morais ou sociais. Por a casa, os interiores da vida doméstica, os pas-
vezes, quando faltavam os modelos, ou os fun- seios e locais de férias, os jardins e os locais de
dos para os pagar, era também usual que as ar- viagens que frequentavam. Os seus retratos
tistas acabassem por posar para as outras. Con- eram sobretudo de si mesmas ou de outras mu-
tudo, isto não quer dizer que esta opção só lhe lheres. Como referia Anne Higonnet, a pintura
trouxesse benefícios ou facilidades. Pelo contrário. destas amadoras representava mais o seu mun-
Efetivamente, esta escolha constitui-se num ato do interior, como o imaginavam ou desejavam que
de grande coragem, e precisamente num dos mé- fosse, do que propriamente o mundo exterior
ritos da artista. Tal como referia Julieta Ferrão, [Anne Higonnet, 1991, p. 308]. Esta identidade
uma das suas particularidades foi o de se ter tor- psicológica e cultural era expressa através de mo-
nado “a primeira mulher que no movimento plás- delos de representação procurados no seu refle-
tico feminino contemporâneo se abalançou a ex- xo de um espelho, nos filhos, nas irmãs, nas mães,
por os nus de mulher”, ao que acrescentaria “fac- nos interiores das suas casas e jardins. Embora
to que lhe acarretou algumas sensaborias” [J. Fer- Emília não se tenha esquivado completamente
rão, 1932, p. 17]. Isso mesmo era confirmado pe- a este tipo de pintura, o que era habitual no seu
las notas biográficas da própria artista, que referia: meio, ela foi bem além disso, dedicando-se a mui-
“abalancei-me a expor um quadro do Nu – figura tos outros géneros, desde a pintura de História
de mulher, o que me acarretou algumas censu- e religiosa, ao Retrato e à pintura de Género, para
ras e sensaborias e por este e outros motivos re- além da pintura de Nu a que nos referimos. Ou-
solvi encerrar-me no meu ateliê e nunca mais ex- tro aspeto que revela o grande profissionalismo
por nas Belas Artes” [E. Santos Braga, 1932]. Ape- de Emília dos Santos Braga foi a constituição de
sar disso, a pintora não desistiria e soube des- um ateliê próprio e de uma escola respetiva, onde
lumbrar com os seus Nus, criando jogos subtis formou e apoiou dezenas de novas alunas de pin-
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tura e desenho. Para além do significado inerente tura seiscentista, o flamengo Rubens e o espanhol
à evolução da sua carreira como artista, ele tam- Murillo – “eram as escolas a seguir”, retorquia ela,
bém é sintomático das qualidades que revelou após a visita ao museu parisiense. Essas opções
como gestora e pedagoga. A perspicácia da pin- estavam bem latentes na crónica publicada em
tora permitiu-lhe perceber desde cedo que, para 1908, quando se anunciava a sua primeira ex-
além das facilidades de exposição, ou do apoio posição individual. Efetivamente, ali se afirma-
de uma clientela, mais ou menos fixa, a existência va: “Continua a ser muito concorrida, por ama-
de um espaço profissional era um requisito dores da Bela Arte de Murillo, Velasquez e Ru-
fundamental na constituição de uma carreira bens, a excecional exposição de D. Emília San-
como artista. Ele não era apenas essencial para tos Braga, cultivadora insigne da arte dos três inol-
a execução dos seus trabalhos, mas sobretudo para vidáveis mestres acima referidos. Os trabalhos em
estabelecer um estatuto profissional de artista aos Nu, escola Rubens, em que se veem crianças de
olhos do público. O ateliê era um local de cria- uma carnação flagrante, têm causado a justa ad-
ção, um ponto de encontro para contactos sociais miração de centenas de pessoas” [s. a., 1908]. Se
e artísticos, mas também um espaço onde as suas o cronista acrescentara o nome de Velásquez, Ri-
obras podiam estar acessíveis aos clientes e mar- beiro Artur haveria também de incluir o mais con-
chands. E, neste aspeto, a pintora também se dis- temporâneo Charles Chaplin (1825-1891), com
tinguiu de outras mulheres do seu tempo que se a sua vertente juvenil intimista e feminina, pa-
dedicaram a uma atividade artística, onde rara- tente nos seus retratos de sabor rococó. Embora
mente encontramos idênticos exemplos de tão ex- tenha acolhido algum reconhecimento no seu
cecional dinamismo. Claro que Emília também tempo, nem a crítica ou a historiografia parecem
beneficiou do facto de não ter tido filhos, o que ter compreendido a importância que Emília
a libertou dos pesados encargos da maternidade, Santos Braga teve para a história da pintura fe-
como sucedeu com tantas mulheres artistas que minina em Portugal.
tiveram mesmo de abandonar as suas carreiras. Mss.: Emília dos Santos Braga, Emília Adelaide dos San-
Como a mesma se queixava em 1913, falando das tos, mns. autógrafo, s.l. [Lisboa], s.a. [c. 1932], 8 fols, Col.
suas alunas, “tenho, é certo, entre as minhas dis- privada.
cípulas belas aptidões, das quais muito haveria Bib.: A. A. [Abel Botelho], “A 1.a Exposição do Grémio
Artístico”, O Ocidente, 11/04/1891; Adelardo Covarsi,
a esperar; mas... raparigas novas, seguem a lei da “La Exposición de Bellas Artes de Madrid”, O Ociden-
vida, casam, constituem família e depois, den- te, n.o 1204, 10/06/1912, p. 123; Anne Higonnet, “Mu-
tro do «ménage» com os filhos, os cuidados do lheres e Imagens. Aparências, lazer, subsistência”, His-
lar, raras vezes persistem na sua educação artís- tória das Mulheres. O Século XIX, Vol. 4, Porto, Edições
tica e abandonam a paleta e as tintas” [M. P., Afrontamento, 1991; António de Lemos, Notas d’Arte,
Porto, Tipografia Universal, 1906; Arsénio Sampaio de
1913]. Embora tenha sido casada por duas vezes, Andrade, Dicionário Histórico e Biográfico de Artistas
isso não constituiu qualquer impedimento ao seu e Técnicos Portugueses, Lisboa, Tipografia Minerva, 1959;
sucesso. Essa situação proporcionou-lhe mesmo Idem, Artistas Portuguesas, Lisboa, S.N.B.A., 1977;
a liberdade de movimentos necessária para se de- Caetano Alberto, “Quinta Exposição da Sociedade Na-
cional de Belas Artes”, O Ocidente, n.o 947, 20/04/1905;
dicar à arte e às próprias discípulas, bem como Idem, “Uma Exposição de Pintura de D. Emília Santos
lhe possibilitou uma independência pessoal e fi- Braga”, O Ocidente, Lisboa, n.o 1058, junho, 1908,
nanceira para circular à vontade no meio artís- pp. 107-109; Eduardo de Noronha, “Exposição de Arte
tico, viajando e visitando assiduamente diversas II”, Diário de Notícias, 20/04/1909; Exposição de Pintura
e Desenho das Discípulas de D. Emília dos Santos Bra-
exposições e museus, aspeto fundamental para ga, Lisboa, Salão da Ilustração Portuguesa, 1911; Fran-
o progresso da sua cultura artística, tal como su- ces Borzello, A World of Our Own – Women as Artists,
cedeu com o seu mestre Malhoa. Seria aí que Emí- London, Thames & Hudson, 2000; João Sincero, “A Ex-
lia colmataria as falhas da escassa formação ar- posição de Belas Artes do Grémio Artístico”, O Ocidente,
tística de juventude, como a própria refere, a pro- n.o 482, 1892; Idem, “A Exposição do Grémio Artístico”,
O Século, 15/03/1893; Idem, “A Exposição do Grémio
pósito da sua visita ao Museu do Louvre. Tam- Artístico”, O Século, 30/04/1893; Julieta Ferrão, “Da Arte
bém neste aspeto se mostrou distinta do mestre. e dos Artistas – A Pintora Emília Santos Braga”, Modas
Se as preferências do pintor de Figueiró, no to- e Bordados – Vida feminina, 10/02/1932, pp. 7 e 17; Nuno
cante aos mestres do passado, incidiam sobre Ve- Saldanha, “Emília dos Santos Braga (1867-1949) – Um
triunfo no feminino”, Margens e Confluências – Um olhar
lásquez, Franz Hals e Rembrandt, mais próximas contemporâneo sobre as artes, Porto, n.o 11-12, dezem-
do realismo holandês, para Emília dos Santos Bra- bro, 2006; Idem, José Vital Branco Malhoa (1855-1933)
ga elas recaíam sobre a vertente barroca da pin- – O pintor, o mestre e a obra, Dissertação de Doutoramento
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em História da Arte apresentada à Universidade Católi- (1861), tradução do francês, música de Maillart.
ca Portuguesa, 2006; Idem, José Malhoa – Tradição e Mo- Depois de ter enviuvado, aos 16 anos, escritu-
dernidade, Lisboa, Scribe, 2010; Raquel Henriques da Sil-
va, Aurélia de Sousa, Lisboa, INAPA, 2004; Ribeiro Ar- rou-se no Teatro do Ginásio, onde se estreou
tur, Arte e Artistas Contemporâneos, Lisboa, Livraria Fe- como profissional na noite de 1 de outubro de
rin, 1896; Idem, “A exposição do Grémio Artístico”, Bran- 1861, na comédia A Esposa Deve Acompanhar
co e Negro, n.o 59, 17/05/1897; Sandra Leandro, “Emí- o seu Marido, tradução de Júlio César Machado,
lia Adelaide dos Santos Braga”, Dicionário no Femini-
no (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp.
e foi bem recebida pela crítica. Esteve algum tem-
302-303; Xylographo, “Exposição do Grémio Artístico”, po neste teatro, passou pelos Teatros das Varie-
O Ocidente, n.o 530, 01/09/1893; Idem, “Segunda Ex- dades e Príncipe Real, quando este era explorado
posição da Sociedade Nacional de Belas Artes”, O Oci- pela Companhia Francisco Viana Ruas, em
dente, n.o 841, 1902; Idem, “Exposição da Sociedade Na- 1865. Daqui transitou para o Teatro da Rua dos
cional de Belas Artes”, O Ocidente, n.o 876, 30/04/1903;
Wifredo Ricòn y Garcia, “Braga, Emília dos Santos”, Cien Condes e deste para o D. Maria II, seguindo-se
Años de Pintura en España y Portugal, Tomo I, Madrid, uma digressão às Ilhas Adjacentes. Na volta, foi
Antiquaria, 1988, p. 382; “Vernissage da Exposição de para o Porto e representou dramas, comédias e
Pintura”, O Dia, 14/04/1903; “Sociedade Nacional de Be- farsas, enquanto esteve escriturada nas compa-
las Artes – A Quinta Exposição”, O Século, 15/04/1905;
“Sociedade Nacional de Belas Artes – A Quinta Expo- nhias dos empresários António Moutinho de
sição”, O Século, 17/04/1905; “Uma Pintora Portugue- Sousa, Augusto Garraio, Alves Rente, José Ri-
sa: Emília Santos Braga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, cardo e Afonso Taveira, nos Teatros Baquet, Prín-
2.a série, n.o 118, 25/05/1908, pp. 670-672; “Exposição cipe Real e Carlos Alberto. Desse período são
de Arte Feminina: os trabalhos das discípulas de D. Emí-
lia dos Santos Braga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa,
marcantes as atuações em Teresa Raquin, de Emí-
2.a série, n.o 119, 01/06/1908, p. 692; “Exposição de Pin- lio Zola; Médico à Força, comédia em 5 atos de
tura de D. Emília dos Santos Braga”, Brasil-Portugal, Lis- Molière, arranjo de António Feliciano de Cas-
boa, n.o 226, 16/06/1908; “Senhoras em evidência – tilho; Bocácio, opereta cómica em 3 atos, tra-
D. Emília dos Santos Braga”, Serões, Lisboa, 2.a série, Vol. duzida por Eduardo Garrido, música de Frédé-
VIII, n.o 43, janeiro, 1909, p. 74; “Senhoras em evidên-
cia – Virgínia dos Santos Avelar”, Serões, Lisboa, 2.a sé- ric de Suppé; A Boneca, ópera cómica em 3 atos
rie, Vol. VIII, n.o 44, fevereiro, 1909, p. 159; “Pinturas da e 5 quadros de Maurice Ordonneau, tradução de
Senhora D. Emília dos Santos Braga”, Serões, Lisboa, Acácio Antunes e Sousa Bastos, música de E. Au-
2.a série, Vol. VIII, n.o 47, maio, 1909, p. 465; “A Obra de dran; O Testamento da Velha, farsa, e O Solar dos
uma Artista Amadora”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a
série, n.o 268, 10/04/1911, pp. 452-455; “Amadoras de Barrigas, ópera cómica, ambas da autoria de Ger-
Pintura”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 327, vásio Lobato e D. João da Câmara, música de Ci-
27/05/1912, pp. 695-696; “Pintoras Portuguesas no ríaco Cardoso. No Porto, casou, pela segunda vez,
«Ateliê» da Distinta Professora de Pintura D. Emília San- com Francisco Cruz, abastado comerciante, e fi-
tos Braga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 329,
10/06/1912, pp. 741-742; “A Exposição da Ilustre Artista
xou-se naquela cidade, embora continuasse a vir
D. Emília Santos Braga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, representar a Lisboa. Em 1895, acompanhou a
2.a série, n.o 365, 17/02/1913, p. 198; “Vida Artística – companhia do empresário Afonso Taveira ao Bra-
as Exposições: a Exposição D. Emília Santos Braga”, Ilus- sil, onde foi bem acolhida. Do seu vasto reper-
tração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 729, 09/02/1920, tório foram também êxito as peças de sua auto-
p. 107; “Movimento Associativo”, Alma Feminina,
n.o 9-10, setembro-outubro, 1931, p. 34. ria: O Sobrinho da América, comédia em 3 atos,
[N. S.] O Processo d’El-Rei Dinheiro, sátira em 3 atos,
Tripas à Revolução, comédia-opereta em 1 ato,
Emília Eduarda O Sentinela, comédia em 1 ato, O Senhor e a Se-
Atriz, poetisa e publicista. Nasceu em Lisboa a nhora Denis, opereta em 1 ato, Cartas na Mesa,
1 de janeiro de 1845 e faleceu a 29 de fevereiro revista do ano, 1886; O Diabo a Quatro, coplas
de 1908. Filha de um militar, casou aos 12 anos da revista do ano, 1889. Traduziu Mulher de
de idade. Iniciou-se na vida artística aos 14 anos, Fogo, drama em 3 atos, e História de Um Crime,
como amadora dramática, no teatro particular comédia em 1 ato. A primeira poesia que o ator
Terpsicore, da Rua da Conceição (hoje Rua António Pedro recitou tinha a autoria de Emí-
Marcos Portugal), à Praça da Alegria, em Lisboa, lia Eduarda. Era muito espirituosa e essa ca-
onde desempenhou, com sucesso, papéis de di- racterística é notória nos contos, recordações de
versos géneros nas comédias Homem de Ouro, teatro e monólogos que deixou em diversos jor-
em 3 atos, de Mendes Leal, Útil e Agradável e nais e publicações literárias. Faleceu de congestão
Moleira de Marly, ambas em 1 ato. No Teatro cerebral, no palco do Salão da Porta do Sol, no
D. Fernando, entrou em O Moinho das Tílias Porto, no final do Festival do Centro Académi-
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co em honra da Tuna Escolar Salamantina, 1890 a 1918; “Necrologia – Emília Eduarda”, O Ocidente,
quando acabava de recitar, envolta na capa de n.o 1052, 20/03/1908, p. 63.
[I. S. A.]
um estudante, a canção do Engeitado da auto-
ria de Angelina Vidal. Cumpria-se o poema que
Emília Fernandes
tinha improvisado numa récita de estudantes: “Se
Atriz e advogada. Nasceu em Lisboa, em 1901
a morte negra e irada // me levasse neste instante
ou 1902, e faleceu em 1964. Era filha do escri-
// queria ser embrulhada // na capa d’um estu-
tor teatral, empresário, jornalista e fundador da
dante”. Embora retirada do teatro, a notícia da
Associação de Classe dos Trabalhadores de Tea-
morte foi muito sentida no Porto, onde residia,
tro Eduardo Fernandes (1870-1945), conhecido
e em Lisboa, onde representou, tendo tomado
pelo pseudónimo “Esculápio”, e da atriz Amé-
parte em quase todas as festas de caridade que
lia Rosa de Avelar*. O padrinho do batismo foi
se realizaram nessas duas cidades. Por edital da-
o ensaiador Augusto de Melo. Ficou órfã de mãe
tado de 14 de maio de 1979, foi atribuído o seu
aos três anos de idade e foi criada pela avó pa-
nome a uma rua da Freguesia do Alto do Pina,
terna. Cursou a Escola de Arte de Representar
em Lisboa. Teixeira Lopes esculpiu-lhe uma es-
do Conservatório Nacional, onde obteve o
tátua para o túmulo, denominada “O Sono da
“prémio Eduardo Brazão” e finalizou o curso
Inocência”.
com excelente classificação. Estreou-se no Tea-
Da autora: Contos Simples [prefácio de D. João da Câ- tro D. Maria II como protagonista na peça Mis-
mara], Porto, Tipografia Académica, 1895. Colaboração ter Wu, de Owen e Vernom, e foi a principal in-
em Almanaque dos Palcos e Salas, Lisboa, Arnaldo Bor-
dalo – Editor, com “O Benefício da Atriz” (1890), cenas térprete das peças de Bento de Mântua. Fez par-
de teatro; “A Noiva Doce” (1892), conto; “O Bijou da Bea- te da Companhia Chaby Pinheiro. Entrou em
ta” (1893); “Num Álbum” (1895); “Sem Pai!” (1895), poe- O Desejo (20/12/1924), peça traduzida de
sia recitada por Amélia Barros no Teatro da Trindade em Amour Défendu de Pierre Wolff por José Sar-
benefício dos órfãos do ator Joaquim Silva; “Um Conto
de Fadas” (1899); “A Rosa e a Violeta” (1900), conto; “Ma-
mento, e Náufragos (1925), peça em 3 atos, de
ria” (1901); “O Guarda-Noturno” (1902); “Segredos de Bas- Fernanda de Castro, no Teatro Nacional. Cola-
tidores” (1904); “Coisas de Teatro” (1905); “Ator Tabor- borou na Festa dos Retratos a Favor dos Artis-
da” (1906); “A Russa” (1907), conto, datado de Contu- tas Inválidos (1923), matiné promovida pela As-
mil; “O Recruta” (1908), monólogo em verso; “Honra aos sociação da Classe dos Trabalhadores de Teatro
Mestres” (1909), poesia; “O Sermão” (1918).
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- em benefício dos artistas inválidos. Retirou-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. 350- se da cena, em 1930, para cursar Direito na Fa-
-351; António Sousa Bastos, Carteira do Artista, Lisboa, culdade de Lisboa, onde se licenciou e, poste-
Antiga Casa Bertrand – José Bastos, 1898; Idem, Dicio- riormente, seguiu carreira na advocacia.
nário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da
Silva, 1908, pp. 11 e 189; Idem, Recordações de Teatro, Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Editorial Século, Lisboa, 1947, p. 43; Ema Batista e Ma- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981,
ria do Céu Borrêcho, “Lisboa, Toponímia no Feminino pp. 397-398; António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa,
IV”, Faces de Eva, n.o 5, 2001, pp. 166-167; Esteves Pe- Tipografia Costa Sanches, 1923, p. 62; Augusto Ricar-
reira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário his- do, Motivos de Teatro, Lisboa, Nunes de Carvalho, Edi-
tórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, tor, 1934, p. 165; Eduardo Fernandes (Esculápio), Me-
numismático e artístico, Vol. III, Lisboa, João Romano Tor- mórias, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1940,
res, & Ca. Editores, 1907, p. 111; Gustavo de Matos Se- pp. 34 e 249; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário
queira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publica- do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, pp. 292-
ções Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 293; Mundo Teatral, Lisboa, 22/07/1923; “Teatro – Foi
370; Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Tea- neste dia...”, O Século, 20/12/1961, p. 5.
tro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905; Luiz [I. S. A.]
Francisco Rebello, História do Teatro de Revista em Por-
tugal, 1. Da Regeneração à República, Lisboa, Publica- Emília Ferreira
ções D. Quixote, 1984; Luís de Oliveira Guimarães e José Atriz. Nasceu por volta de 1858 e faleceu a 13
Ribeiro dos Santos, Senhoras Conhecidas, Lisboa, Edi-
tora Marítimo-Colonial, Lda., 1945, p. 102; Mário Jacques de maio de 1882. Era filha do procurador Jorge
e Silva Heitor, Actores na Toponímia de Lisboa, Lisboa, Ferreira, que frequentava assiduamente os tea-
Câmara Municipal de Lisboa, Comissão Municipal de To- tros de Lisboa com a família, o que teria sido de-
ponímia, 2001, pp. 75-76; Nuno Catarino Cardoso, Poe- cisivo no despertar da vocação de Emília para
tisas Portuguesas, Antologia contendo dados Biobiblio-
gráficos e Biográficos acerca de cento e seis poetisas, Lis-
o palco. Embora fosse feia, amulatada como o pai
boa, Livraria Científica, 1917, pp. 133-134; Almanaque e bexigosa, agradava pela voz bonita e desem-
dos Palcos e Salas, Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor, de baraço necessário a uma atriz de opereta. Estreou-
281 EMI

-se no Teatro da Trindade a 7 de fevereiro de Emília Labourdonnay Gonçalves Roque


1872, na opereta em 1 ato Os Meninos Grandes, v. Condessa de Alto Mearim
de Enrique Gaspar, tradução de Castilho, dan-
do início a um longo repertório naquele teatro, Emília Letroublon
em que se destacam as mágicas As Três Rocas Atriz. Era conhecida no meio artístico por “Emí-
de Cristal, arranjo de Aristides Abranches, e Gata lia, a coquette” e “3.a linda Emília” (as outras eram
Borralheira, em 3 atos e 15 quadros, arranjo de Emília Cândida* e Emília das Neves*). Nasceu em
Joaquim Augusto de Oliveira, ambas com mú- 1825 e faleceu a 6 de julho de 1895, filha de Mme.
sica de Angelo Frondoni; Coroa de Carlos Mag- Jules, uma francesa que teve uma hospedaria no
no, em 4 atos, imitação do mesmo autor; Segredo Cais do Sodré que, depois, passou para a Rua da
de uma Dama (1873), zarzuela em três atos, tra- Prata. Muito formosa, elegante, vestindo no rigor
dução de Aristides Abranches, música de Bar- da moda, montava e passeava a cavalo com tra-
bieri; Giroflé-Giroflá, Cruz de Ouro, O Duque- je masculino. Tocava guitarra, cantava bem o fado
zinho, O Milho da Padeira, ópera cómica em e fazia vida de boémia romântica onde abunda-
3 atos e 4 quadros, música de Offenbach, e as pe- vam ceias, fados e touradas, acompanhando os
ças fantásticas em 4 atos A Filha do Inferno e Via- estroinas mais conhecidos da capital. Estreou-
gem à Lua (1878), opereta inspirada em Júlio Ver- -se no velho Ginásio, ainda um barracão per-
ne, ambas traduzidas por Eduardo Garrido, tencente à Empresa Manuel Machado, a 10 de no-
esta última com música de Offenbach; tendo a vembro de 1849, na comédia De Como se Trans-
crítica considerado magistral o desempenho de forma um Caloiro, com tal êxito que passou dos
Emília; Campanone, ópera cómica em 3 atos; Fi- 12.000 réis que ganhava no primeiro mês para
lha da Senhora Angot (1878), tradução de Fran- 60.000 réis no segundo. No mesmo teatro re-
cisco Palha, música de Charles Lecocq, em que presentou Namorada de Príncipe e foi travesti na
foi muito aplaudida pelo público. Passou pelo comédia Neto, já como atriz de 1.a ordem. Quan-
Teatro dos Recreios, onde representou A Senhora do o Teatro do Ginásio abriu, depois de moder-
Angot (1884) e Lucrécia Bórgia, drama em 3 atos nizado, em 18 de novembro de 1852, foi logo es-
de Victor Hugo, tradução de Manuel Roussado. criturada pela Sociedade Artística da companhia
Era de grande utilidade pois substituía, com efi- de que faziam parte Assumpção*, Emília Cândida*
ciência, qualquer colega que faltasse. Foi mui- e os atores Taborda, Braz Martins, Areias, entre
to infeliz numa ligação sentimental com um co- outros. Ali representou “Anjo Gabriel”, em Ga-
lega que lhe esbanjou alguns bens e adereços tea- briel e Lusbel ou o Taumaturgo (1853), mistério
trais. Morreu tuberculosa, ainda muito nova e na em 4 atos de José Maria Braz Martins, música de
miséria. O funeral foi pago com subscrição Angelo Frondoni, Entre a Terra e o Céu (1855),
conseguida pela mãe. peça fantástica de J. C. Machado, e Fossilismo e
Progresso (1856), revista em 3 atos e 6 quadros
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 404;
de Manuel Roussado, em que fumou em cena, es-
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, cândalo que levou muita gente ao teatro para a
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 180; Idem, ver. Na noite de 26 de março de 1856, em que de-
Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947, via desempenhar importantes papéis nas comé-
pp. 182-183; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasi- dias Dois Mundos e Última Carta, foi raptada por
leira, Vol. XI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo-
pédia, p. 166; Diário Ilustrado, 22/04/1878 e 04/11/1884. José de Brito, que a levou para a Quinta do Pom-
[I. S. A.] bal e, em Lisboa d’Outrora, João Pinto de Carvalho
conta outro rapto, tendo sido “escondida nos ca-
Emília Fossa sebres do Largo da Abegoaria pelo jovem Augusto
Atriz, irmã de Amália Fossa*. Havia um ator José da Cunha, futuro ministro da coroa” [p. 20].
de nome Carlos Fossa, possivelmente pai das Em 1858, vivia maritalmente com o ator José Car-
duas atrizes. Entrou para o Teatro da Trindade, los dos Santos “Pitorra” (1833-1886) num 1.o an-
estreando-se, a 26 de novembro de 1868, na ópe- dar da Rua Nova da Palma, frente ao Teatro do
ra cómica Marcelo o Tocador de Flauta. Príncipe Real. Deixou a boémia e transformou-
-se numa grande atriz. Entrou para o Teatro D. Ma-
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu- ria II a 1 de julho de 1861, contracenando com
nicipal de Lisboa, 1967, p. 385. José Carlos Santos em peças traduzidas por ele
[I. S. A.] para serem representadas só pelos dois, entre elas:
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Pagem da Duquesa (27/02/1862), em travesti, e da Literatura e do Mundanismo, Lisboa, Livraria Central


estreia de O Morgado de Fafe Enamorado (1863), Editora, 1936, pp. 265-268; Américo Lopes de Oliveira,
Dicionário de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Irmão,
comédia em 3 atos de Camilo Castelo Branco, De- Editores, 1981, p. 706; António Sousa Bastos, Dicioná-
pois do Baile, Comédia em Casa, As Pragas do rio do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Sil-
Capitão, Onde Irei Passar as Noites?, Dois va, 1908, pp. 11 e 189-190; Eduardo de Noronha, Estroinas
N’Um, Um Sujeito e uma Senhora, Um Homem e Estroinices, Decadência do Conde de Farrobo, Lisboa,
e Metade de uma Mulher. Em 30 de novembro Edição Romano Torres & Ca., 1922, p. 157; Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira, Vol. XIV, Lisboa/Rio de Janeiro,
de 1867, data da inauguração do Teatro da Trin- p. 999; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal.
dade, fundado por Francisco Palha, fazia parte Dicionário Histórico, Corográfico, Biográfico, Bibliográfico,
da companhia artística juntamente com Emília Heráldico, Numismático e Artístico, Vol. IV, Lisboa, João
Adelaide* e Delfina Perpétua do Espírito Santo*, Romano Torres & Ca., 1909, p. 414; Gustavo de Matos Se-
queira, História do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I,
com as quais integrou o elenco do drama em Publicação Comemorativa do Centenário 1846-1946, Lis-
5 atos de Ernesto Biester A Mãe dos Pobres. Na- boa, s. n., 1955, p. 250; Idem, O Carmo e a Trindade,Vol.
quele teatro salientou-se em A Família Benoiton, II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal
comédia de Victorien Sardou, e Anjo da Meia Noi- de Lisboa, 1967, pp. 242, 316 e 327; João Pinto de Car-
te (1866), drama em 5 atos, tradução de Luís Car- valho, “Júlio Cesar Machado, Bulhão Pato e a Letroublon”,
Lisboa d´Outrora, pp. 7-21; Júlio César Machado, “Le-
doso. Quando José Carlos Santos foi para o Tea- troublon, A folia em figura de Mulher”, A Vida Alegre
tro do Príncipe Real, acompanhou-o e ali criou, (Apontamentos de um folhetinista), Lisboa, Livraria Edi-
a 28 de fevereiro de 1868, o papel de A Grã- tora Mattos Moreira, & Ca., 1880, pp. 163-190; Manuel
Duquesa de Gerolstein, opereta burlesca de Ha- de Brito Camacho, A Linda Emília, Lisboa, Guimarães Ed.,
[1940]; Mário Jacques e Silva Heitor, Os Actores na To-
levy e Meilhac, tradução de Eduardo Garrido, com ponímia de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa – Co-
extraordinário êxito que repetiu no Teatro da Rua missão Municipal de Toponímia, Lisboa, 2001, p. 113;
dos Condes. Foi o seu último espetáculo. Uma Maximiliano de Azevedo, “Teatro do Príncipe Real”, O
doença atroz deixou-a em estado de idiotismo e Ocidente, Vol. VII, n.o 189, 21/03/1884, p. 66; “As apo-
o ator José Carlos Santos mantinha-lhe casa à par- sentações”, As Instituições, 18/07/1884, p. 1; “Emília Le-
troublon”, Correio da Manhã, 07/07/1895, p. 1; “Teatros
te, na Rua da Glória, onde residia com uma cria- – Foi neste dia...”, O Século, 02/02/1956, p. 4.
da, assegurando-lhe alguma qualidade de vida, [I. S. A.]
apesar das dificuldades por que o ator passava,
depois de deixar de representar devido à cegueira, Emília Lopes
que se tornou total em 1878, vivendo os últimos Atriz. Nasceu no Porto a 28 de dezembro de 1863
dias de uma pensão como artista de 1.a classe, no e faleceu, em Lisboa, a 22 de março de 1903. Es-
valor de 72$000 réis mensais, conseguida pelo treou-se no Teatro Baquet, do Porto, a 8 de de-
então deputado Pinheiro Chagas. Emília Le- zembro de 1885, em Nobres e Plebeus, drama
troublon sobreviveu-lhe 12 anos e as pessoas mais em 5 atos e 8 quadros de Octave Feuillet, tra-
íntimas, entre elas a atriz Amélia Vieira Santos*, dução de Francisco Palha. Entrou em Naná, dra-
viúva do ator, e José Gregório Rosa Araújo ma de Emílio Zola, no papel de “Madame Hu-
(1840-1893), instalaram-na num quarto em casa gon”, em Noites de Índia e na revista O Porto
de uma família que a tratou com grandes desvelos. por um Óculo. A 3 de outubro de 1886 foi para
Emília dos Anjos* e o Dr. Sousa Martins, que sem- Lisboa, contratada pela empresa do Teatro do Gi-
pre a tratou com dedicação e a operou várias ve- násio, e apareceu nas comédias Coupé 117 e
zes, visitavam-na diariamente. Sousa Bastos O Cunhado, esta traduzida por Borges de Ave-
deixou dito que o Estado decretou uma pensão lar, obtendo o apreço do público da capital. Al-
mensal de 48$000 saídos dos Cofres das Apo- gum tempo depois, passou para o Teatro da Ave-
sentações dos Artistas, de que se sustentava. Fa- nida, onde representou pequenos papéis, e
leceu vítima de hidropisia depois de 27 anos afas- em 1892 foi contratada para o D. Maria II: ali se
tada do palco. Acompanharam o funeral, que se estreou em O Íntimo, comédia em 3 atos de
realizou no mesmo dia do falecimento, Emília dos Eduardo Schwalbach, e satisfez nos papéis de
Anjos, Emília Cândida*, Amélia Vieira Santos, “característica” na comédia em 3 atos Amigo
Beatriz Rente*, Mariana Ferraz* e os senhores Ara- Fritz, de Erckmann e Chartrian, traduzida pelo
nha Gonçalves e Artur Pinheiro. Os teatros não conde de Monsaraz, “Condessa de Céran” em
se fizeram representar. A Sociedade Onde a Gente se Aborrece (1882),
Bib.: Alberto Bramão, “A actriz Emília Letroublon, uma comédia em 3 atos de Edouard Pailleron, tra-
estroina. Os seus amores”, Recordações do Jornalismo, duzida por Gervásio Lobato, teve bom desem-
283 EMI

penho nas comédias As Ovelhas de Panurgio gier, Noite de Natal, de Raúl e Júlio Brandão,
(1895), de Meilhac e Halévy, tradução de Jaime O Cavaleiro Falstaff, livremente adaptado de
Romão, ao lado de Augusta Cordeiro*, Médico Shakespeare por Sousa Monteiro, A Mártir, dra-
à Força (1895) de Molière, tradução do visconde ma em 5 atos de Adolph d’Ennery, tradução de
de Castilho, em substituição de Lucinda Simões*, Guiomar Torrezão, Lua de Mel, em 1 ato, de
que se recusou a representar mais vezes aque- Echegaray, tradução de Leopoldo de Carvalho,
la peça, Salto Mortal, Os Velhos, em 3 atos, de Catarina, de Levedan (1900), Sempre Noiva, co-
D. João da Câmara, e O Tio Milhões, em 5 atos, média histórica, e Sinhá, ambas de Marcelino
de H. Heule, tradução de Acácio Antunes. No Mesquita (1901), Farsa de Inês Pereira (1902),
Verão de 1895, integrou uma companhia dra- de Gil Vicente, Papa Flores, de Von Mozer, tra-
mática organizada pela Atriz Virgínia*, de que dução de Freitas Branco, Pai Pródigo, tradução
faziam parte Carolina Falco*, Delfina da Con- de Ferreira Mesquita, Auto do Amor, Casamento
ceição*, Laura Cruz* e os atores Soler e Ferrei- de Fígaro e Solar Pentley. Emília Lopes era mui-
ra da Silva, dirigidos pelo diretor de cena do Tea- to religiosa e boa colega. Faleceu de pneumo-
tro D. Maria II, Augusto de Melo, para percor- nia dupla que se sucedeu a um ataque de gri-
rer as províncias. Levaram algumas peças do re- pe. O funeral, em carro com duas parelhas de
pertório do Teatro D. Maria II e outras inéditas, cavalos, saiu da sua residência na Rua da Gló-
tais como A Toutinegra Real, em 4 atos, de ria, 95, 1.o, para o Cemitério Oriental, onde foi
D. João da Câmara, escrita expressamente para sepultada em jazigo de família. Atores e atrizes
a tournée, A Evasão, de Fialho de Almeida, tra- de todos os teatros acompanharam o corpo até
duzida para o fim e Antonieta Rigaud, em 3 atos, ao cemitério e o Teatro D. Maria II não abriu nes-
tradução de Maximiliano de Azevedo. De vol- se dia, em sinal de luto.
ta ao Teatro D. Maria II, fez o papel de “Curtis” Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
em A Fera Amansada (1896), arreglo em 4 atos res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 729;
da comédia de Shakespeare Taming of the António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Shrew por Paul Delair, tradução de Jaime de Se- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 190; Carlos
Santos, Cinquenta Anos de Teatro. Memórias de um ac-
guier. Entrou para a Sociedade Artística do Trin- tor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publici-
dade em 1897, tomando parte em quase todas dade, 1950, p. 57; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues,
as peças do repertório do teatro: Honra, de Su- Portugal. Dicionário histórico, corográfico, biográfico, bi-
dermann, tradução de Maximiliano de Azeve- bliográfico, heráldico, numismático e artístico, Vol. IV,
do; Musotte, de Guy de Maupassant e Jacques Lisboa, João Romano Torres & Ca. Editores, 1909, p. 486;
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XV,
Normand; Dois Garotos, drama em 5 atos e Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 425; Ma-
7 quadros de Pierre Decourcelle, ambas tradu- ximiliano de Azevedo, “Necrologia – Emília Lopes” [c/
zidas por Guiomar Torrezão; e João Darlot, de retrato], O Ocidente, n.o 875, 20/04/1903, p. 87; Correio
Legendre. Em 1894, foi com a companhia diri- da Manhã, 03/07/1895 e 20/01/1895; A Scena, Lisboa,
n.o 38, 22/01/1898; “Atriz Emília Lopes”, O Século, 23
gida por Sérgio de Almeida em digressão e bri- e 24/03/1903, pp. 2 e 6.
lhou nas peças Van Broust, o Marinheiro, As Sur- [I. S. A]
presas do Divórcio, de Bisson, Quem vê Caras,
comédia em 1 ato de D. Emílio Pastor, imitação Emília Pinheiro
de Leopoldo Carvalho, entre outras. Ao cons- Atriz que se notabilizou como “característica”.
tituir-se, a 19 de novembro de 1898, a sociedade Estreou-se na Companhia José Ricardo, no Tea-
empresária do Teatro D. Maria II, foi admitida tro Carlos Alberto, no Porto, onde representou
como atriz de 2.a classe e fez muitos progressos, Família Polaca, Amores de Zíngaros, Tríplice
mercê das lições recebidas do ator Augusto de Aliança, Amores de Príncipe e Viúva Alegre,
Melo, então ensaiador. O seu melhor trabalho opereta em 3 atos, música de Franz Lehar. Pas-
foi em “D. Rosária”, personagem que o viscon- sou para a Empresa Ferraz Brandão, então no
de de Castilho escolheu para a “Madame Per- Teatro Apolo Terrasse, onde entrou na revista
nelle”, na adaptação Tartufo, comédia em 5 atos No País do Vinho (1914), de André Brun, Ernesto
de Molière. Ali protagonizou Mercadet (1899), Rodrigues e Leandro Navarro, musicada por Luís
adaptação a partir de Le Faiseur, de Honoré de Filgueiras e Filipe Duarte. Veio para Lisboa, para
Balsac, e fez importantes papéis em Questão de o Teatro da Trindade, e percorreu, depois, os Tea-
Dinheiro e Diana de Lys, ambas de Alexandre tros Apolo, onde fez o papel de “Mi Mi”, em A
Dumas, filho, Elegantes Pobres, comédia de Au- Feira do Diabo (1912), sátira em 1 ato, prólogo
EMI 284

e 3 quadros de Eduardo Schwalbach, Avenida ço, 1922, pp. 233-234, 238-239, abril, 1922, pp. 272-273,
e República, sempre com agrado do público. En- maio, 1922, pp. 304-305, junho, 1922, pp. 331, 346-347;
O Futuro, n.o 2, outubro, 1923, p. 25, n.o 35, julho, 1925,
trou nas revistas Peço a Palavra! (1911), de João p. 136; A ASA, outubro, 1925, p. 17.
Bastos e Álvaro Cabral, música de Del Negro e [N. M.]
Alves Coelho, no Teatro das Variedades, Agu-
lha em Palheiro (1911), em 8 atos e 14 quadros, Emília Possoz
de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e Marçal v. Mily Possoz
Vaz (Lino Ferreira), música de Filipe Duarte e
Carlos Calderon, no Teatro Apolo. Fez o papel Emília Rochedo
de “2.a Dama” em O Diplomata dos Figurinos Atriz. Era irmã de Mariana Rochedo* e Adelai-
(1912), vaudeville em 2 atos de Scribe e Del- de Rochedo*, atrizes, e de Hortense, que foi co-
vigne, tradução de Acácio Antunes, música de rista. A família vivia num 4.o andar da Calçada
Filipe Duarte. Em 1914, entrou em Apolo Revista do Sacramento, frente ao Chiado, e as irmãs es-
de Arnaldo Leite, Carvalho Barbosa e Simões de tudavam música com o maestro Miguel Ramos.
Castro, música de Cruz Brás e Bernardo Ferreira, Emília estreou-se no Teatro da Trindade, na zar-
no Apolo Terrasse, do Porto. Em 1923, estava zuela Pepe Hillo, a 17 de maio de 1871, e fez Nem
sem contrato e publicou um anúncio no Mun- Tanto ao Mar, de Quirino Chaves, com Amélia
do Teatral, onde se oferecia para trabalhar em Barros*. Entre 1890 e 1891, integrou a Companhia
dramas, comédias e operetas. Vivia, então, na de Ópera Cómica dirigida por Pedro Cabral e José
Rua Pedro Alexandrino, SL, 2.o Dto. (Bairro Ope- Pedro da Silva que foi em digressão pelos Aço-
rário) em Lisboa. Figurou na galeria de retratos res. Integrada no elenco do Teatro da Rua dos Con-
de atores da companhia do empresário Eduar- des, fez o papel de “duquesa” em A Filha do Tam-
do Schwalbach, no Teatro Apolo.
bor-Mor (1891), com música de Offenbach, e en-
Bib.: José Leitão de Figueiredo, “Palcos Particulares – Emí- trou na revista Fim do Século (1892); em 1893,
lia Pinheiro”, Mundo Teatral, Lisboa, n.o 26, 13/01/1923, organizou uma troupe que representou O Homem
p. 2, e n.o 29, 24/03/1923, p. 6; Luiz Francisco Rebello,
História do Teatro de Revista em Portugal, 2. Da Repú- é Fraco e O Maestro Bovi. Emília Rochedo vivia,
blica até Hoje, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1985; Ilus- maritalmente, com Pedro Cabral.
tração Portuguesa, Lisboa, Vol. II, 1911, pp. 280; O Pal-
co, Lisboa, n.o 5, 05/03/1912, p. 71; “Teatros – Foi nes- Bib.: Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro,
te dia...”, O Século, 05/03/1956, p. 4. Lisboa, Livraria Popular, 1924; Diário Ilustrado,
[I. S. A.] 10/12/1879.
[I. S. A.]
Emília Pomar de Sousa Machado
Emília Romo
Poetisa e espírita, residiu em Cacilhas. Em
Atriz. Pode ser a atriz Emília Rheno que traba-
1919 era assinante da revista A ASA*, órgão do
lhou durante os mesmos anos no Teatro da Trin-
Centro de Propaganda das Ciências Psíquicas,
dade. Nasceu a 26 de outubro de 1878. Estreou-
fundada e dirigida por Maria Veleda*. Em 1921
e 1922, Emília Pomar de Sousa Machado foi co- -se em outubro de 1902, possivelmente nesse tea-
laboradora assídua da revista Luz e Caridade, ór- tro, onde se sabe que fez o papel de “Genoveva”
gão oficial do Centro Espírita de Braga, funda- na revista Pum!, de Artur d’Azevedo e Eduardo
do em março de 1917, “não para estudos e in- Garrido, e As Calças do Juiz de Paz, vaudeville
vestigações espíritas, mas para, dentro do Es- adaptado por João Soler, com música de Nico-
piritismo ou do Evangelho segundo o Espiritis- lino Milano. Na temporada de 1903-1904 esta-
mo, melhor [praticar] a Fraternidade, servindo va naquele teatro.
a Deus e ao [...] Divino Mestre”. Em 1923, cola- Bib.: Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de
borou em O Futuro*, Revista de Cultura Espiri- Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905,
tualista, e em 1925 em A ASA, revista mensal li- p. 466.
[I. S. A.]
terária e de propaganda – órgão do Centro Es-
piritualista Luz e Amor*.
Emília Sarmento
Bib.: A ASA, n.o 10, outubro, 1919; Luz e Caridade, ju- Atriz. Nasceu a 8 de dezembro de 1880. Era con-
lho, 1921, p. 5, agosto, 1921, p. 33, setembro, 1921,
pp. 74-75, outubro, 1921, pp. 89, 107-108, novembro,
siderada por Sousa Bastos “um modelo de vir-
1921, pp. 118-119, dezembro, 1921, pp. 156-157, janeiro, tudes”. Estreou-se em 1900, no Ginásio, no pa-
1922, pp. 173, 194-195, fevereiro, 1922, pp. 206-207, mar- pel de “Francisco”, em O Bode Expiatório, far-
285 EMI

sa alemã adaptada por Freitas Branco. Ficou nes- 4 atos, Felicidade das Felicidades (1887), co-
te teatro até 1904, enquanto foi explorado pela média em 1 acto, Abel e Caim (1887), comédia-
Empresa José Joaquim Pinto, entrando em qua- drama em 3 atos de António Mendes Leal, e Ou-
se todas as peças, com particular relevo nos pa- ros Copas e Paus (1887), comédia em 3 atos; no
péis de “Helena” de Gente para Alugar, comé- elenco do Club Comercial Recreativo fez Legí-
dia em 4 atos adaptada por Freitas Branco, e timas Consequências (1887), drama em 3 atos
“António”, em Lua de Mel, peça em 1 ato de de Rangel de Lima; e, no Ginásio, Ódio de Raça
Echegaray, versão de Leopoldo de Carvalho. Pas- (1887), drama de tese sobre a escravatura, de Go-
sou do Ginásio para o Avenida, depois para o mes de Amorim. Outras peças do seu repertó-
Águia de Ouro, no Porto, fez digressões pela pro- rio: A Pérola (1886), de Marcelino Mesquita;
víncia e pelo Brasil, voltando ao Avenida em O Conde de Saint Germain (1886); Os Sectários
1908. No Teatro República (antigo Teatro de Loyola (1886), de António Missas e Ernesto
D. Amélia), representou os papéis de “Dulce” Silva; Antes do Baile (1886), comédia de Ran-
em Sr. Freitas (1912), comédia em 3 atos, ori- gel de Lima; A Mulher de Fogo (1887), drama
ginal de Álvaro de Lima e Chagas Roquete, “Ivo- em 3 atos extraído do romance do mesmo
ne” em O Botequim do Felisberto (1912), tra- nome de Adolphe Belot por F. Abreu; Lua de Mel
dução de Acácio de Paiva da peça em 3 atos Le (1887), comédia em 1 ato de Echegaray, versão
Petit Café, de Tristan Bernard, e “Condessa” em de Leopoldo de Carvalho; e Amor e Redenção
Primorose (1912), peça em 3 atos de Caillavet (1887), no papel de “Condessa de Marsey”.
e Flers, tradução de Melo Barreto. Bib.: O Recreio, Lisboa, 2.a série, n.o 3, 12/09/1886, p. 24,
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- e n.o 9, 11/10/1886; 3.a série, n.o 9, 14/04/1887, p. 142, n.o
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 281; 12, 02/05/1887, p. 186, e n.o 13, 09/05/1887, p. 203; 4.a
Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, série, n.o 4, 05/09/1887; 9.a série, 31/03/1890, pp. 353-354.
Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 466; [I. S. A.]
O Palco, Lisboa, n.o 1, 08/01/1912, p. 3, n.o 5, 05/03/1912,
p. 72, e n.o 6/1912, p. 86. Encarnação Pereira
[I. S. A.] Operária, com a 2.a classe, nasceu em Alhandra,
em 1900, e começou a trabalhar aos 13 anos. Ca-
Emília Vieira sou aos 21 anos, pelo Registo Civil, tendo tido
Atriz amadora. Possivelmente familiar de Júlio dois filhos. Participou na Marcha da Fome, ou
Vieira, ator e dramaturgo que escreveu peças Marcha do Pão, realizada em 8 de maio de 1944,
para teatro amador. Esteve retirada de cena e vol- em Alhandra, e que atravessou a vila durante o
tou, em 1886, integrando elencos de várias so- desfile reivindicativo em direção a Vila Franca
ciedades artísticas organizadas por atores co- de Xira, na sequência do movimento grevista des-
nhecidos que percorriam os teatros, especial- se dia, na região, onde foi travado pelas forças
mente durante o verão. Nesse mesmo ano, fez repressivas fascistas. Foi uma das mulheres
parte de um grupo que levou ao Teatro do Prín- alhandrenses presa pela GNR, na Praça de Tou-
cipe Real A Taberna, drama em 5 atos e 7 qua- ros de Vila Franca de Xira e solta por volta das
dros de Zola e Busnach, adaptação de José Car- seis horas da madrugada, sem que tivesse sido
los Santos, no papel de “Gervásia” e, com o Gru- aberto qualquer processo ou sujeita a julgamento.
po Dramático Thalma, a peça Casar por Anún- Antónia Balsinha incluiu o seu nome no estu-
cio, em que foi muito aplaudida. Numa récita do pioneiro que fez sobre o papel das mulheres
promovida pelo Grupo Dramático Tasso foi ao de Alhandra na resistência ao fascismo nos anos
Ginásio representar a comédia em 2 atos A Viú- 40, tendo entrevistado a filha, Aurora, a 23 de
va, ao lado de Adelaide Douradinha* e Jesuina fevereiro de 2001.
Saraiva*; com o Grupo Dramático Pola, no Tea-
Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
tro Garrett, interpretou o papel de “caracterís- sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
tica” na comédia em 3 atos Homem Político sência, 2005.
(1886), cantou couplets em Niniche (1887), vau- [J. E.]
deville em 3 atos de Millaud e Hannequin, tra-
dução de Sousa Bastos, e brilhou em Os Filhos Ermelinda dos Santos
de Adão (1887), comédia em 3 atos; no Grupo Filha de Floriana Augusta e de Germano dos
Dramático Teodorico foi ao Teatro Taborda, onde Santos, nasceu em Vila Franca de Xira a 14 de
entrou em Os Mártires do Trabalho, drama em dezembro de 1912. Foi presa, por motivos po-
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líticos, em 30 de outubro de 1947, quando tinha prietários da Agência de Vapores, e foi aman-
residência em Lisboa, e recolheu ao Forte de Ca- te de Baptista Machado.
xias, de onde seria libertada a 11 de novembro Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
do mesmo ano. res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 237;
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis- Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa,
ta, Presos Políticos no Regime Fascista IV – 1946-1948, Parceria António Maria Pereira, p. 124; Francisco Fon-
Mem Martins, 1985, p. 284. seca Benevides, O Real Teatro de S. Carlos de Lisboa,
[J. E.] Lisboa, Tipografia Castro Irmão, s.a.; O Recreio, Lisboa,
5.a série, n.o 1, 13/02/1888.
[I. S. A.]
Ermelinda Santos
Atriz. Pode tratar-se de Ermelinda Adelaide dos Ernestina Augusta de Gambôa
Santos, autora das peças O Tocador de Rebeca Filha de Francisco José de Gambôa, natural de
e Uma partida da prima. Fez parte da Empresa Figueira de Castelo Rodrigo, distrito da Guarda,
Ferraz Brandão, então no Teatro Apolo Terras- candidatou-se ao lugar de professora de 1.a ou
se do Porto, onde entrou na revista No País do 2.a classe no Liceu Secundário Feminino de Lis-
Vinho (1914) de André Brun, Ernesto Rodrigues boa, com criação prevista pelo Decreto de 9 de
e Leandro Navarro, musicada por Luís Filguei- agosto de 1888. Ernestina Gambôa declarou es-
ras e Filipe Duarte, e foi muito aplaudida em tar no ensino há seis anos e estar preparada para
Apolo Revista (1914) de Arnaldo Leite, Carva- ensinar Literatura, Desenho, Geografia, História,
lho Barbosa e Simões de Castro, música de Cruz Matemática Elementar, Moral, Economia, Pe-
Brás e B. Ferreira. dagogia, Higiene, Trabalhos Manuais e Lavores.
Bib.: Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Tea- No seu processo, incluiu uma declaração da Cir-
tro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, pp. 291-292; cunscrição Escolar da Guarda que certificava que
“Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 08/01/1956, p. 6, Ernestina Gambôa fora examinada para o 2.o grau
e 05/03/1956, p. 4.
[I. S. A.] de instrução primária, com classificação de
Bom, estando habilitada conforme a candidata
Ernesta Cerri havia indicado. No Almanaque Comercial de
Atriz. Faleceu a 12 de março de 1912. De na- 1891 para 1892, existe indicação de que Ernes-
cionalidade italiana, veio para Portugal inte- tina Gambôa era professora da Escola Paroquial
grada numa companhia de teatro lírico. Era mui- feminina da freguesia da Charneca, em Lisboa.
to bonita e elegante. A 25 de fevereiro de 1885, Essa escola aparece como estabelecimento de
estreou-se no Teatro da Trindade em Dragões educação para ambos os sexos, em 1898. Em
d’El-Rei, ópera cómica em 3 atos, tradução de 1905, o Anuário menciona-a como professora
Francisco Palha e Eduardo Garrido, música de adida da Escola Central masculina n.o 4 de Lis-
D. José Rangel, e fez parte do elenco de opere- boa, na Rua do Paraíso.
tas daquele teatro. Passou para o Teatro da Ave- Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
nida, onde entrou em O Burro do Senhor – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Alcaide, ópera cómica em 3 atos, original de Bib.: Caldeira Pires [Coord.], Anuário Comercial ou
Anuário Oficial de Portugal Ilhas e Ultramar, da In-
Gervásio Lobato e D. João da Câmara, com mú- dústria, Magistratura e Administração para 1899, Lis-
sica de Círiaco Cardoso, e Cavaleiro da Rosa boa, s.n., 1898; Caldeira Pires, Anuário Comercial de Por-
Vermelha. Quando se fundou o Teatro da Ale- tugal Ilhas e Ultramar da Indústria, Magistratura e Ad-
gria (1887), Ernesta Cerri integrou o repertório ministração ou Anuário Oficial para 1905, Lisboa, s.n.,
1904, p. 834; Carlos A. S. Campos, Anuário-Almanaque
de revistas. Em 1888, entrou em Nitouche, tra- Comercial de Magistratura e Administração, Lisboa,
dução de Baptista Machado, na inauguração do Companhia Tipográfica, 1892, p. 665.
Teatro Salão dos Restauradores e fez O Impe- [A. C. O.]
rador Atchim-Fa XVIII (1888), ópera burlesca
em 3 atos, de Baptista Machado, no Teatro do Ernestina Burguete
Rato. Em 1896, fez parte do elenco da opereta Espírita. Pertenceu ao Grupo Espiritualista Luz e
em 1 ato Sejamos Castos, de Acácio de Paiva, Amor, fundado por Maria Veleda*, em 1916, no
música de Ilídio Amado, numa festa de caridade qual exerceu uma atividade regular e empenha-
em benefício da Caixa de Socorros a Estudan- da. Em 1919, fez parte de uma comissão do gru-
tes Pobres, no Teatro de S. Carlos. Viveu ma- po com o objetivo de angariar donativos para a fun-
ritalmente com o inglês Garland, um dos pro- dação de um orfanato destinado a recolher e edu-
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car crianças cujos pais tivessem morrido vítimas Assistência Infantil*, criado em 30 de agosto de
da influenza-pneumónica. Esta comissão era ain- 1916, no âmbito da Junta Patriótica do Norte, que
da constituída por Adélia Araújo Sampaio, Mar- dirigiu a Casa dos Filhos dos Soldados destinada
garida Azevedo e Morais de Castro Sarmento, Ma- a acolher e educar os órfãos de guerra. Em abril
ria Emília Marques* e Maria Veleda. Em 26 de de 1926, Ernestina dos Santos Silva sugeriu à Ins-
fevereiro de 1921, assistiu à sessão espírita que as- pecção do Comércio Bancário que atribuísse à
sinalou o enlace matrimonial de Cândido Guer- Casa dos Filhos do Soldados uma percentagem
reiro Xavier da Franca, filho de Maria Veleda, com das verbas provenientes das multas aplicadas,
Arminda da Costa Pinto da Silva*, sobrinha de Ma- o que foi aceite e executado. Foi subscritora per-
ria Emília Marques. A revista O Futuro* publicou manente desta instituição.
algumas vezes extratos das intervenções ou pen- Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Actos da Jun-
samentos expressos por Ernestina nas sessões de ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916
leitura, debate e reflexão sobre um tema propos- até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva com
to pelo(a) diretor(a) da reunião, ou nas que se des- o concurso do Núcleo Feminino de Assistência Infantil e
tinavam a invocar os espíritos guias e protetores Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do Norte, Tip.
Mendonça, 1918, pp. 132, 135, 136; Idem, Junta Patrió-
do grupo para pedir conselhos e orientações. Pro- tica do Norte. 1916-15 Anos de Benemerência-1931. Re-
vavelmente, trata-se de Ernestina, a médium lato geral da sua obra e da Casa dos Filhos dos Soldados
mais conceituada do Centro Espiritualista Luz e (Assistência aos Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp.
Amor* na segunda e terceira décadas do século XX. Indust. Gráfica do Porto, Lda., 1932, pp. 204, 268; Gaspar
Publicou, com este nome, artigos sobre as reve- Martins Pereira, Eduardo Santos Silva, cidadão do Por-
to (1879-1970), Campo das Letras, Porto, 2002.
lações mediúnicas em A ASA*, na revista O Fu- [N. M.]
turo*, também ligada ao referido Centro, e na re-
vista Luz e Caridade, órgão do Centro Espírita de Ernestina Cruz
Braga. Em 1922, editou o livro Vozes do Além. Operária, com a 3.a classe, nasceu em Alhandra,
Da autora: [Ernestina], “Ecos do Além. Comunicações me- em 1923, e começou a trabalhar com 14 anos. Par-
dianímicas”, A ASA, n.o 12, dezembro, 1919, pp. 190-191; ticipou na Marcha da Fome, ou Marcha do Pão,
“Ecos do Além. Comunicações medianímicas”, O Futuro, realizada em 8 de maio de 1944, em Alhandra
n.o 2, março, 1921, pp. 12-13; “Ecos do Além. Comuni-
cações medianímicas”, O Futuro, 4, maio, 1921, pp. 4- e que atravessou a vila durante o desfile rei-
-7; “Ecos do Além. Comunicações medianímicas”, O Fu- vindicativo em direção a Vila Franca de Xira, na
turo, n.o 5, junho, 1921, pp. 5-10; “Vozes do Além”,O Fu- sequência do movimento grevista desse dia, na
turo, n.o 7, julho, 1922; “Ecos do Além. Comunicações região, onde foi travado pelas forças repressivas.
medianímicas”, O Futuro, n.o 8, agosto, 1922, pp. 10-11;
“Constituir Família”, O Futuro, n.o 9, novembro de 1922- Foi uma das mulheres alhandrenses presa pela
janeiro de 1923, pp. 14-15; “Espírito e matéria”, O Fu- GNR na Praça de Touros de Vila Franca de Xira
turo, n.o 2, outubro, 1923, pp. 22-24; “Comunicando com e solta por volta das seis horas da madrugada,
o invisível”, Luz e Caridade, janeiro, 1922, pp. 189-190; sem que tivesse sido aberto qualquer processo
Vozes do Além, Lisboa, Empresa O Futuro, 1922. ou sujeita a julgamento. Antónia Balsinha incluiu
Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora. o nome no estudo pioneiro que fez sobre o pa-
Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Dissertação pel das mulheres de Alhandra na resistência ao
de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Uni- fascismo nos anos 40, tendo-a entrevistado a 7
versidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no labirinto de julho de 2001.
espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva, n.o 15,
2006, pp. 83-109; A ASA, n.o 1, janeiro, 1919, p. 17, n.o Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
12, dezembro, 1919, p. 196; O Futuro, n.o 2, março, 1921, sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
p. 10, n.o 9, novembro de 1922-janeiro 1923, pp. 5-7, sência, 2005.
n.o 11, junho, 1923, pp. 4-7, n.o 12, julho, 1923, p. 4. [J. E.]
[N. M.]
Ernestina de Lorena
Ernestina Cândida Martins Morgado dos San- Atriz. Elegantíssima, estreou-se em A Carteira
tos Silva de Maurício Lopes (1893), peça em 1 ato de Fran-
Republicana e democrata portuense, nasceu cisco Seara, no Teatro do Ginásio.
em 1881 e faleceu em 1967. Casou, em 1906, com
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
o médico, professor e político republicano de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
Eduardo Ferreira dos Santos Silva (18/03/1879- nicipal de Lisboa, 1967, p. 334.
-14/09/1960). Pertenceu ao Núcleo Feminino de [I. S. A.]
ERN 288

Ernestina Duarte nicipal de Lisboa, 28/08/1884, p. 535] de ensi-


Atriz muito popular conhecida no meio artísti- no gratuito. Segundo um ideário de “instrução
co por Fan-Fan. A 19 de fevereiro de 1866, fez be- popular gratuita”, criou-se a Escola Maria Pia
nefício com À Volta do Outro Mundo, Comédia com o objetivo de preparar a mulher para o exer-
de Sala e a cena cómica O Topógrafo, com César cício de uma atividade profissional compatível
de Lima. Fez parte do elenco de O Xerez da Vis- com a moderna ordem económica e social e pro-
condessa, comédia em 1 ato, tradução de Fran- porcionar-lhe os meios de sustento. No dia 9 de
cisco Palha, na récita inaugural do Teatro da Trin- maio de 1885, a vereação aprovou o seu regu-
dade, em Lisboa, a 30 de novembro de 1867, e en- lamento que determinava a conclusão da ins-
trou em A Família Benoiton de Victorien Sardou. trução primária e a idade de 12 anos completos
Em 1881, estava no Teatro das Variedades. para a matrícula e a existência de um curso ge-
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- ral de três anos e quatro cursos especiais (es-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908; Eduar- crituração comercial, tipografia, telegrafia elétrica
do de Noronha, Reminiscências do Tablado, Lisboa, Gui- e lavores). A Escola Primária Superior Maria Pia
marães e Ca. Editores, 1927, p. 100; Tomaz Ribas, O Tea- foi inaugurada no dia 10 de junho de 1885 e fi-
tro da Trindade, Porto, Lello & Irmão, editores, 1993
p. 384; Diário de Notícias, 20/02/1866; Diário Ilustra- cou instalada no segundo piso do velho edifício
do, 02/11/1881. da Escola Primária Central n.o 5 (Largo do Con-
[I. S. A.] tador-Mor, Alfama). Decorridos dois anos de fun-
cionamento da escola, e não se verificando ins-
Ernestina Santieiro crições das alunas nos cursos especiais, alguns
Professora da Instrução Primária, pertenceu à Co- problemas se colocaram: qual o destino das pri-
missão de Professores da Junta Patriótica do Nor- meiras alunas que concluíssem o curso geral e
te, fundada em 15 de março de 1916 para apoiar não se inscrevessem nos cursos especiais? Seria
os soldados portugueses na Primeira Guerra consequente uma pressão política para que se le-
Mundial. gislasse no sentido da criação do ensino liceal
Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Actos da Jun- feminino? A Câmara Municipal de Lisboa teria
ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916 meios e condições para se candidatar ao esta-
até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva belecimento do ensino liceal feminino? Com o
com o concurso do Núcleo Feminino de Assistência In- sentido de responder a estas e a outras questões,
fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do
Norte, Tip. Mendonça, 1918. em 7 de julho de 1888, foi apresentada na Câ-
[N. M.] mara dos Deputados, pelo deputado Júlio de Vi-
lhena, um projeto de criação dos liceus femini-
Escola Maria Pia nos. Por Carta de Lei, de 9 de agosto de 1888, de
Foi criada pela vereação da Câmara Municipal José Luciano de Castro, foi aprovada legislação
de Lisboa, na sua sessão de 4 de setembro de sobre os “institutos destinados exclusivamente
1884, e extinta em 23 de fevereiro de 1906 com ao ensino secundário do sexo feminino”. Si-
a criação do primeiro liceu feminino português multaneamente, era feita uma reformulação do
(Liceu Maria Pia). Foi a primeira escola secun- curso da Escola Maria Pia, atendendo à incli-
dária feminina pública existente em Portugal, em- nação unânime dos seus professores e à ausên-
bora com grandes problemas de afirmação e de cia de inscrições nos cursos profissionais. Com
enquadramento legal devido ao prolongamento um corpo docente altamente qualificado, dos en-
da discussão e da manobra política em torno da sinos liceal e superior, passaram a lecionar-se na
“instrução secundária” feminina. Inserida numa Escola Maria Pia quase todas as disciplinas do
política iluminista de promoção social, cultural curso dos liceus. A maioria das alunas da Escola
e económica da mulher, em tempo de acelera- Maria Pia desejava candidatar-se ao magistério
da industrialização, foi a vereação da Câmara Mu- primário. O debate em torno do ensino liceal fe-
nicipal de Lisboa quem lançou a ideia e criou a minino recrudesceu e a legislação necessária não
Escola Maria Pia no quadro das escolas primá- foi aprovada: “Houve quem supusesse que a aber-
rias. Porque a Câmara, no plano formal e legal, tura de institutos para instrução secundária das
apenas podia superintender o ensino primário, mulheres era criação de viveiros de preciosas ri-
aquela designava-se “Escola Primária Supe- dículas; houve quem fosse incomodar a anato-
rior” e foi estabelecida como uma “escola pro- mia e fisiologia comparada dos cérebros dos dois
fissional para o sexo feminino” [Arquivo Mu- sexos para tirar ilações pró ou contra a capaci-
289 EST

dade e potência intelectual do sexo feminino e aproveitar esse estabelecimento para o trans-
sua aptidão para atingir a alta concepção da ciên- formar no liceu feminino da capital, para servir
cia” [Diário do Governo, 23/02/1906, p. 725]. Em- de modelo aos que puderem de futuro ser cria-
bora o Decreto de 6 de março de 1890, de Serpa dos nos diversos pontos do país. [...] Apenas se
Pimentel, se destinasse a regulamentar a Carta alterou a forma de provimento da direção do li-
de Lei de 9 de agosto de 1888; embora, por De- ceu, que se entendeu dever confiar a uma pro-
creto de 5 de abril de 1890, se criasse o Minis- fessora efetiva [Domitila Hormizinda Miranda de
tério da Instrução; embora, em 10 de dezembro Carvalho] e não a um professor”.
de 1890, a Comissão Executiva do Município de Bib.: Amaro Carvalho da Silva, “Liceu Maria Amália Vaz
Lisboa aprovasse o novo regulamento, passan- de Carvalho”, Liceus de Portugal – História, Arquivos,
do o curso da Escola Maria Pia a ter a duração Memórias, Edições Asa, Porto, 2003, pp. 484-505; Ma-
de quatro anos, tudo ficou num verdadeiro im- ria José de la Fuente, O Ensino Secundário Feminino –
passe em tempo de Ultimato Inglês e de recru- Os primeiros vinte anos da Escola Maria Pia, Disserta-
ção de Mestrado em História dos séculos XIX e XX em
descimento do combate político. Por Decreto de Portugal, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Hu-
26 de setembro de 1891 [Diário do Governo, manas – Universidade Nova de Lisboa, 1989.
29/09/1891, pp. 2301-2303] definiu-se a refor- [A. C. S.]
ma da organização administrativa do Município
de Lisboa e por portaria de 10 de outubro de 1891 Estefânia Aurora de Sousa Pinheiro
nomeou-se uma comissão para “proceder a ri- Nascida a 7 de novembro de 1860, filha legítima
goroso inquérito sobre o estado e administração de José Lopes de Sousa, artista, e de Rosa Galinha
das escolas de ensino primário do município de de Sousa Pinheiro, habilitada com diploma de ins-
Lisboa, e propor as providências que julgasse pre- trução primária de ensino elementar e comple-
cisas para se efectuar a transferência para o Es- mentar. Candidatou-se ao cargo de docente dos
tado dos serviços relativos às referidas escolas” Liceus Secundários Femininos* em 17 de março
[Diário do Governo, 09/05/1892]. Feito o “rigo- de 1890, declarando, na sua carta, que exercia o
roso inquérito”, o pelouro da Instrução da Câ- magistério há cerca de 10 anos, os primeiros cin-
mara de Lisboa foi extinto por Decreto de 6 de co anos na vila de Castendo, concelho de Penal-
maio de 1892 [Diário do Governo, 09/05/1892]. va do Castelo, e os restantes na vila do Carregal.
Este decreto obrigava a Escola Maria Pia a ser Incluiu alvará do Município do Carregal, com in-
“reorganizada dentro do quadro da instrução pri- formação de ter sido nomeada, em sessão de 8 de
mária, visto não se estabelecerem por enquan- setembro de 1888, para o cargo de professora de
to os institutos de instrução secundária para o ensino primário elementar e complementar, com
sexo feminino”. No meio de intensa luta política, provimento vitalício, por ter satisfeito as instru-
incerteza governativa, ineficácia legislativa e gra- ções de 8 de julho de 1881. Estefânia Pinheiro tem
ves problemas financeiros do Município, a Es- também apenso ao seu processo um certificado
cola Maria Pia foi levando vida conturbada nas da Câmara do Carregal e um certificado da Cir-
insalubres instalações do Largo do Contador- cunscrição Escolar do distrito de Viseu, discri-
-Mor. Por Decreto de 31 de janeiro de 1906 [Diá- minando que foi aprovada no exame de 1.o grau
rio do Governo, 23/02/1906, p. 726], assinado por com média de 7 valores, Bom, e também nas se-
Eduardo José Coelho (Partido Progressista), guintes disciplinas: Leitura de Prosa e Verso; Gra-
aquela foi extinta e, simultaneamente, foi cria- mática Portuguesa e Análise; Aritmética e Siste-
do o primeiro liceu feminino português. Regu- ma Métrico; Geografia e História Universal e Pá-
larizou-se o que estava instituído há muito tria; Noções de Álgebra; Geometria Elementar e
tempo e persistia em afirmar-se. Refiram-se os Agrimensura; Pedagogia; Metodologia; Moral e Le-
termos de extinção da Escola Maria Pia que cons- gislação Escolar; Noções Elementares de Higiene;
tam desse decreto: “Havendo, porém, uma escola Rudimentos de Física, Química e História Natu-
na capital mantida pelo Estado com vinte e um ral; Rudimentos de Música; Economia Domésti-
anos de existência e onde o ensino é feito de har- ca e conhecimento prático de língua francesa, que
monia com a lei e regulamento dos liceus fe- constituíam o 2.o grau de instrução primária, com
mininos e com pessoal docente recrutado na sua classificação de Bom, 7 valores.
maioria em professores do ensino secundário e Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
de escolas superiores e do qual fazem parte se- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
nhoras de provada capacidade, não hesitou em [A. C. O.]
EST 290

Estefânia Pinheiro Estela da Cunha


Atriz. Nasceu em Lisboa, a 11 de abril de 1864. Cantora e pianista. Em 4 de maio de 1919, par-
No Teatro da Trindade, iniciou-se na vida artística ticipou na Sessão de Homenagem Pró-Aliados,
como corista e estreou-se, como atriz, em Coroa promovida pela Junta Patriótica do Norte no Tea-
de Carlos Magno, mágica em 4 atos e 21 quadros, tro Sá da Bandeira, no Porto, com a presença dos
imitação de Joaquim Augusto de Oliveira. Era bo- membros do Governo, das autoridades por-
nita e revelava algumas aptidões para a cena, pelo tuenses e dos cônsules das Nações Aliadas. Can-
que foi contratada por Furtado Coelho, para in- tou e executou alguns números ao piano, acom-
tegrar a companhia que levou em digressão ao panhada pela orquestra dirigida pelo maestro
Brasil. Passou para o Teatro D. Maria II, onde es- Raimundo de Macedo.
teve algumas épocas. No Teatro da Rua dos Con- Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916
des, entrou em O Reino da Bolha e Formigas e – 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua
Formigueiros, revistas em 3 atos de Eduardo obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos
Schwalbach, música de Freitas Gazul e Del Ne- Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
do Porto, Lda., 1932, pp. 61-62.
gro, representadas em 1897 e 1898, respetiva- [N. M.]
mente. Passou para o Teatro D. Amélia, Empre-
sa Rosas & Brazão, onde fez carreira e representou Ester Amélia da Costa Coutinho da Silva Car-
os papéis de “Sra. Elbrick” em Magda, drama de valho
4 atos de Hermann Sudermann, “Mariana” em Atriz, cantora de opereta. Nasceu em Montemor-
Tragédia Antiga, peça em 1 ato de César Porto, -o-Velho, a 20 de agosto de 1858, e faleceu, no Rio
“Matrowa” em A Ressurreição, em 5 atos, ex- de Janeiro, a 15 de janeiro de 1884. Era filha do
traída do romance de Tolstoi por Henry Batail- magistrado António Augusto Coutinho da Sil-
le, versão portuguesa de Melo Barreto, “segun- va Carvalho e de Maria Amélia da Costa Corte
da dama” em Madame de Sans-Gêne, peça em Real. A família inseria-se na burguesia ilustre da
3 atos e prólogo de Victorien Sardou e E. Moreau, vila, entroncando a sua genealogia em nomes da
tradução de Moura Cabral, “Maria Pacheco” em fidalguia portuguesa, como o de Domingos
Encruzilhada, comédia em 1 ato de Manuel da Faial de Carvalho, nobilitado por D. Afonso II.
Silva Gaio, Severa, de Júlio Dantas, “Branca Lo- Quando enviuvou, o pai de Ester fez um segundo
renard” em Herói do Dia, peça em 3 atos de Pier- casamento e, em 1861, a menina foi entregue aos
re Morgand e Claude Roland, tradução de Alberto cuidados afetuosos da avó materna, Maria da Luz
Braga, “Prima Henriqueta” em A Cruz da Esmola dos Santos Costa, e das tias, residentes na Fi-
de Eduardo Schwalbach, “Clotilde” em A Cas- gueira da Foz, tendo sido educada e instruída
telã, peça em 4 atos de Alfred Capus, tradução com o esmero devido às meninas de boas famí-
de Acácio de Paiva. lias, segundo os códigos sociais e morais da épo-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- ca. Teve mestres de Francês, de canto e de pia-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. no, aprimorou o trato social e cresceu manifes-
1051-1052; Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões tando o lado extrovertido da sua personalidade.
de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, A partir da segunda metade do século, durante
p. 466; “Teatros – Foi neste dia…”, O Século, 11/04/1961,
p. 4. os meses de verão, cada vez mais banhistas
[I. S. A.] afluíam à Figueira, vila balnear tornada cidade
em 1882, enchendo-a de vida e de movimento
Estefânia Pinto nos cafés, hotéis, restaurantes e casinos. Ester dei-
Atriz. Nasceu a 11 de abril de 1862. Fez os pa- xava-se encantar, desde criança, pela euforia e
péis de “Miquelina”, na revista Pum!, e “Cata- bulício do ambiente estival, contagiando, ela pró-
rina”, no vaudeville As Calças do Juiz de Paz, pria, os veraneantes com a sua alegre vivacida-
e entrou na peça O Cão do Regimento, opereta de nas reuniões e nos clubes que frequentava,
em 4 atos de Decourcelles. Na época 1903-1904, onde recitava e fazia pequenas representações,
pertencia à Empresa Afonso Taveira, então no muito aplaudidas, que lhe realçavam o talento
Teatro da Trindade. natural e foram cimentando o apego ao teatro.
Segundo o testemunho de Sousa Bastos, co-
Bib.: Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de
Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, nhecido empresário e dramaturgo que pessoal-
p. 466. mente a conheceu, e com ela trabalhou, a natu-
[I. S. A.] reza favoreceu-a com capacidades exigidas ao
291 EST

bom desempenho e sucessos teatrais, dado ser Angot, de Charles Lecocq, ópera cómica tradu-
muito inteligente e expressiva no olhar, atraen- zida por Francisco Palha, em que as actrizes exi-
te e insinuante, desembaraçada, talentosa e biam meia perna, o que escandalizou Lisboa.
dona de boa voz. Tendo tentado desenvolver uma Continuou a revelar o seu talento em peças re-
atividade mais condizente com os preceitos da presentadas nesta mesma casa e no Príncipe Real,
época, passou por uma brevíssima experiência como Roto e Descosido (1881), opereta em 1 ato,
como professora, mas ter-se-ia sentido inadap- música de Rangel, Sino do Eremitério (1881),
tada ao tipo de vida talhada para as mulheres em ópera cómica em 3 atos, tradução de Costa Bra-
geral, sobressaindo cada vez mais da sua essência ga, música de Alvarenga, Armário das Aflições
a forte liberdade interior que caracteriza os ar- (1881), O Último figurino, zarzuela em 1 ato, tra-
tistas e o chamamento à representação teatral. dução Francisco Palha, Dragões d’El-Rei, ópera
Atingida a maioridade e decidida a dar expres- cómica em 3 atos, tradução de Francisco Palha
são ao talento que sentia possuir, procurou a casa e Eduardo Garrido, música de D. José Rogel, Três
paterna para comunicar esse desejo, mas en- Dragões, opereta em 1 ato, e realizava o seu be-
controu resistência. A partir de meados do sé- nefício de escritura com A Perichole, ópera có-
culo XIX, em espaços mais dinâmicos e desen- mico-burguesa em 3 atos e 4 quadros, de Hen-
volvidos, nos domínios económico e cultural, a ri Meilhac, com música de Offenbach, um dos
condição feminina ia ganhando o direito à afir- seus maiores sucessos. Lisboa era, na altura, um
mação da autonomia em vários aspetos da sua centro em crescimento e modernização, fervi-
existência, sendo progressivamente reconheci- lhante de arte e cultura, de moda e de munda-
dos às mulheres o valor e o génio artísticos, en- nidade, que contrastava com a pequenez da vida
tão vincadamente associados às capacidades mas- monótona que conhecera na província. O fascínio
culinas. Montemor-o-Velho era, porém, uma vila exercido por esta experiência na sua natureza vi-
pequena e rural, presa a princípios tradicionais brante foi, por certo, muito poderoso, tendo-
de pensamento e de comportamento que asso- se envolvido com ardor na intensa boémia que
ciavam a honra à conduta determinada pela mo- caracterizava o meio artístico da época, em re-
ral burguesa provinciana, um meio onde se des- lação ao qual a maioria das atrizes procurava o
tacava um número reduzido de famílias presti- recato. Apesar de, no teatro, a admiração e os
giadas, entre as quais se incluía a de Ester de aplausos do público corresponderem ao brilho
Carvalho. Nestes clãs os valores tendiam a tor- com que exercia a arte de representar, a sua exis-
nar invisíveis as aspirações das mulheres que so- tência extravagante, a índole irreverente e in-
nhavam com projetos de vida próprios, mas que, disciplinada, que levava ao desespero os que com
a serem concretizados, faziam entrar pela por- ela trabalhavam, as dificuldades financeiras e a
ta da casa o escândalo e a desonra. A imagem do ânsia de aventura levaram-na, como a tantos ar-
adequado desempenho feminino aliava a dis- tistas portugueses da época, a partir para o Bra-
tinção e o decoro à existência pacata vivida na sil em julho de 1882, dias depois de ter estado
casa do pai ou na do marido, enquanto a carreira na Figueira da Foz e em Aveiro, onde atuou com
teatral carecia de aprovação moral, representando Joaquim Ferreira Ribeiro, talentoso ator com
prejuízo da reputação pessoal e descida na quem viveu uma grande paixão e seu compa-
condição social. Teria tido, assim, na casa pa- nheiro até ao fim da vida. Na capital brasileira,
terna, um confronto muito difícil e, ainda que encontrou um ambiente alegre e mundano,
sob o estigma de uma hipotética maldição, par- conforme ao seu temperamento arrebatado. Em
tir ter-se-ia afigurado a Ester como a única pos- outubro, atuava no Teatro S. Pedro, na opereta
sibilidade de nascer para a liberdade e iniciar um em 3 atos, A Arquiduquesa. Vivia-se, então, o en-
novo ciclo de vida. Testemunhos da época re- tusiasmo da luta abolicionista e da propaganda
ferenciam a viagem atribulada que a conduziu republicana, processos que envolveram de for-
até à capital. Em 1880, encontramo-la no Trin- ma acalorada muitos intelectuais e artistas da
dade, teatro então frequentado por um público época. Jornalistas, literatos e atores frequentavam
pequeno-burguês ou popular, onde se estreou os cafés e bares do Ouvidor, rua que reproduzia
com sucesso na opereta O Cão do Malaquias e o furor da boémia política, literária e artística das
Valentim o diabrete, ópera cómica em 3 atos de cidades europeias. Testemunhos da época dão
Vanloo e Leterrier, música de Lacôme, em be- conta das ceias, das noites animadas e dos ex-
nefício da actriz Ana Pereira*, A Filha da Senhora cessos a que novamente aderiu. No palco, uma
EST 292

vez mais, o talento de Ester deslumbrou o pú- que doasse o que deveria ser a sua parte na he-
blico, tendo os inúmeros fãs cariocas organiza- rança, diminuta, em favor da avó, que era ne-
do em torno da sua figura uma claque de apoio cessitada. A sua existência foi breve mas mar-
que, inflamadamente, rivalizava com a de Pepa cadamente assinalada pelo irradiar intenso do
Ruiz*, famosa atriz que se encontrava na mesma brilho com que nasceu. Jornais seus contem-
cidade. Sabemos que, juntamente com Ribeiro porâneos referiram-na como sendo um verda-
e com o maestro Alvarenga, fundou uma com- deiro prodígio. A admiração do público brasi-
panhia dramática, mas o viver desregrado do ca- leiro traduziu-se nas manifestações de pesar pela
sal fragilizou e atingiu de morte a saúde do com- sua morte e na atribuição do seu nome a asso-
panheiro. Alvarenga morria também, tendo fi- ciações de natureza vária. Em Montemor-o-
cado sozinha e infeliz na direção da empresa. A -Velho, perpetua-lhe a memória o Teatro Esther
perda do companheiro surtiu em Ester um efei- de Carvalho, anteriormente designado por In-
to de dor profunda que lhe acentuou a debilidade fante D. Manuel, construção dos finais do século
física, vibrando-lhe um golpe irrecuperável na XIX, ao gosto neoclássico, cujo interior repro-
vida profissional. Adoeceu gravemente e, inca- duz, em escala reduzida, um modelo de teatro
paz de trabalhar, conheceu uma fase de dolorosa à italiana, com primorosa decoração em madeira
aflição e de penúria financeira, referenciadas pela pintada. Desde 1970, o Centro de Iniciação Tea-
imprensa coeva, que deu mesmo a conhecer o tral Esther de Carvalho – CITEC – gere e dina-
facto de, apesar do estado comatoso em que se miza este espaço, sujeito recentemente a uma
encontrava, ter sido instada de modo insólito pela profunda intervenção de restauro, produzindo
dona da casa onde vivia a pagar o aluguer em dé- espetáculos teatrais ou apresentando peças en-
bito com os poucos móveis que possuía. Aos vin- cenadas e produzidas por grupos de teatro ama-
te e seis anos, após uma pesada agonia, morria dor da região.
no Rio de Janeiro, vitimada por tuberculose, fi- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
cando sepultada no Cemitério de S. João Baptista res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores 1981, p. 208;
aquela de quem o articulista de O Diário Ilus- Anne Higonnet, “Mulheres e Imagens”, História das Mu-
lheres, Vol. 4 (dir. George Duby e Michelle Perrot), Por-
trado, de 3 de fevereiro de 1884, disse possuir to, Edições Afrontamento, Círculo de Leitores, 1994, pp.
“primorosa educação musical aliada à posse de 302-308; Anselmo dos Santos Ferreira, Colectânea His-
voz fina e quente que sabia detalhar a primor a tórico-Turística, El Manso; António Sousa Bastos, Di-
frase e o ‘couplet’ de opereta”. No género, lem- cionário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio
bramos os seus principais papéis em Filha do In- da Silva, 1908, p. 191; Dejanirah Couto, História de Lis-
boa, Lisboa, Gótica, 2003; Jeffey Needell, Belle Époque
ferno, peça fantástica, em 4 atos, tradução de Tropical, São Paulo, Companhia das Letras, 1993, pp. 193-
Eduardo Garrido, Orfeu no Inferno, Doutor 195; Guiomar Torrezão, “Rumores dos Palcos”, Ribaltas
Rosa, e nas óperas cómicas O Chalet, de Adam, e Gambiarras, Lisboa, 19/02/1881; “Ester”, Idem,
A Mascote, em 3 atos, de Chivot e Doru, tradu- 27/08/1881, p. 335; Lilia Moritz Schwarcz, As Barbas do
ção de Eduardo Garrido, música de E. Andran, Imperador: D. Pedro II, Um Monarca nos Trópicos, Lis-
boa, Assírio e Alvim, 2003; Luiz Francisco Rebello, Bre-
Os Dragões de Villars, letra de Lockroy e Cormon, ve História do Teatro Português, Lisboa, Europa-América,
música de Aimé Maillart, tradução de Borges de 2000; As Instituições, 06/02/1884; Diário Ilustrado,
Avelar e Jaime de Séguier, Rouxinol das Salas, 05/04/1880, 07/07/1881, 08/07/1881, 13/07/1881,
em 3 atos, arranjo de Aristides Abranches da 30/07/1881, 07/12/1881, 09/12/1881, 24/04/1882,
09/08/1882, 18/10/1882, 03/02/1884 e 6/02/1884, em
peça Monsieur Garat, com música de Frondo- 1.a página [c/ fot.]; O Ocidente, Lisboa, 21/03/1884; Se-
ni. A Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, num manário Ilustrado, Porto, 24/02/1884.
grande artigo dedicado à malograda atriz, refe- [P. P.]
ria que a mortalha constava de um vestido de
gorjão preto e luvas de oito botões. Noticiava, Ester Augusta de Oliveira
ainda, que fizeram uma subscrição cujo produto Republicana. Filha de Júlia Augusta Haro e Oli-
se destinava a mandar rezar uma missa solene, veira e de Francisco Augusto Haro e Oliveira,
em Libera me, por alma de Ester. Nesse ano, os farmacêutico, nasceu em Febres, concelho de
seus testamenteiros José Miguel Fernandes, Cantanhede, a 17 de junho de 1884 e faleceu,
nomeado em primeiro lugar, e Manuel Domin- nesta localidade, a 4 de março de 1963. Segundo
gos Duarte, em segundo, informaram a imprensa Fina d’Armada, secretariou, com Arménia Al-
de que a atriz legava os escassos haveres à avó ves Frota*, o comício republicano realizado em
materna, que a educara, e ao pai, a quem pedia Febres, a 12 de fevereiro de 1911. Casou com
293 EST

Eduardo Simões de Faria Couto, em 30 de no- senhoras a deslocar-se de automóvel. Passou


vembro de 1914. pelo Teatro Politeama, onde fez A Luva de Ri-
Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci- cardina (1923), de Ricardo Durão, criou A Fi-
das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011. lha de Lázaro (1923), drama rústico em 3 atos,
[J. E.] de Norberto Lopes e Chianca Garcia, e Uma His-
tória de Boneca, da sua autoria. Voltou ao Tea-
Ester de Azevedo Eusébio Leão tro Nacional e os êxitos alcançados levaram a
Atriz. Nasceu no Gavião, Alentejo, a 3 de janeiro que figurasse entre os atores propostos para be-
de 1895 (também há referências a 1892 e a 1897) neficiarem de uma subida das quotas de lucros
e faleceu, no Rio de Janeiro, Brasil, a 20 de abril devidas aos autores. A Ester caberia um aumento
de 1971. Era filha de Francisco Eusébio Lou- de 800$00 sobre as quotas fixadas na portaria
renço Leão (1864-1926) e de Laura Virgínia de em vigor (de 19/09/1922). Em 1924, envolveu-
Barros Azevedo. O pai, bacharel em Medicina -se em divergências com a direção do teatro por
pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, e es- diversos motivos, entre os quais os sucessivos
pecialista em Urologia, exerceu a profissão no adiamentos da discussão da proposta de atua-
Gavião até 1895. Na política, desempenhou o lização das quotas de lucros, nomeadamente a
cargo de secretário do Diretório do Partido Re- sua, e abandonou o Teatro Nacional nas vésperas
publicano e, instaurada a República, de gover- da subida à cena da peça Sacrifício de Amor, em
nador civil de Lisboa; em 1912, foi nomeado mi- que desempenhava um dos papéis principais,
nistro de Portugal em Roma, lugar que mante- e embarcou para Angola a 1 de dezembro de
ve até à morte. Ester Leão casou, pela primeira 1924. Dois dias depois, receberam no teatro um
vez, com alguém de apelido Regalo, de quem atestado médico que diagnosticava à atriz
teve o único filho, Francisco Leão uma “atenia” e prescrevia um repouso de 45
Regalo, que a acompanhou para o Brasil, e, pela dias. A Sociedade Artística daquele teatro ficou
segunda vez, com Leonardo Pessoa Lopes. Aos perplexa e substituiu-a por Ilda Stichini*. Perante
dezassete anos, Ester Leão ingressou na vida ar- os factos, Santos Tavares, então comissário do
tística “por paixão” sem a aprovação da famí- Governo junto do Teatro Nacional, demitiu-a de
lia e, sob o pseudónimo de Ester Durval, apre- societária durante três meses e igual tempo de
sentou-se pela primeira vez em público no ban- proibição de representar em teatros portugue-
quete oferecido pelos artistas do Teatro Repú- ses, ao abrigo dos parágrafos 5.o e 6.o do art.o 8.o
blica ao empresário visconde de S. Luís de do Decreto n.o 9088, de 30/03/1923. Reintegra-
Braga. Foi sob o patrocínio deste empresário que da no Teatro Nacional, ali representou os dra-
se estreou naquele teatro, a 14 de janeiro de mas históricos Alcácer Quibir (1925), de D. João
1913, com 18 anos, na peça O Assalto, de Berns- da Câmara, O Crime de Arronches (1925), de
tein, tradução de Maria Amália Vaz de Carva- Henrique Lopes de Mendonça, O Pasteleiro Ma-
lho, do repertório da Companhia de Augusto drigal (1925), de Augusto de Lacerda, e outros
Rosa. O facto, inédito entre nós, da filha de um dramas, como Dentro do Castigo, de Norberto
diplomata seguir a carreira teatral despertou a de Araújo, Miragem, de Carlos Selvagem, A Dan-
curiosidade e, durante algum tempo, esgotou a ça da Meia Noite, de Méré, e Severa, de Júlio
lotação de todas as sessões. Sobrinha de Rami- Dantas. Contratada pela Companhia Alfredo Cor-
ro Leão, que teve vários cargos importantes, en- tez para o Teatro da Avenida, representou
tre os quais diretor do Banco de Portugal, e em- Apaixonada, de Porto Riche, A Mulher Fatal,
presário dos Armazéns Ramiro Leão & Cia., casa de A. Birabeau, e A Malquerida, de Joaquim Be-
de modas na baixa lisboeta, foi desprezada pelo navente. No Politeama, fez Triste Feia (1926), co-
tio e pela família paterna por ter enveredado por média de Rui Chianca. Nesse mesmo ano, fa-
uma carreira que consideravam de pouco pres- leceu-lhe o pai, enquanto integrava um elenco
tígio. Por essa razão, ou por outra, saiu do Tea- a atuar em Évora. Esteve no Teatro Apolo, onde
tro República e de cena. Reapareceu no Teatro entrou na opereta Madragoa (1927), de Feliciano
Nacional a protagonizar a peça Maria Isabel Santos e António Carneiro. Depois de algumas
(1920), de Américo Durão, com bastante agra- deambulações por vários teatros, regressou ao
do do público e figurando nos cartazes com o Teatro Nacional para protagonizar O Processo
nome verdadeiro. Dava nas vistas pelos trajes (1929) de Mary Dugan, policial de B. Veiller e
exóticos, passeios a cavalo e por ser das poucas um dos seus maiores êxitos. Em 1929, era con-
EST 294

cessionária do Teatro Nacional, com a Empre- Shakespeare. Ester Leão exerceu reconhecida in-
sa Teatral Ester Leão & Alexandre de Oliveira, fluência na modernização do teatro daquele país,
onde se estreou com a peça A Ameaça pugnando pela afirmação da sua autonomia e
(18/04/1929). Voltou ao Teatro Apolo e ali fez identidade. Divulgou o teatro de autoria por-
Os Maus Pastores (1930), comédia de A. Pi- tuguesa, representando Gil Vicente e Camões,
nheiro e Alexandre Azevedo. Em 1931, era par- encenou Judas, de António Patrício e, com um
te do elenco da versão portuguesa do filme coro grego, levou ao palco Cantares de Amigo,
A Mulher Que Ri, realizado em Paris pela Pa- de D. Dinis. Fez digressões pela Argentina e Chi-
ramount, e fez furor no filme Lisboa, Crónica le. A 15 de maio de 1952, passou por Lisboa e
Anedótica, de Leitão de Barros, em que apare- a imprensa divulgou que vinha de visita e es-
cia a guiar um automóvel. Para a época de tudar a possibilidade de trazer a Portugal as com-
1931/32, organizou uma companhia para atuar panhias teatrais de Alda Garrido e de Renato Via-
no Teatro do Ginásio e representou Duas Cha- na, da Escola da Prefeitura do Rio de Janeiro,
mas, de Tomás Ribeiro Colaço, O Deitar da Noi- projeto que não se concretizou. Regressou ao
va, de Gandéra, e Na Sombra, da sua autoria, e Brasil. Dedicou os últimos anos de vida ao en-
a comédia O Bruxo da Arrábida (1932), adap- sino da dicção e da colocação da voz de presi-
tação de Félix Bermudes e João Bastos. Formou dentes da República, ministros, deputados e fu-
uma companhia, em parceria com alguns ato- turos atores. Por sugestão de Cláudio de Sousa,
res, entre eles Ilda Stichini, Irene Isidro e Alves então presidente da Academia de Letras, foi-lhe
da Costa, que tinha por objetivo colocar em cena atribuída a Ordem do Cruzeiro do Sul pelos ser-
no Teatro de S. Carlos peças inéditas e originais viços culturais prestados a favor do teatro bra-
portuguesas. Representaram-se, entre 1933 e sileiro. No Espaço Cultural do Centro de Ciên-
1934, Divórcios (1933), de Lorjó Tavares, Rai- cias Humanas e Sociais Unirio, há uma sala Es-
nha Santa, de Rui Chianca, e Mascarada, de Ra- ter Leão, em homenagem à atriz. É autora das
mada Curto. Em 1935, estava no Teatro do peças Uma História de Boneca, episódio em 1
Ginásio, onde protagonizou Deus Lhe Pague, co- ato, representada no Teatro Politeama, em
média de Joracy Camargo, ao lado de Procópio 1923; Na Sombra, representada no Teatro do Gi-
Ferreira. Desgostosa com o rumo do teatro násio (1932). Morreu paralítica e em grande so-
português, a que não era alheia a censura polí- frimento. Quando quiseram homenageá-la e dar
tica, foi para o Brasil, onde conheceu grande êxi- o seu nome a uma rua do Gavião, a família ali
to como atriz, encenadora e professora da Escola residente opôs-se.
de Arte de Representar, ensinando, entre outras
Fontes: Informações colhidas junto do jornalista José Ma-
atrizes, Alma Flora (Flora de Jesus Carvalho), que nuel Gonçalves, familiar de Ester Leão.
fora para o Brasil ainda criança. Como direto- Bib.: António Ventura, “Beatriz no Teatro de Portalegre”,
ra de espetáculos do Teatro do Estudante do Bra- Publicações Periódicas de Portalegre, (1836-1974), Por-
sil, levou à cena Leonor de Mendonça, de talegre, Câmara Municipal de Portalegre, 1991, p. 34;
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Actuali-
Gonçalves Dias, Romanescos, de Edmond zação, Vol. VII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enci-
Rostand, O Jesuíta (1940), de José de Alencar, clopédia, p. 100; Eduardo de Noronha, Reminiscências
Como Quiseres, adaptação de uma obra de do Tablado, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927,
Shakespeare, e divulgou peças portuguesas, pp. 100 e 225; Eugénia Vasques, Mulheres Que Escre-
adaptadas de obras de Gil Vicente, Camões e veram Teatro no Século XX em Portugal, Lisboa, Edi-
ções Colibri, 2001, p. 88 (67) e p. 94 (98); Luiz Francisco
Luiz Francisco Rebello. Nesse mesmo teatro, di- Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa,
rigiu atrizes que se tornaram grandes talentos Prelo Editora, 1978, pp. 427-428; Quem é Quem (Who’s
da cena, com destaque para Dulcina de Moraes, Who in Portugal), Dicionário Biográfico das Personali-
Cacilda Becker, que se estreou em Três Mil Me- dades em Destaque do Nosso Tempo, Lisboa, Portugá-
lia Editora, Lda. 1947, pp. 404-405; Rolando da Silva,
tros de Altitude, e Fernanda Montenegro, na O Meu Jornal. Impressões de teatro (Número dois), Lis-
mesma peça, adaptada sob o título Alegres Can- boa, Ed. do Autor, 1932, p. 20; Mundo Teatral, Lisboa,
ções da Montanha, atrizes que se contam entre n.o 37, 03/06/1923, p. 2; O Século, 03/12/1924, p. 5, e
as maiores representantes do teatro brasileiro. 06/12/1924, p. 6; “Ester Leão volta a Portugal”, Diário
Nos anos 1940, era diretora de uma companhia Popular, 12/05/1952, p. 2; “Vida Artística: Ester Leão che-
gou ontem do Brasil”, Diário de Notícias, 16/05/1952,
no Teatro Universitário, recém-criado. No Tea- p. 4; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 17/05/1961,
tro Fénix, do Rio de Janeiro, dirigiu o elenco que p. 4, 19/12/1961, p. 4.
representou a tragédia Macbeth (1946), de [I. S. A.]
295 EST

Ester de Carvalho escola. Em 24 de outubro de 1891, foi designa-


v. Ester Amélia da Costa Coutinho da Silva Car- do, para diretor da Escola de Peniche, Francis-
valho co Gil, transferido da Escola de Desenho Indus-
trial da Figueira da Foz, extinta pelo Decreto de
Ester Durval 8 de outubro de 1891, assinado por João Franco,
v. Ester de Azevedo Eusébio Leão então ministro das Obras Públicas. Etelvina da
Paz Assunção manteve a sua função de profes-
Ester Leão sora e, em 15 de novembro de 1892, voltou a ser
v. Ester de Azevedo Eusébio Leão incumbida de reger a escola, com um salário de
1$500 réis diários, devido à transferência do di-
Ester Sousa retor para a escola de Leiria. Em julho de 1893,
Atriz que se dedicou ao teatro de revista. Os seus Luciano Cordeiro, inspetor das escolas industriais
melhores papéis foram os de “Sol”, em Peço a Pa- da circunscrição do Sul, elogiando a sua com-
lavra!, de João Bastos e Álvaro Cabral, música de petência como professora e diretora, propôs su-
Del Negro e Alves Coelho (Variedades, 1911), e periormente, por mais de uma vez, que o ven-
“Bi-Bi”, em A Feira do Diabo, sátira em 1 ato, pró- cimento passasse a 600$000 réis anuais, de
logo e 3 quadros, de Eduardo Schwalbach, em al- acordo com o estipulado na legislação em vigor
ternativa com Juliana Santos* (Apolo, 1912). Me- para o desempenho daquele cargo. Em 1897, Etel-
receu figurar na galeria de retratos de atores da vina da Paz Assunção recebia 540$000 réis
companhia do empresário Eduardo Schwal- anuais, como professora auxiliar e diretora da Es-
bach, no Teatro Apolo. cola Rainha D. Maria Pia, e na sequência do De-
Bib.: Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, Vol. II, 1911, creto de 14 de dezembro de 1897, que reorgani-
pp. 280 e 476; O Palco, Lisboa, n.o 5, 05/03/1912, p. 72. zou o ensino nas escolas industriais e de dese-
[I. S. A.] nho industrial, passou a auferir, como professo-
ra efetiva e em conformidade com a tabela
Etelvina Augusta da Paz Assunção [Guizado] anexa ao referido decreto, um vencimento de
Professora de desenho na Escola Industrial de Pe- 600$000 réis anuais. Na Exposição Universal de
niche, a partir de 1889, foi mais tarde nomeada Paris de 1900, a exposição coletiva das escolas
diretora da mesma escola. Nascida em 13 de de- industriais portuguesas da circunscrição do Sul,
zembro de 1869, já tinha alguns conhecimentos na qual se integrava a de Peniche, obteve o Grand
de desenho de ornato quando iniciou, em se- Prix atribuído na “Classe de ensino especial, in-
tembro de 1887, o curso de desenho industrial dustrial e comercial”. Registe-se que, na mesma
na Escola Industrial Marquês de Pombal, em Lis- exposição, Etelvina Augusta da Paz Assunção foi
boa, onde foi discípula do professor João Hilá- uma das três mulheres agraciadas individual-
rio Pinto de Almeida. No final do ano letivo foi mente no Grupo I “Educação e ensino”, tendo-
premiada com 8$000 réis em “Desenho geomé- -lhe sido atribuída uma medalha de prata como
trico rigoroso” e com distinção em “Princípios colaboradora. Foi, com Maria Augusta Bordalo
de desenho de ornato” e exibiu cinco trabalhos Pinheiro e Joaquina Aurélia Baptista Guerreiro*,
na Exposição Industrial Nacional de 1888, rea- uma das três mulheres que, no século XIX, exer-
lizada na Avenida da Liberdade. Foi nomeada, ceram as funções de professora de desenho e de
por despacho de 28 de novembro de 1888, diretora de uma escola de desenho industrial, pois
coadjuvante de Maria Augusta Bordalo Pinhei- o restante pessoal feminino das escolas industriais
ro*, professora e diretora da Escola de Desenho era constituído por mestras das oficinas de lavores
Industrial Rainha D. Maria Pia, em Peniche, com femininos. Exerceu o cargo de direção da esco-
um vencimento de 20$000 réis mensais. Em 17 la até quase à data da sua morte, ocorrida em 26
de agosto de 1889, Etelvina da Paz Assunção foi de janeiro de 1928, tendo sido substituída por
nomeada professora de desenho e encarregue de Benvinda Fernandes*. Tendo adquirido, por ca-
reger provisoriamente a Escola de Peniche, em samento, o apelido Guizado, este nunca foi
substituição da anterior diretora que fora dis- usado nos registos da sua atividade profissional.
pensada do serviço por ordem superior. O seu
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
vencimento, atualizado para 45$000, foi acres- Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas,
cido, a partir do mês de outubro, de uma grati- Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas Industriais
ficação anual de 90$000, por dirigir a oficina da e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Livro
ETE 296

de registo do pessoal de Inspecção e das respectivas es- tude, participou nas iniciativas da comunidade
colas (1884-1894) e Copiadores de correspondência ex- britânica, tendo sido membro ativo de um grupo
pedida (1891-1892; 1893; 1894). Fontes impressas: Mi-
nistério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção de teatro amador que montou e representou pe-
Geral do Comércio e Indústria, Relatórios sobre as Escolas ças nos principais teatros de Lisboa, antes de se
Industriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do constituir formalmente como The Lisbon Players,
Sul. Anos lectivos de 1886-1887 (segunda parte) e em 1947 e passar a dispor do seu próprio espa-
1887-1888, Lisboa, Imprensa Nacional, 1888; As Escolas
Industriais da Circunscrição do Sul na Exposição In- ço, integrado no Hospital Inglês. Casou, em
dustrial de Lisboa em 1888. Catálogo dos Desenhos e ou- 1906, com Douglas Bucknall. Destacou-se como
tros objectos executados e expostos pelos alunos, Lisboa, um dos membros mais proeminentes da comu-
Tipografia Moderna, 1888; Francisco da Fonseca Bene- nidade britânica em Portugal, dado o sentido de
vides, Relatório sobre as Escolas Industriais e de Dese-
nho Industrial da Circunscrição do Sul. Ano lectivo de
serviço, a energia, a determinação, as qualidades
1888-89,Lisboa, Imprensa Nacional, 1889; Ministério das de liderança, revelando ao mesmo tempo uma per-
Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do sonalidade afetiva e carismática. Foi a principal
Comércio e Indústria, Relatório sobre as Escolas Indus- instigadora da fundação do Colégio Inglês de Car-
triais e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul cavelos* (St. Julian’s School) e teve papel de re-
(1889-1890), Lisboa, Imprensa Nacional, 1890; Francis-
co da Fonseca Benevides, Relatório sobre as Escolas In- levo nas organizações britânicas em Portugal du-
dustriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul. rante a Segunda Guerra Mundial, nomeadamen-
Ano lectivo de 1890-91, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; te enquanto dirigente da Organização Feminina
Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Di- de Socorro*. Em 1944, foi condecorada pelo rei
recção Geral do Comércio e Indústria, Catálogo dos tra-
balhos expostos no Museu Industrial e Comercial de Lis- Jorge VI com a Ordem do Império Britânico, com
boa e executados nas Escolas Industriais e de Desenho o grau de OBE (Order of the British Empire). Ad-
Industrial da Circunscrição do Sul no Ano lectivo de 1889- mirava Salazar, que considerava ter salvo o país
1890, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; Exposição Uni- dos desmandos do tempo da Primeira Repúbli-
versal de 1900. Secção Portuguesa – Inspeção-Geral, VI.
Lista Definitiva das Recompensas obtidas pelos exposi- ca. Entre as muitas organizações que fundou ou
tores de Portugal e pelos seus colaboradores, Lisboa, Im- para as quais trabalhou, sempre de forma vo-
prensa Nacional, 1902; Decreto de 14/12/1897, Diário do luntária, incluem-se várias comissões ligadas ao
Governo, n.o 283 de 15 de dezembro de 1897. Hospital Inglês, em Lisboa, Serviço Voluntário Fe-
Bib.: Mariano Calado, História da Renda de Bilros de Pe-
niche, Peniche, Ed. Autor, 2003; Teresa Pinto, “Ensino
minino, Instituto dos Homens de Mar Britânicos,
industrial feminino oitocentista”, Dicionário no Feminino Maternidade de Cascais*, Preventório de Colares,
(séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311- Comissão de Senhoras da Igreja Anglicana de St.
-315; Idem, A Formação Profissional das Mulheres no En- Paul’s. Mãe de duas filhas e de um filho.
sino Industrial Público (1884-1910). Realidades e re-
presentações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa, Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 661, 03/05/1958,
Universidade Aberta, 2008. n.o 663, 31/05/1958, e n.o 842, 10/04/1965.
[T. P.] [A.V.]

Etelvina de Almeida Eufémia Marques


Republicana. Nasceu no Porto e casou com o mé- Atriz. Nasceu por volta de 1825. Em 1846, estava
dico Ricardo Rafael de Almeida, vivendo em Al- no Teatro da Rua dos Condes e concorreu ao Tea-
fândega da Fé. Segundo investigação de Fina tro D. Maria II, a 30 de janeiro de 1846, tendo dito
d’Armada, confecionou, juntamente com Ema da ser atriz há 4 anos.
Costa Pessoa*, a bandeira republicana arvorada Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Na-
na Câmara Municipal daquela terra aquando da cional D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do
implantação da República, a qual tinha inscri- Centenário 1846-1946, Lisboa, s. n., 1955, p. 116.
tas as palavras “Ordem e Progresso”. [I. S. A.]
Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011. Eugénia Câmara
[J. E.] v. Eugénia Infante da Câmara

Ethel Marguerite Jequier Bucknall Eugénia Infante da Câmara


Nasceu na Grã-Bretanha em 1885, filha de Daniel Atriz, dramaturga, poetisa e tradutora. Nasceu em
Victor Jequier, francês, e de mãe inglesa, vindo a Lisboa, a 9 de abril de 1837, e faleceu, no Rio de
falecer em 1965. Veio viver para Portugal com a Janeiro, em 1879. Era muito instruída. Estreou-
família quando tinha 8 anos de idade. Na juven- -se no Teatro do Ginásio, a 20 de fevereiro de
297 EUL

1852, foi muito bem recebida pelo público e ali de Clarim, A Madrasta, Fraquezas Humanas, de
fez carreira durante seis anos. Em 1858, passou Brieux, Uma Trempe de Calças, Relógio Conju-
para o Teatro de S. João, do Porto, onde fez o seu gal, Trinca Ferro, Ela por Ela, O Braço de Ernesto,
primeiro benefício. Dali foi contratada por Joa- entre outras. Enquanto esteve em Lisboa, repre-
quim Heliodoro, para o Teatro Ginásio Dramático sentou as mágicas em 3 atos O Cabo da Caçaro-
do Rio de Janeiro, onde se estreou, a 29 de ou- la e A Filha do Ar, ambas de Joaquim Augusto
tubro de 1859, em Abel e Caim, comédia drama de Oliveira; Dois Mundos, comédia em 3 atos; Ci-
em 3 atos de Mendes Leal, e na comédia Berta nismo, Cepticismo e Crença, drama em 2 atos, e
do Castigo. Foi em digressão ao Recife, integra- Os Mistérios Sociais, ambos de César de Lacer-
da numa companhia organizada pelo empresá- da; Mariquinhas a Leiteira, comédia em 1 ato de
rio Veríssimo Chaves, com quem mantinha um Aristides Abranches; Anjo e Demónio e Há
caso amoroso, e representou no Teatro Santa Isa- Tantas Assim, peças em 1 ato; O Tio Braz, ope-
bel as peças principais do seu repertório. No Re- reta em 1 ato, tradução de Garcia Alagarim, mú-
cife, conheceu o poeta abolicionista e dramaturgo sica de Offenbach; As Duas Primas; A Jovem
António de Castro Alves (1847-1871), ainda es- Guarda; AB e X; Gabriel e Lusbel ou o Tauma-
tudante, com ele viveu um romance de amor que turgo, drama sacro em 4 atos, de José Maria Braz
empolgou a imprensa e que, mais tarde, inspirou Martins, música de Angelo Frondoni. Faleceu, no
Jorge Amado na peça Amor Soldado. Eugénia In- Brasil, vítima de alcoolismo. Em 1949, exibiu-
fante protagonizou Gonzaga ou a Revolução das -se o filme Vendaval Maravilhoso, de Leitão de
Minas, drama da autoria de Castro Alves, estreado Barros, inspirado nos amores entre a atriz e o poe-
a 7 de setembro de 1867 no Teatro de S. João, na ta Castro Alves.
Baía, em que foi entusiasticamente aplaudida. A Da autora: Esboços Poéticos oferecidos ao Público Por-
rivalidade artística entre Adelaide Amaral* e Eu- tuense, Porto, Tipografia Sebastião José Pereira, 1859;
génia alimentou acesas polémicas entre Tobias Segredos d’Alma, poesias da actriz Eugénia Infante da
Barreto de Meneses (1839-1889), lente em Filo- Câmara (1859), Nova Edição seguida de uma colecção
de várias poesias dedicadas à mesma actriz durante as
sofia, militante do Partido Liberal de Pernambuco viagens ao Império do Brasil, Fortaleza (Brasil), Tipo-
e poeta com algum valor, então apaixonado por grafia Constitucional, 1864.
Adelaide, e Castro Alves, e que o público seguiu Bib.: Afonso Ruy, História do Teatro na Bahia, Séculos
tomando partido. Eugénia fazia parte do elenco XVI-XIX, Publicações da Universidade da Bahia, 1959,
pp. 57 e 87; Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de
da companhia do ator Carvalho, que inaugurou Mulheres Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981,
o Teatro Ginásio do Bonfim, na Baía, a 22 de de- pp. 188-189; António Sousa Bastos, Dicionário do Tea-
zembro de 1867, e fez benefício no último es- tro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva,
petáculo do mesmo teatro, a 26 de janeiro de 1908, pp. 11 e 191; Brício de Abreu, “ Eugénia da Câ-
mara e Adelaide Amaral: duas rivais”, Esses Populares
1868. Pouco depois, regressou ao Rio de Janei- tão Desconhecidos, Rio de Janeiro, E. Raposo Carnei-
ro, onde trabalhou afanosamente e, já com 40 ro, Editor, 1963, pp. 35-40; Duarte Ivo Cruz, O Essen-
anos, casou com António Assis Osternoff, maes- cial sobre o Teatro Luso-Brasileiro, Lisboa, Imprensa Na-
tro de Orquestra da Fénix Dramática, com quem cional-Casa da Moeda, 2004, pp. 48 e ss.; Esteves Pe-
foi muito infeliz. Percorreu quase todos os tea- reira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário his-
tórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico,
tros do Brasil. Publicou, no Porto, em 1859, Es- numismático e artístico, Vol. II, Lisboa, João Romano
boços Poéticos, que Ramalho Ortigão criticou na Torres, Editor, 1906, pp. 636-637; Gustavo de Matos Se-
Crónica Portuense de 20 de junho de 1859, apro- queira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publi-
veitando para zurzir a “mulher que faz livros”, cações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa,
1967, p. 324; Hilda Agnes Hübner Flores, Dicionário de
afirmando que “transvia-se da sua trilha, rescinde Mulheres, Porto Alegre, 1999, p. 94; José Duarte Ramalho
os seus direitos, deixa de ser mulher, fica sendo Ortigão, Crónicas Portuenses (1859-1866), Lisboa. Li-
tão somente a fêmea do homem, ou antes um ho- vraria Clássica Editora, 1944, p. 116; Luiz Francisco Re-
mem-fêmea”. No Brasil, escreveu o drama em 1 bello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Pre-
lo Editora, 1978, pp. 119-120; O Mundo Elegante,
ato Uma Entre Mil, representado e recebido com n.o 6, 1859, p. 47; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sécu-
muito agrado. Traduziu a comédia Recordações lo, 09/04/1960, p. 4.
da Mocidade, em 4 atos, que se representou no [I. S. A.]
Teatro do Ginásio, em Lisboa, e, para a cena bra-
sileira, as comédias As Duas Primas, de Eugène Eulália de Sousa Amado
Scribe, Pau Para toda a Obra, A Jovem Guarda Farmacêutica, republicana e feminista, foi ati-
e Uma Escada, e as peças em 1 ato Uma Lição vista da Liga Republicana das Mulheres Portu-
EUS 298

guesas e da Obra Maternal. Musicou alguns poe- ver em Londres. Mãe de duas filhas, o marido
mas escritos por Maria Veleda*, de quem era ami- morreu em 1939. Regressou a Lisboa depois de
ga. Seguiu o percurso de muitas das compa- enviuvar e aqui permaneceu até à sua morte.
nheiras feministas que aderiram ao espiritismo Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1031, 08/07/1972.
filosófico, científico e experimental. Em 1919, [A. V.]
era assinante da revista A ASA*, órgão do Cen-
tro de Propaganda Sociológica e das Ciências Psí-
quicas Luz e Amor*. Em 26 de fevereiro de 1921,
esteve presente na sessão de confraternização es-
pírita por ocasião do enlace matrimonial de Cân-
dido Guerreiro Xavier da Franca, filho de Ma-
ria Veleda, e de Arminda da Costa Pinto da Sil-
va*, sobrinha de Maria Emília Marques*. Em
1923, a imprensa espírita assinala-a como sócia
do Centro Espiritualista Luz e Amor* e partici-
pante das sessões de leitura, debate e reflexão e
nas que se destinavam a invocar os espíritos dos
guias protetores do grupo. Também abrilhantou
algumas das reuniões culturais, recreativas e de
propaganda promovidas pelo Centro Espiri-
tualista Luz e Amor. Tocava piano a quatro mãos
com Maria da Madre de Deus Dinis d’Almeida*
ou em dueto com Dinah Santos Lima*.
Fontes: Espólio particular de Maria Veleda.
Bib.: João Esteves, “Eulália de Sousa Amado”, Dicionário
no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte,
2005, pp. 332-333; A ASA, n.o 6, junho de 1919; O Fu-
turo, n.o 2, março, 1921, pp. 15-16, n.o 11, junho, 1923,
pp. 4-7 e 15, n.o 12, julho, 1923, p. 4, n.o 2, outubro, 1923,
pp. 30-31.
[N. M.]

Eustáquia Carneiro Chaves


Espírita. Em 1929 fazia parte dos Corpos Sociais
do Centro Espírita “Reflexos da Verdade” de Beja,
desempenhando as funções de Tesoureira.
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p. 5.
[N. M.]

Eva de Val-Flor
Pseudónimo de Maria Carolina Frederico Crispim*.

Evelyn Louisa Burton Rangel Wallace


Filha de um português e de mãe nascida no País
de Gales em 1894, faleceu em Lisboa em 1972.
Pertencia à família Parry, que fundou no sécu-
lo XIX os estaleiros navais de Cacilhas, com esse
mesmo nome. Enfermeira em França, ao servi-
ço do Corpo Expedicionário Português na
Primeira Guerra Mundial, foi condecorada
como Cavaleira da Cruz de Cristo. Também foi
condecorada por três vezes pela Cruz Vermelha
Portuguesa. Em 1927, casou com John Nichol-
son Wallace, natural de Dundee, e passou a vi-
F
Felicidade Rosa Freitas Silva Fernanda Amélia da Mata
Nascida em Faro a 10 de junho de 1870, foi bati- Atriz. Usou o nome artístico de Fernanda de
zada em 23 de junho. Filha legítima de António Joa- Sousa. Filha da atriz Antónia de Sousa*, nasceu
quim de Freitas, furriel do Regimento n.o 15, e de em Lisboa em 1903 e faleceu em 1973. Fre-
Maria Filomena, doméstica, neta paterna de An- quentou a Escola-Oficina N.o 1, de Lisboa, e pode
tónio de Freitas e de Felicidade Rosa e materna de tratar-se de Fernanda A. da Matta, filha do pro-
José Gonçalves São Braz e de Rosa Apolinária. À fessor Luís da Matta que lecionava naquela ins-
altura da sua candidatura para provimento da ca- tituição, onde era aluna da 6.a classe (4.o grau). Em
deira de Matemática Elementar ou de Ciências Fí- 1916, com 13 anos, escreveu a peça em 1 ato Mana
sicas Naturais nos Institutos de Instrução Secun- Isabel, inspirado no conto Como Isabel, de Ana de
dária, previstos na lei de 9 de agosto de 1888, en- Castro Osório, representada no teatro da escola por
viada a 17 de abril de 1890, Felicidade Silva tinha ocasião do 7.o Sarau promovido pela Secção
20 anos de idade, era solteira e moradora nos An- Dramática a 28 de agosto de 1916. Estreou-se no
jos, Lisboa. Anexou ao processo de candidatura do- Brasil, aos 15 anos, na peça Carlota Joaquina, ao
cumentos que provavam ter curso de Ciências dos lado da mãe. Entrou nas peças Frei Luís de Sou-
Liceus, tendo obtido distinção na maior parte das sa, drama em 3 atos de Almeida Garrett, Dr. da
disciplinas e estar a cursar as 5.a e 6.a cadeiras de Mula Ruça, Xangai, Milagre de Ana Sullivan, Joa-
Química Orgânica da Escola Politécnica. Apre- na a Doida, drama em 5 atos, tradução de Ale-
sentou, também, certificados do Liceu Nacional xandre Magno de Castilho, Nazaré, Casa de Ber-
de Portalegre que discriminavam as suas classi- narda Alba, Os Lazaristas, drama em 3 atos de An-
ficações nos exames: aprovada com distinção nos tónio Enes, Madalena Arrependida, comédia em
exames de classe de Literatura Portuguesa (28 de 3 atos, original de Aura Abranches*, A Flor de
outubro de 1889); Filosofia (1 de julho de 1889); Maio, de António Guimarães, no Teatro da Ave-
Inglês (26 de junho de 1889); Matemática Ele- nida, com Adelina Abranches*, e em duas revis-
mentar do 5.o ano (15 junho de 1889); Matemá- tas. No cinema, fez Pupilas do Sr. Reitor, Morte
tica Elementar do 6.o ano (19 de junho de 1889); duma Artista, Quando o Mar Galgou a Terra, João
Física, Química e História Natural (2 de julho de Ratão e Homem do Ribatejo. Em 1963, reformou-
1889). Do Liceu Nacional de Leiria, apresentou se da vida artística. Foi casada durante pouco
também certificado com classificações: exame de tempo com o ator Joaquim Alves da Costa Júnior
1.a classe de Aritmética (15 de julho de 1886), (1896-1971).
aprovada com 5 valores; exame de 2.a classe de Da autora: Mana Isabel [peça em 1 acto], Separata do Bo-
Princípios de Física, Química e História Natural letim da Escola-Oficina n.o 1, Lisboa, Imprensa Nacio-
(10 de julho de 1888), aprovada com distinção; nal, Vol. I, 1918.
2.a classe de Latim (11 de julho de 1888), apro- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
vada com distinção; exame de 2.a classe de Geo- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1239;
António Candeias, “Entrevista a Lucinda Lopes, pro-
grafia e História (11 de julho de 1888), aprova- fessora da Escola-Oficina n.o 1 entre 1937 e 1987”, Edu-
da com distinção; exame de 2.a classe de Mate- car de outra forma: a Escola-Oficina n.o 1 de Lisboa 1905-
mática Elementar (16 de julho de 1888), aprovada. 1930, Lisboa, Instituto de Inovação Educacional, 1994;
Do certificado do Liceu Central de Lisboa cons- Boletim da Escola-Oficina n.o 1, continuador da revis-
tam: exame de Desenho (22 de agosto de 1885), ta de Pedagogia e Educação, Lisboa, Imprensa Nacional,
Vol. I, janeiro, 1918; Luiz Francisco Rebello, História do
aprovada com 4 valores; Língua Francesa (26 de Teatro de Revista em Portugal, 2. Da República até Hoje,
agosto de 1885), aprovada com 5 valores; exame Lisboa, Publicações D. Quixote, 1984.
de classe de Língua Portuguesa (31 de agosto de [I. S. A.]
1885), aprovada com 3 valores. A sua apetência
e capacidades para a área científica ficam bem Fernanda de Paiva Tomás
patentes ao analisar-se o seu currículo escolar. v. Maria Fernanda de Paiva Tomás
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. Fernanda de Sousa
[A. C. O.] v. Fernanda Amélia da Mata
FER 300

Fernanda do Vale Portugal já se tinham verificado eventos desses.


v. Andresa do Nascimento Ainda durante a Monarquia, na Tapada da Aju-
da, por iniciativa da rainha D. Maria Pia* fora or-
Fernanda Waschmann ganizada uma dessas vendas. A rainha e outras
Frieda Waschmann, depois conhecida pelo senhoras da melhor sociedade, em pavilhões ar-
nome de Fernanda Waschmann, nasceu na Ale- tisticamente ornamentados, venderam flores,
manha e faleceu, quase centenária, com 94 transportadas para Lisboa de diversas regiões do
anos, laboralmente ativa, a 7 de fevereiro de 2002, país. Em junho de 1916, no meio do fervor pa-
em Lisboa. Desempenhou, durante décadas, a triótico que animava os sectores favoráveis à po-
função de professora de ginástica médica e cor- lítica intervencionista, a direção do jornal O Sé-
retiva, de que foi uma das pioneiras no nosso culo organizou, no Jardim da Estrela, a Festa da
país, no Ateneu Comercial de Lisboa em primeiro Flor, pretendendo, com o produto obtido, auxi-
lugar e, depois, a título particular, na sua resi- liar as vítimas da guerra. A iniciativa teve a co-
dência na Estrela. Tirou o curso de professora de laboração de companhias de teatro que anima-
Educação Física e de Fisioterapia. Exerceu tam- ram a função com diversos espetáculos. A festa
bém atividade no domínio da ginástica para par- de 15 de março de 1917 desenvolveu-se em mol-
turientes, ao lado do médico e famoso arqueó- des diferentes. Segundo Genoveva de Lima Ul-
logo, Prof. Doutor Fernando António de Almeida rich, presidente da comissão organizadora e prin-
e Silva Saldanha (1903-1979). Era irmã do mé- cipal impulsionadora, seguiu o modelo de uma
dico Alfred Waschmann ou Alfredo Vasques Ho- festa de cariz idêntico, realizada em Londres pou-
mem, nome que adotou, posteriormente, ao ad- cos anos atrás. As vendedoras não se conserva-
quirir a nacionalidade portuguesa, o qual foi apa- vam num pavilhão, resguardadas do contacto com
drinhado pelos médicos portugueses Arnaldo a multidão. Iam oferecer as flores pelas ruas de
Roldão e Francisco Gentil. Fernanda veio com Lisboa, misturando-se com a gente comum. A ci-
o irmão e os pais (o pai era professor) para Por- dade foi dividida em áreas, responsabilizando-
tugal na década de 1930, após a “Noite de Cris- se por cada uma um grupo de mulheres da aris-
tal” de 1938, refugiada do regime hitleriano, por tocracia, com uma delas orientando a ação.
ser de origem judaica. Viveu sempre em Lisboa, Como se exigia uma quantidade de flores que era
onde frequentava a sinagoga do Rato. Desloca- difícil conseguir, a comissão organizadora optou
va-se, anualmente, à Floresta Negra, na Alema- por flores artificiais, muito simples, com cinco
nha, em cujas termas se atualizava nos métodos pétalas em cor-de-rosa ou branco; esta flor seria
da ginástica corretiva. muito semelhante à que veio a generalizar-se para
Bib.: Fred Vasques Homem, Curas sem Operação, Lis- peditórios idênticos. A marquesa do Lavradio, as
boa, Liv. Progresso Ed. s.a.; Irene Flunser Pimentel, Ju- condessas de Ficalho*, de Alcáçovas, da Ponte,
deus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em fuga do Seisal, a viscondessa de Santo Tirso e tantas
de Hitler e do Holocausto, Lisboa, Ed. A Esfera dos Li- outras tomaram parte ativa na venda. Apesar das
vros, 2006; Manuel Farinha dos Santos, Elogio do Prof.
Doutor D. Fernando de Almeida, Lisboa, Academia Por- simpatias políticas de quase todas – o regime re-
tuguesa de História, 1985. publicano não lhes seria muito favorável – es-
[S. P.] forçaram-se para que o dia fosse de festa e de con-
senso. Foram cumpridos todos os requisitos exi-
Festa da Flor gidos no sentido de que tudo decorresse dentro
A festa de 15 de março de 1917, em Lisboa, cons- da legalidade, tendo sido solicitado aos detentores
tituiu o modelo para iniciativas idênticas toma- do poder político o necessário consentimento. Al-
das um pouco por todo o país, no mesmo ano ou guns sectores da vida política encararam com des-
nos anos seguintes. A ideia partiu da Assistên- confiança e inquietação a iniciativa. As autori-
cia das Portuguesas às Vítimas da Guerra*, as- dades locais mostraram-se preocupadas. Mas as
sociação de mulheres da aristocracia monárquica vendedoras pareciam alheias a fraturas sociais e
que, durante a Primeira Guerra Mundial, se pro- ideológicas. Tendo solicitado previamente au-
punham auxiliar os soldados mobilizados para diência ao Presidente da República, estiveram no
a França e para os territórios africanos. Festas, in- Palácio de Belém. Percorreram os ministérios, fo-
tegrando vendas de flores, cujo produto se des- ram ao Parlamento, às casas comerciais e diri-
tinava a angariar receitas para fins de carácter hu- giam-se aos passantes nas ruas. O próprio Afon-
manitário, eram usuais noutros países. Mesmo em so Costa foi abordado e não recusou o seu do-
301 FIL

nativo. Apesar das prevenções, houve casos Vieira e António Sardinha. A 13 de junho, na Ave-
desagradáveis, mas foram muito diminutos. nida da Liberdade, e em outros locais, em bar-
Finda a jornada, a avaliação geral, mesmo entre racas, as senhoras da Assistência venderam cra-
os que lhe eram hostis, era consensual, consi- vos e versos.
derando-se que tinha sido um sucesso. Mayer Gar- Bib.: Maria Lúcia de Brito Moura, “A Assistência aos Com-
ção, do jornal republicano A Manhã, defendeu batentes na I Guerra Mundial – Um conflito ideológico”,
que a festa “igualou sexos e classes, irmanou prin- Revista Portuguesa de História, Tomo 38, FLUC, 2006;
cípios de sua natureza adversos, estabeleceu aque- Diário Nacional, 28/02/1917, p. 1, col. 5, 16/03/1917, p.
la grande paz que é a finalidade sublime da Re- 1, col. 4; A Manhã, 16/03/1917, p. 1, col. 1; A Liberda-
de, 15/04/1917, p. 1, col. 6, 17/04/1917, p. 1, col. 1,
pública”. Mas esta e outras opiniões idênticas não 19/04/1917, p. 1, col. 6, 22/04/1917, p. 1, col. 3; Gaze-
fizeram calar por completo os adversários que ta de Coimbra, 30/05/1917, p. 1, col. 5, 09/06/1917, p.
continuavam com acusações sobre a aplicação do 1, col. 5; A Monarquia, 05/06/1918, p. 1, col. 5,
dinheiro, sustentando que se destinava à aqui- 14/06/1918, p. 1, col. 4.
sição de artigos religiosos e a auxiliar os capelães [M. L. B. M.]
do C. E. P. O êxito da venda animou as mulhe-
res da Assistência das Mulheres Portuguesas às Filomena A. M. de Freitas
Vítimas da Guerra, que se encontrava bastante de- Discípula da pintora Emília Adelaide dos San-
bilitada, a prosseguir na concretização do seu pro- tos Braga*, teve um percurso relativamente pró-
jeto e estimulou as associadas do Porto a organizar ximo do da sua colega Sara Lamarão Bramão*.
um evento semelhante. A 19 de abril teve lugar Iniciou a atividade expositiva ainda no contex-
a Festa da Flor, seguida por Coimbra – sob a res- to da formação, datando de 1908 uma das pri-
ponsabilidade das associadas da Sociedade da meiras mostras em que participou. Promovida
Cruz Branca*, que tinha objetivos semelhantes aos por Emília dos Santos Braga no seu ateliê, na Rua
das associações de Lisboa e do Porto –, a 29 de Pinheiro Chagas em Lisboa, apresentou publi-
maio. O exemplo das cidades principais consti- camente os primeiros trabalhos, juntamente
tuiu um incentivo para outras cidades e vilas, ain- com as restantes discípulas e as duas irmãs da
da que sob bandeiras diferentes – em benefício ilustre professora, Virgínia dos Santos Avelar* e
da Cruz Vermelha Portuguesa, da Cruzada das Laura Santos*. Anos mais tarde, em abril de 1911,
Mulheres Portuguesas* ou de outras – mas sem- voltaria a integrar uma exposição impulsiona-
pre com o pensamento nos mobilizados e nas suas da pela sua mestra, desta vez levada a cabo no
famílias. Em 1918, Genoveva Ulrich – que tive- concorrido salão da Ilustração Portuguesa. Es-
ra um relevante papel na festa do ano anterior – pecialmente composta por obras de discípulas
organizou novamente a Festa da Flor. Mas, des- de Emília dos Santos Braga, teve naturalmente
ta vez, o produto não se destinava aos cofres da maior impacto e acrescida visibilidade pública.
Assistência das Portuguesas às Vítimas da Guer- Pela ocasião, essa revista, promotora de diver-
ra. A conhecida poetisa aproveitou a nova con- sos acontecimentos de âmbito cultural, iniciou
juntura política, iniciada com a revolução de 5 a publicação de artigos alusivos ao evento, o pri-
de dezembro de 1917, que expulsou os homens meiro dos quais dedicado a Filomena de Frei-
do Partido Democrático do poder, para retomar tas [Ilustração Portuguesa, n.o 268]. Ilustrado com
um projeto anterior – organizar um espaço para 12 das suas obras, destacamos o ênfase particular
tratamento dos feridos da guerra – adaptado às que o autor deu à “maneira rápida” e às “notas
novas condições: um hospital para os soldados de realidade que lhe imprime”, enaltecendo em
que regressavam afetados psicologicamente. A especial o facto de a amadora tratar com “ver-
presidente da Assistência das Portuguesas às Ví- dade os assuntos”, em oposição ao que designa
timas da Guerra, a condessa de Ficalho, neces- por “bizarrias de mau gosto” [Idem, p. 453].
sitando de dinheiro para as suas obras, aprovei- Quanto aos temas dos quadros, apesar de ter rea-
tou as festas de Santo António para dinamizar lizado alguma pintura de género, seria com o re-
uma festa da flor com contornos diferentes: a Fes- trato que Filomena de Freitas viria a obter os
ta do Cravo. Foram dirigidos convites a alguns maiores aplausos por parte da crítica, já que era
poetas para que colaborassem, escrevendo qua- esse o domínio “onde ela é bem pessoal, onde
dras alusivas ao acontecimento. Temos conhe- ressalta o seu talento” [Idem, p. 454]. Assim, tal
cimento de alguns dos que corresponderam ao como a pintora Sara Lamarão Bramão, também
pedido: Branca de Gonta Colaço, António Lopes Filomena se começou a autonomizar face ao ate-
FIL 302

liê da sua formação com as primeiras exposições boa, Salão da Ilustração Portuguesa, 1911; Luís Chaves,
da Sociedade Nacional de Belas Artes. Nesse sa- “A Exposição da Sociedade Nacional”, O Ocidente, Lis-
boa, n.o 1311, 1915, pp. 173-176; Sociedade Nacional de
lão, apresentou-se pela primeira vez em 1913 Belas Artes: 14.a Exposição, Lisboa, Typ. do Anuário Co-
com os óleos Cigana e O velho modelo, e o pas- mercial, 1917; “Uma pintora portuguesa – Emília Santos
tel Amelita. Apesar de pouco notada pela críti- Braga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 118,
ca, Filomena de Freitas não escaparia à aspere- 25/05/1908, pp. 670-672; “Exposição de Arte Feminina:
os trabalhos das discípulas de D. Emília dos Santos Bra-
za de Aniceto que, no ano seguinte, mencionou ga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 119,
ironicamente a Violinista, “evidentemente nas 01/06/1908, p. 692; “A Obra de uma Artista Amadora”,
três ou quatro primeiras lições do delicado ins- Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, n.o 268,
trumento. Só assim se explica a incorrecção da 10/04/1911, pp. 452-455; Ilustração Portuguesa, Lisboa,
mão esquerda e a posição do cavalete” [Brasil – 2.a série, n.o 357, 23/12/1912, pp. 815-817, n.o 360,
13/01/1913, pp. 48-49, n.o 363, 03/02/1913, pp. 132-133;
Portugal, 1914, p. 139]. Em 1915, ano em que ex- Diário de Notícias, 13/04/1935.
pôs quatro pinturas a óleo, a receção foi bastante [S. C. S.]
mais favorável, sobretudo quando consideramos
aquela proveniente do habitualmente cáustico Filomena Augusta dos Santos Cardoso Gomes
Luís Chaves. Sobre a prestação de Filomena de Filha de Henrique José dos Santos Cardoso, na-
Freitas, referiu o crítico que “pode chegar a pin- tural de Gaia e residente na Rua do Almada n.o
tar com boa mestria se se der a bom estudo; mas 569, candidatou-se aos Liceus Secundários Fe-
há-de modificar o seu estilo de cabeças incli- mininos* a 6 de julho de 1890. Passa-se a citar
nadas, tendência prejudicial mesmo quando o seu discurso, que merece destaque pelos ar-
queira imitar Greuze” [O Ocidente, 1915, p. 176]. gumentos apresentados: “A suplicante desejava
Apesar da referência ao setecentista francês, o ser nomeada directora do instituto de ensino se-
bom acolhimento parece perpetuar-se durante as cundário do sexo feminino no Porto […] A não
décadas seguintes. Anos mais tarde, a propósi- ser nomeada para o lugar referido que lhe esta-
to da sua presença na 32.a exposição da SNBA, va a carácter, não só pela sua posição social, mas
podia ler-se no Diário de Notícias que “D. Filo- ainda por condições especiais de poder bem de-
mena de Freitas, que sempre e muito seriamente sempenhar a superintendência da administração
destacámos entre as senhoras que em Portugal geral do instituto; em último caso, pede a no-
praticam a sublime arte da pintura, prova-nos, meação de professora de qualquer dos cursos”.
uma vez mais, a sua fina sensibilidade no qua- Filomena Gomes considerava-se habilitada para
dro ‘Nevoeiro’ (Ilha das Flores), e na sua boni- exercer o magistério da instrução secundária, ten-
ta composição ‘A rapariga dos limões’” [Diário do estudos dos quais não realizou exame por ter
de Notícias, 13/04/1935]. Nesse mesmo ano, a interrompido o curso a que se destinava. Apre-
artista havia ainda de se fazer representar na ex- sentou o certificado do Liceu Central do Porto,
posição de pintura, escultura, esmalte e fotografia tendo obtido os seguintes resultados nos exames:
realizada nas salas da Caixa de Previdência dos Português, 3 valores; Francês, 2 valores; Mate-
Profissionais da Imprensa. Levada a cabo em ju- mática, 4 valores; Físico-Química, 3 valores; De-
lho de 1935, esta participação seria uma con- senho, 3 valores. Apresentou também certifica-
sequência das colaborações prestadas na im- do de língua inglesa com bastante aproveita-
prensa periódica da época. Da atividade paralela mento, assinado pelo professor de Inglês, An-
que exerceu na qualidade de ilustradora, co- selmo de Sousa.
nhecem-se, por exemplo, alguns desenhos a car- Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
vão para a Ilustração Portuguesa, feitos entre – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
1912 e 1913, em especial nos números publi- [A. C. O.]
cados pelo Natal e pelo Carnaval.
Bib.: Aniceto, “Sociedade Nacional de Belas Artes – Un-
Filomena da Cunha
décima Exposição Anual”, Brasil – Portugal, Lisboa, n.o v. Rosalina Filomena da Cunha e Soares Rebelo
369, 1914, pp. 138-139; Caetano Alberto, “Uma exposi-
ção de pintura de D. Emília Santos Braga”, O Ocidente, Filomena Jesus Faro e Oliveira
Lisboa, n.o 1058, junho, 1908, pp. 107-109; Décima ex- Vogal de júri na Escola Normal do Porto, era tam-
posição, Lisboa, Sociedade Nacional de Belas Artes, 1913;
Décima primeira exposição anual, Lisboa, Sociedade Na-
bém professora auxiliar na Escola Normal Pri-
cional de Belas Artes, 1914; Exposição de pintura e de- mária de 1.ª classe do sexo feminino no Porto,
senho das discípulas de D. Emília dos Santos Braga, Lis- onde, por altura da candidatura ao Liceu Se-
303 FIL

cundário Feminino, regia a cadeira de História feiras e certames de arte, em benefício das
e Geografia e tinha oito anos de prática de ma- crianças internadas, e marcou presença em to-
gistério. Filomena Oliveira possuía conhecimento das as cerimónias, sessões solenes, cortejos cí-
das línguas inglesa e francesa, como provam os vicos e comemorações levadas a cabo pela Jun-
documentos arquivados no seu processo no Mi- ta Patriótica do Norte e outras entidades civis e
nistério do Reino. Considerava-se habilitada a militares. Tinha boas relações com Ana de Cas-
exercer o cargo de diretora e professora de um tro Osório, à data presidente da Cruzada das Mu-
dos liceus do sexo feminino, tendo enviado a lheres Portuguesas*, comparecendo e discur-
candidatura a 14 de março de 1890. sando juntas, algumas vezes, em cerimónias ofi-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição ciais. Pelos relevantes serviços prestados à in-
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. fância, o Diário do Governo publicou, em 4 de
[A. C. O.] julho de 1919, uma portaria de louvor conferi-
da pelo Governo da República às senhoras do Nú-
Filomena Lima cleo Feminino de Assistência Infantil, com
v. Filomena Ribeiro de Lima destaque para a sua presidente. No mesmo
ano, a Cruz Vermelha Portuguesa agraciou Fi-
Filomena Nogueira de Oliveira lomena Nogueira de Oliveira com a Cruz Ver-
Democrata e republicana portuense. Presidiu ao melha de Mérito (3.o Grau) e atribuiu a todas as
Núcleo Feminino de Assistência Infantil*, cria- senhoras do Núcleo a medalha de Justo Louvor
do em 30 de agosto de 1916, no âmbito da Jun- (7.o Grau). A sessão solene de imposição das in-
ta Patriótica do Norte, para dirigir a Casa dos Fi- sígnias decorreu a 5 de janeiro de 1920. A Câ-
lhos dos Soldados, destinada a acolher e educar mara Municipal do Porto ofereceu-lhe as insíg-
os órfãos de guerra. A Casa foi fundada em 25 nias do grau de Oficial da Ordem Militar de Cris-
de maio de 1917 e inaugurada em 25 de junho to, com que foi agraciada pelo Governo da Re-
do mesmo ano com 42 crianças, sendo algumas pública, em cerimónia realizada em 31 de janeiro
recém-nascidas. Sob a sua direção, as mulheres de 1921. Em agosto de 1930, foi condecorada com
do Núcleo Feminino responsabilizaram-se, des- o grau de Comendador da Ordem de Beneme-
de a primeira hora, por todos os trabalhos ine- rência. A dedicação e carinho dispensados às
rentes à montagem da Casa, desde a conceção dos crianças internadas, o altruísmo e espírito de sa-
espaços, escolha de mobiliário e outros acessó- crifício postos ao serviço da obra humanitária e
rios até à confeção das roupas de cama, mesa e patriótica que dirigiu foram elogiados, reco-
vestuário das crianças. Após a inauguração, re- nhecidos e saudados pelas mais altas figuras do
vezavam-se diariamente em grupos de duas para Estado e do país, como se pode atestar pelas apre-
dirigirem os trabalhos de organização da Casa e ciações que deixaram exaradas no Livro de
orientarem a educação e cuidados a prestar aos Honra da Casa dos Filhos dos Soldados.
internados. Quando as crianças adoeciam, estas
mulheres prestavam-lhes a assistência, cuidados Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Actos da Jun-
ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916
e tratamentos requeridos, tal como se fossem fi- até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva
lhos seus. A entrada de Maria da Conceição Cos- com o concurso do Núcleo Feminino de Assistência In-
ta Gonçalves* para regente da Casa dos Filhos dos fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do
Soldados, a partir de outubro de 1918, libertou Norte, Tip. Mendonça, 1918, p. 131; Idem, Junta Patriótica
as mulheres do Núcleo desta sobrecarga de tra- do Norte. 1916 – 15 Anos de Benemerência – 1931. Re-
lato geral da sua obra e da Casa dos Filhos dos Solda-
balho, embora Filomena Nogueira de Oliveira dos (Assistência aos Órfãos da Grande Guerra), Porto,
continuasse a assumir, em nome do grupo, as res- Emp. Indust. Gráfica do Porto, Lda., 1932, p. 135.
ponsabilidades de direção. No relatório elabo- [N. M.]
rado em 1931, afirmava que, muitas vezes,
quando faltavam os recursos, as mulheres do Nú- Filomena Ribeiro de Lima
cleo contribuíam também financeiramente para Atriz que se distinguiu no teatro de revista. Nas-
as despesas de manutenção da instituição, além ceu em S. Gonçalo de Amarante, a 10 de janeiro
da subscrição permanente que todas cumpriam. de 1893, e faleceu em 1947. Iniciou a carreira ar-
Como presidente do Núcleo Feminino e principal tística a 12 de junho de 1910, no Teatro do Ginásio,
dirigente da Casa, dinamizou “Festas de Assis- na revista O Arco da Velha, de João Bastos e Xa-
tência”, exposições, vendas de caridade, saraus, vier da Silva, música de Venceslau Pinto e Alfredo
FLO 304

Mântua. Passou ao Teatro das Variedades, inte- quanto presos políticos, o filho, José Alves Tavares
grada no elenco de Peço a Palavra! (1911), revista Magro (1920-1980), a nora, Aida de Freitas Lou-
de João Bastos e Álvaro Cabral, música de Del Ne- reiro Magro* (n. 1918) e o genro, Joaquim Pires
gro e A. Coelho. Entrou nas operetas Eva, Cora- Jorge (1907-1984), todos militantes ou dirigentes
ção de Alfama e, em alternância com Leonor Fa- do Partido Comunista Português. Casada com
ria*, representou A Feira do Diabo, sátira em 1 ato, Francisco Félix Tavares Magro (1896-1946), na-
prólogo e 3 quadros, de Eduardo Schwalbach tural de Arronches, estudante de Medicina en-
(Apolo, 1912). Fez parte da companhia que levou tre 1915 e 1935, comerciante e maçon, “é um
ao Teatro Carlos Alberto, do Porto, O Chico das exemplo de grande coragem, resistência física e
Pegas (1917), opereta portuguesa em 3 atos de moral” [Gina de Freitas, p. 51] em defesa das con-
Eduardo Schwalbach, música de Filipe Pinto, e dições prisionais dos familiares e tomou conta,
teve papéis importantes nas revistas A Torre de juntamente com o filho João, das duas netas, fi-
Babel, de Eduardo Rodrigues, Félix Bermudes e lhas, respetivamente, de José e Aida Magro e de
João Bastos, música de Tomás Del Negro e Ber- Maria Helena Magro* e Pires Jorge. Em 1974, com
nardo Ferreira (Apolo, 1917), Salada Russa, de 78 anos, declarou, em entrevista a Gina de Frei-
Ernesto Rodrigues, João Bastos e Félix Bermudes, tas, que “durante 23 anos andei sempre a cami-
música de Filipe Duarte (Politeama, 1918), Folha nhar para as cadeias” e, entre 1951 e 1974, “só
Corrida e Tenho Dito, de Arnaldo Leite e Carva- tive três meses de férias”, já que, alternadamen-
lho Barbosa, música dos maestros Manuel de Fi- te ou em simultâneo, chegaram a estar todos pre-
gueiredo e Pascoal Pereira (Teatro S. João do Por- sos, à exceção da filha Helena, que entrou para
to, 1919), Sete e Meio, de Gustavo de Matos Se- a clandestinidade em 1945 e aí morreu em
queira, Pereira Coelho, Luís de Oliveira Guima- 1956, “no termo de uma gravidez muito difícil”
rães e Vasco de Matos Sequeira, música de Car- [M. Tengarrinha, p. 61], sem mais voltar a vê-la
los Calderón e Isidro Aranha (Apolo, 1927), e só sabendo do triste desenlace três meses de-
Loja do Povo, de Alberto Barbosa, José Galhardo, pois. Assistiu ao julgamento de José Magro em
Xavier de Magalhães e Vasco Santana, música de 1952, onde este se referiu às dificuldades eco-
Raul Portela e Raul Ferrão (Avenida, 1935), Arre nómicas da família e à mãe, “precocemente en-
Burro!, da autoria dos três primeiros, música de velhecida”, e deslocou-se constantemente à Rua
Raul Portela, Raul Ferrão e Fernando de Carva- António Maria Cardoso, sede da PIDE, onde a co-
lho (Variedades, 1936); e na farsa em 3 atos Ó Cos- nheciam muito bem, ao Aljube, a Caxias e ao For-
ta Vai-te Matar, adaptação de Alberto Barbosa, José te de Peniche, já que o filho esteve 21 anos pre-
Galhardo e Vasco Santana, música de Raul Por- so, a nora seis e o genro, quando o conheceu, dez.
tela. Entre 1913 e 1930, fez várias digressões no Georgette Ferreira, em texto de 2001, publicado
Brasil. Foi contratada para Angola e Moçambique nas páginas de O Militante, evoca, entre outros
onde esteve, também, como atriz-empresária em nomes de “mulheres comunistas que muito de-
1925 e 1928. Entrou no filme mudo João Ratão. ram à luta”, Flora e Helena Magro.
Mereceu figurar na galeria de retratos de atores da Da autora: Flora Magro, “Durante 25 anos andei sempre
companhia do empresário Eduardo Schwalbach, a caminhar para as cadeias”, depoimento a Gina de Frei-
no Teatro Apolo. tas, A Força Ignorada das Companheiras, Lisboa, Plá-
tano Editora, 1975, pp. 51-55.
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Filmografia: Luís Filipe Costa, Resistência – as grades
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 713; que nos guardaram [contém breves depoimentos de Flo-
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XV, ra Magro].
Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 84; Luís Bib.: Ana Margarida Carvalho, “Filhos da clandestini-
de Oliveira Guimarães, Teatro de Revista, Lisboa, 1940; dade”, Visão, 23/04/1998, pp. 66-71; António Ventura,
Ilustração Portuguesa, 2.a série, Lisboa, Vol. II, 1911, p. A Maçonaria no Distrito de Portalegre (1903-1935), Ca-
280; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 18/02/1952, leidoscópio, 2007, pp. 262-263; Georgette Ferreira, “O
24/01/1956 e 01/03/1956, p. 4. Partido na mobilização e participação das mulheres co-
[I. S. A.] munistas”, O Militante, n.o 252, maio-junho, 2001; José
Magro, “Intervenção realizada por José Magro perante
Flora Carlota Alves Magro o tribunal fascista que o julgou em 1952”, A Defesa Acu-
Juntamente com Herculana de Jesus da Costa Dias sa, Lisboa, Edições Avante!, 1975, p. 55; José Magro, Car-
tas da Clandestinidade, Lisboa, Edições Avante!, 2007;
Carvalho e Maria Rodrigues Pato*, Flora Magro, Margarida Tengarrinha, Quadros da Memória, Edições
já viúva, passou parte da vida a caminho das pri- Avante!, 2004.
sões políticas salazaristas, onde estiveram, en- [J. E.]
305 FLO

Flora Magro numa pequena edição de 200 exemplares, a sua


v. Flora Carlota Alves Magro primeira obra, Livro de Mágoas (1919), publica-
da com a ajuda financeira de seu pai. Depois de
Florbela Espanca (Florbela D’Alma da Con- casados, Florbela e Alberto Moutinho mudaram-
ceição Espanca) -se para a cidade do Redondo. Nesse período, a
Filha de João Maria Espanca e Antónia da Con- poetisa correspondeu-se, em 23 de abril de
ceição Lobo, nasceu em Vila Viçosa em 1894. Mor- 1916, com a diretora do Suplemento Modas &
reu em 1930, em Matosinhos, na passagem do dia Bordados de O Século, Madame Carvalho, que,
7 para o dia 8 de dezembro, ficando sepultada ao ler os seus primeiros versos, levantou algumas
nesta cidade e sendo transladada para Vila Viçosa, suspeitas de plágio, por uma escritora desconhe-
por intermédio do Grupo Amigos de Vila Viço- cida começar a escrever versos de qualidade no-
sa, seguindo o pedido poético expresso pela pró- tável. Desta forma lhe respondeu Florbela, in-
pria autora: “Sou um pobre de longe, é quase noi- dignada: “Tenho a consciência absoluta dos ver-
te... / Terra, quero dormir... dá-me pousada!”. Ti- sos serem meus, sim, Madame, pois que ao meu
nha como irmão Apeles Espanca (10 de março de ver é uma indignidade revoltante firmar, com o
1897), aviador e desenhista. Contudo, tanto próprio nome, versos alheios; e eu, ao menos por
Florbela como Apeles foram registados como fi- decoro, não me resolveria nunca a cometer in-
lhos de pai incógnito. Na verdade, o drama de dignidades dessas”. Travou também diálogo com
Florbela começou mesmo antes do seu nasci- a subdiretora da revista, Júlia Alves, que viria a
mento. Sua mãe fora abandonada pelos pais e ser sua amiga e confidente, sem que nunca se ti-
adotada por uma senhora, empregada nos correios vessem encontrado, diferentemente de “Buja”,
de Vila Viçosa, que lhe deu seu apelido, Lobo; a pseudónimo de Milburges Ferreira, que conhe-
mãe de Florbela passou, assim, a chamar-se An- ceu em Évora – uma amizade que perdurou por
tónia da Conceição Lobo. O seu pai, João Maria toda a vida. Foi neste período que Florbela es-
Espanca, era um Don Juan, que manteve com a creveu Trocando Olhares, um caderno-manus-
mãe de Florbela um relacionamento amoroso. crito que contém a pré-história da sua poesia. Foi
Este relacionamento extramatrimonial era co- uma fase de reflexão e crescimento enquanto ar-
nhecido pela esposa “oficial”, Mariana Inglesa, tista, discutindo as suas poesias e as de outras poe-
que não lhe podia dar filhos. Desta forma, Flor- tisas, principalmente em cartas trocadas com Jú-
bela foi criada passando meses com a mãe bio- lia Alves, Madame Carvalho e Raul Proença. Po-
lógica (que trabalhava como empregada na casa rém, vivendo em más condições financeiras, a dar
de seu pai) e outros com o pai e a madrasta. A aulas no Redondo, para sobreviver, Florbela e Al-
perfilhação só acontecerá em 1949, após a mor- berto Moutinho regressaram a Évora, em 1917,
te da poetisa e do seu irmão. Apesar desta si- para viver na casa do pai da poetisa. Florbela,
tuação, a relação de Florbela com o pai era de ex- como grande artista que era, desejou aprofundar
trema confiança e orgulho, tendo em conta que os seus estudos em Lisboa, na Faculdade de Le-
passa a assinar o nome Espanca, bem como “D’Al- tras; porém, matriculou-se em Direito. O marido
ma da Conceição Espanca” por, possivelmente, era contra, mas mesmo assim passaram alguns
influência e sugestão do seu pai. No final de ou- dias em casa de amigos e familiares. Com o re-
tubro de 1908, a família Espanca mudou-se de lacionamento desgastado, e encantada por Lis-
Vila Viçosa para Évora (cidade onde Florbela irá boa, Florbela decidiu ficar na capital e Alberto
encontrar suas primeiras paixões adolescentes, Moutinho foi trabalhar para o Algarve. Justamente
como um tal “José”, por quem se apaixona per- neste período, Florbela encontrou aquele que vi-
didamente), para que Florbela pudesse dar con- ria ser a sua paixão arrebatadora: o alferes de ar-
tinuidade aos seus estudos no liceu André de tilharia António Guimarães. Foi, igualmente, o
Gouveia (o mesmo edifício da antiga e atual Uni- período de maturação e preparação da obra Li-
versidade de Évora). Encontrou em Évora o seu vro de “Soror Saudade” (1923), na qual as te-
primeiro namorado e marido, casando-se pelo ci- máticas amorosas começavam a destacar-se,
vil a 8 de dezembro de 1913. Para tal foi preci- inspiradas por essa fase apaixonada. Florbela ale-
sa uma autorização judicial que atestava a sua gou aos pais descontentamento e desgaste na re-
emancipação; foi sua boda na Rua de Três, lação, pedindo a separação a Alberto Moutinho,
atualmente Rua Gomes Jardim, em Vila Viçosa. do qual se divorciou, oficialmente, a 30 de abril
Após seis anos de casamento, veio a público, de 1921. Em breve casará com António Guima-
FLO 306

rães, a 29 de junho de 1921, sendo necessária au- se declarava deprimida, excessivamente debili-
torização da hierarquia militar, passada em 30 de tada por uma doença de “nervos”, fumando em
maio de 1921. Contudo, tal relação depressa se demasia e emagrecendo sensivelmente. O amor
lhe tornou pesada, chegando Florbela a revelar profundo pelo irmão veio levantar, anos mais tar-
ao pai que deixou que tivessem a impressão de de, suspeitas de um possível incesto fraterno –
ser a sua vida repleta de felicidades mas que, no suspeitas facilmente difundidas –, tendo em con-
entanto, a vida com António Guimarães era um ta que a poetisa seria o antimodelo do feminino
“calvário”, tendo sofrido “brutalidades” e “gros- para a política salazarista e a Igreja. Não é por aca-
serias” por parte do segundo cônjuge. Nesta épo- so que o padre e crítico José Augusto Alegria pu-
ca, Florbela tinha a saúde extremamente fragili- blicou a obra A poetisa Florbela Espanca. O pro-
zada, não só pelos problemas conjugais, mas tam- cesso de uma causa, para negar a Florbela Es-
bém pela ocorrência do segundo aborto invo- panca e à sua obra qualquer ligação com a reli-
luntário, em 1923 (tivera um primeiro em 1918). gião. Na verdade, a obra florbeliana tende a ser
Foi nesse momento que conheceu o Dr. Mário lida como reflexo da sua vida, gerando e ali-
Lage, médico que a acompanhava no seu perío- mentando preconceitos. Por essa ordem de
do de convalescença. Após a recuperação, Flor- ideias, a poetisa representaria um símbolo con-
bela alegou aos familiares maus tratos, contudo trário aos “princípios cristãos”, já que nos seus
é António Guimarães quem entra com o pedido versos perpassaria uma extrema sinceridade
de divórcio contra Florbela, a 4 de abril de 1924, que literalmente “tresanda a bordel”. Lembremos
deferido a 23 de junho de 1925. Mário Lage as- que Florbela publicara, em vários jornais, Dom
sumiu, entretanto, o seu amor pela poetisa, o que Nuno (Vila Viçosa), Civilização e Primeiro de Ja-
escandalizou os mais conservadores, e casou com neiro (Porto), Notícias de Évora e A Voz Públi-
ela, pelo civil, a 15 de outubro de 1925. O casa- ca (Évora), mas que, certamente, foi no último ano
mento religioso realizou-se em 29 de outubro do de vida, em 1930, no Portugal Feminino (sua es-
mesmo ano, mudando-se o casal para Matosinhos. treia acontecera em março de 1930, no número
Mário Lage, apesar de ser um homem rico, não 2, com o conto “À margem dum soneto”) – jus-
financiou a publicação de Charneca em Flor; tal tamente na época do surgimento e fortalecimento
ficou a cargo de Guido Batelli, professor convi- de movimentos feministas – que Florbela trava-
dado da Universidade de Coimbra, que se inte- ra conhecimento com grandes mulheres inte-
ressara pelos seus versos. Porém, Batelli publi- lectuais de Portugal na altura, como, por exem-
cou os sonetos de forma incorreta, alterando pa- plo, Ana de Castro Osório, Elina Guimarães, Ma-
lavras e suprimindo considerações polémicas de ria Lamas, Branca de Gonta Colaço, Emília de
suas cartas com Florbela. Neste período (verão Sousa Costa, Fernanda de Castro, Tereza Leitão
de 1924, ou até ainda mais cedo), Florbela co- de Barros, Laura Chaves, Maria de Portugal. Foi
meçou a trabalhar como tradutora; ao todo, fo- justamente nesse mesmo ano, em 1930, que, qua-
ram dez traduções (de romances franceses que se ritualisticamente, no mesmo dia em que nas-
Agustina Bessa-Luís chamava “romances cor-de- cera e casara pela primeira vez, Florbela deixou
-rosa”) assinadas por Florbela, publicadas em o mundo. Mesmo antes da morte física, já de-
1926 e 1927. Justamente em 1927, ocorreu um fac- nunciara o seu estado inerte, escrevendo, a 2 de
to que abalou profundamente a poetisa: a mor- novembro de 1930, no seu Diário do Último Ano:
te súbita de Apeles Espanca. A tragédia arruinou- “e não haver gestos novos nem palavras novas!”.
-lhe a saúde e levou-a a começar a escrever uma Florbela foi encontrada morta no dia do seu ani-
obra narrativa (publicada postumamente), As versário, de 7 para 8 de dezembro de 1930, após
Máscaras do Destino – interrompendo assim uma ingerir uma quantidade não revelada de com-
outra obra narrativa, O dominó preto (publica- primidos contidos em dois frascos de veronal. Ou
da postumamente) – em homenagem ao irmão, seja, Florbela ter-se-á suicidado, provavelmente,
cuja morte esteve envolta em muitos mistérios. no momento em que completava 36 anos, ficando
Não se sabe ao certo o motivo da morte de Ape- a cargo de Guido Battelli a publicação das suas
les: suicídio, por causa da morte da noiva ama- obras póstumas, bem como da poesia esparsa, a
da; ou mero acidente de avião (Apeles era avia- que ele deu o nome de Reliquiae (1931) e Juve-
dor). O que se sabe é que o corpo nunca foi en- nília (1931). Vale salientar que é apenas na dé-
contrado, apenas os restos do avião, em frente à cada de 1980, depois da publicação das Obras
Torre de Belém, em Lisboa. A própria Florbela Completas de Florbela Espanca, um tanto mal
307 FLO

preparadas pelo empresário português Rui Gue- Máscaras do Destino [introdução e biografia por Fabio
des, mas com um sério estudo introdutório do Mario da Silva], São Paulo, Martin Claret, 2009; Obras
de Florbela Espanca – Obra Poética, Vol. I [introdução
Professor José Carlos Seabra Pereira, que a obra e organização de José Carlos Seabra Pereira], Lisboa, Pre-
florbeliana viria a ser retomada. Foi, no entanto, sença, 2009; Obras de Florbela Espanca – Obra Poética,
mais valorizada pela crítica brasileira, que atra- Vol. II [introdução e organização de José Carlos Seabra
vés dos trabalhos pioneiros de Zina Bellodi e Re- Pereira], Lisboa, Presença, 2010; Obras de Florbela Es-
nata Junqueira, bem como todo o empenho de re- panca – Contos, Vol. III [introdução e organização de José
Carlos Seabra Pereira], Lisboa, Presença, 2011; O Dominó
constituição de sua obra pela Professora Maria Preto [introdução e biografia por Fabio Mario da Silva],
Lúcia Dal Farra, vieram dar à poetisa um trata- São Paulo, Martin Claret, 2010; Sonetos – Florbela Es-
mento rigoroso e adequado, deixando assim uma panca [introdução de Maria da Graça Orge Martins], Bra-
zona de “invisibilidade académica”, que, insis- ga, Biblioteca Ulisseia de autores Portugueses, s.a.;
Sempre Tua (Correspondência amorosa) [org. Maria Lú-
tentemente, tanto perdurara em Portugal. cia Dal Farra], Iluminuras, São Paulo, 2012; Obras
Da autora: Livro de Mágoas, Lisboa, Tipografia Maurício, Completas de Florbela Espanca, Livro de Mágoas [org.,
1919; Livro de “Sóror Saudade”, Lisboa, Tipografia A fixação crítica dos textos e notas de Cláudia Pazos Alon-
Americana, 1923; Cartas de Florbela Espanca (a Dona Jú- so e Fabio Mario da Silva, estudos introdutórios de Fa-
lia Alves e a Guido Battelli), Coimbra, Livraria Gonçal- bio Mario da Silva, Eliana Barros, Ana Luísa Vilela], Vol.
ves, 1931; Charneca em Flor, Coimbra, Livraria Gonçalves, 1, Lisboa, Editorial Estampa, 2012.
1931; Charneca em Flor (com 28 sonetos inéditos), 2.a ed., Bib.: Agustina Bessa-Luís, Florbela Espanca, a vida e a
Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931; Juvenília [prefácio de Obra [2.a edição publicada com o título Florbela Espan-
Guido Battelli], Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931; As ca], Lisboa, Arcádia, 1979, Guimarães, 1984; Ana Luísa
Máscaras do Destino. Contos, 1.a ed., Porto, Marânus, Vilela, “ ‘Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida’ – Ero-
1931; Cartas de Florbela Espanca (A Dona Júlia Alves tismo e mística de Sóror Florbela”, A Planície e o Abis-
e a Guido Battelli), Coimbra, Livraria Gonçalves, 1931; mo (Atas do Congresso sobre Florbela Espanca realiza-
Cartas de Florbela Espanca [prefácio de Azinhal Abelho do na Universidade de Évora, de 7 a 9 de dezembro de
e José Emídio Amaro], Lisboa, edição dos autores, 1994), Évora, Vega, 1997, pp. 119-26; Idem, “À flor das
1949; Diário do Último Ano [prefácio de Natália Correia], ondas, num lençol d’espumas!”: a dor aquática e cre-
Lisboa, Bertrand, 1981; O Dominó Preto. Contos [prefá- puscular no Livro de Mágoas”, Florbela Espanca, Livro
cio de Yvette K. Centeno], Lisboa, Bertrand, 1982; As Más- de Mágoas (Obras Completas de Florbela Espanca) [org.,
caras do Destino, 4.a ed. [prefácio de Agustina Bessa- fixação crítica dos textos e notas de Cláudia Pazos
-Luís], Amadora, Bertrand Editora, 1982; Obras Completas Alonso e Fabio Mario da Silva], Vol. 1, Lisboa, Editorial
de Florbela Espanca. Cartas (1923-1930) [recolha, leitura Estampa, 2012, pp. 41-54; Anna Klobucka, O Formato Mu-
e notas por Rui Guedes], Vol. VI, Lisboa, Dom Quixote, lher: A Emergência da Autoria Feminina na Poesia Por-
1986; Obras Completas de Florbela Espanca. Cartas tuguesa, Coimbra, Angelus Novos, 2009; António Cândido
(1906-1922) [recolha, leitura e notas por Rui Guedes], Vol. Franco, “Saudade e saudosismo em Florbela Espanca (ele-
VI, Lisboa, Dom Quixote, 1986; Obras Completas de Flor- mentos textuais do diálogo entre Durão e Florbela)”, A
bela Espanca. Contos [prefácio de José Carlos Seabra Pe- Planície e o Abismo (Atas do Congresso sobre Florbela
reira], Vol. III, Lisboa, Dom Quixote, 1987; Obras Com- Espanca realizado na Universidade de Évora, de 7 a 9 de
pletas de Florbela Espanca. Contos e Diário [prefácio de dezembro de 1994), Évora, Vega, 1997, pp. 55-66; Beatriz
José Carlos Seabra Pereira], Vol. IV, 2.a ed., Lisboa, Dom Weigert, “Os textos de Florbela em Portugal Feminino”:
Quixote, 1987; Obras Completas de Florbela Espanca. Derradeiras Publicações em Vida da Escritora”, A Planí-
Poesia (1903-1917) [prefácio de José Carlos Seabra Pe- cie e o Abismo (Atas do Congresso sobre Florbela Espanca
reira], Vol. I, 4.a ed., Lisboa, Dom Quixote, 1992a; Obras realizado na Universidade de Évora, de 7 a 9 de dezem-
Completas de Florbela Espanca. Poesia (1918-1930) [pre- bro de 1994), Évora, Vega, 1997, pp. 177-181; Cláudia Pa-
fácio de José Carlos Seabra Pereira], Vol. II, 4.a ed., Lis- zos Alonso, Imagens do Eu na poesia de Florbela Espanca,
boa, Dom Quixote, 1992b; Florbela Espanca Trocando Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1997; Clêu-
Olhares [organização, notas e estudos de Maria Lúcia Dal ma Carvalho de Magalhães, A Obra de Florbela Espan-
Farra], Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994; ca na Perspectiva da Estética da Recepção, São Paulo, Blu-
Poemas de Florbela Espanca [estudos introdutórios e no- cher, 2010; Concepción D. Corral, “Florbela Espanca – Asa
tas de Maria Lúcia Dal Farra], São Paulo, Martins Fon- no Ar Erva no Chão, Porto, Tartaruga, 2005; Chris Gerry,
tes, 1996; Florbela Espanca [organização e introdução de “Figurative resonances between the translation work and
Maria Lúcia Dal Farra], Rio de Janeiro, Agir, 1996; Flor- short story writing of Florbela Espanca”, Revista de Le-
bela Espanca, Afinado Desconcerto (contos, cartas, tras, UTAD, Vila Real, 2011; Idem, “Biographical reso-
diário) [organização, notas e estudos introdutórios de Ma- nances in the translation work of Florbela Espanca”, Bri-
ria Lúcia Dal Farra], São Paulo, Iluminuras, 2002; Flor- gid Maher e Rita Wilson (eds.), Words, Sounds and Ima-
bela Espanca, À margem dum soneto. O resto é perfu- ges in Translation Words, London, Continuum Publishing
me [seleção e estudos de Maria Lúcia Dal Farra], Rio de Corporation, 2011, 240; Eliana Luiza dos Santos Barros,
Janeiro, 7 Letras, 2007; Perdidamente: correspondência “Luto e melancolia: dimensões do Livro de Mágoa”, Flor-
amorosa 1920/1925 – Florbela Espanca [fixação do tex- bela Espanca, Livro de Mágoas (Obras Completas de Flor-
to, organização, apresentação e notas Maria Lúcia Dal Far- bela Espanca) [org., fixação crítica dos textos e notas de
ra, prefácio de Inês Pedrosa], Vila Nova de Gaia, Quasi, Cláudia Pazos Alonso e Fabio Mario da Silva], Vol. 1, Lis-
2008; Trocando Olhares [introdução e biografia por Fa- boa, Editorial Estampa, 2012, pp. 29-40; Fabio Mario da
bio Mario da Silva], São Paulo, Martin Claret, 2009; As Silva, Da metacrítica à psicanálise: a angústia do “eu”
FLO 308

lírico na poesia de Florbela Espanca, João Pessoa, Ideia, Lucinda do Carmo, Cinira Polónio & Ciríaco Car-
“Estudos introdutórios: A construção de uma autorida- doso, que explorava o Teatro da Avenida, onde
de poética através das sensações e expressões da Dor no
Livro de Mágoas”, Florbela Espanca, Livro de Mágoas representou, ao lado daquelas atrizes, O Burro
(Obras Completas de Florbela Espanca) [org., fixação crí- do Sr. Alcaide, ópera cómica em 3 atos, de Ger-
tica dos textos e notas de Cláudia Pazos Alonso e Fabio vásio Lobato e D. João da Câmara, música de Ci-
Mario da Silva], Vol. 1, Lisboa, Editorial Estampa, 2012, ríaco Cardoso; O Meia Azul (1891), ópera cómica
pp. 17-28; Guido Battelli Barros, “O Alentejo na Poesia
de Florbela”, A Cidade de Évora, N.o 25-26, Évora, Câmara
de E. Dubreuil, E. Humbert e P. Burani, tradu-
Municipal de Évora, 1951, pp. 289-298; Helena C. Bues- ção de Acácio Antunes, música de F. Bernicat;
cu, “What’s in a name? (Nome, descrição, auto-repre- e fez o papel de “Catarina”, em O Direito Feu-
sentação em Florbela Espanca)”, A Planície e o Abismo dal, de Busini e Boucheron, traduzida em pro-
(Atas do Congresso sobre Florbela Espanca realizado na sa e verso por Acácio Antunes, música de Léon
Universidade de Évora, de 7 a 9 de dezembro de 1994),
Évora, Vega, 1997, pp. 99-107; José Carlos Seabra Perei- Vasseur. Foi em digressão ao Brasil e lá morreu
ra, “Perspectivas do feminino na literatura neo-romântica”, de febre-amarela.
Separata de A Mulher na Sociedade Portuguesa, Atas do
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Colóquio, 20 a 22 março de 1985, Coimbra, 1986, pp. 5-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1132;
17; Idem, “Prefácio, A águia e o milhafre (derrota passional
“Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 27/03/1956, p. 4.
e malogro do EU absoluto na prosa literária de Florbela
[I. S. A.]
Espanca: dos contos ao diário)”, Florbela Espanca, Obras
Completas de Florbela Espanca, Vol. III, Lisboa, Dom Qui-
xote, 1987, pp. III-XXXV; José Régio, “Prefácio a Florbe- Flormina Rosa Martins Capela
la Espanca”, Florbela Espanca, Sonetos, Lisboa, Bertrand, Nasceu no dia 29 de julho de 1901 na aldeia de
1994, pp. 11-30; M. Lúcia Dal Farra, “Florbela: um caso Carvalheira, concelho de Terras de Bouro, no seio
feminino e poético”, A Planície e o Abismo (Atas do Con-
gresso sobre Florbela Espanca realizado na Universida- de uma família rural tradicional (Casa de Sil-
de de Évora, de 7 a 9 de dezembro de 1994), Évora, Vega, vestre) e passou toda a vida adulta na Casa da Ven-
1997, pp. 145-161; Idem, “A condição feminina na obra da de Covide, onde faleceu a 19 de novembro de
de Florbela Espanca”, A Cidade de Évora, n.o 69-70, Évo- 1992, a engendrar vidas e a sustentar a chama do
ra, Câmara Municipal de Évora, 1986-1987, pp. 51-61;
Idem, “O amor na poesia de Florbela Espanca”, J. Ro- lar. Foi a filha mais nova de Alexandre Silvestre
drigues de Paiva (org.), Estudos sobre Florbela Espanca, Martins Capela e Maria Angelina Pires de Car-
Recife, Associação de Estudos Portugueses Jordão Eme- valho, lavradores herdeiros da casa agrícola
renciano, 1995, pp. 39-51; Maria Judite Lourenço Peres- Casa de Silvestre. Flormina Rosa surgiu num am-
trelo, O desenho da adjectivação nos sonetos de Florbe-
la Espanca, Dissertação de Mestrado, Funchal, Univer-
biente familiar muito amplo e gerador de homens
sidade da Madeira, 2004; Renata Soares Junqueira, “O Em- com algum destaque social. Citemos o bisavô pa-
basamento arquetípico da Literatura Florbeliana: Uma terno, António José Martins Capela, alferes do Re-
Análise da Poesia de Florbela Espanca à Luz da Psicologia gimento de Milícias de Ponte da Barca, porta-
Analítica Jungueana”, Estudos Portugueses e Africanos, -bandeira e rijo combatente no período das In-
n.o 7, São Paulo, UNICAMP, 1986, pp. 159-169; Idem, “O
arquétipo do herói na poesia de Florbela”, Florbela Es- vasões Francesas [Pinho Leal, Vol. II, p. 431]; o
panca: Uma estética da teatralidade, São Paulo, UNESP, tio-avô materno, juiz desembargador Manuel José
2003; Rodrigo da C. Araújo, “Marcas do Decadentismo na Dias Salgado e Carneiro (1832?-1911), presidente
poética florbeliana”, Ilda Alves (org.), Um corpo inenar- da Relação do Porto em 1909-1910; o tio-avô ma-
rável e outras vozes. Estudos de poesia portuguesa mo-
derna e contemporânea, Niterói-RJ, EdUFF, 2010, V. 1, terno, juiz António Manuel Dias Salgado e Car-
pp. 241-254; Suilei Monteiro Giavara, A poética dos es- neiro; o tio paterno, padre Manuel José Martins
petáculos: uma análise dos procedimentos dramáticos nos Capela (1842-1925), distinto latinista (epigrafia
sonetos de Florbela Espanca, Dissertação de Mestrado, miliária), divulgador da filosofia tomista, jorna-
Araraquara, UNESP, 2007. Para maiores informações e
atualizações da bibliografia passiva e ativa da autora con-
lista católico, professor dos liceus de Braga e Via-
sultar: http://www.florbelaespanca.uevora.pt/?page_id=46. na do Castelo e elemento ativo dos Centros Na-
[F. M. S.] cionais e do Partido Nacionalista (1901-1910); o
tio paterno José Manuel, professor primário; e al-
Florentina Rodrigues guns mais ligados à vida sacerdotal e ao apos-
Atriz. Faleceu em 1894, no Brasil. Integrou o tolado social, como foi o caso de duas tias pa-
elenco da companhia espanhola que, em 1881, ternas, religiosas Hospitaleiras de Calais. O pai
deu um grande espetáculo no Coliseu de Lisboa, de Flormina Rosa pertenceu ao julgado de paz de
cantando a zarzuela Cadis. Fixou-se em Lisboa Chamoim – Terras de Bouro. Foram os trabalhos
e fez parte das companhias dos Teatros Alegria domésticos e este contexto familiar que estru-
e Príncipe Real. Pertenceu, depois, à Sociedade turaram a personalidade dócil de Flormina
309 FLO

Rosa: herdou a bonomia do pai e não o lado exu- de 1891(?). Em 1922, estava a Casa da Venda en-
berante da mãe. Ambiente de rigor e de fortes tregue à viúva Maria Rosa da Silva, que a admi-
crenças monárquico-católicas, onde se aliava a nistrava com o filho adotivo, futuro marido de
agricultura de subsistência à defesa da Igreja e do Flormina Rosa, caseiros e alguns criados fiéis.
Estado, e as mulheres se preocupavam com o lar Após o casamento de Flormina Rosa e João, a Casa
e o altar e os homens com o sustento da casa e da Venda continuou a ser governada por Maria
o desempenho de funções sociais. Deus, Pátria Rosa da Silva. Flormina Rosa, moldada no espírito
e Família eram conjugados com fervor místico. cristão de mortificação e de dádiva, de reserva e
Foi neste ambiente de grandes tutelas e de in- de paciência, ficou na obscuridade do lar a des-
quebráveis vínculos que decorreu a formação in- fiar o seu rosário de doze contas: Maria do Céu
telectual de Flormina Rosa. Porque era a mais (1923), João Evangelista (1925), Alexandre Ade-
nova dos irmãos (Silvestre Epifânio, Maria Cus- lino (1926), António José (1928), Adelaide de Je-
tódia, Luís Gonzaga, Adelaide de Jesus e Manuel sus (1930), Laudelina (1932), Júlia da Piedade
António), não teve oportunidade, antes da im- (1934), Inês dos Anjos (1936), Florentino José
plantação da República em 1910, de fazer estu- (1938), Maria Celeste (1941), Rosa Marinha
dos em Braga, como aqueles, sob a proteção do (1943) e Ana dos Prazeres (1946). Foram doze fi-
tio paterno padre Manuel José Martins Capela. lhos, tantos quantos teve a avó paterna, que criou
Aprendeu as primeiras letras no ambiente do- e viu crescer até à sua plena emancipação e au-
méstico e paroquial. No dia 15 de dezembro de tonomia. Com a colaboração de algumas criadas
1922, Flormina Rosa casou com João Pires de Car- permanentes e residentes, Flormina Rosa en-
valho (1897-1965), filho de Alexandre Adelino carnou bem o espírito tridentino de mulher, es-
Pereira e de Bernardina Pires, solteiros, criados posa, mãe e dona do seu lar. Devido ao cresci-
da Casa da Venda de Covide, no concelho de Ter- mento da família, o edifício da Casa da Venda foi
ras de Bouro. Como os senhores desta casa agrí- ampliado nos anos 1940, por ocasião da Segun-
cola, João Pires Fernandes de Carvalho e Maria da Guerra Mundial. Por detrás desta agitada vida
Rosa da Silva (1859?-1958), ele tio materno e am- afirmava-se Flormina Rosa como o discreto co-
bos padrinhos de batismo de Flormina Rosa, não ração da própria casa. Era na obscuridade do lar
tivessem filhos, adotaram, criaram e educaram que se tecia toda a vida da família: o privado dos
João Pires de Carvalho. Casamento de conve- afetos e das vivências, a assistência social, o apro-
niência? Julgamos que os imperativos sociais e visionamento dos bens e a educação e formação
familiares foram determinantes na escolha do ma- dos filhos. A Casa da Venda, fazendo jus à sua
rido. Tudo indica que se esperava desse casa- tradição, foi uma casa de acolhimento, uma al-
mento uma nova vida para a Casa da Venda de bergaria de sentido cristão. Em novembro de 1936,
Covide, uma casa de padres e de influentes lo- o padre António de Sousa Monteiro foi paroquiar
cais que caiu abruptamente com a implantação a freguesia de Covide e, não oferecendo a resi-
da República. De facto, a partir de 1911 a Casa dência paroquial as condições de habitabilida-
da Venda viu desaparecer a quase totalidade dos de exigidas, instalou-se naquela Casa. Aí per-
seus membros: padre Alexandre Adelino Pires maneceu o tempo necessário até que se pensas-
Fernandes de Carvalho (1855-1911), arcipreste se numa solução. Com o sentido de preservação
de Amares, pároco de Taboadelo – Guimarães, e do seu lar, Flormina Rosa envolveu-se na criação
nacionalista católico (1901-1910); padre Manuel de condições de habitação para o pároco. Ini-
José Pires Fernandes de Carvalho (1865-1911), cialmente, tentaram construir uma dependência
abade de Prozelo – Amares; padre António João anexa à Casa da Venda, mas tal não veio a con-
Pires Fernandes de Carvalho (1867?-1912); João cretizar-se. Já em 1957, com a colaboração do pró-
Pires Fernandes de Carvalho, proprietário da Casa prio pároco António Monteiro, dinamizou-se a
da Venda, professor primário, deputado paroquial freguesia para a construção de nova residência
e municipal no período final da Monarquia, in- paroquial. João Pires de Carvalho, marido de Flor-
fluente local, nacionalista católico (1901-1910), mina Rosa, com os caseiros e criados [Amaro Sil-
foragido na Galiza por ter sido referenciado como va, 20/07/2001], foi o elemento mais interveniente
conspirador contra a República devido à cober- nessa tarefa, de que nada resultou, pois, cons-
tura dada a uma passagem de armas para as mi- truída a nova residência paroquial, o pároco con-
lícias monárquicas; Marinha Pires de Carvalho tinuou a viver na Casa da Venda até à sua com-
(1831-1911), senhora da Casa da Venda, viúva des- pleta senilidade e abandono de funções. Mas não
FLO 310

era só o pároco que estava em causa, era também uma das filhas. A educação que Flormina Rosa
todo um conjunto de serviços que se prestavam recebeu foi aquela que transmitiu às filhas: a afir-
em torno do pároco, como se de uma residência mação da mulher no lar com o máximo de saber
paroquial se tratasse. Por altura das festas (um dia) e especialização nas tarefas domésticas. Não tra-
da aldeia – Santa Eufémia ou Calvário, Santo An- balhando na agricultura, apesar de não dis-
tónio, Almas e Sr.a de Fátima –, de tríduos (três pensar a sua horta no final do dia, Flormina
dias) e missões (oito dias), pregadores e padres Rosa foi exímia nas mais diversas artes da vida
do serviço religioso instalavam-se na Casa da Ven- doméstica: ótima cozinheira, mestra na tece-
da. O arcebispo de Braga (1932-1963) D. Antó- lagem e na fiação, muito competente em tricô,
nio Bento Martins Júnior também se hospedou pessoa paciente e discreta na arte de bem re-
nela por ocasião de uma visita pastoral. Foram ceber e mulher de fortes convicções religiosas.
cerca de 35 anos que Flormina Rosa suportou com Raramente usufruiu de passatempos ou mo-
resignação cristã o serviço paroquial de Covide. mentos de lazer. Para tratamento dos seus acha-
Os bens de sustentação do pároco, sobretudo pro- ques de fígado e descanso, frequentou alguns
dutos agrícolas, entregues pelos paroquianos na anos as termas do Gerês e de Caldelas. No per-
Casa da Venda, nunca foram suficientes para com- curso da quase totalidade do século XX, Flor-
pensarem tantos trabalhos, incómodos, despesas mina Rosa foi a encarnação do espírito cristão
e interferências na vida familiar. No ano letivo resignado, a face visível de uma vida plena de
de 1960/61 a professora primária de Covide, Ma- dádiva.
ria Virgínia Cardoso Dias Pinheiro e Silva, tam- Fontes: Entrevistas a Maria do Céu Pires de Carvalho
bém lá esteve hospedada. Encontravam acolhi- (n. 1923), filha mais velha da biografada, e Manuel Ro-
mento temporário na Casa da Venda diversos ser- drigues da Silva (n. 1920), genro da biografada, em Co-
viçais, almocreves e vendedores ambulantes: ca- vide – Terras de Bouro, no dia 10/02/2003; Papéis dis-
pador, vendedor de sardinhas, vendedora de azei- persos do arquivo da Casa da Venda – Covide – Terras
de Bouro.
te, etc. As colunas volantes da GNR, dois ou três Bib.: Amaro Carvalho da Silva, “A Casa de Silvestre”,
elementos, tinham o hábito de passar pela Casa Geresão – Gerês, n.o 45, 20/12/1994, pp. 20 e 23; Idem,
para que o padre lhes assinasse um documento “Notas soltas so-bre o Passal de Covide”, Geresão – Ge-
comprovativo da sua passagem pela aldeia. rês, n.o 118, 20/07/2001, p. 13; Manuel José Martins Ca-
Normalmente, e dados alguns hábitos de abole- pela, Diário [manuscrito inédito], Arquivo da Revista
Brotéria, Lisboa; Pinho Leal, “Covide”, Portugal Anti-
tamento de tropas, faziam-se convidados para go e Moderno, Vol. II, 1873-1890, p. 431.
uma boa e necessária refeição. Não raramente, [A. C. S.]
anos seguidos, familiares e amigos ficavam hos-
pedados em período de férias. Pobres e pedintes Florinda Bela
diariamente batiam à porta da “Senhora Rosinha”. Militante do Partido Socialista Português, diri-
Sempre com uma palavra de compreensão e pa- gente da Associação de Classe das Costureiras e
ciência infinita a todos atendia. Era o verdadei- Ajuntadeiras e uma das quatro mulheres que par-
ro espírito caritativo que nunca recusava auxi- ticiparam no Congresso Socialista Anticlerical de
liar o mais necessitado. Na pessoa de Flormina 1895, na função de secretária. Era ativista na de-
Rosa, durante décadas e em período de grandes fesa, propagação e reivindicação da igualdade no
privações e sacrifícios, a Casa da Venda foi uma trabalho entre homens e mulheres. Em 1897, es-
instituição de assistência social. Compreende- tava presa quando se realizou o Congresso da Fe-
se este fenómeno assistencial por se tratar de co- deração das Associações de Classe (socialista). Fa-
munidades rurais isoladas e entregues à sua sor- leceu em novembro de 1904.
te. A estrada em macadame só chegou a Covide
Bib.: Joaquim Palminha da Silva, Dicionário do Movi-
em 1947. Com uma casa plena de vida, Flormi- mento Socialista Português, Lisboa, Fundação José
na Rosa e as jovens filhas estabeleceram um sis- Fontana, 1989, p. 30.
tema de trabalho feminino para a gestão e ad- [I. S. A.]
ministração do lar: uma semana rotativa na co-
zinha e o encargo, cumulativo, de cada uma das Florinda Benevenuto Toledo
filhas tratar das roupas de um dos homens da casa Conhecida por “atriz Florinda”, foi notável na pri-
(lavar, remendar, fazer meias e camisolas, tecer meira metade do século XIX. Nasceu em Lisboa,
e tratar das roupas de cama). Este sistema vigo- por volta de 1815. Entre 1831 e 1833 pertencia à
rou até à saída da casa, por casamento, de cada companhia do Teatro do Salitre, ao lado de Del-
311 FLO

fina Espírito Santo*, Carlota Talassi* e Ludovina*. Florinda Toledo


Representou em teatros particulares e, em 1837, v. Florinda Benevenuto Toledo
entrou para o então Teatro Nacional da Rua dos
Condes, onde trabalhavam Catarina* e Carlota Ta- Fortunata Levy
lassi, Josefa de Mesquita*, o célebre ator Epifânio Atriz. De família judaica, filha de Salom Levy, nas-
e Émile Doux, que tinha chegado a Portugal, em ceu em 1821 ou 1822, em França. Cursou o Con-
1834, integrado na companhia francesa de servatório, recebendo o primeiro prémio de de-
Mr. Paul e Mme. Charton. Almeida Garrett con- clamação em 1844. Iniciou a carreira artística no
vidou Émile Doux a ficar no Teatro da Rua dos Teatro da Rua dos Condes, em 1845, com A Rai-
Condes como ensaiador, com o fim específico nha e a Aventureira, drama em 5 atos de António
de ensinar aos atores a nova maneira de dizer Augusto Correia de Lacerda. Em 1846, foi escolhida
e de se comportar em palco. Em 1835, Doux pas- para integrar o elenco do novo Teatro D. Maria II,
sou a diretor do teatro e, sob a sua orientação, classificada em “dama central”, pelo júri composto
Florinda entrou nas peças Luvas Amarelas por membros do Conservatório e António Feliciano
(1837), comédia em 1 ato, imitação de original de Castilho, Mendes Leal, Rodrigo de Lima Felner
francês por Luís José Baiardo, em que foi ex- e Luís Augusto Rebelo da Silva, este na qualida-
celente, segundo a crítica teatral, e Família do de de fiscal do Governo junto do teatro. Participou
Boticário. Um dos últimos papéis que repre- nas peças do repertório e teve um papel importante
em Luísa Bernard (1846), drama em 5 atos de Ale-
sentou foi “avó Teresa” em Gaiato de Lisboa
xandre Dumas, ao lado dos maiores atores e atri-
(1838), comédia em 2 atos de Bayard, traduzi-
zes do tempo. Divergências com a direção da So-
da por João Baptista Ferreira. O seu retrato cons-
ciedade Artística, constituída pelos atores Epifâ-
tava da galeria de artistas do foyer da Comédie nio, Sargedas, Lisboa e Teodorico, levaram-na a de-
Française. Foi muito conhecida por ter obriga- mitir-se e foi, em novembro de 1846, para o novo
do o padre José Manuel de Abreu Lima, que ti- Teatro do Ginásio, então denominado Teatro Na-
nha por hábito ofender atores famosos, a negar cional Lisbonense, dirigido por João José da Mota,
as injúrias que disse sobre ela e a pedir perdão. levando a sua corte de admiradores. Integrou o es-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- petáculo de estreia, o melodrama Os Fabricantes
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1302; de Moeda Falsa, de César Perini de Lucca, professor
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, no Conservatório. Ali fez benefício com as peças
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 190-191;
O Médico dos Senhores e Ser Amado ou Morrer.
Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, A 29 de outubro de 1849 inaugurava-se o Real Tea-
heráldico, numismático e artístico, Vol. VII, Lisboa, João tro D. Fernando, na Rua de Santa Justa, em Lisboa,
Romano Torres & Ca. Editores, 1915, pp. 155-156; O En- e Émile Doux, o empresário e diretor artístico, con-
tre-Acto, n.o 3, p. 15, e n.o 4, p. 1, 1837. tratou-a. A peça escolhida para a estreia foi Adria-
[I. S. A.] na Lecouvreur, drama em 5 atos de Eugène Scri-
be e Ernest Legouvé, música de Francesco Cilea,
Florinda da Costa Bastos em tradução de Zaluar, protagonizada por Emília
Filha de José Álvares de Oliveira Bastos (1826- das Neves*, a que Almeida Garrett assistiu. Ao fim
-1903) e de Maria Teresa da Costa (f. 18/07/1931), de sete meses, a empresa faliu e os artistas dis-
nasceu em Fafe, Quinchães, a 6 de agosto de 1880 persaram-se. Fortunata Levy foi de novo para o Tea-
e faleceu a 13 de junho de 1966, em Arões, com tro do Ginásio, onde agradou, mas ficou pouco tem-
85 anos de idade. Com 19 anos, a 4 de abril de po, preferindo entrar para a companhia formada
1900, casou em Santa Eulália com António Pe- por Emília das Neves, que atuava, então, no Tea-
reira de Castro (24/11/1887-05/02/1961) e o nome tro de S. João, no Porto (1851). Em 1858, estava no
Florinda da Costa consta da listagem de sócias Teatro D. Maria II, onde representou Escala Social,
da delegação do Porto da Associação Feminina de Mendes Leal. Segundo Gustavo de Matos Se-
Portuguesa para a Paz*, apresentando residên- queira, foi o ídolo amoroso de alguns românti-
cia em Fafe. cos do seu tempo. Percorreu as províncias e re-
tirou-se de cena bastante cedo. Faleceu com mais
Bib.: Lúcia Serralheiro, Mulheres em Grupo contra a Cor-
rente [Associação Feminina Portuguesa para a Paz
de 90 anos, deixando um filho e uma filha.
(1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011. Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
[J. E.] tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 192;
FRA 312

Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, Decadência sa e Brasileira, Vol. IV, Lisboa, Rio de Janeiro, Editorial
do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Romano Torres & Enciclopédica Lda., s.a., p. 533; O Grande Livro dos Por-
Ca., 1922, pp. 150 e 159; Gustavo de Matos Sequeira, O tugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1990, p. 90; Luís
Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais Silveira Botelho, A Mulher na Toponímia de Lisboa, Lis-
da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, pp. 306, 308 e 314; boa, Câmara Municipal de Lisboa, 1998, p. 71.
João Pinto de Carvalho, Lisboa de Outros Tempos, Lis- [J. P. C.]
boa, Liv. António Maria Pereira, Editor, 1898, pp. 166-
-167; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Tea-
tro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 232; O Mun-
Francisca Adelaide de Melo
do Elegante, Porto, 24/11/1858, p. 24. Atriz do Teatro do Salitre, entre 1831 e 1835,
[I. S. A.] quando ali pontificavam Delfina Espírito San-
to*, Carlota Talassi* e Ludovina*.
Francine Benoit [I. S. A.]
v. Francine Germaine van Gool Benoit
Francisca de Assis Martins Wood
Francine Germaine van Gool Benoit Desconhece-se, até à data, as circunstâncias de re-
Compositora e musicóloga, nasceu a 30 de julho gresso a Portugal, após 35 anos vividos em In-
de 1894, em Périgueux, França, e morreu em Lis- glaterra [William Wood, “To Theodore Stanton of
boa, em 27 de janeiro de 1990. Residente em Por- the Revolution, New York”, A Voz Feminina, n.o
tugal desde 1906, adquiriu a nacionalidade 73, 06/06/1869, p. 4], da portuguesa Francisca
portuguesa em 1929, tendo estudado no Con- Martins, casada com o inglês William Thorold
servatório de Lisboa, onde concluiu os cursos de Wood. Mas sabe-se que tinha, no nosso país, um
Piano e Composição, sendo aluna de Rey Cola- sobrinho, Clarimundo Martins, a quem dedicou
ço, e que mais tarde aperfeiçoou na Schola Can- uma novela inserida na sua publicação periódi-
torum de Paris, onde foi discípula de Vincent ca. E também se sabe da existência de um irmão
d’Indy (1917-1918). Professora de Música des- do marido nas Ilhas Britânicas. Inocêncio da Sil-
de 1920, esteve à frente da Academia dos Ama- va, um dos raros a traçar-lhe a biografia, afirmou
dores de Música. Foi professora, ensaísta, pu- ser ela natural de Lisboa e ter recebido o batismo
blicista e crítica musical, merecendo destaque em Santos-o-Velho [“D. Francisca de Assis Mar-
as suas colaborações no Diário de Lisboa, A Ba- tins Wood”, Inocêncio F. da Silva, Dicionário Bi-
talha, Seara Nova, Ilustração, Informação, Vér- bliográfico Português, Vol. 9 (2.o Suplemento, C-
tice, A Capital, Expresso e Gazeta Musical. Me- G), p. 240]. E acrescenta ter adquirido “conheci-
receu-lhe particular interesse a educação musical mentos que entre nós não são vulgares no seu
para a infância, escrevendo durante muito tem- sexo” [Idem, ibidem]. É do domínio público que
po sobre pedagogia infantil na revista Os Nos- esta senhora foi instigada por diversas pessoas a
sos Filhos. Compôs melodias para poemas de au- investir num jornal “empenhado no desenvolvi-
tores portugueses, pequenas peças infantis para mento social e intelectual da mulher” [William
piano e uma sonata para violino e piano além de Wood, loc. cit., p. 4], nele colaborando. Assim terá
outras obras. Editou Dos Acordes na Arte e na surgido A Voz Feminina (janeiro de 1868-1869),
Escola, conferência realizada na Emissora Na- de que foi redatora, e logo em seguida, na conti-
cional em 17, 18 e 20 de janeiro de 1936; A For- nuação do primeiro, O Progresso (julho a de-
miga e a Cigarra, opereta em um ato, em 1926, zembro de 1869), este mais da responsabilidade
em colaboração com Adolfo Lima, César Porto do consorte, onde, no entanto, muito ela também
e Eduardo Antunes Martinho; Três canções escreveu. Através da leitura destas duas revistas,
tristes, música para canto e piano, em colabo- onde publicou textos de diversos géneros – pe-
ração com António Nobre, António Sardinha e quenos ensaios, comentários, literatura epistolar
Amato Lusitano; Cantares de Cá: à Georgina Ne- – temos acesso ao seu pensamento sobre diver-
mésio, música, Valentim de Carvalho, 1930; O sas questões de interesse nacional e internacio-
génio artístico e suas manifestações, conferên- nal. Sabemos além disso que escreveu um ro-
cia realizada em Lisboa, a 1 de maio de 1925. mance, Maria Severn, primeiramente vindo a lume
Tem uma rua com o seu nome, na freguesia do na sua revista e, segundo Inocêncio da Silva, em
Lumiar, em Lisboa, edital da Câmara Municipal volume independente em data ulterior. Na sua fo-
de Lisboa de 12 de março de 1991. lha, Francisca Wood traduziu para português uma
Bib.: Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube, Al- série de contos de Grimm, trabalho que inspirou
fragide, Ediclube, s.a.; Grande Enciclopédia Portugue- durante todo o século XIX a atividade de muitos
313 FRA

intelectuais estrangeiros e portugueses, sendo en- grafes, tão simples e eloquentes, contradiziam, só
tre nós notórios os nomes de Adolfo Coelho, Lei- por si, a ideia de que a mulher era acéfala, e que
te de Vasconcelos e Consiglieri Pedroso, entre ou- esta situação devia ser perpetuada per omnia sae-
tros. Estas escassas informações biográficas sobre cula saeculorum. Confirmam-no as ideias dos
Francisca Wood só poderão ser, por ora, com- Wood divulgadas através da imprensa, podendo-
pletadas em termos de compreensão da sua per- -se constatar que, nos finais da década de 1860,
sonalidade e ideário através da leitura atenta de mais concretamente em 1868-1869, eles divul-
muitos textos por ela publicados nos referidos pe- garam entre o público leitor um vasto conjunto
riódicos, os quais denunciam diversos atributos de textos de dimensões e géneros diferentes, que
pessoais e intelectuais desta progressista: uma cul- iam do simples, mas eficaz, anúncio de propa-
tura invulgar, uma admirável tenacidade, a par de ganda política, educacional e profissional, à cor-
uma coragem e audácia, que lhe permitiram, du- respondência epistolar, à propaganda de confe-
rante algum tempo, ultrapassar e enfrentar a pe- rências, a estudos, reflexões, comentários ou crí-
quenez e mediocridade da sociedade lisboeta que ticas sobre várias matérias, mas com incidência
com ela teve que se haver. De facto, para alguns, especial nas referentes à da condição feminina.
os Wood vieram em boa hora. Mas não deve ter O mínimo que deles se pode dizer é que não eram
sido fácil nem para eles, nem para a morna, mor- ingénuos. Francisca Wood não se limitou ao pa-
ta e desmotivada sociedade de então aguentar todo pel de difusora de novas ideologias políticas na
o desassossego, todo o vigor e gosto do risco, toda sociedade portuguesa (como aliás o marido e mui-
a provocação e insolência que consigo trouxe este tos dos intervenientes destas publicações), o
casal, que lutou aguerridamente pela realização que, só por si, foi fundamental para o desenvol-
dos seus objetivos, em conjunto com outros des- vimento das ideias progressistas entre nós. Deteve-
temidos e combativos colaboradores de ambos os -se no estudo da sociedade portuguesa, dela fa-
sexos que constituíam o grupo que girava à sua zendo uma espécie de diagnóstico sistemático, ob-
volta e a que se agregavam os atentos e, por ve- jetivo e profundo como, provavelmente, até en-
zes, interventivos leitores e leitoras que com eles tão, nunca tinha sido realizado. Isso permitiu-
se correspondiam. Nem um nem outro – aliás é -lhe não só ter uma visão muito lúcida da sua si-
difícil, por vezes, separar o que é de cada um, pois tuação e da dos seus conterrâneos, mas também
as ideias, as informações e ações dos dois se com- atuar junto deles. E apontou como uma das cau-
pletam e repetem – versava, fomentava ou admitia sas dos reprováveis comportamentos femininos,
quaisquer futilidades femininas. Ao contrário de por si elencados, a má, deficiente ou inexisten-
outros diretores ou colaboradores de revistas fe- te instrução e/ou educação. A ausência da edu-
mininas que desenvolveram estes aspetos com ar- cação e da instrução era responsável pela igno-
gumentos “de peso”, de modo a evitar a má cons- rância, desinteresse e limitação de muitas con-
ciência da frivolidade feminina – como Almeida cidadãs suas e pela vida fútil e desmotivada que
Garrett e Midosi em O Toucador –, em nenhuma levavam. Criticou ferozmente, sem nunca deixar
das revistas publicadas pelos Wood se contem- de intervir pedagógica e didaticamente com es-
porizou com os aspetos menos elevados dos in- tratégias interessantes e variadas para a mudan-
teresses femininos mais comuns de então. Pro- ça das mentalidades, de modo a serem corrigidos
gredir, estudar, aprender coisas novas, meta- velhos e perversos hábitos. Às modas, às “ni-
morfosear-se e provocar a mudança com “A nharias do sexo” contrapôs a instrução, o estudo
mulher livre ao lado do homem livre” – frase da da ciência, o desenvolvimento do raciocínio e o
primeira página de A Voz Feminina, em conso- exercício de atividades intelectuais, entre outras
nância com o lema de O Progresso “La justice soit coisas. Os Wood combateram, ao mesmo tempo,
faite, coûte que coûte” – são pensamentos em- até à exaustão e de muitas variadas e engenhosas
blemáticos que, reiterados em todos os exemplares maneiras, pelos diversos tipos de emancipação,
publicados, sintetizam capitais ideais de exigência intelectual, económica, profissional, política,
transformadora. Nelas se revela a posição dos seus incluindo o homem nestes objetivos. Divulgaram
diretores ou colaboradores e de tudo o que faziam. alguns documentos sobre os direitos das mulhe-
A mensagem revolucionária passava pelas coisas res, sobre o sufragismo, sobre as carreiras pro-
aparentemente mais insignificantes até às mais ela- fissionais, sobre o exercício de qualquer ativida-
boradas. Nada era deixado ao acaso, tudo era ex- de intelectual; colocaram à disposição dos leito-
traordinariamente bem pensado. E aquelas epí- res tudo o que se passava a este nível, em Fran-
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ça e noutros países. Publicitaram os nomes ou as para desmascarar certas situações que compro-
ideias mais revolucionárias dos principais men- metiam o progresso das mulheres. Ao ser ridi-
tores ou opositores; divulgaram eventos sobre a cularizada por Maria Amália por ter cargos mas-
paridade entre homens e mulheres, comprovan- culinos, não só de direção, mas também intelec-
do e defendendo que a inteligência é um atribu- tuais e, portanto, indevidos, retaliou com humor
to idêntico em ambos os sexos. Os Wood desta- e sabedoria, desacreditando as posições tomadas
caram-se na imprensa periódica feminina pelo pelas intelectuais que afinal cultivavam e pro-
modo de intervenção desenvolvida. Não passa- moviam o atraso da mulher. Na verdade, entre as
ram despercebidos. Provocaram reações violen- causas do fracasso de iniciativas como as dos
tas que denunciavam o desconhecimento e o Wood, estava a falta de unidade das mulheres, pa-
medo da pequenina Lisboa de então, perante a tentes nestes exemplos. A incapacidade femini-
ameaça e o avanço de algo que anunciava uma na em se autonomizar em Portugal, também se me-
mudança sem data marcada e sem recuo possí- dia pelas múltiplas divisões ideológicas com que
vel. Contudo, nada disto era totalmente novo ou se digladiavam, algumas delas unindo-se aos de-
isolado. Existiram outros periódicos e outras pes- tentores do poder. Trata-se, na verdade, de ques-
soas transmissoras e defensoras de ideias pro- tões complexas e ambíguas. A divisão das mu-
gressistas. Basta lembrar a jornalista Antónia Pu- lheres não se devia só à discordância ideológica,
sich desde os anos 1840 aos finais de 1860. Mas mas à necessidade de ter ou preservar um esta-
os Wood, devido aos contactos permanentes tuto especial no tão inacessível e fechado mun-
com personalidades estrangeiras, deram um tom do dos intelectuais, controlador de tudo e de to-
mais internacional ao que, em Portugal, se ia pro- dos. E isso era, frequentemente, conseguido com
duzindo acerca das atividades dos e das pré-fe- cedências ou subserviências às classes dominantes
ministas da Europa e dos Estados Unidos, fazendo e aos valores por elas defendidos. Desse modo, ab-
esta aproximação de forma muito interativa e ino- dicavam no seu país das lutas femininas em cur-
vadora para a época. Mas estando distantes de so na Europa, mas nunca da ambição de se igua-
tudo e de todos, sem quaisquer apoios, foi-lhes larem ao outro sexo. Desde que fossem conser-
difícil prosseguir com os seus propósitos de re- vadoras, tinham o beneplácito masculino para po-
volução intelectual numa sociedade fortemente derem escrever ou pensar com visibilidade. A am-
hierarquizada e conservadora como era a nossa. bição da paridade intelectual sempre existiu. Os
Apesar das dificuldades encontradas, consegui- Wood deram curso a velhíssimas transgressões,
ram realizar grande parte dos seus desígnios. Cer- mas acrescentaram-lhes muitas outras. Não só nes-
to é que nem Francisca e William Wood – nem, te período, mas durante todo o século, no meio
de resto, Guiomar Torrezão, Maria Adelaide Fer- de seculares proibições, foi-se assistindo a uma
nandes Prata, Mariana Angélica de Andrade, en- viragem; e quanto mais pública, mais capital era
tre tantas – se deixaram amedrontar com os ata- para a afirmação da mulher. A importância des-
ques dirigidos aos seus artigos. E se se assustaram, tas iniciativas, provindas ou não de atos cons-
não o demonstraram. A longa estadia do casal em cientes, mede-se pela transgressão em vários do-
Inglaterra, o contacto e ligação a instituições e or- mínios masculinos, desde a ocupação de espaços
ganizações internacionais, o espírito lutador im- ou territórios ligados ao livro ou à imprensa (es-
permeabilizaram-nos, de certo modo, a tudo o que crita livre, desafiadora de convenções, e afirma-
acontecia, mesmo ao isolamento a que os próprios tiva de ideias, de propostas e de ações que iriam
ingleses aqui residentes os remeteram quando de- fazer perigar e pôr em causa as já inseguras con-
fenderam, por exemplo, o sufrágio feminino. Não ceções acerca das mulheres), a outros que pode-
foram as contrariedades ou deceções, como a des- mos sinteticamente significar na substituição da
truição das suas revistas e a recusa de colabora- agulha pela pena livre de sonhos românticos. Pe-
ção de intelectuais de nomeada, como Maria Amá- gar na pena para escrever outras coisas que não
lia Vaz de Carvalho e Amélia Janny, que os de- a poesia (único género permitido às mulheres e,
sanimaram ou fizeram desistir de prosseguir os mesmo assim, sempre criticado) podia também
seus intentos. Antes pelo contrário. As atitudes ser, como de facto foi, nestas e noutras publica-
destas escritoras foram, aliás, aproveitadas inte- ções, a demonstração da intelectualidade e a ex-
ligentemente por Francisca Wood para a propa- posição da inteligência feminina, ao contrário do
ganda e valorização da revista, dos seus colabo- que muitos homens esperavam e queriam, os gran-
radores e das ideias avançadas que defendiam, e des temas da emancipação da mulher. Mas, en-
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quanto umas nada assumiam, por medo ou por tempo, um grande acolhimento das suas ideias so-
ignorância e outras por mimetismo irracional ou bre as questões femininas. E de tal maneira se im-
por convicções efetivas, o certo é que em muitos puseram que chegaram aos nossos dias intactas,
meios sociais se desenvolveu um “antagonismo convincentes e “verdadeiras”, anulando todo o tra-
incrível e cruel [... uma] guerra acérrima” [J. C. Tei- balho de certos intelectuais menos conhecidos,
xeira Coelho, “Mais um brado”, O Progresso, n.o como os Wood, as Pusich, e tantos, tantos outros.
95, 07/11/1869, p. 1] contra Francisca Wood, sen- E o mais estranho é que continuam ainda hoje a
do essas agressões difíceis de combater, comen- aparecer como soberanas, pioneiras e quase ex-
tadas na própria revista, onde se referia não só o clusivas em muitos meios sociais. Os Eças e os Ra-
ataque direto, como também o “silêncio hostil da malhos do século XIX conseguiram impor uma
parte dos literatos” [Idem, ibidem]. Destas defe- imagem homogénea da mulher, dos seus modos
sas resultou, aliás, que os adversários de Francisca de ser e de estar que ainda figuram no imaginá-
Wood estavam atentos a todas as suas diligências rio de muitos, como se as notas do “eterno fe-
e ações, de modo a poderem eliminar ou reduzir minino” fossem intemporais e irreais – como se
os possíveis efeitos na mudança das mentalida- de bonecas articuladas e ocas se tratasse – as quais
des e das consequências delas a nível social. E se são convenientes para a padronização, difundi-
por vezes parecia haver uma certa indiferença por da, então, com muito sucesso. Tal aconteceu nos
parte dos intelectuais relativamente às ideias das tempos dos Wood com alguma facilidade, visto
revistas dos Wood, ela era só aparente. Provaram- não haver uma opinião pública favorável à trans-
-no as atitudes da “geração de 70”, contígua ou formação do papel social das mulheres. Se, com
contemporânea do grupo constituído à volta efeito, muito antes deles, houve algumas inte-
dos Wood, de 1868-1869. A tática mais utilizada lectuais que refletiram na imprensa periódica fe-
era o desconhecimento, com que rejeitavam as minina de oitocentos, com profundidade, sobre
ideias defendidas naqueles textos assim como em aqueles problemas, o seu pensamento ficou
muitos outros que, publicados por mulheres ao acantonado a grupos muito restritos. E se também
longo de todo o século, nem sequer mereceram é certo que muitas, para além disto, tinham pos-
o repúdio dos intelectuais mais conhecidos. to em prática no seu quotidiano as suas crenças
Mas também mostraram o desacordo na sua im- e convicções corroborantes das ideias das pré-fe-
placável e demolidora prosa contra o sexo femi- ministas, também aqui a força de tais exemplos
nino, na imprensa ou fora dela. Hoje, de tão ri- se perdia na grande massa de mulheres de todas
dículas, tais atitudes são hilariantes, designada- as classes que repetiam no dia a dia as tarefas que
mente as reveladas na prosa de Eça de Queirós e a tradição doméstica lhes impunha. Mas isso não
Ramalho Ortigão que, com muito êxito, maca- impediu que houvesse exemplos marcantes de
quearam as progressistas difundindo, simulta- uma mudança profunda: a jornalista Antónia Pu-
neamente, uma ideologia oposta à dos Wood, a sich, na década de 1840, quando se sentiu lesa-
propósito, entre outras questões, da educação e da nos seus direitos e ofendida na sua dignida-
instrução femininas. O êxito conseguido pelos Ra- de, deu a conhecer a sua contestação veemente
malhos de então é facilmente explicável pela no- e destemida através de um opúsculo intitulado
ção de poder que a sociedade atribuía aos bem- Galeria das senhoras na câmara dos senhores de-
pensantes de então e a todos os que se confor- putados ou as minhas observações (1848) [Ana
mavam com a ideologia dominante. Tudo tinham Maria Costa Lopes, 2005, pp. 260-268]. Sem con-
a seu favor: pertenciam não só à elite intelectual, temporizações denunciou a prepotência mascu-
mas também a uma classe privilegiada. E tinham, lina. Os Wood e seus colaboradores nem foram
além disso, acesso à fonte de maior poder “não menos incendiários, nem menos convincentes,
político”, a imprensa periódica, tal como bene- nem menos lutadores. Procuraram dar toda a vi-
ficiaram, ao longo de todo o século XIX, de um sibilidade possível às suas ideias no conteúdo das
prestígio que não admitia a competição, como suas folhas. Face às fortes reações às suas publi-
hoje, das elites simbólicas. Daí a livre atuação e cações, aos seus textos ou aos companheiros de
garantida visibilidade que lhes facilitavam, por luta, nacionais ou estrangeiros, mostraram como
exemplo, a divulgação da ideologia de Proudhon a discórdia e a dissensão estavam na proporção
e a sua aplicação reacionária ao sexo feminino. direta da aversão às ideias de uma paridade ra-
Graças a esta visibilidade e à reiteração de ideias dical a nível civil e político e à respetiva expo-
misóginas conseguiram, tal como Molière no seu sição, defesa e propaganda pública. E elas esta-
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vam presentes em muitos números de A Voz Fe- tiplos benefícios da instrução feminina, a todos
minina e de O Progresso. E muitos destes divul- os níveis, sem faltarem os políticos. Nestes arti-
gavam, em Portugal, a luta feminina no estrangeiro. gos se deu notícia, por exemplo, dos “planos para
Na verdade, esta ainda não está convenientemente a educação das mulheres: a discussão dos seus di-
estudada, assim como a ação deste casal junto das reitos e injustiças [...] do seu futuro e do seu pre-
comunidades lusa e inglesa. E é difícil fazê-lo. A sente [...]. Ela ocupa os nossos livros parlamen-
seu tempo se publicarão resultados. Parece, no en- tares […] as nossas cortes de revisão eleitoral; en-
tanto, que os Wood, desconhecedores do país e fim as salas do parlamento ecoam os debates que
das pessoas quando a ele aportaram, talvez se não ela sugere. Uma profissão após outra acha-se in-
tivessem dado conta das dificuldades em inter- vadida pelas mulheres, que agora invadem os nos-
vir na sociedade portuguesa, mais fechada e an- sos domínios de educação e demandam um tra-
quilosada do que aquelas donde provinham e dos tamento idêntico ao que os homens recebem nas
meios que lá frequentavam. No entanto, sabemos escolas e universidades” [Quarterly Review,
que foram incansáveis na luta pela concretização Francisca Wood, “O que se faz lá fora”, O Pro-
dos seus projetos de reforma das ideias em Por- gresso, n.o 87, 12/09/1869, p. 153]. Alguns dos in-
tugal a diversos níveis. Com efeito, ao lermos os dicadores da nossa situação aparecem em teste-
artigos de A Voz Feminina (1868) e de O Progresso munhos feitos na correspondência com perso-
(1869) verificamos que este casal deu um con- nalidades importantes, os quais servem para afe-
tributo imprescindível para a internacionalização rir o nível de receção das ideias progressistas en-
dos movimentos pré-feministas no nosso país, ao tre nós. William Wood, por exemplo, não dá boas
mesmo tempo que pôs certas entidades estran- informações a Theodore Stanton a nosso respei-
geiras a par da situação portuguesa. Tanto eles to quando diz que “este canto da Europa pode ser
como alguns dos colaboradores tentaram fazer comparado a um remoto charco onde a onda do
uma reflexão séria sobre uma questão prioritária, progresso, tão poderosa em outras partes do mun-
a da emancipação. A imprensa registou-a. Em ru- do, ainda aqui não chegou” [William Thorold
bricas como “O que se faz[ia] lá fora” ou em ou- Wood, “To Theodore Stanton of the Revolution,
tros artigos do género propagandearam o desen- New York”, A Voz Feminina, n.o 73, 06/06/1869,
volvimento, o clímax das ideias, o fervilhar da me- p. 4]. Através da revista também tomamos co-
tamorfose que acontecia no estrangeiro pela to- nhecimento das intervenções teóricas a favor do
tal emancipação feminina e pela paridade entre sufrágio feminino e da ação direta levada a cabo
homem e mulher. De França, e da sua emergen- por William Wood. Fica para a história a sua ten-
te sociedade em transformação, destacaram as/os tativa de apresentar uma Petição nas Cortes
articulistas destas revistas as propostas ousadas com esse objetivo. O Progresso deu conta, através
e proibidas no nosso país. Deram a conhecer os da carta dirigida ao editor do The Printers Register,
mais notáveis militantes da luta feminina, como dos magros resultados obtidos com tal iniciativa
Victor Hugo, Jules Ferry, Charles Lemonier, Jules – cinco assinaturas da comunidade inglesa resi-
Simon, Garibaldi, mencionando as suas ativida- dente em Portugal. Do mesmo modo, explicava
des, as suas opções políticas, os seus represen- o fenómeno: “é necessário lembrar que estes as-
tantes e sequazes. Divulgaram iniciativas, como suntos não são ventilados aqui como em Inglaterra.
congressos, reuniões, etc., que abarcaram também Não há encontros como no estrangeiro, não há con-
todos os sucessos femininos a nível intelectual, ferências, não há discussões na imprensa e no par-
político, profissional. Disraeli, por exemplo, foi lamento; deste modo as pessoas ficam num estado
citado em diversas ocasiões [Francisca Wood, “O de apatia e de desconhecimento e os esforços de
que se faz lá fora”, O Progresso, n.o 102, uma ou duas pessoas produzem parcos resulta-
26/12/1869, p. 213]. E propagaram algumas das dos” [Idem, “To the Editor of the Printers’ Re-
teorias relativas aos direitos do sufrágio femini- gister”, O Progresso, n.o 80, 25/07/1869, p. 1]. De
no, à instrução e respetivas instituições. As resto, parece que também o interesse dos es-
ideias do filósofo Stuart Mill, bem como o seu li- trangeiros aqui residentes por estes temas era nulo,
vro A Sujeição da Mulher, foram apregoados e re- ou quase, como se a nossa inércia se tivesse tam-
comendados, tendo a obra sido comentada na re- bém entranhado neles. Este facto é importante para
vista. Da imprensa internacional da especialida- compreender as dificuldades com que Francisca
de ou de outras revistas estrangeiras, como a Quar- e William Wood se teriam deparado e as desilu-
terly Review, retiraram textos sobre, v.g., os múl- sões que encontraram nas atitudes dos não-na-
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cionais com quem provavelmente contariam sociais portuguesas oitocentistas, nunca os Wood
para apoio à sua causa. Do mesmo modo, em car- e alguns dos seus colaboradores – D. Quixotes de
tas dirigidas a pessoas empenhadas nestas lutas, então – poderiam ter conseguido, naquele tem-
como André Leo, aproveitou Francisca Wood para po, as grandes transformações ocorridas em In-
refletir sobre a situação portuguesa, dando dela glaterra, França, Estados Unidos. Não que não ti-
uma visão muito negativa: “Aqui as senhoras, sal- vessem combatido, com todos os meios ao seu al-
vo um reduzido número, não se preocupam em cance, por um novo mundo através de múltiplas
saber se o seu sexo tem direitos civis ou morais discussões e concertadas estratégias teóricas e as
ou se os homens abusaram da sua iniciativa e do práticas possíveis; não que não tivessem querido
seu poder” [Francisca Wood, “A Madame André despertar os seus compatriotas de ambos os se-
Leo”, O Progresso, n.o 97, 21/11/1869, p. 192]. Ao xos, principalmente as mulheres, para as mu-
mostrarem a atividade no exterior de Portugal, os danças na condição feminina, tal como estavam
Wood incitaram a afirmação das mulheres por- ocorrendo nos países citados; não que não qui-
tuguesas e tentaram que assumissem responsa- sessem demover os pouco esclarecidos, ou os que
bilidades semelhantes às dos homens. Francisca discordavam do movimento. Os tempos, porém,
não poupava ninguém na defesa das suas con- ainda não eram propícios a que a sua luta tives-
vicções, nem deixava de criticar quem quer que se o sucesso desejado. Não obstante, apesar da fal-
fosse. A sua aversão por algumas pessoas ou as- ta de um poder político ou intelectual à altura das
petos de certas instituições, como era o caso da reivindicações femininas que permitisse pôr em
Igreja Católica, e por práticas ou normas que po- prática as ideias defendidas por Francisca Wood
diam afastar as mulheres da igualdade, faziam que e por quem estava em sintonia com ela, apesar da
se manifestasse dura e criticamente em discussões ridicularização a que a escritora e as suas cola-
muito acesas e fundamentadas, como quando se boradoras foram sujeitas, apesar da ignorância e
opôs a Maria Amália ou contra outros colegas do desinteresse geral com que se defrontavam, elas
ofício. O objetivo era sempre o mesmo: diminuir venceram à sua maneira: conseguiram difundir
os escolhos que surgiam na caminhada para a as suas ideias e ideais; deram visibilidade a ca-
emancipação das mulheres. A transformação da pacidades femininas; incutiram ânimo às menos
mentalidade, dos costumes e das instituições nes- ousadas no sentido de uma maior conscienciali-
tas áreas pressupunha a expressão clara de posi- zação da necessidade de as mulheres lutarem pela
cionamentos radicais, de medidas concretas e efi- sua emancipação. O que é certo é que os valiosos
cazes, de apoio incondicional das entidades na e imperecíveis testemunhos de Francisca Wood
transformação das práticas políticas. Daí as difi- e das gentes da sua revista não deixaram de fru-
culdades. Se fossem tomadas à letra e levadas a tificar, embora bastante mais tarde, nos inícios do
sério, isto é, implementadas a nível jurídico e ins- século XX. Sem ela e sem quem a precedeu ou se-
titucional, provocariam naquela época uma ver- guiu na luta pela libertação das mulheres ao lon-
dadeira revolução. Daí a renhida luta dos grupos go do século XIX, bem menos ilustre teria sido a
progressistas contra a hierarquização de género famosa geração das Anas de Castro Osório, das Ca-
a todos os níveis, designadamente na instrução, rolinas Beatriz Ângelo, das Adelaides Cabete.
a base de todas as demais transformações. Daí a Aquelas mulheres preparam com as suas ideias
paridade que eles exigiam nos cursos, nas maté- e algumas iniciativas o futuro das republicanas
rias e nas profissões, e a insistência constante e e das feministas novecentistas. Todavia, contra-
a fundamentada e pública crítica a todo o tipo de riamente ao que se esperava e contra todas as ex-
argumentos de natureza biológica, filosófica, re- pectativas, não obstante os esforços de tantas fe-
ligiosa, mental, psicológica, educacional contra ministas, os republicanos não conseguiram ou não
a igualdade entre os sexos em todas as áreas do quiseram ou não lhes convinha captar a intenção
conhecimento e do saber. O combate foi, de fac- renovadora que nelas florescia. Para o verificar,
to, conduzido pelo pequeno grupo da revista que bastará consultar os dados estatísticos das vota-
sabia que só seguindo os passos dos que inter- ções do final de Oitocentos e os referentes à Re-
nacionalmente lutavam pelos mesmos ideais e so- pública [Rui Ramos, Outra Opinião, Ensaios de
lidarizando-se com eles é que teriam a força ne- História, p. 28]. A democracia, no verdadeiro sen-
cessária para vencer a oposição e inverter a si- tido da palavra, ou seja, em termos factuais e não
tuação de secundarização a que estava votado. apenas ideológicos, mostrou-se de difícil conquista
Analisando a história e as condições políticas e e concretização. Ao serem bem sucedidos, alguns
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dos seus epígonos nem sempre tiveram a coragem pp. 18-26; Idem, Um Século de Periódicos Femininos, Lis-
de a desenvolver. E esqueceram a dinâmica que boa, Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mu-
lheres, 1992; Maria Regina Tavares da Silva, A Mulher,
os inspirou e o fôlego do seu sonho, restringin- Bibliografia Portuguesa Anotada (1518-1998), Lisboa, Cos-
do a amplitude da sua ação, limitando os seus be- mos, 1999; Maria Teresa Cortez, Os Contos de Grimm em
nefícios apenas a alguns. Mas quem lutou tão obs- Portugal, Coimbra, Minerva Coimbra, Universidade de
tinada e corajosamente contra tantas, adversas e Aveiro, 2001; Rosemary Wank-Nolasco Lamas, Mulhe-
res para além do Seu Tempo, Venda Nova, Bertrand, 1995;
mortais armas como os Wood ganhou jus a que Rui Ramos, Outra Opinião, Ensaios de História, Lisboa,
lhes seja reconhecida a meritória obra. Ficarão cer- O Independente Global e Rui Ramos, 2004.
tamente na história deste país, na História das Mu- [A. M. C. L.]
lheres e dos Homens que lutaram pela libertação
e igualdade de todos os seres humanos, inde- Francisca Martins
pendentemente do sexo ou da classe. As princi- Atriz dramática, mais conhecida por “Chica Mar-
pais guerras fazem-se através da Palavra, quando tins”. Faleceu em julho de 1920. Começou a car-
se torna pública e tem a força e o poder da visi- reira artística no Teatro da Avenida, numa em-
bilidade que força a mudança dos seres e das men- presa de Salvador Marques. Passou, depois, a fa-
talidades. Palavra que revela as pessoas, Verbo que zer parte das companhias de Sousa Bastos e José
impõe a metamorfose. Ricardo, salientando-se nos papéis de “caracte-
Da autora: “Os ciúmes da minha gata preta”, A Voz Fe-
rística”. Fez diversas digressões pelo Brasil,
minina, n.o 25, 05/07/1868, pp. 3-4; “O nó gordiano in- onde muito agradou. No Teatro da Avenida, in-
serido na ‘Carta a Bibita’ ”, A Voz Feminina, n.o 28, terpretou os papéis de “Mariana”, em Casamento
26/07/1868, pp. 2-3; Maria Severn, Lisboa, Tipografia Lu- Singular (1898), comédia em 3 atos de D. José de
sitana, 1870; Mary Severn” [Novela, Folhetim em A Voz Almeida, com Rogélia Cardó* e o ator Bellard da
Feminina]. Tradutora: “O sudariozinho”, A Voz Feminina,
n.o 8, 08/03/1868, p. 3; “O pássaro de oiro”, A Voz Fe-
Fonseca, “viscondessa”, em Malvisa (1898), zar-
minina, n.o 11, 29/03/1868, p. 3, n.o 12, 05/04/1868, p. zuela em 1 ato, versão da zarzuela Chateau-
2, n.o 13, 12/04/1868, p. 2, n.o 14, 19/04/1868, pp. 3-4; -Margaux, expressamente traduzida para ser
“O Rei Bico-de-Tordo”, A Voz Feminina, n.o 15, cantada por Rogélia Cardó. Apareceu no elenco
26/04/1868, p. 3, n.o 16, 03/05/1868, p. 3, n.o 17, do Teatro da Trindade, na peça Testamento da Ve-
10/05/1868, p. 3, n.o 18, 17/05/1868, p. 2, n.o 19,
24/05/1868, pp. 2-3; “História de Hansel e Grethel”, A lha (1908), opereta de Ciríaco Cardoso, Gervásio
Voz Feminina, n.o 20, 31/05/1868, p. 2, n.o 21, 07/06/1868, Lobato e D. João da Câmara. No Teatro da Rua dos
p. 2, n.o 22, 14/06/1868 [pp. 2-3], n.o 23, 21/06/1868, pp. Condes representou Guerra aos Homens (1914),
2-3; “Maria Nancê”, A Voz Feminina, n.o 32, 23/08/1868, opereta em 2 atos, de Avelino de Sousa, música
p. 4; “História de Heinz Mandrião”, A Voz Feminina, n.o dos maestros Hugo Vidal e Bernardo Ferreira, uma
33, 30/08/1868, p. 3; “A escolha de um bom rei”, A Voz
Feminina, n.o 36, 20/09/1868, p. 3; “A eternidade”, A Voz charge ao feminismo. Há notícia da sua passagem
Feminina, n.o 36, 20/09/1868, p. 3; “Three little Stories pelo Teatro Apolo, na revista A Torre de Babel
for Little Jenny Mac Nicoll, ‘O filho ingrato’”, A Voz Fe- (1917), de Eduardo Rodrigues, Félix Bermudes
minina, n.o 36, 20/09/1868, p. 3. e João Bastos, música de Tomás Del Negro e Ber-
Bib.: Ana Maria Costa Lopes, Imagens da Mulher na Im- nardo Ferreira.
prensa Feminina de Oitocentos, Percursos de Moderni-
dade, Lisboa, Quimera, 2005; Idem, “A Voz Feminina, Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
1868-1868”, Imagens da Mulher na Imprensa Feminina tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 281;
de Oitocentos, Percursos de Modernidade, Lisboa, Qui- J. M. Teixeira de Carvalho, Teatro e Artistas, Coimbra,
mera, 2005, pp. 722-728; Idem, “O Progresso”, op. cit., Imprensa da Universidade, 1925, p. 214; A Scena, Lis-
pp. 717-718; Idem, “Religião e género como formas de boa, n.o 55, 22/05/1898; O Anunciador Ilustrado, 1914;
discriminação no século XIX: o casal Wood, um study Ilustração Portuguesa, n.o 754, 02/08/1920.
case”, Gaudium Sciendi, revista eletrónica da Socieda- [I. S. A.]
de Científica da Universidade Católica Portuguesa, n.o
2, julho, 2012, pp. 51-65; Antónia Pusich, Galeria das Se- Francisca Meca Isaac
nhoras na Câmara dos Senhores Deputados ou as Mi-
nhas Observações, Lisboa, Tip. de Borges, 1848; Gran-
Maçónica. Filha do marítimo António de Oliveira
de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, “Wood, Fran- Meco Moço e de Felicidade de Jesus e irmã de
cisca Assis Martins”, Vol. 36, Lisboa, Rio de Janeiro, Ed. José Maria de Oliveira Meca, nasceu na Nazaré,
Enciclopédia, 1945, pp. 916-917; Inocêncio F. da Silva, em 16 de setembro de 1870, e casou com Joaquim
“Francisca Martins Wood”, Dicionário Bibliográfico de Carvalho Isaac (01/10/1869-05/01/1945),
Português, Vol. 9 (2.o Suplemento, C-G), Lisboa, Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1973, p. 240; Ivone Leal, “A Voz carpinteiro, desenhador e mestre de obras seu
Feminina, jornal semanal scientifico, litterario e noticioso conterrâneo. Viveu em Portalegre, onde foi ini-
(1868-1869)”, Boletim da Condição Feminina, n.o 3, 1981, ciada, em abril de 1924, no Triângulo Amaia, pre-
319 FRA

sidido por Justa Mendes* e do qual foi tesoureira. novidade da iniciativa, assim como a sua estra-
Partiu para Lisboa com o marido no início da dé- nheza e todos os cuidados e preceitos com que
cada de 1940, onde morreu a 7 de abril de 1951. tinha sido colocada em prática. Embora fossem
Mãe de Joaquim Meca Isaac (18/07/1905- apenas 15 raparigas com a função de contar cu-
-28/03/1984) que, tal como os pais, nasceu na Na- pões, parecia existir a consciência de que este era
zaré e foi mação. António Ventura, na obra A Ma- um momento solene: “naquela vasta sala elas lá
çonaria no Distrito de Portalegre, insere os re- estão, de cabeças curvadas e bem atentas, os seus
tratos de Francisca Meca Isaac, do marido e do dedos finos vão passando um a um os cupões,
filho, bem como fotocópia da Ata da Instalação contando lentamente, com uma enorme pa-
do Triângulo Amaia em Portalegre, datada de 16 ciência. Há um silêncio próprio de uma reparti-
de abril de 1924. ção onde se faz um trabalho daquela ordem, para
Bib.: António Ventura, A Maçonaria no Distrito de Por- o qual toda a atenção é pouca”. Claro que se jus-
talegre (1903-1935), Caleidoscópio, 2007, pp. 181, 185- tificava esta integração com a natureza da fun-
186, 192, 214. ção, como se fosse própria das mulheres, pois as
[J. E.] funcionárias tinham “o ar atento, paciente e doce
que as mulheres põem nesses trabalhos miúdos
Francisca Wood que para elas parecem destinados. Das 11 da ma-
v. Francisca de Assis Martins Wood nhã às 5 da tarde, com uma hora de intervalo para
o seu lanche, aquelas funcionárias do Estado vão
Fred contando os cupões, contando sempre”. Os re-
Pseudónimo de Maria Carolina Frederico Crispim*. sultados e a produtividade das novas funcioná-
rias mereciam rasgado elogio, pois afirmava-se
Frieda Waschmann que o trabalho ultrapassava em um terço o dos
v. Fernanda Waschmann anteriores funcionários. A seriedade de um am-
biente quase monástico, sem colegas masculinos,
Funcionalismo público feminino era sublinhada pela negritude do traje e pelo si-
Apesar dos esforços legislativos para regulamentar lêncio que imperava na repartição. A experiên-
e, em alguns casos, proteger as condições do tra- cia queria-se de sucesso e invulnerável às críti-
balho feminino, o Estado resistiu durante mui- cas, pelo que se procurava fugir aos estereótipos
to tempo a admitir mulheres nos quadros de pes- dos locais de trabalho feminino, alegadamente
soal dos seus serviços administrativos centrais mais desordenados e barulhentos, bem como se
e, mesmo quando isso aconteceu, foi com bas- separava esta repartição. O articulista não deixava
tantes limitações e sob condições bem restritas. de elogiar ainda o Estado pelo papel atribuído às
Se excetuarmos sectores bem definidos, como al- mulheres nos seus quadros, pois assim “senho-
gumas indústrias dependentes do Estado ou a ras educadas, de famílias respeitáveis, não po-
Educação, em que a participação feminina foi pio- dendo descer a certos misteres, tinham bem di-
neira ainda em Oitocentos e se veio mesmo a tor- fícil a vida”, algo que agora parece estar ultra-
nar dominante ao nível do ensino infantil e pri- passado por toda uma nova possibilidade de car-
mário, em matéria de funcionalismo público no reira, recompensada com um salário estipulado
sentido mais restrito de funcionários dos vários em 600 réis (500 para as serventes). Claro que o
ministérios e departamentos que faziam parte do autor do panegírico não ignorava que estas fun-
chamado Estado Central, a admissão de mulhe- cionárias tinham sido recrutadas entre as filhas
res resistiu até ao início da Primeira República. de antigos funcionários públicos falecidos, e que
A inovação aconteceu por iniciativa do diretor os planos de expansão do funcionalismo femi-
da Junta de Crédito Público e autorização do res- nino não eram ainda uma prioridade. Passados
petivo ministro, José Relvas, logo no ano de 1911, cinco anos, nas páginas de A Semeadora, o diag-
motivando assinalável curiosidade e um alongado nóstico traçado sobre a presença feminina no fun-
tratamento fotojornalístico na revista Ilustração cionalismo do Estado estaria longe de ser ani-
Portuguesa [01/05/1911, pp. 550-552], que era en- mador e demonstrava a lentidão dos progressos
tão provavelmente a publicação periódica ma- realizados: “Se há profissão que os homens de-
gazinesca de maior projeção. A forma como são fendam da concorrência feminina com unhas e
descritas, tanto as novas funcionárias do Estado, dentes é, sem dúvida, a de funcionários públi-
como o seu ambiente de trabalho, revela bem a cos. Acham-se vitimados pela exígua paga, ex-
FUN 320

tenuados de trabalho, ridículos de pobreza... em- Pública no fim da lista com apenas 7 funcioná-
bora! Com uma abnegação digna de elogio, ocu- rias, sendo 1 médica e as restantes dactilógrafas.
pam todos os lugares, absolutamente todos, da Entre estas mulheres que trabalhavam para o Es-
vastíssima teia do funcionarismo e Deus livre à tado, ou com ele colaboravam, em funções de re-
mulher de levantar os olhos cobiçosos para o mais lativo destaque não são de estranhar algumas pre-
ínfimo lugarzito à mesa do orçamento” [A Se- senças individuais de ativistas feministas de en-
meadora, 15/08/1915, p. 4]. O recenseamento de tão, pois, afinal, estas eram ocupações que não
1920, entre as suas muitas deficiências, não nos estariam reservadas a qualquer uma. Ana de Cas-
permite apreciar a evolução da presença feminina tro Osório era vogal do conselho central da Fe-
no funcionalismo ao longo da década, sendo ne- deração Nacional dos Amigos das Crianças e
cessário recorrer ao Anuário Comercial como fon- membro da comissão executiva deste mesmo or-
te complementar para confirmarmos, ou não, o ganismo dependente do Ministério da Justiça e
diagnóstico pessimista atrás transcrito. Exata- dos Cultos, o que acumulava com a função de su-
mente para o referido ano de 1915, nos serviços binspetora da Direcção Geral do Trabalho, de-
dos diversos ministérios já se encontravam cer- pendente do respetivo ministério. Emília de Sou-
ca de centena e meia de mulheres, embora cir- sa Costa era também vogal do atrás citado con-
cunscritas a espaços e funções bem definidas: a selho central e uma das duas professoras pri-
rede telefónica (1 chefe e 10 ajudantes), as esta- márias da Tutoria Central de Lisboa, onde tra-
ções telegráficas e postais de Lisboa (27 encar- balhava ainda como ajudante Maria Veleda.
regadas e 31 ajudantes), o Instituto Feminino de Adelaide Cabete, desde 1915 que aparecia como
Educação e Trabalho (4 elementos dos serviços médica nos quadros do Instituto Feminino da
clínicos e mais 22 em diversas outras funções) Educação e Trabalho. Quando é feito, em 1925,
e a Imprensa Nacional (49 empregadas em di- um recenseamento extraordinário da população
versas funções subalternas). Mas eram muitos os de Lisboa, na categoria reservada à administra-
ministérios onde ainda não se encontrava qual- ção pública, o que englobava “serviços do Esta-
quer presença feminina (Negócios Estrangeiros, do, administração de concelhos [e] câmaras
Finanças, Justiça, Marinha, Colónias) ou em que municipais”, já se contabiliza um total de 689 mu-
ela era muito escassa ou apenas se registava em lheres [Virgínia Baptista, 1999, p. 190, Paulo Gui-
serviços dependentes do ministério, mas não ne- note, 1997, I, p. 281], o que ascendia a 6,25% dos
cessariamente nos seus serviços centrais. O mais de 11 mil funcionários registados, mas ape-
caso mais paradoxal é o do Ministério da Ins- nas 0,2% da população ativa feminina. Na mes-
trução Pública, em que, apesar da crescente fe- ma data, para o Porto, encontra-se um valor de
minização do ensino primário, apenas se iden- 260 mulheres em perto de 7 mil funcionários, o
tificam as professoras das Escolas Móveis e a rei- que representava menos de 4%. Os ganhos iam
tora do Liceu Maria Pia como sendo funcionárias sendo lentos mas, apesar de tudo, algo constan-
do dito organismo. Mesmo a nível do poder lo- tes. Para o ano de 1930, cujo recenseamento já dis-
cal, como era o caso da Câmara Municipal de Lis- ponibiliza dados mais concretos sobre a ocupa-
boa, apenas uma mulher aparecia como sendo sua ção profissional da população, embora sujeitos
funcionária, a senhora Maria da Conceição Mo- a diversos tipos de tratamento, um dos cálculos
reira, que exercia a função de guarda do Merca- possíveis aponta para 2399 mulheres funcioná-
do Municipal da Rua 24 de Julho. Em 1920, e de rias do Estado e dos corpos administrativos na-
novo de acordo com o Anuário Comercial, já as- cionais, o que constituía 7,1% de todo o fun-
cendiam a 425 as mulheres empregadas nos ser- cionalismo registado, ao qual se poderiam acres-
viços centrais do Estado, apenas estando ausentes centar as 1413 mulheres empregadas nos servi-
do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O re- ços de Correios, Telégrafos e Telefones, conta-
cordista nas admissões era o Ministério do Co- bilizadas em categoria autónoma, da qual che-
mércio e Comunicações com 192 funcionárias, gavam quase aos 22% do total de efetivos. Sig-
grande parte delas em ocupações que se torna- nifica isto que, de alguns nichos muito localizados
riam tradicionalmente femininas, como as de dac- na administração pública, em 20 anos se tinha
tilógrafas, telefonistas e encarregadas de estações percorrido um caminho ainda curto mas signi-
dos Correios; seguiam-se os ministérios do Tra- ficativo e que o funcionalismo feminino deixa-
balho e do Interior, com cerca de meia centena ra de ser uma exceção, mesmo se continuava afe-
cada um, continuando o Ministério da Instrução to principalmente a funções subalternas e com
321 FUN

salários mais baixos (estenógrafas, dactilógrafas, civis ou militares por conta do Estado ou dos cor-
telefonistas), que por isso mesmo a concorrência pos administrativos, recebendo a sua remune-
masculina deixaria mais abertas à concorrência, ração ao mês”, pois assim a proporção de pessoal
acabando mesmo por se tornarem ocupações ti- feminino dependente do Estado já chegaria qua-
das como naturalmente femininas. A única ex- se aos 15%. No recenseamento realizado em 1950,
ceção, ao nível da ocupação mais sistemática de as categorias profissionais voltam a mudar e são
posições de alguma responsabilidade, seria o ser- fornecidas tabelas de correspondência apresen-
viço de Correio e Telégrafos, no qual as mulhe- tadas para as categorias usadas uma década an-
res ocupariam a maior parte das posições de che- tes. Felizmente, no caso do funcionalismo do Es-
fia das estações, tanto em Lisboa como no resto tado, as alterações são escassas e aqui é possível
do país. Um aspeto curioso de acompanhar é o verificar o crescimento do pessoal feminino
da evolução do funcionalismo público feminino nos vários quadros. Em termos globais, das me-
durante o Estado Novo, pois a natureza do regi- nos de 3300 mulheres antes referenciadas como
me seria de molde a ser possível esperar evolu- estando nos serviços da administração central e
ções perfeitamente distintas: por um lado, a sua local, passa-se para quase 9000, subindo o seu
matriz conservadora e uma ideologia que tendia peso relativo de 6,5% para 7,8% (13,7% se ex-
a sublinhar o papel doméstico e familiar da mu- cluirmos os efetivos ao serviço das Forças Ar-
lher seriam de molde a esperar um recuo ou, no madas), principalmente graças às 7905 funcio-
mínimo, uma estagnação da presença feminina nárias dos serviços de administração pública ge-
nos serviços diretamente dependentes do Esta- ral e da Justiça, onde já chegavam aos 14,2% dos
do; por outro, a contenção orçamental que teve quadros de pessoal, enquanto a nível local se fi-
como efeito direto uma certa erosão do poder de cavam pelos 5,5%. Na categoria apresentada
compra dos salários dependentes do Estado po- como “funcionários públicos de carteira”, as mu-
deriam levar-nos a esperar a feminização do sec- lheres chegavam aos 18,7% do total. Isto de-
tor, de acordo com as teorias que explicam esse monstra que, apesar da lentidão, o progresso vi-
fenómeno com a proletarização de certas funções. nha sendo contínuo e que uma carreira no fun-
O estudo dessa evolução é dificultado, todavia, cionalismo público, mesmo que a um nível
pela constante alteração dos critérios de classi- subalterno, se tornava uma nova hipótese de car-
ficação profissional entre 1930 e 1950, o que reira para algumas mulheres, atrativa pela se-
obriga a alguns exercícios de adaptação ou sim- gurança do posto de trabalho, mesmo se escas-
plificação da análise dos indicadores estatísticos. sa de regalias que se começavam a estender
Para o ano de 1940, dispomos de um valor de timidamente no mundo laboral. Por exemplo, as
2330 funcionárias dos serviços da administração funcionárias públicas, mesmo quando casadas
pública e da justiça, o que representava 7,8% do com indivíduos que tivessem perdido o empre-
total deste funcionalismo público; é fácil verifi- go e os rendimentos, ou cuja atividade não be-
car que, em termos absolutos, o número de fun- neficiasse desse direito, não tinham acesso ao sub-
cionários estabilizara, mas que, em termos rela- sídio do abono de família. Esta evidente injus-
tivos, crescera moderadamente. Ao nível da tiça aflora em alguns debates parlamentares e
administração municipal e local, as mulheres manteve-se por resolver até meados da década de
eram apenas 948, ou seja, apenas 4,6% do pes- 70, o que só aconteceu depois da mudança de re-
soal empregado neste ramo do funcionalismo do gime político [Diário das Sessões da Assembleia
Estado. Conjugando as duas categorias, as mu- Nacional, sessão de 31/01/1952, p. 347, sessão
lheres atingiam 6,5% dos funcionários dos ser- de 18/01/1974, p. 392], tal como a não previsão
viços administrativos centrais e locais do Esta- de alguns direitos relativos à maternidade que es-
do. Claro que no sector específico da Educação, tavam acautelados para o sector privado [Idem,
contabilizado separadamente, a participação fe- sessão de 24/02/1944, p. 87]. Por aqui se cons-
minina já quase chegava aos 60% no conjunto de tata que, se a presença feminina nos quadros do
todas as funções. Obviamente que aqui se usa funcionalismo público não era abertamente con-
uma conceção restrita de funcionalismo públi- testada, ainda permaneciam evidentes reticências
co e não se toma como base do cálculo a defini- quanto à igualdade de direitos entre homens e
ção de “funcionários” incluída no próprio tex- mulheres ao serviço do Estado, com base na ideo-
to do recenseamento, que entendia “como tal o logia do pai como chefe de família e do seu tra-
recenseado que desempenhava quaisquer funções balho como fonte primária de sustento do res-
FUN 322

petivo agregado. O deputado Jacinto Ferreira, ao timas carreiras que estavam vedadas às mulhe-
abordar a questão do desemprego no início de res, como a diplomacia e a magistratura. De acor-
1951, concedia que “não é possível, evidente- do com o I Recenseamento Geral da Função Pú-
mente, proibir o trabalho feminino”, sendo que blica, realizado em 1997 e cujos dados foram ob-
“quanto ao funcionalismo feminino, cuja extin- jeto de tratamento por J. M. Leite Viegas e Sér-
ção não teria fundamento, pelos motivos já ex- gio Faria [2001], as mulheres já eram então 54,4%
postos”, embora conviesse “estabelecer para ele de todo o funcionalismo e rondavam os 60% nos
um limite máximo de vencimentos. De facto, se serviços centrais, embora a nível local os valo-
o vencimento do funcionário supõe a satisfação res fossem mais baixos (apenas 28,9%). Mesmo
das necessidades normais de um chefe de famí- se ao nível do pessoal dirigente em funções po-
lia, e se admitirmos o emprego feminino como líticas e de soberania as mulheres ainda ficassem
uma necessidade da mulher isolada, nada justi- pelos 35,8%, no plano das chefias administrati-
fica que a esta sejam atribuídos vencimentos de vas já dominavam, com 73%. Já nos anos 90, as
chefe de família. E à limitação de vencimentos mulheres passariam, finalmente, a aceder a car-
teria de corresponder uma limitação de acesso aos reiras nas Forças Armadas e de Segurança, atin-
lugares superiores da escala que ultrapassassem gindo os 8,5% do pessoal do Exército e 6,5% do
o limite estabelecido. Parecerá estranha uma tal da Polícia de Segurança Pública em 1997 [José
doutrina, mas mais estranho é verem-se as re- Manuel Leite Viegas e Sérgio Faria, 2001, p. 87].
partições pejadas de mulheres, e os cafés peja- Atualmente, a função pública tornou-se uma das
dos de homens, cujo recurso é empregarem-se atividades profissionais mais feminizadas e,
como maridos de funcionárias. Para combater esta como em outros sectores de atividade em que a
tendência, já o Estado sentiu a necessidade de re- penetração feminina foi um processo quase se-
gular o casamento das professoras primárias e das cular, prolongado mas contínuo, o movimento as-
funcionárias dos CTT” [Diário das Sessões da As- censional em direção ao topo está prestes a con-
sembleia Nacional, sessão de 17/01/1951, p. 273]. cluir-se com sucesso. Subsectores da adminis-
Mas a evolução já não podia ser travada e os nú- tração pública, como a Educação ou a Saúde, fe-
meros para as décadas seguintes provam-no: em minizaram-se quase por completo; na magistra-
1960, em toda a administração já se chegava a tura e diplomacia, com apenas duas décadas de
9,3% de pessoal feminino, mas o grande salto es- acesso, as mulheres já eram, em 1997, respeti-
tava para vir. Durante as décadas de 60 e início vamente, cerca de 35% e 20%. Se, à mesma data,
de 70, em grande parte como resultado da subi- a taxa de feminização dos quadros dirigentes da
da da qualificação académica das mulheres, que administração pública ainda era de 36,7% e ape-
começavam cada vez mais a completar o ciclo de nas de 22% ao nível dos diretores-gerais e dos ges-
estudos secundários, a função pública feminiza- tores públicos e em cargos equiparados, a ten-
se crescentemente. E isso verifica-se quando se dência de crescimento é evidente e irreversível
começa a compilar especificamente a informa- (o valor equivalente em 1991 era de apenas 11%).
ção sobre o emprego, em meados da década de Tal como em diversas outras áreas da vida social
70. Para o ano de 1974, estima-se que o funcio- e do mundo do trabalho, as conquistas femini-
nalismo, que estava perto dos 120 mil indivíduos nas ficaram a dever-se à luta pela remoção das
em 1960, tenha atingido os 229 mil, crescendo barreiras legais ao acesso das mulheres ao exer-
92%; no entanto, esse crescimento fora conse- cício das funções/profissões em causa e, em se-
guido praticamente à custa da feminização, guida, pelo aumento dos seus níveis de qualifi-
pois enquanto o pessoal masculino crescera cação académica, o que tornou possível que a sim-
apenas 26%, o número de funcionárias cresce- ples possibilidade de acesso fosse devidamente
ra de pouco mais de 11 mil para mais de 93 mil, aproveitada.
aumentando mais de oito vezes e chegando aos
Bib.: António Barreto, A Situação Social em Portugal,
40% do total. E a tendência nos anos seguintes 1960-1995, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 1996; Cen-
continuaria, pois para 1977 a estimativa era de sos da População [vários anos]; Diário das Sessões da As-
128 mil funcionárias e mais de 42% no conjun- sembleia Nacional [disponível em www.parlamento.pt];
to do funcionalismo. Aliás, esse crescimento, em- Eurostat Yearbook – A statistical eye on Europe. Data 1987-
1997, Luxembourg, Eurostat, 1999); Estatísticas do Em-
bora não imediatamente em números significa- prego [vários anos, disponíveis em www.ine.pt]; Helena
tivos, seria ainda potenciado pela, por fim, Roseta, “O Feminino na Política e na Administração Pú-
abertura ao acesso feminino de algumas das úl- blica”, Faces de Eva, n.o 5, 2001, pp. 9-24; A Igualdade
323 FUN

de Género em Portugal, Lisboa, CIDM, 2003; Isabella Bak- uma comissão, presidida pelo cônsul britânico
ker, “Women’s employment in comparative perspective”, em Lisboa, que integrava várias pessoas volun-
Feminization of the Labour Force – Paradoxes and pro-
mises (Jane Jenson et alli), Cambridge, Polity Press, 1988, tárias e se reunia regularmente para apreciar cada
pp. 17-44; José Manuel Leite Viegas e Sérgio Faria, As Mu- caso, decidindo se e como ajudar. Os candidatos
lheres na Política, Oeiras, Celta Editora, 2001; Manuela e beneficiários eram visitados no seu domicílio,
Silva, O Emprego das Mulheres em Portugal – A “mão in- sendo cada membro da comissão responsável por
visível” da discriminação sexual no emprego, Lisboa, um determinado número de pessoas. Uma das be-
Afrontamento, 1983; A Mulher e o Trabalho, 1974/84 –
2.a Conferência da Mulher Trabalhadora, [Lisboa], Edi- neficiárias, que viveu até aos cem anos, acredi-
ções Um de Outubro, 1985; Paulo Guinote, Quotidianos tava que a pensão lhe tinha sido atribuída pes-
Femininos (1900-1933), Lisboa, ONGCCCIDM, 1997; soalmente pela rainha Vitória. Outra era filha do
Portugal: Situação das mulheres [diversos anos], Lisboa, mestre de equitação do rei D. Carlos. O dinhei-
CIDM; Rede de Peritos sobre a Posição das Mulheres no
Mercado de Trabalho, Tendências e Perspectivas para o ro advinha de contributos individuais, de em-
Emprego Feminino nos Anos 90, Lisboa, CISEP, 1996; Vir- presas, de instituições como a Fundação Calouste
gínia do Rosário Baptista, As Mulheres no Mercado de Tra- Gulbenkian ou o Serviço Voluntário Feminino e
balho em Portugal: Representações e quotidiano (1890- também do próprio consulado britânico. Havia
-1940), Lisboa, ONGCCCIDM, 1999; Virgínia Ferreira, “Pa- também atividades organizadas propositada-
drões de segregação das mulheres no emprego – Uma aná-
lise do caso português no quadro europeu”, Portugal: Um mente para realizar fundos, como jogos de
Retrato Singular [org. Boaventura de Sousa Santos], Por- bridge ou vendas de Natal. A título de exemplo,
to, Afrontamento, 1993, pp. 233-260; “A Mulher Fun- em 1957 havia 17 beneficiários que recebiam, em
cionária do Estado”, Ilustração Portuguesa n.o 275, média, 350$00 por mês. A maior parte eram mu-
01/05/1911, pp. 550-553; A Semeadora, 1915.
[P. G.] lheres. Em 1965, 22 pessoas recebiam um sub-
sídio regular, mas também era frequente serem
Fundos Caritativos Britânicos atribuídos subsídios eventuais para pagar cui-
Entre as várias instituições inglesas existentes em dados médicos e outras necessidades. Nos anos
Portugal, encontram-se os Fundos Caritativos Bri- 60 do século XX, cerca de 20 pessoas recebiam
tânicos (no plural, pois resultavam da fusão de apoio dos fundos. Em 1981, foi possível distri-
duas iniciativas). A primeira, intitulada British buir 487 069$00, contando com 17 beneficiários
Charitable Fund, fora criada em 1827, embora al- regulares. Em 1983, esse montante foi de
gum tempo depois tenha ficado inoperante. Foi 825 600$00, para além da atribuição de outras pe-
reativada em 1890, por iniciativa do reverendo quenas quantias ocasionais.
Godfrey Pope, pastor da igreja anglicana de São Bib.: Ana Vicente, Arcádia, Notícia de Uma Família An-
Jorge, em Lisboa. A segunda chamava-se Jubilee glo-Portuguesa, Lisboa, Gótica, 2006; The Anglo-Portu-
guese News, n.o 296, 19/04/1945, n.o 629, 09/02/1957, n.o
Pension Fund, fundada em 1897, quando a rai- 870, 07/05/1966, n.o 901, 15/07/1967, n.o 1277, 08/07/1982,
nha Vitória completou 60 anos de reinado, ten- n.o 1304, 25/08/1983, n.o 1401, 02/04/1987.
do merecido a aprovação expressa da rainha. Am- [A. V.]
bas tinham como objetivo apoiar financeiramente
qualquer britânico residente na imensa região Futuro (O)
abrangida pelo consulado britânico em Lisboa que Assumia-se como revista mensal de propagan-
se encontrasse em dificuldades e, se necessário, da sociológica e de ciências psíquicas. Tinha
pagar-lhe a viagem de regresso ao Reino Unido. como diretora Maria Veleda* e como redatores
Isto sem olhar “à religião professada”. As mu- principais Viriato Zeferino Passaláqua (general)
lheres inglesas que tivessem perdido a sua na- e Hermínio do Nascimento. Cândido Guerreiro
cionalidade devido ao casamento com portu- Xavier da Franca foi secretário até finais de 1922,
gueses também poderiam ser apoiadas. Os esta- sendo substituído no cargo por Laura Barbosa*.
tutos originários do Jubilee Pension Fund espe- A revista era editada e gerida pela Empresa “O
cificavam ter o intuito de apoiar “especialmen- Futuro” e estava sediada na Rua da Prata, 178,
te as mulheres”. Anteriormente a 1827, o cônsul 2.o, em Lisboa. Começou a publicar-se em feve-
da Grã-Bretanha em Lisboa cobrava uma taxa so- reiro de 1921 e trazia a indicação de que subs-
bre as mercadorias importadas a fim de prover tituía a revista A ASA*. Seguia a mesma linha edi-
às pessoas britânicas necessitadas. Em 1872, uma torial e obedecia aos mesmos objetivos, tendo,
das beneficiárias foi uma precetora inglesa com no entanto, um corpo redatorial mais alargado.
74 anos, “doente e sem alunos”. Na segunda me- Em junho de 1922, a diretora Maria Veleda lan-
tade do século XX, os fundos eram geridos por çou a ideia da realização de um Congresso Es-
FUT 324

pírita, a fim de aproximar todos os grupos na- desistiram, porque entendiam que era um dever
cionais, dar visibilidade e prestígio à nova filo- intensificar a imprensa espiritualista, já que ela
sofia e religião e delinear o combate ao pseudo- era a “ ‘Santa Locomotiva do Progresso’, a car-
-espiritismo que muito contribuía para com- ta circular, o propagandista indispensável do no-
prometer e amesquinhar os nobres ideais da ver- bre e elevado ideal cristão, na sua pureza e sim-
dadeira doutrina. A revista n.o 10, de fevereiro- plicidade primitivas” [O Futuro, n.o 25, outubro
maio de 1923, dava relevo à criação do Centro de 1924, p. 1]. O grupo editor assegurava a maior
Espiritualista Luz e Amor*, associação devida- parte das despesas de edição. Em março de 1925,
mente regularizada e autorizada pelas entidades o mesmo era constituído por sete homens e duas
oficiais, cujos estatutos foram aprovados em as- mulheres, Isaura Pena* e Carmen Vaz Figueire-
sembleia-geral, em 15 de abril do mesmo ano. do*, ao qual se juntaram outras duas, Dinah San-
Apesar de se pretender mensal, a publicação foi tos Lima* e Elisa Santos Lima*. Em julho desse
bastante irregular. Entre fevereiro de 1921 e ou- ano, a revista passou a ser paga, mediante assi-
tubro de 1923, publicaram-se apenas 14 núme- natura semestral ou anual. A direção foi entre-
ros, havendo por vezes interregnos de quatro me- gue a pessoas diferentes, o leque dos colabora-
ses a um ano. Em 1924, a periodicidade parece dores também se ampliou, o subtítulo alterou-
ter sido mais regular. Sendo de distribuição gra- -se para “Revista de Cultura Espiritualista”, mas
tuita aos sócios do Grupo/Centro Espiritualista a orientação e os objetivos iniciais, traçados por
Luz e Amor, nem sempre havia verbas para a sua Maria Veleda em 1921, mantiveram-se no es-
publicação. Muitos associados contribuíram sencial. As mulheres do Centro Espiritualista Luz
periodicamente para que a mesma fosse viável. e Amor continuaram a apoiar O Futuro “da Hu-
Em outubro de 1924, Maria Veleda abandonou manidade”, através de contribuições, doações,
a direção de O Futuro para dirigir A ASA, órgão assinaturas e/ou colaboração escrita, cuja pu-
oficial do Centro Espiritualista Luz e Amor, se- blicação foi suspensa por tempo indeterminado
guindo-a a secretária Laura Barbosa. Viriato Ze- em janeiro de 1933.
ferino Passaláqua e outros colaboradores man- Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
tiveram-se e José Maria Pereira Bravo (capitão) Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
assumiu os editoriais e outros artigos de pro- Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Disser-
paganda espírita. Apesar de Maria Veleda ter tran- tação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lis-
boa, Universidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no
sitado da direção de uma para outra revista com labirinto espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva,
o conhecimento e acordo de todos os interve- n.o 15, 2006, pp. 83-109.
nientes, o certo é que começaram a lavrar algu- [N. M.]
mas dissensões entre os associados do centro, di-
vididos agora no apoio a duas revistas com ca-
racterísticas e objetivos muito idênticos. As di-
ficuldades que O Futuro continuava a enfrentar
geraram más-vontades e algumas críticas à an-
tiga diretora por ter renunciado ao cargo. Ela jus-
tificou-se com a falta de saúde para arcar com
o trabalho de direção das duas revistas, mas que,
apesar de tudo, se teria mantido mais algum tem-
po no lugar se alguém lho tivesse pedido: “Fa-
ria de boa-mente esse sacrifício, em testemunho
da muita gratidão que lhe devo. Mas o seu re-
traimento convenceu-me que O Futuro podia
passar perfeitamente sem mim” [A ASA, n.o 10,
julho de 1925, p. 157]. Apesar de se apelar cons-
tantemente à contribuição dos leitores e haver
doadores regulares, os problemas financeiros de
O Futuro agravaram-se, sobretudo no início de
1925, porque a edição passou a quinzenal e o
maior contribuinte deixou de poder satisfazer os
seus compromissos. Todavia, os responsáveis não
G
Gabriela da Cunha sa Bastos, no Avenida, com a qual foi ao Rio de
v. Gabriela da Cunha De Vecchi Janeiro. Na época 1903-1904, pertencia à Empresa
Eduardo Portulez, então no Teatro da Avenida.
Gabriela da Cunha De Vecchi Passou para o D. Amélia e, em 1907, estava no
Atriz. Nasceu no Porto a 18 de dezembro de 1821 Trindade, onde representou Semana de Nove Dias,
e faleceu na Baía, Brasil, a 7 de julho de 1882. de Ernesto Rodrigues e Félix Bermudes.
Chamava-se Gabriela da Cunha e era filha da atriz Bib.: António Sousa Bastos Dicionário do Teatro Por-
Gertrudes Angélica da Cunha*. Casou com José tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 281;
De Vecchi, ator no Teatro de S. Carlos, em Lis- Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol.
boa e, depois, do Teatro Lírico de S. Pedro de Al- II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal
de Lisboa, 1967, p. 413.
cântara, no Rio de Janeiro. Tiveram cinco filhos, [I. S. A.]
dos quais Ludovina De Vecchi* e Eduardo e Ma-
nuel de Vecchi se dedicaram ao teatro. Era mui- Gabriela Pedro
to instruída e educada. Dançou no Teatro de S. Filha do segundo casamento de Gabriel Pedro
Carlos, no papel de “Flora”, no bailado Flora e (22/04/1898-1972), após o seu regresso do Tar-
Zéfiro, onde Josefa Soler* era o “Zéfiro”. Seguiu, rafal, e de Maria Adelaide Fonseca Pedro, nas-
depois, com a mãe para o Brasil. Foi a primei- ceu em junho de 1948 e, tal como toda a famí-
ra “ingénua” do seu tempo no Teatro de S. Pe- lia, iniciou cedo a intervenção política. Segundo
dro de Alcântara, do Rio de Janeiro, e depois no relato do irmão Edmundo Pedro (n. 08/11/1918)
Ginásio Dramático da mesma cidade e, por mui- nas Memórias editadas em 2007, frequentou a
to tempo, o ídolo das plateias brasileiras. Em Escola Emídio Navarro, em Almada, desenvol-
1865, voltou a Portugal e entrou logo para os tea- veu precoce ação no meio estudantil, enqua-
tros D. Maria II, Príncipe Real e Rua dos Condes. drada pela sua militância comunista, e partiu,
Deste tempo, salienta-se a sua interpretação em em meados da década de 60, para Paris, onde
Os Homens Sérios, comédia-drama em 4 atos de se encontrava o pai, “para escapar, tal como ele,
Ernesto Biester. Mais tarde, regressou ao Brasil, à perseguição da polícia política” [Edmundo Pe-
fixou residência na cidade da Baía e por lá ficou. dro, p. 29]. Completou então o liceu, matricu-
Colaborou em jornais e traduziu peças de teatro lou-se como estudante-trabalhadora na Uni-
que foram representadas naquele país. versidade de Paris, onde cursou Matemática e
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Informática, empregou-se em regime de part-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 447; time na redação do jornal L’Humanité, militou
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, ativamente no Partido Comunista Francês, até
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 192; Gran- romper com ele e abandonar o órgão oficial, e
de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXXIV, Lis-
boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda., s.a., p. no movimento associativo dos emigrantes por-
397; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro tugueses. Viveu os acontecimentos de Maio de
Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 231. 1968 e “aderiu, com total convicção, aos mo-
[I. S. A.] vimentos alternativos que emergiram daquela
revolta estudantil, ou seja, a todas as causas no-
Gabriela De Vecchi bres que despertavam o entusiasmo militante do
v. Gabriela da Cunha De Vecchi seu generoso espírito” [Idem]. O irmão recorda
que sempre que a visitava ficava “impressionado
Gabriela Lucey com o ritmo estonteante que imprimia à sua
Atriz. Francesa de nascimento, veio para Portu- vida”, “como que tomada por uma febre de ação”
gal como cantora de teatro ligeiro. Era formosa e [Idem, 158]: morreu no dia 2 de maio de 1969,
elegante, vestia com muito gosto e tinha uma bo- como informa a lápide da sua campa [Idem, p.
nita voz. Estreou-se, em 1898, no Teatro do 146], com apenas 20 anos de idade, depois de
Príncipe Real, numa revista. Foi, depois, contra- complicações de uma lesão cardíaca detetada tar-
tada para o Teatro da Rua dos Condes pelo ator diamente. Edmundo Pedro insere no livro duas
Vale, passando, em seguida, para a Empresa Sou- fotografias de Gabriela Pedro: uma aos 15 anos,
GAB 326

na companhia de colegas da escola, e outra aos elenco do Teatro da Trindade, onde entrou em A
20, em França. Preta do Mexilhão (1904), paródia à ópera Aida
Bib.: Edmundo Pedro, Memórias. Um combate pela por Eduardo Coelho e Pedro Pinto Coelho Júnior,
liberdade, I Volume, Lisboa, Âncora Editores, 2007, com música de Júlio Neuparth-Milano. Foi com
pp. 28-30, 146, 155-161. a companhia daquele teatro para o Brasil, donde
[J. E.] regressou para abandonar a cena e casar.
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu-
Gabriela Velutti guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 203; Gus-
Atriz. Fez parte da Companhia José Gil, do Gi- tavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II,
násio Dramático do Rio de Janeiro, que em 1876 Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de
visitou a Baía e representou ao lado de Eugénia Lisboa, 1967, p. 412.
[I. S. A.]
Infante da Câmara* e de Lucinda Simões*, atri-
zes da mesma companhia. Entrou em peças pro-
tagonizadas por Isménia Santos*. Possivelmen- Georgina Conde
te, mãe de Maria da Conceição Singer Velutti*, Atriz que usou o nome artístico de Gina Conde.
Iniciou-se na vida artística como corista e, em
atriz que representou em Portugal.
1895, integrou um elenco da Companhia Taveira,
Bib.: Afonso Ruy, História do Teatro na Bahia, Séculos XVI- então no Teatro da Trindade, que foi em digressão
XIX, Publicações da Universidade da Bahia, 1959, p. 53.
[I. S. A.]
ao Pará (Brasil). Como tinha boa voz, foram-lhe
distribuídos pequenos papéis e, depois, primeiras
partes de peças. Substituía atrizes e foi muito uti-
Galiana
lizada pela Companhia Actor Vale, no Teatro da
Participou na Marcha da Fome ou Marcha do Pão
Rua dos Condes. Pode tratar-se de uma atriz Gina
realizada em 8 de maio de 1944, em Alhandra,
que fez os papéis de “Nicoleza” em O Gafanhoto
e que atravessou a vila durante o desfile rei-
(1897), no Teatro da Rua dos Condes, e “Veran-
vindicativo em direção a Vila Franca de Xira, na
dall” em Armário das Aflições (1898), comédia
sequência do movimento grevista desse dia na
em 3 atos, tradução de Gervásio Lobato, e entrou,
região, onde foi travado pelas forças repressivas.
no mesmo ano, em O8, ópera cómica, música de
Segurou, com Deolinda da Luz*, cunhada de Pe-
Filipe Duarte. Afastou-se da cena.
dro Neto, uma faixa branca que tinha inscrito a
negro a expressão “Nós queremos Pão e Géne- Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
ros” e foi uma das mulheres alhandrenses pre- tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 203-
204; G. B., Tardes e Noites, n.o 1, 11/11/1897, p. 11, e n.o
sa pela GNR na praça de touros de Vila Franca 3, 28/11/1897, p. 11; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sé-
de Xira, transportada para Lisboa, para a praça culo, 19/04/1956, p. 4.
de touros do Campo Pequeno e, no dia 11, en- [I. S. A.]
viada para o Forte de Caxias, onde permaneceu
enclausurada até agosto. Georgina Cordeiro
Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na
Atriz. Nasceu em 1907. Frequentou a Escola de
Resistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Arte de Representar do Conservatório Nacional
Ausência, 2005. de Lisboa com muito boa classificação e recebeu
[J. E.] o prémio Eduardo Brasão. Ainda aluna, es-
treou-se na peça Emigrantes (1921), em 4 atos, de
Gastão Vidal de Negreiros Tito Arantes, levada à cena pela Companhia Lu-
Pseudónimo de Ana Augusta Plácido* de que se cília Simões no Teatro Politeama, e entrou em A
serviu para assinar o romance Regina. Intrusa (1925), de Luna de Oliveira, no Teatro da
Trindade. Dedicou-se à comédia e à revista, onde
Georgina Cardoso chegou a ser vedeta. Pertenceu às companhias tea-
Atriz. Inteligente, graciosa e boa no género de ope- trais de Lucília Simões-Eurico Braga, Adelina-
reta. Era filha do ator Rosado Cardoso, da Com- Aura Abranches e Maria Matos. Trabalhou nos
panhia Soares, que representava em teatros das Teatros Estúdio de Lisboa e no Villaret, na Com-
províncias, onde Georgina se teria iniciado na car- panhia Raul Solnado. Em 1932, estava no Tea-
reira teatral. Estreou-se, como atriz profissional, tro S. Luís, onde representou na peça A Cadei-
no Teatro Carlos Alberto, do Porto. Partiu para Lis- ra da Mentira, ao lado de Ruth e Maria Sampaio*.
boa, passou pelo Teatro da Avenida e integrou o Entrou nas revistas O Liró, de Lino Ferreira, Fer-
327 GEO

nando Santos Foyos Teixeira e Xavier de Maga- Serpa Pinto” (1891), “Avé Pátria ”(1892), “Con-
lhães, música de Jaime Mendes e Fernando Gui- fissão” (1892), “Horas tristes” (1901), “Os heróis
marães (Variedades, 1937), participou na estreia do Ocidente” (1897), “O emir” (1902), “O herói
de Bicha de Rabiar, de Félix Bermudes, Ascen- de Chaimite” (1903), “A coroa dos reis lombar-
são Barbosa e Abreu e Sousa (Avenida, 1938), Alto dos”, em prosa, “A noiva do marinheiro”, poe-
lá com o Charuto, de Vasco Santana, Luís Ga- sia dedicada à filha Alda (1904) e “Máximo Gor-
lhardo e Carlos Lopes, música de Raul Ferrão e ki, notas biográficas tiradas da Ilustração Fran-
Fernando de Carvalho (Variedades, 1945), e Tá cesa” (1906).
bem ou não Tá?, de Ascensão Barbosa, Aníbal Na- Bib.: Ilda Soares de Abreu, “Georgina de Carvalho”, Di-
zaré e Nelson de Barros, música de Fernando Car- cionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros
valho e Frederico Valério (Avenida, 1947). Co- Horizonte, 2005, p. 370; Novo Almanaque de Lembranças
laborou na Emissora Nacional e na RTP. Retirou- para o Ano de 1880, Lisboa, Lallemant Frères Tipogra-
fia, 1879, pp. 42 e 243; Novo Almanaque de Lembran-
-se de cena em 20 de julho de 1966. ças para o Ano de 1904, Lisboa, Parceria António Ma-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- ria Pereira, 1903, pp. 253 e 283.
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 272; [I. S. A.]
António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia Cos-
ta Sanches, 1923, p. 62; Fernando Peixoto, “O século XX Georgina Gonçalves
em Portugal”, História do Teatro Europeu, Lisboa, Edi-
ções Sílabo, 2006; Rolando da Silva, O Meu Jornal. Im-
Atriz. No Teatro Apolo, entrou na reprise de José
pressões de teatro (Número dois), Lisboa, edição do au- João, paródia em 4 atos ao drama “João José” de
tor, 1932, p. 20; Vítor Pavão dos Santos, Revista à Por- Joaquim Dicenta, por Eduardo Fernandes (Es-
tuguesa – Uma história breve do teatro de revista, Lis- culápio), música de Rio de Carvalho, e Agulha
boa, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 251-254; O Século, em Palheiro (1911), em 8 atos e 14 quadros, de
28/11/1921; “Teatro – Foi neste dia...”, O Século,
24/01/1952, p. 4, e 21/12/1961, p. 5. Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e Marçal Vaz
[I. S. A.] (Lino Ferreira), música de Filipe Duarte e Car-
los Calderón. Apareceu no Teatro Nacional do
Georgina Costa Porto, no elenco da revista O Novo Mundo
v. Georgina Pinto da Costa (1918), em 2 atos, de Ernesto Rodrigues, Félix
Bermudes e João Bastos, música de Alves Coe-
Georgina de Carvalho lho e Wenceslau Pinto.
Poetisa e tradutora. Natural de Lisboa. A sua poe- Bib.: Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa,
sia de teor saudosista e patriótico revela, por ve- Parceria António Maria Pereira, 1940, p. 196; Luiz Fran-
zes, algum desencanto, como no poema “Avé Pá- cisco Rebello, História do Teatro de Revista em Portu-
gal, 2. Da República até hoje, Lisboa, Publicações D. Qui-
tria”: “Que é do teu Camões, esse inspirado, / Mo- xote, 1985; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
delo de guerreiro e trovador, / Que por ti veste 07/03/1956, p. 7.
a loriga do soldado / por ti torna imortal o Ada- [I. S. A.]
mastor?”; “Por ti, ó minha pátria, dera a vida, /
Se tão pouco bastasse p’ra te acordar / a lem- Georgina Pinto
brança na tu’alma adormecida, / dos feitos que v. Georgina Pinto da Costa
soubeste praticar!”. Colaborou no Almanaque
das Senhoras com “As Andorinhas”, prosa, Georgina Pinto da Costa
(1878), “Talvez!”, poesia (1879), “Maria Anto- Atriz também conhecida como Georgina Costa e
nieta”, poesia de exaltação à rainha francesa Georgina Pinto. Nasceu em Rio Maior a 12 de de-
(1880), “Desengano”, poesia (1881), “No bosque zembro de 1868 ou 1869, e faleceu no Rio de Ja-
de ulmeiros em Montachique” (1900), “Cinzas neiro a 12 de abril de 1903. Era irmã de Pinto da
esparsas” (1901); no Novo Almanaque de Lem- Costa, artista que morreu cedo. Sozinha, sem pro-
branças Luso-Brasileiro publicou “Martírio” teção, devia tudo ao seu talento, à singularida-
(1879), “O Crepúsculo, à memória de minha de dos seus olhos orientais e boa apresentação.
mãe” (1880), “Saudade a A. Xavier Rodrigues Começou a carreira artística como amadora, em
Cordeiro” (1881), “Confidências” (1882), “Au- teatros e sociedades recreativas. Estreou-se no Tea-
sência, a minhas filhas” (1884), “A morte da emi- tro Chalet, do Porto, em 1892, no drama em 5 atos
nente actriz Emília Neves” (1885), “Meu canto Piratas da Savana, tradução de José Carlos dos
é triste, a D. Catarina d’Almeida” (1886), “Um Santos, e trabalhou no Teatro D. Afonso, na Com-
capricho”, duas quadras (1887), “Homenagem a panhia Taveira, Santinhos & José Ricardo. Pas-
GEO 328

sou para o Teatro do Príncipe Real, do Porto, e Janeiro, para representar no Teatro Recreativo Dra-
ali representou Os Dois Garotos, drama em 2 par- mático, onde se estreou na Fédora, representando
tes e 8 quadros de Pierre Decourcelle, traduzido a seguir Lição Cruel, de Pinheiro Chagas. Pre-
por Guiomar Torrezão. Entrou em operetas e co- parava-se para desempenhar o papel de “Mau-
médias. Afastada do teatro por alguns anos, re- de de Rovore” em Semi-Virgens, drama de Mar-
presentando em companhias populares, voltou cel Prévost, quando adoeceu. A malograda artista
aos palcos, desempenhando a 1.a rábula em O Rei- já tinha ido por diversas vezes ao Brasil onde foi
no das Mulheres (1899), peça fantástica em 3 atos sempre recebida com agrado. Ali faleceu de fe-
de E. Blum, imitação de Sousa Bastos, música bre-amarela, num domingo de Páscoa. Teve
coordenada por Freitas Gazul, no Teatro da Rua uma relação íntima com Carlos de Oliveira (n.
dos Condes, em Lisboa e, apesar do seu talento, 1871), posto de parte pela Companhia Inglesa de-
não conseguiu fazer-se notar. Voltou para o Por- vido a ela. Georgina Pinto deixou um filho órfão
to com a Companhia Taveira, tendo como cole- e em grandes dificuldades económicas. Para mi-
gas Maria Pia d’Almeida* e Carmen Cardoso*. Fo- nimizar a miséria em que ficaram os órfãos dos
ram-lhe distribuídos papéis de “criada” e “ca- atores Georgina Pinto e José Batista, ambos fa-
racterística”, mas não eram estes os géneros de lecidos no Brasil, os jornais Diário, Vanguarda,
sua feição. Apareceu de repente no drama Fan- Popular, Novidades e Correio da Noite associa-
fan, de António Lopes Teixeira, revelando-se, en- ram-se aos artistas que deram um espetáculo diur-
tão, uma atriz dramática de faculdades verda- no, no Teatro D. Amélia, aos preços da casa, com
deiramente notáveis. Foi em digressão às ilhas, Boubouroche, de A. Courteline, tradução de Car-
integrada numa companhia dramática, escritu- los de Moura Cabral, que fazia parte do repertó-
rando-se, no regresso, na Empresa Rosas & Bra- rio mas não estava em cartaz, e uma palestra des-
zão, no Teatro D. Amélia, onde entrou nas peças pretensiosa de André Antoine (1858-1943), fun-
Amor Louco (1899), de Henrique Lopes de Men- dador do Teatro Livre de Paris, que estava em Por-
donça, A Estrangeira, de Alexandre Dumas, fi- tugal em 1904, sob o título de A Carreira e os Seus
lho, tradução de António Enes, e Fromont & Ca. Intuitos sobre a Arte de Representar.
Neste teatro teve algumas divergências com as co- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
legas. A qualidade do seu trabalho levou a que, Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1055; An-
em 1901, ingressasse no Teatro D. Maria II, onde tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis-
se estreou como societária de 2.a classe da Com- boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 190-191; Car-
panhia de Ferreira da Silva, em Sinhá, peça em los Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de um
actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publi-
3 atos de Marcelino de Mesquita, entrou em O cidade, 1950, p. 115; Eduardo Victorino, Actores e Actri-
Enigma (1902), de Paul Hervieu, tradução de Joa- zes, Rio de Janeiro, Oficinas de Obras Gráficas da S. A. “A
quim Madureira, e desempenhou, em seguida, o Noite”, 1937, p. 143; Esteves Pereira e Guilherme Rodri-
difícil papel da Segunda Mulher de Tanqueray, gues, Portugal. Dicionário histórico, corográfico, biográ-
de Lavedan, que a Duse representara em Lisboa fico, bibliográfico, heráldico, numismático e artístico, Vol.
V, Lisboa, João Romano Torres & Ca. Editores, 1911, p. 795;
e Lucinda Simões* fizera no Rio de Janeiro. Mais Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. IX, Lis-
tarde, entrou no prólogo de Suave Milagre, boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, pp. 808-809;
adaptação do conto de Eça de Queiroz pelo con- Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional
de de Arnoso e Alberto de Oliveira, com elogios D. Maria II, Vol. II, Publicação Comemorativa do Cente-
nário 1890-1962, Lisboa, 1955, p. 438; J. M. Teixeira de Car-
da crítica. Numa companhia organizada pelo ator valho, Teatro e Artistas, Coimbra, Imprensa da Universi-
Fernando Maia, gerente do Teatro D. Maria II, foi dade, 1925, p. 67; Joaquim Madureira (Braz Burity), Im-
ao Pará, Pernambuco e Baía (Brasil) e, no regresso pressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Edi-
a Lisboa, constituiu, com o ator Carlos Santos e tores, 1905, pp. 171-172 e 470; Memórias de Chaby, Lis-
outros elementos dispersos, uma troupe que le- boa, Editora Gráfica Portuguesa, Lda. 1938, p. 115; Pedro
Cabral, Relembrando… Memórias de teatro, Lisboa, Livraria
vou à cena, no Teatro da Rua dos Condes, Frei Popular, 1924; “Necrologia – Georgina Pinto” [c/ retrato],
Luís de Sousa, drama em 3 atos de Almeida Gar- O Ocidente, n.o 876, 30/04/1903, pp. 95-96.
rett, Manchas Que Limpam, Sapho, esta em tra- [I. S. A.]
dução de Cunha e Costa, Tosca, drama em 4 atos
de Victorien Sardou, traduzida por Maximiliano Georgina Vieira
de Azevedo, Fédora, adaptação de Sardou, e Casa Atriz. Fez uma temporada no Brasil com muito
da Boneca, de Ibsen. Em 1903, a Companhia de êxito, integrando uma companhia de vaudeville
Eduardo Vitorino propôs-lhe uma ida ao Rio de em que atuavam Adelaide Coutinho*, Doroteia
329 GER

Coutinho* e Benvinda Canedo*. Na época 1903- Brasil e conheceu uma vida melhor. Escreveu
1904, pertencia à Empresa Ruas & Carvalho, en- uma tragédia, em 3 atos, intitulada Norma, que
tão no Teatro do Príncipe Real, e ali fez os papéis se supõe ser traduzida ou inspirada na peça com
de “Gertrudes”, na peça em 3 atos Em Ruínas o mesmo título de Felice Romani, as comédias
(1904), de Ernesto da Silva, “ama Ester”, em O Rei A Mudança de Sexo ou Quanto Podem as Boas
Maldito, drama histórico em 5 atos e 6 quadros Maneiras e O Noivo do Algarve ou Astúcias de
de Marcelino Mesquita, “Engrácia, a contraban- dois Ladinos, datadas de 1848.
dista”, em O Coxo do Bairro Alto, drama popu- Da autora: Miscelânea Constitucional [coleção de poe-
lar em 6 atos de Eduardo Coelho, “Petronilha”, sias, consideradas de fraca qualidade, alusivas à Carta
em Garra de Leão, drama em 1 ato, prólogo e 5 Constitucional], Lisboa, Tipografia Bulhões, 1826.
atos de Edouard Philipe, versão de João Soler, e Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 296;
“Pulquéria”, em Perdidos no Mar, drama em 3 atos António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
e 5 quadros, imitação de José António Moniz. Fez Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 192; Idem, Re-
parte do elenco da Sociedade Teatro Livre, diri- cordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947, pp.
gida por António Pinheiro e que atuava no Tea- 241-242; Carlos Leal, No Palco e na Rua – Impressões do
homem e do artista, Lisboa, Tip. Costa Sanches, 1920, p.
tro do Ginásio, uma iniciativa que visava a edu- 110; Hilda Agnes Hübner Flores, Dicionário de Mulhe-
cação do público pela arte cénica através da es- res, Porto Alegre, Nova Dimensão, 1999, p. 145.
colha expressa das peças para o fim, representando [I. S. A.]
“Mme. Dumont” em A Moral Deles, comédia em
3 atos, tradução da peça La Tante Léontine, de Bo- Gertrudes Carneiro
niface e Bodin. Em 1912, estava no Teatro Re- Atriz. Faleceu em julho de 1898. Era muito bai-
pública, onde representou As Nossas Amantes, xa, mas bonita, graciosa e teve muito êxito até
comédia em 3 atos de Augusto de Castro. 1879. Estreou-se na inauguração do Teatro da
Bib.: António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livra-
Trindade, a 30 de novembro de 1867, em O Xe-
ria Bordalo Editora, 1912; Henrique Marinho, O Teatro rez da Viscondessa, comédia em 1 ato traduzi-
Brasileiro, Paris/Rio de Janeiro, H. Garnier, Livreiro – da do castelhano por Francisco Palha, num elen-
Editor, 1904, p. 440. co onde se encontravam os melhores atores do
[I. S. A.] tempo. Ali representou A Família Benoiton, co-
média em 5 atos de Victorien Sardou, traduzi-
Gerarda Viana da por Ernesto Biester, As Pupilas do Sr. Reitor,
Atriz. Integrava a Empresa Ferraz Brandão, então de Júlio Dinis, adaptação de Ernesto Biester, Nas
no Teatro Apolo Terrasse do Porto, onde entrou Armas do Touro (1868), comédia espanhola, imi-
na revista No País do Vinho (1914) de André Brun, tação de Manuel Roussado, Flor de Chá, opereta,
Ernesto Rodrigues e Leandro Navarro, musicada Reconciliação, Criado Feliz, Médico à Força, co-
por Luís Filgueiras e Filipe Duarte. média em 5 atos de Molière, arranjo de Antó-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 08/01/1956, nio Feliciano de Castilho, e Diário de Notícias.
p. 6. Em 1870, passou para o Teatro do Ginásio, onde
[I. S. A.] obteve igual êxito nas comédias em 3 atos Mo-
ços e Velhos e Lenço Branco, de Alfred Musset,
Gertrudes Angélica da Cunha ambas em tradução de Rangel de Lima, e A Fi-
Atriz. Mãe da atriz Gabriela da Cunha De Vec- lha do Carvoeiro. Em 1874, voltou para o Tea-
chi*, nasceu em Lisboa a 29 de maio de 1794 e tro da Trindade, onde esteve até 1876 a repre-
faleceu no Rio de Janeiro em 1850. Por volta de sentar Coroa de Carlos Magno, mágica de Joa-
1812, representava no Teatro da Rua do Salitre quim de Oliveira, Criança de 90 anos, Flor de
e era apreciada pelo público. Foi societária da Laranjeira, de Eduardo Schwalbach, Mãos de Fi-
companhia de teatro da Rua dos Condes que, nes- dalgo, Néné, O Que o Berço dá!..., Pior Inimi-
se tempo, era o Teatro Nacional. Chegou a viver ga, Primeiro eu, Proezas de D. Quixote, Quatro
na miséria, “comendo só batatas e pão e vendeu Mulheres numa Casa, comédia em 3 atos, tra-
a própria cama”, como afirma em a Miscelânea dução de Rangel de Lima, e Um Murro e Um
Constitucional. Pertenceu à primeira companhia Lenço. Em 1879, voltou para o Ginásio, onde es-
artística que, em 1829, foi contratada para o Tea- teve pouco tempo, porque engordou, a sua fi-
tro de S. Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro, gura já não se prestava para o teatro e estava um
onde casou. Representou em alguns estados do tanto desequilibrada. Apareceu em O Tio Tor-
GER 330

quato (1884), de Alfredo Ataíde, no Teatro da dições económicas da família, com seis filhos a
Avenida de Lisboa. cargo. Marcada pelo espírito solidário da mãe e
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu- muito influenciada pelo pai, começou a ler
guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 192; muito nova o Avante! clandestino, a interessar-
Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, -se por Alves Redol e Soeiro Pereira Gomes e a
1947, p. 300; Eduardo de Noronha, Reminiscências do Ta- prestar atenção à situação em que viviam os tra-
blado, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927; Gustavo balhadores e camponeses da lezíria. Aderiu ao
de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa,
Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, Partido Comunista em 1940. Coordenou em
1967, pp. 341 e 384; Luiz Francisco Rebello (dir.), Di- 1943-1944, com Georgette Ferreira e Otília Bor-
cionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, relho, uma greve das costureiras nas alfaiatarias
p. 130; Tomaz Ribas, O Teatro da Trindade, Porto, Lello locais e empenhou-se na formação de um sin-
& Irmão, Editores, 1993.
[I. S. A.] dicato daquelas. Em 1944, integrou o mesmo trio
que juntou mulheres trabalhadoras junto à pra-
Gertrudes Carolina Mariares Pinto Coelho ça de touros de Vila Franca de Xira aquando da
Filha de José Rodrigues Gomes Mariares, natu- Marcha da Fome, em 8 de maio de 1944, e des-
ral de Lisboa, candidatou-se aos Liceus Secun- tacou-se no apoio dados aos presos e suas famí-
dários Femininos* a 6 de abril de 1890, sendo lias. No ano seguinte, com apenas 22 anos, en-
casada nessa altura. Gertrudes Pinto Coelho es- trou na clandestinidade, formando casa com Ma-
tabeleceu um colégio de meninas chamado Nos- nuel Luís da Silva Júnior (n. 27/08/1908), mili-
sa Sra. da Divina Providência, de que foi diretora, tante comunista desde 1932 e seu desconhecido,
na Rua de S. Marçal (anteriormente localizado na com quem viria a casar, ainda que só depois do
Travessa de S. Francisco de Borja), conforme o 25 de Abril, depois de intensa convivência de-
atesta um certificado do administrador do 3.o Bair- terminada pela mesma luta política. No âmbito
ro de Lisboa. Na carta de apresentação afirmou da militância no Partido Comunista, esteve, tal
ter prática de ensino e incluiu um certificado pas- como o companheiro, durante quase 30 anos con-
sado pela circunscrição de Santarém, declaran- secutivos ligada à imprensa clandestina e a ti-
do que foi publicamente examinada nas disci- pografias ilegais, sem nunca ser detida, passan-
plinas que constituíam o primeiro grau de ins- do pelo Algarve (Caldas de Monchique, onde con-
trução primária, obtendo classificação de 6 va- viveu com Maria Clementina Ventura, Luz de Ta-
lores, o que correspondia a suficiente. Em 1905, vira, São Brás de Alportel), Viseu (Besteiros), Car-
Gertrudes Pinto Coelho continuou a aparecer taxo (Ereira), Torres Novas, Malveira, Porto,
como professora do ensino elementar e com- Lisboa (Rua Vítor Bastos, em Campolide, Travessa
plementar na Travessa de S. Marçal. Barbosa, Tv. do Possolo, R. Arco do Carvalhão),
Setúbal, Matosinhos, Famalicão e Vila do Con-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição de. Aqui, passou por médica e professora. Usou
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Bib.: Caldeira Pires, Anuário Comercial de Portugal,
o pseudónimo “Maria” e teve dois filhos com Ma-
Ilhas e Ultramar da Indústria, Magistratura e Admi- nuel da Silva: a rapariga, quando tinha três anos,
nistração ou Anuário Oficial para 1905, Lisboa, s.n., foi para casa de uma tia-avó, enquanto o rapaz,
1904, p. 1127. nascido em 1954, partiu para a União Soviética
[A. C. O.] com sete anos e formou-se em engenharia de te-
lecomunicações. Gertrudes Paulino só em 1974,
Gertrudes Palmeirim após 29 anos de separação, reencontrou os pais.
v. Gertrudes Rita da Silva O jornal O Mirante entrevistou-a e dedicou-lhe
várias páginas em 2006.
Gertrudes Pereira Paulino da Silva
Costureira. Nasceu em Vila Franca de Xira a 24 Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
de abril de 1923 e faleceu em abril de 2012. O pai, sência, 2005; António Dias Lourenço, As Greves de 8 e
militante do Partido Comunista, trabalhava num 9 de Maio de 1944 no Concelho de Vila Franca de Xira,
armazém que tinha um negócio de cereais e pos- Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, 1994, p. 18;
suía um barco com que os transportava; a mãe, Idem, Vila Franca de Xira. Um concelho no país – Con-
tribuição para a história do desenvolvimento socioeco-
costureira, fazia fatos para fora. Cresceu em Vila nómico e do movimento político-cultural, edição da Câ-
Franca, fez o exame da 4.a classe e gostaria de ter mara Municipal de Vila Franca de Xira, 1995; Manuel da
sido professora, desejo inviabilizado pelas con- Silva, 30 Anos de Vida e de Luta na Clandestinidade [En-
331 GER

trevista-Depoimento], Lisboa, Edições Avante!, 1996; O saios. Foi uma excelente atriz, discípula dos ato-
Mirante, 26/07/2006; “Faleceu Gertrudes Paulino da Sil- res Epifânio e Augusto Rosa, versátil e com in-
va”, Avante!, n.o 2004, 26/04/2012.
[J. E.] vulgar talento para papéis de damas da aristo-
cracia, com destaque para “duquesa de Réville”,
Gertrudes Ribeiro da Costa Tomás em A Sociedade onde a Gente se Aborrece, de
Filha de António José da Costa, um farmacêu- Édouard Pailleron, e em Marquês de Villemer,
tico com estabelecimento próprio na zona da Aju- de George Sand, tradução de Ramalho Ortigão.
da, e de Adelaide do Carmo Ribeiro da Costa, nas- Estreou-se a 21 de abril de 1850, no Teatro D. Ma-
ceu em Lisboa a 23 de fevereiro de 1894 e mor- ria II, na comédia em 3 atos de Luís Augusto Pal-
reu a 25 de maio de 1991. Casou com Américo meirim Dois Casamentos de Conveniência e foi
de Deus Rodrigues Tomás em 16 de outubro de muito bem recebida pelo público e pela crítica.
1922, de quem teve duas filhas (um terceiro fi- Logo depois, foi classificada pelo Conselho
lho teve morte precoce). Acompanhou sempre Dramático e pelo Conservatório de Lisboa como
primeira-dama da alta comédia, ingressando en-
o percurso profissional e político do marido, em
tão na Sociedade Artística do Teatro D. Maria II,
particular enquanto ministro da Marinha (1936)
por portaria assinada por Rodrigo da Fonseca Ma-
e depois como Presidente da República (1958).
galhães (1787-1858), ministro e par do reino que,
Era presença assídua em cerimónias protocola-
segundo constava, era o pai de Lucinda da Sil-
res, bem como nas visitas oficiais em Portugal
va*, filha da atriz. Ficou sempre neste teatro, onde
e ao estrangeiro, frequentemente acompanhada
fez travesti nas peças Herdeiro do Czar (1850),
pela filha mais velha, Natália. Pela participação
de P. Foucher, e O Cavaleiro de Essone, comé-
em várias atividades de carácter benemérito, foi
dia em 3 atos, ambas tradução de Silva Leal, en-
agraciada com a Grã-Cruz da Benemerência. Na
trou em O Primo e o Relicário (1850), comédia
sequência do afastamento de Américo Tomás do
em 3 atos de Luís Augusto Palmeirim, repre-
cargo de Presidente da República, pela Revolu-
sentou o papel de “Mlle. Brie”, em Molière
ção de 25 de Abril de 1974, Gertrudes partiu tam-
(1851), de Sousa Macedo, protagonizou Um Con-
bém para o exílio no Funchal e depois no Bra-
to ao Serão (1852), de Andrade Corvo; teve pa-
sil, de onde regressaram em 1978.
péis importantes nas comédias Dúplice Exis-
Bib.: António Costa Pinto e Anne Cova, “O salazarismo tência, em 2 atos, A Assinatura do Rei, em 4 atos,
e as mulheres, uma abordagem comparativa”, Penélope, ambas de César de Lacerda, e Os Contos da Rai-
n.o 17, 1997, pp. 71-94; Cristina Pacheco, “As primeiras-
-damas na República Portuguesa”, A República e os Seus nha de Navarra, comédia de Alexandre Dumas,
Presidentes, Câmara Municipal de Lisboa, Biblioteca Mu- pai, tradução de Andrade Ferreira, ambas em
seu República e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gas- 1853. Nesse ano, integrou a nova companhia do
par e Elsa Santos Alípio (coord.), As Primeiras-Damas Teatro D. Maria II, com Emília das Neves*, Del-
da República Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência fina Espírito Santo*, Carlota Talassi* e Carolina
da República, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do
Palácio de Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu Emília*, entre outros. Prosseguiu a carreira,
da Presidência da República, 2005, pp. 34-73; Sílvia Es- contando os seguintes êxitos no ano de 1856: Os
pírito Santo, “As primeiras-damas. Ditadura Mili- Dois Irmãos de Rodrigo Paganino, Como se Sobe
tar/Estado Novo”, As Primeiras-Damas. Presidentes de ao Poder, comédia em 3 atos de Palmeirim
Portugal. Fotobiografia, Lisboa, Museu da Presidência da (1856), O Agiota, de Furtado Coelho, Miramar,
República, 2006, pp. 27-62; Susana Martins, Américo To-
más, Presidentes de Portugal. Fotobiografias, Lisboa, Mu- de Mendes Leal, Duas Épocas da Vida e Re-
seu da Presidência da República, 2006. denção, de Ernesto Biester; em 1857, A Escala
[E. S. A. / S. M.] Social, drama de Mendes Leal, no papel de “ba-
ronesa”, O Melodrama dos Melodramas, de Go-
Gertrudes Rita da Silva mes de Amorim, Visão Redentora, drama em 5
Atriz também conhecida só por “Gertrudes” ou atos de Rangel de Lima e Ferreira de Mesquita,
por “Gertrudes Palmeirim”, por representar no papel de “viscondesa”; nas comédias em 3
quase todas as peças de Luís Augusto Xavier Pal- atos Maria Guardadora de Perús (1858), tradu-
meirim. Nasceu por volta de 1794 e faleceu em ção de Cruz e Silva, Moços e Velhos (1859), tra-
Lisboa, a 4 de julho de 1888. Era formosa, ele- dução de Rangel de Lima, O Homem Que Dei-
gante, distinta, espirituosa e, por vezes, mordaz. ta Cartas (1861), traduzida do francês por
Representava com grande naturalidade e gosta- Eduardo Coelho, Os Tantos por Cento, de Alfredo
va de contar anedotas engraçadas durante os en- Ataíde; O Morgado de Fafe (1861), comédia em
GER 332

2 atos de Camilo Castelo Branco; os dramas em de Feras, traduções de Luís Augusto Palmeirim,
5 atos Mulher Que Deita Cartas (1861), de Vic- Gazeta dos Tribunais, Casamento e Um Despa-
tor Séjour, traduzida por Ernesto Biester, O Cego cho, de António Serpa Pimentel, As Primeiras
(1862), tradução de Rodrigo Felner, Amores de Proezas de Richelieu, traduzida de Les Premiè-
Leão (1866), de Ponsard, tradução de Mendes res Armes de Richelieu de Eugène Scribe, Quem
Leal, A Corte na Aldeia (1867), imitação de Men- Quer Pode, Casamento na Moda, imitação de Joa-
des Leal da peça Les Ivresses de L’amour, de quim Annaya; na zarzuela O Duende, tradução
Theodore Barrière, Pena de Talião (1870), de Xa- de João Baptista Ferreira, música espanhola. En-
vier de Montépin, tradução de Aristides Abran- trou também nas peças: Elogio Mútuo, tradução
ches, O Condenado (1871), de Camilo Castelo de Camaraderie de Scribe por João Ricardo Cor-
Branco; Rabagás (1872), comédia de Victorien deiro Júnior; Os Homens Sérios, Os Homens Ri-
Sardou, Frei Caetano Brandão (1875), drama em cos e Um Fidalgo do Século XIX, todas originais
5 atos de Silva Gaio, Posições Equívocas (1876), de Biester; Honra e Dinheiro, de Ponsard; Flo-
tradução de Demi-Monde, comédia de Alexan- res e Frutos, imitação de Mendes Leal; Os Mos-
dre Dumas, filho, como “baronesa d’Alge”, e queteiros na Infância, tradução de Silva Leal;
Safa, Que Génio! (1879), comédia em 1 ato, imi- Princesa George, de Alexandre Dumas, filho; Por
tação de M. da Costa. Foi em digressão ao Bra- Causa de Uma Carta, adaptação de Les Pattes de
sil e, no regresso, em 1881, integrou a Compa- Mouche de Victorien Sardou; Os Estroinas, tra-
nhia de Emília Adelaide e representou O Mar e dução de Ferreira Mesquita; Batalha das Damas;
a Guerra, no Teatro do Ginásio. Salientou-se, ain- Rebequistas da Corte; Harri, o Diabo; Moleiro de
da, nos dramas: Pedro, o Grande e Catarina II, Loures; A Arte de Fazer Fortuna; O Alfinete da
de Scribe, traduções de João Pinto Carneiro, A Rainha; Juízo e Loucura; Trackonét; A Honra de
Lei dos Morgados, de Costa Cascais, Homem Fa- Uma Família; As Mulheres Honestas; Reforma
tal, imitação de Correia Leal, A Vida duma Ac- pelo Casamento; Uma Dama da Corte; As Órfãs
triz, tradução de Cruz e Silva, O Luxo, de António de Vale de Neige; Roberto Max; O Pagem da Du-
Ennes, O Drama da Rua da Paz, A Doida de quesa; Lisboa à Noite; O Legado do General, Che-
Montmayor, tradução livre de Guilherme Ce- que ao Rei; Sabina Maupin; Laços de Amor; O
lestino de Marie Rose, de Anicet Bourgeois e Mi- Capitão Montaubreche; A Consciência; A Ba-
chel Masson, Joana, a Doida, tradução de Ale- ronesa; O Médico das Crianças; A Condessa de
xandre Magno de Castilho, Paralítico, traduzi- Clermont; Henriqueta Deschamps; A Cruz de S.
do por Ferreira Mesquita, Cláudia, vertido para Luís; Os Ciúmes; André Gérard; O Bastardo; Se
português por Rangel de Lima da obra italiana Deus Quiser; Por Causa dos Romances; Gavaud
Um Passo Errado, Adelaide, tradução do origi- Minard & Ca.; Uma Lição de Florete; O Conde
nal Marie Joane, por João Baptista Ferreira, A de Norion; Um Quadro da Vida; Leviandades Fa-
Consciência, de António Maria de Campos Jú- tais; Os Dois Celibatários; Amor por Conquista;
nior, Filipa de Vilhena, de Almeida Garrett, Joa- A Mosca Branca; e Cadet Roussel. Residiu na Cal-
na Que Chora e Joana Que Ri, tradução de Ger- çada do Carmo entre 1864 e 1868.
vásio Lobato, A Cisterna de Albi, tradução de Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Guilherme Celestino, Campainha do Diabo, res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1212;
extraído de Memórias do Diabo de Frédéric Sou- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
lié por José da Silva Leal, O Filho Natural, dra- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 192-
193; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
ma social de Alexandre Dumas, filho, Mães Ar- cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
rependidas, de F. Mallefille, tradução de Ernesto heráldico, numismático e artístico, Vol. VI, Lisboa,
Biester, Condessa de Sennecey, de Bayard e d’En- João Romano Torres & Ca. Editores, 1912, p. 888; Fer-
nery, tradução de Silva Leal, Faustina, tradução nando Peixoto, “Portugal no século XIX”, História do Tea-
de Eduardo Vidal; nas comédias O Coração e a tro Europeu, Lisboa, Edições Sílabo, 2006, pp. 239-264;
Gervásio Lobato, “Gertrudes Rita da Silva” [c/ fot.], O Con-
Arte, de Leão Fortis, tradução de D. António da temporâneo, Letras, Artes, Ciências, Comércio e Indús-
Costa, Beatriz, de Lecouvé, tradução de Ricar- tria, Lisboa, n.o 12, outubro, 1875, [pp. 1-2]; Guiomar Tor-
do Cordeiro, Ideias da Sra. Aubray, de Alexan- rezão, “Rumores dos palcos”, Ribaltas e Gambiarras, Lis-
dre Dumas, uma das suas grandes glórias, Uma boa, 29/01/1881; Gustavo de Matos Sequeira, História do
Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, Publicação Come-
Viúva Inconsolável, de Méry, Sargento Frederi- morativa do Centenário 1846-1946, Lisboa, s. n., 1955;
co, de Barbieri, tradução de Francisco Palha, Mar- Idem, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações
quês de Seiglière, Amigos Íntimos e A Domadora Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967; Júlio Cé-
333 GER

sar Machado, Os Teatros de Lisboa, Editorial Notícias, gundo um modelo pedagógico de Adolfo Lima,
1991; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Tea- onde se praticava a coeducação sem discrimi-
tro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, pp. 349-350;
Revista Teatral, 1871, p. 25. nação de sexos e onde, para além de muitas ou-
[I. S. A.] tras atividades, havia aulas de teatro e se orga-
nizavam espetáculos, que fez os primeiros es-
Gertrudes Rosa Marques tudos e recebeu as primeiras palmas. Também
v. Bonequeiras de Estremoz em casa, as suas brincadeiras eram uma espécie
de teatro, inventando personagens com quem fa-
Gertrudes Sabrosa lava e se relacionava, imitando pessoas que co-
Atriz. Fez teatro amador e estreou-se, como pro- nhecia. Cedo começou a ir a espetáculos. Nos
fissional, em 1893, no Teatro do Ginásio, subs- anos 40, ia com a família à Padaria do Povo, em
tituindo Florinda de Macedo em Tio Brás, ope- Campo de Ourique, onde funcionava a Univer-
reta em 1 ato, tradução de Garcia Alagarim, mú- sidade Popular impulsionada por Bento de Je-
sica de Offenbach. Foi bem recebida pelo público. sus Caraça e aí assistiu a concertos e palestras
Era casada e afastou-se cedo do palco. com intervenção de grandes nomes da música
e da literatura, na sua maioria ligados ao grupo
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade,
Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Muni- da Seara Nova, grupo que esteve na base do lan-
cipal de Lisboa, 1967, p. 335. çamento da Biblioteca Cosmos, de que os pais
[I. S. A.] de Glicínia foram revisores. Em casa, convivia
também com os amigos dos pais – jornalistas, es-
Gina Conde critores, pedagogos, artistas, elementos do mo-
v. Georgina Conde vimento feminista e do Conselho Nacional das
Mulheres Portuguesas –, que lhe deixaram pro-
Gladys Mary Leslie Baker fundas recordações. O curso liceal foi feito no
Mais conhecida como Leslie Baker. Irlandesa. Fi- Liceu Maria Amália, seguindo depois para o Ins-
lha de Richard E. Baker e Mary J. Baker, nasceu tituto de Agronomia, de que desistiu no final do
em 1893 e faleceu em 1971. A família estava li- 1.o ano. Matriculou-se, então, na Faculdade de
gada à banca, na Irlanda. Viveu em Portugal du- Ciências, onde veio a licenciar-se em Ciências
rante cerca de 30 anos até à morte, em Fátima, Biológicas. Paralelamente, frequentou um cur-
de que era muito devota e onde viveu os últimos so de nutricionista, que lhe iria permitir, mais
oito anos de vida. Foi autora de diversas publi- tarde, no início da década de 70, colaborar com
cações, entre as quais The Finger of God Is Here, a DIESE no ensino e divulgação da alimentação
relato das aparições de Fátima; The Crown of dietética. Os tempos do pós-guerra, da esperança
Gold, conto para crianças sobre as flores silvestres renovada, do MUD (Movimento de Unidade De-
e as borboletas de Portugal, publicado em inglês mocrática), das manifestações, dos aconteci-
e em português, dedicado aos filhos de D. mentos diários, das reuniões em cafés como o
Duarte de Bragança, por ser muito amiga dessa Chave de Ouro ou o Chiado, viveu-os Glicínia
família; Blessed Nuno Alvares Pereira; e Car- de forma ativa. Também o teatro estava a mudar.
melita. Colaborou em vários periódicos ingleses O público e, principalmente, a gente jovem es-
e irlandeses. tavam saturados do teatro existente, naturalis-
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 999, 17/04/1971. ta e convencional. A fundação, em abril de 1946,
[A. V.] do Teatro Estúdio do Salitre por Gino Saviotti (en-
tão diretor do Instituto de Cultura Italiana, lo-
Glicínia Quartin cal onde o teatro funcionou) veio permitir uma
Nasceu em Lisboa, na Vila Sousa, à Graça, em renovação de textos com autores ligados ao mo-
19 de dezembro de 1924, e morreu na mesma ci- vimento modernista. Aí se representaram as pri-
dade, em 27 de abril de 2006. Era filha do jor- meiras peças de Luís Francisco Rebello, Alves
nalista António Tomás Pinto Quartin Redol, Pedro Bom e David Mourão-Ferreira, en-
(15/01/1887-07/02/1970), um dos fundadores do tre outras. Glicínia Quartin acompanhou todo
Sindicato dos Jornalistas, e de Deolinda Lopes este evoluir e, em 1951, estreou-se na peça Ro-
Vieira Pinto Quartin*, professora e uma das fun- berto e Melisandra, com texto e encenação de To-
dadoras da Escola-Oficina N.o 1. Foi nessa escola más Ribas, no Teatro da Rua da Fé (Casa da Co-
do Largo da Graça, criada pela maçonaria se- marca de Arganil). Nesse mesmo ano, repre-
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sentou ainda, no Liceu Francês, O Julgamento no teatro só a tomou após ter protagonizado o fil-
de Marsyas e L’Aiglon de Edmond Rostand, am- me de José Ernesto de Sousa, Dom Roberto, em
bos encenados por Claude-Henri Frèches e, no 1962. Partiu, então, para Itália e frequentou o cur-
Teatro Nacional D. Maria II, Crime e Castigo de so do Teatro Estúdio de Alessandro Fersen, em
Rodney Ackland, a convite de Amélia Rey-Co- Roma. Viveu em casa de amigos portugueses e
laço depois desta a ter visto na peça Roberto e as crónicas sobre a vida na Itália, que escreveu
Melisandra. Em 1953, representou no Teatro da para a RAI e eram transmitidas para o Brasil e
Rua da Fé Quem Tem Farelos?, Auto de S. Mar- para Portugal, ajudavam-na a subsistir econo-
tinho, Lágrimas de Nossa Senhora e O Velho Ciu- micamente. Regressada a Portugal, iniciou, fi-
mento, todas peças com encenação de Tomás Ri- nalmente, a carreira profissional de teatro em
bas; em 1954, O Dia Seguinte, de Luís Francis- 1964-65, no Teatro Experimental do Porto, onde
co Rebello, com encenação de Paulo Renato, na traduziu e tomou parte na representação da peça
Sociedade Guilherme Cossoul; em 1957, nova- Os Burossáurios de Silvano Ambrogi, encenação
mente Gil Vicente, A Farsa de Inês Pereira en- de João Guedes. Na peça seguinte, A Carta Per-
cenada por Jacinto Ramos, no Teatro Experi- dida de Ion Luca Caragiale, desempenhou a fun-
mental de Lisboa; em 1958, Se amanhã Fosse ção de assistente de Carlos Avilez, seu encena-
hoje, com texto e encenação de Carlos Avilez, na dor. Entrou, seguidamente, nos autos vicentinos
Casa de Espanha. Também neste período pré-pro- o Auto da Índia, o Auto da Feira e o Auto da Bar-
fissional, interpretou clássicos na televisão por- ca do Inferno, também encenados por Carlos Avi-
tuguesa com o Teatro Experimental de Lisboa – lez. Seis meses depois, regressou a Lisboa e in-
Guerras do Alecrim e Manjerona de António José gressou no recém-aberto Teatro Estúdio de Lis-
da Silva, Auto da Alma de Gil Vicente, A Me- boa onde, sob a direção de Luzia Maria Martins*,
nina Tonta de Lope de Vega, O Fidalgo Apren- interpretou uma das personagens da peça Ele, Ela
diz de Francisco Manuel de Melo, O Burguês Fi- e os Complexos de Jean Bernard-Luc e, segui-
dalgo de Molière, todas com direção de Pedro damente, entrou no elenco de Mesas Separadas
Bom, Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, com de Terence Rattigan. Foi também o tempo de uma
direção de Pedro Bom e Nuno Fradique, e Nas nova experiência cinematográfica: Crime da Al-
Covas de Salamanca de Cervantes, dirigida por deia Velha, de Manuel Guimarães, rodado na Bei-
Artur Ramos. Mas a proposta que António Pe- ra Baixa e que a afastou de Lisboa durante vá-
dro, fundador do Teatro Experimental do Porto rios meses. No ano de 1966, no Teatro Experi-
(TEP), lhe fez para integrar o elenco daquela com- mental de Cascais, desempenhou o papel de
panhia ainda amadora não a pôde aceitar. Gli- “Adela” em A Casa de Bernarda Alba de Gar-
cínia Quartin encontrava-se a trabalhar como in- cia Lorca, entrou no elenco de O Mar, de Miguel
vestigadora no Instituto de Biologia Marítima, Torga, e fez a personagem principal da peça de
onde esteve sete anos, tendo sido bolseira do Ins- André Brun A Maluquinha de Arroios, todas com
tituto de Alta Cultura na Noruega, Dinamarca encenação de Carlos Avilez. Esta última peça
(1957) e Inglaterra (1959). No âmbito do seu tra- constituiu um grande êxito e Glicínia foi dis-
balho de investigação apresentou cinco comu- tinguida com o Prémio Revelação da Casa da Im-
nicações em colaboração com o Dr. Mário Rui- prensa pelo desempenho da personagem “D. Al-
vo, então coordenador de um grupo de estudos zira”. Ganhou o Prémio Lucília Simões – Prémio
referente à pesca do bacalhau. Quatro dessas co- Nacional de Teatro pela interpretação na peça
municações foram apresentadas nas reuniões Dias Felizes de Samuel Beckett, levada à cena
anuais do Comité Internacional das Pescas no No- na Casa da Comédia e encenada por Artur Ra-
roeste Atlântico (ICNAF), organismo interna- mos, a quem foi atribuído o Prémio de Encena-
cional que incluía não só os países da Europa, ção. No final do ano de 1967, Amélia Rey Colaço,
como também o Japão e a China, preocupados cuja companhia se encontrava a atuar no Capi-
com as captações maciças que incluíam animais tólio devido ao incêndio do Teatro Avenida, con-
cada vez mais novos, o que poderia pôr em cau- vidou-a para substituir a atriz Lurdes Norberto
sa a sobrevivência da espécie, e a 5.a, sobre o mes- na peça de Edward Albee Equilíbrio Instável. Foi
mo assunto, apresentou-a no Conselho Interna- o início de uma permanência de três anos du-
cional para a Exploração do Mar (ICES). Foi tam- rante os quais interpretou, além da peça ante-
bém consultora científica de âmbito interna- riormente citada, várias outras – As Três Perfeitas
cional. A decisão de seguir carreira profissional Casadas de Alejandro Casona, encenação de
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Cayetano Luca de Tena; O Camarada Miusov de Faculdade de Letras, Luís Miguel Cintra e Jor-
Valentin Kataiev, encenação de Pedro de Lemos; ge Silva Melo, que tinham agregado alguns ato-
Os Visigodos de Jaime Salazar, encenação de Ar- res profissionais. Embora sem edifício para en-
tur Ramos; A Esfera Facetada de Nuno Moniz saiar ou representar, levaram à cena, em outu-
Pereira, encenada por Rogério Paulo; O Pecado bro desse ano, no Teatro Laura Alves, na Rua da
de João Agonia de Bernardo Santareno, ence- Palma, que Vasco Morgado lhes alugara, O Mi-
nação de Rogério Paulo; A Celestina de Fernando santropo de Molière, com encenação de Luís Mi-
Rojas, encenação de Cayetano Luca de Tena. Em guel Cintra. O 25 de Abril, ao acabar com a cen-
1969-70, frequentou o Curso de Preparação de sura, permitiu e motivou novas abordagens. Em
Atores de Adolfo Gutkin, na Fundação Calous- 13 de julho de 1974, a Cornucópia estreou em
te Gulbenkian. Depois do Teatro Nacional, pas- Almada a primeira peça de Brecht a ser repre-
sou a representar no Grupo de Acção Teatral sentada pelo teatro profissional no nosso país –
(GAT), uma companhia dirigida por Artur Ramos Terror e Miséria no III Reich –, com encenação
no Teatro Villaret, fazendo parte do elenco de O de Jorge Silva Melo e Luís Miguel Cintra e com
Processo de André Gide e Jean-Louis Barrault se- a qual fizeram várias digressões. Como bolsei-
gundo o romance de Kafka, encenação de Artur ra do British Council, em 1976 fez o estágio New
Ramos; 6.a feira, quatro e um quarto de Keith Wa- Music in Action na Universidade de York e con-
terhouse e Willis Hall, encenação de Armando tinuou a trabalhar com a Cornucópia até 1977:
Cortez; A Capital de Artur Ramos e Artur Por- em 1975, Pequenos Burgueses de Máximo Gor-
tela Filho, segundo romance de Eça de Queiroz, ki, com encenação de Jorge Silva Melo; em 1976,
encenação de Artur Ramos. Foi durante a per- Ah Q de Jean Jourdheuil e Bernard Chartreux,
manência no Teatro Villaret, em 1971, que or- encenação de Luís Miguel Cintra, e realizou a
ganizou o Teatro do Jovem Espectador (TEJE), le- orientação cénica da peça de Catherine Dasté,
vando à cena a peça de Erick Kastner Emílio e Músicas Mágicas; em 1977, Casimiro e Caroli-
os Detectives. Seguidamente, frequentou o Cur- na: Sete cenas de amor, prazer e dor neste nos-
so de Monitores de Educação pela Arte, no Con- so mau tempo de Odon Von Horvath, com en-
servatório Nacional, onde acabou por ser pro- cenação, dramaturgia e cenografia de Luís Mi-
fessora durante bastantes anos e considerou “uma guel Cintra, Jorge Silva Melo e Cristina Reis. No
experiência pedagógica e pessoal muito esti- ano seguinte, entrou no elenco de Saudades (um
mulante” [“Conversas com Glicínia Quartin”]. hetero-cabaret-ero-satírico), texto e encenação de
Voltou, mais tarde, a dirigir espetáculos para Ricardo Pais, na Casa da Comédia; com o Gru-
crianças, nomeadamente As Músicas Mágicas po Os Cómicos fez Ninguém – Frei Luís de Sou-
(1977) e Venham Ver a Festa do Sol (1983, com sa de Almeida Garrett/Maria Velho da Cos-
Filipe La Féria), tendo colaborado com o Mi- ta/Alexandre O’Neill, encenação de Ricardo Pais,
nistério da Educação em ações e seminários para no Teatro da Trindade; e representou com o Tea-
professores do ensino primário sobre “Drama tro Popular – Companhia Nacional 1, Jesus Cris-
educativo” e “Movimento e drama”. Em 1971, to em Lisboa de Raul Brandão e encenação de
quando da formação de Os Bonecreiros, fez par- Carlos Wallensteni, no Teatro S. Luís. Voltou,
te do elenco de O Circo Imaginário de Super Ba- mais uma vez, ao cinema: em 1977, Antes do
sílio de Beatrice Tanaka, com encenação de João Adeus de Rogério Ceitil, em 1978, Histórias Sel-
Mota, e participou na montagem de A Grande vagens de António Campos, em 1980, Passagem
Cegada dos Toiros, Mulheres e Fado. Em 1972, ou A Meio Caminho de Jorge Silva Melo, e em
conseguiu que Vítor Garcia fosse o encenador da 1981, Conversa Acabada de João Botelho. Re-
peça de Jean Genet As Criadas, tal como a tinha gressou, nesse mesmo ano de 1981, ao teatro com
encenado em Madrid. A peça subiu à cena no a Companhia do Teatro Popular (entretanto ex-
Teatro Experimental de Cascais e Glicínia ganhou tinta), representando Casamento Branco do
o Prémio Lucília Simões – Prémio Nacional de polaco Tadeu Rosewicz, peça dirigida por Fer-
Teatro e o Prémio de Interpretação da Casa da Im- nanda Lapa e levada à cena no Teatro Aberto. Em
prensa, ex aequo com as atrizes Eunice Muñoz 1982, voltou a representar, na Casa da Comédia,
e Lurdes Norberto, pelo seu desempenho. No ano Os Dias Felizes, com o mesmo encenador de
seguinte, em 1973, entrou no primeiro espetá- 1968. Em 1984, representou, no Teatro do Bair-
culo do Teatro da Cornucópia, recém-formado ro Alto, Madalena Lê Uma Carta da autoria de
por dois jovens vindos do teatro universitário da Jaime Salazar Sampaio, encenação de Rogério de
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Carvalho, e Abel, Abel de Augusto Sobral, en- ty Lemon? de Arnold Wesker e, com o Pogo Tea-
cenada por Rogério Vieira. No cinema, Ninguém tro, Mainstream. Nesse ano de 1999, voltou ao
duas Vezes de Jorge Silva Melo. Em 1985, na Casa Teatro da Cornucópia e aí permaneceu até
da Comédia, contracenou com a atriz Zita Duar- 2004, entrando no elenco de Afabulação de Pier
te em Savanah Bay de Marguerite Duras, ence- Paolo Pasolini, O Novo Menoza de Jacob Lenz,
nada por Filipe La Féria; em 1986, voltou ao Tea- O Colar de Sophia de Mello Breyner Andersen,
tro da Cornucópia para o elenco da peça de Au- A Família Schroffenstein de Kleist, todas com
gust Strinberg Pai, encenada por Luís Miguel Cin- encenação de Luís Miguel Cintra. Nos anos 90
tra, e em 1987 regressou à Casa da Comédia para também continuou a fazer cinema: em 1990, Um
interpretar Electra ou A queda das máscaras de Passo, Outro Passo e depois... de Manuel Mozos;
Marguerite Yourcenar, com encenação, nova- em 1993, Coitado do Jorge de Jorge Silva Melo,
mente, de Filipe La Féria. Ainda neste mesmo e Longe daqui de João Guerra; em 1994, A Cai-
ano, representou À Procura do Presente, texto xa de Manoel de Oliveira; em 1995, A Comédia
e encenação de Adolfo Gutkin. Em 1988, nos En- de Deus de João César Monteiro e Sinais de Fogo
contros Acarte desse ano, foi a vez de Material de Jorge de Sena, realizado por Luís Filipe Ro-
Medeia e Quarteto de Heiner Müller, encenação cha; em 1999, Morte Macaca, de Jeanne Waltz.
de Jorge Silva Melo e, de novo Samuel Beckett, Em 2000, entrou no elenco do filme de Jorge Sil-
desta vez com a Companhia Teatral do Chiado, va Melo António, Um Rapaz de Lisboa. No ano
a peça Final, encenada por Mário Viegas. No ci- de 2004, voltou a trabalhar no teatro com os Ar-
nema, no ano de 1987, entrou no filme de José tistas Unidos: Terrorismo dos irmãos Presniakov,
Álvaro Morais O Bobo e, em 1988, mais dois fil- encenação de Jorge Silva Melo no Teatro Taborda,
mes: Agosto, de Jorge Silva Melo, e O Mistério Não Posso Adiar o Coração, de António Ramos
da Boca do Inferno, de José Pina. Ao iniciar os Rosa, Mário Cesariny e outros, na sala do Senado
anos 90, representou, na Casa da Comédia, da Assembleia da República e o documentário
Teatro, Doce Teatro de Edward Radzinsky, en- Conversas com Glicínia de Jorge Silva Melo, resul-
cenação de Fernando Heitor e, em 1992, Inver- tado de mais de 20 horas de conversa com a atriz
no de 45 de Michel Deutsch, encenada por Jor- e estreado na Culturgest a 20 de dezembro des-
ge Castro Guedes, no Teatro da Trindade, tendo se ano, dia em que o então Presidente da Re-
sido nomeada para o Prémio de Teatro da Se- pública, Dr. Jorge Sampaio, entregou a Glicínia
cretaria de Estado da Cultura. Em 1993, voltou Quartin a Grã-Cruz da Ordem do Infante. Na vés-
ao Teatro da Cornucópia para interpretar a figura pera, tinha sido a vez de a Cornucópia lhe pres-
da “Candidinha” em Primavera Negra, uma dra- tar homenagem como presença regular nas suas
maturgia de Eduarda Dionísio a partir da obra peças. Nos primeiros dias de janeiro de 2005, a
de Raul Brandão, e também Sete Portas de Bot- Cinemateca Portuguesa homenageou a atriz com
ho Strauss, ambas com encenação de Luís Mi- um ciclo de cinema constituído por alguns dos
guel Cintra. No ano seguinte, permaneceu na- filmes em que tomara parte, intitulado “Parabéns,
quele teatro para fazer, com o mesmo encenador, Glicínia Quartin”. No final de 2005, no Teatro
Triunfo do Inverno de Gil Vicente, autor tanto do Nacional D. Maria II, entrou nos ensaios da peça
seu gosto. Em 1995, regressou ao Teatro Nacio- de Paula Vogel A Mais Velha Profissão, encenada
nal D. Maria II, para contracenar novamente com por Fernanda Lapa, mas a conselho do médico
Zita Duarte, na peça de Josette Boulva e Marie teve de abandonar esse projeto, tendo sido
Gatard Rosa, Minha Querida Rosa, dirigida substituída pela atriz Maria José. Já em 2006,
por João Canijo. Em 1996, trabalhou com os Ar- orientou um seminário sobre teatro, na Univer-
tistas Unidos – o texto da peça O Fim ou Ten- sidade Internacional para a Terceira Idade,
de Misericórdia de Nós é de Jorge Silva Melo e onde se manteve como professora até à sua morte.
a encenação também e, nesse mesmo ano, fez par- Da autora: Intervenção oral improvisada feita no Teatro
te do elenco da peça de Jean-Claude Biette Bar- do Bairro Alto em 25 de novembro de 2002, na sessão
ba Azul, encenada por Christine Laurent e levada de apresentação do livro Teatro da Cornucópia: Os es-
à cena no Teatro Cornucópia. Foi nesta compa- pectáculos de 1973 a 2001 e publicada na revista Vér-
nhia que, em 1998, tomou parte na peça de Au- tice n.o 110, março-abril, 2003.
Fontes: Curriculum Vitae – Resumo (janeiro de 1986) –
gust Strindberg Um Sonho, encenada por Luís Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulben-
Miguel Cintra; no ano seguinte representou, no kian; Serviço de Documentação e Informação – Arqui-
Centro Cultural de Belém, O Que É Feito de Bet- vo de Recortes, Diário de Notícias.
337 GRA

Bib: Alice Vieira, “«O teatro não é tudo para mim»”, Diá- Universidade de Cambridge, a que se seguiram
rio de Notícias, DN Magazine, 15/06/1984, p. 33, cols. 1- estudos de pós-graduação na Islândia, tendo-
6; Anabela Mota Ribeiro, “Glicínia Quartin”, Diário de No-
tícias, Suplemento DNA, 21/01/2005, pp. 10-17; Clara Fer- -se doutorado com uma tese relacionada com es-
reira Alves, “Glicínia Quartin: «O teatro não chega para tudos islandeses. Entrou para a carreira diplo-
fazer esquecer o quotidiano»”, Jornal de Letras, 22/06/1982, mática antes da Segunda Grande Guerra, onde
pp. 16-17; Eduardo Prado Coelho, Vinte Anos de Cinema ainda havia um número diminuto de mulheres,
Português – 1962-1982, Lisboa Biblioteca Breve, 1983; Eli- e durante aquela trabalhou no Ministério da In-
zabete França, “Jorge Silva Melo filma «Conversas com Gli-
cínia»”, Diário de Notícias, 13/08/2003, p. 44, cols. 1-4; formação, nomeadamente no departamento de
Joana Gorjão Henriques, “A actriz que representava com descodificação de cifras. Terá ficado ligada aos
o corpo todo”, Público, 29/04/2006, pp. 24-25; Jorge de serviços de informação durante toda a sua car-
Sena, Do Teatro em Portugal, Lisboa, Edições 70, 1989; Jor- reira posterior. Esteve em Reykjavik, em Cope-
ge Leitão Ramos, Dicionário do Cinema Português, Lisboa,
Caminho, 1989; Jorge Silva Melo, “As voltas que o mun- nhaga (onde aprendeu a língua e estudou a cul-
do dá”, Público, Suplemento Mil Folhas, 06/05/2006, p. tura), em Bruxelas e em Djakarta. Entre 1965 e
6, col. 1; Luís Francisco Rebelo, Breve História do Teatro 1970, Grace esteve colocada em Lisboa, como
Português, Mem Martins, Publicações Europa-América, Cônsul-Geral de Sua Majestade a rainha Isabel II,
2000; Manuel Cintra, “Retratos no Teatro – Glicínia onde granjeou grandes amizades e se dedicou a
Quartin”, Diário de Lisboa, 19/01/1990, p. 25, cols. 1-4;
Maria Augusta Silva, “Uma actriz fascinada por tudo o que estudar a cultura portuguesa. Colaborou assi-
é novo”, Diário de Notícias, 24/06/1990, p. 28; Maria João duamente no jornal The Anglo-Portuguese News
Caetano, “«O prazer é tanto que me sinto uma criança no com artigos sobre as instituições britânicas em
palco»”, Diário de Notícias, 19/12/2004, pp. 36-37; Ma- Portugal. Estudou a história dos irmãos Stephens
ria José Mauperrin, “Glicínia Quartin – As varandas da ac-
triz”, Expresso, 17/10/1998, pp. 97-104; Maria José Oli- que, no século XVIII, fundaram uma fábrica de
veira, “Quando não conseguir trabalhar mais espero não vidros na Marinha Grande, dando origem à in-
sentir isso”, Público, 25/11/2002, pp. 30-31; Nuno Figueira, dústria que ali se estabeleceu. Durante a estadia
“Glicínia Quartin: regresso ao teatro «cansada mas não ar- neste país, traduziu para inglês a narrativa de via-
rependida»”, Sete, 20/06/1984, pp. 40-41; Nuno Gomes gem a Portugal de Hans Christian Andersen, rea-
dos Santos, “Os ‘Dias Felizes’ de Glicínia Quartin – Tea-
tro fez-me esquecer a biologia marítima”, Sete, 16/06/1982, lizada em 1866, publicada em Londres com in-
cols. 1-6; Rodrigues da Silva, “Uma vida independente”, trodução, notas e apêndices de sua autoria [A Vi-
Jornal de Letras, 10/05/2006, p. 6, cols. 1-3; Valdemar Cruz, sit to Portugal 1866, Londres, Peter Owen,
“Glicínia Quartin – Actriz, 80 anos”, Expresso, Revista Úni- 1972]. Também traduziu as narrativas do mesmo
ca, pp. 42-45; V. R., “Glicínia Quartin: todas as teclas do
talento”, Êxito, 31/12/1986, p. 30, cols. 2-3; Vanessa Rato, autor sobre Espanha, Alemanha, Itália e Malta.
“Cornucópia comemora 30 anos com livro e festa de fa- Depois de Lisboa, regressou a Londres, onde che-
mília aberta a todos”, Público, 25/11/2002, p. 31, col. 1- fiou os serviços consulares britânicos no mun-
2; “Maior do que a realidade”, Público, Suplemento Y, do. Recebeu diversas condecorações atribuídas
17/12/2004, pp. 26-27; “Retrato de Actriz”, Expresso, Su-
plemento Actual, 18/12/2004, p. 32, cols. 1-5; “Conversas
pela rainha Isabel II. Após a sua reforma, em 1973,
com Glicínia Quartin”, Artistas Unidos, Revista semestral, trabalhou voluntariamente no Women’s National
abril, 2005, n.o 13; “A actriz sensual”, Visão, 04/05/2006, Committee, e para o seu antigo college da Uni-
p. 34, cols. 1-3; DVD, Produção Artistas Unidos/Rogério versidade de Cambridge. Membro ativo da An-
Ceitil Audiovisuais; www.artistasunidos.pt/glicinia_quar- glo-Portuguese Society, sediada em Londres.
tin.htm [consultado em 09/01/2007]; www.fl.ul.pt/CET-
base [consultado em 23/05/2006; http:teatro-cornucó- Bib.: Susan Lowndes Marques, “She wrote widely and
pia.terradasideias.net/htmls/conteúdos [consultado em well about Portugal during her years here”, The Anglo-
03/12/2006]. Portuguese News, n.o 1414, 02/07/1987.
[O. G.] [A. V.]

GRAAL Gracinda de Jesus Costa


v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 Nasceu em 22 de junho de 1915. Órfã de pai, foi
e 80 do século XX internada na Casa dos Filhos dos Soldados em
12 de maio de 1923. Em 22 de dezembro de 1930,
Graça Pina de Morais Gracinda de Jesus Costa, juntamente com Maria
v. Maria da Graça Monteiro Pina de Morais da Conceição Ferreira*, Maria de Lourdes Sou-
sa Gomes*, José Ferreira das Neves, Alcino de
Grace Thornton Barros e Armindo de Araújo Torres, assinou, em
Inglesa, filha de um joalheiro, nasceu em 1913 nome de todos os órfãos internados na Casa dos
e faleceu em 1987. Licenciou-se em Letras pela Filhos dos Soldados, uma comunicação de ho-
GRA 338

menagem enviada ao marechal Joffre, acompa- turar-se na Companhia de Armando de Vas-


nhada de uma contribuição pecuniária para a concelos, então no Teatro S. Luís, desempe-
construção de um monumento a erigir em Ri- nhando os principais papéis femininos nas ope-
vesaltes. O documento saudava o herói do Mar- retas Viúva Alegre, Duquesa de Bal-Tabarin, La
ne, evocava e agradecia a visita do marechal à Calecera, Paganini, Última Valsa, Dança das Li-
Casa dos Filhos dos Soldados, realizada em 1921. bélulas, Sete-Estrelo (1925), esta de Arnaldo Lei-
Em 1932, ainda se encontrava na instituição, di- te e Carvalho Barbosa, música de Manuel Fi-
rigida pelo Núcleo Feminino de Assistência In- gueiredo, no papel de “Luísa”, e O Moleiro de
fantil*, já que as raparigas só saíam aos 20 anos Alcalá, zarzuela, arranjo de Eduardo Garrido, no
e/ou quando tivessem colocação garantida. papel de “Frasquita”. Fez duas digressões pelo
Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916- Brasil, a primeira na Companhia de Armando
15 Anos de Benemerência-1931. Relato geral da sua obra Vasconcelos e a segunda com a grande atriz bra-
e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos Ór- sileira Eva Stachino, representando, com lou-
fãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica do vores da crítica, as revistas Chá e Torradas, de
Porto, Lda., 1932, pp. 165, 174, 212-213.
[N. M.] Arnaldo Leite e Carvalho Barbosa, música de
Manuel Figueiredo e Luís Filgueiras, Pó de Maio
Graziela Cintra (1929), de Félix Bermudes, João Bastos e Pereira
v. Maria Graziela Lindley Cintra Gomes Coelho, música de Nicolino Milano e Vences-
lau Pinto, Manda Quem Pode, Eva no Paraíso,
Grémio Feminino de Lisboa Carapinhada e Coração Português. No regres-
v. Clube Lisboeta de Senhoras so, entrou para o Teatro da Avenida, conse-
guindo grandes êxitos no papel da “prostituta
Grupo Autónomo de Mulheres do Porto Adelaide Pinoia” na opereta Bairro Alto (1917),
(GAMP) e nos vários papéis que desempenhou na revista
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 A Bola, em que cantou “O Trevo”, canção que
e 80 do século XX a popularizou. Foi atuar em palcos de Espanha.
Outras peças do seu repertório: Mascote, ópe-
Grupo de Mulheres da Associação Académica ra cómica em 3 atos, de Chivot e Doru, tradu-
de Coimbra ção de Eduardo Garrido, música de Audran; Pri-
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 ma Inglesa; Sybil; operetas Conde de Luxem-
e 80 do século XX burgo, de Acácio Antunes, A Princesa dos Dó-
lares, em 3 atos, de A. M. Wilner e Fritz Gam-
Grupo de Mulheres de Lourosa baum, tradução de Ernesto Rodrigues e Félix Ber-
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 mudes, com música de Leo Fall; Os Sinos de
e 80 do século XX Corneville, em 3 atos e 4 quadros, de Clairvil-
le e Gabet, tradução de Eduardo Garrido, mú-
Grupo de Mulheres do Porto sica de Planquette; Solar dos Barrigas, ópera có-
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 mica em 3 atos, de Gervásio Lobato e D. João da
e 80 do século XX Câmara; Miss Issipi; Amor de Máscara, opere-
ta italiana de Carlos Zangarini, tradução de Acá-
Gualdina Soromenho de Carvalho cio Antunes, e Reizinho, entre outras. Tomou
Atriz que se distinguiu na opereta. Usou o nome parte na festa da Colónia Balnear Infantil de O
artístico de Aldina de Sousa. Filha de Otília de Século de 1930. Tinha entrado, havia pouco,
Carvalho, nasceu a 18 de fevereiro de 1897, em para a organização Artistas Unidos, no Teatro
Santa Marinha, e faleceu em Lisboa a 31 de ou- da Avenida, onde desempenhava o papel prin-
tubro de 1930. Viveu muitos anos em Santarém cipal na peça O Meu Menino, quando adoeceu
antes de vir para Lisboa e aqui estudou músi- e, em consequência, foi submetida a uma ope-
ca e canto. Iniciou-se na carreira artística na ração cirúrgica, a que se seguiu uma septicemia,
Companhia António de Macedo, no Teatro da e faleceu. Era companheira de Vasco Santana
Trindade, em 1917, substituindo, graciosa- (1898-1958). Deixou dois filhos, Jorge, e José Ma-
mente, uma atriz na opereta Paz Armada, de A. nuel, de 7 e 5 anos, respetivamente. O funeral
Torres e F. Ferreira, música de L. Figueiras e A. saiu da sua residência em Lisboa, na Rua do
Coelho. O êxito alcançado permitiu-lhe escri- Poço dos Negros, n.o 81, 1.o, para o Cemitério do
339 GUI

Alto de S. João. Acompanharam-na os colegas de ser consideradas, fundamentalmente, como


da organização Artistas Unidos. professoras. Penelope Lynex (prémio Suggia
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- 1958), que foi aluna de Antonia Butler, afirma
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1238; que Butler terá recebido lições de Suggia. Zara
Fernando Peixoto, História do Teatro Europeu, Lisboa, Nelsova (Winnipeg, Canadá, 1918-Nova Ior-
Edições Sílabo, 2006; Grande Enciclopédia Portuguesa que, 2002) marca o início de uma geração de mu-
e Brasileira, Vol. XXIX, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial lheres violoncelistas que já não estudam dire-
Enciclopédia, pp. 758-759; Vítor Pavão dos Santos, Re-
vista à Portuguesa – Uma História Breve do Teatro de Re- tamente com Suggia, mas que continuam a re-
vista, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978; “Necrologia – Ac- conhecê-la como referência ímpar. Nelsova toca
triz Aldina de Sousa” [c/ fot.], O Século, 01/11/1930, p. em 1950, no primeiro concerto que se realiza em
7, e 02/11/1930, p. 10. memória de Guilhermina Suggia, com a Or-
[I. S. A.] questra Sinfónica de Londres, dirigida por Sir
Malcolm Sargent, na Royal Academy of Music.
Guilhermina Augusta Xavier de Medim Suggia Uma outra mulher com um som belíssimo, ligada
Nasceu em 27 de junho de 1885, na freguesia de ainda ao nome de Suggia, é a brilhante e efémera
S. Nicolau, no Porto, e morreu na noite de 30 de Jacqueline Du Pré (Oxford, 1945-Londres, 1987)
julho de 1950, na sua casa da Rua da Alegria, 665, que ganhou, com 10 anos, o Prémio Suggia, in-
também no Porto. Suggia revelou uma tendên- centivada a concorrer pelo professor, William
cia prematura para a música e tem como primeiro Pleeth, com quem continuou a estudar na
professor de violoncelo o pai, Augusto Suggia, Guildhall School of Music. Guilhermina Suggia
que reconhece na filha o seu imenso talento mu- era uma mulher muito culta, uma mulher de
sical. Guilhermina Suggia tomou a corajosa muitas experiências, uma conquistadora nata, ti-
decisão de ser violoncelista profissional, sendo nha uma lógica própria e relacionava-se com o
a primeira mulher a fazer carreira a solo e a atin- mundo a partir dessa lógica. Falar do seu tem-
gir tão grande êxito nessa profissão. Existem ou- peramento implica falar de música, porque a vida
tras mulheres, anteriores a Suggia ou da sua ge- de Suggia é acompanhada sempre de música e
ração que, não podendo comparar-se-lhe em gé- do violoncelo. Apesar do seu talento para o vio-
nio musical e consagração, seria injusto esque- loncelo, estudava muitíssimo, motivada por
cer. Lisa Cristiani (1827-1853), parisiense, foi uma um ideal de perfeição estilística e musical.
das primeiras violoncelistas de que se tem co- Para Suggia, o violoncelo é o mais extraordiná-
nhecimento; apesar de se reconhecer talento a rio de todos os instrumentos, considerando-o ela
Cristiani, diz-se que tinha um som pequeno. Ga- o único que tem a possibilidade de suster um bai-
brielle Plateau (1855-1875), belga, de quem se xo por um longo período e a possibilidade de
sabe muito pouco, é considerada possuidora de cantar uma melodia praticamente em qualquer
uma técnica brilhante, mas também sem um som registo. Porém, para que se revele a substância
poderoso. De Beatrice Eveline (1877-1952), in- musical do violoncelo, é preciso que a técnica
glesa, sabe-se que fez tournées na Europa como não seja estudada apenas como destreza, mas que
solista. É, no entanto, May Mukle (1880-1963) tenda sempre para a música. “A técnica é ne-
que é considerada a pioneira das mulheres cessária como veículo de expressão e quanto mais
violoncelistas em Inglaterra e a primeira a con- perfeita a técnica, mais livre fica a mente para
quistar o estatuto de concertista. Beatrice Har- interpretar as ideias que animaram o composi-
rison (1892-1965), filha de ingleses, nasceu no tor” [Guilhermina Suggia, “The Violoncello”, Mu-
Noroeste da Índia. Fez o seu début com 15 anos, sic and Letters, n.o 2, Vol. I, Londres, abril de
foi a primeira mulher violoncelista a tocar no Car- 1920, 106]. Suggia dedicou uma atenção muito
negie Hall e a primeira a ser convidada como so- subtil aos pormenores. Para além de dar aulas
lista pelas Orquestras Sinfónicas de Boston e de de violoncelo, tocava continuamente: em Lon-
Chicago. Na geração imediatamente a seguir a dres, quando morava num segundo andar, teve
Guilhermina Suggia há a destacar Thelma Reiss uma vizinha que se queixava que Suggia se mu-
(Plymouth, Inglaterra, 1906-1991) e Raya Gar- dou para lá no outono de 1922 e que até então,
bousova (Tiflis, Rússia, 1909-Illinois, 1997). Am- 1924, não deixou mais de tocar. Fixou-se em Lon-
bas tiveram lições com Suggia. Violoncelistas dres a partir de 1914 e só regressou definitiva-
como Antonia Butler (Londres, 1909-1997) ou mente a Portugal nos anos 30. A sua formação,
Florence Hooton (Scarborough, 1912-1988) têm depois do que aprendeu com o pai (e que era de
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muita qualidade) e da experiência adquirida no de 25 casas e Casals arrendou o n.o 20 por ter um
Quarteto Moreira de Sá, foi aperfeiçoada na es- pequeno jardim e ficar no fim da rua. A casa ti-
cola alemã de violoncelo, que nos finais do sé- nha três pequenos andares: a cozinha no rés-do-
culo XIX e princípios do XX era a mais concei- -chão, a sala de jantar e a sala de visitas no 1.o
tuada. Partiu para Leipzig em 1901, com uma bol- andar, dois quartos e a casa de banho no andar
sa de estudo concedida pela rainha D. Amélia, de cima. No fim da primavera ou princípio do
para estudar no Conservatório de Leipzig – co- verão, quando acabava a temporada de concer-
nhecido pela exigência de ensino e pela exigência tos e os músicos regressavam das suas tournées,
na seleção de alunos – com o professor Julius encontravam-se todos na Villa Molitor e daí re-
Klengel (1859-1933). Sobre a sua discípula, in- sultavam extraordinários serões musicais. Lem-
forma Klengel num certificado, datado de 19 de brou Casals mais tarde que tocavam juntos
junho de 1902, que “sem dúvida não tem havi- “pelo puro amor de tocar, sem pensar em pro-
do uma violoncelista com o mérito da artista de gramas de concerto ou horários, em empresários,
que me ocupo, que também não tem nada a re- bilheteiras, audiências, críticos de música. Ape-
cear no confronto com os seus colegas do sexo nas nós e a música”. Desse círculo de amigos fa-
masculino. Mlle. Suggia, possuindo alta inteli- ziam parte, entre outros, os pintores Degas e Eu-
gência musical e um completo conhecimento da gène Carrière, o filósofo Henri Bergson, o escritor
técnica, tem o direito de ser considerada, no Romain Rolland, os músicos Ysaÿe, Thibaud,
mundo artístico, como uma celebridade”. Klen- Cortot, Bauer e compositores como d’Indy,
gel profetiza que Guilhermina, “cheia de talen- Enesco, Ravel, Schönberg, Saint-Saëns. Duran-
to, conhecedora de todos os segredos do vio- te o período de coabitação parisiense, encontram-
loncelo, começa a subir e há de ir tão alto que -se na revista Le Monde Musical muitas refe-
ninguém a atingirá”. A profecia de Klengel rea- rências entusiásticas às interpretações de ambos.
lizou-se logo a seguir ao período de Leipzig, com O compositor Emanuel Moór extasiava-se com
Suggia a tocar com o maior sucesso nas mais esses dois arcos e a eles dedicou o duplo con-
prestigiadas salas de concerto europeias. Suggia, certo para dois violoncelos e orquestra. Jean Huré,
que sempre elogiou o professor Klengel e os seus crítico do Le Monde Musical, afirma que a pri-
extraordinários ensinamentos, destacava também meira execução, em Paris, do Concerto para dois
a influência de Pablo Casals (1876-1973). Em Violoncelos de E. Moór foi acolhida com aplau-
1906, Suggia estava em Paris, tocava nessa altura sos entusiásticos. O Duplo Concerto para Vio-
para Casals e ainda durante esse ano começou loncelo colocou os dois mais famosos violon-
a partilhar com ele a mesma casa, a Villa Moli- celistas a tocar na mesma sala de concertos – to-
tor. O primeiro encontro com Pablo Casals fora caram-no em França, Alemanha, Suíça, Rússia
no verão de 1898, em Espinho. Casals tinha sido –, tocando Suggia o primeiro violoncelo como
contratado pelo Casino de Espinho para tocar du- lhe tinha sido dedicado pelo compositor. “Em
rante as noites do estio. Eram sete músicos, mas Bruxelas toquei com Casals o Duplo Concerto de
uma vez por semana Pablo Casals tocava a solo Moór”, escreveu Suggia, já de S. Petersburgo, em
e dele se dizia que “transformava um café janeiro de 1908. “Estamos na Holanda os dois.
numa sala de concertos e esta num templo”. O Esta noite tocaremos o Duplo Concerto de
pai de Guilhermina, atraído pela fama do vio- Moór” (junho de 1910). Para compensar o tu-
loncelista, pediu-lhe para ouvir a filha (com 13 multo dos concertos, vão durante algum tempo
anos) e Casals, entusiasmado com o som dela, para a Catalunha descansar. Pablo compra um
aceitou dar-lhe lições. Guilhermina passou o ve- terreno muito perto da praia, em Sant Salvador,
rão a viajar em lentos comboios, entre o Porto e e acabou por construir, nesse lugar, uma casa. Foi,
Espinho, carregada com o violoncelo, enquan- aliás, daí – e de “uma excursão soberba por Es-
to Casals ali trabalhou. Encontraram-se outra vez panha” – que, em abril de 1908, Suggia procu-
em Leipzig, durante as visitas do catalão ao pro- rou iludir a moralidade portuense, continuan-
fessor Julius Klengel. Com Suggia e Casals a vi- do a missiva: “Casei-me oficialmente com o Ca-
ver juntos em Paris na Villa Molitor, estava reu- sals”. Assim, e procurando reforçar o aconteci-
nido o casal mais famoso e talentoso de vio- mento artificial com os tradicionais desejos de
loncelistas. A casa situava-se na zona de Auteuil Boas Festas para o Natal desse mesmo ano de
e estava arrendada a Casals desde janeiro de 1908, banalizou a notícia do seu casamento:
1905. A Villa Molitor fazia parte de um bairro “Mon mari se joint à moi. Estou em Espanha e
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partiremos para Paris, onde recomeçaremos a tivessem exigido a minha atenção. Ficou-se ime-
nossa atividade e concertos. Guilhermina Sug- diatamente com a certeza de que ela teve uma
gia-Casals”. A partir desta altura, a violoncelis- nítida ideia da música. Havia tanta forma na ex-
ta assina o nome associando o apelido Casals. Em pressão daquele primeiro fraseado que sentíamos
Paris, o nome de Guilhermina era impresso como que estávamos perante o perfil de Brahms, o qual
Suggia-Casals. Corriam rumores de que Casals é quase sempre tremendo, tal como o seu colo-
tinha ciúmes de Suggia como violoncelista e do rido. Estou feliz a todos os níveis, por ser Sug-
encantamento que ela provocava, malgré elle, ou gia quem me parece ser a maior de todos os vio-
não, nos outros homens. É provável que no vio- loncelistas. Casals é tecnicamente seu igual, mas
loncelo Casals considerasse Suggia a sua ver- a sua interpretação não me preenche com o mes-
dadeira rival. O ano de 1913 foi devastador para mo jovial entusiasmo”. Num livro sobre a vida
a relação Suggia-Casals. O violoncelista pre- e a obra de Dora Carrington [Jane Hill, The Art
tendeu sepultar no mais profundo esqueci- of Dora Carrington, The Herbert Press, 26]
mento aquele pedaço de vida a que se referiu pode ler-se: “O que Carrington precisava era o
como o “episódio mais cruelmente infeliz da mi- estímulo de Londres, onde podia passar as ma-
nha vida”. Suggia, quando mais tarde se referir nhãs na Biblioteca de Londres, do princípio da
a Casals, será na qualidade de violoncelista e tarde ao princípio da noite estar no seu estúdio
nunca no plano amoroso. Por razões que não foi (talvez tomar chá com Augustus John…); talvez
possível descobrir, Guilhermina Suggia aca- uma sonata de Bach tocada por Madame Suggia
bou por mudar-se para Inglaterra ainda nesse ano no Aeolian Hall”. Virginia Woolf, no seu Diário
de 1914. Habitou em Londres, em casa de Mrs. refere-se também a Suggia: “Como de costume,
Hart, com todo o tempo para o violoncelo. Em estou, ou penso-me [estar], soterrada em traba-
Inglaterra, Suggia atingiu fama sem rival. Leia- lho para fazer; e isto é interrompido por horas
-se o artigo de 5 de março de 1920 na revista Time de sólido prazer – ir ao cinema esta noite; e [ir
and Side, em que Christopher St. John se refe- ouvir] Suggia na segunda-feira. É a música que
re à vida intensamente musical de Londres e à eu quero; para [me] estimular e inspirar” [The
presença de Suggia, sublime entre os melhores, Diary of Virginia Woolf, Volume II, 1920-24, Pen-
incluindo Casals: “Através do The Times tomei guin Books, 1981, 320]. O concerto a que Virgi-
conhecimento de que em quatro dias da passa- nia Woolf se refere, é o recital que Suggia deu
da semana, algo como trinta concertos foram da- no Wigmore Hall, a 3 de novembro de 1924,
dos em Londres. O exercício que tal implica para acompanhada ao piano por José Viana da Mota.
os críticos de música é tanto físico como men- O quadro que Augustus John pintou de Gui-
tal. Têm de correr de sala para sala caso sintam lhermina Suggia em 1923 traz para a matéria a
ser seu dever discutir uma seleção representa- têmpera de Suggia quando toca em público. Du-
tiva de um amontoado de recitais. Começo a pen- rante as sessões no ateliê do pintor, Suggia to-
sar que um bom par de pernas constitui um cava Bach. Essa imagem que o artista tão irre-
elemento extremamente necessário no nosso sistivelmente captou é um legado para a poste-
equipamento. E um bom olfato. O meu sistema ridade sobre a atitude interpretativa de Suggia.
consiste em seguir o meu olfato. Eu farejo os con- No palco incarnava a figura da prima-dona que
certos que penso que irão ser interessantes, e ne- domina a música. Quando entrava era uma apa-
les passo o tempo. Não há dúvida que perco mui- rição imponente e desde esse momento come-
tos concertos dignos de registo, mas cheguei à çava a magnetização do público ao unir a técnica
conclusão de que não se pode fazer justiça a um e a compreensão absoluta da obra. É comum ler-
artista, se apenas lhe concedermos um rápido se nas críticas que os aplausos são estrondosos,
olhar durante os poucos minutos que nos se- ressoando nas salas com assistências enfeitiça-
param de iniciarmos uma corrida pelas ruas para das. Suggia, mais do que aplaudida, era acla-
apanharmos outro artista noutra sala. O exercí- mada. Provocava, em geral, sentimentos extre-
cio é agradável quando está bom tempo, mas em mos porque ela própria era de uma impenetra-
nada auxilia a crítica. Depois de Madame Sug- bilidade de aço ou de uma generosidade sem par.
gia ter executado o compasso de abertura da So- Podia ser efusiva, rir alto, ser extravagante, mas
nata de Brahms para Violoncelo em fá maior (op. também podia recolher-se até à nostalgia, ser si-
99), no seu recital em Wigmore Hall, eu não cor- lenciosa e austera. No Porto, diziam que era uma
reria por aí fora, ainda que dez outros concertos inglesa excêntrica, que gosta de usar palavras es-
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trangeiras na conversação, afastando-se osten- de Leixões –, a que não faltam muitas rosas e a
sivamente quando alguém espirrava. Tinha um sua coleção de tapetes persas. Durante a guerra,
sentido de humor britânico que exercitava nos Suggia permaneceu mais por Portugal, e no Por-
circuitos sociais. Ao contrário das senhoras por- to solicitam a sua participação em concertos de
tuenses, Guilhermina Suggia jogava ténis, pra- angariação de fundos humanitários. No final dos
ticava remo e natação. Muitas vezes era ela que anos 40, o encontro de Suggia com Maria Ade-
conduzia o seu Renault preto. Se ia para a casa laide de Freitas Gonçalves, diretora do Conser-
de Leça da Palmeira, dispensava o motorista. Em vatório de Música do Porto, tem consequências
Leça da Palmeira arrendou uma casa para estu- para a vida musical da cidade: a formação da Or-
dar. Levava um dos cães consigo, Mona ou San- questra Sinfónica do Conservatório, integrando
dy, e o violoncelo. Em 1927, Suggia casou-se com alunos finalistas dessa escola, a que a diretora
o Dr. José Casimiro Carteado Mena (1876-1949), chamava carinhosamente o “viveiro”. Suggia
radiologista brilhante, diretor do Instituto Pas- apoiou o naipe de violoncelos e foi solista no con-
teur do Porto. Conheceram-se em 1923, no certo de apresentação da orquestra, na noite de
Grande Hotel do Porto, num regresso de Gui- 21 de junho de 1948, no Teatro Rivoli. Tocou o
lhermina com a mãe doente: ao reclamar um mé- Concerto de Saint-Saëns e Kol Nidrei de Max
dico para Elisa, informaram-na que um médico Bruch. Dos seus alunos – Pilar Torres, Madale-
tem a residência no hotel. Com efeito, o Dr. Car- na Moreira de Sá e Costa, Isabel Millet, Maria Bei-
teado Mena fixara a sua residência no Grande Ho- res, Maria Alice Ferreira, Celso de Carvalho, Fi-
tel do Porto depois de se divorciar. A filha úni- lipe Loriente, Carlos de Figueiredo, Amaryllis
ca, Maria Ana Mena, vivia com umas tias numa Fleming, Audrey Rainier, Jean Marcel – tinha
quinta da família, em Viana do Castelo. Sabe-se uma intuição muito lúcida quanto ao papel que
que o Dr. Carteado Mena, personalidade muito desempenhariam na música enquanto violon-
respeitada pela burguesia portuense, se desve- celistas. É preciso suportar os bastidores e saber
lará a partir daí em atenções com a mãe de Gui- que “para tocar queimamos os nossos nervos”,
lhermina, muito particularmente nas ausências dizia aos seus discípulos, que nunca aceitou em
demoradas de Suggia pelo estrangeiro. Desses en- grande número. Em 1949, Suggia, com sinais vi-
contros deu conta a “paciente” em epístolas por- síveis de doença, teve a corajosa iniciativa de
menorizadas à filha: “O Dr. tem muito cuidado criar o Trio do Porto, constituído por ela, pelo
com a minha saúde”; “O Dr. é muito pontual, não violinista Henri Mouton e pelo violetista Fran-
esquece nada, manda sempre os jornais”; “O Dr. çois Broos. Foi neste período dos anos 40 que
é um santo, tem comprado músicas para a pia- Suggia reforçou os laços musicais com compo-
nola”; “Ele só conhece o bem e gosta de o pra- sitores e intérpretes portugueses, tocando no Por-
ticar. Convidou o papá para jantar”; “ O Dr. é um to, em Lisboa, Aveiro, Viana do Castelo, Braga,
exemplo e envergonha os que não seguem a es- Viseu... muitas vezes a convite do Círculo de Cul-
trada direita”; “ Nem eu nem o Dr. podemos vi- tura Musical dessas cidades. Em 31 de maio de
ver sem ti”. Na carta de 13 de novembro de 1926, 1950, tocou pela última vez em público, num re-
a alusão da mãe ao casamento de Guilhermina cital no Teatro Aveirense, para os sócios do Cír-
dá a entender que a filha lhe teria confessado dú- culo de Cultura Musical de Aveiro, acompanhada
vidas ou pedido a opinião: “Eu compreendo que ao piano por Maria Adelaide de Freitas Gon-
em Inglaterra está tudo trabalhando para não ca- çalves. Foi o seu último êxito. Regressou ao Por-
sares. Conta comigo para o que quiseres. Nun- to conduzida pelo motorista, com o carro cheio
ca esquecerei a bondade do teu coração para co- de flores. Suggia sabia que era a despedida e que
migo, tens sido o meu anjo protetor”. O casa- teria de anular os compromissos de concertis-
mento realizou-se com privacidade e discrição ta. Entre esses concertos, agendava-se uma
no dia 27 de agosto de 1927, sendo os padrinhos tournée à América, várias vezes programada e
o ourives Manuel Reis e o escultor Teixeira Lo- sempre cancelada por diferentes contratem-
pes. Suggia mudou para uma casa que o Dr. Car- pos. Suggia, que conquistara a Europa com o seu
teado Mena comprou na Rua da Alegria, no n.o talento e génio, queria experimentar os palcos
665, permanecendo os pais no n.o 894 da mes- americanos. Lamentará, por isso, que essa via-
ma rua, casa comprada por Suggia em 1924. Gui- gem tão desejada jamais se realize. A Orquestra
lhermina fez da nova casa um “home britânico” Sinfónica de Londres, dirigida por Sir Malcolm
– os móveis desembarcam de Londres no porto Sargent, realizou o primeiro concerto em sua me-
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mória, em agosto de 1950, na Royal Academy of News, 19 de novembro de 1926: “A beleza de


Music. A solista foi Zara Nelsova. Visando dis- execução de Mme. Guilhermina Suggia poderia
tinguir o melhor aluno do Curso Superior de Vio- transformar em algo atraente a mais árida das me-
loncelo do Conservatório de Música do Porto foi lodias: quando a sua arte é utilizada em peça tão
instituído por vontade testamentária da vio- bela como o Concerto para Violoncelo de Dvo-
loncelista o Prémio Guilhermina Suggia, atri- rak, o efeito é supremamente inebriante. Nada
buído pela primeira vez em 1953. Igualmente em mais perfeito no género foi ouvido, quanto a nós,
cumprimento de disposição testamentária, foi em nenhum concerto Hallé, nos últimos anos,
instituído em 1951 e atribuído pela primeira vez do que a interpretação que Mme. Suggia deu do
em 1952, em Londres, o Prémio Guilhermina andamento de abertura e do “adagio” deste con-
Suggia. Este prestigiado prémio, atribuído pela certo para violoncelo no programa de 5.a feira”.
Royal Academy of Music, tem como principal The Times, 25 de março de 1931: “Grande é Sug-
objetivo incentivar os violoncelistas, com per- gia e o seu violoncelo. Suggia, artista incompa-
fil de intérpretes a solo, a dedicarem-se a um pe- rável, inimitável mulher-espetáculo, Suggia to-
ríodo especial de pós-graduação. Mantém-se em mou o violoncelo nos seus braços num poderoso
vigor até aos dias de hoje. Guilhermina Suggia gesto. Ele tornou-se parte dela. Uma viragem da
tinha vários violoncelos. Entre eles destacam- sua cabeça na direção do maestro e lá vamos nós.
-se os famosos Stradivarius (Cremona, 1717) e O violoncelo responde a todas as suas carícias.
Montagnana (Cremona, construído suposta- Ele acompanha-a à medida que ela oscila de um
mente em 1700; na etiqueta o terceiro algarismo lado para outro. Ela inclina-se ligeiramente
não está completamente legível, embora se as- para trás e recupera forças como a prima don-
semelhe a um zero). Suggia fez poucas gravações. na na ópera e exterioriza as mais graves notas
Para além das gravações existentes em 78 rota- com uma profundidade de sentimento harmo-
ções, está atualmente disponível no mercado o niosa, a qual vem diretamente do tom de toda
CD Guilhermina Suggia plays Haydn, Bruch, a orquestra. [...] Agora ela está a ter e a dar ins-
Lalo, na etiqueta Dutton (CD BP9748), U.K., 2004. piração ao maestro. Olha para ele através do seu
Reportório. Suggia tocava todos os importantes instrumento, com admiração e alegria. [...] Nós
concertos da época para violoncelo e orquestra vemos os executantes de cello na orquestra in-
– os concertos de Haydn, Elgar, Saint-Saëns, clinados para a frente com as cabeças curvadas
Schumann, Eugène d’Albert, Dvorak. Uma vez e expressões tensas, perdidos na admiração des-
que fez, infelizmente, poucas gravações, uma das ta grande mestre do seu ofício. Acabando num
possibilidades para poder imaginar o som dela acesso de glória, ela retira-se do palco. A au-
é a leitura de variadas críticas, por exemplo à diência reclamou-a outra vez e outra vez”. Mu-
mesma peça, interpretada em anos diferentes. A sical Opinion, maio de 1931: “Diz-se que a in-
seleção que apresento é muito restrita e tem de terpretação de Suggia do Concerto de Dvorak foi
ser percebida como um exercício que deixa de uma visão de rara beleza. Jamais ouvimos o fas-
fora muitíssimas outras críticas que, no entan- cinante segundo tema do primeiro andamento
to, participam da mesma atmosfera apreciativa. tocado com tal sentimento, de acordo com as suas
O critério utilizado nesta brevíssima seleção foi qualidades românticas e ao mesmo tempo com
o de procurar referências que pudessem sugerir tal recato. Nunca se sabe antecipadamente que
a natureza do som de Suggia e a particularida- particular momento de uma peça receberá o to-
de da interpretação em diferentes momentos da que inesperado da temperamental Suggia”.
sua carreira. Concerto de Dvorak. Liverpool Post, Concerto de Schumann. Sunday Times, 8 de fe-
17 de novembro de 1926: “Mme. Suggia, que to- vereiro de 1920: “É quase impossível encontrar
cou no Concerto da Filarmónica na noite passada, algo de novo a dizer sobre a arte de Madame Sug-
tem sempre a certeza de uma audiência entu- gia, mas todas as suas aparições são um fresco
siástica. Seja qual for o significado do termo, ela deleite. A sua leitura do Concerto para Violon-
aparece como uma das artistas mais tempera- celo de Schumann foi absolutamente subjuga-
mentais do mundo dos concertos. A noite pas- dora, não tanto pela perfeição do fraseado e be-
sada apresentou-se absolutamente no melhor da leza do tom, como pela impressão que se sentiu
sua forma, tocando o Concerto de Dvorak com de que Mme. Suggia estava absolutamente vi-
beleza extraordinária de estilo. O seu triunfo jun- vendo na música”. The Daily Mail, 27 de outu-
to da audiência foi completo”. Manchester City bro de 1922: “Suggia é soberbamente tempera-
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mental, sendo sempre ela que dirige o seu tem- graça e vivacidade insuperáveis no último.
peramento, sem nunca ser dirigida por ele. No Sempre perfeita, sempre elegante, sempre de uma
Concerto de Schumann anima com o fogo da sua sedução sem par, Suggia deu-nos ainda o Kol Ni-
personalidade o que de outro modo ficaria drei de Max Bruch, o Allegro Apassionato de
morto; com a esplêndida largueza de arco e a vi- Saint-Saëns, a Peça em Forma de Habanera de
vacidade do seu som, Suggia dá alento e brilho Ravel e a Dança do Fogo do Amor Brujo de Fal-
à peça”. Concerto de Haydn. Musical Opinion, la. Extraprograma e correspondendo ao entu-
outubro de 1930: “O mais marcante momento do siasmo do público, executou a ilustre violon-
programa foi a interpretação soberba de Mada- celista o Zapateado de Sarasate e uma Suite para
me Suggia do Concerto em Ré M para Violoncelo Violoncelo Solo de Bach, onde subiu às culmi-
e Orquestra de Haydn. Não tinha ouvido tocar nâncias da grande arte”. Concerto de Elgar. Re-
assim violoncelo desde que ouvi a última vez Ca- pública, 16 de fevereiro de 1946: “[...] a colos-
sals; perfeição é a única palavra para isto, dizer sal artista emocionou e encantou a assistência,
mais alguma coisa seria supérfluo”. The Times, que lhe fez justamente uma verdadeira apoteo-
janeiro de 1935: “O Concerto em Ré para Vio- se. Tocou o Concerto em Mi menor de Elgar com
loncelo e Orquestra de Haydn raramente soou a sua arcada que arrebata, com o brio e a ex-
tão belo como nesta ocasião, tocado como foi pelo pressão que só ela possui e ouvido em religio-
magnífico virtuosismo e, ao mesmo tempo, so silêncio, teve aplausos intermináveis, tendo
pela mais íntima simbiose por Madame Suggia, de repetir o último andamento [...]”. Suites para
a ligação entre solo e orquestra foi perfeita”. Con- Violoncelo Solo de Bach. Arts Gazette, 29 de no-
certo de Saint-Saëns. Musical Opinion, 9 de mar- vembro de 1919: “Para mim ela foi sempre uma
ço de 1917: “A atuação de Mlle. Suggia revelou violoncelista incomparável, mas o que nos deu
toda a grandeza. Ela executou Saint-Saëns não em Boccherini, em Fauré e especialmente em
da maneira alemã, mas sim da francesa, mos- Bach, foi a execução duma grande artista. A sen-
trando todas as suas boas qualidades, toda a sua sualidade do seu tom passou a uma sobriedade
amabilidade, a sua cortesia, a sua agudeza de es- de paixão serena. O modo como toca é não só de
pírito e o requinte de execução no qual estas gra- uma beleza sem falhas, como tem o autodomí-
ças vivem sem sobrecarregar a música com nio sem o qual nenhuma arte pode viver. A pre-
sentimentos tensos. As Variações de Böllmann cisão dos contornos e ritmos em Bach, o char-
possuem mais exuberância de expressão e de es- me delicado em Boccherini, o sonho em Fauré
tilo e nestas Mme. Suggia colocou em realce uma – nada mais perfeito poderia imaginar-se”. Sun-
energia apropriada, dando mesmo o toque do es- day Times, 12 de novembro de 1924: “Ela alcança
tilo satânico ao qual conduz a originalidade da provavelmente o seu melhor nas Suites de
música”. Daily Telegraph, 23 de outubro de 1930: Bach, onde nenhum conjunto de sons orquestrais
“Mme. Suggia executou a sua parte do Concer- ou de piano vêm escurecer a insuperável bele-
to como se toda a literatura da música para vio- za do seu tom. Tem-se dito acerca dela que con-
loncelo nunca tivesse sustentado nada tão divino. segue fazer vibrar a sua audiência através da mera
Ela parecia, igualmente, inspirar a orquestra (Or- execução de uma vulgar escala, o que dificil-
questra Sinfónica da BBC, dirigida por Sir mente constitui um exagero”. Glasgow Evening
Adrian Boult) com o mesmo sentimento”. Mu- Standard, 22 de outubro de 1926: “Tudo o que
sical Opinion, março de 1936: “Não houve possa ser dito acerca de Mme. Suggia já foi pro-
efeitos, nem distorções rítmicas, nem ênfases exa- vavelmente dito muitas vezes. É assim quase su-
gerados de qualquer espécie: houve uma abso- ficiente afirmar que Mme. Suggia estava na sua
luta precisão técnica, uma constante perfeição melhor forma. Admirava-se, a um tempo, o fra-
da entoação e toda a peça foi envolvida com lu- seamento, o tom delicado e calmo e a articula-
minosidade e frescura”. Concerto de Lalo. Sea- ção quase humana do instrumento. Foi, contu-
ra Nova, 5 de junho de 1943: “S. Carlos – 4.o Con- do, talvez no seu Bach a solo que a sua musi-
certo da Orquestra Sinfónica Nacional. Suggia calidade atingiu o mais alto nível. Em suma,
é uma grande e extraordinária artista: isto vale Mme. Suggia obrigou-nos uma vez mais a tomar
dizer tudo. A sua interpretação do Concerto de consciência de tudo o que o seu nome signifi-
Lalo foi de uma qualidade de estilo única, de uma ca no mundo da música”. Oxford Mail, 5 de de-
eloquência generosa, no 1.o andamento, de uma zembro de 1930: “Uma atuação magistral. A vio-
qualidade de som encantadora no 2.o e de uma loncelista deu-nos uma interpretação particu-
345 GUI

larmente notável das duas danças e da giga [da contram-se outras peças, entre as quais Lisboa
Suite n.o 4 em mi bemol maior]”. – Actualidade, manuscrito de 19 páginas; O Sol
Bib.: Fátima Pombo, Guilhermina Suggia ou o Violoncelo quando Nasce…, comédia em 1 ato com 16 pá-
Luxuriante, edição português/inglês, Fundação Eng.o An- ginas dactilografadas e assinada com o pseu-
tónio de Almeida, Porto, 1993; Idem, A Sonata de Sem- dónimo Helena; A Lição, peça em 2 atos, dacti-
pre, Edições Afrontamento, Porto, 1996; Mário Cláudio, lografada, com 38 páginas e sob o pseudónimo
Guilhermina, INCM, Lisboa, 1986.
[F. P.] Maria de Deus; Família Félix, composição com
3 atos; Papoilas e Giestas, manuscrito registado
Guilhermina Bárbara de Sousa Avelar Pinto Ta- como revista original de duas estremocenses e
vares com 22 páginas. No espólio também se encon-
Escritora. Nasceu em 26 de agosto de 1906 em tra o conto Cláudia, uma tendeira bonita, dac-
Estremoz e aí faleceu a 31 de maio de 1984. Fi- tilografado em 15 páginas, o romance Maria do
lha de João José de Avelar Pinto Tavares, médi- Carmo, com cinco capítulos manuscritos, e um
co dentista do Regimento de Cavalaria, e de folhetim radiofónico de sete páginas manuscri-
Augusta Amélia de Sousa. Foi presidente da Co- tas e intitulado Duas épocas, assinado por
missão Concelhia do Movimento Nacional Fe- Mina. Guilhermina Avelar recorreu a vários pseu-
minino (MNF), cargo revelador do seu ativo com- dónimos literários, como Maria de Deus, Hele-
promisso político. Publicou poesia em jornais de na Sofia, Laura Leonor, Maria de Santo André,
âmbito regional e participou em vários concur- Guina, Maria João, sendo mais comum Mina. Da
sos. Recebeu o 1.o Prémio de soneto nos Jogos atividade social regista-se a participação no Es-
Florais Bocageanos, realizados em Évora no ano petáculo de Beneficência a favor da Associação
de 1942, com o poema “O Pastor”. No ano se- das Damas da Caridade, de 4 de março de 1926,
guinte, apresentou a concurso o poema “A no qual integrou o coro e o elenco da comédia
Herdade” e foi-lhe atribuída a 1.a Menção Hon- Quatro Cantinhos, de Eduardo Schwalbach. Reu-
rosa de Poesia Lírica nos Jogos Florais Luso-His- nia-se habitualmente com um grupo de escritores
pânicos de Elvas. Em 1945, ganhou o 2.o Prémio estremocenses na Horta Primeira, residência de
dos Jogos Florais Bocageanos, com o soneto in- Maria de Santa Isabel, e entre os quais se con-
titulado “Alentejo” e assinado com o pseudó- tavam Guiomar d’Avila, Joaquim Vermelho e o
nimo Papoila. Em ano incerto, ficou em 1.o lu- padre Carmo Martins.
gar no concurso de adivinha em verso promo- Bib.: Marques Crespo, Estremoz e o seu Termo «Regional»,
vido pelo jornal estremocense Brados do Alen- 2.a ed., Estremoz, edição fac-similada/Centro Social Pa-
tejo. Deixou preparado um livro com 22 poemas roquial Santo André, s.a., p. 175.
manuscritos, resguardados por uma capa com de- [M. T. S.]
senho aguarelado, intitulado Aguarelas do
Alentejo. No livro é notório o posicionamento Guilhermina Carlota da Trindade Silva
cuidado em relação à exposição invasora da sub- Atriz. Era filha da atriz Mariana Bárbara da Trin-
jetividade, escolhendo a temática paisagista dade*. Representou, no Teatro Nacional da Rua
para volatilizar estados de alma. No espólio con- dos Condes, o papel de “Jane Talbot”, em Ma-
servam-se centenas de folhas avulsas com poe- ria Tudor (1837), drama em 4 atos de Victor Hugo,
mas, peças de teatro e contos, revelando que a tradução de José Maria de Sousa Lobo, ao lado
escrita era algo impulsivo a que não se podia sub- de Carlota Talassi*. Em 1843, estava no Teatro da
trair. Entre as peças de teatro encontra-se Não Te Rua do Salitre e ali entrou na estreia das orató-
Metas no Atalho, composta em dois atos, com rias Santa Cecília, em 3 atos, e Santa Iria, em 1
35 páginas e assinada por Maria Telma, a que foi ato; Angelo ou o Tirano de Pádua, de Victor
atribuído o 3.o Prémio do Concurso de Teatro Hugo, tradução de Luís Augusto Rebelo da Sil-
Amador organizado pela Fundação Nacional para va, O Médico da Nova Escola; fez parte do elen-
Alegria no Trabalho (FNAT), em ano incerto da co da peça A Duquesa de Brabant, protagonizou
década de 50. Escreveu com Maria Antónia Mar- a mágica O Génio do Bem e fez o papel de “Me-
tinez e Guiomar d’Avila uma fantasia em 3 atos nina de Brevise” em Eulália Pontois (1844), dra-
intitulada Aqui. Ali. Além, representada pelo gru- ma em 5 atos e 1 prólogo, de Frédéric Soulié. Em
po amador estremocense do Orfeão Tomaz Al- 1846, constava da lista de atores que se haviam
caide e levada à cena, a 19 de novembro de 1957, proposto para integrar a Sociedade Artística do
no Teatro Bernardim Ribeiro. No espólio en- Teatro D. Maria II e, a 11 de setembro de 1848,
GUI 346

entrou com a categoria de atriz de 2.a classe para zia parte da Empresa Salvador Marques que inau-
aquele teatro. Em 1853, fazia parte da nova com- gurou o novo Teatro da Rua dos Condes, a 23 de
panhia no Teatro D. Maria II, quando Sebastião dezembro de 1888, sob a direção artística de Sou-
Ribeiro de Sá era comissário do Governo, e en- sa Bastos. Ali entrou em Ontem e Hoje, alegoria
trou nas peças do repertório. de António Pedro Baptista Machado (1847-
Bib.: João Salgado, História do Teatro em Portugal, Lis- -1901), na opereta Duas Rainhas e em Tam-Tam
boa, David Corazzi, 1885; Gustavo de Matos Sequeira, (1891), revista de Sousa Bastos, música de Fili-
História do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, Publicação pe da Silva, ano em que partiu em digressão pelo
Comemorativa do Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955; Brasil. Regressou a Lisboa em 1893, percorreu as
Atalaia Nacional dos Teatros, Lisboa, Tipografia do Lar-
go do Contador, 1838; O Desenjoativo Teatral, Lisboa,
províncias com Palmira Kersprung* e Virgínia
n.o 2, 1838; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, Lima, entre outros atores, e, em 1894, foi para o
12/03/1956, p. 5. Teatro D. Afonso, no Porto. Em 1895, regressou
[I. S. A.] ao Teatro da Rua dos Condes, onde entrou em re-
vistas e, terminado o contrato, transitou para o
Guilhermina de Macedo Teatro do Príncipe Real, em 1896, onde foi mui-
Atriz. Nasceu a 8 de agosto de 1851 e faleceu a to apreciada nos papéis de “Irmã Luísa” e “1.a Se-
3 de abril de 1899. Foi considerada uma das me- nhora”, em A Carvoeira, drama em 5 atos e 7 qua-
lhores atrizes dos teatros de 2.a ordem e de gran- dros de Hector Crémieux (1828-1892) e Pierre De-
de utilidade, desempenhando papéis de dife- courcelle (1856-1926), tradução de Acácio An-
rentes géneros e sempre pronta a substituir uma tunes e Eduardo Schwalbach, e acompanhou a
colega. Ainda muito jovem, representou comé- Sociedade Artística de Maio & Ribeiro, de que
dias num teatro da província, a convite de ato- Marta de Lalande era coempresária, numa di-
res amadores, distinguindo-se no papel de “gaia- gressão a Nova Friburg. A sociedade desfez-se a
to” em Na Casa da Guarda e de “dama central” 10 de agosto de 1897. Com a companhia do Tea-
em Maldito Relógio. Depois de quatro anos de ex- tro do Príncipe Real voltou ao Brasil, onde
periência como atriz amadora, estreou-se no Tea- adoeceu e regressou em finais de 1897, já mui-
tro da Rua dos Condes, em 1872, na “mágica” A to doente e impossibilitada de trabalhar. Ao lon-
Cebola Misteriosa. Assinou o primeiro contrato go da carreira evidenciou-se nos papéis de
com o Teatro das Variedades e, em 1878, integrou “Margarida Duval”, em Vivandeira do 16 de Li-
o elenco do Teatro do Príncipe Real e fez os pri- nha, drama em 5 atos, tradução de Salvador Mar-
meiros papéis de responsabilidade em “Luísa”, ques; “Luciana”, criado por Lucinda do Carmo*,
na peça de costumes populares As Ruas de Lis- em Maridos que Choram (1886), comédia tra-
boa, e “Atriz”, na opereta Verde Gaio, música de duzida por Maximiliano de Azevedo (1850-
Alves Rente, em que foi muito aplaudida. Quan- -1911) a partir de Maris qui Pleurent; “Abades-
do a Empresa Salvador Marques passou a explorar sa” de Mam’zelle Nitouche (1887), opereta de Flo-
o Teatro da Rua dos Condes, em 1880, contratou rimond Hervé, adaptação de Gervásio Lobato e
Guilhermina, que ali se estreou no papel de “D. Urbano de Castro, música de Rio de Carvalho;
Cândida Seabra” em Os Campinos, drama de Sal- “Clarinha”, de As Pupilas do Sr. Reitor, drama
vador Marques, a que se seguiram os papéis nos em 5 atos, extraído do romance do mesmo
dramas Os Bombeiros, em 5 atos e 6 quadros, de nome de Júlio Dinis, por Ernesto Biester (1829-
José Romano, e Os Filhos dos Trabalhos, em 4 -1880); “Thenardier”, de Os Miseráveis, original
atos, de César Lacerda, e na revista Tutti li Mun- de Victor Hugo, em que se mostrou atriz de gran-
di, em 3 atos, de Argus (pseudónimo de António de mérito. Outras peças do seu repertório: Et Cæ-
de Meneses), música de Carlos Araújo, Francis- tra e Tal, revista de Argus, música de Rio de Car-
co Alvarenga (1844-1883) e Rio de Carvalho valho, Dominós Brancos, no Príncipe Real, em
(1838-1907). Tomou parte em todas as peças re- 1884, Miguel Strogoff (1886), drama em 5 atos de
presentadas neste teatro até à demolição em 1882, D’Ennery, extraído do romance de Jules Verne,
sendo uma das últimas Os Sinos de Corneville, traduzido por Pedro de Moura Cabral, Luís XI
ópera cómica em 3 atos e 4 quadros de Clairvil- (1887), vertido para português por Maximiliano
le e Gabet, tradução de Eduardo Garrido, músi- de Azevedo, Gabriel e Lusbel ou O Taumaturgo,
ca de Robert Planquette. Com a Empresa Salva- mistério em 4 atos, de Braz Martins, música de
dor Marques transitou, em 1883, para o Teatro dos Angelo Frondoni (benefício, a 26/03/1887), O Ar-
Recreios. Percorreu vários teatros de Lisboa e fa- lequim (1887), drama a partir de L’Homme Rou-
347 GUI

ge, de Victor Hugo, e O Homem Rico de Celori- do a concluir o Curso de Medicina em 1894; foi
co (1888), imitação de Gervásio Lobato e Acácio a única mulher diplomada desse ano. Apresen-
Antunes. Faleceu vítima de carcinoma no útero. tou, em 6 de outubro de 1894, como trabalho fi-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres nal de curso a dissertação A dilatação do estô-
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 755; An- mago, tornando-se a quarta médica portuense.
tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis- Não dispomos de elementos que nos permitam
boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 193; António Pi- traçar o seu percurso profissional, se é que
nheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia Costa Sanches, exerceu a atividade clínica; sabemos, apenas, que
1923, p. 62; Francisco António de Mattos, “Guilhermina
de Macedo”, O Recreio, Lisboa, 3.a série, n.o 7, 28/03/1887, na qualidade de testemunha do casamento rea-
pp. 97-100; Guiomar Torrezão, “Através dos Binóculos”, lizado pela irmã Rita, em 1898, Guilhermina es-
Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, 1.a série, 01/01/1881 e creveu como adenda à sua assinatura a palavra
12/2/1881; Mercedes Blasco, Memórias de uma Actriz, Lis- “médica”.
boa, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907; Revista Teatral, 3.a
série, 2.o Vol. n.o 26, 15/01/1896. Da autora: A dilatação do estômago, Porto, Imprensa Por-
[I. S. A.] tuguesa, 1894.
Bib.: C. Santos, A Mulher e a Universidade do Porto. A pro-
pósito do centenário da formatura das primeiras médicas
Guilhermina de Moraes Sarmento portuguesas, Porto, Universidade do Porto, 1991.
Filha de Rita de Cássia Oliveira e de Anselmo [M. J. R.]
Evaristo de Moraes Sarmento, nasceu no Porto
a 4 de julho de 1870, numa família pelo lado pa- Guilhermina Suggia
terno originária de Aveiro e com fortes tradições v. Guilhermina Augusta Xavier de Medim
liberais. A terceira dos cinco filhos do casal Mo- Suggia
raes Sarmento cursou Medicina na Escola Mé-
dico-Cirúrgica do Porto, tal como as duas irmãs
que a antecederam, Laurinda* e Aurélia*, sendo
as primeiras alunas a fazê-lo na cidade do Por-
to, conjuntamente com Maria Leite da Silva Ta-
vares Paes Moreira*. O pai, a par de proprietário
da Tipografia Imprensa Portuguesa, exerceu a ati-
vidade de jornalista, estando associado aos pe-
riódicos portuenses Gazeta literária do Porto
(1868), A Actualidade (1869-1891) e A ldeia Nova
– diário democrático (1891-1892). Guilhermina
cresceu num espaço familiar marcado por ideais
políticos democráticos e que lhe proporcionou
a convivência com prestigiados vultos do meio
cultural da época, casos de Antero de Quental,
Camilo de Castelo Branco, Eça de Queirós, Oli-
veira Martins, Ramalho Ortigão e Teófilo Braga,
sendo este último seu padrinho de batismo. Em
casa encontrou, assim, um ambiente onde não só
se cultivavam as artes e letras, como se promo-
via o acesso das mulheres à instrução. Estudou
as matérias liceais com professores particulares,
certamente, em conjunto com as suas três irmãs,
Laurinda (1867), Aurélia (1869) e Rita (1872),
prestando depois provas das mesmas no Liceu
Central do Porto. No ano letivo de 1887-1888, Gui-
lhermina e a irmã Rita matricularam-se na Aca-
demia Politécnica do Porto, diferindo, contudo,
o percurso de estudos escolhidos por ambas. Ob-
tendo nos dois anos que aí estudou a menção de
louvor nas cadeiras realizadas, Guilhermina in-
gressou na Escola Médico-Cirúrgica em 1889, vin-
H
Helena Alberny presa teatral no Rio de Janeiro. Casou com o ator
Atriz. Era filha dos Alberny, artistas de circo co- Eduardo Rodrigues, em 1877, em Manaus. Do seu
nhecidos pela façanha de subirem em balão na repertório, lembramos os dramas As Duas Orfãs,
Praça de Touros do Campo de Santana. Veio para em 5 atos, de Adolphe d’Ennery, tradução de Er-
Lisboa com os pais e, quando o espetáculo per- nesto Biester, Morgadinha de Valflor, em 5 atos,
deu interesse, mãe e filha resolveram ficar. Es- original de Pinheiro Chagas, Dalila, em 5 atos, de
treou-se, a 23 de abril de 1868, no Teatro da Trin- Octave Feuillet, imitação de António Serpa Pi-
dade, na comédia Tempestade em Família e foi mentel, e A Judia, de José Freire Serpa Pimentel;
muito apreciada pelo público e pela crítica. Ali as comédias Mantilha de Renda, em 2 atos, em ver-
continuou integrada no seu repertório, até que so, de Fernando Caldeira, Demi-Monde, de Ale-
passou para o Teatro do Ginásio. Foi em digressão xandre Dumas, filho, e Filha Única. Deixou a cena
pelo Brasil, onde fez carreira. e fixou-se em Macoca, Estado de S. Paulo, onde
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- se dedicou ao comércio de tabacos. Regressou ao
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 24; Porto, onde faleceu pouco tempo antes da morte
Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, do marido.
Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Muni-
cipal de Lisboa, 1967, p. 385. Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
[I. S. A.] res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 108;
António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lisboa, Edi-
torial Século, 1947, pp. 351-52; Esteves Pereira e Gui-
Helena Balsemão Rodrigues lherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, coro-
Atriz. Nasceu no Porto, em 1850, e faleceu na mes- gráfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático
ma cidade a 21 de fevereiro de 1903. Era pobre e e artístico, Vol. II, Lisboa, João Romano Torres & Ca. Edi-
viu no teatro o recurso possível para a sua inde- tores, 1906, p. 48; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo
e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câ-
pendência económica. Foi para Lisboa e procurou mara Municipal de Lisboa, 1967, p. 336.
o ator Paulo Martins, do Teatro do Príncipe Real, [I. S. A.]
para quem ia recomendada. Estreou-se em Lisboa,
em 1865 ou 1866, na comédia-drama em 2 atos Mo- Helena de Sousa Costa Belo Correia
cidade e Honra, tradução de José Carlos dos San- Escritora. Filha do bacharel Alberto Mário de Sou-
tos, contracenando com a atriz Virgínia*, que tam- sa Costa e da escritora Emília de Sousa Costa, nas-
bém se estreava. Passou para o Teatro do Ginásio, ceu no ano de 1905, em Vila Real. Casou com o
onde representou as comédias Nem César nem juiz António Mendes Belo Correia, de quem to-
João Fernandes, de Costa Cascais, e Tesouro do Tio mou os apelidos. Teve três filhos: Jorge, António
Jacob. Entretanto, o médico Falcão de Carvalho, Luís e Isabel Maria. Faleceu em 1949, no Porto,
seu protetor, conseguiu-lhe um contrato para o Tea- envenenada por uma criada, responsável pelo as-
tro D. Maria II, durante a vigência do comissário sassinato de outras patroas. Acompanhou a ati-
régio Dr. Luís da Costa Pereira (entre 1866-1868), vidade literária da mãe e, como escritora, assinou
e ali entrou nos dramas Egas Moniz, em 5 atos, em os seus livros sob o pseudónimo Leonor de Cam-
verso, original de José da Silva Mendes Leal, Al- pos e os artigos como Maria Saavedra.
fageme de Santarém, histórico em 5 atos de Al- Da autora: Toca a Brincar, Lisboa, Empresa Nacional de
meida Garrett, Corte na Aldeia (1867), de Theo- Publicidade, 1929; Caladinhos! Ora Escutem!, Lisboa,
dore Barrière, imitação da peça Les Ivresses de Empresa Nacional de Publicidade, 1931; Mestre Lobo e
l’Amour, por Mendes Leal, Amores de Leão, de as Três Cabrinhas, Lisboa, Empresa Nacional de Pu-
Ponsard, tradução de Mendes Leal, e Favorito à blicidade, 1932; Aventuras de João Espertalhão, Lisboa,
Empresa Nacional de Publicidade, 1933; O Gato Reló-
Favorita. Esteve no Teatro Baquet, do Porto, na gio, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1941; Ve-
Companhia Teatral de Moutinho de Sousa e, em jam-se neste Espelho, Porto, Educação Nacional, 1942;
1870, foi para o Rio de Janeiro, integrada na com- Bichos, Bichinhos e Bicharocos, Lisboa, Empresa Na-
panhia do ator José António Vale, onde se estreou cional de Publicidade, 1944; Dois Compadres Marotos
e outros Contos, Porto, Liv. Latina Ed., 1944; Bichos Aven-
no Teatro D. Luís, no drama Apóstolos do Mal, com tureiros, Porto, Tip. Porto-Médico, 1945.
total apreço do público. Percorreu os principais Bib.: Adriano da Guerra Andrade, Dicionário de Pseu-
teatros do Brasil e acabou por constituir uma em- dónimos e Iniciais de Escritores Portugueses, Lisboa, Mi-
HEL 350

nistério da Cultura, 1999, p. 399; Maria Lamas, Os Nos- Torres Couto, António Guterres, Carlos Melan-
sos Filhos, n.o 88, setembro, 1949. cia, Vasco Pulido Valente. Para o impacto das
[M. T. S.]
manchetes que fizeram estremecer vários polí-
ticos, muito contribuiu o acesso a processos em
Helena Faria segredo de justiça, que lhe permitiram divulgar
v. Helena Vieira Faria os escândalos, com provas apuradas pelas po-
lícias e tribunais. Mas não era só em O Inde-
Helena Félix pendente que ela agitava o país. Participando no
v. Maria Helena de Carvalho Félix programa da RTP 1, “Conversa Afiada”, de Joa-
quim Letria, em 3 de novembro de 1992, afirmou:
Helena Maria da Câmara Chaves Sanches “Eu sei da história de uma vírgula, num decre-
Osório to-lei, que custou 120.000 contos à pessoa que
Jornalista e escritora, Helena Sanches Osório nas- pagou para que essa vírgula fosse posta por um
ceu em Lisboa, em 6 de agosto de 1942, e fale- ministro”. Criou-se uma comissão de inquérito
ceu na mesma cidade, em 4 de agosto de 2003. parlamentar, onde ela foi depor, mas nada re-
Estudou no Colégio de Freiras Oblatas e no Li- velou, invocando o sigilo profissional. O certo
ceu Francês Charles Lepierre, ingressando de- é que não houve reação dos governantes. José Pa-
pois no Curso de História da Faculdade de Le- checo Pereira indignou-se, confessando-se per-
tras de Lisboa, do qual desistiu logo no 1.o ano. plexo “perante o silêncio dos actuais – e dos
Em entrevista ao semanário Já, em 1996, decla- antigos – ministros”. A jornalista disse, mais tar-
rou: “O meu sonho foi sempre o jornalismo. Lá de, ter pena de não poder provar aquilo que sa-
em casa, desde cedo, empurravam-me para a li- bia e a afirmação que fez. As frequentes de-
teratura, aos oito anos o meu pai ensinou-me a núncias de escândalos acarretaram-lhe mais de
fazer um alexandrino, tal era a obsessão”. Con- sessenta processos judiciais, constantes amea-
fessou ainda que o seu pai, o engenheiro ele- ças telefónicas e mesmo uma agressão física, à
trotécnico João Chaves, era “um homem muito porta de casa. Nunca perdeu, contudo, ne-
reto e vertical, um homem de esquerda, que foi nhum processo. Em 1995, demitiu-se do jornal,
central na minha formação”. Para ela, era um ído- magoada, por, na sequência da saída de Paulo
lo. O outro ídolo era Álvaro Cunhal. Levou tem- Portas, não ter sido convidada para o substituir.
po a concretizar o sonho, porque fez a opção, Recompôs-se, entretanto, com um convite de
consciente, de se dedicar à educação dos filhos. Francisco Pinto Balsemão para administrar, e de-
Só em 1981 iniciou a profissão de jornalista, em pois dirigir, o jornal A Capital. Num tempo di-
O País. Em 1982, entrou para o Diário de Notí- fícil, enfrentando muitas perturbações, exerceu
cias, dirigido por Mário Mesquita, que consi- aqueles cargos durante quatro anos. Em 2000,
derava ser o seu mestre de jornalismo. Ao lon- criou, na Internet, o ForumHSO.com, um espa-
go de seis anos, assinou cerca de 150 textos so- ço de solidariedade e de debate, aberto a toda a
bre temas tão variados como política nacional e gente, e que considerava ser um provedor do ci-
internacional, família e mulher, turismo, habi- dadão. Fez parte da Maçonaria desde l983, ano
tação, gastronomia, saúde, trabalho, educação, em que se organizou a primeira loja feminina,
etc., e entrevistas com diversas personalidades. embrião do que viria a constituir, a partir de 1997,
Em 1988, trocou o DN por O Independente, di- a Grande Loja Feminina de Portugal. Não con-
rigido por Miguel Esteves Cardoso e Paulo Por- seguiu realizar um projeto, que muito a entu-
tas, onde será subdiretora e irá protagonizar o per- siasmara, de criação de uma videoteca da His-
curso mais controverso da sua carreira profis- tória de Portugal das últimas décadas, narrada
sional. Católica, maçónica e, nessa altura, ainda pelos que a viveram. Publicou dois livros: o ro-
militante do PS, foi nesse jornal, com projeto mance Nana, sobre os bastidores da política, e
de direita, que evidenciou todas as capacidades uma biografia de Adelino da Palma Carlos. Foi
de jornalista de investigação e vai atingir, so- casada, em segundas núpcias, com o major José
bretudo, as figuras gradas do “cavaquismo”: Leo- Sanches Osório, participante no Movimento das
nor Beleza, Duarte Lima, Costa Freire, Couto dos Forças Armadas que fez o 25 de Abril. Após o
Santos, Jorge Braga de Macedo, Fernando No- 11 de Março de 1975, acompanhou o marido no
gueira. Não se coibiu, porém, de criticar seve- seu exílio em Espanha. Teve três filhos do pri-
ramente personalidades de outras áreas, como meiro casamento, com Francisco José d’Orey da
351 HEL

Cunha, contraído quando tinha 20 anos. Na hora tempo que denunciava a possibilidade de ser de-
do seu falecimento, Paulo Portas (então minis- gredada, tal como estava a suceder a muitos ou-
tro da Defesa), declarou: “Vivi com a Helena dias tros camaradas, apelando a campanhas a favor
que lembrarei sempre. Trabalhámos juntos, di- dos presos políticos [Avante!, n.o 80]. No entanto,
vertimo-nos juntos, rimo-nos de nós e do mun- acabou por ser expulsa do Partido Comunista
do juntos, tal como juntos tivemos dias difíceis. Português, tal como Sanches de Brito, devido ao
Partilhei a sua alegria e a sua força. E não es- comportamento enquanto detida, já que as suas
quecerei a imensa dignidade com que viveu a declarações estiveram na origem da prisão pela
doença e o sofrimento”. polícia política de importantes militantes e di-
Da autora: Um só rosto. Uma só fé. Conversas com Ade- rigentes. O seu nome, bem como o do marido,
lino da Palma Carlos, Lisboa, Edições Referendo, 1988; foi inserido na lista de “espiões e provocadores”
Nana, Lisboa, Editorial Bizâncio, 1998. publicada pelo PCP em 1952, sendo então acu-
Bib.: Dulce Garcia, “Entrevista com Helena Sanches Osó- sada de, quando presa, “amantizar-se com um
rio, depois de “Nana” [c/ fotografias], Diário Económi-
co, 07/12/1998; Eduardo Fidalgo, “Helena levou tareia” agente investigador e denunciar-lhe tudo, ab-
[c/ fot.], Tal & Qual, 20/03/92; Inês Serra Lopes, “A bela solutamente tudo, quanto sabia! Os prejuízos que
Helena”, O Independente, 08/08/2003; José Pacheco Pe- esta mulher infame trouxe ao Partido foram con-
reira, “Uma vírgula por 120 mil contos”, Diário de No- sideráveis, ela foi um fator de desprestígio para
tícias, 14/01/1993; Katya Delimbeuf, “As mulheres da
loja”, Expresso, 01/09/2001; Maria João Vieira, “Helena o Partido e de quebra de confiança nos seus qua-
Sanches Osório sem papas na língua” [entrevista c/ fot.], dros” [Lutemos contra os espiões e provocado-
Máxima, n.o 123, dezembro, 1993; Maria Manuel Raba- res...]. Em 1947, o seu caso e o de Carolina Loff
ça, “E agora Helena?” [c/ fot.], 24 Horas, 05/08/2003; Pal- da Fonseca, pela similitude, já tinham consta-
mira Correia, “Helena Sanches Osório, Forum do cida-
dão” [c/ fot.], TV Mais, n.o 414, 01/01/2001; Paula Moura do enquanto exemplo nefasto na edição do ma-
Pinheiro, “Helena Sanches Osório, verdade e conse- nual político de conduta em caso de detenção
quência” [entrevista c/ fot.], Já, n.o 22, 15/08/1996; Ribeiro pela polícia política Se Fores Preso, Camarada...
Cardoso, “Leonor Beleza inspira romance, Helena vai par- [1947]. Poderá ter utilizado o pseudónimo
tir a loiça” [entrevista c/ fot.], Tal & Qual, 04/08/1995;
Rui Pedro Tendinha, “Helena Sanches Osório, a debu-
“Noémia”. Pacheco Pereira, no segundo volume
tante” [entrevista c/ fot.], Notícias Magazine, n.o 346, dedicado à biografia política de Álvaro Cunhal,
10/01/1999; “Jornalista agredida junto à residência” [c/ insere uma fotografia sua [p. 89].
fot.], Diário de Notícias, 15/03/1992; “Morreu Helena San-
ches Osório (1942-2003)” [c/ fot.], 24 Horas, 05/08/2003; Bib.: José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia
“Morreu Helena Sanches Osório”, Expresso Online, Política, Vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Revolucionário (1913-
05/08/2003. -1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999; Idem, Álvaro Cu-
[L. G.] nhal – Uma Biografia Política, Vol. 2 – “Duarte”, o Diri-
gente Clandestino (1941-1949), Lisboa, Temas e Debates,
2001; Secretariado do CC do PCP, Lutemos contra os es-
Helena Máxima da Câmara e Noronha piões e provocadores – Breve história de alguns casos de
v. Helena Vitória Machado de Faria e Maia provocação no PCP, Editorial Avante!, 1952; Se Fores Pre-
so, Camarada..., Editorial Avante!, 1947; “Lutemos con-
Helena Sá e Costa tra o terror fascista! Salvemos Paula de Oliveira, Araújo
e Francisco Miguel”, Avante!, série II, n.o 70, 2.a Sema-
v. Maria Helena Moreira de Sá e Costa na de fevereiro de 1938, p. 2, cols. 2-3; “Condenaram os
nossos camaradas Valdez e Helena Faria”, Avante!, série
Helena Sanches Osório II, n.o 80, 4.a Semana de abril de 1938, p. 2, cols. 2-3.
v. Helena Maria da Câmara Chaves Sanches [J. E.]
Osório
Helena Vitória Machado de Faria e Maia
Helena Vieira Faria Também usou o nome de Helena Máxima da Câ-
Estudante. Casada com Sanches de Brito, era, em mara e Noronha. Nasceu em Ponta Delgada em
1937, tal como o marido, dirigente da Federação 18 de março de 1778 e aí faleceu, na Casa da Ar-
das Juventudes Comunistas, onde trabalhou quinha, em 28 de novembro de 1867. Foi filha
com Álvaro Cunhal, e vivia na Estrada das Amo- única de José Inácio de Faria e Maia e de Jacin-
reiras quando foi presa em agosto. No ano se- ta Flora de Montojos Paim da Câmara e Noronha.
guinte, o jornal Avante! noticiou que, depois de Em cumprimento da lei de reforma vincular de
“rigorosa incomunicabilidade” e sem possibi- 1860, esta senhora registou, na condição de ad-
lidade de preparar a sua defesa, fora condena- ministradora, 9 morgadios. Foi uma morgada de
da a dois anos de prisão correcional, ao mesmo grande importância na ilha de São Miguel, nos
HEI 352

Açores. Casou aos 14 anos com Bernardo Antó- to, “As Primeiras-Damas. Ditadura Militar/Estado Novo”,
nio Cymbron Borges de Sousa, fidalgo da Casa As Primeiras-Damas. Presidentes de Portugal. Fotobio-
grafia, Lisboa, Museu da Presidência da República, 2006,
Real, o qual usou os apelidos de sua mulher, fi- pp. 27-62; Vital Fontes, Servidor de Reis e de Presiden-
cando conhecido por Bernardo António Faria Ma- tes, Lisboa, Editora Marítimo-Colonial Lda., 1945.
chado. Deste casamento teve esta morgada aço- [E. S. A. / S. M.]
riana pelo menos 8 filhos. Enviuvou em 1810 e
casou novamente, em 1815, com Vicente José Fer- Henriqueta Maria Pereira
reira Cardoso da Costa, fidalgo da Casa Real e pro- Atriz de utilidade. Pertencia à Companhia
fessor de Direito na Universidade de Coimbra. Afonso Taveira & João Ricardo, no Teatro D. Afon-
Deste segundo casamento teve mais 4 filhos. Um so, no Porto, entre 1890 e 1892, onde integrou
dos netos virá a ser 1.o visconde de Faria e Maia. o elenco das óperas cómicas do repertório do tea-
Bib.: Alfredo Pimenta, Vínculos Portugueses, Imp. da tro, ao tempo em que era figura principal Ângela
Univ., Coimbra 1932; Urbano Mendonça Dias, Institui- Pinto*.
ções vinculares: os morgados das Ilhas, Tip. de “A Cren-
ça”, Vila Franca do Campo, 1941. Bib.: AA.VV., Os Grandes Comediantes Portugueses – In
[Ju. E.] Memoriam Ângela [sob a direção e prefácio de Noguei-
ra de Brito], Lisboa, Empresa “De Teatro”, 1925.
[I. S. A.]
Heidi de Tebelen
Pseudónimo de Adelaide Ivone de Sousa*. Hermínia
Nascida no final da década de 1920, provavel-
Heloisa Adelaide Massey mente no bairro de Campo de Ourique, vivia na
v. Luisa Adelaide Massey Rua Saraiva de Carvalho, frequentou um curso
técnico na Escola Industrial Machado de Castro
Henriqueta Júlia de Mira Godinho Gomes da e, devido às dificuldades económicas da famí-
Costa lia – a mãe trabalhava na Pastelaria Tentadora e
Filha de André Francisco Godinho e Maria Au- o pai, operário da construção civil, encontrava-
gusta Pereira de Mira Godinho, nasceu em La- -se doente e desempregado –, teve de começar
gos, a 31 de julho de 1863, numa família de mi-
a trabalhar, sem terminar o último ano dos es-
litares, e morreu em Lisboa a 22 de fevereiro de
tudos. Em 1933, sensivelmente com 15 anos, apa-
1936. O seu pai foi comandante do Regimento
receu como empregada doméstica na casa de Ida-
de Infantaria de Penamacor e o avô materno ci-
lina da C. Balette da Silva, tia de Edmundo Pe-
rurgião do Exército. Em 1886, casou com Manuel
dro, e através do convívio e namoro com este
Gomes da Costa, de quem teve três filhos. Entre
19 de junho e 9 de julho de 1926, Gomes da Cos- aproximou-se das suas ideias políticas. Devido
ta tornou-se Presidente da República, na se- à prisão daquele, em inícios de 1934, aderiu à
quência do golpe militar de 28 de Maio. Henri- Juventude Comunista por intermédio de uma
queta e o marido mudaram-se com os filhos e ne- irmã [Alice*] de Manuel Rodrigues de Oliveira,
tos para o Palácio de Belém, onde viveram até ambos militantes da FJCP, Federação das Ju-
ao derrube de Gomes da Costa pela fação pro- ventudes Comunistas Portuguesas, com a qual
tagonizada por Óscar Carmona. A família par- passou a conviver aos fins de semana e desen-
tiu para o exílio nos Açores, em julho de 1926, volveu, através de um pequeno núcleo ligado à
aí permanecendo até novembro de 1927. Durante Universidade Popular Portuguesa, ações de
esse período, Henriqueta aprofundou o gosto pela propaganda. Despediu-se de casa de D. Idalina,
poesia, chegando a publicar vários poemas nos arranjou novo emprego e passou a visitar o na-
jornais locais, alguns deles sob o pseudónimo de morado na Cadeia do Aljube, onde o informou
Josette de Crosse. da sua adesão política revolucionária, até aque-
le ser transferido, no outono, para o Forte de Pe-
Bib.: Cristina Pacheco, “As Primeiras Damas na Repú-
blica Portuguesa”, A República e os seus Presidentes, Câ- niche. Em 1935, quando Edmundo Pedro foi li-
mara Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu Repúbli- bertado e a visitou, encontrou-a de cama, muito
ca e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e Elsa doente, com tuberculose: observada várias ve-
Santos Alípio (coord.), As Primeiras-Damas da República zes pelo médico comunista Ludgero Pinto Bas-
Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da Repúbli-
ca, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio de
to, então numa situação de semiclandestinida-
Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presi- de, procurou-se, através do Partido Comunista,
dência da República, 2005, pp. 34-73; Sílvia Espírito San- conseguir o seu internamento imediato num sa-
353 HER

natório, difícil por haver muita gente em lista de Aristides Abranches, música de Hervé, A Boti-
espera. O desenlace foi demasiado rápido e aque- ja, comédia de Meilhac e Halévy, tradução de Ma-
la que tinha sido “uma rapariga bonita e extre- nuel Pinheiro Chagas, e muitas outras. Durante
mamente viva”, “de tez morena, um pouco para cinco anos foi o ídolo da plateia do Trindade. Par-
o forte, sem ser gorda, [...] dotada de um físico tiu para o Brasil em 1879, leiloando a sua casa
harmonioso e cheio de vida” [Edmundo Pedro, em Lisboa. Estreou-se no Teatro Fénix, do Rio de
p. 50], não terá passado dos 17 anos. Janeiro, com Barba Azul, ópera burlesca em 3 atos
Bib.: Edmundo Pedro, Memórias. Um Combate pela Li- e 4 quadros de Meilhac e Halévy, tradução de
berdade, I Volume, Lisboa, Âncora Editores, 2007, pp. Francisco Palha, música de J. Offenbach, com tal
49-58, 210-213, 233-239. êxito que se fixou no Brasil, onde foi empresá-
[J. E.] ria de vários teatros, começando pelo Teatro dos
Recreios, no Rio de Janeiro, onde se estreou com
Hermínia Adelaide Meia de Lã. Em 1881, fez A Cabra Cega, vaude-
Atriz. Nasceu em Braga e faleceu no Rio de Ja- ville em 2 atos, no Ginásio Dramático Fluminense;
neiro, a 3 de março de 1923. Tinha uma voz mag- depois, entrou nas comédias em 3 atos O Armário
nífica. Foi muito pequena para o Porto e dali se- das Aflições (1881), adaptação de Gervásio Lo-
guiu para o Brasil, onde se demorou muitos anos bato, Piperlin (1881), tradução de Eduardo Gar-
e fez vida de boémia. Veio para Lisboa e estreou- rido. Atuou nos Teatros Sant’Ana, Lucinda, Po-
-se no Teatro do Príncipe Real, em 1874, na ope- liteama e S. Pedro, do Rio de Janeiro, sempre com
reta Amor e Dinheiro, de Costa Braga, música de o melhor acolhimento do público carioca. Rea-
Francisco Alvarenga, com muito sucesso. Passou pareceu em Lisboa e, na época de 1908/1909, es-
para o Trindade, integrada na Companhia Fran- tava no Teatro D. Amélia, onde não teve grande
cisco Palha, a troco de um conto de réis exigido apoio do público. Regressou ao Brasil integran-
pelo empresário Pinto Bastos pela quebra da es- do companhias secundárias que percorriam o in-
critura. Ali se estreou, a 10 de dezembro de 1874, terior do país. Chegou a ter fortuna mas faleceu
na opereta em 1 ato Os Três Dragões, e onde se afastada dos palcos e pobre, no Retiro dos Artistas,
manteve até 1879, muito aplaudida pelo públi- no Rio de Janeiro.
co. Dos muitos papéis em várias operetas, sa-
Bibl.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
lientou-se em “Mlle. Lage” da Filha da Senho- Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 9; An-
ra Angot, ópera cómica em 3 atos de C. Lecocq, tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis-
tradução de Francisco Palha, em que teve a ou- boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 281; Eduar-
sadia de, ao girar na valsa final do 2.o ato, abrir do Victorino, “Hermínia Adelaide”, Actores e Atrizes, Rio
o manto da túnica estilo Diretório que enverga- de Janeiro, Oficinas de Obras Gráficas da S. A. “A Noi-
te”, 1937, pp. 46-47; Gervásio Lobato, “Hermínia Ade-
va no papel e deixar ver as coxas. Embora fosse laide” [c/fot.], O Contemporâneo, Letras, Artes, Ciências,
de imediato pateada, toda a representação se res- Lisboa, n.o 112, 1882, pp. 1-2; Guiomar Torrezão “Rumores
sentiu desse francesismo que resolveu adotar e dos Palcos”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, n.o
fez o público correr ao teatro durante as duzen- 25, 22/05/1881, p. 179, n.o 26, 29/05/1881, p. 206; Gus-
tavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II,
tas noites de récita da comédia. O êxito que sus- Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de
citou levou o empresário a conceder-lhe o lugar Lisboa, 1967, pp. 391 e ss.; Luiz Francisco Rebello (dir.),
deixado pela grande atriz Ana Pereira* que, entre- Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora,
tanto, tinha transitado para o Teatro D. Maria II. 1978, p. 25; Almanaque dos Teatros para 1879, conti-
Seguiram-se as óperas cómicas Sinos de Cornville nuação do Almanaque da Senhora Angot, por Mendonça
& Costa, 4.o Ano, Lisboa, Livraria Pacheco & Carmo, 1878,
(1877), em 3 atos e 4 quadros de R. Planquette, p. 32; Diário Ilustrado, 19/12/1877; O Teatro, Lisboa,
tradução de Eduardo Garrido, ao lado do ator Ri- n.o 4, março, 1818, p. 58.
beiro e que, em janeiro de 1878, contava já 24 re- [I. S. A.]
presentações e, em 1879, ainda estava em cartaz,
e Duquezinho (1878), em 1 ato; as mágicas Gata Hermínia Elisa Amaral da Silva Freitas e Oli-
Borralheira, em 3 atos e 15 quadros, arranjo de veira
Joaquim Augusto de Oliveira, e Rouxinol das Sa- Concorreu, em 14 de julho de 1890, ao lugar de
las, ópera cómica em 3 atos, arranjo de Aristides professora de lavores dos novos Liceus Secun-
Abranches da peça Monsieur Garat, ambas com dários Femininos* de Lisboa. Hermínia Olivei-
música de Frondoni; A Marselhesa, Fausto o Pe- ra tinha tido um colégio na Rua do Terreiro do
tiz, opereta em 3 atos e 4 quadros, tradução de Trigo, n.o 90, 1.o andar, algo comprovado por do-
HER 354

cumento da Câmara Municipal de Lisboa (In- jeito” [Rádio & Televisão, 18/04/1970]. Em
formação número 28 do Serviço Geral de Ins- 1929, apareceu como “atração” em três peque-
trução Pública – CML) que o havia considerado nas revistas, Oiro Sobre Azul, De Trás da Ore-
um bom estabelecimento de ensino, com boa as- lha e Off-Side, na antiga “Esplanada Egípcia” do
siduidade por parte das alunas e regime disci- Parque Mayer, e em 1932 o ator Alberto Ghira
plinar bastante satisfatório, de tal forma que o levou-a para o Maria Vitória, para a opereta Fon-
chegou a subsidiar em 1881. te Santa, onde cantou um fado no qual obteve
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição verdadeiro triunfo, pois, na verdade, soubera
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. como que renovar a arte tradicional de entoar es-
[A. C. O.] sas canções, dando-lhe uma personalidade
nova, conseguindo transformar a dolente me-
Hermínia Silva lopeia numa canção otimista, saudável e alegre,
v. Hermínia Silva Leite Guerreiro cheia de uma bela alegria nitidamente popular,
modulada de forma inconfundível, embora com
Hermínia Silva Leite Guerreiro a sua pontinha de sentimento, “bem puxado”,
Nasceu em Lisboa, em 23 de outubro de 1907 [Os quando necessário. De aí em diante foi consi-
Actores na Toponímia de Lisboa e Enciclopédia derada como uma das primeiras cantadeiras de
Verbo] ou em 2 de outubro de 1913 [O Grande fados de todos os tempos, que não imitara nin-
Livro dos Portugueses] ou em 1913 [Grande Di- guém, mas que possuía a força artística própria
cionário Enciclopédico Ediclube e A Revista à para ser imitada por muitas. Hermínia era fun-
Portuguesa], numa casa perto do Campo de San- damentalmente uma atriz e adaptava-se à ma-
tana, tendo ido viver para o bairro do Castelo com ravilha ao fado revisteiro, que recheia com os
oito meses de idade. Faleceu também em Lisboa, seus ditos populares, contando em breve com um
em 13 de junho de 1993. Tem uma rua com o seu número recorde de sucessos, cujo primeiro é “Ser
nome em Lisboa, no Caramão da Ajuda, por edi- Marinheiro”, na revista A Festa Brava. Seguiu-
tal da Câmara Municipal de 31 de agosto de 1993. -se aquele que, talvez, mais com ela se identifi-
O seu nome estende-se, assim, quase de lés a lés cava: “Velha Tendinha”, em Zé dos Pacatos,
da capital, o que vai bem com a sua populari- “Rosa Enjeitada”, em Arre Burro!, e, entre outros,
dade. Hermínia começou a trabalhar muito “Soldado do Fado” e “Mãos Sujas”, em Chuva
nova, como aprendiza de costureira de alfaiate de Mulheres. No Teatro da Trindade, em 1936,
e, também muito nova, começou a cantar e a re- na revista Estrelas de Portugal, tem a sua primeira
presentar em retiros, esplanadas e sociedades de rábula de sucesso: “Marinheiro Americano”, em
recreio (como as de “S. Vicente” e “Boa União”), travesti, com o inesquecível “fado, yes allright”
onde a voz bem timbrada e “afinadinha” não tar- à qual se seguiram várias brilhantes criações,
dou a dar nas vistas. Depois, com uma grande como na revista Boa Vai Ela e, sobretudo, na cria-
simplicidade de processos, com aquele seu à-von- ção da “Fadista de S. Carlos”, na revista O Re-
tade do dia a dia, conquistava facilmente o pú- tiro dos Pacatos, culminando com a “Nova An-
blico. Por isso, mesmo depois de ter o nome fir- tígona”, na revista Sempre em Pé, em 1946, em
mado no teatro, não recusava atuar em qualquer que o público e a crítica perderam a cabeça e o
local popular, pela noite fora, sem vislumbres de menor adjetivo que se ouve é genial, atuação que
cansaço, enquanto o público o exigisse. Se há ar- lhe valeu o 1.o Prémio Nacional do Teatro Ligeiro.
tistas que dependem totalmente daquilo que os Os seus solos continuaram a causar sensação, so-
autores lhe fornecem, outros valorizam mesmo bretudo parodiando os solos de Villaret, o
uma rábula fraca. Há, porém, quem tome o tex- “Fado mal fadado”, na revista Ai Bate, Bate, onde
to como ponto de partida para uma contínua im- alardeia uma técnica notável, a par de um
provisação, de tal modo comunica com o público, grande sentido de ritmo, e também na “Velha do
com o qual se identifica. É o caso de Hermínia, Jardim”, em Fogo de Vistas, e no “Fandango In-
que nunca está “à rasca” com o papel, pois faz ternacional”, em Daqui Fala o Zé. Já era então
dele o que quer. Ela própria o admitia: “Nunca a grande vedeta, cabeça de cartaz do nosso tea-
escolho os números, nem mesmo em revista. tro de revista, tendo percorrido os diversos tea-
Dão-mos. Uns bons, outros assim-assim. Dou-lhes tros do país e do estrangeiro, nomeadamente do
uma volta, à minha maneira, invento umas coi- Brasil, apesar do medo que tinha de andar de
sas que calculo poderem agradar e ficam a meu avião. Em novembro de 1953, fez uma tempo-
355 HER

rada em Madrid, com os maiores elogios da crí- nida; Sempre em Pé!, revista de A. Barbosa, J. e
tica. Em 1958, abriu o seu “Solar”, onde se apre- L. Galhardo (Filho), 1946, Teatro Avenida; ‘Tá
sentava exclusivamente para os admiradores, dei- Bem ou não ‘Tá?, revista de A. Barbosa, A. Na-
xando um pouco o teatro para trás. Mas um re- zaré e N. Barros, 1947, Teatro Avenida [V. P. San-
gresso, com toda a força do seu talento, impu- tos não indica Hermínia Silva]; Ai Bate, Bate, re-
nha-se. Aconteceu em 1964, contracenando vista de F. Santos, A. Amaral e F. Ávila, 1948, Tea-
com Ivone Silva* em Ai Venham Vê-las, no Tea- tro Variedades; Ora agora Viras Tu!, revista de
tro ABC. E aí estava ela de novo, em grande for- C. Lopes, 1949, Teatro Variedades; Fogo de Vis-
ma, com o seu público. A seguir ao 25 de Abril, tas, revista de A. Barbosa, A. Nazaré, N. Barros,
quando muitos se afastaram perturbados, Her- 1950, Teatro Maria Vitória; Daqui ninguém Me
mínia surgiu, serenamente, em Afinal Como É?, Tira, revista de A. Barbosa e Amadeu do Vale,
e deu-nos “Mãe severa e as suas guitarras”, em 1951, Teatro Avenida; Lisboa Antiga, revista de
que parodiava o próprio fado. Principais espe- A. Barbosa, F. Santos, A. Amaral e L. Rodrigues,
táculos em que participou: estreou-se como atra- 1953, Teatro Apolo; Eva no Paraíso, revista de
ção na revista Off-Side, de Pedro Bandeira e L. A. Barbosa, L. Rodrigues, 1953, Teatro Apolo; Já
Zamara, em 1929, na “Esplanada Egípcia” do Par- Vais aí?, revista de C. Lopes, P. Fonseca, E. Fer-
que Mayer, onde hoje se situa o Capitólio; Fon- nandes (filho), 1956, Teatro ABC; Daqui Fala o
te Santa, opereta, 1932; A Festa Brava, revista Zé, revista de F. Santos e E. Damas, 1956, Tea-
de L. Ferreira, F. Santos e A. do Vale, 1933, no tro ABC; Casa da Sorte, revista de A. Nazaré, C.
Teatro Apolo; Pistarim, revista de Fulano e Si- Lopes, 1957, Teatro ABC; Isto É Delas?, revista
crano, 1933, Teatro Maria Vitória; Zé dos Paca- de J. Galhardo, F. Santos e C. Lopes, 1959, Tea-
tos, revista de A. Barbosa, J. Galhardo, V. San- tro Variedades; Ai Venham Vê-las, revista de
tana, X. de Magalhães e Santos Carvalho, 1934, P. da Fonseca, C. Oliveira e R. Bracinha, 1964,
Teatro Apolo; Olha o Balão!, revista de L. Fer- Teatro ABC; Afinal como É?, de C. Oliveira,
reira, X. de Magalhães, L. Rodrigues, F. Santos R. Bracinha e Ary dos Santos, 1975, Teatro ABC;
e A. Amaral, 1935, Teatro Avenida; Arre Burro!, Cada Cor Seu Paladar, 1976, Teatro ABC. O ci-
revista de A. Barbosa, J. Galhardo, V. Santa e nema não foi o seu forte. Compreende-se. Her-
A. Vale, 1936, Teatro Variedades; Estrelas de Por- mínia nasceu para contactar o público, “meter-
tugal, revista de L. Ferreira, F. Santos e L. Ro- se” com os elementos da orquestra ou com os
drigues, 1936, Teatro da Trindade; Chuva de Mu- seus acompanhantes. Onde estaria o “Pacheco”
lheres, revista de F. Brito, Matos Sequeira, (nome que dava a um dos seus guitarristas) num
A. Amaral e L. Lauer, 1937 (2.a fase), Éden Tea- “camera-man” indiferente, rodando um filme,
tro; Sempre em Pé!, revista de F. Santos, L. Ro- ou num técnico de som às voltas dela, com o “mi-
drigues, X. Magalhães, 1938, Teatro Variedades; cro” da “girafa”? Todavia, entrou nalguns filmes,
Dança da Luta, revista de Três Abexins, 1938, com mais destaque para a intervenção em
Teatro Apolo; Na Ponta da Unha, revista de Dois O Costa do Castelo e Um Homem do Ribatejo,
e Dois, 1939, Teatro Maria Vitória; O Banzé, re- onde criou o fado “Reza-te a Sina”, com o qual
vista de João Ninguém, 1939, Teatro Maria Vi- obteve um enorme êxito. No cinema entrou, pois,
tória; A Desgarrada, revista de S. Tavares e X. Ma- em A Aldeia da Roupa Branca, de Chianca Gar-
galhães, 1941, Teatro Maria Vitória; Boa Vai Ela!, cia, 1939; O Costa do Castelo, de Artur Duarte,
revista de A. Nazaré, M. Pires e A. Cruz, 1941, 1943; Um Homem do Ribatejo, de Henrique Cam-
Teatro Maria Vitória; O Retiro dos Pacatos, re- pos, 1946; Ribatejo, de Henrique Campos, 1949;
vista de L.O. Guimarães e A. do Vale, 1941, Tea- O Diabo era Outro, de Constantino Fernandes,
tro Maria Vitória; A Tendinha, 1941, Teatro Ma- 1969. Relativamente vasta foi, porém, a produ-
ria Vitória; Boa Nova, revista de A. do Vale, M. ção discográfica, reproduzindo alguns dos seus
S. Carvalho, F. Ávila, 1942, Teatro Variedades; êxitos do palco. Alguma discografia: O Melhor
Toma Lá, Dá Cá, revista de A. Porto (A. Barbosa), de Hermínia, EMI; Biografia do Fado, EMI; Fa-
A. Nazaré, N. Barros, 1943, Teatro Maria Vitó- dos Clássicos, EMI; Sucessos, EMI; No Teatro de
ria; A Canção Nacional, revista de A. Torres, Revista, EMI; Hermínia Silva, EMI; Lisboa An-
F. Ferreira, 1944, Teatro Apolo; Bolacha Ame- tiga, Caravela; Fado Recordado, Decca; Maiores
ricana, revista de A. Porto (A. Barbosa), A. Na- Êxitos, Decca/EMI; Isto é Fado, Decca; Ao Vivo
zaré, N. Barros, 1945, Teatro Apolo; O Tiro-liro, no Teatro Musical, Decca; Fado Pilim Pilim, Mo-
revista de F. Santos, A. Amaral, 1946, Teatro Ave- vieplay; O Melhor dos Melhores, Movieplay; És
HER 356

Livre, Movieplay. No dia 13 de junho de 1993, Huldine Beamish


dia de Santo António, desapareceu essa “alfa- De nacionalidade inglesa, nasceu em 1904, vin-
cinha de gema”, de cabelos negros, encrespados, do a falecer em 1965. Viveu durante 19 anos em
ar aciganado e voz melodiosa, com aquele si- Portugal, no Alentejo, perto de Relva, Portalegre,
nalzinho provocador no queixo e que tratava o tendo-se tornado numa especialista da vida
seu público carinhosamente por “pá”. Em 1985, campestre em Portugal. Foi criadora de lobos de
foi agraciada com a Comenda da Ordem do In- Alsácia brancos que treinava para a Royal Air For-
fante D. Henrique, com a Grã-Cruz da Ordem do ce e para o cinema. Escreveu diversos livros, en-
Infante e com a Medalha de Ouro da Cidade de tre os quais The Wild and the Tame, sobre a Es-
Lisboa. Em 27 de junho de 2005, foi apresenta- cócia, The Hills of Alentejo, Your Puppy and How
do na Hemeroteca de Lisboa um DVD sobre Her- to Train Them e um livro sobre os touros de Por-
mínia Silva, produzido pela Videofono e reali- tugal e Espanha, pois era uma grande aficiona-
zado por José António Crespo. O seu nome cons- da. Escreveu um grande número de artigos para
ta também na toponímia de Sobreda da Capari- o jornal The Anglo-Portuguese News sobre aspetos
ca, numa rua e numa praceta e, igualmente, numa de Portugal. Também publicou artigos na revis-
rua e numa praceta em São Domingos de Rana. ta inglesa Country Life.
Bib.: Américo Lopes de Oliveira e Mário Gonçalves Via- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 856, 23/10/1965.
na, Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis, Porto, Lel- [A. V.]
lo & Irmãos, 1967, pp. 1220-1221; Enciclopédia Verbo,
Luso-Brasileira de Cultura, Ed. Século XXI, Vol. 26, Lis-
boa-São Paulo, Editorial Verbo, p. 1171; Grande Dicio-
nário Enciclopédico Ediclube, Vol. XVI, Alfragide, Edi-
clube, p. 5704; Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira, Vol. 28, Lisboa-Rio de Janeiro, Editorial En-
ciclopédia, pp. 794-795; O Grande Livro dos Portugue-
ses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1990, p. 468; Luiz
Francisco Rebello, História do Teatro de Revista em Por-
tugal, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1982, Vol. 1, p. 57,
e Vol. 2, pp. 108, 111, 113, 124, 144, 147, 148, 151, 166,
249; Mário Jacques e Silva Heitor, Os Actores na Topo-
nímia de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal, pp. 93-94;
Vítor Duarte Marceneiro, Recordando Hermínia Silva, edi-
ção do autor, 2004; Vítor Pavão dos Santos, Revista à Por-
tuguesa – Uma História Breve do Teatro de Revista, Lis-
boa, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 47, 55, 57, 62, 73, 74,
101, 114, 132, 145, 146, 147, 151, 158-161, 168, 225, 236,
237, 240, 244, 246; “Hermínia Silva”, Álbum da Canção,
n.o 23, 01/01/1965.
[J. P. C.]

Herta Miranda
Atriz. Em 1915, integrou o elenco de A Capital
Federal, opereta brasileira de Artur Azevedo,
música do maestro Nicolino Milano, no Teatro
Apolo Terrasse, do Porto.
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 22/02/1956,
p. 7.
[I. S. A.]

Hortênsia Santos
Atriz. Em 1915, integrou o elenco de A Capital
Federal, opereta brasileira de Artur Azevedo,
música do maestro Nicolino Milano, no Teatro
Apolo Terrasse, do Porto.
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 22/02/1956,
p. 7.
[I. S. A.]
I
Ida Mary Knatchbull Kingsbury zembro de 1911. Ganhou o Primeiro Prémio em
De nacionalidade inglesa, nasceu em 1907 e faleceu Comédia, com o ator Joaquim de Almeida, na in-
em 1983. Filha do tenente-coronel Reginald Nor- terpretação de O Avarento, comédia de Moliè-
ton Knatchbull, que morreu na Mesopotâmia, na re, tradução de António Feliciano de Castilho.
guerra, em 1917, e de Winifred Peel, que morreu Nesse ano, entrou nas peças Saga de Pedro o
quando Ida tinha três anos, foi criada por familiares Afortunado, de Strindberg, e A Intrusa, de
da mãe, tendo vivido no Egito e em Inglaterra, onde Maeterlinck. Fez os papéis de “Sol”, na revista
frequentou um colégio interno. Em 1930, casou Peço a Palavra, de João Bastos e Álvaro Cabral,
com Walter Francis George Kingsbury e foram vi- música de Del Negro e A. Coelho (Variedades,
ver para Sintra em 1937, porque o marido foi en- 1911), “Angélica”, em O Chico das Pegas, ope-
carregado de tomar conta do célebre Palácio de reta em 3 atos de Eduardo Schwalbach, música
Monserrate, pertença de um seu amigo, Sir Fran- de Filipe Duarte (Teatro Apolo, 1912), “Uma Po-
cis Cook. Tiveram dois filhos. Em 1955, ela e o ma- bre” e “Adelina”, em O Pobre de Valbuena
rido construíram a Quinta da Fonte dos Cedros, (1912), farsa lírica em 1 ato e 3 quadros de Car-
não longe do Palácio, entretanto vendido. Para tal los Arniches e E. Garcia Alvarez, tradução de
recorreram aos métodos tradicionais, contratan- Acácio Antunes, música de Valverde (filho) e Tor-
do operários especializados nos diversos misteres. regrosa, “Mefistófeles”, em A Feira do Diabo
Ida interessava-se muito por temas religiosos e con- (1912), sátira em 1 ato, prólogo e 3 quadros, de
verteu-se ao catolicismo em 1940, tendo perma- Eduardo Schwalbach, “Isabel”, em Marquesa de
necido uma católica devota toda a vida. Não gos- Surville (1912), e teve boas referências da críti-
tou das alterações litúrgicas introduzidas pelo Con- ca em O Diplomata dos Figurinos (1912), vau-
cílio Vaticano II, pelo que optou por seguir o rito deville em 2 atos de Scribe e Delavigne, tradu-
Bizantino em união com Roma. Trabalhou vo- ção de Acácio Antunes, música de Filipe Duarte.
luntariamente na Sociedade de São Vicente de Pau- Em 1913, estava no elenco da Companhia Go-
lo de Sintra e pertenceu à direção da British His- mes e Grijó, no Teatro Sá da Bandeira do Porto,
torical Society. Tornou-se uma especialista da his- onde figurava entre as primeiras cantoras na es-
tória e do património de Sintra e publicou vários treia da opereta Soldado de Chocolate, de Ru-
artigos sobre a matéria na revista dessa associação. dolf Bernaner e Leopold Jacobson, tradução de
Fez uma notável coleção de livros estrangeiros so- Frederico de Nascimento Correia, música de Ós-
bre Portugal e sobre Sintra que era, por vezes, con- car Strauss. Teve lugar na galeria de retratos de
sultada por investigadores estrangeiros. atores da companhia do empresário Eduardo
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1300, 30/06/1983. Schwalbach, no Teatro Apolo.
[A. V.]
Bib.: Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, Vol. II, 1911,
pp. 129, 280 e 476-79; O Palco, Lisboa, n.o 1, 08/01/1912,
Ilda Cardoso pp. 1 e 6, n.o 3, 05/02/1912, pp. 44-45.
Pianista e espírita. Abrilhantou serões de arte e [I. S. A.]
sessões de conferências e de confraternização rea-
lizadas pela Federação Espírita Portuguesa. Ilda Silva
Atuou ao lado de Lina Cardoso, acompanhou al- Atriz. Estreou-se a 31 de dezembro de 1912, no
gumas vezes ao piano a professora de canto Ma- Rossio Palace, na comédia O Bicho Careta, tra-
ria da Madre de Deus Leite Dinis d’Almeida* e dução de Acácio Antunes e Xavier Marques.
as representações da atriz Leonor d’Eça*. Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 31/03/1961,
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p. 9.
p. 5, e n.o 6, maio-junho, 1929, p. 5. [I. S. A.]
[N. M.]
Ilda Stichini
Ilda Ferreira Era conhecida pela “atriz da voz de ouro”. So-
Atriz. Foi aluna da Escola de Arte de Representar brinha do compositor Plácido Stichini, nasceu
e entrou no sarau do Teatro Nacional a 11 de de- em Lisboa em 1895 e faleceu em Los Angeles,
ILI 358

Estados Unidos, em 1977. Artista por tempera- dalena” na comédia Sonho da Madrugada. Es-
mento e intuição, triunfou em todos os papéis tava no Eden Teatro em 1933, onde entrou em
que desempenhou. Eduardo Brazão, que foi o seu Alfama, peça em 3 atos de António Boto, e Di-
primeiro guia no teatro, disse que era a melhor vórcios (1933), comédia em 3 atos de Lorjó Ta-
ingénua daquele tempo. Começou a carreira ar- vares. Foi, por diversas vezes, empresária teatral.
tística no teatro amador do Borralho dos Anjos Por incumbência do Instituto para a Alta Cultura,
e andou pelos teatros de revista, onde foi mui- partiu para Los Angeles em 1938, a fim de fazer
to aplaudida em Meu Amor é Traiçoeiro, de Vas- teatro para os portugueses ali residentes e aí fi-
co de Mendonça Alves. Formou uma companhia cou até ao fim da vida, dedicando-se ao ensino
com Palmira Bastos*, Maria Pia* e Eduardo da língua portuguesa, realizando cursos de arte
Brazão, que montou, no Teatro do Ginásio, as pe- de dizer e recitais radiofónicos. Foi ainda pro-
ças Marionettes (1918), de Pierre Wolff, A Mor- fessora de arte dramática e ensaiadora. No Mu-
gadinha de Valflor (1918), drama em 5 atos de seu do Teatro há trajes e adereços de cena da atriz
Pinheiro Chagas, Altar da Pátria (1918), a par- oferecidos pela família.
tir da peça L’Élevation de Henry Bernstein, tra- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
dução de Melo Barreto, O Libertino, de Piñero, res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1255;
A Cadeira n.o 13, de B. Veiller, A Dama Branca, Fernando Peixoto, História do Teatro Europeu, Lisboa,
de Quintero, O Segredo, de Bernstein, Ninho de Edições Sílabo, 2006; Gustavo de Matos Sequeira, O Car-
mo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais
Águias, de Carlos Selvagem e, no Teatro da Ave- da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, pp. 375 e 379;
nida, A Flor da Seda, de Pierre Decourcelle e Idem, História do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. II, Pu-
A. Maurel, e Sua Magestade, de M. Wachell. A blicação Comemorativa do Centenário 1890-1962, Lis-
19 de maio de 1919, integrou a nova Sociedade boa, 1955; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do
Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 403; Me-
Artística do Teatro Nacional, sob administração mórias de Eduardo Brazão, que seu filho compilou e Hen-
de Luís Galhardo, e ali representou Idade de rique Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa da
Amar, de Pierre Wolff, O Centenário (1922), ori- Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., pp. 210, 215 e 226; Ro-
ginal dos irmãos Quintero, de que Lino Ferrei- lando da Silva, O meu Jornal. Impressões de Teatro. (Nú-
mero dois), Lisboa, Ed. do Autor, 1932, p. 15; Victor Pa-
ra fez um pequeno filme de promoção da peça vão dos Santos, Gente de Palco, Lisboa, Ministério da Cul-
com a atriz (1922) e, nesse ano, teve a sua festa tura/Instituto Português do Património Cultural/Museu
artística com A Triste Viuvinha, de D. João da Câ- do Teatro, fevereiro de 1985; Idem, Revista à Portugue-
mara. Brilhou em Dicky (1924), comédia de Ar- sa – Uma História Breve do Teatro de Revista, Lisboa, Edi-
mont Gerbidon e J. Manoussi, tradução de Al- ções “O Jornal”, 1978; Tomaz Ribas, O Teatro da Trin-
dade, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1993; Victor Pavão
berto Morais, que se manteve dois meses em dos Santos e João Bénard da Costa, O Cinema Vai ao Tea-
cena, A Vertigem (1924), de Charles Méré, tra- tro, Lisboa, Cinemateca Portuguesa/Museu Nacional do
dução de Avelino de Almeida, Abade Constan- Teatro, 1996-1997, p. 16; “Duas Palavras”, Mundo Tea-
tino (1925), comédia que Crémieux e Décourcelle tral, Lisboa, n.o 34, 03/05/1923, p. 4 e n.o 40, 24/06/1923,
p. 4; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 16/01/1956
extraíram do romance do mesmo título de Lu- e 25/03/1960, p. 4.
dovic Halévy, tradução de Pinheiro Chagas, e [I. S. A.]
Rosa Engeitada, opereta. Nesse ano foi ao Tea-
tro Politeama fazer Chapéus Modelos, de António Ilídia Adelaide Duarte Ribeiro
Alves, e regressou ao Nacional para os elencos A menção do nome de Ilídia Ribeiro num Di-
de Náufragos (1925), peça em 3 atos de Fernanda cionário no Feminino tem toda a justificação so-
de Castro, e Ave de Rapina (1927), drama rural bretudo devido ao facto de ela, ao longo da vida
em 3 atos de Américo Durão, no papel de “Ro- e durante a sua carreira profissional, ter contri-
sária”. O teatro foi adjudicado a Alves da Cunha buído para a formação ética e social de dezenas,
até 1929, com um repertório de qualidade mas ou mesmo centenas, de mulheres de diferentes
diferente daquele a que o público estava habi- gerações e meios. Nasceu em Coriscada, Meda,
tuado. Ilda transitou pelos Teatros Apolo (com em 1911 e faleceu em 24 de setembro de 2001
Maria Matos e Eduardo Brazão) e Politeama, onde na Casa de Saúde de Santa Rosa de Lima das Ir-
entrou em O Meu Homem, encenação de Maria mãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus,
Matos, e O Pai da Criança (1932), farsa em 3 atos, em Belas, Sintra. Sendo filha de um médico que
adaptação dos irmãos José Galhardo e Luís Ga- exercia na Guarda, sentiu-se atraída pelo estu-
lhardo, ao lado de Maria Matos e de Emília do da Medicina e, da forma corajosa que a ca-
Rodrigues*, interpretou, com muito êxito, “Ma- racterizava, decidiu quebrar os tabus e enfren-
359 ILS

tar as críticas da época em relação às mulheres -las conscientes da importância da sua inter-
que pretendiam estudar na universidade. Des- venção intelectual, cívica, associativa, política,
te modo, vencendo – tal como sempre fez – to- educativa e religiosa, para além do desempenho
dos os obstáculos que lhe puseram no caminho, da sua missão de mulher na família e no mun-
em 1936 licenciou-se em Medicina na Univer- do. Sendo solteira, dedicava-se também com
sidade de Coimbra. O facto de, sendo mulher, se grande carinho à família, especialmente aos três
ter licenciado nesta área científica e numa uni- sobrinhos, cujos estudos incentivou e acompa-
versidade de grande prestígio, já seria digno de nhou de perto. Católica convicta, via as diferentes
menção, mas merece ainda maior referência facetas da sua vida como um verdadeiro sacer-
quando se verifica que terminou o curso com a dócio, dedicando-se empenhadamente a ajudar
média de dezanove valores, tendo-lhe sido o próximo e estando sempre pronta a dar apoio
confidenciado que não tinha tido 20 valores ape- a quem dele necessitava, embora com sacrifício
nas devido a ser do sexo feminino. Mais tarde, próprio. A vasta cultura, profundo saber e ca-
especializou-se em Ginecologia e Obstetrícia, es- pacidade de investigação científica, assim como
tando registada na Ordem dos Médicos da Re- as características mais marcantes da sua maneira
gião Sul. As capacidades de estudo e de dedi- de ser, que aliava a austeridade e a rispidez com
cação ao trabalho, que demonstrou durante os a capacidade de sofrer com o próximo, fazem
anos passados na universidade, e o brilho da sua com que todos os que com ela contactaram a re-
invulgar carreira universitária acompanharam- cordem com grande saudade e sintam falta da sua
-na durante toda a vida, continuando a estudar amizade que, uma vez conquistada, se mantinha
todos os dias para se manter atualizada e tendo sempre firme e disponível. Como ponto final des-
uma invulgar biblioteca de obras científicas que tas considerações é de referir que, apesar de uma
testemunhava bem a amplitude dos seus inte- vida plena de atividade e guiada por ideias que,
resses. Para além de ter exercido múltiplos car- hoje em dia, se poderiam considerar feministas
gos públicos como funcionária dos Ministérios devido à inabalável convicção de que competia
da Justiça, da Saúde e da Educação, sendo pro- às mulheres mudar o mundo e acabar com a sua
fessora em diversas escolas e diretora de várias sujeição a uma cultura patriarcal, Ilídia Ribeiro
instituições, foi médica dedicada e empenhada nunca quis ser uma figura pública – como po-
no Serviço Nacional de Saúde, na Cruz Verme- deria facilmente ter sido – e procurava, pelo con-
lha Portuguesa, na Mocidade Portuguesa Femi- trário, manter-se longe das ribaltas. Por esse mo-
nina*, na TAP e em vários colégios de religiosas. tivo, decerto não quereria que se escrevesse esta
Por outro lado, exerceu clínica privada com gran- entrada, embora, tal como referido no início, de-
de sucesso e, em todos estes locais, além de mé- vido à sua generosa atividade merecesse muitos
dica, era sobretudo uma formadora carismática louvores e a gratidão daqueles que sempre
que marcava fortemente todos aqueles que com apoiou e procurou ajudar e formar.
ela contactavam, levando-os muitas vezes a re- [M. L. B. P.]
considerarem as suas opções de vida. Esta ca-
pacidade de formação ética e social era bem ní- Ilse Lieblich Losa
tida nos contactos que teve com presidiárias no Escritora. Filha de Josef Lieblich (f. 1930) e de
exercício das suas funções no Estabelecimento Hedwig Hirsch (f. 1936), nasceu a 20 de março
Prisional de Tires, em Cascais, onde além de tra- de 1913, em Melle-Buer, Osnabrück, e faleceu
tar as doentes procurava preparar as mulheres no Porto a 6 de janeiro de 2006, com 92 anos de
para voltarem a viver em liberdade. Dialogava idade. Frequentou o liceu em Osnabrück e Hil-
diretamente com as reclusas e apelava para que desheim, um instituto comercial em Hanôver e
aproveitassem o tempo de prisão para trilharem em 1930, ano do falecimento do pai, foi para In-
uma nova vida e para que não voltassem aos ca- glaterra, onde tomou conta de crianças. Regressou
minhos que as tinham levado àquela situação. à Alemanha, mas devido à origem judaica e às
Do mesmo modo que devotadamente ajudava to- perseguições nazis que recaíam sobre si e a fa-
dos os doentes, procurava acompanhar as jovens mília, estando prestes a ser detida em virtude de
com quem contactava nas suas diversas funções críticas a Hitler, abandonou-a, situação recriada
profissionais, estimulando nelas o desenvolvi- na obra O Mundo em Que Vivi. Em março de
mento integral da sua capacidade física, assim 1934, com vinte e um anos, refugiou-se em Por-
como a formação do carácter, procurando torná- tugal, na cidade do Porto, onde o irmão mais ve-
ILS 360

lho, Fritz Lieblich, já residia. Trabalhou “como atividades associativas. Entre estas, proferiu pe-
precetora em casa de uma abastada família da quenas palestras dirigidas às outras sócias, ver-
Foz” [Ana Isabel Marques, 2009, p. 62], convi- sando sobre “Impressões de Uma Viagem a In-
veu, por intermédio daquele, com jovens artis- glaterra”, “Aspetos da Vida da Alemanha entre
tas e casou, no ano seguinte, com o arquiteto Ar- as Duas Guerras” e “Ornamentação do Lar” [Lú-
ménio Taveira Losa (1908-1988), adquirindo cia Serralheiro, p. 121]. Também colaborou no
então a nacionalidade portuguesa. Não mais dei- Boletim da AFPP com vários textos, nomeada-
xou de viver no Porto até morrer. Publicou o pri- mente “O primeiro passeio”, extrato do ro-
meiro livro, O Mundo em Que Vivi, de carácter mance Eclipse, ainda não editado, e os seus es-
acentuadamente autobiográfico, em 1949 e de- critos mereceram igualmente menção: Matilde
dicou-se, desde então, à tradução e à escrita, Rosa Araújo publicou uma recensão ao livro
abrangendo, para além da literatura infanto-ju- O Mundo em Que Vivi e foi feita referência à edi-
venil, com a qual recebeu, em 1984, o Grande ção, em 1951, do livro de poesias Grades Bran-
Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças cas. Nas três décadas seguintes, continuou as-
e Jovens pelo conjunto da obra dirigido a esse sociada aos grupos oposicionistas da cidade do
público, romances, contos, crónicas, ensaios e Porto e destacou-se no âmbito da Comissão Na-
traduções. Espraiou-se também pela imprensa, cional de Socorro aos Presos Políticos [Ana Isa-
onde colaborou em diversos jornais e revistas – bel Marques, 2009, pp. 76-87]. Fez parte da di-
Colóquio/Letras, O Comércio do Porto, O Diabo, reção e subscreveu diversos documentos em de-
Diário de Notícias, Gazeta Musical e de Todas fesa das condições dos presos e exigindo a sua
as Artes, Jornal de Letras, Jornal de Notícias, Por- libertação [CNSPP, Presos Políticos – Docu-
tucale, Público (1990-1992), Seara Nova, Vérti- mentos 1970-1971]. Apesar de naturalizada
ce –, sendo-lhe atribuído, em 1998, o Grande Pré- portuguesa, foi primeiramente condecorada
mio da Crónica pela Associação Portuguesa de pelo governo alemão, em 1991. Por ocasião das
Escritores/Câmara Municipal de Beja pela obra comemorações do 10 de Junho, em 1995 foi agra-
À Flor do Tempo. Uma outra componente da sua ciada com o grau de Comendador da Ordem do
vida literária esteve associada à tradução: para Infante D. Henrique. Devido ao invulgar percurso
português, de escritores e autores de língua ale- pessoal, com a infância e a juventude vivida na
mã, como Adolf Himmel, Anna Seghers, Anne Alemanha, passagem por Inglaterra enquanto au-
Frank, Bertholt Brecht, Erich Kastner e Max pair e refugiada judia-alemã em Portugal, e à obra
Frisch; e, para alemão, de autores nacionais. Com realizada e publicada num outro país tornado
Óscar Lopes, um dos primeiros estudiosos a cha- seu, Ilse Lose está, em parte, por redescobrir. Sa-
mar a atenção para a relevância da sua primei- lientem-se os dois exaustivos trabalhos acadé-
ra obra, organizou uma antologia da moderna lí- micos que Ana Isabel Marques dedicou a Ilse
rica portuguesa, editada em Berlim, em 1969. Losa e que importa serem perscrutados, não só
Mais reconhecida pela obra, ainda hoje mais pelas muitas e inéditas informações contidas e
apreciada e valorizada pelos alunos dos pri- reconstrução biográfica, como por proporcio-
meiros ciclos de escolaridade onde é lida e es- narem um novo olhar sobre a sua obra, liber-
tudada, Ilse Losa manteve, com o marido, rele- tando-a da quase exclusiva, e muito redutora, as-
vante participação cívica, enfileirando, a partir sociação à literatura para os mais novos: Paisa-
dos anos 40, nos movimentos de oposição ao sa- gens da Memória – Identidade e alteridade na
lazarismo. Aliás, tal como refere Ana Isabel Mar- escrita de Ilse Losa e As Traduções de Ilse Losa
ques, tal acarretou vigilância policial regular pela no Período do Estado Novo: Mediação cultural
PIDE/DGS, a qual não pôde “deixar de se refle- e projecção identitária.
tir na sua atividade literária, uma vez que difi-
cilmente esta estaria imune aos mecanismos de Da autora: O Mundo em Que Vivi [romance], 1949; Faís-
ca Conta a Sua História, 1949; Histórias quase Esquecidas
autocensura” [Ana Isabel Marques, 2009, p. 4]. [contos], 1950; Grades Brancas [poemas em prosa], 1951;
Assim, finda a Segunda Guerra, integrou a de- Rio sem Ponte [romance], 1952; O Papel do Cinema na
legação do Porto da Associação Feminina Por- Vida da Criança [ensaio], 1954; Nós e a Criança [ensaio],
tuguesa para a Paz*, com o número de sócia 1954; Aqui Havia Uma Casa [contos e novelas], 1955; A
Flor Azul, 1955; Um Fidalgo de Pernas Curtas, 1958; Ret-
n.o 243 [Lúcia Serralheiro, p. 177], onde foi ta ou os Ciúmes da Morte [novela], 1958; Ida e Volta –
1.a vogal da direção de 1947-1948, presidida por À procura de Babbitt [viagens], 1959; Sob Céus Estranhos
Maria Branca Lemos, e participou em diversas [romance], 1962; Duas Peças Infantis, 1962; Encontro no
361 ILS

Outono [contos], 1965; Um Artista Chamado Duque, Garrett e Eça de Queirós, a fim de se reconhe-
1965; A Adivinha [peça em quatro quadros], 1967; Bea- cerem trilhos vários de interpretação. Se o local
triz e o Plátano, 1976; Viagem com Wish, 1976; João e
Guida [teatro], 1977; O Príncipe Nabo, 1978; O Mosquito
do feminino privilegia um certo despojamento
e o Sr. Pechincha, 1979; A Minha Melhor História, 1979; perante o tempo e a memória, articulando pro-
O Barco Afundado, 1979; Bonifácio, 1980; A Estranha ximidades, recalcamentos, repugnâncias, numa
História duma Tília, 1981; O Expositor, 1982; Silka, 1984; suprema transfiguração de verosimilhanças e de
Na Quinta das Cerejeiras [Grande Prémio Gulbenkian de relações lógicas, então viajemos pelo que do olhar
Literatura para Crianças e Jovens de 1982], 1984; Estas
Searas [contos e crónicas], 1984; Silka (1984) [Prémio masculino se reenvia para uma interpretação dos
Maçã de Ouro da Bienal de Ilustração de Bratislava, em padrões do desejo. Uma preocupação nos reú-
1989]; O Quadro Roubado, 1985; Ana-Ana, 1986; Ora ne neste entrecho: que exemplos recolher da plu-
Ouve... Histórias antiquíssimas adaptadas, 1987; O Se- ralidade que se nos depara? Filtrar o essencial
nhor Leopardo, 1987; A Visita do Padrinho, 1989; O Prín- de uma teia dissimulada e quase impercetível,
cipe Nabo [teatro]; Um Artista Chamado Duque, 1990;
Caminhos sem Destino, 1991; À Flor do Tempo [cróni- reter-lhe o insuspeitado enigma: eis a proposta
cas], 1997; O Rei Rique e Outras Histórias. desta breve incursão. Em Garrett, o autor das Via-
Bib.: Ana Isabel Marques, Paisagens da Memória – Iden- gens na Minha Terra, o corpo não é nomeado
tidade e alteridade na escrita de Ilse Losa, Coimbra, Mi- numa totalidade que transmita objetivamente o
nerva/CIEG, 2001; Idem, As Traduções de Ilse Losa no desejo. Pelo contrário, assiste-se a uma desse-
Período do Estado Novo: Mediação cultural e projecção
identitária, Tese de Doutoramento em Línguas e Litera- xualização, que se efetua pela sucessiva auto-
turas Modernas, Faculdade de Letras da Universidade de nomia conferida a partes isoladas do corpo e pela
Coimbra, 2009; António Garcia Barreto, Dicionário de Li- introdução de um discurso moralizador e sole-
teratura Infantil Portuguesa, Porto, Campo das Letras, nizado. Joaninha, paradigma do que poderia
2002; Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políti- constituir um ideal de beleza, consubstancia a
cos, Presos Políticos – Documentos 1970-1971, Porto,
Afrontamento, 1972; José António Gomes, Para Uma His- perfeita dissociação em relação à matéria. Na
tória da Literatura Portuguesa para a Infância e a Ju- qualquer suspeita de uma frivolidade, de uma
ventude, Lisboa, MC-IPLB, 1997; Lúcia Serralheiro, sensualidade pressentida, uma subtração a esse
Mulheres em Grupo contra a Corrente [Associação Fe- estádio virginal a que as mulheres devem obe-
minina Portuguesa para a Paz (1935-1952)], Rio Tinto,
Evolua Edições, 2011; Luís Miguel Queirós, “Ilse Losa
decer e se resguardar, incólumes ao pecado e à
(1913-2006). Uma escritora entre dois mundos”, Públi- indigência, imediatamente se repõe uma orde-
co, 07/01/2006, p. 40; Manuel António Pina, “A sombra nação que não suscite dúvidas. Aliás, quem peca
de outra vida”, Jornal de Notícias, 10/01/2006; Sara Reis pela exuberância física só poderá ser redimido,
da Silva, Ilse Losa, Lisboa, Casa da Leitura, 2007, no confronto com uma moral e um itinerário de
http://195.23.38.178/casadaleitura/portalbeta/bo/docu-
mentos/vo_ilse_b.pdf; Sérgio Almeida, “Ilse Losa, a es-
culpas, pela absoluta renúncia, pela indelével au-
critora dos afectos faleceu ontem aos 92 anos”, Jornal de sência do corpo que se transporta ou se exibe.
Notícias, 07/01/2006, p. 41. O apaziguamento advirá de uma ocultação do
[J. E.] sexo, fantasmizado no olhar do(s) outro(s). Mas
salientemos com algum pormenor a descrição da
Ilse Losa imagem física de Joaninha nas Viagens. O pri-
v. Ilse Lieblich Losa meiro indício é, já em si, tranquilizante. À si-
metria da paisagem corresponde uma “simetria
Imagens da Mulher na Literatura Portuguesa de proporções no corpo” de Joaninha. É curio-
Oitocentista de Almeida Garrett e Eça de so assinalar que a ambiência do Vale de Santa-
Queirós rém se reconhece num todo harmónico onde co-
Almeida Garrett é a inocentização do desejo; Eça res e sons se equilibram e integram. Não se faz
é o pecado levado às últimas consequências. A apelo a nenhum conflito, ou a algo que estorve
imagem da mulher na literatura oitocentista. Que este devastador e impressionado quadro de
abordagens possíveis? Que territórios poderemos magia. Em Joaninha, a elegância do porte é “no-
designar, que pistas, que interrogações, que bre”, o desembaraço “modesto” e a flexibilida-
ideias distinguir? Mais: até que ponto a sobre- de “graciosa”. A adjetivação utilizada funciona
posição da imagem do feminino através do fil- claramente numa castração da pulsão erótica. Se
tro de uma obra literária possibilita uma direção a pele se denuncia “branca”, tal brancura é me-
de análise coerente e estruturada? Elegemos, sim, diatamente sugerida numa “modesta alvura da
algumas particularidades sobre o modo de de- cera”. A cada enunciação de caracteres físicos
signação do corpo feminino em obras de Almeida corresponde uma valoração ética. A boca, por
ILS 362

exemplo, “pequena e delgada”, inspira ao autor em pecado) e Maria, que se esvai em sangue, pe-
uma reflexão sobre o comportamento feminino. naliza-o ao ponto de o desterrar, de o transcen-
Isto é, a propósito da boca de Joaninha, o autor der. Ausentes do corpo, acarretam desagrados,
refere-se, por situação antinómica, a “certas bo- interrompem-se no vazio que resguardam, fogem
quinhas, gravezinhas e espremidinhas pela de medos, presságios e inimigos que desco-
doutorice que são a mais aborrecidinha coisa e nhecem. Renunciam e morrem. Um aspeto im-
a mais pequinha que Deus permite fazer às suas portante se deverá realçar. A total inapetência de
criaturas fêmeas”. À mulher não cabia o senti- Garrett para descrever o corpo da amada na sua
do opinativo, a dúvida, o manuseamento do ver- globalidade. Não por incúria, mas por fugidia am-
bo. Pelo contrário, pediam-se-lhe a submissão e biguidade. Observe-se a sua produção poética
uma pose discreta de fada do lar. Mas prossi- derradeira, as Folhas Caídas. A nudez não se no-
gamos a descrição. As sobrancelhas da prota- meia, sugere-se. A própria intimidade se de-
gonista eram pretas e “desenhavam-se numa lon- senrola num deleite simulado. Num belíssimo
ga curva de extrema pureza”. E os contrastes, no- poema, “Anjo és”, percorrem-se os lugares da per-
meadamente o da alvura da pele perante a cor dição: “Em teu seio ardente e nu / Não vejo on-
negra dos cabelos, remetem para um esvazia- dear o véu / Com que o sôfrego pudor / Vela os
mento de uma qualquer sensualidade. Os olhos mistérios d’amor”. A chama e o fogo do desejo
poderiam restituir essa impressão sensual a um contrapõem-se à distância inacessível do obje-
todo tão teimosamente vocacionado para a as- to amado. Enquanto os braços apertam, frenéti-
cese. Mas também aí a vertente censória se faz cos, as lágrimas do pecado “queimam, abrasam,
sentir quando se indica que esses olhos não eram ulceram”. A carne que se desvela (“em teu seio
“daquele verde traidor da raça felina”, tão- ardente e nu”) compromete uma intenção per-
-pouco “daquele verde mau e distinguido”. niciosa. As imagens teimam em ocultar os cor-
Eram verdes, “verdes, puros e brilhantes como pos, ou em retê-los na leve fronteira entre o des-
esmeraldas”. Para compor o quadro adianta-se, nudamento e o encobrimento: “Formosos –
pudicamente, que a cor do vestido era azul-es- são os pomos saborosos / É um mimo – de néc-
curo, num cinto e avental pretos. Recondução tar e racimo: / E eu tenho fome e sede... sequiosos,
a um estádio de inexpugnável pureza, quase fe- / Famintos meus desejos / Estão.., mas é de bei-
érica, onde a desordem desencadeada pela jos, / É só de ti – de ti!” Ainda mais explícito des-
pose felina da mulher-sexo se não insinua. A pu- te nosso raciocínio se torna o trecho seguinte:
reza torna-se significado de recusa do corpo. O “Macia – deve a relva luzidia / Do leito – ser por
olhar que deseja, de tanto purificar, rarefaz-se de certo em que me deito”. O final do poema “Os
intenção, reduz-se impotente ao deslumbra- cinco sentidos” aponta para um delírio forte-
mento moral. Mutilamento do desejo? Também mente sexualizado na confusão dos sentidos que
Joaninha preenche um ideal inautêntico ao “sentem, ouvem, respiram”. Contudo, nunca nos
pertencer a um tempo-memória que nem sequer é apreensível na sua totalidade a imagem dis-
se evoca em alucinação. Antes se projeta em so- persamente ofertada. Imagem fragmentada,
nho, num todo alegórico e imaginário. A mulher como tal, alucinatória, breve, secreta e intimi-
identifica-se com a perdição e o Diabo. Joaninha, dante. Em Garrett, o amor é descrente e quase im-
pelo contrário, através de uma conduta angéli- possível, no interstício do remorso da sensua-
ca, assemelha-se a um qualquer ser híbrido en- lidade, ora desenfreada ora serena. Maria do Frei
tre criança, terra e gente. Funde-se em paisagem Luís de Sousa desejaria possuir um “irmão que
e cor. Encontra-se desprovida de um real au- fosse um galhardo e valente mancebo”. No pe-
têntico. Aliás, as personagens femininas na riclitante estreitar entre o incesto imaginado e
ação garrettiana são, no geral, graves, solenes e o recalcamento dos instintos. Um salto crono-
impolutas. Quase trágicas. Aptas ao sacrifício, lógico para a ficção queirosiana talvez pareça in-
tornam-se vítimas de um destino maldito. coerente e abusivo. Mas pensamos que Eça pro-
A emergência deste sentimento de culpa pren- longa, em termos obsessivos, a imagem e os con-
de-se ainda com a linguagem do corpo. Porque tornos da mulher em Garrett. Embora em con-
nele se desperta a sedução pelo interdito. Joa- texto substancialmente diferente. Precisemos me-
ninha esvazia-se perante o olhar do desejo; Ma- lhor. Há no modo como Eça se deleita na figu-
dalena do Frei Luís de Sousa consagra a culpa ração psicológica das personagens femininas um
por uma lembrança de desejo (pensá-lo é incorrer traço de irreversível dissociação entre o corpo
363 ILS

e o espírito. Contudo, esse corpo sobrepõe-se a sensualidade entre o falso e o esfuziante, há algo
qualquer feição espiritual, comprometendo-lhe de animal, de pouco etéreo, de imaturo do lado
o raciocínio e votando-o à superficialidade e ao feminino. O homem mantém uma ingenuidade
apagamento boçal. Admite-se que a beleza é per- sobejamente sincera, permissiva, tolerante, que,
versa e provisória e tanto é volúvel o olhar que num momento posterior, se transforma em visão
transmite o desejo como o que o incorpora. A mu- perplexa e repugnada. Em Os Maias, tal situa-
lher é assimilada a uma porcelana que se parte ção torna-se bastante óbvia: a revelação de um
com facilidade e se exibe, qual objeto de luxo. insuspeitado laço consanguíneo é pretexto para
Surpreende-se-lhe uma profunda vacuidade, uma o desencadeamento do tédio e, sobretudo, do
dolorosa consagração da perfídia numa ausên- nojo físico. Eça de Queirós inaugurou no ima-
cia de capacidades intelectuais. No conto Sin- ginário oitocentista a solenidade do profundo té-
gularidades de Uma Rapariga Loira amplifica- dio pelo corpo feminino, laço cúmplice na
-se esta vocação feminina para o malogro in- fronteira da misoginia e do espetáculo de uma
contido até à comicidade última. Paulatinamente identidade que se busca desesperada e singu-
se vai revelando a protagonista nos defeitos mais larmente. Num trilho de ascese e de refúgio psi-
ousados, desde a cleptomania à frigidez. Atra- cológico. Irrupção do sagrado num mundo pro-
vés do olhar que a desvenda, o de Macário, e que fanado pela carne. Fadiga e exclusão: eis o que
se perfila ingénuo e apaixonado, saboreamos o resta da paixão mais intensa, do entretecimen-
ridículo de situações e contextos. Mas centremo- to mais elaborado. Em Garrett não encontrára-
-nos na descrição primeira de Luísa, a rapariga mos esta familiaridade com o tédio. As prota-
loira: “Era uma rapariga de vinte anos, talvez – gonistas garrettianas comungam de uma pureza
fina, fresca, loura como uma vinheta inglesa: a e de uma virtude impensáveis na ficção quei-
brancura da pele tinha alguma coisa da trans- rosiana. Em Eça, a mulher torna-se o fulcro de
parência das velhas porcelanas, e havia no seu uma desmedida passividade onde o corpo se ofe-
perfil uma linha pura, como de uma medalha an- rece na recreação de um prazer masculino. A per-
tiga, e os velhos poetas pitorescos ter-lhe-iam cha- sonagem que embriaga, que faz eclodir senti-
mado – pomba, arminho, neve e ouro.” Coisifi- mentos descontrolados e passionais, releva-se ul-
ca-se o corpo, empresta-se-lhe uma transitorie- teriormente na teia de uma relação incestuosa.
dade que o desmistifica e lhe retira a capacidade O que torna ainda mais perplexas e obsessio-
de sedução. A pele, em Eça, é bastas vezes iden- nadas as situações de limite que se atingem.
tificada com a porcelana e nessa mesma brancura O caminho garrettiano, tal como em Eça, passa
se assinala uma distância, uma frieza impessoais, por um problema de escolha. O destino desen-
com algo de arcaico, de desértico. A mulher por- rola-se sob a ameaça de um desmoronar de re-
celana tinha uma “natureza débil, aguada, velações que se conjugam para criar um cenário
nula”; que sobressaía num “carácter louro como de impossibilidade. Num quotidiano onde ir-
o cabelo”, “desbotado”, vazio. Luísa na sua “pas- rompe a venalidade e o abastardamento das re-
siva e loura doçura”, passeava-se “clara, fresca, lações pessoais não se acena com um quadro al-
repousada”. O riso não destoava da cor do ca- ternativo, íntimo e seguro. Na fragmentação que
belo e “ela ria, com os seus brancos dentinhos atinge o imaginário colectivo, também as espe-
finos, todos esmaltados”. Na realidade, “A um ranças individuais adquirem os contornos da dú-
canto da sala já lá estava, entre um frufru de ves- vida e da desesperança. De Garrett para Eça, a
tidos enormes, a menina Vilaça, a loura, vesti- persistência da mulher-objeto, fada do lar, ple-
da de branco, simples, fresca, com o seu ar de nitude de vazios e de ausências. Mas façamos
gravura colorida”. Não existe metáfora que tra- uma breve reflexão sobre o lugar do corpo em um
duza melhor o pensamento eciano em relação à e outro escritores. Na necessidade oculta de ex-
mulher: “gravura colorida”. Apetecível, artificial, primir emoções num quotidiano de pequenos ri-
inautêntica. Entediante após uma observação tuais e prazeres medianos, o olhar evoca o corpo
mais atenta e rigorosa. Se, nos amores camilia- num processo que se desenvolve entre a em-
nos, o entrave familiar, social ou económico im- briaguez, o tédio e a culpa. Enquanto a nudez se
possibilita a relação entre amantes, em Garrett encontra escondida e apenas se pressente, o do-
e Eça, esse embaraço é recriado pelo próprio mínio do desejo sobre a repulsa mantém-se inal-
olhar masculino, que descobre no esplendor ini- terável e suspenso. O desnudamento implica
cial uma miséria íntima. Predisposta para uma uma viagem ao universo das perversidades e das
IMA 364

repulsas: os corpos abandonam uma identida- Imagens de Mulheres nos Manuais Escolares
de, autonomizam-se de um nome, de um ser, para de História
se entregarem, quais demónios, a uma desinte- A sub-representação e a estereotipia são os tra-
gração, a uma inarticulada rede de impulsos. O ços que caracterizam as imagens de mulheres nos
erotismo só o é na plena insuspeita, na ignorância manuais escolares de História do ensino se-
absoluta de que o está a ser. A relação óbvia tor- cundário, nos conteúdos relativos à época con-
na-se inútil e banal. A imagem da mulher não temporânea, em especial do século XX. Os
se concilia, porque desconexa e enviesada. Por estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990
um lado, existe a mãe de família, por outro, a mu- evidenciaram a irrelevância da representação fe-
lher-serpente. A primeira encontra-se incólume minina nos manuais escolares de todos os níveis
ao fluxo da sensualidade e da paixão: nela reside de ensino. Na primeira década do século XXI,
a plena obscuridade da deliberada ausência do de- os manuais escolares de 12.o ano revelam a per-
sejo. Não possui uma intimidade; dilui-se na fa- sistência dessa sub-representação: as imagens ex-
mília que gerou e no marido a quem obedece e clusivamente femininas correspondem a cerca
teme. Apenas a mulher-serpente desperta o de- de um quinto do conjunto das representações ico-
sejo. No geral, é fútil, vazia, quase ridícula. Os nográficas de cada manual e apresentam as mu-
homens movem-se em relação à animalidade que lheres, maioritariamente, de forma anónima, iso-
dela se desprende e criam territórios de domí- lada e visualmente descontextualizada. A sua
nio e ciúme. A mulher só é apetecível nos pri- existência, enquanto coletivo feminino, é igual-
meiros contactos. Após algum tempo, degrada-se, mente silenciada. As mulheres encontram-se pre-
desvasta-se na passagem uniforme dos meses e dominantemente representadas com os ho-
dos anos. O corpo dos homens nunca é expos- mens. Não obstante, independentemente de
to; como se fosse interdito ou inconveniente. É estarem, ou não, associadas a figuras masculinas,
omitido, pura e simplesmente. O mundo da per- as mulheres estão ausentes em mais de metade
ceção, das sensações e dos sentimentos é do- do total das ilustrações dos manuais. A invisi-
minantemente masculino e nele não existe lu- bilidade feminina acentua-se à medida que os
gar para o feminino. Com exceção de duas in- conteúdos se reportam a períodos cronologica-
cursões muito interessantes: o Frei Luís de mente mais próximos da atualidade. Nos temas
Sousa, de Garrett e O Primo Basílio, de Eça, onde relativos à segunda metade do século XX, a ex-
as verdadeiras protagonistas são mulheres. Mas clusão das mulheres evidencia-se como mais sig-
o primeiro inaugura a ficção em torno do dile- nificativa, tendo em conta, quer a sua atuação pú-
ma de uma identidade pátria e o segundo é uma blica, nomeadamente política, área privilegiada
tragicomédia em torno de costumes da peque- nos conteúdos programáticos de 12.o ano, quer
na burguesia oitocentista, com áreas bem defi- a quantidade e a diversidade documental ico-
nidas e propósitos igualmente reconhecíveis. nográfica proporcionada pelo avanço tecnológico
Diria, em jeito de conclusão, que, nas obras má- da época contemporânea. Se o recurso à arte, em
ximas de um e outro escritores, é ainda o traje- especial à pintura, predomina nas ilustrações dos
to de uma procura de uma identidade para o ima- conteúdos do século XIX, o mesmo não se ve-
ginário coletivo e, por necessidade empática, para rifica nos que se referem ao século XX, ao lon-
alguns percursos individuais se incendeia um go dos quais os meios de comunicação de mas-
horizonte ideológico e espiritual. A mulher sas constituem as principais fontes da docu-
torna-se pretexto para o desencadeamento de si- mentação visual que integra os manuais esco-
tuações onde as personagens masculinas se ve- lares: cartazes de propaganda político-ideológica
jam confrontadas face a uma desordenação que ou de publicidade, representações caricaturais,
as transcende e as angustia. O desejo, fluido e entre outras, da imprensa escrita e, principal-
transparente, move-se em zonas onde a culpa há mente, a fotografia proveniente da atividade jor-
muito se instalou, comparecendo, intacta, na pré- nalística, do cinema e da televisão. Fazendo parte
afirmação de qualquer gesto, sentimento ou re- de coletivos, mais ou menos alargados, de ho-
pulsa. Num teatro de cumplicidades a que não mens e de mulheres que, maioritariamente, in-
será estranho o imaginário romântico e o espe- tegram e rodeiam personalidades históricas
táculo de uma estranha apoteose do mórbido e masculinas, o sexo feminino surge predomi-
do desmedido. nantemente associado a algumas esferas, de acor-
[C. B.] do com a estereotipia que subjaz à sua repre-
365 IMA

sentação. Isto determina que as mulheres surjam laide Cabete); ao espetáculo, em cartazes relativos
acantonadas em temáticas específicas estando ao cinema português (é o caso de Beatriz Costa,
quase omissas nas restantes. É notória a invisi- Milú e Maria Matos) e ao desporto (Rosa Mota).
bilidade das mulheres nos conteúdos da Histó- Dois outros traços emergem da representação fe-
ria política do século XX: emergindo, pontual- minina nos manuais escolares de História Con-
mente, nas imagens que se referem ao Estado temporânea. O primeiro diz respeito ao predo-
Novo, como, por exemplo, em cartazes de pro- mínio da sua representação através da arte, de
paganda do regime (com uma conotação emi- forma isolada e anónima, como objeto que se pin-
nentemente simbólica), elas estão quase ausen- ta e se expõe para que desfrute dessa mesma arte.
tes nas imagens em torno da Primeira Repúbli- A representação do sexo feminino, enquanto ob-
ca e nas que se reportam à revolução de 1974 e jeto de arte que se consome pelo olhar, contrasta
ao período que daí decorre até finais dos anos com a do sexo masculino, que emerge como su-
80. As imagens de personalidades políticas in- jeito, singular, com uma identidade e uma in-
cluem os presidentes da República, os chefes de dividualidade específica. O segundo traço diz res-
governo e os líderes partidários portugueses des- peito à associação, implícita ou explícita, das mu-
te período, visualizando-se alguns deles repe- lheres à maternidade, obtida através da repeti-
tidamente no mesmo manual, mas são raras ou ção de imagens onde surgem com crianças e em
mesmo inexistentes as referências a Maria de Lur- situações que se reportam à esfera do cuidado,
des Pintasilgo, enquanto primeira-ministra e, me- em contexto familiar, com ou sem o par mas-
nos ainda, como candidata à Presidência da Re- culino, no quadro das tarefas domésticas ou, ain-
pública, qualquer das situações inédita para o seu da, partilhando com as crianças o quotidiano, as
tempo e, ainda hoje, pouco comuns no mundo situações de maior fragilidade como a pobreza
ocidental. As figuras femininas têm, ainda, ou os conflitos militares. A par dos atributos fí-
uma presença irrelevante nos conteúdos de sicos e psicológicos, como a beleza, a fragilida-
História económica e financeira. Ausentes da ati- de, a sensualidade, a alegria, o medo ou a fri-
vidade financeira, as mulheres surgem, espora- volidade, as imagens dos manuais escolares con-
dicamente e quase sempre com figuras mascu- tinuam a tornar a domesticidade e a maternidade
linas, em imagens relacionadas com o trabalho. indissociáveis da representação iconográfica
Encontram-se, com alguma frequência, apenas feminina. A visualização do sexo feminino
nos conteúdos relativos às condições de vida das pauta-se por uma sub-representação que decorre,
classes sociais e à alteração dos hábitos sociais ainda, da sua quase sistemática ausência nas ima-
da primeira metade do século XX, como seja, nos gens de coletivos restritos (imagens de grupos,
novos espaços de sociabilidade e de lazer; no cujos elementos, bem visíveis, surgem, com fre-
consumo de massas e na publicidade (espe- quência, identificados pelo nome) que diri-
cialmente dirigida à mulher dona de casa e à mu- gem, atuam, decidem, produzem, criam, des-
lher fada do lar) e, principalmente, no entreti- cobrem, inventam ou inovam. Quando presentes
mento e no espetáculo, com ênfase para o cinema em imagens de grandes coletivos, de multidões
português do período do Estado Novo. Estes são, associadas a manifestações de rua ou a comícios,
igualmente, os temas onde se concentram as pou- a bases de apoio popular de partidos, movi-
cas imagens compostas exclusivamente por fi- mentos e acontecimentos ou, ainda, a coletivos
guras femininas: a educação e o ensino, a mu- que vivem e partilham momentos de dificulda-
dança da vida das mulheres e a emancipação fe- des decorrentes, por exemplo, da guerra, as mu-
minina, o sufragismo das primeiras décadas de lheres são, com frequência, de difícil visuali-
novecentos e o cinema. As poucas personali- zação, encontrando-se representadas de forma
dades históricas femininas que têm direito à re- dispersa e pouco clara, em ilustrações onde as
presentação visual nos manuais escolares cor- figuras humanas assumem contornos pouco
roboram este tipo de associação. Quando iden- nítidos e se diluem em massas humanas anó-
tificadas, as figuras femininas correspondem a nimas, que se impõem como uma unidade visual.
alegorias (República); a figuras de origem popular Mesmo nas imagens que se reportam a contex-
(Severa); a elementos da monarquia (D. Maria II); tos maioritariamente femininos, é frequente a pre-
a figuras ligadas ao feminismo e/ou à emanci- sença pontual de figuras masculinas que captam
pação da mulher (como Carolina Michaëlis, Ca- o olhar em virtude do destaque que lhes é con-
rolina Beatriz Ângelo, Regina Quintanilha, Ade- ferido, surgindo, por exemplo, em primeiro pla-
IMA 366

no. Com efeito, na maioria das imagens que in-


tegram mulheres, estas podem visualizar-se a par- Fontes: Célia P. Couto e Maria Antónia M. Rosas, O Tem-
tir de enquadramentos visuais gerais ou muito po da História, Porto, Porto Editora, 2001; Isabel Sousa
e Olívia Soares, Pensar História, Lisboa, Texto Editora,
gerais que dificilmente permitem distinguir as 2001; Pedro A. Neves, Ana Lídia Pinto e Maria Manue-
figuras humanas ou que conduzem à sua se- la Carvalho, Tempos, Espaços e Protagonistas, Porto, Por-
cundarização, pela primazia que o olhar confe- to Editora, 2001.
re aos espaços e aos ambientes que as rodeiam. Bib.: Ana Maria das Neves Valentim Monteiro-Ferreira,
Desigualdades de Género no Actual Sistema Educativo
É o caso das grandes manifestações populares de Português: Sua influência no mercado de emprego, Coim-
cariz político; da abundância e do ritmo da vida bra, Quarteto, 2002; Andrée Michel, Não aos Estereóti-
urbana patente nas amplas avenidas e parques pos – Vencer o sexismo nos livros para crianças e nos ma-
das grandes cidades; nos grandes espetáculos de nuais escolares, S. Paulo, UNESCO/CECF, 1989 [ed. ori-
ginal: Non aux Stereotypes, UNESCO, 1986]; Anne
massas; nas difíceis condições de vida dos Cova, “Género e história de mulheres”, Félix Neto et al.
bairros urbanos mais pobres ou, ainda, no am- (org.), Igualdade de Oportunidades, Género e Educação,
biente familiar da burguesia urbana. Contraria- Lisboa, U.A., 1999, pp. 49-55; Idem, “L’histoire des fem-
mente ao que sucede com as figuras masculinas, mes au Portugal: le XXe siècle”, Anne Cova e Gisela Bock
o recurso ao retrato, com a sua função identitá- (dir.), Écrire l’histoire des femmes en Europe du Sud.
XIXe-XXe siècles, Oeiras, Celta, 2003, pp. 49-66; Brigit-
ria e memorial, é raro na representação das mu- te Crabbé et al., Les femmes dans les livres scolaires, Bru-
lheres e as poucas exceções dizem respeito a fi- xelas, Pierre Mardaga Éditeur, 1985; Fernanda Henriques
guras do feminismo português como Carolina e Teresa Joaquim, Os Materiais Pedagógicos e o Desen-
Beatriz Ângelo, Carolina Michaëlis de Vascon- volvimento de Uma Educação para a Igualdade entre os
Sexos, Lisboa, CIDM, 1995; Filomena Amador e Helena
celos ou Regina Quintanilha, isto é, personali- Carneiro, “O papel das imagens nos manuais escolares
dades apresentadas como relevantes apenas de ciências naturais do ensino básico: uma análise do con-
para as mulheres e sem importância para o con- ceito de evolução”, Revista de Educação, n.o 2, 1999, pp.
junto da sociedade de mulheres e de homens, 119-129; Guida Maria N. Teles, O Género e a Etnicida-
de nos Manuais Escolares: Um estudo sobre estereótipos
num dado momento histórico. A representação na área da Língua Portuguesa, Dissertação de Mestrado,
simbólica e alegórica, frequentemente associa- Universidade Aberta, 2000; Irene Vaquinhas, “Breves pa-
da à propaganda política e ideológica, a publi- lavras a propósito da invisibilidade das mulheres nos Pro-
cidade dirigida ao consumo da esfera privada, gramas de História dos ensinos básico e secundário”, «Se-
doméstica e familiar, e a publicidade cinemato- nhoras e Mulheres» na Sociedade Portuguesa do Sécu-
lo XIX, Lisboa, Colibri, 2000, 185-196; Isabel Barreno, O
gráfica constituem os principais tipos de repre- Falso Neutro. Um estudo sobre a discriminação sexual
sentação do sexo feminino, comuns aos manuais. no ensino, Lisboa, Instituto de Estudos para o Desen-
Nesta situação, as figuras femininas são objeto de volvimento, 1985; Maria Teresa A. Nunes, Género e Ci-
enquadramentos de planos gerais que valorizam dadania nas Imagens de História. Estudo exploratório
de manuais escolares de 12.o ano e de software educa-
o corpo ou de planos aproximados que valorizam tivo, Lisboa, CIDM, 2007; Paula Botelho Gomes, et al.,
a sua expressão, em espaços restritos e familia- “Manuais de Educação Física: em rota de colisão com gé-
res (como a cozinha) ou acompanhando o ator com nero, diversidade e cidadania?”, in HENRIQUES, Fer-
quem contracenam (nos cartazes de cinema). Se nanda (coord.), (2008), Género, Diversidade e Cidadania,
no cinema as mulheres surgem representadas em Lisboa, Ed. Colibri, 89-102; Sílvia Caetano, Representa-
ções de Género e de Etnia. Estudo realizado em manuais
enquadramentos mais aproximados, eviden- de educação física do 3.o ciclo do ensino básico. 2005.
ciando, assim, as suas características indivi- Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto: FCDEF;
duais, elas não deixam de surgir, preferencial- Telma Queirós, [Des] Igualdades de Oportunidades
mente, com o seu par masculino. Ao nível da re- nos Manuais Escolares de Educação Física do 2.o Ciclo
do Ensino Básico? Análise das ilustrações e das per-
presentação visual, as mulheres parecem não fa- cepções de professores/as estagiários/as. 2004. Disser-
zer parte de uma conceção de sujeito histórico so- tação de Mestrado, Universidade do Porto: FCDEF; Te-
cial, coletivo, plural e múltiplo. Isto resulta da sua resa Pinto, “A avaliação dos manuais escolares numa pers-
reiterada ausência, do acantonamento da sua pre- pectiva de género”, Rui Vieira de Castro et al. (org.), Ma-
nuais Escolares. Estatuto, Funções, História, Actas do I
sença a certos contextos sociais, do predomínio Encontro Internacional sobre Manuais Escolares, Braga,
da sua dimensão individual face à coletiva, do seu Universidade do Minho, 1999, pp. 387-398.
anonimato, da reduzida importância que lhes é [T. A.]
conferida como parte ativa e participativa do pro- Inês da Conceição Conde
cesso histórico, face ao qual são representadas de Republicana, uma das mais emblemáticas mi-
forma passiva, como observadoras e como bene- litantes da Liga Republicana das Mulheres
ficiárias do que esse mesmo processo proporciona. Portuguesas fora de Lisboa. Filha de José Con-
367 INE

de e de Ana Conceição, terá nascido por volta ta e que, a partir de determinada altura, passou
de 1872 e faleceu em Vila do Bispo, Sagres, a 11 a ser regida por Maximiano de Carvalho (a 2.a tur-
de abril de 1917, com 45 anos. Era casada com ma). Frequentou, também como ouvinte, a 5.a ca-
Francisco Sousa. deira, Física, da Escola Politécnica, regida pelo
Fonte: Informação prestada por Glória Marreiros. Dr. Adriano Pina Vidal.
[J. E.] Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Inês Maria de Azevedo e Silva [A. C. O.]
Nascida a 5 de junho de 1859 e batizada a 11 de
julho, filha de Sebastião Drago de Azevedo Lobo, Inez Ernestine Johnston
proprietário, e de Maria da Luz de Azevedo e Sil- De nacionalidade inglesa, nasceu em St. Leo-
va, neta paterna de Francisco de Paula Drago nards-on-Sea em 1892, vindo a falecer em 1971.
Azevedo e Silva e de Ana Maria Xavier Micae- Durante a Primeira Guerra Mundial alistou-se no
la Mascarenhas e materna de José Francisco de Destacamento de Apoio Voluntário (VAD – Vo-
Azevedo e Silva e de Inês Teresa de Carvalho. luntary Aid Detachment), organização que em
Natural de Loulé, residente em Lisboa, na Rua 1914 contava com cerca de 74 000 voluntários,
da Penha de França, era solteira aquando da can- dois terços dos quais mulheres. Veio viver para
didatura aos Liceus Secundários Femininos*, em Portugal pouco depois do fim da guerra, tendo
29 de março de 1890. Habilitada para o ensino ficado cerca de 30 anos em Lisboa. Trabalhou
com exames e aprovação nas cadeiras de Mate- como dirigente e bibliotecária do Clube Inglês
mática, Física, Português, Francês, Geografia, De- das Senhoras, participou em diversas iniciativas
senho, Latim e Filosofia, tendo os de Português de teatro amador e foi uma das fundadoras do
e Francês sido feitos no Liceu Nacional de Faro Serviço Voluntário Feminino* em Portugal. De-
e os restantes no de Lisboa. Inês Silva apresen- pois da ocupação de França em 1940, trabalhou
tou certificado de exame de 1.a classe de Portu- no Departamento de Repatriamento da Embai-
guês feito em 24 de julho de 1885, aprovada com xada Britânica e foi funcionária desta até 1949.
5 valores e qualificação de Bom, e de Francês, Mãe de uma filha, era divorciada. A pedido do
aprovada no dia anterior com a mesma classi- embaixador Sir Nigel Ronald, criou e foi a pri-
ficação. Do Liceu Central de Lisboa apresentou meira presidente do Clube da Embaixada Bri-
certificado de exame de 1.a classe das seguintes tânica. Personalidade afetuosa, era muito popular
disciplinas: Desenho, aprovada com 3 valores entre a comunidade. Quando regressou ao Rei-
(3 de agosto de 1886); Aritmética, Geometria Pla- no Unido, em 1950, trabalhou no Foreign Offi-
na, Princípios de Álgebra e Escrituração, apro- ce até à sua reforma, aos 70 anos.
vada com 4 valores (11 de agosto de 1886); exa- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1003, 12/06/1971.
me de passagem do 3.o ano de Matemática, apro- [A. V.]
vada (8 de julho de 1887); Física, Química e His-
tória Natural, 1.o ano (20 de julho de 1887); Infanta D. Isabel Maria
Introdução (2.a classe), 4.o ano, aprovada com dis- Filha sextogénita do rei D. João VI e da rainha
tinção (9 de agosto de 1887); 1.a parte de Latim, D. Carlota Joaquina, Isabel Maria da Conceição
3.o ano, admitida (4 de julho de 1888); Geogra- Joana Gualberta Ana Francisca de Assis Xavier
fia e História, aprovada (7 de julho de 1888); exa- de Paula d’Alcântara Antónia Rafaela Micaela
me de classe de Geografia e História, aprovada Gabriela Joaquina Gonzaga de Bragança e Bor-
com distinção (21 de agosto de 1888); 2.a clas- bón nasceu no Palácio de Queluz, em 4 de ju-
se de Matemática, 4.o ano, aprovada (4 de agos- lho de 1801, e morreu em S. Domingos de Ben-
to de 1888); Matemática, 2.a parte, 5.o ano, fica, no dia 22 de abril de 1876. Foram seus ir-
aprovada (22 de junho de 1889); Física, Química mãos mais velhos D. Maria Teresa (1793-1874),
e História Natural, 5.o ano, aprovada com dis- D. António (1795-1801), D. Maria Isabel (1797-
tinção (13 de julho de 1889); Filosofia Elemen- 1818), D. Pedro (1798-1834) e D. Maria Francisca
tar (1 de agosto de 1889); Matemática, 2.a parte, (1800-1834). Seguiram-se-lhe D. Miguel (1802-
6.o ano, aprovada (30 de outubro de 1889). Inês -1866), D. Maria da Assunção (1805-1834) e D.
Silva frequentou, na qualidade de ouvinte, a 1.a Ana de Jesus Maria (1806-1857), que completou
cadeira da Escola Politécnica, singularmente com a numerosa prole do 27.o rei de Portugal e de sua
a turma regida pelo Dr. João do Patrocínio Cos- mulher. A infanta Isabel Maria, duplo apelati-
INF 368

vo por que ficou conhecida, foi batizada pelo car- uma fonte acrescida para o historiador – a pro-
deal patriarca de Lisboa, D. José Francisco de va do carinho, da abertura e da afinidade tem-
Mendonça, na capela real de Queluz, às seis ho- peramental entre pai e filha, contrariando as dú-
ras da tarde do dia 12 de julho de 1801, tendo vidas colocadas sobre a paternidade de D. João.
por padrinho o infante D. Pedro Carlos, filho de Em 29 de novembro de 1807, a família real lar-
Fernando VII de Espanha e sobrinho da mãe da gou do Tejo rumo ao Brasil como forma de sal-
neófita, e por madrinha Nossa Senhora, repre- vaguardar a liberdade dos símbolos da sobera-
sentada pela princesa D. Maria Francisca Be- nia nacional (D. Maria I e o príncipe regente
nedita*, irmã da rainha D. Maria I, avó paterna D. João), face à primeira invasão francesa co-
da baptizanda. A menina, de débil saúde, co- mandada por Junot, que já se encontrava em solo
nheceu várias amas de leite: Madalena Josefa de português. A infanta acompanhou os pais, a avó,
S. Pedro de Alcântara, a quem a doença impe- os irmãos e a corte. Viajou a bordo da nau Rai-
diu de concluir a missão, sendo chamada Iria Te- nha de Portugal com as tias-avós D. Maria
resa da Silva, que a amamentou apenas duran- Francisca Benedita e D. Maria Ana, ambas irmãs
te dois dias, tendo terminado a sua criação Cons- da rainha D. Maria I, e com a sua própria irmã
tantina Inácia. Ao completar quatro anos, a pe- Maria Francisca. Desembarcaram no Rio de Ja-
quena infanta foi vacinada contra a varíola neiro a 7 de março de 1808, embora permane-
pelo médico da câmara real José Correia Pican- cessem ao largo da baía de Guanabara desde 17
ço. A marquesa de S. Miguel, D. Mariana Xavier de janeiro, aguardando a nau Príncipe Real onde
de Botelho, serviu-lhe de aia, bem como a todos viajavam a rainha e o futuro rei e que uma tem-
os irmãos. É vulgar ler-se que os filhos de D. João pestade levara a aportar, primeiro, a S. Salvador
VI receberam uma educação descuidada. Con- da Baía. No Rio, o casal regente viveu dividido
tudo, Ângelo Pereira registou como mestres da como dividido já tinha residido na metrópole.
infanta, entre outros, alguns dos nomes da pri- D. Maria em estado avançado de alienação
meira intelectualidade do país. A saber: José mental, D. João e os filhos Maria Teresa, Pedro
Monteiro da Rocha, na cultura geral; Frei António e Miguel habitaram o paço de S. Cristóvão;
de Nossa Senhora da Arrábida, na língua por- D. Carlota Joaquina mudava frequentemente de
tuguesa; Marcos Portugal e João Domingos Bon- residência, preferindo na maior parte do tempo
tempo, na música; Domingos António de Se- a chácara de Botafogo, que alegava ter ares mais
queira e Máximo Paulino dos Reis, mestres de sadios. Com ela, moravam as filhas Maria Isabel,
desenho e pintura; os cidadãos britânicos James Maria Francisca, Isabel Maria, Maria da Assunção
Waring e Miss Keed, no inglês; com Pedro Ri- e Ana de Jesus. A corte fixou-se no Brasil durante
cardo da Costa e António José Pais, aprendeu 13 anos. D. Isabel Maria partiu de Lisboa com seis
equitação. Ao atingir a puberdade, a princesa co- anos e quatro meses. Assim, a infância, a ado-
meçou a sofrer dos nervos. Vários testemunhos lescência, a entrada na idade adulta passou-as
coevos falaram em desmaios e episódios de pa- na colónia da América, onde acompanhou di-
ralisia histérica, sempre que se via confrontada versas efemérides familiares e nacionais: o ca-
com emoções fortes. Alberto Pimentel escreveu, samento da irmã mais velha, Maria Teresa,
muito sumariamente, que “D. Isabel Maria era com o primo Pedro Carlos, infante de Espanha
um feixe de nervos” [A Última Corte do Abso- (1810); a proclamação do Reino Unido de Por-
lutismo em Portugal, p. 145]. O seu médico e con- tugal, Brasil e Algarves (16/12/1815); a morte da
selheiro político durante a regência, Bernardo avó, a rainha D. Maria I (20/03/1816); a partida
José de Abrantes e Castro, recomendava-lhe o tra- para Espanha das irmãs Maria Isabel e Maria
tamento de águas nas Caldas da Rainha depois Francisca a fim de casarem com os tios Fernando
de cada acesso de histerismo, a que outros cha- VII e Carlos Maria Isidro, respetivamente
maram epilepsia. Inúmeras vezes ali passou tem- (03/07/1816); o casamento do irmão, o prínci-
poradas para se restabelecer. Foi o caso do ve- pe real D. Pedro, com a arquiduquesa Maria Leo-
rão de 1825, de meados de julho a meados de poldina de Habsburgo (06/11/1817); o ato de acla-
agosto. Dessa estadia, ficaram cartas da infanta mação do rei D. João VI, seu pai (06/02/1818);
ao pai remetidas das Caldas, versando o seu quo- o nascimento da sobrinha Maria da Glória, fu-
tidiano nas termas e a evolução dos achaques [v. tura D. Maria II (04/04/1819); o embarque de toda
Ângelo Pereira, As Senhoras Infantas Filhas de a família real para Lisboa, à exceção do prínci-
El-Rei D. João VI, pp. 130-138]. Elas constituem pe herdeiro, que ficou como regente no Brasil
369 INF

(26/04/1821). Alguns dos que com ela privaram tico, deixando-se ficar em Lisboa, sendo por isso
deixaram-nos o seu retrato físico. A começar pela demitido do seu lugar, segundo se disse” [Fran-
mãe, que a descreveu em carta ao irmão Fer- cisco José de Almeida, Apontamentos da Vida
nando VII, com data de 23 de maio de 1814: “es d’Um Homem Obscuro Escritos por Ele Mesmo,
hermosissima, blanca, rubia, com bellos ojos, alta, p. 74]. Curiosamente, o embaixador de Portugal
delgada, bien dispuesta, de talento, docilidad, em Londres, o então marquês de Palmela, em-
sensillez, muy humilde” [Ângelo Pereira, D. João penhou-se em prolongadas diligências (de
VI Príncipe e Rei, Vol. III, p. 229]. O marquês de 05/1825 a 12/1826) “para recomendar no Real
Fronteira considerou que D. Isabel Maria, D. Ma- Nome de S. M. a S. M. B. o tenente de marinha
ria da Assunção e D. Ana de Jesus, ao desem- inglesa Roberto Sharpe, que pretende um pos-
barcarem em Lisboa no ano de 1821, “eram três to de acesso” [Duque de Palmela, Despachos e
belezas” [Memórias, partes I-II, p. 252]. “L’Infante Correspondência, Vol. II, p. 6]. Seria este o ofi-
Isabelle Marie […] était fort jolie; son visage ex- cial “que se esqueceu do serviço náutico” por
primait en même temps l’intelligence et la bon- amor à nossa infanta e, posteriormente, ao ten-
té”, registou Hyde de Neuville, embaixador de tar a reintegração, moveu as diplomacias lusa e
França em Portugal, em 1824 [Ângelo Pereira, britânica ao mais alto nível? Chegou mesmo a
As Senhoras Infantas Filhas de El-Rei D. João VI, constar que o romance teria dado frutos – dois
p. 105]. O viajante polaco Félix Lichnowsky co- gémeos ou duas gémeas, havendo quem afir-
nheceu-a na passagem por Portugal, em 1842. O masse que a infanta tivera seis filhos. Embora na
tempo passara, agora “A Infanta […] é uma se- opinião do conde de Vila Real, “já basta que ti-
nhora de pequena estatura, de 40 anos de ida- vesse gémeos e destes lhe tenha ficado um só”
de proximamente”; no entanto, quando o autor [Memórias do Conde do Lavradio, II Vol., p. 420].
se referiu “ao tempo em que ela exercera a re- Para Bulhão Pato, tudo isso não passou de “Pura
gência, cintilaram-lhe os olhos com todo o bri- calúnia […]. O inglês foi correspondido, mas não
lho de uma fogosidade juvenil e meridional” deixou documento vivo da sua boa fortuna” [Me-
[Portugal. Recordações do Ano de 1842, pp. 120- mórias, Tomo III, p. 38]. O certo é que D. Isabel
121]. De facto, tudo leva a crer que D. Isabel Ma- Maria, antes da Abrilada, “esteve para casar com
ria “foi uma mulher interessantíssima até aos 45 o riquíssimo príncipe de Condé, […] mas foi pos-
anos”, segundo o testemunho de um antigo co- ta de parte a ideia de casamento por causa de um
peiro de S. Domingos de Benfica [Júlio de Sou- escândalo amoroso em que a infanta se achou en-
sa e Costa, O Segredo de D. Pedro V, p. 160]. Con- volvida” [Alberto Pimentel, A Última Corte do
quanto a rainha D. Esfefânia, em carta endere- Absolutismo em Portugal, p. 169]. Em suma, a
çada à mãe, em 1858, ainda a encontrasse “fort princesa acabou solteira e, oficialmente, sem ge-
bien conservée pour son age, l’air fort sprituel, ração. A 10 de março de 1826, D. João VI mor-
parlant fort mal le français, très bonne, très pieu- ria no Paço da Bemposta. Quatro dias antes, no-
se” [Júlio de Vilhena, Cartas Inéditas da Rainha meara um conselho de regência, integrando o car-
D. Estefânia, p. 106]. De regresso ao reino, Isa- deal patriarca eleito frei Patrício da Silva, o du-
bel Maria viveu sempre com o pai em Mafra ou que do Cadaval, o marquês de Valada, o conde
no Paço da Bemposta. Aqui, foram surpreendi- dos Arcos e presidido pela infanta Isabel Maria
dos pelo golpe contrarrevolucionário de 30 de com voto decisivo, que governaria durante a sua
abril de 1824, liderado pelo infante D. Miguel. doença e, na eventualidade de vir a falecer, con-
Sob a proteção do corpo diplomático acredita- tinuaria no exercício de funções enquanto o her-
do em Lisboa, D. João e as filhas Isabel Maria e deiro e sucessor da coroa não providenciasse a
Maria da Assunção refugiaram-se na fragata in- esse respeito. No mês seguinte, D. Pedro I do Bra-
glesa Windsor Castle, fundeada no Tejo. Per- sil, IV do nome em Portugal, confirmou o con-
maneceram a bordo de 9 a 14 de maio, “o que selho escolhido pelo falecido monarca. Até à che-
era muito do agrado das senhoras infantas, na- gada da Carta Constitucional outorgada pelo novo
turalmente pela variante de menos etiqueta na rei à nação portuguesa, não foi posta em causa
convivência dos oficiais ingleses, e muito es- a legitimidade deste. Porém, a partir do jura-
pecialmente de S. Alteza a sra. D. Isabel, que mui- mento da mesma em cerimónia realizada a 31
to se penhorou das amáveis atenções de um te- de julho de 1826, no Palácio da Ajuda, onde a
nente, o qual se dedicou tanto ao serviço res- regente fixou residência, o país dividiu-se em
peitoso de S. A. que se esqueceu do serviço náu- constitucionais, partidários da soberania de D.
INF 370

Maria II, em quem seu pai, D. Pedro, abdicara a as únicas infantas a residir em Portugal, acom-
2 de maio de 1826, e absolutistas, apoiantes da panharam sempre o irmão durante os seis anos
realeza de D. Miguel. Foi nesse ambiente de an- do seu reinado. Na última fase da guerra civil,
tagonismos políticos e de lutas entre interesses D. Maria da Assunção morreu em Santarém, ví-
particulares que decorreu a regência, individual tima de tifo (07/01/1834). D. Miguel, então, en-
desde a proclamação da Carta, de D. Isabel Ma- viou a ex-regente para Elvas – para a proteger dos
ria (de 31/07/1826 a 26/02/1828). No início do riscos dos combates, segundo uns; pelas relações
seu governo, escrevia ela ao “Mano Miguel” exi- que supunha haver entre ela e o lado constitu-
lado em Viena de Áustria na sequência da cional, segundo outros. Contudo, ao embarcar
Abrilada: “o meu objectivo principal é, e será para o exílio, o monarca vencido convidou a irmã
sempre, cortar intrigas, unir a nossa Família” [Ân- a acompanhá-lo, o que ela recusou. Torna-se di-
gelo Pereira, Os Filhos de El-Rei D. João VI, p. fícil avaliar qual teria sido a sensibilidade po-
531]. Efetivamente, se os portugueses estavam lítica da infanta Isabel Maria. Leia-se as palavras
divididos, os membros da família real não o es- que proferira no momento de entregar o gover-
tavam menos. A regente tentava cumprir as dis- no do reino ao novo regente, em 26 de feverei-
posições da Carta e as ordens recebidas do Bra- ro de 1828: “Quanto a mim, Srs., aliviada hoje
sil; a rainha viúva, D. Carlota Joaquina, lidera- de um peso tão superior às minhas forças, que
va os sectários do filho Miguel; as infantas ca- resignadamente aceitei, por obediência, e que,
sadas em Espanha, D. Maria Teresa e D. Maria por obediência gostosamente restituo, acompa-
Francisca, apoiavam os absolutistas. Como teria nharei com os mais fervorosos votos as ventu-
sido possível à frágil, indecisa e mal preparada ras de uma Nação, cujos verdadeiros interesses
infanta unir a família portuguesa? Para mais, es- sempre me serão caros, e farei consistir na hon-
tando rodeada de facciosos, intriguistas e mal in- ra de a ter regido o título mais precioso da mi-
tencionados, e sendo a Câmara dos Pares realista, nha glória” [Borboleta, 88. o Suplemento,
o que paralisava os projetos de lei emanados da 01/03/1828, p. 1043, col. 2]. Por “obediência” à
Câmara dos Deputados, único suporte dos li- última vontade do pai aceitara presidir à regência;
berais. Os padecimentos histéricos avolumaram- por “obediência” a D. Pedro, entregava esse en-
-se com as intrigas, as guerrilhas e as incursões cargo nas mãos de D. Miguel. Os dois irmãos fo-
espanholas a espalharem-se por Trás-os- ram seus soberanos. Ora esteve próxima de um
-Montes, Alentejo e Algarve. Em abril de 1827, ora de outro, consoante as circunstâncias vivi-
foi acometida de uma doença repentina e mis- das. Ser miguelista ou liberal parece não ter cons-
teriosa muito comentada, mas mal explicada. Se- tituído um propósito para si. Apenas obedeceu
gundo a imprensa do tempo, teve de ser sub- como entendia ser seu dever. Os “verdadeiros in-
metida à administração de um vomitório, so- teresses” da nação, esses sim, sempre lhe foram
frendo acessos renitentes de febre gástrica. No e seriam prioritários. Terminada a guerra fratri-
meio liberal, falou-se de envenenamento tenta- cida, pensou residir com a cunhada, viúva de D.
do pelos miguelistas. Veiculada pelos agentes Pedro, mas a ex-imperatriz D. Amélia de Leuch-
apostólicos, houve a informação de que Sua Al- tenberg recusou-se a recebê-la. Comprou, então,
teza tinha morrido. Contudo, a regente sobre- ao 5.o marquês de Abrantes, por 12 contos de réis,
viveu. A conselho dos médicos, durante a con- o palácio que um rico comerciante inglês, Gerard
valescença, estanciou na Quinta de Alfarrobei- Devisme, construíra em S. Domingos de Benfi-
ra, sita no Calhariz de Benfica, donde regressou ca, na segunda metade do século XVIII. Fez dele
à Ajuda em meados de julho desse ano. Por via a sua residência até ao fim da vida. Depois da
da doença, cuja notícia chegou ao Brasil muito morte da infanta, foi adquirido pela madre Te-
empolada, D. Pedro nomeou D. Miguel para subs- resa de Saldanha para aí instalar o Colégio de S.
tituir a irmã. O infante regressou à pátria em fe- José das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina
vereiro de 1828. Jurou a Carta e assumiu a re- de Sena. A República veio a aproveitá-lo para re-
gência. Porém, em breve, por influência da mãe, formatório de raparigas dirigido pela médica Emí-
de acordo com a voz corrente, esqueceu o tex- lia Patacho. Na pequena corte de Benfica, a prin-
to constitucional e dissolveu as Câmaras. O país cesa viveu rodeada de eclesiásticos e irmãs de
regressava a um regime absoluto que só viria a caridade. Das inúmeras festas religiosas ali or-
terminar pela vitória militar liberal, em maio de ganizadas, as da Semana Santa tinham muita re-
1834. D. Isabel Maria e D. Maria da Assunção, putação. Todavia, as portas do palácio estavam
371 INF

também abertas a familiares e amigos. D. Pedro e o terceiro pessoa de mim conhecida e outro-
V e D. Estefânia jantavam por vezes em casa da ra empregado do mesmo estabelecimento, onde
tia-avó, havendo sempre o arroz de pato muito prestou grandes serviços; e os instituo únicos e
apreciado pelo rei. Outros convivas habituais universais Herdeiros de todos os meus bens […]
eram os marqueses de Fronteira, seus vizinhos, podendo dispor de todos eles como seus […] com
ou os terceiros condes de Mafra. Em 10 de junho obrigação do cumprimento dos sobreditos le-
de 1869, foi na capela da infanta que D. Fer- gados que deles têm de sair” [“Testamento da se-
nando, viúvo de D. Maria II, contraiu segundo nhora Infanta”, Diário Ilustrado, 26/04/1876,
casamento com a cantora de ópera Elise Hens- p. 2, col. 3]. Estiveram presentes, como teste-
ler*, condessa d’Edla. O quotidiano de D. Isabel munhas, o marquês de Fronteira, o conde da Tor-
Maria era simples e rotineiro: levantava-se às oito re, o conde de Penamacor, D. José da Piedade
horas; tomava o primeiro almoço às nove; ao Lencastre, Francisco Correia de Sá, além do ta-
meio-dia, ingeria uma refeição copiosa; jantava belião que o redigiu, António Joaquim Freire Car-
bem às quatro e meia; às onze, ceava uma espessa doso. A infanta veio a morrer 11 anos depois, no
canja de frango ou pombo. Retirada da vida pú- dia 22 de abril de 1876, pelas três horas da tar-
blica, dedicou-se à proteção das Irmãs de Cari- de. Acompanharam os últimos momentos o rei
dade expulsas do país em 1862. Subsidiou a es- D. Fernando II, o infante D. Augusto, seu filho,
cola de meninas fundada no Convento do Va- e a condessa d’Edla. Na altura em que o testa-
ratojo pelo seu confessor, o franciscano Frei Agos- mento se tornou público, foi severamente cen-
tinho da Anunciação. Conseguiu a aprovação pa- surado. D. Isabel Maria, tendo parentes sem gran-
pal para as Irmãs Hospitaleiras da Ordem III de des meios de fortuna e havendo no país tantas
S. Francisco (Trinas). De acordo com a sua for- casas de caridade, deixava como testamenteiros
te religiosidade, empreendeu quatro viagens a três sacerdotes, cuja missão só devia ser religiosa
Roma – em 1862, 1863, 1867 e 1870. Na primeira – era o que se propalava. Chegou a correr o boa-
deslocação, assistiu às cerimónias da canonização to de que se tratava dos padres a quem ela con-
dos mártires do Japão e aproveitou para orar jun- fiara o futuro do seu filho ilegítimo… O corte-
to ao túmulo da irmã Ana de Jesus Maria, fale- jo fúnebre pouco concorrido foi interpretado
cida em Itália, em 1857. Em 1863 e 1867, des- como demonstração desse desagrado da opinião
conhece-se os objetivos que a levaram à Cidade pública. Ficou sepultada no Panteão de S. Vi-
Eterna. Na última romagem, presenciou a 4.a ses- cente. O rei, a família real e a corte fizeram 20
são do Concílio Vaticano I onde se definiu o dog- dias de luto, sendo dez pesado e dez aliviado.
ma da infalibilidade do papa (18/07/1870). Por determinação governamental, as casas de es-
Como representante dos soberanos portugueses, petáculo permaneceram fechadas desde o dia da
foi hóspede de Pio IX no Palácio da Porta Pia. morte até ao dia do funeral, isto é, de 22 de abril
Fazendo-se sempre acompanhar de numerosa co- a 26 de abril de 1876.
mitiva e muita bagagem, as viagens da infanta
Bib.: Albano da Silveira Pinto, Resenha das Famílias Ti-
foram severamente comentadas pela opinião pú- tulares e Grandes de Portugal, Lisboa, Empresa Editora
blica. Em documento datado de S. Domingos de de Francisco Artur Silva, I Vol., 2.a ed., 1991; Alberto Pi-
Benfica, 5 de maio de 1865, Isabel Maria de Bra- mentel, A Última Corte do Absolutismo em Portugal, Lis-
gança e Borbón dispôs as últimas vontades. Pre- boa, Livraria Ferin, 1893; Ângelo Pereira, D. João VI, Prín-
tendia um funeral sem fausto, só com o indis- cipe e Rei, III Vol., Lisboa, Empresa Nacional de Publi-
cidade, 1956; Idem, Os Filhos de El-Rei D. João VI, Lis-
pensável, segundo a sua condição. Queria que boa, Empresa Nacional de Publicidade, 1946; Idem, As
se rezassem 800 missas por sua alma, 200 por Senhoras Infantas Filhas de El-Rei D. João VI, Lisboa, Na
seus pais e irmãos e 100 pelas almas do purga- Editorial Labor, 1938; Bulhão Pato, Memórias, Tomo III,
tório. Deixava numerosos legados a sobrinhos, Lisboa, Perspectivas e Realidades, 1986; Duque de Pal-
mela, Despachos e Correspondências, II Vol., Lisboa, Im-
damas, veadores, confessor, médicos, criados e prensa Nacional, 1851-1869; Francisco José de Almeida,
estabelecimentos religiosos. Por fim, consti- Apontamentos da Vida d’Um Homem Obscuro Escritos
tuía seus herdeiros, com sobrevivência de uns por Ele Mesmo, Lisboa, Typographia de João Carlos d’As-
para os outros, “os Reverendos Padres ingleses censão Almeida, 1880; José Joaquim Rodrigues de Bas-
Pedro Baines, Ricardo Duckett e Lourenço Rich- tos, Biografia da Sereníssima Senhora Infanta D. Isabel
Maria, s.l., s.a.; José Maria de Sousa Monteiro, História
mond, o primeiro actualmente presidente do Co- de Portugal desde o Reinado da Senhora D. Maria pri-
légio de S. Pedro e S. Paulo da Cidade de Lisboa; meira, até à Convenção de Évora-Monte, Vols. 3 e 5, Lis-
o segundo também residente no mesmo colégio; boa, Typ. de António José da Rocha, 1838; Júlio de Sou-
INS 372

sa e Costa, O Segredo de D. Pedro V (1837-1861), Lisboa, sou para o extinto Convento da Conceição, na Rua
Edição Romano Torres, [1941]; Júlio de Vilhena (coord.), de S. Geraldo, onde atualmente se acha monta-
Cartas Inéditas da Rainha D. Estefânia, Coimbra, Im-
prensa da Universidade, 1922; Memórias do Conde do do [o Colégio da Regeneração]” [Airosa, 1892,
Lavradio, I-II Vols., Coimbra, Imprensa da Universida- pp. 3-4]. Os estatutos e o nome “Colégio da Re-
de, 1932-1933; Memórias do Marquês de Fronteira e generação” foram aprovados em 15 de maio de
d’Alorna, 4 Vols., Lisboa, INCM, 1986; “Morte da senhora 1874. Segundo o Relatório do Colégio de 1876,
infanta D. Isabel Maria”, Diário de Notícias, 23/04/1876, do padre Airosa, temos o seguinte quadro de di-
p. 1, cols. 1-4; Patrick Wilcken, Império à Deriva. A cor-
te portuguesa no Rio de Janeiro (1808-1821), Porto, Ci- reção: diretor – padre João Pedro Ferreira Airosa;
vilização Editora, 2005; Príncipe Félix Lichnowsky, Por- presidente – viscondessa da Torre; vice-presi-
tugal. Recordações do ano de 1842, Lisboa, Publicações dente – Maria Gracinda Marinho de Vasconce-
Alfa, 1998; Simão José da Luz Soriano, História do Cer- los; secretária – Rita de Cássia Barbosa Soto-
co do Porto, I-II Vols., Imprensa Nacional, 1846 e 1849;
“Testamento da senhora Infanta (cópia)”, Diário Ilustrado,
Maior; tesoureira – Margarida Angélica de
26/04/1876, p. 2, cols. 1-4; Gazeta de Lisboa, n.o 100, Aguiar; directoras – Francisca Bárbara de Sou-
28/04/1827, p. 1, col. 1; Borboleta, Suplemento ao n.o 46, sa Machado, Maria Rufina Simões Vilaça, Ana
03/05/1827, p. 455, cols. 1-2; Imparcial, n.o 49, Emília de Jesus Vieira, Maria Clara Dias da Cos-
08/05/1827, p. 258, col. 1; Gazeta de Lisboa, n.o 124, ta, Ana Benedita da Conceição Melo e Carolina
26/05/1827, p. 1, col. 1; Borboleta, 88.o Suplemento,
01/03/1828, p. 1043, col. 2; O Conimbricense, n.o 3001, da Silva Lobo. Por conseguinte, era uma casa di-
29/04/1876, p. 2, col. 3. rigida pelo padre Airosa e por um conjunto de
[M. E. S.] senhoras empenhadas na prática da caridade cris-
tã. Em 1877, as Irmãs Dominicanas passaram a
Instituto Monsenhor Airosa dirigir o colégio, sendo 12 as irmãs internas em
Por especial envolvimento do padre João Pedro 1892. No ano do centenário da sua fundação
Ferreira Airosa* (1836-1931), fundou-se em (1969) e em honra do seu fundador, o Colégio da
Braga, no dia 18 de agosto de 1869, a Casa de Regeneração passou a designar-se Instituto
Abrigo, hoje Instituto Monsenhor Airosa, des- Monsenhor Airosa (IMA). No ano de 1894,
tinada a alojar, educar e reabilitar jovens do sexo acolhia e sustentava 90 mulheres e, nesta data,
feminino em situação de carência familiar e so- já 486 tinham por lá passado. Em 31 de dezembro
cial. A iniciativa da fundação deste instituto, úni- de 1977, por ocasião do primeiro centenário do
co em Portugal durante muitos anos, surgiu no estabelecimento das Irmãs Dominicanas no
contexto de uns exercícios espirituais (missões) IMA, apresentaram-se os seguintes números:
coordenados pelo padre Airosa na igreja onde “146 educandas no IMA; 17 irmãs (o quadro de
era capelão (Carmo – Braga). Nesta tarefa con- pessoal compreende, além das irmãs, mais 8 uni-
tou com a colaboração do padre jesuíta Carlos dades); e cerca de 3000 entradas de alunas des-
João Rademaker e o envolvimento direto de um de a fundação do IMA” [A. C. Lopes, 1978, p. 12].
conjunto de senhoras pertencentes à Pia União No início, foi a caridade cristã das Associações
das Filhas de Maria. Refira-se que o padre Ra- das Filhas de Maria e esmolas da cidade de Bra-
demaker foi “o grande promotor e iniciador das ga que mais contribuíram para o sustento des-
associações das Filhas de Maria, tendo sido ele ta instituição. Mas também contou com doações,
próprio diretor de uma associação em Lisboa e algumas delas avultadas, e com subsídios do Es-
fundador da de Braga” [A. C. Lopes, 1978, p. 12]. tado para as obras de reconstrução do Conven-
As Filhas de Maria também estiveram envolvi- to da Conceição. Em 1887, foi atribuído pelo Go-
das na fundação, em maio de 1877, do Asilo de verno um subsídio mensal de 25$000 reis. Por
Meninas Órfãs e Desamparadas* de Viana do Cas- portaria de 5 de abril de 1892 foi também atri-
telo. A Casa de Abrigo instalou-se inicialmen- buído pela Repartição da Indústria um outro sub-
te “na Rua do Areal, subúrbios de Braga, numa sídio de 250$000 reis para “compra de máqui-
casa para tal fim gratuitamente cedida por uma nas e aparelhos para a oficina de tecelagem” [Ai-
senhora da mesma cidade. Mudou-se depois [...] rosa, 1892, p. 4]. Às recolhidas eram-lhes ad-
para a casa [e Quinta] da Amada, também su- ministradas noções de doutrina cristã, preceitos
búrbios de Braga, tomando-se de arrendamen- de educação moral, religiosa e civil, noções de
to a casa e quinta em 20 de março de 1871. Foi desenho e de música e instrução primária. As ta-
transferida novamente a 29 de setembro de 1874 refas desenvolvidas prendiam-se com o conceito
para a casa do Avelar de Baixo, na Rua dos Pe- tradicional das atividades femininas: coser,
lames, n.o 74; e, em 22 de dezembro de 1883, pas- fiar, dobar, tecer, bordar, fazer meia e renda, la-
373 INS

var, engomar e cozinhar. Na cerca do convento Irene Bártolo Russell


praticava-se horticultura e floricultura. Valori- Nasceu em 1919 e faleceu em 2001. Filha de An-
zando-se o trabalho, pretendia dar-se às reco- selmo Francisco Bártolo e de Maria Dubec
lhidas a necessária formação para que pudessem Branco, irmã do marinheiro artilheiro Oliver
um dia zelar pelo próprio sustento quotidiano Branco Bártolo (n. 06/03/1909) e casada com Mi-
e da família. Por outro lado, os numerosos ser- guel Wager Russell (01/02/1908-1992), ambos
viços prestados pelas recolhidas e os produtos enviados para o Campo de Concentração do Tar-
do seu trabalho na instituição destinavam-se a rafal, o primeiro em outubro de 1936, depois de
acudir aos gastos da mesma. Foram muito apre- preso a 23 de maio de 1935 por distribuir pro-
ciados os seus trabalhos pelas mais diferentes paganda contra o regime salazarista, e o segundo
personalidades públicas e nas mais diversas ex- em 5 de junho de 1937, por militar no Partido
posições – Braga, Porto, Lisboa e Paris (Exposi- Comunista Português. Presa em 14 de abril de
ção Universal de 1889) –, sendo premiados em 1937 com o noivo, esteve 54 dias incomunicá-
todas. Dando-se uma feição industrial ao traba- vel em esquadras da polícia, casou por procu-
lho de tecelagem no Colégio da Regeneração, em ração devido à deportação daquele para Cabo
30 de agosto de 1894 abriu-se uma oficina-escola Verde sem qualquer julgamento e só o voltou a
de tecelagem destinada a raparigas pobres da ci- reencontrar nove anos depois, quando regres-
dade. Esta “verdadeira escola industrial” de Bra-
sou a Lisboa no navio Guiné, a 1 de fevereiro de
ga funcionou durante 30 anos.
1946, com 38 anos. Participou na campanha pre-
Bib.: António da Costa Lopes,“Airosa, João Pedro Fer- sidencial de Norton de Matos e interveio, a 28
reira”, Dicionário de História da Igreja em Portugal (dir. de janeiro de 1949, em nome das mulheres cam-
António Alberto Banha de Andrade), Vol. I, Editorial Re-
ponesas, na sessão promovida na Voz do Ope-
sistência, Lisboa, 1980, pp. 86-87; Idem, No Centenário
do Instituto Monsenhor Airosa. Opúsculo informativo rário pela Comissão Eleitoral Feminina de
e comemorativo, Braga, Empresa do Diário do Minho, Apoio à sua candidatura, onde denunciou a si-
1970; Idem, “Para a história de Braga. À margem de uma tuação por si vivida: “Agora fundei um novo lar,
exposição”, Correio do Minho, 24/06/1977, e Diário do depois de muitos anos ter sido esposa sem ma-
Minho, 24/06/1977; Idem, Cem Anos de Bem-fazer. As
dominicanas portuguesas no Instituto Monsenhor Ai-
rido. Mas o noivo que me tiraram era um rapaz
rosa, Separata das Actas do I Encontro sobre História Do- novo e robusto, o marido que foram obrigados
minicana (1977), Braga, Tip. Barbosa e Xavier, 1978; a restituir-me, um homem precocemente en-
A. Luís Vaz, “Airosa, (P. João Pedro Ferreira)”, Enci- velhecido pelo sofrimento e com a saúde aba-
clopédia Luso-Brasileira de Cultura, Vol. I, Editorial Ver- lada. Minha mãe morreu de desgosto, de desâ-
bo, Lisboa, 1963; João Pedro Ferreira Airosa, Colégio de
Regeneração em Braga, Coimbra, Imprensa da Univer- nimo, de privações, que eu e ela tivemos e pas-
sidade, 1892; José Eduardo Franco e Pedro Sousa e Sil- sar por não termos o amparo dos homens da fa-
va, “Airosa, João Pedro Ferreira”, Dicionário de Edu- mília. Eu resisti porque era mais nova, mais for-
cadores Portugueses, Edições Asa, Porto, 2003, pp. 45- te e, principalmente, porque não desanimei.” Na
-46; Martins Capela, “O grão de mostarda”, Ilustração década de 50, terá partido com o marido para
Católica, Braga, 09/01/1915, pp. 435-436; Idem, “Padres,
padres … – Padre João Airosa”, Correio Nacional, Lis- Moçambique, de onde só regressariam após o 25
boa, 25/08/1894, p. 2; Relatório do Colégio da Regene- de Abril de 1974.
ração de Braga, Braga, Tip. Lusitana, 1876.
[A. C. S.] Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela,
2004; Idem, Dicionário de Mulheres Rebeldes, Lisboa,
2006, p. 114, col. 2; Comissão do Livro Negro sobre o
Institutos Secundários Femininos Regime Fascista, Presos Políticos no Regime Fascista –
v. Liceus Secundários Femininos em Portugal 1932-1935, Mem Martins, 1981, p. 217; Comissão do Li-
vro Negro sobre o Regime Fascista, Presos Políticos no
1888-1906)
Regime Fascista II – 1936-1939, Mem Martins, 1982,
p. 220; Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios.
International Home Oposição feminina ao Estado Novo, Lisboa, Imprensa
v. Lar Internacional de Lisboa de Ciências Sociais, 2002.
[J. E.]
Intervenção Feminina
v. Associações de Mulheres nas Décadas de 70 Irene de Vasconcelos
e 80 do Século XX v. Irene dos Anjos Brito de Vasconcelos
IRE 374

Irene dos Anjos Brito de Vasconcelos cias diplomáticas necessárias para que o por-
Nasceu em Arganil no dia 26 de maio de 1896. tuguês fosse, também, considerado língua prin-
Teve como pais Alexandre Freire de Castro e Vas- cipal. Pretendia, assim, aumentar a frequência
concelos, professor, e Camila de Campos Frias da disciplina de língua portuguesa naquela
e Brito. Sobrinha de Maria do Nascimento Vas- universidade, para posteriormente realizar cur-
concelos, prima de Beatriz da Piedade da Cos- sos de férias em Portugal e em França. Parale-
ta e Brito, professora primária na Escola do Paço lamente, conseguiu manter um curso de portu-
Grande, e de Sara da Costa e Brito. Irene de Vas- guês no Quartier Latin durante cinco anos. A par
concelos fez os estudos liceais em Coimbra, in- da profícua atividade cultural, a escritora de Ar-
gressando em 1915 na Faculdade de Letras da ganil não descurou a sua principal atividade aca-
Universidade de Lisboa, onde concluiu a li- démica, a realização do doutoramento, afinal, a
cenciatura em 1919, com elevada classificação. razão de ser da ida para Paris: defenderia com
No ano seguinte, seguiu para Paris a fim de fre- brilho, a 20 de junho de 1925, a tese sobre L’Ins-
quentar a Sorbonne (1920-1925). Seria naquela piration Dantesque dans l’Art Romantique
cidade que se distinguiria pela sua personalidade Français. A investigação tinha sido tão profun-
polifacetada: paralelamente à universidade, da, incluindo mesmo deslocação para aquele fim
muitas outras atividades preencheriam a sua a Itália, que o texto refletia um fundamentado tra-
vida, sendo de destacar a colaboração em pe- balho, distinguido com a nota máxima – très ho-
riódicos, nomeadamente nos principais jornais norable. Seria a primeira mulher portuguesa dou-
latino-americanos, espanhóis e portugueses. torada em Letras pela Sorbonne. Nesta altura, este
Por mérito próprio, ganharia uma posição de re- facto iria ter grandes repercussões no seu país
levo entre os intelectuais da colónia portuguesa de origem, tanto junto dos intelectuais como do
de Paris e no próprio meio universitário francês. próprio Estado, tanta que seria o próprio Presi-
A sua inteligência superior, aliada a um espíri- dente da República, Teixeira Gomes, a enviar-
to empreendedor, faria com que fosse mesmo -lhe um telegrama de felicitações, e Afonso Cos-
convidada para leitora de Cultura Portuguesa, ta a promover-lhe um jantar de homenagem em
sendo assistente do professor Le Gentil. Para- Paris. Outras iniciativas são de salientar a esse
lelamente, outras iniciativas seriam da sua au- propósito: o diretor da Agência de Propaganda
toria, sendo de destacar a vontade em abrir uma de Portugal em Paris promoveu um encontro ar-
Casa de Portugal, ligada à Universidade da tístico seguido de jantar; Alexandre de Almei-
Sorbonne, destinada à integração e acompa- da, industrial de hotelaria, ofereceu-lhe um al-
nhamento dos estudantes portugueses. Curio- moço de confraternização; e a imprensa portu-
samente, a ideia seria aceite com simpatia pela guesa e brasileira noticiou o evento com os maio-
parte francesa, tendo a reitoria da Sorbonne pro- res elogios. Irene de Vasconcelos decidiu con-
metido a cedência do espaço, sem correspon- tinuar em Paris, vindo a publicar Giotto et les
dente atitude pelos governos portugueses, que Figures Allégoriques des Vertus et des Vices de
se mostraram desinteressados. No entanto, tor- la Chapelle de l’Arena à Padoue (1925), resul-
nar-se-ia realidade a fundação de uma bibliote- tado da sua prossecução investigativa no domínio
ca luso-brasileira, destinada a apoiar os estudan- da arte. Na sequência do doutoramento seria con-
tes de língua portuguesa que fossem para Paris. vidada a proferir conferências em Portugal,
Para isso, muito serviu o contributo da imprensa Brasil, Paris, Havana, México, Bucareste. Mas a
de Lisboa e do Rio de Janeiro, que veicularam sua maior projeção viria da colaboração em pe-
tão generosa ideia, a reitoria da Universidade de riódicos. A atividade de jornalista profissional
Lisboa, os ministérios da Educação e Cultura, as revelar-se-ia tão brilhante como a vida académica
embaixadas dos respetivos países, as editoras e e iria ocupá-la, quase a tempo inteiro, até janeiro
os escritores. Todos se empenharam em consti- de 1933: foi correspondente do Diário de Lisboa,
tuir o espólio de língua portuguesa desta bi- em Paris e junto da Sociedade das Nações, da Na-
blioteca especializada da Sorbonne. Irene de Vas- tion (Madrid), de El Mundo (Havana), tendo co-
concelos tudo pretendia fazer para engrandecer laborado em muitos outros periódicos de forma
a projeção da língua portuguesa em Paris, à se- esporádica, como no Diário de Notícias, La Na-
melhança do que acontecia com o espanhol ou tion (Buenos Aires), L’Independence Roumaine,
o inglês. Nesse sentido, chamaria a atenção do Ahora e Excelsior (México). Nessa qualidade de
Governo português para que fizesse as diligên- jornalista entrevistou personalidades marcantes:
375 IRE

Benés, Presidente da Checoslováquia, Albert irresistível honra, em Paris, o nome de Portugal


Thomas, presidente do Bureau Internacional do do que esta senhora de tão frágil aparência, mas
Trabalho, Mota, Presidente da República Suíça, de espírito vivo e gentil que não receou acometer
Paul Boncour, Stresemann, Austin Chamberlain, a formatura em Letras na Sorbonne seguida de
Mussolini, Mauriac, Jules Romains, André Mau- doutoramento.” Irene de Vasconcelos encontrou
rois, Primo de Rivera, conde Apponyi (Hungria), em Paris o ambiente propício a desenvolver as
general Machado, Presidente da República de suas capacidades, sendo estimulada pelo am-
Cuba, Bratiano, primeiro-ministro da Roménia, biente intelectual e a atmosfera cultural, que lhe
Marinetti, Bottai, ministro das Corporações do
davam a inspiração necessária para pensar a arte
fascismo italiano, rainha Maria da Roménia, rei
e pensar o mundo em que vivia, abraçando a sua
Fuad do Egipto. Durante um período de agita-
ção em Espanha falou com os principais im- vocação de jornalista para os transmitir. Só em
pulsionadores do movimento republicano, Ma- Paris podia continuar. Até ao fim.
rañon, Osório y Gallardo, Fernando de los Rios, Da autora: “Portugal perante a Sociedade das Nações”,
Indalécio Prieto, Sanchez Guerra, conde de Diário de Lisboa, 27/08/1925; “A Alemanha na Sociedade
Romanones, Marcelino Domingo e Alcalá Za- das Nações”, Diário de Lisboa, 09/09/1926; “Portugal”,
mora. Escreveu centenas de artigos sobre diversos Diário de Lisboa, 23/09/1926; “O Programa do Conselho
da Sociedade das Nações”, Diário de Lisboa, 07/09/1927;
assuntos, sobretudo nos domínios das artes e
“Genebra”, Diário de Lisboa, 15/03/1927; “Portugal na
letras e política internacional, merecendo uma Sociedade das Nações”, Diário de Lisboa, 27/08/1927;
posição de relevo e chegando a preencher a pri- “Portugal na Sociedade das Nações”, Diário de Lisboa,
meira página dos jornais, como acontecia, fre- 08/09/1927; “A voz das pequenas potências”, Diário de
quentemente, no Diário de Lisboa. A intensa ati- Lisboa, 14/09/1927; “Em Genebra”, Diário de Lisboa,
vidade jornalística, entre 1923-1932, revelava pro- 10/09/1928; “Carta de Genebra”, Diário de Lisboa,
funda atenção aos acontecimentos na Europa 11/09/1928; “Genebra”, Diário de Lisboa, 17/09/1928;
e no mundo, que comentava com uma grande “A ideia da criação dos Estados Unidos da Europa”, Diá-
rio de Lisboa, 26/09/1928; “Os Estados Unidos da Europa
profundidade de análise e capacidade de síntese. e o último discurso de Briand pronunciado na SDN”, Diá-
Mostrava muito interesse pelas grandes causas rio de Lisboa, 10/09/1929.
que se discutiam na época, como acontecia com Bib.: Amândio Galvão, “Irene de Vasconcelos”, A Co-
a afirmação e a defesa dos direitos da mulher. Fi- marca de Arganil, n.o 10570, 10/05/1997, pp.1-2; Amé-
cariam célebres as suas “Cartas de Paris”, pu- rico Lopes de Oliveira, “Irene de Vasconcelos”, Dicionário
blicadas com regularidade no Diário de Lisboa de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Irmãos Editores,
e dedicadas a assuntos de política internacional, 1981; Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira, “Ire-
ne de Vasconcelos”, Volume XXXIV, Lisboa, Editorial En-
muito particularmente sobre assuntos euro- ciclopédia, Lda., s.a.; João Alves das Neves, “Escritores
peus, tema na moda à época. São de salientar as arganilenses”, Arganilia – Revista cultural, n.o 1, setembro,
crónicas sobre a Sociedade das Nações, escritas 1992, pp. 123 e 128.
por alguém que assistiu às conferências inter- [I. B.]
nacionais promovidas por esta organização em
Londres, Haia, Madrid, Colónia (1923-1932). Irene Gouveia
A faceta europeísta fica bem comprovada pela Atriz. Em 1915, integrada na companhia do
leitura das suas páginas no Diário de Notícias e, Eden-Teatro de Lisboa, foi ao Teatro Sá da Ban-
sobretudo, no Diário de Lisboa. A ideia de Es- deira, do Porto, cantar na opereta italiana Amor
tados Unidos da Europa parecia agradar à pró- de Máscara, de Carlos Zangarini, tradução de
pria Irene de Vasconcelos que, aproveitando a
Acácio Antunes.
colaboração na imprensa, a transmitia com en-
tusiasmo. Foi agraciada com os graus de Méri- Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 13/03/1956,
to Civil de Espanha e Bene Merenti de primei- p. 7.
ra classe da Roménia. Eram justas as palavras de [I. S. A.]
Joaquim Manso em 1923, então diretor do Diá-
rio de Lisboa, quando visitou Irene de Vascon- Irmã Lúcia
celos no hotel Boulevard Raspail, onde aquela v. Lúcia de Jesus dos Santos
residia, e escreveu no jornal um artigo com o tí-
tulo “Irene de Vasconcelos”, onde dizia: “Nin- Isabel Berardi
guém com mais dedicação nem com graça mais v. Maria Isabel de Oliveira Berardi
ISA 376

Isabel de Oliveira por Freitas Branco e Melo Barreto, música


v. Maria Isabel da Costa Oliveira coordenada por Tomás Del Negro, no Teatro da
Trindade.
Isabel Leite Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 13/02/1956,
Nasceu no Porto em 24 de novembro de 1862. Vi- p. 6.
veu em Portugal, mas no fim do século XIX par- [I. S. A.]
tiu para a Argentina onde se suicidou, não se sa-
bendo a data exata. Irmã do historiador, políti- Isabel Pimentel
co e diplomata Duarte Leite (1864-1959). Muito v. Maria Isabel Cortez Pinto Pimentel
culta, foi colaboradora na imprensa portuguesa,
onde se destacou como a mulher que escreveu Isabel Rogali
o maior número de artigos para a Revista de Por- Atriz. Foi primeira bailarina do Teatro da Rua dos
tugal (1889-1892), fundada e dirigida por Eça de Condes, em 1830. Transitou para o Teatro do Sa-
Queirós. Há poucas e escassas alusões a essa mu- litre, onde fez carreira e, em 1840, era “primei-
lher que muitos julgam ser um pseudónimo. De ra-dama”. Do seu repertório, lembramos os
facto, Isabel Leite pertencia ao círculo de amigas dramas A Duquesa de Bragança, em 2 atos (be-
da esposa de Eça de Queirós. Afinal, é o escritor, nefício, a 17/12/1843), ao lado da filha Judite Ro-
numa carta dirigida à sua mulher, em 14/06/1890, gali*, com apenas 11 anos, Duqueza de Barbant
que faz uma referência direta a Isabel Leite e onde (1843), Eulália Portois, em 5 atos e 1 prólogo, de
fica claro que o próprio Eça de Queirós, como di- Frédéric Soulié, Zacarias, em 5 atos, La Corco-
retor da revista, reescreveu o primeiro artigo que vienne, de Mabilli, e a farsa O Cabo de Esqua-
Isabel Leite publicou na Revista de Portugal. dra (1844), imitação de Neto.
É referida no jornal Gazeta de Notícias, do Rio Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu-
de Janeiro (10/12/1917), como benfeitora da Be- guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 193; O
neficência Portuguesa. Desenjoativo Teatral, Lisboa, n.o 2, 1838; Revista Teatral,
Lisboa, n.o 1, 1840; Espelho do Palco, 1842; Revista Tea-
Da autora: “Um romancista da Califórnia”, Revista de Por- tral, Lisboa, 1843; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
tugal, Volume II, Porto, Editores Lugan & Lioux, 1890, 12/03/1956, p. 5.
pp. 478-496; “O jornal de uma princesa russa”, Revista [I. S. A.]
de Portugal, Volume III, Porto, Editores Lugan & Lioux,
1890, pp. 538-549 e 658-671; “Uma lição histórica”, Re- Isabel Taínha
vista de Portugal, Volume III, Porto, Editores Lugan &
Lioux, 1890, pp. 121-152; “Poesias de H. Heine”, Revista v. Maria Isabel da Costa Oliveira
de Portugal, Volume IV, Porto, Editores Lugan & Lioux,
1892, pp. 224-232. Isaura Ferreira
Bib.: A. Campos Matos, “Leite, Isabel”, Suplemento do Atriz. Nasceu em Aveiro, a 10 de outubro de
Dicionário de Eça de Queirós, 2000; Adriana Mello Gui- 1864. Estreou-se no Teatro da Trindade a 24 de
marães, “Notas sobre a presença feminina na Revista de
Portugal” (no prelo), Revista Aprender, Escola Superior janeiro de 1886, na opereta em 1 ato Os Três Dra-
de Educação de Portalegre, n.o 33; Américo Lopes de Oli- gões, e entrou na mágica O Bico do Papagaio
veira, Dicionário de Mulheres Célebres, 1981. (1901), original do escritor brasileiro Abdon Mi-
[A. M.] lanês, adaptada à cena por Eduardo Garrido. Es-
teve no Teatro Trindade durante oito anos. Na
Isabel Maria da Conceição Joana Gualberta Ana época 1903-1904, pertencia à Empresa Eduardo
Francisca de Assis Xavier de Paula d’Alcântara Portulez, então no Teatro da Avenida, onde en-
Antónia Rafaela Micaela Gabriela Joaquina trou em Vivinha a Saltar, revista em 3 atos e 12
Gonzaga de Bragança e Borbón quadros de Câmara Lima, versos de Melo Bar-
v. Infanta D. Isabel Maria reto, música de Luís Figueiras e Del Negro. Foi
muito feliz nos papéis de “Custódia” do Brasi-
Isabel Marques leiro Pancrácio, peça de costumes em 3 atos de
Atriz. Estava entre as atrizes que estrearam o Sá de Albergaria, música de Freitas Gazul, e “cria-
novo Teatro da Rua dos Condes, a 23 de de- da” de Os Trinta Botões, comédia que satiriza-
zembro de 1888. Neste teatro, fez o papel de va os “ratinhos”, alcunha por que eram conhe-
“1.a cantineira”, em O Gafanhoto (1897), e en- cidos os trabalhadores que vinham de Rates.
trou em O Homem das Mangas (1901), vaude- Abandonou o teatro em 1894, reaparecendo mui-
ville de Oscar Blumental, tradução do alemão to mais tarde nos palcos do Trindade, Avenida,
377 ISA

Rua dos Condes, D. Amélia e no Porto, provín- drigues, música de T. Del Negro, Hugo Vidal e
cias e Brasil, com bastante êxito. Fez o papel de Raul Portela. Entrou, também, nas peças Co-
“viscondessa de Belide” em O Azebre (1909), bardia e A Garra.
peça em 3 atos de Henrique Lopes de Mendon- Bib.: Luiz Francisco Rebello, História do Teatro de Revista
ça, no Teatro do Príncipe Real, e entrou em Agu- em Portugal, 2. Da República até hoje, Lisboa, Publica-
lha em Palheiro (1911), revista em 8 atos e 14 ções D. Quixote, 1985, pp. 289-295; “Galeria de arte”, Mun-
quadros, ambas de Ernesto Rodrigues, Félix Ber- do Teatral, Lisboa, n.o 1, 1-15 de maio, 1922, p. 2.
mudes e Marçal Vaz (Lino Ferreira), música de [I. S. A.]
Frederico Duarte e Carlos Calderón, no Teatro
Apolo. Era uma atriz de muita utilidade, subs- Isménia dos Santos
tituindo colegas quando faltavam. Dedicou-se ao Atriz. Nasceu em S. Salvador da Baía, Brasil, a
tipo de “características”, que representava com 21 de novembro de 1850 [Eduardo Victorino in-
geral agrado. dica o ano de 1840], filha de Francisco de As-
sis Brandão e de Augusta Perpétua Sunega, por-
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 282;
tugueses. Frequentou um colégio daquela cida-
Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, de onde, aos dez anos, representou a protagonista
Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 473; do drama Stella, de Eugène Scribe, com grande
Vítor Pavão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma his- êxito. O célebre ator brasileiro João Caetano as-
tória breve do teatro de revista, Lisboa, Edições “O Jor- sistiu ao espetáculo e incentivou-a a enveredar
nal”, 1978; O Recreio, Lisboa, 26/02/1886; “Teatros – Foi
neste dia...”, O Século, 16/03/1956, p. 4. pela carreira teatral. A família não a apoiou e
[I. S. A.] opôs-se a que frequentasse teatros públicos. Ca-
sou muito nova e convenceu o marido a mudar-
Isaura Pena -se para o Rio de Janeiro e a deixar que se es-
Espírita. Membro do grupo editorial da revista criturasse num teatro. Tinha, então, 25 anos. Era
O Futuro*, periódico que divulgava o espiritis- formosa, elegante, graciosa de olhos escuros, sim-
mo filosófico, científico e experimental, fundado pática e insinuante. Assim, em 1865, estreava-
em 1921 e que substituiu A ASA*, órgão do Gru- -se no Ginásio do Rio de Janeiro, na comédia em
po Espiritualista Luz e Amor*. 3 atos Não É com Essas!, traduzida por José Car-
Bib.: O Futuro, n.o 31, março, 1925, p. 74. los dos Santos. Pertenceu à Companhia de Fur-
[N. M.] tado Coelho, então empresário naquele país, com
quem teve uma ligação amorosa que provocou
Isaura Rocha alguns escândalos. O sucesso permitiu-lhe que
Atriz. Iniciou a carreira artística a 3 de março de dali a seis meses se elevasse a 1.a atriz da com-
1917, no Eden Teatro, em O Novo Mundo, revista panhia e foi muito festejada em todas as peças,
em 2 atos de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes entre as quais Heloisa Paranquet, Filha do La-
e João Bastos, música de Alves Coelho e Ven- vrador, Pastora d’Ivry, Justiça, O Ator, Demónio
ceslau Pinto. Foi contratada, por três vezes, para Familiar, Barbeiro de Sevilha, Solteirões, Suplício
o Teatro Apolo, na gerência do empresário Au- de Uma Mulher, drama em 3 atos de Girardin,
gusto Gomes, e fez parte da Companhia Alves da na tradução de César de Lacerda; os dramas em
Cunha no Teatro do Ginásio. Do seu repertório, 5 atos Doida de Montmayour, tradução livre de
no teatro de revista, lembramos: Dominó!, de Pe- Guilherme Celestino da peça de Anicet Bourgeois
reira Coelho e Alberto Barbosa, música de T. Del e Michel Masson, Marie Rose, um dos seus me-
Negro e Carlos Calderón; O Papagaio Real, de lhores papéis, A Morgadinha de Valflor, de Pi-
Henrique Galvão, Jorge Grave e Flávio dos San- nheiro Chagas, Pedro, de Mendes Leal, Dalila,
tos, música de Luz Júnior; Ás de Ouros, de Al- de Octave Feuillet, imitação de António Serpa
berto Barbosa e José Moreno, música de T. Del Pimentel, A Mártir, de Adolph d’Ennery, tra-
Negro, Luz Júnior e Venceslau Pinto; A Revol- dução de Guiomar Torrezão,Duas Órfãs, do mes-
ta, de Alberto Barbosa, Pereira Coelho e Gusta- mo autor, tradução de Ernesto Biester, Dama das
vo de Matos Sequeira, música de T. Del Negro, Camélias, de Alexandre Dumas, filho, tradução
Vasco de Macedo e Carlos Calderón; Trolaró de Sousa Lobo; as comédias Íntimo, em 4 atos,
(1921), de Ascenção Barbosa e Abreu e Sousa, de Eduardo Schwalbach, Família Benoîton, em
música de A. Coelho; e Tiro ao Alvo, de Luís Ga- 5 atos, de Victorien Sardou, tradução de Ernes-
lhardo, Xavier de Magalhães e Lourenço Ro- to Biester, Divorciemo-nos, do mesmo autor, tra-
IVO 378

dução de Pinheiro Chagas; Madalena, tradução Lyon de Castro (24/10/1914-11/04/2004). A


de Ferreira, Anjo da Meia Noite, drama fantás- partir desse ano deixou de viver com os pais, su-
tico em 6 atos, e Redenção, peças também tra- jeitos às regras da clandestinidade, embora
duzidas por Ernesto Biester; João José, drama em mantivesse contactos esporádicos com eles,
4 atos, de Joaquim Dicenta, tradução de João So- passou pela Figueira da Foz e, quando aqueles
ler; Diabos Negros; Madona das Rosas; Maria Joa- foram presos, em dezembro de 1949, regressou
na ou Uma Mulher do Povo; A Judia, de Halé- a Lisboa. A consciência política manifestou-se,
vy e Scribe; Filho de Corália; Nana, drama ori- pela força das circunstâncias, muito cedo, ten-
ginal de Émile Zola; Ferrol; criou Princesa de do-se, ainda miúda, sentado “sobre um Avante
Bagdad, de Alexandre Dumas, filho, Estátua de que estava em cima do divã para o esconder de
Carne, Frou-Frou, comédia de Meilhac e Halé- uma vizinha que entrou inesperadamente. Os
vy, Condessa Romani, entre outras. Foi-lhe pais não tinham reparado e insistiam para a fi-
conferido o título de primeira atriz brasileira pelo lha se levantar e beijar a vizinha, mas a meni-
êxito obtido em Soror Teresa, que representou na de cinco anos não se moveu...” [Sofia Ferreira];
em seu benefício a conselho de Adelaide Ristori, e, em 1946, fez de “filha” da “criada” durante
que a aplaudiu entusiasticamente. Foi empresária o IV Congresso do Partido Comunista, “sempre
do Teatro de Variedades, depois Teatro S. José, a cirandar no jardim da vivenda onde se reali-
no Brasil, e contratou alguns atores portugueses zou, para poder avisar lá para dentro de algum
para a sua companhia, entre eles António Pi- movimento anormal no exterior” [Ivone Dias
nheiro (1867-1943). Montou mágicas cuja sump- Lourenço, “Ora viva, Liberdade”]. Iniciou a ati-
tuosidade foi objeto de notícia e polémica, en- vidade política no MUD-Juvenil pela mão de Do-
tre elas Frei Satanás, O Inferno, de Dante e O Dia- mingos Abrantes, com apenas 15 anos, tornou-
bo Coxo, as operetas Mimi Bolontra, adaptação -se militante do PCP pouco depois, em 1953, e
de Moreira Sampaio, que esteve em cartaz du- passou à clandestinidade em 1955, “após um rá-
rante meses, e Moema, de Assis Pacheco, a úl- pido contacto com o seu pai, entretanto evadi-
tima criação da atriz. Em Lisboa, representou no do da prisão do Forte de Peniche” [Por Teu Li-
Teatro do Ginásio, na Companhia de Furtado vre Pensamento, p. 134]. A missão inicial con-
Coelho. Em 1884, deslocou-se a Portugal, por mo- sistiu em apoiar casas clandestinas que serviam,
tivos de saúde. Criou e educou, como seu filho, segundo a própria, “primeiro para apoio e co-
o ator Armando Duval, pai de outra atriz de nome bertura de um funcionário ativo (um homem, no
Isménia Santos. caso) e depois para reuniões de direção do sec-
Bib.: António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria tor”, dedicando-se “à recolha de materiais e à pro-
Bordalo Editora, 1912, p. 55; Eduardo Victorino, Actores dução de documentos em copiógrafo” [Por Teu
e Atrizes, Rio de Janeiro, Oficinas de Obras Gráficas da Livre Pensamento, p. 134], nomeadamente A Voz
S. A. “A Noite”, 1937, pp. 22-30; Gervásio Lobato, “A Atriz
Isménia”, O Ocidente, Vol. VII, n.o 199, 01/07/1884, p. 149.
das Camaradas das Casas do Partido. Depois de
[I. S. A.] ter trabalhado numa casa localizada em Lisboa,
passou para outra no Pinhal Novo, cujo cama-
Ivone Conceição Dias Lourenço rada da casa era Rolando Verdial (n. 22/05/1924),
Filha de António Dias Lourenço da Silva onde foi presa em 23 de novembro de 1957, com
(23/03/1915-07/08/2010) e de Casimira da Con- 20 anos de idade, e enviada para Caxias. Depois
ceição Silva* (08/09/1917-05/01/2009), funcio- de sujeita a um período de seis meses de isola-
nários clandestinos do Partido Comunista Por- mento e a sessões de interrogatórios de dois a três
tuguês, irmã de Lígia Lourenço e afilhada de Al- dias de duração, passou para uma cela coletiva,
ves Redol (1911-1969), que lhe deu o nome, nas- onde conviveu com Aida Magro*, Aida Paulo*,
ceu a 3 de abril de 1937, em Vila Franca de Xira, Alda Nogueira, Cândida Ventura*, Fernanda de
e morreu no dia 24 de janeiro de 2008, com 70 Paiva Tomás*, Julieta Gandra*, Maria Ângela Vi-
anos de idade, vítima de cancro do pulmão. Em dal e Campos*, Maria da Piedade Gomes dos San-
resultado do ambiente em que vivia, “conheceu tos, Maria Eugénia Varela Gomes, Maria Luísa
vários lares durante a sua infância e foi entregue Costa Dias* e as irmãs Georgette e Sofia Ferrei-
aos cuidados de amigos da família para benefi- ra*, mulheres com muita experiência de luta e,
ciar de direitos tão elementares como a educa- algumas, com peso na direção e militância co-
ção” [Por Teu Livre Pensamento, p. 133], tendo, munistas. Juntamente com algumas delas, foi au-
aos sete anos, ido viver com o editor Francisco tora de uma das 13 cartas incluídas no manifesto
379 IVO

enviado clandestinamente da Prisão de Caxias, de miopia ou se o que tem é astigmatismo? Para


datado de maio de 1961, e dirigido às “organi- quê investigar uma doença de garganta se não é
zações femininas e democráticas do mundo in- caso de morte? Emagrece de mês para mês. Mas
teiro”, onde se fazia a denúncia das torturas e das que importa? Ainda não está à morte. A cami-
condições em que as mulheres antifascistas es- sola tricotada para o meu irmão não pode sair
tavam presas. Reveladas pelo jornal Público em daqui: é proibido. E uma história para crianças,
20 e 21 de novembro de 2004, São José Almei- feita por uma companheira sobre um voo com
da transcreve, entre outros, o testemunho tocante rumo às estrelas, também é proibido. É proibi-
de Ivone Dias Lourenço, que desde a meninice do dizer numa carta para a família que a espe-
teve de lidar com a PIDE: “Estou presa há três rança de voltar para junto dela é uma constan-
anos e meio, mas foi sob o temor da prisão que te. É proibido dizer-lhes que um nosso compa-
aprendi, de pequena, a amar meus pais. Perse- nheiro está doente e não é tratado, foi espanca-
guidos políticos, a vida de sacrifícios, sobressaltos do ou está a pão e água no ‘segredo’. É proibi-
e fugas a que foram forçados, bem cedo nos rou- do dizer que a razão foi só ter escrito sobre um
baram o convívio uns dos outros. / A infância prato o nome próprio. Não vale a pena esperar
foi sem pais – foi incompleta. Depois, tinha eu pelo Natal e Ano Novo para abraçar a família:
então 12 anos, ambos foram presos. No princí- mesmo uma vez por ano, é proibido abraçá-la.
pio foi a desorientação por não os ter, e um qua- / Foi proibido dizer que é injusta a proibição e
se instintivo receio pelo que lhes pudesse acon- queremos que a levantem: deu dois meses sem
tecer. Era grande o amor e grande a dor; vaga a visitas – pune-se a cadeia inteira porque, enfim,
ideia da razão por que assim era. / Mas foi pre- tem coração. É proibido tentar saber quem foi pre-
ciso querer saber tanta coisa e ter de deixar a es- so. No carro celular que passou no pátio há pou-
cola; querer trabalhar e não encontrar emprego; co, pode ter vindo o meu pai, outros pais, outros
querer comer e não ter o quê. [...] A razão dos pais irmãos ou maridos – tantos deles perseguidos,
presos ficou clara. E passei a amá-los mais. [...] perseguidos, perseguidos, só por serem portu-
tenho 24 anos. O resto: o noivado interrompido. gueses. Se aqui estão presos também, jamais po-
O meu noivo... vê-lo não, escrever não: é proi- dem lobrigar-se: é proibido. É proibido cantar,
bido. Os amigos, estejam perto ou estejam lon- é proibido rir alto. Proibido trabalhar. Preso po-
ge, nem sequer podem nomear-se: é proibido. / lítico: é proibido viver. / Não aceito! Nem que
Ver a mãe por entre vidros e grades, a metro e morra na prisão.” [São José Almeida, “Cartas ma-
meio de distância, sorrir sempre e não falar do nifesto de mulheres na Prisão de Caxias – I/Ivo-
dinheiro de que precisa, dos carinhos que lhe fal- ne Dias Lourenço”, Público, 20/11/2004, p.
tam e a mim também, das saudades e da im- 13]. Segundo Ivone Dias Lourenço, em teste-
portância que apertam o coração. ‘Tudo bem’. munho de 2004 àquela jornalista, o objetivo das
‘Não custa nada’. Porque ela ficaria triste, e há cartas, “manuscritas em mortalhas com a letra
o guarda entre nós a cada sílaba pronunciada. O miudinha”, era “o de serem lidas numa reunião
meu irmão pequenino [nascido em 1949, da internacional em Paris” [idem, ibidem, p. 12].
união de Casimira da Conceição Silva com Permaneceu seis anos e nove meses na Prisão de
José Augusto da Silva Martins, passou os dois Caxias, embora o julgamento só se tenha reali-
primeiros anos em Caxias, onde a mãe se en- zado a 17 de dezembro de 1960, pelo Plenário
contrava presa e teria então 11 anos] cresce, cres- do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, mais
ce, está mais alto do que eu. Não sei se um pal- de três anos após ser detida: condenada a dois
mo se meio: a distância não permite medições. anos de prisão maior, suspensão dos direitos po-
[...] / Em verdade, a mim não custa, podeis crer. líticos por 15 anos e sujeita a medida de segu-
Mas a mãe que triste veio porque há dias, no- rança de internamento, indeterminado, de 6 me-
vamente, não deixaram que entregasse dúzia e ses a 3 anos, prorrogável, foi-lhe concedida a
meia de laranjas. ‘Uma dúzia, nem mais uma’, liberdade condicional a 27 de maio de 1964 e sol-
é tudo o que basta a um preso político. A revista ta em 8 de junho, dia em que a fotografaram no-
de modas e uns poemas de amor também não po- vamente, convictos que voltaria à luta. Recusou
dem entrar. Vêm os óculos, o segundo par de ócu- inicialmente repetir a clandestinidade, por con-
los sucessivamente comprados por receita do mé- siderar que “devia viver e conhecer gentes di-
dico da cadeia. Nenhum serve. ‘É só presa, esta ferentes. Trabalhar com o partido, sim, mas no
mulher’: para quê perder tempo a saber se sofre conforto da casa da mãe e com os amigos à mão”
ISO 380

[Por Teu Livre Pensamento, p. 136], e obrou na pp. 224-226; João Pina e Rui Daniel Galiza, “Ivone Dias
área do cinema. No entanto, sujeita a apertada Lourenço – Clandestinidade, um “negócio” de família”,
Por Teu Livre Pensamento – Histórias de 25 Ex-Presos Po-
vigilância pela PIDE, reingressou, três meses de- líticos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, pp. 133-136; Ma-
pois, por ação de Rogério Carvalho, na clan- ria Manuela Cruzeiro, Maria Eugénia Varela Gomes – Con-
destinidade: tinha 27 anos. Colaborou no apa- tra ventos e marés, Porto, Campo das Letras, 2003; São
relho técnico do VI Congresso, realizado em se- José Almeida, “Cartas manifesto de mulheres na Prisão
tembro de 1965, em Kiev, saindo e entrando de de Caxias – I”, Público, 20/11/2004, pp. 12-13; Sofia Fer-
reira, “O PCP e o papel das mulheres na luta clandesti-
forma ilegal do país e, talvez por isso, em 4 de na”, O Militante, n.o 254, setembro-outubro de 2001; “Na
outubro desse ano “foi-lhe revogada a liberda- despedida a Ivone Dias Lourenço – Um emotivo adeus”,
de condicional, para regressar à situação em que Avante!, n.o 1783, 31/01/2008, p. 8.
se encontrava quando lhe foi concedida” [Pre- [J. E.]
sos Políticos no Regime Fascista VI – 1952-1960,
p. 226], emitiram-se mandados de captura e que- Isolina Coelho da Silva
brada a caução prestada pelo fiador, Dr. Armando Espírita. Em 1929, pertencia aos corpos sociais
Bacelar (25/09/1919-1998). Desenvolveu tarefas do Centro Espírita Luz e Verdade de Matosinhos,
de organização ligadas à juventude: primeiro no desempenhando as funções de tesoureira.
Porto, em sectores operários; depois em Lisboa, Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p. 5.
onde viveu em casa da família do funcionário [N. M.]
clandestino José Carlos Almeida, preso, no
Porto, no dia 21 de abril de 1974; e finalmente Ivone Silva
no Norte, encontrando-se, aquando da revolu- v. Maria Ivone Silva Nunes
ção, numa aldeia piscatória do concelho de Ma-
tosinhos. Membro do Comité Local do Porto, só
voltou à vida legal em maio, reencontrando o pai,
“que não via desde os tempos que precederam
a sua fuga de Peniche” [Por Teu Livre Pensa-
mento, p. 136]. Tornou-se, desde setembro des-
se ano, jornalista do jornal Avante!, órgão oficial
do Partido Comunista, onde exerceu as funções
de secretária da redação até se reformar, em 2003,
e colaborou na organização da Festa do Avante!
Sócia número 422 do Sindicato dos Jornalistas,
pertenceu à União dos Resistentes Antifascistas
Portugueses (URAP). Apesar dos quase 55 anos
de militância partidária e de ser funcionária do
PCP desde os 18 anos, nunca exerceu cargos po-
líticos. O corpo foi cremado a 25 de janeiro de
2008, no Cemitério do Alto de São João, após in-
tervenção de Domingos Abrantes. Com os qua-
se sete anos de prisão, foi uma das mulheres que
mais anos passou nas cadeias salazaristas – ao
que parece, tempo “insuficiente” para a Comissão
de Avaliação da Atribuição da Pensão de Méri-
to pela contribuição para a implantação da de-
mocracia lha atribuir, pois nada “de relevante fi-
zera pela democracia” [Domingos Abrantes].
A vida de Ivone Dias Lourenço é uma das 25 his-
tórias de ex-presos políticos portugueses inse-
rida por Rui Daniel Galiza (texto) e João Pina (fo-
tografia) na obra Por Teu Livre Pensamento.
Da autora: “Ora viva, Liberdade”, Avante!, n.o 1375,
06/04/2000.
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista,
Presos Políticos no Regime Fascista VI – 1952-1960, 1988,
J
Jane Bensaúde fender as possessões em África e “cuja família
v. Jeanne Eleonore Oulman Bensaúde seja necessitada e não lhe possa valer”. Solici-
tavam que lhes enviassem jornais, tabaco e es-
Jeanne Eleonore Oulman Bensaúde tabelecessem pontes de afeto com a família. Jean-
Pedagoga. Nasceu em 1862 no Chateau Madrid, ne Bensaúde foi destacada ativista no movi-
Bois de Bologne, Paris, e faleceu em Ponta Del- mento, abrindo a porta de sua casa, na Rua de
gada, ilha de S. Miguel, a 1 de maio de 1938. Era S. Caetano à Lapa, a quantos a procuravam, aju-
filha de Émile Oulman (1812-1875) e de Simo- dando monetariamente, ocupando-se dos casa-
nette Cohen (1824-1888). Em Paris, conheceu Al- mentos civis para regularizar a situação familiar
fredo Bensaúde (1856-1941), irmão de Ester Ben- de muitos soldados. Logo nos primeiros meses,
saúde Oulman, sua cunhada, descendente de o movimento viabilizou 1750 madrinhas de guer-
uma família judaica oriunda de Marrocos e ins- ra e os pedidos continuavam às centenas. No âm-
talada nos Açores desde 1825, onde conseguiu bito desta iniciativa, colaborou na organização
avultada fortuna. A conselho de Antero de e distribuição de bibliotecas que se destinavam
Quental, amigo da família Bensaúde, Alfredo e às expedições em Moçambique e França. O ca-
os irmãos foram estudar para a Alemanha. Al- sal Bensaúde era amigo de António Sérgio, que
fredo doutorou-se em Ciências Geológicas pela decerto a apoiou quando resolveu dedicar-se à
Universidade de Goettingen, em 1881, e foi, des- pedagogia infantil. A ela se deve o Método Si-
de 1884, professor das cadeiras de Mineralogia multâneo de Leitura e Escrita, forma inovado-
e de Geologia do Instituto Industrial e Comercial ra, entre nós, que tinha por objetivo levar a crian-
de Lisboa. Depois da implantação da Repúbli- ça a aprender a ler e escrever num tempo mui-
ca, foi incumbido de reorganizar os Estudos de to inferior ao necessário para conseguir o mes-
Engenharia do Instituto Superior Técnico, cria- mo resultado pelos processos então usuais.
do a 23 de maio de 1911 por decreto do Gover- Para o professor, O Método fornecia “Explica-
no Provisório da República e por iniciativa de ções” dos “Quadros Parietais” que consistiam em
Brito Camacho (1862-1934), então ministro do cartões com alfabeto, ditongos, etc., a partir dos
Fomento, tornando-se também o primeiro dire- quais o aluno aprendia a ler e escrever. O livro
tor daquela instituição. O pai de Jeanne tinha o de leitura só era usado quando a criança já do-
exclusivo da representação de xailes de Caxemira minava a leitura e a escrita. Seguiram-se quatro
para a Europa, negócio que lhe proporcionou Livros de Leitura, um para cada classe do ensi-
uma considerável fortuna. A mãe era neta de Phi- no primário e, tal como o método, adotados para
lippe Abraham Cohen, médico do duque de Hess, o ensino primário oficial. O conteúdo dos livros,
muito considerado na comunidade judaica por adaptado ao nível a que se destinava, privilegiava
ter conseguido a abertura do gueto de Hambur- contos populares, fábulas, poesias e textos de au-
go, quando a riqueza e a cultura ajudavam a for- tores (António Sérgio, Antero de Quental, An-
çar as portas. Jeanne cresceu numa família tónio Correia de Oliveira, João de Deus, Tomás
rica, influente e conviveu com destacados vul- Ribeiro, Henrique Galvão, Eça de Queiroz, Ale-
tos da cultura de Paris. Ainda em França, pu- xandre Herculano, Curvo Semedo, Henrique
blicou Gentil Mignon e Les Vint Huit-Jours de Su- O’Neill, entre outros), traduções de Esopo e de
sanne, obra premiada e entregue como prémio literatura juvenil. Quando o marido regressou a
na Bélgica. Em Portugal, começou por se destacar Ponta Delgada para dirigir os negócios da família,
pela ação no movimento denominado Madrinhas ali se instalou, continuando a interessar-se pela
de Guerra*, fundado em março de 1917 e orga- pedagogia: organizou e dirigiu a secção “Correio
nizado por uma comissão de senhoras, entre elas Infantil” do jornal Correio dos Açores e, ao mes-
a marquesa de Castelo Melhor e Sofia de Melo mo tempo, ensinava a ler e a escrever crianças
Breyner*, amiga de Jeanne que a teria incluído e adultos que reunia em sua casa. Conhecida pela
no grupo. O movimento tinha por fim angariar bondade e ajuda aos pobres, em especial às ope-
pessoas para se corresponderem com os solda- rárias da Fábrica de Tabaco Micaelense, pro-
dos que estavam na guerra em França ou a de- priedade dos Bensaúde, que sempre encontra-
JES 382

ram nela o apoio que procuravam. Teve dois fi- las províncias dirigida pelo ator e dramaturgo Jú-
lhos, Mathilde Simon Rachel Bensaúde* (1890- lio Vieira. Numa época de verão foi ao Teatro do
-1969), cientista, e José Emílio Alberto Ben- Príncipe Real representar A Morgadinha do
saúde*, que teve particular ação no desenvol- Vale Pereiro, paródia em 5 atos, em verso, ao dra-
vimento da ilha de S. Miguel. Faleceu em casa ma A Morgadinha de Valflor, de Pinheiro Cha-
e o corpo foi depositado no Cemitério Israelita gas, mostrando aptidões para a cena. Em 1884,
do Bairro de Santa Clara de Ponta Delgada. estava no Teatro do Ginásio, onde fez uma festa
Da autora: Gentil Mignon, Paris, Charles Delagreve; Les artística em travesti com O Filho de Carolina, co-
Vint-Huit Jours de Susanne [ill. par G. Fraipant], Paris, média em 3 atos de Schwalbach, e a estreia da
Maison Quantin; As Desgraças de Uma Família Persa [il. comédia, em 3 atos, O Gancho (1885), tradução
de Mily Possóz], 1910; As Bonecas [contos], Lisboa, Lu- de Eduardo Garrido. Ali se demorou até 1886,
sitana Editora [1923]; O Que Canta o Passarinho [e ou- data em que apareceu na comédia em 2 atos Um
tras histórias, em colaboração com Agostinho de Cam-
pos], Paris/Lisboa, Aillaud e Bertrand, 1926; Método Si- Marido para duas Mulheres, de Carlos Borges.
multâneo de Escrita e Leitura, Lisboa, Oficina Gráfica, Nos anos de 1886 e 1887, integrou os elencos do
Lda., [1928]; Explicações do Método Simultâneo de Lei- Grupo Dramático Tasso, Clube Dramático Pri-
tura e Escrita; Quadros Parietais; Cadernos de Escrita. meiro de Junho [à Graça], Clube Comercial Re-
O Meu Primeiro Livro [il. de Raúl Bensaúde], Lisboa, Ofi-
cina Gráfica, s.a. [192-]; O Meu Terceiro Livro [il. por
creativo, Grupo Dramático Taborda, Sociedade
R. Bensaúde e M. Roque Gameiro], Lisboa, Empresa Na- Dramática da Calçada do Monturo do Colégio, So-
cional de Publicidade, 1933; O Meu Quarto Livro, 1932 ciedade Polla, Academia Recreativa Familiar, que
[adotado oficialmente por 4 anos para a 4.a classe das Es- representavam em salas próprias, em teatros par-
colas Primárias, organizado por Jane Bensaúde, revisto ticulares (Garrett e Taborda), nalguns teatros na-
por Agostinho de Campos, il. por Raúl Bensaúde], Lis-
boa, Empresa Nacional de Publicidade, 1932. cionais e em digressões pela província. No tea-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- tro particular, entrou nas comédias: Viúva, em
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 137; 2 atos, Ouros, Copas, Espadas e Paus (1886), em
José Maria Abecassis, Genealogia Hebraica, Portugal e 3 atos, Os Crimes do Brandão, em 1 ato, imita-
Gibraltar, Sécs. XVII a XX, Vol. II, Lisboa, Livraria Fe- ção de Luís Quirino Chaves, As Cerejas, tradu-
rin, 1990-1991, p. 204; Grande Enciclopédia Portugue-
sa e Brasileira, Vol. IV, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial ção de Pedro Cabral, Que Trapalhada, Dois Es-
Enciclopédia, p. 536; “Mulheres de Portugal – A obra das tudantes no Prego (1886), gargalhada em 1 ato,
madrinhas de guerra”, A Opinião, 21/06/1917, p. 1; “In imitação de Domingos Fernandes, Mosquitos por
Memoriam – Madame Bensaúde”, Correio dos Açores, Cordas e Casar por Anúncio (1886), As Pragas
Ponta Delgada, 04/01/1938, p. 28; Instituto Superior Téc- do Capitão (1887), Roca de Hércules (1886), de
nico 1911-1986: Comemoração dos 75 anos, Lisboa, Uni-
versidade Técnica de Lisboa, Oficinas Gráficas da Rádio Pinheiro Chagas, Os Filhos de Adão (1887), em
Renascença, 1986. 3 atos, récita promovida pela atriz, O Tio Padre
[I. S. A.] (1887), em 3 atos, Abel e Caim (1887), comédia
drama em 3 atos de António Mendes Leal, Ma-
Jesuína Marques rido (1887), em 3 atos, Lua de Mel e O Tio Tor-
v. Maria Jesuína da Conceição Marques quato, ambas em 1 ato (1887), As Tribulações de
Um Herdeiro (1887), em 3 atos, tradução de Joa-
Jesuína Pereira Saraiva quim José Anaya, Rosnar sem Dormir, Os Sinos
v. Jesuína Pereira Saraiva de Chaby Pinheiro de Corneville (1887), ópera cómica em 3 atos e
4 quadros de Clairville e Gabet, tradução de
Jesuína Pereira Saraiva de Chaby Pinheiro Eduardo Garrido; os dramas O Condenado
Atriz. Nasceu em Lisboa, a 11 ou 12 de novem- (1886), de Camilo Castelo Branco, O Incêndio do
bro de 1865 e faleceu, na mesma cidade, em 1947. Brigue Atlântico (1886), em grande espetáculo,
Casou com o ator António Augusto de Chaby Pi- traduzido por Maximiliano de Azevedo, A Mu-
nheiro (1873-1933). Começou a carreira artísti- lher de Fogo (1887), em 3 atos, extraído do ro-
ca aos oito anos, na companhia infantil do Tea- mance do mesmo nome de Adolphe Belot, por
tro da Rua dos Condes, ensaiada por Pedro Al- F. Abreu, Os Falsos Amigos (1887), em 3 atos, de
cântara Chaves, e continuou representando em Augusto Martins de Araújo, Herança do Marido
teatros particulares. Frequentou, depois, o Cur- (1887), em 3 atos, Rafael, em 3 atos, de Ernesto
so de Arte Dramática do Conservatório de Lisboa, Biester, Niniche (1887), vaudeville em 3 atos, de
nas aulas do professor Carlos Santos, que não ter- Millaud e Hannequin, tradução de Sousa Bastos.
minou. Estreou-se como atriz numa digressão pe- Entrou para o Teatro do Ginásio, onde representou
383 JES

Três Mulheres para Um Marido (1887), comédia Dali foi para o Teatro República, onde brilhou nos
em 3 atos de Grenet-Dancourt, tradução de Ger- papéis de “Bruxa”, na estreia de Santa Inquisi-
vásio Lobato, Jucunda (1889), comédia em 3 atos, ção (18/03/1910), peça em 4 atos de Júlio Dan-
de Abel Botelho, O Comissário de Polícia (1890), tas, “D. Brites”, em As Nossas Amantes (1912),
comédia em 3 atos, original de Gervásio Lobato, comédia em 3 atos de Augusto de Castro, “Rai-
O Homem Terrível (1891), peça remodelada a par- munda”, em A Melhor das Mulheres (1912), de
tir de Bibi & Ca., José Palonso (1891), farsa de Ger- Bilhaud e Hannequin, tradução de Carlos Trilho,
vásio Lobato, D. João da Câmara e Lopes de Men- “Isabel”, em O Botequim do Felisberto (1912), tra-
donça, Hotel Luso-Brasileiro (1892), Lições de dução da peça em 3 atos Le Petit Café, de Tris-
Amor (1893), comédia em 1 ato de Joaquim Mi- tan Bernard, por Acácio de Paiva. Foi ao Teatro
randa, A Madrinha de Charley, comédia em 3 atos Apolo representar os papéis de “Maria Ladina”
de Brandon Thomaz, e Hotel de Livre Câmbio e “Alcofinhas”, em alternância com Augusta Frei-
(1895), comédia em 3 atos de Georges Feydeau, re*, e “Maria Faladora”, com Alda Aguiar*, em
ambas em tradução de Carlos de Moura Cabral, A Feira do Diabo (1912), sátira em 1 ato, prólo-
e Amor... e Banhos de Chuva, de Jerónimo Ma- go e 3 quadros de Eduardo Schwalbach. Voltou
rini e Achilles Tedeschi, tradução de Pin-Sel ao Teatro República, entrando nas peças A De-
(pseudónimo de Manuel de Macedo). Distinguiu- sonra (1913), em 3 atos, de D. João da Câmara,
-se nos papéis de “Isabel”, em A Sra. Ministra e Pão Nosso (1914), revista de Eduardo Rodrigues,
(1898), comédia em 3 atos de Eduardo Schwal- Félix Bermudes e João Bastos, entre outras. No
bach, “Marta, a criada”, em O Papá Lebonard Teatro Politeama, fez o papel de “Chica”, em Con-
(1898), drama em 4 atos de Jean Ricard, tradu- de Barão (1918), comédia em 3 atos de Ernesto
ção de Manuel Penteado e Luís Galhardo, e pro- Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos. Pro-
tagonizou Os Primos de Minha Mulher, tradução tagonizou Cama, Mesa e Roupa Lavada (1922),
do original espanhol por Leopoldo de Carvalho. comédia em 3 atos, de Arnaldo Oliveira e Car-
Em 1902, foi escriturada pela Empresa Rosas & valho Barbosa, no Teatro Sá da Bandeira, no Por-
Brazão, então no Teatro D. Amélia, onde entrou to; reapareceu no Teatro Nacional, a 31 de mar-
em Madame Flirt (1902), de P. Gavault e G. Bert, ço de 1925, na comédia Abade Constantino, que
tradução de Melo Barreto, Blanchette (1903), de Crémieux e Décourcelle extraíram do romance
Brieux, Mr. Alphonse, de Alexandre Dumas, fi- com o mesmo título de Ludovic Halévy, tradu-
lho, Casa da Boneca, de Ibsen, O Amigo das Mu- ção de Pinheiro Chagas. Foi, por várias vezes, em
lheres, de Alexandre Dumas, filho, tradução de digressão ao Brasil. Depois da morte do marido,
D. João da Câmara, A Vida de Um Rapaz Pobre, em 1933, afastou-se do teatro.
drama em 5 atos e 7 quadros, de Octave Feuil- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
let, tradução de Joaquim José Annaya, A Lagar- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 238;
tixa, comédia em 3 atos de Georges Feydeau, tra- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 281; Carlos
dução de Eduardo Garrido, entre outras. Quan- Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Lisboa, Tipografia da
do casou com o ator Chaby Pinheiro, organiza- Empresa Nacional de Publicidade, 1950, p. 57; Gustavo
ram uma companhia teatral onde representou nas de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lis-
peças A Bisbilhoteira, comédia em 3 atos, e Os boa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lis-
boa, 1967, p. 363; Memórias de Chaby, Lisboa, Editora
Postiços, ambas de Eduardo Schwalbach, Gráfica Portuguesa, Lda., 1938; Gazeta Musical de Lis-
A Gata Borralheira, mágica, arranjo de Joaquim boa, 3.a Série, n.o 138, 10/04/1896, p. 3; A Scena, Lisboa,
Augusto de Oliveira com música de Angelo Fron- n.o 37, 12/01/1898, e n.o 39, 30/01/1898; O Palco, Lisboa,
doni, Poliche, O Leão da Estrela, revista de Bap- n.o 2, 20/01/1912, pp. 18-19; O Teatro, Lisboa, n.o 2, fe-
tista Dinis, O Médico à Força, comédia em 3 atos, vereiro, 1918, p. 29; O Anunciador Ilustrado, 1914; “Tea-
tro – Foi neste dia...”, O Século, 31/03/1925, p. 5,
de Arnaldo Pereira e Carvalho Barbosa, Alcácer 18/03/1956, p. 4.
Quibir, drama em 5 atos, em verso, de D. João da [I. S. A.]
Câmara, Fogueiras de S. João, de Hermann Su-
dermann. Em 1903, fazia parte da Companhia Jesuína Saraiva
Dramática Portuguesa que foi ao Teatro Micae- v. Jesuína Pereira Saraiva de Chaby Pinheiro
lense, de Ponta Delgada, representar Francillon,
de Alexandre Dumas. Regressou ao Ginásio e, sob Joana Alexandrina da Costa
a direção do ator Vale, passou a integrar o elen- Nasceu em 20 de novembro de 1818, em Gradí-
co da maioria das peças do repertório do teatro. simo, vindo também a falecer aí em 9 de janei-
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ro de 1904. O seu nome está ligado à fundação cantou em A Noite de Santo António na Praça
do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Ma- da Figueira (1846), de Joaquim da Costa Cascais.
cedo de Cavaleiros. Esta mulher de elevado po- Voltou, depois, para o Teatro da Rua dos Con-
der económico e com um carácter psicológico des, onde representou papéis de “primeira-dama
marcado pela generosidade, estruturado a par- central” e “característica”. Entre 1873 e 1879,
tir da sólida fé no catolicismo, tornou-se uma pra- esteve no Teatro do Ginásio, onde criou Os Cam-
ticante da caridade cristã e fez uma importante pinos (1873), de Salvador Marques, entrou nos
doação financeira para que a população do seu dramas Os Lazaristas e Os Enjeitados, de An-
concelho tivesse acesso a melhores cuidados de tónio Enes (1875), De Camaradagem, de Hen-
saúde. Tendo sido constituída em 1911 uma co- ri Meilher e Philippe Lille, tradução de Eduar-
missão para se proceder à construção do referi- do Schwalbach, A Sentença das Nozes (1882),
do hospital, esta não conseguiu concretizar de Ludgero Viana, e na estreia da peça Lições
esse objetivo. Anos mais tarde, foi a Santa Casa de Amor (03/03/1893), comédia em 1 ato de Joa-
da Misericórdia, instituída em 1927, que levou quim Miranda. Foi “D. Teodora da Silva” na es-
para a frente a edificação do hospital em ques- treia de Casamento Civil (1882), comédia-
tão, o qual foi gerido por esta instituição até vir -drama em 4 atos de Cipriano Jardim, no Tea-
a ser integrado na rede dos hospitais estatais. Sem tro D. Maria II. Representou bem até muito ido-
descendentes, segundo fonte oral, àqueles que sa. Em 1884, já velha e muito pobre, foi apo-
a serviram mais de perto deixou propriedades sentada com 24$000 réis.
como forma de gratidão e a fim de poderem me- Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
lhorar economicamente as suas vidas. Ao espí- tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 17
rito filantrópico de Joana Alexandrina da Cos- e 193; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Tea-
ta ficou o povo do concelho de Macedo de Ca- tro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 129; Rafael
Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, circos e mais di-
valeiros a dever o hospital, agradecimento esse versões de outras épocas, Porto, Domingos Barreira Edi-
que ainda manifesta a Santa Casa da Misericórdia tor, 1943, p. 10; “As aposentações”, As Instituições,
dessa localidade, oferecendo todos os anos à Igre- 18/07/1884, p. 1; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
ja de Gradísimo o azeite para iluminar o San- 03/03/1952, p. 4, e 13/01/1956, p. 7.
[I. S. A.]
tíssimo, pelo qual esta benfeitora nutria uma
enorme devoção.
Joana Emília Cardoso
Bib.: Abade Baçal, Memórias Arqueológicas-Históricas Republicana de Alhandra que, em 1882, peran-
do Distrito de Bragança, Vol. 7, Porto, [Emp. Guedes.],
1949; Gazeta de Bragança, 17/01/1904. te quatro testemunhas, pediu que lhe fizessem um
[M. J. R.] enterro civil, o que sucedeu a 11 de agosto, tor-
nando-se no primeiro ato público dos republicanos
Joana Carlota da terra. Segundo Lino de Macedo, incorporaram-
v. Joana Carlota Frayão d’Andrade e Silva -se no préstito “todos os republicanos, levando per-
pétuas na lapela do casaco”, sendo este o “pri-
Joana Carlota Frayão d’Andrade e Silva meiro enterro civil que se realizou em Alhandra
Atriz que se distinguiu na comédia. Nasceu em e o primeiro ato público em que os republicanos
1822. Cursou o Conservatório de Lisboa e per- alhandrenses se reuniram”.
tenceu à antiga Sociedade do Teatro Nacional Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
da Rua dos Condes onde, em 1846, fez o papel sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
de “Feiticeira” no drama em 5 atos Leonor Te- sência, 2005, p. 38; Lino de Macedo, Apontamentos para
a História do Movimento Republicano no Concelho de
les, de Marcelino Mesquita, premiado pelo Vila Franca de Xira, 1891-1891, Lisboa, Imprensa Libânio
Conservatório Real de Lisboa. Quando o Teatro da Silva, 1913, p. 33.
D. Maria II foi inaugurado, em 1846, foi admi- [J. E.]
tida e classificada em 2.a dama cómica, com uti-
lidade, pelo júri composto por membros do Con- Joana Henriqueta Margarida Lehmann An-
servatório e do Conselho Dramático, António Fe- dresen Silva
liciano de Castilho, Rebelo da Silva, Mendes De ascendência alemã, nasceu a 3 de julho de
Leal, Rodrigo Felner. Esta estadia no D. Maria 1861 e morreu em 1938. Filha de Joachim Wi-
II deu-lhe, mais tarde, direito à reforma. Neste lhelm Gustav Lehman, estabelecido no Porto, e
teatro, integrou o elenco das peças em cena e de Joana Pereira Lopes, casou com João Henri-
385 JOA

que Andresen. Natural do Porto, este último era ções à Alemanha, António de Lemos diz-nos que
filho do dinamarquês Jan Heinrich Andresen – permaneceu na “intimidade da família Kat-
que se fixara naquela cidade, onde casou em 1860 zenstein” [António de Lemos, 1906, p. 101].
com Maria Leopoldina de Amorim de Brito –, A convivência a que se refere o autor é explicada
tendo-se tornado num famoso industrial e co- pelo facto da filha mais velha, Maria Joana, ter
merciante de vinho do Porto. Desse matrimónio casado com Christian Walter Stüve, um dos ne-
nasceram cinco filhos: Maria Joana Andresen tos de Eduard Katzenstein. Primeiro cônsul da
(1884), Olinda Emília Gardina Andresen (1888), Alemanha no Porto, era nessa cidade que par-
João Henrique Andresen (1891), Gustavo An- te da família se encontrava estabelecida desde
dresen e Teodora Andresen (1900), esta última 1835. Eduard e uma das irmãs, Nanny Kat-
conceituada pintora portuense da primeira me- zenstein, casaram no Porto, um a 20 de maio de
tade do século XX. A família residia na Quinta 1844 e a outra a 27 de novembro de 1847, e aí
do Campo Alegre, no Porto, propriedade que per- viriam a falecer. A união de Maria Joana com um
tencera à Ordem de Cristo no século XVIII e, des- dos Katzenstein justificou, assim, uma das pas-
de 1759, ao médico francês Jean Pierre Salabert. sagens da mãe pela Alemanha, talvez na última
Em 1820, passou para a posse de João José da década do século XIX, e provavelmente pela ci-
Costa e, em 1875, foi adquirida pelo brasileiro dade de Kassel, de onde a família era originária.
João Silva Monteiro, que mandou demolir a ve- Todavia, o que de fundamental resulta deste co-
lha habitação e construir no seu lugar um pala- nhecimento para o seu enriquecimento artísti-
cete. Posteriormente adquirida por João Henri- co foi o contacto com o pintor Ludwig Kat-
que Andresen, a residência foi renovada pelos zenstein, irmão de Eduard, de quem parece ter
novos proprietários em 1895, ao sabor do típi- chegado a receber lições. De acordo com Antó-
co gosto do fim do século, romântico e eclético. nio de Lemos, “teve ocasião de acompanhar mui-
Foram então melhorados os seus célebres jardins, to de perto e receber mesmo indicações utilís-
embrionários do atual Jardim Botânico do Por- simas do conhecido pintor”, relacionamento am-
to, com destaque para a intervenção no deno- pliado pela interessante circunstância de Joana
minado jardim dos “Jotas” – local eternizado por ter ainda servido de modelo a algumas figuras
Sophia de Mello Breyner Andresen*, neta do ca- de obras suas [Idem, p. 101]. Na realidade, o ar-
sal, em O Rapaz de Bronze. Na composição do tista havia já contactado com Portugal noutras
seu traçado, Joana reuniu as iniciais do seu nome circunstâncias, nomeadamente em 1852, quan-
e do marido. Mas a renovação estendeu-se tam- do foi chamado para pintar o retrato de D. Fer-
bém à decoração interior da casa, sendo da au- nando II, ou anos mais tarde, ao participar em
toria de Joana Andresen o desenho do mobiliá- alguns certames nacionais, como foi o caso da
rio da sala de jantar, para a execução do qual ela Exposição Trienal da Academia Portuense de Be-
havia elaborado duas propostas. António de Le- las Artes, de 1854, ou da Exposição Internacio-
mos deixou-nos um relato da visita ao ateliê da nal do Porto, de 1866. De regresso a Portugal, Joa-
artista, implementado no jardim da residência na continuou a formação artística, desta vez
familiar. Descrevendo o percurso que fez até en- orientada por dois dos mais consagrados mes-
trar no interior, o crítico refere que um “batalhão tres do tempo: Marques de Oliveira e Teixeira Lo-
de Arte se espalha pela casa”, destacando “ad- pes. Posteriormente, recebeu também lições do
miráveis trabalhos de António Teixeira Lopes, célebre pintor de flores António José da Costa.
Marques d’Oliveira, Júlio Costa, Júlio Ramos, Em distintos domínios artísticos, que mais tar-
Cândido da Cunha e muitos outros, e entre es- de iria desenvolver, Joana estava empenhada em
tes alguns dos mais consagrados artistas es- dar início à sua carreira. Como por vezes ocor-
trangeiros” [António de Lemos, 1906, p. 100]. Re- ria no meio feminino, também esta artista de-
velando uma prematura propensão para as ar- senvolveu a sua atividade depois de estabiliza-
tes, Joana parece ter sido incentivada pelo pai, da a vida familiar. A visibilidade pública pare-
que da Alemanha encomendava livros de de- ce ter início em 1902, ano em que participou
senho que a filha copiava. A formação iniciou- numa exposição organizada pelo Instituto de Es-
-se assim ainda em criança, tendo tido por pri- tudos e Conferências no Porto, no pátio da Mi-
meira mestre Madame Bizarro, artista portuense sericórdia. Nessa ocasião era considerada uma
especializada em trabalhos de miniatura e bor- “amadora distinta, pois em pouco tempo fez pro-
dados. Posteriormente, numa das suas desloca- gressos grandiosos” [Idem, p. 86]. Entre as suas
JOA 386

obras, conhece-se: Busto de Melle Maria Joana An- ma, Porto, Imprensa Moderna, 1940; Tomás A. Moreira,
dresen, sua filha mais velha; busto de Melle Ra- “O primeiro cônsul do império alemão no Porto –
Eduard Katzenstein”, O Tripeiro, Porto, 7.a série, n.o 2, fe-
mos Pinto; busto de Melle Elisa Andresen, Rapaz vereiro, 2003; Theodora Andresen: Uma pintora por-
Jogando a Malha, e duas Cabeças de Rapazes, tuense, 1900-1989, Porto, Câmara Municipal, 2001.
retratos dos dois filhos. Apesar da qualidade da [S. C. S.]
obra, assim como do mérito que já na época lhe
era reconhecido, Joana Andresen não escapou, Joana Lehmann Andresen
todavia, à habitual integração num vasto e mal v. Joana Henriqueta Margarida Lehmann An-
definido grupo de amadoras. Epíteto de que pou- dresen Silva
cas mulheres com aspiração a artistas se esqui-
vavam, era por vezes atenuado pela condição so- João Pedro Ferreira Airosa
cial. Em perfeito desacordo, quanto a nós, com Nasceu em Braga a 20 de dezembro de 1836 e aí
o domínio da escultura, que verdadeiramente faleceu, no dia 25 de setembro de 1931. Fez os
nunca chegaria, como na pintura, a mover um estudos eclesiásticos no Seminário Conciliar de
conjunto significativo de praticantes que enca- Braga e foi ordenado em 24 de setembro de 1859.
rassem essa área como um mero entretenimen- Foi pároco e capelão do Carmo, onde, em 1869,
to. Na realidade, à escultura apenas se dedica- organizou uns exercícios espirituais (missões) que
vam aquelas que para o efeito tivessem reais ca- geraram um movimento a favor da criação de uma
pacidades, sobretudo de ordem técnica, e não casa de abrigo para mulheres socialmente des-
apenas as aspirantes que com a arte se quises- protegidas. Contando com a ajuda do padre je-
sem ocupar. Sem que nunca tivessem sido cla- suíta Carlos João Rademaker e o empenhamen-
ramente expostos os critérios que definem um to da Pia União das Filhas de Maria, o padre Ai-
amador, depreende-se das palavras de alguma crí- rosa logrou realizar uma obra que o absorveria por
tica um estádio intermédio entre a formação e completo ao longo de toda a vida. A obra e a vida
a excelência, e para o qual parecem ser deter- do padre Airosa resumem-se à Casa de Abrigo ou
minantes fatores como o statu conquistado no Colégio da Regeneração (1874) da cidade de Bra-
meio artístico, por vezes até um certo escalão etá- ga, que fundou em 18 de agosto de 1869 e diri-
rio, mas onde sempre, ou quase sempre, a giu até ao completo esgotamento das suas forças.
“condição” de mulher cabia. Causando por ve- O padre Airosa, apoiado por uma família do Por-
zes alguma aversão aos analistas do tempo, para to, viajou por Espanha, França e Bélgica com a
que garantissem um lugar próximo ao dos ho- finalidade de se inteirar dos processos de pro-
mens, era-lhes reclamada uma enorme dose de dução fabril, visitando fábricas em Lyon e nou-
talento, incluindo-se, com justiça, entre as que tros centros fabris. Pretendia conhecer e recolher
alcançaram esse estatuto, a duquesa de Palme- informações sobre tecnologias de tecelagem,
la*, no contexto da escultura, Josefa Greno ou bem como outros processos de produção ajus-
Emília dos Santos Braga*, no domínio da pintura. táveis aos trabalhos femininos. O padre Airosa
Reveladora de raras qualidades escultóricas, Joa- fundava no trabalho, na crença e na moralização
na Andresen parece ter sido todavia esquecida toda a pedagogia de libertação da mulher debi-
pela posteridade. Numa época em que se man- litada socialmente. Pelo trabalho adquiria os
tinha ainda bem viva a memória da duquesa de meios de sustento, pela crença dava sentido à sua
Palmela, Andresen tinha agora como principal vida e pela moralização assumia os princípios de
concorrente a qualificada, mas também amadora, regulação da sua vida. Por sua vez, com o senti-
Albertina Falker. do de zelar pelo sustento da Casa de Abrigo, o pa-
Bib.: António de Lemos, Notas d’Arte, Porto, Tipografia dre Airosa promovia a venda dos produtos do la-
Universal, 1906; Catálogo das Obras de Arte Oferecidas bor feminino através de feiras, exposições e abas-
em Favor da Creche, Porto, Comércio do Porto, 1903; Hein- tecimento do comércio estabelecido. A Casa de
rich Katzenstein, Notas Genealógicas acerca de Algumas
das mais Antigas Famílias de Origem Germânica Fixa- Abrigo converteu-se numa empresa de artes e ofí-
das na Estremadura Portuguesa: VII – Katzenstein, Se- cios femininos [Martins Capela, 25/08/1894].
parata de Boletim da Junta de Província da Estremadu- A convite do Dr. Bernardino Machado, o padre
ra, n.o 18, Lisboa, Oficinas Gráficas de Ramos, 1949; He- Airosa redigiu um opúsculo sobre o Colégio da
lena Langford, “Theodora Andresen – Uma pintora que
viveu para a sua arte”, O Tripeiro, 7.a série, n.o 2, fevereiro,
Regeneração de Braga com o propósito de apre-
2002; Henrique de Campos Ferreira Lima, O Pintor Ale- sentar, em outubro de 1892, ao Congresso Pe-
mão Katzenstein em Portugal, Separata de Revista Pris- dagógico Hispano-Português-Americano de Ma-
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drid, o seu pensamento pedagógico. “Em 1893, nandez Escazena*. Em 26 de julho do mesmo
em cooperação com o governador civil de Bra- ano foi nomeada professora provisória de de-
ga, conselheiro José Novais, promove a criação senho da Escola de Desenho Industrial Prince-
de uma oficina-escola de tecelagem, onde rapa- sa D. Amélia, em Setúbal, que fora criada no mês
rigas pobres e de ‘boa conduta’ podiam ser re- anterior. A partir do mês de outubro foi-lhe atri-
cebidas e instruídas nessa arte, cuidando da sua buída a gratificação de 90$000 réis anuais por
formação religiosa e moral” [Franco, 2003]. Em dirigir igualmente a oficina de lavores femini-
1900, recebeu o título de monsenhor. Recusou a nos instalada naquela escola. A sessão de inau-
“comenda da Ordem de Cristo que lhe foi con- guração da escola, no dia 1 de outubro, foi pre-
cedida pelo Estado português” [Franco, 2003]. Por sidida por Joaquina Guerreiro, em representa-
ocasião do centenário da fundação da Casa de ção do inspetor das escolas industriais da cir-
Abrigo, e em honra do seu fundador, o Colégio cunscrição do Sul, que não pôde estar presente.
da Regeneração passou a designar-se Instituto A professora discursou perante as individuali-
Monsenhor Airosa* (IMA). dades e população ali presentes, expondo as
Do autor: Colégio de Regeneração em Braga (Congresso grandes finalidades da nova escola. Recebeu, no
Pedagógico Hispano-Português-Americano – secção por- final do ano letivo de 1888/89, o prémio de
tuguesa), Imprensa da Universidade, Coimbra, 1892. 100$000 réis atribuído aos dois professores de
Bib.: A. C. L., “Airosa, João Pedro Ferreira”, Dicionário desenho que, a nível nacional, dessem maiores
de História da Igreja em Portugal (dir. António Alberto
Banha de Andrade), Vol. I, Editorial Resistência, Lisboa, provas de zelo e aptidão pelo serviço prestado.
1980, pp. 86-87; A. Luís Vaz, “Airosa, (P. João Pedro Fer- Foi a única mulher a ganhar este prémio anual.
reira)”, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Vol. I, Em 22 de maio de 1890, foi nomeada definiti-
Editorial Verbo, Lisboa, 1963; Ferreira Deusdado, “João vamente professora de desenho da Escola de Se-
Pedro Ferreira Airosa (Monsenhor Airosa)”, Educadores
Portugueses (fixação do texto, prefácio, notas e aditamento
túbal e, em 15 de setembro, foi encarregada da
de Pinharanda Gomes), Lello & Irmão-Editores, Porto, sua direção. Foi, com Maria Augusta Bordalo Pi-
1995, p. 503; José Eduardo Franco / Pedro Sousa e Sil- nheiro* e Etelvina Augusta da Paz Assunção*,
va, “Airosa, João Pedro Ferreira”, Dicionário de Educa- uma das três mulheres que, no século XIX, exer-
dores Portugueses, Edições ASA, Porto, 2003, pp. 45-46; ceram as funções de professora de desenho e de
Martins Capela, “Padres, padres… – Padre João Airosa”,
Correio Nacional, Lisboa, 25/08/1894, p. 2. diretora de uma escola de desenho industrial,
[A. C. S.] pois o restante pessoal feminino das escolas in-
dustriais era constituído por mestras das ofici-
Joaquina Aurélia Baptista Guerreiro [Henri- nas de lavores femininos. Participou em diversos
ques] júris de exames, quer do ensino industrial (Es-
Professora de desenho na Escola Industrial de cola de Desenho Industrial Damião de Góis, em
Setúbal a partir de 1888, Joaquina Aurélia Alenquer, em 1891), quer do ensino secundá-
Guerreiro foi também nomeada sua diretora. rio (desenho de instrução secundária por soli-
Nascida em 1853 ou 1854, exercia a atividade citação do Ministério do Reino, em 1892). O cres-
de professora primária quando começou a fre- cimento da oficina de lavores femininos deter-
quentar a Escola Industrial Marquês de Pombal, minou que, em 15 de dezembro de 1892, fossem
em Lisboa. Foi discípula do professor João Hi- nomeadas três mestras, Maria da Conceição Car-
lário Pinto de Almeida e, no final do ano leti- valho*, Maria Júlia Canedo* e Maria Júlia Bap-
vo de 1886/87, com 33 anos de idade, recebeu tista Guerreiro*, respetivamente para os traba-
um prémio de 7$000 réis em Desenho geomé- lhos de “costura e corte”, “bordados” e “rendas
trico rigoroso. Em 20 de setembro de 1887, foi e piques”. Na sequência do decreto de
nomeada mestra da oficina de lavores femini- 14/12/1897, que reorganizou o ensino nas es-
nos da mesma escola, com um vencimento de colas industriais e de desenho industrial, pas-
10$000 réis mensais. Em 15 de março de 1888, sou a auferir, como professora da escola, em con-
porém, foi designada para reger extraordina- formidade com a tabela anexa ao referido de-
riamente, com um vencimento de 1$500 réis diá- creto, um vencimento de 600$000 réis anuais,
rios, os cursos de desenho da Escola Jacome Rat- sendo coadjuvada no ensino do desenho por
ton, em Tomar, em substituição do respetivo pro- Isaías Newton, professor auxiliar, com um ven-
fessor, que adoecera. Para o seu lugar na ofici- cimento de 400$000 réis anuais. Na Exposição
na de lavores da Escola Marquês de Pombal foi Universal de Paris de 1900, a mostra coletiva das
designada Maria do Carmo Mazzachiodi Fer- escolas industriais portuguesas da circunscri-
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ção do Sul, na qual se integrava a Escola de Se- Joaquina Dantas Machado de Carvalho
túbal, obteve o Grand Prix atribuído na “Clas- v. Joaquina Mariana Dantas Machado [de Car-
se de ensino especial, industrial e comercial”. valho]
Registe-se que, na mesma exposição, Joaquina
Aurélia Baptista Guerreiro foi uma das três mu- Joaquina do Carmo Almeida Matos Silva
lheres agraciadas individualmente no Grupo I Professora, casada, tendo sido habilitada para a
“Educação e ensino”, tendo-lhe sido atribuída docência pelo Liceu de Lisboa, com classificação
uma medalha de prata como colaboradora. Di- de distinta, como consta no Diário do Governo
rigiu a Escola de Desenho Industrial Rainha n.o 58, de 13 de março de 1880. Regeu uma ca-
D. Amélia até abril de 1907. Embora tenha ad- deira na cidade da Covilhã e candidatou-se, em
quirido, por casamento, em 1893, o apelido Hen- 18 de março de 1890, a professora de Moral, Di-
riques, este nunca é usado nos registos da sua reito Usual, Religião, Pedagogia, Higiene, ou His-
atividade profissional. tória e Geografia nos Liceus Secundários Femi-
ninos*, que acabariam por ser criados só muito
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- mais tarde. Do seu processo consta um certificado
cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- passado pela 3.a repartição de Instrução Primá-
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do ria, com o despacho de 21 de junho de 1880 que
Sul, Livro de Registo do Pessoal de Inspecção e das Res- nomeava Joaquina do Carmo professora primá-
pectivas Escolas (1884-1894) e Copiadores de corres-
pondência expedida (1891-1892; 1893; 1894). Fontes im-
ria em vista das provas dadas em concurso pú-
pressas: As Escolas Industriais da Circunscrição do Sul blico, provimento conferido a título vitalício.
na Exposição Industrial de Lisboa em 1888. Catálogo dos Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
desenhos e outros objectos executados e expostos pe- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768,
los alunos, Lisboa, Tipografia e Estereotipia Moderna, 1888.
1888; Exposição Universal de 1900. Secção Portugue- [A. C. O.]
sa – Inspecção-Geral, VI. Lista Definitiva das Recom-
pensas Obtidas pelos Expositores de Portugal e pelos
Seus Colaboradores, Lisboa, Imprensa Nacional, 1902; Joaquina Gil Alves
Francisco da Fonseca Benevides, Relatório sobre as Es- Militante clandestina do Partido Comunista
colas Industriais e de Desenho Industrial da Circuns- desde a segunda metade da década de 50, viveu
crição do Sul. Ano lectivo de 1888-89, Lisboa, Impren- nessas condições durante cerca de 13 anos. Gra-
sa Nacional, 1889; Idem, Relatório sobre as Escolas In-
dustriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do
vemente doente, e “numa derradeira tentativa
Sul. Ano lectivo de 1890-91, Lisboa, Imprensa Nacional, para se tratar” [Avante!, n.o 407], foi forçada a
1891; Ministério das Obras Públicas, Comércio e In- abandonar a clandestinidade, tendo falecido em
dústria, Direcção Geral do Comércio e Indústria, Rela- 1969, junto da família. O nome consta do opús-
tórios sobre as Escolas Industriais e de Desenho In- culo Não Falar na Polícia, Dever Revolucioná-
dustrial da Circunscrição do Sul. Anos lectivos de 1886-
-1887 (segunda parte) e 1887-1888, Lisboa, Imprensa Na-
rio, publicado em 1972.
cional, 1888; Idem, Relatório sobre as Escolas Industriais Bib.: Não Falar na Polícia, Dever Revolucionário, Edi-
e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul (1889- torial Avante!, 1972; “Morreu a camarada Joaquina Gil
1890), Lisboa, Imprensa Nacional, 1890; Idem, Catálo- Alves”, Avante!, n.o 407, série VI, 1.a quinzena de ou-
go dos Trabalhos Expostos no Museu Industrial e Co- tubro, 1969, p. 4, col. 1.
mercial de Lisboa e Executados nas Escolas Industriais [J. E.]
e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul no Ano
Lectivo de 1889-1890, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891;
Damião de Góis, n.o 282, 24/05/1891, p. 3; Decreto de
Joaquina Isabel Volkmar
14/12/1897, Diário do Governo, n.o 283, 15/12/1897. Uma das raras artistas conhecidas que desen-
Bib.: Centenário do Ensino Industrial em Setúbal, n.o 1, volveram a sua atividade na viragem do século
1988; Rogério Claro, Um Século de Ensino Técnico Pro- XVIII para o século XIX (Lisboa, act. c. 1780-
fissional em Setúbal. Da Escola de Desenho Industrial -1830), nomeadamente entre as que não per-
Princesa D. Amélia à Escola Secundária Sebastião da
Gama (1888-1988), Setúbal, Câmara Municipal de Se-
tenciam à nobreza, como sucedeu com a con-
túbal, 2000; Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino dessa de Linhares, a marquesa de Belas ou a du-
oitocentista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), quesa de Lafões, suas contemporâneas. Natural
Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A For- de Lisboa, era a mais nova dos seis filhos do mé-
mação Profissional das Mulheres no Ensino Industrial dico cirurgião Manuel Machado Ferreira, des-
Público (1884-1910). Realidades e representações, Dis-
sertação de Doutoramento, Lisboa, Universidade Aber- cendente de humildes lavradores da região de
ta, 2008. Setúbal, e de sua mulher, Maria Rosa Volkmar.
[T. P.] Foi sobrinha dos pintores João Pedro Volkmar
389 JOA

(1712-1782) e de Henrique Pedro Volkmar, am- bretudo para particulares, decorando gabinetes,
bos filhos de um alemão convertido ao catoli- coleções ou oratórios. Entre essas, estavam vá-
cismo que aqui se estabeleceu. Joaquina Isabel rios quadros de grandes dimensões com episó-
pode, assim, usufruir de um ambiente favorável dios da História de Isaac, executados em 1792
à sua formação artística, uma vez que também para o capitão de mar e guerra José Francisco Pre-
era irmã do conhecido pintor e teórico Cirilo né. Joaquina Isabel revelou-se uma das primei-
Volkmar Machado (1748-1823). Este possibili- ras mulheres a desenvolver uma atividade ar-
tou-lhe uma importante ajuda, não apenas na sua tística nos inícios do século XIX, embora não se-
educação, como no granjear-lhe os necessários guisse uma carreira inteiramente profissional.
contactos para as diversas encomendas. O irmão Apesar das condições ainda demasiado adver-
(e possivelmente os tios) terá sido o natural res- sas, como as do Neoclassicismo, o seu interes-
ponsável pela orientação dos seus estudos e in- se ultrapassou, contudo, o da simples “prenda”,
clinação para a pintura, dado o pai (que já se opu- que caracterizou grande parte da atividade das
sera à carreira artística de Cirilo, obrigando-o a mulheres dos séculos XVII e XVIII. Embora be-
seguir os estudos comerciais) nada dever ter fei- neficiando do meio artístico familiar em que se
to nesse sentido. Este foi também o seu princi- desenvolveu, teve naturalmente de ultrapassar
pal biógrafo (para não dizer o único), o que mos- os diversos obstáculos impostos pela sociedade
tra a elevada consideração que tinha pela irmã, do tempo, dada a sua ascendência não provir de
ao inseri-la entre as pessoas que se distinguiram um meio aristocrático. Estas foram, aliás, as cir-
“pelas agradáveis pinturas que fizeram”, nas suas cunstâncias que marcariam a atividade de ou-
Brevíssimas Observações sobre a Origem e Pro- tras mulheres artistas dos inícios de Oitocentos,
gressos da Pintura, Primeira Parte da sua Col- como Francisca de Almeida Furtado.
lecção de Memórias... [Cirillo, 1823, p. 48], tor- Bib.: Atanázio Raczynski, Les Arts au Portugal, Paris,
nando-se, assim, responsável pela perpetuação 1846; Idem, Diccionaire Historico-artistique du Portugal,
do seu nome entre as páginas da História da Arte Paris, 1847; Cirilo Volkmar Machado, Nova Academia
de Pintura Dedicada às Senhoras Portuguezas, que Amão
portuguesa. Joaquina Isabel começou, tal como ou se Applicão ao Estudo das Bellas Artes, Lisboa, 1817;
o irmão, por copiar grande número de gravuras Idem, Collecção de Memórias Relativas às Vidas dos Pin-
(as quais pertenciam à coleção do tio João Pedro tores, e Escultores, Architectos, e Gravadores Portu-
Volkmar), processo de aprendizagem comum na guezes..., Lisboa, Victorino Rodrigues da Sylva, 1823,
época, o que a artista fazia de forma exemplar, pp. 48 e 303; Luís Gonzaga Pereira, “Igreja da 6.a Ordem
Terceira de S. Francisco do Campo Grande”, Monumentos
dado que era “naturalmente dotada de talento Sacros de Lisboa em 1833, Lisboa, Biblioteca Nacional,
raríssimo para a imitação, tanto em desenho, 1927, pp. 341-343; Nuno Saldanha, “Ana de Lorena (1691-
como em pintura” [Cirilo, 1823, p. 303]. Esta in- -1761)”, Joanni v Magnifico – A Pintura em Portugal ao
dicação parece também sugerir que Joaquina se tempo de D. João V (1706-1750), Lisboa, IPPAR, 1994;
Idem, José Malhoa – Tradição e modernidade, Lisboa,
iniciou na arte ao mesmo tempo que Cirilo, isto Scribe, 2010.
é, depois da morte do pai, e com o patrocínio de [N. S.]
João Pedro. No entanto, apesar do seu “génio de-
cidido para o Desenho, e Pintura”, também ali Joaquina Maria de Almeida Simões
se refere que ela se “aplicou por intervalos”, pa- Professora do ensino primário e praticante exí-
recendo indicar que não se terá dedicado à pin- mia da arte de papel recortado com função de-
tura a tempo inteiro. Este facto poderá justificar corativa. Nasceu em Pavia, a 22 de junho de 1914,
a sua ausência do livro de registos da importante e faleceu a 2 de maio de 2005, em Évora. Fre-
Irmandade de São Lucas, apesar do papel ativo quentou o curso do Magistério Primário na Es-
que Cirilo ali desempenhou, e que tenha reali- cola Normal Primária de Lisboa, situada em Ben-
zado apenas um único painel público. Trata- fica, e começou a exercer numa pequena loca-
-se de uma Nossa Senhora com o Menino, San- lidade alentejana chamada Malarrenha, tendo
ta Isabel e São Francisco, pintado em 1787 para sido colocada posteriormente em Casa Branca,
a Igreja do Sagrado Coração de Maria, no Cam- onde se manteve até à reforma, em 1984. Fixou-
po Grande, em Lisboa (atualmente Igreja da Or- -se então em Pavia, na casa de família. Com 70
dem Terceira de S. Francisco). No entanto, isso anos de idade e na sequência da visita a uma ex-
não impediu que a pintora tivesse uma produ- posição que, entre outras peças, exibia três tra-
ção intensa, “não-oficial”, trabalhando ativa- balhos antigos de recorte de papel, decidiu, con-
mente e respondendo a diversas encomendas, so- juntamente com a irmã Joana Simões, habilíssima
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professora de Trabalhos Manuais na Escola In- I República Portuguesa, e de Elzira Dantas Ma-
dustrial de Estremoz e já reformada, dedicar- chado*, fundadora da Cruzada das Mulheres Por-
-se à arte do recorte de papel, habitualmente pra- tuguesas e dirigente de organizações feministas
ticada com os alunos, embora ajustada ao método na época referida. O casal notabilizou-se pela cam-
das dobragens. A arte do papel recortado, técnica panha cívica a favor da educação e da promoção
antiga de origem discutida e usada em diversas social das mulheres. Joaquina Mariana foi edu-
ornamentações, quer sagradas quer profanas, per- cada em Coimbra, no ambiente familiar em que
mite criar peças variadas num sem fim de con- cresceram e se formaram as irmãs mais velhas,
teúdos possíveis. Joana Simões seguiu um mé- Rita Olímpia* e Maria Francisca*, absorvendo, por-
todo próprio, continuamente aperfeiçoado e tanto, os mesmos valores da ética republicana.
faseado: primeiro criava o motivo a lápis de car- Usufruiu da intimidade tranquila e despreocu-
vão usando folhas brancas com gramagem de- pada que caracterizaria a vida dos pais nos anos
terminada e depois, sobre uma mesa coberta por imediatamente anteriores à propaganda repu-
papel de veludo, golpeava o papel com uma te- blicana, frequentando, com as irmãs, o Real Co-
soura, transformando cada folha num rendilhado légio Ursulino das Chagas (1903). Durante a in-
minucioso. Os cortes, inúmeros e precisos, fância, preferia a convivência da irmã Maria, am-
eram tantos que se tornava difícil organizar a fina bas ligadas por profunda amizade, inseparáveis
malha e dispô-la, aberta, num fundo aveludado. nos jogos do quotidiano infantil: imaginavam his-
Joaquina Simões captou magistralmente o ima- tórias para entreter os irmãos mais novos, rindo-
ginário específico dos rendilhados, dominados -se das próprias invenções, e “dançavam ambas
por pássaros, flores, arabescos, jarrões, mono- ao compasso, não da música do piano, mas da
gramas, ora projectados numa ordem simétrica música muito mais melodiosa, do seu mútuo ar-
com perfil de pluma, ora numa ordem assimé- rombamento”: “A Maria e a Quina são tão ami-
trica. Resultava uma composição envolvente, to- gas que vivem sempre em festa. Basta-lhes olha-
tal, decididamente barroca. Joana Simões par- rem uma para a outra para logo ficarem eletrizadas
ticipou, com a irmã, em muitas feiras artesanais no mais jovial enlevo…” [Bernardino Machado].
e exposições, marcando presença anual na Durante a juventude efetuou diversas estadias em
FIAPE, em Estremoz. As suas peças encontram- casa da avó paterna, Praxedes de Sousa Ribeiro
-se no Museu de Évora, no Museu de Estremoz Guimarães (baronesa de Joane), católica convic-
e em coleções particulares. No livro Artesana- ta, a qual, por sua vez, exerceu influência de-
to da Região do Alentejo estão fotografias de al- terminante na formação do espírito religioso da
guns dos trabalhos, como o Pavão [61x37] e a Le- jovem. O fervor religioso, traço marcante do seu
tra Capitular [33x33], cujo respetivo peso é 1620 carácter, não excluiu, entretanto, preocupações
mg e 870 mg, o que dá conta da leveza e deli- de ordem filosófica: discutia, com o pai, o pen-
cadeza das peças. samento de Augusto Comte, trocando corres-
pondência sobre o tema. Em 1912, Joaquina e a
Bib.: Catálogo de Exposição, Estremoz, junho de 1987;
Eugénio Andrea da Cunha e Freitas, “A arte do papel”, irmã dileta, Maria, partiram para o Brasil, acom-
Vol. I, A Arte Popular em Portugal, Lisboa, Verbo, p. 235; panhando Bernardino Machado, nomeado
Emanuel Ribeiro, O Doce nunca Amargou…, Colares Edi- ministro de Portugal no Rio de Janeiro. Na em-
tora, 1997, p. 60; Idem, A Arte do Papel Recortado em baixada portuguesa, Joaquina assumiu, com fre-
Portugal, Colares Editora, 1999; Artesanato da Região do quência, o papel que caberia à embaixatriz,
Alentejo. Tradition and contemporary crafts in Alente-
jo. Portugal, Évora, Instituto do Emprego e Formação Pro- substituindo a mãe em diversas receções oficiais.
fissional, 2000, pp. 474-475. O desempenho da jovem, bonita e graciosa, va-
[M. T. S.] leu-lhe o epíteto carinhoso de “embaixatrizinha”.
Foi neste contexto social, onde permaneceu até
Joaquina Mariana Dantas Machado [de Car- 1914, que conheceu o futuro marido, Juliano de
valho] Carvalho, segundo tenente da Armada. Casaram
Militante de organizações feministas e dirigen- em 3 de novembro de 1915, em Lisboa. A ceri-
te da Cruzada das Mulheres Portuguesas* na se- mónia realizou-se na Igreja dos Jerónimos, sain-
gunda década do século XX. Nasceu em Lisboa do a noiva do Palácio de Belém. Serviram de pa-
(Rua da Junqueira) no dia 2 de janeiro de 1891 drinhos, por parte da noiva, os pais, e por parte
e faleceu em 23 de janeiro de 1977. Era filha de do noivo o Sr. António Arrojo e o Dr. Carlos de
Bernardino Machado*, estadista e pedagogo da Melo. No âmbito da vida pública, Joaquina
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Dantas Machado militou em duas organizações násio, então denominado Teatro Nacional Lis-
femininas: Liga Republicana das Mulheres Por- bonense, e entrou na peça de estreia, o melodrama
tuguesas (1909) e Cruzada das Mulheres Portu- Os Fabricantes de Moeda Falsa, de César Peri-
guesas (1916). À semelhança das irmãs, Rita e Ma- ni de Lucca, professor no Conservatório. Quan-
ria, colaborou com os pais numa série de proje- do o Ginásio abriu, depois de modernizado, a 16
tos lançados pela Liga Republicana: fundação de de novembro de 1852, entrou como societária e
escolas móveis; criação de caixas de subsídios às fez parte do seu repertório. Entre 1849 e 1860, re-
sócias pobres, velhas e doentes; contribuições pe- sidiu na Travessa João de Deus, em Lisboa.
cuniárias para diversas finalidades (Obra Ma- Bibl.: Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, De-
ternal, sócias carenciadas, aquisição de mobília cadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Romano
para a sede da Liga, etc.). Em 1916, aderiu à Cru- Torres & Ca., 1922, pp. 150 e 155; Esteves Pereira e Gui-
zada das Mulheres Portuguesas, integrando o gru- lherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, coro-
po das sócias fundadoras; em 1917, desempenhou gráfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático
e artístico, Vol. IV, Lisboa, João Romano Torres & Ca., 1909,
o cargo de delegada da presidente-geral da Cru- p. 414; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trin-
zada, à data Elzira Dantas Machado, sua mãe, re- dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
presentando-a em todas as reuniões internas das Municipal de Lisboa, 1967, pp. 167 e 306.
diversas comissões daquele organismo. As co- [I. S. A.]
missões da Cruzada não tomavam decisões sem
consultar, previamente, a sua presidente-geral ou, José Veríssimo
na ausência desta, a delegada responsável pela Pseudónimo utilizado por Maria Carolina Fre-
transmissão das consultas e respetivas autori- derico Crispim*.
zações. A presença de Joaquina Dantas Macha-
do Carvalho garantia, portanto, a permanência dos Josefa de Oliveira
dois princípios estruturantes da Cruzada das Mu- Atriz de opereta, comédia e drama. Nasceu em Vi-
lheres Portuguesas: direção e descentralização. seu a 24 de dezembro de 1853 e faleceu no Por-
A militante acumulou o desempenho do cargo to a 17 de abril de 1909. Começou a cantar fados
com a função de vogal da Comissão de Propa- em recintos particulares, entre eles o Hotel Pisões,
ganda e Organização do Trabalho, durante as em Sintra, e restaurantes. Estreou-se a 6 de maio
gerências de 1916, 1917 e 1918 (até ao advento de 1873, na opereta Equilíbrios de Amor, de Cu-
do sidonismo). No seu percurso individual foi nha Belém, no Teatro da Trindade, e agradou pela
substituindo, gradualmente, as atividades de ca- voz de timbre simpático que se prestava a todas
rácter cívico pela prática religiosa, devotando- as modulações do canto, segundo a imprensa da
se, nos últimos anos de vida, à manutenção de época. Depois da estreia, partiu para o Teatro da
obras piedosas, enquadradas pela Igreja Católica. Trindade no Porto, onde fez a sua primeira apa-
Bib.: Bernardino Machado, As Crianças – Notas dum Pai, rição na ópera cómica O Shah em Pancas, letra
2.a edição, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1903; de Manuel Maria Rodrigues, e teve o papel prin-
Elzira Machado Rosa, A Educação Feminina na Obra Pe- cipal na opereta O Diabrete, ambas com música
dagógica de Bernardino Machado – Propostas a favor de Alves Rente, com muito sucesso. Fazia parte
da igualdade e da emancipação das mulheres, Coleção
Cadernos Museu Bernardino Machado, n.o 2, Câmara Mu-
do elenco de A Pata da Cabra, última peça a ser
nicipal, Vila Nova de Famalicão, 1999; Idem, “Bernar- representada no Teatro Trindade do Porto, antes
dino Machado”, Bernardino Machado, Catálogo da do incêndio, a 16 de junho de 1875. Dali, passou
Exposição Permanente – Museu Bernardino Machado para o Teatro Baquet, onde fez uma boa carreira,
[coord. Filipe Jorge], Produção Editorial Argumentum, começando com um estrondoso êxito no papel de
2002; Idem, Bernardino Machado – Fotobiografia, Lis-
boa, edição Museu da Presidência da República, 2006. “Mme. Lange” em A Filha da Senhora Angot, ope-
[E. D. M. R.] reta de Charles Lecoq, tradução de Francisco Pa-
lha, ao lado de Amélia Garraio* e Emília Eduar-
Joaquina Rosa da Costa da*. Este grande êxito levou a que a apelidassem
Atriz conhecida por “Joaquina do Ginásio”, foi de “diva de Lecoq”. Voltou para o Teatro da Trin-
exímia em papéis de “mãe” e “tia”. Terá nasci- dade, em Lisboa, para a Companhia de Francis-
do por volta de 1817, pois quando concorreu para co Palha, onde reapareceu, a 25 de abril de 1878,
o Teatro D. Maria II, em 1846, afirmou ter 29 anos. em Viagem à Lua, opereta fantástica traduzida por
Era casada com o ator Isidoro José da Silva. Em Eduardo Garrido, música de Offenbach, com mui-
1846, integrou o elenco do novo Teatro do Gi- tos aplausos do público e da crítica teatral. Ficou
JOS 392

pelo Trindade durante 14 anos, onde cantou nas comédia em 3 atos O Dr. Empofias, de Henri Sta-
óperas cómicas O Duquesinho, adaptação de bitezer, traduzida por Acácio Antunes, e a peça
Eduardo Garrido, O Milho da Padeira (1879), em em 1 ato A Ceia dos Asilados, paródia à Ceia dos
3 atos e 4 quadros, música de Offenbach, Babio- Cardeais, por J. Ferreira e S. Alves. Nesse ano, en-
le (1879), Gentil Dunois (1879), cantou o rondó trou na revista A Aranha, escrita por D. João da
de O Médico Cor de Rosa, em 3 atos, tradução de Câmara, Júlio Dantas e Henrique Lopes de Men-
Aristides Abranches e G. Celestini, música de donça, música de Filipe Duarte. Em agosto de
F. Ricci, Boccacio, em 3 atos, música de Suppé, 1903, foi com o ator António Pinheiro, seu com-
tradução de Eduardo Garrido, Valentim o Diabrete panheiro durante os últimos dez anos de vida, a
(1881), em 3 atos, de Vanloo e Leterrier, música Paris visitar teatros e observar as novas tendên-
de Lacôme, em benefício de Ana Pereira*, Gilet- cias. Ali tomou contacto com o Teatro Livre e o
te de Norbonne, de Audran, traduzida por Mou- seu fundador, André Antoine (1858-1943), que
tinho de Sousa, e O Pato de 3 Bicos. Foi excecional também era o diretor do Teatro Ódeon naquela ci-
em A Filha do Inferno, peça fantástica em 4 atos, dade. A nova linguagem teatral, próxima da con-
tradução de Eduardo Garrido, e nas operetas O Cão versação, e os temas tirados das obras naturalis-
do Malaquias (1880), com Ester de Carvalho*, Pro- tas e realistas entusiasmaram António Pinheiro.
cópio Baeta (1881), traduzida por Paulo Midosi, No regresso, por sugestão deste ator, Josefa inte-
Madame Favart, de Offenbach, Os Sinos de Cor- grou o elenco do Teatro D. Amélia na digressão
neville, em 3 atos e 4 quadros, de Clairville e Ga- artística a Tomar, Santarém, Moura, Faro, Tavira,
bet, tradução de Eduardo Garrido, música de Plan- Portimão, Lagos, Guarda, Portalegre, Castelo de
quette, Noite e Dia, em 4 atos, tradução de Vide e Setúbal, com as peças Blanchette, de Eu-
Eduardo Garrido e C. Leoni, música de Suppé, Pi- gène Brieux, tradução de Carlos Selvagem, Filha
perlin, comédia em 3 atos, tradução de Eduardo Única, A Mantilha de Renda, comédia em 2 atos,
Garrido, e Ditoso Fado, de Manuel Roussado. Can- em verso, de Fernando Caldeira, e Desquite, co-
tou com o ator Portugal, em dueto, na ópera Os média em 1 ato, de P. Ferrier, traduzida por Jai-
Boémios (1881) do maestro Sá de Noronha. Dis- me de Seguier. Em 1904, pertencia à Empresa Ro-
tinguiu-se nas zarzuelas O Segredo de Uma sas & Brazão, então no Teatro D. Amélia, ocupando
Dama, de Barbieri, e Moleiro de Alcalá (1887), com um lugar proeminente em papéis de “damas cen-
arranjo de Eduardo Garrido, e nas comédias A Me- trais” e “características”. Ali fez “Lady Ridgeley”,
nina do Telefone, Sucourf, ambas traduzidas por em A Casa em Ordem, de Artur Piñero, “Koro-
Guiomar Torrezão, e A Ponte do Diabo. Tentou o blewa”, de A Ressurreição de Tolstoi, “Noémia”,
drama em Graziela, em 1 ato, de José Maria de An- em O Subperfeito de Chateau – Buzard, vaude-
drade Ferreira, inspirado em Confidências de La- ville em 3 atos de Grandillot, tradução de Eduar-
martine. Na época de 1893/94, quando a voz já do Garrido, “Sra. de La Landière” em A Castelã,
lhe faltava, escriturou-se no Teatro do Ginásio e peça em 4 atos de Alfred Capus, tradução de Acá-
passou a dedicar-se, exclusivamente, às comédias. cio de Paiva, “Mme. Grécour” em O Adversário,
No género, salientam-se Os Grilos, em 4 atos, bri- e “Toinou”, em Madame de Sans-Gêne, peça em
lhou numa das cocottes de Primeiro Marido de 3 atos e prólogo de Victorien Sardou e E. Moreau,
França, fez Doido com Juízo, Casa Trampolin e tradução de Moura Cabral. Em 1905, na sequên-
De Camaradagem, de Henri Meilher e Philippe cia de uma tournée de André Antoine a Portugal,
Lille, tradução de Eduardo Schwalbach. Em António Pinheiro dirigia a Sociedade Teatro Li-
1895, voltou a cantar opereta numa companhia vre, no Ginásio, uma iniciativa que visava a edu-
que partiu em digressão ao Rio de Janeiro. No Gi- cação do público através do teatro, pela escolha
násio fez, ainda, as comédias Carteira de D. Pe- criteriosa das peças. Josefa era um dos elementos
pito, traduzida do castelhano por Leopoldo de Car- dessa companhia. Desse repertório, constavam:
valho, Carambolas do Amor, em 3 atos, na sua fes- Missa Nova, de Bento Faria; O Condenado, de Va-
ta artística, O Desaparecido, traduzida do francês lentim Machado; Os Que Furam, de Emídio Gar-
por Carlos Moura Cabral, e protagonizou Mada- cia; Às Feras, de Manuel Laranjeira; Prosa, de Gas-
me Angot, opereta de Lecoq. Em 1900, voltou ao ton Sandri; Maternidade, de Brieux; Pai Natural,
Rio de Janeiro e, no regresso a Lisboa, teve a de- de Ernest Depré e Paul Charton; As Vítimas, de
sagradável notícia que tinha ardido a casa onde Fédéric Boutet; A Confissão de Amigo, de Her-
morava, na Rua do Loreto, n.o 25, 2.o andar. A 18 mann Sudermann; e Uma Falência, de Bjorns-
de abril de 1902, fez a sua récita com a estreia da tjerne Bjornson. O Teatro Livre não teve a rece-
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ção esperada, pois o público ainda estava muito presentava ao lado de Carlota Talassi*, Florinda
ligado ao romantismo. Em 1908, integrou a com- Toledo* e do ator Epifânio. Ali foi “Cristine”, na
panhia do Teatro D. Amélia que foi ao Teatro comédia Tekeli ou o Cerco de Mongatz (1837),
D. Maria Pia, do Funchal, representar o drama peça que também foi representada, em simultâ-
Magda, de Sudermann, tradução de Pedro Vi- neo, no Teatro do Salitre. Passou para este tea-
doeira. Já doente e padecendo de amnésias, foi, tro, onde fez os papéis de “Carlota”, em Torre de
em maio de 1909, com a companhia do Teatro Nesle (1837), drama em 5 atos e 9 quadros de Ale-
D. Amélia representar ao Porto e ali faleceu, re- xandre Dumas, ao lado da filha e dos atores Epi-
pentinamente, de congestão cerebral, em casa de fânio e Carlota Talassi, “Ricardo, Duque de
sua irmã Adriana, sita no Passeio das Fontaínhas. York” e “Luci, camareira-mor” em Os Filhos de
Foi sepultada no Cemitério do Repouso. A Em- Eduardo (1837), drama em 5 atos, “Laura”, em
presa Visconde de S. Luís, que explorava à data Os Três Últimos Dias de Um Sentenciado (1838),
o Teatro D. Amélia, pagou as despesas do funeral. de César Perini de Lucca, tradução de António
Bibl.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres Feliciano de Castilho. Entrou em Os Puritanos
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 987; An- de Londres (1838), ao lado da filha, A Volta Ines-
tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis- perada (1838), imitação por António Feliciano
boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 282; Idem, Re- de Castilho, Os Estudantes Alemães ou os Cons-
cordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947,
pp. 290-292; António Pinheiro, “Josefa de Oliveira”, Con-
piradores (1838), comédia em 1 ato. Em 1856, já
tos Largos, Lisboa, Tip. Costa Sanches, Suc., Galhardo & fora dos palcos, foi auxiliada pela Caixa de So-
Costa, Lda. 1929, pp. 156-158; Cunha Belém, filho, “Fo- corros, com uma pensão de 4$800 réis por mês.
lhetim”, Diário Ilustrado, 26/06/1880, p. 1; Eduardo de
Noronha, Reminiscências do Tablado, Lisboa, Guimarães Bib.: “Toledo, Florinda”, Esteves Pereira e Guilherme Ro-
e Ca. Editores, 1927, pp. 15 e 57; Gustavo de Matos Se- drigues, Portugal. Dicionário histórico, corográfico, bio-
queira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publica- gráfico, bibliográfico, heráldico, numismático e artísti-
ções Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, co, Vol. VII, Lisboa, João Romano Torres & Ca. Editores,
pp. 364, 366, 367, 399, 404; Joaquim Madureira (Braz Bu- 1915, pp. 155-156; Gustavo de Matos Sequeira, História
rity) Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, Publicação Co-
Lda. Editores, 1905, p. 474; Manuel Pinheiro Chagas, “Jo- memorativa do Centenário 1846-1946, Lisboa, s.n.,
sepha d’Oliveira” [c/ fot.], O Contemporâneo, Letras, Artes, 1955, p. 200; O Entre-Acto, n.os 10 e 14, 1837; O Desen-
Ciências, Comércio e Indústria, Lisboa, n.o 73, s.a., pp. joativo Teatral, Lisboa, n.os 2, 3, 4, 8 e 9, 1838.
[1-2]; Almanaque dos Teatros, para 1879, continuação [I. S. A.]
do Almanaque da Senhora Angot, por Mendonça & Cos-
ta, 4.o Ano, Lisboa, Livraria Pacheco & Carmo, 1878, p. Josefa Mesquita
32; Diário Ilustrado, 22/04/1878, 01/11/1879, 05/11/1879, v. Josefa Guilhermina de Mesquita
05/04/1880, 26/06/1880, 04/06/1881, 25/06/1881,
p. [3]; Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, 12/03/1881;
“Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 28/11/1952. Josefa Soler d’Assis
[I. S. A.] Bailarina e atriz, considerada um dos grandes ta-
lentos da cena portuguesa, tanto na comédia como
Josefa Emília no drama. Nasceu em Lamego a 15 de setembro
v. Josefa Emília Scchioni de 1822 e faleceu, em Lisboa, a 18 de janeiro de
1864. Era filha da comediante Josefa Vasquez Sol-
Josefa Emília Scchioni ler, natural da Corunha, e do ator José Soller de
Atriz. Fazia parte do elenco do Teatro da Rua dos Valença, que tomou o nome de Navarro e veio
Condes, onde representou na estreia das peças para Portugal fugindo à família para seguir a car-
Retrato de Muitos Mancebos ou O Tio da Amé- reira teatral; irmã de Alfredo Soler; tia das atri-
rica, O Noivo do Algarve (1826), farsa, e Alfa zes Alda* e Adélia Soler*; mãe do ator Júlio So-
Rabe Mágico da Síria ou A Virtude Exaltada ler. Os pais de Josefa representavam, em 1824, na
(1927), mágica em 3 atos. Companhia de Atores Espanhóis estabelecida no
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 11/02/1956, Teatro do Bairro Alto. A atriz casou com o ator
p. 4. António Maria d’Assis (1811-1851), o “galã” com
[I. S. A.] quem contracenou nas peças do Teatro do Sali-
tre e que alguns articulistas consideraram exce-
Josefa Guilhermina de Mesquita lente ator de comédia. Começou por representar
Atriz, mãe da atriz Maria Rita Mesquita*. Em 1835, papéis de criança na modesta companhia am-
estava no Teatro da Rua dos Condes, onde re- bulante do pai e foi muito apreciada no papel de
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“Anjo”, numa peça no Teatro de Viseu. Em Lis- A Grinalda (1851), comédia em 2 atos, adapta-
boa, matriculou-se na Aula de Dança do Con- da da ópera cómica de Scribe e Adam por José
servatório Nacional, acumulando os estudos Maria da Silva Leal, peça que se representava, ao
com a profissão de bailarina no Teatro de S. Car- mesmo tempo, nos teatros do Ginásio e D. Fer-
los, onde entrou na dança mitológica em 3 atos nando na versão musicada, com Rosalina Cas-
As Forjas de Vulcano (1837), de Vestris, e foi “Zé- sano* e Dursilla, distanciando-se destas atrizes
firo” no bailado Flora e Zéfiro (1840), de Penco. pela qualidade da sua interpretação, apesar da ma-
Estava entre as principais figuras do elenco de bai- nifesta pobreza da adaptação e da indumentária
le do Teatro de S. Carlos quando uma extensão da atriz. Sempre ao lado de Epifânio, até à mor-
nervosa da perna esquerda a deixou coxa, ficando te deste, em 1857, entrou nos dramas Molière
impossibilitada de partir para Viena integrada nos (1851), histórico em 5 atos, de António da Cos-
bailados da Companhia de Mabille, que veio ao ta Macedo, A Campainha do Diabo (1851),
Teatro de S. Carlos dançar em Lúcia de Lam- adaptado do original Memórias do Diabo, de Fré-
mermoor, de Donizzetti, a 16 de setembro de déric Soulié, por José Maria da Silva Leal, em que
1843. Restava-lhe seguir a carreira de atriz, con- também entrou o ator Tasso, protagonizou Pai Pró-
forme fora sempre a vontade dos pais. Tomou li- digo (1851) e fez Anjo e Demónio (1853). Quan-
ções com Émile Doux, então empresário do Tea- do, a 17 de dezembro de 1853, se formou a nova
tro da Rua dos Condes, e foi discípula do ator Epi- companhia do Teatro D. Maria II, Josefa Soler con-
fânio. A 8 de abril de 1844, estreou-se no Teatro tinuou no elenco. Em 1859, apareceu no Teatro
do Salitre nos dramas O Infanticídio ou a Pon- da Rua dos Condes, onde representou os dramas
te de S. Cloud, em 5 atos, e A Ciganinha, em 3, Livro Negro, em 6 atos, tradução de Pedro Vi-
que protagonizou, muito apoiada pelo público do doeira, e Pobreza Envergonhada, em 5 atos, ins-
Teatro de S. Carlos que ali se deslocou para a pirado em Les Pauvres de Paris de Brisebarre e
aplaudir. Em 1846, ingressou no elenco do Tea- E. Nus, imitação de Mendes Leal. Despediu-se
tro D. Maria II, classificada como “2.a dama” pelo deste teatro por intrigas entre colegas, a 27 de de-
júri composto por membros do Conservatório, An- zembro de 1859, data em que representou Últi-
tónio Feliciano de Castilho, Luís Augusto Rebelo mo Ato, peça em 1 ato, de Camilo Castelo Bran-
da Silva, José da Silva Mendes Leal e Rodrigo Fel- co, e Uma Atriz no Tempo de Louis XV. O ator
ner. Estreou-se naquele teatro no drama Gonça- Soares Franco apaixonou-se por ela e levou-a para
lo Hermiges (1847), de Jacinto Heliodoro Aguiar representar no Porto. Voltou ao Teatro D. Maria
Loureiro, e fez várias peças melodramáticas ao II, em 1861, e ali entrou em Maria Stuart (1862),
gosto da época. A 30 de agosto de 1848, passou tragédia em 5 atos de Schiller, versão de Mendes
a atriz de 1.a classe e continuou somando êxitos Leal, em que Emília das Neves* foi a protagonista.
em Casal de Giestas (1848), drama em 5 atos de Abandonou o teatro nesse ano. Contaram-lhe 15
Frédéric Soulié, tradução do cónego Soares anos de serviço e foi aposentada com meio or-
Franco, ao lado de Epifânio, a sua mais notável denado. Outras peças do seu repertório: Moços
criação, e Templo de Salomão (1849), de Men- e Velhos, comédia em 3 atos, tradução de Ran-
des Leal. De tal modo satisfez, que o crítico de gel de Lima; Ruínas de Babilónia; Paulino ou Cor-
A Assembleia Literária escreveu: “parece incrí- sos e Genoveses; João de Calais; Naufrágio da Fra-
vel que possa possuir-se do seu papel ao ponto gata Medusa, mágica, adaptação de Joaquim
de modificar as feições, e dar tal expressão às pa- Augusto de Oliveira; A Mulher Que Deita Car-
lavras que chega a enternecer o espetador dis- tas, drama em 5 atos e 7 quadros de Victor Sé-
traído pelo aparato do mise en scène”. Era, en- jour na tradução de Ernesto Biester; Homens Sé-
tão, a grande figura feminina do Teatro D. Maria rios, comédia-drama em 4 atos de Ernesto Bies-
II, onde criou A Condessa de Sennercy (1848), ter; Ódio de Raça, drama em 3 atos de Francis-
drama em 3 atos de Bayard e Adolph d’Ennery, co Gomes de Amorim; Profecia ou A Queda de
“Princesa Carlota” de Os Herdeiros do Czar Jerusalém, drama de D. José de Almada e Len-
(1850), drama de P. Foucher, ambas em tradução castre; Trapeiro de Paris, drama histórico em 5
de José Maria da Silva Leal, Mariana (1850), dra- atos de Félix Pyat; Honra e Dinheiro, peça em 5
ma, foi “Madalena” em Frei Luís de Sousa atos de Luís Augusto Rebelo da Silva; Mulher Que
(1850), drama em 3 atos de Almeida Garrett, en- Engana Seu Marido, comédia em 1 ato, tradução;
trou em A Cruz de S. Luís (1850), drama em Fiamina; Casamento à Queima Roupa; Modesta;
3 atos, tradução do Pe. Eleutério, protagonizou Dragões da Rainha; e Palhaço, entre outras. Fa-
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leceu em Lisboa e foi para o jazigo pertencente à A. Coelho, C. Calderón e Tomás Del Negro, com
Associação dos Socorros Mútuos do Montepio dos muito êxito, o que a levou a enveredar por este
Actores Portugueses, no Cemitério dos Prazeres. género teatral. Nesse ano de 1913, seguiu a com-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres panhia para o Porto, teatros Olímpia e Varieda-
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1234; An- des, e por lá fez o papel de “compère” em A Es-
tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis- piga, revista de Eduardo Rodrigues, Félix Ber-
boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 193; Idem, mudes, Pereira Coelho e Matos Sequeira, música
Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947,
p. 310; Duarte Ivo Cruz, “Sociologia do actor”, História do
de Alves Coelho e E. Graça, a que se seguiram En-
Teatro Português – O ciclo do romantismo, Lisboa, Gui- tre as Mulheres e O Processo do Vinho Verde. Re-
marães Editores, 1988, pp. 104-105; Grande Enciclopédia gressou a Lisboa, contratada para o Eden-Teatro
Portuguesa e Brasileira, Vol. XXIX, Lisboa/Rio de Janei- para as revistas Dominó (1915), de Pereira Coe-
ro, Editorial Enciclopédia, p. 566; Esteves Pereira e Gui- lho, Alberto Barbosa e Matos Sequeira, música
lherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, coro-
gráfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático de Tomás Del Negro e C. Calderón, Ás de Oiros,
e artístico, Vol. VI, Lisboa, João Romano Torres & Ca., Edi- de Alberto Barbosa e José Moreno, música de To-
tores, 1912, pp. 1017-1018; Francisco da Fonseca Bene- más Del Negro, Luz Júnior e W. Pinto, O 31, de
vides, O Real Teatro de S. Carlos de Lisboa, Lisboa, Ti- Luís Galhardo, Pereira Coelho, Alberto Barbosa,
pografia Castro Irmão, pp. 102, 173 e 270; Gustavo de Ma-
tos Sequeira, História do Teatro Nacional D. Maria II,
música de Tomás Del Negro e Alves Coelho, Três
Vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário, 1846-1946, Vezes nove vinte e sete, Maré de Rosas, A, B, C.,
Lisboa, 1955, p. 255; Idem, Teatro de Outros Tempos – Ele- entre outras, representando ao lado dos atores Es-
mentos para a história do teatro português, Lisboa, 1933, têvão Amarante e Nascimento Fernandes. Ten-
p. 416; Júlio Cesar Machado, Biografia da Actriz Soller, tou o teatro declamado, com êxito, na peça O Tra-
Lisboa, Tipografia de J. Germano de Sousa Neves, 1860
[com retrato de Sousa e assinatura dela]; Idem, “Josefa Sol- tado Secreto exibida no Eden-Teatro. Colaborou
ler”, Os Teatros de Lisboa, Lisboa, Editorial Notícias, 1991, na Festa dos Retratos a Favor dos Artistas Invá-
pp. 82-90 [com retrato]; Memórias de Eduardo Brazão, que lidos, matiné promovida pela Associação da Clas-
seu filho compilou e Henrique Lopes de Mendonça pre- se dos Trabalhadores de Teatro em benefício dos
faciou, Lisboa, Empresa da Revista de Teatro Lda. Editor,
1.a edição; O Entre-Acto, Lisboa, n.o 16, 1837, p. 65; A As- artistas inválidos. Em 1917, foi em digressão ao
sembleia Literária, Lisboa, n.o 8, 22/09/1849, n.o 25, Brasil onde, além de revistas, entrou nas opere-
09/02/1850, n.o 30, 20/04/1850, e n.o 35, 17/08/1850; “Tea- tas Viúva Alegre, de Franz Lehar, Conde de Lu-
tros”, Revista Popular, Vol. IV, Lisboa, Tipografia da Re- xemburgo, A Casta Susana, em 3 atos, de J. Okon-
vista Popular, 1851, pp. 18, 39-39, 170 e 235; “Folhetim”, kowsky, música de J. Gilbert, tradução de E. Nas-
Diário Ilustrado, 10/05/1880, p. [2]; “Teatros – Foi neste
dia...”, O Século, 04/04/1960, p. 6. cimento Correia, Mercado de Donzelas e Sibyl.
[I. S. A.] Quando regressou, foi contratada pela Empresa
de Lucinda Simões que explorava o Teatro do Gi-
Josefa Teresa Soares násio, onde representou no repertório da com-
Atriz. Representou A Escrava de Mariemburgo panhia, com especial êxito em A Cadeira n.o 13,
(1808), drama de António Xavier Ferreira de Aze- Entre Giestas (1919), drama em 3 atos de Carlos
vedo, no Teatro de S. João, do Porto. Selvagem, e Sonho de Uma Noite de Agosto. Em
Bib.: Teófilo Braga, Garrett e os Dramas Românticos, Por-
1919, voltou ao Brasil com a Companhia Carlos
to, Livraria Chardon, 1900. Leal e, no regresso, em 1920, foi contratada pela
[I. S. A.] empresa Enigma Film para integrar o elenco dos
filmes O Rei das Flores e Suicida na Boca do In-
Josefina Augusta Amélia Saraiva ferno. Entrou para a companhia que inaugurou
Atriz. Nasceu em Lisboa a 10 de agosto de 1892 o Teatro Maria Vitória, onde se estreou na revista
e faleceu em 1965. Casou com o industrial grá- Lua Nova (1922), de Ernesto Rodrigues, Félix Ber-
fico José Fernandes Pinto Paquete e era mãe do mudes, João Bastos e H. Roldão, música de
ator João Perry (1910-1949). Como a família se A. Coelho, e entrou nas revistas Rés-Vés (1924),
opunha a que seguisse a carreira teatral, esperou de Alberto Barbosa, X. de Magalhães e Luís Ga-
pela maioridade e ingressou na Companhia lhardo, música de H. Vidal e R. Portela, e Pó de
Luís Galhardo, no Teatro da Avenida, com o nome Arroz (1926), de José e Luís Galhardo, Alberto Bar-
artístico de Amélia Perry, onde se estreou na re- bosa e Vasco Santana, música de R. Portela e
vista A Família Polaca e entrou em Alerta! (1913), T. Del Negro, no Teatro das Variedades. Em 1930,
revista de Pereira Coelho, em colaboração com fez uma longa digressão pelas principais cidades
Luís Galhardo, Alberto Barbosa, música de de Angola e Moçambique e teve muito sucesso
JOS 396

nas revistas A Rambóia, de Luís da Silva, música Josefina Cordal


de H. Vidal, R. Ferrão A. Lopes e F. de Freitas, e Atriz, possivelmente familiar de Mário e Maria
Burro em Pé, de Xavier Magalhães e Lino Ferreira, Cordal, que vieram para Portugal integrados na
Sopa de Massa de Jorge Cadete. A última peça Companhia de Atores Espanhóis que se estabe-
que representou antes de se retirar de cena foi leceu no Teatro do Bairro Alto, por volta de 1824,
As Duas Irmãs, drama em 3 atos, tradução de Pi- e que por cá ficaram. Estreou-se no velho Teatro
nheiro Chagas, no Trindade, ao lado do filho, João da Rua dos Condes, a 8 de março de 1855, na co-
Perry, que se estreava no teatro. média As Criadas, e passou para o Ginásio, onde
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- fez, durante muitos anos, papéis importantes. Não
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1040; era bonita, nem elegante, representava com voz
C. A. [Carlos Almeida], “Galeria de Arte – Amélia Per- fanhosa e deveu ao trabalho do ensaiador Romão
ry”, Mundo Teatral, Lisboa, 22/07/1923; Grande Enci- António Martins (f. 1878) os sucessos no palco.
clopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXI Lisboa/Rio Foi para o Brasil, fixou-se na cidade do Rio de
de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 385; Luiz Francisco
Rebello, História do Teatro de Revista em Portugal, 2. Janeiro, abandonou a carreira artística e não mais
Da República até hoje, Lisboa, Publicações D. Quixote, se soube dela.
1985, pp. 289-297. Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
[I. S. A.] Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 271; An-
tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis-
Josefina Augusta de Oliveira Botelho boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 193; Gustavo de
Filha de António Augusto de Oliveira Botelho, Matos Sequeira, Teatro de Outros Tempos. Elementos para
a História do Teatro Português, Lisboa, 1933, p. 416; “Tea-
natural do concelho de Ribeira de Pena, distri- tros – Foi neste dia...”, O Século, 08/03/1960, p. 4.
to de Vila Real. Professora oficial efetiva do en- [I. S. A.]
sino elementar e complementar em Barcelos, can-
didatou-se, em 10 de abril de 1890, a um lugar Josefina do Nascimento
no Liceu Feminino do Porto, quando este abris- Participou na Marcha da Fome ou Marcha do Pão
se. Josefina Botelho foi publicamente examina- realizada em 8 de maio de 1944, em Alhandra,
da no 2.o grau de instrução primária, tendo ob- e que atravessou a vila durante o desfile reivin-
tido a classificação de suficiente, 5 valores, e es- dicativo em direção a Vila Franca de Xira, na se-
tando habilitada a exercer o magistério. O exa- quência do movimento grevista desse dia na re-
me teve lugar na 4.a circunscrição de Braga. O seu gião. Foi uma das mulheres alhandrenses presa
processo inclui um certificado dessa circunscrição pela GNR, na Praça de Touros de Vila Franca de
escolar declarando que completou o 1.o grau de Xira. Foi interrogada pelo PIDE Silva Pais, trans-
instrução primária, obtendo a classificação de portada para Lisboa, para a Praça de Touros do
Bom. Tem também um certificado da munici- Campo Pequeno e, no dia 11, enviada para o For-
palidade de Famalicão, com o alvará de nomeação te de Caxias, onde permaneceu enclausurada até
de professora de ensino primário do 1.o grau do agosto, juntamente com a filha pequena.
sexo feminino, por três anos, com o vencimen- Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
to anual de 120000$, em sessão de 25 de abril de sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
1885. A 20 de janeiro de 1890, o vice-presiden- sência, 2005; Notícias de Alhandra, maio, 1983.
te da Comissão Executiva da Câmara Municipal [J. E.]
de Barcelos promoveu-a a efetiva da cadeira de
ensino elementar e complementar do sexo fe- Josefina Miró
minino desta vila, tendo sido o alvará de efeti- v. Josefina Santos Miró
vidade concedido a 5 de fevereiro de 1890. O seu
processo inclui ainda um atestado das câmaras Josefina Santos
municipais de Barcelos e de Vila Nova de Fa- v. Josefina Santos Miró
malicão, bem como do administrador do concelho
de Barcelos, sobre o bom comportamento, e um Josefina Santos Miró
registo criminal passado pela comarca de Vila Atriz. Nasceu a 1 de novembro de 1826 e fale-
Pouca de Aguiar. ceu a 17 de agosto de 1900, no Hospital de
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
S. José. Era muito elegante e vestia sobriamen-
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. te. Eduardo Noronha e João Pinto de Carvalho
[A. C. O.] (Tinop) referem-se à frieza em cena e à exube-
397 JOS

rância das atitudes nas ceias da boémia. Foi para Josefina Soares
o então Teatro Nacional da Rua dos Condes, Atriz. Faleceu a 28 de março de 1922. Era uma
onde fez os papéis de “Laura”, no drama em notável “característica”. No Teatro Apolo, entrou
5 atos D. Maria Alencastro (1843), ao lado de na reprise de José João, paródia em 4 atos ao dra-
Carlota Talassi*, e “Adelaide”, no drama Na- ma João José de Joaquim Dicenta, por Eduardo
poleão (1843), de Mendes Leal. Passou pelo Tea- Fernandes (Esculápio), música de Rio de Car-
tro da Rua do Salitre, donde transitou para o Tea- valho. Em 1914, pertencia à Empresa Ruas, no
tro D. Maria II quando este se inaugurou a 13 de Teatro Apolo de Lisboa, com a qual foi ao Tea-
abril de 1846, classificada em “2.a dama amo- tro Nacional do Porto representar Águia Negra,
rosa”, pelo júri composto por membros do de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bas-
Conservatório e António Feliciano de Castilho, tos, música de Joaquim Alagarim. Fez digressões
Rebelo da Silva, Mendes Leal e Rodrigo Felner. ao Brasil, onde a imprensa a classificou de “a me-
Quando o novo Teatro do Ginásio reabriu, de- lhor caricata” dos atores portugueses. Morreu lou-
pois de ter encerrado durante a revolta da Ma- ca e esquecida.
ria da Fonte*, fez parte do elenco de A Marquesa Bib.: Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa,
(04/10/1848), a primeira ópera cómica que se Parceria António Maria Pereira, 1940, p. 196; “Teatros
compôs em Portugal, original de Paulo Midosi – Foi neste dia...”, O Século, 22/01/1956, p. 4, 08/03/1956,
p. 7.
e música de António Luís Miró, contracenan- [I. S. A.]
do com Taborda; cantou em Vivandeira (1849),
de Francisco Palmeirim; fez benefício com A Ve- Josephine Lilley Shercliff
lhice Namorada Sempre Leva Surriada (1849), Nasceu em 1902, vindo a falecer em 1985. Foi
farsa de Francisco Xavier Pereira da Silva e mú- sempre conhecida por José ou Jo Shercliff. Jor-
sica de Miró; e representou A Mulher Que se Dei- nalista inglesa, cedo decidiu não querer ficar em
ta da Janela Abaixo. Casou, em 1849, com o pia- casa à espera de marido, como era o costume no
nista, compositor e maestro Miró (1815-1853), seu meio de classe-média britânica. Licenciou-
que escreveu várias óperas e dirigiu o Teatro de -se em literatura na Universidade de Oxford. Dei-
S. Carlos em 1836 e 1845/46. Josefina chegou xou o Reino Unido aos 20 anos e raramente lá
a estar bem colocada no Teatro D. Maria II e saiu regressou. Viveu primeiro em Paris, onde iniciou
para ir com o marido para Buenos Aires e, de- a vida profissional como secretária da bibliote-
pois, para o Brasil. Miró terá morrido de febre- ca americana e conheceu muitos dos escritores
-amarela, no Rio de Janeiro, e Josefina por lá con- norte-americanos que então viviam naquela ci-
tinuou a trabalhar durante muito tempo. Já ido- dade. No jornalismo, iniciou-se como assisten-
sa, o delegado da então colónia portuguesa, con- te do correspondente do jornal Daily Herald,
de de Matosinhos, providenciou-lhe o regresso onde depressa lhe reconheceram os méritos de
a Lisboa onde, já quase entrevada pelo reuma- persistente repórter. Um dos seus trabalhos foi
tismo, não conseguiu escritura e empregou-se localizar a antiga cantora do Moulin Rouge, Jane
ao balcão de uma lojinha na Rua da Atalaya. Avril, que já velha e doente lhe contou a sua vida.
Emília Eduarda* socorreu-a e, com outros co- Com a informação recolhida, Jo escreveu um li-
legas, providenciaram-lhe casa e refeições. vro. Na década de 1930, passou a correspondente
Caiu na rua e faleceu no Hospital de S. José. do News Chronicle, em Paris. Cobriu a Guerra
Civil Espanhola e esteve presente noutros locais
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 193; marcantes da história dessa época. Quando Pa-
Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, ris sucumbiu à invasão alemã, em 1940, conse-
1947, p. 158; Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroi- guiu fugir e anuiu à proposta dos patrões para
nices, Decadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição que fosse para os EUA. Ao passar por Lisboa,
Romano Torres & Ca., 1922, p. 155; Gustavo de Matos
Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publi- compreendeu que neste país neutral se passavam
cações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967; episódios dignos de serem reportados, pelo
João Pinto de Carvalho (Tinop), “O Velho Chiado”, Cor- que desistiu dos EUA e aqui permaneceu, tra-
reio da Manhã, 25/01/1895, p. [4]; Idem, “O velho Gi- balhando sempre como jornalista. Durante a guer-
násio”, Lisboa de Outros Tempos, T. 1. Figuras e Cenas
Antigas, Lisboa, Liv. de António Maria Pereira, Editor,
ra observava cuidadosamente as manobras de es-
1898, pp. 166-177. pionagem quer dos Aliados quer do Eixo, so-
[I. S. A.] bretudo na zona de Lisboa e do Estoril, e passava
JOS 398

informação codificada aos serviços de espiona- guesa, A Marselhesa e outros números de can-
gem ingleses através dos meios de comunicação to e piano, acompanhada pela orquestra dirigi-
social. Acolheu e apoiou grande número de re- da pelo maestro Raimundo de Macedo.
fugiados de todas as nacionalidades e, numa épo- Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916
ca em que eram raras as jornalistas mulheres, de- – 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua
pressa se tornou conhecida entre os seus pares, obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos
os outros correspondentes estrangeiros em Por- Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
do Porto, Lda., 1932, pp. 49, 61, 62.
tugal, pelas suas qualidades de exatidão, de per- [N. M.]
sistência, de autonomia e de coragem. Foi cor-
respondente da agência noticiosa Associated Judite de Reis Ramos
Press e, a partir de 1960, do jornal inglês The Ti- Filha de Francisco de Reis Ramos e Maria do Car-
mes. Também colaborou com o Serviço Inter- mo, nasceu em Viseu em 1880, na Viela de São
nacional da BBC. Publicou muitos artigos no The Francisco. Morreu em 1959, no dia 17 de maio,
Anglo-Portuguese News e era muito amiga dos em Lisboa. Foi registada como filha de pai in-
proprietários. Os correspondentes estrangeiros cógnito, sendo os avós maternos José Filipe e Ma-
que passavam por Portugal em serviços tempo- ria Rosa. A perfilhação só aconteceria anos mais
rários batiam-lhe muitas vezes à porta, sabendo tarde, a 26 de novembro de 1907, por Francisco
que ela dispunha de conhecimentos e de infor- dos Reis Ramos, alferes da infantaria, quando a
mações preciosas. Foi muitas vezes chamada a escritora, aos 28 anos, já residia em Lisboa. En-
prestar declarações na PIDE, pois eram conhe- tre os 13 e 14 anos, em 1894, já produzira seus pri-
cidas as suas posições críticas face ao regime, mas meiros versos, publicados anos depois, entre 1918
nunca se atreveram a expulsá-la do país, como e 1919, assinados por pseudónimos, no Jornal da
aconteceu a outros, talvez por temerem a re- Tarde. Casou-se duas vezes, primeiro com Jaime
percussão internacional que tal provocaria. Re- Levy Azancot, divorciando-se em 8 de março de
formou-se, a contragosto, em 1981. A persona- 1913, acusada pelo seu marido de adultério e aban-
lidade franca e assertiva, o sentido de humor, a dono de domicílio, para, em 22 de abril de 1914,
independência e autenticidade, fez com que ti- se casar com o advogado Álvaro Virgílio de Fran-
vesse um grande número de pessoas amigas, es- co Teixeira, período em que residiu no Buçaco.
trangeiros e portugueses, entre os quais Mário Contudo, é só a partir de 1922, portanto aos 42
Soares e Raul Rego, que a visitaram no hospital anos, que Judith escreveu a maioria dos poemas
pouco antes de morrer. Vários jornais portugueses das suas primeiras obras: Decadência (1923) e Cas-
noticiaram a sua morte. telo de Sombras (1923). Vale ressaltar que Judith
Bib.: Diana Smith, “A Doughty Companion of Special Teixeira viveu numa época de mudanças dos pa-
Wit and Wisdom”, The Anglo-Portuguese News, n.o 1339, radigmas sociais impostos às mulheres, mas, mes-
14/02/1985. mo assim, não conseguiu fugir do generalizado
[A. V.] conservadorismo público, que vai repudiar a sua
obra (Decadência), juntamente com as de Raul
Josette de Crosse Leal (Sodoma Divinizada) e António Botto (Can-
v. Henriqueta Júlia de Mira Godinho Gomes da ções), por apresentarem uma “literatura homos-
Costa sexual” ou “sodomita”, sendo os seus livros quei-
mados em praça pública, dando início a mais uma
Judite Adelina Basto de Lima polémica na literatura portuguesa. Tais factos ocor-
Cantora. Abrilhantou, em 13 de julho de 1918, reram em março de 1923, quando o governador
a sessão solene realizada no Palácio da Bolsa em civil de Lisboa, instigado por estudantes católi-
homenagem à França, promovida pela Junta Pa- cos conservadores, ordena o recolhimento de tais
triótica do Norte. Atuou ao lado de Suzanne Wetz- obras para depois as cremar. Essa polémica é a
les, Maria Adelaide Diogo*, Luís Costa e Rai- mais indigesta no meio literário e académico por-
mundo de Macedo. Em 4 de maio de 1919, Ju- tuguês: obras literárias baseadas no discurso ho-
dite Lima participou também na sessão de ho- moérotico masculino/feminino vêm chocar dras-
menagem Pró-Aliados, realizada no Teatro Sá da ticamente um país católico como Portugal. Por
Bandeira, no Porto, com a presença dos membros isso, surgiram frequentes críticas com carácter re-
do Governo, das autoridades portuenses e dos pressivo, mesmo com o passar dos anos, tais como
cônsules das Nações Aliadas. Cantou A Portu- o artigo de Marcelo Caetano, militante conser-
399 JUD

vador, que se dizia contra a falta de vigilância na deixasse guardados para si até hoje, mantendo,
sociedade portuguesa e que publica, no periódi- consciente ou inconscientemente, a escritora
co Nova Ordem, um texto intitulado “Arte sem numa zona de “invisibilidade”. Em relação à te-
nenhuma moral”, mostrando-se indignado con- mática do lesbianismo, podemos resumir assim
tra o novo tipo de literatura produzida no país. a poética de Judith Teixeira: o discurso erotiza-
Não é à toa que Fernando Pessoa sai em defesa do, não apenas o lésbico, predomina em Deca-
dessa nova literatura, expressando a sua posição dência (1923); já em Castelo de Sombras (1923)
contra a falta de liberdade artística, citando, en- há impressões sobre o amor – que não tem ne-
tretanto, apenas os trabalhos de António Botto e cessariamente a identificação com o sáfico; o dis-
Raul Leal. Passada essa querela, Judith Teixeira curso erótico é mitigado, associado ou transfor-
ainda publica Nua. Poemas de Bizâncio (1926), mado em amargura, angústia, frustração, incon-
uma conferência intitulada De Mim. Conferência. formismo e dor profunda: seja a do enfrentamento
Em que se explicam as minhas razões sobre a da realidade, seja o da saudade amorosa, não for-
vida, sobre a Estética, sobre a Moral e, por fim, çosamente lésbica. Em Nua/Poemas de Bizâncio
seu único livro em prosa, Satânia. Novelas (1926), a temática homoerótica ressurge mais co-
(1927). A escritora ainda dirigiu a Revista Euro- medida, através de um coquetismo que canta o
pa (1925) – de que saíram apenas três volumes , amor abrasador, o idílico, o nostálgico, o acalen-
periódico que contou com produções de autores tador, o desiludido. Já na obra Satânia, contos de
como Florbela Espanca, Ferreira de Castro, Al- 1927, a temática lésbica não aparece. Todavia, por
mada Negreiros, Amadeo de Souza-Cardoso, en- o seu primeiro livro ter sido tão fortemente mar-
tre outros. Colaborou, ainda em 1922, na Con- cado por essa conotação polémica, a autora car-
temporânea, com direção de José Pacheco, e en- regará a marca “homoerótica” quando se fala de
tre 1926 e 1927 no quinzenário literário Nova Ar- sua literatura – o que gera uma perspetiva mui-
cádia. Também em 1927, temos conhecimento de to redutora dos seus textos, que ultrapassam tal
que a autora terá saído do país, num ano que, coin- temática, causando um verdadeiro “descaso li-
cidentemente ou não, José Régio agrava ainda mais terário”, nas palavras de Martim Gouveia de Sou-
a receção da produção literária judithiana, des- sa. Não obstante, tal situação fê-la defender-se atra-
prestigiando as suas produções, ao afirmar que vés de uma conferência intitulada De Mim, ao ex-
uma canção de António Botto valeria mais do que por o seu ponto de vista enquanto artista, já que
a obra completa da autora – afirmação deveras in- para ela a arte não poderia ser moldada pelos pre-
verosímil, já que a obra de Judith nada ficaria a conceitos da sociedade; protegendo-se dos seus
dever em qualidade literária, se a compararmos opositores, o seu único fito fora fazer arte sem con-
com a de Florbela Espanca e até mesmo com a de templações de ordem moral, apenas a razão lú-
Mário de Sá-Carneiro. É preciso frisar que a au- cida da beleza associada à grande porção de lu-
tora tinha em mente outras publicações, que fo- xúria, típica dos verdadeiros artistas: “Não deve
ram reveladas nas edições de Castelo de Sombras haver limites na concepção do artista. Mas sim li-
(1923) – em que se indicam os títulos próximos berdade máxima!”
de Cartas a ninguém e Conferência de Arte; e, em Da autora: Decadência. Poemas, Lisboa, Imprensa Li-
Satânia. Novelas (1927), ficamos a saber de bânio da Silva, 1923; Castelo de Sombras, Lisboa, Im-
mais três obras que estariam no prelo e nunca fo- prensa Libânio da Silva, 1923; Nua. Poemas de Bizân-
ram publicadas: Labaredas (drama em 3 atos, pro- cio, Lisboa, Editores J. Rodrigues & C.a, 1926; De Mim.
Conferência. Em que se explicam as minhas razões so-
sa); Taça de Brasas (versos) e dois livros de con- bre a Vida, sobre a Estética, sobre a Moral, Lisboa, J. Ro-
tos intitulados Sulcos e Novelas. Tais obras nun- drigues & Companhia, 1926; Satânia. Novelas, Lisboa,
ca vieram a público. Os seus manuscritos ter-se- Livraria Rodrigues & Companhia, 1927; Poemas [prefácio
iam perdido, podendo deduzir-se que, possivel- de V.S.T.], “Scriptorium” de Maria Jorge, Lisboa, Edição
mente, os editores tiveram relutância em publi- & etc., 1996; Decadência [prefácio e biografia de Mar-
tim de Gouveia e Sousa], Viseu, Instituto Politécnico de
cá-los, devido ao estigma que a escritora carregou Viseu, 2002; Satânia. Novelas [posfácio de Martim de
depois da sua primeira obra. Outra possibilida- Gouveia e Sousa], Lisboa, Edições Varicelas/Coleção Pira
de é que, após a sua morte, em 17 de maio de 1959, Pública, s.a.
em Campo de Ourique, Lisboa, onde residia so- Bib.: Alicia Perdomo H., “Una escritora portuguesa van-
guardista de los años 20. Metaconstrucción, fictivización,
zinha, viúva, sem filhos, sem parentes nem tes- identidad y juegos narcisistas en la obra de Judith de Tei-
tamento, algum parente ou amigo próximo se des- xeira”, Ciberayllu, 22 de junio del 2003, disponível en
fizesse completamente dos seus pertences, ou os http://www.andes.missouri.edu/andes/Especiales/AP-
JUD 400

Teixeira/AP_Teixeira_1.html, acesso em 15 de outubro Trabalhou nos Teatros da Avenida e D. Maria II,


de 2011; Ana Maria Binet, “Judith Teixeira (1880-1959) donde saiu por incompatibilidades com os cole-
ou le premier modernisme portugais au feminin”, Lit-
tératures – voi(es)x de l’autre: poétes femmes XIX – XXI gas. Passou para o Teatro República. Foi em di-
siècles, Clermont-Ferrand, Press Universities Blaise Pas- gressão ao Brasil, integrada na troupe Ângela Pin-
cal, 2010, pp. 139-147; Cláudia Pazos Alonso, “Modernist to-Chaby Pinheiro, constituída por atores e atri-
differences: Judith Teixeira and Florbela Espanca”, zes deste teatro, e protagonizou Primorose, peça
Portuguese Modernism: Multiple perspectives in lite- de Flers e Caillavet. Esteve no Teatro dos Recreios,
rature and the visual arts, Jeronimo Pizarro, Londres,
Steffen Dix (eds.), Legenda, 2011, pp. 1-18; Fabio Ma- no Rio de Janeiro, onde trabalhou durante 14 anos.
rio da Silva & Ana Luísa Vilela, “Homo(lesbo)erotismo Em 1912, fez alta comédia, contracenando com
e literatura, no Ocidente e em Portugal: Safo e Judith Tei- Eduardo Brazão, Augusto Rosa, Ferreira da Sil-
xeira”, Navegações, v. 04, n.o 1, jan a jun, 2011, pp. 69- va e Ângela Pinto. Destacou-se como “ingénua”
-76; Gil de Carvalho, “Judith Teixeira – Poemas”, Co-
lóquio/Letras, n.o 149-150, julho/dezembro, Lisboa, na comédia Miguette et sa Mère, de Flers e Cail-
1998, p. 407 [Recensão]; Maria Lúcia Dal Farra, “Gilka lavet, tradução de André Brun, em que foi a pro-
Machado e Judith Teixeira: o maldito no feminino”, Bo- tagonista, no Teatro do Ginásio, e teve sucesso em
letim, Ano XV, n.o 25, Araraquara, UNESP, Centro de Es- Rato Azul, versão de Xavier Marques. Em 1965
tudos Portugueses Jorge de Sena, janeiro/dezembro, 2007, era viva e estava no Rio de Janeiro.
pp. 157-186; Martim de Gouveia Sousa, Judith Teixei-
ra: Originalidade poética e descaso literário na década Bib.: AA.VV., Os Grandes Comediantes Portugueses in
de vinte, Dissertação de Mestrado, Aveiro, Universida- Memoriam Ângela [sob a direção e prefácio de Noguei-
de de Aveiro, 2001; Idem, “Lesbianismo e interditos em ra de Brito], Lisboa, Empresa “de Teatro”, 1925, pp. 123-
Judith Teixeira”, Forma Breve 7: Homografias – Litera- -124; Álvaro Lima, “Judite de Mello” [c/retrato], Alma-
tura e homoerotismo, Aveiro, Universidade de Aveiro, naque dos Palcos e Salas para 1912, Lisboa, Arnaldo Bor-
2009, pp. 47-61; René P. Garay, “Alguém se recorda des- dalo, Editor, p. 49; Américo Lopes de Oliveira, Dicionário
te nome: Judith Teixeira”, Artes & Artes, n.o 29, setem- de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981,
bro/outubro, 2000, pp. 5-7; Idem, “Sexus sequor: Judi- pp. 885-886; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a
te Teixeira e o discurso modernista português”, Faces Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
de Eva. Estudos sobre a Mulher, n.o 5, 2001, pp. 53-74; Municipal de Lisboa, 1967, pp. 369 e 374.
Idem, Judith Teixeira: O modernismo sáfico português, [I. S. A.]
Prefácio de Teresa Maria Carrilho, Lisboa, Universitá-
ria Editora, 2002.
[F. M. S.] Judite Mercedes
v. Conceição Vitória Marques
Judite Garcez
Atriz portuguesa. Nasceu a 18 de fevereiro de Judite Rodrigues
1875. Estreou-se no Teatro do Ginásio a 31 de de- Atriz, conhecida por “dama loura”, que se dis-
zembro de 1903, no papel de “Mme. Desmasmes” tinguiu no teatro de comédia. Era filha do ator Ro-
em O Outro Sexo, vaudeville em 4 atos de Va- drigues, que faleceu no Brasil em 1894, com 80
labregue e Hannequin, tradução de Sousa Bas- anos. No Teatro do Ginásio, entrou nas comédias
tos, e ali continuou representando, distinguin- em 3 atos Jucunda (1889), de Abel Botelho, Co-
do-se em Grande Bolha, comédia em 3 atos, imi- missário de Polícia (1890), de Gervásio Lobato,
tação do alemão por Xavier Marques. Na época As Algarvias e Uma Mania (1891), em 1 ato. Em
de 1903-1904, pertencia à Empresa J. J. Pinto, en- 1915, estava no Teatro Apolo Terrasse, do Por-
tão no Teatro do Ginásio. to, onde integrou o elenco de A Capital Federal,
opereta brasileira de Artur Azevedo, música do
Bib.: Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de maestro Nicolino Milano.
Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905,
p. 474. Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
[I. S. A.] de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
nicipal de Lisboa, 1967, p. 369; Rafael Ferreira, Da Far-
Judite Lima sa à Tragédia – Teatros, circos e mais diversões de ou-
tras épocas, Porto, Domingos Barreira Editor, 1943,
v. Judite Adelina Basto de Lima p. 91; O Século, 08/11/1891; “Teatros – Foi neste
dia...”, O Século, 22/02/1956, p. 7.
Judite Melo [I. S. A.]
Atriz que se distinguiu na comédia. Nasceu em
1885. Era jovem, elegante e vestia bem. Estreou- Judite Rogali
-se, como atriz, no Teatro do Ginásio, em O Filho Atriz. Nasceu em 1831, filha da atriz Isabel Ro-
Milagroso (1908), tradução de Portugal da Silva. gali*. Estreou-se no Teatro do Salitre, com ape-
401 JUD

nas 11 anos, a 17 de dezembro de 1842, no dra- vina”, em Cinematógrafo, em 3 atos de Acácio


ma em 2 atos A Duqueza de Bragança. Antunes; e “Andreza”, em O Outro Sexo, vau-
Bib.: O Desenjoativo Teatral, Lisboa, n.o 2, 1838. deville em 4 atos, de Valabregue e Hannequin,
[I. S. A.] tradução de António Sousa Bastos. Na época
1903-1904, pertencia à Empresa J. J. Pinto, na-
Judith Teixeira quele teatro, onde representou o papel de “Au-
v. Judite de Reis Ramos gusta”, em Gente para Alugar (1904), em 4 atos,
traduzida do original alemão por Freitas Bran-
Júlia Aguiar co, em estreia, e entrou em Ressurreição, peça
Casada com Lino de Carvalho Lima (21/02/1917- em 3 atos, adaptada da obra de Tolstoi, por Ba-
-06/01/1999), conhecido advogado bracarense e taille, traduzida por Carlos Selvagem. Passou para
militante comunista desde os primórdios da dé- o Teatro D. Amélia e continuou a somar êxitos
cada de 1940 até ao falecimento. Quando resi- em Os Postiços (1908), comédia em 5 atos de
dia em Famalicão, com o marido, militou na de- Eduardo Schwalbach, e Teodoro & Ca. (1910),
legação do Porto da Associação Feminina Por- peça em 3 atos de Nancy e Armont, tradução de
tuguesa para a Paz, sendo sua vice-presidente em Acácio de Paiva. Com a proclamação da Repú-
1943-1944. Aquando da candidatura de Ruy Luís blica, o teatro passou a denominar-se “Repú-
Gomes à presidência da República, participou blica”, e ela continuou a representar papéis
no comício realizado a 3 de julho de 1951, em importantes em comédias, tais como “Prima Frei-
Rio Tinto, Porto, e assistiu à carga violenta da ra”, em As Nossas Amantes (1912), de Augus-
PSP, depois de aquele já ter terminado, e da qual to de Castro; “Rita”, em Sr. Freitas (1912), de Ál-
resultaram ferimentos nos que rodeavam o can- varo Lima e Chagas Roquete; “Sra. Le Templier”,
didato, incluindo o marido. José Ricardo, nome em A Melhor das Mulheres (1912), de Bilhaud
com que Lino Lima assinou Romanceiro do Povo e Hannequin, tradução de Carlos Trilho; “Irma”,
Miúdo. Memórias e Confissões, dá indicações so- em O Botequim do Felisberto (1912), traduzida
bre Júlia Aguiar enquanto esposa, nomeadamente de Le Petit Café, de Tristan Bernard, e “Mme. Sta-
nas visitas quando preso, e cumplicidades po- rini”, em Primorose (1912), peça em 3 atos de
lítica e partidária entre ambos. Faleceu antes do Caillavet e Flers, tradução de Melo Barreto. Nes-
companheiro, encontrando-se ambos sepultados se ano, transitou para o Teatro Apolo e ali fez o
no Cemitério de Vermoin. papel de “Gi-Gi”, em A Feira do Diabo (1912),
Bib.: José Ricardo [pseudónimo de Lino Lima], Roman- sátira em 1 ato, prólogo e 3 quadros de Eduar-
ceiro do Povo Miúdo. Memórias e Confissões, Lisboa, Edi- do Schwalbach, e entrou em Casa de Susana
ções Avante!. 1991; Lúcia Serralheiro, Mulheres em Gru- (1914), comédia em 3 atos, de Luís Galhardo, en-
po Contra a Corrente [Associação Feminina Portuguesa tre outras. Voltou ao Teatro do Ginásio, onde foi
para a Paz (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011; muito aplaudida em Adão e Eva (1921), de Jai-
Manuel Barbosa, “Um olhar sobre Lino Lima – Excertos
do trajecto de vida de um resistente e comunista”, Avan- me Cortesão, e nas revistas A Jigajoga (1922), em
te! n.o 1832, 08/01/2009, pp. 12-13. 2 atos e 10 quadros, de Lino Ferreira, André Brun
[J. E.] e António Carneiro, música de Hugo Vidal e Luís
Filgueiras, e fez Fruto Proibido, de Ascensão Bar-
Júlia Amélia d’Assunção bosa e Abreu e Sousa, música de Ascensão Bar-
Atriz. Nasceu em Lisboa. Em 1887, ainda como bosa (Apolo, 1924).
atriz principiante, entrou em O Comboio n.o 6, Bib.: Américo de Vasconcelos, O Palco, Lisboa, n.o 2,
no Teatro do Príncipe Real, peça que Adelina 16/03/1922, p. 2; Baptista Macedo (Zaragueta), Gabinete
Abranches protagonizava. Estreou-se como pro- dos Reporters, junho, 1898, pp. 1 e 2 [c/ retrato]; Joaquim
fissional naquele teatro, no drama em 5 atos Cor- Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer-
reio de Leão (1889), de Salvador Marques. Foi reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 475; Tardes e Noi-
tes, n.o 1, 11/11/1897, p. 11; O Anunciador Ilustrado, 1914;
para o Teatro do Ginásio, onde integrou elencos “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 04/03/1952, p. 4,
de comédias nos papéis de “Joana”, em Casados 21/01/1856, p. 8.
e Solteiros, em 3 atos, adaptada do alemão por [I. S. A.]
Xavier Marques; “Amélia”, em O Bode Expia-
tório, adaptada do alemão por Freitas Branco; Júlia Amélia da Silva Moreira
“Joana Amaral”, em Grande Bolha, em 3 atos, Natural do Porto, residente em Castelo Branco,
imitação do alemão, por Xavier Marques; “Mal- esposa de José Júlio Moreira, tinha 29 anos de
JUL 402

idade aquando da candidatura ao lugar de pro- Júlia Cândida de Sousa Machado


fessora auxiliar e vigia das alunas dos Liceus Se- Nasceu no dia 7 de janeiro de 1861, filha de João
cundários Femininos*, em 10 de março de de Sousa Machado, negociante, e de Maria Au-
1890. Júlia Moreira, conforme hábito na época, gusta de Castro, natural de Vila Nova de Gaia; neta
declarou estar autorizada pelo marido a reque- paterna de Joaquim Pinto e de Bernardina Jacinto,
rer o referido lugar. Foi professora particular de e materna de Plácido de Castro e Maria Angéli-
instrução primária e bordados e professora di- ca Ramalha. Casada, moradora na cidade do Por-
retora da aula de N.ª Sra. da Conceição para me- to, considerava-se habilitada para o ensino de His-
ninas na cidade de Castelo Branco. Foi aluna, tória e Geografia nos Institutos Secundários Fe-
prefeita e professora do Colégio de Nossa Senhora mininos que, supostamente, iriam abrir, candi-
do Rosário. datando-se em 18 de abril de 1890. Apresentou
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição em anexo à sua candidatura: atestado passado
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. pelo regedor, certificando o bom comportamen-
[A. C. O.] to moral e civil; certificado de Adelaide von Hafe,
em como estudou, durante cinco anos e meio, no
Júlia Amélia Nogueira Dias seu estabelecimento (tendo-se inscrito em 1872),
Militante espírita. Em 1929, pertencia à direção aprendendo não só as línguas portuguesa, inglesa
da Comissão Federativa de Propaganda Espíri- e francesa, mas também Desenho, Geografia, His-
ta de Santarém, ao lado de Maria da Piedade Cu- tória, tendo tido sempre aproveitamento; decla-
nha*, Lucinda Conde* e Clara Lima*. ração passada pelo bacharel, atestando que era
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 8, setembro-outubro, senhora de muito boa reputação; registo crimi-
1929, p. 5. nal passado pela comarca do Porto.
[N. M.] Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Júlia Antunes Franco [A. C. O.]
Para além da docência, da intervenção em
questões pedagógicas, de ter sido, durante a 1.a Júlia Castilho
República, a primeira mulher nomeada inspe- Entrou na revista De Portas a Dentro (1904), de
tora escolar interina, e da militância feminista, Baptista Dinis, música de Pascoal Pereira e Luz
Júlia Franco aderiu, quando se encontrava em Júnior, no Teatro da Rua dos Condes.
Montemor-o-Novo, ao espiritismo filosófico, Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 06/02/1952,
científico e experimental. Em 1925, contribuiu p. 4.
para as despesas do 1.o Congresso Espírita Por- [I. S. A.]
tuguês, cuja organização esteve a cargo do Cen-
tro Espiritualista Luz e Amor*. Júlia de Carvalho
o
Bib.: A ASA, n. 9, junho, 1925, p. 139. Atriz. Nasceu em 1861 e faleceu em 1921. Era
[N. M.] mais conhecida por Júlia dos Anjos, por ter fei-
to digressões pela província com o famoso gui-
Júlia Augusta da Silva tarrista João Maria dos Anjos (1856-1889), alu-
Filha de Maria Rosa da Silva e de Francisco Au- no distinto da Aula de Música do Conservatório,
gusto Sacramento, nasceu em Azeitão em 1901. que abandonou para atuar em companhias ar-
Casada com Joaquim José Piteira, vivia no Alto tísticas e viver a boémia lisboeta. Foi em digressão
do Seixalinho, Barreiro, quando foi presa por mo- pelo Brasil, integrada numa companhia organi-
tivos políticos, em 24 de julho de 1930, sob a acu- zada por Lucinda Simões*, em 1897 e, quando re-
sação de ser detentora de armas proibidas e de gressou, percorreu vários teatros da capital. O pa-
materiais para fabrico de bombas, consideran- pel em que mais se evidenciou foi “Zeferina” de
do-a conivente ou mesmo tão perigosa quanto Os Dois Garotos, drama em 5 atos e 7 quadros de
o marido. Solta no dia seguinte, depois de lhe Pierre Decourcelle, tradução de Guiomar Torre-
ser aberto o respetivo processo. zão. Trabalhou até ao fim da vida. Irmã da atriz
Libânia de Carvalho*.
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939, Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Mem Martins, 1982, p. 410. res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 208;
[J. E.] Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
403 JUL

cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, moral pública e o autor foi obrigado a refundi-
heráldico, numismático e artístico, Vol. II, Lisboa, João -la no texto, continuando em cena com o título
Romano Torres, Editor, 1906, p. 215.
[I. S. A.] Num Sino. Finda a temporada, Júlia Mendes re-
gressou ao teatro amador, atuando durante mui-
Júlia dos Anjos to tempo na feira de Alcântara. Daqui passou para
v. Júlia de Carvalho o Casino Paris, na Avenida da Liberdade, onde foi
muito aplaudida e conquistou grande número de
Júlia Ferreira admiradores pela graça picante que emprestava
Fez o papel de “Keitty” em Vinte Mil Dólares às representações. Os sucessos conseguidos no Ca-
(1912), peça em 3 atos e 4 quadros, de Paul Arms- sino Paris facilitaram-lhe a entrada em teatros do
trong, tradução de Félix Bermudes, no Teatro Na- Porto. Voltou para o Teatro do Príncipe Real, em
cional. Lisboa, onde entrou na revista O´da Guarda (1910),
de Luís Galhardo e Barbosa Júnior, música de
Bib.: O Palco, Lisboa, n.o 1, 08/01/1912, p. 9. F. Duarte e Carlos Calderón, que a popularizou ao
[I. S. A.]
fazer mais de 300 representações. Foi para o Tea-
Júlia Labourdonnay Gonçalves Roque tro da Avenida, onde protagonizou A Severa, que
v. Viscondessa de Sistelo André Brun extraiu da opereta com música de Fi-
lipe Duarte de Almeida; entrou nas revistas Pr’a
Júlia Martins da Silva Frente!, de Camacho Garcia e Aires Pereira da Cos-
Filha de Maria Martins Gomes e de Francisco Coe- ta; ABC, de Acácio Paiva e Ernesto Rodrigues, am-
lho da Silva, nasceu no Porto em 1909. Identifi- bas com música de Calderón e Tomás Del Negro;
cada como tolerada, foi presa em Lisboa pela Sec- e A Nove, de Sousa Bastos, com música de As-
ção de Justiça e Informações do Comando da PSP, sis Pacheco e Tomás Del Negro. Tornou-se estre-
em 29 de novembro de 1931, “por ser coniven- la da revista e era disputada pelos empresários do
te na fuga do preso Ramiro Futuro de Carvalho”, género. Fez várias digressões pelas províncias e
seu “amante”, quando este era escoltado para o pelo Brasil. Voltou ao Teatro do Príncipe Real onde
Depósito Militar Colonial. Foi restituída à li- interpretou o novo quadro “Hotel do Lagarto na
berdade no dia seguinte. Penha de França”, da revista Sol e Sombra
(1910), de Eduardo Rodrigues, Félix Bermudes e
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis- Marçal Vaz (Lino Ferreira), música de Filipe Duar-
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
Mem Martins, 1982, p. 414. te e Calderón. Quando Ana Pereira* saiu daque-
[J. E.] le teatro, quis acumular os papéis daquela atriz
com os seus e adoeceu. Saiu do Teatro do Prín-
Júlia Mendes cipe Real para montar o Teatro Chalet, na Feira
Atriz que se distinguiu no teatro de revista. Filha de Agosto, de que era empresária, diretora da com-
de José Mendes, nasceu em Lisboa em 1885 e fa- panhia e atriz. Ali representou Em Águas de Ba-
leceu, na mesma cidade, a 3 de fevereiro de 1911, calhau, de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e
vítima de tuberculose. Frequentou, por pouco tem- Pereira Coelho, música de Luz Júnior, Zip-Zap e
po, o Conservatório Nacional e iniciou a carrei- outras peças, cerca de vinte espetáculos, antes de
ra como corista, aos 14 anos, no Teatro de S. Car- adoecer e se retirar para Belas, lugar recomendado
los. Era franzina e deselegante, de olhos salien- aos doentes pulmonares pelos ares puros. Foi
tes e boca muito grande. Praticava equitação, to- companheira do ator Carlos Leal. Teve uma in-
mava parte em saraus desportivos e foi notícia no fância difícil, chegando a cantar pelas ruas a tro-
sarau realizado no Coliseu, em que se apresentou co de esmola. As dificuldades económicas e, pos-
montada num cavalo ensinado em alta escola. De- teriormente, a vida boémia que levava, foram a
pois de atuar em diversas casas de espetáculos e causa da tuberculose que a vitimou. Faleceu, em
teatros de feira, como cançonetista, apareceu no sua casa, na Calçada do Salitre, n.o 182, donde saiu
Teatro da Trindade, em 1902, numa récita pro- o féretro, em berlinda puxada por duas parelhas,
movida pela Tuna do jornal Diário de Notícias. para jazigo no Cemitério do Alto de S. João. Ar-
Dali passou para o Teatro do Príncipe Real, tistas de todos os teatros de Lisboa acompanha-
onde entrou na revista À Procura do Badalo, de ram o funeral.
Baptista Dinis, música de Miguel Ferreira, em que Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
se exagerava em ditos e cenas que ofenderam a res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 888;
JUL 404

António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, teirona”, de Th. de Banville, publicados em A Tri-
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 282; Vítor buna Popular, de 1 a 12 de setembro e de 7 a 21
Pavão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma história
breve do teatro de revista, Lisboa, Edições “O Jornal”, de novembro de 1888, respetivamente; “O tele-
1978, p. 235; “Júlia Mendes”, A Scena, Lisboa, n.o 38, grama”, novela de E. D’Hervilly, publicada em
22/01/1898; Mundo Teatral, Lisboa, n.o 45, 10/08/1923, O Tribuno Popular entre 5 de abril e 17 de maio
p. 4; O Século, 03/02/1911, p. 4. de 1890; “O segredo de Salvayre”, novela de Jean
[I. S. A.]
Beibrach, publicada em A Tribuna Popular,
Lisboa e Santarém, de 15 de abril a 9 de maio de
Júlia Moniz 1891; “Torneio de amor” (La croix de Berny), dos
Atriz. Casada com o ator Pato Moniz, nasceu em autores Théophile Gautier, Mme. Émile de Gi-
1865. Iniciou a carreira no teatro amador e de- rardin, Jules Méry e Jules Sandeau, publicado no
morou-se algum tempo no Teatro Taborda. Foi Diário de Notícias, de 2 de outubro a 8 de de-
contratada para representar no Porto antes de in- zembro de 1904.
gressar no elenco do Teatro do Ginásio, em Lis-
boa. Em 1906, integrou a Companhia Ângela Pin- Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
to, em digressão ao Brasil. Do seu repertório, Bib.: A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em Por-
constam: A Marechala, de Alphonse Lemonnier tugal, 4.o Volume – 1871-1900, Lisboa, ISLA – Institu-
e Jean-Louis Perricaud, tradução de João Fran- to Superior de Línguas e Administração, S.A., Centro de
cisco Xavier de Eça Leal; as comédias A Bandeira Estudos de Literatura Geral e Comparada, 1994, pp. 244,
do Regimento, de Salvador Marques, Médico à 318, 322, 343, 392, 409; Idem, 5.o Volume, 1901-1930,
Lisboa, ISLA – Instituto Superior de Línguas e Admi-
Força, em 5 atos, de Molière, arranjo do visconde nistração, S. A., Centro de Estudos de Literatura Geral
de Castilho, Comissário de Polícia, em 3 atos, ori- e Comparada, 1999, p. 69.
ginal de Gervásio Lobato; Zá-Zá, peça em 5 atos, [A. C. O./N. M.]
de Pierre Bretou e Charles Simon, tradução de
Eduardo Garrido. Júlia Sá Pereira
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
Atriz. Nasceu em 1875. Iniciou a carreira artís-
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 915; Car- tica como amadora, no Teatro Taborda, na Cos-
los Leal, No Palco e na Rua – Impressões do homem e do ta do Castelo. Estreou-se, como profissional, no
artista, Lisboa, Tipografia Costa Sanches, 1920, p. 64; Car- Teatro do Rato e percorreu quase todos os tea-
los Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de um tros de Lisboa, Porto e Ilhas. Em 1905, foi em di-
actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publi-
cidade, 1950, p. 154; Gustavo de Matos Sequeira, O Car- gressão ao Brasil, integrada na companhia do Tea-
mo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da tro da Rua dos Condes.
Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 369.
Bib.: Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro,
[I. S. A.]
Lisboa, Livraria Popular, 1924.
[I. S. A.]
Júlia Ribeiro
Solteira e residente em Coimbra, candidatou- Júlia Santos
se, em 5 de maio de 1890, à lecionação da cadeira Filha de Cosme dos Santos e de Joaquina dos San-
de Francês, tendo, nessa altura, prática de 15 anos tos, nasceu em Lisboa, em 1870. Viúva, já sexa-
de ensino. Apresentou no processo de candida- genária, foi presa em abril de 1932, “por suspeita
tura aos Liceus Secundários Femininos* uma car- de ter tido interferência na fuga de seis presos da
ta de recomendação do Dr. Raimundo da Silva Cadeia do Aljube, no dia 4 do corrente mês, de
Mata, professor catedrático da Faculdade de Me- que resultou a morte do guarda-porteiro da
dicina de Coimbra, que referia que todos os alu- mesma cadeia, António Lopes. Suspeita-se tam-
nos ensinados por Júlia Ribeiro foram muito bem- bém que a epigrafada tenha fornecido algumas
sucedidos. Traduziu várias obras do francês: “Da- pistolas, para aquele fim” [Presos Políticos no Re-
niel Champcey”, romance de Émille Galorieu, pu- gime Fascista II]. Entregue, a 23 de abril, à Polí-
blicado no periódico O Tribuno Popular, entre cia de Investigação Criminal, segundo consta do
14 de abril de 1883 e 23 de janeiro de 1886; “Pelo seu Cadastro Político elaborado pela Polícia de
telefone”, de H. Bernard, publicado em A Tribuna Defesa Política e Social.
Popular, entre 9 de abril e 18 de maio de 1887;
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
“O mulato de Murillo”, de Sebastian Gomez, pu- ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
blicado no Diário de Notícias, de 19 a 28 de agos- Mem Martins, 1982, p. 418.
to de 1887; “Um casamento sem razão” e “A sol- [J. E.]
405 JUL

Júlia Silva ligioso, tendo tido muito bom aproveitamento


Atriz. Estreou-se no Porto, no Teatro da Trinda- em Desenho e Lavores. Maria de Sá Armaya ates-
de, na peça Mundo às Avessas, e agradou o sufi- tou que Júlia Brum exerceu no seu colégio, por
ciente para continuar a carreira. Veio para Lisboa, três anos, o cargo de professora de Costura e Bor-
passou pelos Teatros do Príncipe Real e da Rua dados e recomendava-a, por ser muito delica-
dos Condes, onde desempenhou os primeiros pa- da no trato e de elevada educação. Lecionou tra-
péis nas peças A Mendiga, de Braz Martins, Pro- balhos manuais no Instituto de Franz Schmie-
cesso do Fado, Pimpões e Polícia. Durante sete der e, a título particular, trabalhou, durante seis
anos andou em digressão pelo continente e ilhas anos, como professora de Costura, Bordado e De-
com as peças do seu repertório e os dramas em senho na casa de José Cardoso e na de Francisco
5 atos: Dalila, de Octave Feuillet, imitação de An- Soares por 11 anos.
tónio Serpa Pimentel, Pena de Morte, A Morga- Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
dinha de Valflor, de Pinheiro Chagas, Luta de Gé- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
nios, A Vida dum Rapaz Pobre, em 7 quadros, de [A. C. O.]
Octave Feuillet, tradução de Joaquim José Annaya,
Filha do Saltimbanco e Dama das Camélias, de Juliana de Almeida
Alexandre Dumas, filho, tradução de António Joa- v. Juliana Maria Luísa Carolina Sofia de Oey-
quim da Silva Abranches, nas quais teve grandes nhausen e Almeida
criações. Deslocou-se ao Brasil com as companhias
dos empresários Sousa Bastos, Eduardo Vitorino, Juliana Falconière Teixeira de Oliveira
Cristiano de Sousa e Celestino da Silva. Voltou a Professora de harpa. Em 17 de abril de 1921, fez
Lisboa, para o Teatro da Trindade, onde fez su- parte de um grupo de professores e artistas que
cesso nas peças Dor Suprema, tragédia burgue- visitaram a Casa dos Filhos dos Soldados, fun-
sa em 3 atos, de Marcelino Mesquita, Amor de Per- dada, em 25 de junho de 1917, pela Junta Pa-
dição, drama de Camilo Castelo Branco, em triótica do Norte e dirigida pelo Núcleo Feminino
adaptação de D. João da Câmara, O Pai, peça de de Assistência Infantil*. O grupo era constituído
August Strindberg, Fogueiras de S. João, de Her- por Juliana Falconière, Cecília Barbosa da Cos-
mann Sudermann, O Senhor Roubado (1916), de ta, harpista, Maria Llacer, cantora, e António de
Chagas Roquete, A Primeira Causa, de Cunha e Oliveira, professor do Liceu Alexandre Herculano.
Costa, e Termidor. Em 1920, estava na companhia No Livro de Honra deixaram escrito que “a Casa
da Empresa Maria Matos & Mendonça de Carva- dos Filhos dos Soldados pode considerar-se a
lho, no Ginásio, onde representou, com muitos mais bela de todas as instituições de beneme-
aplausos, o papel de “Elsa” em A Mãe dos Es- rência que existem em Portugal. Honra aos seus
cravos, drama em 4 atos de Aristides Abranches, fundadores e a todos os que com o seu óbolo con-
baseado no romance A Cabana do Pai Tomás, de tribuem para a sua manutenção e progresso”. Em
H. Beecher Stowe. Em 1922, fazia parte do elen- 25 de junho de 1931, Juliana Falconière, em co-
co do Teatro Politeama, na Companhia Rey Co- laboração com a professora Cesarina Lira, orga-
laço-Robles Monteiro. nizou e dirigiu a 3.a Parte do Sarau de Gala, rea-
lizado no Teatro de São João, para assinalar o 14.o
Bib.: Augusto Abel dos Santos, “Álbum de Honor”, Mun- Aniversário da Casa dos Filhos dos Soldados.
do Teatral, Lisboa, n.o 1, 03/10/1920, p. 1; Luís de Frei-
tas, “Figuras de Glória” [c/ fot.], Mundo Teatral, Lisboa, Neste espetáculo atuaram as harpistas Maria Me-
n.o 5, 1-15 de julho, 1922, p. 1. ludi Moreira de Sousa, Carmen Valente Ferrei-
[I. S. A.] ra, Maria Emília Guimarães, Maria Felismina de
Arrochela Monteiro e Fernanda Monteiro Braga,
Júlia Silveira Paim Terra Brum a pianista Berta Alves de Sousa, as irmãs violi-
Concorreu, em 16 de junho de 1890, ao lugar de nistas Ester Andrade Melo e Heydée Andrade
professora de Desenho e Lavores no Liceu Se- Melo e, ainda, Maria de Lourdes Amaral, que re-
cundário Feminino em Lisboa, requerendo ser citou poesia. Também atuou o coro constituído
provida no lugar de professora da primária da- por Adelina Júdice Samora, Alda Borges de
quelas disciplinas. Foi educada no Real Colé- Aguiar, Alexandrina Lacomb Gil, Alice Mendes
gio Ursulino de Coimbra, de onde saiu no ano Magalhães Ramalho, Catalina Velasco Basan, Eli-
de 1868. Foram os professores do próprio colégio sa Borges de Aguiar, Ester Vilas Boas Fiandor, Her-
que atestaram o bom comportamento moral e re- mínia Rios, Isabel Basan Velasco, Leonor Agui-
JUL 406

lar Andrade, Maria Arrochela Monteiro, Maria Ce- te da infância. O Príncipe Regente, futuro D. João
sarina Lira, Maria Isabel Borges de Aguiar, Ma- VI, atribuiu à condessa 6000 cruzados vitalícios
ria Odete Arrochela Monteiro, Olinda Pinto para sustento e educação dos filhos. A formação
Leite, Olívia Lacomb Gil e Sara Fonseca Cruz. Ju- de Juliana ter-se-ia pautado pelos métodos pre-
liana Falconière de Oliveira constava também da conizados por Fénelon e conselhos da marque-
lista de doadores da Junta Patriótica do Norte e sa de Lambert, especialmente na obra Avis
do Núcleo Feminino de Assistência Infantil. d’Une Mère à sa Fille, inspiradora das Cartas a
Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916 Uma Filha Que Vai Casar, escritas pela condes-
– 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua sa por volta de 1799 e dedicadas, presumivel-
obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos mente, à filha mais velha, Leonor Benedita de
Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica Oyenhausen e Almeida (1780-1850), que se
do Porto, Lda., 1932, pp. 186, 197, 274.
[N. M.] consorciou, nesse mesmo ano, com o 6.o marquês
de Fronteira. Desde cedo, Juliana evidenciou-
Juliana Lobato Videira se tanto pela beleza nórdica, herdada do pai, como
Militante, durante a década de 1930, da Juven- pelo cultivo das ciências, literatura e línguas, con-
tude Comunista, onde conheceu Edmundo Pe- juntamente com alguns conhecimentos de mú-
dro, um dos seus principais dirigentes. Um ano sica, e deslumbrava em salões e bailes. Chama-
mais velho do que aquele, terá nascido em 1917 vam-lhe, então, a “Vénus de Lisboa”. A 9 de fe-
e era irmã de outro ativista da JC. vereiro de 1801 (e não em 1799 ou 1800, como
muitas vezes se afirma), aos 16 anos, casou com
Bib.: Edmundo Pedro, Memórias. Um Combate pela Li- Aires José Saldanha Albuquerque Coutinho Ma-
berdade, I Volume, Lisboa, Âncora Editores, 2007,
pp. 313, 347, 355, 436-437, 439. tos e Noronha, 2.o conde da Ega (1755-1827), do
[J. E.] Conselho de S.A.R. o Príncipe Regente, gentil-
-homem de Sua Real Câmara, comendador da Or-
Juliana Maria Luísa Carolina Sofia de Oey- dem de Cristo, de S. Salvador de Elvas, inspetor-
nhausen e Almeida -geral dos Provimentos do Exército, senhor do
Segunda condessa da Ega, pelo primeiro casa- morgado e palácio da Junqueira, entre outros tí-
mento, e condessa de Stroganoff, pelo segundo, tulos, mais velho 29 anos do que Juliana, viúvo
nasceu em Viena de Áustria, a 1 de setembro de e pai de quatro filhos: Violante Maria Saldanha
1784, e faleceu, em S. Petersburgo, a 14 de no- de Albuquerque (1788-1843), que casou em In-
vembro de 1864. Juliana foi a 4.a filha de Karl Au- glaterra com Thomaz Henry Stattmiller; Leonor
gust, conde de Oeynhausen-Gravenburg (Han- Ana Maria do Resgate de Saldanha e Albuquer-
nover, 1738-Lisboa, 1793) e de Leonor de Almeida que (1789-1827), depois marquesa de Choiseul-
Portugal Lorena e Lencastre (1750-1839), então Beupré pelo casamento com o bonapartista Au-
condessa de Oeynhausen e, depois, 4.a marque- guste de Choiseul-Beupré, mais tarde nomeado
sa de Alorna e 7.a de Assumar, títulos herdados general da Guarda de Carlos X, de França; Ma-
de seu irmão Pedro de Almeida Portugal (1755- nuel de Saldanha de Albuquerque Coutinho Ma-
-1813), 3.o marquês de Alorna, que faleceu sem tos e Noronha (1790-1802); e Antão José Joaquim
deixar descendência. O pai de Juliana, maçon, de Saldanha Albuquerque Coutinho Matos e No-
oficial do exército alemão e mercenário no exér- ronha (1794-1855), herdeiro do título e Casa da
cito inglês, chegou a Portugal em 1776, para in- Ega. Antes do casamento, como era hábito, foi
corporar um regimento. A mãe, conhecida no acordado o Instrumento do dote, contrato de ca-
meio literário pelo epíteto árcade de Alcipe e, de- samento e Arras, em que se estabeleciam as cláu-
pois, também por marquesa de Alorna, era ver- sulas do matrimónio: a condessa de Oeynhausen
sada em línguas, entusiasta das ideias iluminis- dotava a filha, futura noiva, de quatro mil cru-
tas e considerada percursora do romantismo em zados em todo o preparo do enxoval, conforme
Portugal. Juliana nasceu quando o pai, com al- lei de 17 de janeiro de 1761; o noivo ofereceria
guma experiência na diplomacia ao serviço do joias esponsais, a que o Real Decreto de 19 de ju-
conde reinante Frederico Guilherme, ocupava o lho de 1778 obrigava, e concederia à noiva ren-
lugar de Ministro Plenipotenciário de Portugal dimentos avultados que providenciavam o seu
na corte austríaca. Quando Oeynhausen faleceu, bem-estar, mesmo depois de viúva. O documento,
a família instalou-se na Quinta de Vale de Nabais, datado de 1800, foi assinado pelo duque de Ca-
em Almeirim, onde Juliana passou grande par- daval, pela condessa de Oeynhausen e pelo mar-
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quês de Lavradio. Nos salões do palácio da Jun- ra tomaram a forma de ultimatum. Na sequência
queira, residência dos condes da Ega, eram re- dos acontecimentos, os condes de Ega foram con-
cebidas personalidades nacionais e estrangeiras vidados pela corte espanhola a abandonar a em-
ligadas à cultura e à política, em que se desta- baixada em 48 horas e o país em 10 dias. Para
cavam embaixadores e entusiastas das ideias vin- Beauharnais, filho da imperatriz Josefina e, en-
das de França, que circulavam, clandestinamente, tão, embaixador francês em Madrid, o conde se-
através de publicações que se liam na Universi- ria mais útil aos franceses em Lisboa do que em-
dade, em sociedades secretas, salões, cafés e bo- baixador naquela cidade, esperando ter nele um
tequins. Diogo Inácio de Pina Manique, Inten- aliado quando o exército de Junot invadisse Por-
dente Geral da Polícia, vigilante contra as ideias tugal. O conde regressou a Lisboa, enquanto a fa-
novas, via “afrancesados” e “jacobinos” em to- mília aguardava em Aranjuez transporte para Por-
das as reuniões. Em 1802, surpreendeu a condessa tugal. Durante esse lapso de tempo, a casa de Ju-
de Oeynhausen numa reunião clandestina da So- liana transformou-se numa embaixada na som-
ciedade da Rosa, ordem maçónica extinta durante bra e a condessa servia de intermediária na cor-
a Revolução, sobrevivente fora da França, que ti- respondência secreta entre Ega, Godoy e o barão
nha a particularidade de ser composta por “ca- de Stroganoff. No regresso a Lisboa, a condessa
valeiros” e “ninfas” e se propunha encontrar trazia ao peito as insígnias da Ordem de Maria
meios de alcançar a liberdade e a felicidade. A Luísa. A família real portuguesa embarcou para
condessa foi acusada de “jacobina” e intimada o Brasil a 29 de novembro de 1807 e, a 30 de no-
a sair de Portugal. Exilou-se em Espanha e, de- vembro de 1807, Jean-Andoche Junot, general-
pois, em Inglaterra, donde só regressou, defini- chefe da 1.a Invasão Francesa, entrava em Lisboa
tivamente, em 1814. Desses anos, ficou a cor- depois de invadir o país sem resistência. Insta-
respondência que manteve, assiduamente, com lou-se no palácio do barão de Quintela, na Rua
as filhas, e essencial para seguir o percurso de vida do Alecrim, ao Chiado. Junot tinha sido embai-
da condessa da Ega. Ao contrário da mãe, Julia- xador de França em Portugal, em 1805, quando
na admirava Napoleão desde o tempo em que era conheceu os condes da Ega. Em Madrid, de re-
primeiro Cônsul, chegando, por esses tempos, a gresso a Paris, tinha visitado a condessa. Salva-
assinar cartas em que se declarava “republicana guardados por um decreto real emitido pelo prín-
e citoyenne”. Seguia a moda francesa e chegou cipe regente antes de partir para o Brasil, pelas
a ser convidada, por Pina Manique, a sair de um pastorais do cardeal D. José de Mendonça, do In-
camarote do Teatro de S. Carlos, por usar um ves- quisidor Geral e do bispo do Porto, que apelavam
tido cujo decote insultava a moral pública. Em aos portugueses para que recebessem bem os in-
1805, o conde da Ega foi enviado como embai- vasores, os condes da Ega abriram as portas do
xador de Portugal, junto do rei Carlos IV, e aí per- palácio da Junqueira aos generais franceses e suas
maneceu até 1807. Ao tempo, Manuel Godoy, du- esposas, que os acompanhavam. O general-che-
que de Alcudia e príncipe da Paz, estava no auge fe, conhecido pelo gosto da ostentação, esbanjava
do prestígio e os condes da Ega foram por ele dis- dinheiro em funções, homenagens e comemo-
tinguidos. Essa proximidade trouxe aos Ega a des- rações diversas no palácio Quintela, óperas no
confiança do ministro dos Estrangeiros e da Teatro de S. Carlos e festas na quinta do Rama-
Guerra, António de Araújo de Azevedo (depois lhão, em Sintra. Juliana ajudava na organização
conde da Barca), que suspeitava de conluio do dos eventos e tornara-se na amante pública de Ju-
conde nas manobras políticas de Godoy em re- not. Na política, a condessa e o grupo “partidis-
lação ao Algarve, que lhe fora prometido no tra- ta”, denominação dada posteriormente a quan-
tado franco-espanhol de Fontainebleau que tos tinham apoiado os ocupantes, iam fazendo
viria a ser assinado a 27 de outubro de 1807. Na pressão sobre Junot para que algumas medidas
corte de Madrid, Juliana brilhava nas receções das fossem tomadas para repôr os rendimentos,
duquesas de Ossuna, de Alba, da marquesa de pensões e cargos que a nobreza tinha perdido com
Arizza, dos embaixadores Beurnoville, de Fran- a partida do príncipe regente. Junot chegou a su-
ça, conde de Heltz, da Áustria e do barão de Stro- gerir ao imperador que, para tal, se canalizasse
ganoff, da Rússia que, por sua vez, frequentavam o dinheiro das expropriações dos aristocratas e
os salão da condessa da Ega. Em agosto de 1807, outros que haviam partido para o Brasil. Juliana
as pressões franco-espanholas para dar cumpri- utilizava a influência de que gozava junto do ge-
mento ao Bloqueio Continental contra Inglater- neral para interceder por quantos se achavam in-
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justiçados e perseguidos pelo exército francês. A tugal com forças de apoio ao movimento de re-
1 de janeiro de 1808, uma proclamação imperial sistência da Junta do Porto. Junot resolveu ata-
destituía o príncipe regente sob o pretexto de que, car com um número reduzido de homens de um
ao abandonar Portugal, havia renunciado a todos exército desmantelado. O general Delaborde foi
os seus direitos à soberania do Reino. Junot pas- derrotado na batalha de Roliça e Junot na de Vi-
sou a governar o país em nome de Napoleão. O meiro. Assinado o armistício, foi confirmada a
imperador dominava, então, a Europa e pairava Convenção de Sintra, a 30 de agosto de 1808, cu-
sobre o futuro da nação a ameaça de uma união jos acordos permitiam aos franceses regressar a
com a Espanha, sob a égide da França. Pareceu casa com todos os pertences, os seus e os rou-
pertinente a “afrancesados” de diferentes sensi- bados. O artigo 17.o da Convenção declarava que
bilidades pedir a Napoleão um rei de sua famí- “nenhum português seria responsável pela sua
lia, segundo uns, ou de sua confiança, segundo conduta política durante o período da ocupação
outros. Os condes da Ega encabeçaram o movi- pelo exército francês e que todos aqueles que ti-
mento que insinuava o nome de Junot, já insti- nham continuado no exercício dos seus cargos
tuído duque de Abrantes, por Napoleão, como fu- ou tivessem aceitado empregos debaixo da pro-
turo rei de Portugal. Entre 23 e 25 de maio, reu- tecção dos comandantes franceses, não seriam
niu-se a Junta dos Três Estados, ressuscitada para molestados nas suas pessoas e propriedades, des-
aprovar a petição apresentada pelo grupo lide- de que não tivesse dependido da sua escolha o
rado pelo conde da Ega. Dela faziam parte 13 re- obedecer, ou não, ao Governo Francês”. Não era
presentantes do clero, da nobreza e da magis- o caso dos condes da Ega que tinham sido, aber-
tratura. Foi aprovada, não sem dificuldades. En- tamente, colaboracionistas. A condessa de Oey-
tretanto, o duque de Abrantes encarregou alguns nhausen, mãe de Juliana, implorava-lhe que dei-
doutores do processo de adequação das leis do xasse o marido e partisse para junto dela, em In-
Antigo Regime português ao Código Napoleão. glaterra, e exortava o conde da Ega a combater os
A condessa da Ega colaborou nessa tarefa, con- franceses para reparar a fama das indignidades
sultando, na biblioteca pública, a Nobiliarquia que soavam sobre ele. Os acontecimentos pre-
Portuguesa e as coleções das nossas leis. Em ju- cipitaram-se e a família Ega refugiou-se numa nau
nho de 1808, intensificavam-se as rebeliões em russa da esquadra do almirante Séniavin, fun-
Espanha e, em Portugal, aclamava-se o príncipe deada no Cais do Sodré. No dia 15 de setembro,
regente, no norte do país. Convencida da vitória passaram para uma galera inglesa, que trans-
dos franceses, a condessa da Ega pressionava Ju- portava tropas francesas em retirada, com destino
not para atribuir ao marido um lugar na hierar- a Quiberon. Os Ega chegaram a este porto depois
quia política. A 1 de agosto de 1808, o conde da de uma viagem atribulada. Junot embarcou para
Ega tomava, oficialmente, posse como membro La Rochelle; Juliana ainda tentou juntar-se-lhe na
do Conselho do Governo, encarregado da Re- viagem mas, por qualquer razão, não o fez. A fa-
partição da Justiça e, nessa qualidade, escrevia mília Ega seguiu para Paris, onde passou a resi-
aos magistrados e empregados na Administração dir no Faubourg de Saint-Honoré, n.o 33. O im-
Judicial apelando ao apoio ao exército francês que, perador atribuiu-lhes uma pensão anual de 60 000
segundo afirmava, combatia em auxílio dos francos, a troco do uso da influência do conde
portugueses que se rebelavam por pressão dos es- para obter a adesão dos fidalgos portugueses à
panhóis. O conde da Ega comprometia-se, defi- causa francesa durante as invasões que se se-
nitivamente, a favor dos franceses. No dia 4 de guiriam, compromisso a que o conde não pode-
agosto, apareceram editais nas esquinas das ria corresponder. A princípio, os condes da Ega
ruas da Baixa lisboeta, com versos que visavam estavam confiantes nas vitórias de Napoleão e
os condes: “E a Ega deve ter / Lugar de adela na aguardavam o regresso triunfante a Lisboa. A 15
feira / Ou no fundo duma escada / Há de ser pal- de dezembro de 1809, um processo movido por
milhadeira // Ega que a paciência / Há muito influência de Beresford, em nome do príncipe re-
constou à fama / Nas carroças do contrato / Irá gente, tornava réus o conde da Ega, a mulher e
acarretar lama.” A 15 de agosto, festejava-se a data as duas filhas (o filho tinha ficado em Lisboa, sob
do aniversário do imperador, no Teatro de S. Car- tutela do tio materno, conde de Almada), acu-
los e a condessa da Ega, deslumbrante entre plu- sados de terem fugido para o inimigo em tempo
mas e diamantes, dava o braço a Junot, quando de guerra, sem passaporte legítimo, com traição
se soube que o general Wellesley entrava em Por- e sedição e julgava-os à revelia. A 30 de janeiro
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de 1810, na sequência do processo anterior, a sen- das as diligências para ilibar Juliana das acusa-
tença do conde extinguia-lhe o título, condena- ções que sobre ela recaíam, sem êxito. O conde
va-o à morte pelo garrote, como traidor ao rei e da Ega faleceu a 12 de janeiro de 1827. Só então
à pátria, ao confisco dos bens, que foram vendi- Juliana pode casar com Gregório Alexandrovitch
dos em hasta pública. Sem outros rendimentos Ironwisch, já conde de Stroganoff, diplomata rus-
para além da pensão do imperador que, aliás, só so, mordomo-mor da Casa Imperial, viúvo des-
se manteve até à restauração da monarquia de 1824. A cerimónia realizou-se em Dresden, a
francesa, em 1814, o conde estava crivado de dí- 12 de julho do mesmo ano, com a Licença e Apro-
vidas. A ausência de embaixador na capital fran- vação da infanta regente D. Isabel Maria* e do bis-
cesa dificultava os apoios financeiros e a colónia po de Viseu, que também assinou o documento.
portuguesa de Paris estava longe de ser coesa. Em Passou a usar o título de condessa Julie de Stro-
abril de 1810, Juliana pedia à família a cópia do ganoff e a assinar Julie de Stroganoff e Almeida.
contrato de casamento e arras para exigir que fos- Juliana enviou cartas com descrições minucio-
sem respeitados os acordos pecuniários ali pre- sas das cerimónias nas igrejas católica e ortodo-
vistos. As relações do casal deterioraram-se. Ju- xa, onde decorreram os acontecimentos, e das car-
not, desacreditado junto de Napoleão, seguira em ruagens e joias oferecidas pelo conde. Enviuvou
campanhas militares para Espanha, Alemanha e em 1857, herdou o palácio dos Stroganoff, em
Portugal, e em nada lhe poderia valer. Em 1811, usufruto vitalício, e beneficiou de uma pensão
Juliana reencontrou, em Paris, o barão de Stro- anual de 100 000 francos, atribuída pelos en-
ganoff, em missão diplomática na cidade. O ba- teados. Manteve correspondência com os fami-
rão dispunha de uma fortuna considerável e um liares em Lisboa e procurou sempre os diplomatas
palácio em S. Petersburgo, junto a um braço do portugueses na Rússia para se informar acerca do
rio Neva. Juliana abandonou o marido, tornou- país. Fez testamento de todos os direitos à herança
se amante do barão e com ele viajou para Roma, da mãe e da irmã Henriqueta ao sobrinho, D. José
Florença, Nápoles, Viena, Estocolmo, Dresden, Trazimundo de Mascarenhas Barreto, marquês de
S. Petersburgo, Kiev, Constantinopla e várias es- Fronteira e d’Alorna. A 14 de novembro de 1864,
tâncias de repouso, sempre por pouco tempo por- faleceu em S. Petersburgo, condecorada Dama das
que não tinha passaporte. As repetidas afirma- Ordens de Santa Catarina da Rússia e de Maria
ções de arrependimento pelo passado foram o Luísa de Espanha.
tema recorrente das cartas enviadas para a mãe, Mss.: IAN/TT, Espólio das Casas de Fronteira e Alorna, “Car-
em Londres, e para as irmãs em Portugal, sem- tas de Juliana d’Oeynhausen, condessa da Ega”, caixas
pre na expetativa de obter o perdão de D. João VI. n.os 75, 232 e 233; Idem, “Cartas da Marquesa de Alorna
Todas as tentativas resultaram infrutíferas. A con- para sua filha, condessa da Ega”, caixa n.o 177; Idem, “Mi-
nuta do Instrumento do dote, contrato e Arras”, cx. n.o 75.
dição de amante do barão era incómoda e, nos Fontes: BNP, Secretaria de Estado dos Negócios do Rei-
países por onde passava, os embaixadores por- no, “Cartas, Alvarás, Patentes, Livro XII, a folhas 116”,
tugueses evitavam-na. Até a família se subtraía em 9 de junho, de 1827.
ao seu convívio. Os marqueses de Fronteira, D. Bib.: A. H. de Oliveira Marques, “Karl August, conde de
Oeynhausen Grövenburg”, Dicionário de Maçonaria Por-
José Trazimundo e a mulher, sobrinhos de Juliana, tuguesa, Vol. II, Lisboa, Editorial Delta, 1986, cols. 1044-
exilados em Paris, em 1824, não a recebiam quan- -1045 A. Luís Vaz, A Marquesa de Alorna. Cartas do exí-
do, durante as viagens, a condessa se deslocava lio em Londres (1804-1814), Braga, Presença e Diálogo,
à cidade, para não chocar a colónia portuguesa Editora, 1974; Albert Savine, “La Société de Lisbonne:
e os estrangeiros, na opinião dos quais a condessa la Cour et les ambassadeurs”, Le Portugal il y a cent ans:
souvenirs d’une ambassatrice, Paris, Société des Éditions
era mal vista, segundo disseram. De Londres, a Louis-Michaud, 1912; Ângelo Pereira, D. João VI, Prín-
mãe desdobrava-se em tentativas de restaurar a cipe e Rei, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade,
inocência da filha, servindo-se de todas as in- 1953; António Henrique de Oliveira Marques, História
fluências junto do regente, conforme atestam as da Maçonaria em Portugal, Vol. I, Lisboa, Editorial Pre-
sença, 1990; Idem, História de Portugal, Vol. III, 9.a ed.
súplicas endereçadas a António de Azevedo de Lisboa, Palas Editores, 1980; António Pedro Vicente,
Araújo. O conde da Ega regressou a Lisboa de- O Tempo de Napoleão em Portugal: estudos históricos,
pois da Revolução Liberal e foi ilibado de todas Lisboa, Comissão Portuguesa de História Militar, 2000;
as acusações, com direito à restituição de títulos Ávila e Bolama, A Marquesa de Alorna, Lisboa, Imprensa
de Manuel Lucas Torres, 1916; Ayres Cristovão de Ma-
e bens. Juliana tinha insistido para que o processo galhães Sepúlveda, Dicionário Bibliográfico da Guerra
de reabilitação dela fosse separado do processo Peninsular, Vol. I, Coimbra, Imprensa da Universidade,
do conde da Ega. A marquesa de Alorna fez to- 1924; Camillo Luiz de Rossi, Diário dos Acontecimen-
JUL 410

tos de Lisboa, por Ocasião da Entrada das Tropas de Ju- Guarda, O Sr. Ferrugento, Os Primos de Minha
not, Lisboa, Casa Portuguesa, 1944; Catálogo da Exposição Mulher (1894), tradução do espanhol por Leopoldo
Relações entre Portugal e a Rússia – Séculos XVIII a XX,
Lisboa, Instituto Diplomático / Ministério dos Negócios de Carvalho. Fez os papéis de “D. Júlia”, em
Estrangeiros, Ministério da Cultura, Instituto dos Arquivos Amor... e Banhos de Chuva, comédia em 3 atos
Nacionais / Torre do Tombo, 1999, pp. 106-108; Carlos de Jerónimo Marini e Achilles Tedeschi, tradu-
Bobone, “A irmã e as filhas da marquesa de Alorna”, se- ção de Pin-Sel (pseudónimo de Manuel de Ma-
parata da revista de Genealogia e Heráldica, n.os 5/6, Por- cedo); “Josefina” de A Carteira (1895), comédia,
to, Universidade Moderna do Porto, 2001; Domingos de
Araújo Affonso e Ruy Dique Travassos Valdez, Livro de imitação de Leopoldo de Carvalho; “Julieta” de
Oiro da Nobreza, Vol. II, Braga, Tipografia da “Pax”, 1932; Quem Empresta um Tio? (1896), comédia, versão
duquesa de Abrantes, Recordações de Uma Estada em de Eça Leal de L’Oncle Bidouchon, de Henri Chi-
Portugal – 1805-1806, Lisboa, Biblioteca Nacional de Por- vot, Albert Vanloo e Paul Rouget; “Júlia Gonçal-
tugal, 2008; Francisco da Fonseca Benevides, No Tem-
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1908; Henrique de Campos Ferreira Lima, Iconografia da em 1 ato de Eduardo Coelho; “Branca d’Estrey”,
Condessa da Ega, Porto, Imprensa Marques Abreu, Li- de O Papá Lebonard (1898), drama em 4 atos de
mitada, 1927; Hernâni Cidade, Marquesa de Alorna: Iné- Jean Ricard, tradução de Manuel Penteado e Luís
ditos cartas e outros escritos, Lisboa, Livraria Sá da Cos- Galhardo; e “Cândida”, de A Bisbilhoteira (1900),
ta, Editora, 1941; Jean-Andoche Junot, Diário da I Inva-
são Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008; José comédia em 3 atos de Eduardo Schwalbach. Foi
Acúrsio das Neves, História Geral das Invasões dos Fran- para o Teatro D. Amélia e entrou em Os Postiços
ceses e da Restauração deste Reino, Tomo I, Porto, Edi- (1908), comédia em 5 atos de Eduardo Schwal-
ções Afrontamento, [198-]; [Júlio Dantas], “Da Invasão bach, e Teodoro & Ca. (1910), peça em 3 atos de
Francesa à concentração liberal: História de um palácio”,
Ilustração Portuguesa [edição semanal do jornal O Sé-
Nancy e Armont, tradução de Acácio de Paiva.
culo], Vol. IV, n.o 95, 16/12/1907, pp. 273-276; Justificação O Teatro D. Amélia passou a denominar-se “Re-
Dada pela Marquesa de Alorna, D. Leonor, no Juízo do pública” e Juliana continuou no elenco, fazendo
Fisco por Inconfidência para Retirar da Administração os papéis de “Branca Flor”, na peça em 3 atos O
do Mesmo Juízo os Bens Que Administrara de Seu Irmão Botequim do Felisberto (1912), traduzida do ori-
o Marquês de Alorna, D. Pedro de Almeida Portugal, Lis-
boa, Tipografia da Revista Universal Lisbonense, 1850; ginal de Tristan Bernard Le Petit Café, por Acá-
Memórias do Marquês de Fronteira e d’Alorna, D. José cio de Paiva; “baronesa de Montureau”, em Pri-
Trazimundo Mascarenhas Barreto, Parte Terceira (1824- morose (1912), peça em 3 atos de Caillavet e Flers,
-1828), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928; tradução de Melo Barreto; e um papel importante
“Oeynhausen”, Brokhaus Enzyklopädie, Vierzehnter em As Nossas Amantes (1912), comédia em 3 atos
Band, Germany, F. A. Brockhaus Viesbaden, 1972, p. 99,
col. 1; Pinto de Carvalho (Tinop), “Junot governador de de Augusto de Castro. Passou ao Teatro Apolo,
Lisboa”, Ilustração Portuguesa [edição semanal de O Sé- onde interpretou o papel de “Bi-Bi”, em alternativa
culo, 17/05/1909, pp. 626-638; Proclamação do Conde com Ester de Sousa*, na sátira A Feira do Diabo,
da Ega conselheiro do Governo, Encarregado da Re- em 1 ato, prólogo e 3 quadros, e protagonizou Os
partição de Justiça: Aos magistrados e empregados na
Administração judicial, Lisboa, na Impressão Imperial Pimentas (1912), comédia em 3 atos, ambas de
e Real, 1 de agosto de 1808; Raul Brandão, El-Rei Junot, Eduardo Schwalbach.
Coimbra, Atlântida Editora, 1974; Rocha Martins, A Cor- Bib.: Carlos Leal, No Palco e na Rua – Impressões do Ho-
te de Junot em Portugal 1807-1808, 1.a ed., Lisboa, Livraria mem e do Artista, Lisboa, Tipografia Costa Sanches, 1920,
Central de Gomes de Carvalho, 1910; Sentença de Ab- p. 64; Carlos Santos, Cinquenta anos de Teatro, Memórias
solvição Proferida a favor do Conde da Ega, Lisboa, Na de um actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de
Impressão Régia, 1823. Publicidade, 1950, p. 57; Gustavo de Matos Sequeira,
[I. S. A.] O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Cul-
turais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 359; Mer-
Juliana Santos cedes Blasco, Memórias de uma actriz, Lisboa, Ed. Viú-
Atriz que se evidenciou em papéis de “ingénua” va Tavares Cardoso, 1907, p. 27; Revista Teatral, 3.a série,
2.o Vol. n.o 25, 01/01/1896, p. 5; A Scena, Lisboa, n.o 39,
em comédias. Filha da atriz Maria do Céu* e de 30/01/1898; O Palco, Lisboa, n.o 5, 05/03/1912, p. 72; “Tea-
Manuel Domingues dos Santos, escritor que foi, tros – Foi neste dia...”, O Século, 21/01/1956, p. 8.
também, administrador do concelho de Castelo [I. S. A.]
Branco, e irmã das atrizes Clementina Santos* e
Sofia Santos*. Estreou-se na Empresa José Joaquim Julieta Bensaúde
Pinto, no Teatro do Ginásio, em 1887. Neste tea- Espírita. Eleita, em 1929, para a Comissão Or-
tro representou as comédias Jucunda (1889), em ganizadora das Festas de Beneficência e de Con-
3 atos, de Abel Botelho; Comissário de Polícia fraternização da Federação Espírita Portuguesa,
(1890), em 3 atos, de Gervásio Lobato; Anjo da constituída por Maria da Madre de Deus Leite
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Dinis*, Maria Teresa Miranda Sena*, Laura Tá- e Palácio. Do seu repertório fazem parte gran-
gide Tavares*, Leonor d’Eça*, Inês Cardia*, Ân- des êxitos do seu tempo, entre eles A Princesa
gela Aureliana Coelho de Morais*, Maria Emí- dos Dólares, opereta alemã em 3 atos, de A. M.
lia Cardoso Antunes*, Maria Alice Morais Ma- Wilner e Fritz Gambaum, tradução de Ernesto
chado da Cruz*, coronel José Augusto Faure da Rodrigues e Félix Bermudes, com música de Leo
Rosa e Virgílio Saque. Fall; fez parte do espetáculo de estreia de
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, 1929, Adeus Mocidade, opereta em 3 atos, ao lado de
p. 5. Sousa Bastos; das óperas cómicas em 3 atos O
[N. M.] Burro de Senhor Alcaide e O Solar dos Barri-
gas, ambas de Gervásio Lobato e D. João da Câ-
Julie de Stroganoff mara, música de Ciríaco Cardoso; entrou em A
v. Juliana Maria Carolina Sofia de Oeynhau- Casta Susana, opereta em 3 atos de Georg
sem e Almeida Okonskowki, música de J. Gilbert, tradução de
E. Nascimento Correia, e nas revistas Belo
Julieta Rodrigues Sexo, Sonho de Valsa, Ovo de Colombo, de
Atriz. Estreou-se na peça A Cigana, de Bento de Eduardo Schwalbach, O Trinta e Um, de Luís
Mântua e António Sacramento, no Teatro Car- Galhardo, Alberto Barbosa, Matos Sequeira e Pe-
los Alberto, no Porto. Partiu para Lisboa e in- reira Coelho, e Novo Mundo, em 2 atos, de Er-
tegrou o elenco da revista Céu Azul (1914), de nesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos.
Luís Aquino, Pereira Coelho e Gustavo Sequeira, Bib.: Américo Lopes de Oliveira e Mário Gonçalves Via-
música de maestro T. Del Negro, no Teatro da na, Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis, Porto, Lel-
Avenida. Passou para o Teatro Apolo, conti- lo & Irmão-Editores, 1967, p. 1235; O Teatro, n.o 1, ja-
nuando no género revista, em Agulha em Pa- neiro, 1918, p. 8, n.o 2, fevereiro, 1918, p. 29, e n.o 7, ju-
lheiro, de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e nho, 1918, p. 112.
[I. S. A.]
Lino Ferreira, música de Filipe Duarte e Carlos
Caldéron; Torre de Babel (1916), de Ernesto Ro-
Julieta Simões
drigues, Félix Bermudes, música de T. Del Ne-
Atriz, filha de Lucília Simões* e do empresário
gro e Baptista Ferreira; Bomba Real (1920), de
Erico Braga, neta da atriz Lucinda Simões* e de
Abreu e Sousa e Ascensão Barbosa, que também
Luís Cândido Furtado Coelho (1831-1899),
foi o autor da música; Café e Torradas (1920),
músico, pianista, ator, ensaiador, empresário tea-
de A. Leite e C. Barbosa, música de Figueiredo
tral e escritor dramático. Estreou-se no Teatro
e L. Filgueiras; e cantou nas operetas Cadetes
do Ginásio, a 26 de junho de 1919, na peça
da Rainha e Fado. Mudou para o Chiado Ter-
O Amigo Fritz, de Erckman e Chartrian. Em
rasse e foi muito aplaudida na revista Tiro ao
1920, entrou na estreia da peça em 3 atos Ama-
Alvo, de Xavier de Magalhães e Lourenço Ro-
nhecer, de Martinez Sierra, tradução de Alber-
drigues. Entrou no filme Fado do Soldado, ori-
to Morais e Mário Duarte, ao lado de Amélia Rey
ginal de Pedro Bandeira.
Colaço e Laura Hirsh, no Ginásio. Casou com o
Bib.: Carlos de Almeida, “Álbum de Honor – Julieta Ro- Dr. António da Fonseca, ministro em Paris, e re-
drigues”, Mundo Teatral, Lisboa, 1-15 de junho, 1922, tirou-se de cena.
p. 3.
[I. S. A.] Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
Julieta Silva Soares nicipal de Lisboa, 1967, p. 376; Mercedes Blasco, Ca-
ras Pintadas, Lisboa, Portugália Editora, 1923,
Atriz que se distinguiu no género de opereta. pp. 121-126; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
Nasceu em Lisboa, em 1898. Estreou-se em 1912, 25/02/1952, p. 4.
no Teatro da Rua dos Condes, na peça Fandango [I. S. A.]
e Maxixe. Passou pelo Teatro da Avenida, onde
fez o papel de “Valentina”, em Viúva Alegre Julieta Soares
(1918), opereta em 3 atos, música de Franz Le- v. Julieta Silva Soares
har, e pelo Eden-Teatro, em A Trombeta da Fama
(1918), revista de Lino Ferreira, Artur Rocha, Junius
X. Magalhães, música de Luz Júnior. Foi para Pseudónimo da escritora Maria Amália Vaz de
o Brasil, atuando nos teatros Único, República Carvalho.
JUS 412

Justa Mendes Ferreira, música de Luís Filgueiras e Alves Coe-


Republicana e maçónica portalegrense. Filha de lho, distinguindo-se em Chico das Pegas, em 3 atos
António de Oliveira Caraça e de Maria das Dores, de Eduardo Schwalbach, música de Filipe
nasceu em Santiago do Cacém, em 15 de agosto Pinto; e O Burro em Pé (1920), revista de Lino Fer-
de 1882, e casou, aos 18 anos, em 27 de maio de reira e Xavier de Magalhães, música de Luz Jú-
1901, com Joaquim António Mendes (10/12/1876- nior e Vasco de Macedo, ambas no Teatro Apo-
-01/12/1966), funcionário das Finanças, em Lis- lo. Em 1922, foi para o Brasil, onde alcançou
boa e Portalegre. Segundo António Ventura, grande êxito em operetas e revistas. Abandonou
também usou o nome de Justa do Sacramento de o teatro em 1927.
Oliveira Caraça e morreu em Portalegre, terra onde Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
fundou e foi presidente do Triângulo Amaia, de res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 767;
duração efémera, a 14 de março de 1963, com 80 António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia Cos-
anos de idade. Aquele autor insere na obra A Ma- ta Sanches, 1923, p. 62; Grande Enciclopédia Portuguesa
e Brasileira, Vol. XV, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial En-
çonaria no Distrito de Portalegre fotografia e do- ciclopédia, p. 903; Luís de Oliveira Guimarães, Júlio Dan-
cumentação maçónica de Justa Mendes, in- tas, Lisboa, Liv. Romano Torres, 1963; Vítor Pavão dos
cluindo joias, faixa e caderneta de identidade da Santos, Revista à Portuguesa – Uma história breve do tea-
Ordem Maçónica Mista Internacional O Direito tro de revista, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978,
Humano. Em 1919, era assinante da revista pp. 251-252; O Teatro, Lisboa, n.o 8, julho-agosto, 1918,
p. 143; Ilustração Portuguesa, Vol. II, p. 130; “Teatros –
A ASA*, fundada e dirigida por Maria Veleda* para Foi neste dia...”, O Século, 04/04/1960, p. 4.
divulgar o espiritismo filosófico, científico e ex- [I. S. A.]
perimental. Este periódico era o órgão do Centro
Espiritualista Luz e Amor*.
Bib.: António Ventura, A Maçonaria no Distrito de Por-
talegre (1903-1935), Caleidoscópio, 2007, pp. 180-181,
185-188, 244-251; A ASA, n.o 10, outubro, 1919.
[J. E./N. M.]

Justina de Magalhães
Atriz e cantora. Nasceu a 2 de janeiro de 1897. Cur-
sou a Escola de Arte de Representar do Conser-
vatório de Lisboa, depois de alguns anos como
atriz. Entre 1910 e 1914, teve certa áurea nos tea-
tros de Lisboa e Coimbra. Em 1914, ingressou no
teatro de revista, destacando-se em Corações à Lar-
ga!... (1915), de Lino Ferreira, Henrique Roldão
e Artur Rocha, música de Hugo Vidal e Vasco de
Macedo, passando, depois, para o teatro de de-
clamação no Teatro Nacional, onde prestou pro-
vas públicas no papel de “Madalena de Vilhena”,
no drama em 3 atos Frei Luís de Sousa, de Al-
meida Garrett, ficando classificada em primeiro
lugar. Como societária do teatro representou A In-
trusa, de Maeterlink, e História de Sempre
(1918), peça em 3 atos de Victor Mendes e Car-
rasco Guerra. Foi para o Teatro S. Luís, onde en-
trou na comédia em 3 atos Géneros Alimentícios
(1918), de Mirande e Martignac, tradução de Melo
Barreto, Um Serão nas Laranjeiras e Severa, de
Júlio Dantas, e Coimbra, Terra de Amores. Voltou
ao Conservatório para tirar o Curso Superior de
Canto passando, depois, para o teatro de opere-
ta e de revista. No Teatro da Trindade, cantou em
Paz Armada (1919), de António Torres e Fernando
K
Kathleen Bertha Price
Nasceu em Lisboa em 1877, filha de uma famí-
lia inglesa há muito estabelecida em Portugal.
À data da morte, em 1960, residia na Rua Gar-
cia de Orta, em Lisboa. Juntamente com as irmãs
(uma das quais Daisy, enfermeira) fundou em Lis-
boa, no início do século XX, o Colégio Inglês das
Misses Price, que dirigiu durante muitos anos e
se situava na Calçada Marquês de Abrantes.
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 721, 20/08/1960.
[A. V.]
L
Lar da Boa Vontade [Cheshire Home] lher do pastor da Igreja Escocesa, com a cola-
Leonard Cheshire (1917-1992) foi observador ofi- boração de Madame Daeschner, suíça. Durante
cial da RAF (Força Aérea Britânica) do bom- décadas, esteve sediado na Rua Gustavo Matos
bardeamento nuclear de Nagasáqui, na Segun- Sequeira, 35, 1.o, em Lisboa, com extensões em
da Guerra Mundial, o que muito o marcou psi- mais dois apartamentos, nas proximidades. Su-
cologicamente. Católico. Criou em 1948 uma fun- san Lowndes Marques, que trabalhou volunta-
dação para acolher pessoas com deficiência, que riamente nesta instituição durante décadas,
se espalhou por muitos países do mundo. Casou deixou umas notas, escritas nos anos 80 do sé-
em 1959 com Susan Ryder, que expandiu, ain- culo XX, sobre este Lar: “Embora tenha sido ori-
da mais, a obra do marido. Em 1985, havia 225 ginalmente criado para apoiar as muitas raparigas
residências assistidas em 46 países. O capitão inglesas ou irlandesas que vieram para Portugal
Cheshire veio a Portugal fazer uma conferência para trabalhar como precetoras, dispunha não só
em 1959, a convite da Santa Casa da Misericórdia de uma residência mas também de um serviço
de Lisboa, por proposta da sua técnica Molly Stil- de colocações. Durante a Segunda Grande Guer-
well. Devido aos esforços de um grupo de vo- ra e para evitar mal-estar entre as residentes, no
luntárias/os, a primeira casa abriu portas em número das quais se encontravam quer inglesas,
1963. De início, acolheu oito raparigas portadoras quer alemãs, e de outras nacionalidades, era proi-
de deficiência que aceitavam trabalho como cos- bido discutir política, tendo mesmo sido afixa-
tureiras, tricotadeiras e restauradoras de loiça par- do um cartaz onde se podia ler: «As senhoras en-
tida, cujo pagamento contribuía para as despe- contradas a discutir política serão expulsas!» As
sas da casa. O Serviço Voluntário Feminino* con- raparigas estrangeiras que hoje em dia vêm para
tribuía, e continua a contribuir, com subsídios Portugal já se encontram noutras condições. Tra-
financeiros e em espécie. Leonard Cheshire re- balham em empresas e têm bons salários. Mui-
gressou a Portugal em 1966, tendo visitado o Lar tas bailarinas do Ballet Gulbenkian lá viveram,
e feito uma conferência sobre o seu trabalho. Vol- não só porque era muito em conta, mas também
tou ainda em 1985 para a inauguração de uma porque era um local respeitável. Em 1980, viviam
casa construída de raiz, situada em Carcavelos, 20 senhoras na Residência, a maior parte a título
onde vivem 32 residentes, de ambos os sexos. permanente. Também havia um quarto para se-
Apesar de muitos esforços desenvolvidos para nhoras que estavam de passagem, com espaço
que abrisse um Lar Cheshire no Algarve, tal nun- para três ou quatro. As residentes eram da
ca se concretizou. A instituição, embora receba Austrália, Reino Unido, Canadá, China, França,
atualmente financiamento estatal, continua a de- Alemanha, Hungria, Irlanda, Polónia e Suíça. O
pender de contributos voluntários para assegu- alojamento custava nessa época entre 2.000$ a
rar qualidade de vida aos residentes e é apoia- 5.000$ por mês, com pequeno-almoço e almo-
da por um grupo de voluntárias/os, presidido du- ço incluído. Havia uma cozinha disponível
rante vários anos por Ian Crocker. para as residentes que quisessem fazer um jan-
Bib.: Ana Vicente, Arcádia – Notícia de uma Família An- tar leve. Cada residente tinha a sua chave.
glo-Portuguesa, Lisboa, Gótica, 2006, p. 283; The Anglo- Cada quarto era diferente. Algumas traziam os
-Portuguese News, n. o 870, 07/05/1966, n.o 880, seus animais domésticos. Na Segunda Grande
24/09/1966, n.o 903, 12/08/1967, n.o 1348, 27/06/1985,
n.o 1380, 23/10/1986. Guerra acolheu muitas refugiadas. Quando ne-
[A. V.] cessário e por períodos muito limitados também
recebiam casais. Em tempos viveu lá uma se-
Lar de Santa Teresa nhora húngara que perdeu a cabeça e insistiu em
v. Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas ser repatriada para Budapeste, o que requereu
imensos esforços. Concluindo, o Home desem-
Lar Internacional de Lisboa penhou durante anos um papel importante
O International Home estava filiado na Oeuvre como residência de mulheres estrangeiras me-
International de la Jeune Fille em Genebra e foi nos abonadas ou mesmo destituídas de rendi-
fundado em 1903 por Mrs. R.M. Lithgow, mu- mentos, apesar de terem trabalhado longos
LAU 416

anos em Portugal. Também serviu estrangeiras vernante remunerada do Home foi Carolina Sil-
que se encontravam no país durante um perío- va. A partir da segunda metade do século XIX,
do limitado de tempo, e que não podiam pagar mas sobretudo na primeira metade do século XX,
o preço de um hotel ou de uma pensão”. O re- foram muitas as inglesas e irlandesas que vieram
latório de 1944 dava conta de que o serviço de para Portugal para ensinar inglês a meninas e me-
colocações tinha sido contactado por 300 mu- ninos de famílias das classes endinheiradas. Fi-
lheres, tendo 31 destas encontrado trabalho. cavam hospedadas em casa dos patrões mas o seu
Também informava que, em 1943, o Home tinha estatuto social era algo indefinido. Não eram, ob-
acolhido em regime residencial 22 senhoras de viamente, criadas mas também não estavam ao
9 nacionalidades diferentes, enquanto em 1944 nível da família para quem trabalhavam. As opor-
esse número foi de 31 senhoras e 10 nacionali- tunidades de encontrarem alguém com quem ca-
dades. No ano de 1949, foram 22 as senhoras que sar eram ténues. Quando, com o passar do tem-
aí residiram, totalizando sete nacionalidades. Em po, deixavam a família, porque os meninos já
1970, havia 18 residentes permanentes, de na- eram crescidos, iam tentando sobreviver dando
cionalidade norte-americana, britânica, france- explicações ou como damas de companhia de
sa, alemã, húngara, irlandesa, norueguesa, po- pessoas mais velhas. A ligação com a terra mãe
laca e espanhola, algumas das quais tinham che- e seus familiares tinha praticamente desapare-
gado a Portugal durante a Segunda Grande cido, depois de tantos anos de afastamento, pelo
Guerra como refugiadas e, entre estas, algumas que o regresso não era, normalmente, nem de-
havia que não tinham nacionalidade reconhe- sejado nem possível. Com pensões mínimas ou
cida. Em 1985, eram nove as nacionalidades re- até sem qualquer rendimento, encontravam-se
presentadas. Algumas das residentes recebiam à mercê das instituições britânicas criadas para
alunos, normalmente para aprender inglês. O apoiar os carenciados. Este lar encerrou no iní-
Home também contribuía financeiramente para cio da década de 90 do século XX.
refugiadas que viviam noutros locais, entre as
Bib.: Ana Vicente, Arcádia, Notícia de uma Família An-
quais havia austríacas, alemãs, húngaras e po- glo-Portuguesa, Lisboa, Gótica, 2006; The Anglo-Por-
lacas. Segundo também escreveu Susan Lown- tuguese News, n.o 290, 08/03/1945, n.o 1365, 27/03/1986,
des Marques, no jornal The Anglo-Portuguese n.o 1384, 27/11/1986.
News [n.o 967, 24/01/1970], em 1970 as despe- [A. V.]
sas de funcionamento totalizavam por ano cer-
ca de 420 contos, enquanto as residentes con- Laura Ayres
tribuíam com cerca de 108 contos. Era necessário v. Laura Guilhermina Martins Ayres
obter outros fundos, constituídos por dádivas
eventuais de indivíduos ou empresas e com os Laura Barbosa
proventos de uma Venda de Natal Internacional, Espírita. Foi secretária de O Futuro*, revista men-
ideia sugerida pela mesma Susan Lowndes. O sal de propaganda sociológica e de ciências psí-
Comité pedia a todas as embaixadas acreditadas quicas dirigida por Maria Veleda*, substituindo
em Lisboa que importassem produtos dos seus Cândido Guerreiro Xavier da Franca, que aban-
países para aí serem vendidos em benefício da donou as funções quando foi para Angola em ja-
organização. Ficou conhecido como o Bazar das neiro de 1923. Em outubro de 1924, quando Ma-
Embaixadas. O Home tinha como princípio nun- ria Veleda saiu da sua direção para dirigir A ASA*,
ca recusar cama a mulheres estrangeiras em di- Laura Barbosa seguiu-a, ocupando aí também o
ficuldades, e se todas as camas do quarto de pas- lugar de secretária até pedir a demissão do car-
sagem estivessem ocupadas, montavam divãs na go, em outubro de 1925. Em 1929, foi eleita para
sala ou no escritório. No início da década de 70, a Comissão de Beneficência da Federação Espí-
além das residentes, ainda recebiam para almoçar rita Portuguesa, dirigida por Quintina do Carmo
mais 12 senhoras. As que pudessem pagavam Sales e Silva* e constituída por Elena de Melo
10$00 pela refeição. Nessa mesma época, o Home Gonçalves Teixeira, Maria O’Neil*, Maria Mar-
era dirigido por uma direção de 15 mulheres, de garida Santos, Amélia Ferreira Grilo*, Maria Emí-
dez nacionalidades diferentes, todas a título vo- lia Carvalho Gonçalves*, Ana Costa, Alice Jane
luntário. Era frequente antigas residentes es- Moura, Ana do Carmo Sales Silva, Cecília de Sou-
creverem para a direção dizendo como tinham sa, general Júlio César Barata Feyo, Dr. José de Ma-
sido ali felizes. Durante várias décadas a go- galhães e Meneses, coronel José Augusto Faure
417 LAU

da Rosa, Vasco Infante da Câmara, Francisco Al- so, Laura Cruz foi contratada pela Empresa Ro-
ves, Francisco Mota e Pedro Cardia. Participou sas & Brazão para o Teatro D. Maria II e ali se es-
nas atividades culturais, recreativas e de propa- treou na peça Primeira Letra, de Blumenthal, en-
ganda promovidas pelo Centro Espiritualista Luz trou em Sergio Panine (1885), de Georges Ohnet,
e Amor* e, depois, pela Federação. traduzido por Lino de Assunção, ao lado de Ana
Bib.: O Futuro, n.o 1, setembro, 1923, n.o 2, outubro, 1923, Pereira*, e fez os papéis de “A filha”, em Dor Su-
pp. 30-31, n.o 3, novembro, 1923, n.o 40, dezembro, 1925, prema (1895), de Marcelino Mesquita, “Bianca”,
p. 50; A ASA, n.o 1, outubro, 1924, n.o 1, outubro, 1925, em A Fera Amansada (1896), arreglo em 4 atos
p. 31; O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, da comédia de Shakespeare Taming of the
1929, p. 6, n.o 8, setembro-outubro, 1929, p. 5. Shrew por Paul Delair, tradução de Jaime de Se-
[N. M.]
guier, “Baronesa”, em Serenata de Shubert
(1898), comédia em 1 ato, de Eça Leal, e entrou
Laura Celeste Tavares Mendes Lemos
em A Triste Viuvinha, de D. João da Câmara. Em
Professora. Filha de José Tavares Mendes e de Rosa
1898, a Empresa Rosas & Brazão foi para o Tea-
de Jesus Tavares, nasceu na Covilhã a 18 de se-
tro D. Amélia e, juntamente com sua irmã Del-
tembro de 1894 e terá falecido em 1979. Casou a
fina Cruz, Laura ficou na nova companhia do
21 de novembro de 1916, em Tuy, Espanha, com
Teatro D. Maria II, onde continuaram Virgínia e
o pedagogo conimbricense Álvaro Viana Lemos
Ferreira da Silva. No ano seguinte, fez “Carlota
(28/03/1881-21/08/1972), terra onde o marido se
de Sande”, na estreia de Peraltas e Sécias, co-
tinha exilado nesse mesmo ano, nasceu a filha,
média em 3 atos de Marcelino Mesquita. Em 1900,
Carolina Tavares de Lemos* (n. 24/12/1917), e vi-
recusou-se a fazer o papel, em travesti, de “Fre-
veu até 1919. Aderiu na década de 40, por pro-
derico” na peça Catarina, de Henry Lavedan, in-
posta de Maria Joana Rosendo Dias, à delegação
correndo na penalidade imposta pelo regula-
de Coimbra da Associação Feminina Portuguesa
mento interno do teatro que, afinal, se veio a sa-
para a Paz*. Eleita sua presidente nos anos de
ber não existir. No verão de 1902, entrou na re-
1950-1951 e 1951-1952, seria em sua casa, na Rua
vista A Aranha, escrita por D. João da Câmara,
Infante D. Henrique, que funcionava a sede local
Júlio Dantas e Henrique Lopes de Mendonça, mú-
da agremiação. Por seu intermédio, o marido foi
sica de Filipe Duarte. Em 1903, fez parte da Com-
um dos associados masculinos da AFPP.
panhia Dramática Portuguesa que foi ao Teatro
Bib.: Alberto Vilaça, Resistências Culturais e Políticas Micaelense, de Ponta Delgada, representar Fran-
nos Primórdios do Salazarismo, Porto, Campo das Le- cillon, de Alexandre Dumas, Blanchette, de
tras, 2003; Lúcia Serralheiro, Mulheres em Grupo Con-
tra a Corrente [Associação Feminina Portuguesa para a Brieux, Casa da Boneca, de Ibsen, Mr. Alphon-
Paz (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011. se e O Amigo das Mulheres, ambas de Alexan-
[J. E.] dre Dumas, filho, esta última em tradução de D.
João da Câmara, Madame Flirt, de P. Gavault e G.
Laura Costa Bert, tradução de Melo Barreto, A Vida de um Ra-
v. Laura dos Santos Costa paz Pobre, drama em 5 atos e 7 quadros, de Oc-
tave Feuillet, tradução de Joaquim José Annaya,
Laura Cruz A Lagartixa, comédia em 3 atos de Georges Fey-
Atriz. Irmã da atriz Delfina Cruz*,nasceu em Lis- deau, tradução de Eduardo Garrido, entre outras.
boa a 12 de março de 1880 e faleceu na Ericeira Ainda na época de 1903, regressou à Empresa Ro-
a 3 de outubro de 1936. No verão de 1895, inte- sas & Brazão, no Teatro D. Amélia, onde fez os
grou uma companhia dramática organizada pela papéis de “Maria Pawlowa”, em A Ressurreição,
atriz Virgínia*, de que faziam parte grandes ato- de Tolstoi, adaptação de Bataille, em tradução de
res e atrizes do Teatro D. Maria II, encenados por Carlos Selvagem, “Francine”, em Herói do Dia,
Augusto de Melo, diretor de cena do teatro. Per- “Júlia”, em A Cruz da Esmola, drama em 5 atos
correram as províncias com algumas peças do re- de Schwalbach, “Luciana”, em A Castelã, peça
pertório daquele teatro e outras inéditas, tais como em 4 atos de Alfred Capus, tradução de Acácio
A Toutinegra Real, em 4 atos, de D. João da Câ- de Paiva, “Aldobantine”, em Madame Sans-Gêne,
mara, escrita expressamente para a digressão, A peça em 3 atos e prólogo de Victorien Sardou e
Evasão, de Fialho de Almeida, traduzida para o E. Moreau, tradução de Moura Cabral, e “Geral-
mesmo fim, e Antonieta Rigaud, em 3 atos, tra- dine Ridgley” na peça A Casa em Ordem, de Ar-
dução de Maximiliano de Azevedo. No regres- tur Piñero. Em 1912, pertencia à Sociedade Ar-
LAU 418

tística do Teatro Nacional, onde fez o papel de nida, 1913), Ás de Ouros, de Alberto Barbosa e
“Carolina”, em O Sol da Meia-Noite (1912), peça José Moreno, música de T. Del Negro, Luz Júnior
alemã em 3 atos, tradução de Freitas Branco, pro- e Venceslau Pinto (Eden-Teatro, 1917), A Trom-
tagonizou Cora ou a Escravatura (1918), de Er- beta da Fama, de Lino Ferreira, Artur Rocha e Xa-
nesto Biester, entrou em História de Sempre vier de Magalhães, música de Luz Júnior (Eden
(1918), em 3 atos, de Victor Mendes e Carrasco Teatro, 1918), Aqui d’El-Rei, de Luís Galhardo e
Guerra, A Marcha Nupcial, de Henri Bataille, A Barbosa Júnior, música de Tomás Del Negro, Al-
Pecadora (1920), de Guimera, Os Lobos (1920), ves Coelho e Baptista Ferreira (Eden-Teatro,
tragédia rústica em 3 atos, de Francisco Lage e 1919), Trolaró (1921), de Ascenção Barbosa e
João Correia d’Oliveira, Viriato (1923), tragédia Abreu e Sousa, música de Alves Coelho, Bichi-
em 3 atos, de Luna de Oliveira. Era societária de nha Gata (1921), de Eduardo Rodrigues, João Bas-
2.a classe quando abandonou a cena. tos e Lino Ferreira, música de Venceslau Pinto
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- e Júlio Almada, Tic-Tac, de Alberto Barbosa, P.
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 293; Coelho, Luís Galhardo e Xavier de Magalhães,
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, música de Raul Portela, A. Coelho e António Lo-
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 283; Carlos pes (Eden Teatro, 1921), A Jigajoga (1922), em 2
Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de um ac-
tor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publici-
atos e 10 quadros, de Lino Ferreira, André Brun
dade, 1950, p. 107; Eduardo de Noronha, Reminiscências e António Carneiro, música de L. Filgueiras e
do Tablado, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927, p.15; Hugo Vidal, Fado Corrido, de Luís Galhardo, Al-
Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, berto Barbosa, Xavier de Magalhães e Lourenço
Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 476; Rodrigues, música de Raul Portela e Bernardo Fer-
Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Por-
tuguês, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 214; “Tournée da reira (Maria Vitória, 1923), Rés Vés, de Alberto
Virgínia”, Correio da Manhã, 03/07/1995; Revista Teatral, Barbosa, Xavier de Magalhães e Luís Galhardo,
3.a série, 2.o Vol., n.o 27, 01/02/1896; Tardes e Noites, n.o música de Hugo Vidal e Raul Portela, num pa-
6, 19/11/1897, p. 5; A Scena, Lisboa, n.o 47, 27/03/1898; pel em travesti, em que cantou o “Fado do Ho-
O Teatro, Lisboa, n.o 8, julho-agosto, 1918, p. 143; “Tea-
tro – foi neste dia...”, O Século, 29/04/1961.
tel do Pinho” (Maria Vitória, 1924), Rataplan!, de
[I. S. A.] Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bas-
tos, Alberto Barbosa, Luís Galhardo e Xavier de
Laura dos Santos Costa Magalhães, música de Raúl Portela e A. Lopes
Atriz. Nasceu em 1901 e faleceu em 1986. Fre- (Maria Vitória, 1925). Nesse ano, fez o papel de
quentou a Escola de Arte de Representar do Con- “Jeanette” em As Onze Mil Virgens, fantasia em
servatório Nacional de Lisboa durante dois 2 atos e 8 quadros de Ernesto Rodrigues, Félix Ber-
anos. Iniciou a carreira artística no Teatro Apo- mudes e João Bastos, música de Venceslau Pin-
lo em Torre de Babel, revista de Eduardo Rodri- to. Retirou-se cedo de cena, para se casar.
gues, Félix Bermudes e João Bastos, música de Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
Tomás Del Negro e Bernardo Ferreira, em 1917, Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 281; An-
quando ainda era aluna do Conservatório. Foi tónio Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia Costa
Sanches, 1923, p. 60; Grande Enciclopédia Portuguesa e
para o Teatro do Ginásio, Empresa Luís Ruas, Brasileira, Vol. VII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial En-
substituir Auzenda de Oliveira, primeira figura ciclopédia, p. 882; Vítor Pavão dos Santos, Revista à Por-
da revista O Ás, sendo muito bem recebida pelo tuguesa – Uma História Breve do Teatro de Revista, Lis-
público. Fez várias digressões ao Brasil. Repre- boa, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 112, 202, 224 e 251-252;
sentou comédias musicais, operetas e foi muito O Teatro, Lisboa, n.o 8, julho-agosto, 1918, p. 150; “Tea-
tro – foi neste dia...”, O Século, 21/12/1925, p. 5.
apreciada em revistas. Do seu repertório salien- [I. S. A.]
tam-se: A Princesa dos Dólares, opereta alemã em
3 atos, de A. M. Wilner e Fritz Gambaum, tra-
dução de Ernesto Rodrigues e Félix Bermudes, Laura Fernandes
com música de Leo Fall, A Pera de Satanás, má- Atriz. Nasceu em 1880 e faleceu no Porto em
gica em 3 atos, arranjo de Eduardo Garrido, mú- 1960. Casou com o ator José Monteiro, com quem
sica de Rio de Carvalho, Brasileiro Pancrácio, trabalhou muitos anos, principalmente no Bra-
peça de costumes em 3 atos de Sá de Albergaria, sil. Fez parte das Companhias Alves da Cunha-
música de Freitas Gazul; as revistas O 31, de Al- Berta de Bivar e Lucília Simões-Erico Braga. Na
berto Barbosa, Luís Galhardo e Pereira Coelho, época 1903-1904, pertencia à Empresa Eduardo
música de Alves Coelho e Tomás Del Negro (Ave- Portulez, então no Teatro da Avenida. Por últi-
419 LAU

mo, trabalhou no Teatro D. Maria II, Companhia ca de Chiquinha Gonzaga, e Comes e Bebes
Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro. Salientou- (1912), comédia burlesca em 3 atos, de Cardoso
-se nas peças Espada de Fogo e Ninho de Meneses, música de José Nunes.
Águias, ambas de Carlos Selvagem, no Teatro da Bib.: Ângela Reis, Cinira Polónio, a divette carioca, Rio
Avenida, Os Alfinetes (1934), de Muñoz Séca, de Janeiro, Arquivo Nacional, 1999; António Pinheiro,
tradução de Lino Ferreira, Fernando Santos e Al- Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria Bordalo Editora,
meida Amaral, O Ausente (1944), comédia 1912, p. 55; Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de
dramática em 3 atos, de Joaquim Paço D’Arcos, Teatro, Lisboa, Livraria Popular, 1924.
[I. S. A.]
Outono em Flor (1949), última peça de Júlio Dan-
tas, Casaco de Fogo (1953), peça em 3 atos de
Laura Gonçalves
Romeu Correia, no Teatro Nacional, Santa Joa-
Mestra de lavores femininos da Escola de De-
na (1956), de Bernard Shaw, Um Marido Ideal,
senho Industrial Pedro Nunes, em Faro, desde
de Oscar Wilde, A Casa de Bernarda Alba, de
o início do funcionamento da respetiva oficina,
Garcia Lorca, e As Árvores Morrem de Pé. Mor-
no ano letivo de 1893/94. Foi confirmada no car-
reu no Porto, durante uma digressão do elenco
go pelo decreto de 14/12/1897, que reorganizou
do Teatro D. Maria II àquela cidade.
o ensino nas escolas industriais e de desenho in-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- dustrial, auferindo, em conformidade com a ta-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 398;
“Teatros – foi neste dia...”, O Século, 27/11/1952.
bela anexa ao referido decreto, um vencimento
[I. S. A.] de 300$000 réis anuais. Ainda exercia à data da
implantação da República.
Laura Fialho Fontes: Decreto de 14/12/1897, Diário do Governo, n.o
Atriz. Fez festa artística com Cenas de Coimbra, 283, de 15 de dezembro de 1897; Anuário Comercial de
opereta de Barros de Freitas, e Noite de Núpcias Portugal, Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910;
Portugal, Ministério da Fazenda, Direcção Geral da Es-
(20/03/1872), diálogo de João Gonçalves de tatística e dos Próprios Nacionais, Anuário Estatístico de
Freitas. Portugal. 1900, Lisboa, Imprensa Nacional, 1907.
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 20/03/961, p. 5. Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oito-
[I. S. A.] centista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lis-
boa, Livros Horizonte, pp. 311-315; Idem, A Formação
Profissional das Mulheres no Ensino Industrial Público
Laura Godinho (1884-1910). Realidades e representações, Dissertação de
Atriz e cantora. Era neta do célebre calígrafo Ma- doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008.
nuel Nunes Godinho, diretor de um colégio de [T. P.]
rapazes, e filha de Domingos Nunes Godinho,
também calígrafo muito conhecido. No princípio Laura Guilhermina de Menezes
da vida artística foi companheira de Pedro Ca- Professora do ensino livre de instrução primá-
bral (1885-1927), ator, ensaiador, escritor e em- ria elementar, complementar e língua francesa,
presário teatral que tinha frequentado o colégio concorreu, em 11 de junho de 1890, para o lu-
do avô. Estava entre as atrizes que estrearam o gar de professora-ajudante de qualquer disciplina
novo Teatro da Rua dos Condes, a 23 de dezembro no Liceu Feminino a ser criado no Porto. Ape-
de 1888, onde entrou em O Homem Rico de Ce- sar de ser casada, o requerimento aparece assi-
lorico, imitação de Gervásio Lobato e Acácio An- nado pela própria. Embora Laura Menezes refi-
tunes. Fez parte e foi sócia da Companhia Inglesa ra na carta que inclui os documentos compro-
(1889). Em 1910, era atriz do Teatro S. José, no vativos, não foi possível ter acesso a estes uma
Rio de Janeiro, onde representou, ao lado de Ci- vez que lhos foram devolvidos em 1891.
nira Polónio*, as operetas A Mulher Soldado Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
(1911), adaptação de Os 28 Dias de Clarinha, por – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Laura Corina, música de José Nunes, Colégio de [A. C. O.]
Senhoritas (1912), de Carlos Meneses, música de
Chiquinha Gonzaga, e as revistas, também mu- Laura Guilhermina Martins Ayres
sicadas por José Nunes, Manobras do Amor (1911) Nasceu na freguesia de S. Sebastião, em Loulé,
e Zé Pereira (1912), em 3 atos e 4 quadros, de Car- no dia 1 de junho de 1922, filha de António Joa-
doso de Meneses, Pomada e Farofas (1912), em quim Botelho da Silva Ayres e de Rosa Martins
3 atos e 5 quadros, de Cardoso Meneses, músi- Peres Gomes Ayres, vindo a morrer no decurso
LAU 420

do ano de 1992. Oriunda, pelo lado paterno, de mens mais sabedores e importantes da área da
uma família de professores, frequentou a esco- Saúde Pública do nosso país. Em 1953, o British
la primária entre 1928 e 1932, no Porto, em Lis- Council concedeu-lhe uma bolsa de estudos, pelo
boa e em Vila Real de Trás-os-Montes. O ensino que partiu para Londres para se especializar em
secundário, de 1932 a 1935, foi feito em Lisboa, Virologia. Considerava ser mais importante tra-
no Colégio Académico, e entre 1935 e 1939 fre- balhar nos principais laboratórios ingleses do que
quentou o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. fazer um mestrado ou doutoramento, pelo que es-
Licenciou-se na Faculdade de Medicina da Uni- tagiou nos melhores serviços de Virologia, no-
versidade de Lisboa, que frequentou de 1941 a meadamente no Central Public Health Laboratory,
1946, tendo terminado com 17 valores, classifi- em Colindale, trabalhando com George Le Bou-
cação de Bom com Distinção. Em 1947, iniciou vier e Alan Goffe, entre outros virologistas mun-
um Estágio Livre no Hospital de Santa Marta, Hos- dialmente reconhecidos como peritos, e na Lon-
pital Escolar de Lisboa, no serviço de Clínica Mé- don School of Hygiene and Tropical Medicine,
dica dirigido pelo Professor Francisco Pulido Va- onde trabalhou com Forrest Fulton, um dos vi-
lente, onde teve oportunidade de trabalhar par- rologistas mais destacados na época e com
ticularmente com Ducla Soares e Ribeiro Santos, quem colaborou em diversos estudos. Recusou
colegas com quem aprendeu “as tarefas difíceis convites para permanecer em Inglaterra e, após
da colheita de dados e da observação de doen- dois anos, regressou a Portugal. Foi convidada
tes” e adquiriu “o gosto pelo estudo crítico, apro- para o lugar de virologista do Instituto Superior
fundado, dos problemas médicos”. Após con- de Higiene Dr. Ricardo Jorge, tendo tomado pos-
curso de provas públicas foi admitida, em abril se do lugar em fevereiro de 1956, e tornou-se di-
de 1948, no Internato Geral dos Hospitais Civis retora do Laboratório de Virologia desde essa data.
de Lisboa (HCL). O concurso tinha tido 200 can- Em 1971, o Instituto Superior de Higiene, até aí
didatos, foram admitidos 30 e Laura Ayres ficou órgão dependente da Direcção-Geral de Saúde,
classificada em primeiro lugar. Iniciou assim a deu origem ao Instituto Nacional de Saúde
carreira hospitalar, carreira que terminou em 1953, (INSA), entidade autónoma com objetivos alar-
após ter acabado o Internato Complementar de gados e novas competências, sobretudo na área
Medicina. No Curriculum Vitae, elaborado em da investigação científica em todos os campos da
1982, considerava os anos de vida hospitalar en- saúde. O Laboratório de Virologia adquiriu au-
tre os melhores da sua vida profissional, dado ter tonomia, separando-se do Laboratório de Bac-
sido um período de grande fecundidade e de mu- teriologia, tornou-se o Laboratório Central de Re-
danças importantes; considerava ter-se trabalhado ferência e Laura Ayres continuou a ser a direto-
e produzido muito nos domínios da etiopatoge- ra. Os objetivos do Laboratório alargaram-se, indo
nia, da terapêutica e da profilaxia de algumas si- desde o apoio aos serviços de saúde, ao estudo
tuações clínicas, nomeadamente do shock, e na etiológico das doenças transmissíveis, à inves-
área das doenças infecto-contagiosas; afirmava ter tigação epidemiológica e de saúde, até à organi-
trabalhado “com alguns dos espíritos mais bri- zação dos sistemas de vigilância de doenças trans-
lhantes e mais cultos da classe médica de então”. missíveis. De 1976 a dezembro de 1977, Laura Ay-
Tanto no Internato Geral como no Internato Com- res integrou a Comissão Instaladora do INSA por
plementar interessou-se especialmente pelo es- convite do então secretário de Estado da Saúde,
tudo das doenças infecto-contagiosas, área pela Albino Aroso. Em 1983, tornou a fazer parte da
qual tinha tido um interesse especial quando, na direção do INSA como subdiretora, por convite
Faculdade de Medicina, havia frequentado a Ca- do diretor daquela instituição, Aloísio Coelho,
deira de Bacteriologia ministrada pelo Professor acumulando as novas funções, orientar o Sector
Cândido de Oliveira, um dos professores que, se- de Pessoal e o Departamento de Ensino de En-
gundo Laura Ayres, fazia um ensino vivo e prá- fermagem, representar o Instituto em comissões
tico e que sabia interessar e estimular os seus alu- e grupos de trabalho no exterior, com o trabalho
nos para o estudo e para a investigação. Ainda que vinha realizando de dirigir o Laboratório de
no Internato Geral dos HCL pediu para fazer um Virologia e coordenar projetos de investigação.
estágio no Serviço de Doenças Infecto-Contagiosas Em outubro de 1983, logo após ter sido diag-
do Hospital Curry Cabral, onde trabalhou com nosticado o primeiro caso de infeção pelo
José Cutileiro e conheceu Arnaldo Sampaio, re- VIH/SIDA em Portugal, Laura Ayres procurou for-
cém-chegado dos Estados Unidos, dois dos ho- mar um grupo de trabalho com o objetivo de se-
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rem criadas diretivas e orientações para a vigi- 1956 e 1992, participou em cerca de 130 reuniões
lância da infeção pelo VIH/SIDA, grupo esse que internacionais, umas por sua iniciativa, outras por
só seria criado em 1985. Constituíam-no repre- convite pessoal e outras em representação de Por-
sentantes da Direcção-Geral de Cuidados de Saú- tugal. Salientam-se as 28.a, 29.a, 30.a, 32.a e 34.a
de Primários, da Direcção-Geral dos Hospitais, Assembleias Mundiais de Saúde, organizadas
do Instituto Nacional de Sangue, da Associação pela Organização Mundial de Saúde (OMS), nos
de Luso Transplante e do INSA. Em 1990, este anos de 1975, 1976, 1977, 1979 e 1983, tendo re-
grupo seria remodelado, dando lugar à Comissão presentado Portugal nas quatro primeiras. Par-
Nacional de Luta contra a SIDA, ficando Laura ticipou em várias reuniões organizadas pelo Bu-
Ayres como sua coordenadora até janeiro de 1992, reau Regional da Europa da OMS, onde também
data em que faleceu, passando então a coorde- representou o país, em 1982, na Reunião de Téc-
nação a ser feita pelo Professor Machado Caeta- nicos Responsáveis por Doenças Infecciosas na
no. Interessada na formação de técnicos de saú- Europa e, em 1983, esteve presente no Workshop
de, iniciou a sua participação no ensino médi- sobre Laboratory Management e no Second Eu-
co em 1952 quando, por convite de Arnaldo Sam- ropean Seminar for Leading Public Health For All
paio, deu lições sobre tétano e difteria no Curso By The Year 2000. A partir de 1983, enquanto de-
de Medicina Sanitária, então ministrado no Ins- legada portuguesa no Comité de Ação Concertada
tituto Superior de Higiene. Mas só em 1968 se tor- “Investigação em Serviços de Saúde” (COMAC,
nou assistente na Escola Nacional de Saúde Pú- HSR) da CEE, e até dezembro de 1986, partici-
blica e de Medicina Tropical, ministrando as dis- pou em todas as reuniões do grupo. A partir da-
ciplinas de Saúde Pública, Doenças Infecto- quela data, tendo sido nomeada presidente do re-
contagiosas, Nutrição e Epidemiologia. Quando ferido comité, organizou e participou em todo o
em 1975 as duas entidades se separaram, Laura trabalho do grupo, nomeadamente nas reuniões
Ayres foi proposta para o lugar de Professora Au- mensais, até dezembro de 1991, data em que dei-
xiliar da Escola Nacional de Saúde Pública. Do xou a presidência. A partir de 1983, participou
trabalho que realizou de 1974 a 1978 no Instituto em numerosas reuniões e workshops relaciona-
de Ciências Biomédicas do Campo de Santana, das com a infeção VIH/SIDA, área em que foi con-
regendo a cadeira de Ecologia Médica, por con- siderada perita não só nacional como a nível in-
vite de Esperança Pina, guardou boas recordações, ternacional. De salientar que em 1989 participou
especialmente da colaboração prestada por as- em 13 reuniões internacionais sobre SIDA, en-
sistentes e monitores que fizeram parte da equi- tre as quais a European Meeting on HIV Sero-
pa. Laura Ayres foi também docente em várias es- positivity and AIDS Prevention and Control,
colas de enfermagem, tanto públicas como pri- OMS, Moscovo, onde representou Portugal. No
vadas, desde 1956, lecionando nos cursos nor- ano seguinte esteve presente em 17 reuniões, das
mais e de pós-graduação as disciplinas de Saú- quais sete foram relativas à infeção pelo
de Pública, Doenças Infecto-contagiosas, Nutri- VIH/SIDA, e em 1991, das 26 reuniões interna-
ção e Microbiologia. Em 1983, tornou-se pro- cionais que usufruíram da sua colaboração, 11 ti-
fessora associada da Escola Nacional de Saúde veram temáticas ligadas à prevenção e controlo
Pública e, quando do seu falecimento, era pro- da infeção pelo VIH/SIDA. Desde 1950, data do
fessora catedrática da mesma Escola. Foi mem- seu primeiro trabalho, publicou mais de 50 ar-
bro de várias sociedades científicas: Sociedade tigos científicos, tanto na imprensa nacional como
das Ciências Médicas de Lisboa, Sociedade Por- em publicações estrangeiras. O Instituto Nacio-
tuguesa de Ciências Naturais, Sociedade Portu- nal de Saúde homenageou Laura Ayres em ce-
guesa de Medicina Interna, Sociedade Portuguesa rimónia onde estiveram presentes várias indi-
de Imunologia e Sociedade Portuguesa de Mi- vidualidades que proferiram palavras de apreço
crobiologia, de que foi sócia fundadora. Desta úl- e de amizade. A primeira intervenção foi do di-
tima, foi vice-presidente da direção de 1974 a retor do INSA, Dr. Aloísio M. Coelho, que lem-
1977. Foi também membro da Associação Por- brou todo o seu percurso e destacou o trabalho
tuguesa para a Promoção da Saúde Pública, da de parceria conjunta; a Dra. Maria Irene Pires
Health Service Research e da Aids Research Par- Nunes, em representação do Laboratório de Vi-
ty. Em 1990, foi membro do Conselho Diretivo rologia, relembrou o relacionamento com Lau-
do International Journal of The Health Sciences, ra Ayres desde 1956; o Dr. José Bandeira Costa,
Universidade de Groningen, Holanda. Entre diretor-geral dos Cuidados de Saúde Primários,
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salientou não só os aspetos relevantes do seu tra- 5:25-29,1981; [c/ J. Bandeira da Costa, J. M. Caldeira da
balho em Portugal, como a importância daque- Silva, P. Franco e J. Machado Caetano], “Sindrome da Imu-
nodeficiência Adquirida: Situação na Europa em 1985”,
le a nível internacional. O secretário de Estado Rev. Port. de Saúde Pública, Out.-Dez. 3 (4): 29-40, 1985;
da Saúde, José Martins Nunes, salientou o rigor [c/ J. Bandeira da Costa, J. M. Caldeira da Silva, P. Fran-
e a qualidade de todo o seu trabalho. Foram re- co e J. Machado Caetano], “Sindrome da Imunodeficiência
cebidas mensagens de pessoas que não estiveram Adquirida: Situação em Portugal em 30 de setembro de
presentes, das quais salientamos: Dr. J. E. Asvall, 1986”, Rev. Port. de Doenças Infecciosas, Out.-Dez. 9 (4):
161-164, 1986; “O Centro de Vigilância Epidemiológica”,
diretor regional da OMS; Dr. M. H. Merson, di- Bol. de Epidemiologia, 1 (1): 1-3, 1988; [c/ M. F. Avillez,
retor do Global Programme on AIDS da OMS; Pro- M. F. Pista e M. A. Pista], “Prevalência de anticorpos anti-
fessor Doutor A. Torres Pereira, diretor da Fa- HIV-1: análise dos resultados de mil soros estudados. Nota
culdade de Medicina de Lisboa; Mr. Marc Cosyns, preliminar”, Rev. Port. Doenças Infecciosas, 11(2): 75-77,
1988; “Prevalência de anticorpos anti-HIV-1 e anti-HIV-
diretor-geral para a Ciência, Investigação e De- 2 em homossexuais, prostitutas e outros indivíduos aten-
senvolvimento da Comissão das Comunidades didos numa clínica de doenças de transmissão sexual”,
Europeias Laura Ayres recebeu duas condeco- Bol. Epidem. [Centro de Vigilância epidemiológica das
rações: a Ordem de Santiago da Espada, conce- Doenças Transmissíveis], 1 (3): 4-5, 1988; [c/ I. Dal Con-
dida pelo Presidente da República, Dr. Mário Soa- te, A. Licchini, G. Giulliani, M. F. Avillez, D. Gilgen], “The
Karpas AIDS Cell Test compared with an Enzyme-Linked
res, e a outra, em 1993, atribuída pelo presidente Immunosorbent. Essay for detecting antibody to the Hu-
da Câmara de Loulé no Dia da Cidade. Recebeu mam Immunodeficiency Viruses (HIV-1 and HIV-2)”, J.
o Prémio Sanitas de Saúde Pública pelo trabalho, of Infection, 16: 263- 272, 1988; [c/ E. Machado], “Rubéola:
em colaboração, sobre “Aspetos Epidemiológi- Considerações sobre a Epidemiologia em Portugal”, Bol.
Epidem. [Centro de Vigilância Epidemiológica das Doen-
cos da Poliomielite em Portugal”, e o Prémio Ri- ças Transmissíveis], 2 (5): 2-7, 1989; “Sida: Situação em
cardo Jorge, com “Contribuição para o estudo do Portugal em 30 de setembro de 1989. Alguns comentá-
tracoma”. O seu nome foi dado a uma escola se- rios”, Rev. Port. de Saúde Pública, 8 (1): 61-63. janeiro-
cundária na Quarteira. Laura Ayres foi casada com março, 1990; [c/ M. V. Figueiredo, H. Rebelo de Andra-
Jorge Roza de Oliveira, médico, e mãe de Jorge de, M. T. Paixão, J. Marinho Falcão, A. Gonçalves], “Gri-
pe em 1990/1991: Resultados da Vigilância Clínica e La-
Roza de Oliveira, diplomata. boratorial”, Saúde em Números [DGCSP], 7 (2): 13-16,
Da autora: [c/ J. Cutileiro, G. J. Lang e A. Marques Cardoso], maio, 1992.
“Aspectos da Imunização anti-diftérica numa área de Lis- Bib.: Arquivos do Instituto Nacional de Saúde, Home-
boa”, Amatus Lusitanos, 7, (8), 1950, pp. 3-23. 1950; [c/ nagem à Professora Laura Ayres, Vol. XVIII, Edições Re-
A. Sampaio e M. I. P. Nunes], “Aspectos Laboratoriais da cipe-Publicações periódicas Lda., Lisboa, 1993; Rui Mi-
epidemia de «Gripe Asiática»”, Bol. Serv. Saúde Públi- guel Falé, “Biografia e testemunhos sobre a Prof.a Laura
ca, 5, (4), 1958; [c/ A. Sampaio], “Análise antigénica das Ayres, virologista”, Informação SIDA e outras doenças in-
estirpes de gripe isoladas em Portugal na epidemia de fecciosas, n.o 56, Ano X, maio-junho, 2006; www.esec-dra-
1957”, Arq. Port. de Bioquímica, 2, 1958, pp. 136-147; [c/ laura-ayres.rcts.pt/opatrono.htm.20-03-2007.
M. I. P. Nunes, M. V. T. Figueiredo e A. Sampaio], “Estirpes [M. V. F.]
de vírus da poliomielite isoladas no Laboratório de Vi-
rologia do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jor- Laura Santos
ge”, J. Soc. Ciências Médicas, Lisboa, 125, (8), 1961; [c/ Irmã das pintoras Virgínia Santos Avelar* e Emí-
A. Sampaio], “Isolamento do vírus do tracoma em doen-
tes portugueses”, J. Soc. Ciências Médicas de Lisboa, 125, lia Adelaide dos Santos Braga*, com quem vi-
(5), 1961; [c/ A. Sampaio, N. A. Haddad, S. D. Jr. Bell, E. veu em Lisboa, na Praça Duque de Saldanha, n.o
S. Murray e J. E. Snyder], “Studies on Trachoma. IV. In- 1, e depois na Rua Pinheiro Chagas, n.o 3, apre-
vestigations in Portugal on formalin-killed trachoma vac- senta-se como discípula de Malhoa no catálo-
cines with special reference to serologic response – Amer”,
J. Trop. Med. Hyg., 12, (6), 1963, pp. 909-915; “Tracoma. go do Grémio Artístico de 1893, e de 1895. De-
Progressos recentes”, O Médico, n.o 853, 1968; [c/ M. F. dicando-se sobretudo à pintura de flores e na-
Ferreira], “Seroepidemiologia da Rubéola”, Arq. INSA, 1: turezas-mortas, participou na 3.a e na 5.a expo-
177, 1972; [c/ I. Teixeira], “Importância das infecções ina- sição do Grémio Artístico, em 1893 e 1895; na
parentes na epidemiologia das infecções de vírus”, Arq. Exposição Universal de Paris de 1900 com a obra
INSA, 1:261, 1972; [c/ J. B. Costa e M. I. P. Nunes], “Es-
tudo epidemiológico e laboratorial de um surto de po- Une consultation e, desde 1902, em várias ex-
liomielite ocorrido na Ilha da Madeira (março a julho de posições da Sociedade Nacional de Belas Artes,
1972)”, Arq. INSA, 2:47-56, 1973; “Rubéola e Malfor- onde recebeu em 1905 uma menção honrosa,
mações humanas”, Livro de Homenagem ao Professor Ar- com a obra Hortênsias e, em 1909, a medalha
naldo Sampaio, 1978, pp. 165-170; [c/ M. I. P. Nunes, J.
S. Oliveira e F. G. Melo], “Poliomielite. Prevalência de An-
de 3.a classe. Participou também na exposição
ticorpos em indivíduos dos 2-25 anos”, Arq. INSA, 4: 133- promovida por Emília dos Santos Braga no seu
139, 1980; “Doenças Infecciosas e Parasitárias”, Arq. INSA, ateliê em 1908, tendo a crítica considerado as
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suas obras como “revelações muito apreciáveis” tar aquelas que considerava as suas principais
[Ilustração Portuguesa, n.o 118, p. 672]. obras: Victor Wagner no seu atelier, Retrato de M.elle
Bib.: Nuno Saldanha, José Malhoa – Tradição e Moder- A. S. B. e D. Ignez de Castro. Refere ser discípu-
nidade, Lisboa, Scribe, 2010; “Uma pintora portuguesa: la de Malhoa nos catálogos do Grémio Artístico
Emília Santos Braga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a desde 1896 (altura em que morava em Lisboa, na
série, Vol. 5.o, n.o 118, 1908, p. 672. Rua Mouzinho da Silveira), nos da Sociedade Na-
[N. S.] cional de Belas Artes de 1906, 1910 e 1911, as-
sim como no catálogo da Exposição Nacional do
Laura Saraiva Raio Rio de Janeiro de 1908. No entanto, o relaciona-
Nasceu em Sintra em 1896, vindo a morrer no ano mento com este mestre data de muito antes, da-
de 1978. Quando nova, trabalhou como ama dos dos os contactos próximos que o pintor tinha com
filhos de Sir Herbert Cook, visconde de Mon- a família, mormente com o pai, Henrique Sauvi-
serrate. Acompanhou a família em muitas des- net, o que levou a que ela fosse retratada por Ma-
locações ao Reino Unido e aí permaneceu durante lhoa naquele que tem sido considerado como o
a Primeira Grande Guerra, pelo que aprendeu a seu melhor retrato (a Gioconda de Malhoa, como
falar inglês corretamente. De regresso a Portugal, alguns já lhe chamaram). O mesmo parecer era se-
casou, sendo mãe de um rapaz, António de Je- guido pelo próprio pintor e pelo pai de Laura, con-
sus Raio, que foi um celebrado jogador de hóquei soante o referia a Ribeiro Artur: “o retrato da fi-
em patins na época áurea da prática desta mo- lha do Sauvinet, que na opinião do Mestre e na
dalidade desportiva em Portugal. Tornou-se co- minha, é a minha obra-prima” [Carta de José Ma-
nhecida por ter fundado o Hotel Central em Sin- lhoa a Ribeiro Artur, c. 1899]. Embora não haja
tra, no terreiro do Palácio da Vila, lugar que se referências diretas às lições que Laura terá tido
tornou num ex-libris daquela vila. Permanente- com Malhoa, ela aparece com muita frequência
mente à testa do seu negócio, D. Laura, como era na sua correspondência com José Relvas, dado tra-
por todos apelidada, estava sempre disponível tar-se de uma conhecida de ambos, por via do pai.
para aconselhar e apoiar os hóspedes. Data de 24 de julho de 1898, a referência mais an-
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1180, 28/04/1978. tiga que Malhoa faz a Laura Sauvinet, dando con-
[A. V.] ta da relação conflituosa que esta tinha com a mãe.
E nesse ano dá-nos conta que Laura Sauvinet e a
Laura Sauvinet Bandeira mãe, Sara Sauvinet, se correspondem com a sua
Filha de Henrique Sauvinet (1844-1911), conhe- mulher, Júlia Malhoa [Carta de José Malhoa a José
cido violinista que pertenceu à direção da Aca- Relvas, 14/10/1898]. Em janeiro de 1900 surge-
demia de Amadores de Música, e de Sara Sau- nos a primeira menção explícita de Malhoa à con-
vinet, era também sobrinha do compositor Adol- dição de Laura Sauvinet como discípula, a pro-
fo Sauvinet e do violoncelista Eugénio Sauvinet. pósito de uma suposta injustiça exercida sobre ela
Cantora e pintora nascida em 1876, imortalizada pelo júri de seleção de obras para a Exposição Uni-
no célebre retrato pintado por Malhoa em 1888, versal de Paris. Malhoa considerou que Simões
Laura estreou-se em 1892 (entretanto casada de Almeida e Veloso Salgado rejeitaram o retra-
com João de Sousa Bandeira) na 2.a exposição do to de Laura apresentado a concurso (assim como
Grémio Artístico, juntamente com outras discí- de outras suas discípulas) como forma de se vin-
pulas de Malhoa, Emília dos Santos Braga* e Eli- garem dele [Carta de José Malhoa a José Relvas,
sa de Carvalho Burnay. Sócia efetiva do Grémio 25/01/1900]. Alguns meses depois, o mestre re-
Artístico desde 1891, além das participações nes- lata estar a ajudar a discípula no retrato do ma-
se salão (onde recebeu em 1897 uma medalha de rido, João de Sousa Bandeira, exposto em 1902 na
3.a classe), esteve ainda presente na Exposição Uni- 2.a exposição da Sociedade Nacional de Belas Ar-
versal de Paris, em 1900, com a obra Victor Wag- tes [Carta de José Malhoa a José Relvas,
ner no seu atelier. Também expôs na Sociedade 08/07/1900]. As referências a Laura mantêm-se
Nacional de Belas Artes entre 1901 e 1911, onde entre 1901 e 1907, mormente dando notícias dos
recebeu uma menção honrosa e as medalhas de contactos e visitas dos Sauvinet à Casa dos Pa-
3.a e de 2.a classe; e participou ainda na Exposi- tudos, de José Relvas. Tal como sucedeu com as
ção Nacional do Rio de Janeiro de 1908 com Os suas colegas, a crítica pouco mais fez do que in-
pretendentes. No breve curriculum apresentado seri-la no conjunto de pintoras amadoras, ainda
no catálogo desta exposição, a pintora fez cons- que, por altura da sua estreia, em 1892, Emídio
LAU 424

de Brito Monteiro considerasse a primeira apre- Laura Simões


sentação de Laura Sauvinet “muito auspiciosa [...] Atriz. Era filha do ator Artur Simões, nome ar-
em cujos trabalhos ha já bastante largueza de to- tístico de José Simões Nunes Borges (10/03/1826-
que, reveladora de boas disposições” [João Sin- 21/02/1904), e irmã das atrizes Lucinda Simões*
cero, 1892, p. 114]. A propósito da sua presença e Amélia Simões*. Fez o papel de “baronesa” em
em 1893 no Grémio Artístico, considera a críti- Cabotinos (1896), comédia em 4 atos de Edouard
ca que, juntamente com a condessa de Almedi- Pailleron, tradução de Lorjó Tavares, no Teatro
na e Adelaide Barbosa, a sua obra reflete “as li- da Rua dos Condes.
ções do Sr. Malhoa [...] mas que em execução dei- [I. S. A.]
xa ainda bastante a desejar” [O Século, n.o 4043,
p. 1]. Sobre o retrato que apresentou nessa oca- Laura Tágide Roquete de Sequeira Tavares
sião, O Século começa por apontar uma “bonita Converteu-se ao espiritismo filosófico, científi-
cabeça [...] mas o resto é detestável, não são cos- co e experimental na segunda década do sécu-
tas, nem braços, nem nada, – além de que aque- lo XX. Em 1919 era assinante da revista A ASA*,
le enorme laçarote e o decote do vestido são de órgão do Centro Espiritualista Luz e Amor*. Em
uma deselegância rara” [Idem]. Por ocasião das 1929, foi eleita para a comissão organizadora das
apresentações da Sociedade Nacional de Belas Ar- Festas de Beneficência e de Confraternização da
tes, em 1902, ela foi simplesmente incluída no gru- Federação Espírita Portuguesa, constituída por
po de artistas amadoras que participaram na ex- Julieta Bensaúde*, Maria da Madre de Deus Lei-
posição [Xylographo, 1902, p. 98]. No ano se- te Dinis*, Maria Teresa Miranda Sena*, Leonor
guinte, António de Lemos descreveu a sua figu- d’Eça*, Inês Cardia*, Ângela Aureliana Coelho de
ra de D. Ignez de Castro, exposta no 3.o certame Morais*, Maria Emília Cardoso Antunes*, Maria
daquela organização, como “esguia e airosa, um Alice Morais Machado da Cruz*, coronel José Au-
pouco teatral, regularmente pintada”, acres- gusto Faure da Rosa e Virgílio Saque.
centando ainda satiricamente que “O galgo que Bib.: Mário Moreau, “Laura Tágide Roquete de Sequei-
a acompanha parece feito de grafite, e se a D. Ig- ra Tavares”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX),
nez continua, por muito tempo, com a mão es- Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 498-499; A ASA, n.o
6, junho, 1919; O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fe-
querda naquela posição, acaba por cegar o po- vereiro, 1929, p. 5.
bre cachorro, pois a meter-lhe um dedo pelo olho [N. M.]
dentro, aquilo dá pelo menos uma conjuntivi-
te...” [António de Lemos, 1906, p. 44]. A mes- Laura Verediana de Castro e Almeida Soares
ma obra seria igualmente alvo de apreciações no Escritora e tradutora. Nasceu no Funchal a 7 de
jornal O Dia, onde foi considerada como “um novembro de 1870 e faleceu, na mesma cidade,
quadrinho gracioso” [O Dia, n.o 3761, p. 2]. Em em 1960. Era filha de D. Francisco de Castro e
1909, num artigo da Ilustração Portuguesa, Almeida Pimentel Sequeira e Abreu e de Maria
apareceu ainda elogiada pela crítica como uma Antónia Bettencourt Pestana de Castro. Prima di-
“pintora de mérito doublée”, dado tratar-se reita da escritora e pedagoga Virgínia de Castro
também de uma amadora de canto “fora-de- e Almeida, recebeu, como esta, uma educação
-série” [Ilustração Portuguesa, 04/01/1909]. primorosa. Cedo manifestou um grande gosto pe-
Embora pouco prolixa, Laura Sauvinet revelou las letras, sendo também uma boa aguarelista. Pu-
alguns dotes de qualidade na sua obra, como em blicou, com o pseudónimo de Maria Francisca
Victor Wagner no seu atelier (1897), onde, cu- Teresa, três obras destinadas às crianças e tra-
riosamente, se mostra mais próxima de António duziu, do inglês, dois romances. Casou com Fe-
Ramalho (O Lanterneiro, 1883) que de Malhoa. liciano Soares, natural de Aveiro, funcionário da
Bib.: António de Lemos, Notas d’Arte, Porto, Tipografia Uni- Alfândega do Funchal e também interessado na
versal, 1906, p. 44; João Sincero, “A Exposição de Belas Ar- vida literária. Foi autor de vários livros. Fundou
tes do Grémio Artístico”, O Ocidente, n.o 483, 21/05/1892, o Instituto do Ensino Secundário e Comercial e
p. 114; Nuno Saldanha, José Malhoa – Tradição e Moder- instituiu a bolsa “Antónia Georgina” para estu-
nidade, Lisboa, Scribe, 2010; Xylographo, “Segunda Ex- dantes pobres.
posição da Sociedade Nacional de Belas Artes”, O Ocidente,
n.o 841, 1902, p. 98; “A Exposição do Grémio Artístico”, Da autora: [Maria Francisca Teresa], Como a Chica Co-
O Século, 30/04/1893, p. 1; O Dia, 14/04/1903, p. 2; Ilus- nheceu Jesus, Funchal, Ed. da Revista católica, Tipografia
tração Portuguesa, 2.a Série, 04/01/1909. Esperança, 1925; Em Casa da Avó na Ilha da Madeira,
[N. S.] Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1922; O Querido Tio
425 LAU

Gustavo, Lisboa, Livraria Guimarães, 1925. Traduções: ria Paes Moreira, Hygiene da gravidez e do par-
Hall Caine, A Cidade Eterna, Lisboa, Livraria Clássica Edi- to, entre outras, temos de considerar que estas mé-
tora, 1926; Idem, O Apóstolo, Lisboa, Livraria A. M. Tei-
xeira & Ca., 1940. dicas revelavam uma preocupação com a saúde
Bib.: Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Me- infantil e da mulher. Devemos, deste modo, re-
neses, Elucidário Madeirense, III Vol., 2.a ed., Funchal, Se- conhecer que as pioneiras na Medicina asso-
cretaria Regional de Turismo e Cultura, 1984, p. 319. ciaram-se à emergência nos estudos médicos de
[I. L.] novas áreas de interesse, nomeadamente a hi-
giene e a saúde materno-infantil. Concluído o cur-
Laurinda Moraes Sarmento so de Medicina, Laurinda Moraes Sarmento e sua
Nascida a 28 de outubro de 1867 na cidade do irmã Aurélia abriram consultório no número 579
Porto, freguesia da Vitória, foi a primeira filha de da rua onde residiam, Rua do Almada, direcio-
Anselmo Evaristo de Moraes Sarmento e de Rita nando-o para as “doenças de senhoras” e serviço
de Cássia Oliveira. Oriunda duma família avei- de partos. Após o casamento com um seu ex-co-
rense de tradições liberais, o tio-avô paterno, o lega de curso, o médico Abílio da Silva Carva-
sargento Clemente Moraes Sarmento, foi enfor- lho, fez um interregno no exercício da medici-
cado a 9 de outubro de 1829 na Praça Nova do na, tendo sido mãe de duas filhas, Laurinda
Porto, na sequência da sua participação na revolta (1893) e Maria (1894). Após o nascimento da se-
antiabsolutista ocorrida em maio desse ano na ci- gunda filha, propôs-se retomar a atividade clí-
dade de Aveiro. O pai afirmou-se na vida cultu- nica, candidatando-se a um lugar de médica au-
ral portuense, participando na Gazeta Literária xiliar no Hospital de Santo António. Concor-
do Porto (1868) e fundando A Actualidade rendo com a sua irmã e a ex-colega Maria Leite
(1874-1891), que também dirigiu, e A Ideia Paes Moreira, viu-se preterida ao recair a esco-
Nova – diário democrático (1891-1892). Na re- lha para o lugar nesta última.
sidência de família partilhou o convívio com
Da autora: Breves Considerações sobre a Hygiene do Ves-
eminentes figuras da intelectualidade portuguesa, tuário Feminino, Porto, Imprensa Portuguesa, 1891.
entre os quais se destacam Antero de Quental, Bib.: C. Santos, A Mulher e a Universidade do Porto. A pro-
Camilo de Castelo Branco, Eça de Queirós, Oli- pósito do centenário da formatura das primeiras médicas
veira Martins, Ramalho Ortigão e Teófilo Braga. portuguesas, Porto, Universidade do Porto, 1991.
Deve-se ainda destacar o culto familiar por ideais [M. J. R.]
políticos progressistas para a época. Laurinda,
filha primogénita, terá feito os estudos liceais re- Leocádia Maria Serra
cebendo lições particulares, possivelmente al- Atriz. Teve permissão especial para representar
gumas destas com as suas irmãs Aurélia*, Gui- no Teatro Nacional da Rua dos Condes, ainda du-
lhermina* e Rita*, que certificou realizando exa- rante a época em que vigorava a proibição de as
mes no Liceu Central do Porto. Em outubro de mulheres pisarem o palco imposta por D. Maria
1885, ingressou na Academia Politécnica do Por- I. Contracenou só com homens, alguns repre-
to com a irmã Aurélia Moares Sarmento, vindo sentando papéis femininos, em travesti. Em 1800,
juntar-se a Maria Leite da Silva Tavares Paes Mo- integrava o elenco organizado pelo empresário
reira*, que aí havia dado entrada no ano transa- António José de Paula (f. 1803) para atuar no Tea-
to. Feitos os primeiros estudos na Politécnica, tro Nacional da Rua dos Condes. Deixou o tea-
transitou no ano letivo seguinte para a Escola Mé- tro pouco tempo depois.
dico-Cirúrgica do Porto, com a irmã e a colega Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis-
Maria Paes Moreira. Concluiu o Curso de Me- boa, Editorial Século, 1947; Carl Israel Ruders, Viagem
em Portugal 1798-1802 [tradução de António Feijó, pre-
dicina no mesmo dia que a irmã Aurélia, 9 de fácio e notas de Castelo Branco Chaves], Lisboa, Biblio-
novembro de 1891, com a apresentação da dis- teca Nacional, 1981, p. 95.
sertação Breves considerações sobre a hygiene do [I. S. A.]
vestuário feminino, obtendo “aprovação plena”.
Faz assim parte do grupo das pioneiras médicas Leonor da Câmara
portuguesas, figurando como uma das três pri- Filha de D. Luís António José Maria da Câmara,
meiras médicas portuenses. Por outro lado, ao 6.o conde da Ribeira Grande, e de sua segunda
atender-se ao objeto da sua dissertação, tal como mulher, D. Maria Rita de Almeida, D. Leonor da
ao da sua irmã Aurélia, Hygiene da primeira in- Câmara nasceu em Lisboa a 30 de maio de 1781
fância, ou ainda ao da sua colega de curso Ma- e faleceu, na mesma cidade, a 27 de março de
LEO 426

1850. Pelo lado materno, era neta do 4.o conde Inglaterra durou dez meses, de outubro de 1828
de Assumar e 2.o marquês de Alorna, D. João de a agosto de 1829. Entretanto, o marquês de Pal-
Almeida Portugal, bisneta dos marqueses de Tá- mela, presidente do Conselho da Regência na emi-
vora, torturados por determinação do marquês de gração liberal em Londres, pensou, de acordo com
Pombal, em 1759, e sobrinha de D. Leonor de Al- o marquês de Barbacena, que seria conveniente
meida Portugal, marquesa de Alorna, Alcipe para criar “uma corte portuguesa” na Grã-Bretanha
os arcádicos. De estatura regular, Leonor da Câ- para a jovem rainha. Desde logo, surgiu-lhes o
mara tinha rosto oval, olhos grandes, nariz reti- nome de Leonor da Câmara para dama camaris-
líneo, boca pequena, testa e pescoço altos, cabelo ta e educadora da menina. A nomeação oficial
levemente ondulado, segundo o retrato físico tra- chegou a 31 de dezembro de 1828 e D. Leonor par-
çado por Alberto Pimentel. De acordo com o meio tiu de Lisboa, às 10 horas da noite de 8 de feve-
sociocultural donde provinha, recebeu uma reiro de 1829, furtivamente e no maior sigilo, de
educação esmerada: escrevia corretamente o forma a evitar alguma surtida dos esbirros de D.
francês; lia e traduzia o inglês e o espanhol. Pos- Miguel. No dia 10 de março, já sã e salva em solo
suía um exaltado fervor religioso, seguindo os britânico, tomou posse do novo cargo, onde se
princípios do bispo de Bragança, D. António Luís manteve por quatro anos e oito meses. Alberto
da Veiga Cabral e Câmara, figura polémica da Igre- Pimentel e Domingos Maurício, que tiveram aces-
ja portuguesa da época. A esse respeito, seu pri- so a documentos existentes na casa Ribeira
mo D. José Trazimundo de Mascarenhas Barre- Grande, transcreveram a “Ideia geral do plano”
to, 7.o marquês de Fronteira e d’Alorna, a quem pedagógico projetado por D. Leonor. Esta co-
ela educou a irmã, queixava-se que esta ganhou meçava logo por enunciar: “As bases da educa-
em instrução e maneiras, mas perdeu a saúde com ção são a Religião e o desejo do bem público”. E
repetidos jejuns e penitências. Julga-se que D. Leo- prosseguia, dando sempre prioridade ao poder
nor nunca pensou em casar, contudo aponta- espiritual sobre o poder temporal. Quanto a este,
se-lhe um pretendente, o 6.o marquês de Fronteira, “As suas [da rainha] obrigações são as mesmas
pai do anterior. Teria recusado por o achar que as de uma Mãe a respeito da sua família con-
aborrecido, rezingão e associal. Em 7 de setem- sideradas em grande; e não é como o dono de um
bro de 1820, foi nomeada dama de palácio da rai- rebanho de ovelhas, que se tosquiam, tira-lhe o
nha D. Carlota Joaquina, e demitida por ser cons- leite, e come-lhe a carne, como lhe faz conta”. A
titucional em 24 de março de 1828, um mês de- concluir, tendo consciência da árdua tarefa que
pois do regresso de D. Miguel a Lisboa. Quando, constituía a educação de uma futura soberana, es-
nesse mesmo ano, a princesa D. Maria da Glória, crevia: “Isto, para se pôr em prática, necessita mui-
futura rainha D. Maria II, foi enviada do Brasil to tempo, muita paciência, muita constância, e
para a Europa com o fim de ser educada na cor- sobretudo muita oração para alcançar a graça de
te de seu avô materno, o imperador Francisco da Deus e a sua bênção” [cfr. Alberto Pimentel, pp.
Áustria, Leonor da Câmara foi escolhida para 327-329]. Em 25 de agosto de 1829, D. Maria da
dama e precetora da rainha-menina. A pequena Glória saiu de Inglaterra acompanhada da pre-
soberana, com 9 anos de idade, vinha ao cuida- cetora, de Barbacena e da nova imperatriz, de re-
do do marquês de Barbacena, valido de D. Pedro gresso ao Rio de Janeiro. Da estadia de Leonor da
I do Brasil, D. Pedro IV de Portugal, que tinha ab- Câmara nesta cidade até abril de 1831, data da
dicado da coroa lusitana em favor da filha, em abdicação por D. Pedro da coroa brasileira a fa-
1826. Antes de Viena, fizeram escala em Londres, vor de seu filho D. Pedro II, pouco se sabe. No
onde chegaram a 6 de outubro de 1828. Aí, Bar- entanto, na correspondência enviada por ela ao
bacena tomou conhecimento que, em Portugal, conde do Lavradio e ao futuro duque de Palme-
havia sido restaurado o absolutismo, por isso não la, seus parentes, sente-se uma enorme dedica-
prosseguiu viagem até ao destino final, supon- ção à discípula, fazendo-lhe ter sempre presen-
do que a corte dos Habsburgo estaria de coni- te que era soberana de Portugal. Para aqueles dois
vência com D. Miguel. A futura D. Maria II foi ins- políticos e diplomatas liberais, constituiu uma
talada numa casa de campo, Laleham, nos arre- preciosa fonte de informação em prol da causa
dores de Londres, enquanto Barbacena se des- da rainha, junto do palácio de São Cristóvão. Após
locava à Alemanha para tratar do casamento de abdicar, D. Pedro e D. Amélia, agora duques de
D. Pedro com D. Amélia de Leuchtenberg, sua se- Bragança, embarcaram na fragata Volage rumo à
gunda mulher. A estadia da pequena soberana em Europa; a rainha, os duques de Loulé, seus tios,
427 LEO

e Leonor da Câmara vieram na corveta La Seine. va a usufruir do seu ordenado de dama; seria agra-
Desembarcaram em França. Depois, visitaram a ciada com a Ordem de S.ta Isabel; e teria de aban-
corte de S. James, onde a jovem soberana andou donar a corte até às 12 horas do dia seguinte. Mal
sempre em lugar secundário atrás do pai e da ma- refeita da surpresa, com data do mesmo dia
drasta, o que levou D. Leonor a suspeitar que D. (22/10/1833), Leonor da Câmara respondeu ao re-
Pedro pudesse estar a preparar caminho para o gente D. Pedro: “Quando o Senhor Infante [D. Mi-
trono português. De novo em França, o duque de guel] chegou a Lisboa, despediu-me do Paço a Rai-
Bragança mandou alugar casa em Paris, na Rue nha, Mãe de V. Mag.e por ser constitucional; e V.
de Courcelles, n.o 10. Aí, residiu D. Maria da Gló- Mag.e despede-me por ser anticonstitucional”. E,
ria com a madrasta e com a precetora, enquan- mais adiante, acrescentava: “nada receio, se for
to D. Pedro rumava aos Açores e, como regente julgada segundo a Carta Constitucional, mas se
em nome da filha, organizava a expedição ao Con- V. Mag.e usando do poder da força, quiser ex-
tinente com o fim de recuperar o trono de D. Ma- pulsar-me do serviço da Rainha […] espero que
ria II, usurpado por seu tio D. Miguel em 1828. V. Mag.e me não leve a mal, se procure conservá-
Esses dezoito meses parisienses, de janeiro de -lo, e se apelar para as Câmaras da injustiça que
1832 a julho de 1833, num espaço exíguo e fe- me faz, tanto mais, que tendo sido no interesse
chado, o palacete da Rue de Courcelles, trouxe- da Nação Portuguesa que me prestei a este im-
ram à superfície atritos entre D. Amélia e D. Leo- portante serviço, é perante a mesma Nação que
nor. A primeira quis afirmar a sua posição face devo dar conta de mim. Permita-me, portanto V.
à precetora e apresentou-lhe um regulamento para Mag.e Imperial, que eu não aceite coisa alguma
a repartição do tempo da discípula, com oito ho- além do meu ordenado” [cfr. Alberto Pimentel,
ras diárias de estudos sucessivos, pouco adequado p. 344]. Ainda hoje impressiona a força e a dig-
a uma adolescente de 13 anos. Em escrito data- nidade desta mulher que, para além de só que-
do de 24 de junho de 1833, Leonor da Câmara re- rer receber aquilo a que entendia ser seu por di-
gistou o descontentamento pela prepotência da reito, o ordenado de dama, mostrava conhecer
ex-imperatriz: “É duro para uma mulher de 52 melhor os preceitos constitucionais do que o pró-
anos, como eu, que desde a idade de 14 se ocu- prio dador da Carta de 1826. Tentaram os bió-
pa da educação, ouvir tais lições e tais ameaças grafos explicar o motivo da demissão compulsiva
de uma menina de 20 anos, e então, tendo eu sido de Leonor da Câmara. Alberto Pimentel apontou
mandada vir de tão longe, fazendo tantos sacri- intrigas políticas e palacianas, assim como a an-
fícios para tomar conta da Rainha. Sua Majesta- tiga devoção ao bispo de Bragança, falecido em
de Imperatriz, quer talvez apurar-me a paciência 1819. Domingos Maurício falou em sectarismo
para ver se a perco de todo, e deixo a Rainha, para dos liberais exaltados, no pretenso ultramonta-
assim ficar inteiramente Senhora dela: mas en- nismo de D. Leonor e nos ciúmes da duquesa de
gana-se, porque hei-de sofrer tudo, e ficar firme Bragança pelo ascendente que aquela tinha jun-
até ao fim” [cfr. Domingos Maurício, Brotéria, fasc. to de D. Maria da Glória. Luz Soriano inclinou-
5, novembro/1933, p. 277]. Foi um desentendi- -se para o facto de a precetora, dentro dos seus
mento sem retorno entre a madrasta e a educa- limites, obstaculizar a suposta (ou não) aspira-
dora. Entretanto, a sorte da guerra civil de 1832- ção de D. Pedro à coroa portuguesa. Possivel-
34 inclinara-se decisivamente para o exército li- mente, todos teriam andado próximo da razão ou
beral. Ao cabo de anos de deambulações entre as das razões. Sabe-se que os derradeiros meses da
duas margens do Atlântico, e entre a Inglaterra vida do regente decorreram num clima de con-
e a França, a rainha-menina, sempre acompa- fronto entre as várias fações políticas. Também
nhada da sua fidelíssima amiga, dama camaris- se sabe que D. Amélia de Leuchtenberg gozava
ta e precetora, podia desembarcar em Lisboa, pela de enorme influência no ânimo do marido. D. Ma-
primeira vez, no dia 22 de setembro de 1833. Pas- ria II manteve sempre a amizade com a sua an-
sado um mês preciso, recebeu D. Leonor nos seus tiga dama, chegando a convidá-la para residir no
aposentos do Palácio das Necessidades, da par- paço, situação que D. Leonor não aceitou. Em
te de D. Pedro, a comunicação verbal de que, sen- 1835, a rainha quis reparar a arbitrariedade do pai
do acusada de anticonstitucional, estavam dis- cometida dois anos antes. Por decreto de 25 de
pensados os seus serviços junto da rainha D. Ma- janeiro, nobilitou-a com o título de marquesa de
ria II. Contudo, era-lhe concedida uma pensão Ponta Delgada por duas vidas, lembrando “a acri-
anual e vitalícia de um conto de réis; continua- solada lealdade de que Dona Leonor da Câmara
LEO 428

deu não equívocas provas durante a Minha es- Veleda, grande amiga da família, orgulhava-se de
tadia nas Cortes Estrangeiras; seguindo-Me ape- ter descoberto e incentivado Leonor d’Eça a se-
sar da sorte, com admirável e exemplar cons- guir a carreira profissional, depois de esta se ter
tância” [cfr. Alberto Pimentel, p. 364]. A antiga estreado e contracenado consigo na peça Soror
precetora continuou a obra de educadora em ca- Angústias. Entretanto, fez o Curso da Escola de
sas do Asilo da Infância e em ações de carácter Arte de Representar e quando o Centro Espiri-
religioso, por exemplo, como tesoureira da Pro- tualista Luz e Amor se extinguiu, em 1926, para
pagação da Fé. Depois de deixar as Necessidades, que os seus membros se tornassem sócios fun-
viveu sempre no palácio dos condes da Ribeira dadores da Federação Espírita Portuguesa, Leo-
Grande, Rua da Junqueira, n.o 66, residência do nor d’Eça continuou a dar o seu contributo ar-
irmão, 7.o conde do mesmo título. Aí faleceu na tístico ao espiritismo. Nesse mesmo ano, estreou-
Quarta-Feira Santa, 27 de março de 1850, pelas se no Teatro Nacional, na peça O Amor Vence,
11 horas da noite. Foi sepultada no Cemitério dos de Dregely, com boa receção do público e da crí-
Prazeres, no jazigo onde já descansava sua tia Leo- tica, com o nome de Leonor de Almeida. Em
nor, marquesa de Alorna. 1929, foi eleita para a comissão organizadora das
Bib.: A. de Mello, “Necrologia”, Diário do Governo, Festas de Beneficência e de Confraternização da
30/03/1850, p. 370, col. 1; Alberto Pimentel, “A precep- Federação Espírita Portuguesa, constituída por
tora de uma rainha”, Sangue Azul (Estudos históricos), Lis- Julieta Bensaúde*, Maria da Madre de Deus Lei-
boa, Parceria António Maria Pereira, 1898, pp. 309-369; te Dinis, Maria Teresa Miranda Sena*, Laura Tá-
António Augusto de Aguiar, Vida do Marquês de Barba-
cena, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1896; Carlos Bo- gide Tavares*, Inês Cardia*, Ângela Aureliana
bone, A Irmã e as Filhas da Marquesa de Alorna, Sepa- Coelho de Morais*, Maria Emília Cardoso An-
rata da Revista de Genealogia e Heráldica, n.o 5-6, Porto, tunes*, Maria Alice Morais Machado da Cruz*,
Universidade Moderna do Porto, 2001; Domingos Mau- coronel José Augusto Faure da Rosa e Virgílio Sa-
rício, “A preceptora de D. Maria II”, Brotéria, Vol. XVI, fasc. que. Leonor d’Eça integrou as companhias tea-
5, maio, 1933, pp.305-318, Vol. XVII, fasc. 2-3, agosto-
-setembro, 1933, pp. 103-116, fasc. 5, novembro, 1933, pp. trais de Palmira Bastos, Ester Leão, Ida Stichi-
273-289, e fasc. 6, dezembro, 1933, pp. 348-357; Memó- ni e Amélia Rey-Colaço-Robles Monteiro. Se-
rias do Conde do Lavradio, Vols. I-III, Coimbra, Impren- gundo o que foi possível apurar, as peças do seu
sa da Universidade, 1932-1934; Memórias do Marquês de reportório foram as seguintes: O Caso do Dia, de
Fronteira e d’Alorna, partes I-VIII, Lisboa, INCM, 1986; Si-
mão José da Luz Soriano, História do Cerco do Porto, Vol. Ramada Curto, no Teatro do Ginásio, em 1926;
II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1849. Processo de Mary Dugan, de D. Veiller, no Tea-
[M. E. S.] tro Nacional, em 1929; Revoltados, de E. Fabre,
no Teatro do Ginásio, em 1930; Pupilas do Se-
Leonor da Cunha de Eça Costa e Almeida nhor Reitor, de Júlio Dinis, no papel de “Mar-
Nasceu na Caparica, Almada, a 8 de agosto de garida”, no Teatro da Avenida, em 1936. Fez al-
1905 e faleceu em Lisboa a 23 de março de 1940. gumas digressões pelo país e pelo Brasil. Foi pre-
Filha da professora de canto Maria da Madre de miada pelo seu papel no filme As Pupilas do Se-
Deus Leite Dinis de Almeida*, desde cedo, pela nhor Reitor, do realizador Leitão de Barros. Par-
mão materna, frequentou as sessões recreativas ticipou também no filme Pai Nosso, de Armando
e de confraternização do Grupo Espiritualista Luz Miranda, em 1940. Maria Veleda recorda-a nas
e Amor, do qual a mãe foi co-fundadora. Este gru- suas “Memórias” pela “figura de vitral, voz ma-
po, fundado em 1916 por iniciativa de Maria Ve- viosíssima, expressão inconfundível... O seu ta-
leda*, constituiu-se depois em Centro Espiri- lento artístico igualava a sua bondade angélica.
tualista Luz e Amor*, associação devidamente le- Passou pelo tablado e pelo cinema qual meteo-
galizada e com estatutos aprovados em 15 de ro, deixando como sinal da sua passagem aque-
abril de 1923, ano em que Leonor se fez sócia. la adorável figurinha de Margarida nas “Pupilas
A sua vocação de atriz evidenciou-se quando, no do Sr. Reitor” [...] “Morreu ainda em plena mo-
início da década de 1920, participou no grupo cidade, querida das plateias, mas sem ter con-
de teatro amador fundado por Maria Veleda para seguido marcar o seu valor artístico [...] Na fa-
representar as peças teatrais de sua autoria em mília foi o verdadeiro Anjo do Lar – filha, irmã
benefício de asilos e de outras obras de bene- e mãe amantíssima”.
merência, como o Asilo de Santo António, o Asi- Fontes: Espólio particular de Maria Veleda.
lo de Cegos Branco Rodrigues, o Instituto Bac- Bib.: O Grande Livro dos Portugueses, Lisboa, Círculo de
teriológico Câmara Pestana, entre outros. Maria Leitores, 1990, p. 196; Luiz Francisco Rebello (dir.), Di-
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cionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, Acácio de Paiva, música de Ciríaco Cardoso. Foi
p. 261; Maria Veleda, “Memórias de Maria Veleda – XVIII”, recebida com muito agrado nos teatros de Lisboa
República, 31/03/1950, p. 11; O Futuro, n.o 2, março, 1921,
pp. 15-16, n.o 11, junho, 1923, p. 15, n.o 2, outubro, 1923, e no Brasil durante as duas épocas que lá este-
pp. 30-31; A ASA, n.o 5, Ano II, maio, 1926, p. 95; O Men- ve, uma delas integrada na Companhia Taveira
sageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, 1929, p. 5. (1902). Casou no Porto e deixou a cena cedo.
[I. S. A./N. M.]
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu-
guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 205; Gus-
Leonor de Almeida tavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D.
Nome artístico escolhido por Leonor da Cunha Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário
de Eça Costa e Almeida* no início da sua car- 1846-1946, Lisboa, 1955; Mercedes Blasco, Memórias de
Uma Actriz, Lisboa, Edição Viúva Tavares Cardoso,
reira artística. 1907; Henrique Marinho, O Teatro Brasileiro, Paris/Rio
de Janeiro, H. Garnier, Livreiro-Editor, 1904, p. 448.
Leonor d’Eça [I. S. A.]
v. Leonor da Cunha de Eça Costa e Almeida
Liberdade Banha da Conceição
Leonor de Campos v. Bonequeiras de Estremoz
v. Helena de Sousa Costa Belo Correia
Liceu D. Filipa de Lencastre
Leontina de Cabral Hogan Instituído o ensino secundário feminino a 9 de
Escritora e espírita, morreu subitamente a 18 de agosto de 1888, a fundação dos estabelecimentos
janeiro de 1943, com 57 anos. Para além de se ter que assegurariam este programa educativo, assente
evidenciado como sócia do Conselho Nacional na diferenciação de género, viu-se protelada, nun-
das Mulheres Portuguesas*, era sócia do Grupo ca chegando a ocorrer. Contudo, dados históricos
Espírita Humildade de Aveiro, tinha o dom da mostram que havia mulheres que recorriam aos
mediunidade curativa e recebeu mensagens psi- liceus masculinos para aí fazer exames na déca-
cográficas. Pertenceu ao Núcleo de Amigos dos da de 1870, aproveitando a omissão da lei, e a par-
Estudos Psíquicos e colaborou no Diário de Lis- tir de 1880 recorrendo à sua permissão. Algumas
boa, na Revista de Espiritismo e na revista Estudos meninas chegaram mesmo a frequentar as aulas
Psíquicos, mensário de Estudos Psíquicos e liceais nas últimas décadas de Oitocentos. Foi ne-
Neo-Espiritualismo Experimental. Usava o pseu- cessário entrar-se no século XX, reforce-se que com
dónimo de Léo. duas décadas de atraso em relação a França, para
Bib.: “Figuras que partem. A desencarnação de «Léo»”, Es- se assistir à criação do primeiro liceu feminino –
tudos Psíquicos, n.o 21, janeiro-fevereiro, 1943, pp. 266-267. o Liceu Maria Pia –, a qual ocorreu em 1906. Não
[N. M.] se tratava duma fundação de raiz, mas resultava
da transformação da Escola Maria Pia, tutelada
Leslie Baker pelo Ministério do Reino, desde 1892, e que ha-
v. Gladys Mary Leslie Baker via sido criada, em 10 de junho de 1885, pelo Mu-
nicípio de Lisboa. Sobre o processo de criação e
Libânia de Carvalho desenvolvimento desta escola municipal é rele-
Atriz. Era filha da atriz Júlia de Carvalho* co- vante a investigação de Maria José de La Fuente
nhecida no meio teatral por Júlia dos Anjos. Es- [1989]. As cidades do Porto e Coimbra tiveram de
treou-se, aos sete anos, no Teatro D. Maria II, em aguardar cerca de dez anos para serem dotadas,
Rogério Laroque, drama traduzido por Pedro Vi- inicialmente, de uma secção liceal feminina e, pos-
doeira, agradando desde logo. Depois de mulher, teriormente, de um liceu. Criadas as secções fe-
muito bonita e com boa presença, começou a car- mininas do Liceu D. Manuel II (Porto) e do Liceu
reira de atriz no Porto, representando com mui- José Falcão (Coimbra) em 1914 (Decreto de 17 de
to êxito o papel de “Claudino” em Dois Garotos, novembro), no ano seguinte, a primeira seria trans-
drama em 2 partes e 8 quadros, de Pierre De- formada no Liceu Feminino do Porto (Lei n.o 410,
courcelle, traduzido por Guiomar Torrezão. In- de 20 de setembro de 1915) e a segunda daria ori-
tegrou a Companhia Afonso Taveira, no Teatro gem ao Liceu Infanta D. Maria, em 1918 (Decre-
do Príncipe Real daquela cidade, onde repre- to de 14 de julho). O Liceu de Dona Filipa de Len-
sentou Relógio Mágico, de Eduardo Garrido, e O castre, criado pelo Decreto n.o 15971, de 21 de se-
Ramerrão, de Esculápio (Eduardo Fernandes) e tembro de 1928, conjuntamente com os Liceus D.
LIC 430

João de Castro e D. João III, tornou-se o quarto li- rede da sala contígua à papelaria, no novo edifí-
ceu feminino do país e o segundo da capital. Com cio que o liceu ocuparia no Bairro Social do Arco
a sua fundação pretendia-se responder à elevada do Cego. Os primeiros anos de vida do liceu vão
procura, pelas raparigas, de ensino secundário pú- ser marcados pela reivindicação de condições ma-
blico, não conseguindo responder-lhe o único li- teriais que garantissem o funcionamento de uma
ceu feminino existente na cidade de Lisboa, o Li- instituição escolar, incidindo, num primeiro
ceu Maria Amália Vaz de Carvalho, por estar so- momento, no mobiliário e recursos pedagógicos
brelotado desde o ano anterior. Este último liceu e, a partir de certa altura, focalizando-se na pro-
não é mais do que o Liceu Maria Pia, que viu o cura de um edifício condigno à função educati-
seu nome alterado pelo regime republicano para va. A par destas exigências, de ordem material,
Liceu Feminino Almeida Garrett e, posterior- o conselho escolar reivindicou a obrigatoriedade
mente, assumiu a designação Liceu Maria Amá- de as raparigas frequentarem, na cidade de Lis-
lia Vaz de Carvalho. Nomeou-se, para dirigir o Li- boa, os liceus femininos, exigindo a definição de
ceu de Dona Filipa de Lencastre, destinado a ser zonas pedagógicas. Continuando a apelar, junto
frequentado exclusivamente por meninas, que se- dos organismos próprios, para que o liceu fosse
riam ensinadas só por professoras, um homem, apetrechado, a professora Maria Baptista Morei-
Mário da Costa Cabral, docente do Liceu Camões. ra, nomeada reitora em 23/04/1929 [ADLFL,
A esta discriminação sabemos ter sido sensível “Processos Individuais de Professores”, Caixa n.o
pelo menos uma das suas docentes, Maria Moreira 19, Pasta n.o 467], viu as obras para a construção
Baptista*, não aceitando o cargo de vogal do Con- do novo edifício iniciarem-se nos terrenos traseiros
selho Administrativo, para o qual se viu eleita pe- do edifício por ele ocupado, começando estas pela
las colegas, por considerar a nomeação dum rei- edificação do corpo consagrado à prática da edu-
tor, em vez duma reitora, um ultraje à dignidade cação física. Algumas iniciativas artístico-cultu-
da mulher, conforme o fará exarar em ata, data- rais, assim como as provas de exame, dos anos le-
da de 16 de janeiro de 1929 [ADLDFL, Livro de tivos de 1934-1935 e 1935-1936, decorreram no
Actas do Conselho Escolar n.o 1, Acta n.o 7, fls. novo pavilhão. Dinamizado pela reitora Maria
22-23v]. Eleita em conselho escolar a equipa que Margarida da Silva*, empossada em 04/10/1933
ia assegurar os diferentes cargos administrativos [ADLFL, “Processos Individuais de Professo-
e pedagógicos – vice-reitora, secretária, vogais do res”, Caixa n.o 34, Pasta n.o 928], o cinema edu-
conselho administrativo, diretora da biblioteca e cativo foi desenvolvido, a partir do ano letivo de
diretoras dos gabinetes –, seguiu-se a instalação 1934 e, a partir de maio de 1935, foi criado o Mu-
do liceu num palacete localizado na Rua do Que- seu Colonial. A este museu ficaria associado o
lhas, n.o 36. O imóvel em causa foi adquirido pelo nome da professora Alice Irene Oliveira, sua di-
Estado, com o intuito de proceder à sua demoli- namizadora desde a criação, vindo o mesmo a reu-
ção e construir um edifício apropriado a espaço nir uma importante coleção de arte indígena. A
educativo. Com mobiliário escasso, na sua maio- par do aumento significativo da população escolar
ria cedido pelo Liceu Pedro Nunes, e sem o ma- ano após ano e, consequentemente, de um acrés-
terial pedagógico necessário, deu-se início ao ano cimo das atividades escolares, aquando da aber-
escolar em 29 de outubro de 1928, com uma fre- tura do ano letivo de 1935-1936, em face do es-
quência de nove turmas do curso geral liceal. tado de ruína do edifício, foi dada ordem de eva-
Criou-se, de seguida, a Associação Escolar, à qual cuação, tendo sido feita a mudança para um ou-
cabia gerir os serviços de lanche, pastelaria e pa- tro edifício apenas no início de 1936. A partir de
pelaria e, posteriormente, criar e dirigir o refei- janeiro de 1936, com uma população de 540 alu-
tório. Aquela associação, cuja direção integrava nas, o Liceu de Dona Filipa de Lencastre passou
alunas e professoras, geriu, ainda, as salas de es- a funcionar interinamente num prédio da Rua de
tudo e criou um conjunto de cursos extracurri- S. Bernardo, n.os 14 e 16, ocupando, inicialmen-
culares. O dinheiro que angariava era disponi- te, dois pisos e, no ano seguinte, dado o aumen-
bilizado para o pagamento de propinas e/ou de to da frequência escolar, a totalidade do edifício.
livros escolares a alunas com dificuldades fi- Apesar da ausência de instalações apropriadas,
nanceiras. A sua ação foi motivo de um voto de a vida académica não estagnou, pelo contrário,
louvor público [Portaria de 9 de fevereiro de 1931, nesse mesmo ano, no âmbito da atuação da as-
do Diário do Governo n.o 34, de 11 de fevereiro sociação escolar, desenvolveram-se as salas de es-
de 1931], vindo o teor do mesmo a figurar na pa- tudo e no ano letivo seguinte publicou-se o pri-
431 LIC

meiro número do jornal escolar Por Bem e criou- ria Margarida da Silva, a reitora que se encontrava
-se o Núcleo do Serviço Social Rainha D. Leonor. no exercício dessas funções aquando da criação
Constatado pelo ministro da Educação Nacional, da Mocidade Portuguesa Feminina* (MPF), nun-
Carneiro Pacheco, o excelente trabalho desen- ca assumiu a direção do centro do liceu, centro
volvido no liceu, além das deficientes condições n.o 2 da MPF, delegando em professoras daque-
do edifício que o alojava, em duas das suas visi- la instituição, tal como a sua sucessora, desde ju-
tas, nos anos de 1936, comemoração do 1.o de De- nho de 1948 [ADLFL. “Processos Individuais de
zembro [ADLFL, “Livro de Actas das Conferên- Professores”, Caixa n.o 2, Pasta n.o 51], Ana Joa-
cias, I”, Acta n.o 3, fls. 5-6v], e de 1937, sessão so- quina da Silva*. O liceu abrigou, ainda, a subde-
lene de abertura do ano letivo [ADLFL, “Livro das legacia regional da Mocidade Portuguesa Femi-
Actas das Sessões Solenes, I”, Acta n.o 4, fls. 8v- nina, tendo sido subdelegadas regionais de Lis-
12v], teria este afirmado, ao abandonar o edifício, boa (Ala 2), de entre as suas docentes, Maria Emí-
em 7 de novembro de 1937, que “de hoje a um lia de Sousa e Castro (1938-1944 e 1958), Maria
ano, estarão noutro edifício” [Saavedra, 1940, p. José Serrão (1943 e 1956-1958) e Virgínia Paraí-
656]. Cedido o imóvel e feitas as alterações pro- so (1961-1967), assim como a sua responsável pe-
postas pela reitora, a transferência efetiva do Li- los serviços administrativos Maria Marta Chaveiro
ceu de Dona Filipa de Lencastre para o Bairro So- desempenhou a função de adjunta (1942) [Pi-
cial do Arco Cego ocorreu em 14 de novembro de mentel, 2000]. A ligação de Maria Emília de Cas-
1938, continuando a decorrer as obras de remo- tro*, que se tornou reitora do Liceu, a partir 20 de
delação do edifício [AHME, “Relatório da Reito- julho de 1966 [Diário do Governo, n.o 201, 2.a sé-
ra sobre as Actividades Escolares do Liceu D. Fi- rie, de 30 de agosto de 1966] até à extinção do car-
lipa de Lencastre, 1938-1939”, fl. 1]. As novas ins- go [Circular da Administração Escolar 34/74, de
talações do Liceu foram concebidas em ordem a 1 de outubro de 1974], à Mocidade Portuguesa pas-
assegurar o desenvolvimento curricular em vigor sou, ainda, pelo exercício de funções de Delega-
na altura, contemplando-se não só as exigências da Distrital Adjunta, a partir de 13 de novembro
impostas pela lecionação das disciplinas, como de 1967, e de delegada distrital, desde 4 de mar-
os requisitos das atividades extracurriculares. O ço de 1969 [ADLFL, “Processos Individuais de
liceu dispunha de vinte salas de aula destinadas Professores”, Caixa n.o 23, Pasta n.o 589]. A par-
à lecionação, celebrando cada uma delas uma fi- tir da segunda metade da década de 1950, a afluên-
gura feminina de reconhecido interesse nacional, cia da população aos liceus exige que se criem sec-
as quais estavam dotadas de “35 carteiras indi- ções: assim, o Liceu D. Filipa de Lencastre, que
viduais, dispostas em quatro filas, separadas por nos anos 1940 já havia sido obrigado a desdobrar
largas coxias, vendo-se, no topo, o estrado, sobre o funcionamento das turmas em dois turnos, vai
a esquerda do qual se encontram a secretária e a ocupar salas do edifício da Escola Primária do
cadeira giratória, destinadas à professora” [Saa- Arco do Cego, no ano de 1955, sendo criada, no
vedra, 1940, p. 749] e onde as cortinas de étamine ano seguinte, a Secção Liceal de Alvalade e, pas-
não faltavam. Além de espaços específicos para sados dois anos, abriu-se uma Secção na Escola
os gabinetes disciplinares, o serviço médico, a re- Técnica Marquesa de Alorna [Figueira, 2003]. Dis-
ceção aos encarregados de educação, o funcio- sociar a vida do Filipa, designação que perdura-
namento do refeitório, as aulas de Lavores e Tra- ria na semântica lisboeta, dos reitorados de Ma-
balhos Manuais, Desenho e Canto Coral, o Liceu ria Moreira, Margarida Silva, Ana Joaquina da Sil-
de Dona Filipa de Lencastre dispunha de um gi- va e Maria Emília Castro – todas elas haviam sido
násio e um salão de festas e tinha, ainda, locais professoras do liceu desde a sua fundação –, se-
reservados ao Núcleo Pró-Colónias, ao museu das ria escamotear o alcance de que se revestiu a ação
Ciências Naturais e ao funcionamento do Curso de liderança destas mulheres na construção da cul-
Especial de Educação Familiar (cozinha, copa, sala tura identitária daquele que se afirmou como um
de jantar). Contemplava-se, ainda, uma sala des- liceu não só de excelência, em termos de apro-
tinada ao centro da Mocidade Portuguesa, o n.o veitamento, mas, também, como uma instituição
2, em funcionamento desde 1937, no liceu. Não modelar da educação da mulher [Remédios,
só o edifício que ocupa era paradigmático da ar- 2006]. E, porque se trata duma instituição criada
quitetura do Estado Novo, como a configuração em Ditadura Militar e que se desenvolveu a par-
do espaço educativo era operativo da matriz do tir do ideário da “Educação Nacional”, não po-
programa de educação escolar estado-novista. Ma- demos ignorar que neste liceu exerceram a do-
LIC 432

cência mulheres militantes da causa feminista, de Liceus Secundários Femininos em Portugal


entre as quais se destacam as filiadas no Conse- (1888-1906)
lho Nacional das Mulheres Portuguesas, Manuela A organização deste tipo de institutos em 1906 não
Palma Carlos, Maria Emília Cordeiro Ferreira, Ma- foi pacífica, apesar de já há vários anos se veri-
ria Judith Furtado Coelho e Maria Letícia Clemente ficar a existência de estudantes do sexo femini-
da Silva*, tal como se assinala o facto de ter sido no em liceus portugueses. A primeira vez que se
sua médica escolar Cristina [Corina] Ângelo considerou este assunto seriamente foi em 1888,
Couto, irmã da primeira mulher a votar em Por- sob a regência de D. Carlos. Existem, pelo menos,
tugal, Carolina Beatriz Ângelo. Se o Liceu D. Fi- duas opiniões divergentes acerca da origem da pro-
lipa de Lencastre foi uma instituição modelada posta da criação dos liceus: Adelaide Machado
pelo Estado Novo, não é menos verdade que as [“Os Liceus Femininos ou a Vingança do Sexo For-
suas líderes e as suas docentes promoveram uma te”, p. 127] declara que esta foi apresentada pelo
educação que possibilitou a emancipação da mu- regenerador Júlio de Vilhena e aprovada pelos pro-
lher. Por este liceu passaram como alunas algu- gressistas em 7 de julho de 1888, enquanto, se-
mas das mulheres que vão marcar a vida social, gundo Elzira Rosa [Bernardino Machado e Alice
cultural e política da sociedade portuguesa pós- Pestana, p. 12], a proposta foi apresentada em ses-
25 de Abril. Entre muitas outras, destacam-se Ali- são parlamentar em 1887, pelo ministro José Lu-
ce Vieira, Ana Maria Caetano, Carmen Dolores, ciano de Castro, que já o havia prometido em 1886
Carolina Tito Morais, Leonor Buescu, Manuela Ea- a Bernardino Machado*, sem obter, no entanto,
nes, Maria Barroso, Maria Helena Sacadura Ca- grande acolhimento. Independentemente do au-
bral*, Maria Elisa Domingues, Maria de Lourdes tor da proposta e da aprovação desta ter ocorri-
Pintassilgo*, Natália Correia*, Regina Tavares da do em circunstâncias pouco usuais, conforme am-
Silva, Simone de Oliveira e Maria Teresa Horta. bas as autoras supracitadas afirmam, a Carta de
Na sequência da Revolução de Abril, o liceu pas- Lei foi publicada em Diário do Governo com as
sou a Escola Secundária D. Filipa de Lencastre, “Disposições Relativas à Instrução Secundária para
tornando-se, depois de feitas algumas alterações, o Sexo Feminino”. Esta Carta de Lei, de 9 de agos-
uma escola secundária mista. to de 1888, era da responsabilidade da 3.a Re-
Mss.: Acervo Documental do Liceu D. Filipa de Lencastre
partição da Direcção Geral de Instrução Pública
(ADLFL), “Processos Individuais de Professores”, Caixas – Ministério do Reino, publicada no n.o 184, de
n.o 2, n.o 19, n.o 23 e n.o 34; “Livro de Actas das Conferências, 14 de agosto desse mesmo ano e assinada por José
I”; Livro de Actas das Sessões Solenes, I”. Arquivo Histó- Luciano de Castro. O capítulo I dizia respeito à
rico do Ministério da Educação (AHME), “Relatório da Rei- instrução primária, sem distinção do sexo, en-
tora sobre as Actividades Escolares do Liceu D. Filipa de
Lencastre, 1938-1939”, Caixa n.o 23, rel. 554/A. quanto o segundo e terceiro capítulos abordavam
Bib.: Áurea Adão, “Liceu D. Filipa de Lencastre”, Fran- a instrução secundária do sexo feminino e mas-
cisco Santana & Eduardo Sucena (dir.), Dicionário da His- culino, respetivamente. No segundo capítulo, que
tória de Lisboa, Lisboa, Carlos Quintas & Associados, 1994, se inicia no artigo 13.o, dava-se autorização ao Go-
p. 495; Irene Pimentel, História das Organizações Femi-
ninas no Estado Novo. O Estado Novo e as Mulheres. A
verno para estabelecer em Lisboa, Coimbra e Por-
Obra das Mães para a Educação Nacional (OMEN). A Mo- to institutos “destinados exclusivamente ao en-
cidade Portuguesa Feminina (MPF), Lisboa, Círculo dos sino secundário do sexo feminino”. Estes insti-
Leitores, 2000; M. H. Figueira, “Liceu D. Filipa de Len- tutos deveriam ser criados em concurso das
castre. Lisboa”, A. Nóvoa & A. T. Santa-Clara, Liceus de Juntas Gerais dos Distritos, das Câmaras Muni-
Portugal. Histórias, arquivos e memórias, Porto, Edições
Asa, 2003, pp. 424- 443; M. J. La Fuente, O Ensino Se- cipais, e outras corporações de beneficência dos
cundário feminino. Os primeiros vinte anos da Escola Ma- concelhos onde fossem estabelecidos. A legisla-
ria Pia, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Huma- ção previa que “na décima parte da receita or-
nas, Universidade Nova de Lisboa [texto manuscrito de dinária que as corporações de beneficência são
dissertação de mestrado], 1989; M. J. Remédios, “O Liceu obrigadas a aplicar […] para obras de benefi-
faz Fadas do Lar. Reconstituindo experiências/actuações
da Mocidade Portuguesa Feminina num liceu lisboeta”, cência e para a instrução primária, será levada em
CD-rom Anais do VI Congresso Luso-brasileiro de História conta a importância com que concorrerem para
da Educação. Percursos e desafios da pesquisa e do en- a instrução secundária do sexo feminino” (art.o
sino da História da Educação, Uberlândia (Brasil), 2006, 13.o, § único). Estes institutos funcionariam
pp. 1440-1452; M. J. Saavedra, “O Liceu de Dona Filipa
de Lencastre”, Liceus de Portugal, Lisboa, nos 8, 9 e 10,
como externatos, exceto se na sua fundação fos-
1940, pp. 642-658, 743-756 e 810-826. se previsto o regime de internato. No artigo 15.o
[M. J. R.] enunciavam-se as disciplinas a serem lecionadas
433 LIC

nestes institutos, sendo elas: Moral; Direito te uma das figuras mais empenhadas numa ver-
Usual; Religião; Língua e Literatura Portuguesa; dadeira instrução secundária para o sexo feminino,
Língua Francesa; Geografia Geral (com especial teve dois meses para efetuar esse estudo, realçando
ênfase para a portuguesa e colónias, incluindo que, apesar de diferentes ideologias, se verifica-
noções sumárias de cronologia); História Geral, va nessas nações um empenho louvável no me-
também com ênfase para a nacional; Matemáti- lhoramento da instrução feminina, patenteado
ca Elementar; Ciências Físico-Naturais; Peda- quer nas habilitações dos envolvidos, quer nas
gogia; Higiene; Economia Doméstica; Desenho; condições físicas dos edifícios. No caso de In-
Música; Ginástica; Trabalhos Manuais. Previa- glaterra, Alice Pestana enfatizou a ausência de um
se a possibilidade de implementar novas disci- sistema organizado a nível nacional e estatal, es-
plinas com frequência facultativa. O ensino de- tando o ensino a cargo da iniciativa privada, logo,
veria ser ministrado por professores de ambos os não gratuita. Apesar dessa situação encontrar opo-
sexos, exceto ginástica, obrigatoriamente lecionada nentes, nomeadamente no responsável pelo de-
por uma mulher. No artigo seguinte, estipulava- partamento da educação, Óscar Browning, o
-se que os docentes deveriam ser sempre res- facto é que neste país ainda não se vislumbrava
ponsáveis por duas cadeiras, excluindo-se aqui alteração relativamente à educação secundária,
os professores de Língua e Literatura Portugue- quer feminina, quer masculina, o que resultava
sa, de Matemática e de Ciências Físico-Naturais, em alguma desorganização e disparidades de es-
que apenas lecionariam uma disciplina. Os ven- tabelecimento para estabelecimento de ensino. A
cimentos dos docentes nunca deveriam exceder educação feminina neste país era dispendiosa. Na
os 600$000 réis. A provisão dos lugares seria exe- sua visita teve oportunidade de conhecer o
cutada pelo Governo, quer por concurso, quer por Queen’s College, University College, Camden
nomeação, tendo em atenção as habilitações School e North Collegiate for Girls, The Notting
dos candidatos. A direção ficaria a cargo de uma Hill High School, Girton College (Cambridge),
senhora, com a incumbência do governo e ad- Newham College (Cambridge), Cheltenham Ladies
ministração, e de um diretor de estudos (artigos College, Stockwell Training College, Maria Grey
18.o, 19.o e 20.o). Estes institutos seriam subsidiados Training College, London School of Medicine for
pelo Governo, que contribuiria com metade do va- Women. Grande parte destas escolas preparavam
lor necessário para as despesas do pessoal docente as alunas para se tornarem professoras (à exceção
e administrativo. Os regulamentos específicos do da última) e eram sempre dirigidas por uma se-
funcionamento dos cursos, admissão, exames, re- nhora (exceptuando o University College). Al-
gras disciplinares, diplomas, propinas, seriam de- gumas delas visavam a preparação para os exa-
cretados posteriormente pelo Governo. Esta car- mes de ingresso no ensino superior e as suas alu-
ta de lei previa, ainda, que pudessem ser subsi- nas poderiam usufruir de bolsas de estudo. No
diados estabelecimentos privados de instrução se- University College todos os espaços e cursos (ex-
cundária feminina, conquanto os professores e os cluindo-se Medicina e algumas especialidades de
diretores tivessem sido aprovados pelo Governo Engenharia) eram frequentados por alunos de am-
e ficando sujeitos a inspeção superior. No artigo bos os sexos, apenas as residências eram sepa-
que finaliza este capítulo, o 24.o, faz-se saber que radas. As disciplinas lecionadas nos vários co-
as despesas provenientes da aprovação e imple- légios sofriam algumas alterações, mas o teor prin-
mentação desta lei seriam incluídas nos encargos cipal mantinha-se: História, Língua e Literatura
variáveis de despesas a realizar com a educação Inglesa; Geografia; Matemática; Ciências; Músi-
secundária previstos no orçamento de Estado. No ca; Artes Visuais; Língua Estrangeira; Ginástica.
seguimento desta legislação, Alice Evelina Pes- Alice Pestana referiu diversas vezes que a mulher
tana Coelho foi nomeada por José Luciano de Cas- inglesa sentia como uma ignomínia o facto de não
tro, em Portaria de 2 de novembro de 1888, para lhe ser concedido o grau universitário. Relativa-
realizar uma viagem de estudo a estabelecimen- mente à França e à Suíça, a representante portu-
tos de instrução secundária do sexo feminino em guesa verificou a existência de um sistema mais
França, Inglaterra e Suíça, devendo apresentar um organizado, especialmente no último país, onde
relatório conclusivo. Esse mesmo relatório, datado tudo era pormenorizadamente regulamentado. Na
de 25 de janeiro de 1889, foi publicado na forma Suíça, nomeadamente em Genebra, a frequência
de Apêndice (n.o 17) ao Diário do Governo des- da escola era obrigatória até aos 15 anos de ida-
se mesmo ano. Alice Pestana, reconhecidamen- de, existindo subsídios estatais distribuídos pe-
LIC 434

los vários estabelecimentos de ensino, destacan- era simultaneamente escola secundária e escola
do-se a École Secondaire et Supérieure des Jeu- normal (preparando jovens para o ensino). Quan-
nes Filles e a secção para mulheres da Academia to a França, Alice Pestana realça o papel funda-
Industrial. Alice Pestana manifestou no seu re- mental do deputado M. Camille Sée, que apre-
latório a perceção de uma atmosfera perfeitamente sentou o projeto educativo para instrução se-
salutar e livre de preconceitos na educação fe- cundária feminina no país e conseguiu que este
minina. As jovens desfrutavam, inclusivamente, fosse promulgado em 1880. A luta deste deputado
de liberdade para andar na rua sozinhas quando foi árdua, uma vez que também neste país o pre-
se dirigiam para a escola e todas tinham de o fa- conceito relativamente a este assunto vingava. Ca-
zer, uma vez que neste país o regime de interna- mille Sée havia também proposto a fundação de
to era inexistente. A École Secondaire et Supé- uma escola normal para professoras do ensino se-
rieure des Jeunes Filles usufruía de reputação in- cundário, resultando daí o aparecimento de cin-
ternacional de ser “a mais importante do seu gé- quenta e três estabelecimentos de instrução se-
nero” [Op. cit. p. 319] e tinha substituído, em 1848, cundária para o sexo feminino. A legislação para
a antiga escola secundária. Esta escola, após di- este tipo de ensino regulamentava todos os aspetos
versas modificações, passou a ser composta por do mesmo, havendo depois um secretariado ad-
dois edifícios, sendo ministrados dois níveis de ministrativo em cada estabelecimento para fazer
cursos diferentes, o inferior e o superior, este úl- cumprir o estipulado. Cada liceu ou escola era di-
timo com classes de secção literária, secção pe- rigido por uma senhora, sendo as disciplinas se-
dagógica e cursos opcionais. A totalidade do cur- melhantes às lecionadas nas escolas dos outros
so perfazia sete anos, quatro no inferior e três no países. O ensino religioso apenas era feito a pe-
superior. A divisão superior era composta por um dido das famílias das alunas e uma vez que nin-
maior número de disciplinas, mas mantendo as guém o tinha solicitado, pelo menos em Paris, não
iniciadas no curso inferior. A escola atribuía cer- se realizava. Não existia, também aqui, o regime
tificados às alunas que se distinguiam e, no caso de internato, apenas os sistemas de externato sim-
de estarem várias irmãs a frequentá-la, apenas a ples, externato supervisionado (as alunas estu-
mais velha pagava as propinas por inteiro, as de- davam na escola) e de meia pensão (sendo for-
mais pagavam metade; quando as alunas provi- necido almoço, lanche e material escolar). A do-
nham de famílias carenciadas, o Estado concedia- cência era a cargo, na sua grande maioria, de um
-lhes bolsas, havendo também um regulamento corpo feminino. Existiam também bolsas atri-
específico. Alice Pestana criticou o facto de o cor- buídas a alunas carenciadas, especialmente se fos-
po docente ser essencialmente constituído por ho- sem oriundas de famílias que tivessem prestado
mens, considerando que, num cantão com uma serviços ao país. Era feito um destaque para a Éco-
escola feminina já com 40 anos, deveria estar mais le Normale Secondaire de Sévres, que obrigava
que preparado pessoal do sexo feminino devi- a que as alunas servissem as escolas do Estado por
damente habilitado para a secção pedagógica dos um período de dez anos, uma vez que a frequência
cursos. No entanto, nem mesmo este aspeto di- desta era gratuita. Não eram admitidas alunas es-
minuía o facto de ser uma escola reconhecida- trangeiras e a idade de admissão situava-se entre
mente competente, funcional, com um regime dis- os 18 e os 24 anos. As concorrentes tinham ob-
ciplinar e de avaliação rigoroso, havendo comu- rigatoriedade de apresentar documentos com-
nicação entre a escola e os encarregados de edu- provativos de conclusão de cursos, atestado de ro-
cação quinzenal ou mensalmente através de um bustez física e uma espécie de currículo com o per-
livrete próprio. O diretor desta escola, M. Ph. Bon- curso escolar e postos ocupados. No final do se-
neton, já a dirigia há 27 anos com grande suces- gundo e terceiro anos, as alunas realizavam um
so, apesar das suas outras obrigações políticas. No exame na Sorbonne, Certificat d’Aptitude à l’En-
que concerne a Lausanne, Berna e Zurique, as re- seignement Secondaire e Examen d’Aptitude à
gras administrativas, incluindo pagamento de pro- l’Enseignement des Langues Vivantes, respeti-
pinas, eram semelhantes às de Genebra, bem como vamente. Alice Pestana fez também referência, no
as disciplinas estudadas. Na École Supérieur et seu relatório, aos cursos criados nessa universi-
Communale des Jeunes Filles, o próprio diretor dade em 1867 com o título Association pour l’En-
lecionava Francês e Literatura Francesa nas clas- seignement Secondaire des Jeunes Filles. Estes cur-
ses superiores e o corpo docente já incluía um sos tinham a duração de um semestre e as jovens
maior número de mulheres. A escola de Zurique eram acompanhadas por senhoras da sua família.
435 LIC

A autora remata o relatório concluindo que nes- e organização de métodos de estudo. O número
tes países a educação da mulher era uma das prio- de mestras dependeria das necessidades de pes-
ridades: “O ensino é geralmente extensivo […] é soal auxiliar de cada instituto, não podendo ex-
ministrado pela maneira mais prática, mais viva, ceder as cinco. Das suas funções, faria também par-
mais conducente ao progresso intelectual. O es- te assistir às aulas, de forma a melhor orientar as
pírito da mulher é educado para o pensamento, alunas quando estas necessitassem da sua ajuda,
para a reflexão. Esta cultura sã, gradual, profun- e tomar nota do seu comportamento durante os
da, que tem como primeiros resultados o hábito intervalos. O artigo 21.o e respetivos parágrafos re-
da aplicação e o nobre amor do saber, não se pres- gulamentavam não só a nomenclatura a utilizar
ta a criar aquela espécie de sábias pedantes pe- na classificação das alunas, mas também a habi-
las quais há em Portugal tão grande pavor. [….] litação, admissão e dispensa aos exames. O
ela só pode conduzir à modéstia, à natural timi- quinto capítulo, votado aos exames, informava so-
dez dos que valem alguma coisa. De resto, num bre os dois tipos de exame existentes: o de pas-
país onde quase todas as mulheres forem ilus- sagem e o de saída. O primeiro teria lugar no fi-
tradas, as tais sábias não têm razão de ser” [Id., nal de cada ano e determinaria a passagem das alu-
ibidem, p. 328]. Apoiada neste relatório, a Direcção nas para o nível seguinte, e o segundo, constan-
Geral de Instrução Pública (2.a repartição), tendo do de provas orais, escritas e práticas, habilitaria
em vista o que havia sido legislado em 9 de agos- para magistério elementar e complementar da ins-
to de 1888, aprovou o Regulamento dos Institu- trução primária; emprego de mestras nos institutos
tos Secundários, criados para o sexo feminino, no do sexo feminino; emprego de professoras de 2.a
dia 6 de março de 1890, que seria publicado em classe nos institutos do sexo feminino, quando es-
Diário do Governo a 8 do mesmo mês, no número tas tivessem dois anos de serviço efetivo, com clas-
54, assinado por António de Serpa Pimentel. Des- sificação de Bom, enquanto mestras nos institu-
te regulamento fazia parte um quadro que esti- tos ou mestras auxiliares nas Escolas Normais. Este
pulava as disciplinas obrigatórias, bem como a sua diploma providenciava às alunas uma posição pre-
distribuição por anos escolares e respetiva carga ferencial aquando das colocações e concursos. O
horária, informação veiculada logo no primeiro exame de saída seria composto, na parte escrita,
capítulo. No segundo, concernente à admissão de de: composição literária em português; compo-
alunas, era discriminada a documentação ne- sição em língua francesa; dissertação sobre um as-
cessária à candidatura (certificados de idade, de sunto de História Pátria; resolução teórico-práti-
aprovação em exame, de vacinação; declaração de ca de um problema de Aritmética e de outro de
filiação e de residência). As matrículas seriam ob- Geometria; memória descritiva de experiência e
rigatoriamente assinadas pela aluna e respectivo observações de Ciências Naturais; dissertação so-
pai/tutor ou pessoa encarregue da educação da jo- bre um tema relativo a Pedagogia. As provas orais
vem. O regulamento dos internatos seria defini- versariam as disciplinas estudadas no 4.o ano e
do posteriormente. O capítulo seguinte dava con- teriam a duração de uma hora. A prova prática
ta do calendário escolar, da assiduidade e fre- decorreria em dois dias, sendo o primeiro dedi-
quência mínima de aulas para se poder realizar cado aos Lavores e Desenho e o segundo para o
exame. O quarto capítulo, relativo às aulas e sa- Canto e a Ginástica. A diretora do instituto estaria
las de estudo, determinava que, apesar de as au- presente em todos os exames, contudo, sem voto
las não serem públicas, os encarregados de edu- deliberativo. O sexto capítulo dizia respeito às re-
cação poderiam assistir às mesmas, embora em compensas (inscrição no quadro de honra; pré-
local separado, assim como quaisquer funcioná- mios pecuniários; bilhetes impressos com as boas
rios responsáveis pela administração e inspeção notas) e penas disciplinares (que poderiam ir até
do ensino. Era dever das docentes anotar, no fi- à expulsão do instituto por um período de oito
nal de cada aula, a classificação das alunas, para dias até dois anos). O capítulo seguinte dizia res-
que, mensalmente, se procedesse a uma avalia- peito a serviços e salas de apoio existentes nos es-
ção das mesmas pelo conselho escolar. No arti- tabelecimentos, tais como a biblioteca, o labora-
go 10.o era dada indicação para que as discentes tório de Química, o gabinete de Física e um mu-
permanecessem no estabelecimento de ensino des- seu de História Natural, cuja conservação per-
de a abertura até ao encerramento das aulas, exis- tenceria ao docente da respetiva disciplina. A se-
tindo salas de estudo dinamizadas por mestras gunda secção versava sobre administração dos ins-
para as auxiliar na realização dos trabalhos de casa titutos, sendo identificados os deveres da diretora,
LIC 436

do diretor de estudos, do conselho escolar, dos pro- ma a satisfazer as necessidades e possibilitar o en-
fessores e professoras, da secretaria, do porteiro sino de todas as disciplinas previstas. A criação
e demais funcionários. Relativamente à coloca- de internatos seria apenas feita se as corporações
ção dos docentes, era referido que a primeira se- mecenas assim o requeressem e o Governo acei-
ria sempre feita por nomeação do Governo, de tasse, devendo elas responsabilizar-se pelas des-
acordo com o estipulado nos artigos 18.o e 19.o da pesas. Quanto às disciplinas facultativas, reco-
Lei de 9 de agosto de 1888, podendo tornar-se efe- mendava-se que não fossem lecionadas numa fase
tiva após três anos de serviço; os docentes de 2.a inicial, pretendendo-se, primeiro, analisar os
classe também seriam nomeados pelo Governo, resultados com o currículo obrigatório. No entanto,
mas sob proposta da diretora e parecer do dire- caso as corporações fizessem questão de adicio-
tor de estudos. No final do documento encontrava- nar essas disciplinas ao curso e se responsabili-
-se o quadro da distribuição anual das discipli- zassem pelo custeamento das mesmas, o Gover-
nas, bem como duas tabelas, uma de vencimen- no não se oporia. Neste ofício era expressa a pos-
tos e despesas anuais e outra de receitas. A 11 de sibilidade de se alterar o número de pessoal ao
março do mesmo ano, a Secretaria de Estado dos serviço conforme as necessidades de cada insti-
Negócios do Reino fez publicar no Diário do Go- tuto. Da mesma forma, as corporações responsá-
verno n.o 56 os Ofícios-Circulares aos governadores veis pela fundação dos estabelecimentos deveriam
civis e inspetores de instrução secundária de Lis- determinar os valores das propinas, pois que eram
boa, Porto e Coimbra, relativos à fundação de ins- as entidades que melhor conheciam o contexto
titutos de instrução secundária para o sexo fe- socioeconómico das alunas. No entanto, e apesar
minino, datados do dia anterior e, mais uma vez, de se advogar a restrição no acesso a este tipo de
assinado pela mão de António de Serpa Pimen- ensino, que não era gratuito, previa-se que as me-
tel. Era enfatizada a urgência de, estando a le- ninas oriundas de famílias de escassos recursos
gislação aprovada e o regulamento bem definido, financeiros, que provassem ter mérito para fre-
começar de forma célere a implementação destes quentar os institutos, o pudessem fazer, benefi-
institutos. Necessidade ainda mais premente ciando de bolsas de estudo. As respostas de Por-
quando Serpa Pimentel considerava ter-se ultra- to e Coimbra a estes ofícios, dirigidos aos gover-
passado um dos grandes obstáculos: “Bastará pon- nadores civis e inspetores das Terceiras Cir-
derar que os adversários que mais objecções pu- cunscrições sobre a fundação de institutos se-
nham a esta inovação, duvidando da sua eficácia cundários para o sexo feminino, foram recebidas
ou alegando a sua inutilidade, reconhecem hoje, ainda no mesmo ano, mas denotando uma certa
rendidos à evidência dos factos, o erro das suas falta de empenho por parte de algumas entidades.
infundadas previsões e concordam na alta im- O inspetor da Instrução Secundária na 3.a Cir-
portância e indiscutível necessidade de se mi- cunscrição, Gonçalo Xavier de Almeida Garrett,
nistrar à mulher uma instrução liberal mais ele- procurou, junto de um empregado superior ad-
vada do que a da escola primária, que lhe forme ministrativo do Porto, a marcação de uma reunião
o espírito e que a habilite para utilmente de- para tratar esse assunto, mostrando desejo de coo-
sempenhar os variados misteres da vida domés- perar “Já porque professo a opinião daqueles que
tica e exercer as profissões mais conformes à sua querem a mulher educada e instruída nas mais
índole de aptidões naturais”[op. cit., p. 517]. Ora elevadas questões das ciências naturais” [carta de
sendo tudo isto oficialmente reconhecido, era in- 14/03/1890]. No documento enviado, tecia toda
dispensável que a criação dos institutos tivesse uma série de considerações sobre a educação da
uma base sólida e credível, perspetivando-se o seu mulher. Sugeria que houvesse equivalência en-
êxito. Era essencial que se conquistasse a confiança tre os exames dos liceus femininos e os dos mas-
dos pais de família, sem a qual não se consegui- culinos, pois considerava que a adesão das alu-
ria obter alunas para os ditos institutos, e das cor- nas seria maior, uma vez que teriam, assim, ga-
porações chamadas a cooperar. Eram dadas ins- rantia de poder aceder a cursos superiores. A sua
truções para o caso de as corporações, suposta- proposta incluía alterações à redação do artigo 26.o
mente subsidiárias, não se voluntariarem a ofe- do Regulamento dos Estabelecimentos do Ensi-
recer os recursos necessários, sugerindo-se que fos- no Secundário, relativo ao júri de exames, con-
sem divididas as despesas entre elas. Ditava o ofí- ferindo maior proeminência à área das Ciências
cio que o edifício, a mobília e todo o material di- Naturais. Da parte do governador civil do Porto,
dático deveria ser adequado e aprazível, de for- José Moreira da Fonseca, existem duas epístolas,
437 LIC

uma de 26 de maio e outra de 6 de agosto, ambas estar bastante recetivo à fundação destes institutos,
de 1890. Na carta de maio, o governador resumia tendo procurado o governador civil para delibe-
as decisões tomadas numa reunião já realizada rar sobre os meios de implementar esta medida.
com o presidente da Comissão Distrital e da Câ- A reunião não foi realizada de imediato, contu-
mara, com o provedor da Santa Casa e com o ins- do o governador ficou com a responsabilidade de
petor da 3.a Circunscrição Académica, conforme inquirir, junto das Câmaras e da Junta Geral do
solicitado no ofício recebido de 15 de julho. Nes- Distrito, que tipo de apoios poderia esperar. O go-
se encontro, calculou-se que as despesas da vernador civil de Coimbra, António das Neves Oli-
criação do instituto não seriam inferiores a veira e Sousa, em epístola de 24 de maio de 1890
6000$000 e que montaria a igual soma a manu- [documento n.o 128 do Governo Civil do Distri-
tenção do mesmo, tendo os presidentes daquelas to de Coimbra – Direcção Geral], enviou cópias
corporações declarado que envidariam todos os das cartas da Junta Geral, da Santa Casa e da Câ-
esforços para que se levasse a bom porto não só mara, referindo que todas estas entidades se es-
a fundação do instituto como o suporte das des- cusavam de auxiliar neste “tão importante me-
pesas do mesmo, devendo a respetiva delibera- lhoramento com razões mais ou menos especio-
ção ser proferida na primeira reunião destas cor- sas. E como aquele auxílio é facultativo e, portanto,
porações. Apesar desta perspetiva animadora, José não há meios legais para as obrigar a concedê-
Moreira da Fonseca ressalvava que seriam as reu- -lo, não será possível realizar por enquanto nes-
niões plenárias, a realizar posteriormente, de cada ta cidade tão útil instituição, o que deveras sin-
uma das instituições envolvidas a determinar a to”. De facto, os documentos apresentados deixam
posição definitiva sobre este assunto. No docu- entrever a fraca consideração que havia pela li-
mento de 6 de agosto de 1890, informava ter no- teracia feminina, não sendo esta, de todo, consi-
vamente consultado a Junta Geral do Distrito, a derada um assunto urgente, mau-grado os esfor-
Câmara Municipal e a Santa Casa da Misericór- ços do governador. A Junta (reunião de 28 de abril,
dia, sendo as respostas pouco satisfatórias. O go- presidida pelo Doutor Pedro Augusto Monteiro
vernador anexou à sua carta cópias dos parece- Castelo Branco) e a Santa Casa (sessão de Mesa
res dos conselhos dessas instituições. Da reunião de 12 de maio, ata assinada por Manuel D. da Sil-
plenária do conselho da Junta resultou que esta va e António de Magalhães) argumentavam que
cederia o edifício da Escola Normal e prontificar- sofriam um défice orçamental que mal dava para
se-ia a fazer as despesas que porventura fossem cobrir as despesas obrigatórias ou mais urgentes,
necessárias para adaptação desse mesmo edifício enquanto a Câmara (reunião de 6 de maio, ata as-
para os fins previstos no Regulamento dos Esta- sinada por Adriano Monteiro) se escudava na fal-
belecimentos de Ensino Secundário [Cópia da ata ta de conhecimento da verba necessária para
de reunião de 3 de julho, feita em 11 de julho, e apoiar essa obra. Ignorando todo este entrave à fun-
assinada pelo secretário José Moreira dos Santos, dação dos institutos para instrução secundária fe-
documento original assinado por José Correia dos minina, houve uma série considerável de candi-
Santos e Álvaro de Vasconcelos]. A Câmara Mu- datos a docentes que, entre 1888 e 1890, enviou
nicipal, no entanto, resolveu não auxiliar ime- o seu currículo e certificados para a 2.a repartição
diatamente, e a Santa Casa, que iria mudar de ge- da Direcção Geral de Instrução Pública. Os can-
rência, decidiu deixar essa decisão aos que vies- didatos (alguns de renome) eram de ambos os se-
sem ocupar esse cargo. O documento original da xos, oriundos de vários estratos sociais e profis-
Municipalidade do Porto (1.a Repartição) foi as- sionais, desde pedagogos a advogados, passando
sinado pelo vice-presidente, A. Costa Almeida, por bacharéis e presbíteros, existindo casos em que
e data de 30 de julho; o da Santa Casa da Mise- concorreram membros da mesma família. Não dei-
ricórdia foi assinado pelo vice-provedor, Henri- xa de ser curioso que, apesar da maior parte dos
que Carlos de Miranda. As cópias destes dois do- candidatos invocar as suas habilitações literárias
cumentos datam de 6 de agosto e estão assinadas como fator a seu favor, outros(as) há que referiam
pelo secretário-geral do Governo Civil, Joaquim como argumento a seu favor o estatuto social, ou
de Morais. No que concerne à cidade de Coim- até o género, considerando que as meninas de-
bra, o inspetor José Joaquim Fernandes Nar, em veriam ser ensinadas por congéneres. Havia ain-
carta de 20 de março de 1890 [documento n.o 77 da candidatos normalistas que, inclusivamente,
da Inspecção de Instrução Secundária na 2.a Cir- aproveitavam a carta de apresentação para soli-
cunscrição Académica de Coimbra], aparentava citar um aumento salarial. Passamos a listá-los por
LIC 438

ordem alfabética do primeiro nome, com indicação de Sousa Machado* (18/04/1890-22/04); Júlia Ri-
da data da sua carta de candidatura e receção da beiro* (05/05/1890-17/05); Júlia Silveira Paim Ter-
mesma (as candidatas femininas serão ainda tra- ra Brum* (16/06/1890-19/06); Justino Silva Bra-
tadas em entradas individuais): Adelaide Etelvi- ga (29/09/1890-05/10); Laura Guilhermina de Me-
na Pereira de Barros* (05/05/1890-17/05); Adelina nezes* (11/06/1890-16/06); Lúcia Augusta Dias dos
Augusta da Silveira Pinto Rosenstok* (12/04/1890- Santos* (18/04/1890-22/04); Ludovina do Carmo
-06/05); Agostinho de Almeida Rego (12/06/1989- Pereira Neves* (05/05/1890-17/05); Luís Santos
-15/07); Águeda Conceição Albuquerque Osório (10/03-11/03); Magdalena Von Hafe* (11/03/1890-
Garcia* (16/04/1890-21/04); Alexandre Pereira Val- 17/09); Manuel da Silva Bacelar (s.d.-18/09/1890);
verde Corte Real (20/03/1890-22/03); Alice Deo- Manuel Francisco de Castro (08/03/1890-20/03);
linda da Silva Ferreira* (14/03/1890-14/03); Ali- Manuel Martins dos Santos (04/04/1890-15/04);
ce Moderno (17/04/1890-12/05); Amélia Au- Manuel Veloso Júnior (01/05/1890-12/05); Maria
gusta Pereira Alves* (s.d.-18/12/1890); Amélia de Amália Pestana Vieira* (01/07/1890-02/07); Ma-
Figueiredo Feio* (26/03/1890-12/05); Ana Maria ria Benilde Guedes Vaz* (27/08/1890-29/08);
Antónia de Sousa Holstein* (30/08/1888-04/09); Maria Cândida de Avelar* (18/03/1890-20/03); Ma-
Angélica Augusta dos Santos* (14/03/1890- ria do Carmo de Jesus Afreixo* (18/03/1890-22/03);
-15/03); António Cristino Fernandes (25/03/1890- Maria do Carmo de Sequeira Morais (17/04/1890-
-30/04); António José Rodrigues Pereira (s.d.- 07/05); Maria do Patrocínio Osório de Carvalho
-11/07); António Maria Quintão (07/02/1890- Guedes* (31/08/1890-04/09); Maria Elvira Perei-
-08/02); António Simões Lopes (12/06/1889- ra da Silva Ferreira* (14/03/1890-14/03); Maria Fi-
-14/06); Aurora Dias Castro de Azevedo* lomena Rosada Conceição e Silva Bacelar Leoni*
(19/03/1890-18/09); Branca Carvalho* (12/03/1890-14/03); Maria José de Almeida Cou-
(08/04/1890-09/04); Bento Costa (09/03-11/03); to* (16/03/1890-01/04); Maria Libânia dos Santos
Caetano Alberto da Silva (24/03/1890-28/03); Cla- Costa Pessoa* (09/09/1890-12/09); Maria Marga-
ra Ermelinda Vieira* (03/09/1890-06/09); Deodata rida Oliveira Pinto* (27/08/1890-29/08); Maria Pal-
Costa Castilho* (22/04/1890-24/04); Elisa Cardoso mira da Fonseca de Abreu Castelo Branco* (s.d.-
Matinca* (28/04/1890-30/04); Elisa da Conceição 17/03/1890); Maria Teodora Pimentel*
Lima* (08/03/1890-11/03); Emília Amélia Gomes (14/03/1890-14/03); Paulina Pereira Campelo*
Correia Pereira de Castro* (28/04/1890-02/05); Er- (28/03/1890-18/09); Plácido Silva (06/06/1890-
nestina Augusta de Gambôa* (10/03/1890-14/03); 25/06); Sofia Margarida Graça Afreixo*
Estefânia Aurora de Sousa Pinheiro* (17/03- (18/03/1890-22/03); Vicente Coutinho d’Almei-
-19/03); Felicidade Rosa Freitas Silva* da d’Eça (30/03/1890-12/05); Vítor Bastos Júnior
(17/04/1890-18/04); Filomena Augusta dos San- (14/03/1890-14/03/1890). Estes candidatos aca-
tos Cardoso Gomes* (06/06/1890-19/03); Filomena bariam por ver os seus intentos frustrados, uma
Jesus Faro e Oliveira* (14/03/1890-22/03); Fran- vez que não foi avante a fundação dos institutos
cisco José Patrício (10/03/1890-14/03); Geraldo femininos. Assim, muitos deles, de acordo com
Azevedo (20/03/1890-22/03); Gertrudes Carolina anotações feitas nas margens dos seus processos,
Mariares Pinto Coelho* (06/04/1890-07/04); Hen- chegaram mesmo a levantar os certificados que
rique Marinha (28/08/1890-05/10); Hermínia haviam anexado de forma a poderem concorrer
Elisa Amaral da Silva Freitas e Oliveira* para outras escolas/serviços. É significativo que
(14/07/1890-14/07); Inês Maria de Azevedo e Sil- pelo menos um dos candidatos, talvez mais
va (29/03/1890-01/04); Joaquim Augusto de P. bem informado, tenha requerido (e obtido) de-
Mendonça; Joaquim Costa (s.d.-08/04/1890); Joa- volução dos documentos ainda em 1890; a maio-
quim da Costa Nogueira (16/05/1890-18/09); ria fê-lo entre 1891 e 1893, sendo clara a desis-
Joaquina Carmo Almeida Matos Silva* tência dos seus intentos relativamente aos insti-
(18/03/1890-26/03); José de Melo Borges de Cas- tutos femininos, o que comprova a estagnação do
tro (08/06/1890-11/06); José Duarte Dias de An- processo. É através de um decreto datado de 31
drade (27/05/1890-02/06); José Júlio Moreira de janeiro de 1906, assinado por Eduardo José Coe-
(10/03/1890-11/03); José Maria da Graça Afreixo lho, emitido pela Secretaria de Estado dos Ne-
(16/03-18/03); José Quintino Travassos Lopes gócios do Reino, que aprovava a organização do
(25/04/1890-25/04); Josefina Augusta de Olivei- Liceu Maria Pia, que nos apercebemos das razões
ra Botelho* (10/04/1890-15/04); Júlia Amélia da pelas quais este projeto ficou sem efeito e o que
Silva Moreira* (10/3/1890-11/03); Júlia Cândida efetivamente sucedeu no período entre a regula-
439 LIC

mentação dos institutos e a aprovação deste de- Rosa, op. cit., pp. 12-15]. A relutância na aceita-
creto. O início do texto deste documento é cons- ção dos institutos, resultante das demasiadas vo-
tituído por uma espécie de contextualização zes discordantes, que se faziam ouvir, e do des-
histórico-política. O autor declarava que as nações conhecimento geral em relação a este assunto, fez
mais modernas tinham procurado reparar a in- com que a morosidade do processo fosse tal que
justiça feita ao sexo feminino ao mantê-lo num es- se passaria mais de uma década sem que nada fos-
tado ignaro. Segundo Eduardo José Coelho, este se realmente feito em terras lusitanas, ao passo que,
problema tinha sido abordado de forma moderada, nos demais países, os resultados eram francamente
com melhoramentos, de tal forma que cada vez positivos. Eduardo Coelho declarou que, entre-
mais mulheres frequentavam o ensino secundá- tanto, houve uma mudança nas mentalidades lu-
rio e as escolas profissionais, mesmo que fora dos sas que começavam a reconhecer que o grau se-
institutos que acabaram por não ser criados. Eduar- cundário de educação não era pernicioso e não
do Coelho explicava as razões pelas quais os De- daria azo ao aparecimento das temidas “precio-
cretos de 1888 e 1890 não tinham tido resultados sas ridículas”, antes pelo contrário, providenciaria
práticos, começando por apontar a dependência às mulheres bons conhecimentos para poderem
das várias corporações para obter apoio pecuniário. facultar uma educação e instrução adequadas aos
O debate em torno desta legislação ainda era ace- seus futuros descendentes. Esta modificação de
so pela altura da sua aprovação e nem todos es- atitudes seria essencial para que a população por-
tavam, ainda, convencidos da necessidade da edu- tuguesa deixasse de se reger por preconceitos e
cação da mulher. Assim: “houve quem supuses- superstições resultantes da ignorância. O autor
se que a abertura de institutos para a instrução se- considerava que, para essa mudança de postura
cundária das mulheres era criação de viveiros de relativamente à educação secundária feminina, a
preciosas ridículas; houve quem fosse incomodar criação, em 1885, da Escola Maria Pia foi um con-
a anatomia e a fisiologia comparada dos cérebros tributo valiosíssimo. Esta escola, inicialmente da
dos dois sexos para tirar ilações pró ou contra a responsabilidade do município de Lisboa, passou
capacidade e potência intelectual do sexo femi- a ser administrada centralmente, pelo Estado, em
nino e sua aptidão para atingir a alta concepção 1892. Aquando da sua fundação, o seu propósi-
da ciência” [op. cit., p. 86]. O facto de a impren- to era essencialmente aprofundar a educação ge-
sa se ter empenhado numa postura de ridicula- ral e profissional adquirida no ensino primário.
rização do acesso à educação secundária pela mu- Contudo, os docentes e a Câmara Municipal de
lher, algo retratado especialmente nas caricaturas Lisboa conseguiram que este estabelecimento cor-
de Bordalo Pinheiro [Pontos nos Iis] e nos co- respondesse ao legislado em 1888 e regulamen-
mentários sarcásticos de Oliveira Martins [O Re- tado em 1890. A escola adoptou o regulamento
pórter], contribuiu negativamente para a aceita- dos Institutos, o que resultou num aumento
ção pública desta inovação. Houve, no entanto, considerável de alunas que procuravam, essen-
periódicos que apontaram factos importantes cialmente, frequentar as disciplinas que consti-
como o ser necessária uma reforma urgente do en- tuíam o curso dos liceus, bem como as de edu-
sino já existente, pois somente após essas alte- cação doméstica, e menos (ou mesmo nada) as dis-
rações seria possível a evolução com bases sóli- ciplinas profissionais, como Telegrafia. A direção
das. Maria Amália Vaz de Carvalho chegou mes- da escola pôde, assim, confirmar como era in-
mo a declarar que o ensino existente não era me- dispensável adaptá-la às novas necessidades
recedor da atenção do sexo feminino [v. Adelai- das alunas, satisfazendo-as da melhor maneira e
de Machado, op. cit.], enquanto Alice Pestana se, habilitando-as ao magistério e a serem melhores
por um lado, também referiu a falta de recursos mães e melhores membros da sociedade. O fac-
do Governo português para facultar um ensino to de ter passado, em 1892, a ser administrada cen-
adequado, enfatizou ainda que os esforços envi- tralmente fez com que urgisse definir o estatuto
dados nessa altura já demonstravam uma atitu- da mesma, esperando a escola obter a designação
de positiva dos governantes. Mesmo Bernardino de liceu. Assim, o Governo “não hesitou em apro-
Machado já alertara para a necessidade de es- veitar esse estabelecimento para o transformar no
clarecer o público relativamente ao cuidado na se- liceu feminino da capital, para servir de mode-
leção do corpo docente, sugerindo mesmo figu- lo aos que puderem de futuro ser criados nos di-
ras que considerava capazes dessa missão, acre- versos pontos do país” [Eduardo Coelho, op. cit.,
ditando que a opinião geral sossegaria [v. Elzira p. 59]. Neste diploma, foi tido em consideração
LIG 440

o regime vigente para a instrução secundária do nomeada por Portaria de 2 de novembro de 1888”, Apên-
sexo masculino, modificado em 29 de agosto de dice ao Diário do Governo, n.o 17, 1889, pp. 311-328; “Car-
ta de Lei estabelecendo várias Disposições relativas à Ins-
1905, procedendo-se às devidas alterações. Foi de- trução Primária e Secundária do Sexo Masculino e Sexo
terminado que o ensino deveria ser gratuito, o en- Feminino”, Diário do Governo, n.o 184, 14 de agosto de
sino literário e científico deveria ser prático e que 1888, pp. 1785, 1786; “Decreto – Aprova a Organização
se continuaria a dar especial relevância à educação do Liceu Maria Pia – 31 de janeiro de 1906”, col. “Le-
doméstica, especialmente através do ensino da cu- gislação Portuguesa”, publicada pela Empresa do se-
manário O Direito, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906, pp.
linária e de noções de higiene. A complementar 57-62; Elzira Maria T. D. M. Rosa, Bernadino Machado,
a educação, estariam as disciplinas de Moral, de Alice Pestana e a Educação da Mulher nos Fins do Sé-
Direito Usual, Pedagogia e Música, conforme pre- culo XIX, Lisboa, Comissão da Condição Feminina e Pre-
visto em 1890. Na distribuição de carga horária sidência do Conselho de Ministros, 1989; Isabel Baptis-
para cada disciplina, foi dado maior ênfase às dis- ta da Câmara, “Alice Evelina Pestana Coelho”, Dicioná-
rio de Educadores Portugueses (dir. António Nóvoa), Por-
ciplinas de cariz prático e menor às que exigiam to, Edições ASA, 2003, pp. 1081-1084; “Ofícios – Circu-
maior esforço intelectual, de forma a não preju- lares aos Governadores Civis e Inspectores de Instrução
dicar o aproveitamento. Eduardo Coelho reco- Secundária de Lisboa, Porto e Coimbra, relativos à fun-
nhecia que este tipo de educação era vital, não só dação de Institutos de Instrução Secundária para o Sexo
Feminino”, Diário do Governo, n.o 56, 11 de março de
para as mulheres que queriam constituir família, 1890, pp. 517, 518; “Regulamento dos Institutos Criados
mas, especialmente, para as que optassem, ou a pela Lei de 9 de agosto de 1888 e destinados ao Ensino
isso fossem obrigadas, por uma vida independente, Secundário do Sexo Feminino”, Diário do Governo, n.o
tendo assim possibilidade de sobreviver de for- 54, 8 de março de 1890, pp. 494- 496.
ma digna e respeitável. Na organização e transi- [A. C. O.]
ção da escola para liceu apenas se alterou a di-
reção, para que esta fosse assumida por uma se- Liga dos Direitos das Mulheres
nhora, à semelhança do que sucedia no estran- v. Associações de Mulheres nas décadas de 70
geiro. Foi também determinado que a maior par- e 80 do século XX
te do corpo docente fosse constituído por mulheres
e que estas detivessem a exclusividade de algu- Lina Cardoso
mas disciplinas, como seja a Ginástica. Uma mo- Pianista e espírita. Abrilhantou serões de arte e
dificação importante foi a de centralizar o ensi- palestras realizadas pela Federação Espírita
no secundário feminino neste liceu, não sendo per- Portuguesa. Ao lado de Ilda Cardoso*, acompa-
mitida a admissão de alunas nos outros liceus lis- nhou algumas vezes ao piano a professora de can-
boetas, evitando-se, assim, o que era visto como to Maria da Madre de Deus Leite Dinis* e as re-
promiscuidade (artigo 18.o, p. 61). Tendo em con- presentações da atriz Leonor d’Eça*.
ta os pareceres favoráveis do Conselho Superior Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p.
de Instrução Pública, do Conselho Escolar da Es- 5, n.o 6, maio-junho, 1929, p. 5.
cola Maria Pia, da Direcção Geral de Instrução Pú- [N. M.]
blica, o Ministro e Secretário de Estado dos Ne-
gócios do Reino, houve por bem aprovar a orga- Lopo de Sousa
nização do liceu (com regulamento explicitado no Pseudónimo de Ana Augusta Plácido* com
final do documento). Esta aprovação foi deter- que assinou o romance Herança de Lágrimas,
minante na evolução do ensino secundário fe- em 1871, e as traduções Como as Mulheres se
minino em Portugal. Após um período conturbado Perdem e A Vergonha que Mata, de Amedée
de luta contra preconceitos, finalmente a litera- Achard, 1874, Aprender na Desgraça Alheia, de
cia feminina a nível do ensino secundário tinha Benjamin Constant, 1875, e Feitiços de Mulher
caminho aberto com o aval da sociedade. Feia, de Victor Cherbuliez.
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768 (2 cx.), Lúcia Augusta Dias dos Santos
1888; ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição Natural de Oliveira do Bairro, residente na Vila
– Direcção Geral de Instrução Pública, Lv. 46, 1888. da Feira, Aveiro, filha de Manuel Dias da Sil-
Bib.: Adelaide Vieira Machado, “Os Liceus Femininos ou va, subinspetor primário de Moncorvo. Foi apro-
a Vingança do Sexo Forte”, Faces de Eva, n.o 1-2, 1999,
pp. 127-136; Alice Pestana Coelho, “Relatório da Viagem
vada no ensino normal do 1.o grau da Escola Nor-
de Estudo a Estabelecimentos de Instrução Secundária do mal do Porto, bem como no exame para habi-
Sexo Feminino na Inglaterra, Suíça e França, para que foi litação de ensino do 2.o grau, com 8 valores. Can-
441 LUC

didatou-se, em 18 de abril de 1890, a professo- cipou em exposições coletivas. Foi professora na


ra no Liceu Secundário para o sexo feminino que mesma instituição de 1988 a 1994. A sua dedi-
se esperava fundar na cidade do Porto. Apre- cação à fotografia traduziu-se numa série de tra-
sentou o certificado da escola normal, onde ob- balhos apresentados em várias exposições e que
tivera média de 7,4 valores, classificação de Bom. fazem parte de coleções, tanto públicas como pri-
Fez também o exame nas disciplinas que cons- vadas. Está representada em coleções particula-
tituíam o segundo grau, com classificação de res e em coleções existentes em vários países das
Bom, com 8 valores. Junto com o seu processo quais se salientam: França, Musée Nicephore
de candidatura, além de um atestado de robus- Nièpce, Chalôn sur Saone, Galerie du Château
tez física, entregou também um atestado de bom d’Eau, Toulouse, Le Mans (Festival de l’Image);
comportamento moral, passado pelo vice-pre- Bélgica, Musée de la Photographie de Charleroi,
sidente da Câmara, e outro passado pelo bacharel Charleroi; Suíça, Musée de l’Elysée, Lausanne; Por-
administrador do concelho da Feira. tugal, Fundação PLMJ, Fundação Luso-Brasilei-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição ra, Museu da Imagem, Braga, Museu de Santa Ma-
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. ria, Santo Espírito, Açores, Centro de Artes Visuais,
[A. C. O.] Santa Maria, Açores, Câmara Municipal de Oei-
ras, Câmara Municipal das Lajes do Pico, Açores,
Lúcia Berner de Vasconcelos S.P.E.F., Lisboa. Realizou as seguintes exposições
Nasceu dia 7 de junho de 1936, em Lisboa, filha individuais: [2006], “Em Nome do Espírito San-
de Karl Wilhem Berner, natural de Herrenberg, to”, Convento de S. Francisco, Lajes do Pico;
Alemanha (n. 1906), jornalista, diretor da Agên- [2006], “Lisboa 1983-2003”, Inauguração da Ga-
cia de Notícias Alemã (DNB) em Portugal, de 1933 leria Rosa da Rua, Lisboa; [2005], “Sanjoaninas
a 1963, e de Lucia Nackowiak, natural de Posnen, Angra 2001”, Centro Cultural e de Congressos de
Polónia, precetora da filha do consul da Polónia Angra do Heroísmo, Terceira, Açores, e Palace-
em Portugal. Lúcia Vasconcelos manteve sempre te dos Viscondes de Balsemão, Porto; [2004]
contacto com a família do pai, mas só depois da “Splendid Isolation” [com Clara Azevedo], Fun-
queda do Muro de Berlim pôde estar com a família dação Luso-Brasileira, Lisboa, e Centro de Arte e
materna. Frequentou a Escola Alemã, até 1945, Espectáculos, Figueira da Foz (2005); [2004], “Fes-
data em que aquela fechou, pelo que preparou a tas populares em Santa Maria”, Museu de Santa
4.a classe em casa, com professores particulares. Maria, Santo Espírito; [2004], “Em Nome do Es-
Iniciou o ensino secundário no Liceu D. Filipa de pírito Santo – História de um Culto”, integrada
Lencastre, onde estudou até ao 5.o ano; frequen- na exposição da Torre do Tombo, Lisboa; [2003],
tou, em seguida, o Liceu Francês Charles Le Pier- “Da História às Imagens”, Fábrica da Pólvora de
re, inaugurado na altura, onde completou o en- Barcarena, Oeiras; [2003], “A semana dos Baleeiros
sino secundário, ou seja, os 6.o e 7.o anos. Traba- nas Lajes do Pico”, Inauguração da nova Sede da
lhou na Lufthansa até casar, em fevereiro de 1960, S.P.E.F., Lisboa; [2002], “Dez anos atrás”, Hospi-
com Carlos Michaëlis de Vasconcelos, enge- tal Júlio de Matos, Lisboa; [2001], “Culto ao Di-
nheiro e pintor, bisneto de Carolina Michaëlis de vino Espírito Santo”, Santa Cruz das Ribeiras, La-
Vasconcelos e de Joaquim de Vasconcelos. Do ca- jes do Pico, Açores; [2001], “Splendid Isolation
samento nasceram três filhos: Ana Vera, tradutora; – O Mito do Grande Hotel” [com Clara Azevedo];
Carlos Ernesto, engenheiro; e Ana Rita, gestora. [2001], Museu da Imagem, Braga; [2000], “Ma-
Trabalhou na Empresa Michaëlis de Vasconcelos nhattan Diaries”, Galeria Deviaje, Madrid, Espa-
desde o casamento até à data do falecimento, mas nha; [1999], “Manhattan Diaries”, FNAC – Chia-
a sua vida não se limitou a essa atividade. Inte- do, Lisboa; [1998], “Bilder aus Bath”, Leica Ga-
ressada em tudo o que se passava no mundo e per- lerie Solms, Alemanha; [1992], “Termas Portu-
to de si, estudou, participou e foi sempre uma pes- guesas” [com Clara Azevedo], Centro Cultural Casa
soa interveniente. Estudou no Instituto Superior del Reloj, Madrid, Espanha; [1991], “O ano pas-
de Línguas e Administração (ISLA), onde fre- sado em...” [com Clara Azevedo], Galeria Dife-
quentou cursos de Francês, e obteve o Diploma rença, Lisboa. Colaborou em exposições coletivas,
of English Studies pela Universidade de Oxford. das quais se salientam: [2006], “Novas Simbolo-
Frequentou cursos de Arte e, entre 1982 e 1985, gias / Atuação e Limites”, Galeria Municipal do
fez o Curso de Fotografia no ARCO, em Lisboa, Montijo; [2005], “Não-Lugares”, Loja da GESTO,
onde organizou exposições individuais, e parti- Porto; [2002], “50 fotógrafos portugueses dos anos
LUC 442

50 à atualidade”, Fundação de Serralves, Porto; Rosto da Festa / Images of a Feast Day, (Açores 2000-2006),
[2002], VII Bienal de Artes Plásticas, Montijo; texto de Fernando Aires, Lisboa, Edição de Autor, 2006.
[M. V. F.]
[2001], Coletiva no Museu da Água, Lisboa;
[2001], “Tributo de Lisboa a Nova Iorque”, Câmara
Municipal de Lisboa; [2000], “Women in every- Lúcia de Jesus dos Santos
day life”, integrada no “Second Festival of Women Conhecida popularmente por Irmã Lúcia, nasceu
Creators of the Two Seas”, organizado pela Unes- em Ajustrel, localidade da paróquia de Fátima,
co em Salónica, Grécia; [1999], PARISPHOTO, Pa- no dia 28 de março de 1907, embora a data ofi-
ris, França, com a Galeria Diferença; [1998], cial de registo seja 23 de março de 1907. Irmã Lú-
Flash Back – 25 anos de Fotografia no ARCO, Ga- cia é de facto a denominação abreviada dos no-
leria Municipal da Mitra, Lisboa; [1997], La mes religiosos que escolheu aquando das suas
Photographie Portugaise au Mans Festival de consagrações à vida conventual: Irmã Maria
l’Image, Le Mans, França, Exposição itinerante em Lúcia das Dores e Maria do Coração Imaculado.
França organizada pela Agência CREAT´IM; Lúcia tornou-se, de facto, a figura principal do
[1996], “Reflections by ten Portuguese Photo- grupo dos três pastorinhos videntes dos fenó-
graphers”, Exposição comissariada por Amanda menos extraordinários, vulgarmente conhecidos
Hopkinson-Royal National Theatre, Londres pela designação de “aparições de Fátima” ou de
[depois itinerante no Reino Unido e nos EUA até “aparições de Nossa Senhora de Fátima”, ocor-
finais de 1997]; [1996], “Berlim, Nova-Iorque, Ha- ridos principalmente a partir do dia 13 de maio
vana” [com Clara Azevedo e Isa Dreyer-Botelho], até 13 de outubro de 1917, no lugar da Cova da
Galeria Diferença, Lisboa, Casa dos Crivos, Bra- Iria. Por ser a mais velha das três crianças pas-
ga, Galeria dos Escudeiros, Beja (1997), Prima- toras, e por ter sido a única do grupo a ter so-
vera fotográfica Algarve, Faro (1997); [1995], 70.o brevivido à epidemia da febre bubónica, popu-
aniversário da Sociedade Portuguesa de Autores, larmente designada de “pneumónica”, que gras-
Lisboa; [1994] “Olhar Oeiras”, Palácio da Ter- sou em Portugal entre 1918 e 1919, a irmã Lúcia
rugem, Paço de Arcos, e Palácio Anjos, Algés; destacou-se como uma espécie de protagonista
[1994], “Lisboa qualquer lugar”, convidada pelo principal da interpretação, da comunicação da
grupo IRIS / S.N.B.A., Lisboa; [1992], Coletiva no mensagem, e como guardiã das memórias e dos
Espaço Varequipe, Lisboa; [1986], Coletiva no Ins- alegados segredos resultantes dos acontecimen-
tituto Franco-Português, Lisboa; [1983], Coleti- tos invulgares experienciados pelo grupo de pas-
va – 10 anos de Fotografia no AR.CO, Lisboa. Em tores e procurados pela crescente multidão, que
paralelo com toda a sua atividade profissional, passou a afluir ao planalto da Cova da Iria até ao
Lúcia Vasconcelos foi o elemento mobilizador de último mês oficializado das aparições. A irmã Lú-
toda a família, sempre presente, sempre amiga, cia tornou-se, para o catolicismo português do sé-
sempre apoiando e estimulando iniciativas e pro- culo XX, na sua dimensão mais popular e tra-
jetos. A Casa dos Açores em Lisboa organizou, dicional, uma referência devocional, um mode-
em 16 de março de 2007, uma festa de homena- lo de entrega inspirada na espiritualidade mariana
gem a Lúcia Vasconcelos. católica, como provaram superlativamente as ma-
Fontes: Arquivo da Empresa Michaëlis de Vasconcelos, nifestações públicas que a sua morte e funeral pro-
Lúcia Berner de Vasconcelos, Dados Biográficos e Pro- vocaram a nível nacional. A partir da sua inter-
fissionais, 2006. pretação experienciada e revelada dos eventos
Entrevistas: Ana Rita Vasconcelos, “História de Vida de ocorridos em 1917, contribuiu para que Fátima
Lúcia Vasconcelos”, Lisboa, janeiro de 2007; Vera Vas-
concelos, “História de Vida de Lúcia Vasconcelos”, Lis- se viesse a tornar o santuário e o centro de pe-
boa, janeiro de 2007. regrinação de referência mundial que é hoje. Lú-
Da autora: Termas Portuguesas [com Clara Azevedo], tex- cia, a filha mais nova de sete irmãos (Maria dos
to de Regina Louro, Lisboa, Edições INAPA, 1995; Ca- Anjos, Teresa, Manuel, Glória, Carolina e Maria
lendário de fotografia para 1997 [com Clara Azevedo],
1996; Calendário de fotografia para 1999 [com Clara Aze- Rosa), nasceu no seio de uma família pobre de
vedo], 1998; Manhattan Diaries, texto de Ruth Rosengarten, camponeses e pastores; filha de António dos San-
Lisboa, Edição de autor, 1999; Splendid Isolation – O Mito tos, apelidado na sua terra “o Abóbora”, alcunha
do Grande-Hotel [com Clara Azevedo], texto de Daniel já de família pela associação ao cultivo predo-
Blum, Lisboa, Edição de autor, 2000; 5 Olhares, texto de
Lídia Jorge, Câmara Municipal de Loulé, 2002; Lisboa, a
minante deste legume, e de Maria Rosa, chama-
Felicidade estranha da Princesa, texto de Francisco José da pelos da sua aldeia pelo apelido de família,
Craveiro de Carvalho, Lisboa, Edição de Autor, 2003; O a “Perulheira”. O pai de Lúcia era irmão de Olím-
443 LUC

pia de Jesus de Santos, mãe dos outros dois pas- rições na Loca do Cabeço, no quintal dos pais, no
torinhos mais novos, Francisco Marto (1908-1919) verão e no outono de 1916 e já em companhia dos
e Jacinta Marto (1910-1920), portanto, primos em seus dois primos. Sendo a mais velha e a mais
primeiro grau da mais velha do grupo de videntes desenvolta, Lúcia rapidamente se tornou o cen-
de Fátima. Lúcia e os primos partilhavam o des- tro das atenções do crescente número de devo-
tino da esmagadora maioria das crianças pobres tos e curiosos dos fenómenos de Fátima, bem
do mundo rural português: não tinham acesso à como a principal visada pela pressão imensa dos
instrução escolar e desde tenra idade colabora- sucessivos interrogatórios, formais e informais,
vam com os pais no trabalho do campo e no pas- de que o grupo dos pastorinhos de Fátima foi alvo
toreio do gado, para garantir a subsistência fa- na sequência da difusão da fama das aparições.
miliar. As memórias da infância, mais tarde co- Na sequência das aparições, Lúcia acabou por ini-
locadas por escrito, apresentam-na como uma ciar a frequência da escola primária de Fátima,
criança comum, de saúde robusta e de feições ru- alegando que o fazia por mandato expresso de
des, gostando dos divertimentos infantis e par- Nossa Senhora e para preparar-se, sozinha, para
ticipando nas brincadeiras e travessuras próprias divulgar a fé no Imaculado Coração de Maria e
da idade. Uma das marcas fundamentais da sua respetiva espiritualidade de reparação, da paz e
infância foi o ambiente profundamente religio- da conversão dos pecadores, após a morte dos pri-
so em que cresceu e a formação religiosa que re- mos que, também segundo profecia da Virgem,
cebeu quer da família, quer através da paróquia, morreriam a breve trecho. Entretanto, quando o
formação eivada pela então florescente espiri- fenómeno de Fátima começou a ganhar dimen-
tualidade mariana e o particular devocionismo são, e a interessar mais decididamente a hierar-
ao Imaculado Coração de Maria, que a multi- quia eclesiástica, especialmente com o empenho
plicação de aparições recentes tinha favorecido, de D. José Alves Correia da Silva (1872-1957), pri-
nomeadamente as aparições de Lourdes e de La meiro bispo da diocese de Leiria, recentemente
Salette. A sua mãe imprimiu-lhe a fé cristã com restaurada pela Santa Sé, Lúcia foi enviada, em
o leite materno, lendo-lhe passagens piedosas da 1921, para o Asilo de Vilar na Cidade do Porto,
Imitação de Cristo e da Missão abreviada. Re- a fim de ser orientada pelas Irmãs Doroteias que
cebeu antecipadamente, por insistência sua, a pri- dirigiam aquela instituição. Foi mantida naque-
meira comunhão com a idade, excecional para la casa sob enorme descrição, passando a ser tra-
a época, de seis anos, depois de ter sido prepa- tada pelo nome de Maria das Dores e tendo-lhe
rada com uma confissão feita ao Padre Francis- sido imposto que não falasse sobre os fenómenos
co Rodrigues Cruz (1859-1948), que ficou céle- a que assistira em Fátima. No entanto, sob indi-
bre e com fama de santidade na devoção popu- cação eclesiástica escreveu, em 1922, as primeiras
lar com o simples nome de padre Cruz. Recor- recordações das aparições com o título Aconte-
de-se que, apesar do decreto recente do papa Pio cimentos de Fátima. Preparou-se para receber o
X, Quam singulari (1910), ter liberalizado o aces- sacramento da Confirmação em 1925, decidin-
so de crianças ao sacramento da Eucaristia, a par- do, então, seguir a vida de consagração na Con-
tir da entrada na chamada idade da razão, ain- gregação de Santa Doroteia. Devido à situação de
da havia muita oposição nos meios conservadores exílio que sofriam as ordens e congregações re-
à abertura a uma prática que se veio a tornar cor- ligiosas, em virtude da sua expulsão de Portugal
rente na Igreja ao longo do século XX. As seis apa- em 1910, na sequência da implantação da Re-
rições, que a viriam a celebrizar, testemunhadas pública, Lúcia teve de ingressar no Postulanta-
na Cova da Iria por Lúcia, entre maio e outubro do (25 de outubro de 1925), em Pontevedra, e de-
de 1917, sempre nos dias 13 (com exceção das pois no Noviciado das Doroteias, deslocado
do mês de agosto que aconteceram no dia 19, por para Tuy (2 de outubro de 1926). Ainda no ano
motivo da prisão dos pastorinhos pelo admi- de 1925, registou nova aparição pessoal de Nos-
nistrador do Concelho de Ourém), foram prece- sa Senhora e do Menino Jesus, em dezembro, a
didas, dois anos antes, por três aparições de um que vão suceder outras visões, quer do Menino
anjo, mas pouco definidas na sua memória de Jesus, quer do Imaculado Coração de Maria, quer
criança, e às quais teriam assistido mais duas com- ainda da Santíssima Trindade, documentadas nas
panheiras suas. No ano de 1916, testemunha no- suas memórias. Nas Doroteias, recebeu o nome
vas aparições, mais bem definidas, de um anjo, religioso de Maria Lúcia das Dores, onde fez vo-
que denomina Anjo de Portugal. Regista estas apa- tos provisórios, a 3 de outubro de 1928, e votos
LUC 444

perpétuos, a 13 de outubro de 1934. Começou ain- como figura principal e guardiã da memória dos
da em Espanha, a partir do ano de 1935, a escrever acontecimentos de 1917, que fizeram de Fátima
as memórias sistemáticas sobre os fenómenos que um centro de peregrinação mundial, fez dos en-
presenciou em Fátima, primeiro a pedido do bis- contros que teve em Fátima com Paulo VI, a 13
po de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, e de- de maio de 1967, e com João Paulo II, a 13 de maio
pois por solicitação do reitor do Santuário de Fá- de 1982 e de 2000 pontos altos das visitas papais
tima. Só em 1946 Lúcia pôde regressar de Es- a Portugal. Além de milhares de cartas que es-
panha novamente ao seu país, a fim de integrar creveu durante a vida, entre as quais se destaca
a comunidade religiosa do Colégio do Sardão, se- a correspondência trocada com figuras políticas
diado em Vila Nova de Gaia. Desejando entregar- e altos dignatários da Igreja, elaborou, em 1997,
-se à vida contemplativa, obteve do Vaticano a au- um último escrito intitulado Apelos da mensa-
torização para deixar as Doroteias e ingressar, em gem de Fátima, onde tenta sistematizar e actua-
1948, no Carmelo de Santa Teresa, instalado em lizar doutrinalmente os conteúdos da espiritua-
Coimbra, onde fez os votos solenes, a 31 de maio lidade mariana, de acordo com a sua interpretação
do ano seguinte, com o nome religioso de Irmã feita a partir das revelações hauridas no contexto
Maria do Coração Imaculado. Aí permaneceu em das aparições. Assim como os seus dois primos,
clausura religiosa até à morte, ocorrida aos 98 anos Francisco e Jacinta, falecidos prematuramente em
de idade, no dia 13 de fevereiro de 2005. Um dos 1919 e 1920, respetivamente, logo ganharam fama
fatores que credibilizaram o legado das aparições de santidade, e acabaram por ser de facto beati-
e os segredos que Lúcia transportava foi a con- ficados pelo Papa devoto de Fátima, João Paulo
cretização de algumas profecias, cuja revelação II, a 13 de maio de 2000, a irmã Lúcia morreu já
atribuía a Nossa Senhora. Uma das que se tornou com a mesma fama de santa e aguarda o reco-
célebre foi a da previsão do deflagrar de uma se- nhecimento canónico da exemplaridade da sua
gunda guerra mundial, de piores efeitos do que vida cristã. Os restos mortais desta que é consi-
a primeira, de 1914-1918. A profecia tinha sido derada uma figura de renome internacional da
escrita por Lúcia numa carta endereçada ao bis- Igreja Católica em Portugal, e da história da es-
po de Leiria, na qual indicava que a proximida- piritualidade mariana do século XX, foram
de do início da escalada bélica seria sinalizada transferidos, a 19 de fevereiro, do claustro do Car-
por uma aurora boreal. A ocorrência deste fe- melo de Coimbra, onde tinha sido sepultada, para
nómeno atmosférico verificou-se, de facto, ao cair junto da prima, Beata Jacinta, na Basílica de Nos-
da noite do dia 25 de janeiro de 1938 e a guerra sa Senhora do Rosário de Fátima, conforme seu
começou a 1 de setembro do ano seguinte; tam- desejo expresso. Lúcia ficou, todavia, assim
bém se concretizou a anunciada não entrada de como as aparições de Fátima, tanto como uma fi-
Portugal na guerra, livrado de tal flagelo, segundo gura amada como odiada na história portugue-
a mesma profecia, por proteção especial de sa. De facto, Fátima, como um dos acontecimentos
Nossa Senhora. Apesar de encerrada em con- centrais da história do século XX português, ge-
ventos, Lúcia teve um papel influente na pro- rou tanto correntes filofatimistas como antifati-
moção das aparições de Fátima e na difusão da mistas e, entre esta, uma corrente antilucista. Se
sua espiritualidade cordimariana. Destaca-se o seu para os católicos devotos da mensagem de Fáti-
protagonismo na reação católica contra a proli- ma, Lúcia é uma figura do maior relevo em ter-
feração mundial do fenómeno ideológico-político mos de credibilidade e de exemplaridade de vida,
do comunismo, verificado na sua influência jun- para os críticos de Fátima, nomeadamente os mais
to do papa para consagrar a Rússia e o mundo ao radicais, que vêem nas aparições um embuste
Imaculado Coração de Maria, bem como na po- montado pelo poder eclesiástico e pelas forças
pularização da devoção mariana dos cinco pri- da reação, Lúcia passou a ser o símbolo do rea-
meiros sábados, sem falar da intensificação da tra- cionarismo mais abscurantista e da manipulação
dicional reza do terço. Da sua autoria são ainda para fins de proselitismo católico mais primários.
algumas orações que se integraram na espiri- Desta corrente mais militante contra Fátima, e
tualidade universal do catolicismo e que expri- contra Lúcia, é exemplo emblemático um portal
mem o carácter cristológico, trinitário e eucarístico satírico que apareceu na internet com o título iró-
da mensagem de Fátima: “Oração do Anjo”, “Ja- nico de Página Oficial da Irmã Lúcia, na linha
culatória das alminhas” e a “Oração à Santíssi- do que já tinham feito obras demolidoras como
ma Trindade”. O peso adquirido por Lúcia, a de João Ilharco, com o título Fátima desmas-
445 LUC

carada. Independentemente dos juízos, e das di- do], Vol. 2, [Lisboa], Círculo de Leitores, 2000, pp. 245-
ferentes posições perante o fenómeno de Fátima, 250; Luís Filipe Torgal, As ‘Aparições de Fátima’:
imagens e representações (1917-1939), Lisboa, Temas &
e do significado da sua mensagem, incontestável Debates, 2002; Manuel Fernando Sousa e Silva, “Lúcia
é o facto de que a rústica pastorinha Lúcia se tor- de Jesus dos Santos (1907-2005)”, Enciclopédia de Fá-
nou uma figura destacada da história religiosa por- tima [dir. Carlos Moreira Azevedo e Luciano Cristino],
tuguesa do século XX, pelo protagonismo que aca- Estoril, Principia, 2007, pp.328-331; Idem, Pastori-
bou por assumir no âmbito do processo de afir- nhos de Fátima, Lisboa, Paulinas, 2003; Manuel Vilas-
Boas, “Um papa a mando de uma carmelita”, Guia-Gen-
mação de Fátima como lugar de referência in- te, 12/08/2000, p. XI; Pinharanda Gomes, “Irmã Lúcia”,
ternacional em termos de peregrinação e de es- Verbo – Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Edi-
piritualidade. Apesar de se ter encerrado em ção Século XXI, Vol. 6, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1999,
claustros religiosos, fazendo mais voto de silêncio cols. 416-417; Sebastião Martins dos Reis, Fátima: As
suas provas e os seus problemas, Lisboa, Oficinas de São
do que de uso da palavra, Lúcia acabou por se José, 1953; Tomás da Fonseca, Na cova dos Leões, Lis-
tornar sinal de contradição deixando poucos in- boa, s.n., 1958;
diferentes. A Irmã Lúcia não se coibiu de, a par- http://www.irmalucia.pt.vu/; http://old.fatima.org/
tir do convento, tanto de comunicar os seus pa- port/fuenteintvwpt.htm
receres e experiências hierofânicas, como de [J. E. F.]
aconselhar papas, bispos, padres e políticos, ou
ainda revelar profecias de conteúdo não só es- Lucie Pauline Christiane Plá Norton
tritamente religioso, mas de instigante significado Nasceu em Odessa, na Rússia, em 1891, vindo
político-ideológico com forte influência nos a falecer em 1967. Os pais eram de origem fran-
meios católicos. Foi, na aparente passividade da cesa e catalã. O pai encontrava-se na Rússia a tra-
sua vida conventual, uma protagonista ativa da balhar no comércio da cortiça. Vieram para Por-
construção da dimensão mundial de Fátima, em tugal quando Lucie tinha seis anos. O pai foi tra-
vista da edificação de uma nova era católica, es- balhar para uma empresa de cortiça em Sines.
pecialmente em Portugal e na Europa laica. Fez, Mais tarde, foram viver para Carcavelos. Lucie
com efeito, da sua interpretação das aparições, casou com Godfrey Norton, que pertencia a uma
e da sua alegada mensagem espiritual, uma pe- das famílias inglesas mais antigas residentes em
dra de tropeço para o regime republicano e uma Portugal. Viveram na Quinta da Torre d’Aguilha,
grande oportunidade de recomposição e conso- perto de São Domingos de Rana, tendo-se trans-
lidação popular do catolicismo esfrangalhado pelo ferido para o Monte Estoril em 1944. Tiveram
ideário político da República. duas filhas, uma das quais, May, casou com o
Eng. Artur Macieira Reis, e dois filhos. Pessoa
Da autora: Memórias da Irmã Lúcia, Fátima, Vice-pos- muito apreciada pelas suas qualidades humanas,
tulação, 1977; Apelos da Mensagem Fátima, Fátima, Se-
cretariado dos Pastorinhos, 2000. Mrs. Norton trabalhou voluntariamente em di-
Bib.: Alexandrino da Costa Brochado, Fátima à Luz da versas organizações, tendo presidido durante vá-
História, Lisboa, Portugália, 1948; Antero Figueiredo, Fá- rios anos a Liga Britânica de Assistência (British
tima: graças, segredos, mistérios, 14.o ed., s.l., s.n., 1946; League of Assistance), cujo objetivo era recolher
António Maria Martins, Cartas da Irmã Lúcia, Porto, A.
I., 1979; Idem, Novos Documentos de Fátima, Porto, Li- fundos e donativos para serem distribuídos
vraria A. I., 1984; Aura Miguel, O Segredo que Conduz por instituições portuguesas de beneficência, so-
o Papa: a experiência de Fátima no pontificado de João bretudo as que se dedicavam a crianças.
Paulo II, Estoril, Principia, 2000; C. Barthas, Fátima: os
testemunhos, os documentos, Lisboa, Aster, 1967; Do- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 910, 18/11/1967.
cumentação Crítica de Fátima, 6 Vols., Fátima, Santuário [A. V.]
de Fátima, 1999-2006; Domingos Maurício, “Fátima e
o seu cinquentenário (1917-1967)”, Brotéria, Vol. 84, Lucília Assunção Moreira
1967, pp. 569-584; J. Ilharco, Fátima Desmascarada: A Militante do Partido Comunista desde a década
verdade histórica acerca de Fátima documentada com
provas, 6.a ed., Coimbra, Edição do Autor, 1971; Joaquín
de 1940, a sua casa funcionou como importan-
María Alonso, Doctrina y espiritualidad del mensage de te ponto de apoio a funcionários na clandesti-
Fátima, Madrid, Airas Montano Editores, 1990; José Bar- nidade. Foi dirigente do Movimento Democrá-
reto, Religião e Sociedade: dois ensaios, Lisboa, Imprensa tico de Mulheres e faleceu em 25 de setembro
de Ciências Sociais, 2002; Idem, “A Brotéria e Fátima”, de 2008, com 93 anos de idade.
Fé, Ciência, Cultura – Brotéria: 100 anos [dir. Hermínio
Rico e José Eduardo Franco], Lisboa, Gradiva, 2003, pp. Bib.: “Camaradas falecidos – Lucília Assunção Morei-
411-419; Luciano Cristino, “Fátima”, Dicionário de His- ra”, Avante!, n.o 1820, 16/10/2008, p. 14, col. 4.
tória Religiosa de Portugal [dir. Carlos Moreira Azeve- [J. E.]
LUC 446

Lucília Simões cenada pela mãe e que, não tendo o êxito que se
Atriz, empresária e ensaiadora. Nasceu no Rio de aguardava, deixou Lucinda Simões arruinada. Foi
Janeiro, a 23 de março de 1879, e faleceu em Lis- em digressão ao Brasil e, passados 12 anos, vol-
boa, a 8 de junho de 1962. Era filha do ator e em- tou e ingressou na Companhia Rosas & Brazão,
presário teatral Luís Cândido Furtado Coelho no Teatro D. Amélia, onde permaneceu oito anos,
(1821-1899) e da atriz Lucinda Simões* e irmã gé- salientando-se em Uma Mulher sem Importân-
mea de Luciano Furtado Coelho, que também en- cia, de Oscar Wilde, tradução de António Bro-
veredou pela carreira de teatro. Lucília Simões chado; Ressurreição, peça em 3 atos, adaptada da
veio para Portugal com os pais quando teria cer- obra de Tolstoï por Henri Bataille e traduzida por
ca de seis anos de idade, conservando, no entanto, Carlos Selvagem; Lei-San (1903), fantasia dra-
a nacionalidade brasileira até ao fim da vida, pelo mática em 1 ato, de Manuel Penteado; O Gran-
que pagava a taxa de residência exigida pelo Es- de Cagliostro, comédia em 5 atos, de Carlos Ma-
tado aos residentes estrangeiros [O Século, lheiro Dias. Em 1904, fazia parte da Companhia
09/06/1962, p. 4]. Casou, em 1923, com o ator Eri- Dramática Portuguesa, em que também figurava
co Braga (1893-1962), com quem constituiu Lucinda Simões, que foi ao Teatro Micaelense,
uma empresa teatral e de quem se divorciou em de Ponta Delgada, e ali representou, além de al-
1930. Foi das comediantes mais cultas, teve es- guns dos seus êxitos, Blanchette, de Eugène
merada educação, estudou piano com o maestro Brieux; Mr. Alphonse e O Amigo das Mulheres,
Francisco de Freitas Gazul (1842-1925), sem me- ambas de Alexandre Dumas, filho; Casa da Bo-
nosprezar as prendas exigidas às meninas: boas neca, de Henrik Ibsen; Madame Flirt, de P. Ga-
maneiras, pintar no vidro e bordar com cabelo e vault e G. Bert, tradução de Melo Barreto; A Vida
escamas de corvina [Idem]. Com os pais e, depois, de Um Rapaz Pobre, drama em 5 atos e 7 qua-
como estudiosa das modernas artes cénicas, via- dros, de Octave Feuillet, tradução de Joaquim José
jou pelos grandes centros artísticos da época. Foi Annaya; A Lagartixa, comédia em 3 atos, de Geor-
contra a vontade daqueles que enveredou pela car- ges Feydeau, tradução de Eduardo Garrido, en-
reira teatral. A mãe preparou-lhe a entrada no pal- tre outras. De volta ao Teatro D. Amélia, teve es-
co com um papel importante no Teatro D. Ma- pecial êxito em A Rajada (1906), de Bernstein,
ria II, onde era atriz. Falhada a perspetiva de se e A Casa em Ordem (1907), de Artur Piñero, no
estrear ali, foi no Teatro Circo de Coimbra que re- papel de “Nina”; Fogo de S. João, de Sudermann;
presentou pela primeira vez, em 1895, no papel O Duelo, de Lavedan; A Castelã, de Alfred Ca-
de “Maria de Noronha” da peça Frei Luís de Sou- pus, tradução de Acácio de Paiva, e Rosas de Todo
sa, de Almeida Garrett, ao lado do avô, o ator Ar- o Ano, de Júlio Dantas. Em 1908, fez parte da com-
tur Simões, nome artístico de José Simões Nunes panhia organizada pelo Teatro D. Amélia que se
Borges (10/03/1826-21/02/1904), no papel de deslocou ao Teatro D. Maria Pia, do Funchal, onde
“Telmo”. O êxito alcançado permitiu-lhe a estreia protagonizou Magda, de Sudermann, tradução de
definitiva, nesse mesmo ano, no Teatro da Rua Pedro Vidoeira, e criou a protagonista de D. Bel-
dos Condes, num pequeno papel de Madame de trão de Figueiroa, comédia escrita por Júlio Dan-
Sans-Gêne, comédia em 3 atos e 1 prólogo, de Vic- tas a seu pedido. Nesse mesmo ano, abandonou
torien Sardou, sob a direção e ensaio da mãe, en- a carreira e, 12 anos depois, voltou à cena no Tea-
tão empresária do teatro. Ali continuou repre- tro Politeama, para criar, em 1921, a protagonista
sentando, com sucesso, os papéis de “ingénua” de Zá-Zá, peça em 5 atos de Pierre Berton e Char-
em Cabotinos (1896), comédia em 4 atos de les Simon, tradução de Eduardo Garrido (peça que
Édouard Pailleron, tradução de Lorjó Tavares; “Se- representou em reprise, integrada na Companhia
nhora de Santis”, em Demi Monde, comédia de Lucília Simões-Erico Braga, no Porto, em 1923,
Alexandre Dumas, filho. Protagonizou Rainha de e Madame Schubach (1922), ao lado de Erico Bra-
Nápoles, mas terá sido em Francillon, comédia ga. Foi à frente da Companhia Lucília Simões-
em 3 atos de Alexandre Dumas, filho, traduzida Erico Braga, quando explorava o Teatro de S. Car-
por Guiomar Torrezão,que se revelou uma gran- los, que levou à cena O Homem das Cinco Ho-
de atriz. Passou ao Teatro D. Amélia, onde re- ras, de Hannequin e Berri, A Vinha do Senhor,
presentou O Perdão, de Jules Lemaitre, Família Novos Senhores, de Robert Flers e Francis Crois-
Americana e Cyrano de Bergerac (1896), de Ed- set, Mar Alto, de António Ferro (1895-1956), a 10
mond Rostand, tradução de Júlio Dantas e Ma- de julho de 1923, peça tipo boulevard francês que
nuel Penteado, peça luxuosamente dirigida e en- se tinha estreado no Teatro de Santana, em S. Pau-
447 LUC

lo, em 1922, e causou polémica entre alguns in- raudoux, e Pigmalião (1945), de Bernard Shaw.
telectuais portugueses que contestaram a exibi- Em 1948, voltou ao Brasil a convite de Eva Tu-
ção, alegando, ofensa à moral pública [Rebello, dor para ensaiadora da sua companhia teatral.
1988, p. 132], e voltou a representar Casa em Or- Reapareceu no Teatro Monumental, em 1951, ao
dem (1923). Nesse mesmo ano, a companhia apre- lado de João Villaret, na comédia americana Adi-
sentou, no Porto, o repertório já conhecido e A vinha Quem Vem Jantar. Outras peças do re-
Mulher que Passa, de Kistemaekers, A Casa En- pertório da atriz: O Lenço Branco (1896), de Al-
carnada, de Victoriano Braga e a Casa da Bone- fred Musset, Madame de La Seiglière (1897), de
ca. Entrou em Amor a Quanto Obrigas (1923), de Julien Sardou, Diana de Lys (1897), de Alexan-
Hannequin. Em 1926, a Companhia Lucília Si- dre Dumas, O Leque (1921), de Robert Flers e Gas-
mões-Erico Braga esgotou as lotações do Teatro ton Caillavet, O Pé de Cabra (1934), de Lószio Ala-
da Trindade com Branco e Preto, de Sacha Gui- da, tradução de João Bastos, Baton (1946), peça
try (1855-1957), O Marquês de Villemer, de em 3 atos, de Alfredo Cortez (1780-1846), no Tea-
George Sand, e A Garçonne, peça extraída do ro- tro da Trindade, peça escrita em 1836 e interdi-
mance de Victor Marguerite, considerada es- ta de ser representada durante a vida do autor.
candalosa e mandada retirar pela censura. A Com- No cinema, participou no filme A Vizinha do
panhia Lucília Simões-Erico Braga pôs também Lado (1945), de António Lopes Ribeiro, a partir
em cena os êxitos: A Oitava Mulher do Barba da peça de André Brun, Não Há Rapazes Maus
Azul (1922), de Alfred Savoir, A Raça, de Liña- (1948), de Eduardo Maroto, e Eram Duzentos Ir-
res Rivas, A Primeira Noite e Príncipe João, am- mãos (1952), de Armando Vieira Pinto. Foi pro-
bas de Charles Meré, no Teatro do Ginásio; as re- fessora de Arte de Representar do Conservatório
vistas Mayonnaise (1924), de Erico Braga e Bar- Nacional. Retirou-se de cena com uma récita de
bosa Júnior, no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, despedida no Teatro Politeama, em Lisboa, a 8
Chic-Chic (1925), de Erico Braga e Barbosa Júnior, de junho de 1953. Foi agraciada com a Comen-
música de Alves Coelho, no Teatro de S. Luís, da da Ordem de Santiago da Espada e possuía as
Papo-Seco (1926), de Erico Braga, e Pó-Pó Palmas de Ouro da Academia Francesa, em re-
(1928), de Erico Braga e Avelino de Sousa, no Tea- conhecimento da ação divulgadora do teatro fran-
tro da Trindade. Foi neste teatro que se revelou cês em língua portuguesa, as Medalhas da Cruz
ensaiadora exímia adaptando às peças os mais Vermelha e Cruz Verde. Faleceu, em sua casa, na
atuais métodos de direção observados durante as Rua de Santa Catarina, n.o 5, e o funeral saiu da
viagens de estudo que fez pelos grandes centros igreja de Santa Catarina para o jazigo de família
artísticos do tempo. Ali, entrou em Perdoai-nos no Cemitério dos Prazeres. Lucília Simões era mãe
Senhor, de Vasco de Mendonça Alves, A Cadeira de Julieta Simões da Fonseca* e avó de Maria An-
da Verdade e A Recompensa, ambas de Rama- tónia Fonseca da Câmara, casada com Segis-
da Curto. Foi para o Teatro Nacional D. Maria II, mundo Zarco da Câmara. Por edital de
onde se estreou com Isabel Rainha de Inglater- 31/01/1978, foi dado o seu nome a uma rua de
ra (1936), de André Josset, entrou em Maria Stuart Lisboa, na Freguesia de Benfica.
(1937), de Shiller, adaptação de Alfredo Cortês, Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Férias de Páscoa, Coristas (1942), comédia em 3 res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1221;
atos, de Armando Vieira Pinto, e A Conspiradora, António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
de Vasco de Mendonça Alves. Desfeito o casa- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 11; Eduar-
do de Noronha, Reminiscências do Tablado, Lisboa, Gui-
mento e, depois, a companhia com Erico Braga, marães e Cia. Editores, 1927, pp. 15 e 57; Fernando Men-
Lucília Simões formou nova parceria com Cha- des, Almanaque dos Palcos e Salas para 1904, Lisboa,
by Pinheiro, de que resultou o trabalho ines- Arnaldo Bordalo Editor, 1903, pp. 12-14; Joaquim Ma-
quecível em Sabão n.o 13, peça original de dureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer-
Masget e Oberon, tradução de Erico Braga, An- reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 477; Luiz Fran-
cisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lis-
tónio Dias Costa e António Carvalho Ivo, repre- boa, Prelo Editora, 1978, p. 101; Idem, 100 Anos de Tea-
sentada nos Teatros do Ginásio e da Trindade tro Português (1880-1980), Porto, Brasília Editora, 1980;
(1943). Fez parte do elenco da Companhia dos Idem, História do Teatro Português, Lisboa, Publicações
Comediantes de Lisboa, transmitido pela Emis- Europa-América, 1988; Luiz Silveira Botelho, A Mulher
na Toponímia de Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa,
sora Nacional, participando no desempenho de Comissão Municipal de Toponímia, 1998, pp. 101-102;
Miss Bá (1944), de Rudolf Besier, O Rei, Os Cin- Mário Jacques e Silva Heitor, Actores na Toponímia de
co Judeus, Multa Provável, Electra, de Jean Gi- Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Comissão
LUC 448

Municipal de Toponímia, 2001, pp. 121-122; Memórias (1868), comédia que Teixeira de Vasconcelos es-
de Chaby, Lisboa, Gráfica Portuense, 1938; Virgínia Dias, creveu expressamente para ela e que foi um gran-
“Lisboa, Toponímia no Feminino VIII”, Faces de Eva, n.o
8, 2002, pp. 206-207; Gazeta Musical de Lisboa, 3.a Sé- de êxito; entrou em Viagem à China (1869) e Os
rie, n.o 135, 25/02/1896, e n.o 136, 10/03/1896, pp. 3-4; Íntimos, de Victorien Sardou (1870). Nesse
Revista Teatral, 3.a série, ano II, n.o 29, 01/03/1896; “Lu- ano, foi escriturada pela Companhia Dramática
cília Simões”, O Ocidente, n.o 1238, 20/05/1913, p. 133; de António Moutinho de Sousa, então no Tea-
O Século, 21/12/1921; “Um Grande Astro – Lucília Si- tro Baquet, do Porto onde, durante um ano, se
mões”, Mundo Teatral, Lisboa, n.os 30 e 41, 07/04 e
01/07/1923; “Teatros – foi neste dia...”, O Século, tornou a principal atriz e foi muito festejada em
06/04/1960, p. 4, 09/06/1962, pp. 1 e 2 [c/ fot.], e Condenado e Livro Negro (1871), dramas de Ca-
25/10/1962, pp. 1 e 2. milo Castelo Branco, Médico à Força (1871), de
[I. S. A.] Molière, Lago de Kilarney e O Lenço Branco
(1872), de Rangel de Lima. Partiu, em digressão
Lucinda Augusta da Silva Borges ao Brasil, numa companhia em que ia o pai. Che-
Atriz, ensaiadora, figurinista, diretora de cena, gou ao Rio de Janeiro em 1872 e foi muito bem
empresária e professora da Escola de Arte de Re- recebida pelo público. Casou, naquela cidade,
presentar, escolheu para nome artístico “Lucinda em outubro do mesmo ano, com Furtado Coe-
Simões”. Nasceu no Castelo de S. Jorge, em Lis- lho, e com ele ali ficou, e representou peças de
boa, a 17 de dezembro de 1850, e faleceu, na mes- Sardou, Feuillet, Dumas, filho, Girardin, Barrière,
ma cidade, a 21 de maio de 1928. Era filha do entre outros grandes autores dramáticos es-
ator José Simões Nunes Borges (conhecido por trangeiros, e os dramas A Morgadinha de Valflor,
Artur Simões) e de Maria Elisa Borges da Silva, em 5 atos, de Pinheiro Chagas, e Remorso Vivo,
irmã da atriz Amélia Simões* e do maestro José de Furtado Coelho. Fez uma grande digressão ao
Simões Júnior. Frequentou um colégio na Rua Rio Grande. Com o marido, progrediu cultural
do Alecrim. Foi casada com Luís Cândido Fur- e artisticamente, viajou pelos centros de cultu-
tado Coelho (1831-1899), músico, pianista, ator, ra teatral da Europa, com incidência nos teatros
ensaiador, empresário teatral e escritor dramá- de Londres e Paris, a grande metrópole do tea-
tico, e mãe dos gémeos Luciano e Lucília Simões* tro de vanguarda. Regressados a Portugal a 11 de
que também foi grande atriz e empresária teatral. novembro de 1874, seguiram para o Porto e vol-
Lucinda Simões distinguia-se pela elegância com taram, pouco tempo depois, para Lisboa. Aqui,
que se vestia e pela ironia cáustica. Começou a assumiram a direção da companhia do Teatro das
representar, como amadora, em 1876, no velho Variedades, Empresa Salvador Marques, onde se
Teatro S. Geraldo, em Braga, ao lado do pai. Ain- estrearam com os dramas Dalila (1875), em 3
da na qualidade de amadora, foi ao Ginásio in- atos, e A Vida de um Rapaz Pobre, em 5 atos e
tegrar o elenco das comédias Amor Londrino, em 7 quadros, ambos de Octave Feuillet, este últi-
1 ato, de Domingos Monteiro, O Cão e o Gato e mo em tradução de Joaquim José Annaya; A Es-
Isidoro, o Vaqueiro, em que também entrava o tátua de Carne, Marquês de La Seiglière (1875),
pai. Estreou-se como atriz no mesmo teatro, a 16 comédia, tradução de Luís Augusto Palmeirim,
de outubro de 1867, na peça Benvinda ou A Noi- ao lado de João Rosa; O Sapatinho de Cetim, de
te de Natal, de Manuel Domingos dos Santos, e Fernando Caldeira, escrito expressamente para
ali ficou durante três anos, entrando em A Pas- ela representar; e A Moreninha, de Joaquim Ma-
tora dos Alpes (1868), O Inimigo das Mulheres nuel de Macedo (brasileiro), em 1877, e parte do
(1868), de Alexandre Dumas, filho, que foi a sua repertório que foi êxito no Brasil. Foram em di-
primeira festa artística. Teve papéis importan- gressão a Madrid, com total êxito, e voltaram ao
tes nas peças As Georgianas (1868), ópera cómica Brasil onde se demoraram seis anos. No Rio de
traduzida por Eduardo Garrido, música de Of- Janeiro, Furtado Coelho fundou o Teatro Lucinda,
fenbach; O Marquês de Villemer, comédia em 3 na Rua do Espírito Santo, n.o 24, e ali levaram
atos, de George Sand, traduzida por Ramalho Or- à cena Mademoiselle de la Seiglière (1881), de
tigão; Alegrias na Pobreza (1868), comédia-dra- Jules Sandeau, A Torre em Concurso (1881), ope-
ma em 4 atos, de Eduardo Martins e Vicente Pi- reta em 3 atos, do escritor brasileiro Joaquim Ma-
res; e, com a irmã Amélia, apresentou Os Sa- nuel de Macedo, música de Furtado Coelho, Prin-
patinhos do Baile (1868), graciosa comédia, em cesa de Bagdad (1881), de Alexandre Dumas, fi-
1 ato, para duas figuras, traduzida por Quirino lho, João Baudry (1881), drama de Vacquerie, em
Chaves. Protagonizou O Dente da Baronesa que foi a protagonista, entre outras peças. A par-
449 LUC

tir deste ano, o teatro distribuía, diariamente, um Luxo”, que norteava a atividade da dupla, e pelo
pequeno jornal dirigido à crítica teatral intitu- respeito pelo trabalho dos atores a quem paga-
lado Jornal do Teatro Lucinda. De volta a Lisboa, vam sempre os salários, ainda que empenhassem
passou por alguns teatros, onde representou Te- objetos pessoais. Alugaram o Teatro da Rua dos
resa Raquin, drama de Zola (Recreios, 1882), A Condes, integraram os atores residentes e Lucí-
Marquesinha, arranjo de Machado Correia a par- lia Simões. Lucinda ensaiava. Estrearam-se a 28
tir de La petite Marquise, de Meilhac e Halévy de fevereiro, com a comédia em 4 atos Caboti-
(Recreios, 1883), Demi-Monde, de Dumas filho, nos, de Édouard Pailleron, tradução de Lorjó Ta-
com grande elenco (Ginásio, 1883), Divorciemo- vares, peça em que se estreava Maria Pia de Al-
-nos (1884), de Sardou, Severina, Niniche, vau- meida*, a que se seguiram comédias em que en-
deville em 3 atos de Millaud e Hannequin, tra- trou, também, como actriz, nos papéis de “ba-
dução de Sousa Bastos (Príncipe Real, 1884). Vol- ronesa d’Ange” de Demi-Monde; “baronesa
tou ao Brasil. Esteve algum tempo afastada da Smith”, de Francillon (1896), em 3 atos, ambas
cena. Como Furtado Coelho tinha ficado arrui- de Alexandre Dumas, filho, esta em tradução de
nado com alguns empreendimentos em Londres, D. João da Câmara; “Silvana Montesson” de O
reapareceu, numa companhia por ela organiza- Perfume (1896), comédia moral em 3 atos, de Er-
da, no Teatro do Príncipe Real e, em 1889, como nest Blum e Raoul Toché, tradução de Pedro de
1.a dama de alta comédia, na Companhia Ruas Moura Cabral e João Costa; “Condessa”, em O
& Irmãos, protagonizando Demi-Monde, em re- Busto (1896), em 1 ato, de Alberto Braga; e pro-
prise, no Teatro dos Recreios, e Claudina (1890), tagonizou Madame de Sans-Gêne, peça em 3 atos
drama de Abel Botelho, no Teatro do Príncipe e prólogo, de Victorien Sardou e E. Moreau, tra-
Real. Em 1891, foi com o marido para o Rio de dução de Moura Cabral, numa grande encena-
Janeiro, contratados pela Empresa Braga Júnior ção e com avultados prejuízos. Numa viagem a
& Ca. onde era sócio gerente Celestino da Silva Paris, assistiu à representação Cyrano de Ber-
e, no regresso, formaram uma companhia que gerac, de Edmond Rostand, e quando, em 1897,
atuou no Teatro da Rua dos Condes, na época de Lucinda Simões e a filha foram contratadas pelo
1893-1894, de que se destaca a peça O Casa- visconde de S. Luís de Braga, então empresário
mento de Olímpia, de Émile Augier, tradução de do Teatro D. Amélia, Lucinda entusiasmou-o a
D. João da Câmara e Gervásio Lobato. Lucinda representar a peça que foi traduzida por Júlio
passou, depois, para a Sociedade dos Artistas Dantas e Manuel Penteado, para esse fim. Lu-
Dramáticos Portugueses, Empresa Rosas & Bra- cinda dirigiu os ensaios e o guarda-roupa com
zão, no Teatro D. Maria II. Neste, pretendeu que tal luxo que ficou sem um tostão. Neste teatro,
a companhia promovesse uma récita de estreia representou A Sociedade onde a Gente se Abor-
para a filha e, como Rosa Damasceno* se opu- rece, comédia em 3 atos de Édouard Pailleron,
sesse, foi em Coimbra, no papel de “Maria”, em tradução de Gervásio Lobato; Mancha que Lim-
Frei Luís de Sousa, ensaiada pela mãe, que Lu- pa (1897) e Sr. Director (1897). Já separada de Fur-
cília Simões iniciou, com total êxito, a carreira tado Coelho, fez digressões pelo Brasil durante
teatral. Em 1895, em exposição dirigida a Mo- dezoito meses. Em 1900, voltou, com a filha, ao
rais Sarmento, inspetor-geral dos teatros, a em- Teatro D. Amélia, e ali foram primeiras figuras
presa do D. Maria II acusava-a de se recusar a re- nas peças: A Lagartixa (1900), comédia em 3 atos
presentar por mais tempo Médico à Força, que de Georges Feydeau, tradução de Eduardo Gar-
fez, pela primeira vez, ao lado do ator Taborda, rido; Casa da Boneca, de Ibsen; Blanchette
em cujo papel foi substituída por Emília Lopes*, (1903), de Brieux; Ressurreição (1903), peça em
e a peça O Pântano, de D. João da Câmara, ale- 3 atos, adaptada da obra de Tolstoi, por Batail-
gando que não poderia contracenar, nas cenas le e traduzida por Carlos Selvagem; Fogueiras de
excessivamente amorosas das peças, com dois S. João (1903), de Sudermann; Fédora e Tosca,
artistas com quem estava de relações cortadas. ambas de Victorien Sardou; Mr. Alphonse, de
A empresa afirmava sentir-se desobrigada dos Alexandre Dumas, filho, e fez festa artística com
compromissos tomados com a atriz. A 24 de ja- as primeiras representações de O Inquérito, de
neiro de 1895, a imprensa noticiava a rescisão Georges Henriot, e da comédia em 1 ato Notícias
do contrato. Nesse ano, formou a Companhia Lu- de Última Hora, de Eduardo Coelho. Em 1903,
cinda Simões-Cristiano de Sousa, que ficou co- criou “Madame Juvenal” da peça Segredo de Po-
nhecida pela trilogia “Disciplina, Ordem e lichinelo (1904), de Pierre Wolf, e protagonizou
LUC 450

A Casa em Ordem (1907), de Piñero. Por im- vidou todos os docentes para incorporarem o fu-
posição da imprensa, voltou ao Teatro D. Maria neral. Foi sepultada, em jazigo de família, no Ce-
II, onde se distinguiu em O Burguês Fidalgo mitério da Ajuda. Por edital de 12/03/1932, foi
(1910), de Molière, versão de Eduardo Garrido, atribuído o seu nome a uma rua de Lisboa, na
e Os Filhos, de Vasco Mendonça Alves. Em 1910, freguesia de S. Jorge de Arroios.
foi para o Teatro do Ginásio, entrou em Paixões Da autora: Lucinda Simões – Memórias, Factos e Im-
Passageiras, de Capus, ao lado de Cristiano de pressões, Rio de Janeiro, Lito-Tipografia Fluminense, 1922.
Sousa, e Serafina, de Victorien Sardou, com Fer- Bib.: AA.VV., Lucinda Simões na festa do seu cinquen-
reira da Silva. Voltou a este teatro, em 1913, como tenário artístico [c/ retrato], abril de 1868 a abril de 1918,
Lisboa, Oficina “Ilustração Portuguesa”, 1918; Américo
ensaiadora e diretora de cena. A 16 de maio de Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres Célebres, Por-
1913, na festa artística, foram representadas as to, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1221; António Pi-
peças Os Recursos de Ladino, farsa adaptada pelo nheiro, Contos Largos, Lisboa, Tip. Costa Sanches, 1929,
conde de Farrobo; A Avó, original, em 1 ato, e p. 98; Idem, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria Bordalo Edi-
o 3.o ato de A Conspiradora, ambas de Vasco tora, 1912; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro
Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 11;
Mendonça Alves, peça que foi um dos grandes Carlos Leal, No Palco e na Rua – Impressões do Homem
êxitos da atriz. Fez, também, Os Marialvas e do Artista, Lisboa, Tip. Costa Sanches, 1920; Eça Leal,
(1914), do mesmo autor, Sonho de Uma Noite de “Lucinda Simões”, O Recreio, Lisboa, 9.a série, n.o 24,
Agosto e A Dama Branca, opereta original de 11/08/1890, pp. 369-370; Eduardo de Noronha, Remi-
Boieldieu, libreto de Scribe. Em 1917, andou em niscências do Tablado, Lisboa, Guimarães e Cia. Edito-
res, 1927; Gervásio Lobato, “Lucinda Simões” [c /retra-
tournée pelo Algarve e Alentejo (Beja). Apare- to], O Contemporâneo, Letras, Artes, Ciências, Comércio
ceu no Teatro Politeama, em 1921, nas peças e Indústria, Lisboa, n.o 14, outubro, 1875 [pp. 1-4]; Gran-
Uma Mulher Sem Importância, de Oscar Wilde, de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXIX, Lis-
e Raça, de Linares Rivas. Integrada na Compa- boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, pp. 58/60; Guio-
mar Torrezão, “Rumores dos Palcos”, Ribaltas e Gam-
nhia Lucília Simões-Erico Braga, quando ex- biarras, Lisboa, série 2, n.o 4, 22/01/1881, p. 30, n.o 14,
plorava o Teatro de S. Carlos, representou Casa 19/07/1881, p. 111, n.o 20, 21/04/1881, p. 159, n.o 45,
em Ordem (1923). Por volta de 1924, foi em di- 30/10/1881; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trin-
gressão a Madrid e Barcelona. Fez parte da Com- dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
panhia Dramática Portuguesa que foi ao Teatro nicipal de Lisboa, 1967, pp. 337 e 374; Joaquim Madu-
reira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira
Micaelense, de Ponta Delgada, representar Blan- & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 477; João Pinto de Car-
chette, Mr. Alphonse, Casa da Boneca, O Ami- valho, “O Velho Ginásio”, Lisboa de outros tempos, T. 1,
go das Mulheres, Francillon, Madame Flirt, de Figuras e cenas antigas, Lisboa, Livraria de António Ma-
P. Gavault e G. Bert, tradução de Melo Barreto, ria Pereira, Editor, 1898, pp. 166-177; Luís de Guimarães,
“À Lucinda Simões”, Sonetos e Rimas, 2.a Edição, revista
e A Lagartixa, entre outras. No papel de “D. Isa- e aumentada, Lisboa, Tavares Cardoso & Irmão Editores,
bel Moniz”, entrou em Ninho de Águias (1925), 1886; Luiz Silveira Botelho, A Mulher na Toponímia de
de Carlos Selvagem, ao lado da filha. Nesse mes- Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Comissão Munici-
moa ano retirou-se do palco, por motivos de saú- pal de Toponímia, 1998, p. 105; Manuel Alves de Oliveira
de, e fez festa artística a 30 de outubro de 1926, (textos) e Manuela Rego (pesquisa iconográfica), O Gran-
de Livro dos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1990,
no Teatro da Trindade. Em 1903, tinha sido con- p. 475; Maria do Céu Borrecho, Marília Viterbo de Frei-
decorada no Brasil com a Medalha de Ouro do tas e Virgínia Dias, “Lisboa, Toponímia no Feminino XIII”,
Liceu das Artes, denominada Nova Legião. Faces de Eva, n.o 14, p. 207; Mário Jacques e Silva Hei-
Também foi distinguida com a Comenda da Or- tor, Actores na Toponímia de Lisboa, Lisboa, Câmara Mu-
nicipal de Lisboa, Comissão Municipal de Toponímia,
dem de Santiago. Lucinda era, na opinião de 2001, pp.125-126; Memórias de Chaby, Lisboa, Editora
Eduardo Brazão, a melhor amiga e a pior inimiga, Gráfica Portuguesa, Lda. 1938; Memórias de Eduardo Bra-
sofria tudo por um amigo e fulminava um ini- zão, que seu filho compilou e Henrique Lopes de Men-
migo com apenas duas palavras. Morreu em Lis- donça prefaciou, Lisboa, Empresa da Revista de Teatro,
boa, a 21 de maio de 1928, há muito separada Editora, 1.a Edição, pp. 152-153 e 187; Ramalho Ortigão,
Costumes e Perfis, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1944,
de Furtado Coelho, falecido em 1899, na misé- pp. 127-133; Roque da Fonseca, “Lucinda Simões”, O Tea-
ria e ao lado de Mrs. Lina Roy. A direção do Gré- tro, Lisboa, n.o 5, março, 1918, p. 25; Sebastião Sanhudo,
mio dos Artistas Dramáticos e a Caixa de Re- “Lucinda Simões”, O Sorvete, n.o 272, 29/07/1883, p. 1;
formas e Pensões do mesmo Grémio convidaram O Contemporâneo, Lisboa/Porto, Livraria de António Ma-
ria Pereira, 15/04/1890; “Lucinda Simões e a empresa de
todos os atores para o velório, na Igreja das Cha- D. Maria – Rescisão do contrato”, Correio da Manhã,
gas, e o diretor do Conservatório Nacional de Tea- 24/01/1895; “Lucinda Simões” [c/retrato], O Ocidente, n.o
tro, no qual Lucinda Simões era professora, con- 1238, 20/05/1913, pp. 133-134; “Álbum de Honor” [c/ re-
451 LUC

trato], Mundo Teatral, Lisboa, 1 a 15 de agosto, 1922, p. na, Sua Excelência (1884), comédia em 3 atos,
1; Rafael Bordalo Pinheiro, Álbum das Glórias, p. 1; “Lu- de Gervásio Lobato, Teresa Raquin, original de
cinda Simões a grande actriz, morreu ontem, pelas 19 e
20”, O Século, 22/05/1928, pp. 1 e 4. Zola; fez festa artística com Cenas Burguesas,
[I. S. A.] comédia em 3 atos, de Carlos de Moura Cabral,
e Infanticida (1884), comédia do repertório da
Lucinda Conde Companhia Ernesto Rossi, que atuava, ocasio-
Militante espírita. Em 1929, pertencia à direção nalmente, naquele teatro. Nesse mesmo ano, in-
da Comissão Federativa de Propaganda Espírita tegrada na Companhia Emília Adelaide Pi-
de Santarém, ao lado de Maria da Piedade Cunha*, mentel, então no Teatro do Ginásio, foi a Es-
Júlia Amélia Nogueira Dias* e Clara Lima*. panha e representou no Teatro da Comédia, de
Bib.: O Mensageiro Espírita, Ano II, n.o 8, setembro-
Madrid, e em Barcelona, com agrado. No re-
outubro, 1929, p. 5. gresso, voltou para o Ginásio, onde permaneceu
[N. M.] durante quatro épocas e representou, sob orien-
tação e conselhos do mestre Leopoldo de Car-
Lucinda da Silva valho: Os Fidalgos da Casa Mourisca, drama em
Atriz. Era muito feia e tinha a alcunha de “Lu- 5 atos, extraído do romance de Júlio Dinis, por
cinda Pencuda”, por ter um grande nariz. Filha Carlos Borges; as comédias Marido Debutante
da atriz Gertrudes Rita da Silva* e, segundo se (1885), Meilhac e Halévy, tradução de Gervásio
dizia, de Rodrigo da Fonseca Magalhães (1787- Lobato; Fidalgos de Moncroix, Diana (1886), em
1858), estadista e orador. Estreou-se, em 1860, 4 atos, extraída do romance La Marquise, por
com 16 anos, apresentada pela mãe que, com ela, Bernardo Pindella; A Charada, sainete de Au-
representou Tinha de Ser, comédia, imitação de gusto de Lacerda. Em 1886, quando Guilherme
Carlos Barreiros. Fez parte do elenco inaugural Rodrigues Leoni deixou de ensaiar no teatro, foi
do Teatro da Trindade, a 30 de novembro de para o Teatro dos Recreios, onde se estreou em
1867, na comédia em 1 ato O Xerez da Viscon- Maridos que Choram (1886), peça traduzida por
dessa, tradução do espanhol, por Francisco Pa- Maximiliano de Azevedo, da comédia Maris qui
lha, e entrou em Avó e Neto (1867), comédia em Pleurent, no papel de “Luciana”; criou Mam’sel-
1 ato, onde foi muito aplaudida. le Nitouche (1886), opereta em 4 atos, de Flo-
Bib.: Eduardo de Noronha, Reminiscências do Tablado, rimond, tradução de Gervásio Lobato e Urbano
Lisboa, Guimarães & Cia. Editores, 1927, p. 100; Gusta- de Castro, música de Hervé, adaptada por Rio
vo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional D. Ma- de Carvalho. Fez ainda Noite de Núpcias
ria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário 1846- (1886), diálogo original de Gonçalves de Frei-
1946, Lisboa, 1955; Tomaz Ribas, O Teatro da Trindade,
Porto, Lello & Irmão, Editores, 1993, pp. 384-385. tas; Miguel Strogoff (1887), drama em 5 atos, de
[I. S. A.] Adolph D’Ennery e Júlio Verne, tradução de Car-
los Moura Cabral; Luís XI (1887), vertida para
Lucinda do Carmo português por Maximiliano de Azevedo; Lili, tra-
Atriz que cultivou todos os géneros teatrais, pro- dução de Gervásio Lobato e Urbano de Castro,
fessora da Escola de Arte de Representar e es- música de Rio de Carvalho (benefício, 1887); O
critora. Filha de um pintor de artes decorativas, Arlequim (1887), drama, a partir de L’Homme
nasceu em Lisboa, a 15 de dezembro 1861, e fa- Rouge, de Victor Hugo; e O Acrobata (1887), de
leceu, na mesma cidade, a 1 de janeiro de 1922. Octave Feuillet, versão de Ramalho Ortigão. Foi
Começou por representar em companhias de tea- para o Teatro da Trindade, onde se distingiu na
tro amador. Frequentou o Curso de Música do repetição de Nitouche (1887), ao lado de Au-
Conservatório Nacional de Lisboa. Na boémia, gusto de Melo; A Cigarra, vaudeville em 3 atos,
era conhecida por “La Portuguezita”, frequen- tradução de Acácio Antunes e Machado Correia,
tava as soirées da garçonnière “Club 87”, na Tra- música de Freitas Gazul, em que a brilhante in-
vessa dos Fiéis de Deus, ao Bairro Alto, e can- terpretação levou a imprensa a denominá-la
tava. Iniciou a carreira artística no Teatro do Gi- “Rainha do vaudeville” (1888); no mesmo ano,
násio, a 22 de setembro de 1882, na comédia em foi muito aplaudida em A Marquesinha, arrranjo
3 atos Estação Calmosa, de H.-C. Chivot e Duru, de Machado Correia a partir de Petite Marqui-
tradução de José Augusto Ferro, com total se, de Meilhac e Halevy, e fez festa artística com
agrado do público, a que se seguiram as peças Cossaca, vaudeville, em 3 atos, de Meilhac e Mil-
A Sentença das Nozes (1883), de Ludgero Via- laud, adaptação de Gervásio Lobato e Eça Leal,
LUC 452

música de Hervé. Transitou para o Teatro da Rua Conservatório Nacional. Entre 1911 e 1921, era
dos Condes, quando este reabriu com a Empresa atriz de 1.a classe da Sociedade Artística do Tea-
Salvador Marques sob a direção artística de Sou- tro Nacional, dirigida pelo ator Joaquim Costa,
sa Bastos e, em 1891, foi para o Teatro D. Ma- com a qual se deslocou ao Teatro Sá da Bandeira,
ria II, Companhia Rosas & Brazão. Ali se estreou no Porto. No Teatro Nacional, representou:
em O Defunto, comédia em verso, de Filinto de 20.000 Dólares (1911), de P. Armstrong; O Re-
Almeida, e entrou nas peças O Íntimo (1891), posteiro Verde (1912), de Júlio Dantas; O Sol da
drama de Eduardo Schwalbach, Tio Milhões Meia Noite (1912), peça alemã em 3 atos, tra-
(1891), comédia em 5 atos, de H. Haule, tradu- dução de Freitas Branco, no papel de “Beatriz
ção de Acácio Antunes, A Madrugada (1892), Bellerman”; A Noite do Calvário, de Marcelino
de Fernando Caldeira, Os Castros (1893), de Mar- Mesquita, e A Marcha Nupcial (1913), de Hen-
celino Mesquita. Nesse ano, foi em digressão ao ri Bataille; Segundas Núpcias e A Sombra
Brasil (Rio de Janeiro e S. Paulo) e, no regres- (1914), de Ramada Curto; O Pão de Cada Dia
so, escriturou-se no Teatro da Rua dos Condes. (1915), de Jules Renard; Mártires do Ideal
Como diretora teatral, organizou uma companhia (1915), em 4 atos, de Augusto de Lacerda; Amor
que foi em digressão aos Açores, entrando, de- à Antiga (1915), de Augusto de Castro; D. João
pois, para a Sociedade Artística que represen- Tenório (1919), de Zorrilla, tradução de Júlio
tou no Teatro D. Amélia A Feiticeira e O Tio Dantas; Os Lobos, tragédia rústica em 3 atos de
(1896), ambas de Victorien Sardou, e voltou ao Francisco Lage e João Correia d’Oliveira e Cas-
Teatro da Trindade, onde entrou em Retalhos de tro, de António Ferreira, na versão de Júlio Dan-
Lisboa (1896), revista de Schwalbach, música tas, ambas em 1920. No Teatro Moderno fez Sem
de Freitas Gazul e Tomás Del Negro ao lado de Rei nem Roque, de João Bastos e Xavier da Sil-
Cinira Polónio*, imitando Lucinda Simões*, uma va, música de Dias da Costa e Manuel Canhão.
das suas melhores criações. Escriturada por José Do seu extenso repertório salientam-se, ainda,
Ricardo, esteve duas épocas no Teatro D. Afon- outras representações em diversos teatros: Maio
so, no Porto, donde regressou para o Teatro da no Campo, Maço de Cartas, A Hospedeira, de
Avenida, em Lisboa. Em 1898, foi nomeada so- Goldoni, O Sacristão de Santo Eustáquio, vau-
cietária de 1.a classe, do Teatro D. Maria II e, ali, deville, adaptação de Rafael Ferreira, ao lado de
integrou o elenco de quase todas as peças, en- Mercedes Blasco*; as revistas Ó da Guarda, de
tre as quais A Locandeira (1900), de Goldoni, Luís Aquino (Luís Galhardo) e Barbosa Júnior,
música de Copeau, e Pato Bravo (1900), de Ib- ABC, de Ernesto Rodrigues e Acácio de Paiva,
sen. Foi ao Teatro da Rua dos Condes representar música de Tomás Del Negro e C. Caldéron (Ave-
Roussotte, vaudeville, tradução de Cristiano de nida, 1908), considerada obscena, Sol e Sombra,
Sousa e Machado Correia. Formou uma socie- de Eduardo Rodrigues, Félix Bermudes e Mar-
dade com Cinira Polónio e Ciríaco Cardoso para çal Vaz (Lino Ferreira), música de Filipe Duar-
explorar o Teatro da Avenida, onde levaram à te e C. Caldéron, interpretando o novo quadro
cena Direito Feudal, de Busini e Boucheron, tra- “Hotel do Lagarto na Penha de França” (1910),
dução de Acácio Antunes, música de Léon Vas- Agulha em Palheiro, em 8 atos e 14 quadros, am-
seur; O Meia Azul, ópera cómica de E. Dubreuil, bas de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e Mar-
E. Humbert e P. Burani, tradução de Augusto Cé- çal Vaz (Lino Ferreira), música de Frederico
sar Ferreira Mesquita, música de F. Bernicat; O Duarte e Carlos Caldéron (Apolo, 1911) e A Tor-
Burro do Sr. Alcaide, ópera cómica, em 3 atos, re de Babel, de Ernesto Rodrigues, Félix Ber-
de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, músi- mudes e João Bastos, música Del Negro e B. Fer-
ca de Ciríaco Cardoso, com Cinira Polónio. Em reira (Apolo, 1917); as peças Inocência, Infeliz
1901, estava no Teatro da Trindade, onde apa- Carolina, tradução do francês por Pinheiro
receu em O Homem das Mangas, vaudeville de Chagas, Rua da Paz, 115, A Casamenteira, em
Oscar Blumental, tradução do alemão por Frei- 2 atos, tradução de Gervásio Lobato, Princesa
tas Branco e Melo Barreto, música coordenada George, drama de Alexandre Dumas, filho,
por Tomás Del Negro, e protagonizou a mágica Um Rival Implacável, A Vida de um Rapaz Po-
O Bico do Papagaio, original do escritor brasi- bre, drama em 3 atos e 7 quadros, de Octave
leiro Abdon Milanês, adaptada à cena por Feuillet, tradução de Joaquim José Anaya, En-
Eduardo Garrido. Em 1911, regia a 7.a cadeira gaiolado, O Primeiro Benefício, Três Dias bem
do curso da Escola de Arte de Representar, no Passados, A Medalha da Virgem, A Pesca Mi-
453 LUC

lagrosa, Marido Experiente, O Que as Mulheres poesias no Almanaque das Senhoras (1913 e
não Fazem, O Sr. Amaral, Cabeça de Estopa, de 1915), e no Almanaque dos Palcos e Salas (1906
Jules Rénard, tradução de Carlos Selvagem, Ca- e 1912).
beça de Vento, de Theodore Barrière e Edmond
Gondinet, traduzido de Tête de Linotte por Ger- Da autora: A Macaca [monólogo em verso], Lisboa, Ti-
vásio Lobato, O Sargento-Mor de Vilar, drama pografia Casa Portuguesa, 1890; Pela Pátria! [versos], Lis-
boa, Tipografia Lisbonense, 1890; “A Eduardo Schwal-
em 5 atos, extraído do romance do mesmo título bach”, Retalhos, n.o único, 05/01/1897 [por ocasião da
por Augusto Garraio, Ditoso Fado, comédia em Revista Os Retalhos de Lisboa; Fora de Cena (Prosa e Ver-
1 ato de Manuel Roussado, Tio Braz, opereta em so) [c/ retrato na capa], Lisboa, Cernadas & Cia. – Livraria
1 ato, tradução de Garcia Alagarim, música de Editora, 1911.
Offenbach. Um dos seus últimos papéis foi de Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 202;
“Soror Benedita”, em D. Afonso VI, de D. João António Pinheiro Chagas, “Lucinda do Carmo”, De Tea-
da Câmara, em que foi sublime. Entrou no pri- tro, n.o 24, Lisboa, 1924, pp. 17 e 85; António Sousa Bas-
meiro filme português de ficção, O Rapto de tos, Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Li-
Uma Atriz (1907), inspirado na revista Oh! da bânio da Silva, 1908, p. 11; Ema Batista e Maria do Céu
Guarda, dirigido por Lino Ferreira e filmado no Borrêcho, “Lisboa, Toponímia no Feminino IV”, Faces de
Eva, n.o 5, 2001, pp. 165-167; Esteves Pereira e Guilher-
Campo Grande, com Luz Veloso* e João Correia. me Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, corográfi-
João Ramos descreveu-a como airosamente ta- co, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático e ar-
lhada, de feições distintas e expressivas, voz rica tístico, Vol. II, Lisboa, João Romano Torres, Editor, 1906,
de tons, susceptível de modulações e gradações pp. 761-762; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
delicadas, intuição artística e estudiosa, quali- Vol. V, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, pp.
956-957; Guiomar Torrezão, “Lucinda do Carmo” [c/ re-
dades que lhe permitiram ser, igualmente, bri- trato, por Alberto], Almanaque das Senhoras para 1889,
lhante na comédia, drama, opereta e vaudevil- Lisboa, Redacção do Almanaque das Senhoras, pp. 117-
le. Quando a mãe morreu, meteu-se na cama, não 118; Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Na-
comeu nem falou mais. Havia uns meses, tinha cional D. Maria II, Vol. II, Publicação Comemorativa do
caído de um elétrico, partido uma perna e ficado Centenário 1846-1946, Lisboa, [s. n.], 1955, p. 437;
Idem, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações
a coxear. Faleceu na sua casa, na Rua de Pon- Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1967,
ta Delgada, n.o 23, em Lisboa, vítima de lesão car- pp. 411; Gustavo de Matos Sequeira, M. Félix Ribeiro, Fil-
díaca e de diabetes. Sobre o peito foram colo- mes, Figuras e Factos da História do Cinema Português,
cados, a seu pedido, o botão da Comenda da Or- 1896-1949, Lisboa, Cinemateca Portuguesa, 1983, p. 28;
dem de Santiago e um pergaminho onde esta- João Pinto de Carvalho (Tinop), “O Velho Ginásio”, Lis-
boa de outros tempos, t. 1, Lisboa, Liv. de António Ma-
va escrito o poema Glorificações, que Júlio Dan- ria Pereira, Editor, 1898, p. 248; João Ramos, “Lucinda do
tas lhe tinha dedicado, em 1894. O ministro dos Carmo”, Almanaque dos Palcos e Salas para 1899, Lis-
Estrangeiros e diretor da Escola de Arte de Re- boa, Arnaldo Bordalo, Editor, 1898, p. 6; J. M. Teixeira de
presentar esteve em casa da falecida até à hora Carvalho, Teatro e Artistas, Coimbra, Imprensa da Uni-
do funeral. O préstito seguiu para o Cemitério versidade, 1925, pp. 2-6 e 214; Luiz Francisco Rebello
(dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo
dos Prazeres, em carro puxado por duas pare- Editora, 1978, p. 129; Mário Jacques e Silva Heitor, Ac-
lhas, seguido de trens em que se contavam re- tores na Toponímia de Lisboa, Lisboa, Câmara Munici-
presentantes do ministro e do governador civil pal de Lisboa – Comissão Municipal de Toponímia, 2001,
de Lisboa, do diretor-geral das Belas Artes, dos pp.123-124; Memórias de Eduardo Brazão, que seu filho
compilou e Henrique Lopes de Mendonça prefaciou, Lis-
jornais, empresários, atores, atrizes e emprega- boa, Empresa da Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., p. 156;
dos de todos os teatros da capital. Foi sepulta- Nuno Catarino Cardoso, Poetisas Portuguesas, antologia
da no jazigo dos Artistas Dramáticos. Deixou aos contendo dados bibliográficos e biográficos àcerca de 106
herdeiros, dois tios maternos, o prédio onde vi- poetisas, Lisboa, Livraria Scientifica, 1917, pp. 69-70; O
via e alguns papéis de crédito. Por edital ca- Grande Livro dos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leito-
res, Lda., 1990, p. 129; Almanaque das Senhoras para
marário de 31/03/1932, foi atribuído o seu nome 1914, p. 145; Diário Ilustrado, 18/10/1882, 10/01/1883,
a uma rua do Alto de Pina. Escreveu, entre ou- 27/01/1883, 27/02/1883, 02/04/1883, 21/03/1884,
tros, poemas dedicados à mãe e uma coletânea 30/04/1884, 30/05/1884; Gazeta Musical de Lisboa, 3.a Sé-
de várias historietas, em que sobressai o co- rie, n.o 136, 25/02/1896, p. 3; “Lucinda do Carmo”, O Sé-
nhecido humor cáustico da atriz, visando os ga- culo, 03/01/1922, p. 4; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sé-
culo, 31/01/1952 e 12/02/1956, p. 4, 13/02/1956, p. 6,
lãs, a nova aristocracia sem cultura e o uso de 27/03/1956, p. 4.
plebeísmos dentro e fora de cena. Usava, fre-
quentemente o discurso direto. Colaborou com [I. S. A.]
LUC 454

Lucinda Mariana Gomes Franco mente a Revolução de Abril de 1974, participou


Filha de José Luís Carneiro Franco (14/09/1900- no 1.o de Maio e integrou a Comissão Adminis-
-19/03/1969), funcionário da delegação de O Pri- trativa da Junta de Freguesia de S. João de
meiro de Janeiro, em Coimbra, e de Berta da Con- Deus, em Lisboa, juntamente com o artista plás-
ceição Gomes (25/11/1903-04/02/1994), profes- tico Cipriano Dourado, considerando-o “um
sora primária, Lucinda Mariana nasceu a 1 de no- período encantador”, pois “as pessoas andavam
vembro de 1923, em casa, na Rua António José alegres, bem-dispostas, havia camaradagem, ha-
de Almeida, naquela cidade. Faleceu em Lisboa, via esperança num futuro melhor”. Fez parte das
a 10 de janeiro de 2012, com 88 anos de idade. comissões de recenseamento eleitoral da sua fre-
Oriunda de uma família de republicanos, sendo guesia e, enquanto pôde, fez questão de coope-
sobrinha de Ernesto Carneiro Franco – um dos rar nas mesas eleitorais, totalizando muitas de-
que proclamou a República na varanda da Câmara zenas de eleições desde 1975. Discreta e corajo-
Municipal de Lisboa, e deputado às Constituin- sa, sem medo de intervir, mesmo quando isso im-
tes de 1911 pelo Círculo da Guarda –, desde nova plicava riscos, revelou-se sempre uma mulher ge-
assistiu às sucessivas perseguições, prisões e de- nerosa, dedicada e solidária com todos os que
portações políticas que muitos familiares, tanto com ela conviveram, independentemente das
da família paterna como materna, sofreram com crenças políticas e religiosas. Entre muitas outras
as ditaduras militar e salazarista. Fez a 1.a e a 2.a organizações, pertenceu à União dos Resistentes
classes na Mucela e a 3.a e a 4.a em Lares, tendo Antifascistas Portugueses (URAP), ao Conselho
a mãe por professora e sendo, por vezes, a úni- Português para a Paz e Cooperação e, coerente
ca rapariga a estudar e, de seguida, passou para com os seus ideais de juventude, militou no Par-
o Liceu Nacional Infanta D. Maria, de Coimbra, tido Comunista até ao fim.
onde concluiu, a 18 de julho de 1941, com de- [J. E.]
zasseis valores, o 7.o ano de Letras e de Ciências.
Enquanto estudante finalista do liceu, cuja rei- Lucinda Mendes [Saboga]
tora era Dionísia Camões, recusou continuar a per- Doméstica, filha de Nazaré Mendes, nasceu em
tencer à Mocidade Portuguesa Feminina*, caso Telhada a 13 de janeiro de 1919, e desde nova
único entre todas as colegas. Depois de um ano teve importante atividade política no âmbito da
de interregno, fez a aptidão a Farmácia e con- Associação Feminina Portuguesa para a Paz* e
correu à Escola Normal, acabando por só fre- do Partido Comunista. Vivia na Figueira da Foz
quentar a Escola de Farmácia, que concluiu em quando aderiu, juntamente com a irmã Maria José
1945. Trabalhou como Diretora Técnica em Oli- Mendes (n. 15/09/1924) e por proposta de Eva
veirinha, em Cebolais de Cima e em Ceira, antes Amado, ao núcleo de Coimbra da AFPP, tendo,
de adquirir, por pouco tempo, uma farmácia em por sua vez, convidado para a mesma agremia-
Pinhanços, Seia, a qual só deu prejuízos. Na dé- ção as irmãs Aida (n. 13/10/1926) e Maria da
cada seguinte, trabalhou quase um ano no Ins- Conceição Alves de Matos (n. 14/02/1924). En-
tituto Ricardo Jorge. Em 1946, Lucinda Franco in- tretanto, companheira do operário vidreiro
tegrou o numeroso grupo que subscreveu a car- Agostinho da Conceição Saboga (21/02/1909-
ta solicitando à Presidente do Conselho Nacio- -1971), funcionário do PCP ligado à imprensa
nal das Mulheres Portuguesas, Maria Lamas, a for- clandestina, seria com ele presa em Casal dos Ga-
mação de uma delegação em Coimbra. Na déca- legos-Granja de Ulmeiro, Soure, a 4 de junho de
da de 50, durante o período da Guerra Fria, já a 1947, quando tinha 28 anos, e enviada para Ca-
viver em Lisboa e casada com António Esteves, xias. Restituída à liberdade condicional em 17
médico psiquiatra, esteve envolvida na impres- de julho, voltou a ser presa em S. Mamede de In-
são do jornal clandestino Uni-vos pela Paz!, a qual festa, numa casa onde estava instalada a tipo-
era feita durante a noite na casa onde morava. No grafia do jornal Têxtil, a 5 de dezembro de 1958,
início dos anos 70 retomou os estudos, con- no mesmo dia de Maria da Piedade Gomes dos
cluindo a licenciatura na Faculdade de Farmá- Santos e de Maria Luísa Palhinha da Costa Dias*.
cia da Universidade de Lisboa (1970/1971 a Enviada do Porto para Caxias, aqui se manteve
1972/1973), participou nas campanhas eleitorais até 24 de outubro de 1959 – com uma hospita-
da CDE – Comissão Democrática Eleitoral (1969 lização em Santa Maria entre 7 de julho e 3 de
e 1973) e colaborou com a Comissão Nacional de agosto –, quando foi transferida para a delega-
Socorro aos Presos Políticos. Viveu intensa- ção da PIDE daquela cidade e restituída à li-
455 LUC

berdade dois dias depois, por ter sido absolvi- de Línguas e Administração, S. A., Centro de Estudos de
da pelo 2.o Juízo Criminal da Comarca do Por- Literatura Geral e Comparada, 1999, p. 123; João Esteves,
“Lucinda Tavares”, Dicionário no Feminino (sécs. XIX-XX),
to. A filha mais nova, Lucinda Mendes Saboga, Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 529-531.
também ela com intervenção política no concelho [N. M.]
da Figueira da Foz, acompanhou os pais na clan-
destinidade até aos 11 anos de idade e guardou, Lucrécia de Brito Berredo Furtado de Melo Ar-
apesar de todas as vicissitudes, preciosos ensi- riaga
namentos de vida. Nasceu na Figueira da Foz, a 13 de novembro de
Fontes: ANTT, Processo PIDE/DGS, Del. C PI, 5791. 1844, e morreu na Parede, a 15 de outubro de
Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em 1927. Filha do oficial Roque Francisco Furtado
Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997; Co- de Melo (que combatera ao lado das tropas de
missão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, Presos Wellington, contra os franceses, na Batalha do
Políticos no Regime Fascista IV – 1946-1948, Mem Mar-
tins, 1985, pp. 226-227. Buçaco) e de Maria Máxima de Brito Berredo e
[J. E.] Melo (descendente do brigadeiro José Pereira da
Silva Leite Berredo, apoiante das forças liberais
Lucinda Pinto na Revolução de 1820). Casou com Manuel de
Nasceu em 5 de abril de 1913. Órfã de guerra, foi Arriaga em 1874, em S. Salvador de Ganfei (Va-
internada na Casa dos Filhos dos Soldados em lença), de quem teve seis filhos. Em agosto de
25 de junho de 1917, data da inauguração desta 1911, o seu marido tornou-se o primeiro Presi-
Instituição. Em janeiro de 1930, candidatou-se ao dente eleito da República Portuguesa, cargo que
prémio “Trabalho e Estudo Xavier da Mota” atri- ocupou até maio de 1915. A comemoração do se-
buído por intermédio do jornal Comércio do Por- gundo aniversário da República foi uma das ra-
to. Em 1931, a Junta Patriótica do Norte atribuiu- ras ocasiões em que participou em eventos pú-
-lhe o prémio “General Pereira de Eça”, entregue blicos. Em 1916, colaborou com a Cruzada das
na sessão comemorativa do 14.o Aniversário da Mulheres Portuguesas*. Consta que, dois anos de-
Casa dos Filhos dos Soldados, realizada em 25 pois, já viúva, terá vestido o uniforme de en-
de junho. Em 1932, Lucinda Pinto ainda se en- fermeira e oferecido ajuda aos hospitais que as-
contrava naquela instituição, dirigida pelo Nú- sistiam os soldados portugueses feridos na ba-
cleo Feminino de Assistência Infantil*, pois as talha de La Lys.
raparigas só saíam aos 20 anos e/ou quando ti- Bib.: Cristina Pacheco, “As Primeiras-Damas na Repúbli-
vessem colocação garantida. Há uma Lucinda Pe- ca Portuguesa”, A República e os seus Presidentes, Câmara
reira Pinto que, na década de 1940, foi sócia da Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu República e Re-
sistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e Elsa Santos
delegação do Porto da Associação Feminina Por- Alípio (coord.), As Primeiras-Damas da República Portu-
tuguesa para a Paz*. guesa, Lisboa, Museu da Presidência da República, 2006;
Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916- Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio de Belém”, Do
15 Anos de Benemerência-1931. Relato geral da sua obra Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presidência da Re-
e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos Ór- pública, 2005, pp. 34-73; João Esteves, “As Primeiras-Da-
fãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica do mas. Primeira República”, As Primeiras-Damas. Presidentes
Porto, Lda., 1932, pp. 165, 183, 212-213. de Portugal. Fotobiografia, Lisboa, Museu da Presidência
[N. M.] da República, 2006, pp. 3-23; Sérgio Campos Matos,
(coord.), O Tempo de Manuel de Arriaga: actas, Lisboa, Cen-
tro de História da Universidade de Lisboa, 2004.
Lucinda Simões [E. S. A. / S. M.]
v. Lucinda Augusta da Silva Borges
Ludomila Mota Portocarrero
Lucinda Tavares Nasceu em Tomar no dia 25 de dezembro de 1853
Além da sua importante intervenção no asso- e faleceu no dia 5 de dezembro de 1931. Diplo-
ciativismo docente e libertário, a par da militância mada pela Escola Normal Primária de Lisboa, foi
feminista, traduziu, quando seria aluna da Escola regente escolar da Escola Primária n.o 5 e da Es-
Normal de Lisboa, A Sociedade Moribunda e a cola Maria Pia (1885-1906), em cujo edifício, co-
Anarquia, obra de Jean Grave prefaciada por Oc- mum a estas duas escolas, vivia modestamente
tave Mirbeau e editada em 1908. sem pagar aluguer. Enquanto mulher solteira, de-
Bib.: A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em Portugal, dicou-se por inteiro às suas alunas. Foi uma re-
5.o Volume, 1901-1930, Lisboa, ISLA – Instituto Superior gente escolar sempre presente que muito con-
LUD 456

tribuiu para a afirmação da Escola Maria Pia e do Liceu de Lamego, onde havia obtido aprovação
primeiro liceu feminino português: “E assim com distinção e louvor para o Magistério Primá-
como ao diretor da Escola Maria Pia competia a rio e na disciplina de Português dos 1.o, 2.o e 3.o
vida pública do estabelecimento de ensino assim anos. Ludovina Neves exerceu magistério oficial
à regente cabia a vida ‘doméstica’, nomeadamente na vila de Cinfães, para onde foi por Despacho do
a conservação e guarda do material escolar e a vi- Governo [n.o 245 de 1873], e dirigiu, de 1874 a
gilância disciplinar que se confiava a uma mu- 1875, o Colégio dos Órfãos a cargo da Santa Casa
lher pelo carácter delicado dos problemas que po- da Misericórdia de Coimbra, onde recebeu voto
deriam surgir” [Maria José de la Fuente, p. de louvor e nomeação para regente interina na ses-
103]. Foi professora de Deveres da Mulher na Fa- são de conselho da Santa Casa de 20 de abril de
mília e na Sociedade, na Escola/Liceu Maria Pia. 1874. Em anexo, juntou também o Relatório da
Também foi professora de Língua Portuguesa Administração da Santa Casa da Misericórdia de
(1906-1910), Português (1910-1915?) e Moral Coimbra, por si assinado, onde eram tecidas di-
(1910-1911). Casou em 1906. versas considerações sobre o estado da educa-
ção naquele colégio e feitas acrimoniosas críti-
Mss.: Cadastro do Pessoal do Liceu Maria Pia, Arqui-
vo da Secretaria da Escola Secundária Maria Amália Vaz cas, nomeadamente no que respeitava ao com-
de Carvalho. portamento indisciplinado e, até, indigno das
Bib.: Anuário do Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho órfãs mais velhas e suas repercussões nas mais
– Ano Escolar de 1930-1931, Imprensa Nacional, Lisboa, novas, ao recurso indevido ao trabalho destas,
1932; Maria José de la Fuente, O Ensino Secundário Fe-
minino – Os primeiros vinte anos da Escola Maria Pia,
que não estavam habilitadas para a função de pes-
Dissertação de Mestrado em História dos Séculos soal educativo, e à necessidade premente de re-
XIX-XX, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Hu- crutar pessoas competentes para a gestão e ma-
manas, Universidade Nova de Lisboa, 1989. nutenção do estabelecimento.
[A. C. S.]
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Ludovina De Vecchi Bib.: Caldeira Pires, Anuário Comercial de Portugal Ilhas
Era filha dos atores Gabriela da Cunha De Vec- e Ultramar da Indústria, Magistratura e Administração
chi* e de José De Vecchi, neta da atriz Gertrudes ou Anuário Oficial para 1905, Lisboa, s.n., 1904; Rela-
Angélica da Cunha*. Entrou para o teatro aos 15 tório da Administração da Santa Casa da Misericórdia
de Coimbra de 24 de julho de 1873 a 13 de julho de 1874,
anos e casou com o empresário Moutinho de Sou- Coimbra, Tipografia de A. Areosa, 1875.
sa, então ator no Rio de Janeiro. Foi uma boa atriz [A. C. O.]
e faleceu muito nova no Estado da Baía.
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis- Ludovina Soares da Costa
boa, Editorial Século, 1947, p. 171. Atriz. Nasceu em 1802 e faleceu, no Rio de Ja-
[I. S. A.] neiro, em 1868. Era filha de Teresa Soares* e irmã
de Maria Soares*. Ludovina foi, em 1820, es-
Ludovina do Carmo Pereira Neves criturada como “1.a dama” num teatro do Por-
Solteira, maior de idade, residente em Coimbra, to, para onde foi com uma irmã e dois irmãos até
candidatou-se, em 5 de maio de 1890, ao cargo de à reabertura do Teatro da Rua dos Condes, no fi-
diretora dos Institutos Secundários Femininos*, nal desse ano. Em 1829, grande parte do elen-
cuja criação seria regulamentada nesse ano. A pre- co deste teatro foi contratada para o Teatro de S.
tensão prendia-se com o facto de considerar que Pedro, no Rio de Janeiro, e Ludovina e a mãe fo-
a sua competência para cargos diretivos já havia ram das atrizes escolhidas. Fixaram-se no Rio de
sido bem atestada. Ludovina Neves criou em 1875 Janeiro. Juntamente com a irmã, Maria Soares,
e dirigiu, pelo menos até 1905, o Colégio de San- José Evangelista, José Maria do Nascimento e José
ta Isabel, destinado ao ensino da instrução pri- Guesado, adquiriu um terreno naquela cidade e
mária, de algumas disciplinas de instrução se- ali construíram o Teatro da Praia de D. Manuel,
cundária e de lavores e música para crianças do inaugurado com o drama Misantropia e Arre-
sexo feminino. Apresentou no seu processo de pendimento na data do aniversário natalício da
candidatura diversos certificados que atestavam princesa D. Francisca, 6.a filha de D. Pedro IV e
comportamento exemplar e bons serviços pres- de D. Maria Leopoldina.
tados à cidade de Coimbra; merecimento de con- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
fiança de vários chefes de família; frequência do res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1229;
457 LUI

António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Branco, vínculos que administrava, instituídos
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 11; Duarte sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição,
Ivo Cruz, O Essencial sobre o Teatro Luso-Brasileiro, Lis-
boa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2004, p. 40; situados no limite das freguesias de Proença-
Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di- a-Velha, de S. Miguel d’Acha e Aldeia de San-
cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, ta Margarida.
heráldico, numismático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João
Romano Torres, Editor, 1909, p. 410; Henrique Marinho, Mss.: ANTT, Vínculos Abelho, Castelo Branco, Proces-
O Teatro Brasileiro, Paris/Rio de Janeiro, H. Garnier, Li- so n.o 6.
vreiro-Editor, 1904. [Ju. E.]
[I. S. A.]
Luísa Cândida de Jesus
Luísa Adelaide Massey Atriz. Nasceu em Ovar e faleceu em Lisboa a 8
Atriz. Célebre pela beleza, faleceu a 29 de janeiro de outubro de 1891. Era muito bela, tinha boa
de 1902. Em 1846, entrou para o Teatro Nacio- voz e imitava muito bem a pronúncia do norte
nal Lisbonense, nome dado ao antigo Teatro do do país, distinguindo-se nos papéis de mulhe-
Ginásio, onde se estreou na peça A Duquesa de res do povo. Viveu maritalmente com o ator José
Sabóia. Foi muito apreciada nos primeiros Carlos dos Santos (Pitorra) (1833-1886), quan-
tempos do Ginásio, “não pelo talento, mas pela do este estava em princípio de carreira, num 2.o
galanteria e pelos seus braços esplendorosos, di- andar da Travessa da Palha, em Lisboa. Estreou-
fíceis de atravessar com aqueles alfinetes de -se no Teatro D. Fernando, em 1855, no papel de
oiro”, segundo João Pinto de Carvalho. Todos os “ingénua” em Palavra de Rei, ópera cómica de
críticos do tempo referiram, no entanto, que era César de Lacerda, música de Carlos Bramão. Ali
muito aplicada no estudo dos papéis. Naquele representou O Mártir, drama daquele autor, Anjo
teatro, representou “Florência” em Casado no Se- de Paz, O Rei e o Eremita, drama sacro, em três
gundo Andar e Solteiro no Quinto, comédia, ao atos, imitação de Braz Martins a partir da peça
lado de Emília Cândida*, e integrou o elenco das Nossa Senhora de Paris, de Victor Hugo, e Ce-
comédias Não Foi ao Jardim? (1849), de Braz nas de Família. Quando o Teatro das Variedades,
Martins, e O Tutor de 20 Anos. Retirou-se mui- antigo Teatro da Rua do Salitre, foi inaugurado,
to cedo do teatro. Faleceu octogenária e pobre a 1 de fevereiro de 1858, era a “estrela” do elen-
num quarto do Largo do Conde Barão, n.o 41, 1.o, co da estreia na mágica A Lotaria do Diabo, de
em Lisboa. Joaquim Augusto de Oliveira e Francisco Palha.
Estava neste teatro quando Manuel Montanha,
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu- um elegante e rico rapaz, fundador do café-res-
guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 196;
Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, Decadên- taurante do Arco do Bandeira, seu apaixonado
cia do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Romano Torres e assinante de uma frisa donde assistia a todos
& Ca., 1922, p. 158; Gustavo de Matos Sequeira, O Car- os espetáculos da atriz, se exaltou com um in-
mo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da sulto de um espectador da plateia e provocou um
Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 306; João Pinto de
Carvalho (Tinop), “O Velho Ginásio”, Lisboa de Outros
escândalo tal que Luísa Cândida, desmaiada no
Tempos, T. 1, Figuras e cenas antigas, Lisboa, Liv. de An- palco, foi levada em braços para a carruagem de
tónio Maria Pereira, Editor, 1898, p. 171. Montanha e deixou aquele teatro. A empresa
[I. S. A.] substituiu-a pela atriz Maria Joana*. Ingressou,
depois, no Teatro da Rua dos Condes e, ali, fez
Luísa Augusta da Cunha Castro Meneses Pita os papéis de “Lúcia” na comédia em 1 ato Deus
1.a condessa de Proença-a-Velha, nasceu a 20 de nos Livre das Mulheres (1864), original de José
dezembro de 1832 e faleceu a 1 de setembro de Bento d’Araújo Assis, e de “mulher das melan-
1868. Filha de Luís de Castro Meneses Pita e de cias” na estreia da peça de costumes populares
Maria Augusta de Sá Nogueira e Mendonça, ca- Intrigas no Bairro, uma paródia em verso às ópe-
sou com António de Gouveia Osório Metelo de ras cómicas, em 2 atos, original de Luís de Araú-
Vasconcelos, 1.o visconde e 1.o conde de Proen- jo, com música de Monteiro de Almeida, ao lado
ça-a-Velha. Foi mãe do 2.o conde de Proença- de Luísa Fialho* (peça que repetiu, no papel de
a-Velha, João Filipe Osório de Meneses Pita; avó “Joana”, no Teatro dos Recreios, em 1884). Pas-
do 3.o conde de Proença-a-Velha, do 4.o marquês sou para o Teatro do Príncipe Real, onde repre-
da Graciosa e do 2.o conde de Foz do Arouce. sentou Revista do Ano de 1880; as comédias Os
Registou em 1862, no governo civil de Castelo Nossos Rendimentos (1879), em 4 atos, versão
LUI 458

de Sousa Bastos, Doido sem Estar Doido (1880), política oposicionista ao longo dos anos. Este úl-
de Luís Araújo, no benefício de Maria das Do- timo publicou as suas Memórias, as quais ajudam
res*; os dramas O Povo (1880), de Sousa Bastos, a enquadrar as regras conspirativas do funcio-
música de Ângelo Frondoni, A Mulher Pirata namento das tipografias na década de 1930. Mais
(1881), de Júlio Howorth, ao lado de Ana Pereira*, uma vez, é possível descortinar o percurso pos-
e Dalila (1881), em 5 atos, de Octave Feuillet, imi- terior dos homens envolvidos, em detrimento dos
tação de A. Serpa Pimentel, no Teatro dos Re- nomes femininos.
creios. Teve muitas paixões. Era conhecida en- Bib.: AA.VV., Tarrafal – Testemunhos, Lisboa, Editorial
tre os colegas por ser muito económica, vindo Caminho, 1978, p. 333; Irene Flunser Pimentel, Biografia
a acumular fortuna. Tinha uma filha de nome de um Inspector da PIDE, Lisboa, A Esfera dos Livros,
Isaura Cândida Bastos Machado, casada com Dio- 2008, pp. 94 e 332; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal
– Uma Biografia Política, Vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Re-
go Machado. Faleceu vítima de congestão cere- volucionário (1913-1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999,
bral e o funeral saiu da sua residência, na Tra- p. 294; Lino Santos Coelho, Memórias de Um Rebelde.
vessa das Almas, n.o 8, 1.o, à Estrela, para o Ce- Testemunhos do terror fascista, Lisboa, Editor em Mar-
mitério Ocidental. cha, 1981; Partido Comunista Português, 60 Anos de Luta
ao Serviço do Povo e da Pátria (1921-1981) [Tipografias
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- clandestinas], Lisboa, Edições Avante!, 1982.
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. 194- [J. E.]
195; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 193;
Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, Luísa da Conceição Paulo
1947, pp. 161-162; Guiomar Torrezão, “Teatro do Prín- Tecedeira, filha de Teresa de Jesus e de António
cipe Real”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, n.o 1, Figueiredo, nasceu em Lisboa a 25 de dezembro
1881; Rafael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, cir- de 1898 e faleceu em 1966, com 67 anos de ida-
cos e mais diversões de outras épocas, Porto, Domingos
Barreira Editor, 1943; “Luísa Cândida de Jesus, faleceu”, de, após décadas de militância no Partido Co-
O Século, 09/10/1891, p. 3. munista. “Filha de pais muito pobres e órfã de
[I. S. A] pai aos sete anos” [Mulheres Portuguesas na Re-
sistência, p. 41], começou a trabalhar aos 17 anos
Luísa Chagas da Costa na indústria têxtil, onde se evidenciou nas lutas
Ativista comunista nos anos 30 do século XX, por melhores salários e condições de trabalho, “o
com intervenção na área das tipografias clan- que lhe acarretou a suspensão, várias vezes, uma
destinas do Partido Comunista, numa época em das quais durante oito meses” [ibidem], e terá par-
que se começava a reforçar o papel das mulhe- ticipado “nas grandes manifestações e nas gre-
res na imprensa partidária ilegal. Trabalhou, pri- ves da CGT” [Maria Eugénia Varela Gomes, p.
meiramente, na casa da Avenida General Roça- 241]. Casou-se, aos 19 anos, com Carlos Luís Pau-
das com Aníbal da Silva Bizarro (n. 21/02/1908), lo, pintor da construção civil, perseguido, várias
“O Victor”, operário pintor militante desde vezes preso no Governo Civil de Lisboa e de-
1933 e preso em maio de 1936, depois de dois portado para Angola em 1927, devido à oposição
anos de impressão do jornal Avante!, tendo sido ao regime ditatorial. Dezoito meses depois par-
enviado, em 5 junho de 1937, para o campo de tiu com a filha, Aida da Conceição Paulo*, para
concentração do Tarrafal, de onde só sairia em África. Regressadas a Portugal, mãe e filha de-
finais de 1944. A 12 de janeiro de 1938, Luísa senvolveram intensa atividade conspirativa,
Chagas da Costa foi detida na tipografia da Ave- com angariação de fundos para os presos políti-
nida Sacadura Cabral, juntamente com Adelino cos, que visitavam ao domingo. Durante a Guer-
Mendes (f. 1975), provavelmente o mesmo que ra Civil de Espanha, Luísa Paulo cuidou de qua-
tinha participado, em 1936, na Revolta dos Ma- tro refugiados espanhóis em sua casa, enquanto
rinheiros e, exilado em Cuba desde 1941, juntou- continuava a trabalhar numa fábrica. Data des-
se à sua revolução, tendo morrido naquele país, se período o início da militância ativa no PCP, for-
Augusto da Costa Valdez (n. 01/02/1914), tam- mando com a filha um dos pares com maior ex-
bém deportado para o Tarrafal, chegando poste- periência e autoridade na vivência clandestina.
riormente a jornalista de A Bola por intermédio Presa com Aida e Augusto da Costa Valdez (n.
de Cândido de Oliveira, e Lino dos Santos Coe- 01/02/1914) em 27 de maio de 1939, numa ti-
lho (10/12/1913-03/04/1990), trabalhador na pografia ilegal em Algés, foi mantida incomu-
Fábrica de Louça de Sacavém, todos funcioná- nicável numa esquadra até ser transferida, a 21
rios partidários e que mantiveram atividade de junho, para a Cadeia das Mónicas: julgada no
459 LUI

Tribunal Militar Territorial em 19 de outubro de a sua energia indomável. Estudava, lia, fazia gi-
1940, foi condenada a 20 meses de prisão cor- nástica, apesar da sua idade avançada e de um
recional, que cumpriu naquele estabelecimento, coração que funcionava muito mal. Tive sempre
onde conviveu com presas de delito comum, e o apoio dela, embora discreto. Só não se lhe po-
saiu em liberdade a 1 de fevereiro de 1941. Vol- dia falar em padres, porque perdia a cabeça. Vie-
tou à militância ativa, passando imediatamente ra da I República, e era de um anticlericalismo
com a filha Aida para uma casa na Chamboeira total” [MMC, Maria Eugénia Varela Gomes..., p.
(Freixial, Loures), com Sérgio Vilarigues e, pos- 233]. Considerada um dos símbolos da defesa das
teriormente, Álvaro Cunhal, de quem passava por casas clandestinas durante três décadas, Rose
“mãe”, sendo as duas únicas mulheres que, em- Nery Nobre de Melo dedicou-lhe um capítulo no
bora através dos serviços de apoio, participaram livro Mulheres Portuguesas na Resistência. Tal
no I Congresso Ilegal do PCP, realizado no Mon- como a filha, o apelido aparece frequentemente
te Estoril em 1943. Tornou a ser detida em 1947, como Paula.
também numa tipografia, e com a filha, numa casa Bib.: Aida Paulo, “E assim passavam os meses que se po-
clandestina sita na Rua Castilho, em 2 de de- diam somar por anos”, depoimento a Gina de Freitas, A
zembro de 1958, data do último trio de fotogra- Força Ignorada das Companheiras, Lisboa, Plátano Edi-
fias que consta da sua Biografia Prisional, e en- tora, 1975, pp. 57-67; Ana Barradas, As Clandestinas, Lis-
boa, Ela por Ela, 2004; Comissão do Livro Negro sobre o
viada para Caxias. Julgada em 25 de fevereiro de Regime Fascista, Presos Políticos no Regime Fascista II
1960 pelo Plenário do Tribunal Criminal da Co- – 1936-1939, Mem Martins, 1982, pp. 374-375; José Pa-
marca de Lisboa, foi sentenciada a dois anos de checo Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política,
prisão maior, suspensão dos direitos políticos du- Vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Revolucionário (1913-1941),
rante 15 anos e à medida de segurança de inter- Lisboa, Temas e Debates, 1999; José Pacheco Pereira, Ál-
varo Cunhal – Uma Biografia Política, Vol. 2 – “Duarte”,
namento indeterminado de seis meses a três anos, o Dirigente Clandestino (1941-1949), Lisboa, Temas e De-
prorrogável. Em virtude de um despacho de 30 bates, 2001; Maria Manuela Cruzeiro, Maria Eugénia Va-
de junho de 1962, acabou por ser libertada em rela Gomes – Contra Ventos e Marés, Porto, Campo das
5 de julho, “cerca de um ano antes de cumprir Letras, 2003; Não Falar na Polícia Dever Revolucionário,
Editorial Avante!, 1972; Rose Nery Nobre de Melo, Mu-
as medidas por se encontrar gravemente doen- lheres Portuguesas na Resistência [c/ fot.], Lisboa, Sea-
te. Saiu da prisão para ser internada no hospital” ra Nova, 1975, pp. 41-45.
[Mulheres Portuguesas na Resistência]. Sujeita [J. E.]
a liberdade condicional por 5 anos, era obriga-
da a apresentar-se no dia 6 de cada mês na sede Luísa Emília Seixas Robertes
da PIDE. Segundo a Biografia Prisional, em 25 de Professora e pedagoga, casada com o médico José
novembro de 1972, quando já tinha falecido há Bivar de Paula Robertes. Convertida ao espiri-
meia dúzia de anos, “foi-lhe declarada sem tismo filosófico, científico e experimental, tornou-
efeito a medida de segurança, aplicada por se, em 1925, sócia do Centro Espiritualista Luz
acórdão de 25-2-960, cessando assim a liberda- e Amor*. Colaborou nas Revistas A ASA* e A Van-
de condicional em que se encontrava” [Presos Po- guarda Espírita. Muito amiga de Maria Veleda*,
líticos no Regime Fascista II, p. 375]. Aprendeu trocou com ela nos anos 30 e 40 do século XX cor-
a ler e a escrever somente na clandestinidade, respondência poética muito interessante, pelas
quando tinha mais de 40 anos. Maria Eugénia Va- emoções, sentimentos, fragilidades e desilusões
rela Gomes, sua companheira de cela, descreve- que revela. Era um livro modesto, de capa pre-
a no livro Contra Ventos e Marés: “A velha Luí- ta, intitulado Lágrimas e Sorrisos. Musas Irmãs,
sa Paulo, a mãe Luísa, como lhe chamávamos. Era levado de casa de uma para a de outra pelas res-
uma verdadeira operária. Só entrara para o Par- petivas criadas, cujos sonetos obedeciam ao
tido Comunista aos 40 anos, já viúva, depois de mesmo tema inspirador ou constituíam uma pro-
uma vida de luta cá fora, e de caminhadas para vocação de humor travesso e, por vezes, irónico.
as cadeias, a apoiar o marido e os amigos. Fora Arquivo: Espólio Particular de Maria Veleda.
no partido que aprendera a ler, e a sua ânsia de Mss.: [co-autoria], Lágrimas e Sorrisos. Musas Irmãs; Car-
se cultivar era comovedora. Inteligente, esperta ta, s. d..
como um alho, era capaz de pensar pela sua ca- Da autora: “A Imaginação”, A Vanguarda Espírita, n.o
5, 1926, p. 73; “A Caridade”, A Vanguarda Espírita, n.o
beça, e não havia demagogia nem artes oratórias 6, 1926, p. 85.
que a dobrassem, enfrentando constantemente as Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
intelectuais. Doentíssima, superava a doença com Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
LUI 460

Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Disser- zão. Iniciou a carreira como atriz amadora com
tação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lis- apenas treze anos, em 1851, numa Sociedade de
boa, Universidade Aberta, 2004; A ASA, n.o 11, agosto,
1925, p. 175.
Empregados do Comércio que tinha um peque-
[N. M.] no teatro na Rua do Salitre, não longe do antigo
teatro do mesmo nome. Ali se evidenciou nas co-
Luísa Ferreira Ludovice médias Empresta-me Dois Pintos?, Maria, ou
Espírita, pertenceu ao Centro Espiritualista Luz Quinze Anos Depois e Um Rapto Aéreo. Passou
e Amor*, fundado em 1923. Em outubro de 1924 pelo Teatro Garrett, na Travessa do Forno, aos An-
fazia parte do grupo editorial da revista A ASA* jos, e entrou para o Teatro da Rua dos Condes,
e integrava a direção daquele centro. Nessa qua- onde se estreou a 21 de dezembro de 1853, na co-
lidade, participou na subscrição a favor do 1.o média musicada, em 2 atos, Cósimo. Nesse tea-
Congresso Espírita Português, realizado em Lis- tro, tomou parte em quase todo o repertório e dis-
boa nos dias 14, 15, 16 e 17 de maio de 1925, e tinguiu-se em A Graça de Deus, drama em 5 atos,
naquela a favor da representação portuguesa no adaptada de Linda de Chamounix, de Donizetti,
Congresso Espírita Internacional, realizado em A Ramalheteira, mágica de Joaquim Augusto de
Paris em setembro do mesmo ano. Em 1926, con- Oliveira, Perdão de Acto, comédia em 1 ato, de
tribuiu para as despesas da revista A Vanguar- Afonso de Lima, e Filha Bem Guardada. Em 1856,
da Espírita, propriedade do Grupo Espírita a conselho do compositor Joaquim Casimiro Jú-
“General Passaláqua”, fundada por Maria Vele- nior, que escreveu para ela algumas músicas, en-
da* e outros dissidentes do Centro Espiritualis- trou para a Companhia César Lacerda e José Car-
ta Luz e Amor, periódico que se destinava so- los Santos, que então explorava o Teatro D. Fer-
bretudo a divulgar os princípios filosóficos, cien- nando, onde entrou em Palavra de Rei e foi a prin-
tíficos e religiosos do verdadeiro espiritismo e cipal intérprete da revista Lisboa 1856, de Joaquim
a combater as práticas pseudo-espíritas, fruto da Augusto de Oliveira, estreada naquele teatro em
ignorância, da superstição e do fanatismo. Nes- 1857. Continuou a representar peças já levadas à
sa mesma data era assinante de O Espírita, re- cena e as comédias Conspiradores, Continuação
vista mensal de estudos psíquicos, metapsíqui- do Perdão de Acto, Glória e Amor, Quem o Alheio
cos e de propaganda doutrinária do espiritismo, Veste..., Gageiro, O Dinheiro nem Sempre Vence,
fundada em 1920, e da revista O Futuro*, que pro- Palavra de Rei, ópera cómica de César de Lacer-
fessava os mesmos ideais. da com música de Carlos Bramão, e a mágica A
Lenda do Rei de Granada (1857), de Joaquim Au-
Bib.: O Futuro, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31; A ASA, gusto de Oliveira. A empresa desfez-se em julho
n.o 1, outubro, 1924, p. 13, n.o 8, maio, 1925, p. 125, n.o
12, setembro, 1925, p. 178; O Espírita, n.o 1, janeiro, 1926,
de 1858 e, após dois meses de descanso, a atriz
pp.1-19, 32; O Futuro, n.o 42, fevereiro, 1926, p. 95; A regressou ao Teatro da Rua dos Condes, a 14 de
Vanguarda Espírita, n.o 4, agosto, 1926, p. 59. setembro de 1858, onde esteve até 1866, e inter-
[N. M.] pretou, com todo o êxito, um vasto e diversificado
repertório: as mágicas O Príncipe Verde, A Romã
Luísa Fialho Encantada, O Leilão do Diabo e A Torre Suspensa,
v. Luísa Leopoldina Fialho todas de Carlos Augusto da Silva Pessoa; brilhou
em Sapateiro Industrioso, Namorado Exemplar,
Luísa Grande Guardas do Rei do Sião, Noiva de Pau, Três Ini-
v. Luísa Susana Grande Freitas Lomelino migos d’Alma (1858), comédia em 5 atos, tradu-
ção de Carlos Augusto da Silva Pessoa, Encantos
Luísa Leopoldina Fialho de Medeia, mágica em 3 atos de António José da
Atriz, que se notabilizou nos papéis de “ingénua”. Silva (O Judeu), Um Coronel do Reinado de Luís
Nasceu em S. Julião da Barra, a 15 de fevereiro de XV, Amor a Quanto Obrigas, A Castelã, Os Dois
1838, e faleceu em Lisboa a 7 de novembro de Irmãos, de Rodrigo Paganino, O Que é Lisboa!,
1891, filha de Luís Cordeiro Fialho e de Josefa Joa- Conjuração Feminina, Amor aos Bofetões, Amor
quina Pereira e irmã dos atores Manuel Cordei- e Loucura, Luísa e Augusto; protagonizou a ope-
ro Fialho, Joaquim Cordeiro Fialho e José Cordeiro reta Luisinha, a Leiteira, de Pedro Carlos d’Al-
Fialho, o mais conhecido no meio teatral. Era uma cântara Chaves, que escreveu, expressamente para
rapariga honesta e excelente, dotada de uma “dic- ela, uma série de peças de costumes populares de-
ção naturalíssima”, como disse Guiomar Torre- nominadas O Descasca Milho, Casamento do Des-
461 LUI

casca Milho, Baptizado do Filho do Descasca Mi- o Teatro do Príncipe Real, ali representou a má-
lho, Morte do Descasca Milho e Ainda o Descasca gica Pele de Burro e a comédia A Moléstia de Pele,
Milho, de que foi a principal intérprete. A 21 de de Luís de Araújo. Já bastante doente, acompa-
março de 1860, entrou num espetáculo do Café nhou alguns atores a Abrantes, para representar
Concerto, ao lado de Taborda, Isidoro e do maes- num benefício a favor de um colega. Em 1871 não
tro Sá Noronha. Em 1864, foi a “peixeira” em In- foi contratada e valeu-lhe um benefício, realiza-
trigas no Bairro, uma paródia em 2 atos, em ver- do no Teatro D. Maria II, a 15 de junho, onde ela
so, visando as óperas cómicas, original de Luís de representou Luisinha, a Leiteira e, com António
Araújo e música de Monteiro de Almeida, com Pedro, o entreato O Amor Toureiro, escrito por Pe-
tal êxito que os autores levaram à cena Novas In- dro Carlos d’Alcântara Chaves expressamente para
trigas. Luísa Fialho era uma atriz consagrada e foi- a ocasião. Nesse ano, organizou uma sociedade
lhe confiada a criação do papel de “Carlota” em artística com os irmãos e outros colegas, para uma
Deus nos Livre das Mulheres (1864), comédia em digressão pelos teatros de Santarém, Tomar,
1 ato ornada de coplas, original de José Bento Abrantes, Portalegre, Elvas, Évora, Estremoz,
d’Araújo Assis. Em julho de 1866, finda a escri- Montemor, Beja, Setúbal, Cascais e Almada,
tura no Teatro da Rua dos Condes, foi convida- com um repertório de óperas cómicas. No regresso,
da pelo Dr. Luís da Costa, então comissário régio foi contratada pelo Teatro da Rua dos Condes, pri-
junto do Teatro D. Maria II, para integrar o elen- meiro na Empresa Desforges e, depois, na Empresa
co daquele, mas preferiu aceitar o contrato da Em- José Torres, onde protagonizou, em 1872, a má-
presa Pinto Bastos e ingressar, em agosto desse ano, gica A Cebola Misteriosa e as operetas Noite de
na companhia do Teatro das Variedades. Ali re- Núpcias e Cenas de Coimbra. No ano seguinte,
presentou as mágicas A Pêra de Satanás, em 3 ainda representou com o irmão, José Fialho, a co-
atos, arranjo de Eduardo Garrido, música de Rio média João e Helena nos Teatros D. Augusto, Rua
de Carvalho, ao lado do ator António Pedro, de- dos Condes e Circo Price. Ensurdeceu subitamente
sempenhando o papel de “Castanheta”, A Pom- e um ataque de paralisia nas mãos obrigaram-
ba dos Ovos de Ouro, Espelho da Verdade, peça na a abandonar o palco. Apesar de impossibili-
fantástica em 4 atos, arranjo de Augusto Garraio, tada de trabalhar era, ainda, o amparo dos pais.
e Dois Cadís. Em agosto de 1867, acompanhou a Em 1874, foi organizado um espetáculo em seu
empresa para o Teatro do Príncipe Real, então di- benefício no Teatro da Rua dos Condes e, no fi-
rigido pela Empresa Pinto Bastos & Santos, onde nal, Luísa Fialho recitou uma poesia de agrade-
criou o papel de “Vanda” na estreia de A Grã-Du- cimento, escrita por Alcântara Chaves, ampara-
quesa de Gerolstein, ópera cómica burlesca, em da por colegas. A partir daí, só aparecia em cena
3 atos e 4 quadros, de Halevy e Meilhac, tradu- uma vez por ano, numa cadeira de rodas, na noi-
ção de Eduardo Garrido, música de J. Offenbach, te do seu benefício, para agradecer. Desses be-
ao lado de Emília Letroublon*, que a protagoni- nefícios, sempre muito concorridos pelo públi-
zou. Em julho de 1868, representou, com a mes- co, destaca-se Mulheres de Mármore, tradução do
ma empresa, nos Teatros de S. João e Palácio de drama em 5 atos Les Filles du Marbre
Cristal, no Porto, onde foi muito aplaudida. (03/01/1881), no Teatro D. Maria II. Faleceu na sua
Quando aquela se desfez, Luísa Fialho acompa- residência, na Rua do Cardal, a S. José, n.o 77, 1.o,
nhou Pinto Bastos para o Teatro da Rua dos Con- donde o funeral saiu, a 8 de novembro de 1891,
des, onde desempenhou os papéis de “marujo” para o Cemitério Oriental.
em O Fagulha, ópera cómica em 2 atos, música Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
de Francisco de Sá Noronha, “peralta”, em As Lou- Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. 406-407;
curas de Rapaz, ópera cómica em 3 atos com mú- António Sousa Bastos, Carteira do Artista, Lisboa, Sou-
sica de Francisco Gazul, que subiu à cena, a pri- sa Bastos, Antiga Casa Bertrand, 1898; Idem, Dicionário
meira vez, em seu benefício, entre outras. Em 1869, do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva,
1908, pp. 193-194; Eduardo de Noronha, Estroinas e Es-
ainda na Empresa Pinto Bastos, regressou ao Por- troinices, Decadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edi-
to para representar comédias do seu repertório. ção Romano Torres & Ca., 1922, p. 125; Grande Enciclo-
Nesse mesmo ano, foi contratada pelo ator José pédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XI, Lisboa/Rio de Ja-
Carlos Santos para o Teatro do Príncipe Real, onde neiro, Editorial Enciclopédia, pp. 249-250; Guilherme Ro-
drigues, “A Actriz Fialho” [c/ retrato à pena, por Pastor],
se tornou notável em A Ponte dos Suspiros, ópe- O Recreio, Lisboa, 12.a série, n.o 22, 07/03/1893, p. 367;
ra cómica em 4 atos, música de Offenbach. Guiomar Torrezão, “Luísa Fialho”, Ribaltas e Gambiarras,
Quando a Empresa Ruas & Ca. passou a explorar Lisboa, série 1, n.o 1, 1881, p. 6; Idem, Almanaque das Se-
LUI 462

nhoras para 1893, Lisboa, Redacção do Almanaque das Luísa Meredith Read
Senhoras, 1892, pp. 193-194 [c/ retrato por Pastor]; Gus- 1.a condessa e 1.a marquesa de Tomar. Nasceu
tavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lis-
boa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lis- em Inglaterra a 11 de setembro de 1816 e mor-
boa, 1967, p. 235; José Bento d’Araújo Assis, Biografia da reu em Roma a 6 de fevereiro de 1885. Era fi-
Actriz Luiza Leopoldina Fialho, Lisboa, Tipografia Lalle- lha de John Read, nascido de um ramo dos Read
mant Frères, 1881; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário irlandeses fixados desde o séc. XVII nos con-
do Teatro Português Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 304; dados de Berkshire e Oxfordshire, aparentado
Idem, História do Teatro de Revista em Portugal, 1. Da Re-
generação à República, Lisboa, Publicações D. Quixote, com George Read, um dos signatários da De-
1984, p. 67; Maximiliano de Azevedo, “Teatro do Prínci- claração de Independência dos Estados Unidos.
pe Real”, O Ocidente, Vol. VII, n.o 189, 21/03/1884, p. 6; A mãe, Louisa Mitchel Meredith, provinha de
Rafael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, circos e mais uma velha linhagem galesa e era prima direita
diversões de outras épocas, Porto, Domingos Barreira Edi-
tor, 1943, pp. 8-9 e 52; “As Aposentações”, As Instituições,
do escritor George Meredith. Seu pai, comer-
18/07/1884, p. 1; “Morreu a actriz Fialho”, O Século, ciante de grosso trato, desapareceu num nau-
08/11/1891, pp. 3 e 5. frágio. Luísa, ainda criança, foi então levada para
[I. S. A.] a ilha de S. Miguel, onde Guilherme Harting
Read, seu tio paterno, foi por muitos anos côn-
Luísa Lopes sul-geral de Inglaterra. Este casaria com sua mãe
Atriz. Faleceu a 12 de março de 1891. Era filha e educá-la-ia como filha. Em 1833, Luísa Read
do ator Lopes, empresário de uma companhia de casaria em S. Miguel com António Bernardo da
teatro ambulante que percorria as províncias, Costa Cabral, então no início da sua carreira
onde se estreou Rosa Damasceno* e Luísa se ini- como juiz da relação em Ponta Delgada. Breve
ciou na vida artística. Frequentou a Escola de Arte deixaria para sempre os Açores na companhia
de Representar. Não tinha grande talento, mas era do marido, que viria a ser um dos vultos mais
de muita utilidade pois substituía, facilmente, pa- proeminentes da cena política portuguesa do séc.
péis de atrizes que faltavam. Casou com Baptis- XIX. Acompanharia assim a sua carreira bri-
ta Machado, tradutor e letrista de revistas. Fez par- lhante, acidentada e turbulenta, vendo-se sem-
te de elencos dos teatros de Lisboa, de que des- pre em posições de grande destaque em que se
tacamos as peças Rosalino, comédia em 3 atos, comportou com grande dignidade e firmeza. Foi
de Guilherme de Azevedo (Recreios, 1881), O mulher prudente de primeiro-ministro, anfitriã
Grande Homem, comédia em 4 atos, original de anos a fio dos enormes espaços do Convento de
Teixeira de Queiroz, e O Luxo, de António Enes Cristo que o marido comprara e transformara em
(D. Maria II, 1881). residência de férias, ali havendo recebido os reis
Bib.: António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia de Portugal; embaixatriz em Madrid, onde a rai-
Costa Sanches, 1923, p. 60; Guiomar Torrezão, “Rumo- nha de Espanha foi madrinha de um seu filho
res dos Palcos”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, e a condecorou com a banda da Real Ordem de
n.o 18, 09/04/1881, p. 141, n.o 32, 10/07/1881, p. 225; Gus- Maria Luísa de Espanha; embaixatriz no Rio de
tavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II,
Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de Janeiro; embaixatriz por 15 anos junto da San-
Lisboa, 1967, p. 375; “Teatros – foi neste dia...”, O Sé- ta Sé. Dedicou-se à vinicultura. Durante um pe-
culo, 12/03/1960, p. 4. ríodo de dez anos em que viveu em Tomar, cha-
[I. S. A.] mou um enólogo da Borgonha, plantou vinhe-
dos e produziu excelente vinho que servia em
Luísa Mafra casa, nomeadamente na embaixada junto da San-
Irmã de Bárbara Wolkart*. Estreou-se no Teatro ta Sé, com o rótulo “Chateau de Tomar”. Durante
da Trindade, a 14 de abril de 1873, na zarzuela a estadia no Rio de Janeiro, promoveu entre a
O Segredo de Uma Dama, de Barbieri. Trabalhou colónia portuguesa uma subscrição a favor de
apenas três anos e deixou a cena para casar com um asilo para a infância desvalida em Lisboa,
um irmão do maestro Freitas Gazul. tendo obtido avultados fundos. Foi dama ho-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 14/04/1960, norária da rainha Dona Maria Pia*, condessa e
p. 4. marquesa de Tomar. Morrendo enquanto em-
[I. S. A.] baixatriz junto da Santa Sé, ficou sepultada num
imponente túmulo que o marido e os filhos lhe
Luísa Maire ergueram no Cemitério Verano, em Roma.
v. Maria Luísa Maire [A. P. F.]
463 LUI

Luísa Rodrigues maio de 2000, aquela refere que “o estado da mi-


Operária e militante comunista nas décadas de nha amiga era tão grave que a PIDE acabou por
30, 40 e 50 do século XX. Filha de Marçal Ro- a libertar sem processo” [Antónia Balsinha, p.
drigues e de Maria Rosa, nasceu em Lisboa no 203] e o número de setembro do Avante! de-
ano de 1903 e, quando foi presa pela primeira nuncia que foi torturada até à loucura. Morreu
vez, residia na Rua de São Ciro, 42, 4.o Dto. De- a 1 de dezembro de 1960, com 57 anos de ida-
tida em 21 de novembro de 1936 pela Secção Po- de. Referenciando-a como companheira de Mi-
lítica e Social da Polícia de Vigilância e Defesa litão Ribeiro, o Avante! de janeiro de 1961 evi-
do Estado (PVDE), com Susana Mendonça dos denciou que, “quando da sua prisão, Luísa Ro-
Santos*, acusada “de fazer propaganda subver- drigues manteve um comportamento digno e fir-
siva e haver a suspeita de ter distribuído panfletos me na polícia, que a maltratou ao ponto de levá-
clandestinos nas oficinas da fábrica onde tra- la a enlouquecer, razão porque foi posta em li-
balha”, era “conhecida como pessoa de ideias berdade. O assassinato do companheiro pela
avançadas, chegando a cantar a Internacional e PIDE e a saúde fortemente abalada pela prisão,
mais versos comunistas, na oficina onde é ope- martirizou toda a sua existência” [Avante!, n.o
rária”. Negou as acusações e foi libertada qua- 296, janeiro de 1961]. António Domingues as-
se cinco meses depois, a 12 de abril de 1937 [Fi- sinou, em 1954, um desenho onde a retratou com
cha Policial inserida no II Vol. dos Presos Polí- um ar acusador e o braço esquerdo levantado,
ticos no Regime Fascista]. Ter-se-á tornado fun- tendo umas grilhetas quebradas na mão.
cionária do Partido Comunista por volta de 1942
Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em
[JPP, Vol. 2, p. 640] e, escassos anos depois, era Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997; Ana
companheira de casa de Manuel dos Santos, pres- Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela, 2004; An-
tigiado e mítico operário comunista conhecido tónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Resistên-
por “pequeno Dimitrov” (03/02/1914-25/10/1947), cia. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Ausência,
2005, pp. 202-203; Armando Bacelar, Memória dos
condenado nos anos 1930 a 22 anos de prisão e Tempos Idos, Vila Nova de Famalicão, Câmara Munici-
fugido do Limoeiro em setembro de 1944, com pal de VNF, 1994; Comissão do Livro Negro Sobre o Re-
a saúde muito debilitada após 12 anos em várias gime Fascista, Presos políticos no regime fascista II – 1936-
prisões, morrendo na clandestinidade com ape- -1939, 1982, p. 456; Edmundo Pedro, Memórias. Um Com-
nas 33 anos. Em 20 de junho de 1945, quando bate pela Liberdade, I Volume, Lisboa, Âncora Editores,
2007, pp. 230-231; Fernando Gouveia, Memórias de um
usava o pseudónimo “Laura”, abandonou a Inspector da PIDE, Lisboa, Edições Roger Delraux,
tempo, com aquele, a casa com tipografia de Er- 1979, p. 277; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma
mesinde assaltada pela PIDE. Seria presa em 10 Biografia Política, Vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clan-
de fevereiro de 1949, em Macinhata do Vouga, destino (1941-1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001; José
Sever do Vouga, noutra casa clandestina do se- Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Polí-
tica – O Prisioneiro (1949-1960), Vol. 3, Lisboa, Temas
cretariado do PCP que partilhava com Militão e Debates, 2005; “A voz dos nossos presos”, Avante!, maio,
Bessa Ribeiro (13/08/1896-02/01/1950), que es- 1935, II série, n.o 7, p. 6; “Morreu Manuel dos Santos”,
capou por poucos dias, até ser detido com Ál- Avante!, Série VI, dezembro, 1947, p. 1, cols. 1-2; “Pre-
varo Cunhal (10/11/193-15/06/2005) e Sofia de sa e maltratada Luísa Rodrigues não presta declarações”,
Oliveira Ferreira* (n. 01/05/1922) no Luso, en- Avante!, Série VI, n.o 134, 2.a Quinzena de março de 1949,
p. 1, col. 1; “Torturado até à loucura”, Avante!, Série VI,
quanto Luísa Rodrigues, com o pseudónimo “Ma- setembro, 1949, p. 1; “Morreu Luísa Rodrigues”, Avan-
ria”, queimava documentos. Segundo o jornal te!, Série VI, n.o 296, janeiro, 1961, p. 3, col. 4.
Avante! de março de 1949, “levada para a sede [J. E.]
da PIDE do Porto, foi forçada a estar 4 dias e meio
sem comer nem beber” [Avante! n.o 134], recu- Luísa Susana Grande Freitas Lomelino
sou prestar quaisquer informações e, um mês de- Escritora que adotou o pseudónimo “Luzia” e foi
pois, assistiu à chegada às mesmas instalações referida como o “Eça de Saias” por José Conde.
daquele trio, tendo os seus constantes gritos con- Nasceu em Portalegre a 15 de fevereiro de
tribuído para que se soubesse daquelas prisões. 1875. Filha de Eduardo Dias Grande, agrónomo
Atendendo ao estado de saúde em que Sofia Fer- e secretário-geral do governo civil do distrito do
reira reencontrou Luísa Rodrigues, exigiu as- Funchal, e de Luísa Ana de Freitas Lomelino, fi-
sistência médica e tentou dar-lhe apoio moral lha do 11.o senhor do Morgado das Cruzes, ca-
através de um bilhete, entretanto descoberto. Em sou no Funchal a 3 de abril de 1896 com Fran-
entrevista a Antónia Balsinha, datada de 30 de cisco João de Vasconcelos do Couto Cardoso, ofi-
LUN 464

cial da Armada, de quem se separou 15 anos mais lebres, Rio de Mouro, Temas e Debates, Actividades Edi-
tarde, tendo o divórcio sido concretizado durante toriais Lda., 2009, p. 157; Luís Peter Clode, Registo Bio-
bibliográfico de Madeirenses: sécs. XIX e XX, Funchal,
a I República. Faleceu a 10 de dezembro de 1945, Caixa Geral de Depósitos 1983, p. 251; Luís Souta, “Es-
no Funchal. Grande observadora social e ideo- crever é perceber o desalinho das coisas”, A Página de
logicamente conservadora, descreveu sobretudo, Educação, Ano 11, n.o 112 (2002), p. 40; Luís Vieira de
e sem iludir a realidade do quotidiano, os com- Castro, Limbo: com uma carta de Luiza Grande, Lisboa,
Império, 1936; Ricardo Jardim, A ponte sobre o Rio: com
portamentos da aristocracia madeirense e os há- uma carta de Luísa Grande (Luíza), Funchal, Tipografia
bitos dos ingleses fixados na ilha, no início do Comércio do Funchal, 1942.
século XX. A sua escrita tem uma dinâmica pró- [MTS]
pria e um estilo sinestésico acentuado, o que
transforma o leitor em testemunha das situações. Luna
O livro Cartas do Campo e da Cidade não só pro- Pseudónimo utilizado por Maria Carolina Fre-
va a sua competência enquanto cronista, como derico Crispim*.
também pode ser adotado como autobiografia.
O conservadorismo de Luísa Susana Grande Frei- Lusitana Saial
tas Lomelino foi uma constante. Permaneceu Atriz. Nasceu no Alandroal, em 1898, e faleceu
imune à “doença da pressa”, simbolizada no au- em 1979. Era filha de Adolfo Sayal, ator amador
tomóvel: “As minhas amigas, muito estrangei- que dirigia um grupo cénico que percorria o Alen-
radas, muito modernas, adoptaram logo, com en- tejo e Algarve. Tinha 5 irmãos que integravam a
tusiasmo, este novo meio de locomoção… Mary pequena companhia do pai, entre eles Rosalina*
B. – aquela loira tão fina, tão bonita, […] tornou- e Deolinda Saial*, que seguiram carreira artísti-
se uma… um desembaraçado «chauffer»” [Car- ca. Estreou-se no Teatro do Ginásio, em Dama
ta de 4 de abril de 1919]; manteve fidelidades po- Branca (1919), entrou na peça em 3 atos Ama-
líticas: “Árvores que ouviram o hino da Carta, nhecer (1920), de Martinez Sierra, tradução de
onde porventura tremularam bandeiras azuis e Alberto Morais e Mário Duarte, ao lado de Amé-
brancas, são árvores suspeitas, criminosas… E lia Rey Colaço e Laura Hirsh, e em Cama, Mesa
as grandes figueiras da Índia e as nobres mag- e Roupa Lavada (1922), comédia em 3 atos de Ar-
nólias tiveram o destino de tudo o que, no nos- naldo Oliveira e Carvalho Barbosa, no Teatro Sá
so país, é grande e nobre… Caíram assassinadas” da Bandeira do Porto. Foi em digressão a Madrid
[Carta de 10 de abril de 1919]; nunca renunciou e, na Companhia José Loureiro, ao Brasil. Aban-
ao life style: “Mas, eu não vou fazer filosofia tris- donou a carreira.
te… Deixo isso a Schopenhauer. Está um tão lin- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
do tempo! Oiço rir, tão alegre, a água das leva- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1185;
das! E é hoje o dia da moda, dia de dança e chás Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol.
II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal
elegantes na Quinta Pavão” [Carta de 15 de abril de Lisboa, 1967, p. 376; “Teatros – Foi neste dia...”, O
de 1919]. Século, 25/02/1952, p. 4.
Da autora: Os que se divertem – A comédia da vida, Lis- [I. S. A.]
boa, Galhardo & Gouveia, 1920; Sobre a vida… sobre a
morte: máximas e reflexões, Lisboa, Galhardo & Gouveia, Luz Veloso
1920; Rindo e chorando, Lisboa, Portugália, 1922; Car- v. Maria da Luz Veloso
tas do campo e da cidade, Lisboa, Portugália, 1923; Al-
mas e terras onde eu passei, Lisboa, Edições Europa, 1936;
Uma Rosa de Verão: cartas de mulheres, Lisboa, Livra- Luzia Campino
ria Portugália, 1940; Lições da vida: Impressões e co- Filha de um carpinteiro republicano “ferrenho
mentários, Lisboa, Portugália, 1941; Dias que já lá vão, e anticlerical” [Luzia Campino, p. 87], nasceu na
Porto, Liv. Tavares Martins, 1946; O Espanta-pardais, Lis- segunda metade da década de 1910 e casou em
boa, Sociedade de Expansão Cultural, 1961; Cartas de
uma vagabunda, Lisboa, Portugal Editora, 19[…].
1939, quando tinha 22 anos, após “sete anos de
Bib.: Das Artes e da História da Madeira, Funchal, So- namoro de janela, em Valada do Ribatejo, no Car-
ciedade de Concertos da Madeira. V. 5, n.o 25 (1957), pp. taxo” [idem], com o alfaiate Joaquim António
12-13; Domingos Afonso, Rui Valdez e J. A. Silva, Livro Campino (03/03/1916-10/11/1991), militante e
de Oiro da Nobreza, 2.a ed. 3.o Vol., Lisboa, 1988, p. 420; dirigente do Partido Comunista. Acompanhou-
Gente de Letras com Vínculo a Almada. Bio-bibliografias,
Almada, Scala, 2004; José dos Santos Conde, Luzia. O Eça -o na clandestinidade em várias casas ilegais du-
de Queiróz de saias, Portalegre, Edição de autor, 1990; Leo- rante a década de 1940 e serviu, através das vi-
nel de Oliveira (coord.), Quem é Quem. Portugueses Cé- sitas regulares, como elo de ligação entre os pre-
465 LUZ

sos comunistas detidos em Caxias e Peniche e o dora, o que acabou por suceder durante algum
exterior. Terá iniciado a vida clandestina em 1944, tempo, dando início a uma duradoura amizade
numa casa da margem sul do Tejo sita na Torre e companheirismo. Com o marido a cumprir uma
da Marinha, quando o filho tinha dois anos, e pas- pesada pena maioritariamente na Fortaleza de Pe-
sou pela Quinta do Anjo, uma pequena aldeia ru- niche – inicialmente condenado a 18 anos e três
ral próxima de Palmela, e por Vila Nova da Ca- anos fixos de segurança, foi reduzida em novo jul-
parica, então um lugarejo, onde apenas perma- gamento para metade –, e não tendo querido re-
neceu escassos dias, em resultado da prisão do gressar ao quadro de funcionárias clandestinas,
marido pela PVDE em 2 de julho de 1945, apesar das várias diligências efetuadas pelo se-
quando desembarcava no Terreiro do Paço vin- cretariado do partido, Luzia passou a década de
do do Barreiro. Com este em Caxias, encabeçou, 50, até 10 de abril de 1958, a servir de mensa-
com as mães de Fernando António Piteira San- geira entre os detidos e o PCP: recorreu a diversas
tos (Leonilde Bebiana Piteira) e de Orlando artimanhas, como o uso de nozes com docu-
Juncal da Silva, advogado, uma comissão das fa- mentos em papel fino no seu interior, e esteve
mílias em luta por melhores condições dos pre- envolvida em preparativos para eventuais fugas.
sos, tendo conseguido “ser recebidas pelo se- Integrou, com outras mulheres de presos como
cretário do cardeal Cerejeira, pela mulher do Car- Encarnação, casada entretanto com Gabriel dos
mona e pelo próprio Presidente da República” Santos Gomes (30/03/1924-14/03/1988), que
[Joaquim Campino, p. 80]. No final da década, passaria mais de uma década encarcerado por,
com o regresso do marido à luta clandestina, des- enquanto mecânico militar, ter sabotado com Her-
ta vez no Norte do país, acompanhou-o em ins- mínio da Palma Inácio (29/01/1922-14/07/2009)
talações em Vila Nova de Famalicão, Praia da aviões na Base Aérea de Sintra na sequência da
Apúlia e Gueifães da Maia, com uma passagem tentativa militar falhada de abril de 1947 contra
momentânea pelo domicílio do advogado Ale- o regime, Olinda Rodrigues*, Palmira da Silva Ro-
xandre Feio dos Santos Babo (30/09/1916- que, companheira de Francisco de Jesus de
02/11/2007), quando teve de ser operada de ur- Sousa, e Virgínia de Faria Moura (19/07/1915-
gência a uma apendicite na Casa de Saúde da Boa- 19/04/1998), esposa de António Lobão Vital
vista. Em Gueifães, o casal e o filho Carlos, já com (01/09/1911-1978), o grupo que acompanhava as
oito anos e sem poder frequentar a escola, sen- lutas daqueles em momentos críticos e cuja re-
do ensinado pela mãe que tinha a quarta classe, pressão ainda mais se fazia sentir. Chegaram a alu-
foram surpreendidos durante a madrugada pela gar na vila uma casa térrea com quintal, pro-
PIDE e presos na noite de 11 de março de 1950. priedade de Jacinta Gonçalves, e transformaram-
Enviados para as instalações do Porto, na Rua do na numa casa-abrigo onde ficavam todos aque-
Heroísmo, Luzia Campino batalhou para não se les que, vindos de longe, encontravam aí con-
separar do filho até este ser entregue por si pró- dições de habitabilidade e de solidariedade. Esta
pria à avó paterna, Verediana Maria, e ao tio, o casa seria assaltada, destruída e fechada pela
que foi conseguido ao fim de alguns dias parti- PIDE, com a prisão de algumas delas (Olinda, Pal-
cularmente difíceis na presença de todos. Seria mira e Virgínia), tendo Encarnação e Luzia es-
então sujeita a um apertado interrogatório. Con- capado, na sequência de um protesto mais enér-
viveu na mesma cela com Palmira da Silva Ro- gico que envolveu esforços conjuntos entre os de-
que*, funcionária do PCP presa em Valongo no tidos e seus familiares. Trabalhou, por intermédio
mesmo mês de março de 1950, e saiu em liber- de Fernando Piteira Santos, como telefonista num
dade mediante fiança depositada pela irmã do consultório na Av. Fontes Pereira de Melo e num
Professor Ruy Luís Gomes, sendo posterior- estúdio de dança na Av. Infante Santo, em Lis-
mente absolvida, tal como aquela, no julgamento boa. Joaquim Campino descreve, nas suas His-
de 22 de maio de 1951 no Tribunal Plenário, a tórias Clandestinas, com capa e ilustrações de Ca-
funcionar na Rua Formosa. Foi então seu advo- tarina Campino, vários episódios que envolve-
gado Lino de Carvalho Lima (1917-1999), casa- ram o casal desde os anos 40 até aos anos 60; e
do com Júlia Aguiar*, e testemunharam Fernan- Luzia Campino, em texto inserido no livro de ho-
do Piteira Santos (23/01/1918-28/09/1992) e a mu- menagem a Fernando Piteira Santos, dá várias pis-
lher Maria Stella Bicker Correia Ribeiro* tas biográficas e assinala que só “colaborei no li-
(01/06/1917-22/01/2009), que propuseram que vro que o Joaquim escreveu com recordações, avi-
Luzia e o filho fossem viver com o casal na Ama- vava-lhe as recordações, ia-o lembrando dessas
LUZ 466

passagens que tenho todas na minha cabeça” boa (TEL) que passou a atuar no Teatro Vasco San-
[Luzia Campino, p. 87]. tana, espaço junto à Feira Popular, em Entre-
Da autora: “Uma enorme coincidência”, Fernando Pi- campos, até então utilizado como estúdio da Rá-
teira Santos, Português, Cidadão do Século XX [org. e dio Televisão Portuguesa. Criava-se, assim, uma
coord. de Maria Antónia Fiadeiro], Porto, Campo das Le- das primeiras companhias de teatro indepen-
tras, 2003, pp. 87-88. dente, que dirigiu durante 25 anos e onde foi en-
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis- cenadora (das mais de quatro dezenas de peças
ta, Presos Políticos no Regime Fascista V – 1949-1951,
Mem Martins, 1982, pp. 160-161; Fernando Miguel Ber- do repertório, só duas é que não foram encena-
nardes, Uma Fortaleza da Resistência, Lisboa, Edições das por si), tradutora e autora, revelando em Por-
Avante!, 1991; Joaquim Campino, Histórias Clandesti- tugal não só muitas das peças dos dramaturgos
nas, Lisboa, Edições Avante!, 1990. britânicos contemporâneos, mas também de
[J. E.] Piscator, Vitrac, Anouilh, Tchekov, Marguerite Du-
ras, Strindberg e ainda algumas da sua autoria.
Luzia Maria Martins O seu trabalho foi sempre caracterizado pelo ri-
Encenadora e dramaturga, cofundadora com gor e pela firmeza, numa longa luta primeiro con-
Helena Félix* do Teatro Estúdio de Lisboa, nas- tra a censura nos anos 1960 e 1970 e, depois do
ceu em Lisboa a 27 de maio de 1927 e morreu nes- 25 de Abril, contra a falta de subsídios suficientes
ta cidade em 13 de setembro de 2000. Nascida que permitissem a continuação do TEL. Mais tar-
numa família com tradições teatrais – seu pai era de, recordando esses primeiros tempos, Luzia
o cenógrafo Reynaldo Ferreira, que viria a cola- Martins afirmou ter sido a companhia muito per-
borar com ela em algumas peças, e o avô foi o pri- seguida, sempre olhada com desconfiança pelos
meiro eletricista de teatro em Portugal –, aos seis censores, a que não seria alheio o facto de serem
anos estreou-se no teatro, no palco do Politeama. duas mulheres regressadas do estrangeiro, com
Frequentou o liceu Maria Amália, tendo mesmo ideias novas [Público, 23/04/1998], num país em
pensado em tirar o curso de Medicina, mas “em que os papéis femininos estavam muito cir-
casa, atravessava tempos difíceis, porque o tea- cunscritos aos de esposa e de mãe e em que os
tro já se sabe... está sempre em crise...” [Público, próprios Estatutos do Sindicato Nacional dos Ar-
23/04/1998]. Fez, então, uma “passagem” pelo tistas Teatrais estabeleciam, como condição de ad-
jornalismo e pelo Rádio Clube Português. Em missão (obrigatória para poder trabalhar como
1953, considerando “este país uma chatice” profissional), no seu artigo 10.o, § único, que as
[idem], partiu para Londres, levando apenas dez mulheres casadas necessitavam de ter autoriza-
libras consigo. Aí trabalhou na Secção Portuguesa ção dos maridos. A sua longa carreira teve iní-
da BBC e como locutora e produtora das Secções cio em 16 de dezembro de 1964, quando a com-
Portuguesa e Brasileira. Durante a permanência panhia se estreou com a peça Joana de Lorena,
de 11 anos em Inglaterra, frequentou vários cur- de Maxwell Anderson, tradução e encenação de
sos, entre os quais o de Filosofia na Universidade Luzia Maria Martins, e cujo elenco contava
de Londres, Cinema na London School of Filme com nomes que se revelaram de prestígio na cena
Technique, Encenação de Ballet na Royal Aca- portuguesa, como, além de Helena Félix, Joaquim
demy of Dancing, Encenação Teatral no Institu- Rosa, João Perry e José de Castro (que viria a ga-
to Literário da City de Londres, onde frequentou, nhar o Prémio da Imprensa pela sua interpreta-
entre outras, as cadeiras de Expressão Corporal ção da figura do “Inquisidor”). No programa que
e Cenografia. Igualmente frequentou as aulas de acompanhava esta peça, Luzia Maria Martins afir-
Iluminação organizadas pela Strand Electric. Co- mava: “o Teatro-Estúdio de Lisboa é uma orga-
nheceu, então, a atriz Helena Félix que também nização inteiramente particular que conta so-
aí estudava teatro. As duas sonharam voltar a Por- mente com o apoio do público. É muito cedo para
tugal para fundar uma companhia que repre- falarmos dos sacrifícios, das dificuldades, do es-
sentasse textos diferentes do que, em geral, se fa- forço que esta obra representa. [...] Se vencermos
zia entre nós, textos que abordassem os proble- – que seja porque soubemos estar à altura dos pla-
mas do Homem face a si próprio e à sociedade nos que nos propusemos cumprir. Caso contrá-
em que estava inserido. A longa aprendizagem rio, que fique, pelo menos, o eco da sinceridade
realizada em Inglaterra permitiu a Luzia Martins, dos nossos propósitos”. No ano seguinte, em
quando regressou, fundar, em 1964, com Hele- 1965, foram apresentadas quatro novas peças: em
na Félix, a Companhia do Teatro-Estúdio de Lis- 24 de março, O Pomar das Cerejeiras, de Anton
467 LUZ

Tchekov; em 17 de junho, Ela, Ele e os Comple- fim e ao cabo um tanto diluído, o que não nos pa-
xos, de Jean Bernard Luc; em 2de setembro, Me- rece errado, pois foi intenção da autora recriar a
sas Separadas, de Terence Rattingan; e em 7 de época mais do que evocar uma personagem e so-
dezembro, Tomas More, de Robert Bolt, este úl- bretudo colher dessa época as imagens e as im-
timo espetáculo subsidiado pela Fundação Ca- plicações que podem interessar o espectador de
louste Gulbenkian, assim como o espetáculo se- hoje. Muitas das reações dos espectadores pro-
guinte, Pobre Bitô, de Jean Anouilh, estreado em vam a força dessas imagens e a exatidão dessas
19 de maio de 1966. Nesse mesmo mês, no dia implicações” [2.o Volume, p. 90]. Em 27 de de-
31, subiram à cena três peças em 1 ato de Pris- zembro desse mesmo ano de 1967, o TEL estreou
ta Monteiro – A Rebeca, O Meio da Ponte e O An- outra peça – A Nossa Cidade, do americano
fiteatro. No ano de 1966, foram ainda apresen- Thornton Wilder. Seguiu-se, em 30 de maio de
tadas mais duas peças – A Família Sam, em 24 1968, A Louca de Chaillot, de Jean Giraudoux,
de setembro, e Exercício para 5 Dedos, em 2 de tradução de Fernando Luso Soares. Subsidiado
dezembro, de Peter Ustinov e Peter Shaffer, res- pela Fundação Gulbenkian, teve Helena Félix
petivamente, tendo o ator Joaquim Rosa recebi- como protagonista, a quem foi atribuído o Pré-
do um prémio pelo seu desempenho na primei- mio de Imprensa pela sua interpretação. Carlos
ra delas. Nesse ano de 1966, o TEL recebeu um Porto confessou o seu temor por um texto tão exi-
convite para deslocar-se ao Teatro Princesa Isa- gente ser levado à cena num palco português:
bel, no Rio de Janeiro, a que não pôde corres- “Contudo”, afirma, “o ‘milagre’ aconteceu (o mi-
ponder por razões de ordem económica. Foi, con- lagre é fruto persistente do longo trabalho que se
tudo, o ano de 1967 que trouxe ao palco do Vas- tem feito no Teatro Vasco Santana e para o qual
co Santana uma das suas peças mais conhecidas já aqui chamámos a atenção do lisboeta como-
e que mais tempo se manteve em cartaz – Boca- dista): A Louca de Chaillot é um dos grandes êxi-
ge, Alma sem Mundo – da autoria e direção de tos do Teatro-Estúdio e um dos belos espetácu-
Luzia Maria Martins e subsidiado pela Fundação los do ano” [idem, pp. 94-95]. A temporada se-
Calouste Gulbenkian. Espetáculo proibido du- guinte iniciou-se já com grandes dificuldades de
rante oito meses e, finalmente, estreado em 21 de ordem económica, o que não permite dar a jus-
abril, esteve em cena durante oito meses. A pró- ta imagem das potencialidades da companhia,
pria autora deu-nos a razão de ser da obra [Lu- como afirmava Luzia Martins no programa do
zia Maria Martins, Bocage, Alma sem Mundo, novo espetáculo estreado em 3 de dezembro de
1967] e do espetáculo – a ideia da peça (que pre- 1968, Noite de Verão, do britânico Ted Willis, cuja
tendia que fosse mais o retrato de uma época do temática se centra no racismo. Em 17 de abril, su-
que “retalhos biográficos de Bocage”) surgiu-lhe biu à cena Anatomia de uma História de Amor,
quando teve de consultar, para um outro traba- da autoria de Luzia Martins. Quando a peça foi
lho, documentos vários em arquivos estrangei- publicada, relembravam-se as palavras do críti-
ros. Quanto à representação, optou pelo “teatro co do jornal República: “Luzia Maria Martins, ao
narrativo”, não só por este “ter sido incom- debruçar-se sobre os textos de Shakespeare,
preensivelmente ignorado pelo teatro portu- mais precisamente sobre Romeu e Julieta, pre-
guês”, como também para prestar homenagem ao tende trazer até nós o tema do amor e do ódio que
encenador alemão Erwin Piscator, grande vulto matam” [Luzia Maria Martins, Anatomia de uma
do “teatro narrativo” ou “épico”. Além disso, se- História de Amor, contracapa]. As Mãos de
gundo a autora, tinha chegado a altura, depois de Abraão Zacuto, de Luís de Sttau Monteiro, es-
dois anos e meio de “trabalho ininterrupto”, de- treada em 18 de dezembro, foi a terceira peça da
pois de “limadas certas deficiências técnicas ba- temporada. Um texto inscrito também no teatro
silares mas suscetíveis de emenda”, tentar um narrativo, tomando como ponto de partida os cri-
“trabalho sério” de maior fôlego, num espetáculo mes nazis contra os judeus, mas que pretendia
que exigia “uma entrega total por parte dos ar- alcançar um âmbito mais vasto da problemática
tistas a uma técnica que lhes era desconhecida: perseguidos/perseguidores. Porém, foi com a peça
a do teatro narrativo”. A revista Autores, da So- Vítor ou as Crianças no Poder, de Roger Vitrac,
ciedade Portuguesa de Autores [n.o 38, 1967], re- estreada já em 30 de abril de 1970, que seria atri-
fere-se-lhe de forma elogiosa e Carlos Porto, na buído a Luzia Martins o Prémio de Encenação An-
obra Em Busca do Teatro Perdido, afirma: “O Bo- tónio Pinheiro. Fernando Luso Soares, que as-
cage que Luzia Martins nos deu aparece-nos ao sinou a versão portuguesa, referiu-se deste modo
LUZ 468

à peça e ao trabalho que realizou: “Quando fui dução de Luzia Martins. Estreada oito anos an-
convidado para dar forma portuguesa à peça que tes, em Londres, obtivera o Prémio de Crítica para
o Teatro-Estúdio de Lisboa vai representar, a pri- a melhor peça daquele ano. Nela, Osborne vol-
meira reação foi de recusa. [...] A verdade, porém, tava ao seu tema recorrente: a revolta contra uma
é que em boa hora aceitei o encargo”. Acrescentou sociedade cujos defeitos sempre apontou. No ano
que o autor, falecido em Paris em 1952, foi poe- de 1973, o TEL estreou três peças: Os Amigos,
ta, ensaísta e dramaturgo de renome mas des- Cândido e Fábula do Amor e das Velhas. A pri-
conhecido em Portugal. Por isso, Luzia Maria Mar- meira, da autoria de Arnold Wesker, autor da peça
tins “satisfaz uma exigência de cultura” ao re- A Cozinha, já referida, estreou-se a 22 de março,
presentar uma peça de tal autor [no programa]. subsidiada pela Fundação Calouste Gulben-
E é nesse mesmo ano, em julho, que o TEL, se- kian. A segunda, Cândido, era uma adaptação de
gundo se lê no programa respetivo, “concretiza Luzia Martins da obra de Voltaire. A terceira, Fá-
um dos seus projetos iniciais: o de apresentar às bula do Amor e das Velhas, estreada no final do
18.30h obras que pertencem ao que poderia ser ano, não foi encenada por Luzia Martins mas, ex-
definido como teatro de câmara”. Trata-se da peça cecionalmente, por Norberto Barroca. Foi nesse
de Marguerite Duras L’Amante Anglaise, na tra- ano de 1973 que o TEUC dirigiu convite a Luzia
dução portuguesa de Luís Francisco Rebello, Martins para trabalhar com este grupo de estu-
Quem É esta Mulher? À atriz Helena Félix foi atri- dantes universitários de Coimbra. O ano de 1974
buído o Prémio da Imprensa pelo seu desempe- iniciou-se com a peça do inglês Edward Bond,
nho, tendo recebido, novamente, igual prémio na O Mar, estreada em 17 de março, 11 meses após
peça seguinte, Lar, de David Storey. Esta última a estreia no seu país de origem, com montagem
era sobre a (in)comunicabilidade e era a própria subsidiada pela Fundação Calouste Gulben-
encenadora quem advertia o espectador para “o kian. Segundo as notas inseridas no programa,
drama da falta de comunicação e da terrível so- focava a problemática que obcecava o autor – a
lidão na era das comunicações de massas”. Car- repressão nas suas várias formas: “Escrevo sobre
los Porto considerou este espetáculo como “do a violência tão naturalmente como Jane Austen
melhor que a Companhia do Teatro-Estúdio escreveu sobre as ‘boas maneiras’. As pessoas que
nos deu até hoje” [idem, p. 116]. Estreou-se em rejeitam os escritores que se ocupam da violên-
6 de novembro de 1970 e Luzia Martins ganhou cia querem que eles deixem de escrever sobre o
o Prémio da Imprensa pela sua encenação. En- nosso tempo”. Entretanto, uma semana depois,
trou-se, assim, no ano de 1971, e o primeiro es- aconteceu o 25 de Abril. Luzia Maria Martins es-
petáculo apresentado, em 5 de fevereiro, foi A Co- treou então, em 20 de setembro, agora em liber-
zinha, do britânico Arnold Wesker, nascido dade, uma peça sua proibida, Lisboa 72-74, um
num dos mais modestos bairros de Londres, con- olhar sobre a cidade e quem a habitava. Foi para
siderado, na época, um dos autores que melhor esta peça que Ermelinda Duarte compôs a can-
retrataram a classe operária, que conhecia por ex- ção A Gaivota, que se transformou numa das mú-
periência própria. Seguiu-se, em 21 de dezem- sicas associadas ao 25 de Abril. No ano seguin-
bro, Um sonho, de August Strindberg. Nesse mes- te, em 12 de agosto, foi a vez de Trapos e Ren-
mo ano de 1971, a encenadora do TEL foi con- das, também da sua autoria. A autora explica no
vidada por Madalena de Azeredo Perdigão* programa que o espetáculo surgia do desejo, co-
para integrar a Comissão Orientadora da Refor- mum a muitos grupos de teatro, de apresentar ori-
ma do Conservatório Nacional, de que faziam par- ginais portugueses mas, por motivos vários – “en-
te, entre outros, João de Freitas Branco, Constança tre eles o da vertiginosa evolução do momento
Capedeville e Mário Barradas e, no ano seguin- revolucionário que vivemos e da participação dos
te, Ruth Escobar dirigiu um primeiro convite (a autores, enquanto cidadãos, noutras tarefas” – os
que se seguiram outros) para o TEL fazer a sua originais ainda não tinham aparecido. Recorrendo
apresentação em S. Paulo, a que não foi possível ao material já existente na companhia, desde o
corresponder por razões de ordem económica. Em guarda-roupa ao material cénico, o espetáculo pre-
26 de maio de 1972, estreou-se uma peça por- tendia “responder aos problemas, esperanças e
tuguesa, A Outra Morte de Inês, de Fernando Luso lutas do momento presente”. Não se tratava de
Soares, subsidiada pela Fundação Calouste Gul- uma análise exaustiva de uma época, mas ape-
benkian e, em 15 de setembro, subia à cena Tes- nas uma interpretação de muitos documentos
temunho Inadmissível, de John Osborne, com tra- com o objetivo de refletir sobre “a caminhada len-
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ta e penosa das classes desprotegidas, não só em do contra muitos obstáculos, o maior dos quais
Portugal, como na Europa, nos últimos 50 anos”. (além do da censura fascista) foi, sem dúvida, o
Este trabalho e uma entrevista com Luzia Mar- de nunca termos podido demonstrar, na prática,
tins foram incluídos numa reportagem da BBC que um subsídio coerente corresponde a uma obra
sobre o 25 de Abril. A peça foi apresentada em sem mediocridade”. Mas o TEL regressou ao Vas-
várias localidades do nosso país, assim como a co Santana no ano seguinte, regresso saudado por
anterior. Mas os originais portugueses conti- grande parte da imprensa da época. Numa en-
nuavam sem aparecer. Daí que Luzia Martins, no trevista publicada no Diário de Notícias de 11 de
ano seguinte, em 1976, lançasse mão, mais uma maio de 1978, Luzia Martins relembrou que o en-
vez, de peças inglesas. Desta vez, O Preço da Vida, cerramento tinha sido uma decisão de todos –
cujos autores, Michael O’Neil e Jeremy Seabrook, “postas todas as contas na mesa, vimos que era
não sendo dramaturgos profissionais, mas pro- perfeitamente impossível. [...] A partir de feve-
fessores e sociólogos, escreveram a obra tendo reiro foi o desemprego para muita gente. E com
como base um trabalho de campo realizado numa ele, o desespero, o lançar mão de tudo para a so-
pequena cidade do Norte da Inglaterra. Este tex- brevivência”. Entretanto, as normas que regiam
to, que se estreara em 6 de março desse ano de os pedidos de subsídios para os teatros inde-
1976, deu lugar a outro, também inglês, em 5 de pendentes mudaram e decidiram voltar a con-
agosto, Fanshen, de David Hare, que adaptou para correr. Talvez não fossem ainda as verbas ne-
o palco a obra homónima de William Hinton. Se- cessárias, mas não as consideravam “insultuosas
gundo nos informa o programa, o autor, que es- como eram as anteriores”. O TEL teria de fazer
tivera na China por três vezes entre 1937 e 1947, algumas restrições, mas o grupo estava confian-
a última das quais ao serviço do Programa de Au- te. Para o recomeço foi escolhida uma peça de Lu-
xílio e Reabilitação das Nações Unidas, levara 15 zia Maria Martins escrita durante o tempo de ina-
anos a escrever Fanshen e enfrentara enormes di- tividade: “Tratava-se de Tema e Variações, uma
ficuldades, não só na China como no seu próprio abordagem de textos considerados mais polé-
país. Em 10 de dezembro, subiu à cena O Escri- micos de Raul Brandão”, dando assim início a um
tório, do checo Václav Havel, numa tradução de sonho da companhia de “apresentar uma tem-
Valentina Trigo de Sousa. O programa elucida- porada só de autores portugueses” (o que não se
va o espectador que o drama, pertencente ao “tea- chegou a concretizar). Referiam também a ação
tro do absurdo”, tinha sido proibido pela censura da Câmara Municipal, que procedeu a obras no
em 1968. A 13 de fevereiro de 1977, quando de- teatro “para melhorar o aspeto e dar mais algum
veria apresentar uma nova peça, o Teatro-Estú- conforto”, incluindo a criação, na plateia, de um
dio de Lisboa suspendeu a sua atividade, depois espaço para deficientes motores que, apesar
de quase 13 anos de trabalho ininterrupto. A re- das dificuldades económicas do TEL, teriam en-
vista Plateia de 1 de março desse ano dá-nos con- trada gratuita. A terminar a entrevista, Luzia Mar-
ta da situação e transcreve excertos do comuni- tins considerava que, embora tivessem passado
cado assinado por Helena Félix e Luzia Maria um tempo doloroso, “o pior já lá vai”. Mas estava
Martins: a decisão, que já tinha sido tomada em enganada. Jornais da época noticiaram a reaber-
15 de janeiro, tinha ficado em suspenso, aguar- tura do Vasco Santana, com estreia marcada para
dando o resultado das negociações com a Se- o dia 31 de maio desse ano de 1978, quase todos
cretaria de Estado da Cultura (SEC) – a compa- saudando o seu regresso. Porém, a crítica não foi
nhia, tendo em vista os problemas económicos favorável, na sua maioria. Quatro meses depois,
do país, tinha diminuído o montante inicial da em 6 de setembro, estreava-se uma nova peça, O
sua proposta de 4600 contos anuais para 2800, Pecado do Saiote, do dramaturgo inglês Kenneth
mas apenas lhe tinham sido atribuídos 134 Ross, pertencente ao grupo de dramaturgos sur-
contos mensais, o que era completamente “im- gidos depois do impacto criado pelos angry men
praticável”, não podendo aceitar o que lhes era da década de 50. Sátira feroz a uma sociedade em
oferecido “como esmola, na certeza de que, acei- crise, teve encenação não de Luzia Martins, mas
tando-o, iriam (nesse caso, sim!) delapidar o erá- de António Montez. A obra foi considerada um
rio público”. Acrescentavam ainda no comuni- entusiasmante sucesso. Mas este entusiasmo du-
cado que haviam trabalhado intensamente e com rou pouco. Os obstáculos continuavam a ser mui-
honestidade durante mais de 12 anos, ao longo tos e as contrariedades também. A 24 de no-
dos quais apresentaram 33 espetáculos, “lutan- vembro de 1978, numa entrevista dada ao Diá-
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rio de Notícias, Luzia Martins e Helena Félix in- 1981, os jornais voltavam a falar do TEL. En-
terrogavam-se: “Como vai ser janeiro? Com que cerrado durante duas épocas, eis que reabria as
poderemos contar no próximo ano? Como po- suas portas em julho desse ano para apresentar
deremos trabalhar nesta incerteza?” E afirmavam: à imprensa o novo teatro. Tinha uma sala reno-
“Dantes tínhamos a censura política e agora te- vada e novos projetos. Que eram muitos e radi-
mos a censura económica, dado que estamos cavam, em primeiro lugar, na promessa, em que
constantemente a enfrentar a ameaça de vermos Luzia estava confiante, por parte da SEC, de um
cortados os subsídios”. Um novo trabalho, Ma- subsídio para três anos, o que, apesar de não ser
rasmo, do britânico Peter Gill, com encenação de suficiente, lhe permitia, e a todas as companhias
Luzia Martins, estreou-se em 2 de março de 1979. independentes, estruturarem a sua programação
Na folha de informação, a encenadora dava para esse espaço de tempo. Segundo o que a au-
conta, mais uma vez, da situação económica em tora declarou à agência noticiosa Anop, quer o
que se encontrava o TEL, sem qualquer subsídio seu texto dramático, quer a própria montagem co-
da SEC, cuja atribuição obedecia, segundo as suas locavam Camões como um símbolo de um povo
palavras, “a um critério meramente quantitativo, “cujos cidadãos têm sido, sistematicamente e ao
em que não pesaram fatores de ordem qualitati- longo da História, desprezados pelos diversos po-
va de um grupo com 15 anos de luta por um tea- deres políticos e regimes. [...] Procurámos re-
tro digno e de qualidade”. Para poder estrear Ma- constituir o itinerário de Camões repelido pela
rasmo recorrera, mais uma vez, à Fundação Ca- Pátria madrasta, como hoje ainda sucede a mui-
louste Gulbenkian. E interrogava – “será este o tos dos portugueses mais capazes” [Diário Po-
nosso último espetáculo? O público que decida, pular, 30/09/1981]. Com um elenco renovado, em
apoiando-nos ou não”. Entretanto, a Câmara Mu- 3 de dezembro de 1981, O Homem que Se Julgava
nicipal de Lisboa convidou a companhia para par- Camões iniciou a sua carreira, tendo como pro-
ticipar nas Festas da Cidade. Luzia Martins tagonista o ator João Guedes. Mas a companhia
aceitou e apresentou, sem qualquer subsídio da enfrentava novos obstáculos de que nos deu con-
SEC, na Praça do Império, de 25 a 29 de junho ta Luzia Martins – com um subsídio para três anos
de 1979, Quando a Banda Tocar (cenas da vida estabelecido pelo ex-secretário de Estado da Cul-
lisboeta), um espetáculo especificamente criado tura, o TEL tomara um novo fôlego e fizera as
para aquelas festas, estreado no Teatro Vasco San- obras que julgara necessárias, tendo despendido
tana em 5 de julho. Em 7 de novembro desse ano nisso cerca de quatro meses. Assim, a estreia do
de 1979, A Capital noticiava que a companhia se original português fez-se em dezembro, usu-
tinha deslocado a várias localidades para apre- fruindo já de um espaço cénico mais amplo e com
sentá-lo, e, “persistindo numa acção meritória” mais possibilidades. E como estaria “assegurado”
que vinha desde há 15 anos, continuava a apre- o subsídio para um prazo mais alargado, prepa-
sentar no Vasco Santana a mesma peça. Em de- rava-se para dar cumprimento à sua programa-
zembro, o TEL completou 16 anos de vida e o Diá- ção de pôr em cena um trabalho seu sobre o jul-
rio de Lisboa de 19 desse mês saudava a vitória gamento do escritor Oscar Wilde. Mas viu-se ob-
de a companhia ter sobrevivido, nesse ano, sem rigada a “arrepiar rapidamente caminho” depois
apoio permanente da SEC. De novo concorren- de ter recebido, como aconteceu a outras com-
te aos subsídios da Secretaria de Estado da Cul- panhias, um ofício da SEC reduzindo o subsídio
tura para a temporada de 1980, o TEL preparou- para um ano só, isto é, “voltando ao anterior pro-
-se para apresentar, no início do ano, “o seu mais cesso”, e em que o número de espectadores se-
arrojado espetáculo de sempre: Camões”, em que ria um fator para a atribuição de subsídio. Pre-
Luzia Maria Martins trabalhava já havia alguns venida sempre com textos “na manga”, lançou
meses. Entretanto, no decorrer desse ano, a en- mão de um inglês – A Classe Dominante – de Pe-
cenadora colaborou numa comissão de trabalho ter Barnes, um dramaturgo marginal, desco-
no MEIC para a elaboração de um projeto refe- nhecido entre nós mas já representado em 14 paí-
rente à introdução do Ensino Artístico em Por- ses [Diário Popular, 21/06/1982]. Estreada a 25
tugal. Desta comissão faziam parte, entre outros, de junho, A Capital de 16 de julho dirá da peça
Artur Nobre Gusmão, Glória de Matos, Glicínia que tinha uma encenação “inteligente” e uma tra-
Quartim* e Ana Mascolo. Mas o teatro estará no- dução “brilhante”, ambas da autoria de Luzia Mar-
vamente fechado. Desta vez, para renascer das cin- tins. No balanço teatral de 1982, publicado pelo
zas dois anos depois. No segundo semestre de Diário Popular em 31 de dezembro, lê-se, a toda
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a largura da página, “Ano pobre – sem saídas / peso excessivo” [A Capital, 04/05/1983]. Os dias
nem inovações”, e afirmava-se que “1982 fica e as semanas iam passando e a situação das com-
como um dos anos de média mais baixa dos úl- panhias subsidiadas, de que o TEL fazia parte,
timos tempos. Fica ainda, o que é pior, como um tornava-se cada vez mais asfixiante. Alguns ór-
dos anos em que maior soma de espetáculos de gãos de informação iam travando a batalha de não
péssima qualidade vieram a público”. Dispen- deixar esquecer o problema. O Diário de Notícias
sando-se de relembrar estes, enumerava alguns de 14 de maio informava que há mais de dois me-
que se distinguiram pela positiva, entre os quais ses que a situação se mantinha, com prejuízo evi-
se encontravam os do TEL, e referia “o contro- dente para os espetáculos em cena, obrigando a
verso perfil dos subsídios oficiais que, somado cortes drásticos em orçamentos já de si reduzi-
a outras dificuldades criadas aos grupos inde- dos: “E o público, ao ver os atores em cena, ig-
pendentes, implicou diminuições de atividades”. nora que eles vivem as pequenas e as grandes di-
Foi, também, nesse ano de 1982, que o Teatro Ex- ficuldades quotidianas de quem recebeu apenas
perimental do Porto dirigiu um convite a Luzia uma parte, quantas vezes mínima, do seu salá-
Martins para encenar uma peça. Em abril do ano rio”. Mas em agosto já se ensaiava uma nova peça,
seguinte (1983) foi anunciada pelos órgãos de in- que seria a última da temporada. Tratava-se de
formação a estreia para breve, no Vasco Santana, Tudo Acabado [All Over], de Edward Albee, im-
assinalando o seu 20.o ano de existência, da adap- portante autor teatral que o público português já
tação do encenador alemão Erwin Piscator da obra conhecia. Para dar cumprimento ao programa es-
de Tolstoi Guerra e Paz. A revista Sábado, de 9 tabelecido pela SEC, a estreia seria no dia 19 de
de abril, publicou uma entrevista com Luzia Mar- agosto e teria uma curta carreira, saindo de cena
tins que contava que a censura lhe cortara to- no dia 31, data em que acabava o subsídio da Se-
talmente a peça, em 1966. Dezasseis anos após cretaria de Estado da Cultura [Diário de Lisboa,
a primeira tentativa, os problemas eram outros 12/08/1983]. Com a companhia reduzida a oito
e prendiam-se com o pagamento do subsídio da elementos, a continuação do atraso nos paga-
SEC, o que provocava um desgaste enorme, não mentos e uma grave crise de público de que mes-
só por não se receberem os ordenados, como em mo o teatro de revista se ressentia, sintoma que
termos da montagem e do guarda-roupa “somos “as pessoas vão reduzindo as suas despesas ao
nós que temos estado a fazer, mercê da boa von- essencial”, difícil se tornava fazer previsões
tade de várias pessoas que dão o seu trabalho ou para o futuro, ainda que fosse a curto prazo, mes-
decidiram esperar pela estreia. [...] O que me am- mo que se tratasse da próxima temporada [Diá-
para será essa serenidade de ter feito dezanove rio de Notícias, 13/08/1983]. Luzia Maria Mar-
anos de teatro sem ter conscientemente vendido tins, mais uma vez, não faria férias, assim como
as minhas ideias, as minhas crenças, a maneira mais meia dúzia de atores que renunciaram tam-
como eu vejo o teatro”. No dia da estreia, 29 de bém às suas para fazerem o espetáculo. A seguir,
abril de 1983, Luzia Martins declarava ao Diário aguardar-se-ia. A estreia teve lugar, finalmente,
de Notícias que “a existência da companhia é a 26 de agosto. O programa, reduzido a quatro fo-
muito precária, já que os ordenados totalizam os lhas de stencil e, mesmo assim, “generosamen-
310 contos e o subsídio, deduzidos os descontos, te doadas”, dava conta ao espectador da situação
fica em cerca de 180 contos mensais”. A situa- do TEL e que, apesar disso, haviam decidido
ção agravava-se com a demora nos pagamentos “cumprir o nosso compromisso com a Secreta-
– até abril daquele ano apenas tinha sido pago um ria de Estado da Cultura e com o público”. E, de-
mês e meio, o que tornava a vida dos atores “ex- pois de uma apresentação sumária da peça, se-
tremamente difícil”. E Luzia acrescentava: “Eu guiam-se “os agradecimentos”, muitos e caloro-
própria tenho de fazer traduções para poder so- sos, principalmente aos colegas. No final, uma
breviver” [Diário de Notícias, 29/04/1983]. Em despedida cruciante: “E foi desta maneira pobre
4 de maio, afirmava a um jornalista de A Capi- (em dinheiro) mas rica em calor humano, es-
tal que, para acabar de montar a peça, recebera quecida das entidades oficiais, sem saber já a
“um auxílio excecional” da Fundação Gulben- quem apresentar um protesto pela indiferença,
kian, o que lhe permitiu estrear, ainda que sem que o Teatro-Estúdio de Lisboa entrou no seu 19.o
os atores terem recebido os ordenados, mas que ano de existência, a caminho do 20.o”. A seguir,
nem por isso deixaram de se desdobrar a fazerem o trabalho seria apresentado no Teatro Sá da Ban-
vários papéis, o que os obrigava a suportar “um deira, no Porto, integrado no FITEI (Festival In-
LUZ 472

ternacional de Teatro de Expressão Ibérica) e, de verba episódica de montagem válida só para uma
acordo com as informações da imprensa da épo- única peça, apesar de ainda ter apresentado al-
ca, Tudo Acabado voltaria a Lisboa para uma cur- guns originais até ao seu fecho em 1989, não teve
ta série de representações. Fechava, portanto, a mais uma atividade regular. Em 12 de julho de
temporada, durante a qual o elenco do grupo par- 1985, foi apresentado Jardim de Outono, da ame-
ticipou em dois trabalhos de Luzia Maria Mar- ricana Lillian Hellman, ela própria vítima de per-
tins para a televisão, ambos realizados por Cecília seguição durante o McCarthysmo e, em 21
Neto – A Louca de Chaillot, peça de estreia da março de 1986, subiu à cena um texto de Luzia
companhia, em dezembro de 1964, e o original Maria Martins, que se encarregou também da en-
de David Mercer Em Dois Mundos. Planos para cenação, Cesário Quê, elaborado, segundo as pa-
a nova época não eram possíveis. Luzia Martins lavras da autora, “a partir de uma análise cui-
tinha medo de fazer planos, medo de “dizer coi- dadosa da vida e obra de Cesário Verde e da sua
sas” porque não sabia se haveria condições correspondência”. No programa, Urbano Tava-
para a sua concretização. A esperança de levar res Rodrigues saudava “solidariamente os atores
a efeito exposições plásticas para animar o espaço do TEL, que ao longo dos anos têm mudado de
do Teatro Vasco Santana ainda persistia, embo- nome e de rosto, mas que se mantêm fiéis ao es-
ra com reservas. O projeto de levar a cabo, nas pírito de rigor e de dádiva que confere vida e sen-
instalações do Vasco Santana, um curso de tea- tido à companhia”. No dia 15 de setembro de
tro, com a duração de dois anos, não pôde ar- 1986, o Diário de Lisboa publicou a carta que al-
rancar, mesmo com um número de candidatos su- guns Grupos de Teatro de Lisboa remeteram à Se-
perior ao que seria possível aceitar, por não ha- cretaria de Estado da Cultura sobre o Conselho
ver o material técnico indispensável... Em 7 de de Teatro, também assinada por Helena Félix e
junho de 1984, o TEL inaugurava a Exposição Co- Luzia Maria Martins como representantes do Tea-
memorativa dos 20 anos de atividade da com- tro-Estúdio de Lisboa. Publicou, ainda, um re-
panhia e, nesse mesmo dia, repôs em cena latório em que este grupo manifestava o seu pro-
Quando a Banda Tocar, “um dos seus melhores testo e historiava o relacionamento do grupo com
sucessos após o 25 de Abril, agora em versão in- a SEC desde novembro de 1985. Em janeiro de
tegral e atualizada”. A revista Sábado 1987, estreou-se a peça Sylvia Plath – Quem a Ma-
[23/07/1984] entrevistou a encenadora, subli- tou?, de Barry Byle e, cerca de seis meses depois,
nhando que se tratava de uma companhia “cuja As Senhoras das Quintas-Feiras, da dramaturga
dignidade e valor fez com que o regime fascista francesa Loleh Bellon. O jornal Sete, na sua sec-
nunca se atrevesse a tirar-lhe o subsídio – base ção “Boca de Cena”, afirmava: “Contra a corrente
fundamental da sua subsistência – o que, pós-25 dos que querem ver no Teatro-Estúdio de Lisboa
de Abril, governos democráticos já fizeram por um organismo moribundo surgem agora estas Se-
duas vezes”. Dessa exposição, composta por ob- nhoras das Quintas Feiras, pela mão de uma das
jetos de cena, guarda-roupa de diversas peças, fo- mais importantes criadoras teatrais portuguesas.
tografias e críticas, ressaltava, segundo Luzia Mar- Se mais nenhuma razão houvesse – e sobejas fo-
tins, “toda uma outra história, dramática, bela, ram, nestes últimos quase trinta anos de atividade
triste, alegre, dolorosa, que é o quotidiano de um da encenadora – que se aplaude a coragem de
grupo de teatro, num país em que esta arte não uma mulher que rema, sem desfalecimento,
existe senão graças à persistência daqueles que contra a maré...” [Sete, 14/07/1987]. No início de
nela acreditam”. Quanto à reposição da peça de 1988, o TEL viu-se, uma vez mais, eliminado da
1979, devia-se a que, como não tinha sido atri- lista de subsídios atribuídos pela SEC. Mesmo as-
buído subsídio ao TEL, e os ensaios já em curso sim, estreou, em 4 de fevereiro, As Duas Cartas,de
de uma nova obra tinham sido, por isso, inter- Júlio Dinis, datadas de quando o autor, muito jo-
rompidos, se retomasse Quando a Banda Tocar, vem ainda, não escrevera nenhuma das obras que
com a qual a companhia partiria em digressão o tornaram conhecido. A Capital chamava mais
pelo país. A exposição ficaria patente ao públi- uma vez a atenção para o caso do Teatro-Estúdio
co por três ou quatro meses. Quando regressas- de Lisboa, que “merecia um outro cuidado e aten-
sem, esperavam que já estivesse resolvido o pro- ção da SEC pelo muito que se lhe deve de amor,
blema do subsídio. Mas não estava e, a partir de entrega total e respeito pelo teatro, pela luta in-
então, pode afirmar-se que o TEL, sem nenhum sana que tem sido a sua, sobretudo após o 25 de
subsídio regular, apenas contemplado com uma Abril, data em que incompreensivelmente a
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vida lhe tem sido dificultada pelas instâncias go- então se podia ver em Lisboa [...]. Pelo Vasco San-
vernamentais, que têm a seu cargo o pelouro da tana foram passando notáveis peças de teatro in-
cultura” [A Capital, 09/02/1988]. Sobre o mes- glês e americano. Durante anos, o TEL apresen-
mo assunto, O Comércio do Porto de 4 de mar- tou o único teatro digno que se podia ver em Lis-
ço inseria uma notícia com o título “Teatro-Es- boa” [Jornal de Letras, 24/01/1989]. Mas, a 7 de
túdio de Lisboa em risco de extinção”. Em de- junho eis, de novo, o TEL a estrear uma nova
zembro de 1988, o TEL fazia 25 anos de existência peça, desta vez no Teatro da Trindade. Luzia ex-
e assinalou-os com a estreia de um novo espe- plicou o quê e o porquê. Tratava-se de Artistas
táculo. Tratava-se da peça Habeas Corpus, do bri- e Admiradores, escrita em 1881 pelo russo Ale-
tânico Alan Bennett, ainda inédita em Portugal, xander Ostrowski, uma “estreia absoluta em Por-
uma farsa que, segundo a encenadora, criticava tugal [e] que foi uma espécie de fundador do tea-
a sociedade atual, “nomeadamente em aspetos tro nacional russo, que até aí se limitava prati-
relacionados com a valorização das pessoas camente a imitar o teatro francês”. A peça ana-
pelo dinheiro e não pela competência” [Diário de lisava a vida do teatro na Rússia, naquela época,
Notícias, 20/12/1988]. O jornal Êxito entrevistou e a vida dos atores e das relações com o seu pú-
Luzia Martins que, além de fazer a apresentação blico. Quanto à sua deslocação para o Trindade,
da peça e do seu autor, confirmou que, no final onde o espetáculo deveria permanecer durante
da representação de Habeas Corpus acabaria o dois meses, mas que compromissos anteriormente
Teatro Estúdio de Lisboa e ela própria retirar- assumidos pelo INATEL para o Trindade obri-
-se-ia definitivamente da atividade teatral, pois garam a sair de cena um mês após a sua estreia,
tinha acabado de saber que a SEC, à semelhan- a encenadora referia que a proposta tinha parti-
ça do que vinha acontecendo nos últimos cinco do da SEC e que o TEL passaria a ter um “regi-
anos, lhe negara, uma vez mais, o subsídio regular me próprio”. Acreditava mesmo que “a compa-
para a nova temporada. Apesar de todos os ato- nhia terá finalmente a sua chance” [Europeu,
res e restante pessoal serem de uma extrema de- 06/06/1989]. Dias depois, confirmou a O Diário:
dicação, sujeitando-se a um baixo ordenado e a “Trata-se de um reconhecimento, que veio cul-
trabalhar noutros locais ao mesmo tempo para po- minar cinco anos de lutas com a SEC. Cinco anos
derem subsistir e não abandonarem o TEL, Lu- que constituíram um amargo de boca e, duran-
zia Martins e Helena Félix decidiram pôr um fim te os quais, a Companhia foi marginalizada e dis-
à companhia, pois “cinco anos de negativa sis- tinguida com subsídios minúsculos [...] Com o
temática é um período demasiado longo e hu- subsídio, agora, atribuído [oito mil contos, se-
milhante, que só nos pode levar a concluir que gundo a imprensa] consegui, pela primeira vez,
não necessitam de nós”. E a concluir: “E, ao dei- desde há cinco anos, fazer o espetáculo que ti-
xar o Teatro-Estúdio deixarei também o teatro de- nha imaginado e sentir-me, emocionalmente,
finitivamente. Se não sirvo para levar em fren- compensada”. Acentuava que o futuro da com-
te este projeto por que batalhei durante 25 anos, panhia continuava nas mãos da SEC pois, por par-
então não sirvo para o teatro, e seria incoerente te da companhia, tinham sido rigorosamente cum-
aceitar trabalhar em qualquer outro projeto”, le- pridas as datas acordadas (com exceção da per-
vando a jornalista a ironizar que “O nosso pa- manência no Trindade, por motivos a que eram
norama cultural é ‘tão rico’ que a SEC se pode dar alheios). Acalentava, ainda, o sonho de um tea-
ao ‘luxo’ de desperdiçar o trabalho incansável, tro que funcionasse de manhã à noite, um espaço
e de extremo valor, desenvolvido ao longo de 25 de cultura e de lazer: “O teatro, sem ser um mi-
anos por esta mulher extraordinária que se cha- nicentro cultural, não tem chance, na nossa épo-
ma Luzia Maria Martins” [Êxito, 29/12/1988]. Ou- ca” [O Diário, 27/06/1989]. Mas o seu sonho não
tros jornais referiram-se a esta peça e à situação se realizou. Quando, no dia 6 de julho de 1989,
do TEL. Foi o caso do Jornal de Letras de 24 de terminou a última representação de Artistas e Ad-
janeiro de 1989, onde o jornalista, além de se re- miradores, no Trindade, acabava, definitiva-
ferir à peça como sendo “duma teatralidade sem mente, a Companhia do Teatro-Estúdio de Lis-
defeito”, realçou também o papel desempenha- boa e, com ele, a vida de Luzia Maria Martins, por-
do, ao longo dos anos, pelo Teatro-Estúdio de Lis- que falar da sua vida é falar da vida do TEL. A
boa que, “em fins da década de sessenta, fora dos morte de Helena Félix, em março de 1991, veio
circuitos comerciais e lutando contra uma cen- terminar o que já agonizava. O Teatro Vasco San-
sura feroz, apresentou o único teatro digno que tana, com as portas já encerradas, ficou, por fim,
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abandonado, voltando à obscuridade que tivera ria em decadência, tão mais acelerada quanto é
antes de 1964. Nove anos depois, Luzia Martins certo que LMM, mulher de coração à esquerda,
regressou para encenar, na Sala Estúdio do Tea- nunca militou em partidos políticos, nem era
tro Nacional D. Maria II, a peça Frida e a Casa atreita a grandes ligações com os poderes” [Jor-
Azul, de José Jorge Letria, inspirada na vida e obra nal de Letras, 20/09/2000]. O Teatro Politeama
da pintora Frida Kahlo, que um brutal acidente, homenageou-a em 6 de dezembro desse ano,
quando ainda jovem, quase destruiu e traçou o numa iniciativa de Jorge de Sousa Costa e Fili-
seu destino. Luzia Martins regressou, apenas, pe La Féria, ex-atores do TEL, com o descerra-
“pelo tempo breve de uma encenação” – Luísa mento de uma placa comemorativa no Salão No-
Ortigoso, protagonista da peça, tinha pertenci- bre, assinalando a estreia de Luzia Martins, em
do ao elenco do TEL. Obtido o subsídio para rea- 1933, naquele teatro. Na cerimónia, estiveram vá-
lizar o espetáculo e disponibilizada a sala no rios atores que tinham sido dirigidos por Luzia
Teatro Nacional D. Maria II, conseguiu, por in- e outros que a admiravam, assim como muitas ou-
sistência de todos os intervenientes, envolver a tras pessoas que a não esqueceram, entre as quais
encenadora no projeto e trazê-la de regresso à en- Lauro António que, a 22 de setembro, escreve-
cenação. Clara Joana, também atriz do TEL, se- ra em O Comércio do Porto: “Noutro país, Luzia
ria a assistente de encenação. Segundo as pala- Maria Martins teria tido uma escola de teatro para
vras de Luzia Martins no programa, pediu às duas dirigir, uma companhia para movimentar, o ca-
para dedicar o seu trabalho à memória de Helena rinho não só do público como dos poderes pú-
Félix, o que foi atendido e partilhado por Cla- blicos. Morreu no silêncio”.
ra Joana e Luísa Ortigoso. Na data da estreia, 23 Da autora: Anatomia de uma História de Amor, Lisboa,
de abril de 1998, foi igualmente inaugurada, no Prelo, s.d.; Bocage – alma sem mundo, Mem Martins, Pu-
salão nobre do Teatro D. Maria, uma exposição blicações Europa-América, 1967; “A Companhia de
documental da atividade do TEL durante os 25 Teatro Vasco Santana – Balanço de uma Experiência”, O
Tempo e o Modo, n.o 50-53, junho-outubro, 1967, pp. 600-
anos da sua existência e que se conservou aber- 601; “Breve panorama do teatro português” I e II, Sea-
ta enquanto a peça permaneceu em cartaz [Diá- ra Nova, maio-junho, 1978, pp. 40-41 e pp. 42-43, res-
rio de Notícias, 22/04/1998]. A 26 de maio, rea- petivamente; “Reflexões sobre um itinerário”, Vértice, n.o
lizou-se um encontro com a encenadora e vários 458-459, janeiro-abril, 1984, pp. 107-111.
Bib.: Carlos Porto, Em Busca do Teatro Perdido, 2
atores e escritores no Teatro Nacional, que re- Vols., Lisboa, Plátano Editora, 1973; Carlos Porto, Salvato
cordaram “o seu inestimável contributo para o Teles de Menezes, 10 Anos de Teatro e Cinema em Por-
nascimento do teatro independente em Portugal”. tugal, 1974-1984, Lisboa, Editorial Caminho, 1985; Car-
A terminar, Luzia Martins lembrou a forma men Dolores, Retrato Inacabado, Lisboa, O Jornal,
como se iniciou no teatro e recordou a atriz He- 1984; Catálogo da Exposição Comemorativa dos 20
Anos do TEL; Deniz-Jacinto, “O Teatro, Instrumento de
lena Félix, “com quem partilhou a responsabi- Educação e Cultura”, Teses e Documentos, II Congresso
lidade de manter vivo o Teatro-Estúdio de Lis- Republicano de Aveiro, Vol. I, Lisboa, Seara Nova,
boa e com quem assinou alguns dos espetáculos 1969, pp. 501-518; Eugénia Vasques, Mulheres que Es-
mais memoráveis da História do Teatro Portu- creveram Teatro no Século XX em Portugal, Lisboa, Edi-
ções Colibri, 2001; Estatutos do Sindicato Nacional dos
guês” [Correio da Manhã, 06/06/1998]. A notí- Artistas Teatrais, Lisboa, Tipografia Costa Sanches,
cia terminava registando que “no ar, ficou a pos- 1938; Graça dos Santos, O Espectáculo Desvirtuado / O
sibilidade de uma outra homenagem – desta fei- teatro português sob o reinado de Salazar (1933-1968),
ta a nível nacional, promovida pelo próprio Mi- Lisboa, Editorial Caminho, 2004; Luiz Francisco Rebe-
nistério da Cultura”. Nunca se realizou. Dois anos lo, “Situação do Teatro em Portugal”, Teses e Documentos,
II Congresso Republicano de Aveiro, Vol. I, Lisboa, Sea-
depois, a 13 de setembro de 2000, Luzia Maria ra Nova, 1969, pp. 445-450; Idem, Combate por um Tea-
Martins morria. quase cega, após doença pro- tro de Combate, Lisboa, Seara Nova, 1977; Breve Histó-
longada. A imprensa noticiou o facto e lembrou ria do Teatro Português, 5.a ed. revista e atualizada, Mem
o seu contributo para o Teatro e para a Vida: “A Martins, Publicações Europa-América, 2000; Luzia Ma-
ria Martins, 1927-2000, Encenadora, Lisboa, Câmara Mu-
mulher dos grandes autores de teatro [...] uma das nicipal de Lisboa, 2004; Odete Gonçalves, “Uma mulher
figuras mais vigorosas da cena teatral dos anos de convicções”, História, junho, 2007; Programas de vá-
de 60 e 70. [...] Divulgou em primeira mão autores rias peças apresentadas pelo TEL, Museu Nacional de Tea-
geniais. [...] Lutou incansavelmente contra a PIDE tro; Autores, Revista da Sociedade Portuguesa de Auto-
res (SPA), N.o 38, 1967, N.o 53, 1970, N.o 61, 1972; Ca-
e a censura [...] O TEL foi um dos símbolos da pital (A), 28/11/1978, p. 20, 05/03/1979, p. 18,
oposição cultural à ditadura” [Público, 07/11/1979, p. 23, 23/07/1981, p. 33, 16/07/1982, p. 32,
15/09/2000]. “Após o 25 de Abril o TEL entra- 04/05/1983, p. 32, 08/07/1983, p. 20, 20/08/1983, p. 33,
475 LUZ

05/02/1988, p. 30, 09/02/1988, p. 34, 09/04/1988, p. 38;


Comércio do Porto, 04/03/1988, p. 22, 22/09/2000, p. 15;
Correio da Manhã, 06/06/1998, p. 36; Diário (O),
27/06/1989, p. 17; Diário de Lisboa, 02/06/1978, p. 11,
20/06/1978, p. 14, 27/10/1978, p. 15, 24/11/1978,p.10;
6/4/1979,p.14; 14/7/1979, p.10; 24/7/1979, p. 15,
19/12/1979, p. 27, 09/01/1982, p. 20, 21/04/1983, p. 24,
09/05/1983, p. 19, 12/08/1983, p. 4, 02/09/1983, p. 20,
15/09/1986, p. 18, 27/08/1986, p. 10, 23/01/1989, p. 32;
Diário de Notícias, 11/05/1978, p. 9, 27/05/1978, p. 19,
24/10/1978, p. 9, 24/11/1978, p. 10, 04/12/1978, p. 18,
24/07/1981, p. 11, 01/08/1981, pp. 23 e 26, 05/10/1981,
p. 10, 29/04/1983, p. 11, 14/05/1983, p. 15, 19/05/1983,
p. 11, 13/08/1983, p. 13, 04/09/1983, p. 49, 15/12/1988,
p. 76, 20/12/1988, p. 12, 22/04/1998, pp. 22-23; Diário
Popular, 11/05/1978, p. 25, 30/05/1978, p. 29, 25/10/1978,
p. 27, 30/09/1981, p. 29, 11/12/1981, p. 37, 21/06/1982,
p. 29, 22/07/1982, p. 37, 31/12/1982, p. 47, 28/04/1983,
p. 35, 25/05/1983, p. 32, 19/09/1983, p. 27, 13/01/1989,
p. 32, 09/06/1989, p. 36; Europeu, 06/06/1989, p. 23; Êxi-
to, 29/12/1988, p. 30; Expresso, 13/02/1988, Revista, p.
12, 01/05/1998, p. 23, 23/09/2000, p. 17; Independente
(O), 30/04/1998, p. 11; Jornal (O), 16/06/1978, p. 34,
21/06/1982, p. 29, 20/05/1983, pp. 40-41, 02/09/1983,
p. 16; Jornal de Letras, 24/01/1989, p. 30, 06/05/1998,
p. 29, 14/02/1989, pp. 22-23, 20/09/2000, p. 4; Jornal de
Notícias, 26/04/1998, p. 46, 15/09/2000, p. 54; Jornal
Novo, 29/05/1978, p. 17; Plateia, 01/03/1977, p. 5; Pú-
blico, 23/04/1998, p. 30, 15/09/2000, p. 33; Sábado,
09/04/1983, p. 9, 23/07/1984, pp. 6-7;
Sete, 09/09/1981, p. 10, 11/05/1983, p. 7, 17/08/1983,
p. 8, 31/08/1983, p. 7; Tempo (O), 22/07/1982, p. 6.
[O. G.]
M
M. G. há mais de uma década, só seria presa pela PIDE,
Iniciais de M. Grisalde, pseudónimo de Maria juntamente com o marido, Boaventura de
de Melo Furtado Caldeira Giraldes de Bourbon. Almeida Lopes Tavares, em agosto de 1962, na
Figueira da Foz. Levada para Caxias, perma-
M. Grisalde neceu detida até novembro do ano seguinte.
Pseudónimo (anagrama de Giraldes) de Maria Acusada de pertencer ao Partido Comunista, foi
de Melo Furtado Caldeira Giraldes de Bourbon. afastada do ensino e reintegrada na sequência
da Revolução de Abril de 1974. O marido, en-
Madalena Coelho Marques de Almeida genheiro, faleceu menos de um mês decorrido
Professora. Filha de Joaquim Marques de sobre esta data.
Almeida e de Ana Calheiros Coelho de Almeida,
nasceu a 1 de fevereiro de 1916 e faleceu em Fontes: ANTT, Processo PIDE/DGS, Del. C PI, 5791.
2013. Licenciada em Germânicas pela Faculdade Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em
de Letras da Universidade de Coimbra e pro- Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997; Idem,
fessora do ensino liceal, foi apoiante do MUD O MUD Juvenil em Coimbra. Histórias e estórias, Porto,
e do MUD Juvenil e integrou o numeroso grupo Campo das Letras, 1998; “Comissão de Propaganda e Or-
ganização de Coimbra”, Alma Feminina, n.o 15, maio,
de mulheres da região centro que, em 1946, subs-
1946, pp. 1-2 e 12; Helena Pinto Janeiro, “A questão fe-
creveu o documento solicitando a Maria Lamas,
minina na campanha de Norton de Matos”, Norton de
na qualidade de presidente do Conselho Na-
Matos e as Eleições Presidenciais de 1949. 60 anos de-
cional das Mulheres Portuguesas, a formação de
pois (Coord. Científica Heloísa Paulo e Helena Pinto Ja-
uma delegação em Coimbra, cidade onde exer-
neiro), Edições Colibri, 2010, pp. 35-56.
ceu a atividade profissional e a intervenção
[J. E.]
política. Aderiu no mesmo período, por proposta
de Maria Joana Rosendo Dias, ao núcleo de
Coimbra da Associação Feminina Portuguesa Madalena Martins de Carvalho
para a Paz, tendo sido uma das principais Nasceu em Reguengos de Monsaraz a 21 de de-
angariadoras de sócias. Participou na campanha zembro de 1871. Frequentou um colégio da lo-
presidencial de Norton de Matos, tendo dis- calidade. Começou a carreira literária em 1888,
cursado, a 13 de janeiro de 1949, no comício rea- escrevendo contos para jornais da província. Os
lizado no Teatro Avenida, em Coimbra. Enquanto temas eram o amor, o ciúme e o sacrifício he-
“intérprete do sentir das mulheres democráti- róico e escrevia com “traço elegante e subtil”,
cas do distrito de Coimbra”, enunciou as razões segundo Guiomar Torrezão. Colaborou no Al-
“de toda a mulher portuguesa em apoiar a can- manaque das Senhoras com “Mães e Pais”, de-
didatura do sr. General Norton de Matos porque dicado a seus pais (1889), “Amor!” (1890), “Os
ela traduz a concessão de direitos que a atual si- Brilhantes”, (1892); e no Almanaque de Lem-
tuação não lhes dá” e denunciou “o atraso cul- branças Luso-Brasileiro com “Fragmento”
tural de que a mulher tem sido vítima” [Hele- (1892), “Pelo Natal” (1896), “A Oração de Lulu”
na Pinto Janeiro, p. 51]. Manteve atividade opo- (1897) e “25 de Dezembro, a minha prima Clo-
sicionista e semiclandestina na década se- tilde de Carvalho” (1898).
guinte, conspirando com o numeroso grupo de Da autora: Cromos [contos], Sertã, Tipografia Certagi-
intelectuais comunistas da cidade, tendo Alberto nense, 1891.
Vilaça inserido uma fotografia sua, acompanhada Bib.: Guiomar Torrezão, “Madalena Martins de Carva-
lho” [c/ retrato da homenageada gravado a buril por
do marido e de outros democratas, aquando da Francisco Pastor], Almanaque das Senhoras para 1893,
comemoração, em 8 de maio de 1956, do Dia da Lisboa, p. 81.
Paz e da Liberdade [O MUD Juvenil em Coim- [I. S. A.]
bra. Histórias e estórias, p. 85], data alusiva ao
fim da segunda guerra mundial (1945) e da Madame Luís de Magalhães
entradas das tropas liberais em Coimbra (1834). v. Maria da Conceição de Lemos Coelho de Ma-
Apesar da militância comunista clandestina de galhães
MAD 478

Madame Magalhães Moreira Madre Maria Isabel da Santíssima Trindade


v. Maria da Conceição de Lemos Coelho de Ma- v. Maria Isabel Picão Caldeira
galhães
Madrinhas de Guerra
Madressilva Durante a Primeira Guerra Mundial, em diver-
Pseudónimo de Maria da Conceição Sousa Elói sos países intervenientes, desenvolveu-se o
(1898-1979), poetisa, jornalista e autora de con- movimento das madrinhas de guerra. Pretendia-
tos, novelas e crónicas. Nasceu em Paderne, Al- -se que cada soldado na frente tivesse alguém que,
bufeira, e, em colaboração com três amigas, fun- na retaguarda, se preocupasse com ele, escre-
dou o jornal A Avezinha em 1921, cujos dois pri- vendo-lhe a dar ânimo e amimando-o com pe-
meiros números eram manuscritos. O pároco da quenos presentes. Seguindo esse exemplo, em
aldeia, padre João dos Santos Silva, apoiou as es- Portugal, no mês de março de 1917, isto é, pou-
critoras e jornalistas e editou o terceiro núme- co depois da saída para França do primeiro con-
ro do jornal, passando também a dirigi-lo. Em tingente (o que acontecera em finais de janeiro),
1936, A Avezinha era mensal e tinha a colabo- encontrava-se constituída a comissão de senhoras
ração de outras mulheres que também adotaram que pretendia implementar entre nós essa ins-
tituição. Integravam esse grupo organizador
pseudónimos como: Camélia, Gardénia, Mar-
várias mulheres da aristocracia portuguesa:
garida e Orquídea. Nesse mesmo ano foi sus-
marquesa de Castelo Melhor, condessa de Pe-
penso e, em 1977, Arménio Aleluia Martins res-
nalva de Alva, Adelaide Coelho da Cunha,
suscita-o e convida Madressilva para o dirigir.
Luísa de Almeida e Vasconcelos Cabral, Sofia
Em 1983 passou a quinzenal e, em 1984, a se- Burnay de Melo Breyner*, Teresa Lobo de Al-
manal, periodicidade que ainda mantém na ver- meida de Melo e Castro de Vilhena e Maria de
são online. As amigas, co-fundadoras do jornal Jesus de Sousa Holstein de Ornelas. Da comis-
A Avezinha, usavam também pseudónimos – no- são não fazia parte uma outra mulher que teve
mes de flores: Violeta, Maria Feliciana Marim destacada influência no arranque: Jane Ben-
Marques (1906-1972); Rosa, Maria da Conceição saúde*, uma francesa que estava casada com Al-
Mendes Costa Biker (1892-1983); Hortênsia, Ma- fredo Bensaúde, diretor do Instituto Superior Téc-
ria do Espírito Santo Correia (1895-1978). Entre nico. O projeto tinha como objetivo auxiliar os
1925 e 1926, Madressilva colaborou nas Revis- combatentes, proporcionando a quem o desejasse
tas A ASA* e O Futuro*, periódicos que faziam uma correspondente que, de longe, enviasse pa-
a propaganda do espiritismo filosófico, cientí- lavras de conforto, notícias da sua terra e da fa-
fico e experimental. Este último apresentou-a ao mília, pequenos mimos que suavizassem a exis-
público como “uma escritora inspirada, um ele- tência. Em suma, procurava-se mostrar ao com-
mento de subido valor, uma entusiasta no ca- batente que alguém – uma mulher – pensava nele
minho da espiritualização da Humanidade”. Foi e se preocupava com o que lhe pudesse acon-
também doadora da Caixa de Assistência e de tecer. Nesse sentido, cada madrinha de guerra ti-
Propaganda de O Futuro. Entre os amigos, Ma- nha determinados deveres: escrever ao menos
dressilva era conhecida por Marquinhas e os co- uma vez por semana ao afilhado; informar-se das
nhecidos recordam a sua vasta cultura, a gra- suas carências e procurar soluções; entrar em
ciosidade do sorriso, a modéstia do saber e a par- contacto com a família, esforçando-se por auxiliá-
tilha de conhecimentos e vivências profunda- -la, se necessário; não tendo posses que tal per-
mente cristãos. mitisse, devia dar conhecimento à comissão coor-
denadora do movimento. As mulheres que de-
Bib.: Adriano da Guerra Andrade, Dicionário de Pseu-
dónimos e Iniciais de Escritores Portugueses, Lisboa, Mi-
sejassem ser madrinhas deviam enviar os nomes
nistério da Cultura-Biblioteca Nacional, 1999; Maria Gló- e moradas para Sofia Burnay de Melo Breyner,
ria Marreiros, Quem Foi Quem? – 200 algarvios do sé- Rua de S. João dos Bem-casados, 179, Lisboa.
culo XX, Lisboa, Colibri, 2000; pt.wikipedia.org/wiki/ Logo nos primeiros dias de funcionamento do
Avezinha;htpp://albufeirasempre.blogs.sapo.pt/9645.html; serviço de madrinhas, o átrio e as salas da resi-
A ASA, n.o 1, outubro, 1925, p. 21; O Futuro, n.o 32, abril, dência indicada, que funcionava como sede, en-
1925, pp. 88-89, n.o 33, maio, 1925, p. 116, n.o 36, agos-
to, 1925, p. 155, n.o 42, fevereiro, 1926, pp. 88-89, n.o 42, cheram-se de soldados ansiosos por conseguir
fevereiro, 1926, pp. 88-89. uma madrinha. Segundo declarações da res-
[N. M.] ponsável, as madrinhas pertenciam a todos os
479 MAD

estratos sociais. Embora Sofia fosse, por assim rem é ilustrativo do clima de guerra religiosa que
dizer, o rosto das madrinhas de guerra, Jane Ben- se vivia. Em tempo normal não seria motivo de
saúde não se colocou de fora. A sua casa era um escândalo que uma madrinha devota revelasse
dos lugares procurados pelos candidatos. Uma a sua piedade ao afilhado – que, em muitos ca-
das situações em que havia divisões de tarefas sos, não conhecia mas que, em seu entender, par-
verificava-se na regularização de uniões ilegíti- tilharia o mesmo sentimento –, encorajando-o
mas dos soldados, promovendo casamentos. Se- com referências religiosas, prometendo rezar por
gundo entrevista concedida por Jane Bensaúde ele ou enviando um rosário, um livro de orações
ao jornal A Opinião, Sofia tratava dos casamentos ou uma medalha. Seria quase impossível que não
religiosos e ela reservava para si os casamentos o fizesse. Em tempo normal, o afilhado, se não
civis. A comissão central das madrinhas de guer- encontrasse interesse nas cartas da madrinha, in-
ra preocupou-se com a ocupação dos tempos li- terromperia a correspondência, podendo, even-
vres dos combatentes, organizando bibliote- tualmente, trocar sobre o assunto uns comen-
cas, que enviava para diversos pontos (Europa tários mais ou menos galhofeiros com os cama-
ou África) onde se desenvolviam operações mi- radas. E tudo ficaria por aí. Porém, nesta con-
litares. Em finais de junho de 1917 encontravam- juntura, em que o poder político ainda não de-
se em conclusão cinco bibliotecas, cada uma com sistira de construir um Estado sem referências
60 volumes de autores escolhidos. A instituição metafísicas, pretendendo mesmo vigiar as cons-
não estava vinculada a qualquer sociedade já ciências dos cidadãos para que a ideia de Deus
existente. Contudo, tinha algumas afinidades – ou, pelo menos, a influência da Igreja Católi-
com a Assistência das Portuguesas às Vítimas da ca – fosse definitivamente extirpada, uma sim-
Guerra* – formada por católicas e onde impe- ples insinuação de natureza religiosa inserida
ravam mulheres da “primeira sociedade” dos numa carta a um soldado era suscetível de pro-
tempos da monarquia –, de que Sofia de Melo vocar um escândalo com ressonâncias políticas.
Breyner fora uma das fundadoras. Com o avan- Apesar das agressões ao movimento presidido
çar do conflito, a presidente das madrinhas de por Sofia de Melo Breyner, a figura da madrinha
guerra passou a dar a sua colaboração aos ca- de guerra tornara-se tão simpática que outras as-
pelães católicos que prestavam assistência reli- sociações de ajuda aos militares seguiram o mes-
giosa aos soldados do CEP. Num tempo em que mo caminho. A Sociedade da Cruz Branca de
o anticlericalismo continuava a ver na Igreja a Coimbra*, que procurava auxiliar os combaten-
principal adversária da República, pois que, no tes e seus familiares da região militar de Coim-
entender dos livres pensadores mais radicais, im- bra, em maio de 1917 procedeu à inscrição de
pedia a construção de uma sociedade liberta do madrinhas de guerra para soldados da divisão
obscurantismo – para os radicais, progresso e militar. No jornal Gazeta de Coimbra enlaçava-
crença religiosa eram incompatíveis –, as ma- -se o esforço do combatente com o da madrinha:
drinhas de guerra foram alvos preferenciais dos “duas almas que se ligaram para um fim natu-
seus ataques. Imputavam-lhes o aproveitamen- ralmente idêntico: a destruição do inimigo.
to da fragilidade psicológica dos combatentes Uma que luta, outra que sofre”. O êxito deste mo-
para fazerem catequese religiosa. O jornal O Mun- delo de auxílio ao soldado foi, de algum modo,
do desde cedo empreendeu uma campanha con- seguido pela instituição rival das organizações
tra as madrinhas, acusadas do envio de rosários, católicas de auxílio aos combatentes – a Cruza-
bentinhos, medalhinhas com santas, objetos que, da das Mulheres Portuguesas* – que, muito li-
para o jornal, não passavam de “amuletos fa- gada ao Partido Democrático, que dominava a
náticos”. O jornal A Manhã era muito mais mo- cena política, dispunha de um enorme apoio por
derado. Entendia que o movimento era interes- parte do Governo. Ana de Castro Osório, que am-
sante, pelo “carácter afetivo” e poético que en- bicionara integrar na Cruzada todas as iniciati-
volvia. Contudo, considerava que a madrinha ti- vas em favor dos soldados e suas famílias, con-
nha a “obrigação moral” de não desvirtuar o puro siderou benéfica, de um modo geral, a ação das
conforto espiritual que delas se esperava. Se, em madrinhas. Contudo, não aceitou que outra or-
vez de levantarem as almas dos soldados com pa- ganização que não a sua fosse considerada pio-
lavras patrióticas, os acabrunhavam, então o seu neira e procurou mostrar que, desde a partida das
papel seria funesto. A ser verdade a existência primeiras tropas, a Cruzada se havia constituí-
de queixas de afilhados, o facto de se verifica- do “madrinha de guerra de todos os soldados e
MAF 480

de todas as famílias que se lhe dirigiam”. No te, Afonso do Paço, em introdução ao seu livro
“oportunismo da ocasião”, com “a ideia fixa de Cartas às Madrinhas de Guerra, afirma que eram
afirmar a obra moral da Cruzada” – expressões “os entes mais queridos da guerra, que lançaram
suas –, realçou esse aspecto da Cruzada crian- sobre as trincheiras regadas de sangue catadu-
do a secção Afilhados de Guerra. O “escritório” pas de amor e de carinho”. Ao contrário do que
dos afilhados era dirigido pela 1.a secretária da pretendiam os adversários das madrinhas, que
comissão de propaganda, Ana de Castro Osório, denunciavam um apostolado religioso suscetí-
que recomendou às subcomissões da Cruzada das vel de enfraquecer o ânimo do combatente, ga-
Mulheres Portuguesas que inscrevessem como rante que o terço oferecido por uma mulher, na
afilhados de guerra todos os soldados da sua área, sua partida para a França, lhe dera coragem para
“constituindo-se numa verdadeira família es- enfrentar o adversário. E acrescenta: “Se vós sou-
piritual de todos os que partem”. As subcomis- bésseis, mulheres de Portugal, quantas Cruzes
sões regionais eram, assim, madrinhas dos que de Guerra colocastes no peito dos nossos sol-
partiam, sendo a Cruzada a “madrinha coletiva” dados, dos vossos afilhados!”
de todos. Ana de Castro Osório parecia ignorar Bib.: “Afilhados de guerra”, Comissão de Assistência aos
a profunda diferença entre ter uma madrinha- Militares Mobilizados e Afilhados de Guerra 1917-
instituição e ter uma madrinha-mulher suscetível 1918, Lisboa, Cruzada das Mulheres Portuguesas, pp. 17
de se converter, nos sonhos do soldado, em mãe, e ss.; Afonso do Paço, Cartas às Madrinhas de Guerra,
irmã, namorada, alguém só para si. Ou talvez não Porto, 1929, pp. 8, 59; Maria Lúcia de Brito Moura, “A
assistência aos combatentes na I Guerra Mundial – Um
ignorasse. Mas conhecia a impossibilidade de en- conflito ideológico”, Revista Portuguesa de História, Tomo
contrar, entre as associadas da Cruzada, uma ma- 38, FLUC, 2006, pp. 63-67; Idem, Nas Trincheiras da Flan-
drinha individual para cada soldado. A imprensa dres. Com Deus ou sem Deus, eis a questão, Ed. Colibri,
noticiou que a presidente da Cruzada, Elzira Ma- Lisboa, 2010, p. 101; Mário Salgueiro, “Os retratos dos
chado*, esposa do Presidente da República, se soldados”, Ilustração Portuguesa, 10/12/1917, p. 468; Diá-
rio Nacional, 20/03/1917, p. 1, col. 3; A Manhã,
prestara a ser madrinha do soldado Guilherme 09/05/1917, p. 1, col. 3, 27/05/1917, p. 3, col. 3; A Opi-
Morato. Aliás, a propagandista da Cruzada e da nião, 21/06/1917, p. 1, col. 3.
intervenção de Portugal na guerra, Ana de Cas- [M. L. B. M.]
tro Osório, aceitava que outras senhoras qui-
sessem tomar a obrigação de ser madrinhas “em Mafalda de Castro Vaz Pinto
nome da Pátria”. Cautelosamente, recomenda- v. Mafalda Ermelinda de Castro de Vasconcelos
va-lhes que procurassem “levantar o espírito das de Sá Pereira e Almeida
famílias dos soldados, explicando-lhes com
clareza todos os factos, destruindo os boatos e Mafalda Ermelinda de Castro de Vasconcelos
mentiras que tanto estão prejudicando o país”. de Sá Pereira e Almeida
O escritório da secção Afilhados de Guerra si- Filha do poeta Eugénio de Castro (1869-1944) e
tuava-se na Rua do Arco do Limoeiro, 17, 3.o – de sua mulher Brígida Augusta Corrêa Portal, Ma-
Lisboa, no prédio onde vivia Ana de Castro Osó- falda de Castro, como era conhecida, nasceu em
rio. Um outro meio de conseguir madrinha de Coimbra, no dia 26 de julho de 1906, no Paço
guerra era o anúncio no jornal. Numerosos sol- Episcopal (hoje Museu Machado de Castro), onde
dados utilizaram esse processo. Fosse qual fos- os pais residiam com o então bispo-conde D. Ma-
se a via para conseguir uma correspondente ou, nuel Corrêa de Bastos Pina (1830-1913), irmão
mesmo, uma protetora, a opinião geral sobre a da avó materna: “Nascida fui em casa apalaça-
influência exercida pela madrinha era muito fa- da / […] Voltas da vida, desígnios dos mortais
vorável (pondo de lado os ataques de carácter / […] E a casa onde nasci, hoje é um museu!” [Bo-
ideológico movidos pelo radicalismo anticleri- tões de Rosa, “A casa onde nasci”]. Aos quatro
cal). Na Ilustração Portuguesa, Mário Salgueiro anos foi viver com a tia Maria Joaquina Corrêa
opinou que, na frente, a mente dos soldados se Portal de Aguiar, irmã da mãe e casada com um
prendia às madrinhas de guerra “porque só elas primo, Basílio Corrêa de Aguiar, padrinho de Ma-
sabem traduzir nas suas cartas as expressões que falda de Castro, que residiam em Cesar (S. João
alentam e acarinham”. Certamente, nada melhor da Madeira). Estes, depois do falecimento da sua
que o testemunho de um afilhado para nos dar única filha, propuseram a Eugénio de Castro le-
a conhecer os sentimentos dos militares que man- var Mafalda para sua companhia, ao que o poe-
tinham tal correspondência. Um ex-combaten- ta acabou por anuir. Por isso, mais tarde canta-
481 MAF

ria: “Neste mundo ninguém há / Tão feliz como va capaz de converter em divertimento as tare-
sou eu, / Pois três mães tenho na terra / Sem con- fas mais rotineiras, bem ciente do seu lugar na
tar com a Mãe do Céu. / A primeira sendo aque- sociedade, Mafalda de Castro procurou aliar às
la que me trouxe à luz do dia / […] A segunda, incontornáveis exigências da vida familiar os in-
sem dar vida criou-me como outra mãe” e a ter- teresses literários e a produção poética, a par de
ceira a “avó que Deus me deu, / Duas vezes mi- um manifesto empenhamento cristão que con-
nha mãe” [ib., “Suprema felicidade”]. Passava, cretizou também numa certa intervenção cívi-
no entanto, grandes temporadas com os pais, as ca e política. Os escritos que deixou, tal como
duas irmãs e os dois irmãos, que também visi- o rumo que imprimiu à vida, revelam uma fé for-
tava frequentemente. Por outro lado, foi constante te e a preeminência dos valores da família e da
na assistência prestada à tia, que morreu de ida- maternidade, característicos da ideologia cató-
de avançada. Estudou lavores e primeiras letras lica do seu tempo. Não podendo, pois, ser con-
nas Ursulinas do Couto de Cucujães, seguindo- siderada uma feminista, nem por isso deixou de
-se uma cuidada educação não formal, adequa- conduzir com determinação a própria vida, de
da ao ambiente social e cultural da família, em ser conhecida nos círculos literários do tempo
que era figura dominante o poeta. Mais tarde veio e de adquirir também notoriedade pela forma
a obter o diploma de instrução primária, quan- como desempenhou os cargos que ocupou. Foi,
do pensou tirar a carta de condução, o que não na década de 60, dirigente da Obra das Mães pela
concretizou. Já pelas suas origens, já pelo casa- Educação Nacional* (OMEN), tendo, nessa qua-
mento, Mafalda de Castro relacionava-se com os lidade integrado a Comissão de Classificação de
círculos do CADC e do Integralismo Lusitano. Espectáculos e a Comissão de Leitura para Me-
Publicou, em 1923, o primeiro livro de versos, nores. Dirigiu entre 1963 e 1974 a revista A Fa-
dedicado ao pai – Botões de Rosa –, 15 poesias mília no Campo, órgão das Alunas da Escola de
das quais sete sonetos. Ainda nesse ano, foi com Regentes de Educação Familiar Rural “D. Luís
o pai a Madrid e a França e, em 1924, participou de Castro”, de publicação trimestral, editada pela
nos Jogos Florais de Badajoz. Antes de perfazer OMEN. Fez parte dos corpos dirigentes da Ac-
18 anos casou (em janeiro de 1925) com o Dr. José ção Católica (LICF), das Conferências de S. Vi-
Augusto Queiroz Ribeiro Vaz Pinto (Arouca, 1903 cente de Paula e da Caritas Portuguesa. Foi tam-
– Lisboa, 1985), formado em Direito pela Uni- bém Servita em Fátima. Em outubro de 1961
versidade de Coimbra e nessa altura advogado; acompanhou a imagem de N.a S.a de Fátima na
posteriormente foi Juiz do Tribunal de Contas, visita a Angola. A sua obra poética teve duas edi-
depois do Supremo Tribunal Administrativo e ções “comerciais”: Botões de Rosa, com prefá-
Procurador à Câmara Corporativa: “Deixámos os cio (aliás um poema introdutório) de Eugénio de
Amigos e parentes / E partimos felizes e con- Castro; e Entardecer. Depois da sua morte, o em-
tentes / Levando a esp’rança a arder no coração!” baixador Duarte Vaz Pinto, seu 6.o filho (1932-
Do casal nasceram 12 filhos, dos quais duas ra- 1999), organizou e publicou em edição não co-
parigas. No final da vida assistiu à doença e mor- mercial as Obras Completas de Mafalda de Cas-
te de dois filhos. Por ocasião das bodas de dia- tro. Na introdução explica: “Este é um livro que
mante escreveria: “Hoje somos dois velhos ca- tendo por autor a nossa Mãe foi organizado com
minhantes / Inseparáveis pela vida fora... / muito amor, como uma homenagem singela à sua
Louvando a nossa vida, muito embora / A ale- memória”, indicando os vários propósitos com
gria e a dor fossem constantes”. Mafalda de Cas- que o fez: “não deixar perder os textos”, “dar a
tro viveu a maior parte da sua vida em Lisboa, conhecer aos mais novos da família a grande di-
depois de ter residido em Arouca e na Foz do mensão humana e artística da Avó que tiveram”,
Douro. Em Arouca, aliás, passaria largos perío- “fortalecer em todos um sentimento mais pro-
dos de tempo na Casa do Burgo: “É branca, bem fundo da união da família, objectivo pelo qual
caiada e prazenteira / A nossa casa antiga / Casa- a Mãe lutou toda a sua vida e não esqueceu quan-
Mãe onde a família inteira / Se aconchega e abri- do se aproximou a hora de deixar este mundo”.
ga. […] Quem sente a amarra, a força, a tradição Regista ainda: “a maioria deles encontravam-
/ Da sua Casa-Mãe / Que vem de geração em ge- -se dispersos ao Deus dará em pequenos pedaços
ração, / Não sabe o bem que tem” [“A nossa de papel, sem datas, e não foram poucas as fo-
Casa”]. Dotada de uma inteligência clara e es- lhas arrancadas dos velhos cadernos onde copiou
pírito organizativo, de uma alegria comunicati- alguns dos seus textos”, sinal, segundo Duarte,
MAG 482

do seu desprendimento “por tudo quanto não fos- comenda que “se mantenham sempre unidos”,
se relacionado com os grandes valores pelos se ajudem, se esforcem por “honrar o nome que
quais orientou a sua vida”. Esta compilação, ilus- herdaram e recordem como estímulo tantos an-
trada com retratos da autora e da família, bem tepassados que são exemplo de valor, de hon-
como de fotografias das casas onde viveu, inclui radez e de bondade cristã”, lembrando-lhes que
os dois livros acima referidos e Os Teus Versos, foi sua “preocupação dominante” educá-los
título de um pequeno livro forrado com tecido catolicamente e que não se devem “despreocu-
que continha a coleção de versos dos anos 1923 par dos problemas da fé”. O editor quis incluir
e 1924, assim como os poemas dispersos, na em anexo neste volume outros textos de mem-
maioria sonetos, que foram organizados crono- bros da família de Mafalda de Castro para me-
logicamente. Constam ainda do seu conteúdo al- mória dos seus descendentes e que denotam o
gumas traduções francesas de textos de Mafal- ambiente da sua infância. Morreu em Lisboa a
da de Castro; as Obras para a Cena, todas em ver- 4 de janeiro de 1987.
so, divertidas e bem concebidas, destinadas a Da autora: Botões de Rosa, Coimbra, Lúmen, 1923; En-
crianças: Fadas e Anões – teatro infantil (em 1965 tardecer, Lisboa, Ática, 1959; postumamente foram pu-
editada pelas oficinas gráficas do Comércio do blicadas as Obras Completas, Caracas, impresso na Ti-
Porto); O Milagre das Rosas; A Gata Borralhei- pografia Editorial Texto, 1991. Diversos editoriais enquanto
diretora (1963-1974) de A Família no Campo, órgão das
ra; A Branca de Neve e os 7 Anões; Miséria e Luz Alunas da Escola de Regentes de Educação Familiar Ru-
– Setembro de 1941; Cartas de Amor – Peça em ral “D. Luís de Castro”, de publicação trimestral, edita-
1 Acto; Ao Dobrar da Esquina. Muitas destas pe- da pela Obra das Mães pela Educação Nacional.
ças foram escritas para um acontecimento de- Fontes: Introdução às Obras Completas de Mafalda de
Castro escrita por seu filho embaixador Duarte Vaz Pin-
terminado: assim, esta última para ser repre- to. Informações e documentação amavelmente cedidas
sentada pelos filhos e vizinhos do andar de bai- por Mafalda de Castro Vaz Pinto Ingham, sua filha.
xo na casa do Campo Grande; a anterior para a Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
festa do núcleo das jovens Noelistas de S. Se- Célebres, Porto, Lello & Irmão Editores, 1981; Eugénio de
bastião da Pedreira, do qual fazia parte uma sua Castro, História da Minha Família – 1913, Caracas, 1992,
edição de 150 exs. [No colofon pode ler-se: “É responsá-
filha. As Obras Completas compreendem ainda vel pela publicação Duarte Vaz Pinto da Fonseca de Sá Pe-
“Textos em Prosa”: uma conferência sobre o Ani- reira e Castro, neto de Eugénio de Castro por sua Mãe, e
versário da Rerum Novarum (1941); uma alo- que ao tempo da publicação era na Venezuela Embaixa-
cução proferida na Emissora Nacional em 8 de dor de Portugal”]; Irene Flunser Pimentel, História das Or-
ganizações Femininas no Estado Novo, Lisboa, Círculo de
dezembro de 1949, nas celebrações da OMEN no Leitores, 2000.
Dia da Mãe, que termina com o seu mais co- [M. R. S.]
nhecido soneto, “Que estranha maravilha ser-se
mãe… / Que segredo insondável e profundo… Magdalena von Hafe
/ Não ser nada na vida e dar ao Mundo / Tudo Natural do Porto, filha de Jacob Eduardo von Hafe
o que de vida o Mundo tem…”; segue-se uma e de D. Adelaide von Hafe. Foi proprietária de um
nota Sobre a Viagem da Virgem de Fátima a An- colégio (possivelmente em regime de co-pro-
gola em 1961; Avé Maria, Cheia de Graça, em que priedade com a mãe Adelaide von Hafe, direto-
exalta a maternidade – “Maternidade física é o ra do Colégio von Hafe, ou com o pai, que pos-
fruto do amor terreno, amor abençoado, é certo, suía um colégio com o mesmo nome na Rua da
mas que se limita a fazer florir da sua vida ou- Cedofeita). De 33 anos de idade por altura da sua
tras vidas […]. Maternidade moral é já o eleva- candidatura aos Liceus Secundários Femininos*,
do anseio desprendido da terra, que incide so- apresentada em 11 de março de 1890, achou-se
bre os destinos da alma, e que sobre a alma dos habilitada ao lugar de professora de Francês no
filhos se manifesta e realiza na obra sublime da Liceu Feminino que se esperava abrir no Porto.
educação”; As Estações e a Vida; Uma Realidade, Os seus estudos valeram-lhe distinção e possuía,
evocação de Frederico Ozanam, fundador das já nessa data, longa prática de ensino da língua
Conferências de S. Vicente de Paula; O Bule In- francesa, bem como conhecimentos completos
glês, texto memorialista; Por que me chamo Ma- das línguas alemã, inglesa e portuguesa e com-
falda – inacabado, terminado por Duarte Vaz Pin- pleta instrução geral.
to, conhecedor do final da história; O Porco na Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
Vida Nortenha; O Último Escrito – Para os Meus – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Filhos, um testamento espiritual, em que lhes re- Bib.: Carlos A. S. Campos, Anuário-Almanaque Co-
483 MAN

mercial de Magistratura e Administração, Lisboa, Com- balhar como secretária na empresa Campos
panhia Tipográfica, 1892, p. 117. Ferreira, exportador de vinhos, e a viver em pen-
[A. C. O.]
sões, não deixando de ajudar os pais. Foram tem-
pos difíceis e de dificuldades económicas, re-
Manuela Câncio Reis cebendo notícias espaçadas do marido através
Compositora, musicóloga e maestrina. Filha de Virgílio Barroso, irmão de Maria Barroso, ma-
de Fausta das Dores Pereira Câncio, dona de casa, temático que assegurava a ligação entre ambos.
e de Francisco Filipe dos Reis (n. 15/10/1871), Durante esses cinco anos, até ao falecimento do
chefe dos escritórios da fábrica Cimento Tejo, em marido, vítima de um cancro nos pulmões, ti-
Alhandra, com considerável intervenção cultural veram apenas breves encontros. No primeiro li-
na terra através dos espetáculos teatrais e de va- vro memorialista, Eles Vieram de Madrugada –
riedades que organizava, para além de ensaia- cartas para a clandestinidade a Soeiro Pereira
dor, dramaturgo, poeta e compositor. Nasceu a Gomes, de 1981, evoca momentos decisivos do
2 de janeiro de 1910 e faleceu a 8 de dezembro marido, temática recuperada em A Passagem,
de 2011, com 101 anos. O pai, republicano que uma biografia de Soeiro Pereira Gomes, datada
chegou a estar preso durante a Monarquia, foi o de 2007, quando já tinha 97 anos de idade e com
responsável pela conclusão da construção do Tea- introdução de Isabel Câncio Reis Nunes, sua so-
tro de Alhandra, inaugurado em 1905, apenas brinha, que refere no início que “Esta é uma his-
cinco anos decorridos sobre a chegada à vila, e tória de amor. A história de amor de um homem
influenciou o percurso artístico da filha, que es- e de uma mulher, a história de amor de um ho-
tudou em Lisboa e, depois, com professores par- mem pela terra e pelo Homem” [p. 9]. Após a
ticulares, tendo ainda aprendido piano e com- morte de Soeiro Pereira Gomes, viria a casar, por
posição musical. Casou a 25 de maio de 1931, pouco tempo, com Virgílio Barroso, sendo aju-
aos 21 anos, com Joaquim Soeiro Pereira Gomes dada no divórcio deste segundo enlace pelo ad-
(14/04/1909-05/12/1949), colega mais velho do vogado Avelino Cunhal, pai de Álvaro Cunhal.
irmão no curso de regente agrícola da Escola Na- Se a sua vida tem sido retratada frequentemen-
cional de Agricultura de Coimbra. O enlace rea- te em função do percurso de militante e de es-
lizou-se nesta cidade, na Igreja da Conceição, e critor de Soeiro Pereira Gomes, é de toda a jus-
fixaram-se em Alhandra, por Soeiro Pereira Go- tiça salientar a importância que Manuela Cân-
mes passar a trabalhar como empregado de es- cio teve no panorama cultural e artístico de
critório na Fábrica de Cimentos Tejo. Tornou- Alhandra, com projeção na capital, nomeada-
-se, entretanto, militante do Partido Comunista mente enquanto autora de várias composições
e pela casa do casal passaram muitos intelectuais – Fiandeira, Bexigueiros, Noite de Luar, Rapa-
comunistas, desde Alves Redol, Sidónio Mura- zes dos Telhais (marcha), Cantigas ao S. João
lha e Alexandre Cabral a Álvaro Cunhal, que ilus- (vira), Fado do Zé Miúdo, Ceifeiras –, algumas
tra Esteiros. Devido ao papel preponderante nas com letra do marido. Além disso, musicou re-
greves de 8 e 9 de maio de 1944, no Ribatejo, pro- vistas regionais, escreveu e musicou, com Soei-
curado pela polícia política salazarista, o seu ma- ro Pereira Gomes, a revista Sonho ao Luar, es-
rido teve de passar repentinamente à clandes- treada, em 1937, no Teatro Salvador Marques e
tinidade, o que sucedeu a 11 desse mês. Manuela representada no Éden-Teatro, e regeu um agru-
Câncio ainda chegou a ser detida durante a ma- pamento musical feminino orfeónico na Emis-
drugada, originando o título que deu ao seu li- sora Nacional. Soeiro Pereira Gomes confiden-
vro editado em 1981: Eles Vieram de Madruga- ciava ao irmão Alfredo, em cartas datadas de
da. Presa “como refém”, apesar de se encontrar 1939 e referidas por Giovanni Ricciardi, que Ma-
doente, foi mantida na esquadra da polícia do nuela tinha sido “convidada para estrela do fil-
Alto de S. João. Teve, então, o apoio da mãe, que me Veraneio dos Rouxinóis” [carta de
a visitava e lhe levava comida, roupa e flores. 25/06/1939], “vai de vento em popa com as mú-
Contudo, nunca foi aberto qualquer processo re- sicas”, “tem grande cotação e não tem descan-
lacionado com a detenção nem foi sujeita a jul- so” [carta de 16/06/1939] na Emissora Nacional,
gamento. A partir do momento em que o mari- constando, segundo o jornal O Diabo, “entre as
do entrou na clandestinidade, a vida de Manuela verdadeiras representantes da mentalidade fe-
Câncio sofreu transformações profundas e dra- minina nacional” [carta de 13/12/1939]. Viveu
máticas. Partiu para Lisboa, onde passou a tra- os últimos anos numa casa de repouso na Parede.
MAN 484

Antónia Balsinha incluiu o seu nome no estu- citou uma poesia em português. Em fins de 1856,
do pioneiro que fez sobre o papel das mulheres a companhia espanhola veio atuar no Teatro do
de Alhandra na resistência ao fascismo nos anos Salitre e trouxe Manuela Rey, que ali se estreou,
40, tendo-a entrevistado em agosto de 2001. em travesti, no drama El Hijo del Ciego. Era en-
Da autora: Coplas da Revista “Sonho ao Luar” [c/ Joa- tão uma encantadora adolescente e boa atriz. Foi
quim S. Pereira Gomes], Alhandra, 1937; Se a vida se lem- escriturada no teatro e integrou algumas récitas
brar de mim… [Rádio-Romance], Lisboa, edição de au- em digressões a Setúbal e terras do Sado. Pres-
tor [1958]; Eles Vieram de Madrugada – cartas para a tou provas no Teatro de S. Carlos, declamando
clandestinidade a Soeiro Pereira Gomes, Lisboa, Cami- em espanhol e em português, com aprovação do
nho, 1981; A Passagem, Lisboa, Caminho, 2007.
Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re- júri, onde figurava António Feliciano de Casti-
sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au- lho. Duarte Cardoso de Sá cuidou-lhe da edu-
sência, 2005; António Dias Lourenço, Vila Franca de Xira. cação dramática e do ensino da língua portu-
Um Concelho no País – Contribuição para a história do guesa. Foi contratada para o Teatro D. Maria II,
desenvolvimento socioeconómico e do movimento polí-
tico-cultural, edição da Câmara Municipal de Vila Fran-
onde se estreou a 23 de novembro de 1857, na
ca de Xira, 1995, pp. 246-250; Giovanni Ricciardi, Soei- comédia em 1 ato A Alegria Traz o Susto, dra-
ro Pereira Gomes. Uma biografia literária, Lisboa, Editorial ma de Mme. Girardin, ao lado de Carlota Talassi*,
Caminho, 1999; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Emília Adelaide* e Tasso, foi brilhante e ficou no
Uma Biografia Política, vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clan- teatro. O dinheiro que ganhava era para a famí-
destino (1941-1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001; Soei-
ro Pereira Gomes na esteira da Liberdade [Catálogo da Ex- lia adotiva e ia para os ensaios vestida muito po-
posição do Centenário], Câmara Municipal de Vila Fran- bremente, mal penteada e, no entanto, eviden-
ca de Xira – Museu do Neo-Realismo, 2009. ciava uma elegância natural. Quando represen-
[J. E.] tou Os Homens Sérios (1857), comédia-drama em
4 atos, de Ernesto Biester, teve de empenhar um
Manuela Lopes Rey cordão que lhe tinha sido dado pela avó adoti-
Atriz que se distinguiu nos papéis de “ingénua”, va para comprar a roupa e os adereços neces-
de elegantes louras de tipo delgadinho. Nasceu sários que eram, ao tempo, a expensas das atri-
em Mondañedo, Galiza, a 24 de outubro de 1843, zes. Permaneceu no D. Maria II, onde criou o pa-
e faleceu em Lisboa a 26 de fevereiro de 1866. pel de Graziela (1858), drama em 1 ato de José
Apenas se sabe que a mãe se chamava Domin- Maria de Andrade Ferreira, inspirado na obra
ga. O pai faleceu quando ainda era criança e a Confidências, de Lamartine, entrou em O Luxo
mãe, viúva com dez filhos e paupérrima, en- (1859), drama, traduzido por Paganino, Antes,
tregou-a à pequena companhia ambulante de ato- na Província (1859), O Gaiato de Lisboa (1859),
res cómicos propriedade de Manuel Rey, que se comédia em 2 atos de Bayard, tradução de João
tinha instalado numa hospedaria onde a mãe de Baptista Ferreira, O Amor e a Arte (1860), imi-
Manuela trabalhava. A pequena tinha apenas 3 tação do francês por João Rodrigues Cordeiro, ao
anos, era loira, de cabelos anelados e graciosa e lado do ator Tasso, o drama, em 5 atos, A Dama
o casal Rey propôs-se levá-la e educá-la. Havia de S. Tropez (1860), de Anicet Bourgeois e
de considerar sempre Manuel Rey como seu pai Adolph d’Ennery, tradução de Ferreira, e Egas
adotivo. Aos seis anos, já representava e, aos oito, Moniz (1862), em verso, de Mendes Leal; as pe-
foi entusiasticamente aplaudida pela sua inter- ças Casados sem Filhos (1862), tradução do fran-
pretação na peça Gaiato de Paris, representada cês por Mateus de Magalhães, As Duas Nobre-
em Leon (Espanha). Aos nove anos faleceu o pai zas (1862), ao lado do ator Santos, e fez festa ar-
adotivo, que a tratava com carinho e lhe havia tística com Valéria (1864), de Eugène Scribe. Nes-
ensinado as primeiras letras. A companhia veio se mesmo ano recitou o poema de Teófilo Bra-
a Portugal, representou em Chaves, Bragança, Ré- ga Stella Matutina, nos teatros de Lisboa e do Por-
gua, Porto e, depois, todo o Minho. De saúde dé- to. Teve papéis importantes em Os Fidalgos do
bil, tinha poucos cuidados e fazia muitos ensaios Bois Doré, de George Sand, tradução de Pinheiro
e representações, e adoecia com frequência. Chagas, e Fogo no Convento; nos dramas em 5
A companhia dissolveu-se em Viana do Castelo atos Nobres e Plebeus (1865), versão de La Bel-
e um irmão de Manuel Rey organizou uma nova le au Bois Dormant, de Octave Feuillet, por Fran-
companhia e entregou Manuela a uma socieda- cisco Palha, e A Vida de Um Rapaz Pobre (1865),
de dramática de curiosos de Viana, que lhe pro- em 7 quadros de Octave Feuillet, tradução de Joa-
moveu um benefício, em que a pequena atriz re- quim José Anaya, ao lado de José Carlos Santos,
485 MAN

peça que teve 20 representações na época. escreveu em memória da atriz uma sentida ele-
Eduardo Brazão disse que o gesto, a figura, o ga- gia intitulada Coroas Perpétuas.
lanteio de Manuela Rey produziam, nos rapazes Da autora: A Atriz [comédia em 2 atos]; Por Este Deixarás
da sua geração, o frisson da celebridade e, em ou- Pai e Mãe [provérbio em 1 ato (1865)].
tubro de 1865, J. A. Correia de Barros e o jor- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
nalista Francisco Serra, apaixonados pela atriz, Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. 1108-
bateram-se em duelo por ela. A 4 de janeiro de 1109; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu-
guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 194;
1866 representou, na sua festa, Um Cura de Al- Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, Decadên-
mas, drama em 3 atos de João Ricardo Cordei- cia do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Romano Torres
ro, e recitou a poesia Primeiros Amores, de Eduar- & Ca., 1922, p. 261; Gustavo de Matos Sequeira, História
do Vidal, já cheia de febre. Apenas entrou em do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, Publicação Come-
morativa do Centenário, 1846-1946, Lisboa, 1955, pp. 219,
cena mais uma vez. Outras peças do seu reper- 228, 250, 255, 264, 172 e 275; Ernesto Marecos, Coroa de
tório: os dramas Os Homens de Mármore, em 5 Perpétuas, elegia por ocasião da morte de Manuela Rey
atos, de Mendes Leal, inspirado em Les Filles de distinta actriz do Teatro D. Maria II, dirigida a J. J. Tasso,
Marbre, e em Dama das Camélias, Os Homens exímio actor do mesmo Teatro, Lisboa, Imprensa de J. Ger-
do Mar, marítimo em 4 atos, e As Jóias de Fa- mano de Sousa Neves, 1866; Esteves Pereira e Guilherme
Rodrigues, Portugal. Dicionário Histórico, Corográfico, Bio-
mília, comédia em 3 atos, as três de Augusto Cé- gráfico, Bibliográfico, Heráldico, Numismático e Artísti-
sar de Lacerda; A Mulher que Deita Cartas, dra- co, Vol. VI, Lisboa, João Romano Torres & Ca., Editores,
ma em 5 atos e 7 quadros de Victor Séjour; Cora 1912, pp. 199-200; Joaquim Madureira (Braz Burity), Im-
ou a Escravatura, drama em 5 atos e 7 quadros pressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Edi-
de Jules Barbier, traduzidos por Ernesto Biester; tores, 1905, p. 478; Júlio César Machado, Os Teatros de Lis-
boa, Editorial Notícias, 1991, p. 146; Luiz Francisco Re-
Fortuna e Trabalho, drama em 5 atos, e Os Di- bello, História do Teatro de Revista em Portugal, 1. Da Re-
famadores, peça moralista, ambos originais do generação à República, Lisboa, Publicações D. Quixote,
mesmo escritor; A Penitência, A Luva e o Leque; 1984, p. 68; Memórias de Eduardo Brazão, que seu filho
A Abnegação, comédia-drama de Francisco compilou e Henrique Lopes de Mendonça prefaciou, Lis-
Gomes de Amorim; A Sociedade Elegante, co- boa, Empresa da Revista de Teatro, Editora, s.a., p. 46; Ra-
fael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, Circos e mais
média em 3 atos, tradução de João Ricardo Cor- diversões de outras épocas, Porto, Domingos Barreira Edi-
deiro Júnior; A Cruz do Matrimónio, tradução de tor, 1943, pp. 68-69; Almanaque dos Teatros, para 1879,
José de Andrade Ferreira, Uma Viúva de 15 anos; continuação do Almanaque da Senhora Angot, por Men-
Médico das Crianças; e Helena. A 5 de feverei- donça & Costa, 4.o Ano, Lisboa, Livraria Pacheco & Car-
mo, 1878, p. 32; “Manuela Rey: esboço biográfico” [c/ re-
ro de 1866, foi passear ao Jardim da Estrela e trato], Os Contemporâneos, n.o 3, Lisboa, Escritório da Em-
quando regressou a casa teve uma recaída. Um presa, Imprensa de Sousa Neves, pp. 1-63; Diário de No-
atestado de doença, apresentado no dia 8 do mes- tícias, 27/02/1866, p.1.
mo mês, afirmava que estava de cama com he- [I. S. A.]
moptises. A 26 de fevereiro de 1866, pelas 18.35,
faleceu em sua casa, na Praça da Figueira, n.o 46. Manuela Rey
Assistiram aos seus últimos momentos Ernesto v. Manuela Lopes Rey
Biester, J. A. Correia de Barros, Manuel Roussado,
o ator Rosa Júnior e mais umas quantas pessoas. Margarida Azevedo e Morais Castro Sarmento
Foi autopsiada, por ordem do Governo, por sus- De origem aristocrática, foi freira dominicana no
peita de crime. O féretro saiu da Igreja de S. Do- Convento do Salvador até à implantação da Re-
mingos e foi para o jazigo pertencente à Asso- pública, passando depois à vida laica. Em 1919,
ciação dos Socorros Mútuos Montepio dos Ac- numa entrevista concedida a Maria Veleda*
tores Portugueses, no Cemitério dos Prazeres. para o jornal O Século, edição da noite, relatou
O funeral foi muito concorrido e, segundo Ra- o quotidiano conventual e as orientações edu-
fael Ferreira, foi o primeiro funeral de atrizes cativas do ensino ministrado pelas freiras, ten-
onde compareceram senhoras. Segundo Eduar- tando contrariar a imagem divulgada pelos re-
do Brazão, na trasladação da atriz para o jazigo publicanos e livres-pensadores mais radicais que
dos atores, Francisco Palha, então comissário ré- apelidavam os conventos de “coios de fanáticos
gio, tirou dela uma medalha de ouro com os doi- e de conspiradores”. O desfiar de recordações so-
rados cabelos de Manuela Rey, para a entregar bre a forma como as religiosas foram expulsas
a Delfina Espírito Santo* que, por sua vez, a dei- e obrigadas a exilarem-se e/ou secularizarem-
xou em testamento ao escritor. Ernesto Marecos -se, após a extinção das Ordens Religiosas, revela
MAR 486

o seu inconformismo com a intolerância religiosa p. 8, n.o 9, novembro de 1922-janeiro de 1923, pp. 5-7,
que varreu o país e a violência exercida sobre pes- n.o 11, junho, 1923, pp. 4-7; Luz e Caridade, janeiro, 1922,
p. 200.
soas inocentes que prestavam um bom serviço [N. M.]
à educação das crianças e dos jovens. Nesse mes-
mo ano, fez parte de uma comissão do Grupo Es- Margarida Barbedo da Cunha Pinto
piritualista Luz e Amor, com o objetivo de an- Professora de Trabalhos Femininos, republicana
gariar donativos para a fundação de um orfanato e democrata portuense. Em 31 de janeiro de 1921
destinado a recolher e educar crianças, cujos pais foi agraciada com as insígnias da Ordem Militar
tivessem morrido vítimas da influenza-pneu- de Cristo, grau de Cavaleiro, por ter orientado um
mónica. Esta comissão era constituída por Mar- grupo de discípulas nos trabalhos de confeção e
garida Azevedo e Morais de Castro Sarmento, bordado da bandeira que o exército português ofe-
Maria Veleda, Adélia Araújo Sampaio, Maria receu à cidade de Lille, em agradecimento pela
Emília Marques* e Ernestina Burguete*. Cola- forma carinhosa com que tratou os portugueses
borou também nas sessões recreativas e de prisioneiros e feridos na guerra. Esta bandeira de
confraternização promovidas pelo Grupo Espi- seda, bordada a ouro e matiz, tinha junto da es-
ritualista Luz e Amor, geralmente constituídas fera armilar a legenda “Esta é a ditosa Pátria mi-
por palestras, música, recitação de poesia e tea- nha amada” e foi oferecida à cidade francesa, em
tro, com fins propagandísticos do espiritismo e 17 de outubro de 1920, encerrada numa arca de
de beneficência, assim como nas festas infantis nogueira, decorada a filigrana e esmaltes, exe-
e na distribuição de brinquedos em asilos e al- cutada pela Joalharia Miranda & Filhos. Parece
bergues de crianças abandonadas. Participou na ter sido grande o empenho que o Exército e a Jun-
sessão de confraternização espírita realizada em ta Patriótica do Norte puseram na confeção
26 de fevereiro de 1921, por ocasião do enlace deste tributo de gratidão à cidade de Lille, pois
matrimonial de Cândido Guerreiro Xavier da ainda decorriam os trabalhos quando os minis-
Franca, filho de Maria Veleda, com Arminda da tros da Guerra e da Marinha, acompanhados pe-
Costa Pinto da Silva*, sobrinha de Maria Emília los membros da Junta, visitaram Margarida Bar-
Marques. Contribuiu para as despesas de pu- bedo em sua casa para apreciarem “os primores
blicação de O Futuro*, revista mensal de pro- da execução”.
paganda sociológica e de ciências psíquicas, fun-
dada e dirigida por Maria Veleda entre 1921 e Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916
– 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua
1924. A sua atividade no âmbito deste grupo es- obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos
pírita manteve-se regular, pelo menos até 1925, Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
pois o seu nome é mencionado algumas vezes do Porto, Lda., 1932, pp. 80-81, 224-230.
como participante das reuniões e sessões espí- [N. M.]
ritas. A revista O Futuro publicou alguns extratos
das intervenções ou pensamentos expressos Margarida Clementina Pereira
por Margarida Sarmento nas sessões de leitura, Atriz. Foi das primeiras “ingénuas” dramáticas
debate e reflexão sobre um tema proposto do teatro português. Nasceu em Cadafaes, con-
pelo(a) diretor(a) da reunião ou nas que se des- celho de Alenquer, em data desconhecida, e fa-
tinavam a invocar os espíritos guias e proteto- leceu, de parto, a 8 de abril de 1867. Era filha de
res do grupo para pedir conselhos e orientações. Agostinho Lourenço Pereira e de Maria Isabel Pe-
Nesta época, o seu nome aparece também na re- reira, irmã de Ana Elisa Pereira*, uma das maio-
vista Luz e Caridade como doadora da Caixa de res atrizes do seu tempo, e de Francisco Xavier
Assistência aos Necessitados do Centro Espíri- Pereira, que foi solicitador encartado na comar-
ta de Braga, fundado em 1917. ca de Lisboa. Bastante pobres, vieram para Lis-
boa depois da cegueira do pai, a fim de procu-
Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora. rar algum trabalho. Como eram muito pequenas,
Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Dissertação Romão António Martins, encenador do Ginásio
de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Uni- e antigo condiscípulo do pai, integrava as crian-
versidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no labirinto ças em peças infantis para ajudar nas dificulda-
espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva, n.o 15,
2006, pp. 83-109; A ASA, n.o 1, janeiro, 1919, p. 17, n.o
des financeiras da família. Eram conhecidas, en-
12, dezembro, 1919, p. 196; O Século, 29/12/1919; O Fu- tre os atores, como “as filhas do cego”. Clemen-
turo, n.o 2, março, 1921, pp. 10-15-16, n.o 3, abril, 1921, tina era, no dizer de Eça Leal, “branca, loira, de-
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licada de voz suave, todos os predicados de «in- o teatro. Era boémia e faltava aos ensaios.
génua»”. Em 1858, entrou para o Ginásio como Quando voltou, integrou o elenco do Teatro do
atriz e, em 1862, as irmãs foram contratadas por Príncipe Real como “estrela”. Protagonizou A Pé-
Emília das Neves* para fazer parte de uma com- rola (1885), drama de Marcelino Mesquita que
panhia em digressão pelas províncias e, no Por- tinha sido recusado por imoral pela direção do
to, representaram a comédia O Que Tem de Ser. Teatro Nacional e cuja representação, neste
A companhia seguiu para Coimbra, onde as ir- teatro, também não foi pacífica, e entrou no elen-
mãs Ana e Margarida Clementina foram muito co dos dramas, em 5 atos, Naná, de Emílio Zola,
bem recebidas no Teatro D. Luís. Em 1864, a Em- Maria Antonieta, de Giacometti, tradução de Er-
presa César de Lima & Francisco Viana Ruas, do nesto Biester, A Vida de Um Rapaz Pobre, em
Teatro do Príncipe Real, em Lisboa, escriturou am- 7 quadros, de Octave Feuillet, tradução de Joa-
bas. Margarida Clementina estreou-se na inau- quim José Annaya, A Morgadinha de Valflor, ori-
guração do teatro, a 28 de setembro de 1865, em ginal de Pinheiro Chagas, A Dama das Camélias,
Dois Pobres a uma Porta, comédia em 3 atos, e de Alexandre Dumas, filho, tradução de Antó-
Muito Padece Quem Ama, ópera cómica em 1 ato, nio Joaquim da Silva Abranches, Morte Civil
imitação de Aristides Abranches e Rangel de (1886), de Giacometti, tradução de José António
Lima. Como era bonita, elegante e tinha boa voz de Freitas, e fez benefício em Frou-Frou (1886),
foi, desde logo, muito festejada pelo público. De- comédia de Meilhac e Ludovic Halevy. Nesse
pois de alcançar grandes aplausos na Condessa mesmo ano passou para o Teatro D. Maria II. Foi
de Vilar, comédia em 3 atos de José do Lago (que em digressão ao Rio de Janeiro, onde agradou
foi o seu benefício a 30/12/1865), e outras peças, muito como atriz e como mulher, e resolveu fi-
abandonou o teatro para casar com o industrial car por lá. Morreu, pouco depois, vitimada pela
e capitalista Júlio César da Silva. Faleceu, cerca febre-amarela.
de dois anos depois, de parto, em 1867. Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 293;
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 253; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 195;
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 194; Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século,
Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947, p. 355; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a
1947, pp. 18-19; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câ- Municipal de Lisboa, 1967, p. 344; Luiz Francisco Re-
bello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Pre-
mara Municipal de Lisboa, 1967, p. 331; Eça Leal, “Ana
lo Editora, 1978, p. 215; O Recreio, Lisboa, 2.a série, n.o
Pereira”, Almanaque dos Palcos e Salas para 1908, Lis-
22, 15/04/1886, pp. 169-170, 3.a série, n.o 2, 23/08/1886,
boa, Arnaldo Bordalo, Editor, pp. 48-50; Maximiliano de
pp. 8-9.
Azevedo, “Teatro do Príncipe Real”, O Ocidente, Vol. VII,
[I. S. A.]
n.o 189, 21/03/1884, p. 66; “A Atriz Ana Pereira – com
76 anos de idade, faleceu ontem a célebre estrela de ope-
reta” [c/ fot.], O Século, 25/11/1921, p. 3.
[I. S. A.] Margarida Helena Cardoso de Meneses
Nasceu em Guimarães em 13 de janeiro de 1902
Margarida Cruz e faleceu em 21 de abril de 1981, na Casa de Pin-
v. Margarida da Silva Cruz dela, em Vila Nova de Famalicão. Filha de João
Cardoso Martins de Meneses, senhor da Casa da
Margarida da Silva Cruz Veiga, em Guimarães, e de sua mulher Helena
Atriz, conhecida por “Margarida loura”, porque Madalena de Sottomayor Felgueiras, casou, em
tinha abundantes cabelos loiros. Estreou-se no 16 de agosto de 1923, na capela da Casa de Ma-
Teatro do Ginásio, em 1873, na Empresa Xavier teus, em Vila Real, com João Afonso Pinheiro,
de Almeida. Era muito bonita e possuía talen- 3.o visconde de Pindela. Ficou viúva aos 36 anos,
to, pelo que agradou logo ao público e elevou- com dois filhos de 13 e de 12 anos. Foi com co-
-se acima de algumas atrizes antigas, o que pro- ragem que administrou a casa que herdou do ma-
vocou rivalidades que a obrigaram a sair do Gi- rido, tendo sido obrigada a tomar decisões por
násio e a ingressar no Trindade, onde entrou na vezes difíceis – como por exemplo a venda da
comédia Que Sogra! (1875) e em Meia Noite, peça coleção de armas do 2.o visconde de Pindela ao
simbolista, em 3 atos, de D. João da Câmara. Re- Estado – para salvar a casa das dívidas que so-
petiram-se as cenas com as colegas e abandonou bre ela recaíam. Assim, fazendo frente à crise eco-
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nómica em que o seu marido a tinha deixado, atos, de João Mendonça e Júlio Rocha, ao lado
conseguiu manter a propriedade na família. Ape- de Adelina Abranches, e fez o papel de “Per-
sar da extinção dos morgadios em 1863, o de Pin- pétua” na estreia da peça Os Heróis de 1820
dela foi e continuou a ser administrado como se (1895), de Véron e Nogueira Júnior, na festa do
a vinculação se mantivesse. ator Sérgio de Almeida. Foi em diversas épocas
Bib.: João Afonso Machado, O Morgadio de Pindela, Por- ao Brasil. Não era uma atriz notável, mas foi de
to, 1999. grande utilidade no teatro. Fazem também par-
[Ju. E.] te do seu repertório os dramas Capitão Maldi-
to, em 5 atos, e Dramas de Taberna, em 5 atos,
Margarida de Jesus Lopes de Carvalho imitações de Sousa Bastos, Vida de Um Rapaz
Atriz. Nasceu a 19 de abril de 1828 e faleceu em Pobre, em 5 atos e 7 quadros, de Octave Feuil-
Lisboa a 19 de abril de 1896. Foi casada com Ber- let, tradução de Joaquim José Annaya, Quem É
nardino Augusto de Carvalho, distinto ator do o Pai da Criança?, Fraquezas Humanas, de
Teatro D. Maria II que faleceu de febre-amarela Brieux, As Duas Órfãs, em 5 atos, de Adolphe
a 8 de novembro de 1857. Tinha fama de ser an- d’Ennery, tradução de Ernesto Biester; as co-
tipática, azarenta e dizia-se que dava “mau-olha- médias A Navalha, de costumes, original de Sou-
do”, atribuindo-se-lhe os insucessos das peças. sa Bastos, O Rabo do Diabo, em 3 atos, tradução;
Margarida Lopes estreou-se no Teatro do Giná- Os Lanceiros, vaudeville, tradução de A. Meneses
sio, em O Cabo da Caçarola, mágica em 3 atos e Acácio Antunes; A Fada de Coral, mágica de
de Joaquim Augusto de Oliveira. Quando o Tea- Sousa Bastos, e As Ambições de Um Eleitor.
tro do Ginásio reabriu, depois de obras, a 16 de
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
novembro de 1852, foi logo escriturada pela so- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 729;
ciedade artística da companhia. Passou para o António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Teatro D. Maria II, onde pouco tempo se con- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 195; Idem,
servou. Esteve por diversas épocas no Porto e, Recordações de Teatro, Editorial Século, Lisboa, 1947,
p. 42; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal.
nos últimos anos da sua carreira, era atriz resi- Dicionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográ-
dente do Teatro do Príncipe Real, em Lisboa. Nes- fico, heráldico, numismático e artístico, Vol. IV, Lisboa,
te, representou Nobres e Plebeus, drama em 5 João Romano Torres & Ca. 1909, p. 497; Guiomar Torre-
atos e 8 quadros de Octave Feuillet, tradução de zão, “Através do Binóculo”, Ribaltas e Gambiarras, Lis-
Francisco Palha, Os Nossos Rendimentos (1879), boa, série 1, n.o 17, 02/04/1881, p. 133; Gustavo de Ma-
tos Sequeira, História do Teatro Nacional D. Maria II, Vol.
comédia em 4 atos, versão de Sousa Bastos. Em I, Publicação Comemorativa do Centenário 1846-1946,
1880, foi em digressão a Viana do Castelo na Lisboa, 1955, p. 244; Idem, O Carmo e a Trindade, Vol.
Companhia Artística de Pedro Cabral, então no II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Municipal
Porto, com Maria Peres*, onde representaram dra- de Lisboa, 1967, p. 324; Maximiliano de Azevedo,
mas e comédias. A situação financeira devia ser “Teatro do Príncipe Real”, As Instituições, 06/01/1884;
Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro, Lis-
precária, pois Margarida tratava da roupa de Pe- boa, Livraria Popular, 1924; O Ocidente, Vol. VII, n.o 189,
dro Cabral nas horas vagas. Voltou ao Teatro do 21/03/1884, p. 66; Correio da Manhã, 05/04/1895.
Príncipe Real e entrou nos elencos de Niniche [I. S. A.]
(1880), vaudeville de Millaud & Hannequin, tra-
dução de Sousa Bastos, música de F. Alvarenga, Margarida Lopes
O Naufrágio da Fragata Medusa (1880), mági- v. Margarida de Jesus Lopes de Carvalho
ca de Joaquim Augusto de Oliveira, O Povo
(1880), drama popular de Sousa Bastos e músi- Margarida Pires de Almeida
ca de Angelo Frondoni, Doido sem Estar Doido Atriz que se distinguiu no teatro ligeiro. Nasceu
(1880), comédia de Luís Araújo, O Demónio Ne- a 4 de janeiro de 1908. Estreou-se em 1914, no
gro (1881), drama marítimo de grande espetáculo, Teatro da Trindade, na revista O Dia do Juízo,
em 5 atos, de Sousa Bastos, A Princesinha dos de Eduardo Schwalbach, música de Del Negro
Cabelos de Oiro (1884), mágica de Eduardo Gar- e Alves Coelho. No Teatro Maria Vitória, entrou
rido, O Incêndio do Brigue Atlântico (1886), dra- em Pistarim (1933), revista de Fulano e Sicra-
ma de grande espetáculo, traduzido por Maxi- no, música de Raul Ferrão e António Lopes, ao
miliano de Azevedo, O Baralho de Cartas lado de Hermínia Silva*. Fez digressões ao Bra-
(1886), comédia em 4 atos de Júlio Vieira, A Ex- sil (S. Paulo, Rio de Janeiro e Santos) e à Ar-
plosão das Naus (1887), drama marítimo em 5 gentina (Buenos Aires). Integrou o elenco do Tea-
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tro do Povo do S.N.I. durante 12 anos. Aban- Ajuda, em 1933. No verão desse ano, enquanto
donou a carreira em 1952. funcionária do partido, Margarida Tavares des-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- locou-se a Sevilha incumbida duma missão, mas
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 35; foi detida no regresso, na fronteira. Em 21 de se-
Vítor Pavão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma his- tembro de 1933 deu entrada na Secção Política
tória breve do teatro de revista, Lisboa, Edições “O Jor- e Social da Polícia de Vigilância e Defesa do Es-
nal”, 1978, pp. 204 e 252.
[I. S. A.] tado, em resultado de ter sido presa na posse de
875 pesetas, de um bilhete para Gabriel Pedro e
Margarida Tavares Fernandes Ervedoso duma carta dirigida a Egídio de Oliveira Sarai-
Filha de Cristiano Fernandes e de Maria do Car- va, escrita por Armando Magalhães, emigrado na-
mo, nasceu em 1903, em Alcochete. Iniciou mui- quele país, onde dava “instruções ao Saraiva, para
to nova a sua vida afetiva e política: aos 14 anos a organização da célula comunista junto do Sin-
ligou-se a Gabriel Pedro (22/04/1898-1972), com dicato dos Operários Vidreiros da Marinha
quem casou aos 15, já mãe de Edmundo Pedro Grande. Do processo resulta a convicção de que
(n. 08/11/1918), nascendo, dois anos depois, João a epigrafada agiu conscientemente e por mando
(1920-1935) e, por fim, Germano Tavares Pedro. de seu marido, que anda fugido à ação da Polí-
Como toda a família, Margarida manteve, nos cia” [Presos políticos no regime fascista II – 1936-
anos 30, intensa atividade política no Partido Co- 1939, p. 428]. Submetida a interrogatórios, negou
munista Português e chegou a ser um dos seus tudo, foi enviada para a Cadeia das Mónicas e o
primeiros funcionários permanentes. Acompa- processo seguiu, em 12 de outubro de 1933, para
nhou o marido, deportado para Timor em 1925, julgamento no Tribunal Militar Especial. Em ja-
e depois, em 1928, para a Guiné, em resultado neiro de 1934, a mãe e Edmundo Pedro, ambos
das suas atividades sindicais no âmbito do detidos, encontraram-se na prisão do governo ci-
anarco-sindicalismo durante a I República, ten- vil, a que se juntaria pouco tempo depois o pai.
do, em 1931, aquando da revolta da Madeira pro- Pedro Baptista da Rocha, ativista da Federação
tagonizada pelo general Sousa Dias, organizado das Juventudes Comunistas Portuguesas na dé-
sublevação semelhante na Guiné. Com o fracas- cada de 30 conta, no livro Escrito com Paixão,
so desta, fugiu para Espanha, radicou-se em Se- como se cruzou com Margarida na sede da Po-
vilha, onde, mais uma vez, a mulher lhe fez com- lícia de Informações, estando ambos então pre-
panhia com o filho João e aí aderiram ao Parti- sos, e como ela “quis dar-me algumas fatias de
do Comunista Espanhol, tendo participado ati- pão com marmelada que, na previsão de longas
vamente os três no IV Congresso realizado em horas a passar na polícia, levara para merendar”
Sevilha. Margarida Tavares, “então com 28 anos, [Pedro Rocha, p. 83], evocando ainda “que em Es-
também usou da palavra em nome da organiza- panha havia conhecido La Pasionaria no início
ção comunista das mulheres portuguesas”, por da sua carreira revolucionária” e “era militante
sinal inexistente [Edmundo Pedro, pp. 27 e 68]. da secção feminina do Partido Comunista Por-
Na sequência deste episódio, marido e mulher fo- tuguês” [Idem, p. 84]. Margarida Tavares não che-
ram convidados pela direção do PCP a ingressar garia a ser julgada, ao contrário do marido e fi-
no partido “e regressarem clandestinamente a Por- lho, voltou a ser transferida para a Cadeia das Mó-
tugal para se dedicarem, a tempo inteiro, à ati- nicas e libertada alguns meses após a sua de-
vidade partidária” [EP, p. 69], tornando-se fun- tenção, em maio. Passou a visitar o filho e ma-
cionários políticos em 1932. Sempre segundo as rido no Aljube, onde, durante as conversas atra-
Memórias do filho mais velho, a mãe aderiu to- vés do parlatório, acordou-se no divórcio perante
talmente às novas ideias e atividades, instalaram- a perspetiva da condenação daquele por muito
-se em Lisboa, “com nomes fictícios, numa casa tempo e na sequência da deportação para Angra
alugada pelo Partido, na Rua S. Sebastião da Pe- do Heroísmo, para onde seguiu em 8 de setem-
dreira” [EP, p. 69], transformada em sede central bro de 1934. Retomou a atividade política no Par-
do PCP, onde se reuniam os principais dirigen- tido Comunista, funcionando quase como se-
tes, nomeadamente Alfredo Caldeira, Bento cretária de Bento Gonçalves, que a encarregava
Gonçalves, Francisco Paula de Oliveira (Pavel) “do desempenho de tarefas semilegais inerentes
e José de Sousa, e editava-se a imprensa clan- à sua atividade de secretário-geral do Partido” [EP,
destina, como o Avante! e o Militante. Aí se re- p. 235, nota 38], e refez a sua vida com Afonso
fugiou Pavel aquando da fuga do Sanatório da Silva, guarda-livros, deportado nos Açores que
MAR 490

regressara havia meses: conheceu-o “no âmbito beleceram-se, de início, na Póvoa de Santa Iria.
da atividade partidária” e “essa ligação mante- Mais tarde, mudou-se para Cascais onde per-
ve-se enquanto ambos foram vivos” [EP, p. 257]. maneceu. Tiveram quatro filhos, dois dos quais
Em maio de 1935, morreu, com 14 anos, o filho morreram antes da progenitora. Em 1939, foi uma
do meio, em consequência de violenta agressão das fundadoras da Organização Feminina de So-
após uma ação política realizada na Escola Fon- corro*, onde muitas mulheres trabalharam ar-
seca Benevides, e nesse mesmo ano, com a de- duamente na recolha, feitura e distribuição de
tenção de Bento Gonçalves, “separou-se defini- milhares de peças de roupa e de ligaduras. Já no
tivamente do PCP” [EP, p. 349]. Edmundo Pedro final da guerra ocupou-se das muitas crianças bri-
narra nas Memórias o que foi o percurso invul- tânicas que passaram por Lisboa, vindas sobre-
gar de combate desta família comunista, “dizi- tudo dos EUA, para onde tinham sido enviadas
mada pela repressão fascista”, a começar por si por seus pais para melhor segurança. Ficavam
próprio, preso pela primeira vez aos 15 anos e en- instaladas no Hotel do Parque, no Estoril, por ve-
viado para o Campo de Concentração do Tarra- zes durante longas semanas, enquanto aguar-
fal aos 17, em 1936, juntamente com o pai, onde davam transporte para o Reino Unido. Com ca-
“conviveram” uma década, não olvidando “a vida pacidades organizativas excecionais, trabalhou
de sacrifícios, em grande parte alienada e des- durante várias décadas no Serviço Voluntário Fe-
truída, da minha mãe. Arrastada no turbilhão que minino*, tendo sido agraciada com a respetiva
foi a vida do marido, portou-se sempre com enor- medalha. Foi ideia sua montar uma tenda na
me estoicismo e dignidade (na clandestinidade, doca sempre que atracavam em Lisboa navios da
acompanhando o marido na deportação [...], du- marinha britânica, a fim de prestar informação
rante a prisão e na incomunicabilidade). Quan- e apoio aos militares, serviço que continuou du-
do foi detida pela então Polícia de Informações rante muitos anos.
não revelou, sequer, a morada da casa clandes- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1375, 14/08/1986.
tina de que se tornara responsável” [EP, p. 29]. [A. V.]
Nessa obra é inserida uma fotografia de Marga-
rida Tavares Fernandes Ervedoso com cerca de Maria A. Mendonça Pereira
60 anos [EP, p. 130]. Converteu-se ao espiritismo filosófico, científi-
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, co e experimental. Em 1924, tornou-se membro
Presos Políticos no Regime Fascista – 1932-1935, Mem do grupo editorial da revista A ASA*, órgão do
Martins, 1981, p. 107; Comissão do Livro Negro sobre o Centro Espiritualista Luz e Amor*. Este grupo as-
Regime Fascista, Presos Políticos no Regime Fascista II sumia os encargos financeiros da edição da re-
– 1936-1939, Mem Martins, 1982, pp. 428-429; Edmun-
do Pedro, Memórias. Um Combate pela Liberdade, I Vo- vista que era distribuída gratuitamente aos sócios
lume, Lisboa, Âncora Editores, 2007; Pedro Rocha, Escrito do centro.
com Paixão, Lisboa, Editorial Caminho, 1991; Tribunais
Bib.: A ASA, n.o 3, dezembro, 1924, p. 47.
Políticos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Ple-
[N. M.]
nários durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e De-
bates, 2009, p. 308.
[J. E.] Maria Adelaide de Lima Cruz
v. elementos biográficos em Adelaide de Almeida
Margarida Veloso Lima Cruz, sua mãe.
Filha de Carlota Veloso* e irmã de Tomásia Ve-
loso*. Foi uma modesta atriz que representou em Maria Adelaide de Oliveira
teatros populares. Casada com um sapateiro e militante republica-
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis- no, várias vezes preso durante a monarquia e o
boa, Editorial Século, 1947, p. 129. sidonismo, mãe do dirigente do Partido Comunista
[I. S. A.] da década de 1930, Francisco Paula de Oliveira
Júnior (29/10/1908-1992), mais conhecido por Pa-
Margery McSkimming Kennedy Thorburn vel. Nesses anos procurou apoiar e acompanhar
Nasceu em Glasgow, na Escócia, em 1903, vin- o filho na clandestinidade e na prisão e tornou-
do a falecer em 1986. Em 1922, casou com Per- -se, já com alguma idade, “uma dedicada militante
cy Derwood Thorburn e, quatro anos mais tar- comunista, capaz de todos os sacrifícios pelo par-
de, decidiram vir viver para Portugal. O seu ma- tido” [JPP, 1, p. 71], com algumas ações, ainda que
rido trabalhava na indústria da cortiça e esta- modestas e caídas no anonimato, relevantes
491 MAR

para o contexto da época. Integrou, entre 1934 e viética, p. 47]. Pacheco Pereira insere a fotogra-
1936, várias casas que funcionaram em Lisboa fia no primeiro volume dedicado à biografia po-
como sede clandestina da Federação das Juven- lítica de Álvaro Cunhal [JPP, p. 311].
tudes Comunistas Portuguesas (nomeadamente a Bib.: Edmundo Pedro, Memórias. Um Combate pela Li-
da Rua da Penha de França), montadas e des- berdade, I Volume, Lisboa, Âncora Editores, 2007; Fran-
montadas juntamente com o filho e outros diri- cisco Ferreira, 26 Anos na União Soviética – Notas de exí-
gentes, como Francisco Augusto Ferreira (1911- lio do “Chico da C.U.F.”, Fernando Ribeiro de Mel-
lo/Edições Afrodite, 1975; João Arsénio Nunes, “Olivei-
1992/1993); fez de mulher a dias, devido à ida- ra Júnior, Francisco de Paula”, Dicionário de História do
de, conseguindo recuperar sem qualquer suspeita Estado Novo [dir. de Fernando Rosas e J. M. Brandão de
a documentação e o ficheiro do Socorro Verme- Brito], Círculo de Leitores, 1996, Vol. II, pp. 688-690; José
lho guardado sob o estrado da sala de sessões do Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Políti-
Sindicato dos Empregados de Escritório, na Rua ca, Vol. 1 – “Daniel”, o Jovem Revolucionário (1913-1941),
Lisboa, Temas e Debates, 1999; Pedro Rocha, Escrito com
da Madalena, que se encontrava guardado dia e Paixão, Lisboa, Editorial Caminho, 1991, pp. 57-58.
noite pela polícia política; e foi com o dinheiro [J. E.]
obtido com o seu cordão de ouro, empenhado por
algum tempo, que se conseguiu financiar a edi- Maria Adelaide Dias Coelho Aboim Inglez
ção do Bandeira Vermelha, “órgão conjunto do Sétima de nove filhos de Alfredo Dias Coelho e
Partido e da Juventude, sendo o primeiro núme- de Juliana Augusta, nasceu em Castelo Branco
ro comemorativo da Revolução de Outubro” a 27 de março de 1932 e morreu a 29 de fevereiro
[Pedro Rocha, p. 40]. Em 1938, quase sexagená- de 2008, com 75 anos de idade. Irmã de José Dias
ria, num período particularmente difícil de re- Coelho (19/06/1923-19/12/1961), assassinado
pressão e prisão dos principais dirigentes e ati- pela PIDE numa rua em Alcântara, casou com
vistas do PCP, incluindo o filho, detido a 10 de Carlos Hahnemann Saavedra Aboim Inglez
janeiro na Rua da Beneficência e que fugiu do Al- (05/01/1930-12/02/2002) em 1953, ano que
jube em 23 de maio, voltou a “trabalhar em vá- marcou também o início da sua militância no Par-
rias casas clandestinas” [JPP, 1, p. 310], nomea- tido Comunista, quando tinha 21 anos. Mante-
damente a da Rua Lopes, 80. Detida, sozinha e sem ve atividade clandestina durante uma década,
família que a pudesse visitar, pois o filho en- esteve presa duas vezes, uma delas dois anos em
contrava-se já no México sob o nome Antonio Ro- Caxias, e serviu de elemento de ligação entre mi-
driguez, o “PCP fez, em 1939, um apelo dramá- litantes comunistas presos e a sua organização
tico a seu favor e de outra militante presa, Amé- no exterior. Quando o marido foi novamente de-
lia Carmo Oliveira, chamando a atenção para tido em 14 de junho de 1959, mudou-se, com a
«duas camaradas presas [...] doentes e não têm fa- filha Margarida Coelho Aboim Inglez, para casa
mília, pai, marido»” [JPP, p. 311]. Libertada, tra- de Maria Isabel Hahnemann Saavedra Aboim In-
balhou, segundo José Pacheco Pereira, “como por- glez (07/01/1902-07/03/1963), sua sogra. Entre
teira numa casa da Avenida Almirante Reis, nun- 1968 e 1975, viveu em Moscovo, juntamente com
ca mais tendo visto o filho” [idem]. Tanto Ed- Carlos Aboim Inglez, membro da direção do PCP.
mundo Pedro, nas Memórias editadas em 2007, Este dedicou-lhe dois poemas – E foram tempos
como Pedro da Rocha, dirigente da Federação da difíceis e Uma vida inteira é curta – inseridos
Juventude Comunista Portuguesa no início dos no livro de poesias Soma Pouca.
anos 30, e Francisco Ferreira, o Chico da CUF, to- Bib.: Carlos Aboim Inglez, Soma Pouca, Lisboa, Edições
dos contemporâneos de Pavel e que conviveram Avante!, 2003.
com Maria Adelaide de Oliveira, referem-se à sua [J. E.]
generosa militância e dedicação ao filho. Este úl-
timo relembra que “empenhava continuamente Maria Adelaide Diogo
objetos pessoais de valor, inclusive o cordão de Artista que abrilhantou a parte musical da
ouro de estimação do casamento, para pagar as sessão solene realizada no Palácio da Bolsa em
despesas: renda de casa, papel e tinta, alimenta- homenagem à França, promovida pela Junta Pa-
ção” e que “D. Maria Adelaide trabalhou e sa- triótica do Norte em 13 de julho de 1918. Atuou
crificou-se muito pelo PCP. Nesses difíceis anos ao lado de Judite Lima*, Suzanne Wetzles*, Luís
de clandestinidade, ia comprar papel, transpor- Costa e Raimundo de Macedo.
tava jornais e chegava a procurar contactos que Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916-
tínhamos perdido” [FF, 26 Anos na União So- 15 Anos de Benemerência-1931. Relato geral da sua obra
MAR 492

e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos Ór- valores. A obtenção do curso geral dos liceus con-
fãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica do frontou-a, mais uma vez, com a necessidade de
Porto, Lda., 1932, p. 49.
[N. M.] optar entre aceitar ou não aquilo que não era mais
do que um desígnio social, imposto pela sua con-
Maria Adelaide Moreira Brandão dição de mulher. Estava em causa escolher a es-
Nasceu a 21 de agosto de 1939, em Rossas, no cola para prosseguimento de estudos e, conse-
Concelho de Arouca, e morreu a 3 de dezembro quentemente, a construção de uma carreira pro-
de 2008, em Lisboa. Primogénita, entre os sete fi- fissional. Apesar de jovem, Maria Adelaide
lhos de uma família de proprietários rurais, es- Brandão revelou não só saber o que queria, mas
taria destinada, como ela o reconheceu em en- ter a determinação necessária para gerir a sua vida.
trevista para a rubrica “Pioneiras” de Faces de Eva Assim, contrariando a vontade da família, que lhe
[n.o 18, 2007, p. 150], a uma vida doméstica; con- deu permissão para continuar a estudar, mas se-
tudo, ela mesma encetou uma estratégia para que- guindo o caminho mais aceitável na época por
brar uma tradição familiar, segundo o padrão pa- uma mentalidade regulada pelos valores da ru-
terno. À influência da família materna foi bus- ralidade, inscreveu-se no 6.o ano de Ciências no
car uma razão para justificar a possibilidade de Liceu Carolina Michaëlis, supondo os pais que
aspirar a uma outra perspetiva de vida, apesar de se havia matriculado no Curso do Magistério Pri-
ser mulher, dado na mesma existirem duas pri- mário. No ano letivo de 1957-1958, concluiu o
mas de sua mãe que se haviam formado em Coim- Curso Complementar da área de Ciências, com
bra. Assim, concluída a instrução primária, a obtenção do Prémio Nacional, e mais uma vez
com distinção, colocou aos pais a questão de pros- teve de saber negociar ao decidir o curso uni-
seguir os estudos, apelando ao apoio da profes- versitário a seguir. Ainda que preferisse fazer en-
sora primária e a alguns elementos da família. Cer- genharia, sabendo que esse caminho não fazia
tamente, dois traços característicos da sua per- qualquer sentido para a família, reivindicou cur-
sonalidade, a assertividade e autoconfiança, sar Ciências Físico-Químicas. Certamente que pe-
convergiram para que se concretizasse a vonta- sou nesta decisão a consciência de que este per-
de de continuar a estudar, o que se prendia com curso não se interpunha por completo às ex-
a superação de um outro obstáculo, de não me- pectativas familiares de que o ingresso na vida
nor peso: partir da sua aldeia e deixar o ambiente ativa far-se-ia pelo magistério, e que, apesar de
familiar. Foi internada no Colégio do Sagrado estar a fazer uma cedência, continuava a estudar
Coração de Maria, em Aveiro, no ano lectivo de na área científica de que gostava. Inscrita na Uni-
1950-1951, aí permanecendo até ao 4.o ano liceal. versidade do Porto, concluiu o curso em 1962,
O final de estudos no referido colégio revela, mais na Universidade de Coimbra. Tendo recebido o
uma vez, a capacidade de determinação peran- convite, quer da Universidade de Coimbra, quer
te aquilo que se propõe realizar. Só assim se pode da do Porto, para assistente, optou por ficar em
entender que uma adolescente resista estoica- Coimbra, podendo, deste modo, participar na vida
mente a uma infeção pulmonar que, sem ser tra- coimbrã, à qual devotava uma especial atenção.
tada, resultou numa pleuresia, que a confrontou Enquanto assistente da Universidade de Coim-
com a necessidade intransponível de regressar à bra, regeu aulas práticas e teórico-práticas em di-
aldeia para se tratar, interrompendo, em de- versas cadeiras dos cursos de Ciências, Enge-
zembro, os estudos. No ano seguinte, vencida a nharia e Medicina, elaborando sebentas e, para-
doença, matriculou-se no Porto, no Colégio Mo- lelamente, iniciou a sua atividade de investiga-
derno, onde concluiu o curso geral dos liceus em ção no domínio da Física Nuclear. Colaborou, a
1956. Na forma como terminou o 5.o ano liceal convite do Professor Veiga Simão, com a jovem
transparece a sua inteligência, pois ao decidir o Universidade de Lourenço Marques na instala-
Ministério da Educação Nacional beneficiar to- ção de um laboratório de Física. Regressando a
dos os alunos que realizaram a prova do exame Coimbra, a possibilidade de continuar uma car-
da disciplina de Matemática com um bónus de reira universitária confrontou-a com a inevitável
dois valores, em face da dificuldade da mesma, decisão de fazer doutoramento, o que sabia que
a decisão ministerial não pôde ser aplicada a ela, lhe ia exigir, a par de outros esforços, fazer va-
o que foi noticiado em alguns dos jornais da épo- ler a sua capacidade afirmativa junto dos pais. In-
ca, dado a aluna Maria Adelaide Moreira Bran- teressada por uma área sem tradição em Portu-
dão ter obtido por si mesma a classificação de 20 gal, a Física das partículas elementares, designada
493 MAR

também de Física das altas energias, deparava- teira no dia da revolução que pôs fim ao gover-
se com a necessidade de se deslocar para o es- no de Marcelo Caetano. Porém, o seu projeto saiu
trangeiro, o que era inaceitável para os pais. Na gorado, pois o clima que se seguiu ao 25 de Abril
altura, impunha-se realizar as experiências e as não se tornou propício à investigação numa área
análises da investigação num país membro do que impunha a colaboração internacional, e o la-
Centre Européen de Recherches Nucléaires boratório foi ocupado. Aceitou, então, o convi-
(CERN), sediado em Genebra, e do qual Portugal te que lhe foi feito, em 1975, pelo Ministério dos
não fazia parte, pelo que se propôs encetar este Negócios Estrangeiros para representar Portugal
percurso candidatando-se a uma bolsa de estu- junto da OCDE como conselheira científica. De
do. A primeira etapa foi alcançada ao ser aceite novo em Paris, teve a seu cargo os Comités da Po-
como bolseira por duas instituições, o Instituto lítica Científica, Educação, Indústria, Energia e
de Alta Cultura e a Fundação Calouste Gulben- Ambiente e Agência de Energia Nuclear e, no pe-
kian, optando pela primeira. Obtida a permissão ríodo de 1975 a 1979, entre outras atividades, pro-
do Institut de Physique Núcléaire, do Centre Na- moveu o “1.o Comité Ministerial da Educação”
tional de Recherches Scientifiques de França, em para análise da Política Científica e Tecnológica
Orsay, a decisão de partir, em 1968, tornou-se ina- Nacional, estabeleceu o “Mecanismo para o
diável. Chegada a França, o laboratório onde co- lançamento de resíduos radioativos no mar” e par-
laborou foi o da Universidade de Paris VI, o La- ticipou no processo negocial para a entrada do
boratoire de Physique Núcleáire et Hautes Ener- seu país como membro da Agência Internacio-
gies (LPNHE). Mas, também aí, a perseverança e nal de Energia da OCDE. Regressando de novo
determinação de Adelaide Brandão vão ter de se a Portugal, em 1980 abandonou o Ministério dos
impor, pois a desconfiança perante uma jovem Negócios Estrangeiros e retomou o lugar de in-
vinda de um país que, além de não ser membro vestigadora no Instituto Nacional de Investiga-
do CNRS, era governado por um regime autori- ção Científica, sendo convidada para elaborar do-
tário fez com que a ignorassem e não alimen- cumentos relativos à Política Energética Nacio-
tassem as suas expectativas de participação nal e implementar e dirigir o departamento de
numa equipa de investigação. Só a consciência Energias Renováveis do Laboratório Nacional de
do problema lhe permitiu congregar esforços e Engenharia e Tecnologia Industrial. A ela se fi-
superá-lo de forma a, passado um ano, ser enviada cou a dever o desenvolvimento em Portugal das
pelo LPNHE, de Paris, para o CERN, de Orsay, a energias renováveis. Ao saber tirar partido do efei-
fim de participar numa experiência realizada no to multiplicador dos estudos realizados quando
acelerador de partículas, assim como frequentar membro da OCDE, agregou atividades dispersas
escolas de Verão e apresentar comunicações em por várias instituições, integrou jovens investi-
congressos internacionais, na qualidade de ele- gadores que se haviam ido formar no estrangei-
mento do LPNHE, e participar em diversas ex- ro nesta área, liderou o processo de intercâmbio
periências realizadas pelo CERN. Integrada na entre instituições nacionais interessadas pelo de-
equipa que constituiu a colaboração Bari – Bo- senvolvimento das energias renováveis e pro-
lonha – Durham – Paris (LPNHE e EP), para de- moveu o estabelecimento de protocolos e acor-
senvolver o seu projeto de doutoramento, inti- dos de colaboração com variadas instituições na-
tulado “Étude des interactions π+n a 11,7 GeV/c cionais e estrangeiras, o que veio a conduzir à de-
avec production de cinq particules chargées dans finição e consolidação de áreas de investigação,
l’état final”, apresentou-o como dissertação para desenvolvimento e demonstração que ainda hoje
a obtenção do grau de docteur, tendo obtido a continuam a vigorar: energia solar, eólica, bio-
classificação três honorable em dezembro de massa e oceanos. Maria Adelaide Brandão era de-
1973. Preparando o regresso a Portugal, elaborou, masiado inteligente para os seus interesses se res-
conjuntamente com outros investigadores es- tringirem à esfera científica. É lícito reconhecê-
trangeiros, um plano para implementar o estu- la como uma mulher da cultura, pois não se pode
do da Física das partículas no nosso país, o que ignorar que, em inícios da década de noventa, fun-
passava pela instalação de um laboratório em Lis- dou, anexo à sua habitação, conjuntamente com
boa, associado ao LPNE de Paris, e permitia a par- o marido, o Prof. Doutor António Pádua Loureiro,
ticipação nas experiências do CERN, mesmo sem catedrático do Instituto Superior Técnico, e de al-
ser membro desta organização internacional. E guns amigos, o salão cultural Universitas Gratiae,
assim regressou a Portugal, atravessando a fron- o único vigente em Portugal até à data da sua mor-
MAR 494

te. Aí se promoveram serões temáticos, uma vez foi educada no Convento da Esperança, em Se-
por mês, ao sábado à noite, que assumiam a for- túbal. Quando saiu da instituição não tinha meios
ma de seminários, sessões de música e de poesia de subsistência para si e para a mãe e empregou-
e mostras de pintura e, posteriormente, foram cria- -se, durante dois anos, como ajudante de um co-
dos os jantares de quarta-feira com carácter de en- légio, e só depois, veio residir para Lisboa.
contro e convívio, proporcionando a sedimenta- Aqui começou a frequentar o teatro e resolveu se-
ção de laços entre os frequentadores da Univer- guir a carreira artística. O Dr. Figueiredo, lente
sitas Gratiae. A mulher recetiva a novas ideias e da Escola Politécnica de Lisboa e sobrinho do ator
dinamizadora de projetos na vida profissional afir- Tasso, conseguiu, através do tio, que Maria
mou-se, também, nesta outra dimensão, acolhendo Adelaide entrasse para o Teatro D. Maria II em
a sugestão de uma frequentadora do salão, e an- 1865. Embora de pequena estatura, era elegante
tiga amiga dos tempos de Coimbra, para se pre- e vestia bem, requisitos então indispensáveis, pois
servar a memória deste espaço cultural. Trans- a apresentação das atrizes contava muito nas de-
formou a sugestão num desafio, que lançou à sua cisões dos empresários das companhias teatrais.
amiga, apoiando-a desde a elaboração até à pu- Naquele teatro, iniciou-se em papéis curtos e de
blicação do livro Salões Culturais Abertos por Fi- pouca importância e foi progredindo até integrar
guras Femininas. O salão ‘Universitas Gratiae’. peças de sucesso, entre as quais A Vida de Um
Conhecê-la e analisar o sentido que ela imprimiu Rapaz Pobre, drama em 5 atos e 7 quadros de Oc-
à vida exige que se atenda à autoanálise que fez tave Feuillet, tradução de Joaquim José Annaya,
do seu processo de construção como mulher, ao Os Dois Manos, Os Couteiros, Coração e Arte, co-
afirmar: “Penso algumas vezes, quando me con- média-drama em 6 atos, de Leon Fortis, tradução
frontam com aquilo que fiz na vida, sobretudo o de D. António da Costa, Os Tantos por Cento, Três
facto de ser o primeiro português a ter trabalha- Cabeças e Três Chapéus e Cornélio Guerra, esta
do no domínio da Física das Partículas, acresci- de Eduardo Garrido. Quando a companhia do
do de ser uma mulher e, de esta opção ter ocor- Teatro D. Maria II se dissolveu, foi para o Teatro
rido antes do 25 de Abril, que houve uma série da Rua dos Condes, então sob a direção de Fran-
de factores, que se conjugaram, permitindo-o. cisco Palha, que lhe distribuiu papéis importantes
A par do meu gosto pelo estudo e da minha deter- em A Família Benoiton, comédia realista em 5
minação, sem a capacidade de enfrentar o novo, atos, de Victorien Sardou, traduzida por Ernes-
aquilo que eu penso ser ingredientes de uma mu- to Biester, Visconde Latorière, tradução de An-
lher livre perante o desafio que é a vida, não te- tónio Mendes Leal, O Demónio de Jogo, Desvios
ria, certamente feito a carreira que fiz” [Faces de da Mocidade, Mulheres à Solta e Que Tentação!
Eva, n.o 18, 2007, p. 155]. Em 1867, fez um papel de relevo na mágica
Da autora [em colaboração]: Actividades de investigação A Pomba dos Ovos de Ouro, de Eduardo Garrido,
desenvolvidas e demonstrações da Agência Interna- no Teatro das Variedades, ao lado da atriz Vir-
cional de Energia, Lisboa, LNETI, 1981; Alguns dados gínia*. Passou para o Teatro do Príncipe Real, es-
sobre a situação energética nacional, Lisboa, LNETI, criturada por Sousa Bastos, onde repetiu algumas
1981; Investigação, desenvolvimento e demonstração no
domínio energético (não nuclear) em Portugal, Lisboa, das peças do seu repertório e entrou em O Abis-
LNETI, 1981; M. A. Brandão, M. E. Oliveira & F. C. Ro- mo, tradução de Ferreira de Mesquita, Antony,
drigues, Perspectivas de investigação, desenvolvimento drama de Alexandre Dumas, pai, traduzido por
e demonstração (I, D&D) no domínio energético nacio- Ramalho Ortigão, André Gérard Montjoie, co-
nal, s.l., Instituto de Defesa Nacional, s.a., Relatório de média de Octave Feuillet, Dois Mundos, drama
actividades, Lisboa, INETI, 2001.
Bib.: L. Leitão-Bandeira, Salões Culturais Abertos por Fi- em 3 atos, de César de Lacerda, Quer Apostar?,
guras Femininas. O salão ‘Universitas Gratiae’, Lisboa, D’Um Argueiro, Um Cavaleiro, Hora do Diabo e
Dislivro, 2006; M. J. Remédios, “Pioneiras: Maria Ade- as comédias Frou-Frou, de Meilhac e Halévy, e
laide Moreira Brandão”, Faces de Eva, n.o 18, 2007, pp. Enquanto Ladra o Tobias, que Júlio César Ma-
149-156; M. Oliveira, “In Memoriam de Doutora Maria
Adelaide Moreira Brandão, uma pioneira”, Ciência e Tec- chado escreveu expressamente para ela e para o
nologias dos Materiais, vol. XXI, 1-2, 2009. ator António Pedro. A 31 de julho de 1869, fez
[M. J. R.] o seu primeiro benefício com a peça Por Causa
de Uma Carta, adaptação de Les Pattes de Mou-
Maria Adelaide Vieira che, de Victorien Sardou, e foi um estrondoso êxi-
Atriz. Nasceu em Setúbal e faleceu em Lisboa, a to. Depois de ficar um ano sem representar, es-
7 de maio de 1886. De uma família muito pobre, criturou-se num teatro de Ponta Delgada, ilha de
495 MAR

S. Miguel, e fez papéis principais nos dramas No- goff, em 5 atos, de Júlio Verne e Adolphe d’En-
bres e Plebeus, em 5 atos e 8 quadros, versão de nery, tradução de Moura Cabral, Correio de
La Belle au Bois Dormant, de Octave Feuillet, por Lião, em 5 atos, tradução de Salvador Marques,
Francisco Palha, Dalila, em 3 atos, de Octave A Avó, de José Carlos Santos, Kean e Família Da-
Feuillet, imitação de António Serpa Pimentel, nicheff, em 4 atos, ambas de Alexandre Dumas,
Carnioli, em 4 atos, de D. José Maria Diaz, em que pai, Um Pai Pródigo, de Alexandre Dumas, filho,
foi “princesa Leonor Falconieri”, Alfageme de tradução de Ferreira de Mesquita, Moreninha, de
Santarém, histórico, de Almeida Garrett, Misté- José Paulo da Câmara e Luna de Oliveira. Na épo-
rios de Paris, de Eugène Sue e Dinneau, Herdeiros ca de 1877/78, despediu-se do Rio de Janeiro com
do Milionário, de Gomes de Amorim, e Os Ope- Princesa George e Fourchambault, de Émile Au-
rários, de Ernesto Biester. Ao fim de seis meses, gier, em seu benefício. Seguiu com o ator Antó-
regressou a Lisboa e entrou para o Teatro do Gi- nio Pedro para os estados do Sul do Brasil, onde
násio, onde se demorou três anos e se exibiu num repetiu algumas peças e fez Pedro Ruivo e o Dra-
vasto repertório: Um Homem Sério; No Campo; ma do Povo, drama em 4 atos, com prólogo e epí-
Recordações da Mocidade, comédia em 4 atos, logo, de Pinheiro Chagas. Voltou a Portugal e, em
tradução de Eugénia Infante da Câmara*; As Três janeiro de 1880, participou na récita dada pela
Mulheres, de Sousa Vasconcelos; A Pena de Ta- Sociedade Brazão, no Teatro D. Fernando. In-
lião, drama em 6 atos de Xavier de Montépin, tra- gressou no Teatro D. Maria II, onde se iniciou com
dução de Aristides Abranches e Rangel de Lima; O Luxo, de António Ennes, fez o papel de “D. Lu-
as comédias em 1 ato Duas Lições numa Só, imi- dovina de Noronha” na estreia de Casamento Ci-
tação da peça L’Autographe, por Duarte de Sá; vil (1882), comédia-drama em 4 atos de Cipria-
Duas Bengalas, tradução de Ricardo José de Sou- no Jardim, e entrou em Idade Ingrata (1883), de
sa Neto; O Misantropo, tradução de Les Femmes Pailleron, tradução de Gervásio Lobato. Do seu
Savantes, de Molière; A Corte na Aldeia, drama repertório, lembramos ainda Dominós Cor-de-
em 3 atos, imitação da peça Les Ivresses de -rosa, O Demónio da Meia-noite, O Marido da Doi-
l’Amour, de T. Barrière, por Mendes Leal; A Ca- da, Apóstolos do Bem, Os Falsos Viciosos, Os Ze-
lúnia, de E. Scribe, tradução de Rodrigo Lima Fel- losos, A Firma Cramer & Coração, Castro & Fi-
ner; O Afilhado Pompignac, comédia-drama lho, Religião da Família, Marido e Mulher e Re-
em 4 atos, de Jules Jalin; e fez benefício com De- ceita Homeopática. Era de grande utilidade no
baixo da Máscara, de Gervásio Lobato, no papel teatro, pois fazia papéis de qualquer género. Mo-
de “esposa beata”. Em 1873, foi representar a Se- rou na Rua do Loreto, esquina com a Rua da
túbal, integrada na companhia do Teatro do Gi- Emenda, onde organizava reuniões de convívio
násio. Em 1874, entrou em Doente de Cisma, ar- a que acorriam literatos, autores dramáticos, ato-
ranjo de António Feliciano de Castilho a partir res e atrizes de todos os teatros, jornalistas e ra-
da peça Malade Imaginaire de Molière, e, de se- pazes conhecidos das noites de boémia lisboe-
guida, partiu para o Brasil, onde se estreou no Tea- ta. Em geral, ceavam, recitavam, cantavam, dan-
tro de S. Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro, çavam, conversavam e escutavam música clás-
no papel de “Laura” na comédia em 3 atos Bo- sica e fados.
ceta de Pandora, de Francisco Ferreira Serra. Du-
Bib.: Alfredo Oscar May, “Maria Adelaide Vieira” [c /fot.],
rante o tempo que esteve naquele teatro, repre- O Contemporâneo, Letras, Artes, Ciências, Lisboa, n.o 97,
sentou André ou o Feiticeiro; Túmulo da Virgem; 1882, pp. [1-2]; António Sousa Bastos, Dicionário do Tea-
Cozinha, Casa de Jantar e Sala; O Aventureiro; tro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908,
Mocidade de Henrique IV; O Príncipe dos Cabelos pp. 11 e 195; Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Edi-
de Ouro, mágica; O Paralítico, drama em 5 torial Século, 1947, pp. 220-221; Guiomar Torrezão, “Ru-
mores dos Palcos”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série
atos, em verso, de Ferreira de Mesquita; Rédeas 1, n.o 10, 26/02/1881, p. 76; Diário Ilustrado, 24/01/1880
do Governo, de D. Henrique Zumel, tradução de e 13/01/1883; O Ocidente, Lisboa, 21/01/1888, p. 19.
Rebelo da Silva; Fé, Esperança e Caridade, dra- [I. S. A.]
ma de Rosier, tradução de José da Silva Mendes
Leal; e protagonizou A Estrangeira, de Alexan- Maria Albertina
dre Dumas, filho, tradução de António Enes. Dali, Natural de Alpiarça e ativista do Partido Co-
foi para a Empresa Furtado Coelho, no Teatro Ca- munista, morreu na clandestinidade apenas 22
sino, no Rio de Janeiro, e continuou a enrique- dias após um parto normal, vítima de pneumo-
cer o seu repertório com os dramas Miguel Stro- nia. O funeral, realizado na terra natal, terá sido
MAR 496

muito concorrido e o seu nome consta do opús- com os objetos, com a profissão, com os senti-
culo Não Falar na Polícia Dever Revolucionário, mentos, com a vida. Uma inexpressividade do
publicado em 1972. rosto sublinhada pela dificuldade de visão e pos-
Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela, teriormente pela cegueira, escondia uma inteli-
2004; Não Falar na Polícia Dever Revolucionário, Edi- gência arguta e sofisticada, uma sensibilidade rara,
torial Avante!, 1972; “Glória aos nossos mártires e he- um amor vocacional e devotado pela profissão
róis! 5 mil pessoas prestam homenagem a uma militante e um prazer adivinhado na partilha de pontos de
comunista”, Avante!, série VI, n.o 344, julho, 1964, p. 2,
cols. 3-4.
vista na conversa sobre as coisas do saber, da pro-
[J. E.] fissão, ou vida vivida. […] um humor parco mas
subtil, estranho em quem parecia só raramente
Maria Alice Beaumont lhe ter sido alegre o viver. Coragem, talvez seja
v. Maria Alice Mourisca Beaumont a outra palavra que melhor define a forma com
que Maria Alice Beaumont foi, nos últimos
Maria Alice Morais Machado da Cruz anos da sua carreira, gastando a vida numa luta
Espírita. Em 1929, foi eleita para a Comissão Or- trabalhosa, interna, contra o seu próprio corpo
ganizadora das Festas de Beneficência e de Con- debilitado pela pouca saúde, e externa, contra a
fraternização da Federação Espírita Portuguesa, incompreensão e sobranceria ignorante de al-
constituída por Julieta Bensaúde*, Maria da Ma- gumas chefias” [p. 13]. José Luís Porfírio, ex-di-
dre de Deus Leite Dinis*, Maria Teresa Miranda retor do Museu Nacional de Arte Antiga, regis-
Sena*, Laura Tágide Tavares*, Leonor d’Eça*, Inês tou outro traço definidor: “no trabalho com os
Cardia*, Ângela Aureliana Coelho de Morais*, seus colegas e subordinados a sua firmeza era tem-
Maria Emília Cardoso Antunes*, coronel José Au- perada por um peculiaríssimo desgosto pelo co-
gusto Faure da Rosa e Virgílio Saque. mando; Maria Alice gostava de partilhar, mais que
obediência, continuamente solicitava participa-
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, 1929,
p. 5. ção e, quando possível, cumplicidade” [p. 2]. Não
[N. M.] surpreende, portanto, que muitos lhe recordem
igualmente a admirável capacidade de escutar.
Maria Alice Mourisca Beaumont Nazaré Escobar, bibliotecária do Instituto Por-
Historiadora de arte e museóloga portuguesa, nas- tuguês de Conservação e Restauro, sublinha
ceu em 29 de outubro de 1929, no Porto, e fale- “que o tempo tem demonstrado que a sua obra
ceu em 7 de fevereiro de 2004, em Lisboa. O pai, é cada vez mais uma referência e um ponto de
Dewet Maximiliano Beaumont, era natural da ilha partida para investigadores dos vários domínios
de Santiago, Cabo Verde, e a mãe, Fernanda da do património e da museologia em Portugal”. Foi
Silva de Sousa Bastos Mourisca, nasceu em Lis- bolseira do Instituto de Alta Cultura pelo Cen-
boa. Maria Alice Beaumont terminou o curso tro de Estudos de História e Arqueologia em 1957
complementar de Letras em 1947 e a licenciatura e 1958, e pelo Centro de Estudos de Arte e Mu-
em Ciências Histórico-Filosóficas, na Faculdade seologia de 1960 a 1971, tendo como objetivo es-
de Letras da Universidade de Lisboa, em 1956, tudar coleções de desenhos portugueses, no-
sendo a dissertação de final de curso intitulada meadamente no Museu Nacional de Arte Anti-
A representação humana na arte da iluminura. ga. Em 1961 foi bolseira, durante dois meses, da
Em 1959, fez o estágio para conservadores de mu- Fundação Calouste Gulbenkian para estudar a ins-
seus, palácios e monumentos nacionais, tendo talação de gabinetes de estampas em Paris, na Ho-
apresentado a tese As jóias na pintura portuguesa landa e na Bélgica, realizando o mesmo plano de
de quinhentos. Sempre entendeu a atividade de estudos em Londres, em 1970, como bolseira do
conservador de museu como uma “profissão vo- Instituto de Alta Cultura. De 9 de julho de 1962
cacional, única de interesses, e compensadora nas a 31 de janeiro de 1971 foi conservadora do Mu-
possibilidades de realização pessoal” e afirma- seu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, em
va, com graça, que o tempo dos museus não era Cascais. Dali transitou para o Museu Nacional de
o mesmo do calendário: um ano-museu corres- Arte Antiga, onde foi conservadora de 1 de fe-
pondia a cinco anos civis. Personalidade que com- vereiro de 1971 a 3 de abril de 1977. Até 1973,
binava a sensatez com a temeridade, a palavra que teve à sua guarda as secções de pintura, escultura
melhor a definiu, segundo Teresa Pacheco Pereira, e desenho, e a partir desse ano pôde ocupar-se,
foi “contenção […] na sua relação com os outros, quase exclusivamente, da coleção de desenhos
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e gravuras, tendo publicado em 1975 o catálogo A seu pedido, agregou ao projeto o arquiteto João
Domingos António de Sequeira: desenhos. A par- de Almeida. Foi condecorada com o grau de Co-
tir de janeiro de 1975, exerceu as funções de con- mendador da Ordem de Mérito em 5 de dezem-
servadora encarregada da Direção e, em 4 de abril bro de 1988. Traduziu do francês o romance de
de 1977, tomou posse do de diretora do Museu Jean d’Astor A Dama Branca, publicado em Por-
Nacional de Arte Antiga, cargo que desempenhou tugal em 1966, na Coleção Feminina da União
até à aposentação em 12 de setembro de 1990. Da Gráfica. Da bibliografia de que foi autora, ou coau-
sua ação neste cargo destaca-se a insistência na tora destacam-se: Cartas e Alvarás da Casa do Vi-
melhoria da qualificação e valorização dos pro- mieiro, 1968; Domingos António de Sequeira: De-
fissionais dos museus e no preenchimento do senhos, 1972-1975; Retábulo de Santa Auta: es-
quadro de pessoal do MNAA. Esse empenho fica tudo de investigação, 1972; Museu de Arte An-
expresso, entre outros exemplos, na organização tiga: Lisboa, 1977, Desenhos dos Galli Bibiena:
de um Curso Intensivo para Conservadores de arquitectura e cenografia, 1987; As 50 Melhores
Museus, em 1979-1980, ministrando as aulas de Obras de Arte em Museus Portugueses, 1991; Se-
Metodologia do Trabalho; mais tarde, fez parte queira, um Português na Mudança dos Tempos:
da Comissão Coordenadora do futuro Curso de 1768-1837, 1996. É mencionada a sua colabora-
Especialização em Museologia. Foi vogal da Jun- ção como diretora do MNAA na publicação, de
ta Nacional de Educação, do Ministério da Edu- autoria de Marie-Léopoldine Lievens-De Waegh,
cação Nacional, desde 1966, fazendo parte da 3.a Le Musée National d’Art Ancien et le Musée Na-
subsecção da 2.a secção (Museus). Foi membro tional des Carreaux de Faïence de Lisbonne, Bru-
do Instituto de História e Arqueologia, da Asso- xelles, 1991. Ficou inédito um texto da sua au-
ciação dos Arqueólogos Portugueses, da Asso- toria intitulado “A última visita”, escrito quan-
ciação Portuguesa de Museologia e da Comissão do já estava praticamente cega. Nas palavras de
Nacional Portuguesa do ICOM. Foi vogal da Aca- José Alberto Seabra Carvalho, responsável pela
demia Nacional de Belas-Artes. Em 1976, fez par- coleção de pintura do MNAA: “Trata-se de um
te do grupo de trabalho organizado pela Direção- percurso no “seu” museu, isto é, uma visita “mo-
Geral dos Assuntos Culturais para estudo de rees- nologada” conforme à memória que guardava da
truturação das carreiras museológicas. Entre disposição das obras e da “atmosfera” dos espaços
1976-1979, apoiou e colaborou no Grupo de Tra- até que se aposentou. […] Os méritos do texto ti-
balho Museus-UNESCO, liderado pelo museólogo nham assim a ver com a sua peculiar forma de
sueco Per-Uno Ägren, consultor da UNESCO. Em aproximação às obras, com o estilo sereno da es-
1979, foi nomeada para fazer parte da Subco- crita, uma poética própria”. A exposição tem-
missão de Museologia da Comissão Organizadora porária “Desenhos de Domingos Sequeira (1768-
do Instituto de Salvaguarda do Património Cul- 1837), 30 anos de aquisições”, inaugurada no
tural e Natural. Nesse mesmo ano, na sequência MNAA em abril de 2005, foi uma homenagem ao
de um parecer que formulou para a Junta Na- seu trabalho dedicado. Convém ainda destacar
cional de Educação sobre a criação do Museu de as palavras de José Luís Porfírio: “Depois de apo-
Alcobaça, foi criada uma comissão organizado- sentada e já completamente cega publicou “As
ra do mesmo museu do qual veio a ser presidente. 50 Melhores Obras de Arte em Museus Portu-
Pertenceu, por inerência, ao Conselho Consultivo gueses” […], colaborou na exposição “Sequeira.
do Instituto Português do Património Cultural, Um português na mudança dos tempos, 1768-
em 1980. Entre 1981 e 1983, fez parte da Co- 1837” em 1996, bem como na grande exposição
missão Organizadora do Museu dos Descobri- que o Museu levou a Bona – 1999; em todos es-
mentos, que não viria a existir e com o qual, de ses trabalhos, para além da sua fibra e força de
resto, não concordava. Em 1983, foi comissária vontade, fica expresso, não um simples exercí-
do núcleo do Museu Nacional de Arte Antiga da cio de memória, mas o poder iluminante do es-
XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura do Con- pírito capaz de ultrapassar dificuldades habi-
selho da Europa. Entre 1983 e 1984, comissariou tualmente tidas por insuperáveis” [p. 2].
a exposição da Ordem de Cister em Portugal que Bib.: José Luís Porfírio, “Maria Alice Beaumont (1929-
se realizou no Mosteiro de Alcobaça. Participou 2004)”, Icom: boletim semestral da Comissão Nacional
Portuguesa do ICOM, n.o 4, março, 2004; MNAA. Curri-
na Comissão Administrativa da Fundação Me- culum vitae de Maria Alice Mourisca Beaumont,
deiros e Almeida, em 1986, por inerência do car- 24/03/1992; Teresa Pacheco Pereira, “Maria Alice Beau-
go, sendo-lhe atribuído o pelouro da Museologia. mont”, Boletim trimestral da rede portuguesa de museus,
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n.o 11, março, 2004, pp. 12-13; Maria João Pinto – Sete preparar-se o melhor possível” [idem, pp. 181-
caminhos para a luz na primeira “Noite dos Museus”; 182]. No âmbito da militância socialista, inter-
http://dn.sapo.pt/2005/05/11/artes/sete_caminhos_para_a_
na_primeira_noi.html. 2005-12-23 22:50; Pistas gentil- veio até morrer em defesa dos direitos das mu-
mente cedidas pelos Drs. José Alberto Seabra Carvalho, lheres e fez parte, em representação do PS, da Co-
Ana Rosa Godinho Cardoso e Nazaré Escobar. missão Instaladora da futura Comissão da Con-
[S. L.] dição Feminina, que veio a integrar como técnica
superior entre 1980 e 1992. Depois de reforma-
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos da, voltou a fazer parte do Conselho Consultivo
Filha de Fernando de Castro e de Maria Emília da CIDM, atual CIG, agora em representação da
e neta dos republicanos Afonso Costa e Elísio de Associação Intervenção Feminina. Participou em
Castro, nasceu em 1919, em Lisboa, cidade inúmeras delegações e conferências internacio-
onde faleceu em outubro de 2005, com 86 anos nais promovidas, entre outras, pela ONU, União
de idade. Cresceu “numa família democrática, em Europeia, UNESCO e Conselho da Europa, ten-
que a liberdade de cada um era respeitada” [Fa- do sido delegada oficial na Conferência de Pe-
ces de Eva, n.o 13, p. 181] e, apesar do exílio for- quim e membro do Comité Diretor para a Igual-
çado de Afonso Costa pela ditadura salazarista, dade entre Homens e Mulheres do Conselho da
manteve com ele bastante contacto através de cor- Europa. Foi ainda membro fundador do Depar-
respondência semanal e de visitas anuais a tamento Nacional de Mulheres do Partido So-
França. Tal como escreveu no “Auto-(retrato)” es- cialista, da Intervenção Feminina (1985) e da
crito poucos meses antes de falecer para a revista Aliança para a Democracia Paritária (1994) e, nos
Faces de Eva, a sua educação “não foi muito con- seus dois últimos anos de vida, apoiou a cons-
vencional”, “tendo começado a ler e a escrever tituição da Plataforma Portuguesa para os Direitos
primeiro em francês e só depois em português”; das Mulheres, cujo novo espaço, inaugurado em
estudou em casa com uma professora; fez exame 2012, no Parque Infantil do Alvito, em Monsanto,
da 4.a classe numa escola portuguesa; frequen- tem o seu nome: Centro Maria Alzira Lemos –
tou a escola alemã “até à subida do Hitler ao po- Casa das Associações. O seu exemplo, empenho
der e a propaganda nazi ser introduzida na es- e militância em defesa dos direitos das mulhe-
cola”; passou para o Colégio Valsassina; voltou res e da igualdade mereceram reconhecimento
a estudar em casa no 7.o ano e fez o respetivo exa- nacional e internacional. Foi agraciada com a Or-
me no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. Re- dem de Mérito – Comendador em 21 de maio de
velou, primeiro, preferência pela Física, fez 1997. Deixou um breve, mas esclarecedor, Auto-
exame à Faculdade de Ciências, onde andou um Retrato editado no ano do seu falecimento.
ano, e saiu para frequentar a Faculdade de Direito, Da autora: “Auto-(retrato) – Maria Alzira Lemos”, Fa-
tendo-se preparado para o exame de admissão ces de Eva, n.o 13, 2005, pp. 181-184.
com o professor Agostinho da Silva, que lhe Bib.: Manuela Tavares, Feminismos: Percursos e Desa-
“abriu novos horizontes não só pelo que ensinava fios (1947-2007), Texto, 2011; Sofia Branco, “Morreu Ma-
ria Alzira Lemos – Precursora da luta pelos direitos das
como pela maneira como vivia”. Licenciada em mulheres em Portugal”, Público, 06/10/2005; Público,
Direito e advogada, casou com José Miguel de Al- 26/09/2004, p. 14.
meida Cardoso de Lemos e trabalhava no escri- [J. E.]
tório do pai quando se deu o 25 de Abril, “um
dos dias mais felizes da minha vida”. Tornou- Maria Alzira Lemos
-se, então, uma cidadã ativa e empenhada: par- v. Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos
ticipou no 1.o de Maio de 1974; filiou-se no Par-
tido Socialista, sendo eleita deputada à Assem- Maria Amália de Sousa Botelho Mourão de Vas-
bleia Constituinte (1975-1976) e à Assembleia da concelos
República; e evidenciou-se enquanto feminista Nasceu a 28 de dezembro de 1858 e faleceu a 14
assumida, talvez por influência do avô Afonso de abril de 1918. Filha de Fernando de Sousa Bo-
Costa que, numa carta de 1936, lhe escrevera “O telho Mourão de Vasconcelos, 2.o conde de Vila
meu princípio é que as mulheres de agora têm Real, e de sua segunda mulher, D. Júlia Adelai-
de se valorizar aos olhos do mundo e dos próprios de Braamcamp de Almeida Castelo Branco, se-
maridos aliás tornam-se parasitas e estorvos em nhores da Casa de Mateus, casou, em 23 de maio
face da vida intensa e complexa que se desenha de 1889, com Vicente Pinheiro Lobo Machado de
diante de toda a gente. E assim, cada qual deve Melo e Almada, 2.o visconde de Pindela. Acom-
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panhou o marido nas suas missões diplomáticas tregar na sua entidade patronal. No Anuário Co-
em Haia e em Berlim e consta ter sido sempre uma mercial de 1887, Maria Amália aparece como
grande conselheira deste. Marcou presença na cor- professora de costura na Escola Central n.o 21,
te portuguesa e noutras cortes europeias. Vestidos em 1895 está incluída no quadro eventual da Es-
seus podem ser vistos no Museu Nacional do Tra- cola Central n.o 3 do sexo feminino, no Largo de
je, em Lisboa. Revelou grande sensibilidade ar- S. Paulo, e em 1899 faz parte do quadro even-
tística, principalmente na pintura, daí ter sido con- tual da Escola Paroquial n.o 34 do sexo femini-
vidada pelo seu primo Anselmo Braamcamp Frei- no, na Rua Oriental do Campo Grande.
re para colaborar na ilustração do livro A Sala dos Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
Brazões de Sintra. Foram inúmeras as aguarelas – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
e desenhos a carvão que deixou e que são con- Bib.: Caldeira Pires (coord.), Anuário Comercial ou Anuá-
servadas pelos seus descendentes. rio Oficial de Portugal Ilhas e Ultramar, da Indústria,
Magistratura e Administração para 1900, Lisboa, 1895,
Bib.: João Afonso Machado, O Morgadio de Pindela, Por- p. 249; Idem, Anuário Comercial ou Anuário Oficial de
to, 1999. Portugal Ilhas e Ultramar, da Indústria, Magistratura e
[Ju. E.] Administração para 1900, Lisboa, s.ed., 1899, p. 701; Car-
los A. S. Campos, Almanaque Comercial de Lisboa, Lis-
Maria Amália Machado Eça e Castro boa, Companhia Tipográfica, 1887, p. 511.
Nasceu em Lisboa em 1805 e faleceu em 1863. [A. C. O.]
Filha única e herdeira de Luís Machado de Men-
donça Eça Castro e Vasconcelos, administrador Maria Amália Reis Bentes
de inúmeros morgados, e de sua mulher D. Ma- Mestra na oficina de lavores femininos da Escola
ria Ana de Saldanha de Oliveira e Daun. Foi esta Industrial de Portalegre a partir de 1894. Costu-
senhora a segunda mulher do 1.o conde da Fi- reira-modista de profissão, foi encarregada, em
gueira, D. José Maria Rita de Castelo-Branco Cor- janeiro de 1894, por Luciano Cordeiro, inspetor
reia da Cunha Vasconcelos e Sousa. Registou, das escolas industriais da circunscrição do Sul,
como administradora, em 1863, no Governo Ci- da regência dos Lavores de Costura e Corte na Es-
vil de Lisboa, os vínculos dos Eças (em Coruche, cola Industrial Fradesso da Silveira, em Porta-
Montemor-o-Novo, Aldeia Galega do Ribatejo e legre, com um vencimento de 12$000. A sua com-
Viana do Alentejo), dos Mendonças e Avé-Ma- petência para substituir a anterior mestra, Ana
ria (em Lisboa) e de Castro (em Amares e Póvoa de Jesus de Almeida*, que se demitira do cargo,
do Lanhoso). fora assegurada pelo governador civil e outros ele-
mentos da comunidade local. O Decreto de
Fontes: ANTT, Vínculos Abelho, Lisboa, Processo n.o 18.
[Ju. E.] 14/12/1897, que reorganizou o ensino nas esco-
las industriais e de desenho industrial, confirmou-
Maria Amália Pestana Vieira e Pereira a como mestra, mas pertencendo ao pessoal adi-
Professora de Lavores do curso de habilitação do. Foi colocada em 2 de dezembro de 1908 no
para o magistério do sexo feminino da Câmara lugar de mestra do quadro na Escola Industrial
Municipal de Lisboa, foi também mestra de cos- Vitorino Damásio, em Lagos.
tura das escolas municipais em exercício no re- Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
ferido curso e na classe complementar da Escola Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi-
Central Municipal n.o 3. Candidatou-se a 1 de ju- cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In-
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul,
lho de 1890 e provou ser habilitada para exer- Copiadores de correspondência expedida (1893; 1894).
cer o lugar de mestra de lavores nos Institutos Fontes impressas: Decreto de 14/12/1897, Diário do Go-
Secundários Femininos*, em Lisboa. A 7 de ju- verno, n.o 283 de 15/12/1897; Portaria de 02/12/1908, Diá-
lho de 1892, enviou nova carta para a Direção rio do Governo n.o 283 de 14/12/1908.
Geral de Instrução Pública com o seguinte con- Bib.: Teresa Pinto, A formação profissional das mulheres
no ensino industrial público (1884-1910). Realidades e
teúdo: “tendo requerido em julho de 1890 idên- representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,
tico lugar no Instituto Feminino de Lisboa, cria- Universidade Aberta, 2008.
do pela lei de 9 de agosto de 1888, que não foi [T. P.]
posta em execução” solicitava, em carta assinada
pelo marido (Anselmo Augusto Fernando Pe- Maria Amélia de Carvalho Burnay
reira), que lhe fossem devolvidos os documen- 1.a condessa de Burnay. Nasceu em 1847 e mor-
tos enviados em 1890, para que os pudesse en- reu em 1924. Casou, em 1866, com Henrique de
MAR 500

Burnay, que recebeu de D. Luís o título de con- condes de Paris (Luís Filipe Alberto de Orleães
de (Decreto de 07/08/1886). Em março de 1916, e Maria Isabel de Orleães-Montpensier, infanta
após a declaração de guerra da Alemanha a Por- de Espanha, sua prima, filha dos duques de Mont-
tugal, integrou a comissão de mulheres aristo- pensier), a jovem princesa teve uma educação es-
cratas que fundou a Assistência das Portuguesas merada, disciplinada e rigorosa, pois, como re-
às Vítimas da Guerra*. Foi a sua primeira presi- presentante da nobreza, devia adquirir rapida-
dente, mas desempenhou essas funções duran- mente os princípios morais e os hábitos físicos
te muito pouco tempo, pois pediu a demissão em para dar o exemplo em todas as circunstâncias.
finais de maio. Estaria especialmente interessa- Falava várias línguas (português, espanhol, in-
da na questão da assistência aos combatentes fe- glês e, mais tarde, alemão), era possuidora de uma
ridos. Como aquela associação não conseguiu rea- vasta e sólida cultura literária e histórica (orien-
lizar os fins que se propunha nessa esfera, em fi- tada pelos mais afamados professores da época,
nais de maio de 1916 inscreveu-se como “Dama entre os quais Mademoiselle Amélie Levaseur, sua
da Cruz Vermelha”, fazendo entrega de um che- precetora, que a acompanhou durante toda a ju-
que de quinhentos escudos. Colocou à sua dis- ventude, orientando leituras e toilettes, e limando
posição, até seis meses depois de terminada a as arestas de uma personalidade algo rebelde que
guerra, os edifícios da sua vila de Santo António, foi, ao longo dos anos, reprimida por severos cas-
à Junqueira, para tratamento de feridos. Nessas tigos aplicados pelos pais, mas também pelo olhar
instalações havia 46 quartos, quase todos com duas inquisitorial de um Deus terrível imposto pelo
camas e dois dormitórios, podendo comportar 98 seu confessor, Brantôme) e dedicou-se desde cedo
camas. Dispunham de 11 casas de banho e de um às artes, que muito apreciava, nomeadamente a
enorme refeitório. Roupas, lavatórios, fogão, pintura e o desenho. Também aprendeu música,
caldeira a vapor, tudo contribuía para que hou- canto e a arte dos arranjos florais, na qual era ex-
vesse condições para poder começar a funcionar celente, tendo mesmo ganho aos 15 anos um con-
um hospital. Aqui viriam a ser tratados muitos curso. Colecionava borboletas, minerais e, so-
repatriados dos campos de batalha de França e bretudo, selos, muitos dos quais lhe chegavam
África. Foi local de estágio das enfermeiras que às mãos pelo pai e pelos tios quando se deslo-
partiram para França a prestar serviço no Hos- cavam ao estrangeiro. Além de ser uma jovem de
pital da Cruz Vermelha em Ambleteuse. Nas ins- grande formosura e inteligência, alta (chegou a
talações da Junqueira funcionava também um ter vergonha do seu tamanho, por ser mais alta
posto de socorros destinado ao público em geral que as jovens da sua idade e por lhe chamarem
e, com a epidemia de gripe pneumónica que as- em família “A Grandota” ou “A Grande”) e de as-
solou o país em 1918, a Cruz Vermelha abriu aí peto saudável (jogava ténis com frequência e mon-
um orfanato. tava exemplarmente a cavalo), era dotada de uma
Bib.: Maria Lúcia de Brito Moura, “A Assistência aos Com- sólida educação de família, para a qual muito con-
batentes na I Guerra Mundial – Um conflito ideológico”, tribuiu sua mãe, e demonstrou desde sempre um
Revista Portuguesa de História, Tomo 38, FLUC, 2006, impressionante espírito de humildade cristã
p. 55; Idem, “Resistências femininas ao laicismo repu- que viria a pautar a sua vida até aos últimos dias.
blicano”, Mulheres na I República. Percursos, Conquis-
tas e Derrotas (coord. Zília Osório de Castro, João Este- No dia da Sagrada Comunhão (28 de junho de
ves e Natividade Monteiro), Ed. Colibri, 2011, pp. 174- 1878, na igreja paroquial de Eu), a princesa foi
175; O Dia, 23/03/1916, p. 3, col. 2; Arq. da C. V. – Lis- vestida de branco, tal como as mais pobres me-
boa, Copiador da Correspondência Expedida, Liv. N.o 20, ninas da paróquia, não se distinguindo destas pelo
13/06/1916, Liv. N.o 21, 15/09/1916; Boletim Oficial da
Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha, setembro, 1918,
facto de nas suas veias correr sangue nobre. Ao
p. 284; Idem, outubro, p. 308. contrário delas, teve oportunidade de viajar até
[M. L. B. M.] Dreux e Dinard, de passar férias em família em
Cannes, e de se deslocar a Espanha, principal-
Maria Amélia Luísa Helena de Orleães e Bra- mente a Madrid e à região andaluza, onde os avós
gança (Rainha D.) maternos possuíam residência. Por volta de
Nasceu e foi batizada no credo católico no dia 28 1884, a palavra casamento passou a fazer parte
de setembro de 1865 na vila de Twickenham, In- das conversas de família. Os primeiros candidatos
glaterra, país onde os Orleães viveram exilados possíveis faziam parte da corte austríaca, para
sob a proteção da rainha Vitória, na sequência da onde a jovem princesa, um bom partido por ser
revolução de 1848, até 1871. Filha mais velha dos a filha mais velha daquele que poderia vir a ser
501 MAR

rei de França, mas também por ser um importante sejado pelos dois futuros cônjuges que nasceram
elo de estabelecimento ou reforço de uma alian- exatamente no mesmo dia, apenas com dois anos
ça com uma das mais velhas dinastias europeias de diferença (D. Carlos era o mais velho). En-
e talvez com uma das mais antigas nações do ve- quanto não chegava o grande dia, emissários es-
lho continente, se deslocou, devidamente es- peciais encarregavam-se da correspondência
coltada e aconselhada. Para a jovem, casamen- entre ambos. Em Paris, a noiva era arrastada dos
to era igual a liberdade: pressupunha algum dis- cabeleireiros para as boutiques e os salões das me-
tanciamento da família, assim como deixar de lhores costureiras, onde era penteada, maqui-
apanhar as bofetadas maternas, com as quais a lhada, onde lhe tiravam as medidas para a con-
condessa de Paris educava firme e duramente os feção de roupa e de botinas; em casa, recebia cen-
filhos. Contudo, este primeiro projeto, apesar de tenas de presentes e telegramas e cartas de feli-
a estadia ter feito as delícias da jovem casadoi- citações, aos quais era imperativo responder, e
ra, não teve o desfecho desejado, pois todos os era bombardeada pela mãe com conselhos e avi-
arquiduques em idade de casar não possuíam for- sos. Antes da partida para o seu novo país, rea-
tuna e estavam afastados do trono. Uma aliança lizou-se a 15 de maio uma festa de noivado no
com a casa da Rússia através do enlace com o Palácio Galliera, na qual estiveram presentes mais
grão-duque Nicolau também não se concretizou de 4000 pessoas, que puderam ver de perto os
na época, visto que este não estava disposto a ca- magníficos presentes enviados. A sumptuosidade
sar-se. As buscas continuaram alegremente e D. das manifestações de carinho e a popularidade
Carlos, príncipe herdeiro de Portugal, era igual- da família real francesa, assim como o mal-estar
mente um possível candidato, mas já estava com- com que as forças governamentais do país as-
prometido com uma princesa alemã. Esse projeto sistiram ao noivado de uma princesa da casa real
matrimonial foi, entretanto, anulado por in- de França com o futuro rei de Portugal, viria a ter
compatibilidades religiosas (a princesa em ques- graves consequências: a família real francesa foi
tão era protestante e o príncipe português cató- expulsa do seu país, exatamente um mês após o
lico) e D. Carlos foi o primeiro príncipe português casamento dos príncipes. A 18 de maio, pelas
que teve oportunidade de escolher esposa por ini- nove e meia da manhã, D. Amélia e família che-
ciativa própria, deslocando-se a Paris em janei- garam à estação de Vilar Formoso; foram rece-
ro de 1886 para conhecer pessoalmente a prin- bidos com júbilo pelas autoridades nacionais e
cesa Maria Amélia (já tinha ouvido a condessa pelo povo em geral. Seguindo uma tradição, já
de La Ferronnays falar das suas qualidades, da na época abandonada, segundo a qual uma
sua beleza e educação e até já tinha visto um re- princesa, ao chegar à fronteira do reino do seu fu-
trato da jovem). Para o príncipe, vê-la foi amá- turo esposo, devia vestir roupas completamen-
la (para isso, muito contribuiu D. Clementina de te novas, a futura duquesa de Bragança mudou
Saxe-Coburgo, núcleo ativo de um considerável de indumentária em Santa Comba Dão, enver-
sistema de alianças familiares e estratégias ma- gando durante o resto da viagem um vestido de
trimoniais, que proporcionou o encontro entre seda azul e branco, com um pequeno chapéu a
ambos). O convívio em jantares e partidas de caça condizer (recorde-se que o azul e o branco eram
em honra de D. Carlos em Chantilly permitiu a as cores da bandeira portuguesa durante a mo-
aproximação entre os dois, que descobriram ter narquia). A cerimónia matrimonial teve lugar na
em comum a paixão pela caça e pela pintura. Igreja de S. Domingos a 22 de maio e foi oficia-
O pedido oficial foi feito pelo ministro de Portugal da pelo cardeal patriarca de Lisboa, D. José Neto.
em França, Andrade Corvo, imediatamente acei- Os condes de Paris tiveram muito cuidado em não
te a 6 de fevereiro e os noivos partiram para Can- ofender o protocolo, chegando o pai da noiva a
nes, com o conde de Paris. O registo matrimonial ausentar-se das cerimónias onde estava Billot, o
teve lugar no castelo de Eu e foi seguido de uma ministro da França em Portugal, a fim de evitar
esplendorosa receção no palácio Galliera, na Rua situações de embaraço diplomático à casa real por-
de Varennes, ao qual compareceram notáveis con- tuguesa. No entanto, a sua discrição de nada lhes
vivas pertencentes à mais alta aristocracia fran- valeria. Mais uma vez o povo demonstrou toda
cesa. Seguiram-se outras receções em honra do a sua satisfação, invadindo as ruas de Lisboa por
herdeiro do trono português. D. Carlos regressou onde passou o cortejo real e os festejos prolon-
a Lisboa a 6 de maio e rapidamente foram dados garam-se por cinco dias. O jovem casal foi viver
os passos oficiais para a realização do enlace, de- para o Palácio de Belém onde, a 21 de março de
MAR 502

1887, nasceu o seu primeiro filho, D. Luís Fili- filhos em viagens dentro e fora do país: Madei-
pe, príncipe da Beira e conde de Barcelos, seguido ra, Açores, Oriente, Inglaterra, Escócia e França.
da infanta D. Maria Ana (a 14 de dezembro do Em 1895, D. Carlos instituiu, por decreto de 23
mesmo ano), que nasceu, em Vila Viçosa, de par- de novembro, uma medalha para comemorar as
to prematuro provocado pelo medo sentido expedições militares à Índia e a Moçambique, à
pela duquesa aquando de um incêndio no ber- qual atribuiu o nome “Rainha D. Amélia”, e que
ço de D. Luís, e veio a falecer com apenas duas tem de um dos lados a efígie de S. M. Pediu D.
ou três horas de vida; e, a 15 de novembro de Carlos a sua mulher, ainda princesa, para bati-
1889, aquele que viria a ser, contra todas as ex- zar com o seu nome o seu primeiro iate, o qual
petativas, o último rei de Portugal: D. Manuel, in- se manteve nos vários Amélia, que seriam qua-
fante de Portugal e duque de Beja. Foi também tro desde 1887 até à sua morte. O Amélia IV fi-
neste ano que D. Carlos foi aclamado rei (28 de caria ao serviço do rei D. Manuel II e serviria para,
dezembro) por morte de seu pai, D. Luís. Tal como em 1910, transportar a família real para o exílio.
outras antes dela, a caridade tornou-se, a par da Em plena tormenta governativa, em que toda a
educação dos filhos e das obrigações como so- família real era atacada no Parlamento, D. Car-
berana, uma das principais atividades da rainha. los arranjou uma amante fixa e instalou-a numa
D. Amélia dedicou-se de corpo e alma ao seu país casa que mandou comprar perto do Palácio das
adotivo: fundou, numa perspetiva médica e so- Necessidades, onde a visitava discretamente.
cial e com o objetivo de travar a sua expansão, A eleita era uma jovem viúva sul-americana, mui-
o serviço de luta antituberculose (Obra de As- to bela e que pertencia ao mundo diplomático;
sistência aos Tuberculosos pobres, fundada a 11 dizia-se que a conhecera no estrangeiro (era fre-
de junho de 1899), criou os Dispensários das quente o monarca português deslocar-se a Paris
Crianças, os quais visitava frequentemente, o Hos- sem a rainha, que assumia a regência, onde fre-
pital do Rego, o Sanatório do Outão, em Sesim- quentava sedutores lugares noturnos da cidade-
bra (destinado às meninas), o de Carcavelos (para luz, como era o caso do Maxim’s, onde parece que
os rapazes) e o de Sousa Martins, perto da era bastante conhecido, e o Chabanais, célebre
Guarda; o Instituto de Socorros a Náufragos, o Ins- casa de prostituição do início do século XX, fre-
tituto Bacteriológico e o Instituto Ultramarino, as quentada por chefes de Estado e grandes nomes
Cozinhas Económicas, o Hospital Suburbano de da aristocracia europeia). A discrição não era su-
Portalegre, entre outras obras de assistência aos ficiente e a ligação do rei era conhecida em toda
mais necessitados, o que levou o papa Leão XIII a cidade. Estas atitudes humilhavam profunda-
a atribuir-lhe a “Rosa de Ouro”. Foi também grã- mente a soberana, não só como mulher, mas tam-
mestra da Ordem de Santa Isabel. No âmbito da bém por serem do conhecimento público e por
cultura, fundou o Museu dos Coches, onde ain- não ser poupada aos pormenores das aventuras
da hoje se encontram as mais belas carruagens do marido. Também ela foi alvo das calúnias e
reais portuguesas, adaptando o picadeiro real do do veneno das más-línguas. Em 1903, Mouzinho
Palácio de Belém, subsidiou artistas, instituiu pré- de Albuquerque deslocou-se de fiacre aos arre-
mios a operários que tinham aptidão para o es- dores de Lisboa e metera uma bala na cabeça. An-
tudo, mas a quem faltavam condições financei- tes disso, escreveu à rainha uma estranha carta,
ras, incentivou as obras de restauração da Sé Ve- na qual pedia que lhe perdoasse. O rumor cir-
lha e do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, e culou, alimentado por imaginações perversas, e
deixou, no paço ducal de Vila Viçosa, vários tra- um primo afastado de Mouzinho, António de Al-
balhos em aguarela de sua autoria. D. Amélia de- buquerque, escreveu um romance muito cruel,
senhava bastante bem e, em 1903, publicou, em no qual troçava de Mouzinho, desesperado por
benefício das suas obras de assistência, um livro ter descoberto que a senhora que tanto admira-
sobre o Palácio da Pena, em Sintra, com anota- va à distância se entretinha em jogos eróticos com
ções históricas e arqueológicas da autoria do con- uma das suas damas. A corte indignou-se, mas
de de Sabugosa. Das suas muitas atividades como a capital riu a bom rir e até o povo brincava com
soberana, recebeu as honras das visitas oficiais a “marquesa da Bacalhoa” e o seu marido, que
de personalidades estrangeiras como Eduardo VII, só sabia jogar ténis com jovens da alta socieda-
rei de Inglaterra, Guilherme II, imperador da Ale- de. D. Carlos encolhia os ombros, resmungava e
manha, e Emílio Loubet, Presidente da República deixava falar. O Governo deixava andar. Quan-
de França. Acompanhou também o marido e os to à rainha, sofria certamente ao verificar que nada
503 MAR

podia travar o ódio, nem mesmo a virtude. Afonso a bordo. Inicialmente, o seu destino se-
Aliás, D. Amélia costumava dizer que em Lisboa ria o Porto. Contudo, Velez Caldeira, capitão de
a criticavam por não ter um amante. Entretanto, mar e guerra, declarou que não se responsabili-
as campanhas contra a monarquia iam ganhan- zaria pelas suas vidas se tentassem desembarcar
do terreno, culminando a 1 de fevereiro de 1908 ali. Perante a situação, partiram rumo a Gibral-
com o regicídio, onde foram mortos D. Carlos e tar, colónia inglesa, onde permaneceram alguns
o príncipe D. Luís Filipe, o herdeiro do trono que, dias, acabando D. Amélia por retirar-se para In-
desde muito jovem, começara a ser educado para glaterra com o filho, onde levou uma vida sim-
dar continuidade à monarquia portuguesa. O rei, ples e sem quaisquer marcas de ostentação. Ali,
a rainha e o príncipe real encontravam-se em Vila continuou as suas atividades caritativas, apoian-
Viçosa, no Alentejo, onde costumavam passar al- do os soldados ingleses durante a Primeira Guer-
gum tempo no inverno. A intentona republica- ra Mundial, o que a levou a trabalhar como en-
na ocorrida dois dias antes, que condenou ao de- fermeira voluntária no Hospital de Wandworth.
gredo os principais envolvidos, levou D. Carlos Também o salvamento de uma criança em risco
a antecipar o regresso à capital. Contra a vonta- de se afogar numa praia inglesa contribuiu para
de de D. Amélia, que tudo fizera para adiar o re- o reconhecimento do monarca inglês, Jorge V, que
gresso a Lisboa, a comitiva régia apanhou o com- lhe atribuiu a medalha Royal Human Society. Já
boio na manhã do dia 1 de fevereiro, tomou o va- em França, no Château de Bellevue, em Chesnay,
por no Barreiro no final da tarde e desembarcou a dois passos do Palácio de Versalhes, para onde
no Terreiro do Paço por volta das 17 horas. Ape- se mudou após o casamento de D. Manuel com
sar do clima de grande tensão que se fazia sen- D. Augusta Vitória, em 1913, sofreu novo desgosto:
tir, o monarca optou por prosseguir em carrua- D. Manuel II, rei de Portugal no exílio, morreu
gem aberta, com uma escolta reduzida, para de- em 1932, vítima de angina diftérica fulminante.
monstrar normalidade. Enquanto saudavam a Os seus dias passaram a ser preenchidos com re-
multidão presente na praça, a carruagem foi ata- cordações, com notícias de Portugal lidas nos jor-
cada por vários disparos. Um tiro atravessou o nais ingleses e nas cartas que lhe enviavam de Por-
pescoço do rei, que faleceu imediatamente. Se- tugal, assim como trazidas por amigos de pas-
guiram-se mais disparos: o príncipe real conse- sagem; aquela que passou a ser conhecida pelo
guiu ainda alvejar um dos atacantes, após o que título de marquesa de Vila Viçosa afastava-se cada
foi atingido na face por um outro disparo que o vez mais da vida social. Durante a Segunda Guer-
vitimou. D. Amélia, de pé, defendeu-se com o ra Mundial, a sua residência foi ocupada por ofi-
ramo de flores que lhe fora oferecido por uma ciais alemães, ficando a rainha e os seus acom-
criança à chegada ao Cais das Colunas. O infan- panhantes confinados a alguns aposentos. Os ale-
te D. Manuel foi igualmente atingido num bra- mães instalaram-se, procurando não incomodar
ço. Dois dos regicidas, Manuel Buíça e Alfredo ou invadir os aposentos privados de D. Amélia,
Costa, foram mortos ali mesmo. Outros fugiram. mas a situação seria tudo menos agradável. An-
A carruagem entrou no Arsenal da Marinha, onde tónio de Oliveira Salazar, Presidente do Conse-
foram verificados o óbito do rei e o do príncipe lho de Ministros de Portugal, chegou a oferecer
real, não tendo sido necessário realizar autópsias. refúgio à rainha exilada, que declinou educada-
O infante sobrevivente, agora D. Manuel II, se- mente a oferta, recusando-se a abandonar os fran-
ria o sucessor do pai e do irmão e o último rei de ceses numa hora tão incerta. Através do embai-
Portugal. Atacada pelos republicanos, que a xador de Portugal em Paris, foi então enviada uma
acusavam de influir na política e a difamavam bandeira portuguesa para ser içada no Château
nos jornais, D. Amélia teve de amparar D. Manuel, de Bellevue, o que aconteceu a partir de 14 de ju-
agora com 19 anos e rei de Portugal, e lidar com lho, passando a residência e o seu pequeno par-
as intrigas tecidas à sua volta. Dedicou o seu tem- que a ser considerados território neutro, sob a pro-
po a acompanhar e aconselhar o jovem monar- teção de Portugal. Apesar de republicana, essa
ca, até que estalou a revolução republicana a 5 bandeira foi sempre respeitada em Bellevue e es-
de Outubro de 1910. Confirmada a proclamação teve presente no leito fúnebre e na urna da rai-
do novo regime na Câmara Municipal, a família nha aquando da sua morte. Entre 17 de maio e
reuniu-se em Mafra e daí partiu para a Praia dos 30 de junho de 1945, visitou Portugal, tendo sido
Pescadores, na Ericeira, ao largo da qual se en- recebida com respeito e simpatia. Ficou instalada
contrava já o iate Amélia com o príncipe real D. no mítico Hotel Aviz, onde recebeu as visitas de
MAR 504

Salazar (a quem entregou 500 contos, destinados Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres Cé-
a uma instituição de beneficência; o donativo re- lebres, Porto, Lello & Irmão Editores, 1981, pp. 47-49; An-
tónio Barreto e Maria Filomena Mónica (coord.), Dicio-
verteu a favor do Sanatório D. Manuel II, no Por- nário de História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas,
to, com o qual foi construído um pavilhão ao qual 1999, p. 93; Eduardo Nobre, “Dom Carlos de Bragança
foi dado o nome da real doadora) e do cardeal pa- – A Filha do Jardineiro”, Paixões Reais, Quimera, 2002,
triarca de Lisboa, Gonçalves Cerejeira; visitou o pp. 156-177; Idem, Casa Real – Fotografias, Documen-
tos, Manuscritos, Memorabilia, Quimera Editores, 2003;
general Carmona, então chefe de Estado, na re- Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
sidência particular da família, demonstrando a cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
gratidão por ter sido autorizada a visitar Portu- heráldico, numismático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João
gal de onde, legalmente, a sua presença fora ba- Romano Torres e C.a Editores, 1909; Jean Pailler, D. Car-
nida. Visitou algumas das muitas obras de as- los I Rei de Portugal – Destino Maldito de um Rei Sa-
crificado, Lisboa, Bertrand Editora, 2000; Joaquim Viei-
sistência social por si fundadas e o Panteão Real, ra (dir.), Fotobiografias Século XX – Rei D. Carlos, Lis-
em S. Vicente, onde jazem os restos mortais do boa, Círculo de Leitores, 2001; José Hermano Saraiva
marido e dos filhos. Passeou por Sintra, foi em (coord.), História de Portugal – Dicionário de Persona-
peregrinação a Fátima (ofereceu um dos seus lidades, Vol. XIX, Quidnovi, 2004; José Mattoso (dir.), “A
«Vida Nova»”, História de Portugal – A Segunda Fun-
mantos régios à Virgem), repousou alguns dias dação, Vol. VI (coord. de Rui Ramos), Editorial Estam-
no Buçaco e deu uma receção no Hotel Aviz em pa, 1994, pp. 125-297; Idem, “A República”, História de
que acolheu amigos e monárquicos portugueses Portugal – A Segunda Fundação, Vol. VI (coord. de Rui
naquele que foi o último beija-mão real em Por- Ramos), Editorial Estampa, 1994, pp. 333-399; Manuel
de Sousa, Reis e Rainhas de Portugal, Lisboa, Sporpress,
tugal. Discretamente, ao longo de mais de um 2000; Maria João Martins, Mulheres Portuguesas – Divas,
mês, agradeceu a espontânea presença de todos Santas e Demónios, Vol. II, Vega – Mutilar, 1994, pp. 196-
os que a foram ver e recordar, onde quer que ela 197; Rui Ramos, “D. Amélia, a Grande”, Análise Social,
se deslocasse. Centenas de pessoas enviaram- n.o 160, vol. XXXVI, 2001; Idem, D. Carlos, Círculo de
-lhe flores ou acorreram a assinar o livro de visi- Leitores, 2006; Stéphane Bern, Eu, Amélia, Última Rai-
nha de Portugal, Porto, Livraria Civilização Editora, 1999;
tas. D. Amélia despediu-se de Lisboa a 30 de ju- http://pt.wikipedia.org/.
nho. Da janela do comboio que 59 anos antes a [V. D.]
trouxera para Lisboa, acenou à multidão que en-
chia a gare e, apesar da sua idade avançada, ain- Maria Ângela Montenegro Miguel
da conseguiu reunir forças para um grito de des- Neta de professores que muito a marcaram, o per-
pedida: “Viva Portugal!” D. Amélia faleceu a 25 curso de Maria Ângela Montenegro Miguel, fe-
de outubro de 1951, em Versalhes; o seu corpo, lizmente de saúde aquando da elaboração do Di-
transportado para Lisboa no vaso de guerra cionário no Feminino, em 2005, e do Feminae,
Bartolomeu Dias, repousa no Panteão de São Vi- em 2012, revela-se, tal como o de muitas outras
cente de Fora, ao lado do marido e dos filhos, após mulheres da mesma geração, rico e coerente do
a realização de funerais nacionais a 29 de no- ponto de vista académico, profissional e cívico.
vembro, com a presença do chefe de Estado, do Licenciada em Ciências Histórico-Filosóficas
Governo, do corpo diplomático, dos condes de pela Universidade de Lisboa, cursou Ciências Pe-
Paris, dos condes de Barcelona, de D. Filipa, em dagógicas em Lisboa e Coimbra, e ingressou, em
representação da Casa de Bragança, dos arquidu- 1952, no recém-inaugurado Liceu Charles Le-
ques da Áustria, entre muitas outras personali- pierre onde lecionou a disciplina de História do
dades. A sua morte impressionou profundamente 3.o ao 12.o anos de escolaridade. Aí permaneceu,
todo o país: o povo de Lisboa fez questão de acom- em regime de exclusividade, até à completa ex-
panhar D. Amélia de Orleães, última rainha de tinção da respetiva Secção Portuguesa e foi, no
Portugal, na derradeira viagem e as bandeiras es- ano letivo de 1983-1984, uma das mais ativas jun-
tiveram colocadas a meia haste durante três dias. to do Ministério do Trabalho de um movimen-
As últimas palavras daquela que marcou forte- to que tinha como objetivo pôr termo a uma an-
mente os últimos tempos da monarquia portu- tiga e discriminatória injustiça que se traduzia
guesa foram para a sua pátria adotiva: “Levem- numa significativa inferioridade salarial dos
-me para Portugal, adormeço em França, mas é em professores portugueses face aos seus colegas fran-
Portugal que quero dormir para sempre”. ceses recrutados em Portugal. Ao fim de um ano
Bib.: Afonso Eduardo Martins Zuquete (dir., coord. e com-
de diligências aturadas, um ofício da Direcção-
pil.), Nobreza de Portugal e do Brasil, Vol. II, Lisboa/ Rio -Geral do Ministério do Trabalho reconheceu ra-
de Janeiro, Editorial Enciclopédia, 1960, pp. 152-160; zão às suas pretensões, “sendo todos os profes-
505 MAR

sores […] vinculados por contrato de trabalho à “Mântua, duquesa de”, “Melinde”, “Quíloa”, “Re-
mesma entidade patronal (o Liceu Francês Char- sende, Garcia de” e “Sofala”. Enquanto compa-
les Lepierre), têm todos direito a tratamento igual, nheira de uma vida do professor, pedagogo, in-
sem discriminação” [Ministério do Trabalho, Di- vestigador, introdutor das Ciências da Educação
recção-Geral do Trabalho, Gabinete do Director- em Portugal e oposicionista Rui Grácio
Geral, Of.o n.o 39/DGT/84]. No âmbito da área aca- (01/08/1921-31/03/1991), coadjuvou no estudo
démica e profissional, Maria Ângela participou “Família e Mundo Moderno”, incluído em A Edu-
em colóquios, cooperou em ações de formação cação da Criança: Problemas Quotidianos (1966,
profissional de docentes e colaborou em perió- 1976); organizou, em 3 volumes, a Obra Completa
dicos. Assim, participou no 1.o Colóquio dos Pro- de Rui Grácio, da responsabilidade da Fundação
fessores de História dos Liceus de Lisboa, reali- Calouste Gulbenkian, editada em 1995 e 1996; em
zado no Liceu Normal de Pedro Nunes em 1999, concedeu uma entrevista à revista Noesis
1959; interveio no Colóquio Pedagógico dos Pro- sobre “O 25 de Abril na Educação, evocação de
fessores de Filosofia, organizado no mesmo ano Rui Grácio”; e elaborou, em 2001, no número da
naquele liceu; e, em 1972-1973, após entrevista revista Inovação evocativo dos dez anos da sua
com o diretor de estudos, foi inscrita como “au- morte, a respetiva “Nota Biográfica”. No “Edi-
diteur libre” na VI Secção da Escola Prática de torial” de 1999, Maria Emília Brederode dos San-
Altos Estudos da Sorbonne, onde seguiu tem- tos relembrou o “professor resistente durante a
porariamente o Curso de História Social de ditadura e fundador das Ciências da Educação”,
Pierre Vilar, cuja obra publicada conhecia e apre- que foi secretário de Estado da Orientação Pe-
ciava. A colaboração na imprensa data de mui- dagógica dos II, III e IV Governos Provisórios (ju-
to cedo e, enquanto estudante universitária, lho de 1974 a julho de 1975) e um dos obreiros
participou na criação e deu colaboração regular das transformações do sistema educativo depois
(1945-1947) a uma página dedicada a jovens na da Revolução de Abril, e assinala que Noesis re-
revista Modas e Bordados, então dirigida pela es- corda-o “entrevistando a sua mulher Maria Ân-
critora Maria Lamas, intitulada “Nós e a Vida”. gela Montenegro Miguel, também ela uma notável
Posteriormente, colaborou na Labor (1956, 1957), professora e resistente” [Noesis, n.o 49, 1999, p.
revista do ensino liceal editada em Aveiro; na re- 3]. O perfil de resistente desde a década de 40,
vista Palestra (1960), onde publicou a interven- com adesão ao Conselho Nacional das Mulheres
ção proferida no Colóquio Pedagógico dos Pro- Portuguesas e à Associação Feminina Portuguesa
fessores de Filosofia realizado no Liceu Normal para a Paz*, é igualmente assinalado por Mário
de Pedro Nunes de 2 a 5 de novembro de 1959; Soares ao jornal Expresso de 6 de abril de 1991,
no Boletim do Sindicato Nacional dos Professores em que rememora o pequeno grupo que na Fa-
(1966), onde inseriu a preleção sobre “Autoridade, culdade de Letras mantinha atividade antissa-
Disciplina, Liberdade” feita nos Cursos de Aper- lazarista e onde atuava Maria Ângela, a par de An-
feiçoamento Profissional do Sindicato dos Pro- tónio Nogueira Santos, Joana Campina, Joaquim
fessores, realizados em Lisboa, na respetiva Barradas de Carvalho, Joel Serrão, Jorge Borges
sede, de 1963 a 1966; e no Diário de Lisboa (de- de Macedo, José Manuel Duarte, Maria Branco,
zembro de 1978), com um conjunto de cinco ar- Maria Lucília Estanco Louro*, Nataniel Costa,
tigos aquando da apresentação à Assembleia da Ruth Arons, e Rui Grácio, anos depois seu ma-
República de um projeto de Lei de Bases do En- rido. O nome de Maria Ângela Montenegro Mi-
sino Particular e Cooperativo [“Três projetos, duas guel está também associado ao primeiro grande
opções”, “O debate face ao projeto do PSD”, “Fi- debate em torno do papel da mulher na socie-
nanciamento estatal e «democratização»”, “O pro- dade, ao participar no ciclo de colóquios sobre
blema da liberdade de ensinar e aprender”, A Mulher na Sociedade Contemporânea, orga-
“Que pluralismo escolar?”]. Sobressaiu ainda de nizado pela Associação Académica da Faculda-
entre o escasso leque de nomes femininos que par- de de Direito de Lisboa entre 23 de janeiro e 17
ticiparam no inovador e marcante Dicionário de de fevereiro de 1967, onde interveio com uma pre-
História de Portugal, dirigido por Joel Serrão en- leção sobre “O sentido da complementaridade na
tre 1964 e 1971, assinando, na qualidade de pro- relação conjugal”. Nos anos 1970, fez parte dos
fessora liceal de História, 12 entradas: “Afonso corpos gerentes do Sindicato dos Professores da
V2”, “Afonso VIII”, “Afonso IX”, “Afonso X”, Grande Lisboa. Consequente com a sua cami-
“Afonso XI”, “Alcântara, Batalha de”, “Casa Pia”, nhada na construção de uma sociedade demo-
MAR 506

crática e com uma vida sentida à esquerda, in- ria José Remédios, “A Comemoração do Dia Internacional
tegrou, mais de uma vez, a Comissão Promoto- da Mulher: Reconstituindo o Passado, Analisando o Pre-
sente e Idealizando o Futuro”, Revista Lusófona de Edu-
ra dos desfiles comemorativos do 25 de Abril e, cação, n.o 7, 2006, p.169-177.
recentemente, deu o contributo escrito “Vezes sem [J. E.]
conta” na evocação de Fernando Piteira Santos
(1918-1992), cidadão lúcido e corajoso, também Maria Ângela Vidal e Campos
ele um resistente com quem conviveu na Fa- Resistente antifascista, filha de um “influente co-
culdade de Letras e que, 20 anos depois, quan- merciante do Porto” [António Melo], Ângela Vi-
do perseguido pela PIDE na sequência do assal- dal nasceu no Porto, na Rua da Alegria, a 5 de
to ao quartel de Beja, acolheu clandestinamen- setembro de 1926 e faleceu em Lisboa, no Hos-
te na sua casa. Tal como muitas outras cidadãs pital do Desterro, a 14 de março de 2004, com
anónimas e silenciadas cujo percurso importa 77 anos de idade. Começou por estudar num co-
redescobrir e registar, Maria Ângela Montenegro légio da cidade, mas seria no Liceu Carolina Mi-
Miguel faz parte daquele importante núcleo de chaëlis, que passou a frequentar a partir do 4.o
ativistas que, em condições difíceis e adversas, ano, que se foi politizando. Muito nova, com 17
combateu a ditadura salazarista e, na sua forma anos apenas, iniciou a luta política de oposição
discreta, soube contribuir para a implantação e ao Estado Novo, primeiro no âmbito do Movi-
consolidação da democracia em Portugal. mento de Unidade Nacional Antifascista (MU-
Fontes: Ministério do Trabalho, Direcção-Geral do Tra- NAF), passando pela delegação do Porto da As-
balho, Gabinete do Director-Geral, Of.o n.o 39/DGT/84. sociação Feminina Portuguesa para a Paz, ain-
Informações e documentação gentilmente cedidas pela da que sem ter intervenção visível e, dois anos
Dr.a Maria Ângela Montenegro Miguel em junho, julho depois, como militante clandestina do Partido
e setembro de 2005 e fevereiro de 2012.
Da autora: Labor, Revista de Ensino Liceal, Aveiro, de- Comunista Português, dando apoio ao Secreta-
zembro, 1956, pp. 371-378; Labor, novembro de 1957, 4 riado. Aí trabalhou com Rolando Verdial, com
pp.; Palestra [intervenção no Colóquio Pedagógico dos quem foi casada, e Carlos Costa, até ser detida
Professores de Filosofia, realizado no Liceu Normal de com este no Algarve, em Albufeira, em 11 de ju-
Pedro Nunes em 1959], n.o 7, Lisboa, 1960, pp. 79-80; nho de 1953, quando tinha 26 anos de idade. O
“Autoridade, Disciplina, Liberdade”, Boletim do Sindi-
cato Nacional dos Professores, n.o 15, dezembro, 1966, julgamento apenas se realizou quatro anos de-
pp. 25-48; [com Rui Grácio], “Família e Mundo Moder- pois de estar em prisão preventiva na Cadeia de
no”, A Educação da Criança: Problemas Quotidianos, S. Caxias, em 23 de julho de 1957, tendo sido con-
Paulo, Editorial Gleba/Lisboa, Livros Horizonte, s.a. denada “na pena de 3 anos e meio de prisão
[1966], pp. 189-220; “O sentido da complementaridade
na relação conjugal”, A Mulher na Sociedade Contem-
maior; na suspensão dos direitos políticos por
porânea, Lisboa, Prelo Editora, 1969, pp. 113-126; 15 anos; na medida de segurança de interna-
“Afonso V2”, “Afonso VIII”, “Afonso IX”, “Afonso X”, mento por período indeterminado de 6 meses a
“Afonso XI”, “Alcântara, Batalha de”, “Casa Pia”, “Mân- 3 anos, prorrogável por períodos sucessivos de
tua, duquesa de”, “Melinde”, “Quíloa”, “Resende, Gar- 3 em 3 anos, enquanto durar a sua perigosida-
cia de” e “Sofala”, Dicionário de História de Portugal (dir.
de Joel Serrão), Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, 4 vols.; de, e no mínimo de Imposto de Justiça” [“Bio-
“Três projectos, duas opções”, Diário de Lisboa, grafia Prisional”]. Acabou por ficar detida oito
13/12/1978; “O debate face ao projecto do P.S.D.”, Diá- anos e nove meses, tendo casado na prisão, em
rio de Lisboa, 15/12/1978; “Financiamento estatal e «de- dezembro de 1958, com Carlos Costa, também
mocratização»”, Diário de Lisboa, 18/12/1978; “O pro- preso, e só seria libertada em 31 de março de
blema da liberdade de ensinar e aprender”, Diário de Lis-
boa, 19/12/1978; “Que pluralismo escolar?”, Diário de 1962, apesar dos pedidos de libertação condi-
Lisboa, 20/12/1978; Obra Completa de Rui Grácio [or- cional feitos pela própria, família e advogados,
ganização], Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, tendo em conta o seu preocupante estado de saú-
vols. I e II, 1995, vol. III, 1996; “O 25 de Abril na Edu- de. A sua inquebrantável postura no Reduto Nor-
cação – Evocação de Rui Grácio” [entrevista], Noesis, n.o
49, janeiro-março, 1999, pp. 20-26; “Nota biográfica”, Ino-
te do Forte de Caxias custou-lhe 15 castigos,
vação, vol. 14, n.o 1-2, 2001, pp. 59-62; “Vezes sem con- «quase todos em cela disciplinar, alguns deles
ta”, Fernando Piteira Santos, Português, Cidadão do Sé- a pão e água» [Ana Barradas, As Clandestinas,
culo XX (org. e coord. de Maria Antónia Fiadeiro), Por- p. 95]. Foi a segunda mulher a sofrer maior tem-
to, Campo das Letras, 2003, pp. 179-181. po de prisão em Portugal por razões políticas, o
Bib.: António Nóvoa, “Grácio, Rui dos Santos”, Dicio-
nário de Educadores Portugueses, Porto, Edições ASA, que levou Irene Pimentel a dedicar-lhe, assim
2003, pp. 649-653; Maria Emília Brederode dos Santos, como a Maria Fernanda de Paiva Tomás*, a obra
“Editorial”, Noesis, n.o 49, janeiro-março, 1999, p. 3; Ma- A História da Pide. O seu único filho nasceu na
507 MAR

clandestinidade, em 30 de junho de 1951, tembro de 1917, o chefe da Missão Militar Inglesa


quando Ângela Vidal tomava conta de uma casa visitou o hospital, Maria Antónia estava entre os
na zona de Sintra. Abandonou, em 1964, o PCP, que receberam os visitantes. A esposa do chefe
“inconformada com a linha política, que quali- da missão elogiou a limpeza e a ordem das ins-
ficou de demasiado seguidista em relação ao mo- talações e afirmou-lhe que não tinha visto melhor
delo soviético” e “passou a trabalhar na clínica nos hospitais ingleses por ela visitados. Maria
de Santa Cruz, em Carnaxide” [António Melo]. Antónia integrou a comissão da Cruz Vermelha
Em entrevista a Lúcia Serralheiro, na sequência que, em março de 1917, partiu para França numa
da monografia desta sobre a delegação do Por- missão junto do Quartel-General do C. E. P. e da
to da AFPP, declarou-se feminista, dizendo que Cruz Vermelha Britânica em ordem à instalação
“eu fiz-me feminista sozinha. Eu fiz-me feminista, de um hospital para os portugueses. Alguns me-
porque lidei com certo tipo de machismo den- ses depois foi escolhida para chefiar o grupo
tro de casa e porque via na sociedade o que eu de damas enfermeiras da Cruz Vermelha que
era”. Rose Nery Nobre de Melo e a Comissão do iriam trabalhar no Hospital de Ambleteuse. Ao
Livro Negro sobre o Regime Fascista inserem a abrigo de legislação publicada recentemente, era
sua “Biografia Prisional” nos livros Mulheres Por- equiparada a tenente. Através de cartas troca-
tuguesas na Resistência e Presos Políticos no Re- das entre o presidente da Sociedade Portugue-
gime Fascista VI – 1952-1960. sa da Cruz Vermelha e o ministro da Guerra a
Fontes: Entrevistas a Maria Ângela Vidal por Lúcia Ser-
propósito da missão que, em França, iria pre-
ralheiro em 03 e15 de maio de 2001, cedidas transcri- parar a instalação do hospital, apercebemo-nos
tas pela sua autora. que a preferência pela enfermeira não agrada-
Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela, va ao ministério, possivelmente pelas suas
2004; António Melo, Público, 15/03/2004, p. 21; Comissão ligações ao campo monárquico. O presidente da
do Livro Negro Sobre o Regime Fascista, Presos Políti-
cos no Regime Fascista VI – 1952-1960, 1988, pp. 116- Cruz Vermelha justificou a designação (de Ma-
119; Irene Flunser Pimentel, “As medidas de seguran- ria Antónia e da sua acompanhante Albertina
ça”, Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Polí- Torres) pela facilidade com que falavam a lín-
tica, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2007, pp. 164-167; Idem, gua inglesa e pelas relações pessoais que as
“Maria Ângela Vidal Campos”, Blog Caminhos da Me- ligavam aos “elementos mais em evidência” da
mória, 09/09/2008, http://caminhosdamemoria.word-
press.com/2008/09/09/maria-angela-vidal-campos/; José Cruz Vermelha na Inglaterra, França e Estados
Dias Coelho, A Resistência em Portugal, Lisboa, Edições Unidos da América. Aliás, segundo informou,
Avante, 2006; Lúcia Serralheiro, Mulheres em Grupo con- em março de 1917, o jornal republicano A Ma-
tra a Corrente [Associação Feminina Portuguesa para a nhã, Maria Antónia Jervis de Atouguia Pinto
Paz (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011; Rose
Nery Nobre de Melo, Mulheres Portuguesas na Resis-
Basto, “senhora de grande distinção e finíssimo
tência, Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 116-119; São José trato”, teria já prestado serviço em hospitais
Almeida, “Cartas manifesto de mulheres na Prisão de Ca- estrangeiros.
xias – I”, Público, 20/11/2004, pp. 12-13.
Bib.: Maria Lúcia de Brito Moura, “A Assistência aos Com-
[J. E.]
batentes na I Guerra Mundial – Um conflito ideológico”,
Revista Portuguesa de História, Tomo 38, FLUC, 2006,
Maria Antónia Jervis de Atouguia Ferreira Pin- pp.56-59; Idem, “Resistências femininas ao laicismo re-
to Basto publicano”, Mulheres na I República. Percursos, Con-
Nasceu em 1852 e faleceu em 1930. Em março quistas e Derrotas (coord. Zília Osório de Castro, João Es-
teves e Natividade Monteiro), Ed. Colibri, 2011, p. 175;
de 1916 esteve entre as fundadoras da Assistência Arq. da Cruz Vermelha – Lisboa, Copiador da Corres-
das Portuguesas às Vítimas de Guerra*. Passou pondência Expedida, liv. N.o 21, 09/08/1916; idem, liv.
depois a trabalhar na Cruz Vermelha. Em gran- N.o 22, 09/04/1917; A Manhã, 24/03/1917, p. 1, col. 4;
de parte a ela se deve a adaptação a hospital das Boletim Oficial da Sociedade Portuguesa da Cruz Ver-
melha, agosto de 1917, p. 233; idem, outubro de 1917,
instalações da Junqueira cedidas por Maria p. 289; A Opinião, 23/08/1917, p. 1, col. 4; A Capital,
Amélia de Carvalho Burnay* à Cruz Vermelha. 14/09/1917, p. 1, col. 4.
No novo Hospital da Junqueira, as enfermeiras [M. L. B. M.]
cuidavam de militares doentes ou feridos, exer-
citando-se nos modernos tratamentos relacio- Maria Antónia Martinez
nados com a guerra. Preparavam-se para irem Professora e escritora. Natural de Estremoz,
desempenhar funções idênticas junto dos com- nasceu a 28 de dezembro de 1917 e faleceu na
batentes portugueses em França. Quando, em se- mesma cidade no dia 30 de agosto de 2002. O cur-
MAR 508

so de Regente Escolar permitiu-lhe lecionar em lismo humanista e um profundo sentido de jus-


diversos postos rurais em freguesias estremo- tiça e tolerância, tendo influenciado de forma de-
censes e, mais tarde, em casa própria. O seu es- cisiva a filha e as pessoas com quem conviveu.
pólio integra poesia, teatro e contos. Publicou poe- Maria Armanda frequentou o Liceu Carolina Mi-
sia em vários jornais de âmbito regional, como chaëlis até ao 5.o ano do liceu, tendo depois tran-
Brados do Alentejo, Ecos e Almanaque Alente- sitado para um externato, onde concluiu o en-
jano. Em 1957 escreveu, em parceria com Gui- sino liceal. Não teve uma educação católica, o
lhermina Avelar e Guiomar d’Avila, uma peça de que lhe causou alguns problemas no percurso es-
teatro em 3 atos intitulada Aqui. Ali. Além, le- colar. Iniciou a atividade política muito cedo,
vada à cena pelo grupo amador estremocense per- aproximando-se de pessoas ligadas à Associação
tencente ao Orfeão Tomaz Alcaide. Participava Portuguesa Feminina para a Paz* (sócia n.o
num grupo literário que reunia na Horta Primeira, 355) e ao MUD Juvenil, teria então os seus 15
em Estremoz. No final da vida tomou a decisão anos. Ainda estudante, na companhia da prima
de se internar no Lar de Santa Cruz, onde se dis- Maria Berta Gomes (que casaria com Júlio Po-
ponibilizou para ensinar francês. Pertenceu à Ju- mar), participou em diversas iniciativas, entre
ventude Operária Católica (JOC). as quais alguns passeios de convívio, confe-
rências, visitas de estudo e concertos. Era nes-
Bib.: Marques Crespo, Estremoz e o Seu Termo «Re-
gional», 2.a ed., Estremoz, edição fac-similada/Centro So- tas deslocações, quando estavam em grupo, que
cial Paroquial Santo André s.a., p. 175. cantavam, entre outras canções, as “Heroicas”
[M. T. S.] de Fernando Lopes Graça. Num desses passeios
organizado pelo MUD Juvenil na Barrinha de Es-
Maria Antónia Monteiro moriz conheceu Hernâni Alfredo Ramalho e Sil-
Professora. Fundou o Instituto Luso-Germânico, va (10/01/1927-1999), sócio auxiliar n.o 248 (ca-
um estabelecimento na Rua de Buenos Aires, à tegoria destinada aos homens), com quem veio
Estrela, em Lisboa, dedicado à educação femi- a casar em 8 de março de 1952. Ambos aderiram
nina e onde lecionava um curso especial de Eco- ao Partido Comunista Português. Foram viver
nomia Doméstica. O programa visava “educar para casa de Maria Armanda, no n.o 165, 3.o, da
para mães e para donas de casa que não tenham Rua Formosa, nas traseiras do Coliseu do Por-
nada de feministas porque a sua educação se ba- to. Uma das suas funções na atividade política
seia no amor e interesse do lar e não na rivali- consistia na entrega de jornais e propaganda.
dade e antagonismo dos sexos”. Acompanhava o marido em muitas das suas ati-
Bib.: Maria O’Neill, Almanaque das Senhoras, para 1914, vidades clandestinas e contribuía para o disfarce
Lisboa, Parceria António Maria Pereira, Livraria Edito- de muitos desses encontros, simulando pique-
ra, p. 313. niques ou encontros de convívio entre amigos
[I. S. A.] e filhos, encontros em praias e “piqueniques” em
pinhais. Alguma da propaganda política era pro-
Maria Archer duzida por eles, em quintas ou casas de amigos,
v. Maria Emília Archer Eyroles Baltasar Mo- em máquinas e impressoras manuais. Enquan-
reira to Hernâni dava à manivela do copiógrafo, Ma-
ria Armanda e outros amigos juntavam as dife-
Maria Armanda Gonçalves Teles rentes folhas, dobravam e faziam os pequenos
Nasceu em 25 de novembro de 1931, na Senhora embrulhos para depois distribuir. Ainda eram na-
da Hora, concelho de Matosinhos, tendo sido re- morados quando Hernâni foi preso pela primeira
gistada na freguesia de Campanhã da cidade do vez. Durante essa prisão, para “averiguações de
Porto, cidade onde sempre viveu e faleceu a 4 actividades subversivas”, na Subdirectoria do
de junho de 2009. Filha mais velha de Leonti- Porto, na Rua do Heroísmo, no período com-
na Berta Gonçalves Pontes e de Américo Simões preendido entre 27 de abril e 18 de junho de
Teles (1863-1989), ambos funcionários dos cor- 1950, Maria Armanda recebeu uma contrafé, para
reios, respetivamente chefe e primeiro-oficial de se apresentar na PIDE. Quando se apresentou,
exploração da Administração Geral dos Correios, foi sujeita a um interrogatório por cinco agentes,
Telégrafos e Telefones. O pai, fundador do Mu- em simultâneo, com as respetivas pistolas pou-
seu Marítimo e Regional de Ílhavo, a sua terra sadas na secretária em frente à qual Maria Ar-
natal, era um homem bom, com um forte idea- manda estava sentada. As perguntas de uns e de
509 MAR

outros encadeavam-se e sobrepunham-se. Ao fim PIDE quando ia para o externato. Sempre que
de algum tempo, entrou na sala um camarada, possível, através de pequenos sinais, comunicava
que Maria Armanda conhecia bem, e que, não com ele, apesar da presença de uma sentinela à
tendo resistido ao interrogatório, a teria denun- porta do edifício. Uma vez, apercebeu-se, pelos
ciado, dizendo que era ela quem lhe entregava sinais que o marido lhe fazia, que havia qualquer
a propaganda política, para distribuição poste- problema. Voltou atrás e, ao passar de novo jun-
rior. Foram acareados durante horas, tendo to ao postigo da cela, baixou-se fingindo que ar-
Maria Armanda negado sempre, dizendo que, ranjava um sapato, o que lhe deu tempo para re-
embora o conhecesse, nada lhe tinha entregado. ceber a informação de que o Dr. Manuel Andrade,
Como ainda era menor e não podia ficar detida advogado de Aveiro, tinha passado a noite a ser
à noite, foi mandada embora, com a condição de interrogado. Transmitiu de imediato o sucedido
voltar a apresentar-se no dia seguinte de manhã. à família e advogados, enquanto Hernâni fazia
No caminho até casa foi sempre seguida por um uma reclamação por escrito, o que permitiu a de-
agente. No dia seguinte, confrontada de novo com núncia de tudo o que se estava a passar. Hernâni
o tal sujeito, continuou a negar as acusações. Para foi castigado e as visitas foram proibidas. Durante
maior intimidação, a PIDE convocou, pressionou este período de prisão foi várias vezes interro-
e fez entrar no gabinete a sua empregada do- gado e espancado, permaneceu vários dias
méstica, que confirmou o relato do acusador. De numa cela sob o vão de uma escada, às escuras,
facto, como Maria Armanda não estava em sem cama nem enxerga. Sofreu a tortura da es-
casa durante o dia, deixava à empregada os em- tátua, foi brutalmente espancado durante vários
brulhos que continham a propaganda para en- interrogatórios e castigos. Fruto de um desses es-
tregar a esse senhor. Continuou a negar e já era pancamentos, rebentaram-lhe um tímpano, ten-
noite quando a ameaçaram que a iam meter na do ficado com problemas de audição para toda
“enxovia”, cave do edifício da PIDE. Acompa- a vida. Trabalhava já na Cooperativa “O Problema
nhada pelos agentes, desceu as escadas e, quan- da Habitação” e com esta detenção perdeu o em-
do voltou de novo para a sala de interrogatório, prego. Maria Armanda gostava de seguir Belas-
deparou-se, para além da empregada, com os -Artes; contudo, para não sobrecarregar a famí-
pais, a irmã e uma prima. Ameaçaram-na que, lia, e com as prisões de Hernâni, decidiu procurar
se continuasse a mentir, iria sozinha para casa emprego. Concorreu a vários, tendo sido sempre
e todos os outros ficariam detidos. Foi manda- recusada por razões políticas. Entretanto, con-
da embora, regressou a casa, eles continuaram cluiu os cursos de línguas dos institutos de fran-
detidos e só umas horas mais tarde os autori- cês, inglês e italiano. A segunda prisão de Her-
zaram a voltar ao domicílio. Durante os tempos nâni Silva, para “averiguações por crimes con-
de detenção, nos três dias consecutivos, entre ou- tra a segurança do Estado”, mais uma vez na Sub-
tras intimidações, as refeições que lhe eram en- directoria do Porto, ocorreu entre 7 de março e
viadas pelos pais tinham de ser consumidas na 21 de agosto de 1953. Trabalhava, então, como
antecâmara da instalação sanitária dos agentes. guarda-livros na Fundição do Rio Sousa, a con-
Estes entravam e saíam constantemente, uri- vite de Ricca Gonçalves, um dos sócios da em-
nando de porta aberta e apertando e desapertando presa. Foi preso em casa de um camarada para
a carcela na sua frente. Os interrogatórios, que onde se tinha dirigido nessa noite, na véspera do
chegaram a ser de oito horas seguidas, sempre primeiro aniversário de casamento. Ia ser reali-
com brutais ameaças e intimidações, ocasiona- zada uma festa com familiares e amigos, porque
ram-lhe um esgotamento, tendo ficado com uma no ano anterior, no dia do casamento, não tinha
gaguez muito acentuada. Consultou um neuro- havido grandes festejos, porque esta se encon-
logista, o Dr. Corino de Andrade (médico e in- trava gravemente doente. Maria Armanda es-
vestigador, figura cimeira da neurologia portu- perou toda a noite e só passadas 24 horas sou-
guesa e que também fez parte da AFPP, sendo be por um amigo, Hermínio Marvão, que o ma-
sócio auxiliar n.o 337), que a observou e lhe pres- rido teria sido preso. Este avisou a PIDE que Ma-
creveu um grande tratamento. Entretanto, o ma- ria Armanda se encontrava grávida, pediu para
rido permanecia preso numa das celas situada fazer um telefonema, para dizer o que tinha acon-
na cave, que dava para a esquina entre a Rua do tecido, mas foi-lhe negada qualquer comunica-
Heroísmo e o Largo Soares dos Reis, e Maria Ar- ção com a família. Maria Armanda, acompa-
manda passava frequentemente pela sede da nhada pelo pai, foi procurá-lo na sede da PIDE
MAR 510

do Porto e só ao fim de muita insistência e re- e na cadeia do Forte de Peniche. Foi-lhe con-
clamação acabaram por confirmar a sua prisão. cedida a liberdade condicional por cinco anos,
A perturbação sofrida com o desaparecimento com medidas de segurança, não podendo sair do
do marido e a ausência de notícias provocaram país nem guiar durante cinco anos. Maria Ar-
o aborto durante essa semana, notícia de que só manda tirou então a carta de condução. Só em
mais tarde o marido tomou conhecimento. De 13 de abril de 1964 lhe foi concedida liberdade
acordo com o Dr. Teixeira Ruela, a gravidez te- definitiva. Aquando desta terceira prisão, Her-
ria já cerca de dois meses. Ela e o marido tive- nâni Silva trabalhava como guarda-livros na em-
ram sempre um grande apoio familiar e dos ami- presa Silva, Ferreira & Soares e, após o cum-
gos e companheiros de luta cada vez que a PIDE primento da pena, empregou-se no Laboratório
o prendia. Mais uma vez, Hernâni Silva sofreu Medicamenta, onde chegou a chefe de propa-
sucessivos interrogatórios, alguns durante a ganda médica. Durante este período de deten-
noite e com interrupção do sono, esteve em cela ção, foi punido, várias vezes, com a pena de proi-
disciplinar, com humidade e sem luz natural, so- bição de correspondência, de visitas, de recreio
freu maus-tratos e ficou várias vezes privado de e de prisão em cela disciplinar, privado de tudo
visitas e de recreio. Com esta segunda prisão per- (colchão, travesseiro, visitas, recreio, corres-
deu de novo o emprego. Em 1954, Maria Ar- pondência e meios de escrita, lanches, jornais e
manda candidatou-se e entrou nos cursos de Ra- livros). Sofreu a tortura do sono, foi barbaramente
dioterapia e no primeiro curso de Técnica de Ra- espancado, acordado durante a noite para in-
diologia em Portugal, que fez em simultâneo, no terrogatório, levado para o “segredo” – cela sub-
Hospital Geral de Santo António, no Porto. Foi- terrânea onde pingava água de forma contínua.
-lhe exigida uma declaração em como era cató- No Porto, chegou a estar cerca de dois meses iso-
lica praticante. Conseguiu a declaração após uma lado numa cela sem luz natural e permanente hu-
longa conversa com o pároco de Santo Ildefon- midade. A sua saúde ressentiu-se. Contraiu
so e a ajuda do então diretor do hospital, Prof. uma forte anemia, sendo internado na enfermaria
Fernando Magano, também amigo do pai. Na se- da Cadeia do Aljube, entre 20 de julho e 25 de
quência destes cursos, em 1956 concorreu a uma outubro de 1956. Maria Armanda esteve sempre
vaga existente nesse hospital, onde ficou colo- presente, apoiando o marido e companheiro de
cada, primeiro no serviço de Radioterapia e, mais luta em tudo o que lhe era possível: visitas, cor-
tarde, no serviço de Radiologia. Foi o seu pri- respondência, encomendas, transmissão de
meiro e único emprego, onde acabou por se rea- mensagens e denunciando os maus-tratos na pri-
lizar profissionalmente. A terceira prisão do ma- são. Durante os cinco anos de prisão, não hou-
rido ocorreu em 12 de março de 1955, uma vez ve um dia em que não se correspondesse com o
mais para “averiguações por crimes contra a se- marido, mesmo que as cartas fossem censuradas
gurança do Estado”, num processo que culmi- ou não chegassem ao destinatário. Inúmeras car-
naria no célebre “julgamento dos 52”, envol- tas de protesto e denúncia foram também en-
vendo, entre outros, Pedro Ramos de Almeida, viadas para os diretores da PIDE e para o próprio
Maria Cecília Ramos de Almeida, António Bor- Salazar. Era uma forma de luta e de registo. Guar-
ges Coelho, Agostinho Neto, Ângelo Veloso, Ós- dou essas cartas, que servem hoje para teste-
car Lopes, Orlando Juncal, José Augusto Seabra, munho. Nas visitas às prisões do Porto, Caxias
Hermínio Marvão e Paulo Mendo. Como sempre, e Peniche era frequentemente chamada para in-
começou por ficar preso nas instalações da PIDE terrogatórios e, muitas vezes, foi seguida pelos
no Porto, sendo depois transferido para Caxias. agentes da PIDE. Tudo o que era enviado para a
Em 12 de junho de 1957 foi condenado pelo 1.o prisão – correspondência, encomendas e livros
Juízo Criminal do Porto a uma “pena de 2 anos – era censurado. Por vezes, havia troca de infor-
de prisão, expiados com a prisão preventiva já mação de dentro para fora e vice-versa através
sofrida” e na famigerada “medida de segurança de códigos, combinações e permutas camufla-
de internamento em estabelecimento adequado das, durante a hora da visita, na correspondência
por período não inferior a 6 meses” que permi- e nas encomendas. Nas prisões de Caxias, Al-
tiu prolongar a prisão de forma arbitrária,cul- jube e Peniche, longe da cidade natal, as visi-
minando apenas em 9 de maio de 1959, após 50 tas aconteciam sobretudo aos fins de semana,
meses de detenção, no Porto, no Depósito de Pre- feriados e férias. Em Lisboa, foi apoiada pelo ad-
sos de Caxias, na Cadeia do Aljube, em Lisboa, vogado Dr. Palma Carlos, que várias vezes lhe
511 MAR

transmitiu notícias do marido. Maria Armanda plo, a correspondência de Carlos Costa, membro
passou dois Natais em Caxias, sozinha. Uma vez, do Comité Central do PCP, para a família, era por
albergada num quarto interior alugado numa pen- eles entregue em visitas de domingo à tarde, com
são, chegou a cobrir-se com tapetes por causa do a presença dos filhos, para disfarce. O primei-
frio. Em Peniche, através de um professor do Ins- ro dos seus quatro filhos faleceu com um ano de
tituto de Francês, Maria Armanda conheceu uma idade. Era uma menina, Sílvia, e nasceu a 25 de
família que lhe deu apoio, podendo assim visi- agosto de 1960. Maria Armanda teve mais três
tar o marido mais vezes e não sentir-se tão só. filhos: Paulo, Sónia e Cláudia. Participou em vá-
Muitos presos não tinham visitas, outros só ao rias iniciativas, com destaque para o funeral do
domingo. Subia a pé o monte de Caxias, que no Prof. Abel Salazar, em 1947, a campanha elei-
inverno era muito escorregadio, carregada com toral do general Norton de Matos em 1949, no-
o que levava para o marido e seus companhei- meadamente no célebre comício na Fonte da
ros de cela. Durante o “julgamento dos 52”, em Moura, em Aldoar. Lembrava-se bem da multi-
finais de 1956, ajudada por um advogado, Dr. Ar- dão que ocorreu: “Eles tiraram os autocarros, mas
mando de Castro, e de acordo com um funcio- as pessoas vieram a pé”. Envolveu-se também nas
nário judicial, após algumas audiências, Maria Conferências para a Paz do Dr. Teixeira de Pas-
Armanda teve acesso a um gabinete do tribunal coaes, em 1950, no âmbito das comemorações
para copiar os autos dos réus que, depois, eram do XV aniversário da AFPP no Porto, no comí-
distribuídos pelos advogados e réus para estu- cio de apoio à candidatura à Presidência da Re-
do e procura de melhor defesa. Era na Rua de pública do Dr. Ruy Luís Gomes, em 1951, onde
Santa Catarina, na delegação do 1.o Juízo Criminal este e outros democratas foram barbaramente es-
do Porto, para onde ia nos dias em que não ha- pancados no Cine-Teatro Vitória, em Rio Tinto,
via julgamento, depois de sair do emprego. Tudo na campanha do general Humberto Delgado, em
corria bem, até que o funcionário judicial se lem- 1958, na homenagem ao Dr. Mário Sacramento,
brou de ir também para o gabinete, fechando a em 1969, em Aveiro, no Terceiro Congresso da
porta e tentando assediar Maria Armanda que, Oposição Democrática, em 1973, também em
sem capacidade de defesa, se viu obrigada a aban- Aveiro, na homenagem ao Dr. Arnaldo Mesqui-
donar esta tarefa. Durante este tempo, Maria Ar- ta, advogado e defensor dos presos políticos, em
manda e a família recebiam as “visitas” repen- 1973, e quatro dias antes do 25 de Abril de 1974
tinas da PIDE, chegando a acordar com os num jantar de homenagem ao Dr. Óscar Lopes.
agentes dentro do quarto. Um dia, uma primi- Apoiou as sucessivas comemorações do 1.o de
nha que vivia lá em casa, com sete anos, acor- Maio, 5 de Outubro e 31 de Janeiro. Festejou a
dou com agentes da PIDE dentro do quarto que, queda da ditadura em 25 de Abril de 1974 e par-
após remexerem tudo, a fecharam à chave. Nas ticipou empenhadamente na implantação do re-
súbitas entradas da PIDE pela casa dentro, por gime democrático pelo qual tanto lutara. Maria
denúncia do diferente toque de campainha, quer Armanda prosseguiu a atividade política e pro-
Maria Armanda, quer o pai, em frações de se- fissional. Militou no Partido Comunista Portu-
gundo, ocultavam papéis e propaganda políti- guês, pertencendo ao Sector Intelectual, partici-
ca colocada em locais que, embora escondidos, pou em sucessivas campanhas eleitorais, mesas
eram passíveis de serem encontrados pelos de voto e sessões de esclarecimento. Fez parte
agentes. Outras vezes, quando a “visita” era pres- do Movimento Democrático de Mulheres* e foi
sentida, queimavam a propaganda e os papéis ativista do núcleo do Porto da URAP (União dos
de âmbito político. Alguns documentos eram em- Resistentes Antifascistas Portugueses). Partici-
brulhados e guardados em quintais da família. pou ainda na comissão promotora da homena-
Boletins, circulares e a coleção de postais sobre gem a Irene Castro em 11 de outubro de 1992,
mulheres da AFPP foram resguardados e es- assim como na comissão que promoveu a 8 de
condidos no quintal da casa da mãe de Hernâ- Março, durante dois anos, a homenagem de sau-
ni. Quando mais tarde os foram buscar, estavam dade às mulheres Irene Castro, Maria Amélia Cal
apodrecidos. Posteriormente, numa fase de ati- Brandão e Herculana de Carvalho, todas sócias
vidade política mais discreta, Hernâni, com a co- da AFPP da delegação do Porto. Fez parte do
laboração de Maria Armanda, cumpriu tarefas Conselho de Gestão e da Comissão de Sanea-
de apoio, ligação e alojamento a funcionários mento do Hospital Geral de Santo António. Aju-
clandestinos do seu partido. A título de exem- dou a criar e organizar, com Maria Alcina Go-
MAR 512

mes (casada com o advogado Arnaldo Mesqui- que militou na Associação Feminina de Propa-
ta, companheiro de prisão do marido), o Sindi- ganda Democrática.
cato dos Técnicos Paramédicos que abrangia to- Fontes: Espólio particular de Maria Veleda.
dos os técnicos de saúde, tendo sido a sócia n.o Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
5, delegada sindical e pertencido à Direção e Uma professora feminista, republicana e livre-pensado-
Conselho Fiscal. O seu trabalho no sindicato ra. Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Dis-
sertação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lis-
contribuiu para a criação da Escola Superior das boa, Universidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no
Tecnologias da Saúde do Porto. Neste estabe- labirinto espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva,
lecimento de ensino, foi monitora e participou em n.o 15, 2006, pp. 83-109; O Futuro, n.o 2, março, 1921, p.
vários júris de exame por todo o país, acompa- 16, n.o 9, novembro 1922-janeiro 1923, pp. 5-7, n.o 10, fe-
nhando os alunos do Curso de Ensino e Admi- vereiro-maio, 1923, p. 1, n.o 11, junho, 1923, pp. 4-7, n.o
2, outubro, 1923, pp. 30-31; A ASA, n.o 6, março, 1925, pp.
nistração, estagiários nos Hospitais de Santo 85-86, n.o 7, abril, 1925, pp. 100-108.
António e S. João no Porto. Profissionalmente, [N. M.]
progrediu na carreira técnica até ao último grau,
Técnica Especialista de Primeira, tendo coorde- Maria Augusta de Meneses Silva e Castro
nado nesta qualidade o Serviço de Radiologia Nasceu na freguesia de Eixo, atual concelho de
do Hospital Geral de Santo António. Faleceu Aveiro, em 15 de agosto de 1808. Filha única de
com 77 anos, na cidade do Porto, quase 10 anos António Venâncio da Silveira Matoso e Vas-
após a morte de Hernâni Silva, seu marido e com- concelos e de Maria Henriqueta Alves Pereira de
panheiro de uma vida de luta. Melo, herdou do pai a casa e morgado da Oli-
Bib.: Comissão do Livro Negro Sobre o Regime Fascista, veirinha e os vínculos de Salgueiro, Fontão, Es-
Presos Políticos no Regime Fascista VI – 1952-1960, 1988, pinhal e Rabaçal. Casou no dia 9 de abril de 1826,
pp. 154-156; Lúcia Serralheiro, Mulheres em Grupo con- na capela de Santo António da Oliveirinha, fre-
tra a Corrente [Associação Feminina Portuguesa para a guesia de Eixo, com Francisco Joaquim de Cas-
Paz (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011; “Fa-
leceu Hernâni Silva”, Avante!, n.o 1352, 28/10/1999; “Ca- tro Pereira Corte Real. Teve seis filhos, entre os
maradas Falecidos – Maria Armanda Gonçalves Teles”, quais José Luciano de Castro Pereira Corte
Avante!, 18/06/2009, p. 10. Real, Presidente do Conselho, pela primeira vez,
[S. A. T. S. / L. S.] em 1886.
Bib.: Francisco Ferreira Neves, A Casa e Morgado da Oli-
Maria Augusta Beliter [ou Belita] veirinha nos Concelhos de Eixo e Aveiro, Coimbra Edi-
Aderiu ao espiritismo filosófico, científico e ex- tora, Aveiro, 1968.
perimental e pertenceu ao Grupo Espiritualista Luz [Ju. E.]
e Amor, fundado por Maria Veleda*, em 1916. Em
26 de fevereiro de 1921, esteve presente na ses- Maria Augusta de Vasconcelos Soares
são de confraternização espírita que assinalou o Mestra de costura e corte na oficina de lavores
enlace matrimonial de Cândido Guerreiro Xavier femininos da Escola Industrial do Príncipe
da Franca, filho de Maria Veleda, e de Arminda Real, em Lisboa, a partir de 1893/94. Maria Au-
da Costa Pinto da Silva*, sobrinha de Maria Emí- gusta Soares foi mestra de trabalhos manuais ele-
lia Marques*. Quando, em abril de 1923, o Gru- mentares para o sexo feminino na 2.a secção da
po Espiritualista Luz e Amor se transformou no Escola Rodrigues Sampaio. Esta Escola Primá-
Centro Espiritualista Luz e Amor*, Maria Augusta ria Superior, criada pelo Município de Lisboa,
Belitter foi eleita vogal da direção. Participou na passou, em 1892, para a tutela do Ministério das
organização do 1.o Congresso Espírita Portu- Obras Públicas. Em 1895, a 2.a secção autono-
guês, realizado em Lisboa em maio de 1925, e nas mizou-se com o nome de Escola Industrial do
atividades recreativas, culturais e de beneficên- Príncipe Real. Nesta foi criado, pelo Decreto de
cia promovidas pelas referidas associações espí- 14/12/1897, que reorganizou o ensino nas esco-
ritas. As revistas A ASA* e O Futuro* mencionam las industriais e de desenho industrial, o Curso
a sua presença em sessões de espiritismo reali- de Lavores Femininos, com a respectiva ofici-
zadas pelo Centro Espiritualista Luz e Amor. O na, para a qual Maria Augusta de Vasconcelos
Futuro publicou também alguns extratos das in- Soares foi nomeada como mestra, auferindo, em
tervenções ou pensamentos expressos por Maria conformidade com a tabela anexa ao referido
Augusta Beliter nas sessões de leitura, debate e decreto, um vencimento de 300$000 réis anuais.
reflexão. Pode tratar-se da Maria Augusta Belita Ainda exercia à data da implantação da Repú-
513 MAR

blica. Era auxiliada por Virgínia Cassia do Sacra- por Maria Veleda, desde fevereiro de 1921 até
mento Marques*. outubro de 1924. Em 1925 contribuiu para as des-
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das pesas do 1.o Congresso Espírita Português e a fa-
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas, vor da representação portuguesa ao Congresso
Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas Industriais Espírita Internacional, realizado em Paris em se-
e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Copia- tembro do mesmo ano. Era também doadora da
dores de correspondência expedida (1891-1892; 1893; Caixa de Assistência e de Propaganda do Centro
1894). Fontes impressas: Decreto de 14/12/1897, Diário
do Governo, n.o 283 de 15/12/1897; Anuário Comercial de Espiritualista Luz e Amor. Participou regular-
Portugal, Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910; mente nas atividades e nas sessões culturais e
Portugal, Ministério da Fazenda, Direcção Geral da Esta- de confraternização promovidas por estas duas
tística e dos Próprios Nacionais, Anuário Estatístico de Por- organizações espíritas. As revistas A ASA e O Fu-
tugal. 1900, Lisboa, Imprensa Nacional, 1907.
Bib.: Teresa Pinto, A Formação profissional das mulheres
turo mencionam a sua presença em sessões de
no ensino industrial público (1884-1910). Realidades e espiritismo realizadas pelo Centro Espiritualis-
representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa, ta Luz e Amor. O Futuro publicou alguns extratos
Universidade Aberta, 2008. das suas intervenções e pensamentos nas sessões
[T. P.] de leitura, debate e reflexão.
Fontes: Espólio particular de Maria Veleda.
Maria Augusta Perez Fernandez Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
Filha de pais espanhóis, nasceu em Lisboa a 29 Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
de dezembro de 1921. Licenciou-se em Mate- Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Dissertação
mática e em Ciências Geofísicas, e também foi En- de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Uni-
genheira Geógrafa. Trabalhou no Instituto Por- versidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no labirinto
espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva, n.o 15,
tuguês de Oncologia, primeiro como estagiária no 2006, pp. 83-109; O Futuro, n.o 2, março, 1921, p. 16, n.o
Laboratório de Física, participando posterior- 3, abril, 1921, p. 16, n.o 9, novembro 1922-janeiro 1923,
mente no grupo que organizou o Laboratório de pp. 5-7, n.o 11, junho, 1923, pp. 5-7, n.o 12, julho, 1923,
Isótopos, daquele instituto. Já com a categoria de p. 4, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31, n.o 3, novembro, 1923,
p. 47; A ASA, n.o 10, julho, 1925, p. 167; Estudos Psí-
assistente, passou para a carreira de investigação. quicos, novembro-dezembro, 1940, p. 235
Em Paris, no Instituto Curie, especializou-se em [N. M.]
aplicações médicas da Física Nuclear, como bol-
seira do Instituto de Alta Cultura. De regresso a Maria Baptista Moreira
Portugal, desenvolveu a sua atividade, de novo, Natural de Lisboa, freguesia do Sagrado Coração
no Laboratório de Isótopos até à data da apo- de Jesus, nasceu a 22 de março de 1892 e mor-
sentação, em 1988. Pela atividade de investiga- reu em Carcavelos, concelho de Cascais, a 9 de
dora, recebeu, em conjunto com a sua equipa, o outubro de 1988. Solteira, teve apenas como des-
prémio Pfeizer, atribuído pela Sociedade de Ciên- cendentes quatro sobrinhos-netos, alguns dos
cias Médicas, de que foi Sócia Agregada. quais só a partir dos anos 30 do século XX pas-
[M. C. B. V. B.] saram a conviver com ela, dado residirem até aí
em Angola. Oriunda de uma família beirã e sem
Maria Augusta Setas tradição intelectual, Maria Baptista Moreira e,
Aderiu ao espiritismo filosófico, científico e ex- posteriormente, a irmã mais nova, Julieta Moreira
perimental, por volta de 1915. Por convite de Ma- Baptista Carvalho, foram as primeiras pessoas na
ria Veleda*, foi membro fundador do Grupo das família a prolongarem os estudos além da ins-
Sete, em 1916, que depois se transformou no Cen- trução primária. O irmão, o filho mais velho da
tro Espiritualista Luz e Amor*, associação devi- família Baptista Moreira, não fez estudos se-
damente legalizada, cujos estatutos foram apro- cundários, entrando cedo no mundo do traba-
vados em 15 de abril de 1923. Deste grupo ini- lho. Os pais, Rosa de Sousa Moreira Baptista e
cial faziam também parte Maria da Madre de Deus Manuel José Baptista, vieram da Beira para Lis-
Leite Dinis D’Almeida*, Emília Bähr Ferreira*, Ma- boa, instalando-se na zona do Miradouro do Bu-
ria Emília de Carvalho Gonçalves*, Maria Emí- rel. O pai, para assegurar a subsistência da fa-
lia Marques* e, provavelmente, Ernestina Bur- mília, criou uma pequena atividade económica,
guete*. Contribuiu para as despesas de edição d’O que um dos sobrinhos-netos pensa ter sido
Futuro*, revista mensal de propaganda socioló- uma barbearia. Muito pouco se sabe sobre o per-
gica e de ciências psíquicas, fundada e dirigida curso escolar de Maria Baptista. Ignora-se, assim,
MAR 514

a forma como fez os estudos liceais, que lhe per- seu nome foi votado para o cargo de vogal do
mitiram ingressar na Escola Normal Superior e Conselho Administrativo, encontrando-se re-
concluir a licenciatura em Ciências Naturais na gistado na ata dessa mesma reunião a seguinte
Universidade de Coimbra, apresentando a tese afirmação: “Esta senhora manifestou ao Conse-
Algumas Notas sobre o Gametófita e Esporófi- lho a vontade de não aceitar qualquer cargo e o
ta da Targonia Hypophylia, executada no Ins- Conselho procedeu a nova eleição” [Ata n.o 1, de
tituto Botânico de Coimbra e, posteriormente, pu- 27/10/1928]. Sendo a referida ata omissa quan-
blicada no Boletim da Sociedade Broteriana [Vol. to aos motivos da decisão, estes seriam escla-
I (2.a série), Coimbra, 1923]. Dado ter termina- recidos passado algum tempo. Após ter sido afas-
do a habilitação para professora do ensino liceal tado o reitor interino do liceu, por motivos que
com 31 anos de idade, somos levados a pensar se prenderam com a forma de o gerir, entre os
que tal facto não se deve a insucesso escolar, mas quais o fato de ignorar as competências do Con-
a impedimentos de natureza económica que, cer- selho Administrativo, assumiu a direção do es-
tamente, só lhe permitiram prolongar os estudos tabelecimento de ensino a vice-reitora, professora
passados alguns anos após a conclusão da ins- Branca Alice Azevedo. Numa sessão do Con-
trução primária, ou inviabilizaram uma entrada selho Escolar, realizada para proceder a no-
na universidade logo a seguir à conclusão dos meações de professoras para certos desempenhos,
estudos liceais. Coloca-se a hipótese, dado o con- pois algumas viam-se impedidas de continuar
texto socioeconómico familiar, de ter usufruído com os horários atribuídos inicialmente (a vice-
de apoios de natureza económica, estatais ou ou- reitora, a professora secretária, entre outras), a
tros, para poder fazer o curso superior. Reco- professora Maria Moreira Baptista foi eleita
nhecem os seus descendentes que a inteligên- por unanimidade diretora do Gabinete de Ciên-
cia, perseverança e enorme determinação que ti- cias Naturais. Aceitando o novo cargo fez uma
nha em relação àquilo em que acreditava foram declaração para ata, a qual permite conhecer as
determinantes para fazer uma carreira profis- razões que se prenderam com a anterior recusa.
sional no Magistério Liceal. Assim, concluído em E, mais, revela-se aí o seu posicionamento em
1923 o Exame de Estado para a docência liceal, relação à mulher no cumprimento de funções la-
ingressou, como professora provisória, a 15 de borais, orientado pelo conceito de paridade no
outubro de 1924, no Liceu Maria Amália Vaz de trabalho, explicitamente no exercício de cargos
Carvalho, passando a professora agregada a de poder. Afirmou, então, a professora Maria Bap-
partir de 5 de novembro desse mesmo ano no Li- tista Moreira que “parecendo o facto de aceitar
ceu Carolina Michaëlis. Foi neste liceu do Por- este cargo, estar em desacordo com uma decla-
to que se efetivou em 25 de abril de 1925, aí per- ração proferida na primeira reunião do Conse-
manecendo até 26 de outubro de 1928. No Liceu lho deste Liceu, não quer deixar de declarar que
Feminino da cidade do Porto desempenhou o persistiria na mesma resolução se, dirigindo
cargo de vogal do Conselho Administrativo o funcionamento do Liceu permanecesse um
(1924-1925), diretora do Gabinete de Mineralo- Reitor em vez de uma Reitora” [Ata n.o 7,
gia e Geologia (1925-1926), diretora de Classe e 16/01/1929]. Dirigida, interinamente, a insti-
diretora do Gabinete de Ciências Naturais (1926- tuição escolar por uma vice-reitora, a primeira
1927) e diretora do Gabinete de Ciências Bio- reitora nomeada para o Liceu Feminino D. Filipa
lógicas e Geológicas (1927-1928). Aí fez amiza- de Lencastre foi Maria Baptista [Diário do Go-
de com duas colegas, que se iria prolongar pela verno, n.o 92, 2.a série, 22/04/1929]. Enquanto rei-
vida fora, indo passar férias de verão, vários anos, tora do segundo liceu feminino lisboeta, a fun-
à quinta de uma delas, na zona de Cava do Vi- cionar na altura na zona de Lapa, foi louvada
riato (Viseu). Criado no ano de 1928 o Liceu D. “por ter revelado muita dedicação e inteligên-
Filipa de Lencastre, em Lisboa, regressou para cia na direção e execução dos serviços do Liceu”
junto dos pais, fazendo parte do primeiro qua- [Portaria de 09/02/1931, do Diário do Governo
dro de professoras efetivas fundadoras deste novo de 11/02/1931]. No ano seguinte, foi nomeada
liceu feminino [Diário do Governo n.o 246, 2.a sé- para a Comissão dos Professores agregados à sec-
rie, 24/10/1928], criado em 21 de setembro des- ção do Conselho de Instrução Pública, no cum-
se ano pelo Decreto n.o 15 971, de 21 de setem- primento do art. 158.o do Estatuto do Ensino Se-
bro de 1928. Na reunião do primeiro Conselho cundário [Diário do Governo, n.o 154, 2.a série,
Escolar, realizado em 27 de outubro de 1928, o de 05/07/1932]. Cessou, a seu pedido, as funções
515 MAR

de reitora em 19 de julho de 1933, conforme dá sa para a Paz*, assim como não se identificou o
a conhecer o Diário do Governo de 28 de se- seu nome entre as primeiras mulheres perten-
tembro de 1933. A partir do ano letivo de centes à Maçonaria Feminina, implantada em
1933-1934 nunca exerceu qualquer cargo, além Portugal no período da República. Admita-se que
da lecionação, tendo sido exonerada, a seu pe- prezava a liberdade pessoal em detrimento da
dido [Diário do Governo, de 21/06/1953], ao ver- associação a grupos. Resta-nos, ainda, pensar que
-se nomeada nos anos 50 para integrar o Júri se está perante uma docente que rejeitava a ins-
dos Exames de Estado [Diário do Governo, de trumentalização da educação para fins de en-
11/06/1953]. Compreender as razões que pesa- doutrinamento ideológico, os quais vigoraram na
ram na sua decisão de afastar-se de qualquer car- escola salazarista, sobretudo a partir da entrada
go diretivo, quando havia defendido o acesso das do ministro Carneiro Pacheco em 1936, que su-
mulheres a cargos de poder, e a opção por exer- bordinou a instrução ao processo formativo de
cer no liceu funções apenas do foro estritamente cariz nacionalista. A corroborar esta última hi-
letivo implica aquilo que Derrida denomina de pótese temos as palavras de um dos sobrinhos-
processo de “desconstrução dos discursos”. -netos que com ela viveu, desde que veio concluir
Algumas das alunas que com ela privaram, ou- para a então Metrópole o ensino liceal e fazer os
vidas em entrevista, dizem que limitava as estudos universitários. Conta ele que a tia, sua
funções docentes à lecionação da matéria, não encarregada de educação, nunca permitiu que
desempenhando junto delas um papel formati- ele ou o irmão adquirissem o fardamento da Mo-
vo que ultrapassasse as fronteiras da instrução. cidade Portuguesa, assim como utilizava todas
Cordial no trato, atenta às suas dificuldades de as artimanhas possíveis para os dispensar das ati-
aprendizagem, valorizando a aplicação ao estudo vidades promovidas por esta organização juve-
e a melhoria nos resultados obtidos, é assim que nil estatal. Diz reter na memória uma frase por
falam dela as alunas que a tiveram como pro- ela proferida ao referir-se ao Estado de então:
fessora e que ouvimos. Recordam-na, algumas “para eles não há o indivíduo”. Considera-se ad-
delas, como uma docente que entrava no liceu missível inferir destas palavras, mais que um dis-
para dar as suas aulas, saindo deste cumpridas tanciamento do regime, uma associação do Es-
as funções docentes, sem privilegiar momentos tado Novo a um regime autoritário, que garan-
de convívio fora das aulas, quer com as alunas, tia a ordem social anulando a dimensão indi-
quer com as colegas. Sabe-se, contudo, que tinha vidual e valorizando uma noção de contrato so-
uma visão do exercício docente que não se li- cial que afirmava o homem como pertença do
mitava a debitar a matéria em sala de aula, pois aparelho estatal. Julgamos ser lícito admitir que
a leitura das atas dos conselhos pedagógicos e era em nome da defesa do ser humano como uma
disciplinares e dos conselhos de classe dão-nos pessoa singular e única, gozando, assim, da li-
conhecimento que realizava visitas de estudo no berdade de pensamento, que Maria Baptista nun-
âmbito da matéria lecionada, assim como não ra- ca colaborou com um liceu “estatizado” e con-
ras vezes argumentava contra a extensão dos pro- trolado por uma organização criada para o en-
gramas, que não permitia, dado o tempo dedi- quadramento ideológico das raparigas – a Mo-
cado ao ensino-aprendizagem dos conteúdos, o cidade Portuguesa Feminina*. Não se pode ain-
acompanhamento da matéria por muitas das alu- da desprezar a sua afirmação à família, como re-
nas. Também não deixa de ser significativo que, fere um dos familiares entrevistado: “o Deus de-
quando foram instituídas as palestras escolares, les não é o meu”. Assim, afastava-se da norma,
Maria Baptista Moreira participou nelas, mas, ao em matéria religiosa, que professava a religião
fazê-lo, restringiu a sua intervenção ao âmbito católica e, contrariamente ao que era habitual no
do saber científico, discursando sobre Pasteur. seu tempo, assumia não frequentar a missa do-
Fez duas sessões, em função dos ciclos liceais minical. Podemos, então, entender que esta mu-
frequentados pelas alunas, e integrou na sua pa- lher demasiado culta, deixando uma biblioteca
lestra a projeção de um filme sobre aquele denotando interesses culturais que não se res-
cientista. Não foi possível localizá-la em ne- tringiam ao âmbito da sua formação académica,
nhuma das listas das mulheres membros do Con- mas que compreendia obras de teatro, pedago-
selho Nacional das Mulheres Portuguesas, nem gia, filosofia e até ficção científica, se refugias-
nas que integraram outras organizações de mu- se na leitura, a par de um enorme gosto por via-
lheres, como a Associação Feminina Portugue- jar para o estrangeiro (do registo biográfico
MAR 516

consta todos os anos um requerimento pedindo Maria Bárbara Garcez Pinto de Madureira
autorização para se ausentar para o estrangeiro), Nasceu em Penafiel a 11 de julho de 1779 numa
e fizesse muito pouca vida social. Saía algumas antiga família de nobreza provinciana que ha-
vezes para ir ao teatro, à ópera (sendo uma fã de via algumas gerações vinha exercendo os cargos
Beniamino Gigli, possuía uma coleção de discos de sargento-mor e capitão-mor de Penafiel. Era
dedicados a si pelo cantor) ou a exposições de filha de José Cardoso Garcez Pinto de Madureira
arte, fazendo-o, geralmente, na companhia de e de Maria Libória Máxima Guilhermina da Sil-
duas amigas, uma delas professora, Hilda Fi- va Carneiro. Morreu em S. Salvador da Bahia em
gueiredo, e a outra uma mulher licenciada mas 1852. Casou em 1793, apenas com 14 anos, com
que não exercia o magistério, Sara Manaças. Um Luís Paulino d’Oliveira Pinto da França, figura
grupo restrito de quatro amigas vai acompanhá- de herói romântico, baiano formado em Coim-
-la ao longo da vida, duas delas habitando tam- bra e oficial de cavalaria. Viria ele a distinguir-
bém na cidade de Lisboa e outras duas, residentes -se nas guerras peninsulares e a comandar a guar-
na cidade do Porto, haviam sido suas colegas no da pessoal de D. João VI no Rio de Janeiro. Mais
Liceu Carolina Michaëlis. Dotada de um espírito tarde seria deputado pela Bahia às Cortes Cons-
jovial, que se traduzia no modo cuidado e mo- tituintes, vindo a morrer a 8 de janeiro de 1824,
derno como se vestia, estamos, contudo, perante já marechal, em pleno Atlântico. No início das
uma mulher seletiva em matéria de amizades e invasões francesas, Luís Paulino enviou Maria
reservada em termos de vida social. Tais traços Bárbara e os filhos para a Bahia, sua terra natal,
de personalidade, associados, certamente, à onde tinha propriedades. Mas logo em 1813 ela
necessidade de garantir o seu sustento através foi juntar-se ao marido no Rio de Janeiro para ali
do exercício profissional, permitem-nos com- mergulhar nos meandros da vida da corte no Bra-
preender que se tenha distanciado de qualquer sil. Só em 1819 se mudaria toda a família para
colaboração com o Estado Novo. Não desem- a Bahia. Logo em 1821 partiria Luís Paulino para
penhou qualquer cargo de poder no liceu, a par- participar em Lisboa nas Cortes Constituintes,
tir do seu controlo pela MPF, além de lecionar deixando Maria Bárbara à testa de Aramaré, o en-
as aulas; contudo, não assumiu uma posição genho de açúcar que possuíam no recôncavo
combativa em relação ao mesmo, apesar de ser baiano. Iria ela administrá-lo com grande eficácia
uma mulher imbuída de determinação, o que lhe e energia até ao fim da vida. Para a época e para
permitiu tirar um curso superior. Conhecer o meio em que vivia, constitui um exemplo sin-
Maria Moreira Baptista permite compreender um gular de mulher independente. Dela subsistem
certo tipo de mulher que vivendo num regime inúmeras cartas que revelam uma personalida-
autoritário, conseguiu gerir as convicções pes- de excecional. Foram essas cartas publicadas em
soais, diferentes das da mulher estadonovista, 1980 no Brasil e, depois, pela Imprensa Nacio-
viver uma certa liberdade de pensamento, sem nal em 1984, num volume intitulado Cartas Baia-
entrar em litígio com o governo instituído, e não nas. É notável a qualidade literária do seu esti-
se deixar absorver pelo aparelho estatal, apesar lo e o nível de conhecimentos que se reflete nos
de ser funcionária pública. Aposentada com 37 seus escritos. Nascida e criada na província, nos
anos de exercício do magistério liceal, foi julgada tempos retrógrados do século XVIII, e havendo-
incapaz para o serviço docente na Junta Médi- -se casado tão jovem, surpreende o grau de ma-
ca da Caixa Geral de Aposentações de 21 de de- turidade cultural e intelectual que demonstra.
zembro de 1961. Viveu até aos 96 anos de ida- Por certo terá estado sujeita a benéfica influên-
de. Passou os últimos anos da vida na casa de cia do marido, tão dado às letras. Também po-
uma sobrinha-neta, e morreu em Carcavelos, ten- derá ter bebido ensinamentos naqueles anos de
do a seu pedido sido cremada. Coimbra, até às invasões francesas, onde por cer-
to frequentou os círculos intelectuais a que Luís
Da autora: “Algumas Notas sobre o Gametófita e Espo-
rófita da Targonia Hypophylia”, Boletim da Sociedade Paulino andava ligado. Mas pouco teria apren-
Broteriana, Vol. I (2.a série), Coimbra, 1923. dido se não fosse dotada de outras qualidades.
Mss.: Acervo Documental do Liceu D. Filipa de Len- Para além da inteligência, revela dons de agu-
castre: “Caixa Processos Individuais dos Professores, n.o da observação, perspicácia e muito bom senso.
19: Capa Maria Baptista Moreira, n.o 467”; “Livro de Ac-
tas do Conselho Escolar I: Actas n.o 1, de 27/10/1928,
Apaixonadamente, dá nas suas cartas colorido
e n.o 7, de 16/01/1929”. testemunho dos tumultuosos acontecimentos his-
[M. J. R.] tóricos que conduziram à independência do Bra-
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sil. Nelas está bem patente uma visão política 1949/1950 e de 1952/1953 exerceu no Liceu Na-
apurada. Quando discorre sobre o fosso que se cional de Braga. No ano letivo seguinte fixou-
cavava entre Portugal e o Brasil, demonstra uma -se em Évora, tornando-se figura marcante e em-
lucidez que a paixão não tolda. Guarda uma pos- blemática do liceu. Crítica dos métodos de en-
tura muito objetiva, nunca trai o amor que man- sino-aprendizagem tradicionais, questionou a sua
tém bem vivo pela sua terra natal e simulta- legitimidade em diversos textos e encontros, pre-
neamente pela sua terra de adoção. Ilustram bem cisamente por contrariar o processo de “maturi-
o seu pensamento algumas linhas duma carta ao dade integrativa” e causar injustiças irreparáveis.
marido, quando já se está à beira da rutura: “Os Na abertura da sua comunicação apresentada no
brasileiros não são enteados, são filhos. Tu VI Congresso do Ensino Liceal realizado em Avei-
bem sabes que eu vejo tudo sem prevenções, sem ro (1971), interpelou: “Que pode realmente
ódios, sabes que amo o Rei, a Nação, enfim que «medir-se» em educação? Que representam os
sou idólatra pela prosperidade dos portugueses, exames em relação a um autêntico saber?” Crí-
mas morro de ver que uma dúzia de homens qui- tica do cientifismo educacional, para Maria
seram fazer que o pobre Portugal perdesse a sua Beatriz a Filosofia como disciplina liceal tinha
melhor possessão. Se o Brasil lhes é preciso não uma intencionalidade educativa inequívoca,
o calquem tanto […]”. servindo para a formação do ser humano “no seu
Bib.: António d’Oliveira Pinto da França (org.), Cartas mais alto sentido” [p. 367]. Após o 25 de Abril,
Baianas 1821-1824. Subsídios para o estudo dos pro- o Dec.-Lei 735-A/74, de 27 de maio, determinou
blemas da opção na independência brasileira, São Pau- que a direção dos estabelecimentos de ensino
lo, Companhia Editora Nacional, 1980; Idem, ibidem, Lis- fosse confiada a comissões democráticas eleitas,
boa, INCM, 1984.
[A. P. F.] tendo Maria Beatriz assumido o cargo de diretora
por ser a professora efetiva mais velha. No dia 4
Maria Beatriz Caroço de Castro Serpa Branco de janeiro de 1976 transitou para o magistério pri-
Pedagoga e tradutora. Filha de Basílio de Sousa mário, onde lecionou a disciplina de Pedagogia.
Caroço e de Catarina de Castro, nasceu a 6 de ja- No ano letivo de 1990/1991 regressou ao ensino
neiro de 1923, em Loulé, na freguesia de São Cle- secundário, tendo sido colocada na Escola Se-
mente, e faleceu a 1 de dezembro de 2006. A fa- cundária André de Gouveia. Foi-lhe concedida
mília foi viver para Lisboa quando ela tinha dois aposentação a 1 de julho de 1991. No final da dé-
anos de idade. Frequentou o Liceu Central D. Fi- cada de 50 fundou, com o marido, em Évora, o
lipa de Lencastre e, mais tarde, matriculou-se no Ramo Boa-Vontade da Sociedade Teosófica de
curso de Licenciatura em Ciências Histórico-Fi- Portugal. Em casa havia reuniões regulares onde
losóficas da Faculdade de Letras da Universidade se lia e discutia de tudo, antes e depois do 25 de
de Lisboa. Foi aluna do Professor Délio Nobre dos Abril de 1974. Emprestava livros, quase todos
Santos (1912-1977) e, por sua influência, tornou- com sabor a heterodoxia e cheiro de novidade,
-se membro da Sociedade Teosófica de Portugal, e solicitava que depois se participasse a leitura
tendo sido sua vice-presidente entre 1963 e 1967. numa dessas reuniões. Deste modo foi discreta-
A teosofia era encarada como um legado me- mente construindo uma comunidade dialogal e
diador de uma interpretação mais apurada, pro- afetiva, com configuração flexível, pois depen-
funda e holística da Vida, possibilitador da dia de quem aparecia ou desaparecia. Virgílio Fer-
transformação do ser humano e potenciador de reira, Francisco da Gama Caeiro, António Char-
um viver diferente. Concluída a licenciatura, ca- rua, Júlio Reis Pereira, Maria Cândida Lamas e
sou com Fernando Serpa Branco, a 19 de se- muitos outros frequentavam a sua casa, um
tembro de 1948, e iniciou o percurso profissio- centro familiar onde se cruzavam crianças, ado-
nal. No dia 7 de outubro desse ano, Maria Bea- lescentes e adultos. Maria Beatriz foi diretora da
triz foi admitida como professora agregada no Li- revista Humanismo, propriedade da Sociedade
ceu D. Filipa de Lencastre, onde fora aluna. Aí Teosófica de Portugal, da qual apenas saíram dois
passou às categorias de auxiliar e efetiva. Foi apro- números, ambos em 1967. Merece referência a
vada no Exame de Estado para o exercício do ma- fundação do Núcleo Cultural Krishnamurti, re-
gistério secundário liceal, 4.o grupo, a 17 de ju- conhecido pela Krishnamurti Foundation em
lho de 1948, no Liceu Nacional Pedro Nunes. Re- 1980 e que sempre funcionou em sua casa. O Nú-
cusou o convite para assistente de Filosofia da cleo publica anualmente dois boletins distri-
Faculdade de Letras. Entre os anos letivos de buídos gratuitamente (Núcleo Cultural Kris-
MAR 518

hnamurti). O primeiro número saiu no outono de aos 20 anos pelo registo civil com Severiano Fal-
1984 e o último (n.o 44) no outono de 2006, ain- cão, marceneiro, foi inicialmente viver para
da integralmente participado por Maria Beatriz, casa dos sogros e teve um filho, Carlos Falcão. Tal
embora só distribuído após a sua morte, em mea- como o marido, um dos presos políticos com mais
dos de dezembro de 2006. De leitora de Jiddu tempo de prisão em Portugal – 14 anos e seis me-
Krishnamurti, que conhecia de encontros inter- ses – e sempre barbaramente torturado, tornou-
nacionais realizados anualmente em Saanan -se militante do Partido Comunista. Viveu na clan-
(Suíça) e em Brockwood Park (Inglaterra), pas- destinidade, quando o marido a isso foi obriga-
sou a tradutora, quase sempre em parceria com do em 1949, depois do enterro do escritor Soei-
Joaquim Palma. Todas as propostas de Maria Bea- ro Pereira Gomes, tendo então passado a viver na
triz, quer sobre a indispensabilidade formativa Amora e, depois de algum tempo escondidos num
da Filosofia, quer sobre medidas práticas no âm- sótão de Alverca, habitaram na Cruz de Pau, onde
bito da comunidade, expressam duas constantes foi presa pela PIDE, após assalto às instalações.
do seu pensamento: a necessidade de cuidar o ser Levada com o filho pequeno para a sede da po-
humano e a urgência de lhe alargar o horizonte lícia política em Lisboa, seria, após os interro-
de vida. Neste sentido, foi co-fundadora da As- gatórios, enviada para Caxias, tendo a criança sido
sociação “Oficinas de Comunicação”, sediada em entregue aos avós paternos ao fim de poucas se-
Évora, cujo objetivo visava promover o diálogo manas, devido às condições prisionais. Sem lhe
comunitário mediante a realização de sessões va- terem aberto um processo próprio, o nome de Bea-
riadas: alfabetização, agricultura biológica, ioga triz Falcão consta do do marido, preso na mes-
e atividades tradicionais. ma altura, a 30 de dezembro de 1950, a caminho
Da autora: “Importância e educação da afectividade no de um encontro partidário. Após algum tempo
adolescente”, Perspectivas, 1962; “O valor de uma no isolamento, saiu em liberdade por falta de pro-
data”, O Corvo, dezembro, n.o 1, 24.a série, 1963, p. 3; “A vas e regressou a Alhandra, para casa dos sogros.
Criança e a Beleza”, Os Nossos Filhos e Diário de Lisboa, Arranjou emprego na CIMA e tentava, todas as
maio, 1965; “A Filosofia e a valorização do homem”, La- semanas, ver o marido preso no Aljube, Caxias
bor. Revista de Ensino Liceal, Aveiro, Ano XXXI, 3.a sé-
rie, n.o 256, abril, 1967, pp. 366-377; “Acção educativa e Peniche, estando oito anos nesta última prisão
e aproveitamento dos valores humanos. Sugestões de or- sem receber visitas. Beatriz Falcão continuou a
dem prática”, Labor. Revista de Ensino Liceal, Aveiro, Ano sua atividade política, nomeadamente com a dis-
XXXIV, 3.a série, n.o 279, dezembro, 1969, pp. 134-140 tribuição do jornal Avante!, juntamente com Bap-
[Texto apresentado no 1.o Encontro sobre Desenvolvi-
mento Regional da Região – Plano Sul, em 1969]; A Face tista Pereira, um dos “pequenos heróis” da obra
e as Sombras [poesia], Évora, Tipografia Eborauto, Esteiros de Soeiro Pereira Gomes e nadador exí-
1969; “Exames: avaliação ou bloqueamento do progres- mio. Antónia Balsinha incluiu a sua vivência no
so educativo?”, Aveiro, 1971; “Diálogo com um jovem estudo pioneiro que fez sobre o papel das mu-
‘novo’ (Psicologia da Adolescência. Seus aspectos prá- lheres de Alhandra na resistência ao salazarismo
ticos)”, Aveiro, 1971. [Tradução]: A Transformação do
Homem. Antologia, Centro Cultural Júlio Roberto, Lis- nos anos 1940, tendo-a entrevistado a 2 de se-
boa; Cartas às Escolas, Lisboa, Livros Horizonte, 1988; tembro de 2000, bem como ao marido, a 3 de fe-
Despertar da Sensibilidade, Lisboa, Editorial Estampa, vereiro de 2001.
1992; Aprender a Viver [trad. com Joaquim Palma], Mem
Martins, Livros de Vida Editores. Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
Bib.: Rui Arimateia, “Em Homenagem a Maria Beatriz C. sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
C. Serpa Branco”, Diário do Sul, 27/12/2006, p. 11; Idem, sência, 2005.
“Em Homenagem a Maria Beatriz C. C. Serpa Branco”, [J. E.]
Diário do Sul, 03/01/2007, p. 9; Teresa Santos, “Interpelar
e indicar vectores: dois modos de Maria Beatriz Serpa Maria Benedita de Brito e Cunha
Branco conjugar Filosofia e Educação”, Educação: Temas Nos princípios do século XIX, notabilizou-se em
e Problemas, Évora, n.o 4, 2007, pp. 311-323.
[M. T. S.] Lisboa como soprano, executando dos mais di-
fíceis trechos quer de música alemã, quer de mú-
Maria Beatriz Rodrigues Falcão sica italiana.
Nasceu em Mirandela em 1926 e radicou-se com Bib.: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
a família em Alhandra, onde começou a trabalhar Vol. 8, p. 265, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo-
pédia, Limitada, s.a.; Joaquim de Vasconcelos, Os Mú-
como criada aos dez anos, tendo somente a 2.a sicos Portugueses, Vol. II, pp. 76-77, Porto, Imprensa Por-
classe. Só quando o namorado não quis casar pela tuguesa, 1870.
igreja é que soube que ele era comunista. Casou [M. L. C. S.]
519 MAR

Maria Benilde Peixoto Guedes Vaz Bib.: Irene Flunser Pimentel, História das Organizações
Vogal de júri da Escola Normal do Porto, foi tam- Femininas no Estado Novo, Rio de Mouro, Círculo de
Leitores, 2000, p. 426; Paulo Fontes, “Catolicismo e di-
bém professora e escrivã nessa mesma escola, nâmicas sociais no século XX: um study case”, Faces de
onde, a 27 de agosto de 1890, já lecionava há seis Eva, n.o 22, Lisboa, 2009, pp. 105-113.
anos Aritmética, Geometria e Higiene. Candi- [M. R. S.]
datou-se, nessa data, a reger as mesmas disciplinas
nos novos Liceus Secundários Femininos* “em Maria Cândida de Avelar
vista do mesquinho ordenado que percebe [sic] Natural de Lisboa, freguesia de Nossa Sra. da En-
como professora na Escola Normal”. A crítica em carnação, filha de Rosa Joaquina de Avelar e de
relação ao parco vencimento que ali auferia e o José António Avelar. Habilitada com o curso ele-
pedido de aumento salarial são ecoados nas car- mentar da Escola Normal, pretendeu, a 18 de
tas de duas suas colegas: Maria do Patrocínio Osó- março de 1890, ser admitida no corpo docente
rio de Carvalho Guedes* e Maria Margarida de Oli- dos novos Liceus Secundários Femininos*, ten-
veira Pinto*. Maria Vaz permaneceu na Escola do vinte anos de idade. Maria Avelar anexou ao
Normal do Porto pelo menos até 1905. seu processo um certificado da Escola Normal
primária de 1.a classe para o sexo feminino, onde
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
foi examinada e obteve classificação de Bom, com
Bib.: Caldeira Pires, Anuário Comercial de Portugal, Ilhas 7 valores.
e Ultramar da Indústria, Magistratura e Administração Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
ou Anuário Oficial para 1905, Lisboa, 1904, p. 128. – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
[A. C. O.] [A. C. O.]

Maria Camila Schröter Viana Carneiro Pacheco Maria Cândida Mendonça


Filha de António Viana da Silva Carvalho e de Lau- Atriz. Nasceu por volta de 1828. Era filha do ator
ra Soares Franco Schröter, nasceu em Lisboa, na Bernardo Victor de Mendonça. Estreou-se ain-
Rua do Patrocínio, em casa de seus pais, a 17 de da muito nova e, em 1884, estava no Teatro do
dezembro de 1895, no seio de uma família mo- Rato, onde representou no drama A Pátria, de
nárquica que, após a implantação da República, vi- Alexandre Dumas. Esteve entre as artistas com
veu dois anos no sul de França. Morreu mais que preferência de escritura na abertura do Teatro D.
centenária, no Estoril, onde residia, no dia 6 de maio Maria II mas não se encontraram referências de
de 1998. Teve uma educação informal, como era contratação. Passou pelo Teatro do Salitre e en-
costume na época, mas muito cuidada, o que lhe trou para o novo Teatro do Ginásio, em 1848. Es-
permitiu falar correntemente cinco línguas e ser se- teve retirada de cena, por doença, e foi com o
nhora de apreciável cultura. Casou em 1920 com elenco do Club Dramático de Lisboa ao Teatro
o doutor António Faria Carneiro Pacheco (1887- do Ginásio fazer o papel de “D. Teodora”, em
1957), professor da Faculdade de Direito da Uni- O Grande Galeoto (1887), peça em 3 atos, imitação
versidade de Coimbra e mais tarde da Universidade de Guiomar Torrezão.
de Lisboa, figura proeminente do Estado Novo, de Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
que foi ministro da Educação Nacional (1936) e, de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
nessa qualidade, fundador da Obra das Mães pela nicipal de Lisboa, 1967, p. 312; Jacques de Sant’Ana, “Da
Educação Nacional*, tendo Maria Camila sido uma Plateia”, O Recreio, Lisboa, 3.a série, n.o 7, 28/03/1887,
p. 125; As Instituições, 05/08/1884, p. [2].
das primeiras (e numerosas) vogais desse orga- [I. S. A.]
nismo; mais tarde (1955), foi codiretora do Centro
Social de Cascais. Teve três filhos, dos quais so- Maria Carmo Antunes
breviveu apenas um. Acompanhou o marido en- Filha de João da Silva e de Maria Rosa, nasceu
quanto embaixador extraordinário e plenipoten- em Pedrógão Grande em 1892. Casada e do-
ciário junto da Santa Sé, de 1941 a 1946, e depois méstica, com residência na Quinta da Curraleira
em Madrid (1946-1954). Profundamente religiosa, – Alto do Pina, o seu nome consta do rol de mu-
o seu nome anda ligado à implantação, por volta lheres presas por motivos políticos após a im-
de 1913, do Noelismo em Portugal, de que foi mem- plantação da Ditadura Militar, na sequência do
bro ativo, empenhado e influente. 28 de Maio de 1926. Detida a 12 de abril de 1929,
Fonte: Informações prestadas pela Senhora D. Maria do “acusada de ter bombas enterradas na quinta
Rosário Carneiro Pacheco, sua neta, em julho de 2009. onde reside” [Cadastro Político n.o 2381], foi sol-
MAR 520

ta na mesma data, constando o caso do Processo senvolveu e evoluiu. O que começara por ser uma
4289. simples associação de fiéis, passou, depois, a Pia
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis- União e, finalmente, em 1965, a congregação re-
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939, ligiosa de Direito Diocesano. Maria Carolina foi
Mem Martins, 1982, p. 407. a primeira superiora-geral, desde a fundação até
[J. E.] à sua morte, em 1969. De imediato, foi substituída
por uma das companheiras da primeira hora, Ma-
Maria Carolina Bressane Leite Perry de Sou- ria Clementina Ferreira Pinto Basto Couceiro da
sa Gomes Costa*, que veio a renunciar ao cargo, por moti-
Conhecida em família por Caró, foi a fundado- vos de saúde, em 1973.
ra das Criaditas dos Pobres. Era filha do doutor
Bib.: Manuel de Almeida Trindade, bispo de Aveiro, Ma-
Francisco José de Sousa Gomes e de Maria Brí- ria Carolina Sousa Gomes e as Criaditas dos Pobres, Avei-
gida Bressane Leite Perry. Nasceu em Coimbra, ro, Depositária Livraria Santa Joana, 1987.
a 19 de outubro de 1892, e ali faleceu, a 27 de maio [I. L.]
de 1969, sendo a sexta filha do casal. Frequen-
tou, em Coimbra, o Colégio da Rainha Santa Isa- Maria Carolina Frederico Crispim
bel. A diretora desta instituição de ensino era D. 1. Infância e juventude. Conhecida pelo pseu-
Ludovina do Carmo Pereira das Neves* que, pos- dónimo Maria Veleda, nasceu em 26 de feverei-
teriormente, o entregou às Irmãs de S. José de Clu- ro de 1871 no seio de uma família da classe mé-
ny. Maria Carolina tinha a paixão dos pobres e dia, muito conceituada no meio social e cultural
sentiu despertar em si a vocação religiosa mui- da capital algarvia. O pai, João Diogo Frederico
to cedo. Desejou entrar para a Congregação das Crispim, proprietário e negociante, desempenhou
Irmãzinhas dos Pobres, mas a mãe desaconselhou as funções de vereador, procurador fiscal e vice-
essa decisão, embora incentivasse a atividade pre- -presidente da Câmara Municipal de Faro. Foi tam-
ferida da filha – acudir aos carenciados, a quem bém o responsável cultural pela Sociedade Tea-
dava esmolas e prestava serviços. Conhecedor tral de Faro, fundada pelo Dr. Justino Cúmano, pro-
desses gostos e capacidades, o médico Elísio de prietário do Teatro Lethes. A mãe, Carlota Perpétua
Moura, diretor do colégio de meninas órfãs da Cruz Crispim, era uma senhora de origem bur-
Asilo da Infância Desvalida, convidou-a para guesa, com uma educação “convencionalmente
orientar a casa, em 1923. No dia 1 de novembro religiosa”, o que não constituiu qualquer entra-
desse ano, Maria Carolina iniciou as novas fun- ve à sua adesão ao Livre-Pensamento e aos
ções, que cumpriu corajosamente, enfrentando ideais feministas quando, anos mais tarde, acom-
as maiores dificuldades – medo de se encontrar panhou a filha em todas as lutas e causas a que
só naquele casarão; medo das trovoadas; carên- se dedicou, sendo a sua companhia e amparo nos
cia de conforto e dinheiro. A fim de poder con- bons e maus momentos. Maria Veleda frequentou
tinuar a visitar os indigentes, pediu ajuda a pa- um colégio particular dos três aos seis anos e os
rentes e amigos. Em 1929, escreveu a Luísa Ma- restantes estudos fê-los em casa com professores
ria Langstroth Figueira de Sousa do Vadre de Mes- do ensino livre. Aos quatro anos sabia ler e es-
quita e Melo, rogando-lhe que a Obra que fundara crever, competências que adquiriu quase sozinha
e que ficou conhecida pelo seu próprio nome – ao folhear os livros que lhe davam para se distrair
Obra de Luísa Andaluz – tomasse conta do Asi- a “ver as estampas”. Teve uma infância feliz, edu-
lo da Infância Desvalida. O pedido de Maria Ca- cada entre a liberdade proporcionada pelo pai e
rolina de Sousa Gomes foi atendido, ficando esta o frio convencionalismo da mãe, da avó e da irmã,
e mais duas amigas disponíveis para acudir aos quinze anos mais velha. Todavia, a influência pa-
pobres, que abundavam em Coimbra, adultos e terna foi predominante. A paixão pelo teatro, cul-
crianças. Passaram as três a residir num exíguo tivada por toda a família Crispim, foi também he-
compartimento cedido pelo Asilo. Aí rezavam e rança paterna, pois foi pela mão do pai que, aos
repousavam; daí saíam ao serviço dos despro- sete anos, se estreou no Teatro Lethes, represen-
tegidos, vestidas modestamente. Depois de um tando um pequeno papel na peça Lenço Branco.
retiro decisivo, em 1930, Caró e as companhei- Esta e outras experiências na infância e na ju-
ras transferiram-se para residência própria. Foi ventude levá-la-ão, mais tarde, a escrever e a re-
a partir dessa data que a comunidade apelidada presentar peças teatrais de cariz educativo, re-
de Congregação das Criaditas dos Pobres se de- volucionário, feminista e contestatário. Aos 11
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anos, a felicidade da infância foi abruptamente in- em simultâneo, colaborava no quinzenário Pe-
terrompida com a morte do pai. Ao sofrimento queno em Tudo e em O Almanaque de S. Braz de
causado pela perda juntar-se-ão algumas altera- Alportel, assinando como Maria Carolina Frede-
ções na vida familiar, por dificuldades económicas rico Crispim. Até à viragem do século, publicou
e mudança de estatuto social. Em 1888, a mãe, poesia, contos, crónicas e artigos nos periódicos
preocupada com a perda da fortuna, decidiu in- O Repórter, O Algarve e Alentejo, A Tarde, O Al-
ternar o filho, então com 12 anos, no Seminário garve, O Cruzeiro do Sul, O Lidador, A Folha de
Episcopal de Faro. Seguindo a carreira eclesiás- Beja, Almanaque das Senhoras, Germinal, A Nova
tica seria, no futuro, o amparo da irmã caso ela Aurora e O Círculo das Caldas. A julgar pelas as-
ficasse solteira. As visitas frequentes ao irmão de- sinaturas usadas neste início de carreira literária,
senvolveram o misticismo de Maria Veleda, fa- terá tido algumas hesitações quanto ao pseudó-
zendo-a acreditar que a sua fé era cada vez mais nimo a adotar. Todavia, foi como Maria Veleda
profunda e fervorosa. Chegou a querer professar, que, ao longo da vida, assinou a maioria dos seus
mas monsenhor Joaquim Maria Pereira Boto de- escritos e passou a ser conhecida no espaço pú-
moveu-a de tal intenção e aconselhou-a a casar blico. A escolha do pseudónimo Veleda, tendo
e a ter filhos, porque “essa é a mais nobre missão como referência as fontes históricas e literárias que
da Mulher”. Nas idas ao Seminário, conheceu Cân- caracterizam a sacerdotisa insubmissa ao Impé-
dido Guerreiro que também aí se encontrava, in- rio Romano, como defensora das leis gaulesas que
ternado quase à força. pelo pai, para terminar os atribuiam poderes civis e políticos às mulheres,
estudos liceais e que dava os primeiros passos nos indicia uma precoce simpatia e adesão às ideias
caminhos da poesia. Desse conhecimento surgiu, precursoras da emancipação feminina. Maria Ve-
mais tarde, uma paixão que será única e eterna. leda só voltou a usar o nome de batismo, espo-
Entre estas vivências, arroubos místicos e senti- radicamente, na segunda década do século XX.
mentos desencontrados, firmou o propósito “de Nesse período, nas revistas A ASA* e O Futuro*,
trabalhar e de tornar-se independente pelo pró- assinou também com os pseudónimos Fred,
prio esforço”. Escolheu ser professora, começando Luna, Eva de Val-Flor e Wasilisa, e na revista Luz
pelas explicações particulares e enveredando, de- e Caridade e Ecos do Além adoptou Myriam, en-
pois, pelo ensino primário livre. Aos 19 anos, ten- quanto em A Vanguarda Espírita constou também
do já a responsabilidade de granjear o seu sustento como José Veríssimo. 2. Entre a paixão da escrita
e ajudar a família, adoptou uma criança de 14 me- e a dedicação ao ensino. A atividade docente e
ses, filho de uma empregada da casa que, no lei- o desejo de tornar-se escritora levaram-na a
to de morte, lhe pediu que olhasse por ele. Luís abandonar o Algarve e a deslocar-se até Lisboa,
Frederico Viegas foi criado e educado por ela com terra de maiores oportunidades e melhores pers-
verdadeiro amor maternal, a ponto de muitas ve- petivas de futuro, onde permaneceu de 1889 a
zes se interrogar se aquele filho “não seria real- 1890. A experiência não foi muito feliz e, desi-
mente seu”. Quando, em 1899, nasceu o seu fi- ludida, regressou à terra natal. Seis anos depois,
lho biológico não descurou a atenção e desvelo voltou a tentar a sorte na capital, onde viveu até
que sempre dispensou ao filho adotivo. Fê-lo pa- 1899, dando explicações de Português, Francês
drinho do recém-nascido para reforçar os laços afe- e piano e aulas em colégios particulares, entre os
tivos entre os dois e o responsabilizar mais dire- quais, o Liceu Castilho, ao Conde Barão, reputa-
tamente pelos cuidados do seu crescimento e edu- do por ela como “acreditadíssima escola-mode-
cação. Nos momentos de maior apreensão em re- lo”. Nesse mesmo ano, rumou à aldeia de Odi-
lação ao futuro desconhecido, animava-a a ideia velas, Ferreira do Alentejo, onde exerceu as
de que o Luís seria o amparo do pequenino Cân- funções de professora régia interina. Dois anos de-
dido, se ela lhes faltasse. Maria Veleda refere nas pois, ingressou no Colégio Moderno de Serpa,
“Memórias” que desde muito jovem acalentava como professora do ensino particular. Preocupada
o sonho de ser escritora. Aos 15 anos escrevia con- com o analfabetismo feminino, criou cursos no-
tos e poesia que foi guardando na gaveta e buri- turnos gratuitos para as raparigas camponesas, pro-
lando até se estrear no jornal O Distrito de Faro. porcionando-lhes instrução e educação, a fim de
Aí manteve uma colaboração assídua, publican- melhor desempenharem o papel de mães e edu-
do crónicas literárias e o folhetim “Soror An- cadoras e de se tornarem pessoas mais livres e au-
gústias”, assinando com os pseudónimos Maria tónomas. A par do ensino na escola primária, con-
Veleda e Eva de Val-Flor, respetivamente. Quase tinuou a desempenhar grande atividade literária
MAR 522

nos jornais e revistas da região e do país. Entre casamento por não se julgar suficientemente ama-
1900 e 1903, publicou, em A Folha de Beja, con- da e correspondida. Na sua perspetiva, um ca-
tos, poesia e uma série de artigos dedicados à edu- samento devia basear-se no amor mútuo e não no
cação das crianças, à emancipação feminina e ao sentimento da compaixão ou em meras conven-
combate à superstição, os quais denotam o per- ções sociais. Invocando divergências inconciliá-
fil de uma educadora bem informada e empe- veis, manteve a recusa até ao fim. Um filho não
nhada na mudança, uma cidadã preocupada com justificava um casamento a qualquer preço. Es-
as desigualdades sociais e uma defensora da dig- colheu um futuro incerto como mãe solteira; criou
nificação e emancipação das mulheres através da e educou o filho, sozinha. 3. A propagandista re-
instrução e do exercício de uma profissão. Si- publicana. Em 1905, Maria Veleda, desiludida e
multaneamente, escreveu nas revistas Ave Azul*, doente, abandonou o Alentejo e fixou-se defini-
Sociedade Futura, Lisboa Elegante, A Crónica e tivamente em Lisboa com a mãe e os dois filhos.
A Tradição, publicada em Serpa por Ladislau Pi- Teve muitas dificuldades em arranjar emprego e
çarra e Manuel Dias Nunes, republicanos e livres- por fim aceitou o lugar de professora num asilo,
pensadores de quem recebeu “as primeiras ideias “a troco de um caldo”. Depois, transferiu-se
emancipadoras”. Em 1902, publicou o opúsculo para um colégio da Baixa, como professora interna,
Emancipação Feminina e a coleção Biblioteca In- do qual foi despedida por a diretora a julgar tu-
fantil-Contos Cor de Rosa. Numa época em que berculosa. Vivendo em quartos alugados, reco-
a literatura infantil era quase inexistente em Por- meçou a saga da procura de trabalho. Por um fe-
tugal, à exceção de alguns contos publicados por liz acaso, alguém conhecido ofereceu-lhe o lugar
Ana de Castro Osório, a imprensa elogiou a ini- de professora-regente no Centro Escolar Repu-
ciativa e alguns críticos, como Gonçalves Dias, Ro- blicano Afonso Costa, dirigido pelo Dr. Alves Tor-
drigues Davim e João Lúcio, exaltaram as quali- go. Para evitar desinteligências entre o filho e os
dades da escritora e educadora. O contacto com alunos do centro, colocou aquele num estabele-
as populações rurais permitiu-lhe conhecer me- cimento de ensino da Rua Francisco Foreiro, pro-
lhor a verdadeira dimensão da pobreza e o elevado priedade do Dr. Agostinho Fortes, de quem se tor-
grau da ignorância que grassavam no país. Cien- nou amiga. Foi no Centro Republicano que Ma-
te de que a sua função de educadora não termi- ria Veleda conheceu o patrono Afonso Costa, Ri-
nava na escola, procurou, através dos jornais, de- cardo Covões e outros dirigentes republicanos que
nunciar problemas, desigualdades e injustiças, aí se deslocavam para reuniões, para conversar e
questionar a sociedade e criticar o sistema edu- conspirar. Também aí começou a ler O Século,
cativo vigente por considerá-lo caduco e inade- O Mundo e A Vanguarda, jornais que a mantinham
quado às exigências modernas. Defendia a ins- informada sobre a política e as ideias republica-
trução e a educação das raparigas e das mulhe- nas. Estas leituras reavivaram-lhe o desejo de con-
res, a fim de se valorizarem como pessoas, ga- tinuar a campanha “em prol da emancipação da
nharem a autonomia económica, libertarem-se da mulher”, iniciada há muito noutros periódicos.
tutela masculina e conquistarem a igualdade de Ofereceu a sua colaboração ao jornal A Vanguarda,
direitos civis e políticos. Foi também neste período a qual foi aceite pelo diretor Magalhães Lima. Ini-
que entrou em polémica com Júlio Dantas e An- ciou assim, em 1906, a sua assídua colaboração
gelina Vidal, nos jornais A Tarde e O Mundo, por neste periódico, no qual terá uma coluna própria
se terem referido de forma depreciativa à luta pela destinada às mulheres, intitulada “Missa Demo-
emancipação feminina e criticado de forma “im- crática”. Após a publicação do segundo artigo so-
piedosa” as mulheres ilustradas. Maria Veleda con- bre os ideais feministas, Botto Machado respon-
ciliava toda esta atividade com a sua recente ma- deu-lhe de forma provocatória para que a polé-
ternidade, pois foi na aldeia de Odivelas que, em mica despertasse o interesse das mulheres por-
1899, nasceu o filho, Cândido Guerreiro Xavier tuguesas pelos temas em questão, tencionando
da Franca. O Alentejo deixar-lhe-á saudades e en- conceder-lhe a última palavra sobre o assunto.
ternecidas recordações por lá ter vivido “o sonho Pouco depois, viu-se envolvida noutra polémica,
mais radioso da sua juventude”; ser mãe e estar com Virgínia Quaresma, a propósito de algumas
intensamente apaixonada pelo poeta Cândido apreciações tecidas sobre o Jornal da Mulher, sec-
Guerreiro. A relação amorosa parece ter esfriado ção feminina do jornal O Mundo. Por vezes, Ma-
após a ida deste para a Universidade de Coimbra, ria Veleda criticava o conteúdo de algumas sec-
em 1902. Pouco depois, ela recusou o pedido de ções femininas dos jornais por não irem muito
523 MAR

além das receitas de culinária, conselhos sobre canos, Associações Escolares do Ensino Liberal,
moda, bordados e remédios caseiros, divulgação Associações Operárias e Recreativas, Sociedade
de poesia, contos e folhetins, o que não contribuía Promotora da Instrução Popular, Associação do
para a educação e emancipação das mulheres. Nes- Registo Civil, Círios Civis ou Grémios Excursio-
ta troca de palavras e de algumas acusações no- nistas, Comissões Paroquiais e comícios do Par-
tam-se divergências ideológicas sobre o feminis- tido Republicano, nos quais teve como compa-
mo, mas também questões pessoais mal resolvi- nheiros de tribuna Alexandre Braga, Bernardino
das, talvez do tempo em que ambas frequentavam Machado*, Feio Terenas, João Chagas, Manuel de
os serões literários de Olga Morais Sarmento da Arriaga, Teófilo Braga, entre outros. Alguns des-
Silveira. A escrita de Maria Veleda em A Van- tes discursos e conferências foram coligidos e pu-
guarda constitui uma peça fundamental para o co- blicados em 1909, com o título A Conquista, sob
nhecimento e compreensão do seu pensamento o lema “Todos por um, um por todos”, dedicado
e um marco importante na difusão das ideias fe- aos “amigos e irmãos em ideais”, Ana de Castro
ministas, republicanas e anticlericais. Os temas Osório e Fernão Boto Machado, prefaciado por An-
tratados giravam, principalmente, à volta da tónio José de Almeida. Neste périplo pelos cen-
educação das crianças, da emancipação femini- tros promotores da revolução política e social, Ma-
na, do livre-pensamento, da missão social das mu- ria Veleda foi conhecendo outros homens notá-
lheres, do sufrágio feminino e outros de cariz mar- veis da família republicana, como Brito Camacho,
cadamente político. Em 1906, propôs a criação de Jacinto Nunes, João de Meneses, França Borges,
um Partido das Feministas e das Libertárias, por Luís Derouet, Daniel e Rodrigo Rodrigues, António
considerar que as teorias eram a boa semente da Granjo e Estevão de Vasconcelos. Se esta inten-
ação em que as mulheres se deviam envolver para sa propaganda dos ideais feministas e republicanos
a resolução dos problemas sociais. Em seu en- lhe trazia grandes alegrias, pois “o vento eman-
tender, não seria suficiente exigir a igualdade de cipador da República impelia-(a) para a frente”,
direitos, seria também necessário agir para mu- os ataques, insultos e ofensas não se fizeram es-
dar. Mudar a mentalidade e as práticas familia- perar, veiculados por alguns jornais católicos e
res e sociais das mulheres, demonstrando, assim, conservadores que não aceitavam que uma mu-
que não eram autómatos escravizados à rotina, mas lher se intrometesse na política, assunto da com-
seres pensantes capazes de tomar decisões. Foi petência e do domínio masculino. Anonimamente,
nesta época que Maria Veleda conheceu pes- também se faziam circular folhetos infamantes em
soalmente Ana de Castro Osório e Paulino de Oli- que ela figurava ao lado de Ana de Castro Osó-
veira, assim como Joana de Almeida Nogueira e rio e Angelina Vidal como megeras de um bordel,
o Dr. João Viegas de Paula Nogueira, cuja amiza- enquanto alguns dos republicanos mais notáveis
de seria para toda a vida. Mais tarde, nas “Me- eram representados como bêbedos desordeiros.
mórias”, recordará os “explêndidos serões” pas- Ferreira Manso defendeu-a no jornal O País: “Não
sados em casa de Ana de Castro Osório, em Se- conheço Maria Veleda pessoalmente; todavia
túbal, onde se lia e declamava poesia e se discu- estou pronto a aparar com o meu braço os golpes
tiam os mais variados assuntos literários. Foi tam- desleais com que a alvejam certos cobardes in-
bém em 1906 que Maria Veleda se tornou oradora, dignos da sua missão de jornalistas”. Este ato de
pela mão de Botto Machado. O convite surgiu após coragem saiu-lhe caro. No dia seguinte foi agre-
alguns encontros em conferências e sessões pú- dido fortemente na cabeça e “não tardou muito
blicas de propaganda republicana, a que ela com- que a sua vida se extinguisse...” [M. Veleda, “Me-
pareceu, acompanhada da amiga Judite Pontes Ro- mórias – VII”, República, 07/03/1950, p. 3]. As per-
drigues ou do filho adotivo, onde se conheceram seguições e ameaças de morte não se deviam ape-
pessoalmente, assim como conheceu Angelina Vi- nas à audácia e acutilância do seu discurso, mas
dal, Magalhães Lima, Feio Terenas e Gregório Fer- também ao facto de ser uma mulher sozinha, mãe
nandes. A aventura que iniciava “no caminho ain- solteira, “desamparada”, sem “um homem para
da muito incerto e arriscado da República” le- a defender”. O não reconhecimento dos direitos
varam-na a vencer a timidez e a aceitar discursar das mulheres impedia que elas fossem olhadas
sobre “O imposto de consumo” no Centro Re- como seres autónomos e com valor próprio. O re-
publicano Botto Machado, cuja direção integra- gicídio deixou-a “varada de espanto”, pois vi-
rá em 1908. Esta intervenção política trouxe ou- sionara muitas vezes “a renúncia do rei D. Car-
tros convites e solicitações de Centros Republi- los ao trono e o exílio da família real”, mas nun-
MAR 524

ca semelhante acontecimento. Atenta à reação de Castro Osório apelou à solidariedade das mu-
popular, descia a Rua da Palma quando viu um lheres portuguesas para a ajudarem a pagar, vis-
velho republicano extremista que ostentava um to que a condenação se destinava a todas as que
berrante laço vermelho. O povo não parecia sen- lutavam pela justiça e se sentiam ultrajadas pelo
tir-se comovido, pois as gravatas pretas escas- despotismo monárquico. Maria Veleda fez a pro-
seavam. Apenas as damas da aristocracia ves- paganda da revolução e esperava-a ansiosamen-
tiam “o luto convencional, mundano”, por “ficar te, porque só ela poderia agitar a sociedade, de
bem”. Na sequência desta constatação, publicou modo a cortar as amarras com o passado e cons-
em A Vanguarda o artigo “A Propósito”, em que truir um país moderno, justo e igualitário: “Eu ti-
criticava o luto exibicionista das senhoras lisboetas nha uma ardente esperança no futuro; e a minha
adeptas da monarquia e, fazendo-se intérprete da propaganda era iluminada pelo clarão abençoa-
voz do povo, rematou com esta tirada retumbante: do da fé num mundo novo, liberto de injustiças
“A morte de um rei, sobretudo se ele não soube – um mundo sobre o qual a Fraternidade desdo-
fazer-se amar do seu povo, é um facto tão comum brasse o seu manto protetor” [M. Veleda, “Me-
como a do último dos seus vassalos. Não é uma mórias – IV”, República, 06/03/1950, p. 4]. As-
perda que afete um povo... Morreu um rei? An- sistiu à implantação da República no Centro Re-
tes ele do que um homem! Os reis, porque se em- publicano da Ajuda, onde lecionava e vivia des-
balsamam, são inúteis até na morte. Mas os ho- de finais de 1909. No dia 4 de outubro de 1910,
mens, na eterna decomposição da matéria, vão dar apesar da agitação que reinava na cidade, pre-
vida aos vermes e colorir o seio perfumado das tendendo ser útil como enfermeira, dirigiu-se com
rosas” [M. Veleda, A Vanguarda, 09/02/1908, p. a amiga e colega Georgina de Figueiredo para o
1]. Este artigo foi publicado tão a “propósito” que coração da cidade. Em Alcântara, viram-se sob o
esgotou duas edições do jornal e a reprodução em fogo cruzado das tropas em confronto e tiveram
folha solta que se lhe seguiu. Os leitores e corre- que regressar a casa. A noite que se seguiu foi pas-
ligionários da Metrópole e do Ultramar mani- sada à janela, entre a angústia e a esperança. As
festaram-lhe o seu apreço público, numa men- notícias eram contraditórias. Fazendo fé nos
sagem subscrita por centenas de pessoas e entregue boatos, temeu o pior e queimou alguns docu-
por uma comissão constituída por Magalhães mentos comprometedores. Na tarde do dia 5, foi
Lima, Francisco Guilherme de Sousa, António José surpreendida pelas vozes de populares entoan-
Guedes e Gomes de Carvalho. A reação dos seus do “A Portuguesa” e dando vivas à República.
opositores também não se fez esperar. Alguns fi- Com a amiga, embrenhou-se na multidão que fes-
zeram-lhe saber que merecia ser açoitada na pra- tejava a vitória da revolução e foi até à Baixa, onde
ça pública, pela ousadia em continuar a fazer con- viu Ricardo Covões hastear a bandeira verde-ru-
ferências republicanas depois do regicídio. Entre bra no Quartel-General. Esse dia foi vivido com
as cartas anónimas, encontrava-se uma assinada alegria e deslumbramento. A República simbo-
por uma senhora monárquica, que lhe dirigia al- lizava a realização de um sonho mas também um
gumas perguntas provocatórias. Sem desconfiar espaço mais aberto à ação das mulheres e a ga-
da cilada, Maria Veleda respondeu num outro ar- rantia de concretização das aspirações feminis-
tigo, intitulado “Carta a uma Dama Franquista”, tas. Todavia, pouco depois da sua implantação já
no qual criticava a rainha D. Amélia* pela beati- se mostrava desiludida e revoltada pela atuação
ce excessiva e a falta de sentimentos humanistas. dos “barriguistas”, “arrivistas” e “recompensis-
Este artigo valeu-lhe a acusação de abuso de li- tas” que, a pretexto de servirem o novo regime,
berdade de imprensa, por algumas expressões procuravam apenas satisfazer ambições, interes-
“ofensivas da consideração devida a sua majes- ses e vaidades pessoais. Denunciava e condena-
tade, [...] tendo por objeto incitar o ódio e o des- va estas atitudes por constituirem um mau exem-
prezo de sua pessoa...” [A Vanguarda, 20/02/1909, plo e por serem imorais e até criminosas. Embo-
p. 1]. No julgamento, testemunharam a favor Ana ra não desprestigiassem a República, porque os
de Castro Osório, António José de Almeida, ideais eram superiores aos homens, despresti-
João Chagas, José da Cunha, José Miranda do Vale, giavam muito os indivíduos. Quando em 1911 e
Luís Filipe da Mata, Manuel de Arriaga, Maria Cla- 1912 a República esteve em perigo, devido às in-
ra Correia Alves e Teófilo Braga. António Macieira cursões monárquicas de Paiva Couceiro, Maria Ve-
era o advogado defensor. Maria Veleda foi con- leda juntou-se a uma delegação do Grupo Pró-Pá-
denada ao pagamento de uma pesada multa e Ana tria e percorreu o Norte e o Centro do país, dis-
525 MAR

cursando em prol da defesa e consolidação do blemas sociais e a pugnar pelos valores da liber-
novo regime. Em representação da Liga Repu- dade, da justiça e da igualdade. Todos os artigos,
blicana das Mulheres Portuguesas, acompanha- reportagens e entrevistas obedeciam ao dever de
ram-na Madalena Cândido e Ana Castilho. Em- informar, mas, também, ao gosto de refletir sobre
bora se tivessem oferecido como enfermeiras, de- os acontecimentos, educar, formar civicamente,
ram o seu contributo patriótico como oradoras. A apontar caminhos e sugerir soluções. Em 1925,
ditadura do general Pimenta de Castro foi outro também se tornou jornalista correspondente do
momento crítico da vida da República. Maria Ve- jornal republicano de Luanda, A Pátria, no qual
leda não ficou indiferente à dissolução do Par- informava e dissertava sobre os acontecimentos
lamento e a outros ataques à liberdade. Na im- do país, comentava notícias internacionais de re-
prensa e na tribuna lutou contra o governo dita- levo e abordava criticamente temas como o abor-
torial e teceu entendimentos políticos com os cons- to, a violência das touradas e das corridas de ca-
piradores que prepararam o golpe revolucionário valos, a alimentação vegetariana, a moda e o uso
de 14 de maio de 1915. A ditadura caiu e o Par- das peles, os perigos do mau jornalismo, os ma-
tido Democrático, chefiado por Afonso Costa, for- lefícios do jogo e do alcoolismo, a decadência fí-
mou governo. O golpe revolucionário saldou-se sica e moral da raça e outras misérias materiais
por 102 mortos e 250 feridos graves. Como diri- e morais que afetavam a sociedade portuguesa. A
gente da Liga Republicana das Mulheres Portu- fidelidade à República está patente em todos os
guesas promoveu um Bando Precatório a favor das artigos que escreveu e nas entrevistas que con-
famílias das vítimas e para “glorificar os que sou- cedeu aos jornais, até ao fim da vida. Fez sempre
beram morrer pelo Direito e pela Justiça” [A Ma- questão de lembrar que a sua luta pelo regime re-
drugada, n.o 41, 31/07/1915, p. 2]. Vivia-se o fla- publicano não visava recompensas para si nem
gelo da Primeira Guerra Mundial e caberia ao go- para os seus. “Por dignidade própria e da Repú-
verno do Partido Democrático decidir sobre a par- blica”, nunca pediu nem aceitou nada que não lhe
ticipação de Portugal. Maria Veleda juntou-se ao fosse devido, mesmo quando se viu confrontada
comandante Leote do Rego na campanha em de- com a doença e a miséria: “Pobres éramos, pobres
fesa da beligerância portuguesa, a fim de garan- ficámos e pobres somos, mas nas nossas almas
tir o prestígio da República e a preservação das arde sempre a mesma chama sacrossanta que nos
colónias africanas. As consequências económicas iluminava quando gritámos pela primeira vez: –
e sociais da guerra agravaram a instabilidade po- Viva a República! Porque acima da Morte que me
lítica. Em 19 de outubro de 1921, à sombra de mais espera, está o Ideal por que me norteio. Sim. Viva
um golpe revolucionário, foram assassinados An- a República!” [M. Veleda, República, 11/11/1953,
tónio Granjo, Carlos da Maia e Machado Santos, p. 2]. 4. A maçónica livre-pensadora. Conver-
entre outros. Os crimes da “Noite Sangrenta” hor- tida ao livre-pensamento, em 1907 foi iniciada na
rorizaram Maria Veleda: “Todo o meu interesse Maçonaria, por Magalhães Lima, com o nome sim-
apaixonado pela causa da República sossobrou bólico “Angústias”. Militou na Loja Humanida-
após as ensanguentadas ocorrências que a man- de de Lisboa, ao lado de Ana de Castro Osório,
charam naquela noite infamante! Ao romantismo Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo e Ma-
dos primeiros tempos, à febre do ideal sucedia ria Clara Correia Alves, entre outras. Tornou-se
uma época que ameaçava subverter tudo quan- assim uma das mais ativas e empenhadas propa-
to de belo e de nobilitante se havia sonhado. Não gandistas da liberdade de consciência, do cien-
era aquela a República que eu havia visionado; tismo, do positivismo e do anticlericalismo, por-
desinteressei-me da política que já não era a as- que na sua perspetiva, “a mulher portuguesa tem
piração que norteava os meus passos, à conquista uma tarefa a cumprir, e essa tarefa não deve exe-
de uma sociedade melhor” [M. Veleda, “Memó- cutar-se na penumbra das igrejas; mas à luz de
rias – XI”, República, 05/04/1950, p. 7]. Apesar um sol que se chama Progresso, caminhando para
de ter renunciado ao activismo político, não dei- um futuro que se chama Liberdade” [M. Veleda,
xou de acreditar nos ideais que sempre a nor- A Vanguarda, 29/07/1909, p. 1]. O anticlericalismo
tearam nem deixou de lutar por eles. O espírito militante de Maria Veleda assentava na ideia de
irrequieto não lhe permitiu o afastamento com- que o fanatismo religioso e a influência jesuítica
pleto da atividade jornalística. Em 1919, fez-se jor- eram os maiores inimigos da libertação e eman-
nalista de O Século, edição da noite, onde con- cipação feminina. Criticava os dogmas da Igreja
tinuou a comentar a vida política, a denunciar pro- por serem contrários à razão e responsabilizava
MAR 526

a confissão auricular pela manipulação e fanati- Mulheres Portuguesas, sob a direção de Maria Ve-
zação dos espíritos crentes e pouco esclarecidos leda, radicalizou o discurso anti-clerical e o
e pela escravização das mulheres a uma vida de combate ao obscurantismo e fanatismo religioso
ignorância, acomodação, preconceito e alienação que “escravizavam” sobretudo as mulheres. Por
social. A propaganda livre-pensadora atingiu o sua iniciativa, constituiu-se o Grupo das Treze,
ponto mais alto nos anos que antecederam a im- com o objetivo de combater todas as superstições,
plantação da República, sendo os jornais A Van- para o que se comprometia a realizar sessões de
guarda e A República os veículos privilegiados propaganda nas regiões ou províncias onde a ig-
da difusão das suas ideias. Aí, defendeu a ins- norância e a crendice mais se faziam sentir. A inau-
tauração do registo civil obrigatório, a separação guração ocorreu a 31 de maio de 1911, com um
da Igreja do Estado e a lei do divórcio. Em abril jantar de treze talheres, brindes de homenagem
de 1908, Maria Veleda fez parte da Comissão Or- a Afonso Costa, pela ação governativa, discursos
ganizadora do I Congresso Nacional do Livre- de notáveis republicanos que enalteceram os pa-
Pensamento, ao lado de Augusto José Vieira, José péis das mulheres nas sociedades de todos os tem-
França, Lourenço Correia Gomes e Francisco Tei- pos e defenderam a igualdade entre os sexos e a
xeira, que decorreu na Caixa Económica Operá- educação feminina para “o levantamento moral
ria, em Lisboa. Apresentou ao congresso a tese e físico da nossa raça”. Seguiu-se um sarau eru-
“Feminismo”, redigida em parceria com Ana de dito e patriótico. 5. A educadora e pedagoga. Ma-
Castro Osório, defendeu a criação do Partido Fe- ria Veleda fez-se professora por necessidade e por
minista Português, a reivindicação do sufrágio vocação. Percecionava a educação como “o pri-
feminino e a organização da Federação do Tra- meiro e o mais importante cuidado dos que tra-
balho contra as violências do capitalismo. balham em prol da emancipação humana. Edu-
Apresentou ainda a moção sobre a “abolição do car é amar. Só da escola sairão caracteres forma-
juramento de defesa da religião a que (eram) ob- dos para a luta em prol dos mais levantados
rigados os funcionários públicos” e respondeu de ideais” [M. Veleda, A Vanguarda, 16/05/1909,
forma enérgica e discordante aos discursos de p. 1]. A vocação para o ensino estará intimamente
Ermelinda Rodrigues e do Dr. Ramos da Cruz que ligada a uma grande sensibilidade para as ativi-
defendiam o amor livre. O seu desempenho foi dades culturais, como a escrita, a música e o tea-
de tal modo empolgante que os estudantes pre- tro, e sobretudo ao seu amor pelas crianças. As
sentes, à saída, estenderam as capas para ela pas- crianças simbolizavam a esperança e o futuro.
sar. Neste congresso, foi eleita para a Comissão Instruí-las e educá-las era construir os esteios
Executiva da Junta Federal do Livre-Pensamen- de um mundo novo. Acreditava que a educação
to e para a Comissão Organizadora da Liga An- era a luz que iluminava as vidas, a fonte de fe-
timilitarista. Em 2 de agosto de 1909, ela e outras licidade individual e coletiva e o motor do pro-
dirigentes feministas, à frente de uma represen- gresso económico e da transformação social. Des-
tação da Liga Republicana das Mulheres Portu- de muito cedo, condenou o sistema de ensino
guesas, participaram na manifestação promovi- vigente, que permitia a aplicação de castigos cor-
da pela Junta Liberal e Associação do Registo Ci- porais, e outros igualmente humilhantes que
vil para exigir a extinção das ordens religiosas e transformavam a escola num espaço repressor e
reivindicar a lei do divórcio e o registo civil ob- os professores em algozes da alegria e vivacida-
rigatório. Quando nas Cortes ouvia o “ardente dis- de das crianças. Criticou também a supremacia
curso” de António José de Almeida, não resistindo da memorização, em detrimento da compreen-
ao entusiasmo, levantou-se, estendeu os braços são, a que o regime educativo obrigava, visto que
e gritou com a voz forte dos comícios: “Viva a Re- o elevado número de alunos por turma, 40 a 50,
pública!” A sala foi evacuada e a polícia foi na di- impedia o(a) professor(a) de conhecer as capa-
reção das mulheres à procura da “imprudente e cidades de cada um e adotar pedagogias dife-
atrevida”. Pequena e franzina, escondeu-se entre renciadas. Simultaneamente, pugnou por uma re-
as saias rodadas e compridas de Ana de Castro forma radical e urgente do ensino e reclamou a
Osório e Maria Clara Correia Alves, altas e bem inclusão das raparigas no sistema educativo em
constituídas que, calmamente informaram: “Ela condições de igualdade com os rapazes. Enquanto
saiu logo! Se forem depressa ainda a apanham!” defendia estas ideias nos jornais e na tribuna, ten-
Com a República, aprovaram-se as leis da sepa- tava também inovar na escola, recorrendo a es-
ração da Igreja do Estado e a Liga Republicana das tratégias que tornassem a aprendizagem mais atra-
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tiva, aliando instrução e educação, e sensibili- teve acesso à instrução, ou lhe foi vedada uma edu-
zando para outras dimensões do saber. Promovia cação equivalente à dos homens, havia que re-
festas com representações teatrais, danças e can- mediar esta injusta desigualdade, proporcio-
tares, inventava jogos de palavras e números, re- nando-lhes os saberes indispensáveis à sua in-
gistava tradições, escrevia contos e fábulas para dependência económica e ao exercício efetivo da
ler às crianças e incentivava-as a escreverem tam- cidadania. Quando já se encontrava em Lisboa,
bém. Para desenvolver os valores do associati- e continuando a experiência iniciada no Alentejo,
vismo e da solidariedade, e sensibilizar para o promoveu, a partir de 1907, cursos femininos e
exercício dos direitos democráticos, criava caixas conferências educativas nos Centros Republica-
escolares e promovia situações educativas em que nos Afonso Costa, António José de Almeida e Bot-
as crianças podiam manifestar as suas opiniões to Machado. Os cursos de instrução primária eram
e usar livremente o voto. Fiel aos ideais do livre- complementados com ensinamentos de economia
pensamento que professava, insurgiu-se muitas doméstica, agricultura, História, Geografia, Ciên-
vezes contra a excessiva influência do clero no sis- cias da Natureza, Física, Astronomia, deveres cí-
tema educativo e defendia a educação racional, vicos e política. Algumas destas iniciativas rea-
laica e integral, assim como um currículo comum lizavam-se ao domingo e, com isso, Maria Vele-
a rapazes e raparigas. Por educação integral e ra- da pretendia mudar atitudes e mentalidades, sub-
cional, Maria Veleda entendia uma educação cen- trair as mulheres à influência da Igreja, torná-las
trada no desenvolvimento harmonioso das crian- mais conscientes da situação de ignorância em que
ças, valorizando igualmente as vertentes da ins- viviam, valorizá-las como pessoas, prepará-las para
trução teórica e prática, o exercício físico, o con- uma profissão e motivá-las para a luta pelos seus
tacto com a Natureza e a formação ética e cívica. direitos sociais, civis e políticos. Em 1909, por sua
O percurso educativo far-se-ia por etapas, desde iniciativa, a Liga Republicana das Mulheres Por-
a escola maternal até às universidades, livres e po- tuguesas fundou a Obra Maternal, destinada a aco-
pulares, reunindo em todas elas os saberes teó- lher, educar e proteger as crianças abandonadas,
ricos próprios, as artes e as ciências, mas também pedintes ou em perigo moral que circulavam nas
os saberes práticos adquiridos nos laboratórios, ruas de Lisboa. Sem qualquer apoio do Estado, a
nas oficinas, nas visitas de estudo e nas confe- Obra Maternal sobreviveu sete anos graças aos
rências. A escola devia ser livre, sem compêndios subscritores e à tenacidade das mulheres da Liga,
nem imposições, mas com um programa defini- que procuravam por todos os meios colmatar a per-
do e orientado pelos ideais do racionalismo manente falta de recursos. Como diretora, Maria
científico, em que se aliassem a instrução rigorosa, Veleda promoveu quermesses de produtos doa-
a autonomia, a criatividade, o espírito de liberdade, dos, festas para angariação de fundos e repre-
o amor pelo trabalho, pela verdade e pela justi- sentação de peças de teatro feminista, educador
ça, o sentido do dever, a tolerância, o respeito pelo e reformador. Criou o Grupo Dramático da Liga,
outro e a formação cívica. Este modelo educati- escreveu e levou à cena as peças Escrava, A mi-
vo deveria ser implementado em regime de coe- nha Menina, A Lei, Mulher Ideal e Único Amor,
ducação, para que rapazes e raparigas confrater- representadas nos teatros Étoile, República, Gi-
nizassem e se conhecessem melhor, pois só a edu- násio e Trindade, em Lisboa, e no Teatro do Gré-
cação, o convívio e o conhecimento mútuo, na es- mio Artístico Comercial, de Torres Vedras. Com
cola e na sociedade, apagariam os preconceitos a fundação da Liga Republicana das Mulheres Por-
que sustentavam as desigualdades entre os sexos. tuguesas, a luta de Maria Veleda pela educação
Dando corpo a estas ideias, Maria Veleda, Ana de foi enquadrada nas atividades da instituição. Aí
Castro Osório, Ilda Adelina Jorge, Joana de Al- colaborou na criação de cursos de enfermagem,
meida Nogueira, e outras mulheres republicanas, de francês e de comércio, os quais foram muito
criaram a Associação Fundadora das Escolas Ma- procurados pelas sócias. O mesmo não aconteceu
ternais, em 1907, a fim de promoverem a educa- em 1914 quando, acompanhada de Ana Castilho,
ção infantil. Na qualidade de vice-presidente, di- Filipa de Oliveira e Lídia de Oliveira, lançou a Es-
namizou conferências de propaganda e procurou cola Solidariedade Feminina, destinada a crian-
angariar sócios e subscritores que sustentassem ças, raparigas e mulheres. Ministraria o ensino da
financeiramente a obra. As suas preocupações edu- instrução primária e de Português, Francês, pia-
cativas não se circunscreviam às crianças. Partindo no, costura, corte, bordados e chapéus, em aulas
do pressuposto de que a maioria das mulheres não diurnas e noturnas. O programa educativo, ape-
MAR 528

sar de variado e ambicioso, não cativou alunas su- sões de propaganda para divulgar as reivindica-
ficientes e a escola não passou de uma utopia. Em ções dos professores do ensino livre. 6. A dirigente
1912, Maria Veleda foi nomeada delegada de Vi- feminista. Para Maria Veleda, a independência fe-
gilância da Tutoria Central da Infância de Lisboa, minina era a garantia do seu direito de cidadania.
instituição criada pelo Governo Provisório da Re- Para que as mulheres se pudessem emancipar, e
pública em 27 de maio de 1911. Desenvolvia um ocupar na sociedade o lugar a que tinham direi-
trabalho duro nas ruas de Lisboa, ouvindo teste- to, era necessário que tomassem consciência do
munhos sobre casos de crianças em perigo físi- seu estado de submissão e se assumissem como
co e moral que justificassem a intervenção e a pro- seres pensantes, livres e autónomos: “Mas como
teção da Tutoria e visitando periodicamente as que a liberdade é filha da instrução, só a mulher ins-
se encontravam em “liberdade vigiada”. O con- truída pode ser livre”. Todas as mulheres deviam
tacto com os bairros mais pobres e degradados, adotar uma profissão, “em harmonia com as suas
em que a miséria material se conjugava com o ví- tendências, as suas forças, a sua educação”, por-
cio e o crime, era física e psicologicamente des- que é “cobarde e vexatório, [o] dissolvente cos-
gastante e punha muitas vezes em perigo a sua se- tume de procurar ou esperar um homem que as
gurança pessoal. Devido à doença grave que a afe- ampare” [M. Veleda, A Conquista, 1909, pp. 150,
tou em 1917, deixou o trabalho da rua e passou 169]. Condenando a mentalidade retrógrada da so-
a exercer funções mais recatadas. Esteve ao ser- ciedade portuguesa que temia a ilustração das mu-
viço da Tutoria da Infância até 1941, encami- lheres e as olhava apenas como “instrumentos de
nhando e amparando crianças e jovens das clas- prazer”, ou “anjos do lar”, desafiava os homens
ses mais desfavorecidas e dando sentido à vida a emancipar-se também dos preconceitos que os
de cada dia pelo amor e dedicação à causa da edu- mantinham reféns do seu próprio imobilismo cul-
cação. A luta pelos direitos dos professores tam- tural. Insurgindo-se contra a ideia de que as di-
bém não a deixou indiferente. Quando António ferenças sexuais justificavam o domínio do ho-
José de Almeida publicou a Reforma da Instru- mem sobre a mulher, reclamava a igualdade de
ção Primária, em 29 de março de 1911, os pro- direitos no acesso à educação e na escolha de uma
fessores do ensino oficial regozijaram-se e pro- profissão, ciente de que as mulheres eram tão com-
moveram uma manifestação de “sincero e pro- petentes como os homens no desempenho de
fundo reconhecimento pelo benefício material que quaisquer funções. Na sua perspetiva, não se de-
a Reforma lhes trouxe” [O Tempo, 05/04/1911, via interditar às mulheres a participação na vida
p. 1]. No entanto, os professores do ensino livre económica, social e política, nem “vedar-lhe(s) a
manifestaram o seu descontentamento por con- estrada luminosa dos grandes destinos”, porque
siderarem que foram injustamente esquecidos e era necessário “desenvolver todas as inteligências”
discriminados, sobretudo por muitos deles terem e “cultivar todas as artes”, para o bem comum e
dedicado a vida ao serviço da instrução nos Cen- o progresso do país. Estas ideias serão a matriz do
tros Republicanos ou noutras escolas liberais e par- seu discurso e orientarão a sua ação nos caminhos
ticiparem ativamente na propaganda dos ideais trilhados pelo direito de cidadania das mulheres
democráticos. Maria Veleda serviu-se da “Tribu- e a emancipação de toda a Humanidade, pois “a
na Feminina”, secção própria que tinha no jornal mulher moderna não pode ser só defensora do seu
O Tempo, e de A Capital para exigir que os pro- sexo, mas deve contribuir para a libertação geral”
fessores do ensino livre fossem integrados nos qua- [M. Veleda, O Mundo, 02/05/1910, p. 2]. Como
dros do ensino oficial e que os júris de exames pas- também afirmava na “Tribuna Feminina”, “Fe-
sassem a ser mistos, constituídos por professores minismo é uma palavra estreita e dum critério res-
e professoras dos ensinos livre e oficial, a fim de trito. Humanitarismo é tudo” [M. Veleda, A Re-
estabelecer a igualdade entre os sexos e possibi- pública; 01/06/1908, p. 3]. Na “Tribuna Femini-
litar que uns e outros provassem publicamente a na”, consagrada aos ideais libertadores, dá voz a
sua competência profissional, visto que se punha escritoras/es identificadas/os com as causas da
em causa a preparação científica e pedagógica dos emancipação feminina e da educação moderna e
primeiros. Neste sentido, fez parte de uma co- informa sobre as lutas e conquistas do movimento
missão que entregou uma petição ao Presidente feminista internacional, abrindo novas perspeti-
da República, presidiu a uma assembleia no Ate- vas às suas compatriotas e estimulando o deba-
neu Comercial, que deliberou enviar uma repre- te entre partidários e opositores do feminismo.
sentação ao ministro do Interior e dinamizou ses- Num sentido de permuta cultural entre Portugal
529 MAR

e o estrangeiro, traduziu e deu a conhecer Ma- ca, se é do interesse comum que a façamos, mas
dame Desparmet, Odethe Laguerre, Maria De- a política avançada, política democrática, política
raismes, Madame de Staël, Concépcion Gimeno das almas comungando na Ideia Nova?” [M. Ve-
de Flaquer, Blanche Edwards Pilliet, Suzanne leda, A República, 29/08/1908, p. 2]. Implanta-
Strierve, Nelly Roussel, Isabelle Bogelot, Avril de da a República, impunha-se a continuação da luta
Sainte Croix e Hera Mirtel, entre outras. Com a pelos direitos que as mulheres há muito vinham
intenção de “agitar o espírito da mulher portu- reivindicando. No entanto, a orientação dessa luta
guesa, procurar interessá-la pela ideia democrá- nem sempre foi consensual nem pacífica. As di-
tica, desafiá-la a sair do sono da indiferença que vergências surgiram em agosto de 1910, quando
a tem trazido desviada do problema social”, pro- se discutia a alteração dos Estatutos da Liga. Des-
cedeu a um plebiscito, a fim de votar o político poletadas por motivos de ordem administrativa,
republicano que mais tivesse contribuído para a acentuaram-se com a discussão da questão reli-
emancipação feminina [M. Veleda, A República, giosa e do sufrágio feminino, levando à demissão
08/07/1908, p. 1]. Maria Veleda congratulou-se de Ana de Castro Osório da direção da Revista
pela elevada participação de 834 mulheres como A Mulher e a Criança e, uns meses depois, da pre-
demonstrativa da vontade das portuguesas em coo- sidência da coletividade. Maria Veleda foi eleita
perar na obra da sua libertação e no triunfo da de- para a substituir, nos dois cargos, marcando este
mocracia. Quando, em 1908, se lançou a ideia da episódio a divisão das feministas republicanas em
criação da Liga Republicana das Mulheres Por- duas fações; uma mais conservadora e outra mais
tuguesas, Maria Veleda, fez, também a divulgação revolucionária, tendo como referências identifi-
e a apologia dos seus objetivos, tal como já o ti- cadoras estas duas dirigentes. As dissensões la-
nha feito em relação ao Grupo Português de Es- tentes acentuaram-se quando, em novembro de
tudos Feministas. Foi com verdadeiro entusias- 1910, a Liga entregou uma petição ao Governo Pro-
mo que se tornou sócia fundadora da Liga e de- visório reclamando o voto para as mulheres co-
fendeu que a luta feminista não se devia cir- merciantes, industriais, empregadas públicas, ad-
cunscrever à reivindicação da igualdade de di- ministradoras de fortuna própria ou alheia, di-
reitos, mas alargar-se à participação na vida po- plomadas, escritoras. Maria Veleda foi uma das
lítica, a fim de contribuir para a resolução dos pro- que não concordaram com a petição do voto res-
blemas sociais. Em seu entender, a Liga garantia trito e, demarcando-se do grupo que o defendia,
que, no futuro, quando o Partido Republicano fos- assumiu-se anti-sufragista, por considerá-lo injusto
se governo, este “não deixaria de atender as jus- e discriminatório. Em sua opinião, o voto, por si
tíssimas reivindicações feministas, como base de só, não contribuiria para a melhoria das condições
uma sociedade bem constituída, inspirada num económicas das mulheres, sendo estas as ques-
ideal de igualdade” [M. Veleda, A República, tões prioritárias para a sua emancipação. Além dis-
22/08/1908, p. 2]. A constituição da Liga marcou, so, a maioria das mulheres, sendo pobre e anal-
também, a ruptura entre as intelectuais, visto que fabeta, não pagava contribuições, não possuía di-
as conotadas com a monarquia não se reviam nes- plomas nem escrevia artigos, pois não tinha tido
te projeto. Maria Veleda, supondo-as assustadas acesso à instrução e à educação: “Negando-lhe um
com a componente política e republicana da nova direito que é de todas, acentua-se a desigualda-
coletividade, criticou o seu conservadorismo, acu- de e o odioso espírito da divisão de classes. Não
sou-as de provocarem cisões no movimento da sou sufragista – repito – mas se o fosse, pediria
emancipação feminina e lembrou-lhes que “não «tudo» e, se não dessem «tudo», não aceitaria
se conquistam direitos entre uma chávena de chá nada!” [M. Veleda, A Mulher e a Criança, n.o 19,
e um pastel de nata, entre dois paradoxos, dois dezembro, 1910, p. 6]. A discussão pública em tor-
ditos de espírito e uma romanza dolente. Con- no do sufrágio feminino foi protagonizada por Ma-
quistam-se direitos, trabalhando, lutando, so- ria Veleda e Ana de Castro Osório nos jornais
frendo”. Defendendo abertamente a aliança en- O Século, O Tempo e A Mulher e a Criança, órgão
tre feminismo e política, afirmava: “A política as- da Liga. Todavia, a primeira tentava que mais mu-
susta a mulher portuguesa que ainda não conse- lheres marcassem presença no espaço público em
guiu educar e independentizar o espírito. Se a Re- defesa das suas posições e incitava-as escreven-
pública nos oferece o seu apoio, se nós dela es- do: “Não basta que meia dúzia de senhoras cul-
peramos uma aurora de redenção, porque não acei- tas reclamem o direito de voto, para que qualquer
taremos esse apoio? Porque não faremos políti- governo lho conceda como um mimo... Apareçam
MAR 530

as oradoras, façam-se conferências, revolucione- e aplaudida, mas não atendida, pois a legislação
-se a opinião, faça-se a propaganda, como a fazem que se seguiu concedeu o voto apenas aos cida-
as feministas estrangeiras, organizem-se mani- dãos do sexo masculino e com algumas restrições.
festações públicas, realizem-se comícios, prove- A desilusão foi grande e a direção da Liga reco-
se finalmente que as mulheres portuguesas estão nheceu que “o feminismo sofreu a mais afronto-
educadas para reivindicarem os seus direitos” [M. sa derrota que se podia esperar sob o regime re-
Veleda, O Tempo; 26/03/1911, p. 3]. No debate que publicano. Não podiam as mulheres republicanas
se prolongou, Maria Veleda, em nome da Liga que supor que, em pleno regime de igualdade, lhes fos-
dirigia, salientava que não era alheia ao movi- se negado o direito de voto, embora com as res-
mento sufragista, mas apenas “contra privilégios trições que o Senado propusera” [A Madrugada,
aristocráticos que não deviam ter cabimento n.o 30, 31/01/1914, p. 2]. Todavia, sempre que o
numa associação em que todas as classes estão re- Parlamento discutia uma nova lei eleitoral ou o
presentadas. [...] Se se reconhece à mulher o di- Governo preparava eleições, a campanha e as pe-
reito de voto, é uma incoerência reclamá-lo só para tições a favor do sufrágio feminino redobravam
aquelas que tenham um curso ou possam ser con- de intensidade. A par desta luta, Maria Veleda di-
sideradas intelectuais. Se a mulher tem direito de rigiu campanhas contra a prostituição regula-
voto, deve tê-lo em igualdade de circunstâncias mentada, o direito de fiança por abuso sexual de
com o homem; – e neste sentido, nos declaramos crianças e a venda de álcool e tabaco a menores,
desde já «sufragista»... – pois queremos defender e empenhou-se na condenação de duas proxenetas
a mulher do povo contra todas as aristocracias” de Lisboa que aliciavam meninas pré-adolescentes
[M. Veleda, O Tempo, 16/05/1911, p. 3; para a prostituição. O seu envolvimento pessoal
17/05/1911, p. 3]. O anti-sufragismo assumido por nos acontecimentos políticos de 1915, vincula-
Maria Veleda foi apenas conjuntural e transitório, vam demasiado a Liga ao Partido de Afonso Cos-
surgindo como uma forma provocatória de de- ta, o que não era bem aceite por algumas sócias,
marcação em relação ao grupo que defendia o voto que defendiam a neutralidade face aos partidos.
restrito. As ideias que veiculava e os princípios Cansada de divergências, demitiu-se da direção
que defendia continuavam em consonância com da Liga e da revista A Madrugada, filiou-se no Par-
as suas antigas reivindicações do voto, justifica- tido Democrático e, juntamente com outras li-
das em tempos e contextos diversos, por questões guistas, fundou a Associação Feminina de Pro-
de lógica, de justiça e de igualdade de direitos. paganda Democrática, continuando a defender que
Com a vitória de Carolina Beatriz Ângelo, que vo- “a mulher portuguesa pode e deve interessar-se
tou para a Assembleia Constituinte, em 28 de maio pela política, porque da boa ou má orientação des-
de 1911, Maria Veleda acreditou que o poder le- sa, depende o futuro da sua pátria” [M. Veleda,
gislativo recém-eleito não negaria às mulheres por- O Mundo, 02/10/1915, p. 1]. A nova associação
tuguesas um direito reconhecido pelo poder ju- participava nas atividades do partido, reunia na
dicial. Tentando unir republicanas e socialistas, sede do diretório e tinha o apoio dos dirigentes
protagonizou a luta centrada na reivindicação do republicanos que mais se interessavam pela cau-
voto. Em outubro de 1911, no Congresso do Par- sa feminista. Este entendimento tácito seria a base
tido Republicano, Maria Veleda reclamou da As- da aliança política que levaria às reformas tão an-
sembleia “o incondicional apoio a todas as rei- siadas. A criação da Associação Feminina de Pro-
vindicações feministas, tendo como principal ob- paganda Democrática visava concretizar o projeto
jetivo a educação da mulher e a sua emancipação político e feminista de Maria Veleda, apesar de al-
civil e política”, o que foi aprovado por aclama- gumas das suas companheiras não o terem assim
ção [A Madrugada, n.o 4, 30/11/1911, p. 2]. Na im- entendido. Com a participação na atividade po-
prensa e na tribuna defendia então que as mu- lítica do partido, e a intervenção social quotidiana,
lheres lutassem pela “conquista de direitos po- pretendia o reconhecimento da igualdade de di-
líticos, para chegar à conquista de direitos civis reitos e do livre exercício de uma mais ampla ci-
e económicos”, pois enquanto elas não puderem dadania. No entanto, a conjuntura nacional e in-
“fazer ouvir a sua voz nas câmaras, ou não se fará ternacional não era favorável e, por isso, dirigentes
nada em seu favor, ou o que se fizer será uma obra e associadas, em nome dos superiores interesses
incompleta e imperfeita” [M. Veleda, A Madru- da Pátria ameaçada, em obediência aos princípios
gada, n.o 15, 31/10/1912, p. 4]. Em julho de 1912, da União Sagrada e em apoio à intervenção de Por-
entregou uma petição ao Parlamento que foi lida tugal na guerra, dissolveram a associação em ju-
531 MAR

lho de 1916. A efémera aliança política entre as lista Luz e Amor para dar origem à Federação Es-
feministas e o partido do poder não foi tão pro- pírita Portuguesa e demitiu-se da presidência do
fícua como algumas das suas protagonistas de- centro e da direção da revista A ASA. Por uma
sejavam. 7. A espiritualista com uma visão mís- questão de coerência, demitiu-se também dos car-
tica do mundo. Em 1917, Maria Veleda adoeceu gos atribuídos na federação. Entretanto, desiludida
gravemente, a ponto de não poder trabalhar du- com a atitude de alguns confrades, e desgostosa
rante largos meses. Conheceu de perto a miséria com as práticas ridículas, caricatas e até perigo-
que, em nome da solidariedade, tantas vezes com- sas que denegriam o verdadeiro espiritismo, afas-
bateu. Emília de Sousa Costa promoveu uma subs- tou-se temporariamente da militância espírita.
crição pública a seu favor, apoiada pela impren- Todavia, em 1926, voltou à atividade e fundou
sa e por companheiras/os e amigas/os. Nesta fase o Grupo Espírita “General Passaláqua” e a revista
de grande sofrimento e desilusão, aventurou-se A Vanguarda Espírita, onde desempenhou as fun-
nos caminhos da espiritualidade, a fim de ame- ções de secretária. Nesta fase, publicou a novela
nizar o presente e garantir o equilíbrio intelectual. reincarnacionista A Casa Assombrada e traduziu
A livre-pensadora, exaltada e intransigente, ia ce- excertos das obras de Flamarion, Voltaire, Rabin-
dendo lugar à crente, deslumbrada com a paz e dranah Tagore e Pantajoli. Nas décadas seguin-
a alegria espiritual de uma alma em perfeita sin- tes, continuou a colaborar na imprensa espiri-
tonia com Deus. A sede constante do saber e a ca- tualista e espírita de todo o país, com uma escrita
pacidade de compreender, a atração pelo desco- de carácter reflexivo, filosófico e memorialista,
nhecido e o misterioso, a ânsia de perfeição e de em que transparecem o desejo de escapar às li-
felicidade e o desejo da imortalidade levaram- mitações do conhecimento comum sobre os
na a enveredar pelo espiritismo filosófico, cien- mistérios da vida e da morte, a busca incessante
tífico e experimental. Não renegando nada do que da intelegibilidade da fé e da finalidade da exis-
foi, viveu e defendeu, foi à luz de novas perspe- tência e também o conflito entre o racionalismo,
tivas que continuou a escrever e a esgrimir o materialismo científico e o transcendentalismo
ideias, a trabalhar e a lutar por novos e velhos religioso. É notória a visão mística da vida e do
ideais. A iniciação na aventura espiritualista, mís- mundo neste percurso espiritualista de aperfei-
tica e esotérica já tinha ocorrido cerca de 1916, çoamento individual e ascese espiritual que vi-
quando começou a estudar os mestres da nova fi- sava a construção de uma sociedade mais tole-
losofia e fundou o Grupo das Sete, que depois se rante, mais justa, igualitária e fraterna. Continuava
transformou no Centro Espiritualista Luz e a sustentar a utopia da Pátria Ideal, baseada nos
Amor*, a maior associação espírita do país. Em valores da Solidariedade, do Altruísmo, da Li-
1919, fundou e dirigiu A ASA*, revista de pro- berdade, da Justiça, da Paz e do Amor que uni-
paganda sociológica e das ciências psíquicas, subs- riam toda a humanidade na procura da felicida-
tituída em 1921 pela revista O Futuro*, com as de universal. Maria Veleda foi a primeira e úni-
mesmas características e objetivos. A ASA res- ca mulher do movimento feminista português da
suscitou em 1924, como órgão do Centro Espiri- primeira vaga a publicar as “Memórias”. Fê-lo no
tualista Luz e Amor, e teve um papel fundamental jornal República, entre fevereiro e abril de 1950.
na mobilização de todos os Grupos espíritas do Nos últimos anos de vida, deu a este jornal al-
país para a realização do 1.o Congresso Espírita gumas entrevistas sobre as suas vivências repu-
Português, em maio de 1925. A organização blicanas e feministas, além de publicar também
deste congresso esteve a cargo da direção do Cen- “Recordações” sobre Lisboa no início do século.
tro Espiritualista Luz e Amor, constituída por sete As “Recordações” da infância e juventude, em
mulheres, sob a presidência de Maria Veleda. No contexto algarvio, publicou-as no Correio do Sul,
congresso, delineou-se a criação da Federação Es- entre 1953 e 1954. Muitos anos antes fez também
pírita Portuguesa e elegeu-se a Comissão Pró-Fe- a tradução de algumas obras: O Senador Inácio,
deração, com a incumbência de elaborar os es- de Theodore Cahu (1897), O Imortal (1908), O Ca-
tatutos, cuja presidência e vice-presidência foram becilha (1908), A Visão do Juiz de Colmar (1913)
atribuídas, respetivamente, ao Dr. António Frei- e A Macaca (1913) de Alphonse Daudet, A Dor
re e a Maria Veleda. Pouco depois, foi também elei- Universal (1910), de Sébastien Faure, Pour la Ré-
ta vice-presidente do Conselho Deliberativo da Fe- volte (1910), de Nelly Roussel, Deux Vies (1911)
deração. Maria Veleda discordou da proposta de de Paul e Victor Margueritte. Morreu em 8 de abril
António Freire de extinguir o Centro Espiritua- de 1955 e, tal como pediu, foi enterrada civil-
MAR 532

mente, sem qualquer interferência de rituais ca- lha de Beja, n.o 532, 12/03/1903, p. 1; “Notícias do outro-
tólicos ou de outra qualquer religião dogmática. mundo – V”, A Folha de Beja, n.o 533, 19/03/1903, p. 1;
“Contemplando um retrato”, O Cruzeiro do Sul,
Fontes: Espólio particular de Maria Veleda. 26/03/1903, p. 3; “Ideal”, A Folha de Beja, n.o 539,
Mss.: BN, ACPC, Colecção de Castro Osório, Esp. N12/308, 30/04/1903, p. 2; “Mater Dolorosa”, A Sociedade Futura,
Cartas de Maria Veleda a Ana de Castro Osório. 01/07/1903, p. 10; “Carta” [A Madalena de C.], A Socie-
Da autora: “Dois Sonetos: Ocaso; Aurora”, Almanaque de dade Futura, 01/08/1903, p. 21; “Fragmentos”, A Folha
S. Braz de Alportel, 1894, p. 42; “Souvenirs”, Almanaque de Beja, n.o 557, 03/09/1903, p. 4; “Mulheres e Crianças
de S. Braz de Alportel, 1894, pp. 47-49; “Soror Angústias”, – I”, A Folha de Beja, n.o 557, 03/09/1903, p. 1; “Mulhe-
O Distrito de Faro, maio, 1897; “Torneio Literário – Sor- res e Crianças – II”, A Folha de Beja, n.o 558, 10/09/1903,
rindo…”, A Tarde, 11/06/1897; “A Mantilha”, O Repór- p. 1; “Mulheres e Crianças – III”, A Folha de Beja, n.o 559,
ter, 12/04/1898 e 13/04/1898; “O Desertor” [Excerto do li- 17/09/1903, p. 1; “Mulheres e Crianças – IV”, A Folha de
vro inédito À sombra das farrobeiras], O Repórter, Beja, n.o 24/09/1903, p. 1; “Mulheres e Crianças – V”, A
02/10/1898, 05/10/1898, 07/10/1898; “Na Barricada”, O Folha de Beja, n.o 561, 04/10/1903, p. 1; “Mulheres e Crian-
Lidador, 25/12/1898, p. 1; “Janua Coeli”, O Lidador, ças – VI”, A Folha de Beja, n.o 563, 15/10/1903, pp. 1-2;
25/12/1898, p. 2; “Alma Boémia”, O Lidador, 1898; “Ga- “Mulheres e Crianças – VII”, A Folha de Beja, n.o 565,
leria Feminina – Trovas”, Ave Azul, n.o 3, março, 1900, p. 29/10/1903, p. 1; “Mulheres e Crianças – VIII”, A Folha
150; “Registo Bibiliográfico – Avé-Maria – Versos de Cân- de Beja, n.o 566, 05/11/1903, p. 2; “Carta ao Director”, A
dido Guerreiro”, Ave Azul, n.o 4, abril, 1900, pp. 224-229; Folha de Beja, n.o 567, 12/11/1903, p. 2; “Dr. Cândido de
“Trovas para acalentar”, Ave Azul, n.o 5, maio, 1900, p. 256; Figueiredo”, A Sociedade Futura, 01/01/1904, p. 36; “Mu-
“Emancipação Feminina”, Ave Azul, n.o 8-9, agosto-se- lheres e Crianças”, A Sociedade Futura, 01/01/1904, p. 39;
tembro, 1900, pp. 449-452; “O Amor”, A Folha de Beja, “Poema”, A Crónica, julho, 1904, p. 2; “Meu coração fez
n.o 405, 04/10/1900, p. 2; “A doce providência”, A Folha um ninho”, A Crónica, julho, 1906, p. 2; “Bagatelas…”,
de Beja, n.o 413, 29/11/1900, pp. 2-3; “O sapatinho do Me- A Vanguarda, 30/07/1906, p. 2; “Carta aberta”, A Van-
nino Jesus”, A Folha de Beja, n.o 417, 27/12/1900, p. 2; “Ver- guarda, 10/08/1906, p. 2; “Educai o povo!”, A Vanguar-
dades Amargas”, A Folha de Beja, n.o 421, 24/01/1901, p. da, 19/08/1906, p. 5; “Angústias”, A Vanguarda,
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p. 2; “Horto”, A Folha de Beja, n.o 424, 14/02/1901, p. 2; 03/09/1906, p. 2; “Às mulheres portuguesas”, A Vanguarda,
“Rua da Amargura”, A Folha de Beja, n.o 424, 14/02/1901, 18/09/1906, p. 1; “Mulheres Portuguesas – A Minha Pá-
p. 2; “Crenças Populares – Silêncios – Oração ao sol”, A tria” por D. Ana de Castro Osório”, A Vanguarda,
Tradição, n.o 3, março, 1901, pp. 38-41; “Contos Algarvios 14/10/1906, pp. 1-2; “Escola Maternal”, A Vanguarda,
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pp. 57-61; “As Crianças”, A Folha de Beja, n.o 431, 08/09/1907, p. 2; “A propósito…”, A Vanguarda,
04/04/1901, p. 2; “O Manuel Enjeitado”, O Círculo das Cal- 09/02/1908, p. 1; “A eterna questão”, A Vanguarda,
das, 15/05/1901, p. 3; “Contos Algarvios – As três Cidras 17/02/1908, p. 1; “Um tema interessante”, A Vanguarda,
do Amor”, A Tradição, n.o 7, julho, 1901, pp. 106-107; “O 19/03/1908, p. 1; “Pelo livre-pensamento”, A Vanguarda,
Biôco”, A Tradição, n.o 8, agosto, 1901, pp. 120-122; “Era- 04/04/1908, p. 2; “Aos Centros Escolares Republicanos”,
Não-Era” [Versão Algarvia], A Tradição, n.o 8, agosto, 1901, A Vanguarda, 18/04/1908, p. 2; “Faça-se justiça!” [Protesto
p. 124; “Simples”, A Folha de Beja, n.o 448, 01/08/1901, pela condenação ao degredo de Joaquim Raimundo dos
p. 2; “Angélica”, A Folha de Beja, n.o 451, 22/08/1901, p. Santos], A Vanguarda, 29/04/1908, p. 1; “Timor” [Descrição
2; “Angélica” [Continuação], A Folha de Beja, n.o 452, das perseguições sofridas por Joaquim Raimundo dos San-
29/08/1901, p. 2; “Flutuam no horizonte os véus diáfanos tos no degredo em Timor], A Vanguarda, 02/05/1908, p.
da madrugada. No azul profundo, dormitam as estrelas…”, 2; “Cartas à Rainha” [Por José Augusto de Castro], A Van-
A Folha de Beja, n.o 437, 03/10/1901, p. 2; “A Emancipação guarda, 18/05/1908, p. 2; “Grémio Civil do Monte – Ho-
Feminina”, A Nova Aurora, n.o 11, 1901, pp. 243-246; “Tro- menagem a Boto Machado” [Conclusão do primoroso dis-
vas”, A Crónica, dezembro, 1901, p. 2; Cor-de-rosa, Bi- curso lido anteontem pela distinta professora D. Maria Ve-
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8; “Suas Altezas”, Lisboa Elegante, n.o 4, 15/04/1902, pp.1- blica, n.o 66, 04/06/1908, p. 2; “A Quinta-Feira dos pe-
2; “Abril e o mês que há-de vir”, A Tradição, n.o 6, julho, quenos estudantes – A raposa e o gato” [Conto], A Repú-
1902, pp. 84-87; “Mamã”, A Sociedade Futura, 01/09/1902, blica, n.o 68, 06/06/1908, p. 2; “Duas Quadras” A Repú-
p. 2; “Na Barricada”, A Sociedade Futura, 15/09/1902, pp. blica, n.o 72, 11/06/1908, p. 2; “Perfil – D. Ana de Castro
2-3; “Trovas”, A Sociedade Futura, 15/09/1902, p. 4; “Na Osório”, A República, n.o 81, 23/06/1908, p. 1; “Um pou-
Barricada”, A Sociedade Futura, 01/10/1902, p. 2; “Im- co de folclore” [Tradições algarvias, raianas e alentejanas],
pressões Literárias – “Adeus” de Bernardo de Passos”, A A República, n.o 86, 01/07/1908, p. 3; “O “grão de trigo”
Crónica, outubro, 1902, pp. 1-2; “Na Barricada”, A So- por Bernardo de Passos” [crítica literária]; A República,
ciedade Futura, 01/11/1902, p. 3; “D. Júlia de Gusmão”, n.o 89, 04/07/1908, p. 2; “As escravas de hoje”, “Educa-
A Crónica, novembro, 1902, p. 2; “Sol”, O Cruzeiro do Sul, ção da camponesa”; A República, n.o 90, 05/07/1908, p.
22/01/1903, p. 3; “Notícias do outro-mundo – I”, A Folha 2; “Está aberto o plebiscito – A ilustração da mulher”, “In-
de Beja, n.o 527, 05/02/1903, p. 2; “Notícias do outro- convenientes do espartilho”, A República, n.o 93,
mundo – II”, A Folha de Beja, n.o 528, 12/02/1903, p. 2; 08/07/1908, pp.1-2; “O regime vegetariano”, “Plebiscito”,
“Notícias do outro-mundo – III”, A Folha de Beja, n.o 529, A República, n.o 99, 15/07/1908/ p. 2; “Grupo Português
19/02/1903, p. 1; “Notícias do outro-mundo – IV”, A Fo- de Estudos Feministas”, A República, n.o 100, 16/07/1908,
533 MAR

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p. 2; “Poema”; “Respondendo ao “Jornal da Mulher”, A liodoro Salgado, em sessão de homenagem a Fernão Boto
República, n.o 107, 24/07/1908, p. 2; “O plebiscito das mu- Machado”, A República, n.o 212, 25/11/1908, p. 2; A Con-
lheres portuguesas”, A República, n.o 109, 27/07/1908, p. quista, Lisboa, Livraria Central Gomes de Carvalho,
3; “O plebiscito das mulheres portuguesas”, A Repúbli- 1909; “A inferioridade das mulheres”, A Vanguarda,
ca, n.o 110, 28/01/1908, p. 2; “D. Adelaide Cabete”, A Re- 02/01/1909, p. 1; “As mulheres e a política”, A Vanguarda,
pública, n.o 114, 01/08/1908, p. 1; “Casas de reclusão para 05/01/1909, p. 1; “A mulher ignorante e a reacção – I”, A
mulheres”, A República, n.o 115, 03/08/1908, p. 2; “O ple- Vanguarda, 14/01/1909, p. 1; “A mulher ignorante e a reac-
biscito das mulheres portuguesas”; “Poema”, “As anti-su- ção – II”, A Vanguarda, 17/01/1909, p. 1; “A mulher ig-
fragistas”, A República, n.o 116, 04/08/1908, pp. 2-3; “O norante e a reacção – III”, A Vanguarda, 23/01/1909, p. 1;
plebiscito das mulheres portuguesas”, A República, n.o 122, “A acção benéfica das escolas laicas”, A Vanguarda,
11/08/1908; pp. 1-2; “Pedagogia – Maus castigos”, A Re- 24/01/1909, p. 1; “Aspirações femininas”, A Vanguarda,
pública, n.o 124, 13/08/1908, p. 2; “A Ideia – Aos que com- 06/02/1909, p. 1; “Carta aberta a uma dama franquista”,
batem a verdade”, A República, n.o 126, 17/08/1908, p. 2; A Vanguarda, 09/02/1909, p. 1; “Porque me fiz livre-pen-
“Um presidente à altura…” [Crítica à actuação do padre sadora”, A Vanguarda, 13/02/1909, p. 1, 18/02/1909, p.
Leitão como presidente do júri de exames da instrução pri- 1, 20/02/1909, p. 1, 27/02/1909, p. 1, 04/03/1909, p. 1,
mária], A República, n.o 128, 19/08/1908, p. 2; “D. Bea- 07/03/1909, p. 1; “O ensino da doutrina nas escolas lai-
triz Pinheiro”, A República, n.o 208, 20/08/1908, pp. 1-2; cas”, A Vanguarda, 12/03/1909, p. 1; “Preconceitos e Con-
“O divórcio”, A República, n.o 130, 21/08/1908, p. 3; “Ati- venções”, A Vanguarda, 23/03/1909, p. 1; “Democracia e
tude da mulher portuguesa perante a situação actual”; “Pa- religião”, A Vanguarda, 26/03/1909, p. 1; “Jeanne d’Arc”,
dre Leitão” [Comentário a um artigo do jornal O Mundo], A Vanguarda, 30/03/1909, p. 1; “Os feriados religiosos nas
A República, n.o 131, 22/08/1908, p. 2; “O Aljube”; “Pu- escolas laicas”, A Vanguarda, 06/04/1909, p. 1; “Maca-
blicações recebidas”, A República, n.o 135, 27/08/1908, p. quices do Catolicismo”, A Vanguarda, 12/04/1909, p. 1;
2; “Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”, A Re- “A religião de ontem e a religião de amanhã”, A Vanguarda,
pública, n.o 137, 29/08/1908, p. 2; “D. Sofia Quintino”, A 16/04/1909, p. 1; “Desigualdades sociais”, A Vanguarda,
República, n.o 138, 31/08/1908, pp. 1-2; “Povos cultos”, 21/04/1909, p. 1; “A Liga Republicana das Mulheres Por-
A República, n.o 140, 02/09/1908, p. 2; “Instruir e Educar”; tuguesas – Acudamos aos nossos irmãos portugueses”,
“O plebiscito das mulheres portuguesas”, A República, n.o A Vanguarda, 26/04/1909, p. 1; “Instrução”, A Vanguarda,
142, 04/09/1908, p. 2; “Liga Republicana das Mulheres Por- 03/05/1909, p. 1; “Religiões comparadas (Fragmentos)”,
tuguesas”, A República, n.o 144, 07/09/1908, p. 2; “Ain- A Vanguarda, 09/05/1909, p. 1; “O misoginismo do Papa”,
da a propósito da Liga”, A República, n.o 146, 09/09/1908, A Vanguarda, 11/05/1909, p. 1; “Missão Escolar – I”, A
pp. 1-2; “A Missa Democrática – A mulher e a religião”, Vanguarda, 15/05/1909, p. 1; “Missão Escolar – II”, A Van-
A Vanguarda, 22/09/1098, p. 1; “A Missa Democrática – guarda, 16/05/1909, p. 1; “O culto da Primavera”, A Van-
A mulher e a Igreja”, A Vanguarda, 25/09/1908, p. 1; “Pen- guarda, 21/05/1909, p. 1; “Missão Escolar – III”, A Van-
samentos e Opiniões”, A República, n.o 168, 05/10/1908, guarda, 22/05/1909, p. 1; “Uma vista retrospectiva”, A Van-
p. 2; “O eterno preconceito”, A República, n.o 170, guarda, 27/05/1909, p 1; “A mulher no cristianismo”, A
07/10/1908, p. 2; “Considerações”; “Fanatismo”, A Re- Vanguarda, 30/05/1909, p. 1; “Missão Feminina”, A Mu-
pública, n.o 172, 09/10/1908, p. 2; “O plebiscito das mu- lher e a Criança, n.o 2, maio, 1909, p. 6; “Na brecha”, A
lheres portuguesas” [Divulgação dos resultados do ple- Vanguarda, 05/06/1909, p. 1; “Ser honesto”, A Vanguar-
biscito e considerações acerca dos mesmos]; “A idade do da, 10/06/1909, p. 1; “Não pode ser”, A Vanguarda,
casamento”, A República, n.o 173, 10/10/1908, p. 3; “A 12/06/1909, p. 1; “O sufrágio Feminino”, A Vanguarda,
inauguração do Centro Escolar ‘A Luta’ – Em Queluz”, A 16/06/1909, p. 1; “Pró Ideal”, A Vanguarda, 25/06/1909,
República, n.o 174, 12/10/1908, p. 2; “A nossa solidarie- p. 1; “Mártires”, A Vanguarda, 01/07/1909, p. 1; “Dese-
dade” [Homenagem a Boto Machado pela campanha in- ducação popular”, A Vanguarda, 09/07/1909, p. 1; “Boé-
tentada contra a prostituição regulamentada], A República, mia infantil”, A Vanguarda, 12/07/1909, p. 1; “As vítimas
n.o 178, 16/10/1908, p. 2; “A boa mãe” [Crítica literária ao da rotina”, A Vanguarda, 15/07/1909, p. 1; “O perigo ne-
livro de Ana de Castro Osório], A República, n.o 179, gro”, A Vanguarda, 22/07/1909, p. 1; “As sufragistas triun-
17/10/1908, p. 2; “A “Luta” feminista”, A República, n.o fam”, A Vanguarda, 24/07/1909, p. 1; “Libertas”, A Van-
180, 19/10/1908, p. 2; “Chapéus de plumas”, A Repúbli- guarda, 29/07/1909, p. 1; “Um triunfo”, A Vanguarda,
ca, n.o 181, 20/10/1908, p. 2; “Curso Dominical para mu- 05/08/1909, p. 1; “Abaixo a reacção clerical e o jesuitis-
lheres”, A República, n.o 183, 22/10/1908, p. 2; “Profis- mo”, A Vanguarda, 10/08/1909, p. 1; “Discurso pronun-
sionais”, A República, n.o 187, 27/10/1908, p. 2; “Prémios ciado pela ilustre escritora e nossa prezada consócia Ma-
escolares. Considerações”, A República, n.o 188, ria Veleda na sessão de propaganda realizada na sede da
28/10/1908, p. 2; “Fraternizemos” [A propósito de um ar- Liga, no dia 12 de setembro próximo passado”, A Mulher
tigo de Fernão Boto Machado que propunha às mulheres e a Criança, n.o 7, outubro, 1909, pp. 2-7; “Um episódio
da “Liga” que levassem o conforto e a redenção da pala- trágico – Mãe que mata um filho por asfixia – Trata-se de
vra e da virtude às suas irmãs no prostíbulo, na cadeia e averiguar como o caso ocorreu”, A Mulher e a Criança, n.o
no hospital]; “Considerações acerca de uma subscrição, 9, dezembro, 1909, pp. 14-15; “Missa Democrática – As
lançada por Boto Machado no jornal Vanguarda, a favor mulheres na assistência pública – Deus na escola”, A Van-
de Maria de Sousa, “desflorada, fecundada e abandona- guarda, 01/05/1910, p. 2; “Vida Republicana – Discurso
da pelo miserável agente da polícia, o 1271”, A Repúbli- proferido na Escola-Oficina N.o 1” [em 1 de maio de 1910],
ca, n.o 189, 29/10/1908, p. 2; “Prémios escolares”, A Re- O Mundo, 02/05/1910, p. 2; “A mulher moderna e a sua
pública, n.o 191, 31/10/1908, p. 2; “Por amor de Deus”, A missão sociológica – I” [A questão feminista desperta sem-
República, n.o 196, 06/11/1908, p. 2; “A mulher portuguesa pre o mesmo entusiasmo], A Vanguarda, 15/05/1910, p.
na política”, A República, n.o 205, 17/11/1908, p. 2, n.o 206, 3; “A mulher moderna e a sua missão sociológica – II” [Os
MAR 534

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p. 2; “A mulher e o confessionário”, A Mulher e a Crian- 22/12/1912, p. 2; “A propósito do nosso terceiro aniver-
ça, n.o 12, maio, 1910, pp. 2-4; “Escrava”, A Mulher e a sário”, A Madrugada, n.o 25, 31/08/1913, p. 1; “Porque que-
Criança, n.o 13, junho, 1910, pp. 9-11; “A ‘Obra Maternal’”, rem as mulheres votar?”, A Madrugada, n.o 16, 30/11/1912,
A Mulher e a Criança, n.o 14, julho, 1910, p. 5; “Evolução p. 1; “1910 a 1913”, A Madrugada, n.o 26, 30/09/1913, p.
e Revolução”, A Mulher e a Criança, n.o 15, agosto, 1910, 1; “O último voo”, A Madrugada, n.o 26, 30/09/1913, p.
pp. 3-4; “Missa Democrática – Moral de Convenção”, A Van- 3; “A Obra da República”, A Madrugada, n.o 27,
guarda, 07/08/1910, p. 1; “A educação integral da mulher 31/10/1913, p. 1; “Spleen” [Soneto dedicado a Maria Eve-
– Foi a França o primeiro país que trabalhou pela eman- lina de Sousa], A Madrugada, n.o 29, 31/12/1913, p. 2;
cipação feminina, resistindo-lhe o altar e o trono”, Revista “Quadra”, A Madrugada, n.o 29, 31/12/1913, p. 3;
Pedagógica, n.o 153, 08/09/1910, p. 1; “A educação inte- “Spleen” [A Maria Evelina de Sousa], A Folha, 25/01/1914,
gral da mulher – A educação integral pretende que a cada p. 1; “Ala dos Pequeninos – A Corça”, A Madrugada, n.o
aptidão do indivíduo assista o direito de se desenvolver 31, 28/02/1914, p. 3; “Contra o alcoolismo”, A Madrugada,
plenamente”, Revista Pedagógica, n.o 154, 15/09/1910, p. n.o 32, 31/03/1914, p. 2; “A Mantilha” [Conto Algarvio de-
1; “A educação integral da mulher – A educação manual dicado ao Sr. Dr. Sousa Costa], A Madrugada, n.o 33,
e a educação física são indispensáveis para conseguir a edu- 30/04/1914, p. 2; “A Mantilha” [Contos algarvios], A Fo-
cação integral”, Revista Pedagógica, n.o 155, 29/09/1910, lha, 14/06/1914, pp. 2-3; “A Mantilha”, A Folha,
p. 1; “O artigo 11.o”, A Mulher e a Criança, n.o 16, setembro, 06/07/1914, pp. 2-3; “Luz, mais Luz”, A Madrugada, n.o
1910, pp. 7-8; “Burocratomania”, A Mulher e a Criança, 35, 31/08/1914, p. 1; “Ala dos Pequeninos – O segredo de
n.o 18, novembro, 1910, pp. 4-6; “O voto às mulheres por- Júlia” [Conto dedicado a Júlia da Luz, da Obra Maternal,
tuguesas”, A Mulher e a Criança, n.o 19, dezembro, 1910, como prémio do aproveitamento escolar], A Madrugada,
pp. 6-7; “Enfermagem laica”, O Mundo, 05/12/1910, p. 4; n.o 35, 31/08/1914, p. 4; “Uma data gloriosa – 5 de Ou-
“Burocratomania”, A Vanguarda, 11/12/1910, pp. 1-2; “As tubro”, A Madrugada, n.o 36, 31/10/1914, p. 1; “Uma data
mulheres portuguesas e a crítica – Missa Democrática – gloriosa – 5 de Outubro”, A Folha, 22/11/1914, pp. 2-3;
Reflexões de um marido”, A Vanguarda, 25/12/1910, p. “Para onde vamos?!”, A Madrugada, n.o 38, 31/01/1915,
1; “Missa Democrática – As vítimas da disciplina”, A Van- p. 1; “Anónimos”, A Madrugada, n.o 38, 31/01/1915, p.
guarda, 01/01/1911, p. 1; “Celebridades Portuguesas – Ale- 2; “Dr. Afonso Costa”, A Madrugada, n.o 41, 31/07/1915,
xandre Herculano”, A Mulher e a Criança, n.o 20, janei- p. 1; “Cândido” [Ao meu filho], A Folha, 29/08/1915, p.
ro, 1911, pp. 6-7; “A nossa propaganda”, A Mulher e a 2; “Cantares”, A Madrugada, n.o 42, 30/09/1915, p. 3; “Às
Criança, n.o 22, março, 1911, pp. 4-6; “A Tribuna Femi- sócias”, A Madrugada, n.o 42, 30/09/1915, p. 3; “Carta”,
nina – A propósito da reforma da lei eleitoral”, O Tempo, O Mundo, 03/11/1915, p. 3; “Discurso da Sr.a D. Maria Ve-
n.o 11, 26/03/1911, p. 3; “A Tribuna Feminina – As mu- leda em nome da Associação de Propaganda Feminina De-
lheres devem votar?”, O Tempo, n.o 25, 09/04/1911, p. 3; mocrática”, O Mundo, 20/11/1915, p. 5; “A mulher na agri-
“A Tribuna Feminina – O que “eles” dizem”, O Tempo, cultura, nas indústrias regionais e na administração mu-
n.o 40, 24/04/1911, p. 3; “A Tribuna Feminina – Os pro- nicipal”, A Semeadora, n.o 6, 15/12/1915, p. 2; “Soneto”,
fessores primários do ensino livre”, O Tempo, n.o 43, O Século, 13/05/1917; “Pelo Astral”, Folha de Trancoso,
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que se não faz o inquérito que a classe reclama?”, A Ca- 18/07/1917; “A Asa”, A ASA, n.o 1, janeiro, 1919, pp. 1-
pital, 27/04/1911, p. 3; “A Tribuna Feminina – A propó- 4; “Luz e Amor”, A ASA, n.o 1, janeiro, 1919, p. 5; “In-
sito das reclamações dos professores de ensino livre”, O formações – Uma iniciativa de Espíritas”, A ASA, n.o 1,
Tempo, n.o 51, 05/05/1911, p. 2; “A Tribuna Feminina – janeiro, 1919, p. 17; “Informações”, A ASA, n.o 3, março,
A Conquista do voto”, O Tempo, n.o 59, 13/05/1911, p. 2; 1919, p. 2; “Pátria Ideal”, A ASA, n.o 3, março, 1919, pp.
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17/05/1911, p. 3; “A Tribuna Feminina – Braço! Armas!”, 73; “Desfazendo um equívoco”, A ASA, n.o 5, maio, 1919;
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sino livre devem e podem ser chamados a fazer parte dos toda a parte: Notícias e comentários”, A ASA, n.o 6, junho,
júris de exames, em que darão provas da sua competên- 1919, p. 86; “A sombra de Tartufo”, A ASA, n.o 7, julho,
cia”, A Capital, 31/05/1911, p. 2; “Ana de Castro Osório”, 1919, pp. 101-104; “A Assinatura da Paz”, A ASA, n.o 7,
A Mulher e a Criança, n.o 24, maio, 1911, p. 7; “Nenúfa- julho, 1919, p. 116; “Em risco de excomunhão”, A ASA,
res”, n.o 24, maio, 1911, pp. 8-9; “Há que distinguir – A n.o 7, julho, 1919, p. 116; “Informações – Publicações re-
Liga Republicana das Mulheres Portuguesas não é o mes- cebidas”, A ASA, n.o 7, julho, 1919; “Ao intemerato cau-
mo que a Associação de Propaganda Feminista – E foi esta dilho da liberdade, ao enérgico campeão do pacifismo –
que pediu o sufrágio feminino, o que não quer dizer que Magalhães Lima”, A ASA, n.o 8, agosto, 1919, p. 117; “A
a outra não trabalhe por ele”, A Capital, 28/07/1911, p. 2; maldição do diamante azul”, A ASA, n.o 8, agosto, 1919,
“Agradecimento”, A Madrugada, n.o 1, 31/08/1911, p. 2; p. 117; “Avisos e Revelações”, A ASA, n.o 8, agosto, 1919,
“Só se prostitui quem quer”, A Madrugada, n.o 6, pp. 119-122; “O mundo após a guerra – Os astros e as pro-
31/07/1912, p. 2; “A Autoridade Marital”, A Madrugada, fecias – Uma curiosa entrevista do “Excelsior”, A ASA, n.o
n.o 7, 29/02/1912, p. 2; “Replicando”, A Madrugada, n.o 8, agosto, 1919, pp. 125-126; “Duas quadras”, A ASA, n.o
8, 31/03/1912, p. 3; “Conferência Realizada no Centro Re- 11, novembro, 1919, p. 167; “Blanco y negro”, A ASA, n.o
publicano Democrático do Porto, em 14 de julho, pela nos- 11, novembro, 1919, p. 174; “O Espiritismo no Teatro”, A
sa camarada Maria Veleda”, A Madrugada, n.o 12, ASA, n.o 12, dezembro, 1919, pp. 186-187; “Em toda a par-
31/07/1912, p. 4, n.o 13, 31/08/1912, p. 4, n.o 14, te: Casas de Cristo destinadas a recolher os desamparados
30/09/1912, p. 3, n.o 15, 31/10/1912, p. 4, n.o 16, – Escola Maternal”, A ASA, n.o 12, dezembro, 1919, p. 196;
30/11/1912, p. 3, n.o 18, 31/01/1913, p. 4, n.o 19, “A vida conventual – Recordações de uma terceira do-
28/02/1913, p. 4; “Improviso” [Quadra], A Madrugada, n.o minicana, recolhidas por uma livre-pensadora”, O Sécu-
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lo, 29/12/1919; “Contra a roleta”, O Século, 24/02/1920; são Cumprida”, A ASA, Ano II, n.o 1, outubro, 1925, pp.
“Os verdadeiros proletários e a carestia do calçado – É pre- 1-6; “Carteira Poética – As asas mais belas”, A ASA, Ano
ciso reagir contra os exploradores e criar iniciativas!”, O II, n.o 1, outubro, 1925, p. 17; “Campanha Espírita”, A ASA,
Século, 03/03/1920; “Pela Fé e pelo Trabalho – Dois por- Ano II, n.o 1, outubro, 1925, pp. 33-34; “De Lisboa”, A Pá-
tugueses ilustres preconizam a religião da Bondade, es- tria, 09/10/1925, p. 2; “De Lisboa”, A Pátria, 20/10/1925,
perando que Portugal se levante pelo Trabalho e pela Fé”, p. 2; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria, 23/10/1925, p. 2;
O Século, 10/03/1920; “Fala D. Carmen de Burgos – “O “Uma Bela Oração”, A ASA, Ano II, n.o 2, novembro, 1925,
problema feminino em Espanha” – O que a ilustre escri- pp. 39-41; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria, 13/11/1925,
tora disse sobre o estado social da mulher no país vizinho”, p. 2; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria, 17/11/1925, p. 2;
O Século, 04/04/1920; “Em prol dos pequenos e dos opri- “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria, 24/11/1925, p. 2; “Car-
midos – Missão evangelizadora de Paulina Luisi”, O Sé- ta Aberta – Aos leitores de ‘A Asa’ e sócios do C. E. ‘Luz
culo, 12/04/1920; “A Universidade Popular Portuguesa – e Amor’”, A ASA, Ano II, n.o 3, dezembro, 1925, pp. 56-
Uma Instituição modelar – Obra de educação social – Um 60; “Fotografia post-mortem”, A ASA, Ano II, n.o 3, de-
grande plano em marcha para o ressurgimento da Pátria”, zembro, 1925, p. 60; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria,
O Século, 12/05/1920; “Uma grande iniciativa de carác- 11/12/1925, p. 2; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria,
ter nacional”, Notícias do Norte, 06/06/1920, p. 1; “Uma 18/12/1925, p. 2; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria,
grande iniciativa de carácter nacional”, O Rio Maiorense, 10/01/1926, p. 2; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria,
10/06/1920; “Educação Social – O Trabalho – É uma lei 05/02/1926, p. 2; “General Viriato Passaláqua”, A Van-
da Natureza, e não a consequência do “pecado original” guarda Espírita, n.o 1, 14/04/1926, pp. 6-7; “O Espiritis-
– Necessidade de modificar a educação para transformar mo na Berlinda”, A Vanguarda Espírita, n.o 2, 14/05/1926,
os costumes”, O Século, 16/08/1920; “Semana Trágica – pp. 22-23; “Visão a distância”, A Vanguarda Espírita, n.o
Os forçados da vida – Inutilidade dos atentados pessoais 3, 14/07/1926, pp. 44-45; “A Lisonja”, “Resposta à ‘Épo-
– Ausência de Ideal e falta de religião – O 5.o Mandamento”, ca’ ”, A Vanguarda Espírita, n.o 4, 14/08/1926, pp. 54, 58;
O Século, 21/08/1920; “Actualidades – As “Juventudes” “Uma carta”, Ecos do Além, 30/09/1926, pp. 139-142; “Ex-
na Política – Do “Integralismo” ao “Sindicalismo” imberbe plicações necessárias”, A Vanguarda Espírita, n.o 5,
– Os dirigentes dos Partidos, as famílias e os governos – 14/10/1926, pp. 70-71; “A Religião na Escola”, A Van-
“Quem abrolhos semeia…”, O Século, 23/08/1920, p. 1; guarda Espírita, n.o 6, 14/11/1926, pp. 83-84; “Comuni-
“Psicologia da Treva” [Secção Literária], O Futuro, n.o 1, cações para estudo”, A Vanguarda Espírita, n.o 6,
fevereiro, 1921, p. 12; “O Fanatismo Espírita”, O Futuro, 14/11/1926, pp. 93-94; “Para que serve o Espiritismo?”,
n.o 3, abril, 1921, pp. 1-3; “Quid est veritas?”, O Futuro, Luz e Caridade, setembro, outubro e novembro, 1927; “In-
n.o 3, abril, 1921, p. 3; “A febre do divórcio”, O Futuro, tolerância e Dogmatismo”; “Às crianças portuguesas”; “A
n.o 3, abril, 1921, pp. 4-7; “A vaidade”, O Futuro, n.o 4, pena de morte”, A Vanguarda Espírita, n.o 1, novembro,
maio, 1921, pp. 1-3; “O Bem e o Mal”, O Futuro, n.o 5, ju- 1927, pp. 3-4, 7, 20-22; “A lei do Amor”, Luz e Caridade,
nho, 1921, pp. 1-4; “Explicações necessárias”, O Futuro, dezembro, 1927, p. 150-152; “A Mulher através dos tem-
n.o 6, junho, 1922, p. 2; “Casos de desdobramento”, n.o 6, pos – I”, A Revista de Espiritismo, janeiro-fevereiro, 1935,
junho, 1922, pp. 3-5; “O Ciúme”, O Futuro, n.o 7, julho, pp. 10-14; “A Mulher através dos tempos – II”, A Revis-
1922, pp. 3-5; “A mais bela das Virtudes”, O Futuro, n.o ta de Espiritismo, maio-junho, 1935, pp. 108-112; “A Mu-
8, agosto-outubro, 1922, pp. 13; “O Pseudónimo”, Luz e lher através dos tempos – III”, A Revista de Espiritismo,
Caridade, novembro, 1921, pp. 129-131; “Noite de Natal Set.-Out., 1935, pp. 185-190; “Santa Kaaba” [Líricas e Poe-
– Sinite párvulos venire ad me” [À minha querida ami- mas], O Mensageiro Espírita, Set.-Out., 1935; “Educação
guinha, Acácia de Carvalho Gonçalves], Luz e Caridade, Infantil”, O Mensageiro Espírita, janeiro-fevereiro, 1936,
janeiro, 1922, pp. 175-178; “O egoísmo”, Luz e Caridade, pp. 11-12; “Um rifão…”, O Mensageiro Espírita, janeiro-
junho, 1922, pp. 342-344; “Luz e Amor”, O Futuro, n.o 10, fevereiro, 1937; “Psicologia das cores” (Ciências, Artes e
fevereiro-maio, 1923, pp. 1-2; “Justiça”, O Futuro, n.o 3, Letras), O Mensageiro Espírita, Set.-Out., 1937; “Le mon-
novembro, 1923, pp. 33-35; Casa Assombrada, Lisboa, edi- de marche…”, O Mensageiro Espírita, Set.-Out., 1937, p.
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2, novembro, 1924, p. 40; “Fogueiras de S. João”, Correio 1938, pp. 155-156; “Resgate” [Inédito de Maria Veleda –
do Sul, 24/01/1925, p. 1; “A favor do nosso cofre de pro- Especial para A Província de Angola], A Província de An-
paganda e beneficência – Récita no Asilo de Santo An- gola, 30/04/1939; “Recordando”, Estudos Psíquicos, Nov-
tónio”, A ASA, n.o 4, janeiro, 1925, p. 63; “1.o Congresso Dez., 1940, pp. 235-236; “Cristo” [Inédito de Maria Vele-
Espírita Português”, A ASA, n.o 6, março, 1925, pp. 85-86; da (Para o meu filho)], A Província de Angola, 15/02/1942;
“Carteira Poética – Última Jornada”, A ASA, n.o 6, mar- “Sob o véu da tua graça”, Província de Angola, s.a.; “É a
ço, 1925, p. 89; “Portugal, terra de poetas”, “Última jor- guerra”, A Província de Angola, s.a.; “Senhor! Senhor!”,
nada”, A Pátria, 09/04/1925, p. 2; “D’Algures”, A Pátria, Estudos Psíquicos, Set.-Out., 1942, p. 220; “Maria Emília
09/04/1925, p. 2; “1.o Congresso Espírita Português – Te- de Carvalho Gonçalves”, Estudos Psíquicos, janeiro-fe-
ses”, A ASA, n.o 7, abril, 1925, pp. 99-108; “’A Tarde’ jor- vereiro, 1943, pp. 274-275; “Improviso” [Dedicado à irmã
nal diário, fazendo a propaganda do 1.o Congresso Espí- em crenças, D. Emília Pomar de Sousa Machado], Luz e
rita Português…”, A ASA, n.o 7, abril, 1925, p. 109; “De Caridade, maio, 1943; “Atribulações de Esperidião”, Es-
Lisboa”, A Pátria, 23/07/1925, p. 3; “Nós e o ‘Futuro’”, A tudos Psíquicos, maio-junho, 1943, pp. 231-232; “Cons-
ASA, n.o 10, julho, 1925, p. 157; “Exterior”, “D’Algures – ciência”, Luz e Caridade, junho de 1943; “Boémia do Es-
De Lisboa”, A Pátria, 13/08/1925, p. 2; “Exterior”, “D’Al- pírito”, Estudos Psíquicos, novembro-dezembro, 1943;
gures – De Lisboa”, A Pátria, 20/08/1925, p. 2; “Exterior”, “Sempre!...” [À memória de D. Emília Pomar de Sousa Ma-
“D’Algures – De Lisboa”, A Pátria, 10/09/1925, p. 2; “Ex- chado], Luz e Caridade, janeiro, 1945; “Quadros Bíblicos
terior”, “D’Algures – De Lisboa”, A Pátria, 22/09/1925, p. – ‘A mulher adúltera’; ‘Pecadora’”, Luz e Caridade, feve-
2; “Exterior”, “De Lisboa”, A Pátria, 25/09/1925, p. 2; “Mis- reiro, 1945; “Quadros Bíblicos – ‘Jesus e os pequeninos’”;
MAR 536

“A última Ceia”, Luz e Caridade, março, 1945; “Filho Pró- 54-55; “Viva a República!”, República, 11/11/1953; “Re-
digo”, Estudos Psíquicos, março-abril, 1945; “Quadros Bí- cordações” [Faro e a família Crispim], Correio do Sul,
blicos – ‘Em Gethsemani’; ‘Paixão’”, Luz e Caridade, abril, 19/11/1953; “Amor”, Luz e Caridade, novembro, 1953, pp.
1945; “Se teu irmão pecar contra ti…” [Excerto], Luz e Ca- 70-71; “Recordações” [Faro e o Natal], Correio do Sul,
ridade, maio, 1945, p. 166; “Espiritismo antigo”, O Men- 24/12/1953; “Natal”, Luz e Caridade, dezembro, 1953, pp.
sageiro Espírita, maio-junho, 1945, p. 12; “Conte o seu 86-87; “Recordações” [Faro e os lazeres femininos], Cor-
caso… – Como se tornou espírita – Maria Veleda, profes- reio do Sul, 07/01/1954; “Tolerância”, Luz e Caridade, ja-
sora, escritora e jornalista de estilo fácil e verbo alician- neiro, 1954, p. 102; “O nosso Karma”, Luz e Caridade, fe-
te, recorda alguns fenómenos da infância e a sua inicia- vereiro, 1954, p. 118; “Luz! Mais Luz!”, Luz e Caridade,
ção no Espiritismo”, Estudos Psíquicos, n.o 8, junho, 1945, março, 1954, p. 134; “Fé”, Luz e Caridade, maio, 1954, p.
pp. 244-246; “O filho pródigo”, Luz e Caridade, julho, 1945; 166; “Esperança”, Luz e Caridade, junho, 1954, p. 182; “Ca-
“Ressurreição de Lázaro”, O Mensageiro Espírita, julho- ridade”, Luz e Caridade, julho, 1954, pp. 6-8; “Sonhan-
agosto, 1945; “Naufrágio”, Luz e Caridade, agosto, 1945; do…” [Para o meu neto, no seu aniversário natalício], Re-
“O espiritismo enlouquece?”, O Mensageiro Espírita, Set.- pública, 08/08/1954; “Recordações” [Bernardo de Passos],
Out., 1945, p. 1; “Saudade”, Diário de Luanda, 14/10/1945; Correio do Sul, 26/08/1954; “A Cruz”, Luz e Caridade, agos-
“Escalracho na seara”, O Mensageiro Espírita, janeiro-fe- to, 1954, pp. 22-23; “Um sonho” [Ao meu neto Pedro], Luz
vereiro, 1946, p. 2; “Cegos”, Estudos Psíquicos, n.o 3, mar- e Caridade, setembro, 1954, pp. 38-39; “Cegueira”, Luz e
ço, 1946, p. 69; “Saudade”, Estudos Psíquicos, n.o 4, abril, Caridade, outubro, 1954, p. 54; “Porquê?”, Luz e Carida-
1946, p. 114; “O Carmo e a Trindade”, O Mensageiro Es- de, novembro, 1954, pp.70-72; “Carta aberta a uma irmã
pírita, julho-agosto, 1946, p. 1; “Não é verdadeiro espíri- protestante”, Luz e Caridade, dezembro, 1954, p. 86; “A
ta”, Estudos Psíquicos, n.o 8, agosto, 1946, p. 242; “Batendo Madrugada” [Reprodução do artigo “1910 a 1913”, pu-
na cabeça do prego”, O Mensageiro Espírita, novembro- blicado no jornal A Madrugada, em 30/9/1913], Mulher,
dezembro, 1946, pp.1-2; “Uma carta amabilíssima da ilus- Modas e Bordados, n.o 3268, 02/10/1974, p. 34; “Memó-
tre escritora Maria Veleda”, República, 29/01/1948; “Vai- rias de Maria Veleda” [Reprodução de excertos das “Me-
dades…”, Revista de Metapsicologia, janeiro, 1949, p. 3; mórias de Maria Veleda”], Mulher, Modas e Bordados, n.o
“Casa de Repouso para Espíritas”, Revista de Metapsico- 3276, 27/11/1974, p. 56; “Os precursores”, Fraternidade,
logia, março, 1949, pp. 55-56; “Opiniões”, Revista de Me- n.o 179, maio, 1979, pp.129-133.
tapsicologia, junho, 1949, pp. 125-126; “Livre-Pensa- Bib.: AA.VV., História da República, Lisboa, Editorial Sé-
mento”, Revista de Metapsicologia, julho, 1949, pp. 147- culo, 1960; A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em
148; “Sonhos – Contributo para o estudo dos fenómenos Portugal, 4.o Volume – 1871-1900; Lisboa, ISLA – Insti-
oníricos – I”, Revista de Metapsicologia, agosto, 1949, pp. tuto Superior de Línguas e Administração, S. A., Cen-
175-177; “Sonhos – Contributos para estudo dos fenómenos tro de Estudos de Literatura Geral e Comparada, 1994,
oníricos – II”, Revista de Metapsicologia, setembro, 1949, pp. 504, 522; Idem, 5.o Volume – 1901-1930, Lisboa, ISLA
pp. 194-196; “O Anjo do Lar”, Revista de Metapsicologia, – Instituto Superior de Línguas e Administração, S. A.,
novembro, 1949, pp. 245-246; “Disse-me certo dia…”, Re- Centro de Estudos de Literatura Geral e Comparada, 1999,
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pública principia amanhã a publicar”, República, boa, Editorial Estampa, 1982; Idem, Dicionário de Ma-
25/02/1950, p. 4; “Memórias de Maria Veleda”, Repúbli- çonaria Portuguesa, II Volumes, Lisboa, Editorial Delta,
ca, 26/02/1950, p. 5, 27/02/1950, pp. 1, 4, 01/03/1950, p. 1986; Adelaide Ivone de Sousa, “D. Maria Veleda”, Es-
3, 03/03/1950, p. 11, 05/03/1950, p. 4, 06/03/1950, p. 4, tudos Psíquicos, n.o 4, abril, 1955, p. 103; Alberto Osó-
07/03/1950, p. 3, 09/03/1950, p. 5, 11/03/1950, p. 3, rio de Castro, “Virgens Fátuas” [Poema dedicado a Ma-
12/03/1950, p. 4, 13/03/1950, p. 7, 19/03/1950, p. 3, ria Veleda], n.o 5, 31/12/1911, p. 2; Américo Lopes de Oli-
21/03/1950, p. 3, 22/03/1950, p. 8, 24/03/1950, p. 8, veira, Dicionário de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Ir-
28/03/1950, p. 5, 29/03/1950, p. 6, 31/03/1950, p. 11, mãos Editores, 1981; Ana de Castro Osório, “A mulher
03/04/1950, p. 3, 04/04/1950, p. 10, 05/04/1950, p. 7, e perante a lei”, A Vanguarda, 17/03/1909, p. 1; “Às mu-
11/04/1950, p. 8; “Carta Aberta ao Confrade A. M. da Sil- lheres portuguesas”, A Vanguarda, 16/07/1909, p. 1; “Às
va”, Revista de Metapsicologia, maio, 1950, pp. 107-108; minhas consócias da Liga Republicana das Mulheres Por-
“Religião – Sem nome”, República, 03/08/1952; “Lisboa tuguesas e a todas as mulheres liberais”, A Mulher e a
no meu tempo – Recordações – I”, República, 05/12/1952; Criança, n.o 7, outubro, 1909, p. 2; “Carta Aberta – Mi-
“Lisboa no meu tempo – Recordações – II”, República, nha querida Maria Veleda”, A Mulher e a Criança, n.o 16,
13/01/1953; “Lisboa no meu tempo – Recordações – III”, setembro, 1910, pp. 5-6; “Sufrágio feminino”, A Mulher
República, 06/01/1953; “Recordações” [Faro e a procis- e a Criança, n.o 19, dezembro, 1910, pp. 2-3; “Correio do
são de S. Sebastião], Correio do Sul, 13/06/1953; “Re- Brasil – Minha Cara Maria Veleda”, A Madrugada, n.o 8,
cordações” [Faro e a festa de Nossa Senhora do Monte do 31/03/1912, pp. 1-2; “O triunfo feminista – A conquis-
Carmo], Correio do Sul, 23/06/1953; “Eça de Queiroz”, Re- ta do voto”, O Tempo, n.o 62, 16/05/1911, p. 1; “Liga Re-
pública, 27/07/1953; “A Família”, Luz e Caridade, julho, publicana das Mulheres Portuguesas – Palavras que de-
1953, pp.6-7; “Separatividades e a diversidade de idiomas”, via proferir D. Ana de Castro Osório na festa de aniver-
República, 23/08/1953; “A cor das almas”, Luz e Caridade, sário da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”,
agosto, 1953; A mulher moderna…” [Comentários], Re- A Madrugada, n.o 39, 09/03/1915, pp. 1-2; Ana Maria Cos-
pública, 06/09/1953; “Recordações” [Faro e o Teatro Let- ta Lopes, O Conto Regional na Imprensa Periódica de
hes], Correio do Sul, 17/09/1953; “Ascese”, Luz e Caridade, 1875 a 1930, Vol. I, Lisboa, Universidade Católica Por-
setembro, 1953, pp. 38-40; “Recordações” [Faro e os seus tuguesa, 1990; António Freire, “Lei da Causalidade (Lei
Bispos e Poetas], Correio do Sul, 15/10/1953; “Remorso Kármica)”, “À Exm.a/ Senhora D. Maria Veleda: Frater-
ou arrependimento?”, Luz e Caridade, outubro, 1953, pp. nal homenagem ao Centro Espírita «Luz e Amor», pelo
537 MAR

primeiro aniversário do seu devotado campeão «A Joaquim Romero Magalhães, “Os ingleses no Algarve nos
Asa»; e ainda pela forma brilhante como soube realizar séculos XVII e XVIII”, Comunicação ao Colóquio Co-
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MAR 538

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Vanguarda, 06/08/1906, p. 2; Viriato Zeferino Passalá- tuguesas”, O Mundo, 05/05/1909, p. 2; “O julgamento da
qua, “A Mulher”, A ASA, n.o 2, novembro, 1924, pp. 19- «Vanguarda»”, O Mundo, 07/05/1909, p. 1; “Noticiário
23; “Maria Veleda – Com o título «Soror Angústias» vai – O Congresso Republicano”, A Mulher e a Criança, n.o
ser dado à publicidade um livro de contos, produção da 2, maio, 1909, p. 6; “A catástrofe do Ribatejo”, A Mulher
nossa talentosa colaboradora”, A Folha de Beja, n.o 459, e a Criança, n.o 2, maio, 1909, p. 7; “Palavras do Dr. An-
17/10/1901, p. 2; “Maria Veleda – lecciona 1.o e 2.o Grau tónio José de Almeida”, n.o 2, maio, 1909, pp. 1-4; “A
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Folha de Beja, n.o 565, 29/10/1903, n.o 566, 05/11/1903, Vanguarda, 10/07/1909, p. 3; “Liga Republicana das Mu-
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p. 42; “D. Maria Veleda”, A Folha de Beja, n.o 576, 26/07/1909, p. 3; “Livre Pensamento – Na Associação do
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versário do Grémio Excursionista do Monte], A Van- “Sessão Solene – No Centro Escolar António José de Al-
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Veleda, a convite do Círio Civil do Monte”, A Vanguar- 27/09/1909, p. 1; “Vida Republicana – Liga Republica-
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21/01/1907, p. 2; “Livre Pensamento”, A Vanguarda, lheres Portuguesas”, O Mundo, 21/10/1909, p. 2; “Ex-
03/02/1907, p. 1; “Propaganda Republicana – D. Maria pediente da Liga”, A Mulher e a Criança, n.o 7, outubro,
Veleda”, A Vanguarda, 26/03/1907, p. 2; “Propaganda 1909, p. 13; “Expediente da Liga – Sessão de protesto pelo
anti-clerical – Conferência realizada ontem pela distin- fuzilamento de Ferrer”, A Mulher e a Criança, n.o 8, no-
ta professora D. Maria Veleda, na Escola Liberal em Pe- vembro, 1909, pp. 11-12; “Pela Infância desprotegida «A
drouços”, A Vanguarda, 30/03/1907, p. 1; “Sociedade Pro- Obra Maternal»”, A Mulher e a Criança, n.o 8, novem-
motora da Educação Popular – Conferência da Ilustre pro- bro, 1909, p. 13; “Expediente da Comissão de Propa-
fessora D. Maria Veleda”, A Vanguarda, 01/04/1907, p. ganda”, A Mulher e a Criança, n.o 8, novembro, 1909, p.
1; “Livre-Pensamento – Discurso proferido em Sacavém 13; “Expediente da Liga – Acta da reunião, em assem-
em comissão de propaganda do Registo Civil, pela insigne bleia geral, da «Liga Republicana das Mulheres Portu-
propagandista Maria Veleda”, A Vanguarda, 14/04/1907, guesas», realizada em 26 de setembro de 1909”, A Mu-
p. 4; “Centro Escolar Dr. Afonso Costa – Educação fe- lher e a Criança, n.o 8, novembro, 1909, pp. 13-14; “Pela
minina”, 09/01/1908, p. 2; “Educação da mulher”, A Van- Instrução – Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”,
guarda, 11/01/1908, p. 1; “A mulher educadora – Con- O Mundo, 11/12/1909, p. 3; “Expediente da Liga – Acta
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Dr. Afonso Costa – Cursos Femininos”, A Vanguarda, Mulheres Portuguesas, realizada em 18 de novembro de
13/01/1908, p. 1; “Maria Veleda”, O Distrito de Faro, 1909”, A Mulher e a Criança, n.o 9, dezembro, 1909, pp.
16/01/1908, p. 2; “D. Maria Veleda”, A Vanguarda, 11-12; “Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”, O
26/02/1908, p. 1; “D. Maria Veleda”, A Vanguarda, País, 01/12/1909, p. 2; “«A Obra Maternal»”, A Mulher
28/02/1908, p. 1; “D. Maria Veleda”, A Vanguarda, e a Criança, n.o 9, dezembro, 1909, p. 15; “Pela Infância
01/04/1908, p. 1; “Congresso Nacional do Livre Pensa- – A «Obra Maternal»”, O Mundo, 07/01/1910, p. 2; “Obra
mento”, O Mundo, 20/04/1908, p. 2; “Congresso Nacional Maternal – Sarau no Teatro Etoile”, O País, 10/01/1910,
do Livre Pensamento”, O Mundo, 21/04/1908, pp. 1-3; p. 2; “Morreu Tomás Ferreira Manso”, O País, 01/02/1910,
“Congresso Pedagógico da Instrução Primária e Popular”, p. 1; “A derradeira homenagem – É sepultado Ferreira
O Mundo, 22/04/1908, pp. 1-3; “Congresso Nacional do Manso – No cemitério falam a Sr.a D. Maria Veleda e o
Livre Pensamento”, O Mundo, 23/04/1908, p. 2; “Con- Dr. Magalhães Lima”, O Mundo, 04/02/1910, p. 3;
gresso Nacional do Livre Pensamento”, O Mundo, “Obra Maternal – O sarau de hoje, promovido pela Liga
28/04/1908, p. 1; “Na Associação do Registo Civil cele- Republicana das Mulheres Portuguesas”, O Mundo,
brou-se uma sessão solene para comemorar o êxito do 13/02/1910, p. 1; “Vida Republicana – Liga Republica-
Congresso do Livre Pensamento…”, Diário de Notícias, na das Mulheres Portuguesas”, O Mundo, 29/04/1910,
04/05/1908, p. 3; “D. Maria Veleda”, A Vanguarda, p. 4; “Expediente da Obra Maternal”, A Mulher e a Crian-
12/05/1908, p. 1; “Maria Veleda”, O Distrito de Faro, ça, n.o 11, abril, 1910, p. 14; “Expediente da Liga”, A Mu-
21/05/1908, p. 1; “Vida Republicana – Centro Escolar Fer- lher e a Criança, n.o 11, abril, 1910, p. 12; “O Sarau da
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prensa no Tribunal – A escritora Maria Veleda e o Dr. Ma- pp. 4-6; “Vida Republicana – Liga Republicana das Mu-
galhães Lima”, 20/02/1909, p. 1; “Livre Pensamento – lheres Portuguesas”, O Mundo, 01/05/1910, p. 2; “Vida
Uma interessante festa feminista na Caixa Económica Republicana – Liga Republicana das Mulheres Portu-
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Criminal de Lisboa responde, em 19 do corrente mês, a cana das Mulheres Portuguesas”, O Mundo, 23/05/1910,
539 MAR

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maio, 1910, p. 12; “Expediente da Obra Maternal”, A Mu- A Mulher e a Criança, n.o 22, março, 1911, p. 12; “Ex-
lher e a Criança, n.o 12, maio, 1910, p. 14; “Expediente pediente da Liga – Uma reunião animadíssima”, A Mu-
da Liga – Cópia da acta da assembleia geral realizada em lher e a Criança, n.o 23, abril, 1911, p. 11; “Sobre a lei
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24 de julho de 1910, para revisão e modificação dos Es- 07/04/1911, p. 1; “A união do professorado livre”, Re-
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10-11; “Expediente da Liga – Acta da reunião de as- mária”, A República Portuguesa, n.o 164, 18/04/1911, p.
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revisão e modificação dos estatutos”, A Mulher e a Crian- 19/04/1911, p. 1; “Os professores primários do ensino
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Mulher e a Criança, n.o 15, agosto, 1910, pp. 8-9; “Mais rado livre”, República, 28/04/1911, p. 2; “Em quem vota
moral e menos religião”, A Mulher e a Criança, n.o 15, a primeira eleitora? Nos Drs. Afonso Costa, Teófilo Bra-
agosto, 1910, pp. 4-5; “Expediente da Liga – Acta da reu- ga, Bernardino Machado e Magalhães Lima – Outras de-
nião de assembleia geral, para a conclusão da revisão e clarações curiosas que faz a Sr.a D. Carolina Beatriz Ân-
aprovação dos Estatutos, em 4 de agosto de 1910”, A Mu- gelo”, n.o 49, O Tempo, 03/05/1911, p. 1; “Professores de
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p. 11; “Vida Republicana – Liga Republicana das Mulheres po, n.o 53, 07/05/1911, p. 2; “Professores do ensino li-
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29/09/1910, p. 3; “Expediente da Liga”, A Mulher e a ensino livre”, O Tempo, n.o 69, 23/05/1911, p. 1; “Pro-
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21/10/1910, p. 2; “Reclamações Feministas – A Liga Re- po, n.o 73, 27/05/1911, p. 3; “Expediente da Liga – O Gru-
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a Criança, n.o 20, janeiro, 1911, p. 11-12; “Lei da protecção gica, n.o 190, 14/09/1911, p. 2; “Um comício em Vila Fran-
às crianças”, A República Portuguesa, n.o 80, 02/01/1911, ca – A propaganda da Liga Republicana das Mulheres Por-
p. 3; “A Obra Maternal. Conferência com o Sr. Dr. Afon- tuguesas”, O Mundo, 18/09/1911, p. 3; “Alfabetismo e
so Costa”, O Mundo, 08/01/1911, p. 2; “Registo Civil Ob- República”; “Expediente da Liga”; “Bulletin pour l’étran-
rigatório”, A República Portuguesa, n.o 117, 19/02/1911, ger – Un comice féministe”; “Política de traição”, A Ma-
p. 1; “Expediente da Liga – Relatório”, A Mulher e a Crian- drugada, n.o 2, 30/09/1911, pp. 1-2; “Carolina Beatriz Ân-
ça, n.o 21, fevereiro, 1911, pp.10-11; “Expediente da Liga gelo”, A Folha, 05/10/1911, p. 3; “Vida Republicana –
– Relatório apresentado pela comissão da Obra Mater- A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”, O
nal em assembleia geral de 19 de janeiro de 1911”, A Mu- Mundo, 27/10/1911, p. 2; “Congresso do Partido Repu-
lher e a Criança, n.o 21, fevereiro, 1911, pp. 13-15; “Ex- blicano”, O Mundo, 31/10/1911, p. 1; “Doutora Caroli-
pediente da Liga – Plebiscito”, A Mulher e a Criança, n.o na Beatriz Ângelo”, A Madrugada, n.o 3, 31/10/1911, pp.
21, fevereiro, 1911, p. 16; “Sufrágio feminino”, A Folha, 1-2; “Os Mortos – Homenagem à memória de D. Caroli-
19/03/1911, p. 2; “Feminismo”, A Folha, 26/03/1911, p. na Beatriz Ângelo – No Cemitério dos Prazeres espargem-
3; “Expediente da Liga”, A Mulher e a Criança, n.o 22, se flores sobre o seu ataúde – Na Liga Republicana das
março, 1911, pp. 8-9; “Sufrágio feminino”, A Mulher e Mulheres Portuguesas proferem-se palavras de saudade”,
MAR 540

O Mundo, 04/11/1911, p. 3; “Doutora Carolina Beatriz e lida em sessão de 8 do mesmo mês”; “As mulheres por-
Ângelo – A inauguração do seu retrato”; “A Obra Ma- tuguesas podem votar”; “Expediente da Liga”, A Ma-
ternal”; “Emancipação da Mulher”; “Congresso do Par- drugada, n.o 12, 31/07/1912, pp. 2-4; “Na Liga Republi-
tido Republicano”; “Bulletin pour l’étranger – La re- cana das Mulheres – Homenagem às escritoras D. Alice
présentation de la «Ligue des Femmes» au dernier Con- Moderno e D. Maria Evelina de Sousa”, O Mundo,
grés du Parti Républicain”, A Madrugada, n.o 4, 16/8/1912, p. 2; “O nosso Aniversário”; “A corda bam-
30/11/1911, pp. 1-2 ; “Grupo das Treze”; “Expediente – ba da política”; “Conferências de propaganda feminis-
Assembleia Geral da Liga Republicana das Mulheres Por- ta”; “Homenagem da Liga a Alice Moderno e Evelina de
tuguesas”, A Madrugada, n.o 5, 31/12/1911, pp. 2-3; “Tu- Sousa”; “Uma jornada triunfal – As mulheres do norte
toria da Infância – Um interessante relatório do Dr. Pe- aclamam entusiasticamente o ideal democrático”, A Ma-
dro de Castro – O que é a Federação Nacional dos Ami- drugada, n.o 13, 31/08/1912, pp. 1-3; “O caso do Liceu
gos e Defensores das Crianças – A obra da República”, Maria Pia”; “Pró Pátria”; “Mulheres Feias”, A Madrugada,
A Pátria, 12/01/1912, p. 1; “A Liga Republicana das Mu- n.o 14, 30/09/1912, pp. 2- 3; “Cinco de Outubro”; “O fe-
lheres Portuguesas – Entrega de uma mensagem ao Dr. minismo deles”, A Madrugada, n.o 15, 31/10/1912, p. 3;
Alexandre Braga”, A Pátria, 25/01/1912, p. 2; “O ami- “Expediente da Liga”; “Ecos do Estrangeiro”; “Escola In-
go das mulheres”, A Folha da Tarde, n.o 6, 27/01/1912, fantil da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”,
p. 1; “Maria Veleda”; “Direitos da Mulher”; “Expedien- “Feminismo”; A Madrugada, n.o 16, 30/11/1912, pp. 2-
te da Liga – Relatório”, A Madrugada, n.o 6, 31/01/1912, 4; “Lista para a eleição dos corpos gerentes da Liga Re-
pp. 1, 3; “Expediente da Liga – Relatório da «Obra Ma- publicana das Mulheres Portuguesas em 1913”, A Folha,
ternal»”, A Madrugada, n.o 7, 29/02/1912, p. 3; “A Co- 26/01/1913, p. 3; “Tabaco e Álcool”; “Expediente da Liga
educação e o Preconceito”; “Os conspiradores”; A Ma- – Assembleia Geral”; “Assembleia Geral – Relatório”;
drugada, n.o 8, 31/03/1912, pp. 1-2; “Carta aberta ao Sr. “Maria Veleda – A conferencista – A escritora – A De-
Dr. Horta e Costa – Sobre o julgamento da proxeneta En- legada da Tutoria da Infância” [do jornal A Folha], A Ma-
carnação que se realiza hoje pelo meio-dia”, Suplemento drugada, n.o 18, 31/01/1913, pp. 1, 2, 4; “A prostituição”;
de A Madrugada, n.o 8, 16/04/1912; “O voto da mulher “A propósito duma «piada» anarquista”; “O Congresso
– Uma sentença favorável”, O Tempo, n.o 46, 30/04/1911, Feminista Internacional de 1913”; “Tu Quoque?...”;
p. 1; “Uma megera”; “O nosso sarau”; “Grupo das Tre- “Postais de Propaganda Feminista”; “Expediente da Liga”,
ze”; “Assembleia Geral”; “Representação ao Parlamen- A Madrugada, n.o 19, 28/02/1913, pp. 1, 3, 4; “Palavras
to, pedindo a criação de uma lei proibitiva da venda de do Dr. António José de Almeida na Liga Republicana das
tabaco e bebidas alcoólicas a menores”; “Solidariedade Mulheres Portuguesas”; “Sarau da Obra Maternal”;
Feminina”, A Madrugada, n.o 9, 30/04/1912, pp. 1- 3; “Conferência de propaganda feminista”, A Madrugada,
“Secção doutrinária – “Uma história vulgar – A Liga con- n.o 20, 31/03/1913, pp. 1, 2, 4; “Uma festa grandiosa em
tra a prostituição”, A Folha, 19/05/1912, pp. 2-3; “Uma honra do Sr. Presidente da República”; “Obra Maternal”;
simpática instituição – A Obra Maternal”, A Pátria, “Pró-Instrução”, A Madrugada, n.o 21, 30/04/1913, pp.
25/05/1912, p. 1; “O Sarau da Obra Maternal” [Repre- 1, 2, 3; “A Obra Maternal” [notícia e foto do sarau pro-
sentação da comédia-drama A Lei de autoria de Maria Ve- movido pelo Grupo Dramático da Liga Republicana das
leda], O Século, 25/05/1912; “Obra Maternal” [notícia e Mulheres Portuguesas], O Século, 27/06/1913; “O voto
foto das crianças acolhidas pela Obra Maternal, a favor da mulher”, A Folha, 17/08/1913, p. 1; “A Imprensa Fe-
das quais se realizou a representação da comédia-drama minina em Portugal”; “A sessão do Teatro da Repúbli-
A Lei], O Século, 26/05/1912; “Propaganda contra a ven- ca, em 4 de outubro, promovida pela L.R.M.P. e dedicada
da de tabaco e bebidas alcoólicas a crianças”, A Ma- ao Chefe de Estado”, A Madrugada, n.o 27, 30/10/1913,
drugada, n.o 10, 31/05/1912, p. 2; “As mulheres portu- pp. 1-2, 3; “A Obra Maternal”; “Mais um triunfo do fe-
guesas podem votar”, A Folha, 07/06/1912, p. 1; “Mais minismo”, A Madrugada, n.o 28, 30/11/1913, pp. 2, 3; “A
uma sessão de propaganda dos professores de ensino li- viúva de Felizardo Lima” [Aos Srs. Deputados da Nação];
vre”, República, 09/06/1911, p. 2; “A lei eleitoral – «O “A Macaca” [tradução de Alphonse Daudet por Maria Ve-
projecto que se discute só como uma lei de ocasião se po- leda]; “Ecos do Estrangeiro”; “Lista das sócias propos-
derá aceitar – di-lo à «Pátria» o Sr. Dr. Magalhães Lima, tas pela Direcção para comporem os corpos gerentes da
que defende o voto das mulheres e dos militares”, A Pá- Liga Republicana das Mulheres Portuguesa, no ano de
tria, 26/06/1912, p. 1; “Professores primários de ensino 1914”; “A Obra Maternal; “Expediente – A nova sede da
livre”, República, 27/06/1911, p. 2; “Esperemos…”; “Su- Liga”; “Liga Republicana das Mulheres Portuguesas – As-
frágio feminino em Portugal?”, “O primeiro aniversário sembleia Geral”; “Obra Maternal – Assembleia Geral”,
do «Grupo das Treze»”; “Representação ao Parlamento A Madrugada, n.o 29, 31/12/1913, pp. 1-4; “Liga Repu-
pedindo a criação de uma lei proibitiva da venda de ta- blicana das Mulheres Portuguesas”, A Pátria, 27/01/1914,
baco e bebidas alcoólicas a menores”, A Madrugada, n.o p. 2; “Assembleia Geral da Liga Republicana das Mulheres
11, 30/06/1912, pp. 1-3; “O Mundo Marcha – As Socia- Portuguesas”; “Obra Maternal – Relatório da Obra Ma-
listas Portuguesas desejam por enquanto o direito ao voto, ternal relativo ao ano de 1913”; “Pela Instrução”; “Escola
continuando entretanto a propaganda do seu programa Solidariedade Feminina”, A Madrugada, n. o 30,
partidário – diz-nos a socialista D. Margarida Marques”, 31/01/1914, pp. 1- 4; “Obra Maternal”; “Ecos do Es-
A Pátria, 06/07/1912, p. 1; “Pró-Pátria – Em sessão per- trangeiro”, A Madrugada, n.o 31, 28/02/1914, p. 3;
manente pela Pátria e pela República”, A Pátria, “Obra Maternal – O Sarau em Benefício da Obra”; “Es-
19/07/1912, p. 2; “A lei eleitoral – «Sou partidário do voto cola Solidariedade Feminina”; “Ecos do Estrangeiro”, A
concedido às mulheres, mas com restrições», diz-nos o Madrugada, n.o 32, 31/03/1914, pp. 3-4; “Teatro da Trin-
Sr. Dr. Anselmo Xavier”, A Pátria, 24/07/1912, p. 1; “A dade – 4 de julho de 1914, às 21 horas – Benefício da Obra
derrota de Couceiro”; “Representação entregue ao Sr. Pre- Maternal”; “Liga contra o analfabetismo”; “Melhoras”,
sidente da Câmara dos Deputados, em 6 de julho de 1912, A Madrugada, n.o 34, 30/06/1914, pp. 3-4; “Récita no Tea-
541 MAR

tro da Trindade – em benefício da Obra Maternal”, A Fo- publicana – Associação Feminina de Propaganda De-
lha, 02/08/1914, p. 3; “Maria Veleda”; “Obra Maternal”; mocrática” [eleição dos Corpos Gerentes], O Mundo,
“Expediente da Liga”, A Madrugada, n.o 35, 31/08/1914, 24/01/1916, p. 2; “Propaganda Patriótica – As confe-
pp. 2, 4; “Expediente da Liga – Reunião conjunta da Liga rências e sessões de ontem – No Centro Republicano De-
e da Obra Maternal”; “Subscrição em favor de uma só- mocrático”, O Mundo, 17/04/1916, p. 2; “Sessões de Pro-
cia da Liga”; “A propósito da conflagração europeia”; paganda Patriótica – Associação Feminina de Propaganda
“Uma bandeira para os soldados portugueses”; “Movi- Democrática”, O Mundo, 05/05/1916, p. 2; “Sessões de
mento da Obra Maternal durante agosto e setembro”; “A Propaganda Patriótica – Associação Feminina de Pro-
visão do juíz de Colmar” [tradução de Alphonse Daudet paganda Democrática”, O Mundo, 07/05/1916, p. 3; “Vida
por Maria Veleda], A Madrugada, n.o 36, 31/10/1914, pp. Republicana – Associação Feminina de Propaganda De-
2- 4; “Obra Maternal”; “Agasalhos para os nossos sol- mocrática”, O Mundo, 18/07/1916, p. 2; “Duas escrito-
dados”; “A nova sede da Liga Republicana das Mulhe- ras”, A Semeadora, n.o 24, 15/06/1917, p. 3; “D. Maria
res Portuguesas”; “Assembleia Geral”; “A «Obra Mater- Veleda”, A Semeadora, n.o 24, 15/06/1917, p. 3; “D. Ma-
nal» – A «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» ria Veleda”, Diário de Notícias, 05/07/1917, 06/07/1917,
– Um sarau dramático – «Único Amor» por Maria Veleda” 12/07/1917; “D. Maria Veleda”, O Século, 14/07/1917;
[da Revista Pedagógica, de Ponta Delgada], A Madrugada, “D. Maria Veleda”, A Semeadora, n.o 25, 15/07/1917, p.
n.o 37, 31/12/1914, pp. 1-3; “Liga Republicana das Mu- 3, n.o 26, 15/08/1917, p. 3, n.o 27, 15/09/1917, p. 2, n.o
lheres Portuguesas”; “O masculinismo”; “A exploração 28, 15/10/1917, p. 4, n.o 29, 15/11/1917, p. 4, n.o 30,
das varinas”; “Plebiscito”; “Ó da Guarda!”; “Um conflito”; 15/12/1917, p. 4, n.o 31, 28/04/1918, p. 4, n.o 32,
“Expediente”, A Madrugada, n.o 38, 31/01/1915, pp. 1- 08/06/1918, p. 4; “Honroso Diploma – Centro Espírita
4; “Expediente”; “Ecos do Estrangeiro – Mulheres na guer- «Luís Gonzaga» de Itapira-Brasil”, A ASA, n.o 6, junho,
ra”; “Dr. Afonso Costa”; “Obra Maternal – Plebiscito”; “As- 1919, p. 87; “Uma carta interessante dirigida a Maria Ve-
sembleia Geral”, A Madrugada, n.o 39, 09/03/1915, pp. leda, de Gonçalves Correia”, A ASA, n.o 8, agosto, 1919;
2-4; “Vida política – Liga Republicana das Mulheres Por- “Os nossos leitores”, A ASA, n.o 12, dezembro, 1919,
tuguesas”, O Mundo, 18/03/1915, p. 3; “Educação Fe- pp.181-182; “Grupo Luz e Amor – Sessão comemorati-
minina”, O Mundo, 10/06/1915, p. 3; “Bando Precató- va do Natal …”, A ASA, n.o 12, dezembro, 1919, p 196;
rio – a favor das famílias das vítimas da revolução de 14 “Em toda a parte… – Institut Métapschique Internatio-
de maio”; “As crianças que trabalham”; “Obra Maternal”, nal – Uma sessão de confraternização”, O Futuro, n.o 1,
A Madrugada, n.o 41, 31/07/1915, pp. 1, 2; “Pró-Infân- fevereiro, 1921, pp. 13-6; “Uma sessão de confraternização
cia”; “Expediente”; “Ecos do Estrangeiro”; “Obra Ma- – Enlace Matrimonial”, O Futuro, n.o 2, março, 1921, pp.
ternal”, A Madrugada, n.o 42, 30/09/1915, pp. 1, 3, 4; 15-16; “«Casa Assombrada» – Excerto do romance espírita
“Vida Republicana” [fundação da Associação Feminina a sair no prelo – original de Maria Veleda”, O Futuro, n.o
de Propaganda Democrática], O Mundo, 02/10/1915, p. 11, junho, 1923, p. 11; “Estatutos do Centro Espiritua-
1; “Festa de Homenagem ao Presidente da República” lista «Luz e Amor» – Festa promovida para angariação
[“Representação da Comissão Instaladora da Associação de fundos”, O Futuro, n.o 11, junho, 1923, pp. 12-14; “Casa
Feminina de Propaganda Democrática”, O Mundo, Assombrada (Novela) por Maria Veleda”, O Século,
05/10/1915, p. 5; “Vida Republicana – Associação Fe- 04/12/1923; “Grupo Editorial de «A Asa»”, A ASA, n.o
minina de Propaganda Democrática”, O Mundo, 1, outubro, 1924, p. 4; “Récita a favor do cofre de pro-
08/10/1915, p. 3; “Vida Republicana – A Liga Republi- paganda e beneficência”, A ASA, n.o 2, novembro,
cana das Mulheres Portuguesas”, O Mundo, 21/10/1915, 1924, p. 8; “Distribuição de brinquedos às crianças in-
p. 2; “Afonso Costa”, O Mundo, 01/11/1915, p. 1; ternadas no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana”, A
“Mausoléu França Borges” [subscrição entre as sócias da ASA, n.o 2, novembro, 1924, p. 25; “A Vanguarda Espí-
Associação Feminina de Propaganda Democrática], O rita”, A Vanguarda Espírita, n.o 1, 14/04/1926, pp. 3-4;
Mundo, 06/11/1915, p. 1; “Vida Republicana” [aprova- “Casa Assombrada por Maria Veleda – Algumas apre-
ção de sócias da Associação Feminina de Propaganda De- ciações da Imprensa”, A Vanguarda Espírita, n.o 3,
mocrática], O Mundo, 06/11/1915, p. 2; “Vida Republi- 14/07/1926, p. 47; “O 3.o Aniversário do Centro Luz e
cana – Associação Feminina de Propaganda Democrática Amor” [número especial dedicado à Federação Espíri-
– Reunião da Comissão Instaladora”, O Mundo, ta Portuguesa], Ecos do Além, 15/07/1926, pp. 88-89;
04/12/1915, p. 4; “Vida Republicana – Associação Fe- “Para o Natal das criancinhas”, A Vanguarda Espírita,
minina de Propaganda Democrática – Assembleia Geral n.o 1, novembro, 1927, p. 4; “ Esboço biográfico de Ma-
e aprovação de Estatutos”, O Mundo, 13/12/1915, p. 1; ria Veleda”, A Província de Angola, 30/04/1939; “D. Ma-
“Ecos e Notícias – Mulheres Republicanas”, O Mundo, ria Veleda”, Estudos Psíquicos, março-abril, 1943, p. 320;
16/12/1915, p. 1; “No funeral de França Borges – Os Ora- “O Centro Espiritualista Luz e Amor presta homenagem
dores na Tribuna do Cemitério […]”[fot.], O Mundo, ao saudoso General Passaláqua, grande vulto do Espiri-
21/11/1915, p. 1; “Uma festa republicana – A Associa- tismo em Portugal” [salienta o discurso de Maria Vele-
ção Feminina de Propaganda Democrática realiza a sua da lido pelo neto Pedro da Franca], Estudos Psíquicos,
sessão inaugural no Centro Republicano Democrático”, n.o 3, janeiro, 1944, p. 79; “Ontem e Hoje – A acção que
O Mundo, 03/01/1916, p. 3; “Mulheres Republicanas”, coube às Mulheres na preparação do movimento de ideias
12/01/1916, p. 3; “A Liga Republicana das Mulheres Por- que levou à Implantação da República” [fot. de Maria Ve-
tuguesas”, 13/01/1916, p. 4; “Vida Republicana – Asso- leda], Diário de Lisboa, 04/10/1948, pp. 1, 4; “As Re-
ciação Feminina de Propaganda Democrática”, O Mun- públicas em 1910 contavam-se pelos dedos”, Diário de
do, 19/01/1916, p. 2; “Uma carta – Pela Liga Republicana Lisboa, 04/10/1948, pp. 1, 4; “A República e a situação
das Mulheres Portuguesas”, 19/01/1916, p. 4; “A Asso- jurídica da Mulher”, Diário de Lisboa, 04/10/1948, p. 5;
ciação Feminina de Propaganda Democrática – Carta de “Uma sobrevivente da propaganda e da Revolução de 5
Augusta Ravasini”, O Mundo, 20/01/1916, p. 4; “Vida Re- de Outubro” [entrevista a Maria Veleda], Diário de Lis-
MAR 542

boa, 04/10/1948, p. 5; “A obra dos Centros Republica- presa Emília Adelaide. Veio para o Teatro D. Ma-
nos – Foi daqui, das janelas do Centro Republicano da ria II, onde representou A Morgadinha de Valflor
Ajuda que Maria Veleda viu surgir vitoriosa nas mãos do
Povo a «sua» querida bandeira da República”, Repúbli- (1879), drama em 5 atos de Pinheiro Chagas, com
ca, 31/12/1951, pp. 16, 17, 24; “A prestigiosa propa- Carolina Falco* e Ana Pereira*; O Segredo de Miss
gandista republicana, professora e escritora D. Maria Ve- Aurora (1880), drama em 5 atos, tradução de R.
leda que hoje completa 84 anos de idade, lembra ao re- da Câmara, no benefício da atriz Virgínia*; O Tio
pórter da «República» alguns episódios da sua vida po- Padre, comédia em 2 atos, imitação de Baptista
lítica”, República, 26/02/1955, p. 1; “Os 84 anos de D.
Maria Veleda, Ilustre Senhora que é o verdadeiro exem- Machado; A Vida de um Rapaz Pobre (1881), de
plo de virtudes cívicas”, República, 26/02/1955, p. 5; “Fa- Octavio Feuillet, tradução de Annaya, no Teatro
leceu em Lisboa a escritora algarvia Maria Veleda”, Cor- dos Recreios; Suicídio, drama em 5 atos de Pau-
reio do Sul, 14/04/1955, pp. 1-4; “De Luto – D. Maria Ve- lo Ferrari, tradução de Delfim Noronha (pseu-
leda”, Diário de Lisboa, 10/04/1955; “D. Maria Veleda”,
Diário de Notícias, 09/04/1955; “Dona Maria Veleda”, Luz dónimo de Guiomar Torrezão), estreada no Tea-
e Caridade, maio, 1955; “Faleceu a antiga professora e tro dos Recreios em 1881. Aqui representou, tam-
propagandista da República D. Maria Veleda”, O Primeiro bém, Demi-Monde (1882), de Alexandre Dumas,
de Janeiro, 09/04/1955; “Uma nobre figura de mulher. filho; A Alegria da Casa, tradução de Salvador
D. Maria Veleda professora e publicista que exerceu uma
notável acção na propaganda da República, faleceu aos
Marques; O Fogo no Convento (1883), tradução
oitenta e quatro anos e o seu funeral, civil, realizou-se de J. A. Lopes; e Cabeça de Vento, de Theodore
esta tarde para o Cemitério Oriental”, República, Barrière e Edmond Gondinet, traduzido de Tête
09/04/1955, p. 1, 12; “D. Maria Veleda. No funeral da ilus- de Linotte, no Teatro da Trindade. Foi para o Gi-
tre professora e propagandista democrática incorporaram- násio e, sob a direção de Leopoldo de Carvalho,
se muitas senhoras e fizeram-se representar os Centros
Escolares Republicanos”, República, 10/04/1955; “Cen- fez a festa artística com a primeira representação
tros Republicanos, Instituições ao serviço da cultura po- de Sua Excelência (1884) de Gervásio Lobato, com
pular”, República, 21/02/1974, pp. 3, 19; “O «DL» Re- desempenho magnífico; entrou em Mosquitos por
corda – Nesta Casa trabalhou Magalhães Lima”, Diário de Cordas e Oiros, Copas, Espadas e Paus (1885),
Lisboa, 09/01/1979, pp. 3-4; “Do Outro Mundo… Maria
Veleda – pôs o nosso jornal em contacto com os espíri-
comédia, em seu benefício. Deixou a cena pou-
tos, a propósito do Congresso que os espíritas portugueses co tempo depois do pai falecer e de receber a he-
inauguram amanhã”, Diário de Lisboa, 28/04/1980, p. 11 rança que lhe pertencia. Casou com o professor
[Fac-simile do número avulso do Diário de Lisboa de Ter- de equitação João Gagliardi.
ça-Feira, 12 de maio de 1925]; “Manter a Esperança Viva.
Mulheres que dão o nome a Ruas de Carnide”, Lisboa, Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Junta de Freguesia de Carnide, s.a. res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1031;
[N. M.] António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 205; Esteves
Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário
Maria Carolina Pereira histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldi-
Atriz. Era filha do professor João Félix Pereira, co, numismático e artístico, Vol. II, Lisboa, João Roma-
médico cirurgião, professor de Matemática e His- no Torres – Editor, 1906, p. 602; Grande Enciclopédia
tória Cronológica e Geográfica, no Liceu Normal Portuguesa e Brasileira, Vol. XXI, Lisboa/Rio de Janeiro,
Editorial Enciclopédia, p. 160; Guiomar Torrezão, Ribaltas
e publicista com vasta obra publicada, que nun- e Gambiarras, Lisboa, 01/01/1881; Gustavo de Matos Se-
ca aceitou a vocação cénica da filha. Maria Ca- queira, História do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I,
rolina era muito bonita, inteligente, tinha uma Publicação Comemorativa do Centenário 1846-1946,
educação esmeradíssima, sabia Inglês e Francês Lisboa, 1955; Rafael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Tea-
e, embora fosse um pouco ciciosa, dizia muito tros, circos e mais diversões de outras épocas, Porto, Do-
mingos Barreira Editor, 1943, p. 34; Ilustração Portuguesa,
bem. Foi para o teatro para conseguir meios para 18/10/1882; Ilustração Universal, Lisboa, maio, 1884;
a sua independência económica, quando saiu de “Teatro – foi neste dia...”, O Século, 29/04/1961, p. 5.
casa dos pais por problemas familiares. Es- [I. S. A.]
treou-se no Teatro D. Maria II, a 19 de novembro
de 1876, em A Cigarra, vaudeville em 3 atos, de Maria Celina de Sant’Ana e Vasconcelos Mo-
Meilhac e Halévy, adaptação de Acácio Antunes niz de Bettencourt de Sauvayre da Câmara
e Machado Correia, e Entre as Formigas. Embo- Maria Celina de Sauvayre da Câmara, foi assim
ra fosse acolhida com uma pateada ao pisar o pal- que assinou a sua narrativa de viagem, nasceu
co, no final do espectáculo foi chamada à cena no Funchal a 1 de setembro de 1857 e morreu
três vezes. Transitou, sucessivamente, para os Tea- em Lisboa, Travessa do Ferreiro à Lapa, n.o 5, no
tros dos Recreios e Ginásio, em Lisboa, depois Ba- dia 21 de fevereiro de 1929, sendo sepultada no
quet, no Porto, quando este era dirigido pela Em- Cemitério dos Prazeres. Era filha de João Sau-
543 MAR

vayre da Câmara e de Matilde Lúcia de Sant’Ana do sobre os joelhos da minha querida avó, que
e Vasconcelos Moniz de Bettencourt. Da avó ma- foi a minha primeira mestra, eu lia a História Sa-
terna, a viscondessa das Nogueiras*, recebeu uma grada” [p. 46]. Ainda no Egito, a sua sensibili-
esmerada educação que lhe deixou terna e gra- dade ficou chocada com a condição feminina na-
ta memória para toda a vida. Irmã de outras duas quelas paragens: “Pobres mulheres do Oriente,
senhoras, Maria das Dores e Matilde de Sauvayre que não passam de umas escravas, mais ou me-
da Câmara, que igualmente vieram a revelar uma nos bem tratadas, mais ou menos adornadas pe-
instrução pouco habitual nas mulheres da épo- los seus amos e senhores. A sua inteligência está
ca – a primeira, participando em récitas teatrais atrasada, oprimida a sua vontade própria, não de-
levadas à cena na cidade do Funchal; a segun- sabrocham os seus sentimentos, ou, se despon-
da, acompanhando Virgínia de Castro e Almei- tam, crescem dentro de um molde de ferro que
da em viagens ao estrangeiro, “onde o seu cla- os esmaga” [p. 16]. Propriamente na Terra San-
ro espírito de observação e o seu excelente mé- ta, esteve na Capela do Anjo, na Capela do San-
todo de investigação me foram preciosos”, se- to Sepulcro, onde assistiu aos ofícios do Domingo
gundo revelou a escritora de A Mulher [p. 23]. de Ramos, no Cenáculo, local da instituição do
Aponte-se ainda o nome de sua prima, Matilde sacramento da Eucaristia e, em Belém, descre-
de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt* veu com pormenor os lugares ligados à infância
(Matilde Marcelo, nome artístico), ilustre can- de Jesus. Finalmente, no porto de Jafa, registou
tora lírica que também recebeu, certamente, be- uma atualíssima reflexão ao embarcar de regresso
néfica influência da avó comum. Na Páscoa de à “Europa, o centro da civilização, com todos os
1898, Maria Celina realizou uma viagem à Ter- seus defeitos, loucuras, ambições e misérias, que
ra Santa da qual deixou o relato em De Nápoles são o fito da humanidade irrequieta e nunca sa-
a Jerusalém (Diário de viagem), obra extrema- tisfeita com a sua sorte” [p. 195]. Maria Celina
mente útil para o conhecimento do perfil da au- morreu solteira e sem geração.
tora e dos hábitos turísticos das camadas aris- Da autora: De Nápoles a Jerusalém (Diário de viagem),
tocráticas desse tempo. Explicando, sobretudo Lisboa, Imprensa de Libânio de Silva, 1899, 196 pp.
às eventuais leitoras, os objetivos do livro, a au- Bib.: Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Me-
nezes, Elucidário Madeirense, I Vol., Funchal, Secreta-
tora escreveu: “Se publico estas impressões de ria Regional de Turismo e Cultura, 1984; J. Moniz de Bet-
viagem é com o fito de ser útil a pessoas que de- tencourt, Os Bettencourt. Das origens normandas à ex-
sejem visitar a Terra Santa, e, como eu, hesitem pansão atlântica, Lisboa, 1993; Virgínia de Castro e Al-
um pouco, antevendo perigos e dificuldades, com meida, A Mulher, Lisboa, Livraria Clássica Editora de A.
os quais, às vezes, uma mulher não pode lutar” M. Teixeira, 1913; “Soirée dramática”, Diário de Notícias,
Funchal, 24/04/1885, p. 2, col. 4; Diário de Lisboa,
[s. p.]. A seguir, pode ler-se: “Dedico este meu 21/02/1929, p. 6, col. 4.
pobre volume à memória da pessoa que eu mais [M. E. S.]
amei neste mundo, àquela que semeou em mi-
nha alma o gérmen de todas as virtudes […]. À Maria Celina de Sauvayre da Câmara
saudosa memória da minha querida avó!” [s. p.]. v. Maria Celina de Sant’Ana e Vasconcelos Mo-
O percurso de Nápoles a Alexandria foi feito a niz de Bettencourt de Sauvayre da Câmara
bordo do paquete Regina Margherita. Maria Ce-
lina escolheu a agência de viagens Cook, “a mais Maria Clara de Sousa
antiga e a mais respeitada” [p. 58]. Ouviu por Atriz. Nasceu em Benfica, por volta de 1825, e
toda a parte a língua inglesa, porque eram os in- faleceu, em Lisboa, a 19 de março de 1885. Era
gleses e os americanos quem mais viajava. Em filha legítima de Manuel de Sousa, natural da fre-
vez de assistir a uma récita da Carmen, na ópe- guesia de São Bartolomeu, ilha Terceira, e de Ben-
ra de Alexandria, preferiu ir aos cafés turcos por ta de Sousa, natural da freguesia de Benfica, mo-
ser “mais local” [p. 12]. Mulher culta e interes- radores atrás da igreja paroquial de Nossa Se-
sada pela cultura, Maria Celina censurava as se- nhora do Amparo, daquela freguesia, onde a atriz
nhoras viajantes que davam mais importância ao e a irmã, Emília das Neves*, foram batizadas. Es-
Worth do que a Rafael; que gostavam mais de vi- treou-se na vida artística no Teatro da Rua do Sa-
sitar a Laferrière do que ir ver a Sara Bernhardt litre, na Companhia Émile Doux. Entrou nas far-
[p.147]. Na ilha de Roda, onde a princesa egíp- sas Gregório Azemola, de João Cândido Carva-
cia encontrou o pequeno Moisés, lembrou-se das lho, e O Castigo do Agiota (1843), farsa, e fez o
“Recordações bíblicas da minha infância, quan- papel de “Mme. Duplessi”, em Eulália Pontois
MAR 544

(1844), drama em 5 atos e 1 prólogo, de Frédé- ridge alude a um projeto de casamento, quando
ric Soulié. À data do seu falecimento havia mui- Maria Clementina – numa das ocasiões em que
to que estava afastada da cena. os liberais triunfaram dos miguelistas – esteve
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- para realizar, aproveitando a ocasião de abandonar
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1241; o convento e regressar ao lar paterno. Até deixara
“Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 19/03/1960, p. 4. crescer outra vez o cabelo, solto agora da coifa mo-
[I. S. A.] nástica e brilhante ao sol como uma torrente de
oiro. Quem seria o noivo? Ignoramos. Mas o ca-
Maria Clementina samento foi transferido, por doença da noiva, e
v. Maria Clementina Rato Borges de Sá entretanto os miguelistas voltaram ao poder. As
freiras tornaram a Santa Clara. Maria Clementi-
Maria Clementina Borges de Sá na reentrou na cela. Aí passou o resto da sua vida.
v. Maria Clementina Rato Borges de Sá [...] Uma senhora inglesa, que morreu tísica no
Funchal, Emily Shore, descreveu no seu diário
Maria Clementina de Vasconcelos íntimo todos os pormenores duma visita que fez
Alguns viajantes estrangeiros que visitaram a ilha em 1839 ao Mosteiro de Santa Clara. Nesse dia
da Madeira, na primeira metade do século XIX, – diz ela – a casa estava cheia de forasteiros cu-
referiram-se a Maria Clementina de Vasconcelos, riosos, nada menos de duzentos! O ponto geral
filha do morgado Pedro Agostinho, nascida em de atração era ainda Maria Clementina, a qual pa-
1803, a mais velha de catorze irmãs. Freira da Or- recia ter uns trinta e sete anos (na verdade tinha
dem de Santa Clara, tinha fama de ser extrema- isso quase) e conservava traços de grande bele-
mente bela e agradável no trato, embora ao seu za, que lhe davam enorme superioridade física
nome nunca estivesse associado qualquer es- sobre as outras religiosas. [...] Como quase todas
cândalo. Dizia-se que tinha entrado para a clau- as religiosas, tinha uma criada particular e decerto
sura na sequência de um desgosto de amor ou ins- uma ou duas cozinheiras privativas, com quem
tigada pelo pai e pela madrasta. Henry Nelson Co- jogava às cartas nas horas vagas, e que nos mo-
leridge, no seu livro Six Months in the West In- mentos úteis se ocupavam a engendrar as artís-
dies, publicado em 1832, assim a refere: “Leitor… ticas doçarias tradicionais, oferecidas ou vendi-
em minha homenagem peço que se desloque ao das através da roda”.
convento de Santa Clara. Talvez aí possa ver a po- [A. V.]
bre Maria; se ela ainda não morreu, se ela se apre-
sentar, fale com ela com cordialidade e dê-lhe Maria Clementina Ferreira Pinto Basto Cou-
lembranças minhas”. Segundo Cabral do Nasci- ceiro da Costa
mento [“Maria Clementina, ‘The Beautiful Nun Filha do Dr. Francisco Manuel Couceiro da Cos-
of Madeira’”, The Anglo-Portuguese News, n.o ta e de Clotilde Ferreira Pinto Basto, nasceu em
142, 07/05/1942, p. 5], a religiosa “aparecia aos Aveiro no dia 27 de dezembro de 1902, na Rua
visitantes na dupla grade do convento. Sob a tou- de Santa Catarina (hoje Rua 31 de Janeiro) da dita
ca preta, que terminava em bico de mocho na tes- cidade. O pai, formado em Direito, exerceu vá-
ta, a alva guimpe emoldurava-lhe o rosto mara- rios cargos na administração colonial, sendo no-
vilhoso. Respondia às perguntas que lhe dirigiam, meado governador-geral do Estado da Índia, em
ora em português, ora entremeando, no seu 1908, para onde Maria Clementina, com seis anos
francês de romance, palavras inglesas e espa- de idade, se deslocou com os progenitores.
nholas. Isto era um atrativo sem par, entre mís- A mãe, pertencente à família fundadora da fá-
tico e profano. Bela, duma beleza que fugia enig- brica de porcelanas Vista Alegre, foi educada nas
maticamente aos cânones da raça portuguesa, com Dominicanas do Bom Sucesso, mas seguiu a von-
os olhos azuis, cabelo brilhante, sedoso e claro, tade do marido – republicano e positivista – de
às vezes contrafeita, outras sorridente, mas sem- nunca falar de Deus aos filhos. Maria Clemen-
pre esbelta e soberba, a freira discorria então so- tina, Patininha para a família, adquiriu forma-
bre os livros de Madame de Stael, principalmente ção inglesa, ministrada por uma preceptora da
Corinne, que tanto a havia entusiasmado. [...] nacionalidade. A menina tinha a paixão dos po-
‘Como tudo no mundo – contou ela uma vez a bres, que fizeram questão de lhe prestar uma sen-
Lady Emmeline Stuart Wortley – parte é falso e tida homenagem de despedida, quando deixou
parte é verdadeiro na minha história’ [...] Cole- Pangim. O regresso à metrópole, terminado o
545 MAR

mandato do pai, deu-se no ano de 1915. Em ple- de Representar do Conservatório Real de Músi-
na Grande Guerra, o paquete britânico Mooltan, ca, escola que Maria Clementina frequentou e onde
em que viajavam, foi atacado por um torpedo ale- foi discípula de Eugénia Mantelli, de quem re-
mão que o fez naufragar. Alguns passageiros e cebeu lições de canto. Estreou-se no Teatro da Trin-
tripulantes morreram, mas os Couceiro da Cos- dade, na Companhia Taveira, a 17 de novembro
ta contaram-se entre os sobreviventes e acaba- de 1919, na opereta Bela Risette, tradução de Ma-
ram por chegar sãos e salvos à sua cidade natal. nuel Neves. Depois de trabalhar, cerca de três anos,
Porém, o clima de Aveiro não era recomendável em vários teatros, entre eles o Chiado Terrasse, en-
à fraqueza pulmonar de Maria Clementina. A fa- trou, em 1922, para a Empresa Amélia Rey Colaço-
mília veio residir para Lisboa. Segundo o teste- -Robles Monteiro, no Teatro Nacional, onde ficou
munho da irmã mais velha, Patininha era uma até ao fim da carreira e se evidenciou, no teatro
bonita jovem de olhos negros e cabelos loiros, declamado, como uma das principais atrizes da
pouco comunicativa e pouco alegre. Inteligen- companhia e criou vários tipos nas peças: Cris-
te e habilidosa, mas autoritária, aborrecendo- tina (1924), original dos irmãos Quintero, A Casa,
-se quando lhe alteravam “o seu programa”. Gos- de José María Péman, Brás Cadunha (1928), dra-
tava de dançar e dançava bem, contudo nunca ma em 3 atos, de Samuel Maia, Zilda e Tá Mar,
apreciou namoros nem namorados. Pelo con- ambas de Alfredo Cortez, Cristaline, O Chefe dos
trário, ao regressar da Índia, começou a de- Gladiadores, Topaze, Os Cinco Lobitos, dos irmãos
monstrar uma enorme atração por igrejas. Quan- Quintero, tradução de Luís Galhardo e Vasco San-
do o pai morreu, em 1925, as dificuldades fi- tana, O Chefe, tradução de Norberto Lopes, em es-
nanceiras obrigaram a mãe a deixar Lisboa e a treia, Meninas (1935), de Vasco de Mendonça Al-
ir residir com os seis filhos para Coimbra. Aí, ao ves, e Coristas (1942), comédia em 3 atos, de Ar-
longo da primavera de 1927, entre Maria Cle- mando Vieira Pinto. Fez os papéis de “Mariana”,
mentina e Maria Carolina Bressane Leite Perry de Amor de Perdição (1931), drama em 7 atos,
de Sousa Gomes* deu-se o encontro decisivo. As- adaptação do romance de Camilo Castelo Bran-
sim, consoante as palavras de Patininha – Irmã co por D. João da Câmara, Dançarina Vermelha
Emanuel em religião – “no dia 31 de maio de (1932), drama de Henri Hirsch, tradução de Ro-
1927, às dez horas da noite, acompanhada de mi- drigo Leça, “Enfermeira”, em O Ciclone (1932),
nha Mãe, eu entrava para o Asilo [da Infância de Somerset Maugham, “Solina”, de Filodemo
Desvalida, embrião da Congregação das Criadi- (1932) de Camões, Manuela (1934), de Virgínia Vi-
tas dos Pobres] para dar o primeiro passo na vida torino, “Brizida Vaz”, da Barca do Inferno (1940),
que hoje vivemos e que a Maria Carolina já vi- de Gil Vicente; protagonizou O Ausente (1944),
via há dois anos”. Maria Clementina sucedeu à comédia dramática em 3 atos, de Joaquim Paço
amiga Caró (Maria Carolina de Sousa Gomes) D’Arcos, Casa de Pais (1945), peça em 3 atos, de
como Superiora-Geral da congregação após a Francisco Ventura, e As Sabichonas, comédia de
morte desta, ocorrida em 1969. Ela própria vi- Molière, versão do visconde de Castilho, a últi-
ria a renunciar ao cargo por motivos de saúde em ma peça que representou. Do seu repertório, cons-
1973, ficando, porém, como Conselheira Su- tam, ainda as peças 1808, drama em 4 atos, de Má-
prema da Congregação, designada por D. João Sa- rio Domingues e Reinaldo Ferreira; Afonso VI, dra-
raiva, bispo de Coimbra. ma histórico, em 5 atos, e Os Velhos, comédia em
3 atos, ambas de D. João da Câmara; O Segredo
Bib.: Manuel de Almeida Trindade, Maria Carolina Sou-
sa Gomes e as Criaditas dos Pobres, Aveiro, Depositá- de Polichinelo, de Pierre Wolf; Frei António das
ria Livraria Santa Joana, 1987. Chagas, de Júlio Dantas; A Massaroca, de Pedro
[I. L.] Muñoz Seca e Perez Fernandez; O Diabo Azul, de
Gustavo de Matos Sequeira e José Pereira Coelho;
Maria Clementina Rato Borges de Sá É Preciso Viver; O Outro Eu; O Leão da Estrela,
Atriz. Nasceu na freguesia de Santa Maria, con- de Baptista Dinis; Raparigas de Hoje; Fascinação;
celho de Lagos, a 28 de janeiro de 1896, e faleceu Mademoiselle; Greve Geral; Como se Faz um Ho-
em Lisboa, a 22 de dezembro de1947. Era soltei- mem; O Sr. Conde; Loucura de Amor. Foi uma
ra, filha de João Borges de Sá, oficial do Exérci- excelente “característica”. Entrou nos filmes
to, e de Clementina Rato Borges de Sá, irmã de O Destino e Tinoco em Bolandas (ambos em 1922),
João Rato Borges de Sá e sobrinha neta do escri- A Tormenta (1924), Três Dias Sem Deus, da rea-
tor Duarte de Sá, primeiro diretor da Escola de Arte lizadora Bárbara Virgínia (nome artístico de Ma-
MAR 546

ria de Lourdes Dias da Costa), em 1946. Faleceu dução de Eduardo Garrido, música de Suppé.
no Hospital da Companhia União Fabril (CUF), Nesse ano, integrou um grupo de atores que re-
onde tinha sido internada havia uma semana. presentou O Desquite, comédia em 1 ato, de
O funeral saiu da Igreja de Santos-o-Velho para P. Ferrier, tradução de Jaime de Seguier, em be-
o jazigo dos artistas teatrais, no Cemitério dos Pra- nefício da Associação de Imprensa. Morreu cedo,
zeres. A Empresa Rey Colaço-Robles Monteiro deu vítima de tuberculose.
a notícia do passamento e informou acerca do dia Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
e hora do funeral. tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 205-
Da autora: Atrás do Reposteiro, revista em 1 ato, em co- -206; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
laboração com João Villaret, Ms. Arq. TN 157.06 [re- de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
presentada, sete vezes, no Teatro Nacional, na tempo- nicipal de Lisboa, 1967, p. 408; Pedro Cabral, Relem-
rada de 1937/38]; Dentro dos Bastidores (1938); A Nos- brando... Memórias de Teatro, Lisboa, Livraria Popular,
sa Revista (1940). Escreveu outras pequenas revistas e 1924; Carlos Leal, No Palco e na Rua – Impressões do
alguns atos cómicos. homem e do artista, Lisboa, Tipografia Costa Sanches,
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- 1920; A Scena, n.o 38, 22/01/1898, n.o 54, 15/05/1898,
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 252; n.o 63, 17/07/1898.
Carlos Leal, No Palco e na Rua – Impressões do Homem [I. S. A.]
e do Artista, Lisboa, Tipografia Costa Sanches, 1920,
p. 30; Eugénia Vasques, Mulheres que Escreveram Teatro Maria da Assunção Radice
no Século XX em Portugal, Lisboa, Edições Colibri, 2001, Atriz. Nasceu por volta de 1821. Estreou-se em
p. 100 (126); Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do
Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 170; Idem, 1842, no Teatro da Rua dos Condes, na ópera có-
História do Teatro de Revista em Portugal, 1. Da Rege- mica O Campo dos Desafios, e ali representou na
neração à República, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1984, comédia, em 5 atos, O Pai duma Atriz (1843), de
p. 89; Rolando da Silva, O Meu Jornal. Impressões de tea- Bayard e Théaulon, tradução de Rodrigo Felner.
tro (Número dois), Lisboa, Ed. do Autor, 1932, p. 15; “Ma-
ria Clementina que ao teatro português deu o melhor dum
Em 1846, aquando da abertura do Teatro D. Ma-
belo talento faleceu ontem e enterra-se hoje” [c/ fot.], ria II, foi admitida e classificada em “dama có-
O Século, 23/12/1947, pp. 2 e 5; “Teatros – Foi neste dia...”, mica cantante”, pelo júri composto por viscon-
O Século, 05/02/1952 e 26/02/1952, p. 4. de de Castilho, Rebelo da Silva, Mendes Leal e
[I. S. A.] Rodrigo Felner. Neste teatro, integrou o elenco
das peças A Herança do Barbadão (1847), de Pe-
Maria Costa reira da Cunha, Dominó Preto (1846), de Auber,
Atriz, irmã de Manuel Costa, publicista e dire- um dos seus maiores êxitos, fez o papel de “Ca-
tor do jornal dos teatros, Bandarilhas de Fogo. Co- vatina”, de Linda de Chamounix (1848), e pro-
meçou por representar no teatrinho Bijou Infantil, tagonizou a ópera O Duende (1850), traduzida do
do ator José Rodrigues Chaves, escritor dramá- original espanhol por Pinheiro Bordalo. A críti-
tico, inventor dos “fantoches articulados” e, en- ca disse que “cantava perfeitamente, tinha uma
tre muitas outras atividades, ensaiador de teatro voz harmoniosa e clara”. Quando o Teatro do Gi-
infantil. Maria Costa estreou-se, depois, na Rua
násio abriu, depois de modernizado, em 18 de no-
dos Condes, em 1895, como corista, na revista
vembro de 1852, entrou como sócia da socieda-
Zás-Trás!, de Baptista Dinis e Penha Coutinho,
de artística, que contava com Taborda como gran-
música de Rio de Carvalho, agradando bastante.
de figura de cartaz, e fez benefício em Jantares
Em 1896, entrou para o Teatro da Trindade, onde
fez Os Filhos do Capitão-mor (1897), de Eduar- Económicos, ao lado deste ator. Em 1853, entrou
do Schwalbach, com música de Augusto Ma- como societária da nova companhia do Teatro
chado, e realçou a sua grande intuição dramáti- D. Maria II, com Emília das Neves*, Guilhermina
ca em diversas peças, especialmente nos papéis Rita da Silva*, Delfina Espírito Santo*, Carlota Ta-
de “Claudino”, em Os Dois Garotos (1898), dra- lassi*, entre outros. Representou nas peças do re-
ma em 2 partes e 8 quadros, de Pierre Decourcelle, pertório e fez benefício com A Abadia de Viter-
traduzido por Guiomar Torrezão, “Bárbara”, em bo. Foi muito apreciada pelo público.
Auto dos Esquecidos (1898), drama em 3 jorna- Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu-
das e 1 prólogo, em verso, original de Sousa Mon- guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 196; Gus-
teiro, peça premiada no concurso para o cente- tavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional
D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Centenário
nário da Índia; entrou em Falar Verdade e Men- 1846-1946, Lisboa, 1955, pp. 135 e 139; A Assembleia
tir (1898), comédia em 1 ato, de Almeida Garrett, Literária, Lisboa, n.o 33, 15/06/1850, p. 15.
e Bocacio (1898), ópera cómica em 3 atos, tra- [I. S. A.]
547 MAR

Maria da Conceição Augusto de Mattos ceição praticou o desenho e a pintura a aguare-


Jovem poetisa e ilustradora. Nasceu a 5 de feve- la. Retomou a tradição medieval e primo-moderna
reiro de 1946, em Faro, e faleceu a 27 de junho das iluminuras, que concebeu como delicado de-
de 1966, em Évora. Era a única filha de Maria Luí- corum de versículos veto-neotestamentários,
sa Augusto de Mattos e de José Rodrigues de Mat- por si selecionados. As iniciais que abrem cada
tos. O seu percurso académico iniciou-se na Guar- versículo são ornadas e, por vezes, nelas se in-
da, tendo transitado aos oito anos para o colégio serem figuras miniaturais interpretativas dos tex-
D. Filipa de Lencastre, em Évora. Seguiu-se a fre- tos; as iniciais de frase, de menor dimensão, são
quência do Liceu Nacional de Évora, onde se ins- mais simples e pontuam o texto em alternativa
creveu na alínea H. Devido à progressividade da cromática forte. O espaço reservado à iluminu-
doença, faltou-lhe fazer uma disciplina para con- ra, que contorna o enquadramento retangular do
cluir o 7.o ano. Aos dezasseis anos começou a es- texto, está labirinticamente estilizado e profu-
crever num “caderno de apontamentos de qual- samente detalhado, sugerindo um diálogo me-
quer qualidade”, intitulado Eu, suporte de im- ditativo com os textos. O conjunto de iluminu-
pressões sobre assuntos que lhe despertavam a ras de pequenas dimensões (12 x 8) e um outro
atenção. A escrita revelou-se-lhe, então, com po- conjunto de iluminuras misturadas com ilus-
der ambivalente: acolhedora e libertadora. A pri- trações diversas (15,5 x 10,5) foram postuma-
meira entrada, datada de 28 de fevereiro de 1962, mente encadernados. A preferência pela ilus-
e sugerida pela Sinfonia Novo Mundo, de Dvo- tração é visível na decoração feita, por iniciati-
rak, é um impressionante registo do modo como va própria, de cada uma das páginas do livro Os
o ouvinte emerge e perdura no sonho através da Poemas da Verdade, da autoria de Torquato da
música. A interpretação de uma sua pintura, a Luz, publicado em 1963. São quarenta e seis poe-
descrição de comportamentos sociais, as im- mas aguarelados em toda a dimensão da página,
pressões de viagens e a confissão da hesitação em quando Maria da Conceição tinha 17 anos de ida-
expor os seus trabalhos, constituem exemplos das de. Trabalho único sobre o qual Torquato da Luz
múltiplas entradas, espaçadas ao longo de qua- escreveu: “Límpidos sonhos dispersos / Poemas
tro anos. A última, numa caligrafia visivelmen- são como flores/ Mas a poesia das cores/ É mais
te distinta da inicial, data de 15 de abril de 1966, bela que a dos versos” [20/III/64].
dois meses antes de falecer. Em complemento ao Da autora: Realização, Évora, Tipografia Nova, 1972;
caderno Eu, a mãe escreveu uma curta biografia A minha poesia, “Aberturas” de Joaquim de Magalhães
intitulada Ela [Lagos, dezembro de 1982, dois e de Maria Clotilde Almeida, Vila Real de Santo António,
Empresa Litográfica do Sul, 1979; Apontamentos, Évo-
exemplares]. Com o conto “Um Natal Diferente”, ra [Caderno inédito. Inclui: conto intitulado Miguel, ma-
Maria da Conceição ganhou o 2.o Prémio do con- nuscrito com 19 páginas, de 21 linhas; conto dactilogra-
curso nacional (continental e ultramarino) “Um fado e intitulado O Porquê? sem Porque, com 3 páginas
conto de Natal”, promovido em 1965 pelo Jornal e assinado sob o pseudónimo Gunhar (herói viking); con-
to Um Natal Diferente, versão dactilografada e manuscrita,
do Algarve [Ano 9.o, sábado, 25 Dez.]. Postu- num total de seis páginas; textos e desenhos infantis; por-
mamente foram publicados dois livros: Reali- menor de uma iluminura; recortes vários]; “Poesia”, Con-
zação, com 68 poemas, e A minha Poesia, que vívio, Ano 5, n.o 49, Centro Social e Cultural da Imacu-
reúne a quase totalidade dos poemas, o último lada Conceição de Salvada, novembro, 1998, pp. 1-3.
datado de 2 de junho de 1966, 25 dias antes de Bib.: Maria Luísa Augusto de Mattos, Ela, 2.a ed., Lagos,
1996; Torquato da Luz, “Notícia de Livros”, Diário de
falecer: “Da última janela do Palácio da Sombra Notícias, 24/02/1972.
/ A castelã largou a derradeira pomba… / (pom- [M.T. S.]
bal assim grande ninguém conhecia: / dia sim,
dia não uma pomba partia)”. Apesar de se tratar Maria da Conceição Carvalho
de poesia não revista, como adverte Maria Clo- Mestra na oficina de lavores femininos da Escola
tilde Almeida, em “Nota de Abertura”, impres- Industrial de Setúbal, a partir de 1892. Exercia
siona a variedade de assuntos em registo lírico a atividade de professora primária e tinha 38 anos
ou concreto, o domínio vocabular e as expe- de idade quando iniciou a frequência da Esco-
riências de abordagem formal. O ex-líbris, dese- la Industrial Rainha D. Amélia, em Setúbal, no
nhado pela própria e que se encontra na con- ano letivo de 1889/90. No final do ano, foi dis-
tracapa dos livros, inscreve o seguinte lema: tinguida com dois prémios honoríficos, em
“A verdade em W”. A entrecruzar-se com a escrita, “Princípios de desenho geométrico rigoroso” e
e ao mesmo nível imaginativo, Maria da Con- em “Oficina de lavores – costura, corte e bor-
MAR 548

dados”, respetivamente. Exibiu dois trabalhos na mada pede colo aos espetadores, a tal frase sim-
Exposição das escolas industriais, realizada no ples entra no vocabulário popular, passa a ter os
Museu Industrial e Comercial de Lisboa, em mais inesperados significados, e uma revista que
1891. Em 15 de dezembro de 1892 foi nomeada, se vai estrear, nesse ano de 1938, terá inevita-
na sequência de uma proposta assinada em fe- velmente como título Pega-me ao Colo. Ninguém
vereiro anterior por Ramalho Ortigão, inspetor como Beatriz soube agarrar um dito vulgar, de to-
das escolas industriais da circunscrição do Sul, dos os dias, dar-lhe um jeito de coisa sua, e pôr
mestra de costura e corte da oficina de lavores toda a gente a repeti-lo. Ninguém foi mais alto do
femininos da Escola de Setúbal, dirigida por Joa- que ela em popularidade. Beatriz Costa estreou-
quina Aurélia Baptista Guerreiro*, com um -se como corista, no Eden-Teatro, a 10 de agosto
vencimento de 9$000 réis mensais. Um ano mais de 1923, numa reposição da revista Chá e Tor-
tarde, passa a mestra de rendas com um venci- radas. Não tardou a fazer-se notar, sendo integrada
mento de 12$000. Na sequência do Decreto de numa companhia que, em 1924, foi ao Brasil. No
14/12/1897, que reorganizou o ensino nas escolas Rio de Janeiro foi apresentada, então, como atriz,
industriais e de desenho industrial, passou a au- na revista Fado Corrido e o seu sucesso foi mui-
ferir, como mestra e em conformidade com a ta- to grande, além de ter representado noutra revista
bela anexa ao referido decreto, um vencimento sob a direção de Chianca de Garcia. Deste modo
de 300$000 réis anuais. Ainda exercia à data da agarrou alguns números e, partindo corista, re-
implantação da República. gressou atriz feita e como tal foi se apresentou em
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das Ditosa Pátria, a 7 de julho de 1925. Lutando por
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas, alcançar o primeiro lugar, apareceu em muitas re-
Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas Industriais vistas, mas seria no Sete e meio (1927), espetá-
e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Livro de culo que Leitão de Barros comandou rumo à mo-
Registo do Pessoal de Inspecção e das Respectivas Escolas
(1884-1894) e Copiadores de correspondência expedida dernidade, que a rábula o “Coca” lhe permitiu
(1891-1892; 1893; 1894). Fontes impressas: Ministério das alardear a sua enorme fantasia. Nessa revista apa-
Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção-Geral do receu com o cabelo cortado pela última moda, “à
Comércio e Indústria, Relatório sobre as Escolas Industriais la Louise Brooks”, com a franja que ajudaria a fi-
e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul (1889-
-1890), Lisboa, Imprensa Nacional, 1890; Ministério das
xar a sua imagem. Quando, ao lado de Álvaro Pe-
Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção-Geral do reira, alcançou um triunfo estrondoso num due-
Comércio e Indústria, Catálogo dos Trabalhos Expostos no to que ficou célebre, “D. Chica e Sr. Pires”, da re-
Museu Industrial e Comercial de Lisboa e Executados nas vista Pó de Maio (1929), o seu talento não es-
Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Circuns- pantou ninguém. Em 1930, Beatriz, ainda segunda
crição do Sul no Ano Lectivo de 1889-1890, Lisboa, Im-
prensa Nacional, 1891; Decreto de 14/12/1897, Diário do figura, foi convidada pelo empresário Artur
Governo, n.o 283, de 15/121897; Anuário Comercial de Por- Emaús para encabeçar uma companhia, muito fra-
tugal, Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910. ca, que ele mantinha, no Variedades, sem obter
Bib.: Teresa Pinto, A Formação Profissional das Mulheres um só sucesso. Entrando para uma revista que se
no Ensino Industrial Público (1884-1910). Realidades e
representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,
afundava, O Cavaquinho (1930), logo a sua
Universidade Aberta, 2008. grande comunicação popular produziu um êxi-
[T. P.] to, e a partir daí não deixou mais de ser assim.
Foi então escolhida para interpretar, na versão
Maria da Conceição Costa portuguesa de Her Wedding Night, a protagonista
Conhecida por Beatriz Costa, nasceu na Charneca que Clara Bow criara em Hollywood. Filmou em
do Milharado, Mafra, em 1907 [A Revista à Por- Paris, em 1931, na Paramount, Ma Nuit de Noces
tuguesa], em 14 de dezembro de 1907 [Enciclo- (A Minha Noite de Núpcias), ao lado de Marlene
pédia Verbo, Fotobiografia], ou em 14 de de- Dietrich e Estevão Amarante, o que não tendo
zembro de 1910 [O Grande Livro dos Portugue- sido um sucesso, a ajudou a estabelecer repu-
ses], e faleceu em Lisboa, a 15 de abril de 1996. tação. O contacto com o meio cinematográfico
Atravessou uma infância de privações; era anal- internacional abriu perspetivas novas à sua perso-
fabeta quando encetou a sua carreira artística e nalidade, ávida de conhecer gente célebre, cap-
foi estudando por iniciativa própria. “Pega-me ao tando com grande facilidade tudo quanto a en-
colo” é uma frase simples, infantil, que pode fa- riquecesse. Foi O Mexilhão (1931) a revista que
zer sorrir quando bem usada no palco. Mas se consagrou Beatriz Costa como a maior. A partir
quem a diz é Beatriz Costa, que feita menina mi- daí podia ditar leis e pedir todo o dinheiro que
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quisesse aos empresários. O público estava na sua para admirar que, quando em 1947, passou por
mão e corria a vê-la, fosse lá onde fosse. Duran- Lisboa, a caminho das suas grandes viagens, já
te oito meses, Lisboa delirou com o seu travesti sem franja, casada, pela segunda vez, com Ed-
do gaiato que vendia o burrié, e cantava com ela: mundo Gregoriano, escritor e crítico de arte, os
“Quem é? / quem é? / quem não prova o burrié”. portugueses perguntem se seria aquela mulher so-
Maior sensação ainda é um outro travesti, des- fisticada a sua Beatrizinha? A resposta deu-a Bea-
ta vez um homossexual popular, o “Amélia”, cuja triz dois anos depois, quando, aventurando-se pe-
expressão – “tudo emmarranhado, tudo em- rigosamente a medir-se com a sua própria lenda,
marranhado, tudo emmarranhado” – entrou na reapareceu em Ela aí Está (1949). A sua alegria,
gíria e ainda hoje há quem empregue. O seu “ó a voz gritada, tudo se manteve como a plateia es-
Amélia... ú... ú” passou a ouvir-se nas ruas. Em perava. Os números eram bons e a reaparição foi
breve Vasco Santana interpretava um “Amélia” um sucesso. Apesar disso, ficou ausente mais sete
numa peça a que chamam exatamente A Meni- anos e quando de novo reapareceu, integrada na
na Amélia (1933). Nos anos 30, Beatriz Costa sur- equipa de Salvador, O Reboliço (1956) e Toca a
preendeu o público, já a debandar, espreitando Música (1957), algo tinha acontecido. Os nú-
pelo pano corrido e gritando: “Adeus meninos, meros, demasiado baseados nas fórmulas do pas-
até amanhã!”. E é que havia mesmo “muito me- sado, não ajudavam e a mágica comunicação com
nino” que voltava no dia seguinte, só para a ver. o público parecia quebrada. Mais três revistas,
Era “isto” a vedeta. Era assim que, nesse tempo, Com Jeito, Vai! (1958), Champanhe Saloio
Beatriz Costa enriquecia o vocabulário popular (1959), Está Bonita a Brincadeira (1960), pouco
nacional. Grande observadora de tipos de povo, acrescentavam, e apenas a última se aproximou
Beatriz foi o rapaz da rua, atrevido e malcriado, do êxito. Este foi o seu derradeiro trabalho. Afas-
que vendia burriés – O Mexilhão (1931) –, ou cá- tou-se, sem assumir definitivamente uma retirada,
gados –, Há Festa na Mouraria (1936), a saloia com com algum azedume em relação a Vasco Morgado,
ou sem burro, refilona e despachada – Arre Bur- então o empresário dominante dos teatros de Lis-
ro! (1936) –, o malicioso pastor serrano – Lua Cheia boa. Mas nunca mais voltou. Mantendo intacta
(1934) –, o desenrascado forcado cartaxeiro – Eh a sua lendária reputação, Beatriz Costa dividiu-
Real! (1939). Prodigiosa na recriação de perso- -se entre Portugal e o Brasil, viajando muito e
nagens infantis, ora era a “Miluca” que ternurenta ameaçando publicar memórias. Por isso, quan-
pede colo – Sempre em Pé (1938) –, ora o diabóli- do em 1975 apareceu o seu livro Sem Papas na
co menino prodígio que punha doida a profes- Língua, a sua figura, que nunca fora esquecida,
sora (com Vasco Santana, Arre Burro!, 1936), ou iluminou-se mais intensamente, enquanto alguns
o irrequieto “inginho” da romaria, da mesma re- dos seus filmes, A Canção de Lisboa (1933) e Al-
vista. Transbordante de fantasia, tanto imitava a deia da Roupa Branca (1939), de Chianca de Gar-
“sexy” Betty Boop dos desenhos animados – cia, passados na televisão, ajudaram a fazer do
Santo António (1934) –, como o zaragateiro do pato livro um verdadeiro best-seller. Sem Papas na Lín-
Donald – Ó Meu Rico S. João! (1938) –, ou sim- gua conta com verve episódios engraçados da
plesmente um papagaio em Água Vai! (1937). Isto vida teatral, dá uma visão muito pessoal de cer-
sem esquecer o seu “Santo António” – Santo An- ta época, mas fica-se, por vezes, num despejar de
tónio! (1934) –, que, com jeitinho, pois o homem nomes, mais ou menos célebres, encontrados no
da censura está sempre alerta, critica o outro An- Parque Mayer ou em Paris, no Brasil ou na Bra-
tónio [de Oliveira Salazar]. Entre os grandes su- sileira, enquanto são ocultados os nomes daqueles
cessos, deve destacar-se a revista Arre Burro! a quem dirige remoques (se Amália é a grande vi-
(1936), que fez durante mais de quatro meses ao sada, muita gente por lá anda, de Lina Demoel
lado de Vasco Santana e António Silva, os seus a Ivone Silva*). O segundo volume, Quando os
parceiros do filme A Canção de Lisboa, de Co- Vascos Eram Santanas... e não só (1977), tem me-
tinelli Telmo (1931). Em 1939, partiu para mais nos teatrices, o que é pena, pois a revista bem pre-
uma tournée ao Brasil, onde tinha também cisava de quem a contasse. Depois, publicou Mu-
grande popularidade e, inesperadamente, ficou lher sem Fronteiras (1981), Nos Cornos da Vida
por lá até 1947, tendo nesse período atuado em (1984), Eles e Eu (1990). Mas não se julgue que
espetáculos musicais no Casino da Urca, no Rio foi a primeira vez que Beatriz escreveu as suas
de Janeiro: assim, no auge da carreira, deixou o recordações. Em 1932, de maio a novembro, o Ci-
público português roído de saudades. Nada néfilo publicou-lhe “Páginas das minhas me-
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mórias”, prosa toda cor-de-rosa. Também fizeram terá interpretado], 1930, Teatro Avenida; O Can-
sensação – e em matéria de lançamento até ti- to da Cigarra, revista, de S. Tavares, C. Mourão,
veram filme anúncio – Beatriz Costa Memoria- X. Magalhães, 1931, Teatro Variedades; O Me-
lista, que se estreou no Tivoli e correu todos os xilhão, revista, de S. Tavares, A. Amaral, X. Ma-
cinemas. Nessa pequena metragem, filmada em galhães, 1931, Teatro Variedades; Ai-Ló, 1931,
pleno Parque Mayer, Beatriz, elegante e de fran- Teatro Avenida; Pim! Pam! Pum!, revista, de
ja, contracenava com Beatriz, rapaz do burrié. Um L. Ferreira, L. Rodrigues, F. Santos (3.a fase), 1932,
pequeno filme que apetece ver! Essencialmente Teatro Maria Vitória; Fogo de Vistas, revista, de
ligada à década de 1930, que dominou, Beatriz P. Coelho, J. Vasconcelos e Sá, 1933, Teatro Ave-
Costa nunca foi ultrapassada. Por isso quando nida; Feira da Alegria, revista, de L. Ferreira, F. San-
aparece alguma rapariga nova, com jeito, se ouve tos, A. Vale, 1933, Teatro Avenida; Lua Cheia,
dizer: “Vai ser uma nova Beatriz!”; para depois, revista, de L. Ferreira, F. Santos, A. Amaral, 1934,
geralmente, se concluir: “Não se compara com a Teatro da Trindade; Santo António, revista, de
Beatriz!” É ela que continua ainda a ser o padrão A. Barbosa, V. Santana, L. Galhardo, 1934, Teatro
pelo qual as outras são aferidas, la crème de la Avenida; Rapa, revista, 1935, Teatro da Trinda-
crème das vedetas populares. Na Malveira, foi de; Arre Burro!, revista, de A. Barbosa, J. Galhardo,
inaugurado em 28 de setembro de 1934 um tea- V. Santana, A. Vale, 1936, Teatro Variedades; Há
tro com o seu nome, atual Auditório Municipal, Festa na Mouraria, revista, de L. Rodrigues, C.
e onde, igualmente, o Museu Popular tem o seu Mourão (2.a fase), 1936, Teatro Apolo; A Garota
nome. Em 22 de fevereiro de 2001, no Hotel Ti- da Sorte, comédia, 1936, Teatro Avenida; Chu-
voli Lisboa, onde viveu muitos anos, até à sua va de Pais, 1926, Teatro Avenida; O Liró, revis-
morte, o seu nome foi dado a um restaurante. Ain- ta, de L. Ferreira, F. Santos, F. Teixeira, X. Ma-
da, neste hotel, está uma placa com a homena- galhães, 1937, Teatro Variedades; Água Vai!, re-
gem da cidade de Lisboa, atribuída pela Câma- vista, de T. R. Colaço, C. de Garcia, 1937, Teatro
ra Municipal, em 12 de junho de 1996. Foi-lhe da Trindade; Sempre em Pé!, revista, de F. San-
atribuído o Diploma de Cidadã Carioca, pela Co- tos, L. Rodrigues, X. Magalhães, 1938, Teatro Va-
missão de Distrito Federal do Rio de Janeiro, em riedades; Ó Meu Rico S. João, revista, de A. Lei-
9 de dezembro de 1957. Ficou sepultada no te, C. Monteiro, 1938, Teatro Variedades e no Tea-
Cemitério da Malveira. A Assembleia da Repú- tro Sá da Bandeira, no Porto; O Pardal de S. Ben-
blica aprovou um voto de pesar, n.o 24/VII, de 17 to, revista, 1938, Teatro Sá da Bandeira, Porto; Eh,
de abril de 1996, pelo seu falecimento. O seu Real!, revista, de A. Barbosa, J. Galhardo, A. Vale,
nome consta da toponímia de Charneca da Ca- 1939, Teatro Variedades; Ela aí Está, revista,
parica, Moita, Corroios, Alcabideche, Parede e São de J. Galhardo, F. Santos, A. Amaral, F. Ávila,
Domingos de Rana. A sua carreira ficou assina- 1949, Teatro Avenida; O Reboliço, revista, de
lada pelos trabalhos em: Chá e Torradas, revis- A. Vale, A. Nazaré, R. Martins, 1956, Teatro Maria
ta, 1923; Ditosa Pátria, revista, de L. Galhardo, Vitória; Toca a Música, revista, de A. Vale, A. Na-
A. Barbosa, X. Magalhães, L. Rodrigues, 1925, Tea- zaré, E. Salvador, 1957, Teatro Maria Vitória; Com
tro da Trindade; Fox-Trot, revista, de “Uns e Ou- Jeito, Vai!, revista, de J. Galhardo, J. Nobre, J. Maia,
tros” (L. Ferreira, P. Coelho, G. M. Sequeira, A. M. Nunes, 1958, Teatro Variedades; Champanhe
Barbosa, X. Magalhães, A. Carneiro), 1926, Saloio, revista, de F. Santos, C. Lopes, 1959, Tea-
Eden-Teatro; Sete e Meio, revista, de Dois Novos tro Variedades; Está Bonita a Brincadeira, revista,
e Dois Velhos (G. M. Sequeira, P. Coelho, L. O. de F. Santos, N. Barros, 1960, Teatro Avenida.
Guimarães, V. M. Sequeira), 1927, Teatro Apolo; Também atuou em Tiro ao Alvo; Piparote; Aqui
Mãe Eva, revista, de L. Ferreira, F. Santos, S. Ta- del-Rei; 31; Tim Tim por Tim Tim; O Gato Pre-
vares, A. Carneiro, 1928, Teatro Variedades; to; As Onze Mil Virgens; Rataplan; Manda Quem
Manda Quem Pode, revista, de L. Ferreira, L. Pode; Pirilau; Pega-me ao Colo; Verde Gaio. Par-
Lauer, A. Santos, V. M. Sequeira, 1929, Teatro da ticipou nos filmes: O Diabo em Lisboa, 1926, de
Trindade; Pó de Maio, revista, de F. Bermudes, Rino Lupo; Fátima Milagrosa, 1926-1928, como
J. Bastos, P. Coelho, 1929, Teatro da Trindade; figurante; A Minha Noite de Núpcias, 1931; Bea-
A Bola, revista, de A. Barbosa, J. Galhardo, 1930, triz Costa Memorialista, 1932, de Artur da Cos-
Teatro Avenida; O Cavaquinho, revista, de C. Ataí- ta Macedo; A Canção de Lisboa, 1933, de Coti-
de, C. Rodrigues (2.a fase), 1930, Teatro Varie- nelli Telmo; O Trevo de 4 Folhas, 1936, estreia
dades; O Rei do Petróleo, comédia [a única que no cinema Tivoli; Aldeia da Roupa Branca, 1939,
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ambos de Chianca de Garcia; Lisboa, Crónica Ane- -111, 112, 114, 115, 116, 121, 123, 134, 137, 149, 151, 169,
dótica, de Leitão de Barros; A Varanda dos Rou- 171, 174, 210, 236, 237, 249; “Beatriz Costa, Símbolo da
revista à portuguesa, o adeus à menina da franja”, Au-
xinóis, 1939, de Leitão de Barros, como figurante. tores, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Autores, n.o 147,
Da discografia refira-se: Inesquecível Beatriz, Ca- abr-jun, 1996, pp. 37-38.
ravela/EMI; Grande Marcha de Lisboa, Orla; Ca- [J. P. C.]
chopa não É Sopa, Carioca. Das críticas na co-
municação social destacamos: Ditosa Pátria, Maria da Conceição Damas Brazão
“[...] Desejamos ainda fazer referência especial a Republicana, feminista e maçónica. Irmã mais
Beatriz Costa, figurinha de rara gentileza e notável nova de Adelaide Cabete, nasceu em Elvas, a 22
atriz de excelentes aptidões [recém-chegada do de dezembro de 1873. Dentista pela Escola
Brasil]”, P. B. A., Diário de Notícias, 08/07/1925, Médico-Cirúrgica de Lisboa, foi iniciada na
p. 2; Mexilhão, “[...] Só tenho a dar-lhe os para- Loja Humanidade, em 26 de janeiro de 1911,
béns... Beatriz Costa (já gastei todos os meus ad- “com o nome simbólico de Madame Curie, que
jetivos com esta rapariga) continua a ser, com jus- alterou para “Madame Staël” em 21 de março de
tiça a favorita do público. Pena é que não saibam 1912” [António Ventura, p. 322], e manteve mi-
aproveitar as suas qualidades raras, o seu talen- litância na Liga Republicana das Mulheres Por-
to instintivo de grande fantasista... [...] Dos nú- tuguesas e no Conselho Nacional das Mulheres
meros que lhe couberam destaco o ‘Burrié’, Portuguesas até partir para a Índia Portuguesa,
música de Raul Ferrão que vai dar a volta a Lis- no final da década de 1910, onde casou com As-
boa e que tem, sem favor, um excelente recorte censão Chateaubriand Baracho, natural de Sal-
popular [...]”, A. F., Diário de Notícias, sete, Goa. Faleceu em Lisboa, a 28 de fevereiro
07/11/1931, p. 3; Fogo de Vistas, “[...] Beatriz de 1943, com 59 anos de idade.
Costa reapareceu, mais gaiata e mais viva do que Bib.: António Ventura, A Maçonaria no Distrito de Por-
nunca e alegra o palco, esta rapariga que pare- talegre (1903-1935), Caleidoscópio, 2007, p. 322.
ce fazer rir sem saber porquê com desenvoltura [J. E.]
estouvada e imprevista, livre de peias e de pre-
conceitos [...]”, F., Diário de Notícias, 14/05/1933, Maria da Conceição de Lemos Coelho de
p. 2; O Trevo de 4 Folhas, “[...] Beatriz Costa está Magalhães
um mimo, um verdadeiro amor no duplo papel Fotógrafa portuguesa, nasceu em 1863 e faleceu
que lhe foi atribuído [...]”, Diário de Notícias, em 1949. Casou com o político e escritor Luís de
02/05/1936, p. 5. Magalhães (1859-1935), um dos mais jovens re-
presentantes da Geração de 70. Viveu na Quin-
Da autora: “Páginas das minhas memórias”, Cinéfilo, Ano
5.o, 28/05 a 12/11/1932; Sem Papas na Língua, 1975; ta do Mosteiro, em Moreira da Maia, onde os fi-
Quando os Vascos Eram Santanas... e não só, 1977; Mu- lhos cresceram. Segundo António Sena, Maria
lher sem Fronteiras, 1981; Nos Cornos da Vida, 1984; Lemos de Magalhães, como mais correntemen-
Eles e Eu, 1990. te era conhecida, não se interessou apenas pelo
Bib.: Américo Lopes de Oliveira e Mário Gonçalves Via-
na, Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis, Porto, Lel-
registo fotográfico, conferindo igualmente aten-
lo & Irmãos, 1967, pp. 288-289; Enciclopédia Verbo, Luso- ção ao tratamento laboratorial e ao estudo da quí-
-Brasileira de Cultura, Ed. Século XXI, Vol. 8, Lisboa- mica aplicada à fotografia. Publicou vários cli-
-São Paulo, Editorial Verbo, s.a., p. 261; Grande Dicionário chés n’A Arte Fotográfica. Na revista inglesa The
Enciclopédico Ediclube, vol. VI, Alfragide, Ediclube, s.a., Studio ficou registada a fotografia Efeito de Nu-
p. 1780; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
Vol. 7, Editorial Enciclopédia, Lisboa-Rio de Janeiro, s.a., vens em 1908. São de mencionar os elogios que
pp. 864-865; O Grande Livro dos Portugueses, Lisboa, Cír- o fotógrafo francês Charles Mendel lhe dirigiu
culo de Leitores, 1990, p. 168; João Bénard da Costa, Bea- em carta datada de 1908. Esteve presente na Ex-
triz Costa [texto em que analisa o percurso artístico da posição Internacional de Fotografia Artística e
atriz], Lisboa, Cinemateca Portuguesa, 1996; Luís Fran- Científica de Turim e na Exposição Internacio-
cisco Rebello, História do Teatro de Revista em Portu-
gal, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1982, Vol. 1, pp. 57, nal de Fotografia de Dresden, em 1909. Em 5 de
84, 103, vol. 2, pp. 66, 70, 75, 77, 78, 86, 93, 108, 116, dezembro desse mesmo ano, o fotógrafo Júlio
134, 144, 147, 148, 149, 150, 151, 154, 166, 221, 231; Vas- Worm convidou-a “para fazer parte de um gru-
co Medeiros Rosa, Fotobiografia de Beatriz Costa, Ave- po de amadores que promov[ia] sob os auspícios
nida da Liberdade, Lisboa, Mediatexto, 2003; Vítor Pa-
vão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma história bre-
da Sociedade Portuguesa de Fotografia; uma ex-
ve do Teatro de Revista, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978, posição portuguesa de fotografia moderna”
pp. 44, 47, 53, 55, 58, 60, 61, 69, 86, 92, 94, 95, 100, 107- [Pictorial Photography]. E explicava: “A inicia-
MAR 552

tiva deve-se ao Ex.o Sr. Dr. Afonso Lopes Vieira, lene, discursou Hernâni Cidade, sobre o tema do
nosso ilustre consócio, e o grupo compõe-se referido prémio. Na cerimónia de homenagem
deste senhor, do Ex.o Sr. Dr. Aníbal Bettencourt aos mortos da Grande Guerra, Maria da Con-
nosso Presidente, do Ex.o sr. Alfredo Black, tam- ceição recitou alguns poemas de saudade e de
bém membro da Direcção e por gentil deferên- glorificação e depositou um ramo de flores no
cia daqueles Srs. da minha humilde pessoa. Con- monumento evocativo. Etelvina Arenas de Lima
tamos porém com a honrosa anuência de V. Ex.a Pereira de Eça agradeceu à Casa dos Filhos dos
a fazer parte do grupo iniciador”. Deste convi- Soldados a instituição do Prémio em memória
te resultou a participação, em 1910, no Salão da do marido e manifestou o desejo de visitar tão
Ilustração Portuguesa, voltando a apresentar- prestimosa instituição. Em 22 de dezembro do
se no mesmo espaço em 1914. Fez parte do Bo- mesmo ano, Maria da Conceição Ferreira, jun-
letim Fotográfico, mais uma vez ao lado de Jú- tamente com Maria de Lourdes Sousa Gomes*,
lio Worm, Afonso Lopes Vieira, Alfredo Black Gracinda de Jesus Castro*, José Ferreira das Ne-
e Aníbal Bettencourt. Algumas fotografias re- ves, Alcino de Barros e Armindo de Araújo Tor-
velam um interesse sensível pelos estados da at- res, assinou, em nome de todos os órfãos inter-
mosfera, outras um carácter fortemente intimis- nados na Casa dos Filhos dos Soldados, uma co-
ta, podendo-se encontrar analogias com a pin- municação de homenagem enviada ao marechal
tura de Aurélia de Sousa. Durante a Primeira Joffre, acompanhada de uma contribuição pe-
Guerra Mundial foi presidente da instituição de cuniária para a construção de um monumento
beneficência designada Assistência das Portu- a erigir em Rivesaltes. O documento saudava o
guesas às Vítimas da Guerra* do Porto. A ela se herói da Batalha do Marne, evocava e agradecia
deve, em 1945, a doação do notável retrato de a visita do marechal à Casa dos Filhos dos Sol-
Antero de Quental, datado de 1889, da autoria dados, em 1921. Em 1932, Maria da Conceição
de Columbano Bordalo Pinheiro, ao Museu Ferreira ainda se encontrava na instituição, di-
Nacional de Arte Contemporânea, atual Museu rigida pelo Núcleo Feminino de Assistência In-
do Chiado – MNAC. Não surpreende, portanto, fantil*, pois as raparigas só saíam aos 20 anos
que no espólio de Luís de Magalhães se con- e/ou quando tivessem colocação garantida.
servem cartas de Antero de Quental. Apesar de Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916
deixar expresso na sua correspondência que de- – 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua
testava a política, por ser causa frequente da au- obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos
sência do cônjuge, estava muitíssimo bem in- Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
do Porto, Lda., 1932, pp. 166, 174, 212-213.
formada e era assídua leitora de jornais. Através [N. M.]
da leitura dessas cartas fica claro que partilha-
va com o marido uma paixão comum: as flores. Maria da Conceição Gonçalves
O seu notável espírito e verve transparecem na Republicana e professora portuense, foi regente
epistolografia que se conserva. da Casa dos Filhos dos Soldados desde 15 de ou-
Fontes: BN, Espólio de Luís de Magalhães. tubro de 1918 até à sua extinção. A presidente do
Bib.: António Sena, História da Imagem Fotográfica em Núcleo Feminino de Assistência Infantil*, Filo-
Portugal 1839-1997, Porto, Porto Editora, 1998. pp. 201, mena Nogueira de Oliveira*, no relatório sobre
206, 207, 216, 217; A Arte Fotográfica: Revista mensal
dos progressos da fotografia e artes correlativas, Porto, a instituição, publicado em 1932, elogia “a sua
Fotografia Moderna, 1884-1885. ação firme e disciplinadora, tanto no tratamen-
[S. L.] to e educação das crianças, como nos arranjos do-
mésticos e em procurar por todos os meios ob-
Maria da Conceição Ferreira ter receitas para a Casa”. Maria da Conceição Gon-
Nasceu em 8 de fevereiro de 1914. Órfã, foi in- çalves criou um curso de rendas e bordados para
ternada na Casa dos Filhos dos Soldados, jun- as meninas internadas, cujos trabalhos eram ex-
tamente com um irmão, em 14 de novembro de postos e vendidos em festas e outros eventos, apu-
1920, data em que esta instituição abriu também rando assim “uma receita apreciável”. Na quin-
as suas portas aos órfãos das vítimas da pneu- ta anexa à Casa dos Filhos dos Soldados, na Rua
mónica. Em abril de 1930, foi-lhe atribuído, pela da Cedofeita, cultivava flores, frutas e hortaliças
Junta Patriótica do Norte, o prémio “General Pe- e criava aves e suínos para gastos e para venda,
reira de Eça” em sessão comemorativa do 9 de concorrendo assim para a economia do interna-
abril, data da Batalha de La Lys. Na sessão so- to. Criou também uma cozinha-escola que ha-
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bilitava os internados na arte culinária elemen- tiago de Compostela, que vieram para Portugal
tar, “aliando a isto os estudos da instrução pri- numa companhia de saltimbancos que percor-
mária”. Em todas as festas e datas comemora- reu o país e por aqui ficaram. Quando o pai aban-
tivas, Maria da Conceição Gonçalves preparava donou a família, deixando, sem recursos, Maria
exposições dos trabalhos dos seus educandos, da Conceição, uma irmã de nome Augusta e um
saraus musicais e de declamação, abrilhantados irmão, a mãe empregou-se numa casa de costu-
com o orfeão da casa, dirigido pelo professor Ma- ra e, à noite, trabalhava como corista nos teatros
nuel Tino. Ao lado de Filomena Nogueira de Oli- da Trindade e da Rua dos Condes, onde era co-
veira, acompanhou sempre os internados em to- nhecida por “Muchacha”. Maria da Conceição
das as cerimónias oficiais, solenidades militares estudou canto com Augusto Machado e, como
e outros eventos relacionados com a guerra e os era bonita e de boa figura, reunia as condições
combatentes. Durante alguns anos, foi coadjuvada indispensáveis para impressionar empresários
pela sua irmã, Mécia Gonçalves, durante os quais teatrais e o público. Incentivada pela mãe, es-
“a casa atingiu o ponto mais culminante em to- treou-se, no Teatro da Rua dos Condes, a 18 de
dos os ramos da sua organização”, segundo a opi- julho de 1890, num pequeno papel em O Reino
nião de Filomena Nogueira de Oliveira, presi- de Mulheres, peça fantástica em 4 atos, de Ernest
dente do Núcleo dirigente. Em 1930, o governo Blum, imitação de Sousa Bastos, música de Frei-
da República agraciou-a com as insígnias de Ofi- tas Gazul, com o nome artístico de Palmira Mar-
cial da Ordem de Benemerência, as quais foram tins. O sucesso permitiu-lhe ser incluída na má-
impostas pelo presidente da Junta Patriótica do gica O Reino dos Homens e assumir os papéis
Norte, Dr. Alberto de Aguiar, e pela presidente de “Gatinha Branca” na revista Tam Tam (1891),
do Núcleo Feminino de Assistência Infantil, Fi- de Sousa Bastos, e “A cega” em Magiares.
lomena Nogueira de Oliveira, numa sessão so- Como não pertencia à companhia do teatro, tra-
lene comemorativa de 9 de abril, data da Batalha balhava, como figurante, no Teatro do Rato, onde
de La Lys, em homenagem aos mortos da guerra. teve a oportunidade de entrar na Revista do Ano
A sua dedicação, carinho e espírito de sacrifício de 1890, em 1891. Estreou-se como atriz no Tea-
em prol dos internados, assim como as suas qua- tro da Avenida em A Roupa dos Franceses
lidades de gestão e organização da Casa dos Filhos (1892), opereta de Machado Correia, música de
dos Soldados e os serviços relevantes prestados Freitas Gazul, e agradou muito. Em 1893, a Com-
aos órfãos de guerra foram elogiados, reconhe- panhia Rosas & Brazão, do Teatro D. Maria II, le-
cidos e saudados pelas mais altas individuali- vou-a em digressão ao Brasil e, no regresso, en-
dades civis e militares. trou para o Teatro da Rua dos Condes, onde fez
Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916 os papéis de “Gazetilha”, “Funil”, “Fusil” e “Isca
– 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua de Pederneiro”, em O Sarilho (1893), revista de
obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos Eduardo Fernandes (Esculápio) e Baptista Ma-
Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
do Porto, Lda., 1932, pp. 205-208. chado, e foi muito aplaudida como “André” de
[N. M.] O Burro do Sr. Alcaide, ópera cómica em 3 atos
de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, músi-
Maria da Conceição Martinez ca de Ciríaco Cardoso, papel que fez êxito com
v. Maria da Conceição Martinez de Sousa Pepa Ruiz*. Casou, pela primeira vez, a 1 de ju-
Bastos lho de 1894, na Igreja de S. José, com António
Sousa Bastos (13/05/1844-02/07/1911), trinta
Maria da Conceição Martinez de Sousa Bastos anos mais velho, que tinha enviuvado recente-
Atriz, conhecida por Palmira Bastos, que se no- mente e ficado com um filho. Desta união teve
tabilizou em todos os géneros teatrais, ensaiadora duas filhas, Joana e Amélia Sousa Bastos. O Tea-
e empresária. De nome próprio Maria da Con- tro da Trindade era, então, explorado por uma
ceição Martins ou Martinez, nasceu em Alde- sociedade artística sob a direção de Sousa Bas-
gavinha (ou Aldeia Gavinha), freguesia de San- tos que a levou para o elenco, fez dela a estrela
ta Maria Madalena, concelho de Alenquer, a 30 das suas produções e uma das maiores figuras
de maio de 1875, e faleceu em Lisboa a 10 de do teatro português. Foram-lhe distribuídos
maio de 1967. Era filha de Pedro Echavenio Mar- papéis de importância nas revistas Sal e Pimenta
tinez, natural de Valladolid, província de Cas- (1894), em 5 atos e 12 quadros, e Tim Tim por
tela-a-Velha, e de Dolores Rey, natural de San- Tim Tim, em 3 atos, de Sousa Bastos, e no re-
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pertório apresentado na digressão que a com- ra e nítida fisionomia expressiva [...] vibração dos
panhia organizou para o Brasil, em 1895, per- nervos e calor da palavra que se requerem para
correndo os teatros dos estados do Rio de Janeiro, a reprodução em cena das paixões ardentes dos
S. Paulo e Pará. De volta ao Teatro da Trindade, dramas violentos”, segundo o ensaiador Augusto
na época de 1896/97, cantou os papéis de de Melo [Sousa Bastos, Dicionário, p. 285]. Re-
“O Príncipe” da Gata Borralheira, mágica em 3 gressou ao Brasil, na Companhia Rosas & Brazão
atos e 4 quadros, arranjo de Joaquim Augusto de e, na volta, estreou-se no Teatro D. Maria II, em
Oliveira, música de Frondoni, e “Manuela”, em Os Filhos Alheios (1904), de Eugène de Brieux,
Noite e Dia, ópera burlesca em 3 atos de Eduardo tradução de Portugal da Silva. No ano seguinte,
Garrido e Cardoso Leoni. Em 1897, a Socieda- passou, com a Companhia Rosas & Brazão,
de Artística do Trindade deu lugar à Empresa para o Teatro D. Amélia e ali representou as pe-
Sousa Bastos & Cia. que introduziu no progra- ças fantásticas Vénus, em 3 atos, arranjo de Acá-
ma o teatro declamado e Palmira Bastos abordou cio Antunes, música de Augusto Machado, e Via-
o novo género no drama A Honra (1897), de Su- gens de Gulliver; criou o “Príncipe José”, em tra-
dermann, tradução de Maximiliano de Azeve- vesti, de O Grande Cagliostro (1905), original de
do, e os aplausos do público incentivaram-na a Carlos Malheiro Dias, “Josette”, protagonista de
aceitar os papéis de “Mi-Mi”, em Boémia (1897), Minha Mulher Noiva de Outro, comédia de P.
“Fanfan”, em Dois Garotos, drama em 5 atos e Galvaut, O Amor não Dorme, de Flers e Cailla-
7 quadros de Pierre Decourcelle, e Musotte, de vet, e Verónica, ópera cómica de Messager
Guy de Maupassant e Jacques Normand, ambas (1907). Depois de outra viagem de trabalho pelo
traduzidas por Guiomar Torrezão, João Darlot Brasil, cantou um papel na revista A Nove (1909),
(1898), de Legendre, e “Maria”, em Auto dos Es- de Sousa Bastos, música de Assis Pacheco e To-
quecidos (1898), drama em 3 jornadas e 1 pró- más Del Negro, no Teatro da Avenida. Em 1911,
logo, em verso, original de Sousa Monteiro, peça voltou ao Trindade e ao teatro musicado, con-
premiada no Concurso do Centenário da Índia, tratada pela Empresa de Afonso Taveira, e ali per-
que representou ao lado da atriz Virgínia* e dos maneceu até 1914. Nestes anos, brilhou nos pa-
atores Augusto de Melo e Ferreira da Silva. Pros- péis de “Alice” em A Princesa dos Dólares
seguiu, representando as peças que a direção lhe (1912), opereta alemã em 3 atos, de A. M. Wil-
determinava: Brasileiro Pancrácio (1898), peça ner e Fritz Gambaum, tradução de Ernesto Ro-
de costumes populares, em 3 atos, de Sá de Al- drigues e Félix Bermudes, com música de Leo
bergaria, música de Freitas Gazul, as óperas có- Fall, vestida pela Casa Pilar e largamente pu-
micas Bocácio (1898), em 3 atos, traduzida por blicitada nas capas de revistas; “Clarinha”, na re-
Eduardo Garrido, música de Frédéric de Suppé, prise de A Musa dos Estudantes (1912), ópera
A Gran Duquesa de Gérolstein (1898), em 3 atos cómica em 3 atos e 5 quadros, de Cunha e Cos-
e 4 quadros, de Henri Meilhac, versão de Eduar- ta e Machado Correia, música de Tomás Del Ne-
do Garrido, música de Offenbach, e A Fada do gro; “Mary”, a protagonista de O Rei das Mon-
Amor, mágica, arranjo do italiano por Sousa Bas- tanhas (1912), ópera cómica em 3 atos, extraí-
tos e Acácio Antunes, musicada por Freitas Ga- da do romance francês de About por Victor Léon,
zul. Em 1899, a companhia foi, de novo, ao Bra- traduzido por Acácio Antunes, música de Franz
sil. De regresso a Lisboa, Sousa Bastos deixou o Lehar; criou “Susana”, em A Casta Susana
Teatro da Trindade e Palmira entrou para a Com- (1912), opereta em 3 atos de Georg Okonskowski,
panhia de Ciríaco Cardoso, no Teatro da Avenida, música de J. Gilbert, tradução de E. Nascimen-
onde trabalhou entre 1900 e 1903, criando A Bo- to Correia, “Eva” (1912) da opereta alemã do mes-
neca (1900), ópera cómica em 3 atos e 5 quadros, mo nome, em 3 atos, de A. M. Wilner e R. Bo-
de Maurice Ordenneau, tradução de Acácio An- dasky, tradução de M. Pereira, música de Franz
tunes e Sousa Bastos, música de E. Audran, e Ti- Lehar, O Soldado de Chocolate (1913), em tra-
ção Negro (1901), farsa lírica em 3 atos, sobre mo- vesti, de Srauss; fez A Honra Japonesa (1913),
tivos de Gil Vicente, original de Henrique Lopes de Paulo Anthelme, traduzida e adaptada por
de Mendonça, música de Augusto Machado, a Melo Barreto. Em 1914, a Companhia Palmira
que a família real assistiu e aplaudiu. Em 1903, Bastos estreou-se, na inauguração do Eden-
declarou à imprensa que se iria dedicar, defi- -Teatro, com a reprise de O Burro do Sr. Alcai-
nitivamente, ao teatro declamado, género que se de e, além doutras peças do seu repertório, criou
adequava às qualidades da atriz pela “dicção cla- o papel da protagonista de Princesa da Boémia
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(1914), ao lado de Almeida Cruz, de “Mefistó- dade, 1925); A Severa de Júlio Dantas, na inau-
feles”, em A Feira do Diabo, sátira em 1 ato, e guração do Teatro Joaquim de Almeida, situada
Maridos Alegres (1914), de Georg Okonskows- na Praça do Brasil, em Lisboa (1925); A Ceia das
ki, música de Max Gabriel. A convite de Lino Fer- Sogras, comédia (Politeama). O Teatro do Gi-
reira, dirigente da Sociedade Artística do Tea- násio, destruído por um incêndio em 1921, rea-
tro Nacional (denominação do Teatro D. Maria briu em 1925 com uma companhia de que fazia
II entre 1910 e 1939), foi a este teatro represen- parte Palmira Bastos, com Vida e Doçura, de Mar-
tar “Helena” em O Coração Manda (1915), de tinez Sierra e Santiago Roussinol, tradução de
François Croisset; representou O Infante de Sa- Feliciano Santos e Mário Duarte, a que se se-
gres (1916), drama épico em 4 atos, de Jaime Cor- guiram Banca à Glória, de A. Savoir, e O Rosá-
tesão, no Teatro República, e pouco depois par- rio, adaptação do romance do mesmo nome de
tiu para o Brasil, na companhia de opereta de Florence Barclay, por Bisson (1926). Na época
Luís Galhardo que, em 1916, tomou o lugar de de 1927/28, numa companhia em que também
gerente da Sociedade Artística daquele teatro. figuravam Maria Júdice da Costa e Alexandre
A 21 de julho de 1917, casou, em segundas núp- Azevedo, montou e participou na representação
cias, com o ator, tenor, encenador e empresário das peças A Flor de Laranjeira, de A. Birabeau,
António Monteiro de Sousa Almeida Cruz, A Noite do Casino, de Ramada Curto, e Eva Nua
quatro anos mais novo, união que durou pouco e Crua, de P. Nivoix, Os Revoltados, de E. Fabre,
tempo. Passou pelo Teatro da Avenida e, em com Alves da Cunha, Terra de Ninguém (1930),
1918, formou uma companhia, com Ilda Sti- de C. Curel. No ano seguinte, ingressou na Com-
chini*, Maria Pia* e Eduardo Brazão, que mon- panhia Rey Colaço-Robles Monteiro, no Teatro
tou, no Teatro do Ginásio, as peças Marionettes Nacional, criando A Fuga (1932), de Duvernois,
(1918), de Pierre Wolff, A Morgadinha de Val- Ciclone (1932), de Sommerset Maugham, foi Leo-
flor (1918), drama em 5 atos de Pinheiro Chagas, nor Teles, drama em 5 atos de Marcelino Mes-
Altar da Pátria (1918), a partir da peça L’Éleva- quita, e Frei Luís de Sousa (1932), teve papéis
tion de Henry Bernstein, tradução de Melo de grande importância em Aquela Noite (1933),
Barreto, O Libertino, de Piñero, A Cadeira n.o 13, de L. Zilahy, D. Afonso VI (1933), drama histó-
de B. Veiller, A Dama Branca, de Quintero, O Se- rico de D. João da Câmara, Mademoiselle (1934),
gredo, de Bernstein, Ninho de Águias, de Car- de J. Deval, Sol Poente (1934), de Ramada Cur-
los Selvagem e, no Teatro da Avenida, A Flor da to, Madre Alegria (1935), de Sevilha e Sepúlveda,
Seda, de Pierre Decourcelle e A. Maurel, e Sua e Tá Mar (1936), de Alfredo Cortez. Passou pelo
Magestade, de M. Wachell (1919). A 19 de maio Teatro da Rua dos Condes, onde pôs em cena
de 1919, integrou a nova Sociedade Artística Ama e Senhora (1936), de A. Torrado e L. Na-
do Teatro Nacional, sob administração de Luís varro, e, na época de 1936/37, fez parte do elen-
Galhardo, participando no desempenho de co do Teatro da Trindade, onde protagonizou
D. João Tenório, de Zorrilha, Idade de Amar, de Mamã Bonita, Papirusa e Sete Mulheres; foi ao
Pierre Wolff, Montmartre, de P. Frondaie, Pipiola, Teatro das Variedades cantar na revista Olaré
dos irmãos Quintero. A partir de 1920, repre- quem Brinca (1937), de Alberto Barbosa, J. Ga-
sentou em todos os teatros de Lisboa: protago- lhardo, Vasco Santana e A. do Vale. A Empresa
nizou Adeus Mocidade, opereta em 3 atos, Rey Colaço-Robles Monteiro integrou-a no Tea-
A Dama das Camélias, drama em 5 atos, de Ale- tro Nacional a partir de 1938 e ali ficou somando
xandre Dumas, filho, tradução de António Joa- êxitos em Maria Stuart (1938), de Schiller,
quim da Silva Abranches, e Os Conquistadores, Tempos Modernos (1940), de Olga Guerra, Ven-
de C. Méré (Avenida, 1921); Mamã Colibri, de daval (1941), de Virgínia Vitorino, Electra e os
Henri Bataille, e A Chama, de C. Méré (S. Car- Fantasmas (1943), de O’Neill, Pátria (1943), de
los, 1923); Maria Antonieta, drama em 5 atos, de Vasco Mendonça Alves, O Leque de Lady Win-
Giacometti, tradução de Ernesto Biester, e A Fei- dermere (1944), de Oscar Wilde, Napoleão
ticeira, de Victorien Sardou (S. Luís, 1924); re- (1946), de Paul Paynal, Um Marido Ideal (1946),
petiu Idade de Amar, em cujo desempenho en- de Oscar Wilde, A Casa de Bernarda Alba
trou a sua filha Amélia Bastos (Trindade, (1948), de Garcia Lorca, Paulina Vestida de Azul
06/12/1924); A Tosca, de Victorien Sardou (1948), de Joaquim Paço d’Arcos, As Meninas da
(1924); protagonizou A Intrusa, que Luna de Oli- Fonte da Bica (1948), de Ramada Curto, Outo-
veira escreveu propositadamente para ela (Trin- no em Flor (1949), de Júlio Dantas, As Árvores
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Morrem de Pé (1951 e 1962), de Alejandro Ca- reprise de Ciclone, no Teatro S. Luís, a 15 de de-
sona, Trapo de Luxo (1952), encenado por Cos- zembro de 1966, na despedida do ator Raul de
ta Ferreira, Para Cada Um Sua Verdade (1955), Carvalho. Foi agraciada com a Medalha de pra-
de Pirandello, Avó Lisboa (1956), Alguém Terá ta da Cidade de Lisboa (1947) e as Insígnias do
de Morrer (1956), de Luiz Francisco Rebello, e Cruzeiro do Sul, pelo governo brasileiro (1954);
Amor à Antiga (1957), de Augusto de Castro. En- recebeu os Prémios António Pinheiro de Ence-
tre 1957 e 1958, esteve gravemente doente, re- nação em 1955 e, aos 90 anos, pela peça Para
gressando ao palco do Teatro D. Maria II para in- Cada Um Sua Verdade, foram-lhe atribuídas as
terpretar o papel “Ethel Savage” da comédia ame- insígnias da ordem de Santiago da Espada, numa
ricana Uma Mulher Extraordinária (1958), de cerimónia que decorreu no gabinete do minis-
J. Patrick, e representar Diálogo das Carmelitas tro da Educação Nacional (1959). Em 1960,
(1959), de Bernanos, Maribel e a Estranha Fa- numa viagem ao Brasil patrocinada pelo SNI
mília (1960), de Mihura, A Nova Vaga (1961), co- a convite do Centro de Turismo de Portugal,
média de Barillet e Gredy, versão de Francisco esteve no Rio de Janeiro e recebeu a Medalha de
Mata, ao lado de Raúl de Carvalho, e Tartufo Reconhecimento da Associação Luso-Brasileira
(1963), de Molière. Outras peças do seu reper- de S. Paulo; foi distinguida com o Prémio Lu-
tório: Israel (1942), peça em 3 atos de Henri cinda Simões de Interpretação Feminina, no
Bernstein, no Teatro da Avenida, repetida em Concurso de Teatro Declamado Profissional, pela
1943 com encenação da atriz; A Rival e O Ins- atuação em Ciclone (1965), de Somerset Maug-
tinto, ambas de Kistemaeckers (1942); Irmãos de ham, com o Colar da Comenda da Ordem de
Armas (1943), de Henri Bataille, e Miss Mabel Cristo, pelo Presidente da República Portuguesa
(1949), de Sherriff, no Teatro da Trindade; A Mu- (1965). Vivia num 5.o andar da Rua Brancaamp,
lher, de E. Giraud, e Entre os Lobos, de G. Tou- em Lisboa. O seu nome ficou ligado a uma rua
douze, no Teatro de S. Carlos (1927). Contrace- da Freguesia de Marvila, por edital de 4 de no-
nou em vários teatros e digressões: A Bisbilho- vembro de 1970.
teira (1944), comédia em 3 atos de Eduardo Bib.: Acácio Antunes, “Palmira Bastos” [c/retrato], Al-
Schwalbach; Perichole, ópera cómica de Henri manaque dos Palcos e Salas para 1903, Lisboa, Arnal-
Meilhac, com música de Offenbach; Zazá, peça do Bordalo, Editor, 1904, pp. 2-4; Américo Lopes de Oli-
em 5 atos, de Pierre Berton & Charles Simon, tra- veira, Dicionário de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Ir-
mão, Editores, 1981, pp. 121-122; António Sousa Bastos,
dução de Eduardo Garrido; Fédora, drama em Carteira do Artista, Lisboa, Sousa Bastos, Antiga Casa Ber-
4 atos, de Victorien Sardou, tradução de Aristides trand, 1898; Idem, Dicionário do Teatro Português, Lis-
Abranches e Eduardo Brazão; Filhos do Capitão boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 284-286; Ápio
Mor, de Eduardo Schwalbach, música de Au- Garcia, Palmira Bastos, A Primeira Dama da Cena Por-
tuguesa, Lisboa, Editora «JAL», 1965; Eduardo Fernan-
gusto Machado e Del Negro; A Cigana, arranjo des (Esculápio), Memórias, Lisboa, Parceria António Ma-
de Acácio Antunes e Machado Correia, a partir ria Pereira, 1940, pp. 105 e 122; Esteves Pereira e Gui-
de Petite marquise de Ludovic Halévy e Henri lherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, coro-
Meilhac; Barba Azul, ópera burlesca em 3 atos gráfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático
e Artístico, Vol. II, Lisboa, João Romano Torres – Editor,
e 4 quadros, tradução de Francisco Palha, mú- 1906, pp. 206-207; Grande Enciclopédia Portuguesa
sica de Jacques Offenbach; Espada de Fogo e Im- e Brasileira, Vol. VI, Editorial Enciclopédia, Lisboa/Rio
péria, ambas de Carlos Selvagem; A Senhora das de Janeiro, p. 351; Guiomar Torrezão, “Através do binó-
Brancas Mãos; O Amor Precisa de Escolas; A Mu- culo”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, n.o 8,
ralha, O Processo de Jesus, Toque de Recolher, 19/02/1881, p. 59; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo
e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da
Grades Floridas, Direitos Paternos, Solar de Mur- Câmara Municipal de Lisboa, 1967; Joaquim Madureira
ta. Entrou no filme do cinema mudo (o único que (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira &
fez), O Destino, de George Pallu, produzido pela Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 479; J. M. Teixeira de
Companhia Cinematográfica do Porto, em 1922, Carvalho, Teatro e Artistas, Coimbra, Imprensa da Uni-
versidade, 1925, p. 214; Luiz Francisco Rebello (dir.), Di-
ao lado dos atores António Pinheiro e Maria cionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978,
Clementina*, entre outros. Aldeia Gavinha, pp. 83-85; Manuel Alves de Oliveira e Manuela Rego,
sua aldeia natal, prestou-lhe homenagem a 22 O Grande Livro dos Portugueses: 4000 personalidades
de novembro de 1962 e foi colocada uma lápi- em texto e imagem, [Lisboa], Círculo de Leitores, 1990,
p. 85; Mário Jacques / Silva Heitor, Actores na Toponímia
de comemorativa na casa onde nasceu. A 15 de de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Comissão
dezembro de 1966 gravou, em disco, a canção Municipal de Toponímia, 2001, pp. 141-142; Memórias
Ai Jesus!. A última peça que representou foi uma de Eduardo Brazão, que seu filho compilou e Henrique
557 MAR

Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa da nhar as batatas do João “Fouce” (marido da so-
Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., p. 160; Tomaz Ribas, brinha e afilhada), no dia seguinte fazia-se o con-
O Teatro da Trindade, Porto, Lello & Irmão, Ed., 1992,
pp. 31-32; Tardes e Noites, n.o 1, 11/11/1897, p. 11; A Sce- trário. Esta ajuda não era pesada, nem medida
na, Lisboa, n.o 38, 22/01/1898, n.o 54, 15/05/1898, n.o 59, nem calculada, porque cada um contribuía
19/06/1898, n.o 61, 03/07/1898, n.o 63, 17/07/1898; “As com o que tinha. Quem tinha uma junta de va-
nossas gravuras”, O Ocidente, Lisboa, n.o 734, 20/05/1899, cas, lavrava as terras e recolhia a lenha de quem
p. 110, n.o 843, 30/05/1902, n.o 1123, 20/02/1912, pp. 39- não tinha, mesmo que em troca recebesse ape-
-40, n.o 1258, 10/12/1913, p. 387; Almanaque Bertrand
para 1900, Lisboa, José Bastos, Editor, Lda., Tipografia nas um copo de vinho ou um “Deus te pague”!
Casa Bertrand, 1899, p. 16; O Século, 02/08/1904, p. 2; No entanto, ai daquele que, podendo, pagava
O Palco, n.o 1, 08/01/1912, p. 12, n.o 3, 05/02/1912, com menos do que aquilo que recebera! Só a en-
pp. 44-45, n.o 5, 05/03/1912, p. 69, n.o 6, 20/03/1912, p. 85, treajuda permite explicar como é que uma
n.o 7, 05/04/1912, p. 103, n.o 8, 05/05/1912, p. 115, n.o 9,
20/05/1912, p. 139; “Teatros”, Ilustração Portuguesa,
mulher sozinha pôde criar tantos filhos, sem dei-
n.o 418, 23/02/1914, p. 230; Almanaque das Senhoras xar que nenhum lhe morresse. Esse era, aliás,
para 1915, Lisboa, António Maria Pereira, Livraria Edi- o seu orgulho, e é de realçar porque, ao tempo,
tora, 1914, pp. 177-178 [c/retrato]; O Teatro, Lisboa, as taxas de mortalidade infantil eram tremen-
n.o 1, janeiro, 1918, p. 2, n.o 2, fevereiro, 1918, p. 29, n.o 7, das, particularmente em Rebordaínhos, aldeia
junho, 1918, p. 115; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
06/12/1924, p. 5; “Morreu Palmira Bastos, glória do tea- sem médico, com ligações precárias a Bragan-
tro português”, O Século, 11/05/1967, pp. 1 e 9. ça e à distância de 4 km, a pé e por maus ca-
[I. S. A.] minhos, da estação de comboios mais próxima.
No inverno, o isolamento era total, devido à neve
Maria da Conceição Pires que caía com vigor. A ausência do marido dei-
Nasceu em Rebordaínhos, concelho de Bragança, xou Maria da Conceição só, mas não desacom-
a 20 de maio de 1897 e faleceu, na mesma panhada. Ela não tinha frequentado a escola
povoação, a 16 de maio de 1973. Maria da Con- (que, à data do seu nascimento, era luxo dado a
ceição representa a típica mulher transmontana poucos e, quase só, aos homens), mas aos filhos
rural: altiva, conservadora, independente, ba- mandou-os aprender a ler e a escrever, prescin-
talhadora. Como quase todos os moradores, tam- dindo da ajuda dos seus braços e beneficiando
bém ela tinha uma alcunha: a “Vermelha”, não da abertura da escola na aldeia, por instâncias
por questões políticas, que tais informações não de dois irmãos professores que aí a construíram,
chegavam a tão longe, mas pela cor da pele de a expensas próprias. Pressentia a importância
que tinha supremo orgulho. Quem nasceu no fim da alfabetização e, por isso, era implacável com
do séc. XIX beneficiou do fim das leis do mor- os filhos no que diz respeito ao cumprimento
gadio e, por isso, Maria da Conceição tinha bens dos deveres escolares: ela, que desconhecia as
e casa próprios, embora as leiras fossem poucas letras, obrigava-os a ler alto, a fazer as contas,
e pequenas (consequência imediata da divisão a cantar a tabuada e, sem que ninguém suspei-
da propriedade), acrescentadas, após o casa- tasse, de tanto insistir com a miudagem, apren-
mento, com os escassos bens do marido. Do ca- deu a ler por si. À medida que os garotos iam
samento nasceram seis filhos, todos rapazes, mas deixando a escola, punha-os “a servir”, expres-
o marido, que não devia ter jeito para tanta ga- são que significa ir trabalhar para outra casa
rotada, alegando que ia em busca de sustento em troca de sustento, aliviando as finanças fa-
para a família, emigrou para França e por lá se miliares e aprendendo a ser homens. Quando
sumiu. Fez-se morto e ela matou-lhe a memó- tiveram idade, também eles emigraram, que as
ria, nunca mais lhe pronunciando o nome e ja- leiras não bastavam para sustentar tanta gente
mais se referindo a ele. No mundo rural prati- e mais a família que estava na altura de cons-
ca-se a endogamia, condição que, a par da ne- tituírem. Uns foram para o Brasil e outros para
cessidade de sobrevivência, estará na origem de França, isto já por volta dos anos 40/50 do séc.
uma complexa e eficiente teia de entreajuda. To- XX. Em regiões tão isoladas como Rebordaínhos,
dos se conhecem mas, sobretudo, há laços de se o povo precisa de alguma coisa, é o povo que
sangue a unirem quase todos os moradores de tem de lançar mãos ao trabalho, talvez remi-
uma mesma aldeia, por isso, se a falta de riqueza niscências do tempo em que se orgulhava da
impede a contratação de “mão de obra”, o au- qualidade de concelho, antigo como a Idade Mé-
xílio mútuo é solução para as questões materiais. dia. A água canalizada foi obra do povo, do seu
Assim, se num dia a “Vermelha” ajudava a apa- dinheiro e trabalho e, de tudo o que lá existia
MAR 558

antes da revolução de Abril, só a casa do povo plantados de raiz para o ar. A terra é do povo e
(e as obras de transformação da escola) foi obra para serviço do povo. Povo deve, aqui, enten-
do poder central salazarista, mas a essa o povo der-se como comunidade de vizinhos, os mo-
pouco ligava, insistindo na prática de realizar radores dos concelhos medievais, senhores da
as assembleias de freguesia no adro da igreja, à vila e do seu termo. É que, embora o concelho
saída da missa de domingo, mantendo-lhe a de- de Rebordaínhos tenha sido extinto com a re-
signação de “reunir a concelho”. Aí se partia a forma liberal, as ideias de posse, pertença e au-
água comum para a rega e se discutiam e re- tonomia haveriam de sobreviver por muito
solviam todos os assuntos do interesse geral. tempo. Só nestas ocasiões é que o Estado Novo
A igreja era, por excelência, o centro da vida da era afrontado, não por ser o que era, que nin-
aldeia. Senhores de uma fé inquebrantável, ho- guém sabia nada de ideologias políticas, mas por
mens e mulheres cuidavam do sagrado com o querer imiscuir-se e mudar coisas tidas como cer-
mesmo desvelo com que cuidavam da vida dos tas e de direito. Talvez por isso, as crianças con-
seus. Maria da Conceição não era diferente: to- tinuassem a jogar, dizendo enquanto os mais ve-
dos os dias rezava o terço – com os filhos en- lhos aplaudiam: “Ó vilão do cabo, cheira a pão
quanto os teve consigo; com a família da afilhada queimado, quem é que o queimou? / Foi o rei
quando ela constituiu a sua – e todos os do- que aqui passou! / Que seja morto e enforcado
mingos se aprumava para ir à missa. Nunca ves- co’as cordinhas de Santiago!” Rebordaínhos era
tiu senão saias rodadas e compridas, embora gos- uma sociedade semi-matriarcal: se a lei do país
tasse da blusa justa e do seio moldado pelo cor- dava o exclusivo do poder aos homens, lá, a von-
pete. Os braços trazia-os cobertos, porque a pele tade da mulher era determinante. A mulher de-
queria-se branca e macia e ela foi sempre cio- cidia, desde a administração do dinheiro feito
sa do seu metro e meio de beleza. À cabeça pu- com a venda de animais e produtos agrícolas,
nha o lenço para o trabalho e o véu para ir à mis- à educação dos filhos, embora fosse o homem
sa, e nos pés calçava botins, invariavelmente. a dar a cara, por a lei assim o exigir. Em tudo o
Lá pelos anos 1960/1970, a minissaia haveria de resto, os trabalhos eram partilhados, feitos em
desagradar-lhe mais do que a moda de as ra- igualdade, embora a mulher não lavrasse a ter-
parigas vestirem calças, as “pantalonas”, como ra e o homem não cozinhasse. Estas mulheres
eram designadas de modo depreciativo. Pelo não eram domésticas, iam para o campo por o
sino da igreja sabiam-se as horas e, do púlpito, seu trabalho ser indispensável ao sustento da fa-
ouvia-se falar dos acontecimentos importantes. mília. Talvez por isso, o ciúme fosse coisa rara
Foi deste modo que Maria da Conceição tomou (e quem desse mostras dele ver-se-ia pateado no
conhecimento do regicídio (e não se sabe com Entrudo seguinte!) e proliferassem os filhos bas-
quem terá aprendido a canção que nunca se im- tardos, os “zorros”. Os atos de infidelidade in-
portou de cantar aos mais novos: “Ó Buíça, ó comodavam a tia “Vermelha”, cuja reputação era
Buíça / Ó Buíça de Vinhais / Mataste o rei D. Car- impoluta, mas fazia como os outros: comenta-
los / Com quatro tiros mortais”), da implanta- va, dizia “valha-a Deus”, aconselhava a mudança
ção da República e da sua queda, com o 28 de de comportamento e nada mais, porque o nas-
maio. Mas estas eram notícias distantes, que pou- cimento é coisa sagrada, todos são filhos de Deus
co alteravam o dia-a-dia das pessoas da aldeia: e, acima de tudo, as mulheres não engravidam
tomava-se conhecimento delas e pronto, a vida “andam de menino”. O correio chegava todos
seguia no ritmo de sempre. Com o Estado os dias, desde que havia comboio. Um casal, que
Novo já não foi bem assim. A ditadura almeja- recebia pequena subvenção dos CTT, encarre-
va chegar a todos os cantos do território nacio- gava-se de o ir buscar à estação, ele em cima do
nal e, apesar do apregoado apreço pela tradição, burro, por ser cego, ela a pé, para conduzir o bur-
não admitia exceções aos planos traçados em ro. Nunca falharam um dia que fosse. À mesma
Lisboa. Se esses planos contrariavam o que sem- hora, lá paravam eles na taberna (onde existia
pre se tomara como certo, o povo de Rebordaí- o único telefone), para entregar o saco cujo con-
nhos reagia, tal como aconteceu com a decisão teúdo era ali mesmo distribuído, como se se per-
de transformar os baldios em pinheirais. Com petuasse a cena de A Morgadinha dos Canaviais.
isso, nem a “Vermelha” nem ninguém podia pac- Era assim que Maria da Conceição recebia as car-
tuar mas, ao invés de afrontar diretamente o po- tas dos filhos que lhe escreviam frequentemente.
der da GNR, resolveu-se que os pinheiros seriam Recolhia-as, beijava-as e ia-se embora para as ler
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sozinha, não aceitando compartilhar esse mo- senho industrial, auferindo, em conformidade
mento íntimo com ninguém. Maria da Concei- com a tabela anexa ao referido decreto, um ven-
ção Pires aprendera a ler com os filhos, mas não cimento de 300$000 réis anuais.
aprendeu a escrever! A afilhada, primeiro, e os Fontes: Decreto de 14/12/1897, Diário do Governo,
filhos da afilhada, depois, foi quem lhe valeu para n.o 283 de 15/12/1897; Anuário Comercial de Portugal,
poder dar resposta. Exigia sempre que a carta, Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910; Portugal,
acabada de escrever, fosse relida, não faltasse al- Ministério da Fazenda, Direcção Geral da Estatística e dos
Próprios Nacionais, Anuário Estatístico de Portugal. 1900,
guma coisa. No fim, mandava que se acrescen- Lisboa, Imprensa Nacional, 1907.
tasse: “esta carta foi escrita por … a quem deves Bib.: Teresa Pinto, A Formação Profissional das Mulheres
agradecer”. E os agradecimentos lá vinham no Ensino Industrial Público (1884-1910). Realidades e
sempre, e era essa a única parte que ela aceita- representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,
Universidade Aberta, 2008.
va partilhar com alguém. Os aparelhos de rádio [T. P.]
a pilhas, que os emigrantes dos anos 1960 in-
troduziram na aldeia, nunca seduziram a tia “Ver- Maria da Conceição Singer Velutti
melha”. “Serões para Trabalhadores”, varieda- Atriz, conhecida, na cena portuguesa, apenas
des, fosse o que fosse, a tudo preferia, de dia, o como Maria Velluti. Nasceu por volta de 1827,
ar da serra; de noite os serões à moda do seu tem- possivelmente de origem italiana e familiar de
po, de lareira acesa e muita conversa à sua roda. Gabriela Velutti*. Era formosíssima e tinha sido
Essas conversas eram fundamentais para a dançarina. Foi aluna do Conservatório Nacional.
aprendizagem dos mais novos pois, através de- Almeida Garrett teve certa preferência por ela.
las, incutiam-se valores e perpetuavam-se tra- Estreou-se em 1845, mas tinha mau timbre de voz
dições, enquanto se debagava o milho e as mu- e defeitos de pronúncia. Estava entre os artistas
lheres faziam meia ou fiavam o linho. Apesar do com preferência de escrituração na abertura do
apego à tradição, Maria da Conceição apoiou as Teatro D. Maria II. Em novembro de 1846, foi para
sobrinhas na decisão de mandar os filhos estu- o novo Teatro do Ginásio, então denominado Tea-
dar, dando início a uma vaga diferente de êxo- tro Nacional Lisbonense, onde se estreou no peça
do rural, sendo este em busca de mais qualifi- Apartamento de Dois Maridos e representou Lui-
cações e o destino era Lisboa. Este ser pequenino, sa Bernard, drama de Alexandre Dumas, ao lado
que os revezes da vida obrigaram a ter mão fe- de Fortunata Levy*. Em 1847, foi para o Brasil,
chada para as despesas, teve esta capacidade de onde continuou a carreira teatral. Traduziu pe-
intuir o futuro e de ajudar a construí-lo. Maria ças de teatro que foram representadas naquele
da Conceição Pires, embora vivesse no século XX, país, entre as quais as comédias Um Francês em
devido às circunstâncias do lugar foi pessoa do Espanha, As Primeiras Proezas de Richelieu,
século XIX, sendo das últimas representantes de O Cavaleiro de Essone, Os Filhos de Adão e Eva,
um tempo medido pelos batimentos do sino da Três Boticários, Os Efeitos da Educção, Luísa,
igreja, de um tempo em que quase tudo era per- A Vendedora de Perus, Os Ajudantes de Campo,
manência e as mudanças que aconteciam se iam A Filha de Jacqueline, Batalha das Damas, Fan-
esbatendo para melhor se adequarem à norma- farrões de Vícios, Uma Invasão de Mulheres,
lidade dos dias. Só a democracia, que levou a ele- O Benefício de um Ponto, Questão de Dinheiro,
tricidade, pôs fim a essa era, mas a tia “Verme- O Condestável de Bourbon, Joana d’Arc, O Qua-
lha” já não viveu para assistir. dro, As Noites de Sena; os dramas A Vida de Uma
Fontes: Entrevista a Teresa do Nascimento Martins (so- Atriz, A Cigana de Paris, Carlota Corday, O Ramo
brinha e afilhada) e a Helena de Jesus Martins (sobrinha), de Carvalho, Paulo e Virgínia, Os Infernos de Pa-
realizada em Rebordaínhos, no dia 30 de julho de 1990. ris, O Asno Morto, Adriana Lcouvreur e Maria
[M. F. P. S.] Padilha.
Da autora: “Castro Alves! Victor Hugo!” [em apologia da
Maria da Conceição Prezado liberdade], Almanaque das Senhoras para 1888, dire-
Mestra de lavores femininos da Escola Industrial ção de Guiomar Torrezão, Lisboa, edição do Almanaque
Afonso Domingues, em Lisboa, desde o início do das Senhoras, 1887, p. 198.
funcionamento da respetiva oficina, no ano le- Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 18;
tivo de 1894/95. Foi confirmada no cargo pelo Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacio-
Decreto de 14 de dezembro de 1897, que reor- nal D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Cen-
ganizou o ensino nas escolas industriais e de de- tenário 1846-1946, Lisboa, 1955, p. 116; Idem, O Car-
MAR 560

mo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais só e Rossas) e de Guimarães (Santa Cristina de
da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1967, p. 308; Agrela, Gonça, S. Torcato), mas parece que foi o
Hilda Agnes Hübner Flores, Dicionário de Mulheres, Por-
to Alegre, Nova Dimensão, 1999, p. 550. funeral de Custódia Teresa, no dia 23 de março,
[I. S. A.] em Fonte Arcada, que desencadeou um conjunto
de assinaláveis acontecimentos nesse mesmo dia
Maria da Conceição Sousa Elói e nos dias subsequentes: grande concentração de
v. Madressilva mulheres armadas (machados, foices roçadouras,
forquilhas, sacholas, chuços, varapaus e uma
Maria da Fonte ou outra arma de fogo), toque dos sinos (rebate,
Em março de 1846, no âmbito de uma contesta- repique e a defuntos), prisão de quatro ou cinco
ção generalizada às leis do governo do duque da mulheres, ataque às autoridades judiciais, ar-
Terceira – Costa Cabral e ao rumo do liberalismo rombamento da Cadeia da Póvoa de Lanhoso e
em Portugal, ocorreu uma revolta no Minho, de- libertação das quatro ou cinco prisioneiras, des-
nominada Maria da Fonte, que alastrou a todo o locação à casa do Administrador do Concelho e
país e conduziu a uma guerra civil e posterior in- queima das “bilhetas da roubalheira” ou “papletas
tervenção estrangeira. Porque começou por ser da ladroeira”, gritos “morram os cabrais”, “viva
uma “revolta no feminino”, entendemos organizar a religião”, “leis novas abaixo”, “leis velhas aci-
o presente texto de acordo com os seguintes pon- ma”, intervenção inoperante das forças da au-
tos: 1. Delimitação do problema; 2. Contexto, toridade (políticas, sanitárias, judiciais, policiais
causas e consequências; 3. Uma revolta no fe- e militares) e disseminação da revolta (Póvoa de
minino; 4. Representações do feminino; 5. Mito Lanhoso, Vieira do Minho, Guimarães, Prado, Mi-
e símbolo. 1. Delimitação do problema. Pela do- nho e Trás-os-Montes). Os acontecimentos de Fon-
cumentação recolhida e pela orientação da histo- te Arcada talvez se tenham de colocar no mo-
riografia portuguesa [Actas do Congresso, Póvoa mento da viragem. Fonte Arcada ficou no mapa
de Lanhoso, 1996], tem tido um acolhimento sig- da revolução do Minho também devido ao des-
nificativo a tese que defende o início da Revol- taque que a imprensa da época lhe deu [A Re-
ta da Maria da Fonte na Póvoa de Lanhoso, na volução de Setembro – Lisboa, A Coalisão – Por-
segunda metade do mês de março, do ano de to, Periódico dos Pobres no Porto – Porto]. Isto
1846, por ocasião de funerais tumultuosos con- é, os motins e tumultos transformaram-se em re-
duzidos essencialmente por mulheres que con- volta quando os poderes instituídos não conse-
trariavam as determinações oficiais quanto às leis guiram suster os movimentos das populações,
da saúde (de 18/09/1844 a 26/11/1845) e impu- apesar de se terem adotado as mais diferentes es-
nham enterramentos no interior das igrejas tratégias de contenção dos tumultos (conluios
como era prática tradicional. Tem-se atribuído um com os revoltosos, pactos de silêncio ou mano-
significado especial ao funeral, realizado no dia bras de bastidores), e quando se começaram a per-
23 de março de 1846, de Custódia Teresa, fale- petrar atos indiscriminados e generalizados de
cida no lugar de Simães da freguesia de Fonte Ar- ataque e desprezo pelas instituições liberais.
cada – Póvoa de Lanhoso, devido à dimensão e A revolta transformou-se em revolução quando se
repercussões que atingiu. De raiz essencial- generalizaram os motins e tumultos por todo o
mente rural e popular, a Revolta da Maria da Fon- Minho, Trás-os-Montes e todo o país. 2. Contexto,
te terminou com a queda do Governo de Costa causas e consequências. A Revolta da Maria da
Cabral e a formação das Juntas Governativas. Por Fonte de 1846 inscreve-se na dinâmica mais vas-
outro lado, também se afirma que a Maria da Fon- ta da construção da sociedade liberal e do Por-
te percorreu todo o período revolucionário (Jun- tugal moderno e industrializado. Com as Invasões
tas Governativas, Patuleia e Guerra Civil) devi- Francesas e Guerra Peninsular (1807-1814), Re-
do à existência de uma forte componente popular volução Liberal (1820), guerra civil (1832-1834),
e rural. Configurados como atos preparatórios, expulsão das ordens religiosas (1834), cisma na
desde janeiro desse ano de 1846 que ocorriam ou- Igreja Católica (1832-1842), golpe de estado de
tros funerais tumultuosos, sempre conduzidos por 1842 e restauração da Carta Constitucional e re-
mulheres, em diversas freguesias da Póvoa de La- formas sociais e políticas, Portugal vive momentos
nhoso (Fonte Arcada, Santo André de Frades, Ser- de grande agitação social, ineficácia legislativa
zedelo, Garfe, S. Martinho do Campo), de Viei- e inoperância dos poderes estabelecidos. É o bru-
ra do Minho (S. Bartolomeu da Esperança, Anis- tal confronto entre as utopias da modernidade e
561 MAR

os estereótipos do Antigo Regime; é a afirmação dania à população rural e o sistema de ideias do-
dos paradigmas da modernidade sem uma en- minantes. Tenha-se em conta a estreita ligação en-
volvente social, política, económica e cultural fa- tre miguelismo e Igreja bracarense como foi o caso
vorável; são as teorias do cientismo e do desen- da aclamação de D. Miguel I e do general inglês
volvimentismo que se afirmam contra as visões Macdonell em Braga, no dia 30 de novembro de
metafísicas, teocráticas e absolutistas. A Maria da 1846, seguida de um Te Deum na Sé Catedral
Fonte também foi uma oportunidade para abso- [Crónica Nacional em Braga, 05/12/1846]. Su-
lutistas e setembristas se vingarem das derrotas perando-se uma análise positivista da história,
sofridas e intervirem nos rumos do liberalismo. pode afirmar-se que a filosofia escolástica e to-
Predominava um clima de contínuas contestações mista constituía o sistema de ideias mais coerente
políticas, descontentamento, insegurança, per- e mais enraizado nas populações rurais do Mi-
seguições, fugas e sublevações permanentes. nho. Comum ao miguelismo, ao absolutismo e à
Soltaram-se ódios e medos suscitados pela na- Igreja antiliberal era esta filosofia o pano de fun-
tureza do poder cabralista: despótico, determi- do para todo o sistema de crenças e valores de
nado, perseguidor, conotado com a maçonaria natureza religiosa ou teológica; era esta a filosofia
(António Bernardo da Costa Cabral foi Grão-Mes- configuradora do sentido da existência e da in-
tre do Grande Oriente Lusitano desde 1841) e com terpretação da morte; era a filosofia escolástica
o grande capital e manipulador das eleições de e o espírito de Trento o enformador dos mode-
3 de agosto de 1845. Em 1846, o governo liberal los ou paradigmas sociais, políticos, jurídicos e
do duque da Terceira – Costa Cabral tentava apli- axiológicos. Nestes parâmetros se deverá en-
car as mais diversas medidas legislativas res- quadrar o problema dos funerais, que operam com
peitantes à reforma da administração, ensino, saú- conceitos de sagrado e profano, com o problema
de e estradas e lançava os mais diversos impos- da legitimidade do poder político, com a oposi-
tos (sal, carne e pescado). Para o governo liberal ção à maçonaria e ao liberalismo e com a inter-
tratava-se do edifício necessário à modernização pretação das novas medidas legislativas de Cos-
do país, para as forças políticas e populares ad- ta Cabral. Afirmamos o poder identitário desta
versas isso era sinal de afronta aos usos e cos- filosofia e deste fundo ideológico que se mante-
tumes e aos direitos das populações. Leis do po- ve por todo o século XIX português [ver Encíclica
der central que afrontavam o poder regional e Aeterni Patris de Leão XIII, de 1879] e se pro-
local devido à sua incidência tributária, fiscal, longou pela base ideológica e cultural do Parti-
administrativa, eleitoral, sanitária e religiosa. Por do Nacionalista (1903-1910). Na Revolta da Ma-
sua vez, a situação socioeconómica das popula- ria da Fonte podemos até ousar afirmar a exis-
ções rurais era preocupante devido ao clima de tência de uma questão religiosa, a par de outras
permanente insurreição, subida dos preços, fal- questões (económica, política, jurídica, social e
ta de escoamento dos produtos, falta de moeda, cultural). Como causas diretas e circunstâncias
tributações e novo cadastro da propriedade. A Re- próximas para a compreensão da Maria da Fon-
volta da Maria da Fonte também se deve en- te poderemos enunciar as seguintes: contestação
quadrar numa dimensão europeia pois a Ingla- das eleições fraudulentas de 3 de agosto de 1845,
terra pretendia tutelar a política e a economia de leis cabralistas, intenções conspirativas de mi-
Portugal e de Espanha. Tenha-se em atenção que, guelistas e setembristas e recusa da aplicação das
na mesma altura, primeiros meses de 1846, leis da saúde em período quaresmal (Páscoa a 12
ocorriam convulsões políticas em Espanha com de abril). Inserida numa possível e ainda por de-
destaque para a Revolta da Galiza. Para se com- finir questão religiosa, supomos que as leis da saú-
preender bem a situação cultural e a mentalida- de são a causa mais direta e propulsora dos mo-
de das populações rurais do Minho, teremos de tins do Minho que conduziram à Revolta da Ma-
referir os elevados índices de analfabetismo, o re- ria da Fonte. Veja-se a imprensa da época que se
duzido grau de adesão das populações ao regi- refere, sobretudo, aos tumultos ligados aos rituais
me liberal, o caciquismo, o poder inquestioná- funerários. Mexer com as crenças religiosas, o con-
vel da Igreja tradicional bracarense (paço, clero ceito de sagrado, os costumes funerários, a lin-
paroquial, confrarias e irmandades), a capacidade guagem do sofrimento, da morte e do luto e o sen-
de infiltração e o poder do miguelismo, o siste- tido da existência de comunidades rurais com o
ma eleitoral baseado na recusa do voto aos ile- seu enraizado e sofrido sentimento de autonomia
trados, a recusa dos direitos políticos e de cida- e auto-suficiência, constituiu, poderemos dizê-
MAR 562

-lo, o núcleo central explosivo da revolta. Diga- para o clero tradicionalista, e o processo de se-
mos que as medidas do governo de Costa Cabral cularização e laicização da sociedade. Depois de
não tiveram em consideração os processos cul- um momento inicial caracterizado por motins po-
turais, psicológicos e mentais próprios dos pulares sem líderes políticos, o movimento in-
meios rurais desfavorecidos, de cariz fortemen- surrecional e revolucionário alastrou rapidamente
te comunitário, nem contaram com a força mo- a toda a região do Minho e Trás-os-Montes e a
bilizadora do clero paroquial e da Igreja braca- todo o país e evoluiu para uma maior organiza-
rense tradicionalista e miguelista. Diz o Periódico ção e definição ideológicas com as forças polí-
dos Pobres no Porto, no dia 4 de abril de 1846: ticas adversas a Costa Cabral, sobretudo migue-
“Mão oculta urde e promove estes motins, para listas e setembristas, a tomarem as suas posições,
fins que é fácil prever.” Mas poderá afirmar-se tanto a nível regional como a nível nacional.
uma “questão religiosa” quanto aos problemas le- O Governo ainda tentou suster o clima revolu-
vantados pelas leis liberais e cabralistas, sem se cionário com o silenciamento da imprensa (de 23
querer sobrevalorizar os aspetos dos valores e de abril a 21 de maio), o despacho de medidas
crenças religiosas do povo e do clero minhotos? excecionais, a mobilização do exército e o abran-
Estaremos perante um nítido processo de laici- damento na aplicação das leis, mas nada deteve
zação e secularização da sociedade, do indivíduo o movimento insurrecional. Costuma referir-se
e do poder de modo a quebrar-se os vínculos me- que a Maria da Fonte, com a queda do governo
tafísicos tradicionais próprios do Antigo Regime? de Costa Cabral (20 de maio), deu lugar e espa-
Estaremos perante uma desforra do clero, visto ço público às Juntas Governativas e ao governo
como influente local e cacique, perante a ofen- de Palmela. Depois, num contexto de golpe, sur-
siva do liberalismo? Não é de afastar a questão ge o governo de Saldanha, a Patuleia (6 de ou-
religiosa, de múltiplos contornos, que envolve tan- tubro) e a guerra civil (10/10/1846-21/06/1847).
to os costumes funerários como o poder do cle- Tudo termina com a intervenção do exército es-
ro paroquial e da Igreja tradicional. Antes de mais, panhol e de forças navais inglesas que, solicita-
refira-se, em período quaresmal (lausperenes, pre- das pelo Governo no âmbito da Quádrupla
gações, missões, confissões e comunhões gerais Aliança, obrigaram à assinatura da Convenção de
– desobriga –, jejuns e abstinência), a perturba- Gramido (Gondomar) em 29 de junho de 1847.
ção das práticas mortuárias (choro, luto, lin- 3. Uma revolta no feminino. É consensual afir-
guagem do sofrimento), dos rituais funerários e mar-se que a Revolta da Maria da Fonte, na sua
das crenças ligadas à imortalidade (chão sagra- manifestação mais visível e nos processos ado-
do, enterramento junto dos Santos, ressurreição tados, foi feita essencialmente por mulheres. Re-
dos mortos, crença na eternidade, sentido da gra geral, os relatos apontam para funerais tu-
transcendência) baseados nos usos e costumes tra- multuosos conduzidos por mulheres em ruptu-
dicionais. Digamos que se tentaram aplicar leis ra total com as leis da saúde do governo cabra-
profanas num tempo sagrado; ou, se tentou lista. Então, as mulheres constituíram-se como
dessacralizar a morte num tempo sagrado. Todos a face visível de uma participação alargada de
estes usos e costumes, muitas vezes enraizados toda a comunidade regulada pelo poder inter-
na ancestralidade, tinham uma moldura étnica ventivo e tutelar do clero. Parece que no contexto
e antropológica que ainda hoje desconhecemos das suas comunidades incarnaram com toda a le-
e que, muitos deles, não seguiam os parâmetros gitimidade o sentido do pronunciamento. Em ter-
oficiais da Igreja Católica. Refira-se, também, a mos hegelianos poderemos dizer que a paixão que
inquestionável tutela da Igreja Católica, tradi- as consumia não era mais que um desígnio do seu
cionalista e antiliberal, sobre todo o culto dos povo (Volksgeist). As mulheres ocuparam a pra-
mortos. Reagiu devido à perda de privilégios eco- ça pública por convicção, por envolvimento em
nómicos e de influência social. Tenha-se em con- assuntos da “sua” competência e porque viram
ta o caso das confrarias e irmandades que supe- condições para, atendendo ao sexo, não serem
rintendiam todo o ofício dos mortos. Digamos que alvo de perseguições tão danosas como se de ho-
se atacou a “economia salvífica” que girava em mens se tratasse. É certo que foi vontade das pró-
torno dos benefícios paroquiais, privilégios, dí- prias mulheres colocarem os homens fora do co-
zimos, rendimentos e bens das confrarias. Por úl- mando dos primeiros protestos e motins, pois não
timo, anote-se a recusa da legislação liberal por os queriam expor à tirania das autoridades, não
estar conotada com a maçonaria, símbolo do Mal queriam que os “seus” homens fossem presos e
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julgados sumariamente. Enquanto um homem muito significativo para a valorização do papel


com uma carabina passava a ser um miliciano, social e político da mulher. As lutas feministas
ganhando o estatuto de soldado em situação de do final de oitocentos e início de novecentos ha-
guerra aberta, e como tal sujeito a um julgamento veriam de retomar este espírito, se bem que no
marcial pelo poder estabelecido, uma mulher em- mundo urbano e burguês e patrocinado pela ma-
punhando um chuço ou foice roçadoura não se çonaria e pelo republicanismo. Mulheres co-
constituía em miliciana. Assinale-se o que refe- mandadas e controladas pelo clero e pelos agi-
re Pinho Leal: “O governo [...] em cortes, apre- tadores miguelistas? Inimputáveis em período de
sentou uma proposta de lei que mandava fuzi- forte crise social e perseguição política aos ho-
lar todo aquele que se achasse com armas na mão, mens revoltosos? No vislumbre de Oliveira
contra o governo cabralista. Esta proposta, trans- Martins, regime de matriarcado no Minho? Tor-
formada em lei, foi aprovada pelas duas câma- na-se necessário explicitar o papel da mulher no
ras, votando a favor alguns prelados!” [1990, meio rural minhoto, em meados do século de-
p. 367]. Aos homens coube a função de batedores zanove, pois não é correto ver-se a mulher cam-
do terreno, de vigilância, de veículos de infor- ponesa e serrana do Minho sob a perspetiva da
mação e de autores de medidas dissuasoras ou mulher urbana e burguesa. Para se compreender
manobras de diversão. Nestes termos, deixando o lugar da mulher na sociedade minhota do tem-
o espaço público de protesto, os homens foram po da Maria da Fonte, afirme-se, desde já, o con-
remetidos, por conveniência, para segundo pla- ceito de “comunidade” que então existia em cada
no. Num tempo marcado profundamente pelas uma das aldeias tradicionais do Minho. Este con-
guerras liberais, guerrilhas locais, perseguições ceito implica um microcosmo económico, social,
políticas e atuações de milícias, estavam cansa- cultural e axiológico em cada uma das aldeias ou
dos de tanto guerrear e temerosos por entrarem lugares onde as leis e a sensibilidade universa-
em motins ou tumultos de consequências im- lizante de um Estado moderno ainda não tinham
previsíveis. Nessa época não faltavam homens ho- penetrado. Comunidades autossuficientes, em
miziados, desertores e emigrados por questões po- economia de subsistência, regidas pelos usos e
líticas e cívicas. O governo tudo fazia para costumes tradicionais, pela entreajuda (trabalhos
identificar e prender os agitadores e amotinadores. comunitários, vezeiras e moinhos comuns, etc.)
Mas também deverá significar uma vontade e pela partilha (sagrado, dor, destino, etc.). Na sua
muito determinada das mulheres ao afirmarem relação com o exterior, as comunidades locais se-
como “seu” o espaço de tratamento e zelo pelos guiam os ditames do poder municipal, das ma-
mortos (choro, funeral, enterramento, cumpri- nobras dos influentes locais (caciques) e da au-
mento das vontades do morto e luto). Quantos de- toridade do clero paroquial. Internamente, o seu
les não teriam manifestado o desejo de não se- funcionamento tinha por atores principais todos
rem sepultados fora da igreja? Não se tratará tan- os seus elementos, onde se aliava organica-
to de afirmar a inimputabilidade das mulheres, mente uma pequena fidalguia rural ao povo (ca-
mas de evidenciar o carácter paradoxal da si- seiro, rendeiro ou jornaleiro) em regime de fusão
tuação de protagonismo feminino em tempo em de propósitos e ideário. A mulher minhota das
que elas não eram consideradas cidadãs nem pos- casas agrícolas tradicionais teve um lugar bem ní-
suíam suficientes direitos cívicos (voto, auto- tido e destacadíssimo no processo de (re)produção
nomia, representação, instrução e participação familiar e nos processos sociais da sua comuni-
política). Quando as mulheres avançam faz-se a dade; não era apenas uma espetadora mais ou me-
inversão da representação do género. Surge o po- nos passiva, mais ou menos secundária. O seu pa-
der de alguém que não costuma ter poder, que não pel foi ativo, interveniente, liderante e senhora
é senhor do espaço público, que não é cidadão. de um espaço que lhe estava consagrado. Foi uma
Pela surpresa e carácter insólito, o jornal A Coa- cidadã da sua comunidade com direitos consa-
lisão de 31 de março e 2 de abril de 1846 fala-nos grados e espaços de que não abdicava. Antes de
de “Uma revolução feminina”. Apaixonada- mais, como interlocutora privilegiada dos usos
mente e em nome das suas comunidades, as mu- e costumes tradicionais, superadores da vonta-
lheres assumiram a justeza dos protestos tu- de discricionária do homem, a mulher rural mi-
multuosos. As mulheres deram um contributo nhota participava diretamente em todos os tra-
para a sua inscrição [José Gil, 2005] na história balhos agrícolas e pastoris (cumprimento do ca-
portuguesa, sendo essa inscrição um contributo lendário agrícola, ceifa, monda, trato do linho,
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aprovisionamento dos bens, recolha do leite, tos- sível traçar-se o perfil biográfico de uma mulher
quia, etc.). Não raramente era ela a gestora do mea- denominada Maria da Fonte? Teria havido uma
lheiro da casa agrícola, apesar da sua limitada per- ou múltiplas Maria da Fonte, significando isso
sonalidade jurídica. Como principal gestora e ad- o destaque de várias mulheres em momentos e
ministradora do lar, fiava, tecia, remendava, co- em locais diferentes? Diversos nomes têm sido
zia o pão, geria a alimentação de toda a família, apontados por historiadores, literatos e curiosos:
fazia o aprovisionamento dos produtos alimen- Maria Angelina, “façanhuda” pistoleira natural
tares (salgadeira, fumeiro, galinheiro, produtos de Simães – Fonte Arcada, segundo a versão do
hortícolas, cereais, etc.) e organizava e dinami- padre-guerrilheiro Casimiro José Vieira e de
zava os rituais familiares e comunitários (nasci- José Augusto Marques Gomes; Maria Luísa Ba-
mento, casamento, falecimento, Natal, Páscoa, laio, estalajadeira da Póvoa de Lanhoso; Joaqui-
etc.). Digamos que era cidadã da sua comunidade, na Carneiro, doceira de Valbom – Fonte Arcada;
mas não do Estado e da Sociedade Civil no seu Maria Vidas; Maria Custódia; Ana Maria Esteves,
conceito moderno. E também desempenhava as versão de Rocha Martins; Maria da Fonte do Vido,
mais diversas funções sociais (parteira, curan- do lugar do Barreiro – Fonte Arcada, segundo a
deira, promotora da caridade, etc.). E como co- ficção de Camilo; Josefa Caetana da Casa da Fon-
roamento de toda a vida doméstica, em período te de Galegos; Maria da Mota; Joana Maria Este-
de elevada taxa de natalidade, era mãe dos cor- ves; Maria Custódia Buceta ou Milagreta; etc. Ape-
pos e dos espíritos (educação). Literalmente, ves- sar dos esforços desenvolvidos por investigado-
tal do lar, guardiã da chama doméstica. Também res da história regional e local, a controvérsia tem
zeladora dos afetos, do trato dos corpos, dos ges- sido tão forte que parece nada poder determi-
tos, dos estereótipos, dos rituais ancestrais, da nar-se neste domínio no momento presente. En-
doutrina e da crença. A estreita ligação à religião tendemos que não emergiu com nitidez uma
e ao sagrado faz da mulher uma das principais caudilha que se afirmasse num comando geral
administradoras das crenças e dos rituais: edu- inequívoco e presente em todos os principais
cação religiosa dos filhos, zeladora da igreja, or- momentos da revolta, uma estratega pelo seu sa-
ganizadora dos atos de culto, catequista, corista ber e experiência, uma mulher de forte e vincada
e veículo do lendário e do imaginário. No que res- personalidade. Em face da nebulosidade que tem
peita à doença, à velhice e ao acompanhamento existido, será mais cordato adoptar-se a Maria da
dos mortos, a mulher tinha papel central: presença Fonte como nome de um movimento popular
constante e insubstituível junto dos doentes e onde várias mulheres tiveram lugar de destaque
dos moribundos, acompanhamento dos velhos como dinamizadoras e agitadoras. Dado o cariz
e diminuídos, assistência na agonia, presença do movimento, à exceção de um gesto ou de uma
vigilante no momento do passamento, amorta- particularidade, todas se diluíram no coletivo.
lhamento e choro (carpideiras) pelos falecidos, E Maria da Fonte parece ter surgido de um por-
acompanhamento e enterramento do defunto, ges- menor histórico qualquer, de um elemento mar-
tos de solidariedade e de partilha da dor com os ginal, fixado pela conveniência popular para di-
familiares ou vizinhos enlutados e gestão do luto luir responsabilidades perante as autoridades que
familiar e vicinal. Tudo isto constitui um mun- perseguiam todos os agitadores. Basta-nos o
do complexo porque ligado ao principal ritual de movimento popular com as suas repercussões e
passagem do homem. As mulheres minhotas do consequências e como síntese de uma época.
tempo da Maria da Fonte eram as guardiãs dos Aliás, dado os tempos conturbados, e os casos de
rituais ancestrais e dos gestos simbólicos rela- homens procurados pela justiça, é natural que to-
cionados com a doença, o nascimento e a mor- das as revoltosas que tiveram algum destaque qui-
te. Em período quaresmal (Páscoa a 12 de abril), sessem passar ao anonimato, ficando algumas ho-
com a presença tonitruante do clero e de mis- miziadas por algum tempo, devido ao clima de
sionários em missões e pregações, tantas vezes insegurança, perseguições, prisões e entrega à jus-
de orientação miguelista e legitimista, todos es- tiça de todos os agitadores e “amotinadores”. Há
tes papéis das mulheres eram desempenhados quem muito se incomode com a ausência de uma
com maior fervor e empenho. Maria da Fonte é personalidade forte a comandar as operações re-
nome de uma mulher com rosto, vida privada e volucionárias pois tudo quer sujeitar ao princí-
família ou apenas nome de um movimento ou re- pio da individuação e a uma leitura providen-
volução? Sem hesitações nem polémicas, é pos- cialista da História com destaque para os indi-
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víduos providenciais. Muitos consideram um pa- te é vista como voz do povo, heroína, justiceira,
radoxo inaceitável a Revolta da Maria da Fonte mulher decidida e valente, mulher madura e pro-
sem um caudilho; muitos precisam de fabricar tetora. Nesta representação prevalece a espon-
uma líder, uma heroína, de modo a compreen- taneidade, a recusa do alinhamento político, a au-
der, romanticamente, os acontecimentos. “Essa sência de uma leitura política da situação social
mulher lá do Minho, / Que da fouce fez espada, e económica e o triunfo do poder local sobre o
/ Há-de ter na lusa história / Uma página dourada” central. A representação absolutista, expressa no
[Paixão Bastos, 1945, p. 16]. Quando se começou miguelismo, no conservadorismo católico e na
a utilizar o nome “Maria da Fonte”? Os periódicos ação de alguns padres guerrilheiros, caso do pa-
e os documentos oficiais, cada um a seu modo, dre Casimiro José Vieira (1817-1895), cola-se à re-
ora porque os tumultos eram frequentes ora por- presentação popular e afirma uma linha ideoló-
que não os pretendiam incentivar, não utilizaram gica com propósitos políticos. Foi no contexto
o nome Maria da Fonte logo no início dos acon- desta representação que mais se evidenciou o
tecimentos. Em tempo de motins, as forças po- mito da Maria da Fonte: donzela, heroína, mu-
líticas temiam o poder popular e o “pé descal- lher salvadora, mulher defensora das leis velhas,
ço”. É provável que a designação “Maria da Fon- do credo antigo e da revolta contra a maçonaria
te” se tenha fixado primeiramente ao nível local, e a onda secularizadora. Nesta representação exis-
popular e oral. Só mais tarde, quando as forças te uma nítida idealização da Mulher segundo os
políticas começaram a controlar o movimento po- cânones tradicionais de raiz tridentina. A re-
pular, é que o nome foi assumido ao nível da im- presentação setembrista, dada a sua feição bur-
prensa, do confronto político e, muito mais tar- guesa e urbana, evidencia-se muito na impren-
de, ao nível da documentação oficial. A fixação sa, no apoio contido ao movimento popular e
da linguagem, sobretudo a simbólica, consome num certo nacionalismo. Veja-se os periódicos
muito tempo e muitas sinergias. 4. Representa- A Revolução de Setembro e A Coalisão [2 e
ções do feminino na Maria da Fonte. Na Maria 11/04/1846] que nos falam das “mulherzinhas”
da Fonte aparece-nos o conceito de Mulher de Fonte Arcada. Os setembristas temiam o po-
tanto no seu sentido individual (matrona, don- der popular, o caos, as perseguições, a justiça
zela, heroína, Padeirinha de Aljubarrota, donzela popular, o descontrolo político e recusam os mo-
de Orleães, Joana d’Arc do Setembrismo, as vá- vimentos populares inorgânicos. Citando
rias Marias da Fonte, etc.) como coletivo (ama- A Coalisão de 13/04/1846: “[...] revolução da
zonas, horda feminil, mulherio, marias, bernar- fome, que é a mais terrível de todas as revoluções.
das, mulherzinhas, etc.), mas muito arregimen- Deus afaste de nós uma revolução originada pela
tado pelas várias leituras políticas da época e pela, miséria e desesperação do povo; porque as suas
ainda dominante, visão tridentina da Mulher. Mas consequências seriam incalculáveis”. Uma con-
este conceito de Mulher, em período afastado dos ceção híbrida entre a recusa dos movimentos po-
movimentos de emancipação feminina, também pulares inorgânicos e a adesão à insurreição po-
encerra um preconceito que percorre as várias lítica. Não querem contribuir para a mitificação
perspetivas ou representações do feminino. A efa- da Maria da Fonte, mas louvam a valentia e a de-
bulação presente nestas representações diz mui- terminação das mulheres do Minho. Desta con-
tíssimo do modo como a mulher era encarada, so- ceção emerge a Mulher-Povo e a Mulher-Nação.
bretudo a mulher que participava em motins ou Proclama Garrett: “Muitas nações grandes e po-
pronunciamentos: ora masculinizada, desligada pulosas terão de morrer sem deixar herdeiro de
dos filhos e da família, promíscua, aleivosa e des- seu nome [...]. Mas nós não podemos morrer [...]
temperada, ora mitificada, heroína salvadora, don- enquanto entre nós houver mulheres como ago-
zela libertadora e justiceira. Em face das forças ra as vimos [...] renovando todas as glórias que
em contenda (populares, miguelistas, setembristas pareciam fabuladas, de Aljubarrota, de Diu e de
e cabralistas) e das leituras posteriores, literárias Chaul. Senhores, nós acabámos de presenciar
ou historiográficas, poderemos afirmar seis re- uma grande revolução, uma revolução que tem
presentações da Mulher presentes na Maria da [...] o magnífico, o transcendente carácter de ser
Fonte: populista, absolutista, setembrista, ca- verdadeiramente popular, porque começou pe-
bralista, dionisíaca e hegeliana. Numa repre- las mulheres” [Amorim, 1884, pp. 200-201].
sentação populista, tendo em conta as crenças tra- Quanto à representação cabralista, nitidamente
dicionais e os usos e costumes, a Maria da Fon- expressa nas obras de Camilo e Castilho, a Ma-
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ria da Fonte é vista como incarnação do mal, caos bas, entre elas a própria mãe, a Maria da Fonte
primitivo, manipulação das populações por ins- “devorou” o Costa Cabral. Segue na perfeição esta
tigadores retrógrados e agitadores. Não raramente tese aquele trecho respeitante ao acolhimento or-
a Maria da Fonte surge em versão monstruosa e gíaco dado pela estalajadeira Maria Luísa Balaio
ridicularizante, própria da aversão de muitos (ca- – a verdadeira Maria da Fonte, segundo alguns
brais, barões iluminados, mações estrangeirados – às revoltosas da Póvoa de Lanhoso. Parece ser
e grandes nobres) que concebiam a mulher de no meio da embriaguez passional que as Bacantes
uma forma citadina e burguesa e o povo iletra- se sintonizam com a Providência. Por último, a
do e espontâneo como incivilizado, inculto, ig- representação hegeliana segue o figurino que in-
norante e limitado intelectualmente. A repre- terpreta os homens como instrumentos da Razão
sentação cabralista afirmava pejorativamente Universal. É uma visão intelectual e orgânica de
que a Revolta da Maria da Fonte era do “pé-fres- racionalização da história e dos processos sociais,
co”, “sans culotte” ou “pata-ao-léu” (patuleia), visão alargada e integradora, visão de conjunto
do “mulherio bárbaro e labrego”. Veja-se como onde o indivíduo se dilui no coletivo dos mo-
Camilo trata a Maria da Fonte: exposta, analfa- vimentos sociais. Pela utopia que encerra e
beta, alcoólica, inculta, ladra, irascível, varonil, pelo símbolo do “poder popular” que configura,
trato grosseiro e promíscua. Chega a afirmar: aqui se insere a visão marxista (esquerda hege-
“[…] eu tenho para mim como certo que a genuína liana) como sub-espécie. Concebe-se a Maria da
Maria da Fonte é a enjeitada da Fonte do Vido, Fonte como Mulher – Revolução, uma mulher
que em menina cantava bebadamente o Rei che- sem biografia. 5. Mito e símbolo. Os mitos ou os
gou e era ladra – que em mulher deu alguns filhos processos de mitificação têm sido encarados ora
à roda e o seu nome à revolução de um país; e que como algo espúrio e desprezível, dado o seu pen-
afinal, já muito sovada, se foi à vida da caserna dor efabulador e lendário, ora como algo sinte-
com um tambor da divisão do conde das Antas. tizador dos processos sociais e revelador do modo
A sua paragem derradeira deve ter sido a enxerga como o inconsciente coletivo e a força anímica
de uma enfermaria especialista.” [1986, 45] E con- podem intervir na dinâmica social e histórica. No
tinua Camilo: “1846, aquele ano trágico, apenas primeiro caso temos aqueles que encaram a Ma-
deu à pintura histórica um falso retrato da Ma- ria da Fonte como um pronunciamento retrógrado
ria da Fonte, com pujança de seios de vaca bar- feito por camponesas iletradas sem o mínimo sen-
rosã, pantorrilhas bojudas escarlates, dentadura tido dos processos sociais e sem uma visão po-
anavalhada em atitude de morder, olhos assa- lítica e cívica. Partem do pressuposto de que só
nhados, e nádegas esferóides como a hipertrofia tem sentido histórico aquele movimento que se
gordurosa de quadris semelhantes à esteatopigia enquadre no âmbito de um esquematismo linear
das fêmeas boximanes da África. É o mais que po- de progressividade histórica. Por vezes utilizam
dia engenhar um pintor de história portuguesa, terminologia e conceitos que denunciam bem os
em eterna infância da arte, à razão de dez-réis por seus preconceitos: “horda femenil”, “revolta
cada exemplar litográfico” [1986, p. 84]. Versão das Marias”, “revolta do mulherio”, etc. No se-
idêntica é fornecida pelo panfletarismo cabralista gundo caso temos, por exemplo, a corrente his-
de António Feliciano de Castilho que retrata a Ma- toriográfica conhecida por Mitanálise que pre-
ria da Fonte como filha de mãe promíscua, ja- tende ir mais longe que uma visão empírica e fá-
varda, bêbada desde que nasceu, maria-rapaz, la- tica da História. Divulgados os levantamentos po-
dra, viril e destemperada, violenta, palradora e pulares da Maria da Fonte nesse ano de 1846, logo
arruaceira. Castilho tenta ridicularizar e horrifi- o imaginário do povo rural e de miguelistas, se-
car o símbolo de uma revolução popular. Ames- tembristas e anticabralistas construiu a figura he-
quinhar o símbolo é tentar neutralizar todo o seu róica de uma Maria da Fonte guindando-a à ca-
conteúdo. A representação a que chamamos dio- tegoria de mito. Personificou-se o Mal em Cos-
nisíaca encontra-se diluída nos mais diferentes ta Cabral e elaborou-se uma gesta, uma odisseia
textos onde se afirmam as mulheres como Ba- heróica. Seguindo uma visão simplista, redu-
cantes ou Ménades, sacerdotisas de Dioniso, ins- cionista e bipolar (bem – mal, deus – diabo, li-
tauradoras do caos social catártico e do desre- berdade – opressão) o pensamento mítico, em tor-
gramento dos instintos conotados com os de- no da Maria da Fonte, misturou elementos ra-
sígnios da Providência. Tal como as Bacantes de cionais com elementos afetivos, pulsionais,
Eurípides devoraram o próprio Penteu, rei de Te- axiológicos e religiosos. Aqui o mito surgiu como
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uma elaboração global. Refere Oliveira Martins: gravuras da Maria da Fonte em atitude de con-
“A Maria da Fonte tornou-se o símbolo dos pro- fronto com os cabrais, com o poder opressor e des-
testos populares. A imaginação coletiva provou pótico. Paulo Midosi e Angelo Frondoni (1812-
ter ainda plasticidade bastante para criar um mito, -1891) compuseram o Hino da Revolução do Mi-
uma fada, Joana d’Arc antidoutrinária. O herói nho ou Maria da Fonte que foi tocado nos mais
da revolução minhota devia ser mulher, não um diversos salões e na rua por mendigos e foi ado-
homem; devia ser desconhecido, lendário: antes tado pelo Exército em 1913. Diz o coro do Hino
um nome do que uma pessoa verdadeira” [1987, do Minho / Maria da Fonte: “Eia, avante, portu-
p. 150]. E esta tendência mítica aconteceu mais gueses. / Eia, avante! Não temer! / Pela santa li-
prontamente devido à ausência de um retrato con- berdade / Triunfar ou perecer!” Também se
cretizado ou de uma biografia definida da Maria compôs uma ou outra opereta. Em Campo de Ou-
da Fonte, fazendo pairar a neblina sebastiânica rique – Lisboa e na Póvoa de Lanhoso foram eri-
em torno de uma heroína mitificada. Ecos dis- gidas estátuas guerreiras da Maria da Fonte. Nos
persos, rumores, relatos de heroicidade, feitos fan- anos 1970, a música popular consagrou-lhe algum
tásticos e revolta contra o mal (Costa Cabral, ma- destaque, veja-se, por exemplo, “As sete mulheres
çonaria, ideário liberal, pensamento laico), ali- do Minho” de Zeca Afonso: “Viva a Maria da Fon-
mentaram o imaginário e a efabulação. E não será te / Com as pistolas na mão / Para matar os ca-
de somenos importância a afirmação do lado mis- brais / Que são falsos à Nação”. Nas artes plás-
terioso da mulher (fisiologia, sexualidade, ma- ticas (desenho, gravura e pintura), na literatura
ternidade) acalentado por uma certa misoginia. e na banda desenhada também surgiram diver-
As populações oprimidas por uma existência ma- sos trabalhos. Enfim, neste domínio a Maria da
drasta, torturadas por impostos, ofendidas nas Fonte funcionou como musa inspiradora das mais
suas crenças e costumes, intranquilas com as fre- diversas composições artísticas que, por sua vez,
quentes guerras e reviravoltas e desorientadas ne- se poderão encarar como formatadoras das pul-
cessitavam de soltar o seu imaginário para en- sões nacionalistas. Encarada como símbolo mo-
contrarem um anjo salvador, um D. Sebastião, bilizador, a Maria da Fonte tem servido como ban-
uma padeira de Aljubarrota ou uma Deuladeu deira para os mais diversos pronunciamentos so-
Martins que as viesse libertar. Maria da Fonte terá ciais e políticos, desde o período conturbado de
tanto mais um pendor mítico quanto mais acen- desmoronamento da Monarquia, aí muitas vezes
tuarmos a sua ação purificadora, redentora, ca- denominados por Bernardas, passando pela im-
rismática ou mesmo salvífica, providencial e até plantação da República e até ao 25 de Abril de
catártica. Neste processo, intervieram visões 1974. Maria da Fonte passou a simbolizar um pro-
teológicas e escatológicas. Maria da Fonte, assim, nunciamento popular, um confronto generalizado
mais que um nome de um grupo de mulheres terá com o poder político estabelecido, um qualquer
de ser nome de uma heroína, mesmo que ela per- levantamento ou motim de raiz popular contra
maneça nas brumas da dúvida, da incerteza e da uma determinada medida opressora ou despótica
incapacidade dos historiadores. Nesta perspeti- do poder central. Maria da Fonte passou a ser um
va, os principais agentes sociais têm de seguir símbolo da força espontânea que clama por jus-
o princípio da individuação e têm de ter nome. tiça, símbolo do povo revoltado, símbolo da raiz
É incontornável a figura popular da Maria da da democracia ao fazer residir o poder no povo,
Fonte no panorama dos mitos cívicos e sociais símbolo das nossas projeções de descontenta-
e do imaginário português (messianismo, se- mento e de raiva romântica. Nestes termos, a Ma-
bastianismo, milenarismo, Quinto Império do P.e ria da Fonte enraíza-se nas utopias sociais dos es-
António Vieira). Do mesmo processo de cons- píritos idealistas e românticos. A França maçó-
trução do mito emergiu um símbolo que tem sido nica difundiu a figura feminina da República que
adotado nas mais diversas circunstâncias e para teve muita aceitação entre os republicanos, ur-
os mais diversos fins, sejam eles políticos, cul- banos e burgueses. Embora da mesma ordem e
turais ou artísticos. Logo na sequência da Revo- sentido, mas rural e popular, a Maria da Fonte
lução de 1846 surgiu um cancioneiro antica- também ficou conotada com a Mulher – Revo-
bralista muito rico [Alberto Pimentel, 1885] lução e a Mulher – Povo. Vários movimentos e
que se foi mantendo e renovando ora na memó- formações políticas proletárias e marxistas ado-
ria oral ora na composição escrita. A par do can- taram esta simbologia feminina. Estes símbolos
cioneiro, a imprensa divulgou as mais diversas femininos equivalem-se e afirmam-se como con-
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figuradores de ideais cívicos e sociais. Pela for- volução do Minho de 1846 – Os difíceis anos da implan-
ça simbólica que encerra, a Maria da Fonte tem tação do Liberalismo, Governo Civil do Distrito de Bra-
ga, 1997; Idem, “A Revolução da Maria da Fonte e a apli-
servido tanto os desígnios da esquerda como da cação das Leis da Saúde no arcebispado de Braga”,
direita, tanto miguelistas como liberais, tanto con- Theologica, II Série, Vol. 33, Fasc. 2, Braga, 1998, pp. 537-
servadores como progressistas, tanto monár- -567; Idem, A Revolução do Minho de 1846, segundo os
quicos como republicanos, tanto populares Relatórios de Silva Cabral e Terena José, Porto, Edições
como intelectuais. Afrontamento, 1999; Joyce Riegelhaupt, “Camponeses e
Estado Liberal: A Revolta da Maria da Fonte”, Estudos Con-
Bib.: Adelina Piloto, Maria da Fonte – A sedição popular temporâneos, 2/3, Porto, 1981, pp. 129-139; Luís Dantas,
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lim, 1987 [fac-símile da edição de 1883]; Cremildo Pereira, 23/03/1846, p. 1; “Uma revolução feminina”, A Coalisão,
Heróis das Terras de Lanhoso: Martim Moniz, II Invasão 31/03/1846, p. 2; “Notícias das Províncias”, Periódico dos
Francesa, Maria da Fonte [texto policopiado], 1992; Pobres no Porto, 02/04/1846, p. 3; “A revolução femini-
Ernesto Soares, “Estampa satírica n.o 1588” [litografia na!”, A Coalisão, 02/04/1846, p. 4; “Notícias das Provín-
123 x 240mm], Inventário da Colecção de Estampas, Sé- cias. Motim de mulheres armadas”, Periódico dos Pobres
rie preta, Vol. I, Lisboa, Ministério da Educação e Cultu- no Porto, 04/04/1846, p. 4; “Notícias das Províncias”, Pe-
ra, 1975; Eurípides, As Bacantes, Lisboa, Editorial Inquérito, riódico dos Pobres no Porto, 06/04/1846, pp. 4-5; “De Bra-
s.a.; Francisco Gomes de Amorim, Garrett – Memórias Bio- ga…”, A Coalisão, 11/04/1846, p. 3; “Dizem-nos que no
gráficas, Tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1884; dia 10 entrara em Braga…”, A Coalisão, 13/04/1846, p. 2;
Gregório Naziazeno (Inv.) e Michelles (Lit.), “Dedicado aos “Notícias do Minho”, A Coalisão, 20/04/1846, p. 1; “No-
Heróis da Província do Minho” (Gravura comemorativa), tícias do Minho”, A Coalisão, 21/04/1846, pp. 1-2; “No-
Biblioteca Nacional (Iconografia), Lisboa, cerca de 1846; tícias do Minho”, A Coalisão, 23/04/1846, p. 1; Boletim
História da Coragem feita com o Coração – Actas do Con- Oficial do Porto, 25/04/1846 (n.o 1) a 13/05/1846; O Gri-
gresso “Maria da Fonte – 150 Anos”: 1846 / 1996, edição to Nacional, Coimbra, 19/05/1846 (n.o 1); A Revolução do
da Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, 1996; Joaquim Minho, Lisboa, 28 a 31/05/1846; A Restauração, Lisboa,
Palminha Silva, A Revolução da Maria da Fonte – Sub- 18/07/1846 (n.o 928); Crónica Nacional em Braga, Braga,
sídios para a sua história e interpretação, Porto, Edições 05/12/1846 (n.o 1) e Suplemento ao n.o 1, 07/12/1846;
Afrontamento, 1978; José Gil, Portugal, Hoje: O Medo de O Espectro, Lisboa, 16/12/1846 (n.o 1) a 03/07/1847;
Existir, Lisboa, Relógio d’Água, 2005; José V. Capela / Ro- Boletim Oficial de Braga, Braga, 25/12/1846 (n.o 1) e
gério Borralheiro, A “Maria da Fonte” na Póvoa de La- 29/12/1846 (n.o 2); O Patriota, Lisboa, Suplemento Bur-
nhoso: Novos elementos para a sua História, Câmara Mu- lesco do n.o 1032, 11/11/1847.
nicipal Póvoa de Lanhoso, 1996; José Viriato Capela, A Re- [A. C. S.]
569 MAR

Maria da Glória nino. Premiada em Paris, teve por mestres o es-


Atriz. Discípula do ator Epifânio, faleceu em Lis- cultor Laurent Honoré Marqueste, Victor Peter e
boa, a 11 de março de 1867. Começou a carrei- o pintor Louis François Biloul. Seria sob a dire-
ra artística como bailarina no Teatro de S. Car- ção deste último que Maria da Glória alcançaria
los. Representou como atriz, pela primeira vez, na Académie Colarossi um 1.o prémio. Residin-
a 29 de outubro de 1849, no Teatro do Ginásio, do ainda na capital francesa, na Rue Casimir De-
na estreia do drama moral em 5 atos e 1 prólo- lavigne, n.o 3, expôs pela primeira vez na So-
go A Mendiga, original de Braz Martins, ao lado ciedade Nacional de Belas Artes em 1915, na ca-
de Carlota Talassi* e Carolina Emília*, e na reprise tegoria de escultura. Num ano em que tinha por
de Os Penitentes Brancos. A crítica foi muito po- concorrentes mestres já celebrizados e de há mui-
sitiva. Em 1850, estava no Teatro D. Maria II, onde to reconhecidos no panorama nacional, como era
fez o papel de “Maria” no drama histórico Frei o caso de Anjos Teixeira, Costa Mota, Francisco
Luís de Sousa (1850), com total agrado, e entrou dos Santos, Simões de Almeida ou Júlio Vaz Jú-
em O Conde de Santa Elena, drama em 5 atos nior, Maria da Glória conseguiu obter uma hon-
e 7 quadros, tradução, com música de Pinto, ao rosa medalha de prata com a obra La Source.
lado de Carlota Talassi, A Taberna (1850), em Convertida em bronze e renomeada A Fonte, tor-
5 atos e 7 quadros, adaptação de L’Assommoir, de nar-se-ia no seu mais emblemático trabalho.
Zola e Busnach, tradução de José Carlos Santos, Atualmente no Museu da Cidade (Lisboa), foi
ao lado de Epifânio, e O Filho Natural, drama adquirida em 1915 pela Câmara Municipal, com
social de Alexandre Dumas, filho. Em 1853, o propósito de integrar o programa decorativo
quando se formou a nova companhia do teatro, do Jardim da Estrela, facto que apenas se sin-
ao tempo em que o Dr. Sebastião Ribeiro e Sá era gulariza pela sua nova condição de obra pública,
comissário do Governo, integrou o novo elenco. raramente confiada a uma mulher. Em 1916, en-
Durante um ano foram-lhe distribuídos papéis viou ao mesmo salão lisboeta a escultura L’Echo
insignificantes e viu-se obrigada a rescindir o con- e no ano seguinte Pandôrra. A partir de 1918,
trato e deixar o Teatro D. Maria II. Maria da Glória fixou residência no Porto, na
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Na- Rua do Montebelo, n.o 15, onde permaneceu nos
cional D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do anos seguintes. Em 1918, expôs de novo na SNBA
Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955; Luiz Francisco Re- a obra Flores e, em 1919, o bronze Baigneuse.
bello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Pre- Depois de dois anos sem se apresentar nesse cer-
lo Editora, 1978, p. 356; Emília das Neves, A Actriz Ma-
ria das Neves ao Público, resposta à correspondência tame, retornou em 1922 e em 1926, todavia na
do Senhor Comissário Régio do teatro D. Maria II, Lis- categoria de desenho e de pastel.
boa, Tipografia Joaquim Germano de Sousa Neves, Bib.: Ana Paula Pereira Queiroz, A criação escultórica
1859, p. 11; A Assembleia Literária, Lisboa, n.o 16, feminina em Portugal: 1891-1942, Dissertação de Mes-
17/11/1849, n.o 35, 17/08/1850, p. 30, n.o 37, 21/09/1850, trado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Universi-
pp. 46-48, n.o 39, 10/10/1850, p. 63.
dade Aberta, 2003; Fernando de Pamplona, “Maria da
[I. S. A.]
Glória Ribeiro da Cruz”, Dicionário de Pintores e Es-
cultores Portugueses, Vol. II, 2.a ed., Lisboa, Civilização
Maria da Glória Ribeiro da Cruz Editora, 1988, p. 178; Pedro Bebiano Braga, 150 anos do
Filha do pintor João Augusto Ribeiro e de Elvi- Jardim da Estrela, Lisboa, Câmara Municipal, 2002; So-
ra Ernestina Pinto da Cruz, nasceu no Porto, na ciedade Nacional de Belas Artes, (12 exposição), Lisboa,
SNBA, 1915; Sociedade Nacional de Belas Artes: XXIII
freguesia do Senhor do Bonfim, a 3 de julho de exposição, Lisboa, Tipografia do Comércio, 1926; “Vida
1891. Pintora e escultora, iniciou a sua formação artística”, A Capital, Lisboa, 22/07/1915, p. 2.
no Liceu Central do Porto. Provavelmente in- [S. C. S.]
fluenciada pelo pai, pintor e professor de de-
senho, ingressou na Academia de Belas Artes Maria da Graça Azambuja
com apenas 12 anos, frequentando a aula de de- v. Maria da Graça Freire
senho histórico. A partir de 1905, foi aluna de Tei-
xeira Lopes no curso de escultura e, a partir de Maria da Graça Freire
1908, no de pintura histórica. Concluída a for- Contista, romancista, tradutora, nasceu em Va-
mação artística em Portugal, Maria da Glória Ri- lada do Ribatejo, a 1 de outubro de 1911, e fale-
beiro da Cruz partiu para Paris, onde estudou du- ceu em Lisboa, a 13 de maio de 1993. Nascida Ma-
rante seis anos na École National des Beaux-Arts, ria Ribeiro de Oliveira Freire, filha de João Ribeiro
facto que a singularizou no meio artístico femi- de Oliveira Freire (Chefe de Conservação da Hi-
MAR 570

dráulica Agrícola do Ribatejo e republicano ligado obra, como o demonstram os romances Quando
a grupos socialistas) e de Maria Emília da Cunha as Vozes se Calam (livro de estreia, de 1945, com
Freire, contista infantil e artesã; irmã da poeta e algumas inseguranças), Joana Moledo (1949),
jornalista cultural Natércia Freire*. A sua famí- A Primeira Viagem (1952) e Bárbara Casanova
lia tem raiz no Cartaxo, e descende do médico e (1955) – todos ainda com a assinatura “Maria da
herói da Restauração João Pinto Ribeiro. Tal como Graça Azambuja”. Neste último volume, o ataque
o pai, também Maria da Graça herdou na sua per- à sociedade masculina é inesperadamente dire-
sonalidade uma inquietude e denúncia que se re- to de clareza para os anos 1950 no Portugal sa-
fletem na sua obra. Depois de uma tuberculose lazarista: “uma sociedade baseada em leis que vo-
óssea que a deixou à morte, entre 1927 e 1929, cês [os homens] inventaram, educou a mulher
habitou em Lisboa (Campo de Ourique) com a para a renúncia”; não se coíbe em revelar um fri-
mãe e irmãs, após a morte do pai, preparando- so de mulheres para quem “o conceito de mari-
-se para ingressar na Faculdade de Letras em do implicava o de dono e senhor”; e a desuma-
Clássicas (ingresso que nunca chegou a concre- nidade dos seres humanos, criando e gerando em
tizar-se). Em 1936, após casamento com Cláudio cada ato uma sociedade injusta – “os que fruem
Azambuja Martins, partiu para Angola, onde fi- uma situação razoável, em prejuízo dos outros,
cou a residir até 1943-1944; testemunho (romance explorando-os”. Num certo tom narrativo que os-
autobiográfico) deste período é o seu livro A Pri- cila (menos conseguidamente) entre um tom naïf
meira Viagem (1952, Prémio Ricardo Malheiros e um rebuscamento estilístico, como o de um ro-
da Academia das Ciências). Em 1955, iniciou mance juvenil, que parece subtilmente esconder
processo de divórcio (um processo que causou a violência e premência das ideias. De relevar o
alguns ecos à época, dado Maria da Graça ser romance A Terra Foi-lhe Negada (1958), que nar-
católica), casando no ano seguinte com Antero ra a paixão e casamento entre uma branca e um
Miranda Mendes, advogado e depois diretor do mulato, colocando no palco todo o sexismo e ra-
Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação cismo da sociedade portuguesa, obra também ina-
Calouste Gulbenkian, com quem viveria até à creditável no contexto sócio-histórico da sua pu-
morte deste (1989), assinando um estranho e me- blicação. Da mesma forma, o ensaio Portugueses
morável livro de diálogos post mortem em 1991 e Negritude (1971) onde, para além de algumas
a quatro mãos, O Nosso Verde Tempo de Nós concessões, Maria da Graça Freire não se coíbe
Dois. Os seus primeiros escritos literários datam de sugerir a independência das então colónias,
dos anos 1944-1945, com publicação de contos afirmando sobre o colonialismo e sem nunca o
na revista Atlântico, por intermédio de José Osó- referir, que “o impulso para estruturar novas leis
rio de Oliveira, Pedro de Moura e Sá, Carlos Quei- a sociedades bom será que venha de estados ín-
roz e Natércia Freire. Desses primeiros escritos timos que não se preparam de um salto e se re-
temos notícia no volume de contos As Estrelas solvem em guerras e caudais de sangue”; ou que
Moram Longe (1946), de traços rurais, onde a de- o Homem e a Arte começaram em África; ou que
núncia da desigualdade social, o sexismo, a po- o apartheid é uma marca colonial do complexo
breza, a viagem libertadora, o valor e o encontro de superioridade britânico; ou ainda que “não
das raízes, a desumanização do humano e dos existem raças puras, nem segundo parece, isso
seus valores, e o poder encantatório da nature- constituiria motivo de superioridade, uma vez que
za e do sobrenatural são temas estruturantes – a miscigenação contribui para o revigoramento
como aliás demonstra o conto mais famoso de Ma- da Humanidade”. Assinando ainda no ensaio
ria da Graça, “A Morte de Benjamim Trovisco”, obras sobre Rosália de Castro e Mouzinho de Al-
publicado em Itália em 1961 na coletânea Le Più buquerque, deve-se-lhe também uma das mais be-
Belle Novelle di Tutti I Paesi, lado a lado com tex- las traduções das Cartas de Mariana Alcoforado,
tos de Jorge Luís Borges, Isaac Bashevis Singer, com uma excelente introdução, e, com Natércia
Gabriel Garcia Marquez, Camilo José Cela, Italo Freire, uma tradução de Para cada Um Sua Ver-
Calvino, entre outros. Com marcas de proximi- dade de Luigi Pirandello, que foi à cena por três
dade com a ficção neo-realista, é sobretudo por temporadas no Teatro Nacional. Se a obra de Ma-
um desejo psicanalítico que a sua obra se apro- ria da Graça Freire nunca perde como referências
xima da ficção “presencista”, mas apenas em mo- os temas estruturantes que definimos, ganha uma
dos ou técnicas narrativas. Miséria e menoriza- dimensão reflexiva, de estudo dos instintos e das
ção da mulher serão sempre temas fulcrais na sua intenções que a aproxima do chamado romance
571 MAR

católico ou, por outra parte, do essencialismo, so- à Leitura, Lisboa, 1971; Pedro Sena-Lino, Só a Viagem Res-
bretudo a partir de Talvez Sejam Vagabundos ponde – sobre Maria da Graça Freire, Benavente, Câmara
Municipal de Benavente / Litera Pura, 2003.
(1968) – fase menos feliz da sua obra, onde um [P. S-L.]
rebuscamento estilístico satura a conseguida nar-
rativa. Último destaque para O Amante, roman- Maria da Graça Machado de Macedo Forjaz de
ce de 1985, e o seu melhor, onde, como uma ca- Sampaio
dência musical, todos os temas da sua obra se en- Nasceu na freguesia de S. Sebastião, Ponta Del-
contram e explodem. gada, a 1 de fevereiro de 1919 e faleceu, com 80
Da autora: [Ficção e Prosa] Quando as Vozes se Calam [ro- anos, a 23 de novembro de 1999. Desenvolveu ati-
mance], Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1942; As vidade de responsabilidade contra o Estado
Estrelas Moram Longe [contos], Lisboa, Editorial Gleba,
1946; Joana Moledo [romance], Lisboa, Portugália, 1949;
Novo: enquanto católica, participou na vigília da
A Primeira Viagem [romance], Lisboa, Parceria António Capela do Rato; integrou, por Lisboa, a Comissão
Maria Pereira, 1952; Bárbara Casanova [romance], Lis- Nacional do III Congresso da Oposição Demo-
boa, Parceria António Maria Pereira, 1955; O Regresso de crática; foi candidata suplente por Ponta Delga-
Bruno Santiago [novela], Lisboa, CNEA, 1956; Um Amor da nas eleições de 1973, juntamente com mais
do Outro Mundo [novela], Lisboa, Editorial Ultramar, 1957;
Quinta Estação [diálogos], Lisboa, Parceria António duas mulheres (Mariana de Medeiros da Câma-
Maria Pereira, s.a. [1958]; A Terra Foi-Lhe Negada [ro- ra de Melo Cabral Marques Pinto e Olga Sousa
mance], Lisboa, Portugália, s.a. [1958]; Os Deuses Não Res- Lima); fez parte do Conselho Português para a Paz
pondem [contos], Lisboa, Verbo, 1959; Talvez Sejam Va- e Cooperação; e participou na Assembleia Mun-
gabundos [romance], Lisboa, Portugália, s.a. [1959]; As dial da Paz realizada em Moscovo em finais da-
Noites de Salomão Fortunato [contos], Lisboa, Portugá-
lia, 1964; Nós Descemos à Cidade [antologia de contos], quele ano. Pertenceu à Comissão Democrática Elei-
Lisboa, Editorial Organizações; O Rio Era Vermelho [ro- toral (CDE) e ao Partido Comunista, tendo sido
mance], Porto, Livraria Tavares Martins, 1968; O Inferno candidata deste pelo círculo de Lisboa às eleições
Está Mais Perto [contos], Porto, Livraria Tavares Martins, para a Assembleia Constituinte de 1975. Segun-
1970; O Amante [romance], Porto, Ed. Autora, 1976; Um
Dia de Catarina [contos], Lisboa, Ed. Autora, 1986; O Nos- do Mário Matos e Lemos, no dicionário dedica-
so Tempo Verde de Nós Dois [com Antero Cochofel de Mi- do aos Candidatos da Oposição à Assembleia Na-
randa Mendes], Lisboa, Ed. Autora; 1991. [ensaio] Rosalia cional do Estado Novo (1945-1973), Maria da Gra-
de Castro [conferência], Lisboa, Ed. de Álvaro Pinto (Oci- ça Forjaz acolheu, em 1973 e 1974, “ativistas em
dente), s.a. [1955?]; Mariana Alcoforado [Introdução, Tra- fuga envolvidos em ações de sabotagem contra o
dução e Notas], S. Paulo, AGIR, 1962; Portugueses e Ne-
gritude [ensaio], Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, regime” e foi “cooperante na Guiné-Bissau entre
1971; Mouzinho de Albuquerque – O Homem e o Mito [en- 1978 e 1980” [p. 254]. Traduziu Lutar por Mo-
saio]. [Poesia] Inventário, Lisboa, Ed. Autora, 1980. çambique, de Eduardo Mondlane, editado pela
[Teatro] A Onda [com Antero Cochofel de Miranda Penguin Books em 1969; e A Libertação da Mu-
Mendes e Natércia Freire], inédito. [Traduções] Luigi Pi-
randello, Para cada Um Sua Verdade [teatro] [com Na-
lher, de Rosiska Darcy de Oliveira.
tércia Freire, representada pela Companhia do Teatro Na- Bib.: Direção da Organização Regional de Lisboa do Par-
cional D. Maria II em Lisboa]. [Antologias] António Sal- tido Comunista Português, Candidatos do PCP, Deputados
vado (org.), Antologia das Mulheres Poetas em Portugal, do Povo, [1975]; Mário Matos e Lemos, Candidatos da
Fundão, edição do Jornal do Fundão, 1969; David Mou- Oposição à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-
rão-Ferreira e Maria Alzira Seixo, Portugal – A Terra e o -1973). Um dicionário, Texto Editores, 2009, pp. 94 e 254.
Homem – Antologia de Textos de Escritores do Século XX, [J. E.]
Fundação Calouste Gulbenkian, 1980; Domenico Porzio,
Le Più Belle Novelle Di Tutti I Paesi, Milano, Aldo Mar-
tello, 1961; João Pedro de Andrade, Os Melhores Contos Maria da Graça Monteiro Pina de Morais
Portugueses, Lisboa, Portugália, 1965. Nasceu no Porto às 21.30h do dia 17 de setembro
Bib.: Amândio César, Estilo e Motivação Romanesca na de 1925, na Rua Álvares Cabral, 137, freguesia da
Obra de Maria da Graça Freire, Guimarães, Separata da Cedofeita, conforme consta do assento 1493 da 2.a
Revista Gil Vicente, 1966; Ana Paula Ferreira, “Duplici- Conservatória do Registo Civil do Porto, e faleceu
dade, diferença, discriminação: Ao encontro do recado
de Maria da Graça Freire”, Só a Viagem Responde – so- a 7 de abril de 1992. Escritora, médica, psicólo-
bre Maria da Graça Freire (org. Pedro Sena-Lino), Bena- ga, foi muito facetada a vida desta mulher que
vente, Câmara Municipal de Benavente / Litera Pura, 2003; acrescentou à multiplicidade de funções os di-
João Gaspar Simões, “Maria da Graça Freire – A Primei- ferentes espaços onde viveu intensamente afetos
ra Viagem” [1955], Crítica III – Romancistas Contempo-
râneos, Lisboa: INCM, 2001; José Palla e Carmo, “A in- e (des)ilusões. Livre e coerente, possuía uma gran-
tenção do autor e o significado da obra de ‘tese’: Talvez de sensibilidade literária, iniciando-se em 1953
Sejam Vagabundos, de Maria da Graça Freire”, Do Livro com a publicação de duas novelas, Sala de Aula
MAR 572

e Semi-Deuses, sob o pseudónimo de Bárbara Go- o grande móbil da sua vida. Intuitiva e emocio-
mes. Inseridas na coletânea Mosaico, faziam nal, trocou a vacuidade dos valores burgueses por
parte de um conjunto de produções de nomes à uma interioridade e sentido de dádiva que en-
época desconhecidos, aos quais pertencia Lisa formaram a sua existência e condicionaram tam-
Pina de Morais, irmã da autora. Descendia de es- bém o modo como exerceu a medicina, curso que
critores e inspirou ares contestatários: sobrinha, terminou em 1951. Foi uma aluna brilhante, o que
pelo lado materno, de Domingos Monteiro, era fi- a levaria a ser convidada para professora na Fa-
lha de João Pina de Morais, também ele escritor culdade de Medicina do Porto, situação fora do
e republicano entusiasta. Participante no golpe de comum numa época em que as mulheres estavam
3 de fevereiro de 1927 contra o regime há um ano ainda tão afastadas dessa academia. Há registos
instaurado, viveu em seguida em Espanha, Bra- de dois ensaios seus na mesma área profissional,
sil e França como exilado político. Assim se ini- ambos escritos em 1958: A Escara. O papel da en-
ciou Graça Pina de Morais num percurso itine- fermeira no seu tratamento e prevenção e Pre-
rante que enformaria toda a sua vida. Mulher aten- paração do Doente para Exame Radiológico do
ta, inteligente e introvertida, embora com apurado Aparelho Digestivo e Vesicular. Apesar de tudo,
sentido de humor, encontrava na literatura um es- foi numa dimensão essencialmente humanitária
paço de evasão solitário e avesso a qualquer in- que exerceu a profissão que lhe garantia a so-
tromissão que pudesse macular a seriedade e o ri- brevivência económica, mas nunca os luxos su-
gor dos projetos que abraçava. Em 1955, reduzindo pérfluos a que era completamente alheia. Poste-
o seu nome próprio para Graça Pina de Morais, riormente, concluiu uma pós-graduação em psi-
publicou O Pobre de Santiago e Outras Novelas, cologia, na Universidade de Genève. A forma
ao qual se seguiu, em 1958, A Origem e, em 1961, como abordou as suas figuras literárias, o modo
o livro de contos Na Luz do Fim. Jerónimo e Eu- como viveu e como exerceu as profissões revelam
lália, em 1969, completaria a sua carreira de fic- teceduras apreendidas nesse domínio do conhe-
cionista, tendo-lhe sido atribuído o Prémio Na- cimento de si mesmo e dos outros, mesmo quan-
cional de Novelística e o Prémio Ricardo Ma- do as agruras da vida e a extrema sensibilidade
lheiros. Destacam-se ainda duas peças de teatro: individual não permitiram controlar estados
O Medo e Raquel, além de outras produções li- emocionais, muitas vezes, contraditórios. Di-
terárias publicadas em colaboração com outros au- zem os que lhe estiveram próximos que tinha des-
tores. A obra As Três Virtudes Teologais: Fé, es- prendimento para com a vida. No entanto, a ve-
perança e caridade (1966) contém, para além de lhice e a degradação física assustavam-na. Sonhava
um conto seu, outros de Urbano Tavares Rodri- com paragens desconhecidas onde pudesse, um
gues e de Manuel Mendes. Natal é também uma dia, morrer em paz, mas não valorizou a enfer-
publicação que conta com originais de Graça Pina midade que começava a incomodá-la. Três meses
de Morais, de Armindo Rodrigues e de Taborda bastaram para que se fizessem sentir as limitações
de Vasconcelos. Existe um conto inédito publi- de uma doença rara e ainda pouco explorada, mas
cado postumamente, A Mulher do Chapéu de Pa- a esperança de tratamento ofuscou a realidade que
lha (2000), e um original inacabado de um outro chegaria na manhã do dia 7 de abril de 1992.
romance que a autora pretendia intitular Requiem O seu olhar perspicaz, a inteligência viva e a sen-
por Um Romance Que Morreu. Após a publica- sibilidade com que perscrutava a alma humana
ção de Jerónimo e Eulália, esteve ausente da cena deixaram evidentes vestígios na obra que lhe so-
literária, só voltando o seu nome a ser referido breviveu. Para além dos elementos bibliográfi-
quando a editora Antígona decidiu reeditar gran- cos que permitiram elaborar este verbete, tal não
de parte da sua obra. Em entrevista concedida um teria sido possível sem a disponibilidade da fa-
ano antes de morrer, falava da depressão que a mília da autora, da editora Antígona e ainda do
acometeu quando estava a escrever esse último conservador do Arquivo Central da Conservatória
romance publicado, e revelou o desconforto em do Registo Civil do Porto, que disponibilizou os
falar de si própria. A timidez e a humildade pre- elementos de elucidação sobre o local e a data
servaram-na da ribalta onde se sentia descon- de nascimento da autora, cuja variação nas di-
fortável. Por outro lado, o orgulho, a recusa da vul- ferentes fontes consultadas exigiu o recurso da
garidade e a dificuldade em fazer concessões fi- instância administrativa.
zeram-na pagar o preço do apagamento, situação, Da autora: Origem, Lisboa, Antígona, 1991; A Mulher do
por vezes, conflitual, tanto mais que a escrita era Chapéu de Palha, Lisboa, Antígona, 2000; Jerónimo e
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Eulália, Lisboa, Antígona, 2000; Pobre de Santiago, Lis- fância, atividades de tempos livres para jovens,
boa, Antígona, 2001. Entrevista concedida a António Ca- centros de dia, visitas a acamados tanto nas pró-
brita, “À tona do silêncio”, O Expresso, 25/05/1991.
Bib.: Álvaro Manuel Machado (org.), Dicionário da Li- prias casas como em hospitais; manteve, aliás,
teratura Portuguesa, Lisboa, Presença, 1996, p. 326; durante muito tempo, equipas de vicentinas que
A. J. Saraiva e Óscar Lopes, História da Literatura Por- acompanhavam os doentes entrados no serviço
tuguesa, 17.a edição, Lisboa, Porto Editora; Carlos Bessa, de urgência do Hospital de S. José – as “senho-
“A alquimia do amor”, Jornal Expresso das Nove, ras de bata amarela” –, que, em 1974, foram im-
26/01/2001; Isabel Allegro de Magalhães, “Anos 60 – Fic-
ção”, História da Literatura Portuguesa. As correntes con- pedidas de prosseguir tal voluntariado. Dirigiu
temporâneas (dir. de Óscar Lopes e Maria de Fátima Ma- também o jornal A Fogueira, órgão da mesma as-
rinho), vol. 7, Lisboa, Alfa, pp. 305-416; Manuel Pop- sociação. Ainda em 1974, quando foi extinta a
pe, “Um livro apaixonante ‘Jerónimo e Eulália’”, Temas Comissão dos Bairros Municipais – Quinta da
de Literatura Viva, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 1982, pp. 485-488. Calçada, Furnas, Cruz Vermelha, Boa Vista e Pa-
[I. H. J.] dre Cruz –, que assegurava as obras assistenciais
dirigidas principalmente a crianças, jovens e ido-
Maria da Graça Pinto Braga Heitor Catarino sos, a associação, por iniciativa de Nina Catari-
Nina Catarino, como era conhecida, nasceu em no, decidiu garantir temporariamente o seu
Lisboa em 21 de outubro de 1908 e ali morreu, funcionamento, o que se prolongou por quatro
em 1 de setembro de 2008. Recebeu cuidada edu- anos, até a Misericórdia de Lisboa assumir essa
cação informal, facultada por pais atentos, abas- incumbência; entretanto, foram reorganizadas as
tados e interessados pelas obras de arte, Alfre- estruturas, feitas obras de reparação e conser-
do Braga e Maria da Apresentação Pinto Braga. varam-se os postos de trabalho, sem descuidar
Atenta, desde pequena, aos necessitados, co- crianças e idosos. Em 1987, fundou, ainda no âm-
meçou por organizar, ainda enquanto jovem, com bito da mencionada associação, a Conferência
outros do seu círculo de relações, uma Liga dos “Porto de Abrigo – SOS”, que “procura dar res-
Amigos da Caridade, que se cometia o encargo posta a casos urgentes de pessoas carenciadas de
de distribuir diariamente centenas de pães a companhia, apoio domiciliário, emprego, habi-
quem os não tinha. Casou com o médico Fran- tação, empréstimos para pequenos postos de tra-
cisco Heitor Catarino, de quem teve dois filhos balho, oferecendo ainda alimentos, roupas, cal-
e que, conforme afirmava, sempre compreendeu çado, fraldas para acamados, livros a estudan-
e respeitou a sua opção de vida. Pertenceu à Ac- tes, móveis, roupas de cama, etc.”. Nina Catarino
ção Católica (LICF) de Santos-o-Velho, freguesia exerceu também pessoalmente tal atendimento.
onde sempre viveu. Em 1953, entrou para as Con- Mas a sua atividade mais notável foi a formação
ferências de S. Vicente de Paulo, onde desa- de lares e residências para idosos. Eram 39 com
brochou a sua vocação de bem-fazer, aplicando cerca de 200 utentes, em 1986. As Residências
vontade, energia e inteligência até ao fim da sua Vicentinas, como são designadas, foram inova-
longa vida, vindo a integrar o Conselho Particular doras: assim, uma senhora que estivesse sozinha
de Lisboa e o Conselho Nacional das Conferên- em sua casa podia receber mais outras três que
cias de S. Vicente de Paulo. Fundou a Confe- pagavam alimentação e serviços prestados; os
rência de Santo Agostinho, a qual, além das ha- problemas decorrentes da morte da dona da casa
bituais visitas domiciliárias a pessoas pobres, co- iam sendo resolvidos, ou por transferência das
meçou também a cuidar da promoção das suas sobreviventes para outra residência, ou por
famílias. Desenvolvendo esse objetivo criou, pos- acordos com o senhorio. Esta abordagem dife-
teriormente, em instalações cedidas pela Junta rente dum problema antigo valeu-lhe, em 1986,
de Freguesia da Madragoa, a Casa de Trabalho a atribuição do Prémio Nunes Corrêa Verdades
de Santo Agostinho: uma “escola de trabalho” de Faria, na sua vertente “Cuidado e carinho dis-
com oficinas, onde mulheres desempregadas e pensado aos idosos desprotegidos”. La Voix, le
jovens aprendiam e trabalhavam. Presidente das réseau canadien des ainé(e)s e o Comité Cana-
Conferências Vicentinas Femininas de Lisboa du- diano para o 50.o aniversário das Nações Unidas
rante largos anos, foi depois co-fundadora e pre- proclamaram-na, por essa ocasião, Citoyenne du
sidente da Associação das Obras Assistenciais Monde. Em 1999, viu o seu trabalho reconhecido
das Conferências Femininas de S. Vicente de Pau- pelo papa João Paulo II que lhe concedeu a con-
lo, com sede em Lisboa, organização que permitiu decoração Pro Ecclesia et Pontifice. O Presidente
promover e incentivar a criação de jardins de in- da República Dr. Jorge Sampaio distinguiu-a em
MAR 574

11 de março de 2000, comemorando o Dia In- mática do Conservatório de Lisboa. Iniciou a car-
ternacional da Mulher, com o grau de Grande- reira aos cinco anos, no Teatro D. Afonso, no Por-
-Oficial da Ordem do Mérito, “por uma vasta e to, Empresa Coelho Ferreira, e entrou em A Fi-
inovadora obra no plano assistencial, tendo cria- lha do Inferno, peça fantástica em 4 atos, tra-
do e apoiado inúmeros projetos de apoio aos ido- dução de Eduardo Garrido, com apenas oito anos,
sos”. Com o avançar da idade foi eleita vice-pre- e em As Andorinhas. Percorreu quase todos os
sidente vitalícia da Associação das Obras As- teatros do país. Foi para o Teatro do Príncipe Real
sistenciais das Conferências Femininas de S. Vi- integrada no elenco da Companhia Afonso Ta-
cente de Paulo, que em documento caracterizava veira, seu grande mestre. Voltou para o Teatro
a sua personalidade: “sem esmorecimento, su- D. Afonso, no Porto, então dirigido pela Com-
perando a fadiga física e a própria idade […] seu panhia José Ricardo, protagonizando O Boneco
modelo, seu motor, sua estrela é Cristo. Sua for- (1891), paródia à peça A Boneca, de Audran, em
ma de estar na vida é dar-se aos outros – bons que cantava coplas, passou pelo Teatro Carlos Al-
e maus”. De si dizia, aos 90 anos, esta mulher berto, onde foi muito aplaudida na mágica
dinâmica e ativa até aos últimos meses de vida Lâmpada Maravilhosa (1892), de Joaquim Au-
e que, prosseguindo um ideal, soube tirar par- gusto de Oliveira. Voltou a Lisboa e apareceu, no
tido do seu estatuto social, cultural e económi- Teatro da Trindade, em Os Filhos do Capitão-Mor
co: “Sou o que vulgarmente se designa por uma (1896/1897), de Eduardo Schwalbach, música de
pessoa simpática.” Augusto Machado e Del Negro. Em 1898, a Com-
Fontes: informações e documentos cedidos por sua fi-
panhia Rosas & Brazão transitou do Teatro D. Ma-
lha D. Maria João Catarino Gomes Pedro; Associação das ria II para o D. Amélia e Luz Veloso representou,
Obras Assistenciais das Conferências Femininas de neste teatro, quase todo o repertório da compa-
S. Vicente de Paulo: Nota biográfica de NC. nhia. Na época de 1903-1904, estava escritura-
Bib.: Cristina Flora, Christus – Revista de Actualidade da no Teatro Maria II e são desse tempo os êxi-
Católica, n.o 25, maio, 1999; Luísa Melo, Diário de No-
tícias, 12/03/2000, p. 22; Notícias Magazine, 1999.
tos nos papéis “Volpini, dançarina”, em Um Se-
[M. R. S.] rão nas Laranjeiras, peça em 3 atos de Júlio Dan-
tas, “D. Constança Meneses”, na estreia de Ca-
Maria da Luz samento de Conveniência (1904), peça em 3 atos,
Atriz. Pertenceu ao Teatro da Rua dos Condes, onde original de Joaquim José Coelho de Carvalho,
representou, sob a direção de Émile Doux, os pa- “D. Felismina”, em Amor de Perdição (1904),
péis de “D. Inês de Melo”, em Um Auto de Gil Vi- drama em 7 atos extraído do livro de Camilo Cas-
cente, drama em 3 atos, original de Almeida Gar- telo Branco, por D. João da Câmara, “Uma irmã
rett, no espetáculo de gala dedicado à rainha da caridade”, em Terra Mater, peça em 1 ato de
D. Maria II*, no dia do seu aniversário (17/08/1838), Augusto de Lacerda, “Luísa”, em No Tempo de
“Um pajem”, no drama em 5 atos e 9 quadros Tor- Luís XV, comédia em 4 atos de Alexandre Du-
re de Nesle (1837), ao lado dos atores Epifânio e mas, tradução de Salvador Marques, “Ofélia”, em
Carlota Talassi*, “Elvira”, em Família do Boticá- Hamlet (1906), “Flamenga”, na estreia da peça
rio (1837), “Leonor”, em Os Dois Renegados, dra- em 4 atos Santa Inquisição (18/03/1910), de Jú-
ma em 5 atos de Mendes Leal, ao lado de Carlo- lio Dantas, e um papel de importância em Aju-
ta Talassi e Emília das Neves*, e fez parte do elen- barrota (1912), drama histórico, em verso, de Rui
co da tragédia Nova Castro (1838). Chianca. Foi para o Teatro República e continuou
a agradar em Os Postiços, comédia em 5 atos de
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda- Eduardo Schwalbach, e nos papéis de “Maria do
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
nicipal de Lisboa, 1967, p. 342; O Entre-Acto, n.o 14, 1837, Carmo”, de As Nossas Amantes (1912), comé-
p. 1; Atalaia Nacional dos Teatros, Lisboa, 1838. dia em 3 atos de Augusto de Castro, “Maria Mir-
[I. S. A.] mani”, de O Botequim do Felisberto (1912), peça
em 3 atos traduzida por Acácio Paiva do origi-
Maria da Luz Veloso nal de Tristan Bernard, Le Petit Café. Passou pelo
Atriz que se distinguiu em todos os géneros tea- Teatro Apolo e, ali, representou “Bébé”, em al-
trais. Nasceu no Porto a 3 de março de 1879 ou ternância com Sara Medeiros*, em A Feira do
1880, e faleceu em Lisboa a 8 de maio de 1962. Diabo (1912), sátira em 1 ato, prólogo e 3 qua-
Foi casada com Alfredo de Melo, professor de dros de Eduardo Schwalbach. Em 1914, entrou
declamação, francês e italiano da Escola Dra- no vaudeville A Mulher do Juiz, tradução de An-
575 MAR

dré Brun, no Politeama. Organizou uma com- numismático e artístico, Vol. VII, Lisboa, João Romano
panhia que foi em digressão artística pelas Torres – Editor, 1915, pp. 372-373; Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira, Vol. XXXIV, Editorial Enciclo-
ilhas, começando pelo Teatro Manuel de Arria- pédia, Limitada, Lisboa/Rio de Janeiro, s. a., p. 512; Gran-
ga, no Funchal, onde foi representada a peça de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Actualização,
A Tomada da Bastilha. Em 1926, pertencia à Vol. X, Editorial Enciclopédia, Limitada, Lisboa/Rio de
Companhia Amélia Rey-Colaço – Robles Mon- Janeiro, s. a., p. 489; Gustavo de Matos Sequeira, O Car-
teiro, no Teatro Nacional, com a qual represen- mo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais
da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p.408; Joaquim
tou em Paris a peça Tá Mar (1955), de Alfredo Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa,
Cortez. Fez digressões ao Brasil, colónias de Áfri- Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, Il., p. 477; Me-
ca e a Espanha. Do seu repertório, lembramos: mórias de Eduardo Brazão, que seu filho compilou e Hen-
Porteiro do Inferno; Vida do Grande D. Quixo- rique Lopes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa da
te e do Gordo Sancho Pança; O Infante de Sa- Revista de Teatro, Editora, 1.a ed., p. 160; O Ocidente,
n.o 1123, 20/02/1912, pp. 39-40; Roque da Fonseca, O Pal-
gres, drama épico em 4 atos de Jaime Cortesão; co, Lisboa, n.o 2, 20/01/1912, pp. 18-19, n.o 3, 05/02/1912,
A Desonra (1913), peça em 3 atos de D. João de pp. 44-45, n.o 5, 05/03/1912, p. 72; Victor Pavão dos San-
Castro; A Morgadinha de Valflor, drama em tos e João Bénard da Costa, O Cinema Vai ao Teatro, Lis-
5 atos, original de Pinheiro Chagas; Comissário boa, Cinemateca Portuguesa / Museu Nacional do Tea-
tro, 1996-1997, p. 12; “Teatros”, Ilustração Portuguesa,
de Polícia, comédia em 3 atos de Gervásio Lobato; 2.a série, n.o 418, 23/02/1914, p. 230; O Teatro, Lisboa,
Paulina Vestida de Azul, de Joaquim Paço n.o 2, fevereiro, 1918, p. 29; “Teatros – Foi neste dia...”,
d’Arcos; Nôtre Dame de Paris, adaptação da obra O Século, 18/03/1956, p. 4, 03/02/1960, p. 4.
de Victor Hugo; Kean ou Désordre et Génie, de [I. S. A.]
Alexandre Dumas; Poema de Amor, Testamen-
to da Velha Cigarra, de Meilhac e Halévy, adap- Maria da Madre de Deus Leite Dinis de Almeida
tação de Acácio Antunes e Machado Correia; Professora de canto, republicana e feminista, con-
Dois Garotos, drama em 2 partes e 8 quadros de verteu-se ao espiritismo na segunda década do
Pierre Decourcelle, traduzido por Guiomar Tor- século XX. A convite de Maria Veleda*, foi co-fun-
rezão; Primerose, peça em 3 atos, de Flers e Cail- dadora do Grupo das Sete e do Grupo Espiri-
lavert, tradução de Melo Barreto; Causa Célebre, tualista Luz e Amor, por volta de 1915-1916. Des-
de Adolph d’Ennery e Cormon, tradução de Ma- te grupo faziam também parte Maria Emília de
ximiliano de Azevedo; Casaco de Fogo, peça em Carvalho Gonçalves*, Maria Emília Marques*, Ma-
3 atos de Romeu Correia. Foi empresária, en- ria Augusta Setas*, Emília Bähr Ferreira* e, pro-
saiadora e trabalhou ao lado dos melhores ato- vavelmente, Ernestina Burguete*. Maria da Ma-
res e atrizes do seu tempo. Entrou no primeiro dre de Deus disponibilizou desde o início a sua
filme português de ficção, O Rapto de Uma Atriz casa para as sessões semanais de estudo, medi-
(1907), inspirado na revista Oh! da Guarda, di- tação e experimentação, nas quais procuravam
rigido por Lino Ferreira e filmado no Campo aprofundar o conhecimento dos mistérios do
Grande; no filme Os Crimes de Diogo Alves mundo visível e invisível. Quando o grupo se
(1909), realização de Lino Ferreira, fotografia de transformou no Centro Espiritualista Luz e
João Freire Correia, da Portugália Films. A última Amor*, foi eleita vogal da direção e continuou a
vez que pisou o palco foi a 24 de fevereiro de oferecer a casa para sessões artísticas e culturais,
1962, na peça As Árvores Morrem de Pé, de Ca- assim como as instalações da Quinta do Portinho,
sona, no Teatro D. Maria II, ao lado de Palmira na Trafaria, para passeios e convívios. Aí se re-
Bastos*. Faleceu pouco depois. presentaram algumas peças de teatro pelo grupo
Bib.: A.Victor Machado, Piadas de Gente de Teatro (de amador do centro, criado por Maria Veleda e ao
escritores, maestros, cenógrafos, actrizes, actores e co- qual pertencia a sua filha Leonor de Eça*. Em 26
ristas), Lisboa, Empresa Literária Universal, 1934; Amé- de fevereiro de 1921, abrilhantou a sessão espí-
rico Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres Célebres, rita que assinalou o enlace matrimonial de Cân-
Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1339; António Sou-
sa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Im- dido Guerreiro Xavier da Franca, filho de Maria
prensa Libânio da Silva, 1908, p. 283; Carlos Santos, Cin- Veleda, com Arminda da Costa Pinto da Silva*,
quenta Anos de Teatro. Memórias de um actor, Lisboa, sobrinha de Maria Emília Marques, cantando a
Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1950, “Avé-Maria” da ópera Fausto, de Gounod. Par-
p. 154; Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lis-
boa, Parceria António Maria Pereira, 1940; Esteves Pe-
ticipou nas despesas da publicação de O Futu-
reira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário his- ro*, revista mensal de propaganda sociológica e
tórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, de ciências psíquicas, fundada e dirigida por Ma-
MAR 576

ria Veleda, em 1921. Em 1922, aparece na revista delegação da Associação Portuguesa Feminina
Luz e Caridade como doadora da Caixa de As- para a Paz* (1950-1952). Licenciada em Ciências
sistência aos Necessitados do Centro Espírita de Histórico-Filosóficas, fez o curso de Ciências Pe-
Braga, fundado em 1917. Em janeiro de 1925, fez dagógicas e ainda os seguintes cursos: Psicolo-
parte da mesa da presidência da reunião de todos gia Industrial; Curso de Métodos Projetivos do
os grupos e centros espíritas do país para debater Instituto de Orientação Profissional e o Curso
e decidir a preparação de um congresso nacio- sobre Ensino Programado. Estagiou em França,
nal. Como membro da direção do Centro Espi- numa formação em Biblioteconomia organiza-
ritualista Luz e Amor, colaborou na organiza- da pelo Ministère des Affaires Étrangères, ten-
ção do 1.o Congresso Espírita Português, realizado do participado no 39.o Congresso da IFLA (The
em Lisboa nos dias 14, 15, 16 e 17 de maio de International Federation of Library Associations)
1925. Integrou a subcomissão executiva e ad- em Grenoble, em visitas de estudo às bibliote-
ministrativa, secretariou a sessão dedicada às te- cas universitárias de Espanha, França, Grã-Bre-
ses subordinadas ao tema “Moral e Filosofia” e tanha, Alemanha, bibliotecas universitárias de
contribuiu com donativos para as despesas do Lyon, Grenoble, Paris, Compiegne, Clermont-
mesmo. Em setembro do mesmo ano foi eleita -Ferrandt, Chatenay-Malabry e à Biblioteca Na-
para a comissão organizadora das atividades cul- cional de Paris. Exerceu a docência durante vá-
turais de confraternização do Centro Espiritua- rios anos enquanto professora particular, tendo
lista Luz e Amor. Quando, uns meses mais tar- entrado para a função pública, em 1957, como
de, Maria Veleda se demitiu da direção da revista catalogadora da Biblioteca do Instituto Mater-
A ASA e da presidência do centro, Maria da Ma- nal de Coimbra. Em 1966, foi colocada em Luan-
dre de Deus foi uma das indigitadas para fazer da como professora do ensino secundário e, em
parte de um grupo redatorial alargado deste pe- 1971, entrou para a Universidade de Luanda
riódico e eleita para presidir aos destinos da maior como técnica de 1.a classe do Gabinete Psico-
associação espírita do país, sendo coadjuvada por técnico, ficando também como psicóloga, em re-
Dinah Santos Lima* e Elisa Santos Lima*. Foi das gime de colaboração, do Centro de Medicina Fí-
militantes espíritas mais ativas no Centro Espi- sica. Em 1974, tomou posse do lugar de técni-
ritualista Luz e Amor e, depois, na Federação Es- ca de 1.a classe na UNL. Em 1975, foi destaca-
pírita Portuguesa. Em 1929, fazia parte da Co- da para a Direcção-Geral do Ensino Superior,
missão Organizadora das Festas de Beneficência onde pertenceu a vários grupos de trabalho, de
e de Confraternização da Federação e continua- que se destacam o de Formação de Professores,
va a abrilhantar os serões de arte com os seus do- sendo representante dessa Direcção-Geral no gru-
tes vocais. po de trabalho de criação dos Centros Regionais
Fontes: “Espólio de Maria Veleda”. de Apoio Pedagógico (CRAP) e no de Cursos de
Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) – Gestão de Controlo de Produção para trabalha-
Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora. dores, tendo também colaborado na reorgani-
Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Dissertação
de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Uni-
zação da biblioteca. Em 1976, voltou para a UNL,
versidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no labirinto ficando a trabalhar nos Serviços de Documen-
espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva, n.o 15, tação e, desde 1978, responsável do Serviço de
2006, pp. 83-109; O Futuro, n.o 2, março, 1921, pp. 15- Documentação da Faculdade de Ciências e
16, n.o 3, abril, 1921, p. 16, n.o 10, fevereiro-maio, 1923, Tecnologia. Participou no 1.o Encontro Luso-Es-
p. 1, n.o 11, junho, 1923, p. 15, n.o 12, julho, 1923, p. 4,
n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31; Luz e Caridade, março, panhol de Informação Científica e Técnica e nos
1922, p. 264; A ASA, n.o 4, janeiro, 1925, p. 61, n.o 5, fe- IV, V, VI, VII, VIII e IX Encontros de Bibliote-
vereiro, 1925, pp. 66, 67, 74, n.o 11, agosto, 1925, p. 175, cários, Arquivistas e Documentalistas, tendo per-
n.o 12, setembro, 1925, p. 180; O Espírita, n.o 4, abril, 1926, tencido à Comissão Organizadora do VIII (1983).
pp. 104-111; O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-feve-
reiro, 1929, p. 5; Estudos Psíquicos, novembro-dezem-
Tomou ainda parte nos seguintes eventos: 33.o
bro, 1940, p. 235. Simpósio do Painel de Informação, organizado
[N. M.] pelo Advisory Group for Aerospace Research
and Development; colóquio organizado pelo
Maria da Natividade dos Santos Silva Pinheiro INIC sobre “Project of the Catalogue Collectif CA-
Correia NAPE”; ciclo de conferências sobre “Animação
Nasceu a 9 de fevereiro de 1922. Estudou em da Leitura”, organizado pela Direcção-Geral de
Coimbra, onde pertenceu aos corpos sociais da Educação de Adultos; e foi elemento da co-
577 MAR

missão organizadora do seminário sobre “In- Coimbra do Conselho Nacional das Mulheres
formática documental e redes de sistemas de do- Portuguesas e da AFPP.
cumentação”. Tem as seguintes obras publica- [L. S.]
das: A Minha História: Uma bibliografia do bebé
(1950); O Gato Mimi – Contos para crianças Maria da Silveira
(1952); Aprendendo a Ser Homem – Temas psi- Filha de Rosa Pereira e de Joaquim da Silveira,
copedagógicos (1952); O Filho Único – Temas nasceu em 1882, na Covilhã. Divorciada, com 50
psicopedagógicos (1968); Contos para Ler no In- anos e residência na Rua Jardim do Regedor, foi
verno – Contos para crianças (1969); tradução presa para averiguações pela Polícia Internacio-
da obra A Educação em Cuba (1975). Publica- nal Portuguesa em 22 de março de 1932, por vi-
ção no Boletim Cultural do Serviço de Biblio- ver maritalmente com Júlio César Leitão e acom-
tecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calous- panhá-lo no momento da detenção deste barbeiro,
te Gulbenkian da comunicação feita ao V En- que tinha trazido do Brasil métodos conspira-
contro de literatura para crianças: “A História tivos e integrava o restrito núcleo dirigente do
nos livros para crianças de 1960 até aos nossos Partido Comunista. Libertada no dia seguinte,
dias” (1985). Colaborou em jornais e revistas e porque “no seu auto de declarações não se fez
foi sócia das seguintes associações: Associação prova de que tivesse qualquer cumplicidade nos
dos Bibliotecários, Arquivistas e Documenta- manejos comunistas do seu amante”. Desco-
listas portugueses, equiparada aos profissionais nhece-se o percurso de Maria Silveira. Quanto
com o curso de especialização; Associação a Júlio César Leitão, foi torturado por Fernando
Portuguesa de Escritores; Associação de Língua Gouveia e, depois de ter cumprido pena, partiu
Portuguesa; International Board on Books for para Inhambane, Moçambique, onde, na segunda
Young People (IBBY), sendo vice-presidente da metade da década de 1940, reatou contactos com
secção portuguesa e elemento da comissão de antigos e novos camaradas e continuou a ser alvo
leitura, tendo aí realizado uma conferência in- de vigilância da polícia política.
titulada “Reflexões sobre literatura infantil” Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
(1983). Foi sócia fundadora do Instituto de Apoio ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
à Criança. Fez parte do grupo de trabalho para Mem Martins, 1982, p. 417; Fernando Gouveia, Memórias
a realização de Encontros sobre Literatura para de Um Inspector da PIDE – 1. A organização clandes-
tina do PCP; Lisboa, Delraux, 1979; José Pacheco Pereira,
crianças da Fundação Calouste Gulbenkian e de Álvaro Cunhal – Uma biografia política – O prisionei-
todos os júris de atribuição do Grande Prémio ro (1949-1960), Vol. 3, Lisboa, Temas e Debates, 2005,
Gulbenkian de literatura para crianças. Apre- pp. 512 e 516.
sentou a comunicação “A História nos livros [J. E.]
para crianças – de 1960 até aos nossos dias” ao
V Encontro sobre Literatura para Crianças na Maria das Dores Aço Rodrigues
Fundação Calouste Gulbenkian (1984), bem Atriz. Nasceu em Silves, em 1866, e faleceu no
como a comunicação “Poesia para crianças Porto a 19 de junho de 1893. Era irmã de Teresa
– Porquê?” no 1.o Encontro de Poesia de Vila Aço Taveira* e primeira esposa do ator e empre-
Viçosa (1984). Em 1983/84 fez sessões sobre sário José Ricardo Rodrigues. A irmã trouxe-a para
“A leitura e as crianças” na Escola Preparatória Lisboa quando veio para o Teatro D. Maria II e,
da Trafaria, subordinadas aos seguintes temas: quando foi com o marido, o empresário Afonso
“O que é um bom livro para crianças?” e “Os li- Taveira, para o Porto, Dores acompanhou-os e es-
vros para crianças desde os contos e histórias de treou-se no Teatro Baquet, em 1885, no drama
exemplo e proveito até à atualidade”. Dirigiu e O Cardeal Dubois. Tornou-se na primeira “ingénua”
orientou a coleção “Infância e juventude” daquele teatro, onde esteve até 1888, data em que
(Coimbra Editora) e a de literatura infantil partiu em digressão pelos Açores, voltando para
“Bandeiras de todo o Mundo” (Atlântida Edi- o Teatro D. Afonso, do Porto, então dirigido pelo
tora). Pertenceu ao Conselho da Faculdade de cunhado. Naquela cidade esteve, também, no Tea-
Ciências e Tecnologia, tendo sido redatora do tro dos Recreios e no Príncipe Real. Depois do in-
respetivo “Boletim Informativo” e foi vice- cêndio do Teatro Baquet, durante o tempo em que
-presidente da Assembleia-Geral da Casa de Pes- todos os teatros estiveram fechados, acompanhou
soal da Faculdade de Ciências e Tecnologia. Nos a Empresa Taveira de volta aos Açores. No re-
tempos de jovem estudante foi delegada em gresso, integrou o elenco do Teatro do Príncipe
MAR 578

Real, no Porto. Em 1892, fez uma temporada no Luvas (1874), comédia em 1 ato, dedicada à atriz
Real Coliseu, de Lisboa. Faleceu em 1893, depois por Rangel de Lima, e Os Lazaristas (1874/5),
de uma longa doença. drama em 3 atos de António Enes. Acompanhou
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres o marido para o Teatro do Príncipe Real e ali re-
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 7; Antó- presentou as comédias Doido sem Estar Doido
nio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lisboa, (1880), de Luís Araújo, e Inglês e Francês
Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 11 e 188; Esteves Pe- (1881). Em 1881, estava, de novo, no Teatro do
reira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, Ginásio, onde entrou nas comédias A Voz do
corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático
e artístico, Vol. I, Lisboa, João Romano Torres, Editor, 1904, Sangue (1881) e O Marido no Campo (1882) e,
p. 50; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro nesse ano, foi a Lamego com A Batalha das Da-
Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 20. mas. Entrou em Ninguém Diga… (1883), peça
[I. S. A.] em 1 ato, tradução de Casimiro Dantas, Cabe-
ça de Vento, de Theodore Barrière e Edmond
Maria das Dores de Araújo Couto Pola Gondinet, adaptado de Tête de Linotte, por Ger-
Atriz que se notabilizou nos papéis de “dama vásio Lobato, Princesa George (1883), de Ale-
central” e “característica”. Nasceu em Lisboa, xandre Dumas, filho, Teresa Raquin (1883), de
a 11 de janeiro de 1844 ou 11 de junho de 1844 Zola, com Lucinda do Carmo*, Demi-Monde
(segundo Luiz Rebello) e faleceu a 27 de janei- (1883), de Alexandre Dumas, com um grande
ro de 1928, em New Bedford. Era filha de um elenco, fez festa artística com A Filha do Mar
empregado do Teatro D. Maria II e de uma cos- (1884), drama de Lucotte, e representou na es-
tureira do mesmo teatro. Foi a segunda esposa treia da peça O Marido Debutante (1885), de
do ator César Polla (1831-1891) e mãe da atriz Meilhac e Halévy, tradução de Gervásio Loba-
Mathilde Pola*. Começou a representar ainda to. Voltou ao Teatro do Príncipe Real, fez be-
criança, com apenas quatro anos de idade, nas nefício com A Avó (1886), tradução de Maxi-
peças O Tio e o Sobrinho (1855), de Scribe, e miliano de Azevedo, brilhou nos dramas A Mor-
Condessa de Sennecey, de Bayard e Adolph gadinha de Valflor (1886), em 5 atos, original de
D’Ennery, tradução de José Maria da Silva Pinheiro Chagas, O Grande Galeoto (1886), em
Leal, no Teatro D. Maria II, onde se manteve con- 3 atos, de D. José d’Echegaray, tradução de Guio-
tratada, até 1869. Fez o papel de “ingénua” em mar Torrezão, Morte Civil (1886), de Giacometti,
O Anjo da Reconciliação, comédia-drama, no tradução de José António de Freitas, A Explo-
Teatro de S. Carlos e O Gaiato de Lisboa, co- são das Naus (1887), marítimo em 5 atos, de João
média em 2 atos, de Bayard, tradução de João Mendonça e Júlio Rocha, Terror dos Mares (an-
Baptista Ferreira, que foi a sua consagração como teriormente denominado O Corsário) (1887), de
atriz. Quando a chamaram para substituir Ma- José Romano, Vida de Um Rapaz Rico (1887),
nuela Rey* em A Mulher Que Deita Cartas, dra- adaptação de Lopes Cardoso de uma peça in-
ma em 6 atos de V. Séjour, tradução de Ernes- glesa, no benefício de Adelina Abranches*,
to Biester, foi muito bem recebida. Seguiram- Morgadinha de Vale Pereiro, em 5 atos e em ver-
-se as atuações nos dramas Berta, a Flamenga so, paródia de Júlio Vieira ao drama de Pinheiro
(1869), em 5 atos, tradução de D. António da Chagas, Valentina, extraído do romance de
Costa, Cisterna de Albi, em 3 atos, tradução de Leon Goslan, uma das suas melhores criações;
Guilherme Celestino, e Pena de Talião, em os papéis “Plágia Everard” e “2.a senhora”, em
6 atos, de Aristides Abranches e Rangel de Lima. A Carvoeira (1896), drama em 5 atos e 7 quadros
Em 1869, passou a integrar o elenco da Socie- de H. Crémieux e P. Decourcelle, tradução de
dade Artística Lacerda Machado & Ca., do Tea- Acácio Antunes e Eduardo Schwalbach, pro-
tro do Ginásio, onde progrediu a ponto de ser tagonizou A Noiva do Impedido (1897), comé-
promovida a 1.a “ingénua”. Afastou-se duran- dia em 1 ato, em verso, de Esculápio (Eduardo
te um ano da cena por não concordar com as Fernandes), em benefício da Associação da Im-
condições do contrato. Voltou ao Teatro do Gi- prensa, no Coliseu dos Recreios, foi “Tomásia”,
násio, em 1872, e ali ficou até 1876, juntamen- em Maria Rosa, drama em 4 atos, de Angel Gui-
te com o marido, César Polla, Emília dos Anjos*, mera, catalão, vertido para castelhano de D. José
Leopoldo de Carvalho e Joaquim de Almeida. Echegaray, tradução livre de Leopoldo de Car-
Neste teatro, entrou em Romance de Uma Mu- valho, e Galdéria, drama em 5 atos e 7 quadros,
lher Honesta (1874), protagonizou Ao Calçar das traduzida de Gigolette de Pierre Decourcelle, am-
579 MAR

bas em 1898. Na época de 1903-04, estava no n.o único de 1901; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo
Teatro do Príncipe Real, onde interpretou um dos e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câ-
mara Municipal de Lisboa, 1967, pp. 342 e 344; João Pin-
principais papéis de Perdidos no Mar, drama ma- to de Carvalho (Tinop), “O velho Ginásio”, Lisboa de Ou-
rítimo em 3 atos e 5 quadros, adaptação de José tros Tempos, T. 1, Lisboa, Livraria de António Maria Pe-
António Moniz (06/03/1904). Nesse mesmo reira, Editor, 1898, pp. 166-177; Joaquim Madureira (Braz
ano, participou nos espetáculos do Teatro Livre, Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Olivei-
ra, Lda. Editores, 1905, p. 479; Luiz Francisco Rebello (dir.),
onde interpretou Mãe e Amanhã, de Manuel La- Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora,
ranjeira, e protagonizou Em Ruínas (1904), 1978; Mercedes Blasco, Memórias de Uma Actriz, Lisboa,
peça em 3 atos de Ernesto da Silva. Depois do Edição Viúva Tavares Cardoso, 1907, p. 26; Diário Ilus-
grupo dramático do Teatro Livre se desintegrar, trado, 03/06/1881, 26/10/1881, 09/08/1882, 06/11/1882,
há notícia da sua presença no Teatro Apolo, na 10/01/1883, 17/02/1883, 27/02/1883, 10/04/1883,
05/04/1884, 13/04/1884; Almanaque das Senhoras para
reprise de José João, paródia em 4 atos ao dra- 1893, Lisboa, redação do Almanaque das Senhoras, 1892,
ma João José de Joaquim Dicenta, por Eduardo pp. 133-134 [c/ retrato]; Revista Teatral, 3.a série, 2.o Vol.
Fernandes (Esculápio), música de Rio de Car- n.o 25, 01/01/1896, n.o 26, 15/01/1896; A Scena, Lisboa,
valho. Do seu repertório constam ainda: Causa n.o 41, 13/02/1898; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
31/01/1952, p. 4, 06/ 03/1952, p. 9.
Célebre, de Adolph d’Ennery e Cormon, tradu- [I. S. A.]
ção de Maximiliano de Azevedo; Duas orfãs, dra-
ma em 5 atos de Adolph d’Ennery, tradução de Maria das Dores Formosinho Vieira Cabeçadas
Ernesto Biester; Inês de Castro, de Maximiliano Nasceu em Silves, a 6 de janeiro de 1880, filha
de Azevedo; Santa Isabel; Rapaz Pobre; Rosa En- de José Francisco Vieira e Maria Dolores For-
jeitada, de Júlio Dantas; Pecadora; Paris Que Cho- mosinho Vieira. Aos 15 anos, mudou-se com a
ra; Culpa dos Pais; Andorinha; Filha Única; família para Lisboa, conseguindo, mais tarde, um
Como se Enganam as Mulheres, comédia em 3 lugar de professora de lavores no Liceu Maria
atos, e Condessa do Freixial, drama em 5 atos, Pia (atual Escola Secundária Maria Amália
peças de Rangel de Lima; orfã de Aldoar, de Tei- Vaz de Carvalho), onde fez várias e profundas
xeira de Vasconcelos; A Corte na Aldeia, drama amizades com algumas professoras, como Do-
em 5 atos, imitação de Mendes Leal da peça Les mitila de Carvalho, Berta Valente de Almeida ou
Ivresses de l’Amour, de Theodore Barrière; Fa- Olímpia Bastos. Em março de 1911, casou
mília Benoiton, comédia realista em 5 atos, de com José Mendes Cabeçadas Júnior, de quem
Victorien Sardou, traduzida por Ernesto Biester; teve quatro filhas. Dedicou-se essencialmente
Três Mulheres; Mulato; Filho de Gibour; Recor- às filhas e ao cuidado da casa. Numa época de
dações da Mocidade; Afilhado de Pompignac, grandes alterações políticas, acompanhou com
de Jules Jalin; e Família Mongrol. À data da mor- alguma apreensão a vida política e militar do ma-
te do marido, a 16 de junho de 1891, vivia com rido, designadamente o curto período em que
os dois filhos num 1.o andar da Rua de S. Láza- ele desempenhou funções de chefe de Estado
ro, em Lisboa. Depois de viúva, lutou muito, co- – entre 31 de maio e 17 de junho de 1926 –, bem
nheceu grandes dificuldades e o coval do ator como a prisão e consequente reforma compul-
Polla, no Cemitério dos Prazeres, era pago por siva decretada pelo regime de Salazar, em
amigos. Cegou e partiu com a família para New 1947. Morreu em dezembro de 1949.
Bedford, onde faleceu.
Bib.: Cristina Pacheco, “As primeiras-damas na República
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Portuguesa”, A República e os Seus Presidentes, Câma-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1064; ra Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu República e
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e Elsa San-
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 284; Esteves tos Alípio (coord.), As Primeiras-damas da República Por-
Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário tuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da República,
histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldi- 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio de Be-
co, numismático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João Roma- lém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presidência
no Torres & Ca. 1909, p. 414; Grande Enciclopédia Por- da República, 2005, pp. 34-73; Elsa Santos Alípio, José
tuguesa e Brasileira, Vol. XXII, Editorial Enciclopédia, Li- Mendes Cabeçadas Júnior. Presidentes de Portugal. Fo-
mitada, Lisboa/Rio de Janeiro, s. a., p. 222; Francisco de tobiografias, Lisboa, Museu da Presidência da Repúbli-
Mattos, “Actor Polla”, O Recreio, Lisboa, 11.a série, n.o 13, ca, 2006; Sílvia Espírito Santo, “As primeiras-damas. Di-
29/06/1891, pp. 193-195; Gervásio Lobato, “Maria das Do- tadura militar/Estado Novo”, As Primeiras-damas. Pre-
res” [c/ fot.], O Contemporâneo, Letras, Artes, Ciências, sidentes de Portugal. Fotobiografia, Lisboa, Museu da Pre-
Comércio e Indústria, n.o 16, dezembro, 1875, pp. [1-2]; sidência da República, 2006, pp. 27-62.
Guiomar Torrezão, “Maria das Dores”, Época, Lisboa, [E. S. A. / S. M.]
MAR 580

Maria das Dores Polla anos. Um convite para Rui Ulrich trabalhar no
v. Maria das Dores de Araújo Couto Pola Banco de Portugal, em 1914, fez a família vol-
tar para Portugal. Maria tinha então sete anos,
Maria das Neves mas com 12 anos saiu novamente do país para
v. Maria José das Neves ir estudar para um colégio em França, onde per-
maneceu durante alguns anos. Rui Ulrich foi ad-
Maria de Freitas Moreira ministrador e presidente do conselho de admi-
Professora-diretora da Escola Primária Geral, ane- nistração da Companhia de Moçambique de 1920
xa à Escola Normal do Porto. Em 30 de julho de a 1933, da Companhia dos Caminhos de Ferro
1925 acompanhou um grupo de professoras e de Portugueses de 1922 a 1933, da Companhia Na-
alunas/os na visita à Casa dos Filhos dos Sol- cional de Navegação a partir de 1936 e das Com-
dados, instituição fundada pela Junta Patriótica panhias Reunidas do Gaz e da Electricidade, en-
do Norte e dirigida pelo Núcleo Feminino de As- tre outros cargos que desempenhou com pro-
sistência Infantil*. No livro de honra deixou a se- fissionalismo e grande competência. Foi ainda
guinte mensagem: “Tendo visitado, eu e as mi- procurador à Câmara Corporativa e membro do
nhas colegas, bem como as crianças da nossa es- Conselho da Organização do Tratado do Atlân-
cola, este estabelecimento de tão simpático al- tico Norte (OTAN). Em 1933, Rui Ulrich foi no-
truísmo, não podemos deixar de exarar aqui a nos- meado Embaixador de Portugal em Inglaterra,
sa muita simpatia por tão bela obra, fazendo vo- pelo que a família se instalou em Londres, onde
tos pelo seu constante engrandecimento.” viveu durante cerca de dois anos. Ao voltar para
Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916 Portugal, foi nomeado professor da Faculdade
– 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua de Direito da Universidade de Lisboa e, em 1937,
obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos eleito seu diretor. Maria Ulrich, depois de re-
Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
do Porto, Lda., 1932, p. 198.
gressar de Londres, trabalhou na Juventude In-
[N. M.] dependente Católica Feminina (JICF) durante cer-
ca de 12 anos, organização a que se dedicou to-
Maria de Lima Mayer Ulrich talmente. Em entrevista publicada nos Cadernos
Nasceu em Coimbra, na freguesia de Santo An- de Educação de Infância em outubro de 1988, um
tónio dos Olivais, no dia 9 de março de 1908. mês antes do seu falecimento, referia que a JICF foi
O pai, Rui Enes Ulrich, nasceu em Lisboa, no dia uma verdadeira escola de educação para todos
20 de abril de 1883, na freguesia dos Mártires. as militantes, raparigas na casa dos 20 anos que
Obteve a licenciatura na Faculdade de Direito da formavam uma equipa organizada, amiga e
Universidade de Coimbra, com as mais altas clas- unida num projeto comum e que todos os anos
sificações, em 1904 e doutorou-se, na mesma fa- organizava uma campanha temática em que era
culdade, em 1906, sendo nomeado lente logo no estudado um problema relativo à sociedade por-
ano seguinte. A mãe, Genoveva de Lima Mayer, tuguesa. Ao abordarem a questão da educação
nasceu em Lisboa, freguesia da Lapa, em 1886. em Portugal verificaram que esse era um pro-
Escritora e poetisa conhecida pelo nome de Veva blema importantíssimo e que merecia um estu-
de Lima, era filha de Carlos Mayer, um dos mem- do profundo. Assim, realizaram inquéritos em
bros do grupo Vencidos da Vida, a que perten- todo o país, estudaram os resultados e concluí-
ciam Eça de Queiroz, Oliveira Martins e Rama- ram que a educação infantil era a grande prio-
lho Ortigão. Publicou ensaios, crónicas de via- ridade. Maria Ulrich compreendeu que a edu-
gens, novelas, peças de teatro e artigos para os cação deveria começar pela infância e que era ne-
jornais. Reunia na sua casa escritores, músicos cessário preparar profissionais para cuidar das
e artistas, tornando-se uma das grandes anima- crianças. Quando o pai foi nomeado novamen-
doras da vida cultural e social portuguesa. Em te embaixador de Portugal em Inglaterra e a fa-
1910, Rui Enes Ulrich e Veva de Lima foram sur- mília se instalou em Londres, Maria Ulrich apro-
preendidos pela implantação da República. veitou a sua estadia naquela cidade para estu-
Monárquicos convictos e amigos de João Fran- dar Rousseau, Laparède, Piaget, Pestalozzi e Froe-
co, decidiram abandonar o país. Rui Ulrich pe- bel, identificando-se especialmente com os
diu a exoneração do cargo de professor univer- dois últimos. Visitou escolas Montessori, onde
sitário e, no verão de 1911, a família instalou- analisou a utilização de materiais sensoriais na
-se em Biarritz, onde permaneceu durante três educação infantil. Ao regressar a Lisboa trouxe
581 MAR

conhecimentos, alguma experiência e especial- garve, o pai, Belchior Francisco, era motorista de
mente materiais que iria usar e ensinar a utili- táxi, a mãe, Catarina Maria Ferro Pontes, do-
zar. Foi fundadora da Associação Pedagógica In- méstica. Frequentou a Escola Primária n.o 2, em
fantil, associação de utilidade pública, sem Campo de Ourique, e o Liceu Maria Amália Vaz
fins lucrativos, constituída pela Escola de Edu- de Carvalho. Queria ser médica, mas o pai não
cação de Infância e pelo Colégio O Nosso Jardim, concordou. Foi, então, para a Faculdade de Le-
com as secções infantil e primária, instituições tras da Universidade de Lisboa e, em 1946, li-
que iniciaram atividades no ano letivo 1954/55. cenciou-se em Filologia Românica com uma dis-
Maria Ulrich criou também uma fundação com sertação intitulada Da Poesia de Frei Agostinho
o seu nome para dar apoio a obras que apelas- da Cruz – Tentativa de análise estilística e, na
sem para a formação da personalidade e para a mesma Universidade, em 1953, fez o Doutora-
valorização espiritual. Finalmente, criou a Casa mento em Cultura e Literatura Hispânica com a
Veva de Lima Mayer/Museu Veva de Lima em tese Frei António das Chagas – Um homem e um
memória da mãe, cedendo a casa de seus pais e estilo do século XVII, obtendo a classificação de
o respetivo espólio à Câmara Municipal de Lis- 18 valores em ambas as provas. Começou a vida
boa. Este museu dedica-se à realização de ati- profissional lecionando na Escola Comercial Vei-
vidades culturais e sociais, concretamente às 4.as ga Beirão, em Lisboa, descobrindo, então, a sua
feiras, de quinze em quinze dias, relembrando paixão pelo ensino. Contratada para 2.a assistente
assim os serões organizados por Veva de Lima, da Faculdade de Letras da Universidade de Lis-
onde se juntavam poetas, intelectuais, artistas das boa, em 1947, ali fez carreira enquanto, pelo seu
mais variadas áreas, músicos e pessoas de dife- trabalho, estudos e publicações, se ia afirmando
rentes formações e interesses e de extratos sociais em universidades estrangeiras. Foi aluna da Éco-
também diferentes, para ouvir música, poesia, le des Hautes Études en Sciences Sociales de Pa-
teatro, canto ou simplesmente para conviver. ris (1950-1952); Professora Associada da Facul-
A Escola de Educação de Infância é hoje a Escola dade de Letras da Universidade de Lisboa (1953-
Superior de Educação Infantil Maria Ulrich e tem 1959); Professora Extraordinária da mesma fa-
as seguintes áreas de estudo e de trabalho: For- culdade (1959-1969), lugar ganho em concurso
mação do Educador – ministra Cursos de For- com o trabalho Itinerário Poético de Rodrigues
mação Inicial e de Formação Contínua; Forma- Lobo; Professora Titular na Faculdade de Letras
ção Comunitária – realiza trabalho com crianças da Universidade do Porto (1969-1970), onde for-
de rua; Intercâmbio com Instituições Europeias; mou o Departamento de Filologia Românica;
Intercâmbio Institucional, procurando refletir a Professora Titular da Faculdade de Letras da
realidade educativa; Intercâmbio com Instituições Universidade de Lisboa (1970-1993), criando o
de 1.a Infância – Jardins Infantis, Bibliotecas, Lu- Departamento de Filologia Românica, em 1970.
dotecas, ATL, Hospitais e Ensino Especial. Entre 1973 e 1975, integrou a comissão destinada
Maria Ulrich manteve-se ativa até pouco antes à criação da Universidade Nova de Lisboa de que
de morrer, vítima das consequências de uma fra- faziam parte Eduardo Lourenço e Luciana Ste-
tura do colo do fémur. gagno; Professora Associada na Universidade de
Fontes: Escola Superior de Educação Infantil Maria Ul- Paris III, Sorbonne (1976-1978); Professora na Uni-
rich, Dossiê Temático sobre a Fundadora. versidade de Santa Bárbara, na Califórnia, na vaga
Bib.: Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Edi- deixada por Jorge de Sena (1978-1979), e Pro-
torial Verbo, 1988; Grande Enciclopédia Portuguesa e Bra-
sileira, Vol. 33, pp. 331-332, Lisboa, Editorial Enciclo- fessora Emérita da mesma universidade, em 1996.
pédia; Luísa Vian Alves, Nair dos Anjos Pires Rios Aze- Exerceu, ainda, muitas outras atividades profis-
vedo, Quem Foi Maria Ulrich, Lisboa, Escola Superior sionais: conselheira cultural no Brasil (1966-
de Educadoras de Infância Maria Ulrich,1999; Teresa de -1970); presidente do Instituto de Alta Cultura
Castro Simas, “Maria Ulrich, uma mulher – uma esco-
la”, Cadernos de Educação de Infância, n.o 8, outubro-
(1970-1973); membro da Fullbright Comission,
-novembro-dezembro, 1988; Público, 29/11/1994. como representante do Ministério da Educação
[M. V. F.] Nacional (1974); secretária de Estado da Cultu-
ra e Investigação Científica (maio-dezembro de
Maria de Lourdes Belchior Pontes 1974); diretora do Centro Cultural Português da
Nasceu em Lisboa a 17 de julho de 1923 e fale- Fundação Calouste Gulbenkian (1989-1998).
ceu, na mesma cidade, a 4 de junho de 1998. Teve duas bolsas de estudo no estrangeiro: uma
Oriunda de uma família modesta emigrada do Al- ainda estudante universitária, em 1943, conce-
MAR 582

dida pelo governo espanhol (Santander), e outra, nas Férias Missionárias. Quando entrou para a
entre 1950 e 1952, pelo governo francês (Paris). faculdade, inscreveu-se na Juventude Católica,
Foi membro das seguintes associações: Sociedade onde foi militante ativa e discreta. A mãe era pie-
Portuguesa de Escritores (1962); Pen Club (1969); dosa, o pai não encarava muito bem estas ativi-
Hispanic Society (1979); Association International dades extracurriculares e, “quando partíamos
des Critiques d’Art (1973); Associação Portuguesa para cursos de férias, ia despedir-se de nós com
de Escritores (1974); Academia das Ciências de umas lagrimitas nos olhos habitualmente riso-
Lisboa (1975); Association des Lusitanistes de nhos”. Já adulta, comprometeu-se com a obra de
France (1976); Sigma Delta (1981). Recebeu al- Auxiliares do Patriarcado, onde permaneceu até
gumas distinções e condecorações: Prémio Eu- ao fim da vida. Foi, durante anos, formadora, per-
ropeu Casa de Bragança, pela tese de doutora- tenceu ao movimento laico Graal* e, em 1990, foi
mento (1993); Prémio Europa da Académie des nomeada membro do Conselho Pontifício da Cul-
Maîtres de L’Est – Strasbourg (1995); os douto- tura, pelo papa João Paulo II. Nos anos 90, quan-
ramentos honoris causa da Faculdade de Letras do publicou a sua poesia, a sua fé testemunha-
da Universidade do Porto (1996) e da Faculda- -se no Cancioneiro para Nossa Senhora: Poemas
de de Ciências Sociais e Humanas da Universi- para uma Via Sacra (1988). Católica fervorosa
dade Nova de Lisboa. Era comendadora: da Or- mas não sectária, era apreciada por colegas e alu-
dem de Rio Branco (Brasil), desde 1967; da Or- nos. Da inteligência e valor intelectual falam o
dem de Santiago da Espada, desde 1971; da Or- seu currículo, a vasta obra que deixou escrita e
dem de Mérito (RFA), em 1973; recebeu os graus as palavras que proferiu em lições e conferências.
de Grande Oficial da Ordem de Instrução Pública Da dedicação aos alunos fala a sua presença e
(1973) e Oficial da Legião de Honra de França apoio na hora dos problemas, internos ou externos
(1975). Foi conferencista e participou em en- à faculdade, complexos ou não; fala, ainda, o pio-
contros culturais em universidades de Portugal, neirismo na dispensa das provas orais a alunos
do Brasil, de França, Roménia, Noruega, Ale- que obtinham determinadas notas nas provas es-
manha, Espanha, Canadá e Estados Unidos da critas ou que os rapazes pudessem fazer exames
América. Embora conhecida como especialista em camisa de manga curta nos escaldantes dias
no barroco literário peninsular, dedicou-se ao en- do verão português. Da sua generosidade falam
sino e divulgação de autores da literatura por- as pessoas amigas que lhe sobrevivemos e que al-
tuguesa de todas as épocas. Orientou teses de mes- gumas registaram em artigos ou conferências que
trado e doutoramento de académicos de uni- lhe dedicaram quando desapareceu. Falariam,
versidades portuguesas e estrangeiras. Promotora também, se ainda pudessem, os numerosos ami-
do conhecimento da língua e cultura portugue- gos que visitava, com devoção, quando se en-
sas foram muitas as conferências e debates que contravam doentes. Foi assim com os professo-
incentivou e participou sobre escritores e poetas res padre Manuel Antunes, Pedro Silveira, Pedro
nacionais. Também se debruçou sobre figuras da de Azevedo e Luís Lindley Cintra. Pode falar, tam-
cultura europeia, de que são testemunho as pu- bém, a cláusula do seu testamento que destina-
blicações em diversas revistas da especialidade va dez mil contos (50 mil euros) para a formação
portuguesas e estrangeiras, das quais lembramos de um médico saído da Casa do Gaiato. Do olhar
Claudel, Kafka e Ramón Menéndez-Pidal. En- irónico sobre si e os outros falava o brilho mali-
quanto cidadã, afirmou-se pelo inconformismo cioso dos olhos em certas ocasiões. Por exemplo,
político e sentido de justiça social, quis intervir quando uma funcionária desabrida lhe pergun-
no processo de democratização do país, aceitando tou no balcão de um banco: “Sabe escrever?”, res-
o lugar de secretária de Estado da Cultura e da pondeu mansamente “Penso que ainda me lem-
Investigação Científica. Fisicamente, era baixinha bro.” Ou quando, numa tarde quente e ventosa
e de feições miúdas. Porém grande na inteligência, de agosto passeava na praia da Consolação,
na capacidade de trabalho e na generosidade sem desgrenhada, relativamente pouco vestida, uma
limites. Simples na maneira de viver e de vestir, sandália em cada mão, os sobrinhos às camba-
era divertida na forma como se via a si própria lhotas à volta dela, viu chegar dois senhores, mui-
a desempenhar certos papéis. De formação cris- to bem vestidos e engravatados, de calças en-
tã, exerceu a catequese na paróquia do Santo Con- terradas na areia, e a convidaram, respeitosa e ce-
destável e na União Noelista, a que pertenceu du- rimoniosamente, para pertencer à lista de can-
rante os tempos do liceu, chegando a participar didatos a deputados em próximas eleições. Tinha
583 MAR

uma pequena casa em S. Julião (Carvoeira) onde jutor de Coimbra, que tinha sido seu aluno. Am-
passava férias. A seguir a cada inverno, a porta bos enalteceram a inteligência, afabilidade e fé
inchava, ficava empenada e não era possível abri- de Maria de Lourdes Belchior. Deixou uma vas-
-la sem intervenção do carpinteiro. Uma tarde, ta obra publicada. No ano 2000, foi dado o seu
saímos a passear pela serra e verificámos que a nome a uma rua na freguesia do Alto do Pina, jun-
porta das traseiras estava fechada e a chave le- to à Rotunda das Olaias.
vara-a a senhora que viera buscar a roupa para Da autora: [Seria fastidioso enumerar a vasta e diversifi-
lavar e passar. Conseguimos descobrir um esto- cada bibliografia de Maria de Lourdes Belchior, pelo que
re mal fechado e, atrás, uma janela mal fechada. referimos apenas algumas obras em ordem sequencial de
Esgueirei-me para dentro, levantei o estore e es- datas] “Da mulher (duas concepções de vida)”, Aqui e
Além, n.o 4, Lisboa, abril, 1956, pp. 47-50; Bibliografia de
cancarei a janela. Mas a Maria de Lourdes, bai- António da Fonseca Soares (Frei António das Chagas),
xa, roliça e pouco ginasticada, só ao fim de por- Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1950; “As glosas
fiados esforços conseguiu içar-se até ao parapeito do salmo 136 e a saudade portuguesa”, Bulletin of His-
e ali ficou escarranchada. Demorou a terminar a panic Studies (University of Liverpool), Vol. XXVIII,
operação de entrada em casa porque só parava n.o 109, Jan-March, 1951, pp. 42-48; “Helmut Hatzfeld,
Two types of mystical poetry illustrated by Sta. Teresa and
de rir para dizer: “Ai, se passa aí algum alto fun- St. John of the Cross (vivo sin vivir en mi)”, Revista Por-
cionário do Instituto de Alta Cultura e me vê a tuguesa de Filologia (Coimbra), Vol. IV, T. II, 1951, pp. 450-
cavalo na janela!” Tinha opções religiosas e po- -456; Frei António das Chagas – Um homem e um estilo
líticas bem definidas, mas guardava sobre elas bas- do Século XVII, Lisboa, Centro de Estudos Filológicos,
1953; “Claudel e a Poesia Perene”, Diário de Notícias [supl.
tante discrição. Só uma vez quebrou esta regra: Artes e Letras (Lisboa)], 03/03/1955; “Sobre romances e
em 1962, aquando da luta dos estudantes, foi dos romancistas católicos” (Crónica), Encontro – Órgão dos
poucos professores que tomaram a defesa dos alu- Universitários Católicos, ano 1, n.o 2, fevereiro, 1956; His-
nos, o que lhe valeu ser mandada para conselheira toriadores de Portugal Antigo, Lisboa, Campanha Nacional
cultural na embaixada de Portugal no Brasil. Cus- de Educação de Adultos, 1956; “7 parágrafos sobre crí-
tica literária”, Rumo, Lisboa, n.o 1, março, 1957, pp. 89-
tou-lhe muito partir por ter de separar-se da mãe -92; José Maria Valverde, História da Literatura Espanhola
com quem sempre vivera. Acabou por ser um exí- – Tradução prefácio e notas de Maria de Lourdes Belchior,
lio dourado pelo que lhe permitiu ver e pela opor- Lisboa, Estúdios Cor, 1957; No Centenário das Aparições
tunidade de efetuar conferências e grangear de Nossa Senhora de Lourdes [tradução francesa de À l’Oc-
casion des Apparitions de Notre-Dame de Lourdes], Bra-
amizades preciosas. Aceitou ser secretária de Es- ga, 1958; Itinerário Poético de Rodrigues Lobo, Publica-
tado da Cultura e Investigação Científica no I Go- ções da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
verno Provisório, pós-revolução de Abril, lugar 1959 [reedição fac-similada, com novo prefácio, Lisboa,
que ocupou entre maio e dezembro de 1974, a IN-CM, 1985]; várias entradas em Jacinto Prado Coelho
única mulher no Governo. Como nessas funções (dir.), Dicionário das Literaturas Galega, Brasileira e Por-
tuguesa, Porto, Figueirinhas, 1960, 3.a ed.; Idem, Dicio-
assinava o nome completo, aconteceu que mui- nário de Literatura, Vol. I, 1973, pp. 90-93, 98-99, 99-101,
tas pessoas estranharam a sua ousadia e disseram 105-107, 176, 176-177, 242-243, 252-253; Id. Ibid.,
a Vitorino Nemésio: “Mas a Lourdes parecia uma Vol. II, pp. 329-331, 375, 585-386, 571-572, 919-623, 645-
pessoa segura, afinal casou-se com um tal Pon- -650, 651-653, 663; Id., Vol. III, pp. 737, 740, 864-866; An-
tónio Ribeiro Chiado, Prática de Oito Figuras [edição fac-
tes que é comunista e até está no Governo.” Fa- -similada], nota preambular de Maria de Lourdes Belchior,
lava nisto, muitas vezes, com os olhos a brilha- Lisboa, O Mundo do Livro, 1961; “Frei António das Cha-
rem com a tal malícia. Não usava computador, gas”, Hernâni Cidade (org.), Os Grandes Portugueses,
gostava de afirmar o prazer do contacto direto com Vol. II, Lisboa, Arcádia, s. a. [1962], pp. 103-108; colabora-
ção em Colóquio – Revista de Artes e Letras, n.os 7, feverei-
o papel e afirmava-se “apaixonadamente pro- ro, 1960, 10, outubro, 1960, 17, fevereiro, 1962, 19, julho,
fessora”. Vítima de doença incurável, a ideia da 1962, pp. 63-64, 43, abril, 1967, pp. 51-53, 44, junho, 1967,
morte e da ressurreição estão presentes no poe- p. 70, 47, fevereiro, 1968, pp. 68-69, 52, fevereiro, 1969,
ma: “Minha Nossa Senhora / Quando a morte es- pp. 82-83; “Da estética de Fialho”, Costa Barreto (org.),
tiver para chegar / faça favor de se abeirar de mim Estrada Larga 3, Porto, Porto Editora, pp. 103-108; “Poe-
sia portuguesa contemporânea: ‘a geração de 40’, I. – Novo
/ no fim dos meus dias // na hora da partida des- Cancioneiro e Poesia Nova”, Brotéria (Lisboa),
ta vida / sede minha guarida / [...] / sede minha Vol. LXXVI, n.o 6, junho, 1963, pp. 644-661; Verbo – En-
guia / para a vida cimeira.” Faleceu aos 74 anos ciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Editorial
e foi sepultada no dia 6 de junho de 1998, no Ce- Verbo, Vol. 1, 1963, pp. 839-840, 840-841, 844, 874-875;
Id., Vol. 8, 1969, pp. 1840-1841; Id., Vol. 9, 1969, pp. 869,
mitério de Carnide. A missa de corpo presente 1325-1326; Id., Vol. 12, 1971, pp. 400.401; “Do romance
foi presidida pelo patriarca de Lisboa, D. José Po- espanhol contemporâneo”, Romance Contemporâneo, Lis-
licarpo, a que assistiu D. Albino Cleto, bispo coad- boa, Sociedade Portuguesa de Escritores, 1964, pp. 51-70;
MAR 584

“The literary baroque in the Iberian Peninsula”, Litera- 531, 639, 660, 682; Jorge de Sena: O homem que sempre
ry History and Literary Criticism, New York University foi [...], Lisboa, ICALP, 1992, pp. 99-105; “Prefácio”, Se-
Press, 1965; “A crise do ensino superior: relações com bastião da Gama, Cartas I, seleção e notas de Joana Luí-
o Ensino Secundário”, Análise Social, Lisboa, Vol. VI, sa da Gama, Lisboa, Ática, 1994; “Les églogues de Ber-
n.o 20/21, 1968, pp. 147-162; “Requiem para Cecília Mei- nardim Ribeiro”, Bernardim Ribeiro, Chagrins & Amours
relles, Manuel Bandeira e outros mais”, Sérgio Telles (dir.), de Quelques Bergers, edição de Anne-Marie Quint, Bor-
Encontro, Lisboa, Centro do Livro Brasileiro, 1970, pp. 169- déus, Lescampette, 1994, pp. IX-XVII; José Adriano de
-174; Miscelânea de Estudos em Honra do Prof. Vitorino Carvalho e Fernando Cristóvão, Antologia de Espirituais
Nemésio, Publicações da Faculdade de Letras da Uni- Portugueses, apresentação de Maria de Lourdes Belchior,
versidade de Lisboa, 1971, pp. 47-59; Os Homens e os Li- Lisboa, IN-CM, 1994; “Cidade (Hernâni)” e “Cintra (Luís
vros – Séculos XVI e XVII, Lisboa, Editorial Verbo, 1971 Filipe Lindley)”, Biblos. Enciclopédia Verbo das litera-
[reedição em 1980]; Joel Serrão (dir.), Dicionário de His- turas de língua portuguesa, Vol. I, Lisboa, Editorial Verbo,
tória de Portugal, Vol. I, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1971, 1995, pp. 1131-1132 e 1154-1157, respetivamente; “Pour
pp. 654, 766-767; Id., Vol. II, pp. 239, 242; Id., Vol. III, David Mourão-Ferreira, In Memoriam”, Evocation de Da-
pp. 827-830; “Apresentação”, Cancioneiro de Luís Franco vid Mourão-Ferreira, Paris, Centre Culturel Calouste Gul-
Corrêa – 1557-1589, Lisboa, Comissão Executiva do IV benkian, 1997, pp. 17-24 (Introdução, pp. 9-11); Vieira
Centenário da Publicação de Os Lusíadas, 1972; “Inquérito Escritor, Lisboa, Edições Cosmos, 1997, pp. 13-19; “Rumos
sobre a Literatura Maior e Literatura Menor” [Resposta de e valores da estilística”, Actas do Colóquio Internacio-
M. de L. B.], Arnaldo Saraiva, Encontros Des Encontros, nal Filologia Literatura e Linguística [Comemorações do
Porto, Livraria Paisagem, 1973; “Análise vocabular e sen- Centenário do nascimento do Professor Doutor Manuel
tido do homem em Os Lusíadas”, Homenage a Luís de Rodrigues Lapa, Curia (Anadia), 17, 18 e 19/04/1997].
Camoens, Madrid, Real Academia Española, 1973, pp. 17- Colaborou com artigos vários: Revista da Faculdade de
-23; “Maria de Lourdes Belchior ao D. N.”: “Estimular sem Letras de Lisboa (1951, 1955, 1956, 1957, 1971, 1984);
dirigismos todas as iniciativas válidas – declaração de prin- Revista Portuguesa de Filologia de Coimbra (1951, 1975-
cípios da secretária de Estado dos Assuntos Culturais” [En- -1976, 1980-1986); Boletim de Filologia (1953, 1954, 1956,
trevista de Esteves Pereira], Diário de Notícias, 30/10/1974; 1984); Graal, Lisboa (1956); Brotéria, Vol. LXXXV, n.o 12,
“A escola privada não pode ser o refúgio da liberdade e dezembro, 1967, pp. 702-711, Vol. CX, n.o 3, março, 1970,
do pluralismo pedagógico” [O ensino debatido em mesa- pp. 305-319, Vol. 2, fevereiro, 1979, pp. 135-162, Vol. 112,
-redonda (conclusão) com, ainda, Mário Pinto e Sottomayor n.o 3, março, 1981, pp. 306-314, Vol. 146, n.o 2, feverei-
Cardia], A Luta, Lisboa, 22/04/1976; artigos vários em Nova ro, 1998, pp. 195-199; Revista da Faculdade de Letras
Terra, Lisboa, 1977; “Afonso, o Africano (poema)”, João da Universidade do Porto, Série Filologia, Vol. I, 1973,
José Cochofel (dir.), Grande Dicionário da Literatura Por- pp. 11-30; Colóquio Letras, Lisboa, n.o 24, março, 1975,
tuguesa e de Teoria Literária, Vol. I, Lisboa, Iniciativas Edi- pp. 59-61, n.o 53, janeiro, 1880, pp. 85-86, n.o 55, maio, 1980,
toriais, 1977, pp. 67 e 86-87; “Cultura contemporânea pp. 86-87, n.o 80, julho, 1984, pp. 16-18, n.o 88, pp. 1985,
(1927-1971)”, Études Portugais et Brésiliennes, nouvel- pp. 61-65, n.o 91, maio, 1986, pp. 59-63, n.o 96, março-
le série, Vol. XIII, Rennes, Université de Haute-Bretagne, -abril, 1987, pp. 10-14, n.o 98, julho-agosto, 1987, pp. 22-
1977, pp. 81-96; “A propósito do dia da Igreja diocesa- -24, n.o 125/126, julho-dezembro, 1992, p. 33, e n.o 145/146,
na de Lisboa/Uma reflexão necessária”, O Jornal, julho-dezembro, 1997; Revista de História Económica
23/05/1980; “Da poesia de Manuel da Fonseca ou a de- e Social, n.o 4, julho-dezembro, 1979, pp. 1-14; Reflexão
manda do Paraíso”, Maria de Lourdes Belchior, Maria Isa- Cristã, Lisboa, n.o 24, setembro, 1980, pp. 11-12, e n.o 50,
bel Rocheta, Maria Alzira Seixo, Três Ensaios sobre a Obra julho-setembro, 1986, pp. 44-47; Arquivo do Centro
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ra de Vento, Lisboa, Seara Nova/Editorial Comunicação, pp. XI-XVI; id., Vol. XXVIII, 1990, pp. 5-6, 55-56, 85-86;
1980, pp. 11-49; “Sobre o carácter nacional ou para uma id., Vol. XXIX, 1991, pp. 5-6, 37-38 e 51-52; id., Vol. XXXV,
‘explicação’ de Portugal”, Nação e Defesa, Lisboa, n.o 21, 1996, pp. 193-200; nos jornais O Jornal, 24/02/1978;
janeiro-março, 1982, pp. 13-31; “Experiência operária / A Capital, durante todo o ano de 1983; A Tarde, 1983;
Karol Wojtyla: operário e intelectual”, O País, Lisboa, Público, 13/06/1991 e 27/03/1995; Diário de Notícias
13/05/1982; “Um santo para os nossos dias: S. Francis- [supl. Artes e Letras], 03/03/1955, 1956, 25/07/1963,
co de Assis”, Francisco de Assis 1182-1982, testemunhos 14/05/1970, 16/1981, 14/06/1991.
contemporâneos das letras portuguesas, Lisboa, IN-CM, Foram-lhe dedicados os estudos: Românica, revista de
1982, pp. 297-301; “A educação do sentimento poético literatura, 1/2, Lisboa, Cosmos, 1993; O Amor das Letras
ou a utopia da formação do gosto?”, Afecto às Letras – Ho- e das Gentes, In Honor of Maria de Lourdes Belchior Pon-
menagem da literatura portuguesa contemporânea a Ja- tes, edited by João Camilo dos Santos and Frederik G. Wil-
cinto do Prado Coelho, Lisboa, IN-CM, 1984, pp. 499-505; liams, Centre for Portuguese Studies, University of Ca-
“Um perfil / um testemunho” [Na morte do Padre Manuel lifornia, Santa Barbara, 1995; Arquivos do Centro Cul-
Antunes], Semanário, Lisboa, 26/01/1985; “Evocação do tural Calouste Gulbenkian, XXXVII, Fundação Calous-
Padre Manuel Antunes”, Diário Popular, 04/02/1985; [Por- te Gulbenkian, Lisboa – Paris, 1998.
tugal – Spiritualité] “B. 16e-18e siècles”, em colaboração Bibiografia de Maria de Lourdes Belchior: levantamen-
com José Adriano de Carvalho, Dictionnaire de Spiritualité to feito por gentileza de Ernesto Rodrigues, da Univer-
Ascétique et Mistique, Fascicules LXXX, LXXXI, LXXXII, sidade de Lisboa. Fontes: Vivências da autora, amiga e
Paris, Beauchesne, 1985, pp. 1958-1973; Gramática do condiscípula de Maria de Lourdes Belchior na Faculdade
Mundo, Posfácio de Joaquim Manuel Magalhães, Lisboa, de Letras da Universidade de Lisboa; testemunhos orais
IN-CM, 1985; Cancioneiro para Nossa Senhora – Poemas recolhidos em 2006.
para uma Via Sacra, S. I., 1988; JL – Jornal de Letras, Ar- Bib.: Afonso Praça, “Na morte de Maria de Lourdes Bel-
tes e Ideias, n.os 30, 59, 60, 63, 150, 178, 361, 364, 461, chior – A gramática do mundo”, Jornal de Letras,
585 MAR

17/06/1998, p. 6; Ema Batista e Maria do Céu Borrêcho, ve-se entre ambos, ao longo de pelo menos uma
“Lisboa, toponímia no feminino II”, Faces de Eva, n.o 3, década, como comprova a correspondência
Lisboa, Edições Colibri, 2000, pp. 151-152; Guilherme
de Oliveira Martins, “Maria de Lourdes Belchior – existente, e os sucessivos retratos que o mestre
Uma crença serena”, Jornal de Letras/Educação, foi fazendo dela. De 1924, data o seu primeiro
17/06/1998, p. 11; Maria Idalina Resina Rodrigues, desenho (Maria de Lourdes Pintando, tinta da
“Figuras das culturas lusófonas – Maria de Lourdes Bel- china), sendo também provável que seja a pró-
chior Pontes, 1923-1998”, Camões, edição mensal do Ins- pria discípula, a figura feminina em primeiro pla-
tituto Camões para o Jornal de Letras, Artes e Ideias,
n.o 25, 06/09/2000; Marina Ramos e Luís Miguel Quei- no, no quadro A Retardatária, desse mesmo ano,
rós, “Apaixonadamente professora”, Cultura, n.o 29, e que ilustrará a capa do número especial de Na-
Público, 06/06/1998; Paula Machado, Maria de Lourdes tal de O Comércio do Porto. Três anos depois,
Belchior, Investigadora – 1923-1998, Comissão Municipal executa o retrato de Maria de Lourdes num pas-
de Toponímia, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa,
janeiro de 2000. tel de 1927. Em maio de 1929 Malhoa voltaria
[I. L.] a retratá-la num pequeno desenho, muito pos-
sivelmente um esboço preliminar para Sessão ao
Maria de Lourdes Cabral Ar Livre, de 1930 (apresentado na SNBA em
Atriz. Nasceu a 17 de março de 1898 e faleceu 1931), data em que o mestre executa ainda um
no Brasil, em data desconhecida. Foi boa atriz retrato a pastel da mãe da discípula, Maria Del-
de opereta e revista, chegando a primeira figu- gado Campeão de Melo e Castro. Para além dis-
ra nestes géneros. Fez digressões pelos Açores so existem algumas fotografias de 1928, mos-
e Espanha. Em 1925, empreendeu uma digres- trando os dois trabalhando, ou em atividades de
são pelas ilhas, de que resultaram grandes pre- lazer. A discípula retribuirá com três retratos do
juízos para a empresa e, no regresso, foi para o mestre: um desenho de 1927; e dois óleos, de
Brasil, onde se fixou, em S. Paulo, e abandonou 1928 (Malhoa Pintando), e de 1929. Maria de
a carreira. Lourdes passa os meses de verão com Malhoa em
Figueiró dos Vinhos e o restante tempo repar-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 183; “Tea- tido entre o ateliê de Lisboa e Tomar. Em 1927
tros – Foi neste dia...”, O Século, 17/03/1961, p. 4. expõe pela primeira vez na SNBA e, alguns anos
[I. S. A.] depois, em 1931, realiza as suas primeiras ex-
posições individuais, quer em Lisboa, quer no
Maria de Lourdes de Mello e Castro Porto, respetivamente na SNBA e no salão Sil-
Foi a penúltima discípula de Malhoa, e também va Porto. No ano seguinte será a vez de Coimbra
a que mais se notabilizou em meados do sécu- (Associação Comercial) tomar conhecimento da
lo XX. Maria de Lourdes de Mello e Castro Es- sua obra e só em 1976 idêntica oportunidade
teves de Brito nasceu em Tomar, a 24 de outu- será dada à sua terra natal. Com residência em
bro de 1903, e morreu em Lisboa, a 28 de julho Tomar, na Quinta de Nossa Senhora de Lurdes
de 1996. Apesar de ter iniciado muito jovem a (Avessadas), a partir de agosto de 1937, data do
sua formação artística, em 1916, com o escultor seu casamento, fixa morada em Lisboa, na Rua
açoreano Canto e Castro, seria em Lisboa que Borges Carneiro, n.o 42, 1.o dt.o, trabalhando en-
prosseguiria as lições. Desta vez, com o pintor tão no ateliê da Av. da Liberdade, mais tarde
Ezequiel Pereira, a partir de 1920, segundo in- transferido para a Rua D. João V, n.o 13, 2.o
dicação de José Malhoa, que recusara inicial- dt.o (1957-58). Desenvolvendo uma obra espe-
mente o favor das suas lições. Segundo parece, cialmente vocacionada para o retrato, pintura de
dado o impedimento de Ezequiel Pereira, o pin- género e de paisagem, à semelhança de Malhoa,
tor terá reconsiderado, vindo depois a aceitar a a atividade expositiva de Maria de Lurdes cen-
jovem discípula, apesar de ter deixado de exer- trou-se fundamentalmente nos salões da SNBA,
cer essa atividade anos antes. Assim, ainda an- onde foi premiada com medalhas de 3.a e 2.a clas-
tes de perfazer 20 anos, por volta de 1921, Ma- se, 1.a medalha em pastel, e 2.a em óleo. Sócia
ria de Lourdes inicia as aulas com Malhoa, fac- correspondente dessa instituição entre 1929 e
to que refere, desde 1927, quando participa pela 1935 (em 1929 com o n.o 73), foi presença assí-
primeira vez numa exposição da SNBA. Ali, foi dua nos seus salões de primavera (pintura a óleo
vista como uma artista “prometedora”, consoante e escultura), e de inverno (aguarela, desenho, pas-
a qualificara Manuel de Sousa Pinto [Sousa Pin- tel, gravura e miniatura), durante longos anos,
to, 1927, p. 30]. O bom relacionamento mante- até 1959. Em 1957 e 1961, participa nas con-
MAR 586

ceituadas exposições de artes plásticas da Fun- guesas que aspiram à emancipação, em meados
dação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Fez tam- de Novecentos. Apesar do seu meio urbano, não
bém parte do Grupo de Artistas Portugueses é ele que nos surge nas pinturas de Maria de
(1947-63), e expôs ainda em certames promo- Lourdes. O seu naturalismo e interesse pelo ar-
vidos pelo Secretariado Nacional de Informação. -librismo são dirigidos para jardins, terraços, lo-
A partir de 1957 integra também as mostras de cais de lazer e diversão, praias e margens de rios,
artes plásticas, organizadas anualmente pela Fun- cenários pacatos (pouco habituais para Ma-
dação Calouste Gulbenkian. Representada na lhoa, como se verá), onde se desenrolam “en-
IV Exposição Colectiva de Artistas Plásticos (Ga- contros idílicos e de convívio” [Alvelos, 2004,
leria Pórtico, 1957), esteve ainda nas importantes p. 7], e cenas familiares do seu quotidiano. Era
exposições Os Anos 40 na Arte Portuguesa (FCG, a vertente Juste milieu do naturalismo, numa as-
1982) e As Artes ao Serviço da Nação (Museu sociação entre a pintura de género e a paisagem,
de Arte Popular, 1966). A partir dos anos 80 par- o ar-librismo adaptado às cenas de costumes, am-
ticipa com regularidade nos salões de outono, bientes ambíguos onde os temas se situam en-
promovidos pelo Estoril-Sol (1980-85), período tre o campo e a cidade, a tradição e a contem-
em que se iniciam as exposições retrospetivas do poraneidade. Disso, são um claro exemplo as suas
seu trabalho (1983, 1989, 1990). No que toca à imagens de praias e estâncias balneares, onde a
sua presença fora do continente, integra a Ex- natureza é tornada aprazível e casual, com a pre-
posição de Arte Portuguesa em Luanda e Lou- sença de gente urbana em busca de prazeres e
renço Marques, organizada pelo Ministério das distrações, ajudando a criar ambiências de serena
Colónias em 1948 e, em 1979, a Exposição de Re- tranquilidade, sem angústias, nem dramas,
trato Paul-Weiller, em Paris. Relativamente à sua como sucede frequentemente nas pinturas rurais
obra, ela é claramente um exemplo do tardo- de Malhoa. Mesmo nos casos em que ela se pa-
-naturalismo que se desenvolve nos salões da de- rece aproximar, por exemplo, ao tratar o tema do
cadente SNBA da primeira metade do século XX, ciúme, em A Preterida, de 1926 (quadro com que
subscrevendo a “tese da fidelidade ao natura- se estreou na SNBA em 1927), podemos obser-
lismo nacional” [Pinharanda, 1989, p. 7], no que var os universos distintos em que ambos se mo-
seria uma derivação dos valores estéticos da ge- vimentam. Mas não foram, de modo algum, ape-
ração de Malhoa. No entanto, salvaguardadas as nas as diferenças que marcaram a pintura dos
proporções, Maria de Lourdes apresenta-se, em dois artistas. Embora a historiografia se compraza
alguns aspetos, como o “reverso do espelho” da em afirmar a formação de Maria de Lourdes jun-
obra do mestre. O seu mundo é profundamen- to de Malhoa, raras foram as ocasiões em que se
te feminino, jovem, e citadino, o que transparece deu atenção ao confronto das suas pinturas. Efe-
de modo claro na sua pintura, cujas personagens tivamente, são vários os traços em comum que
refletem o “mundo fechado das cumplicidades se podem observar no exercício das suas obras.
femininas” [Pinharanda, 1989, p. 9], em temas Nalguns casos, a discípula parece pouco mais fa-
de “elegâncias e lazeres burgueses, repassados zer do que parafrasear o mestre, noutros, ela-
de aprazível tranquilidade e de despreocupação” borando derivações sobre um mesmo tema, ou
[Tomaz do Couto, 1989, p. 13]. Neste aspeto, Ma- então, aproximar-se de fontes de inspiração se-
ria de Lourdes parece aproximar-se de Emília dos melhantes. Vejamos alguns exemplos. O quadro
Santos Braga, onde a temática da mulher se tor- (inacabado) Contemplação (s.d.) parece inspirado
na soberana (embora com visões e tratamentos no Espreitando, que Malhoa executou em 1924;
distintos), na importância dada ao universo do o mesmo sucedendo com Contra Luz (1932), e
seu quotidiano familiar, mormente no aspeto da o retrato de Júlia Malhoa (Retrato de Minha Mu-
maternidade, e que se manifesta de forma es- lher), de 1914; ou ainda, No Jardim (1930), que
pecial no tema da criança. Também a sua ideia se assemelha a várias obras do mestre, nomea-
de natureza se revela distinta de Malhoa. O uni- damente no estilo luminista, quase impressio-
verso burguês e citadino da discípula parece tor- nista, das suas vistas de jardins. Em verdade, a
nar-se incompatível com os cenários rústicos e artista parece seguir as tendências luministas que
grosseiros do mundo rural. Esta realidade, em- se desenvolvem em Malhoa, ao longo do pri-
bora Maria de Lourdes a conhecesse, dadas as meiro quartel do século XX, e daí algumas re-
suas origens provincianas, pouco tinha a ver com ferências visuais serem idênticas. Ao contrário
o seu modo de vida, e o das mulheres portu- do que sucedeu com o seu mestre, Maria de Lour-
587 MAR

des não teve o mesmo acesso às exposições es- Maria de Lourdes Pintasilgo
trangeiras, pelo que as suas fontes serão sobre- v. Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pin-
tudo fornecidas por aquele, ou por reproduções tasilgo
em jornais e revistas da época. Entre elas, po-
demos mencionar o pintor norte-americano Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pin-
William Merrit Chase, ou Richard E. Miller. Este tasilgo
artista foi conhecido sobretudo pelas suas ima- Nasceu em Abrantes, freguesia de S. João, a 18
gens de cenas domésticas femininas, banhadas de janeiro de 1930, no seio de uma família alar-
por uma luz natural, que penetra por uma janela, gada e agnóstica. Filha de Jaime de Matos Pin-
ou filtrada através de persianas. Embora as fi- tasilgo, comerciante de lanifícios, e de Amélia
guras de Maria de Lourdes se disponham so- do Carmo Ruivo da Silva Matos Pintasilgo, dona
bretudo inseridas num ambiente exterior, ao ar de casa. A avó terá desempenhado um papel re-
livre, pressente-se a mesma sensibilidade e o in- levante na sua formação. Aos sete anos veio com
teresse pelos valores lumínicos e cromáticos, co- a família para Lisboa, fazendo a instrução pri-
muns em Miller (ou mesmo em Malhoa). Esta mária no Colégio Garrett, na Av. Almirante
situação torna-se mais evidente quando a artista Reis, e frequentou depois o Liceu D. Filipa de
dispõe as suas personagens femininas em in- Lencastre. Excelente aluna, manteve ao longo dos
teriores, junto a janelas, ou em pequenos ter- anos escolares a média de 18 valores e recebeu,
raços, como em A Leitura (1925), No Terraço por duas vezes seguidas, o Prémio Nacional.
(1929) ou Dia de Sol (1932). Também as suas ce- Atingiu também o mais alto posto de graduada
nas de praia, tomadas em Sines, Figueira da Foz, na Mocidade Portuguesa Feminina*. Em 1946 in-
Santa Cruz, ou Praia das Maçãs, mormente a par- gressou no Instituto Superior Técnico, nessa al-
tir da década de 40, lembram as pinturas lu- tura “um reduto ainda esmagadoramente mas-
ministas do artista levantino Joaquín Sorolla y culino”, onde a convivência com outros estu-
Bastida (1863-1923). Para além do género, Ma- dantes a fez alargar horizontes e interesses. Ali
ria de Lourdes também se dedicou a outras te- aderiu à Juventude Universitária Católica Fe-
máticas, como à paisagem, ao retrato (alguns de minina – JUCF, facto que ela própria considerou
mérito superior, outros de talento variável), ou de grande importância pela metodologia adotada:
à natureza-morta, embora estes nunca atingis- “Ver, julgar e agir.” Entre 1952 e 1956 foi pre-
sem a qualidade ou a importância dos primei- sidente da JUCF, o que lhe proporcionou mui-
ros. Não obstante o interesse que tem suscita- tos contactos e chamou a sua atenção para a
do nos últimos anos, patente nos trabalhos de necessidade de transformação das estruturas da
Ana Alvelos [2003; 2004; 2005], trata-se de uma sociedade e das mentalidades. Em 1953 co-pre-
artista que ainda carece de investigação apro- sidiu, com Adérito Sedas Nunes, ao Primeiro
fundada, que certamente merece. Congresso Nacional da Juventude Universitária
Católica, realizado em Lisboa, que foi um mar-
Bib.: Ana Alvelos, “Auto-(retrato): Maria de Lourdes de
Mello e Castro”, Revista Faces de Eva. Estudos sobre a co importante na vida estudantil portuguesa, pe-
mulher, Lisboa, Edições Colibri, n.o 10, 2003, pp. 195- los estudos sobre a realidade universitária em que
-199; Idem (coord.), Maria de Lourdes de Mello e Castro, se fundamentou e pelas propostas que formulou,
1903-1996: Centenário do nascimento, Lisboa, Centro Cul- envolvendo professores, estudantes e bispos, e
tural de Belém, 2004; Idem, “Maria de Lourdes de Mel- até pelo impacto político que teve, já que o mi-
lo e Castro”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX),
Lisboa, Livros Horizonte, 2005, pp. 644-646; João Manuel nistro da Educação chamou os dois responsáveis
P. Vargas Moniz, (coord.), Maria de Lourdes de Mello e que “ouviram as maiores críticas à atuação do
Castro, Tomar, Fábricas Mendes Godinho, 1989; Maria congresso”, tendo-as, aliás, refutado. Nesse
de Lourdes de Mello e Castro, 1903-1996: Centenário do mesmo ano obteve a licenciatura em Engenha-
nascimento, Lisboa, Centro Cultural de Belém, 2004; Ma-
nuel de Sousa Pinto, “Arte e Artistas: A 24.a Exposição
ria Químico-Industrial pelo IST, iniciando de se-
da Sociedade Nacional de Belas Artes”, Ilustração, guida a sua vida profissional como bolseira do
Ano 2.o, 34, Lisboa, 16/05/1927, p. 30; Nuno Saldanha, Instituto de Alta Cultura, na Junta de Energia Nu-
José Vital Branco Malhoa (1855-1933) – O pintor, o mes- clear. O seu “verdadeiro baptismo profissional”
tre e a obra (texto policopiado), Tese de Doutoramento aconteceu quando foi nomeada chefe de servi-
em História da Arte apresentada à Universidade Católi-
ca Portuguesa, dezembro de 2006; Idem, José Malhoa –
ço no Departamento de Estudos e Projectos (1954)
Tradição e modernidade, Lisboa, Scribe, 2010. da CUF, sendo a primeira mulher nos quadros
[N. S.] técnicos daquela empresa que contava 40 000
MAR 588

operários – quando “ia visitar os modos de pro- celo Caetano, foi designada procuradora à Câ-
dução para obter dados que teria de problema- mara Corporativa nas X e XI Legislaturas do Es-
tizar, os operários escrutinavam-me da cabeça aos tado Novo (1969-1974), depois de primeiramente
pés e paravam literalmente o trabalho”. Ali in- ter recusado fazer parte da lista de deputados à
tegrou a primeira equipa de investigação e de- Assembleia Nacional, por considerar obstáculo
senvolvimento que existiu na indústria portu- intransponível o regime de partido único. Inte-
guesa. Recusou, entretanto, o convite do Nobel grou, naquela Câmara, a Secção XII – Interesses
da Química Sir Hugh Taylor para ir fazer parte de ordem administrativa, 1.a Subsecção: Políti-
da sua equipa em Princeton. Trabalhou nas fá- ca e administração geral, tendo sido a primeira
bricas do Barreiro e nos Centros de Investigação mulher a tomar lugar numa secção que não tra-
de Sacavém e de Lisboa. Assumiu a direção de tava de interesses morais e assistenciais, como
projetos do mesmo departamento e editou a re- sucedera até então. A propósito diria mais tar-
vista Indústria. Organizou também colóquios de de: “Posso dizer que a minha tarimba política foi
atualização científica destinados aos quadros feita ali. Foi lá que pela primeira vez me aper-
técnicos daquela empresa. Em 1956 foi eleita, cebi de como é que as coisas funcionam por den-
por aclamação, presidente do Movimento In- tro, das teias, cumplicidades e cedências do po-
ternacional de Estudantes Católicos Pax Romana, der... Aprendi muito na Câmara Corporativa, não
função que desempenhou até 1958: “para ela a só em razão dos trabalhos concretos em que par-
grande escola dos princípios e métodos da de- ticipei, mas sobretudo por aquilo que ouvia aos
mocracia representativa”. Por inerência deste meus colegas, muitos dos quais ex-ministros do
cargo, assumiu a presidência do I Seminário de regime. Ajudou-me a clarificar as minhas opções,
Estudantes Africanos, no Gana, e da Assembleia- em imensos aspetos contrárias às deles. Ao mes-
-Geral de Pax Romana realizada em El Salvador, mo tempo a minha participação na Câmara Cor-
em 1957. Nesse ano, aderiu ao movimento de porativa serviu para salvaguardar outras ativi-
mulheres católicas Graal* e tomou a decisão de dades públicas de carácter não governamental,
interromper a atividade profissional, para se de- em que estava profundamente empenhada.” En-
dicar a trabalho de natureza social e cultural: quanto procuradora, assinou diversos pareceres,
“o deslumbramento de que às mulheres cabe en- muitos com voto de vencida, nos quais explanava
contrar caminhos novos para gerar um mundo as suas ideias e afirmava as suas convicções [cf.
diferente. Ver que um punhado de jovens mu- “Procuradoras à Câmara Corporativa”, Dicionário
lheres no século XX se apropriaram de uma len- no Feminino, 2005]. Entre 1970 e 1973 foi con-
da patriarcal e dela fizeram uma aventura sua. sultora do Ministério das Corporações e Previ-
E, ao conhecer algumas dessas mulheres e a sua dência Social junto do secretário de Estado do
imensa liberdade e criatividade, o desejo de en- Trabalho e Previdência Joaquim Silva Pinto.
trosar com elas a minha vida”. Ainda na quali- Numa altura em que se tornavam prementes os
dade de dirigente da Pax Romana, presidiu ao problemas decorrentes da entrada maciça das
Congresso Mundial de Estudantes e Intelectuais mulheres no mercado de trabalho e em que a le-
Católicos, que teve lugar em Viena de Áustria em gislação considerava as mulheres como um
1958. Participou em Genebra na Sessão da Co- grupo social sobre quem impendia uma dupla
missão do Estatuto da Mulher, das Nações Uni- tarefa – laboral e familiar –, foi convidada a pre-
das (1961). Em 1962 introduziu, com Teresa San- sidir ao Grupo de Trabalho para a Participação
ta Clara Gomes* (1936-1996), o movimento da Mulher na Vida Económica e Social, sedea-
Graal em Portugal. Será vice-presidente inter- do no mesmo ministério. Maria de Lourdes Pin-
nacional do Graal entre 1964 e 1969, dirigindo tasilgo decidiu “tentar alguma coisa a nível le-
o Centro Internacional Interdisciplinar Tiltenberg, gislativo”: foi assim elaborado o primeiro le-
passando, por isso, grandes temporadas na Ho- vantamento das discriminações entre mulheres
landa e nos Estados Unidos. O papa Paulo VI de- e homens no direito público e privado e foram
signou-a, em 1966, representante da Igreja Ca- propostas diversas alterações ao direito da família
tólica num grupo de ligação ecuménica com o e à legislação sobre o trabalho das mulheres. Em
Conselho Mundial das Igrejas, cargo que ocupou 1971-72 aceitou o convite para integrar a dele-
até 1970. Representou o Graal no III Congresso gação portuguesa à Assembleia-Geral da ONU,
Mundial do Apostolado dos Leigos, realizado em “com a condição de lhe ser permitido intervir e
Roma em 1967. Em Portugal, a convite de Mar- dizer o que entendesse no ponto da agenda re-
589 MAR

lativo à ‘autodeterminação dos territórios sob tu- teresse participara”. Entre maio e agosto foi pre-
tela’”, ali realizando intervenções sobre a con- sidente da Comissão da Condição Feminina, que
dição feminina (outubro de 1971), sobre o direito deixou por ter sido nomeada, em fins de julho
dos povos à autodeterminação (novembro de desse mesmo ano, delegada permanente de
1971), sobre a juventude e sobre a liberdade re- Portugal junto da UNESCO, sendo assim a pri-
ligiosa (ambas em dezembro de 71). Nessa cir- meira portuguesa embaixadora, numa altura em
cunstância procurou ainda, baldadamente, uma que ainda estava vedada às mulheres a carreira
solução negociada para pôr termo à guerra co- diplomática. Recusou, em julho de 1976, o
lonial. Em novembro de 1973, o ministro das Cor- convite do primeiro-ministro Mário Soares para
porações e Previdência Social, Baltazar Rebelo integrar o 1.o Governo Constitucional, por en-
de Sousa, nomeou-a presidente da Comissão para tender que servia melhor a democracia e o de-
a Política Social relativa à Mulher, sob sua tu- senvolvimento no cargo onde se encontrava.
tela, e com objetivos mais amplos que os do gru- Exerceu essas funções até 1979, quando o go-
po de trabalho anterior. Depois da Revolução de verno recém-empossado da Aliança Democrática
Abril de 1974 aceitou, em menos de quatro ho- (AD) a exonerou, alegando falta de confiança po-
ras, e “como uma etapa lógica”, a nomeação para lítica; administrativamente, porém, conservou-
secretária de Estado da Segurança Social no 1.o -as até 1981. Mais tarde (2005) afirmaria, no seu
Governo Provisório, presidido por Palma Carlos livro póstumo Palavras Dadas, crer que, em 1986,
(maio-julho), na convicção de que esta seria a ati- o seu nome fora considerado para diretora-
tude coerente de quem desejava “fazer alguma -geral da UNESCO, mas vetado pelo Governo por-
coisa”. No 2.o Governo Provisório, empossado a tuguês, facto que os então governantes disseram
18 julho de 1974 e presidido por Vasco Gon- desconhecer. Por proposta dos países ocidentais
çalves, seria nomeada ministra dos Assuntos So- foi eleita em 1976, por quatro anos, membro do
ciais, sendo a primeira mulher portuguesa a Conselho Executivo da UNESCO. Ainda em 1975
quem foi confiado um cargo ministerial, pasta (maio-setembro) foi, em Portugal, membro elei-
que manteve durante parte do 3.o Governo Pro- to do Conselho de Imprensa. No verão de 1979,
visório, empossado a 1 de outubro de 1974. Criou o Presidente da República, general Ramalho
então a pensão social. Adoptando um estilo di- Eanes convidou-a a formar governo, com a
ferente de governar, decidiu intervir em todos os incumbência de preparar eleições intercalares
assuntos do governo, “como a Justiça, a Defesa, a realizar no final desse ano. Tornou-se então a
a Descolonização, os Negócios Estrangeiros”, com primeira portuguesa a desempenhar o cargo de
o objetivo de se fazer ouvir e poder chamar a primeiro-ministro, chefiando o V Governo Cons-
atenção para questões relevantes, como a refe- titucional, de iniciativa presidencial, entre 1 de
rida pensão social, o salário mínimo, a extensão agosto de 1979 e 3 de janeiro de 1980. Maria de
da cobertura da saúde aos rurais; segundo afir- Lourdes Pintasilgo diria mais tarde: “Inaugurei
mou mais tarde, “eu queria fazer entrar esse cui- uma outra forma de governar. A estrutura go-
dado da sociedade por todos, sem que ficasse al- vernamental era diferente, definia grandes áreas
guém de fora. Para isso tive de falar a linguagem de governo e não havia compartimentos entre os
da mesa”. Em fevereiro de 1975, enquanto mi- ministérios. Procurei implementar um princípio
nistra dos Assuntos Sociais, colocou em insta- de ação decisória próxima das pessoas a quem
lação a Comissão da Condição Feminina*, re- a decisão dizia respeito.” As eleições que pre-
formulando a que fora criada em 1973. No “11 parou deram a vitória à coligação da Aliança De-
de Março”, contudo, deixou o Governo por se mocrática (AD), assumindo Francisco Sá Carneiro
opor frontalmente às posições irredutíveis do a chefia do executivo, que veio a revogar mui-
Conselho de Ministros sobre as nacionalizações ta da abundante legislação publicada pelo go-
maciças. Efetivamente, conforme mais tarde ela verno Pintasilgo: “Os primeiros tempos da
própria afirmaria, a sua experiência profissional Aliança Democrática, imediatamente após ter
levava-a a considerar a questão “mais segundo sido primeira-ministra, foram para mim um tem-
as condições técnicas de cada sector e menos se- po muito difícil. Às críticas permanentes só po-
gundo uma qualquer ortodoxia ideológica”, deria responder em termos de um pensamento
percebendo também que as novas circunstâncias mais profundo que me libertasse da carga afetiva
políticas punham termo “ao Programa de Polí- que sobre mim pesava”, dirá mais tarde. Desi-
tica Social e Económica em que com tanto in- ludida, dedicou-se então (1980-86) a dinamizar
MAR 590

uma Rede de Mulheres*, cuja ação cívica se des- mas do Desenvolvimento Global”, enquadrado
tinava a incentivar o aprofundamento da de- no Departamento de Extensão Cultural. Em ju-
mocracia e a estimular a participação feminina lho do mesmo ano foi cabeça de lista do PS nas
na vida da sociedade. Percorreu nessa altura o primeiras eleições realizadas em Portugal para
país e foi acolhida com entusiasmo por muitos o Parlamento Europeu (intercalares, mandato
grupos de mulheres. Apoiou também a recan- 1987-89), integrando o grupo socialista como de-
didatura do general Ramalho Eanes à presidência putada independente. Foi vice-presidente do
da República (1980). Reeleito, este nomeou-a sua Conselho de Interacção dos Ex-Chefes de Go-
consultora, confiando-lhe a gestão do “dossier verno (1988-1993) e membro (1988) do Comité
Timor-Leste”, funções que desempenhou entre Consultivo do Synergos Institute, de Nova Ior-
1981 e 1985, tendo como objetivo conseguir que, organização independente que se dedica a
“vencer o domínio da Indonésia” sobre aquele encontrar soluções realistas para obviar à po-
território: visitou várias capitais da CEE, pro- breza. Em 1989 seria eleita (até 1991) pela As-
curando apoios para que a questão fosse reposta sembleia-Geral da ONU membro do Conselho da
na agenda da Assembleia-Geral da ONU, o que, Ciência e da Tecnologia ao Serviço do Desen-
colhido também o empenho das autoridades por- volvimento. No âmbito do Graal, foi mentora do
tuguesas, acabou por suceder. Prosseguindo a sua projecto da União Europeia Rede LIEN, para in-
atividade cívica, animou também, entre 1982 e tercâmbio e aprendizagem de jovens mulheres
1985, a Plataforma Inter-Grupos e o Movimen- com formação académica (1989-2004). O secre-
to para o Aprofundamento da Democracia – tário-geral da OCDE convidou-a a presidir ao gru-
MAD. O prestígio internacional ia-se firmando po de peritos sobre A Mudança Estrutural e o Em-
cada vez mais, para o que contribuiu, sem dú- prego das Mulheres (1990-91); o Governo por-
vida, o seu perfeito domínio do inglês e do fran- tuguês não deu o seu aval e Maria de Lourdes
cês: integrou o conselho diretivo do World Po- Pintasilgo apenas integrou o grupo, que elabo-
licy Institute, da New School of Social Research, rou o notável relatório final Conduzir a Mudança
de Nova Iorque (1982); por designação do se- Estrutural: O papel das mulheres, para o qual deu
cretário-geral da ONU, do diretor-geral da um contributo substancial. Recebeu, em 2 de fe-
UNESCO e da Santa Sé era membro do Conse- vereiro de 1990, o doutoramento honoris causa
lho da Universidade das Nações Unidas (1983- pela Universidade Católica de Lovaina, e foi de-
-89). Foi também membro da Fundação Europa signada conselheira especial do reitor da Uni-
– América Latina, do Clube de Roma e do mo- versidade das Nações Unidas (1990-92). Em Por-
vimento Pax Christi (1984). Em 1985, acreditando tugal, seria escolhida pela Assembleia da Re-
no sucesso obtido pela dinamização da Rede de pública para integrar o recém-criado Conselho
Mulheres, no êxito do MAD, e confiante na sua Nacional de Ética para as Ciências da Vida (1991-
crescente notoriedade a nível nacional e inter- -2002), onde colaborou ativamente no diálogo
nacional, decidiu candidatar-se à presidência da multidisciplinar, em que era exímia e a cir-
República, sendo a primeira vez que uma por- cunstância exigia, com “elegância e diplomacia
tuguesa se lançava nesta corrida. Preparou cui- na busca de um equilíbrio de posições, sem nun-
dadosamente e com segura antecedência a cam- ca renunciar às suas convicções”, como teste-
panha, consultando Maurice Duverger para in- munha Paula Martinho da Silva, salientando tam-
terpretar os resultados das sondagens. Mas, bém o seu contributo para a elaboração do pa-
apesar de um início retumbante e promissor, não recer sobre “Questões Éticas na Distribuição dos
passou à segunda volta, apoiando então o can- Recursos para a Saúde” (1995), que fez doutri-
didato da esquerda Mário Soares. Sentiu, con- na. Cada vez mais considerada internacional-
tudo, profundamente, a amargura da derrota, “a mente, presidiu ao grupo de peritos do conse-
ruminação incessante da saga vivida e fracas- lho da Europa sobre Igualdade e Democracia
sada”, como escreveu. O Sisterhood is Global Ins- (1992-94), ali insistindo na importância de as mu-
titute, de Nova Iorque – organização internacional lheres introduzirem na vida política “uma ou-
que se dedica à promoção dos direitos das mu- tra forma de olhar e ver as coisas”. Durante o
lheres – acolheu-a como seu membro em 1986 quinquénio 1992-97 assumiu, no âmbito das Na-
e elegeu-a como presidente em 1994. Em maio- ções Unidas, a presidência da Comissão Mun-
-junho de 1987, lecionou na Universidade In- dial Independente sobre a População e a Qua-
ternacional de Lisboa um “Curso sobre Proble- lidade de Vida, por convite conjunto dos go-
591 MAR

vernos dos Países Baixos, Suécia, Noruega, tribuição para o mundo dos saberes e do exer-
Alemanha, Canadá, Reino Unido, Japão, bem cício digno da maternidade”, e procurar ele-
como do Banco Mundial e várias fundações ame- mentos da linguagem simbólica nas artes e nas
ricanas, comissão, aliás, que se orgulhava de ser, novas tecnologias. A fundação organizará tam-
por exigência sua, absolutamente paritária nos bém um centro de documentação de que cons-
seus membros, uma verdadeira “estreia no pla- ta o arquivo pessoal de Maria de Lourdes Pin-
no mundial”. A sua participação nesta comissão tasilgo, constituirá uma biblioteca composta pe-
e a investigação e reflexão que ocasionaram, ti- los seus livros e documentos, e publicará textos
veram profundas repercussões na sua vida cívica. inéditos da sua autoria, entre outras atividades;
O relatório que daí resultou e que Maria de Lour- desenvolverá ainda projetos em diversas áreas,
des Pintasilgo assinou, intitulado Caring for the nomeadamente a literacia e a autoeducação para
Future – Report of the Independent Commission a saúde. No âmbito da Fundação Cuidar o Fu-
on Population and Quality of Life (1996), apre- turo foi mentora do projeto “Trabalho e Família
sentou propostas que lançaram novas perspeti- – Responsabilidade Total”, integrado na inicia-
vas para um melhor modo de vida a nível mun- tiva comunitária EQUAL (até 2002), e do projeto
dial, reformulando, nomeadamente, o conceito “Banco do Tempo”. Por ocasião dos seus 70 anos
de desenvolvimento que, em vez de assentar ape- foi publicado, em sua homenagem, o livro A Mu-
nas sobre o crescimento económico, deve antes lher das Cidades Futuras, no qual colaboraram
visar a qualidade de vida, que se fundamenta nos 127 personalidades portuguesas e estrangeiras
direitos que assistem a cada pessoa, pelo simples de vários quadrantes políticos e religiosos. A es-
facto de o ser. Presidiu também ao Conselho Di- sas personalidades quis responder individual-
rectivo do Instituto Mundial de Investigação so- mente, glosando pontos determinados do res-
bre Desenvolvimento Económico, da Universi- petivo depoimento, uns em discurso direto,
dade das Nações Unidas (WIDER/UNU) (1993- outros, de carácter biográfico, utilizando como
-98). Em Lisboa, lecionou a cadeira Nacionali- sujeito a palavra “ela”, esclarecendo muitos pas-
dade, Cidadania e Identidade Cultural, no âm- sos menos conhecidos da sua vida. Este inteli-
bito do Mestrado de Relações Interculturais, da gente conjunto de respostas, em que perpassa
Universidade Aberta (1993). Em 1995-96 presi- muito da emotividade e da originalidade da au-
diu ao Comité de Sábios, convidada pelo pre- tora, foi publicado postumamente com o título
sidente da Comissão Europeia e prefaciou Para Palavras Dadas (2005). A 10 de julho de 2004,
Uma Europa dos Direitos Cívicos e Sociais – Re- Maria de Lourdes Pintasilgo, cuja saúde sempre
latório do Comité de Sábios presidido por Ma- frágil se deteriorara, morreu em Lisboa, na sua
ria de Lourdes Pintasilgo. No âmbito do Graal, casa, sendo sepultada no Cemitério dos Praze-
foi, no ano seguinte, mentora do projeto integrado res. No túmulo foi inscrita a frase do místico ale-
no IV Plano para a Igualdade de Oportunidades mão Angelus Silesius (1624-1677): “Fiz de
entre Mulheres e Homens, da Comissão Europeia, Deus o centro da minha vida”. Na verdade, pro-
“Para Uma Sociedade Ativa” (até 2000). O Bra- funda conhecedora das Sagradas Escrituras,
sil tornou-a membro do Instituto para o Desen- que citava abundantemente, militante convicta,
volvimento e a Acção Cultural – IDAC – do Rio empenhou-se em “projetar no mundo os valo-
de Janeiro e outorgou-lhe a medalha Machado res do Evangelho”, como assinalou o cónego Reis
de Assis, da Academia Brasileira de Letras Rodrigues, acrescentando: “Enganando-se, por-
(1997). Em 1998 tornou-se Membro do Council ventura uma ou outra vez, quanto à oportunidade
of Women World Leaders, dos EUA. Em 2001 ou ao modo? Mas isso é apenas prova da sua
concebeu e presidiu à Fundação Cuidar o Futuro, grandeza de alma, porque o risco faz parte de
cujo nome se inspira no título do relatório da Co- quem não teme dar testemunho da verdade, em
missão Independente para a População e Qua- circunstâncias tão contrárias ou historicamen-
lidade de Vida que tanto influiu em Maria de te conturbadas”. Arrojada e inquiridora, per-
Lourdes Pintasilgo. Instituída pelo Graal, propõe- maneceu, no entanto, “sempre do lado eclesial
-se “aprofundar e enriquecer o conceito e a prá- da fronteira, sofrendo as inevitáveis críticas e
tica da qualidade de vida” em várias vertentes, incompreensões dessa situação”, como referiu
assim como desenvolver estudos sobre as mu- D. José Policarpo, que lhe agradeceu a sua “fide-
lheres, “com especial relevo para as experiências lidade corajosa”. A este traço fundamental da per-
da governância política e económica, da con- sonalidade de Maria de Lourdes Pintasilgo
MAR 592

aliou-se uma outra preocupação constante: a si- de Mudança, com prefácio de Eduardo Prado Coelho, Por-
tuação e estatuto das mulheres, causa a que de- to, Afrontamento; As Minhas Respostas, Lisboa, Dom Qui-
xote. [1987] “Oser la différence”, L’actualité religieuse,
dicou a sua reflexão e ação ao longo do seu per- sept., pp. 28-32. [1988] “Ousar a diferença”, Cadernos Re-
curso vital. O desenvolvimento e o superar da flexão Cristã, Out., pp. 63-72. [1989] “Elementos para uma
pobreza, culminando no explorar dos conceitos espiritualidade das mulheres: as mulheres no plural”, Re-
de “cuidado” e de “qualidade de vida” foram ou- flexão Cristã, n.o 66/67. [1990] “Pour une nouvelle poli-
tique”, Etats Généraux des Femmes, coord. Antoinette
tras diretrizes da ação daquela que sempre pre- Fouque, Paris, Ed. des Femmes, pp. 88-95. [1992] “Cus-
zou a sua formação e o seu título de Engenhei- todi della soglia”, La Donne secondo Wojtyla, Maria An-
ra. A sua vida e atividade tiveram público re- tonietta Maciocchi, Milano, Edizione Paoline, pp. 309-319;
conhecimento nacional quando, em 1981, foi “Visioning the future”, Churchwomen, Church Women
condecorada com a Grã-Cruz da Ordem Militar United, pp. 17-19. [1993] “A ordem da vida”, Planeta Fê-
mea, Rio de Janeiro, Editoriação IDAC, p. 23 ; “O nexo
de Cristo, que distingue os serviços prestados ao da sobrevivência”, Planeta Fêmea, Rio de Janeiro, Edi-
País no exercício de cargos exercidos em órgãos toriação IDAC, pp. 27-32; “Maria Isabel Barreno, Maria
de soberania ou na administração pública; foi a Teresa Horta e Maria Velho da Costa: «Neue Portugiesische
primeira mulher agraciada com este grau nesta Briefe»”, Die Schwestern der Mariana Alcoforado –
Portugiesische Schriftstellerinnen der Gegenwart, Berlim,
ordem. No dia 10 de junho de 1994 recebeu a Ed. Tanvia, pp. 11-29 ; “Egalité – Identité”, L’accès à l’éga-
Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, pe- lité entre femmes et hommes dans la Communauté Eu-
los relevantes serviços a Portugal, no país e no ropéenne, Louvain-la-Neuve, Presses Universitaires de
estrangeiro, no âmbito da expansão da cultura Louvain, pp. 261-273. [1996] Prefacia Caring for the Fu-
portuguesa. Maria de Lourdes Pintasilgo, a par ture – Report of the Independent Commission on Popu-
lation and Quality of Life, Oxford, Oxford University Press;
da sua atividade social, cívica e política, nun- Para uma Europa dos Direitos Cívicos e Sociais – Rela-
ca descurou a atividade de publicista, como ates- tório do Comité de Sábios presidido por Maria de Lour-
ta o rol das suas obras. des Pintasilgo, Luxemburgo, Serviço das Publicações Ofi-
ciais das Comunidades Europeias; “La Démocratie Pari-
Da autora: [1974] Prefacia a 2.a edição das Novas Cartas taire: une nouvelle intelligence dans les rapports sociaux?”,
Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Hor- Les Enjeux de la Grande Europe: le Conseil de l’Europe
ta e Maria Velho da Costa, Lisboa, ed. Fortuna. [1980] Pu- et la sécurité démocratique, Strasbourg, La Nuée Bleue
blica Sulcos do Nosso Querer Comum: recortes de en- / Conseil de l’Europe, pp. 139-150; “Equal participation
trevistas concedidas durante o V Governo Constitucional, of individuals and groups: the challenge of Parity De-
com prefácio de Eduardo Lourenço, coord. Fátima Grá- mocracy”, Equality and Democracy: utopia or challenge?:
cio, Porto, Afrontamento; Imaginar a Igreja – Reflexões proceedings of a Conference, Strasbourg, Conseil de l’Eu-
ultrapassadas? [coletânea de notas editoriais publicadas rope. [1997] “La présence des femmes dans la vie poli-
no boletim do Graal Igreja em Diálogo], Lisboa, Multinova; tique locale”, Rencontres de Sintra, Conseil des Communes
Les Nouveaux Féminismes: question pour les chrétiens? et Régions d’Europe, Sintra, pp. 53-56. Testemunho de
[coletânea de conferências proferidas na Faculdade de Teo- MLP in 20 Anos ao Serviço da Igualdade, Lisboa, Co-
logia e Ciências Religiosas do Instituto Católico de Paris], missão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres,
Paris, Les Éditions du Cerf; assina o Pré-Prefácio e o Pre- Lisboa, CIDM. [1998] “Women, citizenship and the acti-
fácio da 3.a edição das Novas Cartas Portuguesas de Ma- ve society”, Shifting Bonds, Shifting Bounds – Women,
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terrogação para os Cristãos?, traduzido do francês por Isa- tica de Ciências Sociais, n.o 50, Fev. [1999] Prefacia A Mu-
bel Maria Ávila e Maria Antónia Coutinho, Lisboa, Mo- lher – Bibliografia Portuguesa Anotada (1518-1998), de
raes; “Feminismo – palavra velha?”, Boletim do Centro Maria Regina Tavares da Silva, Lisboa, Cosmos. [2005] Pa-
de Reflexão Cristã, Jan-Mar, pp. 12-16. [1982] “Les fem- lavras Dadas [resposta inteligente e original às persona-
mes dans la société et dans l’Eglise”, Les Cahiers n.o 4, lidades que colaboraram no livro A Mulher das Cidades
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-24. [1984] “Daring to be different”, Sisterhood is Global, ção Cuidar o Futuro; Registo Biográfico dos Senhores Pro-
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dans le monde, n.o 14, oct., pp. 6-10. [1985] Dimensões Ano de 1971 (Vols. II e III), id., Ano de 1972 (Vols. I e III),
593 MAR

id., Ano de 1973 (Vol. II), Lisboa, Imprensa Nacional; Diá- minin et démocratisation politique”; Marike de Koning,
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ao n.o 4 de 21/11/73, p. 34- (227)-(230); Anais da As- “A dimensão do cuidar e a re-significação do espaço pú-
sembleia Nacional e da Câmara Corporativa, X Legisla- blico no pensar e agir de MLP”; J. (Hans) B. Opschoor, “Ca-
tura, 1.a ,2.a ,3.a ,4.a sessões, 1969 a 1973. ring for the Future Generations and Biodiversity: Earth
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tencourt e Maria Margarida Silva Pereira (coord.), “Ma- V Governo Constitucional. Em busca das reacções na im-
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se ao lado”, Modas & Bordados, 18/02/1974; António Ma- MLP”; Fátima Grácio, Paula Borges Santos, Marike de Ko-
rujo, “História contada em texto póstumo. É negada pe- ning, “Fundação Cuidar o Futuro, cinco anos depois”];
los visados e confirmada por pessoas que trabalharam com Fátima Grácio, “«Quando já estou perto do fim»… A úl-
antiga primeira-ministra”, Público, 09/10/2005, p. 14; An- tima conversa com Maria de Lourdes Pintasilgo”, O Lon-
tónio Simões Rodrigues (coord.), História de Portugal em go Caminho das Mulheres, org. Lígia Amâncio et al., Lis-
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Pégaso Editores, Lda.; Carlos Moreira de Azevedo (dir.), Ed. 2012 [capa com foto; Guilherme de Oliveira Mar-
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ligiosa de Portugal, Vol. 3, Lisboa, Círculo de Leitores, grafos”; Carlos Magno, “Chá em Belém”; Eduarda Chio-
2002; Cecília Barreira, Confidências de Mulheres, Lisboa, te, “Pequena homenagem ao nome”; Eduardo Lourenço,
Ed. Notícias, 1993; Daniel Pires, Dicionário da Impren- “Evocação de uma amiga”; Emílio Rui Vilar, “Há tanto que
sa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1941- fazer!”; Eugénio Lisboa, “As palavras que Maria de
-1974), Vol. I, Lisboa, Grifo, 1996, e Vol. II, 2000; Dicio- Lourdes nos deu”; Hélder Macedo, “A promessa”; Hel-
nário Cronológico de Autores Portugueses, org. Institu- ga Moreira, “Lembrar”; Jorge Sampaio, “Dois momentos”;
to Português do Livro e das Bibliotecas, Mem Martins, Pu- Lídia Jorge, “Mês de julho”; Luís de Araújo, “As razões
blicações Europa-América, 2000, Vol. V, p. 758; Ex-aequo, éticas da política”; Luís Francisco Rebelo, “A nossa Dama
Revista da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mu- de Cristal”; Manuel Alegre, “Realismo e sonho”; Manuel
lheres – APEM, Um legado de cidadania – Homenagem António Pina, “Duas ou três coisas de que me lembro”;
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Afrontamento, coord. Fernanda Henriques [capa com foto; Roseira, “A mensagem que ensinava a acreditar”; Ma-
Fernanda Henriques, “Apresentação”; Ana Luísa Ama- ria Irene Ramalho, “A altura das suas mãos”; Maria Isa-
ral, “Pórtico: Memórias e experiências entre a ideia e o bel Barreno, “Entrevista 1976”; Maria João Seixas,
tempo”; Maria João Seixas, “Uma rosa para Maria de Lour- “Como aqui…”; Maria José Nogueira Pinto, “Como eu
des Pintasilgo”; Hermano Carmo, “Nem cunhas nem car- a vi”; Maria de Sousa, “Agir a palavra”; Maria Teresa Hor-
tas anónimas”; Cármen Oliveira, “Um pequeno almoço”; ta, “Falta”; Marijke de Köning, “Algures com Maria”; Má-
Manuela Tavares, “A enorme capacidade de surpreender”; rio Cláudio, “Uma pátria”; Mário Soares, “E onde é a clan-
Maria de Belém Roseira, “Recordações”; Paula Martinho destinidade?”; Miguel Portas, “Do lado da não-fronteira”;
da Silva, “Percursos na bioética”; Françoise Gaspard, “Une Miguel Real, “A graça de uma certeza”; Nuno Grande,
femme”; Maria Reynolds de Souza, “Cronologia da vida “Uma grande senhora”; São José Almeida, “Entre senhores
e da obra”; Rosiska Darcy de Oliveira, “Inédita e sub- sisudos de fato escuro”; Teresa Rita Lopes, “Carta com ver-
versiva”; Olof Olafsdottir, “Quelques souvenirs”; Maria sos”; Urbano Tavares Rodrigues, “Um sorriso sereno, com
Helena Koning, “Cartas a Liliana sobre uma Mulher das sol”]. Irene Flunser Pimentel, História das Organizações
Cidades Futuras”; Francisco Louçã, “A força tranquila da Femininas no Estado Novo, Lisboa, Círculo de Leitores,
paixão”; João Lavinha, “Actualidade de um voto de ven- 2000; Isabel dos Guimarães Sá / Maria Antónia Lopes, His-
cida na era dos choques”; Silvério Rocha e Cunha, “Di- tória Breve das Misericórdias Portuguesas – 1498-2000,
lemas & Problemas do político numa Era de Vencedores: Coimbra, Imprensa da Universidade, 2000; Luís Macha-
duas derivas (in)tempestivas a propósito de alguns pen- do, Conversas à Quinta-Feira, Lisboa, Círculo de Leito-
samentos de M.a de Lourdes Pintasilgo”; Maria do Céu da res, 1991; Luísa Beltrão / Barry Hatton, Uma História para
Cunha Rêgo, “Um pensamento novo”; Manuela Silva, “Por o Futuro – Maria de Lourdes Pintasilgo [introd. Eduardo
uma economia cidadã”; Fátima Grácio, “Fundação Cui- Lourenço], Lisboa, Tribuna da História, 2007; Marcelo Re-
dar o Futuro”; Maria Carlos Ramos, “Possíveis de uma teo- belo de Sousa, Baltazar Rebelo de Sousa – Fotobiografia,
logia em escritos de M.a de Lourdes Pintasilgo: frag- Venda Nova, Bertrand Editora, 1999; Maria Antónia Cou-
mentos”; Dimas de Almeida, “Uma ética da Sabedoria: tinho, “As Mulheres no pensamento de Maria de Lour-
A Carta de Tiago e a moral judeo-cristã”; Ana Luísa Ama- des Pintasilgo”, Faces de Eva, n.o 27, [na capa foto de MLP],
ral, “A imaginária linha: Palavras Dadas”; Helena Costa 2012; Maria de Belém Roseira, Mulheres Livres, Lisboa,
Araújo, “Dando palavras às Palavras Dadas”]; Ex-aequo, A Esfera dos Livros, 2012; Maria Helena de Koning, Lu-
n.o 21, Ed. Afrontamento, 2011, Maria de Lourdes Pin- gares Emergentes do Sujeito-Mulher. Viagem com Pau-
tasilgo cinco anos depois – Ecos de Palavras dadas, coord. lo Freire e Maria de Lourdes Pintasilgo, Porto Ed. Afron-
Fernanda Henriques [capa com foto; Teresa Pinto, “Edi- tamento, 2006; Maria João Avillez, Entre Palavras 1974-
torial”; Fernanda Henriques, “Introdução. Maria de -1984, Lisboa, Difel, 1984; Maria João Seixas, “Conversa
Lourdes Pintasilgo cinco anos depois – Ecos de Palavras com vista para... Maria de Lourdes Pintasilgo”, Pública,
dadas”; Maria de Lourdes Pintasilgo, “Emergence du fé- supl. do Público, 04/11/2001; Maria Regina Tavares da Sil-
MAR 594

va, A Mulher – Bibliografia Portuguesa Anotada (1518- Maria de Melo Furtado Caldeira Giraldes de
-1998), Lisboa, Cosmos, 1999; Idem, “Comissão para a Po- Bourbon
lítica Social Relativa à Mulher” [v. entrada neste Dicio-
nário]; Maria Reynolds de Souza, “Procuradoras à Câmara Nasceu no dia 8 de junho de 1864 e faleceu a
Corporativa”, Zília Osório de Castro e João Esteves 29 de janeiro de 1944. Era filha de Francisco Au-
(dir.), Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, gusto Furtado de Mesquita Paiva Pinto e de Ma-
Livros Horizonte, 2005, pp. 818-824; Idem, “Pintasilgo, ria Joana de Bourbon Melo Giraldes de Sampaio
Maria de Lourdes”, Manuel Braga da Cruz e António Cos-
ta Pinto (dir), Dicionário Biográfico Parlamentar 1935-
Pereira, primeiros condes da Foz de Arouce [No-
1974, II vol., Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais da Uni- breza de Portugal, Vol. II, 1960]. Em 4 de junho
versidade de Lisboa e Assembleia da República, 2005; Má- de 1884, casou com João Filipe Osório de Me-
rio de Matos e Lemos, Jornais Diários Portugueses do Sé- nezes Pita (1856-1925), 2.o conde e 2.o viscon-
culo XX – Um Dicionário, Coimbra, Ariadne/Ceis20, 2006; de de Proença-a-Velha e bacharel em Direito.
A Mulher das Cidades Futuras, org. Isabel Allegro, Lis-
boa, Livros Horizonte, 2000; Paula Moura Pinheiro, “As João Filipe Pita era irmão de Balbina Osório de
mulheres têm de trabalhar sobre si próprias”, Pública, supl. Castro e Menezes Pita (1865-1932), esposa do
do Público, 03/08/1997; Portugal – Situação das Mulheres, conselheiro Jacinto Cândido da Silva (1857-
1995, 13.a ed., Lisboa, Comissão para a Igualdade e para -1926) que fora ministro da Marinha e do Ul-
os Direitos das Mulheres, 1995; Rosa Monteiro, A Emer-
gência do Feminismo de Estado em Portugal: Uma história tramar (1895-1897) e dirigente máximo do Na-
da criação da Comissão da Condição Feminina, Lisboa, cionalismo Católico / Partido Nacionalista
Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, 2010. (1901-1910). Maria de Melo Bourbon e João Fi-
[M. R. S.] lipe Pita tiveram cinco filhos: Maria Joana, Luí-
sa, Luís, Emília e João Filipe. Segundo Teófilo
Maria de Lourdes Sousa Gomes Braga [prólogo a Os Nossos Poetas, 1904], Ma-
Nasceu em 23 de dezembro de 1912. Órfã de ria de Melo Bourbon fez em Portugal estudos de
guerra, foi internada na Casa dos Filhos dos Sol- canto com os mais distintos professores e em Pa-
dados em 25 de junho de 1917, data da inau- ris completou esses estudos com a professora
guração. Em janeiro de 1930, candidatou-se ao Mathilde Marchesi (marquesa de la Rojata de
Prémio “Trabalho e Estudo Xavier da Mota”, atri- Castrone). Viajando pela Europa, relacionou-
buído por intermédio do jornal Comércio do Por- -se com diversas figuras do panorama musical.
to. Em abril do mesmo ano, a Junta Patriótica do Ela própria refere: “Conhecemos [o compositor
Norte atribuiu-lhe o prémio “Marechal Gomes da Jules] Massenet [1842-1912] em Paris a 7 de se-
Costa”, em sessão evocativa da Batalha de La Lys. tembro de 1895, e esta data marca um aconte-
Hernâni Cidade discursou na cerimónia. Em 22 cimento na nossa vida de arte” [Os Nossos Con-
de dezembro do mesmo ano, Maria de Lourdes, certos, 1902, p.191]. Massenet, compositor
juntamente com Maria da Conceição Ferreira*, destacado do panorama musical francês, foi as-
Gracinda de Jesus Costa*, José Ferreira das Ne- sumido como mestre e passou a ser uma das re-
ves, Alcino de Barros e Armindo de Araújo Tor- ferências musicais de Maria de Melo Bourbon
res, assinou, em nome de todos os órfãos inter- – condessa de Proença-a-Velha. Envolvida num
nados na Casa dos Filhos dos Soldados, uma co- movimento de busca da “música portuguesa”,
municação de homenagem enviada ao marechal na passagem do século XIX para o XX, Maria de
Joffre, acompanhada de uma contribuição pe- Melo Bourbon, na qualidade de compositora e
cuniária para a construção de um monumento a cantora lírica de grandes méritos, defendeu o
erigir em Rivesaltes. O documento saudava o he- culto da língua portuguesa, musicou poemas de
rói do Marne, evocava e agradecia a visita do ma- poetas portugueses e procurou a “música na-
rechal à Casa dos Filhos dos Soldados, em cional” de raiz popular. Aliando a melhor arte
1921. Em 1932, Maria de Lourdes ainda se en- que se fazia pela Europa a uma busca das raí-
contrava nesta instituição, dirigida pelo Núcleo zes portuguesas, uma das suas mais significa-
Feminino de Assistência Infantil*. As raparigas tivas intervenções artístico-culturais foi a aber-
só saíam aos 20 anos e/ou quando tivessem co- tura de um salão musical em sua casa e a cons-
locação garantida. tituição da Sociedade Artística de Concertos de
Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916 Canto. Entre 1899 e 1904 organizou matinés mu-
– 15 Anos de Benemerência-1931. Relato geral da sua sicais em sua casa e concertos da Sociedade Ar-
obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos
Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
tística no Conservatório. Nos concertos foram
do Porto, Lda., 1932, pp. 166, 174, 212-213. conferencistas Teófilo Braga, Manuel de Arria-
[N. M.] ga e Tomás de Almeida Manuel de Vilhena. Jul-
595 MAR

gamos que a ligação de Maria de Melo Bourbon dade Científico-Artístico-Literária Luís de Ca-
a Teófilo Braga, um dos autores que mais pro- mões, de Nápoles, cujo diploma lhe foi entre-
curou identificar as raízes do povo português ex- gue por Teófilo Braga.
pressas na etnografia, romanceiro, cancioneiro, Da autora: Os Nossos Concertos – Impressões de Arte, Lis-
literatura e teatro, a encaminhou para um cer- boa, Imprensa de Libânio da Silva, 1902; Os Nossos Poe-
to nacionalismo cultural e artístico. Diga-se que tas – Melodias Portuguesas I (Ecos do Passado) [Prólo-
este nacionalismo cultural radica num movi- go de Teófilo Braga], Lisboa, Tip. de A Editora, 1904; His-
tórias da Tia Lily – Aguarelas Portuguesas, Lisboa, Por-
mento heterogéneo decorrente do Ultimato In- tugália Editora, s.a. [1923?]; Fadas e Encantos (Contos
glês (1890), do movimento republicano e de uma para os meus netos) [Ilustrações de Olavo de Eça Leal],
política conservadora ligada à afirmação do Na- Lisboa, edição da Empresa Nacional de Publicidade, 1929;
cionalismo Católico (1901-1910) de Jacinto Alguns Séculos de Música (Impressões de Arte), Lisboa,
Cândido. Através do espírito apolíneo, da mú- Imprensa Libânio da Silva, 1930; Quem Quer Linhas, Agu-
lhas e Alfinetes? (Contos e Lendas para Adolescentes)
sica e da arte da Palavra ligados ao Canto, a con- [Ilustrações de Álvaro Ataíde], Lisboa, edição da Empresa
dessa de Proença-a-Velha buscava o inebria- Nacional de Publicidade, 1933; Nocturno [Soneto de Fer-
mento do espírito com as cores nacionais. nanda de Castro / Música de condessa de Proença-a-
“Musicando versos, de D. Dinis a Camões, de -Velha], Lisboa, edição da autora, 1934; Os Nossos Poe-
Garrett a João de Deus, de Eugénio de Castro a tas – Melodias Portuguesas II (Vibrações de Hoje) [Pró-
logo de Maria Amália Vaz de Carvalho], Lisboa, Bertrand
Florbela Espanca, a sua obra vai percorrendo (Irmãos) Lda., 1934; Canção das Estradas no Estio [Mú-
uma larga escala sentimental e artística, com no- sica da condessa de Proença-a-Velha e poesia de Antó-
tas de alegria, de tristeza, de amorosa graça lí- nio Cértima], Lisboa, Edições Sassetti, 1938; “Perfis Lis-
rica, requintada ou ingénua” [M.a de Carvalho, boetas – Teófilo Braga”, Revista Municipal – Lisboa, ano
II, n.o 3, 1.o trimestre, 1940, p. 32.
pref. a Canção das Estradas no Estio]. Por sua Bib.: Afonso Eduardo Martins Zuquete, Nobreza de Por-
vez, afirma Teófilo Braga no prólogo a Os Nos- tugal e do Brasil, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial En-
sos Poetas, 1904: “O problema da criação da mú- ciclopédia, Lda., Vol. II, 1960, pp. 620, 645-646; Amaro
sica nacional portuguesa já no começo do século Carvalho da Silva, O Partido Nacionalista no Contexto
XIX tinha sido entrevisto por Stafford [...]: do Nacionalismo Católico (1901-1910) – Subsídios para
a História Contemporânea Portuguesa, Lisboa, Edições
‘O povo português possui um grande número de Colibri, 1996; Américo Lopes de Oliveira e Mário Gon-
Canções lindíssimas e de grande antiguidade. çalves Viana, Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis,
Estas Canções nacionais são os Lunduns e as Mo- Porto, Lello & Irmão – Editores, 1967, p. 165; Domingos
dinhas. Em nada se parecem com as das outras de Araújo Afonso e Rui Dique Travassos Valdez, Livro
de Oiro da Nobreza, Tomo III, Braga, Tip. Pax, 1934; Gran-
nações; a modulação é absolutamente original’”. de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XXIII, Lis-
Em período romântico a cultura popular foi en- boa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia – Lda, s.a.,
carada como fonte inspiradora da arte. Maria de pp. 352-353; “Matinée Artística – O ‘Stabat Mater’ de Per-
Melo Bourbon refere: “[...] todas as formas de golesi”, O Século, 03/05/1899, p. 1; “O Oratório de Pe-
arte nascem do gérmen popular [...]. [...] conclui- rosi, cantado no Conservatório”, O Século, 10/04/1900,
p. 1; Gazzeta Musicale di Milano, n.o 16, ano 55,
-se que deve existir também para nós uma mú- 12/04/1900; “O nosso High-Life – Concerto de Música
sica nacional, com tonalidade característica, Portuguesa”, Tarde, 21/04/1902, p. 2.
onde se revele a profunda expressão da alma por- [A. C. S.]
tuguesa” [Os Nossos Poetas, 1904]. E passando
a caracterizar o nosso género musical, a condessa Maria do Carmo
de Proença-a-Velha afirma: “A parte viva e ini- Atriz. Diz Eduardo Noronha que “lhe sobejava
mitável da nossa música é o sentimento, que ca- em formosura o que lhe faltava em merecimen-
racteriza o povo português e que predomina no to cénico”, e João Pinto de Carvalho comparou-
nosso Fado, animando a monotonia do ritmo e a a uma “estátua clássica banhada de luar”. As
dando-lhe esse cunho dolente e apaixonado [...]. más-línguas tinham-na crismado de “Maria do
O nosso Cancioneiro é um filão precioso que ain- Carmo do Moraes do Conde das Galveias”. Es-
da não foi explorado, e é daí que se há-de ex- teve no Teatro do Ginásio e, em 1860, teve um
trair a tonalidade da nossa pátria [...]: reunir a papel diminuto em Joana a Doida, drama em 5
palavra inspirada dos nossos poetas à melodia atos, tradução de Alexandre Magno de Castilho,
de origem popular” [Os Nossos Poetas, 1904]. no Teatro Baquet, do Porto. Fazia parte do
Para além do mundo da música e do canto tam- elenco de A Pata da Cabra, última peça a ser re-
bém cultivou a palavra portuguesa na literatu- presentada no Teatro Trindade do Porto, antes
ra infantil. Foi sócia correspondente da Socie- do incêndio, a 16 de junho de 1875. Esteve mui-
MAR 596

to tempo afastada dos palcos, apareceu no pa- Maria do Carmo de Sequeira Morais
pel de “Sra. Colbert”, em Os Heróis de França Nascida a 16 de julho de 1862, filha de Gregório
em 1793 (1887), drama militar em 5 atos, tra- José Máximo de Morais, escrivão de fazenda, e
dução de João Volkart, integrada na Sociedade de Rosa Emília de Sequeira Morais, natural de
Recreio Dramático no Teatro Garrett. Em 1905, Vila da Ribeira Grande, residente na cidade de
entrou em Às Feras, drama em 1 ato de Manuel Ponta Delgada. Era neta paterna de Cândido José
Laranjeira, no Teatro do Ginásio. Partiu para o Máximo e de Mariana Joaquina de Morais, e ma-
Brasil e não voltou. terna do brigadeiro Zeferino de Sequeira e de Ana
Bib.: Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, De-
Rita de Sequeira, sendo ainda afilhada de Joaquim
cadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Romano Medeiros Bettencourt. A 17 de abril de 1890 can-
Torres & Ca., 1922, p. 158; Guilherme Rodrigues, “Pal- didatou-se à cadeira de Língua e Literatura Por-
cos Particulares”, O Recreio, Lisboa, 3.a série, n.o 16, tuguesa, manifestando preferência pelo novo Li-
30/05/1887, p. 265; João Pinto de Carvalho (Tinop), ceu Feminino de Lisboa, cuja fundação se es-
“O Velho Ginásio”, Lisboa de outros tempos, T. 1. Figuras
e cenas antigas, Lisboa, Livraria de António Maria Pe-
perava para breve. Frequentou o Liceu Nacional
reira, Editor, 1898, pp. 166-177; Correio da Manhã, de Ponta Delgada, tendo feito o exame de ins-
25/01/1895, p. [4]; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sécu- trução primária para admissão aos liceus nacio-
lo, 28/01/1956, p. 7. nais no dia 18 de abril de 1888, o que conseguiu
[I. S. A.] com sucesso. Maria do Carmo Morais fez ainda
exame de classe de língua francesa e o 1.o ano do
Maria do Carmo da Luz curso complementar dos liceus como aluna ex-
Atriz da primeira metade do século XIX. Possi- terna, tendo sido aprovada com distinção. Fez
velmente familiar de Maria Inácia da Luz*. Em exames para habilitação para o magistério pri-
1835, fazia parte do elenco do Teatro do Salitre, mário, tendo sido publicamente examinada com
com Carlota Talassi* e Florinda Benevenuto To- as formalidades legais, obtendo classificação de
ledo*. Fez bons papéis de “damas galantes” e sa- nove valores e ficando habilitada para o magis-
lientou-se em “Violeta” de O Homem da Más- tério das seguintes disciplinas: Caligrafia; Gra-
cara de Ferro ou o Bravo de Veneza (1837). mática; Geografia; Lavores; História Geral e Pá-
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Na- tria; Pedagogia; Moral; Higiene; Música; Consu-
cional D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do mo Doméstico; Língua Francesa. No seu processo
Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955, p. 32. de candidatura encontra-se ainda a certidão de
[I. S. A.] registo criminal e de robustez física.
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
Maria do Carmo de Jesus Afreixo – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Familiar do importante pedagogo José Maria [A. C. O.]
Afreixo (possivelmente sua esposa), Maria do
Carmo estava habilitada com o curso geral dos Maria do Carmo Ferreira da Silva Carmona
liceus (todos os seis anos) e 3.o ano do curso de Nasceu em Chaves a 21 de novembro de 1878 e
Desenho anterior à reforma de 1886, com exa- morreu em Lisboa a 13 de março de 1956. Filha
mes de 1.o e 2.o ano de Rudimentos e 1.o de pia- de Germano da Silva e de Engrácia de Jesus, foi
no do Conservatório Real de Lisboa. Pretendeu na sua terra natal que conheceu Óscar Carmona
ser colocada, em carta enviada a 18 de março de que, na altura, iniciava carreira no Exército. O ca-
1890, no lugar de mestra de qualquer dos Insti- sal passou a viver maritalmente, tendo a primeira
tutos Secundários Femininos*, solicitando que filha – Cesaltina – nascido em 1897, a quem se
esta colocação fosse feita no mesmo estabeleci- seguiria, em 1900, António Adérito e, três anos
mento de Sofia Afreixo, para reforço moral da depois, Maria Inês. Em 1914, Maria do Carmo e
família. Prometeu entregar posteriormente ates- Óscar Carmona contraíram casamento, em Lis-
tados de comportamento, bem como certificados boa. Durante os 25 anos em que o seu marido foi
de exame. José Maria Afreixo assinou em 12 de Presidente da República (1926-1951), Maria do
junho de 1891 em como lhe foram devolvidos Carmo foi uma presença constante. Acompanhou-
os documentos desta sua parente. -o em muitas deslocações oficiais, inclusive nas
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição viagens às colónias, em 1938 e 1939. Entregou o
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. “bodo aos pobres”, distribuiu brinquedos pelas
[A. C. O.] crianças mais desfavorecidas e, em S. Tomé, inau-
597 MAR

gurou uma maternidade com o seu nome. As ati- de agulha da oficina de lavores, em substituição
vidades de beneficência ocuparam-lhe grande par- de Joaquina Aurélia Baptista Guerreiro*, com um
te do tempo e conferiram-lhe autonomia relati- vencimento de 10$000 réis mensais. No final do
vamente ao Presidente. A certa altura, espalhou- ano letivo, obteve um prémio pecuniário de 7$000
-se a sua fama de caridosa, multiplicando-se os réis em princípios de modelação e exibiu cinco
pedidos de ajuda que recebia. Foi presidente ho- trabalhos diversificados (desenho, estudo de mo-
norária da Semana das Mães (organizada pela pri- delação em barro, desenho a aguadas) na Expo-
meira vez em 1938 pela Obra das Mães para a sição Industrial Nacional realizada na Av. da Li-
Educação Nacional*) e presidente de honra da berdade. Em 28 de agosto de 1888, foi nomeada
Secção Auxiliar Feminina da Cruz Vermelha Por- para o ano letivo de 1888/89 com um vencimento
tuguesa. As suas várias atividades de caridade va- de 12$000 réis, continuando a frequentar a escola
leram-lhe a medalha Pro Ecclesia et Pontifice, a como aluna, cujo mérito voltou a ser distingui-
Grã-Cruz da Benemerência, a Grã-Cruz da Ordem do, no final do ano letivo, com um prémio de
de Cristo e a Ordem de Isabel a Católica. Tinha 10$000 réis pelos trabalhos realizados na secção
por Salazar uma antipatia particular – que, ao que de pintura da oficina de lavores, dirigida pelo Pro-
consta, era recíproca –, pelo que durante o en- fessor João Hilário Pinto de Almeida. No ano le-
contro semanal de Carmona com o Presidente do tivo de 1889/90, manteve a função de mestra e
Conselho, Maria do Carmo fazia questão de não terminou o seu percurso escolar, tendo patenteado
aparecer para cumprimentar Salazar. Após a mor- alguns dos seus trabalhos na exposição das es-
te do marido, em 1951, o Conselho de Ministros colas industriais realizada em 1891 no Museu In-
atribuiu-lhe uma pensão vitalícia e colocou um dustrial e Comercial de Lisboa. Em junho de 1891,
automóvel à sua disposição. foi confirmada como mestra da oficina de lavo-
res femininos da Escola Marquês de Pombal. Man-
Bib.: António Costa Pinto e Anne Cova, “O Salazarismo
e as Mulheres, uma abordagem comparativa”, Penélope,
teve, em paralelo, a sua atividade como profes-
n.o 17, 1997, pp. 71-94; Cristina Pacheco, “As Primeiras- sora primária em escolas de Lisboa (escolas cen-
-damas na República Portuguesa”, A República e os Seus trais n.o 10 e n.o 3 e escolas paroquiais dos bair-
Presidentes, Câmara Municipal de Lisboa, Biblioteca Mu- ros de Alcântara, Ajuda e Necessidades). Na se-
seu República e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gas- quência do Decreto de 14 de dezembro de 1897,
par e Elsa Santos Alípio (coord), As Primeiras-damas da
República Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da que reorganizou o ensino nas escolas industriais
República, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Pa- e de desenho industrial, passou a auferir, como
lácio de Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da mestra e em conformidade com a tabela anexa ao
Presidência da República, 2005, pp. 34-73; José Joaquim referido decreto, um vencimento de 300$000 réis
Ribeiro da Costa, Óscar Carmona (1869-1951). Elemen- anuais. Ainda exercia, nos ensinos industrial e
tos para o Estudo Biográfico do 1.o Presidente da Re-
pública do Estado Novo, Dissertação de Mestrado, primário, à data da implantação da República.
FCSH – UNL, dactil., 1993; Sílvia Espírito Santo, “As Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
Primeiras-damas. Ditadura Militar/Estado Novo”, As Pri- Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi-
meiras-damas. Presidentes de Portugal. Fotobiografia, cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In-
Lisboa, Museu da Presidência da República, 2006, pp. dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul,
27-62; Vital Fontes, Servidor de Reis e de Presidentes, Livro de registo do pessoal de Inspecção e das respec-
Lisboa, Editora Marítimo-Colonial Lda., 1945. tivas escolas (1884-1894) e Copiadores de correspon-
[E. S. A. / S. M.] dência expedida (1891-1892; 1893; 1894). Fontes im-
pressas: As Escolas Industriais da Circunscrição do Sul
Maria do Carmo Mazzachiodi Fernandez Es- na Exposição Industrial de Lisboa em 1888. Catálogo dos
Desenhos e outros objectos executados e expostos pelos
cazena alunos, Lisboa, Tipografia Moderna, 1888; Ministério das
Mestra na oficina de lavores femininos da Escola Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do
Industrial Marquês de Pombal, em Lisboa, a par- Comércio e Indústria, Relatórios sobre as Escolas In-
tir de 1888. Professora primária formada pela Es- dustriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do
Sul. Anos lectivos de 1886-1887 (segunda parte) e
cola Normal de Lisboa, tinha 26 anos de idade 1887-1888, Lisboa, Imprensa Nacional, 1888; Francisco
quando iniciou o curso de desenho industrial na da Fonseca Benevides, Relatório sobre as Escolas In-
Escola Industrial Marquês de Pombal em janei- dustriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do
ro de 1887. No final do ano letivo obteve um pré- Sul. Ano lectivo de 1888-89, Lisboa, Imprensa Nacional,
1889; Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria,
mio honorífico em desenho geométrico rigoro- Direcção Geral do Comércio e Indústria, Relatório sobre
so. Em 26 de março de 1888, ainda aluna da es- as Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Cir-
cola, foi nomeada mestra da secção de trabalhos cunscrição do Sul (1889-1890), Lisboa, Imprensa Na-
MAR 598

cional, 1890; Francisco da Fonseca Benevides, Relató- Santos Alípio (coord), As Primeiras-Damas da República
rio sobre as Escolas Industriais e de Desenho Industrial Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da Repúbli-
da Circunscrição do Sul. Ano lectivo de 1890-91, Lisboa, ca, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio de
Imprensa Nacional, 1891; Ministério das Obras Públicas, Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presi-
Comércio e Indústria, Direcção Geral do Comércio e In- dência da República, 2005, pp. 34-73; João de Deus, A
dústria, Catálogo dos trabalhos expostos no Museu In- maior dor humana: coroa de saudades oferecida a Teó-
dustrial e Comercial de Lisboa e executados nas Esco- filo Braga e sua esposa para a sepultura de seus filhos,
las Industriais e de Desenho Industrial da Circunscrição Porto, Imp. Port., 1889; João Esteves, “As Primeiras-Da-
do Sul no ano lectivo de 1889-1890, Lisboa, Imprensa Na- mas. Primeira República”, As Primeiras-Damas. Presi-
cional, 1891; Decreto de 14/12/1897, Diário do Gover- dentes de Portugal. Fotobiografia, Lisboa, Museu da Pre-
no, n.o 283, de 15/12/1897; Anuário Comercial de Por- sidência da República, 2006, pp. 3-23.
tugal, Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910. [E. S. A. / S. M.]
Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oitocen-
tista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Maria do Céu
Livros Horizonte, pp. 311-315; Idem, A Formação Pro-
fissional das Mulheres no Ensino Industrial Público v. Maria do Céu e Silva Santos
(1884-1910). Realidades e Representações, Dissertação
de Doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008. Maria do Céu e Silva Santos
[T. P.] Atriz que se evidenciou em papéis de “carac-
terística”. Nasceu em Lisboa a 5 de setembro de
Maria do Carmo Silva 1835 e faleceu, na mesma cidade, a 24 de abril
Atriz célebre por volta de 1830 e 1831. Não fo- de 1887. Foi casada com Manuel Domingues dos
ram encontradas peças por ela representadas. Era Santos, escritor que foi, também, administrador
amante de José Maria Vasques Álvares da Cunha, do concelho de Castelo Branco e a quem cha-
conde da Cunha, casado em primeiras núpcias mavam “O Santos da Maria do Céu”, e mãe das
com Gertrudes Quintela (1797-1824), filha do ba- atrizes Sofia Santos*, Clementina Santos* e Ju-
rão de Quintela. O conde dava à atriz o avulta- liana Santos*. Entrou para o Conservatório aos
do rendimento da portagem da ponte de Saca- 8 anos e, aos 12, foi contratada para o Teatro de
vém. Era rica, chegou a ser armadora de navios, S. Carlos, onde chegou a primeira bailarina. Re-
mas os excessos de ostentação levaram-na à ruí- presentou no teatro amador e, aos 15 anos, es-
na e morreu na miséria. treou-se como atriz no velho Teatro da Rua dos
Bib.: Henrique de Almeida Lopes, Vida, Morte e Res- Condes, a conselho de Duarte de Sá e sob a
surreição do Velho Teatro da Rua dos Condes, Lisboa, orientação de Émile Doux. Passou, em 1858, para
separata da revista Ocidente, Vol. LXXV, 1868, p. 55. o Teatro das Variedades, onde fez magníficas
[I. S. A.]
épocas. Esteve no Teatro D. Fernando, voltou ao
Teatro da Rua dos Condes, passou pelo Prínci-
Maria do Carmo Xavier Braga pe Real, em 1880, e, por fim, ingressou no Tea-
Filha de António Pedro Xavier e de Ana Amá- tro dos Recreios em 1882, a cuja companhia per-
lia Martins da Cruz, nasceu no Porto a 14 de no- tencia quando faleceu. Brilhou nalguns papéis,
vembro de 1841 e morreu em Lisboa a 14 de se- com destaque para Os Mártires da Germania
tembro de 1911. Casou com Teófilo Braga em abril (1859) drama de José Romano; Lotaria do Dia-
de 1868, de quem teve três filhos (o primogéni- bo (1858), mágica, arranjo de Francisco Palha
to morreu quase à nascença). Manteve-se sempre e Joaquim Augusto de Oliveira; Ópio e Cham-
afastada da vida académica e política do mari- pagne e Bloqueio de Sebastopol, comédias em
do, com quem partilhou a dor da morte preco- 1 ato, e Ave do Paraíso, mágica, todas de Joaquim
ce dos dois filhos, vítimas de tuberculose, entre Augusto de Oliveira (1864); Dominós Brancos
1886 e 1887. Nos últimos tempos da vida de Ma- (1884), comédia em 3 atos, tradução de Luís Qui-
ria do Carmo, Teófilo Braga chefiou o Governo rino Chaves; Miguel Strogoff (1887), drama em
Provisório da República. Não chegaria, pois, a ver 5 atos de D’Ennery, extraído do romance de Ju-
o seu marido desempenhar funções como Pre- les Verne, traduzido por Pedro de Moura Cabral;
sidente da República, no ano de 1915. Gabriel e Lusbel ou o Taumaturgo Santo Antó-
Bib.: Amadeu Carvalho Homem, A Ideia Republicana em nio (1887), mistério em 3 atos e 4 quadros de
Portugal: o contributo de Teófilo Braga, Coimbra, Minerva, Braz Martins, música de Frondoni; Niniche, vau-
1989; Cristina Pacheco, “As Primeiras Damas na Repú-
blica Portuguesa”, A República e os seus Presidentes, Câ-
deville de Millaud & Hennequin, tradução de
mara Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu Repúbli- Sousa Bastos, música de Francisco Alvarenga;
ca e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e Elsa Teresa Raquin, drama de Zola; O Diamante Ver-
599 MAR

melho; Criadas, entre outras. Faleceu vítima de autora de dois romances, O Cura de S. Louren-
cancro no útero. ço, editado em Lisboa em 1855, e Bermudo e a
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Mesa de Prata de D. Dinis, publicado no Funchal
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1176; em 1879. Contudo, nas notícias necrológicas con-
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, sultadas em jornais do tempo não se encontra-
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 195; ram referências aos trabalhos literários, mas ape-
Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa, Par-
ceria António Maria Pereira, 1940, p. 75; Fernando Pei-
nas às “nobilíssimas qualidades” [Diário de
xoto, “Portugal no Século XIX”, História do Teatro Eu- Notícias, 13/08/1884] e ao estatuto de “dama da
ropeu, Lisboa, Edições Sílabo, 2006, pp. 239-264; Gran- nossa primeira sociedade” [A Monarquia,
de Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Actualização, 18/08/1884]. Por vezes, tem havido dificuldade
Vol. XXVII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopé- em destrinçar os títulos pertencentes a Maria do
dia, p. 378; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trin-
dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Monte dos da autoria de sua cunhada, Matilde
Municipal de Lisboa, 1967, p. 337; Luiz Francisco Re- de Sant’Ana e Vasconcelos, visto que, como era
bello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Pre- costume à época, ambas assinaram os respetivos
lo Editora, 1978, p. 160; Santos Gonçalves, “Da Plateia”, romances com iniciais – a primeira, como M. M.
O Recreio, Lisboa, 1887, pp. 101-102; Vítor Pavão dos San-
tos, A Trindade e o S. Luiz, grandezas e decadência de S. A. e Vasconcelos; a segunda, como M. S. A. e
dois teatros do Chiado, Lisboa, separata da revista Po- V. Parece evidente que o M dobrado se referisse
vos e Culturas n.o 3, Universidade Católica Portuguesa, a Maria do Monte, e o M singelo a Matilde, 1.a vis-
1988, pp. 569-581. condessa das Nogueiras. F. P. (não identificado),
[I. S. A.]
prefaciador de O Cura de S. Lourenço, depois de
ter assinalado o facto significativo da obra ser de
Maria do Céu Pimentel uma senhora, dado que “pouco se dedica o sexo
Professora da Instrução Primária. Pertenceu à Co- delicado entre nós aos lavores literários!” [“Duas
missão de Professores da Junta Patriótica do Nor- palavras ao leitor”, p. III], explicou a tese do li-
te, fundada em 15 de março de 1916 para apoiar vro – “mostrar o perigo e a inconsistência das teo-
os soldados portugueses na Primeira Guerra rias antirreligiosas, e sua influência maléfica so-
Mundial. bre a família e a sociedade” [ibidem, p. IV]. A con-
Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Atos da Jun- cluir, lastimava que, vivendo a autora “em uma
ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916 das mais belas províncias da monarquia, na pre-
até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva
com o concurso do Núcleo Feminino de Assistência In- ciosa ilha da Madeira” [ibidem], tivesse escolhido
fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do para lugar das cenas principais do seu romance
Norte, Tip. Mendonça, 1918. regiões francesas, e desse às personagens nomes
[N. M.] estrangeiros. Naturalmente, Maria do Monte te-
ria tido forte influência da cultura francesa.
Maria do Monte de Sant’Ana e Vasconcelos Mo- A mãe, como se disse acima, foi Jacinta de la Tuel-
niz de Bettencourt lière, filha do cônsul francês na cidade do Fun-
Filha de Pedro de Sant’Ana e Vasconcelos Mo- chal. Quanto a Bermudo e a Mesa de Prata de
niz de Bettencourt e de Jacinta de la Tuellière, nas- D. Dinis, tratou-se de um romance histórico pas-
ceu no Funchal em 1809. Morreu na mesma ci- sado no tempo do rei Lavrador, com 30 capítulos
dade, na casa onde sempre vivera, Rua das Pre- distribuídos por 249 páginas. Maria do Monte
tas, n.o 44, a 12 de agosto de 1884, ficando se- morreu solteira e sem geração, como se pode
pultada no Cemitério das Angústias. Era irmã do constatar pela participação do falecimento feita
1.o visconde das Nogueiras, casado com Matilde por seis sobrinhos. Curiosamente, as sobrinhas
Isabel de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bet- não foram nomeadas.
tencourt*, sendo tia-avó paterna de Matilde de
Da autora: O Cura de S. Lourenço, Lisboa, Imprensa Na-
Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt*, cional, 1855; Bermudo e a Mesa de Prata de D. Dinis,
e tia-avó materna de Maria Celina de Sant’Ana Funchal, 1879.
e Vasconcelos Moniz de Bettencourt de Sauvayre Bib.: Fernando Augusto da Silva e Carlos Azevedo de
da Câmara*. Segundo a opinião do visconde do Meneses, Elucidário Madeirense, I Vol., Funchal, Se-
Porto da Cruz, Maria do Monte “foi uma das in- cretaria Regional de Turismo e Cultura, 1984; J. Moniz
de Bettencourt, Os Bettencourt. Das origens normandas
teligências mais bem formadas e dos espíritos à expansão atlântica, Lisboa, 1993; Visconde do Porto
mais ilustres da sua época” [p. 57]. Colaborou em da Cruz, Notas e Comentários para a História Literária
vários jornais madeirenses e distinguiu-se como da Madeira, II Vol., Funchal, edição da Câmara Muni-
MAR 600

cipal do Funchal, 1951; Diário de Notícias, Funchal, gado, algum do qual para negócio. Então, como
13/08/1884, p. 2, cols. 2-3, e p. 3, col. 1; A Monarquia, era usual na época, muitos dos seus filhos de-
Funchal, 18/08/1884, p. 4, col. 2.
[M. E. S.] dicaram-se à lavoura. Mas, como mulher inte-
ligente que era, sabia que o sentimento de dor
Maria do Nascimento Corrêa causado pela partida de um filho para o Brasil
Filha de Luísa Joaquina e de Francisco Bernar- devia subordinar-se à ideia de luta na procura
dino Corrêa, nasceu no concelho de Macedo de de uma vida melhor, e apoiou o seu espírito em-
Cavaleiros, na aldeia de Edroso, em 1886, e mor- preendedor. A vida foi evoluindo, em Portugal,
reu em 31 de janeiro de 1965. Descendente de ainda que muito lentamente, e Maria do Nasci-
uma família de proprietários agrícolas, o avô foi mento Corrêa apostou no prolongamento dos es-
juiz de paz e o pai pertenceu ao Partido Rege- tudos dos filhos mais jovens. Durante a Repú-
nerador, julgando-se que veio a sofrer algumas blica e depois, com o Estado Novo, tempos em
ameaças por esse facto. Tendo os pais, inicial- que se viviam grandes dificuldades económicas
mente, vivido em Edroso, vieram a fixar-se em no país, sobretudo no interior, tentou socorrer
Arrifana, pois aí possuíam um casal, localidade os da sua aldeia em estados de aflição, marca-
onde Maria do Nascimento cresceu juntamen- dos pela doença e/ou pela fome, ou aconse-
te com os irmãos, cinco rapazes e quatro rapa- lhando-os em momentos de indecisão quanto ao
rigas. Não frequentou a escola primária; contu- rumo a dar à sua vida ou à dos seus filhos. Ins-
do, aprendeu a ler e a escrever. Casou aos 16 anos tituiu a distribuição do azeite da sua produção
com Francisco António Pires, também ele pro- ao povo que não o tinha e a matança de um por-
prietário agrícola, e foi viver para uma outra lo- co para fornecer carne àqueles que não os podiam
calidade do mesmo concelho, Meles, terra do ma- criar. Muitos eram os que se referiam a ela como
rido. Esta jovem mulher viu-se confrontada a as- a mãe Maria. Tentou transmitir a sua postura éti-
sumir as funções de dirigir a vida doméstica de ca aos filhos, ensinando-lhes a obrigação de
uma casa agrícola e de educar os filhos que iam apoiar aqueles a quem a sua ajuda pudesse be-
nascendo. Com dez filhos, recebeu dois netos por neficiar. Educando-os na tradição de que a família
morte de uma nora. E, numa total disponibili- era o núcleo da vida social, as últimas palavras
dade, aceitou, ainda, alargar a família, acolhendo que dirigiu aos filhos, no leito de morte, ex-
em sua casa dois rapazinhos da aldeia, um ór- pressam duas ideias: uma, a certeza, dada pela
fão e outro filho de uma família muito pobre que sua fé no cristianismo, que iria partir para um
não o podia educar. Recebeu-os em sua casa lugar melhor; a outra, o pedido que na sua au-
como criados, na verdadeira aceção da palavra, sência, já que o marido havia falecido alguns anos
isto é, assumiu “criá-los” em ordem a fazer de- antes, continuassem unidos, a fim de a família
les homens para a vida. Mais tarde, um partiu Corrêa não se desmembrar. Maria do Nascimento
para o Brasil, o outro continuou a servir na casa, Corrêa foi uma dessas mulheres do povo do Nor-
na lavoura, vindo, posteriormente, os amos a aju- te de Portugal que corrobora a ideia dum ma-
dá-lo a construir a sua própria habitação quan- triarcado nortenho defendida pela escritora
do resolveu constituir família. Católica convic- Agustina Bessa-Luís. Recordando-a, um dos
ta, não ligava a ideologias políticas, ainda que netos refere associar a memória que tem da avó
não se possa menosprezar a possível influência Corrêa a “um sentimento muito presente do con-
do posicionamento ideológico do pai e, sobre- forto que era estar em casa dela” e de reter “a ima-
tudo, o exemplo dado por este em matéria de gem de uma sertã a ir para a lareira para fritar
compromisso com a realidade social de então. batatas”, a única coisa que ele comia, com sa-
Ela norteou o seu agir em prol do bem-estar da tisfação, como prato de acompanhamento. Para
população. Assim, valorizando a instrução do os filhos e netos, que com todo o afeto recebia
povo da sua localidade, cedeu, sem quaisquer nas férias laborais ou escolares, constituiu uma
custas, uma casa para o governo republicano criar referência nos percursos de vida que vieram e
aquela que seria a primeira escola primária a fun- vêm trilhando.
cionar em Meles. Não se tratando de uma casa Mss.: Conservatória do Registo Civil de Macedo de Ca-
agrícola de grande riqueza e praticando, pre- valeiros, “Registo de nascimento de Corina do Nasci-
mento Pires”, ano de 1916, Livro ?, fl. 27.
dominantemente, uma agricultura de autos- Fontes: Depoimento oral recolhido junto do filho Manuel
subsistência, embora vendesse alguns exce- António Pires e do neto Fernando Augusto Correia.
dentes agrícolas, recorreu, também, à criação de [M. J. R.]
601 MAR

Maria do Ó Osório Cabral Pereira Meneses concluído o curso em 1939. No verão de 1934,
Nasceu em 19 de setembro de 1824 e faleceu em juntamente com o marido e Francisco Lyon de
11 de abril de 1872. Filha de António Maria Osó- Castro (24/10/1914-11/04/2004), “participam
rio Cabral Homem da Gama e Castro e de Maria num congresso das Juventudes Comunistas de Es-
da Conceição Pereira da Silva de Sousa Forjaz e panha e, no âmbito desse congresso, organizam
Menezes. Casou com D. José d’Alarcão Velasques exposições de solidariedade com os presos por-
Sarmento Osório, do qual enviuvou em 1856, fi- tugueses” [JPP, Vol. 1, p. 200]. Terá pertencido à
cando com quatro filhos de tenra idade. Esta se- Associação Feminina Portuguesa para a Paz* e
nhora era irmã de Miguel Osório Cabral de Cas- participou, com muitos outros jovens intelectuais,
tro, par do reino e ativo defensor da instituição nomeadamente Maria Lucília Estanco Louro*, Ma-
vincular. Pertencia à família detentora da Quin- ria Virgínia Redol, Maria Olívia, Lídia Montei-
ta das Lágrimas, em Coimbra. Em 1863, já viú- ro (n. 31/10/1910), Stella Fiadeiro* (depois,
va, era administradora de vínculos instituídos em Stella Biker Correia Ribeiro Piteira Santos) e Ma-
Penela e Montemor-o-Velho que registou no ria Helena Correia Guedes, nos passeios de bar-
Governo Civil de Coimbra. co pelo rio Tejo, de características marcadamente
culturais e políticas, realizados nos anos de tran-
Bib.: ANTT, Vínculos Abelho, Coimbra, Processo n.o 22.
[Ju. E.] sição da década de 30 para a de 40. Contempo-
rânea de Álvaro Cunhal, prestou diversas infor-
Maria do Patrocínio Osório de Carvalho Guedes mações a Pacheco Pereira sobre o seu relacio-
Vogal e professora da Escola Normal do Porto, namento familiar, atividades enquanto aluna da
onde lecionou jardinagem, economia doméstica, Faculdade de Direito de Lisboa e intervenção po-
deveres das mães, moral e história sagrada. Can- lítica e cultural na década de 30 e inícios da de
didatou-se, a 31 de agosto de 1890, à lecionação 40. A par da intensa atividade política oposi-
destas disciplinas ou outras necessárias nos no- cionista, destacou-se também na vida profissio-
vos Liceus Secundários Femininos*, não in- nal. Estagiou no Liceu Pedro Nunes, lecionou Ma-
cluindo documentos no seu processo. Tal como temática no Liceu Camões, enquanto frequenta-
as suas colegas Maria Benilde Guedes Vaz* e Ma- va o Seminário de Análise Geral, organizado por
ria Margarida Oliveira Pinto*, lamentou que os do- António Aniceto Monteiro (31/05/1907-
centes normalistas auferissem um salário muito -29/10/1980). Sócia n.o 1 da Sociedade Portuguesa
reduzido e aproveitou para solicitar que isso fos- de Matemática, de que foi uma das fundadoras
se alterado. Maria do Patrocínio Guedes continuou a 12 de dezembro de 1940, juntamente com Ben-
a lecionar a 6.a cadeira na Escola Normal do Por- to de Jesus Caraça, integrou, enquanto 1.a secre-
to pelo menos até 1905. tária, a sua primeira direção (1941/42), desenvol-
vendo intensa atividade nesse âmbito. Entre 1942
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição e 1946, permaneceu com o marido em Zurique,
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
Bib.: Caldeira Pires, Anuário Comercial de Portugal Ilhas
por este estar a fazer o doutoramento na Escola
e Ultramar da Indústria, Magistratura e Administração Politécnica Federal de Zurique, e aproveitou para
ou Anuário Oficial para 1905, Lisboa, 1904, p. 128. frequentar vários cursos de especialização em Ma-
[A. C. O.] temática nesta mesma instituição. Regressou a
Portugal em 1946, ainda voltou a ser 1.a secretária
Maria do Pilar Baptista Ribeiro da direção da SPM no biénio 1946/47, quando
Professora e matemática. Nasceu em Lisboa a 5 esta tinha por secretário-geral Hugo Ribeiro, mas
de outubro de 1911 e faleceu, em Cascais, a 28 em 1947 acompanhou o marido no exílio força-
de março de 2011, com 99 anos de idade. Fre- do devido às perseguições salazaristas a vários
quentou o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho cientistas, investigadores, matemáticos e docentes
e, em 1933, licenciou-se em Matemática na Fa- universitários. Tornou-se então instrutora de Ma-
culdade de Ciências da Universidade de Lisboa, temática na Pennsylvania State University, só re-
onde conheceu Hugo Baptista Ribeiro gressando dos Estados Unidos da América depois
(16/05/1910-1988), com quem casaria no ano se- do 25 de Abril de 1974, após quase 30 anos de
guinte, estudante da mesma instituição que se evi- exílio, ficando, entre 1976 e 1980, como profes-
denciou pelas atitudes antifascistas, intervenção sora na Universidade do Porto, a convite de Ruy
associativa, ativista do Socorro Vermelho Inter- Luís Gomes, e na Escola Biomédica Abel Sala-
nacional e militância comunista, só tendo por isso zar. Foi também uma das fundadoras da Gazeta
MAR 602

de Matemática, em 1939, onde colaborou com cial, devido à falta de saúde da mãe. Um dos seus
textos sobre o “Ensino da Matemática na Suíça”. objetivos era procurar que todos os empregados
Em janeiro de 2005, doou à Biblioteca Nacional vivessem condignamente. Ajudou a construir bair-
o espólio do marido, constituído essencialmen- ros em terrenos doados pela família para o efei-
te por correspondência de personalidades na- to, envolvendo toda a comunidade do Estoril ten-
cionais e estrangeiras, incluindo um núcleo de do em vista angariar fundos, para que, com um
cartas familiares e alguns rascunhos de cartas en- pequeno investimento próprio, todos os empre-
viadas. Por ocasião do centenário do seu nasci- gados pudessem construir uma casa com jardim.
mento, a SPM, em colaboração com os CTT, lan- Ainda hoje o Bairro de Sto. António, na Amoreira,
çou um Inteiro Postal Comemorativo. demonstra o sucesso da iniciativa. Maria do Ro-
Da autora: “Sobre o ensino da Matemática na Suíça”, Ga- sário ainda se distinguiu na paróquia do Estoril
zeta de Matemática, n.o 12, 1942, pp. 20-22, n.o 13, 1943, como catequista e fez parte do Movimento das
pp. 18-19, e n.o 14, 1943, pp. 13 -15; “Notícia sobre o en- Noelistas. Casou com José António Benito-Garcia
sino da Matemática em Zurique”, Gazeta de Matemáti- y Mera, de nacionalidade espanhola. Tiveram cin-
ca, n.o 24, 1945, pp. 15 -17.
Tradução: “Conselhos aos estudantes da Secção de Ma-
co filhos. Foi sócia do marido em fábricas de con-
temática e Física da Escola Politécnica Federal de Zu- servas de peixe em Peniche e na Afurada (Porto),
rique”, Gazeta de Matemática, n.o 19, 1944, pp. 11-14; onde deixou a sua marca não só na atividade so-
[c/ José da Silva Paulo] David Hilbert, Fundamentos da cial que desenvolveu para bem dos trabalhado-
Geometria, 1951. res, mas como mulher empresária, algo de raro
Bib.: António Mota Redol, “A história do ceifeiro rebelde.
Uma biografia de Alves Redol”, Alves Redol – Horizon- para uma mulher do seu meio social. O seu nome
te revelado, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, foi dado à rua onde viveu, na freguesia do Esto-
Museu do Neo-Realismo, Assírio & Alvim, 2011, pp. 242- ril. Devido à incontestada inteligência e sentido
310; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia social foi chorada pelos empregados das empre-
Política, vol. 1 – “Daniel”, O Jovem Revolucionário (1913-
1941), Lisboa, Temas e Debates, 1999; http://antonioa-
sas que, entretanto, herdara dos pais, sendo ape-
nicetomonteiro.blogspot.com/; http://www.spm.pt/ma- lidada como um “Fausto Figueiredo de saias”.
ria_pilar_ribeiro/. [C. E.]
[J. E.]
Maria Domingas José de Mendonça
Maria do Rosário Amaral de Figueiredo Benito- Neta paterna do 1.o duque de Loulé e da infan-
Garcia ta D. Ana de Jesus Maria, e filha primogénita dos
Nasceu em 1926 e faleceu em 1969. Foi a mais 2.os duques do mesmo título, Pedro José de Men-
nova dos cinco filhos de Clotilde Ferreira do Ama- donça Rolim Moura Barreto e Constança de Fi-
ral de Figueiredo e de Fausto Cardoso de Fi- gueiredo Cabral da Câmara (Belmonte), nasceu
gueiredo. Este foi o pioneiro do turismo de luxo na Quinta da Praia, em Belém, em 23 de março
em Portugal quando construiu o Estoril como es- de 1853, e morreu a 12 de setembro de 1928, no
tância balnear, com termas e casino, tentando co- mesmo local. Traduziu do italiano o opúsculo
piar Biarritz, onde tinha vivido. A escolha do Es- Ana Aloisi-Masella, de autoria não identificada,
toril deveu-se ao facto de, ao querer casar-se com cujo produto de venda se destinava a uma obra
Clotilde Ferreira do Amaral, que vivia em Davos, de caridade, impresso na Tipografia Universal,
na Suíça, por ser doente dos pulmões, o seu mé- 1883. Segundo a notícia necrológica de A Voz,
dico ter vindo a Portugal escolher o Estoril como sendo Maria Domingas “De inteligência viva e
único sítio possível para a sua doente viver, de- cultivada, colaborou sempre incógnita, em mui-
vido ao cruzamento do ar do mar com os ventos tas revistas e jornais católicos”. Esta bisneta do
soprando da serra de Sintra. Fausto de Figuei- rei D. João VI descansa no Cemitério Ocidental
redo também fez a reunificação dos Caminhos de desde 13 de setembro de 1928.
Ferro Portugueses (CP) e constituiu a Sociedade
Bib.: A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em Por-
“Estoril”, concessionária da primeira linha de ca- tugal, 4.o Volume – 1871-1900, Lisboa, ISLA – Institu-
minhos de ferro eletrificada em Portugal, de Lis- to Superior de Línguas e Administração, S.A. – Centro
boa a Cascais, utilizando os conhecimentos que de Estudos de Literatura Geral e Comparada, 1994, p.
tinha adquirido ao trabalhar em França, com a fa- 239; Domingos de Araújo Afonso e Rui Dique Travas-
sos Valdez, Livro de Oiro da Nobreza, Tomo II, Braga,
mília Rothschild, em comboios. A filha mais nova, Tipografia da “Pax”, 1933, p. 138; “À sombra da Cruz”,
tal como as suas irmãs, viu-se desde cedo obri- A Voz, 13/09/1928, p. 8, col. 3.
gada a apoiar a atividade do pai do ponto vista so- [M. E. S./N. M.]
603 MAR

Maria Dorinda Rodrigues Nóvoa tónio Júlio Limpo Trigueiros, Sidónio Pais: de Caminha
Atriz que usou o nome de Dorinda Rodrigues. ao Panteão Nacional: retalhos ideológico-políticos, his-
tórico-biográficos e genealógicos da memória, Viana do
Nasceu em Orense (Espanha), em 1862, filha de Castelo, Centro de Estudos Regionais, 1999; Armando Ma-
Francisco Rodrigues e de Eustáquia Nóvoa. lheiro da Silva e Luís Pimenta de Castro Damásio, An-
Veio para Portugal integrada numa companhia tónio Cândido, Sidónio Pais e a elite amarantina, 1850-
de zarzuela que esteve no Coliseu, Empresa de -1922: elementos para o estudo das raízes familiares de
Santos Júnior, no verão de 1887, onde protago- Amadeo de Souza Cardoso, Amarante, Câmara Municipal
de Amarante, 2000; Cristina Pacheco, “As Primeiras Da-
nizou D. Juanita, opereta de Juan Manuel Ca- mas na República Portuguesa”, A República e os seus Pre-
sademund, tradução de Eduardo Garrido, mú- sidentes, Câmara Municipal de Lisboa, Biblioteca Mu-
sica de Frédéric Suppé, e por aqui ficou. Fez par- seu República e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gas-
te da Companhia Círiaco Cardoso do Teatro Ba- par e Elsa Santos Alípio (coord), As Primeiras-Damas da
quet. Em 1888, quando o teatro ardeu, integra- República Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da
República, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Pa-
va o elenco das peças Os Dragões de Villars, de lácio de Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da
Lockroy e Cormon, música de Aimé Maillart, tra- Presidência da República, 2005, pp. 34-73; João Esteves,
dução de Borges de Avelar e Jaime de Séguier, “As Primeiras-Damas. Primeira República”, As Primei-
e Grande Avenida, zarzuela de costumes em 1 ras-Damas. Presidentes de Portugal. Fotobiografia, Lis-
boa, Museu da Presidência da República, 2006, pp. 3-23;
ato e 4 quadros, imitação da congénere Gran-Via, Maria Alice Samara, Sidónio Pais, Lisboa, Círculo de Lei-
por Jacobetty, música de Chueca e Valverde. Es- tores, 2002.
tava então grávida. Foi casada com um profes- [E. S. A. / S. M.]
sor de música também espanhol e, depois de viú-
va, casou com Luís Maria Álvaro da Costa de Maria dos Santos Machado
Sousa Macedo, 4.o conde de Mesquitela (1862- Professora primária, ensinou na Liga dos Espe-
-1941), e abandonou o teatro. rantistas Ocidentais e foi uma prestigiada mili-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- tante do Partido Comunista Português desde os
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1131; anos 1930, com atividades no âmbito do Socorro
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Vermelho Internacional e no apoio àquele. Pre-
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 321; Francisco sa em 1 de agosto de 1936, recolheu a uma es-
António de Mattos, “Ecos dos Espectáculos”, Recreio, Lis-
boa, 3.a série, n.o 17, 13/06/1887, p. 243; Gustavo de Ma- quadra, incomunicável. Responsável pela ade-
tos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Pu- são ao Partido Comunista Português de Vítor Ra-
blicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, fael Ferreira, empregado de escritório, que em
p. 400; Mercedes Blasco, Memórias de Uma Actriz, Lis- 1937, numa conjuntura particularmente difícil,
boa, Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907, p. 79.
[I. S. A.] realizou a tarefa de correio entre vários dirigentes
clandestinos procurados pela polícia. Ainda em
Maria dos Prazeres Martins Bessa Pais 1936, ou mais provavelmente no ano seguinte,
Filha de Vitorino Ferreira Bessa e de Bernardi- já que só foi libertada a 12 de dezembro, esteve
na Augusta Martins Bessa, nasceu em Amarante envolvida na criação e batismo em Coimbra do
a 29 de dezembro de 1867 e morreu em Lisboa “Núcleo Manuel dos Santos”, organismo de
a 14 de setembro de 1945. Casou com Sidónio apoio local à Frente Popular Portuguesa, aonde
Pais na Igreja Paroquial de S. Gonçalo de Ama- se deslocou várias vezes em trabalho conspira-
rante, em fevereiro de 1895. Permaneceu sem- tivo antes de partir para Paris e com o qual, mes-
pre afastada da vida pública do marido, dedi- mo fora, foi mantendo correspondência [Alber-
cando-se essencialmente aos cinco filhos do ca- to Vilaça]. Em virtude das dificuldades de se em-
sal e ao cuidado da casa, em Coimbra. Continuou pregar devido à sua conotação política e ao ris-
a morar na “cidade dos estudantes” quando Si- co de nova prisão, estava previsto ir lecionar ins-
dónio Pais foi eleito Presidente da República. trução primária na Federação Portuguesa dos
A primeira e única vez que esteve no Palácio de Emigrados em França, “organização frentista do
Belém foi em dezembro de 1918, para a despe- PCP” [JPP, vol. 1, p. 259], situação gorada por con-
dida final ao seu marido, cujo corpo esteve em flitos internos. Tornou-se então aí “um elemento
câmara ardente na residência oficial do Presi- de ligação precioso entre os sectores partidários
dente da República. de França que atuam junto da IC e as organiza-
Bib.: Armando Malheiro da Silva, Sidónio e Sidonismo
ções clandestinas portuguesas como a Frente Po-
[Dissertação de Doutoramento, dactil.], Universidade do pular e o BAAF” [JPP, vol. 2, p. 152]; manteve
Minho, 1997, 2 vols.; Armando Malheiro da Silva e An- correspondência codificada com Fernando Pi-
MAR 604

teira Santos, para além daquela enviada para Ma- se num dos símbolos femininos mais queridos
nuel dos Santos (03/02/1914-) – comunista co- e recorrentemente evocados, perdurando no tem-
nhecido pelo “pequeno Dimitrov”, preso na Pe- po a sua atitude na tipografia de Alvaiázere. Al-
nitenciária de Coimbra entre 4 de março de 1936 berto Vilaça, na sua minuciosa obra Para a His-
e 6 de agosto de 1942, onde cumpriu parte da tória Remota do PCP em Coimbra – 1921-1946,
pena de 22 anos a que fora condenado – e Jofre insere uma fotografia de Maria Machado “na épo-
Amaral Nogueira – foi por seu intermédio que ca das suas ligações partidárias com Coimbra”,
este obteve a confirmação da autorização de Hen- bem como cópia de uma carta a Jofre Amaral No-
ri Lefebvre, em carta datada de 30 de maio de gueira [AV, pp. 164-165].
1938, para traduzir e publicar no periódico Sol Da autora: “Tribuna Feminina” [Rubina], Avante!, II Sé-
Nascente a série de artigos “Que é a dialética?”, rie, n.o 10, agosto de 1935, p. 2, cols. 2-3 e p. 5, cols. 1-
extraídos da Nouvelle Revue Française; e cola- 2; “Tribuna Feminina”, Avante!, II Série, n.o 11, setem-
borou com Francisco de Paula Oliveira que, após bro, 1935, p. 2, cols. 1-3 e p. 5, col. 1.
a sua fuga da Prisão do Aljube, em maio, tomou Bib.: Alberto Pedroso, “Maria Machado – uma professora,
uma obreira cultural por descobrir”, Diário de Notícias,
conta, ainda que por escasso tempo, da direção 04/10/1983; Alberto Vilaça, Para a História Remota do
da organização comunista portuguesa em Fran- PCP em Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!,
ça. Aí também conviveu com Manuel Domin- 1997; Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
gues, outro quadro de relevo da direção do Par- ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
tido e do Comintern, com vasta experiência in- Mem Martins, 1982, pp. 448-449; José Pacheco Pereira,
Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política, vol. 1 – “Daniel”,
ternacional. Regressou no início da década de 40, o Jovem Revolucionário (1913-1941), Lisboa, Temas e De-
travou contactos com Júlio de Melo Fogaça, en- bates, 1999; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma
volveu-se com os partidários da reorganização Biografia Política, vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clan-
do Partido e ingressou no trabalho das tipogra- destino (1941-1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001; Não
Falar na Polícia Dever Revolucionário, Editorial Avan-
fias clandestinas até ser presa pela GNR a 4 de te!, 1972; Teresa Fonseca, “Maria dos Santos Machado”,
novembro de 1945, em Barqueiros, Alvaiázere, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Livros
após ser responsável durante quatro anos e três Horizonte, 2005, p. 656; “A tipografia do ‘Avante!’ caiu!
meses pela composição e impressão de 81 nú- – Conduta heróica da camarada Maria Machado”, Avan-
meros consecutivos do jornal Avante!. A sua pri- te!, Série VI, n.o 83, dezembro de 1945, p. 1; “saudações
do Congresso”, Avante!, Série VI, n.o 92, 1.a quinzena de
são, e a forma como permitiu a fuga dos dois ou- agosto de 1946, p. 3, col. 2; “Maria Machado perante o
tros camaradas – José Augusto da Silva Martins Tribunal Fascista”, Avante!, fevereiro de 1947, p. 3; O Mi-
e Máximo Joaquim Justino Alves –, de quem se litante, n.o 170, julho, 1989, pp. 38-40.
fazia passar, respetivamente, por tia e mãe, tor- [J. E.]
nou-se num dos episódios mais conhecidos e
enaltecidos da resistência comunista. Entregue Maria Elisa Amado Bacelar
à PIDE três dias depois, recusou-se a prestar de- Casada com Armando Filipe Cerejeira Pereira
clarações e recolheu incomunicável à Cadeia de Bacelar (1919-1998), advogado e militante co-
Caxias, tendo a sua atitude de sacrifício em prol munista na década de 40. Para além de ter sido
dos camaradas merecido uma saudação especial fundadora do núcleo de Coimbra da Associação
no encerramento do II Congresso Ilegal do PCP, Feminina Portuguesa para a Paz*, fazendo-se al-
realizado na Lousã em julho de 1946, no mes- gumas das reuniões em sua casa, também per-
mo mês em que era condenada pelo Tribunal Cri- tenceu à delegação do Porto, sendo a sócia n.o
minal Plenário a um ano e dez meses de prisão 102, com residência em Vila Nova de Famalicão.
correcional. Libertada a 31 de agosto de 1947, tor- Em 1942, viveu em Braga, cidade onde o mari-
nou a ser detida em 16 de janeiro de 1953 e 14 do estava a prestar um ano de serviço militar
de abril de 1954, recolhendo sempre a Caxias. como oficial miliciano; em sua casa, na Rua da
Assinou em 1935, no jornal Avante!, sob o pseu- Cónega, realizaram-se várias reuniões políticas,
dónimo “Rubina”, dois textos intitulados “Tri- nomeadamente com o casal Lino Carvalho de
buna Feminina”, dirigidos às mulheres portu- Lima (1917-06/01/1999) e Júlia Aguiar*. Subs-
guesas. Pela dedicação militante até à morte, com creveu, no período a seguir à Segunda Guerra
responsabilidades no aparelho técnico clan- Mundial, as listas para a constituição do Movi-
destino das casas do Partido Comunista, pela pos- mento de Unidade Democrática (MUD). Em 1949,
tura que assumiu quando presa e pelo despoja- aquando da prisão de Álvaro Cunhal (1913-2005)
mento com que viveu, Maria Machado tornou- e Militão Bessa Ribeiro (13/08/1896-02/01/1950)
605 MAR

no Luso e sua transferência para a sede da PIDE do Brazão e Ilda Stchini*, e As Sabichonas
do Porto, foi uma das pessoas que ouviu fora os (1921), comédia de Molière, tradução do vis-
gritos constantes de Luísa Rodrigues*, compa- conde de Castilho. Quando a Companhia Lucília
nheira de Militão, o que contribuiu para a divul- Simões – Erico Braga regressou do Brasil, con-
gação da situação daqueles e evitou que ela pas- tratou-a para representar em teatros do Porto,
sasse despercebida aos seus familiares e à opinião onde se estreou em Uma Mulher sem Impor-
pública. Segundo investigação do Dr. Amadeu tância, de Oscar Wilde, tradução de António
Gonçalves, assinou, em 1938, diversos textos no Brochado, ao lado de Lucília Simões*. Com eles
periódico O Trabalho, de Viseu. Traduziu vários fez a sua primeira digressão ao Brasil, donde vol-
livros de História e de Filosofia juntamente com tou em 1928, e ficou nove anos na companhia,
o marido. até à extinção desta, em 1930, quando Lucília
Da autora: “Sobre um falso conceito de Moral”, O Tra- Simões e Erico Braga se divorciaram. Foi, en-
balho, Viseu, 07/04/1938, p. 5; “Considerações acerca da tão, contratada pela Empresa de José Loureiro
emancipação da Mulher”, O Trabalho, Viseu, 26/04/1938, e Macedo, onde atuavam Estêvão Amarante e
p. 1; “Personalidade da Mulher”, O Trabalho, Viseu, Lina Demoel, que a levou de novo ao Brasil em
19/05/1938, p. 1; “Carta aberta a uma anti-feminista”,
O Trabalho, Viseu, 02/06/1938, p. 8; “Da educação das 1932. De regresso, esteve no Teatro Nacional re-
raparigas”, O Trabalho, Viseu, 07/07/1938, p. 1; “Temas presentando Cadeira da Mentira, ao lado de
feministas”, O Trabalho, Viseu, 28/07/1938, p. 1. Georgina Cordeiro*, e no papel de “Júlia”, em
Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP em Cadeira da Verdade (1932), peça em 3 atos de
Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!, 1997; Al- Ramada Curto, ao lado de Lucília Simões; pas-
sácia Fontes Machado – «Humanização dos Sexos»”,
O Trabalho, Viseu, 07/07/1938, p. 5; Armando Bacelar, Me- sou pelo Teatro da Avenida, brilhando em Gre-
mória dos Tempos Idos, Vila Nova de Famalicão, Câma- ve de Amor (1932), fantasia de Lourenço Ro-
ra Municipal de VNF, 1994; José Ricardo [pseudónimo de drigues, Xavier de Magalhães e Álvaro Leal, e,
Lino Lima], Romanceiro do Povo Miúdo. Memórias e con- no Politeama, entrou em O Pé de Cabra (1934),
fissões, Lisboa, Edições Avante!, 1991; Lúcia Serralhei-
ro, Mulheres em Grupo contra a Corrente [Associação Fe- de Lószio Alada, tradução de João Bastos. Em
minina Portuguesa para a Paz (1935-1952)], Rio Tinto, 1935, era uma das figuras principais da comé-
Evolua Edições, 2011; Maria Salema [Virgínia Moura], dia O Serra da Estrela, imitação de Matos Se-
“Carta a uma Mulher da Moda”, Da Gente Moça / O Tra- queira e Eduardo Cerca, representada no Teatro
balho, Viseu, 25/08/1938, p. 5; Vanda Gorjão, Mulheres das Variedades. No ano seguinte, ingressou na
em Tempos Sombrios. Oposição feminina ao Estado
Novo, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2002. Companhia Maria Matos, no Teatro da Trinda-
[J. E.] de, onde criou Papirusa, de A. Torrado e L. Na-
varro. Beatriz Costa* convidou-a a fazer parte da
Maria Elisa Botelho de Andrade Casqueiro de companhia que se deslocou em digressão ao Bra-
Sampaio Ruas sil, em 1937, onde representou no Teatro Re-
Atriz. Nasceu em Lisboa, a 3 ou 4 de maio de pública, ao lado de Nascimento Fernandes e
1904, e faleceu no Rio de Janeiro em abril de Santos Carvalho. Não regressou com a compa-
1988. Era filha do ator Adolfo Sampaio, faleci- nhia e fixou-se naquele país. Do seu percurso
do no Brasil, em 1939, e foi casada com Alfre- posterior, sabemos que trabalhou no Teatro da
do Ruas (1892-1974), filho de Adelina Abran- Glória, na peça Malibou (1938), de Ponguetti, en-
ches* e do empresário Luís Ruas. Em Lisboa, fre- tre 1939 e 1944 fez programas na Rádio Marynk
quentou o Colégio do Sagrado Coração e o Co- Veiga e em 1945 atuava no Teatro Fénix, nas cé-
légio Inglês de Miss Kafle, onde completou o cur- lebres sessões das “segundas-feiras”. Em 1945,
so liceal. Tinha 14 anos quando entrou no fil- organizou uma companhia em parceria com Ro-
me de Afonso Gaio O Condenado, em que Al- dolfo Mayer e, na temporada de 1946, tiveram
mada Negreiros era o galã e a atriz Virgínia* ti- o maior êxito na continuação das “segundas-
nha papel de relevo. Contratada pela Companhia feiras” no mesmo teatro, além da montagem de
Maria Matos – Mendonça de Carvalho, es- Ternura, peça de Henri Bataille traduzida por
treou-se no palco do Teatro da Avenida, na co- Brício de Abreu e que foi muito festejada pela
média A Inimiga, de Nicodemi, em 1919 ou crítica. No ano seguinte, fazia parte da funda-
1920. Como esta companhia partiu em digres- ção do Teatro da Câmara, sob a direção de Es-
são, foi para o Teatro Nacional e integrou o elen- ter Leão*, ao lado de Luís Tito e Alma Flora. Veio
co das peças Afonso VI, drama histórico em 5 a Lisboa em 1950, contratada para o filme Frei
atos, de D. João da Câmara, ao lado de Eduar- Luís de Sousa, dirigido por Lopes Ribeiro e rea-
MAR 606

lizado pela Lisboa Film, que lhe mereceu a me- sa/Museu Nacional do Teatro, 1996-1997, p. 16; “Foi nes-
dalha de melhor interpretação de filmes do ano, te dia...”, O Século, 06/04/1960, p. 4, 14/04/1961, p. 4,
03/05/1962, p. 5.
recebida em 1952 na embaixada de Portugal no [I. S. A.]
Rio de Janeiro. Ali continuou a sua carreira ar-
tística, com grande êxito, em Os Inocentes Maria Elisa de Andrade Sampaio
(1952), substituindo a grande diva do teatro bra- v. Maria Elisa Botelho de Andrade Casqueiro
sileiro, Dulcina de Morais (1911-1996), e ao lado de Sampaio Ruas
da mãe desta, Conchita de Morais, e Mulheres
de todo o Mundo (1853), revista em que repre- Maria Elvira Pereira da Silva Ferreira
sentava quadros especialmente escritos para ela Professora habilitada com o curso dos liceus, rea-
por R. Magalhães Júnior, no Teatro Carlos Go- lizou os exames de Física, Química, Botânica e
mes. Em 1955, integrada no elenco dos Artis- Zoologia da Escola Politécnica de Lisboa. Fre-
tas Unidos, participou na estreia da peça A Fo- quentou a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa.
lha de Parreira, que esteve seis meses em Candidatou-se, a 14 de março de 1890, à cadei-
cena. Na época seguinte, passou para o grupo ra de Matemática nos novos Liceus Secundários
O Tablado e continuou agradando nas peças Femininos* que iriam ser fundados. Maria Elvira
O Tempo dos Cowboys, de Presley, e O Chapéu comprometeu-se a entregar os comprovativos
de Palha de Itália, de March Michel e Labiche. posteriormente, contudo nada mais consta do seu
Do seu repertório, lembramos ainda as peças: Na processo.
Sombra, de Ester Leão, Vinha do Senhor, Gar-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
çonne, Perdoai-nos Senhor, Deus lhe Pague, co- – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
média de Joracy Camargo, Casa em Ordem, de [A. C. O.]
Artur Piñero, Fogueiras de S. João, de Hermann
Sudermann, Carta Anónima, Salomé, musical Maria Emília Archer Eyroles Baltasar Moreira
de Oscar Wilde, Amor a Quanto Obrigas, de Nasceu em Lisboa em 4 de janeiro de 1899 e fa-
Hannequin, Auto dos Faroleiros, O Leque, de Ro- leceu na mesma cidade em 23 de janeiro de 1982.
bert Flers e Francis Caillavet, A Morgadinha dos Com 11 anos partiu, com os pais, para Moçam-
Canaviais, de Júlio Dinis, adaptação de Barbo- bique, onde viveu três anos, tendo voltado a re-
sa Machado, A Castelã, peça em 4 atos de Al- sidir naquela colónia a partir de 1921, depois de
fred Capus, tradução de Acácio de Paiva, Zá-Zá, ter casado, em Faro, com Alberto Teixeira Pas-
peça em 5 atos de Pierre Breton e Charles Simon, sos. Viveu na linha de Cascais, em 1914-1915,
e A Lagartixa, comédia em 3 atos de Georges e na Guiné, de 1916 a 1918. Em 1926, fixou-se
Feydeau, ambas traduzidas por Eduardo Garrido, em Vila Real, terra de naturalidade do marido.
A Máscara, de António Patrício, entre outras. Foi aqui que a vida conjugal se degradou e o ca-
No cinema, entrou, além dos filmes acima ci- samento chegou ao fim. Após uma breve esta-
tados, no mudo A Morgadinha de Valfor (1926), da em Lisboa, decidiu ir viver com os pais, em
adaptação da peça de Pinheiro Chagas por Angola, em 1932. Assim, entre 1910 e 1935, es-
Augusto de Melo, e nos sonoros A Minha Noi- teve sempre ligada a África, diretamente ou por
te de Núpcias (1930/31), da Paramount, e A Se- via dos pais, apesar de largos períodos passados
vera (1931), de Leitão de Barros. Em 1962, re- em Portugal. O fascínio por África levou-a a co-
cebeu o diploma de melhor atriz do Brasil. Vi- nhecer grande parte dos países do continente, cu-
veu naquele país até à morte, em 1988. jos costumes e paisagens se refletem em muitos
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- dos seus escritos, tanto em livros como em cró-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1164; nicas de jornais e conferências. Entre os seus pri-
Brício de Abreu, Esses Populares tão Desconhecidos, Rio meiros livros, contam-se alguns integrados na Co-
de Janeiro, E. Raposo Carneiro, Editor, 1963, 1.a ed., pp. lecção Cadernos Coloniais, das Edições Cosmos.
349-353 [c/fot.]; Grande Enciclopédia Portuguesa e Bra-
sileira, Vol. XXVI, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial En- Autodidata, estudou em casa, não tendo fre-
ciclopédia, p. 894; Manuel Alves de Oliveira [textos] e quentado escolas, nem adquirido quaisquer
Manuela Rego [pesquisa iconográfica], O Grande Livro habilitações académicas. Despertou-lhe cedo o
dos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1990, p. gosto pela escrita, uma tendência reprimida pe-
452; Rolando da Silva, O meu Jornal. Impressões de Tea-
tro (Número dois), Lisboa, edição do autor, 1932, p. 20;
los pais que a levaram a esconder, durante anos,
Victor Pavão dos Santos e João Bénard da Costa, O Ci- o que escrevia. Iniciou a atividade literária em
nema Vai ao Teatro, Lisboa, Cinemateca Portugue- Faro, com versos e crónicas em O Correio do Sul
607 MAR

e O Algarvio. Mais tarde, colaborou em jornais çalves, com o testemunho de que os seus ro-
e outras publicações de carácter nacional – O Sé- mances “não são nem imorais, nem pornográ-
culo, A Noite, O Primeiro de Janeiro, Seara Nova, ficos” e pedia-lhos “para uso dos reclusos a quem
Ilustração, Século Ilustrado, O Diabo, Fradique, presta assistência religiosa, como uma notável
Sol, Jornal de Notícias, Humanidade, Eva, Mo- obra de regeneração moral”. A partir desta altura,
das e Bordados, O Mundo Português, Portugal fica cada vez mais agastada com as perseguições
e Colónias. Em Angola, escreveu para Comércio políticas e a opressão dos costumes numa so-
de Angola, Pátria, Angola Desportiva e Última ciedade que ela pretendia ver evoluir de forma
Hora. Publicou em Luanda, em 1935, a primei- mais rápida. Pertenceu ao MUD, Movimento de
ra obra de ficção, a novela Três Mulheres, que es- Unidade Democrática, desde 1945 e acompa-
gotou, embora a tivesse considerado, anos depois, nhou, com desgosto, os seus parcos resultados
“muito mal feita”, não permitindo a sua reedi- até à extinção. Participou na campanha eleito-
ção. Naquele ano, encerrou definitivamente a vi- ral do general Norton de Matos, em 1949, para
vência em África e regressou a Lisboa. Iniciou, Presidente da República. Em 1952, assistiu ao jul-
então, um intenso percurso literário em diferentes gamento do capitão Henrique Galvão, no Tri-
géneros – ensaio, conto, novela, romance, teatro, bunal Militar de Santa Clara, onde anotava tudo
para além da tradução de algumas obras e da co- e, em casa, redigia. De nada servirá propor esse
laboração em várias publicações periódicas e na trabalho a um jornal, porque a censura só per-
rádio. Os temas fortes eram a situação da mulher, mitia a publicação de pequenos apontamentos
a justiça social e os problemas coloniais. Um dos inócuos. Quando o julgamento terminou, no ano
livros, Herança Lusíada, tinha o honroso prefácio seguinte, a PIDE assaltou-lhe a casa e levou todo
de Gilberto Freyre. Depressa se tornou uma es- o material. Protestou, em vão, junto do ministro
critora incómoda, alvejada pela imprensa de di- do Interior e, por fim, de forma provocatória, re-
reita e de esquerda, quer pelo talento na forma velou que tinha sido inútil apreenderem-lhe os
de abordar questões mais ou menos interditas, textos, porque já havia um duplicado deles no
num Portugal conservador e moralista, quer pelo Brasil. De facto, desde o início do julgamento que
espírito crítico ousado e inflexível. Raul Rego ca- enviava cópia dos textos para o amigo Tomás Ri-
racterizou o seu aparecimento em Lisboa: “Tor- beiro Colaço, os quais vieram a constituir o li-
nou-se o caso do dia, nos cafés, nas redações, no vro Os Últimos Dias do Fascismo Português. Foi
teatro, nos salões de chá e nas livrarias. A sua neste contexto que, em meados de 1955, deci-
presença e beleza, as suas respostas prontas, a diu deixar Portugal e fixar residência no Brasil.
inteligência viva, a cultura, o amor ao livro, o tra- João Gaspar Simões refere-se a esse exílio vo-
tar frontal de problemas sociais e coloniais por luntário, salientando que “os seus livros eram
uma mulher que vinha das colónias e que que- mais temidos, em Portugal, na altura em que se
ria ser interveniente e se tornara em objeto de ad- exila, pela ousadia das suas conceções morais do
miração, fizeram escândalo” [Diário Popular, que pela sua ideologia política” [Diário de No-
02/02/1982]. Esse mal-estar estendeu-se aos fa- tícias, 04/02/1982]. Colaborou na Gazeta de São
miliares, que se afastaram dela. Movendo-se nos Paulo, no Estado de São Paulo e em outros jor-
meios da oposição a Salazar, não deixou, porém, nais e revistas, na Rádio e na Televisão, fez con-
de ganhar, em 1938, o Prémio de Literatura In- ferências e publicou livros. O primeiro foi Ter-
fantil Maria Amália Vaz de Carvalho, do Servi- ras onde se Fala Português, a que se seguiram
ço de Propaganda Nacional, pelo romance de outros quatro. A intervenção política expressa-
aventuras infantis Viagem à Roda de África. A va-se em colaborações nos jornais Portugal De-
censura, no entanto, mantinha-se atenta e, no ano mocrático e Semana Portuguesa, em entrevistas
seguinte, apreendia-lhe o livro de novelas Ida e a outros órgãos de informação, palestras e na cria-
Volta de Uma Caixa de Cigarros. Em 1947, ha- ção do Comité dos Intelectuais e Artistas Por-
veria de assistir à apreensão de outro livro, Casa tugueses Pró-Liberdade de Expressão. Em janeiro
sem Pão. Nesse ano, em 30 de outubro, dirigiu de 1960, integrou a 1.a Conferência Sul-Ameri-
ao governador civil de Lisboa, Mário Madeira, cana Pró-Amnistia para os Presos Políticos de Es-
um extenso e bem fundamentado protesto con- panha e Portugal. Participou também na políti-
tra a apreensão dos dois livros. Para reforçar a ca interna brasileira, associando-se a campanhas
sua razão, juntou-lhe duas cartas do capelão da e manifestações de esquerda. Depois de um ra-
Cadeia de Monsanto, padre Luís Filipe Gon- zoável sucesso jornalístico e literário, começou,
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em meados da década de 60, a sentir dificulda- Sociais, realizado na Universidade de Salvador


des para ganhar a vida com a escrita. Já não con- da Baía, em agosto de 2011. O 30.o aniversário
seguiu publicar o projetado segundo volume de da sua morte foi assinalado com uma sessão de
Os Últimos Dias do Fascismo Português. Fe- homenagem no Teatro da Trindade, em Lisboa,
charam-se-lhe várias portas e foi obrigada a re- promovida pela Associação Mulher Migrante em
correr a empregos modestos para sobreviver. colaboração com o Inatel, a Câmara Municipal
A espaços doente e sem dinheiro, beneficiava da de Espinho e a Fundação Professor Fernando de
solidariedade de um pequeno grupo de portu- Pádua. Falaram Mário Soares, Maria Barroso,
gueses que lhe pagava as despesas de hospita- Dina Botelho e Fernando de Pádua. A Associa-
lização e de internamento numa casa de repouso. ção Mulher Migrante realizou ainda, em 2012,
Recebeu também ajuda dos seus sobrinhos em um Seminário sobre Maria Archer. Também o
Portugal. A um deles, o Prof. Fernando de Pá- Museu Ferreira de Castro, em Sintra, realizou ini-
dua, escreveu uma carta, datada de 15 de mar- ciativas em sua homenagem.
ço de 1973, mostrando-se desiludida com a ati- Da autora: “O que os homens pensam dos homens”, Cor-
tude humanista dos seus compatriotas e mani- reio do Sul, 04/07/1920, p. 4; “As mulheres e a demo-
festando o desejo de voltar a Portugal, para vi- cracia”, Ilustração, 01/12/1931, p. 18; “Pretos, brancos e
ver em paz, embora diga que “não me sinto com mulatos”, Ilustração, 01/03/1932, p. 16; “Como se faz um
coragem para regressar sem dinheiro nem pres- degredado”, Ilustração, 01/05/1932, pp. 9-10; “O leão, o
elefante e o coelho, Eva, 04/06/1932, pp. 13,19; “Praze-
tígio”. O capitão João Sarmento Pimentel, em car- res de vida e de morte”, Ilustração, 01/10/1932, pp. 11-
ta dirigida ao jornal O Primeiro de Janeiro, pe- -12; “Os portugueses e Angola: levante-se o pó de impé-
diu que lhe fosse atribuída uma verba para po- rios mortos”, Ilustração, 16/02/1933, pp. 31-32, e Última
der viver e morrer em Portugal. Regressou a Lis- Hora, Luanda, 29/03/1933, pp.1-2; “O Império Português:
a história de Angola está ligada à do Brasil”, Ilustração,
boa, com passagem paga pelo Brasil, em abril de 16/05/1933, pp. 6-7; “As viagens em Angola: para se ir a
1979, e foi internada na Mansão de Santa Ma- um baile ou a um casamento percorrem-se às vezes mais
ria de Marvila, onde permaneceu, a expensas do de mil quilómetros”, Ilustração, 01/09/1933, pp. 14-15; “A
Estado, até à morte. A sua situação ainda che- carta”, O Mundo Português, janeiro, 1935, pp. 7-12; “En-
gou a ser discutida na Assembleia da Repúbli- tre Quimbundos”, O Mundo Português, maio, 1935, pp.
169-176; “Singularidades de um país distante: Rios”,
ca, em 22 de maio de 1979, por iniciativa de Vas- O Mundo Português, novembro, 1935, pp. 341-344; Três mu-
co da Gama Fernandes. O secretário de Estado lheres: a lenda e o processo do estranho caso da Pauling,
da Cultura respondeu que o Governo lhe con- Maria Archer, Pinto Quartim, Luanda, 1935; África Sel-
cedeu uma pensão de sobrevivência e que iria vagem: Folclore dos Negros do Grupo Bantú, Lisboa, Li-
promover “de imediato a sua transferência para vraria Guimarães, 1935; Sertanejos, Lisboa, Cosmos,
1936; “Apólogo da mulher feia”, As Melhores Páginas da
um estabelecimento hospitalar condigno”, o que Prosa Feminina, de Albino Forjaz de Sampaio, Lisboa, Li-
não se concretizou. A sua obra foi objeto de es- vraria Popular de Francisco Franco, 1936, pp. 181-187; Sin-
tudos de Ana Paula Ferreira nas universidades gularidades de um País Distante, Lisboa, Cosmos, 1936;
de Santa Bárbara (EUA), e de Paul Valéry, em Ninho de Bárbaros, Lisboa, Cosmos, 1936; “A Guiné em
1917”, O Mundo Português, abril, 1936, pp. 179-184; “La-
Montpelier (França), em 1996 e 1997, teses de gos na floresta do Moxico”, O Mundo Português, agosto-
mestrado de Dina Maria dos Santos Botelho, na setembro, 1936, pp. 357-360; “Pêssegos ou mangas?”, Sea-
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da ra Nova, 10/12/1936, pp. 163-165; Viagem à Roda de Áfri-
Universidade Nova de Lisboa, em 1994, de Dou- ca: romance de aventuras infantis, Lisboa, Editorial O Sé-
glas Mansur da Silva, na Universidade de Cam- culo, 1937; Angola Filme, Lisboa, Cosmos, 1937; “Casa-
mento no Ribatejo”, Seara Nova, 14/01/1937, pp. 195-199;
pinas (Brasil), em 2000, de Leonor Pires Martins, “Quilo a mais, quilo a menos”, Seara Nova, 01/04/1937,
na Faculdade de Letras da Universidade de Lis- pp. 321-324; “Olhos azuis”, Diário de Lisboa [suplemen-
boa, em 2002, e de Maria La Salete Coelho Pe- to literário], 08/07/1937, p. 2; “A provinciana vestida de
reira no Instituto de Letras e Ciências Humanas novo”, Seara Nova, 10/07/1937, pp. 249-252; “Conto es-
da Universidade do Minho, em 2008. E ainda de tival”, Diário de Lisboa [sup. literário], 19/08/1937, p.13;
“Queimadas africanas”, Humanidade, 05/09/1937, p.
uma tese de doutoramento de Elisabeth Batista 23; “Traduções e tradutores”, Maria Archer e Castelo Bran-
na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu- co Chaves, Seara Nova, 09/10/1937, pp. 26-28; “O romance
manas da Universidade de São Paulo, em 2007, duma viúva”, Diário de Lisboa [sup. literário], 21/10/1937;
na qual colhemos importantes elementos bi- “A portuguesa no mundo: carta a uma africanista”, Hu-
manidade, 07/11/1937, p. 6; “Aspectos da paisagem so-
bliográficos. Esta investigadora fez uma inter- cial na África portuguesa e no Brasil do passado sugeri-
venção sobre a sua personalidade e a sua obra dos pelos livros de Gilberto Freyre”, Seara Nova,
no Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências 20/11/1937, pp. 166-170; “Aspectos da paisagem social
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na África portuguesa e no Brasil do passado sugeridos pe- nas prisões sem grades em que vivem isolados do mun-
los livros de Gilberto Freyre”, Seara Nova, 27/11/1937, pp. do”, Sol, 21/08/1948, pp. 4 e 11; “Eu… e mais eu: pági-
198-200; “A mulher portuguesa no mundo: num admirável na do meu diário”, Sol, 11/09/1948, p. 4; “O general Nor-
esforço de integração no ambiente moderno, a mulher por- ton de Matos, alguém que o mundo sabe quem é e quem
tuguesa constitui um ginásio feminino”, Humanidade, foi, visto por Maria Archer”, Sol, 08/01/1949, pp. 1 e 10;
28/11/1937, p. 6; “A mulher portuguesa no mundo: acti- “O mais racional de todos os animais”, Sol, 29/01/1949,
vidade feminina”, Humanidade, 18/12/1937, p. 5; Ida e p. 4; “Alfacinha: comédia em um acto para uma só per-
Volta de Uma Caixa de Cigarros: novelas, Lisboa, Edito- sonagem” Sol, 12 a 26 de fevereiro de 1949; Há-de Haver
rial O Século, 1938; Colónias Piscatórias em Angola, Lis- uma Lei, Lisboa, ed. da autora, 1.a e 2.a ed., 1949, 3.a ed.,
boa, Cosmos, 1938; Caleidoscópio Africano, Lisboa, Cos- 1950; “Eros e psiché”, Sarça erótica, org. e dir. de Petrus,
mos, 1938; “A mulher portuguesa no mundo: na Califór- colecção Arte e cultura, Porto, s.a. [1949], pp. 361-367;
nia existe um jornal dirigido por uma portuguesa”, Hu- “Quem a viu e quem a vê…”, Mar alto, de Virgílio Cou-
manidade, 05/03/1938, p. 8; “Zonas de turismo em An- to, Vol. I, Lisboa, Livraria Popular de Francisco Franco, 6.a
gola”, O Mundo Português, maio, 1938, pp. 209-213; “A ed., s.a. [1949?], pp. 149-150; O Mal não Está em Nós, Por-
mulher portuguesa no mundo: a obra musical da Sra. Con- to, Livraria Simões Lopes, 1950; Roteiro do Mundo Por-
dessa de Proença-a-Velha em prol da arte portuguesa”, Hu- tuguês, 2.a ed. rev. e ampliada, 1950; Filosofia Duma Mu-
manidade, 11/06/1938, p. 4; “A mulher portuguesa no lher Moderna, Porto, Livraria Simões Lopes, 1950; Bato
mundo: como são educadas as nossas raparigas”, O às Portas da Vida, Lisboa, Edições SIT, 1951, 2.a ed. 1952;
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fama… doente, o “Pintor” – arruaceiro e “político” – re- 1952; Ela É apenas Mulher, Lisboa, Edições SIT, 3.a ed.,
corda um passado já distante numa entrevista”, Huma- 1952; “Revisão de conceitos antiquados”, Ler, outubro,
nidade, 06/08/1938, p. 9; “Uma novela. Ferros ao rubro”, 1952, pp. 5 e 10; “Sugestões para um prémio literário”, Ler,
Diário de Lisboa, 25/08/1938; “Legítima defesa”, O Mun- março, 1953, pp. 1 e 10; A Primeira Vítima do Diabo, Lis-
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Joaquina”, O Mundo Português, setembro, 1939, pp. “A censura à imprensa e ao livro”, Portugal Democráti-
351-358; Há Dois Ladrões sem Cadastro, Lisboa, Editora co, outubro, 1956, pp. 5-6; Terras onde se Fala Português,
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1940; Herança Lusíada, Lisboa, Edições Sousa e Costa, onde se Fala Português, São Paulo, Casa do Estudante do
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morte do pigmeu. Na terra dos Cuanhamas desaparece um cido”, Portugal Democrático, janeiro, 1957, p. 6; “Carta aber-
selvagem bosquímane”, O Mundo Português, julho, 1940, ta a Sua Majestade Britânica Isabel II”, Portugal Demo-
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03/07/1941, p. 2; “Lisboa está agora muito longe de Pa- tugal Democrático, abril, 1957, pp. 1 e 6; “Eleição de can-
ris”, Acção, 28/08/1941, p. 2; “Caparica tantos de setem- didato único”, Portugal Democrático, maio, 1957, pp. 1
bro…”, Acção, 25/09/1941, p. 8; “Comprei um chapéu mo- e 4; “Cai sobre nós esta vergonha, mulheres”, Portugal De-
delo”, Acção, 23/10/1941, p. 7; “Há-de haver uma lei”, O mocrático, dezembro, 1958, p. 8; Os Últimos Dias do Fas-
Atlântico, Primavera de 1942, pp. 105-112; “O pombal do cismo Português, São Paulo, Editora Liberdade e Cultu-
Antoninho”, Acção, 28/05/1942, p. 7; “In vino veritas: con- ra, 1959; “Cai sobre nós esta vergonha, mulheres” (con-
to”, Acção, 30/07/1942, p. 7; Memórias da Linha de Cas- clusão), Portugal Democrático, janeiro, 1959, p. 5; “Somoza,
cais, Maria Archer, Branca de Gonta Colaço, Lisboa, Par- Salazar e C.a”, Portugal Democrático, julho, 1959, p. 6; “A
ceria António Maria Pereira, 1943; Os Parques infantis, Lis- revolução áurea”, Portugal Democrático, outubro, 1960,
boa, Associação Nacional dos Parques Infantis, 1943; “Mais pp. 6-7; “Avacalhar e portugalizar”, Portugal Democráti-
forte que a vaidade: peça radiofónica em um acto”, Acção, co, setembro, 1961, p. 7; África sem Luz, São Paulo, Clu-
11/02/1943, p. 3; “Uma vez, por milagre, o receptor con- be do Livro, 1962; Brasil, fronteira da África, São Paulo,
fessou-se…: Senhores radiouvintes”, Acção, 09/09/1943, Felman-Rego, 1963; “Brasil, fronteira da África”, Portu-
p. 7; Ela É apenas Mulher, Lisboa, Parceria António Ma- gal Democrático, setembro, 1963, p. 4; “Símbolo e mito
ria Pereira, 1.a e 2.a ed., 1944; “Você é acusada de ter es- do 5 de Outubro”, Portugal Democrático, outubro, 1963,
crito um romance imoral: Maria Archer, autora do livro p. 8; “Senhora de idade”, Lusa Pátria: Leituras para os Cur-
Ela É apenas Mulher responde à acusação”, Acção, sos de Formação do Ensino Técnico Profissional de Cân-
10/08/1944, p. 3; “Eu e as Marietas: Maria Archer responde dido Aparício Pereira, Coimbra, Atlântida Editora, 8.a ed.,
a Olavo d’Eça Leal”, Acção, 14/12/1944, pp. 4, 6; Aristo- 1971, pp. 108-109; “Romances de capa azul”, Lusa Pátria:
cratas, Lisboa, Editorial Aviz, 1.a ed. 1945, 2.a ed. 1946; Eu Leituras para os Cursos de Formação do Ensino Técnico
e elas: apontamentos de romancista, Lisboa, Editorial Aviz, Profissional de Cândido Aparício Pereira, Coimbra,
1945; “Tipos femininos na África portuguesa”, O Mundo Atlântida Editora, 8.a ed., 1971, pp. 108-109; “Erudição”,
Português, março, 1945, pp. 115-122; A Morte Veio de Ma- Lusa Pátria: Leituras para os Cursos de Formação do En-
drugada: romance policial, Coimbra, Coimbra Editora, sino Técnico Profissional de Cândido Aparício Pereira,
1946; “Quando os portugueses chegaram à Guiné”, O Mun- Coimbra, Atlântida Editora, 8.a ed., 1971, pp. 140-141; “Dez
do Português, 2.a série, n.o 1, 1946, pp. 29-36; “Expansão horas da noite, S. Paulo”, Os Melhores Contos Portugue-
portuguesa na Guiné”, O Mundo Português, 2.a série, n.o ses, 2.a série [selec., pref. e notas de Guilherme Castilho],
2, 1946, pp. 131-139; “Conquista e ocupação da Guiné”, Lisboa, Portugália, 1971, pp. 227-233 [conto extraído de
O Mundo Português, 2.a série, n.os 3-4, 1946, pp. 209-215; Fauno Sovina]; Memórias da Linha de Cascais, Branca de
Casa sem Pão, Lisboa, Empresa Contemporânea de Edi- Gonta Colaço, Maria Archer [prefácio de José Eugénio Mou-
ções, 1947; “Eu vi uma leprosaria: as devastações do ter- tinho Tavares Salgado], ed. fac-similada, Cascais, Oeiras,
rível flagelo através dos séculos”, Sol, 14/08/1948, pp. 4 Câmara Municipal, 1999; Ela É apenas Mulher: Prefácio
e 9; “Eu vi uma leprosaria: algumas horas entre leprosos, de Maria Teresa Horta, Parceria A. M. Pereira, 2001; Nada
MAR 610

Lhe Será Perdoado, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, cistas Contemporâneos (1942-1961), Lisboa, Delfos,
2006. Escreveu mais quatro peças de teatro, não editadas: s.a., pp. 355-360; Idem, “Crítica literária: Maria Archer
Isto que Chamam Amor [drama em um ato para uma só ou os escritores para quem a Pátria é a língua portuguesa”,
personagem]; Numa Casa Abandonada [drama em um ato Diário de Notícias, 04/02/1982, pp. 15-16; Idem, “Ma-
para uma só personagem]; O Poder do Dinheiro [comé- ria Archer: “Ida e volta de uma caixa de cigarros”, Crí-
dia em três atos]; O Leilão [drama em três atos]. Publicou tica I – A prosa e o romance contemporâneos, Lisboa,
32 artigos no semanário Fradique, entre 27 de dezembro Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999, pp. 214-221;
de 1934 e 19 de dezembro de 1935; sob o título genéri- Leila Marise, “No Brasil a romancista de maior público
co de “Eu e elas”, publicou 69 crónicas no semanário Ac- em Portugal”, Correio Paulistano, 18/01/1856; [Leonel]
ção, entre 28 de outubro de 1943 e 12 de abril de 1945, Moura, [Maria Archer], Visual gráfico, 1949; Leonor Pi-
continuadas com mais 114 subtítulos no semanário Sol, res Martins, Cadernos de memórias coloniais. Identidades
de 26 de julho de 1947 a 8 de outubro de 1949; no jor- de “raça”, de classe e de género em Maria Archer, Dis-
nal O Estado de São Paulo publicou 126 artigos, entre 4 sertação de Mestrado em Literatura Comparada, Facul-
de novembro de 1955 e 29 de novembro de 1957. Tra- dade de Letras, Universidade de Lisboa, 2002; Manuel
duções: François Maria Arouet de Voltaire, Cândido ou Campos Lima, “Crítica literária: duas novelas, por Ma-
o Optimismo, Lisboa, Livraria Editora Guimarães, 1937; ria Archer e Pinto Quartim – Três Mulheres e A Lenda
Antoon Coolen, O Bom Assassino, Porto, Livraria Tava- e o Processo do Estranho Caso da Pauling”, O Diabo,
res Martins, 1943; Ellen Carlishe, Eu Sou a Sua Mulher, 03/11/1935, p. 6; Manuela de Azevedo, “Morreu Maria
Lisboa, Livraria Editora Guimarães, 3.a ed., 1946; Voltaire, Archer: uma escritora incómoda”, Diário de Notícias,
Cândido ou o Optimismo [rev. e anotado por Delfim de 24/02/1982, p. 9; Maria La Salete Coelho Pereira, Maria
Brito], Lisboa, Guimarães Editores, 10.a ed., 1999, 11.a ed. Archer entre o Feminismo e o Neo-Realismo: uma leitura
2005. dos romances Ela É apenas Mulher e Aristocratas, Tese
Bib.: Alda Correia, “Imagens da nova mulher no conto”, de Mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Portu-
Actas do I Congresso Internacional de Estudos Anglo- guesa no Instituto de Letras e Ciências Humanas da Uni-
Portugueses, 6-8 de maio de 2001, Lisboa, Universida- versidade do Minho, 2008; Maria Ondina Braga, “Maria
de Nova de Lisboa; Ana Paula Ferreira, “Continentes ne- Archer: o espírito lutando com as sombras”, Diário de
gros” com nome de Portugal: o “feitiço” colonialista de Notícias, 07/01/1982; Idem, “Maria Archer: a despedi-
Maria Archer”, Discursos, Estudos de Língua Portugue- da”, Jornal de Letras, 02/02/1982; Maria Teresa Horta,
sa. Literatura, Nacionalismos, Identidade, Santa Bárbara, “Grito patético em defesa da mulher oprimida”, Diário
Universidade da Califórnia, n.o 13, 1996, pp. 85-98; Idem, de Notícias, 04/08/2001, p. 44; Mário Dionísio, “Livros
“Maria Archer e a sexualidade feminina”, Discursos, Es- – “Ida e Volta de Uma Caixa de Cigarros”, O Diabo,
tudos de Língua e Cultura Portuguesa. Literatura, Na- 04/02/1939, p. 2; Mário Ventura, “Maria Archer”, Diá-
cionalismos, Identidade, Santa Bárbara, Universidade da rio de Notícias, 29/01/1982, p. 9; Raul Rego, “Maria Ar-
Califórnia, n.o 13, 1996, pp. 155-164; Idem, “A comédia cher”, Diário Popular, 02/02/1982, p. 3; Tomás Ribas, “Os
da feminilidade” no tempo de Maria Archer: de um mer- livros e os autores- ficção: “Nada Lhe Será Perdoado” de
cado em que as mulheres negoceiam”, Centre de Re- Maria Archer”, Ler, maio, 1953, p. 4; “Prémios Literários
cherche en Littérature de Langue Portugaise, Universi- do S.P.N.”, Diário de Notícias, 28/01/1939, pp.1-2;
té Paul Valéry, Montpelier III, Quadrant, n.o 14, 1997, pp. “Vida Literária: Aristocratas”, O Século Ilustrado,
133-145; Ana Paula Ferreira (org.), A Urgência de Con- 29/12/1945, p. 6; [Entrevista a Maria Archer], Folha da
tar: Contos de Mulheres dos Anos 40, Lisboa, Caminho, Manhã, São Paulo, 31/07/1955; [Entrevista a Maria Ar-
2002, pp. 277-278; António Manuel Ferreira (coord.), Per- cher], Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 15/01/1956; “Es-
cursos de Eros: representação do erotismo, Aveiro, critora portuguesa vai fazer livros sobre o Brasil”, Tribuna
Universidade de Aveiro, 2003, pp. 155-164; Dina Bote- da Imprensa, Rio de Janeiro, 30/05/1957; “Maria Archer
lho, “Figuras da Cultura Portuguesa: Maria Archer”, Cen- quer morrer em Portugal”, Diário de Notícias, 27/04/1977,
tro Virtual Camões, Instituto Camões; Dina Maria dos San- p. 2; [Plenário da Assembleia da República], Diário de
tos Botelho, “Ela é apenas mulher”, Maria Archer: obra Notícias, 29/05/1979, p. 2; “Homenagem a Maria Archer”,
e autora, Dissertação de Mestrado em Estudos Anglo- Tempo Livre, maio, 2012, p. 14.
-Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Hu- [L. G.]
manas da Universidade Nova de Lisboa, 1994; Douglas
Mansur da Silva, A ética da Resistência: os exilados anti- Maria Emília Cardoso Antunes
-salazaristas do “Portugal Democrático” (1956-1974), Dis-
sertação de Mestrado, Campinas, Unicamp, 2000; Eli- Espírita. Em 1929, foi eleita para a Comissão Or-
sabeth Batista, Entre a Literatura e a Imprensa: percur- ganizadora de Festas de Beneficência e de Con-
sos de Maria Archer no Brasil, Tese de Doutoramento na fraternização da Federação Espírita Portuguesa,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da constituída por Julieta Bensaúde*, Maria da Ma-
Universidade de São Paulo, 2007; Inês Guerreiro, Maria
Archer, Visual gráfico: desenho, Lisboa, Biblioteca Na-
dre de Deus Leite Dinis*, Maria Teresa Miranda
cional, 1988; João Alves das Neves, “Maria Archer e o Sena*, Laura Tágide Tavares*, Leonor d’Eça*, Inês
Brasil”, Diário de Notícias, 20/05/1982; João Carreira Bom, Cardia*, Ângela Aureliana Coelho de Morais*,
“Reportagem: A segunda revolta de Maria Archer”, Ex- Maria Alice Morais Machado da Cruz*, coronel
presso, Revista, 30/01/1982, p. 27; João Gaspar Simões, José Augusto Faure da Rosa e Virgílio Saque.
“Crítica ao livro do mês: Há-de haver uma lei…”, Áto-
mo, 30/10/1949; Idem, “O sentido moralista da obra de Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, 1929,
Maria Archer”, Ler, maio, 1952, pp. 3 e 10; Idem, “Ma- p. 5.
ria Archer: “Bato às portas da vida”, Crítica III: Roman- [N. M.]
611 MAR

Maria Emília de Barros Lima de Azevedo do uma pequena cidade por vezes sacudida por po-
Rego Barreto lémicas e combates de vária ordem: posse e usu-
Católica interveniente e “Benfeitora Instituido- fruto de edifícios das extintas ordens religiosas,
ra” do Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas* formação de um partido católico, polémicas na
da cidade de Viana do Castelo, aqui nasceu no imprensa, combate ora ao “jesuitismo” ora ao “re-
dia 23 de setembro de 1835 e aí faleceu a 27 de publicanismo”, etc. A esses combates não ficou
abril de 1921. Era filha do primeiro matrimónio indiferente a viscondessa, como foi o caso da
de Maria Emília do Rego Barreto com seu primo transferência para Braga do arqueólogo, profes-
“Bento de Barros Lima de Azevedo de Araújo e sor liceal, polemista católico e professor de fi-
Gama, senhor da Casa vinculada dos Barros Lima losofia tomista padre Manuel José Martins Ca-
nesta cidade (hoje pertença da Acção Católica, pela (1842-1925). Foi a viscondessa da Torre das
na Rua da Bandeira)” [Sordo, 1979], “fidalgo da Donas quem, em 1895, encabeçou um grupo de
casa real, coronel graduado das milícias de Via- vianenses com o propósito de impedir a trans-
na” [Pinho Leal, 1882], e neta do “tenente-general ferência de Martins Capela para o seminário e
Luís do Rego Barreto, 1.o visconde de Geraz do liceu de Braga. Uma vez que as forças católicas
Lima” [Rocha, 2002, p. 80]. Casou no dia 25 de bracarenses estavam apostadas num revigora-
maio de 1863 com o seu primo Joaquim de Aze- mento dos estudos eclesiásticos com a institui-
vedo de Araújo e Gama (1833-1883) que foi 1.o ção de estudos tomistas, na sequência da encí-
visconde da Torre das Donas [Decreto de clica Aeterni Patris (1879) de Leão XIII, con-
08/08/1872], membro do Conselho de Sua Ma- gregaram-se e conseguiram a colocação oficial
jestade, bacharel em Direito, dirigente do Partido de Martins Capela no liceu de Braga e a abertura
Regenerador e governador civil do distrito de Via- da cadeira de filosofia tomista no seminário [Ca-
na do Castelo (1868-?). Não tiveram descen- pela, Diário, 1895-1896]. Viana também pretendia
dência. Maria Emília Barreto, viscondessa da Tor- constituir um núcleo de fervorosos adeptos da
re das Donas, formada pelos cânones da velha causa católica e monárquica, onde Martins Ca-
aristocracia rural, foi uma senhora de fortes con- pela já tinha dado provas desde 1888, ano da sua
vicções religiosas e uma benemérita destacada. colocação oficial no liceu de Viana. Como mu-
Na perspetiva de um apostolado social católico lher devota e benemérita, apoiou as mais diversas
de cariz caritativo, com outros elementos da As- iniciativas e instituições católicas. Pela literatura
sociação das Filhas de Maria [Pinho Leal, 1882], consultada, ficamos com a impressão de ter sido
destacou-se na fundação (1877) e beneficência uma das principais benfeitoras dos padres je-
do Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas* na suítas em Viana, doando-lhes, por exemplo, a
cidade de Viana do Castelo, designado Lar de Casa dos Quezados para sua residência [Sordo,
Santa Teresa a partir de 1970. Foi ela a princi- 1979], e que, por via disso e do seu “jesuitismo”,
pal promotora, dinamizadora e instituidora foi diretamente visada pela campanha republi-
desta obra de assistência, educação e ensino a cana contra a Companhia de Jesus no período fi-
meninas desprotegidas com idades compreen- nal da monarquia. No contexto de uma forte e
didas, segundo os primeiros estatutos (1877), en- superiormente dirigida campanha contra os Je-
tre os cinco e os doze anos. Utilizando os seus suítas, o jornal bissemanário vianense O Povo,
bens e a sua posição social, divulgou e acarinhou “órgão dos republicanos do distrito de Viana do
a ideia, promoveu os primeiros encontros, di- Castelo”, no seu número 111, de 29 de julho de
namizou a elaboração dos estatutos, agregou um 1909, no artigo “O Jesuitismo – Uma história dos
significativo número de sócios fundadores, Quezados”, atacou violentamente a viscondes-
captou elevados donativos e tomou as mais di- sa. Sentindo-se ofendida, esta moveu uma ação
versas iniciativas relativas à fundação desta ins- criminal contra o jornal por abuso de liberdade
tituição. Podemos afirmar que esta foi a sua prin- de imprensa, nas pessoas do autor do artigo, do
cipal obra. Após a morte do marido em 1883, e chefe de redação e do proprietário. O julgamento
sem filhos, assumiu o Asilo como a principal cau- do periódico republicano, no tribunal de Viana,
sa da sua vida. A viscondessa da Torre das Do- principiou no dia 21 de dezembro de 1909 e ter-
nas, senhora de enraizadas convicções monár- minou no dia imediato, tendo atraído todas as
quicas, destacou-se em ações e atitudes com- atenções dos círculos políticos, sociais e católicos
bativas face às emergentes forças positivistas e de Viana: “O tribunal esteve ontem repleto de
republicanas. Viana do Castelo, nessa época, era gente da mais graduada do nosso meio, sendo ne-
MAR 612

cessária a força armada [de Infantaria 3] para transitou o liceu [em 30/08/1911], antes na Casa
manter a ordem [...]” [A Aurora do Lima, dos Cunha Soto Maior” [Sordo, 1979].
22/12/1909]. Em período conturbado e exalta- Bib.: Albano Sordo, “Uma obra de Nasoni a dois passos
do da luta política nacional, estes conflitos lo- de Viana”, Cadernos Vianenses, edição do pelouro da
cais concentravam o interesse das forças políticas cultura da Câmara Municipal de Viana do Castelo, Tomo
nacionais a ponto de os seus principais dirigentes II, junho, 1979, pp. 117-122; Artur Coutinho, A Cidade
de Viana no Presente e no Passado (Da Bandeira à Abe-
se envolverem diretamente nestes diferendos. lheira), edição da paróquia de N. Sr.a de Fátima, Viana
Este foi um conflito típico entre nacionalistas e do Castelo, 1986, pp. 43-46; José Luís Branco, “Para a
republicanos. Deste modo, o Dr. Alberto Pinheiro História da Misericórdia e do Tribunal de Viana do Cas-
Torres (1874-1962), deputado pelo Partido Na- telo”, Estudos Regionais – Viana do Castelo (revista de
cionalista, polemista e jornalista católico, coad- cultura do Alto Minho), Centro de Estudos Regionais,
Viana do Castelo, n.o 16, dezembro, 1995, pp. 95-110;
juvado pelo Dr. João Augusto Vieira de Araújo, Manuel Inácio Fernandes da Rocha, O Lar de Santa Te-
foram os advogados de acusação. Refira-se, a pro- resa – 125 anos de Solidariedade e Amor (1877-2002),
pósito, que o Dr. Pinheiro Torres havia defendido Lar de Santa Teresa, Viana do Castelo, 2002; Manuel José
com sucesso o padre Lourenço de Matos no pro- Martins Capela, Diário [manuscrito], Arquivo da Revista
Brotéria, Lisboa, 24/05/1895, 27/05/1895, 29/05/1895,
cesso, terminado em 1 de junho de 1908, que en- 28/10/1901, 23/09/1909, 23/12/1909; Afonso Zúquete,
volveu o jornal nacionalista católico Portugal por Nobreza de Portugal e do Brasil, Editorial Enciclopédia
abuso de liberdade de imprensa, e onde se tinha Lda, Lisboa – Rio de Janeiro, Vol. III, 1961, pp. 443-444;
oposto ao Dr. Afonso Costa como advogado de Pinho Leal, “Viana do Castelo”, Portugal Antigo e Mo-
acusação. A defesa do periódico republicano O derno, Vol. 10, Livraria Editora de Matos Moreira & Car-
dosos, Lisboa, 1882; Porfírio Pereira da Silva, “A Casa
Povo esteve a cargo do Dr. António Macieira, de da ‘Quinta da Torre’ (Moreira de Geraz do Lima) e a vi-
Lisboa. Foram testemunhas de acusação o con- sita da Rainha D. Maria II a Viana”, Estudos Regionais
de de Bertiandos (Gonçalo Pereira da Silva de – Viana do Castelo (revista de cultura do Alto Minho),
Sousa Meneses, dirigente nacionalista, viador da Centro de Estudos Regionais, Viana do Castelo, n.o 16,
dezembro, 1995, pp. 111-122; Idem, “Casa e Quinta da
rainha Maria Pia e presidente da Câmara dos Pa- Ferreira”, Estudos Regionais – Viana do Castelo (revis-
res) e D. Miguel Vaz de Almada (político mi- ta de cultura do Alto Minho), Centro de Estudos Re-
guelista e nacionalista), que faltaram, e D. An- gionais, Viana do Castelo, n.o 19/20, dezembro 1998/99,
tão Vaz de Almada, visconde de Cortegaça, e Eu- pp. 77-100; Rodrigo Azevedo, “Liceu Gonçalo Velho –
Viana do Castelo”, Liceus de Portugal – Histórias, Ar-
génio Martins (inspetor de impostos e jornalis- quivos, Memórias, Edições Asa, Porto, 2003; “O Jesui-
ta). Foram testemunhas de defesa o Dr. Alfredo tismo – Uma história dos Quezados”, O Povo, Viana do
de Magalhães (destacado político republicano), Castelo, ano 2.o, n.o 111, 29/07/1909, p. 1; “No Tribunal”,
Manuel das Neves, Dr. Miguel Bombarda (notável Jornal de Viana, Viana do Castelo, ano 24.o, n.o 2629,
professor de Medicina e inflamado republicano), 21/12/1909, p. 2; “Julgamento de imprensa”, A Aurora
do Lima, Viana do Castelo, ano 55.o, n.o 8066, 22/12/1909,
Dr. Bernardino Machado (professor universitá- p. 2; “À última hora – Julgamento de imprensa”, A Au-
rio, par do reino, grão-mestre da Maçonaria e rora do Lima, Viana do Castelo, ano 55.o, n.o 8066,
presidente do diretório do Partido Republica- 22/12/1909, p. 3; “Julgamento”, Jornal de Viana, Viana
no), Manuel dos Santos (oficial do exército), Bel- do Castelo, ano 24.o, n.o 2630, 23/12/1909, pp. 2-3; “’O
Povo’ Condenado – A Liberdade perde o voto de três juí-
chior de Figueiredo (delegado do tesouro) e Ro- zes e ganha o apoio duma população – O nosso julga-
drigo de Abreu e Lima. “Foi proferida a sentença mento”, O Povo, Viana do Castelo, ano 2.o, n.o 152,
contra o jornal O Povo, condenando os autores 23/12/1909, pp. 1-4; “Julgamento de imprensa”, A Au-
em 60$000 réis de multa cada um e 50$000 réis rora do Lima, Viana do Castelo, ano 55.o, n.o 8067,
de indemnização para a Sr.a viscondessa da Tor- 24/12/1909, p. 2; “Julgamento do jornal ‘O Povo’ – Acór-
dão do tribunal colectivo”, A Aurora do Lima, Viana do
re das Donas, exceptuando o réu Sr. Oliveira Bas- Castelo, ano 55.o, n.o 8068, 29/12/1909, p. 3; “Asilo das
tos [suposto proprietário do jornal], que foi ab- Meninas Órfãs”, O Povo, Viana do Castelo, 17/11/1910,
solvido e cuja parte nas custas deve ser paga pela p. 2; “A casa dos Quezados”, O Povo, Viana do Castelo,
autora” [A Aurora do Lima, 22/12/1909]. Com 20/11/1910, p. 1; “Esclarecendo – O ‘Asilo das Meninas
Órfãs e Desamparadas’”, O Povo, Viana do Castelo,
a implantação da República em 1910, a viscon- 01/12/1910, p. 1; ‘Asilo das Meninas Órfãs e Desam-
dessa sofreu diversos ataques e foi alvo de di- paradas’ – O que por lá vai...”, O Povo, Viana do Caste-
versas ações. Devido à sua “simpatia pela Com- lo, 04/12/1910; “Asilo das Meninas Órfãs e Desampa-
panhia de Jesus, precisamente, à qual doara a an- radas”, O Povo, Viana do Castelo, 22/12/1910; “Necro-
logia”, A Aurora do Lima, Viana do Castelo, 29/04/1921,
tiga Casa dos Quezados, sua pertença, vexaram- p. 2; “Viscondessa da Torre das Donas”, A Aurora do
na, apedrejaram-lhe as janelas, ameaçaram-na. Lima, Viana do Castelo, 03/05/1921, p. 2.
Na posse do Estado, depois, essa casa, para ela [A. C. S.]
613 MAR

Maria Emília de Carvalho Gonçalves Mota e Pedro Cardia. Esta comissão era presidi-
“Firme e infatigável propagandista dos ideais re- da por Quintina do Carmo Sales e Silva*. Maria
publicanos”, segundo a afirmação de Maria Ve- Emília foi uma das mais entusiastas ativistas do
leda*, pertenceu à Liga Republicana das Mulheres Grupo das Sete e do Centro Espiritualista Luz e
Portuguesas, à Obra Maternal, à Maçonaria e ao Amor. Participou nas sessões espíritas, culturais,
Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Era recreativas e de propaganda levadas a cabo por
mãe de Acácia de Carvalho Gonçalves Resende, estas duas associações. A revista O Futuro* pu-
outra ativista do Conselho Nacional das Mulheres blicou alguns dos seus pensamentos expressos
Portuguesas. Entre 1915 e 1916, a convite de Ma- em reuniões de leitura, debate e reflexão ou em
ria Veleda, foi co-fundadora do Grupo das Sete sessões destinadas a invocar os espíritos dos guias
e do Grupo Espiritualista Luz e Amor. Deste gru- protetores do grupo e, também, um artigo inti-
po faziam parte também Emília Bähr Ferreira*, tulado “Eu sou de Deus e se sou de Deus, não me
Maria Augusta Setas*, Maria da Madre de Deus pertenço”. Algumas destas sessões decorreram
Leite Dinis de Almeida*, Maria Emília Marques* em sua casa, na Vivenda Branca da Rua Marques
e, provavelmente, Ernestina Burguete*. Em 26 de da Silva, 79, em Lisboa. Também colaborou em
fevereiro de 1921, assistiu à sessão espírita que O Espírita, revista mensal de estudos psíquicos,
assinalou o enlace matrimonial de Cândido metapsíquicos e de propaganda doutrinária,
Guerreiro Xavier da Franca, filho de Maria Ve- propriedade do Grupo Espírita Luz e Caridade,
leda, com Arminda da Costa Pinto da Silva*, so- fundada em 1920. Era mãe de cinco filhos, três
brinha de Maria Emília Marques. Quando, em 15 dos quais morreram no espaço de oito anos, o que
de abril de 1923, este grupo se constituiu no Cen- lhe causou grande sofrimento. Já muito doente,
tro Espiritualista Luz e Amor*, Maria Emília foi sentindo o fim aproximar-se e sabendo que a ami-
eleita secretária da direção. Fez parte da Comissão ga Maria Veleda atravessava momentos de dura
Organizadora do 1.o Congresso Espírita Português, provação, quis escrever-lhe uma carta em jeito de
realizado em Lisboa nos dias 14, 15, 16 e 17 de despedida. A caligrafia quase ilegível, a redação
maio de 1925, no qual secretariou a sessão de- incompleta e a tinta esborratada das lágrimas que
dicada à ciência. Em julho desse mesmo ano pe- não conteve mostram o espírito indomável de Ma-
diu a demissão do cargo de secretária da direção ria Emília, habituado a não ceder perante as di-
do centro mas, alguns meses depois, quando ficuldades. Morreu em 15 de dezembro de 1942.
Maria Veleda se demitiu da direção da revista Maria Veleda, num artigo que assinalou a parti-
A ASA*, Maria Emília Carvalho Gonçalves acei- da da amiga, afirmou que “a sua crença era tão
tou fazer parte de um corpo de redação alargado, ardente, tão imutável, que dela se desprendiam
constituído também por Maria da Madre de Deus centelhas deslumbrantes com que amparava e
Dinis, Maria O’Neill*, Dinah Santos Lima*, capitão fortalecia os que, desencantados da vida, se dei-
Augusto Flores, J. B. S., Júlio Costa e José Almeida xavam cair em meio de pedregoso caminho.
Abrantes. Este grupo manteve-se inativo duran- A solidariedade humana na sua expressão mais
te os três primeiros meses de 1926, publicando nobre, ocupava-lhe constantemente o cérebro e
apenas dois números, um em abril e outro em o coração, podendo dizer-se que até ao último
maio do mesmo ano. Em 1926, o Grupo Espiri- suspiro, Maria Emília seguiu sem desfaleci-
tualista Luz e Amor extinguiu-se para dar lugar mentos a estrada do Bem e os exemplos do Mes-
à Federação Espírita Portuguesa, passando os seus tre Divino” [Maria Veleda, Estudos Psíquicos,
constituintes a sócios fundadores desta associa- janeiro-fevereiro, 1943, p. 274].
ção, na qual Maria Emília continuou a dar o seu Da autora: “Eu sou de Deus e se sou de Deus, não me
contributo ao espiritismo. Em 1929, foi eleita para pertenço”, O Futuro, n.o 10, fevereiro-maio, 1923, p. 12;
a Comissão de Beneficência da Federação Espí- “O segredo das rosas”, O Espírita, n.o 5, maio, 1926, pp.
rita Portuguesa, ao lado de Elena de Melo Gon- 146-147.
Fontes: “Espólio particular de Maria Veleda”.
çalves Teixeira*, Maria O’Neill, Maria Margari- Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
da Santos*, Amélia Ferreira Grilo*, Ana Costa, Ali- Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
ce Jane Moura, Ana do Carmo Sales e Silva, Lau- Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Dissertação
ra Barbosa*, Cecília de Sousa, general Júlio Cé- de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa, Uni-
versidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no labirinto
sar Barata Feyo, Dr. José de Magalhães e Mene- espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva, n.o 15,
ses, coronel José Augusto Faure da Rosa, Vasco 2006, pp. 83-109; O Futuro, n.o 2, março, 1922, pp. 15-
Infante da Câmara, Francisco Alves, Francisco -16, n.o 9, novembro 1922-janeiro 1923, pp. 5-7, n.o 10,
MAR 614

fevereiro-maio, 1923, pp. 1-2, 12, n.o 11, junho, 1923, pp. quase ininterruptamente, até aos finais de 1948.
5-7, n.o 12, julho, 1923, p. 4, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30- Há que considerar na sua carreira profissional uma
31; A ASA, n.o 8, maio, 1925, p. 125, n.o 10, julho, 1925,
p. 175, n.o 11, agosto, 1925, p. 178, n.o 1, outubro, 1925, segunda fase, determinada pela criação da Mo-
p. 5; O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, 1929, cidade Portuguesa Feminina* (MPF), organização
p. 6, n.o 8, setembro-outubro, 1929, p. 5; Estudos Psí- estatal para o enquadramento ideológico das ra-
quicos, novembro-dezembro, 1940, p. 235, janeiro-fe- parigas no regime do Estado Novo, a qual não con-
vereiro, 1943, pp. 231-232, junho, 1945, pp. 244-245;
A Fraternidade, n.o 179, maio, 1979, pp. 129-133.
seguiu implementar-se além do meio escolar, ape-
[N. M.] sar da intenção, inicial, de atingir toda a juven-
tude portuguesa feminina, escolar ou não. Antes
Maria Emília de Sousa e Castro de se proceder à institucionalização dos dois pri-
Filha de Emília Carlota Borges de Sousa e de Fran- meiros centros da MPF, o Centro n.o 1, a funcio-
cisco Maria Fernandes de Castro, nasceu em 28 nar no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, e o
de fevereiro de 1907, na freguesia de S. Paulo, con- Centro n.o 2, integrado no Liceu D. Filipa de Len-
celho de Salvaterra de Magos, distrito de Santa- castre, ocorrida com a tomada de posse de cada
rém. Tendo permanecido solteira, morreu em 15 uma das diretoras dos referidos centros em 11
de maio de 1981, em Lisboa. Após a instrução pri- de novembro de 1938, Maria Emília de Sousa e
mária, fez os estudos no Liceu Maria Amália Vaz Castro foi nomeada subdelegada regional da
de Carvalho. Aí foi aluna de Domitila de Carva- MPF para o concelho de Lisboa, em 2 de fevereiro
lho, que além de ter sido a primeira mulher a fre- de 1938. Assim, foi ela que procedeu à abertura
quentar a Universidade de Coimbra, integrou o do “Livro de Posses da MPF” às diretoras dos
grupo das três primeiras mulheres deputadas du- centros n.o 1 e n.o 2 do concelho de Lisboa [ANTT,
rante a primeira legislatura da Assembleia Na- MPF, Livro n.o 167]. Maria Emília acumulou a le-
cional salazarista. Também foi sua docente Ma- cionação da disciplina de Matemática e/ou De-
ria Margarida da Silva* que se tornou, anos mais senho com o exercício de funções de chefia na
tarde, sua colega e reitora do liceu onde veio a le- MPF, não deixando de assumir interinamente, du-
cionar, o Liceu D. Filipa de Lencastre. Concluí- rante um certo período de tempo, funções de di-
do o Curso do Ensino Liceal, ingressou na Fa- retora do centro da MPF do referido liceu. Por
culdade de Ciências da Universidade de Lisboa, último, pode considerar-se uma terceira fase no
licenciando-se em Ciências Matemáticas com 20 seu exercício do magistério, marcada pela no-
valores. Feito o Exame de Estado da Escola Nor- meação para reitora do Liceu D. Filipa de Len-
mal Superior de Lisboa, começou a lecionar em castre, a partir de julho de 1966, decorrente da apo-
28 de agosto de 1930 [Diário do Governo, n.o 228, sentação da reitora Ana Joaquina Mendes da Sil-
2.a série, 1 de outubro de 1930] como professora va*, e que se vê, ainda, associada ao cumprimento
agregada no Liceu D. Filipa de Lencastre. Nesse das funções de delegada distrital adjunta da MPF,
mesmo ano, a partir de 1 de outubro, tornou-se em 3 de novembro de 1967, ascendendo ao car-
professora efetiva do 9.o grupo do quadro desse go de delegada distrital de Lisboa a partir de 1969
liceu, no qual se manteve até à data da aposen- até à data de extinção da referida organização,
tação, em 30 de junho de 1975. O seu exercício ocorrida na sequência da Revolução que pôs fim
profissional foi marcado, numa primeira fase, a ao regime do Estado Novo, em 25 de Abril de
par da lecionação, pelo desempenho de funções 1974. Extinto, também, o cargo de reitora, em 30
e cargos que se prendiam com a atividade docente. de setembro de 1974, passou a assumir a direção
Assim, foi nomeada para integrar os júris de ad- do liceu pela Circular da Direção da Adminis-
missão ao 1.o ano de estágio do 9.o grupo [Diário tração Escolar 34/74, de 1 de outubro de 1974. Esta
do Governo, n.o 38, 16 de fevereiro de 1932] e do mulher inteligente, de grandes convicções, com
Exame de Estado do Liceu Normal de Lisboa [Diá- uma enorme facilidade de relacionamento hu-
rio de Governo, 16 de junho de 1933], tal como mano e capacidades assertivas, conseguiu ao lon-
fez parte da comissão de professores agregados à go da sua vida docente congregar em torno dos
secção do Conselho Superior de Instrução Pública seus projetos um numeroso grupo de alunas, abar-
[Diário do Governo, n.o 154, 5 de julho de 1932], cando as várias gerações que passaram pelo Li-
e ainda foi nomeada professora secretária do li- ceu D. Filipa de Lencastre, desde a permanência
ceu no ano de 1933, cargo que acumulou durante na Lapa até à instalação definitiva no Bairro So-
vários anos, e diretora de classe do liceu, a par- cial do Arco do Cego, podendo dizer-se que esse
tir do ano letivo de 1932-1933, cargo que exerceu, processo só terminou com a sua exoneração de
615 MAR

funções em 1975. Não deixa de ser significativo, Capa Maria Emília de Sousa e Castro, n.o 589”.
para se compreender o seu papel formativo jun- [M. J. R.]
to das alunas liceais, que todas as que frequen-
taram o liceu, durante outros reitorados, a iden- Maria Emília Marques
tifiquem como uma professora muito próxima e Costureira de chapéus, dinâmica e empreende-
muito influente junto delas. Se entre o grupo de dora, com gosto pela inovação. Sem saber falar
alunas que frequentaram o liceu durante o rei- francês, deslocava-se periodicamente a Paris
torado de Maria Margarida Silva* não se encon- para se informar das tendências da moda. Tornou-
trou nenhuma que desconhecesse ser esta a rei- -se proprietária e industrial de relativo sucesso.
tora do liceu, houve algumas que reconheceram Convertida ao espiritismo, fundou com Maria Ve-
existir duas mulheres poderosas a dominar a vida leda* o Grupo das Sete, em 1916, que depois se
educativa da instituição. Se estas alunas conse- transformou no Centro Espiritualista Luz e
guem, contudo, identificar a professora Maria Emí- Amor*, do qual foi também dirigente até 1926,
lia de Castro com a atuação da MPF na vida liceal, exercendo as funções de tesoureira. Este grupo era
o mesmo não acontece com algumas das que fre- constituído por Maria Emília Marques, Emília
quentaram o liceu quando era reitora Ana Joaquina Bähr Ferreira*, Maria Augusta Setas*, Maria da Ma-
Silva*. Algumas das entrevistadas que frequen- dre de Deus Leite Dinis de Almeida*, Maria Emí-
taram o Liceu D. Filipa de Lencastre durante aque- lia de Carvalho Gonçalves* e, provavelmente, Er-
le reitorado associam o exercício do poder no li- nestina Burguete*. Em 1919, fez parte de uma co-
ceu à professora dirigente da MPF, Maria Emília missão do Grupo Espiritualista Luz e Amor, for-
de Castro. Apreciando favoravelmente ou nega- mada com o objetivo de angariar donativos para
tivamente a sua ação, identificam-na como sen- a fundação de um orfanato destinado a recolher
do a pessoa que delas se aproximava e promovia e educar crianças cujos pais tivessem morrido ví-
o relacionamento entre alunas e professoras para timas da influenza-pneumónica. Pertenciam
além das aulas. Se Ana Joaquina exerceu o seu car- também a esta comissão Margarida Azevedo e Mo-
go concebendo-o como estando a administrar uma rais de Castro Sarmento*, Maria Veleda, Adélia
instituição essencialmente instrutiva, Emília Araújo Sampaio e Ernestina Burguete. Em 1921,
Sousa e Castro focalizou o exercício do magisté- contribuiu monetariamente para as despesas de
rio como uma função essencialmente formativa, publicação da revista O Futuro*, periódico de pro-
na linha do ideal estadonovista – traçado pelo mi- paganda sociológica e de ciências psíquicas, di-
nistro Carneiro Pacheco ao transformar o Minis- rigido por Maria Veleda. Foi administradora de
tério da Instrução Pública em Ministério da A ASA*, órgão do Centro Espiritualista Luz e
Educação Nacional – que, no processo de esco- Amor, entre 1924 e 1926. Colaborou na organi-
larização, subordinou a vertente instrutiva à for- zação do 1.o Congresso Espírita Português, reali-
mativa. Fervorosa católica praticante e salazarista zado em Lisboa em maio de 1925, integrou a sub-
convicta, como a definiu uma das suas sobrinhas, comissão executiva e administrativa e secretariou
Maria Emília Sousa e Castro não pode deixar de a sessão dedicada à apresentação das teses su-
ser vista como a “mulher do regime” no Liceu D. bordinadas ao tema “União e Assistência”. Em se-
Filipa de Lencastre. Ela, que não foi esposa nem tembro, foi eleita para a comissão organizadora
mãe de família, estava disponível para oferecer das atividades culturais de confraternização do
todo o seu tempo à educação das raparigas que Centro Espiritualista Luz e Amor e contribuiu com
com ela se cruzavam. Educá-las para o cumpri- donativos para as despesas do Congresso Portu-
mento dos seus papéis de género, a constituição guês e a favor da representação portuguesa no Con-
de uma família no futuro, a célula vital do regi- gresso Internacional que se realizou nesse mês em
me e da vida em sociedade segundo a doutrina Paris. Era presença constante nas reuniões espí-
do Magistério Eclesial, ou então, no cumprimento ritas e nas sessões culturais, recreativas e de pro-
do celibato cristão, formá-las para servir as famílias paganda promovidas pelo centro.
dos outros, no campo da assistência, da saúde ou Fontes: Espólio de Maria Veleda.
da educação, julgamos ter sido o lema de vida des- Bib.: Natividade Monteiro, Maria Veleda (1871-1955) –
ta mulher que concebeu o exercício profissional Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
como um serviço ao Evangelho. Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Disser-
tação de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lis-
Mss.: Acervo documental do Liceu D. Filipa de Lencastre, boa, Universidade Aberta, 2004; Idem, “Maria Veleda no
“Caixa dos Processos Individuais de Professores, n.o 23: labirinto espiritualista, místico e esotérico”, Faces de Eva,
MAR 616

n.o 15, 2006, pp. 83-109; A ASA, n.o 1, janeiro, 1919, p. Maria Eugénia Lopes do Rosário Nunes da
17, n.o 12, dezembro, 1919, p. 196, n.o 5, fevereiro, 1925, Silva Horta
pp. 67, 74, n.o 8, maio, 1925, p. 125, n.o 10, julho, 1925,
p. 167, n.o 12, setembro, 1925, p. 180, n.o 1, outubro, 1925, Nasceu em Portimão a 30 de abril de 1923 e fa-
p. 5; O Futuro, n.o 2, março, 1921, pp. 10-16, n.o 3, abril, leceu em Lisboa, de cancro, a 16 de julho de 1978.
1921, p. 16, n.o 10, fevereiro-maio, 1923, p. 1, n.o 12, ju- O pai, José Gonçalves Nunes, um dos 11 irmãos
lho, 1923, p. 4, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31, n.o 40, de uma família de agricultores da serra de Mon-
dezembro, 1925, p. 48; Estudos Psíquicos, novembro- chique, foi guarda-livros da Fábrica de Conser-
-dezembro, 1940, p. 235; A Fraternidade, n.o 179, maio,
1979, pp. 129-133. vas Feu, em Portimão, tendo desempenhado vá-
[N. M.] rias tarefas, desde a de contabilista à de tradutor
de textos técnicos necessários às atividades da-
Maria Eugénia Bianchi quela empresa. Nos anos 30, trabalhou nos dia-
Primeira mestra da oficina de lavores femininos mantes em Angola para honrar um compromis-
da Escola Industrial Marquês de Pombal, em Lis- so com um tio que o ajudara no início da vida fa-
boa. Professora de lavores femininos do ensino miliar. Foi também agricultor e dedicou-se à api-
primário, Maria Eugénia Bianchi frequentou a cultura, sendo um dos pioneiros do associati-
Escola Industrial Marquês de Pombal, em Lis- vismo no Algarve. A mãe, Felisbela Augusta Lo-
boa, e foi distinguida, no final do ano letivo de pes do Rosário Nunes, oriunda de uma família
1885/86, com 23 anos de idade, com um prémio urbana do litoral algarvio, era uma mulher cul-
de 12$000 réis em “Princípios de desenho de fi- ta que escrevia, sob pseudónimo, para o Diário
gura”. Criada a oficina de lavores femininos na- de Notícias e para jornais locais, tanto poesia
quela escola, em 22 de outubro de 1886, a sua como prosa, para além de pensamentos que co-
inauguração ocorreu poucos dias depois, a 4 de locava nas paredes de sua casa. Entre os seus cor-
novembro, iniciando o seu funcionamento sob respondentes contavam-se alguns escritores da
a regência de Eugénia Bianchi. No dia 21 do mês época. Extremamente habilidosa de mãos, fazia
seguinte foi confirmada como mestra, com um flores de papel e fatos para as diferentes perso-
vencimento de 10$000 réis mensais. Foi a pri- nagens das procissões religiosas, como meio de
meira mulher a ser contratada como mestra de colaborar na economia familiar. Maria Eugénia
uma escola industrial. Terminado o contrato, em e o irmão José Filipe, engenheiro agrónomo, in-
30 de junho de 1887, foi substituída por Joaquina vestigador e formador, especialmente na área da
Aurélia Baptista Guerreiro*. apicultura, diretor do Centro de Zoologia do Ins-
tituto de Investigação Científica Tropical, her-
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi-
daram da mãe o sentido lúdico e cultural – a mãe
cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- tocava bandolim e quanto às duas irmãs, uma to-
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do cava piano e a outra harpa – e do pai o sentido
Sul, Livro de registo do pessoal de Inspecção e das res- do dever e o amor pela natureza. Estas caracte-
pectivas escolas (1884-1894). Fontes impressas: Fran- rísticas revelaram-se vivamente na sensibilida-
cisco da Fonseca Benevides, Relatório sobre as Escolas
Industriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do de, sentido estético e poético de Maria Eugénia
Sul, Lisboa, Imprensa Nacional, 1885; Idem, Relatório e, mais tarde, em alguns dos seus filhos. Estudou
sobre as Escolas Industriais e de Desenho Industrial da em Portimão até ao 2.o ano e frequentou o restante
Circunscrição do Sul, Lisboa, Imprensa Nacional, 1886; ensino secundário em Beja. Foi sempre consi-
Idem, Relatório sobre as Escolas Industriais e de Dese- derada uma aluna excecional. Um dos professores
nho Industrial da Circunscrição do Sul, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1887; Ministério das Obras Públicas, Comércio que mais a marcou, o Dr. Cardigos, do Liceu de
e Indústria, Direcção Geral do Comércio e Indústria, Re- Portimão – que lhe chamava “Sabiá” (o passari-
latórios sobre as Escolas Industriais e de Desenho In- nho sábio) – nunca deixou de acompanhar o seu
dustrial da Circunscrição do Sul. Anos lectivos de 1886- percurso, estimulando-a a seguir o curso de Me-
-1887 (segunda parte) e 1887-1888, Lisboa, Imprensa
Nacional, 1888.
dicina. Com o apoio da mãe, que sempre enten-
Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oito- deu que os dois filhos deveriam seguir estudos
centista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lis- superiores, inscreveu-se na Faculdade de Me-
boa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A For- dicina da Universidade de Lisboa e, em 14 de no-
mação profissional das mulheres no ensino industrial vembro de 1947, licenciou-se com a classifica-
público (1884-1910). Realidades e Representações,
Dissertação de Doutoramento, Lisboa, Universidade Aber- ção final de 15,3 valores, tendo obtido a nota de
ta, 2008. 19 valores na cadeira de Anatomia Patológica, sua
[T. P.] futura especialidade. Iniciou a carreira profis-
617 MAR

sional nos Hospitais Civis de Lisboa, trabalhou quem lhe pedia um ensinamento e uma ajuda.
no Serviço de Medicina do Hospital de Arroios, Conservava também por sistema todas as obser-
no Serviço de Anatomia Patológica do Hospital vações que estudava e tinham interesse, pondo-
de S. José e, em outubro de 1948, iniciou um es- as à disposição de outros colegas e de docentes.
tágio no Prossectorado de Anatomia Patológica Valorizava também muito a ligação com os clí-
do Hospital Escolar de Santa Marta. Manteve- nicos, fornecendo-lhes informações extrema-
-se como estagiária no mesmo prossectorado de mente pormenorizadas – de cujos doentes fazia
1948 a 1952, data em que ocupou o cargo de che- as análises – sempre que percebia que os podia
fe de serviço de Anatomia Patológica no mesmo ajudar a resolver os seus problemas”. Trabalhou
hospital. Ainda em 1952, ingressou no Hospital com a Comissão Instaladora do Hospital Distri-
de Santa Maria, no serviço de Anatomia Pato- tal de Beja na instalação e equipamento do res-
lógica, onde desempenha funções idênticas às rea- petivo Serviço de Anatomia Patológica. Foi
lizadas no Hospital de Santa Marta. Em dezem- membro das seguintes sociedades científicas: So-
bro de 1949, casou com Jorge da Silva Horta ciedade das Ciências Médicas de Lisboa, Socie-
(1907-1989), professor catedrático da Faculdade dade Portuguesa de Anatomia Patológica e So-
de Medicina de Lisboa (FML) e diretor do Insti- ciedade Portuguesa de Endocrinologia. Entre 1949
tuto de Anatomia Patológica, uma das grandes e 1977, executou perto de 2000 autópsias e mais
figuras da medicina portuguesa do seu tempo. de 12 000 exames ao vivo; participou em cerca
Com ele, nesta área científica, Maria Eugénia foi de 40 congressos e reuniões científicas, na maio-
discípula da Escola de W. Wohlwill, um dos ju- ria das quais apresentou comunicações. Desde fi-
deus alemães ilustres que se refugiaram em Por- nais da década de 40 e até finais dos anos 70, par-
tugal nos anos 40. Em abril de 1972, prestou pro- ticipou em várias reuniões da Sociedade de Ciên-
vas públicas de equiparação ao exame de saída cias Médicas de Lisboa, da Sociedade de Ana-
do Internato Complementar de Anatomia Pato- tomia Patológica e da Sociedade Anatómica
lógica, obtendo a classificação de Muito Bom. Para Portuguesa, entre outras reuniões de outras
além de realizar as funções inerentes à sua es- áreas científicas afins, em algumas das quais com
pecialidade e ao cargo que detinha, foi assistente comunicações. Participou também em congres-
da FML e colaborou na formação pós-graduada sos, colóquios, reuniões de sociedades científi-
de especialidades médicas e na formação de téc- cas, simpósios, seminários e mesas-redondas, so-
nicos de diagnóstico e terapêutica, tendo mesmo bre temas relacionados com as suas áreas de in-
organizado o Curso de Preparadores de Anato- teresse e de trabalho, nomeadamente Anatomia
mia Patológica. Consciente da impossibilidade Patológica e Endocrinologia, tanto em Lisboa
de se dedicar com a mesma profundidade a to- como fora do país, onde apresentou mais de 30
das as áreas da sua especialidade, decidiu, na úl- comunicações. Visitou vários serviços no es-
tima década de vida, concentrar-se na anatomia trangeiro, concretamente: Instituto de Anatomia
patológica da tiróide. Neste domínio, chegou a Patológica de Estrasburgo (Prof. Fruhling), 1953;
ser considerada a melhor anatomopatologista da Instituto de Anatomia Patológica da Faculdade
Península Ibérica, devendo salientar-se a im- de Medicina de Heidelberg (Prof. Randerath),
portância da colaboração clínica com o Prof. 1956; Instituto de Anatomia Patológica da Fa-
Eduardo Amaral. Sempre preocupada e interes- culdade de Medicina de Bona (Prof. Hamperl),
sada na formação dos médicos e de outros téc- 1956; Serviço de Anatomia Patológica do N.I.H.
nicos de saúde, continuou a participar no ensi- – Bethesda (Prof. Louis Thomas), 1966; Institu-
no médico, foi professora de Epidemiologia e de to de Patologia das Forças Armadas Americanas
Doenças Transmissíveis em escolas de enfer- (brig. med. Blumberg), 1966; Instituto de Ana-
magem, dando particular atenção à colaboração tomia Patológica da Universidade Complutense
destes profissionais com os médicos anatomo- (Prof. A. Bullon), Madrid, 1970. Publicou nu-
patologistas. Esta preocupação esteve sempre pre- merosos trabalhos de sua autoria e realizou es-
sente no seu dia a dia. Como lembrou o Prof. José tudos, inseridos em diversas revistas científicas,
Cortez-Pimentel, que sucedeu ao Prof. Jorge em colaboração com outros cientistas portugueses,
Horta na Cátedra de Anatomia Patológica, Maria entre os quais os professores Jorge Roza de Oli-
Eugénia Horta “era uma excelente companhei- veira, J. Eurico Lisboa, A. Mendes Ferreira, Ar-
ra de trabalho, com elevado espírito de camara- sénio Cordeiro e M. Cecília Monteiro, A. Galvão
dagem, um excelente contacto pessoal para Teles e Jorge da Silva Horta. Das comunicações
MAR 618

apresentadas salientam-se: “Pesquisa de células lonial. Apoiou, ao longo da vida, pessoas sem re-
neoplásicas em líquidos colhidos por punção”, cursos, tanto do ponto de vista médico como so-
Sociedade Anatómica Portuguesa, Lisboa, 1949; cial. Empenhou-se em ações de alfabetização de
“Aspectos morfológicos do carcinoma de pul- mulheres. Em Chão das Donas, concelho de Por-
mão” (em colaboração com J. da Silva Horta), Con- timão, lutou em conjunto com as mulheres para
gresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciên- que fosse conseguido o saneamento básico e a
cias, Lisboa, 1950; “Teratomas do pescoço” água canalizada, movimento da sociedade civil
(com J. Roza de Oliveira), Sociedade Anatómi- que ocorreu em todo o país no seguimento da Re-
ca Portuguesa, Porto, 1960; “Sarcomas sinoviais” volução de 25 de Abril. Retidão, coragem, rigor,
(com J. da Silva Horta e A. Galvão Lourenço), So- noção do dever e de dádiva, foram valores que
ciedade de Anatomia Patológica, Lisboa, 1965; marcaram a vida profissional de Maria Eugénia
“Um caso de sarcoma da próstata” (com A. Pin- Horta e de Jorge Horta e se transmitiram também
to de Carvalho), Sociedade Portuguesa de Uro- aos filhos e aos netos. O empenhamento que Ma-
logia, Coimbra, 1967; “Hipotireoidismo e tumores ria Eugénia sempre teve no trabalho, também o
da tireoide” (com E. Amaral), VI Reunião Luso- teve, sem dúvida, na vida familiar.
-Espanhola de Endocrinologia, Porto, 1970; “Sim- Da autora: “Como deve colaborar a enfermeira com o ana-
patoblastoma num recém-nascido”, I Reunião tomopatologista”, Gazeta Médica Portuguesa, 5:939,
Luso-Espanhola das Sociedades de Anatomia Pa- 1951; “Um caso de mioma do útero com especial aspec-
tológica, Salamanca, 1970; “Metaplasia pavi- to macroscópico”, Gazeta Médica Portuguesa, 5:604,
1952; “Pulmonaler Hochdruck mit Pulmonalartetien-
mentosa da tiroideia”, II Reunião Luso-Espanhola Nekrose” [colab. com E. Coelho e F. Pádua], Arztliche Fors-
de Anatomia Patológica, Lisboa, 1971; “A im- chung, 13:315, 1959; “Sarcomas sinoviais” [colab. com J.
portância do estudo anatomo-clínico das doen- da Silva Horta A. Galvão Lourenço], Gazeta Médica Por-
ças da tiroideia” (com E. Amaral), Sociedade das tuguesa, 17:637, 1964; “Um caso de introdução traumá-
Ciências Médicas de Lisboa, Lisboa, 1972; “Dis- tica intra-ocular de múltiplos cílios e desenvolvimento de
quisto perlado da íris” [colab. com J. Eurico Lisboa], Bo-
secção aórtica” (com Arsénio Cordeiro e Maria letim da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, p. 67,
Cecília Monteiro), Simpósio sobre Hipertensão 1965; “Um caso de luxação anterior do anel de Soem-
Arterial, Lisboa, 1973; “Tumores primitivos do mering” [colab. com J. Eurico Lisboa], Boletim da Socie-
ovário do tipo Krukenberg” (com M. C. Almei- dade Portuguesa de Oftalmologia, p. 83, 1965; “Um caso
de microangiopatia periférica”, Actas do I Congresso Na-
da Dias), Sociedade de Anatomia Patológica, Por- cional de Anatomia Patológica, 1968; “Quistos epiteliais
to, 1976; “Sindroma de Cushing provocado por intraoculares” [colab. com J. Eurico Lisboa], Actas do I Con-
um carcinoma basófilo da hipófise” (com A. Gal- gresso Luso-Espano-Brasileiro de Oftalmologia, p. 199, Por-
vão Teles e outros), XII Congresso Brasileiro de to, 1968; “Hipotireoidismo e tumores da tireoideia” [co-
Endocrinologia e Metabologia e II Congresso Bra- lab. com E. Amaral], Jornal do Médico, LXXVII, pp. 209-
-213, 1970; “Doença de inclusão citomegálica” [colab. com
sileiro de Diabetes, S. Salvador, Bahia, 1976. M. G. Campos de Andrada e outros], Revista Portuguesa
Quando casou com Jorge da Silva Horta, este era de Pediatria, 1, n.o 3, 1970; “Classificação anatomo-clínica
divorciado, pai de três filhas, Maria Teresa de das doenças da tiroideia. Ensaio de unificação”, Jornal do
Mascarenhas Horta, escritora e jornalista, Maria Médico, LXXV (1458), pp. 75-90, 1971; “A importância do
estudo Anatomo-clínico das doenças da tiroideia” [colab.
Isabel de Mascarenhas Horta Appleton, educa- com E. Amaral], Jornal da Sociedade das Ciências Médi-
dora de infância, e Maria Lucília de Mascarenhas cas de Lisboa, n.os 3-4, março-abril, 1972, pp. 358-375; “Dis-
Horta, professora de línguas e literaturas mo- secção aórtica” [colab. com A. Cordeiro e Maria Cecília
dernas, ficando as duas últimas a viver com o ca- Monteiro”, Hipertensão Arterial, edição da Merck Sharp
& Dhome, Lisboa, 1974; “Contribuição para o conhecimento
sal. Do casamento nasceram cinco filhos: Maria da Patogénese da Peliose Hepática” [colab. com J. da Sil-
do Rosário da Silva Horta, enfermeira de saúde va Horta], Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de
pública, Jorge da Silva Horta, engenheiro, Rui da Lisboa, n.o 1, pp. 9-27. 1975; “Estudo da Ploidia Celular
Silva Horta, coreógrafo, Miguel da Silva Horta, no prognóstico dos tumores da bexiga” [colab. com A. Pin-
artista plástico e animador cultural, e José da Sil- to de Carvalho, A. Tavares e M. Reis], Revista Portugue-
sa de Clínica e Terapeutica, Vol. 2, n.o 5, 1976.
va Horta, historiador e professor universitário. Fontes: Curriculum Vitae de Maria Eugénia Lopes do Ro-
Tendo pertencido ativamente à Juventude Uni- sário Nunes da Silva Horta, 10 f., Centro de Documen-
versitária Católica (JUC), Maria Eugénia foi sem- tação da Associação Portuguesa de Enfermeiros; e in-
pre profundamente humanista e preocupada com formações facultadas em dezembro de 2006 e feverei-
ro de 2007 por Maria do Rosário da Silva Horta, enfer-
uma maior justiça social. Esteve presente na his- meira de Saúde Pública; Miguel da Silva Horta, artista
tórica vigília da Capela do Rato, em Lisboa, em plástico e animador sociocultural; José da Silva Horta,
31 de dezembro de 1973, pelo fim da guerra co- historiador e professor universitário.
619 MAR

Bib.: Glória Maria Marreiros, Quem Foi Quem: 200 Al- 12 quadros de Sousa Bastos, música de Freitas
garvios do Século XX, Lisboa, Edições Colibri, 2000. Gazul. Contratada por Isménia Santos*, então em-
[M. V. F.]
presária teatral naquele país, agradou muito nos
dramas, com especial destaque para as perso-
Maria Eugénia Martins Correia nagens “Emilinha” de Os Velhos, em 4 atos, de
Ativista comunista durante a década de 30 do D. João da Câmara, “Rosa” de João José, em 4 atos,
século XX, foi companheira do dirigente Fran- de Joaquim Dicenta, tradução de João Soler, e
cisco Paula de Oliveira Júnior (29/10/1908- “Mãe do Amparo” em Cruz da Esmola, em 5 atos,
-1992), que conheceu em 1937, quando este re- de Eduardo Schwalbach. Regressou ao Teatro D.
gressou de Paris e se instalou na casa da Estra- Maria II, evidenciando-se na protagonista de En-
da das Amoreiras. Acompanhou-o, de seguida, velhecer, comédia dramática de Marcelino Mes-
nas casas clandestinas do Partido Comunista que quita (com reposição no Teatro do Príncipe
funcionaram na Rua Carlos Mardel e Rua da Be- Real em 1909). Quando o visconde de S. Luís de
neficência, n.o 180, 2.o, passando nesta última por Braga contratou a Companhia Rosas & Brazão para
mulher de Francisco Miguel Duarte (18/12/1907- o Teatro D. Amélia, Maria Falcão fez parte do
-21/05/1988), até ser presa em 12 de janeiro de novo elenco, que se estreou a 1 de outubro de
1938, na Avenida Sacadura Cabral, apenas dois 1898. Enquanto não se ultimaram os processos
dias depois da detenção daquele e de Pavel. Irmã comerciais entre a companhia e o visconde, fo-
de Alexandre Martins Correia, igualmente mi- ram-se representando reprises do repertório do
litante do PCP, licenciado em Filologia Germâ- Teatro D. Maria II e Maria Falcão substituiu as ce-
nica em 1937 com uma tese sobre As crianças nas em que entravam Delfina Cruz*, Laura Cruz*
na obra de Dickens e tradutor, entre 1940 e 1942, e Amélia da Silveira*, que tinham ficado naquele
de obras publicadas pela Editorial Inquérito. teatro. Ali representou os papéis de “Chica” em
Bib.: Francisco Miguel, Das Prisões à Liberdade [texto A Severa (1901), peça em 4 atos, e “Soror Inês”
organizado por Fernando Correia], Lisboa, Edições em Rosas de Todo o Ano (1907), ambas de Júlio
Avante!, 1986, pp. 41-45; José Pacheco Pereira, Álvaro
Cunhal – Uma Biografia Política, Vol. 1 – “Daniel”,
Dantas, e O Tio Milhões, comédia burguesa, em
O Jovem Revolucionário (1913-1941), Lisboa, Temas e 5 atos, de H. Houle, tradução de Acácio Antunes.
Debates, 1999, pp. 255 e 305. Foi para o Teatro do Príncipe Real, onde se des-
[J. E.] tacou na “Adélia” da peça em 3 atos O Azebre
(1909), de Henrique Lopes de Mendonça, e par-
Maria Falcão tiu, com a companhia daquele teatro, para o Bra-
Atriz. Nasceu em Lisboa, a 4 de novembro de sil, onde integrou a empresa do ator Jaime Cos-
1874 e faleceu em Nova Iguaçu, Brasil, em ta. Na inauguração do Teatro Casino do Rio de
1960. Começou a carreira artística no Teatro do Janeiro, representou a peça Sorte Grande no elen-
Príncipe Real, em Lisboa, em 1888, no papel de co da Empresa Bastos Tigre. Em solteira, o ator
“Delfim de França” em Maria Antonieta, drama Carlos Lima (f. 16/01/1896) era apaixonado por
em 5 atos de Giacometti, tradução de Ernesto Bies- ela. Casou (ou viveu) com um ponto de teatro de
ter (1829-1880). Em 1890, entrou para a Com- nome Caetano. Em 1912, era atriz principal do
panhia Rosas & Brazão, então no Teatro D. Ma- Teatro Municipal do Rio de Janeiro, de que Eduar-
ria II, onde se estreou no drama histórico D Afon- do Victorino era empresário, com quem veio a ca-
so VI, de D. João da Câmara. Partiu para o Rio de sar. Maria Falcão teve uma filha, Edite Falcão*,
Janeiro, onde chegou a 28 de maio de 1890, e ali que alguns afirmam ser do ator brasileiro Ve-
representou o papel de “Madalena” em Condessa nâncio, e que também seguiu a carreira artística.
Sara, drama extraído do romance de Georges Oh- Maria Falcão poucas vezes voltou a Portugal; fi-
net, por Guiomar Torrezão, com tal sucesso que cou no Brasil onde criou personagens de peças
foi disputada pelas companhias teatrais da cidade. de João do Rio (Paulo Barreto), Júlia Lopes de Al-
De volta a Lisboa e ao Teatro D. Maria II, entrou meida, Roberto Gomes, Coelho Neto, entre outros
em A Quermesse (1893), peça em 3 atos de Car- autores brasileiros. O seu sucesso permitiu-lhe
los de Moura Cabral, e protagonizou o drama Ve- ser contratada para os principais teatros e orga-
lho Tema (1895), de Marcelino Mesquita. Nesse nizar companhias que formaram jovens atrizes
ano, voltou ao Brasil com a Companhia Sousa brasileiras. Uma dessas companhias esteve no
Bastos e foi muito aplaudida nos papéis que re- Teatro Trianon, no Rio de Janeiro, onde levou à
presentou em Sal e Pimenta, revista em 3 atos e cena O Segredo, de Bernestin, A Bela Madame
MAR 620

Vargas, de João do Rio, José do Egipto, Avé Ma- e faleceu, a 15 de setembro de 1984, com 55 anos
ria e Soror Mariana. A última vez que representou de idade, após doença prolongada. Sobrinha de
foi naquele teatro, ao lado de Dulcina de Morais Tomás da Fonseca, prima de Branquinho da Fon-
(03/02/1911-28/08/1996). Outras peças do seu re- seca e irmã de José Augusto Paiva Tomás, mili-
pertório: Fantasias do Diabo, de António da Cos- tante comunista, esteve casada com Joaquim Au-
ta Couto Sá de Albergaria, A Encruzilhada, co- gusto da Cruz Carreira, também ativista comu-
média em 1 ato, de Manuel da Silva Gaio, Res- nista, e mãe de um filho, Alberto Augusto Tomás
surreição, extraída do livro de Tolstoi por Hen- Carreira, autor duma carta a Marcelo Caetano,
ri Bataille, versão de Melo Barreto, O Herói do quando tinha 15 anos, onde apelava à libertação
Dia, peça em 3 atos de Pierre Morgand e Clau- da progenitora. Depois de ter iniciado a atividade
de Roland, tradução de Alberto Braga, A Cruz da política no MUD Juvenil, ingressou na clandes-
Esmola, de Eduardo Schwalbach, Género Gordo, tinidade aos 23 anos, em 29 de julho de 1952, de-
A Castelã, peça em 4 atos de Alfred Cápus, tra- sempenhando importantes funções durante nove
dução de Acácio de Paiva, Madame Sans-Gêne, anos: entre 1952 e 1961 teve responsabilidades
peça em 1 ato, prólogo e 3 atos de Sardou, tra- no órgão Militante!, na logística do V Congres-
dução de Moura Cabral, Rosas de Todo o Ano, so, realizado em S. João do Estoril, em setembro
de Júlio Dantas, A Vertigem, de Charles Méré, tra- de 1957, onde leu a saudação em nome dos qua-
dução de Avelino de Almeida, e A Conspirado- dros técnicos que o tinham ajudado a ser possí-
ra, peça em 4 atos de Vasco de Mendonça Alves. vel, e controlou o sector intelectual do Porto. De-
Quando se retirou de cena, foi viver para Nova tida duas vezes quando estudante da Faculdade
Iguaçu (estado do Rio de Janeiro), onde faleceu de Letras de Lisboa, nomeadamente em 11 de no-
pobre e amparada pela filha que também se ti- vembro de 1950, “porque as minhas mãos leva-
nha retirado do teatro. ram flores para os mortos da guerra, flores que
queriam dizer Paz, porque a juventude portuguesa
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 381; se juntou nas ruas de Lisboa a clamar Paz!” [ex-
António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia Cos- trato de carta transcrita por São José Almeida no
ta Sanches, 1923, p. 63; Brício de Abreu, “Maria Falcão”, Público, 21/11/2004, p. 15, col. 4], voltou a ser
Esses Populares tão Desconhecidos, Rio de Janeiro, E. Ra- presa em 6 de fevereiro de 1961, quando era mem-
poso Carneiro, Editor, 1963, 1.a edição, pp. 89-94; Carlos bro suplente do Comité Central, tendo então so-
Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de um ac-
tor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publici- frido, por dois períodos consecutivos, a tortura
dade, 1950; Eduardo Victorino, Actores e Actrizes, Rio de de sono, de forma a revelar informações sobre o
Janeiro, Oficinas de Obras Gráficas da S. A. “A Noite”, local onde decorrera o V Congresso, além de cons-
1937, pp. 242-244; Grande Enciclopédia Portuguesa e Bra- tantes humilhações. Apesar de torturada, nunca
sileira, Vol. X, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo-
pédia, p. 858; J. M. Teixeira de Carvalho, Teatro e Artis-
prestou quaisquer declarações, incluindo onde
tas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1925; Luiz Fran- morava. Autora duma das treze cartas incluídas
cisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lis- no manifesto enviado clandestinamente da Pri-
boa, Prelo Editora, 1978, p. 285. são de Caxias, datado de maio de 1961, e dirigi-
[I. S. A.] do às “organizações femininas e democráticas do
mundo inteiro”, onde se fazia a denúncia das tor-
Maria Feliciana de Faria e Rebelo turas e das condições em que as mulheres anti-
Filha de Francisco Rebelo de Faria, nascida em fascistas estavam presas: “[...] 80 horas ininter-
Viseu, casada com José de Melo Pereira de Ná- ruptas sem dormir (tortura do sono), dias depois
poles. Recebeu de um tio, o bacharel António de seguidos de mais 94 horas, brutalmente insultada
Vasconcelos Pereira Coutinho, a administração por agentes e inspetores da PIDE, como Fer-
do vínculo chamado Capela da Senhora da Gra- nando Gouveia e Rosa Casaco, em aspetos sa-
ça, em Oliveira do Hospital, registado em 1863 grados da minha dignidade de mulher, cidadã,
no governo civil de Coimbra. esposa e mãe. Durante 20 dias incomunicável,
Bib. ANTT, Vínculos Abelho, Coimbra, Processo n.o 12. sem poder mudar de roupa, sem os mais ele-
[Ju. E.] mentares artigos de higiene, sem nem sequer po-
der ler um jornal diário apesar de já visado pela
Maria Fernanda de Paiva Tomás censura. Sem lápis, sem um bocado de papel. Na
Militante comunista, licenciada em Românicas, incomunicabilidade é isto: nada, nada que não
nasceu a 8 de novembro de 1928, em Mortágua, seja o contacto com carcereiros da PIDE. Estou
621 MAR

presa por amor do povo, porque não sou míope de História Contemporânea da FCSH da UNL e
e tenho coração e cérebro. [...] Não posso beijar o movimento cívico Não Apaguem a Memória.
o meu filho de cinco anos e a minha velha mãe Bib.: Alberto Vilaça, Resistências Culturais e Políticas nos
de 70. Gestos naturais de carinho têm de ser re- Primórdios do Salazarismo, Porto, Campo das Letras, 2003,
calcados, conversas íntimas estancadas, porque pp. 37-38 [nota 16]; Amílcar Sequeira, “Morreu Julieta Gan-
o parlatório, as redes e a distância nos separam dra – A sua casa era ponto de passagem dos que lutavam
da família e um guarda escuta-nos de perto e os- contra a guerra colonial”, 22/10/2007; Ana Barradas, As
Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela, 2004; Comissão Nacional
tensivamente. [...] Após nove anos de vida clan- de Socorro aos Presos Políticos, Presos Políticos – Do-
destina, também a minha saúde não é das me- cumentos 1970-1971, Porto, Afrontamento, 1972; José Pa-
lhores: sofro de aperto mitral e de avitaminose. checo Pereira, http://www.estudossobrecomunismo.we-
Com o regime prisional de constante sobressal- blog.com.pt; Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portu-
guesas na Resistência, Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 114-
to, de permanente tensão nervosa, pela repres- -115; São José Almeida, “Cartas – manifesto de mulheres
são que sobre nós pesa e que vem sendo con- na Prisão de Caxias” [c /fot.], Público, 20/11/2004, pp. 12
cretizada já com pesados castigos e pela mais que e 13, e 21/11/2004, pp. 14-15; Idem, “1917-2007 – Julie-
deficiente alimentação, está criado todo o am- ta Gandra – A transgressora, feminista e anticolonialis-
biente para que a minha saúde se agrave” [ibi- ta”, Público, 22/10/2007.
[J. E.]
dem]. Quando em setembro de 1969, no âmbito
da aplicação das medidas de segurança a que tam-
bém fora condenada, ao ser inquerida para se ava- Maria Filomena Rosada Conceição e Silva Ba-
liar da sua “perigosidade”, Fernanda de Paiva To- celar Leoni
más reafirmou “Que, mantendo indefectivelmente Casada, foi professora auxiliar de Francês, de
as suas ideias políticas e tencionando continuar Geografia e de Cronologia na Escola Normal Pri-
como militante oposicionista ao atual regime em mária de 1.a classe de Lisboa, desde 1884, e vo-
atividade legal de acordo com essas ideias, não gal da 1.a classe dessa escola. Maria Bacelar Leo-
fará qualquer discriminação nem em relação ao ni foi também professora de Alemão na Escola
partido comunista português nem a qualquer ou- D. Maria Pia e de História, Geografia e Cronologia
tra organização como forças de carácter demo- no curso de habilitação para o magistério, ten-
crático e oposicionista”. Em 1970, o filho menor do-se submetido a exames de todas as discipli-
intercedeu junto de Marcelo Caetano, Presi- nas que lecionava, e ainda de Português, Inglês
dente do Conselho de Ministros, recebendo dele e Literatura. Julgou-se, assim, habilitada para um
uma carta datada de 29 de outubro. Três sema- dos lugares de professora de 1.a classe de qual-
nas depois, a 19 de novembro de 1970, saía em quer uma daquelas disciplinas nos novos Liceus
liberdade condicional com a saúde “profunda- Secundários Femininos* que iriam ser fundados,
mente abalada” [Circular n.o 7 de 11/12/1970, da tendo-se candidatado no dia 12 de março de
CNSPP], tendo sido a presa política condenada 1890. Acabou por conseguir realizar os seus in-
a maior pena de prisão (oito anos e seis meses) tentos, uma vez que a Escola D. Maria Pia aca-
e aquela que mais tempo seguido esteve encar- baria por ser convertida em Instituto de Instru-
cerada (nove anos e nove meses). Aliás, duran- ção Secundária para o sexo feminino. Na reali-
te o cativeiro, deu aulas de História de Portugal dade, pelo menos no Anuário Comercial de 1898
e de Português às colegas de cela. Regressou a para 1899, essa escola já era referida como Ins-
Mortágua, onde era obrigada a apresentar-se no tituto Secundário, apesar de tal só ser oficial-
posto de polícia, voltou para Lisboa em 1972 e, mente reconhecido em 1906.
em 1975, partiu como cooperante para Angola, Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
onde trabalhou no Ministério da Educação, – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
acompanhando Julieta Gandra, convidada a par- Bib.: Caldeira Pires (coord.), Anuário Comercial ou
Anuário Oficial de Portugal Ilhas e Ultramar, da Indús-
ticipar na edificação do Serviço Nacional de Saú- tria, Magistratura e Administração para 1899, Lisboa,
de. Terá usado os pseudónimos “Ana”, “Maria” 1898, p. 665.
e “Marques”. Rose Nery Nobre de Melo insere a [A. C. O.]
“Biografia Prisional” no livro Mulheres Portu-
guesas na Resistência, e foi uma das 48 vítimas Maria Francisca Benedita [Princesa da Beira e
das prisões salazaristas a constar da Exposição do Brasil D.]
Aljube – A Voz das Vítimas, datada de 2011 e or- De nome completo Maria Francisca Benedita Ana
ganizada pela Fundação Mário Soares, Instituto Isabel Josefa Antónia Lourença Inácia Teresa Ger-
MAR 622

trudes Rita Joana Rosa, nasceu em Lisboa a 25 de gos da Rosa, autor de vários retratos da família
julho de 1746, no quadragésimo ano do reinado real, e o seu filho José da Rosa, pelo que foram
de D. João V. Foi batizada a 10 de agosto desse agraciados com mercês régias. Alguns dese-
ano pelo cardeal patriarca, D. Tomás de Almei- nhos da princesa foram gravados pelos gravadores
da, sendo padrinho o papa Bento XIV, repre- Joaquim Carneiro da Silva e o espanhol Salvador
sentado pelo Infante D. Pedro, seu tio. Morreu no Carmona. Da autoria de D. Maria Benedita co-
Paço da Ajuda a 18 de agosto de 1829, no período nhecem-se os quadros do Coração de Jesus e dos
conturbado que se seguiu ao regresso de D. Mi- Anjos Custódio e Rafael, existentes na Basílica
guel a Portugal, para assumir a regência na me- da Estrela. As filhas de D. José tiveram mestres
noridade de sua sobrinha D. Maria II. Está se- de picaria – o estribeiro-mor, D. Pedro de Me-
pultada em S. Vicente de Fora. D. Maria Bene- neses, marquês de Marialva, e o sargento-mor Car-
dita, o nome usado em família, foi a quarta filha los António Ferreira Monte, que lhes deram li-
de D. José I e de D. Mariana Vitória; era neta pa- ções de equitação. Em 21 de fevereiro de 1777,
terna de D. João V, já referido, e de D. Maria Ana estando D. José I já doente, casou com o sobrinho,
de Áustria, e neta materna do rei de Espanha, Fi- o príncipe da Beira, D. José, filho da sua irmã, a
lipe V, e da sua segunda esposa, Isabel Farnésio. princesa do Brasil, D. Maria. Por esse motivo, pas-
A infância decorreu entre o Paço da Ribeira, em sou a intitular-se princesa da Beira e, depois, por
Lisboa, e o “Sítio de Belém”, onde D. João V com- morte do pai, princesa do Brasil, título dos her-
prara umas casas ao Conde de Aveiras e de S. deiros presuntivos da coroa. Viúva desde 1788,
Lourenço, para uso da família real durante o ve- mostrou ensejo de perpetuar a memória do ma-
rão. Nessas “Reais Casas de Campo”, a vida da rido, mandando construir uma obra dedicada aos
corte decorria, descontraída, entre os passeios no militares, a quem o príncipe do Brasil dedicava
rio Tejo, onde também pescavam, e as caçadas na grande estima. Resolveu então que esse monu-
Tapada da Ajuda, residência permanente após o mento fosse um asilo. Dessa intenção deu co-
terremoto. As viagens rio Tejo acima levavam- nhecimento à rainha, sua irmã, D. Maria I, que,
-na até ao porto de Samora Correia, onde acos- para esse efeito, logo lhe ofereceu a quinta real
tava o iate real (um bergantim a remos) e daí che- da Luz, onde está hoje o Colégio Militar. Porém,
gavam ao Paço de Salvaterra, frequentemente usa- julgando o sítio acanhado, D. Maria Francisca sou-
do pelos pais, do início de cada ano até à Qua- be que, em Runa, junto a Mafra, os frades ber-
resma, finda a qual a família real regressava a Lis- nardos do Convento de Alcobaça possuíam
boa, para assistir ao Tríduo Pascal. Às caçadas e uma propriedade chamada Quinta de Alcobaça,
montarias em Salvaterra, em que, decerto, D. Ma- que era muito vasta. Por isso, comprou-a, a 11 de
ria Benedita colaborou, junto com a mãe e irmãs, agosto de 1790 e, mais tarde, acrescentou a este
associavam-se as representações de óperas ou co- património várias quintas próximas, bem como
médias portuguesas e danças várias, que tão bem a quinta de S. Miguel, em Enxara do Bispo, Ma-
sabia apreciar, já que o mestre de música das fi- fra, que ao todo lhe custaram 40 contos de réis.
lhas de D. José fora o conceituado compositor na- As obras iniciaram-se em 18 de junho de 1792,
politano David Perez – foi com a sua ópera Ales- dia em que se colocou a primeira pedra. Os tra-
sandro nell’Indie que se inaugurou a faustosa Casa balhos, dirigidos pelo arquiteto José Maria da Cos-
da Ópera ou Ópera do Tejo, no dia do aniversá- ta e Silva, contaram, logo no início, com 300 ope-
rio da rainha D. Mariana Vitória, em 31 de mar- rários. A resolução da princesa foi confirmada
ço de 1755, destruída, infelizmente, no grande durante a doença de D. Maria I, por decreto do
cataclismo, nove meses mais tarde. Mesmo com regente D. João, de 25 de julho de 1802, e por al-
80 anos, D. Maria Benedita gostava de tocar vará de 27 de julho do mesmo ano. Antes mes-
piano, cantar e recitar poesias. Também foi boa mo da família real partir para o Brasil, em 1807,
conhecedora das línguas modernas (francês e in- já grande parte do asilo estava acabado. Com a
glês), pois sabemos que no Paço houve dois mes- corte já do outro lado do Atlântico, D. Maria Be-
tres destas línguas – D. Luís Caetano de Lima e nedita continuou a promover as obras daquele asi-
o padre irlandês André O’Brien ou Byrne; para lo, mandando avultadas quantias em dinheiro às
além destas, a princesa falava corretamente o es- quais se juntaram os rendimentos da princesa, em
panhol e o italiano. Foi o rei D. José que fez en- Portugal. Aqueles trabalhos decorreram sob a vi-
trar o desenho e a pintura na educação das filhas, gilância do capitão-mor de Torres Vedras, Fran-
nomeando para seus mestres o pacense Domin- cisco Mendes Trigoso Pereira Homem de Maga-
623 MAR

lhães, continuando, com mais vigor ainda, o incumprimento do pagamento da dívida afe-
após o regresso da família real, em 1821. O edi- taram as receitas do asilo. Já com o governo do
fício compunha-se duma parte para habitação infante D. Miguel, a administração das rendas
da princesa, outra para os inválidos e emprega- passou para um conselho administrativo, sob a
dos e outra ainda que servia de quartel; feito em dependência do Ministério de Guerra, em cum-
mármore de Pêro Negro, com três pavimentos, primento da vontade da doadora.
possuía, ao tempo, um gabinete de leitura, uma Bib: António Caetano de Sousa, História Genealógica da
farmácia, aberta à comunidade vizinha, e uma Casa Real Portuguesa, Liv.VII, edição revista por M. Lo-
igreja, em estilo romano, à qual a princesa doou pes de Almeida e César Pegado, Coimbra, Atlântida Edi-
ricas alfaias de prata e paramentos com orna- tora, 1946-55; Elogio Histórico da Princeza D. Maria Fran-
mentos do mesmo metal. Toda a obra custou 600 cisca Benedita: escripto em fevereiro de 1834; Encyclo-
pedia Portuguesa Illustrada, Vol. VII, p. 91, e Vol. IX,
contos de réis. Do seu precioso espólio, conta- p. 572, dir. Maximiano Lemos, Porto, ed. Lemos & Ca.,
-se ainda uma custódia, de mais de um metro 1900-09; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal.
de altura, feita a partir dum desenho da auto- Dicionário Histórico, Corográfico, Biográfico, Bibliográfi-
ria da fundadora. O Asilo dos Inválidos Militares co, Heráldico, Numismático e Artístico, Vol. IV, pp. 836-
de Runa foi inaugurado em 25 de julho de 1827, -837, e Vol. VI, pp. 419-422, Lisboa, João Romano Torres
& Comp.a Editores, 1909; Grande Enciclopédia Portuguesa
no dia em que a princesa fazia 81 anos. A ceri- e Brasileira, Vol.XVI, Lisboa, Rio de Janeiro; José Perei-
mónia foi presidida por D. Maria Benedita que ra do Valle, Nas reais nupcias do Serenissimo Senhor D.
estava acompanhada pelo seu mordomo-mor, Jozé, Princepe da Beira, com a Serenissima Senhora In-
marquês de Lavradio; houve missa solene com fante D. Maria Francisca Benedicta, Lisboa, Oficina de
o coro da comunidade de S. Pedro de Alcânta- José António da Silva, 1777; Maria do Céu de Brito Vai-
rinho Borrêcho, D. Maria I – A Formação de uma Rai-
ra e com os músicos da Capela Real, que execu- nha [Dissertação de Mestrado], Lisboa, 1993 [texto po-
taram uma missa de autoria de Marcos Portugal; licopiado]; Memória das Comemorações do Bi-centenário
nela, foi pregador frei João de Santa Ana, do Con- da Princesa D. Maria Francisca Benedita e Catálogo da
vento de Mafra e pregador régio. A esta festa já Exposição Biblio-iconográfica da Biblioteca Municipal
de Torres Vedras, edição da Biblioteca Municipal de Tor-
assistiram os primeiros 16 militares inválidos res Vedras, 1947; Panegírico em louvor da Serenissima
que aí se recolheram – um primeiro-tenente de Princeza do Brasil e Senhora D. Maria Francisca Bene-
artilharia, três sargentos e doze cabos e praças – dicta pela sua fundação de hum hospital para militares
todos veteranos das guerras do Rossilhão, invalidos, na sua quinta do lugar de Runa, Termo de Tor-
Peninsular e de Montevideu. Após a missa e o res Vedras que tem a honra de consagrar com todo o res-
peito, por Roque Ferreira Lobo, official maior graduado
beija-mão, a princesa proferiu estas palavras: do secretariado do Senado da Câmara, e official da Bula
“estimo ter podido concluir o Asilo, que man- de Cruzada, natural daquele sítio, Lisboa, Regia Typografia
dei construir para descansardes dos vossos hon- Silviana, 1826.
rosos trabalhos; em recompensa só vos peço a [M. C. B. V. B.]
paz e o temor de Deus”. A própria fundadora ser-
viu os primeiros pratos da refeição que ofertou Maria Francisca Dantas Machado
àqueles militares, sendo os restantes servidos Militante de organizações feministas e dirigen-
pelo referido marquês de Lavradio e pelos cria- te da Cruzada das Mulheres Portuguesas* [Co-
dos da Casa Real. Em testamento, deixou quase missão de Enfermagem] na segunda década do
todos os seus bens de raiz e ações ao Asilo dos século XX. Nasceu no dia 18 de agosto de 1889,
Inválidos de Runa. A outra contemplada na he- em Vila do Conde, e faleceu em 1918. Era filha
rança foi a regente D. Isabel Maria*, sua sobri- de Bernardino Machado*, estadista e pedagogo
nha-neta. Em virtude deste legado, os rendi- da I República Portuguesa, e de Elzira Dantas Ma-
mentos do Asilo provinham da comenda de S. chado*, fundadora da Cruzada das Mulheres Por-
Tiago de Beduído, no bispado do Porto, que fora tuguesas e dirigente de organizações feministas,
concedido à fundadora por D. João VI, pelo De- na mesma época. O casal desenvolveu uma ação
creto de 23 de dezembro de 1825, publicado na notável em prol da educação e promoção social
Gazeta de Lisboa de 17 de fevereiro de 1826, das mulheres. A infância e a juventude de Ma-
bem como dos títulos de dívida pública, das ria Francisca Dantas Machado decorreram num
ações da Companhia das Vinhas do Alto Dou- ambiente familiar de tranquilidade e felicidade
ro e dos proventos das quintas de Runa, de En- coincidente com uma fecunda etapa do percur-
xara do Bispo e da Amora e seus anexos. Com so político-pedagógico do pai: Bernardino Ma-
a legislação liberal, a extinção das comendas e chado demitira-se do cargo de ministro das
MAR 624

Obras Públicas, Comércio e Indústria (1893), re- locações públicas como, por exemplo, na época
tirara-se para Coimbra e assumira a regência do em que este exerceu o cargo de ministro de Por-
curso de Antropologia, criado na Universidade tugal no Rio de Janeiro; organizava-lhe o traba-
por iniciativa própria. A família instalou-se em lho intelectual, poupando-lhe o incómodo de pro-
Santa Cruz e, posteriormente, em Celas, na curar livros e papéis; memorizava e repetia, tex-
Quinta dos Sardões, contando, à data, doze filhos tualmente, as frases que este a incumbira de fi-
(1903). Maria, uma das filhas mais velhas, be- xar para as aplicar, mais tarde, no contexto pre-
neficiou da maturidade afetiva dos pais e do ale- tendido; aconselhava e acompanhava a mãe, no
gre convívio dos irmãos mais novos, protegen- desempenho das tarefas domésticas, ocupando-
do-os e acarinhando-os como uma segunda -se dos irmãos mais novos e dos sobrinhos; pre-
mãe: “Os seus ondulados cabelos castanho-es- cetora e mestra irrecusável dos irmãos, o seu di-
curo, quasi negros como os seus doces olhos de tame, austero, tinha sempre por si, a consagrá-
longos cílios, pensativos, envolviam num nim- lo, a força do seu belo e nobre exemplo. Com ela
bo de leves reflexos auroriais as mimosas feições principiavam os estudos e nunca deixavam de a
do seu rosto virginal. Alta, esbelta e grácil, mais consultar e de aproveitar com as suas lições.
do que branca, alvorescente, o seu corpo franzi- E fazia escola, porque as irmãs todas a tomavam
no de adolescente continha uma alma adulta de por modelo e descansavam nela, dedicando-
todos os fortes dons morais. A mãezinha!... se, com mais afinco, aos seus estudos: “Maria pos-
Quando a branca Maria entrava, de leve, sem quá- suía, no mais alto grau, o condão dos espíritos,
si tocar com os pés no chão, a sua fina figura ala- abnegadamente infatigáveis, para quem o tempo
da erguia-se diante de mim, como uma visão de parecia não ter os mesmos limites, porque lhe che-
encanto, que se evolasse para o céu. E, era com gava para tudo […] Era a providência do lar”. No
os olhos embevecidos na doce luz do luar do seu âmbito da vida pública Maria Francisca desen-
rastro columbino que eu a via desaparecer” [Ber- volveu a sua atividade no contexto de três ins-
nardino Machado]. À semelhança das irmãs mais tituições sociais femininas: Liga Republicana das
velhas, recebeu a primeira educação no meio fa- Mulheres Portuguesas, Associação de Propaganda
miliar, orientação decisiva para as suas opções Feminista e Cruzada das Mulheres Portuguesas.
futuras. À educação associou-se a instrução: fre- Militou na Liga Republicana (1909) e na Asso-
quentou o Real Colégio Ursulino das Chagas, em ciação de Propaganda Feminista (1911), como só-
Coimbra, completando a instrução primária cia fundadora, acompanhando a mãe, Elzira Dan-
com o ensino doméstico da música (piano), lín- tas Machado, e as irmãs Rita* e Joaquina* (esta úl-
guas estrangeiras e trabalhos manuais. Preferia tima não integrou a segunda associação). Cola-
a música, “mas aprendia-a não tanto por amor da borou em projetos da Liga Republicana relacio-
arte, como por amor dos irmãos”, para entreter nados com a implementação das Escolas Móveis,
os pequenos, para acompanhar o canto da Jeró- nos locais onde se encontrassem sucursais da-
nima e o violino da Elzira e para todos eles dan- quela instituição, e na manutenção da Obra Ma-
çarem. A sua arte era mais transcendente. Pos- ternal (1909). Contribuiu, igualmente, em termos
suía “toda a memória do coração”. Se algum materiais (mobília para a sede da Liga) e finan-
membro da família quisesse certificar-se de uma ceiros, em diversas circunstâncias. Durante os
data, ia ter com ela. Era o calendário fiel de to- anos de 1916 e 1917, encontramo-la a trabalhar
das as comemorações. Educada no meio de na obra patriótica da Cruzada das Mulheres Por-
uma família da alta burguesia que aliava uma con- tuguesas, apoiando a mãe que, à data, assumira
ceção romântica da mulher às convicções repu- o cargo de presidente geral daquela agremiação
blicanas e feministas, Maria correspondeu, no seu e que se referia à filha como “uma das colabo-
perfil psicológico, a esse arquétipo da mulher anjo radoras apaixonadas pela sua obra”. Maria Fran-
do lar, devotada ao bem-estar da família, esque- cisca foi uma das sócias fundadoras e desempe-
cendo-se de si própria. Esse traço de carácter re- nhou o cargo de secretária da Comissão de En-
fletiu-se tanto no ambiente doméstico, como nas fermagem, secção à qual competia a criação de
funções públicas assumidas através das quais am- Cursos de Enfermagem, “tendentes a levantar o
pliou os dotes maternais. No domínio da vida fa- nível moral das profissionais” [Estatutos da
miliar, a sua intervenção destacava-se pelo Cruzada das Mulheres Portuguesas, 1916]. No de-
apoio permanente, junto dos pais e dos irmãos. sempenho da função, trabalhou no sentido de se
Acompanhou e secretariou o pai em diversas des- estabelecer uma escola modelar de enfermagem
625 MAR

em Portugal, nas diligências empregadas pela ses de 1918, com as vitórias e os avanços dos Ale-
mesma comissão com o objetivo de angariar do- mães, com o combate de 9 de abril. E com o ir-
nativos para o seu fundo privativo e na imple- mão, Bernardino, envolvido no conflito: “Nada
mentação do primeiro curso de Enfermagem de abalou e consumiu mais as forças de Maria do que
Guerra que, aliás, frequentou. Preparava-se, des- o espetáculo da apoteose cínica dos aventurei-
te modo, para seguir, no âmbito do Corpo Ex- ros sidonistas, em duro contraste com a derrota
pedicionário Português, em direção aos campos dos patriotas, abandonados, até, por paladinos da
de batalha, em França (abril de 1917). Não logrou luta mundial, aos quais Portugal se ligara, reso-
realizar as suas aspirações por motivos de saú- lutamente, desde os dias turvos e alarmantes do
de. Em dezembro de 1917, sobreveio a revolução seu arranque” [Bernardino Machado]. Tudo se
sidonista. Revolução de fome, revolução contra conjugou para aniquilar a sua força anímica.
a guerra, revolução das direitas, germanófila e ca- O esforço sobre-humano acabaria por se tornar fa-
tólica: “Revolução dos despeitos e dos ódios de tal, propiciando terreno fácil para a instalação da
tudo teve um pouco” [A. H. de Oliveira Marques]. gripe pneumónica que a vitimou: “A doença que
Bernardino Machado foi destituído do cargo de traiçoeiramente se ateara, como um fogo maldi-
Presidente da República e obrigado a deixar o to, de súbito explodiu, fulminou-lhe o peito, as-
país, precisamente no dia de aniversário da mu- fixiou-a”. Maria faleceu no dia 12 de outubro de
lher. Maria acompanhou o pai no seu primeiro 1918, em Hendaya. Depois do desaparecimento
exílio político, na saída, precipitada para Madrid, publicaram-se, em sua memória, os seguintes tes-
no infeliz Natal de 1917, em plena guerra. Ex- temunhos biográficos: “Maria”, assinado por seu
cedeu-se, no amor filial, no afã em minorar o des- irmão António Machado, em 25 de outubro de
gosto do pai: todos os textos publicados pelo es- 1918, documento que veio a lume, pela primei-
tadista, durante o exílio, passaram, em primei- ra vez, no jornal A Semeadora, editado pela Em-
ro lugar, pelas suas mãos: lia-os, decifrava-os no presa de Propaganda Feminista e Defesa dos Di-
rascunho e copiava-os, imediatamente, na sua reitos da Mulher; um artigo, publicado pela re-
bela caligrafia, seguindo para a imprensa. Quan- dação do mesmo periódico acompanhado pelo
tas vezes duas e três cópias: “Procedia não só di- retrato de Maria Francisca Dantas Machado, em
ligente e pressurosa, mas com a emoção religio- honroso uniforme de enfermeira, homenagean-
sa de ser a colaboradora do pai, de o ajudar e de do “o seu dedicado trabalho, esforço e inteli-
servir com ele a República” [Bernardino Ma- gência” consagrados à obra da Cruzada das Mu-
chado]. Era ela que mantinha, em permanência, lheres Portuguesas, bem como o entusiasmo com
a correspondência com a família, nomeada- que se oferecera para enfermeira de guerra [A Se-
mente com o irmão Bernardino Luís que prestava meadora, n.o 36, dezembro de 1918]; o comovente
serviço militar no Corpo Expedicionário Portu- testemunho de um pai, inconsolável de sauda-
guês, na Frente Ocidental, em França. Maria Fran- de – “não se morre só nas linhas de fogo da guer-
cisca adivinhava as preocupações do pai, pro- ra e nas conflagrações das lutas civis. Não se mor-
porcionando-lhe os poucos momentos agradáveis re só de miséria e de doença. Morre-se, também,
que o político republicano viveu no exílio: o con- de dor, de ansiedade, de agonia moral” [Bernar-
vívio com os pedagogos da Institución Libre de dino Machado, Maria].
Enseñanza, amigos de longa data, em Madrid, e Bib.: António Machado, Bernardino Machado – Memó-
entre os quais se contava Alice Pestana, escrito- rias, Figueirinhas, 1.a edição, 1945; Bernardino Macha-
ra e pedagoga com quem Maria se correspondia do, As creanças –Notas dum Pae, 2.a edição, Coimbra, Im-
prensa da Universidade, 1903; Idem, Maria, Tipografia Mi-
habitualmente; a receção acolhedora das famílias nerva, Famalicão, 1921; Elzira Machado Rosa, Bernardino
francesas de Raymond Poincaré, Presidente da Machado, Alice Pestana e a educação da mulher, nos fins
República (que lhe ofereceu um almoço no Eli- do século XIX, Lisboa, Comissão da Condição Feminina,
seu), de Stanislas Meunier, sábio das ciências na- 1989; Idem, “Bernardino Machado e a educação femini-
na”, Bernardino Machado: o Homem, o Cientista, o Po-
turais, do comissário militar, capitão Welch, ami- lítico e o Pedagogo [coord. Norberto Cunha], Câmara Mu-
go de Portugal, de João Chagas, no Hotel Magestic, nicipal, Vila Nova de Famalicão, 2001; Idem, A educa-
em Paris. Mas, sobretudo, sofreu com ele (e por ção feminina na obra pedagógica de Bernardino Machado
ele) o desencanto político, a angústia da guerra, – Propostas a Favor da Igualdade e da Emancipação das
a nostalgia da Pátria, as saudades da família. Em Mulheres, Câmara Municipal, Vila Nova de Famalicão,
1999; Idem, Catálogo da Mostra Nacional, Bernardino Ma-
Paris, sobressaltava-se com os terríveis transes do chado, 25 de abril a 14 de maio de 1995, Câmara Muni-
conflito, durante os primeiros e intermináveis me- cipal de Vila Nova de Famalicão; Idem, “Bernardino Ma-
MAR 626

chado”, Bernardino Machado, Catálogo da Exposição Per- de apelido Delesque; a mãe, filha de um inglês
manente – Museu Bernardino Machado [coord. Filipe Jor- da pequena nobreza de Kent e de uma espanhola
ge], Produção Editorial Argumentum, 2002; Idem, Ber-
nardino Machado – Fotobiografia, Presidentes de Portugal (País Basco); os irmãos mais velhos, Luís Filipe
– Fotobiografias, edição Museu da Presidência da Re- Lindley Cintra (1925-1991), que estudava letras,
pública. Lisboa, 2006. amante de violino, foi Professor Catedrático na
[E. D. M. R.] Universidade de Lisboa (Filologia); a irmã, Eli-
zabeth Lindley Cintra (n. 1926) estudava músi-
Maria Francisca Teresa ca e tirou o Curso Superior de Piano e o Curso
v. Laura Verediana de Castro e Almeida Superior de Composição no Conservatório de Lis-
Soares boa. Desde cedo, Graziela foi atraída pela mú-
sica, assistindo a concertos, fazendo parte de co-
Maria Frazão ros e beneficiando do contacto com os amigos
Atriz que se distinguiu nos papéis de “Jeróni- e colegas dos irmãos, pessoas que se notabili-
ma” em O Chico das Pegas, opereta portugue- zaram no meio da música e literatura. A sua for-
sa, em 3 atos, de Eduardo Schwalbach, música mação oficial foi recebida em Lisboa, Instrução
de Filipe Duarte (Apolo, 1912), e “Consuelo”, Primária e liceu, frequentando cursos de Inglês
em O Pobre de Valbuena, farsa lírica, em 1 ato no Instituto Britânico, tendo recebido o Diplo-
e 3 quadros, de Carlos Arronches e E. Garcia Al- ma de Proficiency in English da Universidade de
varez, tradução de Acácio Antunes, música de Cambridge. No Conservatório Nacional de Lis-
Valverde (filho) e Torregrosa (Apolo, 1912). En- boa tirou o Curso Superior de Piano. Professo-
trou na peça A Conspiradora, em 4 atos, de Vas- res e orientadores responsáveis pela sua formação
co Mendonça Alves, no Teatro do Ginásio musical e psicopedagógica: João Abreu Motta
(1913). Integrada na Empresa Ferraz Brandão, (orientador do Curso Superior de Piano no Con-
então no Teatro Apolo Terrasse, do Porto, fez par- servatório), com o qual deu os primeiros passos
te da revista No País do Vinho (1914) de André na área do ensino coletivo de piano; Olga Vio-
Brun, Ernesto Rodrigues e Leandro Navarro, mu- lante; S. M. Kastner; Arquimedes da Silva San-
sicada por Luís Filgueiras e Filipe Duarte, e, em tos; Jorge Croner de Vasconcelos; Maria de
1926, representou na peça Serenata de Verão, Lourdes Martins. Não se pode deixar de referir
no Teatro Maria Vitória. a importância que tiveram para o seu trabalho
Bib.: O Palco, Lisboa, n.o 1, 08/01/1912, p. 6; “Teatros as obras Antologia da Música Regional Portu-
– Foi neste dia...”, O Século, 08/01/1956, p. 6. guesa, de Fernando Lopes Graça e Michel Gia-
[I. S. A.] cometi, datada de 1960, e Arquitectura Popular
em Portugal, publicada pelo Sindicato Nacional
Maria Gonzalez dos Arquitetos em 1961, levando-a, com o ma-
Atriz e cantora, conhecida por “la Portuguesita”. rido, a percorrer e sentir muitos locais e pessoas
Nasceu em Elvas e foi muito cedo para Espanha, aí referenciados, as suas carências e as suas ri-
onde era uma das melhores cantoras de zarzuela quezas musicais. Atividade no campo profis-
do seu tempo. Em 1896, cantou no Teatro D. sional: Curso para Professores de Educação e Di-
Amélia, quando veio a Lisboa, de passagem para dática Musical Orff-Schulwerk – Fundação Ca-
Buenos Aires. Carlos Borges contratou-a por uma louste Gulbenkian; 1.o Curso de Psicopedagogia
temporada e Esculápio traduziu a Marcha de Cá- para Professores de Música. Centro de Investi-
diz para ela (1900). gação Pedagógica – CIP, Fundação Calouste
Gulbenkian. O suporte científico/cultural e o co-
Bib.: Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa,
Parceria António Maria Pereira, 1940, p. 258; O Ocidente, nhecimento da aplicação de métodos de ensino
n.o 617, 15/02/1896, p. 35 [c/retrato]. inovadores que defendia, levou-a ao estudo do
[I. S. A.] que já se fazia neste campo noutros países da Eu-
ropa e nos EUA. A experiência e dedicação pelo
Maria Graziela Lindley Cintra Gomes ensino sempre a conduziram para o inter-relacio-
Nasceu em Lisboa, a 1 abril de 1932. Casada com namento Arte/Educação/Re-Educação. O Centro
o arquiteto António Matos Gomes. Teve três filhos. de Investigação da Fundação Calouste Gulben-
Faleceu a 6 agosto de 2006. A sua juventude foi, kian, que na década de 1960 foi, para muitos, um
naturalmente, influenciada pelo meio familiar: viveiro de inovações e convivências, tinha
o pai, filho de um português e de uma francesa como diretor o Dr. Breda Simões. Foram iniciadas
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experiências pedagógicas em alunos com difi- de 1974. Esta revolução iria dar-lhe azo a múl-
culdades de aprendizagem escolar, principal- tiplas intervenções, em escolas oficiais e no ma-
mente disléxicos e psicomotores. Este centro teve gistério primário, corresponsabilizando-a pela
grande importância como suporte e aperfeiçoa- elaboração de programas da recém-criada dis-
mento das suas ideias. Estava em curso no Ser- ciplina de “Música-Movimento e Dança”. Ten-
viço de Música da FCG a introdução de novos do sido extinta a “experiência pedagógica” do
métodos de iniciação musical – Willhem e Conservatório Nacional, foi depois a nível su-
Orff. Graziela Cintra foi das primeiras a seguir perior que o ensino da dança no Instituto Poli-
o método Orff-Schulwerk, tendo sido convida- técnico de Lisboa – Escola Superior de Dança
da por aquele centro para colaborar na pesqui- abriu nesta escola pioneira, com uma via edu-
sa, de acordo com o projeto apresentado para cacional com características metodológicas e pe-
uma “Reeducação Expressivo-Musical”. Parti- dagógicas próprias. Foi convidada na perspeti-
cipou também com o CIP num curso de For- va das artes na educação, no caso, música e dan-
mação Pedagógica com várias disciplinas de ça. Aqui, foi também reconhecido o seu valor
Ciências da Educação, entre as quais a Psico- quer como docente, quer como dirigente. Nes-
pedagogia da Expressão Artística. Toda esta ex- ta escola teve ainda a seu cargo a representação
periência, desejo de inovação e valorização do ERASMUS e a responsabilidade inerente na re-
ensino, levou-a a integrar o CIP no programa que ceção de estudantes, proporcionando também a
visava abrir a expressão musical às áreas edu- ida de alunos da escola para outros países. Nes-
cacional e terapêutica. Neste campo, já com ex- te âmbito visitou, no estrangeiro, escolas com prá-
periência em reeducação expressivo-musical, ticas de ensino que deu a conhecer naturalmente
teve uma notável ação (pioneira no nosso país) aos alunos e colegas. Quando se pensava na cria-
no Centro de Paralisia Cerebral. Foi impulsio- ção entre nós de uma Associação Portuguesa de
nadora da ideia de formação de uma Associação Musicologia, foi promovido um Seminário Na-
Portuguesa de Musicoterapia. Sobre esta área, ela- cional na Fundação Calouste Gulbenkian, con-
borou o trabalho intitulado Musicoterapia – Ree- vidando a pioneira inglesa, professora Juliette Al-
ducação Expressiva – Portugal 1970-1980. As vin, e que sensibilizou não apenas músicos, mas
ações acima referidas exemplificam o quanto pu- educadores, professores, alguns médicos e de-
blicamente se empenhou pela expansão e cons- mais interessados nesta área nova em Portugal.
ciencialização de novas perspetivas pedagógicas Foi promotora e corresponsável desta iniciativa,
na Educação Musical, reeducação expressiva e resultado do conhecimento e contactos que já an-
de musicoterapia, quer no ensino normal, quer teriormente tinha estabelecido com Juliette Al-
no especial. Estas bases conduziram-na a fazer vin. Outras atividades no Campo Profissional:
parte, em 1975, da comissão que elaborou os no- entre 1960-1976, foi professora de Educação Mu-
vos programas do Ensino Básico e das Escolas sical, flauta de bisel e piano em conjunto nos
do Magistério Primário Infantil. Em 1988/89, co- Cursos de Educação Musical da Fundação Ca-
laborou, também, na elaboração do Programa de louste Gulbenkian para professores de música,
Educação Musical para os 2.o e 3.o Ciclos. O En- educadores de infância, professores de ensino
sino Artístico em Portugal (década de 1970): ao primário e crianças; 1966-72, foi professora de
longo deste período, algo de significativo se pro- flauta de bisel nas Escolas de Educadoras de In-
cessou. Após o “Colóquio sobre o Ensino Ar- fância de Maria Ulrich e Academia de Amado-
tístico em Portugal”, o ministro da Educação Vei- res de Música; lecionou no Conservatório Na-
ga Simão convidou a Dra. Madalena Perdigão* cional nas áreas de Educação Musical e Instru-
a presidir a uma Comissão para a Reforma do mentos (flauta de bisel) nas áreas do Ensino Ar-
Conservatório, na qual, entre outras iniciativas, tístico Particular – Ministério da Educação e In-
foi criada uma Escola Piloto para a Formação de vestigação Científica; 1971-74, professora de mú-
Professores de Educação pela Arte. No seu cor- sica e reeducação expressiva de crianças defi-
po docente foi integrada Graziela Cintra, com a cientes e com dificuldades de aprendizagem na
delicada missão de ministrar uma expressão mu- Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral; le-
sical a alunos de diversas áreas artísticas. Mais cionou música na Escola Superior de Teatro e Ci-
tarde, integraria uma comissão encarregada de nema entre 1995 e 2002. Funções desempe-
reestruturar a Escola Superior de Educação nhadas em diversos sectores nacionais e inter-
pela Arte, assim designada após o 25 de Abril nacionais: fez parte do grupo de fundadores da
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Associação Portuguesa de Educação Musical – finais dos alunos que, na ilha da Madeira, fre-
APEM; foi sua secretária de 1973 a 1992, ano em quentavam cursos especiais, analisando e apro-
que tomou posse como presidente da direção até fundando, com os respetivos professores, o re-
2002; também membro fundador e da direção do sultado da aplicação do método. Bolsas de es-
Conselho Português da Música, 1982-86; fez par- tudo e afins: Fundação Calouste Gulbenkian (Ser-
te da Direcção Internacional da Comissão de Mu- viço de Música e Centro de Investigação Peda-
sicoterapia e Educação Especial da Internatio- gógica), em Portugal e no Estrangeiro; Direcção-
nal Society of Music Education (ISME); 1984-96, -Geral dos Assuntos Culturais, MEIC; Direcção-
membro do Conselho Europeu da Música. En- -Geral do Património Cultural, MEIC; British
quanto presidente da direção da APEM, no âm- Council; Secção Francesa da Sociedade Inter-
bito dos Congressos do ISME, teve o interesse de nacional de Educação Musical (ISME); Funda-
dar a conhecer artistas portugueses, apesar das ção Fulbright – Salzburg Seminar; Dia Mundial
dificuldades económicas e burocráticas com que da Música; Brigham Young University; Institu-
se deparava: Miguel e Paula Azguime, na Fin- to Politécnico de Lisboa; Direcção-Geral das Re-
lândia; Pedro Burmester, em Oregon, EUA; lações Culturais Internacionais. Da homenagem
Coro do Conservatório Nacional, dirigido pela de despedida do cargo de diretora da APEM: “Em
professora Teresita Gutierrez Marques na Dina- todos os trabalhos em que se envolveu na dire-
marca, foram alguns dos convidados. Nos inú- ção da APEM, a professora Graziela esteve
meros congressos e conferências internacio- sempre à altura das suas tarefas, cabendo-lhe a
nais em que participou, apresentou, entre outras, responsabilidade de organizar e coordenar com
comunicações sobre o ensino musical no Ensi- dedicação e competência inúmeros cursos, se-
no Básico, Musicoterapia, Reeducação Expres- minários, conferências, congressos, concertos, in-
siva, Expressão Musical, Formação de Professores tercâmbios, edições de livros e partituras, numa
em exercício, a Educação pela Arte e pela Mú- panóplia de realizações, que muito têm contri-
sica, uma aproximação à Orff-Schulwerk… Cur- buído para o desenvolvimento da Educação Mu-
sos e Congressos a que assistiu e participou: I e sical em Portugal. Também a Revista de Edu-
II Cursos de Verão Orff-Schulwerk – Salzburgo, cação Musical, anteriormente designada Bole-
Áustria, 1961 e 1962; II e IV Cursos de Verão Orff- tim, mereceu sempre da sua parte a maior aten-
Schulwerk organizados pela Fundação Calous- ção, escrevendo artigos, solicitando colaborações,
te Gulbenkian em Lisboa, 1965 e 1971; Simpó- organizando cuidadosamente o noticiário, tra-
sio Internacional Orff-Schulwerk “Erbe und duzindo textos, preparando cada edição. Dedi-
Auftrag” – Salzburgo, 1990; XX Congresso In- cando-se inteiramente a esta nobre missão, os as-
ternacional ISME – Music Education: Sharing sociados da APEM estão gratos a Graziela Lin-
Music of the World, Seoul, Coreia do Sul, 1992, dley Cintra Gomes pelo enorme contributo que
tendo sido incumbida, pelos editores do IJME – tem dado à Associação Portuguesa de Educação
International Journal for Music Education, de es- Musical e reconhecem o generoso e importan-
crever um artigo, o que foi publicado no IJME te serviço que tem prestado à Educação Musical
n.o 20 – “Personal Reports from Members, View e ao desenvolvimento artístico no nosso país”
from the Portuguese Delegate”. Em representa- [Elisa Lessa, Revista de Educação Musical, n.o
ção do Conselho Português da Música, tomou 115]. Nesta revista estão presentes depoimentos
parte nos trabalhos da Conferência Europeia que de Arquimedes da Silva Santos, António Caldeira
teve lugar em Saanen/Gstaad, Suíça, em 1993, Cabral, Maria de Fraga, Maravillas Diaz e Ronald
organizada pela Fundação Internacional Me- Smith. O seu estado de saúde e emoção, no mo-
nuhin, para estudo de um projeto piloto de apli- mento da homenagem, não lhe permitiram di-
cação de música nas escolas: Música na Escola, zer algumas palavras que, em síntese, se referiam
Fonte de Equilíbrio e Tolerância. Participou ain- às pessoas que a marcaram na sua vida profis-
da no Simpósio de Investigação para a Didáti- sional, encaminhada para a paixão pela Educa-
ca Musical, promovido pela SIEM (Sociedade Ita- ção Musical: Abreu Mota, Olga Violante, Maria
liana de Educação Musical) – Bolonha, Itália, em de Lourdes Martins, Dr.a Madalena Perdigão,
colaboração com a APEM, de 25 a 28 de fevereiro Fundação Calouste Gulbenkian (Serviço de
de 2000. Com Jacqueline Verdeau-Paillés apro- Música), Dr. Breda Simões e professor Arqui-
fundou estudos sobre musicoterapia, tendo medes da Silva Santos. Numa última nota tinha
sido membro de júris de apreciação das provas apontadas as seguintes palavras: “Tudo o que fiz,
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tudo o que aprendi, procurei transmitir aos Maria Helena Alves Tavares Magro
outros para que se refletisse na sua formação e Militante clandestina do Partido Comunista
na sua ação. Não guardei nada!” Todo o espólio Português nas décadas de 40 e 50 do século XX.
artístico e científico reunido durante a sua vida Filha de Francisco Félix Tavares Magro (1896-
encontra-se na Biblioteca (com o seu nome) da 1946) – maçon, estudante de Medicina entre 1915
Associação Portuguesa de Educação Musical e 1935 e comerciante – e de Flora Carlota Alves
(APEM), em Lisboa. Magro*, irmã de João e José Alves Tavares Magro
Trabalhos publicados e comunicações: “Centro Calouste (1920-1960) e cunhada de Aida de Freitas Lou-
Gulbenkian de Paralisia Cerebral”, Boletim n.o 3, APEM, reiro Magro* (1918), nasceu em Lisboa, a 1 de ja-
junho, 1973; “Music as an aid to the education and the- neiro de 1923, e faleceu, precocemente, em de-
rapy of handicapped children”, British Journal of Music zembro de 1956. Frequentou o Liceu Filipa de
Therapy, Spring 1974; “I Congresso Internacional de Mu- Lencastre onde, segundo Vanda Gorjão, Alda No-
sicoterapia – Paris”, Boletim n.o 8, APEM, fevereiro, 1975;
“La Musique et les Enfants Infirmes Cérebraux”, Psychiatrie gueira se tornou sua amiga inseparável: “Morá-
Pratique n.o 1, 2, 3 – 1976, Suíça; “Música, Movimento e vamos no mesmo sítio, íamos e vínhamos juntas
Drama, um projecto experimental nas escolas do ensino nos transportes, conversávamos, encontráva-
primário em Portugal”, Revista Escola Democrática n.o 13, mo-nos a todas as horas, discutíamos vários pro-
setembro, 1976, e Boletim n.o 14, APEM, outubro, 1976;
L’Éducateur de Musique au Canada, Verão, 1977; Journal
blemas, que ela, por sua vez, também discutia
de la Conféderation Musicale de France, março, 1978; “Mu- com os irmãos. Depois eu passei a ir lá a casa. Fa-
sic Therapy – Expressive Reeducation – Portugal 1970-80”, zíamos lá reuniões para o Socorro Vermelho, dis-
International Music Education, ISME 1980/VII, Schott, ed. cutíamos a situação política, discutíamos a si-
6967; La revue de Musicothérapie, Vol. 4 – n.o 1, ISME, tuação das mulheres, a situação dos homens” [pa-
Mars 1984; “Formação musical do professor do ensino pri-
mário em exercício”, Boletim n.o 44, APEM, janeiro/mar- lavras de Alda Nogueira a Helena Neves, trans-
ço, 1985; “Education through the Arts – Pedagogical ex- critas por Vanda Gorjão, p. 88]. Quando estudante
periment in the National Conservatory at Lisbon: 1971- universitária da Faculdade de Direito de Lisboa,
-1984”, International Journal of Music Education, n.o 10, para onde entrou no ano letivo de 1940/41, par-
1987; “In Service Primary Teacher Training”, ISME Year- ticipou nas greves académicas de 1941, interveio
book 1987/XIV; “Music Therapy and Music in Special Edu-
cation: The International State of the Art I”, ISME edition na imprensa, proferiu palestras, participou em
Three, Proceedings of the 1987 World Leadership Con- cursos de cultura popular e em “diversas orga-
ference, Brigham Young University, Provo, Utah; “Les en- nizações de massas de Lisboa” [Avante!, n.o 271,
seignements artistiques dans les classes élémentaires au p. 4, col. 3], e ingressou, em 1943, no Partido Co-
Portugal”, Marsyas revue de pédagogie musicale et cho-
régraphique, n.o 10, Institut de pédagogie musicale et cho- munista Português. Em finais de 1945, quando
régraphique, Paris, 1989. frequentava o 4.o ano, “noiva” de um camarada
[A. M. G. e Filhos] e já ligada à luta política, foi incentivada pelo ir-
mão José, “no pequeno jardim defronte da Casa
Maria Hedwiges da Moeda”, a integrar os quadros clandestinos do
Atriz. Foi discípula de Francisco Frutuoso Dias, Partido, naquele que seria o último encontro en-
diretor da companhia do Teatro do Salitre, onde tre ambos [José Magro, p. 56]. Jamais voltou a ver
se estreou na peça Os Fugitivos das Prisões de Leão os familiares. Aluna desde sempre aplicada e com
(1838) e recebeu boas referências da crítica tea- altas classificações, deixou então o curso por con-
tral. Representou, depois, Os Estudantes Alemães cluir. Tornou-se companheira de Joaquim Pires
ou os Conspiradores (1838), e fez os papéis de “Pri- Jorge (1907-1984), de cuja união nasceu a filha
meira máscara” no drama em 5 atos Filipe Mau- Clara, soube da morte do pai quando, em julho
vert, de César Perini de Lucca, tradução de An- de 1946, durante o IV Congresso, o irmão co-
tónio Feliciano de Castilho, ao lado de Bárbara nheceu o cunhado e lhe enviou por seu inter-
Leal*, em ambas as peças, e de “Joaninha”, em médio um escrito informando-a da triste notícia.
O Remexido (1838), drama em 3 épocas, 4 qua- Viveu durante onze anos na clandestinidade, sem
dros e 1 prólogo. Em 1847, integrava o elenco do nunca ser presa, e escreveu, a partir de 1947, no
Teatro de S. João, no Porto, onde entrou em A Gra- jornal 3 Páginas e em A Voz das Camaradas das
ça de Deus, drama em 5 atos traduzido por Iná- Casas do Partido, com o pseudónimo Manuela,
cio Maria Feijó, música de António Ribas. enquanto que em O Militante assinava com o
Bib. O Desenjoativo Teatral, Lisboa, n.o 3, 13/06/1838;
nome de Clara. O último artigo, sobre “A Im-
“Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 23/03/1956, p. 7. portância da Cultura Geral”, data de novembro
[I. S. A.] de 1956. Foi ainda colaboradora do Avante! e as-
MAR 630

segurou, com Francisco Miguel, O Camponês lia Coutinho, no seu blogue As Causas da Júlia,
[Cristina Nogueira, p. 114]. Em dezembro, em vés- evocou-a no dia 1 de janeiro de 2009, data em que
peras de completar 34 anos, morreu no hospital completaria 86 anos de idade.
de complicações de parto do segundo filho, “de- Da autora: “A Importância da Cultura Geral”, A Voz das
vido a uma anemia mal tratada e às difíceis con- Camaradas das Casas do Partido, n.o 6, novembro, 1956.
dições da clandestinidade” [Idem, p. 57]. Mar- Bib.: Ana Margarida Carvalho, “Filhos da clandestini-
garida Tengarrinha, no livro Quadros da Memória, dade”, Visão, 23/04/1998, pp. 66-71; António Ventura,
A Maçonaria no Distrito de Portalegre (1903-1935), Ca-
evoca este desenlace, até porque Pires Jorge se en- leidoscópio, 2007, pp. 262-263; Cristina Nogueira, Vidas
contrava então em sua casa, e a importância que na Clandestinidade, Lisboa, Edições Avante!, 2011;
Helena Magro, que nunca conheceu, teve na adap- Flora Magro, “Durante 25 anos andei sempre a caminhar
tação à sua própria vida clandestina em conse- para as cadeias”, depoimento a Gina de Freitas, A For-
quência da troca de correspondência, sob pseu- ça Ignorada das Companheiras, Lisboa, Plátano Edito-
ra, 1975, pp. 51-55; João Madeira, os Engenheiros de Al-
dónimo, entre ambas e aos artigos que escrevia mas – O Partido Comunista e os Intelectuais (dos anos
para o 3 Páginas: “senti-me acompanhada por trinta a inícios de sessenta), Lisboa, Editorial Estampa,
uma amiga que entendia os meus problemas por- 1996; José Dias Coelho [gravura], A Voz das Camaradas
que vivia na mesma situação que eu e há muito das Casas do Partido, n.o 18, abril, 1961; José Magro, Car-
tas da Clandestinidade, Lisboa, Edições Avante!, 2007;
mais anos” e “nas cartas que ela me mandou Júlia Coutinho, “Lembrando Maria Helena Magro”, Blo-
transparecia uma tal convicção, uma firmeza gue As Causas da Júlia, 01/01/2009, http://ascausasda-
sóbria e sem alarde, que me impressionaram e julia.blogspot.pt/2009/01/lembrando-maria-helena-
obrigaram a refletir. Imaginei-a uma pessoa de gran- magro.html; Margarida Tengarrinha, Quadros da Me-
de serenidade. Mais tarde vim a saber que esse mória, Edições Avante!, 2004; Não Falar na Polícia De-
ver Revolucionário, Editorial Avante!, 1972; Vanda Gor-
era de facto um traço predominante do seu ca- jão, Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição feminina
rácter. E também que ela mantivera essa sereni- ao Estado Novo, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais,
dade em momentos de perigo e em tarefas de mui- 2002; “Dois filhos do povo que tombam na luta – Maria
ta responsabilidade, proporcionando condições Helena Magro e Hermenegildo Correia”, Avante!, Série
VI, n.o 271, 1.a quinzena de fevereiro de 1959, p. 4, cols.
de defesa a importantes reuniões da direção do 3-4; “Maria Helena Magro (Manuela)”, A Voz das Ca-
Partido” [p. 60]. Aquando da sua morte, José Dias maradas das Casas do Partido, n.o 18, abril, 1961.
Coelho escreveu, no jornal Avante!, palavras sen- [J. E.]
tidas: “Não te dizemos adeus, camarada! As tuas
mãos cerradas vão com as nossas mãos cerradas. Maria Helena de Carvalho Félix
A tua voz vai com as nossas vozes cantar mais Nasceu no Porto, a 10 de abril de 1920, e mor-
alto a liberdade do nosso povo e, sob a bandei- reu em Lisboa, a 17 de março de 1991. Fre-
ra do nosso Partido, os teus olhos hãode olhar quentou, durante dois anos, as aulas de Canto no
com os nossos olhos o Portugal feliz que não vi- Conservatório do Porto, mas muito jovem foi para
veste!” [p. 61]. No entanto, o mesmo jornal só da- a capital onde, em 1941, se estreou no Teatro da
ria informação explícita sobre a sua morte em fe- Trindade, na revista A Laranjinha, tendo de-
vereiro de 1959, sob o título “Dois filhos do povo sempenhado pequenos papéis no teatro de revista
que tombam na luta”. O seu retrato em gravura, e de opereta, de que se podem destacar Manda
da autoria de Dias Coelho, foi publicado no nú- Ventarolas (Maria Vitória, 1941), A Cova da Mou-
mero de abril de 1961 de A Voz das Camaradas ra (Avenida, 1943), O Zé do Telhado (Avenida,
das Casas do Partido. Com cerca de dois anos de 1944) e Alto lá com o Charuto (Variedades, 1945).
idade, Clara, um dos muitos “filhos da clandes- Afastada algum tempo dos palcos, residiu em Pa-
tinidade”, foi entregue à família da mãe e cria- ris, onde procurou ver tudo o que pôde de tea-
da pelo tio João Luís e pela avó Flora Magro que, tro para conseguir realizar “a sua maior ambição
durante 23 anos consecutivos, em condições ini- de ser uma grande atriz” [O Século Ilustrado,
magináveis, andou a caminho das cadeias polí- 28/01/1950]. De regresso, conseguiu ingressar, em
ticas para visitar o filho (José Magro), a nora (Aida 1949, na Companhia do Teatro Nacional D. Ma-
Magro) ou o genro (Pires Jorge), encarcerado ria II, dirigida por Amélia Rey Colaço e Robles
entre 1961 e 1971, a quem levava a filha nas Monteiro, onde vai permanecer onze anos con-
visitas de fim de semana ao Forte de Peniche: secutivos. A sua primeira peça foi Miss Mabel de
reataram-se laços com o pai, mantidos, duran- R. C. Sheriff, seguindo-se Ninho de Águias de Car-
te dez longos anos, através do parlatório pri- los Selvagem. Nos anos subsequentes fez parte
sional e de meio milhar de cartas recebidas. Jú- do elenco das seguintes peças: [temporada 1950-
631 MAR

-51] A Volta, de Gustavo de Matos Sequeira, quentou um curso no Instituto Literário da City
A Senhora das Brancas Mãos, de Alejandro de Londres durante dois anos e tornou-se especta-
Casona, A Comédia da Morte e da Vida, de Hen- dora assídua do teatro que então se fazia na ca-
rique Galvão, O Cardeal Primaz, de Herald Van pital britânica. De regresso a Portugal, fundou com
Leyden, Outono em Flor, de Júlio Dantas, As Me- Luzia Maria Martins*, em 1964, a Companhia do
ninas da Fonte da Bica, de Ramada Curto, O Le- Teatro-Estúdio de Lisboa (TEL), no Teatro Vasco
que de Lady Windermere, de Oscar Wilde, Ciclone, Santana, um espaço na Feira Popular até então
de Somerset Maugham, As Árvores morrem de utilizado como estúdio da Rádio Televisão Por-
Pé, de Alejandro Casona, Filomena Maturano, de tuguesa e onde procuraram sempre apresentar um
Eduardo de Filippo; [temporada 1951-52] Crime repertório de qualidade que abordasse os pro-
e Castigo, segundo Dostoiewsky, Romance, de blemas que afetam profundamente o Homem,
Edouard Sheldon, O Amor Precisa de Escola, de como o abandono, a solidão, a falta de comuni-
Jacinto Benavente, O Milagre do Oiro, de José Lú- cação entre as pessoas (apesar de se viver na era
cio, A Canção do Berço, de Martinez Mesquita, da “comunicação de massas”), mas também a vio-
Peraltas e Sécias, de Marcelino Mesquita, Trapo lência, as discriminações, o ódio. Por isso, am-
de Luxo, de Costa Ferreira; [temporada 1952-53] bas tiveram de enfrentar a censura até ao 25 de
O Caso do Dia, de Ramada Curto, Sete Gritos no Abril e, depois, a falta de diálogo e de apoio por
Mar, de Alejandro Casona, A Menina Tonta, de parte do Poder. Após graves dificuldades eco-
Lope de Vega, A Voz da Cidade, de Ramada Cur- nómicas e algumas interrupções, o TEL entrou
to, Castelos no Ar, de Jean Anouilh; [temporada numa lenta agonia até soçobrar em 1989 e fechar
1953-54] A Taça de Oiro, de Olavo d’Eça Leal, Ra- em definitivo, após a morte da atriz em 1991. Lu-
paziadas, de Victor Ruiz Iriarte, A História de Ca- zia Martins, mais tarde, recordando os primeiros
rochinha, de Eduardo Schwalbach, O Filho Pró- tempos da companhia, afirma que a sua inicia-
digo, de Isabel da Nóbrega, Prémio Nobel, de Fer- tiva foi olhada sempre com desconfiança pelos
nando Santos, Almeida Amaral e Leitão de Bar- censores, a que não seria alheio o facto de serem
ros; [temporada 1954-55] A Sobrinha do Marquês, duas mulheres que regressavam do estrangeiro
de Almeida Garrett, S. João Subiu ao Trono, de com ideias “novas” [Público, 23/04/1998], num
Carlos Amaro, Um Marido Ideal, de Oscar Wil- país em que, segundo os Estatutos do Sindicato
de, A Terceira Palavra, de Alejandro Casona, Tá- dos Artistas Teatrais, as mulheres casadas ne-
-Mar, de Alfredo Cortez; [temporada 1955-56] cessitavam de autorização dos maridos para se-
A Muralha, de Calvo Sotelo, Breve Sumário da rem admitidas como sócias [Estatutos do Sindi-
História de Deus, de Gil Vicente, Santa Joana, de cato Nacional dos Artistas Teatrais, art.o 10.o §
Bernard Shaw, Antígona, de Júlio Dantas; [tem- único]. Foi aí, e neste contexto, que Helena Fé-
porada 1956-57] Pleito de Família, de Diego Fa- lix, ao longo de 25 anos, desde 1964, “fez viver”
bri, Auto de Mofina Mendes, de Gil Vicente, Amor dezenas de personagens, pois pertenceu ao elen-
à Antiga, de Augusto de Castro, Castro, de An- co de todas as peças do repertório do TEL, ape-
tónio Ferreira; [temporada 1957-58] As Bruxas nas com duas exceções no ano de 1987. Em
de Salém, de Arthur Miller, Comediantes, de Guy 1964, Joana de Lorena, de Maxwell Anderson,
Bolton/Somerset Maugham; [temporada 1958-59] de que foi a protagonista; 1965, O Pomar das Ce-
O Processo de Jesus, de Diego Fabri, O Tio Sim- rejeiras, de Anton Tchecov, Ela, ele e os Com-
plício, de Almeida Garrett, Guerra Fria, de Fran- plexos, de Jean Bernard Luc, Mesas Separadas,
cisco Mata; [temporada 1959-60] Diálogos das de Terence Rattigan, Tomas More, de Robert Bolt;
Carmelitas, de Georges Bernanos, A Menina Jú- 1966, Pobre Bitô, de Jean Anouilh, O Anfitea-
lia, de August Strindberg, A Visita da Velha Se- tro, da triologia de peças, em 1 ato, de Prista
nhora, de Friedrich Durrenmatt, Maribel e a Es- Monteiro, A Rabeca, O Meio da Ponte e O Anfi-
tranha Família, de Miguel Mihura; [temporada teatro, apresentadas em semanas alternadas com
1960-61] Uma Mulher Extraordinária, de John Pa- a peça de Anouilh, A Família Sam, de Peter
trick, Entre Giestas, de Carlos Selvagem, Ponto Ustinov, Exercício para Cinco Dedos, de Peter
de Vista, de Varela Silva, D. Henrique de Portu- Shaffer; 1967, Bocage – Alma sem Mundo, de
gal, de João Osório de Castro. Em 1961, aban- Luzia Maria Martins, A Nossa Cidade, de Thorn-
donou a Companhia do Teatro Nacional e foi para ton Wilder; 1968, A Louca de Chaillot, de Jean
Londres, onde residiu durante dois anos, com o Giraudoux, em que foi a protagonista e a quem
objetivo de se aperfeiçoar profissionalmente. Fre- Carlos Porto se referiu, afirmando: “tem o melhor
MAR 632

papel que até hoje lhe vimos [...] criou uma per- Lisboa, para a participação da companhia nas fes-
sonagem que consagra um ator” [Em Busca do Tea- tas da cidade, tendo-se seguido um período de
tro Perdido, Lisboa, Plátano Editora, 1973, 2.o vo- digressão a várias localidades, sem qualquer apoio
lume, p. 95]. Foi distinguida pela crítica com o estatal. A companhia enfrentou, de novo, pro-
Prémio de Imprensa para a melhor atriz do ano. blemas económicos por falta de subsídio da SEC
Ainda em 1968, Noite de Verão, de Ted Willis; que, segundo já fora sublinhado por Helena Fé-
1969, Anatomia de uma História de Amor, de Lu- lix e Luzia Maria Martins, em entrevista conjunta
zia Maria Martins, As Mãos de Abraão Zacut, de ao Diário de Notícias de 24 de novembro de 1978,
Luís Sttau Monteiro; 1970, Vítor ou as Crianças atribuía esses subsídios segundo “um critério me-
no Poder, de Roger Vitrac, Quem é Esta Mulher?, ramente quantitativo, em que não pesaram fatores
de Marguerite Duras (distinguida, novamente, de ordem qualitativa”. O teatro esteve novamente
pela crítica com o Prémio de Imprensa), Lar, de fechado até 1981, quando foi, então, prometido
David Storey; 1971, A Cozinha, de Arnold Wes- um subsídio para três anos. Mais uma vez con-
ker, Um Sonho, de August Strindberg; 1972, fiantes, retomaram as atividades, tendo procedido
A Outra Morte de Inês, de Fernando Luso Soares, a obras, tornando mais amplo o espaço cénico,
Testemunho Inadmissível, de John Osborne; o que permitiu apresentar já num espaço reno-
1973, Os Amigos, de Arnold Wesker, Cândido, vado a primeira peça de 1981, O Homem que Se
de Voltaire; 1974, O Mar, de Edward Bond, Lis- Julgava Camões, de Luzia Maria Martins. No en-
boa 72-74, de Luzia Maria Martins, a primeira tanto, novas contrariedades surgiram: o subsídio
peça a ser representada pela companhia depois esperado foi alterado, passando a ser atribuído,
do 25 de Abril e que estivera proibida até então; uma vez mais, anualmente. Os projetos tiveram
1975, Trapos e Rendas, também de Luzia Maria de ser refeitos. 1982, A Classe Dominante, de Pe-
Martins, enquanto aguardam novos textos de dra- ter Barnes; 1983, Guerra e Paz, adaptação do en-
maturgos portugueses. Em 1976, como não apa- cenador alemão Erwin Piscator da obra de Leon
recem textos nacionais, “lança-se mão”, de Tolstoi, proibida em 1966, quando o TEL pre-
novo, das peças inglesas Preço da Vida, de Mi- tendeu levá-la à cena; Tudo Acabado, de Edward
chael O’Neil e Jerry Seabrook, e Fashen, de Da- Albee, deslocação da companhia ao Porto, inte-
vid Hare. Segue-se O Escritório, do checo Vacláv grado no FITEI (Festival Internacional de Teatro
Havel, proibida pela censura em 1968, quando de Expressão Ibérica); 1984, exposição come-
o TEL a quis apresentar. Durante o ano de 1977, morativa dos 20 anos do TEL e reposição, em ver-
o TEL suspendeu a atividade a 13 de fevereiro, são integral, de Quando a Banda Tocar, de Lu-
depois de quase 13 anos de atividade ininterrupta, zia Maria Martins; 1985, Jardim de Outono, de
aguardando o resultado das negociações com a Lillian Helman; 1986, Cesário Quê?, de Luzia Ma-
Secretaria de Estado da Cultura (SEC), pois ria Martins. Nesse ano, apresentou, com Luzia
apesar da companhia ter diminuído o montan- Maria Martins, um relatório à SEC, em que his-
te inicial da sua proposta de 4600 contos anuais toriam os contactos havidos entre o TEL e aque-
para 2800, apenas lhe tinham sido atribuídos 134 la Secretaria de Estado e manifestam o seu pro-
contos mensais, o que tornava impraticável testo pela situação em que se encontravam.
continuar, segundo informaram, num comuni- 1988, As Duas Cartas, de Júlio Diniz; 1989, Ha-
cado conjunto, Helena Félix e Luzia Martins, na beas Corpus, de Alan Bennnet. Helena Félix e Lu-
qualidade de diretoras do TEL e de que a revis- zia Martins anunciam que vão pôr fim à com-
ta Plateia de 1 de março de 1977 deu conta. En- panhia, pois durante os últimos cinco anos ti-
tretanto, no ano seguinte, as normas que regiam nham sido preteridas quanto a um subsídio re-
os pedidos de subsídios para os teatros inde- gular e de longo prazo que lhes permitisse pla-
pendentes mudaram e, por isso, confiantes, re- near e trabalhar em condições. Quando tudo fa-
solveram voltar a concorrer e recomeçar. Em 1978, ria prever que seria esse o desfecho, a SEC atri-
Tema e Variações, de Luzia Maria Martins sobre buiu um subsídio (8000 contos, segundo a im-
alguns dos textos considerados “mais polémicos” prensa) que lhes tornou ainda possível apresentar
de Raul Brandão, O Pecado do Saiote, de Ken- a peça Artistas e Admiradores, do fundador do
neth Ross, encenado por António Montez; 1979, teatro russo Alexander Ostrowski, no Teatro da
Marasmo, de Peter Gill, Quando a Banda Tocar Trindade (e não no Vasco Santana como todas as
(cenas da vida lisboeta), texto escrito por Luzia anteriores) e onde esteve em cartaz apenas du-
Maria Martins a pedido da Câmara Municipal de rante um mês, devido a outros compromissos as-
633 MAR

sumidos por aquela sala de espetáculos. Quan- 09/04/1988, p. 38; Comércio do Porto, 04/03/1988, p. 22;
do, no dia 6 de julho de 1989, terminou a últi- Diário (O), 27/06/1989, p. 17; Diário de Lisboa, 02/06/1978,
p. 11, 20/06/1978, p. 14, 27/10/1978, p. 15, 24/11/1978,
ma representação de Artistas e Admiradores no p. 10, 06/04/1979, p. 14, 14/07/1979, p. 10, 24/07/1979,
Teatro da Trindade, acabava, em definitivo, o TEL. p. 15, 19/12/1979, p. 27, 09/01/1982, p. 20, 21/04/1983,
Decorreriam menos de dois anos até à morte de p. 24, 09/05/1983, p. 19, 12/08/1983, p. 4, 02/09/1983,
Helena Félix, de quem Urbano Tavares Rodrigues p. 20, 27/08/1986, p. 10, 15/09/1986, p. 18, 23/01/1989,
disse: “Presença constante e admirável presen- p. 32; Diário de Notícias, 11/05/1978, p. 9, 27/05/1978,
p. 19, 24/10/1978, p. 9, 24/11/78, p. 10, 04/12/1978, p.
ça, a de Helena Félix, no drama ou na comédia, 18, 24/07/1981, p. 11, 01/08/1981, pp. 23 e 26, 05/10/1981,
trabalhando com rigor e com entusiasmo os seus p. 10, 29/04/1983, p. 11, 14/05/1983, p. 15, 19/05/1983,
papéis, patética ‘louca de Chaillot’, personagem p. 11, 13/08/1983, p. 13, 04/09/1983, p. 49, 15/12/1988,
à altura do teatro de Duras, capaz de desdobrar- p. 76, 20/12/1988, p. 12; Diário Popular, 11/05/1978, p.
25, 30/05/1978, p. 29, 25/10/1978, p. 27, 30/09/1981, p.
-se, de encarnar a beleza ou o vício, de se humi- 29, 11/12/1981, p. 37, 22/07/1982, p. 37, 31/12/1982, p.
lhar e engrandecer-se no milagre de duas horas 47, 28/04/1983, p. 35, 25/05/1983, p. 32, 19/09/1983, p.
que é o espetáculo de teatro” [Catálogo da Ex- 27, 13/01/1989, p. 32, 09/06/1989, p. 36; Europeu,
posição dos Vinte Anos do TEL, 1984]. Atuou, tam- 06/06/1989, p. 23; Êxito, 29/12/1988, p. 30; Expresso,
bém, na televisão em Lar (1980), A Louca de 13/02/88, Revista, p. 12; Flama, 02/11/1951, p. 18; Jor-
nal (O), 16/06/1978, p. 34, 21/06/1982, p. 29, 20/05/1983,
Chaillot (1982) e Entre Dois Mundos (1983), pe- pp. 40-41, 02/09/1983, p. 16; Jornal de Letras, 24/01/1989,
ças realizadas por Cecília Neto. Estreou-se no ci- p. 30, 14/02/1989, pp. 22-23; Jornal Novo, 29/05/1978,
nema, em 1947, no filme de Armando de Miranda p. 17; Novidades, 25/07/1950, p. 2; Plateia, 01/03/1977,
Aqui, Portugal, seguindo-se alguns mais de que p. 5; Público, 19/03/1991, p. 24, 23/04/1998, p. 30; Sá-
bado, 09/04/1983, p. 9, 23/07/1984, pp. 6-7; Século (O)
se destacam: em 1954, Quando o Mar Galgou a Ilustrado, 28/01/1950, p. 26; Sete, 09/09/81, p. 10,
Terra, de Henrique de Campos; em 1972, Os Toi- 11/05/1983, p. 7, 17/08/1983, p. 8, 31/08/1983, p. 7,
ros de Mary Foster, do mesmo realizador, e O Mal 14/07/1987, p. 8.
Amado, de Fernando Matos Silva; em 1980, O In- [O. G.]
cendiário, de Herlânder Peyroteo; em 1983, A Noi-
te e a Madrugada, de Artur Ramos. Maria Helena Magro
v. Maria Helena Alves Tavares Magro
Bib.: Carlos Porto, Em Busca do Teatro Perdido, 2 Vols.,
Lisboa, Plátano Editora, 1973; Carlos Porto, Salvato Te-
les de Menezes, 10 Anos de Teatro e Cinema em Portu- Maria Helena Martin Monteiro de Barros
gal, 1974-1984, Lisboa, Editorial Caminho, 1985; Carmen Spínola
Dolores, Retrato Inacabado, Lisboa, “O Jornal”, 1984; Ca- Filha do general João de Azevedo Monteiro de
tálogo da Exposição Comemorativa dos 20 Anos do TEL;
Deniz-Jacinto, “O Teatro, Instrumento de Educação e Cul-
Barros e de Gertrud Elisabete Martin Monteiro
tura,” Teses e Documentos, II Congresso Republicano de de Barros, nasceu em Lisboa, a 14 de junho de
Aveiro, Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1969, pp. 501-518; Es- 1913 e morreu, na mesma cidade, a 23 de maio
tatutos do Sindicato Nacional dos Artistas Teatrais, Lis- de 2002. Em 20 de agosto de 1932, casou com
boa, Tipografia Costa Sanches, 1938; Graça dos Santos, António de Spínola na Igreja dos Anjos, em Lis-
O Espectáculo Desvirtuado/O teatro português sob o rei-
nado de Salazar (1933-1968), Lisboa, Editorial Caminho, boa. A partir de então, acompanhou o marido nas
2004; Jorge Leitão Ramos, Dicionário do Cinema Portu- várias mudanças de residência motivadas pela
guês 1962-1988, Lisboa, Editorial Caminho, 1989, pp. 150- carreira militar e política, inclusive quando aque-
-152; Luiz Francisco Rebello, Breve História do Teatro Por- le partiu para o exílio na sequência da renúncia
tuguês, 5.a ed. revista e atualizada, Mem Martins, Pu- ao cargo de Presidente da República e do de-
blicações Europa-América, 2000; Idem, Combate por um
Teatro de Combate, Lisboa, Seara Nova, 1977; Idem, Di- senrolar dos acontecimentos após a Revolução
cionário do Teatro Português (dir.), Lisboa, Prelo, 1978, de 25 de Abril de 1974. Na década de 1950, teve
pp. 150-152; Idem, “Situação do Teatro em Portugal”, Te- uma intensa atividade na Cruz Vermelha Por-
ses e Documentos, II Congresso Republicano de Aveiro, tuguesa, chegando a pertencer à direção da Sec-
Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1969, pp. 445-450; Luiz Sil-
veira Botelho, A Mulher na Toponímia de Lisboa, Lisboa,
ção Auxiliar Feminina. Pela sua ação, foram-
Câmara Municipal de Lisboa, 1998, pp. 81-82; Mário Jac- -lhe concedidos os louvores de Benemerência,
ques e Silva Heitor, Os Actores na Toponímia de Lisboa, Mérito e Dedicação daquela instituição e foi agra-
Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2001, pp. 80-81; ciada com a Grã-Cruz da Ordem de Beneme-
Odette Gonçalves, “Uma mulher de convicções”, Histó- rência, em 1968.
ria, junho, 2007, p. 48; Capital (A), 28/11/1978, p. 20,
05/03/1979, p. 18, 07/11/1979, p. 23, 23/07/1981, p. 33, Bib.: Cristina Pacheco, “As Primeiras Damas na Repú-
16/07/1982, p. 32, 04/05/1983, p. 32, 08/07/1983, p. 20, blica Portuguesa”, A República e os seus Presidentes, Câ-
20/08/1983, p. 33, 05/02/1988, p. 30, 09/02/1988, p. 34, mara Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu Repúbli-
MAR 634

ca e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e Elsa tores e escultores (Viana da Mota, António Car-
Santos Alípio (coord), As Primeiras-Damas da República neyro, Teixeira de Pascoaes, Guerra Junqueiro, An-
Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da Repúbli-
ca, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio de tónio Arroio, Teixeira Lopes). O ambiente fami-
Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Presi- liar, cultural e musicalmente tão rico em que cres-
dência da República, 2005, pp. 34-73; Manuela Goucha ceu foi precioso para que pudesse vivenciar as pri-
Soares, “As Primeiras-Damas. Democracia”, As Primei- meiras experiências musicais e desenvolver,
ras-Damas. Presidentes de Portugal. Fotobiografia, Lis- desde a infância e de forma harmoniosa, os seus
boa, Museu da Presidência da República, 2006, pp. 65-
-121; Maria Inácia Rezola, António de Spínola, Lisboa, excecionais dotes musicais. Recebeu as primei-
Círculo de Leitores, 2002. ras lições da mãe que lhe ensinou não só a ler mú-
[E. S. A. / S. M.] sica, mas também os fundamentos da técnica pia-
nística. Apresentou-se em público desde os seis
Maria Helena Moreira de Sá e Costa anos, em audições de alunos dos seus pais. Aos
Pianista e pedagoga, nasceu no Porto, a 26 de maio 12 anos, deu o primeiro recital no Salão Nobre do
de 1913, e faleceu, na mesma cidade, a 8 de ja- Centro Comercial do Porto. Foi pouco depois que
neiro de 2006. Pertencia a uma família de emi- começou a ter, alternadamente, lições com o pai
nentes músicos. Seu avô materno, Bernardo Va- e com Viana da Mota, passando a apresentar-se
lentim Moreira de Sá (1853-1924) foi violinista, frequentes vezes em público, em recitais no
pedagogo, chefe de orquestra, diretor de coros, es- Teatro de S. João, serões musicais e festas de ca-
critor, conferencista, organizador e impulsiona- ridade. Nos anos 1930, depois das lições recebi-
dor de importantes iniciativas que abriram novos das do pai, participou em vários cursos em Lis-
horizontes à cultura musical portuguesa. Foi fun- boa, orientados por Lopes Graça, Cronner de Vas-
dador da Sociedade de Concertos e da Socieda- concelos e Armando José Fernandes. Frequentou,
de de Música de Câmara que dariam origem ao também, como ouvinte, as aulas de Luís de
Orpheon Portuense, criado em 1881, constituin- Freitas Branco, que tinham muitas vezes lugar no
do a sociedade musical mais antiga em toda a Pe- Salão de Elisa de Sousa Pedroso – impulsionadora
nínsula. Criou também o quarteto de cordas com incansável da cultura musical lisboeta. Helena
o seu nome, do qual fazia parte a violoncelista por- Costa foi assídua dos serões musicais em casa des-
tuense Guilhermina Suggia*, e ainda um trio com ta mulher extraordinária, onde acorriam muitos
o violoncelista Pablo Casals e o pianista Harold artistas e intelectuais portugueses e estrangeiros.
Bauer. Como divulgador e incentivador da mú- Aos 18 anos, criou, juntamente com a irmã Ma-
sica de câmara, solística e orquestral, foi pionei- dalena, o duo de violoncelo e piano, cuja estreia
ro na cidade do Porto, numa ocasião em que Lis- se realizou em maio de 1931, num concerto que
boa vivia ainda muito influenciada pela ópera ita- teve lugar no Porto (Teatro Gil Vicente, do Palá-
liana. Fundou também, em 1917, o Conservató- cio de Cristal). A atividade artística deste duo foi
rio de Música do Porto, um ano antes da criação intensíssima, dando concertos por todo o país, in-
do Conservatório Nacional de Lisboa. Luiz Cos- cluindo ilhas e Angola, e no estrangeiro – Espa-
ta (1879-1960), pai de Helena Costa, foi um exí- nha, Alemanha, Suíça e Bélgica. Em 1932, com
mio pianista, pedagogo e compositor tendo sido 19 anos, fez a sua estreia no Teatro de S. Carlos,
um dos mais talentosos discípulos de Bernardo tocando um concerto de Mendelssohn com a Or-
Moreira de Sá. Estudou também na Alemanha questra da Academia dos Amadores de Música,
com Busoni e Viana da Mota. Leonilda Moreira sob a direção de Pedro Blanc. Embora a formação
de Sá (1882-1963), filha de Bernardo Moreira de e atividade artística tenham começado bem cedo,
Sá e mãe de Helena Costa, foi uma talentosa pia- viria a completar os estudos académicos no
nista, discípula de Viana da Mota e Rey Colaço, Conservatório Nacional de Lisboa, como aluna ex-
tendo realizado vários concertos com Pablo Ca- terna, entre 1933 e 1935. Neste ano, concluiu o
sals e Guilhermina Suggia em Portugal, Espanha Curso Superior de Piano na classe do Mestre Via-
e Inglaterra. A violoncelista Madalena Moreira de na da Mota, obtendo a máxima classificação. An-
Sá e Costa (n. 1915) é sua irmã. Foi a mais bri- tes, porém, de concluir os estudos no Conserva-
lhante discípula de Guilhermina Suggia e conti- tório, recebeu uma bolsa da Junta de Educação Na-
nuadora da escola desta famosa violoncelista. He- cional para estudar no estrangeiro. Paris foi a ci-
lena Costa começou, desde os dois anos e meio, dade eleita. Passou a estudar sob a orientação de
a sentir-se atraída pelo piano. A casa dos pais era Paul Loyonnet e Alfred Cortot, dos quais obteve
frequentemente visitada por músicos, poetas, pin- as mais elogiosas referências. Estes dois pianis-
635 MAR

tas marcaram-na profundamente. Loyonnet era Guerra Mundial veio interromper todo este tra-
considerado como o grande intérprete de Beet- balho. Entretanto, o Orpheon Portuense atribuiu
hoven em França e Cortot, segundo a própria He- a Helena Costa e à irmã o Prémio Moreira de Sá,
lena Costa, “era o apaixonante Mestre romântico, em memória do avô. No mesmo ano, realizou um
intelectual, autor de obras didáticas e biógrafo, so- concerto no S. Luís, integrado na série Evolução
bretudo um artista do piano, um poeta do piano, da Música de Piano, promovido pela Emissora Na-
já que seria quase desprimoroso chamar pianis- cional e organizado por Viana da Mota. Foi nes-
ta a um ser tão complexo e tão rico, tão vasta era ta série de concertos que executou, juntamente
a sua musicalidade e a sua cultura” [Memórias, com os pais, o Concerto para três pianos, de Bach,
p. 47]. Durante os anos de 1933 e 1934, teve a opor- com a Orquestra Sinfónica Nacional. Ainda no
tunidade de conhecer grandes artistas e grandes mesmo ano, a 29 de julho, a morte prematura do
obras da literatura musical. Foi o caso do famo- irmão Luís foi um duro golpe para a pianista.
so festival comemorativo do 1.o centenário do A sua atividade concertística foi interrompida. He-
nascimento de Brahms, em 1933, organizado em lena Costa mergulhou então no estudo e profun-
Viena e no qual Helena Costa e familiares pude- da análise do Cravo Bem Temperado, de Bach –
ram assistir a inúmeros concertos, onde atuaram a única obra que, segundo as suas palavras, lhe
Pablo Casals, Schnabel, Hindemith, Hubermann proporcionou algum consolo à dor daquela per-
e Furtwängler, com os quais viria a colaborar. Em da. Em outubro do mesmo ano, foi convidada pelo
1936, ela e a irmã partiram para a Alemanha a fim Dr. Ivo Cruz, diretor do Conservatório Nacional,
de prosseguirem o seu aperfeiçoamento, fre- para ocupar o lugar do Mestre Viana da Mota que,
quentando ambas os cursos de Música de Câmara, entretanto, se aposentara. Nele permaneceu du-
orientados por Paul Grummer, em Potsdam. Co- rante seis anos, tendo tido a oportunidade de co-
meçou também a receber lições do famoso pia- laborar com grandes músicos refugiados da guer-
nista, pedagogo e chefe de orquestra Edwin Fis- ra e que foram também convidados a lecionar no
cher, cujos ensinamentos iriam marcar toda a sua mesmo conservatório, nomeadamente o violinista
carreira. Ao referir-se a este grande intérprete de Philip Newmann, com o qual formou um duo, o
Bach, afirma nas suas Memórias: “Fischer sacu- violoncelista Paul Grummer e a cantora Ans Bier-
dia o público e passava uma esponja sobre o ou- man, com os quais realizou vários concertos, em
tro Bach académico, de rotina, tão vulgar e banal Lisboa e no Porto. Em relação à sua atividade pe-
de execuções sem chama” [p. 51]. Para Helena dagógica em Lisboa, teve como discípulas Grazy
Costa, o génio de Bach estava muito para além do Barbosa, Dinora Leitão, Mercedes Carbonel, Lí-
seu tempo, lutando por outros meios de expres- gia Ebo, Margarida Magalhães de Sousa, atingindo
são. A admiração e gratidão pelos ensinamentos todas um alto nível artístico. A partir do início dos
transmitidos por Fischer levaram-na a escrever, anos 1940, e sem nunca interromper a atividade
em 1960, um interessante artigo na Gazeta Mu- de concertista, começou uma nova etapa na sua
sical e de Todas as Artes (da Academia dos Ama- carreira artística. Passou a apresentar-se regular-
dores de Música) sobre as formas de ensino do mente em público com um repertório muito rico
Mestre nos famosos Cursos de Lucerna, na Suí- e diversificado, colaborando com artistas nacio-
ça. Enquanto permaneceram na Alemanha, as nais e estrangeiros, nomeadamente o cantor
duas irmãs receberam vários convites do diretor Martial Singher, as cantoras Tony Rosado e Blan-
da Kurzwellensen – Rádio de Berlim, para atua- ca Maria Seoane, o violoncelista Maurice Maré-
rem nesta estação. O ano de 1937 foi decisivo na chal, os pianistas Vasarhélyi, Maria Cristina Pi-
sua carreira pianística. Em abril, recebeu o Pré- mentel, Marie Levêque de Freitas Branco, os vio-
mio Beethoven, atribuído pelo Conservatório Na- linistas Arthur Grumiaux e Giovanni Bagarotti.
cional de Lisboa. Seguiram-se então numerosos Recebeu, entretanto, o Prémio Viana da Mota ins-
recitais e concertos, respetivamente com as Or- tituído pela Emissora Nacional e destinado a ga-
questras Filarmónica de Lisboa e da Emissora Na- lardoar, anualmente, um pianista português me-
cional. 1938, foi também um ano particularmente diante provas públicas. O ano de 1945 foi parti-
intenso. Realizou várias tournées ao estrangeiro, cularmente intenso, com atuações constantes em
sob a direção de Edwin Fischer, atuando como so- Espanha, muitas das quais com a irmã, em con-
lista em Paris, Bruxelas, Bona e Colónia. Em 1939, certos realizados por associações de cultura mu-
as duas irmãs ainda puderam seguir os cursos de sical em Madrid, Barcelona, Vitória, San Sebas-
Fischer, em Berlim, mas a eclosão da Segunda tian, e por Sociedades Filarmónicas de várias ci-
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dades (Vigo, Valência, Bilbau, Santander, Ovie- Bobesco, Milanova, Clara Bernard, Alberto Lysy,
do, Gijon, Pontevedra, Málaga, Pamplona e Se- Ruggiero Ricci e, ainda, os cantores Bernard Kruy-
vilha). Com o fim da guerra, interrompeu a ati- sen e Rita Gorr. Ainda nas duas décadas referidas,
vidade docente em Lisboa, não só para dar res- foi frequentemente convidada para participar nos
posta às solicitações de concertos, mas também Festivais da Gulbenkian, Estoril, Espinho, Sintra,
para continuar o seu aperfeiçoamento. Assim, em além de outros no estrangeiro como o de Pablo Ca-
1947, voltou a seguir os cursos de Edwin Fischer sals, em Prades, o de Música Contemporânea, em
e Paul Grummer em Zurique e Lucerna, colabo- Cità di Udine (Itália), Estrasburgo, Wiesbaden,
rando com o próprio Fischer em numerosos con- Haarlen, Maiorca e muitos outros. Muitas di-
certos, pois ele era o “mestre dos mestres”. A ele gressões estiveram associadas a cursos de inter-
ficou a dever uma consciência mais profunda da pretação, a solo ou em duo, com a irmã. Foi o caso
grande tradição. Em 1949, aceitou o convite para das tournées a Angola e Moçambique (1959, 1966,
ensinar no conservatório da sua cidade natal, indo 1971), à Madeira e Açores (1968 e 1973) e à Bél-
preencher a vaga deixada pelo pai. Aqui, a sua ati- gica, Itália e Brasil, estas já na segunda metade dos
vidade docente prolongar-se-ia até 1970. No anos 1970. Realizou igualmente vários concertos
Porto, formou várias gerações de pianistas, no- e cursos de interpretação em Universidades dos
meadamente, Maria Teresa Macedo, Fernando EUA, entre 1968 e 1978, apresentando-se em es-
Azevedo, Francisco Monteiro, Fausto Neves, tações de rádio e televisão de vários estados (Ten-
Manuela Gouveia, Adriano Jordão, Pinho Vargas, nessee, Virgínia, Carolina do Norte, Maryland, Lui-
Sofia Lourenço, Caio Pagano, Pedro Burmester. siana, kentucky, Texas, Rhode Island, Massa-
Em lições particulares, contam-se os nomes de pia- chusetts, Connecticut) com orquestras dirigidas
nistas como Olga Pratts, Teresa Vieira, Luísa Gama por David Epstein, Kenneth Schnewerk, Willem
Santos, Teresa Meneres, Rui Pintão, Madalena So- Bersch, Peter Fuchs. Em Portugal, praticamente
veral, Francisco Pina, Raquel Correia, Elisabete todos os organismos promotores de concertos so-
Costa e Maria José Morais que, no Porto, procu- licitaram a sua colaboração. O nome de Helena
ravam frequentemente os seus ensinamentos. Costa aparece na programação de centenas de con-
Numa geração mais jovem, vamos encontrar os certos quer a solo, quer com agrupamentos de câ-
pianistas Álvaro Teixeira Lopes, Borges Coelho, mara e orquestras, em que colaborou com todos
Inês Soares, Manuela Costa, Paulo Ribeiro da Sil- os maestros portugueses. O seu repertório foi in-
va, Emídio Teixeira, Maria do Céu Camposinhos, fluenciado pela formação de raiz germânica que
Helena Marinho, Ivete Rebelo, Teresinha Xavier já vinha do avô materno e dos pais, tendo todos
e João Paulo Santos. Em 1954, 1955 e 1961, além estudado na Alemanha. Os ricos universos sonoros
de tomar parte ativa nos cursos regidos por Pa- de Bach, Beethoven, Brahms eram-lhe familiares,
blo Casals e Sandor Végh, na Suíça, a convite dos desde a infância e juventude. O fascínio por Mo-
mesmos, para acompanhadora oficial, apresentou- zart nasceu também na sua juventude. Embora a
-se frequentes vezes nas rádios de Lausanne, Ge- orientação pedagógica do Mestre Viana da Mota
nebra e Zurique. Segundo a própria Helena Cos- tenha sido decisiva na sua formação estética de
ta, o violinista Sandor Végh influenciou-a mui- raiz germânica, Helena Costa não foi apenas in-
to, sobretudo na sua visão da música de câmara, fluenciada pela escola alemã. De acordo com Fi-
do sentido construtivo das obras e, especialmente, lipe Pires, “o reflexo da linha francesa de natu-
da arte da variação. Foi com este violinista que reza romântico-impressionista, presente na obra
gravou a integral das sonatas de Beethoven para do pai, já se lhe havia transmitido e incentivado
violino e piano. Foi também na década de 1950 o seu trabalho em Paris. Os contactos com Cor-
que iniciou uma intensa atividade artística jun- tot e com o meio ambiente revelaram-lhe não ape-
tamente com sua irmã, integrando o Trio e Quar- nas Saint-Saens, Debussy e Ravel, mas também
teto Portugália, do qual faziam parte François Chopin e Schumann, proporcionando-lhe ines-
Broos e Henri Mouton. Nas décadas de 1960 e gotáveis fontes de confronto e enriquecimento.
1970, viria a colaborar com outros intérpretes de Bastante tempo depois, com Nadia Boulanger, sis-
renome internacional, nomeadamente, o vio- tematizaria a dissecação das obras, estilos e for-
loncelista Janos Starker, Reine Flachst, Maurice mas, fortaleceria a compreensão estética, estabe-
Eisenberg, Luis Leguia, Maurice Gendron, Michael leceria elos mais fortes entre a Música e a Vida”
Flacksmann, o pianista Harry Datyner, os violi- (1996, p. 37]. Mas a sua natureza intrínsecamente
nistas Michel Chauveton, Sandor Végh, Lola ibérica, ainda segundo a análise do mesmo mu-
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sicólogo, não a limitou aos repertórios já referi- colaborar com outros intérpretes, mas também en-
dos. A convivência e colaboração com músicos riquecer o seu repertório com obras dos grandes
espanhóis, com destaque para Ernesto Halffer, pro- mestres, como Haydn, Mozart, Schubert, Schu-
fundo conhecedor de Falla, traduziu-se num in- mann, Beethoven, Brahms, Debussy, Ravel e
teresse crescente pela música local e sua inclu- Manuel de Falla. Do repertório de compositores
são nos programas de concerto. Uma das preo- portugueses, destacam-se Carlos Seixas, Bom-
cupações constantes de Helena Costa foi a di- tempo, Luiz Costa, Armando José Fernandes,
vulgação da música portuguesa quer em Portugal Cronner de Vasconcelos, Cláudyo Carneyro, Lo-
quer no estrangeiro. Vários compositores nacio- pes Graça, Joly Braga Santos e Fernando Correia
nais lhe devem as primeiras audições das suas de Oliveira. A par da atividade de concertista e
obras. Foi o caso das Fantasias de Bomtempo e pedagoga, a colaboração em júris de concursos na-
de Luiz Costa (seu pai), os Concertinos de Lopes cionais e internacionais foi uma constante, so-
Graça e Álvaro Cassuto, os Concertos de Armando bretudo a partir de 1980. Dos nacionais, contam-
José Fernandes e Joly Braga Santos, a Balada de -se os prémios Luiz Costa, no Porto, Carlos Seixas
Luís de Freitas Branco e tantas outras. Foi a épo- e João Arroio, em Coimbra, Cidade da Covilhã,
ca da criação da Sonata – núcleo dedicado à mú- Guilhermina Suggia, Juventude Musical Portu-
sica do século XX, com numerosas atuações sob guesa, em Lisboa e no Porto, Elisa Pedroso, Jovem
a égide de Lopes Graça e Francine Benoit*. Mui- Geração, do Conservatório Nacional, Música de
tas das obras foram-lhe dedicadas. Ao longo de Câmara, do Estoril e Jovens Músicos, da Rádio Di-
toda a vida artística, Helena Costa foi ampliando fusão Portuguesa. Dos concursos internacionais
e enriquecendo o seu repertório pianístico, que destacam-se: Viana da Mota, em Lisboa, Juven-
abrangia os mais diversos géneros e estilos. Po- tudes Musicais, em Berlim, Juventudes Musicais
rém, a grande paixão foi Bach – um dos maiores de Espanha (Palma de Maiorca), Rainha Sofia, de
génios de toda a história da Música. Ficou céle- Madrid, José Iturbi, de Valência, Maria Callas, em
bre a interpretação do Cravo Bem Temperado aos Atenas, Beethoven, em Viena e Bruxelas, Mo-
microfones da Emissora Nacional, em 1940, zarteum, em Salzburgo, e outros realizados em Bi-
com a execução inaugural dos primeiros 24 Pre- lbau, Orense, Anvers e Canadá. Em 1983, com a
lúdios e Fugas. Em 1946, apresentou a versão in- criação da Escola Superior de Música do Porto,
tegral do Cravo Bem Temperado em dez concer- Helena Costa, já aposentada do conservatório, foi
tos realizados no Conservatório de Música do Por- convidada para presidir à sua comissão instala-
to, comentados por Cláudio Carneyro. A mesma dora. Lançou as bases de funcionamento deste es-
integral foi apresentada em Lisboa, Espanha, In- tabelecimento, tendo sido também presidente do
glaterra e Suíça. Em 1963, repetiria o 1.o volume Conselho Científico até 1989, ano em que, a seu
no concerto final dos Cursos de Férias da Costa pedido, deixou de exercer ambos os cargos. No
do Sol. O sucesso foi tal que Joly Braga Santos co- mesmo ano, o conservatório prestou-lhe uma re-
mentaria o concerto nestes termos: “A realização conhecida homenagem. Até aos últimos anos de
foi, digamos, uma façanha histórica, não apenas vida, continuaram a acorrer à sua residência, não
pelo facto de a ilustre pianista se ter abalançado só alunos portugueses, mas também estrangeiros
a executar, numa única noite e de memória, os vin- vindos de todas as partes do mundo, ansiosos por
te e quatro prelúdios e fugas, mas muito princi- aperfeiçoar os seus conhecimentos. Muitos dos
palmente pela maneira admirável como o fez. [...]. alunos portugueses deram os mais comoventes
Só aos maiores pianistas é possível atingir aque- testemunhos de reconhecimento e admiração.
la maturidade de técnica, artística e intelectual, O compositor e musicólogo, Filipe Pires, grande
capaz de dominar globalmente tal colosso, a pon- amigo de Helena Costa, compilou esses testemu-
to de o transmitir de uma maneira perfeita, total, nhos na obra que lhe dedicou. Desses testemunhos
como Helena Costa o fez” [Diário da Manhã, ressaltam aspetos que ajudam a conhecer melhor
23/09/1963]. Há ainda a considerar no seu re- a personalidade da famosa pedagoga e que vale
pertório solístico os ciclos de recitais de cravis- a pena referir, resumindo: Helena Costa tinha a
tas espanhóis e franceses, a música desde o século preocupação de transmitir aos alunos a enorme
XVII até ao século XX e uma antologia de músi- herança musical recebida dos grandes mestres do
ca para crianças, entre outras temáticas. A cola- piano. Era uma “mãe musical”, uma mulher de
boração no duo com a irmã e a participação no invulgar inteligência com uma profunda cultura
Trio e Quarteto Portugália permitiram-lhe não só musical, notável pianista e grande intérprete. Sa-
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bia incutir-lhes o gosto pela música, o calor hu- Medalha da Associação Comercial do Porto.
mano, a confiança. Era exigente, mas nunca di- A partir do ano letivo 1983-84, foi criado o Prémio
tadora. Ensinava a “saber ouvir” o que tocavam. Helena Sá e Costa pela Fundação Eng.o António
Ia ao encontro da personalidade e capacidades de de Almeida, a atribuir anualmente aos alunos do
cada aluno. Eis ainda três testemunhos de pia- Conservatório do Porto que terminassem os seus
nistas de gerações diferentes: de Adriano Jordão, cursos com classificação igual ou superior a 18
“Helena Sá e Costa deu-me asas para voar, esti- valores. Mais de duas dezenas de alunos de He-
mulou a minha imaginação, obrigou-me a pensar, lena Costa receberam-no. Em 1985, o Porto vol-
a extrapolar de obra para obra, a encontrar as mi- tou a homenageá-la com a Medalha de Mérito da
nhas próprias soluções [...]. Aprendi com ela a Cidade – Grau Ouro, atribuída pela Câmara Mu-
amar a Música, a encontrar assim um sentido para nicipal. Em 1987, foi homenageada em Lisboa, no
a minha vida” [Pires, 1996, p. 95]. De Pedro Bur- Teatro de S. Luís, numa das séries de divulgação
mester: “A sua formação pianística e musical é im- musical promovidas pelo maestro José Atalaya.
pressionante e praticamente ímpar no meio mu- Em 1988, recebeu a Medalha da Cidade de Cas-
sical português. A sua contribuição no campo do telo Branco, seguida de um recital de Jorge
ensino ficará para sempre marcada nas futuras ge- Moyano. Em 1989, deixou a atividade docente no
rações de pianistas portugueses” [p. 98]. Como via Conservatório do Porto, tendo sido homenagea-
e sentia a música, no testemunho de Maria Teresa da por alunos e professores. No mesmo ano, re-
Macedo: “[...] força aglutinadora, mensageira e ex- cebeu a Medalha de Mérito da Secretaria de Es-
poente de Beleza” [p. 99]. A sede de conhecimento tado da Cultura. Em 1994, foi criado um novo Pré-
e perfeição, ao longo de toda a vida, conduziu He- mio Helena Sá e Costa. Em 1995, além de rece-
lena Costa a uma busca constante de novos ca- ber o Prémio Gambozinos na Câmara de Matosi-
minhos e soluções, quer no trabalho de intérprete nhos, atribuído pela Escola de Música, foi cria-
e pedagoga, quer mostrando novos horizontes cul- do, no mesmo ano, o Programa Forum Musical,
turais. Os seus excecionais dotes de comunica- emitido pelo canal 2 da RTP, dedicado a Helena
dora nata, a simpatia, modéstia e grande simpli- Costa. Em 2000, recebeu o Prémio Almada e, du-
cidade são traços inquestionáveis da sua forte per- rante a Porto 2001 – Capital da Cultura, foi cria-
sonalidade. Por isso, não admira que a estima e do, em sua homenagem, o Teatro Helena Sá e Cos-
o reconhecimento do público fossem uma cons- ta, situado na Escola Superior de Música e Artes
tante. As numerosas distinções de que foi alvo são do Espetáculo. No que respeita aos registos sonoros
a confirmação do prestígio que adquiriu e da sua de interpretações de Helena Costa, muitos en-
importante contribuição para a causa da música contram-se em estações de rádio e televisão na-
e da cultura portuguesas, sempre com o objetivo cionais e estrangeiras onde atuou. As suas gra-
de abrir novos horizontes, descobrir e apresentar vações em disco são escassas e estão esgotadas.
novos valores. Participou na Comissão da Expe- Pode concluir-se que Helena Costa soube sinte-
riência Pedagógica presidida por Madalena Per- tizar e transmitir com profundo conhecimento o
digão. Foi vogal, respetivamente, dos Conselhos que aprendera nas escolas germânica e francesa,
Português da Música, da Cultura e da Televisão introduzindo-lhe uma forte componente ibérica.
e diretora artística do Orpheón Portuense e En- A grande sensibilidade e abertura aos repertórios
contros Musicais de Guimarães. No começo dos barroco, clássico, romântico, impressionista e con-
anos 1960, recebeu o Prémio Laranja (Laranja de temporâneo refletiu-se ao longo de toda a sua vida
Prata) atribuído pelo Diário Popular pela atividade de concertista e pedagoga, plena de Música que,
artística. Em 1966, recebeu, juntamente com a para Helena Costa, era, na verdade, a mensagei-
irmã, Madalena Sá e Costa, o Troféu da Câmara ra e o expoente da Beleza.
Municipal de Sintra, no âmbito do Festival de Sin-
tra, entregue por Aldo Ciccolini e Sandor Végh. Da Autora: Uma Vida em Concerto – Memórias, edição
Campo das Letras, Porto, 2001. Discografia: Fernando Cor-
Em 1982 (10 de Junho), foi galardoada com o Grau reia de Oliveira, Trio op. 17 (Trio Portugália); Idem, 7 Es-
de Comendador da Ordem Militar de Santiago da tudos op. 18, para piano; Idem, Variações op. 10, para pia-
Espada, entregue pelo Presidente da República, no – Parnaso, LP 962B; Idem, O Príncipe do Cavalo Bran-
Ramalho Eanes. Em 1983, foi homenageada no co – Parnaso, LP 962C; Idem, 12 das 50 Peças para 5 de-
dos, op 7 – Parnaso, LP 965E; Fernando Lopes Graça, Con-
Porto (Palácio da Bolsa) pelos alunos, em que atua- certino para piano, cordas, metais e percussão [dedica-
ram Pedro Burmester e o duo Oliveira Lopes – Fer- do a H. C.] com a Orquestra Filarmónica de Budapeste, Di-
nando Jorge Azevedo. No mesmo ano, recebeu a recção de Janos Sandor – Melodia/SEC, LP 36.4 e CD;
639 MAR

J. S. Bach, 1.o vol. do Cravo Bem Temperado – Colúmbia – nistério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção
Valentim de Carvalho, LP8E 14740154, LP8E 14740155; Geral do Comércio e Indústria, Relatório sobre as Esco-
Luiz Costa, Prelúdios op. 9, n.os 1,2,3,4 e 6; Idem, Cachoeiras las Industriais e de Desenho Industrial da Circunscrição
da Serra; Idem, Roda o vento nas searas; Idem, Pelos mon- do Sul (1889-1890), Lisboa, Imprensa Nacional, 1890; Fran-
tes fora; Idem, Campanários; Idem, Estudo op.10, n.o – Edu- cisco da Fonseca Benevides, Relatório sobre as Escolas
co – Ventura, Califórnia, LP 4108; obras de diversos au- Industriais e de Desenho Industrial da Circunscrição do
tores, disco de 45 RPM, editado em Nyon, Suíça, sob a eti- Sul. Ano lectivo de 1890-91, Lisboa, Imprensa Nacional,
queta NYMA, por Paracélsia, SARL. 1891; Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indús-
Bib.: Filipe Pires, Helena Costa – Tradição e Renovação, tria, Direcção Geral do Comércio e Indústria, Catálogo dos
edição da Fundação Eng.o António de Almeida, Porto, 1996. trabalhos expostos no Museu Industrial e Comercial de
[I. G.] Lisboa e executados nas Escolas Industriais e de Dese-
nho Industrial da Circunscrição do Sul no Ano lectivo de
Maria Helena Silveira da Silva 1889-1890, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; Decreto de
14/12/1897, Diário do Governo, n.o 283 de 15 de dezembro
Mestra na oficina de lavores femininos da Escola de 1897; Anuário Comercial de Portugal, Ilhas e Ultra-
Industrial de Leiria, a partir de 1890. Aluna da mar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910.
Escola Industrial Domingos Sequeira, em Leiria, Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oitocen-
Maria Helena Silveira da Silva tinha 28 anos tista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa,
quando obteve, no ano letivo de 1889/90, um pré- Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; A Formação pro-
fissional das mulheres no ensino industrial público
mio honorífico em “Princípios de desenho geo- (1884-1910). Realidades e Representações, Dissertação de
métrico rigoroso” e uma distinção em “Aguarelas Doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008.
em ornato”. Os seus trabalhos integraram a ex- [T. P.]
posição dos trabalhos das escolas industriais re-
lativos a 1889/90, realizada no Museu Industrial Maria Inácia
e Comercial de Lisboa, em 1891. Em 21 de ju- Mestra auxiliar na oficina de rendas da Escola
nho de 1890 foi nomeada mestra de lavores fe- Industrial de Peniche, a partir de 1892. Rendeira
mininos, com um vencimento de 9$000 réis men- de Peniche, começou a frequentar, com 48
sais, com a incumbência de assegurar o funcio- anos, a oficina de rendas da Escola de Desenho
namento da recém-criada oficina daquela esco- Industrial Rainha D. Maria Pia, daquela locali-
la. O cargo foi reconfirmado em janeiro de 1892, dade, desde a sua abertura, no ano letivo de
mas em abril do mesmo ano o inspetor das es- 1887/88. No final do ano letivo os seus trabalhos
colas industriais da circunscrição do Sul, Ra- estiveram patentes na Exposição Industrial
malho Ortigão, comunicou superiormente que, Nacional de 1888, realizada na Avenida da Li-
em virtude do pagamento dos vencimentos de berdade. Os trabalhos de Maria Inácia figuraram
mestres e mestras estar com um atraso de cin- igualmente na coleção de rendas das alunas
co meses, Maria Helena da Silva apresentara a daquela escola enviada à exposição Universal
sua demissão por não poder continuar a assegurar de Paris de 1889 e merecedora de uma meda-
gratuitamente a sua função. A sua atitude e as lha de ouro atribuída pelo júri internacional. Em
constantes insistências do inspetor terão con- 1891, na exposição das escolas industriais rea-
tribuído para a regularização dos pagamentos, lizada no Museu Industrial e Comercial de Lis-
pelo que a mestra continuou na escola, tendo boa, exibiu trabalhos, coletivos e individuais,
sido novamente reconfirmada para o cargo em entre os quais um almofadão executado em 114
janeiro de 1894, data a partir da qual passou a lições, a partir de um desenho da professora,
auferir 12$000 réis mensais. Na sequência do De- Etelvina Augusta da Paz Assunção*. No ano le-
creto de 14/12/1897, que reorganizou o ensino tivo de 1892/93, Maria Inácia desempenhava a
nas escolas industriais e de desenho industrial, função de decurião, ou seja, de mestra operária
passou a auferir, como mestra e em conformidade auxiliar da oficina de rendas da Escola Rainha
com a tabela anexa ao referido decreto, um ven- D. Maria Pia, por um salário de 5$000 réis men-
cimento de 300$000 réis anuais. Ainda exercia sais. Este valor foi aumentado para 6$000, em
à data da implantação da República. agosto de 1893, e para 9$000, em novembro do
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das mesmo ano. Foi reconduzida na função, como
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas, pessoal adido, pelo Decreto de 14/12/1897, que
Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas Industriais reorganizou o ensino nas escolas industriais e
e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Livro de desenho industrial.
de registo do pessoal de Inspecção e das respectivas es-
colas (1884-1894) e Copiadores de correspondência ex- Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
pedida (1891-1892; 1893; 1894). Fontes impressas: Mi- Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas,
MAR 640

Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas Industriais dura militar saída do 28 de Maio de 1926, foi vi-
e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Co- giada pela Polícia Internacional Portuguesa e pre-
piadores de correspondência expedida (1891-1892;
1893; 1894). Fontes impressas: Ministério das Obras Pú- sa em 22 de fevereiro de 1931 por motivos po-
blicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do Comér- líticos, sendo libertada no mesmo dia “pelo fac-
cio e Indústria, Relatórios sobre as Escolas Industriais e to de sofrer bastante do coração”. A ficha poli-
de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul. Anos lec- cial refere que “era bastante conhecida desta Po-
tivos de 1886-1887 (segunda parte) e 1887-1888, Lisboa,
Imprensa Nacional, 1888; As Escolas Industriais da Cir-
lícia”, procurara aliciar guardas da PSP, servia
cunscrição do Sul na Exposição Industrial de Lisboa em de elo de ligação entre vários militares e que “tan-
1888. Catálogo dos Desenhos e outros objectos executa- to a sua farmácia como a sua casa são quartel-
dos e expostos pelos alunos, Lisboa, Tipografia e Este- -general dos conspiradores”.
reotipia Moderna, 1888; Francisco da Fonseca Benevides,
Relatório sobre as Escolas Industriais e de Desenho In- Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
dustrial da Circunscrição do Sul. Ano lectivo de 1888-89, ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1889; Idem, Relatório sobre Mem Martins, 1982, pp. 412-413.
as Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Cir- [J. E.]
cunscrição do Sul. Ano lectivo de 1890-91, Lisboa, Im-
prensa Nacional, 1891; Ministério das Obras Públicas, Co- Maria Isabel Cortez Pinto Pimentel
mércio e Indústria, Direcção Geral do Comércio e Indústria,
Relatório sobre as Escolas Industriais e de Desenho In- Isabel Pimentel, como era conhecida, nasceu em
dustrial da Circunscrição do Sul (1889-1890), Lisboa, Im- Lisboa a 4 de julho de 1928 e morreu de breve em-
prensa Nacional, 1890; Ministério das Obras Públicas, Co- bolia, na mesma cidade, em 2003, com 75 anos.
mércio e Indústria, Direcção Geral do Comércio e Indústria, Filha de Horácio Pimentel e de Maria Adelaide Cor-
Catálogo dos Trabalhos Expostos no Museu Industrial e
Comercial de Lisboa e Executados nas Escolas Industriais
tez Pinto. O pai, transmontano de Valpassos, ma-
e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul no Ano jor do Exército português durante a Primeira Gran-
Letivo de 1889-1890, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; de Guerra, combatente em França, complementou
Decreto de 14/12/1897, Diário do Governo, n.o 283, de 15 posteriormente os estudos em Farmácia e Química,
de dezembro de 1897. vindo a ser proprietário do Laboratório Sanitas, em
Bib.: Teresa Pinto, A Formação Profissional das Mulheres
no Ensino Industrial Público (1884-1910). Realidades e Lisboa e, já durante a Segunda Guerra Mundial,
Representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa, de uma cadeia de cinemas, entre os quais o Mo-
Universidade Aberta, 2008. numental. A mãe era dona de casa. Teve uma ama
[T.P.] de leite, Clementina, figura importante na sua vida,
mãe solteira abandonada, acolhida pela família Pi-
Maria Inácia da Luz mentel. Isabel foi a mais nova de seis raparigas, con-
Atriz da primeira metade do século XIX. No Tea- tando mais dois irmãos. Elegante e bonita, teve uma
tro da Rua dos Condes recitou Elogio para se Re- vida desafogada, de que fez sempre uso genero-
citar na Abertura do Teatro da Rua dos Condes so. Frequentou o Liceu Pedro Nunes e, depois, o
(22/10/1811), Hino Cantado e Clotilde ou o Triun- Instituto de Serviço Social de Lisboa. Boa aluna,
fo do Amor Materno, drama heroico em 3 atos re- em 1950 era assistente social. O seu curso ficou
presentado em benefício da atriz (1841), todas pe- “célebre”, já que todas as estudantes tiveram car-
ças da autoria de José Agostinho de Macedo. reiras notáveis. Noelista desde os 16 anos, veio a
Bib.: “Macedo, José Agostinho de”, Esteves Pereira e Gui- ser presidente diocesana de Lisboa. Fortemente
lherme Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, co- comprometida com a Igreja, foi também durante
rográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numis- largos anos Auxiliar do Apostolado (AA). Na ver-
mático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João Romano Torres,
Editor, 1909, p. 622. dade, a fé cristã e o desejo de serviço dos outros
[I. S. A.] foram preocupação dominante da sua vida e esse
o desígnio por que sempre se orientou. Em 1961,
Maria Irene Virote Santos após os trágicos acontecimentos de 11 de fevereiro
Filha de Eloísa Dias de Sousa Virote e de José de que deram origem à guerra do Ultramar, desen-
Sousa Virote, que integrou os corpos gerentes do cadeou-se uma deslocação maciça de populações
Centro Republicano António José de Almeida, do interior de Angola para Luanda; o Governo de
nasceu em Tomar em 1890. Doméstica, casada então, correspondendo a um pedido de Maria Luí-
com Cândido Augusto de Abreu e cunhada do sa Ressano Garcia*, que era funcionária do Mi-
tenente João da Silva Quilhó, apresentado como nistério do Ultramar, decidiu enviar uma equipa
“muito perigoso” e procurado pela polícia por de educadoras de infância e assistentes sociais vo-
estar envolvido nas conspirações contra a dita- luntárias para “recensear, acolher e ajudar ao re-
641 MAR

gresso ou reintegração das populações deslocadas”. caminho. Dois anos depois, entrou em contacto
Contactada, Isabel Pimentel rapidamente partiu a com uma “Fraternidade do Padre Foucauld” que
4 de maio de 1961, e com ela a assistente social queria dedicar-se aos bosquímanes do extremo sul
Gabriela Ferreira e a educadora de infância Tere- de Angola, e que, para tal, desejava recrutar duas
sa de Castro, que integraram a Comissão Provin- leigas portuguesas. Isabel Pimentel foi uma delas,
cial de Auxílio às Populações Deslocadas (CPAPD). tendo sido encarregada da área da educação escolar
Com um mandato de três meses, tinham garanti- e ação social da fraternidade de Xamavera, loca-
do alojamento em casa de famílias de Luanda que lidade situada no Cuando-Cubango, na fronteira
voluntariamente para tal se disponibilizaram. meridional, autêntica “terra do fim do mundo”.
O trabalho a que se entregaram foi, no dizer de Ga- Vencendo a sua grande dificuldade em aprender
briela Ferreira, “extenuante, não só pelas dramá- línguas, conseguiu reter algumas frases que lhe per-
ticas histórias que eram contadas, mas pela difi- mitiram entender-se com os bantos. Instalou-se,
culdade na decisão quanto ao auxílio a prestar”. então, numa aldeia próxima da fraternidade, re-
Participou em reuniões periódicas da CPAPD, com sidindo numa cabana ao estilo local, decidida a
a finalidade de “acelerar a instalação provisória partilhar a vida da população, lavando a roupa no
das famílias, o que se conseguiu, reunindo-as em rio, moendo o milho. Ali abriu uma escola e es-
apartamentos de prédios desocupados, e criando tabeleceu laços de amizade, sobretudo com jovens
um lar para crianças e adolescentes”. A evolução que começavam a falar português, e suscitou a ad-
do trabalho tornou premente a necessidade da ur- miração do chefe da aldeia. Esta vivência levan-
gente formação de profissionais de Serviço Social, tou, contudo, suspeitas por parte das autoridades
de Educação Social e de Educação da Infância. portuguesas, que conseguiu atenuar, já que o go-
Atuando junto do Governo, obteve a aprovação da vernador-geral de Angola conhecia o seu trabalho
criação de cursos intensivos de agentes de traba- do tempo em que dirigira o IESS de Luanda. Xa-
lho social, agentes familiares e jardineiras de in- mavera veio, no entanto, a ser atacada (por soldados
fância. Foi, nessa altura, preciosa a colaboração de da UNITA?, por manobra da PIDE?), o que pro-
Maria Palmira Duarte, Susana Lagrifa e Fernanda vocou a partida da fraternidade. Volta de novo para
Alves Pereira. Isabel Pimentel coordenou e mi- Lisboa. Fez parte da equipa do jornal Libertar, com
nistrou algumas disciplinas destes cursos inte- a sua amiga Maria da Conceição Neuparth (1929-
grados no Instituto de Assistência Social de An- -2006), e foi uma das organizadoras da famosa vi-
gola (IASA), que gozou de total independência téc- gília na Capela do Rato, em 30 dezembro de 1972,
nica e financeira. Durante a sua realização foi gi- realizada sob o tema “a paz é possível”, e que vi-
zada a criação do Instituto de Educação e Servi- sava denunciar a política ultramarina portugue-
ço Social Pio XII, o qual começou a funcionar em sa. Escapando de ser presa, rumou a África e daí
1962, na dependência da diocese de Luanda, sen- ao Brasil, donde, sabendo constar da lista dos pro-
do a sua primeira diretora. Nessa época fez tam- curados pela polícia política, só pôde regressar de-
bém parte da Comissão de Classificação de Filmes pois do 25 de Abril. Nos anos 80, já em Portugal,
de Luanda. Assinale-se o permanente cuidado em trabalhou na Direcção-Geral da Educação de
cultivar boas relações com os governantes locais, Adultos em Setúbal, não se eximindo a tarefas de-
o que lhe permitiu contornar muitos obstáculos. sinteressantes, mas consideradas necessárias.
Prolongando-se a sua estada em Luanda, e não se Nos fins dessa década, fez parte de uma ONG que
justificando já a permanência na casa da família se ocupava de imigrantes africanos em Portugal,
que a recebera, alugou um apartamento com vis- concebendo um projeto a realizar em duas esco-
ta sobre a baía, que partilhou com uma colega, e las da periferia problemática de Lisboa, a Pedrei-
que, dentro do seu espírito hospitaleiro, passou a ra dos Húngaros e o Bairro de Santa Catarina, pre-
ser o alojamento provisório de muitas profissio- conizando que algumas disciplinas fossem dadas
nais que foram trabalhar com elas. A sua atividade em crioulo. Com mais de 70 anos, foi ainda, du-
foi, contudo, abruptamente interrompida em rante uns tempos, missionária em Moçambique.
consequência de um grave acidente de automó- Após a sua morte, os amigos e alguns familiares
vel ocorrido quando regressava de Malange, no reuniram num pequeno livro as memórias de Isa-
qual perdeu uma vista. Voltou “à metrópole” para bel Pimentel. Da sua leitura ressalta o sentido cris-
uma longa convalescença. Em 1966, passou pelo tão da vida, o compromisso com a Igreja, o servi-
noviciado das Irmãzinhas do Evangelho, em ço dos outros, as fortes amizades que cultivou. “De
Bonnefamille, em França, mas não era esse o seu uma inteligência ampla e livre que só a bondade
MAR 642

atrapalhava”, evidencia-se também o seu espíri- A Mancha Que Limpa, e Casa da Boneca, de Ib-
to de aventura, o fascínio por África, “a liberda- sen. Passou para o Teatro do Príncipe Real, foi,
de interior que a levava a passar da facilidade e pouco depois, em digressão pelas províncias, es-
bem-estar a uma vida dura e difícil, de ter tudo a teve em Coimbra e veio para o Ginásio, onde re-
privar-se de tudo”, como se isso fosse a coisa mais presentou os papéis de “Fifi”, em Uma Aventura
natural da vida. De entusiasmo contagiante, “a ale- de Viagem, comédia em 1 ato de Roberto Brac-
gria que punha nos projetos em que acreditava era co, tradução de Lambertini Pinto, “viscondessa
de principiante”. de Vernières”, em Demi-Monde (1895), comédia
Fontes: Informações dadas por Gabriela Ferreira, sua co- de Alexandre Dumas, filho, e “condessa”, em
lega e amiga; Alguns Amigos, Isabel Pimentel 1928-2003, Duas Lições numa Só (1896), comédia em 1 ato,
impresso e acabado por Facsimile, Lda, 4 de julho de imitação de Duarte de Sá. Integrou a Companhia
2005 [profusamente ilustrado com fotografias, colabo- de Pedro Cabral numa digressão pelos Açores,
raram neste livro vários amigos e familiares, assinando,
na maioria, apenas com o primeiro nome, e quase sem com as peças A Marechala, de Alphonse Le-
datas]. monnier e Jean-Louis Perricaud, tradução de João
[M. R. S.] Francisco Xavier de Eça Leal, A Cigarra, de Mei-
lhac e Halévy, adaptação de Acácio Antunes e
Maria Isabel da Costa Oliveira Machado Correia, Asmodeu, comédia em 4
Atriz de teatro ligeiro e cantora. Nasceu em Por- atos, em verso, de Carlos Moura Cabral, Made-
cariça, Cantanhede, a 5 de abril de 1867 e fale- moiselle Diabrete, comédia traduzida por Guio-
ceu, em Lisboa, a 6 de abril de 1915. Era des- mar Torrezão, e A Cossaca, vaudeville em 3 atos,
cendente de artistas teatrais de nome Taínha, pelo de Meilhac e Millaud, adaptação de Gervásio Lo-
que era também conhecida por Isabel Taínha. Foi bato e Eça Leal, música de Hervé. Voltou ao Tea-
casada com o ator Henrique de Oliveira e mãe tro da Rua dos Condes, onde representou “Sra.
das atrizes Auzenda, Carmen* e Egídia de Oli- Cardevent”, em Cabotinos (1896), comédia em
veira e do violinista Raul de Oliveira. No Tea- 4 atos de Edouard Pailleron, tradução de Lorjó
tro do Príncipe Real, fez o papel de “Remexida” Tavares. Na época 1903/04, pertencia à Empre-
em José João (06/06/1896), paródia em 4 atos ao sa J. J. Pinto, então no Teatro do Ginásio, e fez
drama João José de Joaquim Dicenta, música de parte do elenco da estreia de Gente para Alugar
Rio de Carvalho, e A Pêra de Satanás, mágica em (1904), comédia alemã adaptada por Freitas Bran-
3 atos, arranjo de Eduardo Garrido, música de co. Passou, depois, para o Teatro D. Maria II, onde
Rio de Carvalho. Passou para o Teatro da Ave- representou durante 12 anos e se destacou no pa-
nida, Empresa de Salvador Marques. Desapare- pel de “Teresa”, em O Sol da Meia Noite (1912),
ceu de cena e regressou, em 1908, ao mesmo tea- peça alemã em 3 atos traduzida por Freitas Bran-
tro, para representar, ao lado da filha Auzenda co, Mártires do Ideal (1915), em 4 atos, de Au-
de Oliveira, em ABC, revista de Acácio Paiva e gusto de Lacerda, História de Sempre (1918),
Ernesto Rodrigues, música de Calderón e Tomás peça em 3 atos de Victor Mendes e Carrasco Guer-
Del Negro. Foi à Alemanha gravar discos na com- ra. Durante a sua carreira estimam-se mais de cem
panhia de Artur Duarte e regressou em 1914, representações. Para o cinema, fez o papel de “aia
aquando do início da Grande Guerra. dos príncipes” no filme Rainha Depois de Mor-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- ta, argumento de António Rafael Ferreira, ao lado
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 989; dos actores Amélia Vieira dos Santos* e Eduar-
Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa, do Brazão, passado no Salão Central, Palácio Foz,
Parceria António Maria Pereira, 1940, p, 196; Grande En-
ciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XIX, Lisboa/Rio a 1 de maio de 1910, e em salas do país, África
de Janeiro, Editorial Enciclopédia, p. 370. e Brasil. Faleceu pelas três horas da manhã de
[I. S. A.] 28 de maio de 1925, depois de doloroso sofri-
mento, na sua residência na Rua da Glória, n.o
Maria Isabel de Oliveira Berardi 48, 2.o andar, em Lisboa. A Associação de Clas-
Atriz. Nasceu a 31 de outubro de 1861 e faleceu, se dos Trabalhadores de Teatro endereçou con-
em Lisboa, a 28 de maio de 1925. Diz-se que pos- vites aos associados para se incorporarem no cor-
suía distinção e finura. Iniciou a carreira como tejo fúnebre.
atriz amadora, aos 30 anos, no Teatro do Rato. Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Estreou-se, como profissional, em 1892, no res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 138;
Teatro da Rua dos Condes, onde entrou em Carlos Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de
643 MAR

Um Actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Artes. Foi a primeira portuguesa a tirar a carta de
Publicidade, 1950, p. 182; Gustavo de Matos Sequeira, condução de automóvel. A 20 de março de 1912
História do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, Publicação
Comemorativa do Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955, casou com o seu primo João Pires Carneiro. O ma-
p. 282; Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de rido adoeceu com um tumor na coluna e morreu
Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, no dia 17 de junho de 1922. Não tiveram filhos.
p. 130; Manuel Félix Ribeiro, Filmes, Figuras e Factos Apesar de ser mulher e de só ter 33 anos, ficou
da História do Cinema Português, 1896-1949, Lisboa, Ci-
nemateca Portuguesa, 1983, p. 50; Memórias de Chaby,
à frente das suas terras e foi ela que chefiou as
Lisboa, Editora Gráfica Portuguesa, Lda. 1938, p. 78; Pe- atividades dos montes e da lavoura. Com o des-
dro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro, Lisboa, gosto da falta do marido, intensificou a ativida-
Livraria Popular, 1924; Revista Teatral, 3.a série, 2.o Vol., de espiritual e desenvolveu uma forte amizade
n.o 25, 01/01/1896, n.o 28, 15/02/1896, n.o 29, 01/03/1896; com o arcebispo de Évora, D. Manuel da Con-
“Necrologia”, O Século, 28 e 29/05/1925, p. 2; “Teatros
– Foi neste dia...”, O Século, 04/03/1952, p. 4. ceição Santos, que a irá acompanhar ao longo da
[I. S. A.] vida na sua vertente apostólica. Ensinou catequese
no Alentejo e, mais tarde, entrou para o Convento
Maria Isabel Marques de Andrade Salgado das Dominicanas, em Azurara. Ao fim de sete me-
Filha de Ana Isabel Andrade Salgado e de Júlio ses, saiu por indicação médica com problemas
Salgado, nasceu no Rio de Janeiro a 12 de junho de saúde, por esta ordem ser demasiadamente
de 1915. Casada, vivia na Figueira da Foz e ade- austera. Em Elvas, já recuperada fisicamente, foi
riu, por intermédio de Maria Regina Dias Car- dirigir uma casa de retiros e, em 1938, ficou a ad-
valheiro, à delegação de Coimbra da Associação ministrar a Obra das Criadas de Servir, com a fi-
Feminina Portuguesa para a Paz*. Em 1946, in- nalidade de lhes dar formação. Em 1939, abriu
tegrou o grupo das 14 subscritoras que solicitou uma creche no antigo Convento de Sta. Clara,
a Maria Lamas, presidente do Conselho Nacio- onde abrigava crianças abandonadas e em peri-
nal das Mulheres Portuguesas, a criação duma go. Neste convento teve origem a sua congrega-
delegação na Figueira da Foz ção. O processo da fundação não foi fácil, nem
Fontes: ANTT, Processo PIDE/DGS, Del. C PI, 5791. rápido. Mas sendo uma mulher dinâmica e de-
[J. E.] terminada conseguiu, finalmente, a 5 de julho de
1955, no pontificado de Pio XII, ver o seu sonho
Maria Isabel Osório Macedo realizado. Foi canonicamente aprovada com o
Terá nascido cerca de 1834 em Peroviseu ou no nome de Congregação das Irmãs Concepcionis-
Fundão. Filha única de Diogo Dias Preto e de Ma- tas, tendo como grande objetivo trabalhar a favor
ria Justina de Macedo, casou em 1850 com Je- dos pobres. Despojou-se de todos os bens que pos-
rónimo Trigueiros de Aragão Martel da Costa, vis- suía para os aplicar nesta obra. É uma ordem re-
conde do Outeiro e conde de Idanha-a-Nova. Des- ligiosa genuinamente portuguesa, com a funda-
te casamento nasceram dez filhos. Herdou do pai dora portuguesa e a congregação fundada em Por-
a administração do morgadio de Peroviseu e tugal. Hoje em dia, existem casas implantadas em
Chãos que registou, em 1863, no governo civil Portugal, África, Brasil, México e Timor e a obra
de Castelo Branco. mantém também asilos, creches e infantários.
Bib.: ANTT, Vínculos Abelho, Castelo Branco, processo Pouco tempo depois da sua obra implementada,
n.o 23. consolidada e com a aprovação papal, adoeceu.
[Ju. E.] Morreu em Elvas, onde está sepultada na cape-
la do Convento da Imaculada Conceição (antigo
Maria Isabel Picão Caldeira Convento de Sta. Clara), a casa-mãe da ordem.
Nasceu no Monte do Torrão, perto da aldeia de A pessoa fora do normal que foi, sobretudo para
Sta. Eulália, concelho de Elvas, a 1 de fevereiro a época, assim como o seu carisma e bondade ao
de 1889 e morreu naquela cidade a 3 de julho de longo da vida, levaram ao início de um proces-
1962. Foi batizada em Sta. Eulália, a 3 de mar- so de canonização que está, nesta altura, a de-
ço, e os padrinhos foram o avô materno e Nos- correr em Roma.
sa Senhora do Rosário. Além da escola que fre- [M. F. C. F. B.]
quentou e completou em Elvas, também estudou
música, línguas e piano. Teve aulas de equitação Maria Ivone Silva Nunes
e montava à amazona com grande à-vontade. Em Ivone Silva nasceu em Paio Mendes, Ferreira do
Lisboa, frequentou o Curso de Pintura em Belas Zêzere, em 24 de abril de 1935 e morreu em Lis-
MAR 644

boa, em 20 de novembro de 1987. Emigrou para pos”, coleante e com uma patética reforma (Ó
Paris, onde esteve dez anos. A última vedeta po- Zé Aperta o Cinto, 1971). No pós-25 de Abril,
pular dos nossos tempos surgiu no palco do Ivone compôs, com imensa graça, a chique “Ma-
ABC, em 1963, pela mão de José Miguel, na re- dame Salreta”, socialista de recente data (O Bom-
vista Vamos à Festa. Tinha trabalhado como bo da Festa, 1976), e a inquieta “Olívia-Olívia”,
“discípula” em duas ou três revistas numa di- empregada-patroa, posta ante o dilema terrível
gressão a África. Escrevia o seu nome com “Y”. de se sanear a si própria (P’ra trás Mija a Bur-
No verão desse mesmo ano, apresentou àque- ra, 1975). A popularidade de Ivone estendeu-
le empresário uma revista que revelava uma sé- -se, então, rapidamente, não só aos teatros do Par-
rie de novos nomes que depois vieram a fazer que, como a muitos outros do país e mesmo de
carreira no nosso teatro. Tratava-se de Gente além-fronteiras. Mas não se ficou pela revista,
Nova em Biquíni, na qual Ivone, em “Maria do porque soube provar ser capaz de voos com ou-
Folclore”, se destacou e conquistou o público, tras dimensões, como ficou bem patente, entre
de tal modo que na revista seguinte, Chapéu outros trabalhos, naquele seu Feliz Aniversário,
Alto, já figurou como cabeça de cartaz. Muita Avozinha, ou na Oração, que na tournée que fez
gente invejou esta ascensão, ao que Ivone res- com o Teatro Experimental de Cascais ao Bra-
pondeu: “Esforcei-me por provar que não era um sil lhe valeu da crítica brasileira o elogio de me-
produto do José Miguel. Sim, o apoio dele foi lhor intérprete de Arrabal. Aliás, Ivone Silva, que
bastante importante com certeza. Mas porque só em várias entrevistas exprimiu alguns concei-
se incomodavam com isso em relação a mim?” tos muito objetivos e atuais sobre a sua manei-
[Rádio & Televisão, 24/10/1970]. O público, com ra de estar no teatro e na vida, “frontalmente e
o seu julgamento implacável, daria inteira ra- com fúria”, criticando, inclusivamente, abusos
zão ao empresário. Ivone Silva passou a reinar dalgumas revistas, após o 25 de Abril, que só re-
no Parque Mayer, deslocando-se apenas do ABC fletiam “falta de valor para se conseguir êxitos
para o Maria Vitória e do Maria Vitória para o de outras formas”, gostaria de fazer teatro “sé-
ABC, como quem reconhecia os seus domínios, rio”, nomeadamente Brecht, onde, no seu en-
sem temer confronto. A sua carreira foi segura, tender, o “trágico-cómico” lhe permitiria “um
sem solavancos, sendo rara a revista em que não novo envolvimento”. Mas tinha que ser “a có-
conseguiu uma boa atuação. E nunca fazia mica”, a que dava a ideia de ser muito engraçada,
menos de duas revistas por ano. Com o seu sor- para todos se rirem, como se não tivesse os seus
riso aberto, os olhos saltitantes, mal Ivone en- problemas. Não se considerava uma mulher fe-
trava em cena o público sabia logo que ia che- liz, porque “essa felicidade só se atinge ou só
gar o melhor momento. E ela, ou ria alegremente se conquista, quando todo o ser humano tiver
ou barafustava, gesticulava, atravessava o pal- aquilo a que tem direito. À dignidade”. Princi-
co de uma ponta a outra, falando com incrível pais peças teatrais que interpretou: estreou-se
rapidez. Tão bem caricaturava a elegância afe- no Teatro ABC em Vamos à Festa, revista de C.
tada da “Senhora de bem-fazer” (Lábios Pinta- Oliveira, J. A. Ramos, F. Rodrigues e S. Fernando
dos, 1964), como a burguesa dona de casa, nas (1963); Gente Nova em Biquíni, revista de C. Oli-
suas aflições diárias, em números do fôlego de veira, F. Nicholson e R. Bracinha (1963), ABC;
“Diário de uma louca” (Sete Colinas, 1967), ou Chapéu Alto, revista de C. Oliveira, F. Nichol-
“Angústia para o jantar” (O Bombo da Festa, son e R. Bracinha (1963), ABC; Lábios Pintados,
1976). “Os pequenos cantores de Viana do revista de C. Oliveira, F. Nicholson e R. Braci-
Castelo” (Mini-Saias, 1966) ficou como o tipo nha (1964), ABC; Ai Venham Vê-las, revista de
de rábula em que Ivone Silva conseguiu gran- P. da Fonseca, C. Oliveira e R. Bracinha (1964),
de brilho. Talvez por isso os autores lhe escre- ABC; Mini-Saias, revista de C. Oliveira, P. da
viam, às vezes, textos demasiado pretensiosos, Fonseca e R. Bracinha (1966), ABC; Pois, pois...,
como “A operária da fábrica das lâmpadas” revista, de J. Galhardo, J. Nobre, (1967), Teatro
(Pronto a Despir, 1972), ou “A Guerra Santa” Variedades; Sete Colinas, revista de P. da Fon-
(P’ra trás Mija a Burra, 1975), que em nada a be- seca, C. Oliveira e R. Bracinha (1967), ABC; Elas
neficiavam. Porque o que dava mesmo gozo era É Que Sabem, revista de P. da Fonseca, C. Oli-
vê-la imitar Amália Rodrigues, recém-chegada veira e R. Bracinha (1969), ABC; Ena, já Fala,
da URSS e só a pensar ‘no dela’ (Ena, já Fala, revista de P. da Fonseca, C. Oliveira e R. Bra-
1969), ou a “fellineana” “Corista de outros tem- cinha (1969), ABC; Ó Zé Aperta o Cinto, revis-
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ta de A. Nazaré e H. Santana (1971), Maria Vi- uma homenagem da Câmara Municipal de Lis-
tória; Cá Vamos Pagando e Rindo, revista, de boa, inaugurada dez anos após o seu falecimento.
A. Nazaré, H. Santana, J. Nobre, H. Parreirão Em vida foi distinguida com os prémios Este-
(1972), Maria Vitória; Pronto a Despir, revista vão Amarante, do SNI, e da Imprensa (1966),
de A. Nazaré, H. Santana e H. Parreirão (1972), pela interpretação na revista Gente Nova em Bi-
Maria Vitória; Uma no Cravo, Outra na Ditadura, quíni. Com a interpretação em Feliz Natal, Avo-
revista de C. Oliveira, R. Bracinha e J. C. Ary dos zinha ganhou o prémio da crítica. Ivone Silva
Santos (1974) ABC; P’ra trás Mija a Burra, re- foi casada com o ator Henrique Viana: “A me-
vista de C. Oliveira, R. Bracinha, J. C. Ary dos lhor coisa que me aconteceu na vida foi conhecer
Santos e B. Santareno (1975), ABC; O Bombo da o Henrique Viana [...]. Desde o primeiro instante
Festa, revista de H. Santana, R. Bracinha, A. Fra- se mostrou atencioso e carinhoso. Começámos
ga e E. Salvador (1976), Maria Vitória; A Aldeia a sair juntos e eu, que pensava que nunca ca-
da Roupa Suja, revista de C. Oliveira, R. Bra- saria, acabei por encarar essa hipótese como mui-
cinha, H. Santana, A. Fraga (1978), Teatro Va- to viável. E o caso aconteceu. De um momento
riedades; Feliz Natal, Avozinha, de Gilbert para o outro – passou apenas um mês entre o co-
Léautier, no Teatro da Graça (1979); A Malu- nhecermo-nos e o casamento – vi-me com uma
quinha de Arroios, de André Brun, Oração e Os aliança enfiada no dedo [...]. Após o casamen-
Verdugos, de Arrabal, representadas no Brasil
to, foi a lua de mel. Fizemos uma maravilhosa
com o Teatro Experimental de Cascais (1980),
viagem à Madeira” [O Mundo do Espectáculo,
assim como O Auto da Barca do Inferno e
n.o 8]. Tem uma rua em Lisboa com o seu nome,
O Auto da Índia, de Gil Vicente, na mesma tour-
née; Não Há nada para ninguém, revista de H. na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, edi-
Santana, C. Oliveira, R. Bracinha e A. Fraga tal da Câmara Municipal de Lisboa de 29 de fe-
(1981), Maria Vitória; Isto É Maria Vitória!, re- vereiro de 1988, e igualmente em Almada, Char-
vista (1986), Maria Vitória; Eu Desço na Próxi- neca da Caparica, Moita, Vale da Amoreira, Mon-
ma e Você?; Cá Estão Eles; Regar e Pôr ao Luar; tijo, Pinhal Novo, Amora, Quinta do Conde, Al-
Dá-lhe agora; Tudo à Mostra; Pega de Caras; cabideche, Cascais, Barcarena, Parede e Albu-
A Senhora Minha Tia, comédia. Na televisão, feira. A RTP, em rubrica denominada “Falar de”,
atuou em programas próprios, com destaque apresentou um programa organizado por Linda
para A Feira e Sabadabadú, ambos da autoria Silva e Morais e Castro sobre Ivone Silva, com
de César de Oliveira, este último premiado in- depoimentos de, entre outros, Varela Silva, Sal-
ternacionalmente. Na televisão, entrou ainda em vador, Simone de Oliveira, Herman José, Car-
Ivone Faz Tudo, Ponto e Vírgula e A Feira (1977), los Fernando e Carlos Avillez, onde estes fala-
Gente Fina É Outra Coisa (1982), Riso e Ritmo. ram da vida da atriz então falecida.
No cinema, participou em A Maluquinha de Ar- Alguma discografia: Simplesmente Maria, Roda, 1974;
roios e O Destino Marca a Hora, ambos de Hen- Trapeira Faz-de-Conta, Metro, 1988; Saudade, EMI, 1988;
rique de Campos (1970), e em Estrada da Vida. Grandes Sucessos, Metro, 1991.
Em 1965, a sua entrada no Sindicato dos Artistas Bib.: Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, Ed.
Teatrais não foi isenta de um certo “zelo buro- Século XXI, Vol. 26, Lisboa-São Paulo, Editorial Verbo,
s.a., p. 1171; Grande Dicionário Enciclopédico Ediclu-
crático” por parte da direção vigente; mas, cu- be, Vol. XVI, Alfragide, Ediclube, s.a., p. 5705; O Gran-
riosamente, também após o 25 de Abril, cono- de Livro dos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores,
tada com um partido de esquerda, esteve for- 1990, p. 468; Luciano Reis, Ivone Silva, Vida e obra de
çadamente ausente do teatro de revista por mui- uma grande actriz, Lisboa, Setecaminhos, 2006; Luiz
to tempo. Em dezembro de 1986, Ivone Silva co- Francisco Rebello, História do Teatro de Revista em Por-
tugal, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1982, Vol. I, p.
meçou a sentir os efeitos dum mal que não per- 57, e Vol. II, pp. 144, 154, 172, 176, 267, 272; Luiz Sil-
doa. Interrompeu, então, a atuação na revista Isto veira Botelho, A Mulher na Toponímia de Lisboa, Lisboa,
É Maria Vitória, mas voltou, teimosamente, em Câmara Municipal de Lisboa, s.a., p. 89; Mário Jacques
Cá Estão Eles. O pano, porém, desceu anteci- e Silva Heitor, Os Actores na Toponímia de Lisboa, Lis-
padamente sobre os seus 52 anos de vida. No boa, Câmara Municipal de Lisboa, s.a., pp. 101-102; Ví-
Cemitério do Alto de S. João, um monumento tor Pavão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma his-
tória breve do teatro de revista, Lisboa, Edições “O Jor-
da autoria de Mestre António Trindade perpe- nal”, 1978, pp. 62, 110, 147, 160, 162, 163; O Mundo do
tua a sua memória. É uma construção metálica, Espectáculo, n.o 8, 01/04/1970.
com o perfil da atriz recortado na chapa dura: [J. P. C.]
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Maria Jemina mitindo mais de 50 representações da peça du-


Atriz. Em 1854, entrou no melodrama A Jovem rante um ano. Foi neste teatro que se revelou no
Irlandesa, a Filha do Cego, de João Martins de papel de “ingénua” que veio a constituir o seu
Almeida, no Teatro de S. João do Porto. género predileto. Continuou uma carreira pro-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 09/02/1956, missora, representando De Camaradagem, de
p. 4. Henri Meilhac e Philippe Lille, tradução de
[I. S. A.] Eduardo Schwalbach, Fernanda, de Victorien
Sardou, Maria Antonieta, drama em 5 atos de
Maria Jesuína da Conceição Marques Giacometti, tradução de Ernesto Biester, Casa-
Atriz. Nasceu em Lisboa a 20 de abril de 1850, mentos Ricos (1880), O Dinheiro do Anão
e faleceu em Barcarena a 22 de fevereiro de 1911. (1881), Bébé (1881), comédia em 5 atos, e A In-
Viveu, em criança, na Rua dos Mouros, em Lis- feliz Carolina (1882), drama, traduções de Ma-
boa. Começou a representar, aos 13 anos, num nuel Pinheiro Chagas, A Sentença das Nozes
teatrinho situado numa sobreloja da Rua de S. (1882), de Ludgero Viana, com Lucinda Simões*.
Bento à esquina do Largo das Cortes (hoje, da As- Protagonizou Princesa George (1883), de Ale-
sembleia da República), num papel da comédia xandre Dumas, filho; as comédias Médico à For-
A Vizinha Margarida, de Pedro Carlos Alcântara ça, original de Molière, traduzida em verso pelo
Chaves, e continuou a trabalhar em teatros par- visconde de Castilho, no papel de “Martinha”
ticulares. Sousa Bastos reconheceu-lhe algum ta- (benefício, 1883), O Comissário de Polícia, em
lento e escreveu para ela a farsa A Castanheira, 4 atos, e Em Boa Hora o Diga, ambas originais
que representou num teatro construído na Fá- de Gervásio Lobato, A Casamenteira (1884), em
brica de Tabacos, a Santa Apolónia. Como era 2 atos, tradução do mesmo autor, Cenas Bur-
muito pobre e a representação não lhe garantia guesas (1884), em 3 atos, de Carlos de Moura Ca-
a subsistência, trabalhava como bailarina em vá- bral, O Botão das Calças (1884) e a revista Tor-
rios teatros, entre eles o Teatro de S. Carlos, ao re de Babel (1884). Foi ao Teatro Castilho, Tra-
tempo em que era dirigido pelo conde de Far- vessa das Terras de Sta. Ana, a Santa Isabel, fa-
robo, na companhia de outras bailarinas que fo- zer Uma Chávena de Chá (1884), comédia em
ram, depois, grandes atrizes, como Amélia Viei- 1 ato de José Carlos dos Santos, voltou ao Ginásio
ra* e Bárbara Volckart*. Entrou, posteriormente, para um benefício com O Casamento da Meni-
para a aula de declamação do Conservatório Real na Pimenta, e O Seguro de Vida, comédias de
de Lisboa, onde estudou durante três anos com Gervásio Lobato (1885) e, de seguida, representou
Duarte Cardoso de Sá e Alfredo de Melo. Antes O Marido da Debutante, de Meilhac e Halévy,
das provas públicas, e como discípula do con- tradução daquele autor. Em 1893, entrou na es-
servatório, estreou-se na comédia Duas Lições em treia de Lições de Amor, comédia em 1 ato de Joa-
Uma só, traduzida de L’Autographe por Duarte quim Miranda. Como engordou muito e parecia
de Sá, agradando desde logo e proporcionando mais velha, deixou de representar a “ingénua”,
mais de 100 representações em vários teatros da em que fora exímia, e dedicou-se aos papéis de
capital. Em 1866, fez provas para o Teatro D. Ma- “mãe nobre” e “característica”, tornando-se
ria II e foi a melhor, o que lhe valeu ser contra- uma das melhores no género, com grande êxi-
tada de imediato. Aí representou Casa Nova, de to nas peças de Gervásio Lobato. Trocou o Tea-
Victorien Sardou, e Os Estróinas, ambos tradu- tro do Ginásio pelo da Rua dos Condes, para en-
zidos por Ferreira de Mesquita, As Rédeas do Go- trar em várias revistas de Eduardo Schwalbach;
verno, imitação de Luís Augusto Rebelo da Sil- esteve no Teatro da Avenida a representar Bar-
va, Gavaut, Minard & Ca., Guerra aos Nunes ba Azul, ópera cómica em 4 atos de Henri Mei-
(1869), peça em 1 ato de Matos Moreira. Em 1870, lhac e Ludovic Halévy, música de Offenbach; pas-
deixou o Teatro D. Maria II, quando saíram Emí- sou ao Teatro do Rato, onde se popularizou nos
lia das Neves*, João Rosa, César Polla e Pinto de papéis que interpretou em Brandura dos Nossos
Campos por desentendimentos com a empresa Costumes e na revista Beijos de Burro, de Es-
e, depois de sete meses ausente da cena, foi para culápio (pseudónimo de Eduardo Fernandes) e
o Teatro do Ginásio, onde se estreou com sucesso Caracoles (pseudónimo de Cruz Moreira). Depois
na comédia O Crescente da Vizinha, em que fa- de algum tempo fora de cena, reapareceu no Tea-
zia diversos papéis, entre eles o de um garoto, tro do Ginásio, integrada na companhia do
e agradou tanto que ficou logo contratada, per- ator Vale, e foi muito bem recebida no papel de
647 MAR

“Cassilda” em Feixe de Nervos (1895), comédia 30/04/1890, p. 13; Revista Teatral, 3.a série, 2.o Vol., n.o
em 3 atos de Rangel de Lima Júnior, Quem Me 26, 15/01/1896; A Scena, Lisboa, n.o 56, 29/05/1898; “Ne-
crologia – Jesuína Marques” [c/ fot.], O Ocidente, n.o 1160,
Empresta Um Tio?, comédia em 3 atos de L’On- Lisboa, 20/03/1911, pp. 62-63; “Jesuína Marques, o seu
cle Bidouchon (1896), de Henri Chivot, Albert falecimento” [c/ fot.], O Século, 24/02/1911, p. 3; “Ne-
Vanloo e Paul Rouget, versão de Eça Leal, Car- crologia – Atriz Jesuína Marques”, Diário de Notícias,
teira de D. Pepito (1896), traduzida do castelhano 24/02/1911; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
03/03/1952, p. 4.
por Leopoldo de Carvalho, Zé Palonso (1896), [I. S. A.]
farsa em 1 ato de Gervásio Lobato, Henrique
Lopes de Mendonça e Leopoldo de Carvalho, Maria Joana Morais Perdigão Queiroga de
O Quarto Independente (1905), de Eduardo Coe- Almeida
lho, e Pai da Pátria (1905), comédia. Com o elen- Nasceu no Redondo, Évora, a 9 de março de
co da Companhia do Ginásio foi, em 1909, ao 1885, e morreu em Lisboa no dia 27 de junho de
Brasil. Do seu repertório constam, também, as pe- 1965. Filha de Joaquim José Perdigão Queiroga
ças Os Fidalgos da Casa Mourisca, drama em e Maria Cândida Morais Perdigão. Terá conhe-
3 atos extraído do romance de Júlio Dinis por Car- cido António José de Almeida por volta de 1909,
los Borges; Divorciemo-nos, de Victorien Sardou, julga-se que durante uma ida do ilustre repu-
tradução de Manuel Pinheiro Chagas; Estação blicano a um comício no Alentejo. Casaram no
Calmosa; Os Viscondes de Valdomar; O Assas- dia 14 de dezembro de 1910, tendo como uma
sínio de Macário, de Clairville, Brot e Bernard, das testemunhas Manuel de Arriaga, futuro
tradução e adaptação de Camilo Castelo Bran- Presidente da República. O casal teve uma filha.
co; Cães e Gatos, joguete cómico em verso, em Maria Joana participou na fundação da Cruza-
1 ato, de José Estremera, tradução, também em da das Mulheres Portuguesas*, em 1916, aca-
verso, de Libânio da Silva; O Padre António; bando por presidir à Comissão de Assistência às
O Cabo da Caçarola, mágica de José Augusto de Mulheres e Mães dos Mobilizados. Em agosto de
Oliveira; Os Noivos de Vénus; e Rua da Paz 115. 1919, o marido foi eleito Presidente da República.
A 20 de fevereiro de 1911, representou, pela úl- O domínio perfeito da língua francesa levou a
tima vez, a comédia Ir a Roma e faleceu dois dias que, no ano seguinte, Maria Joana estivesse pre-
depois. Foi companheira dos atores Taborda, sente na receção ao rei Leopoldo da Bélgica, uma
Queiroz, Vale e de outras figuras proeminentes das raras ocasiões em que participou numa ce-
do teatro de comédia. Tinha uma propriedade em rimónia oficial, ao lado do marido. Em 1923, pre-
Paiões e residia em Barcarena, onde faleceu e em sidiu à Comissão Organizadora da Festa da Flor,
cujo cemitério foi sepultada. Acompanharam o evento destinado a angariar donativos para a Cruz
préstito fúnebre artistas de todos os teatros e, na Vermelha Portuguesa, instituição da qual virá a
semana seguinte, colegas e amigos mandaram ce- ser presidente honorária. Por proposta do mi-
lebrar uma missa de exéquias, na Igreja da En- nistro do Interior, foi agraciada com a Grã-Cruz
carnação, em Lisboa. da Ordem Militar de Cristo, a 5 de setembro de
Bil.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu- 1923. Em maio de 1928, participou na campa-
guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 281; Es- nha promovida pelo jornal O Rebate a favor das
teves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário famílias dos presos, deportados e exilados, pre-
histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldi-
co, numismático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João Roma-
sidindo à respetiva Comissão de Honra.
no Torres & Ca. Editores, 1909, p. 865; Gabriel Cláudio Bib.: Cristina Pacheco, “As primeiras-damas na Repú-
[pseudónimo de Guiomar Torrezão], “Através dos pal- blica Portuguesa”, A República e os Seus Presidentes,
cos”, Diário Ilustrado, 13/01/1881, p. [2], 18/10/1882, p. Câmara Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu Repú-
[2], 17/12/1882 p. [2], 10/01/1883 [2], 10 e 17/02/1883 blica e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e
pp. [2], 02/03/1883, p. 1 [c/ retrato], 21/03/1884, p. [2], Elsa Santos Alípio (coord.), As Primeiras-Damas da Re-
18/04/1884, p. [2]; Gustavo de Matos Sequeira, História pública Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da Re-
do Teatro Nacional D. Maria II, Vol. I, Publicação Co- pública, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio
memorativa do Centenário 1846-1946, Lisboa, 1955; Idem, de Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Pre-
O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Cul- sidência da República, 2005, pp. 34-73; João Esteves,
turais da Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 1967, pp. “Maria Joana Queiroga de Almeida”, DF, I, 2005, p. 700;
341, 365, 366; Ribaltas e Gambiarras [revista semanal], João Esteves, “As primeiras-damas. Primeira Repúbli-
redator Delfim de Noronha [Guiomar Torrezão], geren- ca”, As Primeiras-Damas. Presidentes de Portugal. Fo-
te Henrique Zeferino, Lisboa, Tipografia Rua do Norte, tobiografia, Lisboa, Museu da Presidência da Repúbli-
145, 1.o, n.o 1, 1.a série, 01/01/1881, p. 31; Revista Ilus- ca, 2006, pp. 3-23; Luís Reis Torgal, António José de Al-
trada, Lisboa/Porto, Livraria de António Maria Pereira, meida e a República, Rio de Mouro, Círculo de Leito-
MAR 648

res, 2004; Metzner Leone, “A viúva do presidente An- ou o primeiro Estádio da Luz, pelo fascínio que
tónio José de Almeida evoca a figura do marido”, Eva, representaram, terão influenciado a sua futura
n.o 1000, maio, 1955, pp. 12-13, 37 e 41-42; Vital Fon-
tes, Servidor de Reis e de Presidentes, Lisboa, Editora formação. Terminou o ensino secundário no Li-
Marítimo-Colonial Lda., 1945. ceu D. Filipa de Lencastre e o curso de Arqui-
[E. S. A. / S. M.] tetura em 1974, na Escola Superior de Belas-
-Artes, em Lisboa. Em 1970, ainda estudante, co-
Maria Joana Pereira meçou a trabalhar no ateliê de Frederico Geor-
Atriz dramática. Faleceu no Porto, em 1904. Ain- ge no Palácio Fronteira, a São Domingos de Ben-
da jovem, fez parte das companhias que atuaram fica. As relações de família favoreceram a pro-
no Teatro das Carmelitas, na Cerca das Carme- ximidade junto do Mestre. Foi com ele que fez
litas, no Porto, onde também representaram Car- os primeiros projetos. Foi, também, com ele que
lota Veloso* e Maria da Luz*. Foi casada com o desenvolveu a cultura de respeito da compo-
ator José Pereira. Em 1854, representou no Tea- nente artística da arquitetura, associada à di-
tro de S. João, do Porto, os melodramas A Jovem mensão humana, ao equilíbrio, à tradição po-
Irlandesa, O Dote de Susana, em tradução de J. pular e à preservação paisagística. No Centro de
M. da Silva Vieiras, e A Filha do Cego, de João Estudos de Planeamento do então Ministério do
Martins de Almeida. Em Lisboa, estreou-se no Plano e, depois, nas câmaras do Barreiro e de
Teatro das Variedades, por volta de 1858, subs- Beja dedicou-se à reconversão de áreas de
tituindo a atriz Luísa Cândida*, em Lotaria do construção clandestina, a planos urbanísticos de
Diabo, mágica em 3 atos, arranjo de Francisco iniciativa municipal, à gestão e ao desenho ur-
Palha e Joaquim Augusto de Oliveira, quando banos, bem como ao apoio a projetos locais des-
esta artista foi forçada a sair da cena e daquele tinados à implantação de equipamentos. Tra-
teatro devido a um escândalo em plena repre- balhou, igualmente, na reabilitação do núcleo
sentação. Atuou nos principais teatros de Lisboa histórico da cidade de Beja. No quadro da coo-
e Príncipe Real e Baquet do Porto, onde, em 1867, peração, exerceu funções de assessoria para as
integrava a companhia que apresentou Os Tan- questões do habitat na Guiné-Bissau e no Zim-
tos por Cento, comédia em 3 atos de Alfredo Ataí- babué, nomeadamente no que se referia à dis-
de, e a comédia em 1 ato Dormir Acordado. De- cussão de programas e planos habitacionais, e
pois de um período afastada dos palcos, por incentivou a autoconstrução no contexto de pro-
doença, voltou para o Teatro da Avenida, em jetos de renovação urbana com aplicação de tec-
1888. Ficou viúva e continuou a representar até nologias tradicionais, adaptadas e aperfeiçoadas.
idade avançada. Faleceu já muito idosa. Era mui- Em 1993, recebeu o Prémio Municipal de Ar-
to querida do público. quitetura Espiga de Ouro, atribuído pela inter-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- venção num edifício em ruína no centro histó-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p 1031; rico de Beja, onde está instalada a Casa das Ar-
António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lisboa, Edi- tes Jorge Vieira. Em 1995, a construção da bar-
torial Século, 1947, p. 224; Esteves Pereira e Guilherme
Rodrigues, Portugal. Dicionário histórico, corográfico, ragem no Guadiana, em Alqueva, ao gerar o gran-
biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático e ar- de lago, impôs, pela primeira vez em Portugal,
tístico, Vol. II, Lisboa, João Romano Torres, Editor, Vol. a relocalização da aldeia que ficaria submersa.
V, p. 602; Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, 1.a série, Maria João George foi incumbida de coordenar
26/03/1881, p. 238; O Recreio, Lisboa, 5.a série, n.o 1, esses trabalhos na aldeia da Luz. Assegurou des-
13/02/1888; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
09/02/1956, p. 4, 03/1/1956, p. 4. de o início, ainda na fase de conceção, até à con-
[I. S. A.] cretização final da obra, não só a construção do
quadro físico mas, também, a manutenção e re-
Maria João Gaudêncio Simões George composição da rede de relações sociais que es-
Nasceu em Lisboa a 14 de outubro de 1948 e fa- truturavam a vida das famílias residentes na al-
leceu a 21 de março de 2006. Era filha do ar- deia, na perspetiva de melhor qualidade urba-
quiteto João Simões e neta, pelo lado materno, na e ambiental. Objetivos estes reconhecida-
do construtor Amadeu Gaudêncio. Cresceu no mente atingidos. Mulher envolvida, desde sem-
Bairro da Estefânia rodeada pelos grandes es- pre, nos movimentos estudantis, cívicos e de-
tiradores que preenchiam os ateliês. As imagens mocráticos, dedicou a sua vida ao interesse pú-
do pai debruçado nessas imensas mesas a de- blico. Casada com Francisco George, médico, es-
senhar os Armazéns Frigoríficos de Alcântara pecialista em Saúde Pública, atualmente di-
649 MAR

rector-geral de Saúde, optou pelo nome do ma- Maria João George


rido, sendo conhecida profissional e socialmente v. Maria João Gaudêncio Simões George
por Maria João George. Mãe de três filhos, mor-
reu aos 57 anos de idade, juntamente com sua Maria José
filha Catarina, em consequência de acidente de Nasceu em 1829 e faleceu em 1894, em Lisboa.
viação. Para além dos numerosos documentos Foi uma das fundadoras da Associação de Clas-
técnicos que subscreveu e comunicações que se das Lavadeiras, uma das primeiras organiza-
apresentou, deixou o seu pensamento escrito em ções sindicais formadas só por mulheres. Tinha
crónicas publicadas na imprensa regional, em a profissão de lavadeira nos lavadouros muni-
particular no Diário do Alentejo e no Mais Alen- cipais de Lisboa. Distinguiu-se nas reivindica-
tejo. Os amigos salientam, como principais tra- ções de melhores salários, condições de vida e
ços que moldaram a sua personalidade, a sere- trabalho das lavadeiras e na luta contra a dis-
nidade absoluta perante as mais diversas ad- criminação das mulheres operárias por parte de
versidades, a permanente dedicação à família, colegas do sexo masculino.
a constante valorização do lado positivo da vida Bib.: Joaquim Palminha da Silva, Dicionário do Movi-
perante contrariedades e, também, a maneira mento Socialista Português, Lisboa, Fundação José
gentil como enfrentava as dificuldades sem re- Fontana, 1989, p. 74.
curso a lamúrias. A bastonária da Ordem dos Ar- [I. S. A.]
quitetos, numa nota que publicou a propósito
da morte de Maria João George, sublinhou a sua Maria José das Neves
“grande compreensão para as questões do ha- Atriz. Nasceu no Porto, em 1895, e faleceu em
bitat como parte integrante da qualidade de vida Lisboa em 1981. Distinguiu-se nos géneros de
das populações e como fator decisivo do de- comédia e revista. Foi casada com o empresá-
senvolvimento local”, enquanto os serviços rio teatral Lopo Lauer (1900-1968). Iniciou a car-
da Empresa de Desenvolvimento e Infra-estru- reira artística em 1907, no Porto, Teatro Sá da
turas de Alqueva (EDIA) realçaram a “invejável Bandeira, na peça Tripleratte, ao lado de Augusta
capacidade de diálogo, paciência quase infini- Cordeiro*, Maria Pia* e Palmira Torres*. No Tea-
ta, fino sentido social, grande experiência téc- tro Carlos Alberto, entrou em O Chico das Pegas
nica e, sobretudo, uma rara grandeza de alma (1917), opereta portuguesa em 3 atos de Eduar-
associada a uma modéstia quase monástica”. do Schwalbach, música de Filipe Duarte, e no
A Associação do Espaço e Património Popular Teatro Nacional do Porto foi muito aplaudida nas
testemunha “a sua intervenção lúcida, ousada revistas O Novo Mundo (1918), em 2 atos, de Er-
e participativa, em tudo o que se relacione com nesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos,
a arquitetura, o urbanismo e o progresso”. O Con- música de Alves Coelho e Venceslau Pinto, e Ter-
selho de Administração da EDIA, em 22 de mar- ra e Mar (1918), de Virgílio Pinheiro (Alfredo Cor-
ço de 2006, “destaca o mérito excecional que ca- tez), música de Filipe Duarte. Em Lisboa, cantou
racterizou o desempenho da Senhora Arquite- nas revistas Lisboa Amada, de Lino Ferreira, Ar-
ta Maria João George em todas as tarefas que lhe tur Portela e Henrique Roldão, música de Luz Jú-
foram confiadas, com particular relevo para o nior e Vasco Macedo (Teatro República, 1917),
trabalho de coordenação do Gabinete de Reins- Mãe Eva, de Lino Ferreira Feliciano Santos e Sil-
talação da Aldeia da Luz, missão complexa e es- va Tavares, música de Hugo Vidal e Vasco Ma-
pecialmente exigente que cumpriu com invul- cedo (Variedades, 1928) e no Teatro Maria Vitó-
gar competência e espírito de abnegação, mui- ria fez O Ri có-có (1929), de Lino Ferreira e Sil-
tas vezes com sacrifício da sua vida pessoal”. va Tavares, música de Ramon Torrealba e Vasco
Também no mesmo dia, a Câmara Municipal de de Macedo, Pé de Vento (1930), de Almeida Ama-
Beja aprovou um voto de pesar que teve em con- ral e Fernando Santos, música de Vasco de Ma-
sideração “a intervenção política e cívica, preo- cedo, Hugo Vidal e Raul Ferrão, Zás trás pás
cupada e consciente, que norteou a vida da Ar- (1931), de Lino Ferreira, Fernando Santos e Vas-
quiteta Maria João George”. co de Matos, música de Vasco Macedo e Cami-
lo Rebocho, Viva o Jazz (1931), de Lino Ferrei-
Fonte: Curriculum Vitae de Maria João George, 2 f., Cen-
tro de Documentação da Associação Portuguesa de En-
ra, Silva Tavares e Fernando Santos, Pim pam
fermeiros. pum! (1932), de Lino Ferreira e Lourenço Ro-
[M. V. F.] drigues, música de Raul Portela e Raul Ferrão, Ar-
MAR 650

raial, de Alberto Barbosa, José Galhardo e Vasco tem mais nada além dessa carta. É a própria Ma-
Santana, música de Raul Portela e Raul Ferrão ria Couto que a assina, em 1892, quando todos os
(Trindade, 1933) e Zé dos Patacos, dos mesmos documentos lhe são devolvidos. Existe referên-
autores (Apolo, 1934), entre outras, aparecendo, cia a Maria Couto nos Almanaques Comerciais a
pela última vez, em O Banzé, de João Ninguém, partir de 1895, pelo que se conhece um pouco
música de Raul Portela, Raul Ferrão e Fernando mais do seu percurso. Maria Couto aparece listada
de Carvalho (Maria Vitória, 1939). Fez várias como docente do quadro permanente da Escola
digressões ao Brasil entre 1917 e 1932, tomando Paroquial do sexo feminino n.o 20, 1.o Bairro, na
parte na inauguração do Teatro Carlos Gomes do Freguesia de Sta. Engrácia.
Rio de Janeiro, e atuou em Buenos Aires. Entrou Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
nos filmes Aventuras de Frei Bonifácio e Pátio – Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888.
das Cantigas. Retirou-se de cena. Bib.: Caldeira Pires (coord.), Anuário Comercial ou Anuá-
rio Oficial de Portugal Ilhas e Ultramar, da Indústria,
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Magistratura e Administração para 1900, Lisboa, 1895,
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 963; p. 126.
Vítor Pavão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma his-
[A. C. O.]
tória breve do teatro de revista, Lisboa, Edições “O Jor-
nal”, 1978; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
01/03/1956, p. 4. Maria José de Almeida Furtado de Mendonça
[I. S. A.] Poetisa. Nasceu em 1836, em Rapa, Celorico da
Beira, e faleceu na mesma localidade em janeiro
Maria José de Almeida de 1910. Era casada com José Maria de Almei-
Atriz. Por volta de 1840 estava no Teatro do Sa- da Rebelo (f. 15/04/1863). Nos seus poemas, os
litre e agradou muito nas peças Rei e Aventureiro, sentimentos têm uma relação íntima com a na-
Conde João e Fidalgo no Tempo de Napoleão. tureza, com quem, por vezes, estabelece diálo-
Em 1846, entrou para o Teatro Nacional Lisbo- go. Na carta-prólogo ao livro Flores de Inverno,
nense, nome dado ao antigo Teatro do Ginásio, Cândido de Figueiredo diz que a poetisa, ao es-
integrando o elenco do espetáculo de estreia, o crever os versos, “pensou nos seus afetos do lar,
melodrama Os Fabricantes de Moeda Falsa, de nas cenas singelas da aldeia e do campo, e dei-
César Perini de Lucca, professor no conservatório. xou ir a pena à feição da verdade e do impul-
O teatro esteve encerrado e, quando reabriu, re- so do seu amantíssimo coração”. Colaborou no
presentou as peças do repertório com boa rece- Almanaque de Lembranças Luso Brasileiro
ção do público e da crítica. Entrou como “com- desde 1861, com “Charadas” e “Logogrifos”, em
primata” na Traviata (época 1856-1857), no Tea- verso e com as poesias “Stabat-mater”, tradução
tro de S. Carlos. do hino (1864), “À morte de meu marido, José
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- Maria d’Almeida Rebelo” (1866), “Solidão”
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 196; (1868), “Ao meu chorão” (1875), “Responsório
Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, Decadência a Santo António” (1881), “O mês de janeiro,
do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Romano Torres &
Ca., 1922, p. 276; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo queixas” (1882), “A tua voz” (1883), “Saudades
e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da de meu filho Pedro, falecido no Colégio de S.
Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 306. Fiel” (1885), “Março” e “Salmo 93”, traduções
[I. S. A.] (1886), “Ao mês de maio de 1880” (1887); no Al-
manaque das Senhoras, com “Improviso”
Maria José de Almeida Couto (1892), “Órfã, ao retrato de uma criança” (1899);
Professora complementar pela Escola Normal do e na revista A Mulher (1883). Usou o pseudó-
Porto, candidatou-se, em 16 de março de 1890, ao nimo de Sara.
lugar de professora no Liceu Feminino que iria
Da autora: Auto da Vida de S. Sebastião que, como pri-
abrir no Porto, uma vez que se considerava ha- mícias do seu trabalho, oferece ao Ilmo. E Exmo. Sr. Dr.
bilitada não só pelo grau conferido pelo diploma, Bernardino Freire de Castelo Branco Mascarenhas, Por-
mas também pelos anos de prática de ensino. Foi to, Tipografia de R. J. Oliveira Guimarães, 1862; Flores de
professora elementar e complementar e da cadeira Inverno, versos escolhidos, com carta-prólogo de Cândido
de Português no curso municipal de habilitação de Figueiredo, Lisboa, Livraria Ferin – Editora, 1898; Con-
tos Ilustrados, Lisboa edição de M. Gomes [1900].
para o magistério primário. Todos estes serviços Bib.: Cândido de Figueiredo, “Carta-prólogo”, Flores de
foram bem classificados. Afirmava, na sua carta Inverno, versos escolhidos, Lisboa, Livraria Ferin – Edi-
de apresentação, provar tudo, mas o processo não tora, 1898, pp. 1-8; Inocêncio Francisco da Silva, Di-
651 MAR

cionário Bibliográfico Português, Tomo XVI, Lisboa, Im- Serpa Pinto, criou, em 1959, na mesma Oficina,
prensa Nacional, 1893, p. 356. uma secção especializada na preservação destes
[I. S. A.]
artigos de grande fragilidade; a responsável
foi, de novo, enviada a estagiar, desta vez no Mu-
Maria José de Furtado de Mendonça seu de Antiguidades de Estocolmo, com o con-
v. Maria José de Almeida Furtado de Mendonça tributo da Fundação Gulbenkian [BMNAA, Vol.
IV, n.o 2, 1960]. A conservação de tecidos cons-
Maria José de Mendonça tituiu “uma preocupação dominante na sua vida
Nasceu a 10 de janeiro de 1905, em Lisboa, e mor- profissional”, conforme salientou o pintor Abel
reu na mesma cidade a 17 de agosto de 1984. Fi- de Moura, que sublinha a boa reputação que a
lha do médico Alberto de Mendonça e de Ma- oficina alcançou no país e nos meios estrangei-
ria Beatriz Duarte de Araújo. Licenciada em Ciên- ros da especialidade. Maria José de Mendonça
cias Histórico-Filosóficas, fez o estágio de Con- continuou a dirigi-la mesmo enquanto foi dire-
servadora dos Museus Nacionais, que terminou tora do Museu Nacional dos Coches. Membro do
em 1938; logo a seguir foi encarregada pela di- Centre International d’Études des Textiles An-
reção do Museu de Arte Antiga (MNAA) de fa- ciens, de Lyon – onde também representou Por-
zer o inventário e classificação das tapeçarias das tugal –, incentivou a elaboração de um Voca-
coleções do Estado português. Reparou, nessa al- bulário Português de Técnica Têxtil, formando
tura, nas “precárias condições em que se en- para o efeito um grupo de trabalho que traduziu
contravam as 170 tapeçarias de fabrico flamen- o vocabulário francês, investigou os termos
go, francês, espanhol, holandês e português, dos portugueses de tecelagem, procedeu às neces-
séculos XVI a XIX”, pertencentes aos museus e sárias adaptações e à sua publicação. Reconhe-
palácios nacionais, o que a levou a preconizar cida internacionalmente como perita nesta área,
a criação de uma oficina destinada ao tratamento passou a integrar, em 1962, como vogal, o con-
e conservação deste património, aplicando, selho diretor do Instituto José de Figueiredo. De-
para o efeito, os princípios adotados no campo cidida, entretanto, a instalação em Portugal da
da pintura: “O processo empregado na recons- Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), Maria José
tituição das grandes zonas de perdas consistiu, de Mendonça é convidada pelo seu presidente,
simplesmente, em refazer nos tapetes de felpa Dr. José de Azeredo Perdigão, a colaborar na ins-
a teia e a urdidura sem a decoração feita pelos tituição, assumindo a direção do Serviço de Mu-
nós, e na tapeçaria zonas lisas, sem desenho”, seu e Belas-Artes até 1960. Nesse âmbito, orga-
escrevia [BMNAA, Vol. IV, n.o 4,1962, p. 24]. Ao nizou a primeira Exposição de Artes Plásticas,
termo “restauro” preferia, assim, o de “conso- na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em
lidação”. Sentindo, então, a necessidade de mão 1957, “manifestação inaugural” da FCG neste
de obra convenientemente habilitada, consultou, campo e, segundo Maria Teresa Gomes Ferrei-
em 1950, o organismo oficial francês Mobilier Na- ra, “iniciativa da maior importância para a in-
tional, estabeleceu a articulação entre este e o Mi- centivação e desenvolvimento da arte contem-
nistério da Educação Nacional, obtendo um pa- porânea em Portugal”, tarefa a que meteu ombros
recer sobre a conservação das tapeçarias e a for- com entusiasmo, demonstrando “a atualidade do
mação do pessoal português. A Oficina de Con- seu pensamento em matéria nessa data tão
servação de Têxteis foi instalada no, ao tempo, controversa”. No ano seguinte, realizou a ex-
Instituto de Restauro sedeado no MNAA, co- posição “A Rainha D. Leonor”, patente no Mos-
meçando a funcionar em 1956, sob sua orien- teiro da Madre de Deus em Lisboa. Dados os seus
tação; a instâncias suas, a respetiva chefe, Maria notáveis conhecimentos de museologia, a fun-
José Taxinha, frequentou um estágio nas ofici- dação incumbiu-a de selecionar as peças, orga-
nas de restauro das tapeçarias da Manufactura nizar e acondicionar a coleção de obras de arte
dos Gobelins e um curso para análise de teci- de Calouste Gulbenkian, então recém-chegada
dos antigos, em Lyon. Conhecedora, igualmen- a Portugal; foi ainda encarregada de elaborar o
te, dos preciosos conjuntos de tecidos, rendas programa e os planos do futuro Museu Gul-
e bordados existentes em museus e igrejas por- benkian, o que realizou com grande competên-
tugueses, e solicitada, entretanto, a oficina, pela cia, constituindo, para o efeito, um grupo de con-
Sociedade de Geografia de Lisboa, para trata- sultores especialistas do mais alto gabarito,
mento da Bandeira Nacional da Expedição de com destaque para Georges Henri Rivière (1897-
MAR 652

-1985) – na altura, o maior expoente da museo- tas condições, tivesse acesso”. Na opinião de José
logia, diretor executivo do ICOM, organizador Luís Porfírio, os aspetos mais marcantes da di-
do Musée de l’Homme e fundador do Musée des reção de Maria José de Mendonça foram a rear-
Arts et Traditions Populaires – e João Couto rumação das reservas – “trabalho invisível e im-
(1892-1968), diretor do Museu Nacional de possível de inaugurar, logo, ingrato aos poderes
Arte Antiga. O planeamento e a programação do políticos, mas que permitiu muito bom trabalho
museu por si elaborados constituíram um no- futuro; a formação de conservadores através do
tabilíssimo trabalho – impercetível aos olhos curso que fundou e dirigiu a partir de 1967; e a
dos leigos, mas a que os especialistas e profis- criação de um corpo técnico de profissionais den-
sionais atribuem decisiva importância e valor tro do museu, assegurando a continuidade do tra-
fundamental –, no qual assenta o bom resulta- balho e o seu desenvolvimento por mais uma ge-
do que a conceção arquitetónica sobre ele ba- ração”. Apoiou o Serviço Educativo do MNAA,
seada veio a proporcionar. Discordâncias com a criado pelo Dr. João Couto, e manteve a publi-
presidência da administração da FCG fizeram- cação do Boletim do Museu Nacional de Arte An-
-na regressar ao Estado (estava com licença ili- tiga, que não sobreviveu ao seu mandato. Re-
mitada desde 11 de setembro de 1959), man- cebeu a doação da “Sala Patiño” (1968) e acon-
tendo, contudo, as boas relações pessoais. A 25 dicionou-a no museu. Realizaram-se, no seu tem-
de maio de 1962 foi empossada diretora do Mu- po, numerosas exposições de grande importân-
seu Nacional dos Coches, funções que exerceu cia cultural, entre as quais avultam, segundo José
até ser substituída, em finais de 1968, embora em Luís Porfírio: “A obra do Dr. João Couto no Mu-
1967 viesse a assumir a direção do MNAA. Ao seu Nacional de Arte Antiga” (1967) – “uma das
iniciar o mandato defrontou-se com graves pro- primeira exposições sobre museologia realiza-
blemas de conservação decorrentes de um ata- das em Portugal”; “Dürer e o seu tempo”, por oca-
que de térmitas. Sob a sua orientação foram rea- sião do 5.o centenário do nascimento de Albrecht
lizadas importantes remodelações no museu, no- Dürer (maio de 1971), admirável apresentação
meadamente no Salão Nobre e no Salão Novo. levada a cabo com “pouquíssimos meios”;
Em homenagem à última rainha de Portugal, pro- “Tentações de Santo Antão, de Jheronimus
jetou a abertura de uma sala dedicada a D. Amé- Bosch” (1972), que “divulgou um notabilíssimo
lia de Orleães e Bragança. A conservação das restauro e respetivo estudo realizado no Instituto
obras de arte, a reinstalação das coleções em ar- José de Figueiredo”; “Para uma ‘visão’ táctil”
recadação, os inventários – designadamente o da (1973), que foi “o desenvolvimento prático de
indumentária civil –, edições de catálogos e pu- uma dissertação final de Curso de Conservador
blicações relevantes para o museu, assim como realizada por Maria Francisca Dinis e dedicada
o tema dos cortejos de gala, mereceram a sua es- a cegos e amblíopes”; “O Traje Civil em Portu-
pecial atenção. Encomendou estudos a espe- gal” (1974), da responsabilidade da Dr.a Natália
cialistas, tanto no domínio da química – tendo Correia Guedes, que veio a dar origem à criação
em vista a conservação e o restauro do acervo –, do Museu do Traje. Embora de menor dimensão,
como de carácter histórico, sobre viaturas e sua mas reveladoras da sua abertura de espírito e ca-
utilização. Por sua iniciativa, começou também pacidade de entusiasmo, menciona ainda José
a funcionar neste museu um Serviço Educativo. Luís Porfírio: “Os Monstros” (1973), desenhos
Em 6 de julho de 1967 sucedeu a Abel de Mou- de alunos da Escola Primária de Benfica sobre
ra na direção do MNAA, cargo em que perma- Bosch, proposta por Maria José de Mendonça,
neceu até atingir o “limite de idade”, a 10 de ja- e “Sto António, S. João, S. Pedro”, exposição
neiro de 1975. Fez face a diversos problemas, en- aberta para rua nas noites do arraial popular or-
tre os quais a exiguidade do quadro de pessoal, ganizado pelo Vendedores de Jornais Futebol Clu-
a defesa contra roubo e incêndio e as grandes be no Largo José de Figueiredo, em frente ao
obras realizadas no edifício. Reorganizou in- MNAA. Perto do termo do seu mandato foi pre-
ternamente a instituição, e preparou-a para parada a exposição “Bosch: artistas contempo-
progredir. As reservas foram um dos seus prin- râneos e as tentações de Sto. Antão”, (1975), inau-
cipais cuidados, não só para “melhor conser- gurada logo após a sua aposentação. Maria José
vação e distribuição das coleções”, mas também de Mendonça dedicou ao primeiro museu por-
com o objetivo de poderem vir a “constituir ga- tuguês “a maior parte da sua vida profissional
lerias de estudo às quais o público, dentro de cer- ativa, imprimindo-lhe um cunho pessoal re-
653 MAR

sultante da sua forte personalidade, de uma gran- Mendonça foi auxiliar do apostolado e noelis-
de sensibilidade e de uma sólida formação mu- ta, assumindo também um papel de relevo no
seológica. E foi assim que – na continuação de Movimento da Renovação da Arte Religiosa
José de Figueiredo e de João Couto – realizou ali (MRAR). Por determinação própria, a sua bi-
uma obra de defesa, enriquecimento e difusão blioteca particular encontra-se no Museu do Tra-
do património cultural português” [Bragança Gil, je, em Lisboa. Solteira, de família abastada, era
Boletim da APOM]. Os especialistas relevam o também proprietária na zona de Coruche.
seu profundo conhecimento sobre tapeçaria e re- Da autora: “A colecção de tapeçarias do Museu das Janelas
ferem o escrupuloso rigor com que datava as pe- Verdes”, BMNAA, n.o 1, 1939; “As tapeçarias da história
ças: contrariando a tendência da época – recuar de Marco Aurélio”, BMNAA, n.o 2, 1939; “Um gobelin des-
o mais possível a datação –, atribuía-lhes uma conhecido encontrado nas colecções do Estado”, Ocidente,
Vol. VIII, n.o 20, 1939; “Um álbum de desenhos de A. Noel
data ligeiramente posterior, por prudente mar- na colecção do Museu das Janelas Verdes”, BMNAA, n.o
gem de segurança. Os relatórios das Reuniões de 3, 1940; “Relação dos panos de raz existentes nas colec-
Conservadores de Museus, Palácios e Monu- ções do Estado”, Boletim da Academia Nacional de Be-
mentos Nacionais registam as suas pertinentes las Artes, Vol VII, 1940; “Subsídios para a bibliografia da
pintura portuguesa dos séculos XV e XVI”, BMNAA, n.o
intervenções e comunicações. Inteligente, viva, 4, 1941; “Conservação, restauro e apresentação de tape-
estudava com afinco, discutia com veemência e çarias e tapetes antigos”, BMNAA, Vol. II, n.o 5, 1941; “Con-
gostava de levar a sua avante. Foi membro ati- servação das tapeçarias de Estado”, BMNAA, n.o 7, Vol
vo do ICOM (International Council Of Museums). III, 1942; “Uma tapeçaria dos vícios e das virtudes ‘A Mú-
“À iniciativa, inteligência, entusiasmo e per- sica’”, Lisboa, BMNAA, Vol. I, n.o 1, 1944; Catálogo da 1.a
Exposição de Arte Sacra Moderna [texto de MJM], Lis-
sistência” de Maria José de Mendonça se deveu boa, União Noelista Portuguesa, 1945 [obra publicada por
a criação, em 1965, da Associação Portuguesa de ocasião da exposição patente em Lisboa, no Palácio das
Museologia (APOM), que contou entre os fun- Galveias, 15-30 de maio de 1945]; “Uma estátua desa-
dadores João Couto, Carlos de Azevedo, Adria- parecida de Joaquim Machado de Castro”, Lisboa,
BMNAA, Vol. I, n.o 3, 1946; Rendas Portuguesas e Es-
no Gusmão, e cuja primeira direção assumiu. trangeiras dos Séculos XVII a XIX, [apresentação de João
A APOM prestou homenagem ao seu saber e tra- Couto, introdução de MJM], Lisboa, Museu Nacional de
balho de museóloga aquando da sua aposenta- Arte Antiga, 1948 [obra publicada por ocasião da expo-
ção, dedicando-lhe integralmente o Boletim da sição organizada e patente no MNAA]; “As artes orna-
APOM de janeiro-abril de 1975, que intitulou Ma- mentais no século XVI”, História da Arte em Portugal, M.
Chicó, M. de Mendonça, F. de Pamplona, D. Peres, Por-
ria José de Mendonça e a Museografia em Por- to, Portucalense Ed., Vol. II, 1948, pp. 405-445; “Affini-
tugal. Presidente desta associação durante vários tés du polyptique de Nuno Gonçalves avec des tapisse-
anos, promoveu, nessa qualidade, muitas sessões ries et fresques du Duché de Bourgogne” [comunicação
de estudo e “algumas das suas realizações mais apresentada no XVI Congresso Internacional de História
de Arte], Lisboa, 1949; “Alguns tipos de colchas indo-por-
notáveis, como o seminário ‘Museus e Educa- tuguesas na colecção do Museu de Arte Antiga”, BMNAA,
ção’”, segundo F. Bragança Gil, que afirma ain- Vol. II, n.o 2, 1949; “Tapetes de Arraiolos”, Arte Portuguesa
da: “Toda a sua ação de museóloga ficou mar- – As artes decorativas, Vol. I, João Barreira (dir.), Lisboa,
cada por um forte cunho pessoal: pode-se con- Ed. Excelsior, [1952?], pp. 265-320; “Bordados indo-por-
tugueses – Novas aquisições do Museu de Lisboa”,
cordar ou discordar com as realizações efetua- BMNAA, Vol. III, n.o 1, 1955; “Catálogo da obra docu-
das ou as soluções obtidas; porém, não será pos- mentada de Joaquim Machado de Castro e da sua ofici-
sível ignorá-las, pois o seu espírito irrequieto, a na no Museu de Arte Antiga”, BMNAA, Vol. III, n.o 1, 1955;
sua grande vontade e a dádiva total que fez à sua “A oficina de beneficiamento de tapeçarias do Instituto
profissão jamais lhe consentiram uma situação de Restauro de Lisboa”, BMNAA, Vol. III, n.o 2, 1956; “Por-
tugal in India, China and Japan – A temporary exhibition
de cómodo ‘deixar correr’ nas tarefas de que se in the Lisbon Museum”, London, Oriental Art, Vol. II, n.o
encarregou.” Acentuam os especialistas as suas 2, 1956; A Rainha D. Leonor [exposição organizada por
capacidades de trabalho, planeamento, método MJM et al., patente no Mosteiro da Madre de Deus em Lis-
e organização, que não se coibiu de se empenhar boa], Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1958; “A ex-
posição da Rainha D. Leonor no Mosteiro da Madre de
em atividades menos vistosas, mas essenciais Deus”, Colóquio, n.o 2, março, 1959, pp. 16-23; “A ofici-
para o bom funcionamento dos serviços que di- na de beneficiamento de têxteis do Instituto de Restau-
rigiu. O Estado português reconheceu o seu mé- ro de Lisboa”, BMNAA, Vol. IV, n.o 2, 1960; “Restauro e
rito agraciando-a com o grau de Comendadora conservação de têxteis dos museus da província” [co-
municação apresentada à 1.a Reunião dos Conservadores
da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada em 7 dos Museus, Viseu, 1960], Ocidente, Vol. LXI, 1961; “Uma
de junho de 1982. Estruturalmente cristã e hu- tapeçaria da época dos Descobrimentos com as armas reais
mana, católica convicta e ativa, Maria José de portuguesas”, Ocidente, Vol. LX, 1961; “A oficina de con-
MAR 654

servação de têxteis – Organização, instalação e método Maria José Taxinha, Maria Madalena de Cagigal e Silva,
de trabalho”, BMNAA, Vol. IV, n.o 3, 1962; “A oficina de Maria Rita Seabra Botelho, Maria Teresa Gomes Ferrei-
conservação de têxteis em Lisboa” [comunicação à 2.a Reu- ra, Sérgio Andrade et al.] [mimeo]; António Pinto Ribeiro,
nião de Conservadores dos Museus, Palácios e Monu- “Museu Gulbenkian, uma visita guiada”, ‘Arte’, António
mentos Nacionais, Lisboa, Nov. de 1961], BMNAA, Vol. Barreto (coord.) Fundação Calouste Gulbenkian – Cin-
IV, n.o 4, 1962; “A oficina de conservação de têxteis” [de- quenta Anos – 1956-2006, Vol. I, Lisboa, Fundação Ca-
monstrações da técnica dos trabalhos durante a 2.a Reu- louste Gulbenkian, 2007, p. 265; Boletins do Museu Na-
nião de Conservadores dos Museus, Palácios e Monu- cional de Arte Antiga (BMNAA); Daniel Pires, Dicioná-
mentos Nacionais], BMNAA, Vol. IV, n.o 4, 1962; “As ar- rio da Imprensa Periódica Literária Portuguesa no Século
recadações de arte ornamental e de escultura do Museu XX (1941-1974), II Vol. 1.o Tomo, Lisboa, Grifo, 2000, pp.
Nacional de Arte Antiga”, Porto, Museu, 2”, n.o 5, 1963; 203, 253, 290, 351; Irene Flunser Pimentel, História das
“O Museu de Crianças de Brooklin”, Viseu, [1963], Sep. Organizações Femininas no Estado Novo, Rio de Mou-
Viriatis, 4; “Processos de defesa das obras de arte contra ro, Círculo de Leitores, 2000, p. 337; José-Augusto
os danos causados pela luz”, Porto, Museu, 2”, n.o 5, 1963; França, Memórias para o Ano 2000, Lisboa, Livros Ho-
“Restauro das tapeçarias do Museu de Lamego”, Colóquio, rizonte, 2000, pp. 140-144; Museu, publicação do Círculo
n.o 26, 1963; Problema de Conservação do Museu Nacional José de Figueiredo, Porto.
dos Coches e Remodelação do Mesmo Museu [comuni- Informações facultadas por: Madalena Cabral, Arq.a Te-
cação apresentada na IV Reunião dos Conservadores dos resa Pacheco, Dr. José Luís Porfírio, Maria Helena
Museus, Palácios e Monumentos Nacionais, Coimbra, 17- Mendes Pinto, Dr.a Natália Correia Guedes, Dr. Paulo Hen-
-20 Out. 1963]; “Restauro de têxteis dos museus de pro- riques.
víncia”, Viseu, Sep. Viriatis, 4; Catálogo do Museu Na- [M. R. S.]
cional dos Coches, Direcção-Geral do Ensino Superior e
Belas-Artes [Introdução de MJM, prefácio Luís Keil], 4.a
edição, Lisboa, Ministério da Educação Nacional, 1964; Maria José de Noronha
O Programa da Remodelação e Ampliação do Museu Na- Atriz. Quando o Teatro do Ginásio reabriu, de-
cional dos Coches [comunicação apresentada na V Reu- pois de modernizado, em 18 de novembro de
nião dos Conservadores dos Museus, Palácios e Monu-
mentos Nacionais, Aveiro, 2-5 de Out. 1964]; Un Problème
1852, foi logo escriturada pela sociedade artís-
de Restauration d’Une Tapisserie Bruxeloise du XVIe siè- tica da companhia de que faziam parte Maria da
cle, Conference. Delft 1964; Organismos Portugueses de Assunção Radice*, Emília Cândida*, Taborda,
Museologia [comunicação apresentada na VI Reunião de Braz Martins, Areias, entre outros. Integrou as
Conservadores dos Museus, Palácios e Monumentos Na- peças do repertório e, em 1860, ainda estava no
cionais, Guimarães, novembro de 1965]; Problemas da
Conservação e Restauro de um Coche do Museu Nacio- mesmo teatro.
nal dos Coches, Idem, ibidem; Exposição de Silhuetas da Bib.: Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
Baronesa Evelyne von Maydell [apresentação de MJM., cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
introd. de Maria Madalena de Cagigal e Silva], Lisboa, Mi- heráldico, numismático e artístico, Vol. IV, Lisboa, João
nistério da Educação Nacional [obra publicada por oca- Romano Torres & Ca. 1909, p. 414; Eduardo de Noronha,
sião da exposição patente no MNAA, Lisboa, julho de Estroinas e Estroinices, Decadência do Conde de Farro-
1971]; Guide du Musée National d’Art Ancien, Lisbon- bo, Lisboa, Edição Romano Torres & Ca., 1922.
ne, Museu Nacional de Arte Antiga, 1971; José Francis- [I. S. A.]
co de Paiva: Ensamblador e arquitecto do Porto, 1744-1824
[apresentação de MJM / Maria Helena Mendes Pinto], Lis-
boa, Museu Nacional de Arte Antiga, 1973; O Loudel de Maria José dos Santos
D. João I [MJM, Maria José Taxinha e Maria Emília Ama- Atriz. Nasceu por volta de 1825. Frequentou o
ral Teixeira], Lisboa, Direcção-Geral dos Assuntos Cul- Real Conservatório, onde continuava a receber
turais, 1973, Sep. Museus de Portugal, 2.a ed. 1981; O Tra-
je Civil em Portugal [apresentação de MJM, introdução de lições em 1843. Era muito jovem quando entrou
Maria Natália Correia Guedes], Lisboa, Ministério da Edu- para o Teatro do Salitre e, ali, protagonizou Mar-
cação Nacional, Direcção-Geral dos Assuntos Culturais, garida de Queluz (1842), uma cooperação fran-
1974; Vocabulário Português de Técnica Têxtil [MJM, Ma- cesa de Desnoyer, Foucher e Lavergne, tradução
ria José Taxinha, Maria Manuela do Pilar], Lyon, Centre
International d’Étude des Textiles Anciens, 1976; In- de Antero Albano da Silva Pinto, “Leontina”, em
ventário de Tapeçarias Existentes em Museus e Palácios O Duque de Borgonha (1843), e entrou em O Ti-
Nacionais [introd. de Natália Correia Guedes], Lisboa, Ins- rano de Pádua (1843), de Victor Hugo, tradução
tituto Português do Património Cultural, 1983. Colabo- de Luís Augusto Rebelo da Silva. Em outubro de
rou em: Boletim da Mocidade Portuguesa Feminina [so-
bre temas de arte]; Encontro – Órgão da Juventude Uni-
1843, era “primeira dama” do teatro. Fez bene-
versitária Católica, “secção de arte”; Horizonte – Jornal fício com Palafox em Saragoça, peça de grande
das artes; Ler – Jornal de letras, artes e ciências; e Pa- aparato, e o papel de “Cornélia”, em Eulália Pon-
norama – Revista portuguesa de arte e turismo. tois (1844), drama em 5 atos e 1 prólogo de Fré-
Bib.: AA.VV., “Maria José de Mendonça e a museogra-
fia em Portugal”, Boletim da APOM – Associação Por-
déric Soulié. Foi para o novo Teatro do Ginásio
tuguesa de Museologia, n.o 7/8, janeiro-abril, 1975 [col. em 1846, onde pouco tempo se demorou e teve
F. Bragança Gil, Maria Alice Beaumont, Abel de Moura, bastante êxito em Os Dois Vadios, drama de Pau-
655 MAR

lo Midosi. Passou ao Teatro Nacional Normal da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Com o ma-
Rua dos Condes, onde fez o papel de “Maria Te- rido e filhos foi para o Brasil.
les” em Leonor Teles (1846), drama em 5 atos de Bib.: Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de teatro,
Marcelino Mesquita, premiado pelo Conserva- Lisboa, Livraria Popular, 1924.
tório Real de Lisboa. Nesse ano ingressou na so- [I. S. A.]
ciedade artística do recém-inaugurado Teatro D.
Maria II, classificada em “segunda dama central Maria José Pereira
cómica” pelo júri composto por membros do Atriz. Em 1847, integrava o elenco do Teatro de
Conservatório e António Feliciano de Castilho, S. João, do Porto, onde entrou em A Graça de
Rebelo da Silva, Mendes Leal e Rodrigo Felner. Deus, drama em 5 atos traduzido por Inácio Ma-
Fez parte do repertório do teatro e, em 1862, pro- ria Feijó, música de António Ribas, e Os Três Ir-
tagonizou a reprise de A Marquesa, de Paulo Mi- mãos Gémeos (1850).
dosi, baseado numa novela de George Sand, com Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 23/03/1956,
música de Miró. p. 7.
[I. S. A.]
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
nicipal de Lisboa, 1967, pp. 307 e 334; Luiz Francisco Maria José Pires dos Santos
Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Residia na Rua da Lapa, 19, 2.o, no Porto, quan-
Prelo Editora, 1978, p. 241; Revista Teatral, Lisboa, Ti- do aderiu ao espiritismo filosófico, científico e
pografia Viúva Rodrigues, 30/10/1843; “Teatros – Foi nes-
te dia...”, O Século, 13/01/1956, p. 7. experimental. Em 1919, era correspondente da
[I. S. A.] revista A ASA*, fundada e dirigida por Maria Ve-
leda*. Esta incentivou-a a prosseguir no jorna-
Maria José Escazena lismo. Poderá tratar-se de Maria José Pires dos
Mestra da oficina de costura e corte da Escola In- Santos, militante da Liga Republicana das Mu-
dustrial Rainha D. Maria Pia, em Peniche, no- lheres Portuguesas, subscritora da Obra Mater-
meada por despacho de 11 de janeiro de 1893, nal e colaboradora dos periódicos feministas na
com vencimento de 14$000 réis mensais. Em iní- segunda década do século XX.
cios do mês de julho do mesmo ano solicitou li- Bib.: A ASA, n.o 5, maio, 1919, n.o 9, setembro, 1919.
cença por motivo de doença contagiosa e, em fi- [N. M.]
nais de setembro, comunicou que não continuaria
ao serviço, alegando que, segundo os médicos, Maria José Ribeiro Gomes de Abreu Vilas
o clima da localidade lhe era prejudicial. Foi subs- Soares
tituída no cargo por Elisa da Conceição Paninho*. Destacada colunista com o pseudónimo Zita de
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das Portugal – no início da sua carreira literária tam-
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- bém usou Zezinha e Zita –, nasceu na cidade de
cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- Guimarães, na Rua de Santa Maria, n.o 76-78, a
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do 15 de junho de 1906, onde viveu até se casar, em
Sul, Livro de Registo do Pessoal de Inspecção e das Res-
pectivas Escolas (1884-1894) e Copiadores de corres-
1933, e, residindo em Matosinhos, faleceu em
pondência expedida (1893; 1894). Vila Nova de Gaia (Madalena), no dia 12 de mar-
Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oitocen- ço de 1985. Sendo a mais nova de três irmãs (Ma-
tista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, ria Adelaide – 1901 e Maria dos Prazeres – 1903),
Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A Formação era filha de Gaspar do Couto Ribeiro Vilas
Profissional das Mulheres no Ensino Industrial Público
(1884-1910). Realidades e representações, Dissertação de (1873-1961) e de Maria Adelaide de Almeida Ri-
Doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008. beiro Gomes de Abreu Vilas (1873-1960), natu-
[T. P.] rais da cidade de Guimarães e casados no dia 2
de setembro de 1900. O pai, coronel de infantaria
Maria José Fernandes (1922), foi militar distinto com comissões em An-
Atriz do século XIX. Foi casada com Francisco gola (1910-1912), onde assumiu o comando da
Fernandes, ator no Ginásio, de quem teve dois 1.a Companhia de Infantaria Europeia e foi
filhos, Emílio e Anísio Fernandes, este dedicado subchefe do Estado-Maior do Quartel-General de
ao teatro (no Brasil). Maria José foi corista no Tea- Angola; também foi professor da Escola Supe-
tro de S. Carlos. Fez parte da companhia de Fran- rior Colonial, autor de diversos trabalhos lite-
cisco Fernandes, no Teatro Floresta Egípcia, na rários centrados na história nacional e colonial,
MAR 656

sócio de diversas associações (Instituto Histórico rários foram promovidos por Isaura Correia
e Geográfico de S. Paulo, Sociedade de Geogra- Santos, ora na sua residência do Porto, ora na sua
fia de Lisboa, Associação dos Arqueólogos, So- casa de campo em Soutelo, Vila do Conde. Ou-
ciedade Martins Sarmento) e colunista de va- tros encontros estavam relacionados com projetos
riados periódicos (O Século, Diário de Notícias, editoriais, como foi o caso da publicação Oliva
Voz, Tempo, Comércio de Guimarães, Boletim (Revista Ilustrada de Moda e Literatura). Para
da Sociedade de Geografia, etc.). Vivendo na ci- além de Isaura Correia Santos (1914-1989), de
dade de Guimarães até ao seu casamento e com quem foi amiga, Zita de Portugal relacionou-
um pai distante do seu quotidiano de criança, se com Emília de Sousa Costa (1877-1959), Ali-
adolescente e jovem, Zita de Portugal foi educada ce de Azevedo (1912-1980), Ludovina Frias de
num meio vincadamente católico e tradiciona- Matos (1895-1981), Dora Correia da Silva, Ma-
lista, onde a disciplina se aliou ao idealismo cris- rília Loreto Coimbra, Amélia de Guimarães Vi-
tão. Após o ensino primário, teve algumas au- lar (1889-1978?), Marta Mesquita da Câmara
las particulares em casa: desenho com o professor (1895-1980), Aurora Jardim (1898-1988) e Ma-
Abel Cardoso, línguas e piano. Devido à redu- ria Alexandrina. Aquando da sua estadia no Fun-
zida relevância dessas aulas particulares e à de- chal, Zita de Portugal teve relacionamento pri-
cidida posição dos pais de nenhuma filha fre- vilegiado com Maria Mendonça, diretora do Eco
quentar o liceu, poderemos afirmar que Zita de do Funchal, e com Maria da Soledade. No
Portugal constitui mais um caso típico de au- Funchal, também conviveu com Silvério Perei-
todidatismo feminino num período crítico da ra, Jaime Vieira dos Santos, Horácio Bento de
História de Portugal. Apesar de ausente, o seu Gouveia e Florival de Passos. Não encontrando
pai sempre foi uma referência e um incentivo circunstâncias adequadas para a publicação
para o seu trabalho intelectual. Zita de Portugal dos seus textos em livro, tal como desejava, Zita
começou por assinar colaboração literária em re- de Portugal participou também em diversos con-
vistas e jornais da época (Modas e Bordados – cursos e prémios literários. Citemos alguns
1927 e Diário do Minho – 1929) e foi essa a prin- onde obteve reconhecimento: Quadras de S. João,
cipal tarefa intelectual e espiritual ao longo de 1943; Jogos Florais da Emissora Nacional, 1943;
toda a sua vida, pois não conseguiu publicar Guitarras de Portugal – Lisboa (concurso de qua-
qualquer obra literária. Interessou-se por figuras dras), 1946; Ateneu Comercial de Lisboa (poe-
da história de Portugal, literatura infantil e ju- sia lírica e conto), 1952; Jogos Florais da Cida-
venil, questões e figuras femininas, festas cícli- de de Beja (conto), 1961. Zita de Portugal teve
cas (Natal e Páscoa), obras de solidariedade so- colaboração destacada na Obra Regeneradora dos
cial, etc. Em Infias. Vizela, no dia 21 de abril de Rapazes da Rua, do padre Manuel Grilo, fundada
1933, casou com João António Soares (Bragan- em Matosinhos no ano de 1942 e que se desti-
ça, 1902-Matosinhos, 2003), funcionário adua- nava ao acolhimento de rapazes entre os quatro
neiro. Sendo doméstica e dependendo econo- e os 17 anos. Desde bem cedo se apercebeu das
micamente do marido, seguiu-o nas suas des- dificuldades desta obra, pois residia próximo e
locações profissionais. Primeiramente foram frequentava a igreja onde o padre Grilo celebrava
para a fronteira de Chaves, Vila Verde da Raia missa. Ofereceu donativos, promoveu peditórios,
(1933-1935), em seguida para S. Mamede de In- defendeu-a publicamente, divulgou-a em di-
festa (1935-1937), depois para Matosinhos versos periódicos e tentou criar a adesão dos ma-
(1937-1954), Funchal (1954-1957) e, por último, tosinhenses. As suas campanhas nos jornais a fa-
voltaram à mesma residência de Matosinhos vor da obra do padre Grilo foram constantes:
(1957-1985). Teve uma filha de nome Maria José O Comércio do Porto, 24/06/1952, 06/08/1952
Ribeiro Vilas Soares, que nasceu no dia 21 de fe- e 02/03/1957; Notícias de Guimarães, 10/08/1952;
vereiro de 1934. Apesar da oposição do marido O Comércio de Leixões, 10/05/1953, 28/02/1954,
à sua vida literária, Zita de Portugal sempre pro- 07/03/1954 e 11/04/1954. Motivada pelo mes-
curou o contacto com pessoas ligadas à escrita mo espírito de solidariedade social, também co-
e à discussão intelectual. Na zona do Porto fa- laborou com a obra da Associação Protectora dos
miliarizou-se com diversas personalidades das Diabéticos Pobres de Coimbra. A obra literária
letras que bem podem considerar-se, no seu re- de Zita de Portugal, ainda em boa parte inédi-
lacionamento e nas suas atividades, como um cír- ta, contempla os mais diversos géneros: artigos
culo literário feminino. Muitos encontros lite- históricos, crónicas jornalísticas, novelas, con-
657 MAR

tos, sonetos e quadras. Os artigos históricos con- marães, 25/12/1937, p. 6; “Pétalas da caridade”, Gazeta
centram-se, sobretudo, nos retratos de figuras his- de Coimbra, ano 28.o, n.o 3909, 02/03/1939, p. 8; “Ape-
lo aos corações generosos”, Diário de Coimbra, 08/03/1939,
tóricas; as crónicas jornalísticas assumem, mui- p. 1; “Amor maior” [soneto], Democracia do Sul,
tas vezes, contornos de apelo cívico ou de soli- 01/03/1946, p. 1; “Orgia de tons” [soneto], Democracia
dariedade social; as novelas são algumas, mas do Sul, 14/04/1946, p. 7; “Sentença” [poesia], Democracia
pouco significativas no conjunto da sua obra; o do Sul, 18/04/1946, p. 1; “Fogo oculto” [soneto], Demo-
número de contos, sonetos e quadras é bastan- cracia do Sul, 04/05/1946, p. 2; “Lenda das estrelas”, No-
tícias de Guimarães, 30/12/1951, pp. 1-2; “Mulheres e
te elevado e constitui o núcleo central da sua pro- crianças – Um apóstolo”, O Comércio do Porto,
dução literária. Como não existe obra publica- 24/06/1952, p. 2; “Um apóstolo”, Notícias de Guimarães,
da, só é possível fazer uma rigorosa avaliação do 10/08/1952, ano 21, n.o 1073, p. 2; “Em prol da vossa ter-
seu trabalho a partir da análise do espólio lite- ra”, O Comércio de Leixões, 10/05/1953, p. 1; “Grito de
alerta!”, O Comércio de Leixões, 28/02/1954, p. 1, e
rário inédito e do que publicou em periódicos. 07/03/1954, pp. 1 e 4; “Continuando…”, O Comércio de
Zita de Portugal colaborou nos seguintes pe- Leixões, 11/04/1954, p. 1; “Madeira – ilha encantada”,
riódicos: Modas e Bordados (suplemento de O Comércio do Porto, 29/12/1956, p. 3; “Coração parti-
O Século), Lisboa (1927); Eva (revista feminina), do”, Eco do Funchal, 11/03/1957, p. 3; “Desilusão”, Oli-
Lisboa; Diário do Minho, Braga (1929-1932); No- va, outubro, 1961, ano VI, n.o 22, pp. 5-6; “Lenda das es-
trelas”, Oliva, dezembro, 1961, ano VI, n.o 23, pp. 16-17;
tícias de Guimarães, Guimarães (1932-1984); Por- “A dívida”, Oliva, outubro, 1962, ano VII, n.o 27, pp. 12-
tugal Feminino (revista feminina), Lisboa (1935); 13, 20 e 29; “Poema de Inverno”, Oliva, dezembro, 1962,
Oliva (Revista Ilustrada de Moda e Literatura), ano VII, n.o 28, p. 19; “Surpresa”, Oliva, dezembro, 1963,
Porto (1961?-1969?); Diário de Coimbra, Coim- ano VIII, n.o 33, pp. 28-29; “O tamanqueiro da serra”, Oli-
va, dezembro, 1965, ano X, n.o 43, pp. 36-37 e 39-40; “Jogo
bra (1939); Gazeta de Coimbra, Coimbra (1939); do destino”, Oliva, junho 1967, ano XI, n.o 52, pp. 8 e 11;
O Comércio do Porto, Porto (1947-1958); O Co- “Mensagem perdida”, Oliva, dezembro, 1967, ano XII, n.o
mércio de Leixões, Matosinhos (1952-1974?); De- 55, pp. 8 e 37-38; “O cântico novo”, Oliva, dezembro, 1968,
mocracia do Sul, Évora (1946); Eco do Funchal, ano XIII, n.o 61, pp. 7 e 38-39; “Gente nova”, Oliva, de-
Funchal (1954-1980); Voz da Madeira, Funchal zembro, 1969, ano XIV, n.o 67, pp. 11-12 e 33-34; “O meu
trono” [soneto] e “Independência” [soneto], Antologia de
(1955?-1957?); etc. Após o seu falecimento, Poesia Contemporânea, Luís Filipe Soares (coord.), edi-
por ocasião do 80.o aniversário de nascimento, ção do coord., Lisboa, 1984, pp. 48-49.
foi descerrada uma lápide evocativa na sua casa Bib.: Maria José Ribeiro Vilas Soares Teixeira [filha de Zita
de Guimarães com o seguinte texto: “Homena- de Portugal], correspondência ativa – Vila Nova de Gaia
gem à poetisa Zita de Portugal que nesta casa nas- (Madalena): 17/05/2007, 29/06/2007 e 23/08/2007; “Ca-
tarina de Bragança”, Diário do Minho, 28/02/1930, p. 3;
ceu e viveu os seus melhores anos. N. 1906. F. “Processo individual” do coronel de infantaria Gaspar do
1985. 15-6-1986.” Couto Ribeiro Vilas, Arquivo Histórico-Militar, Lisboa.
[A. C. S.]
Da autora: “Quadras”, Modas e Bordados, 21/12/1927, p.
17; “As mulheres de hoje” [crónica], Diário do Minho,
24/02/1929, n.o 2815, p. 3; “Sugestão? Não!” [crónica], Diá- Maria Josefa de Melo
rio do Minho, 10/03/1929, n.o 2827, p. 3; “Pela infância” Nasceu em 1863 e faleceu em 1941. Levou mui-
[crónica], Diário do Minho, 24/03/1929, n.o 2839, p. 3; “Um to a sério os preceitos cristãos de amor ao pró-
templo artístico” [crónica], Diário do Minho, 24/04/1929,
n.o 2864, p. 3; “A Marquesa de Alorna – Alcipe”, Diário ximo, tendo mantido durante quatro anos, em sua
do Minho, 05/06/1929, p. 3, 03/07/1929, p. 3, 10/07/1929, casa, um dispensário onde eram fornecidos ali-
p. 3; “Cancioneiro”, Diário do Minho, 14/08/1929, p. 3; mentos e assistência médica às crianças pobres.
“Problema intelectual”, Diário do Minho, 27/11/1929, p. Esteve entre as mulheres da aristocracia que, em
3; “Catarina de Bragança – Seu casamento”, Diário do Mi-
nho, 28/02/1930, p. 3; “Wenceslau de Morais (O exilado
março de 1916, empreenderam a fundação da As-
voluntário)”, Diário do Minho, 09/05/1930, p. 3; “A rai- sistência das Portuguesas às Vítimas da Guerra*.
nha D. Leonor (fundadora das Misericórdias)”, Diário do Tornou-se presidente da mesma após a saída da
Minho, 05/09/1930, p. 3, e 03/10/1930, p. 3; “Natal” [so- condessa de Burnay* (maio de 1916) e manteve-
neto], Notícias de Guimarães, 25/12/1934, p. 1; “O mi- -se à frente do movimento enquanto durou o es-
lagre”, Notícias de Guimarães, 25/12/1934, pp. 13-14; “A
alma do espelho”, Portugal Feminino, maio, 1935, ano VI, tado de guerra. Inscreveu-se no curso de enfer-
n.o 64, p. 12; “Os sinos” [poema], Portugal Feminino, agos- magem aberto pela sua associação. Como o pro-
to, 1935, ano VI, n.o 67, p. 7; “Ao som dos sinos”, Notí- jeto não foi por diante, por não ter sido autori-
cias de Guimarães, 24/12/1935, p. 7; “Nós e alguns au- zado pelo Governo, inscreveu-se num outro, pro-
tores”, Portugal Feminino, dezembro, 1935, ano VI, n.o 71,
p. 11; “O presente”, Notícias de Guimarães, 12/04/1936,
movido pela Cruz Vermelha e, juntamente com
p. 5; “Horas redentoras”, Notícias de Guimarães, outras senhoras da Assistência das Portuguesas,
25/12/1936, pp. 6-7; “A alma das coisas”, Notícias de Gui- prestou provas de exame em fevereiro de 1917.
MAR 658

Foi aprovada com 15 valores. Não esteve entre Maria Júlia Baptista Guerreiro
as melhores (o que afasta qualquer suspeita de Mestra de rendas e piques, a partir de 1892, na
favorecimento) nem entre as piores. É de realçar oficina de lavores femininos da Escola Industrial
que uma mulher com mais de 50 anos, com um es- Rainha D. Amélia, em Setúbal, dirigida por Joa-
tatuto social que não a preparara para o exercício quina Aurélia Baptista Guerreiro*. Nomeada em
de uma profissão ou para se sujeitar a prestar pro- 15 de dezembro de 1892, iniciou as suas funções
vas perante um júri, tenha aceitado tal desafio. com um vencimento de 14$000 réis mensais, mas
Pertenceu à Comissão Organizadora da Festa da um ano mais tarde, na sequência do decreto de
Flor*, que teve lugar em Lisboa em março de 1917 organização dos cursos professados nas escolas
e cujo produto reverteu para as vítimas da guer- industriais de 05/10/1893, assinado por Ber-
ra. Em 1918, como a Assistência das Portugue- nardino Machado e João Franco, aquele valor pas-
sas às Vítimas da Guerra não foi contemplada com sou a 12$000. Na sequência do Decreto de
o produto da Festa da Flor, decidiu organizar a 14/12/1897, que reorganizou o ensino nas escolas
Festa do Cravo, no dia de Santo António. Em vá- industriais e de desenho industrial, passou a au-
rios locais da cidade, grupos de associadas ven- ferir, como mestra e em conformidade com a ta-
diam cravos com quadras da autoria de conhe- bela anexa ao referido decreto, um vencimento
cidos poetas portugueses. Temos de entender a de 300$000 réis anuais. Ainda exercia à data da
ação da condessa de Ficalho no quadro dos de- implantação da República.
veres das senhoras católicas abastadas, educadas Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das
nas responsabilidades para com o próximo des- Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas,
valido. Assim, quando, logo após o lançamento Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas Industriais
da Assistência das Portuguesas às Vítimas da e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, Livro
de Registo do Pessoal de Inspecção e das Respectivas Es-
Guerra, um jornalista do diário A Opinião ma- colas (1884-1894) e Copiadores de correspondência ex-
nifestou a sua simpatia por uma iniciativa reve- pedida (1891-1892; 1893; 1894). Fontes impressas: De-
ladora de “patriotismo e humanidade”, Maria Jo- creto de 14/12/1897, Diário do Governo, n.o 283, de 15
sefa preferiu usar o termo “caridade” por entender de dezembro de 1897; Anuário Comercial de Portugal,
Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-1910.
que era “a palavra que define melhor o ato de fa- Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oitocen-
zer bem aos nossos semelhantes, por amor de tista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa,
Deus”. Sem qualquer apoio a nível oficial, lutando Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A Formação
com falta de meios para remediar tantas situações Profissional das Mulheres no Ensino Industrial Público
(1884-1910). Realidades e representações, Dissertação de
de miséria com que se confrontava, hostilizada Doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008.
pelo sector livre-pensador que pretendia ver na [T. P.]
sua atividade uma intenção de proselitismo re-
ligioso, não desistiu de apoiar os soldados e suas Maria Júlia Canedo
famílias. Em novembro de 1918, João Chagas, im- Mestra de bordados, a partir de 1892, na oficina de
pedido de vir a Portugal na conjuntura aberta por lavores femininos da Escola Industrial Rainha D.
Sidónio Pais e recebendo com mau humor as no- Amélia, em Setúbal, dirigida por Joaquina Auré-
tícias que lhe chegavam do país, ao referir-se ao lia Baptista Guerreiro*, auxiliou esta, no ano leti-
regresso dos combatentes, no seu Diário anota- vo de 1892/93, no ensino do desenho. Nomeada
va num tom crítico: “Também estava, como sem- em 15 de dezembro de 1892, iniciou as suas fun-
pre, a condessa de Ficalho.” ções com um vencimento de 10$000 réis mensais.
Bib.: Diário de João Chagas, Lisboa, Parceria António Ma- Um ano mais tarde, na sequência do decreto de or-
ria Pereira, Vol. IV, 1932, p. 386; Maria Lúcia de Brito Mou- ganização dos cursos professados nas escolas in-
ra, “A assistência aos combatentes na I Guerra Mundial dustriais de 05/10/1893, assinado por Bernardino
– Um conflito ideológico”, Revista Portuguesa de Histó- Machado e João Franco, passou a acumular a re-
ria, Tomo 38, FLUC, 2006; Idem, “Resistências femininas
ao laicismo republicano”, Mulheres na I República. Per- gência da oficina de bordados com a de costura e
cursos, conquistas e derrotas (coord. Zília Osório de Cas- corte, auferindo 18$000 réis por mês. Com a reforma
tro, João Esteves e Natividade Monteiro), Ed. Colibri, 2011, do ensino nas escolas industriais decretada em
p. 174; Diário de Notícias, 20/03/1916, p. 1, col. 7; O Dia, 1897, a escola de Setúbal encerrou a oficina de cor-
23/03/1916, p. 3, col. 2; A Opinião, 25/03/1916, p. 2, col. te e costura, dispensando a respetiva mestra.
2; O Dia, 01/06/1916, p. 2, col. 2; idem, 22/02/1917, p. 2,
col. 3; A Monarquia, 05/06/1918, p. 1, col. 5; idem, Fontes: Arquivo Histórico do Ministério das Obras Pú-
12/06/1918, p. 1, col. 5; idem, 14/06/1918, p. 1, col. 4. blicas, Fundo do Ministério das Obras Públicas, Comér-
[M. L. B. M.] cio e Indústria, Inspecção das Escolas Industriais e de De-
659 MAR

senho Industrial na Circunscrição do Sul, Livro de Registo ter contactos com o Movimento Popular de Li-
do Pessoal de Inspecção e das Respectivas Escolas bertação de Angola e pertencer ao Partido Co-
(1884-1894) e Copiadores de correspondência expedida
(1891-1892; 1893; 1894); Decreto de 14/12/1897, Diário munista, estando também envolvida com o in-
do Governo, n.o 283, de 15 de dezembro de 1897. cipiente Partido Comunista de Angola. Detida
Bib.: Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oitocen- pela PIDE em Luanda, em 29 de março de 1959,
tista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, integrada no “Processo dos 50”, que envolveu afri-
Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A Formação canos e europeus, foi inicialmente condenada,
Profissional das Mulheres no Ensino Industrial Público
(1884-1910). Realidades e representações, Dissertação de pelo Tribunal Militar, a 12 meses de prisão, ten-
Doutoramento, Lisboa, Universidade Aberta, 2008. do a pena sido agravada, por decisão do Supre-
[T. P.] mo Tribunal, a quem recorreu, para quatro anos
de prisão maior e medidas de segurança de seis
Maria Juliana meses a três anos. Transferida para Caxias a 8 de
Cantora famosa na boémia, extravagante e mui- novembro de 1960, onde conviveu na mesma cela
to graciosa. Estreou-se no Teatro Alegria, em Ce- com Maria Eugénia Varela Gomes e um núcleo
nas de Boémia, em novembro de 1887, e ali fez importante de militantes e dirigentes comunis-
A Menina Rosa, comédia em verso, ambas de Ja- tas entretanto presas – Aida* e Luísa Paulo*, Alda
cobety. Nogueira, Fernanda de Paiva Tomás*, Ivone
Bib.: O Recreio, 4.a série, n.o 16, 28/11/1887, n.o 19, Dias Lourenço* –, iniciou o cumprimento das me-
19/12/1887, pp. 299-300. didas de segurança em 31 de junho de 1964 e ali
[I. S. A.] permaneceu até 6 de julho de 1965, data em que
foi solta condicionalmente, depois de um gran-
Maria Julieta Guimarães Gandra de movimento internacional e de ter sido con-
Antifascista, anticolonialista, lutadora pela in- siderada, pela Amnistia Internacional, “Prisio-
dependência de Angola, comunista e feminista, neira de Consciência de 1964”, “distinção” atri-
esta médica ginecologista e obstetra, com for- buída pela primeira vez a um português. Maria
mação inicial em medicina tropical, filha de Má- Eugénia Varela Gomes faz, na sua conversa com
rio Pereira Gandra, solicitador e pequeno co- Manuela Cruzeiro, várias referências a Julieta Gan-
merciante, e de Aurora Lemo de Rocha de Cas- dra, nomeadamente à sua inteligência e capaci-
tro G. Gandra, irmã de Fernanda, Ângela e do ar- dade de argumentação e liderança políticas, em-
quiteto Hernâni Gandra (1914-1988), nasceu bora também a critique nalguns aspetos, não ten-
em 16 de setembro de 1917, em Oliveira de Aze- do havido entre ambas empatia. Durante a per-
méis, e desenvolveu importante atividade polí- manência na prisão ter-se-á distanciado pro-
tica em Angola e em Portugal, com vários anos gressivamente das posições do Partido Comunista
de prisão. Casada com o médico e poeta nacio- e “o afastamento consuma-se já fora da prisão e
nalista angolano Ernesto Cochat Osório (Luanda, dá-se a aproximação à extrema-esquerda, se
15/06/1917-Portimão, 08/05/2002), seu colega na bem que o centro da luta de Julieta fosse a ques-
Faculdade de Medicina, de quem teve um filho tão colonial” [São José Almeida]. Libertada mui-
– Miguel Gandra Cochat Osório, nascido em 1944 to debilitada, manteve a sua postura anticolo-
– e se divorciou, partiu para Angola a seguir à Se- nialista, visível nas pessoas que passavam por sua
gunda Guerra Mundial, onde se distinguiu en- casa, na Rua da Ilha do Príncipe, n.o 7, transfor-
quanto clínica que, para além de atender a elite mada no “santuário do independentismo ango-
colonial, também se preocupou com as mulhe- lano” [São José Almeida], e o seu consultório mé-
res pobres que viviam no musseque, tendo in- dico, na Rua Manuel da Maia, onde empregou
troduzido o parto sem dor. A sua ousada inter- Aida Paulo [idem], era “um porto seguro para to-
venção cultural e política, convivendo com das as jovens ou mulheres que precisavam de
Agostinho Neto, Arménio Santos, irmão de lei- apoio” [Amílcar Sequeira]: “volta a exercer clí-
te daquele, Lúcio Lara, Paulo Jorge e Amílcar Ca- nica, tornando-se uma das ginecologistas pre-
bral, aquando da estadia deste nos anos 50, bem cursoras do uso da pílula em Portugal” [São José
como a participação na campanha eleitoral de Almeida]. Depois do 25 de Abril de 1974, foi em
Humberto Delgado em 1958, onde, num comício sua casa que se planeou a primeira manifestação
no campo de touros de Luanda, se dirigiu às anticolonial; aquando da assinatura dos Acordos
“mães negras” [Ferreira Fernandes], contribuiu do Alvor, reencontrou-se com a delegação do
para a sua detenção no ano seguinte, acusada de MPLA; e voltou a Angola no início do ano se-
MAR 660

guinte, na companhia de Fernanda de Paiva To- Maria Laura dos Santos


más, com quem mantinha uma ligação desde que v. Laura Santos
estiveram presas na mesma cela, em Caxias, para
trabalhar na construção do Serviço Nacional de Maria Leite da Silva Tavares Paes Moreira
Saúde. Segundo texto de São José Almeida, des- Filha de Maria Emília da Silva e do farmacêu-
pacha diretamente com Agostinho Neto, insta- tico Manoel José Paes Moreira, nasceu na Casa
la o serviço de vacinação e a rede de enfermei- da Botica, em Canedo, concelho de Santa Ma-
ros. Por motivos de saúde, regressou a Portugal ria da Feira. A única filha, de entre os quatro fi-
em 1977 ou 1978. Morreu a 8 de outubro de 2007, lhos que o casal teve, estudou, tal como os seus
num lar para idosos onde residia desde 2001, ten- irmãos, e, possivelmente, fê-lo recebendo algu-
do sido cremada no Cemitério do Alto de S. João mas lições dadas pelo próprio pai, o que era co-
dois dias depois. Apesar dos seus 90 anos in- mum em tais circunstâncias, e outras por pro-
tensamente preenchidos, de ter estado envolvi- fessores particulares. Com 27 anos de idade, deu
da no primeiro julgamento político do naciona- entrada na Academia Politécnica do Porto, a fim
lismo angolano, do primeiro-ministro António de frequentar duas cadeiras – Física e Química
Guterres lhe ter atribuído uma subvenção esta- Inorgânica e Orgânica –, que podiam ser reali-
tal enquanto antifascista, de receber apoio do zadas naquela escola, em substituição de dois
MPLA e do governo angolano, e de ter recusado exames liceais em falta. Tornou-se, assim, a pri-
a Ordem da Liberdade concedida pelo Presidente meira mulher aluna do ensino superior minis-
Jorge Sampaio, a sua morte passou inicialmen- trado na cidade do Porto, o que ocorreu duran-
te despercebida na imprensa portuguesa. A in- te 1884-1885. Obtida a aprovação nas referidas
dignação por este silenciamento surgiu na blo- disciplinas, que eram requeridas para o ingres-
gosfera, com contributos para a sua biografia de so na Escola Médico-Cirúrgica, matriculou-se no
Adolfo Maria, Amílcar Sequeira, Diana An- ano letivo seguinte, como aluna ordinária, para
dringa e José Reis Santos. São José Almeida de- fazer as restantes cadeiras exigidas como habi-
dicou-lhe uma extensa evocação nas páginas do litação para se iniciarem os estudos propriamente
jornal Público, onde sintetizou a sua importân- ditos de medicina. Nesse ano, entraram naque-
cia: “Julieta Gandra viveu 90 anos de ousadia. De- la escola mais duas mulheres, Laurinda* e Au-
safiou regras, desafiou convenções, desafiou rélia Moraes Sarmento*, suas colegas até à con-
poderes. Foi uma referência para gerações de jo- clusão do Curso de Medicina, fazendo sempre
vens de esquerda. Viveu a política com alegria as três as cadeiras no mesmo dia [Santos, 1991].
e convicções e por uma causa: Angola.” Foi uma Assim, transitou para a Escola Médico-Cirúrgi-
das 48 vítimas das prisões salazaristas a constar ca no ano de 1886-1887, vindo a fazer a última
da exposição “Aljube – A Voz das Vítimas”, da- cadeira do curso, tal como as suas colegas, no ano
tada de 2011 e organizada pela Fundação Mário letivo de 1890-1891. Terminou, contudo, o Cur-
Soares, pelo Instituto de História Contemporânea so de Medicina a 11 de julho de 1892, depois das
da FCSH da UNL e pelo movimento cívico Não manas Moraes Sarmento, que o fizeram ainda em
Apaguem a Memória. O apelido aparece fre- 1891. Defendeu na sessão denominada de “Acto
quentemente como Gândara, assim como o dos grande” a tese Hygiene da Gravidez e do Parto,
pais, como se constata na ficha prisional da PIDE. sendo-lhe atribuída “aprovação plena”. Apesar
de os dados localizados sobre o percurso pro-
Bib.: Amílcar Sequeira, “Morreu Julieta Gandra – A sua
casa era ponto de passagem dos que lutavam contra a guer- fissional serem escassos, sabe-se que em 1894
ra colonial” [c/ fot.], 22/10/2007, http://www.jornal- prestou provas, conjuntamente com as suas duas
mudardevida.net/?p=191; Amnistia Internacional, Uma ex-colegas de curso, para um lugar de clínico au-
Conspiração de Esperança, Comissão do Livro Negro So- xiliar no Hospital de Santo António, tendo
bre o Regime Fascista, Presos Políticos no Regime Fascista sido ela a selecionada para o efeito. Exerceu a
VI – 1952-1960, 1988, pp. 574-575; Ferreira Fernandes,
“E no entanto move-se”, Diário de Notícias, 10/10/2007; atividade profissional no Porto, tendo regressado
Lúcio Lara, Um Amplo Movimento. Itinerário do MPLA à sua terra natal quando se aposentou. Aí fun-
através de documentos e anotações de Lúcio Lara, Vol. dou um salão cultural, o Salão do Canedo, onde
I (até fevereiro de 1961), Luanda, edição de Lúcio e Ruth se convivia e discutia política. Os seus descen-
Lara, 1997; São José Almeida, “1917-2007 – Julieta Gan-
dra – A transgressora, feminista e anticolonialista”, Pú-
dentes conservam ainda hoje um relógio de pei-
blico, 22/10/2007. to que lhe pertenceu e teria sido oferecido pela
[J. E.] rainha D. Amélia*, como manifestação de grati-
661 MAR

dão pelos serviços clínicos que Maria Paes Mo- “O escravo romano e o teatro de Plauto”. Fez o
reira lhe prestou. estágio do ensino liceal em Lisboa, no Liceu
Bib.: C. Santos, A Mulher e a Universidade do Porto. A Pedro Nunes, apresentando para o Exame de Es-
propósito do centenário da formatura das primeiras mé- tado, em 1939, um ensaio crítico com o tema
dicas portuguesas, Porto, Universidade do Porto, 1991; “O ensino do Latim no segundo ciclo dos
Jornal de Notícias, 04/11/2005, p. 25. Liceus”. Ao longo da vida, foi professora de
[M. J. R.]
Português e de Latim no Liceu de Santarém, no
Liceu Camões, no Liceu D. Filipa de Lencastre
Maria Lemos de Magalhães e no Liceu Rainha D. Leonor. Deu também
v. Maria da Conceição de Lemos Coelho de Ma- aulas particulares. Oito meses depois de se
galhães casar, em 1941, Mário Dionísio ficou tubercu-
loso, doença que se prolongou por quatro anos,
Maria Leolinda de Magalhães Torres e Pilar durante os quais foi Maria Letícia quem sus-
Nasceu em 1859. Escreveu, aos 15 anos, o úni- tentou a casa. Em 1947, foi afastada do ensino
co romance que se saiba. A prosa denota forte in- durante oito anos (até 1955) pelo regime sala-
fluência de leituras de algumas obras de Cami- zarista «por razões de ordem política», nunca
lo Castelo Branco. Colaborou no Almanaque das explicadas. Julga-se que por ter assinado as lis-
Senhoras para 1879 com uma composição inti- tas para a constituição do MUD (Movimento de
tulada “A noite e o mar”. Unidade Democrática) em 1945. Também no ano
Da autora: Amor e Martírio ou Bertha de Lerman [ro- de 1945, depois do fim da guerra, altura em que
mance], Lisboa, Tipografia Universal de Tomás Quintino nasceu uma nova esperança de mudança polí-
Antunes, 1877.
Bib.: Guiomar Torrezão, Almanaque das Senhoras para
tica em Portugal, Maria Letícia fez parte do nu-
1879, Lisboa, Oficina Tipográfica de J. A. de Matos, 1878. meroso grupo de mulheres que aderiu ao Con-
[I. S. A.] selho Nacional de Mulheres Portuguesas, en-
cerrado pelo Estado Novo em 1947. Pertenceu
Maria Letícia Reis Clemente da Silva também à Associação Feminina Portuguesa
Nasceu em 12 de setembro de 1915 e morreu em para a Paz*, de que foi presidente, vice-presi-
27 de dezembro de 2010. Foi professora de Por- dente e secretária da assembleia-geral, entre 1945
tuguês e de Latim. Filha de um ferroviário, e 1951, quando a associação foi encerrada pelo
republicano e mação, que já a meio da vida Estado Novo. Em 1956, quando o ministro da
decidiu tirar o curso de Direito e se tornou Educação mudou, foi reintegrada no ensino
advogado, e de uma doméstica que tinha o cur- oficial, sem explicações, depois de se ter apre-
so do magistério primário, Maria Letícia nasceu sentado ao concurso anual. Juntamente com
em Beja. Ainda em criança mudou-se para Lis- Maria Emília Coutinho Diniz, foi colaboradora
boa, onde viveu o resto da sua vida. Aprendeu de A Capital (de março de 1968 a julho de 1969)
com a mãe, em casa, as bases que lhe serviram com o pseudónimo de Dinis da Silva, uma vez
para fazer o exame da quarta classe e ingressar que os professores do ensino oficial só podiam
na escola a partir daí. Foi uma das poucas ra- nesta época escrever sobre ensino nos jornais
parigas que frequentaram o Liceu Camões nos depois de superiormente autorizados. Manteve,
anos 20 do século XX, na mesma altura que com este pseudónimo, a secção “Consultório
Álvaro Cunhal. Concluiu o Curso Superior de Escolar”. Traduziu e fez a introdução de várias
Piano do Conservatório Nacional, tendo sido obras e apoiou o trabalho de outros tradutores.
aluna de música de Oliva Guerra e Francine Foi ainda autora, com Eduarda Dionísio, sua
Benoît*. Ingressou na Faculdade de Letras da filha, de livros escolares para o ensino do Por-
Universidade de Lisboa, onde conheceu Mário tuguês, publicados entre 1972 e 1975 e adota-
Dionísio, pintor, escritor, professor e empenhado dos pelas escolas durante alguns anos. Foi
intelectual contra a ditadura de Salazar, com sócia e participou na organização UNICEF. O seu
quem casou em 1940. Ainda aluna de Letras, em espólio, já catalogado mas ainda não estudado,
1936, foi uma das mulheres portuguesas que que inclui a sua biblioteca, está disponível ao
responderam ao inquérito promovido pelo público no Centro de Documentação do Centro
jornal O Diabo. Em 1937, terminou o curso de Mário Dionísio, em Lisboa.
Filologia Clássica, apresentando a dissertação Da autora: [com Eduarda Monteiro], Textos: Páginas es-
para o exame de licenciatura com o tema colhidas e contos completos: 1.o ano do ensino liceal,
MAR 662

Lisboa, Empresa Literária Fluminense, 1973; Textos: Pá- Maria Lúcia Ramos Frutuoso [Namorado]
ginas escolhidas e contos completos: 2.o e 3.o anos do Filha de Maria B. Ramos e de José Augusto
ensino liceal, Lisboa, Empresa Literária Fluminense,
1973; Textos: 1.o ano do ensino secundário unificado,
Frutuoso (f. 23/03/1971), operário cerâmico
Porto, Empr. Literária Fluminense, 1975; Textos: 2.o ano modelador, prestigiado jogador do Clube de
do ensino secundário, Porto, Empr. Literária Flumi- Futebol União de Coimbra e secretário do
nense, 1975; Textos: 3.o ano do ensino secundário, Por- Comité Local de Coimbra do PCP no início da
to, Empr. Literária Fluminense, 1975. Introduções e no- década de 30, nasceu nesta cidade a 26 de abril
tas: Almeida Garrett, O Arco de Sant’Ana: Crónica por-
tuense, Mem Martins, Publicações Europa-América,
de 1937 e faleceu a 8 de janeiro de 2011, com
1977; Júlio Dinis, Uma Família Inglesa, Mem Martins, 83 anos. Aderiu, quando estudante, por pro-
Publicações Europa-América, 1977; Luís de Camões, Os posta de Maria Joana Rosendo Dias, ao núcleo
Lusíadas, Publicações Europa-América, Mem Mar- local da Associação Feminina Portuguesa para
tins, 3.a ed., 1988. a Paz*, colaborou, no início da década de 50,
[D. D.]
com o MUD Juvenil e deu apoio “aos filhos de
muitos presos políticos, acolhidos em sua
Maria Libânia dos Santos Costa Pessoa casa” [Avante!, 03/02/2011, p. 10]. Casada com
Natural de Lisboa, residente em Leiria. Maria o escritor Egídio Namorado, conhecido pelas
Libânia Pessoa foi professora oficial desde 1871, suas ideias e atividades políticas, manteve ati-
habilitada com exame para o ensino comple- va militância partidária no concelho de Cascais
mentar, nomeada, a 2 de junho de 1890, pro- e fez parte do Coro da Academia dos Amadores
fessora do ensino elementar e complementar da de Música. Licenciada em Físico-Química,
freguesia de Santa Cruz da cidade de Coimbra. trabalhou na Estação Agronómica como técnica
Professora em Leiria, obteve no liceu desta superior analista.
cidade duas distinções em exame de admissão,
Fontes: ANTT, Processo PIDE/DGS, Del. C PI, 5791.
uma em Francês e um bom em Português e, na Bib.: Alberto Vilaça, Para a História Remota do PCP
3.a circunscrição, em Coimbra, três aprovações em Coimbra. 1921-1946, Lisboa, Edições Avante!,
nos exames do magistério de 1.o grau, sendo 1997; Idem, O MUD Juvenil em Coimbra. Histórias e
uma com distinção e outra com aprovação no estórias, Porto, Campo das Letras, 1998; “Camaradas
2.o grau. Preparou muitas jovens que se torna- falecidos – Maria Lúcia Ramos Frutuosa”, Avante!,
03/02/2011, p. 10.
ram professoras. Aquando da sua candidatura, [J. E.]
em 9 de setembro de 1890, apresentou atesta-
do do Governo declarando ser professora vi- Maria Lucília Estanco Louro
talícia do ensino primário pelo exame feito no Ativista da Associação Feminina Portuguesa
Liceu Nacional de Viana do Castelo em 1 de para a Paz* entre 1940 e 1944 (e não em 1945,
agosto de 1871 e despachada, a 26 de dezem- como consta no Dicionário Feminino, 2005,
bro de 1871, para uma das escolas de meninas visto que nesse ano foi viver para Évora, onde
em Braga. Foi transferida, por despacho de 25 era impensável qualquer representação da
de junho de 1872, para Proença-a-Nova, Castelo AFPP), tendo sido sua secretária durante três
Branco, depois transferida, a 5 de fevereiro de anos, numa altura em que era presidente Cân-
1873, para Lagos e, posteriormente, em 17 de dida Madeira Pinto e tinham cargos diretivos
agosto de 1878, para Elvas, onde esteve até 30 Maria Alice Lamy, Stela Fiadeiro*, mais tarde
de novembro de 1884. Todas estas transferên- Piteira Santos, Maria Helena Pulido Valente, sen-
cias foram feitas a pedido da suplicante, que do muito ativas Cândida Gaspar, mais tarde
pretendia entrar no concurso na 8.a circuns- casada com Bento de Jesus Caraça, Maria Luísa
crição. Foi qualificada Distinta, na capacidade Bastos, mais tarde casada com Jaime Pereira
literária e aptidão para o ensino, e Regular no Gomes, Joana Campina e CândidaVentura. Com
comportamento, zelo e proficiência. Na can- esta colega de faculdade trabalhou estreitamente
didatura incluiu atestado de comportamento da nos pedidos que se faziam a artistas, escritores,
cidade de Leiria e uma declaração com refe- atores e poetas para colaborarem nas sessões cul-
rência aos serviços públicos prestados em turais e pacifistas que a AFPP promovia, com
Lagos, onde ensinou muitas meninas pobres. grandes dificuldades, como por exemplo as efe-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição tuadas no Jardim-Escola João de Deus e no
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. cinema Condes. Na sede da Associação, na Rua
[A. C. O.] D. Pedro V, ao Príncipe Real, organizavam
663 MAR

pequenos pacotes com cigarros e géneros que Agudo, que pela ousadia da sua promoção e pela
mandavam, em colaboração com o Socorro categoria dos intervenientes (professores Delfim
Vermelho Internacional, para os prisioneiros nos Santos, Vieira de Almeida, Rui Grácio, Joel Ser-
campos de concentração. Ainda no âmbito das rão) representavam então uma luta pela atuali-
atividades da AFPP, no dia 9 de abril, data da zação e dignificação dos conteúdos pedagógi-
batalha de La Lys, costumavam depositar ramos cos e informativos dos ramos abrangidos (veja-se
de flores no monumento aos mortos da Grande a revista Palestra, de 1960). Dentro do mesmo
Guerra. Maria Alda Nogueira, sua amiga e combate ao ensino orientado pelo Estado Novo
camarada, detentora de muito material relativo e veiculado pelos compêndios fascizantes, par-
à associação, propôs-lhe várias vezes a realiza- ticipou nas reuniões de professores progressistas,
ção de um trabalho sobre a sua história, o que realizadas um tanto clandestinamente na Escola
nunca se veio a realizar. Ofereceu, na década de Francisco Arruda sob a direção do professor
90, ao Museu do Neo-realismo em Vila Franca Calvet de Magalhães; frequentou os cursos de
de Xira, sendo seu diretor Luís Augusto da Cos- aperfeiçoamento profissional orientados pelo
ta Dias, um pequeno espólio (folhetos, programas, professor Rui Grácio no Sindicato dos Profes-
etc.) sobre a organização. Consciente dos peri- sores; e cursou, em 1975, o 10.o Curso de Pós-
gos que isso acarretava, Maria Lucília Estanco -Graduação em História de Arte, instituído
Louro nunca foi indiferente ao mundo que a pelo professor José-Augusto França na Univer-
rodeava e à necessidade da sua transformação sidade Nova de Lisboa. Após a explosão de
para melhor, orgulhando-se do coerente ativis- liberdade proporcionada pelo 25 de Abril,
mo militante em prol da paz e justiça. Assim, interveio ativamente, com muitos outros do-
ainda no âmbito do comprometimento cívico e centes – José Magno, Maria de Lurdes Ribeiro,
político, apoiou a campanha de Humberto Del- Hardisson Pereira, João Cruz, Maria Eugénia
gado; subscreveu as listas da Oposição Demo- Bráulia Reis, Ana Leal de Faria, Margarida
crática; foi compagnon de route do Partido Co- Matos, etc. –, numa comissão presidida por
munista Português desde 1940 e filiada desde Maria Emília Diniz com o intuito de acabar com
os anos 70; é sócia da Associação de Amizade os velhos programas salazaristas e atualizá-los
Portugal-Cuba; e pertence ao Conselho Português com tudo o que tinha ocorrido na investigação
para a Paz e Cooperação. O seu empenhamen- e na metodologia. Estes novos programas pro-
to profissional (pedagógico-didático) não é me- gressistas foram divulgados em cadernos de
nos intenso e relevante. Licenciada em Ciências apoio editados pelo Ministério da Educação,
Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras substituindo os antigos compêndios do 6.° e 7.°
da Universidade de Lisboa, em 1944, a sua tese, anos. Coube a Maria Lucília Estanco Louro
intitulada Paul Gauguin Visto à Luz da Carac- fazer o tema Humanismo e Experimentalismo
terologia – Vida e obra suscitou polémica e com- na Cultura do Século XVI e, em coautoria com
bate para poder ser apresentada, visto ser então João Cruz, A Arte Portuguesa nos Séculos XIX
a primeira a versar sobre Arte, considerada e XX, não tendo este último fascículo chegado
então uma parente pobre da História. De seguida, a ser publicado, porque, entretanto, estes pro-
fez Exame de Estado no Liceu Pedro Nunes, em gramas, julgados demasiadamente revolucio-
Lisboa (1948), com a tese Filosofia – Valores nários, foram abolidos. Na qualidade de dele-
éticos e estéticos; lecionou nos liceus de Faro, gada do grupo de História, fez parte da secção
Beja, Évora, Oeiras, Lisboa (D. Leonor, D. João cultural do conselho pedagógico do Liceu
de Castro, Passos Manuel e Pedro Nunes) e na Pedro Nunes, tendo fundado uma galeria de arte
Escola do Magistério Primário de Évora; e foi – a Nónio – em corresponsabilidade com
orientadora de estágios pedagógicos nos liceus Maria Luísa Corte Real – e na qual se realizaram
de Oeiras, Pedro Nunes e Passos Manuel, entre várias exposições. Durante a sua vida de cons-
1973 e 1976, quando este cargo era provido em tante empenhamento profissional e cívico,
função do currículo profissional e não como realizou inúmeras palestras, participou em
viria a ser, a partir de certa altura, por vontade colóquios, escreveu artigos e colaborou em
e escolha dos próprios candidatos a orientado- publicações. Entre as palestras, são de salien-
res. Participou nos colóquios de história e de tar: sessão solene de abertura do ano letivo de
filosofia realizados em 1959, no Liceu Pedro 1951/52, na Sala dos Atos do Liceu de Évora,
Nunes, sob a égide do reitor Francisco Dias então instalada na Universidade Henriquina, a
MAR 664

pedido do reitor Bartolomeu Gromicho, sobre Maria Luísa Costa Silva Bastos
o ousado tema As Alterações de Évora de 1637; Filha de Ermelinda Costa Silva Bastos e de Da-
na Radiodifusão Portuguesa (RDP), logo a seguir niel da Silva Bastos, diretor de alfândega em Goa,
ao 25 de Abril, sobre o ensino da História, a con- nasceu a 8 de julho de 1921, em Caranzalém, e
vite da professora Miriam Halpern Pereira e faleceu em Lisboa a 12 de junho de 2006. Foi a
integrado num painel por esta orientado; na segunda de seis filhos do casamento. O pai, re-
Biblioteca-Museu da República e Resistência, em publicano convicto, amigo de Manuel de Arria-
Lisboa, nos anos 90, sobre O Ensino da Histó- ga, não lhe destinava um percurso escolar, mas
ria antes e depois do 25 de Abril, a convite do Maria Luísa nunca foi de brincar com bonecas.
diretor João Mário Mascarenhas, e em conjun- Em silêncio, começou a aprender a ler sozinha
to com Maria Cândida Proença. Redigiu várias e um dia pegou no Heraldo, um dos jornais lo-
entradas no Dicionário de História de Portugal, cais, fixou a mãe e disse-lhe: “diz ao pai que eu
dirigido pelo professor Joel Serrão, e a convite já sei ler”. O pai ofereceu-lhe então um livrinho
deste. Colaborou nas revistas Palestra, editada da Editora Civilização, O Cavalo Encantado, es-
pelo Liceu Pedro Nunes sob a direção do reitor crito com letras douradas, e outros da coleção das
Dias Agudo e a convite do professor Rómulo de Mil e Uma Noites para os cinco ou seis anos de
Carvalho, e Labor, ambas nos anos 60. Dos mui- idade. Deitava-se no tapete para que voasse e a
tos escritos dispersos, é de mencionar “O jovem sua imaginação crescia no ambiente riquíssimo
Piteira” [Fernando Piteira Santos], publicado no das histórias das aiás. A casa era o mundo dos
Jornal de Letras, por se referir a “alguém cuja pais e dos criados e estes eram os sábios. O irmão
inteligência, sólida formação cultural (espe- mais velho entrou na escola, ela ficava a chorar
cialmente política) e fulgurante lucidez e poder ao vê-lo desaparecer no trem e, desgostosa, dei-
de comunicação marcaram os jovens da minha xou de comer. Foi a primeira criança do sexo fe-
geração, seus colegas na Faculdade de Letras de minino a frequentar a Escola Primária Massano
Lisboa nos anos 40” e que integrava “Barradas de Amorim, o que conseguiu por luta própria, por
de Carvalho, Rute Arons, Olívia Cunha Leal, Rui ter visto essa possibilidade permitida ao irmão
Grácio, Joel Serrão, Joana Campina, Eunice Oli- e não a si. Foi auxiliada por ideias e astúcias de
veira, Jorge Borges de Macedo, Francisco Mo- uma ‘aiá’, e outros criados de casa, que conse-
rais Janeiro, Mário Faria, Nataniel Costa, Tony guiram convencer o governador de Goa a mediar
Nogueira Santos e eu própria, Maria Lucília”. com sucesso, por sua sugestão, o seu desejo, jun-
A competência, profissionalismo, dedicação e to da sua família. Foi a primeira europeia a ir para
intervenção cívica, quer sob condições políti- a escola, e foi uma festa. Entrou cheia de curio-
cas adversas, quer após a Revolução de Abril, sidade e foi sentar-se, mas estava sempre a mu-
de Maria Lucília Estanco Louro podem ser tes- dar de lugar, até que aprendeu a regra de que ti-
temunhados pelos seus antigos alunos, muitos nha de estar sempre no mesmo lugar, e aprendeu
dos quais tornados figuras públicas e entre os coisas magníficas, como a hierarquia: “Um dia
quais se contam: Ana Maria Magalhães; Antó- estávamos na parada a fazer ginástica, pára o car-
nio Damásio; António Torrado; Diogo Freitas do ro do senhor governador e eu saí da formatura.
Amaral; Guilherme de Oliveira Martins; Joaquim Ele viu-me e tive de aprender que o governador
Benite; Joaquim Letria; Joel Hasse Ferreira; manda no quartel, o patriarca manda nos padres,
Jorge Martins; José Meco; José Viana da Mota em casa a mãe e o pai e na escola manda o pro-
Brandão; Maria Beatriz Ruivo; Miriam Halpern fessor”. Foi muito boa aluna e chegou ao 1.o ano
Pereira; Maria Ângela de Sousa; Maria José Mou- do liceu sem idade para o frequentar. Aí teve pro-
ra; Mário Vieira de Carvalho; Norberto Barroca; fessores excecionais, com consciência de serem
Rui Vieira Nery. goeses, convivendo pacificamente com três re-
Fontes: Entrada baseada no depoimento escrito de Ma- ligiões: hinduísmo, cristianismo e islamismo. Em
ria Lucília Estanco Louro, datado de junho de 2005. Goa, não havia brigas. O pai não era religioso, mas
Bib.: Lúcia Serralheiro, Mulheres em Grupo contra a Cor-
rente [Associação Feminina Portuguesa para a Paz
o patriarca D. Mateus de Xavier ia lá a casa; em
(1935-1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011. casa, só a mãe rezava, junto de uma lamparina.
[J. E.] Ela convenceu o pai a ir à missa e Luísa Bastos
também ia com ela. Na igreja, teve oportunida-
Maria Luísa Costa Dias de de conhecer a arte missionária e impressio-
v. Maria Luísa Palhinha da Costa Dias nou-se com as imagens de presos com correntes
665 MAR

nos pés. Conheceu ainda a vida de São Francis- tuguesa para a Paz*, onde desempenhou o cargo
co de Xavier, que fez conversões em massa, e fac- de 2.a vogal do conselho fiscal no ano de 1944-
tos da sua vida. Em Goa, completou os estudos -45, presidido por Glaphira Vieira de Lemos. Ma-
no Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, ria Palmira Tito de Morais era a presidente da di-
cujo reitor, professor de Matemática, era o seu pa- reção e Maria Letícia Clemente da Silva* a pre-
drinho. Só havia 12 alunas, que tinham de pas- sidente da assembleia-geral. Em 1946-47 foi 1.a
sar os intervalos grandes numa sala só para ra- secretária da direção, presidida por Maria da
parigas e com as portas fechadas. Foi ela quem Conceição M. do Valle, sendo presidente da as-
reclamou junto do reitor autorização para que es- sembleia-geral Maria Isabel Aboim Inglês e do
tas ficassem abertas para apanharem ar, argu- conselho fiscal Maria Valentina Trigo de Sousa.
mentando com o calor excessivo, mas também Depois de ter concluído o curso, por não ter as-
para se poder observar o que se ia passando para sinado o Decreto 27 103, foi-lhe retirado o di-
além desse espaço. Era uma jovem interventiva ploma de professora oficial e particular, tendo
e crítica, como se depreende de um episódio dos trabalhado sempre no Liceu Francês Charles
seus tempos do liceu que reteve na memória. Ti- Lepierre, ensinando os ideais da paz em textos
nha 15 ou 16 anos quando chegou um funcionário literários como os do padre António Vieira e ou-
do Estado, Henrique Cabrita, da União Nacional, tros escritores portugueses que muito admira-
filho de um antigo governador de Dili, que levou va. Foi casada com Jaime Pereira Gomes, irmão
propaganda do SNI sobre o Estado Novo e lhe deu de Soeiro Pereira Gomes.
uma imagem de um Portugal de Salazar muito or- [L. S.]
ganizado e superior a Goa, em escolas e em hos-
Maria Luísa de Melo Carneiro Zagalo
pitais, representação diferente da que seu pai re-
Espírita. Presidiu à sessão em que Madalena
publicano transmitia em casa. Comunicou que
iria ao liceu anunciar que tinha havido um aten- Frondone Lacombe proferiu a conferência in-
tado em Lisboa contra Salazar, que era preciso de- titulada “Flamarion e o Espiritismo”, realizada
sagravá-lo numa manifestação espontânea e que em 5 de fevereiro de 1929 na Federação Espí-
aos discursos e palavras de ordem todos tinham rita Portuguesa.
de gritar, com o braço esticado: Salazar! Salazar! Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 5, março-abril, 1929, p. 5.
Salazar! Nesse dia, com toda a gente reunida no [N. M.]
ginásio, fez um discurso e, no final, ela foi a úni-
ca que ficou de braços cruzados. Questionada pelo Maria Luísa de Sousa e Holstein
reitor, respondeu-lhe que, em Língua Portugue- Maria Luísa Domingas Eugénia Ana Filomena Jo-
sa, “a palavra espontâneo significava que não era sefa Antónia Francisca Xavier Sales de Borja de
preparado e disso tinha a certeza, pois tinha um Assis e Paula de Sousa Holstein nasceu a 4 de
bom professor de língua portuguesa”. Termina- Agosto de 1841, em Lisboa, no Palácio Palme-
do o liceu, quis vir para Lisboa estudar. Em 1938, la, e morreu a 2 de Setembro de 1909, em Sin-
a chegada a Lisboa com a mãe e irmãs “foi o acor- tra, na Quinta de São Sebastião, vítima de uma
dar!”. Morava em Campo de Ourique, descia a angina de peito, contando então 68 anos de ida-
Calçada da Estrela e ia para a velha Faculdade de de. Figura de vulto da sociedade lisboeta do fi-
Letras, na Rua da Academia das Ciências, cheia nal de Oitocentos, tem sido especialmente des-
de teias de aranha, escadas de madeira, que chia- tacada a sua atividade de âmbito social, meri-
vam e onde chovia. Inscreveu-se no Curso de Ro- toriamente devido à fundação das Cozinhas Eco-
mânicas. Aí confrontou-se com a outra realida- nómicas de Lisboa, em 1893. Menos atenção tem
de de Salazar: “pessoas que não conheciam Gand- merecido o seu desempenho no contexto das ar-
hi, Tagore e Jawaharlal Nehru, os três mestres do tes, seja por via da prática da escultura, seja de-
pacifismo! E uma rapariga não poder dizer a um vido ao interesse geral que manifestava pelo as-
rapaz ‘há tanto tempo que não te vejo, que já ti- sunto. Fulcral no desenvolvimento da carreira
nha saudades tuas!’ e o contrário ser possível”. de alguns artistas do tempo, teve “para com to-
No 1.o ano, era como se estivesse noutro país, com dos uma palavra boa que ela sabe fazer chegar
as raparigas com mangas pelos punhos, e sentiu bem ao íntimo das almas” [Perfis Contemporâ-
saudades de Goa, cidade asseada, e dos feriados, neos, n.o 2, p. 7]. Talvez por isso, ou pela con-
que eram diferentes dos de Portugal. Foi nessa cessão de um apoio mais efetivo, em 1903 o es-
altura que pertenceu à Associação Feminina Por- cultor portuense Francisco da Silva Gouveia
MAR 666

(1872-1951) tenha esculpido um dos seus retratos lácio do Rato e para a qual contou com a cola-
favoritos, que em Paris dedicava à “Senhora Du- boração do mestre francês. Esta proximidade,
quesa de Palmela com muita gratidão” (Col. Par- aliada à sua natural propensão e gosto por arte,
ticular). Apreciada como escultora e aclamada terão sido motivos fulcrais para o arranque da
como mecenas, a sua intervenção no panorama atividade da artista como escultora, que julga-
artístico da época não se resume às peças que cin- mos encetada neste período. Apesar de ter che-
zelou, mas também ao apoio que concedeu às ar- gado a ser professor interino da Academia por
tes. Legado significativo, a duquesa de Palme- volta de 1862, é sabido que Calmels formou um
la exerceu nesse domínio um papel fundamen- restrito círculo de artistas no seu ateliê, instalado
tal, nomeadamente pela atribuição de bolsas de na igreja do extinto Mosteiro de São Bento, em
estudo e de prémios pecuniários. Desempe- Lisboa. Entre os nomes de Leandro Braga (1839-
nhando também uma importante ação como en- -1897), José Rodrigues Vieira (1856-1898), Jorge
comendadora e compradora de obras de arte, vi- Augusto Pereira e Margarida de Lima Mayer
nha assim modernizar a já notável coleção Pal- (1876-1962), um dos que viria a alcançar maior
mela. No tocante à escultura, a duquesa parece sucesso foi o de António Alberto Nunes (1838-
ter seguido o modo habitual da prática artística -1912), seu aluno entre 1858 e 1870. Também ele
feminina, numa época em que, como lembrava protegido de Maria Luísa, obteve dos duques de
Teixeira Lopes, “poucas senhoras se entregam se- Palmela uma bolsa para desenvolver os estudos
riamente às artes ou à ciência” [Serões, n.o 62, em Paris. Pensionista entre 1870 e 1873, foi ali
p. 150]. Como algumas pintoras, e não tão vas- aluno do francês Eugéne Guillaume (1822-
to número de escultoras, Maria Luísa de Sousa -1905), escultor de nomeada que, como veremos,
Holstein parece encetar a carreira logo após o nas- integrou também o círculo artístico em que se
cimento dos dois filhos, D. Helena Maria Do- movia a escultora. De volta a Lisboa, instalou o
mingas, em 1864, e D. Pedro Maria Luís Eugé- seu ateliê no palácio do Rato, em espaço cedi-
nio, em 1866. Período em que a maioria dos es- do pela anfitriã. Representante dos últimos
cultores lisboetas dependia da formação mi- ecos do romantismo no nosso país, se Calmels
nistrada pelas Academias de Belas Artes, par- pouco contribuiu para uma atualização dos va-
ticularmente junto do mestre Victor Bastos lores estilísticos em Portugal, veiculou aos seus
(1829-1894), em Lisboa, a duquesa de Palmela alunos o refinamento de execução que era apa-
explorou os rudimentos dessa arte com o fran- nágio da sua obra. Ramalho Ortigão, ao pro-
cês Anatole Célestin Calmels (1822-1906). Ati- nunciar-se sobre o ensino artístico, lembrava que,
vo em Portugal desde 1858, desempenhou um num contexto onde trabalhavam “escultores
papel fundamental no panorama artístico do tem- como Soares dos Reis, Simões de Almeida, To-
po, inicialmente como retratista, granjeando de- más Costa, Teixeira Lopes, Nunes, duquesa de
pois um enorme prestígio pelas diversas in- Palmela, pode-se afoitadamente dizer que há uma
cumbências de carácter oficial e público que al- arte, e deve-se acrescentar que há uma escola”,
cançou, sobretudo ao serviço de D. Pedro V e de um corporativismo que incluía dois dos mais as-
D. Luís. Quanto ao seu relacionamento com Ma- sinaláveis discípulos de Calmels [Ramalho Or-
ria Luísa, remontava aos anos 1860 um dos pri- tigão, 1947, p. 161]. Na sequência das primeiras
meiros contactos com a família, datando de 1861 intervenções levadas a cabo na residência lis-
um busto da duquesa de Palmela, executado por boeta, que contaram com a colaboração e até com
encomenda da marquesa do Faial. Afinidade que o risco desse mestre, os duques de Palmela con-
se foi cimentando por força das sucessivas co- tinuaram a recorrer ao estatuário nos anos
missões obtidas, realizou em 1863 um retrato de 1870, desta vez para intervir no recém-construído
D. Maria Luísa Noronha de Sampaio, 2.a duquesa chalet de Cascais. Edificado no local do desati-
de Palmela. Foi também por esta altura que o vado Forte de Nossa Senhora da Conceição, ar-
francês concretizou parte da sua tarefa para a an- rematado pela família em 1868, o projeto de ar-
tiga Câmara dos Pares, na qual se incluía um me- quitetura seria entregue ao inglês Thomas Hen-
dalhão em bronze com a efígie do 1.o duque de ry Wyatt (1807-1880). Iniciadas as obras em 1873,
Palmela, destinado à sala das sessões. Mas se- Calmels seria incumbido, dois anos mais tarde,
ria entre 1865 e 1866 que a relação entre ambos de realizar a decoração da nova casa de veraneio
se estreitou, em virtude da importante campa- dos duques de Palmela [Ribeiro Artur, 1898,
nha de obras que a duquesa promoveu no seu pa- p. 84]. Artista da absoluta confiança da família,
667 MAR

continuava a trabalhar ao seu serviço, realizando sentação do corpo, uma prática efetivamente des-
para o duque o busto de Alexandre Herculano, em crita por João Pinheiro Chagas (1863-1825) em
1879. Obra exposta no ano seguinte na Sociedade 1879, ao dizer que podia “ser simplesmente es-
Promotora de Belas Artes, Calmels apresentou cultural, [mas] quis também ser escultora. [...]
também A Dor, trabalho destinado ao túmulo de [consubstanciando] dessa forma em si própria
D. Pedro, filho da duquesa de Palmela falecido duas entidades que costumam ser distintas: mo-
em 1869. Mas seria na última década de Oito- delo de estátuas, e criadora de estátuas [...]”
centos que o autor realizaria para Maria Luísa [O Ocidente, n.o 28, p. 27]. Da autoria deste es-
uma das suas obras mais emblemáticas. Motivada cultor francês, a artista possuía ainda no seu ate-
pela morte prematura do seu único filho varão, liê “dois Gracchos”, busto duplo desses heróis
a artista comissionou duas imponentes escul- romanos [Conde de Sabugosa, 1907, p. 130].
turas, que haviam de decorar o amplo vestíbu- Obra esculpida em 1853, trata-se de um dos seus
lo do palácio do Rato. Retomando o tema de trabalhos mais célebres, exposto em mármore
1880, coube a Calmels a execução de uma ma- na Exposição Universal de Paris de 1889. São
gistral Dor, en pendant com uma Maternidade, também conhecidas algumas versões desta obra
assinada por Guillaume. Por fim, uma das últi- de Guillaume, nomeadamente alguns gessos, as-
mas encomendas da Casa Palmela, que julgamos sim como uma redução em bronze fundida por
ser também um dos últimos trabalhos de Calmels, Barbedienne, artífice com quem a duquesa tra-
foi a decoração escultórica para o portal do pa- balhou regularmente. Uma fotografia do seu ate-
lácio do Rato. De acordo com o seu traçado, em liê, datável dos anos 1890, exibe de facto a obra
1886 era refeita a porta principal do edifício, cujo que o conde de Sabugosa, D. António Menezes
projeto contemplava duas esculturas alegóricas (1854-1923), descrevia nos seus Embrechados.
de cada lado. Com as representações da Força No contexto nacional, a relação de Maria Luísa
Moral e do Trabalho, as duas esculturas seriam com outros escultores consubstanciava-se pro-
colocadas apenas em 1902. Inequívoca a in- porcionalmente ao apoio que concedia às artes,
fluência que Calmels exerceu sobre a duquesa gerando à sua volta a imagem, não apenas de uma
de Palmela, a sua formação não se restringiu ape- artista respeitada, mas também de uma mecenas.
nas a essas lições. Cosmopolita e esclarecida, fez- Com uma reconhecida projeção na esfera cultural
se desde sempre rodear de alguns dos mais res- do tempo, pese embora a sua maior divulgação
peitados artistas do tempo. Segundo João da Câ- no domínio social que no artístico, este frenesim
mara, “As suas viagens, os seus estudos torna- teve por sede o seu próprio ateliê, então chamado
ram-lhe familiares os processos, fizeram dela uma “pavilhão escultórico”. Instalado desde 1867 no
artista notável” [Perfis Contemporâneos, n.o 2, jardim do palácio do Rato, foi delineado pelo seu
p. 7]. Amiga das atrizes Sara Bernhardt (1844- mestre Calmels. Pequena estrutura que se mis-
-1923) e Eleonora Duse (1858-1924), no domínio turava com outras construções do jardim, dis-
da escultura promoveu o convívio com Augus- tinguia-se pelo revestimento exterior, simulan-
te Rodin (1840-1917) e Eugène Guillaume, cu- do vigas de madeira, que parecia evocar o sis-
jos ateliês frequentava durante as suas estadias tema em gaiola dos edifícios pombalinos. Ate-
em Paris. À falta de outra documentação que o liê frequentado por diversos artistas do tempo,
demonstre, esta proximidade é comprovada foi ali habitual a presença de Teixeira Lopes du-
pela encomenda de algumas obras de arte. É o rante as suas estadias em Lisboa. Aspeto fixado
caso do busto que a retrata, lavrado pelo cinzel numa fotografia publicada pela Ilustração Por-
de Guillaume em 1889. Membro da Academia tuguesa em 1906, que mostra o escultor execu-
de Belas Artes, vice-presidente da Societé des Ar- tando um estudo para a estátua da rainha [Ilus-
tistes Français e diretor da Academia Nacional tração Portuguesa, n.o 13, p. 399]. O parco co-
de França em Roma, foi uma das referências ar- nhecimento que hoje temos do seu interior de-
tísticas de Maria Luísa de Sousa Holstein. Elei- riva de algumas descrições coevas e registos fo-
to em 1892 para realizar a Maternidade, a car- tográficos. Convidado pela escultora a conhecer
ga simbólica inerente a esta obra colocava o seu o seu último trabalho, o conde de Sabugosa per-
autor entre os artistas mais próximos da duquesa, petuou na amálgama dos seus Embrechados uma
e naturalmente como um dos seus favoritos. De interessante descrição daquele espaço, “vasta ofi-
acordo com a tradição familiar, terá sido a pró- cina povoada de todos os instrumentos e alfaias
pria quem lhe serviu de modelo para a repre- do trabalho” [Conde de Sabugosa, 1907, p.
MAR 668

130]. De acordo com Gervásio Lobato, “o seu ate- 2]. Na exposição seguinte, promovida pela
lier de escultura é um deslumbramento de su- SPBA em 1876, a artista apresentou um meda-
premo bom gosto [...]” [O Ocidente, n.o 546, p. lhão com uma Sibila e um busto de Dryade, nin-
42]. Datáveis da última década de Oitocentos, fa das florestas na mitologia grega, assim como
existem no Arquivo Fotográfico da Câmara um retrato de D. Manuel de Sousa Coutinho. De
Municipal de Lisboa algumas fotografias do in- registar que neste ano Calmels fazia parte do júri
terior, da autoria do italiano Francesco Rocchi- de classificação das obras, o que pode ter con-
ni (1822-1895). Ativo em Portugal desde 1847, corrido para um curioso aditamento às atas da
com estúdio lisboeta em São Pedro de Alcânta- sessão em que se atribuíram os prémios. Com
ra, fotografou um espaço repleto de esculturas efeito, apesar do principal galardoado na cate-
e diversas outras obras de arte. Com reais apti- goria de escultura ter sido Soares dos Reis
dões e uma afincada vontade para a prática da (1847-1889), o júri deliberou “consignar na ata
escultura, reuniam-se as circunstâncias que da sessão em que foram conferidas estas meda-
permitiram à duquesa de Palmela encetar uma lhas, que reputava as obras de escultura execu-
carreira nesse domínio. Acompanhada em Lis- tadas e expostas pela Ex.ma Sr.a duquesa de Pal-
boa por Calmels, e guiada em Paris pelos gran- mela, dignas de uma medalha de prata, mas con-
des mestres do tempo, julgamos que tenha siderando que era muito limitado o número des-
principiado a sua atividade por volta de 1865. tas e que havia artistas de profissão que mere-
Quanto às primeiras obras assinadas pelo seu cin- ciam igual recompensa, resolveu dar a prefe-
zel, data de 1870 a representação de um Pesca- rência a estes, porquanto tais distinções muito
dor, apresentado publicamente em 1874, ao lado lhes poderiam aproveitar na sua carreira pro-
de um retrato da condessa de Ficalho, na 10.a ex- fissional, passando-se à Ex.ma duquesa de Palmela
posição da SPBA. Primeiro acontecimento pú- um diploma com a mencionada apreciação de
blico em que participou, nesse ano seria galar- júri” [Relatório e Contas..., 1879, p. 7]. Com uma
doado com uma medalha de 2.a classe o já con- experiência favorável nas suas duas primeiras
sagrado Simões de Almeida (1844-1926). Sen- aparições públicas, a duquesa de Palmela es-
do então presidente do Conselho Administrati- treou-se em Paris na Exposição Universal de
vo daquela sociedade D. Francisco de Sousa 1878, certame em que voltou a apresentar o me-
Holstein (1838-1878), tio de Maria Luísa, este cer- dalhão da Sibila, e exibiu ainda um estudo em
tame seria ainda marcado pela presença de três mármore para um Busto de Mulher. Exposição
discípulos de Calmels. Além do próprio mestre que teve como membro do júri da secção de pin-
e da duquesa de Palmela, estiveram ainda re- tura o marquês de Penafiel, na categoria de es-
presentados Alberto Nunes e José Rodrigues Viei- cultura, cuja medalha de honra seria atribuída
ra. Quanto à receção da obra pela crítica, é cu- a Eugène Guillaume, sendo também consagra-
rioso notar que começou por enaltecer a sua con- dos Simões de Almeida, com uma medalha de
dição social junto do meio artístico. Zacharias 3.a classe, e Soares dos Reis, com uma menção
d’Aça, que destacava o facto de a escultora não honrosa. Entre os escassos sete expositores que
recear colocar-se “ao lado dos artistas”, consi- representavam em Paris a escultura nacional,
derava-a “Mais franca do que a duquesa Colonna, para a escolha da ainda inexperiente Maria Luí-
que se escondeu por detrás de um pseudónimo, sa julgamos que tenha concorrido a influência
Marcello” [Diário Ilustrado, n.o 631, p. 2]. exercida por seu tio, o marquês de Sousa Hols-
Quanto aos trabalhos expostos, distinguia-se o tein. Membro do comité de organização do
referido busto de Pescador, retrato sereno de um evento em Lisboa, era também ele quem presi-
jovem, mas distante do pendor realista que o dia à secção de obras de arte patentes na expo-
tema solicita, e que naquela época já se impu- sição. Com efeito, a duquesa não só expôs, como
nha. Classificado por António Enes como “um conseguiu levar àquele certame duas obras,
busto de sabor clássico” e por Zacharias d’Aça facto apenas igualado pelos já consagrados Si-
como uma obra “deliciosa de suavidade, de fi- mões de Almeida e Soares dos Reis. Como o seu
nura e de elegância”, o último autor aludia tam- mestre, também Maria Luísa se tornou exposi-
bém ao medalhão da Condessa de Ficalho tora regular da SPBA, apresentando em 1880 três
como “igualmente digno de grande apreço pelo trabalhos. Ano em que Calmels expôs o busto de
seu acabamento e estilo” [António Enes, Artes Alexandre Herculano e A Dor, este evento foi par-
e Letras, n.o 2, p. 31; Diário Ilustrado, n.o 631, p. ticularmente marcante por ter sido aquele onde
669 MAR

se apresentaram publicamente os famosos re- contou nesse ano com a presença de outros dois
tratos da duquesa de Palmela, de sua filha, D. He- portugueses na categoria de escultura: Simões
lena, e de seu mestre, Calmels, da autoria do fran- de Almeida e José Moreira Rato (1860-1937), este
cês Carolus Duran (1838-1917). A afiançar nas último premiado com uma menção honrosa. Nes-
palavras de Ramalho Ortigão, recebeu o pintor, te certame Maria Luísa apresentou duas obras,
pelas três obras, “aproximadamente a quantia em o Diógenes e uma Varina, tendo sido a repre-
que importa o custeio de todo o ensino artísti- sentação do célebre filósofo aquela que sem dú-
co em Portugal” [Diário da Manhã, n.o 1470, p. vida lhe valeu os mais fortes aplausos. Consi-
2]. Neste ano, distinguiu-se como seu principal derado como um dos seus melhores trabalhos,
trabalho o busto do Marquês de Sá da Bandei- foi também apontado, por alguma crítica da épo-
ra, general também retratado por Calmels tra- ca, como a obra que revelou a duquesa de Pal-
jando à civil (Museu do Chiado). O busto ago- mela entre os escultores. Executado em 1883, não
ra exposto constituía-se como a primeira versão podemos deixar de registar as semelhanças fi-
da obra realizada em 1883, oferecida pela autora sionómicas que se reconhecem entre o rosto des-
ao Museu Militar, e que daria origem a uma có- ta escultura e o retrato de Calmels, que a artis-
pia, oferecida à Sociedade de Geografia de Lis- ta executou no mesmo ano, aventando a hipó-
boa, onde foi inaugurada em sessão real a 21 de tese de que lhe tenha servido de modelo o seu
junho de 1909. Obra evidentemente executada próprio mestre. Obra galardoada com uma men-
a partir de um retrato, ou de acordo com Maria ção honrosa, que seria recebida como habitual
O’ Neill* “de memória”, a escultora mantinha no no ano seguinte, na comissão de entrega das re-
seu ateliê a farda que usou para modelo, como compensas, da qual fazia parte Eugéne Guil-
se observa em fotografias coevas. Sobre a sua par- laume, então membro da Academia e vice-pre-
ticipação, disse Ramalho Ortigão que a “sr.a du- sidente da SAF. Com o n.o 3795 do catálogo, o
quesa de Palmela, que já não é hoje uma simples original com base em mármore seria gravado em
amadora, uma diletante, mas sim uma artista na Paris por Alphonse-Charles Masson (1814-
mais bela aceção da palavra, expõe dois bustos 1898), em 1884 e em 1888. Pintor, pastelista e
em mármore, sendo um deles o retrato do mar- desenhador, ficou conhecido por ter gravado
quês de Sá da Bandeira, e um medalhão igual- obras de diversos artistas, nomeadamente Mil-
mente em mármore representando a cabeça mor- let, Rousseau, Marvy, e sobretudo Ribot. As suas
ta de uma amiga da autora” [Diário da Manhã, gravuras, quase sempre publicadas nos perió-
n.o 1476, p. 2]. Este último trabalho a que se re- dicos franceses L’Artiste e L’Art, ampliaram na-
feria o crítico era na verdade um relevo com o turalmente o impacto e a divulgação da obra. Em
retrato de Maria Antónia Rebelo de Andrade, re- verdade, “Paris consagrou-lhe o merecimento ar-
presentada defunta, envolta numa mortalha e re- tístico numa sincera manifestação de entusias-
pousada sobre uma almofada. Favorável foi tam- mo, e a imprensa da grande capital foi unânime
bém a opinião expressa por Rangel de Lima, que em aplaudir o veredictum do júri das recom-
considerou os seus trabalhos executados “com pensas do Salon, onde o Diógenes, um esplên-
tanta mestria, que suportam perfeitamente o con- dido trabalho da Sr.a duquesa, obteve um êxito
fronto com as obras dos nossos melhores artis- colossal” [A Ilustração Portuguesa, n.o 42, p. 7].
tas. O busto do marquês de Sá tem semelhança Comprovando o que se dizia na Ilustração Por-
e esmerado acabamento; na cabeça de estudo re- tuguesa, logo um mês após a abertura do even-
vela-se muito conhecimento do natural; o me- to, o jornalista Henry Houssaye (1848-1911) es-
dalhão tem todo o sentimento que a amadora- crevia na parisiense Revue des Deux Mondes:
-artista desejou exprimir. A arte da escultura em “M.me la duchesse de Palmella a sculpté d’une
Portugal pode, pois, ensoberbecer-se por contar main savante et virile un terme de Diogène; ce
entre os seus cultores amadora tão fidalga e tão bronze serait bien placé dans quelque parc, au
distinta nos trabalhos a que liga o seu nome” croisement de deux allées plantées de grands ar-
[Diário de Notícias]. Após um breve interregno bres” [Revue des Deux Mondes, Tomo 63, pp.
na atividade expositiva, durante o qual se tor- 594-595]. Com tal sugestão, evocaria o autor o
nou sócia do Centro Artístico Portuense, fundado conjunto de estátuas que decoravam as alame-
por Soares dos Reis, a duquesa de Palmela es- das do parque de Versailles, encomendadas no
treou-se em 1884 no Salon da Societé des Artistes tempo de Luís XIV. Repleto de atlantos assentes
Français. Exposição inaugurada no dia 1 de Maio, em plintos, ostentavam uma estrutura muito
MAR 670

idêntica àquela que Maria Luísa concebeu. Na blicada pela Ilustração Portuguesa em 1909 [Ilus-
verdade, consideramos que este conjunto não te- tração Portuguesa, n.o 180, p. 136]. Entusiasmada
nha sido de todo estranho ao traçado da duquesa, com o sucesso alcançado, em 1885 parece tra-
sobretudo porque num deles figura efetiva- balhar com o propósito de expor no Salon se-
mente o célebre filósofo, envolto no seu manto. guinte. Enquanto Calmels continuava a confir-
Da autoria de Matthieu Lespagnandelle (1617- mar o seu prestígio junto do público nacional,
-1689), acrescia ainda a interessante circunstância sendo premiado pela SPBA com uma medalha
destas esculturas terem sido gravadas e publi- de 2.a classe, por Paris, a sua discípula voltava
cadas em 1695 por Simon Thomassin (1655- a integrar o grupo de escultores que represen-
-1733) em Recueil des figures, groupes, thermes, tavam Portugal, com as obras Nègresse e Sain-
fontaines, vases, statues et autres ornements de te-Thérèse, esta última agraciada com uma
Versailles tels qu’ils se voient à présent dans le menção honrosa. É de salientar que foram en-
château et parc. Eficaz meio de divulgação des- tregues na categoria de escultura um total de 62
sas obras, se não chegou a integrar a biblioteca menções honrosas, onze medalhas de 3.a classe,
da Casa Palmela, foi certamente uma obra de re- sete de 2.a e duas de 1.a classe. O busto de San-
ferência para o clássico Anatole Calmels. Pou- ta Teresa de Jesus, datado de 1885, é bem sin-
co depois, era na Gazette des Beaux-Arts que o tomático de uma opção iconográfica ainda pró-
conhecido crítico de arte Louis de Fourcaud xima de valores tradicionais, presos a um ana-
(1851-1914) escolhia o Diógenes para imagem de crónico gosto berniniano, que fixara aquele
abertura do texto que dedicava à escultura pre- modelo extasiado da Santa de Ávila. Escultura
sente no Salon desse ano, referindo-se à obra “sig- novamente exposta em 1888, na Exposição In-
né d’une grande dame portugaise, M.me la du- dustrial e Agrícola de Lisboa, Monteiro Rama-
chesse Maria de Palmella” [Gazette des Beaux- lho considerou que a representação de Santa Te-
-Arts, n.o 325, p. 60]. O autor, que defendia a hu- resa “permanece numa atitude entanguida, com
manização do nu em escultura, insistindo numa os furos dos olhos virados para as alturas ce-
maior aproximação à verdade psicológica das re- lestiais, e uma cara d’abade magro chupada pe-
presentações, argumentava que o artista “a mo- los êxtases da sensualidade mística, os ombros
delé sans savoir porquoi un corps nu d’homme encolhidos, na perpétua rigidez d’um termo ca-
ou de femme, et cette forme humaine, dépour- tólico” [Monteiro Ramalho, 1897, p. 257]. O se-
vue de personnalité, n’a rien d’humain” [Idem, gundo trabalho apresentado em Paris foi uma ca-
p. 57]. Nesta linha de raciocínio, aproveitava me- beça de Negra, um dos seus bronzes mais céle-
taforicamente o tema escolhido pela duquesa de bres e aclamados, igualmente modelado em 1885.
Palmela, em que Diógenes procurava com a sua Escultura também intitulada Pretinha, Preta
lâmpada um homem verdadeiro, para dizer: “Il Nova, Criada Preta e Maria José, captava um
me semble que ma situation, à l’heure présen- olhar penetrante, que cativava pela vivacidade
te, n’est pas fort différente de celle du philosophe. de uma expressão catraia. Apesar da índole pi-
Comme il cherchait un homme, je cherche un toresca que o género acarreta, tratava-se na
viril moreau de sculpture. Trouva-t-il l’homme? verdade de um retrato de Maria José dos Santos,
Je ne le crois pas. Trouverai-je ce que je souhaite? criada da duquesa de Palmela, e filha dos cozi-
On le verra bien” [Idem, p. 60]. Como outras pe- nheiros de seus pais, ainda hoje carinhosamente
ças de Maria Luísa, também esta escultura foi lembrada por “Jéjé”. Apresentada pela primei-
fundida em versão reduzida, conhecendo-se al- ra vez neste Salon, foi nos anos seguintes uma
guns exemplares da autoria de Charles Floréal das peças mais expostas pela escultora, no-
Thiébaut. Solicitado e conhecido fondeur-édi- meadamente na Livraria Gomes (1892), na So-
teur parisiense, trabalhou por exemplo com Ca- ciedade Nacional de Belas Artes (1901), e na Ex-
mile Claudel ou Rodin, e ainda com o português posição Nacional do Rio de Janeiro (1908). Por
Tomás Costa (1861-1932), discípulo de Fal- outro lado, reveste-se de particular interesse por
guière desde 1885. Ao contrário da maioria dos ter sido uma das raras peças da sua autoria da-
moldes, que segundo a tradição familiar terão das a fundir a E. Gruet Jeune, artífice que tra-
sido destruídos por vontade da própria duque- balhava em Paris para escultores de renome,
sa, para evitar reproduções posteriores, o gesso como Carpeaux, Injalbert ou Camile Claudel. Não
desta peça seria registado no interior do seu ate- obstante, a maior parte da sua obra, nomeada-
liê por Francesco Rocchini, e a sua fotografia pu- mente as reduções, seriam quase sempre entre-
671 MAR

gues ao célebre Ferdinand Barbedienne (1810- téria sob o influxo d’um cinzel já consagrado. Os
1892). Proprietário de uma conceituada e pro- bronzes captam-me – pois se há tanta falta de me-
fícua fundição francesa, fundada em Paris em tal! – especialmente a mulatinha, cuja humo-
1838, especializou-se inicialmente na reprodu- rística risada tem o ar de dizer: – Aqui está o que
ção em bronze de obras clássicas da estatuária vocês vão fazer à Africa!” [Idem, p. 170]. Refe-
grega e romana. O primeiro contrato para pro- ria-se o autor à cabeça de Negra (1885), a Simy
duzir modelos em bronze de um artista coevo foi (1888) e a Alegria (1891), na verdade os bronzes
feito em 1843 com Rude, desempenhando, daí mais difundidos da escultora. Apesar dos géneros
em diante, um papel fulcral como impulsiona- que representam, são na verdade curiosos retratos
dor da escultura contemporânea. Fundidor de de três protegidas da duquesa. A segunda, figura
alguns dos mais célebres artistas do tempo, ob- histórica de pesarosa expressão, também inti-
teve contratos com diversos escultores em Pa- tulada de Sulamite, teve por modelo uma jovem
ris, entre os quais se destacam os nomes de Car- árabe de nome Simy. A Alegria, também co-
peaux, David d’Angers, Barye, Daumier, Cle- nhecida por Ironia, retrata uma mulher que a es-
singer, Dubois e Rodin. Na última década de Oi- cultora vestiu de espanhola, e a quem captou um
tocentos, já ocupada com a fundação das Cozi- acostumado e gracioso sorriso. Modeladas para
nhas Económicas, a duquesa iria promover serem fundidas em bronze, existem, espalhados
dois certames na Livraria Gomes. Localizada no por diferentes coleções, vários exemplares des-
Chiado, celebrizou-se como espaço de exposi- tas peças, oferecidos pela autora a familiares e
ções artísticas. À semelhança do que já se veri- amigos. Neste mesmo ano de 1892 Maria Luísa
ficava noutros locais comerciais da baixa lisboeta, estará presente, pela primeira e única vez,
de que o mais afamado terá sido o ateliê Bobo- numa exposição organizada pelo Grémio Artís-
ne, podem ainda acrescentar-se as exposições da tico em Lisboa. Representante da secção de es-
Alfaiataria Piccadilly e dos Armazéns Grande- cultura, unicamente ao lado de Costa Mota (1862-
la, em Lisboa, ou da Livraria Renascença Por- 1930), essa categoria resumia-se apenas a duas
tuguesa e dos Armazéns do Chiado, no Porto. O obras de arte. Sobre a sua participação diz
evento promovido pela duquesa de Palmela em Emídio Brito Monteiro que “enviou à exposição
1892 parece ter sido um dos primeiros a ter lu- do Grémio um busto de criança, amuada, mui-
gar naquele espaço. Acontecimentos perpetua- to graciosa e trabalhada com muita delicadeza”
dos por Eça de Queirós em A Ilustre Casa de Ra- [O Ocidente, n.o 483, p. 115]. Descrição que nos
mires, que alude a “uma Exposição de Bordados remete para uma obra datada de 1885, que jul-
na Livraria Gomes”, nesse mesmo ano tem ain- gamos ter sido concebida nessa altura com o pro-
da lugar uma mostra de aguarelas [Eça de Quei- pósito de ser exposta no Salon de 1886. Em 1894
rós, 1900, p. 22]. Em 1893, recebeu as exposições teve lugar a segunda exposição da Livraria Go-
do escultor Tomás Costa e de Rafael Bordalo Pi- mes a que nos referimos atrás. Ao contrário da
nheiro, e em 1894 também Columbano Borda- primeira, esta seria exclusivamente dedicada à
lo Pinheiro se apresentou ali individualmente. escultura, tendo por expositores, além da sua pro-
A primeira exposição impulsionada por Maria motora, José Moreira Rato, Simões de Almeida,
Luísa, especialmente consagrada à aguarela e ao Costa Mota, Alberto Nunes, José Teixeira Lopes
pastel, contou entre os seus expositores com D. e António Teixeira Lopes. Relatando a visita que
Amélia* e D. Carlos, assim como os aguarelistas fez ao local, Joaquim Martins Teixeira de Car-
Roque Gameiro, D. Fernando de Serpa e o por- valho (1861-1921) descreveu-o como um “salão
tuense Manuel San Romão, além de uma pre- pequenino e frio, mas onde passara a Arte, dei-
sença feminina, Maria Portocarrero da Câmara, xando-o alegre e perfumado [...]”, onde observou
e, naturalmente, a promotora do evento. A este ainda “paredes forradas de cortinas vermelhas,
certame referiu-se demoradamente Fialho de Al- do vermelho escuro querido dos escultores, e que
meida em Os Gatos. Num texto datado de 12 de enche de reflexos vermelhos de sangue a correr
fevereiro de 1892, relatou que na Livraria Gomes o mármore branco da carne das estátuas” [Joa-
“reuniram algumas pessoas da sociedade uma quim de Carvalho, 1926, pp. 241-242]. Também
coleçãozinha d’aguarela e pasteis [...]” [Fialho de Gervásio Lobato se referiu a este acontecimen-
Almeida, 1933, p. 163]. Sobre a artista diz o au- to promovido pela duquesa de Palmela, que
tor que apresentou “três bronzes originais [...] que “com as aparências despretensiosas de ser ape-
entretém os seus ócios patrícios vitalizando a ma- nas um auxílio prestado a uma obra pia inicia-
MAR 672

da por uma sua amiga íntima, se transformou, conhecida, por vezes até apartada do numero-
mercê do alto merecimento das obras d’arte ex- so e ambíguo grupo de amadores. Não carecen-
postas, n’um verdadeiro acontecimento artísti- do mais de afirmação pública, admitimos que te-
co do nosso país” [O Ocidente, n.o 546, p. 42]. nha deixado de esculpir com intento expositi-
Quanto aos trabalhos expostos pela escultora, a vo. Na realidade, as suas presenças em certames
principal obra apresentada nesse ano foi o artísticos constituem-se daqui em diante como
bronze Fiat Lux, figura alegre e triunfante que re- meros atos de filantropia, e não mais para cer-
presenta alegoricamente o “génio do progresso tificar as suas capacidades artísticas. Desse
da medicina”. Para a sua execução, serviu de mo- modo, voltamos a encontrá-la no primeiro salão
delo à escultora Luciano Moreira, jovem a da SNBA, realizado em 1901, em que se apre-
quem o futuro reservava uma auspiciosa carreira sentou ao lado de alguns dos principais nomes
no mundo da tauromaquia, onde foi insigne ban- da escultura dessa época, como Simões de Al-
darilheiro. Aqui retratado com apenas 13 anos meida, Costa Mota, Moreira Rato ou Francisco
de idade, parece que terá posado para outras dos Santos. A artista expôs um busto em bron-
obras da duquesa de Palmela, que identificamos ze, que pertencia então à Assistência Nacional
com dois bustos de criança, realizados em 1885 aos Tuberculosos, instituição patrocinada pela
e 1887. Uma das primeiras notícias respeitantes rainha D. Amélia. Expuseram-se neste certame
a este trabalho é dada pelo conde de Sabugosa, “numa parede, quase até ao teto, as obras ofe-
segundo o qual “a obra ia ser vazada em gesso, recidas a S. Majestade a Rainha para que o pro-
e enviada às fundições de Barbedienne” [Con- duto da venda” revertesse a favor desse estabe-
de de Sabugosa, 1907]. Amigo de Maria Luísa, lecimento [Brasil-Portugal, n.o 58, p. 155]. Pos-
e mordomo-mor da Casa Real, foi convidado pela tumamente, em 1913, foi realizado um leilão com
própria a conhecer a sua última obra, descre- obras de diversos artistas contemporâneos, ofe-
vendo o momento em que a artista “despia a sua recidas por Maria Luísa, por Costa Mota e por
nova estátua da mortalha húmida em que esta- Moreira Rato, cujo produto reverteria também em
va envolvida para conservar a ductilidade do bar- benefício dessa causa [Ilustração Portuguesa, n.o
ro”, acrescentando adiante: “fiat lux – que nes- 371, p. 397]. Sobre a sua presença na exposição
se momento me descobria palpitante ainda do da SNBA, escreveu o Xilografo que a “duquesa
trabalho da modelação” [Idem, pp. 130-132]. de Palmela, que é uma artista já consagrada, ex-
Obra também aclamada por Joaquim de Carva- põe um primoroso busto em bronze, que ofere-
lho, enaltecia o autor a “sua compreensão tão ceu para a Assistência Nacional aos Tuberculo-
cheia de fina ironia, e pela delicadeza com que sos” [O Ocidente, n.o 808, p. 123]. Apesar de ser
soube modelar num sentimento tão vivo da car- nomeado no catálogo com a designação de
ne, do movimento e da vida” [Joaquim de Car- Busto, trata-se da cabeça de Negra (1885) já re-
valho, 1926, p. 245]. A peça original em bron- ferida, reproduzida em artigo assinado por
ze seria oferecida pela escultora a D. António de Henrique de Vasconcelos, e que o mesmo autor
Lencastre, seu médico pessoal e da Real Câma- qualificou como um “gracioso busto em bronze,
ra. No intuito de ser proposta académica de mé- de delicado acabamento” [Brasil-Portugal, n.o 59,
rito da Academia Real de Belas Artes de Lisboa, pp. 163-164, e n.o 58, p. 155]. Uma versão des-
executou em 1900 uma cópia em mármore de sa obra seria ainda oferecida, dois anos mais tar-
Carrara, já que era condição indispensável à apre- de, à Associação das Creches de Santa Catarina,
sentação de uma obra da sua autoria. Numa al- em Vila Nova de Gaia, para uma exposição rea-
tura em que eram já académicos de mérito Guil- lizada com obras de arte angariadas por Antó-
laume e Calmels, a duquesa foi justamente dis- nio Teixeira Lopes. O último evento público em
tinguida pelas suas criações artísticas, sendo no- que Maria Luísa participou como escultora foi
meada em 1903 a primeira mulher com tal ca- a Exposição Nacional do Rio de Janeiro, realizada
tegoria. Por essa via, a versão em mármore do Fiat em 1908. Convidada pela comissão organizadora
Lux integra o acervo do Museu Nacional de Be- da secção portuguesa, da qual eram vogais Jor-
las Artes, passando em 1914 para o Museu Na- ge Colaço e António Teixeira Lopes, apresentou
cional de Arte Contemporânea. Atualmente, en- a concurso “três das suas melhores produ-
contra-se na entrada do Supremo Tribunal de Jus- ções”, os bronzes Fiat Lux, Negra e Simy, ten-
tiça de Lisboa. Provas prestadas, na charneira do do as duas primeiras recebido menções honro-
século XX Maria Luísa era já uma escultora re- sas [Bernardino Cincinnato da Costa, 1908, p.
673 MAR

490]. O entusiasmo manifestado pela crítica do la da vulgarização da sua obra [...]” [António Gui-
tempo, elevando as suas qualidades de insigne marães, 1912, p. 15]. De acordo com Maria Amá-
escultora, não deixou porém de se concentrar em lia Vaz de Carvalho, “se fosse pobre, em vez de
aspetos menos pertinentes na ótica de uma ne- ter nascido em berço d’oiro, a duquesa de Pal-
cessária análise de índole estilística. Apreciação mela poderia ter vivido largamente do seu es-
fundamental no domínio da escultura, parecia copro de escultora. Não era uma amadora; era
escapar frequentemente aos críticos da época, que uma grande e conscienciosa artista” [Maria
não dissimulavam a real dificuldade que tinham Amália Vaz de Carvalho, 1910, p. 11]. Em 1879,
em fazer tal análise. Reconhecendo esse obstá- Pinheiro Chagas, que a qualificou como “uma ar-
culo, Ribeiro Artur admite algumas limitações tista de superior talento”, não deixou de lembrar
no que toca à crítica da escultura, escrevendo: que “As suas mãos ducais manejam o escopro
“É grande o número dos que tentam a pintura com a habilidade de um grande artista” [O Oci-
com maior ou menor felicidade; a escultura tem dente, n.o 28, p. 27]. No ano seguinte, era Ran-
menos adeptos, é menos fácil. Os escritores e os gel de Lima quem falava das “aristocráticas mãos
críticos de arte habituam-se a falar largamente afeitas ao contacto do barro e da pedra” [Diário
dos pintores, retraindo-se um pouco quando tra- de Notícias]. Premiada em Paris e no Rio de Ja-
tam dos escultores” [Ribeiro Artur, 1896, p. 242]. neiro, é ainda de assinalar que a artista nunca
No que respeita à duquesa de Palmela, objeto de tenha sido galardoada nas exposições nacionais.
críticas pouco consistentes, verifica-se uma Entre outras contingências, motivo de força foi
enorme indefinição quanto à categoria em que o facto de não se ter assumido como “artista de
deve ser incluída. Citada com recurso a uma profissão”. Com efeito, não subsistia a duquesa
equívoca terminologia de amadora, amadora- de Palmela a expensas daquela atividade, ven-
artista e, escassas vezes, artista, Gervásio Loba- do-se assim privada de um reconhecimento ape-
to referiu-se diretamente a esta matéria em nas concedido aos artistas a quem “muito lhes
1894. Em sua opinião, a escultora “não seguiu poderia aproveitar na sua carreira profissional”
a tradição dos amadores e em vez de entrar nes- [Relatório e Contas…, 1879, p. 7]. Referimo-
se grupo, desgraçadamente tão numeroso, de cu- -nos concretamente ao caso ocorrido na expo-
riosos, que fazem consistir a sua glória em fazer sição da SPBA de 1876, na qual, apesar de as suas
aquilo que não sabem fazer, dedicou-se arden- obras serem “dignas de uma medalha de prata”,
te ao estudo da arte e de há muito que disputa foi preterida a favor de Soares dos Reis pois, me-
primazias com os verdadeiros artistas, igualan- recendo também a recompensa, era ele um “ar-
do-os muitas vezes, excedendo-os algumas” [O tista de profissão” [Idem]. Estranha incompati-
Ocidente, n.o 546, p. 42]. Misturando os dois con- bilidade, a sua consagração até espanto causou:
ceitos, é sintomática a apreciação de António de “Para muitos dos seus compatriotas esta reve-
Lemos (1864-1931), ao designar a duquesa de Pal- lação do talento artístico da ilustre dama, re-
mela como “a maior alma de artista que pode ter presentante de um dos nomes mais gloriosos do
uma amadora. Os seus trabalhos perfeitamente seu país, foi uma grande e agradável surpresa.
executados são confirmações indiscutíveis do lu- Ninguém esperava que a ilustre fidalga, viven-
gar proeminente que ela deve ocupar entre os que do num meio tão avesso às penosas fadigas do
são sacerdotes na sublime arte de Milo” [Antó- estudo, tivesse pela Arte tamanha dedicação.
nio de Lemos, 1906, p. 79]. Dama da rainha D. Ninguém supunha que a Sr.a duquesa consa-
Maria Pia, camareira-mor de D. Amélia de Bra- grasse as suas vigílias a obras de grande fôlego,
gança e titular de uma das mais nobres famílias que lhe deram no mundo da Arte um nome ver-
portuguesas, também a sua condição social pa- dadeiramente distinto [...]. Hoje, a Sr.a duquesa
rece ter minado o real reconhecimento das ap- de Palmela não é apenas a amadora distinta [...]
tidões que possuía, ofuscando a sua competên- é uma artista distinta” [A Ilustração Portugue-
cia como escultora. Entre “ducais”, “aristocrá- sa, n.o 42, p. 7]. Talvez por essa razão, ou no di-
ticas” e “fidalgas”, foram vários os adjetivos com zer de D. Carlos, pelo “muito jeito para pôr as
que se apelidaram as “delicadas” mãos de Ma- aparências contra si, e é bom pensar sempre que
ria Luísa, cujo estatuto parecia indissociável da quand tout le monde a tort tout le monde a rai-
prática de tão árdua tarefa. Como lembrou An- son”, Maria Luísa foi mesmo acusada de não ser
tónio Guimarães, “A sua situação social apenas a verdadeira autora dos seus trabalhos, e injus-
podia prejudicar o seu valor artístico em afasta- tamente apelida de “Duquesa de Calmels” [Raúl
MAR 674

Brandão, 1925, pp. 76-77]. Como lembrava João cultórica, foi sobretudo uma modeladora nata,
da Câmara em 1895, “Ela bem conhece a luta. Ela capacidade que praticou livremente enquanto ce-
sabe que horas amargas custa essa arte para quem ramista. Atividade desenvolvida paralelamen-
tantos olham com desprezo, como para frágil te à escultura, fundou em 1872, com a condes-
quinquilharia” [Perfis Contemporâneos, n.o 2, p. sa de Ficalho, a quem cabia a pintura dos obje-
7]. Na verdade, várias foram as vozes que se le- tos, a célebre Fábrica de Cerâmica do Ratinho.
vantaram contra a escultora. Como escreveu D. Instalada no ateliê de escultura do palácio do
Carlos, “Tem-se falado muito dela em bem e em Rato, perdura desse tempo o fogão onde eram co-
mal. Em bem é caridosa e creio-a amiga dos seus zidas as peças, belo exemplar com forro azule-
amigos, Em mal... tem-se dito tanto que não sei jar e guarda em ferro fundido. Domínio de acen-
o que diga” [Idem]. O próprio rei, dirigindo-lhe tuada liberdade expressiva, a escultora operou
duras críticas, considerou-a “Uma grande dama na fase final da sua atividade uma cisão com o
jusqu’au bout des ongles, quando o quer ser, o gosto de pendor academizante, transmitido pe-
que não é sempre. Extremamente leviana, uma los seus mestres, nomeadamente pelo predo-
toquée. Organização d’artista... que não estudou; mínio de temáticas de género, que cada vez mais
faz escultura, e tem opiniões sobre arte, que nem se sobrepuseram aos assuntos de tratamento clás-
sempre são as melhores” [Idem, pp. 76-77]. Im- sico. Exemplo disso é também a abordagem ico-
perturbável e com uma vontade firme para a prá- nográfica que fez aos temas religiosos que, ape-
tica da escultura, Maria Luísa não se deixou aba- sar de pouco abundantes, se podem personifi-
lar pelas críticas e o seu trabalho como escultora car nas obras Santa Teresa de Jesus (1885) e Ma-
foi finalmente reconhecido com a atribuição da ter Admirabilis (1909). Antagonicamente, se a
comenda da Ordem de Santiago, concedida por uma podemos reconhecer o apego a um destoante
mérito artístico em 1909, ano da sua morte. No gosto berniniano, auferem-se na inacabada Vir-
que toca à sua integração no panorama artísti- gem referentes iconográficos bem mais inova-
co do tempo, a duquesa de Palmela inclui-se num dores. Representando uma Virgem em escala na-
grupo de ambígua classificação. Com uma obra tural, que elevava nos braços a figura do meni-
de refinado sentido plástico, mas pouco abun- no, diz-nos Caetano Alberto que se destinava esta
dante em novidades estilísticas, parece operar obra ao templo da Imaculada Conceição. Mo-
a transição do gosto Romântico para o Natura- numento comemorativo do cinquentenário da de-
lismo, que já se adivinhava no final da sua car- finição desse dogma, daria origem à abertura de
reira como escultora. Por outro lado, apesar de um concurso de escultura. Lançada a primeira
uma obra pouco numerosa, gozou de uma apti- pedra a 8 de dezembro de 1904 na zona de Pi-
dão técnica invulgar, facilmente reconhecível no coas, a igreja não chegaria a ser concluída, mas
tratamento cuidado dos panejamentos, na exa- a sua construção parece ter-se desenvolvido ao
tidão detalhada das cabeleiras, bem como na fi- longo de cinco anos. Desfile de afirmados artistas,
delidade dos retratos. Assim distinguida entre responderam com propostas para diferentes fi-
as raras aspirantes a escultoras, eram com efei- gurações da Virgem – Costa Mota sobrinho, An-
to escassas as mulheres que o arriscavam, numa jos Teixeira, Francisco dos Santos e Moreira Rato
época em que podemos referir pouco mais do que – havendo ainda notícia de uma maqueta en-
os nomes de Albertina Falker, Margarida de Lima comendada pela duquesa de Palmela a Teixei-
Mayer ou da condessa d’Edla*, expositoras na úl- ra Lopes para a capela-mor do monumento, que
tima década de Oitocentos. Já no início da cen- este lhe apresentou em dezembro de 1904. Ver-
túria seguinte, o grupo seria ampliado pelas por- dadeiro repositório de escultura religiosa, acu-
tuenses Joana Andresen*, Ada da Cunha*, Ma- sou todavia uma fraca originalidade no trata-
ria da Glória Ribeiro da Cruz* e Alice de Azevedo mento iconográfico do tema. Assim contextua-
Ribeiro, assim como pelas lisboetas Cristina Vi- lizada, a Mater Admirabilis de Maria Luísa pa-
larinho, Celeste de Melo Mendes e Margarida de recia distinguir-se por uma maior liberdade com-
Alcântara. Deixando a escultura, normalmente positiva, isenta de convencionalismos tradi-
por força do destino que lhes era traçado por via cionais. Notável por um tratamento não canónico
do casamento, perdeu-se o rasto a algumas daquela temática, como se reconhecia no tem-
destas artistas logo após a concretização de uma po, “representa uma nova feição do seu génio ar-
ou duas exposições. A duquesa de Palmela, re- tístico, libertando-se do classicismo do mestre
velando um crescente domínio da linguagem es- Calmels” [O Ocidente, n.o 1106, p. 203]. Falecido
675 MAR

em 1906, talvez o citado mestre tenha ainda che- rior, onde se incluía um coroamento semelhante,
gado a ver iniciada esta obra, cuja ousadia “in- que variava de acordo com a proposta e a lo-
quietava deveras o clássico Anatole Calmels, a calização da cúpula. Consideramos por fim que,
quem se arrepiavam os cabelos na sua contem- apesar do emprego de um esquema compositi-
plação” [Ilustração Portuguesa, n.o 180, p. 135]. vo já experimentado, a obra da duquesa de Pal-
Sugerindo uma modernidade iconográfica ím- mela não é totalmente isenta de alguma novi-
par, também Maria O’Neill (1873-1932) faz no- dade, sobretudo manifestada pela pose natural,
tar que tem a estátua “fisionomias completamente meiga e materna da Virgem. Traduzindo um na-
novas em santos. A mãe não tem o ar de pieda- turalismo que se opunha à rigidez expressiva da
de e de resignação quási apática, que desde sem- sua congénere, antecipava assim uma mudan-
pre lhe atribuem”, rematando mais adiante: ça de rumo na atividade da escultora que, po-
“Uma estátua lindíssima da Virgem, com seu Fi- rém, não chegou a tempo de se desenvolver.
lho nos braços, como vulgarmente a esculpem Bib.: AA.VV., Uma Família de Coleccionadores: Poder e
os clássicos, encanta, mas não comove a mul- Cultura, Antiga Colecção Palmela, Lisboa, Casa-Museu
tidão” [Ilustração Portuguesa, n.o 180, pp. 136- Dr. Anastácio Gonçalves, 2001; A. de Champeaux, Dic-
137]. Primeira incumbência pública em que a tionnaire des fondeurs, ciseleurs, modeleurs en bronze
et doreurs depuis le moyen-age jusqu’à l’époque actuel-
escultora se envolvia, marcava assim uma vi- le, Paris-London, J. Rouam-Gilbert Wood, 1886; A. F. S.,
ragem axiomática na sua atividade. Unanime- “A Nobreza e a Arte em Portugal”, Ilustração Portugue-
mente considerada como uma das suas criações sa, Lisboa, n.o 67, 1907, pp. 681-687; Alda de Guimarães
mais originais, em verdade filia-se na Virgem Guedes Machado, O Conde de Almedina e a Arte em Por-
tugal no Século XIX, Lisboa, 1954; Anatole de Montai-
Apresentando o Menino ao Mundo, da autoria glon, “La sculpture a l’exposition universelle”, Gazette
do francês Albert Dominique Roze (1861-1952). des Beaux-Arts, Paris, Tomo 18, n.o 253, 01/07/1878, pp.
Discípulo de Rodin e presença habitual no Sa- 31-49; António de Lemos, Notas de Arte, Porto, Tipografia
lon parisiense, realizou a citada escultura para Universal, 1906; António Enes, “Décima Exposição da So-
ciedade Promotora de Belas Artes em Portugal”, Artes e
o coroamento da torre sineira da Basílica de Letras, Lisboa, 3.a série, n.o 2, 1874, pp. 29-31; António
Notre Dame de Brebières, em Albert, cidade na Guimarães, A Última Duquesa de Palmela, Lisboa, edi-
região do Somme. Obra datável da última ção do autor, 1912; Bernardino Cincinnato da Costa, Ex-
década do século XIX, chegou certamente ao posição Nacional no Rio de Janeiro em 1908: catálogo ofi-
conhecimento da duquesa de Palmela já na cen- cial da secção portuguesa, Lisboa, Tipografia A Editora,
1908; Branca de Gonta Colaço, Maria Archer, Memórias
túria seguinte. Sem que fosse exposta em da Linha de Cascais, Cascais-Oeiras, Câmara Municipal,
nenhum Salon daquela época, julgamos que a 1999 (Fac-simile ed. 1943); Caetano Alberto, “Duquesa
tenha conhecido apenas depois de inaugurada. de Palmela”, O Ocidente, Lisboa, n.o 1106, 20/09/1909,
Igreja neobizantina, iniciada em 1885 e consa- pp. 201-203; Conde de Sabugosa, Embrechados, Lisboa,
Livraria Ferreira Editora, 1907; Eça de Queirós, A Ilustre
grada em 1901, mais do que um local de pere- Casa de Ramires, Porto, Livraria Chardron, 1900; Fernando
grinação, acabou por se celebrizar sobretudo de Pamplona, Um Século de Pintura e Escultura em Por-
devido a essa Virgem em bronze. Destruída du- tugal: 1830-1930, 2.a ed., Porto, Livraria Tavares Martins,
rante a Primeira Grande Guerra, em janeiro de 1943; Idem, “D. Maria Luísa de Sousa Holstein, Duque-
sa de Palmela”, Dicionário de Pintores e Escultores Por-
1915 a estátua ficaria suspensa sobre a cidade, tugueses, Vol. 4, 2.a ed., Lisboa, Civilização Editora, 1987,
tendo a sua insólita imagem percorrido todo o pp. 258-259; Fialho de Almeida, Os Gatos, 6.a ed., Lisboa,
mundo. A fotografia da Vierge Penchée, como Livraria Clássica, 1933 (1.a ed. 1892); Gervásio Lobato, “A
ficou conhecida depois do sucedido, seria pu- Duquesa de Palmela”, O Ocidente, Lisboa, n.o 546,
blicada em Portugal na Ilustração Portuguesa, 21/02/1894, pp. 41-43; Henrique Vasconcelos, “Exposi-
ção de Belas Artes”, Brasil-Portugal, Lisboa, n.o 58,
logo dois meses após a queda [n.o 471, p. 278]. 16/06/1901, pp. 155-158; Idem, “Exposição de Belas Ar-
A confirmar-se a informação concedida por Cae- tes”, Brasil-Portugal, Lisboa, n.o 59, 01/07/1901, pp. 163-
tano Alberto, quando nos diz que a Mater Ad- 164; Henry Houssaye, “Le Salon de 1884”, Revue des Deux
mirabilis de Maria Luísa se destinava ao “tem- Mondes, Paris, Tomo 63, 01/06/1884, pp. 560-595; João
da Câmara, “Duquesa de Palmela”, Perfis Contemporâ-
plo-monumento da Imaculada Conceição que neos: Retratos, Biografias e Literatura, Lisboa, n.o 2,
ainda se está construindo” [O Ocidente, n.o 1106, 15/07/1895, pp. 5-8; João Sincero, “A Exposição de Be-
p. 203], pode efetivamente aceitar-se uma fi- las Artes do Grémio Artístico”, O Ocidente, Lisboa, n.o 483,
nalidade afim à da basílica francesa. Com efei- 21/05/1892, pp. 114 -115; Joaquim Martins Teixeira de
Carvalho, Notas de Arte e Crítica, Porto, Livraria Morei-
to, se analisarmos alguns dos projetos elabora- ra Editora, 1926; José de Figueiredo, Secção Portuguesa
dos em 1904, depressa concluímos da impor- de Belas Artes: Exposição Nacional no Rio de Janeiro, Ano
tância dada à componente escultórica do exte- de 1908, Lisboa, Tipografia A Editora, 1908; José Pessa-
MAR 676

nha, Notas sobre Portugal: Exposição Nacional do Rio de chet, 1886; “Duquesa de Palmela”, A Ilustração Portu-
Janeiro, Vol. 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1908; José Sar- guesa, Lisboa, n.o 42, 01/05/1888, pp. 5, 7; Sociedade Na-
mento de Matos, Procuradoria-Geral da República: Pa- cional de Belas Artes – Primeira Exposição, Lisboa, Ti-
lácio Palmela, Lisboa, P.G.R., 1987; Louis de Fourcaud, pografia da Companhia Nacional Editora, 1901; Catálo-
“Le Salon de 1884”, Gazette des Beaux-Arts, Paris, go das obras de arte oferecidas em favor da Creche, Por-
Tomo 30, n.o 325, 01/07/1884, pp. 55-63; Manuel Joaquim to, Comércio do Porto, 1903; “O escultor Teixeira Lopes
Pinheiro Chagas, “O Marquês de Sá da Bandeira: busto trabalhando no estudo para a estátua de S. M. a Rainha
da Sr.a Duquesa de Palmela”, O Ocidente, Lisboa, n.o 28, no atelier da Senhora Duquesa de Palmela”, Ilustração Por-
15/02/1879, pp. 25-28, 30; Maria Amália Vaz de Carva- tuguesa, Lisboa, n.o 13, 1906, p. 399; “No palácio Palmela,
lho, Duquesa de Palmela: in memoriam, Separata de Jor- em Sintra”, Brasil-Portugal, Lisboa, n.o 203, 01/07/1907,
nal do Comércio do Rio de Janeiro, Lisboa, Tipografia Cas- p. 161; “Senhoras em evidência”, Serões, Lisboa, Vol. 8,
tro Irmão, 1910; Maria de Lourdes Amorim, Escultura da n.o 43, Janeiro, 1909, p. 74; “Honra ao talento”, Serões,
duquesa de Palmela: 1841-1909, Lisboa, Galeria A Janela Lisboa, Vol. 8, n.o 44, Fevereiro, 1909, pp. 161-162; “Es-
Verde, 1991; Maria João Lello Ortigão, “Duquesa de Pal- culturas da Senhora Duquesa de Palmela”, Serões, Lis-
mela”, Dicionário de Escultura Portuguesa, Lisboa, Edi- boa, Vol. 8, n.o 47, Maio, 1909, p. 464; “O busto de Sá da
torial Caminho, 2005, pp. 435-436; Idem, “Maria Luísa Bandeira pela Sr.a Duquesa de Palmela: a sua inaugura-
de Souza e Holstein”, Dicionário no Feminino (séculos ção na Sociedade de Geografia”, O Ocidente, Lisboa, n.o
XIX-XX), Lisboa, Livros Horizonte, 2005, p. 727; Maria 1099, 10/07/1909, pp. 145-147; “Funeral da Senhora Du-
O’Neill, “A Duquesa de Palmela: escultora”, Ilustração quesa de Palmela”, Brasil-Portugal, Lisboa, n.o 256,
Portuguesa, Lisboa, n.o 180, 02/08/1909, pp. 133-138; Mon- 16/09/1909, pp. 241-245; “A caridade de luto: Duquesa
teiro Ramalho, Folhas d’Arte, Lisboa, Tipografia Portuense, de Palmela”, Serões, Lisboa, Vol. 9, n.o 52, Outubro, 1909,
1897; Paula Mesquita Santos, “Anatole Célestin Calmels”, pp. 343-244; “Exéquias em S. Domingos por alma da se-
As Belas-Artes do Romantismo em Portugal, Lisboa, Ins- nhora Duquesa de Palmela”, Brasil-Portugal, Lisboa, n.o
tituto Português de Museus, 1999, pp. 68-72; Ramalho Or- 262, 16/12/1909, pp. 341-342; “Duquesa de Palmela”, O
tigão, “O Centenário e a Exposição de Belas Artes”, Diá- Ocidente, Lisboa, n.o 1115, 20/12/1909, pp. 274-276; A
rio da Manhã, Lisboa, n.o 1470, 16/06/1880, p. 2; Idem, mãe dos pobres: oração fúnebre proferida pelo arcebis-
“A Exposição de Belas Artes – o congresso literário”, Diá- po d’Évora, Lisboa, Tipografia Castro Irmão, 1910; “Azu-
rio da Manhã, Lisboa, n.o 1476, 23/06/1880, pp. 1-2; Idem, lejos artísticos”, Serões, Lisboa, Vol. 11, n.o 61, Julho, 1910,
Arte Portuguesa, Lisboa, Clássica, 1943-47; Rangel de p. 77; “Senhoras em evidência”, Serões, Lisboa, Vol. 11,
Lima, “Folhetim”, Diário de Notícias, 25/05/ 1880; Raúl n.o 62, Agosto, 1910, pp. 150-151; “A favor d’Assistência
Brandão, Memórias, Vol. II, 3.a ed., Paris-Lisboa, Aillaud aos Tuberculosos”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, n.o 371,
& Bertrand, 1925; Ribeiro Artur, Arte e Artistas Con- 31/03/1913, p. 397; “A virgem da Torre da Basílica d’Al-
temporâneos, Lisboa, Livraria Ferin, 1896-1903; Sandra bert”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, n.o 471, 01/03/1915,
Costa Saldanha, “Nobre amadora, Mulher escultora. A obra p. 278; “Duquesa de Palmela”, Ilustração Portuguesa, Lis-
de Maria Luísa de Sousa Holstein (1841-1909), 3.a duquesa boa, n.o 860, 12/08/1922, p. 149; “A Duquesa de Palme-
de Palmela”, Margens e Confluências, n.o 11, Guimarães, la, fundadora das cozinhas económicas, foi homenagea-
Escola Superior Artística do Porto, 2006; Simon Tho- da”, O Século, Lisboa, 23/04/1944, p. 95.
massin, Recueil des figures, groupes, thermes, fontaines, [S. C. S.]
vases, statues et autres ornements de Versailles tels qu’ils
se voient à présent dans le château et parc, Amsterdam,
P. Mortier, 1695; Victor Champier, L’Année Artistique,
Maria Luísa Faria de Magalhães
1878: les beaux-arts en France et a l’etranger, Paris, A. Mestra na oficina de lavores femininos na Escola
Quantin, 1879 ; Xilografo, “Sociedade Nacional de Belas Industrial de Tomar, a partir de 1893. Iniciou a
Artes: primeira exposição”, O Ocidente, Lisboa, n.o 808, frequência da Escola de Desenho Industrial Ja-
10/06/1901, pp. 123-124 ; Zacharias d’Aça, “Visita à ex- come Ratton, em Tomar, com 16 anos, no ano le-
posição da Sociedade Promotora das Bellas Artes”, Diá-
rio Ilustrado, Lisboa, n.o 631, 11/06/1874, p. 2; Socieda- tivo de 1887/88 e ao longo do seu percurso es-
de Promotora das Bellas Artes em Portugal – Décima Ex- colar foi distinguida com diversos prémios, não
posição, Lisboa, Tipografia Universal, 1874; Relatório e só pecuniários (7$000 réis em “Princípios de de-
Contas da Sociedade Promotora das Belas Artes em Por- senho rigoroso”, 9$000 réis em “Desenho de fi-
tugal no Ano de 1873-1874, Lisboa, Tipografia Universal,
1875; Sociedade Promotora das Belas Artes em Portugal
gura”, 8$000 réis em “Desenho de bordados agua-
– Undécima Exposição, Lisboa, Tipografia Universal, 1876; relado” e 6$000 réis em “Modelação”, respeti-
Exposition Universelle Internationale de 1878, Catalogue vamente, em 1888, 1889, 1890 e 1891), como de
officiel, Tomo I, Paris, Imprimerie Nationale, 1878; Re- distinção (“Desenho decorativo de leques” em
latório e Contas da Sociedade Promotora das Belas Ar- 1891). Exibiu trabalhos na mostra das escolas in-
tes em Portugal no Ano de 1879, Lisboa, Tipografia Uni-
versal, 1879; Sociedade Promotora das Belas Artes em Por- dustriais na Exposição Industrial Nacional de
tugal – Duodécima Exposição, Lisboa, Tipografia de Chris- 1888, realizada na Avenida da Liberdade, e na
tovão Augusto Rodrigues, 1880; Catalogue illustré du Sa- Exposição das Escolas Industriais patente no Mu-
lon, Paris, Librairie d’Art L. Baschet, 1884; Explication seu Industrial e Comercial de Lisboa em 1891.
des ouvrages de peinture, sculpture, architecture, gravure
et lithographie des artistes vivants, exposés au Palais des
Com a abertura da oficina de lavores femininos
Champs-Elysées le 1er mai 1886, Paris, Paul Dupont, 1884; da Escola Jacome Ratton, no ano letivo de
Catalogue illustré du Salon, Paris, Librairie d’ Art L. Bas- 1893/94, Maria Luísa Faria Guimarães foi con-
677 MAR

tratada como mestra com um vencimento men- Piedade Palhinha da Costa Dias, uma família abas-
sal de 12$000, tendo exercido as suas funções tada da indústria conserveira. Morreu a 10 de
apenas durante dois anos, pois a oficina deixou maio de 1975, juntamente com seu marido, Pe-
de funcionar no ano letivo de 1895/96. dro Soares, num acidente de viação. Licenciada
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das em medicina, aderiu ao MUD Juvenil em 1945,
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- altura em que conheceu Pedro Soares, com
cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- quem manteve um longo noivado por este ter sido
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, deportado para o Campo de Concentração do Tar-
Copiadores de correspondência expedida (1891-1892; rafal, onde cumpriu sete anos de prisão sem jul-
1893; 1894). Fontes impressas: Ministério das Obras Pú-
blicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do Comér- gamento. Católica praticante, casou-se pela Igre-
cio e Indústria, Relatórios sobre as Escolas Industriais ja, mas Pedro Soares esteve ausente da cerimó-
e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul. Anos nia religiosa: “Ele era comunista, não queria ir à
lectivos de 1886-1887 (segunda parte) e 1887-1888, Lis- igreja. Por isso a Maria Luísa casou pela Igreja sem
boa, Imprensa Nacional, 1888; As Escolas Industriais da
Circunscrição do Sul na Exposição Industrial de Lisboa
a presença do marido” [testemunho de Sérgio Vi-
em 1888. Catálogo dos desenhos e outros objectos exe- larigues, prestado à autora em 21/09/2005].
cutados e expostos pelos alunos, Lisboa, Tipografia e Es- Uma vez casada, entrou para a clandestinidade
tereotipia Moderna, 1888; Francisco da Fonseca Bene- com o marido, em 1951, abandonando a activi-
vides, Relatório sobre as Escolas Industriais e de Dese- dade médica, para se dedicar à luta contra o fas-
nho Industrial da Circunscrição do Sul. Ano lectivo de
1888-89, Lisboa, Imprensa Nacional, 1889; Ministério das cismo durante 22 anos, mas não era filiada no Par-
Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do tido Comunista. Sérgio Vilarigues recorda uma
Comércio e Indústria, Relatório sobre as Escolas Indus- ocasião em que, numa reunião clandestina per-
triais e de Desenho Industrial da Circunscrição do Sul to de Sesimbra, “estava lá um camarada que era
(1889-1890), Lisboa, Imprensa Nacional, 1890; Idem, Re- sectário como o diabo, e estava sempre a picá-la
latório sobre as Escolas Industriais e de Desenho In-
dustrial da Circunscrição do Sul. Ano lectivo de 1890- e ela a certa altura disse calmamente: – não pre-
-91, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; Ministério das Obras cisas de dizer isso, que eu sei muito bem que hou-
Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do Co- ve verdadeiros crimes praticados pela Igreja ca-
mércio e Indústria, Catálogo dos trabalhos expostos no tólica. Mas tem paciência, vocês também tiveram
Museu Industrial e Comercial de Lisboa e executados nas
Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Cir-
o Béria” [Idem]. Foi presa, pela primeira vez, em
cunscrição do Sul no Ano lectivo de 1889-1890, Lisboa, Palmela, numa casa clandestina, em 3 de de-
Imprensa Nacional, 1891. zembro de 1953. Em janeiro de 1954, o Avante!
Bib.: Teresa Pinto, A formação profissional das mulheres alertava para a gravidade da situação em que ela
no ensino industrial público (1884-1910). Realidades e se encontrava juntamente com Maria Ângela Vi-
representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,
Universidade Aberta, 2008. dal*, Maria Cecília e Isaura Silva: “todas bastante
[T. P.] doentes, é-lhes negada a assistência médica a pre-
texto de que a doença é anterior à prisão. Vivem
Maria Luísa Maire em rigoroso isolamento, algumas já há longos me-
Também conhecida como Luísa Meire. Filha dos ses. O miserável carrasco João da Silva espreita
bailarinos Nicolau Maria Maire e de sua mulher as presas pelas frestas e fechaduras das portas e
Manuela Maire, e irmã de Paula Maire*. Fazia declara cinicamente que, como detidas, «estão su-
parte da Companhia dos Cavalinhos e era mui- jeitas a interceções de carcereiros a todo o mo-
to admirada pela beleza. Em 1845, residia na Rua mento»” [Avante!, janeiro de 1954]. A situação
da Condessa. agravou-se de janeiro para março: “Maria Luísa,
presa há mais de três meses, muito doente com
Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu- uma perigosa infecção intestinal. Desde então
nicipal de Lisboa, 1967, p. 157. mantida em rigoroso isolamento, tendo inter-
[I. S. A. ] rompido o tratamento que estava a fazer antes de
ser presa. Em consequência dos seus enérgicos
Maria Luísa Palhinha da Costa Dias protestos, foi examinada por um médico que, co-
Militante antifascista, católica e comunista, pio- nhecendo a gravidade do seu estado, lhe pres-
neira na defesa dos direitos políticos das mu- creveu além dos medicamentos adequados, re-
lheres, em Portugal. Nasceu no lugar de Trou- pouso absoluto na cama e uma dieta que lhe tem
xemil, Coimbra, no dia 15 de outubro de 1916, sido sistematicamente recusada” [Avante!, mar-
filha de Luís Manuel da Costa Dias e de Maria da ço de 1954]. Foi julgada, ao fim de um ano de pri-
MAR 678

são, em 18 de dezembro de 1954, pelo Tribunal foi uma ajuda para as companheiras de cárcere.
Plenário de Lisboa. Absolvida, saiu em liberda- Apesar de não poder receitar diretamente os me-
de no mesmo dia. Voltou à clandestinidade, sen- dicamentos (só o médico da cadeia é que o po-
do presa, pela segunda vez, em 5 de dezembro dia fazer), Maria Luísa “às vezes aconselhava-
de 1958, no Porto. À PIDE que lhe confiscava -nos para nós dizermos ao médico da prisão «Lá
os pertences, nomeadamente dinheiro, disse: fora tomava isto e fazia-me bem» e o médico re-
“«– Tudo o que está aqui em casa é meu! // – É do ceitava. E também nos dava aulas de ginástica.
Partido Comunista... – insistiam os agentes da Fazíamos exercício físico com as pernas e braços,
PIDE // – Não tenho nada a ver com o Partido Co- e treino respiratório: ela tinha essa preocupação”
munista! A minha religião obriga-me a acom- [Sofia Ferreira, 11/08/2005]. Viviam em regime
panhar o meu marido, nem que seja para o In- de isolamento, sem direito a convívio, fechadas
ferno. Portanto, isto tudo, é meu! – replicou». na cela 24 horas por dia, sem refeitório e com res-
E conseguiu que a polícia lhe devolvesse tudo! trições à entrada de livros e revistas, assim como
Era uma mulher corajosa, honesta e leal» [Idem]. à correspondência, que era toda censurada. Vi-
Da PIDE do Porto, recolheu ao Forte de Caxias. sitas, só dos familiares diretos que nem sequer
Na cela “fez um oratoriozinho no seu cacifo e podiam abraçar, porque as presas ficavam meti-
todas as noites e manhãs abria o armariozinho e das em cubículos, separadas das visitas por um
fazia as suas orações, muitas vezes virada para corredor de um metro de largura, mais uma rede
o Cristo Rei” [Aida Magro*, depoimento em e chapa de plástico. “Naquelas condições, pri-
19/08/2005]. Aida Magro, companheira de cela, vadas de espaço, há muitos anos a viver numa
recorda-a como uma “pessoa muito compreen- área limitada, com horas para tudo, para levan-
siva, muito camarada, impecável, no convívio, tar, para deitar, para comer, precisávamos de mui-
em tudo. Não tinha discussões com ninguém. ta compreensão, de muito equilíbrio no nosso re-
Quando falava era para ajudar. Era uma mulher lacionamento. Para haver uma boa convivência
extraordinária”. Na cela as presas organizavam era preciso, às vezes, um pouco de esforço e fir-
a vida de modo a estarem sempre ocupadas. Era meza. E ela tinha esse temperamento mais cal-
a opção para fazer frente aos anos de cadeia que mo e nós respeitávamo-la, muito. Não era só por
as esperavam. Cada mulher tinha de arrumar e ser médica, era a sua solidariedade para com as
limpar o seu canto, fazer a cama, lavar a roupa. companheiras de cela, a sua ajuda, e colaboração
Faziam renda, croché, tricot, costura. Maria em tudo. Muito solidária, muito carinhosa”
Luísa “não gostava de coser. Mas croché e [Sofia Ferreira]. Era discreta, mas, ao mesmo tem-
coisas de malha, gostava de fazer. Escrevia e lia. po, era ela que tomava a iniciativa de abordar as
E preparava as aulas” [Sofia Ferreira*, depoimen- companheiras de quarto, sempre que via alguma
to em 11/08/2005]. Sofia Ferreira recorda que foi em dificuldade, ou porque não se levantava da
graças às aulas que davam as camaradas licen- cama, ou porque tinha uma crise de choro: “ela
ciadas que fez a sua educação: “tínhamos aulas aproximava-se, procurava saber e como era re-
diárias organizadas, a Alda Nogueira dava aulas servada, sabíamos que não ia contar a ninguém,
de Matemática e Química, Fernanda Paiva Tomás* confiávamos nela” [Sofia Ferreira]. Uma mulher
dava História de Portugal e Português e Maria Luí- delicada, mas firme. “Não se acobardava quan-
sa Costa Dias, História Universal”. Recorda Ma- do havia reivindicações e protestos, a fazer. Não
ria Luísa da Costa Dias como “uma pessoa ex- desarmava sempre que havia provocações por par-
traordinariamente disciplinada, solidária, con- te dos guardas, mantendo-se firme na sua posi-
vivendo e colaborando com todas”. Para além dos ção” [Sofia Ferreira]. Os quatro anos de cadeia que
estudos coletivos, cada uma mantinha os seus es- cumpriu (dois de prisão e dois de medidas de se-
tudos individuais, assim como a leitura de ro- gurança), tornaram-se um calvário, em que as saí-
mances ou outros livros que a PIDE autorizasse das de emergência para o hospital, devido à de-
a entrar na cadeia. E liam o jornal, um ou outro bilidade do seu estado de saúde, alternavam com
exemplar de O Século ou do Diário de Notícias. os castigos de cada vez que, juntamente com as
Aida Magro recorda que foi “Maria Luísa quem outras presas, reivindicava, por exemplo, poder
muitas vezes organizou uma discussão à hora do abraçar os seus familiares, durante as visitas, ou
almoço sobre um tema do jornal”. Geralmente era poder fazer exercício físico no exterior. Uma vez
lido coletivamente e a seguir, comentavam-se as foi castigada com 15 dias de prisão na própria
notícias políticas. O facto de ser médica também cela, outra com a proibição de visitas por dois me-
679 MAR

ses e, logo a seguir, por um mês, e ainda priva- organizações femininas e democráticas do mun-
ção de exercício ao ar livre durante sete dias. Pelo do inteiro, as 13 cartas foram escritas de noite,
seu estoicismo, grandeza e firmeza de princípios, à luz da vela, a cabeça por dentro de um caixo-
Maria Luísa Costa Dias tornou-se a bandeira dos te, em pequeninas folhas de mortalha, com
católicos que lutavam contra a ditadura. Na ca- uma letra miudinha. Essas mortalhas foram de-
deia, foi visitada pelo bispo de Nampula e 40 in- pois passadas para o exterior quer em lápis ou la-
dividualidades católicas assinaram um docu- piseiras, quer a forrar botões. Foi nestes termos
mento em que exigiam “um inquérito aos crimes que Maria Luísa Costa Dias descreveu a sua si-
da PIDE” [Avante!, junho de 1959]. A prisão foi- tuação: “[...] O meu estado de saúde está pro-
-lhe muito penosa: “começou a ficar muito, mui- fundamente abalado por doença grave e sem ne-
to, muito doente. E requisitava tratamentos, nhum tratamento, dado que a assistência de que
porque como médica que era, sabia o que pre- necessito não pode ser ministrada na prisão e
cisava, e não lhos davam” [Aida Magro]. Em 11 é-me negado internamento hospitalar. Em agosto
de agosto de 1959 deu entrada no Hospital de de 1960 tive de ser submetida a uma interven-
Santa Maria. Teve alta seis meses depois, a 5 de ção cirúrgica urgente consequência daquela au-
janeiro de 1960. No dia 27 de agosto de 1960, bai- sência de tratamento. Às torturas psíquicas que
xou novamente ao Hospital da Ordem Terceira, então me foram infligidas pela PIDE, os violen-
em Lisboa, de onde teve alta a 15 de setembro de tíssimos choques que com ela tive de travar nas
1960, e a 3 de dezembro do mesmo ano foi trans- vésperas da operação e durante os escassos dias
ferida para as prisões privativas da delegação do que estive hospitalizada, provocaram-me um es-
Porto da PIDE. Julgada a 19 de dezembro de 1960, tado de extremo depauperamento que se mantém
dois anos depois de ter sido presa, não assistiu passados oito meses, encontrando-me ainda in-
ao julgamento dada a sua debilidade física. capacitada de realizar qualquer atividade inte-
“A certa altura ela já não conseguia suportar sequer lectual. Neste estado precário de saúde, foi-me
um pequeno ruído na sala e pediu ao Diretor para aplicado, assim como a todos os outros presos da
mudar de sala”. Sem forças para nada, Maria Luí- cadeia, alguns dos quais gravemente doentes, um
sa foi mudada para outra sala, acompanhada de castigo de dois meses em regime de subalimen-
Aida Magro que se ofereceu para a ajudar: “Era tação, corte de visitas e de lanches. Neste esta-
uma sala grande. Tinha 7x5 metros. Estávamos do de saúde, desde há três meses, tenho sido
só nós e duas camas. A Maria Luísa ia perden- sujeita arbitrariamente a longos períodos de iso-
do peso de dia para dia e não podia andar. Quan- lamento que fortemente têm abalado a minha saú-
do já não conseguia andar, e comia muito pou- de. Foi interposto o pedido de anulação do meu
cochinho, eu comecei a ficar muito aflita” [Aida julgamento e aguardo há 15 meses a resolução do
Magro]. Sofria de caquexia, uma doença que pro- tribunal” [Arquivo pessoal de Domicília Maria
voca um envelhecimento súbito e acelerado do Costa, à altura funcionária clandestina do PCP,
organismo: “Passados poucos dias a Maria Luí- Público, 20/11/2004]. Um dia, assustada com a
sa já não saía da cama. Eu é que a trazia ao colo. rápida deterioração do seu estado de saúde, Aida
Andava sempre com ela ao colo. Não conseguia Magro pegou num papel e escreveu ao diretor da
nem andar, nem falar, nem comer. Era uma coi- cadeia: “«A Sr.a Dr.a Dona Maria Luísa Costa Dias
sa horrível” [Aida Magro]. Envelhecia rapida- vai morrer. Como não quero ser responsável pela
mente e em grande sofrimento. Aida Magro aler- sua morte, eu acuso-o de responsável pela mor-
tou as camaradas. Partiu daí a ideia do manifesto te da sr.a Dr.a.» E então, dali a duas horas, no má-
que começou logo a ser feito mas que só sairia ximo, estava uma ambulância à porta de Caxias.
para o exterior em maio de 1961. Continha o tes- Veio a maca, pegaram nela, meteram-na na
temunho de treze presas políticas, denunciando maca e levaram-na para o hospital... e pouco tem-
os julgamentos arbitrários a que tinham sido sub- po depois libertaram-na” [Aida Magro]. A 26 de
metidas, com a aplicação generalizada das me- fevereiro de 1962, baixou ao Hospital da Ordem
didas de segurança, que significavam a prisão por Terceira e foi restituída à liberdade, dois meses
tempo indeterminado. Sob a forma de cartas, o depois, a 20 de abril de 1962. A PIDE temia que
manifesto destinava-se a ser lido numa reunião Maria Luísa da Costa Dias morresse nas suas
internacional em Paris (1962, Conferência In- mãos. Quando saiu da cadeia, pesava 35 quilos.
ternacional de Solidariedade com os presos po- Três meses depois ainda não experimentara
líticos e pela amnistia em Portugal). Dirigido às qualquer melhora e os médicos receavam pela sua
MAR 680

vida. Só recuperou em Londres, lentamente. Em Amílcar, em que a Comissão Política do PCP


1963, já curada da doença, juntou-se ao marido, pedia para a receberem e ajudarem e darem-lhe
Pedro Soares (que tinha fugido, juntamente indicações naquilo que fosse preciso. E claro, ela
com Álvaro Cunhal, de Peniche em janeiro de ficou tão encantada que quando regressou, dis-
1960), em Roma, cumprindo várias missões no se-me: // – Quero aderir ao Partido! Não devo es-
estrangeiro. Representou as mulheres democrá- tar mais tempo sem tomar essa decisão, depois
ticas portuguesas na Frente Patriótica de Liber- da forma como fui acolhida, tratada e ajudada.
tação Nacional e integrou os corpos dirigentes do Continuando católica, claro! // – Ninguém te põe
Movimento Democrático de Mulheres* (MDM), esse problema! // E aderiu ao Partido. Antes de
desde a sua criação, em 1967. Foi nessa dupla 1968. Passou a ser comunista e... religiosa” [tes-
qualidade de dirigente do MDM e de represen- temunho de Sérgio Vilarigues]. A viagem a vá-
tante das mulheres na FPLN que teve assento na rios países da América Latina foi fundamental
Federação Democrática Internacional das Mu- para a adesão ao PCP. O contacto com a cultura
lheres (FDIM), organização criada a seguir à Se- latino-americana e a luta das mulheres desses paí-
gunda Guerra Mundial agrupando 120 organi- ses, que arriscavam a vida diariamente em prol
zações femininas de mais de 90 países. A FDIM dos direitos humanos e cívicos, calou bem fun-
tinha estatuto consultivo no Conselho Económico do no coração de Maria Luísa da Costa Dias, uma
e Social da ONU, assim como na UNESCO. Aida mulher solidária com os mais desprotegidos e
Magro lembra-se da ajuda que ela lhe prestou, em uma lutadora contra a violência e a arbitrariedade.
Roma, quando aí se deslocou para contactar or- Enquanto representante das mulheres na Fren-
ganismos de defesa dos direitos do homem por te Patriótica de Libertação Nacional participou
causa da situação dos presos antifascistas por- no Congresso Mundial de Mulheres em Helsín-
tugueses: “foi incansável e muito eficaz!”. Foi por quia, em 1969, com Sofia Ferreira, Maria da Pie-
intermédio de Pedro Soares, delegado do PCP jun- dade Morgadinho, Maria José Ribeiro e Cecília
to do PCI, que, nessa altura, Sérgio Vilarigues se Areosa Feio* [Avante!, agosto de 1969]. Nesse
encontrou com Togliati, num Encontro dos Par- mesmo ano, teve lugar, também em Helsínquia,
tidos Comunistas da Europa. Esteve na mesma o VI Congresso da Federação Democrática In-
ocasião com Maria Luísa Costa Dias: “ela traba- ternacional das Mulheres (FDIM) que elegeu um
lhava bastante. Eu gostei dela porque um dia ela novo Conselho, sendo Maria Luísa Costa Dias elei-
disse-me que havíamos de ir ao cinema ver um ta para ele. Participou, em representação do Con-
filme sobre Giordano Bruno, filósofo e livre-pen- selho Nacional das Mulheres Portuguesas, Con-
sador. E que a Inquisição tivera tanto medo dele selho Português para a Paz e MDM, em vários con-
que quando saiu para a fogueira ia com uma más- gressos internacionais do Conselho Mundial da
cara de ferro para não falar. E o filme era de fac- Paz e da Federação Democrática Internacional das
to maravilhoso” [testemunho de S. V.]. Quando Mulheres, aproveitando estes encontros para de-
saiu da prisão, Maria Luísa da Costa Dias conti- nunciar a situação em que as mulheres portu-
nuava a não ser filiada no Partido Comunista: “ela guesas viviam e a sua luta contra o fascismo e a
dizia que admirava muito o Partido, os ideais do guerra colonial. Foi este seu trabalho no Conse-
Partido, que eram os ideais dela, que estava de lho da FDIM que valeu ao Movimento Demo-
acordo que, no essencial, era comunista, só não crático de Mulheres a mais alta condecoração: a
estava ainda filiada porque havia aspetos nos Es- medalha Eugénie Cotton, em honra da fundadora
tatutos do Partido que ela não entendia bem e que e primeira secretária-geral da FDIM (Conselho da
tinha receio de não os cumprir e ela queria ser FDIM, Budapeste, de 5 a 11 de outubro de 1970).
cumpridora. Eram aspetos de disciplina que não Graças à sua atuação no Conselho da FDIM, esta
estavam claros para ela” [Sofia Ferreira]. Mas aca- organização apresentaria na Assembleia-Geral da
bou por aderir ao PCP: “No âmbito da Federação ONU uma acusação contra o fascismo e o colo-
Democrática Internacional das Mulheres, Maria nialismo português, sendo recebida pela Co-
Luísa teve de realizar várias tarefas na América missão dos Direitos do Homem da ONU em 1972.
Latina, tinha de contactar e recolher elementos Maria Luísa “teve uma grande intervenção no pro-
junto de várias organizações de mulheres no Uru- cesso de denúncia, nas Nações Unidas, através
guai, Paraguai, Brasil, Chile, Argentina, e estava da FDIM, da situação de Olívia Sobral, funcio-
atrapalhada. E eu disse-lhe: deixa lá! Escrevi- nária clandestina do PCP que abortou na cadeia,
-lhe uma carta, para os Partidos irmãos, assinando vítima da tortura a que foi submetida pela PIDE,
681 MAR

além de lhe ter sido recusado despedir-se do seu tembro no comício do Pavilhão dos Desportos,
outro filho, mais velho, que partia para a guer- em Lisboa, e no comício do Porto, a 9 de setem-
ra colonial. Empenhou-se em denunciar a si- bro, no Teatro Sá da Bandeira. Integrou a dele-
tuação de Olívia Sobral junto de todos os orga- gação governamental portuguesa à 29.a Assem-
nismos de defesa dos direitos humanos e o go- bleia-Geral da ONU, em setembro-dezembro de
verno de Salazar foi pressionado, por vários de- 1974, como representante do Partido Comunis-
les, com moções de censura e repúdio. Foi um ta Português, na qualidade de conselheira. Má-
caso que deu bastante brado a nível internacio- rio Soares era, então, ministro dos Negócios Es-
nal, graças ao empenho da Maria Luísa” [Luísa trangeiros. A ONU proclamara 1975 Ano Inter-
Amorim, dirigente do MDM, depoimento à au- nacional da Mulher e, em dezembro de 1974, Ma-
tora, 29/12/2005]. Depois do 25 de Abril de 1974, ria Luísa foi eleita pelo MDM para a Comissão
manteve-se nas estruturas dirigentes do MDM, in- do Ano Internacional da Mulher. Neste contex-
tegrando a sua Comissão Executiva Nacional, as- to, o seu nome ficou ligado à concretização de
sim como o Secretariado da Comissão Executi- inúmeras iniciativas: sessões de esclarecimen-
va de Lisboa, participando a tempo inteiro na vida to, campanhas de alfabetização, criação de cre-
do MDM em defesa dos direitos das mulheres. ches, ocupação dos tempos livres das crianças,
A integração na dinâmica revolucionária, depois publicação de dois Boletins, assim como divul-
do 25 de Abril, não foi fácil: “ela era uma mulher gação de documentos sobre problemas como a
já feita e faz um grande esforço para acompanhar situação jurídica da mulher, o acesso à educa-
o desafio, a que correspondeu bem. Dum estra- ção, o direito ao trabalho, a proteção na mater-
to social elevado, anuncia-se como mulher in- nidade; foram ainda promovidos programas de
telectual. Numa altura em que nós, antes pelo rádio dedicados à mulher e de incentivo à sua
contrário, queríamos ser todas filhas do povo, ela participação na vida política do país. O programa
gostava de assumir o seu estatuto de mulher in- das celebrações do Ano Internacional da Mulher,
telectual e de mulher católica” [Luísa Amorim]. em que colaborou ativamente, contemplou igual-
Integrou a delegação portuguesa à reunião do Con- mente a realização de campanhas de solidarie-
selho da FDIM, em Varsóvia, em maio de 1974, dade internacional (com os antifascistas do Chi-
e participou ativamente na preparação do En- le, por exemplo), e a visita a Portugal da sovié-
contro Nacional do MDM que teve lugar a 23 tica Valentina Terechkova, a primeira mulher no
de junho de 1974, em que foram definidos os ob- espaço. Maria Luísa Costa Dias participou na or-
jetivos do Movimento no pós-25 de Abril: es- ganização da estadia de Terechkova, em junho
clarecimento político das mulheres de todas as de 1975, trabalhou no programa da visita, mas
camadas sociais articulado com a sua organiza- não chegou a encontrar-se com ela. Em Lisboa,
ção em comissões de mulheres nos locais de tra- o Dia Mundial da Mulher – 8 de Março de 1975
balho, nas aldeias, nas freguesias e cidades – foi assinalado durante uma semana, com es-
onde residissem. Em julho de 1974, foi convidada petáculos de teatro, como As Espingardas da Mãe
de honra do Comício da Paz, organizado pelo Carrar, de Brecht, e a projeção de filmes como
Conselho Português para a Paz e Cooperação. Lúcia, cubano. O ponto culminante da semana
Usou da palavra para focar a urgência em terminar foi a sessão homenagem a Maria Isabel Aboim
com a guerra em África e implementar a inde- Inglês. Maria Luísa da Costa Dias ficou também
pendência nas colónias. Foi lida uma mensagem associada às celebrações do Dia Mundial da
do bispo de Nampula, solidarizando-se com o es- Criança de 1975. Em Lisboa, este dia foi come-
pírito da reunião e os seus propósitos anticolo- morado no Estádio 1.o de Maio com cerca de
niais. Em agosto de 1974 o MDM pronunciou- 60 000 pessoas, onde crianças, apoiadas por
se sobre a guerra do Vietname e Maria Luísa dis- artistas, puderam pintar e desenhar livremente,
cursou sobre a luta das suas mulheres contra “os brincar, assistir a espetáculos de fantoches e
seus agressores imperialistas, e fala do seu he- outros. Mas Maria Luísa já não pôde estar pre-
roísmo” [Avante!, 02/08/1974, p. 8, cols. 1-4]. In- sente: morreu três semanas antes. Nunca teve fi-
tegrou a comissão de homenagem do MDM a Flo- lhos, mas adorava crianças e sentia o problema
ra Magro*, lutadora antifascista (Voz do Operá- das crianças nascidas na clandestinidade, filhas
rio, agosto de 1974); a Comissão Organizadora da de funcionárias do PCP. Escreveu um livro, Crian-
Semana de Apoio ao Povo Chileno (4-11 de se- ças Emergem da Sombra, em que dava visibili-
tembro de 1974), tendo discursado a 6 de se- dade às crianças que acompanhavam os pais na
MAR 682

clandestinidade. São pequenas estórias que re- larigues (21/09/2005) e Sofia Ferreira (11/08/2005). Ar-
velam as marcas deixadas pela vida clandestina quivo MDM – Movimento Democrático de Mulheres.
Periódicos: Avante!, DN, O Século, Público.
nesses miúdos e miúdas: não podiam ir à esco- [M. A. S.]
la, não podiam brincar na rua, nem falar com os
vizinhos, não estavam autorizados a falar sobre Maria Machado
o que os pais faziam, ou sobre quem os visitava v. Maria dos Santos Machado
de longe a longe, viviam no terror de não ver os
pais regressar de cada vez que saíam. Viviam so- Maria Madalena Bagão da Silva Biscaia de Aze-
zinhas entre quatro paredes, quase sem brin- redo Perdigão
quedos, sem amigos, num ambiente de sobres- Nasceu na Figueira da Foz, no dia 28 de abril
salto e vigilância. Pela primeira vez, e pela pa- de 1923, e faleceu em 1989. Completou o ensino
lavra de Maria Luísa Dias da Costa, sai da som- secundário na Figueira da Foz, tendo obtido a
bra o sofrimento dessas crianças, impedidas de melhor nota a Matemática, no exame do 7.o ano,
viver uma vida normal com as suas pequenas ale- entre todos os alunos do país; aí começou a estu-
grias. Maria Luísa e Pedro Soares perderam a vida dar piano, com sete anos de idade, e se familia-
num brutal acidente de viação quando regres- rizou com outras manifestações artísticas, nomea-
savam de uma reunião partidária em Benaven- damente o teatro, por influência do pai, Severo
te. O automóvel da marca mini em que viajavam da Silva Biscaia, que dirigia grupos de teatro
foi violentamente abalroado pela traseira, às pri- naquela localidade. Foi na Universidade de
meiras horas da madrugada do dia 10 de maio de Coimbra que obteve, com distinção, a licen-
1975, na autoestrada do norte, a meia dúzia de ciatura em Ciências Matemáticas, cidade onde
quilómetros da portagem de Sacavém. Os ocu- também concluiu, em 1948, o Curso Superior
pantes da viatura que causou o acidente puseram- de Piano, com 18 valores, tendo tido oportuni-
-se em fuga, acabando por ser presos, mais tar- dade de ser aluna de Fernando Lopes Graça. Foi
de. Milhares e milhares de pessoas passaram pelo bolseira do Instituto de Alta Cultura para estudos
Pavilhão dos Desportos para prestar uma última de aperfeiçoamento em piano, tendo estudado,
homenagem aos dois militantes do PCP. Nume- sob a orientação do Professor Marcel Ciampi, no
rosos católicos proferiram, ajoelhados, as orações Conservatório Superior de Música de Paris. Rea-
funerárias, ao mesmo tempo que os militantes do lizou vários recitais de piano, em Coimbra e em
PCP erguiam o punho direito. No funeral, Álvaro Lisboa, e foi solista da Orquestra Sinfónica da
Cunhal, secretário-geral do PCP, no discurso pro- Emissora Nacional, sob a direção do Maestro Pe-
ferido antes da urna descer à terra, considerou “fe- dro de Freitas Branco, mas foi obrigada a aban-
liz o Partido que, ao fazer o balanço da vida dos donar a carreira de pianista por ter sofrido um
seus militantes, pode dizer de um, de Pedro, que acidente na mão esquerda. Ainda em Coimbra,
em 60 anos de vida consagrou mais de 40 à luta foi presidente da direção do Círculo de Cultu-
revolucionária [...] e pode dizer de outro, de Luí- ra Musical e da Pró-Arte e autora de um programa
sa, católica e comunista, que é um alto exemplo radiofónico denominado “A Música e os seus
de dignidade e firmeza moral, que soube vencer Sortilégios”, transmitido durante dois anos
também, de cabeça erguida, as perseguições, a pela Emissora Nacional. Casada com o Profes-
clandestinidade, a tortura e a prisão”. Maria Luí- sor Catedrático João Farinha, matemático, acom-
sa e Pedro Soares tinham uma verdadeira ado- panhou-o aquando da sua ida para Paris, por ter
ração um pelo outro: “Era muito interessante e obtido uma bolsa da Fundação Calouste Gul-
cativante e até comovedor, olhar aquele casal, já benkian (FCG) para fazer o doutoramento em
de idade, que conseguia manter a candura e o Ciências Matemáticas. No entanto, o Prof. Fari-
amor de dois namorados eternos. Muitas vezes nha não o terminou por ter falecido durante a sua
pensei naquele fim. Terá sido horrível. Mas te- estadia em Paris, vítima de um enfarte do mio-
ria sido ainda mais horrível, se um deles tives- cárdio, tendo a FCG apoiado a família desde o
se sobrevivido. Era uma vida muito a dois” [Luí- primeiro momento, assegurando o transporte do
sa Amorim]. corpo, de avião, para Portugal. Maria Madalena
Biscaia permaneceu algum tempo em casa da fa-
Da autora: Maria Luísa da Costa Dias, Crianças Emergem
da Sombra, Edições Avante! 1982. mília, na Figueira da Foz, regressando a Coim-
Fontes: Testemunhos recolhidos junto de Aida Magro bra quando um seu amigo, o bispo Manuel de Al-
(19/08/2005), Luísa Amorim (29/12/2005), Sérgio Vi- meida Trindade, ao tempo professor na Uni-
683 MAR

versidade de Coimbra, lhe proporcionou o lugar Didática, de Direção Coral e de Iniciação Musi-
de professora de História da Música, na Facul- cal Infantil para os quais procurou a colabora-
dade de Letras da Universidade de Coimbra. ção de pedagogos, nomeadamente Edgar Wi-
O primeiro contacto direto que teve com a FCG lhems, Carl Orff, Pierre Koelin e Michel Corboz.
foi quando, na companhia do pai, agradeceu ao A publicação da Portugaliae Musica, coleção de
seu presidente, Dr. José Azeredo Perdigão, as fa- obras de música portuguesa antiga, e a catalo-
cilidades no transporte do corpo do marido para gação dos fundos musicais das Bibliotecas e Ar-
Portugal. Logo nessa entrevista o Dr. Azeredo Per- quivos Portugueses foram outras iniciativas da
digão lhe falou da atividade da Fundação, dos sua responsabilidade. Em 1974, por iniciativa
seus projetos no sector da música e da possibili- própria, suspendeu as atividades na Fundação
dade de Madalena Biscaia vir a trabalhar para ela, Calouste Gulbenkian, mas continuou a trabalhar
o que sucedeu, vindo a ser Diretora do Serviço em prol do ensino artístico em geral e, muito par-
de Música da Fundação Calouste Gulbenkian ticularmente, do ensino da música. Ao voltar à
desde a sua criação, em 1958, até 1974. No âm- FCG, em 1984, foi estruturar e dirigir um novo
bito das suas competências, foi responsável pela departamento, o Serviço de Animação, Criação
criação da Orquestra Gulbenkian, em 1962, do Artística e Educação pela Arte (ACARTE), com-
Coro Gulbenkian, em 1964, e do Grupo de Bal- plementar do Centro de Arte Moderna, serviço
let, em 1965. Em 1962, casou com o Dr. Azere- que apostou na modernidade e na inovação numa
do Perdigão e desta união nasceu o filho, Pedro perspetiva interdisciplinar. Assim a Música, a
Paulo. Após um Festival de Música realizado em Dança, o Teatro, a Performance, o Vídeo, a Li-
1957, organizado por uma comissão de que fa- teratura, a Filosofia e o Cinema conjugaram-se
ziam parte a marquesa de Cadaval, Elisa de Sou- e interagiram através de espetáculos, conferên-
sa Pedroso e o Maestro Pedro de Freitas Bran- cias, colóquios e mesas-redondas nos quais
co, Madalena de Azeredo Perdigão organizou e participaram artistas e cientistas portugueses e
realizou, entre 1958 e 1970, 13 Festivais Gul- estrangeiros. A sua atividade não se limitou ao
benkian de Música, os quais tiveram um papel trabalho desenvolvido na FCG. De 1970 a 1974,
fundamental na vida musical e cultural do presidiu à Comissão Orientadora da Reforma do
país. Estes festivais foram ainda a génese das Conservatório Nacional, reforma essa que iniciou
atuais temporadas de concertos do Serviço de no ensino oficial a experiência de ensino artís-
Música, hoje disseminados ao longo de todo o tico integrado no ensino geral, a nível do ensi-
ano. Mas a atividade de Madalena de Azeredo no secundário, e que deu origem à criação das
Perdigão não se limitou à organização de festi- Escolas de Cinema, de Dança e de Educação pela
vais. Foi da sua responsabilidade a elaboração Arte. De 1978 a 1984, Madalena de Azeredo Per-
das diretrizes que nortearam toda a atividade do digão foi Diretora do Gabinete Coordenador do
Serviço de Música da Fundação e que ainda hoje Ensino Artístico do Ministério da Educação. Nes-
estão presentes e subjacentes ao trabalho atual te gabinete funcionou o Grupo de Trabalho para
daquele. Em relação à Educação Musical, esta- a Reestruturação do Ensino Artístico, nomeado
beleceu a atribuição de subsídios anuais a escolas por despacho ministerial, de que fizeram parte
de música e a concessão de bolsas de estudo a Ana Máscolo, Arquimedes da Silva Santos, Ar-
jovens em início de carreira profissional e a alu- tur Nobre de Gusmão, Constança Capdeville*, Lu-
nos dos Conservatórios e das Escolas de Músi- zia Maria Martins* e Alberto Seixas Santos. Em
ca oficializadas; organizou atividades dirigidas finais de 1979, o Grupo de Trabalho consultou
a profissionais, entre os quais se destacam os Cur- várias entidades, concretamente escolas e ins-
sos de Regência e de Prática de Canto Coral e os tituições de carácter sociocultural, que deram as
de Educação e Didática Musical; promoveu suas sugestões e apoiaram o projeto no seu todo.
ainda atividades de divulgação musical, no- O projeto de Plano Nacional de Educação Ar-
meadamente cursos de Iniciação à História da tística (PNEA) foi entregue superiormente, mas
Música Europeia dirigidos por João de Freitas por dificuldades de vária ordem, não só ligadas
Branco, entre 1964 e 1970, e Cursos de Intro- ao facto de ser difícil contemplar e respeitar a
dução à Música Contemporânea, sob a orienta- especificidade e a globalidade da área das artes,
ção de Joly Braga Santos, Jorge Peixinho, Filipe como também por questões de carácter político
Pires e Filipe de Sousa. Foi também da sua ini- e económico, não teve continuidade na época.
ciativa a organização de cursos de Educação e No entanto, os seus princípios orientadores per-
MAR 684

manecem ainda hoje inovadores e válidos. Maria Madalena Biscaia Farinha


O PNEA previa, por um lado, “a formação do ho- v. Maria Madalena Bagão da Silva Biscaia de
mem” dado considerar a arte essencial para o de- Azeredo Perdigão
senvolvimento de todas as suas potencialidades,
por outro lado a “formação do artista”, através Maria Madalena de Azevedo Duarte de Sousa
do ensino das técnicas necessárias ao seu de- Gerbert
senvolvimento profissional. Incluía aspetos Nasceu no Porto, a 1 de abril de 1927, e morreu
inovadores, nomeadamente a proposta de ado- em Munique, Alemanha, em 6 de abril de 2009.
ção oficial da educação pela arte no sistema edu- Era filha de Laura Gonçalves de Azevedo e de An-
cativo português e a de atribuição do estatuto de tónio Alberto Marinho Duarte de Sousa (1896-
ensino superior ao ensino artístico. Em 1977, Ma- 1950), bibliófilo que reuniu uma notável coleção
dalena Perdigão foi presidente da direção da As- de obras sobre Portugal visto pelos estrangeiros
sociação Portuguesa de Educação Musical e sobre os descobrimentos portugueses, adquiri-
(APEM), entidade responsável pela organização da pelo Estado depois da sua morte e hoje inte-
de Encontros Internacionais de Musicologia grada, com o seu nome, na Biblioteca Nacional.
que, desde 1982, reúne anualmente especialis- A cuidada educação recebida desenvolveu as suas
tas de ciência musicológica, nacionais e es- notáveis qualidades intelectuais. Profundamen-
trangeiros. Em 1983, impulsionou a criação do te católica, dedicou grande parte da sua juventude
Conselho Português da Música (CPM), de cuja à União Noelista Portuguesa, ficando conhecida
direção foi presidente. Em 1987, colaborou no pelo pseudónimo de Maranatha; foi durante
Ciclo de Conferências realizadas quando da co- muitos anos responsável pelo sector juvenil das
memoração dos 150 anos do Conservatório Na- “médias”. Uma das principais colaboradoras da
cional e, nesse mesmo ano, foi eleita membro do revista Natal*, órgão das noelistas, escreveu re-
Comité Européen d’Experts de EUROCREA- gularmente sobre diversos temas, sobretudo acer-
TION, Agence Française des Iniciatives de la Jeu- ca do Concílio Ecuménico Vaticano II, sua pre-
nesse en Europe, Paris. Em 1989, pouco antes de paração e realização; os seus textos evidenciam
falecer, foi eleita membro da Associação Inter- um conhecimento rigoroso das questões e gran-
nacional GRADIVA, Bruxelas. Recebeu várias de sentido didático. Na década de 1950 formou-
condecorações e louvores: Comenda da Ordem -se em Teologia na Universidade de Freiburg-
de Santiago da Espada (Portugal), 1963; Grau de -in-Breisgau, na Alemanha, onde conheceu Mar-
Oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul (Brasil), tin Gerbert, com quem casou em 1955 e de quem
1965; Grande Oficialato da Ordem de Mérito da teve três filhos, fixando residência naquele país.
[M. R. S.]
República Italiana, 1970; Insígnias de Oficial da
Ordem das Artes e Letras (França), 1972; Me-
Maria Madalena Martel Patrício
dalha de Ouro de Mérito Municipal da cidade
v. Maria Madalena Valdez Trigueiros de Mar-
da Covilhã, 1972. A cidade da Figueira da Foz
tel Patrício
deu o seu nome a uma praça e atribuiu-lhe a Me-
dalha de Ouro.
Maria Madalena Valdez Trigueiros de Martel
Fontes: Maria Madalena Azeredo Perdigão, Curriculum Patrício
Vitae acessível no Serviço de Música da Fundação Ca- Escritora e poetisa portuguesa. Nasceu em Lis-
louste Gulbenkian.
Bib.: Ana Maria Cardoso, Vera Quintanilha e Jorge do boa a 19 de abril de 1883 (ou 1884) e morreu na
Ó, Biografia de Madalena Perdigão, Faculdade de Psi- mesma cidade a 3 de novembro de 1947. Filha
cologia e de Ciências de Educação, Curso de Ciências de João Campelo Trigueiros de Martel e Maria
de Educação, Lisboa. 1994/1995; Carlos de Pontes Henriqueta Mascarenhas Godinho Valdez, foi ca-
Leça, “Homenagem a Madalena de Azeredo Perdigão”, sada com o Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal
Colóquio – Artes, n.o 84 (2.a Série), março, 1990; Manuel
de Almeida Trindade, Memórias de um Bispo, Coimbra. de Justiça Francisco António Patrício, de quem
Gráfica de Coimbra, Lda., 1994. teve um filho. A sua primeira colectânea de poe-
[M. V. F.] sias – Le Livre du passé mort – foi editada em fran-
cês, língua que dominava (1915); a 2.a edição re-
Maria Madalena Azeredo Perdigão produz referências elogiosas das escritoras Con-
v. Maria Madalena Bagão da Silva Biscaia de dessa de Noailles, Maria Amália Vaz de Carva-
Azeredo Perdigão lho, Selma Lagerlöf, assim como do professor da
685 MAR

Faculdade de Letras de Paris René Schneider. Em- do de Arte”, novidade destinada a unir carida-
bora continuasse a escrever em francês, fê-lo so- de e arte “para despertar no coração dos portu-
bretudo em português, num estilo límpido e sim- gueses o amor pela sua terra” e assim angariar fun-
ples, de agradável leitura. Quando eu era pe- dos para a Assistência das Portuguesas às Víti-
quenina, único volume publicado de uma trilo- mas da Guerra*, associação a que pertencia.
gia que intitulou O Rosário da Vida, assim A “Hora de Arte para os Operários” foi criação
como Sombras na Estrada, são obras de carácter sua, com a finalidade de proporcionar novos ho-
memorialista nos quais descreve a vida serena e rizontes aos trabalhadores. Fundou ainda a Casa
tranquila, aparentemente simples, da aristocra- de Repouso para os Intelectuais e Artistas, na
cia a que pertencia e que são um verdadeiro do- Praia das Maçãs. Recebeu prémios em concursos
cumento da maneira de viver do seu estrato so- literários, como os Jogos Florais de Badajoz, Nice
cial. A sua vida passou-a entre a quinta da Fran- e Sevilha, e, segundo consta, foi proposta para Pré-
celha (hoje junto do aeroporto da Portela), a casa mio Nobel da literatura. Pertenceu ao Instituto
de Lisboa, na Rua D. Pedro V, n.o 76, rodeada de de Coimbra, à Associação dos Arqueólogos Por-
um grande jardim e de muitos vizinhos, artistas tugueses e à Société des Gens de Lettres de Fran-
e populares, e a casa de Flandes, perto de Pom- ce. Usou o pseudónimo de Maria Magdalena. Foi
bal, além de temporadas no estrangeiro, no- agraciada pela Santa Sé com a medalha Pro Ec-
meadamente em Paris. Relacionada com inte- clesia et Pontífice. Pronunciou diversas confe-
lectuais e artistas, políticos e jornalistas, “a flor rências e colaborou em vários jornais e revistas
da melhor sociedade portuguesa, no aspeto cul- como Vida Feminina (n.o 2), e Portugal Femini-
tural e no aspeto social”, manteve “o último sa- no, e manteve durante anos uma secção semanal
lão literário português. […] Ali se fazia música, no Comércio do Porto (1921-1931).
se recitava, se declamava, se proferiam pequenas Da autora: Le Livre du Passé Mort [“com palavras de pre-
conferências e palestras”. Madalena Patrício fácio de Madame la Comtesse Mathieu de Noailles”], Por-
era dotada de fina ironia e criou um tipo popu- to, Off. da Emp. Litt. e Typographica, 1915; Evocações
lar – o Brás – suposto caseiro seu, a quem atri- de Rendas, Porto, Empreza Litt. e Typographica, 1917,
buía os comentários que fazia à vida contempo- 152 p.; Impressões de Arte e de Tristeza, Porto, Off. da
Emp. Lit. e Typographica, 1918; Sombras na Estrada, Por-
rânea, imitando com graça a sua linguagem to, Emp. Lit. e Typographica, 1920; Poemas da Cor e do
rústica. Tinha, como muitas senhoras do seu tem- Silêncio, Coimbra, Coimbra Editora, 1922; Os Sete De-
po, preocupações de carácter social, dedicando- mónios: Contos do Natal, Lisboa, Empresa Literária Flu-
-se a obras de caridade e assistência, para as quais minense, 1926; Princesses du Portugal: Souveraines de
angariava fundos através de festas que organizava. Flandres, 1430-1930, Lisboa, Tip. Parc. Ant. Maria Pe-
reira, 1930; Sagradas Pedras: o Pensamento Cristão na
Monárquica, socorreu os vencidos da Repúbli- Arquitectura, Lisboa, Parceria António Maria Pereira,
ca através da Comissão Central de Subsídios e 1930; L’esprit des Siécles: Essais de Critique et d’Histoire,
Renda de Casa a Necessitados Monárquicos. Num Lisboa, Imp. na Sociedade Industrial de Tipografia, 1931;
dos capítulos do seu livro Sombras na Estrada, Essais de critique: le romantisme: le sentiment de la na-
ture et du paysage, Lisboa, Soc. Ind. de Tipografia, 1935;
descreve com pungente emoção a vida dos por- Quando eu era pequenina...: dezenas de alegrias, Lisboa,
tugueses pobres exilados em Espanha: “mostrou- Escola Tip. Of. de S. José, 1935; Les sept démons: con-
-me na pobreza do seu quarto os seus tesouros: tes de Noel [trad. da autora], Lisboa, Portugal, 1936;
a oleografia berrante de El-Rei, o retrato da mulher O Espírito Medieval: as Forças Espirituais de Portugal,
e uma bandeira azul e branca de Portugal!”. Por Figueira da Foz, Tip. Popular, 1937 [publicado em se-
parata de O Instituto, V. 91] ; Le rosaire de la vie: les fleurs
sua iniciativa, o jornal monárquico Diário Na- d’amandiers, Lisboa, Soc. Industrial de Tipografia,
cional [23/12/1918] abriu uma subscrição em que 1938; Projecto de um programa para as realizações co-
apelava às mulheres portuguesas para contri- memorativas dos centenários da nacionalidade e da in-
buírem como pudessem para oferecerem, como dependência de Portugal em 1940, Lisboa, Soc. Ind. de
presente de casamento, à filha de Sidónio Pais, Tipografia, 1938; A nossa amiga Lisboa, Lisboa, Impé-
rio, 1944; Le rosaire de la vie: Les roses sur la route, Lis-
recentemente assassinado, um colar, represen- boa, Tip. Soc. Ind. de Tipografia, 1946,
tando “as nossas lágrimas transformadas em pé- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
rolas”, no seu dizer. Durante a Grande Guerra, to- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, 1981; Maria Emília Sto-
mou parte nos, então pioneiros, cursos destina- ne, “Vivências Monárquicas”, Mulheres na I República
– Percursos, Conquistas e Derrotas (coord. Zília Osório
dos a formar enfermeiras para a frente de bata- de Castro et al.), Lisboa, Ed. Colibri, 2011; Maria Regina
lha. Promoveu também, nessa altura, “cansada Tavares da Silva, A Mulher – Bibliografia Portuguesa Ano-
de tanta festa por causa da guerra”, um “Merca- tada (1518-1998), Lisboa, Cosmos, 1999; Maria Teresa
MAR 686

Viegas Pimenta, “As Mulheres Portuguesas na Guerra de dedicatória da mesma em poema, “Para ti, meu
1914-18”, As Mulheres, a Identidade Cultural e a Defe- irmão”. Participou, ainda, na coletânea Poetas de
sa Nacional, Lisboa, Comissão da Condição Feminina,
1989; Oliva Guerra, “D. Madalena de Martel Patrício”, S. Tomé e Príncipe, publicada pela Casa dos Es-
A Voz, 10/11/1947, pp. 1 e 5; “Obituário”, A Voz, 04/11/1947. tudantes do Império, em 1963, com os poemas
[M. R. S.] “Memória da Ilha do Príncipe”, “Sòcòpé”, “Pai-
sagem”, “Roça”, “Serviçais”, “Na beira do mar”
Maria Manuela da Conceição Carvalho Mar- e “Vós que ocupais a nossa terra”. Encontra-se,
garido também, representada na obra organizada por Ino-
Nasceu a 11 de setembro de 1925 (segundo re- cência Mata, em 2000, Bandenxa: 25 poemas de
gista o Bilhete de Identidade de Cidadã Portu- São Tomé e Príncipe para os 25 anos de inde-
guesa), na ilha do Príncipe (Roça Olímpia), pendência, com “A ilha te fala” e “Paisagem”.
quando esta era uma ilha da colónia portugue- A respeito da sua obra literária, e referindo expli-
sa de S. Tomé e Príncipe, e morreu em Lisboa, a citamente um dos poemas incluídos em Poetas
9 de março de 2007. Filha de Hermengarda Lobo de S. Tomé e Príncipe, afirmou: “A minha poe-
de Carvalho, professora, mestiça, filha de ango- sia tornava-se num grito de liberdade. Em ‘Vós
lana e de indiano (descendente da família Mo- que ocupais a nossa terra’ (1963), denuncio ‘a co-
niz, de Goa), e de David Guedes de Carvalho, juiz, bra preta que passeia fardada’, a polícia e os sol-
membro da família portuense Pinto de Carvalho dados do continente, tema que foi recorrente na
(de origem judia), teve uma irmã e um irmão. Co- minha poesia de contestação. É um poema mui-
mentando a sua origem, costumava contar que o to dorido e que reflete o sentir da geração escla-
pai incutiu nas filhas, desde cedo, que como ju- recida das ilhas nessa época” [Faces de Eva, 9,
dias e mestiças tinham de se preparar melhor do 2003, p. 189]. Mais tarde, quando viveu em Pa-
que os outros para enfrentarem a vida. Veio a Por- ris, associando-se à divulgação da poesia africana
tugal (entenda-se, na altura, à metrópole), pela de língua portuguesa, participou no Colóquio Les
primeira vez, com três anos de idade para ser ba- Litteratures Africaines de Langue Portugaise: à
tizada. Posteriormente, a família fixou-se em Va- la recherche de l’identité individuelle et natio-
lença, onde fez os seus primeiros estudos. Em Lis- nale”, organizado de 28 de novembro a 1 de de-
boa, fez o curso liceal, como aluna interna do Co- zembro de 1984, com a intervenção “Les poids
légio do Sagrado Coração de Maria, integrando des valeurs portugaises dans la poesie de Fran-
o primeiro grupo de alunas deste estabelecimento cisco José Tenreiro”. Em 1962, foi presa pela PIDE
de ensino que acabara de ser criado, adquirindo, em Caxias, tendo esta selado as portas da resi-
para o efeito, o Colégio Vasco da Gama, que aí ha- dência dos estudantes africanos, indianos e ti-
via funcionado. Regressou depois a São Tomé e morenses, isto é, a Casa dos Estudantes do Im-
Príncipe para, passado algum tempo, voltar pério, em 1965. Sobre esta fase da sua vida referiu
para Portugal. Casou-se com Alfredo Margarido no seu testemunho de vida, recolhido pela revista
que, além de escritor, se tornou, anos mais tar- Faces de Eva: “nós queríamos tão somente a au-
de, professor universitário, e fixou-se em Lisboa. tonomia das colónias, inspirados no modelo fran-
Nesta cidade, conviveu com um grande núme- cês”, acrescentando “Ninguém nos ouviu.” Exi-
ro de estudantes das ex-colónias portuguesas, li- lou-se, então, em Paris, comentando esse facto,
gados à então Casa dos Estudantes do Império, anos mais tarde, afirmou: “O espartilho da cen-
alguns dos quais vieram a integrar movimentos sura e de perseguição política empurrou-me para
de libertação como o MPLA e o PAIGC. Aquela o exílio” [Idem, p. 190]. Os jovens portugueses,
instituição, criada pelo regime de Salazar, tornou- quer os que fugiam à repressão salazarista ou à
-se, além de um local de alojamento de estudan- guerra colonial, encontravam na sua casa “uma
tes, um espaço com uma vida cultural muito pró- porta aberta”, acolhendo-os e procurando in-
pria que foi ganhando cada vez mais força ex- tegrá-los na vida social parisiense. Obteve na
pressiva, apoiando as produções literárias dos École Pratique des Hautes Études, onde teve como
seus associados. Fez a sua estreia literária em professor Roland Barthes, um diploma em Ciên-
1957, publicando a obra poética Alto como o Si- cias Religiosas. Licenciou-se em Letras, estudando
lêncio. Poemas, editada pelas Publicações Dom com Francastel, e estudou cinema. Exerceu,
Quixote, tendo sido feita uma tiragem especial, ainda, funções de secretária bibliotecária do Ins-
de 43 exemplares numerados, apresentando a au- tituto de Estudos Portugueses e Brasileiros (di-
tora retratada por António Areal e incluindo uma rigido na altura pelo Prof. Doutor Bourdion), in-
687 MAR

tegrado na Universidade Sorbonne. Participou, tros constituiu uma das notas estruturantes da sua
em Paris, no grupo de teatro dirigido por Benja- história de vida, o encontro com Manuela Mar-
mim Marques, tendo representado com Carlos Cé- garido tornou-se sempre de um enorme enri-
sar a peça A Barca de Gil Vicente. Após a Inde- quecimento para aqueles que com ela privavam.
pendência de S. Tomé e Príncipe – ocorrida na Mesmo nos momentos mais difíceis da sua
sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974, vida, marcados pela doença, ir visitá-la era receber
que pôs fim ao regime autoritário português de- apoio, pois ela tinha sempre presente as preo-
nominado de Estado Novo – aceitou o desafio de cupações dos seus amigos, tentando quer con-
participar na construção desse novo Estado. Pos- fortá-los, quer aconselhá-los. A sua morte revestiu-
teriormente, referindo-se a esse compromisso, re- -se para o seu grupo de amigos numa partida para
conheceu: “iniciou-se uma nova fase na minha uma viagem de, como deixou ela escrito em poe-
vida, talvez mais aliciante ou, espero, mais útil ma, “labaredas dispersas numa base de sombras”
à minha pátria recém-nascida” [Idem, p. 190]. Tor- [Alto como o Silêncio, Lisboa, Publicações D. Qui-
nou-se, então, Embaixadora de São Tomé e xote, 1957, p. I]. Construindo uma vida alicerçada
Príncipe junto de dez países da Europa e nove na proclamação da Liberdade, Igualdade e Fra-
organizações internacionais, entre as quais a ternidade, as suas honras fúnebres foram pro-
UNESCO e a FAO. Nessa qualidade, desenvol- movidas pela GLFP, no Palácio Maçónico do
veu programas culturais, valorizando o teatro e Grande Oriente Lusitano. Os seus restos mortais
a poesia de expressão lusófona junto das comu- foram depositados em campa rasa, numa atitu-
nidades emigrantes africanas oriundas dos paí- de de total simplicidade e igualdade perante a
ses anteriormente colonizados pelos portugue- existência, no Cemitério de Benfica, em Lisboa,
ses. Maçónica, membro da Grande Loge Féminine a 12 de maio de 2007. A par da Grã-Mestra da
de France (GLFF), o seu regresso e fixação em Por- GLFP e da Embaixadora de S. Tomé e Príncipe
tugal estão marcados por um acontecimento: a em Portugal, integraram o seu cortejo fúnebre, o
fundação da Loja Lusitânia, em 22 de fevereiro poeta são tomense Dalilo Salvaterra, entre mui-
de 1988, integrada, na altura, na Obediência Ma- tas outras figuras dos mundos intelectual e po-
çónica (GLFF). Posteriormente, quando se cons- lítico portugueses, assim como um numeroso gru-
tituiu a Grande Loja Feminina de Portugal po de amigos que afetuosamente a admiravam e
(GLFP), continuou ligada à loja que ajudara a er- a tinham como uma referência de vida.
guer. Mais tarde, respondendo ao princípio de que Da autora: Alto como Silêncio, Lisboa, Publicações
“um maçon não quer aspirar ao descanso”, par- Dom Quixote, 1957; “Memória da Ilha do Príncipe”, “Sò-
ticipou na implementação de outras lojas, entre còpé”, “Paisagem”, “Roça”, “Serviçais”, “Na beira do mar”
as quais a Loja África, pela qual nutria um enor- e “Vós que ocupais a nossa terra”, Poetas de S. Tomé e
me afeto dada a sua origem africana e da qual foi Príncipe, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império, 1963,
pp. 79-84; “A ilha te fala” e “Paisagem”, I. Mata, Ban-
fundadora. Em Portugal, assumiu funções de as- denxa: 25 poemas de São Tomé e Príncipe para os 25
sessora para os assuntos africanos na Presidên- anos de independência, Lisboa, Editora Caminho, 2000,
cia da República Portuguesa, durante o manda- pp. 39-40; Le Poids des Valeurs Portugaises dans la Poe-
to de Mário Soares. Foi, então, pelo Presidente sie de Francisco José Tenreiro, Paris, Centre Culturel Por-
tugais, Fondation Calouste Gulbenkian, 1985; “(Auto)-
da República agraciada, em 13 de fevereiro de Retrato: Maria Manuela da Conceição Margarido”, Faces
1996, com o Grau de Comendador da Ordem do de Eva, n.o 9, 2003, pp. 187-192.
Mérito [registado em 16 de abril de 1996, no Diá- [M. J. R./I. S. A.]
rio da República]. Estando separada do marido,
tendo um dos filhos morrido, quando era Em- Maria Manuela de Brito e Castro de Figueire-
baixadora do Estado de S. Tomé e Príncipe, e es- do e Melo da Costa Lorena
tando o outro a residir em França, viveu, algum Consagrada como “Mãe dos Pobres” e referen-
tempo, na Casa do Artista e, os últimos tempos ciada como poetisa e escritora, nasceu no Palá-
da sua vida na Residência Faria Mantero, ad- cio Quinta da Portela, então arredores da cida-
ministrada pela Santa Casa da Misericórdia de de de Coimbra, a 9 de março de 1845, e aí mes-
Lisboa. Junto de um vasto número de amigas e mo faleceu, no dia 15 de janeiro de 1926. “[...]
amigos, que foi cultivando ao longo dos tempos, é filha de D. Maria Inês da Luz de Carvalho Daun
e das suas irmãs maçónicas encontrou o conforto e Lorena e de António de Brito e Castro de Fi-
e o apoio necessários para enfrentar a fase final gueiredo e Melo da Costa, doutor em Cânones
da existência. Se a Fraternidade para com os ou- pela Universidade de Coimbra, fidalgo cavalei-
MAR 688

ro da Casa Real, comendador da ordem de Cris- Bastos Pina na edificação do bairro operário de
to, etc.” [Nuno C. Cardoso, 1917]. Em 30 de janei- Coimbra, em Montes Claros; foi benfeitora da
ro de 1860 casou com o seu tio D. Luís Maria de confraria da Rainha Santa Isabel – Coimbra; foi
Carvalho Daun e Lorena (1828-1894), Marquês educadora e protetora de muitos rapazes, alguns
de Pomares (1886), filho dos Condes da Redi- “netos adotivos” [O Livro da Avosinha, 1905],
nha, Moço Fidalgo da Casa Real, dirigente do Par- que acompanhou, ora em internatos ora junto de
tido Progressista, par do reino, presidente do Mu- si, até ao final dos seus estudos universitários.
nicípio de Lisboa, por duas vezes, governador ci- “No seu testamento a Sr.a Marquesa de Pomares,
vil de Lisboa e provedor do “Asilo de Nossa Se- lega donativos importantes a instituições de be-
nhora da Conceição para raparigas abandonadas” neficência de Lisboa e Coimbra, a viúvas das
desde 1868. Não tiveram filhos. Inserida na vida duas cidades, aos seus trabalhadores e criados,
social de Lisboa, onde passou a viver habitual- estabelecendo pensões vitalícias aos mais velhos,
mente, e nunca deixando de passar as tempo- não esquecendo também as famílias dos que mor-
radas de veraneio e de descanso na sua Quinta reram ao seu serviço. […] Como raras vezes su-
da Portela, em Coimbra, teve intensa atividade cede, a ilustre titular exerceu a caridade sem alar-
social pautada pela curiosidade intelectual, des, valendo-lhe o epíteto de Mãe dos Pobres. […]
pelo apego às letras e pelo auxílio aos desvali- A virtuosa senhora auxiliou bastante a corpo-
dos. Fosse em Lisboa, fosse em Coimbra, as suas ração dos Bombeiros Voluntários, sustentando
residências sempre foram locais privilegiados de durante muito tempo a Sociedade Filantrópico-
encontros, ora sociais ora literários. Por aí pas- Académica, que nunca deixou de subsidiar” [O
saram diversas personalidades das letras que com Primeiro de Janeiro, 17/01/1926]. Toda a obra li-
ela conviveram: Maria Amália Vaz de Carvalho terária da Marquesa de Pomares está virada para
(1847-1921), Eugénio de Castro (1869-1944), a problemática da assistência social e para a edu-
Amélia Janny (1841-1914), António de Macedo cação moral e cívica. Fundada numa idealiza-
Papança – Conde de Monsaraz (1852-1913), Con- ção da sociedade e da história, a sua obra pro-
de de Sabugosa (1854-1923), António Cândido põe as mais diversas medidas de regeneração mo-
(1850-1922), Bernardo Pindela, Alberto Mon- ral e social através da colaboração entre classes
saraz, Fausto Guedes Teixeira (1871-1940) e mui- sociais, da proteção dos desvalidos, do acom-
tos outros. Fortes e duradoiros foram os laços que panhamento de “crianças e adolescentes”, da mo-
a uniram à escritora Maria Amália Vaz de Car- ralização da educação, da instituição de creches
valho. Afirma Maria Amália: “Quantas vezes aí e asilos para crianças e famílias necessitadas e
[Quinta da Portela] tenho chegado empalideci- da criação de habitações sociais.
da, extenuada, doente e triste, e quantas vezes Da autora: O Buçaco, Coimbra, 1904; O Livro da Avo-
de lá tenho voltado mais vigorosa na alma e no zinha – Máximas e pensamentos por Maria Manuela de
corpo, trazendo no coração, como um bálsamo Brito e Castro, Coimbra, Tip. França Amado, 1905; Os
e como um viático, a imagem dessa nobre vida Pobres e os Ricos – Crianças e Adolescentes, Coimbra,
de caridade e de abnegação, que partilhas com Tip. França Amado, 1906; Urzes, 1910; Urzes III – Na
Aldeia e no Quartel, Coimbra, Tip. França Amado, 1917,
o companheiro do teu destino, e em que ambos pp. 133 a 178; Promessa; Sob a Cruz [poesia].
são um sugestivo exemplo e uma exceção ins- Bib.: Amaro Carvalho da Silva, Esboço da Vida e Obra
piradora...” [pp. VIII e IX]. Marcada por uma edu- de Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa, E.S.M.A.V.C.,
cação cristã orientada para o apostolado social, 1997, pp. 102-104, 137; Domingos de Araújo Afonso e
Rui Dique Travassos Valdez, Livro de Oiro da Nobreza,
desenvolveu em Lisboa e em Coimbra uma gran- Vol. III, Braga, Tip. Pax, 1934, pp. 29 e 880; Francisco Ino-
de atividade de auxílio a instituições de caridade cêncio da Silva, Dicionário Bibliográfico Português,
e de apoio constante a desvalidos. Façamos al- Vol. 23, Lisboa, Imprensa Nacional, 1972, p. 314; Luís
gumas referências: sob o patrocínio da rainha D. Miguel de Castro Filipe Osório Mora, Quinta da Portela
Maria Pia*, organizou no Teatro D. Maria II, nas – História e Arte [trabalho dactilografado], Coimbra, 2001;
Manuel Joaquim da Costa, A Taquigrafia ou Estenografia
noites de 25 e 26 de janeiro de 1877, grandes “fes- (sem mestre), Lisboa, 1909, p. 87; Maria Amália Vaz de
tas de caridade” a favor das vítimas das inun- Carvalho, Alguns Homens do Meu Tempo (Impressões
dações do Tejo; a edição (1906) do seu livro Os Literárias), Lisboa, Editores – Tavares Cardoso & Irmão
Pobres e os Ricos foi “vendida em benefício da / Santos & Vieira – Empresa Literária Fluminense,
1889, pp. VIII e IX; Marquesa de Rio Maior, “Pagina Fe-
Creche e do Asilo da Infância Desvalida de Coim- minina”, Diário Nacional, 24/05/1917; Nuno Catarino Car-
bra”; segundo a voz da tradição familiar, cola- doso, Poetisas Portuguesas («Antologia contendo dados
borou com o bispo-conde D. Manuel Correia de bibliográficos e biográficos acerca de cento e seis poe-
689 MAR

tisas»), Lisboa, Livraria Científica, 1917; Pinho Leal, «Por- Sor, organizou, na Biblioteca Municipal dessa ci-
tela», Portugal Antigo e Moderno (1873-1890), Vol. VII; dade, uma exposição das suas pinturas. Entre-
“D. Luís de Carvalho Daun e Lorena”, A Ilustração Por-
tuguesa, Lisboa, n.o 26, 10/01/1887; “Marquesa de Po- meou as fases em que se dedicou à pintura com
mares”, O Primeiro de Janeiro, Porto, 16/01/1926, p. 2; outras em que se dedicou à jardinagem ou a co-
“Morreu a Marquesa de Pomares – escritora de dotes no- lecionar antiguidades, sendo também grande jo-
táveis e grande exemplo de bondade”, Gazeta de Coim- gadora de canasta e de bridge. A sua atividade
bra, n.o 1845, 16/01/1926; “Marquesa de Pomares”, O Pri-
meiro de Janeiro, Porto, 17/01/1926, p. 4.
artística, porém, atingiu o seu cume na criação
[A. C. S.] de colares, em que reunia elementos preexistentes
dos mais variados materiais, como pedras se-
Maria Margarida Canavarro de Meneses Fer- mipreciosas (facetadas, polidas ou em bruto), pé-
nandes Costa rolas, ouro e prata (muitas vezes antigos), vidro,
Nasceu a 24 de fevereiro de 1916 na ilha de São madeira, etc. A Diretora do Museu do Traje, Dou-
Tomé, onde o seu pai desempenhava funções na tora Madalena Braz Teixeira, graças a uma notável
administração colonial. Casou, em primeiras núp- persistência, conseguiu convencer Mayá a expor
cias, em 1938, com D. Fernando Penalva Mas- os seus colares no Museu, o que aconteceu em
carenhas, 12.o conde da Torre e 11.o marquês de julho de 2001. A exposição foi complementada
Fronteira, de quem teve um filho. Por volta de por um bonito catálogo onde se podem ver os 60
1948, separou-se e foi com o filho para casa de colares expostos. Era uma viajante incansável e
seus pais. Em 1956, enviuvou, facto que mudou tinha uma personalidade muito forte que marcou
decisivamente o seu estilo de vida, na medida em profundamente as pessoas que com ela convi-
que passou a administrar a herdade do Conda- veram, mas era também uma excelente ouvinte
do da Torre e o Palácio Fronteira, no qual pro- e as mais diversas pessoas contavam-lhe os
cedeu a grandes obras de restauro. Aquela, ini- problemas da sua vida, às vezes muito pouco de-
cialmente arrendada na sua quase totalidade, com pois de a terem conhecido. Dotada de grande bom
exceção do montado de sobro, passou a ser uma senso, tinha também uma enorme energia e uma
das suas principais preocupações, visitando-a se- grande capacidade de ver o lado positivo da vida,
manalmente e ocupando-se da sua exploração di- sendo uma das suas frases recorrentes: “à quel-
reta, à medida que os contratos de arrendamen- que chose malheur est bon”.
to iam caducando. Administrou a herdade até [F. M.]
1970. Durante as obras de recuperação do palá-
cio, conheceu o homem que viria a ser o grande Maria Margarida da Silva
amor da sua vida e com quem casou em 1961: o Natural de Lisboa, nasceu a 17 de setembro de
arquiteto Frederico H. George. Foi uma daque- 1897, sendo filha de Maria Celeste Melo da Sil-
las raras relações que nos levam a acreditar que, va e de José Artur Braz da Silva, veio a casar com
afinal, o verdadeiro amor existe e que, por con- João Augusto da Fonseca, que foi professor efe-
sequência, a felicidade pode ser real. O seu es- tivo do Liceu Passos Manuel e, depois, profes-
pírito inquieto e curioso levou-a a dedicar-se em sor secretário da secção masculina desse liceu,
profundidade a numerosos hobbies. Nos anos em 1936. Licenciada em Filologia Clássica pela
1950, Mayá, como era conhecida, dedicou-se à Faculdade de Letras da Universidade Clássica de
fotografia, em particular à paisagem e ao retrato. Lisboa, iniciou a atividade docente no Liceu Ma-
O amor por um artista levou-a a procurar novas ria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, em janeiro
formas de expressão em Arte. No entanto, não se- de 1923, aí permanecendo até ao final do ano le-
guiu um percurso linear, pelo contrário, bem em tivo de 1925-1926. Foi, então, lecionar para o Li-
acordo com o seu temperamento, tinha fases em ceu Infanta D. Maria, em Coimbra, pois tinha-
que pintava e outras em que deixava de pintar -se efetivado nesse liceu a 7 de maio de 1926. Per-
e, quando recomeçava, desenvolvia linhas com- maneceu no Liceu Feminino de Coimbra dois
pletamente diferentes das que antes seguira. Sem anos letivos, 1926-1927 e 1927-1928, regressan-
formação académica, tinha dificuldades com o do a Lisboa para integrar o quadro do Liceu
desenho mas, em contrapartida, o seu sentido da D. Filipa de Lencastre [Decreto de 13 de outubro
cor era notável, quer nos contrastes, quer nas gra- de 1928, Diário do Governo de 24 de outubro de
dações subtis de tom. Em Outubro de 1996, a Fun- 1928], que ia entrar em funcionamento a partir
dação das Casas de Fronteira e Alorna, em co- de outubro de 1928. Aí iria fazer a maior parte
laboração com a Câmara Municipal de Ponte de da sua carreira profissional, pois só os últimos
MAR 690

quatro anos do magistério foram exercidos no Li- Alegou uma destas alunas, a qual foi Prémio Na-
ceu Maria Amália Vaz de Carvalho, isto é, entre cional e esteve associada à criação da Associa-
1958 e 1962, ano da sua aposentação. Se os pri- ção Escolar do Liceu, a par de muitas outras ati-
meiros anos do seu exercício profissional foram vidades, que a professora Maria Margarida pediu
marcados pela atividade letiva, posteriormente, para ser exonerada das funções de reitora, acon-
as funções de reitora exercidas durante quinze selhada pelo Diretor-Geral do Ensino Liceal, dado
anos iriam ser determinantes para a definição da as suas divergências com a política educativa do
sua história de vida como professora. Assim que novo ministro da Educação, Pires de Lima.
se efetivou, a par da lecionação, desempenhou Também uma outra antiga aluna, afirmando ter
o cargo de Diretora de Classe, durante três anos, tido um conhecimento da sua reitora que não se
o de vogal do Conselho Administrativo, um ano, confinava ao espaço do liceu, pois esta era ami-
e o de professora secretária, durante quatro ga de seus pais e visita de casa, dado ter sido co-
anos, ou seja, até à data em que foi designada para lega da mãe na Universidade, revelou ter esta pro-
dirigir a Reitoria do Liceu D. Filipa de Lencas- fessora uma posição crítica em relação ao regi-
tre. Antes de ser nomeada reitora, o reconheci- me, o que fazia com que não subscrevesse todas
mento do valor do seu exercício do magistério não as suas opiniões. Confidenciou-nos esta aluna
se limitou ao facto de ser “louvada pela muita de- que Margarida Silva, em face da relutância
dicação e inteligência na execução dos serviços manifestada por certas alunas em adquirirem o
do Liceu Filipa de Lencastre” [portaria de 9 de fardamento da MPF*, aconselhava-as a não com-
fevereiro de 1931, Diário do Governo de 11 de fe- prometerem o percurso escolar e, invocando pro-
vereiro de 1931], mas estendeu-se à nomeação blemas de natureza financeira, lhes disponibiliza-
para integrar vários júris promovidos pelos Mi- va gratuitamente o mesmo. Segundo esta mesma
nistérios, quer da Instrução quer da Educação Na- aluna, chegou um momento em que ela não con-
cional, casos do Exame de Admissão ao Estágio seguiu, ou talvez não quisesse, dizemos nós, con-
no Liceu Normal de Lisboa [Diário do Governo, ciliar o lugar de reitora com a política educati-
n.o 246, 2.a série, de 23 de outubro de 1931, Diá- va do Estado Novo. Da leitura dos seus relató-
rio do Governo, n.o 162, 14 de agosto de 1932 e rios sobre as atividades do Liceu constata-se uma
Diário do Governo, n.o 137, de 16 de junho de alteração na avaliação do papel da Mocidade
1933], do Concurso para Segundos Oficiais das Portuguesa Feminina*, podendo inferir-se que o
Secretarias dos Liceus [Diário do Governo, n.o 132, seu Reitorado foi marcado por duas fases. Na pri-
de 11 de junho de 1932] e dos Exames de Ad- meira, deu continuidade a uma ideia de educa-
missão à Universidade de Lisboa [Diário do Go- ção que defendia e que havia posto em desen-
verno, n.o 227, de 28 de setembro de 1932 e Diá- volvimento, antes da instituição/implementação
rio do Governo, n.o 206, de 5 de setembro de da referida organização estatal, criada para o en-
1933], ou, ainda, fazer parte da Secção do Con- quadramento ideológico das raparigas no regime
selho de Instrução Pública [Diário do Governo, estadonovista. E uma segunda, em que a direção
n.o 154, de 5 de julho de 1932]. Maria Margari- da instituição escolar que dirigia era partilhada
da tornou-se, então, a partir de 4 de outubro de pelo Centro Escolar da MPF a funcionar no re-
1933, a segunda Reitora do segundo Liceu Fe- ferido Liceu. Assim, se nos primeiros anos de vida
minino da cidade de Lisboa, só tendo sido exo- da MPF, Margarida Silva evocou a atuação da re-
nerada de funções a 19 de fevereiro de 1948. ferida organização como “colaborando” com as
Contudo, se o cessar de funções foi por ela re- atividades do liceu, posteriormente, sobretudo a
querido, não se podem excluir os motivos que partir da década de 1940, as referências à MPF
estiveram subjacentes a esse seu pedido. A ideia implementada no meio escolar são muito redu-
defendida por duas antigas alunas do Liceu, que zidas e lacónicas, resumindo-se a copiar para os
acompanharam o reitorado de Maria Margarida relatórios a descrição das iniciativas promovidas
durante o seu percurso de estudos, do 1.o ao 7.o pela organização que a Diretora do Centro da MPF
anos, iniciado na Lapa e terminando no Bairro lhe apresentava. Ao falar-se do seu reitorado não
Social do Arco Cego, não se afasta da hipótese que se pode ignorar que incentivou, desde a primeira
nos parece sustentável ao ler-se os seus Relató- hora, o desenvolvimento da Associação Escolar
rios das Atividades anualmente desenvolvidas do Liceu D. Filipa de Lencastre, apoiando a cria-
no liceu e enviados para o Ministério da Educação ção de atividades extracurriculares, com um ca-
Nacional, de acordo com a legislação em vigor. rácter formativo para as alunas, visando o seu pa-
691 MAR

pel de mulheres na sociedade, em geral, e na fa- culdade de Letras”, para acrescentar: “Esse gé-
mília, em particular, e também atividades de ca- nero de pessoas, elas é que eram as intelectuais,
rácter cultural, palestras, visitas de estudo, co- as importantes, tinham sido diferentes do resto”.
memorações de efemérides históricas; a partir de Essa diferença residia, obviamente, no facto de
1942, a associação passou a ser integrada na MPF, pertencerem a um reduzido grupo de mulheres
sendo controladas todas as atividades extracur- com formação académica universitária, pelo
riculares e assistenciais das escolas por esta mes- que se consideravam uma estirpe. Partilhando
ma organização [Decreto-Lei n.o 32 234, de 31 de deste ponto de vista, podemos dizer que Mar-
agosto de 1942]. Não podemos deixar de inferir garida Silva não só se considerava uma intelec-
que face a um liceu cada vez mais controlado pela tual, pertencente a uma nova elite feminina, como
MPF e as alterações introduzidas, em 1947, pela acreditava que esse devia ser o caminho a trilhar
Reforma do Ensino Liceal e pelo Estatuto do En- pelas jovens que prosseguiam os estudos liceais.
sino Secundário [Decretos-Lei n.o 36 507 e Esta ideia expressou-a ela ao dirigir-se ao ministro
n.o 36 508, de 17 de setembro de 1947], Maria Mar- da Educação Nacional, Carneiro Pacheco, na Ses-
garida não só sentisse a sua ação comprometida, são Solene de abertura do ano letivo de 1937-
como não aceitasse que a vida escolar deixasse -1938, afirmando presidir ao “seu liceu” a ideia
de ser gerida pelos docentes. A MPF passava a de “realização dum Estado forte, portador dum
gerir todas as atividades extracurriculares, assim levantado ideal, sintetizado na figura da excel-
como dirigia e controlava três disciplinas curri- sa educadora D. Filipa de Lencastre”. De uma mu-
culares, a Educação Física, o Canto Coral e os La- lher que integrou a Obra da Mães pela Educação
vores. Julgamos ser, ainda, de reter o facto de ter Nacional*, passados dois anos após a sua criação,
tido sempre uma posição crítica, que não deixou em 1938, e que aceitou, ainda que por inerência
de manifestar, relativamente a uma oferta curri- do cargo de reitora que ocupava, de acordo com
cular enformada pelo conceito de género, cria- o disposto no Decreto n.o 32 234, de 31 de agos-
da pela Reforma do Ensino Liceal de 1936 [De- to de 1942, ser Diretora do Centro n.o 2 da MPF,
creto-Lei n.o 27 084, de 14 de outubro de 1936], não podemos dizer que, apesar de não o ter ma-
a qual se concebia como uma via alternativa ao nifestado publicamente, tivesse um distancia-
prosseguimento de estudos após a conclusão do mento ideológico do regime. Não devemos,
curso geral – o Curso Especial de Educação Fa- também, menosprezar o facto de que o regime re-
miliar (CEEF). Assim, manifestou num dos re- conheceu o seu exercício profissional ao agraciá-
latórios elaborados, enquanto Reitora, que ape- -la com o Grau de Comendador da Ordem da Ins-
sar de se registar um “total aproveitamento” no trução Pública em 1941 [Diário do Governo,
CEEF, tal resultado “nada indica para fins esta- n.o 211, de 10 de setembro de 1941, rectificado
tísticos, porquanto a sua frequência foi de três alu- o nome pelo Diário do Governo, n.o 58, de 12 de
nas e as disciplinas de ménage prestam-se à re- março de 1942]. Contudo, parece-nos plausível
velação de vocações, por parte das estudantes que admitir que Margarida Silva, amando o exercí-
voluntariamente procuram um curso sem fina- cio docente e com um sentido muito forte do que
lidade. Também as professoras procuram tornar devia constituir um projeto de educação feminina,
compensador, em notas, um curso que não tem alicerçado na forte valorização que fazia da cul-
outra compensação” [Arquivo Histórico do tura e do lugar que a mulher podia desempenhar
Ministério da Educação, “Relatório dos Reitores na sua consolidação, a par de se tratar de uma per-
sobre as Actividades Lectivas”, cx. n.o 60, rel. sonalidade imbuída de grandes capacidades de
n.o 555, fls. 35-36]. Na apreciação negativa do CEEF liderança (como lhe reconheceram a maioria das
pela Reitora Margarida Silva, não se pode igno- alunas entrevistadas), tenha aderido, numa pri-
rar a expressão por ela usada para o definir, e aci- meira fase, à política do Estado Novo e, poste-
ma citada, “curso sem finalidade”, comentada por riormente, se afastasse da mesma. Como muitos
uma aluna que o frequentou, aquando do seu iní- outros portugueses que também aceitaram de-
cio, em 1936-1937. Segundo essa aluna que, pos- sempenhar cargos públicos, julgamos que ela, à
teriormente, quando foi criado o Instituto Na- medida que o salazarismo se foi desenvolvendo,
cional de Educação Física, integrou o primeiro se foi demarcando da atuação do regime. Julga-
curso aí ministrado, tornando-se professora de se que este processo a tenha conduzido ao pedido
Educação Física, esta reitora tratava-se de “uma de exoneração das funções de reitora do Liceu
mulher toda intelectual, tinha frequentado a Fa- D. Filipa de Lencastre, ao ver-se, certamente, con-
MAR 692

frontada com a impossibilidade de servir o e transportado a bandeira negra durante aquela


“Bem Público”, no campo educativo, conforme manifestação. É um dos poucos casos em que a
a sua consciência lhe ditava que o devia fazer. mulher é que esteve presa e não o marido que,
Mss.: Acervo Documental do Liceu D. Filipa de Len- embora militante do Partido Comunista Portu-
castre, “Caixa dos Processos Individuais de Professores, guês, nunca chegou a estar recluso, tendo fale-
n.o 34: Capa Maria Margarida da Silva, n.o 928”, “Livro cido em 24 de janeiro de 2001. Antónia Balsinha
de Actas das Sessões Solenes (1934 a 1948): Acta n.o 4, incluiu o nome de Maria Matos no estudo pio-
7 de novembro de 1937, fl. 10.
Arquivo Histórico do Ministério da Educação, “Relatórios
neiro que fez sobre o papel das mulheres de
dos Reitores sobre as Actividades Lectivas”, cx. 5, rel Alhandra na resistência ao fascismo nos anos 40,
32, cx. 60, rels 553/A e 554/A, cx 61, rels 555, 556, 557, tendo-a entrevistado no dia 25 de maio de 2000.
558, cx 62, rels 559, 560, 561, 562.
Fontes: Testemunhos orais recolhidos junto de Brígida Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
Estanco, Lucília Estanco e Maria Luísa Amaral. sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
[M. J. R.] sência, 2005.
[J. E.]

Maria Margarida Oliveira Pinto Maria Micaela de Sousa Folque


Foi professora e diretora da Escola Normal do Nasceu em Portalegre, filha de Filipe Joaquim de
Porto, onde lecionou vários anos, ensinando du- Sousa e de Margarida Josefa, naturais da freguesia
rante seis deles Língua Portuguesa, Ciências Na- de Nossa Senhora da Expectação, Campo Maior,
turais, Pedagogia e, durante dois anos, Moral e e morreu na capital, já nonagenária, em julho de
História Sagrada, História e Geografia. Candi- 1866. Casou com Pedro Folque oriundo do Rei-
datou-se a reger estas cadeiras nos novos Liceus no da Catalunha, viúvo de Doroteia Maria Rosa
Secundários Femininos* e referia, na carta de 27 de Barros, e foi mãe de Filipe Folque, que mui-
de agosto de 1890, que o seu ordenado era mui- to se distinguiu na vida política e cultural por-
to baixo e “nem sequer está equiparado ao dos tuguesa do século XIX. Em 1807, o marido, en-
professores de igual categoria”. tão tenente-coronel do Real Corpo de Enge-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição nheiros, encontrava-se em Mafra, no Serviço de
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. Telégrafos, quando nasceu a infanta D. Ana de Je-
[A. C. O.]
sus, tendo sido ele que transmitiu essa notícia a
todas as autoridades do país. D. João, o futuro rei
Maria Matos
D. João VI, querendo assinalar a data do nasci-
Operária. Nasceu em 1920 em Alhandra, onde co-
mento da filha, concedeu-lhe uma tença de 150
meçou a trabalhar com 11 anos na fábrica da Juta
réis, paga aos quartéis pelo Cofre das Comendas,
– Sociedade Têxtil do Sul, Lda. Casou aos 19 anos
que Pedro Folque, com a aquiescência do Prín-
com António Matos pelo Registo Civil, viveu em
cipe, transferiu para a mulher. Maria Micaela foi
casa dos sogros e teve uma filha. Participou na
uma notável cantora, muito apreciada nos salões
Marcha da Fome ou Marcha do Pão, realizada a
aristocráticos. Na noite de 27 de abril de 1821,
8 de maio de 1944 em Alhandra e que atraves- assistia no Teatro de S. Carlos à Cenerentola de
sou a vila durante o desfile reivindicativo em di- Rossini, quando a ópera foi interrompida pelo mi-
reção a Vila Franca de Xira, na sequência do mo- nistro da Marinha que, acabando de receber pela
vimento grevista desse dia na região. Foi uma das mão do comandante da fragata Maria da Glória,
mulheres alhandrenses presa pela GNR na Pra- vinda do Rio de Janeiro, uma mensagem do rei,
ça de Touros de Vila Franca de Xira, interroga- a comunicou aos espectadores: “D. João VI acei-
da pelo PIDE Silva Pais, transportada para Lis- tará a Constituição que as Cortes elaborarem e
boa, para a Praça de Touros do Campo Pequeno regressará em breve ao Reino.” O público, entu-
e, no dia 11, enviada para o Forte de Caxias, onde siasmado, irrompeu em aclamações e, voltando-
permaneceu enclausurada até agosto, sem que ti- -se para o camarote que Maria Micaela ocupava,
vesse sido aberto qualquer processo ou sujeita a exigiu-lhe que cantasse o Hino Liberal. Ela ace-
julgamento. Tal como Cesaltina das Dores*, e ao deu, seguindo-se prolongados aplausos.
contrário de Rosa Charrua*, outras presas de
Alhandra, durante os três meses de reclusão só Bib.: Ernesto Vieira, Dicionário Biográfico dos Músicos
Portugueses, Vol. I, Lisboa, Lambertini, s.a, pp. 419-422;
foi uma vez, e durante o dia, levada à sede da Filipe Folque de Mendóça, Dom, A Casa Loulé e as suas
PIDE, na António Maria Cardoso, sendo inter- Alianças, Lisboa, Livraria Bizantina, 1995, p. 112; Fol-
rogada sobre quem tinha tocado o sino a rebate que, Fontainhas, Visconde de, Breve Ensaio Genealógi-
693 MAR

co, Carcavelos, Instituto D. João VI [a editar]; Grande En- aperfeiçoando e treinando a sua voz e os seus co-
ciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XI, Lisboa/Rio nhecimentos de música, nomeadamente estu-
de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Limitada, s.a. pp. 540-
-541; Joana Margarida Mancia Ribeiro da Silva Guimarães, dando ópera. Para melhor preparação fez os Cur-
Poesias Ternas, Lisboa, Imp. Régia, 1813; Maria Clara Pe- sos de Arte de Dizer e de Arte de Representar (foi
reira da Costa, Felipe Folque – O Homem e a Obra (1800- discípula de Mestre Alves da Cunha) e o Curso
-1874). O Diário da sua Viagem à Europa integrado no Superior de Dança, também no Conservatório de
Séquito de D. Pedro V, alguns Ofícios e Cartas Particu- Lisboa, e aprendeu italiano com uma professo-
lares, Lisboa, Instituto Geográfico e Cadastral, 1968; “Cor-
reio de Hoje – Lisboa 20 de julho”, Comércio do Porto, ra italiana, Hermengarda Torres. A mãe e a pro-
22/07/1866, p. 3, col. 4; “Uma Dama Ilustre,” Revolução fessora Júdice da Costa passaram a ser as men-
de Setembro, 24/07/1866, p. 3, cols. 2-3. toras da sua preparação artística. O que é notá-
[M. L. C. S.] vel é que, além de treinar a voz diariamente com
vocalizos e com a aprendizagem de novas mú-
Maria Miquelina Monteiro sicas, ainda tinha tempo para fazer os vários es-
Filha de José Luís Monteiro Madeira de Carva- tudos referidos e para desenhar e construir ade-
lho e Azevedo e de Maria Ludovina da Silva Gal- reços, como bolsas e sapatos, e até compor e exe-
vão. Recebeu, esta senhora, de seu irmão José cutar peças de vestuário – e isto tudo sempre com
Luís Monteiro, natural de Coja, no concelho de um sorriso de boa disposição e de bondade.
Arganil, a administração de vínculos instituídos A professora Júdice estabeleceu contactos em Itá-
em Coja, na Lousã e em Vilarinho da Lousã. Foi lia e Phèlita foi convidada pelo Teatro Scala de
casada com Augusto das Neves e Sousa Pimenta, Milão – o que a entusiasmou a preparar mais in-
Juiz de Direito. Registou, como administradora, tensamente várias óperas, entre elas: O Barbei-
os referidos vínculos em 1863, no Governo Ci- ro de Sevilha, de Rossini, a Lakmé de Léo Deli-
vil de Coimbra. bes, La Serva Padrona, de Giovanni Pergolesi,
Mss.: ANTT, Vínculos Abelho, Coimbra, Processo n.o 14. O Rapto do Serralho e A Flauta Mágica, de Mo-
[Ju. E.] zart, A Sonâmbula, de Bellini, O Guarani, de Car-
los Gomes, e A Traviata, de Verdi. Porém, o con-
Maria Monjardino flito que levou à Segunda Guerra Mundial estalou
v. Maria Medina Monjardino Brito do Rio em 1939, quando ela tinha 17 anos e, passados
alguns meses, esse convite ficou suspenso. Ini-
Maria Ofélia Freire de Oliveira Corrêa ciara a carreira profissional, em 1938, como can-
Phèlita Corrêa (nome artístico de Maria Ofélia tora, nos chamados Complementos Vivos do Éden
Freire de Oliveira Corrêa) nasceu em Lisboa a 12 – cinema teatro, de Lisboa, inaugurado nessa al-
de novembro de 1922, filha de Ophélia Freire Cor- tura. Apresentou-se em público em diversos es-
rêa*, maestrina, cantora, professora de piano e pectáculos NOITE AZUL, promovidos anual-
concertista, e de Norberto de Oliveira Corrêa, ar- mente pelo jornal O Século e organizados pelo
quiteto, e morreu em Lisboa, a 25 de outubro de jornalista Pires Guerreiro. Em 1939, obteve o pri-
1942. Aos 12 anos, já surpreendia e encantava meiro contrato com Ricardo Covões, no Coliseu
quem a ouvia cantar no meio da brincadeira e for- dos Recreios, interpretando a protagonista da ope-
mando roda com outras crianças, no Jardim da reta O Salto da Morte, de “Esculápio” e “Odra-
Estrela. A mãe preparou-a musicalmente desde cir” (Eduardo Fernandes e Ricardo Covões),
muito cedo, das primeiras digressões pelo teclado cantando ao lado do tenor Guilherme Kjolner. Era
do piano, até aos exercícios de solfejo. Assim, ao um grande espetáculo, com dois palcos e uma pis-
mesmo tempo que tirava o curso liceal, progre- ta de circo. Foi um êxito total: a sua voz e a sua
dia nos estudos de piano, até finalizar o Curso figura delicada e perfeita galvanizaram o públi-
Superior de Piano, Harmonia e Composição, já co por completo. Sua mãe, Ophélia Corrêa, en-
então discípula de Mestre Campos Coelho, no tão Maestrina, dirigia a orquestra e os cantores.
Conservatório Nacional de Música de Lisboa. A esta opereta outras se seguiram em 1940, en-
A descoberta da sua voz excecional de soprano tre elas, A Minha Terra e Escrava e Soberana, tam-
ligeiro levou a mãe a procurar a professora italiana bém de “Esculápio” (Eduardo Fernandes) e Ri-
Júdice da Costa, que nessa altura tinha vindo re- cardo Covões, com a participação do tenor Gui-
sidir em Lisboa. Esta aconselhou Phèlita a não lherme Kjolner. E, em 1942, A Lenda dos Sete Cra-
cantar em público antes de perfazer os 16 anos, vos, mágica de Venceslau Pinto e João Bastos, que
embora pudesse prosseguir os estudos de canto, já tinha sido estreada no Teatro da Trindade e
MAR 694

onde Phélita cantava ao lado do tenor Luís Pi- do sido premiada. O seu referente mais constante
çarra. Entretanto, a mãe adaptava diversas mú- foram os animais. Maria Simões, Josefa Greno,
sicas para a sua voz de soprano ligeiro e assim Emília dos Santos Braga*, e Helena Roque Gameiro
deu alguns concertos, colaborou em saraus e na foram das poucas mulheres artistas que Luciano
Emissora Nacional de Radiodifusão, que nessa Freire considerou talentosas nas suas Memórias.
data só aceitava programas de canto em portu- Casou em 7 de abril de 1902, na capela do cha-
guês. Com o mesmo princípio de defesa de ori- let de Algés (propriedade de seus sogros e atual-
ginais portugueses, o Teatro Nacional de S. Car- mente designada como Palácio Anjos), com Hen-
los só admitia que se realizasse uma temporada rique Munró Anjos, administrador da casa Anjos
de ópera desde que fosse com ópera portuguesa. & Companhia e teve oito filhos, dos quais sobre-
E aceitavam-se apenas obras de Ruy Coelho… As- viveram seis. Depois de casar continuou a dedi-
sim, não teve qualquer possibilidade de partici- car-se à pintura, principalmente à aguarela, ten-
par na ópera, embora conhecendo bem as parti- do um bem equipado ateliê na Quinta de Nossa
turas que estudou. Na cerimónia de inauguração Senhora do Carmo, às Laranjeiras, em Lisboa, onde
da Exposição do Mundo Português em junho de o casal viveu. Após a derrocada económica da
1940, Phèlita Corrêa, situada numa elevada tri- Casa Anjos & Companhia, Maria Simões, voltou
buna dentro do Pavilhão de Honra, vestida de à Rua da Emenda, onde se instalou com a famí-
branco e com uma coroa de louros dourada, re- lia. Guardava no sótão os materiais de pintura, bem
presentando a figura da Pátria, cantava a Portu- como variadas e simbólicas recordações que
guesa, perante centenas de altas individualida- eram valorizadas pela sua apurada sensibilidade
des, convidados nacionais e estrangeiros. Dois – folhas de árvore, bugalhos, espigas, plantas se-
anos mais tarde, Phèlita adoeceu com um tifo, mal cas, com que fazia bichinhos para os netos e ar-
tratado por negligência médica, que conduziu ao ranjos florais. Escreveu para revistas católicas, en-
seu falecimento. Assim se interrompeu e esgo- tre elas Os Nossos Filhos e Stella, e publicou, em
tou uma carreira lírica fulgurante, de quatro anos, 1948, o livro Contos do Natal, ilustrado por Ra-
de uma cantora possuidora de uma voz única, de quel Roque Gameiro e dedicado aos netos. As suas
soprano ligeiro, com agudos excecionais, como obras encontram-se maioritariamente na posse de
não apareceu desde esse tempo até hoje em Por- descendentes.
tugal. O funeral foi uma verdadeira manifestação Da autora: Contos do Natal, s.l., s.n., 1948.
pública pela perda irreparável daquela rapariga Mss.: MNAA. Arquivo dos directores, Espólio de Luciano
Freire, Cx. 12, Pasta 1, Mss. Memórias de Luciano Freire.
extraordinária como pessoa e como cantora: nos Fontes: Ana Maria Anjos R. de Sousa Rocha – A quem
bairros da Estrela e de Santos havia filas de pes- muito agradecemos a generosidade e gentileza na trans-
soas ao longo do percurso para o cemitério. missão de fontes orais e escritas.
[N. C.] Bib.: Américo Lopes de Oliveira e Mário Gonçalves Via-
na, Dicionário mundial de mulheres notáveis, Porto, Lel-
Maria Olímpia da Cunha Viana Vaz Simões An- lo & Irmão Editores, 1967, p. 1230; Fernando de Pam-
plona, Dicionário de pintores e escultores portugueses
jos ou que trabalharam em Portugal, 4.a ed., Vol. V, Barce-
Pintora portuguesa, nasceu a 30 de setembro de los, Livraria Civilização Editora, 2000, p. 210; Sandra
1878, na freguesia de Nossa Senhora da Concei- Leandro, Teoria e crítica de arte em Portugal (1871-1900),
ção, em Lisboa, e faleceu em 27 de maio de 1961, Dissertação de Mestrado em História da Arte, Lisboa, Fa-
culdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade
igualmente na capital. Era filha de Joaquim Vaz Nova de Lisboa, 1999, p. 448.
da Costa Simões e de Maria Jesuína da Cunha Via- [S. L.]
na, falecida logo após o seu nascimento. Seu pai
casou com a cunhada e foi esta – Maria Ludovi- Maria O’Neill
na da Cunha Viana – que a criou com se fosse, de v. Maria da Conceição Infante de Lacerda Pe-
facto, sua mãe. Filha única, viveu a infância e ado- reira de Eça Custance O’Neill
lescência na Rua da Emenda, num edifício que
era propriedade do pai e ali recebeu uma educação Maria Palmira Passos da Fonseca de Abreu Cas-
esmerada. Foi discípula de Silva Porto e, após a telo Branco
morte deste, do pintor e restaurador Luciano Frei- Casada, residente em Lisboa, maior de idade, à
re. Participou, entre outras, na sexta exposição do altura da sua candidatura, a 12 de fevereiro de
Grémio Artístico, em 1896, e na primeira da So- 1890, ao lugar de professora de Francês ou de
ciedade Nacional de Belas Artes, em 1901, ten- Português num Liceu do sexo feminino que iria
695 MAR

ser criado. Em 1896, a sua progenitora assinou sa de Vila Marina. Desta faziam parte o conhe-
a carta de candidatura atestando em como lhe cimento da língua materna, assim como de
foram devolvidos os documentos. No Anuário francês e alemão, geografia, história, música, de-
Comercial de 1898 para 1899, Maria Palmira apa- senho, entre outras prendas femininas. A sua edu-
recia como diretora do Colégio Progresso na Rua cação espiritual também não foi descurada, ten-
Garrett, 80, 2.o andar. do sido levada a cabo por vários padres, entre eles
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição o abade Gazelli que foi o seu diretor espiritual até
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. completar 13 anos de idade. A princesa Maria Pia
Bib.: Caldeira Pires (coord.), Anuário Comercial ou Anuá- era uma criança caprichosa e mimada que, se por
rio Oficial de Portugal Ilhas e Ultramar, da Indústria, um lado desesperava as damas de honor com os
Magistratura e Administração para 1899, Lisboa, s.e,
1898, p. 738. seus caprichos e as suas cóleras, por outro, a to-
[A. C. O.] dos cativava com o seu charme e o seu carácter
vivo e determinado. Aos 14 anos, foi pedida em
Maria Peres casamento pelo visconde da Carreira, camarei-
Atriz. Nasceu em 1862 e faleceu a 6 de agosto de ro-mor da Casa Real, para D. Luís, que entretanto
1881. Era bonita. Iniciou a vida artística em 1873, subira ao trono de Portugal, por morte do seu ir-
em papéis infantis, nos Teatros D. Maria II e Gi- mão, D. Pedro V (1837-1861), que não deixara des-
násio. Estreou-se, como profisional, em 1873, no cendência. Discutidas as condições do contrato
Teatro do Ginásio, em A Filha do Carvoeiro. Em matrimonial, este foi assinado a 8 de agosto de
1878, representou, no Teatro da Rua dos Condes, 1862 e o casamento, por procuração, realizou-
Espelho da Verdade, peça fantástica, em 4 atos, -se no Palácio Real de Turim, a 27 de setembro
arranjo de Augusto Garraio, e em 1879 ingressou do mesmo ano. D. Luís foi representado pelo prín-
no elenco do Teatro do Príncipe Real, voltando cipe Carignan de Sabóia e o arcebispo de Géno-
ao Teatro da Rua dos Condes no ano seguinte. Fa- va, monsenhor Charras, celebrou a cerimónia e
zia uma vida boémia, tuberculizou e afastou-se pronunciou a bênção nupcial. No dia seguinte,
dos palcos. Em julho de 1881, fez um benefício a nova rainha de Portugal foi entregue ao Mar-
no Teatro dos Recreios, já estava muito doente e quês de Loulé, enviado de D. Luís, e, dois dias
faleceria pouco tempo depois. depois, embarcou a bordo da corveta de guerra
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
portuguesa Bartolomeu Dias rumo a Lisboa,
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1035; acompanhada pelas corvetas portuguesas Sagres
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, e Estefânia e pelas italianas Duque de Génova,
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 196; Gusta- Itália, Maria Adelaide e Garibaldi. A chegada à
vo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lis- capital do seu novo país deu-se a 5 de outubro,
boa, Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lis-
boa, 1967, p. 346; Diário Ilustrado, 30/07/1881. tendo-se a jovem recém-casada mantido a bordo
[I. S. A.] e aí recebido D. Luís, D. Fernando, o Ministério,
o Conselho de Estado e personalidades da polí-
Maria Pia tica nacional. No dia seguinte, desembarcou no
v. Maria Seabra da Cruz Almeida Cais das Colunas e subiu as escadas do pavilhão
construído por José Gerardo Felgueiras Jr. para
Maria Pia de Almeida os cumprimentos de boas-vindas e para a entrega
v. Maria Seabra da Cruz Almeida das chaves da cidade pelas entidades municipais,
assim como do ramo de noiva com flores de la-
Maria Pia de Sabóia e Bragança [Rainha D.] ranjeira artificiais por uma representação da So-
D. Maria Pia, rainha de Portugal pelo seu casa- ciedade de Artistas Lisbonenses. Seguiu-se a ce-
mento com D. Luís (1838-1889), nasceu em Tu- rimónia de ratificação do casamento na Igreja de
rim, a 16 de outubro de 1847, e faleceu no Pie- S. Domingos e, em comemoração do real enlace,
monte, a 5 de julho de 1911. Segunda filha da- três dias de festividades com receções no Paço,
quele que viria a ser o rei Vítor Manuel II (1820- récitas de gala, paradas militares, fogo de artifí-
-1870) após a unificação da Itália (1867) e da ar- cio, embandeiramento das ruas e, durante os fes-
quiduquesa Maria Adelaide Francisca Reinero Eli- tejos noturnos, com iluminação a gás. Termina-
sabeth Clotilde da Áustria (n. 1822 – f. 1855), fi- dos os festejos, o casal real instalou-se no Palá-
cou órfã de mãe com apenas sete anos de idade, cio da Ajuda, escolhido para residência perma-
tendo a sua educação ficado a cargo da condes- nente em Lisboa. A nova rainha de Portugal era,
MAR 696

de acordo com testemunhos da época, formosa, buiu o cognome de Anjo da Caridade. Entre ou-
dona de uma luxuriante cabeleira ruiva e de um tras ações, refiram-se as seguintes: custeou ca-
apetite voraz pelo luxo, não só no que diz respeito samentos, baptizados e funerais; organizou co-
à decoração das várias residências reais (mal se missões para angariar fundos a favor das vítimas
instalou, tratou logo da decoração do Paço, tor- das inundações (1876) e das vítimas da fome no
nando-o rapidamente num espaço de conforto, Ceará, Brasil (1877); fundou a Creche Vítor Ma-
comodidade e bom gosto, rivalizando sem des- nuel, na Tapada da Ajuda (1889); apoiou as ví-
primor com as mais diversas residências reais timas do incêndio do Teatro Baquet, no Porto
europeias), mas também ao seu vestuário, com tra- (1888); e gratificava aqueles que a serviam. Entre
jes criados por Madame Aline Neuville, naquele 1872 e 1910, apoiou o Almanaque das Senho-
tempo a melhor modista da capital portuguesa, ras que ostentava na folha do rosto a referência
e completados com sapatos importados de Pa- “publicado sob a protecção de Sua Majestade
ris, chapéus e outros acessórios que deliciavam a Rainha, a Senhora D. Maria Pia”, e neste Al-
a soberana. Contudo, passadas as primeiras no- manaque eram publicadas, regularmente, fo-
vidades, D. Maria Pia, oriunda de uma socieda- tografias e notícias da família real e seus paren-
de culta, viu-se só numa corte antiquada e num tes no estrangeiro, não esquecendo casamentos,
país cuja língua desconhecia e sentia-se amar- nascimentos, viagens e mortes. Por tudo isto, foi
gurada e melancólica, apesar da gentileza de dado o seu nome à ponte sobre o rio Douro, inau-
D. Luís. Um ano mais tarde, precisamente a 28 de gurada em 1877. Foi grã-mestra da Ordem de San-
setembro de 1863, nasceria no Paço da Ajuda o ta Isabel, rainha de Portugal, agraciada com a grã-
primeiro filho do casal, o Príncipe Real D. Car- -cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição
los Fernando Luís Maria Victor Miguel Rafael Ga- de Vila Viçosa e com a medalha de honra da so-
briel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Si- ciedade francesa L’encouragement au bien, e foi
mão de Bragança Sabóia Bourbon Saxe-Coburgo- Dama Nobre de Maria Luísa de Espanha. Acom-
e-Gotha, futuro D. Carlos I (1863-1908). A jovem panhava D. Luís em visitas oficiais, viajava fre-
mãe dedicou-se ternamente ao primeiro filho, que quentemente ao estrangeiro por razões políticas
fez fotografar mensalmente, anotando ela própria, e diplomáticas, de saúde e de família, como é o
no verso de cada fotografia, a idade do pequeno caso da sua deslocação a Itália, na primavera de
príncipe, à qual juntava uma madeixa dos seus 1868, aquando do casamento do irmão mais ve-
cabelos loiríssimos. Recomposta do parto, vol- lho, o futuro rei Humberto I. Esta viagem conti-
tavam o aborrecimento e a monotonia, apenas nuou em direção a Munique, Ems e Paris, na com-
quebrados por um grande baile de máscaras or- panhia do príncipe D. Carlos. Sem participar ati-
ganizado na corte, no Carnaval de 1865. Meses vamente nos destinos de Portugal, D. Maria Pia
depois, a 31 de julho, nasceria o segundo filho estava atenta ao desenrolar dos acontecimentos,
do casal, o infante D. Afonso Henriques Napo- aconselhando D. Luís, e depois D. Carlos, che-
leão Maria Luís Pedro de Alcântara Carlos Hum- gando mesmo a intervir como advogada dos in-
berto Amadeu Fernando António Miguel Rafael teresses nacionais, principalmente em Itália.
Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis João Quanto à vida quotidiana do régio casal, decor-
Augusto Júlio Volfando Inácio, duque do Porto ria entre o Palácio da Ajuda, Cascais e o Estoril:
e condestável de Portugal (1865-1920). Esta se- D. Luís preferia Cascais, em cuja baía fundeavam
gunda maternidade acentuou ainda mais a fra- as esquadras estrangeiras que tanto prazer lhe
gilidade do seu sistema nervoso, tendo sido acon- dava visitar; D. Maria Pia elegeu o Estoril como
selhada pelos médicos da corte a praticar exer- residência durante a época balnear, moda que sur-
cício físico, o que ela fazia, galopando na tapa- giu em Portugal no final do século XIX. Ainda
da do Palácio da Ajuda, mas também a distrair- antes desta separação familiar, aquando de uma
se e a ocupar-se com atividades agradáveis, das primeiras estadas em Cascais, o príncipe D.
como forma de combater as fases de profunda de- Carlos sofreu um pequeno acidente: enquanto
pressão. Além da educação dos príncipes, D. Ma- passeava com a mãe e o irmão junto ao farol da
ria Pia dedicava-se também a obras de benefi- Guia, foi arrastado por uma onda. Logo em se-
cência. Não é por acaso que, apesar de ser fre- guida, também D. Afonso foi levado. Valeu-lhes
quentemente acusada de esbanjadora e perdulária, a prontidão da mãe, que se atirou imediatamente
pondo em estado de alerta o Erário Público, o à água, assim como a de António Almeida Ne-
povo português, que a amava e respeitava, lhe atri- ves, ajudante de faroleiro, que se encontrava por
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ali e a quem foi atribuída a Torre e Espada e uma assumiu a regência: em 1902, quando D. Carlos
pensão vitalícia de 4 libras por mês. Em Cascais, e D. Amélia se deslocaram a Espanha em visita
o rei rodeava-se de intelectuais (escritores, artistas, oficial, e em 1904, quando o casal régio visitou
sábios); no Estoril, a rainha rodeava-se de mili- a Inglaterra a convite de Eduardo VII. Aquando
tares e cavaleiros em geral (que lhe recordavam do regicídio, em 1908, D. Maria Pia sofreu novo
o pai e os irmãos) e com os quais se distraía, che- golpe, com o bárbaro assassinato do filho e do
gando mesmo a fumar. D. Luís transigia com to- neto. O infante sobrevivente, agora D. Manuel II,
dos os seus caprichos e extravagâncias, quer no seria o sucessor do pai e do irmão e o último rei
que dizia respeito às suas despesas pessoais (en- de Portugal. Porém, o profundo desgosto da rai-
tregas de encomendas de mobiliário, porcelanas, nha-mãe não ficaria por aqui, faltando-lhe ain-
jóias e pratas a casas estrangeiras, assim como con- da sofrer a dor do exílio, o que veio a acontecer
tas das modistas e dos joalheiros eram presença a 5 de Outubro de 1910. D. Maria Pia, que se man-
habitual no Paço), quer quanto aos donativos e tivera afastada de quase todas as cerimónias ofi-
esmolas. A imprensa é que não era tão condes- ciais e sociais, encontrava-se no Paço do Estoril
cendente e aproveitava os adiantamentos à Casa quando estalou a 4 de outubro a revolta repu-
Real para atingir o próprio Governo. Se este não blicana chefiada por Machado Santos. Confir-
foi propriamente um enlace feliz, tudo indica que, mada a proclamação do novo regime, a família
apesar da força de carácter e do génio tempera- reuniu-se em Mafra e daí partiu para a Praia dos
mental italiano de D. Maria Pia e das relações ex- Pescadores, na Ericeira, ao largo da qual se en-
traconjugais de D. Luís (a mais conhecida com contrava já o iate Amélia com o Príncipe Real
Rosa Damasceno*, famosa atriz dos palcos da ca- D. Afonso a bordo. Partiram rumo a Gibraltar, co-
pital), tenham acabado por sentir pelo outro uma lónia inglesa, onde permaneceram alguns dias.
verdadeira ternura. Em 1878, a morte do pai, por Daí, D. Maria Pia partiu para a sua terra natal,
quem sentia verdadeira devoção e grande orgu- onde foi recebida com muito carinho pela família.
lho, foi a primeira das várias perdas que a sobe- Contudo, a sua saúde mental, já abalada pelo re-
rana iria sofrer. Seguiu-se a morte de D. Luís, na gicídio, foi grandemente afetada por mais esta pro-
cidadela de Cascais, a 18 de outubro 1889, após vação e acabou por perder definitivamente a ra-
grave e prolongada doença, durante a qual a es- zão. Conta-se que, no final da vida, regava as flo-
posa não saiu da sua cabeceira, falando--lhe do- res dos tapetes, onde julgava ver salpicos de san-
cemente, refrescando-lhe o rosto contorcido gue. Eis o fim de uma rainha que marcou pro-
pela dor e afagando-lhe as mãos, acompanhan- fundamente a época em que viveu: pelo bom gos-
do-o nos seus últimos dias e ajudando-o a en- to, pela força de carácter, pelo talento de mandar
frentar uma morte que tardava em chegar perante e pela arte de seduzir. Faleceu no exílio, no Cas-
tanto sofrimento, manifestado por dores ciáticas telo de Stupinigi (Piemonte), a 5 de julho de 1911,
e ulcerações na pele que culminaram em gan- e encontra-se sepultada no Panteão Real dos Sa-
grena. D. Carlos seria aclamado rei de Portugal bóia, na Basílica de Superga, Itália. Momentos an-
a 28 de dezembro desse mesmo ano. D. Maria Pia tes de partir, perguntou para que lado ficava Por-
cedeu então o trono à nova rainha, D. Amélia*, tugal, pois queria fechar os olhos na direção do
mantendo o seu estatuto, agora rainha-mãe, e a re- país que tanta saudade lhe deixara.
sidência oficial no Palácio da Ajuda (D. Carlos Bib.: Afonso Eduardo Martins Zuquete (dir., coord. e
não quis desalojar a mãe, daí a escolha das Ne- compil. de), Nobreza de Portugal e do Brasil, Vol. II, Lis-
cessidades para residência oficial). A partir des- boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, 1960, pp. 102-
107; Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
te período, deixou de frequentar a cidadela de res Célebres, Porto, Lello & Irmão Editores, 1981, pp. 832-
Cascais e, em 1898, passou a residir num chalet 833; António Barreto e Maria Filomena Mónica (coord.),
no Estoril, com vista sobre a baía, o que lhe per- Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria Fi-
mitia continuar a dar os seus passeios de bicicle- gueirinhas, 1999; Eduardo Nobre, “Dom Luís de Bragança
– To Be or Not To Be”, Paixões Reais, Quimera, 2002,
ta à beira-mar. Era frequentemente visitada pelos pp.139-156; Idem, Casa Real – Fotografias, Documen-
filhos e pelos netos, o príncipe real D. Luís Filipe tos, Manuscritos, Memorabilia, s.l., Quimera Editores,
(1887-1908) e o infante D. Manuel, duque de Beja 2003; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal.
(1889-1932), que lhe eram muito dedicados, assim Dicionário Histórico, Corográfico, Biográfico, Biblio-
gráfico, Heráldico, Numismático e Artístico, Vol. IV, Lis-
como por damas que a visitavam, principalmente boa, João Romano Torres e C.a Editores, 1909, pp. 840-
durante a saison. Continuou igualmente a dedicar- 842; Isabel da Silveira Godinho (coord.), A Rainha
-se às suas obras de assistência e, por duas vezes, D. Maria Pia: Iconografia, Lisboa, Palácio Nacional da Aju-
MAR 698

da, 1987; Jean Pailler, D. Carlos I Rei de Portugal – Des-


tino Maldito de um Rei Sacrificado, Lisboa, Bertrand Edi- Maria Portuzelos
tora, 2000; Joaquim Vieira (dir.), Fotobiografias Século
XX – Rei D. Carlos, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001; Corista, atriz, cantadeira de fado e cocote céle-
José Hermano Saraiva (coord.), História de Portugal – Di- bre. Nasceu no bairro da Alfama, em Lisboa. Ti-
cionário de Personalidades, Vol. XIX, Quidnovi, 2004, nha uma beleza oriental. Antes de enveredar pela
p. 12; José Mattoso (dir.), “A «Vida Nova»”, História de
Portugal – A Segunda Fundação, Vol. VI (coord. Rui Ra- carreira teatral, trabalhou, juntamente com duas
mos), s.l., Editorial Estampa, 1994, pp. 125-297; Idem, irmãs, numa fábrica. Viveu com Carlos Leal. No
“A República”, História de Portugal – A Segunda Fun- Teatro Águia d’Ouro, do Porto, fez parte do elen-
dação, Vol. VI (coord. Rui Ramos), s.l., Editorial Estampa, co da revista, em 2 atos, Sabes que Mais? (1913),
1994, pp. 333-399; Manuel de Sousa, Reis e Rainhas de
Portugal, Lisboa, Sporpress, 2000; Maria João Martins, de Dinis de Melo, Mendes Pereira e J. Gonçalves,
Mulheres Portuguesas – Divas, Santas e Demónios, música de Alves Coelho.
Vol. II, s.l., Vega – Mutilar, 1994, pp. 194-195; Rui Ramos,
D. Carlos, s.l., Círculo de Leitores, 2006; http://pt.wiki- Bib.: Eduardo Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa,
pedia.org Parceria António Maria Pereira, 1940; Pedro Cabral, Re-
[V. D.] lembrando... Memórias de Teatro, Lisboa, Livraria Po-
pular, 1924, p. 57.
[I. S. A.]
Maria Pinto
Atriz. Nasceu em Viseu e faleceu em Lisboa, a 5
de maio de 1915. Entrou para a Companhia de Maria Pureza
Sousa Bastos e estreou-se no Teatro da Rua dos Filha de Maria Emília da Silva Ferrão Agostinho
Condes, em Tam Tam (1891), revista de Sousa e de José Francisco Agostinho, nasceu em Tábua
Bastos, música de M. de Filipe da Silva, e Fim – Oliveirinha, em 1881. Casada, a residir em Lis-
de Século (1892), do mesmo autor, música de Rio boa, na Rua das Amoreiras n.o 83, 2.o, foi presa
de Carvalho, e noutras peças do repertório do tea- por motivos políticos, a 9 de janeiro de 1931, acu-
tro. Fez parte da companhia do Teatro Carlos Al- sada de “ser agente de ligação do ex-capitão
berto, no Porto, que veio ao Teatro da Avenida re- Nuno [Cerqueira Machado] Cruz [1893-1934], en-
presentar Por Cima e Por Baixo (1903), revista de viando-lhe cartas de outros conspiradores e trans-
Sá de Albergaria e Ferraz Brandão, música de mitindo-lhe ordens e recados”. Libertada a 20 de
F. Symaria, e da companhia do Teatro Águia d’Ou- janeiro do mesmo ano.
ro, do Porto, onde entrou no elenco da revista,
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
em 2 atos, Sabes que Mais?, de Dinis de Melo,
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
Mendes Pereira e J. Guimarães, música de Cruz Mem Martins, 1982, p. 411.
Brás e Alves Coelho. Faleceu no Hospital de [J. E.]
S. José e foi sepultada no Cemitério Oriental.
Bib.: José Leitão Figueiredo, “Figuras da Ribalta”, Mun- Maria Reis
do Teatral, Lisboa, n.o 12, 15/11/1922, p. 1; O Século, Atriz. Em 1905, foi em digressão ao Brasil, in-
07/04/1903 e 06/05/1915, p. 5.
[I. S. A.] tegrada na companhia do Teatro da Rua dos Con-
des e, neste teatro, entrou na revista Fado e Ma-
Maria Pinto Ribeiro xixe (1909), de André Brun e João Foca (Baptista
Conhecida por Maria Pintainha, era das figuras Coelho), música de Luz Júnior. Em 1920, fez o
mais emblemáticas da militância comunista papel de “Maria Manuela” em Demónio, peça
feminina do Barreiro desde os anos 30 do século em 3 atos, de Ramada Curto, no Teatro da Trin-
XX. Presa em 1937, participou no movimento dade.
grevista local de julho de 1943, com destaque Bib. Pedro Cabral, Relembrando... Memórias de Teatro,
para as manifestações do dia 28, que encabeçou. Lisboa, Livraria Popular, 1924, il.
Faleceu depois de 25 de Abril de 1974, man- [I. S. A.]
tendo-se fiel aos seus ideais.
Bib.: José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Bio- Maria Ribeiro de Oliveira Freire
grafia Política, Vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clandes- v. Maria da Graça Freire
tino (1941-1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001; Capi-
tal, 11/07/1974; Avante!, 25/05/1990; Avante!,
13/01/1994. Maria Rita Chiappe Cadet
[J. E.] v. Maria Rita Colaço Chiappe Cadet
699 MAR

Maria Rita Colaço Chiappe glorifica o progresso e deposita no associativis-


v. Maria Rita Colaço Chiappe Cadet mo a esperança na luta pela melhoria das con-
dições de vida dos trabalhadores. Este último poe-
Maria Rita Colaço Chiappe Cadet ma foi lido no Teatro do Ginásio pelo ator José
Poetisa e percursora da literatura infantil. Nas- Carlos Santos, em 1859. A experiência do ensi-
ceu por volta de 1835 e faleceu, em Lisboa, a 5 no fez-lhe sentir a necessidade de escrever para
de dezembro de 1885. Não foram encontradas re- crianças e, sob a forma de poesias, contos e pe-
ferências acerca de familiares, data e local de nas- quenas peças teatrais procurava transmitir os co-
cimento da escritora, supondo alguns biógrafos nhecimentos dos currículos escolares e cívicos.
que era natural do Alentejo. Do percurso pes- Dos contos, destaca-se “A Gramática do Chi-
soal sabe-se que exerceu o magistério primário quinho”, que tem a particularidade de ensinar as
e lecionava francês, língua que dominava e lhe regras da gramática através de situações da vida
permitia familiarizar-se com a poesia de Victor infantil, em pequenos capítulos cujos temas in-
Hugo, Lamartine e outros poetas de quem tra- dicavam o assunto – “Os Verbos”, “Complemento
duziu e imitou poemas. Considerava-se discí- Direto” etc. – , e foram coligidos num tomo a que
pula de António Feliciano de Castilho com quem deu o título de Flores da Infância, de valor e uti-
privou, como se deduz da poesia “Salvé Génio” lidade reconhecidos para uso das escolas. As 11
(1853) [Versos]. Cedo começou a publicar pro- peças teatrais, de que constam as comédias em
dução própria, pois os primeiros versos datam 1 ato “Uma Ideia de Clotilde”, “A Boneca”, “A
de 1850 e Guiomar Torrezão afirma que “co- Mascarada Infantil”, “As Fadas Improvisadas”,
meçou ainda criança” [Meteoros, p. 39]. Em “O Segredo de Gabriela”, “Preguiça e Mentira”,
1854, o Almanaque de Lembranças já a colocava “Os Caprichos de Luisinho”, “O Lanche na
entre “os nomes que honram as páginas deste Quinta”, “A Cegueira Materna”, “A voz da
Almanaque”, ao lado de nomes de senhoras já Consciência” e “O Último Dia de Férias”; os diá-
destacadas na literatura da época. Neste Alma- logos: “Dia de anos da Mamã”, “A Vingança de
naque, colaborou com o nome de Maria Rita Co- Matilde”, e os monólogos “O Primeiro Baile”,
laço Chiappe até 1857 e deve ter casado por es- “Um Dia de Anos”, “Nem Todas as Verdades se
tes anos, pois, a partir de 1858, e até ao fim da Dizem”, “O Segredo de Helena” (em verso),
colaboração, em 1862, assinava com o apelido “Quem Compra Galinhas?”, “À Espera da Pri-
“Cadet”. Residiu no Funchal, ilha da Madeira, minha” e “A Recreação Malograda” (versos), fo-
onde chegou nos finais de 1869, e regressou a ram inseridas na colecção Teatro das Crianças.
Lisboa a 10 de maio de 1870, conforme se de- Colaborou no Almanaque de Lembranças Luso-
duz dos poemas “Um Canto”, datado de 1 de -Brasileiro para 1855, 1857, 1860, 1861 e 1862 e
janeiro de 1870, ao chegar, e “Adeus à Ilha da em quase todos os jornais e revistas em que se pu-
Madeira”, quando partiu. De lá, enviou à Gazeta blicavam poesias. A solidariedade social para que
do Povo um folhetim intitulado “A Missão da apelava nos seus escritos praticava-a cedendo ver-
Mulher (versão do francês)”, produção de qua- sos para publicações para o fim, entre eles A Be-
lidade medíocre e cujo conteúdo remete para a neficência, jornal dedicado à Associação Con-
linha mais conservadora sobre o papel da mu- soladora dos Aflitos (1852-1855), e “Uma Quer-
lher na vida religiosa, no casamento e na ma- messe na Tapada da Ajuda”, promovida pelo jor-
ternidade, evidenciando os deveres de sub- nal As Crianças*.
missão incondicional aos superiores ou mari- Da autora: Hino a Sua Majestade El Rei D. Luís I, com-
do e preconizando a dádiva da vida em situação posto para a sua Aclamação, música de Manuel Inocêncio
limite. Quanto aos homens, fortes, indomáveis Liberato dos Santos poesia de Maria Rita Chiappe Cadet,
e por vezes brutos, tudo se lhes devia perdoar. Lisboa, Sasseti & Ca., [1864]; Versos, Lisboa, Tipografia
Ideias que a autora parecia partilhar. Quando vol- de Castro Irmão, 1870; [traduções] Que amor de Crian-
ça, a partir de Quel Amour d’Enfant!, da condessa de Sé-
tou ao Continente, fixou-se por algum tempo em gur, e A Casa do Saltimbanco, Lisboa, Lallemant Frères,
Portel, donde endereçou muitos dos poemas. 1872; Sorrisos e Lágrimas [c/retrato], poesias, Lisboa, Ti-
Mais tarde, aceitou o lugar de gerente que Ma- pografia Lallemant Frères, 1875; Flores da Infância, con-
dame Maria François Lallemant lhe ofereceu na tos e poesias morais, Lisboa, Lallemant Frères, 1875; Os
contos da Mamã [publicados sob a proteção de Suas Ma-
editora Lallemant et Frères. Em 1870, reuniu os jestades El Rei D. Luís e a Rainha D. Maria Pia], Lisboa,
poemas dispersos por jornais e revistas e publi- Imprensa Lallemant Frères, 1883; O Teatro das Crianças,
cou Versos, entre os quais “O Operário”, em que Lisboa, Lallemant Frères, (1883-1888).
MAR 700

Bib.: Albino Forjaz Sampaio, As melhores páginas da poe- bancário, para ver se denunciava Octávio Pato,
sia feminina, Lisboa, Livraria Popular Francisco Franco, na clandestinidade desde 1945; de seguida, em
1935, p. 175; Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de
Mulheres Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, 1961, calhou a vez a este e a Albina Fernandes,
pp. 183-184; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Por- sua companheira, serem detidos com os dois fi-
tugal. Dicionário Histórico, Corográfico, Biográfico, Bi- lhos pequenos, em Caxias, conhecendo a liber-
bliográfico, Heráldico, Numismático e Artístico, Vol. II, Lis- dade, respetivamente, em 1970 e 1968; e, por úl-
boa, João Romano Torres – Editor, 1906, p. 594; Guiomar timo, em 1973, foi o neto, preso onze meses e um
Torrezão, “Maria Rita Chiappe Cadet”, Meteoros, Lisboa,
Tipografia Cristóvão A. Rodrigues, 1875, pp. 39-46; Ino- dia, que sofreu 10 dias de tortura de sono e es-
cêncio F. da Silva e Brito Aranha, Dicionário Bibliográfi- pancamento, sendo libertado de Peniche a 26 de
co Português, T. XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, abril de 1974. Álvaro Pato, nessa mesma entre-
p. 360; Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro para vista, sublinhou que “a minha avó nunca foi por
1855, por Alexandre Magno de Castilho, Lisboa, Livraria exemplo a um cinema ou a um teatro, nunca as-
Lucas Evangelista, 1854; “Escolas Maternais”, O Jornal dos
Pequeninos, n.o 2, Setúbal, 1907, pp. 1-2. sistiu a uma festa, no entanto percorreu milha-
[I. S. A.] res de quilómetros a andar de cadeia para ca-
deia.” [p. 27].
Maria Rita Mesquita Bib.: António Guerra, “Carta aberta a Octávio Pato”, Diá-
Atriz. Era filha de Josefa Guilhermina de Mes- rio de Lisboa, 24/08/1974; Maria Rodrigues Pato, “A mi-
quita*. Distinguiu-se no velho Teatro da Rua dos nha vida foi um pesadelo”, depoimento a Gina de Frei-
Condes, entre 1829 e 1840. Acompanhou a mãe tas, A Força Ignorada das Companheiras, Lisboa, Plá-
tano Editora, 1975, pp. 27-31.
para o Teatro do Salitre e ali fez o papel de “Uma [J. E.]
mulher” em Torre de Nesle (1837), drama em
5 atos e 9 quadros de Alexandre Dumas, ao lado Maria Rosa Charrua
da mãe e dos atores Epifânio e Carlota Talassi*, Operária, com a 2.a classe, nasceu em Alhandra
e entrou em Os Puritanos de Londres (1838). em 1923 e começou a trabalhar com 11 anos. Par-
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- ticipou na Marcha da Fome ou Marcha do Pão
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 196; realizada em 8 de maio de 1944, em Alhandra,
O Desenjoativo Teatral, Lisboa, n.o 2, 1838. na sequência do movimento grevista desse dia
[I. S. A.]
na região, tendo empunhado, juntamente com
Maria Trigueiros*, uma das célebres bandeiras ne-
Maria Rodrigues Pato gras que atravessou a vila durante o desfile rei-
Casada com João Floriano Baptista Pato, mãe de vindicativo em direção a Vila Franca de Xira,
Abel, Carlos Alberto (1921-26/06/1950) e Octá- onde seria travado. Foi uma das mulheres
vio Floriano Rodrigues Pato (1925-1999), “sogra” alhandrenses presa pela GNR na Praça de Tou-
de Albina Fernandes* (1929-1970) e avó de Ál- ros de Vila Franca de Xira, interrogada pelo PIDE
varo Pato, todos oposicionistas ao Estado Novo Silva Pais, transportada para Lisboa, para a Pra-
e militantes comunistas, nasceu em outubro de ça de Touros do Campo Pequeno e, no dia 11, en-
1900 e foi a mulher que mais tempo caminhou viada para o Forte de Caxias, onde permaneceu
para as prisões fascistas para ver aqueles fami- enclausurada até agosto, sem que tivesse sido
liares, e um sobrinho do marido, de apelido Ta- aberto qualquer processo ou sujeita a julgamento.
vares [António Assunção?], presos, em simul- Ao contrário de Cesaltina das Dores* e Maria Ma-
tâneo, ou de forma continuada, a partir da dé- tos*, suas conterrâneas também presas, duran-
cada de 1940. Em 1974, em conversa com Gina te os três meses de reclusão foi várias vezes in-
de Freitas, contou o que foram “30 anos de so- terrogada, tanto de dia como de noite, encon-
frimento”, entre maio de 1949 e abril desse ano, trando-se separada das outras mulheres de
a partir do momento em que a PIDE prendeu o Alhandra. Antónia Balsinha incluiu o seu nome
filho Carlos, morto em Caxias depois de barba- no estudo pioneiro que fez sobre o papel das mu-
ramente torturado com 130 horas de estátua e lheres de Alhandra na resistência ao fascismo nos
sem lhe prestarem assistência médica, apesar das anos 1940, tendo-a entrevistado via telefone a 15
insistências dos outros presos, tendo guardado de setembro de 2001.
“uns sapatos dele, todos rebentados devido a ter
Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
ficado muito inchado por causa das torturas” sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
[A força ignorada das companheiras, p. 30]. De- sência, 2005.
pois detiveram durante 90 dias Abel, empregado [J. E.]
701 MAR

Maria Rosa Parreira Colaço sar: aquele é um estúpido não aprende. Sempre
Professora, escritora e jornalista, indelevelmen- vim para casa dar voltas ao pensamento para en-
te associada ao livrinho A Criança e a Vida, onde contrar outras maneiras de me entenderem me-
registou os singulares universos poéticos dos seus lhor. Pensava: há-de haver outra maneira. Há sem-
alunos. Maria Rosa Colaço nasceu no Torrão, con- pre outra maneira. Essa procura é o fio condu-
celho de Alcácer do Sal, a 19 de setembro de tor dos dias para alcançarmos o sonho, para der-
1935, e faleceu em Lisboa, a 13 de outubro de rubar as sombras e acender o sol que, um dia,
2004. Filha de Manuel Jacinto Colaço Júnior e de aquecerá todo o frio do mundo”. Os anos 1980
Margarida Parreira, casou com António Lille Del- e 1990 foram de sucesso editorial, o que é indi-
gado Malaquias de Lemos, de quem adotou os cador da recetividade da sua obra. O intimis-
dois últimos nomes. O seu percurso académico mo/tristeza preso a vocábulos concretos e sin-
inclui a frequência da Escola Técnica de Enfer- gulares (Menina de preto / Tão triste! Tão nua!
magem, em Lisboa, e a matrícula na Escola do Ma- / Corpinho de fome / Olhinho de lua), por um
gistério Primário de Évora. Foi aluna do curso de lado, e, por outro, a toada encantatória repercu-
1956-1958 e realizou o exame final de habilita- tida por versos mínimos constituem as linhas
ção profissional a 23 de julho de 1958, obtendo ideotemáticas dos seus poemas infanto-juvenis
16 valores. No seu primeiro ano de estudante na (Debaixo da pedra / Mora um bichinho / De cor-
Escola do Magistério Primário começou a parti- po cinzento / Muito redondinho). Sem desprezar
cipar no periódico escolar dirigido por colegas. o mundo vivencial da criança e sem o projetar
Publicou um texto esclarecedor do título do pró- para uma dimensão gratuitamente fantasiosa, Ma-
prio jornal “O Leme” [O Leme, Ano V, n.o 472, ria Rosa Colaço situa a criança na realidade que
30/11/1956, p. 1] e continuou a colaborar, quer o seu olhar pode ‘poetificar’. Neste período as-
com pequenos textos marcados pela ideologia pe- sumiu o cargo de assessora do Professor António
dagógica da época, quer com poesias de acen- Reis, no Departamento de Textos e Criação Literá-
tuado lirismo juvenil [O Leme, n.o 49, Ano VI, ria da RTP, colaborou na Revista Máxima e em
16/02/1957; n.o 50, 12/04/1957]. Entre 1957 e jornais como A Capital, Diário de Notícias, Diá-
1959 publicou na página “Prisma de Cristal”, rio Popular. Em reconhecimento foram-lhe atri-
coordenada por Casimiro de Brito, do jornal buídos prémios e condecorações: Prémio Reve-
A Voz de Loulé. O primeiro título identificado é lação de Teatro em 1958, com a peça A Outra Mar-
“Remoendo” e questiona a função da religião no gem; Prémio Alice Gomes, Instituído pela As-
mundo [n.o 6, 01/01/1957]. Iniciou atividade do- sociação Portuguesa para a Educação pela Arte,
cente em Cacilhas, pelo que passou a residir em com O Espanta Pardais (1960); Medalha de Ouro
Almada. De imediato se inseriu na vida cultural de Mérito Cultural, concedida pela Câmara Mu-
da vila, com destaque para a tertúlia artística do nicipal de Almada, em 1994; a comenda da Or-
Dragão Vermelho, onde integrou a 1.a Exposição dem da Liberdade com Palma por agraciamen-
de Poesia Ilustrada, realizada em 1960. No iní- to póstumo proposto pelo Presidente da Repú-
cio da década de 1960 foi para Maputo (Mo- blica Dr. Jorge Sampaio. Em 2006 a Câmara Mu-
çambique), onde lecionou e colaborou em pe- nicipal de Almada instituiu o Prémio Literário
riódicos como Notícias da Beira, Notícias de Lou- Maria Rosa Colaço, quer para valorizar, quer para
renço Marques e Voz de Moçambique. Escreveu promover a literatura infanto-juvenil. Em ho-
a pedido de Graça Machel o livro O Continua- menagem toponímica, o nome Maria Rosa Colaço
dor e a Revolução. Poemas, publicado em 1978, foi dado a uma rua do Torrão (7595-146), a uma
um ano depois de retornar a Almada. Sobre o seu outra em Corroios (2855-733) e a um largo em Oei-
perfil pedagógico disse numa entrevista a Luís ras (2780-495). No mesmo registo comemorati-
Souta: “Fui, talvez, uma professora que sobretudo vo é patrona da Escola Básica do 1.o Ciclo com
tentou sempre inovar (sabendo que a inovação Jardim de Infância Maria Rosa Colaço, Almada
é um espinho que fere os sereníssimos tímpanos (2810-104).
dos acomodados). Sempre defendi uma teoria: Da autora: O Espanta-pardais, Lisboa, Sociedade de Ex-
para ser feliz, tenho de me sentir bem no meu tra- pansão Cultural, 1961; [Maria Rosa Colaço (org.)] A Crian-
balho”. Reconhecia-se sobretudo como uma ça e a Vida, Colectânea de Textos Infantis, Lisboa, Edi-
ções ITAU, 1969; Crónicas. O Tempo e a Voz, Lisboa,
professora que se mobilizava com envolvência ITAU, 1971; Sofia e o Caracol, Lisboa, Plátano Editora,
e persistência: “Sempre fui para escola como se 1982; Maria-Tonta como eu, Lisboa, Distri-Editora,
fosse para uma festa. Nunca saí da escola a pen- 1983; Aventuras de João-Flor e Joana-Amor, Lisboa, Plá-
MAR 702

tano Editora, 1985; [Francisco Rasquinho, Maria Rosa Co- no papel de “Rosina bailarina” em Os Diabos na
laço] O Forno da Maria Augusta: Narrativas Escolhidas, Terra, ópera cómica fantástica, adaptação do ori-
Aljustrel, Comissão de Apoio da Biblioteca Municipal
de Aljustrel, 1985; Não só quem nos odeia, Lisboa, Nave, ginal alemão por Acácio Antunes, e música de
1986; Pássaro Branco, Lisboa, Círculo de Leitores / As- Nicolino Milano. No mesmo teatro, fez os papéis
sociação Portuguesa para a Educação pela Arte, 1987; de “Clotilde”, de As Calças do Juíz de Paz, ar-
Aventura com Asas, Porto, Porto Editora, 1989; Gaivo- ranjo de João Soler, com música de Nicolino Mi-
ta, Lisboa, Caminho, 1989; O Mistério da Coisinha Azul,
Lisboa, Plátano Editora, 1989; O Menino e a Estrela, Lis- lano, “Giraldina”, de O Cão do Regimento
boa, Livros Horizonte, 1990; O Coração e o Livro, Por- (1904), opereta em 4 atos, de Decourcelle, “Co-
to, Desabrochar, 1993; Não Quero Ser Grande. Crónicas, rália”, de O Príncipe de Pilsen (1912), opereta
2.a ed., Lisboa, Escritor, 1993; Há outras Mulheres assim, norte-americana, em 3 atos e 5 quadros, de V. de
Lisboa, Escritor, 1994; Versos Diversos para Meninos Tra-
vessos, Odivelas, Europass, 1994; A Palavra Iluminada.
Cottens e P. Weber, tradução de Acácio Antunes,
Poema, Vila Nova de Famalicão, Câmara Municipal VNF, música de G. Luders, e entrou em Avante Fran-
1994; [Carlos Lopes Pires, Maria Rosa Colaço] O amor ceses! (1914), peça patriótica em 2 atos e 5 qua-
tem tantos nomes, Leiria, Editorial Diferença, 1997; Via- dros. Em 1927, cantou “Maria de Paranhos”, em
gem com Homem dentro, Leiria, Editorial Diferença, 1998; Água Pé, revista do Porto.
Ela ainda Mora aqui? Crónicas, Lisboa, Escritor, 1998;
[Maria Rosa Colaço et al.] Um outro Olhar sobre… Cal- Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
das da Rainha, Caldas da Rainha, Biblioteca Câmara Mu- tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 284;
nicipal CR, 2000; Almada. Uma Gaivota no Vento, Al- António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria Bor-
mada, Junta de Freguesia, 2001. dalo Editora, 1912, p. 55; Joaquim Madureira (Braz Bu-
Bib.: Luís Souta, “Escrever é perceber o desalinho das rity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira,
coisas”, A Página de Educação, Ano 11, n.o 112 (2002), Lda. Editores, 1905, p. 479; Vítor Pavão dos Santos, Re-
p. 40; Gente de Letras com Vínculo a Almada, Bio- vista à Portuguesa – Uma História Breve do Teatro de
-bibliografias, Almada, Scala, 2004; Leonel de Oliveira Revista, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 219 e 252;
(coord.), Quem é Quem. Portugueses Célebres, Rio de O Palco, Lisboa, n.o 8, 05/05/1912, p. 115; O Anuncia-
Mouro, Temas e Debates, Actividades Editoriais Lda., dor Ilustrado, 1914.
2009, p. 157. [I. S. A.]
[M. T. S.]
Maria Seabra da Cruz Almeida
Maria Rosa Colaço Atriz que usou o nome artístico de Maria Pia e
v. Maria Rosa Parreira Colaço representou alta comédia, drama e tragédia. Nas-
ceu no Porto, freguesia de Cedofeita, a 23 de ja-
Maria Rosa Simões de Carvalho
neiro ou 22 de junho de 1864, e faleceu em 1940.
Em junho de 1934, estava referenciada pela Po-
Vestia com elegância, era distinta, culta e fazia
lícia de Vigilância e Defesa do Estado como es-
muito bem papéis de senhora de alta linhagem.
tando organizada no Partido Comunista Portu-
Enveredou pela carreira artística por vocação. Ca-
guês, “sendo um dos componentes da célula
sou, no Porto, com Carlos de Almeida que já pa-
n.o 7 do mesmo Partido” [Presos Políticos no Re-
decia de tuberculose da laringe. Estreou-se, no
gime Fascista II, p. 431]. Encontrava-se fugida.
papel de “Sra. de Laversée”, em Cabotinos, co-
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis- média em 4 atos, de Edouard Pailleron, tradu-
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
Mem Martins, 1982, p. 431. ção de Lorjó Tavares, no Teatro da Rua dos Con-
[J. E.] des, a 28 de fevereiro de 1895, então explorado
pela Empresa Lucinda Simões, onde se afirmou
Maria Saavedra como atriz. Em 1897, foi contratada para o Tea-
v. Helena de Sousa Costa Belo Correia tro do Príncipe Real do Porto e, ali, representou
nas comédias em 3 atos Hotel de Livre Câmbio,
Maria Sampaio original de Georges Feydeau, tradução de Car-
v. Maria Elisa Botelho de Andrade Sampaio los de Moura Cabral, e Três Mulheres para um
Casqueiro Ruas Marido, de Grenet-Dancourt, adaptação de Sou-
sa Bastos. A seguir, integrou uma companhia for-
Maria Santos mada por alguns artistas do Teatro D. Maria II
Atriz. Nasceu a 9 de janeiro de 1880. Parece tra- que, nesse verão, percorreu as províncias onde
tar-se da atriz que se estreou, muito cedo, no Por- fez primeiros papéis em Marechala, de Alphonse
to e veio para o Teatro da Trindade, em Lisboa, Lemonnier e Jean-Louis Perricaud, tradução de
com a Companhia Taveira onde iniciou a carreira Eça Leal; João José, drama em 4 atos, de Joaquim
703 MAR

Dicenta, tradução de João Soler, Médico à For- ria Pia era um dos elementos dessa companhia
ça, comédia em 5 atos de Molière, arranjo do vis- que, aliás, resistiu pouco tempo. Entre as peças
conde de Castilho; Bibliotecário, comédia espi- do repertório, estavam Missa Nova, de Bento Fa-
ritualista de Gustav von Moser, tradução de José ria, O Condenado, de Valentim Machado, Os que
António de Freitas; Meter-se a Redentor, comé- Furam, de Emídio Garcia, Às Feras, de Manuel
dia de Echegaray, tradução de Aristides Abran- Laranjeira, Prosa, de Gaston Sandri, Maternidade,
ches. No regresso, entrou como societária do Tea- de Brieux, Pai Natural, de Ernest Depré e Paul
tro da Trindade, Empresa Sousa Bastos, Poser & Charton, As Vítimas, de Fédéric Boutet, A Con-
C.a, onde protagonizou Preciosas Ridículas fissão de Amigo, de Hermann Sudermann,
(1897), comédia de Molière, tradução de Eduar- Uma Falência, de Bjornstjerne Bjornson. Ainda
do Fernandes, e Garoto dos Jornais (1898), em 1905, entrou como societária para o D. Ma-
com muito êxito, fez os papéis de “Carmen de ria II e, em 1918, foi promovida a “primeira dama
Santa Hyriex”, em Os Dois Garotos, drama em central”. Ali, fez Um Amor à Antiga (1906), co-
2 partes e 8 quadros, de Pierre Decourcelle, e Mu- média de Augusto de Castro, Um Marido Ideal
sote, de Guy de Maupassant e Jacques Normand, (1909), de Oscar Wilde, os papéis de “Amélia”,
ambos traduzidos por Guiomar Torrezão, e em O Sol da Meia Noite (1912), peça alemã em
“Leonor”, em A Honra, de Herman Suder- 3 atos, tradução de Freitas Branco, “Mme.
mann. Foi muito aplaudida em Noite e Dia, ope- Chantraine”, em O Adversário, comédia em
reta em 4 atos, tradução de Eduardo Garrido e 4 atos, de Alfred Capus, A Dama das Camélias,
C. Leoni, música de Suppé, na festa artística do drama em 5 atos, de Alexandre Dumas, filho, tra-
diretor de cena Augusto de Melo. Passou para dução de Silva Abranches, e entrou em Repos-
o Teatro D. Amélia, Empresa Rosas & Brazão, teiro Verde e Primeiro Beijo, de Júlio Dantas
onde se evidenciou nas comédias em 3 atos (1915), O Coração Manda, de François Croisset
O Tio Milhões, de H. Haule, tradução de Acácio (1915 e 1917), Veine, de Capus, foi “Teresa Cou-
Antunes, e A Lagartixa, de Georges Feydeau, tra- tinho” na reprise de A Morgadinha de Valflor
dução de Eduardo Garrido (1900). Nesse ano, vol- (1918), drama em 5 atos, original de Pinheiro
tou à província numa companhia organizada pelo Chagas, papel representado por Delfina Espíri-
ator Joaquim de Almeida e foi muito aplaudida to Santo* na estreia da peça no Teatro D. Maria
nos dramas A Pérola, de Marcelino Mesquita, e II, a 3 de abril de 1869, Altar da Pátria (1918),
Saltimbanco, em 4 atos, de António Ennes, en- a partir da peça L’Élevation de Henry Bernstein,
tre outras. No regresso, protagonizou Maridos de tradução de Melo Barreto, Dicky (1924), comé-
Leontina, de Alfred Capus, tradução de Melo Bar- dia de Armont Gerbidon e J. Manoussi, tradução
reto, e A Severa, peça em 4 atos de Júlio Dantas de Alberto Morais, que se manteve dois meses
(1901), foi “Madame Ucelli”, em Semi-Virgens em cartaz. Outras peças do seu repertório: Mar-
(1901), de Marcel Prévost, tradução de Melo Bar- quês de Villemer, comédia em 4 atos, de Geor-
reto, e entrou em Degenerados e Crucificados ge Sand, tradução de Ramalho Ortigão, Médico
(1902), ambas de Júlio Dantas, brilhou nos pa- à Força, comédia em 5 atos, de Molière, arran-
péis de A Parisiense (1902), de Becque, tradu- jo do Visconde de Castilho, Hamlet, tragédia de
ção de Carlos Selvagem, Zá-Zá, peça em 5 atos, Shakespeare, em tradução de José António de
de Pierre Bertou e Charles Simon, traduzida por Freitas, Os Velhos, drama em 4 atos, de D. João
Eduardo Garrido, e Madame Flirt, de P. Gavault da Câmara, O Gaiato de Lisboa, comédia em 2
e G. Berr (1902). No Verão de 1902, fez parte da atos, de Bayard, tradução de João Baptista Fer-
revista A Aranha, escrita por D. João da Câma- reira, A Sociedade onde a Gente se Aborrece,
ra, Júlio Dantas e Henrique Lopes de Mendon- comédia em 3 atos, de Édouard Pailleron, tra-
ça, música de Filipe Duarte. Em 1903, destaca- duzida por Gervásio Lobato, A Estrangeira, de
va-se nos dramas A Cruz da Esmola, em 5 atos, Alexandre Dumas, filho, e Boémia. Em 1923, o
de Eduardo Schwalbach, Ressurreição, em 3 atos Teatro Nacional constituiu uma nova Sociedade
de Tolstoi, adaptado por Bataille, tradução de Car- Artística, em que Maria Pia participou, conti-
los Selvagem, e Amantes, de Donnay. Em 1905, nuando a brilhar em O Regente, drama histórico
António Pinheiro dirigia a Sociedade Teatro Li- em 5 atos, de Marcelino Mesquita, O Crime de
vre, no Ginásio, uma iniciativa que visava a edu- Arronches, de Henrique Lopes de Mendonça, e
cação do público pela arte cénica, levando à cena O Desejo, tradução da peça Amour Défendu de
peças expressamente escolhidas para o fim. Ma- Pierre Wolff, por José Sarmento (20/12/1924). Co-
MAR 704

laborou na Festa dos Retratos a Favor dos Ar- favor da comunidade, sendo uma das primeiras
tistas Inválidos, matiné promovida pela Asso- mulheres a integrar a direção do Hospital Inglês
ciação da Classe dos Trabalhadores de Teatro, no de Lisboa. Colaborou com Mrs. Douglas Bucknall*
Avenida, em benefício dos artistas inválidos, em no projeto da criação do Colégio Inglês de Car-
1923. Aposentou-se, pelo Cofre de Subsídios e cavelos* (St. Julian’s School), estando incluída no
Reformas da Sociedade Artística do Teatro Na- rol dos seus fundadores, e foi membro do pri-
cional Almeida Garrett (D. Maria II). Entrou no meiro conselho escolar. Durante a Segunda
filme A Morgadinha de Valflor (1926), adapta- Guerra Mundial, trabalhou arduamente com
ção da peça de Pinheiro Chagas, por Augusto de Mrs. Ian Campbell, a partir da sede da Cruz Ver-
Melo. Foi para o Brasil. Traduziu, para português, melha Portuguesa, na expedição de encomendas
a comédia em 1 ato, Plaisir de Rompre, de Jules para prisioneiros-de-guerra aliados, detidos na
Renard, com o título Amigos como Dantes, que Alemanha. Quando Lisboa se encheu de refu-
se representou, pela primeira vez, na sua festa giados, de todas as nacionalidades, no início da
artística a 28 de janeiro de 1903. guerra, Maria e o marido desdobraram-se no res-
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- petivo acolhimento e apoio. Pelos serviços pres-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 35; tados durante a Guerra foi condecorada com a Or-
António Pinheiro, Contos Largos, Lisboa, Tip. Costa San- dem do Império Britânico, com o grau de MBE
ches, 1929, p. 65; António Sousa Bastos, Dicionário do (Member of the British Empire). Trabalhou lon-
Teatro Português, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908,
p. 284; Eduardo de Noronha, Reminiscências do Tabla-
gos anos para o Serviço Voluntário Feminino*. En-
do, Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927, p. 8; Esteves viuvou em 1953. Dotada de uma personalidade
Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário serena e íntegra, nas suas casas de Lisboa, Sin-
Histórico, Corográfico, Biográfico, Bibliográfico, Heráldico, tra ou na Quinta da Foja, perto da Figueira da Foz,
Numismático e Artístico, Vol. I, Lisboa, João Romano Tor- era frequente receber com extrema hospitalida-
res, Editor, 1904, pp. 241-242 e 275-276; Grande Enci-
clopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. II, Lisboa/Rio de de e afeto, não só os seus numerosos descendentes
Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda., s.a., p. 62; Joaquim como um vasto número de pessoas amigas de to-
Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer- das as idades e situações.
reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905; J. M. Teixeira de Car-
valho, Teatro e Artistas, Coimbra, Imprensa da Univer- Bib.: Ana Vicente, Arcádia – Notícia de uma Família An-
sidade, 1925, p. 61; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicio- glo-Portuguesa, Lisboa, Gótica, 2006, p. 157, The Anglo-
nário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, -Portuguese News, n.o 1373, 10/07/1986, e n.o 1374,
pp. 221-223, 244-246; Roque da Fonseca, O Teatro, Lis- 24/07/1986.
boa, n.o 1, janeiro, 1918, p. 2, n.o 5, abril, 1918, p. 85, [A. V.]
n.o 7, junho, 1918, p. 112; Revista Teatral, 3.a série, n.o 29,
01/03/1896; A Scena, Lisboa, n.o 38, 22/01/1898; O Anun- Maria Silvério Laborde Nunes
ciador Ilustrado, 1914; “Maria Pia” [c/ retrato], O Sécu- Mestra de bordados da oficina de lavores fe-
lo, 14/05/1915, p. 2; Mundo Teatral, Lisboa, 22/07/1923;
“Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 31/12/1955, mininos da Escola Industrial Marquês de Pom-
16/01/1956 e 20/12/1961, pp. 4 e 5, respetivamente. bal, foi nomeada em 30 de outubro de 1888, com
[I. S. A.] um vencimento de 12$000 réis mensais. Esta
função não a impediu de continuar a lecionar
Maria Shaw Saldanha Ferreira Pinto Stilwell como professora auxiliar na Escola Normal Pri-
Filha de Manuel Saldanha Ferreira Pinto e de mária Feminina de Lisboa. Com a abertura, a 1
Anita Shaw, nasceu em Portugal em 1892, vin- de outubro de 1890, das novas secções de “fa-
do a falecer em 1986. Em 1913, casou com Wil- brico de flores de papel ou pano” e de “lavor em
liam Stilwell na Igreja Dominicana do Corpo San- couro aplicado ao pequeno e grande mobiliário”
to, em Lisboa. Católica muito devota durante toda na oficina da Escola Marquês de Pombal, foi in-
a vida. Tiveram seis filhos e quatro filhas. Os seis cumbida de dirigir os novos trabalhos. Em de-
filhos alistaram-se nas Forças Armadas durante zembro de 1893, por proposta de Luciano Cor-
a Segunda Guerra Mundial, tendo dois deles, Pe- deiro, inspetor das escolas industriais da cir-
ter e Anthony, morrido. O marido esteve com o cunscrição do Sul, Maria Silvério Laborde foi
Exército Britânico em Itália, durante a Primeira autorizada a acumular a regência das secções de
Guerra Mundial, enquanto Maria trabalhou “bordados”, de “florista” e de “trabalhos em cou-
como VAD (Voluntary Aid Detachment) em ro” da oficina de lavores femininos, com um
hospitais militares no Reino Unido. Entre as duas vencimento total de 24$000 réis mensais. Na se-
grandes guerras envolveu-se em muitas tarefas a quência do Decreto de 14/12/1897, que reor-
705 MAR

ganizou o ensino nas escolas industriais e de de- Maria Soares2


senho industrial, passou a auferir, como mes- Atriz. Em 15 de março de 1910 estava no Teatro
tra e em conformidade com a tabela anexa ao re- do Ginásio, onde entrou em Guerra Valente, co-
ferido decreto, um vencimento de 300$000 réis média em 1 ato de Júlio de Meneses, no papel de
anuais. Exerceu a sua atividade nos ensinos in- “Helena”. A 25 de junho de 1920 colaborou na
dustrial e normal primário até 1904. festa infantil comemorativa do 3.o aniversário da
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das Casa dos Filhos dos Soldados, realizada no par-
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- que das suas instalações, na Rua da Cedofeita,
cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- 452-460, no Porto. Nesse evento contracenou com
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Vasco Santana, Maria Luísa de Almeida, Carmen
Sul, Livro de registo do pessoal de Inspecção e das res-
pectivas escolas (1884-1894) e Copiadores de corres-
Osório*, Caetano Reis Matias de Almeida, Es-
pondência expedida (1891-1892; 1893; 1894). Fontes im- meraldo Matos e Reinaldo de Azevedo.
pressas: Francisco da Fonseca Benevides, Relatório Bib.: Alberto de Aguiar, Junta Patriótica do Norte. 1916
sobre as Escolas Industriais e de Desenho Industrial da – 15 Anos de Benemerência – 1931. Relato geral da sua
Circunscrição do Sul. Ano lectivo de 1888-89, Lisboa, obra e da Casa dos Filhos dos Soldados (Assistência aos
Imprensa Nacional, 1889; Idem, Relatório sobre as Es- Órfãos da Grande Guerra), Porto, Emp. Indust. Gráfica
colas Industriais e de Desenho Industrial da Circuns- do Porto, Lda., 1932, p. 74; “Teatro – Foi neste dia…”,
crição do Sul. Ano lectivo de 1890-91, Lisboa, Imprensa O Século, 15/03/1956, p. 4.
Nacional, 1891; Decreto de 14/12/1897, Diário do Go- [I. S. A./N. M.]
verno, n.o 283 de 15 de dezembro de 1897; Anuário Co-
mercial de Portugal, Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lis-
boa, 1895-1910. Maria Sofia Carrejola Pomba do Amaral Guerra
Bib.: Acácio Fernando Sousa, O aparecimento do ensino Farmacêutica, analista e professora. Filha de An-
técnico-profissional em Leiria. Escola Domingos Se- tónio Joaquim Ferreira Pomba e de Guilhermina
queira, Boletim da Escola Secundária de Domingos Se- da Conceição Carrejola Pomba, nasceu a 18 de ju-
queira – edição comemorativa do 1.o Centenário, Leiria,
1988; Teresa Pinto, “Ensino industrial feminino oito- lho de 1906 em São Pedro, Elvas, e cedo partiu
centista”, Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lis- para África. Conhecida pelas atividades comu-
boa, Livros Horizonte, 2005, pp. 311-315; Idem, A For- nistas, antifascistas e anticolonialistas, sobretu-
mação profissional das mulheres no ensino industrial do em Moçambique e na Guiné, onde viveu a
público (1884-1910). Realidades e Representações,
Dissertação de Doutoramento, Lisboa, Universidade Aber-
partir de meados da década de 1930. Na primei-
ta, 2008. ra colónia, em Lourenço Marques, publicou alguns
[T. P.] estudos sobre frutos silvestres e produtos expor-
táveis (chá, sisal, açúcar, algodão), foi analista
Maria Simões no Hospital Miguel Bombarda, lecionou na Escola
v. Maria Olímpia da Cunha Viana Vaz Simões Primária Correia da Silva, onde teve como alu-
Anjos no o poeta, jornalista e ativista moçambicano Rui
Nogar (1932-1993), e aderiu ao Partido Comunista
Maria Soares1 Português, em Lourenço Marques, por intermé-
Atriz. Era filha de Teresa Soares* e irmã de Lu- dio do ferroviário Cassiano Carvalho Caldas
dovina Soares*. Pertencia ao velho Teatro da Rua (1915-2002/2003) [entrevista deste a Dalila Ca-
dos Condes, que fechou, em finais de 1829, quan- brita Mateus, Memórias do Colonialismo e da
do grande parte do elenco foi para o Teatro de Guerra, p. 231]. Manteve naquela cidade mili-
S. Pedro, no Rio de Janeiro, e ali fez parte da Com- tância ativa, colaborou nos jornais Emancipador
panhia de João Caetano, onde trabalhava Adelaide e Itinerário, “publicação mensal de letras, artes,
Amaral*. Juntamente com a irmã, Ludovina ciências e cultura” editada entre 1941 e 1955; par-
Soares, José Evangelista, José Maria do Nasci- ticipou, entre 1947 e 1948, “em várias reuniões
mento e José Guesado, adquiriu um terreno e, na- ligadas à construção de uma estrutura comunista
quela cidade, construíram o Teatro da Praia de local, algumas das quais com o próprio Pedro Soa-
D. Manuel, inaugurado com o drama Misantro- res”, de que parece ter sido uma das dirigentes
pia e Arrependimento, na data do aniversário na- [JPP, vol. 3, pp. 513-514]; e desenvolveu, junta-
talício da princesa D. Francisca, 6.a filha de D. Pe- mente com Noémia de Sousa, atividades no âm-
dro IV e de D. Maria Leopoldina. bito do Movimento dos Jovens Democratas Mo-
Bib.: Henrique Marinho, O Teatro Brasileiro, Paris/Rio
çambicanos, versão local do MUDJ da metrópo-
de Janeiro, H. Garnier, Livreiro-Editor, 1904. le, integrando a direção. Em 1949, tornou-se na
[I. S. A.] primeira mulher branca a ser presa e deportada
MAR 706

para a metrópole: apresentada na PIDE em 23 de Crónica de Libertação, evoca os contactos que


novembro de 1949, “para averiguações de orga- manteve com esta “deportada para a Guiné, com
nização comunista” [Presos políticos no regime a indicação de se tratar de um elemento altamente
fascista V, p. 105], ficou detida em Caxias até perigoso” [LC, p. 39] e que, “embora vigiada pela
4 de julho de 1950, quando foi libertada por ordem polícia política, cujo chefe veio morar mesmo em
do Tribunal Plenário de Lisboa, por ter sido ab- frente da sua casa, retomou na primeira oportu-
solvida. Segundo Ana Barradas, obrigada a es- nidade as suas atividades políticas” [idem]. Re-
colher residência fora do país, partiu para Cabo lacionou-se com Amílcar Cabral, Aristides Pereira,
Verde, “onde se junta ao marido, que entretan- Fernando Fortes, Luís Cabral, a quem deu lições
to pedira transferência como funcionário públi- de Inglês do 7.o ano do liceu, e muitos outros e,
co” [Ana Barradas, p. 188], e seguiu depois para “apesar da posterior separação da atividade an-
a Guiné, onde publicou um artigo sobre o amen- ticolonialista do movimento geral antifascista, a
doim e palmeira do azeite, enquanto pilares eco- dr.a Sofia Pomba Guerra continuou, como no pas-
nómicos da região, veio a ser proprietária da Far- sado, a ser a amiga e conselheira de cada um de
mácia Lisboa e ensinou Inglês no Liceu de Bis- nós” [idem]. É de notar que o rótulo de dester-
sau. Mais uma vez, procurou reatar a atividade rada política antifascista e comunista acompa-
política, juntamente com Fausto Teixeira e o mé- nhou-a por todos os locais por onde passou e nun-
dico Gumercindo de Oliveira Correia: Pacheco ca tal a impediu de intervir politicamente e de
Pereira refere que Sofia Pomba Guerra era vigiada se manter fiel às suas ideias. Morreu antes da in-
pela PIDE, que sabia que a farmacêutica recebia dependência, no início da década de 1970, ten-
e fazia circular revistas comunistas francesas e do Luís Cabral reencontrado em Portugal o ma-
panfletos portugueses, procurando mesmo or- rido, o dr. Guerra, “que parecia estar sempre mui-
ganizar células comunistas nos meios operários to distante das atividades da esposa, [mas] era um
[JPP, Vol. 3, pp. 529-530]. No entanto, onde a sua grande patriota e democrata português que en-
atuação mereceu destaque e obteve reconheci- corajava e apoiava essa atividade” [idem], com
mento foi junto do embrionário nacionalismo in- a filha mais nova, Tafia.
dependentista, patente nas referências elogiosas
Da autora: Dois anos em África, Ed. do Autor, 1935; “Fru-
que muitos dos dirigentes guineenses fazem ao ta de Moçambique”, Moçambique: documentário tri-
seu papel anticolonialista, nomeadamente no au- mestral, n.o 7, 1936, p. 51-101; “Alguns frutos silvestres
xílio à organização clandestina de reuniões, na de Moçambique”, Moçambique: Documentário trimestral,
prestação de informações relevantes sobre prisões n.o 14, junho, 1938; “Alguns produtos exportáveis de Mo-
çambique e os seus mercados externos”, Moçambique: Do-
iminentes, como a de Carlos Correia, e na pre- cumentário trimestral, n.o 18, junho, 1939; “O problema
paração de fugas, como a de Luís Cabral. Esteve dos trabalhos domésticos”, Boletim da Sociedade de Es-
associada, em janeiro de 1959, à fundação do Mo- tudos da Colónia de Moçambique [Lourenço Marques],
vimento de Libertação da Guiné, trabalhando na Ano XVIII, n.o 59, outubro-dezembro de 1948, pp. 5-23;
sua farmácia Epifânio Souto Amado e Osvaldo “Amendoim e palmeira do azeite: pilares económicos da
Guiné Portuguesa”, Boletim cultural da Guiné Portuguesa,
Vieira, que seria um dos principais combatentes vol. 7, n.o 25, janeiro, 1952, p. 9-83; Parapsicologia – No-
do PAIGC, morto em 1974, tendo o Aeroporto In- vos Aspectos de Velhos Enigmas [Antologia compilada
ternacional da Guiné-Bissau o seu nome. Signi- e organizada por MSPG], Lisboa, Ed. Portugália, 1971.
ficativamente, Amílcar Cabral (1924-20/01/1973), Bib.: Amílcar Cabral, Alguns Princípios do Partido, Lis-
com quem Sofia conviveu na década de 1960, no boa, Seara Nova, 1974, pp. 21-22; Ana Barradas, “Sofia
Pomba Guerra”, Dicionário Incompleto de Mulheres Re-
discurso pronunciado num seminário de quadros beldes, Lisboa, Edições Antígona, 1998, p. 188; Basil Da-
do PAIGC, efetuado entre 19 e 24 de novembro vidson, The Fortunate Isles – A Study in African Trans-
de 1969, referiu-se à contribuição de dois bran- formation, Africa World Press, 1989; Comissão do Livro
cos na fuga de Luís Cabral (10/04/1931-) da ca- Negro Sobre o Regime Fascista, Presos políticos no re-
pital guineense, afirmando explicitamente que gime fascista V – 1949-1951, 1987, p. 105; Dalila Cabrita
Mateus, A Luta pela Independência – A Formação das
“uma pessoa que teve influência no trabalho do Elites Fundadoras da FRELIMO, MPLA e PAIGC, Edito-
nosso Partido em Bissau, foi uma portuguesa. Só rial Inquérito, 1999; Dalila Cabrita Mateus, Memórias do
quem não está no Partido é que não sabe isso. Ao Colonialismo e da Guerra [entrevistas a Cassiano Caldas
Osvaldo, a primeira pessoa que lhe ensinou coi- e José Henriques Arandes], Edições ASA, 2006, pp. 229-
-242 e pp. 401-408]; José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal
sas para a luta, foi ela, não fui eu. Eu não conhecia – Uma Biografia Política, vol. 3 – O Prisioneiro (1949-
o Osvaldo” [AC, Alguns Princípios do Partido, -1960), Lisboa, Temas e Debates, 2005; Leopoldo Amado,
pp. 21-22]. Posteriormente, Luís Cabral, na sua “Simbólica de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-
707 MAR

-Bissau”, fevereiro de 2005, http//www.didinho.org/sim- pel de “velha governanta” em A Princesa dos Dó-
bolicadedepindjiguiti.htm; Luís Cabral, Crónica da Li- lares (1918), opereta alemã em 3 atos, de A. M.
bertação, Lisboa, O Jornal, 1984; Luís Cabral, “Prender
Spínola”, A Guerra em África [dir. de José Freire Antu- Wilner e Fritz Gambaum, tradução de Ernesto Ro-
nes], Círculo de Leitores, 1995, Vol. I, p. 533: Mário de drigues e Félix Bermudes, com música de Leo
Andrade, Amílcar Cabral ensayo de biografia política, Fall, e representou Mercado de Donzelas, de Bro-
Siglo XXI, 1981 [p. 51, nota 6]; Pires Laranjeira, Litera- dy e F. Martos, tradução de Francisco Palmeirim
turas Africanas de Expressão Portuguesa, p. 260; “Rui e R. Barros. Em 1922, fazia parte da Companhia
Nogar”, Dicionário Cronológico de Autores Portugueses,
Vol. VI, Lisboa, 1999. Armando de Vasconcelos Lda., no Teatro S. Luís.
[J. E.] A companhia ofereceu-lhe uma festa artística, a
11 de maio de 1922, com a opereta A Boneca, em
Maria Sofia dos Santos Gomes que representou um papel cómico-modelo. Em
Atriz que usou os nomes artísticos de Sofia Go- 1923, J. Laranjeira chamou-lhe “imperatriz das
mes e Sofia Santos. Nasceu em Lisboa, a 31 de características”. Entrou na farsa em 3 atos Ó Cos-
agosto de 1869, e faleceu, na mesma cidade, a 21 ta vai-te Matar (1933), adaptação de Alberto Bar-
de maio de 1945. Filha da atriz Maria do Céu e bosa e Vasco Santana, música de Raul Portela. Fez
Silva Santos* e de Manuel Domingues dos San- digressões pelas províncias, Brasil e Espanha. In-
tos, escritor que foi administrador do concelho tegrou elencos de filmes, dos quais lembramos
de Castelo Branco, e irmã das atrizes Clementi- os mais conhecidos: A Castelã das Berlengas,
na Santos* e Juliana Santos*, casou com o maes- Canção de Lisboa, Pai Tirano, Amor de Perdição
tro Luís Gomes. Começou a representar aos 16 e Violino do João.
anos, em Beja, com um pequeno papel, e estreou- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
-se, como atriz, no Teatro dos Recreios em 1885 res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1178;
ou 1886, em Maridos que Choram, tradução de J. Laranjeira, Mundo Teatral, Lisboa, n.o 30, 31/03/1923,
Maximiliano de Azevedo da comédia Maris qui p. 2; Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de Tea-
tro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 490;
Pleurent. Atuou em todos os géneros teatrais. No Fernando Peixoto, “Portugal no Século XIX”, História do
Teatro dos Recreios, foi “dama secundária” na es- Teatro Europeu, Lisboa, Edições Sílabo, 2006, pp. 239-
treia de Lili (1887), tradução de Gervásio Loba- -264; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
to e Urbano de Castro, música de Rio de Carva- Vol. XXVII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia,
lho, e entrou em O Arlequim, drama a partir de Lda., s.a., p. 382; Roque da Fonseca, O Teatro, n.o 1, janeiro,
1918, p. 8, n.o 2, fevereiro, 1918, p. 29, e n.o 5, abril, 1918,
L’Homme Rouge, de Victor Hugo. Entrou em p. 89; Vítor Pavão dos Santos, A Trindade e o S. Luiz, gran-
O Comissário de Polícia (1890), comédia em 3 atos, dezas e decadência de dois teatros do Chiado, Lisboa, se-
original de Gervásio Lobato, foi “Augusta Mai- parata da Revista Povos e Culturas, n.o 3, Universidade
feld” em Casados Solteiros, comédia em 3 atos, Católica Portuguesa, 1988, pp. 569-581; Revista Teatral,
3.a série, n.o 28, 15/02/1896; Álbum de Honor, Lisboa,
adaptada do alemão por Xavier Marques, ambas n.o 62, 10/07/1898; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
no Teatro do Ginásio, “Adélia” em O Perfume, 27/01/1952, 10/01/1956, p. 4, e 17/04/1956, p. 8.
comédia moral em 3 atos, de Ernest Blum e Raoul [I. S. A.]
Toché, tradução de Pedro de Moura Cabral e João
Costa (Rua dos Condes, 1896), “Elsa” em A Bis- Maria Stella Bicker Correia Ribeiro Piteira
bilhoteira, comédia em 3 atos de Eduardo Santos
Schwalbach (Ginásio, 1900). Em 1913, estava no Filha de Maria do Carmo Bicker, algarvia, e de
elenco da Companhia Gomes & Grijó, no Teatro um médico militar que participou no 5 de Ou-
Sá da Bandeira do Porto, onde figurava entre as tubro de 1910, nasceu em 1 de junho de 1917,
primeiras cantoras na estreia da opereta Solda- quando o pai estava na Flandres, na sequência
do de Chocolate, de Rudolf Bernaner e Leopold da participação de Portugal na Primeira Guerra
Jacobson, tradução de Nascimento Correia, mú- Mundial, e faleceu a 22 de janeiro de 2009, com
sica de Óscar Strauss. Voltou ao Teatro do Ginásio, 91 anos. O percurso escolar, segundo Vanda Gor-
em 1918, na companhia de opereta Palmira Bas- jão, contemplou aprendizagens em casa e a fre-
tos-José Ricardo, na estreia de Sonho de Valsa, quência da Escola Alemã, durante três anos, de
de Luís Teixeira. Foi para o Teatro da Avenida, onde saiu para o Colégio das Doroteias em Sin-
onde entrou em Viúva Alegre (1918), opereta em tra; só depois de casada, já com dois filhos, é que
3 atos, com música de Franz Lehar, numa pe- concluiu o 7.o ano. Aos dezassete anos, ao ca-
quena rábula da opereta em 3 atos Adeus Moci- sar-se com o comunista Inácio Fiadeiro, em de-
dade (1918), ao lado de Palmira Bastos*, fez o pa- zembro de 1934, iniciou-se nas atividades po-
MAR 708

líticas de combate ao salazarismo. Foi ativista mos politicamente e vivermos em ambientes fe-
da Associação Feminina Portuguesa para a chados, em que temos de trabalhar com todos
Paz* e, em 1938, participou, juntamente com o os que lá estão” [Gina de Freitas, p. 146]. A casa
marido e outros militantes do Partido Comu- da Amadora foi, durante o salazarismo, local de
nista, na organização da fuga de Francisco de apoio e de refúgio de amigos em situação difí-
Paula Oliveira (1908-1993) da Prisão do Alju- cil, o que é testemunhado por Luzia Campino*
be, que se concretizou a 23 de maio. Durante al- e Maria Branco no livro de homenagem a Fer-
gum tempo, até partir em junho para França, o nando Piteira Santos organizado e coordenado
principal dirigente do PCP da segunda metade por Maria Antónia Fiadeiro. Contemporânea de
da década de 1930 viveu escondido em casas da Álvaro Cunhal, com quem conviveu em mo-
família Fiadeiro, sob os cuidados de Stella Bi- mentos difíceis da luta contra a ditadura, pres-
cker Fiadeiro, então grávida do filho António, tou diversas informações a Pacheco Pereira so-
nascido nesse mesmo ano e afilhado de Álva- bre o seu relacionamento familiar, atividades en-
ro Cunhal. Participou, com muitos outros jovens quanto aluno da Faculdade de Direito de Lis-
intelectuais, nos passeios de barco pelo rio Tejo, boa e intervenção política e cultural na década
de características marcadamente culturais e po- de 1930 e inícios da de 1940. A par da sua lon-
líticas, realizados nos anos de transição da dé- ga, intensa, coerente e corajosa militância an-
cada de 1930 para a de 1940; militou no Con- tifascista, sendo uma das associadas da União
selho Nacional das Mulheres Portuguesas dos Resistentes Antifascistas Portugueses
quando dirigido por Maria Lamas e engrossou, (URAP) e do movimento cívico Não Apaguem
finda a Segunda Guerra Mundial, a enorme cor- a Memória, Stella Piteira Santos empenhou-
rente gerada em torno do Movimento de Uni- se na defesa dos direitos universais das mu-
dade Democrática (MUD). Juntamente com Fer- lheres. Foi agraciada com a Ordem da Liberdade
nando Piteira Santos (23/01/1918-28/09/1992), pelo Presidente da República Jorge Sampaio. Em
companheiro das lutas estudantis e padrinho da 1999, Ângela Caires publicou no jornal Expresso
filha, Maria Antónia Fiadeiro, com quem casou uma pormenorizada entrevista a Stella Piteira
em 1948, marcou presença no julgamento de Ál- Santos, então com 82 anos, e a filha, Maria An-
varo Cunhal no Tribunal da Boa Hora a 2 e 9 de tónia Fiadeiro, dedicou-lhe um emocionado dis-
maio de 1950, onde terá chegado a falar com ele curso quando perfez 90 anos, divulgado no bo-
antes do início da primeira sessão, e visitou-o letim da Associação 25 de Abril (2007).
sozinha na Penitenciária de Lisboa, após várias Da autora: “A vida do exilado é muito difícil”, depoi-
diligências. Foi, durante 44 anos, companhei- mento de Estela Piteira Santos a Gina de Freitas, A For-
ra de ideais e de lutas políticas de Piteira San- ça Ignorada das Companheiras, Lisboa, Plátano Edito-
ra, 1975, pp. 143-147.
tos, vivendo com ele incontáveis episódios de Bib.: Ângela Caires, “Uma mulher de coragem”, Expres-
resistência política, incluindo os quase 13 so, 31/07/1999; António Mota Redol, “A história do cei-
anos de exílio na Argélia. Novamente presa pela feiro rebelde. Uma biografia de Alves Redol”, Alves Re-
PIDE em 15 de fevereiro de 1962, na sequência dol – Horizonte revelado, Câmara Municipal de Vila Fran-
ca de Xira, Museu do Neo-Realismo, Assírio & Alvim,
do Golpe de Beja em que o marido tomara par- 2011, pp. 242-310; Fernando Piteira Santos, Português,
te ativa, foi interrogada, submetida à tortura da Cidadão do Século XX [org. e coord. de Maria Antónia
“estátua” e enviada para o Forte de Caxias. Li- Fiadeiro], Porto, Campo das Letras, 2003; José Pacheco
bertada sob caução em abril, logo que teve opor- Pereira, Álvaro Cunhal – Uma Biografia Política, vol. 1
tunidade saiu clandestinamente do país, juntou- – “Daniel”, o Jovem Revolucionário (1913-1941), Lisboa,
Temas e Debates, 1999; Idem, Álvaro Cunhal – Uma Bio-
se ao marido em Paris, participou na fundação grafia Política, vol. 2 – “Duarte”, o Dirigente Clandesti-
da Frente Patriótica de Libertação Nacional, tor- no (1941-1949), Lisboa, Temas e Debates, 2001; Idem, Ál-
nando-se na primeira locutora da Rádio Voz da varo Cunhal – Uma Biografia Política – O Prisioneiro
Liberdade, em Argel, e só regressou a Portugal (1949-1960), vol. 3, Lisboa, Temas e Debates, 2005;
Idem, “Em memória da Stella”, Público, 24/01/2009,
na sequência do 25 de Abril de 1974. Então, em p. 39; Lúcia Serralheiro, Mulheres em Grupo Contra a Cor-
entrevista a Gina de Freitas, confessou que “a rente [Associação Feminina Portuguesa para a Paz (1935-
vida de exilado é muito difícil e sob muitos as- 1952)], Rio Tinto, Evolua Edições, 2011; Manuela Tava-
petos. Aspeto moral, aspeto financeiro” e “por- res, Feminismos: Percursos e Desafios (1947-2007), Tex-
to, 2011; Maria Antónia Fiadeiro, Referencial, n.o 86, ja-
que é muito diferente vivermos em Portugal, vi- neiro-junho, 2007, pp. 10-12; São José Almeida, “Morreu
ver na nossa terra, onde podemos escolher os Stela Piteira Santos, a voz feminina da rádio Argélia”, Pú-
nossos amigos, as pessoas com quem trabalha- blico, 24/01/2009; Vanda Gorjão, Mulheres em tempos
709 MAR

sombrios. Oposição feminina ao Estado Novo, Lisboa, Im- terrâneos realizaram em Angra do Heroísmo no
prensa de Ciências Sociais, 2002, pp. 241 e 244. ano de1992 (4 de setembro) uma corrida de tou-
[J. E.]
ros a favor da primeira estudante de Medicina da
ilha da Terceira. À solidariedade do seu povo res-
Maria Teodora Pimentel pondeu Teodora Pimentel terminado o curso, fi-
Natural de Angra do Heroísmo, nasceu a 11 de se- xando-se em Angra e aí exercendo a Medicina
tembro de 1865. Ingressou na Escola Politécnica duma forma que a tornou conhecida para a pos-
de Lisboa em 1887, conjuntamente com Emília teridade como a “médica dos pobres” [Sousa,
Cândida da Silva Patacho. Realizados os estudos 2004], assim como ao legar-lhes o único bem que
naquela escola, que constituíam requisito para o possuía, a sua residência, para ser aí fundado o
ingresso na Escola Médico-Cirúrgica, transitou Albergue Distrital. Incansável prestadora de cui-
para esta última escola, vindo a terminar o Cur- dados primários, tornou-se, ainda, a primeira mu-
so de Medicina em 1896. Integrando o grupo das lher a ocupar nos Açores um lugar na adminis-
mulheres pioneiras no exercício da Medicina, ela tração pública da saúde, ao ser nomeada subde-
foi a primeira açoriana a tornar-se médica. O per- legada de saúde de Angra do Heroísmo.
curso por si trilhado, para ingressar no ensino su-
perior, revela como o exercício do magistério pri- Mss.: ANTT, Ministério do Reino, Mç. 3768.
Bib.: A. L. Campos, Memória da Visita Régia à Ilha Ter-
mário constituiu, para muitas mulheres, uma ofer- ceira, Angra do Heroísmo, Imprensa Municipal, 1903;
ta de trabalho que, a par de lhes garantir um meio C. Santos, A mulher e a Universidade do Porto. A propósi-
de subsistência, se afigurou uma possibilidade de to do centenário da formatura das primeiras médicas por-
poderem prosseguir os seus estudos. Órfã de um tuguesas, Porto, Universidade do Porto, 1991; P. S. Sou-
sargento do exército, Manuel Quaresma Pimen- sa, “Burguesia, classes média e elites sociais nos Açores
(1850-1910). Um estudo de caso sobre o distrito de An-
tel, desde cedo se viu na condição de garantir o gra do Heroísmo”, Penélope, n.os 30-31, 2004, pp. 135-159.
seu sustento e o de sua mãe. Assim, antes de vir [M. J. R. /A. C. O.]
para a capital estudar Medicina, habilitou-se com
o Exame para o magistério primário elementar e Maria Teresa Baptista Gomes de Almeida
complementar e foi professora, não só de instrução Atriz que se distinguiu no teatro de revista. Nas-
primária, como ensinou disciplinas de ensino se- ceu em Lisboa, a 26 de novembro de 1882, e fa-
cundário em sua casa. Ignoramos se na cidade de leceu, na mesma cidade, a 13 de novembro de
Lisboa recorreu ao estratagema das lições parti- 1962. Casou com Álvaro de Almeida (1888-1945),
culares para se conseguir manter a estudar, o que ator do Teatro da Trindade, então na Companhia
nos parece plausível ter acontecido se for tido em Afonso Taveira, onde Teresa ingressou pouco de-
conta que figura entre as candidatas à docência pois do casamento. A vocação teatral da atriz ter-
do ensino secundário feminino, na sequência da -se-ia revelado a bordo de um paquete no regresso
regulamentação desta modalidade de ensino, ocor- de uma viagem ao Brasil, quando confraternizava
rida a 10 de março de 1890. Assim, Maria Teodora com os atores daquela companhia que vinham
requereu, em 14 de março de 1890, um lugar de de uma digressão àquele país. Ali conheceu, tam-
professora de Ciências Naturais, ou qualquer ou- bém, Álvaro de Almeida. Iniciou a carreira
tra disciplina para que a considerassem habilitada, como corista no Teatro da Trindade, em 1911, em
no estabelecimento de ensino a criar em Lisboa, A Musa dos Estudantes, ópera cómica, em 3 atos
alegando possuir o Curso dos Liceus e estar ha- e 5 quadros, original de Cunha e Costa e Machado
bilitada com o Exame para o Magistério elemen- Correia, música de Del Negro. Ficou naquele tea-
tar e complementar, ter realizado as disciplinas tro durante oito anos e percorreu outros teatros,
de Física, Química Mineral e Orgânica e Análi- trabalhando ao lado do marido. Em 1918, numa
se Química da Escola Politécnica de Lisboa. Con- revista encenada expressamente para a festa das
tudo, esta hipótese de trabalho viu-se lograda, dada coristas daquele teatro, salientou-se no papel de
a fundação dos estabelecimentos de ensino se- “comadre Zefa” e foi uma revelação como atriz
cundário feminino, prevista ocorrer em Lisboa, cómica. Passou, então, a integrar elencos de re-
Coimbra e Porto, não ter acontecido. Sabemos que vistas, estreando-se, no Teatro S. Luís, no papel
as dificuldades financeiras para se manter a es- de “Ralacice” em O Pé de Meia (1919), de
tudar persistiram, certamente elas são uma das ra- Eduardo Schwalbach, música de Alves Coelho.
zões que contribuíram para que terminasse o cur- O êxito alcançado permitiu-lhe representar em
so mais tarde do que o expectável. Os seus con- comédias, operetas e no cinema. Era uma atriz
MAR 710

com muitas valências, pois cantava couplets, fa- A Traição do Lulu, ao lado de Costinha, a que se
dos, era exímia a imitar as danças em moda, em seguiram êxitos em Belezas de Hortaliça (1942),
geral apresentadas por atrizes estrangeiras que ca- de Fernando Santos, Almeida Amaral, Louren-
ricaturava na perfeição. Na sua carreira de qua- ço Rodrigues e António Botto, música de Jaime
se quarenta anos, salientam-se: A Massaroca Mendes e João Nobre, Larilolé (1942), De Fora dos
(1925), comédia de Pedro Muñoz Seca e Pedro Eixos (1943), de Fernando Santos, Aníbal Nazaré
Perez, ao lado de Nascimento Fernandes; as re- e António Cruz, música de Jaime Mendes e João
vistas A Cidade Onde a Gente se Aborrece, de An- Nobre, em que entrou, com o marido, no “qua-
dré Brun, música de Nicolino Milano e Alves Coe- dro dos mexericos”, O Jogo do Diabo (1944), de
lho (Eden Teatro, 1925), O Bruxo da Arrábida, Ramada Curto e Luís Oliveira Guimarães, música
adaptação de Felix Bermudes e João Bastos, de Frederico Valério, em que fez o papel de
Olarila de “Troianos” (L. Galhardo, A. Barbosa, “A Liberata”, A Patuscada (1945), de Rosa Mateus,
X. de Magalhães e L. Rodrigues), música de Raul talvez a última vez que representou ao lado do
Portela e A. Lopes, cantando o fado (Maria Vitória, marido, e A Vitória, de Fernando Santos, Almeida
1926), foi “La Bóia” e dançou em Fox-Trot, de Amaral e Lourenço Rodrigues, música de Jaime
“Uns e Outros” (L. Ferreira, P. Coelho, G. de Ma- Mendes e João Nobre (Maria Vitória, 1945). Ál-
tos Sequeira, Alberto Barbosa, X. de Magalhães varo de Almeida faleceu em 1945 e, depois do
e A. Carneiro), música de Raul Portela e Hugo Vi- luto, Teresa Gomes reapareceu no Teatro Maria
dal (Eden, 1926), O Ri-Có-Có, de Lino Ferreira, Vitória onde fez “Maria da Fonte Santa” e “An-
Silva Tavares e Lopo Lauer, música de Ramon Tor- jinho”, duas rábulas de Travessa da Espera
ralba e Vasco de Macedo (Maria Vitória, 1929), (1946), de Vasco de Matos Sequeira e António
A Bola, de Alberto Barbosa e José Galhardo, mú- Cruz, música de Raul Ferrão, Jaime Mendes e João
sica de Venceslau Pinto, Alves Coelho e Raul Por- Nobre, As Canções Unidas (1946), de Lourenço
tela (Avenida, 1930), e provocou gargalhadas em Rodrigues e António Cruz, música dos compo-
Greve de Amor, fantasia de Lourenço Rodrigues, sitores acima citados, Ó Ai Ó Linda (1947), de Fer-
Xavier de Magalhães e Álvaro Leal (Avenida, nando Santos, Almeida Amaral e Lourenço Ro-
1932); cantou e dançou nas revistas Sape Gato, drigues, música de Raul Ferrão e João Nobre, Tico-
de Lino Ferreira, Fernando Santos e Amadeu do -Tico (1948), de António Cruz, música de Raul Fer-
Vale, música de Raul Portela e Raul Ferrão (Ma- rão, Jaime Mendes e João Nobre, e satirizou as no-
ria Vitória, 1932), e Feira da Alegria, de Lino Fer- vas cantadeiras de fado no papel de “Júlia fadista”,
reira, Fernando Santos e Amadeu do Vale, mú- em O Pirata da Perna de Pau (1948), de Silva Bas-
sica de Raul Ferrão, Raul Portela e Hugo Vidal tos, música de Raul Ferrão, Jaime Mendes e João
(Avenida, 1933), e Fogo de Vistas, de Pereira Coe- Nobre. Passou pelo Teatro da Avenida, onde can-
lho, João de Vasconcelos e Sá, música de Ven- tou “as cartolinhas” em Ela Aí Está! (1949), de
ceslau Pinto e Raul Ferrão (Avenida, 1933); José Galhardo, Fernando Santos, Almeida Ama-
cantou o “fado Abexim”, em Anima-te Zé, de Ál- ral e Fernando Ávila, música de Raul Ferrão e Fre-
varo Santos, Carlos Alberto e Frederico Valério, derico Valério, e foi ao Teatro Monumental fazer
música deste último, Afonso Correia Leite e Fer- Lisboa Nova (1952), de Fernando Santos e Al-
nando de Carvalho (Maria Vitória, 1935). Esteve meida Amaral, música de Frederico Valério. Re-
uma época no Teatro das Variedades, no elenco gressou ao Teatro Maria Vitória e, ali, continuou
da revista O Liró (1937), de Lino Ferreira, Fer- muito aplaudida em Cantigas Ó Rosa (1953), de
nando Santos, Foyos Teixeira e Xavier de Ma- Novos e Velhos, música de Fernando de Carva-
galhães, música de Jaime Mendes e Fernando Gui- lho, João Nobre e Melo Júnior, Saias Curtas (1953),
marães, e passou para o Teatro Apolo, onde foi de Amadeu do Vale, Carlos Lopes e Rui Martins,
muito aplaudida em Dança da Luta (1938), de música de Fernando Carvalho e Tavares Belo, no
Três Abexins, música de Vasco Macedo, Raul Fer- hilariante papel de “professora de educação de
rão e Jaime Mendes, Toma Lá Cerejas (1940), de adultos”, Como é o Tempero? (1954), nas rábu-
Fernando Santos e Lourenço Rodrigues, música las “as canastronas” e “Vóvó”, e Cala o Bico!
de Vasco Macedo e Jaime Mendes, e Manda Ven- (1954), de Amadeu do Vale, Aníbal Nazaré e Car-
tarolas (1941). Voltou ao Teatro da Avenida, onde los Lopes, música de Fernando de Carvalho, João
dançou o tango e cantou em dueto com Car- Nobre e Tavares Belo, na “gralha tipógrafa”. Nos
mencita Aubert, em O Jogo da Laranjinha (1941), anos seguintes, foi ao Coliseu dos Recreios fazer
entrou no quadro “confusão dos sexos”, em Cidade Maravilhosa (1955), de Amadeu do
711 MAR

Vale, Aníbal Nazaré, António Cruz e Rui Martins, Maria Teresa Garcez Palha Moniz Pereira Di-
música de João Nobre, Carlos Dias, Tavares nis Sampaio [Themudo Barata]
Belo e Ferrer Trindade, e ao Teatro ABC de Lis- De seu nome completo Maria Teresa Garcez Pa-
boa, para o elenco de Já vai Aí? (1956). De novo lha Moniz Pereira Dinis Sampaio (Themudo Ba-
no Teatro Maria Vitória, entrou em O Reboliço rata pelo casamento com Júlio Freire Themudo
(1956), textos de Amadeu do Vale, Aníbal Nazaré Barata a 9 de maio de 1942) nasceu em Lisboa,
e Rui Martins, música de Jaime Mendes, Carlos na freguesia de Santa Isabel, onde foi baptizada,
Dias e Tavares Belo, Curvas Perigosas (1957), de em 24 de outubro de 1915. Veio a falecer no Hos-
Amadeu do Vale, Rui Martins e Rui Almeida, mú- pital de Santa Cruz, em Carnaxide, em 13 de mar-
sica dos mesmos compositores. O seu último êxi- ço de 1989. Foram seus pais Augusto Cordeiro
to teatral foi aos setenta e sete anos, na revista En- Dinis Sampaio, oficial de engenharia professor
costa a Cabecinha no Meu Ombro e Chora na Academia Militar, Diretor da Arma de Enge-
(1959) cuja canção, do mesmo nome, a tornou nharia, e Adelaide Francisca Mourão Garcez Pa-
inesquecível. No cinema, criou os papéis de “Tia lha Moniz Pereira Dinis Sampaio. Desde crian-
Maria de Trás-os-Montes”, em Canção de Lisboa ça, manifestou extraordinária vocação para a mú-
(1933), de Cottinelli Telmo, Tobis Portuguesa, e sica, que estudou ao mesmo tempo que preparava
“velha criada”, de Pai Tirano (1941), o primei- as disciplinas curriculares da instrução primá-
ro filme produzido por António Lopes Ribeiro, ria e do então curso secundário e recebia lições
Tobis Portuguesa, entrou em Fátima Terra de Fé de línguas. Sabe-se, por exemplo, que, em 1928,
(1943), de César de Sá, direção de José Brum do tomava parte numa récita de caridade promovi-
Canto, Filmes Portugueses, e Os Vizinhos do Rés- da pela família e seu grupo de amigos no Teatro
do-Chão (1948), de Alejandro Perla, Artistas Uni- Politeama, na noite de 28 de maio, em que foi re-
dos. A 6 de outubro de 1959, fez a festa de des- presentada a opereta em dois atos Com amor se
pedida no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. O ator paga, com letra e música de Josué Trocado. Foi
Costinha entregou-lhe, em nome de Américo Co- discípula, em violino, do maestro espanhol Pe-
vões, empresário do Coliseu, um valioso meda- dro Blanch e, sob sua orientação e acompanha-
lhão com a data da homenagem gravada e Luís da pelo agrupamento instrumental que o maes-
de Oliveira Guimarães, representando a Socie- tro dirigia, executou, muito jovem ainda, o con-
dade de Escritores e Compositores, discursou certo para violino e orquestra de Max Bruch. Os
acerca da vida e carreira da atriz. A 12 do mes- estudos de violino foram, no entanto, interrom-
mo mês, foi agraciada com as insígnias da Ordem pidos devido a uma luxação no pulso, tendo sido
de Santiago pelo chefe de Estado, no Palácio de continuados alguns anos mais tarde no Conser-
Belém. Em 1993, a Cinemateca Portuguesa co- vatório Nacional de Lisboa, onde viria a termi-
memorou o centenário do nascimento de Tere- nar o Curso Superior de violino em 1952. Como
sa Gomes com uma retrospetiva dos filmes em violinista, fez parte da Orquestra Filarmónica de
que entrou e Fernando Garcia assinou uma bro- Lisboa, de que era diretor o Doutor Ivo Cruz, e
chura editada para o fim. da Orquestra Sinfónica de Lisboa dirigida pelo
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Maestro Fernando Cabral, tendo seguido as vi-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 487; cissitudes destes agrupamentos musicais de
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. III, Lis- que veio a reformar-se muitos anos mais tarde.
boa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda., s.a., A sua atividade artística conheceu, entretanto,
p. 525; José Matos Cruz, O Cinema Português, 1896-1988, maior relevo no canto, a que começou a dedicar-
Lisboa, Lusomundo/Diário de Lisboa, 1997; José Pe-
layo/Luís de Pina, “Teresa Gomes”, Enciclopédia Verbo, -se prioritariamente, e onde se tornou notada pelo
n.o 13, Lisboa, Editorial Verbo, 2000, pp. 866-867; Ro- belo timbre e capacidades vocais, servidos por
lando da Silva, O meu Jornal. Impressões de Teatro, Lis- uma musicalidade própria que vinha sendo de-
boa, edição do autor, 1932, p. 20; Vítor Pavão dos Santos, senvolvida por estudos de especialidade. No cír-
Revista à Portuguesa – Uma História Breve do Teatro de
Revista, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 47, 55, 59, culo de relações de sua família, foi recebido em
60, 91, 124-126, 147, 149, 174, 208 e 251-255. Lisboa o tenor italiano Tito Schippa, que a ou-
[I. S. A.] viu e que a incitou a prosseguir os estudos e a de-
dicar-se à ópera, o que por razões pessoais só es-
Maria Teresa Dinis Sampaio poradicamente aconteceu, tendo optado prefe-
v. Maria Teresa Garcez Palha Moniz Pereira Di- rencialmente por canto de concerto. As inter-
nis Sampaio Themudo Barata venções em recitais iniciaram-se ainda antes do
MAR 712

termo do curso superior de canto. Em 1939, a 27 são oficial do Instituto de Alta Cultura, onde se
de abril, participou no Festival Espanhol a que especializou em interpretação de música francesa
assistiu o Embaixador de Espanha e que se rea- e italiana, com Madame Noémie Perugia, da Éco-
lizou no Salão do Sindicato Nacional dos Mú- le Marguerite Long-Jacques Thibaut, e em mise-
sicos. Em 1943, obteve a 1.a Menção Honrosa no en scène lírico-dramática com Maître Georges Wa-
Concurso de Canto da Emissora Nacional e, em gue, professor do Conservatório de Paris. Foi re-
1944, alcançou o 1.o Prémio no concurso de can- cebida na Rádiodiffusion Française, onde atuou
to Luísa Todi, promovido também pela Emisso- frequentemente e gravou trechos de ópera, mú-
ra Nacional. Nesta estação de rádio atuou em nu- sica inglesa, francesa, espanhola e portuguesa,
merosos recitais interpretando música portuguesa, sendo acompanhada por pianistas como André
alemã, francesa, italiana, espanhola e inglesa, mui- Collard, Odette Degetan e Andrée Roses. A Ra-
tas vezes em primeiras audições. Em 1950, ob- diodifusão Francesa nomeou-a então sua artista
teve no Conservatório Nacional de Lisboa os di- efetiva, honra pela primeira vez concedida a uma
plomas dos Cursos Superiores de Canto de Con- cantora portuguesa. É digna de referência a en-
certo e Canto Teatral (ópera), com 18 valores. trevista, seguida de alguns trechos de música fran-
Apresentou-se nesse mesmo ano, no Porto, em cesa e portuguesa, transmitida dos estúdios pa-
concerto realizado no Teatro Gil Vicente, a 19 de risienses, no programa destinado a Portugal, em
dezembro. De entre as atuações destes anos des- 21 de dezembro de 1951. Aquando da desloca-
tacam-se, entre outros, um programa dedicado à ção de Madame Perugia ao Conservatório Na-
música inglesa em novembro de 1948 – que me- cional de Lisboa, em 1956-1957, para dirigir cur-
receu do Embaixador Britânico Sir Nigel Donald, sos de aperfeiçoamento de canto, Maria Teresa
expressivos cumprimentos – e um concerto nas Dinis Sampaio tomou neles parte. Fora entretanto
comemorações de Gabriel Fauré, no Instituto galardoada, em 30 de maio de 1955, com o Pri-
Francês de Lisboa. Era então orientada pelo maes- meiro Prémio do Conservatório na disciplina de
tro Pedro de Freitas Branco, que a propôs como Canto, nas duas modalidades de ópera e lied. Os
solista para este concerto evocativo do centená- recitais prosseguiram, aos microfones da Emis-
rio de Fauré. Pedro de Freitas Branco convidou- sora Nacional de Lisboa, nos concertos Pró-Arte,
-a para colaborar em diversos concertos que di- em Lisboa e em outras cidades como Portalegre
rigiu, tendo, em 1951, apoiado o seu estágio de (30 de julho de 1955) e Coimbra (14 de junho de
especialização em Paris. Outras participações me- 1958). Em muitos deles foi acompanhada por Re-
recem, também, destaque: a colaboração no gina Cascais, pianista da Emissora Nacional, que
concerto organizado pelo maestro Ernesto Halff- pela sua competência artística e musicalidade era
ter e o Instituto Espanhol de Lisboa, para ho- a colaboradora por excelência dos solistas. Con-
menagear Manuel de Falla; a participação no con- tinuava a participar, também, em outros concertos
certo efetuado por ocasião do centenário do Ban- com a Orquestra Sinfónica Nacional, com a Or-
co de Portugal; uma outra atuação em honra do questra de Concerto da Emissora Nacional e com
ministro das Obras Públicas de Espanha, no Se- a Orquestra Filarmónica de Lisboa, sob a direção
cretariado Nacional de Informação e Cultura, com dos maestros Pedro de Freitas Branco, Frederi-
a Orquestra Sinfónica Nacional dirigida pelo co de Freitas, Ernesto Halffter, Ivo Cruz, Wen-
maestro Frederico de Freitas. Em outubro de 1949, ceslau Pinto e António de Almeida. Na tempo-
figurou no Sarau de Gala realizado no Teatro de rada de ópera do S. Carlos, de 1960-1961, fez par-
S. Carlos, aquando do Congresso Internacional te do elenco artístico da ópera Iphigénie en Tau-
dos diplomados pelos Institutos Superiores de Co- ride, de Gluck (dias 3 e 5 de fevereiro de 1961).
mércio, com a Orquestra Sinfónica Nacional, di- Mais tarde viria a integrar o elenco da ópera Tá-
rigida por Pedro de Freitas Branco. Participou, Mar, de Ruy Coelho (dias 8 e 10 de fevereiro de
também, no concerto organizado pelas Juventu- 1963). De 1963 a 1965 regista-se também a co-
des Musicais, durante o 6.o Congresso da Fede- laboração artística com a Rádio Televisão Por-
ração Internacional das Juventudes Musicais, rea- tuguesa. De vários destes momentos ficou o re-
lizado em Lisboa, no Teatro Tivoli, a 28 de mar- gisto que consta dos Arquivos Musicais da RDP.
ço de 1951. Maria Teresa Dinis Sampaio foi es- Maria Teresa Dinis Sampaio foi mencionada por
colhida pelo maestro Pedro de Freitas Branco para João de Freitas Branco, no “grupo notável de can-
cantar, sob sua direção, El Amor Brujo de Manuel tores” que cita na sua História da Música Por-
de Falla. Em 1951/52 esteve em Paris, em mis- tuguesa [2.a edição, revista e aumentada, Orga-
713 MAR

nização, Fixação de Texto, Prefácio e Notas de te. No fim da vida teve a corajosa consciência de
João Maria de Freitas Branco, 1995, pp. 320 e 376], sublimar a sua incansável atividade, aperceben-
como uma intérprete portuguesa do século XX do-se de que já não se tratava “de andar à procura
merecedora de referência. O seu nome consta, de ‘isto’ ou ‘daquilo’ que ‘poderei fazer ainda’, mas
também, da obra que Mário Moreau dedicou à his- tão-somente de me abandonar nas mãos do meu
tória do Teatro Nacional de São Carlos [O Tea- Senhor, sem planos, nem projetos – de olhos fe-
tro de S. Carlos. Dois Séculos de História, Vols. chados e coração aberto. […] Contra toda a minha
I-II, Hugin Editores Lda., Lisboa, 1999, vol. II, maneira de ser, não vejo, nem muito menos sou
pp. 1226, 1228, 1239 e 1242]. capaz de planificar…”. O cardeal patriarca D. An-
[M. R. T. B.] tónio Ribeiro visitou-a nos seus últimos e do-
lorosos tempos, sinal de reconhecimento pelo
Maria Teresa Navarro serviço inegavelmente prestado à Igreja. Maria
Nasceu em 1906, no Luso, e morreu num lar de Teresa Navarro colaborou na revista Natal*, das
freiras, em Belas, em novembro de 1994. Foi pro- Noelistas, na Menina e Moça da MPF, na Voz da
fessora de Religião e Moral no Liceu Maria Catequese, entre outras publicações. Era filha
Amália Vaz de Carvalho em Lisboa desde mea- de Ernesto Júlio Navarro, engenheiro civil e mi-
dos da década de 1930 até à sua aposentação; tam- nistro de vários governos da I República, e de
bém dirigiu o Centro Universitário de Lisboa da Teresa Lebre de Sousa e Vasconcelos; neta de
Mocidade Portuguesa Feminina*. Profunda e Emídio Navarro (1844-1905), conselheiro de Es-
empenhadamente católica, de grande dedicação tado; irmã de André Navarro (1904-1989), des-
à Igreja, o apostolado foi o grande objetivo da sua tacada figura do Estado Novo.
vida. Pertenceu às Auxiliares do Apostolado e à
Fontes: Documentos e informações orais facultados por
União Noelista Portuguesa. Desempenhou um Maria Cândida Arruela, Madalena Cabral, Olga Pinheiro
papel de relevo e verdadeiramente pioneiro ao e memórias pessoais; Natal, revista da União Noelista
introduzir novos métodos na pedagogia da ca- Portuguesa; Menina & Moça; Voz da Catequese.
tequese, que considerava “o apostolado dos Bib.: Irene Flunser Pimentel, História das Organizações
apostolados”: o ensino era adaptado à idade das Femininas no Estado Novo, Rio de Mouro, Círculo de
Leitores, 2000; Paulo F. de Oliveira Fontes, “O catoli-
crianças e envolvia a sua participação muito ati- cismo português no século XX: da separação à demo-
va, a transmissão de uma “ideia força” e de uma cracia”, História Religiosa de Portugal, Vol. 3, Rio de
vivência, relegando as fórmulas para um patamar Mouro, Círculo de Leitores, 2002; Idem, “Catolicismo
secundário. Organizou, com outras colaborado- e Dinâmicas Sociais no Século XX: Um Study Case”, Fa-
ras, na Igreja de S. Nicolau em Lisboa – onde se ces de Eva, n.o 22, 2009, pp. 105-113; Maria Reynolds
de Souza, “O Noelismo em Portugal”, Faces de Eva,
realizavam muitas das iniciativas das Noelistas n.o 22, 2009, pp. 113-123; “Cultura e Serviço”, Faces de
– o Curso de Pedagogia Catequística que tinha a Eva, n.o 22, 2009.
duração de dois anos e era destinado à formação [M. R. S]
das catequistas; os bons resultados obtidos leva-
ram a que fosse posteriormente adotado por ou- Maria Trigueiros
tras dioceses do país. Dotada de inegáveis quali- Operária. Nasceu na Chamusca, em 1922, e mu-
dades didáticas e de liderança, vivia e sabia trans- dou-se para Alhandra, onde começou a traba-
mitir as suas convicções; inteligente e estudiosa, lhar com 12 ou 13 anos na fábrica da Figueira
as suas aulas despertavam o interesse das alunas; (Empresa Nacional de Penteação de Lãs). Casou
respeitadora, não impunha, propunha. Disponí- aos 28 anos pelo registo civil. Participou na Mar-
vel e boa ouvinte, atendia durante as pausas quan- cha da Fome ou Marcha do Pão realizada em
tas a procuravam. Refere Irene Pimentel que “man- 8 de maio de 1944 em Alhandra, na sequência
tinha nos intervalos das aulas do liceu cursos do movimento grevista desse dia na região, ten-
extracurriculares de catequese para raparigas do empunhado, juntamente com Maria Rosa
dispensadas, a pedido dos pais, das aulas esco- Charrua*, uma das célebres bandeiras negras que
lares de religião”. Foi presidente diocesana de Lis- atravessaram a vila durante o desfile reivindi-
boa da União Noelista, movimento a que dedicou cativo em direção a Vila Franca de Xira. Maria
muita da sua notável energia, sobretudo no tocante Trigueiros foi uma das mulheres que caiu e se
à formação das mais jovens e à evangelização, atra- magoou durante a intervenção da GNR, tendo
vés dos “Campos de Férias” e das “Férias Mis- sido presa com a irmã Teolentina, Ernestina
sionárias”, em que frequentemente tomava par- Cruz* e Maria Isabel, entre outras, ainda que por
MAR 714

pouco tempo, na Praça de Touros desta terra, Maria Vitória


sem que tivesse sido aberto qualquer processo Atriz e fadista. Nasceu em 1891 e faleceu, em Lis-
ou sujeita a julgamento. Antónia Balsinha in- boa, a 30 de abril de 1915, vitimada pela tuber-
cluiu o seu nome no estudo pioneiro que fez so- culose. Tinha uma voz harmoniosa e doce. Fi-
bre o papel das mulheres de Alhandra na re- cou célebre pela interpretação dos papéis “Pe-
sistência ao fascismo nos anos 40, entrevistan- tiz da Esmola” e “Fado da Estúrdia” na revista
do-a a 19 de maio e a 25 de julho de 2000. O 31, de Luís Galhardo, Pereira Coelho, Alber-
Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re- to Barbosa, música de Del Negro e Alves Coelho
sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au- (Teatro Avenida, 1913). Viveu na boémia e faleceu
sência, 2005; António Dias Lourenço, Vila Franca de na sua residência, Rua da Piedade, J. H. S., 1.o
Xira. Um Concelho no País – Contribuição para a his- andar, em Lisboa, onde o corpo foi velado pela
tória do desenvolvimento socioeconómico e do movi- mãe e pessoas da sua intimidade. No funeral,
mento político-cultural, edição da Câmara Municipal de
Vila Franca de Xira, 1995. compareceram colegas e foram oferecidas coroas
[J. E.] de flores do conde Vicente Arnoso e outros ad-
miradores. Foi sepultada no coval 2678 do Ce-
Maria Ulrich mitério de Benfica. O seu nome foi dado a um
v. Maria de Lima Mayer Ulrich teatro de Lisboa.
Bib.: Carlos Leal, No Palco e na Rua – Impressões do Ho-
Maria Veleda mem e do Artista, Lisboa, Tip. Costa Sanches, 1920, pp.
v. Maria Carolina Frederico Crispim 49-50; Rolando da Silva, “Teatro Português, Cartaz de
Honra”, O meu Jornal. Impressões de Teatro (Número
dois), Lisboa, edição do autor, 1932, pp. 91-95; Vítor Pa-
Maria Velutti vão dos Santos, Revista à Portuguesa – Uma História Bre-
v. Maria da Conceição Singer Velluti ve do Teatro de Revista, Lisboa, Edições “O Jornal”, 1978,
pp. 220 e 251; “Maria Vitória”, O Século, 01/05/1915,
p. 4, 02/05/1915, p. 4.
Maria Virgínia Castro [I. S. A.]
Casada com Armando Fernandes de Morais e
Castro (18/07/1918-16/06/1999), professor e Maria Zilda Ribeiro Borja Santos
historiador de Economia, além de militante do Professora. Nasceu em Lisboa, na freguesia de
Partido Comunista Português desde os anos 40, S. Sebastião da Pedreira, a 23 de dezembro de 1922
integrou, tal como a sogra – Irene Fernandes de e faleceu, na mesma cidade, a 15 de dezembro
Morais e Castro – e as cunhadas – Irene de Cas- de 2003. Concluiu a licenciatura em Ciências His-
tro e Maria Carolina Campos –, a delegação do tórico-Filosóficas pela Universidade de Lisboa
Porto da Associação Feminina Portuguesa para em 1946, defendendo a tese A Inquisição: Cau-
a Paz*, onde era a sócia n.o 178. sa Directa da Decadência do Comércio de Goa
[J. E.] e Indirecta do Florescimento de Macau, ideia ino-
vadora para a época. Maria Zilda Borja Santos
Maria Visconti viveu a infância e juventude no seio de uma fa-
Atriz. Era muito loura e formosa. No Teatro mília da burguesia abastada e dedicada ao en-
D. Pedro II do Rio de Janeiro, entrou em A For- sino. O pai – António Francisco Borja Santos –
ça do Destino. Estreou-se, em outubro de 1881, foi proprietário de colégios em Lisboa como, por
no Teatro da Trindade em Lisboa, em Piperlin, exemplo, o Colégio Normal, no espaço da atual
comédia em 3 atos traduzida por Eduardo Gar- Praça Duque de Saldanha. A educação burgue-
rido, substituindo Josefa de Oliveira* a quem a sa estará na origem do seu rigoroso código de
empresa rescindiu o contrato, e na opereta em conduta, mas não basta para justificar a eman-
1 ato Nini. Esteve neste teatro até 1884. Teve um cipação face aos ditames que o tempo e o sala-
fim desgraçado. zarismo instituíam como norma para as mulheres
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis- da sua classe. A adoção do ensino público como
boa, Editorial Século, 1947, p. 104; Gustavo de Matos Se- modo de vida e o inerente abandono do abrigo
queira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações e da vigilância familiares, devido às colocações
Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, pp. 352
e 396; Guiomar Torrezão, “Rumores dos Palcos”, Ribal-
distantes, será o primeiro gesto dessa emanci-
tas e Gambiarras, Lisboa, série 1, n.o 45, 30/10/1881. pação, da qual informou o pai, mas de quem não
[I. S. A.] seguiu o conselho de que o não fizesse. Cumprido
715 MAR

o ritual da iniciação profissional (estágio peda- exemplo), a frontalidade com que expunha o pen-
gógico no Liceu Normal de Pedro Nunes durante samento e se opunha a injustiças fizeram de Zil-
o biénio de 1946/47 e 1947/48 e Exame de Es- da Santos uma grande professora, num meio em
tado para o Magistério Liceal em 1948), iniciou que o silêncio e a mesquinhez eram frequentes.
o périplo das capitais de distrito: Beja (1949/50); Some-se a isto o seu ar desempoeirado e elegante,
Viseu (1950/51), onde conheceu o Dr. Sílvio sustentado por saltos altos escandalosos para
Gomes Henriques, professor de Ciências Natu- uma professora, e percebe-se a estima e a ad-
rais, com quem casou no final desse ano letivo; miração que as alunas nutriam por ela. Quando
Porto (onde se efetivou e permaneceu por oito chegou Abril, o seu nome manteve-se intacto e
anos); Ponta Delgada; Portalegre; Leiria; e, fi- o lugar de diretora de ciclo só o perdeu por se
nalmente, Lisboa, em 1965, no Liceu Maria Amá- ter demitido em solidariedade com a reitora de
lia Vaz de Carvalho, onde lecionou até à apo- então, a professora Beatriz Rebelo. O casamen-
sentação por limite de idade, em 1992. Foi a sua to com um beirão e o percurso profissional ini-
condição de mulher que lhe impôs este percurso. cial deram-lhe um conhecimento vasto do país,
Na verdade, efetivou-se muito cedo, ao contrá- particularmente das suas enormes carências cul-
rio do marido, que só o conseguiria em 1958 e, turais. Para perpetuar o nome do marido mas, so-
como a Lei de Proteção à Família apenas permitia bretudo, para ater às carências referidas, na me-
que fosse a esposa a ser deslocada para acom- dida das suas possibilidades, lançou-se, a par-
panhar o marido, Zilda ia saltando de cidade em tir de 1976, na tarefa gigantesca de construir uma
cidade ao sabor das colocações do cônjuge, su- biblioteca na aldeia natal do Dr. Sílvio G. Hen-
jeitando-se à perda de boa parte do vencimen- riques. Para isso, transformou edifícios rústicos
to, pois, pela mesma lei, a deslocação implica- de que era proprietária, mantendo-lhes a traça
va a descida à categoria de “professor agregado”, e respeitando técnicas e materiais tradicionais.
embora os descontos incidissem sobre o total a O recheio é composto por milhares de volumes
que tivesse direito, diuturnidades incluídas! Tal- criteriosamente selecionados e adquiridos, tam-
vez esta fosse uma das muitas formas que o re- bém, a expensas próprias. Para a biblioteca tinha
gime tinha de desincentivar o casamento das pro- tudo que ser do melhor, por isso deu-se ao tra-
fessoras. Aos vários requerimentos que enviou balho de organizar a versão mais completa de fi-
ao ministro da Educação sobre este assunto, nun- cheiros, de adquirir as melhores estantes e, até,
ca recebeu resposta, e nem a lei foi alterada. Ma- de escrever um Manual de Operações, algo de
ria Zilda Borja Santos nunca dirigiu revistas, não que poucas bibliotecas dispunham. Já no final
escreveu artigos inflamados contra a situação, dos anos 90 do século XX, sempre atenta aos si-
nem tão-pouco militou na oposição política, mas nais do tempo, aprendeu computação e iniciou
foi uma daquelas pessoas que, pelo seu eleva- o processo de informatização da biblioteca.
díssimo sentido de justiça, marcou quem com Fez tudo com o seu vencimento de professora e
ela conviveu. Sem se importar com conse- a centenas de quilómetros de distância, e tudo
quências pessoais, enfrentou compadrios como ofereceu ao povo da aldeia de Arcozelo da Ser-
aquele que, em Leiria, envolvendo reitor, ins- ra. Depois da aposentação, continuou a oferecer
peção e tudo, exigia a aprovação de certa aluna o seu saber e o seu trabalho ao Liceu Maria Amá-
(parece que, depois desses acontecimentos, os lia, contribuindo para a organização do acervo
passos de Zilda e do marido foram, por algum da biblioteca. A 15 de janeiro de 1998 foi agra-
tempo, vigiados pela PIDE). Já no Liceu Maria ciada com a Ordem da Instrução Pública pelo
Amália, rejeitou o pedido da reitora (Alice An- Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, em
drade) para exercer funções de dinamização da reconhecimento pela sua atividade profissional
Mocidade Portuguesa Feminina*, rejeição que e de benemerência.
não lhe trouxe custos pessoais porque, também
Da autora: Manual de Operações da Biblioteca Dr. Síl-
a esse nível, se distinguem os bons dos maus rei- vio Gomes Henriques, Ed. Autora, Lisboa, 2000; “A Pro-
tores. O modo aberto como lecionava, aceitan- pósito de…”, Notícias de Gouveia, Gouveia (números dis-
do discutir todos os assuntos com as alunas, for- persos até 2002); Biografia do Dr. Sílvio Gomes Henri-
necendo-lhes bibliografia e documentação (que ques [manuscrito].
Fontes: Registo Biográfico, Arquivo da Escola Secundária
adquiria nas viagens de férias que, quase todos Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa.
os anos, realizava ao estrangeiro); a abordagem Bib.: Ana Maria Pessoa, “Homenagem a Maria Zilda Bor-
de temas novos para a época (a eutanásia, por ja Santos” [comunicação proferida na Biblioteca Dr. Síl-
MAR 716

vio Gomes Henriques em 02/04/2005]; Fátima Stocker, numa voz vigorosa e cheia de gritos, canções po-
“A Propósito de… Maria Zilda Borja Santos, uma Pes- pularíssimas (“Ribatejo”, “Maria Severa”, “Lis-
soa Exemplar”, Notícias de Gouveia, Gouveia,
26/12/2003; Fátima Stocker, “Maria Zilda” [comunica- boa não sejas francesa”) e, embora a rábula ple-
ção proferida na Biblioteca Dr. Sílvio Gomes Henriques na de imaginação fosse o seu verdadeiro campo,
em 02/04/2005]. abalançou-se perigosamente aos números de
[M. F. P. S.] charme. O seu desempenho na revista Olaré,
Quem Brinca mereceu de Stefan Zweig, que a foi
Maria Zulmira Casimiro de Almeida admirar, o elogio de “estar ao nível das melho-
Atriz, usou o nome artístico de Mirita Casimiro. res atrizes do seu género em todo o mundo”. Com
Nasceu em Viseu em 1914 [Grande Dicionário En- Vasco Santana, o cómico mais popular, com quem
ciclopédico Ediclube], a 10 de outubro de 1916 se casou em 1940, formou Mirita o casal régio in-
[O Grande Livro dos Portugueses], 1917 [A Re- disputável da cena portuguesa, ao qual os em-
vista à Portuguesa] ou a 10 de outubro de 1918 presários tudo permitiam, pois o público não se
[Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira] e cansava de os exigir. Juntos conheceram êxitos
faleceu em Cascais a 25 de março de 1970. O pú- invulgares, que culminam, em 1945, com a
blico tomou contacto com Mirita como sendo uma opereta A Invasão e a revista Alto Lá com o Cha-
rapariga de boas famílias da Beira que tem que- ruto!, o maior sucesso da década de 40. Aí se des-
da para o teatro, como seu pai, o famoso cavaleiro dobrou o talento de Mirita, em travesti no luso-
José Casimiro de Almeida, tal como os irmãos têm -americano “Franklim de Oliveira”, que fazia o elo-
queda para o toureio amador. Por isso, cantava gio da América, ou no “Condutor da Carris”, can-
em festas de caridade e, um dia, por graça, “des- tando “Ó Santo Amaro”, que muito se divulgou,
ceu” aos palcos profissionais quando, solicitada ou, ainda, cantando e declamando a libertação
por Lino Ferreira, atuou no Teatro Nacional em da França, ao som do “Mon homme”, silhueta
Lisboa, com êxito indiscutível na interpretação apache, cingida num vestido de cetim negro, saia
de canções da Beira, fados regionais, anedotas ca- fendida deixando ver a perna magra, que calça
racterísticas, tudo apresentado com uma es- meia de rede. Uma sua outra interpretação famosa
pontaneidade e delicadeza extraordinárias. Ime- foi a do pequeno “Ferdinand”, um garoto fran-
diatamente Lopo Lauer, autor dramático e então cês que apregoa e vende jornais e agradece a hos-
empresário no Teatro Maria Vitória, lhe ofereceu pitalidade portuguesa, na revista A Grande Pa-
um contrato interessante. A ligação com a “aris- ródia. Em Alto Lá com o Charuto!, 1945, após o
tocracia” marialva está presente no tema das suas fim da Segunda Guerra Mundial e as pseudo-
operetas de maior sucesso, Ribatejo, 1939, e Co- -eleições em Portugal, revista que atingiu as 350
lete Encarnado, 1940, e até em títulos de revis- representações, Mirita rendia homenagem a
tas, como Espera de Toiros, 1941, chegando mes- Roosevelt e enaltecia a resistência francesa, e nou-
mo a aparecer a cavalo e envergando a casaca de tro quadro fazia o papel de “Harmonia”, procu-
seda de cavaleiro numa apoteose da primeira re- rando conciliar a “Filarmónica Democrática” e
vista de que foi vedeta absoluta: Olaré, Quem a “União Musical”. Este zénite da popularidade
Brinca, 1937. A vivacidade serrana, o acento bei- marcou o início implacável da decadência. O ca-
rão, a crítica sadia aos costumes da capital feita samento com Vasco Santana desfez-se, não sem
por alguém que vem de fora, tudo isso Mirita fi- certo escândalo, e a Mirita ficam interditos os tea-
xou para sempre, no cinema, na Maria Papoila, tros do trust Piero. Afastada um ano, reapareceu
de Leitão de Barros, em 1937. Lançada em 5 de na companhia “Série B”, de Rosa Mateus, no Ma-
novembro de 1935 como atração da revista Viva ria Vitória, onde fez quatro revistas. A de maior
a Folia!, o seu êxito foi imediato, tendo obtido sucesso, Tico-tico, 1948, tem uma das suas rábulas
do público uma imediata consagração. E os mais notáveis e aplaudidas, a “Menina da APA”,
triunfos de Mirita na comédia, o maior dos quais paródia às concorrentes dos concursos radiofó-
no travesti de João Ninguém, 1936, peça inces- nicos, que eram a loucura do momento e de quem
santemente reposta até aos anos 50, consolida- ela dava todos os tiques. De 1950 a 1955, depois
ram-no. Muito magra, muito pequena, com um de se repetir em três revistas de reduzido êxito,
nariz enorme, que mais tarde reduziu, o seu ta- a última das quais Aqui É Portugal, Mirita de-
lento, feito de nervos, era eletrizante mas des- sapareceu por muitos anos, esquecida no Brasil.
controlado. Tocando todas as facetas, tanto de- Regressou em 1966, numa nova fase da carreira,
clamava um número patriótico como lançava, com Carlos Avilez e o Teatro Experimental de Cas-
717 MAR

cais, interpretando A Casa de Bernarda Alba. S. Carvalho, L. Rodrigues, 1948, Teatro Maria Vi-
Nada acrescentam ao seu antigo brilho estes es- tória; O Pirata da Perna de Pau, revista, de S. Bas-
petáculos mal concebidos, de êxito incerto, que tos, F. Santos, M. S. Carvalho, L. Rodrigues, 1948,
a lembrança do seu passado ajudam a lançar: Teatro Maria Vitória; Viva o Homem, revista, de
A Maluquinha de Arroios, 1966, O Comissário de C. Lopes, A. Nazaré, F. Santos, 1954, Teatro Ave-
Polícia, 1968. Quando em 1970 se suicidou, de- nida; Aqui É Portugal, revista, de Abreu e Sou-
pois de um desastre de automóvel a ter impos- sa, F. Santos, Ribeirinho, 1955, Teatro Sá da Ban-
sibilitado de voltar ao palco, Mirita Casimiro pôs deira (Porto); Papa Açorda, farsa; A Casa de Ber-
fim tragicamente a uma vida feita à base de ner- narda Alba, drama, 1966, Teatro Experimental de
vos e a uma carreira gloriosa, mas há muitos anos Cascais; A Maluquinha de Arroios, 1966, Teatro
terminada. Entre Mirita Casimiro e Beatriz Cos- Experimental de Cascais; D. Quixote, 1967, Tea-
ta* existia uma rivalidade que despertou a cu- tro Experimental de Cascais; O Mar, 1967, Tea-
riosidade do público e da comunicação social, tro Experimental de Cascais; O Comissário de
tendo, inclusive, O Século Ilustrado, de 22 de ja- Polícia, 1968, Teatro Experimental de Cascais;
neiro de 1938, apresentado na sua capa “Quem Fuenteovejuna, Teatro Experimental de Cascais.
prefere, Mirita ou Beatriz Costa?; veja o sensa- No cinema: Maria Papoila, de Leitão de Barros,
cional inquérito neste número.” O seu nome foi 1937, e Campista em Apuros, 1967. Das críticas
atribuído ao Teatro do Monte Estoril onde está na comunicação social destacamos: Anima-te Zé,
instalada a Companhia do Teatro Experimental “Mirita Casimiro, a grande revelação da época
de Cascais. Tem o seu nome registado na topo- passada, nalguns números destinados a demons-
nímia de Cascais, Mem Martins, São Domingos trar a maleabilidade da sua arte”, Diário de Notí-
de Rana e Albufeira. Principais atuações: Viva a cias [23/11/1935, p. 4]; Morena Clara, “Alcançou
Folia!, revista, de L. Ferreira, F. Santos, A. Ama- um novo êxito – e merecido porque o seu papel
ral, 1935, Teatro Maria Vitória; Milho-Rei, revista, não é fácil. Mirita tem expressão e vida no pal-
de R. de Melo, M. Cayola, 1935, Teatro Maria Vi- co e põe muita alma em todas as coisas que in-
tória; Anima-te Zé!, revista, de Álvaro Santos, Car- terpreta [...]. O público gosta dela e ela sente-
los Alberto, Frederico Valério, Variedades, 1935; se bem a trabalhar para o público: é desta mas-
Morena Clara, de A. Quintero e P. Guillen, sa que se forjam as boas artistas [...].” [Diário de
1936, Teatro Variedades; João Ninguém, 1936, Notícias, 13/07/1936, p. 4]; A Grande Paródia,
Teatro Variedades; Olaré, Quem Brinca, revista, “Quanto a Mirita Casimiro continua a ser a alma
de A. Barbosa, J. Galhardo, V. Santana, A. Vale, do espetáculo, tendo ouvido mais uma vez sin-
1937, Teatro Variedades; Ribatejo, opereta, 1939; ceros e gerais aplausos [...].” [ H., Diário de No-
Colete Encarnado, opereta, 1940; O Retiro dos Pa- tícias, 25/05/1941, p. 5].
catos, revista, de A. Vale, L. O. Guimarães,
Bib.: Américo Lopes de Oliveira e Mário Gonçalves Via-
1941, Teatro Maria Vitória; Espera de Toiros, re- na, Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis, Porto, Lel-
vista, de “3 Aficionados” (J. Galhardo, V. Santa- lo & Irmãos, 1967, p. 220; Grande Dicionário Enciclo-
na, A. Vale), 1941, Teatro Variedades; A Grande pédico Ediclube, Vol. IV, Alfragide, Ediclube, s.a., p. 1300;
Paródia, revista (inteiramente remodelada e Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 6, Lis-
boa-Rio de Janeiro, s.a., p. 138; O Grande Livro dos Por-
ampliada), de A. Barbosa, J. Galhardo, F. Santos, tugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1990, p. 138; Luiz
A. Amaral, 1941, Teatro Apolo; Aleluia!, revis- Francisco Rebello, História do Teatro de Revista em
ta, de A. Leite, H. C. Monteiro, 1942, Teatro da Portugal, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1982, Vol. 1,
Trindade; Cantiga da Rua, revista, de A. Porto pp. 28, 203, Vol. 2, pp. 40, 123, 124, 127, 128, 147, 148,
(A. Barbosa), A. Nazaré, N. Barros, Abreu e Sou- 152, 153, 166, 240; Vítor Pavão dos Santos, Revista à Por-
tuguesa – Uma história breve do teatro de revista, Lisboa,
sa, 1943, Teatro Maria Vitória; Alerta Está!, revista, Edições “O Jornal”, 1978, pp. 50, 51, 55, 101, 104-106,
de A. Barbosa, J. Galhardo, A. Vale, V. Santana, 145, 151, 237.
M. S. Carvalho, 1943, Teatro Apolo; Baile de Más- [J. P. C.]
caras, revista, de F. Santos, A. Amaral, L. Ro-
drigues, 1944, Teatro Maria Vitória; A Invasão, Mariana Bárbara da Trindade
opereta, 1945; Alto Lá com o Charuto!, revista, Atriz. Faleceu a 15 de março de 1867, retirada
de V. Santana, L. Galhardo, C. Lopes, 1945, Tea- do palco havia anos. Era mãe da atriz Guilher-
tro Variedades; Ó ai, ó Linda, revista, de F. San- mina Carlota da Trindade Silva*. Em 1838, tra-
tos, A. Amaral, L. Rodrigues, 1947, Teatro Maria balhava no Teatro Nacional da Rua dos Condes,
Vitória; Tico-tico, revista, de A. Cruz, A. Vale, M. sob a direção de Émile Doux. Foi primeira atriz
MAR 718

do Teatro da Rua do Salitre. Em 1846, apareceu “As primeiras-damas. Primeira República”, As Primeiras-
na lista de atrizes que solicitavam admissão no -damas. Presidentes de Portugal. Fotobiografia, Lisboa,
Museu da Presidência da República, 2006, pp. 3-23; Mau-
recém-inaugurado Teatro D. Maria II. Da sua car- rício Oliveira, O Drama de Canto e Castro, Lisboa, Edi-
reira artística, destacam-se os papéis de “Dama tora Marítimo-Colonial Lda., 1944; Vital Fontes, Servidor
mascarada” em O Homem da Máscara de Ferro de Reis e de Presidentes, Lisboa, Editora Marítimo-Colo-
ou o Bravo de Veneza (1837), “Safira”, em O Im- nial Lda., 1945.
perador Carlos Magno e os Doze Pares (Salitre, [E. S. A. / S. M.]
1837) e “condessa de Brevise”, em Eulália
Pontois (1844), drama em 5 atos e 1 prólogo, de Mariana dos Santos Calhau Perdigão
Frédéric Soulié, no Teatro do Salitre, sempre A primeira governadora civil portuguesa teve um
muito louvada pela crítica teatral. percurso de contínua efetivação do compromis-
so comunitário. Natural de Évora e filha de la-
Bib.: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vradores, nasceu a 20 de março de 1930 e faleceu
Vol. XXXII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopé-
dia, Lda., s.a., p. 875; João Salgado, História do Teatro no dia 11 de novembro de 2008. Enquanto jovem,
em Portugal, Lisboa, David Corazzi, 1885; O Entre-Acto, foi presidente diocesana da Juventude Escolar Ca-
n. os 6 e 11, 1837; Atalaia Nacional dos Teatros, Lisboa, tólica e da Juventude Internacional Católica, o que
Tipografia do Largo do Contador, 1838; “Teatros – Foi lhe deu oportunidade para participar em reuniões
neste dia...”, O Século, 15/03/1961, p. 4.
[I. S. A.] com grupos alargados, dentro e fora de Portugal.
Frequentou o curso de 1949-1951 da Escola do
Mariana de Santo António Moreira Freire Magistério Primário de Évora (Exame de Estado
Correia Manuel Torres de Aboim do Canto e a 12 de agosto de 1952), todavia, só deu aulas pon-
Castro tualmente e em regime de curta substituição. Ca-
Nasceu em Lisboa, a 13 de junho de 1865 e fa- tólica e de tendência democrática moderada, em
leceu, na mesma cidade, a 18 de janeiro de 1946. 1969 esteve ligada à coligação eleitoral local (Co-
Filha de João Baptista Moreira Freire Correia Ma- missões Democráticas Eleitorais) e, mais tarde, co-
nuel Torres de Aboim e de Josefina Arcangela Pe- laborou na tentativa de abertura dum núcleo da
reira de Castro Teles de Eça Monteiro e Cunha. Sociedade de Estudos para o Desenvolvimento
A família residia no Palácio Aboim, localizado Económico e Social (SEDES), em Évora. Em 1973,
na zona do Martim Moniz, em Lisboa, manten- com filhos a frequentarem o Liceu de Évora, fez
do sempre as fortes convicções monárquicas. Ca- parte do grupo fundador da Associação de Pais
sou com João do Canto e Castro em 1891, de quem e Amigos dos Alunos do Liceu, constituída por
teve três filhos. Na sequência do assassinato de Manuel Ferreira Patrício, Fernando Serpa Bran-
Sidónio Pais, em dezembro de 1918, o seu ma- co, Maria Beatriz Serpa Branco e Maria Ana Quei-
rido foi chamado à chefia do Estado. Tomou co- roga. Após o 25 de Abril de 1974 foi convidada
nhecimento da decisão por telefone, quando Can- pelo diretor da Escola do Magistério Primário de
to e Castro lhe ligou a solicitar o envio de alguns Évora, José Bizarro, para lecionar a disciplina de
dos seus pertences e a informou não saber Religião e Moral. Tendo enviuvado de João Gre-
quando regressaria a casa. Em maio de 1919, gório Perdigão, com quem casara a 1 de outubro
acompanhou o Presidente numa curta estada no de 1955, e sendo responsável por sete filhos, re-
Palácio da Cidadela de Cascais, para onde se mu- quereu a adesão ao quadro de agregação, o que lhe
dou Canto e Castro a conselho dos médicos, uma permitiu, em simultâneo, ficar colocada como pro-
vez que em Lisboa a pneumónica ainda fazia ví- fessora da Escola Anexa à referida Escola do Ma-
timas. Finda a curta presidência, o casal reme- gistério Primário e de aí lecionar Didática. Na di-
teu-se ao anonimato. Em 1934, Mariana ficou viú- mensão política e convicta da potencialidade da
va, vindo a falecer 12 anos mais tarde. intervenção concertada, integrou o grupo fundador
do PPD em Évora. Com a formação do VI Gover-
Bib.: Cristina Pacheco, “As primeiras-damas na Repú-
blica Portuguesa”, A República e os Seus Presidentes, no Constitucional, chefiado por Francisco Sá Car-
Câmara Municipal de Lisboa, Biblioteca Museu Repú- neiro, foi convidada para governadora civil do dis-
blica e Resistência, 1997, pp. 145-160; Diogo Gaspar e trito de Évora, tomando posse a 21 de fevereiro
Elsa Santos Alípio (coord.), As Primeiras-damas da Re- de 1980. Manteve o cargo nas VII e VIII legisla-
pública Portuguesa, Lisboa, Museu da Presidência da Re-
pública, 2006; Elsa Santos Alípio, “Vivências. Do Palácio
turas, até 11 de julho de 1983. Como deputada à
de Belém”, Do Palácio de Belém, Lisboa, Museu da Pre- Assembleia da República no governo do Bloco
sidência da República, 2005, pp. 34-73; João Esteves, Central (09/06/1983-06/11/1985), Mariana Per-
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digão esteve vinculada à Comissão Parlamentar sa. Morreu em meados do século seguinte, em
de Educação e Cultura. No final do mandato dei- data posterior a 1843. O pai só teve descendên-
xou de ter atividade direta no partido. Noutros cia deste matrimónio. Além de D. Mariana,
contextos e sempre em Évora, a partir de 1981 fez nasceram mais dois filhos, Diogo José Machado
parte da Comissão Diocesana Justiça e Paz, do con- que seguiu a carreira militar e morreu no Brasil,
selho geral da Fundação Luís de Molina e da di- José Xavier Machado, que cegou e morreu jovem,
reção do Instituto de Cultura Vasco Vilalva. Em e uma outra filha, Maria Benedita de Castro e Sou-
reconhecimento da intervenção cívica em prol da sa. D. Mariana não casou e, por isso, continuou
dignidade humana e do bem-estar comunitário, a viver na casa paterna, assim como a irmã. De-
a Câmara Municipal de Évora prestou-lhe ho- pois do pai enviuvar, era ela que cuidava da casa
menagem póstuma, concedendo-lhe a Medalha e dele, até à sua morte, em 1822, aos 91 anos e
de Mérito Municipal – Classe Ouro, no dia 29 de entrevado. Com mais de 30 anos e já órfã de mãe,
junho de 2009. D. Mariana foi protagonista num processo de-
Bib.: Maria Teresa Santos, “O sentido do compromisso
sencadeado por seu tio paterno António Xavier
comunitário. A primeira governadora civil de Portugal”, Machado Cerveira, que, em novembro de 1820,
Faces de Eva, n.o 12, 2005. na sequência de ter presenciado e se ter envol-
[MTS] vido numa disputa entre D. Mariana e a irmã Ma-
ria Benedita, enviou um requerimento à Junta Pro-
Mariana Estopa visional do Governo Supremo do Reino pedin-
v. Bonequeiras de Estremoz do a reclusão num convento da sobrinha, para
“obstar à sua vida e procedimento pouco regu-
Mariana Ferraz lares” [Intendência Geral da Polícia, Avisos e Por-
Atriz. Estreou-se na inauguração do Teatro da tarias, Mç. 38, Cx. 67, Doc. 268]. Manuel Fer-
Trindade, a 30 de setembro de 1867, a cujo elen- nandes Tomás, como responsável dos Negócios
co pertencia, nas peças A Mãe dos Pobres, dra- do Reino e da Fazenda nessa junta, remeteu o re-
malhão de Ernesto Biester, e O Xerez da Vis- querimento ao Intendente Geral da Polícia para
condessa, comédia, adaptada do original francês este proceder a averiguações e dar o seu parecer.
por Francisco Palha. Naquele teatro grangeou Iniciou-se, assim, um processo de averiguações
muitos admiradores. Em 1868, foi para o Teatro que se prolongou até abril de 1821, no decorrer
D. Maria II, onde representou o drama Um Fidalgo do qual D. Mariana foi condenada, segundo o pa-
do Século XIX e Os Rebequistas da Corte, ambos recer do intendente dado em 5 de dezembro de
de Ernesto Biester, Uma Troca de Maridos, de Pe- 1820, a ficar reclusa no convento do Rato ou de
reira Rodrigues, Entre o Jantar e o Baile, de João Santana, sem sequer ter sido ouvida, com base
Ricardo Cordeiro, Barba Azul, ópera burlesca em numa primeira audição de testemunhas “fide-
3 atos e 4 quadros, de Meilhac e Halèvy, músi- dignas” que confirmaram o seu “escandaloso”
ca de Offenbach, e Gata Borralheira, mágica em procedimento, ao mesmo tempo que abonavam
3 atos e 15 quadros, arranjo de Joaquim Augus- a “honra e bons costumes” do tio e da irmã que,
to de Oliveira e música de Angelo Frondoni após este incidente, saíra da casa paterna, esbo-
(1869). Em 1874, abandonou o teatro. çando-se até o receio de “delapidação dos bens
Bib.: Eduardo de Noronha, Reminiscências do Tablado, em que têm parte os outros interessados”. Para
Lisboa, Guimarães e Ca. Editores, 1927, p. 100; Gusta- se cumprir essa reclusão, o tio deveria pagar os
vo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional respetivos alimentos, assim como “as despesas
D. Maria II, Vol. I, Publicação Comemorativa do Cente- do estilo” [Idem, Liv.o 19, fl. 51]. No entanto, pas-
nário 1846-1946, Lisboa, s.n., 1955; Tomaz Ribas, O Tea- sados poucos dias, o tio apresentou um segun-
tro da Trindade, Porto, Lello & Irmão, editores, 1993; Luiz
Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, do requerimento, pedindo, desta vez, para a so-
Lisboa, Prelo Editora, 1978, pp. 295 e 384. brinha ser recolhida na enfermaria do Hospital
[I. S. A.] de S. José. A junta informou, novamente, o in-
tendente de que D. Mariana daria aí entrada e aí
Mariana Perpétua de Castro e Sousa ficaria até nova ordem para o que se procederia
Nasceu, segundo o assento de baptismo, em 7 de às necessárias formalidades junto do enfermei-
março de 1784, na freguesia de Santa Engrácia, ro-mor. Efetivamente, D. Mariana deu entrada no
e era filha do escultor Joaquim Machado de Cas- Hospital de S. José a 19 de dezembro de 1820,
tro e da sua terceira esposa, Ana Bárbara de Sou- mas, passados quatro dias, no dia 23, a junta, por
MAR 720

lhe “constar” que ela já se achava “restabeleci- po”, restituída à sua “natural” liberdade, pois não
da da moléstia que padecia”, determinou que fos- sendo menor nem “desautorizada” ficava apenas
se “removida” de S. José para o Recolhimento da sujeita às leis como qualquer outro cidadão e não
Aldeia Galega [Idem, Avisos e Portarias, Mç. 38, sendo o tio seu tutor não tinha sobre ela qualquer
Cx. 67; Doc. 362]. Entretanto, Mariana dirigiu um direito “de reger suas ações por meios coativos”
requerimento ao rei dizendo-se vítima de “uma [Idem, Avisos e Portarias, Mç. 39, Cx. 69, Doc.
cavilosa queixa que contra ela fez seu tio Antó- 246]. Da sua vida daí em diante pouco mais se
nio Xavier Machado com o fraudulento fim de sabe, a não ser que o pai morreu no ano seguin-
lhe extorquir a legítima e o legado que outro seu te, em 17 de novembro de 1822, e que D. Mariana
tio, o brigadeiro Francisco Xavier Machado”, lhe e a irmã teriam ficado em más condições eco-
deixara em testamento, tendo, por isso, sido “ar- nómicas que se foram agravando com o passar dos
rancada violentamente da casa paterna” e meti- anos, de tal maneira que António Feliciano de
da no Real Hospital de S. José “pelo escandalo- Castilho e seu irmão José Feliciano de Castilho
so suposto de se achar doida ou em gravidez”, (que em jovens conviveram com Machado de Cas-
o que se verificou ser falso. Então o tio, para a im- tro, amigo do seu pai) conseguiram dinamizar um
pedir de se defender, requerera que ela fosse trans- movimento de solidariedade a favor delas, ten-
ferida para o convento citado. Porém, invocan- do-se realizado um espetáculo no Teatro de S. Car-
do as alterações políticas havidas (o triunfo da los, em 11 de agosto de 1843, a que concorreu
revolução liberal que eclodira em 24 de agosto, muito público, conforme noticia a imprensa da
no Porto), pelas quais a qualquer cidadão passou época, tendo as beneficiadas recolhido cerca de
a ser permitida a defesa “antes de procedimen- 800 mil réis. Contudo, Castilho, numa nota da sua
to”, D. Mariana suplicava ao rei que a deixasse obra Escavações Poéticas, afirma que, “apesar da
aguardar em liberdade o desfecho das averigua- boa vontade do público, essas duas senhoras vi-
ções, “pois não é justo que a suplicante passe a veram sempre e faleceram pobres” [p. 85].
sofrer novo castigo sem defesa e sem mostrar a Fontes: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Assentos
falsidade da queixa” [Idem, ibidem, Mç. 39, Cx. de Baptismo da Freguesia de Santa Engrácia, ano de
68, Doc. 6]. A petição foi atendida e Mariana saiu 1784; Hospital de S. José, Liv. 1857, fl. 169, Liv. 0946,
do hospital em 14 de janeiro e regressou à casa fls. 165-167; Portarias do Governo (1805-1824), Cx. 398,
paterna onde aguardou o final das averiguações, Doc. 20 e Doc. 21; Intendência Geral da Polícia, Avisos
e Portarias, Mç. 38, Cx. 67, Doc. 278, Doc. 342, Doc. 362
facto com que se congratulou o jornal O Liberal e Doc. 383, Mç. 39, Cx. 68, Doc. 5, Doc. 6 e Doc. 21, Mç.
que, na edição de 17 de janeiro de 1821, elogiou 39, Cx. 69, Doc. 246, Livro 19, fl. 51 e fl. 140.
os governadores do reino por tal “ato de inte- Bib.: António Feliciano de Castilho, Escavações Poéti-
gridade”, rogando-lhes que continuassem a fazer cas, Vol. III, Lisboa, Empresa da História de Portugal,
1905; Henrique de Campos Ferreira Lima, Joaquim Ma-
justiça à “inocência oprimida”, castigando “a ca- chado de Castro, escultor conimbricense. Notícia bio-
lúnia e a cabala” [p. 8, col. 2]. Seguiram-se três gráfica e compilação dos seus escritos dispersos, Coim-
meses de possíveis averiguações, ao fim dos quais bra, Imprensa da Universidade, 1925; Odette Gonçalves,
o intendente emitiu o seu parecer, em 16 de abril “Os caminhos difíceis da liberdade”, História, junho,
de 1821, concluindo que D. Mariana adquirira o 2005, p. 46; O Liberal, 17/01/1821, p. 8, col. 2; A Res-
tauração, 31/07/1843, p. 3226, col. 1, 14/08/1843, p. 3273,
vício de se embriagar, o que lhe originara “os de- col. 1, 16/08/1843, p. 3280, col. 2, 24/08/1843, p. 3008,
satinos que a tornam mal reputada”, provando- col. 1, 29/08/1843, p. 3024, col. 1.
-se também, segundo as mesmas testemunhas, que [O. G.]
“não tem guardado a honestidade própria do seu
sexo”. Quanto ao tio, estando presente quando Mariana Raquel de Melo
da disputa entre as duas irmãs, “a maltratou de Nasceu no penúltimo ou último quartel do século
palavras” e bateu-lhe, o que, apesar da sua boa XVIII, na Quinta das Cotas, freguesia de Resen-
reputação e “fama pública”, não estava autorizado de, bispado de Lamego, filha do doutor José Bor-
a fazer nem a pedir o internamento num convento ges Botelho e de Joana Tomásia Carneiro de Melo.
ou no hospital, contra vontade do pai, único a po- Teria duas irmãs e um irmão, Manuel Borges Car-
der requerer qualquer corretivo a sua filha, se fos- neiro. Foi presa pelos Voluntários Realistas de La-
se esse o caso, o que não se verificara [Intendência mego, à ordem do Juiz Ordinário de Resende, José
Geral da Polícia, Liv. 19, fl. 140]. A regência con- Manuel Teixeira Pinto, em 24 de setembro de
firmou este parecer em 26 do mesmo mês e or- 1830, já o seu irmão, havia mais de dois anos, pe-
denou que D. Mariana fosse, “sem perda de tem- nava em S. Julião da Barra, por ter sido figura ci-
721 MAR

meira do Vintismo. A detenção de Mariana foi jus- integrada numa companhia organizada pelo
tificada, segundo ofício do citado juiz para o in- ator António Pedro, e lá casou com José António
tendente geral da Polícia da Corte e do Reino, pela de Sousa Basto Júnior, 2.o conde da Trindade (com
apreensão de duas cartas: uma, que um parente título renovado por decreto de 16/01/1866),
(liberal fugido às autoridades miguelistas) lhe en- que a tinha seguido na viagem. De regresso, aban-
dereçou; a outra, a sua resposta. As peculiares for- donou a vida artística. Faleceu pouco tempo de-
mas cerimoniosas de tratamento expressas nas pois. Escreveu o poema “À Exímia actriz Emília
cartas – “de Vossa Excelência Primo e obriga- das Neves na noite do seu benefício”.
díssimo criado”, “Ilustríssimo Primo e Senhor” Bib: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
– não escondem a afetividade nem a sintonia po- tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 196;
lítica existente entre eles. Manuel Caetano Coe- Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século,
lho de Macedo rogava-lhe, entre outras coisas, que 1947, pp. 317-319; [Luís da Câmara Leme], Emília das
junto do juiz requeresse que este “indague bem Neves, documentos para a sua biografia, por um dos seus
admiradores [com fotografia e fac-símile da grande atriz],
as testemunhas”, a fim de elas esclarecerem o que Lisboa, Livraria Universal Silva Júnior, 1875, p. 433; Es-
de facto se passara enquanto os Voluntários Rea- teves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicionário
listas saqueavam a sua casa. “Com lágrimas re- histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico,
cebo as suas notícias...” – escrevia Mariana – e numismático e artístico, Vol. VII, Lisboa, João Romano
Torres, Editor, 1915, p. 229.
aconselhava: “Cautela! Cautela!”, porque “o [I. S. A.]
medo é muito por aqui”, devido à presença dos
Voluntários. Não obstante o perigo, ela não se exi- Mariana Torres
miu de tentar satisfazer todos os pedidos que lhe Atriz. Famosa no primeiro quartel do século XIX.
foram feitos. Esteve presa quatro anos, sem pro- Representou no Teatro do Salitre, onde entrou,
cesso formado. com grande sucesso, no drama Catarina II, Im-
Fontes: Instituto Nacional de Arquivos – Torre do peratriz da Rússia (1812). Nesse ano, na noite do
Tombo – I.G.P. Mç. 359, Cx. 601, Docs. 398-399. seu benefício, no Teatro da Rua dos Condes, re-
Bib.: Brito Rebelo, “Manuel Borges Carneiro,” O Ocidente,
15/12/1879, p. 186, col. 3; Zília Osório de Castro, Manuel citou Paródia ao Elogio, de António Xavier, em
Borges Carneiro e o Vintismo, Vol. I, Lisboa, Instituto Na- alusão ao Elogio para se Recitar na Abertura do
cional de Investigação Científica, 1990, p. 20. Teatro da Rua dos Condes, do seu rival José Agos-
[M. L. C. S.] tinho de Macedo recitado por Maria Inácia da Luz*
(22/10/1811) naquele teatro. Em 1813, dirigia uma
Mariana Rochedo companhia que inaugurou o Teatro Decente e, em
Atriz. Mariana e as três irmãs, Emília*, Adelai- 1815, apareceu, novamente, no Teatro do Salitre.
de e Hortense, viviam num 4.o andar da Calça- Adrien Balbi, falando de Mariana Torres, afirmava
da do Sacramento, frente ao Chiado, estudavam ter sido “a primeira atriz portuguesa, sobressaindo
música com o maestro Miguel Ramos e repre- muito nos papéis de paixão e tragédia” [Essai Sta-
sentavam pequenos papéis numa companhia do tistique sur le Royaume de Portugal, cit. por Sou-
Teatro da Trindade. Mariana foi discípula de Duar- sa Bastos]. Trabalhou, também, no Teatro do Bair-
te de Sá na Escola de Arte Dramática do Con- ro Alto. Entre os admiradores de Mariana Torres,
servatório e, como aluna subsidiada, fez provas esteve José Agostinho de Macedo, cujas home-
públicas com a peça Luísa, no Teatro D. Maria II, nagens ela desprezou e, que por vingança, es-
juntamente com Emília dos Anjos*, a 4 de feve- creveu As Pateadas do Teatro, Investigadas na Sua
reiro de 1865. Estreou-se como atriz naquele tea- Origem, e Causas, visando a atriz. Mariana Tor-
tro, em 1865, onde representou A Corte na Al- res mantinha, ao tempo, um romance com Car-
deia (1866), drama de Barrière, imitação de Men- los Morato Roma.
des Leal, e passou, depois, para os teatros do Prín-
cipe Real, onde entrou na peça Almirante da Es- Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1306;
quadra Azul, e Trindade, onde se estreou, a 17 António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
de maio de 1871, na zarzuela Pepe Hillo. De se- Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 196;
guida, foi para o Teatro Baquet, do Porto, e fez di- Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Di-
gressões pelas ilhas. No Teatro da Trindade, no cionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico,
heráldico, numismático e artístico, Vol. VII, Lisboa, João
Porto, fez parte do elenco da A Pata da Cabra, Romano Torres, Editor, 1915, p. 183; Grande Enciclopédia
última peça a ser representada antes do incên- Portuguesa e Brasileira, vol. XXXII, Lisboa/Rio de Janeiro,
dio, a 16 de junho de 1875. Viajou para o Brasil, Editorial Enciclopédia, Lda., s.a., p. 253; João Pinto de
MAR 722

Carvalho, Lisboa de Outros Tempos, t. II, Lisboa, Liv. An- tados do Povo, [1975]; Manuela Brotas, Francisca Vie-
tónio Maria Pereira, Editor, 1898, p. 265; José Agostinho gas e Elisa Maia, “Marieta da Silveira – a professora que
de Macedo, As Pateadas do Teatro, Investigadas na Sua não se esquece”, Ana Simões (coord.) Novas Memórias
Origem, e Causas, Lisboa, Impressão de João Nunes Es- de Professores Cientistas, Lisboa, Faculdade de Ciências
teves, Lisboa, 1825; Paulo Midosi, “Folhetim”, Diário de da Universidade de Lisboa, pp. 51-60, 2012; Maria He-
Notícias, 12/12/1881, p. 1. lena Florêncio e Manuela Brotas de Carvalho, “Em ho-
[I. S. A.] menagem – Marieta Amélia da Silveira (1917-2004)”, In-
fociências Digital, n.o 138, 07/10/2004, http://info-
Marieta Amélia da Silveira cienciasdigital.fc.ul.pt/antigo/noticia.aspx?id=1257&info
Professora catedrática jubilada. Nasceu nos =138&seccao=directo; Maria Júlia Neto Gaspar, A In-
vestigação no Laboratório de Física da Universidade de
Açores, em Vila de Madalena, ilha do Pico, em Lisboa (1929-1947), Dissertação de Mestrado em História
18 de julho de 1917 e faleceu em agosto de 2004, e Filosofia das Ciências da Faculdade de Ciências da Uni-
com 87 anos de idade. Prestigiada investigado- versidade de Lisboa, 2008.
ra, docente e cidadã empenhada, formou-se, em [J. E.]
1941, em Ciências Físico-Químicas na Faculdade
de Ciências da Universidade de Lisboa, para onde Marieta Mariz
entrou como assistente de Química em feverei- Atriz. Nasceu a 14 de março de 1878. Estreou-
ro do ano seguinte. Doutorou-se em 1946, com -se a 22 de dezembro de 1901 no Teatro da Rua
a tese Contribuição para o Estudo das Radiações dos Condes, Empresa José Joaquim Pinto, em
de Urânio X Complexo e, em 1969, foi aprova- Comissário de Polícia, comédia em 4 atos, de
da em concurso para professora extraordinária Gervásio Lobato. Fez os papéis de “Camila”, em
de Química. A sua carreira sofreu várias vicis- O Outro Sexo, e “Gertrudes”, em Gente para
situdes devido à sua postura oposicionista de há Alugar. Integrou a digressão ao Brasil organizada
muitos anos: assinou, em 1945, as listas do MUD; pela Companhia Ângela Pinto (1906).
protestou, em 1947, contra a demissão de 21 pro-
Bib.: Carlos Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memó-
fessores universitários, pedindo a sua reinte- rias de um actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional
gração; e colaborou com a Comissão Nacional de de Publicidade, 1950, p. 154; Joaquim Madureira (Braz
Socorro aos Presos Políticos. Assim, foi-lhe Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira,
cancelada uma bolsa de estudo para investiga- Lda. Editores, 1905, p. 479.
ção do Instituto de Alta Cultura; não foi con- [I. S. A.]
tratada aquando da criação do Centro de Estu-
dos de Energia Nuclear; e, em outubro de 1973, Marina Simões
foi impedida de ocupar uma vaga de professor Atriz. Estreou-se no Teatro Luísa Todi, de Setúbal,
catedrático. Após a revolução de Abril de 1974, na personagem “Fi-Fi” de Solar dos Barrigas,
militou no Partido Comunista, sendo candida- ópera cómica em 3 atos de Gervásio Lobato e
ta a deputada para a Assembleia Constituinte D. João da Câmara, música de Ciríaco Cardoso.
pelo distrito de Lisboa. Autora de diversos tra- Casou a 27 de novembro de 1918 com o barítono
balhos de investigação e de divulgação científica, Pita Simões e fez, depois, uma digressão pelas
dedicou-se, segundo Maria Helena Florêncio e ilhas com a empresa teatral de Jaime Zenoglio.
Manuela Brotas de Carvalho, durante mais de 40 Representou no Teatro S. Luís, em Lisboa, no pa-
anos, “ao ensino da química e à investigação, sem pel de “Regularidade”, na revista Pé-de-Meia,
abdicar da sua posição política e dos seus direitos de Eduardo Schwalbach, ao lado de Joaquim
de cidadania. Teve um papel muito ativo na vida Costa e de Maria Pinto*. Enveredou pelo teatro
universitária e marcou dezenas de gerações de de declamação, percorrendo teatros do Porto e
jovens, alunos de diversas licenciaturas, prin- ilhas com a companhia de Carlos de Oliveira,
cipalmente de Química, mas também de Física, onde teve grande sucesso nos papéis de “ingé-
Biologia, Geologia, Farmácia, Arquitetura, etc., nua”, com particular sucesso em “Miré”, da peça
que hoje se encontram em todos os graus da hie- Mamelick, e “Berta”, em Pai. Em 1922, integrou
rarquia social. De alguns desses antigos alunos, a Sociedade Artística do Teatro Nacional, sob
depois de tantos anos, é possível ouvir: foi a me- a administração de Luís Galhardo.
lhor e a mais doce professora que tiveram durante
Bib.: L. Freitas, “Álbum de honor” – Marina Simões”,
a sua formação” [2004].
Mundo Teatral, Lisboa, n.o 10, 1-15 de outubro, 1922,
Bib.: Direção da Organização Regional de Lisboa do Par- p. 12.
tido Comunista Português, Candidatos do PCP, Depu- [I. S.A.]
723 MAR

Marquesa de Pomares Mathilde Bensaúde


v. Maria Manuela de Brito e Castro de Figuei- v. Mathilde Simon Rachel Bensaúde
redo e Melo da Costa Lorena
Mathilde Simon Rachel Bensaúde
Marquesa de Ponta Delgada Fitopatologista. Nasceu a 23 de janeiro de 1890
v. Leonor da Câmara e faleceu a 22 de novembro de 1969, em Lisboa.
Era filha de Alfredo Bensaúde, mineralogista e
Marquesa de Tomar (1.a) geologista, então distinto professor do Instituto
v. Luísa Meredith Read Industrial e Comercial de Lisboa e, a partir de
1911, diretor do Instituto Superior Técnico, e de
Marta Ortigão Sampaio Jane Bensaúde (Jeanne Eleonore Oulman Ben-
Nasceu no Porto a 31 de julho de 1897, filha de saúde*), que deu uma importante contribuição
Vasco Ortigão Sampaio, sobrinho do escritor Ra- para a reforma do ensino primário em Portugal.
malho Ortigão, e de Estela de Sousa, irmã das pin- Casou com Wulf Gotz, natural da Lituânia, de
toras Aurélia de Sousa e Sofia de Sousa. Casou quem se divorciou. Mathilde cursou Ciências
em 1947 com Armando Fernandes Sequeira, in- Biológicas na Universidade da Sorbonne, em Pa-
dustrial do Porto. Faleceu em São Mamede de In- ris, onde desenvolveu um estudo sobre La Se-
festa a 26 de março de 1978. Fez aprendizagem xualité chez les Champignons Basidiomycètes,
de pintura em moldes académicos e foi uma apai- cujas conclusões mereceram notícia em revista
xonada colecionadora de obras de arte. Em 1958, científica e em cujo tema se doutorou, em
após a morte do marido, projetou um edifício no 1918, com a tese intitulada Recherches sur le Cy-
Porto, destinado para a sua habitação, estando sub- cle Évolutif de la Sexualité chez les Basidio-
jacente a ideia de instalar aí a Casa-Museu. Por mycètes, trabalho inovador classificado com 18
testamento, legou a casa e as suas coleções, her- valores. Em 1928, foi para Wisconsin, EUA, onde
dadas e por ela ampliadas, à Câmara Municipal continuou os estudos, dedicando-se, desde en-
do Porto. A Casa-Museu Marta Ortigão Sampaio, tão, à investigação fitopatológica. Nessa área, de-
na Rua N.a Sr.a de Fátima, 229, abriu ao público senvolveu estudos sobre doenças e pragas de di-
em 1996. Abrange três núcleos: pintura, joalha- versas culturas, como o ananás e a batata. Tra-
ria erudita e de tradição popular e mobiliário. Fa- balhou no Instituto de Investigação Científica Ro-
zem parte do acervo a biblioteca e o jardim. cha Cabral, em Lisboa, e, a partir de 1931, pas-
Bib.: Cruz Malpique, Ramalho Ortigão, Porto, Editora
sou a desempenhar o cargo de chefe da Divisão
Educação Nacional, 1957, p. 287; Rodrigo Ortigão de Oli- de Serviços de Inspecção Fitopatológica. A ela
veira, A Família Ramalho Ortigão, Porto, edição de au- se devem as primeiras legislações sobre fitos-
tor, 2000, p. 234; Desdobrável Casa-Museu Marta Orti- sanidade no país. Nos Açores, montou um ser-
gão Sampaio, Porto, 1996. viço de assistência fitopatológica aos cultivadores
[E-M. v. K.]
de ananás. Doou à Biblioteca Nacional de Lis-
boa, em 1963, a “Livraria de Jane e Alfredo Ben-
Martha Amstad
saúde”. Faleceu na Casa de Saúde da Cruz Ver-
Cantora lírica e professora. De origem suíça, nas-
melha Portuguesa, em Lisboa, e o corpo foi tras-
ceu em 1889 e faleceu, no mesmo país, em 1981.
ladado para o Cemitério Israelita do Bairro de
Teve uma carreira internacional. Depois de a aban-
Santa Clara, em Ponta Delgada, ilha de S. Miguel,
donar, foi convidada para professora de canto no
Açores, onde repousam seus pais. Colaborou na
Conservatório de Música do Porto e, posterior-
revista Actualidades Biológicas, do Instituto Ro-
mente, no Conservatório Regional de Música de
cha Cabral.
Ponta Delgada. Tinha uma personalidade atraen-
te e gostava de partilhar as suas experiências e Da autora: “Flagellatesa in plants”, Phytopathology, Vol.
conhecimentos com o próximo. XV, n.o 5, maio, 1925; “Comparative studies of certain Cla-
diosporium diseases of stone fruits” [em colaboração com
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1261, 13/11/1981. o prof. Kaeitl], Idem, V. 18, n.o 4, abril, 1928; “Desinfecção
[A. V.] da semente do trigo pelo carbonato de cobre”, Boletim
da Estação Agrária Central, n.o 3, série C, julho, 1928;
“Doenças de plantas e meios de as combater”, Cartilha
Maternidade de Cascais do Lavrador, n.o 6, Porto, edição da Enciclopédia da Vida
v. Obra Maternal Maria Amália Vaz de Car- Rural, Imp. Moderna, Lda., 1929; Notes on wheat diseases
valho in Portugal, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1929;
MAT 724

“Note sur le Phytophthora parasite des circus au Portu- to maior do que se usasse da sua voz somente
gal”, Comtes rendus des séances de la Société Portugaise para ser ouvida nos concertos particulares e con-
de Biologie, t. III, 1929; “O cancro das plantas será um
tumor maligno?”, Actualidades Biológicas, V. I, 1929; sumisse riquezas que o pai lhe tivesse legado”
“L’Helminthosporium tetramera Mc. K. sur le blé de An- [p. 1, col. 2]. O espetáculo-benefício promovido
gola”, Idem, t. 103, 1930; “A verruga negra e o escaravelho por nomes como duquesa de Palmela*, marquesa
americano”, Campanha de Produção Agrícola, Lisboa, de Fronteira e Alorna, condessas de Ficalho* e
Serviço de Publicidade do Ministério da Agricultura, fo- de Burnay*, Maria Amália Vaz de Carvalho, con-
lheto n.o 10, 1931; A Degenerescência das Batatas, Coim-
bra, Imprensa da Universidade, 1931; A Formiga Ar- de de Sabugosa, Luís de Soveral e tantos outros,
gentina, Métodos para a Combater [em col.] (1932); O contou com as presenças da rainha D. Maria Pia*,
Aguado das Laranjeiras e Limoeiros, Lisboa, Ministério da princesa D. Amélia* e do infante D. Afonso.
da Agricultura, 1932; Note préliminaire de Mathilde Ben- O banqueiro e filantropo conde de Franco ofe-
saúde à “Multiplication et migration du Corynebacterium receu um alfinete de brilhantes e entregou pela
Spedonium dans les tissus des plantes infectées”, Boletim
da Sociedade Broteriana, V. XX, 2.a série, Alcobaça, Tip. sua frisa a quantia de cem mil réis. Matilde Mar-
Alcobacense, Lda., 1946; “Leis e batatas”, Sep. de Na- celo cantou a ária das jóias do Fausto, uma se-
turália, V. III, fasc. I-IV, 1957-1958, Coimbra, Tip. Coim- renata do compositor Braga, a ária do Cid de Mas-
bra Editora, 1958. senet, duas melodias de Pauline Viardot e a ária
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 137;
do IV ato da Força do Destino. Comparticiparam
José Maria Abecassis, Genealogia Hebraica, Portugal e Gi- no concerto os irmãos António e Francisco de
braltar, Sécs. XVII a XX, Vol. II, Lisboa, Livraria Ferin, Andrade, cantores, Alexandre Rey Colaço, pia-
1990-1991, pp. 211-212; Grande Enciclopédia Portuguesa nista, e Júlio Caggiani, violinista. Os jornais da
e Brasileira, Vol. IV, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial En- época teceram elogios ao valor artístico de Ma-
ciclopédia, Lda., s.a., pp. 536-537; Lello Universal, Di-
cionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, Vol. I, Porto, Lel- tilde Marcelo. Fonseca Benevides foi menos be-
lo & Irmão, Editores, 1986, p. 326; O Grande Livro dos Por- névolo, afirmando que os aplausos se ficaram a
tugueses, Círculo dos Leitores, Lda., 1990, p. 90. dever, principalmente, “à proteção que encon-
[I. S. A.] trou na alta sociedade, onde havia ainda muitas
das relações de seu pai” [p.51]. Na semana se-
Matilde de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de guinte, Matilde partiu para a Madeira, natura-
Bettencourt lidade da família, onde cantou no Teatro D. Ma-
Cantora lírica. Nasceu em Lisboa, em 5 de fe- ria Pia, a partir da República denominado Tea-
vereiro de 1858, vindo a falecer em Vichy a 17 tro Dr. Manuel de Arriaga.
de abril de 1941. Era neta de Matilde Isabel de
Bib.: Francisco da Fonseca Benevides, O Real Teatro de
Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt*, S. Carlos de Lisboa, Lisboa, Tipografia e Litografia de Ri-
viscondessa das Nogueiras, e prima coirmã de cardo de Sousa e Sales, 1902; J. Moniz de Bettencourt,
Maria Celina de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz O Morgadio de Vilar de Perdizes, Lisboa, 1986; Mário
de Bettencourt de Sauvayre da Câmara*. Para Moreau, “Matilde de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de
Bettencourt”, Zília Osório de Castro e João Esteves (dir.),
além de ter atuado em palcos franceses, italia- Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), Lisboa, Li-
nos e americanos, Matilde Marcelo (nome ar- vros Horizonte, 2005, p. 770; Rodrigues de Freitas, “A
tístico) deu um recital no Teatro de São Carlos, filha do visconde de Nogueiras”, O Século, 04/04/1888,
de Lisboa, em 8 de abril de 1888. Esse espetá- p. 1, cols. 1-3; “Matilde Marcelo (Nogueiras)”, Diário Ilus-
trado, 07/04/1888, p. 1, col. 1; “Espetáculos”, O Dia,
culo destinou-se “a adquirir os meios necessá- 08/04/1888, p. 2, cols. 3-4; “Matilde Marcelo”, Diário Ilus-
rios para custear os encargos deixados pelo de- trado, 15/04/1888, p. 1, col. 4.
saparecimento do pai e a permitir-lhe manter sua [M. E. S.]
mãe e irmãos, privados de recursos” [J. Moniz
de Bettencourt, pp. 86-87]. A esse propósito, Ro- Matilde Isabel de Sant’Ana e Vasconcelos Mo-
drigues de Freitas criticava aqueles que lasti- niz de Bettencourt
mavam ser obrigada uma senhora do estrato so- Filha de José Joaquim de Vasconcelos, capitão de
cial de Matilde Marcelo a ter uma profissão para milícias, cavaleiro da Ordem de Cristo e inspe-
manter a família. Esses comentários, no seu en- tor da Alfândega da Madeira, e de sua mulher
tender, só provavam “o atraso de ideias sobre a Francisca Emília Teles de Meneses, Matilde
educação e sobre o merecimento do trabalho” [p. Isabel nasceu no Funchal a 14 de março de 1806
1, col. 1]. E acrescentava: “D. Matilde Sant’Ana e morreu, na mesma cidade, em 23 de dezembro
e Vasconcelos, ganhando a subsistência para si de 1888, sendo sepultada no Cemitério das An-
e sua família, terá valor moral e económico mui- gústias. Casou a 5 de novembro de 1823 com Ja-
725 MAT

cinto de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bet- remedo desses livros, onde se pintam as ideias
tencourt, 1.o visconde das Nogueiras, título con- e os costumes de uma época; livro amenizado
cedido em 1867 por D. Luís I, e que provém do pela ficção, mas que também fosse útil à moci-
nome de uma quinta pertencente à família, si- dade por sua moral” [“Prólogo”, s.p.]. Eram já os
tuada no lugar da Barreira, freguesia de Santo An- seus dotes de pedagoga revelados cinco anos mais
tónio da ilha da Madeira. O visconde das No- tarde em Diálogos entre Uma Avó e Sua Neta, que
gueiras foi um entusiasta das ideias liberais, ten- o Conselho Geral de Instrução Pública entendeu
do por isso de abandonar o Funchal após a acla- aprovar para uso das escolas oficiais. Os Diálo-
mação de D. Miguel e, depois de várias vicissi- gos, realizados ao longo de 33 tardes, abordan-
tudes, veio a participar no cerco do Porto inte- do sete disciplinas (Religião, Civilidade, Geo-
grado no exército de D. Pedro. Do casamento de grafia, História, Música, Aritmética e Gramática),
Matilde Isabel com Jacinto nasceram dois filhos: dirigiam-se à neta “minha Maria”. Possivel-
Jacinto Augusto de Sant’Ana e Vasconcelos Mo- mente, a neta mais velha da viscondessa, Maria
niz de Bettencourt, lendário estroina da Lisboa Celina de Sauvayre da Câmara*, que, em preito
oitocentista, casado com Maria da Graça de Sou- de homenagem e reconhecimento, lhe viria a de-
sa Pereira Coutinho, da casa de Vilar de Perdi- dicar a sua narrativa de viagem De Nápoles a Je-
zes, e pai de três filhos e uma filha, a cantora lí- rusalém. O que levou a viscondessa das Nogueiras
rica Matilde Marcelo, nome artístico de Matilde a escrever essa obra didática foi “a carência de
de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt*; um livro português adequado à primeira idade”,
e Matilde Lúcia, casada com João Sauvayre da por isso tratou “de reunir nesta obra, como em
Câmara, e mãe de Maria Celina, Maria das Do- um quadro, o melhor do que por muitos volumes
res e Matilde de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz anda disperso: juntei-lhe minhas próprias ob-
de Bettencourt de Sauvayre da Câmara. Resu- servações e arranjei-o à portuguesa e para por-
mindo, a 1.a viscondessa das Nogueiras teve dois tugueses” [“Prólogo”, s.p.]. E fechava o preâm-
filhos, três netos e quatro netas. Refira-se, ainda, bulo com palavras proféticas: “as minhas netas
que era cunhada da romancista Maria do Mon- hão-de lê-la algum dia, e darão uma lágrima de
te de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Betten- saudade à memória de sua avó” [“Prólogo”, s.p.].
court*, irmã de seu marido. Também Matilde Isa- Efetivamente, Maria Celina, cerca de 40 anos de-
bel se distinguiu como romancista, poetisa, tra- pois, assim o fez. Para além dos originais referi-
dutora e pedagoga. Contudo, hoje é um nome qua- dos, traduziu da língua francesa para o nosso idio-
se esquecido. A este respeito, vale a pena repe- ma As Castelãs de Roussillon, de Eugénie de la
tir as palavras do visconde do Porto da Cruz: “Es- Rochère, dedicando-a a Maria Miquelina Perei-
crevia prosa adorável […]. Num meio que não fos- ra Pinto, presidente da Associação de N.a Sr.a dos
se o do Funchal ainda hoje a figura da viscondessa Aflitos; Genoveva, de Lamartine, referenciada por
das Nogueiras teria uma auréola de esplendor” todos os biógrafos, mas que não se encontrou dis-
[pp. 45-46]. Talvez se pudesse, pertinentemen- ponível para poder fornecer mais alguma infor-
te, acrescentar … e se não fosse um nome femi- mação; História de Santa Mónica, de monsenhor
nino!... Bulhão Pato, no início da década de 1850, Bougaud, bispo de Laval, que permitiu a tradu-
conheceu-a na Madeira: “Estava ela então na for- ção e cuja 1.a edição em português data de 1884.
ça da vida. Educação, carácter, beleza de rosto e O seu último trabalho foi a versão em francês de
graça de figura, distinção em tudo, e um talen- Eurico, o Presbítero, de Herculano. Saiu em Pa-
to superior, faziam desta senhora um dos entes ris no ano de 1888 com o título Eurico, le Prêtre,
mais encantadores que tenho conhecido!” [p. por iniciativa do príncipe russo Nicolau de Ol-
151]. Foi este o retrato que o autor de Paquita dei- denburgo, residente na Madeira entre 1884 e
xou da viscondessa das Nogueiras. Além de ar- 1885, onde frequentou o solar da família Sant’Ana
tigos e poesias publicados em periódicos do ar- e Vasconcelos, na Rua da Mouraria. A viscondessa
quipélago e do continente, colaborou com a nota das Nogueiras morreu aos 82 anos, depois de so-
“Maio” em Os Fastos de Ovídio, tradução do la- frer os sucessivos desaparecimentos dos entes
tim dirigida por Castilho. Escreveu o romance O mais queridos – o marido, em 1870, a filha, em
Soldado de Aljubarrota, assinado M.S.A. e V., que 1878, e o filho, que a precedeu na morte 11 me-
a própria autora confessou não pretender clas- ses. Em Portugal, a ressonância do óbito desta se-
sificar de romance histórico. Mas, apenas, “para nhora foi quase nula. Compulsados, pelo menos,
distrair-me nas horas vagas, tentei fazer um ar- os jornais de maior tiragem no continente, ape-
MAT 726

nas o Novidades, de 2 de janeiro de 1889, anun- Medicina e Mulher


ciava que “no dia 4, às 10 horas da manhã, reza- Nos finais do século XIX e inícios do século XX,
-se uma missa na Igreja de Santa Isabel, por alma os médicos, invocando a cientificidade do seu sa-
da viscondessa das Nogueiras (D. Matilde)”. ber, ajudaram a consolidar a subordinação da mu-
Da autora: As Castelãs de Roussillon, de Eugénie de la lher. É que, para os clínicos, o lugar da mulher na
Rochère [tradução], Lisboa, Tipografia da Revista Uni- sociedade devia ter em conta a sua natureza bio-
versal, 1851; O Soldado de Aljubarrota, Lisboa, Imprensa lógica, e só a medicina estaria apta a determiná-
Nacional, 1857, 168 pp.; Diálogos entre Uma Avó e Sua -lo. Como afirmará o médico Jaime Almeida, “es-
Neta, Lisboa, Imprensa Nacional, 1862, 131 pp.; “Maio”,
Ovídio e Castilho, Os Fastos, Tomo III, Lisboa, Tipografia tava destinada à medicina a solução de uma gran-
da Academia Real das Ciências, 1862, pp. 189-190; His- de parte da questão feminista”, pois a ela compete
tória de Santa Mónica, de monsenhor Bougaud [tradu- “estudar atentamente a constituição orgânica e a
ção], 2.a edição portuguesa, Guimarães, Centro de Pro- psicofisiologia da mulher, ditar os princípios em
paganda Católica em Portugal, 1888 (1.a ed., 1884); Eu-
rico, le Prêtre, de Alexandre Herculano [tradução], Pa-
que há de firmar-se a sua educação física, inte-
ris, Imprimerie Charles Noblet et Fils, 1888. lectual, moral e profissional, instruí-la na sua aben-
Bib.: Bulhão Pato, Memórias, tomo II, Lisboa, Perspec- çoada missão materna, fomentar a criação de ma-
tivas e Realidades, 1986; Fernando Augusto da Silva e ternidades […], de lactários e de creches, resol-
Carlos Azevedo de Meneses, Elucidário Madeirense, II ver os magnos problemas do seu trabalho e da
Vol., Funchal, Secretaria Regional de Turismo e Cultu-
ra, 1984; J. Moniz de Bettencourt, Os Bettencourt. Das prostituição”. Os médicos insistiam que só uma
origens normandas à expansão atlântica, Lisboa, 1993; leitura correta dos dados científicos, feita pela me-
visconde do Porto da Cruz, Notas e Comentários para dicina, solucionaria a questão; e, assim, com ve-
a História Literária da Madeira, II Vol., Funchal, edição lhos argumentos vestidos de novo, reforçou-se o
da Câmara Municipal do Funchal, 1951; Novidades, Lis-
boa, 02/01/1889, s.p., col. 1. papel tradicional da mulher. O dimorfismo sexual
[M. E. S.] explicava-se invocando o evolucionismo: quan-
to mais evoluída a sociedade, maiores seriam as
Matilde Marcelo diferenças físicas e sociais entre os sexos. Qual-
v. Matilde de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de quer esforço para contrariar esta tendência tra-
Bettencourt duzir-se-ia, inevitavelmente, em regressões que
ameaçavam o destino da humanidade. Daí que um
Matilde Pola dos temas fortes dos que combatiam os movi-
Atriz. Era filha da atriz Maria das Dores de Araú- mentos que visavam a emancipação feminina in-
jo Couto Pola* e do ator César Pola. Frequentou cidia na exploração dos receios da masculiniza-
o Conservatório Nacional. Ainda representou, ção da mulher, que ocorreria se se desse guarida
mas deixou a cena para casar com um dos em- às suas reivindicações, dado que estas poriam em
presários Ruas. No Príncipe Real, representou o causa o ordenamento da sociedade, os lugares e
papel “Francisca, a criada”, em A Carvoeira as identidades sociais dos dois sexos. Aceitar a
(1896), drama em 5 atos e 7 quadros de H. Cré- modificação seria questionar o papel público do
mieux e P. Decourcelle, tradução de Acácio An- homem e o confinamento doméstico da mulher.
tunes e Eduardo Schwalbach, ao lado da mãe. Daí o esforço na fundamentação do comporta-
Depois da morte do pai, ela e a mãe lutaram com mento feminino normal. Mas, como definir a nor-
muitas dificuldades e o coval daquele, no Ce- malidade? Como há muito apurou Georges Can-
mitério dos Prazeres, foi pago pelos amigos. Em guilhem, ao longo do século XIX, o pensamento
1912, tentou suicidar-se. médico sobre o normal e o patológico parece as-
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis- sentar em duas ideias interligadas: por um lado,
boa, Editorial Século, 1947, p. 114; Eduardo Fernandes a crença de que todo o estado patológico teria cor-
(Esculápio), Memórias, Lisboa, Parceria António Maria respondência na fisiologia, e, por outro, de que
Pereira, 1940, p. 92; Joaquim Madureira (Braz Burity), não havia, verdadeiramente, uma diferença qua-
Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda.
Editores, 1905, p. 479; Revista Teatral, 3.a série, 2.o Vol.,
litativa essencial entre o normal e o patológico;
n.o 26, 15/01/1896; O Século, 16/08/1912. o que os separava seria da ordem meramente quan-
[I. S. A.] titativa. É verdade que o pensamento médico e an-
tropológico oitocentista insistia em afirmar que
Mayá não se poderia fazer uma leitura unívoca da nor-
v. Maria Margarida Canavarro de Meneses Fer- malidade. Isto é, para cada classe, raça, idade ou
nandes Costa sexo haveria um modelo de normal, a partir do
727 MED

qual se poderia aferir o desvio. Só que o mode- 1888, o recém-licenciado em Medicina António
lo normal feminino, que se confundia com o de Correia de Campos, “em lugar de aprender gre-
mulher ideal – leia-se como o homem exigia que go, alemão, geometria, medicina e direito, ensi-
a mulher fosse –, ainda que resultasse do apura- ne-se-lhe antes como se devem dirigir os traba-
mento das características da média do seu sexo, lhos culinários”, assim como “línguas, mas sim-
tinha por referência o modelo masculino normal. plesmente para poder conhecer as belezas que se
No que dizia respeito às recentes exigências fe- encontram disseminadas por tantos autores clás-
mininas, como se afirmava, em 1881, nas páginas sicos”; ela devia, ainda, aprender a extasiar-se
da Coimbra Médica, convinha “investigar se as “com Rubens, Rafael, Miguel Ângelo”, apreciar
aptidões físicas, intelectuais e morais do sexo fe- a boa música, mas não perder tempo à janela, de-
minino são iguais às do sexo masculino, e podem vendo antes ocupar-se em desenhar ou em estu-
ter as mesmas aplicações: por isso que, se a re- dar piano. Como se vê, propunha-se uma educação
solução de tão importante questão não for con- esmerada, mas restritiva, com um controlo severo
forme à índole e natureza de cada um dos sexos de leituras e uma fiscalização atenta da quanti-
ocasionará funestas consequências quer para a mu- dade de religião a ingerir, e, sobretudo, uma aten-
lher, quer para a sociedade”. Seguindo o modo ta vigilância do seu comportamento social e se-
quantitativo que permitia distinguir o normal e xual. A mulher normal, companheira do homem,
o patológico, a mulher era sempre percebida com devia aprender a concentrar-se no seu destino na-
o sinal de menos. Porque marcada por uma me- tural, e este, inquestionavelmente, não era “de-
noridade natural, a mulher possuiria uma natu- fender um réu, atacar uma doença ou levantar a
reza menos capaz de sentido moral, uma menor planta de um edifício; é mais nobre: é ser filha obe-
capacidade reflexiva, e uma incapacidade para re- diente, nutrir e educar os filhos, amar e respeitar
frear emoções, por ser facilmente sugestionável, o esposo”. Assim, o lugar da mulher teria de obe-
tudo fragilidades que justificavam a sua subor- decer a uma natureza que a havia marcado in-
dinação ao homem. E estas várias incapacidades delevelmente, ainda que se admitisse que a sua
morais e intelectuais eram justificadas com ar- menoridade era suscetível de algum adestramento.
gumentos tidos por científicos e legitimadores de Os trabalhos dos médicos e antropólogos, que pro-
uma estreita vigilância do seu comportamento, curaram a tradução fisiológica das características
particularmente do seu comportamento sexual, da natureza feminina, limitaram-se a comprovar,
em torno do qual se estruturam quase todos os in- com métodos de aparência científica, a sabedo-
terditos. A ciência ajudou a legitimar o poder mas- ria de senso comum. E valerá a pena determo-
culino sobre a mulher, invocando múltiplos ar- -nos nestes trabalhos de autoridade, sempre in-
gumentos de autoridade: Darwin, porque come- vocados por aqueles que se debruçaram sobre a
tia à fêmea um papel passivo na seleção sexual; questão feminina no nosso país. Em 1896, os co-
Haeckel, porque, com a sua teoria da recapitula- nhecidos Lombroso e Ferrero, apesar de aceita-
ção, fundamentava a menoridade da mulher, que rem não haver um modelo unívoco de normal –
guardaria, fisicamente, na menor estatura e peso, o que, em rigor, significaria que o critério utilizado
as provas da sua infantilidade; Spencer, porque devia ser próprio a cada categoria –, inferem e
teria mostrado que a maturação mais lenta do ho- constroem o modelo de normalidade feminina à
mem seria uma das provas da sua maior perfei- luz do modelo do homem. Assim, constatam que
ção e, invocando uma das leis da termodinâmi- em todas as raças humanas a fêmea é inferior ao
ca, defendera que as energias disponíveis no or- macho em peso e em altura. Uma inferioridade
ganismo feminino eram canalizadas para as tarefas de aparência que tinha correspondência em to-
de reprodução, impedindo o desenvolvimento de dos os órgãos: na conformação anatómica dos ór-
outras áreas – nomeadamente, o sentido moral e gãos dos sentidos, o olho era menor, o nariz e a
a racionalidade. Em síntese: dadas as suas limi- orelha mais curtos, o canal auditivo mais estrei-
tações, a mulher podia apenas aspirar a ser uma to, com menor capacidade recetora e menor ca-
companheira secundária do homem. A sua na- pacidade refletora dos sons. Não espantava, por
tureza, insistia-se, predispunha-a para o bom de- isso, que também o cérebro e o crânio fossem no-
sempenho desse papel. Assim, defendia-se: ela de- tavelmente inferiores. Menores dimensões, isto
via ser culta, para poder ouvir o seu companheiro é, um tamanho semelhante ao do jovem do sexo
com alguma inteligência e ter alguns conheci- referencial e a ausência da barba (outra caracte-
mentos, mas não demais, pois, como diria, em rística de criança do sexo masculino), permitiam
MED 728

concluir que a mulher era mais infantil do que o mulher, parece-lhe lógico concluir, quer pela sua
homem, o que justificava a sua tutela. Ora, será maior aptidão para mentir – afirmação rica de im-
a partir da demonstração da inferioridade sensorial plicações e que justificava a não aceitação do tes-
que toda a argumentação seguinte se deduz. Por temunho da mulher em tribunal –, quer pela maior
isso, a opinião corrente que insistia em reconhecer crueldade feminina, as armas ao dispor dos fra-
a maior sensibilidade feminina não teria qualquer cos. E, somando a menor sensibilidade a uma
fundamento, já que todas as evidências fisiológicas maior impulsividade, permitida pela educação,
apontavam no sentido contrário. Tendo exami- e à maior irritabilidade, defende a ideia de que a
nado cem homens que – segundo a sua teoria – mulher é um ser incapaz de se dominar. Daí que,
representavam a verdadeira normalidade, Lom- como ser fraco à mercê dos mais fortes – os ho-
broso comparará os resultados obtidos aos re- mens –, a sugestionabilidade feminina explica-
sultados dos exames efetuados a cem mulheres, va os excessos de religiosidade, o que impunha
para concluir que as mulheres têm menos tato, me- a necessidade da sua proteção e uma vigilância
nos cheiro, menos ouvido e menos gosto – à ex- especial sobre a sua educação. A menor inteli-
ceção da sensibilidade ao açúcar (mas, afinal, to- gência feminina também parece ser indiscutível.
dos sabiam as mulheres eram gulosas). Só o sen- Afirmou o sábio de Turim que esta decorria da me-
tido da vista parecia escapar a esta regra anató- nor sensibilidade geral, porque, como se sabia des-
mico-quantitativa, a qual, na escala hierárquica de Aristóteles, nihil est in intellectus quod prius
dos seres, colocava a mulher abaixo do homem. non fuerit in sensu. E a menor sensibilidade e in-
As cem mulheres examinadas pareciam ter maior teligência da mulher eram, além do mais, prova
sensibilidade cromática do que os homens e a ex- da imensa sabedoria natural, pois de que outro
plicação parecia simples aos olhos do mestre ita- modo a mulher se sujeitaria, uma e outra vez, aos
liano: “mais ici, peut-être, faut-il tenir compte de incómodos da gravidez e às dores do parto? Lom-
l’habitude spéciale engendrée par le travail de bro- broso não negou que a estupidez desta metade da
derie, car on ne connaît pas une femme qui ait été humanidade se devia, em parte, à inércia força-
grande coloriste”. Com uma frase, Lombroso con- da do cérebro a que o homem condenara a mu-
segue negar talento criador à mulher, afirmar a uti- lher. Mas não o espantou a superior inteligência
lidade das prendas domésticas e, simultânea e con- masculina, fruto da seleção sexual, que incitava
traditoriamente, admitir que um dos sentidos po- o macho à luta e à escolha, operações intelectuais
dia ser treinado para superar a sua inferioridade estimulantes. Já a fêmea nada mais tinha a fazer
natural. Contraditoriamente, porque, bem vistas senão aceitar, passivamente, o vencedor, qualquer
as coisas, inscrever na natureza biológica da mu- que ele fosse, e para isso não se tornavam ne-
lher as razões do seu papel secundário era, cessárias aptidão ou inteligência. Não duvidava
como sublinhou Pierre Bourdieu, afirmar a im- que a inteligência variava na razão inversa da fe-
possibilidade de alteração. À menor acuidade dos cundidade, pelo que só podia surpreender-se por
sentidos correspondia, logicamente, uma menor ela não ser ainda mais obtusa. Na verdade o sá-
capacidade emocional e uma menor sensibilidade bio italiano só reconhecia à mulher formas au-
à dor. O embotamento dos sentidos, que negava tomáticas de inteligência, das quais destacava a
a superior sensibilidade feminina, conduz Lom- astúcia. E, desta menoridade essencial, decorriam
broso a distinguir entre a capacidade sensitiva e as menores capacidade criadora e originalidade.
a exteriorização. As mulheres teriam não uma sen- As mulheres seriam inimigas do progresso e con-
sibilidade acrescida, mas uma irritabilidade servadoras por natureza, e, além do mais, teriam
maior – característica que ele relaciona com a his- guardado hábitos e propensões atávicas de tem-
teria, isto é, com uma superexcitabilidade. Tal pos primitivos, como o demonstravam o gosto pe-
como o bordar treinara o sentido da vista e per- las jóias e pelos cosméticos. Na mulher, como na
mitira a este sentido um melhor desempenho, a criança, também o sentido moral era inferior. Note-
educação feminina, menos exigente na repressão -se que a utilização da expressão “sentido moral”
das manifestações de sensibilidade, permitia e es- tornava-se necessária à argumentação. É que, se
timulava a exteriorização da dor e das lágrimas. os outros sentidos femininos eram menos apu-
Da análise e interpretação dos resultados dos exa- rados porque haveria este, mesmo sem ter loca-
mes médico-antropológicos, Lombroso infere as lização anatómica precisa e mensurável, de se
capacidades intelectuais e morais da mulher. Des- comportar de forma diferente? Como prova do me-
te modo, e tendo estabelecido a fraqueza física da nor sentido moral da mulher, o médico italiano
729 MED

invocava o envio de cartas anónimas, prática que portância e o impacto do pensamento que temos
o senso comum não duvidava ser um hábito fe- vindo a expor. Ainda que, por influência da so-
minino. Lombroso não podia deixar de partilhar ciologia francesa, ou pela leitura da obra de Stuart
a opinião aceite pela comunidade científica do seu Mill, aqui e ali, vozes discordantes – como a de
tempo: a mulher estaria marcada, naturalmente, Jaime Almeida – insinuassem que a natureza da
pelas incapacidades resultantes do seu papel na mulher, tal como o pensamento médico a vinha
reprodução. Assim, o maior desenvolvimento dos definindo, mais não era do que um “produto emi-
órgãos sexuais primários e secundários do corpo nentemente factício […], resultado de uma com-
feminino não podia deixar de suscitar a curiosi- pressão forçada num sentido e estímulo artificial
dade dos autores que temos vindo a citar. É que, em um outro”. E, diga-se em abono da verdade,
pela lógica da argumentação quantitativa utilizada que também a antropologia ia corrigindo alguns
na interpretação, isso deveria significar um excessos: aos olhos de alguns, poucos, relacionar
maior apetite sexual. Ora, era bem sabido, a mu- a inteligência com o volume ou o peso do cére-
lher caracterizava-se, também, por um menor de- bro começava a parecer questionável, tanto mais
sejo e interesse sexuais. Assim, esta aparente con- que o argumento levado às suas últimas conse-
tradição da natureza só encontrava explicação se quências daria pertinência a esta hipótese: por-
se percebesse que o desenvolvimento referido era que não admitir que o elefante ou a baleia eram
necessário à sobrevivência da espécie; isto é, só mais inteligentes do que o homem? Sintetizando:
o desejo de maternidade empurrava a mulher para ao querer definir a normalidade feminina, a me-
o homem, e todo aparato sexual feminino tinha dicina finissecular – porque utilizava um mode-
apenas uma função de chamariz. Mas, como re- lo quantitativo na distinção entre o normal e o pa-
conhecidamente se saberia pelos trabalhos dos an- tológico, e utilizava como referente o homem –
tropólogos e arqueólogos que estudavam os es- acabava por definir a mulher como um ser di-
queletos dos antepassados da humanidade, os ór- minuído, vocacionalmente patológico. Deste
gãos sexuais secundários eram, então, menos de- modo, as fraquezas e debilidades da mulher não
senvolvidos, este facto também carecia de ex- eram explicadas como o resultado de um longo
plicação. O pudor, consequência moral da civi- processo de menorização imposta mas, acreditava-
lização, obrigara ao encobrimento do corpo; daí se, eram o resultado de uma fatalidade natural.
a evolução dos atrativos visuais da mulher, sem Assim, não surpreende que, nas páginas da Me-
os quais não conseguiria suscitar o interesse do dicina Contemporânea, em 1900, se afirmasse com
homem. Assim, a mulher normal era definida, tão- certeza inabalável teses como esta: “todas […] as
-só, à luz da função do seu papel reprodutivo. Lom- considerações conduzem a esta verificação que
broso não aduziu qualquer prova fisiológica de- o único e exclusivo papel da mulher na huma-
monstrativa destas teses, mas estava certo de que nidade é a maternidade. […] É a sua função bio-
a mulher era, natural e organicamente, monóga- lógica e social”. Menos inteligente, raciocinando
ma e frígida. Esta é a normalidade sexual femi- defeituosamente, com menor poder criador – não
nina que permite pensar o desvio. Deste modo, se conheciam grandes músicas ou pintoras e mes-
só aparentemente eram injustas as leis e os cos- mo em campos tradicionalmente seus (a culiná-
tumes; o adultério masculino não chegava a cons- ria ou a moda), os criadores eram do sexo mas-
tituir uma contravenção, mas falta semelhante na culino –, o papel social da mulher tinha de ser ne-
mulher só podia ser considerada crime grave. cessária e exclusivamente aquele que a natureza
E crime contra a natureza. E todas aquelas que lhe ditara. As diferenças intelectuais entre ambos
constituíam a exceção à regra da frigidez feminina os sexos não permitiriam qualquer dúvida: a in-
só poderiam ser consideradas anormais, já que a teligência seria atributo masculino, e o sentimento
mulher normal teria arreigadamente, ou indife- a característica feminina essencial. Como se vê,
rença, ou asco, por tudo o que dissesse respeito a ciência, ou melhor, uma certa interpretação da
aos órgãos e às funções sexuais. Razão pela qual ciência, podia contraditoriamente justificar a
a mentira fazia parte da natureza feminina: é que mudança, apelando à causalidade mesológica, ou,
ela teria aprendido a mentir, desde os tempos pri- pelo contrário, invocar o determinismo da natu-
mitivos, para esconder a menstruação. Assim, a reza para legitimar a manutenção de um statu quo.
mentira era uma consequência do pudor, e am- E não é que as diferenças fossem resultado de pen-
bas constituíam o núcleo essencial da natureza da samentos e autores divergentes. Mesmo Miguel
mulher normal. Não é possível exagerar a im- Bombarda, tão crente nas possibilidades de
MEN 730

emancipação da “raça portuguesa”, parecia res- tuos em 1933. Aí tomou o nome de Sister An-
tringir qualquer avanço do povo português ao sexo toninus O.P. O convento era, na altura, de clau-
masculino. O próprio facto de os homens se ve- sura, mas as religiosas mantinham um colégio
rem obrigados a pensar a educação da mulher, de para crianças, na sua maioria portuguesas.
modo a moldá-la num sentido mais conforme às Aprendeu a falar português perfeitamente.
necessidades sociais, parecia comprovar a me- Com uma vida espiritual profunda, depois do
noridade inultrapassável da mulher e a “inanidade convento deixar de ser de clausura, Sister An-
de todo o movimento feminino. A mulher é a eter- toninus, como era por todos tratada, realizou
na submetida”. grande apostolado junto a populações muito po-
Bib.: António Augusto Correia de Campos, Rápidas Di- bres que à época se amontoavam em barracas na
vagações a Respeito da Mulher e do Casamento Visto à zona de Belém, nomeadamente ciganos, cabo-
Luz da Sociologia e da Higiene, Dissertação inaugural -verdianos retornados, e outros, os quais com-
apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Porto, pareceram em massa no seu enterro. Para estas
Livraria Civilização, 1888; C. Lombroso e G. Ferrero, La
Femme Criminelle et la Prostituée, Paris, Félix Alcan, pessoas instigou a construção de habitação
1896 ; Georges Canguilhem, Le Normal et le Pathologi- própria, apelou às autoridades para que hou-
que, Paris, PUF, 1972; Jaime Almeida, A Questão Fe- vesse saneamento básico e fomentou a abertu-
minista, Porto, Livraria Portuguesa Editora, 1909; Macedo ra de um centro de cuidados materno-infantis.
Pinto, “Emancipação da mulher”, Coimbra Médica,
01/04/1881; Miguel Bombarda, “Casa de boneca”, A Me-
Também trabalhou como bibliotecária do con-
dicina Contemporânea, XVII Anno, n.o 14, 02/04/1899, vento, secretária e auxiliar de saúde.
pp. 109-110; Pierre Bourdieu, La Domination Masculi- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1270, 25/03/1982.
ne, Paris, Éditions du Seuil, 1998; “Curiosidades medi- [A. V.]
cas. A inferioridade da mulher”, A Medicina Contem-
porânea, 29/07/1900, p. 248.
[R. G.] Mily Possoz
Filha de Emile Possoz e Jeanne Leroy, cidadãos
Meninas do Asilo da Bandeira belgas radicados em Portugal em 1888, Emília
v. Asilo de Meninas Órfãs e Desamparadas Possoz (registada com nome próprio portu-
guês, mas que adotaria como nome artístico o
Mercedes Blasco diminutivo Mily) nasceu em Caldas da Rainha
v. Conceição Vitória Marques (onde os pais viviam à época) a 4 de dezembro
de 1888, e faleceu em Lisboa a 17 de junho de
Mercedes Fantony 1968. A par dos estudos regulares no Colégio Ale-
Atriz. Fez parte da companhia residente do Tea- mão, o facto de pertencer a um meio cultural e
tro da Trindade entre 1889 e 1901, onde repre- artisticamente forte ajudou ao surgimento da sua
sentou o papel de “Germana” em Os Sinos de vocação. Como todas as meninas de família da
Corneville (1889), opereta em 3 atos e 4 quadros época, teve aulas privadas de piano e de pintu-
de Clairville e Gabet, tradução de Eduardo Gar- ra. Nesta área, após iniciação com a pintora por-
rido, música de Planquette. Em 20 de janeiro de tuguesa Emília Santos Braga* (1867-1949) e o
1895, sujeitou-se a uma operação dolorosa no aguarelista e ilustrador científico espanhol En-
Hospital D. Estefânia e o Teatro da Trindade fez rique Casanova (1850-1913), prosseguiu a sua for-
uma récita extraordinária com Sal e Pimenta, re- mação em Paris, para onde partiu em 1905, na
vista em 3 atos e 12 quadros de Sousa Bastos, que Académie de La Grande Chaumière. Terminada
assegurava casa cheia, para a ajudar. a temporada parisiense, iniciou um período de
Bib.: Tomaz Ribas, O Teatro da Trindade, Porto, Lello
viagens pela França, Bélgica, Alemanha e Ho-
& Irmão, Editores, 1993; Correio da Manhã, 20/01/1895. landa. Embora se desconheçam artistas e ateliês
[I. S. A.] com os quais tenha contactado, é sempre refe-
rida essa estada como um tempo de aprendiza-
Mildred O’Rourke gem da gravura, especialmente nas suas passa-
Nasceu na Irlanda em 1910, vindo a falecer em gens pelas cidades de Bruxelas e Dusseldorf —
1982. Frequentou um colégio dirigido por reli- onde teve aulas privadas com o gravador Willy
giosas da Ordem Dominicana em Dublin. Em Spatz. Regressada a Portugal, começou, logo em
1928 veio para Portugal, onde entrou como no- 1909, a participar nas exposições coletivas dos
viça no Convento de Nossa Senhora do Bom Su- modernistas. Organizou igualmente diversas
cesso*, em Lisboa, tendo feito os votos perpé- exposições individuais. A década de 20 e o boom
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da imprensa ilustrada acolheu o seu traço e cedo Szènes e Vieira da Silva, entre muitos outros no-
Mily se tornou colaboradora de revistas como mes ligados, na época, ao círculo surrealista. Ape-
ABC e Athena. A par desta atividade, estendeu sar de não se conhecer qualquer passagem cer-
o trabalho de ilustradora aos livros, prosseguindo tificada de Mily por esse local de encontro e tro-
uma atividade iniciada em 1914 com O Jardim ca de experiências artísticas surrealistas, o co-
das Mestras, de Manuel de Sousa Pinto (1880- nhecimento da artista com o casal Szènes/Vie-
-1934). Já nos anos 20, Mily colaborou com au- ra da Silva, por volta de 1931 – precisamente
tores portugueses como Alfredo Cortês (1880- quando a colaboração destes com Hayter pare-
-1946) ou Ana de Castro Osório (1872-1935), pros- ce ter sido mais estreita –, abre a possibilidade
seguindo esse trabalho em Paris, onde ilustrou de as influências surrealizantes da sua obra te-
Caderno (1927), de Valéry Larbaud (1881-1957), rem nascido desse convívio. Frequentadora as-
e La Carrosse du Saint Sacrement (1928), de Pros- sídua de exposições e de museus, amiga do ar-
per Mérimée (1803-1870), e retomando-o ainda tista japonês Tsuguharu Foujita (1886-1968), gra-
no regresso a Portugal, na edição de A Ilha Ma- vador de referência para a sua geração, estabe-
ravilhosa de Calempuli, das Peregrinações lecido em Paris de 1913 a 1931, com ele tecerá
(1944) de Fernão Mendes Pinto (1514?-1583), de cumplicidades, espelhadas em vários jogos
Bom Dia, Tristeza (1954), de Françoise Sagan plásticos, notórios em algumas das suas obras.
(1935-2004), e de Mascarados e Máscaras Po- A influência da apurada estética da gravura ja-
pulares de Trás-os-Montes (1960), de Sebastião ponesa, tão evidente em várias das gravuras de
Pessanha (n. 1892). Embora o desenho repre- Mily, não afasta outras correntes a que vai tam-
sentasse parte importante da sua produção, o bém claramente beber, como o surrealismo e o
maior volume da obra destes anos desenvolveu- fauvismo — este mais notório nos óleos e nas
-se na gravura, principalmente em xilogravura. aguarelas, aquele manifestando-se também na
Terá sido, provavelmente, a falência de centros gravura, num evidente onirismo, tanto mais in-
de estudo desta arte em Portugal um dos moti- quietante quanto o jogo compositivo, aparente-
vos do seu regresso a Paris, nos meados da dé- mente ingénuo pela temática frequente de figuras
cada de 20. Membro ativo da sociedade Jeune doces e recolhidas ou de paisagens familiares,
Gravure Contemporaine, criada nessa cidade em se metamorfoseia na relação com o dinamismo
1929, data dessa segunda estada o grande cor- dos fundos. Reconhece-se, assim, na obra de Pos-
po do seu trabalho em gravura, experimentan- soz, a síntese de uma pluralidade de gramáticas
do técnicas que ainda não havia usado em Por- que a artista adota e adapta, servindo o resulta-
tugal, como a ponta-seca e a litografia, e aban- do com um gesto seguro, certeiro. Podemos afir-
donando a xilogravura. Embora mais uma vez se mar que o seu universo plástico vai dos primi-
desconheçam os nomes de todos os artistas com tivos flamengos — que bem conhecia das visi-
que se cruzou e que influenciaram a sua gra- tas frequentes aos museus —, até aos colegas com
mática, a integração na referida Jeune Gravure os quais expunha nas diversas galerias de Paris,
Contemporaine, por onde passaram os grandes como Marie Laurencin, Hermine David e Jules
nomes conhecidos da gravura, revela a sua de- Pacin (exposição aconselhada aos leitores de La
terminação em aprender e evoluir e não deixa Renaissance, Paris, 1913, pelo crítico Bernard
margem para dúvidas quanto à sua consciência Colrat) ou ainda Marc Chagall ou Raoul Dufy, en-
profissional. Paris era, desde os meados do sé- tre muitos outros, como nos é dado por notícias
culo XIX, um importante centro recetor e de ex- de várias páginas francesas, desde 1929. O seu
perimentação da gravura (relembremos a rele- trabalho não tardou a ser reconhecido e, em 1937,
vância que a estampa japonesa teve em artistas integraria a exposição de gravura francesa rea-
como Mary Cassatt ou Van Gogh), e, nos meados lizada em Cleveland, nos Estados Unidos, onde
dos anos 20, essa inspiração parecia estar a re- ganhou a medalha de ouro e viu obras suas se-
nascer. À parte as pesquisas técnicas e plásticas rem adquiridas para o Museu de Cleveland. Re-
de artistas como Jacques Villon, havia ainda vá- gressando a Portugal nesse mesmo ano, encon-
rios outros inovadores centros de experimenta- trou, porém, um país onde a gravura tardava em
ção, como o Atelier 17, criado em 1927 pelo ar- desenvolver-se. A artista passou então a traba-
tista inglês Stanley William Hayter (1901-1988), lhar principalmente o óleo e a aguarela. A sua
pintor, gravador e téorico da gravura, ex-aluno gramática encontrou então eco em media menos
de Villon, e por onde haviam de passar Arpad exigentes em termos oficinais. Mas embora a gra-
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vura não pudesse ocupar a artista, a sua produção celente mão de desenhadora, certeira e dura, apu-
plástica continuou a ter lugar no panorama ar- rada no difícil crivo da gravura, e a internacio-
tístico oficial. Participante na “Exposição das nalmente cotada autora de excelentes pontas-
Montras do Chiado”, em 1940, incluiu também -secas. Prémios: Exposição Internacional de
o elenco de modernistas convidados para a de- Paris, Medalha de Ouro do Júri Internacional de
coração dos pavilhões da Exposição do Mundo Gravura, 1937; Prémio Souza-Cardoso, 1944;
Português. No “Pavilhão dos Portugueses no Prémio de Desenho José Tagarro, 1949; Prémio
Mundo”, da autoria do arquiteto Cottinelli Tel- de Pintura Columbano, 1951; Prémio Luciano
mo, a Sala do Japão contou com um biombo de Freire [data não apurada]; Prémio da CMAlma-
Mily Possoz, “feito ao estilo nipónico”, de acordo da, em Exposição de Artes Plásticas [data não
com a descrição do guia oficial da exposição, e apurada]. A sua obra encontra-se representada
no qual se representava o encontro de Fernão na Câmara Municipal de Sintra, Centro de Arte
Mendes Pinto com S. Francisco Xavier. Vê-la- Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em
-íamos também colaborar como figurinista com Lisboa, Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva,
os Bailados Verde Gaio, desenhando para o bai- Lisboa, Hotéis Tivoli, Museu de Arte Contem-
lado D. Sebastião. Mas um tempo de recolha pa- porânea de Bruxelas, Museu de Cleveland, Mu-
recia aproximar-se. E, no curso da década de 40, seu do Caramulo, Museu do Chiado – Museu
Mily mudou-se para Sintra. A paisagem cir- Nacional de Arte Contemporânea, Museu Na-
cundante passou então a motivo preferencial da cional do Teatro.
sua obra, sobretudo quando trabalhava a óleo. Bibl.: AA.VV., O Grafismo e Ilustração nos Anos 20, Lis-
À parte isso, desenvolveria também extensa obra boa, CAMJAP, 1986; Armando Vieira Santos, Retros-
em aguarela, que exercitou sobretudo no retra- pectiva da Gravura da Mily Possoz, Lisboa, Galeria Gra-
to e na criação das suas figuras “típicas”, no re- vura, 1969; Artistas Modernos Portugueses na II Bienal
do Museu de Arte Moderna de S. Paulo, Bienal do Mu-
gisto de inspiração etnográfica que lhe é mais vul- seu de Arte Moderna, 2, São Paulo, 1953 [organizado pelo
garmente associado. Em 1956, a criação da So- Secretariado Nacional da Informação, Lisboa, SNI,
ciedade Cooperativa de Gravadores Portugueses 1953]; Augusto de Castro, “A história da colonização”,
— Gravura ligou-a de novo à sua técnica maior. Exposição do Mundo Português e a Sua Finalidade Na-
cional, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1940;
Porém, ao tempo, os jovens artistas criadores da Exposição Mily Possoz, Lisboa, [s. n.], 1924; Guia da Ex-
sociedade faziam experiências sobretudo no cam- posição do Mundo Português, Lisboa, s.n., 1940; José-Au-
po da xilogravura, caminho que Mily abandonara gusto França, A Arte em Portugal no Século XX (1911-
havia muito. E, sem condições logísticas que lhe -1961), Lisboa: Bertrand Editora, s. a., 3.a edição; José Fa-
permitissem trabalhar de novo a ponta-seca, Mily ria de Carvalho, Obras Inéditas de Mily Possoz, Lisboa,
Galeria Divulgação, 1969; Luísa Arruda, “Decoração e de-
ver-se-ia condicionada à reimpressão das obras senho. Tradição e modernidade”, História da Arte Por-
realizadas em Paris. Recolhida em Sintra, en- tuguesa, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, Vol. III; Mar-
contraria por esses anos um mercado mais re- garida Acciaiuoli, Exposições do Estado Novo: 1934-1940,
cetivo no entusiasmo do colecionador de arte Ma- Lisboa, Livros Horizonte, 1998; Mily Possoz, Alice Rey
Colaço: Pintura, ilustração e desenho, s.l., s.n., 1919; Mily
chaz, que conheceu em 1957, e que, encantado Possoz, Lisboa, Galeria “Diário de Notícias”, 1960; Mily
com a sua obra, lhe encomendou várias aguarelas Possoz, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian – Centro
para a decoração do Hotel Tivoli, em Lisboa. de Arte Moderna, 1986; Raquel Henriques da Silva, “Mily
Mantendo uma atitude de grande dinamismo Possoz, o ritmo da paisagem”, Panorama da Arte Por-
tuguesa Século XX, p. 114; Idem, “Sinais de ruptura: ‘li-
profissional até ao fim da sua vida, Mily obser- vres’ e humoristas”, História da Arte Portuguesa, Lisboa,
vou contudo um rigoroso apego à sua gramáti- Círculo de Leitores, 1995, Vol. III.
ca que, apesar de desenvolvida sobretudo nos [E. F.]
anos da segunda estada parisiense, parece depois
ter sofrido uma dócil adaptação às exigências do Miquelina Maria Possante Sardinha Quintal
escasso e redutor mercado de arte português. A Libertária, professora primária de ensino livre e
acusada repetição da linguagem e motivos, que membro da União Anarquista. Nasceu em Avis
cedo a apagaria da memória e da historiografia, a 11 de novembro de 1902 e faleceu, em Lisboa,
limitando as breves linhas da sua biografia à des- a 27 de outubro de 1966. Era filha de Manuel dos
crição de artista decorativa, onírica e feérica, re- Santos Sardinha, abegão, que começou por
meteu para o descaso e para o consequente des- simpatizar com as ideias republicanas. Ainda
conhecimento uma obra pictórica de surpreen- criança, Miquelina acompanhou os pais para
dente frescura e intensidade cromática, uma ex- Ponte de Sôr, distrito de Portalegre, onde o pai
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encontrou um grupo de anarquistas que, como Ibérica), que decorreu em Valença, no ano de
ele, perfilhavam ideais de laicismo e de liberdade 1927. Quando regressou a Portugal, foi preso e
individual. Aderiu, então, à Federação dos Tra- deportado para Angola, onde permaneceu até
balhadores Rurais de Portugal, de cariz anarco- 1929. Em 1931, era um dos promotores da Alian-
-sindicalista. A casa da família Sardinha era, tam- ça Libertária Alentejana. Embora Francisco
bém, a sede do Sindicato da Construção Civil de Quintal tivesse o diploma de piloto passado pela
Ponte de Sôr, aderente àquela federação após o Escola Náutica, foi obrigado, pelas circunstân-
Congresso de 1911, e que Manuel Sardinha aju- cias políticas, a exercer a profissão de caixeiro-
dou a fundar. Desde cedo, Miquelina privou com -viajante e, depois, de professor do ensino pri-
figuras influentes do anarquismo que a família mário particular, antes de entrar para a Com-
recebia aquando das conferências realizadas na panhia dos Caminhos de Ferro. Quando o casal
região. Também colaborava na tarefa da venda veio viver para Lisboa, Miquelina passou a le-
dos jornais A Batalha e A Comuna e na distri- cionar na escola do Sindicato Único da Cons-
buição dos manifestos e proclamações de difu- trução Civil, sediado no Palácio do Correio Ve-
são do pensamento anarquista, na qualidade de lho, Calçada do Combro, n.o 38-A. Com o mari-
secretária e, muitas vezes, de oradora do sindi- do, continuou a propaganda anarquista até ao fim
cato. Por influência de Vitória Pais Freire de An- da vida. Colaborou no jornal A Batalha, de-
drade*, professora em Ponte de Sôr e, na altura, nunciando as perseguições aos anarquistas. De-
conhecida como libertária, enveredou pela car- pois de viúvo, Francisco Quintal voltou a casar,
reira de professora primária de ensino livre de em 1978, com Irene Lopes Franco, filha e viú-
crianças e adultos. Estas escolas estavam ligadas va de anarquistas.
aos sindicatos e destinavam-se, especialmente, Bib.: Edgar Rodrigues, O Despertar Operário em Portu-
à educação de crianças pobres que recebiam não gal, 1834-1911, Lisboa, Editora Sementeira, 1980; Idem,
só ensino gratuito como alimentação e vestuá- “A presença da mulher portuguesa na propaganda li-
rio e, por vezes, alojamento, no sentido de lhes bertária”, Os Anarquistas e os Sindicatos, Portugal
proporcionarem um desenvolvimento intelectual 1911-1922, Lisboa, Editora Sementeira, 1981, pp. 195-198;
Idem, A Resistência Anarco-sindicalista em Portugal,
e físico equilibrado [E. Rodrigues, 1980, p. 1922-1929, Lisboa, Editora Sementeira, 1981; Francisco
218]. Além de lecionar as disciplinas curricu- Quintal [sob o pseudónimo de “Meridional”], “Biografias:
lares, a escola incutia valores de liberdade de Miquelina Sardinha”, A Ideia, Revista de Cultura e Pen-
pensamento, de acordo com os ideais anar- samento Anarquista, n.o 13, Lisboa, Editora Sementeira,
quistas, e incluía a aprendizagem de um ofício. S.C.A.R.L, primavera de 1979, pp. 48-49; Idem, Palavras
Veementes [recolha e apresentação de João Freire], Lis-
A escola livre seguia o sistema educativo da Es- boa, Editora Sementeira, 1988; João Freire, Les Anarchistes
cola Moderna fundada pelo pedagogo Francis- du Portugal, Paris, Éditions CNT, 2002.
co Ferrer (1859-1909), anarquista fuzilado em [I. S. A.]
Barcelona. Miquelina Sardinha também fundou
um grupo anarquista em Ponte de Sôr. Acusa- Mirita Casimiro
da por alguns monárquicos e republicanos locais v. Maria Zulmira Casimiro de Almeida
de desviar a educação infantil através de uma me-
todologia adversa às diretivas da Igreja e do Es- Miss Arabela
tado, o administrador do concelho de Ponte de Pseudónimo da escritora Maria Amália Vaz de
Sôr mandou encerrar a escola do sindicato em Carvalho.
1924 que só foi reaberta por interferência do poe-
ta João de Barros, então secretário-geral do Mi- Mocidade Feminina
nistério da Educação, que atendeu um pedido v. Alma Feminina2
de uma delegação que se deslocou a Lisboa para
o fim. Casou pelo registo civil, a 5 de novem- Mocidade Portuguesa Feminina
bro de 1925, com Francisco Nóbrega Quintal Ao tomar conta, em janeiro de 1936, do Minis-
Júnior (Funchal, 1898-Lisboa, 1987), militante tério da Instrução Pública, que depois transfor-
libertário, que foi diretor do jornal A Voz Anar- maria em Ministério da Educação Nacional,
quista, membro da União Anarquista, partidário António Carneiro Pacheco criou, nesse ano, a
da aproximação entre anarquistas portugueses Obra das Mães pela Educação Nacional* (OMEN)
e espanhóis, fazendo, por isso, parte da confe- [Decreto-Lei n.o 26 893, de 15 de agosto] e a Mo-
rência da fundação da FAI (Federação Anarquista cidade Portuguesa (MP), regulamentada em 19
MOC 734

de maio [Decreto-Lei n.o 26 611, do Regimento são entre o Estado e a Igreja, receosa que elas su-
da Junta de Educação Nacional]. Embora a pri- plantassem as organizações do escutismo con-
meira referência desse ministro a uma hipotéti- fessional e da Ação Católica Portuguesa (ACP).
ca organização das raparigas tenha surgido em 24 A Igreja terá encarado a iniciativa estatal de criar
de maio, quando anunciou que a MP teria “em as MP “com alguma reserva, no temor de que a
conta as circunstâncias especiais de sexo, idade divinização de ideais terrenos” pudesse “afastar
e lugar”, a Mocidade Portuguesa Feminina a juventude dos caminhos de Deus”, tendo o car-
(MPF) foi apenas regulamentada em 8 de de- deal Cerejeira enviado a Salazar um intermediário,
zembro de 1937, pelo Decreto-Lei n.o 28 262, fi- que ouviu do Presidente do Conselho palavras
cando esta organização desde logo independente apaziguadoras de que não seria “totalitarista a
da MP. O diploma de criação da MPF estabele- orientação a seguir”. No entanto, quando a MPF
ceu a obrigatoriedade de filiação a todas as jovens foi institucionalizada, em 1937, o Governo soli-
portuguesas, estudantes ou não, desde os sete citou à Associação de Guias de Portugal (AGP)
anos até aos 14 anos, e às que frequentavam o pri- para cessar as suas atividades. Diga-se, porém, que
meiro ciclo dos liceus, oficiais e particulares. ao mesmo tempo que o Estado Novo tentava aca-
O estatuto estipulava também que a organização bar com o escutismo católico, recrutou as diri-
tinha por fim formar uma mulher “nova”, atra- gentes da sua organização feminina no seio
vés da “educação moral, cívica, física e social”. dele, tal como no seio da ACP. A disputa pelo mo-
A “educação moral” seria “a educação cristã, tra- nopólio da educação da juventude, tanto mas-
dicional no país”, feita “em cooperação com a fa- culina como feminina, não foi o único tema de
mília e os agentes de ensino”, enquanto a “edu- controvérsia no dealbar da vida da MPF. Efeti-
cação cívica” inspirar-se-ia “no Bem Comum e vamente, duas questões, mais diretamente rela-
nas grandes tradições nacionais para que em cada cionadas com a organização feminina da juven-
filiada se defina a consciência do dever e da res- tude, foram discutidas no seio do regime: por um
ponsabilidade da mulher portuguesa na conti- lado, a questão do desporto, visto como contrá-
nuidade histórica da Nação”. Em terceiro lugar, rio às características e ao “pudor” das raparigas
a “educação física” visaria “o fortalecimento ra- portuguesas e, por outro lado, a militarização des-
cional, a correção e a defesa do organismo, tan- sas jovens que, segundo os críticos do regime, ten-
to como a disciplina da vontade, a confiança no deria a masculinizá-las. Quanto ao desporto e à
esforço próprio”, mediante “atividades rigoro- educação física, a MPF passou a ser responsável
samente adequadas ao sexo e à idade” e, final- por ministrar essas atividades nos estabeleci-
mente, a “educação social” cultivaria, nas filia- mentos de ensino, embora tenham sido evacua-
das, “o gosto pela vida doméstica e o de servir dos todos os exercícios que infringissem “o pu-
o Bem Comum” e “as várias formas de espírito dor e a natureza feminina” ou que tivessem as-
social próprias do sexo, orientando para o cabal petos competitivos. Para sossegar aqueles que te-
desempenho da missão da mulher na família, no miam a “militarização” das raparigas, a dirigente
meio a que pertence e na vida do Estado”. A di- da MPF, Maria Guardiola, afirmou, em 1938, que
reção da MPF caberia à OMEN, que delegava a a necessidade de ministrar às filiadas “uma in-
chefia num comissariado nacional. O “território tensiva preparação de aspeto exterior” não cor-
da metrópole” subdividia-se, hierárquica e geo- respondia “a quaisquer intuitos de militarização
graficamente, em “províncias” e “regiões” com, presente ou futura no sentido másculo da pala-
respetivamente, “divisões” e “alas”, que, por seu vra”. O assunto foi considerado de tal importância
turno, se desdobravam em “centros”. Nestes, as que, no livro oficial da MPF, ficou assinalado que
filiadas eram agrupadas, numericamente, em esta não era “uma milícia feminina com aspira-
“quinas” (5 filiadas), “castelos” (5 “quinas”, “gru- ções masculinas”, mas, sim, “uma organização
pos de castelos” (4 “castelos”), “bandeiras” (3 de raparigas que não deixam de ser raparigas”.
“grupos de castelos”) e “falanges” (2 “bandeiras”). Em seguida, ficava claramente exposto o tipo de
Segundo a idade, as filiadas eram adjetivadas de educação que se pretendia ministrar a cada
“lusitas” (7 a 10 anos), “infantas” (10 a 14), “van- uma das organizações – masculina e feminina –
guardistas” (14 a 17) e “lusas” (17 a 25), que, a da juventude: “A Mocidade Portuguesa Feminina
partir dos 21 anos, integrariam o Corpo de Ser- nasceu do mesmo grande pensamento patrióti-
viço Social. A criação das organizações estatais co que criou a Mocidade Portuguesa masculina;
de juventude provocou, no final dos anos 30, ten- mas, sendo irmãs, são diferentes; cada uma
735 MOC

destas organizações tem as suas finalidades. [...] turais e de formação nacionalista da MPF, antes
enquanto a MP adestra na sua instrução pré-mi- de ser substituída, em março desse ano, por Car-
litar defensores para a Pátria, [...] prepara com a linda Valente da Costa, que exerceu o cargo até
sua educação política e social colaboradores ati- 1951. Por seu turno, Maria Luísa Vanzeller foi res-
vos dos homens do Estado, a MPF habilita-se para ponsável pelos serviços de educação física, saú-
prestar a sua colaboração dentro do lar, da família de e higiene, até 1940, sucedendo-lhe Ana Ingrid
que o seu amor, o seu trabalho e o seu espírito Ryberg, uma professora sueca de ginástica que foi,
cristão tornarão a base sólida do Estado Novo”. até 1974, responsável pela educação física da
Ao criar as organizações de juventude, Carnei- MPF. A médica Custódia Alves do Vale começou
ro Pacheco revelou alguma originalidade relati- por dirigir os serviços de educação familiar e, de-
vamente aos modelos provenientes da Itália pois, os serviços de saúde, antes de ser substituída
fascista e da Alemanha nazi, ao separar com- por Alda Firmino, outra médica, tal como o era
pletamente a MPF da MP e ao atribuir à primeira Ilídia Duarte Ribeiro, diretora dos serviços de cam-
uma direção feminina, embora tutelada estatal- pos de férias, a partir de 1956. Os serviços de in-
mente pelo ME. A estrita separação de esferas tercâmbio com o estrangeiro estavam a cargo da
consoante o sexo, aplicada, assim, às organiza- condessa de Penha Garcia, presidente da direc-
ções de juventude portuguesas, levou a que a MPF ção da OMEN desde 1945, facto revelador de que,
tivesse uma relativa autonomia e que a direção nesse início de jornada da MPF, a Obra das Mães
carismática da sua principal dirigente, Maria não deixava por mãos alheias o importante pe-
Guardiola, se tornasse fundamental na imposi- louro das relações externas. Mais tarde, esse sec-
ção de uma linha de atuação e de um pensamento tor foi incluído na direção de serviços de publi-
político-ideológico e religioso à organização. Pen- cidade e informação, dirigida por Maria Joana
samento que não destoou da doutrina da Igreja Mendes Leal, outra ex-dirigente da LICF, que foi
Católica nem do projeto político-ideológico do responsável pelas principais publicações da
Estado Novo, o qual contou, efetivamente, sem- MPF, nomeadamente o Boletim da MPF e Menina
pre com uma elite feminina obediente, sem ve- e Moça. Esta dirigente foi uma das principais dou-
leidades de formular ideias próprias ou desejos trinadoras da MPF, à qual se juntaria, mais tar-
de maior autonomia. Autonomia que acabou por de, Maria Joana Bidarra de Almeida, diretora dos
remeter, por outro lado, a organização feminina serviços de formação de graduadas, nos anos 50,
da juventude para um espaço com pouca in- e a última comissária nacional da MPF. Grande
fluência política, facto que, por outro lado, tam- peso religioso e ideológico na organização tive-
bém originou a inserção das jovens da MPF no ram também o padre Gustavo de Almeida, diri-
mundo feminino tradicional e não no mundo da gente dos serviços de formação moral e social, en-
juventude, ao contrário do que se passou na Itá- tre 1938 e 1965, bem como Maria Teresa Navar-
lia e na Alemanha, nos anos 30. A MPF foi diri- ro*, professora de religião e moral do Liceu de Ma-
gida, entre 1937 e 1968, pela já referida Maria ria Amália Vaz de Carvalho e diretora do centro
Guardiola, uma das três primeiras deputadas da universitário da MPF de Lisboa, em 1940. A par-
Assembleia Nacional (1934), bem como reitora tir de 1947, Aurora David* foi nomeada comis-
do Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho, de sária nacional adjunta, permanecendo nesse
Lisboa, entre 1928 e 1946, e do Liceu de Rainha cargo até 1968 e, em 1961, passou a haver uma
Dona Leonor, a partir de 1949. Para o primeiro comissária adjunta para o Ultramar, cargo ini-
comissariado nacional da MPF foram ainda no- cialmente detido por Maria José da Gama Lobo
meadas, em dezembro de 1937, como comissá- Salema e, desde novembro de 1962, por Maria
rias adjuntas, Maria Luísa Saldanha da Gama Van- Ana de Almeida e Luz Silva. Natural de Cabo Ver-
zeller e Maria Fernanda Almeida d’Orey. A pri- de, esta professora do liceu de Bragança viria a
meira era uma médica que tinha sido dirigente tornar-se, em janeiro de 1969, após a demissão
de organizações femininas da Acção Católica Por- de Maria Guardiola, comissária nacional da
tuguesa – JCP, LUCF e LACF –, e viria a ser de- MPF, numa direção integrada ainda pelas co-
putada, vice-presidente do Instituto Maternal missárias nacionais adjuntas Maria Luísa Neves
(1945) e diretora-geral da Saúde nos anos 60. Cardoso, Ália Correia Luís e Maria Ivete Colaço,
Quanto à segunda, tinha, como se viu, sido di- adjunta para o Ultramar. Maria Joana Bidarra de
rigente nacional da organização escutista AGP. Almeida, antiga diretora dos serviços de forma-
Em 1942, Maria Guardiola dirigia os serviços cul- ção de dirigentes, foi, como se viu, a última co-
MOC 736

missária nacional da MPF, entre 9 de novembro MPF”. As raparigas da “massa”, ou seja, as jovens
de 1971 e 25 de abril de 1974. Embora a sua es- de todas as classes sociais que frequentavam es-
trutura dirigente se tenha modificado pouco ao tabelecimentos de ensino, deviam ser formadas,
longo do tempo, a MPF possibilitou uma mobi- moral, social e fisicamente, para as tarefas fe-
lidade ascendente na sua hierarquia interna: mui- mininas. Efetivamente, uma das principais fun-
tas dirigentes foram ascendendo aos escalões su- ções da MPF – embora isso não fosse expresso
periores da organização, independentemente – consistiu precisamente em compensar o falhado
da origem social, embora quase todas elas fossem projeto de uma educação escolar diferenciada, es-
professoras do ensinos primário e secundário. In- pecificamente feminina, e em atuar contra a cor-
vestidas de reais capacidades diretivas estiveram, rente do ensino sexualmente “neutro”, ministrado
no entanto, só as comissárias nacionais, delega- nos liceus e nas universidades. Mas o magno ob-
das provinciais (ou distritais) e as diretoras dos jectivo inicial da MPF foi a criação, através da di-
serviços de orientação. Quanto às subdelegadas fusão de determinados valores e comportamen-
regionais e às diretoras dos centros escolares, eram tos, de uma mulher “nova”, um objetivo comum
na sua maioria “chefes”, compulsivamente ao ser- a todos os regimes fascistas e autoritários que, nos
viço da MPF, com meras tarefas educativas, com- anos 30, utilizaram as noções de “ressurgimen-
plementares das que exerciam como professoras to nacional” ou de “regeneração” para se de-
nas suas escolas. Se muitas estavam de “corpo marcarem da pretensa “decadência” causada pelo
e alma” com a organização, compartilhando a sua demo-liberalismo. Era, no entanto, tradicional a
ideologia e a sua moral, prestando-lhe serviço e, rapariga “nova” que a MPF pretendeu criar. Ini-
por isso, ascendendo no seu seio, havia outras que cialmente, a organização dirigiu-se às raparigas
dirigiam centros só porque eram reitoras de li- das classes média e alta dos liceus, dando-lhes
ceus ou diretoras de colégios. A partir da remo- conselhos elitistas sobre como deviam compor-
delação de 1957, houve, na MPF, uma substi- tar-se com pessoas de outras classes, manter imu-
tuição de elites. Além das dirigentes nacionais, táveis as condições sociais, praticar a caridade e
provinciais e regionais, a MPF contou, no con- atuar nos campos da educação e do serviço so-
tacto direto com as filiadas, sobretudo com as di- cial. Nelas, a MPF tentou incutir, sem grande êxi-
retoras de centros, geralmente recrutadas no seio to, aliás, a austeridade no vestuário e o pudor nas
das professoras, que tinham obrigatoriamente de praias, enquanto nas outras – por exemplo, da
prestar serviço à organização. A partir de 1943, pequena-burguesia – criticou as tentativas de as-
as alunas das Escolas do Magistério Primário censão social. Os filmes e os livros que viam e
(EMP) e as alunas estagiárias dos Liceus Normais liam eram estritamente vigiados pela organiza-
passaram a ter de frequentar obrigatoriamente cur- ção feminina, que também controlava as relações
sos de dirigentes de centros dos ensinos primá- das jovens com a família, os amigos e com os ele-
rio e secundário. A MPF teve, porém de recru- mentos do sexo oposto. Nas escolas, as jovens de-
tar, para ministrar as suas atividades nas escolas, viam permanecer entre elas, enquadradas pelas
instrutoras/educadoras, formadas em cursos dirigentes da MPF, e nunca socializadas através
próprios. Finalmente, devido à falta progressiva de relações com jovens do outro sexo. A segre-
de educadoras, a MPF começou a recrutar cola- gação entre os espaços feminino e masculino era
boradoras, para ministrar as suas atividades, en- particularmente aconselhada e as influências es-
tre as “graduadas”, encaradas como a verdadei- trangeiras, assim como a vida moderna, eram con-
ra elite da organização, que as escolhia entre as sideradas perigosas. Através das suas publicações,
alunas que revelavam mais qualidades e maior a MPF manifestou-se particularmente contra os
dedicação à MPF. Não deixa de ser um facto que conflitos de gerações, intimando as jovens a per-
muitas destas aprenderam na organização mé- manecer no seio da família até ao casamento, a
todos de atuação e de liderança que acabaram por obedecer reverentemente aos pais e a não mos-
lhes ser úteis mais tarde quando se tornaram de trar qualquer espírito de independência. Evi-
facto uma elite dirigente. Quanto às instrutoras dentemente que, no caso de os pais serem da opo-
formadas pela MPF e às alunas das Escolas do Ma- sição ao regime ou ateus, a MPF não se coibia de
gistério Primário, obrigadas a assistir a cursos de influenciar as filhas mesmo contra a família. Ao
dirigentes, foram consideradas, pela própria or- longo dos anos, pode-se dividir a vida da MPF
ganização, desprovidas de bagagem cultural e, por em quatro períodos: 1938-1947; 1948-1957;
vezes, de “idoneidade moral” e de “espírito da 1958-1967 e 1968-1974. A meio do primeiro pe-
737 MOC

ríodo, 1938-1947, de formação e implantação da também integradas no horário escolar, atividades


MPF, esta organização fez o primeiro balanço das de enfermagem (4.° ano), economia doméstica (5.o
suas atividades, concluindo que a organização ano), culinária (6.o e 7.o anos) e de puericultura
contava, em 1940, com 304 centros, enqua- (7.o ano). Nos liceus mistos, fora de Lisboa, Por-
drando 38 350 filiadas – 13 120 “lusitas”, 17 075 to e Coimbra, havia ainda, no primeiro ciclo, au-
“infantas”, 6000 “vanguardistas” e 2155 “lusas”. las de higiene e de arte de dizer; no segundo e
Dois anos depois, o Decreto-Lei n.o 31 908, de 9 terceiro ciclos, atividades de economia domés-
de março, determinou que a aprovação dos es- tica (3.o e 5.o anos) e de enfermagem (4.o ano) e,
tatutos de todas as associações de juventude pas- no terceiro ciclo, arte de dizer e culinária (6.o ano)
sasse a ser uma atribuição da Mocidade Portu- assim como puericultura (7.o ano). Nos dois úl-
guesa (MP) e o Decreto-Lei n.o 32 234, promul- timos ciclos, as filiadas eram ainda iniciadas no
gado em 31 de agosto, estipulou que todas as ati- campismo e participavam em visitas culturais e
vidades extraescolares e assistenciais das esco- em obras sociais. Nos centros das escolas técni-
las passassem para a tutela das MP, masculina e cas oficiais, onde as atividades se realizavam ape-
feminina. Por outro lado, os alunos e as alunas nas aos sábados, as alunas também eram obri-
do ensino primário e do ensino secundário pas- gadas a frequentar atividades da MPF de formação
saram a pagar obrigatoriamente uma quota, que moral e nacionalista, lavores, nas escolas co-
revertia para as duas organizações estatais de ju- merciais, e canto coral ou educação física, nas es-
ventude. Em 26 de janeiro de 1944, um despa- colas industriais. Entre outras medidas propos-
cho ministerial estipulou que só as alunas ins- tas para o novo programa de atividades, decor-
critas e frequentadoras regulares dos centros se rente do Estatuto de 1947, contou-se também a
podiam matricular e ser admitidas a provas de organização de cursos de instrutoras e de diri-
exame do ensino primário elementar e comple- gentes de centros do ensino primário e do ensi-
mentar. A MPF começou por organizar os seus no secundário, respetivamente, para as alunas das
primeiros centros nos liceus femininos Maria escolas do magistério primário e para as profes-
Amália Vaz de Carvalho e D. Filipa de Lencas- soras estagiárias dos liceus normais. O segundo
tre, de Lisboa, Carolina Michaëlis, do Porto, e In- período da vida da MPF, 1948-1957, iniciou-se
fanta D. Maria, de Coimbra, aos quais se junta- sob o signo da inserção da MPF no currículo es-
ram, no final da década de 40, os liceus Rainha colar e terminou com a primeira grande remo-
D. Leonor, de Lisboa, e Rainha Santa Isabel, do delação da organização, em 1957-58. Em 29 de
Porto. Ao longo dos anos 40, foram também cria- dezembro de 1950, foi aprovado o novo Estatu-
dos centros, em escolas oficiais e em colégios par- to da MPF, que autonomizou oficialmente esta or-
ticulares do ensino primário, assim como em es- ganização da juventude da OMEN, tornou obri-
colas técnicas e nos liceus mistos das capitais de gatório, às professoras, o serviço nos centros da
distrito. A partir do pós-guerra, o propósito de for- MPF e instituiu, junto do comissariado nacional,
mar a “mulher nova”, através da inculcação ideo- um conselho “de inspeção”, um conselho “ad-
lógica e da doutrinação nacionalista, perdeu al- ministrativo” e um conselho “técnico”. Por ou-
gum do seu peso, sendo paulatinamente substi- tro lado, os novos objetivos decorrentes do Es-
tuído pela vontade de atingir a maioria das jovens tatuto Liceal de 1947 refletiram-se nas publica-
através de uma formação especificamente femi- ções da MPF. O Boletim da MPF (1939-1947), de
nina. Em 1947, o novo ministro da Educação Na- forte pendor político-ideológico e dirigido às fi-
cional, Fernando Pires de Lima, reformou o en- liadas, num período em que a organização tinha
sino liceal, técnico, oficial e particular, integrando, a ilusão de poder vir a organizar todas as rapa-
através do Estatuto do Ensino Liceal, as atividades rigas, subdividiu-se, em 1947, em dois jornais:
das MP nos currículos escolares. A partir de en- o Boletim para Dirigentes (editado até 1952) e Me-
tão, as alunas do ensino primário e dos três ci- nina e Moça (1947-1974), uma revista de gran-
clos do ensino liceal feminino oficial de Lisboa, de divulgação, dirigida a todas as jovens. Em fi-
Porto e Coimbra deviam obrigatoriamente fre- nais da década de 50, a revista Lusitas (1943-
quentar atividades de formação moral e nacio- -1957), para as leitoras com menos de dez anos,
nalista, ministrada pela MPF, e as do primeiro e foi batizada com o nome de Fagulha (1958-1974)
segundo ciclos do liceu, orfeão e educação físi- e, a partir de então, nenhuma publicação de mas-
ca (jogos). Além destas atividades, comuns aos sas tinha já o “rótulo” da MPF. Diga-se que, ape-
três ciclos, as alunas deviam ainda frequentar, sar de a filiação ser obrigatória, a MPF nunca atin-
MOC 738

giu a maior parte das escolas primárias. Em 1951, por a presença da organização. As exposições de
a MPF limitava-se a organizar 105 043 filiadas, berços e enxovais, nas semanas das mães, os sa-
em 1251 centros do ensino primário e do ensi- lões de educação estética, as embaixadas da ale-
no secundário. A MPF deu, porém, um grande gria e da bondade e os folares da Páscoa paten-
salto a partir da década de 50, pois, em 1957, já tearam expressivamente a forma como a MPF pre-
tinha 4717 centros. Quanto às universitárias – “lu- tendeu mobilizar as “suas” raparigas e para que
sas” –, voluntariamente inscritas, nunca ultra- fim: ou seja, para a maternidade e o lar e/ou para
passaram um décimo de todas as estudantes, e o apostolado social e religioso. A “nova” mulher
o seu número não deixou de diminuir a partir do seria cristã, “moralmente sã”, “portuguesa” e ao
início da década de 60. Os cinco “centros de in- serviço do Estado Novo no espaço próprio que
dústrias regionais”, em Castelo Branco, Braga, Sil- lhe era reservado, o serviço social e educativo.
ves, Viana do Castelo e Bragança, foram os úni- Por outro lado, a MPF geriu também, nas esco-
cos com características profissionais e não es- las, um serviço de assistência às suas filiadas: re-
colares. Integravam raparigas pobres do meio ru- feições nas cantinas; fornecimento de material di-
ral saídas das escolas primárias, que aí aprendiam dático, bem como bolsas de estudo, pagamento
a manter a “fidelidade ao antigo desenho” e ao de propinas, medicamentos e fardamentos. A par-
mesmo tempo recebiam uma remuneração pelo tir do final dos anos 50, preocupou-se também
trabalho, além de servirem para fomentar, no meio em criar alguns lares e casas da mocidade. De-
rural, o “trabalho a domicílio” e para salvar “do pois da remodelação de 1957-58, que iniciou o
esquecimento” o artesanato tradicional femini- terceiro período da vida da MPF, entre 1958 e
no português, “em riscos de se perder”. Em 1956, 1967, foi posto em marcha um novo plano de ati-
realizou-se o II Congresso da MP, onde foi de- vidades, que funcionou numa fase em que as di-
batida a questão da obrigatoriedade de frequên- reções dos estabelecimentos de ensino resistiam
cia das atividades desses movimentos de ju- crescentemente à intromissão da organização fe-
ventude, muito criticada, até no seio do regime. minina no seu âmbito e à duplicação que as ati-
Na sequência desse congresso, a MPF remode- vidades desta representavam relativamente às au-
lou o seu plano de atividades, que passou a ser las escolares. Em 1960, foi estipulada a extensão
de carácter voluntário, a partir do 4.o ano do en- da “secção feminina” da MP ao Ultramar [D.L.
sino secundário e do 1.o ano dos cursos de for- n.o 43 271, de 26 de outubro]; no ano seguinte,
mação do ensino técnico. A MPF não abriu, po- foram publicados estatutos próprios para as co-
rém, mão da obrigatoriedade de frequência, até lónias e, em 1962, já estavam organizadas dele-
ao 3.o ano do liceu, inclusive, da atividade de “for- gacias provinciais em S. Tomé, Cabo Verde, Ma-
mação moral e nacionalista”, que passou a ter o cau, Timor, Angola e Moçambique. Em 1963, a
novo nome de “formação moral e social”, e das MPF comemorou os seus 25 anos com um novo
disciplinas integradas no horário escolar, orien- balanço das suas atividades, concluindo que ti-
tadas e inspecionadas pela organização femini- nha então 5968 centros (5634 centros primários,
na no ensino liceal: canto, ginástica e lavores. 331 centros secundários e três centros universi-
A partir do 4.o ano do liceu, as aulas de formação tários), frequentados por um total de 325 340 fi-
moral e social foram substituídas por Encontros liadas. Com exceção do meio universitário, es-
da Mocidade, a cargo de todas as “educadoras”, tavam, assim, filiadas, na MPF 13,7% das alunas
o novo nome dado às antigas “instrutoras” da de todos os graus de ensino em 1940, 33% em
MPF. O orfeão, que reunia as alunas de todos os 1950, 58,3% em 1960, e mais de 60% em 1963,
ciclos, também passou, por seu turno, a ser de fre- o que indica um aumento ao longo dos anos. Viu-
quência voluntária entre o 4.o e 7.o anos do liceu. -se que existiram, inicialmente, rivalidades e con-
A comprovação da frequência das atividades flitos entre o Estado e a Igreja acerca da tutela e
obrigatórias da MPF contava para efeitos de da educação dos jovens, que se expressaram na
passagem do ano letivo. Além das atividades – veleidade estatal, por parte de Carneiro Pache-
obrigatórias ou voluntárias – no meio escolar, a co, de dissolver o movimento escutista e na ten-
MPF mobilizou também as suas filiadas para cam- tativa – sucedida – de atrair dirigentes católicas
panhas, manifestações e iniciativas periódicas, para a chefia da OMEN e da MPF. Essa compe-
pontuando, fora dos estabelecimentos escolares, tição inicial acabaria, no entanto, por desembo-
as várias datas e épocas do ano com eventos re- car numa colaboração duradoura entre a Igreja e
correntes para melhor enquadrar as jovens e im- o Estado, e entre as organizações femininas ca-
739 MOC

tólicas e as estatais. Colaboração essa que contou tos perversos e não programados dos objetivos ini-
com a figura de Maria Guardiola e de outras di- ciais da MPF. A este juntou-se outro efeito per-
rigentes da MPF que, desde logo, introduziram, verso, provocado pelo facto de o Estado Novo ter
na organização, a componente católica, através reservado espaços específicos de atuação para ho-
da atividade de formação moral, que suplantou mens e mulheres: ou seja, o enquadramento se-
a formação nacionalista, ministrada nos anos 30 parado dos rapazes e das raparigas, em organi-
e 40. Na sua luta contra a “estatocracia”, a Igre- zações com dirigentes próprios, acabou por le-
ja arvorou-se, como se viu, em principal defen- var à necessidade da formação de uma elite fe-
sora dos direitos da Família, para melhor poder minina e profissionalizada. Se houve problemas
atuar no seu seio e ter o direito exclusivo de a ca- iniciais entre a Igreja e a MPF e, ao longo dos anos,
tequizar. A Família foi, para o Estado Novo, o nú- entre esta organização estatal e a Família, foi prin-
cleo orgânico primacial do edifício corporativo, cipalmente no seio da Escola que, cansada de in-
embora estivesse, segundo o regime, tal como a terferências no seu âmbito, multiplicou as críti-
Escola, em crise, devido a décadas de liberalis- cas contra a ingerência da MPF e contra a du-
mo. Tornava-se, assim, necessário apoiar, de for- plicação que as atividades desta representavam
ma supletiva, a Família e reformar a Escola, com relativamente aos planos curriculares. Na riva-
a colaboração da MPF. Mas se o Estado salaza- lidade entre “funcionários públicos” do mesmo
rista não se coibiu de interferir no seio das famílias Ministério da Educação Nacional – reitores e pro-
e se a MPF, em particular, arrastou por vezes fi- fessores, por um lado, e dirigentes da MPF, por
liadas para atividades fora do “lar”, muitos pais outro lado – as autoridades dos estabelecimen-
souberam resistir à monopolização da educação tos escolares acabariam por levar a melhor, em
pelo Estado e à interferência deste no seio do es- 1966, ao ser-lhes atribuída a direção das ativi-
paço privado. A fuga à obrigatoriedade de fre- dades circum-escolares. Efetivamente, nesse
quência das atividades da MPF, pela via da dis- ano de 1966, o ministro da Educação Nacional,
pensa, foi uma das armas utilizadas, por vezes Inocêncio Galvão Teles, deu ouvidos às críticas
com êxito, por famílias mais informadas da mé- que, desde 1950, se haviam levantado contra a
dia e da alta burguesia. As outras, de estratos so- interferência das localidades nas escolas e pro-
ciais mais baixos, não tinham esse poder de res- mulgou um decreto que remeteu progressiva-
posta e só em silêncio podiam rebelar-se, por mente as atividades circum-escolares para o âm-
exemplo, contra as quotas e a compra do fato de bito dos estabelecimentos de ensino. Os centros
ginástica ou do uniforme, que representavam des- transformaram-se em Centros de Atividades
pesas acrescidas para os já fracos orçamentos fa- Circum-Escolares (CACE), com dirigentes não for-
miliares. Algumas jovens, por outro lado, utili- çosamente vinculados às MP e com meras fun-
zaram as atividades da MPF como espaço de so- ções de estímulo, coordenação e orientação. Ao
cialização e de relativa libertação em relação a fa- mesmo tempo que era reforçado o papel dos rei-
mílias mais tradicionais, ou para aceder a des- tores e diretores dos estabelecimentos de ensino
portos de tipo elitista proporcionados pela MPF. nas atividades circum-escolares (ACE), os co-
Outras acabaram por conhecer uma realidade es- missários nacionais das MP perderam autonomia,
condida – a da miséria – através das manifesta- passando a integrar, com as direções escolares,
ções de caridade e assistência. Algumas filiadas os conselhos consultivo e administrativo para as
– escolhidas pela MPF para serem futuras diri- ACE. Com a reforma de 1966, a direção da MPF
gentes – aprenderam métodos organizativos e de passou a incluir, além da comissária para o Ul-
liderança nos cursos de graduadas, onde também tramar, um assistente nacional de formação mo-
foram induzidas a pensar, social e politicamen- ral, uma comissária adjunta para a educação fí-
te, a realidade. A essa aprendizagem juntaram- sica, uma secretária-geral e três vogais. Final-
-se benefícios como a vida em comum nos lares mente, o quarto e último período da vida da MPF,
da MPF e as poucas bolsas de estudo, que não dei- decorrido entre 1968 e 1974, iniciou-se com a
xaram de ser úteis a algumas filiadas vindas da doença de Salazar e a sua substituição por Mar-
província para estudarem na cidade. Muitos re- celo Caetano e prosseguiu durante o marcelismo,
latos da vida nos lares da MPF, sobretudo em com a ida para a pasta da Educação Nacional de
Coimbra, dão conta da influência exercida sobre José Hermano Saraiva (19/08/1968-15/11/1970)
algumas jovens pelo movimento estudantil e pe- e de José Veiga Simão (15/11/1970-25/04/1974).
las novas ideias que circulavam nas cidades. Efei- O final da era Salazar coincidiu com o final da
MOR 740

era Maria Guardiola, exonerada, a seu pedido, em tro, Lourenço Marques, MPF, 1965-1971; Fernando Ro-
21 de dezembro de 1968, do cargo de comissá- sas, “O Estado Novo (1926-1974)”, História de Portugal,
Vol. VII dir. José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores,
ria nacional, exercido durante 31 anos, sendo 1994; Franco Nogueira, Salazar, As Grandes Crises
substituída por Ana da Luz Silva. A partir de (1936-1945), Porto, Civilização Editora, 1983, 2.a ed.; Ire-
1970, a MPF tentou desesperadamente ganhar ne Flunser Pimentel, História das Organizações Femi-
tempo contra a reforma radical que se avizinha- ninas do Estado Novo, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000
(Temas & Debates, 2001); Legislação aplicável ao Ultra-
va, mas não conseguiu impedir que o ministro mar. Organização Nacional Mocidade Portuguesa, Lis-
Veiga Simão promulgasse o Decreto-Lei n.o 484, boa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1954; Legislação da
de 8 de novembro de 1971, que definiu as MP Mocidade Portuguesa Feminina, Lisboa, MPF, 1951; Le-
como “associações nacionais de juventude aber- gislação sobre a Mocidade Portuguesa, Lisboa, Impren-
tas à adesão voluntária”. Estava dada a primei- sa Nacional, 1937; Lopes Arriaga, A Mocidade Portu-
guesa. Breve História de Uma Organização Salazarista,
ra machadada à MPF, ao acabar o regime de Lisboa, Terra Livre. 1976; Manual de Jogos Educativos
obrigatoriedade ainda existente até então, embora para Uso nas Escolas do Ensino Primário, Lisboa, MPF,
de forma mitigada. Três anos depois, em 25 de s.a.; Maria Joana Emiliano de Almeida, A Mocidade Por-
Abril de 1974, a Mocidade Portuguesa Femini- tuguesa Feminina e o ldeário da Rapariga Portuguesa.
Encontro de Dirigentes, 24 de Fevereiro, 15 de Abril e 5
na foi extinta pelo Decreto-Lei n.o 171/74. Ape- de Maio de 1963, Lisboa, Mocidade Portuguesa Feminina,
sar de se apregoar como “apolítica” e de apa- 1964; Maria Joana Mendes Leal, O Cruzeiro a África da
rentemente se limitar a formar as raparigas para MPF, Conferência promovida na Sociedade de Geogra-
o lar e para profissões femininas, em vez de as fia em 1 de dezembro de 1950, Lisboa, 1950; Maria Leo-
mobilizar politicamente, a MPF não deixou de nor Carvalhão Buescu, A Mocidade Portuguesa Feminina
face à Juventude Actual, conferência pronunciada no en-
ser uma organização política. Transmitiu uma contro de dirigentes de Fátima, abril de 1963, Lisboa,
ideologia única e a noção de que a mulher tinha MPF; Mocidade Portuguesa Feminina, 1.a Folha de
uma missão exclusiva, assim como quis moldar Formação Moral para Vanguardistas e Lusas, Lisboa, Co-
as jovens no sentido de as adaptar e pôr ao ser- missariado Nacional-MPF, janeiro, 1942-43; Mocidade
Portuguesa Feminina, Ler para Crescer. Lista de Livros
viço do Estado Novo e da Igreja Católica, na es- Seleccionados, Lisboa, Mocidade Portuguesa Feminina,
fera feminina. Mas embora tenha pretendido en- 1969; Mocidade Portuguesa Feminina, Mística da Mo-
quadrar a juventude feminina “de todo o Impé- cidade Portuguesa Feminina. Formação moral e social.
rio”, atingiu só o meio escolar e mesmo neste não Plano de Actividades, Lisboa, Mocidade Portuguesa Fe-
minina, 1964; Mocidade Portuguesa Feminina. Parabéns,
chegou a criar centros em todos os estabeleci- Lisboa, MPF, 1948; Mocidade Portuguesa Feminina, Pue-
mentos de ensino. A MPF foi essencialmente ur- ricultura, 5.o Curso de Férias para dirigentes dos Centros
bana e liceal na medida em que atuou exclusi- Primários, Porto, MEN/MPF, agosto, 1955; Mocidade Por-
vamente entre as jovens escolarizadas das clas- tuguesa Feminina. Actividades Circum-Escolares. Pro-
ses média e alta do ensino secundário, não ten- gramas 1969-70, Lisboa, MPF, 1970; Mocidade Portuguesa
Feminina. Organização e Actividades, Lisboa, Secreta-
do qualquer espécie de influência sobre as jovens riado da Propaganda Nacional/Mocidade Portuguesa Fe-
universitárias, nem sobre as dos meios rural e ope- minina, s.a.; Reestruturação Nacional da Mocidade
rário ou do sector terciário. Portuguesa, Lisboa, MEN/MPF, 1966; Regulamento dos
Centros Primários, Lisboa, MPF,1956; Regulamento dos
Bib.: 1.o Congresso da Organização Nacional Mocidade Centros Primários, Lourenço Marques, MPF, 1961; Visita
Portuguesa, Lisboa, Império, 1939; 25 Anos de Actividade à Metrópole das Raparigas do Mundo Português, Lisboa.
da Mocidade Portuguesa Feminina, 1938-1963, Lisboa, MPF/CN, agosto/setembro, 1953.
Secretariado da Propaganda Nacional/Mocidade Portu- [I. F. P.]
guesa Feminina, 1964; Agenda MPF, outubro de 1960/se-
tembro de 1961, Lisboa, Mocidade Portuguesa Femini-
na, 1960; Boletim da Mocidade Portuguesa Feminina. Ci- Morgadio Feminino
clo Complementar do Ensino Primário e Ciclo Prepara- A propriedade vinculada, nos modelos de mor-
tório do Ensino Secundário [dir. Maria Guardiola, ed. Au- gadio e capelas, foi-se afirmando em Portugal de
rora David], Lisboa, MPF, n.o 1, 1.o período 1968/69; Bo- forma relevante desde o século XIII até ao XIX.
letim para Dirigentes da Mocidade Portuguesa Femini-
na. Centros Liceais e Técnicos, 13.o tomo [dir. Maria Guar-
Este tipo de propriedade caracterizou-se sobre-
diola, ed. Aurora David], Lisboa, ano letivo 1963-64; Bo- tudo pela exigência em manter um património,
letim para Dirigentes [ed. Carlinda Valente da Costa], Lis- essencialmente fundiário, indivisível e inalie-
boa, CN da Mocidade Portuguesa Feminina, n.o 1, janeiro, nável, assim como pela preferência dada à su-
1946; Consagração das Raparigas Portuguesas a Nossa cessão e administração pelo filho varão primo-
Senhora de Fátima, Lisboa, MPF, 1953; Curso de Férias
para Dirigentes, Lisboa, MPF, anos cinquenta; Directivas génito. Constata-se, no entanto, que estas insti-
para a Instrução Geral dos Escalões de Infantes e Van- tuições tiveram ao longo do tempo variabilida-
guardistas, Lisboa, Mocidade Portuguesa, 1947; Encon- des várias que afetaram, nomeadamente, o mo-
741 MOR

delo de sucessão maioritariamente masculino. afastada. Gama Barros [História da Administra-


A propósito do presente tema utilizaremos pre- ção Pública em Portugal nos Séculos XII-XV,
ferencialmente as denominações vínculo e mor- Tomo VIII, p. 266], ao descrever a sucessão im-
gadio, embora estejam igualmente incluídas posta por D. Martinho da Costa, arcebispo de Bra-
neste tipo de posse e transmissão de património ga, no morgadio fundado por si em 1306, subli-
as chamadas capelas. Sucintamente, diremos que nha a determinação do arcebispo em excluir qual-
os morgadios e capelas constituem ambos formas quer mulher na sucessão deste vínculo. Sem cor-
de bens vinculados; a diferença entre eles en- responder à maior parte dos casos, o exemplo que
contra-se no facto de o rendimento do morgadio acabámos de referenciar não é, naturalmente, úni-
ter como objetivo essencialmente a manutenção co e tudo indica que a exclusão feminina era re-
de uma casa (esta não entendida enquanto edi- lativamente frequente no século XVIII. Só assim
fício, mas sim como um património material e se explica a preocupação manifestada na legis-
simbólico, ou seja, um conjunto de bens asso- lação pombalina de 3 de agosto de 1770 que no
ciados a um nome de família, a uma ação histó- seu 9.o ponto constata e determina: “atendendo
rica valorizada, devidamente expostos em sím- a que os Morgados de Agnação, e de Masculini-
bolos diversos cujo objetivo era manter, se pos- dade, que nos Países, onde os conserva o Direi-
sível aumentar e transmitir), não excluindo, no to Feudal, tem causado ruínas de Famílias inteiras
entanto, que parte desse rendimento fosse apli- vendo passar à vista das próprias filhas delas os
cado em encargos pios. Porém, quando se opta- seus patrimónios a estranhos, os quais umas ve-
va por instituir uma capela, os rendimentos eram zes se acham com elas fora de grau, e outras lhes
à partida aplicados em obras pias e apenas o que são inteiramente desconhecidos; quando este di-
restava daqueles era usufruído pelo instituidor reito é por si mesmo inconsistente com os Mor-
ou pelos seus sucessores e, eventualmente, in- gados deste Reino, onde o sobredito Direito Feu-
vestidos numa casa. As regras jurídicas que sus- dal é totalmente estranho, e oposto aos objectos,
tentavam ambos os vínculos não diferiam. Ao com que são permitidos os mesmos vínculos en-
perspetivarmos a instituição e transmissão de vín- tre meus vassalos; Ordeno, que todos os Morga-
culos patrimoniais em Portugal, tendo em aten- dos de Agnação, ou Masculinidade fiquem por
ção os nomes femininos inscritos nos docu- esta Lei extintos, e abolidos quanto às vocações;
mentos, somos conduzidos a uma constatação que ficando existindo nos actuais Administradores
nos distancia, de certo modo, da visão mais tra- e nos seus descendentes, e sucessores legítimos
dicionalista dos morgadios, ou seja, de que se tra- com a natureza de Regulares, como se as sobre-
ta de uma instituição essencialmente masculina. ditas disposições de Agnação, ou Masculinida-
Não se pretende contrariar em absoluto o que acei- de nunca houvessem existido”. Mas se os mor-
tamos ser uma dominante, mas um olhar mais gadios que excluíam completamente as mulhe-
atento sobre os documentos leva-nos a relativi- res da sua administração são mencionados e proi-
zar a natureza masculina do morgadio. Facilmente bidos nesta lei pombalina, possivelmente devi-
se constata a presença feminina nas notícias que do à sua frequência, isso não significa que, in-
nos chegam do passado relativamente ao patri- versamente, não tenham existido os que excluíam
mónio vinculado. Na realidade, as fontes e os tra- os homens da sucessão e que por esta mesma lei
balhos escritos acerca do morgadio em Portugal são igualmente proibidos, pois a partir dela só po-
evidenciam o facto de ao longo do tempo de exis- diam prevalecer os chamados morgadios regulares
tência desta instituição, a sucessão feminina ra- (desde o século XVI os juristas classificavam os
ramente ter sido completamente excluída. Se na morgadios em regulares e irregulares. Eram re-
verdade e principalmente desde o reinado de D. gulares os que seguiam a ordem de sucessão pro-
João I, depois da Lei Mental, a sucessão vincu- posta nas Ordenações Filipinas, ou seja, dando
lar se fazia preferencialmente com base na regra a preferência ao filho varão primogénito para su-
de primogenitura e masculinidade, porém, na fal- ceder ao administrador. Nesta linha de sucessão,
ta de herdeiro masculino no grau de consan- as mulheres eram excluídas enquanto existissem
guinidade exigido, recorria-se preferencialmen- irmãos homens, mesmo mais novos que aquelas.
te à sucessão feminina nesse mesmo grau, antes Estas só sucederiam quando nesta mesma linha
de se procurar sucessor masculino num paren- não existissem varões. Depois de esgotada a li-
tesco mais afastado. Tal não exclui a existência nha reta, passava-se à colateralidade, escolhen-
de casos em que a mulher era completamente do sempre que possível o parente mais próximo,
MOR 742

de sexo masculino e mais velho. Perante a ine- viveu “numas casas nobres da Rua da Corredoura,
xistência de parentes masculinos, passava-se aos na Vila de Caminha, que veio a ser a origem do
femininos, caso existissem. Eram irregulares os Morgado dos Pitas”. Tendo casado com João Pita
morgadios que obedeciam a outra ordem de su- de Vasconcelos, ainda seu parente, esta senho-
cessão, como por exemplo quando a sucessão era ra que viveu entre o fim do século XVI e o iní-
escolhida segundo a vontade do administrador cio do século XVII, instituiu um morgadio, de-
ou por alguém por si designado para fazer essa terminando que este passasse às filhas mais ve-
escolha, não respeitando a ordem seguida pelos lhas das administradoras e estas fossem sempre
regulares). Possivelmente, o morgadio que exi- preferidas aos varões. Estes são três casos entre
gia a sucessão feminina só não terá merecido re- muitos outros. Se por um lado temos de aceitar
ferência na Lei de 1770 pela sua diminuta exis- que estas situações são exceções que contrariam
tência em comparação com os que exigiam a su- a regra que prefere o varão à fêmea, por outro,
cessão exclusiva masculina. Porém, tal não im- tudo leva a crer que esteve sempre latente na so-
plica que a sucessão feminina não tivesse sido ciedade portuguesa a preocupação de incluir a
muitas vezes exigida nos documentos de insti- linha feminina na sucessão vincular. Ao tentar-
tuição de vínculos. Deste tipo de exigência es- mos considerar a visão que as mulheres tiveram,
colhemos três exemplos, considerando no entanto ao longo do tempo, dos vínculos patrimoniais
que muitos mais poderão ter existido. Um caso como instituição predominantemente masculi-
interessante é o do “Vínculo das Poveiras”, em na, parece poder-se concluir que os aprovaram
S. Torcato (Guimarães). Refere-se na sua insti- e defenderam tal como os homens que, ao lon-
tuição, feita em 1612 pelas irmãs solteiras Helena go de vários séculos, aceitaram e incentivaram
e Maria de Meira: “que ande sempre em fêmea este tipo de gestão de bens. Olhando alguns dos
honesta legitima descendente de nossos pais”. Foi documentos onde são referenciados nomes de ins-
assim passando de tias para sobrinhas e apesar tituidores e administradores de morgadios, fa-
das várias legislações que procuraram regular a cilmente nos apercebemos que a escassez de ad-
sucessão do morgadio e extinguir os menos ren- ministradoras contrasta com um número muito
táveis (que era o seu caso) tentava, ainda em 1843, significativo de instituidoras. Ou seja, a quanti-
um dos descendentes, recorrendo aos tribu- dade de mulheres que individualmente – sol-
nais, evitar a concretização da sua abolição (ti- teiras, viúvas ou mesmo casadas – instituem mor-
nha sido abolido por Despacho de 4.4.1832) e pas- gadios é bastante elevado. Foi muito vulgar uma
sá-lo para uma filha, o que não foi conseguido, mulher solteira ou um grupo de irmãs, eclesiás-
como refere Maria Adelaide Pereira de Morais na ticas ou laicas, ou mesmo viúvas, tendo em sua
sua obra Velhas Casas [IV, Quinta do Paço, p. 66], posse uma quantidade considerável de bens, ins-
onde também afirma que se trata de um “mor- tituir – muitas vezes em testamento, mas não só
gadio velhinho, envolto em lendas, romântico, – um morgadio ou capela, para o qual determi-
só para senhoras”. Igualmente o padre Jerónimo navam o sucessor ou a sucessora, na maior par-
Lopes do Espírito Santo, no ano de 1680, insti- te dos casos destinando a sucessão a um filho, um
tui em Barcelos o Vínculo de S. Vicente Ferrei- sobrinho ou irmãos. A frequência com que re-
ra estabelecendo que nele “sucederá a fêmea e correram a esta instituição como meio de trans-
será preferida ao macho”, como refere Ana Ma- mitirem o seu património demonstra, de alguma
ria Costa Macedo na sua obra Família, Socieda- forma, a sua aceitação da instituição e a utilida-
de e Estratégias de Poder (1750-1830). Neste caso de que viam nela. Se por um lado o afastamen-
o morgadio foi passando de mulher para mulher to da mulher da sucessão no morgadio era im-
até à legislação pombalina já referida, momen- posto, por vezes, pelas regras tendencialmente
to em que o irmão primogénito da sucessora exi- masculinas da instituição, por outro a possibi-
ge o cumprimento da nova lei, transformando o lidade de conversão de bens em propriedade vin-
morgadio em regular e pondo fim à exigência da culada não punha restrições de sexo, pelo que ins-
sucessão feminina. Por último, uma referência in- tituir um morgadio era uma opção liberta de cons-
teressante encontrada na obra de Luís Bívar Guer- trangimentos de ordem sexual que as mulheres
ra, A Casa da Graciosa [p. 28], que ao descrever escolheram frequentemente. As razões que le-
a genealogia dos Meneses Pita menciona a ins- varam muitas mulheres a instituir vínculos pa-
tituição feita por D. Grácia Pita, filha de Sebas- recem ter sido de vária ordem. Motivos muito es-
tião Rodrigues Pita e de Leonor Pita Calheiros que pecíficos e variados que merecerão, certamente,
743 MOR

um estudo aprofundado. É possível, no entanto, seus. Sem conhecermos as suas motivações, a ver-
afirmar desde já que ao concretizarem um ato des- dade é que privilegiou duas irmãs em detrimento
te tipo condicionavam de imediato a transmis- de irmãos homens [“Práticas de construção e re-
são dos seus bens, criavam um sério obstáculo produção de poder no Portugal rural do século
à sua divisão e perpetuavam a memória de si nas XVII ao século XIX. O caso do morgadio de Pe-
gerações vindouras, para além de, nos casos em roviseu e Chãos (Fundão)”]. Tudo indica que, ape-
que ainda tinham muita vida pela frente – como sar de a memória histórica ter mantido na obs-
já se disse, por vezes estas instituições eram fei- curidade o papel feminino na gestão do patri-
tas em testamento, mas não unicamente –, o seu mónio vinculado, uma análise cuidada dos do-
papel social ser alterado no sentido de um cumentos poderá revelar que a mulher marcou
maior poder e notoriedade. Para transmitir uma uma posição importante na instituição, na trans-
ideia do número de instituições de vínculos “no missão e na manutenção da propriedade vincu-
feminino”, pode-se fazer uma leitura, mesmo su- lada, enquanto esta foi considerada uma forma
perficial, do documento manuscrito de João de engrandecimento da família. Muitos terão sido
d’Arruda Botelho da Câmara, denominado Me- os dramas por que passaram, muitos terão sido
mórias Genealógicas proveitosas aos moradores os sacrifícios a que sujeitaram as suas vidas para
desta Ilha que compôs João d’Arruda Botelho da manterem o poder da família. Naturalmente, de-
Câmara desta mesma Ilha anno de 1790. Neste vemos evitar anacronismos e ter consciência dos
documento, em que o autor procurou reunir no- valores próprios das circunstâncias temporais que
tícia de todos os vínculos, instituidores e admi- envolveram as mulheres nascidas em famílias
nistradores existentes na ilha de São Miguel nos morgadas, da socialização que era feita da crian-
Açores, encontram-se os nomes de 127 mulhe- ça de forma a ancorá-la a determinados valores
res instituidoras, num universo de 315 institui- que só excecionalmente eram postos em questão.
ções. Inversamente, entre os administradores em Não resistimos a referir o drama vivido por uma
funções na altura em que o documento é elabo- mulher no século XVII, numa tentativa de asse-
rado, encontram-se 4 mulheres entre 46 nomes. gurar a sucessão no morgadio de seu marido. Tra-
O facto de a mulher contribuir facilmente para ta-se da história que teria dado origem à deno-
a proliferação de uma instituição que, na maio- minação de morgadio do Parto Suposto ao que
ria das vezes, não controlava explicitamente, vol- antes se chamava de S. Miguel. Foi um caso re-
ta a ser verificado se tivermos em atenção o nú- velado por Maria Adelaide Pereira de Morais que,
mero de instituições femininas referenciadas no baseando-se em documentos da época, conta
registo de vínculos existente no Arquivo Nacio- como uma mulher, Eugénia da Cunha Peixota,
nal da Torre de Tombo [Vínculos Abelho], feito numa tentativa de assegurar a sucessão do mor-
em cumprimento da legislação de reforma vin- gadio administrado por seu marido, se viu en-
cular de 1860, que obrigava a um processo de re- volvida num enredo que possivelmente lhe de-
gisto de todas as instituições que se quisessem finiu uma vida infeliz e curta. Nascida em 1594,
manter vinculadas. Em 148 processos, recebidos Eugénia Peixota casou em 1621 com o homem
dos governos civis de Bragança, Castelo Branco, que os pais lhe tinham destinado, o morgado de
Coimbra, Funchal, Horta, Lisboa, Ponta Delgada, S. Miguel, Jerónimo Machado de Miranda, pes-
Portalegre, Porto e Santarém, são referidos cer- soa já de idade avançada. Em 1623, o casal ba-
ca de 675 vínculos – morgadios e capelas – dos tizou em Guimarães um filho. Mas, de imedia-
quais perto de 200 foram instituídos por mu- to, vozes se levantaram para dizer que o filho não
lheres. Todavia, da cerca de 150 processos de re- era deles; uns diziam que era de uma caseira, ou-
gisto de vínculos feitos ao abrigo da referida le- tros, como o abade de Tagilde, afirmavam que era
gislação, apenas 17 apresentam uma mulher como de uma irmã e do cunhado. A família do mari-
administradora. É possível ainda assinalar si- do acusou Eugénia de ter inventado tudo para ga-
tuações, também não raras, em que homens, mui- rantir uma sucessão direta no morgadio. As vo-
tas vezes eclesiásticos, instituem morgadios ou zes foram-se avolumando até que começaram a
capelas cuja administração entregam a irmãs, so- fazer sentir-se as suas consequências. Quando em
brinhas ou afilhadas. Estudámos um caso, exem- 1624 Eugénia enviúva, tornou-se, naturalmente,
plo disso mesmo, em que um padre institui no uma mulher mais desprotegida, e os protestos dos
seu testamento dois morgadios que deixa a que pretendiam assumir a sucessão do morgadio
duas irmãs que escolhe num grupo de oito irmãos conseguem levá-la à prisão, no castelo de Gui-
MOR 744

marães. É aí que está, em 1625, procurando quem da hoje são o abrigo e amparo de muita gente, en-
a defenda. Em 1626 morreu a criança causado- fim, gosto dos vínculos como instituição políti-
ra do litígio e Eugénia foi libertada. Conhece- ca, e não acho esta instituição injusta, como mui-
-se, com a data deste ano, uma obrigação de dí- ta gente diz (sem saber o que diz), porque os vín-
vida que faz a seu pai e pela qual se percebe o culos são todos instituídos nas terças, isto é, numa
quanto estava endividada. Os documentos in- porção de fortuna particular de cada um, que até
dicam ainda que em 1627 Eugénia da Cunha Pei- a um estranho se pode deixar”. O sentimento
xota já não estava viva. O morgadio de S. Miguel transmitido pela condessa de Rio Maior peran-
seguiu o seu percurso, encontrando sucessores te a instituição morgada não deverá constituir
nos descendentes dos irmãos do marido de Eu- uma exceção entre as mulheres do seu grupo so-
génia, mas ficou para a história como o “morga- cial. A responsabilidade perante a defesa da fa-
dio do parto suposto” e ligado à memória de uma mília passa igualmente pela defesa da proprie-
mulher que procurou, devida ou indevidamen- dade vinculada. Família e morgadio são insti-
te, assegurar a sucessão na linha que considera- tuições difíceis de separar. São comuns às duas
va mais justa, mas que sucumbe perante a pres- as preocupações de acumulação de capital de di-
são de uma linha sucessória mais forte a que, de ferentes espécies, de transmiti-lo às gerações vin-
facto, o peso da masculinidade não teria sido douras e em ambas instituições o papel da mu-
alheio. Apesar de provavelmente nunca se poder lher foi incontornável. Assim, a reflexão sobre a
vir a saber se, neste caso, a vontade de assegu- importância da mulher na manutenção e pre-
rar a sucessão de um morgadio levou realmen- servação da propriedade vinculada em Portugal
te à invenção de um parto, podemos, no entan- poderá estender-se por diversos campos, como
to, com este exemplo apercebermo-nos como pe- por exemplo a importância do papel da mulher
saram sobre mulheres as responsabilidades na su- na família e a sua função na socialização e inte-
cessão e transmissão dos vínculos. São conhe- riorização de valores práticos e simbólicos. A pro-
cidos casos de morgadas viúvas que sozinhas edu- cura da compreensão da intervenção da mulher
caram os filhos e mantiveram com êxito a sua em esferas tidas como dominantemente mascu-
casa, gerindo morgadios; de mulheres que ab- linas continua a ser objeto de inúmeras investi-
dicaram do casamento em prol da casa em que gações. Estas parecem chegar a conclusões idên-
nasceram; de mulheres que aceitaram e viveram ticas, quer se voltem para o passado ou se situem
casamentos difíceis em nome da manutenção do no presente. Citemos, por exemplo, Pierre Bour-
património vinculado, e também de mulheres que dieu [Razões Práticas, p. 97] que ao chamar a
substituíram, nas decisões importantes, os ma- atenção para todo o trabalho simbólico e práti-
ridos, administradores de morgadios, débeis e es- co que se desenvolve na família atual com o ob-
banjadores e cujas casas só se mantiveram gra- jetivo de dotar cada indivíduo do chamado “es-
ças a este empenho feminino. Sem cair em es- pírito de família” através de inúmeras trocas, sem-
peculações inúteis, podemos dizer que, nesta ins- pre no sentido da intensificação dos laços afeti-
tituição aparentemente tão masculina, a mulher vos e da união entre os seus membros, refere o
esteve presente na sua instituição, na adminis- papel da mulher na concretização deste objeti-
tração, na reprodução de sucessores, enfim, na vo. Segundo as suas palavras, este trabalho per-
sua preservação e reprodução. Em março de 1863, tence “muito particularmente às mulheres, en-
perante a irreversibilidade da lei que se discutia carregadas de alimentar relações (com a sua pró-
no parlamento e que preparava a abolição dos pria família, mas também, com grande frequên-
morgadios, a condessa de Rio Maior, Isabel Ma- cia, com a do cônjuge) por meio de visitas, mas
ria de Sousa Botelho Mourão Vasconcelos [Isa- igualmente de correspondência (e em particular
bel, Condessa de Rio Maior, pp. 319/320], ex- as trocas rituais de cartas de votos festivos) e de
prime, numa carta a um dos seus filhos, a sua opi- comunicações telefónicas”. Se hoje e perante ou-
nião acerca dos vínculos desta forma: “sinto mui- tras realidades o papel da mulher na família é con-
to a abolição dos vínculos, porque considero- siderado relevante e fundamental, a sua função
-os úteis para os governos monárquicos, porque em épocas em que a família era o centro da re-
acho que conservam as ligações de família, as tra- produção social, económica e mesmo política foi
dições históricas, que são incentivos para con- determinante. Assim, as mulheres de morgados,
tinuar no caminho do dever e da honra, porque ou morgadas, terão sido o garante, entre muitas
as nossas casas de fidalgos sempre foram e ain- outras coisas, da educação dos filhos, da sua an-
745 MMZ

coragem a valores que garantissem a sucessão fa- gues. Como colaboradores permanentes apare-
miliar; das relações não só dentro da família mas ceram Ana Abel, Cipriano Dourado, Correia
também com outras famílias, muitas vezes com da Fonseca, Elizabete França, Fernanda Lapa,
o objetivo de levar os filhos a contrair alianças Fernanda Managão, Fernando Midões, Isabel Ri-
matrimoniais vantajosas para a preservação do beiro, José Paulo Simões, Judite Fonseca, Lau-
poder da sua casa; da organização de aconteci- ra Lopes, Lurdes de Freitas, Madalena Rai-
mentos sociais dos quais resultassem ganhos ma- mundo, Manuel Carvalho Coelho, Matilde Nu-
teriais ou simbólicos. Como conclusão, e cons- nes, Mara, Maria Judite de Carvalho, Maria Keil,
ciente de que a dimensão da importância da mu- Paula Abel, João Martins, Rogério Ribeiro, Te-
lher nos mecanismos de reprodução social está resa Afonso Dias, Teresa Dias Coelho, Vítor Fer-
longe de ser conhecida, acrescentaremos apenas reira. Posteriormente, entraram como colabo-
que acreditamos que não só a instituição da fa- radores: Fernanda Mestrinho, Isabel Rocha,
mília mas igualmente a instituição morgada, tal Jorge Ribeiro, José do Carmo Francisco, Lean-
como hoje as conhecemos, foram o resultado de dra Baptista, Leonor Nunes, Lia Viegas, Lopes
um trabalho simbólico e prático essencialmen- Correia, Manuela Alves, Maria Antónia Fiadeiro,
te feminino. Maria Ondina Braga, Marina Pimentel, Moisés
Espírito Santo, Paula Sanchez, Susana Ruth Vas-
Bib: Alfredo Pimenta, Vínculos Portugueses, Imp. da
Univ. Coimbra, 1932; Ana Maria da Costa Macedo, Fa- ques, Valdemar Cruz, Zita Barros. Entretanto, He-
mília, Sociedade e Estratégias de Poder, 1750-1830, Bra- lena Neves passou a fazer parte da redação em
ga, APPACDM, 1996; Henrique da Gama Barros, Histó- outubro de 1980, sendo em dezembro a subdi-
ria da Administração Pública em Portugal nos Séculos retora. Em janeiro de 1984 foi nomeada direto-
XII-XV, 2.av ed., Lisboa, Sá da Costa, 1945-1952; Judite
Esteves, “Práticas de construção e reprodução de poder
ra interina, após o falecimento de Maria Lamas,
no Portugal rural do século XVII ao século XIX. O caso a 6 de dezembro de 1983, e em maio de 1985 as-
do Morgadio de Peroviseu e Chãos (Fundão)”, Trabalhos sumiu o cargo de diretora. A revista era pro-
de Antropologia e Etnologia, Vol. 44, Porto, 2004; Luís priedade da Editorial Caminho e a redação si-
Bívar Guerra, A Casa da Graciosa, Lisboa, 1965; Maria tuava-se em Lisboa. No n.o 1, de maio de 1978,
Adelaide Pereira de Morais, “Velhas Casas: IV Quinta
do Paço”, separata do Boletim de Trabalhos Históricos,
na sua Apresentação, escrevia-se “Nós ‘mu-
Guimarães, 1971;“Eugénia da Cunha Peixota ou o Mor- lheres’... Quem somos? O que queremos?” e afir-
gado do Parto Suposto”, separata da revista Armas e Tro- mava-se que “Antes do mais, somos mulheres
féus, Braga, n.o 1, janeiro-abril, 1977; Maria Filomena Mó- a tentar entabular um diálogo aberto, fraterno,
nica (org.), Isabel, Condessa de Rio Maior, Lisboa, Quet- vivo e lúcido, com todas as mulheres portu-
zal Editores, 2004; Morgado João d’Arruda Botelho da
Câmara, Instituições Vinculares e Notas Genealógicas, guesas. De quem quereríamos vir a ser: O pen-
Ponta Delgada, Instituto Cultural, 1995; Pierre Bourdieu, samento, A voz, A escrita, O quotidiano, A for-
Razões Práticas, Oeiras, Celta Editora, 2001. ça. Através das nossas páginas tentaremos dar:
[Ju. E.] As suas reivindicações, As suas queixas, A sua
presença clara, As suas esperanças, A sua rea-
Mm’zelle Caprice lidade, A sua firmeza, As suas dúvidas. Nós, que
v. Conceição Vitória Marques enquanto mulheres conhecemos na carne, todas
as humilhações, todas as cruezas, todas as in-
Movimento de Libertação das Mulheres justiças, todas as violências, todas as humilha-
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 ções que têm discriminado, marcado as mu-
e 80 do século XX lheres, ao longo dos séculos... tentaremos rela-
tar, narrar nas nossas páginas tudo isto. E nelas
Movimento Democrático de Mulheres abrir novos caminhos, encontrar novas pistas,
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70 outras soluções para as suas vidas. UMA OU-
e 80 do século XX TRA VIDA! Por isso, propomos a todas as mu-
lheres: O convívio, A amizade, A confiança,
Mulheres A alegria. Pois só assim nós ‘Mulheres’, pode-
Revista publicada entre maio de 1977 e fevereiro remos vir a tornar-nos, em mais um elo de força,
de 1989. Inicialmente, a direção da revista foi da nossa unidade em movimento”. No essencial,
de Maria Lamas (1893-1983) Maria Teresa Hor- a revista Mulheres apresentou, ao longo da sua
ta era a chefe de redação e na redação estavam existência, e com certa constância, rubricas re-
Ana Cília, Eugénia Cunhal e Francisco Rodri- lativas a aspetos jurídicos, de âmbito geral e la-
MUL 746

boral, sobre a violência doméstica, o casamento, Hotel Aviz. Até 1958, já tinha dado apoio fi-
reuniões e encontros nacionais e internacio- nanceiro a diversas instituições portuguesas, tais
nais de âmbito feminino e laboral, lazer, des- como a Maternidade de Cascais*, a Creche de
porto, saúde, sexualidade, crianças, alimenta- Cascais, a Clínica de Reumatologia, a Assistência
ção, cartas de leitoras, modas, curiosidades, à Maternidade e Infância e aos rapazes da fra-
efemérides, custo de vida, sugestões de leitura, gata D. Fernando. Também podia dar apoio a
televisivas, cinematográficas, e programações qualquer norte-americano que se encontrasse em
radiofónicas e teatrais. Com regularidade, inseria dificuldades, mas até àquele ano apenas uma
a rubrica “Este mês escolhemos”, onde apre- senhora norte-americana recebera um subsídio
sentava uma personagem feminina, falava de regular. Quando os grandes navios ou porta-
uma profissão exercida por uma mulher, e -aviões da armada norte-americana visitavam
apresentava um espaço com o título “O Homem Lisboa, eram as associadas quem organizava o
entre as Mulheres”. Entre os números 20 e 38, acolhimento e acompanhamento dos oficiais e
Helena Neves escreve “Para a História dos marinheiros. Numa ocasião, na década de 50,
Movimentos de Mulheres em Portugal”. Pon- foi oferecida à Associação por uma tripulação
tualmente, apareceu a rubrica “As Mulheres Fa-
uma grande quantidade de roupa destinada a
zem História”. No início, o preço de capa era de
portugueses pobres. Antes mesmo que fosse de-
25$00. Em julho de 1980, o preço passou para
vidamente distribuída, e para que se pudesse fa-
30$00, em maio de 1981 para 50$00, em janei-
ro de 1983 para 100$00, em maio de 1984, para zer uma fotografia, juntaram uma série de “po-
120$00, em maio de 1985, para 140$00, e em ja- bres” em fila, na doca, a quem entregaram al-
neiro de 1988 para 150$00. A tiragem inicial era gumas roupas. Em 1953, publicaram em edição
de 25 000 exemplares, tendo atingido os 42 500 bilingue o livro Cooking in Portugal. Desde que
em 1983, decaindo para 21 450 em maio de apresentadas por uma associada, também se ad-
1987. Com o n.o 130, dado à estampa em feve- mitiam senhoras de outras nacionalidades. To-
reiro de 1989, a revista foi suspensa, tendo apre- dos os anos organizavam uma passagem de mo-
sentado as razões no seu “Editorial”: “Suspen- delos, atuando as sócias como tal. A título de
são da revista Mulheres: “Ao fim de onze anos exemplo, em 1966 as coleções apresentadas eram
de publicação, a revista ‘Mulheres’ vai ser sus- assinadas por Ana Maravilhas e por Maria
pensa. A partir deste número, elaborado ainda Luísa Barata. Os chapéus eram de Mady e de Lu-
antes da decisão da suspensão ter sido tomada, cília. Houve quem dissesse desta organização
sucederá o que supomos apenas um breve si- que “Como todas as boas mulheres esta Asso-
lêncio. Isto porque suspensão não significa ne- ciação não tem história”, ou que se tratava de
cessariamente fecho, encerramento, morte. Sus- “um centro de dia para esposas”, ajudando as
pensão pode significar pausa. Uma pausa para mulheres de empresários ou consultores es-
reflexão [...] Até já ‘Mulheres!’”. trangeiros em Portugal a integrarem-se na cul-
[J. P. C.] tura local. Continua a funcionar, com sede em
Cascais, e ao longo dos anos já organizou mi-
Mulheres Americanas de Lisboa lhares de eventos e atividades, proporcionan-
The American Women of Lisbon é uma asso- do às suas associadas, e a um círculo alargado
ciação fundada em 1947 por um grupo de mu- de organizações, os mais diversos benefícios e
lheres norte-americanas residentes na zona de serviços. Durante algum tempo, dispôs de uma
Lisboa, com o objetivo de “juntar mulheres ame- biblioteca. Quando celebrou o 35.o aniversário,
ricanas para fins culturais, filantrópicos e so- em 1982, tinha 279 membros de 22 nacionali-
ciais”. Do grupo inicial faziam parte Polly dades, dominando as norte-americanas, as bri-
Swayza (a primeira presidente), casada com o tânicas e as portuguesas. O único requisito é co-
diretor das linhas aéreas Pan Am, e Mrs. Tho- nhecer a língua inglesa, dado que é essa que sem-
mé Vilar, casada com um professor de medici- pre se utiliza nas atividades do clube.
na português, assim como Anita Reynolds,
Olga de Melo do Rego e Colette Hanley. Come- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 654, 25/01/1958,
n.o 865, 26/03/1966, n.o 1028, 27/05/1972, n.o 1283,
çaram por juntar-se para almoçar duas vezes por 14/10/1982, n.o 1304, 25/08/1983, n.o 1345, 09/05/1985,
mês, primeiro na Pensão Nazaré, depois no Res- n.o 1423, 03/09/1987, n.o 1435, 26/11/1987
taurante Chave d’Ouro e, subsequentemente, no [A. V.]
747 MUL

Mulheres e Movimento Espírita nas primeiras campo da racionalidade. Nesta ótica, o espiri-
décadas do século XX tismo era um campo aberto à investigação cien-
O conhecimento sobre a emergência e expansão tífica; a sua cientificidade assentaria nos méto-
do espiritismo em Portugal ainda é muito vago, dos experimentais da observação dos fenómenos
por falta de estudos exaustivos e rigorosos que de comunicação com o Mundo Invisível do Além
envolvam arquivos, espólios oficiais e particu- e a materialização dos espíritos como prova da
lares, periódicos e outras publicações de cariz sua existência e imortalidade, isto é, os fenó-
espírita de autora/es nacionais e estrangeiros, menos espíritas e mediúnicos seriam testáveis
bem como, no caso destes últimos, a sua rece- pela observação empírica e pelo testemunho.
ção e repercussão entre nós. Nos escassos estu- A parte filosófica prender-se-ia com a procura
dos existentes, a militância espírita das mulhe- do conhecimento das causas desses fenómenos
res e os periódicos de cariz espírita fundados e e das origens e destino do ser humano, entida-
dirigidos por mão feminina são ainda pouco vi- de dotada de corpo e alma, podendo esta alcançar
síveis. Constituem exceção as figuras da médi- o estádio superior de perfeição através de su-
ca Amélia Cardia, da feminista Maria O’Neil e cessivas reencarnações. A concepção de apri-
da artista plástica Adelaide Ivone de Sousa, que moramento da alma que permitiria chegar à pura
o movimento espírita português contemporâneo espiritualidade e aceder às Verdades Supremas
tomou como referências femininas, precursoras remete para a teoria evolucionista de Charles Dar-
na divulgação da doutrina espírita e da criação win, paradigma científico predominante na se-
da Federação Espírita Portuguesa. Ultimamen- gunda metade do século XIX. Sublinhe-se que
te, o nome de Maria Veleda* também se tem im- Allan Kardec, o teorizador e codificador da
posto como figura de relevo no movimento doutrina espírita, tinha publicado O Livro dos
espírita das décadas de 1920 a 1950, enquanto Espíritos em 1857, dois anos antes de Charles
fundadora do Centro Espiritualista Luz e Amor, Darwin publicar A Origem das Espécies, obra que
dirigente e colaboradora de revistas neoespiri- irá consolidar o paradigma evolucionista e di-
tualistas e espíritas, dinamizadora do I Congresso luirá a contenda entre os defensores da polige-
Espírita Português, em 1925, vice-presidente da nia e os da monogenia. Será à luz do evolucio-
Comissão Promotora e membro do Conselho Su- nismo que Allan Kardec atualizará algumas das
perior Deliberativo da Federação Espírita Por- suas conceções sobre a origem das raças huma-
tuguesa, além de divulgadora empenhada, mas nas que tiveram impacto no espiritismo. Na sua
também crítica acérrima de algumas práticas es- obra posterior, A Génese, de 1868, adota as cor-
píritas menos escrupulosas que denegriam o ver- rentes de pensamento hegemónicas no campo
dadeiro espiritismo filosófico, científico e ex- científico e apresenta uma combinação de ideias
perimental. O espiritismo, tal como era enten- que questionam os limites da teoria evolucionista
dido na primeira metade do século XX, reunia e, simultaneamente, com ela concorrem, quan-
em si ciência, filosofia e religião. Para a/os adep- do defende a origem única da humanidade, pri-
ta/os, o espiritismo, “mais que qualquer outra meiro divina e depois natural, e a pluralidade
doutrina, abre os corações e esclarece as almas da origem das raças humanas. Segundo algumas
acerca da Fraternidade Humana e do caminho análises, os conceitos de Arquiteto do Univer-
ascensional às mais altas regiões siderais – so, igualdade, tolerância, evolução, perfectibi-
mundos de Perfeição absoluta” [A ASA, n.o 11, lidade e progresso, presentes no edifício teóri-
agosto, 1925, p. 179]. Para as mulheres espíritas, co do espiritismo concebido por Allan Kardec,
o espiritismo seria a religião do Bem que busca não se poderão desligar da filosofia de Augus-
a perfectibilidade humana e a fraternidade uni- to Comte e das influências do educador e seu
versal, simultaneamente ciência da alma e filo- mentor Jean-Henri Pestalozzi. Neste contexto, a
sofia do destino humano, pela qual se pretendia imortalidade da alma, a multiplicidade das vi-
libertar as consciências dos dogmas e ritualismos das e dos mundos habitados, a existência de en-
que durante séculos as enfeudaram às religiões tidades espirituais elevadas e puras ou baixas e
ocidentais e orientais, e procurar novos rumos, impuras, bem como as suas influências boas ou
onde a espiritualidade assentasse na demons- más sobre os humanos, poderiam ser compro-
tração positiva e experimental da preexistência vadas através das experiências mediúnicas. A co-
e imortalidade da alma humana, que outras re- municação mental entre estes dois mundos pa-
ligiões jamais souberam comprovar e definir no ralelos permitiria aceder a ensinamentos reve-
MUL 748

lados sobre as leis morais que regem o presen- leda, uma das que combateu esta visão reduto-
te e o futuro da humanidade. A dimensão reli- ra e também a popular confusão entre espiri-
giosa do espiritismo estará presente na crença em tismo, feitiçaria, esoterismo e charlatanismo,
um Deus omnisciente, misericordioso e justo, a abordou a questão num artigo publicado no Men-
quem se deve adoração, sem culto nem dogmas, sageiro Espírita, com o título “O Espiritismo en-
deixando à liberdade da consciência individual louquece?” [O Mensageiro Espírita, n.o 64, Set.-
a expressão da própria religiosidade. Além da -Out., 1945, p. 1]. A adesão das mulheres ao es-
existência de Deus, o espiritismo destaca outros piritismo na década de 1920 estará porventura
princípios, como a imortalidade da alma, a reen- relacionada com os caminhos percorridos por
carnação, a evolução intelectual e moral, a me- muitas delas nos domínios da crescente secu-
diunidade e a aceitação da ética cristã, centra- larização das práticas sociais urbanas e da lai-
da na prática da caridade. O contacto com o Mun- cização das instituições políticas, consolidadas
do do Além, o Mundo dos Espíritos, dá novo sig- pela legislação republicana, da crença ilimita-
nificado às conceções de vida e de morte ao es- da na ciência e na racionalidade positivista, na
tabelecer que a interligação e comunicação en- adesão ao livre-pensamento, no combate ao fa-
tre o “Mundo Visível” e o “Mundo Invisível” são natismo religioso, aos dogmas da Igreja Católi-
possíveis e que, colocados no mesmo plano, es- ca e ao clericalismo, na defesa da educação como
tes dois mundos complementam-se, enquanto fator de evolução intelectual e moral, progres-
um transcende e confere sentido ao outro. Nes- so material e transformação social e na luta por
ta perspetiva, a mediunidade, a capacidade de uma sociedade mais democrática, justa, iguali-
comunicar com o Outro Mundo, torna-se rele- tária e fraterna. Na visão de algumas delas, como
vante, porque é dela que depende a interligação Maria Veleda, Maria O’Neil, Maria Emília Car-
e a interação entre os espíritos encarnados e de- valho Gonçalves*, Maria da Madre de Deus Lei-
sencarnados, embora Allan Kardec afirme que o/a te Dinis*, entre outras, “dentro do ideal espíri-
médium tem um papel meramente passivo e não ta, cabem todas as reivindicações e todas as as-
acrescenta nenhum valor à obra dos espíritos, vis- pirações para a constituição de uma sociedade
to transmitir apenas o que lhe é ditado. São so- melhor” [Maria Veleda, A ASA, n.o 7, julho, 1919,
bretudo as mulheres que assumem a mediuni- p. 117]. A reivindicação feminista da igualdade
dade e a praticam nas sessões espíritas. Apeli- dos sexos teria acolhimento na doutrina espíri-
dadas de sensitivas, histéricas, sonâmbulas, ta por esta considerar que o sexo é apenas o in-
anormais e loucas, tornaram-se, em alguns paí- vólucro material que serve temporariamente o
ses, alvo de debate público e de estudo nos cam- espírito nas suas vidas sucessivas em busca da
pos emergentes da psiquiatria e da psicanálise. perfectibilidade. Sob o ponto de vista social, o
Dizia-se que a loucura, mesmo que apenas pre- sexo também seria irrelevante se a ação dos in-
existente, manifestar-se-ia ou seria agravada divíduos, mulheres e homens não se circuns-
pela prática da mediunidade e do espiritismo. crevesse a papéis e poderes diferenciados. Os
Na década de 1920, a/os espíritas entraram no tempos conturbados da Primeira Guerra Mun-
debate para combater esta corrente demolidora, dial e os anos do pós-guerra abalaram crenças e
esclarecer os detratores sobre as diferenças en- certezas, mudaram costumes e mentalidades, re-
tre o dom da mediunidade e as doenças mentais, configuraram ideologias políticas, acentuaram
para as quais a doutrina espírita apresentava for- desilusões e aceleraram a dessacralização do quo-
mas inéditas de tratamento. Na mesma época, o tidiano e do religioso. O espiritismo, ao dessa-
espiritismo reclamava a criação de uma nova cralizar o mundo espiritual, tornando-o objeto
ciência, a metapsicologia, à qual dedicou mui- de investigação científica, ao representar uma al-
tos estudos e congressos internacionais, além da ternativa ao pensamento científico ortodoxo e às
criação de sociedades de investigações psíqui- religiões dogmáticas tradicionais e ao fornecer
cas em muitos países europeus, nomeadamen- o esquema conceptual para a construção da so-
te em Portugal. As mulheres que se converteram ciedade ideal e da perfectibilidade humana, terá
ao espiritismo foram confrontadas, aberta ou sub- atraído as mulheres que sempre se bateram por
-repticiamente, com a acusação ou insinuação de estes ideais, tanto em Portugal como noutros paí-
que teriam perdido o juízo; foram marginaliza- ses do mundo dito ocidental. A militância es-
das e a sua ação política e feminista anterior bas- pírita feminina, apesar de passar despercebida
tante desvalorizada e descredibilizada. Maria Ve- aos poucos estudos ensaiados nesta área, tem já
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alguma visibilidade no início da década de 1920, rita realizada em Portugal remontará à década de
com a divulgação das revistas de propaganda so- 1860 e terá ocorrido no Palácio Novo do conde
ciológica e de ciências psíquicas, de cariz de Tomar, na sequência da vaga das mesas gi-
neoespiritualista e espírita, algumas das quais rantes e falantes que varreu a França, a Alema-
fundadas por Maria Veleda, como A ASA*, de nha e outros países da Europa, a partir de
1919, O Futuro, de 1921 e A Vanguarda Espíri- 1853. Segundo o historiador Guillaume Cuchet,
ta, de 1926. Destaca-se também O Mensageiro Es- esta moda constituiu o primeiro americanismo
pírita, boletim da Federação Espírita Portugue- da cultura europeia, pois foi dos Estados Unidos
sa, dirigido pela médica Amélia Cardia, que as- da América que chegou ao porto de Brême, na
sinava os artigos de reflexão, doutrina e propa- Alemanha, uma carta privada com os detalhes
ganda espírita, assim como as notícias, as in- da prática espírita, publicada por um jornalis-
formações e até as novelas reencarnacionistas. ta alemão na Gazette d’Augsbourg e encarada
O seu filho Pedro Cardia, membro da direção da pela imprensa europeia como uma curiosidade
Federação Espírita Portuguesa, era outro reda- yankee. Os primeiros médiuns americanos já ti-
tor bastante presente, embora não comparável em nham chegado à Europa em 1852, sobretudo a
termos de produção escrita. Amélia Cardia per- Inglaterra, onde não tiveram grande sucesso.
tencia ao Conselho Superior Deliberativo da Fe- A vaga das mesas girantes teve início em 1848, nos
deração e, como médica, era membro da Socie- EUA, adquirindo grandes proporções entre as
dade de Ciências Médicas, da Associação dos populações brancas e protestantes. Partiu de Hy-
Médicos Portugueses e da Sociedade Portugue- desville, a oeste do estado de Nova Iorque, quan-
sa da Cruz Vermelha. Nas décadas de 1910 e do as irmãs Fox, Kate, Maggie e Leah entraram
1920, os periódicos A Bondade, órgão da Liga em contacto com o espírito que assombrava a
de Instrução Allan Kardec, de Lisboa, Além, da casa onde viviam, por meio de uma espécie de
Sociedade Portuense de Ciências Psíquicas do alfabeto de toques que inventaram e divulgaram
Porto, Ecos do Além, de Lagoa, Ísis, da Sociedade com o apoio do New York Tribune. O fenóme-
Teosófica Portuguesa, Luz e Caridade, do Cen- no das mesas girantes e falantes depressa se trans-
tro Espírita de Braga, O Espírita, do Centro Es- formou em divertimento folclórico ou exercício
pírita do Barreiro, O Mensageiro Espírita e a Re- de física recreativa dos salões elegantes, na sen-
vista de Espiritismo, órgãos da Federação Espí- da do mesmerismo do século XVIII. À medida
rita Portuguesa, aceitavam a colaboração escri- que se exportava para outras paragens, ia to-
ta de mulheres, colaboração que se alargou a ou- mando formas variadas, embora o princípio bá-
tros jornais e revistas que surgiram nas décadas sico se mantivesse. Homens e mulheres, em lu-
seguintes, como, por exemplo, Estudos Psíqui- gares alternados, sentados à volta de uma mesa,
cos, do Centro Espiritualista Luz e Amor, e a Re- colocavam no tampo as mãos abertas, tocando
vista de Metapsicologia, de Lisboa. A esta ou cobrindo com a ponta dos dedos as mãos dos
amostra de periódicos das décadas de 1920 a seus vizinhos, de forma que o “fluido” circulasse
1950 poderíamos acrescentar outros, tanto con- na cadeia, até que a mesa se movesse. As mais
temporâneos como anteriores, em que não foi sensíveis revelar-se-iam como médiuns escre-
possível confirmar a colaboração feminina: Bo- ventes ou de incorporação e passariam a ter um
letim da Ordem da Estrela do Oriente, Ideal Cris- papel fundamental, por transmitirem ao grupo as
tão, Novos Horizontes, O Mundo Maior, O Su- mensagens dos espíritos em sessões de trabalho
cesso e Veritas de Lisboa, A Rosa-Cruz de Por- experimental, dirigidas e orientadas por um/a
timão, O Espírita de Ponta Delgada, Sol do Por- guia. O debate em torno do fenómeno, suas cau-
vir de Leiria e Voz do Além de Beja. Os pri- sas, implicações e interpretações foi intenso: tra-
mórdios deste movimento que teve o momento tava-se de brincadeira, patetice, fraude consciente
áureo com o 1.o Congresso Espírita e a criação ou inconsciente, ou qualquer coisa mais séria?
da Federação Espírita Portuguesa, em 1925, e se [Guillaume Cuchet, L’Histoire, n.o 377, junho,
prolongou até 1935, poderão situar-se nos anos 2012, p. 82] Dos muitos estudos que se seguiram,
de 1860, de acordo com os indícios fornecidos destacam-se os de Hyppolite Léon Denizard Ri-
pelas esparsas notícias da imprensa que, na vi- vail, que adotou o pseudónimo druida Allan
ragem do século XIX e início do século XX, tra- Kardec, por dar o nome de espiritismo a uma va-
tava o assunto com uma certa dose de descon- riante deste movimento nascente e teorizar a dou-
fiança e muita cautela. A primeira sessão espí- trina espírita na sua primeira obra, O Livro dos
MUL 750

Espíritos. Na perspetiva de Guillaume Cuchet, Paris, bem como as notícias trazidas pela agên-
Kardec, ao adotar o termo “espiritismo” acabou cia Havas sobre as fotografias dos espectros des-
com a ambiguidade lexical do termo “espiri- pertavam interesse e agitaram o meio espírita por-
tualismo”, usado nos EUA para designar o fe- tuguês. Entre notícias de casos de loucura, cu-
nómeno. Espiritismo distinguir-se-ia de espiri- ras mediúnicas, sessões de ocultistas e charla-
tualismo na medida em que este designa as fi- tães estrangeiros, materialização de espíritos e
losofias que admitem a existência de Deus e da contactos com os gurus internacionais do espi-
alma, enquanto aquele será uma forma de espi- ritismo e da teosofia, alguns periódicos come-
ritualismo que crê na comunicação dos vivos çavam a dedicar algum espaço a textos de teó-
com os mortos. Em Portugal, o espiritismo co- ricos do espiritismo, como Allan Kardec e Ga-
meçou a ser praticado por uns quantos membros briel Delanne, e a experiências científicas de in-
da melhor sociedade, sem grande entusiasmo, vestigadores como William Crooks. O apareci-
em sessões misteriosas em casas particulares mas mento da imprensa espírita em Portugal coin-
também em sessões públicas nos teatros. Na dé- cidiu com o interesse pelo espiritismo verifica-
cada de 1870, D. António Pessanha terá funda- do nos finais do século XIX, expandindo-se de-
do um club espírita, a que pertenceu o Eng.o Ân- pois nas décadas de 1910 e 1920. Maria Veleda
gelo de Sárrea Prado, tido como um dos mais eru- abordou o assunto num artigo, recuperado anos
ditos cultores do espiritismo da sua época e que mais tarde pela revista Fraternidade [n.o 179, ano
dirigia as sessões com o médium Alberto Possolo XVI, maio de 1978], do qual se respigam alguns
e a médium Maria Falcão*, que viria a tornar- apontamentos, confirmados por outras fontes
-se uma bela e famosa atriz. Aristocratas e jovens mais recentes. As primeiras publicações dedi-
das melhores famílias, Eduardo Burnay, Carlos cadas ao estudo do espiritismo científico e fi-
Mayer, Dr. Ordaz, Bernardo Pindela, mais tarde losófico e à divulgação dos livros codificadores
conde d’Arnoso, Dr. May Figueira, Fernando Cal- da doutrina espírita foram a Biblioteca Ilustra-
deira, Fontes Ganhado ou o marquês de Fontes, da de Estudos Psichológicos, de 1882, editada
entre outros, juntavam-se em sessões de hip- em fascículos pela Tipografia Modesto & C.a, na
notismo e espiritismo em casas particulares, res- Calçada do Tijolo, 39, em Lisboa, e a Revista Es-
taurantes e teatros. No Teatro do Ginásio terão pírita do Porto, de 1896, dirigida pelo médium
ocorrido algumas sessões de relativo sucesso com curador Claudino da Silva Neto, substituída em
a médium Emma Zanardelli, ao mesmo tempo 1900 pela Revista das Revistas, dirigida por Fran-
que os bastidores do Teatro D. Maria se trans- cisco Alves da Costa, que perdurou até 1910, com
formavam em centro de experimentação mag- sede na Rua do Corpo da Guarda, 30-3.o, no Por-
nética e espírita; Ângelo de Sárrea Prado fazia to. Em 1905, editou-se em Lisboa a revista de Es-
experiências com as médiuns e atrizes Amélia tudos Psíquicos, fundada por um advogado lis-
da Silveira*, Umbelina e Maria Falcão. Alguns boeta, Dr. Sousa Couto, a qual terá perdurado até
médicos começavam também a interessar-se pelo 1909. Este propagandista terá iniciado o estudo
assunto, sob o ponto de visto médico-científico. dos fenómenos espíritas antes da viragem do sé-
É o caso do Dr. Bettencort Rodrigues, que se des- culo XIX e terá participado no Congresso Espí-
locou a Paris para estudar com Charles Richet rita Internacional realizado em Paris, em 1900.
e outros cientistas e, no regresso, terá feito, com Em 1905, em Angra do Heroísmo, Açores, o Cen-
um grupo de colegas, estudos experimentais psi- tro Espírita do Irmão Cristo fundou a revista
quiátricos com a médium Amélia da Silveira. Em A Luz da Verdade e, em 1906, o médium Fer-
1889, o marquês da Foz também terá aberto as nando de Lacerda, inspetor da polícia, publicou
portas do seu palácio ao ocultista italiano con- o primeiro volume da obra Do Paiz da Luz, com
de Das e sua mulher, a médium condessa Das, mensagens mediúnicas de espíritos de perso-
a cuja sessão assistiu a fina flor do espiritismo nalidades nacionais e estrangeiras. O interesse
lisboeta. Algum tempo depois, Jorge O’Neil pelo espiritismo em Portugal terá levado De-
abria também as portas de sua casa para sessões métrio de Toledo a fundar em Paris, em cola-
de “alto espiritismo” e pedia “ao photographo boração com Charles Proth, a Revista Interna-
Bobone para ir photographar os espectros que lhe cional de Espiritismo Científico, em língua por-
povoavam as salas” [Ilustração Portuguesa, 2.a tuguesa. O primeiro número saiu em setembro
série, n.o 6, 1906, p. 167]. Os Congressos Espí- de 1908 com artigos ilustrados sobre a fenome-
ritas de 1888 e 1889, realizados em Barcelona e nologia espírita, nomes de investigadores, cien-
751 MUL

tistas ilustres e médiuns qualificados. Em 1910, pos familiares e de centros espíritas de maiores
o Dr. Gilberto Marques fundou, com um grupo dimensões, a fundação de revistas e jornais, a pu-
de estudantes, o “Universala Sciencia Instituto” blicação de obras de autores e autoras nacionais
e frequentou congressos internacionais, sendo e estrangeiro/as e o alargamento das comunidade
nomeado, em 1911, delegado do Bureau Inter- de leitores e leitoras, muitas foram as mulheres
nacional du Spiritism em Portugal. Este estudioso que participaram neste movimento, assinando
e propagandista do espiritismo fundou, em periódicos, contribuindo para obras de carida-
1913, a revista Novos Horizontes, com sede em de, promovendo, organizando e participando em
Viana do Castelo, Rua das Rosas, 21, tendo Luí- atividades culturais e recreativas nos centros es-
sa P. Marques como secretária de redação. Em píritas, reunindo e debatendo ideias, fazendo pro-
1915, José Francisco Cabrita fundou em Faro a paganda, desempenhando cargos diretivos nas
revista Ecos do Além, transferida depois para La- respetivas agremiações, escrevendo e especu-
goa. Na mesma época, Joaquim Rocha, Manuel lando sobre correntes filosóficas e científicas, di-
Graça e Matias Cunha, conhecidos por irmãos vulgando conhecimentos e propondo novos
Cunha, regressaram do Brasil e instalaram-se na caminhos para a fraternidade universal e a fe-
Casa dos Castelos, na encosta do Bom Jesus, em licidade coletiva. Aqui se registam alguns dos no-
Braga, onde fundaram, em 1916, a revista Luz mes dessa comunidade espírita feminina que pro-
e Caridade, órgão do Centro Espírita de Braga, curava alternativas às religiões tradicionais e pug-
e a Empresa Literária “Luz e Caridade”, espe- nava pela emancipação espiritual da humani-
cializada em bibliografia espírita de autores por- dade. Mulheres Espíritas: Adecília Figueira
tugueses e brasileiros. Na segunda década do sé- (Centro Espiritualista Luz e Amor*, 1923); Ade-
culo XX verifica-se o crescimento dos periódi- laide Carvalho (Centro Espiritualista Luz e
cos e publicações de cariz neoespiritualista e es- Amor, 1923); Adelaide Durão (Centro Espiri-
pírita, alguns dos quais fundados por Maria Ve- tualista Luz e Amor, 1923); Adelaide Ivone de
leda, como já foi referido, e multiplicam-se as no- Sousa* (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1939);
tícias da criação de grupos e centros espíritas com Adelaide J. Ferreira; Adelaide Marques (Carta-
atividade militante em muitos centros urbanos. xo, Centro Espiritualista Luz e Amor); Adelai-
Apesar do elevado analfabetismo, patente nas es- de Mercês da Cunha* (Figueira da Foz, Comis-
tatísticas, alargava-se a comunidade de leitores são Federativa de Propaganda Espírita da Fi-
e leitoras, o que pode ser explicado pela instrução gueira da Foz, 1929); Adelaide Silva (Tomar);
e educação informal que era ministrada em casa, Adélia A. C. Pinto (Parede, Centro Espiritualis-
sobretudo às raparigas, cujos pais evitavam ta Luz e Amor, 1925); Adélia Araújo Sampaio
mandá-las à escola, por preconceito ou des- (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1919); Adé-
confiança nas instituições do Estado. Os con- lia dos Santos (Faro); Adelina Baptista e Silva
gressos internacionais começavam a ser fre- (Centro Espiritualista Luz e Amor); Albertina
quentados por representações portuguesas ou por Coelho (Centro Espiritualista Luz e Amor); Al-
gente interessada, a título individual. É o caso bertina Lopes (Lisboa); Albertina Marques (Ca-
de Madalena Frondoni Lacombe que participou daval); Albertina P. Gonçalves (Centro Espiri-
nos Congressos de Investigações Psíquicas, ten- tualista Luz e Amor, 1925); Alcinda de Carvalho
do apresentado no congresso de 1927, realiza- (Leiria); Alda Campos (Centro Espiritualista
do em Paris, alguns dos seus trabalhos, que fo- Luz e Amor, 1923); Alda Margarido e Silva
ram muito apreciados por outros cientistas, so- (Abrantes, Centro Espiritualista Luz e Amor,
bretudo franceses e polacos. Esta senhora, ami- 1923); Alda Moreira (Lisboa); Alice Amado
ga do casal Flamarion, terá viajado pela Itália, (Lisboa); Alice Escudeiro; Alice Freitas (Centro
contactado com a célebre médium Eusápia Pa- Espiritualista Luz e Amor, 1925); Alice Jane Mou-
ladino, e de lá terá trazido uma expressiva co- ra (Federação Espírita Portuguesa, 1929); Alice
leção de documentos medianímicos. Em Lisboa, Marques; Alice Morgado (Centro Espiritualista
trabalhava com a médium condessa de Castel Luz e Amor, 1923); Alice Sasportes (Centro Es-
Witch, pseudónimo de uma senhora portugue- piritualista Luz e Amor, 1925); Amélia C. As-
sa da alta sociedade, não identificada, e com o sunção; Amélia Campos (Centro Espiritualista
médico espírita António Joaquim Freire. Nesta Luz e Amor, 1923); Amélia Cardoso Ribas (Cen-
vaga espírita que, a partir da década de 1920, pa- tro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Amélia Fer-
rece ter varrido o país, com a formação de gru- reira Grilo (Lisboa, Grupo Espiritualista Luz e
MUL 752

Amor, 1919, Centro Espiritualista Luz e Amor, saltina Machado (Horta, Açores); Clara Lima (Co-
1923, Federação Espírita Portuguesa, 1929); missão Federativa de Propaganda Espírita de San-
Amélia Ivo (Centro Espiritualista Luz e Amor); tarém, 1929); Claudina da Piedade; Clemência
Amélia Machado (Centro Espiritualista Luz e da Silva (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923);
Amor); Amélia Neves (Centro Espiritualista Clementina Ludovice (Centro Espiritualista Luz
Luz e Amor); Amélia Rodrigues (Tondela); e Amor, 1923); Conceição de Almeida (Comis-
Amélia Valente Américo C. Silveira; Amélia V. são Federativa de Propaganda Espírita da Fi-
Sérgio (Cheleiros); Ana A. R. Silveira (Cais do gueira da Foz, 1929); Conceição Duarte (Centro
Pico); Ana Augusta Santos*; Ana B. B. Colaço Espiritualista Luz e Amor); Conceição Emauz
Guerreiro; Ana Costa (Federação Espírita Por- (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Cons-
tuguesa, 1929); Ana da Piedade Teixeira (Cen- tança Portela (Tomar); Cremilde C. Almeida (Al-
tro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Ana do Car- meirim); Delfina Ervedosa; Delmira da Concei-
mo Sales Silva (Federação Espírita Portuguesa, ção (Setúbal, Centro Espiritualista Luz e Amor);
1929); Ana J. Nunes (Centro Espiritualista Luz Deolinda A. Loureiro; Deolinda de Sousa (Ton-
e Amor, 1925); Ana Lopes; Ana Perpétua C. Ri- dela); Deonilda A. M. Vaz da Silva (Centro Es-
beiro (Moita); Ana Santos (Centro Espiritualis- piritualista Luz e Amor, 1925); Dinah Santos
ta Luz e Amor); Ângela Aureliana Coelho de Mo- Lima* (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923);
rais (Federação Espírita Portuguesa, 1929); Ân- Eduarda de Oliveira (Centro Espiritualista Luz
gela Garcia de Morais; Antónia Lopes (Lisboa); e Amor); Efigénia Silva (Barreiro); Elena de Melo
Arminda da Costa Pinto da Silva Guerreiro da Gonçalves Teixeira (Federação Espírita Portu-
Franca* (Centro Espiritualista Luz e Amor); guesa, 1929); Eleutéria Lima; Elisa da Conceição
Augusta Guimarães (Centro Espiritualista Luz e Santos Lima* (Centro Espiritualista Luz e Amor,
Amor, 1925); Augusta de Sousa (Lisboa); Augusta 1923); Elisa de Vasconcelos (Centro Espiritualista
dos Santos Covões (Centro Espiritualista Luz e Luz e Amor, 1925); Elisa Godinho (Centro Es-
Amor, 1925); Augusta Ribeiro da Silva (Centro piritualista Luz e Amor); Elvira Ferreira (Centro
Espiritualista Luz e Amor, 1925); Aureliana Tei- Espiritualista Luz e Amor, 1925); Elvira Roque
xeira Bastos (Centro Espiritualista Luz e Amor, (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Ema
1923); Aurora F. V. Bandeira (Tondela); Aurora Marinho (Barreiro); Emília Bähr Ferreira* (co-
Maria da Silva (Cacilhas); Aurora Pinhão (Lis- fundadora do Grupo das Sete e do Grupo Espi-
boa); Aurora Ribeiro (Lisboa); Avelina Correia Pe- ritualista Luz e Amor, em 1916, Centro Espiri-
reira* (Beja, Centro Espírita “Reflexos da Ver- tualista Luz e Amor, 1923); Emília Cândida Pi-
dade”, 1929); Bárbara Cunha (Centro Espiri- nheiro (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1924);
tualista Luz e Amor, 1923); Beatriz E. Passos Emília de Seixas Serzedelo (Centro Espiritualista
Duarte (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Luz e Amor, 1925); Emília Dias de Sousa (Cen-
Beatriz de Carvalho (Centro Espiritualista Luz tro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Emília Lú-
e Amor, 1925); Beatriz Mota Nunes da Silva (Cen- cia de Sousa Dâmaso (Centro Espiritualista Luz
tro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Belarmina e Amor, 1925); Emília P. Dâmaso (Alhos Vedros);
Matos (Centro Espiritualista Luz e Amor); Ber- Emília Pereira Martins; Emília Pomar de Sousa
ta Falcão* (Lisboa); Camila Ávila de Castro (Lis- Machado (Cacilhas); Emília S. Carvalho; Emília
boa); Camila Dinis (Centro Espiritualista Luz e V. Soares (Constância); Emily de Gusmão (Cen-
Amor); Camila de Sousa Lopes (Centro Espiri- tro Espiritualista Luz e Amor); Ermelinda Palet
tualista Luz e Amor, 1923); Cândida Paiva (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Er-
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Carlota nestina Burguete (Grupo Espiritualista Luz e
da Silva (Lisboa); Carmen Vaz Figueiredo*; Car- Amor); Ernestina Gameiro (Grupo Espiritualis-
mina Maria Pereira (Centro Espiritualista Luz e ta Luz e Amor); Ernestina Maria Nunes (Centro
Amor, 1925); Carolina Augusta de Castro (Cen- Espiritualista Luz e Amor, 1925); Esmeralda de
tro Espírita de Viana do Castelo, 1929); Caroli- Lacerda (Centro Espiritualista Luz e Amor,
na de Oliveira Fernandes (Lisboa); Carolina de 1925); Esperança Cunha (Centro Espiritualista
Sousa (Toxofal de Cima, Lourinhã); Casimira Pe- Luz e Amor); Esperança Gomes Alpoim (Lame-
reira (Lavradio); Cecília de Figueiredo Pais go); Ester A. Baeta Dias (Centro Espiritualista Luz
(Porto); Cecília de Sousa (Federação Espírita Por- e Amor, 1925); Etelvina Candeira (Centro Espi-
tuguesa, 1929); Cecília Ribeiro de Sequeira Nu- ritualista Luz e Amor, 1923); Etelvina Valente (Fi-
nes (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Ce- gueira de Castelo Rodrigo); Eugénia Azevedo e
753 MUL

Silva (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); nor da Cunha de Eça Costa e Almeida*; Leonor
Eugénia Frias Morgado (Centro Espiritualista Luz Rocha Soares; Leonora Farinelli (Lisboa); Leon-
e Amor, 1925); Eulália de Sousa Amado* (Cen- tina de Cabral Hogan*; Leopoldina E. Cabrita Por-
tro Espiritualista Luz e Amor); Eustáquia Carneiro ta (Lisboa); Libânia L. B. Duarte (Lisboa); Lília
Chaves (Centro Espírita “Reflexos da Verdade” Basto Duarte; Lina Cardoso; Lomena Marques
de Beja, 1929); Felícia Augusta (Centro Espiri- (Lagos); Lucília de Almeida e Silva (Centro Es-
tualista Luz e Amor); Feliciana M. de Abreu (Cen- piritualista Luz e Amor, 1923); Lucília Ferreira
tro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Felismina (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Lucinda
Coelho (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Conde (Comissão Federativa de Propaganda
Felismina Coelho Harvey; Felismina S. Lebre (Fa- Espírita de Santarém, 1929); Ludovina da Con-
malicão de Anadia); Fernanda Goulart Pereira ceição (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925);
da Silva; Filipa Gomes (Barreiro); Filomena Ade- Luísa Banha (Barreiro); Luísa de Oliveira (Cen-
laide Mendes da Silva (Centro Espiritualista Luz tro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Luísa
e Amor, 1923); Flora Saportes (Centro Espiri- Emília Seixas Robertes*; Luísa Ferreira Ludovice
tualista Luz e Amor, 1925); Florência Correia (Centro Espiritualista Luz e Amor); Luísa Ferreira
(Moita); Gertrudes Fernandes (Centro Espiri- (Lisboa); Luísa Marques (Centro Espiritualista
tualista Luz e Amor); Gertrudes Marramaque Sil- Luz e Amor); Madalena Martins (Centro Espi-
va (Centro Espiritualista Luz e Amor); Guilher- ritualista Luz e Amor, 1923); Marcronila C. Ma-
mina A. Teixeira (Portalegre); Hália Abreu (Car- galhães; Margarida Ávila (Lisboa); Margarida Aze-
taxo); Helena Teixeira (Centro Espiritualista vedo e Morais Castro Sarmento (Grupo Espiri-
Luz e Amor, 1923); Henriqueta Lopes (Barreiro); tualista Luz e Amor); Margarida Baptista (Cen-
Hermínia Cunha (Tondela); Idalina Apolónio tro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Margarida
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925; Ilda Car- de C. Costa (Centro Espiritualista Luz e Amor,
doso; Inês Cardia (Federação Espírita Portuguesa, 1925); Margarida de Lobão; Margarida G. Fer-
1929); Inocência S. Rodrigues (Centro Espiri- nandes; Margarida Morgado (Lisboa); Maria A.
tualista Luz e Amor, 1925); Iria Baptista; Isabel Ferreira (Lisboa); Maria A. Freire Magalhães (Fi-
Costa; Isabel de Carvalho Costa (Centro Espiri- gueira de Castelo Rodrigo); Maria A. Mendon-
tualista Luz e Amor, 1925); Isabel M. dos San- ça Pereira (Centro Espiritualista Luz e Amor); Ma-
tos (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Isa- ria A. Silva (Lisboa); Maria A. Silva Pais (Cen-
bel Maria Amâncio (Centro Espiritualista Luz e tro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Maria Ade-
Amor, 1923); Isaura Pena; Isolina Coelho da Sil- lina Coelho (Centro Espiritualista Luz e Amor);
va (Centro Espírita “Luz e Verdade” de Matosi- Maria Adelaide J. Lopes (Centro Espiritualista
nhos, 1929); Jarina Ribas de Lemos (Centro Es- Luz e Amor, 1925); Maria Alice Morais Macha-
piritualista Luz e Amor, 1925); Joaquina Costa do da Cruz (Federação Espírita Portuguesa,
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Joa- 1929); Maria Angélica dos Prazeres Araújo
quina Rosa Palmela Brito (Arraiolos, Centro Es- (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Maria
piritualista Luz e Amor, 1925); Joana Lima Arouca Massano (Horta); Maria Augusta Belit-
(Cartaxo); Josefa Maças (Lisboa); Judite Morais ter*; Maria Augusta Lopes Alves (Centro Espi-
(Paz, Mafra); Judite Santos (Centro Espiritualista ritualista Luz e Amor, 1925); Maria Augusta P.
Luz e Amor, 1923); Judite Silva; Júlia A. Fran- Mourato (Centro Espiritualista Luz e Amor,
co (Montemor-o-Novo); Júlia Amélia Nogueira 1925); Maria Augusta Setas*; Maria C. Barata San-
Dias (Comissão Federativa de Propaganda Es- tos; Maria C. Bettencourt Nogueira (Centro Es-
pírita de Santarém, 1929); Julieta Bensaúde piritualista Luz e Amor, 1925); Maria C. de Oli-
(Federação Espírita Portuguesa, 1929); Justa veira Mateus (Alandroal); Maria Cândida Mar-
Mendes* (Portalegre); Laura Amâncio (Centro Es- tins (Centro Espiritualista Luz e Amor); Maria Ca-
piritualista Luz e Amor, 1923); Laura Barbosa*; simira Gonçalves Marques (Centro Espiritualista
Laura Chaves (Centro Espiritualista Luz e Amor, Luz e Amor, 1924); Maria Campos; Maria Car-
1923); Laura Dinis (Centro Espiritualista Luz e neiro Santos (Centro Espiritualista Luz e Amor,
Amor, 1923); Laura Maria Dinis (Cacilhas); 1923); Maria Clara Ivo (Centro Espiritualista Luz
Laura Pinheiro (Centro Espiritualista Luz e e Amor, 1923); Maria Clementina de Azevedo
Amor, 1923); Laura Tágide Tavares (Lisboa, Fe- (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Maria
deração Espírita Portuguesa, 1929); Leonilde Fir- Conceição Martins (Centro Espiritualista Luz e
mo (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Leo- Amor, 1925); Maria Correia (Lisboa, Centro Es-
MUL 754

piritualista Luz e Amor, 1923); Maria Cunha; Ma- Mufima (Lagos); Maria Pais; Maria Patrone
ria da Conceição Barata (Centro Espiritualista Luz (Lisboa, Centro Espiritualista Luz e Amor,
e Amor, 1924); Maria da Conceição F.F. Lourenço 1923); Maria Pereira Dias (Centro Espiritualis-
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Maria ta Luz e Amor, 1925); Maria Pinhão; Maria Pi-
da Conceição Martins (Centro Espiritualista res do Rio; Maria Prazeres; Maria Rita das Do-
Luz e Amor, 1924); Maria da Conceição Santos res Silva (Centro Espiritualista Luz e Amor); Ma-
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Maria ria Rodrigues Pinto (Centro Espiritualista Luz e
da Luz N. Gonçalves (Mafra); Maria da Madre de Amor, 1923); Maria S. Borba (Biscoito da Galheta,
Deus Leite Dinis de Almeida*; Maria das Mer- Açores); Maria S. Emaur; Maria S. Seabra (Coim-
cês Bettencourt (Biscoito da Galheta, Açores); Ma- bra); Maria Santos (Centro Espiritualista Luz e
ria da Piedade Cunha (Comissão Federativa de Amor, 1923); Maria Teresa Mendes de Carvalho;
Propaganda Espírita de Santarém, 1929); Maria Maria Teresa Miranda Sena (Federação Espíri-
das Dores Torres (Leiria); Maria de Campos Fi- ta Portuguesa, 1929); Maria Teresa Nunes (Beja);
lipe (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Ma- Maria X. de Paiva (Lagos); Maria Vasques (Cen-
ria de Carvalho (Lisboa, Centro Espiritualista Luz tro Espiritualista Luz e Amor, 1924); Mariana
e Amor); Maria de Jesus Teixeira (Centro Espi- Afonso; Mariana Bravo; Mariana Cutileiro (Lis-
ritualista Luz e Amor, 1925); Maria do Carmo de boa); Mariana Duarte; Mariette Rodrigues de Oli-
Sousa (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); veira (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925);
Maria do Carmo Ribeiro (Abrantes, Centro Es- Matilde Pinto (Centro Espiritualista Luz e
piritualista Luz e Amor, 1923); Maria do Espí- Amor); Noémia Barral; Ofélia Crispim (Centro
rito Santo Amâncio (Faro); Maria dos Prazeres Espiritualista Luz e Amor, 1923); Ofélia de
Figueiredo (Lisboa); Maria E. Goulart (Lisboa); Carvalho Gonçalves*; Ofélia do Nascimento
Maria Elvira Antunes da Mata (Centro Espiri- (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Palmira
tualista Luz e Amor, 1925); Maria Emília Cardoso do Carmo Martins (Setúbal, Centro Espiritualista
Antunes (Federação Espírita Portuguesa, 1929); Luz e Amor, 1923); Palmira Miranda (Centro Es-
Maria Emília de Carvalho Gonçalves*; Maria Emí- piritualista Luz e Amor, 1923; Palmira Torres
lia Marques*; Maria Emília Martins Antunes; Ma- (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Piedade
ria Evaristo Goulart Pereira da Silva (Centro Es- M. Fernandes (Lisboa); Primavera R. Palma
piritualista Luz e Amor, 1923); Maria F. Emauz (Ponte de Sôr); Quintina do Carmo Sales e Sil-
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Maria va (Federação Espírita Portuguesa, 1929); Rafaela
Ferreira (Centro Espiritualista Luz e Amor, Inês Castilho (Centro Espiritualista Luz e Amor);
1923); Maria Figueiredo (Centro Espiritualista Rita de Sousa Pádua (Vila Real de Santo Antó-
Luz e Amor, 1923); Maria Flora G. C. e Olivei- nio); Rosa C. Magalhães (Marinha Grande);
ra (Santarém, Centro Espiritualista Luz e Amor, Rosa Clara; Rosa S. Carvalho (Braga); Rosalina
1925); Maria G. Ferreira Fernandes; Maria Goião Rosa (Lisboa); Sara Graça (Centro Espírita de Bra-
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Maria ga, 1921); Silvina R. de Passos Braga; Sofia Fir-
Guimarães (Centro Espiritualista Luz e Amor, mo (Lisboa); Sofia Morgado (Centro Espiritua-
1925); Maria Guiomar Vieira; Maria Henrique- lista Luz e Amor, 1923); Teresa A. Pedroso Al-
ta Ferreira da Costa (Lisboa); Maria Isabel dos buquerque (Lisboa); Teresa Silva Rocha (Lisboa);
Santos (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Umbelina da Piedade Oliveira (Centro Espiri-
Maria J. Lapa P. Dias (Lisboa); Maria José Lopes tualista Luz e Amor, 1925); Violeta de Carvalho
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1924); Maria (Centro Espiritualista Luz e Amor, 1923); Virgínia
José Pires dos Santos (Porto); Maria José Soeiro Antunes; Virgínia Dias da Silva (Lisboa); Virgí-
(Centro Espiritualista Luz e Amor, 1925); Maria nia Ganhado (Centro Espiritualista Luz e Amor,
Júlia Goulart; Maria L. Ferreira (Centro Espiri- 1923); Virgínia Mendes Vilela (Centro Espiri-
tualista Luz e Amor, 1925); Maria L. S. S. Bra- tualista Luz e Amor, 1925); Zélia Sena.
ga; Maria Luísa Alves (Centro Espiritualista Luz Fontes: Espólio de Maria Veleda; Ilustração Portugue-
e Amor, 1923); Maria Luísa de Melo Carneiro Za- sa, 2.a série, n.o 6, s.a. (1906); A Bondade, 1916-1917;
galo* (Federação Espírita Portuguesa, 1929); A ASA, 1919; O Futuro, 1921-1933; Luz e Caridade,
Maria Madalena Guadalupe; Maria Manso; Ma- 1921-1954; A ASA, 1924-1925; O Espírita, 1926; A Van-
guarda Espírita, 1926-1927; O Mensageiro Espírita, 1928-
ria Margarida Ávila; Maria Margarida Santos (Fe- -1946; Revista de Espiritismo, 1935; Estudos Psíquicos,
deração Espírita Portuguesa, 1929); Maria N. de 1939-1955; Revista de Metapsicologia, 1949-1950; A Fra-
P. Vieira (Lagos); Maria N. Gonçalves; Maria P. ternidade, 1978; L’Histoire, n.o 377, junho, 2012.
755 MUL

Bib.: Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, “Mulheres” volta. Acrescenta-se-lhe “Magazine”
Amadora, edição da Federação Espírita Portuguesa, [...] Prosseguimos num tempo em que temos que
s.a.; Alexander Jabert, De médicos e médiuns: medicina,
espiritismo e loucura no Brasil da primeira metade do dar aos sonhos uma nova vida”. O conteúdo da
século XX, tese de doutorado, Rio de Janeiro, Fundação Mulheres Magazine é, no essencial, o da revis-
Oswaldo Cruz, 2008, em linha http://arca.icict.fio- ta Mulheres. Com o n.o 13, com a data de de-
cruz.br; António J. Freire, Da Evolução do Espiritismo zembro-janeiro, 1990-1991, chegou ao fim a re-
(Depoimentos e Controvérsias), Porto, Imprensa Social, vista, em cujo “Editorial” se afirma: “Uma ma-
1952; Angélica Aparecida Silva de Almeida, Uma fábrica
de loucos: psiquiatria x espiritismo no Brasil (1900-1950), neira de dizer o último número: Mulheres Ma-
tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, gazine chega ao fim. [...] Mulheres Magazine vi-
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2007, em li- veu. Polémica, refletindo, agitando, buscando.
nha, www.hoje.org.com. www.amebrasil.org; Manuela [...] Mulheres Magazine marcou uma época. [...]
Vasconcelos, Movimento Espírita Português & alguns vul-
tos. Tentativa histórica do Movimento Espírita em Por- Durante onze anos. Valeu a pena. Na alegria e na
tugal, desde os seus primórdios até ao momento actual, mágoa. Obrigada Mulheres”. O preço de capa era,
Amadora, Federação Espírita Portuguesa, s.a.; Maria Ve- inicialmente, de 200$00, sendo de 250$00 no
leda, Casa Assombrada, Lisboa, Editora da Empresa último número. A tiragem nunca foi referida.
“O Futuro”, 1923; Natividade Monteiro, “Maria Veleda A propriedade da revista era da Editorial Cami-
no labirinto espiritualista, místico e esotérico”, Faces de
Eva. Estudos sobre a Mulher, n.o 15s Lisboa, Edições Co- nho, SA, e a redação era em Lisboa.
libri, 2006, pp. 83-109; Idem, Maria Veleda (1891-1955). [J. P. C.]
Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora.
Caminhos trilhados pelo direito de cidadania, Olhão, Edi- Mulheres tradutoras
tora Gente Singular, 2012; Movimento Espírita em Por- A publicação da primeira obra traduzida por uma
tugal, www.oocities.org.br, www.ameporto.org.pt,
http://uerl.org.; Roberta Müller Scafuto Scoton, Espíri- mulher, devidamente documentada, data de
tas enlouquecem ou espíritos curam? Uma análise das 1531. Trata-se de Ho liuro que se escreue da re-
relações, conflitos, debates e diálogos entre médicos e gra de perfeiçam da conuersaçam dos monges;
kardecistas na primeira metade do século XX, Dissertação ho qual liuro foi copilado per ho reuerendo se-
de Mestrado em Ciência da Religião, Universidade de Juiz
de Fora, 2007, http://bvespirita.com; http://www.fe-
nhor Lourenço Justiniano primeyro patriarcha de
portuguesa.pt. Veneza que foy dos primeyros fundadores da cõ-
[N. M.] gregaçam de Sam Jorge em alga, vertido do la-
tim para português pela infanta D. Catarina
Mulheres Magazine (1436-1463), filha de D. Duarte e pupila de D. Jor-
Revista. Apareceu em novembro de 1989, como ge da Costa, editado postumamente por Germã
continuadora da revista Mulheres*, com a indi- Galhardo, 44 anos depois do Pentateuco, primeira
cação de 2.a série, tendo como diretora Helena obra impressa em Portugal. Os estudos até hoje
Neves. Do conselho editorial faziam parte Ana publicados, sobretudo a obra A Tradução em Por-
Paula Assunção, Ana Serrano, Anabela Fino, tugal, de A. A. Gonçalves Rodrigues, permitem
Emílio Peres, Fernanda Mateus, Glória Marrei- inventariar uma grande fatia da participação das
ros, Helder Pacheco, Leonor Nunes, Levina Va- mulheres na história das relações portuguesas
lentim, Lia Viegas, padre Lourenço Fontes, Ma- com a literatura estrangeira, dar visibilidade ao
ria Alda Nogueira, Maria João Martins, Maria José seu contributo na divulgação das formas, géne-
Gomes, Maria Ondina Braga, Marina Tavares ros, estilos, ideias e doutrinas, avaliar e contex-
Dias, Matilde Nunes, Margarida Folque, Regina tualizar os seus gostos e preferências literárias ao
Marques e, como consultores, de entre dezenas longo de quatro séculos, e reclamar para “estas
de membros, salientamos os nomes de Ana Ma- heroínas não celebradas” o lugar merecido na his-
ria Allen Gomes, Ana Sara Brito, Anália Torres, tória da literatura, da cultura e das mentalidades.
Dulce Rebelo, Etelvina Lopes de Almeida, He- Entre os séculos XVI e XVIII, como as mulheres
lena Bastos, Ilda Figueiredo, Io Apolloni, Irene letradas pertenciam apenas às classes privile-
Cruz, Irene Vaquinhas, Laura Lopes, Leonor San- giadas, educadas à sombra da Igreja, as obras tra-
ta Rita, Luísa Amorim, Luzia Maria Martins*, Ma- duzidas, sobretudo do latim, são maioritariamente
ria do Céu Guerra, Maria Emília Reis, Maria Gui- de interesse religioso e envolvem poucos nomes,
not, Maria Louro, Marília Abel, Matilde Rosa todos eles ligados à corte, à nobreza e aos con-
Araujo, Monique Rutler, Natália Correia*, Ode- ventos. A herança Iluminista mudou regimes po-
te Filipe, Susana Ruth Vasques. Na apresentação, líticos, laicizou a cultura, dilatou horizontes e des-
escreve-se no “Editorial”, cujo título é “Retomar”: pertou o interesse sobre o que se produzia na Eu-
MUL 756

ropa e no Mundo. Na sociedade portuguesa não No início do século XX, as mais informadas e com
foi fácil a conciliação entre a tradição religiosa maior consciência social alargaram muito o le-
e a novidade dos ideais da filosofia das Luzes. Al- que das preferências e dos gostos, traduzindo
gumas mulheres mais informadas aproveita- obras de Nietzsche, Marx, Kropotkine, Jaurès, Fau-
ram os ventos modernizadores que da pátria da re e Dúfon, mas também de autores de outras cul-
liberdade sopravam promessas de igualdade de turas e latitudes, como Rabindranah Tagore, Pré-
direitos para todos os cidadãos. Por isso, o iní- mio Nobel da Literatura em 1913, Swâmi Vive-
cio do século XIX assinalou já uma diferença kânanda, Hayashi Foumiko, Thu-Fu e Lin-Tchi-
quantitativa da participação feminina na tradu- Fa, e ainda de outros escritores pouco divulga-
ção, que foi aumentando gradualmente, consoante dos, como Bjornstjerne Bjornson ou Henrik
a proliferação dos periódicos, fruto das mudan- Sienkiewicz. A tradução de literatura infanto-
ças políticas, sociais, económicas e culturais tra- -juvenil teve, neste período, um grande incre-
zidas pelo Liberalismo. A Regeneração trouxe a mento, e a de obras científicas, embora mais rara,
acalmia política, o desenvolvimento das comu- também ia aparecendo aqui e ali. Salvo algumas
nicações, uma relativa modernização das estru- exceções, o número de trabalhos realizados por
turas económicas e maior liberdade de impren- cada uma das mulheres indica que a tradução era
sa. A burguesia ascendente, mais aberta à cu- esporádica e, pela diversidade de temas e auto-
riosidade intelectual, adquiriu hábitos de leitu- res, deduz-se que não se especializavam em ne-
ra e incentivou a expansão editorial. Os editores nhum género literário, nem se fidelizavam a ne-
franceses instalados em Portugal deram um nhum escritor. As línguas mais traduzidas eram,
grande impulso à difusão do conto e da nove- por ordem decrescente, o francês, o espanhol, o
lística que preenchiam os serões e os lazeres fa- italiano, o inglês e o alemão, mas há também tra-
miliares. Como que num prelúdio da cultura de duções diretas do polaco. Quanto às línguas orien-
massas, o romance em folhetim democratizou- tais, nada indica que fossem traduzidas direta-
-se e invadiu a imprensa periódica, a qual se tor- mente. O mais provável é que o fossem a partir
nou, ao longo do século XIX e primeiras décadas de traduções em línguas europeias, sobretudo
do século XX, o principal e mais influente meio francês e inglês. Excluídas do espaço público, a
de divulgação deste género literário. Embora len- tradução era para as mulheres uma forma de saí-
tamente, algumas mulheres instruídas e cultas rem do anonimato, reforçarem o seu papel nas
viam na tradução de poesia, contos, romances, atividades da escrita, integrarem-se na socieda-
ensaios e teatro uma forma de escaparem ao si- de em que viviam e, sobretudo, assumirem-se
lêncio e à invisibilidade que, desde há muito, a como pessoas independentes e livres e cons-
sociedade impunha ao sexo feminino. Traduzindo truírem a própria cidadania. Muitas das que fa-
obras literárias dos autores clássicos, como Safo, ziam tradução também escreviam livros, parti-
Anacreonte, Catulo e, com maior incidência, Ho- cipavam regularmente nos periódicos femininos,
rácio; ilustres poetas, como Heine, Byron e La- liberais e progressistas, e algumas eram empe-
martine; romancistas de sucesso, como Victor nhadas feministas. A presente inventariação
Hugo, Zola, Tolstoi, e Dostoievsky ou outros mais diz respeito ao século XIX e aos primeiros 30 anos
populares, como Dumas, Coppée, Mendès, Karr do século XX. Está, decerto, muito incompleta,
e Méri, entre muitos outros, estas mulheres fo- pois as fontes consultadas não incluíram muitos
ram-se afirmando, sobretudo, na imprensa pe- dos periódicos femininos, feministas, republi-
riódica, dando, simultaneamente, os primeiros canos, espíritas e espiritualistas das primeiras dé-
passos nos caminhos da escrita de autoria pró- cadas do século XX, onde as mulheres também
pria. Se na primeira metade do século muitas ain- publicavam traduções, mas pode constituir um
da se escondiam sob o anonimato ou o pseudó- ponto de partida para futuras investigações.
nimo, na segunda metade a maioria assumia, sem Como escreveu Gonçalves Rodrigues, citando Gar-
preconceitos, a sua identidade, e algumas ousa- cia de Resende, “O caminho fica aberto / A quem
ram fundar e dirigir jornais e revistas, onde ex- mais quiser dizer” sobre as mulheres que fizeram
primiam ideias, debatiam problemas e propu- tradução em Portugal, entre 1800 e 1930. Eis os
nham soluções para aquilo que julgavam ser os seus nomes, registados por ordem alfabética: Ade-
males sociais, exercendo uma pedagogia que vi- lina Abranches, Adelina Conde, Aida de Carva-
sava mudar as mentalidades e os comportamentos lho, Alda de Sousa, Alice da Conceição, Alice Lis-
e contribuir para a modernização cultural do país. boa, Alice Moderno*, Alzira Guedes, Amália (Go-
757 MUL

mes) Barbosa, Amélia Cardia, Amélia Delfim, Ana Cyrillo Machado, Maria Angélica A. Caldas,
Amélia Freitas, Amélia L. de Carvalho, Amélia Maria Balbina Gaspar Martins, Maria Benedita
Queiroz, Ana Adelaide, Ana Amélia de Figuei- Mouzinho de Albuquerque Pinho, Maria C. L. N.,
redo, Ana Augusta Plácido, Ana Camila Gregó- Maria Cecília Aillaud Vieira, Maria Clotilde
ria Patten Sá Viana, Ana de Castro Osório, Ana Bacellar d’Almeida, Maria D. Rosado Miranda,
Henriqueta Froment da Mata e Silva, Ana Huber, Maria d’Almada, Maria d’Assunção da Costa e
Ana de Sousa Marques, Ana do Carmo Pessoa, Sousa, Maria da Arrábida da Costa Sousa Macedo,
Ana Teixeira Gomes, Anabela Monteiro, Anita Maria da Cunha, Maria da Luz Sobral, Maria da
Fiorentina Martins, Annette, Antónia Gertrudes Piedade Bastos Serpa, Maria das Dores Rosado
Pusich, Assunção Martinho, Augusta Martins, Miranda, Maria de Alcafache, Maria de Carvalho,
Aurora Jardim Aranha, Aurora Teixeira de Cas- Maria de Jesus Garcia Coelho, Maria de Lima, Ma-
tro Gouveia, Beatriz Gonçalves de Freitas, Bea- ria de Santa Rita, Maria do Carmo Osório Cabral
triz Pinheiro, Beatriz Pinto Coelho, Branca da Luz, Pereira Menezes, Maria do Resgate Castro, Ma-
Branca de Carvalho, Branca dos Reis, Camila Vaz ria Domingas Mendonça* (Loulé), Maria Emília
de Souto Gaudemaris, Carlota Cardoso de Oliveira de Macedo, Maria França, Maria Guimarães, Ma-
(Filha), Carlota Corday, Carolina Matilde Esme- ria Isabel Fernandes, Maria Isabel da Rocha, Ma-
raldo, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Célia ria Isabel Vale e Sousa, Maria J. da Conceição Gue-
Roma, Cláudia de Campos, Clotilde Rebelo, des, Maria José Alvarrão Pacheco, Maria José da
Cristina Amélia Assis de Carvalho, Cristina de Silva Canuto, Maria Lúcia, Maria Luísa, Maria
Mendonça, Diana d’Ateno, Diana de Liz, Diana O’Neill, Maria Pacheco Leitão, Maria Paula de
de Lorena, Dira, Dulce de Figueiredo, educandas Azevedo, Maria Pia Seabra d’Almeida, Maria Ri-
do Colégio da Visitação de Santa Maria do Por- beiro Artur, Maria Rita Chiappe Cadet*, Maria Sa-
to, Elisa Caodur (Elisa Curado), Elisa Conceição lomé, Maria Veleda*, Mariana Belmira de An-
Lima, Elisa de Menezes, Elisa de Noronha, Eli- drade, Mariana de Carvalhais, Mariana Coelho,
sa Elliot, Ellen Thorn Machado, Ema Fontoura Mariana Fino Baptista, marquesa de Alorna, Ma-
Colen, Emília de Araújo Pereira, Emília de Sou- tilde Isabel de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de
sa Costa, Esmeralda, Eufrásia da Silveira Corte- Bettencourt*, Matilde Laura Coelho Pestana,
Real, Eufrosina Maria Petz de Balsemão, Eugé- Mécia Mouzinho de Albuquerque, Nazaré Cha-
nia Augusta de Vasconcelos Soeiro de Brito, Eu- gas, Octávia Dolores, Ophélia, Palmira Baptista,
génia Smith, Eurídice Natália Teixeira, Felicidade Paula Romanzi, Paulina de J. L. L., Pureza San-
Nogueira, Felicidade Tomar, Florbela Espanca télius, Rita Clara Freire de Andrade, Rosa Ma-
Lage, Guiomar Torrezão, Helena Amzalak, Hen- chado, Selda Potocka*, Simpliciana Augusta
riqueta Elisa, Henriqueta M. de Figueiredo, Hor- Alves, Sofia de Sousa, Sofia Nesbitt Cunha, Theo-
tense de Vasconcelos, Inês Carlota Casassa, Isa- Dora, Teolinda Albertina Moreira de Sá, Uma De-
bel Leite*, Isabel Maria Lopes de Mendonça, Isa- vota, Uma Filha de Maria, Uma Menina de Dez
bel Marques da Silva, Isabel Pimenta, Isaura Du- Anos, Uma Menina Portuguesa, Uma Senhora,
val, Jesuína Gertrudes de Oliveira, Joana de Al- Virgínia de Castro e Almeida, Zélia.
meida Nogueira, Joana Margarida Mâncio Ribeiro Bib.: A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em Portugal.
da Silva, Josefina Perestrelo, Júlia Castilho de M. Tentativa de resenha cronológica das traduções impressas
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ra Júlia Moreira Ferin, Leonor Correia de Sá, Leo- tituto Cultural da Língua Portuguesa, 1992; Idem, A Tra-
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ra Manso Cordeiro), Maria Adelaide de Lara Eve- e Comparada, 1994; Idem, A Tradução em Portugal, 5.o
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MUR 758

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Tomos IV, V, VIII, IX, XX, 1911; Maria da Conceição Vi-
lhena, Alice Moderno. A mulher e a obra, Angra do He-
roísmo, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, Se-
cretariado Regional da Educação e Cultura, 1987; Maria
Ivone Leal, Um Século de Periódicos Femininos, Lisboa,
CIDM, 1992; A ASA, 1919 e 1924-1926; A Madrugada,
1911-1918; A Mulher e a Criança, 1910-1911; A Repú-
blica, 1908; O Futuro, 1921-1924.
[N. M.]

Muriel Rosalie Tait


Filha de William C. Tait e de Josephina Tait, nas-
ceu em Entre Quintas, na região do Porto, em
1886, onde também morreu em 1979. Frequen-
tou um colégio interno no Reino Unido, o Roe-
dean College, e durante a Primeira Grande Guer-
ra serviu no VAD (Voluntary Aid Detachment),
em São Petersburgo, na Rússia, como enfermei-
ra da Cruz Vermelha. Só abandonou a Rússia por
altura da Revolução dirigida por Kerensky. Du-
rante a Segunda Grande Guerra trabalhou na Cruz
Vermelha, no Porto. Em Portugal tornou-se
numa especialista de horti e floricultura, dedi-
cando-se sobretudo à criação de camélias na sua
Quinta de Entre Rios. Amiga de Guilhermina Sug-
gia*, era frequente irem juntas à ópera e aos con-
certos no Porto. Solteira. Tornou-se numa das fi-
guras mais apreciadas da comunidade britânica
do Norte do país, deixando também numerosos
testemunhos de atos de solidariedade.
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1197, 26/01/1979.
[A. V.]

Myriam
Pseudónimo utilizado por Maria Carolina Fre-
derico Crispim*.
N
Natal deviam assinar. No entanto, com uma modéstia
O boletim da União Noelista Portuguesa, Natal, declarada e expressamente aceite, vão apare-
surgiu como boletim trimestral em março de 1931, cendo, desde os primeiros números, pequenos ar-
tendo como diretor monsenhor A. J. Moita e edi- tigos e respostas a perguntas cujos objetivos de
tor monsenhor Pereira dos Reis. O seu primeiro valorização intelectual e cultural são óbvios; te-
subtítulo, “Cultura, Informação e Acção”, sinte- mas históricos, literários e, principalmente, te-
tiza o essencial do espírito próprio do noelismo, mas atuais, dos quais se impunha tomar conhe-
movimento internacional católico, feminino, cimento e, sobre eles, fundamentar opinião.
que tem como objetivo promover ações que con- Apenas como exemplo, podemos referir um ou
duzam a uma sólida formação religiosa e cultu- outro: “A crise do desemprego”; “Desportos fe-
ral das suas associadas; formação que se deve pro- mininos”; “Pessimismo estéril ou otimismo ir-
jetar em ações de apostolado e de promoção hu- refletido”; “Pompa das comunhões solenes”. En-
mana e social, no meio onde cada um dos seus tre muitíssimos outros, distinguimos, ainda em
membros e os núcleos se encontrem inseridos; 1931, as referências à emancipação da mulher que
estas ações são muito cristãmente consideradas se vai dando e perante a qual é apontado um ca-
e genericamente designadas por “serviço”. Mais minho de exigência e maior responsabilidade, si-
tarde, a partir do ano 5, em 1935, exatamente a nalizando-se a instrução e a educação como pri-
partir do número 17, o subtítulo passa a ser “Cul- meiros passos do caminho a seguir; o esforço in-
tura e Vida”, que ainda hoje conserva e que, sim- telectual revela-se como “uma das bases mais fe-
plificadamente, exprime o mesmo lema de ação, cundas” para atingir o objetivo pretendido. Te-
como seria de esperar. Como órgão nacional do mas da atualidade são temas vigentes ao longo
movimento, no nosso país, o Natal foi, durante de toda a coleção – que atinge em fevereiro/mar-
os primeiros anos, reconhecido, saudado e aben- ço de 2007 o número 412 –, em artigos soltos e
çoado, na abertura e apresentação dos vários fas- variados; mais perto de nós, não será difícil adi-
cículos, pelo cardeal patriarca, D. Manuel Gon- vinhar um rol de temas tratados, na mesma linha
çalves Cerejeira, e por vários outros bispos por- de exigência que encontrámos em 1931; como
tugueses, muitos deles bispos de dioceses onde amostragem referimos “A mulher no mundo
o noelismo se encontrava já implantado. Como atual”, “O grito da fome no mundo” e “O di-
boletim de apoio às atividades noelistas, cons- nheiro”, merecendo este último tema um número
titui um verdadeiro laço de união entre todos os especial; para avaliar a preocupação de atuali-
núcleos portugueses e contribui para um co- zação, reparemos que, anunciado o Concílio Va-
nhecimento mútuo, porque contém, regular- ticano II no início de 1960, o Natal, em abril do
mente, relatórios das suas atividades, numa mesmo ano, inclui uma nova secção, “Na pers-
secção própria e muito propriamente intitulada petiva do Concílio”, passando este tema, em 1961-
“Vida noelista”; esta secção regista, também, o ca- -1962, a partir de novembro, a constituir a base
lendário das missas mensais e das reuniões. No de estudo para as reuniões. Quando, mais tarde,
mesmo sentido, o de proporcionar o conheci- o Natal substituiu Le Noël, passou a apresentar
mento e união entre todas as noelistas, encon- o desenvolvimento dos temas mensais para as
tramos, ainda, “Família noelista”, tribuna de no- reuniões de estudo, temas teológicos ou sim-
tícias, geralmente de casamentos, nascimentos, plesmente religiosos, e para as reuniões de estrela
batizados e mortes de noelistas e de seus parentes – reuniões de pequenos grupos em que os núcleos
próximos, cobrindo todas as dioceses do país. O se dividem – são tratados temas de ordem mais
apoio cultural que seria de esperar do boletim prática, normalmente problemas de vida espiri-
noelista manifesta-se, inicialmente, com modéstia, tual e de atitude cristã perante a diversidade de
pois o verdadeiro apoio para as reuniões de es- situações com que deparamos no mundo em que
tudo e informação de base era obrigatoriamente vivemos; em ambiente mais íntimo, estes pro-
procurado nas páginas da revista francesa Le Noël blemas podem ser efetiva e mais proveitosamente
– à qual se deve a designação da nova revista por- discutidos por todas. Para conhecer melhor Le
tuguesa – e que, inicialmente, todas as noelistas Noël, acima citado, saibamos que surge em
NAT 760

1895 e é editado em Paris; trata-se de uma revista dedicado àquela delegação, insere uma fotografia
de formação geral que tem em vista a promoção de Natalina Pereira Bastos [p. 81].
cultural e intelectual e a formação cristã e apos- Da autora: O Nosso Eu [em colaboração], Porto, Edições
tólica da mulher, como se deduz claramente do Pensamento, 1935.
seu longo subtítulo: “Revue Hebdomadaire pour Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
la Jeunesse Féminine, Littérature, Histoire, Arts, ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
Musique, Petite Académie, Éducation, Aposto- Mem Martins, 1982, p. 434; Lúcia Serralheiro, Mulhe-
res em Grupo Contra a Corrente [Associação Feminina
lat”. A “Petite Académie” é uma tribuna reser- Portuguesa para a Paz (1935-1952)], Rio Tinto, Evolua
vada à colaboração literária, diversificada, das as- Edições, 2011; “O Dia do Armistício”, Pensamento, n.o
sociadas da União Noelista, cujos relatórios de 57, dezembro, 1934, p. 365.
atividades também têm o seu lugar certo em to- [J. E.]
dos os números saídos. A sua ação chegou a Por-
tugal, onde idêntica exigência de formação cul- Natércia Ferreira de Brito Camacho Resende
tural levou senhoras e jovens a assiná-lo, espe- da Rocha
cialmente os membros da União Noelista Por- Nasceu em Lisboa, a 8 de junho de 1924, e fa-
tuguesa, uma vez que os temas de estudo, tal leceu na mesma cidade, a 20 de maio de 2004.
como atrás se refere, eram seguidos nas suas reu- Licenciou-se em Histórico-Filosóficas na Fa-
niões; pequenos relatos e marcações das ativi- culdade de Letras da Universidade de Lisboa,
dades portuguesas figuram, também, nas páginas concluiu o curso de pós-graduação de Bibliote-
de Le Noël. Na apresentação do primeiro número cária-Arquivista e Documentalista e era diplo-
do Natal, este é considerado pelo seu diretor mada em Língua e Cultura Inglesa pela Uni-
como Le Noël português, e é saudado, “avec joie”, versidade de Cambridge. Ainda estudante liceal,
por monsenhor Étienne Point, diretor do con- começou a escrever teatro radiofónico e, mais tar-
génere semanário francês. de, manteve um programa cultural em estações
[M. T. P. M.] emissoras de radiodifusão em Lisboa e no Por-
to. Foi também autora de programas de televi-
Natalina Mora Pereira Bastos são para crianças, entre os quais Rua Sésamo,
Professora primária. Filha de António Pereira Crianças e Livros, Feira de Bonecos. Interessa-
Bastos e Cândida Mora Bastos, nasceu no Por- da em literatura infantil, frequentou estágios em
to em 1915 e faleceu, na mesma cidade, a 1 de França e Inglaterra na temática de livros e bi-
agosto de 2011. Colaboradora da revista por- bliotecas dedicadas às crianças, passando, a par-
tuense Pensamento, subscreveu, em 1934, o ma- tir daí, a participar em congressos e encontros
nifesto “O Dia do Armistício”, distribuído em naqueles países e em Itália, Checoslováquia, Ale-
diversas cidades do país. Presa em 14 de maio manha e Noruega. Foi bolseira do Conselho da
de 1935 pela Polícia de Vigilância e Defesa do Europa e do governo francês e fez parte da de-
Estado do Porto, em virtude de ter escrito e en- legação portuguesa da UNICEF num Encontro In-
viado “ao arguido João Dinis Cupertino de Mi- ternacional sobre Educação para o Desenvolvi-
randa uns versos que estão junto aos autos e em mento. Participou nos júris para atribuição de
que demonstra claramente as suas ideias avan- prémios de literatura para crianças, na Funda-
çadas” [Presos Políticos no Regime Fascista II, ção Calouste Gulbenkian e nas secretarias de Es-
p. 434], foi restituída à liberdade pouco depois. tado da Cultura e do Ambiente. O currículo li-
Segundo pesquisa de Amadeu Gonçalves, re- gado à área da literatura infanto-juvenil levou à
ferenciada no blogue Literatura&Filosofia, Na- sua integração no grupo interministerial para o
talina Bastos fazia então parte do grupo Jovens estudo da situação do teatro para crianças.
Liras, composto por colaboradores da revista Com David Mourão-Ferreira criou e desenvol-
Pensamento, entre os quais João Dinis Cuper- veu, durante 12 anos, os Encontros da Literatura
tino de Miranda (1911-1993), com quem terá ca- para Crianças, na Fundação Calouste Gulben-
sado, tendo editado nesse ano o livro coletivo kian. Dela deixou dito este escritor que era “mu-
de poemas O Nosso Eu. Posteriormente, nos anos nida de um rigoroso espírito crítico, possuido-
40, participou no núcleo do Porto da Associa- ra de atualizada bagagem cultural, animada de
ção Feminina Portuguesa para a Paz e fez par- claros propósitos cívicos e pedagógicos” [Bi-
te, enquanto 1.a vogal, da direção eleita para o bliografia Geral, 1987]. Nesses encontros apre-
ano de 1943-1944. Lúcia Serralheiro, no livro sentou duas comunicações: “A imagem do
761 NAT

mundo nos livros para crianças”, em 1983, e “Ho- pp. 114-115; Uma Nuvem entre Telhados, Lisboa, Plá-
menagem a Fernanda de Castro”, em colabora- tano, 1.a ed. 1988, 2.a ed. 1989; No Quarto da Rita, Lis-
boa, Plátano, 1988; “Recensões críticas: Contos Ama-
ção com David Mourão-Ferreira, em 1990. Na- rantinos, de Agustina Bessa-Luís”, Colóquio/Letras, n.o
tércia Rocha acompanhou a produção literária 102, março-abril, 1988, pp. 124-125; “Recensões críticas:
com a atividade pedagógica, lecionando em sua Dez Dedos de Conversa, de António Torrado”, Coló-
casa durante anos e, depois, na Escola Prepara- quio/Letras, n.o 104, julho-outubro, 1988, pp. 168-169;
tória Paula Vicente, em Lisboa. Foi destacada “Recensões críticas: Dentes de Rato, de Agustina Bessa
Luís”, Colóquio/Letras, n.o 106, novembro-dezembro,
para a Direcção-Geral do Ensino Básico, a fim de 1988, pp. 104-105; Carrossel de Palavras, Lisboa, Plátano,
instituir a Biblioteca do Ensino Básico. Em co- 1989; Contos de Agosto, Porto, Desabrochar, 1989; “Re-
laboração com Isabel César Anjo, desenvolveu censões críticas: O Jardim donde nunca se Regressa, de
o projeto para a criação do Museu do Livro. Teve Álvaro Magalhães”, Colóquio/Letras, n.o 107, janeiro-
-fevereiro, 1989, pp. 92-93; “Recensões críticas: A Estrada
papel de relevo na recuperação e divulgação de Fascinante, de Matilde Rosa Araújo”, Colóquio/Letras,
lendas e contos tradicionais. Foi galardoada três n.o 108, março/abril 1989, pp. 116-117; “Recordar Adol-
vezes com o Prémio Nacional do Ambiente para fo Simões Müller”, Colóquio/Letras, n.o 108, março, 1989,
a Literatura Infantil. Colaborou em várias pu- p. 134; A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga Nunes, ver-
blicações, nomeadamente nas revistas Rua Sé- são de Natércia Rocha, Porto, Edinter, 1989; Colecção
Aprender, de Helen Arnold, adaptação à língua portu-
samo, Colóquio/Letras e Diário de Notícias. guesa de Natércia Rocha, Porto, Desabrochar, 1989; Os
Adaptou à língua portuguesa a Colecção Apren- Meus Primeiros Livros, Porto, Desabrochar, 1990; Verso
der, de Helen Arnold. O domínio da língua in- aqui, Verso acolá: Antologia para jovens, seleção de Na-
glesa possibilitou-lhe trabalhar em traduções e tércia Rocha, Lisboa, Plátano, 1990; “Recensões críticas:
À Beira do Lago dos Encantos. Teatro para a infância,
em revisões de obras para algumas editoras por- de Maria Alberta Menéres”, Colóquio/Letras, n.o 113/114,
tuguesas e coordenar a edição bilingue de uma janeiro-abril, 1990, p. 219; “Recensões críticas: O Sabor
colectânea de contos, publicados em França e In- dos Sonhos. Teatro para a infância, de Carlos Correia”,
glaterra. Por sua expressa vontade, o espólio par- Colóquio/Letras, n.o 113/114, janeiro-abril, 1990, pp. 219-
ticular, constituído por cerca de 3000 livros, foi 220; “Recensões críticas: A Bolsa Amarela, de Lygia Bo-
junga Nunes”, Colóquio/Letras, n.o 113/114, janeiro, 1990,
doado pelos filhos, Edgar Rocha e Rogério Ro- pp. 232-233; Penas Brancas pelo Ar, Porto, Desabrochar,
cha, à Biblioteca Municipal de Beja, com base 1991; O Julgamento de Páris, Porto, Edinter, 1991; O Me-
no qual foi fundado o Centro do Livro Infantil, nino de Guimarães, Porto, Edinter, 1991; Insectos, de John
o primeiro criado em Portugal, em setembro de Stidworthy, tradução de Augusto Guimarães, adaptação
2007. de Natércia Rocha, Porto, Edinter, 1991; “Recensões crí-
ticas: Dez Contos de Reis, de António Torrado”, Coló-
Da autora: “Prémio Andersen para a brasileira Bojunga quio/Letras, n.o 120, abril-junho, 1991, p. 219; Um
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lóquio/Letras, n.o 78, março, 1984, pp. 65-67; “Questões Charles Lamb”, Colóquio/Letras, n.o 123/124, janei
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tura infanto-juvenil”, Colóquio/Letras, n.o 96, mar- rios autores], Colóquio/Letras, n.o 132-133, abril-setem-
ço-abril, 1987, pp. 32-34; “Recensões críticas: Flor de Mel, bro, 1994, pp. 241-242; Castelos de Areia, Venda Nova,
de Alice Vieira”, Colóquio/Letras, n.o 97, maio-junho, Bertrand, 1995; Histórias com Gatos, Cães e Um Auto-
1987, pp. 124-125; “Recensões críticas: Ana-Ana, de Ilse móvel, Venda Nova, Bertrand, 1996; “Recensões críticas:
Losa”, Colóquio/Letras, n.o 98, julho-agosto, 1987, pp. Esta Lisboa, de Alice Vieira”, fotografias de António Pe-
124-125; “Recensões críticas: A Infância Lembrada, de dro Ferreira, Colóquio/Letras, n.o 140-141, abril-setem-
Matilde Rosa Araújo”, Colóquio/Letras, n.o 99, setem- bro, 1996, p. 317; Mimi e Ludovico, Lisboa, Verbo, 1.a ed.
bro-outubro, 1987, pp. 95-96; “Recensões críticas: Mar 1997, com reimpressão em 1999 e 2002; “Literatura in-
Seco, Gelado Quente, São 21 de Repente, de Jorge Lis- fanto-juvenil portuguesa: Do fortuito ao intencional”, Cen-
topad”, Colóquio/Letras, n.o 99, setembro-outubro, 1987, tro de Recursos e Investigação sobre Literatura para a In-
NAT 762

fância e Juventude, boletim semestral, n.o 0, Porto, no- fia geral da literatura portuguesa para crianças. Natércia
vembro, 2000, pp. 3-4 [c/ retrato]; “Bibliografia de Na- Rocha”, Colóquio/Letras, n.o 101, janeiro-fevereiro,
tércia Rocha”, CRILIJ, boletim semestral, n.o 0, Porto, no- 1988, p. 126; Maria Augusta Silva, “Literatura infan
vembro, 2000, pp. 12-18; Breve História da Literatura para to-juvenil perde a sua incansável divulgadora”, Diário
Crianças em Portugal: Nova edição actualizada até ao de Notícias, 22/05/2004, p. 44, cols. 1-5; Maria Manue-
ano 2000, Lisboa, Caminho, 2001; Contos e Lendas de la Maldonado, “In Memoriam Natércia Rocha”, Centro
Portugal, Lisboa, Plátano, 1.a ed. 2001, 2.a ed. 2002, 3.a de Recursos e Investigação sobre Literatura para a In-
ed. 2005; Teatro do Gato do Chapéu Alto, Caminho, 2003; fância e Juventude, boletim semestral, n.o 5, Porto, junho,
Vamos Todos ao Teatro, Lisboa, Dinalivro, 2003. Em coau- 2004, p. 55; Matilde Rosa Araújo, “Colecção 1001 De-
toria com Carlos Correia e Maria Alberta Menéres, tectives”, Colóquio/Letras, n.o 132/133, abril-setembro,
criou e escreveu, para a coleção “1001 Detectives”, 16 tí- p. 251; Idem, “Em foco: A personalidade de Natércia Ro-
tulos: O Mistério do Falcão Azul, Lisboa, Caminho, 1.a cha”, Centro de Recursos e Investigação sobre Literatu-
ed. 1987, 2.a ed. 1989; O Mistério do Carburador Salga- ra para a Infância e Juventude, boletim semestral, n.o 0,
do, Lisboa, Caminho, 1.a ed. 1987, 2.a ed. 1990; O Mis- Porto, novembro, 2000, pp. 3-4; “Morreu a escritora Na-
tério das Bonecas Holandesas, Lisboa, Caminho, 1988; tércia Rocha”, Jornal de Notícias, 22/05/2004, p. 44, col.
O Mistério do Nevão Assombrado, Lisboa, Caminho, 1.a 5; “Beja homenageia Natércia Rocha”, Correio do Alen-
ed. 1989, 2.a ed. 1992; O Mistério da Carruagem 013, Lis- tejo, 31/08/2007, p. 21; “Natércia Rocha deixou um tra-
boa, Caminho, 1.a ed. 1989, 2.a ed. 1992; O Mistério da balho pioneiro”, Diário do Alentejo, 28/09/2007, p. 8.
Marionete Assassina, Lisboa, Caminho, 1989; O Misté- [L. G.]
rio das Portas Mal Fechadas, Lisboa, Caminho, 1990; O
Mistério do Bota d’Ouro, Lisboa, Caminho, 1990; O Mis- Natércia Freire
tério do Motorista Chinês, Lisboa, Caminho, 1990; O Mis- v. Natércia Ribeiro de Oliveira Freire dos
tério do Poço da Morte, Lisboa, Caminho, 1.a ed. 1988,
2.a ed. 1990; O Mistério do Crime mais que Perfeito, Lis- Santos
boa, Caminho, 1991; O Mistério do Passageiro das Peú-
gas Amarelas, Lisboa, Caminho, 1991; O Mistério das Ga- Natércia Ribeiro de Oliveira Freire dos Santos
linhas Espavoridas, Lisboa, Caminho, 1.a ed. 1991 e 3.a Poeta, jornalista, editora da “Página de Artes e Le-
ed. 1992; O Mistério das Motas Sepultadas, Lisboa, Ca- tras” do Diário de Notícias (1955-1974), tradu-
minho, 1992; O Mistério da Ruiva Ifigénia, Lisboa, Ca-
minho, 1992; O Mistério dos Cheques Carecas, Lisboa, tora, memorialista, contista, nasceu em Benavente
Caminho, 1993. Traduziu: O Desconhecido, de Monique a 28 de outubro de 1919 e faleceu em Lisboa a
Ponty, Porto, Edinter, 1989; Plantas e Sementes, de John 17 de dezembro de 2005. Oriunda de uma família
Stiworthy, Porto, Edinter, 1990; Teoria Psicológica e De- de raízes republicanas (o seu pai, João Ribeiro de
senvolvimento da Mulher, de Carol Gilligan, Lisboa, Fun- Oliveira Freire, chefe de conservação da Hi-
dação Calouste Gulbenkian – Serviço de Educação, 1997.
Bib.: Alice Vieira, “Um policial com arte: O Mistério do dráulica Agrícola, foi um dos mais ativos entu-
Falcão Azul”, Diário de Notícias, 05/06/1987, p. 60, col. siastas da República na região do Ribatejo), a úl-
2; Idem, “Detectives de cartão ao peito: O Mistério do Poço tima de quatro filhas (uma das suas irmãs, Ma-
da Morte”, Diário de Notícias, 27/05/1988, p. 64, col. 1; ria da Graça Freire*, distinguiu-se no romance),
Ângela Balça, A Finalidade Educativa das Narrativas In-
fanto-Juvenis Portuguesas Actuais, Dissertação de Dou- iniciou-se na poesia aos 17 anos, com a publi-
toramento em Ciências da Educação, Évora, Universidade cação, em 1936, do primeiro livro, Castelos de So-
de Évora, 2004; Idem, “Olhares sobre a obra de Natércia nho, posteriormente rejeitado do conjunto da sua
Rocha”, No Branco do Sul as Cores dos Livros: Encon- obra poética. Já nesse volume se revelava uma
tro sobre Literatura para Crianças e Jovens, Beja, 24 e 25 aguda mestria da forma e uma sensibilidade mu-
de fevereiro de 2000, Lisboa, Caminho, 2001; Bernardette
Herdeiro, “Breve história da literatura para crianças em sical sugestiva, de cariz encantatório e raiz sim-
Portugal. Natércia Rocha”, Colóquio/Letras, n.o 91, bolista, que tiveram plena maturação em Hori-
maio, 1986, pp. 110-111; David Mourão-Ferreira, “Pre- zonte Fechado (1942). Esse vetor formal e mu-
fácio” a Bibliografia Geral da Literatura Portuguesa para sical divide, em termos de construção poemáti-
Crianças, Lisboa, Comunicação, 1987; Idem, “Sobre Na-
tércia Rocha”, Centro de Recursos e Investigação sobre ca, as duas fases da sua obra: a primeira englo-
Literatura para a Infância e Juventude, boletim semes- bando Horizonte Fechado, Rio Infindável (1947)
tral, n.o 0, Porto, novembro, 2000, p. 5; José Coimbra, Tia- e Anel de Sete Pedras (1952), e a segunda ini-
go Guimarães, Palavras pelo Ar: Documentário sobre Na- ciando-se com o livro seguinte, Poemas (1957),
tércia Rocha; Marco Taylor, Animação: No Quarto da Rita, e prolongando-se até ao fim da sua obra poética.
Beja, Câmara Municipal, 2007, 1 DVD (30 min.); Leonor
Riscado, “Recensões e notas críticas (livros para crian- Se esse vetor apenas formalmente as divide, uma
ças e jovens)”, Malasartes (Cadernos de Literatura para profunda coerência temática densamente une e
a Infância e Juventude), Campo das Letras – Editores, S.A., vivifica a sua obra poética, de uma singularida-
Porto, dezembro de 2003 a junho de 2004; Leonoreta Lei- de rara na poesia portuguesa, ou, como refere Da-
tão, “Um olhar sobre a obra de Natércia Rocha”, Centro
de Recursos e Investigação sobre Literatura para a In-
vid Mourão-Ferreira, “uma das mais densas da
fância e Juventude, boletim semestral, n.o 0, Porto, no- nossa história literária”. Densidade que se ma-
vembro, 2000, pp. 8-11; Maria Alice Chicó, “Bibliogra- nifesta não apenas no senso do misterioso, mas
763 NAT

na precisão com que fenómenos interiores, psi- feminino forte, recriador, na atmosfera da ficção
cológicos e sobrenaturais são sugeridos e deli- feminina portuguesa [vide Ana Paula Ferreira, A
neados, em “momentos em que parece ver para Urgência de Contar]. Se, de uma forma mais tex-
dentro, contemplar o intramundo”, como apon- tualmente explícita, podemos ler no volume iné-
ta António Quadros. Se essa singularidade de rea- dito encontrado no seu acervo, O Eixo de Ouro
lismo do sobrenatural, bem como a sugestão mú- (recolha e seleção pessoal da autora de textos pe-
sico-formal, religa a poesia de Natércia Freire às riodísticos e outros, num registo diarístico es-
fontes mais profundas da poesia portuguesa (Ca- piritual), uma descrição de vários planos da
milo Pessanha, Teixeira de Pascoaes), num pós- condição feminina nos anos 1940-1960, nunca
-Simbolismo perturbado e alquímico, a perma- ocupa esta o primeiro plano, mas liga-se e rela-
nente tensão de fuga do espaço/tempo e a divi- ciona-se com uma vivência cósmica do instan-
são interior do sujeito entre a vida terrena e a se- te, ou uma aprendizagem espiritual. Aprendi-
gunda imagem do seu eu antes e depois do cor- zagem espiritual que as recentes descobertas dos
po, densamente constitutiva da sua obra, tornam- investigadores no seu espólio literário vieram ve-
-na, mais do que uma pergunta permanente so- rificar, conhecidas que foram as ligações a uma
bre o homem e o seu destino, uma verdadeira aven- corrente rosa-cruz americana, a troca de corres-
tura de pesquisa sobrenatural: “Quero ver os pri- pondência com mães de santo brasileiras; ou ain-
meiros lagos, os primeiros monstros, / Ver-me de da o auxílio que deu à fundação, nos anos 80, do
onde é que eu vinha. / Quero ver Deus criar de Renovamento Carismático da Igreja Católica em
novo a Morte / E que a primeira morte seja a mi- Portugal. Mais do que cristianismo, é um vetor
nha.” Na sua poesia, o conhecimento do corpo, de inquieta pesquisa sobrenatural que liga a vida
como lugar visionário sobre a conceção única da e a obra de Natércia Freire. Se um patamar de
morte na vida, ocupa um papel primacial; nele, consciência (de si, do sujeito no mundo, da po-
o cristianismo, o esoterismo, o transe visionário tência da palavra) se pode indicar no jogo claro
e o amor reúnem-se. O sujeito da poesia nater- de sombras que a poesia implica, talvez fosse pos-
ciana, ele mesmo vindo do Simbolismo, leva a sível desenhar, com estes versos, o programa ini-
novos patamares de hiperconsciência o sujeito ciático da obra de Natércia Freire [“Crime de Mú-
da poesia da “presença”, anterior ao tempo e as- sica”, Intrusos, 1971]: “A palavra que falo, não
sente no “id” (“Ganhei-me toda e sou Uma / Sem se fala. / Se me escondo, me fujo, me sepulto /
ser homem nem mulher”). Não se tornando pre- De garganta cortada, invisível ou parda, / Antes
sente e legível na sua obra com uma premência da sombra, é que matei o vulto.” A obra de Na-
de sentido como a da tensão interrogativa da di- tércia Freire, assente no “vago, no fantasmático”
visão entre morte e vida, antes e depois do ser, (como refere Jorge de Sena), estranho caso na poe-
realidade da infância e dimensão extrassensorial sia portuguesa do século XX, para a qual qual-
da memória (que a une, como notou por várias quer baliza periodológica parece insuficiente, mas
vezes Natália Correia, às mais vivas descobertas cuja dimensão feminina e modernista, aliada a
surrealistas), também os temas da condição da um visionarismo, lhe deixa um lugar ímpar e ex-
mulher e da denúncia sociopolítica se encontram traordinário no friso de poetas femininos que a
presentes e unidos na sua obra, como o demonstra língua portuguesa pode recolher.
o poema Guerra (Os Intrusos, 1971): “São meus [P. S-L.]
filhos. Gerei-os no meu ventre. / Via-os chegar,
às tardes, comovidos, / Nupciais e trementes, / Embora se tenha destacado como poeta, Natér-
Do enlace da Vida com os sentidos. // Estiveram cia Freire foi também jornalista e nessa área de
no meu colo, sonolentos. // Contei-lhes muitas atividade afirmou-se, sobretudo, com a direção
lendas e poemas. / Às vezes, perguntavam por al- da página de “Artes e Letras” do Diário de No-
gemas. / Respondia-lhes: mar, astros e ventos. / tícias durante 20 anos, cumprindo essa função
Alguns, os mais ousados, os mais loucos, / De- de 1954 a 1974, altura em que, por vontade pró-
sejavam a luta, o caos, a guerra. / Outros sonha- pria, resignou funções. Posteriormente, ainda foi
vam e acordavam roucos / De gritar contra os mu- colaboradora assídua de publicações como O
ros que há na Terra (...)”. Obra onde os contos Tempo, O Século e O Dia, sobretudo na área da
[A Alma da Velha Casa, 1942 e Solidão sobre as crónica e do ensaio. Ainda antes da colabora-
Searas, 1963], não ocupando papel central, con- ção com o Diário de Notícias, Natércia Freire co-
tribuem decisivamente para a definição de um laborou assiduamente com o Diário Popular e
NAT 764

o Diário de Lisboa, para além de assinar regu- Noémia de Paiva Henriques


larmente artigos de crítica em diversas outras Nasceu a 9 de abril de 1918, na freguesia de S.
publicações. Jorge de Arroios, e morreu, também em Lisboa,
No Diário de Notícias, para onde foi a convite a 31 de janeiro de 1999. Filha de Júlia Paiva e de
do então diretor, Augusto de Castro, salientam- Joaquim Henriques, é oriunda de uma família de
-se as suas colunas “Balança”, “Breves Notas”, parcos recursos económicos. Completado o en-
“Calendário” e “Largos Dias Têm os Anos”. As sino primário, ingressou no Liceu Maria Amália
primeiras rubricas encontram-se dentro de um Vaz de Carvalho, onde faz todo o seu percurso li-
género de crítica artística, com especial relevo ceal, sem nunca ter reprovado. Frequentou o Cur-
para a crítica literária, ao passo que a última ru- so de Letras da Universidade Clássica de Lisboa,
brica apresenta a jornalista num registo mais pes- completando a Licenciatura em Filologia Ro-
soal e intimista, quase ao jeito de um diário cul- mânica em 1941, apresentando como tese final
tural. A “Página”, como era conhecido o suple- de curso Fernão Mendes Pinto: Breves notas so-
mento semanal, foi, na realidade, um marco da bre a sua personalidade e a sua obra. O escritor
vida de Natércia Freire e dela disse um dia que Vitorino Nemésio foi seu professor, partilhando
“deu vida à vida literária e dessa vida vivi”. Nes- ela com as suas alunas, em certos momentos, o
te suplemento conviviam as mais variadas ma- valor que lhe reconhecia, não só como escritor,
nifestações da arte portuguesa e internacional e mas sobretudo a influência marcante das aulas
Natércia Freire procurou sempre manter-se re- daquele mestre na sua formação cultural. Dele di-
lativamente distante da problemática em torno zia que havia aprendido que a abordagem de um
da política e das escolas, aproximando-se de um conteúdo disciplinar não pode ser feita isolada-
contributo de “arte pela arte”. Como tal, a cen- mente, interligando-se as temáticas, pelo que com
sura visou muito pouco este suplemento, mes- este docente, segundo afirmava, cada aula am-
mo quando publicava artistas opositores do re- pliava-se numa multiplicidade de aprendizagens.
gime do Estado Novo. Essa experiência vai transferi-la para as suas pró-
[R. S.] prias alunas ao tornar as aulas de Português numa
Da autora: [Poesia] Meu Caminho de Luz (1939); Estátua autêntica “viagem pensante” pela história da cul-
(1941); Horizonte Fechado (1942); Rio Infindável (1947); tura, quer nacional, quer, não raras vezes, es-
Anel de Sete Pedras (1952); Poemas (1957); Poesias Es- trangeira. Um outro mestre a marcou, Hernâni Ci-
colhidas (1959); Liberta em Pedra (1964); Poemas e Li-
berta em Pedra (1967); A Segunda Imagem (1969); Os In-
dade, não só dando-o a conhecer às suas edu-
trusos (1971); Liberdade Solar (1977); Obra Poética I candas, o que ocorreu, talvez, de uma forma mais
(1991); Obra Poética II (1994); Antologia Poética (2000); explícita quando recebeu como sua aluna uma
Poesia Completa (2006). [Prosa] A Alma da Velha Casa das netas, mas num texto escrito quando da mor-
(1945); Infância de Que Nasci (1955, reed. 2005); Solidão te deste. Em Evocação, referiu-se a este docen-
sobre as Searas (1961); Jardins de Lisboa (edição da CML
em português, francês e inglês, s.a.); Ser ou não Ser pelo te escrevendo: “Hernâni Cidade, de pé, próximo
Amor Livre (1975); Contos Completos (2006); [Ensaio] In- de nós, era o seguro companheiro que connos-
fluência do Ultramar na Poesia (1963); [Diário] O Eixo de co caminhava através das agudas e certeiras afir-
Ouro – Páginas autobiográficas (2007); [Organização de mações de Montaigne, das estrofes desesperadas
antologias] Ribatejo: Antologia da Terra Portuguesa de François Villon, das audácias românticas de
(s.a); [Obras traduzidas] Poèmes Portugais (seleção de Rio
Infindável, Horizonte Fechado e Anel de Sete Pedras), Bru- Rousseau, dos versos de Ronsard em cuja men-
xelas, tradução e ilustrações de Ben Genoux, s.a. [Tra- sagem de amor crepitava a centelha pagã. E, as-
duções] Rosamond Leheman, Uma Nota de Música; Char- sim, chegávamos ao espírito da própria França
les Dickens, As Aventuras de Pickwick; Luigi Pirandel- – a da guerra e a da paz.” Mas não foi o saber
lo, Para cada Um Sua Verdade [em colaboração com Ma-
ria da Graça Freire]; Arthur Miller, Do Alto da Ponte; Phi- aprendido com o mestre que quis transmitir, mais
lipe Heriat, Apesar de tudo!; Anton Tchékov, A Gaivota tarde, quando docente, foram também métodos
[a partir da versão francesa de Elsa Triolet]. de trabalho intelectual e, sobretudo, a dignida-
de do exercício da atividade docente. Lendo a
Natércia Rocha composição evocatória, compreende-se que en-
v. Natércia Ferreira de Brito Camacho Resen- sinasse às alunas que um texto não podia ser lido
de da Rocha sem um lápis na mão, ao não deixar de mencionar
a respeito de Hernâni Cidade: “E quantas vezes
Nina Catarino era o Mestre que nos estendia o seu próprio li-
v. Maria da Graça Pinto Braga Heitor Catarino vro de texto, enriquecidas as margens de obser-
765 NOE

vações na sua letra miúda e rápida!” E, valori- escrever, em abril de 1973, “Dez minutos para
zando a dignidade deste professor, conta que um Fernando Pessoa”. Quando criança, o pai as-
dia ele pediu desculpa aos alunos por não ir dar socia-se ao grupo fundador da Seara Nova,
a aula, “porque não a havia preparado”, para con- nela participando entre o n.o 1 e o n.o 864, como
cluir: “Honesto, digno, inteiro, não acumulou car- a referida revista dá notícia ao dedicar-lhe a pri-
gos que o desviassem da sua carreira de inves- meira página quando da sua morte [Seara Nova,
tigador e de professor.” No próprio ano em que ano XXIII, n.o 866, 18 de março de 1944, p. 1]. Mas
se licencia, obtém o diploma para lecionar no en- não é só a valorização do trabalho intelectual,
sino particular as disciplinas de Português, transmitida pelo pai, que a marcou. É também a
Francês e Latim [DGEL, diploma n.o 9318, de 5 disponibilidade e a abnegação em servir os ou-
de dezembro de 1941]. Leciona no Colégio Infanta tros, transmitindo-lhes informação, apostando na
D. Maria, lisboeta, tornando-se membro do cor- formação do intelecto como possibilitador da
po docente do Colégio do Sagrado Coração de Ma- construção de uma sociedade mais livre, justa e
ria (Lisboa) a partir de dezembro de 1946, onde fraterna. No seu conto “Palmeiras”, de cariz au-
se mantém a ensinar mesmo depois de ultrapassar tobiográfico, a personagem Maria Inês é a auto-
o tempo necessário para se aposentar. Dela se ra. Assim, ela é a criança a caminhar num par-
pode dizer que, escolhendo o magistério, o que, de mão dada com o pai e a quem este, ao ver
exerceu até as suas forças físicas e psicológicas a sua estupefação perante uma pequena palmeira
o permitirem. Dois dados importantes a reter no moribunda, lhe dá a conhecer, pela primeira vez,
percurso de vida desta mulher inteligente, cul- o sentido da palavra “exílio”. Explicando-lhe que
ta e com um enorme sentido de liberdade inte- se trata de uma árvore que está doente, “porque
rior. A influência marcante do pai no seu cres- não vivia na sua terra e nunca se habituara ao exí-
cimento como mulher podia expressar-se da se- lio”, o pai ensinar-lhe-ia, ainda, que “o mesmo
guinte forma, recorrendo ao Cântico Negro de José acontecia às pessoas, quando são forçadas a vi-
Régio, que tão bem declamava: podia não saber ver fora da sua pátria: sofrem e algumas chegam
por onde o pensamento a levava, mas uma cer- a morrer”. Evidencia esta aprendizagem ao es-
teza tinha, a de não trilhar percursos ditados pe- crever: “Deixou então a mãe atónita ao dizer em
los outros. Elemento este que não pode deixar de lágrimas que não queria nunca ir para o exílio.
ser associado ao segundo aspeto a valorizar, a for- E nem mesmo quando o pai lhe trouxe um pu-
ma como exerceu a carreira docente. Tendo o pai nhado de tâmaras ambarinas e lhe afirmou que
morrido muito cedo, três anos após a data de con- eram os frutos das palmeiras, se reconciliou com
clusão da licenciatura, isto é, em 1941, marcou- essas árvores, doentes e esquisitas. A partir daí,
-a durante a infância, não tanto talvez pelas pa- palmeira foi sinal de exílio e de dor.” Conti-
lavras que lhe dirigisse, mas sobretudo pelo exem- nuando a história da Maria Inês, evidencia o pa-
plo de vida que lhe deu. Joaquim Henriques pel formativo deste na sua vida ao afirmar: “Com
(01/11/1892-09/03/1944), tendo nascido numa pe- seu pai estava sempre a aprender novidades dos
quena localidade do concelho de Tomar, vem homens das estátuas, das ruas, das plantas... Vi-
muito novo, tal como o irmão, para Lisboa, pro- nham também na conversa palavras bonitas e en-
curando melhores condições de vida. Dado não graçadas. Ela achava que o pai tinha gosto em pro-
ter podido realizar estudos académicos além da nunciar algumas. Era um hábito seu: parecia que
instrução primária, ingressa como contínuo na as lançava ao ar, aparava-as nas mãos, sopesava-
Biblioteca Nacional. O local de trabalho pro- -as um instante e depois abria-as para lhes sa-
porciona-lhe condições para adquirir uma for- borear o miolo, como quem abre nozes ou amên-
mação cultural autodidata, complementada pelo doas. Assim fizera também com Liberdade, com
convívio que estabelece com um alargado grupo Justiça, com Igualdade... Era um jogo perigoso,
de intelectuais daquela época. A filha retinha na como verificou depois.” Noémia Henriques não
memória a cor azul dos olhos de Raul Brandão se fixa nas suas memórias de vida, mas en pas-
que o pai, quando pequena, lhe havia apresen- sant vai partilhando as mais significativas. Re-
tado numa das suas deslocações à Biblioteca Na- cordará a experiência dolorosa que teve quando
cional. Recordará, ainda, a primeira imagem que viu o pai, que a acompanhava e à mãe numas fes-
formou de Fernando Pessoa, quando na adoles- tividades populares, ser preso pela polícia polí-
cência, acompanhada pelo pai, viu o poeta a su- tica salazarista. Tratou-se da descoberta desse
bir a Rua Garrett, “em passada larga e lenta”, ao “jogo perigoso”, com as palavras Liberdade,
NOE 766

Justiça e Igualdade. Esse facto marcante na sua me, assim como não excluir o Canto IX da leitura
vida aparece registado, ainda, em “Palmeiras”, e análise de Os Lusíadas, como era usual fazer-
contando que “a pequena Maria Inês viu, incré- -se na época do Estado Novo, ao considerar-se que
dula e estarrecida, um homem de óculos escu- confrontava os/as alunos/as com uma vida mar-
ros aproximar um revólver do peito de seu pai, cada pelas emoções e prazeres da carne. Alegando
ao mesmo tempo que lhe dizia qualquer coisa”, que uma obra só podia ser estudada quando era
para rematar: “Para espanto seu, o pai acompa- lida na íntegra, segundo o relato de uma aluna
nhou o malvado. E viu-o ir extremamente páli- dessa época, enfrentou um encarregado de edu-
do, mas de cabeça levantada e olhar luminoso, cação, professor de formação latinista, que se opu-
sorrindo para ambas.” O reequacionamento pes- nha a que fosse contemplada a parte da obra fo-
soal dessa experiência não deixa de ser por ela calizada na Ilha dos Amores, contra-argumen-
partilhado, ainda no mesmo conto, ao escrever: tando que seria uma “blasfémia” proceder a cor-
“Foi então que passou a conhecer o conteúdo de tes na leitura da obra que imortalizava o povo
palavras como Opressão, Aljube e Tortura.” lusitano. Como autêntica mestra que era, privi-
Para acrescentar: “Fez, todavia, nessa altura, uma legiava no ensino o método dialógico. Todavia,
aquisição espantosa, alcançou uma riqueza que para a maioria das alunas, ao longo de gerações,
a acompanharia toda a vida – o significado so- ouvi-la dissertar sobre um conteúdo literário era
berano da palavra Consciência.” Talvez, conhe- um enorme prazer, tal como se revestia de um mo-
cedora da sua personalidade emotiva, este caso mento único ouvi-la declamar, de livro fechado,
a levasse a adotar uma atitude de contenção quan- poesias de autores como Régio, Sebastião da
to a falar da sua experiência de vida, em relação Gama, António Boto, entre outros, ou partes de
ao passado. É também na perda cedo do pai e, Os Lusíadas. A aposta em instruir as alunas e fa-
consequentemente, no encargo de proteger a mãe, zer de muitas delas mulheres de cultura levava-
com quem viveu até à data da morte desta, que a a ter uma relação não só marcada pela exigên-
encontramos explicação para o facto de ter op- cia, como pelo afeto, o que se traduzia, tanto no
tado por ensinar no ensino particular. Fazer uma reconhecimento enfático do bom trabalho, como,
carreira no Ensino Liceal exigir-lhe-ia, certamente, quando confrontada com a ausência de estudo e
deslocações para fora de Lisboa, sujeitando-se a empenhamento, na crítica mordaz e irónica. Fi-
passar por várias cidades até obter um lugar no lha de pai republicano e laico, não foi educada
quadro de um liceu na cidade de Lisboa, ou em nos princípios do cristianismo, tendo-se con-
qualquer outra. Não devemos descurar, ainda, a vertido ao catolicismo em adulta. Segundo con-
hipótese de que o ingresso na carreira liceal, como tou, foi batizada com 30 anos de idade, tendo para
professora contratada, lhe possa ter sido difi- esse facto contribuído uma amiga, professora de
cultado, dada a associação do nome do pai a uma Estudos Clássicos. Julgamos que a adesão ao ca-
figura oposicionista ao regime salazarista. Ten- tolicismo se deva associar a uma valorização, es-
do aceitado exercer o magistério no Colégio do sencialmente, da componente humanista do
Sagrado Coração de Maria, dada a origem social, cristianismo. Assim se compreende que, apesar
e até intelectual, em muitos casos, das alunas que de não deixar de testemunhar junto das alunas
o frequentavam, ela tornou-se uma das docentes a sua convicção religiosa, não fosse devotada a
que não só deu prestígio a esse estabelecimento grandes manifestações de piedade e, por vezes,
de ensino, como foi reconhecida por várias ge- ironizasse certos comportamentos da ortodoxia
rações de alunas como uma figura marcante na católica ao longo da história da Igreja. A atitude
sua formação, a qual extravasou a esfera lin- crítica não lhe permitia pactuar com posições fa-
guística e literária, enquanto docente de Portu- risaicas, pelo contrário, era ao perdão cristão aos
guês, e em alguns anos de Latim e Francês, e se oprimidos e excluídos que se rendia, referindo-
fez sentir a um nível mais alargado, o da cultu- -se com entusiasmo, não raras vezes, ao episódio
ra humanista. Pensamos, também, que ao afirmar- evangélico de Cristo usando o chicote à saída do
-se como conhecedora da matéria que ensinava Templo, para expulsar os vendilhões. No conto
e como professora preocupada com a introdução “Uma manhã de pombas” revela, talvez, de uma
das alunas no método do trabalho intelectual, das formas mais fortes, a sua atitude religiosa
pôde gozar naquele estabelecimento de ensino de confrontada com a experiência da existência hu-
uma certa liberdade de ensinar, a qual lhe per- mana, ao escrever: “Haver um amigo que nos re-
mitia falar de autores que eram críticos ao regi- ceba e compreenda as confidências é um bem
767 NOE

sem preço. Mas que esse amigo, além de nos ou- Nova Alvorada
vir, nos absolva em nome do Pai, do Filho e do Revista mensal literária e científica, dirigida nos
Espírito Santo, é coisa que nos deslumbra e nos dois primeiros anos (1891-1892) por Sousa Fer-
transcende.” Educada no amor pela Liberdade, nandes e no terceiro e quarto anos por Sebastião
Justiça e Igualdade e experimentando muito cedo de Carvalho (1893-1894). A nível da impressão,
que a não-aceitação da diferença está associada a responsabilidade coube à Tipografia Minerva,
a uma opressão, que pode conduzir à prisão, no localizada nos dois primeiros anos deste perió-
caso de seu pai, à tortura e ao exílio, o humanismo dico em Vila Nova de Famalicão e, nos dois úl-
vai ser estruturante na sua construção como pes- timos, no Campo da Feira. A Nova Alvorada con-
soa. Deste modo, julgamos que a sua profissão de tou também com um número comemorativo do
fé em Deus não pode dissociar-se da valorização centenário da chegada à Índia, doado à Biblio-
da condição humana. A par de ter sido con- teca Nacional pelo marquês de Faria. Esse nú-
frontada, ainda muito pequena, com a prisão do mero teve uma tiragem de apenas 50 exempla-
pai por motivos políticos, Noémia Henriques vai res. Este periódico tem a numeração das páginas
crescer e amadurecer como mulher no Portugal seguida de número para número. As capas e os
salazarista, por ela definido, no conto “A bênção”, tipos de letra vão sendo alterados, mas a ilus-
como um espaço ideológico onde as ideias que tração que conta com a efígie de Camilo – um li-
se tinham, porque diferentes, não se podiam ex- vro aberto, uma pena, uma harpa e um motivo
por. Segundo as suas palavras: “O medo anula- floral em volta de um sol nascente esplendoro-
va a maioria, tolhia as consciências, tirava a no- so – é a mais utilizada. Se, apesar da citação de
ção de cidadania, a dignidade de pensantes.” Con- Camões, “Porque sempre por via irá direita /
frontada com uma perceção do regime do Esta- quem do oportuno tempo se aproveita”, adota-
do Novo que o identifica com um totalitarismo, da como mote, ainda restassem dúvidas relati-
entende-se que, quando esse mesmo regime é vamente ao objetivo da publicação, Sousa Fer-
deposto, cante, no dia 25 de Abril de 1974, em nandes, no editorial, esclarece: “a sua missão
“Poema 25”: “[...] E, porque a manhã / se abriu mira apenas a esteira luminosa por onde outros
em cravos / que rutilaram / e esmagou os cardos dos seus colegas se têm alçado à invejável po-
/ que mordiam / eu digo: Pátria / agora posso mor- sição de serem prestáveis à instrução pública e
rer / porque sei o que é viver / este DIA – livre à literatura pátria”. A Nova Alvorada contou com
e impoluto!” Defini-la como uma mulher culta ilustres colaboradores, e especialmente a nível
que acreditou que a docência não se reduzia ape- literário podemos encontrar nomes femininos co-
nas a transmitir conhecimentos, mas a iniciar as nhecidos. Alice Moderno*, Mariana Coelho e Clo-
alunas, e mais tarde os alunos, ao tornar-se mis- rinda de Macedo surgem em grande parte dos nú-
to o estabelecimento de ensino onde lecionou, na meros da primeira série, contribuindo essen-
“arte de aprender”, não nos parece abusivo. Tal- cialmente com composições poéticas, traduções
vez a razão pela qual marcou várias gerações de e contos. Alice Moderno é autora de um artigo
raparigas lisboetas que, passando pelo Colégio do de homenagem a Antero de Quental, “Os últi-
Sagrado Coração de Maria, foram suas alunas, se mos dias de Antero”, publicado no n.o 7 de 1 de
desvele ao ouvi-la afirmar no seu poema “Ser pro- novembro de 1891 [pp. 64-65]. No n.o 10, de 1
fessor”: “Damos, damos, damos / damos nossa ca- de fevereiro de 1892, e no n.o 11 do mês seguinte,
beça / damos nosso corpo, a alma, o nosso ser/ da mesma autora, surgem três sonetos: “Guten-
damos a tempo inteiro / damo-nos com uma co- berg” e “Moisés” (retirados de Mártires da
ragem / quase selvagem / e sempre de pés na mar- Ciência e Mártires da Ideia, respetivamente) e
“Os mártires do amor”, nos quais Alice Moder-
gem / do despenhadeiro.”
no enaltece os espíritos daqueles que se sacri-
Mss.: “Noémia de Paiva Henriques: Contos e Poemas” ficam para que outros possam atingir a luz da cul-
[cedido gentilmente por seu afilhado Manuel Pedro Osó- tura, da libertação, de um ideal. No segundo ano,
rio Henriques]; Acervo documental do Colégio do Sa-
grado de Coração de Maria, “Registo biográfico de Noé- Alice Moderno colabora nos números 1 [1 de
mia de Paiva Henriques”. abril de 1892] com o poema “Na morte de Tavares
[M. J. R.] de Resende”, mais uma vez cantando a glória de
um lutador que até a morte enfrenta sem um
Noémia de Sousa queixume; 3 [1 de junho de 1892], com “ À dis-
v. Carolina Noémia Abranches de Sousa tinta cantora Josefina Landy”, elogiando esta diva
NOV 768

hispânica; 5 [1 de agosto de 1892], com “Sau- a necessidade de despertar de uma letargia que
dades”, relembrando, num tom que faz jus ao tí- irá fazer perder a honra dos portugueses. O seu
tulo, os serões com uma amiga, possivelmente discurso exclamativo, com versos que parecem
falecida; 6 [1 de setembro de 1892], com “ A Ma- gritar, distingue-se do das demais colaboradoras
ria Teotónia dos Santos”, já num tom mais ale- deste periódico pela força inegável que contém,
gre, dado que a amizade desta senhora tem sido denunciando e criticando aqueles que não de-
como um farol em noite escura como breu; 7 e fendem os interesses pátrios, enquanto exorta a
10 [1 de outubro de 1892, p. 169, e 1 de janeiro que se demonstre que Portugal ainda é a nação
de 1893, p. 208], novamente com poemas de- de onde saíram figuras como Vasco da Gama e
dicados a Josefina Landy, sendo que no primeiro Camões. Mariana Coelho, nos números 9 e 11,
enaltece novamente as qualidades artísticas colabora com um conto intitulado “O cutelo de
desta prima-dona, mas alerta também para o fac- Débora”, que está longe de favorecer a figura fe-
to de ela ser muitas vezes vítima de inveja, in- minina, uma vez que a personagem principal tro-
trigas e mesquinhez, associadas à fama. Alice Mo- ca o amor verdadeiro por uma relação com um
derno afirma que a cantora representa o génio e desconhecido abastado. No n.o 2 do 2.o ano [1 de
a virtude e que sofre, como qualquer outro gran- maio de 1892] participa com uma tradução de
de espírito. No segundo poema, vai mais longe um poema que aborda também a temática amo-
e declara que as virtudes e o talento desta can- rosa, “Raios e sombras”. Nos números 3 e 4 [1
tora são tais que obnubilam quaisquer malque- de junho e 1 de julho de 1892], colabora nova-
renças históricas havidas entre os dois países da mente com uma tradução do conto de J. Méry,
Península Ibérica, funcionando como elemento “Os peripatéticos”. Clorinda de Macedo volta a
unificador destas nações. Este poema constitui colaborar no 2.o ano deste periódico, nos números
uma homenagem póstuma à cantora, que terá fa- 5, 7 e 8 [agosto, outubro e novembro de 1892].
lecido por essa altura. Na segunda série, Alice No n.o 5 encontra-se uma composição poética,
Moderno apenas colabora no n.o 4, de 1 de ju- “A um Orgulhoso”, que constitui uma crítica a
lho de 1893, com um poema intitulado “Nau- todos os que se recusam a olhar em redor, não
frágio e caridade” no qual nos descreve em tons tendo em consideração que todos estamos su-
negros a labuta dos pescadores e o cruel desti- jeitos a uma queda. No n.o 7 é publicado o con-
no que aguarda a grande maioria, terminando to “A vingança de Marta”, que valeu a Clorin-
com a luz da caridade que caracteriza o povo aço- da de Macedo o prémio atribuído pela Acade-
riano e que abraça as famílias destroçadas pela mia Montreal em Toulouse, no certame literário
impetuosidade das ondas, evitando que estas de 1883. A sua última participação é novamente
caiam na miséria. Curiosamente, Alice Moder- com uma composição poética, “O mar”, desta fei-
no é também contemplada com um poema de Da- ta celebrando a descoberta do continente ame-
masceno Vieira [n.o 6, de 1 de setembro de 1892], ricano por Cristóvão Colombo. Outras partici-
que a retrata como uma amazona – que é, aliás, pações femininas, essencialmente com produ-
o título do poema – por considerá-la destemida ções em verso: Narcisa Amália, que apresenta um
e persistente nas mais árduas batalhas, conse- artigo sobre música no n.o 1 do 1.o ano [1 de mar-
guindo convencer leitores e ouvintes a juntarem- ço de 1891]; Maria Laurentina, “O primeiro
-se na sua luta por causas nobres. Clorinda de amor”, no n.o 2 [1 de maio de 1891]; uma carta
Macedo e Mariana Coelho são também duas co- da viscondessa de Corrêa Botelho no número de
laboradoras relativamente assíduas, embora homenagem a Camilo Castelo Branco; Adelina
menos que Alice Moderno. Ambas participam Lopes de Almeida, com “Voltaste”, no n.o 8 [1
no primeiro número com composições poéticas, de dezembro de 1891]; a baronesa de Maman-
a primeira com “Versos a uma defunta”, quadras guape, com “Noiva morta”, no n.o 3 [1 de junho
que descrevem a dor de uma mãe que perde uma de 1892]; Marietta, com “A doença de Luizita”,
filha, e a segunda com um soneto patriótico de no n.o 5 [1 de agosto de 1894], um conto sobre
oposição a Inglaterra (“A Pátria”), numa época uma criança que fica doente, para desespero dos
em que se vivia o Ultimato como um ultraje, e pais, mas que termina com um final feliz; Ma-
a antiga aliada britânica ganha o epíteto de “trai- ria Amália Vaz de Carvalho, com uma quadra lú-
çoeira Albion”. Este poema de Mariana Coelho gubre sem título, no n.o 10 [1 de janeiro de 1895];
assume um tom quase militarista, com apóstrofes Madame Josephina de Zaleska, com “A monsieur
dirigidas aos seus compatriotas, alertando para Xavier da Cunha” (conservador da Biblioteca Na-
769 NOV

cional de Lisboa), no n.o 12 [1 de março de 1895]. no segundo ano passaria a ter uma periodicidade
Neste periódico não encontramos propriamen- quinzenal, ou pelo menos era essa a intenção do
te artigos de pendor feminista, sendo o leitor ape- diretor, manifestada no n.o 11 da 1.a série. Se-
nas confrontado com a questão feminina na se- gundo Daniel Pires, existem apenas três núme-
gunda série, onde, no 1.o e 3.o números, são fei- ros que constituem a 2.a série e que foram pu-
tas referências a obras publicadas que focam esse blicados entre 1904 e 1905. Esta revista, apesar
assunto. Assim, no n.o 1, de 1 de abril de 1893, de não ser feminista, merece aqui lugar pelas co-
encontra-se uma tradução, realizada por F. J. Pa- laboradoras que nela participaram com artigos
trício, de um excerto da obra original francesa marcadamente a favor da melhoria de condições
Como se Cria Uma Fada, sendo criticado o fac- de vida da mulher, declarando a urgência na
to de a mulher ser vista enquanto objeto de arte igualdade de direitos para que a sociedade
que serve para entreter o homem e os que a ro- portuguesa pudesse progredir. Em alguns nú-
deiam, enquanto se descreve a futilidade diária meros verifica-se a existência de uma rubrica in-
vivida por essas mulheres. No n.o 3 [1 de junho titulada “A Nossa Crónica”, uma espécie de edi-
de 1893], número comemorativo do terceiro ani- torial onde Domingos de Castro apresenta os seus
versário da morte de Camilo Castelo Branco, na ideais. De resto, este periódico não tem pro-
secção de bibliografia é referida a obra de Ubal- priamente secções obrigatórias, apesar de incluir
do Romero Quiñones, La Educación Moral de La sempre poesia e contos. No n.o 5 [agosto de 1900],
Mujer, que reclama a necessidade de educar efi- o leitor depara-se com o poema “Extrema unção”,
cazmente a mulher para que ela possa ser uma de Albertina Paraíso, que, como o próprio títu-
verdadeira companheira do homem. O autor afir- lo indica, fala da morte e da impotência da Ra-
ma que a mulher tem sido escrava da ignorân- zão perante este momento fatal. De Ana de Cas-
cia dos homens e que é necessário ultrapassar tro Osório temos dois contos, um no n.o 8 [no-
o egoísmo do passado. Será também de referir vembro de 1900], “Do natural”, sobre a ambição
que no n.o 5 [1 de setembro de 1891] se pode en- egoísta dos homens que abandonam as famílias,
contrar uma citação de Mme de Staël que retrata quase na miséria, para irem em busca de fortu-
de forma crítica a postura da sociedade peran- na no Brasil, e, no n.o 9 [fevereiro de 1901], “Ao
te o problema da mulher: “O amor, que não pas- sol”, sobre a ironia da presença do refulgente as-
sa de um episódio na vida dos homens, é todo tro-rei mesmo quando a humanidade enfrenta
o poema e história na vida das mulheres.” tristezas e se veste de negro. Beatriz Pinheiro co-
Neste periódico, onde dominam as participações laborou com dois poemas, “Crisálida”, no n.o 8,
masculinas, apesar da presença de colaborado- e “Dias de chuva”, no n.o 10 [março de 1901], sen-
ras femininas, não deixa de ser curioso que a re- do este último também sobre a morte. Esta au-
dação tenha escolhido este excerto para incluir tora, ao lado do Dr. Carlos de Lemos, com quem
nas suas páginas, deixando talvez entrever uma fundou a revista Ave Azul*, é objeto de home-
abertura de espírito para uma mudança nas men- nagem no n.o 10, no artigo “Dois artistas”, da au-
talidades. Passa-se a enumerar, por ordem alfa- toria do diretor da Nova Aurora. Domingos de
bética, as colaboradoras femininas na Nova Al- Castro não se poupa a encómios e anuncia que
vorada: Adelina Lopes de Almeida; Alice Mo- Beatriz Pinheiro irá publicar em volume os poe-
derno; baronesa de Mamanguape; Clorinda de mas “Anhélia” e “ Os três cavaleiros”, bem como
Macedo; Madame Josephina de Zaleska; Maria as “brilhantes ‘Crónicas’ publicadas na Ave
Amália Vaz de Carvalho; Maria Laurentina; Azul sobre a emancipação da mulher” [p. 219].
Mariana Coelho; Marietta; Narcisa Amália; vis- Os artigos que motivaram a inclusão desta revista
condessa de Corrêa Botelho. neste dicionário são os seguintes: “O divórcio”,
[A. C. O.] de Eduardo Duarte, no n.o 4 [20 de julho de 1900],
e respetiva nota de esclarecimento de Domingos
Nova Aurora de Castro, publicada no n.o 5 [agosto de 1900],
Revista mensal de literatura e crítica dirigida por bem como “A emancipação feminina”, de Ma-
Domingos de Castro, a Nova Aurora era publi- ria Veleda* (pseudónimo de Maria Carolina
cada em Tábua e impressa em Vila Nova de Fa- Frederico Crispim), no n.o 11 [abril de 1901]. No
malicão, na tipografia Minerva. O seu custo era seu artigo, Eduardo Duarte começa por referir o
de 100 réis o número avulso, 500 uma série de livro do Dr. Ricardo Jorge, Demografia e Higie-
6 números e 800 uma de 12. Iniciada em 1900, ne da Cidade do Porto, por aí encontrar núme-
NOV 770

ros que ilustram e o auxiliam a expor os seus ser a fada do lar é automaticamente rejeitada, pois
pontos de vista relativamente ao divórcio. O Dr. o diretor da Nova Aurora advoga que a formo-
Ricardo Jorge constata que existe uma menor taxa sura física e habilidade no lar, acompanhadas de
de incidência de casados nas cidades devido à desenvoltura espiritual, são merecedoras de
proliferação da prostituição e da concubinagem. dupla admiração. Domingos de Castro culpabi-
Contudo, Eduardo Duarte procura ir mais lon- liza os pais por não cumprirem o seu papel en-
ge e aponta problemas muito mais profundos: “O quanto zeladores pelo bem das filhas, pois que
casamento, tal qual atualmente se faz, poderá na maioria das vezes apenas buscam riqueza nos
subsistir? Será o casamento uma imoralidade? possíveis pretendentes em vez de verdadeiros
Quanto ao primeiro ponto, não há dúvida que, companheiros. Maria Veleda, no seu artigo “A
na época atual, o casamento, o ato sagrado da emancipação feminina”, enfatiza a necessidade
união de dois seres, é um ato de comércio ou de de se instruir a mulher e refere o trabalho de Bea-
mercantilismo. O homem casa por conveniên- triz Pinheiro em prol dessa luta. Veleda critica
cia, se a mulher tem um dote. A mulher é escrava acrimoniosamente os antifeministas que pro-
do homem: tem deveres e não tem direitos; ca- curam sempre transmitir a imagem da mulher
sando, perde por assim dizer a personalidade como um belo, mas frágil, ser, indo contra o
jurídica; fica reduzida a autómato, que há de mo- objetivo de Deus aquando da Criação. Para a au-
ver-se à vontade do marido. Basta ler os artigos tora é inconcebível que o homem continue a im-
do nosso Código Civil relativos aos direitos e pedir a mulher de ser sua verdadeira compa-
obrigações dos cônjuges para a gente se con- nheira, mas admite que será impossível haver
vencer de que a mulher está em relação ao ho- uma emancipação da mulher enquanto o próprio
mem numa inferioridade selvática.” [p. 87] homem não se emancipar: “Como poderemos
Eduardo Duarte demonstra, sem quaisquer pru- realizar esta aspiração nobilíssima da nossa alma,
ridos, a revolta perante a clara desigualdade de se o homem é o primeiro a não possuir a orien-
direitos e advoga veementemente que “A refor- tação que deveria guiar-nos – se é ele o primei-
ma [se] impõe como uma necessidade imprete- ro a não se emancipar do preconceito estúpido
rível. A mulher não pode ser mais escrava. O ca- [sic]?” [p. 244] Acusa os homens de monopoli-
samento pela forma atual é uma escravidão.” [p. zar os postos de trabalho, impedindo as mulheres
87] O autor entrevê, assim, que o divórcio, ape- de participarem ativa e honestamente no pro-
sar de não ser a solução mais desejável, acaba por gresso da sociedade e no sustento do lar, real-
ser a possível. O argumento de que o divórcio çando que, mesmo alguns nomes femininos que
é um ato imoral é invalidado pelo facto de o ca- sobressaem pelos seus feitos, apenas o conse-
samento se realizar nos moldes em que se veri- guem após muita labuta e, frequentemente,
fica. Não há motivo para manter a indissolubi- sem grandes incentivos. Para Maria Veleda é in-
lidade de uma relação se o alicerce dela não é glório pugnar pela instrução feminina enquan-
o apregoado amor recíproco. A hipocrisia da so- to os homens não admitirem a necessidade de
ciedade, que parece ofender-se com a sugestão reformar os seus próprios ideais. Se se mantiver
de que o divórcio consensual poderia ser legal- a noção de que uma mulher ignorante corres-
mente aprovado, conforme sucedia já noutros ponde ao arquétipo de pureza enquanto a cul-
países europeus, é alvo de crítica por parte des- ta equivale a uma Messalina, não é possível li-
te autor. Domingos de Castro manifesta também bertar o sexo feminino da prisão que é o matri-
o seu desagrado relativamente à situação da mu- mónio. A autora termina o artigo exclamando que
lher numa nota que faz a este artigo. Nessa nota se devem dar asas à mulher, não belas asas de
defende, a plenos pulmões, que é “hediondo” borboleta, que apenas causem admiração ao ob-
manter o sexo feminino “no mesmo grau de in- servador, mas asas a sério, para voar. Domingos
ferioridade em que presentemente se encontra, de Castro e a revista que dirige parecem, assim,
isto é, negar-lhe os direitos que à face da razão, exceções ao preconceito epidémico que assola-
da liberdade, da igualdade lhe pertencem.” [p. va as mentes masculinas. O facto deste tipo de
110] O leitor é interpelado por questões propo- artigos surgirem numa revista organizada por um
sitadamente provocadoras, como por que é que homem terá sido importante na disseminação de
a mulher não há de desenvolver as suas capa- ideais, uma vez que o público-alvo seria mais
cidades e ascender a cargos/profissões impor- abrangente e não apenas feminino. A coleção
tantes? A resposta comum de que a mulher deve existente na Biblioteca Nacional, inserida numa
771 NUC

miscelânea, contém apenas a 1.a série incompleta, jetivo de socorrer as vítimas portuguesas da guer-
começando no número 4, de 20 de julho de 1900, ra, isto é, assistir moralmente os combatentes, de-
faltando o n.o 6 e voltando no n.o 7 até ao 11 de fendendo os seus direitos e exaltando a memó-
1901. Os colaboradores dos números consulta- ria dos que tombassem em defesa da pátria, e ain-
dos são os seguintes (por ordem alfabética): Al- da prestar assistência aos seus filhos, órfãos ou
bertina Paraíso; Ana de Castro Osório; António necessitados. O Professor Alberto de Aguiar, seu
Feijó; Armando Ribeiro; Artur Dória; Beatriz Pi- presidente, definia a Junta Patriótica do Norte
nheiro; Carlos de Lemos; César Monteiro; Eduar- “como um movimento patriótico, [...] sem preo-
do Duarte; Francisco Villaespesa; João da Rocha; cupações de ordem partidária e apenas fiel aos
Joaquim de Araújo; Júlio Brandão; Lopes de Oli- sentimentos republicanos”, que procurou “reu-
veira; Machado de Assis; Marques de Abreu; Pau- nir todos os bons portugueses em torno da ban-
lino de Oliveira; Pinho de Almeida; Queirós Ri- deira sagrada da pátria, fossem quais fossem os
beiro; Ribeiro de Carvalho; Rodrigo Veloso; Si- seus credos políticos e religiosos, fosse qual fos-
mões Ferreira; Tomás da Fonseca; Tomás Ribeiro. se a sua combatividade e as suas aspirações” [A.
Bib.: Daniel Pires, Dicionário da Imprensa Periódica Li- Aguiar, 1932, p. 33]. Embora subordinada ao es-
terária Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, tado da guerra com a Alemanha, a duração da
Grifo, 1996, p. 256. Junta Patriótica do Norte seria, porém, por tem-
[A. C. O.] po indeterminado, dissolvendo-se apenas quan-
do a maioria dos seus membros o julgasse con-
Núcleo Feminino de Assistência Infantil da veniente. Nos seus corpos gerentes figuravam os
Junta Patriótica do Norte mais ilustres cidadãos portuenses do mundo das
Foi criado em 30 de agosto de 1916, a fim de di- letras, das artes, da ciência, da cultura, do en-
rigir a Casa dos Filhos dos Soldados Portugue- sino, das Forças Armadas, das profissões libe-
ses. Após um apelo às senhoras portuenses para rais, da indústria e do comércio. Apesar de os
uma reunião preparatória na residência do pre- órgãos executivos serem constituídos por ho-
sidente da Comissão Executiva da Junta Patrió- mens, algumas comissões também integravam
tica, Professor Doutor Alberto de Aguiar, em 4 mulheres: Aurélia de Sousa pertencia à comis-
de agosto de 1916, para se lançarem as bases do são artística e Conceição Mota Soares, Delfina Lo-
Núcleo Feminino de Assistência Infantil, este foi pes, Ernestina Santieiro, Maria do Céu Pimen-
constituído por Filomena Nogueira de Oliveira*, tel e Quitéria Júlia de Sousa faziam parte da co-
presidente, Adelina Lhamas Mariani, Aida missão dos professores primários. Ao “cérebro
Noya, Augusta Barata Rocha, Áurea Cardoso e braço da junta, associou-se o coração das be-
Sampaio Lima, Carolina Leal Magalhães, Emí- neméritas senhoras que constituíam o Núcleo Fe-
lia dos Santos Silva Verdial, Ernestina dos San- minino de Assistência Infantil e a Casa dos Fi-
tos Silva, Etelvina Santos Silva Dubernet, Isabel lhos dos Soldados, sua preocupação dominan-
Barreto Couto, Isménia de Mesquita e Silva, Lau- te” [A. Aguiar, 1932, p. 18]. Na fase inicial, a Jun-
ra Alves da Veiga de Oliveira, Lucília Barata da ta Patriótica do Norte tomou como missão a pro-
Rocha, Maria Beatriz Marçal Brandão, Maria Cla- paganda da beligerância portuguesa, comple-
ra Nogueira de Oliveira, Marie Bonneville, Ma- mentando ou substituindo a ação do governo da
rie Louise Brondel, Narcisa Mariani Romariz, União Sagrada, difundindo, simultaneamente,
Ofélia Nogueira de Oliveira, Rosette Bonnevil- a mensagem de que a República, através das ins-
le de Oliveira e Sofia Agrebon, vogais. As mu- tituições criadas por bons cidadãos republica-
lheres do Núcleo Feminino de Assistência In- nos, cuidariam das famílias e órfãos dos solda-
fantil, pela voz de Filomena Nogueira de Oliveira, dos mobilizados, enquanto estes combatiam em
assumiam-se como republicanas e democratas nome da Liberdade, do Direito, da Justiça e da
que defendiam a participação de Portugal na Civilização para glória da Pátria. A iconografia
guerra ao lado da Inglaterra, marcando assim o produzida pela Junta Patriótica em medalhas, se-
distanciamento da neutralidade ou de germa- los e cartazes corporiza esta ideia – uma figura
nofilia professada por alguns sectores monár- feminina com a simbologia republicana, acolhe
quicos e/ou conservadores. A Junta Patriótica do e protege sob o seu manto as crianças desam-
Norte, cujos estatutos foram aprovados em ses- paradas. Após a fase de propaganda patriótica
são plenária de 8 de março de 1916, era uma co- e de mobilização, a junta concentrou-se na
letividade de carácter cívico, fundada com o ob- missão de assistência moral e material aos
NUC 772

combatentes e aos órfãos da guerra. Promoveu que os amamentavam, “repartindo estas, por
uma subscrição pública em 8 de abril de 1916, aquelas que as não tinham, o seu leite, alterna-
que rendeu 40 contos, e o Núcleo Feminino de damente com o «biberon»” [A. Aguiar, 1932, p.
Assistência Infantil iniciou as atividades em se- 205]. As mães viúvas eram preferidas para tra-
tembro do mesmo ano, a fim de preparar a cria- balharem na Casa dos Filhos dos Soldados, sem-
ção da Casa dos Filhos dos Soldados. Pediu ao pre que necessário. Pouco tempo após a inau-
Presidente do Ministério os rendimentos de fun- guração, o número de órfãos já tinha subido para
dos outrora instituídos para acudir a vítimas de 70; as admissões foram interrompidas durante
catástrofes cujos efeitos há muito tinham sido a epidemia da pneumónica para defesa dos in-
debelados, e um edifício deixado vago pelas ternados, sendo logo reatadas com o interna-
congregações alemãs para aí instalar o internato. mento de mais 18, cuja entrada esteve suspen-
Como tudo isto lhes foi negado pelo Governo, as sa nesse período. A Casa dos Filhos dos Solda-
mulheres do Núcleo Feminino lançaram mãos dos albergou 172 órfãos até 1932. As regras de
a várias iniciativas para angariação de fundos: admissão foram sendo alteradas ao longo dos
vendas de caridade, edição de livros, emblemas tempos. No início recebia crianças desde o
e postais, realização de festas infantis e espetá- nascimento até aos sete anos, prevendo a sua saí-
culos, sendo alguns destes oferecidos pelas da quando atingissem os 14 anos, salvo se a jun-
próprias entidades promotoras. É o caso do Tea- ta criasse escolas profissionais para lhes pro-
tro Sá da Bandeira – Companhia Italiana Car- porcionar formação complementar à instrução
raccioli e Soci –, que ofereceu a opereta Eva, e primária. Mais tarde, a admissão passou a ser en-
do Liceu Feminino do Porto, que ofereceu um tre os três e os nove anos e a saída obedecia, so-
espetáculo realizado pelas alunas e pelo seu or- bretudo para as meninas, “salvo exigências da
feão. As festas eram geralmente abrilhantadas família, razões disciplinares ou inconveniência
com bandas militares ou outras, que atuavam gra- moral”, a colocação garantida, defendendo as-
tuitamente. Muitas entidades, empresas e par- sim todos/as os/as internados/as dos percalços
ticulares colaboraram nestas atividades, conforme que o abandono poderia causar “na idade tão pe-
consta do Relatório Geral dos Atos da Junta Pa- rigosa da adolescência” [A. Aguiar, 1932, p. 209].
triótica do Norte..., publicado em 1918, e de ou- Em 1931, registavam-se 51 internados/as, tendo
tras obras editadas até finais dos anos 80. Sa- 24 entre os 13 e os 19 anos, dos quais 21 eram
lienta-se o esforço das mulheres do Núcleo Fe- raparigas. Dez anos mais tarde, o saldo era de 68
minino para sensibilizarem e mobilizarem a so- órfãos, sendo 43 do sexo feminino. A Casa dos
ciedade portuense em torno deste projeto de so- Filhos dos Soldados, embora inicialmente des-
lidariedade. De acordo com o citado Relatório de tinada a acolher e a educar os filhos dos solda-
Atividades, até 1917 o núcleo conseguiu reunir, dos em campanha, foi pouco a pouco alargan-
no primeiro ano de atividade, 218 subscritores/as, do o apoio a outras crianças igualmente neces-
254 associados/as com cotizações fixas, predo- sitadas; primeiro aos órfãos das epidemias do tifo
minantemente mulheres, 93 empresas doadoras e da pneumónica, depois aos abandonados da
e 33 contribuintes entre os proprietários de au- Assistência Pública, aos órfãos da revolução de
tomóveis. A Casa dos Filhos dos Soldados foi ins- 13 de fevereiro de 1919, aos internados da As-
talada num prédio alugado na Rua da Cedofei- sistência Popular Patriótica, associação dissidente
ta, 458 e Quinta da Corredoura anexa, com par- da Junta Patriótica do Norte que terminou a sua
que, jardim, pomar, horta, lago e nascentes de atividade no mesmo ano, e aos órfãos do golpe
água, no Porto, em 24 de abril de 1917 e, em 10 militar de 28 de maio de 1926, independente-
de maio do mesmo ano, a Junta Patriótica do Nor- mente do campo político em que os pais tinham
te lançou o pregão de que “receberia imediata- combatido. A certa altura, o Núcleo Feminino
mente e sem formalidades todos os órfãos de mãe e a Junta Patriótica fizeram diligências junto do
cujos pais portugueses estivessem combatendo ministro da Guerra, Terra e Mar para que alguns
em França e em África”. A inauguração oficial dos internados na Casa dos Filhos dos Soldados
ocorreu em 25 de junho de 1917 com 42 órfãos fossem educados no Instituto Profissional dos Pu-
menores de sete anos, alguns deles recém-nas- pilos do Exército, obra da República destinada
cidos. Existe uma fotografia do grupo à data da a instruir, a educar e a ensinar uma profissão aos
inauguração, onde se contam cinco mulheres filhos órfãos dos militares, de forma a torná-los
com bebés ao colo, que seriam as respetivas mães cidadãos dignos e úteis à pátria, o que foi recu-
773 NUC

sado pela respetiva tutela. Neste caso, como nou- tas comemorativas ela preparava exposições de
tros análogos, os governos da República escu- trabalhos manuais dos educandos que, em con-
savam-se a contribuir diretamente para a ma- junto com saraus musicais e de declamação rea-
nutenção destas obras de proteção à infância mais lizados por eles, com a coadjuvação da sua di-
desfavorecida, criadas pela sociedade civil. A retora e com o orfeão ensaiado e dirigido pelo
Obra Maternal, instituída pela Liga Republica- insigne professor Sr. Manuel Tino, atraíam às sa-
na das Mulheres Portuguesas, sempre louvada las do internato algumas centenas de pessoas que
e acarinhada pelas mais altas figuras da políti- se retiravam satisfeitíssimas com o êxito dos pe-
ca nacional, também nunca recebeu qualquer aju- quenos e os auxiliavam com as suas generosi-
da financeira do Estado, apesar das constantes dades” [A. Aguiar, 1932, pp. 205-206]. Maria da
diligências das mulheres da liga nesse sentido. Conceição Gonçalves, mais tarde ajudada pela
A Junta Patriótica do Norte e a Casa dos Filhos irmã, Mécia Gonçalves de Faria, criou também
dos Soldados foram custeadas pelas quotizações na casa uma escola de rendas e bordados, cujos
voluntárias e variáveis dos seus membros, de pes- trabalhos, feitos pelas internadas, eram elogia-
soas singulares e coletivas, por donativos e ou- dos nas exposições e vendas levadas a cabo para
tras verbas angariadas em subscrições públicas, angariar fundos, e uma cozinha-escola, onde se
certames de arte, feiras, vendas de caridade, fes- habilitavam as crianças e jovens na arte culinária
tas, saraus e outros eventos de carácter cultural elementar. A ação desta senhora estendeu-se tam-
e recreativo. A Câmara Municipal do Porto e a bém à cultura e venda de flores, aves, hortaliças,
Assistência Pública contribuíam com subsí- frutas e à criação de raças aperfeiçoadas de gado
dios regulares. Frequentemente, recebiam tam- suíno. Filomena Nogueira de Oliveira conta que,
bém donativos das comunidades portuguesas es- antes da tomada de posse da regente-diretora da
tabelecidas sobretudo no Brasil e nos Estados casa, eram as mulheres do Núcleo Feminino
Unidos da América. Mais tarde, quando a Casa quem fazia todos os trabalhos necessários ao fun-
dos Filhos dos Soldados foi doada pela Junta Pa- cionamento da mesma, revezando-se duas a duas
triótica do Norte à Liga dos Combatentes da Gran- todos os dias da semana, o que se tornou de-
de Guerra, foram outras instituições e entidades masiado cansativo e exigente para os membros
a apoiá-la financeiramente: secções da liga e sub- de um grupo tão pequeno. Aliás, todos os tra-
secções auxiliares femininas espalhadas pelo balhos de instalação, escolha e montagem de
Continente e colónias ultramarinas, com desta- mobiliário e acessórios necessários ao apetre-
que para a do Porto, chefiada por Pauline Cou- chamento da casa, assim como a confeção de
teilles, Fraternidade Militar, comunidade bri- roupas de cama, mesa, lavabos e vestuário das
tânica do Porto, ministérios das Obras Públicas, crianças, foram obra das mulheres do Núcleo.
do Ultramar e do Exército, e Fundação Calous- Desempenharam também muitas vezes o papel
te Gulbenkian, entre outras. Como já foi referi- de enfermeiras das crianças, principalmente nos
do, este orfanato era dirigido pelo Núcleo Fe- tempos das epidemias de tifo e da pneumónica,
minino de Assistência Infantil, sob a superin- a que algumas não resistiram. Foi objetivo do Nú-
tendência da “ilustre e veneranda senhora” cleo Feminino e da Junta Patriótica ministrar a
D. Filomena Nogueira de Oliveira, esposa de todas as crianças internadas a instrução primá-
Henrique Pereira de Oliveira, presidente do Se- ria obrigatória e uma “educação essencialmen-
nado Municipal, e pela regente efetiva D. Maria te caseira, nomeadamente às meninas”; “pro-
da Conceição Gonçalves*, “mãe adotiva de todos mover a educação técnica” dos rapazes; “cuidar
os órfãos que a CFS albergava” [A. Aguiar, 1932, da sua educação moral e cívica; constituir um
pp. 22-23]. Esta última senhora só entrou ao ser- pequeno dote de previdência à maioridade; pro-
viço da Casa dos Filhos dos Soldados em 15 de curar a colocação dos seus internados; propor-
outubro de 1918, mostrando-se desde logo uma cionar [...] aquele quantum de distrações, di-
diretora modelar. A presidente do Núcleo Fe- vertimentos ou bem-estar higiénico, indispen-
minino não poupava elogios ao seu trabalho: sável para alegria da sua vida, saúde do corpo
“tudo se ressentiu da sua ação firme e discipli- e satisfação do seu espírito; desenvolver-lhes o
nadora, tanto no tratamento e educação das crian- espírito de solidariedade, união e utilidade so-
ças, como nos arranjos domésticos e em procu- cial” [A. Aguiar, 1932, pp. 209-211]. A Casa dos
rar por todos os processos de obter receitas para Filhos dos Soldados, além das estruturas edu-
a casa. Assim, em todas as festas do ano e em da- cativas já referidas, tinha também uma escola in-
NUC 774

fantil, um curso de ginástica e dispunha de uma tuguesas às Vítimas da Guerra. Lançou-se o Selo
colónia de férias balneares de três meses, de ju- da Assistência e o Vintém Patriótico, distri-
nho a outubro, instalada no Instituto de Socor- buindo-se 70 000 exemplares nas escolas, a fim
ros a Náufragos da Foz do Douro, de 1920 a 1927, de sensibilizar as crianças e os jovens para as
no Clube de Cadouços da Companhia dos Ca- obras de solidariedade. Para além da assistência
minhos de Ferro Portugueses, de 1928 a 1929, e educação destas crianças desvalidas, as mu-
e nas Escolas da Confraria do Bom Jesus de Ma- lheres do Núcleo Feminino de Assistência In-
tosinhos, a partir de 1930. O dote de cada in- fantil participavam nas iniciativas de carácter cí-
ternado estava depositado em caderneta priva- vico, comemorativo, cultural e recreativo leva-
tiva da Caixa Económica e era constituído pela das a cabo pela Junta Patriótica do Norte e co-
pensão recebida, pela quota parte do rendimento laboravam no apoio moral e material aos sol-
dos seus trabalhos, pelos prémios que lhe com- dados em campanha. Mobilizaram muitas outras
petiam (prémios General Pereira d’Eça e Mare- mulheres que, coletiva ou individualmente, se
chal Gomes da Costa), pelas ofertas de madrinhas empenharam na angariação de fundos e de gé-
e padrinhos e pelas quantias das distribuições neros e na confeção de roupas para enviar para
anuais da junta resultantes dos donativos an- os combatentes e para suprir as necessidades dos
gariados. A partir dos anos 50, o internato era seus filhos. O apoio moral aos militares em com-
apenas feminino e todas as educandas teriam bate foi proporcionado por um movimento or-
acesso aos cursos gerais dos liceus e das esco- ganizado de madrinhas de guerra protetoras e
las comercial e industrial, além dos cursos in- benfeitoras correspondentes. Outras mulheres
ternos obrigatórios de rendas e bordados, corte participavam na organização das festas, sessões
e costura e economia doméstica. Nesta época, fo- solenes, homenagens, cortejos cívicos e espetá-
ram também instituídos os prémios Salvador culos. Se muitas ficaram na sombra, algumas são
Levy e Albertina, a que se podiam candidatar as citadas, coletiva ou individualmente, pelos
alunas com menos de 18 anos que tivessem con- mais variados motivos: é o caso das alunas do
cluído um dos cursos secundários externos e os Liceu Feminino Sampaio Bruno, que realizaram
três cursos internos, com a classificação de Bom saraus a favor da Casa dos Filhos dos Soldados,
nos estudos e no comportamento. As alunas re- dirigidas pelas professoras de música e de dan-
petentes eram excluídas dos respetivos con- ça Cesarina Lira* e Maria Lopes do Paço; da poe-
cursos, exceto nos casos em que os motivos da tisa Regina Cardoso Bensabat e da escritora Ma-
repetência não lhes podiam ser imputados. ria Feio*, que ofereceram o produto integral da
Tanto a Junta Patriótica como o Núcleo Feminino edição do ensaio poético Alvorecer e da poesia
mantinham estreitas relações com a Cruzada das Homenagem ao Herói do Somme, respetiva-
Mulheres Portuguesas*. Nos Relatórios de Ati- mente; de companhias de teatro e de produção
vidades encontram-se muitas referências a con- de outros espetáculos, assim como muitas artistas
vites e representações dos seus membros em ati- de canto, piano, violoncelo, violino, harpa,
vidades da cruzada e vice-versa. Ana de Castro etc., como, por exemplo, Adelaide Carvalho,
Osório, como presidente da cruzada, era visita Adelina Judite Samora*, Alda Borges de Aguiar,
frequente e figura de destaque nas cerimónias da Alexandra Lacomb Gil, Alice Mendes Magalhães
Junta Patriótica e da Casa dos Filhos dos Sol- Ramalho, Berta Alves de Sousa, Berta Velasco,
dados, conforme notícias e fotografias existen- Carmen Osório*, Carmen Valente Ferreira, Ca-
tes na bibliografia consultada. Quando a Junta talina Velasco Basan, Clotilde da Cunha, Cristina
Patriótica e o Núcleo Feminino quiseram fundar Borges de Aguiar, Delfina Rebelo Graça, Elisa Bor-
uma escola de enfermagem, antes de avançarem ges de Aguiar, Estela da Cunha, Ester Andrade
com o pedido ao Governo, deram-lhe conheci- Melo, Ester Vilas Boas Fiandor, Etelvina Serra,
mento desta intenção em 7 de novembro de 1917, Fernanda Hilton, Fernanda Monteiro Braga,
fazendo-lhe saber também que o projeto só se Hermínia Rios, Heydée Andrade Melo, Isabel Ba-
concretizaria se o Estado lhes concedesse os mes- san Velasco, Izilda Gouveia, Judite Lima, Julia-
mos benefícios que tinha concedido à cruzada. na Falconière Teixeira de Oliveira, Leonor
Foi também implementada a aproximação a ou- Aguilar Andrade, Maria Adelaide Diogo, Maria
tras instituições congéneres de assistência às ví- Arrochela Monteiro, Maria de Lourdes Amaral,
timas da guerra, como a Comissão Pró-Pátria, a Maria Emília Guimarães, Maria Felismina de Ar-
Cruz Vermelha Portuguesa, a Assistência das Por- rochela Monteiro, Maria Isabel Borges de Aguiar,
775 NUC

Maria Llacer, Maria Luísa de Almeida, Maria Me- bosa Sampaio, Berta Braga Freire, Berthe Gérard,
ludi Moreira de Sousa, Maria Odete Arrochela Cacilda Almeida G. Melo, Cacilda Duarte Lopes,
Monteiro, Maria Ross, Maria Soares, Olinda Pin- Capitolina Pinto Fonseca Novais, Carlota Dinis,
to Leite, Olívia Lacomb Gil, Rina Aggozino, Sara Carolina D. Freixo Magalhães, Carolina Leal Ma-
Fonseca Cruz e Suzanne Wetzles, que abri- galhães, Carolina Ramos Pinto da Costa, Caro-
lhantaram cerimónias e espetáculos; as profes- lina Tâmega, Celeste Conceição Campos, Celeste
soras Maria Henriqueta dos Santos Silva, pre- Magalhães Lima, Clotilde da Cunha, Companhia
sidente da Solidária do Liceu Feminino, e Miss Adelina-Aura Abranches, Conceição Marques,
Power, do Colégio Luso-Britânico, que colabo- Conceição Santos Machado, condessa de Vize-
raram pontualmente; Marta de Mesquita da la, Delfina Nunes Macedo, Delmira Cunha,
Câmara, que discursou nas comemorações da Deolinda L. G. Amorim, Deolinda Sousa, Deo-
Junta Patriótica do Norte, ao lado de Filomena linda Vieira, Dulce Constança Figueiredo, Dul-
Nogueira de Oliveira e de Ana de Castro Osório; ce Gonçalves, Dulce Valente Perfeito Ribeiro
as escritoras Ludovina Frias de Matos e Sara Bei- Santos, Elisa Adelaide Santo Rosa, Elisa C. M.
rão, as artistas plásticas Margarida Figueiredo e Braga, Elvira Santos Silva T. Costa, Ema Pinto de
Maria de Lourdes Figueiredo e a pianista e com- Almeida, Ema Vidal Pinheiro, Emília Peixoto,
positora Berta Alves de Sousa, que participaram Emília Santos Silva Verdial, Ernestina Morgado
no Memorial Artístico comemorativo dos 15 anos Santos Silva, Ernestina Santos Silva, Esmália
da junta e dos 14 anos da Casa dos Filhos dos Couceiro da Costa, Estela Abreu Lima Guimarães,
Soldados. Entre as doadoras e doadores da jun- Etelvina Santos Silva Dubernet, Eufrázia A.
ta, as subscritoras e subscritores permanentes e Aguiar, Eugénia Rita Costa, Eva Soeiro, Feliciana
ocasionais e os contribuintes com quota fixa da Augusta Taveira Teixeira, Felicidade Amélia Sil-
Casa dos Filhos dos Soldados encontram-se tam- va, Felicidade Nogueira, Fernanda A. Figueire-
bém as seguintes mulheres: Adalgisa Gonçalves, do V. e Sá, Fernanda Augusta Vilela, Fernanda
Adélia Tavares, Adelina Lamas Mariani, Adeli- Paiva Pinto Ribeiro, Filomena Nogueira de Oli-
na R. Mariani Cunha, Aida Noya Gonçalves, Aida veira, Filomena Vilas Ribeiro, Flora Costa Babo,
Tâmega, Aideia da Conceição F. Andrade, Al- Florentina Marques Azevedo, Florinda Guima-
bertina Figueiredo, Albertina Magalhães Godi- rães, Francelina Corália Meireles, Francisca C.
nho, Albertina Moreira, Albina Taveira Costa, Al- G. Granada, Francisca Vieira Leitão, Gabriela A.
cina Ribeiro Rodrigues, Alda Verdial Magalhães Matos, Georgina Amélia Silva, Georgina Leite,
Godinho, Alice Almeida Eça, Alice Pinto Sam- Glória Pedrosa P. Dias, Glória Marques de Al-
paio, Alzira Dias Graça, Amália Augusta P. buquerque, Glória Seixas, Gracinda Júlia Delgado,
Santos Silva, Amália Gonçalves Pinto, Amália Guilhermina A. N. Rodrigues, Guilhermina Al-
Lima, Amélia A. Martins Macedo, Amélia A. S. ves Martins, Guilhermina Cruz Oliveira, Gra-
Martins Macedo, Amélia Freire Silva, Amélia L. cinda Júlia Delgado, Helena Lisboa, Helena
Ferreira Silva, Amélia Leonardo Sousa, Amélia Torres Branco, Henriette Dongrie, Hermengarda
Mariani, Amélia Martins, Amélia N. J. Porto, Couto Seabra, Hermínia Rocha Marques, Her-
Amélia Nogueira Gonçalves, Amélia R. Leão No- mínia Santos, Idália Carvalho, Idalina Cardoso
gueira Carneiro, Ana Alves da Veiga, Ana Amé- Maia, Inês Castro Falcão, Irene Esmeralda Cos-
lia Ferreira Cunha, Ana Cenília L. Rebelo, Ana ta, Irene Feio de Vitória, Irene Fernandes, Isabel
Gonçalves, Ana Jesus Santos, Ana Luísa Paredes, Augusta Anes, Isabel Barreto Couto, Isabel Bor-
Ana Mesquita Amaral, Ana Miranda Pinheiro, ges Aguiar, Isabel Dias Ferreira, Isabel Dias Frei-
Ana Noia, Ana Nogueira Gonçalves, Ana Pires re, Isabel Martins, Isabel S. Lopes, Isaura Noia
Almeida, Ana Rodrigues Silva, Ana Silva, Ana Vasconcelos, Isménia Baptista da Silva, Isménia
Valente Perfeito, Angelina Macedo Silva, Antónia Mesquita Silva, Isménia Sacramento Matos,
Teixeira d’Almeida, Armandina Ferreira, Ar- Isolina Cardoso Maia, Isolina Lucas Nunes Cu-
minda C. Mendonça Fragoso, Atília Tâmega Cu- nha, Joana Paiva, Joana Taveira Costa, Joaquina
nha, Augusta Barata Rocha, Augusta Butler Carvalho Azevedo, Joaquina Pinto Almeida, Jo-
dos Reis, Augusta G. Martins Viana, Augusta de sefina Augusta Botelho dos Santos, Josefina J. da
Oliveira e Sousa, Áurea Cardoso Lima, Áurea Ju- Mata, Josefina Leite Frias, Josefina Peres da Sil-
dite Amaral, Aurora Basto Coelho, Aurora Men- va, Josina Ribeiro, Judite Magalhães, Júlia Nas-
des Leite, Aurora Moreira, Balbina Beatriz Mar- cimento Santos, Júlia Nascimento Silva, Julia-
çal Brandão, Bárbara Lopes Granja, Beatriz Bar- na Falconière Teixeira de Oliveira, Julieta Mar-
NUC 776

çal Brandão, Julieta Melo Adrião, Laura A. Mariani, Maria Ribeiro Meireles, Maria Rodri-
Couto dos Santos, Laura Almeida Veiga de Oli- gues Silva, Maria Rosa Vilela, Maria Rosário Car-
veira, Laura Alves Veiga Oliveira, Laura B. Oli- doso, Maria Salambô, Maria Salomé Machado,
veira Braga, Laura Basto Coelho, Laura Castro Maria Souza Portugal Tavares, Maria Terra,
Sousa Lima, Laura Guedes, Laura Marques An- Maria V. Perfeito Romano, Maria Valente Perfeito
tunes, Laura Soares Cardoso, Leonídia Romariz, Ramos, Mariana Teixeira Mota, Marinha A. Sá
Leonor Dias Pereira, Leopoldina Ferreira Al- Correia, Mary Cassels, Matilde Soares Meireles,
meida, Lídia Martins Santos, Lídia Vilaça Ma- Maximiana Rodrigues, Mécia Henriques Verdial,
tos, Louise Brondel, Lúcia Azevedo, Lúcia Lis- Miquelina Soares Pinto, Narcisa Mariani Ramos,
boa, Lucília Barata da Rocha, Lucília Fernandes, Narcisa Mariani Romariz, Narcisa Prudhome,
Lucília Reis Pinto Sousa, Lucília Teodora P. Cos- Nina Correia, Niná Correia Basto, Norma Ma-
ta, Ludovina Leite Frias, Ludovina Prata Gui- galhães, Ofélia Nogueira de Oliveira, Olinda Car-
marães, Ludovina Rodrigues, Luísa Almeida Gui- doso, Olívia Conceição Figueiredo, Otelinda Car-
marães, Luísa Andrade, Luísa Martins Bonne- doso, Otília Tâmega da Cunha, Palmira Campos
ville, Madalena Taveira, Margaret E. Job, Mar- Monteiro, Patrocínia Fernandes, Prudência Al-
garida E. Cunha Brasão, Margarida da Fonseca, vim, Rita de Abreu Lima Lelo, Rita Cardoso Va-
Margarida Lopes, Margarida Santos, Maria A. A. lente Perfeito, Rita Dias Cruz, Rita Figueiredo Bar-
Castro Vilas, Maria Albertina Costa, Maria Alves bosa, Rita Gomes Caldeira, Rita Lelo, Rita Wal-
dos Santos, Maria Amália Sousa, Maria Amélia ker, Rosa B. F. G. Porto, Rosa Branca Gonçalves,
B. Bial, Maria Amélia Quaresma de Oliveira, Ma- Rosa Conceição Oliveira, Rosa Lopes Amaral,
ria Arminda A. Silva, Maria Barreto Costa, Ma- Rosa Marques dos Santos, Rosa Santos Jorge, Ro-
ria Beatriz Marçal Brandão, Maria Bernardes Cor- salina Torres Vale, Rosette Bonneville de Oliveira,
te Real, Maria Boanova Moreira, Maria Bonne- Silvina Jesus R. Sousa, Sisaltina Marques S. Pin-
ville, Maria C. Nogueira Oliveira, Maria C. Oli- to, Sofia Carvalho, Susana Valente R. Monteiro,
veira Costa, Maria C. Pereira Pinto, Maria Cálen, Teresa Conceição Campos, Teresa Vasconcelos,
Maria Cândida Lobo, Maria Cândida Soares Car- Virgínia Freitas Maia, Virgínia Leite Rodrigues,
valho, Maria Clara Nogueira de Oliveira Costa, Virgínia Luísa Nogueira, Virgínia Melo Guima-
Maria Conceição Figueiredo Costa, Maria da Gló- rães, Virgínia Nogueira, Zaida Lima, Zeferina de
ria Teixeira Barros, Maria Damas, Maria das Do- Paiva Ribeiro, Zulmira F. Barbosa Pinto e Zul-
res Marques, Maria das Dores Pereira de Sousa, mira Freitas. Ao longo da sua existência, a Casa
Maria das Dores Santos Silva, Maria Emília Luí- dos Filhos dos Soldados foi visitada pelas mais
sa Gonçalves, Maria Emília Ramos Pinto, Maria altas figuras da política, das Forças Armadas, da
Ermelinda Guimarães, Maria Ester Brazão, Ma- cultura e da Igreja: António José de Almeida, An-
ria Evangelina Santos Silva, Maria Fernandes, tónio Xavier Correia Barreto, Bernardino Ma-
Maria Figueiredo Matos, Maria Figueiroa Sou- chado, Teixeira Gomes, Canto e Castro, Frago-
sa, Maria Garcia Fernandes, Maria Genoveva Re- so Carmona, Américo Tomás, Azeredo Perdigão,
bordinho, Maria Glória Reis Nogueira, Maria H. bispo do Porto, e por algumas personalidades es-
Sousa Reis Barbosa, Maria Helena M. Costa, Ma- trangeiras, entre as quais se podem citar o ma-
ria Isabel Ferreira, Maria Isabel Martins, Maria rechal Joffre e os generalíssimos Diaz e Smith
Joana Melo Brou, Maria José Bismark B. Soares, Dorrien. Das muitas apreciações que as visitas
Maria José Campos, Maria José J. Rodrigues, Ma- deixaram no Livro de Honra, destacam-se aqui
ria José Mingot, Maria José Pereira Machado, Ma- apenas algumas dirigidas, sobretudo, ao Núcleo
ria José Pinto Rodrigues, Maria José Ribeiro e Car- Feminino: “Obra de amor, obra verdadeira-
mo, Maria Lima, Maria Ludovina G. Freitas, Ma- mente republicana é esta a da ‘Casa dos Filhos
ria Lucília L. Gonçalves, Maria Lucília Xavier, dos Soldados Portugueses’. É desta maneira que
Maria Luísa Campos, Maria Luísa Ferreira, Ma- as senhoras portuguesas, sinceramente patrió-
ria Luísa Nunes Castro, Maria M. Lagoa, Maria ticas, colaboraram para a Vitória de Portugal na
Machado Pereira, Maria Malvina Soares Meire- Grande Guerra. Bem-hajam! [...]” 18.3.1919 – Ma-
les, Maria Mariani, Maria Martins Bonneville, nuel Firmino de Almeida Maia Magalhães, ma-
Maria Matos, Maria Noia Lopes Coelho Cepêda, jor do Estado-Maior; Fernando de Vilhena Bar-
Maria Olinda Machado Pereira, Maria P. Barros, bosa de Magalhães, tenente de Artilharia: “[...]
Maria Pereira Oliveira, Maria Preciosa de Bar- Em nome de todos os que formaram o CEP, como
ros, Maria Queiroga de Almeida, Maria Ribeiro general do Exército português, sob o regime da
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República, beijo as mãos das Senhoras Portu- proposta do presidente da Comissão Executiva,
guesas que administram tão útil instituição” a Junta Patriótica do Norte louvou o Núcleo Fe-
9.4.1919 – general Abel Hipólito e comitiva; “[...] minino de Assistência Infantil, os médicos que
Aqui presto todas as minhas homenagens às Se- tratavam gratuitamente as crianças da Casa dos
nhoras do Porto que dirigem esta obra, e serei por Filhos dos Soldados, Drs. Vasco de Oliveira, Ba-
toda a parte um propagandista do seu belo es- rata da Rocha, Rocha Pereira e Hernâni Barbo-
forço em prol da miséria a que os seus corações sa, e o poeta Guerra Junqueiro, pela oferta do
levam um grande e santo lenitivo” 15.4.1919 – opúsculo Monstro Alemão, entre muitos outros
Júlio Martins, ministro do Comércio; Victor de beneméritos. Além dos louvores formais, eram
Macedo Pinto, ministro da Marinha: “[...] Esta frequentes os elogios da Junta Patriótica à de-
Casa representa uma obra de terna e sincera so- dicação, empenho, competência e carinho das
lidariedade: casa que significa a alma humana. mulheres do Núcleo Feminino na gestão da casa
É um monumento erguido pela sempre sublime e na educação das crianças. No mesmo ano, o mé-
bondade da alma feminina, digna da memória rito do trabalho desenvolvido pelo Núcleo Fe-
dos grandes ignorados que deram o seu sangue minino no âmbito da proteção e educação infantil
pela Liberdade, pelo Direito e pela Justiça” foi reconhecido pelo Governo da República, que
11.8.1919 – Severino Ribeiro da Rocha Cunha, o louvou em Portaria de 4 de julho de 1919. A
ministro da Marinha; “[...] O patriotismo e a ca- Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha atri-
ridade, na sua mais alta expressão humana, re- buiu-lhes medalhas de benemerência em 4 de
velam-se nesta simpática obra; aplaudo-a com janeiro de 1920 e em 31 de janeiro de 1921, a pre-
o maior entusiasmo e beijo entusiasticamente as sidente do Núcleo foi condecorada com a Ordem
mãos das mulheres portuguesas que lhe deram de Cristo, sendo-lhe atribuído o grau de Oficial.
vida” 4.6.1920 – Canto e Castro e José Esteves Nesta data, Margarida Barbedo Cunha recebeu
C. Mascarenhas. Também se encontram docu- a condecoração da mesma ordem, grau de Ca-
mentadas as visitas de algumas mulheres à Casa valeiro, por ter colaborado com a Junta, presi-
dos Filhos dos Soldados que, como todos os vi- dindo a um grupo de senhoras que bordou a ban-
sitantes, reconhecem o valor da obra e elogiam deira que o Exército português ofereceu à cida-
as suas promotoras. Os nomes legíveis regista- de de Lille, em agradecimento pelo carinho dis-
dos no Livro de Honra são os seguintes: Alda Ca- pensado aos prisioneiros portugueses, após a
bral Barbosa de Oliveira, Alice Alves de Carva- ofensiva de 9 de abril de 1918. A regente da Casa
lho, Ana de Castro Osório, Ana Walter, Aurora dos Filhos dos Soldados, Maria da Conceição
da Luz Pereira, Cecília Barbosa da Costa, Er- Gonçalves, foi também condecorada com as in-
melinda Pereira Antunes, Eugénia Salgado, He- sígnias de Cavaleiro da Ordem de Benemerên-
lena Leitão Bignolas, Irene Vasconcelos Sousa cia, em 9 de abril de 1930. Em finais de 1919, um
Lima da Fonseca, Iolanda Osório Pinto, Júlia Cu- ano após o fim da guerra, a Junta submeteu à
nha, Júlia Ribeiro Gonçalves Nunes, Juliana Fal- apreciação do ministro do Trabalho e Previdência
conière Teixeira de Oliveira, Laura da Costa de Social um projeto de construção de um edifício
Mello e A. de Faria Affonso, Laura da Fonseca e suas dependências, destinado a constituir uma
Viterbo de Castro, Mafalda do Valle de Castro, grande obra de assistência infantil que acolhesse
Manuela de Quental Calheiros, Mariana Gran- não só os órfãos da guerra, mas todos os que ne-
cha Neto, Maria Adelaide Encarnação Fernan- cessitassem de amparo, e que se designaria “In-
des, Maria Adelaide Milhões, Maria Clementi- ternato da Junta Patriótica do Norte – Casa dos
na Ceirós da Cunha, Maria de Freitas Moreira, Filhos dos Soldados – Casa dos Filhos dos Po-
Maria de Sousa Pinto de Magalhães Castro bres”, ideia que não se concretizou por falta do
Osório, Maria de Sousa Ribeiro Gonçalves Nu- indispensável apoio do Governo. No entanto, a
nes, Maria Emília Santos, Maria Felisberta Do- Casa dos Filhos dos Soldados continuou a con-
mingues, Maria Guilhermina Marques Ribeiro, tribuir para minimizar os efeitos de muitas or-
Maria Henriqueta de Sousa Reis Barbosa, Maria fandades precoces em famílias de parcos re-
José Teles Fraga, Maria Lamas, Maria Llacer, Ma- cursos. No balanço feito em maio de 1932 pelo
ria Luísa Castro Guimarães, Maria Rosa da Professor Doutor Alberto de Aguiar no relato ge-
Fonseca, Maria Teresa Chagas, Olívia Augusta ral da obra realizada nos 15 anos de existência
Encarnação, Ondina Freire Resende, Rita de Bri- da Junta Patriótica do Norte, pressupõe-se que
to, Sara Virgínia de Sousa Loureiro. Em 1919, por esta e a Casa dos Filhos dos Soldados continuarão
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a realizar “uma obra de Paz, que bem pode ser- missão, [...] volto-me para a única entidade ca-
vir de glorioso esteio a novas e mais amplas paz de continuar, passados vinte anos, a obra de
orientações de bem-fazer”. Neste sentido, con- proteção aos órfãos da Grande Guerra que a Jun-
sidera que a Junta Patriótica, “cumprida a mis- ta Patriótica do Norte iniciou em 1916” [Lar dos
são a que se votou, não deve adormecer sobre os Filhos dos Combatentes, 1987, p. 39]. As nego-
louros conquistados, nem recolher-se ao sosse- ciações entre a Junta Patriótica e a Comissão Cen-
go egoísta duma extinção cómoda, mas antes as- tral da Liga dos Combatentes foram conduzidas
cender à perfeição e extensão da obra de assis- por Hernâni Cidade. O protocolo de transferência
tência infantil que criou” [A. Aguiar, 1932, pp. foi também assinado por ele e por Alberto de
287-288]. É também dessa data o Memorial Ar- Aguiar, Baptista da Silva, Fernando Machado,
tístico comemorativo do 15.o aniversário da Jun- José Cabral, Faria Afonso e António Antunes. A
ta Patriótica do Norte e do 14.o da Casa dos Fi- Casa dos Filhos dos Soldados, com todos os seus
lhos dos Soldados, no qual colaboraram 48 es- haveres e encargos, foi assim cedida à Liga dos
critores/as, 24 artistas plásticos/as e quatro Combatentes em 6 de abril de 1937 e transferi-
compositores/as. É uma edição extremamente in- da, de facto, em 24 de janeiro de 1938, em ce-
teressante sob o ponto de vista literário e artís- rimónia pública. No contrato de doação refere-
tico, que muito prestigia a Casa dos Filhos dos se que o Núcleo Feminino de Assistência Infantil,
Soldados e os ideais que presidiram à sua cria- a regente Maria Gonçalves e a sub-regente Mé-
ção e manutenção. Nela se podem encontrar tra- cia Gonçalves de Faria seriam mantidas nas mes-
balhos de Hernâni Cidade, Delfim Guimarães, mas funções, para prestígio da instituição. No en-
Teixeira de Pascoaes, António Correia de Oli- tanto, em 8 de fevereiro do mesmo ano, a pre-
veira, Bento Carqueja, Costa Brochado, Teixei- sidente Filomena Nogueira de Oliveira, em
ra Lopes, António Carneiro, Acácio Lino e Abel nome de todas as mulheres do Núcleo, escreveu
Salazar, entre muitos outros. Em 1934, a Junta uma carta ao Eng.o Custódio Guimarães, presi-
Patriótica viu-se forçada a abandonar o prédio dente da Comissão Central Administrativa da
da Rua da Cedofeita onde tinha instalado a Casa Liga dos Combatentes, em que apresentou a de-
dos Filhos dos Soldados e, por isso, adquiriu a missão das funções de direção da Casa dos Fi-
Quinta Amarela, na Rua Oliveira Monteiro, lhos dos Soldados e anunciou a dissolução da
com uma área total de 13 000 metros quadrados, organização que dirigia. Na origem desta deci-
sendo 1500 de área coberta, para alojar as são estiveram as divergentes “interpretações da-
crianças e jovens a seu cargo. Esta compra, no das ao contrato de passagem do Núcleo Feminino
valor de 260 contos, só foi possível graças ao em- de Assistência Infantil para a Liga dos Comba-
préstimo de 110 contos concedido pela Caixa Ge- tentes da Grande Guerra” [espólio da LCGG]. A
ral de Depósitos. Os cofres da junta ficaram de- Casa dos Filhos dos Soldados, “herança espiri-
pauperados, as receitas escasseavam e as/os di- tual” da Junta Patriótica do Norte e do Núcleo
rigentes acusavam o peso da idade e o efeito do Feminino de Assistência Infantil e “testemunho
cansaço. Em 1937, o presidente da Junta, Pro- perpétuo da gratidão portuense aos defensores
fessor Doutor Alberto de Aguiar, numa “expo- da Pátria”, transformou-se numa Obra de As-
sição pungente” à Liga dos Combatentes, fundada sistência Social Militar, orfanato para os filhos
em outubro de 1923, escrevia: “[...] hoje, quase dos soldados pobres, vítimas do seu dever pro-
só, perdidos, desaparecidos, dispersos ou de- fissional. O nome “Casa dos Filhos dos Solda-
salentados todos aqueles que me animaram e en- dos” foi mantido até 1969, sendo alterado nes-
tusiasmaram, incutindo-me o brio de não aban- sa data para Lar dos Filhos dos Combatentes. A
donar esta obra, esgotadas as passadas energias, partir da demissão do Núcleo de Assistência In-
perpassa-me pela mente a dolorosa ideia de ver fantil, a gestão da casa foi estruturada em mol-
perdido tanto esforço, com a mágoa de não ter des diferentes. Entre 1940 e 1972, as direções fo-
podido ou sabido assegurar uma sucessão que ram constituídas por militares e civis, nomeados
muitas vezes tentei sem êxito, talvez porque o pela Comissão Central Administrativa da Liga
assunto não podia interessar a quem o não vi- dos Combatentes. A partir de 1972, a Liga fez um
vera, sentira e por ele se sacrificara. Tinha de ir acordo com o Instituto das Filhas de Maria Au-
até ao final, e na preocupação de ver liquidar in- xiliadora (Salesianos de S. João Bosco) para orien-
glória e lentamente uma obra que entendo não tarem as educandas e gerirem o internato, vis-
poder soçobrar, porque não ultimou toda a sua to que, a partir de 1947, a Casa dos Filhos dos
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Soldados se transformou em estabelecimento de com o Concurso do Núcleo Feminino de Assistência In-


educação e ensino para o sexo feminino, em vir- fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do
Norte, Tip. Mendonça, 1918; Idem, Junta Patriótica do
tude de o regime de coeducação ter sido ofi- Norte – Sinopse da sua Obra, 20.III.1916-30.IX.1918, Por-
cialmente abolido nessa data. Em 1969, depois to, Junta Patriótica do Norte, 1919; Idem, “Junta Patrió-
de oito anos de guerra colonial, houve um des- tica do Norte. Casa dos Filhos dos Soldados”, Revista 9
dobramento do estabelecimento em duas secções, de abril, 1918-1929, Marechal Foch – Homenagem da Liga
funcionando na Aguda a instrução primária e alo- dos Combatentes da Grande Guerra (Agência do Porto),
Número Único Comemorativo da Batalha de La Lys, org.
jando na Quinta Amarela, Porto, as alunas que do tenente Carlos Adriano Fonseca, Porto, Liga dos Com-
cursavam os ensinos liceal e técnico. Em 1970 batentes da Grande Guerra, Agência do Porto, 1929, pp.
eram 65 as alunas internadas na secção da Quin- 8, 9, 13; Idem, Junta Patriótica do Norte, 15 anos de be-
ta Amarela. Anos mais tarde, as duas secções aca- nemerência – 20.III.1916-31.XII.1931, Porto, Junta Pa-
triótica do Norte, 1932; Relatório da Gerência de 1941,
bam por fundir-se e funcionar novamente na re- Lisboa, Liga dos Combatentes da Grande Guerra, 1942;
ferida quinta. Uma das antigas alunas, atualmente Regulamento da Casa dos Filhos dos Soldados, Secção
funcionária da Liga dos Combatentes, conta que Feminina (Porto), 3.a edição aprovada pela Comissão Cen-
as escolas da Casa dos Filhos dos Soldados eram tral Administrativa em 7 de abril de 1958, Lisboa, Liga
muito prestigiadas e, por isso, sempre que não dos Combatentes da Grande Guerra, 1958; Festa de rea-
bertura das aulas na Casa dos Filhos dos Soldados – Sec-
havia número suficiente de alunas internas, as ção Feminina. Alocução pelo Tenente-Coronel António
raparigas da vizinhança eram admitidas e edu- Dias Machado Correia Dinis, Porto, 30 de outubro de
cadas nos mesmos princípios e valores. Nos úl- 1965; Lar dos Filhos dos Combatentes, 70 Anos de Vida,
timos anos, o Lar dos Filhos dos Combatentes se- Liga dos Combatentes da Grande Guerra, 1987; “Pregão
da Junta Patriótica do Norte”, O Povo, 10/11/1917, p. 2;
deado na Quinta Amarela tem servido para alo- “O Chefe de Estado visita a Casa dos Filhos dos Solda-
jar filhos e filhas de militares que frequentam o dos”, Jornal de Notícias, 11/11/1962; “Casa dos Filhos
ensino superior na cidade do Porto. Atualmen- dos Soldados”, Comércio do Porto, 29/04/1964; “Medalha
te está num processo de transformação para al- emitida pela Casa dos Filhos dos Soldados, comemora-
bergar também um centro de dia. Passado qua- tiva do cinquentenário da Junta Patriótica do Norte”, Diá-
rio do Norte, 08/01/1968.
se um século sobre a fundação da Casa dos Fi- [N. M.]
lhos dos Soldados, convém preservar a memó-
ria de uma obra única que, criada pela sociedade
civil para minorar os efeitos nefastos da guerra,
conseguiu a vitalidade necessária para trans-
formar-se e adaptar-se às contingências da His-
tória do país, sempre orientada pelo ideal do
bem-fazer. E como as instituições são obra da
vontade e da ação de pessoas concretas, convém
não esquecer também todas as que contribuíram
para a sua fundação, sustento, prestígio e en-
grandecimento, sobretudo as mulheres do Nú-
cleo Feminino de Assistência Infantil, que fi-
zeram da Casa dos Filhos dos Soldados a obra
dignificadora da Junta Patriótica do Norte, “ra-
zão suprema da sua existência” [A. Aguiar, 1918,
pp. 7-8].
Fontes: Arquivo e espólio da Liga dos Combatentes da
Grande Guerra, delegação do Porto.
Bib.: AA.VV., Memorial Artístico (Colectânea literária,
artística e musical) Comemorativo do 15.o Aniversário
da Junta Patriótica do Norte (13.III.1916-13.III.1931) e da
Casa dos Filhos dos Soldados (25.VI.1917-25.VI.1931),
Porto, Junta Patriótica do Norte, 1932; Idem, Adenda ao
“Memorial Artístico” Comemorativo do 15.o Aniversá-
rio da J.P.N. e 14.o da sua C.F.S., Alocuções proferidas,
Porto, Junta Patriótica do Norte, 1932; Alberto Aguiar,
Relatório Geral dos Atos da Junta Patriótica do Norte des-
de a sua origem em 15 de março de 1916 até 31 de de-
zembro de 1917, apresentado pela Comissão Executiva
O
Obra das Mães pela Educação Nacional como “na educação moral e cívica dos alunos, no
Uma das preocupações do Estado Novo, no seu ensino do canto coral, no exercício da ginástica
início de jornada, prendeu-se com o desejo de en- rítmica e nas festas escolares”. Finalmente, a
quadrar e organizar estratos da população, por ida- OMEN ficou ainda incumbida de “organizar a sec-
de e por sexo. Em 1936, o ministro da Educação ção feminina da Mocidade Portuguesa”. A longa
Nacional, Carneiro Pacheco, criou a Obra das Mães mas pouco atuante vida da OMEN (1936-1974) foi
pela Educação Nacional (OMEN), para “estimu- sempre marcada por uma grande indecisão quan-
lar a ação educativa da família”, “assegurar a coo- to à definição das suas funções. Em certos sectores
peração entre esta e a Escola” e “preparar melhor do regime multiplicaram-se as opiniões segundo
as gerações femininas para os seus futuros deve- as quais a organização devia ter um carácter me-
res maternais, domésticos e sociais”. No discur- ramente assistencial, enquanto, pelo contrário, a
so que proferiu por ocasião da nomeação dos condessa de Rilvas, dirigente da OMEN, nunca
membros da Junta Central da Obra das Mães, o mi- deixou de a considerar “um instrumento de
nistro repetiu a ideia de que, depois da reforma educação nacional”. Por seu turno, em 8 de abril
da Escola, “oficina dos pais de amanhã”, era ne- de 1943, a deputada, comissária nacional da MPF
cessário “corrigir e suprir as deficiências nos de e vice-presidente da OMEN, Maria Guardiola, rea-
hoje”, através da criação daquela organização fe- firmou, na Assembleia Nacional, a “missão edu-
minina [Diário de Notícias, 16/07/1936]. Esta ti- cativa” desta organização. Diga-se que nos anos
nha, assim, três objetivos para cumprir: por um 30 e 40 o adjetivo “social” tinha de facto o sig-
lado, a reeducação das mães e a assistência ma- nificado de “educativo”, fim para o qual a “as-
terno-infantil, através dos centros sociais e edu- sistência” era um meio, e a OMEN caracterizou-
cativos, das “semanas da mãe” e dos “prémios às -se, entre 1938 e 1945, por exercer uma ação edu-
famílias numerosas” e, por outro lado, a anteci- cativo-assistencial nos seus escassos centros so-
pação e prolongamento da escolaridade através ciais e educativos, mais tarde denominados cen-
da educação infantil, das cantinas escolares e da tros de educação familiar operários, urbanos e, so-
criação da Mocidade Portuguesa Feminina* bretudo, rurais. A própria condessa de Rilvas in-
(MPF). Segundo os seus estatutos de 1936 (De- dicou qual era o principal alvo da OMEN, ao re-
creto-Lei n.o 26.893, de 15 de agosto), cabia à ferir que embora também pretendesse ocupar-
OMEN: “orientar as mães portuguesas por uma -se da “Mocidade”, era a “adulta, a Mãe, a mulher
ativa difusão das noções fundamentais de higie- atual, com os seus erros, a sua ignorância, os seus
ne e de puericultura para bem criarem os filhos”; preconceitos” que a organização queria atingir em
“estimular e dirigir a habilitação das mães para primeiro lugar. A reeducação das “mulheres do
a educação familiar tendo em conta as diversas povo”, nomeadamente das operárias, às quais se-
circunstâncias de classe e de meio”; “promover riam ministradas noções de higiene, puericultu-
o embelezamento da vida rural e o conforto do lar ra e moral, para reduzir a mortalidade infantil, era
como ambiente educativo” e “defender os bons assim a tarefa prioritária da Obra das Mães. Para
costumes, designadamente no que respeita ao ves- isso, a OMEN criaria, nos meios “urbanos, in-
tuário, à leitura e aos divertimentos”. Por outro dustriais e rurais”, centros sociais e educativos,
lado, cabia-lhe “promover e assegurar a educação cuja atividade era gerida pela secção “Educação
infantil pré-escolar, em complemento da ação da das Mães e Obras da Primeira Infância”, enquanto
família”; “dispensar aos filhos dos pobres a as- a secção “Famílias Numerosas” atribuiria prémios
sistência necessária para que possam cumprir a às famílias com mais filhos, que serviriam de “es-
obrigação de frequentar a escola, designada- tímulo às mães corajosas”, nas “Semanas da Mãe”
mente pela instituição de cantinas, distribuições [Entrevista com a condessa de Rilvas no Diário de
de uniformes, distribuição de livros e fortaleci- Noticias, 08/12/1938]. Por outro lado, foi também
mento das caixas escolares”, “coadjuvar o pro- atribuída à OMEN a educação infantil pré-esco-
fessor na organização do recenseamento escolar, lar, até aos quatro anos de idade, e a educação das
na vigilância da compostura, de assiduidade e apli- raparigas, através da MPF. Carneiro Pacheco
cação dos alunos e na instituição de prémios”, bem considerou que, dessa forma, “facilitada a missão
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da escola primária pela educação infantil pré-es- sionais mal pagas, pouco diferenciadas e des-
colar e pela ação educativa da Mocidade Portu- prestigiadas. Nos anos 60, a “missão educativa”
guesa na escola e fora dela, a escolaridade en- da OMEN, já então separada da “assistência”, fun-
contrar-se[-ia] praticamente antecipada e pro- ção atribuída ao Instituto de Assistência à Famí-
longada”. Integraram a primeira Junta Central da lia desde 1955, limitava-se a alguns cursos de edu-
Obra das Mães, Maria do Carmo Fragoso Carmona cação familiar entre uma escassa população fe-
(mulher do Presidente da República), presiden- minina rural e à formação dos seus próprios qua-
te de honra, Laura Diogo da Silva de Melo e Faro dros de educação familiar, na Escola D. Luís de
(condessa de Monte Real), presidente efetiva, Eu- Castro, em Braga. Inaugurada em 1958, esta escola,
génia Soares de Oliveira e Isabel d’Albignac Ban- porém, apenas formou, até 1971, 164 educadoras,
deira de Melo (condessa de Rilvas), ambas vice- que se congregavam na Associação Convívio e à
-presidentes. Esta última foi-o até à sua morte, em volta do órgão A Candeia. Entretanto, a agonia da
1945, quando foi substituída pela condessa de Pe- OMEN já se havia tornado irreversível. As difi-
nha Garcia, a primeira presidente da direção exe- culdades financeiras multiplicavam-se, as recei-
cutiva. Entre as vogais, contaram-se dirigentes das tas sempre exíguas da organização, procedentes
organizações femininas e juvenis da Ação Cató- inicialmente das quotas das associadas e de
lica Portuguesa (ACP), algumas aristocratas, que subsídios estatais, foram diminuindo, e quase ces-
já tinham sido ativas nas associações católicas de saram quando o Estado se foi desinteressando das
assistência e educação, e várias esposas e fami- suas atividades. Em 1969, a Junta Central deixou
liares de figuras do regime. Pertenceram ainda à de funcionar, quando a proposta de recondução
direção da OMEN algumas mulheres licenciadas dos seus membros e do seu quadro de pessoal não
– professoras liceais, médicas, advogadas e ser- foi aprovada. Em 1973, a OMEN enviou um pro-
vidoras sociais – e as três primeiras deputadas: Do- jeto de remodelação dos seus estatutos ao MEN,
mitília de Carvalho, Maria Cândida Parreira e a mas este só respondeu em março de 1974, soli-
já referida Maria Guardiola. Todas estas mulhe- citando às principais dirigentes da OMEN, con-
res pertenciam à pequena, pouco diversificada e dessa de Penha Garcia e Maria Amália Séguier
com fraca mobilidade social elite feminina do re- Costa Leite (Lumbrales), que se mantivessem nos
gime. Criada “a partir de cima”, pelo Ministério seus cargos enquanto aguardavam uma decisão
da Educação Nacional (MEN), e tutelada por este, da tutela sobre o prosseguimento das suas ativi-
a OMEN propôs-se “congregar as mães portu- dades. No mês seguinte, como se sabe, um golpe
guesas” e “mulheres e jovens emancipadas” na militar derrubou o regime, embora a OMEN só te-
“campanha necessária de defesa da família, pela nha sido extinta, pelo Decreto-Lei n.o 6981/75 de
difusão das melhores regras de higiene e pueri- dezembro de 1975, um ano e meio depois de a
cultura, a prática das virtudes cristãs do lar e au- MPF ter sido dissolvida. Dos objetivos iniciais da
xílio aos educadores em tudo o que respeita a edu- Obra das Mães, nenhum foi conseguido. Em vez
cação física, intelectual e moral”. No entanto, con- de transformar as mentalidades das mulheres e
trariamente à MPF, a OMEN foi uma organização das famílias, limitou-se a atingir algumas delas em
de filiação voluntária e sem veleidades de mo- escassos cursos domésticos, sessões de propaganda
bilizar, nem enquadrar obrigatória e massivamente e iniciativas de caridade. Nem as mães foram “ree-
as mulheres portuguesas. No final da década de ducadas” nos poucos cursos de educação fami-
50, a OMEN virou-se para o meio rural, porque liar ministrados nos centros sociais e educativos
lhe parecia ser o último reduto de uma socieda- da OMEN, nem outros propósitos iniciais foram
de que pretendia manter. Nesse período, a preo- alcançados: por um lado, o regresso das mulhe-
cupação com a formação de quadros para a edu- res ao lar esbarrou com a necessidade do contri-
cação familiar rural era reveladora das transfor- buto de todos os membros da família para o sa-
mações que a Obra das Mães tinha sofrido des- lário familiar, e, por outro lado, a diminuição da
de que fora criada em 1936. Em vez de nacional mortalidade infantil, que só foi um facto a partir
e educativa, já só era uma organização localiza- dos anos 50, não pode ser atribuída aos escassos
da em certas zonas de Braga e Portalegre, que pou- prémios às famílias numerosas, mas sim à pro-
co diferia das associações particulares de assis- gressiva melhoria das condições de vida. A pro-
tência feminina. Também a sua elite dirigente já paganda natalista da OMEN também não parece
não era a mesma. A partir da década de 60, já só ter tido grandes resultados, pois que, embora per-
incluía educadoras sociais e familiares, profis- manecendo a mais alta da Europa, a natalidade
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diminuiu progressivamente a partir da década de te “femininas”. A OMEN não se mostrou, nem no


50. Uma situação que não podia agradar à OMEN início, tendencialmente totalitária, até porque foi
que, pouco entusiasmada com a modernização e concebida como uma organização de filiação vo-
com a urbanização que apesar de tudo se faziam luntária. Mesmo se teve propósitos “educativos”
sentir no país, escolheu, a partir dessa altura, vi- – ou “reeducativos” –, não foi nem um movimento
rar-se para o meio rural, que parecia ser, aos olhos enquadrador de todas as mulheres, nem uma “van-
da organização feminina, o último reduto de uma guarda” da elite feminina salazarista. Na eterna
sociedade que pretendia manter a todo o custo. discussão travada no seio do regime, e da própria
Quanto à educação – pré-escolar e escolar –, a atua- OMEN, sobre se a sua atuação devia ter um ca-
ção da OMEN quase não se fez sentir ao longo dos rácter assistencial ou educativo, a vitória do se-
anos. Por um lado, porque as suas principais di- gundo elemento sobre o primeiro pareceu con-
rigentes não estavam vocacionadas para o ensi- ceder um estatuto qualitativamente superior à or-
no infantil e, por outro, porque ocupar-se do pré- ganização feminina e reforçar a sua componen-
-escolar obrigava a conseguir grandes verbas or- te “totalizante”, na medida em que era através da
çamentais que a OMEN manifestamente nunca lo- “educação integral” que se pretendia formar a mu-
grou obter de um Estado que, para essa tarefa, sem- lher “nova”. Mas, na prática, a OMEN não foi real-
pre contou sobretudo com a iniciativa particular. mente nem assistencial nem educativa, limitan-
Assim, as creches e as cantinas da organização fo- do-se a ocupar algumas senhoras da aristocracia
ram escassas; os cursos de puericultura foram e esposas de governantes a catequizar algumas
substituídos por aulas de inculcação moral e re- mães, a praticar de forma paternalista e moralis-
ligiosa e a formação da juventude ficou a cargo ta alguma moralidade pontual.
de uma MPF autonomizada. No entanto, a OMEN Bib.: Condessa de Rilvas, OMEN. Orientações e Fins, Lis-
não deixou de ter uma atuação política, sobretudo boa, ed. do Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho, 1938;
ao tentar impor, como outros instrumentos do Es- Curso de Agentes de Educação Familiar, Braga, OMEN,
tado Novo, uma única ordem ideológica, moral 1958; Escola de Regentes de Educação Familiar de D. Luís
e religiosa no seio das mulheres. Foi criada para de Castro, Braga, OMEN, s.a.; Glórias às Mães Portu-
guesas, Lisboa, OMEN, s.a.; Irene Flunser Pimentel, His-
preencher o espaço político e social da atuação tória das Organizações Femininas do Estado Novo, Lis-
das mulheres nos campos assistencial e educativo, boa, Círculo de Leitores, 2000 [Temas & Debates, 2001];
para aproveitar a atividade de algumas mulheres Programa dos Centros de Formação Familiar, Lisboa,
tradicionalistas próximas da elite do regime, para MEN/OMEN, 1955 [policopiado]; Relatório de Activi-
neutralizar a atuação de outras associações fe- dades da Obra das Mães pela Educação Nacional, Lis-
boa, OMEN, 1971 [Arquivo Histórico do Ministério da
mininas e para disputar, sem a hostilizar, o mo- Educação (documento policopiado)]; Resumo das prin-
nopólio da organização feminina à Igreja, ou seja, cipais actividades da Obra das Mães pela Educação Na-
às Ligas e Juventudes da Ação Católica Portuguesa cional. Novembro de 1960, Lisboa, OMEN, novembro de
(ACP). Com a Igreja, da qual era uma potencial ri- 1960 [arquivo histórico do Ministério da Educação (do-
val, a OMEN manteve, no entanto, uma compe- cumento policopiado)]; “Tudo anda à volta de um Ber-
ço”, discurso pronunciado por Carneiro Pacheco no Li-
tição cooperante, até porque partilhou algumas ceu de D. Filipa de Lencastre no encerramento da II Se-
dirigentes com as organizações católicas. Na mana da Mãe em 15 de dezembro de 1939.
sua relação com a família, teve de facto a velei- [I. F. P.]
dade “educativa” de penetrar ideologicamente no
seio de alguns espaços privados e de exercer um Obra Maternal Maria Amália Vaz de Carvalho
controle social e moral com poderes de exclusão Em janeiro de 1940 foi aberta a Maternidade de
e de recompensa, nomeadamente através dos “pré- Cascais, cujo nome oficial era Obra Maternal Ma-
mios às famílias numerosas”. Estes “prémios”, atri- ria Amália Vaz de Carvalho. O edifício era moder-
buídos às mães de escassas famílias “legítimas”, no e ficava situado no Largo da Misericórdia, 1.
na sua maioria do meio rural, que não tinham aces- Foi criada por iniciativa de uma comissão de se-
so ao abono de família estatal, constituíram, as- nhoras, presidida por Clementina Ferreira Pin-
sim, uma compensação, pouco mais que simbó- to Leite de Magalhães Pessoa que, acometida de
lica, de carácter caritativo. Quanto ao objetivo ini- doença súbita, morreu uma hora antes da sua
cial de “congregar todas as mulheres” portugue- inauguração oficial em 1941. Entre as senhoras
sas no apoio político ao regime, apenas se assis- da comissão estavam Maria Amélia de Castro Fer-
tiu à tentativa de as mobilizar exclusivamente para reira Azancot, Ivone de Vaz Vasconcelos, Susa-
a maternidade prolífica e para tarefas meramen- na Bonvalot, Marguerite Bucknall* (Mrs. Douglas
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Bucknall), Mrs. Etherington-Smith e M.me tos dos bebés sairiam da maternidade envoltos
Vincke. Até agosto de 1941 já 300 mulheres ti- em jornais, um retrato horrível mas verdadeiro
nham dado à luz na maternidade destinada às que eu própria presenciei há já muitos anos”. En-
parturientes do concelho de Cascais. Havia tre 1940 e 1957 aí nasceram 5200 bebés, tendo
três enfermarias e um quarto particular, sendo morrido cinco. Em 1955, foram registados no con-
a lotação máxima de 12 mulheres. O edifício con- celho de Cascais 796 nascimentos, dos quais 329
tava com uma máquina de lavar roupa elétrica, ocorreram nesta maternidade, 16 noutras insti-
um pequeno jardim para secar a roupa, e uma tuições e 451 no domicílio. Dos partos no do-
sala de operações que foi oferecida pessoalmente micílio, 363 tiveram a presença de uma partei-
pelo Dr. Oliveira Salazar. As parturientes que ra, 73 não tiveram qualquer assistência, 12 ti-
apresentavam certificado de pobreza não paga- veram a assistência de alguém sem formação e
vam nada pela sua estadia, que durava em mé- três foram acompanhados por um médico. Em
dia cerca de 10 dias, para lhes permitir recupe- 1957, a maternidade tinha capacidade para 20
rar as forças. As mulheres mais abonadas paga- parturientes, dispunha de três enfermeiras-par-
vam 150$00 pelo parto, quantia que podia ser teiras e uma governante, a D. Mécia Simões. O
paga a prestações. O quarto particular custava médico Dr. Jacinto Vargas Moniz visitava a ma-
30$00 por dia, custo inferior ao então praticado ternidade três vezes por semana. O Dr. Mário
nas maternidades de Lisboa. Procurava-se criar Quina, que dirigia um centro pós-parto, também
um ambiente que não assustasse as mães e que podia ser chamado quando necessário. A dire-
lhes proporcionasse bem-estar. Quando estas se tora, voluntária, continuava a ser Amélia de Cas-
inscreviam para aí darem à luz, eram sujeitas a tro Ferreira Azancot. Esta contou uma vez a Su-
um exame médico. Os partos eram acompa- san Lowndes Marques que a razão por se ter en-
nhados por uma parteira, sendo chamado um mé- volvido naquele projeto foi ter um dia encontrado
dico apenas em situações complicadas. Três cria- uma mulher a parir sozinha numa valeta, numa
das pernoitavam na maternidade para assistir às rua do concelho de Cascais. Embora desde o iní-
parturientes em caso de necessidade. A mater- cio dispusesse de um aparelho de dispensa de
nidade também estava aberta a receber as mães trilene, para aliviar as dores do parto, entre 1940
após o parto, em caso de necessidade. Às mães e 1954, 96% por cento das parturientes não se
mais pobres era oferecido um enxoval comple- serviram deste meio. Às parturientes procurava-
to para o bebé. A maternidade era financiada por -se ensinar os métodos de controle da dor atra-
um subsídio do Ministério do Interior, pela Câ- vés da respiração do Dr. Dick Reed. Também dis-
mara Municipal de Cascais e por contributos in- punha de um aparelho de reanimação através de
dividuais, além dos pagamentos das parturien- oxigénio. Em 1957, dispunha de três quartos par-
tes. Qualquer pessoa podia visitar as instalações, ticulares, onde as parturientes pagavam 150$00
pagando para tal 2$50. A maternidade era diri- por dia e 500$00 pelo parto. As mães pobres nada
gida por uma comissão de senhoras, voluntárias, pagavam, enquanto as remediadas pagavam
que se reunia uma vez por semana. Em 1956, já entre 100$00 e 300$00. Contudo, estimava-se que
transferida para uma grande moradia no Mon- o custo de cada parto fosse de 750$00, pelo que
te Estoril, Rua Conde Moser, 16, a maternidade havia a preocupação de procurar fundos. O Ins-
era dirigida, também a título de voluntariado, por tituto Maternal dava um subsídio de 6 000$00
Maria Amélia Azancot, que escreveu uma car- por mês, em 1957, e a Câmara subsidiava as mães
ta apelando à generosidade dos leitores do jor- pobres com 100$00. O trabalho de produção de
nal The Anglo-Portuguese News: “ajudem-nos a enxovais continuava. No jornal The Anglo-Por-
ajudar as muitas mulheres pobres que nos che- tuguese News n.o 634, de 20 de abril de 1957, des-
gam em número crescente vindas das terras e al- crevia-se o trabalho da maternidade e apelava-
deias circundantes, para junto de nós encontrar -se aos leitores para enviarem contributos em es-
apoio médico e guarida, quando aguardam a che- pécie e em dinheiro. No número 638, de 15 de
gada de mais um elemento de suas famílias, que junho, o mesmo jornal dava conta de um con-
muitas vezes já são extremamente numerosas” certo destinado a recolher fundos, com o pa-
[n.o 622, 03/11/1956, p. 4]. Solicitava, nomea- trocínio de duquesa de Palmela, marquesa de
damente, a oferta de lã destinada a ser tricota- Tancos, condessa de Monte Real, Carolina Man-
da, também gratuitamente, para se fazerem os en- tero, Isabel Espírito Santo Silva, Irene das Do-
xovais dos bebés, porque “sem a nossa ajuda mui- res Penim Villar Gomes, Maria do Carmo Taru-
785 OBR

jo Formigal, Maria da Luz de Mello e Faro Pas- nil e aderido ao Partido Comunista em 1946. De-
sanha e Vera Espírito Santo Ricciardi. A Orquesta sempenhou, então, atividade técnica no âmbi-
Filarmónica de Lisboa atuou, a 18 de junho, no to de reuniões e da “impressão clandestina, prin-
Cinema Império em Lisboa, com a particulari- cipalmente de unidade democrática, sendo a sua
dade de ser dirigida pela maestrina Natércia Cou- casa várias vezes ponto de apoio dos camaradas
to, que tinha estudado com Ivo Cruz e no Con- funcionários do Partido” [Avante!, 29/10/2009,
servatório de Paris. p. 10]. Participou na campanha eleitoral de Nor-
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 104, 16/08/1941, ton de Matos (1949) e seria detida pela PIDE no
e n.o 634, 20/04/1957. ano seguinte, a 14 de fevereiro de 1950, fican-
[A. V.] do em prisão preventiva durante exatamente
nove meses, apesar de estar grávida e de entre-
Obra Social do Porto Brandão tanto o bebé ter nascido. Parte da detenção, en-
Fundada pelo reverendo J. Crowley em 15 de tre 9 de junho e 10 de outubro, decorreu na Ma-
agosto de 1945, foram inauguradas as novas ins- ternidade Alfredo da Costa, por ter tido um prin-
talações da Obra Social do Porto Brandão pelo cípio de aborto com hemorragias, sendo liber-
Presidente da República, marechal Carmona, na tada em 14 de novembro ao ser absolvida pelo
presença de muitos convidados portugueses e Plenário do Tribunal Criminal de Lisboa. Em li-
britânicos. O cardeal patriarca de Lisboa este- berdade, continuou a atividade política oposi-
ve presente, assim como Mrs. Wallace, presi- cionista até 1974: participou, em 1958, nas cam-
dente da British League of Assistance (Liga Bri- panhas presidenciais dos candidatos Arlindo Vi-
tânica de Assistência). Em 1945, era presidida cente e Humberto Delgado; colaborou na Co-
pelo visconde de Asseca e dirigida por Palmi- missão Nacional de Socorro aos Presos Políticos
ra Ferreira Lopes. Foi recuperada uma antiga (CNSPP), constituída em finais de 1969; inter-
quinta e foram construídos uma capela, uma cre- veio, no âmbito da Comissão Democrática Elei-
che, um dispensário, uma sala de partos, um re- toral (CDE), nas eleições de 1969 e 1973 e no Con-
feitório, salas de costura e de trabalho, salas para gresso da Oposição Democrática, em Aveiro.
as crianças brincarem e um dormitório. A Bri- O percurso político e o trabalho desenvolvido fi-
tish League of Assistance doou o equipamento zeram com que trabalhasse, como telefonista, na
destinado aos bebés, assim como um subsídio primeira sede oficial do PCP após o 25 de Abril
de 30 000$ que, ao câmbio da época, corres- e, posteriormente, na CDL (Central Distribuidora
pondia a £300. Na ocasião, o Presidente da Re- Livreira). Reformada, instalou-se em Brescos, al-
pública condecorou Palmira Ferreira Lopes deia alentejana da freguesia de Santo André, con-
como Oficial da Ordem de Benemerência e o vis- celho de Santiago do Cacém, onde continuou a
conde de Asseca e o reverendo Crowley como militância partidária de mais de seis décadas. Re-
comendadores. Esta obra foi continuada, com latou a Gina de Freitas vivências da sua prisão
o nome de Fundação D. Nuno Álvares Pereira, em Caxias, a assistência prestada na Maternidade
pela infanta Maria Adelaide de Bragança, fale- Alfredo da Costa e as torturas infligidas ao ma-
cida em fevereiro de 2012. rido durante os vários anos de cadeia.
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 314, 23/08/1945; Da autora: “Para que ninguém mais viva na angústia em
Notícias Magazine, 19/12/2004, p. 32. que eu vivi”, depoimento de Odete Carvalho dos San-
[A. V.] tos, A Força Ignorada das Companheiras, Lisboa, Plá-
tano Editora, 1975, pp. 137-141.
Odete Paiva Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela,
2004; Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis-
v. Odete de Lima Carvalho dos Santos ta, Presos Políticos no Regime Fascista V – 1949-1951,
Mem Martins, 1987, pp. 112-113 e 180; Fernando Rosas
Odete de Lima Carvalho dos Santos (coord.), Tribunais Políticos – Tribunais Militares Espe-
Filha de Manuel Viegas de Carvalho e de Caro- ciais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado
Novo, Temas e Debates, 2009, p. 620; “Camaradas Fale-
lina Pereira de Lima, nasceu em S. Pedro do Sul cidos – Odete Paiva”, Avante!, 29/10/2009, p. 10.
a 3 de julho de 1925 e morreu a 15 de outubro [J. E.]
de 2009, com 84 anos de idade. Casada com o
litógrafo João Paiva dos Santos (n. 28/02/1920), Ofélia de Carvalho Gonçalves
cedo iniciou a atividade política de oposição ao Feminista, membro da Liga Republicana das Mu-
Estado Novo, tendo sido ativista do MUD Juve- lheres Portuguesas e do Conselho Nacional das
OFE 786

Mulheres Portuguesas, seguiu o percurso de engenheiro eletrotécnico. O marido faleceu em


muitas das suas companheiras. Convertida ao 21 de dezembro de 1928, com 39 anos de idade.
espiritismo filosófico, científico e experimen- Na necessidade de prover ao sustento e educa-
tal, tornou-se sócia do Centro Espiritualista Luz ção dos filhos, começou a trabalhar como pro-
e Amor*, em 1923, associação espírita que re- fessora de piano, primeiramente no Colégio das
sultou do alargamento do Grupo das Sete, fun- Doroteias, em Sintra, depois dando lições parti-
dado em 1916 por Maria Veleda*. Ofélia de Car- culares. Iniciou também a sua apresentação em
valho Gonçalves era irmã de Maria Emília de concertos de piano (como solista e como acom-
Carvalho Gonçalves* e tia de Acácia de Carva- panhadora) e concertos de canto (como soprano
lho Gonçalves. A imprensa espírita cita-a como lírico em lied e trechos de ópera), no Teatro de
participante das sessões espíritas, culturais e re- S. Carlos e no Grémio Lírico Português (no Pa-
creativas, promovidas pela direção feminina do lácio das Mercês, Calhariz), em várias récitas, ao
Centro Espiritualista Luz e Amor. Numa das ses- lado de Julião Martins, Manuel Mergulhão e Mo-
sões culturais e de caridade promovidas pelo re- rais Sarmento e outros. Quando a filha Maria Ofé-
ferido centro fez parte do elenco artístico que lia atingiu os 12 anos, começou a ensinar-lhe can-
abrilhantou a festa. to; aos 16 anos apresentou-a publicamente como
Bib.: O Futuro, n.o 11, junho, 1923, p. 15, e n.o 3, no- soprano ligeiro, que continuou a treinar e a en-
vembro, 1923, p. 47. saiar na aprendizagem de várias óperas. A filha
[N. M.] estreou-se nos “Complementos Vivos” do Éden
Cinema-Teatro e no Coliseu dos Recreios de Lis-
Ofélia Freire boa, na opereta Salto da Morte, com o nome ar-
Pianista, cantora e maestrina, nascida em 7 de tístico de Phélita Corrêa. Nessa data, Ofélia
maio de 1889, no Rio de Janeiro, Brasil. Faleci- Freire, a fim de dirigir a orquestra, submeteu-
da a 25 de janeiro de 1979, em Lisboa. Filha de -se a todas as provas de exame oficial como con-
Fernando Freire (família da Batalha, Leiria; pro- dutora, tornando-se desse modo e oficialmente
prietário de uma livraria, papelaria e oficina de a primeira maestrina portuguesa (1939). Conti-
encadernação na Rua do Ouvidor, no centro de nuou a conduzir em outras récitas da filha e ou-
Rio de Janeiro) e de Maria Ferreira da Costa Frei- tras operetas no Coliseu e no Teatro da Trinda-
re (família de Braga), que se conheceram e ca- de, em Lisboa, e a fazer orquestrações e trans-
saram no Brasil. Aos oito anos veio com os pais posições de músicas para a voz de soprano ligeiro,
para Lisboa. Revelou muito cedo a sua inclina- até ao falecimento da filha, em 25 de outubro de
ção para a música: aos quatro anos de idade, já 1942, quando esta ia completar 21 anos. Depois
tocava música clássica num mini-piano. Fez os dessa infeliz ocorrência, que constituiu um
cursos de piano (professor maestro Silveira) e de enorme choque na sua vida, limitou a sua ativi-
canto (soprano lírico). Sabia tocar guitarra, ban- dade a professora de piano. Mesmo assim, ain-
dolim e acordeão. Fez os estudos escolares se- da fundou, organizou e até financiou do seu pró-
cundários em francês no Colégio de S. Patrício prio bolso a Orquestra Típica Portuguesa, que in-
das Irmãs de S. José de Cluny, onde aprendeu e cluía vários instrumentos de uso mais popular,
se familiarizou com aguarela e com a pintura a como guitarras, violas, violão, acordeão, bando-
óleo. No piano, tocava todos os clássicos, como lins, cavaquinho, pífaro, e usava trajes regionais
as sonatas de Beethoven, Chopin, Shubert, R. Shu- expressamente desenhados. Este conjunto, en-
man, Listz, W. Mozart, Mendelssohn, Manuel de saiado e dirigido por ela e, mais tarde, pelo maes-
Falla e C. Debussy. Quis seguir a carreira de con- tro Belo Marques, apresentou-se publicamente em
certista como pianista, mas os pais opuseram- vários concertos e em transmissões na Emisso-
se, pois “não queriam ver uma filha no palco”, ra Nacional de Radiodifusão. A todos surpreen-
que achavam pouco digno, segundo a mentali- dia a simpatia e a excecional cultura de Ofélia
dade da época. Casou-se aos 28 anos com o ar- Freire. Foi de uma dedicação aos filhos insupe-
quiteto Norberto de Oliveira Corrêa (família de rável, sempre preocupada em proporcionar-
Viseu), que conheceu na Curia. Teve cinco filhos: -lhes uma formação em estudos superiores. Aos
Fernando (falecido ainda bebé), Maria Ofélia*, que 75 anos ainda tocava, de memória, a sonata Au
veio a ser a cantora de ópera Phélita Corrêa; Ma- Clair de Lune, de Beethoven, bem como peças mu-
ria Teresa; Manuel Norberto, que veio a ser ar- sicais de difícil execução e várias composições
quiteto e urbanista; e António Luís, que veio a ser para piano de sua autoria – as quais infelizmente
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nunca chegou a passar ao papel. Era uma voca- durante o qual assinou a rubrica “O Reino dos
ção musical fora do vulgar. Lia uma música pela Miúdos”, publicada na Civilização, criando de-
primeira vez, como quem lê um livro, e logo, senhos para histórias contadas por Rosa Silves-
como quem está ouvindo os sons, avaliava a qua- tre, pseudónimo da escritora Maria Lamas (1893-
lidade desse trecho musical. 1983). Na ilustração, como nas bandas dese-
[N. C.] nhadas que concebeu (veja-se o ABCzinho, de
1926), Ofélia procurou seguir as normas exigidas,
Ofélia Godinho figurando as crianças e o seu mundo de brinca-
Atriz. Em 1905, pertencia à Sociedade Teatro Li- deiras em ingénuas e contemplativas poses, rei-
vre dirigida por António Pinheiro, no Teatro do teradas na representação de instantes de sosse-
Ginásio, uma iniciativa que visava a educação do go. O cumprimento das regras e necessidades de
público pela arte cénica, levando à cena peças ex- um mercado emergente de edições dedicadas ao
pressamente escolhidas para esse fim. Entre as pe- pequeno público – tanto em revistas como em li-
ças do repertório, estavam Missa Nova, de Ben- vros, tendo neste caso Ofélia trabalhado em par-
to Faria; O Condenado, de Valentim Machado; Os ceria com Fernanda de Castro (1900-1994), Na-
que Furam, de Emídio Garcia; Às Feras, de Ma- tércia Freire* (1919-2004) e José Gomes Ferreira
nuel Laranjeira; Prosa, de Gaston Sandri; Mater- (1900-1985), para o qual ilustrou, semanalmen-
nidade, de Brieux; Pai Natural, de Ernest Depré te, em 1925, a primeira versão de As Aventuras
e Paul Charton; As Vítimas, de Fédéric Boutet; A de João Sem Medo (publicadas em primeira mão
Confissão de Amigo, de Hermann Sudermann; na revista O Senhor Doutor, a convite de Antó-
Uma Falência, de Bjornstjerne Bjornson. nio Lopes Ribeiro (1908-1995), e então assinadas
Bib.: António Pinheiro, Contos Largos, Lisboa, Tip. Cos- pelo autor com o pseudónimo de Avô do Ca-
ta Sanches, 1929. chimbo) – garantiu-lhe trabalho, mas levou-a a
[I. S. A.] um estreitamento de opções plásticas que a crí-
tica e a historiografia não deixaram de assumir
Ofélia Gonçalves Pereira da Cruz Marques como imagem de marca, reduzindo-a a pintora
Natural de Lisboa, onde nasceu a 14 de novem- de crianças. Também a sua representação de jo-
bro de 1902 (suicidou-se a 17 de dezembro de vens e de senhoras ataviadas em modas já pas-
1952), foi uma das primeiras mulheres, em Por- sadas, com claro pendor de princípio de século,
tugal, a frequentar a universidade. Licenciada em tão diversas das mundanas e modernas figuras
Filologia Românica pela Faculdade de Letras de femininas criadas por Bernardo Marques, pare-
Lisboa, em 1922, acabaria por seguir uma via pro- cem prendê-la a um tempo de silêncios e reca-
fissional arredada das letras. Integrando a cha- tos, contribuindo para a criação de uma imagem
mada segunda geração do modernismo português, reservada da própria artista. Contudo, apesar de
a artista plástica em que se tornou, assinando as a obra de Ofélia Marques não se resumir ao de-
suas obras com um apelido que lhe virá do ca- senho para publicação – embora essa tenha
samento com o também artista Bernardo Marques sido a área em que mais parece ter investido –,
(1898-1962), antigo colega de curso, desenvolveu seria a pintura a conferir-lhe um maior reco-
obra como pintora, desenhadora e ilustradora. Ex- nhecimento, com a atribuição, em 1940, do
pondo pela primeira vez em 1926, no II Salão de Prémio Sousa-Cardoso, conquistado com um re-
Outono, inaugurou assim a sua participação no trato da poetisa e tradutora Luísa d’Eça Leal (1899-
movimento modernista. Integrou o grupo de ar- -1983). A frontalidade e assertividade que res-
tistas mais solicitados para as manifestações ar- saltam dessa obra apenas tem paralelo na sua sé-
tísticas e culturais oficiais, como os célebres con- rie de autorretratos e em desenhos que nunca ex-
cursos de montras e revistas, como a Panorama. pôs. De facto, o seu traço, descrito como sensí-
Participou também nas exposições gerais de ar- vel e gracioso, de pendor lírico e decorativo, não
tes plásticas. Porém, jamais organizou uma úni- se limitou a servir a referida representação de jo-
ca exposição individual. Colaboradora de revis- vens inocentes, de olhares doces e melancólicos.
tas como Atlântico, Ver e Crer, Revista de Portugal Ofélia soube também dotá-lo de uma surpreen-
e Civilização, obteve daí a maior parte das suas dente capacidade de análise. É eloquente exem-
encomendas. No entanto, apesar de profissional, plo o vasto núcleo de caricaturas elaborado nos
a colaboração com a imprensa não foi particu- anos 1930, onde representou os amigos – ex-
larmente regular, excetuando o período de 1928, pressiva galeria de época, pela qual passam qua-
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se todos os nomes conhecidos das artes, litera- Arte Contemporânea, 2002; AA.VV., Os Anos 40 na Arte
tura e ciência do país – imaginando-os enquan- Portuguesa, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
1982; AA.VV., Roteiro do Centro de Arte Moderna, Lis-
to crianças. Nesses trabalhos, o desenho liberta- boa, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Mo-
-se, torna-se mordaz, versátil. O que já se intui nes- derna, 1985; AA.VV., Auto-retratos da Colecção, Lisboa,
se conjunto de obras é corroborado por dois ou- Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Moder-
tros grupos de desenhos: o dos autorretratos e o na José de Azeredo Perdigão, 1999; AA.VV., Manuel Men-
des: colecção, Lisboa, Museu do Chiado, 2000; António
dos registos eróticos. No primeiro, no exercício Rodrigues, “Ofélia – Ritos de Câmara”, Ofélia Marques:
exploratório da sua própria figura, de que resultou Álbum de uma menina morta, Catálogo da exposição, Co-
um importante núcleo de autorretratos, já apon- lares, Galeria de Colares, 1988; Catálogo de exposições
tado como o mais significativo da arte coeva por- de pintura, escultura, desenhos, gravuras, objectos de co-
tuguesa, estão ausentes a candura e o lirismo. lecção e antiguidades, Lisboa, Calendas, 1945; Emília Fer-
reira, “Ofélia Marques, um percurso ímpar no moder-
Campo de ensaio, pretexto para diversas expe- nismo português”, Faces de Eva, n.o 15, 2006, pp. 189-
riências plásticas, a mulher que aí se represen- -198; Fernanda de Castro, Ao Fim da Memória. Memórias
ta desafia todas as coordenadas patentes na obra II [1939-1987], Lisboa, Editorial Verbo, 1988, pp. 16-18;
de ilustração. No segundo, no corpo escondido Maria Helena de Freitas, O Rosto e a Máscara: Auto-re-
presentação na Arte Portuguesa, Lisboa, Centro Cultu-
da obra de Ofélia, revelado pela primeira vez ral de Belém, 1994; Merícia de Lemos, Ofélia Marques:
numa exposição organizada na Galeria de Cola- Álbum de uma menina morta, Catálogo da exposição co-
res, nos anos 1980, e comissariada por António missariada por António Rodrigues, Sintra, Galeria de Co-
Rodrigues, revela-se uma desenhadora irreverente, lares, 1988; Ofélia, 1902-1952, Lisboa, Galeria de S. Fran-
e descobre-se o gosto pela inquirição dos papéis cisco, [1982]; Secretariado de Propaganda Nacional, Ar-
tistas Portugueses, Lisboa, SPN, 1942; Sociedade Nacional
e dos clichés de género, mesmo quando as in- de Belas Artes, Exposição geral de artes plásticas, Lis-
tervenientes são sempre e só mulheres. Indo bas- boa, SNBA, 1946.
tante além da clássica representação das figuras [E. F.]
femininas em cenas de boudoir, Ofélia não receou
mostrar as suas personagens em atos de sedução Ofélia Marques
ou em inequívocas situações de encontros amo- v. Ofélia Gonçalves Pereira da Cruz Marques
rosos homossexuais. Contraponto inquietante e
poderoso às imagens de moda difundidas pelos Olinda Lopes Rodrigues Fernandes
magazines, essa obra secreta de Ofélia contraria Costureira. Filha de Diamantina de Jesus Lopes
a inocência e o lirismo da sua obra “pública”. À e de Daniel Lopes Rodrigues, nasceu em Coim-
margem dos padrões e exigências sociais e cul- bra a 30 de outubro de 1926. Para além de ter tido
turais da época, Ofélia realizou, portanto, uma intervenção no âmbito da delegação de Coimbra
obra literalmente “marginal”, na qual se revela da Associação Feminina Portuguesa para a Paz*,
um traço menos cândido, mais contundente e for- organização a que aderiu por intermédio da pro-
te do que o vulgarmente conhecido. Todavia, mui- fessora Madalena Coelho Marques de Almeida*,
tos mistérios permanecem em torno da sua vida Olinda Rodrigues foi, no mesmo período, entre
e obra, estando por estabelecer um corpus e eter- 1950 e 1952, reconhecida apoiante do MUD Ju-
nizando assim as dificuldades de análise das suas venil. Neste mesmo ano, a 19 de novembro, foi
capacidades e relevância como artista, no pa- presa, juntamente com Virgínia de Faria Moura
norama nacional. A sua obra encontra-se repre- e Palmira da Silva Roque*, na sequência de pro-
sentada nas coleções do Centro de Arte Moder- testos levados a cabo pelos familiares dos presos
na da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, políticos da Fortaleza de Peniche, onde o mari-
e no Museu Municipal Armindo Teixeira Lopes, do estava encarcerado: os detidos estavam em gre-
em Mirandela. ve de fome devido à qualidade da comida servida
e familiares e população reuniram-se junto da pri-
Bib.: Ofélia Marques: ilustrações, Colares, Galeria de Co-
lares, 1990; Oitenta Anos de Arte Moderna Portuguesa, são como forma de denúncia do que se estava a
Lisboa, Galeria de S. Bento, 1988; Segunda exposição de passar. Presa em Caxias, seria libertada, tal
vinte artistas contemporaneos por altura da passagem como as duas companheiras, a 7 de fevereiro de
do primeiro aniversário da galeria, 29 de março 1952- 1953, realizando-se o julgamento somente a 25
-53, [Texto de] Mário de Oliveira, Lisboa, Galeria de Mar- de fevereiro do ano seguinte.
ço, 1953; AA.VV., A Banda Desenhada Portuguesa, 1914-
-1945, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, CAM, 1997; Bib.: Alberto Vilaça, O MUD Juvenil em Coimbra. Histó-
AA.VV., Ofélia Marques: 40 caricaturas, 21 desenhos, Ca- rias e Estórias, Porto, Campo das Letras, 1998, p. 135; Fer-
tálogo da Exposição, Almada, Casa da Cerca – Centro de nando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência,
789 OLI

Lisboa, Edições Avante!, 1991; Joaquim Campino, Histórias feminino, remunerado, exterior ao lar foi algo
Clandestinas, Lisboa, Edições Avante!, 1990; Fernando sempre visto com desconfiança e fortemente de-
Rosas (coord.), Tribunais Políticos – Tribunais Militares
Especiais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o
sencorajado, mas isso não é válido para a gran-
Estado Novo, Temas e Debates, 2009, p. 633. de maioria das mulheres que viveram desde os
[J. E.] tempos pré-históricos até hoje, e não se fala ape-
nas do trabalho doméstico; quando as fontes e os
Olinda Rodrigues estudos nos falam, por exemplo, em campone-
v. Olinda Lopes Rodrigues Fernandes ses no masculino [Duby, 1980] para a Idade Mé-
dia estão por vezes apenas a generalizar uma rea-
Olívia de Almeida lidade que, nos campos, era bem mais rica. O tra-
Atriz. Em 1894, foi em digressão na companhia balho rural da mulher é algo que atravessou os
dirigida por Sérgio de Almeida, seu marido, com séculos e que não pode ser ignorado, assim como
o repertório Van Broust, o Marinheiro, As Sur- em alguns sectores do mundo urbano do traba-
presas do Divórcio e Quem Vê Caras, comédia lho, desde o artesanato ao pequeno comércio, a
em 1 ato de D. Emídio Pastor, imitação de Leo- presença feminina é difícil de ocultar se a não qui-
poldo de Carvalho. sermos esconder voluntariamente [Pérnoud,
1982]. Mas seria com a industrialização que a par-
Bib.: Carlos Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias
de um actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de ticipação das mulheres “do povo” no mercado de
Publicidade, 1950, pp. 57 e 153; Almanaque dos Palcos trabalho se tornou mais visível, porque, como
e Salas, para 1904, Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor, 1903. novo tipo de trabalho que era, deslocado para uni-
[I. S. A.] dades fabris mais ou menos afastadas do domi-
cílio, concorrendo com, mais do que comple-
Operárias mentando, o trabalho masculino, deixou de po-
A questão do trabalho feminino é uma das que der ser ignorado. É bem conhecido o recurso ex-
tem merecido um tratamento menos atento, e tensivo a mão de obra feminina e infantil, por ser
mais vulnerável aos lugares-comuns, do que de- mais barata, por muitos empresários indus-
veria no contexto da pesquisa histórica sobre a triais, sempre que o que estava em causa eram
Mulher. O lugar-comum dominante passa pela funções para as quais não eram necessárias es-
afirmação da dicotomia tradicional mulher/es- peciais qualificações profissionais. Da mesma for-
paço privado e homem/espaço público, da qual ma, é conhecida a animosidade e o combate que,
decorre logicamente que à mulher esteve lon- desde muito cedo, as organizações sindicais,
gamente reservado o domínio da domesticidade maioritária ou exclusivamente formadas por
e das tarefas a ela associadas, enquanto ao homem homens, dirigiram contra o trabalho feminino. Se
estaria reservada a função de ganha-pão e o tra- em termos familiares, no crescente proletariado
balho graças ao qual era conseguido o sustento urbano, o trabalho assalariado das raparigas e mu-
da família mais ou menos alargada. Esta visão é lheres era bem-vindo e ajudava a aumentar o or-
profundamente simplista e como tal profunda- çamento familiar disponível, no plano dos direitos
mente errónea, induzindo quem a ela adere à par- dos trabalhadores que os sindicatos defendiama
tilha de um conjunto de crenças e representações concorrência da mão de obra feminina era uma
do universo laboral feminino que está bem lon- ameaça aos postos de trabalho e aos níveis sala-
ge da realidade efetiva das coisas e que resulta riais. Existe mesmo quem se interrogue se o sé-
de uma série de arquétipos de género elaborados culo XIX não terá sido “o século da operária” [Re-
pela ideologia burguesa dominante desde o sé- bérioux, 1984], embora, pelos números dispo-
culo XIX. A verdade é que, desde tempos ime- níveis, a indústria nunca tivesse sido a principal
moriais, a generalidade das mulheres sempre ocupação feminina no mundo do trabalho: “na
partilhou as tarefas laborais dos homens, prin- maior parte dos países ocidentais em curso de in-
cipalmente no mundo rural pré-industrial [Se- dustrialização, o serviço doméstico ultrapassa-
galen, 1983], mas de igual forma nos espaços va os têxteis como sector empregador das mu-
urbanos e com maior destaque ainda com a lheres. Em Inglaterra, a primeira nação industrial,
industrialização. Existe é a necessidade de dis- 40% das mulheres trabalhadoras, em 1851,
tinguir quem trabalha, onde e em troco de re- eram criadas, enquanto apenas 22% eram ope-
muneração ou não. É certo que, entre os grupos so- rárias têxteis; em França, os números compará-
ciais de topo das hierarquias sociais, o trabalho veis de 1866 eram 22% no serviço doméstico e
OPE 790

10% nos têxteis [...]. Pelo contrário, trabalhavam 1997, I, p. 253]. A verdade é que a condição de
mais mulheres nas áreas “tradicionais” da eco- operária ainda era vista como algo “pejorativo,
nomia do que em fábricas industriais” [Scott, sinónimo de indivíduo sem educação, de mulher
1994, pp. 448-449]. Em Portugal, estas questões perdida, de mãe desnaturada. Os próprios tra-
colocaram-se com um grande desfasamento balhadores as olhavam com desprezo como
temporal em relação às nações ocidentais que ex- sempre à beira de venderem, não só os braços,
perimentaram uma industrialização de primei- mas também o corpo” [citado por Guinote,
ra vaga. Ao longo da maior parte do século XIX, 1997, I, pp. 272-273]. A relação problemática dos
é demasiado prematuro começar a falar-se sequer sindicatos com o operariado feminino seria ain-
de um proletariado ou operariado, quanto mais da um traço comum deste período inicial do mo-
das questões levantadas pela participação femi- vimento operário e sindical português e resultaria
nina nesse sector de atividade. Mas, gradual- exatamente daquilo que era percecionado como
mente, o desenvolvimento industrial foi acon- uma concorrência desleal por parte das mulhe-
tecendo e com ele o aparecimento de um cres- res: “A má situação em que a mecânica veio co-
cente operariado feminino, mesmo quando locar os operários e as dificuldades económicas
(a)parece ignorado quase por completo em alguns das sociedades que de dia para dia caminham
estudos sobre o movimento operário, em virtu- para um desenlace fatal, obriga as mulheres, não
de das próprias limitações das fontes [AA.VV., só das classes operárias como também da baixa
1981; Cabral, 1977]. No entanto, os dados exis- burguesia, a procurar um meio de vida nas in-
tem, certamente de forma esparsa, desde que fo- dústrias e artes, fazendo assim concorrência aos
ram sendo feitos inquéritos à atividade industrial, homens. Examinando bem, vemos que a con-
e não são de acesso especialmente problemáti- corrência das mulheres, em lugar de melhorar a
co a partir do início do século XX, assim como condição económica das famílias piora-as. An-
estão disponíveis nos diversos recenseamentos tigamente em muitas indústrias em que só ho-
que incluem a classificação da população ativa. mens trabalhavam, os salários eram maiores, as
Em Portugal, como em outras paragens, a mobi- mulheres tratavam dos arranjos domésticos a vida
lização dos homens em idade adulta para a Gran- era mais barata. Hoje, a mulher trabalhando jun-
de Guerra de 14-18 significou uma oportunida- tamente com o homem na fábrica já tem que co-
de de ingressar no mundo do trabalho, nem sem- mer na taberna, dá os filhos a criar e dá a fazer
pre de forma voluntária, mas muitas vezes por muitos trabalhos domésticos. Além disso, com
simples necessidade, em virtude da saída do ho- a entrada da mulher na fábrica, baixaram os jor-
mem “ganha-pão” do agregado familiar. De nais, e hoje em dia trabalham os dois para ganhar
acordo com os dados da conhecida Estatística In- tanto quanto outrora ganhava o homem” [José
dustrial de 1917 publicados no Boletim do Tra- Luís Simões em O Eco Metalúrgico, 04/07/1897,
balho Industrial, n.o 116 [Guinote, 1990, p. 190], transcrito em Mónica, 1982, p. 150]. Emílio Cos-
34% da mão de obra na indústria era feminina, ta, que se recusava a ser apresentado como um
sendo que entre os menores de idade era de conservador, não deixaria de reprovar o trabalho
44,6%, mas apenas de 4,8% entre os mestres. Em (operário) feminino com uma argumentação
termos distritais, entre aqueles que tinham um próxima do modelo mental burguês oitocentis-
operariado mais numeroso, a presença feminina ta [Costa, 1928]. Mas muitas queixas eram re-
era bem mais elevada do que a média: em Bra- sultantes da predominância de uma mentalida-
ga com 55,5%, em Faro com 49,7% e no Porto de que, mesmo nos meios operários, era natu-
com 46,8%; neste aspeto, Lisboa ficava algo atrás ralmente misógina e via na emancipação eco-
com apenas 28,5%, valor que descia ainda mais nómica das mulheres um perigo para os papéis
se tomarmos com base de cálculo apenas a cidade masculinos e femininos tidos como tradicionais:
(24,1%). Contudo, o posterior regresso dos sol- “É para lamentar o estado em que se encontra a
dados e a crise económica instalada fariam com indústria corticeira nesta infeliz terra, pois aqui,
que alguns dos ganhos conseguidos fossem de os operários corticeiros estão a ser substituídos
novo perdidos, a menos que a posição fosse man- por mulheres, em especial os quadradores e ro-
tida graças a concessões salariais. Mas essa evo- lheiros. [...] Estamos a ver que daqui a pouco te-
lução, com a retração da participação feminina remos que ir para casa fazer meia, enquanto as
na população ativa, é uma tendência normal na mulheres na oficina se estiolam e morrem de
Europa do período entre as guerras [Guinote, fome” [O Corticeiro, 14/1/1912, transcrito em Mó-
791 OPE

nica, 1982, pp. 140-141]. Muitas das queixas pro- mento sindical nas primeiras décadas do sécu-
vinham do sector corticeiro, onde a mulher ia ga- lo XX [Dias, 2000]. Só que, na generalidade dos
nhando posição, mas um inquérito publicado em casos, a entrada da mulher para o mercado de tra-
1916 sobre a indústria têxtil [Boletim do Traba- balho, em especial o fabril, era feito por impe-
lho Industrial, n.o 105] demonstra como neste sec- rativos de ordem económica, desde a rapariga sol-
tor muitas fábricas recorriam quase em exclusi- teira que se via na contingência de sobreviver,
vo ao trabalho feminino. De acordo com um es- caso os pais desaparecessem ou ficassem inca-
tudioso do movimento operário, muito marcado pacitados de prover o sustento do agregado, até
pela literatura do movimento sindical da cintu- à mulher casada cujo marido não conseguisse as-
ra industrial de Lisboa, “por meados da década segurar o equilíbrio do orçamento familiar. As
de 1920 a questão de uma presença mais maci- consequências negativas eram conhecidas – em
ça da mulher no trabalho fabril torna-se de tal ma- especial a desproteção em que ficavam os filhos
neira evidente que o movimento sindical começa menores –, mas nem sempre existia outra opção.
a ensaiar algumas respostas específicas para o pro- Uma autora que tratou recentemente a presença
blema” [Freire, 1992, p. 179], sendo que essas res- das mulheres no mercado de trabalho em Portugal
postas passavam pela defesa dos direitos sociais [Baptista, 1999] fez a compilação dos dados pu-
e laborais das mulheres (proteção em virtude do blicados nos recenseamentos de 1890 a 1940 e
seu menor poder físico para certas tarefas, direitos permite-nos, dessa forma, acompanhar a presença
relativos à maternidade) que, de forma parado- feminina no total da população e nos vários sec-
xal, as podiam tornar menos atrativas para os em- tores de atividade. Essa presença na população
pregadores, apesar de a sua remuneração ser, por ativa era de 36,4% em 1890, descendo, de acor-
norma, mais baixa. Os números sobre a dispari- do com os censos seguintes, para cerca de 27%
dade salarial entre os trabalhadores dos dois se- até 1930 (embora nesta data chegasse quase aos
xos são bem explícitos: com base numa média ob- 50% se fossem incluídos os familiares que aju-
tida para o período de 1923-32 a partir dos da- davam os respetivos chefes) e para menos de 23%
dos do Boletim do Trabalho Industrial e do Anuá- em 1940 [Baptista, 1999, p. 38]. Estes valores são,
rio Estatístico, no Porto, em 1925, as operárias ga- curiosamente, muito próximos daqueles que
nhavam entre 47% (sector da alimentação, ramos nos são fornecidos sobre a presença de raparigas
dos líquidos) e 79% (sector dos tabacos) dos sa- e mulheres no sector das indústrias transforma-
lários equivalentes dos seus colegas masculinos; doras, de obras públicas e construção: 35,2% em
em Lisboa a variação era menor, mas não mais 1890, 29,7% em 1900, 28,3% em 1920, 21,5% em
favorável, entre 46% no sector do vestuário e 63% 1930 (mas 44,9% se forem incluídas as familia-
no dos tabacos [Guinote, 1997, II, p. 309]. Estes res que auxiliavam o respetivo chefe) e 23,5% em
valores têm um significado duplo, pois, se con- 1940. Em números absolutos isto significava um
firmam que o trabalho feminino era pior remu- conjunto a oscilar entre cerca de 135.000 e
nerado e que podia funcionar como concorrên- 155.000 “operárias”, numa aceção do termo
cia desleal ao trabalho masculino, também de- que tem tanto de inclusiva (muitas destas mu-
monstram que essa concorrência não tinha fei- lheres podiam não o ser propriamente) como de
to descer o salário dos operários. Outro aspeto das exclusiva (pois não contempla situações de tra-
críticas sindicais resultava de as operárias serem balho operário possivelmente classificadas em ou-
tidas como mais conservadoras e de difícil mo- tros sectores). Nas duas maiores cidades do país,
bilização, como denunciariam muitas publicações a situação tinha diferenças substanciais, pois en-
de carácter sindical e seria constatado pela ati- quanto em Lisboa os valores eram inferiores à mé-
vista republicana Ana de Castro Osório junto das dia, no Porto passava-se o inverso. No entanto,
trabalhadoras da indústria conserveira de Setú- é curioso que no censo extraordinário de 1925 rea-
bal [Osório, 1911]. Mas nem todas as vozes sin- lizado nestas cidades a situação se inverte, com
dicalistas seriam desfavoráveis à presença fe- Lisboa a apresentar uma população ativa femi-
minina nas fábricas, e em muitos casos intervi- nina de 44% no sector da indústria transforma-
riam em defesa dos seus direitos e contra os abu- dora contra apenas 34% no Porto. No censo de
sos das entidades patronais [Mónica, 1982, pp. 1930, quando são excluídas as referidas familiares
144-147] ou dos próprios companheiros de tra- que auxiliavam os chefes de família, os valores
balho [Idem, pp. 142-143], e existem mesmo tes- são respetivamente de 21% e 33,8%, contra
temunhos da participação feminina no movi- 43,2% e 49,3% quando são incluídas. O signi-
OPE 792

ficado deste diferencial pode ter várias inter- tão partilhada das diversas responsabilidades e
pretações. Em termos simples, isto pode tradu- funções em presença. Ana Nunes de Almeida re-
zir a grande importância das pequenas indústrias trata esse tipo de famílias operárias, em que to-
de carácter (quase) doméstico em que as mulheres dos trabalham e cooperam numa estratégia co-
surgem como auxiliares e, quase por certo, sem mum de sobrevivência, mesmo quando a mulher
uma remuneração claramente estabelecida. Nes- não trabalhava fora de casa, frequente por exem-
se sentido, não são proletárias assalariadas, em- plo no sector corticeiro: “o grupo doméstico cor-
bora não deixem de desempenhar esse tipo de ticeiro partilha, em primeiro lugar, um espaço fí-
função. Para além disso, isto significa que a po- sico. Este corresponde a um alojamento precário
pulação ativa neste sector, se usarmos uma ace- e apertado, passageiro, em geral alugado, com-
ção abrangente para defini-la, era formada qua- posto de 1, 2 ou no máximo 3 apertadas divisões.
se em 50% por mulheres. A desagregação do sec- Em cada uma destas acanhadas residências
tor da indústria transformadora em subsectores fixa-se contudo um grupo familiar constituído,
só acontece a partir do censo de 1925 para as ci- regra geral, por um casal e os seus filhos soltei-
dades de Lisboa e do Porto e do de 1930 para o ros a que se juntam, por vezes também, um filho
conjunto nacional. Quando isso acontece (1930) casado, um pai viúvo, uma tia solteira. [...] o gru-
é possível verificar que o ramo dos têxteis e ves- po doméstico operário assume plenos poderes na
tuário é o mais feminizado (49% da população gestão da força de trabalho que os vários mem-
ativa, mesmo na aceção mais restrita que exclui bros da família representam, bem como a gestão
as “familiares”), seguindo-se o do tabaco (43%) dos proventos que daí resultam. As modalidades
e o do papel (34%). Aqueles em que se nota uma de entrada de um adulto (homem e mulher) ou
maior diferença entre o valor dos dois tipos de de uma criança no mercado de trabalho, por
cálculo da população ativa era o dos coiros e pe- exemplo, não são um ato isolado mas o resulta-
les (de 39% para apenas 5%), o das madeiras e do da presença de um grupo doméstico capaz de
mobiliário (de 37% para 1%), o da construção ci- produzir uma concertada estratégia de sobrevi-
vil (de 37% para 2%), da metalúrgica, metalo- vência” [Almeida, 1993, p. 96]. Ao contrário do
mecânica e afins (34% para 2%) e o da ener- que seria de esperar, em virtude do retorno a uma
gia/gás, eletricidade e água (de 35% para 2%). Ou ideologia tradicionalista que se aponta como tra-
seja, a mão de obra feminina na indústria é ain- ve-mestra do ideário salazarista, a presença fe-
da maioritariamente usada em pequenas indús- minina no sector industrial e no seio do opera-
trias, domésticas, em que oficialmente só o che- riado não pararia de crescer a partir do pós-guer-
fe é remunerado pelo seu trabalho. A partir de ra e de meados do século XX. Com efeito, durante
1940, só aparecem aparentemente referenciadas o Estado Novo, em especial a partir do momen-
como trabalhando nos diversos sectores as mu- to em que se dá finalmente algum arranque in-
lheres que efetivamente aufeririam um salário, dustrial no país, que se faz sentir com mais im-
mas a tendência global é a mesma no sector dos pacto a partir dos anos 60 – o que coincide com
têxteis e vestuário (64%), assim como no dos ta- a guerra colonial –, mas que abrange desde a dé-
bacos (55%); na indústria do papel existia uma cada de 50 até à de 70, em vez do arquetípico e
redução de 34% para 18%, mas isso era com- mitologizado, em diversos quadrantes, regresso
pensado pela subida verificada nas indústrias quí- da mulher operária ao lar, o que se dá é um mo-
micas (de 12% para 23%), nas da alimentação e vimento diferente, mais próximo de alguma se-
bebidas (de 20% para 29%) e na da cortiça (de gregação profissional no local de trabalho, com
10% para 28%). Em números absolutos, e assu- as funções menos qualificadas e pior remuneradas
mindo a aceção mais curta de operariado como a serem entregues às mulheres (fenómeno já há
apenas operariado assalariado trabalhando fora muito notado e descrito e não apenas para o sec-
do domicílio, em Portugal tinha-se passado de cer- tor industrial): “Na indústria, são destinadas às
ca de 100.000 operárias em 1930 para mais de mulheres as tarefas menos qualificadas, mais par-
130.000 em 1940 [Baptista, 1999, p. 94]. O quo- ticularizadas, repetitivas e monótonas (que ca-
tidiano laboral destas mulheres era extremamente racterizam as montagens em série), com elevada
duro, acumulando com as tarefas domésticas do componente manual, mais sedentárias e ‘menos
lar que continuavam a ter de assegurar na gene- responsáveis’” [Caetano, 1986, p. 390]. O refor-
ralidade dos casos, apesar de no mundo operá- ço da emigração masculina e a ida de muitos ho-
rio se irem inscrevendo algumas práticas de ges- mens jovens para a guerra podem explicar par-
793 OPE

te desse movimento ascendente que se constata de obra assalariada neste sector em 1994) e re-
nas estatísticas disponíveis e que passa pela evi- lativamente reduzido em outros sectores da in-
dência de que “a mulher, cada vez mais, se em- dústria (por regra abaixo dos 30%, no conjunto
prega na indústria, desempenhando assim um pa- da restante indústria). Já em pleno século XXI,
pel importante na produção da riqueza nacional” a tendência parece manter-se, com apenas 22%
[Idem, p. 384], mesmo se o seu emprego é, por da população ativa feminina a ter emprego nas
via de regra, mais precário, pior remunerado e me- indústrias transformadoras, de acordo com os da-
nos qualificado que o dos homens, tendendo a dos do Inquérito ao Emprego de 2000, e a taxa de
concentrar-se nos sectores mais tradicionais, com feminização dos sectores designados como “Ope-
baixos níveis de formação profissional, e estar rários, artífices e trabalhadores similares” e
quase ausente dos novos sectores em ascensão, “Operadores de instalações e máquinas e traba-
como a metalomecânica e a construção e repa- lhadores da montagem” a manter-se nos 22,4%
ração naval. O ambiente típico do operariado fe- e 23,2%, respetivamente [AA.VV., 2004, p. 74,
minino continuaria a ser o do sector têxtil onde, dados obtidos a partir das Estatísticas do Emprego
da península de Setúbal ao vale do Ave, as uni- do INE]. Atualmente, com a crise do sector têx-
dades fabris seriam compostas por quase 100% til em Portugal, o maior empregador de operárias
de operárias, com raros cargos de chefia inter- nos últimos 100 anos, e do seu modelo baseado
média a serem entregues a mulheres e virtual- no trabalho feminino barato, a “proletarização”
mente nenhum cargo de topo. As razões para esta da mão de obra feminina acabou por terciarizar-
situação são por demais conhecidas, e mesmo em -se e deslocar-se tanto para o ramo das empre-
1969 já não passava de repetição escrever-se que gadas de lojas comerciais e de grandes superfí-
“o certo é que se levantam consideráveis obstá- cies, como para o chamado teletrabalho [Rebe-
culos ao trabalho das mulheres, o que inevita- lo, 2002]. Na prática, a figura da operária fabril
velmente tem influência na sua rentabilidade pro- tradicional, como nos foi retratada [Magalhães
fissional, dificultando-lhes, por consequência, o et alli, 1991], tende a desaparecer, mesmo se per-
acesso a posições de relevo. [...] Por outro lado, manecem os seus problemas fundamentais de
na vida profissional, têm elas de lutar contra pre- articulação entre a necessidade de um empre-
conceitos enraizados, que, é certo, subsistem em go e as obrigações de natureza familiar e do-
apreciável medida porque, em regra e pelas ra- méstica [Torres, 2004].
zões que vêm a ser apontadas, as mulheres re- Bib.: AA.VV., Women at Work. Ontario, 1850-1930, To-
velam menores aptidões do que os homens ronto, Canadian Women’s Educational Press, 1974;
para o desempenho de cargos de responsabili- AA.VV., “O Movimento Operário em Portugal”, Lisboa,
dade” [Carlos, 1969, pp. 46-47]. Neste aspeto, as Análise Social, n.o 67-68-69, 1981; AA.VV., “A Mulher
na Sociedade Portuguesa”. Atas do Colóquio, Coimbra,
transformações sociopolíticas operadas pelo 25 Faculdade de Letras – Instituto de História Económica
de Abril de 1974, em particular no plano da ob- e Social, 1986; AA.VV., “Mulheres em Portugal”, Lisboa,
tenção de um conjunto assinalável de direitos so- Análise Social, n.o 92-93, 1986; AA.VV., Becoming Visible
ciais e laborais, não trariam profundas alterações – Women in European History, Boston, Houghton Mif-
flin, 1987; AA.VV., VI Jornadas Interdisciplinarias sobre
ao panorama anterior relativo à presença da mão la Mujer. El Trabajo de las Mujeres – Siglos XIX-XX, Ma-
de obra feminina no sector da indústria trans- drid, Universidad Autonoma de Madrid, 1987; AA.VV.,
formadora. Para além de a maior parte da po- A Igualdade de Género em Portugal 2003, Lisboa,
pulação ativa feminina encontrar-se ainda liga- CIDM, 2004; Alexandre Vieira, “Para a História do Sin-
da à agricultura e ao mundo rural, “os sectores dicalismo em Portugal”, Lisboa, Seara Nova, 1974; Al-
varo Soto Carmona, “Cuantificacion de la Mano de Obra
que em 1980 apresentavam as maiores taxas de Feminina (1860-1930)”, La Mujer en la Historia de Es-
feminização caracterizavam-se por serem os paña. Siglos XVI-XX, Madrid, Universidad Autonoma de
mais arcaicos e de baixa produtividade, por te- Madrid, 1984, pp. 279-298; Ana Nunes de Almeida, A
rem as tarefas mais monótonas e por exigirem um Fábrica e a Família – Famílias Operárias no Barreiro, Bar-
reiro, Câmara Municipal do Barreiro, 1993; Anália Car-
trabalho mais intenso” [Covas, 1993, p. 191]. doso Torres, Vida Conjugal e Trabalho – Uma Perspec-
Acompanhando a evolução da própria estrutu- tiva Sociológica, Oeiras, Celta Editora, 2004; Anne Ma-
ra económica portuguesa, a mão de obra feminina rie Emonts, «Onde Há Galo não Canta Galinha». Discursos
passaria, nas últimas décadas do século XX, di- Femininos, Feministas e Transgressivos nos Anos Vin-
te em Portugal – O Caso do Suplemento Literário e Ilus-
retamente do sector primário para o terciário, trado de A Batalha (1923-1927), Lisboa, ONGCCCIDM,
mantendo-se o operariado feminino circunscri- 2001; Anuário Estatístico [vários anos]; Boletim do
to à indústria têxtil e de calçado (72,5% da mão Trabalho Industrial [vários anos, em especial os n.os 105
ORG 794

e 106]; Censos da População [vários anos]; Dr.a Palma Car- o seu marido Herbert Scoville. Nessa altura co-
los, “A Mulher e o Trabalho”, A Mulher na Sociedade nheceram a Quinta da Bacalhoa, perto de Azei-
Contemporânea, Lisboa, Prelo, 1969, pp. 41-59; Emílio
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poneses – Os primórdios do crescimento económico eu- cuidadoso processo de recuperação e restauro
ropeu (sécs. VII-XII), Lisboa, Estampa, 1980; Glória Re- desse lindíssimo e histórico palácio do século
belo, Trabalho e Igualdade – Mulheres, Teletrabalho e XVI, adquirido em 1528 pelo filho de Afonso de
Trabalho a Tempo Parcial, Oeiras, Celta Editora, 2002;
Georges Duby e Armand Wallon, Histoire de la France Albuquerque. Herbert Scoville morreu em
rurale, tome 1: Des origines à 1340, Paris, Éditions du 1937, pouco tempo antes do trabalho terminar,
Seuil, 1992; Jane Lewis, Labour & Love. Womens’s Ex- mas a mulher continuou a tarefa. Tiveram o cui-
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quistas e Operários. Ideologia, ofício e práticas sociais: teiramente a traça original. Uma das maiores
o anarquismo e o operariado em Portugal (1900-1940), tarefas foi o restauro dos azulejos e recomposição
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ne Rebérioux, “L’ouvrière”, Misérable et Glourieuse – La e servia como piscina. Os jardins também foram
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pp. 59-78; Manuel Villaverde Cabral, O Operariado nas plêndido laranjal que espalhava o seu aroma.
Vésperas da República, Lisboa, GIS/Presença, 1977; Ma-
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“mão invisível” da discriminação sexual no emprego, Lis- dros que se integravam perfeitamente no am-
boa, Afrontamento, 1983; Maria das Mercês de Mendonça biente geral da grande casa. Mrs. Scoville pas-
Covas, “Evolução da participação da mulher portugue- sava todos os verões em Portugal, recebendo os
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Basil Blackwell, 1983; Nuno Luís Madureira et alli, His- restauro realizado. Mrs. Scoville foi mãe de duas
tória do Trabalho e das Ocupações, Vol. I – A Indústria
Têxtil, Oeiras, Celta Editora, 2001; Paulo Guinote, “A So- filhas e um filho. Morreu no palácio.
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-230; Idem, Quotidianos Femininos (1900-1933), Lisboa, [A. V.]
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tidiano (1890-1940), Lisboa, ONGCCCIDM, 1999.
[P. G.]

Organização Feminina de Socorro


v. Segunda Guerra Mundial: mulheres inglesas
residentes em Portugal

Orlena Scoville
Norte-americana, nasceu em Nova Iorque em
1887, vindo a falecer em 1967. Visitou Portugal
pela primeira vez no início da década de 30, com
P
Palmira Alberto Matos ta, no mesmo andar em que tinha havido a hos-
Resistente antifascista, morreu no dia 3 de junho pedaria de Mme. Jules, mãe de Emília Letrou-
de 2009. Participou nas campanhas eleitorais pre- blon*, e faleceu, na mesma cidade, a 31 de ja-
sidenciais de Norton de Matos (1949) e de Hum- neiro de 1888. Era filha da dona da hospedaria
berto Delgado (1958) e manteve militância clan- Bela Estrela, onde residia Bernardino José de
destina no âmbito do Partido Comunista Português. Sena Freitas, escritor dramático e jornalista, ir-
Esteve presa no Forte de Caxias entre 22 de julho mão do cónego Sena de Freitas, que a apresen-
de 1950 e 10 de dezembro do ano seguinte [F. Ro- tou a Xavier de Almeida, empresário do Teatro
sas] e, aquando da sua morte, o jornal Avante! des- do Ginásio. Impressionado com a beleza de Pal-
tacou os “mais de 50 anos de ligação ao Partido”, mira, contratou-a de imediato, estreando-se, em
bem como o apoio dado “a destacados dirigentes”, 1873, na comédia em 1 ato, Dois Homens de
nomeadamente a António Dias Lourenço aquan- Bronze. Saiu de cena por incompatibilidade com
do da fuga da Fortaleza de Peniche em dezembro algumas colegas e voltou para integrar a Empresa
de 1954, sabendo-se que aquele chegou ao Bom- Biester, Brazão & Ca., no Teatro D. Maria II. Ali
barral escondido numa camioneta de transporte fez o papel de “guarda-marinha” em O Botão de
de peixe. Após a Revolução de 25 de Abril de 1974, Âncora, melodrama patriótico em 5 atos de Cé-
manteve atividade política partidária de respon- sar de Lacerda, e A Corte na Aldeia, drama em
sabilidade no concelho do Bombarral e foi asso- 5 atos, imitação da peça Les Ivresses de l’Amour
ciada do Círculo de Cultura Musical Bombarra- de Theodore Barrière, por Mendes Leal. Em
lense. Em reunião ordinária de 30 de junho daquela 1879, foi em digressão ao Brasil, na Empresa Tea-
câmara municipal, foi aprovada por unanimida- tral Emília Adelaide, que regressou em 1880 e
de a seguinte proposta, subscrita por todos os mem- se sedeou no Teatro dos Recreios. Quando
bros do executivo: “considerando que Palmira Al- esta companhia acabou, foi para o Porto, onde
berto Matos, ao longo da sua vida sempre foi uma muito se desenvolveu e agradou em As Duas Or-
defensora da liberdade; considerando que Palmira fãs, drama em 5 atos de Adolphe d’Ennery, tra-
Alberto Matos, como bombarralense, sempre dução de Ernesto Biester, Dora, Teresa Raquin,
prestigiou a sua terra, lutando pelas suas ideias, drama de Émile Zola, Princesa de Bagdad, de
chegando a estar presa em nome da liberdade. Pro- Alexandre Dumas, filho, As Mulheres de Már-
põe-se a atribuição do nome de Palmira Alberto more, de T. Barrière e L. Thiboust, tradução de
Matos a um dos novos arruamentos existentes na César de Lacerda, Mulher de Gelo, Mulher De-
área da vila do Bombarral”. mónio, Sereia, Nasia, A Filha do Mar, drama de
Bib.: Câmara Municipal do Bombarral, “Acta n.o 20/2009 Lucotte (1884), entre outras. Em 1887, veio para
– Reunião ordinária de 2009.06.30”; Fernando Rosas o Teatro do Príncipe Real, em Lisboa, onde, já
(coord.), Tribunais Políticos – Tribunais Militares Espe- muito doente, representou e foi muito aplaudida
ciais e Tribunais Plenários durante a Ditadura e o Estado em Naná, drama de Emílio Zola. Inteligente e
Novo, Temas e Debates, 2009, p. 642; “Camaradas Fale-
cidos – Palmira Matos”, Avante!, 18/06/2009, p. 10.
educada, lia e falava fluentemente francês.
[J. E.] Frequentava a boémia lisboeta.
Bib.: António Sousa Bastos, Recordações de Teatro, Lis-
Palmira Bastos boa, Editorial Século, 1947, pp. 105-106; Gustavo de Ma-
v. Maria da Conceição Martinez de Sousa tos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Pu-
blicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967,
Bastos p. 346; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Tea-
tro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 300.
Palmira Bastos Cruz [I. S. A.]
v. Maria da Conceição Martinez de Sousa
Bastos Palmira Cristina da Trindade Monteiro
Professora. Filha de Ricardo Henriques Monteiro
Palmira Beatriz Ferreira e de Maria Cristina da Trindade, nasceu em Lis-
Atriz conhecida por “Palmira loura”. Nasceu em boa a 22 de janeiro de 1852 e faleceu em Cas-
Lisboa a 4 de fevereiro de 1859, na Rua da Pra- cais a 13 de dezembro de 1921. Colaboradora do
PAL 796

Almanaque das Senhoras, foi professora par- Palmira Ferreira


ticular do ensino primário. Atriz. Nasceu a 20 de dezembro de 1878. Iniciou
Fonte: Informações gentilmente prestadas por João Al- a carreira artística no Teatro do Príncipe Real de
miro, descendente de Palmira Monteiro. Lisboa, a 17 de junho de 1898, na peça Casar
para Morrer. Passou para o Teatro do Ginásio,
Palmira da Silva Roque onde fez os papéis de “Laura” em A Bisbilho-
Filha de Maria da Silva Couceiro e de José Ro- teira (1900), de Eduardo Schwalbach, “Arene”,
que, nasceu na freguesia de Matos, Marinha Gran- em Cinematógrafo, comédia em 3 atos, de
de, a 17 de julho de 1925. Companheira do ope- Acácio Antunes, “Renata”, em O Outro Sexo,
rário vidreiro da Marinha Grande e militante co- “Amélia”, de Uma Aventura de Viagem, co-
munista Francisco de Jesus de Sousa, o “Gani- média em 1 ato de Roberto Bracco, tradução de
ço”, foi presa com ele e a filha recém-nascida Lambertini Pinto, “Luísa”, em O Bode Expia-
numa casa clandestina, em Valongo, a 10 de mar- tório, comédia, adaptada do alemão por Freitas
ço de 1950, saiu em liberdade condicional em Branco, “Josefina” e “Aurora”, em O Ninho de
31 de agosto e, quando julgada no ano seguin- Cupido, comédia burlesca em 3 atos, adaptação
te, foi absolvida. Nessa mesma década, integrou, do alemão por Freitas Branco, e “Maria”, na es-
com outras mulheres de presos políticos do For- treia de A Grande Bolha, comédia em 3 atos, imi-
te de Peniche, o grupo que acompanhava as lu- tação do alemão por Xavier Marques (1904). Evi-
tas daqueles em momentos críticos, daí resul- denciou-se também nas comédias Trapalhadas
tando nova prisão em 19 de novembro de 1952, do Baptista, em 1 ato, de Pedro Pinto, e Salta-
com Virgínia de Faria Moura e Olinda Rodri-
-pocinhas, em 3 atos, de Carlos de Moura Ca-
gues*: recolheu ao Forte de Caxias, foi libertada
bral (1902).
mediante pagamento de caução em 7 de fevereiro
de 1953 e, julgada em 25 de fevereiro do ano se- Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
guinte pelo 2.o Juízo Criminal de Lisboa, voltou tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 196;
Ápio Garcia, Palmira Bastos – A primeira-dama da cena
a ser absolvida. Aderiu formalmente ao Partido portuguesa, Lisboa, Editora «JAL», 1965; Joaquim Ma-
Comunista em 1974 e militou na organização da dureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Fer-
Marinha Grande. Em 2005, por despacho con- reira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 483; “Teatros –
junto n.o 1062/2005 da Presidência do Conselho Foi neste dia...”, O Século, 29/01/1952 e 31/01/1956,
de Ministros e dos ministérios das Finanças e da p. 4.
[I. S. A.]
Administração Pública, foi-lhe recusada a pen-
são por méritos excecionais na defesa da liber-
dade e da democracia. Faleceu a 17 de março de Palmira Garrafão
2009, com 83 anos de idade. Operária com a 2.a classe, nasceu em 1922, em
A-dos-Loucos e começou a trabalhar aos 11 anos
Fontes: “Despacho conjunto n.o 1062/2005”, Diário da
República – II Série, n.o 239, 15/12/2005, pp. 17413-17414. na fábrica da Juta – Sociedade Têxtil do Sul, Lda.
Bib.: Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascis- Casou aos 21 anos pelo registo civil, tendo tido
ta, Presos Políticos no Regime Fascista V – 1949-1951, um filho. O marido, José Luís Garrafão, militante
Mem Martins, 1987, pp. 171-174; Fernando Miguel Ber- comunista a trabalhar na fábrica do Cimento
nardes, Uma Fortaleza da Resistência, Lisboa, Edições
Avante!, 1991; “Camaradas falecidos – Palmira da Sil- Tejo, esteve envolvido nas greves de 8 de maio
va Roque”, Avante!, n.o 1843, 26/03/2009, p. 20. em Alhandra e participou na marcha da fome,
[J. E.] que culminou com a sua prisão em Caxias, sem
que lhe tivesse sido aberto qualquer processo ou
Palmira do Carmo Martins fosse sujeito a julgamento. Antónia Balsinha in-
Militou, na década de 1910, na Associação de Pro- cluiu o seu nome no estudo pioneiro que fez so-
paganda Feminista e converteu-se ao espiritismo bre o papel das mulheres de Alhandra na re-
filosófico, científico e experimental, tornando- sistência ao fascismo nos anos 40, tendo-a en-
-se, em 1923, sócia do Centro Espiritualista Luz trevistado a 30 de maio de 2000. Faleceu a 15
e Amor*, o qual resultou do alargamento do Gru- de outubro de 2000.
po das Sete, fundado em 1916 por Maria Veleda*.
Residia então em Setúbal. Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
Bib.: O Futuro, n.o 2, outubro, 1923, pp. 30-31. sência, 2005.
[N. M.] [J. E.]
797 PAL

Palmira Kersprung zo, em 3 atos, de Carl Laufs, tradução de Frei-


Atriz. Em 1893, foi em digressão pelas provín- tas Branco, Hotel de Livre Câmbio, em 3 atos, ori-
cias com Guilhermina de Macedo*. ginal de Georges Feydeau, tradução de Carlos de
Bib.: António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia Moura Cabral, nas estreias de Trapalhadas do
Costa Sanches, 1923, p. 62. Baptista (1902), em 1 ato, de Pedro Pinto, O Sal-
[I. S. A.] ta-pocinhas (1902), em 3 atos, de Carlos de Mou-
ra Cabral, e nos dramas O Estigma (1905), de Ra-
Palmira Martins mada Curto, Saltimbanco, em 4 atos, de Antó-
v. Maria da Conceição Martinez de Sousa nio Ennes, e O Papá Lebonard, em 4 atos em ver-
Bastos so, de Jean Aicard, tradução em prosa de Manuel
Penteado e Luís Galhardo. Fez os papéis de “Au-
Palmira Martins de Sousa Bastos rora”, em Grande Bolha (1904), comédia em 3
v. Maria da Conceição Martinez de Sousa atos, original alemão traduzido por Xavier Cos-
Bastos ta, “Amélia”, em Uma Aventura de Viagem, “Luí-
sa”, em O Bode Expiatório, comédia adaptada
Palmira Pimenta do alemão por Freitas Branco, “Renata”, em O
Atriz conhecida por “Palmira dos pés pequenos”. Outro Sexo, “Arene”, em Cinematógrafo, co-
Representou num teatrinho de amadores mui- média em 3 atos de Acácio Antunes, e “Beatriz”,
to famoso, denominado Teatro Therpsicore, em O Ninho de Cupido, comédia burlesca em 3
que ficava na Rua Marcos Portugal, à praça das atos, adaptação do alemão por Freitas Branco. Re-
Flores, de que era arrendatário Luís Costa. Teve solveu dedicar-se ao drama, pelo que passou para
uma relação amorosa com o ator Marcelino Fran- a Companhia Luís Ruas, no Teatro do Príncipe
co. Entrou em Quem Desdenha, comédia em 1 Real, onde muito agradou nos papéis principais
ato de Pinheiro Chagas, O Homem de Ouro de Feiticeira e A Tosca, ambas de Victorien Sar-
(1886), drama de Mendes Leal, Dois Estudantes dou, O Templo de Salomão, traduzido do fran-
no Prego (1886), comédia, ao lado de António Pi- cês por Mendes Leal, Quinto Mandamento, de
nheiro, e numa récita promovida pela comissão Afonso Gaio, A Severa, de Júlio Dantas, e “Fan-
de amadores dramáticos. Fez parte do elenco de Fan”, em Dois Garotos (1906), drama em 2 par-
atores amadores que inaugurou o Teatro Folies tes e 8 quadros de Pierre Decourcelle, traduzi-
Dramatiques, em 1887, com Abel e Caim, co- do por Guiomar Torrezão. Entrou para o D. Ma-
média drama, em 3 atos, de António Mendes ria II e foi muito aplaudida no papel de “Mor-
Leal. No ano seguinte, foi ao Teatro da Rua das ta”, em À Margem do Código (1910), peça em 3
Trinas fazer A Ordem É Ressonar, farsa em 1 ato atos de Luís Barreto da Cruz. Esteve no Teatro
de César Rocha. República (antigo D. Amélia), onde representou
Bib.: António Pinheiro, Coisas da Vida, Lisboa, Tipografia parte do seu repertório e Grand Guignol e O
Costa Sanches, 1923, p. 60; Eduardo Fernandes (Escu- Apóstolo, tragédia moderna em 4 atos, de Pau-
lápio), Memórias, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, lo Hyacinthe Loyson (1912). A 12 de outubro de
1940, p. 75; O Recreio, Lisboa, 2.a série, n.o 4, 18/09/1886;
“Ecos dos Espectáculos”, 4.a série, n.o 15, 21/11/1887,
1912, pertencia à Sociedade Artística do Teatro
e 5.a série, n.o 9, 09/04/1888. Nacional, quando era comissário do Governo Au-
[I. S. A.] gusto de Castro e sob gerência do ator Joaquim
Costa. Ali ficou 20 anos e foram marcantes as
Palmira Sottomayor da Costa Torres suas representações nos papéis “Maria”, em Má
Atriz. Nasceu no Funchal, ilha da Madeira, a 19 Sina (1912), drama em 3 atos de Bento Mântua,
de novembro de 1877 (ou 1879) e faleceu em Lis- na festa do ator Luís Pinto, “Isabel”, em O Sol
boa a 20 de fevereiro de 1965. Iniciou a carrei- da Meia Noite (1912), peça alemã em 3 atos, tra-
ra aos 15 anos, no Teatro Taborda e, ainda como dução de Freitas Branco, “Marta”, em A Marcha
atriz amadora, representou, em Reguengos de Nupcial (1913), de Henri Bataille, em que foi
Monsaraz, a protagonista da tragédia D. Judeu Jó- aplaudida triunfalmente, e nas peças Noite de
natas, muito aplaudida pelo conde de Monsa- Calvário (1913), de Marcelino Mesquita, e Vir-
raz. Estreou-se como atriz profissional na Com- gem Louca (1914), de Henri Bataille. Nesse ano,
panhia José Joaquim Pinto, no Teatro do Giná- foi com a companhia do Teatro Nacional ao Tea-
sio, a 24 de março de 1900. Ali entrou em pa- tro Sá da Bandeira, no Porto, representar Se-
péis de “ingénua” nas comédias Doidos com Juí- gundas Núpcias, de Ramada Curto. No regres-
PAL 798

so, fez Mártires do Ideal (1915), em 4 atos, de Au- mas adoção exclusiva do nome do marido. As-
gusto de Lacerda. Continuou a brilhar no re- sim, se bem que o código civil português ante-
pertório do teatro, salientando-se em Náufragos rior a 1976 o autorizasse expressamente no seu
(1925), peça em 3 atos de Fernanda de Castro, artigo 1675.o (que dizia na primeira alínea: “a
Abade Constantino (1925), comédia que Cré- mulher tem o direito de utilizar os nomes do ma-
mieux e Decourcelle extraíram do romance do rido até que o divórcio tenha sido pronuncia-
mesmo título, tradução de Pinheiro Chagas, e no do ou, em caso de viuvez, até segundas núp-
papel de “Tia Celarina”, em Ave de Rapina cias”), a adoção do apelido do marido não era
(1927), drama rural em 3 atos de Américo Du- praticada, salvo algumas exceções. No segui-
rão. Reformou-se pela Caixa de Subsídios e Re- mento de alterações sofridas pelo Código Civil
formas dos Antigos Societários do Teatro Na- em 1976, foi introduzido um novo artigo per-
cional D. Maria II. O Dictionnaire Encyclopé- mitindo igualmente ao homem casado acres-
dique du Théâtre refere-se a Palmira Torres como centar um ou dois dos apelidos da esposa aos
atriz do Teatro Moderno (1905), em que a lin- seus; ou seja, o artigo 1677.o (“Direito ao
guagem cénica, em tom natural, próxima da con- nome”) do código renovado passou a estipular,
versação, beneficiou da influência da tournée do na sua primeira alínea, que “cada cônjuge con-
Théâtre-Libre de Antoine a Portugal. serva os seus próprios apelidos, mas pode jun-
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- tar-lhes os do outro até dois no máximo”. Con-
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 286; tudo, a alteração da lei não proporcionou real
Carlos Santos, Cinquenta Anos de Teatro, Memórias de mudança jurídica em relação às mulheres,
um actor, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Pu- dado sempre terem podido optar pelo nome do
blicidade, 1950, p. 182; Grande Enciclopédia Portuguesa
e Brasileira, vol. XXXII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial
marido (segundo o Código Civil anterior a
Enciclopédia, Lda. s.a., pp. 253-254; Idem, Actualiza- 1976), mas regra geral não o fazerem por pre-
ção, vol. X, p. 400; Gustavo de Matos Sequeira, O Car- ferirem conservar o seu exclusivamente. A no-
mo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais vidade reside unicamente no facto de, desde en-
da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, p. 364; Joaquim tão, também os homens terem a possibilidade
Madureira (Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa,
Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, p. 483; J. M. Tei- de acrescentar ao seu nome de solteiros o ape-
xeira de Carvalho, Teatro e Artistas, Coimbra, Impren- lido da esposa (o que na generalidade não acon-
sa da Universidade, 1925, p. 214; Luiz Francisco Rebello tece). Assim, até há pouco tempo, indiferente
(dir.), Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Edi- às possibilidades legais, a mulher portuguesa
tora, 1978, pp. 239-245; Luís de Oliveira Guimarães, Jú- guardava intacta a memória da sua saga fami-
lio Dantas, Lisboa, Liv. Romano Torres, 1963; Maria
O’Neill, Almanaque das Senhoras para 1914, Lisboa, Par- liar ao conservar o seu estatuto patronímico ex-
ceria António Maria Pereira, p. 329; Michel Corvin, Dic- clusivo de solteira: os apelidos da mãe e do pai.
tionnaire Encyclopédique du Théâtre, Paris, Bordas, Porém, este panorama tem vindo a alterar-se por
1991, p. 672; O Ocidente, Lisboa, n.o 1123, 20/02/1912, influência estrangeira, precisamente no senti-
pp. 39-40; O Século, 31/03/1925; “Teatros – Foi neste
dia...”, O Século, 29/01/1952, p. 4, 06/01/1956, p. 7, do que as feministas europeias tentam contra-
31/01/1956, p. 4, e 15/02/1960, p. 6. riar nos seus países. De facto, acontece, desde
[I. S. A.] há algum tempo, que uma certa categoria de mu-
lheres casadas, pertencentes sobretudo às clas-
Palmira Torres ses médias urbanas, passou a optar pelo acres-
v. Palmira Sottomayor da Costa Torres cento do último nome do marido aos seus ape-
lidos de solteira. Presentemente, como conse-
Parentesco no Feminino quência desta nova tendência, pode mesmo
1. A memória patronímica ancestral da mulher acontecer que, para adicionar o apelido do ma-
casada. Uma das particularidades culturais rido aos seus, a mulher casada se veja obriga-
do contrato matrimonial português residia, até da a eliminar um dos seus para admitir o do es-
há pouco tempo, no facto de a maioria das mu- poso, dado o código do registo civil não permitir
lheres casadas não acrescentar ao seu nome de um número superior a quatro apelidos. O uso
família um dos apelidos do marido. Tal permitia anterior parece não ter sido alheio ao direito de
a continuidade de duas linhas de descendência troncalidade que durante muito tempo vigorou
separadas: a masculina e a feminina – contra- em Portugal e o qual preservava a independência
riamente à maioria dos restantes países euro- das linhas de consanguinidade de cada cônju-
peus, onde em alguns casos não há acrescento ge, tanto relativamente ao nome como aos
799 PAL

bens de família. Este direito português tinha tume consiste, nestes países, em privilegiar a ou-
como consequência possível, em caso de fale- torga do nome de família aos filhos por via mas-
cimento de um dos cônjuges sem deixar des- culina exclusiva. Ora, se em Portugal a filiação,
cendência, fazer remontar em linha reta os bens como no resto da Europa, é de tipo dito cogná-
do defunto, voltando estes assim à situação de tico, ou seja, o parentesco paterno e materno (o
partida. Deste ponto de vista, os bens patrimo- conjunto dos agnatos e dos uterinos) é reco-
niais da mulher casada falecida tinham, tal como nhecido indiferentemente pelos filhos (em di-
os do marido, a prerrogativa de regressar à sua reitos, deveres e obrigações inerentes), uma das
linhagem de origem. Paralelamente a este mo- originalidades do sistema de parentesco por-
delo parece correr, sem que dele haja necessa- tuguês consiste, precisamente, por um lado, no
riamente qualquer casualidade, a modalidade absoluto paralelismo entre as vias masculina e
de outorga do nome de família da mulher aos feminina, relativamente à descendência e, por
filhos, conjuntamente com o do marido. 2. A ou- outro, na forte inflexão matrilinear das relações
torga do nome de família feminino aos filhos. parentais. O paralelismo entre filiação e des-
A importância do papel da mulher relativamente cendência corresponde, em Portugal, a um
às características da filiação e da descendência uso consignado implicitamente na lei há mui-
em Portugal, segundo o modelo de transmissão to tempo, na medida em que, anteriormente a
do nome de família aos filhos, corresponde, sem 1976, o Código Civil português limitava-se a es-
dúvida, a uma prática original na Europa [Ar- tipular (segundo o artigo 1877.o, intitulado “O
mindo dos Santos, “Le nom reçu et le nom don- direito ao nome”, do capítulo “Efeitos da filia-
né du domaine portugais – comparaison avec ção”) que os filhos fariam uso dos apelidos dos
quelques modèles européens”, Ethnologie Fran- pais, nos limites impostos pelo registo civil. Es-
çaise, 1999]. Mas antes de ir mais longe é ne- tes limites reportavam-se unicamente à quan-
cessário esclarecer a diferença entre filiação e tidade máxima possível de quatro apelidos trans-
descendência, na medida em que, segundo missíveis aos filhos, respeitando uma certa or-
certos antropólogos, os dois aspetos consubs- dem de atribuição; inversamente, o número de
tanciariam realidades distintas; ou seja, a dis- prenomes não devia ir além de dois. Quanto ao
tinção justifica-se plenamente por a filiação es- resto, “O direito ao nome” era interpretado como
tabelecer a associação dos filhos a cada uma das o direito que a criança tinha de adquirir um ou
linhas ascendentes dos progenitores (nas so- vários apelidos de entre os diferentes nomes de
ciedades ocidentais pelo nome de família), família de ambos os progenitores. Pouco im-
enquanto a descendência nem sempre é evi- portava se a criança recebia um maior número
denciada, em parte ou no seu todo, por um ato de apelidos do pai ou da mãe, com a condição
de filiação. À parte o exemplo evidente da ado- que lhe fosse atribuída a marca de cada um de-
ção e de numerosas sociedades extraeuropeias, les. Pela ocasião da revisão do Código Civil em
é também o caso da grande maioria dos países 1976, necessariamente adaptado à nova vida de-
do Norte da Europa, contrariamente à Península mocrática, muitos dos aspetos importantes do
Ibérica e em particular a Portugal. De facto, a nor- Direito – designadamente no que diz respeito
te dos Pirenéus, a filiação é assinalada pelo nome às relações entre cônjuges – foram totalmente
exclusivamente pela linha de descendência mas- redefinidos no espírito da igualdade dos sexos.
culina (patrilinear, na linguagem do antropólogo E em conformidade implícita com as novas dis-
do parentesco), não deixando a linha feminina posições constitucionais, um dos aspetos jurí-
[de descendência] registo da sua memória, dicos reconsiderados contemplou precisamen-
pelo facto de o nome de família da mulher não te a atribuição do nome aos filhos. O novo ar-
ser outorgado aos filhos e assim se perder com tigo 1875.o, agora designado por “Nome do fi-
ela. Tal, mesmo nos países onde a legislação pre- lho”, estipula no seu primeiro parágrafo que po-
tende, como em Portugal, ser neutra em relação dem ser outorgados à criança os apelidos do pai
aos dois sexos e deixar a ambos os cônjuges a e da mãe conjuntamente ou atribuir-lhe exclu-
liberdade de escolha do nome de família a trans- sivamente o de um deles. É neste parágrafo que
mitir (como na Alemanha, Áustria, Dinamarca, reside a novidade jurídica, podendo admitir a
Noruega, etc.), fruto em alguns casos de antigas expressão de costumes locais, contrários ao mo-
reivindicações feministas. Porém, na prática, in- delo geral de transmissão do nome, que se en-
diferente às várias oportunidades legais, o cos- contravam impossibilitados de se manifestar até
PAL 800

à reforma do Código Civil. Ora tal não parece su- religiosa –, o nome da filha casada guardava exa-
ceder. Pelo contrário, a particularidade portu- tamente o modo tecnonímico de referência à
guesa continua a materializar-se como no pas- mãe, conservando o vocábulo “da”. A referên-
sado, por um lado, pela outorga do patroními- cia é dupla, neste caso, dado remeter igualmente
co feminino aos filhos, paralelamente ao mas- para uma alusão à “Virgem da Conceção”. Para
culino, e assim a preservar a memória de uma as filhas segundas, as madrinhas eram recruta-
parte do parentesco ascendente da mulher; e, por das de preferência na colateralidade feminina
outro, pela preeminência das relações com os da mãe, entre as irmãs desta, as quais, outor-
parentes maternos [a este respeito ver, desig- gando os seus prenomes às sobrinhas, faziam va-
nadamente, para o caso do Alentejo, José da Sil- riar, ao mesmo tempo que preservavam, os di-
va Picão, Através dos Campos – Usos e costu- ferentes prenomes da fratria feminina. O se-
mes agrícolo-alentejanos, 1983; e, para a Beira gundo prenome dado era o mesmo para todas
Baixa, Armindo dos Santos, Heranças – Estru- as filhas, significando que este exercia de fac-
tura agrária e sistema de parentesco numa al- to o papel de matronímico. Seguindo este mo-
deia da Beira-Baixa, 1992]. 3. A diversidade ru- delo, só a filha mais velha possuía a mesma iden-
ral tradicional da filiação. Porém, ao lado do tidade que a avó materna: ou seja, os mesmos
modelo nacional padrão de descendência (o ha- dois prenomes cuja ordem alternava forçosa-
bitualmente consignado no registo civil), correm mente à medida do desenrolar das gerações. Des-
usos locais que configuram ainda outros mo- te modo, as filhas não recebiam o nome de fa-
delos de pessoalidade feminina e onde se pode mília do pai, o qual estava reservado exclusi-
constatar a relevância do papel da mulher por- vamente aos filhos varões. Com efeito, todos os
tuguesa no parentesco. Assim, no passado, an- filhos rapazes possuíam o apelido do pai. Pelo
tes e fora do registo civil de Estado, no univer- mesmo princípio de apadrinhamento praticado
so camponês do país, a maioria das mulheres em relação às filhas, o avô paterno tinha igual-
não possuía patronímicos (ou matronímicos), mente o direito implícito de apadrinhar e de atri-
conforme se pode constatar nos registos paro- buir o seu prenome ao neto primogénito. In-
quiais de casamento e de sepultura. Não pos- versamente, os filhos segundos eram apadri-
suindo patronímicos não os podiam transmitir nhados de preferência pelos irmãos do pai, que
e marcar com eles a sua descendência em lhes davam o seu prenome. Nestas condições,
qualquer das duas linhas sexuais de filiação (do só o filho primogénito possuía o prenome e o
filho e da filha). No entanto, faziam-no em li- apelido do seu avô, tal como só a filha mais ve-
nha feminina de descendência com os seus pre- lha tinha os prenomes da sua avó materna. In-
nomes, graças ao mecanismo dos apadrinha- versamente, o filho e o pai não possuíam o mes-
mentos. Com efeito, mercê do sistema de apa- mo prenome. Existiam, portanto, dois nomes
drinhamentos, a avó materna tinha o direito im- próprios em circulação: o do pai e o do avô, que
plícito de se constituir madrinha da sua primeira alternavam em função dos apadrinhamentos. Foi
neta saída da filha mais velha e de lhe dar o seu possível evidenciar, na Beira Baixa rural tradi-
prenome (nome próprio) no momento do ba- cional, a existência de duas linhas sexuais de
tismo. Durante a infância, esta neta era desig- filiação pelo nome, que designei de androlinear
nada pelo prenome recebido da avó e, de forma (de homens para homens) e ginolinear (de
tecnonímica, pelo primeiro prenome da sua mãe. mulheres para mulheres). Cada uma destas li-
Ou seja, se ela se chamasse Maria e a sua mãe nhas sexuais subdivide-se entre primogénitos
Joana, designavam-na como “a Maria da Joana”. e benjamins – as linhadas sexuais primogéni-
No momento do seu casamento, o prenome da tas fundando, deste modo, duas raízes identi-
mãe ficava associado ao prenome de batismo da tárias de referência distintas das benjamins. Por
filha e inscrito no registo sem o artigo “a” e sem sua vez, graças ao mesmo sistema, as linhadas
a preposição “da”. Estes dois prenomes passa- benjamins podiam fundar igualmente raízes
vam assim a constituir a identidade da filha ao identitárias primogénitas, reiniciando o sistema
longo de toda a sua vida de adulta – sob a for- que acabou de se ver.
ma do exemplo dado, “Maria Joana”. Por vezes,
quando o significado dos prenomes da mãe e da
filha se prestava – como, por exemplo, a forma
tecnonímica “Maria da Conceição”, de referência
801 PAL

Dupla transmissão do nome A representação rural da consanguinidade: o


na Beira Baixa rural tradicional índice “carne” e o índice “sangue”. No caso da
Beira Baixa referido, foi ainda possível consta-
tar que o sistema da dupla transmissão do nome,
segundo o sexo, se encontra reforçada pela re-
presentação local da consanguinidade. Segun-
do esta, a criança é pensada como uma des-
continuidade física direta da mãe, como um des-
prendimento evidente do seu corpo, ou seja, da
sua “carne”. Inversamente, o pai não tem este
papel, contribuindo apenas com o seu “sangue”.
Não é que a mãe não concorra com o seu san-
gue, pois a “carne” não é concebida sem sangue,
mas este não passa, na representação sobre a con-
sanguinidade, de um índice secundário em re-
lação ao elemento “carne”, que assume, assim,
o papel de índice principal. Desde logo, uma
criança é suposta encontrar-se dotada de um ín-
dice materno (a “carne”) e de um índice pater-
no (o “sangue”). Assim, constituem-se impli-
citamente duas vias de descendência: uma via
O registo civil (instituído em 1832) não alterou feminina e uma via masculina. As mulheres
localmente estas práticas que, como no passa- transmitem infinita e exclusivamente o índice
do, continuam a ser relativamente as mesmas, “carne” através das filhas, e os homens o índi-
se bem que atualmente já não dependam do apa- ce “sangue” ilimitada e exclusivamente, através
drinhamento costumeiro dos avós. De facto, a dos filhos; ou seja, na segunda geração, a filha
identidade íntima e antiga das linhadas, inter- não transmite o “sangue” do pai à sua descen-
na ao meio aldeão, não estorva em nada a iden- dência (o qual será transmitido pelo seu mari-
tidade administrativa do registo civil, esta úl- do) e, inversamente, o filho não transmite a “car-
tima sendo posterior àquela e servindo unica- ne” da sua mãe (a qual será transmitida pela sua
mente para se movimentar na sociedade na- esposa). Uma das consequências reside no fac-
cional. As práticas antigas restam tanto mais ati- to de a representação da filiação estruturar o mo-
vas quanto mais permanecem os principais ele- delo de transmissão do nome segundo o sexo:
mentos de funcionamento aldeão, como, por de forma ginolinear, as filhas recebendo os pre-
exemplo, a tendência para a residência matri- nomes das respetivas mães; e de forma andro-
local interaldeã. Este tipo de residência matri- linear, os filhos recebendo os apelidos dos res-
monial, em que as mulheres estão espacialmente petivos pais. Estas razões, articuladas com a for-
fixas e os homens se deslocam, conduz a que te tendência matrilocal da residência matri-
elas não sintam necessidade de se referir entre monial (quando o marido vai viver para a aldeia
si a patronímicos, dado interconhecerem-se des- da esposa), dão à mulher rural uma existência
de sempre localmente pelos seus prenomes. Em própria que lhe permite estruturar-se no espa-
contrapartida, os seus maridos possuem a mar- ço aldeão (contrariamente aos homens, que se
ca da sua exterioridade ao local: o patroními- encontram espacialmente deslocados). 3.2. A re-
co. A nomeação por um apelido significa a ex- sidência matrimonial. A residência matrilocal
terioridade à aldeia e, eventualmente, a sua ori- é muito comum em Portugal entre aldeias, a par
gem geográfica. Graças a esta marca, os homens da residência neolocal das grandes vilas. Mas
conseguem estruturar mentalmente as suas re- mesmo nestas, quando os cônjuges têm prove-
ferências identitárias dispersas no espaço pelo niências diferentes é fácil constatar a preferência
tipo de residência. Tudo indica que o modelo de residência na vila ou cidade de origem da es-
que acaba de ser descrito não se limita à Beira posa. Naturalmente, esta tendência nada tem de
Baixa rural tradicional. Outras observações, mais rígido, só se realizando se a instalação no local
ou menos completas, tendem a confirmar prá- de origem da esposa oferecer condições de vida
ticas semelhantes noutros locais de Portugal. 3.1. razoáveis. Mas ela não deixa de ser preferencial
PAL 802

sempre que possível. Até há pouco tempo, em paro, a companheira tais artimanhas urde e em-
meio rural de economia agrícola, este tipo de re- prega que, em geral, não os aceita em casa, ou
sidência tinha grandes consequências relativa- se aceita é em termos tais que os necessitados
mente aos bens herdados pelas mulheres e pe- fogem de semelhante hospitalidade, preferindo
los maridos nas suas respetivas localidades de mendigar. O dono da casa revolta-se contra a de-
origem. A residência matrilocal conduzia a que sumanidade da esposa, mas ela acaba por con-
as mulheres conservassem intactas as suas ter- vencê-lo de que não há tal [...]. E o marido, à for-
ras e os maridos se vissem constrangidos a ven- ça de ouvir essas endrominas, acredita-as ou fin-
der as suas, sobretudo quando tinham ido viver ge acreditá-las. Se lhe ficam remorsos e deseja
para longe e se tornava impossível explorá-las. passar por bom filho, concilia as coisas, prote-
Em vista da sua saída do local de nascimento, gendo os seus com alguns cobres. De portas
os homens tendiam a herdar terras periféricas adentro não os pode ajudar. Seria uma guerra
à casa de morada (terras de sequeiro, vinha, sil- viva. Em casa só entra à franca a família dela.
vopastoris, etc.) enquanto as suas irmãs, por per- A dele passa à roda. Quando muito, entra de fu-
manecerem no local, tendiam a receber a casa gida e por cerimónia, por motivo de doença, ca-
de morada e as terras próximas desta (hortas, ter- samento ou morte.” [Picão, 1983: 164-165] O
ras de milho, etc.). Deste modo, os homens, para processo de preferência das relações matrila-
além de se encontrarem já pouco estruturados terais é facilitado pela residência matrilocal,
territorialmente, ficavam ainda numa relativa de- dado um indivíduo conviver mais com os pa-
pendência em relação às esposas, na medida em rentes da mãe e menos com os do pai, que vi-
que trabalhavam e viviam das terras mais pro- vem noutro local. Do mesmo modo, este indi-
dutivas que as esposas tinham herdado, em ge- víduo tem uma relação mais próxima com as tias
ral, de suas mães. 3.3. A inflexão matrilinear e seus maridos do que com os tios consanguí-
das relações parentais. Outra consequência des- neos, que em princípio terão ido viver para fora.
ta visão biforme da consanguinidade reside em 4. Prováveis raízes históricas da filiação fe-
existir comummente, tanto em meio rural como minina em Portugal. O sistema relatado pare-
em meio urbano português, uma diferença en- ce ter raízes que mergulham profundamente no
tre relações de parentesco matrilaterais e pa- tempo. Com efeito, segundo o que se pode de-
trilaterais. Aliás, o provérbio “os filhos da mi- duzir da investigação de Robert Durant [1982]
nha filha meus netos são, os do meu filho o se- sobre a Idade Média em Portugal, é possível no-
rão ou não”, não significa apenas desconfian- tar nesta época distante a existência de linha-
ça em relação à nora, indica também a direção das femininas paralelamente às masculinas. As-
das relações, e o facto de ser enunciado mostra sim, as características descritas mais acima me-
que a preferência relacional não tem um carácter recem ser colocadas em paralelo com o que foi
completamente inconsciente. De facto, regra ge- possível notar a R. Durant em Portugal, entre o
ral, em Portugal, um indivíduo tem tendência Douro e o Tejo, na Idade Média, para inferir uma
a conhecer melhor o seu parentesco matrilate- certa continuidade desde então. O autor cons-
ral e frequentar preferencialmente os parentes tata, relativamente ao vocabulário do parentesco
do lado materno. E, dentro desta categoria, pre- português, que, nos séculos XII e XIII, o lado pa-
ferir os de sexo feminino aos de sexo masculi- terno e o lado materno eram diferenciados: o tio
no. Assim, por exemplo, quando alguém da pro- e tia paternos eram designados, respetivamen-
víncia se desloca à cidade, tende a escolher, sem- te, pelos termos latinos patrus e amita, opon-
pre que possível, um parente do lado materno do-se terminologicamente ao tio e tia maternos,
e de sexo feminino (uma irmã, uma tia mater- chamados avunculus e matertera ou avuncula.
na, uma prima materna) para se alojar ou visi- E é possível que os termos consobrini e frater
tar em primeiro lugar. Com a maior acutilância patruelis tenham servido para distinguir os pri-
e humor, José da Silva Picão chamou a atenção mos paralelos maternos (filhos de irmãs da mãe)
para este comportamento ao referir, a propósi- dos primos paralelos paternos (filhos de irmãos
to do Alentejo rural, o seguinte: “Se a mulher do pai) [a experiência social levou os antropó-
tem pai, mãe ou irmãos inválidos ou precisados logos a distinguir os primos paralelos (relação
de amparo, o seu lar alberga-os e o marido não entre filhos de irmãos de mesmo sexo) dos pri-
estranha, antes estima. Mas se é ele que tem as- mos cruzados (relação entre filhos de irmãos de
cendentes ou irmãos a carecerem de asilo e am- sexo diferente)]. Naturalmente, estas distinções
803 PAU

terminológicas entre parentes maternos e pa- no sentido de bens próprios femininos) com a
ternos não têm qualquer equivalente no voca- de património. Para terminar, a questão que pode
bulário do parentesco atual, mas parecem in- ser colocada é de saber se a filiação patrilinear
dicar, desde a Idade Média, duas linhas paren- se afirmou verdadeiramente em detrimento da
tais diferentes, de importância provavelmente filiação matrilinear ou paralelamente a esta. In-
desigual. clino-me em favor da segunda hipótese, que o
autor, aliás, reforça quando sublinha que a fi-
Terminologia latina do parentesco entre o liação patrilinear não faz desaparecer a filiação
Douro e o Tejo nos séculos XII e XIII matrilinear, mas faz sobretudo nascer a ideia de
matrimónio separada da de património. Eis um
tema pouco tratado, e aqui rapidamente exa-
minado, mas que evidencia um contexto de afir-
mação feminina pelo facto das mulheres por-
tuguesas ocuparem um espaço parental im-
portante que lhes permitiu não só não serem
afastadas dos bens familiares consistentes,
como também a possibilidade de participarem,
de modo ativo, na gestão desses mesmos bens,
incluindo, no passado, a faculdade de instituí-
rem vínculos patrimoniais sob a forma de mor-
gadios.
Bib.: Armindo dos Santos, Heranças – Estrutura agrá-
ria e sistema de parentesco numa aldeia da Beira Bai-
xa, Lisboa, 1992; Idem, “Le nom reçu et le nom donné
du domaine portugais – comparaison avec quelques mo-
dèles européens”, Ethnologie Française, Paris, 1999; José
da Silva Picão, Através dos Campos – Usos e costumes
agrícolo-alentejanos, Lisboa, 1983; Robert Durant, Les
Campagnes Portugaises entre Douro e Tage aux XIIe e
XIIIe siècles, Lisboa, 1982.
Esta diferença caracteriza-se por uma inflexão [A. d. S.]
preferencial em favor do lado materno, se con-
siderarmos como significativa a maior proxi- Paula Maire
midade fonética (e gráfica) dos termos que de- Atriz, também conhecida por Paula Meire. Fi-
signam os colaterais maternos (irmãos da mãe), lha dos bailarinos Nicolau Maria Maire e de sua
acabados de indicar, comparados com os termos mulher Manuela Maire e irmã de Maria Luísa
que designam os parentes da linha direta as- Maire*, que fazia parte da companhia dos ca-
cendente paterna. Também no que diz respei- valinhos. Foi bailarina e boa malabarista, ha-
to à origem dos bens, o autor relevou alusões a bilidosa em jogos de olhos e com uma bela voz.
ascendentes femininos (à mater, avia e proavia) Transitou do circo para o teatro, onde se estreou,
e esta insistência na linha materna encontra- como bailarina, a 13 de novembro de 1845, na
-se reforçada por certas formas de indicar a fi- peça mímica Os Salteadores de Vitré, no Novo
liação, mesmo se esta é definida sobretudo em Ginásio Lisbonense, uma barraca construída à
função do pai. O autor nota ainda que, em cer- pressa e sem condições, na Travessa do Secre-
tos casos, a referência é nitidamente matrilinear tário da Guerra, hoje Rua Nova da Trindade,
(pelas mulheres), sobretudo quando se trata de inaugurada a 12 de outubro de 1845, e desde
bens de “origem cognática” (tudo leva a crer que logo se rodeou de muitos admiradores. Por essa
o autor utiliza a antiga definição do termo: pa- altura, vivia na Rua da Condessa. Em 1846, o
rentes consanguíneos em linha materna). Con- Teatro do Ginásio passou a denominar-se Tea-
tudo, R. Durant pensa que, no século XII, a fi- tro Nacional Lisbonense e Paula Maire integrou
liação patrilinear pelos homens se afirma em de- a companhia, fazendo parte do espetáculo de es-
trimento da filiação matrilinear, sem contudo treia, o melodrama Os Fabricantes de Moeda Fal-
fazê-la desaparecer; tal, quando se conjuga a re- sa, de César Perini de Lucca, professor no Con-
ferência à noção de “matrimónio” (certamente servatório, e da ópera cómica em 1 ato A Gri-
PAU 804

nalda (1851), de Scribe e Adam. Estava no Gi- Pepa Martins de Abreu Melo Vieira
násio em 1893. Em 1895, ainda era viva e resi- Atriz, escritora e jornalista. Usou o nome artís-
dia na Rua da Rosa, em Lisboa. Na juventude, tico de Pepita de Abreu. Nasceu em Lisboa, na
fora raptada pelo Dr. Manuel Emauz. freguesia de S. José, a 6 de julho de 1890, e fa-
Bib.: Eduardo de Noronha, Estroinas e Estroinices, De- leceu na mesma cidade a 17 de julho de 1962.
cadência do Conde de Farrobo, Lisboa, Edição Roma- Filha da atriz Emília de Abreu*, devia o nome
no Torres & Ca., 1922, p. 150; João Pinto de Carvalho, a sua madrinha, a atriz Pepa Ruiz*. Estreou-se na
«O Velho Ginásio», Lisboa de Outros Tempos, T. 1. Fi- carreira artística no Teatro da Rua dos Condes,
guras e Cenas Antigas, Lisboa, Livraria de António Ma- no papel de “Infanta Beatriz”, em Inês de Cas-
ria Pereira, Editor, 1898, pp. 166-177; Gustavo de Ma-
tos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Pu- tro, drama de Maximiliano de Azevedo. Em 1905
blicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, ou 1907 escriturou-se na companhia do ator Por-
1967, pp. 157 e 303. tulez, no Teatro do Príncipe Real, no Porto, e de-
[I. S. A.] pois fez parte de várias companhias de teatro
declamado, em Lisboa e nas ilhas. Foi para o Bra-
Paula Meire sil em 1919, no elenco da Companhia Maria Ma-
v. Paula Maire tos, onde se demorou até 1946, data em que apa-
receu no Teatro das Variedades, integrada na
Paulina Pereira Campelo Companhia Vasco Santana, donde transitou
Filha de João Cândido de Morais Campelo e de para o Teatro da Trindade. No Rio de Janeiro, foi
Hermenegilda Pereira Campelo, natural da fre- redatora das publicações Jornal do Comércio e
guesia e concelho de Vila do Conde, residente, Boa Noite. Escreveu as revistas Boa Tarde e Mato
com sua mãe, no Bairro Ocidental do Porto. Sol- de Arlequim e traduziu as comédias francesas
teira, à data da sua candidatura ao ensino se- Asas Partidas e Missa do Galo, representadas no
cundário feminino nos novos liceus, em 28 de Rio de Janeiro. Em 1956, fundou, em parceria
março de 1890, propõe-se para professora au- com César Viana, o Círculo de Divulgação Tea-
xiliar da cadeira de Língua Francesa. Junta ao tral, destinado à representação exclusiva de pe-
seu processo certificados que atestam que Pau- ças originais portuguesas, de que foi encenadora.
lina Campelo realizou os seguintes exames: ins- Depois de 27 anos de carreira artística, casou com
trução primária elementar no dia 31 de maio de o coronel Melo Vieira. Peças do seu repertório:
1886, ficando aprovada com distinção (passa- as revistas O Sarilho, de Eduardo Fernandes (Es-
do pelo secretário interino da Câmara Munici- culápio) e Baptista Machado, música de Rio de
pal de Vila do Conde); admissão aos liceus, em Carvalho, em que cantou o tango brasileiro; ABC,
8 de junho de 1880, no Liceu Central do Porto, de Ernesto Rodrigues e Acácio de Paiva, músi-
tendo sido admitida com 14 valores; no Liceu ca de Del Negro e C. Calderon; Pai Paulino, de
Nacional de Braga, Português (passagem, 1.o ano), Eduardo Rodrigues, Félix Bermudes e Pereira
a 19 de julho de 1880, tendo sido aprovada; Por- Coelho; Pó de Perlimpimpim, de Eduardo Ro-
tuguês (classe, 2.o ano), a 6 de agosto do mesmo drigues, Félix Bermudes e André Brun; Peço a
ano (ficou também aprovada com distinção); Palavra!, de João Bastos e Álvaro Cabral, músi-
Francês (passagem, 1.o ano), a 20 de julho de ca de Del Negro e A. Coelho; Tangerinas Mági-
1887, aprovada; Francês (classe, 2.o ano) com dis- cas; O Homem da Bomba, vaudeville em 3 atos,
tinção. Em anexo encontra-se um atestado de tradução de Gervásio Lobato e Mendonça e Cos-
bom comportamento passado pelo administra- ta, música de Freitas Gazul; Semana de Nove
dor do Bairro Ocidental do Porto, Francisco Dias, de Ernesto Rodrigues e Félix Bermudes; A
Mendes de Araújo. Casta Susana, em 3 atos, de J. Okonkowsky, mú-
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
sica de J. Gilbert, tradução de E. Nascimento Cor-
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. reia; Testamento da Velha, farsa musicada de D.
[A. C. O.] João da Câmara e Gervásio Lobato, música de Ci-
ríaco Cardoso; Bocácio, ópera cómica em 3 atos
Pedro de Sousa traduzida por Eduardo Garrido, música de F. de
Pseudónimo de Ana Augusta Plácido*. Souppé; Jogo Franco; Lenda do Fole; Mulata; Ca-
pital Federal, de Artur de Azevedo; Hotel de Li-
Pepa Martins vre Câmbio, comédia de George Feydeau, tra-
v. Pepa Martins de Abreu Melo Vieira dução de Pedro Moura Cabral; Carrasco de Se-
805 PEP

vilha; Sopa no Mel; Pato, de George Feydeau; In- sa Bastos, Boa Noite, S. Simão, Fúria de Amor,
ferno; Alfaiate de Senhoras; O Afilhado da Ma- música de Freitas Gazul, e Último Figurino, zar-
drinha; Pecados da Juventude. zuela em 1 ato, tradução de Francisco Palha, no
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- Teatro Fénix Dramático daquela cidade. Esteve
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 5; no Teatro dos Recreios, em Lisboa, onde repre-
Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro sentou as operetas O Periquito, A Arquiduque-
Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 18; Grande En- sa, em 3 atos, Salamandra (1884) e A Propósi-
ciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. I, Lisboa/Rio de
Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda. s.a., p. 123; Hilda
to (1884), em 1 ato. Depois de outra digressão ao
Agnes Hübner Flores, Dicionário de Mulheres, Porto Ale- Brasil, regressou em 1885, estreando-se no Tea-
gre, 1999, p. 16. tro da Trindade, onde representou Os Sinos de
[I. S. A.] Corneville, opereta em 3 atos e 4 quadros de Clair-
ville e Gabet, música de Planquette, e Mascote,
Pepa Ruiz ópera cómica em 3 atos de Chivot e Doru, mú-
Estrela de opereta e de teatro de revista. Filha de sica de E. Andran, ambas traduzidas por Eduar-
artistas, nasceu em Badajoz (Espanha), em do Garrido, obtendo um estrondoso êxito. Pas-
1859, e faleceu, no Rio de Janeiro, a 1 de outu- sou pelo Teatro dos Recreios, onde fez O Juízo
bro de 1923. Veio para Portugal, ainda criança, do Ano (1888), revista em 3 atos de Argus (pseu-
com a mãe e uma irmã, de nome Matilde, que dónimo de António de Meneses), Ignotus (Sou-
era corista numa companhia de zarzuela. Estreou- sa Bastos) e Pan-Tarântula (Morais Pinto), mú-
se, aos 12 anos, no Teatro do Príncipe Real, em sica de Rio de Carvalho; Teatro Avenida, onde
Niniche, vaudeville em 3 atos de Millaud & Hen- protagonizou Nitouche (1888), vaudeville, tra-
nequin, tradução de Sousa Bastos, música de dução de Gervásio Lobato e Urbano de Castro e
Francisco Alvarenga, e revelou, desde logo, gran- música de Hervé, Navalha e O Homem Rico de
de vocação teatral. Aos 16 anos, fazia-se notar Celorico, imitação de Gervásio Lobato e Acácio
no Teatro da Rua dos Condes, cantando uns cou- Antunes (1888). No final deste ano, estava en-
plets numa Revista do Ano, que eram bisados e tre as atrizes que se estrearam no novo Teatro da
repetidos tantas vezes que a deixavam extenuada. Rua dos Condes, Companhia Sousa Bastos, e ali
Depois disso, desapareceu de cena e reapareceu foi a estrela de Tim-Tim por Tim-Tim (1889), re-
no Teatro Baquet, do Porto, onde representou, vista em 3 atos de Sousa Bastos, música de Plá-
já em português, algumas mágicas. Fazia parte cido Stichini, em que fazia 14 papéis, e prota-
do elenco de A Pata da Cabra, última peça a ser gonizou A Filha do Tambor-Mor (1891), ópera
representada no Teatro Trindade do Porto antes cómica com música de Offenbach. Seguiu, de-
do incêndio, a 16 de junho de 1875. Em 1879, pois, com a companhia em digressão pelo Al-
estreou-se no Teatro do Príncipe Real, em Lis- garve. Nesse ano, surpreendeu com os couplets
boa, no papel de “peixeira”, na peça de costu- em assobio, em Recordação de Tam-Tam, de Sou-
mes populares Intrigas de Bairro, uma paródia sa Bastos, música de Filipe da Silva, celebrou a
em verso às óperas cómicas, em 2 atos, original sua festa artística com a 192.a representação da
de Luís de Araújo, com música de Eugénio Mon- revista Tim-Tim por Tim-Tim e foi figura de des-
teiro de Almeida. De seguida, entrou para o tea- taque em Fim de Século (1892), revista de Sou-
tro de revista dirigido por Sousa Bastos, com sa Bastos, música de Rio de Carvalho. Quando
quem passou a viver maritalmente, tornando- regressou de outra digressão pelo Brasil, em fi-
se vedeta de todas as peças por ele escritas. En- nais de 1893, princípios de 1894, apareceu no
tre 1879 e 1880, integrou o elenco que Sousa Bas- Teatro da Trindade em Os 28 Dias de Clarinha,
tos levou ao Brasil. Regressaram e, no Teatro do opereta em 4 atos de H. Raymond & A. Mars, tra-
Príncipe Real, Pepa entrou em O Povo (1880), dução de Gervásio Lobato e Acácio Antunes, mú-
drama popular musicado por Ângelo Frondoni, sica de Victor Roger, e em Duo de la Africana,
O Demónio Negro (1881), drama marítimo de peças em que foi delirantemente aplaudida. Es-
grande espetáculo em 5 atos, Estreia de Uma tava a representar O Burro do Senhor Alcaide
Atriz (1881), vaudeville onde demonstrou bri- quando foi afastada, juntamente com Mercedes
lhantes dotes no género, todos de Sousa Bastos. Blasco*, por Sousa Bastos, então empresário do
Com a mesma companhia, foi em digressão ao teatro, para lançar Palmira Martins (que seria de-
Rio de Janeiro, nas épocas de 1881/1882, e al- pois Palmira Bastos*), por quem se havia apai-
cançou êxito nas zarzuelas traduzidas por Sou- xonado. Pepa foi então para o Brasil, esteve no
PEP 806

Teatro Politeama Baiano, na Empresa Silva 274, 398, 406 e 408; Luiz Francisco Rebello, História do
Pinto, onde atuou, em 1897, ao lado de Medina Teatro de Revista em Portugal, 1. Da Regeneração à Re-
pública, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1984; Mercedes
de Sousa, no Teatro Sant’Ana e no Teatro Recreio Blasco, Caras Pintadas, Lisboa, Portugália Editora,
Dramático do Rio de Janeiro, onde era primei- 1923, pp. 83-86; Idem, Memórias de Uma Actriz, Lisboa,
ra figura e societária. Em 1899, estava em Lisboa Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907; Pedro Cabral, Relem-
e dirigia a Companhia do Teatro Avenida, onde brando... Memórias de teatro, Lisboa, Livraria Popular,
entrou nas óperas cómicas Viagem de Susete, tra- 1924; Rafael Ferreira, Da Farsa à Tragédia – Teatros, cir-
cos e mais diversões de outras épocas, Porto, Domingos
duzida por Eça Leal, e Mulher Polícia, traduzi- Barreira Editor, 1943, p. 34; Tomaz Ribas, O Teatro da
da por Esculápio e realizada por Salvador Mar- Trindade, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1993, p. 33; O
ques, em que apareceu em travesti, já muito gor- Palco, Lisboa, n.o 3, 05/02/1912, p. 39.
da e deformada, ao lado de Amélia Avelar* e Ci- [I. S. A.]
nira Polónio*, que cantava (1899). Voltou ao Bra-
sil e foram muito louvadas as suas atuações em Pepita de Abreu
Cá e Lá, revista em 3 atos e 11 quadros de Tito v. Pepa Martins de Abreu Melo Vieira
Martins e B. de Gouveia, música de Chiquinha
Gonzaga, Alfredo Keil e Cinira Polónio (1904, Perpétua Rosa dos Santos
com reprises em 1906, 1907 e 1908). Em 1912, Nasceu em 1874 e faleceu a 28 de julho de 1945.
representava no Teatro Municipal do Rio de Ja- Costureira do guarda-roupa Cruz, na Rua de S.
neiro, ao lado de Cinira Polónio e Adelaide Cou- Roque, trabalhou nos cortejos históricos de Lei-
tinho*, onde foram muito aplaudidas nas peças tão de Barros e entrou nos filmes Maria do Mar;
O Canto sem Palavras, do brasileiro Roberto Go- Pupilas do Sr. Reitor; Severa; Bocage; Maria Pa-
mes, Os 28 Dias de Clarinha e O Conde de Mon- poila; e Varanda dos Rouxinóis.
te Cristo, drama de Alexandre Dumas, tradução Bib.: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
de Silva Leal. Em Lisboa, viveu na antiga Tra- Vol. XXVII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopé-
vessa do Secretário da Guerra. Gostava de aju- dia, Lda., s.a., p. 379.
[I. S. A.]
dar, monetariamente, quem a ela recorria. Fixou
residência no Brasil. Companheira do grande ator
Cristiano de Sousa, ambos morreram naquele Phélita Corrêa
país e na miséria. Guiomar Torrezão considera- v. Maria Ofélia Freire de Oliveira Corrêa
va que a atriz tinha graça espontânea, dizer aga-
rotado, era petulante, tinha desenvoltura e a su- Prostituição
prema arte de frisar o couplet, fazendo viver e A prostituição tem sido uma atividade longamente
palpitar a malícia da intenção. Todos a consi- associada ao universo feminino. Mesmo quando
deravam uma atriz de grande vivacidade e foi isso esteve longe de ser correto ou, como tem vin-
muito estimada pelo público. do a acontecer desde as últimas décadas do sé-
culo XX, quando a variante masculina passou a
Bib.: Afonso Ruy, História do Teatro na Bahia, Séculos
XVI-XIX, Publicações da Universidade da Bahia, 1959,
ganhar uma crescente visibilidade, a prostituição
pp. 50-51; Ângela Reis, Cinira Polónio, a Divette, Rio de surgiu sempre em estreita associação com a mu-
Janeiro, Arquivo Nacional, 1999; Américo Lopes de Oli- lher. O que se segue procura ser uma breve his-
veira, Dicionário de Mulheres Célebres, Porto, Lello & Ir- tória e caracterização dessa associação durante os
mão, Editores, 1981, p. 1146; Armando Martins, O Tea- séculos XIX e XX, com destaque para períodos
tro Moderno, Porto, Livraria Simões Lopes, s.a.; António
Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Im- como o da segunda metade do século XIX, em que
prensa Libânio da Silva, 1908, p. 11; Francisco António a prostituta se tornou um dos “tipos sociais” mais
de Matos, “Pepa Ruiz” [c/ retrato], O Recreio, Lisboa, n.o em voga no imaginário de uma sociedade burguesa
7, 18/05/1891, pp. 97-98; G. B., Tardes e Noites, n.o 4, progressivamente fascinada/atemorizada pelas
05/12/1897, p. 1 [c/ retrato]; Grande Enciclopédia Por- “classes perigosas”, ou como o do segundo quar-
tuguesa e Brasileira, vol. XXVI, Lisboa/Rio de Janeiro,
Editorial Enciclopédia, Lda., s.a., p. 371; Guiomar Tor- tel do século XX, em que, entre nós, se ensaiou
rezão, “Rumores dos palcos”, Ribaltas e Gambiarras, Lis- com algum empenho uma política de regula-
boa, série 1, n.o 17, 02/04/1881, p. 133; Guiomar Torre- mentação de eficácia muito relativa, antes de se
zão, “Pepa” [c/ retrato à pena, por Pastor], Almanaque abandonar por completo tal pretensão, na se-
das Senhoras para 1893, Lisboa, Redacção do Almana-
que das Senhoras, 1892, p. 114; Gustavo de Matos Se-
quência do debate sobre as melhores formas de
queira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa, Publica- conter a propagação das doenças infectoconta-
ções Culturais da Câmara Municipal de Lisboa, 1967, pp. giosas, entre as quais as venéreas. 1. A criação de
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uma mitologia (até c. 1850). Embora as referên- tro nevrálgico da cidade, o Rossio funcionava
cias à prostituição como atividade reconhecida como ponto de confluência e cruzamento dos di-
sejam mais frequentes para a cidade de Lisboa ou versos tipos de crimes, em que desordens, roubos
para as maiores cidades portuárias do reino, essa e prostituição coexistiam com o mais variado tipo
presença encontra-se um pouco por todo o lado, de transgressões. Em 5 de maio de 1838 seria pu-
do espaço urbano ao rural, até aos inícios do sé- blicado um edital em que se procuraria limitar a
culo XIX. No entanto, apesar da atenção ante- área de atuação das prostitutas, proibindo-as de
riormente merecida, só no século XIX a prosti- habitar em casas “próximas de templos, passeios
tuição ou as prostitutas vão ganhar uma dimen- ou praças”, mas, apesar da regulamentação que
são quase mítica enquanto um dos “tipos” mais se lhe seguiria, a sua efetiva implementação nun-
marcantes da sociedade oitocentista, em Portu- ca aconteceria verdadeiramente. Ainda no mes-
gal como um pouco por todo o mundo atlântico mo ano, um Regulamento Policial e Sanitário para
ocidental. Recorrendo aos verbetes com os registos Obviar os Males Causados à Moral e à Saúde pela
diários de ocorrências na cidade de Lisboa, da Prostituição Pública criaria a classificação, que se
Guarda Real da Polícia, para o início do século veio a tornar tradicional nas obras de muitos au-
XIX, é possível recuperarmos um pouco de um tores, que dividia as prostitutas em três categorias,
quotidiano que só algumas décadas depois viria “segundo o seu luxo”, assim como as casas de pas-
a merecer análise mais detalhada. Os elementos se, “segundo a sua ostentação”. Mas como é na-
disponíveis encontram-se num conjunto de 46 pe- tural, nesses tempos, a maioria das mulheres que
quenos livros de índices, constituídos por resu- vendiam os prazeres do seu corpo faziam-no de
mos em forma de verbetes, existentes no IAN/TT, forma muito precária. Inclusivamente nas ruas,
e que cobrem, embora com intervalos intercalares, em zonas mais ou menos discretas, ou até junto
o período que vai de janeiro de 1809 a novembro aos cais e zonas portuárias, em momentos de aflu-
de 1819. Infelizmente, apenas se encontram da- xo de marinheiros em busca de amores rápidos.
dos completos para os anos de 1809 e 1817, en- A discrição nem sempre seria apanágio destes atos
contrando-se todos os restantes com várias la- indecorosos, e não faltam, no início de Oitocen-
cunas, impedindo um seu tratamento sistemáti- tos, repetidas menções à necessidade de ação po-
co. Para o caso de 1809 encontramos perto de 1500 licial por excessiva evidência das obscenidades
infrações, distribuídas por cerca de cinco cente- de que muitos se queixavam. No dia 1 de julho
nas de locais, embora parte deles possa corres- de 1809, é presa Paula do Carmo “por haver sido
ponder a designações diversas de um mesmo pon- encontrada naquela noite em uma escada da Rua
to. Na amostra recolhida, a prostituição surge com do Ouro, praticando acções desonestas”; dias de-
uma frequência abaixo da esperada (apenas 6%), pois, é a vez de Joana Rosa e Rosa Gil seguirem
atendendo às constantes diatribes que muitos au- o mesmo caminho, por estarem cometendo “ac-
tores mais tarde irão lançar sobre o fenómeno, de- tos indecorosos” em plena Praça da Figueira, si-
nunciando a sua proliferação por toda a cidade. tuação similar àquela em que é apanhada Ana Rita
Mas, para além daquele valor, constata-se o en- numa escada da Rua da Prata com três indivíduos,
volvimento frequente de muitas prostitutas em ou- em 5 de agosto. A 10 de setembro, Maria Rosa e
tros tipos de desordens (ameaças e insultos, de- um marujo são presos por estarem “praticando ac-
sordens e agressões, etc.). Os momentos em que tos escandalosos e com o maior despreso da vi-
se verifica a maior incidência de crimes corres- sinhança e dos transeuntes” que passavam pela
pondem aos momentos de feira em algumas das Rua dos Douradores [IAN/TT, verbetes da Guar-
zonas da cidade, como Belém, a Praça da Alegria da Real da Polícia relativos às ocorrências dos res-
e o Campo Grande, que, nesses momentos, co- petivos dias]. Os maiores efetivos femininos na
nheciam um grande acréscimo do seu nível ha- prostituição provinham das classes populares e
bitual de infrações, com o deslocamento, que se nem sempre era muito o que as separava daque-
percebe nos registos, de elementos indesejáveis las mulheres que os moralistas não hesitariam em
(prostitutas e ladrões) para estes focos de convi- considerar decentes. A morte dos pais, uma se-
vialidade e de maior aglomeração de pessoas. Em dução amorosa precoce, provocando uma even-
termos espaciais, do Terreiro do Paço ao Passeio tual gravidez, o abandono por parte do marido ou
Público, são muito frequentes os casos de pros- amante, o despedimento no emprego, a impos-
tituição (Ruas do Ouro e da Prata). Na zona da Bai- sibilidade de encontrar ocupação ao chegar à ci-
xa reconstruída, com uma marcada função de cen- dade, são alguns dos possíveis antecedentes na
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vida das mulheres que depois se prostituíam pe- do temor as investidas masculinas. No entanto,
las ruas, nas hospedarias e casas de passe ou que alguns modernos meios preventivos de uma
enfileiravam as internas de alguns estabeleci- gravidez indesejada começavam a circular, a par
mentos mais disciplinados a que alguns chama- com práticas de carácter mais tradicional que al-
vam “colégios” e que contavam com a supervi- guma sabedoria popular transmitia, permitindo
são de uma patroa, muitas vezes uma antiga pros- que algumas mulheres vivessem de forma mais
tituta que soubera gerir os proventos da sua ati- plena a sua sexualidade e, com isso, fossem re-
vidade. Muitas, em proporção que é difícil calcular legadas para um plano de menoridade moral. E
com rigor, exerciam o seu “vil comércio” de for- é isso exatamente que acaba por se passar com es-
ma regular, mas outras apenas a ele recorriam oca- sas fadistas, cuja voz e corpo, olhos faiscantes e
sionalmente, em circunstâncias de maior neces- negro cabelo refulgente enredavam de forma má-
sidade. Algumas, que muitas vezes se confundiam gica todos aqueles que julgavam capazes de as con-
com prostitutas, não passavam de mulheres com quistar, como era cantado em fados sem conta. Mas
uma vida sexual não reduzida a uma monogamia se nem todas as fadistas se podiam considerar me-
matrimonial e que, como muitos homens, se en- retrizes, muitas eram as que viviam num espaço
volviam em aventuras amorosas e carnais fre- indefinido, muito próximo da marginalidade; a
quentes, sem que isso implicasse necessariamente Barbuda, mãe da Severa, era “mulher de faca na
contrapartidas materiais por parte dos seus par- liga, cabelinho na venta e língua de prata, uma fa-
ceiros. Seria o caso, por exemplo, da “fadista”, ou- distona que pedia meças às mais decididas, tri-
tra figura da mitologia boémia oitocentista que vi- gueira e mal-encarada – um estafermo” [Carvalho,
via pelas tascas e outros circuitos da boémia lis- 1982, p. 67]. A Gertrudes Preta, a Maria Justina,
boeta, mas que dificilmente se deveria confundir a Maria Madeira, a Rosa Capalheira, a Cochicha
com uma meretriz. No século XIX era estranha iriam mais longe, entrando claramente pela pros-
para muitos a ideia de que uma mulher pudesse tituição, tornando-se “raccrocheuses notáveis
fruir livremente, pelo simples prazer, a sensua- por se esmaltarem de todas as taras da meretri-
lidade do seu corpo, sem que isso implicasse uma zação, por viverem na miséria pouco odorífera dos
contrapartida pecuniária ou fosse sintoma de dis- amores fadistas, e cujos nomes figuram na crónica
solução moral. Eram muitos os que associavam dissoluta” [Idem, pp. 69-70]. Em 1841 surge o pri-
a uma imperfeição moral e a uma animalidade, meiro grande estudo nacional sobre a prostitui-
não devidamente controlada, a satisfação feminina ção e aquele que funcionaria longamente como
das suas paixões carnais: “procurando a princi- modelo ou como fonte para os que se lhe segui-
pio occultar a força de uma paixão dominante, tra- riam. Francisco Ignácio dos Santos Cruz inau-
va-se uma lucta no dualismo physico e moral da guraria uma moda na produção ensaística nacional
mulher, em que perecem todos os sentimentos de com o seu estudo sobre a prostituição em Lisboa,
dignidade e de pudor, e em que se inflammam e herdeiro direto de obra similar sobre a cidade de
exaltam todas as fórmas de vicio, vencendo a na- Paris, divulgada em 1837 por Parent-Duchatelet.
tureza, inteiramente despreoccupada e solta do Nele são detalhadamente expostas considerações
influxo moralisador da consciencia, vencida sobre os mais variados aspetos relacionados
pelo absolutismo da necessidade natural” [Lúcio, com o quotidiano do meretrício lisboeta e com a
1887, pp. 16-17]. Se a repressão dos apetites se- caracterização social, fisiológica e psicológica da
xuais masculinos era encarada de forma ambígua, prostituta, enquadrando-se tudo isto com re-
teoricamente desejável mas pouco praticável trospectivas históricas do fenómeno no mundo e
pela força dos imperativos fisiológicos, na mulher da legislação que sobre ele foi sendo produzida.
a castidade era vista (ou proposta) como algo na- Tipologia dos locais destinados à prostituição, sua
tural e a sexualidade como uma eventualidade a distribuição espacial, origem social das prostitutas,
que ela só se sujeitava a custo. Fruto do desco- respetivos hábitos e costumes, características fí-
nhecimento da própria fisiologia e dos meios de sicas, policiamento, prevenção da difusão de doen-
impedir a natalidade, os quais mereciam forte re- ças venéreas, tudo isto e muito mais é abordado,
provação moral, a maioria das mulheres casadas apenas sendo deixada na obscuridade uma figu-
experimentava repetidas maternidades que pro- ra determinante em todo este processo, ou seja,
vocavam dolorosas provações aos seus corpos e a do cliente, razão de todo este “vil comércio” que
punham em risco a própria vida, pelo que não se- a maioria está de acordo ser urgente denunciar e
ria de estranhar que muitas vissem com funda- reprimir. A sua dimensão, contudo, dificilmen-
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te se poderia ocultar. Reconhecidamente multi- pria sociedade do que como produto de degene-
forme e heterogéneo, com as suas hierarquias es- rescências morais ou físicas e a prostituição
pecíficas, os seus espaços de ação diferenciados como flagelo com que se deve dialogar e não re-
e as suas estratégias de ação diversificadas, de acor- primir cegamente; no ano seguinte, nuns Ele-
do com o meio social em que circulavam e re- mentos de Sciencia Social, apontam-se os “tres
crutavam a sua clientela preferencial, o univer- principaes males sociaes”, a saber, a prostituição,
so das cocottes, lorettas ou messalinas mereceu a pobreza e o celibato, que se apresentam como
sempre a firme crítica de um forte e permanen- fenómenos interligados. Na década de 80, Alfre-
te discurso moralista, defensor dos bons costumes do Amorim Pessoa edita uma História da Pros-
e que, apesar das nascentes teses em contrário, te- tituição em Portugal (1887), no mesmo ano em que
ria quase sempre a cobertura da legislação oficial. Agostinho Lúcio publica elementos estatísticos
Mas o período áureo da prostituição no imaginário sobre a prostituição no Boletim de Saude e Hy-
coletivo estava ainda a dar os primeiros passos. giene Municipal de Lisboa, pouco tempo depois
2. A idade dourada (c. 1850-c. 1925). À estabi- da tradução de duas obras que ajudavam a encarar
lização da vida política portuguesa com o arran- este fenómeno numa perspectiva internacional:
que da Regeneração corresponde um novo ciclo a História da Prostituição em Todos os Povos do
da própria sociedade, finalmente capaz de fixar Mundo, de Pedro Dufour (1885), e Os Escânda-
um conjunto de valores norteadores de um mo- los de Londres (1886), da responsabilidade da Pall
delo burguês de vivência e quotidiano. Poucas te- Mall Gazette, que se debruçavam essencialmen-
rão sido as personagens sobre as quais tanto se es- te sobre o mesmo assunto. A finalizar o século XIX
creveu a partir de meados do século XIX e até ao temos três estudos importantes: de Armando Gião,
início do século XX como a prostituta. Quadras uma Contribuição para o Estudo da Prostituição
e motes, poesias e letras de fados eram-lhe dedi- em Lisboa (1891); de José de Oliveira Saldanha
cadas, recebendo os poetas inspiração mais ou me- e Sousa, um bom estudo sobre a Escravatura Bran-
nos direta no quotidiano, amores, beleza e des- ca (1896); e, de Lino de Macedo, uma primeira ten-
tino dessas cortesãs que a muitos atraíam a aten- tativa de estudo biográfico sobre A Bandeira – Es-
ção e ocupavam o talento, enquanto a tantos ou- tudo Psychologico d’uma Desiquilibrada (1897).
tros despertavam a fúria e reprovação. Persona- Culminando tudo isto, como na década anterior,
gem ao mesmo tempo luminosa e sombria, víti- uma coletânea sobre a História da Prostituição se-
ma e agente das maiores iniquidades da sociedade, gundo os trabalhos dos mais destacados autores
a prostituta era símbolo de decadência moral, mas internacionais, da responsabilidade da Livraria
um mal necessário que era preciso suportar Chardron, ajudava o estabelecimento de parale-
como escape para as frustrações afetivas e sexuais los entre a experiência nacional e a de outras so-
de uma ampla parcela da população masculina. ciedades ocidentais. A abrir o século XX, Ânge-
Nesses escritos, a meretriz apresentava-se sempre lo da Fonseca publica um estudo vastamente do-
com um misto de alegria e tristeza, sendo retra- cumentado em torno Da Prostituição em Portu-
tada com contornos dramáticos e quantas vezes gal (1902), que os trabalhos seguintes, de Emilio
trágicos, que dariam tema para inúmeras linhas, Gante, em 1910 (História Popular da Prostituição),
não apenas líricas, mas também de prosas em- Fernando Schwalbach, em 1912 (O Vício em Lis-
penhadas em escalpelizar todos os elementos do boa), e Bugalho Gomes, em 1913 (História Com-
seu mítico quotidiano. Na segunda metade do sé- pleta da Prostituição) apenas pontualmente con-
culo surge uma sucessão de estudos de contornos seguem ultrapassar. Lugar particular merecem quer
sociológicos ou estatísticos, de profundidade e ri- as crónicas abundantes de Alfredo Gallis nas pri-
gor variável, que vão contribuir decisivamente para meiras décadas do século XX sobre o mundo da
a criação de uma mitologia específica em torno boémia, quer a única verdadeira tentativa de pro-
da figura da meretriz, vítima ou agente preferencial ceder a uma tipologia nacional da prostituta, da
da perdição na mente e no verbo dos moralistas responsabilidade de Alfredo Tovar de Lemos, no
ou cronistas da época. Em 1864, Francisco Pereira seu Prostituição. Estudo Anthropologico da Pros-
de Azevedo publica uma História da Prostituição tituta Portuguesa (1908). Uma das formulações
e Polícia Sanitária no Porto; em 1875, João Fer- mais avançadas em relação ao papel social da pros-
nandes Bragança produz umas Breves Conside- tituição neste período deveu-se a José António Fer-
rações sobre a Prostituição, que anunciam a vi- nandes Bragança que, ainda em 1875 e por entre
são da prostituta mais como vítima e fruto da pró- o reconhecimento de que era um fenómeno ma-
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léfico, ousaria apresentar a prostituição como uma meira pode conduzir ao casamento e não á pros-
espécie de “mal menor”, a tolerar pela socieda- tituição, e a segunda é geralmente facilitada, se
de como preço pela prevenção de outros “males não determinada, pela ignorancia [...]” [Sousa,
superiores”: “Abuso da faculdade genesica da mu- 1896, pp. 37-38]. Em 1908, Alfredo Tovar de Le-
lher, a prostituição, pelo que ignóbil e degradante, mos, que procura introduzir entre nós uma ten-
é desgraçadamente um facto social perante o qual tativa de caracterização antropométrica da pros-
a sociedade tem de curvar-se, já que a experien- tituta algo inspirada nas teses de Lombroso,
cia de tantos seculos lhe tem mostrado a sua im- também não deixa de dar a entender a multipli-
potencia. [...] O que resta pois? Levar a todos o con- cidade de cambiantes que pode envolver qualquer
vencimento de que a prostituição é um mal ne- definição da prostituta: “Não vamos n’este mo-
cessário e até util, se util póde chamar-se um mal, mento prender-nos com a questão philosophica
para que se não torne a andar por erradas vias, le- do que seja uma prostituta, nem o que tal pala-
gislando o impossível e improficuamente, e ces- vra significa, pois ha auctores que teem escripto
sem de uma vez para sempre as barbaridades que livros e livros sobre tal assumpto, citando casos
nos repugnam mesmo perante o maior crime. [...] o mais interessantes, desde a mulher que casa por
A prostituição é tambem um mal que, além de re- interesse com um velho já inutil, e que portanto
pugnante, expõe a sociedade a grandes perigos, manifestamente se prostitue não no prostíbulo mas
mas ainda assim é necessaria, e util, porque evi- no catre nupcial, onde se está vendendo, até às
ta males muito superiores aos que d’ella resultam” formas mais complexas que o pensar profundo de
[Bragança, 1875, pp. 17, 34-35]. Em 1891, Ar- homens de bom cerebro teem idealisado e exposto
mando Gião oscila entre a tradicional reprovação em revistas, livros e sociedades scientificas”
e uma atitude mais pragmática, quando atribuía [Lemos, 1908, p. v]. Em 1915, herdando o espí-
aos homens a responsabilidade mais ou menos rito classificador dos cientistas sociais oitocen-
imediata pela entrada de muitas mulheres para tistas, Mendes Correia procura divulgar entre nós
as fileiras da prostituição, apesar de continuar a uma classificação das prostitutas, seguindo uma
apontar causas intrínsecas à natureza feminina, tipologia de Pauline Tarnowski, a qual distinguia
como o “apetite genésico” ou a “preguiça natu- quatro categorias principais – as obtusas, as le-
ral ou adquirida” para a tomada de opções de vida vianas, as impudicas e as histericas [Correia, 1915].
mais reprováveis: “Variam os meios, mas conse- Mas ao mesmo tempo que se vai escrevendo cada
guido o fim, vem quasi sempre a saciedade, o vez mais sobre a prostituição, também se vai ten-
abandono da mulher, que habituada a uma vida tando controlá-la e circunscrever a sua presença
ociosa algumas vezes, despresada outras, por e proliferação na vida das grandes cidades. Em Lis-
aquelles que a deveriam amparar, substitue por boa são produzidos regulamentos em 1858 e 1865,
outro o amante perdido e depois de algum tem- que servirão de modelo aos de outras cidades do
po, de mulher mal comportada, passa a meretriz país, como Porto e Évora. Num ambiente geral que
clandestina cada dia menos recatada, até que vo- parece revelar o início de uma, se não aceitação,
luntaria ou obrigatoriamente é matriculada e se- pelo menos relativa compreensão pelas condições
gue o caminho que já descrevemos” [Gião, 1891, materiais que conduziam muitas mulheres à
p. 35]. Esta linha de argumentação, algo toleran- duvidosa categoria de prostituta, o discurso le-
te, não surge isolada e é objeto de uma exposição gislativo oficial continua caracterizado por uma
bastante mais detalhada numa memória que combinação de preconceitos morais, preocupa-
José de Saldanha Oliveira e Sousa apresenta ao ções sanitárias e esforços de severa regulamentação
Congresso Católico Internacional, realizado em da sua atividade. São os anos do “regime de to-
Lisboa, no ano de 1895: “Ora, a verdade é que, em lerância”, em que se tenta, sucessivamente e sem
relação á prostituição, succede o mesmo que com grande êxito, que as prostitutas formem um cor-
tudo o mais, isto é, ha causas geraes e causas par- po mais ou menos homogéneo, submetido a um
ciaes que a determinam. Para mim, considero conjunto de regras de conduta pré-determinadas
como causas geraes: a dependencia em que a mu- e facilmente controlável pelas forças policiais. Em
lher está do homem; a ignorancia; a desordem so- 1900, o Regulamento Policial das Meretrizes da
cial e moral. Sei que alguns pensadores ou es- Cidade de Lisboa segue de perto o regulamento
criptores teem considerado como causas deter- anterior de 1865 e determina no seu artigo 13.o que
minantes – a carne e a seducção; mas discordo “são consideradas meretrizes todas as mulheres
completamente d’essas opiniões, porque a pri- que habitualmente e como modo de vida se en-
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tregam à prostituição. Denominam-se toleradas duas décadas depois, não apresenta traços mui-
quando se acham inscritas no respectivo registo to distintos. Nas matriculadas entre 1879 e 1890
policial”. No resto do país, o enquadramento le- é possível encontrar 30% que anteriormente
gal da prostituição é muito semelhante e os re- eram criadas de servir, 21% de prostitutas clan-
gulamentos em exercício nem sequer são revis- destinas e 7% de costureiras. Quase 90% tinham
tos ao longo das décadas. Nos concelhos do Por- idades até 25 anos e perto de 60% até 21 anos, en-
to e de Vila Nova de Gaia, o regulamento datado quanto 88% eram filhas legítimas, 12% expostas
de 1 de setembro de 1860 afirma no seu artigo 1.o e 10% ilegítimas. Quanto à origem geográfica, re-
que “é considerada como meretriz a mulher que gistavam-se apenas 15% de naturais de Lisboa,
facilita o goso do seu corpo a differentes homens, embora se encontrassem 34% das conhecidas es-
mediante paga em dinheiro, ou uma retribuição panholas, proporção alta que se poderá explicar
qualquer” e, no artigo seguinte, que “são tolera- não apenas pela sua presença comum na socie-
das todas as meretrizes, que se sujeitarem ao pre- dade lisboeta de então, mas igualmente pelo maior
sente regulamento”, sendo ameaçadas de ex- recurso à atividade clandestina por parte das na-
pulsão todas as que o não aceitarem ou forem con- turais. O grau de analfabetismo chegava aos
sideradas “incorrigíveis” pelo administrador do 85% entre as portuguesas e aos 76% entre as es-
concelho [Regulamento... do Concelho do Porto panholas; em termos globais, o analfabetismo ex-
e do de Villa Nova de Gaya: 1866, pp. 3-4]. Em cedia claramente os 80%. O número de casadas
Évora, em 1934, ainda se reedita a legislação de era muito baixo, rondando os 4% e os 2%, res-
1875, onde se lê no seu artigo 1.o que “são tole- petivamente. A evolução do número total de ma-
radas as mulheres que, por costume ou claramente, triculadas e das que se encontravam em circula-
se entregarem à prostituição; as que frequentarem ção foi a seguinte entre 1879 e 1890:
casas de alcouce ou de pessoas suspeitas de en-
cobril-as, e as que, não tendo modo de vida co- Toleradas em Lisboa (1879-1890)
nhecido, receberem visitas de diferentes ho-
mens, e não justificarem o seu bom procedimento 1879 1880 1881 1882 1883 1884
moral” [Regulamento... no distrito d’Evora, 1934, Matriculadas
1368 1144 1020 868 931 847
em 1 de janeiro
p. 5]. Mas afinal, quais eram os traços concretos
Em circulação 953 824 729 706 680 664
dessas mulheres caídas, voluntariamente ou
não, numa vida considerada por muitos como trá- 1885 1886 1887 1888 1889 1890

gica e desgraçada e por tantos outros como fácil Matriculadas


856 793 976 927 949 928
em 1 de janeiro
e caprichosa? De onde vinham, que razões ex-
Em circulação 634 703 777 723 705 793
plicavam a sua opção de vida, qual o ambiente fa-
miliar anterior, quais os seus valores, que carac- Fonte: Gião, 1891.

terísticas do seu quotidiano as afastariam even-


tualmente do modelo feminino, tido ou apre- Estes números são completados pelo levanta-
sentado como o normal? A partir da segunda me- mento nacional levado a cabo por Ângelo Fon-
tade do século XIX, os dados estatísticos surgem- seca para o período que vai de 1862 até ao iní-
nos com alguma regularidade. Para o Porto, cio do século XX e que, para Lisboa, também con-
Francisco Pereira de Azevedo [Azevedo, 1864] re- firma essa tendência para uma redução do nú-
colheria um conjunto de dados que nos permitem mero de toleradas na primeira metade da déca-
traçar um perfil não muito inesperado das pros- da de 1880. Ainda de acordo com Ângelo da Fon-
titutas portuenses da época: quase 80% tinham seca, entre 1897 e 1901, 96% das prostitutas de
até 23 anos (quase 95% tinham até 27 anos); 96% Lisboa eram solteiras (95% no Porto), 83%
eram solteiras, 95% eram filhas legítimas, 60% eram analfabetas (95% no Porto), 92% eram fi-
declaram ter sido anteriormente criadas de ser- lhas legítimas (87%), 63% tinham-se prostituí-
vir, costureiras ou engomadeiras e como causas do até aos 21 anos (75%) e 51% tinham sido cria-
para enveredarem pela sua atividade apontam a das ou costureiras (33%); só 5% (24% no Porto)
própria vontade (35%), a falta de meios (17%), declarariam já ter sido prostitutas em outros lo-
problemas com a família (16%), a ação de pro- cais. Para Setúbal, nos anos 60, Laurinda Abreu
xenetas (10%), a sedução (9%) ou o abandono pelo apurou valores similares aos referidos, em par-
amante (6%). Uma outra amostra, apresentada por ticular no que se refere ao estado civil das me-
Armando Gião para a cidade de Lisboa, mais de retrizes examinadas na enfermaria sifilítica cria-
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da naquela localidade [Abreu, 1994]. As dife- rias dezenas quando o Sol sorria [Idem, p. 42].
renças verificadas entre as duas maiores cidades Poucos anos depois, com uma amostra muito
do país acompanham as assimetrias regionais do mais restrita (67 mulheres observadas na enfer-
espaço nacional, nomeadamente no que se refere maria de S. Madalena do Hospital do Desterro,
ao grau de instrução (que, segundo o Censo de com mais de 19 anos e pelo menos dois de ma-
1900, era de 35% para as mulheres residentes no trícula, que sabem dar indicações sobre os pais),
distrito de Lisboa e de 21% para as do Porto, sen- Alfredo Tovar de Lemos apresenta um quadro
do para as prostitutas de, respetivamente, 17% que, nos seus aspectos fundamentais, não se afas-
e 5%). Em termos de população total de prosti- ta muito do anterior. Alfabetização na ordem dos
tutas matriculadas, e apesar das divergências en- 19,3% (a média feminina nacional, em 1911, era
tre diversas passagens da obra de Ângelo Fonseca, de 18,8), com 94% de solteiras e perto de 50%
é adiantado um valor de 2300 toleradas para todo de criadas, a que se seguiam 19% de domésticas,
o país em 1901, a maior parte delas concentra- 12% de operárias e 11% de costureiras. Também
da nos maiores centros urbanos. Este valor é, con- aqui, a distribuição profissional das mulheres re-
tudo, impressionista e meramente indicativo, vis- censeadas continua a acompanhar a estrutura pro-
to que quase todos os autores reconhecem que o fissional da população ativa feminina urbana, ao
regime de tolerância apenas conseguia enquadrar nível das camadas populares. O quotidiano des-
uma minoria do contingente de mulheres que, de tas mulheres podia variar de acordo com a for-
forma mais ou menos sistemática, recorria à pros- ma como exerciam o meretrício, isoladas ou em
tituição como meio de subsistência. No entanto, casas apatroadas, não esquecendo ainda as cor-
também é comum a afirmação de que, de forma tesãs que circulavam como “protegidas” nos cír-
mais ou menos aproximada, a prostituição clan- culos da média-alta sociedade masculina. As mais
destina acompanharia a distribuição da prosti- felizes eram aquelas que conseguiam tornar-se as
tuição tolerada pelo país [Fonseca, 1902, p. 47]. amantes preferenciais de homens de negócios ou
A implantação regional e urbana da prostituição políticos de recursos, “teúdas” e “manteúdas”,
em 1901, de acordo com o mesmo autor, apresenta réplicas das verdadeiras esposas, que eram ins-
algumas características curiosas. Em primeiro lu- taladas em casas especialmente preparadas para
gar, a zona do Douro forneceria, em termos de pro- o efeito por homens casados que as prodigali-
veniência, o maior número de toleradas, embo- zavam dos maiores mimos (ver, a este propósi-
ra fosse no Sul que a sua presença, em termos re- to, as memórias de Fernanda do Vale/Andresa do
lativos, se revelava mais acentuada, em relação Nascimento*, cortesã de origem cabo-verdiana que
ao efetivo populacional feminino. Isto seria, em se tornaria famosa na Lisboa das últimas déca-
larga escala, explicado pela mobilidade das das do século XIX). Eram as cortesãs, conheci-
prostitutas que, em 25% dos casos, já teriam ven- das, admiradas e cobiçadas nas altas rodas da so-
dido os seus favores em outras regiões e em nú- ciedade masculina, muitas vezes originárias de
mero muito maior seriam provenientes de fora colégios de prostitutas onde algum traço especial
do meio geográfico onde se “profissionalizavam”. as destacava da vulgaridade, chamando a aten-
De acordo com a amostra colhida, Ângelo Fon- ção de algum protetor. Alfredo Gallis, num tex-
seca indica que, por exemplo, o Minho e as Bei- to seu, caricatura assim o diálogo entre futuro pro-
ras forneceriam mais mulheres à Estremadura que tetor e respetiva candidata a protegida: “– Ora
aos seus próprios distritos. No extremo oposto, diga-me: se eu tomar o seu futuro à minha con-
resultado da sua interioridade, estaria a provín- ta, se lhe proporcionar uma vida luxuosa e tran-
cia de Trás-os-Montes, de onde 85% das tolera- quila, se lhe satisfazer as suas ambições e ca-
das eram naturais e poucas eram as que partiam prichos, se a estimar [...], exigindo-lhe apenas em
em busca de outras paragens. Outra faceta des- troca que nunca me dê o negro desgosto da trai-
ta mobilidade era o carácter sazonal de algumas ção, do que aliás a não julgo capaz, a minha si-
deslocações, quer em zonas rurais por ocasião dos tuação de casado ser-lhe-ia pesada? – Decerto que
diversos momentos das fainas agrícolas, quer nas não. – Perfeitamente. Vejo que é uma senhora de
zonas mais urbanas do litoral, com o acompa- alto critério, e nos podemos entender” [Gallis,
nhamento da estação balnear em algumas es- 1910, p. 150]. No Porto, em meados do século,
tâncias de veraneio, como Espinho, onde, no ve- é possível encontrar pelas ruas mulheres “de ta-
rão, as toleradas recenseadas aumentavam ex- mancos ou completamente descalças, uzam ca-
ponencialmente de três, na época baixa, para vá- misola e saia ou um simples vestido velho e sujo,
813 PRO

que lhes cobre o corpo, sendo n’esta especie pro- ambulante de flôres, rendas, roupas, etc.; outras
verbial a carencia de roupas brancas”, que vivem vezes a alcoviteira prostitue as menores no pro-
em domicílio incerto, expostas às intempéries que prio domicilio ou numa casa de passe dividin-
as fustigam, passeando “de noute nas ruas e pra- do os lucros com a dona de casa, ou manda as me-
ças publicas do maior transito, pelo que soffrem nores para as ruas mais frequentadas, especial-
frequentes vezes a pena de prisão; fumam o seu mente à noite, onde sob o pretexto de vender
cigarro para se fazerem conhecer, ou dirigem- phosporos, flôres, cautellas, vão realmente pros-
se ao viandante e pedem dez reizinhos”, desde tituir-se em qualquer rua escusa ou no vão
as mais jovens às mais idosas [Azevedo, 1864, pp. d’uma escada” [Gião, 1891, p. 37]. Personagem
56-57]. Nas casas apatroadas, a disciplina é menos detestada que a alcoviteira ou proxeneta
maior e o escândalo é reduzido para que a ação pelas meretrizes é a do chulo ou souteneur, que
policial se não faça sentir de forma grave para o surge junto às prostitutas que atuam de forma iso-
negócio; a clientela das casas mais afamadas de- lada. Em situações de conflito ou perigo, como
seja prazeres discretos, que não chamem muito clientes abusadores ou borlistas, rixas com colegas
a atenção e as tias que governam estes colégios ou percalços com as autoridades policiais, era útil
agem em conformidade. Os lucros gerados pelas a existência de um protetor masculino que as-
mulheres são retidos pelas donas dos estabele- sumisse a sua defesa. Estes defensores, que
cimentos, por conta da amortização das despe- muitas vezes com elas viviam em situações
sas da alimentação e de todos os adereços e cos- próximas da conjugalidade, eram conhecidos
méticos que vão adquirindo e facultando às suas como amásios, amantes de letra, os gajos bons
raparigas. A remuneração de cada tipo de servi- que, em troca da sua presença mais ou menos
ço prestado é estipulado por uma tabela, que tranquilizadora e dissuasora dos mais atrevidos,
quando não é respeitada ou aceite implica rápi- eram parcialmente sustentados pelas suas mu-
da dispensa, pois o campo de recrutamento é vas- lheres. Entre estes casais muito especiais eram
to e os métodos utilizados para arranjar novos efe- comuns as brigas e cenas de ciúmes, em particular
tivos variados. As mulheres que habitam nestas quando o mesmo homem protegia várias mu-
casas são, muitas vezes, recrutadas por alcovi- lheres e a sua ambígua fidelidade à sua parcei-
teiras, sem grandes antecedentes na profissão; ra preferencial era posta em causa. Se alguns
após as noitadas de febril atividade, muitas dor- autores da época pretendem apresentar a prosti-
mem até tarde, levantando-se para o almoço e tuta como uma personagem com traços muitos dis-
para uma tarde gasta em preparativos de embe- tintos do resto da população feminina, só par-
lezamento para mais um período de trabalho noc- cialmente essa sua asserção é correta; as suas ro-
tívago; as saídas para a rua são normalmente em tinas específicas cruzam-se com outros elemen-
grupo e com pouco alarde; o sucesso do negócio tos que são comuns ao quotidiano de muitas mu-
está na limitação dos seus sinais exteriores, em- lheres. Muitas delas são mães, mais ou menos es-
bora seja comum em algumas zonas que a atra- forçadas donas de casa, com as respetivas tare-
ção dos clientes seja feita a partir das janelas de fas a cargo. A maior parte, que não habita em ca-
alguns destes estabelecimentos de menor re- sas comuns, vive nos bairros populares, onde não
quinte, conhecidas pelas portadas de “tabuinhas” passam despercebidas as suas atividades, mas
de muitos primeiros andares. Uma outra figura onde também não são objeto de automáticas ati-
tradicional deste universo é a da inculcadeira, que tudes de exclusão vicinal. Fernando Schwalbach,
procura e recruta as mulheres em situação difí- de forma algo anedótica, não deixa de tentar re-
cil ou jovens que a família não se incomoda em criar esse quotidiano compósito, onde as obri-
abandonar a tal sorte e que são muito procura- gações domésticas do dia a dia se cruzam com
das pelos frequentadores mais distintos de mui- costumes menos inocentes: “É vel-as, ahi pelo
tas casas de prostituição de melhor nível: “A pros- romper das 8 da manhã, atravessarem o Rocio,
tituição exercida por menores quasi sempre e a desembocando de todas aquellas ruas e traves-
seducção de maiores, muitas vezes, é patrocinada ssas, cabaz no braço, saia arregaçada, a caminho
pela alcoviteira que, entre outros meios, se ser- da Praça rindo a uma ou outra graça pezada que
ve para os seus intentos dos annuncios dos jor- lhe é dirigida pelos apreciadores do genero [...]
naes, offerecendo quarto para senhora só, disfarces É vel-as, depois de feitas as compras metterem
variados, mulher a dias, mendiga que esmola pe- por qualquer travessa proxima, afogueadas, os na-
las portas, viuva com filhos menores, vendedeira bos e as couves muito verdes e viçosas, a es-
PRO 814

preitarem por sob a aza do cabaz, seguidas por ergue um pouco mais a voz ou se julga ainda pes-
qualquer D. Juan de occasião, enfiarem pela es- sôa, lá está o regulamento severo, tirano e violento
cada de certo predio, onde n’uma janela de qual- que a atira para o canto duma prisão. [...] Casti-
quer andar chama a attenção a tradicional lan- ga-se a mulher pelo seu mau porte, mas não se
terna” [Schwalbach, 1912, p. 13]. O destino de lhe dá elementos para resistir á lucta tremenda
grande parte das meretrizes profissionais não era que diariamente tem de travar para a conquista
risonho, após os anos em que a juventude lhes do seu pão. É a fome que a leva á mais abjecta de-
garantia uma sobrevivência, mais ou menos gradação e teima-se em lhe negar condições de
confortável: “A mulher prostituta que na sua ju- trabalho, de lucta, de vida, enfim” [Brazão,
ventude fruiu muita vez os maiores gozos, os 1926, p. 7]. Mas ao lado das diversas teses abo-
maiores divertimentos, que fez brotar em muitos licionistas que Adelaide Cabete e Arnaldo Bra-
corações, a scentelha do amor, aquella que pelos zão multiplicam, vai-se afirmando um discurso
seus dotes, era procurada e elogiada [...] vê-se por médico-sanitário, que se pretende cientificamente
todos abandonada, e só não é esquecida por essa objetivo, mas que nem sempre consegue escapar
triade rapinante composta pela syphilis, a tu- a algumas tiradas mais moralistas e que ressus-
berculose e o alcool [...]. Não ha cosmetico, nem cita alguns dos fantasmas vitorianos, em especial
pó que seja capaz de rejuvenescer essa flôr que os ligados às doenças venéreas e a uma política
murchou, não ha tinturas nem lavagens que con- de “higiene pública”, que se considera ser a base
sigam restituir o viço da mocidade que foi quei- para alcançar uma sociedade saudável. As pros-
mada em vigillias agitadas, em companhias li- titutas voltam a constituir-se como uma ameaça
bidinosas que in illo tempore, exhauriram o ca- à estabilidade familiar e social, à saúde pública,
lix dos prazeres sensuaes, até à fadiga, ao exte- um perigo que ameaça as qualidades da raça e
nuamento” [Lemos, 1908, p. 89]. A título de pode provocar a degenerescência do bom povo
exemplo, fiquemos com o relato que Avelino de português. Os argumentos da medicina vêm dar
Sousa faz da história da Adelaide Pinóia, jovem credibilidade a propostas que pretendem refor-
serviçal seduzida pelo filho do patrão e depois mar a moralidade pública e reduzir os riscos de
abandonada, destino comum a tantas outras: “Per- expansão daquele que já não é um mal necessá-
deu então o gôsto a tudo e por tudo. Conheceu rio, mas antes um mal contra o qual é novamente
depois uns três ou quatro homens, – por inter- prioritário combater com todas as forças dispo-
médio da tia Ana, que andava à caça de rapari- níveis. A nível literário, ensaístico ou apenas jor-
gas e tendo sido encontrada com o ultimo numa nalístico, diminui o colorido das abordagens so-
casa suspeita da Baixa, por uma brigada de po- bre a prostituição, a sua dimensão pitoresca e ane-
licia chamada de costumes, foi imediatamente dótica, para se tornar dominante uma leitura mais
prêsa por não ter livro de matricula, ou alvará, monolítica do fenómeno, com o crescimento da
tal como sucede a algum vendedor ambullante perspetiva médico-sanitária. A ascensão do Es-
que não tenha licença... para exercer o seu co- tado Novo, da sua ação reguladora e repressiva
mércio. E afinal, aquilo – por mais abominavel e da sua tentativa de enquadramento das popu-
– não é outra coisa senão comércio, e nada mais” lações em esquemas de comportamento mais rí-
[Sousa, 1944, p. 99]. 3. A reação moralista e re- gidos leva, no caso concreto da prostituição, a
gulamentadora (c. 1925-c. 1950). O final da Re- uma ação do Estado que não é propriamente ino-
pública corresponde a um período de luta entre vadora mas em que o principal “mérito” é o de
diferentes conceções sobre o que fazer com a pros- tentar com firmeza ordenar, sistematizar e
tituição. De um lado, encontramos as tendências funcionalizar uma atividade com que era ne-
abolicionistas que partem principalmente do mo- cessário conviver. Por outro lado, nos anos 20 do
vimento feminista e que se traduzem na realização século XX, em virtude de alguns sectores polí-
de alguns encontros nacionais e internacionais tico-sociais, encararem com muita preocupa-
sobre a problemática. Mais do que nunca, nes- ção o que consideravam ser uma espiral de dis-
tes círculos de opinião, a prostituta é uma víti- solução dos costumes, associando o jogo, à pros-
ma da sociedade que, não o reconhecendo, ain- tituição e ao crime, verifica-se como que uma se-
da a reprime e espezinha a sua dignidade: “Sô- gunda vaga reativa contra a prostituição enquanto
bre a mulher recaie toda a culpa e toda a expia- atividade amplamente presente na vida social.
ção, a ela se atribúi todo o mal, a ela se exige toda Anunciando-se nos anos terminais da Repúbli-
a responsabilidade e, se nuns pruridos de revolta ca, essa vaga estender-se-á pela ditadura militar
815 PRO

e culminará durante as primeiras décadas do Es- gares de prostituição” [Idem, sessão de


tado Novo. Particularmente em Lisboa, a ex- 27/03/1925, p. 4]. A resposta a estes lamentos vi-
pansão dos fenómeno dos clubes noturnos e de ria com a ditadura militar e o endurecimento das
um novo tipo de boémia mais visível e trans- condições de vida que se seguiriam, desde o le-
bordante provocará veementes reações por par- vantamento de obstáculos legais ao funciona-
te dos que pensam estarem os bons costumes ir- mento deste tipo de estabelecimentos a um es-
remediavelmente ameaçados. À Câmara dos pírito de cruzada moral contra a dissolução dos
Deputados chegará acesa discussão sobre a me- costumes, que se acentuaria durante o Estado
lhor forma de resolver a situação. Na sessão de Novo, não esquecendo o agravamento das pró-
17 de abril de 1923 discutir-se-ia a questão da ne- prias condições económicas da população. A ge-
cessidade da regulamentação do jogo, surgindo neralidade dos clubes noturnos mais afamados
a prostituição como exemplo de uma atividade de Lisboa (Bristol Club, Club Monumental, Club
que, embora imoral, não deixava de ser regula- Moderno, Ritz-Club, Club Montanha) fecha por-
mentada pelo Estado. Entre outros, interviriam tas entre 1927 e 1930 e os de menor renome, se
os deputados Vasco Borges, Carlos de Vascon- não fecham, pelo menos tornam muito mais dis-
celos, Sá Pereira, Pedro Pita e Tavares de Car- creta a sua presença. Acompanhando esta reação
valho, discutindo se a melhor solução seria a re- contra os desmandos de uma boémia que se mos-
gulamentação ou a simples proibição deste tipo trara excessivamente luminosa nos anos 20, e
de atividades. Talvez o mais inflamado fosse Ta- após o interregno de um par de décadas, regres-
vares de Carvalho, deputado eleito por Setúbal sa o desejo de contabilizar, conhecer pelo número,
pelo Partido Democrático, que recusaria limi- os fenómenos que se pretendem combater, teo-
narmente a regulamentação de qualquer vício, em ricamente para melhor o fazer. No ano de 1928,
especial o do jogo, que apresentava como res- o Anuário Estatístico incluiria, de forma exce-
ponsável por outros desmandos, entre os quais cional para os seus hábitos, uma valiosa estatís-
a própria prostituição: “Já aqui foi dito, e é uma tica sobre a situação da prostituição oficial em Por-
verdade, que a prostituição nas casas de jogo se tugal, ou seja, sobre as matriculadas, para o pe-
faz em larga escala. Sr. Presidente: não pode con- ríodo de 1925 a 1928. Mesmo se, por si só, esta
sentir-se que aqueles que vivem no luxo, na pros- estatística seja insuficiente para retratar a ativi-
tituição e no crime, gastando as suas fortunas ad- dade por todo o país, os seus indicadores não dei-
quiridas muitas vezes criminosamente, numa ga- xam de ser relevantes. Entre 1925 e 1928, em ter-
nância desaforada, atirem com a lama dos seus mos globais, o número de matriculadas aumen-
automóveis para a cara daqueles que não ganham tara mais de 15%, passando de 2293 para 2674,
o suficiente para vestir os filhos e continuem con- mesmo se de forma descontínua, pois houvera
correndo para o definhamento da raça. Sr. Pre- uma quebra pontual de 1926 para 1927. Em 1928,
sidente: é preciso reprimir o jôgo e acabar com ano para o qual a estatística se desdobra em in-
essas casas de vício. [...] Não se pode regulamentar formações razoavelmente detalhadas sobre a
um vício de onde vêm tantos outros. Hoje dac- caracterização e distribuição geográfica das pros-
tilógrafas, criadas e muitas senhoras já se acham titutas, verifica-se a natural importância dos dois
prostituídas e é preciso que façamos todo o pos- maiores centros urbanos do país que, no seu con-
sível para que o nosso lar não deixe de ser o que junto, englobam cerca de 2/3 do total (Lisboa aci-
era: carinho e honestidade” [Diário da Câmara ma dos 40% e o Porto perto dos 25%), surgindo
dos Deputados, sessão de 17/04/1923, p. 17]. Cin- a grande distância os de Faro e Braga. Para além
co meses depois, seria a vez de o deputado ca- do peso demográfico das grandes cidades, esta
tólico Lino Neto, ao mostrar-se preocupado com concentração ficava-se a dever quer ao facto de
a evolução da situação portuguesa e, apesar de ser nos maiores centros urbanos que as condições
elogiar a ação governativa, fazer o reparo de ser de vida atingiam níveis mais precários, com a pro-
Portugal um “pobre país, onde joga quem quer, liferação da miséria e o despojamento material
onde a prostituição se desenvolve sem peias e as (e “moral”, de acordo com os estereótipos ex-
tabernas são cada vez em maior número” [Idem, plicativos da época), quer às prováveis maiores
sessão de 19/11/1923, p. 19]. Mas, perante a per- dificuldades das autoridades de aferirem com exa-
manência da situação, os avisos continuariam: em tidão a dimensão da prostituição nos meios ru-
março de 1925, Tavares de Carvalho voltaria às rais, onde a “matrícula” seria um estigma facil-
suas denúncias de que “os clubes são apenas lu- mente reconhecível e, por isso mesmo, evitado.
PRO 816

O controlo social fora dos maiores centros urbanos tadura militar, e logo em seguida com o Estado
exercia-se de forma mais apertada e funcionava Novo, voltariam a ser repetidos à exaustão os lu-
como dissuasor da opção pela prostituição como gares-comuns do discurso moralista e higienis-
atividade “oficial”. Relativamente à nacionali- ta oitocentista. Com o avançar do século XX, o
dade, em 1928 só 4% das matriculadas eram es- ênfase recairia nos perigos que a prostituição acar-
trangeiras (104 casos), com destaque para as fran- retava para a saúde pública, em particular no seu
cesas (63), seguindo-se algumas espanholas e bra- papel na propagação das doenças venéreas. Re-
sileiras. Mais raras eram as polacas (2), italianas conhecendo implicitamente a extensão do fe-
(2) e mesmo uma americana. Cerca de 70% das nómeno e a sua inserção no quotidiano das po-
estrangeiras exerciam o seu ofício em Lisboa, sen- pulações, o Estado procuraria reanimar ou re-
do poucas as que se encontravam em outros pon- formar os mecanismos legais e institucionais des-
tos do país: mesmo assim, existiam 9 no Porto e tinados a enquadrar a prostituição num aparato
outras 9 em Évora, das quais um núcleo de 5 fran- que, admitindo a impossibilidade de extirpar o
cesas. Paradoxal, ou nem tanto, é o facto de Lis- “mal” em definitivo, o controlasse, inspecionasse,
boa, principal centro da atividade, estar longe de medisse, circunscrevesse e tornasse uma peça fun-
fornecer o maior contingente de matriculadas, cional na orgânica social. É neste sentido que se
quanto à naturalidade (apenas 16%). Neste par- retomam as medidas destinadas a limitar no es-
ticular, era o Porto que tinha a primazia, com paço o exercício da prostituição, vedando-lhe de-
23%. A seguir vinham os distritos de Viseu terminadas áreas da cidade tidas como mais
(4,7%), Vila Real e Faro (4,3%, cada) e Viana do nobres, a eliminar os seus sinais exteriores e a re-
Castelo (4%). Este parece ser um sinal inequívoco forçar o regime de tolerância com uma imple-
da mobilidade das mulheres que viviam desta for- mentação mais cuidada do seu sistema de
ma e, em muitos casos, do seu desenraizamen- licenças e inspeção sanitária das toleradas. É evi-
to; muitas tinham migrado para as cidades, dente que não será completamente fortuita a coin-
caindo na prostituição perante as dificuldades en- cidência de tudo isto ocorrer quando o poder po-
frentadas para sobreviver. Entre as razões adian- lítico está em trânsito de um modelo liberal para
tadas para terem optado pela prostituição avul- uma solução autoritária, vocacionada para o en-
tavam o abandono pelo amante ou sedutor quadramento da população em corpos funcionais
(30%) e a miséria (25%), embora em quase um e com estatutos próprios, destinados a uma ar-
terço dos casos a causa não fosse adiantada. Sol- ticulação harmoniosa sob a supervisão do Esta-
teiras eram 94% e analfabetas 83%. Entre as que do. Neste aspeto, em Portugal apenas se aplica-
tinham ocupação profissional anterior, 35% ti- vam soluções já por outros ensaiadas: “O primeiro
nham sido serviçais, 12% domésticas, 11% cos- passo neste processo foi remover a sexualidade
tureiras e 6% operárias. Em termos de síntese, na ilegítima dos espaços públicos. Logo em 1923, a
transição da República para a ditadura, a pros- mando de Mussolini, a polícia ordenou a todas
tituição oficial e controlada pelas autoridades con- as prostitutas, incluindo praticantes “isoladas”,
tinuava a ser um fenómeno urbano, motivado pela que transportassem um passaporte especial com
miséria ou abandono, espalhando-se por mu- o registo dos seus exames vaginais de doenças ve-
lheres cuja ocupação profissional anterior se dis- néreas” [Grazia, 1992, p. 44]. Entre os organismos
tribuía pelas atividades tradicionalmente domi- mobilizados para a tarefa de fiscalização da pros-
nantes na mão de obra feminina e cuja alfabeti- tituição e para implementação da política sani-
zação era apenas ligeiramente inferior à média tária do Estado estaria o Serviço de Inspecção de
nacional. Mas esta era reconhecidamente apenas Toleradas do Dispensário de Higiene Social de
a ponta do icebergue. A prostituição clandesti- Lisboa, longamente dirigido por Alfredo Tovar
na era, nas cidades e nos campos, uma evidên- de Lemos, um dos principais responsáveis pela
cia com que todos se deparavam e conviviam, de introdução em Portugal de estudos antropomé-
forma mais ou menos aberta e pacífica, com maio- tricos aplicados à prostituição [Lemos, 1908]. Des-
res ou menores reprovações morais explícitas. De de os idos da década de 20, Tovar de Lemos pro-
acordo com as opiniões e os esboços de estudo, duziria pacientemente detalhados relatórios
a prostituição clandestina oscilaria então entre anuais do trabalho por si coordenado em que a
o dobro e o quádruplo da oficial, o que, nas pers- aparente frieza estatística é temperada por con-
petivas mais pessimistas, colocaria o número to- siderações que, não raras vezes, ousam contra-
tal de prostitutas a exceder as 10.000. Com a di- ditar e levantar dúvidas quanto ao acerto do mo-
817 PRO

delo adoptado a partir dos anos 30 para comba- tem vindo a citar, estabeleciam-se as condições
ter (conviver com?) a prostituição. Mas o que de sanidade a respeitar pelos novos “quartos mo-
muda verdadeiramente nos anos 30? Em boa ver- bilados”, afirmando-se que “são proibidos quais-
dade, para lá do aparato exterior, e de algum exer- quer sinais exteriores pelos quais da visinhança
cício de propaganda moralista, pouco se trans- ou da via pública se possa inferir da existência
forma radicalmente. Comecemos pelos aspetos da indústria prevista neste edital”. Significava isto
legais, centrando-nos, por conveniência, no que, mais do que a “indústria” ou o “comércio”,
caso de Lisboa. Desde 28 de agosto de 1900, es- se reprimiam os seus sinais exteriores e a sua abu-
tava em vigor um regulamento policial de me- siva invasão dos olhares inocentes e/ou incau-
retrizes que pouco tinha sido alterado pelo edi- tos. Este esforço, não inédito nem exclusivo das
tal de maio de 1911, já de iniciativa republica- soluções políticas de matriz autoritária/ditatorial
na. Um pouco na sequência do espírito do século dos anos 20-30, herdava as preocupações de pro-
XIX, este regime determinava o registo das pros- filaxia social do século XIX e visava estabelecer
titutas – ditas “toleradas” – de modo que a sua uma fronteira, tão invisível quanto possível, en-
atividade fosse melhor controlada. Seria este re- tre a respeitabilidade e a devassidão. Na Lisboa
gime de tolerância que os abolicionistas atacariam dos anos 30, por contrapartida às soluções do pas-
com vigor nos anos 20, durante os seus vários con- sado que tinham optado por assinalar claramente
gressos e nos escritos que produziriam, acusan- os locais de perdição (as anedóticas luzes ver-
do o sistema de “ignóbil” e de ser posto em prá- melhas) como estratégia preventiva, o que se pro-
tica por uma “policia sem escruplos [sic]”, tra- cura é o ocultamento total desses mesmos locais,
tando injustamente mulheres já de si com uma negando-lhes uma identidade reconhecível, sem
vivência extremamente vulnerável [Brazão, que isso significasse a desaparição da atividade.
1926, p. 4]. Através do edital de 23 de abril de Aliás, a permanência da prostituição na vida da
1930, o governador civil de Lisboa viria introduzir cidade é o que nos dizem os números que Tovar
algumas medidas no quadro legal em que fun- de Lemos coligirá durante duas décadas sobre as
cionava a prostituição na capital, admitindo exis- inspeções realizadas. Nos seus números distin-
tirem “deficiências que urge corrigir” no regu- guem-se dois movimentos diversos, na aparên-
lamento de 1900 e declarando logo a abrir, no seu cia independentes, mas complementares em
artigo 1.o, a extinção das “casas de toleradas e ca- termos de leitura. Por um lado, encontramos um
sas de passe”, cessando a partir desse momento número inicial elevado de primeiras inspeções,
“a concessão de alvarás de licença” que permi- o que é natural no arranque do funcionamento
tiam o seu funcionamento [Diário do Governo n.o de um organismo deste tipo, que vai a pouco e
96 de 26/04/1930, 2.a série, citado por Lemos, pouco diminuindo até 1936, para voltar a cres-
1950, pp. 21-22]. O moralista desatento que mais cer em 1937 e manter-se em níveis elevados até
não lesse ficaria logo descansado. No entanto, o 1942, decrescendo abruptamente após 1943.
que poderia passar por uma voluntarista (e ir- Paralelamente, temos o número total de tolera-
realista) tentativa de repressão pura da prosti- das inspecionadas, que mantém um nível cres-
tuição é logo desmentida no artigo 2.o do mesmo cente até 1942, diminuindo a partir de então a um
diploma, em que se determina que “será creada ritmo próximo dos 10% ao ano, se excetuarmos
uma classe de estabelecimentos de permanência o caso de 1948. Deve, contudo, sublinhar-se o fac-
transitória denominados QUARTOS MOBILA- to de Tovar de Lemos, no seu relatório de 1947,
DOS” [Idem, p. 22, maiúsculas na fonte], cuja fun- admitir que cada vez menos toleradas faziam a
ção seria ambiguamente descrita. Embora Tovar sua inspeção obrigatória, pois nesse ano apenas
de Lemos admita que “com este edital foram ex- 649 de um total de 3590 mulheres (18%) com re-
tintas as casas de toleradas, muitas fechadas, de- gisto em Lisboa tinham passado pelo seu servi-
saparecendo as chamadas de porta aberta, em lo- ço. As razões que estarão na base desta evolução
jas, pavimentos terreos, cujos interiores eram mui- podem dever-se a duas ordens de fatores, resul-
tas vezes visíveis do público que passava nas tantes em boa parte das conjunturas que se vi-
ruas”, a verdade é que a prostituição se mante- veriam ao longo deste período. Para os fortes rit-
ria como atividade reconhecida e aceite, só que mos do início dos anos 30 já se adiantaram al-
com maiores exigências de discrição e uma gumas explicações, como o arranque (ou aper-
maior preocupação com a visibilidade pública. feiçoamento) do modelo de vigilância e inspeção
No parágrafo único do artigo 3.o do edital que se das toleradas. A estabilização que se segue cor-
PRO 818

responde à entrada dos serviços (e da própria ação anos e 90% escalonavam-se até aos 30; no mo-
policial) num ritmo de rotina. Os picos que se se- mento do registo, cerca de 65% já exerciam a sua
guem (1937 e 1941-42) correspondem claramente atividade há mais de um ano (embora só 17% há
a conjunturas políticas de crise e insegurança mais de cinco), sendo 87% solteiras (7% casadas,
(Guerra Civil de Espanha, Segunda Guerra Mun- 3% viúvas e 3% divorciadas). Em relação ao meio
dial) que podem motivar uma dupla leitura na de origem, pouco as distinguia da maioria das mu-
sua ligação à progressão da prostituição regista- lheres do seu tempo, não se confirmando os pre-
da. Em primeiro lugar, existe a possibilidade de, conceitos que as viam como resultado da criação
perante o clima de confronto bélico próximo, as num ambiente tendencialmente marginal. Cer-
forças policiais terem aumentado a sua ação fis- ca de 80% tinham sido criadas pelos pais e uma
calizadora da sociedade, com um acréscimo de proporção próxima provinha de uniões legais. No
eficiência. Por outro lado, podemos encontrar seu conjunto, para as décadas de 30 e 40, quase
uma leitura mais socioeconómica dos fenómenos, metade tinham frequentado a escola, sabendo ler
que responsabilizará a degradação das condições e escrever 32%, valor não muito distante das ta-
materiais de vida das populações e a miséria de- xas de alfabetização feminina de então (25% em
corrente dos reflexos destes conflitos em Portu- 1930 e 45% em 1940). De realçar o facto de nos
gal pelo aumento do número de mulheres nas anos de acréscimo de prostitutas (caso da Segunda
ruas em busca de um complemento (ou uma fon- Guerra Mundial), os valores da alfabetização das
te integral) dos seus rendimentos. Podemos, ain- novas inscritas subir, indiciando uma prove-
da, tentar conjugar estas duas perspetivas numa niência de estratos sociais mais elevados. Pro-
terceira hipótese de trabalho, em que ao aumento fissionalmente, 51% declararam-se criadas, 22%
da ação policial correspondesse um real aumento domésticas, 10% costureiras ou afins e 9% ope-
das prostitutas em atividade, impelidas pelas más rárias. Embora não inquirindo a razão que as le-
condições de vida. Pensamos, contudo, que a tó- vara ao meretrício, o autor que se tem vindo a ci-
nica deverá ser posta na situação de degradação tar seria bastante mais curioso quanto às ques-
dos meios de subsistência de boa parte da po- tões ligadas à iniciação sexual destas mulheres.
pulação, já que, apesar da conjuntura ser propí- Uma esmagadora maioria (na ordem dos 85%)
cia ao reforço da vigilância policial da socieda- confessaria ter a sua primeira relação sexual ocor-
de, também era de molde à definição de priori- rido até aos 19 anos, apontando como motivo o
dades para a sua ação, as quais se encontravam “engano” pelo namorado (68%) ou a sedução
mais no campo da repressão política, bem lon- (18%): só 10% indicariam ter sido “forçadas”, atri-
ge de ter à cabeça a prostituição. Infelizmente, esta buindo apenas 4% ao casamento a sua entrada
leitura não pode ser confirmada de forma inte- numa vida sexual ativa. Não deixa de ser curio-
gral pelos dados recolhidos por Tovar de Lemos, so que estes últimos casos (88) sejam claramen-
já que, apesar de os seus questionários serem ra- te inferiores ao número das mulheres que eram
zoavelmente detalhados sobre a experiência de casadas, viúvas ou divorciadas (269), o que sig-
vida anterior das toleradas, não se incluía qual- nifica que duas em cada três teriam desfrutado
quer inquérito específico sobre as razões que de relacionamento sexual pré-conjugal. Até
as tinham impelido para essa atividade. Nes- meados dos anos 30, cerca de 80% das toleradas
te período, a vida quotidiana das prostitutas inspecionadas foram declaradas “indemnes” e,
matriculadas, e apesar de a sua vivência ser na- a partir daí, a proporção aumentaria ao ponto de,
turalmente condicionada pelas flutuações das no auge da prostituição de toleradas (1941-
conjunturas envolventes, era marcada por uma -1942), esse valor ficar acima dos 95%. Melhor
rotina diária com poucas alterações ao longo das tratamento, sucesso da campanha contra as
semanas, meses e anos. Longe iam começando doenças venéreas junto das prostitutas ou, pelo
a ficar os laivos boémios, mais ou menos fanta- contrário, maior laxismo da vigilância? Uma ou-
siosos, que tinham ajudado a criar a mitologia oi- tra hipótese é a de, num período de crise, a ex-
tocentista da prostituta-fadista e mulher fatal, tração social das prostitutas atingir camadas mais
como tipo social com o seu fascínio mais ou me- elevadas e, consequentemente, com melhores co-
nos mórbido e motivo de abundante bibliografia. nhecimentos, instrução e rotinas de higiene
Ainda de acordo com os elementos dos inquéritos pessoal. Fazendo o cálculo das inspeções feitas
de Tovar de Lemos, nas décadas de 30 e 40, em a cada mulher, obtemos o valor médio de 26 vi-
cada 4 toleradas 3 tinham uma idade até aos 25 sitas de cada prostituta ao Dispensário no ano de
819 PRO

1930. A partir desse momento, esse valor vai ele- ação a desenvolver é de profilaxia social e que
var-se e oscilar entre as 28-32 visitas anuais até “as casas ou institutos de regeneração são uti-
1949, exceção feita a 1942, com uma média de líssimos para a recuperação das mulheres sus-
34 exames anuais (quase 3 por mês, o que des- ceptíveis de voltar à conduta honesta”, mas re-
favorece a hipótese de uma vigilância menos aten- comendam-se iniciativas fortemente repressivas
ta neste período), elevando-se a mais de 40.000 da prostituição, como a sua proibição pura e sim-
os exames feitos durante esse ano. Como se com- ples, a criação de uma polícia de costumes, o po-
preenderá, esta amostra é apenas representativa liciamento de “certos lugares de diversão”, a vi-
de um corpo particular de prostitutas (“trata- gilância e inspeção das agências de colocação de
se de um número limitado de mulheres que se anúncios ou mesmo o controle dos contratos de
sabe mais ou menos onde param, que são ins- trabalho para o estrangeiro [Idem, p. 104]. Em
peccionadas, que são tratadas...”, nas próprias pa- tudo isto, o Estado não sai incólume, porque vá-
lavras de T. Lemos) que, apesar de partilhar gran- rias eram as vozes que ciclicamente se levanta-
de parte da rotina das suas colegas clandestinas, vam na mesma Assembleia contra o facto de a
não se pode tomar como reflexo de todo o uni- prostituição ser tolerada e contribuir mesmo para
verso da prostituição que, em algumas franjas, se o erário público através do pagamento de licen-
revela bem mais fluida e esquiva a qualquer tipo ças, multas e inspeções sanitárias. Mas, apesar
de abordagem muito rigorosa, especialmente da força dos argumentos de ordem moral, seriam
quantitativa. Mas a sua omnipresença, impor- os de natureza sanitária a conseguirem levar à
tância e penetração no corpo social era reco- (aparente) proibição do exercício da prostituição
nhecida explicitamente por Tovar de Lemos nas tolerada. O ano de 1949 marca uma inversão de-
palavras incluídas na reflexão que abre o seu re- cisiva na atitude do Estado perante a situação, por
latório de 1947: “Quanto à prostituição clan- ocasião da publicação da Lei n.o 2036, de 9 de
destina é extraordinário o número de raparigas agosto, relativa ao combate à propagação das
que a exerce. Não se sabe hoje onde começa o que doenças infectocontagiosas, nomeadamente as ve-
se pode chamar prostituição clandestina nem néreas. De acordo com a Base XV dessa lei, proí-
onde acaba. É difícil fixar os limites do que se bem-se as novas matrículas de toleradas ou a aber-
pode chamar prostituição clandestina dentro do tura de novas casas de tolerância, contemplan-
esbatido que vai desde a profissional que vive da do-se ainda a possibilidade de serem encerradas
prostituição 100% até à rapariga quase 100% ho- as que, tendo licença e estando em funciona-
nesta” [Lemos, 1948, p. 10]. Em 1944, quando é mento, apresentassem riscos evidentes para a saú-
apresentado na Assembleia Nacional o projeto de de pública. Veremos que esta proibição legisla-
lei sobre o Estatuto da Assistência Social, a tiva, para além de não ser absoluta, pois manti-
prostituição é um dos temas a merecer destaque. nha abertas todas as casas já em funcionamen-
Qualificada como um “terrível flagelo” preconiza- to, estaria longe de ser eficaz, acabando apenas
-se que só pode ser atacada se forem combinadas por empurrar muitas das situações de prostitui-
as vertentes económicas, morais e sociais do pro- ção para a clandestinidade. Aliás, o próprio pa-
blema [Diário das Sessões, 25 de fevereiro de recer elaborado para o efeito pela Câmara Cor-
1944, p. 103]. As causas identificadas do fenó- porativa já antevia a situação ambígua em que se
meno são múltiplas, desde a saída de raparigas traduziria a legislação em apreciação: “Dá-se aqui
sozinhas das aldeias para as cidades, o desem- nitidamente um passo no sentido de abolir as ca-
prego, o abandono pela família e a miséria até aos sas de toleradas, limitando já de forma conside-
“maus encontros nos combóios e gares”, certas rável o seu número. O problema, porém, tem de
profissões de risco, como as de criadas de servir encarar-se mais de frente. É preciso abolir a pros-
ou empregadas de bares, ou mesmo a ambição do tituição, acabando com as casas de toleradas e
luxo, num misto de considerações com funda- com a matrícula das prostitutas nos registos po-
mentos sociológicos e apreciações de ordem mo- liciais. Se queremos lutar a sério contra os ma-
ral. Culmina-se considerando existirem em Por- les venéreos, temos de encerrar as casas de to-
tugal “facilidades legais que as menores encon- leradas. São sempre focos de infeção” [Diários das
tram em fazerem vida por meio da prostituição, Sessões da Câmara Corporativa, 09/04/1949, p.
em contraste com as dificuldades, por vezes quá- 522]. Esta posição mais radical não seria levada
si insuperáveis, que se lhes deparam para viver adiante, entre outras razões, pela consciência que
honestamente” [Idem]. Declara-se que a grande existia da dimensão do problema e das previsí-
PRO 820

veis consequências que traria uma completa proi- clandestina nos diversos concelhos do país. Os
bição. Entre outros, Bustorff da Silva apontaria questionários seriam distribuídos aos subdele-
os seus inconvenientes: “Amarrado a um crité- gados de saúde espalhados pelo território, os quais
rio realista e objectivo, do que não quero afastar- acabariam por ser, em última instância, os res-
-me, limito-me a solicitar a atenção de VV. Ex.as ponsáveis pelos dados disponíveis e por alguma
para este simples aspecto da eliminação imediata sua falta de homogeneidade, apesar da tentativa
da prostituição regulamentada: as estatísticas de- uniformizadora do plano das questões propos-
monstram que em Portugal existem hoje mais de tas. Os resultados finais acabariam, natural-
6:000 toleradas matriculadas. Proibida ex abrup- mente, por ressentir-se um pouco das posições
to a prostituição, que iriam fazer estas mulheres? pessoais de alguns dos subdelegados que, em al-
Dispõe o Governo de meios, de estabelecimen- gumas circunstâncias, rodeariam um pouco as res-
tos próprios para as receber e readaptar para a postas objetivas ao que era pedido. Como seria
vida? Sabemos que não.” [Idem, 23/04/1949, p. de esperar, as maiores limitações acabam por re-
580] Desta forma, a Lei 2036 apenas aparente- fletir-se no tratamento da prostituição clandes-
mente acabaria com o regime de tolerância em tina, embora mesmo assim nos fiquem impor-
Portugal. Na prática, esperava-se que as casas em tantes indicadores para a compreensão da ex-
funcionamento fossem encerrando, à medida que tensão de todo o fenómeno. Sem os dados rela-
as próprias toleradas envelhecessem ou aban- tivos aos distritos de Coimbra e Santarém e à
donassem o ofício. A consequência natural era, cidade de Lisboa, na maior parte do país (as ex-
por outro lado, o aumento da prostituição clan- ceções são os distritos de Guarda e Évora), os nú-
destina. 4. Entre o proibicionismo e a aceitação meros propostos para a prostituição clandestina
tácita (c. 1950-c. 2000): Perante a imposição do excedem, por vezes claramente, os do contingente
novo enquadramento legal da prostituição, uma das toleradas. Em Viana do Castelo, o ratio en-
das vozes discordantes seria a de Tovar de Lemos. contrado é de 2,4 clandestinas para cada tolera-
A sua principal iniciativa terá sido, talvez, a rea- da, em Vila Real de 3,4, em Bragança e Aveiro de
lização de uma espécie de recenseamento da si- cerca de 4, em Castelo Branco de 2,7, em Beja de
tuação da prostituição no ano de arranque da nova 3, etc. Se o quadro completo pudesse ser esta-
legislação. Depois de uma tentativa, com algum belecido, o ratio global para todo o país não de-
sucesso, em 1940, é efetuado no ano de 1950 um veria estar muito distante, numa estimativa pru-
inquérito à escala nacional “acerca da Prostituição dente, das 2,5 clandestinas por cada prostituta
e Doenças Venéreas”, com uma rede de análise registada, o que conduziria a um total a rondar
que iria até ao nível concelhio. Neste censo glo- as 12.000-13.000 prostitutas clandestinas no
bal da prostituição no país, vamos encontrar re- conjunto do país, a maioria das quais no distri-
censeadas 5079 toleradas, 66% das quais só em to e cidade de Lisboa, para onde, infelizmente,
Lisboa, a que se seguia o Porto com 15% (760), não existem elementos. A favor de uma visão
Évora com 4% (201) e Coimbra com pouco mais mais maximalista do fenómeno, temos teste-
de 2% (124). Em relação a 1940, o contingente munhos como os do subdelegado de Saúde de Pó-
de matriculadas descera perto de 4% (eram 5274), voa de Lanhoso, que declararia: “Neste concelho,
enquanto o número das casas por elas frequen- como em todo o mundo hoje a desmoralização
tadas diminuíra cerca de 9% (de 485 para 442). é impressionante e o sensualismo campeia de
Neste item particular é de registar que em Évo- modo assombroso e já difícil de conter. No en-
ra existiam 66 casas, mais uma do que no pró- tanto o povo deste concelho denota ainda bastante
prio distrito do Porto (65), o que significava uma pudor e se é certo que na nossa população de
duplicação relativamente à década anterior. Em 22.000 habitantes deve haver muitas dezenas ou
Faro, a evolução fora inversa, diminuindo de 40 até centenas (para não dizer milhares) de mu-
para 10 o número de tais estabelecimentos. lheres que se portam mal, mas no entanto as coi-
Cerca de 80% das prostitutas recenseadas pro- sas passam-se de modo um tanto particular, sem
vinha de origens exteriores ao concelho onde se escandalo, ou com pequeno escandalo, e have-
dedicavam ao seu ofício, sendo apenas no dis- rá apenas umas cinquenta (aproximadamente)
trito de Braga que as naturais ultrapassavam as que se tornam mais salientes” [Lemos, 1953, p.
forasteiras. Mas, para além destes aspetos, o in- 29]. No distrito de Aveiro, em concelhos onde se
quérito procurava ir um pouco mais longe e ten- afirmava não existir prostituição, confessava-
tava fazer uma sondagem da própria prostituição -se, de uma forma estranhamente ingénua ou en-
821 PRO

tão perfeitamente deslocada, que “Em Arouca é feito às menores entregues a atos de prostitui-
com a exploração do minerio (wolframio) a ção, em 30 declara-se serem entregues à família,
desmoralisação aumentou consideravelmente em 59 serem entregues à justiça e em 93 (mais de
devido ao concelho ter sido invadido por mere- 50%) ser desnecessárias quaisquer medidas.
trizes clandestinas, e as raparigas seguiram o mes- Inexistência do fenómeno? Impossibilidade de
mo caminho. [...] Em Águeda não há prostitui- uma ação consequente? Desinteresse? A verda-
ção clandestina. Há algumas mulheres que na es- de é que, na maior parte dos casos, se está na pre-
trada convidam os turistas para os campos ou para sença de concelhos com prostituição clandesti-
suas casas” [Idem, p. 34]. Quanto à promiscui- na. Quanto aos usos e hábitos das prostitutas no
dade dos costumes, à sua inerência à própria vida seu quotidiano normal, o inquérito também nos
quotidiana das populações, da qual mal se dis- dá algumas pistas para o seu conhecimento. Nos
tingue, acompanhemos a descrição da situação casos em que a prostituição se exerce em casas
em Mortágua que, em grande medida, dispensa especificamente ocupadas para esse efeito, o nú-
mais palavras: “A feição rústica do meio não com- mero médio de mulheres é de 3 ou 4, raramen-
porta a prostituição profissional, a prostituição te de 5 e só em Lisboa acima da dezena. Este va-
propriamente dita não existe aqui. Como V. Exa. lor, em termos máximos, anda pelas 6-8 mulhe-
presumirá, não é a moralidade sexual excelsa que res na maior parte do país, registando-se apenas
reina, por faltar a prostituição profissional, mas em Lisboa estabelecimentos com 24 residen-
uma forma equivalente de amoralidade, primi- tes/frequentadoras. Os locais mais apontados para
tivista e incontrolável. É a mancebia clandesti- o exercício do ofício, por parte das prostitutas sem
na mais ou menos estável, mais ou menos tem- residência fixa, são as feiras (em 46 concelhos),
porária; é o pouco escrúpulo em matéria de fi- “locais escondidos” (44 concelhos), as tradicio-
delidade conjugal, são as ligações ilegítimas, as nais casas de passe (39), cafés e bares (36) e, fi-
facilidades pré-nupciais. Este caudal de imora- nalmente, em 27 concelhos limitam-se a usar as
lidade difusa, que não é exclusivo desta região, próprias ruas, durante a noite. Em 39 concelhos
é que corresponde e equivale à prostituição ur- afirma-se existirem ruas específicas para a loca-
bana nos meios rústicos; tal e qual como em lu- lização dos estabelecimentos destinados à pros-
gar do colector de esgotos existe, nas aldeias, uma tituição e em 44 os mesmos ficam em casas iso-
estrumeira a cada canto” [Idem, p. 37]. A reali- ladas das povoações. Em termos práticos, a
dade mostrava-se cheia de subtis cambiantes; a nova legislação deveria levar ao fim da prosti-
permanência visível, abertamente reconhecida ou tuição tolerada, à medida que as antigas matri-
mais ou menos disfarçada, da prostituição como culadas fossem abandonando a atividade ou mor-
atividade e universo inscrito nas rotinas das po- rendo. Contudo, muito longe de desaparecer, a
pulações do Norte ao Sul do país é uma evidência prostituição manter-se-ia de boa saúde. Se no ano
que a hipocrisia não consegue eliminar. As de 1949 o número de toleradas inspecionadas des-
preocupações essenciais eram claras: tudo esta- cera para 594 e, por força da nova legislação, esse
ria bem, se acabasse em bem, como em Portel, em valor diminuiria até às 411 em 1953, em paralelo
que “há uma prostituta clandestina. A moralidade os efetivos das clandestinas detetadas e reco-
do meio torna desnecessárias as modalidades ile- nhecidas mantinham-se em expansão: 1497 em
gais. [...] Quanto às menores que repetidas vezes 1951, 1685 em 1952. Ao fim de um quarto de sé-
tenham sido encontradas no exercício da pros- culo à frente do Dispensário e de quase meio sé-
tituição não se conhece nenhuma que ficasse sol- culo de trabalho ligado ao problema, Tovar de Le-
teira” [Idem, p. 47]. É igualmente curioso notar- mos poria o dedo na verdadeira ferida, que con-
-se que, quanto às medidas de repressão da pros- tinuava aberta e à vista de todos: “Quando se fala
tituição nos 171 concelhos onde a sua existên- de prostituição, há que distinguir propriamente
cia é reconhecida, em 102 se afirma não serem prostituição e prostitutas. Combater a prostitui-
postas em prática quaisquer medidas para com- ção é uma coisa diferente de combater as pros-
bater a situação, enquanto apenas em 53 se de- titutas. Muita gente confunde uma coisa e outra.
clara pertencer tal ação à administração do con- O combate à prostituição deve ser feito no sen-
celho. Em 18 concelhos, mais severos, é deter- tido de a impedir, de a dificultar, de a punir. A
minada a expulsão ou encerramento das mulheres prostituta, sendo uma consequência da prosti-
assim encontradas. Mais interessante: em 182 con- tuição, há que a amparar, há que a ajudar a li-
celhos que respondem à questão posta sobre o que bertar-se.. [...] De que serve proibir que uma mu-
PRO 822

lher que se entrega à prostituição circule em de- cas vividas em Portugal nos anos 70, associadas
terminados locais da cidade? Vai procurar outros. a uma súbita liberalização dos costumes, só per-
Acaso a moralidade varia de bairro para bairro?” mitirão trazer a discussão em torno da prostituição
[Idem, pp. 12-13]. Cerca de uma década depois, para a agenda já nos anos 80. Considerado ana-
o tema de prostituição voltaria a merecer as aten- crónico, o regime proibicionista e criminalizador
ções da Câmara Corporativa, por ocasião da dis- em vigor desde 1963 é revogado no novo Códi-
cussão sobre o projeto de proposta de lei do Es- go Penal de 1983 [Decreto-Lei n.o 400/82, de 29
tatuto da Saúde e Assistência. No parecer n.o de agosto]. No artigo 6.o do referido diploma, re-
42/VII da dita Câmara, o balanço da legislação vogam-se as determinações do artigo 1.o do De-
aprovada em 1949 é algo ambíguo. Se «como con- creto-Lei n.o 44579, desaparecendo a criminali-
sequência direta da publicação desta lei, dimi- zação das prostitutas. Em contrapartida, é cri-
nuiu, de então até hoje, o número de casas e de minalizado o lenocínio, incorrendo numa pena
matriculadas», também se admite que “o que se até 2 anos de prisão e 100 dias de multa. Os úl-
avançou nesta matéria foi menos do que seria para timos anos do século XX assistiram ao (re)flo-
desejar, pois a esta diminuição do número de mu- rescimento da prostituição, em particular asso-
lheres matriculadas correspondeu, especial- ciada às chamadas casas de alterne, bem como
mente nos grandes aglomerados populacionais, ao aumento do contingente de estrangeiras en-
um aumento da prostituição clandestina” [Actas tre as chamadas alternadeiras, com destaque para
da Câmara Corporativa, n.o 133, 24/05/1961, p. as brasileiras e as de países do Leste europeu.
1451]. Os dados estatísticos para a prostituição Mesmo se o alterne não é sinónimo de prosti-
tolerada que então subsistia eram incompletos tuição (alternadeira ou alternante é aquela mu-
mas, a avaliar pelos números disponíveis para o lher que leva o cliente da casa a consumir o má-
Continente (exceção feita ao distrito de Santarém), ximo possível, recebendo uma percentagem so-
a diminuição de casas terá sido significativa (de bre a despesa final), a verdade é que a fronteira
379 para 213). Seguindo a mesma proporção, o acaba por ser muito ténue na maioria dos casos
número de mulheres ainda em exercício teria di- e os estudos existentes apontam para uma estreita
minuído para menos de 3450. Infelizmente, associação entre os dois fenómenos e, para além
tudo parece ter acontecido com o custo da dis- disso, à ligação do alterne a redes de tráfico de
seminação da prostituição clandestina. Volta en- mulheres à escala europeia e mundial. De uma
tão a ganhar força a tendência proibicionista, e, forma um pouco anedótica, e em virtude de uma
de acordo com o artigo 1.o do Decreto-Lei conjuntura específica, em 2002 a revista Time che-
n.o 44579, de 19 de setembro de 1962, determi- gou a considerar Bragança como a cidade, por ex-
na-se que “é proibido o exercício da prostituição celência, da prostituição na Europa, em virtude
a partir de 1 de janeiro de 1963”, considerando- do ratio entre a população residente e o núme-
-se como “prostitutas as raparigas e mulheres que ro de mulheres detetadas a trabalhar em casas de
habitualmente se entreguem à prática de relações diversão noturnas. Não sendo um fenómeno novo,
sexuais ilícitas com qualquer homem, delas ob- esta modalidade de prostituição parece ter ganho
tendo remuneração ou qualquer outro proveito uma nova dimensão e ter-se tornado mais visí-
económico”, e equiparando-as aos vadios para vel em muitas zonas da província do que a pros-
aplicação de medidas de segurança; a partir da- tituição de rua, agora mais limitada aos grandes
quela data, todas as licenças e matrículas cadu- centros urbanos do litoral e às proximidades de
cariam e todos os registos relacionados com o re- algumas rodovias em zonas rurais. Por outro lado,
gime de tolerância deveriam ser queimados pe- a prostituição de rua passou a estar cada vez mais
las autoridades [Proibição do Exercício da Pros- associada a problemas de toxicodependência,
tituição..., 1965, pp. 5-6]. Inicia-se então um pe- como se verifica pelos estudos disponíveis mais
ríodo de repressão policial da prostituição e de recentes [Costa e Alves, 2001, e Manita e Oliveira,
criminalização da atividade que a empurra para 2002, entre outros]. Não existindo abordagens glo-
a completa clandestinidade, sendo escassos os ele- bais da prostituição a nível nacional, restam-
mentos estatísticos disponíveis, para além dos cor- nos os dados parcelares de alguns relatórios de
respondentes às condenações a pena de prisão intervenções em espaços específicos de Lisboa
destas mulheres, que vão passar a encher os es- ou do Porto que apontam para algumas simila-
tabelecimentos prisionais femininos [Carmo e Frá- ridades (faixa etária, nível de escolaridade) e al-
gua, 2002]. Por outro lado, as convulsões políti- gumas discrepâncias (tempo de atividade, tipo
823 PRO

de residência) nas amostras trabalhadas. Apa- «Calão», Lisboa, Livraria Central Gomes de Carvalho,
rentemente, em Lisboa (Intendente) existe uma 1901; Afonso Gayo, Os Novos. Romance da Vida Boémia,
Lisboa, Livraria Editora, 1913; Agostinho Lúcio, “Dis-
maior proporção de mulheres que se dedicam à pensários-Prostituição”, Boletim de Saude e Hygiene Mu-
prostituição como meio de vida há menos de um nicipal de Lisboa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1887; Alain
ano e que vivem em casas arrendadas ou com fa- Corbin, Les Filles de Noce. Misère Sexuelle et Prostitu-
mília, enquanto no Porto (Trindade) é muito maior tion aux XIXe et XX Siècles, Paris, Aubier, 1979; Albi-
o peso das “sem-abrigo” e das que vivem em quar- no Forjaz de Sampaio e Bento Mântua, O Livro das Cor-
tesãs, Lisboa, Livraria Editora Guimarães & CÇ, 1917; Al-
tos de pensão [Costa e Alves, 2001, pp. 177-188]. fredo de Amorim Pessoa, História da Prostituição em Por-
Outro aspeto da visibilidade crescente de práti- tugal desde os Tempos mais Remotos da Lusitânia até
cas mais ou menos próximas da prostituição é a aos Nossos Dias, Lisboa, Empreza Editora de F. Pastor,
proliferação na imprensa diária de difusão na- 1887; Alfredo Gallis, Tuberculose Social. Mulheres Per-
didas, Lisboa, Livraria Central Gomes de Carvalho,
cional de miríades de pequenos anúncios ex- s.a.; Idem, A Baixa. Lisboa no Século XX, Lisboa, Par-
plícita ou implicitamente relacionados com a ati- ceria António Maria Pereira, 1910; Alfredo Luiz Lopes,
vidade, desde linhas pretensamente eróticas que Estudo Estatístico da Criminalidade em Portugal nos An-
servem para a marcação de encontros, até con- nos de 1891 a 1895, Lisboa, Imprensa Nacional, 1897;
vites individuais, aparentemente inocentes, para Alfredo Tovar de Lemos, A Prostituição. Estudo Anth-
ropologico da Prostituta Portugueza, Lisboa, Centro Ty-
convívio “sério” por parte de senhoras que se pographico Colonial, 1908; Idem, Relatório do Serviço
apresentam como sós e precisando de companhia. de Inspecção de Toleradas. 1929-1954, Lisboa, Impren-
Mas, apesar da aparente expansão do fenómeno sa Nacional/Tipografia Americana, 1930-1955; Idem, In-
em Portugal e da sua crescente associação ao quérito acerca da Prostituição e Doenças Venéreas em
Portugal – 1950, Lisboa, Editorial Império, 1953; Alme-
mundo da toxicodependência e da pequena rindo Lessa, Política Sexual – Ensaios de Compreensão
marginalidade, a prostituição não mereceu entre e Cultura, Lisboa, Editorial Inquérito Limitada, 1941; Ân-
nós, nos últimos anos, um verdadeiro debate em gelo Fonseca, Da Prostituição em Portugal, Porto, Ty-
profundidade sobre a possibilidade do seu re- pographia Occidental, 1902; António de Sousa Bastos,
conhecimento e da sua legalização enquanto ati- Lisboa Velha. Sessenta Anos de Recordações (1850-1910),
Lisboa, Oficinas Gráficas da Câmara Municipal de Lis-
vidade profissional. As tentativas nesse sentido boa, 1947; Anuário Estatístico. Ano de 1928, Lisboa, Im-
têm sido escassas, circunscritas e sempre envoltas prensa Nacional; Armando Gião, Contribuição para o Es-
numa polémica de ordem moral que, mais do que tudo da Prostituição em Lisboa, Lisboa, Typographia de
outros temas tidos como “fraturantes” da socie- Christovão Augusto Rodrigues, 1891; Arnaldo Brazão,
Abolição do Registo Policial das Meretrizes, Lisboa, Ofi-
dade e das consciências individuais, impedem cinas Gráficas do Instituto Profissional dos Pupilos do
uma apreciação objetiva do fenómeno. Ilegal mas Exército, 1926; Augusto Bugalho Gomes, História Com-
não criminalizada, a prostituição existe à vista de pleta da Prostituição, Lisboa, s.n., 1913; Aureliano B. Fon-
todos mas como se não fosse vista por todos, per- seca, “Alguns aspectos da prostituição no Porto”, O Mé-
manecendo num limbo de indefinição que só fa- dico, n.o 680, 1964, pp. 20-28; Avelino de Sousa, Bairro
Alto. Romance de Costumes Populares, Lisboa, Livraria
cilita a precarização das condições de vida da Popular Francisco Franco, 1944; Azevedo Neves, As Ma-
maioria das mulheres que a ela recorre. Como ou- triculadas Existentes em Portugal em 31 de Dezembro
tros fenómenos sociais que ainda causam algum de 1926, Lisboa, Imprensa Nacional, 1928; Bonnie An-
incómodo de ordem moral, mesmo que de uma derson e Judith Zinsser, A History of their Own. Women
in Europe from Prehistory to the Present, London, Pen-
moral passiva e caída em desuso, convencionou- guin, 1990; Cancioneiro do Bairro Alto. Collecção de chis-
se uma atitude de generalizada indiferença por tosas poesias de um author patusco ofercidas a certas
parte dos que a ela não recorrem e que, assim, meninas que fazem certas coisas, Cádis, 1876; Carlos de
consideram resolvido o problema ao não crimi- Moura Cabral, Lisboa Alegre. Aspectos, Tipos, Costumes,
nalizá-lo diretamente. Episodios, Lisboa, Editora Limitada, 1912; Celina Manita
e Alexandra Oliveira, Estudo de Caracterização da
Bib.: AA.VV., Histoire des Femmes. Le XXe Siècle, Vol. Prostituição de Rua no Porto e Matosinhos, Lisboa, CIDM,
5, Paris, Plon, 1992; A. A. Mendes Correia, Os Criminosos 2002; Cesar Lombroso e G. Ferrero, La Femme Criminelle
Portugueses. Estudo de Antropologia Criminal, Porto, Im- et la Prostituée, Paris, Félix Alcan, Éditeur, 1896; Clau-
prensa Portuguesa, 1913; Idem, Creanças Delinquentes. dia Koonz, Les Mères-Patrie du IIIe Reich – Les Femmes
Subsídios para o Estudo da Criminalidade Infantil em et le Nazisme, Paris, Lieu Commun, 1989; Código Penal,
Portugal, Coimbra, F. França Amado, Editor, 1915; A. J. Coimbra, Livraria Almedina, 1993; Diários das Sessões
B. Parent Duchatelet, De la Prostitution dans la Ville de da Assembleia Nacional [disponível em www.parla-
Paris, considerée sous les rapports de l’hygiène publique, mento.pt]; Diários das Sessões da Câmara Corporativa
de la morale et de l’administration, Bruxelas, Établis- [disponível em www.parlamento.pt]; Diários das Sessões
sement Encyclographique, 1837; Actas da Câmara Cor- da Câmara dos Deputados [disponível em www.parla-
porativa [disponível em www.parlamento.pt]; Alberto mento.pt]; Elementos de Sciencia Social ou Religião Phy-
Bessa, A Gíria Portuguesa. Esboço de um Dicionário de sica, Sexual e Natural. Exposição da verdadeira causa
PRO 824

do único remédio dos tres principaes males sociaes. A Transgressão: Uma Geografia do Crime em Lisboa na Vi-
Pobreza, a Prostituição e o Celibato, Lisboa, s.n., 1876; ragem para Oitocentos”, Quotidiano e Urbanismo no Sé-
Emilio Gante, História Popular da Prostituição, Lisboa, culo XVIII, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Estudos do
Empreza Lusitana Editora, 1910; Fernanda do Vale, A Pre- Século XVIII, não numerado, 1991; Paulo Guinote,
ta Fernanda (Memórias) – Recordações d’uma Colonial, Quotidianos Femininos (1900-1933), Lisboa, O.N.G. do
Lisboa, Teorema, 1994; Fernando Schwalbach, O Vício Conselho Consultivo da C.I.D.M., 1997; Pedro Dufour, His-
em Lisboa, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, tória da Prostituição em todos os Povos do Mundo des-
1912; José de Saldanha Oliveira e Sousa, Escravatura de a mais Remota Antiguidade até aos Nossos Dias, Lis-
Branca, Lisboa, Typographia Mattos Moreira e Pinhei- boa, Empreza Literária Luso-Brasileira Editora, 1885; Pe-
ro, 1896; Ferreira Deusdado, “A Mulher Delinquente”, dro Janarra e Mafalda E. Dias, A Criminalidade em Lis-
Revista de Educação e Ensino, n.o 1, 1983; Francisco Cân- boa (1909-1911-1916/17-1925-1927). Estudo Compara-
cio, Aspectos de Lisboa no Século XIX, Lisboa, Imprensa tivo [trabalho inédito da Licenciatura em História na
Baroeth, 1939; Francisco Ignácio dos Santos Cruz, Da FCSH, gentilmente cedido pelos autores], Lisboa, 1987;
Prostituição na Cidade de Lisboa (1841), Lisboa, D. Qui- Proibição do Exercício da Prostituição. Decreto-Lei n.o
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Prostituição e Polícia Sanitária no Porto, seguida de um cino Cordeiro, 1965; Regulamento Policial das Meretri-
ensaio estatistico nos ultimos dous anos, tabellas com- zes e Casas Toleradas da Cidade de Lisboa em 30 de ju-
parativas, etc., Porto, F. Gomes da Fonseca, 1864; Gomes lho de 1858, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858; Regula-
de Brito, Lisboa do Passado. Lisboa dos Nossos Dias, Lis- mento Policial das Meretrizes e Casas Toleradas da
boa, Livraria Ferin, 1911; História da Prostituição segundo Cidade de Lisboa em 1 de Dezembro de 1865, Lisboa, Im-
os trabalhos de Parent-Duchatelet, Dufour, Lacroix, prensa Nacional, 1865; Regulamento Policial das Me-
Rabuteaux, Lecour, Taxil Flaux e outros autores celebres, retrizes na Cidade de Lisboa de 28 d’Agosto de 1900, Lis-
Porto, Livraria Chardron de Lello e Irmão Editores, 1898; boa, Typographia Palhares, 1900; Regulamento Policial
IAN/TT – Guarda Real da Polícia [verbetes das ocor- e Sanitário das Meretrizes do Concelho do Porto e Vil-
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friana). 1820-1846, Lisboa, Livraria Bertrand, s.a.; Kel-
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sity Press, 2003; L. Didot, Physiologia do Vício. O Sen-
sualismo e a Prostituição em todos os Tempos, Lisboa,
Casa Editora de Publicações Populares, 1913; Laure Adler,
A Vida nos Bordéis de França. 1830-1930, Lisboa, Ter-
ramar, 1993; Laurinda Abreu, Prostitutas e Burgueses em
Setúbal na Segunda Metade do Século XIX [texto iné-
dito, gentilmente cedido pela autora], 1994; Lino de Ma-
cedo, A Bandeira. Estudo Psychologico d’uma Desiqui-
librada, Lisboa, Companhia Nacional Editora, 1897;
Maria Graziela Afonso, Estudos de Casos: Prostituição
e Espaço Social – O caso do Intendente, Lisboa,
CECI/Universidade Nova, 1984; Pall Mall Gazette, Os Es-
cândalos de Londres. Com uma Introdução sobre a Nova
Babilónia, Lisboa, Livraria Académica de Cruz & C.a, 1886;
Paulo Guinote e Rosa Oliveira, “Prostituição, Boémia e
Galantaria no Quotidiano da Cidade”, Portugal Con-
temporâneo, Vol. 2, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, pp.
339-382; Paulo Guinote e António Lopes, “O Espaço da
Q
Quintina do Carmo Sales e Silva
Militante espírita. Em 1929, foi eleita presidente
da Comissão de Beneficência da Federação Es-
pírita Portuguesa, constituída por Elena de Melo
Gonçalves Teixeira, Maria O’Neil, Maria Mar-
garida Santos, Amélia Ferreira Grilo, Maria Emí-
lia Carvalho Gonçalves, Ana Costa, Alice Jane
Moura, Ana do Carmo Sales Silva, Cecília de
Sousa, Laura Barbosa, general Júlio César
Barata Feyo, Dr. José de Magalhães e Meneses,
coronel José Augusto Faure da Rosa, Vasco In-
fante da Câmara, Francisco Alves, Francisco
Mota e Pedro Cardia.
Bib.: O Mensageiro Espírita, n.o 4, janeiro-fevereiro, 1929,
p. 6, e n.o 8, setembro-outubro, 1929, p. 5.
[N. M.]

Quitéria Júlia de Sousa


Professora da instrução primária. Subscritora da
Obra Maternal, foi excluída em 1915. Poste-
riormente, pertenceu à Comissão de Professo-
res da Junta Patriótica do Norte, fundada em 15
de março de 1916 para apoiar os soldados por-
tugueses durante a Primeira Guerra Mundial.
Bib.: Alberto de Aguiar, Relatório Geral dos Atos da Jun-
ta Patriótica do Norte, desde a sua origem, em 15.III.1916
até 31.XII.1917, apresentado pela Comissão Executiva
com o concurso do Núcleo Feminino de Assistência In-
fantil e Comissão Económica, Porto, Junta Patriótica do
Norte, Tip. Mendonça, 1918; “Obra Maternal”, A Ma-
drugada, n.o 39, março, 1915, p. 4, col. 2.
[N. M.]
R
Raquel Maria grada na Companhia do Teatro Nacional D. Ma-
v. Raquel Maria Cabrita dos Santos ria II, num espetáculo do Festival Mergulho no
Futuro – Expo 98. Mais tarde, expressaria o seu
Raquel Maria Cabrita dos Santos desapontamento: “por um acaso da vida, vejo-me
Atriz e artista plástica. Nasceu em Castro Verde, aqui como freelancer, coisa que eu nunca quis ser,
em 18 de maio de 1946, e faleceu em Lisboa a 26 mas a que fui obrigada”. Depois da estreia tele-
de julho de 2006. No Barreiro fez a instrução pri- visiva em Marina, Marina, seguiu-se Por Mares
mária, onde participou em récitas, que adorava. nunca dantes Navegados (1991), Ora Bolas,
Tinha, desde criança, outro projeto, o de cursar Marina (1993), Os Malucos do Riso (início em
Belas-Artes, mas as dificuldades económicas da 1995, prolongando-se por vários anos), As Aven-
família impediram a sua concretização. Conse- turas de Camilo (1997), Companhia do Riso
guiu, contudo, inscrever-se na Cooperativa dos (1999), Bacalhau com Todos (2000), Fábrica de
Gravadores Portugueses, em Lisboa, onde apren- Anedotas (2001), Não Há Pai (2002), e muitos ou-
deu as técnicas de desenho, gravura e serigrafia tros trabalhos com um ou dois episódios. Para
fora das horas de trabalho, como empregada de além do teatro, interpretou papéis em vários fil-
escritório, secretária ou contabilista. Começou a mes e participou em algumas exposições de gra-
representar em 1965, no Grupo de Teatro Ama- vura e desenho, tanto individuais como coleti-
dor da Sociedade Recreativa 22 de novembro, do vas. Destas, salienta-se o XVIII Salão da Prima-
Barreiro, com a peça A Ratoeira, de Agatha Chris- vera, de 1982, promovido pela Junta de Turismo
tie. Outras peças se seguiram, merecendo espe- da Costa do Sol, onde lhe foi atribuída a Meda-
cial referência João Gabriel Borkman, de Ibsen, lha de Bronze. Na Cornucópia entrou nas se-
que ganhou vários prémios e foi exibida na te- guintes peças: O Misantropo, de Molière (1973);
levisão. Em 1973, foi convidada por Luís Miguel A Ilha dos Escravos e A Herança, de Pierre Ma-
Cintra para fazer parte da fundação de um gru- rivaux (1974); O Terror e a Miséria no III Reich,
po de teatro profissional. Assim nasceu a Cor- de Bertolt Brecht (1974); Pequenos Burgueses, de
nucópia, que se apresentou ao público em mea- Máximo Gorki (1975); Ah Q, de Jean Jourdheuil
dos daquele ano com a peça O Misantropo. Ra- e Bernard Chartreux (1976); As Músicas Mágicas,
quel Maria permaneceu no grupo até 1987. Na de Catherine Dasté (1976); Tambores na Noite,
hora da saída, declarou que “é um gesto doloroso de Bertolt Brecht (1976); O Treino do Campeão
deixar uma comunidade de trabalho, que é qua- antes da Corrida, de Michel Deutsch (1977); Ca-
se uma família, mas creio que tal é saudável para simiro e Carolina: sete cenas de amor, prazer e
mim e para a companhia”. Demais, disseram- dor neste nosso mau tempo, de Odon Von Hor-
-lhe que, “se um dia quiser voltar, a porta da Cor- váth (1977); Auto da Família, de Fiama Hasse Pais
nucópia estará sempre aberta”. Em 1984, foi dis- Brandão (1977); Woyzeck, de Georg Büchner
tinguida pela Associação Portuguesa de Críticos (1978); E não se Pode Exterminá-lo?, de Karl Va-
de Teatro com o Prémio de Teatro 25 de Abril, atri- lentin (1979); Paragens mais Remotas que Estas
buído a vários artistas. A mesma associação vol- Terras: cenas das comédias de Plauto, montagem
tou a premiá-la, em 1986, pelo seu papel se- de textos de Luís Miguel Cintra (1979); Zuca, Tru-
cundário na peça Páscoa. Ingressou, em 1988, no ca, Bazaruca e Artur, do Grupo Grips Theater
Grupo Dramático Intermunicipal Almeida Gar- (1979); Capitão Schelle, Capitão Eçço, de Rezvani
rett, vulgarmente conhecido por Teatro da Ma- (1980); Não se Paga, Não se Paga, de Dário Fo
laposta, a principal sala em que os espetáculos (1981); O Labirinto de Creta, de António José da
se realizavam. Em 1990, começou a desempenhar Silva, “O Judeu” (1982); Oratória, colagem de tex-
papéis em séries e episódios de televisão e, em tos de Gil Vicente, Wolfgang Goethe e Bertolt
1992, saiu da Malaposta, com uma licença sem Brecht (1983); Recordações de uma Revolução,
vencimento. Terminou ali a sua carreira de atriz de Heiner Müller (1984); Simpatia, de Eduardo
de palco, para desgosto dos seus admiradores. Só De Filippo (1984); O Parque, de Botho Strauss
mais uma vez representou ao vivo, na peça Di- (1985); A Ilha dos Escravos e Páscoa, de August
visão B – Parque, de Rui Cardoso Martins, inte- Strindberg (1985); A Sombra dos Espectros, de
REB 828

August Strindberg (1986); A Mulher do Campo, tro da Cornucópia: espectáculos de 1973 a 2001, Lisboa,
de William Wycherley (1986); Vermelhos, Negros ed. Teatro da Cornucópia, 2002.
[L. G.]
e Ignorantes e As Pessoas das Latas de Conser-
va, de Edward Bond (1987); e Grande Paz, de Ed-
ward Bond (1987). Além da interpretação, de- Rebecca McCausland Stewart Bucknall
sempenhou também, em algumas destas peças, Nasceu em Dublin, na Irlanda, em 1893, vindo
funções de assistência de encenação, direção de a falecer em 1981. Filha de um pastor anglica-
cena e contrarregra. No Teatro da Malaposta, re- no, licenciou-se na célebre universidade irlan-
presentou nos seguintes espetáculos: Sala de Es- desa Trinity College com elevada classificação.
pera da Saúde, de Sean O’Casey (1988); O Prín- Iniciou a vida profissional como precetora e, em
cipe Perfeito, de António Borges Coelho (1988); 1921, veio para Portugal, onde trabalhou na casa
A Estalajadeira, de Carlo Goldoni (1989); O Ren- de família de Mr. and Mrs. Douglas Bucknall. Em
der dos Heróis, de José Cardoso Pires (1989); A 1930 casou com Wilfrid Bucknall. Tiveram
Floresta, de Alexander Ostrovski (1990); Ele Há uma filha. Foi uma das fundadoras do Colégio
Coisas do Diabo, de Gil Vicente, seleção de tex- Inglês de Carcavelos* (St. Julian’s School) e, no
tos de Raquel Maria e José Peixoto (1991); Os Ca- início, era professora não remunerada. Também
valeiros da Távola Redonda, de Christophe trabalhou no grupo de guias que se criou no co-
Hein (1992). Foi assistente de encenação na peça légio e foi governadora deste entre 1965 e 1973.
Sonho de uma Noite de Verão, de William Sha- Trabalhou no Serviço Voluntário Feminino* e
kespeare (1991). No cinema, participou nos fil- noutras organizações. Morreu em Portugal, na sua
mes: A Vida é Bela?!, de Luís Galvão Teles (1981); casa no Monte Estoril.
Silvestre, de João César Monteiro (1981); Paisa- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1259, 09/10/1981.
gem sem Barcos, de Lauro António (1983); [A. V.]
Abismos da Meia-Noite, de António Macedo
(1983); O Bobo, de José Álvaro de Morais (1987); Recolhidas
A Maldição do Marialva, de António Macedo A designação de “Recolhidas” aplicou-se às se-
(1990); O Rapaz do Tambor, de Vítor Silva nhoras solteiras ou viúvas que, por terem pou-
(1990); Rosa Negra, de Margarida Gil (1992); Ter- cos recursos económicos e/ou por não terem fa-
ra Fria, de António Campos (1992); A Sombra dos miliares próximos (pais, maridos ou filhos), se
Abutres, de Leonel Vieira (1998); Golpe de Asa, recolhiam em conventos ou em “casas de as-
de António Borges Correia (1999); Mal, de Alberto sistência”, estas últimas mantidas até ao sécu-
Seixas Santos (1999); Um Tiro no Escuro, de Leo- lo XIX por donativos régios e/ou testamentos
nel Vieira (2005). pios. Sob o Liberalismo, o Estado passou a res-
Bib.: Fernanda Mira, “A última ovação” [c/ fot.], TV 7 Dias, ponsabilizar-se, cada vez mais, pela assistência
n.o 1011, 02/08/2006; Inês Alves, “A actriz, do palco à social aos mais desfavorecidos, entre os quais se
TV” [c/fot.], Diário de Notícias, 27/07/2006; Isabel Pra- contavam muitas dessas senhoras enclaustradas
tes, “A última despedida a Raquel Maria” [c/ fot.], VIP, ou recolhidas nos conventos extintos ou em vias
n.o 472, 02/08/2006; Luís Costa, “Raquel Maria ‘apanhada’
em jardim de Algés” [c/ fot.], A Capital, 10/12/1993; Ma-
de extinção, por força da legislação de Joaquim
nuel Cintra, “Retratos no teatro: Raquel Maria” [c/ fot.], António de Aguiar (1834). Foi, por isso, criada
Diário de Lisboa, 21/07/1987; Maria João Duarte, “Raquel a Provedoria Geral dos Recolhimentos da Capital
Maria revela o ‘preço’ do profissionalismo” [c/fot.], Sete, (decreto de 26 de novembro de 1851) e foram
n.o 136, 14/01/1980; Raquel Magalhães, Sónia Salguei- igualmente designados os primeiros sete esta-
ro Silva, Susete Henriques, Vânia Custódio, “Raquel Ma-
ria disse adeus” [c/ fot.], 24 Horas, 27/07/2006; Rute Coe- belecimentos destinados a garantir a habitação
lho, “Raquel Maria: a D. Perpétua de Bacalhau com To- e subsistência a senhoras com carências eco-
dos” [c/ fot.], 24 Horas, 27/04/2000; Tito Lívio, “Raquel nómicas – Calvário, Grilo, Lázaro Leitão, Nos-
Maria: actriz polifacetada” [c/fot.], Nova Gente, n.o 608, sa Senhora da Encarnação e Carmo, Passadiço,
11/05/1988; “Associação de Críticos atribui Prémios de
Teatro 25 de Abril”, Diário Popular, 04/06/1984; “Críticos Rua da Rosa e S. Cristóvão –, três dos quais fi-
premiaram Teatro de Abril”, O Diário, 06/06/1984; caram instalados em antigos edifícios conven-
“Raquel”, [c/ fot.], Catálogo de Exposição na Galeria Fon- tuais. As grandes mudanças político-sociais do
te Nova, Lisboa, 1985; “Raquel Maria: o descanso fez-me século XX – República, Estado Novo e Demo-
bem” [entrevista c/ fot.], Diário Popular, 20/11/1985;
“Atribuídos os Prémios de Teatro de 1985”, Diário de Lis-
cracia – obrigaram o Estado a repensar a função
boa, 25/02/1986; “Grupo da Cornucópia foi o mais pre- dos recolhimentos e, consequentemente, a es-
miado pelos críticos teatrais”, O Diário, 26/02/1986; Tea- tabelecer-lhes novos critérios de admissão e no-
829 REC

vas regras de funcionamento. Nesse sentido, pro- pela consulta dos livros de admissão dos outros
mulgaram-se na primeira metade de novecentos recolhimentos – Encarnação, Lázaro Leitão,
vários decretos, dos quais destacamos os n.o Santos-o-Novo e S. Cristóvão –, datados das dé-
12 911, de 15 de dezembro de 1926, n.o 15 622, cadas de 1930 e 1940, conclui-se que a maior par-
de 21 de junho de 1928, n.o 24 371, de 17 de agos- te das senhoras recolhidas eram viúvas ou des-
to de 1934, que, entre outras coisas, determi- cendentes de oficiais e/ou de agraciados com as
naram a extinção de alguns dos estabelecimen- Ordens de S. Bento de Avis, de Santiago ou de
tos mais antigos (e com menos condições) e a Torre e Espada, seguindo-se, em menor per-
conversão definitiva em recolhimentos dos an- centagem, as viúvas ou filhas de altos funcio-
tigos Conventos de Comendadeiras de Santos- nários do Estado e, num número já menos sig-
-o-Novo e de Nossa Senhora da Encarnação. Em nificativo, as senhoras de origem nobre. Num li-
resultado dessa conversão, a admissão de se- vro de registo dos recolhimentos da Encarnação,
nhoras nesses dois estabelecimentos deixou Lázaro Leitão e Santos-o-Novo, datado de 1934
de estar condicionada ao seu estatuto aristo- a 1937, encontrámos fichas de 30 recolhidas, das
crático, como até aí se verificara, uma vez que quais apenas seis eram nobres, cinco das quais
as funções dos recolhimentos se distanciaram em haviam sido admitidas em Santos, antes da sua
absoluto das que haviam vingado nos antigos integração definitiva nos recolhimentos da ca-
Conventos de Comendadeiras de Santiago e de pital. Essas recolhidas de origem nobre eram:
Avis. Contudo, a admissão na maior parte dos D. Maria da Glória Sarmento Vasconcelos e Cas-
recolhimentos, e não só nos da Encarnação e de tro, solteira, com 81 anos, filha de Filipe de Mo-
Santos, antes e mesmo depois de 1834, foi sem- rais Sarmento de Vasconcelos e Castro, da casa
pre muito restritiva, uma vez que se privilegia- de Santo António de Leomil e descendente de
vam as senhoras provenientes de famílias nobres, fidalgos da casa real, admitida em Santos-o-
de famílias de militares de alta patente ou as per- -Novo em 1889, com 34 anos; D. Maria do Car-
tencentes a famílias de funcionários públicos su- mo de Sousa Coutinho Monteiro Paim, solteira,
periores. Isso mesmo se verifica nos registos de com 67 anos, filha de D. José de Sousa Coutinho
admissão ao Recolhimento das Merceeiras, da- Monteiro Paim, neta do 3.o conde de Alva e 1.o
tados entre as últimas décadas do século XIX e marquês de Santa Iria, admitida em Santos-o-
primeiras do século XX, nos quais eram indi- Novo em 1892, com 23 anos; D. Maria Rita Cor-
cados como motivos justificativos da admissão, reia de Sá Asseca, viúva, com 86 anos, filha do
além da falta de recursos económicos, a ligação 3.o visconde de Asseca e neta dos condes de Vila
familiar (como filhas, irmãs ou viúvas) a oficiais Real, admitida em 1892 em Santos-o-Novo,
de alta patente (capitão, médico militar, coronel, com 50 anos; D. Maria da Nazaré de Almeida e
general, marechal) ou a funcionários superiores Silva, solteira, com 65 anos, filha de D. Fernando
(embaixador, cônsul, inspetor, professor uni- António de Almeida e Silva, representante da
versitário, etc.) ou a ascendência aristocrática. casa dos condes de Oliveira dos Arcos e des-
Nesse conjunto de registos encontram-se, entre cendente de D. Francisco de Almeida, admiti-
outros, os de duas descendentes de Frederico Lu- da em Santos-o-Novo em 1903, com 34 anos;
dovice (arquiteto que projetou o Convento-Pa- D. Sofia da Gama Berquô, solteira, com 64 anos,
lácio de Mafra), D. Maria Perpétua Correia Lu- neta dos marqueses de Contalago, admitida em
dovice (solteira, nascida em 1860 e natural de Santos-o-Novo em 1906, com 33 anos; D. Maria
Faro, admitida em 1926) e D. Maria Cândida Du- Clementina de Lencastre Corte Real, viúva do
mond Nunes Ludovice (viúva, nascida em 1864 conde de S. Januário, com 70 anos, admitida em
e cujo pai fora embaixador do Brasil, admitida Lázaro Leitão em 1934. Das outras 24 recolhidas
em 1932) e ainda o de D. Sofia de Melo e Cas- constantes naquele livro de registo, cinco eram
tro (viúva, nascida em 1864 e natural de Alma- filhas de funcionários públicos (juízes ou qua-
da, descendente em linha direta do príncipe dros superiores de ministérios) e 19 eram fa-
D. João, filho de D. Pedro e de D. Inês de Castro) miliares (viúvas, filhas ou netas) de oficiais do
e o de D. Carolina Luísa da Silva Werner Ferreira exército e da marinha, com patentes de alferes,
(nascida em 1846, natural de Lisboa, viúva de capitão, coronel, general, etc. Pela análise da-
oficial e com ascendência nobre, admitida em quelas fichas de registo, verifica-se que, quan-
1901). Tal como se verifica pela consulta dos re- to à naturalidade, as 30 senhoras eram oriundas
gistos de admissão acima referidos, e também de diversas regiões do país (Lisboa, Évora, Fun-
REC 830

chal, Setúbal, Angra do Heroísmo, Beja, Goa, Por- cial, e de D. Áurea Spínola, prima do general Spí-
to, Santarém, Viana do Castelo e Viseu) e algu- nola. Devido às suas origens sociais e familiares,
mas do estrangeiro (uma nascida em Monastir, a maior parte das senhoras que viveram naque-
Turquia, e outra em Sevilha). Constata-se ainda les dois recolhimentos tinham um elevado ní-
que a única característica comum àquelas 30 re- vel cultural e algumas destacaram-se na litera-
colhidas, com idades compreendidas entre os 49 tura, como foi o caso de D. Cristina Bérens Frei-
e os 78 anos, era a de nunca terem exercido qual- re, autora de várias obras de poesia [“Rimas que
quer atividade profissional, sendo, por isso, re- não rasguei”, 1957; “Rosário dos meus cuidados”,
feridas como “domésticas”. A partir da análise 1958; “E o tempo vai passando”, 1962; “No tri-
de um outro conjunto de registos de admissão lho da saudade”, 1964; “Romaria”, 1967], e de
dos recolhimentos da Encarnação, Grilo, Mer- D. Noémia de Seixas, autora de vários livros, en-
ceeiras, Santos-o-Novo e S. Cristóvão, datados tre os quais o polémico Metro. Posteriormente
entre 1936 e 1941, conclui-se que as recolhidas, ao período revolucionário do 25 de Abril de
com idades compreendidas entre os 51 e os 70 1974, os governos democráticos iniciaram um
anos, apresentavam como características comuns longo processo de reformas, nomeadamente no
serem domésticas, terem carências económicas campo da assistência social, o que levou os le-
(situação confirmada pelos atestados de pobre- gisladores a debruçarem-se sobre os recolhi-
za passados pelas juntas de freguesia das áreas mentos, a fim de os adaptar às mudanças sociais
residenciais donde provinham), serem, maiori- em curso. Em 1981, com a publicação do Decreto
tariamente, viúvas, filhas ou irmãs de funcio- Regulamentar n.o 3, de 15 de janeiro, os reco-
nários públicos e de militares, e serem subsi- lhimentos passaram à tutela da Segurança So-
diadas por diversas instituições (Montepio Ge- cial e, em 1993, através da publicação do Decreto
ral, Montepio Nacional, Assistência Pública, Ins- n.o 58, de 1 de março, perderam definitivamente
tituto Ultramarino, Misericórdia, etc.). Con- a autonomia administrativa, ficando sujeitos a
clui-se, assim, que desde as primeiras décadas uma direção centralizada, sediada no Recolhi-
do século XX a seleção das candidatas aos re- mento da Encarnação. Com a promulgação dos
feridos recolhimentos sempre privilegiou as pro- últimos decretos acima referidos, estabeleceram-
venientes de famílias de militares e de funcio- -se novos requisitos de admissão que “demo-
nários públicos, vindo essa prática a ser con- cratizaram” os recolhimentos, para que os mes-
signada pelo Decreto-Lei de 7 de novembro de mos não continuassem a ser exclusivos das fa-
1945. Estipulava, de facto, o artigo 137.o daquele miliares de militares e de funcionários públicos,
decreto que os recolhimentos se destinavam a como se verificara até então. Admitem-se, atual-
“fornecer habitação gratuita a viúvas e/ou filhas mente, em igualdade de circunstâncias, as se-
solteiras de oficiais do Exército e da Armada ou nhoras provenientes de famílias de militares, as
de funcionários civis que tivessem prestado re- que apresentam carências económicas e/ou as
levantes serviços à Nação”. Regulamentados pelo que estejam numa situação de total isolamento,
referido decreto de 1945, os recolhimentos da ca- sendo exigível, em todos os casos, idade igual
pital gozavam de autonomia administrativa e fi- ou superior a 65 anos. Em 2005, residiam nos cin-
nanceira, o que, na prática, gerou diferenciação co recolhimentos da capital 86 senhoras com
na admissão das recolhidas até à década de 80 mais de 65 anos, das quais 42% solteiras, 39%
do século XX: enquanto na Encarnação e em San- viúvas e 19% divorciadas. Nos últimos anos, com
tos eram preferidas as senhoras de estatuto so- a alteração dos requisitos de admissão, os re-
cial mais elevado, nos restantes recolhimentos colhimentos também passaram a admitir ho-
recebiam-se as senhoras de estatuto social mais mens, não só os que acompanham as esposas,
modesto. Consequentemente, naqueles dois re- mas também os viúvos ou solteiros, embora esta
colhimentos viveram senhoras que pertenceram nova situação ainda seja numericamente pouco
a importantes famílias da sociedade portugue- significativa e só se verifique na Encarnação e
sa novecentista, tendo sido algumas delas pa- em Santos-o-Novo. Curiosamente, a admissão de
rentes de relevantes figuras políticas da época, homens nos recolhimentos não é absolutamen-
como foi o caso de D. Ana Carmona, prima do te inédita, uma vez que já nas primeiras déca-
general Carmona, de D. Maria do Ó Pereira Del- das do século XX se admitiram alguns, como
gado, mãe do general Humberto Delgado, de D. atestam os registos de admissão da época. Foram,
Lídia Pereira Silva Delgado, irmã do mesmo ofi- porém, admissões excecionais, que se justifica-
831 RED

ram pela avançada idade e isolamento dos in- REDE de Mulheres


divíduos, como se verificou no caso de Miguel v. Associações de Mulheres nas décadas de 70
de Arriaga Brum da Silveira, irmão do presidente e 80 do século XX
Dr. Manuel de Arriaga, admitido em 1927 no Re-
colhimento das Merceeiras, com 86 anos de ida- Regentes Escolares
de. Desde a criação dos primeiros recolhimen- Apesar de aflorada em diversas passagens sobre
tos, em 1851, até aos nossos dias, as recolhidas a organização do ensino no Estado Novo, a figura
sempre habitaram em casa própria, embora pu- do regente escolar tem merecido pouco trata-
dessem partilhar vários espaços comuns, desde mento específico, sendo recente a primeira sis-
os religiosos – igreja e/ou capelas – aos de con- tematização dos dados quantitativos sobre a sua
vívio – jardins, salas de estar, etc. – e aos de as- presença no sistema educativo e um esboço de
sistência sanitária e de manutenção física – en- análise sobre as características deste corpo pro-
fermaria e ginásio –, estes últimos surgidos de- fissional que ultrapassa a mera enunciação do
pois da década de 60 do século XX. Todas as ha- que a legislação previa sobre a função [Rias,
bitações possuem cozinha, casa de banho, sala 1997]. Nos raros trabalhos que se debruçam ex-
e um ou dois quartos e o seu número é variável plicitamente sobre os regentes, enquadra-se a sua
nos diversos recolhimentos: 52 na Encarnação, criação no esforço do Estado Novo para assegurar,
das quais 42 estão ocupadas e 10 recuperadas e de forma que se pretendia transitória, a expan-
não ocupadas; 49 em Santos, 46 ocupadas e 3 em são de uma rede de postos de ensino com um mí-
recuperação; 28 nas Merceeiras, 26 ocupadas e nimo de encargos para o Orçamento. Com efei-
2 por ocupar; 25 em S. Cristóvão, 21 ocupadas to, no início da década de 30, e como os dados
e 4 por ocupar; 22 no Grilo, ocupadas. As ha- do censo de 1930 comprovam, os avanços na es-
bitações são cedidas com carácter vitalício e me- colarização e alfabetização da população por-
diante um pagamento reduzido corresponden- tuguesa continuavam lentos e sem qualquer vis-
te a 5% do valor das pensões (de reforma, de so- lumbre de ser possível atingir níveis compatíveis
brevivência ou outras) que as recolhidas auferem. com o resto da Europa, incluindo a própria vi-
As despesas relacionadas com a alimentação, ha- zinha Espanha e demais países do sul, que en-
bitação (água, luz, gás) ou com a saúde (assis- tão já tinham conseguido descolar da situação
tência médica, medicamentos, etc.) são supor- de grande atraso. Seguindo as diretrizes mestras
tadas pelas recolhidas, de acordo com as suas do pensamento do homem forte do novo regime
possibilidades. O funcionamento dos recolhi- e os imperativos orçamentais tidos como prio-
mentos obedeceu sempre a um regulamento pró- ritários, era necessário fazer o possível com os
prio, que condicionava, obviamente, alguns meios disponíveis, criticando-se o regime re-
aspetos da vida das recolhidas. Porém, no de- publicano por apregoar ações grandiosas e le-
curso do tempo, muitas das normas inerentes ao gislar a esse propósito, mesmo se a concretiza-
primitivo regulamento entraram em desuso e, ção ficava regularmente por fazer. Nesse senti-
atualmente, as poucas que se mantém em vigor do, tornava-se necessário dotar o território
respeitam ao horário e saídas. Assim, está de- nacional de uma rede escolar em bom estado, re-
terminado o fecho dos recolhimentos às 22 ho- cuperando muitas das escolas em más condições
ras (embora as recolhidas possam, com autori- e construindo novas e, necessariamente, dotar
zação, entrar depois dessa hora) e qualquer todos esses estabelecimentos de ensino do pes-
saída, esporádica ou de longa duração (férias, via- soal indispensável para que funcionassem. O pro-
gens, etc.), carece da autorização prévia do(a) di- blema era que não existia esse pessoal qualifi-
retor(a) do recolhimento. cado na quantidade necessária, e algumas me-
didas da Ditadura Militar, mesmo se efémeras,
Fontes: ANTT, A.H.M.F.: Convento de Santos-o-Novo,
caixas 2000 e 2001. Arquivo do Recolhimento da En-
não tinham sido de molde a melhorar a situação,
carnação (Segurança Social): Registos de admissão, 1936, ao fecharem as Escolas Normais de Coimbra, Bra-
1939 e 1940 (Direcção dos Recolhimentos, M. Interior); ga e Ponta Delgada pelo Decreto 15 365, de 12
Registo e álbum das Recolhidas, 1934 a 1937 (Direcção de abril de 1928 (embora reabrindo-as quatro me-
dos Recolhimentos da Capital, Direcção Geral de As- ses depois), para além de, numa sucessão le-
sistência do Ministério do Interior).
Bib.: José Pinto Aguiar, Recolhimentos da Capital, bre-
gislativa que nada ficava a dever às indecisões
ves apontamentos, Lisboa, 1966. e contradições da República nesta matéria, se re-
[A. C.] formularem por diversas vezes vários aspetos do
RED 832

ensino primário oficial. No entanto, existia a já vinha do início da década, quando, em pri-
consciência de permanecerem dois problemas: meiro lugar, se fecham as escolas móveis e se
por um lado, a permanência de um elevadíssi- criam as chamadas escolas incompletas em po-
mo analfabetismo; por outro, a míngua de pes- voações com um mínimo de 30 crianças em ida-
soal qualificado para provimento de uma rede de escolar, escolas essas cujos “mestres” podiam
escolar que também se admitia insuficiente e a ser excecionalmente pessoas que possuíssem a
carecer de consolidação. No decreto que man- “necessária idoneidade moral e intelectual”
da reabrir as Escolas Normais Primárias encer- (Decreto 18 819, de 4 de setembro de 1930) e, em
radas anteriormente, alinham-se diversas preo- segundo lugar, quando são criados os chamados
cupações e razões para a mudança da medida postos escolares (Decreto 20 604, de 30 de no-
anterior: “Considerando que a percentagem de vembro de 1931), cujos mestres mais não eram
analfabetos maiores de sete anos é ainda no País do que os referidos “regentes”, só assim se ex-
superior a 50 por cento, o que nos coloca numa plicando que à data da referida legislação de 1936
situação de inferioridade cultural manifesta re- ascendessem já a 9% no total do pessoal docente
lativamente à maioria dos povos do mundo [Mónica, 1978, p. 209]: “Os “mestres” destes pos-
civilizado; Considerando que a instrução pri- tos designavam-se “regentes escolares” e iriam
mária elementar é devida a todos, e que, para mi- ser escolhidos, com o assentimento do ministro
nistrá-la à população na idade escolar respetiva, da Instrução Pública, entre pessoas a quem não
é insuficiente o número de escolas atualmente se exigiria qualquer habilitação mas apenas a
existentes, como também o de professores de- comprovação de possuírem a “necessária ido-
vidamente habilitados; Considerando que, em neidade moral e intelectual”. Assim se procedeu,
cada um dos últimos três anos, o número de pro- de facto” [Carvalho, 1996, p. 736]. A estes mes-
fessores diplomados pelas escolas normais pri- tres ou regentes, mais do que uma formação aca-
márias, tem sido inferior ao de professores pri- démica, exigia-se uma irrepreensível conduta
mários nomeados, diferença esta que, acrescida moral e uma adesão sem reticências aos prin-
do número de professores definitivamente afas- cípios que norteavam o novo regime. Claro que,
tados do serviço, vai gradualmente fazendo na prática, estas condições se poderiam encon-
decrescer a totalidade dos professores primários trar, cumulativamente, num bom número de in-
existentes, em lugar de aumentá-la, como exigem divíduos, mas não necessariamente nos mais ha-
as necessidades do progresso da cultura nacio- bilitados para o ensino. Para além disso, a re-
nal; [...]”. Considerando, portanto, todas estas e muneração era escassa (300$00 durante os me-
mais algumas realidades evidentes, o governo ses de efetivo funcionamento do posto) e, ape-
reabre as citadas escolas, embora o seu destino sar de eventualmente atrativa para quem queria
viesse a ser atribulado ao longo da década se- fugir ao desemprego ou a trabalhos fisicamen-
guinte, com a sua transformação em Escolas do te mais árduos, empurrava o recrutamento des-
Magistério Primário, as quais estariam, porém, tes regentes para estratos da população com um
com as matrículas encerradas durante vários horizonte relativamente modesto de ambições
anos. A formação de pessoal devidamente qua- profissionais e de encargos financeiros. Por
lificado para prover os estabelecimentos de isso, ainda mais do que a docência oficial di-
ensino, apesar das limitações impostas à criação plomada, a regência de postos escolares se tor-
de novos estabelecimentos escolares (Decreto naria uma ocupação feminizada quase por com-
20 181, de 24 de julho, publicado em 7 de agosto pleto. Numa amostra parcial, a partir dos pro-
de 1931 no Diário do Governo), continuaria de- cessos individuais recolhidos em algumas caixas
ficitária e conduziria à institucionalização de so- do fundo da Direção-Geral do Ensino Básico do
luções de carácter transitório, que já estavam em Arquivo Histórico do Ministério da Educação,
funcionamento em diversos pontos do país em que se identificaram mais de um milhar
sem uma cobertura legal formal muito clara, e de regentes que lecionaram nas décadas de
que acabariam por se tornar estruturais com o 30 a 50, encontra-se um valor bem acima dos
passar do tempo. Com efeito, a figura legal do “re- 80% de mulheres (953 em 1132 casos). Nos nú-
gente escolar” que muitos autores atribuem a le- meros globais disponíveis nas estatísticas da épo-
gislação de 1936 (Decreto 25 797), nesse mo- ca, verifica-se mesmo o crescimento dessa ten-
mento apenas é em parte formalizada e algo re- dência ao longo do tempo: em 1940/41, 83,6%
gulamentada, pois a sua presença na rede escolar do corpo de regentes era do sexo feminino, mas
833 RED

em 1950/51 já era de 95,6%. De acordo com o distribuição do número de regentes em exercí-


mais recente estudo sobre o corpo de regentes cio pelas várias zonas do país permite, por seu
escolares, na década de 60 as mulheres tornam- lado, perceber melhor que a solução dos postos
-se praticamente 100% deste tipo de agentes edu- e regentes escolares era destinada a fazer chegar
cativos [Rias, 1997, II, p. 11]. Também o momento a rede escolar onde de outra forma não chega-
de ingresso na “carreira” de regente foi evoluindo ria: em 1950/51, nos distritos de Lisboa e Por-
com o passar do tempo, pois enquanto no iní- to existiam, respetivamente, 188 e 171 regentes,
cio dos anos 30 é relativamente vulgar encontrar enquanto nos de Santarém, Leiria, Faro e Braga
mulheres casadas e viúvas, ou mesmo solteiras, existiam mais de 200, embora com populações
mas já bem acima dos 30 ou 40 anos, progres- totais e escolares muito menores. A mesma ten-
sivamente vamos encontrando cada vez mais re- dência se encontra quando se analisam os pro-
gentes muito jovens, com 16, 17 ou pouco cessos individuais, com os locais onde foram fei-
mais anos. Para além disso, é muito mais comum, tos os exames de aptidão para a regência e onde
em termos comparativos, que as regentes fossem foi exercida a regência, verificando-se facilmente
e permanecessem solteiras (mais de 80% da que distritos como os da Guarda e de Castelo
amostra) do que as professoras oficiais, pelo me- Branco surgem entre os mais frequentes. Nos ca-
nos enquanto aquelas permaneciam a reger sos em que dispomos de informação sobre todos
postos escolares. A “profissão” de regente é, apa- os agentes de ensino em atividade num deter-
rentemente, em muitos casos, uma ocupação de minado concelho, também se percebe que em zo-
transição entre a adolescência e a idade adulta, nas mais urbanas, e onde o estabelecimento da
até à eventual constituição de família. Na pes- rede escolar tinha mais raízes e era mais densa,
quisa realizada não foi possível aferir até que pon- o número de postos escolares e de regentes era
to os pedidos de exoneração de muitas regentes comparativamente menor: a título de exemplo,
terão sido motivados exatamente por situações no caso do concelho de Vila Nova de Gaia, no
de casamento, quer porque esse casamento não ano letivo de 1940/41 existiam 157 professores/as
teria sido autorizado pelas autoridades, quer por- e apenas 13 regentes. Mas a generalidade dos au-
que as condições de vida familiar que se previam tores costuma enquadrar a criação da função de
já não permitiriam (ou não teriam necessidade) regente escolar num esforço mais amplo de de-
do exercício da regência. Mas quando se anali- sinvestimento na Educação, de desprofissiona-
sa comparativamente a idade de professores e re- lização da docência e de transformação da Es-
gentes ressaltam bem algumas diferenças; no ano cola num mero instrumento de inculcação ideo-
letivo de 1940-41, quase 60% dos regentes in- lógica do Estado e da ideologia dominante. Para
tegrados no quadro geral têm menos de 30 anos, António Nóvoa, por exemplo, a política educa-
enquanto no caso dos professores essa propor- tiva do Estado Novo baseou-se em aspetos
ção é inferior a 10%. É certo que a ocupação era como a centralização e compartimentalização do
mais recente e que se podia ingressar nela com ensino, a redução do nível de ensino (com di-
menos idade, mas até aos anos 50 verifica-se que minuição da escolaridade obrigatória e a sim-
o conjunto de regentes é claramente mais jovem plificação das aprendizagens aos conteúdos
que o dos professores. Por outro lado, o núme- mais básicos), a desprofissionalização e a des-
ro de regentes iria progressivamente aumentando qualificação da classe docente. Na sua opinião,
e ganhando maior peso no conjunto do pessoal a nomeação dos regentes escolares foi mesmo a
docente, em especial devido ao fecho das Escolas medida mais atentatória da profissionalização
do Magistério Primário até 1942; no início dos dos docentes [Nóvoa, 1987, II, p. 633], retomando
anos 50, a proporção de regentes andava perto uma argumentação com muitas semelhanças à
dos 30% [Rias, 1997, II, p. 16] e permaneceria usada por Sérgio Grácio para caracterizar o mes-
com flutuações pontuais (em 1955/56 verifica- mo processo [Grácio, 1986, pp. 22-24]. Esta vi-
-se uma subida episódica para mais de 45%) em são prolonga a de uma corrente de autores que
torno de um terço do total do pessoal docen- desde os anos 70 fizeram um balanço particu-
te no ensino primário oficial [Lopes, 2001, larmente severo da ação educativa do regime sa-
p. 275], até que na década de 60 começaria a de- lazarista neste aspeto particular: “De maneira ge-
crescer para menos de 20%, tanto devido à di- ral, os regentes não passavam de indivíduos po-
minuição dos seus efetivos como ao aumento do bres e semianalfabetos, incapazes de encontrar
número de professoras diplomadas. A análise da outro emprego não manual, que haviam conse-
RED 834

guido, graças às boas maneiras, carácter submisso em alguns casos, a permanência de uma ava-
e prendas semelhantes, levar o padre ou uma fi- liação negativa levava à exoneração do cargo.
gura influente na terra a interessar-se pela sua Mas, perante a evidência da impreparação de
sorte. A sua preparação para o cargo era, como muitos regentes escolares para as funções que de-
se depreende, absolutamente nula” [Mónica, sempenhavam, o Estado vai exigir-lhes um mí-
1978, p. 208]. No entanto, estas apreciações nem nimo de qualificações e, a partir de meados da
sempre distinguiram (ou se ocuparam em dis- década de 30, um Exame de Aptidão para a Re-
tinguir) suficientemente a vertente ideológica dos gência de Postos de Ensino que, embora de ca-
objetivos da política educativa dos resultados rácter muito sumário, vai eliminar muito(a)s can-
concretos propriamente ditos, ou as proclama- didato(a)s aos lugares disponíveis. Disso é pro-
ções legislativas da sua implementação no ter- va indireta a exoneração de muito(a)s regentes
reno que, embora talvez em menor grau do que exatamente por não terem feito o referido exa-
na I República, também apresentariam um as- me, sendo a maior vaga dessas exonerações a que
sinalável desfasamento. Significa isto que a re- consta da Portaria de 14 de agosto da Direcção
provação do regime e da sua matriz ideológica Geral do Ensino Primário [publicada no Diário
tendeu, nas décadas que se seguiram à sua que- do Governo n.o 192, II série, de 18 de agosto de
da, a implicar uma reprovação por extenso da ge- 1937, pp. 4264-4268], que atingiu 174 indivíduos,
neralidade das suas políticas, em especial as mais 71 do sexo masculino e 103 do sexo feminino.
marcadas por um cunho de propaganda ou in- Por outro lado, começam a aparecer pequenos
culcação ideológica, como é o caso da área edu- livrinhos com instruções didáticas para a pre-
cativa, considerando-se que “a educação fazia paração das aulas, não só dos professores pri-
parte da reação geral contra a ‘modernização’ e mários, como dos regentes, facultando instruções
era um apoio das atitudes tradicionalistas” preciosas para aqueles que, estando menos pre-
[Stoer, 1986, p. 49]. Retomando mais recente- parados, tivessem interesse em aperfeiçoar a sua
mente a argumentação de autoras como Ana Be- prática pedagógica. Os próprios dirigentes do Es-
navente e Maria Filomena Mónica, também Amé- tado Novo tinham consciência da precaridade
lia Lopes prefere encontrar, na figura do regente da solução que representava a criação dos pos-
escolar, um sinal inequívoco de uma política tos escolares e dos regentes, pois em diversos mo-
educativa minimal do Estado Novo em matéria mentos, a propósito da discussão da situação
de alfabetização [Lopes, 2001, p. 275]. Pratica- educativa portuguesa, foi sublinhada a inferio-
mente em todos os casos, a argumentação ten- ridade desses postos e desses docentes, que não
de a considerar que a feminização do corpo de eram considerados parte integrante do sistema
regentes foi uma consequência da desvaloriza- de ensino propriamente dito. Logo em 1937, Sa-
ção da Educação para o regime e do rebaixamento lazar afirmaria a sua oposição ao recurso gene-
do seu prestígio socioprofissional e do seu es- ralizado a regentes para prover as necessidades
tatuto económico. Em algumas passagens, parece da rede escolar, declarando que “é preciso in-
mesmo que a figura da regente é quase um sím- ventar processo mais expedito, mas menos pe-
bolo maior da denunciada desqualificação pro- rigoso, de as escolas estarem providas de pessoal
fissional da atividade educativa. No entanto, nem docente”, recomendando que só se nomeassem
tudo aponta numa direção tão negativa quando regentes para postos em zonas rurais e culmi-
compulsamos a informação mais de perto, e pas- nando o seu testemunho como um “Deus nos li-
samos para um nível diferente da mera leitura vre!” [Rias, 1997, I, pp. 73-74]. Em 1938, por oca-
da legislação e dos quantitativos estatísticos mais sião da discussão da reforma do ensino primá-
imediatos: existe uma proporção variável, con- rio, Vasco Borges afirmaria, em resposta ao de-
forme os períodos, de regentes com frequência putado Álvaro Morna, que “os postos escolares
escolar acima da 4.a classe, desde a realização de só indiretamente – digamos – têm que ver com
exames singulares de algumas disciplinas até à a rede escolar. Essa rede, como eu a interpreto,
finalização do Curso Geral dos Liceus. Poderá ser é constituída somente pelas escolas comple-
uma minoria, mas não pode ser ignorada. Por ou- mentares e pelas escolas regidas pelos regentes
tro lado, a avaliação do desempenho, sendo mais escolares” e que “a rêde escolar do País é pois
irregular, por parte dos inspetores, do que a dos constituída pelas escolas complementares e
professores, não deixa de nos revelar que o tra- pelas escolas elementares regidas pelos regen-
balho nem sempre era tido como satisfatório e, tes diplomados. Essas escolas é que constituem
835 RED

a rede geográfica do País. Nestas condições, or- dução dos lugares disponíveis que resultava do
ganizar-se-á um mapa de Portugal, onde se en- esforço que então se fazia de modernização e re-
contrarão marcados todos os lugares do País em qualificação do sistema de ensino. Em 1973, o
que funcionarão ou deverão vir a funcionar es- Decreto-Lei 67/73 determina a substituição dos
colas complementares e escolas elementares. postos por escolas, só ficando aqueles a funcionar
Nesse mapa não figurarão, porém, os postos es- enquanto e onde essa substituição não fosse pos-
colares. Por consequência, parece-me que os pos- sível; a extinção definitiva dos postos, com a con-
tos escolares nada têm que ver, diretamente, com versão em escolas, e como consequência o fim
a rede geográfica das escolas. E é natural e lógico do estatuto de regente escolar, só ocorreria com
que assim seja, porque o número dessas escolas o Decreto-Lei n.o 412, de 27 de setembro de 1980.
será flutuante, quer dizer, será o que a divulga- Em termos de balanço final, e apesar de todas as
ção do ensino tornar necessário, dentro das pos- críticas que se podem colocar ao advento do re-
sibilidades financeiras” [Diário das Sessões n.o gente escolar como protagonista do sistema
179, sessão de 30 de março de 1938, p. 608]. Pou- educativo português, com uma forte presença du-
cos dias depois, é a vez do deputado Diniz da rante mais de um quarto de século (de início dos
Fonseca tentar estabelecer uma categorização do anos 30 a início dos anos 60), existem algumas
que se deveria entender como regentes escola- questões que se devem colocar para avaliar da
res, conforme os estabelecimentos de ensino em sua efetiva conveniência no momento histórico
que exerciam a docência: “Ora, a três categorias em que surgiram e para que se possa fazer um
de escolas correspondem três categorias de balanço objetivo do seu contributo para a ex-
professores: o regente escolar para o posto, o re- pansão da alfabetização em muitos pontos do
gente diplomado, para a escola, e o regente par- país. Por exemplo, embora os baixos requisitos
ticular” [Diário das Sessões n.o 181, sessão de 2 académicos para o recrutamento dos/as regen-
de abril de 1938, p. 636]. Nestes legisladores, a tes, a sua vulnerabilidade económica (baixa re-
assimilação entre professores e regentes não exis- muneração, correspondente apenas aos meses de
te e mesmo no interior da classe dos regentes se trabalho efetivo) confirmem a ideia de uma des-
prevê a existência de uma compartimentação re- qualificação da função e de uma desprofissio-
sultante de uma certa hierarquização, conforme nalização da própria docência, como teria sido
existisse a posse de um diploma e a eventual fre- possível, sem os ditos regentes, expandir a
quência de uma Escola do Magistério. Em 1949- rede escolar e a escolarização e dar um mínimo
-50, no Decreto-Lei 38 969, que lança o Plano de de literacia a populações de largas zonas do in-
Educação Popular, o papel dos regentes é reco- terior do país? É óbvio que se as escolas desti-
nhecido no provimento das vagas em muitas es- nadas à formação de professores oficiais tives-
colas, acabando por serem deixados por prover sem tido maior apoio e dotação orçamental,
muitos postos de ensino. Ou seja, na ausência assim como se a remuneração dos docentes não
de docentes com as devidas qualificações aca- tivesse sido nivelada por baixo, teria sido pos-
démicas, eram os regentes que acabavam por sa- sível aumentar o pessoal qualificado necessário
tisfazer as necessidades de pessoal educativo. Em para prover a rede de estabelecimentos de ensino.
1960, para tentar melhorar a qualificação dos/as Mas não foi isso que aconteceu, pelo que os re-
regentes, são-lhes concedidas facilidades espe- gentes escolares foram a solução, certamente re-
ciais no acesso aos cursos das Escolas do Ma- dutora e minimal, que o poder político encon-
gistério Primário, como sejam a dispensa do exa- trou, muitas vezes explicitamente a contragos-
me de admissão e a isenção de propinas (Decreto- to, para tentar fazer a combinação difícil entre
-Lei 43 369, de 2 de dezembro), facilidades essas manutenção da expansão da alfabetização, con-
reforçadas em 1962 com o levantamento das li- tenção orçamental e controlo ideológico da Es-
mitações etárias anteriormente definidas (Decreto cola. Por isso, apresentar os/as regentes escola-
44 560, de 8 de setembro), sendo apenas ne- res meramente como um recurso de ocasião, ins-
cessários cinco anos de serviço com a classifi- trumental, de uma política educativa minima-
cação de Suficiente. Ao longo da década de 60, lista do Estado Novo, ou como veículos dóceis
o lugar de regente escolar é já completamente fe- de um processo de reprodução social, é reduzir
minino (apenas 17 homens em exercício em muito a importância de milhares de profissionais,
1964/65 e 7 em 1970/71), perdendo progressi- na sua esmagadora maioria mulheres, que exer-
vamente a sua importância em virtude da re- ceram o ensino das primeiras letras em meios
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onde de outra forma não teria existido. Sem a sua pp. 337-342; Idem, Pioneiras na Educação. As professo-
existência e ação, o avanço da alfabetização, mes- ras primárias na viragem do século: contextos, percursos
e experiências, 1870-1933, Lisboa, Instituto de Inovação
mo assim muito lento, teria sido ainda mais pre- Educacional, 2000; Luciano de Bacelar, Planos de lições
cário. Por fim, a regência dos postos escolares foi e conselhos aos novos professores e regentes dos postos
uma das ocupações remuneradas em que a pe- escolares, Coimbra, Tipografia Atlântida, 1950; Manuel Fer-
netração da mulher no mercado de trabalho mais reira Rosa, Indicações didácticas para professores primários
se afirmou durante o Estado Novo, embora este e regentes escolares, Lisboa, Livraria Popular Francisco
Franco, 1956; Maria Filomena Mónica, Educação e So-
seja um daqueles sectores de atividade que al- ciedade no Portugal de Salazar, Lisboa, Presença, 1978;
guns autores [cf. Acker, 1995, pp. 101-118] op- Maria Isabel Baptista, O Ensino Normal Primário – Cur-
tam por qualificar como semiprofissionais (por rículo, Práticas e Políticas de Formação, Lisboa, Educa,
exigirem um nível baixo de qualificação, per- 2004; Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal
– Desde a Fundação da Nacionalidade até ao fim do Re-
mitirem uma limitada mobilidade socioprofis- gime de Salazar-Caetano, Lisboa, Fundação Calouste Gul-
sional e oferecerem uma baixa remuneração) e benkian, 2.a edição, 1996; Sandra Acker, Género y edu-
que exatamente por causa disso ficariam femi- cación – Reflexiones sociológicas sobre mujeres, enseñanza
nizados de forma muito rápida. y feminismo, Madrid, Narcea, 1995, pp. 101-118; Sérgio
Grácio, Política Educativa como Tecnologia Social – As
Mss.: Arquivo Histórico do Ministério da Educação, DEP, reformas do Ensino Técnico de 1948 a 1983, Lisboa, Li-
caixas 1489 a 1500. vros Horizonte, 1986; Stephen Stoer, Educação, Estado e
Bib.: Agenda do Professor Primário e dos Regentes dos Pos- Desenvolvimento em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte,
tos Escolares – Ano Lectivo de 1944-45, Lisboa, Livraria 1982; Stephen Stoer, Educação e Mudança Social em Por-
Bernardo; Amélia Lopes, Libertar o Desejo, Resgatar a Ino- tugal – 1970-1980, uma década de transição, Porto,
vação – A construção de identidades profissionais do- Afrontamento, 1986.
centes, Lisboa, Instituto de Inovação Educacional, 2001; [P. G.]
Ana Benavente, Escola, Professoras e Processos de Mu-
dança, Lisboa, Livros Horizonte, 1990; Ana Paula Lopes
Andrade Rias, Regentes Escolares: colaboradores benévolos Rita de Cássia
ao serviço da Educação Nacional, dissertação de Mestrado, Bailarina e atriz. Nasceu por volta de 1830 e co-
Lisboa, FCSH da Universidade Nova de Lisboa, 1997; Ana meçou a carreira de bailarina aos 13 anos. Em
Paula Lopes Andrade Rias, “Os Regentes, um instrumento 1846, entrou para o Teatro Nacional Lisbonen-
ao serviço da Educação Nacional”, Leitura e Escrita em Por-
tugal e no Brasil, 1500-1970, Lisboa, Sociedade Portuguesa
se, nome dado ao antigo Teatro do Ginásio, in-
de Ciências da Educação, III volume, 1998, pp. 343-357; tegrando o elenco do espetáculo de estreia, o me-
António Nóvoa, Le Temps des Professeurs. Analyse socio- lodrama Os Fabricantes de Moeda Falsa, de Ce-
historique de la profession enseignante au Portugal sar Perini de Lucca, professor no Conservatório,
(XVIII-XXe siècle), Lisboa, Instituto Nacional de Investi- e da farsa A Herdeira. Foi mal recebida pelo pú-
gação Científica, 1987; António Nóvoa, “educação, polí-
tica de”, Dicionário de História de Portugal – Suplemen- blico, que lhe atirou uma réstia de alhos. Resi-
to, Porto, Figueirinhas, 1999, pp. 591-595; António Tavares diu na Rua dos Galegos, depois chamada de Rua
Taborda, Exames de Aptidão para a Regência de Postos do Duque, entre 1844 e 1845.
Escolares do Ensino Primário Elementar, Fundão, Tip. Casa
de São José, 1939; António Teodoro, A Construção Polí- Bib.: Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trinda-
tica da Educação – Estado, mudança social e políticas edu- de, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Mu-
cativas no Portugal Contemporâneo, Porto, Afrontamen- nicipal de Lisboa, 1967, pp. 163 e 307.
to, 2001; Anuário Estatístico [vários anos]; Arménio Go- [I.S.A.]
mes dos Santos e Manfredo Roque, Prontuário escolar: for-
mulário, guia prático e notas de legislação do ensino Rita de Jesus Mendes
primário, em vigor, destinado aos professores do ensino Mestra na oficina de lavores femininos da Escola
primário e regentes escolares, Castelo Branco, Adelino Se-
medo Barata, 1939; Áurea Adão, O Estatuto Sócio-Pro- Industrial de Portalegre, a partir de 1893. Alu-
fissional do Professor Primário em Portugal (1901-1951), na da Escola Industrial Fradesso da Silveira, em
Oeiras, Instituto Gulbenkian da Ciência, 1984; Catálogo Portalegre, tinha 14 anos quando recebeu um pré-
e Agenda do Professor Primário – Ano Lectivo de 1950- mio de 9$000 réis na disciplina de “Princípios
51, Lisboa, Livraria Enciclopédica de João Bernardo; Cen- de desenho de figura”, no final do ano letivo de
sos da População (1930-1970); Diário do Governo [vários
anos]; Diário das Sessões da Câmara Corporativa [vários 1886/87. Continuou, ao longo do seu percurso
anos]; Estatísticas da Educação [vários anos]; Helena Cos- escolar, a receber diversos prémios, não só pe-
ta Araújo, “As mulheres professoras e o ensino estatal”, cuniários (8$000 réis em “Desenho geométrico
Revista Crítica de Ciências Sociais, n.o 29, 1990, pp. 81- rigoroso desenvolvido”, 10$000 réis em “Pro-
-103; Idem, “Quebrando o Silêncio das Mulheres: As Pro-
fessoras Primárias e a luta pela igualdade de direitos na
jeções e teoria de sombras”, 5$000 réis em “Prin-
vida profissional (1919-1933)”, Leitura e Escrita em Por- cípios de desenho de figura”, respetivamente, em
tugal e no Brasil, 1500-1970, Lisboa, SPCE, III volume, 1998, 1888, 1889 e 1891), como honoríficos (“Princí-
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pios de desenho de figura”, 1890) e de distinção velhas, Laurinda*, Aurélia* e Guilhermina*, cur-
(“Princípios de desenho de figura”, 1888). Par- sado Medicina. O pai, detentor da Tipografia Im-
ticipou na Exposição Industrial Nacional de prensa Portuguesa, foi um ilustre crítico de arte
1888, realizada na Avenida da Liberdade, e ex- e jornalista, estando o seu nome associado aos pe-
pôs cerca de uma dezena de trabalhos na expo- riódicos Gazeta Literária do Porto (1868), A Ac-
sição das escolas industriais, relativa ao ano le- tualidade (1874-1891) e A Ideia Nova – diário de-
tivo de 1889/90, que se realizou no Museu In- mocrático (1891-1892). Oriunda de uma família,
dustrial e Comercial de Lisboa em 1891. Em de- pelo lado paterno, com tradições liberais, cresceu
zembro de 1893, quando foi criada a oficina de num ambiente familiar onde, além de se culti-
lavores femininos na escola de Fradesso da Sil- varem as artes e letras, se promovia o prossegui-
veira, Rita de Jesus Mendes foi nomeada, por pro- mento de estudos dos filhos, sem discriminação
posta de Luciano Cordeiro, inspetor das escolas de género. Assim, fez o curso dos liceus, recebendo
industriais da circunscrição do sul, mestra de bor- lições particulares e prestando, depois, provas no
dados daquela escola, com um vencimento de Liceu Central do Porto, tal como as irmãs. Com
12$000 réis mensais. 15 anos de idade, frequentou a Academia Poli-
Fontes manuscritas: Arquivo Histórico do Ministério das técnica do Porto, no mesmo ano (1887-1888) que
Obras Públicas, Fundo do Ministério das Obras Públi- a irmã Guilhermina, ainda que escolhessem pla-
cas, Comércio e Indústria, Inspecção das Escolas In- nos de estudo diferentes. Enquanto as suas três
dustriais e de Desenho Industrial na Circunscrição do Sul, irmãs transitaram para a Escola Médico-Cirúrgi-
Copiadores de correspondência expedida (1893; 1894).
Fontes impressas: Ministério das Obras Públicas, Co-
ca, Rita prosseguiu os estudos na Academia Po-
mércio e Indústria, Direcção Geral do Comércio e In- litécnica, sendo, durante os anos letivos de
dústria, Relatórios sobre as Escolas Industriais e de De- 1890-1891 e 1891-1892, a única mulher a fre-
senho Industrial da Circunscrição do Sul. Anos lectivos quentá-la. A 30 de junho de 1894, concluiu o Cur-
de 1886-1887 (segunda parte) e 1887-1888, Lisboa, Im- so de Obras Públicas, todavia, só requereu a “Car-
prensa Nacional, 1888; As Escolas Industriais da Cir-
cunscrição do Sul na Exposição Industrial de Lisboa em ta de capacidade” para o exercício da profissão
1888. Catálogo dos Desenhos e outros objectos executados de engenheira civil dois anos depois, quando fez
e expostos pelos alunos, Lisboa, Tipografia Moderna, 24 anos de idade. Tomando como critério o sis-
1888; Francisco da Fonseca Benevides, Relatório sobre tema de ensino português de finais das últimas
as Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Cir-
cunscrição do Sul. Ano lectivo de 1888-89, Lisboa, Im-
décadas de Oitocentos, no qual se vêem enqua-
prensa Nacional, 1889; Ministério das Obras Públicas, drados os estudos superiores realizados por Rita
Comércio e Indústria, Direcção Geral do Comércio e In- Moraes Sarmento, temos de considerar que ela foi
dústria, Relatório sobre as Escolas Industriais e de De- a primeira mulher a obter habilitação para o exer-
senho Industrial da Circunscrição do Sul (1889-1890), cício da engenharia civil, a qual era adquirida na
Lisboa, Imprensa Nacional, 1890; Francisco da Fonseca
Benevides, Relatório sobre as Escolas Industriais e de De- Academia do Porto [Cunha, 1937]. À habilitação
senho Industrial da Circunscrição do Sul. Ano lectivo de superior juntaria a certificação para o exercício da
1890-91, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891; Ministério das atividade profissional de engenheira civil ao ter-
Obras Públicas, Comércio e Indústria, Direcção Geral do lhe sido conferida a “Carta de Capacidade” em ju-
Comércio e Indústria, Catálogo dos trabalhos expostos lho de 1896. Apesar de os factos históricos mos-
no Museu Industrial e Comercial de Lisboa e executados
nas Escolas Industriais e de Desenho Industrial da Cir- trarem que ela foi a primeira mulher habilitada
cunscrição do Sul no Ano lectivo de 1889-1890, Lisboa, academicamente e com certificação profissional
Imprensa Nacional, 1891. para a atividade da engenharia civil, temos de re-
Bib.: Teresa Pinto, A Formação profissional das mulheres conhecer que ela nunca a exerceu. Casando no Por-
no ensino industrial público (1884-1910). Realidades e
Representações, Dissertação de doutoramento, Lisboa, to, a 25 de setembro de 1898, com o tenente de
Universidade Aberta, 2008. artilharia e Doutor em Matemática António dos
[T. P.] Santos Lucas, fixou residência em Lisboa, a par-
tir de 1900, dado o marido ter sido convidado para
Rita de Moraes Sarmento lecionar na Escola Politécnica de Lisboa. Ainda
Nasceu no Porto, a 11 de fevereiro de 1872, e fa- que lhe tivesse sido oferecido um lugar para exer-
leceu em Lisboa a 28 de março de 1831. A quar- cer funções de engenheira civil, o problema da en-
ta filha dos cinco do casal Rita de Cássia Olivei- trada na vida ativa não se chegou a colocar. A fra-
ra e Anselmo Evaristo de Moraes Sarmento, se- gilidade da sua saúde – causada pela infeção da
ria a primeira mulher portuguesa a diplomar-se tuberculose, contraída quando aluna do ensino
em engenharia civil, tendo as suas três irmãs mais superior, e que a levaria a interromper o curso que
RIT 838

depois veio a concluir – tem de ser vista como a recem as suas conceções pedagógicas, baseadas
causa primeira do seu não ingresso no mundo do na observação e na experiência da buliçosa pro-
trabalho. Assim, poder-se-á afirmar que razões de le, e consciencializam a necessidade de alargar
ordem natural não permitiram que Rita Moraes ao resto do país o modelo educativo humanis-
Sarmento optasse pelo exercício, ou não, da en- ta e cívico que já praticavam. A família vive, em
genharia civil. Formalmente a primeira engenheira primeiro lugar, em Sta Cruz e, depois, em Celas,
civil, não o chegou a ser materialmente. na Quinta dos Sardões, contando, à data, 12 fi-
Bib.: C. Santos, A mulher e a Universidade do Porto. A pro- lhos, num ambiente de tranquilidade e felicidade
pósito do centenário da formatura das primeiras médicas (1903). Dessa quadra de vida, Bernardino Ma-
portuguesas, Porto, Universidade do Porto, 1991; Idem, chado, deixa-nos um testemunho encantador na
“A Academia Politécnica do Porto no tempo de Rodrigues sua obra Notas dum Pai: “Nela perpassam qua-
de Freitas”, Actas do Colóquio ‘Rodrigues de Freitas: a obra se todos os filhos, com as suas traquinices, os
e os contextos’, Porto, Faculdade de Letras, Universida-
de do Porto, 1997, pp. 21-32; P. Cunha, A Escola Politéc- seus ditos, as suas qualidades e, até, os seus de-
nica de Lisboa, Lisboa, Tipografia de João Pinto, 1937. feitos. Todos lhe serviram de amorável material
[M. J. R.] de observação e a quase todos retratou, com mão
de mestre, em meia dúzia de traços...” [António
Rita Martins Machado]. O livro disponibiliza, portanto, as pri-
Atriz. Entrou no melodrama A Jovem Irlandesa, meiras fontes históricas para a presente biogra-
a filha do Cego (1854), de João Martins de Al- fia. A menina absorveu, no ambiente familiar,
meida, no Teatro de S. João do Porto. Em 1860, uma formação informal privilegiada mas deci-
fez parte do elenco de Joana a Doida, drama em siva para as suas opções futuras, dado o contexto
5 atos, tradução de Alexandre Magno de Casti- cultural envolvente. À educação associou-se a
lho, no Teatro Baquet, do Porto. instrução: frequentou o Real Colégio Ursulino das
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 28/01/1956, Chagas que, até à data, funcionava no Edifício
p. 7, e 09/02/1956, p. 4. de S. José dos Marianos, em Coimbra, comple-
[I. S. A.] tando o 1.o e o 2.o grau de instrução primária
(1898-1903). Aprendeu a ler, escrever e contar;
Rita Olímpia Dantas Machado o programa consistia, ainda, em exercícios gra-
Dirigente de organizações feministas no início maticais, princípios gerais de moral, doutrina
do século XX. Nasceu no dia 18 de fevereiro de cristã e civilidade, desenho linear, geografia, his-
1888, na Rua Conselheiro Nazareth, Bairro da tória geral e sagrada do Antigo e Novo Testa-
Creche (Alcântara), em Lisboa, e faleceu a 25 de mento. Em casa recebeu lições de música, pia-
março de 1970. Era filha de Bernardino Ma- no, línguas francesa e alemã, e de trabalhos ma-
chado*, estadista e pedagogo da 1.a República Por- nuais femininos, com os seguintes professores
tuguesa, e de Elzira Dantas Machado*, fundadora particulares: Madame Júlia G. Beaufrand, Ale-
e dirigente de organizações femininas nas pri- xandre Rey Colaço e Maria Irene Zuzarte. Edu-
meiras décadas do século XX. Foram ambos pio- cada no seio de uma família republicana e fe-
neiros na promoção cívica das mulheres. A ado- minista, seria natural que a jovem partilhasse o
lescência e juventude de Rita Dantas Machado ideário e quisesse aplicá-lo tanto na esfera pú-
coincidem com uma etapa frutuosa na vida de blica como na esfera privada. Seguiu, neste pon-
seu pai: Bernardino Machado abandona o Mi- to, um percurso individual inverso do de sua
nistério das Obras Públicas Comércio e Indús- mãe, Elzira Dantas, que trabalhou nas institui-
tria (1893), regressa a Coimbra e encarrega-se da ções femininas numa etapa de maturidade,
regência da cadeira de Antropologia, criada sob posterior ao casamento. Rita, pelo contrário, aban-
proposta sua no Parlamento. A ação do pedagogo, donou a militância quando casou. O seu en-
extravasando o âmbito da aula, transformou- volvimento na “Causa feminista” data da ju-
-lhe a residência num verdadeiro cenáculo, ventude, época em que beneficiou do relacio-
onde se agitavam ideias e onde acorriam, cons- namento social com escritoras feministas com
tantemente, professores e alunos [António Ma- quem trabalhou e se correspondeu, contando-
chado]. O casal viu crescer e desenvolver-se, em -se, entre estas, Ana de Castro Osório. No domí-
atrativos, o seu querido rancho familiar e pôde nio da intervenção pública militou no âmbito de
dedicar-se-lhe, inteiramente, sem as preocupa- duas organizações de mulheres: Liga Republicana
ções da agitada vida política posterior; amadu- das Mulheres Portuguesas (1909-1919) e Asso-
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ciação de Propaganda Feminista (1911-1918). Mulheres Portuguesas (acompanhada por Ana


Analisemos a sua actividade no quadro da pri- de Castro Osório, Maria Irene Zuzarte, Maria Lau-
meira instituição mencionada. Em 27 de feve- ra Monteiro Torres e Carolina Beatriz Ângelo),
reiro de 1909 realizou-se, no Centro António José e foi integrar a Associação de Propaganda Fe-
de Almeida, a assembleia-geral na qual foram minista. O motivo da adesão prende-se com dis-
aprovados os Estatutos da Liga Republicana e sidências, em matéria religiosa, verificadas no
eleita a comissão dirigente: “Esta reunião mar- interior da Liga Republicana. Nesta agremiação
ca o início dos trabalhos da agremiação, passando havia dois grupos de militantes: um grupo li-
a ser comemorada como a data da fundação da derado por Ana de Castro Osório, que defendia
Liga, tendo discursado António José de Almei- a tolerância religiosa relativamente às crenças das
da e Bernardino Machado” [João Esteves]. Rita sócias; e outro grupo, liderado por Maria Vele-
Dantas Machado participou, ativamente, na da, que manifestara o seu desacordo, dado que
fundação e consolidação do novo organismo, vis- não podia respeitar aquilo que pretendia com-
to que naquela data foi eleita para a comissão di- bater. Acabou por prevalecer a última opinião,
rigente e contribuiu com mobiliário indispen- motivando a demissão dos membros dos res-
sável para alojar a respetiva sede. Desempenhou petivos cargos, embora os seus elementos con-
os cargos de secretária (1909 e 1910) e de te- tinuassem a manter a qualidade de sócias. A es-
soureira da Liga, sendo eleita, para esta função tas divergências associavam-se perspetivas di-
em 28 de abril de 1910 e reeleita, sucessivamente, ferentes em matéria política: a nova Associação,
em 15 de setembro de 1910 e 26 de janeiro de ao contrário da Liga, não assumiria compro-
1911 (com 69 votos a favor). No exercício das missos partidários: “Definia-se como feminista
suas funções pugnou pelos interesses prioritá- e sufragista, reivindicando, essencialmente, o di-
rios da Liga, tanto no domínio político como no reito de voto para a mulher”. Na opção de Rita
domínio dos direitos específicos da mulher, ati- Dantas Machado pesaram, por certo, os motivos
tude que se comprova pelos documentos que de carácter religioso, acrescidos da influência fa-
subscreveu e pelas atribuições que lhe conferi- miliar: a militante da nova Associação perten-
ram. Em matéria de republicanismo assinou as cia a uma família tolerante em matéria de reli-
seguintes mensagens de adesão enviadas pela gião. O mesmo facto levaria sua mãe, Elzira Dan-
Liga: ao Congresso do Partido Republicano, rea- tas, a acumular a militância das duas organiza-
lizado em Setúbal (que, aliás, reconheceu a Liga ções feministas referidas. Em 12 de maio de 1911
como fazendo parte das estruturas republicanas, realizou-se a reunião fundadora da Associação
em abril de 1909); a Miguel Bombarda, felici- de Propaganda Feminista, no consultório de Ca-
tando-o pela sua adesão ao Partido Republica- rolina Beatriz Ângelo: aprovaram-se os estatu-
no (julho de 1910). Em matéria de propaganda tos e elegeu-se a direção. A nova militante foi
feminista foi nomeada para tomar parte na res- eleita para os corpos gerentes, ocupando o car-
petiva comissão destinada a difundir o ideário go de vogal. Em 10 de julho de 1911, a Asso-
feminista, especialmente, o sufrágio feminino res- ciação de Propaganda Feminista, sob proposta
trito (26 de dezembro de 1910), e no âmbito da da direção, e entusiasmada com o sucesso de Ca-
mesma comissão subscreveu dois documentos: rolina Beatriz Ângelo que votara, recentemen-
uma representação dirigida ao Presidente do Go- te, nas eleições para a Assembleia Nacional Cons-
verno Provisório, solicitando o direito de voto tituinte, decidiu endereçar aos deputados da mes-
para as mulheres economicamente indepen- ma uma representação solicitando o sufrágio
dentes, e uma mensagem elogiando o Ministro restrito para a mulher. Rita Dantas Machado as-
das Finanças, José Relvas, por ter proporciona- sinou, em seu nome, a referida petição, acom-
do a admissão de mulheres, em empregos do Es- panhada pelo grupo de sócias fundadoras já men-
tado (3 de fevereiro de 1911). Colaborando, em cionado, acrescentado, agora, com o nome de Joa-
permanência, com Ana de Castro Osório, Caro- na de Almeida Nogueira. Tratava-se de um im-
lina Beatriz Ângelo e outras sócias fundadoras portante documento, no qual se reclamava “não
que integraram os três corpos gerentes iniciais, o sufrágio universal, como à luz da razão e da
a militante contribuiu para assegurar o arranque ciência seria justo” mas, apenas, o direito de voto
e a continuidade da primeira etapa das atividades para as mulheres diplomadas em cursos supe-
da Liga. Em abril de 1911 demitiu-se do cargo riores, para as diplomadas com o curso completo
que desempenhava na Liga Republicana da de Instrução Primária Superior e para as mu-
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lheres chefes de família ou comerciantes que, em novos, praticando um estilo cooperativo bené-
ambos os casos, soubessem ler e escrever. Todas fico, por si mesmo, para as gerações envolvidas
estas mulheres, de idade superior a 21 anos, sen- no processo educativo. Rita Dantas Machado re-
do independentes moral e economicamente, não fletiu e reproduziu esse modelo pedagógico (es-
deveriam, “por uma imposição do preconceito pecialmente pelo facto de ser uma das filhas mais
e da rotina, continuar, na República, a viver no velhas). Assumiu, portanto, um duplo papel ma-
regime vexante dos tutelados, fora da socieda- ternal, não apenas na formação da própria des-
de, como menores e interditos”. As pretensões cendência, mas igualmente na orientação pes-
consignadas no texto revelavam bom senso e sen- soal dos irmãos mais novos, substituindo os pais
tido pedagógico. Eram as “reivindicações” pos- na ausência destes, forçados ao 2.o exílio por im-
síveis no contexto social e mental da época: o ele- posição de Salazar. Ação tutelar, devidamente
vado grau de analfabetismo da população fe- reconhecida pelo próprio pai, quando este re-
minina e a influência que, pelo mesmo motivo, cordou que “[...] para a educação dos filhos mais
o clero exercia sobre as consciências do poten- velhos, os pais estão sós, mas, para a dos mais
cial eleitorado feminino. O requisito de instru- novos, já contam com os/as mais velhos/as. Mes-
ção mínimo para votar funcionaria, de futuro, mo para isso estes precisam de ser modelares...”
como uma estratégia motivadora de novas com- [Bernardino Machado]. Faleceu com 82 anos de
petências femininas, no mundo profissional e cí- idade, na Rua do Passadiço, n.o 22, 1.o direito,
vico. Apesar da legitimidade da intervenção, e em Lisboa.
das expectativas das suas proponentes, a ini- Periódicos: A Semeadora.
ciativa não logrou efeito. A Associação de Pro- Bib.: António Machado, Bernardino Machado – Memó-
paganda Feminista prosseguiu com o seu pro- rias, Figueirinhas, 1.a edição, 1945, 2.a edição 2000; Ber-
jeto sufragista, lançado pelo núcleo fundador e nardino Machado, As crianças – Notas dum Pai, 2.a edi-
ção, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1903; Elzira Ma-
dirigente, ao qual pertencia Rita Dantas Machado, chado Rosa, Bernardino Machado, Alice Pestana e a edu-
mas a militante abandonou, entretanto, a ativi- cação da mulher, nos fins do século XIX, Lisboa, Con-
dade associativa para se dedicar aos preparati- dição da Condição Feminina, 1989; Idem, Subsídios para
vos da cerimónia do casamento que se avizi- a História da Educação das Mulheres, em Portugal (Sé-
culos XIX e XX), 1997; Idem, “Bernardino Machado: Cien-
nhava. Casou com Alberto de Sá Marques de Fi- tista, pedagogo e político (raízes minhotas e brasileiras)”,
gueiredo, em 22 de janeiro de 1912, na Igreja Pa- Os Brasileiros da Emigração (coord. José Fernandes Al-
roquial de S. Sebastião da Pedreira. Residia, à ves), Colecção Cadernos Museu Bernardino Machado, n.o
data, na mesma freguesia, morando com os pais 1, Câmara Municipal, Vila Nova de Famalicão, 1999;
Idem, “Bernardino Machado e a educação feminina”, Ber-
na Av. António Augusto de Aguiar, n.o 100, em nardino Machado: o Homem, o Cientista, o Político e o
Lisboa. Conheceu o futuro marido em Coimbra, Pedagogo (coord. Norberto Cunha), Cadernos Museu Ber-
quando este frequentava a Universidade, licen- nardino Machado, n.o 4, Câmara Municipal, Vila Nova
ciando-se nos cursos de Matemática e Filosofia de Famalicão, 2001; Idem, A educação feminina na obra
Natural com elevadas classificações (1900- pedagógica de Bernardino Machado – Propostas a Fa-
vor da Igualdade e da Emancipação das Mulheres, Co-
-1905). O jovem estudante universitário fora dis- lecção Cadernos Museu Bernardino Machado, n.o 2, Câ-
cípulo de Bernardino Machado e condiscípulo mara Municipal, Vila Nova de Famalicão, 1999; Idem,
de António Machado, frequentando, habitual- “Bernardino Machado”, Bernardino Machado, Catálogo
mente, a moradia da família Machado, na Quin- da Exposição Permanente – Museu Bernardino Macha-
do (coord. Filipe Jorge), Produção Editorial Argumentum,
ta dos Sardões, em Coimbra. O pedido de casa- 2002; Idem, Bernardino Machado – Fotobiografia, Pre-
mento efetuou-se em Lisboa, quando Alberto Sá sidentes de Portugal – Fotobiografias, Edição Museu da
Marques já lecionava no Liceu de Camões. O ca- Presidência da República, Lisboa, 2006; João Gomes Es-
sal educou os seus 8 filhos (4 filhas e 4 filhos) teves, A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas –
uma organização política e feminista (1909-1919), Lis-
antecipando-se à moderna tendência para a igual- boa, ONG do Conselho Consultivo da Comissão para a
dade de oportunidades: rapazes e raparigas re- Igualdade e para os Direitos das Mulheres, 1992.
ceberam formação universitária equivalente, [E. D. M. R.]
tornando-se profissionais competentes no mun-
do do trabalho. No contexto familiar alargado (2/3 Rogélia Cardó
gerações), inerente ao estatuto social e à men- Atriz espanhola. Veio a Portugal atuar no Teatro
talidade da burguesia abastada no final do século dos Recreios integrada numa companhia de
XIX, os pais associavam, habitualmente, os fi- zarzuela e fixou-se em Lisboa. Estreou-se, em
lhos/as mais velhos/as à tarefa de educar os mais 1890, na Companhia Matoso da Câmara, então
841 ROS

no Teatro da Trindade, no papel de “fada” na má- de Lisboa, 1947, pp. 148-149; Esteves Pereira e Guilherme
gica O Gato Preto, de Augusto Garrido e Borges Rodrigues, Portugal. Dicionário Histórico, Corográfico,
Biográfico, Bibliográfico, Heráldico, Numismático e Ar-
de Avelar, e na opereta, em 3 atos, A Filha da Se- tístico, Vol. V, Lisboa, João Romano Torres & Ca. Edito-
nhora Angot, atribuída a Lecoq, tradução de Fran- res, 1911, p. 800; Grande Enciclopédia Portuguesa e Bra-
cisco Palha, em reprise (1891). Continuou no elen- sileira, Vol. XXVIII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial En-
co do teatro, com pouco êxito. Casou com o con- ciclopédia, Lda., s.a., pp. 882-883.
cessionário do bufete do Teatro dos Recreios que [I. S. A.]
foi, depois, camaroteiro do Teatro de S. Carlos,
de nome Nery. Fez os papéis de “Joana”, em Ca- Rosa da Silva Pinto
samento Singular (1898), comédia em 3 atos de v. Rosa Adelaide Marchy da Silva Pinto
D. José de Almeida, no Teatro da Avenida, em seu
benefício, e “Catarina”, em Malvisa (1898), em Rosa Damasceno
1 ato, versão da zarzuela Chateau-Margaux, tra- Atriz. Nasceu em S. Pedro da Cova, Porto, a 23
duzida expressamente para ela. de fevereiro de 1849, e faleceu, a 5 de outubro de
1904, na sua propriedade do Gradil, próximo de
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 197; Mafra, de doença cardíaca. Filha de um militar
Tomaz Ribas, O Teatro da Trindade, Porto, Lello & Ir- que faleceu quando Rosa Damasceno era ainda
mão, Editores, 1993, p. 28; A Scena, Lisboa, n.o 55, muito jovem, foi, então, com a mãe para o
22/05/1898. Alentejo, onde integrou o elenco de uma com-
[I. S. A.]
panhia de teatro ambulante do empresário Lopes,
da qual faziam parte as filhas deste, uma delas
Rosa Adelaide Marchy da Silva Pinto a atriz Luísa Lopes*, que percorria os teatros da
Atriz. Nasceu em Lisboa, em 1815, e faleceu no província. De passagem por Serpa, a atuação de
Rio de Janeiro, a 27 de março de 1885. O uso de
Rosa Damasceno agradou o suficiente para ser es-
“Marchy” no nome levou a afirmar-se que era fi-
criturada por um grupo de teatro amador e ali re-
lha de Nicola Marchy, dono de um botequim no
presentar durante alguns meses. Nesta ou nou-
Rossio, atualmente Café Nicola. Porém, Sousa
tra localidade, o ator Marcolino Pinto Ribeiro viu-
Bastos deixou dito que era filha de José Pedro da
-a representar e persuadiu-a de que deveria ir para
Silva das “Luminárias”, alcunha devida às ilu-
um teatro de Lisboa. Aqui, Marcolino apresen-
minações do seu estabelecimento, que foi em-
tou-a ao então comissário régio do Teatro D. Ma-
pregado de Nicola Marchy e se estabeleceu, de-
ria II, Dr. Luís da Costa Pereira (1819-1893), que
pois, com o Botequim das Parras. Rosa Adelai-
a escriturou “às noites”, sem contrato, para pe-
de casou com o ator Feliciano da Silva Pinto e
quenos papéis e mediante uma exígua remune-
foi mãe da atriz Apolónia Pinto*. Estreou-se no
Teatro da Rua do Salitre e seguiu para o Teatro ração. Apesar das dificuldades, resolveu aceitar
D. Maria II, onde entrou na comédia Um Par de e pôr em evidência os seus méritos cénicos, a fim
Luvas, farsa lírica de Silva Leal, música de Joa- de se tornar notada por algum empresário e/ou
quim Casimiro, uma das peças representadas na protetor. Francisco Palha reconheceu-lhe quali-
antestreia do teatro para festejar o aniversário do dades e escriturou-a para o Teatro da Trindade.
príncipe-consorte, D. Fernando (20/10/1845). Tinha 18 anos e já era mãe do pequeno Manuel
Acompanhou o marido para o Teatro D. Fernando Damasceno quando debutou no espetáculo inau-
e, ali, continuou a representar comédias, desta- gural do Teatro da Trindade (30/11/1867) nas pe-
cando-se em Trabalhos em Vão. Andou com o ças Mãe dos Pobres, drama em 5 atos, de Ernes-
marido em digressão pelo Brasil (Maranhão e to Biester, ao lado de atores já consagrados
Pará), na companhia artística organizada por Fran- como Emília Adelaide*, Delfina Espírito Santo*
cisco Fernandes. Ficou viúva quando atuavam e Tasso, e O Xerez da Viscondessa, comédia em
no Pará, a 20 de agosto de 1861, e dali seguiu para 1 ato, traduzida do espanhol por Francisco Pa-
os Estados de Pernambuco e Rio de Janeiro, acom- lha. O êxito imediato deveu-se à boa figura e à
panhando a carreira artística da filha. Faleceu na- voz melodiosa que se adaptava tanto ao drama
quela cidade, com mais de 70 anos. como à comédia. Naquele teatro, onde perma-
neceu até 1876, representou Família Benoiton,
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1217;
de Sardou, A Gata Borralheira, mágica em 3 atos
António Sousa Bastos, Lisboa Velha, Sessenta anos de e 15 quadros, arranjo de Joaquim Augusto de Oli-
Recordações, 1850 a 1910, Lisboa, Câmara Municipal veira, Três Rocas de Cristal, mágica, arranjo de
ROS 842

Aristides Abranches, e Rouxinol das Salas, ópe- verso, original de Fernando Caldeira, O Nono
ra cómica em 3 atos, arranjo de Aristides Abran- Mandamento (1880), comédia em 3 atos, Alfa-
ches a partir da peça Monsieur Garat, as três pe- geme de Santarém, drama histórico de Almeida
ças com música de Frondoni, e Conspiração na Garrett, A Sociedade onde a Gente se Aborrece
Aldeia (1868), de Sardou, Procópio Baeta (1868), (1881), comédia de costumes de Édouard Pail-
opereta em 1 ato de Paulo Midosi, música de Of- leron, no papel de “Suzanne de Villiers”, João de
fenbach, As Pupilas do Sr. Reitor (1868), de Jú- Thommeray (1881), drama em 5 atos de Augier
lio Dinis, drama, em adaptação de Ernesto Bies- e Sandeau, tradução de Pinheiro Chagas, com um
ter, A Família (1869), de João Cordeiro Rodrigues, vestido líndíssimo que foi assunto de revistas, Fé-
fez benefício na estreia de Quem Desdenha... dora (1883), de Victorien Sardou, no papel de
(1874), comédia de Manuel Pinheiro Chagas, Boa “condessa Olga”, A Varina, comédia em 5 atos,
Desforra, Última Moda, comédia em 5 atos, e Casa de Fernando Caldeira, A Cigarra, de Meilhac e
de Orates, drama em 3 atos, ambas traduzidas por Halévy, adaptação de Acácio Antunes e Macha-
Rangel de Lima, Ressurreição, peça em 3 atos do Correia; protagonizou Flor dos Trigais (1884),
adaptada da obra de Tolstoi por Bataille e tra- comédia em verso de Augusto Lacerda, em es-
duzida por Carlos Selvagem; as comédias Casa- treia, A Noiva (1884), comédia em 1 ato, em ver-
mento Singular, em 3 atos, de D. José de Almeida, so, e Duque de Viseu (1886), drama histórico, em
Ouros, Copas, Espadas e Paus, em 3 atos, As verso, em 5 atos, peças de Henrique Lopes de
Campainhas, adaptação de Pinheiro Chagas, O Mendonça, Martin (1886), extraído do romance
Avarento, em 5 atos de Molière, adaptada pelo de Richebourg, por Adolph d’Ennery, tradução
visconde de Castilho; as peças Baile da Condessa, de Guiomar Torrezão, Abade Constantino (1888),
Novela em Acção, Pior Inimigo, Quatro Mulhe- comédia que Crémieux e Decourcelle extraíram
res Numa Casa, Um Murro e Um Lenço, Mãos de do romance do mesmo título de Ludovic Halé-
Fidalgo, Amores de Primavera. Apesar de não ser vy, tradução de Pinheiro Chagas, O que Morreu
o género de opereta aquele em que brilharia, foi de Amor (1889), de Júlio Dantas, D. Afonso VI
muito bem no “Tamborzinho”, de A Amazona de (1890) e Alcácer Quibir (1891), dramas de D. João
Tormês (1872), zarzuela traduzida de Passos Va- da Câmara, O Íntimo (1891), de Eduardo Schwal-
lente, e na “Princesa”, de Barba Azul (1868), ópe- bach, Guerra em Tempo de Paz, O Bibliotecário
ra burlesca em 3 atos e 4 quadros, de Meilhac e (1895), comédia traduzida por José António de
Halèvy, música de Offenbach. Também apareceu Freitas, José João (1896), paródia em 4 atos ao dra-
um precioso protetor, o Rei D. Luís (1838-1889), ma João José de Joaquim Dicenta. Foi brilhante
que traduziu algumas peças para ela representar, nos papéis de “Diana de Santrailles”, de Marquês
ofereceu-lhe uma casa na Avenida da Liberdade de Villemer (1885), de George Sand, Aspásia, ori-
e uma mensalidade de trezentas libras mensais, ginal de Augusto de Lacerda, “Vivette”, na Ar-
pagas em prestações diárias de 10, 20 ou trinta lesiana (1885) de Daudet, “Ofélia” em Hamlet
libras. Na época, foi atribuída a esta amizade real, (1887), “D. Helena” em Leonor Teles (1889), dra-
a concessão da exploração do Teatro D. Maria II ma histórico em verso, em 5 atos, de Marcelino
à Empresa Rosas & Brazão, a que ela pertencia, Mesquita, “Berta”, de A Madrugada (1892), co-
em detrimento da proposta do ator José Carlos média em verso, em 4 atos, de Fernando Cal-
Santos, facto que provocou uma desagradável rea- deira, notável criação de “Ermelinda” em Os Velhos
ção do público quando a atriz apareceu em cena (1893), comédia em 3 atos de D. João da Câma-
no dia da estreia da empresa naquele teatro. Em ra. Protoganizou A Fera Amansada (1896), arreglo
1876, foi para o D. Maria II, onde se manteve até em 4 atos, da comédia de Shakespeare Taming
1897 e, ali, representou: Amigo Fritz (1878), de of the Shrew por Paul Delair, tradução de Jaime
Erkmann-Chatrian, no papel de “Souzel”, Rosa de Seguier e, já avó, fez o papel de “Assunção”
Miguel (1879), drama em 5 atos, tradução de Ri- em Triste Viuvinha (1897). Em 1897, acompanhou
cardo Cordeiro, cantou em Barba Azul (1879), a Empresa Rosas & Brazão para o Teatro D. Amé-
opereta de Offenbach, numa adaptação de Car- lia, onde entrou como societária e se manteve até
los Borges, com Ana Pereira*, Os Fidalgos da Casa 1904. Neste teatro, reapareceu ao público a 15 de
Mourisca (1880), drama em 5 atos, extraído do outubro de 1898, no Amigo Fritz, com o elenco
romance de Júlio Dinis por Carlos Borges, As Duas com que já o havia representado no Teatro D. Ma-
Damas (1880), tradução de Pinheiro Chagas, A ria II, e Ditoso Fado (1898), peça em 1 ato de Ma-
Mantilha de Renda (1880), comédia em 2 atos em nuel Roussado, ao lado de Taborda, peça já por
843 ROS

ela representada no Teatro da Trindade, no boa, Prelo Editora, 1978, pp. 220-221; Memórias de
princípio da carreira. Repetiu o repertório do Tea- Eduardo Brazão, que seu filho compilou e Henrique Lo-
pes de Mendonça prefaciou, Lisboa, Empresa da Revista
tro D. Maria II e fez os papéis de “Marta”, a pro- de Teatro, Editora, 1.a Ed., s.a., p. 148; Maria do Céu Bor-
tagonista de Manelich (abril de 1898), drama em recho, Marília Viterbo de Freitas e Virgínia Dias, “Lis-
3 atos, original do catalão D. Angel Guimera, ver- boa, Toponímia no Feminino XIII”, Faces de Eva, n.o 14,
tido em castelhano por José Echegaray, tradução pp. 207-208; Mário Jacques e Silva Heitor, Actores na
Toponímia de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lis-
livre de João Soller, “Maria Pais” em O Que Mor- boa – Comissão Municipal de Toponímia, 2001, pp. 147-
reu de Amor (1899), de Júlio Dantas, a protago- -148; O Grande Livro dos Portugueses, Lisboa, Círculo
nista de Maridos de Leontina (1900), comédia es- de Leitores, Lda., 1990, p. 185; Tomaz Ribas, O Teatro
pirituosa, em 3 atos, de Alfred Capus, tradução da Trindade, Porto, Lello & Irmão, editores, 1993; Ga-
de Melo Barreto, e “Romana”, na peça em 3 atos zeta Musical de Lisboa, 3.a Série, n.o 138, 10/04/1896,
p. 3; Tardes e Noites, n.o 6, 19/11/1897, p. 5; A Scena,
Meia-Noite (1900), de D. João da Câmara. Outras Lisboa, n.o 50, 17/04/1898; “Necrologia” [c/ retrato],
peças: Viriato Trágico (1900) e Paço de Veiros, am- O Ocidente, n.o 928, 10/10/1904, pp. 225-226; “Morte
bas de Júlio Dantas; Amor de Mãe; Padre Joani- da actriz Rosa Damasceno”, O Século, 06/10/1904, p. 5;
co; Minha Nora; Framont & Ca.; Degenerados; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 26/01/1952, p. 4,
e 09/02/1952, p. 4.
Castelo Histórico; Corrida do Facho; Pouca Sor- [I. S. A.]
te; Auto Pastoril, Segredo de Polichinelo, de Pier-
re Wolf; Torrente; Cruz da Esmola, drama em Rosa de Andrade
5 atos de Eduardo Schwalbach. Casou, em 1891, Estreou-se, em 1905, na Sociedade Teatro Livre
com o empresário e ator Eduardo Brazão (1851- que António Pinheiro dirigia no Ginásio, uma ini-
-1925), com quem viajou bastante e a cuja com- ciativa que visava a educação do público pela arte
panhia artística ficou ligada para sempre. Em cénica, levando à cena peças expressamente es-
1894, acompanhou-o no elenco de uma récita de colhidas para o fim. Rosa de Andrade era um dos
amadores que representaram Amigo Fritz, em be- elementos dessa companhia que, aliás, resistiu
nefício das obras de acabamento do Teatro de San- pouco tempo. Entre as peças do repertório esta-
tarém e, como forma de gratidão, foi dado o nome vam Missa Nova, de Bento Faria; O Condenado,
de Rosa Damasceno ao novo teatro. Eduardo Bra- de Valentim Machado; Os que Furam, de Emídio
zão ficou como presidente honorário. A última Garcia; Às Feras, de Manuel Laranjeira; Prosa, de
peça que representou teria sido Adversário, co- Gaston Sandri; Maternidade, de Brieux; Pai Na-
média em 4 atos, de Alfred Capus, a 28 de abril tural, de Ernest Depré e Paul Charton; As Vítimas,
de 1904, ou Outro eu, a 1 de junho de 1904. Fa- de Fédéric Boutet; A Confissão de Amigo, de Her-
leceu pelas três horas da manhã, de ataque car- mann Sudermann; e Uma Falência, de Bjorns-
díaco. Foi enterrada em Lisboa, no cemitério dos tjerne Bjornson. Abandonou o teatro.
Prazeres, em jazigo de família. Era muito esmo-
Bib.: António Pinheiro, Contos Largos, Lisboa, Tip. Cos-
ler, acudia a muitas desgraças, mitigando com a ta Sanches, 1929.
sua ajuda pecuniária a miséria dos mais pobres [I. S. A.]
do Gradil. O Teatro D. Amélia, hoje denomina-
do de S. Luís, colocou uma lápide em sua ho- Rosa de Oliveira
menagem no foyer. Por edital de 12 de março de Atriz. Amante de um comerciante da Rua For-
1932, foi atribuído o seu nome a uma rua da fre- mosa, conhecido pelo “Teixeira do Chá” que que-
guesia de S. Jorge de Arroios, em Lisboa. ria fazer dela a estrela do teatro de que era pro-
Da autora: colaborou em Tragédia, n.o único, publica- prietário. Entrou na revista Sem Papas na Língua
do pela sociedade dos Artistas Dramáticos do Teatro (1888), de Alfredo Fragoso e António José Alves.
D. Maria II, Lisboa, 1885.
Bib.; Mercedes Blasco, Memórias de uma actriz, Lisboa,
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por-
Ed. Viúva Tavares Cardoso, 1907, p. 100.
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11
[I. S. A.]
e 196-197; Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasilei-
ra, Vol. VIII, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo-
pédia, Lda., s.a., pp. 363-364; Guiomar Torrezão, “Atra- Rosa Marchy da Silva Pinto
vés do Binóculo”, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, série v. Rosa Adelaide Marchy da Silva Pinto
2, n.o 3, 22/01/1881, p. 30; Joaquim Madureira (Braz Bu-
rity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira,
Lda. Editores, 1905, p. 483; Júlio César Machado, Os Tea- Rosa Pais
tros de Lisboa, Editorial Notícias, 1991, p. 161; Luiz Fran- Atriz. Nasceu a 12 de junho de 1880. Começou
cisco Rebello (dir.), Dicionário do Teatro Português, Lis- a carreira artística num grupo de amadores dra-
ROS 844

máticos denominado Trio Paulus, dirigido pela de Plácido Stichini e Hotel da Barafunda, Cenas
cançonetista N. Leroy. Foi durante uma repre- de Boémia, de Jacobety, Martin, extraído do ro-
sentação deste grupo, numa matiné do Teatro mance de Richebourg, por Adolph d’Ennery, tra-
D. Amélia, que Sousa Bastos, então empresário dução de Guiomar Torrezão, Ideias de Madame
do Teatro da Trindade, a viu e a convidou para Aubrey, de Alexandre Dumas, filho, e O Homem
o elenco da sua companhia. Desde A Fada do das Mangas (1901), vaudeville de Oscar Blu-
Amor, mágica, arranjo do original italiano por mental, tradução do alemão por Freitas Branco
Sousa Bastos e Acácio Antunes, musicada por e Melo Barreto, música coordenada por Tomás
Freitas Gazul, em que se estreou, a 13 de abril de Del Negro, entre outras. Retirou-se de cena para
1895, até ao Rei Danado (em cena em 1901), no casar com o Dr. Carlos Lopes.
mesmo teatro, soube granjear aplausos tanto na Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
opereta como no drama. Ali, entrou em A Gata res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1003;
Borralheira, mágica em 3 atos e 15 quadros, ar- António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português,
ranjo de Joaquim Augusto de Oliveira, música de Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 206; Eduar-
do Fernandes (Esculápio), Memórias, Lisboa, Parceria An-
Angelo Frondoni. Em 1896, a Companhia Sou- tónio Maria Pereira, 1940, pp. 217, 222, 236; Gustavo de
sa Bastos foi em digressão ao Brasil e Rosa Pais Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, Vol. II, Lisboa,
ficou na Companhia Afonso Taveira que tomou Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa,
conta do teatro. Na temporada 1896/97, a nova 1967, pp. 408-410; Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues,
sociedade Sousa Bastos & Carlos Posser, composta Portugal. Dicionário Histórico, Corográfico, Biográfico, Bi-
bliográfico, Heráldico, Numismático e Artístico, Vol. V,
por escol de atores e atrizes, contava com Rosa Lisboa, João Romano Torres, Editor, 1911, p. 367; Tomaz
Pais, que entrou em Boémia (1897), ao lado de Ribas, O Teatro da Trindade: 125 anos de vida, Porto, Lel-
Palmira Bastos*, Falote (1897), opereta francesa, lo & Irmão, Editores, 1993, p. 33; Tardes e Noites, n.o 1,
tradução de Eduardo Fernandes (Esculápio) e 11/11/1897, p. 11; A Scena, Lisboa, n.os 54, 59, 61 e 63,
de 15/05, 19/06, 03 e 17/07/1898; O Ocidente, n.o 724,
Sousa Bastos, escrita expressamente para a estreia 29/01/1901, pp. 10 e 16 [c/ retrato]; “Teatros – Foi neste
da atriz Rosa Villiot*, o monólogo Pão e Nozes, dia...”, O Século, 13/02/1956, p. 6.
de Eduardo Fernandes (Esculápio), música do [I. S. A.]
maestro Stichini, Preciosas Ridículas (1897), de
Molière, tradução de Esculápio; fez os papéis de Rosa Pereira
“Uma Mulher do Povo” e “Braz Gil”, em Auto dos Atriz dramática. Nasceu em Valença do Minho
Esquecidos (1898), drama em 3 jornadas e 1 pró- a 31 de outubro de 1869 e faleceu, vítima de fe-
logo, em verso, original de Sousa Monteiro, peça bre-amarela, no Rio de Janeiro, a 4 de maio de
premiada no concurso para o centenário da Ín- 1891. Veio para Lisboa com 15 anos, estreou-
dia, “Príncipe Saphin”, em O Barba Azul (1899), se aos 17 no Teatro da Alegria, então dirigido por
ópera burlesca em 3 atos e 4 quadros de Meilhac Francisco Jacobetty, numa paródia ao Processo
e Halèvy, música de Offenbach; cantou nas re- do Cancan, e ali representou as comédias Cabeço
vistas Amanhã Anda à Roda (1899), de Esculá- da Bola, Teatro por Dentro, Tio Padre e Os 30 Bo-
pio, e Ramerrão (1900), de Eduardo Fernandes tões, esta de Eduardo Garrido. Quando a empresa
(Esculápio) e Acácio de Paiva, música de Ciría- terminou, partiu em digressão pelas províncias
co Cardoso, ao lado de Teresa Taveira*. Entrou, até que foi contratada, em finais de 1889, para o
também, nas óperas cómicas Sinos de Cornevil- Teatro Chalet do Porto, onde entrou na revista Par-
le, em 3 atos e 4 quadros, de Clairville e Gabet, tilhas do Diabo, de Sá de Albergaria, na mágica
tradução de Eduardo Garrido, música de Robert Os Sete Castelos do Diabo e na comédia O Ro-
Planquette, Bocacio (1898), em 3 atos, traduzi- salino. Em 1890, veio para o Teatro da Avenida,
da por Eduardo Garrido, música de F. de Suppé, em Lisboa, então explorado pela Empresa Sou-
A Gran Duquesa de Gerolstein (1898), em 3 atos sa Bastos que a integrou no elenco de Tim Tim
e 4 quadros, de Henri Meilhac, versão de Eduar- por Tim Tim, revista em 3 atos original daquele
do Garrido, música de Offenbach, no papel de empresário, com música de Plácido Stichini. Foi,
“Príncipe”, O Solar dos Barrigas (1898), em 3 atos, ainda, representar ao Porto e Póvoa de Varzim,
de Gervásio Lobato e D. João da Câmara, músi- embarcando, de seguida, para o Rio de Janeiro
ca de Ciríaco Cardoso, Noite e Dia, em 3 atos, de com a Companhia Guilherme de Oliveira. Apa-
Lecocq, tradução de Eduardo Garrido e C. Leo- receu no Teatro Apolo, a 12 de fevereiro de 1891,
ni, música de Suppé, Príncipe Rubim; nas revistas em Viagem ao Parnaso, nas mágicas Gato Preto,
Tim Tim por Tim Tim, de Sousa Bastos, música em 3 atos, arranjo de Augusto Garraio, música de
845 ROS

Freitas Gazul, e Galinha dos Ovos de Ouro; no paio, no Teatro D. Pedro II, ao lado de Cinira Po-
vaudeville As Andorinhas; na comédia A Meni- lónio* (1886). Em 1895, ganhou o 1.o lugar no
na Rosa; e cantou Caluda! José. Faleceu no mes- concurso intitulado “Qual a primeira Atriz de
mo ano. Segundo Sousa Bastos, era formosa, en- opereta?”, lançado pela Revista Teatral, do Rio
graçada e dizia bem o couplet. de Janeiro. Em 1897, veio do Brasil para integrar
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe- o elenco da Companhia Sousa Bastos & Carlos
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp. 1031- Posser no Teatro da Trindade, em Lisboa, onde
-1032; António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Por- se estreou a 12 de janeiro de 1897, na opereta
tuguês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 197; francesa Falote, traduzida por Eduardo Fer-
Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, Portugal. Dicio-
nário Histórico, Corográfico, Biográfico, Bibliográfico, He- nandes (Esculápio) e Sousa Bastos expressamente
ráldico, Numismático e Artístico, Vol. V, Lisboa, João Ro- para o fim. Era muito bonita e teve um estron-
mano Torres, Editor, 1911, p. 607; O Palco, Lisboa, n.o 7, doso êxito dançando o “maxixe”. Outras peças
05/04/1912, p. 103, n.o 8, 05/05/1912, p. 115, n.o 9, do seu repertório, representadas no Brasil: O Prín-
20/05/1912, p. 139; O Anunciador Ilustrado, 1914.
[I. S. A.]
cipe da Bulgária (1902), vaudeville em 3 atos, de
Grenet Dancourt e George Bertal, tradução de Ar-
Rosa Soares tur Azevedo e Azeredo Coutinho, no Teatro Lu-
Atriz. Em 1915, integrava o elenco do Teatro cinda; O Deputado de Saias (1902), tradução de
Olímpia do Porto, onde entrou em Apita, Zé!, Moreira Sampaio da peça Le Club des Femmes,
revista do Porto, de Álvaro Machado e Adria- de Victor de Cottens e Pierre Weber, integrada
no Mendonça, música dos maestros Pascoal Pe- na companhia de vaudeville e comédia de Cinira
reira e Júlio de Almeida. Polónio no Teatro Parque Fluminense; Pomada
e Farofas (1912), ópera cómica em 3 atos e 5 qua-
Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 10/03/1956, dros, de Cardoso Meneses, música de Chiquinha
p. 7.
[I. S. A.] Gonzaga (Francisca Edwiges Neves Gonzaga), no
Teatro de S. José.
Rosa Teixeira Bib.: Ângela Reis, Cinira Polónio, a divette carioca, Rio
Ativista do Partido Comunista, morreu na clan- de Janeiro, Arquivo Nacional, 1999; Eduardo Fernandes
destinidade e o nome consta do opúsculo Não (Esculápio), Memórias, Lisboa, Parceria António Maria
Pereira, 1940, pp. 216-217; Francisco António de Mattos,
Falar na Polícia Dever Revolucionário, publicado “Rosa Villiot”, O Recreio, Lisboa, 21.a série, n.o 24,
em 1972. Há uma Georgina Rosa Teixeira que in- 18/01/1897, pp. 369-370 [c/ retrato]; Tomaz Ribas, O Tea-
tegrou, com o número de sócia 433, a Delegação tro da Trindade – 125 Anos de Vida, Porto, Lello & Irmão-
do Porto da Associação Feminina Portuguesa Editores, 1993, p. 33; O Ocidente, n.o 724, 29/01/1901, pp.
para a Paz*. 10 e 16 [c/retrato].
[I. S. A.]
Bib.: Ana Barradas, As Clandestinas, Lisboa, Ela por Ela,
2004; Não Falar na Polícia Dever Revolucionário, Edi-
torial Avante!, 1972.
Rosalina Canária
[J. E.] v. Rosalina Cassano

Rosa Villiot Rosalina Cassano


Atriz e dançarina brasileira, de origem france- Cantora de ópera e opereta. Terá nascido por vol-
sa. Era gentil, invulgarmente distinta e vestia com ta de 1820 e faleceu, em Lisboa, a 27 de fevereiro
elegância. Entrou para o teatro muito nova e, no de 1890. Era filha de um italiano vendedor de
Rio de Janeiro, fez carreira como cantora e atriz, canários no Largo da Anunciada, daí a alcunha
num longo repertório de que lembramos Nini- de “Canária”. Estreou-se no Teatro da Rua dos
che, vaudeville em 3 atos, de Millaud e Henne- Condes a 17 de outubro de 1841, na comédia mu-
quin, tradução de Sousa Bastos, música de F. Al- sical Belizário, de Donizetti. De estatura avan-
varenga, Princesa dos Cajueiros, Fausto Júnior, tajada e acentuada pronúncia italiana, tinha mui-
Os Sinos de Corneville, opereta em 3 atos e 4 qua- to boa voz e a crítica recebeu-a com agrado. Em
dros de Clairville e Gabet, tradução de Eduardo 1844, representou, no Teatro do Ginásio, o pa-
Garrido, música de Planquette, Mulher do Papá, pel de “Meg, a feiticeira” na tragédia lírica em
Gilettte de Narbonne, Maria Angu, e O Carioca, 3 atos O Regente, sendo muito louvada pela im-
revista em 3 atos, 16 quadros e 1 prólogo, de Ar- prensa teatral. Cantou muitas óperas cómicas nos
tur Azevedo em colaboração com Moreira Sam- teatros da Rua dos Condes e fez parte do elen-
ROS 846

co da Sociedade Artística do Teatro do Ginásio das feministas pioneiras na ex-colónia portuguesa


Dramático, com tal sucesso que a empresa do da Índia, onde se notabilizou pelos escritos nos
S. Carlos a contratou para as épocas entre 1847 jornais locais e pela participação em Portugal Fe-
e 1850, distinguindo-se na ópera cómica A minino, de cuja revista foi delegada na então Ín-
Marqueza (1848), música do maestro António dia Portuguesa. Interessou-se por várias matérias,
Luís Miró e libreto de Paulo Midosi, baseado na percorreu diferentes currículos, desde música, me-
novela de George Sand. Nos intervalos das pe- dicina e contabilidade. Atenta à causa das femi-
ças líricas, atuou no Teatro do Ginásio, onde pro- nistas, foi interveniente nessas lutas, divulgando-
tagonizou O Cesto de Flores, em 1 ato, ao lado -as através dos seus escritos, teses, conferências
de Taborda, Qual dos Dois?, em 1 ato, de Men- e encontros. Filomena da Cunha frequentou, de
des Leal e música de Frondoni (1849), Andador 1923 a 1925, o Curso Secundário na University
das Almas (1850), peça em 3 atos, em verso rit- of Cambridge, bem como o Curso de Piano e Mú-
mado, paródia de Francisco Palha à Luccia de sica do Trinity College of Music, de Londres, em
Lammermoor, de Donizetti. No ano seguinte, Secunderabad, na Índia. De 1927 a 1930, foi alu-
transitou para o Teatro D. Fernando e foram no- na do Curso de Medicina da Medical School, Agra
táveis as suas criações em O Moinho das Tílias (Índia), que interrompeu devido ao paludismo.
(1851), tradução do francês, música de Maillart, Nessa época, a jovem iniciou a colaboração na im-
Grinalda (1851), ópera cómica em 1 ato de Scri- prensa de Goa, nos jornais O Heraldo, Jornal da
be e Adam, e Dominó Preto (1854), de Scribe, Índia e O Independente e, por um período de sete
música de Auber. Entre 1855 e 1863 e 1866-1867, anos, no Portugal Feminino, de Lisboa. Entre 1937
apareceu como 2.a dama da companhia lírica do a 1938, fez o Curso de Guarda-livros e Contabi-
Teatro de S. Carlos, nas peças L’Italiana in lidade na London Chamber Commerce e de Fel-
Alger, de Rossini, La Figlia del Spadaio, Luisa low do Institut of Book-keepers, de Londres. Nes-
Miller, I Lombardi, Rigoletto, La Traviata, Il Tro- se mesmo ano, fundou e dirigiu o Instituto de Co-
vatore, de Verdi; La Favorita, Maria di Rohan e mércio e Taquigrafia em Margão. A partir de 1939,
Lucia de Lammermoor, de Donizetti; La Son- após a morte do pai e até ao casamento, tomou o
nambula e I Puritanni, de Bellini; Roberto-i lugar na gestão da sua firma J. J. da Cunha Nova
l-Diavolo, de Meyerbeer. Em Lisboa, residiu na Goa. Casou, em 1 de dezembro de 1941, com Do-
Rua dos Galegos, depois chamada Rua do Du- mingos José Soares Rebelo, tendo o casal esta-
que, entre 1855 e 1863, na Rua da Condessa, em belecido residência no Quénia onde, entre 1942
1863, e na Travessa João de Deus, entre 1865 e e 1945, foi professora de contabilidade e esteno-
1866. Acabou a carreira artística como corista no grafia da escola júnior e sénior na localidade de
Teatro da Trindade e faleceu, com mais de 70 Mombaça. A partir dessa data, o casal vai para
anos, na miséria. Os colegas cotizaram-se para Lourenço Marques, onde vive até 1975, ano em
pagar o funeral. que chega a Portugal. Habita, de 1976 a 1980, na
Vila da Nazaré e, depois, em Alcobaça, onde veio
Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 194; a falecer, a 1 de fevereiro de 2007, com 98 anos
António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, de idade. Deve-se ao marido, o historiador Do-
Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 89; Eduardo mingos José Soares Rebelo, a coletânea dos escritos
de Noronha, Estroinas e Estroinices, Decadência do Con- dispersos na imprensa, a que deu o título Ao So-
de de Farrobo, Lisboa, Edição Romano Torres & Ca., 1922,
p. 160; Francisco da Fonseca Benevides, O Real Teatro
pro das Brisas Fagueiras do Índico, publicada em
de S. Carlos de Lisboa, Lisboa, Tipografia Castro Irmão, Alcobaça no ano de 1997. No prefácio, o marido
1883, pp. 256 e ss.; Grande Enciclopédia Portuguesa e Bra- refere-a como “a então paladina feminista de Goa”
sileira, Vol. V, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclo- e afirma que o grande valor desses seus escritos
pédia Limitada, s.a., p. 687; “Teatros”, Revista Popular, vem do facto de estarem ainda hoje atualizados
Lisboa, Vol. IV, 1851, pp. 10 e 67; A Assembleia Literá-
ria, Lisboa, n.o 8, 22/09/1849, p. 62, n.o 12, 20/10/1849, em relação às lutas das mulheres nos países onde
e n.o 37, 21/09/1850, pp. 46-48. a legislação não é efetivamente democrática. O li-
[I. S. A.] vro apresenta-se dividido em três partes. Em pri-
meiro lugar, figuram dez artigos sobre o movi-
Rosalina Filomena da Cunha e Soares Rebelo mento feminista. Seguem-se três ensaios: um so-
Nasceu em Goa, Santa Cruz, a 17 de maio de 1908. bre o sorriso, outro sobre a figura célebre do goês
Filha do escritor, jornalista e comerciante Joaquim Abade de Faria e o último dedicado à “Índia e seus
João da Cunha e de Rosa Maria da Cruz, foi uma encantos”, publicado em Portugal Feminino
847 ROS

[maio de 1936], com três fotogravuras – cascata progresso do mundo»” [Jornal da Índia,
de Sud-sagor, Taj Mahal e Mesquita. Este artigo 10/09/1934]. Preocupa-se em tratar das mais va-
foi posteriormente reproduzido na íntegra pelo se- riadas teses nos mais variados países, desde as
manário O Independente em 16/06/1936, acres- questões políticas, “Na Inglaterra muitas senho-
cido de uma introdução prévia. A terceira parte ras como Lady Cynthia Mosley, […] foram elei-
do livro apresenta as “anotações suplementares”, tas deputadas ao Parlamento (ou, M.P.) e a Miss
nas quais uma súmula, sobre os jornais em que Margaret Bonfield é a primeira mulher no Governo
Filomena colaborou, bem como sobre a revista Por- Laborista a ocupar o árduo cargo do Ministério de
tugal Feminino, enquadra o contexto dos anos Trabalho. Miss Susan Lawrence M.P. há pouco pre-
1930 que a obra retrata com o subtítulo Filome- sidiu à Conferência Anual do Partido Laborista
na da Cunha e os órgãos de imprensa, seguido de e é a primeira vez nos anais da história que uma
Referências aos escritos de Filomena Cunha, onde mulher teve esta honra” [O Heraldo, 01/11/1930,
o autor inscreve “palavras de apreço com que a p.1, cols. 3-4], às económicas, “Uma japonesa,
sua colaboração foi saudada e registada ainda em Mme. Suzuki, que é uma das mais ricas mulhe-
artigos de fundo”. O índice completa-se identi- res do mundo, é banqueira e negociante de arroz”
ficando as 14 ilustrações de flores campestres uti- [O Heraldo, 02/07/1931, p. 2, cols. 1-2], passan-
lizadas na separação dos textos. A terminar, do pelas aviadoras, “Miss Amy Johnson […] efe-
surge a bibliografia do autor e as suas participa- tuou sozinha no seu aeroplano Moth Jason o voo
ções em congressos. Este livro é parte da histó- entre o aeródromo de Croydon (Inglaterra) e Syd-
ria da juventude de Filomena da Cunha e reen- ney (Austrália”, [O Heraldo, 01/11/1930, p.1, cols.
trou na sua vida no dia do 56.o aniversário de ca- 3-4] e as conquistas legais, “Na China […] devi-
sada como presente surpresa do marido e fami- do ao decreto do grande reformador dr. Sun-Yat-
liares. O seu trabalho de escrita preenche um dos Sem, as mulheres chinesas têm direitos iguais aos
vazios na história dos movimentos de mulheres dos homens” [O Heraldo, 02/07/1931, p. 2, cols.
em Portugal. A falta de circulação de notícias en- 1-2]. Regozijou-se com as reformas de costumes
tre as ex-colónias portuguesas e a metrópole não inferiorizantes para as mulheres: “Na Turquia
permitia que o que se passava em Portugal che- Musfatá Kemal Pashá tem trabalhado bastante pela
gasse a Goa, embora o mesmo não se passasse em emancipação da mulher; aboliu o uso do véu e a
relação ao resto do mundo. Filomena da Cunha poligamia; promulgou iguais direitos tanto ao ho-
traduzia nos seus artigos, com excecional poder mem como à mulher” [opus cito, ibidem]; “É es-
de síntese, preciosas informações sobre os mo- pantoso o progresso feito pelas mulheres nos úl-
vimentos feministas do tempo, que fazem dela timos anos, tanto no Ocidente como no Oriente.
uma criteriosa investigadora sobre as lutas e ga- Temos na vizinha Índia muitas mulheres que há
nhos obtidos a favor da emancipação das mu- poucos anos viviam na reclusão de zenana e não
lheres. Na sua escrita enumera os nomes das mu- saiam à rua sem se cobrirem com uma burka (pano
lheres protagonistas, o que de maior relevo acon- comprido) e sem se meterem cautelosamente
tecia na Europa, Turquia, Egito, Rússia, China, Ja- numa carruagem fechada. Agora, porém, a trans-
pão e, sobretudo, na Índia, onde, afirma que “ape- formação é completa. É certo que ainda existe uma
sar da diferença de religião, costumes e castas, as insignificante percentagem de mulheres indianas,
mulheres indianas de todas as condições sociais especialmente no norte, que não aboliram com-
deram o seu contingente à causa da emancipação pletamente até hoje o purdah” [Jornal da Índia,
da mãe-pátria. Durante o tempo em que durou a 10/09/1934]. Em relação às mulheres portugue-
desobediência civil, o movimento feminista fez sas, escreveu nesse mesmo jornal: “Em Portugal
progressos maiores do que durante a última dé- também a mulher se tem despertado e vai fazendo
cada” [O Heraldo, 02/07/1931, p. 2, cols. 1-2]. Nou- progressos, mas o movimento feminista português
tro artigo refere: “Mrs. Sarojini Naidu, a distinta não é conhecido pelo mundo fora porque a sua
poetisa e fluente oradora de fama mundial, voz ainda não se fez ouvir em nenhuma reunião
quando há pouco presidiu à conferência anual da internacional”. Sobre esta opinião, escreve em nota
Associação Indiana das Mulheres, reunida em Ma- de rodapé o marido e editor: “A participação da
drasta, falou assim: «cada uma de vós deve fazer médica (1900) e sufragista portuguesa Adelaide
um cauteloso exame de consciência e perguntar Cabete (1867/1935) nos Congressos Internacionais
a si própria como é que eu contribuo pela causa Femininos de Gand (1913), Roma (1923) e Lisboa
da mulher, pelo progresso da minha terra e pelo (1924) era desconhecida da autora então viven-
ROS 848

do nas longínquas terras da Índia” [Ao Sopro das políticos à mulher, fez uma viagem aérea de cin-
Brisas Fagueiras do Índico, p. 25]. Os seus rela- co dias para assistir ao Congresso. Jamaica foi re-
tos mostram como uma jovem portuguesa na Ín- presentada por uma delegada de raça negra que
dia percecionava as outras mulheres suas con- surpreendeu as congressistas pela sua invulgar in-
temporâneas que lutavam pela igualdade dos di- teligência. O Egito mandou 15 delegadas, chefiadas
reitos, as vitórias que alcançavam, incluindo as por Mme. Houda Charoui, e a Índia foi repre-
relativas aos vestuários, na partilha dos espaços sentada por duas delegadas muçulmanas, Begum
públicos e privados. Sobre a educação das mu- Hamid Ali e Begun Hussein. O Congresso foi pre-
lheres, incluindo a educação física, a feminista re- sidido por Mrs. Ashby Corbett, de nacionalida-
gistava no artigo “A Mulher na Índia Portugue- de Inglesa.[…] Lady Astor da Inglaterra disse que
sa” a falta de recursos e de escolas para a forma- embora em certos países o ambiente não seja dos
ção das raparigas: “dizer que uma menina não ne- melhores para o sexo feminino, não se deveria de-
cessita de instrução sólida será um disparate igual sanimar, porque serão tomadas medidas para se
ao que se dissesse que um rapaz também dela não reconquistar os direitos perdidos” [O Indepen-
precisa” [O Heraldo, 18/11/1930, p. 1, cols. 3-4]. dente, 23/07/1935]. Este texto foi transcrito em Por-
Uma expressão clara sobre o que entendia ser a tugal Feminino [outubro de 1935, n.o 69, p. 13]
igualdade de oportunidades e não hesitava em com uma fotogravura da autora sobre os dizeres:
apontar pistas de soluções ao alcance das próprias “A nossa prezadíssima amiga e colaboradora Fi-
mulheres. Por exemplo, perante as elevadas ta- lomena Cunha, jovem e talentosa feminista, que
xas de analfabetismo das mulheres, Filomena da no Jornal da Índia, tem publicado curiosos arti-
Cunha dirigia o seu olhar para as raparigas que gos em defesa da causa que a inclui entre as suas
já na altura tinham cursos de Liceu, Farmácia, Me- mais combativas paladinas”. E assim seria. Daí a
dicina e Escola Normal. Sugeria-lhes que se or- poucos meses, a jovem Filomena Cunha teria de
ganizassem em Associações ou Clubes, onde enfrentar pela escrita um combate pela causa da
semanalmente pudessem dar apoio a outras mu- luta pelos direitos das mulheres. Um leitor, que
lheres nas áreas que dominavam, a fim de con- se assumiu contrário à emancipação das mulhe-
tribuírem para a saúde das mulheres e sua edu- res, atacou-a diretamente pelas ideias feministas.
cação sexual: “As associadas médicas podiam, de Através da sua resposta fica-se a saber como agiam
vez em quando, fazer conferências ou demons- então alguns delatores das causas feministas, em-
trações rudimentares sobre a higiene, primeiros bora muitos desses argumentos tenham perdurado
socorros nos acidentes, tratamento das crianças, décadas. Perante a afirmação de que “as mulhe-
bebés, etc.” [Jornal da Índia, 20/02/1935, p. 1, cols. res tornavam[-se] feministas quando não viam pos-
1-3]. Filomena da Cunha procurou, sobretudo, as- sibilidade de arranjar marido”, a “paladina fe-
sinalar exemplos positivos de empenho, coragem minista de Goa” respondeu: “Isto é positivamente
e de conquistas bem-sucedidas na longa estrada deslocado. Mrs. E. Pankurst, a conhecida Sufra-
percorrida pelas feministas em prol do bem- gista inglesa de saudosa memória, era casada; ela
-estar de todos. Os escritos relatavam as lutas das e as suas duas filhas Cristabel e Sylvia foram che-
mulheres nos países do Oriente, Médio Oriente fes do Partido Sufragista Feminino. A Presiden-
e em Inglaterra, não só com intuito de serem di- ta do 12.o Congresso da Aliança Internacional para
vulgadas pela atualidade, mas, também, porque o Sufrágio Feminino foi Mrs. Ashby Corbett; e ela
as apoiava, tecendo apelos para que essas novi- é casada. Me. Halide Edib, a mulher que tanto lu-
dades revolucionárias a favor da condição femi- tou pela independência da Turquia e pelas suas
nina tivessem eco nos corações dos seus leitores compatriotas é casada e tem filhos. Existem tan-
e leitoras, procurando encorajar as destinatárias. tos outros exemplos que seria fastidioso enume-
No artigo “Ecos dum Congresso Feminista” des- rar”. A outro argumento do antifeminista, “se an-
crevia: “As vastas salas que, há poucos anos atrás, tigamente as leis restringiam a esfera de ação das
eram povoadas de sedutoras odaliscas, zelosa- mulheres, não era com o intento de as prejudicar,
mente guardadas, invadidas pelas suas modernas mas de defendê-las do poder absorvente do ho-
compatriotas, libertas dos jugos tradicionais, mem”, Filomena objetou: “Os trabalhos exte-
usufruindo direitos políticos em igualdade com nuantes e rudes como cavar debaixo do sol e da
o homem, e pelas representantes de mais de 30 chuva, cultivar a terra, ser costureira trabalhan-
nações […] A representante do Brasil, um dos paí- do até altas horas da noite, ser engomadeira, tra-
ses que como a Turquia, concedeu todos os direitos balhar horas intermináveis nas fábricas com re-
849 ROS

muneração inferior à do homem, que executa com.com/goatoday/2001/may/mattinoffaestly:html; Ru-


iguais trabalhos, não lhes eram vedados, mas só fino de Lemos [autor anónimo do artigo “O Feminismo”,
Jornal da Índia, Nova Goa, 06/08/1935, com a réplica de
os bem remunerados, esses sim, eram feitos Filomena da Cunha intitulada “Ao Antifeminista”, n.o
para os homens. Significará isto defendê-la do po- 507, 10/08/1935.
der absorvente do homem?” São dez os textos so- [L. S.]
bre a temática feminista da primeira parte do li-
vro Ao Sopro das Brisas Fagueiras do Índico: “A Rosalina Saial
mulher Moderna”; “A necessidade da instrução Atriz e cantora. Nasceu em 1896 e faleceu em
feminina”; “O movimento feminista nos países 1938. Era filha de Adolfo Sayal, ator que dirigia
orientais”; “Progresso feminista”; “As mulheres um pequeno grupo cénico que integrava os seus
na Índia”; “Conferência das mulheres na Índia”; seis filhos, ente eles Deolinda* e Lusitana Saial*.
“Conferências interessantes”; “A mulher na Ín- Depois de representar largos anos na pequena
dia Portuguesa”; “Ecos dum congresso Feminis- companhia familiar que percorria o Alentejo e
ta”; e “Ao antifeminista”. Cristina Henriques, es- o Algarve, integrou um elenco dirigido pelo ator
critora e poetisa que fez em Coimbra a apresen- Carlos de Oliveira para, em 1916, apresentarem
tação do citado livro, classificou-os como “um pe- um escolhido repertório nas Ilhas Adjacentes. Por
daço mágico de prosa, pela doce alegria que em- volta de 1918, estreou-se na revista O Dinheiro,
presta às palavras, pelo fundo sereno de uma alma de S. Rocha, música de F. Athos, no Teatro Águia
plena de optimismo, pela sábia arquitetura da pa- d’Ouro, do Porto. Distinguiu-se em Saúde e Fra-
lavra e da frase” [“Manto de mulher”, revista Mun- ternidade, O Pé de Meia, de Eduardo Schwal-
da, Coimbra, n.o 35, 1998, pp. 69-78]. Filomena bach, música de Tomás Del Negro e A. Coelho,
da Cunha deixou, além dos escritos de juventu- no Teatro S. Luís (1919), Bichinha Gata, de Er-
de, outras heranças literárias que reservou ao ci- nesto Rodrigues, Félix Bermudes, João Bastos e
clo familiar, incluindo um livro de histórias de- Lino Ferreira, música de Wenceslau Pinto e Jú-
dicado à bisneta Beatriz. O companheiro tem pre- lio Almada, e O Fado, Alegria do Bairro, entre
parado a obra Contos, Fábulas e Parábolas, uma outras revistas e operetas.
edição comemorativa para o 1.o centenário do seu Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
nascimento, que ocorreu em 2008. res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, pp.
Da autora: Colaboração no Jornal da Índia, Nova Goa, 1185-1186; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trin-
10/09/1934, 27/09/1934, 11/01/1935, 19/02/1935, dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
20/02/1935, 20/07/1935 e 10/08/1935; O Heraldo, Nova Municipal de Lisboa, 1967, p. 376.
Goa, 01/11/1930, 18/11/1930, 02/07/1931; O Indepen- [I. S. A.]
dente, 08/10/1935, 23/07/1935 e 16/06/1936; Portugal
Feminino, Lisboa, maio, 1936; Contos para Beatriz, Al- Rose Villiot
cobaça, 2005 [inédito]. v. Rosa Villiot
Bib.: Acácio Lopes Ribeiro, “Filomena da Cunha, uma
escritora feminista”, Região de Cister, Alcobaça, n.o 576,
02/09/2004; Idem, “Lembrando a escritora Feminista”, Rossana Cassano
A Voz de Alcobaça, 21/12/2005; Branca de Noronha, Por- v. Rosalina Cassano
tugal Feminino, Lisboa, n.o 69, outubro, 1935; Cristina
Henriques, “Manto de Mulher”, Revista Munda, n.o 35,
Coimbra, maio, 1998, pp.69-78; Domingos José Soares Re-
belo, Ao Sopro das Brisas Fagueiras do Índico, ed. Au-
tor, Alcobaça 1997; Domingos José Soares Rebelo, “L’ab-
bé de Faria” [trad. em inglês do artigo de Filomena da
Cunha (Mapuca-Lupa – outubro/1935)], Goans – Abroad
and in British Lands (A study), Alcobaça, Quénia, 1944;
Idem, “«Portugal Feminino» – Arauto do Feminismo Por-
tuguês nos Anos 30 do século XX”, Região de Cister, Al-
cobaça, n.o 471, 2002; Idem, No 1.o centenário de Nas-
cimento da Feminista Dra. Elina Guimarães 1904/91, Al-
cobaça, maio de 2006; Idem, Escritores goeses em prol
da Criança e da Mulher, séc. XIX/XX (apontamento his-
tórico-literário); “Ao sopro das brisas fagueiras do Índi-
co” (apreciação crítica pela Redação), A Página da Edu-
cação, Revista Mensal, Porto, http://www.apagina.pt/ar-
quivo/artigo.asp?ID=312; Mário Cabral e Sá, Pointless con-
troversies in Goa Today, May 2001, http://www.goa-
S
Sabina da Conceição Sara Rodrigues Lamarão Bramão
v. Bonequeiras de Estremoz Nascida em 1870, Sara Lamarão Bramão foi ca-
sada com D. Vasco Allen Pereira de Sequeira Bra-
Sara mão. Ficaram célebres os encontros teatrais pro-
v. Maria José de Almeida Furtado de Mendonça movidos pelo casal na sua residência da Rua da
Escola Politécnica, o Palácio Bramão, edifício se-
Sara Coelho tecentista de feição pombalina, construído em
Atriz. Nasceu a 30 de maio de 1877. Estreou-se 1760 por António Rebelo de Andrade. Remo-
no Teatro do Príncipe Real em 1897. Foi para o delado em meados do século XIX pelo 1.o con-
Teatro D. Maria II, onde fez o papel de “Adelai- de de Ceia, D. António Manuel de Meneses, pas-
de” em Sonho de Um Príncipe, peça em 1 ato, em sou para a posse da família Bramão em 1910,
verso, de Henrique Lopes de Mendonça, e Ca- onde permaneceu até meados do século XX. Ilus-
samento de Conveniência, comédia em 4 atos de tre figura da sociedade lisboeta do tempo, Sara
Coelho de Carvalho (1904). Lamarão Bramão dedicou-se especialmente à prá-
Bib.: Joaquim Madureira (Braz Burity), Impressões de tica da pintura, disciplina onde teve por mestre
Teatro, Lisboa, Ferreira & Oliveira, Lda. Editores, 1905, Emília dos Santos Braga*. Ao contrário do que
p. 483. ocorria com outras artistas do tempo, para as
[I. S. A.]
quais o abandono da pintura era normalmente
determinado pelo casamento ou pelo nascimento
Sara Graça
dos primeiros filhos, Sara parece intensificar a
Espírita. Em 24 de junho de 1921 foi eleita para
atividade artística exatamente depois dessa eta-
a direção do Centro Espírita de Braga, fundado
pa da sua vida. Será na sequência do consórcio
em 1917, que editava mensalmente a revista Luz
com D. Vasco Bramão, e do nascimento dos fi-
e Caridade, uma das publicações espíritas mais
lhos – Maria Teresa (n. 1900), Luís António
duradouras.
(n. 1900), Manuel Nuno (n. 1906), Maria Luísa
Bib.: Luz e Caridade, julho, 1921, p. 26. –, que se viria a dedicar mais ativamente à pin-
[N. M.]
tura. Desses primeiros anos do século XX data
o seu ingresso no consagrado ateliê Santos Bra-
Sara Medeiros
ga, assim como a realização das primeiras ex-
Atriz de teatro ligeiro. Entrou em Peço a Pala-
posições, que tiveram lugar ainda durante o pe-
vra!, revista de João Bastos e Álvaro Cabral, mú-
ríodo da sua formação. Contando então 38
sica de Del Negro e Alves Coelho (Variedades,
anos, começou por apresentar publicamente as
1911), A Feira do Diabo, sátira em 1 ato, prólogo
suas obras em 1908, integrada numa exposição
e 3 quadros de Eduardo Schwalbach, no papel
de “Bebé”, em alternância com Maria da Luz Ve- realizada pela professora no seu ateliê. Locali-
loso* (Apolo, 1912), nas revistas A Torre de Ba- zado em Lisboa, na Rua Pinheiro Chagas, foram
bel, de Eduardo Rodrigues, Félix Bermudes e aí apresentados alguns trabalhos das irmãs da dis-
João Bastos, música de Tomás Del Negro e Ber- tinta professora, as pintoras Virgínia dos Santos
nardo Ferreira (Apolo, 1917) e O Novo Mundo, Avelar* e Laura Santos*, assim como de outras
em 2 atos, de Ernesto Rodrigues, Félix Bermu- discípulas, que a crítica assinalava como um
des e João Bastos, música de Alves Coelho e Ven- “grupo de meninas” com obras “apreciáveis”
ceslau Pinto (Teatro Nacional do Porto, 1918). [C. A., 1908]. Em Abril de 1911, Emília dos San-
Mereceu figurar na galeria de retratos de atores tos Braga promoveu de novo um certame com
da companhia do empresário Eduardo Schwal- obras das suas alunas, desta vez no salão da Ilus-
bach, no Teatro Apolo. tração Portuguesa. Num ano em que viria ain-
da a realizar-se ali uma mostra de desenho e pin-
Bib.: Ilustração Portuguesa, Lisboa, Vol. II, 1911, pp. 280
e 476-479; “Teatros – Foi neste dia...”, O Século,
tura de António Carneiro, foi um evento insólito
07/3/1956, p. 7. no panorama expositivo de então, que se sin-
[I. S. A.] gularizou por apresentar unicamente obras das
SEG 852

que se nomeavam como “amadoras de pintura”. Segunda Guerra Mundial: mulheres inglesas re-
Numa época em que eram frequentemente ig- sidentes em Portugal
noradas, e quase sempre mal aceites pela críti- Durante a Segunda Guerra Mundial formaram-
ca, o sucesso da iniciativa acabaria por premiar -se várias organizações em Portugal, sobretudo bri-
a audácia da promotora, que durante décadas tânicas, para trabalharem no “esforço de guer-
exerceu um papel determinante na formação de ra”, algumas das quais constituídas e lideradas
dezenas de pintoras suas contemporâneas. A par- por mulheres, na sua grande maioria casadas. Isto
tir de 1913 julgamos que Sara Bramão tenha dado apesar da desaprovação inicial por parte de al-
início a uma carreira mais autónoma face ao ate- guns homens da comunidade britânica, que cons-
liê da sua formação, como de resto sucedeu com tituíram uma Comissão da Cruz Vermelha, sem
outras colegas, expondo pela primeira vez na So- a participação de qualquer mulher. A maior par-
ciedade Nacional de Belas Artes. Dedicando- te das jovens solteiras britânicas partiram para
-se em especial à pintura de retrato, logo nesse o Reino Unido quando se declarou a guerra, para
ano apresentou um considerável número de aí trabalharem em prol da defesa aliada. Uma des-
obras, nas categorias de óleo, pastel e desenho: tas organizações, fundada em setembro de 1939
D. Maria Jerónima Rodrigues, M.elle Maria Izabel pela então embaixatriz britânica em Lisboa, Lady
Bramão, A senhora Anna, Retrato da minha Te- Selby, começou por chamar-se Women’s War
Work Organization (Organização de Trabalho Fe-
resinha, A Nini e Olhando com interesse, sen-
minino a favor da Guerra), passando posterior-
do-lhe atribuída uma menção honrosa com o re-
mente a intitular-se Women’s Relief Work Or-
trato a pastel de M.elle Maria Leonor Marques da
ganization (Organização Feminina de Socorro).
Costa. Esta apresentação parece ter sido bastante Não tinha estatutos formais e foi-se desenvol-
bem aceite pela crítica. Segundo as palavras do vendo à medida que surgiam as necessidades e
célebre clínico Adriano Xavier Lopes Vieira as oportunidades. Qualquer mulher inglesa
(1846-1910), “a firmeza do traço e justeza do co- que nela trabalhasse ou contribuísse financei-
lorido que os salientaram, deixam antever obras ramente era considerada sua filiada. Uma das pri-
de maior fôlego e responsabilidade, em que se meiras atividades foi proporcionar às mulheres
expanda em todas as suas pujanças todo o seu cursos de primeiros socorros e cursos de con-
talento artístico, que é muito” [L. V., 1913]. Ape- dução de camiões. A organização estava repre-
sar de se adivinhar uma atividade promitente, sentada no Conselho da Comunidade Britânica,
ela parece no entanto interrompida logo no ano sob a alçada da representação diplomática em
seguinte. Em 1914, voltou a expor na SNBA, des- Lisboa. Em 1941, sucedeu-lhe a nova embaixa-
ta vez com um retrato de Madame Ranas Sua- triz do Reino Unido em Lisboa, Lady Campbell,
rez, A carta, Cuidados de mãe e A Maria Luiza, mulher do embaixador Sir Ronald Campbell, que
datando igualmente desse ano a realização do re- permaneceu em Portugal até 1945. Muito ativa
trato de D. Jaime Bramão. no campo social, esta criou em 1944 um fundo
Bib.: Alexandra Câmara, O Palácio Ceia na Sétima Co- com o seu nome, Lady Campbell’s Fund, tam-
lina, Lisboa, 1994; Caetano Alberto, “Uma exposição de bém denominado Lady Campbell’s Fund for the
pintura de D. Emília Santos Braga”, O Ocidente, Lisboa, Suffering Children of Europe (Fundo de Lady
n.o 1058, Junho, 1908, pp. 107-109; Décima exposição, Campbell para as Crianças Sofredoras da Euro-
Lisboa, Sociedade Nacional de Belas Artes, 1913; Décima
primeira exposição anual, Lisboa, Sociedade Nacional
pa). Lady Campbell, que visitou Portugal por di-
de Belas Artes, 1914; Exposição de pintura e desenho versas vezes depois da guerra, faleceu repenti-
das discípulas de D. Emília dos Santos Braga, Lisboa, namente em 1949, aos 69 anos de idade, durante
Salão da Ilustração Portuguesa, 1911; J. V., “A soirée em uma dessas visitas. Após a sua morte, uma an-
casa do sr. D. Vasco Bramão”, Brasil-Portugal, Lisboa, tiga colaboradora dos tempos da guerra evocou
n.o 371, 01/07/1914, pp. 168-170; L. V., “Assuntos ar-
tísticos”, Brasil-Portugal, Lisboa, n.o 348, 16/07/1913,
nas páginas do jornal The Anglo-Portuguese
p. 189; “Uma pintora portuguesa – Emília Santos Bra- News [n.o 422, 05/03/1949, p. 4] o seu grande ca-
ga”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a Série, n.o 118, risma, capacidade de liderança, sentido de hu-
25/05/1908, pp. 670-672; “A Obra de uma Artista mor, dotes na arte da costura e imensa energia
Amadora”, Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a série, e dedicação. Também trabalhou na Obra Social
n.o 268, 10/04/1911, pp. 452-455; “D. Jayme Bramão: re-
trato a óleo da distinta artista D. Sara Lamarão Bramão”, de Porto Brandão. Em 1947, o Grupo de Senhoras
Brasil-Portugal, Lisboa, n.o 368, 16/05/1914, p. 125. Polacas de Lisboa (Kolo Polek) agradeceu a rou-
[S. C. S.] pa que tinha sido oferecida no final da guerra às
853 SEG

crianças polacas refugiadas em França ou des- mulheres que aí acorriam dedicavam-se sobre-
locadas na Alemanha, através daquele fundo. Em tudo a fazer peças em tricot para os soldados bri-
1946, o fundo conseguiu enviar uma quantida- tânicos e ligaduras. A título de exemplo, numa
de considerável de alimentos para as crianças na reunião realizada no dia 20 de maio de 1940, es-
Polónia, que foram distribuídos pela Caritas po- tiveram presentes muitas mulheres que decidi-
laca. Numa assembleia-geral da Organização Fe- ram fornecer aos 28 tripulantes de um caça-mi-
minina de Socorro que se reuniu no dia 17 de nas agasalhos quentes feitos por elas, além de £5
junho de 1941, na embaixada, juntaram-se cer- por mês para que pudessem comprar outros
ca de 200 filiadas. O relatório apresentado dava “confortos”. O apelo a que mais mulheres se
conta de que, desde a fundação, as filiadas ti- apresentassem para trabalhar era feito através das
nham feito 9.222 peças de vestuário e 3.547 li- páginas do jornal inglês The Anglo-Portuguese
gaduras, as quais tinham sido enviadas para vá- News. Noutro apuramento da atividade, feito em
rias instituições no Reino Unido ou sido distri- dezembro de 1941, os números eram 14.736 pe-
buídas em Portugal entre refugiados, marinhei- ças de roupa distribuídas e 5.648 ligaduras. Em
ros naufragados ou indivíduos a trabalhar no julho de 1941, Miss Denise Lester* cedeu as ins-
apoio aos prisioneiros de guerra. Foi ainda talações da sua escola durante seis meses, para
dito que o Depósito de Roupa para os Refugia- aí formar um Centro de Convívio para Refugia-
dos, criado em abril de 1941, tinha, no espaço dos Britânicos, onde estes podiam divertir-se com
de dois meses, distribuído 2.000 peças de rou- jogos, obter livros e tomar chá. Nesse espaço de
pa novas ou usadas, oferecidas pela comunida- tempo foram servidas 5.085 chávenas de chá. No
de britânica: as 110 crianças refugiadas que ti- dia 2 de julho de 1942 a organização promoveu
nham passado pouco tempo antes por Portugal, uma grandiosa quermesse no Hotel Aviz, em Lis-
tendo ficado instaladas na Colónia Balnear do boa, onde se juntaram cerca de 700 pessoas.
jornal O Século, em S. Pedro do Estoril, tinham O dono do Hotel, Sr. Ruggeroni, ofereceu a co-
sido algumas das beneficiadas. A organização mida e estavam disponíveis os mais diversos en-
também juntava dinheiro que era posteriormente tretenimentos e jogos no pátio e nos jardins.
enviado para diversas instituições. Isobel Jeans, A festa rendeu cerca de £450. Parte do dinhei-
atriz inglesa de passagem por Lisboa, dirigiu- ro destinou-se a financiar as cantinas móveis que
-se à assembleia-geral descrevendo o “excelen- no Reino Unido eram geridas por outra organi-
te trabalho a favor do esforço de guerra que es- zação de mulheres, o Women’s Voluntary Service
tava a ser realizado em Inglaterra pelas mulhe- (Serviço Voluntário Feminino)*, que também
res”, apelando às mulheres britânicas que viviam atuava em Portugal. Em abril de 1943, a orga-
“na paz e na fartura em Portugal” para contri- nização foi encarregada de acolher os 450 pri-
buírem com o seu trabalho e o seu dinheiro. sioneiros de guerra aliados, muitos dos quais fe-
O pastor presbiteriano Dr. Bonnell, norte-ame- ridos, que foram trocados no dia 18 daquele mês
ricano, também falou, frisando o espírito ex- por igual número de prisioneiros italianos. Os
traordinário do povo britânico face à adversidade prisioneiros manifestaram grande gratidão pela
da guerra, espírito esse que, segundo ele, esta- forma como foram tratados. A organização tam-
va assente em bases espirituais. Ao longo da bém foi responsável pelo acolhimento de 900 ci-
Guerra, constituíram-se grupos em Lisboa, Sin- vis, que tinham estado em residência forçada em
tra, Carcavelos, Estoril, Coimbra, Praia da Rocha França. A partir da primeira metade de 1943 hou-
e ainda na Madeira e em Cabo Verde. Algumas ve um decréscimo significativo no número de re-
mulheres reuniam-se semanalmente para jogar fugiados britânicos que passavam por Portugal.
bridge e o dinheiro que pagavam (7$50) desti- Em 1944, chegaram a Lisboa, por via marítima,
nava-se à organização, enquanto outras se de- muitas crianças inglesas que, logo no início da
dicavam-se a vários tipos de eventos para reco- guerra, tinham sido enviadas por suas famílias
lher dinheiro. Até julho de 1942 obtiveram para os Estados Unidos da América, por razões
263.113$00 e £53. O grupo do Estoril reunia- de segurança. Era altura de regressarem ao seu
-se, a partir de 1940, diariamente, durante a se- país, mas por vezes tinham que esperar trans-
mana, das 10 às 18, na casa particular da sua pre- porte para o Reino Unido durante semanas. Cou-
sidente, Marguerite Bucknall, conhecida como be à Organização Feminina de Socorro o seu aco-
Mrs. Douglas Bucknall*, o nome do marido, que lhimento e acompanhamento durante esses pe-
residia no Casal dos Pinheiros, Monte Estoril. As ríodos. Uma destas crianças, nascidas em 1930,
SEL 854

é a política inglesa Shirley Williams, que por vá- ao destino, os campos de prisioneiros na Ale-
rias vezes ocupou lugares no governo britânico. manha. A Cruz Vermelha Portuguesa cedeu-lhe
Em 1944 organizaram, na sede do jornal O Sé- um espaço na sua sede, no Palácio da Rocha de
culo, uma exposição de obras de arte feitas por Conde de Óbidos, em Lisboa. Para custear as des-
residentes britânicos cuja venda se destinava à pesas, obteve fundos da British War Relief So-
Organização de Socorro. Outra instituição onde ciety de Nova Iorque, assim como de indivíduos
trabalhavam muitas voluntárias inglesas era o Ins- norte-americanos e de portugueses e ingleses re-
tituto dos Homens do Mar (The Seamen’s Ins- sidentes em Portugal. As encomendas continham
titute) que acolhia os britânicos ou aliados alis- sobretudo alimentação, roupas, medicamen-
tados na Marinha e que passavam por Lisboa, tos, artigos de higiene, tabaco, jogos, almofadas
aguardando escolta ou que se encontravam fe- e outros bens indicados por prisioneiros. Mrs.
ridos. Segundo escreveu Marguerite Bucknall, Ian Campbell era ajudada por voluntárias. Por
“ficavam expostos aos ardis dos agentes inimi- sua vez, alguns prisioneiros enviaram para Por-
gos que infestavam a cidade” [“Women’s Work”, tugal objetos de artesanato por eles fabricados e
The Anglo-Portuguese News, n.o 501, 01/03/1952, que foram apresentados em 1943, numa expo-
p. 12]. Em finais de 1944, estas organizações con- sição no edifício do jornal O Século, inaugura-
tinuavam o seu trabalho, enviando roupa con- da pela Sra. D. Maria do Carmo Carmona, mu-
fecionada pelas voluntárias para os homens alis- lher do Presidente da República.
tados na Marinha e também para crianças vi- Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 63, 25/05/1940,
vendo em zonas da Europa já libertadas da ocu- n.o 97, 28/06/1941, n.o 150, 02/07/1942, n.o 151,
pação alemã, como era o caso da Grécia. Em ja- 09/07/1942, n.o 202, 01/07/1943, n.o 232, 27/01/1944,
neiro de 1945, a viscondessa M. de Lantsheere, n.o 250, 01/06/1944, n.o 271, 26/10/1944, n.o 290,
08/03/1945, n.o 296, 19/04/1945, n.o 300, 17/05/1945,
da Cruz Vermelha Belga, enviou uma carta a Lady n.o 365, 04/01/1947, n.o 663, 31/05/1958.
Campbell agradecendo o envio de roupa para [A. V.]
crianças muito necessária para aliviar o sofri-
mento das crianças depois de “quatro anos de Selda Potocka
ocupação. [...] nas últimas semanas centenas de Escritora e esteticista polaca residente em Portugal.
pessoas perderam quase tudo o que tinham”. Os Divulgou, entre nós, o método de tratamento ele-
governadores das ilhas inglesas de Jersey e de troterapêutico que era aplicado no Instituto Sel-
Guernesey, que tinham sido ocupadas por for- da Potocka, situado na Rua da Emenda, em Lis-
ças alemãs, também agradeceram a oferta de rou- boa. O instituto, de que era diretora, tinha a co-
pas de bebé. Um comandante de um caça-minas laboração de um médico português de renome e
agradeceu o envio de luvas para a tripulação, afir- dispunha de numerosa clientela de senhoras que
mando serem estas “muito fortes e bem feitas”. ali procuravam formas de manter ou recuperar a
Estimou-se que as voluntárias fizeram e distri- beleza. Selda Potocka dedicou-se, também, a di-
buíram 67.000 peças de roupa durante a guer- vulgar a influência da alimentação na saúde pu-
ra. Em 1945, com o final da guerra, a Organiza- blicando, na Ilustração Portuguesa, artigos que in-
ção Feminina de Socorro cessou as atividades titulou “Como nos devemos alimentar”, cujas re-
nesse campo e passou a integrar o Serviço Vo- comendações estão, ainda hoje, cientificamente
luntário Feminino*. Outra organização foi cria- comprovadas. Escreveu Perdida, peça em 1 ato,
da por Louise Campbell, mulher de Ian Camp- representada na festa artística da atriz Maria Pia*,
bell: Prisoners of War Parcels Depot (Depósito no Teatro D. Maria II, com muitos aplausos. Tra-
de Encomendas para Prisioneiros de Guerra). duziu Carícias de Uma Noiva, de Bjornstjerne Bio-
Louise Campbell chegou a Portugal em finais de rnson, em parceria com Eduardo de Noronha
junho de 1940, como refugiada. O marido tinha [1901, reeditado em 1910]; O Dilúvio, de Henryk
sido feito prisioneiro em Dunquerque e descre- Sienkiewicz [1901], também publicado em O Pri-
veu-lhe as necessidades prementes dos prisio- meiro de Janeiro [25/05/1901 e ss.], e Hania, do
neiros de guerra. Criou o Depósito em 18 de se- mesmo autor, [1902]; Ben-Hur, de Lewis Walla-
tembro de 1940, procurando, principalmente, es- ce, e “A Queda de Constantinopla”, daquele au-
tabelecer ligações entre os prisioneiros e os seus tor, publicado no Diário de Notícias, entre
familiares e fornecer a estes encomendas indi- 31/08/1902 e 29/04/1903.
vidualizadas, as quais, a partir de Lisboa, só de- Da autora: Como nos Devemos Alimentar, Lisboa, Li-
moravam cerca de duas semanas até chegarem vraria Bertrand, 1912, publicado em artigos na Ilustra-
855 SER

ção Portuguesa, Lisboa, n.os 253, 257, 259 e ss. até ao n.o diam ser admitidas mulheres de outras nacio-
268, entre 20/12/1910 e 10/04/1911; A Arte da Beleza, nalidades desde que viessem de “países amigos”,
Lisboa, Livraria Bertrand, 1913 [c/retrato da autora]; Re-
gras e Receitas de uma Cozinha Higiénica, Lisboa, Li-
ou seja, excluíam-se as derrotadas na guerra. A
vraria Aillaud e Bertrand, 1913; Idem, Paris, Aillaud e direção era aberta apenas a britânicas. Na as-
Lisboa, Bertrand, 1918. sembleia-geral realizada em 21 de novembro de
Bib.: A. A. Gonçalves Rodrigues, A Tradução em Por- 1946, presidida por Marguerite Bucknall*, esta
tugal, 5.o Vol. 1901-1930, Lisboa, ISLA – Instituto Su- apelou para que aumentasse o número de vo-
perior de Línguas e Administração, S. A., Centro de Es-
tudos de Literatura Geral Comparada, 1999, pp. 20, 28, luntárias, dado haver grande necessidade de re-
30, 45, 51 e 139; “Figuras e Factos – Madame Selda Po- colher roupa não só para os pobres em Portugal,
tocka” [c/ retrato], Ilustração Portuguesa, Lisboa, 2.a sé- como para outros países da Europa, além de mui-
rie, n.o 169, 17/05/1909, p. 639. tas outras atividades. Marguerite Bucknall diri-
[I. S. A./N. M.] giu o Serviço entre 1945 e 1946 e entre 1948 e
1951. A partir de 1951, a organização iniciou no-
Serviço Voluntário Feminino vas atividades, como a produção de artes manuais
Esta organização inglesa, The Women’s Voluntary por parte dos seus membros. Uma exposição des-
Service, existente de início não só no Reino Uni- tas peças, inaugurada pela duquesa de Palmela
do mas também noutros países, incluindo Por- (14-17 de março de 1951), foi montada num edi-
tugal, foi fundada em Londres, em 1938, pela mar- fício pertencente à embaixada britânica em Lis-
quesa de Reading, numa altura em que já se pre- boa, tendo sido visitada por cerca de 640 pessoas.
via uma nova guerra. O grande objetivo era pres- Foram também organizados passeios a locais de
tar qualquer serviço que se revelasse necessário interesse, conferências e cursos de língua ingle-
para o bem-estar geral ou de um grupo, em par- sa para os estrangeiros recém-chegados ao país.
ticular, sempre em estreita colaboração com as Uma das fontes de rendimento durante a déca-
autoridades e outras instituições do local onde da de 50 era a venda de um cartão de Natal. Du-
as voluntárias atuassem. Tudo isto numa ótica ex- rante essa década continuaram a apoiar, com di-
tremamente prática e flexível, sem burocracias. nheiro e em espécie, diversas instituições por-
Em Portugal, iniciou funções em 1939, também tuguesas e britânicas, sendo Portugal o único país,
para ajudar o esforço de guerra britânico, e or- além do Reino Unido, onde continuava a exis-
ganizou-se em várias subcomissões, cada uma tir esta organização feminina. Nos anos 60 man-
com uma função específica: a título de exemplo, tiveram as suas atividades, promovendo também
um grupo apoiou o Hospital Inglês de Lisboa, ou- cursos de primeiros socorros. Em 1966, infor-
tro encarregou-se de visitar instituições de be- mavam no jornal The Anglo-Portuguese News que
neficência portuguesas, a fim de escolher as mais os rapazes da Casa do Gaiato no Tojal tinham uma
necessitadas de fundos e apoios. Visitaram lares grande falta de toalhas de rosto e de banho, pe-
para idosos e pessoas cegas, crianças e raparigas, dindo a oferta de “toalhas velhas”. Também se
escolas de formação, sanatórios, clínicas e cen- referia o orfanato existente em Porto Brandão, pe-
tros sociais. Por vezes, atribuíam logo durante a dindo-se às leitoras que fizessem camisolas de tri-
visita um pequeno contributo financeiro e pre- cô “de qualquer cor ou tamanho”, pois “a maior
paravam um memorando para que a instituição parte das crianças não dispõem de agasalhos”. Em
pudesse vir a ser beneficiada mais tarde. Cons- 1967, procuraram constituir um grupo de vo-
ta dos relatórios que foi com agrado que os res- luntárias para trabalhar no Centro de Reabilita-
ponsáveis e residentes nessas instituições se de- ção de Alcoitão, dado que este enfrentava uma
ram conta da preocupação de mulheres britâni- grave falta de pessoal especializado. Nesse mes-
cas pela sua sorte. As mulheres que integravam mo ano, depois das terríveis cheias de 25 de no-
outra destas subcomissões fizeram cerca de vembro, quando morreu um número nunca re-
1.500 brinquedos para serem enviados para velado de pessoas e milhares perderam os seus
crianças no Reino Unido, enquanto outro grupo haveres, juntaram dinheiro e objetos que foram
organizava festas e eventos para obter fundos. No oferecidos a 50 famílias de Barcarena e de La-
final da guerra, em 1945, esta organização ab- veiras. No início da década de 70, a organização
sorveu em Portugal a Organização Feminina de apelava no jornal The Anglo-Portuguese News
Socorro*, que se tinha dedicado a apoiar o esforço para que fossem oferecidas roupas usadas e lã,
de guerra, contando então com cerca de 250 mem- informando também os leitores de que conti-
bros, que passaram a pagar uma quota anual. Po- nuavam a apoiar senhoras idosas inglesas pobres.
SIL 856

Os alimentos recolhidos no concerto de cânticos 14/11/1980, n.o 1263, 11/12/1981, n.o 1270, 25/03/1982,
de Natal que se realizou na Igreja do Corpo San- n.o 1304, 25/08/1983, n.o 1362, 23/01/1986, n.o 1334,
22/11/1984, n.o 1391, 22/01/1987.
to, em dezembro de 1969, foram distribuídos por [A. V.]
famílias necessitadas e oferecidos ao Hospital de
Cascais. As crianças institucionalizadas no Pre- Silvéria Mafra Soler
ventório de Benfica foram levadas ao circo e or- Atriz. Nasceu em Lisboa, em 1842. Filha de Eu-
ganizou-se uma festa para as crianças da Obra So- génia de Sousa Mafra e de um modesto ator, de
cial de Porto Brandão. Em 1980, deu apoio às quem não se sabe o nome, que faleceu deixan-
crianças com doenças oncológicas internadas no do seis filhos pequenos, entre eles Silvéria,
Hospital de Santa Maria, pois estas não dispu- Luísa* e a mais velha, que viria a celebrizar-se com
nham sequer de roupões, nem estava prevista o nome de Bárbara Volkart*. As crianças ganha-
qualquer atividade para se ocuparem durante o vam algum dinheiro figurando em peças no Tea-
dia. No Natal, foi organizada a primeira festa ja- tro do Ginásio, onde eram conhecidas como os
mais realizada na enfermaria e cada criança re- “filhos da viúva”. Silvéria casou com o ator Al-
cebeu um presente. A enfermaria passou a dis- fredo Soler e foi mãe das atrizes Alda Soler* e
por de materiais lúdicos para a ocupação das Adélia Soler*. Iniciou a carreira no Teatro do Gi-
crianças. Também nessa década, recolheu fundos násio e representou, também, nos teatros da Rua
em dinheiro e em espécie para melhorar a si- dos Condes, Príncipe Real e Variedades. Fez di-
tuação do Centro de Educação de Crianças De- gressões artísticas por todo o país, uma das quais
ficientes em Mira Sintra, que se confrontava com com os irmãos João Mafra, Bárbara e outros ato-
as maiores dificuldades, sendo frequentado na al- res, colhendo êxitos em Coimbra, Figueira da Foz,
tura por 68 crianças portuguesas. Outras insti- Chaves, Vila Real, Santarém, Elvas, Portalegre e
tuições regularmente apoiadas têm sido o Lar de Olivença. Durante 16 anos integrou uma com-
Boa Vontade*, onde vivem adultos com defi- panhia itinerante.
ciência, e as casas pertencentes à ordem religiosa Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
fundada pela Madre Teresa de Calcutá. Em res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 1234;
1966, em reconhecimento dos serviços prestados, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.
a rainha Isabel II permitiu que a organização acres- XXIX, Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda.
centasse a palavra Real ao seu nome e esta foi re- s.a., p. 567; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trin-
dade, Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara
petidamente condecorada. Entre as muitas cen- Municipal de Lisboa, 1967, p. 366.
tenas de mulheres que, até 1982, aí prestaram ser- [I. S. A .]
viço, poder-se-á referir as seguintes, tendo todas
recebido medalhas por contarem com pelo me- Sílvia Cardoso Ferreira da Silva
nos quinze anos de voluntariado (havia quem já Nasceu na Casa da Torre, em Paços de Ferreira,
lá trabalhasse há 27 anos): Elizabeth Beck, Patricia a 26 de julho de 1882, e faleceu no mesmo lugar
Potier, Emily Reynolds, Mónica Rankin, Anne passados 68 anos, em 2 de novembro de 1950. Fo-
Brockhurst-Leacock, Maria Stilwell*, Violet Wal- ram seus pais D. Joaquina Emília da Conceição
ford*, Teresa Watty, Cecily Wright, Júlia Nairn. Em Cardoso da Silva e Manuel Umbelino Ferreira da
1984, foi a vez de Susan Lowndes Marques ser Silva. A mãe era Cardoso, da Casa de Manhufe em
medalhada, altura em que também fez uma Amarante, irmã de José Emídio de Sousa Cardo-
conferência sobre o tema “Portugal Desconhe- so e Sílvia, portanto, prima direita de Amadeo de
cido”. Outros nomes de voluntárias poderão ser Sousa Cardoso. O pai era o morgado do Rego (Pa-
apontados: Dora Courtel, Madge Harcourt, Win- ços de Ferreira) e de Itapacurá (Pernambuco), abas-
kie Dawson, Mary Thomas, Carol Edlmann. Em tado proprietário rural. O milho, o feijão e o vi-
2006, a organização tinha cerca de 100 membros, nho verde enchiam-lhe os celeiros e a adega em
todas voluntárias. Portugal e, no Brasil, os engenhos e moinhos de
Bib.: Ana Vicente, Arcádia, Notícia de Uma Família An- Itapacurá safrejavam anualmente 8000 a 9000 pães
glo-Portuguesa, Lisboa, Gótica, 2006; D’Arcy Orders, Wo- de açúcar, muitas toneladas de cana, e farinha de
men’s Royal Voluntary Service, Lisbon Branch, milho, permitindo a vinda de avultadas quantias
1939/1987, Monte Estoril, APN Sociedade Impressora, para o país. Sílvia foi a primogénita do casal. Teve
s.a.; The Anglo-Portuguese News, n.o 312, 09/08/1945,
n.o 363, 07/12/1946, n.o 366, 18/01/1947, n.o 496, quatro irmãos: Marieta, Ângelo, Haydée e Antó-
05/01/1952, n.o 897, 20/05/1967, n.o 903, 12/08/1967, nio. Destes, só Haydée, António, e Ângelo che-
n.o 912, 16/12/1967, n.o 968, 07/02/1970, n.o 1238, garam à maioridade. Sílvia foi para o Brasil com
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a família, de onde regressou aos sete anos. Vol- tura cunhada para Paris e Londres para comprar
tando a Portugal, aprendeu as primeiras letras no um enxoval deslumbrante. Mas o Dr. Acácio, en-
Colégio das Irmãs do Coração de Maria, no Por- tão no Brasil a tratar de negócios, faleceu ines-
to e, regressada a casa, frequentou o Colégio das peradamente e a noiva ficou por casar. A este duro
Irmãs Doroteias no Sardão. Continuou depois a golpe seguiram-se outros, nos anos seguintes. Em
educação durante alguns anos com uma jovem 1914, morreu Ângelo, o irmão mais velho. Em
professora primária da Escola de Pegas (Paços de 1918, morreram o pai e o primo Amadeo. Fez os
Ferreira) que também tinha o curso de piano. primeiros votos religiosos a 1 de abril de 1917. Em
Como todas as meninas da sua condição social 1919, esteve gravemente doente, atingida também
naquele tempo, aprendeu português, francês, pia- pela gripe pneumónica que vitimara o irmão e o
no, desenho, pintura e lavores. Pode dizer-se que primo. Os anos entre 1913 e 1919 foram certa-
recebeu uma educação esmerada que a inteligência mente, para Sílvia, tempo de revisão de vida, de
viva, a intuição fina e a sensibilidade apurada va- prioridades e de reformulação de projetos. Foi exa-
lorizaram. A sua jovem professora servia-lhe tam- tamente neste ano de 1919, após ter conseguido
bém de dama de companhia para as atividades a resistir à doença, que Sílvia começou a mostrar-
que, ao tempo, não era habitual a presença de uma -se não já como a rica herdeira disposta a casar, mas
jovem sozinha. Sílvia viveu a infância e adoles- como uma mulher decidida e completamente de-
cência de modo despreocupado e feliz. Era mui- votada ao amor de Deus e à solidariedade social.
to querida da família e de todos os que com ela Nesse mesmo ano, estava terminado o edifício
conviviam e apreciavam a sua inteligência, ale- novo do Hospital de Paços de Ferreira, mas fal-
gria e bondade. Tornou-se hábil jardineira. Cul- tava tudo o mais para este poder funcionar. Síl-
tivava flores raras e apresentava-as em exposições, via ofereceu a mobília, as roupas, as loiças, o trem
o que lhe valeu o cognome de Menina Clemati- de cozinha e assumiu os custos totais da despe-
te ou Sílvia das Clematites, por serem as clema- sa de funcionamento durante seis meses. Em 1920,
tites as flores de que mais gostava. A cultura das foi presidente da Comissão Administrativa do Hos-
flores começou por ser um gratificante prazer (o pital, passando depois para a Comissão Zelado-
primeiro prémio ganho – uma floreira de cristal ra e, a 14 de março de 1921, inaugurou a Creche
e prata – data de 1916), mas alguns anos depois, de Santo António e o Colégio de S. José de Paços
sem ter deixado de ser aprazível, estava já asso- de Ferreira. Em 1924, fez a exploração da água que
ciada à ideia de angariar fundos para as obras so- ofereceu à Câmara para uso próprio e abasteci-
ciais, conforme se depreende de uma carta data- mento público. Nesse ano ainda, riscou e estru-
da de 1920 que lhe escreveu a irmã Maria Esta- turou o jardim da vila, participando pessoalmente
nislau. Sílvia foi educada cristãmente e teste- nos trabalhos de jardinagem. Restaurou também
munhou contínuos exemplos de amor pelos po- a fachada dos Paços do Concelho. Mais adiante,
bres, doentes e perseguidos, praticados pelos pais. em 1936, doou terreno à Câmara Municipal
Não é de admirar que este amor a tenha sempre para construção do Asilo de Idosos e para a Ca-
habitado. Sabe-se da inclinação amorosa que sen- pela da Misericórdia. A ela se ficou a dever a ini-
tiu, durante algum tempo, por um primo, Phile- ciativa dos cortejos de oferendas para o hospital,
mon de Almeida, oficial da Armada, amigo e com- iniciada em 1926. A 17 de abril de 1928, fez os
panheiro de armas e de ideário político de Aga- segundos votos religiosos. A obra assistencial ini-
tão Lança, com quem participou num dos últimos ciada em Paços de Ferreira estendeu-se pelas ter-
levantamentos revolucionários, já depois de ras mais próximas e acabou por alastrar de Nor-
1926. Acabou por sair de Portugal e permaneceu te a Sul de Portugal. Fundados diretamente, ou
no exílio durante muitos anos. A inclinação sen- refundados e melhorados por ela, contam-se os
tida por Sílvia não chegou a ser conhecida do des- patronatos de Penafiel, Espinho (dois), Lisboa e
tinatário. Mais tarde, em 1913, tinha ela 31 Amadora; os lares (dois) para raparigas no Porto;
anos, foi pretendida por um outro primo, o Dr. o Internato para raparigas em Penafiel; a Casa dos
Acácio Umbelino Pereira da Silva, licenciado pela Rapazes em Barcelos; a Obra de Resgate de Me-
Escola Médica do Porto, médico em Paços de Fer- nores em Penafiel; as Sopas de Pobres em Paços
reira e rico proprietário em Maceió, Brasil. Depois de Ferreira, Penafiel e Lisboa; finalmente, na Quin-
de algumas hesitações, Sílvia acabou por aceitar ta do Bosque, na Amadora, o Patronato de San-
o pedido de casamento, após o Dr. Acácio se ter ta Teresinha e aquilo que se poderia chamar, hoje,
convertido à fé cristã. Viajou com uma prima e fu- a Casa dos Sem-Abrigo. Ali era recebida e reco-
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lhida toda a variedade de pessoas: idosos, jovens, em 1943. Mas era bastante anterior a colaboração
famílias, ciganos, todos os excluídos da sociedade da fundadora, Maria Caldeira, com Sílvia Cardoso.
que apareciam ou ela própria ia buscar. A estas Ambas tinham posto a funcionar, em Elvas, a Casa
obras geograficamente circunscritas tem de acres- de Retiros em 1936, e aberto, em 1939, a creche
centar-se ainda a sua participação decisiva em ou- da cidade. As Irmãs da Apresentação de Maria de-
tras de âmbito mais lato: no Norte, a Cruzada do dicavam-se à educação de meninas e estavam ra-
Bem, e em Lisboa, a Associação Resgate. Sílvia Car- dicadas na Madeira. Desejavam muito vir para Lis-
doso viveu num ambiente profundamente cris- boa e foi Sílvia Cardoso quem conseguiu, do se-
tão, numa época em que a fé dos católicos por- cretário de Estado, Dr. Dinis da Fonseca, a cedência
tugueses foi duramente experimentada. Não do antigo Convento de São Pedro de Alcântara,
cabe, neste momento, descrever o que se passou onde se instalaram. As Irmãs Paulinas, oriundas
a este respeito nos últimos anos da monarquia e do Brasil, queriam abrir uma casa no Porto, ao que
nos primeiros tempos do regime republicano, em o bispo da diocese se opunha por achar que não
que a campanha de maledicência e perseguição dispunham de meios económicos para se man-
à Igreja parece ter atingido um auge entre 1910 e terem. Em 1948, fundou o Patronato da Divina Pro-
1913. Mas é de referir que a contribuição de Síl- vidência, em Espinho. Estando Sílvia já bastan-
via Cardoso para a renovação da Igreja Católica te doente, o bispo telefonou-lhe no dia do ani-
em Portugal, iniciada nos anos 20, foi decisiva. versário a dar-lhe os parabéns e a perguntar-lhe
Para lhe vislumbrarmos a importância, voltemos se desejava uma prenda e qual. D. Sílvia pediu a
uns anos atrás, a 1923. Fundou então e, durante licença para a vinda das Paulinas e o prelado fez-
anos, animou a Obra dos Retiros Espirituais onde -lhe a vontade. Sílvia, através da leitura dos jor-
se formavam as elites cristãs. Abriu a primeira casa nais e das conversas que mantinha com o clero
de retiros em Sequeiros (Lousada), a que se se- e leigos empenhados, conhecia a atmosfera que
guiram outras: Gandra (Paredes), Quintela, Rua pesava sobre a Igreja e teve ocasião de observar
do Falcão no Porto, Quinta do Bosque na Ama- pessoalmente algumas situações comprovativas.
dora. A pedido dos bispos das diferentes dioce- Na Crónica da Congregação das Religiosas Fran-
ses organizou retiros repetidamente em Coimbra, ciscanas Hospitaleiras Portuguesas, publicada em
Braga, Viana do Castelo, Ponte de Lima, Valpaços, 1933, escreve-se que, no dia 15 de outubro de
Moledo, Chaves, Boticas, Guarda, Carrazeda de 1910, as religiosas do Colégio de Bairros foram in-
Montenegro, Évora, Vila Viçosa, Estremoz, Elvas, timadas a abandonar a casa: “Os fidalgos da Tor-
Torre da Marca, no Porto, Igreja de São José, em re que tinham internadas no Colégio algumas me-
Lisboa, Vila Pouca de Aguiar, Santo Tirso e tam- ninas que protegiam ofereceram o seu palacete
bém nas termas de Espinho, Vidago e Pedras Sal- para ali terem as religiosas todas”. Ficaram na Casa
gadas. Nas décadas 30 e 40, os retiros espirituais da Torre a superiora, a irmã cozinheira e outra re-
marcaram a vivência dos cristãos empenhados. ligiosa cuja família a não quis receber. Mais tar-
Por eles passaram todos os dirigentes e militan- de, algumas destas religiosas foram para o Brasil.
tes de Ação Católica Portuguesa. Outra faceta, não E no Memorial das Irmãs do Brasil pode ler-se que
menos importante, do seu contributo para a re- foram recebidas, acarinhadas e protegidas pelo
novação da Igreja encontra-se na fundação de no- Dr. Acácio, na cidade de Maceió. O dinheiro para
vos Institutos Femininos e na vinda para Portu- lançar e manter tantas obras saía, certo momen-
gal, ou instalação em novas dioceses, de outros to, da grande fortuna pessoal de Sílvia. Além de
que, não sendo ainda possível indicar datas e lo- ter recebido um terço da fortuna dos pais, rece-
cais precisos, se mencionam por ordem alfabéti- beu vultosos bens que o noivo lhe legou por tes-
ca: Criaditas dos Pobres; Irmãs da Apresentação tamento, resultantes de uma próspera cultura da
de Maria; Irmãs Concecionistas ao Serviço dos Po- cana-de-açúcar, das indústrias de tanoaria e apro-
bres; Irmãs das Dores; Irmãs de Maria Imaculada; veitamento do óleo de coco na saboaria, dos seus
Irmãs Reparadoras do Sagrado Coração de Jesus; interesses em firmas de importação. Mas tanto di-
Irmãs Reparadoras da Santa Face; Irmãs Paulinas; nheiro não chegava para tudo. Pelo rascunho de
Jesus, Maria, José; Obra de Santa Zita; Servas da uma carta que Sílvia escreveu em 1946 ficamos
Igreja; Serva de Jesus Serva de Deus; Servas de N.a a saber que, nessa altura, ela só possuía dívidas:
Senhora de Fátima. As Concecionistas ao Servi- “Há 25 anos que todos os meus rendimentos são
ço dos Pobres, em Elvas, viram os seus estatutos absorvidos nas instituições de caridade da minha
aprovados pelo arcebispo de Évora, sua diocese, terra, Paços de Ferreira. [...] Para não fechar as por-
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tas a estas instituições todo o meu rendimento se 1963, foi aprovada uma oração pedindo a Deus
gasta e não chega, tanto que tenho tido que le- a glorificação de Sílvia. Em 1983, deu-se a in-
vantar dinheiro a juros”. Os financiamentos ne- trodução oficial do processo de canonização, em
cessários vinham também da família, sobretudo sessão pública, pelo bispo do Porto e, em 1992,
do cunhado, coração e mãos abertas para tudo que foi entregue o processo de canonização à Santa
era bem-fazer. Quando em 1950 Sílvia redigiu o Congregação para a Causa dos Santos, na Santa
testamento, entregou aos cuidados dos sobrinhos, Sé, em Roma.
“sem obrigação de consciência”, as suas obras. E Fontes: Documentos avulsos do arquivo da Casa da Tor-
destinou, para manutenção do Asilo-Creche em re: textos e fotografias. Entrevistas concedidas pelos so-
Paços, os rendimentos dos bens que possuía em brinhos de D. Sílvia, Exmos. Senhores D. António,
Ferreira e em Coqueda. Só que esses bens já não D. Margarida de Lencastre e D. Maria da Eucaristia Me-
nezes e Cruz, nos anos de 1998 e 1999.
lhe pertenciam. Para lhe acudir, o cunhado já ti- Mss.: Minuta de uma carta escrita por D. Sílvia, na Ama-
nha comprado esses bens, e os respetivos rendi- dora, a 04/01/1941.
mentos, há muito que iam diretamente para o Asi- Bib.: Ângelo Alves, Uma Vida para os Outros, Sylvia Car-
lo-Creche. Dinheiro era também pedido por Síl- doso, Câmara Municipal de Paços de Ferreira, 1998; An-
via a instituições públicas e privadas, a pessoas tero de Figueiredo, O Último Olhar de Jesus, Lisboa, Ber-
trand, 1928; Arnaldo Pinho e Ângelo Alves, Sylvia Car-
amigas, desconhecidas ou sabidamente hostis às doso, 1986; Joaquim Monteiro, “Espiritualidade da Ser-
suas atividades. Sendo, cronologicamente, uma va de Deus”, Separata de Humanística e Teologia, fasc. 2,
figura da primeira metade do século XX, pode con- 1996; Moreira das Neves, O Anjo das Três Loucuras, 1997;
siderar-se uma precursora, quer pelo que fez, quer Queiroz Ribeiro, Máximas e Pensamentos, 1928; Em Me-
mória de D. Sylvia Cardoso Ferreira da Silva, Homenagem
pelo modo como o fez. É, portanto, do nosso tem- do Concelho de Paços de Ferreira, 1951; O Progresso, Pa-
po, antes de mais, pelo radicalismo das suas es- ços de Ferreira, n.os 571 e 572, de 27/04/1913 a 04/05/1913.
colhas e dos seus comportamentos. Numa épo- [I. L.]
ca em que às jovens se abriam apenas três pos-
sibilidades – casar, professar ou ficar para tia – ela Silvina Augusta de Almeida
não quis casar (embora durante muitos anos con- Prestigiada republicana e antifascista do distri-
tinuasse a ser requestada por bons pretendentes), to da Guarda. Filha de um industrial de moagem
recusou entrar numa congregação e confinar-se a e comerciante de vinhos, nasceu a 25 de julho
um quadro já feito e redutor da sua generosida- de 1915 em Santa Maria, concelho de Trancoso,
de e criatividade, e não ficou para tia, embora ti- e morreu a 6 de julho de 2008 em Aveloso, con-
vesse muitos sobrinhos a quem amava ternamente. celho de Mêda, com 92 anos de idade. Estudou
Quis ser leiga empenhada e contribuir para a for- no Colégio de Nossa Senhora da Esperança e no
mação de leigos pois, como dizia, antevia e de- Liceu Carolina Michaëlis, no Porto, matriculou-
sejava uma Igreja que não fosse apenas dos padres -se no ano letivo de 1935-1936, com 20 anos, na
e das freiras. Sonhava com leigos dedicados, ca- Faculdade de Direito da Universidade de Coim-
sados ou solteiros, jovens ou com mais anos. Foi bra, e licenciou-se em 1942. Foi ajudante de no-
para este fim que se dedicou à Obra dos Retiros tário em Vila Nova de Foz Côa, exerceu duran-
Espirituais, que iniciou em 1923, sendo apenas te várias décadas a advocacia na Mêda, Penedono
de 1927 o documento papal que os recomenda- e Foz Côa e, em outubro de 1973, assumiu as fun-
va. Quanto ao papel que desejava para os leigos, ções de delegada da Ordem dos Advogados nes-
a Igreja apontou-o no Vaticano II, já bem depois ta última povoação. A par da atividade profis-
da sua morte. Ela é ainda do nosso tempo por ter sional, evidenciou-se ainda enquanto agricultora
assumido de modo tão radical a sua condição de com ligações ao associativismo local (Frinorte,
cidadã que se adiantou aos dias de hoje no amor AgroMêda, Frutas da Mêda). No âmbito da luta
pela Natureza, pela qualidade de vida, nas ações política contra o Estado Novo, aderiu, na déca-
de solidariedade, para as quais mobilizou um vo- da de 40, ao Movimento de Unidade Democrá-
luntariado de muitas dezenas de pessoas homens tica, o que teve como consequência a proibição
e mulheres. Pouco depois da sua morte, realiza- de ocupar qualquer cargo público; apoiou, en-
ram-se duas cerimónias religiosas em sua ho- quanto mandatária local, a candidatura presi-
menagem, uma promovida pelo concelho de Pa- dencial do general Humberto Delgado, sendo re-
ços de Ferreira (1951) e a outra pela Casa dos Re- levante que este tenha ganho as eleições na fre-
tiros de Campanhã (1952). Foi-lhe erigido um mo- guesia onde residia Silvina de Almeida; e seria
numento em Paços de Ferreira, em 1953, e, em candidata suplente pela Guarda às eleições
SIM 860

para a Assembleia Nacional de outubro de tado por Luís Boulton, lhe valeu uma medalha
1969, fazendo parte, tal como o amigo e corre- de prata de composição na Exposição de Barce-
ligionário João José Gomes (26/07/1912- lona. Depois dos 45 anos, começou a escrever e
-23/05/2003), das listas da Comissão Democrá- há notícia de contos realistas e crónicas que pu-
tica Eleitoral (CDE). Após a Revolução de 1974, blicou sob o título de Ânsia de Viver, o roman-
“foi fundadora do Partido Socialista Distrital e ce O Meu Mundo, os contos humorísticos As Atri-
da secção da Mêda”, assumiu candidaturas à Câ- bulações dum Magala e O Meu Homem (este úl-
mara e Assembleia Municipal da Mêda, integrou, timo que se supõe ter ficado inédito) e poesias
“por várias vezes, listas socialistas candidatas à que apareceram, também, no jornal Jean’s Jour-
Assembleia da República” [Albino Bárbara] e, nal, Karona, Nova Iorque. A produção poética foi
pelo passado coerente e longevo de luta, de co- recolhida numa obra que denominou Cartas. Es-
ragem e de intervenção cívica e política, tornou- creveu a peça And the Panter Cried, que subiu
-se numa referência local daquele partido. à cena em The Simy Theatre and Dance Co. e que
Bib.: Albino Bárbara, “Silvina Augusta de Almeida”, Nova foi galardoada com um troféu, nesse mesmo tea-
Guarda, 09/07/2008; Henrique Manuel Costa Gariso, O tro que, em 1988, se propunha levar a público
Direito no Feminino. As Estudantes da Universidade de outras peças de Symi: A Governanta, novela po-
Coimbra Durante o Estado Novo (1933-1960), Disserta- licial, Ester, a Louca, comédia, Rir Faz bem ao
ção de Mestrado em Estudos sobre as Mulheres, Lisboa,
Universidade Aberta, 1999, Anexos I, II, III e IV; João Pal- Estômago e Eu Sou Show Comédia Humorísti-
ma-Ferreira (coord.), As Eleições de Outubro de 1969 – ca. Tinha em preparação um pequeno romance
Documentação básica, Publicações Europa-América, com o título A Pantera Negra. Como pintora, con-
1970; Mário Matos e Lemos, Candidatos da Oposição à tam-se duas exposições de pintura a óleo em In-
Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973). Um
Dicionário, Texto Editores, 2009, p. 99. glaterra, uma na Chiltern-Art Galeries e outras
[J. E.] duas nos EUA. Faleceu idosa.
Da autora: Vamp Valsa (para piano e canto), versos de
Simy Toledano Ezagüy Abrantes e Silva, Lisboa, Sassetti & Ca., Litografia Sa-
Pianista, compositora e escritora. Nasceu em Ma- les, s.a.; Amorzinho: Tango Triste dedicado a J. B. da
naus, Amazonas, Brasil, em 1910, de nacionali- Guerra Paes, versos de Augusto Toledano Ezaguy, mú-
sica de Simy Toledano Ezagüy, 2fl. not. mus. capa ilus-
dade portuguesa. Era filha de Leão Augusto Eza- trada (música para piano, impressa, danças e canções),
güy (1867-1936) e de Rica Toledano (1876- Lisboa, s.l., s.a.; Ânsia de Viver, Imp. Mirandela & Ca.
-1955), irmã de Lígia Messoly Toledano Ezagüy [1968]; O Meu Mundo, Lisboa, 1971.
e de Hydée Raquel Toledano Ezagüy. Casou, na Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 378;
sinagoga “Shaaré Tikvá”, em Lisboa, a 14 de ju- José Maria Abecassis, Genealogia Hebraica, Portugal e
lho de 1943, com Hans Joachim Watenberg, co- Gibraltar, Sécs. XVII a XX, Vol. II, Lisboa, Livraria Fe-
merciante, natural de Berlim, de quem teve três rin, 1990-1991, pp. 724-727.
filhos. Fez o curso liceal na Escola Pátria. O per- [I. S. A.]
curso musical de Simy iniciou-se com o Curso
Superior de Piano no Conservatório Nacional de Sociedade da Cruz Branca de Coimbra
Música de Lisboa, onde foi discípula de Viana da Em finais de março de 1916, perante o estado de
Mota, e terminou com a classificação de 18 va- guerra declarado entre Portugal e a Alemanha, en-
lores. Como compositora, escreveu obras para pia- contrava-se constituída em Coimbra uma co-
no, violino, violoncelo flauta e canto, que foram missão de mulheres pertencentes ao círculo de
executadas pela Orquestra Sinfónica da Emissora relações sociais do general Fernando Tamagni-
Nacional, e para recitais nos Teatros do Ginásio ni, comandante da 5.a divisão militar centrada na-
e Trindade, Salas Nobres da Liga Naval (1929), quela cidade. A comissão dirigiu um convite às
do Palácio Palmela (1931), de O Século, e em es- “senhoras” da região, tendo em vista organizar
tações emissoras de radiodifusão (Emissora Na- a assistência aos combatentes e suas famílias, per-
cional e Rádio Club Português). De entre as suas tencentes à área correspondente à divisão mili-
composições, lembremos Amorzinho e Paixão tar. A abrir a lista de subscritoras estava o nome
(1928), tangos para piano, com letra do irmão, Au- da própria esposa do general, Maria Isabel de Oli-
gusto Toledano Ezaguy, Bailarico, para violino e veira Pinto da França, o que dava um carácter qua-
piano, Prelúdio Harpa Encanto, para piano e or- se oficial à associação conhecida como Sociedade
questra sinfónica, Trio, para flauta, oboé e can- da Cruz Branca de Coimbra. Constituíram-se cin-
to, Prelúdio Oriental, para flauta que, interpre- co secções: propaganda; meios; donativos a ex-
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pedicionários; auxílio às famílias dos militares da implantação da República, cuja satisfação re-
em campanha; enfermagem. O símbolo da so- gista no seu Diário, o marido foi nomeado go-
ciedade, que as associadas usariam em forma de vernador civil de Bragança e Sofia de Freitas,
medalha, consistia numa cruz branca sobre fun- aquando de uma viagem a Lisboa em junho de
do amarelo – a cruz simbolizando a caridade cris- 1911, inscreveu-se na Liga Republicana das Mu-
tã e o amarelo a importância da medicina na san- lheres Portuguesas e na Obra Maternal e con-
grenta luta que se travava. Este símbolo foi ado- tactou com os principais políticos e governan-
tado por outra sociedade surgida em Lisboa com tes republicanos. Fina d’Armada, no livro Re-
fins idênticos: a Assistência das Portuguesas às publicanas quase Desconhecidas, dá a conhecer
Vítimas da Guerra*. Na sessão inaugural da So- o perfil desta mulher que escreveu um Diário so-
ciedade da Cruz Branca de Coimbra – 9 de abril bre os acontecimentos relevantes da sua vivên-
de 1916 – foi escolhida como presidente Maria cia, criou um livro de receitas, onde incluiu a das
Isabel de Oliveira Pinto da França, que se man- “fatias republicanas”, e se dedicou à fotografia.
teve pouco tempo à frente da agremiação, pos- Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase Desconheci-
sivelmente devido aos compromissos do seu ma- das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011.
rido, responsável pela organização da divisão mi- [J. E.]
litar que, em Tancos, se preparava para tomar parte
nos combates que se travavam em França. Subs- Sofia de Carvalho Burnay de Melo Breyner
tituiu-a a condessa do Ameal, que fazia parte da Nasceu em 1875 e morreu em 1948. Era filha dos
comissão organizadora. Como acontecia com ins- 1.os condes de Burnay e casou com o Dr. Tomás
tituições idênticas, contou com a solidariedade de Melo Breyner, que veio a ser o 4.o conde de
de diversas entidades que promoveram festas e Mafra por autorização de D. Manuel II, no exí-
quermesses e com o auxílio individual de be- lio, após a morte do irmão mais velho, em
neméritos. A mais importante festa da iniciati- 1922. Entre março de 1916 e finais de 1918 de-
va da direção da Cruz Branca foi a Festa da Flor*, senvolveu importante ação no campo do auxílio
em maio de 1917, seguindo o modelo das que ha- aos combatentes portugueses da Grande Guerra.
viam sido realizadas em Lisboa e Porto. A so- Esteve entre as fundadoras da Assistência das Por-
ciedade dinamizou cursos de enfermagem, pre- tuguesas às Vítimas da Guerra*, associação sur-
vendo a possibilidade de serem repatriados gida em março de 1916, logo após a declaração
muitos militares feridos, e concedeu subsídios às de guerra da Alemanha a Portugal (9 de março
famílias necessitadas de soldados da região. À se- de 1916). Inscreveu-se nos cursos de enfermagem
melhança do que acontecia em Lisboa, onde So- criados pela organização e que, devido a diver-
fia Burnay de Melo Breyner* organizou o movi- gências com o Governo, não tiveram seguimen-
mento das Madrinhas de Guerra*, a Cruz Bran- to. Deixou de trabalhar diretamente com esse
ca procurou que os soldados que o desejassem agrupamento, mas não abandonou o empenho na
pudessem ter uma protetora que, de longe, lhes ajuda aos militares mobilizados e suas famílias.
desse ânimo. Presidiu a uma comissão de senhoras que deci-
diram fundar a Casa Maternal, onde as esposas
Bib.: Gazeta de Coimbra, 01/04/1916, p. 1, col. 3, dos combatentes podiam deixar os filhos en-
12/04/1916, p. 1, col. 5, 15/04/1916, p. 2, col. 1,
28/04/1917, p. 2, col. 2, 30/05/1917, p. 1, col. 5, quanto trabalhavam fora de casa. Envolveu-se es-
11/08/1917, p. 1, col. 1. pecialmente com o movimento Madrinhas de
[M. L. B. M.] Guerra*, seguindo o exemplo do que se passava
noutros países atingidos pelo conflito. Em arti-
Sofia Cândida Ribeiro de Freitas culação com esta iniciativa esteve numa outra:
Republicana. Filha de Cândida Augusta Alves a organização de bibliotecas para os soldados.
Ribeiro da Silveira e de Casimiro António Ribeiro Nestes trabalhos encontrava-se em estreita co-
da Silva, nasceu a 30 de dezembro de 1865 em laboração com uma mulher de nacionalidade
Castanheiro do Norte, freguesia de Carrazeda de francesa: Jane Bensaúde*, esposa de Alfredo Ben-
Ansiães, e faleceu em Coimbra a 30 de janeiro saúde, diretor do Instituto Superior Técnico de
de 1934. Estudou no Porto, cidade onde casou, Lisboa. Não se pode separar a ação de Sofia da
a 12 de dezembro de 1885, com António Luís de sua vivência religiosa, que a levou a auxiliar os
Freitas, licenciado em Direito, e a quem acom- capelães católicos que prestavam serviço junto
panhou por várias terras do país. Na sequência dos militares em campanha. A um deles, que pro-
SOF 862

curava fundar uma casa de convívio para os sol- de Francisco Alvarenga. Atuou também em tea-
dados, enviou um caixote com “livros recreati- tros da província. Abandonou o palco e voltou
vos e bons”. Num tempo em que o anticlerica- para colaborar na Festa dos Retratos a Favor dos
lismo radical dominava no sector político, a obra Artistas Inválidos, matinée promovida pela As-
das Madrinhas de Guerra foi alvo de ataques ex- sociação da Classe dos Trabalhadores de Teatro,
tremamente violentos. Porém, a opinião públi- no Avenida, em 1923.
ca em geral era-lhe muito favorável. Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulhe-
Bib.: Avelino Figueiredo, A Cruz na Guerra (uma mis- res Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 990;
são difícil). Roteiro e impressões, Lisboa, 1960, pp. 273- António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livraria Bor-
-378; Maria Lúcia de Brito Moura, “A Assistência aos dalo Editora, 1912, p. 25; Guiomar Torrezão, Ribaltas e
Combatentes na I Guerra Mundial – Um conflito ideo- Gambiarras, série 1, Lisboa, n.o 1, 01/01/1881, e n.o 9,
lógico”, Revista Portuguesa de História, Tomo 38, FLUC, 24/02/1881, p. 70; Idem, “Através dos palcos”, 26/03/1883;
2006, pp. 63-68; Idem, Nas Trincheiras da Flandres. Com “Sofia d’Oliveira” [c/ retrato], Diário Ilustrado, 29/04/1884;
Deus ou sem Deus, eis a questão, Ed. Colibri, 2010, Mundo Teatral, Lisboa, 22/07/1923.
p. 101; Diário Nacional, 20/03/1917, p. 1, col. 3; A Opi- [I. S. A.]
nião, 21/06/1917, p. 1, col. 3, e 10/07/1917, p. 1, col. 6;
O Dia, 31/07/1917, p. 1, col. 5. Sofia de Oliveira Ferreira
[M. L. B. M.] Filha de trabalhadores rurais com muitas difi-
culdades económicas, nasceu em Alhandra, a
Sofia de Mello Breyner Andresen 1 de maio de 1922 e faleceu a 22 de abril de
v. Sophia de Mello Breyner Andresen 2010, com 87 anos de idade. Começou a labu-
tar na agricultura aos oito anos e, depois, tra-
Sofia de Oliveira balhou como criada de servir em Lisboa, onde,
Atriz. Nasceu em 1848. Era bonita, fina, tinha edu- em 1945, tornou-se, tal como as irmãs Georgette
cação, vivacidade, bela voz e talento. Estreou- e Mercedes, militante e funcionária do Partido
-se no Teatro da Trindade em 1876, num papel se- Comunista Português, entrando na clandesti-
cundário da mágica A Coroa de Carlos Magno, de nidade em 1946 – apenas um irmão não teve ati-
Joaquim Augusto de Oliveira. Em 1881, estava no vidade política ativa, o qual acabou por ser o
Teatro da Rua dos Condes onde entrou em Os único a dar apoio, com a mulher, aos pais já ido-
Bombeiros, drama em 5 atos e 6 quadros de José sos, circulando as informações com muita di-
Romano, e representou o papel de “Política” na ficuldade e morosidade, “apesar do esforço da
revista Tutti-li-Mundi, de Argus (pseudónimo de direção do partido para obter informações dos
António de Meneses), música de Carlos Araújo, familiares” [entrevista a Antónia Balsinha de
Francisco Alvarenga e Rio de Carvalho. No final 30/09/2000, p. 223]. Durante as suas várias pri-
desse ano, escriturou-se no Príncipe Real, onde sões, recusou sempre prestar quaisquer decla-
entrou em O Naufrágio da Fragata Medusa, má- rações sobre as atividades partidárias, apesar da
gica de Joaquim Augusto de Oliveira, O Quebra violência policial, incluindo a tortura. Passou,
Queixos (1883) e Demi-Monde, de Alexandre Du- primeiro, por uma tipografia do Partido no con-
mas, no Ginásio (com grande elenco). Foi para o celho da Figueira da Foz e, em 1948, ocupou
Teatro dos Recreios e agradou em A Parra (1883), com Álvaro Cunhal uma casa no Luso (Mea-
de António de Meneses, passou ao Teatro da Rua lhada), a principal habitação partidária onde,
dos Condes e ali integrou o elenco de Pim-Pam- com o pseudónimo “Elvira”, foi presa a 25 de
-Pum (1884), revista do mesmo autor, e fez festa março de 1949 com aquele e Militão Bessa Ri-
com Dominós Brancos (1884), comédia em 3 atos, beiro. A detenção deu-se de surpresa durante a
tradução de Luís Quirino Chaves. Voltou ao Tea- noite, quando todos dormiam, com a PIDE bem
tro do Ginásio, onde representou Advogados, Tra- armada e o local cercado. Levada para a sede da
viata, tragédia burlesca de José Romano, Mercú- PIDE do Porto, onde encontrou Luísa Rodrigues*
rio, paródia à peça Vénus, por Baptista Dinis, Cu- em estado grave, sobretudo do ponto de vista psí-
pido, Médicos, arranjo de Aristides Abranches, e quico, seria sujeita a persistentes interrogatórios,
Homens do Mar, drama marítimo em 4 atos de Cé- que incluíram agressões físicas e ameaças várias.
sar Lacerda. Foi ao Brasil na digressão organiza- Acabou por ser transferida para Caxias em 15
da por António Pedro, onde desempenhou o pa- de setembro, posta à disposição do Tribunal Cri-
pel principal em Niniche, vaudeville de Millaud minal de Lisboa a 21 do mesmo mês e liberta-
& Hennequin, tradução de Sousa Bastos, música da no dia 31 de outubro, por ordem do 3.o Juí-
863 SOF

zo Criminal de Lisboa, mediante o pagamento a 30 de setembro de 2000; Rui Daniel Galiza e


de caução. Defendida pelo causídico Manuel João Pina encerraram a obra Por Teu Livre Pen-
João da Palma Carlos, aquando do julgamento, samento com o seu depoimento; e João Céu e Sil-
com Álvaro Cunhal, no Tribunal da Boa Hora va ouviu-a pormenorizadamente no âmbito do
a 2 e 9 de maio de 1950, denunciou a maneira livro Álvaro Cunhal e as Mulheres Que Toma-
como foi tratada no Porto e em Lisboa, referin- ram Partido.
do-se às agressões do pide Fernando Gouveia; Bib.: Antónia Balsinha, As Mulheres de Alhandra na Re-
por sua vez, o seu advogado acusou não apenas sistência. Anos quarenta, século XX, Porto, Editora Au-
o regime e o sistema judicial, mas o próprio tri- sência, 2005; António Dias Lourenço, Vila Franca de
bunal tal como ele era constituído e modos de Xira. Um Concelho no País – Contribuição para a his-
funcionar. Sofia Ferreira foi então condenada em tória do desenvolvimento socioeconómico e do movi-
mento político-cultural, edição da Câmara Municipal de
18 meses, pena agravada para 20 meses e um ano Vila Franca de Xira, 1995, pp. 246-250; Comissão do Li-
de medidas de segurança e privada de direitos vro Negro sobre o Regime Fascista, Presos Políticos no
políticos durante três anos, por pertencer ao Par- Regime Fascista V – 1949-1951, Mem Martins, 1987,
tido Comunista, só saindo da cadeia em feve- pp. 66-68; Cristina Nogueira, Vidas na clandestinidade,
reiro de 1953. Regressou à atividade política, foi Lisboa, edições Avante!, 2011; João Céu e Silva, Álva-
ro Cunhal e as mulheres que tomaram partido, Porto,
eleita membro suplente do Comité Central no Edições ASA, 2006; João Pina e Rui Daniel Galiza, “So-
V Congresso, realizado em setembro de 1957 fia Ferreira – A prisioneira política portuguesa com mais
numa casa em S. João do Estoril, e tornou a ser tempo de detenção”, Por Teu Livre Pensamento – His-
presa, desta vez em Lisboa, a 28 de maio de tórias de 25 Ex-Presos Políticos, Lisboa, Assírio & Alvim,
2007, pp. 68-69 e 179-182; José Pacheco Pereira, Álva-
1959, juntamente com o companheiro António ro Cunhal – Uma Biografia Política – O Prisioneiro (1949-
Santo, recolhendo ao Forte de Caxias. Recusou, -1960), Vol. 3, Lisboa, Temas e Debates, 2005; Organi-
mais uma vez, prestar quaisquer declarações à zação das Mulheres Comunistas, Subsídios para a His-
PIDE. Na sequência do julgamento realizado em tória das Lutas e Movimentos de Mulheres em Portugal
maio de 1960, foi condenada a cinco anos e meio sob o regime Fascista (1926-1974), Lisboa, Edições Avan-
te!, 1994; Rose Nery Nobre de Melo, Mulheres Portu-
de prisão, mais três anos de medidas de segu- guesas na Resistência, Lisboa, Seara Nova, 1975, pp. 48-
rança, só sendo libertada a 5 de agosto de 1968, -57; A Voz das Camaradas das Casas do Partido, n.o 49,
o que a tornou a presa política com mais tem- dezembro de 1969, p. 1.
po de cativeiro: 12 anos e três meses. Nem mes- [J. E.]
mo quando a mãe faleceu, em março de 1965,
lhe foi concedida autorização para ir ao velório. Sofia de Sousa
Depois de nove anos e três meses detida, exa- Atriz. Nasceu a 28 de abril de 1877. Foi casa-
tamente o mesmo período do do companheiro, da com o ator Agostinho de Lacerda. Fez par-
casou, em novembro, com António Santo. te do elenco das companhias que o empresário
Após uma passagem pela União Soviética, vol- Luís Ruas organizou para atuar nos Teatros Apo-
tou à militância ativa: integrou, com Cecília lo, de Lisboa, e Nacional, do Porto. Nos últimos
Areosa Feio*, Maria da Piedade Morgadinho, anos de vida artística fez papéis de “caracte-
Maria José Ribeiro e Maria Luísa Palhinha da rística” em operetas e revistas.
Costa Dias*, a delegação portuguesa ao Congresso Bib.: “Teatros – Foi neste dia...”, O Século, 23/04/1961,
Mundial das Mulheres em Helsínquia, realiza- p. 5 e 28/04/1961, p. 4.
do entre 14 e 17 de junho de 1969, onde se abor- [I. S. A.]
dou as condições de vida das trabalhadoras, as
iniciativas em defesa da paz e campanhas de so- Sofia Gomes
lidariedade realizadas no país. Em Abril de 1974, v. Maria Sofia dos Santos Gomes
residia numa casa clandestina na Damaia de Bai-
xo. Usou o pseudónimo “Soares”. Rose Nery No- Sofia Margarida da Graça Afreixo
bre de Melo integrou-a no pioneiro trabalho so- Filha do pedagogo José Maria da Graça Afrei-
bre as Mulheres Portuguesas na Resistência, in- xo, natural de Lisboa e residente em Évora. Ha-
tercalando a “Biografia prisional” com o rela- bilitada para o ensino com o curso geral dos li-
to de Sofia Ferreira; Antónia Balsinha incluiu ceus, 3.o ano de Desenho do curso anterior à re-
o seu nome no estudo pioneiro que fez sobre o forma de 1886. Em 18 de março de 1890, com
papel das mulheres de Alhandra na resistência 20 anos, pretendeu ser colocada num dos no-
ao fascismo nos anos 40, tendo-a entrevistado vos Institutos Secundários Femininos, mani-
SOF 864

festando preferência por aquele em que for co- caz quanto mais elementar, simplificadora, não
locada Maria do Carmo de Jesus Afreixo, para críptica nem inteletualizante, antes elementar e
reforço moral da família. O seu pai, José Maria inteligível, de clave mítica. A nitidez vibrante
Afreixo, foi também um dos candidatos mas- do universo que constrói, o fervor e a modula-
culinos aos Liceus. Sofia faz referência a um ates- ção coesa com que o exprime conferem-lhe uma
tado de comportamento que, contudo, não está particular produtividade – como se, a cada re-
incluído no seu processo. A candidatura está as- leitura, sempre alguma coisa se acrescentasse ao
sinada por ela e pelo progenitor, que levantou seu impacto e ressonância. Entre outras coisas,
todos os documentos no ano de 1891. o universo-Sophia ensina-nos que é possível a
Mss.: ANTT, Correspondência Recebida, 2.a Repartição
unidade entre a linguagem (estética, mitologia,
– Direcção Geral de Instrução Pública, Mç. 3768, 1888. ritmo, palavras) e a prática cívica, social, afeti-
[A. C. O.] va e familiar, ambas radicando numa consciente
e ativa prática da magia poética, busca incessante
de um aumento de consciência ontológica. De
Sofia Pomba Guerra cunho senhoril, de elegância modelar e sibilina,
v. Maria Sofia Carrejola Pomba do Amaral grande parte da implacável eficácia da sua
Guerra obra literária deriva, por um lado, dessa mesma
graciosidade estilística de pitonisa e, por outro,
Sofia Santos da incansável esperança que repete. E o certo é
v. Maria Sofia dos Santos Gomes que, a essa surda mas efetiva progressão mítica
a que a sua figura vai ascendendo, não falta se-
Sophia de Mello Breyner Andresen quer a coerência programática do nome próprio
Nasceu no Porto, a 6 de novembro de 1919, e e da efígie andreseana, com o claro perfil re-
morreu em Lisboa, a 2 de julho de 2004. 1. Só cortado em doçura e gravidade, diafaneidade e
a arte é didática, diz Sophia [Posfácio a Primeiro firmeza: a forma feminina da imponência. Lídia
Livro de Poesia. Poemas em língua portuguesa Jorge resume: Sophia foi a mulher das nossas vi-
para a infância e a adolescência ]. A sua obra e das [AA.VV., A Sophia. Homenagem a Sophia
a sua vida são, como muito poucas outras, cen- de Mello Breyner Andresen, p. 68]. A mulher da
tralmente didáticas. Mãe, cidadã, intelectual e vida de Sophia foi provavelmente a sua mãe, cuja
política ativa, empenhada mesmo quando de- morte, ocorrida em 1967 (no mesmo ano em que
siludida, Sophia foi, além disso, talvez a primeira também morreu, subitamente, o irmão mais ve-
autora a integrar o cânone da história da litera- lho da poetisa, o arquiteto João Henrique de Mel-
tura portuguesa. A sua figura representa, antes lo Breyner Andresen), a abalou profundamen-
de tudo, o fulgor e a coerência de um projeto poé- te. Confessou Sophia a Jorge de Sena [Corres-
tico para a existência – um projeto que eclodiu pondência Sophia e Sena, p. 96] que a mãe, Ma-
muito precocemente e que não cessou de se apro- ria Amélia, foi uma das raras figuras de carne e
fundar e apurar. Na vida, como na obra de Sop- osso dos seus primeiros e despovoados livros,
hia, a perscrutação poética foi, literalmente, uma inspirando-lhe um “terror de te amar”, prova-
questão de consciência. Por isso, não é possível velmente semelhante àquele que a própria So-
distinguir, entre as várias facetas da sua obra e phia pode ainda suscitar em alguns dos seus lei-
da sua vida, grandes evoluções, desvios ou aces- tores. Até aos dez anos, a autora viveu no Por-
sórios: em todas se encontra a mesma unicida- to. A mistura ambiente de cultura, natureza e li-
de orgânica, o mesmo timbre de clareza e den- berdade que respirava na casa ao Campo Alegre
sidade. Sophia é, como todos os grandes poetas, do avô materno, Thomaz (nome próprio de um
a inventora de uma linguagem – uma linguagem outro irmão de Sophia), e a influência da mãe,
que, radicalmente identificada com a expe- leitora voraz, terão sido alguns dos factores do
riência do poético, é fundamento e modelo de seu precoce apego à poesia, ao ar livre e ao mo-
todo o conhecimento. Contudo, o facto de, em tivo da Casa, síntese e relicário do seu mundo
todos os planos da sua existência, ela ter sido obs- infantil, profundamente entrevisto numa espé-
tinadamente fiel a essa linguagem, será por- cie de pré-história poética. Os jardins da avó Mel-
ventura o que realmente confere à sua figura uma lo Breyner, o palacete do outro avô, João Hen-
altura pedagógica ímpar: uma verdadeira auto- rique Andresen (de ascendência dinamarquesa),
ridade. Trata-se de uma linguagem tanto mais efi- a casa e a praia da Granja, perto de Espinho, onde
865 SOP

passou os verões dos 11 aos 18 anos, constituem Mendes, Maria de Lurdes Belchior, Eugénio de
simbolicamente outros tantos horizontes refe- Andrade, Vieira da Silva (que ilustrou contos
renciais na poesia e na ficção da autora. A sua seus) e Arpad Szènes (que lhe fez o retrato). Na
alegria quase infantil de viver, que manteve qua- cena cultural portuguesa abundavam também,
se até ao fim da vida, assim como os seus inex- contudo, os seus inimigos ou falsos amigos. Sen-
plicados medos (de imagens, textos, filmes) sível, mas firme, Sophia acompanhou, ativa e
[AA.VV., Sophia de Melo Breyner Andresen. Prix muito criticamente, as movimentações, intrigas,
Camões 1999. Lumière et nudité des mots, p. 72], baixezas, manobras e projetos literários seus con-
manifestam ainda a força de resistência da ati- temporâneos. Patrocinadora das candidaturas de
tude intuitiva e a profunda recetividade ao mun- Miguel Torga ao Prémio Nobel (em 1959 e
do da infância – presentes, de resto, em toda a 1978) [Correspondência Sophia e Sena, pp. 23-
obra e em especial nas narrativas para crianças, 24 e 138-139], envolvida em projetos como os das
contadas e escritas para entreter os filhos quan- revistas Litoral (1960) e da nova Távola Redon-
do tiveram sarampo. Aos 12 anos, Sophia já es- da (1962), ou em eventos internacionais como
crevia poemas. Até aos 17 anos, frequentou o co- os da COMES, queixava-se frequentemente a Jor-
légio do Sagrado Coração de Maria, onde, no ca- ge de Sena do clima vivido no meio literário por-
derno de Latim, terá escrito: “É-me necessário tuguês, nervoso, batoteiro, aventureirista, vil, ton-
escrever poemas, é-me proibido saber porquê” to… [id., cf. pp. 36, 37, 39]. Mãe de cinco filhos,
[Entrevista ao Diário de Notícias, de 20/12/1987, lamentava, nestas décadas (de 60 e 70), o rela-
cit. por António M. S. Cunha, p. 9]. A primeira tivo afastamento da família e dos amigos mais
juventude, entre os 16 e os 23 anos, foi, aliás, a antigos [id., p. 45]. As deslumbradas estadias em
sua época poética mais prolífica. Em 1944 pu- Lagos, no Algarve, durante o verão, e as fre-
blicou o primeiro livro, numa edição de 300 quentes viagens pela Europa (sobretudo a Itália
exemplares. Já em 1940 tinham aparecido poe- e à Grécia), pelo Brasil, México e Estados Uni-
mas seus, por iniciativa de Luiz Forjaz Triguei- dos, terão podido mitigar, nesta época, o pesa-
ros, na revista Cadernos de Poesia (fundada por do quotidiano de Sophia, que a fazia confessar
Ruy Cinatti, José Blanc de Portugal, Tomás risonhamente a Sena: “ser ao mesmo tempo poe-
Kim, a que se associaram Jorge de Sena e depois ta, mulher do D. Quixote e mãe de cinco filhos
José-Augusto França). Colaborou, depois, na Tá- é uma tripla tarefa bastante esgotante” [id., p. 41].
vola Redonda (1950) e na Árvore (1951). Ao lon- Com efeito, em pleno regime salazarista, estan-
go de 60 anos, a sua obra, agraciada com nu- do o seu marido constantemente envolvido na
merosos prémios, abrangeu a poesia, a ficção, o defesa jurídica de presos políticos, Sophia par-
teatro, o ensaio, as traduções e a organização de ticipava em iniciativas não menos quixotescas
antologias literárias. Aquando da sua morte, a de ação cívica, ideológica e política, tais como
obra literária de Sophia estava traduzida em fran- a cofundação da Comissão Nacional de Socor-
cês, inglês, italiano, holandês e chinês. A auto- ro aos Presos Políticos e, em 1958, o apoio a
ra deixou inéditas algumas traduções e uma peça Humberto Delgado. A educação católica pude-
de teatro sobre os Gracos, escrita em 1968 (que, ra, nas suas palavras, predispô-la à aguda cons-
temendo a sua apreensão pela PIDE, escondeu ciência social e cívica (“na medida em que nos
tão bem que nunca mais encontrou e de que, em torna responsáveis”) [AA.VV., A Sophia. Ho-
Ilhas, de 1989, publica um pequeno “fragmen- menagem a Sophia de Mello Breyner Andresen,
to reencontrado” [Obra Poética III, 1991, p. 286]. p. 75]. Já na Faculdade de Letras estivera liga-
Já nos últimos anos, lamentava não se achar com da à direção dos movimentos universitários ca-
forças para tentar o romance (para que tinha até tólicos. E, sobretudo a partir de O Cristo Ciga-
dois esboços). No fim deste verbete dá-se notí- no e Livro Sexto (1961-62), passou também a in-
cia, que se procurou completa, da obra publicada tegrar explicitamente na sua obra a denúncia poé-
e dos inéditos. Casada em 1946 com o advoga- tica da iniquidade, do abuso e da opressão – em-
do Francisco Sousa Tavares (um dos seus pri- bora toda a sua escrita nos apareça sempre ri-
meiros críticos literários), passaram pela sua casa gorosamente norteada por uma espécie de “éti-
de Lisboa, na Travessa das Mónicas – verdadeira ca factual espontânea”, de que fala André Jolles
tertúlia de liberdade e convívio afetivo, social e [A. Jolles, Formas Simples, p. 199], aquela que
cultural –, muitos dos seus melhores amigos, “faz coincidir o justo e o possível” e em que a
como Cinatti, Menez, Casais Monteiro, Murilo justiça é indissociável da liberdade. Data de 1969
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a sua famosa “Cantata da Paz” (“Vemos, ouvimos poetisa assinala-se geralmente a especial herança
e lemos / Não podemos ignorar!”), cantada por de Cesário Verde (pelos idênticos dualismo ci-
Francisco Fanhais. Em 1970, a colectânea Gra- dade/campo, visualismo radical e busca do
des reuniu grande parte da sua poesia de inter- real); de Teixeira de Pascoaes (por um olhar ani-
venção política. Defendendo sempre que a opo- mista, metamorfoseante, profético e visionário,
sição à ditadura tinha de ser feita com lisura e pelo apelo ao regresso a um tempo latente, ini-
serenidade, o 25 de Abril foi, contudo, para So- cial, “fora do tempo”); e a sua particularíssima
phia, a experiência do êxtase: “A poesia está na leitura de Fernando Pessoa (na “sageza deceti-
rua”. Já em democracia, a experiência como de- va” de Álvaro de Campos; no olhar “transpa-
putada à Assembleia Constituinte depressa a de- rente” de Caeiro; na busca de equilíbrio “clás-
siludiu. Presidiu ao Centro Nacional de Cultu- sico” e na exatidão epigramática de Ricardo Reis)
ra e à Assembleia-Geral da Associação Portuguesa [Luís Adriano Carlos, “A geração dos Cadernos
de Escritores. E recusou o convite para exercer de Poesia”, Óscar Lopes e Maria de Fátima Ma-
o cargo de secretária de Estado da Cultura – uma rinho (dir.), História da Literatura Portuguesa 7,
recusa que, ligada ao acidente e grave doença pp. 259-261]. Para lá destas filiações de ordem
dele resultante do filho Xavier [Correspondên- histórico-literária, pode identificar-se [id., ibidem]
cia Sophia e Sena, p. 140], pôde também fun- na obra de Sophia aquilo a que podemos chamar
dar-se na sua visão crítica de uma esquerda “sui- três fases, unificadas embora pela busca do sen-
cida” e ignorante [id., p. 131], em consonância tido essencial e pela homogeneidade expressi-
com a “incompetência cultural” de um país “em va. Assim, até Mar Novo (1958), predominará a
desencontro consigo próprio”, que falhou lan- visão metafísica e panteísta, a que se juntará, des-
ces históricos tão importantes como a descolo- de Livro Sexto (1962), a atitude testemunhal, in-
nização e a reforma agrária [id., p. 139]. Para tersubjetiva e interventiva, decorrendo logica-
além da educação católica associada à precoce mente da conceção do ato poético como ato re-
consciência política, simultâneo e igualmente de- volucionário radical que estabelece a funda im-
terminante terá sido o seu contacto, ainda em plicação dos homens com a vida. A obra de fic-
criança, com os mitos e a arte grega (através da ção, em que se intricam maravilhoso e real, é
leitura de Os Velhos Contos Gregos, de Jaime Cor- igualmente impregnada de preocupações ético-
tesão e da versão da Odisseia por Leconte de Lis- -religiosas. Finalmente, em Navegações, Ilhas,
le). Este contacto aprofundou-se, depois, com a Musa e O Búzio de Cós poderão reencontrar-
frequência do curso de Filologia Clássica na Fa- -se a densidade mitopoética das primeiras
culdade de Letras de Lisboa, iniciada em 1936. obras. 2. Sophia é, dissemos, a criadora duma lin-
Quase 30 anos mais tarde, em 1963, Sophia via- guagem poética. Essa linguagem tem um desíg-
jaria pela Grécia e o seu encontro físico com o nio fundamental: capturar a totalidade, recuperar
mundo grego, longamente intuído, inscrever- a unidade inicial perdida: “caminho para a úni-
-se-ia explicitamente nos livros subsequentes – ca unidade” [“O jardim e a casa”, em Poesia, in-
desde, sobretudo, Geografia (1967). O seu ensaio serto em Obra Poética I, 1991, p. 46]. (Talvez por
O Nu na Antiguidade Clássica (1975) constitui, isso mesmo João Barrento comente: “não há poe-
a este respeito, um precioso guia estético para sia mais carregada de ideais e cheia de utopias
a leitura da sua própria obra. Já desde a primeira do que esta”) [AA.VV., A Sophia. Homenagem
série de Cadernos de Poesia (1940-41) que a Sophia de Mello Breyner Andresen, p. 54]. Poe-
Sophia se associara a projetos de vocação eclé- sia de achados deslumbrantes, parte de um com-
tica, numa espécie de ecumenismo estético promisso filosófico elementarmente fenome-
pautado pela independência crítica e pela exi- nologista (tal radicação fenomenologista, na
gência ética. Erigindo por lema “A Poesia é só sua específica expressão poética, pode talvez en-
uma!”, os Cadernos ter-se-ão constituído alter- contrar na proposta teórica de Michel Collot so-
nativa superadora da irredutível polémica na- bre a “estrutura de horizonte” a mais cabal e fe-
cional entre neo-realistas e “presencistas”. Her- liz sistematização). Mas o essencial está, pro-
deira ainda de Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé, vavelmente, menos na profundidade, rigor ou al-
da geração simbolista de Camilo Pessanha e do cance da atitude epistemológica fundadora, do
vanguardismo modernista, a geração histórico- que no fulgor simples e no poder de impacto da
-literária de Sophia é leitora ativa de Thomas, Er- expressão que eficazmente a atualiza. Apesar de,
nest Hulme, T. S. Eliot e Ezra Pound. Na obra da em certos poemas, essa sua portentosa energia
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expressiva dificilmente tolerar uma perspetiva de entre as coisas e o discurso poético: a pala-
desapaixonada, podemos, sumariamente, assi- vra “justa”, “rente ao real”, é a palavra em fal-
nalar nesta poética dois vetores fundamentais: ta, a que faz ver o invisível, mantendo-se fiel à
a sua radicação imanentista (embora Sophia se cifra obscura traçada pelas coisas. Lembra Mi-
tenha definido sempre como “muito antiteóri- chel Collot que, para Greimas, o mundo sensí-
ca” [Entrevista a Maria Maia transcrita em vel se oferece, no seu conjunto e nas suas arti-
http://www.mulheres-ps20.ipp.pt/SophiaM- culações, como uma virtualidade de sentido; e
Breyner.htm]; e a sua óbvia tonalidade mítico- que, portanto, esse mundo sensível é talvez or-
simbólica, atualizada no imaginário totalizante ganizável como uma espécie de semântica na-
e redentor que promove. Caracterizando os tural [Michel Collot, La poésie moderne et la
pressupostos orientadores dos Cadernos de structure d’horizon, 2005, p. 173]. A poesia de
Poesia [J. de Sena, “Cadernos de Poesia”, Estu- Sophia, tal como, por exemplo, a de Ponge, dir-
dos de Literatura Portuguesa I, 1981, pp. 229-234 -se-ia conseguir uma peculiar homologia entre
(texto que reproduz um artigo inicialmente pu- a espessura ou a diafaneidade das coisas e a es-
blicado em Quinta Feira à Tarde, suplemento li- pessura semântica das palavras. Diz Collot que
terário do Diário Popular, 13/11/1958)], Jorge de o jogo da linguagem nunca é puramente lúdico
Sena define a expressão poética como resultante ou autorreflexivo: jogar com as palavras é jogar
de “um compromisso entre o autor e o seu tem- com as articulações secretas do real. Não diz ou-
po, entre uma personalidade e uma consciência tra coisa Sophia: “O equilíbrio das palavras en-
sensível do mundo, que mutuamente se defi- tre si é o equilíbrio das coisas entre si” [“Arte Poé-
nem”; e concebe a poesia como relação: “a re- tica III” Obra Poética III, 1991, p. 94]. E, no seu
lação que relata e a relação que relaciona entre horizonte despojado, na coesão entre a mate-
si duas entidades”. Tal posição acentua, em cla- rialidade da palavra e a organicidade “atomís-
ra afinidade com a fenomenologia, a extraordi- tica” de cada poema, de cada obra e de toda a sua
nária proximidade entre os conceitos de poesia obra, o texto andreseano deste modo recupera
e de consciência. Para Husserl, a consciência, a sua peculiar iconicidade. Na sua densa espa-
constitutiva do real (sendo aquilo que torna pos- cialidade e elementaridade, a obra de Sophia des-
síveis os fenómenos), é sempre “relação com”, perta efetivamente no leitor uma “sensação de
instância que constrói o sentido do existente, que universo”. Convirá recordar Iuri Lotman: “[…]
se absorve na sua fusão com a exterioridade e a estrutura do espaço do texto torna-se um mo-
que, por isso, existe sempre fora de si mesma, delo da estrutura do espaço do universo e a sin-
de uma forma ou de outra em ek-stase. Esta so- tagmática interna dos elementos interiores ao tex-
breposição conceptual entre poesia e consciên- to, a linguagem da modelização espacial” [A Es-
cia revelar-se-á extremamente fecunda, no que trutura do Texto Artístico, 1978, p. 360]. A es-
a Sophia diz respeito, esclarecendo, na sua obra, pacialidade e a organicidade de paisagens e ob-
questões como a da constituição do sujeito, a da jetos constituem, em Sophia, a grande matéria
natureza do ato poético, a sua acentuada ligação do poema – onde a temporalidade muitas vezes
com o sagrado e a sua conhecida raiz imanen- se interrompe, como numa enseada aberta à pura
tista. Comecemos por esta última. Um pouco respiração, um “arfado espaço”. Por vezes, a au-
mais adiante, no mesmo texto, Jorge de Sena pro- sência de descrição e a afinidade desta poesia
clama: “é preciso que as mãos do homem e o com o discurso mítico pode levar, até, como
olhar do poeta transformem o mundo à sua ima- aponta Astier em certos poetas [Colette Astier,
gem e semelhança”. Para os fenomenologistas, “Interférences et coïncidences des narrations lit-
o fazer poético é homólogo ao fazer do mundo, téraire et mythologique”, Pierre Brunel (dir.), Dic-
pois, na linguagem poética (como na linguagem tionnaire des Mythes Littéraires, 1988, pp.
plástica do nu clássico), o ente surge como des- 1077-1084], à montagem metafísica de um ce-
vendamento a partir do Ser: a expressão do poe- nário paisagístico sem história, espécie de lugar
ta não designa uma realidade já existente; pelo atópico – como a casa ou a praia – responsável
contrário, ela cria um mundo. Escutar os poetas pela tensão lírica (e cuja narratividade é aliás,
é a missão do conhecimento, pois a palavra poé- em parte, preenchida pelo detalhe biografista, ou
tica é a única que, na sua nitidez e fidelidade ao pela intertextualidade interna). Frequentemen-
imanente, aciona uma global operação de “de- te, nesta poesia, o suporte da visibilidade espacial
salienação”. Assim se postula a compatibilida- é um referente inacessível e prospetivo, uma zona
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indefinida, como uma aura, uma franja ou um lisa e descreve com rigor e minúcia). A este res-
horizonte supra-humano (“A respiração dos peito, não será alheia a atenção explícita da au-
deuses é visível / É um arco um halo uma nu- tora à poesia de transmissão oral, atribuindo par-
vem”). Cria-se, assim, um mundo percecionado ticular importância aos aspetos suprassegmen-
de modo pré-objetivo, aberto e expectante, com tais da dicção lírica [cf. posfácio de Sophia a Pri-
os contornos difusos de uma presença inter- meiro Livro de Poesia, antologia que organizou
corpórea a que tanto o sujeito e o objeto, o poe- para a infância e juventude, e “Arte Poética V”
ta e o leitor, os deuses e os homens pertencem: em Ilhas, inserto em Obra Poética III, pp. 349-
“E uma luz cor de amora no poente se espalha 350]. A isto, que já é muito, podemos ainda acres-
/ É o sangue dos deuses imortal e secreto / Que centar a sua filiação órfica. Para Heidegger (e para
se une ao nosso sangue e com ele batalha” [“No Sophia), a linguagem terá, como destaca Clara
golfo de Corinto”, em Geografia, inserto em Obra Rocha, um poder encantatório, religando o ho-
Poética III, p. 62]. Este horizonte pode, em Sop- mem e a natureza. Todavia, e explicitamente –
hia, representar uma presença radiosa e comu- como no conto “O Silêncio”, de Histórias da Ter-
nicante ou, antes, a projeção cósmica e inabitá- ra e do Mar –, essa silenciosa experiência de êx-
vel de uma perda, como em “No alto mar” [Poe- tase estético-ontológico é, com frequência, brus-
sia, inserto em Obra Poética I, p. 49], que es- camente inviabilizada por outra experiência mais
trutura toda a totalidade significante e a envol- urgente: a do grito. A dor humana, que irrompe
ve numa singular nostalgia. De todos os modos, como uma voz da terra e destrói a unidade epi-
sempre a paisagem opera como espaço simbó- fânica e “sideral” do sujeito com as coisas, tudo
lico, área de transição entre a presença excessiva transforma em acidente absurdo e ruína irreco-
e a perda radical. Sempre fenomenologica- nhecível. O prolífico motivo da interrupção do
mente o espaço convocado constitui uma rede êxtase poético pela intempestiva intercepção do
de relações integrando o sujeito e os objetos – pre- humano (presente também em Coleridge e em
sentes ou ausentes. A pertença visceral do su- Pessoa) [Maria Irene Ramalho de Sousa Santos,
jeito à matéria do mundo rege o investimento de “Interrupção poética: Fernando Pessoa e o ‘Ku-
sentido no sensível: “Cortaram os trigos. Agora bla Khan’ de Coleridge”, Persona 9, 1983, pp. 15-
/ A minha solidão vê-se melhor” [“Soror Mariana -19] compatibiliza-se, assim, com o motivo do
– Beja” em O Nome das Coisas, inserto em Obra grito de dor, expressão elementar da rebelião –
Poética II, p. 183]. Este pensamento visual, esta o grito da integridade e da insubmissão ao de-
gramaticalidade inerente do olhar cunha um real sastre, o grito de Antígona ou o de Electra, re-
sem realismo: porque, como diz Dufrenne, sen- clamando justiça. Como Sena dissera, “o poeta
tir é experimentar um sentimento não como um é um ser capaz de ter todo o passado íntegro no
estado do meu ser, mas como uma propriedade presente e capaz de transformar o presente in-
do objeto [Phénoménologie de l’expérience es- tegralmente em futuro” [J. de Sena, “A poesia é
tétique, t. II, 1952, p. 544]. O real, de pertinên- só uma / 1940-1951”, Cadernos de Poesia, fasc.
cia ontológica, torna-se, assim, um reservatório 6, 2.a série, 1951, p. 8]. Husserl concebe, de fac-
de imagens e da sua memória – e a estrutura da to, a consciência indissociada da própria tem-
sua significação percetiva solidariza-se com a da poralidade. Frequentemente projetada, diferida
organização semântica do poema. A palavra “jus- em objetos correlativos, a subjetividade lírica an-
ta”, como se fosse a palavra das coisas, é, pois, dreseana sempre parece efetivamente encarnar
aquela que, ao mesmo tempo, as ilumina, as no- uma espécie de temporalidade difusa e inte-
meia e sublima. Mas a palavra “justa” inclui, tam- gradora. Operando uma condensação ou um es-
bém, o apelo à justiça humana, a injunção irre- pessamento da própria temporalidade, volta-
cusável da denúncia – e, daí, a inegável refe- se para o passado que retém (“Não se perdeu ne-
rencialidade desta poesia que, no entanto, parece nhuma coisa em mim”) ou para o futuro a que
habilitá-la à eternidade. Os motivos da “perpe- aspira (“Ressurgiremos”). Recusando todo o
tuação vocabular” da poética andreseana resi- psicologismo, a consciência poética assume-
dem, para Joaquim Manuel Magalhães, na ful- se como categoria una e prévia ao real que or-
gurante congruência entre a experiência histó- dena; diziam os Cadernos: “A Poesia é só
rica, a seleção lexical de tendência arcaica e a Uma!”; diz Sophia a Jorge de Sena: “não creio
tensão rítmica resultante do jogo prosódico em subjetivismos: há uma experiência que é co-
com a métrica tradicional (que este crítico ana- mum que é a experiência e por isso a reconhe-
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cemos dita de obra em obra, aprofundada de obra na sua busca: “E longínqua lhes é a própria ân-
em obra” [Correspondência Sophia e Sena, p. sia” [Poesia, inserto em Obra Poética I, p. 69].
65]. A típica tendência despersonalizante da poe- Teoricamente, poderíamos notar alguma insen-
sia andreseana radica talvez nesta noção de su- sibilidade, em Sophia, ao peso obscuro da sua
jeito como ponto de vista desencarnado, vir- própria vidência, ao inconsciente da consciên-
tualmente ilimitado e desmaterializado – como cia. É que a atitude de silenciamento da subje-
aceitando aceder a um estado de pura vidência, tividade é nesta poética, como no budismo, um
que só se revela dando a ver as coisas que vê projeto deliberado. Em numerosos poemas, re-
(“Sirvo para que as coisas se vejam”) [“As Gru- presenta-se exatamente esse estratégico propó-
tas”, Livro Sexto, inserto em Obra Poética II, pp. sito de aquietação, despojamento e desolação:
107-10]. Pode até dizer-se que, nesta poética, o “Aqui me sentei quieta / Com as mãos sobre os
sujeito só pode ser inferido pelo desdobramen- joelhos / Quieta muda secreta / Passiva como os
to projetivo de um campo de presença: uma pre- espelhos” [“Musa” em Dual, inserto em Obra
sença que é, em Sophia, sobretudo estilística e Poética III, p. 140]. Essa atitude é, afinal, a da es-
modal. O sujeito poético é um pressuposto, uma pera: “No ponto onde o silêncio e a solidão / Se
condição do poema; habitando-o como sua cruzam com a noite e com o frio, / Esperei como
casa própria, nele se encobre e dele ausenta – tal quem espera em vão, / Tão nítido e preciso era
como, para Heidegger, o Ser, sendo impensável o vazio” [“No ponto” em Poesia, inserto em Obra
e inominável, é uma condição do pensamento. Poética I, p. 75]. Tudo, no sujeito, deve calar-
Presença como nó de ausências, emulando o Ser se para auscultar o coração crescente da distância:
na sua infinita disponibilidade, entrelaçada “E o seu corpo é só um nó de frio / Em busca de
nas coisas que ilumina, nela se acentua expli- mais mar e mais vazio” [id., pp. 69-70]. O mo-
citamente a dimensão conjuntiva entre sujeito vimento alotópico da poesia desterra-o, anoite-
e objeto. A relação do poeta com o real, diz a au- ce-o, projeta-o para o horizonte, arranca-o de si
tora em “Poesia e Realidade”, é “essencialmente – leia-se, a essa luz, o poema “Que poderei” [Poe-
encontro e não conhecimento” [Poesia e Reali- sia, inserto em Obra Poética I, pp. 62-63]. Tor-
dade”, p. 53]. Sophia insiste na ideia de que o nando-se a si mesmo estranho e longínquo, sem-
divino é interior ao universo, de que o mundo pre só encontrando o longe que se afasta – é como
em que estamos é a pátria do ser, de que o divino se no próprio sujeito se convertesse “a aparição
imanente precede os deuses [cf. O Nu na Anti- sem fim dos horizontes” [id., p. 61]. Fernando
guidade Clássica] e de que o ser está na physis Guimarães faz notar que, em Sophia, a ultra-
e não, como Sócrates e Platão quiseram, no lo- passagem dos limites da evidência exterior de
gos [Correspondência Sophia e Sena, p.124]. Mas cada ser sempre acaba por manifestar o seu pro-
isso não resolve a sempre latente aporia feno- fundo vazio: “Agora sei que nada tem sentido”
menologista: apesar de ser imanente ao real, a [Fernando Guimarães, “Imaginação e intelec-
consciência, tal como o Ser, tem de estar, de um tualização: Ruy Cinatti, Sophia Andresen, Eu-
modo ou de outro, prévia a esse real, para nele génio de Andrade e Jorge de Sena”, Linguagem
se poder manifestar. Só lhe resta, por astúcia, ig- e Ideologia, 1996, pp. 147-156]. Na realidade, po-
norar-se – como se inflexivelmente assistindo à rém, a vacuidade de tudo é uma condição pré-
sua própria ausência [“Homenagem a Ricardo via do poético. É que é o vazio a face enigmáti-
Reis – V”, em Dual, inserto em Obra Poética II, ca de toda a evidência, a sua latência irredutí-
p. 123]. Em Dual, o poema V da secção signifi- vel. De uma difusa, elíptica religiosidade, a casa-
cativamente dedicada a Ricardo Reis pode ser altar é virada ao mar como os espelhos: o hori-
lido como o rigoroso programa desta subjetivi- zonte é o seu desejo e o seu sentido redentor, con-
dade poética rasa e disponível, como “um lúcido fundindo-se com o do poema: “E a redenção virá
terraço exato e branco”. Transpondo para a lírica das tuas linhas” [“Casa Branca”, Obra Poética I,
uma espécie de ilusão referencial, o sujeito cons- 1991, p. 31]. Ausência organizadora, ponto de
ciente, sede do logos, “visual até aos ossos, im- fuga em que convergem as linhas da paisagem
pessoal até aos ossos” [“Em Hydra, evocando Fer- textual e lhe constitui o limite insondável, o mar,
nando Pessoa”, em Dual, inserto em Obra Poé- como “No Alto Mar”, oferece à linguagem e ao
tica III, p.144], tende a arrasar-se, a perder es- ato poéticos a porção indispensável de inde-
pessura, a desmaterializar-se. Como um dos ho- terminação, deserção e inabitabilidade: a des-
mens caminhando à beira-mar, absorve-se todo mesura do invisível. Se, como ensinou Staiger,
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a poesia surge da intricação entre sujeito e ob- mente “aquilo que, revelando-se, encobre a
jeto [Emil Staiger, Conceitos Fundamentais da própria revelação”) é o termo usado por Hei-
Poética, 1997, pp. 59-60], o poema, em Sophia degger para designar o duplo movimento do Ser
(desde a primeira obra), não nasce da fusão to- – que se revela no ente mas, ao mesmo tempo,
tal e a priori com o mundo, dado em perfeito ime- se retira dele e por ele é encoberto. Conforme à
diatismo. Pelo contrário, nasce da perda desse verdade mas também à materialidade do mun-
imediatismo: “Nunca mais / Caminharás nos ca- do, a poesia andreseana inscreve sempre cada
minhos naturais. / Nunca mais te poderás sen- real particular num fundo geral e unificador: o
tir / Invulnerável, real e densa – / Para sempre do mistério ontológico, abertura e tecido in-
está perdido / O que mais do que tudo procuraste tersticial por onde espreita o abismo. Só de modo
/ A plenitude de cada presença. // E será sem- muito simplista podemos, pois, falar da poéti-
pre o mesmo sonho, a mesma ausência” [“Nun- ca de Sophia como a duma relação transparen-
ca mais”, em Poesia, inserto em Obra Poética I, te e imediata entre palavras e coisas. A ambição
p. 51]. Toda a profundidade supõe a instauração, ontológica de coincidir totalmente com o visí-
na superfície das coisas, de uma brecha, de uma vel transforma-se, aqui (como em Caeiro), na sim-
perda – e toda a poética de Sophia se ergue para ples aspiração a estar muito próxima dele (“ren-
resgatar essa perda. Inscrita no halo da ausên- te ao real”). O real é o que se destina a ser mag-
cia e das suas promessas, a epifania do visível nificamente falhado, poeticamente deduzido da-
encerra em si mesma o mistério da sua exterio- quele limiar libidinal e epistemológico entre o
ridade; só o poema, provisoriamente, o revela- dizível e o indizível, o visível e o invisível. Por
rá – como uma “fantástica vinda” [“Espero”, em isso, aquela aventura poética a que Maria de Lur-
Poesia, inserto em Obra Poética I, p. 24]. Na sua des Belchior chamou a “epopeia do ver” está
evidência obscura, que exige ser revelada pela sempre, como Orfeu para Eurídice, regida por
palavra poética, todos os objetos são herme- esta dupla vocação de desvendamento e ocul-
nêuticos, encerrando uma latência e uma pro- tação. O visível sempre surge envolvido na sua
messa. Marca de uma secreta alteridade, margem evasão: a auréola azul da paisagem grega, a res-
de invisível e inexplicado, face oculta, horizonte piração dos gestos escultóricos, o brilho das ilhas
interno das coisas, perpetuamente recuado e contempladas das alturas [“Ilhas II” em Mar. An-
pressentido – todos os objetos contêm o infini- tologia, 2001, p. 132], nimbadas pelo esplendor
to, como no título de Royer-Journoud [Claude e pela evanescência da sua própria distância.
Royer-Journoud, Les objets contiennent l’infini, É que, se “A verdadeira ânsia dos poetas é uma
1983]. Outra coisa não diz Sophia: “Do brilho do ânsia de fusão e de unificação com as coisas”
mar e do vermelho da maçã erguia-se uma feli- [Sophia, “Poesia e Realidade”, p. 52], esta fusão
cidade irrecusável, nua e inteira. […] Em Homero correlativa entre consciência e mundo é sempre
reconheci essa felicidade nua e inteira, esse es- prospetiva, desejante e como interdita: a invia-
plendor da beleza das coisas” [Sophia, texto bilidade da fusão é a condição da existência do
preambular a Obra Poética I, 1991, p. 7]. De fac- poema, e seu princípio estruturador. Sempre se
to, a autora representá-la-á justamente no con- veem as coisas como quem vê outra coisa [cf. “A
to “Homero” [Contos Exemplares], como língua escrita”, em Ilhas, inserto em Obra Poética III,
natural do mundo; e reconhecê-la-á igualmen- p. 328]. A promessa da passagem precária de uma
te na elegância radiosa e deslumbrada do corpo presença total exige que o sujeito viva na espe-
cósmico, o do nu grego, cuja “aguda fidelidade ra e na escuta do silêncio, para perceber a sua
à forma natural” parece escrever a palavra “ver- vibração impercetível: “Musa ensina-me o can-
dade” [cf. O Nu na Antiguidade Clássica, p. 46]. to / Imanente e latente / Eu quero ouvir devagar
Afim do sujeito lírico e igualmente afim do Ser, / O teu súbito falar / Que me foge de repente”
uma irradiação secreta (“leve tremor”, “respi- [“Musa”, Dual, inserto em Obra Poética III,
ração”, “sombra”, “rumor de folhagem”…) im- p. 140]; será esse rasgo inaudível que insinua-
pregna e precede a sinuosidade do real; me- rá o tom e traçará a medida do canto poético
diando entre interior e exterior, a forma do cor- (“Um poema é um círculo traçado à volta de uma
po – como a do búzio – pode manifestar, em si- coisa, círculo onde o pássaro do real fica preso”)
lêncio, a ressonância secreta de uma evidência: [Texto preambular a Obra Poética I, p. 7]. E, nes-
a aletheia, a alma do nu. Com efeito, “aletheia” te sentido, a viagem poética não resolve nem des-
(que significa “verdade”, mas mais originaria- vela o mistério do mundo – assinala-o. Como no
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conto “A Viagem”, o termo do caminho é o pró- ao ser. O mundo que ele busca e habita é o país
prio caminho. Se o poema aspira, em Sophia, ao da imanência sem mácula. Ele constrói uma cul-
lirismo enfeitiçante da matéria, ao sentido do sen- tura fiel ao desabrochar da imanência. Constrói
sível (“sou eu o dia branco”) [“Gráfico” em Co- uma cultura terrestre” [cf. O Nu na Antiguida-
ral, inserto em Obra Poética II, p. 173], este sen- de Clássica, pp. 82-84]. Deste modo, se o moti-
tido é sempre propriamente direção, orientação, vo do êxtase cósmico deve interromper-se,
tropismo, busca: a aparição do real alimenta- quando o grito de dor irrompe, dando lugar à ex-
-se da encenação da sua espera. A experiência pressão da perda e do sofrimento, será o moti-
da aparição imanente das coisas compreende vo grego – mitológico por excelência – a cons-
quase sempre o enquadramento cénico (e prag- tituir, em Sophia, o reservatório terapêutico das
mático) dessa aparição do real, ou da sua per- imagens e dos valores da redenção. A singula-
seguição, ou da sua passagem. Muitos, muitos ridade e a força desta poética advêm justamen-
poemas traçam, em Sophia, o dispositivo des- te, cremos, da rigorosa coesão entre a experiência
sa cena da espera, ausência, fuga, ou vestígio: “No biográfica, o universo lírico (norteados ambos por
poema ficou o fogo mais secreto / O intenso fogo uma espécie de exame poético de consciência,
devorador das coisas / Que esteve sempre mui- curiosamente esvaziado de subjetivismo) e a den-
to longe e muito perto” [“No Poema”, Mar Novo, sa invocação de um imaginário regido pelo im-
inserto em Obra Poética II, p. 89]. Assim, a an- pulso da síntese, pelo desígnio do resgate da uni-
dreseana apologia da imanência funciona, mui- dade. Essa coesão é já, em si própria, sinal se-
to frequentemente, no modo da perscrutação guro do êxito deste desígnio. De facto, a relação
atenta, mas passiva, do sussurro segregado pelo vital com as coisas é constitutiva, ao mesmo tem-
real evidente e intuído, que tem como fonte um po, do ato poético e desse imaginário redentor.
qualquer ponto fixo obscuro, donde se “sus- A matriz eminentemente relacional da feno-
pendem” secretamente os poemas, ecos surdos menologia em que se apoia esta poética voca-
e fugitivos das coisas. Eurídice ou Medusa in- ciona-a, aliás, para a atualização de um sistema
contemplável, só a paciente sintonização com o de imagens justamente assente nas ideias de re-
universo, a adesão empática e apoteótica com o lação, mediação e ligação. A positividade es-
ambiente pode captar a vibração e os ritmos des- perançosa de Sophia rege-se pelas estruturas agre-
ta aparição e deste canto; só essa operação pa- gadoras de um regime sintético, com a sua ten-
ciente de sincronização, de uníssono, pode re- dência para a condensação e a mediação entre
produzir o seu recorte e a sua congruência. A ati- polaridades, com a sua ontologia da iniciação,
tude poética seria, então, sobretudo, uma atitu- do devir e do regresso, as suas imagens e a sua
de propiciatória, uma focagem empática do sintaxe unificadoras, a sua busca de regeneração
real, uma forma estética da foucaultiana “in- do tempo e de refundação do mundo. Em So-
terpretação intrínseca” – seleção de um núme- phia, a utopia redentora é uma alotopia poéti-
ro limitado de elementos, aspetos ou categorias ca. 3. A primeira das estruturas integradoras é
(de preferência materializados familiarmente em o corpo humano, símbolo dos símbolos: “no cor-
mitos ou referências greco-latinas, eles próprios po humano o artista grego lê a ordem do mun-
já uma espécie de linguagem), que ascendem ao do onde está” [cf. O Nu na Antiguidade Clássi-
estatuto paritário de signos. É justamente este úl- ca, p. 6]. A poética de Sophia compreende, tam-
timo, pensamos, o caso da sua peculiaríssima bém e talvez antes de tudo, uma estética do
apropriação didática dos valores estético-filo- orgânico, justamente naquilo que o corpo hu-
sóficos da Grécia: “A Grécia recomeça sempre mano tem, à imagem do sujeito lírico, de duc-
que alguém busca a sua aliança com a imanên- tilidade plástica e de permeabilidade à encar-
cia e com o aparecer das coisas. Sempre que al- nação do sentido. Podem mesmo, à maneira de
guém crê que o aparecer pertence ao ser. [...] Burke, enumerar-se as categorias e as qualida-
A Grécia recomeça sempre que reconhecemos des estéticas da corporalidade lírica andresea-
como verdade, e não como exílio, como alheio, na, investidas na sua leitura do nu grego e da sua
como alienação ou ilusão, o mundo em que es- decantada physis. Em primeiro lugar, o háptico
tamos. Sempre que buscamos uma relação com [Michel Collot propõe o termo haptinomia (a
a terra em que nada de nós se demita, adie ou “ciência das carícias”), Le Corps Cosmos, 2008,
transfira. [...] Porque para o grego o ser está na p. 99], ou táctil. O nu representado por Sophia
physis. Para ele o aparecer, a aparência, pertence é liso (ou “deslisado”), perfeito no seu acaba-
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mento que tenta captar a textura da carne e da phia trincava rosas, tentando absorver delas, ma-
pele [cf. O Nu na Antiguidade Clássica, pp. 26, gicamente, o elixir da alegria florida [cf. Ale-
32, 37], arredondado, sem ângulos nem arestas, xandra Lucas Coelho, “Oitenta rosas para So-
de uma continuidade sinuosa e, por vezes, de phia”, Público, 06/11/1999], cedo terá aprendi-
uma solidez fluida, quase evanescente. Depois, do a abandonar essa via rápida e branca. A sua
as formas e dimensões: grandes corpos longos obra, projetada embora para a aurora apoteóti-
e plenos, de amplas curvas e claros volumes, ou ca do fim, é um hino à via humana da obra ao
finos e esguios – a caminho da abstração e da negro, que exige a duração, a redenção da tem-
assepsia, manifestadas na sua força limpa e nua, poralidade, a busca da regeneração do tempo e
ideal aplicação da forma perfeita, o cânone, a da refundação do mundo, o trabalho obstinado
geometria que está no real [id., p. 65]. Agora, o de integração dos contrários, o conhecimento das
movimento: ora evocando o ímpeto, a trans- sombras. Desde logo assistimos, na sua poesia,
bordância e a veemência [id., p. 57], ora a tran- à elementar tendência dualista, implicando o cru-
quila exalação – ora, como no caso da Vénus de zamento e a condensação dos elementos em po-
Cnido, encarnando a síntese física da opulên- laridades, expondo a contiguidade e a co-pre-
cia longilínea, da solidez sinuosa, do ritmo, da sença dos opostos. Tal como o nu grego obede-
claridade carnal. O campo de presença dos cor- ce à lei do quiasmo, assim reflete esta poesia a
pos esculpidos (como nas paisagens, a sua “res- harmonia buscada a partir dos contrários. A du-
piração”) confere-lhes uma misteriosa qualidade plicação é, aqui, a figura literalmente central: tal
de doçura e grandeza radiosa. Essa “atenta cla- como as duas águias que assinalam um centro
ridade”, a que se junta por vezes a intensidade perdido, Apolo e Diónisos, caos e cosmos, lu-
vibrante do movimento que os parece animar, cidez e delírio partilham os espaços. Como as-
é indissociável da misteriosa energia, simulta- sinala Miguel Serras Pereira [Miguel Serras Pe-
neamente material e imaterial, humana e divi- reira (1995), p. 62], o cânone (a regra) é sempre
na, que os atravessa. De todos os modos, este cor- em Sophia acompanhado do caos, da indeter-
po mediado pela escultura – e que assim per- minação, da incerteza e da efervescência onto-
mite, portanto, um investimento erótico como lógica do real. Disse Sophia a Jorge de Sena, ex-
que sublimado – é uma síntese privilegiada de plicando o título do seu próximo livro, Dual:
três aspetos que regerão todo o desenvolvimento “para mim não significa só serem dois a falar mas
das imagens em Sophia, no seu “acordo com o também, porque o dual é uma forma arcaica que
terrestre”. Por um lado, pela convocação de to- só quase Homero usa, a tentativa de uma fala ar-
das as qualidades da corporalidade natural, a caica para uma relação arcaica com o mundo. En-
imagem do corpo reproduz o timbre globalizante joei os modernismos” [Correspondência Sophia
e “atomístico” do imaginário andreseano, em e Sena, p. 119]. Em Sophia, esse dualismo “ar-
que o individual se integra no todo sem se per- caico” não é antagónico, mas dialético e totali-
der nele [id., p. 66]. Por outro, constituindo a zante: “Na nudez da luz (cujo exterior é o inte-
figuração da unidade entre físico e moral – rior) / Na nudez do vento (que a si próprio se ro-
“como se o seu corpo fosse a sua alma” [cf. “A deia) / Na nudez marinha (duplicada pelo sal)”
Casa do Mar”, Histórias da Terra e do Mar, p. [“Sunion”, em Geografia, inserto em Obra Poé-
73] –, o corpo grego repudia a rutura platónica tica III, p. 63]. Desde o primeiro livro se afirma
entre ser e aparência e exalta a arethé, a cultu- que toda a beleza tem um monstro em si sus-
ra da possibilidade humana [cf. O Nu na Anti- penso [“Fundo do mar”, em Poesia, inserto em
guidade Clássica, p. 85], o resgate da sua con- Mar. Antologia, I, p. 23]. É de notar, porém, que
dição. E, finalmente, o corpo esculpido, na sua se trata aqui de um dualismo que se resolve, afi-
busca da geometria, do número e da proporção, nal, na apologia da multiplicidade e da diver-
da forma essencial inscrita no real, é uma me- sidade do vivo. De facto, a flor dos acasos, a er-
táfora do desenvolvimento do verso, represen- rância, típicas da navegação manuelina, asso-
tando simbolicamente o seu elemento central: ciam-se nesta poesia à apologia da inteireza e vee-
o ritmo, a reiteração motívica, a regeneração e mência do possível [“Deriva – XVII”, em Nave-
a continuidade. O corpo pode encarnar, em Sop- gações, inserto em Obra Poética III, pp. 255, 277].
hia, muito para além (ou aquém) de um pensa- Assim como, nas estátuas, o matinal vive no mais
mento filosófico, uma semântica da imagem: a antigo, e nelas se cruzam as linhas vertical e ho-
da resistência à aniquilação. Se, em criança, So- rizontal, assim, em Tripoli, se cruzam “muitos
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e diversos mundos”, coexistindo com a recita- p. 137]. O poema “Olímpia” – raríssima e clara
ção, em fundo, da palavra una e imensa de um representação referencial de um encontro eró-
Deus desolado [“Tripoli”, em O Nome das Coi- tico ocasional e frustrado – une, na imagem do
sas, id., p. 231]; assim o navegador modula no corpo masculino erotizado, os símbolos longi-
mar o seu olhar, entre luz e sombra, reais penedos líneos das colunas e a referência taurina (mais
e vagas, e míticas caudas de dragões [Deriva – uma vez, na testa, evidentemente) [“Olímpia”,
XI”, em Navegações, id., p. 271]; e, inebriado pelo em Ilhas, id., p. 312]. E “Enquanto longe diva-
múltiplo, guarda a reverência ao Deus uno gas”, de O Nome das Coisas, é um poema be-
[“Os Navegadores”, em Ilhas, id., p. 307]. Tal líssimo onde a repetição, o recomeço, a cadên-
como, na escultura grega, o elemento irracional cia, a alternância e a oscilação são, simultanea-
reivindica por vezes o princípio de violência e mente, os movimentos da cópula e os do verso
rebeldia, assim no poema o ritmo e o contorno [id., pp. 202]. Bem pode Jorge de Sena avisar a
clássicos devem equilibrar, mas não calar, o tu- amiga sobre “uma violência e um erotismo que
multo da vaga e da dança (a dança das Ménades). estão escondidos em ti e que temes em ti mes-
Mesmo em “A Casa do Mar”, um dos quartos é ma” [Correspondência Sophia e Sena, p. 128]…
habitado por Diónisos. Quanto ao poeta, reco- Isto, porque Sophia antes lhe criticara a violência
menda-se que, como João Cabral de Melo Neto da linguagem de Exorcismos: “Mas não concordo
ou qualquer outro “poeta clássico”, sempre re- com aquilo a que chamas ‘chamar as coisas pelo
cupere a memória da morte, atinja por vezes a seu nome’. Pois não é o seu nome mas só a lin-
alucinação feroz e conheça, como a sua mão es- guagem inventada pelas sinistras e raivosas frus-
querda, a companhia da ausência, do conflito e trações do machismo. A civilização ocidental
do desastre [cf. “Um poeta clássico”, em Geo- traiu a imanência. Talvez essa traição tenha co-
grafia, “O opaco”, em O Nome das Coisas e “De- meçado em Sócrates e Platão que a beberam na
dicatória da terceira edição do Cristo Cigano a ‘Sabedoria da Ásia’. O ser deixou de estar na phi-
João Cabral de Melo Neto”, em Ilhas, todos in- sis [sic] e passou a estar no logos. A gente da Ín-
sertos em Obra Poética III, pp. 74, 237, 337-338]. dia quis sempre passar para o outro lado da na-
O mal e a morte têm muitas faces: desde a de Pyt- tureza. A phisis era ilusão e aparência para o ho-
hon (o mal oculto que ressurge “onde germina mem indiano – o que veio labirinticamente de
calada a podridão”) [“Porque”, em Mar Morto, Platão para o cristianismo. E começou a trans-
inserto em Obra Poética II, p. 71], à memória de cendência. A fidelidade à imanência tornou-
Treblinka ou Hiroshima [“Não te esqueças nun- -se pecado. O homem deixou de ser um com o
ca”, em Ilhas, inserto em Obra Poética III, p. 290], seu corpo, e com a mulher. As palavras que sig-
ao desacontecer exilante em Vila d’Arcos (do nificam sexo transformaram-se em palavrões –
conto homónimo) [Histórias da Terra e do Mar, não significam sexo mas não-identificação do ser
pp. 127-131], igual ao de Lisboa, antipátria da com sexo. Significam divórcio. Usá-las é aceitar
vida [“Deriva – XV”, em Navegações, inserto em esse divórcio” [id., pp. 123-124]. “Irmão do lí-
Obra Poética III, p. 275], até ao tempo desper- rio e da concha é o nosso corpo / […] irmão do
diçado na cidade pelas Fúrias do quotidiano universo é nosso corpo / […] justa é a forma do
[“Fúrias”, em Ilhas, id., pp. 343-344]. Pode ser, nosso corpo” [“Os dias de Verão”, em Dual, in-
mesmo, a de Eros, canonicamente figurado serto em Obra Poética III, p. 139] – um poema
pelo vento, que espalha e desfaz a inteireza da erótico de Sophia nega esse divórcio e expande,
rapariga que caminha, como uma koré viva [“A até ao cântico hierogâmico, a união física. A ama-
rapariga e a praia”, em Dual, id., p. 138]. Eros sol- da ideal de Childe Harold, representada num
ta as feras: o erotismo, em Sophia, utiliza um bes- poema de Musa [“Childe Harold – Canto Quar-
tiário muito restrito. Uma figuração recorrente to”, em Musa, 1994, pp. 32-35], detém a capa-
de Eros é o toiro, ou o Minotauro, na sua face lar- cidade de conciliar os opostos e de os exaltar.
ga e baixa como a de Antinoos ou Neera; inci- Fará o mesmo a narradora do conto “O Silêncio”,
dentalmente, a pantera, figuração de Diónisos de Histórias da Terra e do Mar, em clara oposi-
[“Homenagem a Ricardo Reis – VII” e “Ariane ção à protagonista que a antecedeu noutro
em Naxos”, em Dual, id., pp. 125 e 153]; outra, §conto do mesmo volume. Mostrando algumas
frequente, é a do cavalo – que, associado ho- analogias com a história da peça O Colar, esse
mericamente à onda, lhe corresponde na sua rit- conto, “História da Gata Borralheira” (onde
micidade erótica [“Fechei à chave”, em Dual, id., não faltam os bailes, o príncipe e um intrigan-
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te mistério de sapatos), é outra fábula moral: uma tados”). A latência e o tempo morto do simbóli-
gata borralheira liberta-se da penumbra e do bor- co enterramento detêm, em Sophia, frequentes
ralho à custa da sua integridade. A questão fun- alusões vegetais: a simbologia do poder engen-
da é a da mitificação da beleza e da exasperação drador da semente permite à planta renascer da
feminina pelo humilhante sentimento de infe- morte. Assim, uma amiga morta: “Aquela que
rioridade estética e económica. Incapaz de re- agora jaz / Como semente no chão / Ergue no ven-
solver o seu problema identitário pela assunção to seu riso / Transpõe a destruição” [“Maria Na-
plena da sua feminilidade ontológica (estética, tália Teotónio Pereira”, em Dual, inserto em Obra
erótica, poética, moral), a protagonista é presa Poética III, p. 165]. Da mesma forma o repete a
de um complexo narcisista que resolve, como infância comum evocada em “Carta a Ruben A.”
Mónica, de Contos Exemplares, pelo sábio cal- [em O Nome das Coisas, id., pp. 232-233], com
culismo. A inviabilização do encontro da mu- todos os seus rododendros, dálias, camélias, fru-
lher consigo própria e a sufocação do apelo da tos, roseirais, musgos, tílias, morangos, muguets,
poesia, que um casamento hábil substitui, cor- cerejeiras: “Buscarei como oferta a infância an-
responde, neste conto, à inviabilização da união tiga / Que mesmo tão distante e tão perdida /
autêntica entre a mulher e o homem. Já Móni- Guarda em si a semente que renasce”. A com-
ca – no conto homónimo, o mais sarcástico e cla- pensação, transmutação e eufemização da mor-
ramente contundente dos Contos – tem o seu te, através do prolongamento vegetal e da con-
exato reverso em “O Homem”, da mesma obra. tinuidade circular das estações, é um motivo
A figura crística desse “homem” corresponde, para-narrativo que vem, em Sophia, já desde os
nesta poética, à representação cerimonial do sa- anos 40: “Quando o meu corpo apodrecer e eu
crifício, da condição dolorosamente humana – for morta / Continuará o jardim, o céu, o mar, /
e, em última análise, da redenção por essa mes- E como hoje igualmente hão-de brilhar/ As qua-
ma via sacrificial. Para além de todos os preceitos tro estações à minha porta. […] Será o mesmo bri-
estéticos, a verdade é que o único cânone que lho, a mesma festa / Será o mesmo jardim à mi-
Sophia explicitamente adota (no poema “Câ- nha porta, / E os cabelos doirados da floresta, /
none”, de Musa) é precisamente dessa mesma Como se eu não estivesse morta” [“Quando”, em
natureza: o cânone do sacrifício de um salvador Dia do Mar, inserto em Obra Poética I, p. 145].
de estatura antropológica (Cristo) que, depois da Se todo o motivo vegetal traz consigo a promessa
dor e da morte, partilha a ressurreição com to- da ressurreição e o tema, tão andreseano, da es-
dos os homens [id., p. 38]. Os heróis crísticos des- pera (tingida, por vezes, de messianismo), é por-
te imaginário encarnam, preferencialmente, em que articula, em si mesmo, um modo caracte-
Orfeu, Diónisos e, curiosamente, Endímion, risticamente esperançoso de pensar o tempo, nas
com as suas funções mediadoras, a sua descida suas eternas ciclicidade e duplicação, nos seus
ao inominável, a sua mítica e dual sexualidade eternos devir e retorno. O cânone arquetípico do
(como convém aos heróis da unidade), o seu sa- ciclo (nas suas fases infinitamente repetidas de
crifício, o seu despedaçamento (associado à de- vida, sofrimento, morte e ressurreição) constrói
voração: lembremo-nos da Última Ceia) – e a sua uma narrativa mítica das origens e da história:
ambígua ressurreição. “E buscamos um deus que nela se sucedem a inicial vitória sobre o caos, a
vença connosco a nossa morte [“Senhora da Ro- posterior união criadora, seguida da perda e da
cha”, em Geografia, inserto em Obra Poética III, final reunião (ou religação). Outra coisa não con-
pp. 15-16]: eis a fantasia da morte da morte, cujo tam “Crepúsculo dos deuses”, “Ali, então”,
arcaico ritual se repete pela permanente desci- “Grécia – 72” e “Depois da cinza morta destes
da purificadora a si mesmo, pela metamorfose, dias” [cf. respectivamente Obra Poética III, pp.
renovação e renascimento. É a “dança do ser”, 70, 58 e 182; Obra Poética I, p. 159]. A ressur-
dirá outro poema [“O Minotauro”, em Dual, id., reição simbólica é assim, em si própria, subli-
pp. 147-149], explicitamente atribuindo ao poe- mada – é uma espécie de ressurreição em 2.o
ta a natureza daqueles “cujo ser/ Sem cessar se grau, oculta no gesto redentor da arte: por
busca e se perde se desune e se reúne”. Em “Íta- exemplo, na sua pintura Mantegna soletra a eter-
ca” (de Geografia) [id., p. 73], a viagem iniciá- nidade, decifrando a escrita da ressurreição [“Eras
tica noturna do sujeito (“esta é a vigília de um bela”, em Dual, inserto em Obra Poética III,
segundo nascimento”) antecede o despertar, a res- p. 105]; pela sua poesia antiga (que jaz no cor-
surreição (“Subirás devagar como os ressusci- po dum velho caderno significativamente rasgado
875 SOP

e recolado), o poeta regressa ao tempo já vivido, sa da libertação: “Exauridos pelo labirinto ca-
com “Seu esplendor de fruto e de promessa” minhamos/ Na minúcia da busca na atenção na
[“Caderno II”, em O Nome das Coisas, id., p. 215], busca / […] Mas um dia emergiremos / E as ci-
sobrevivendo à própria morte. Assim também, dades da equidade mostrarão seu branco / Sua
em Vila Adriana ou em Pompeia, pode o sujei- cal sua aurora seu prodígio” [“Maria Helena Viei-
to poético, contemplando o horizonte da sua pró- ra da Silva ou O itinerário inelutável”, em
pria morte, recuperar subitamente a antiga “Di- Dual, id., pp. 130-131]. A meticulosidade e la-
vindade do ar entre as colunas”, ou sentir pai- biríntica exatidão dos quadros de Vieira da Sil-
rar “a alegria do penúltimo momento” [cf. “Vila va (a quem foi dedicado este último poema) con-
Adriana” e Pompeia – Casa de Menandro”, em têm provavelmente a mesma sinuosa vertigem
Geografia, id., pp. 68 e 69]. Podemos, até, dizer que Sophia, evocando Pessoa, representa como
que a divisão e a morte (realistas ou simbólicas) “os mapas / Das múltiplas navegações da tua au-
constituem uma etapa indispensável à consti- sência” [“Cíclades”, em O Nome das Coisas, id.,
tuição fenomenológica do sujeito poético, pois pp. 175-178]. Se a morte sempre permite (ou im-
a transmutação que operam na consciência a de- plica) uma forma qualquer de regresso, pela sua
pura e desmaterializa, permitindo-lhe esse es- regeneração simbólica (ou natural), a consciên-
vaziamento, exílio e ocultação que apontámos cia e a representação do tempo implicam a sua
antes. De todos os modos, todas as catábases têm meticulosa, aguda auscultação. O registo e a me-
aqui, por definição, um final feliz – mesmo quan- dida do múltiplo e do movente filia-se pro-
do, como na de Orfeu, esse final não seja exa- priamente, antes de tudo, no motivo do núme-
tamente o previsto. A imprevisibilidade carac- ro e da contagem minuciosa do real – patentes,
teriza todas as visitas aos espaços míticos do mal em “Landgrave ou Maria Helena Vieira da Sil-
e da morte. No jardim do palácio de Sintra, como va”, na enumeração cumulativa das imagens:
no de Elsinore, as crianças brincam; a co-pre- atenção, memória, sismógrafo, antena, bússola
sença da vida e da morte é sempre, pelo poema, [em Ilhas, id., pp. 341-342]. Em Sophia, quase
a vitória da vida, porque os fantasmas estão to- sempre a referência numérica é também geo-
dos do outro lado do castelo [cf. “Elsinore” em métrica, associada à arquitetura – ou, como as-
O Búzio de Cós e Outros Poemas, inserto em Mar. sinala Carlos Ceia, à construção projetiva da ci-
Antologia, pp. 164-165] e “em suas águas brilha dade hipodâmica (como em “Forma justa”,
a juventude do mundo” [“Manhã de Outono num “Brasília” ou “Lagos I”) [em Geografia e O Nome
palácio de Sintra”, em Dual, inserto em Obra Poé- das Coisas, insertos em Obra Poética III, respe-
tica III, p. 129]. Os “cabelos doirados da flores- tivamente pp. 80, 193-194 e 238]. Em todo o caso,
ta” (do poema “Quando”, que citámos acima) par- trata-se, afinal, da enunciação, pelo viés do mo-
tilham a sua configuração filamentosa com o tivo clássico da cidade, da noção de obra, en-
atento fio de areia da ampulheta de Vila Adria- quanto totalidade sistemática e proporcional –
na e Pompeia (dos poemas citados depois). O fio em termos que a aproximam das ideias da
e a fiação são motivos imagéticos partilhados tra- identidade, da unicidade e, por isso, da salva-
dicionalmente por Penélope, Ariane e as Parcas, ção. Uma salvação que se prepara, iniciatica-
de todo o modo sempre representando a conti- mente, pelo seu incessante projeto poético e on-
nuidade e o devir. Opõem-se, como em “O Mi- tológico: “recomeçar cada coisa a partir do
notauro” [id., pp. 147-149], ao rasgão, à rutu- princípio” [cf. “Projecto II” e “A forma justa”, de
ra, à fratura – assegurando a ligação. A estrutu- O Nome das Coisas, id., respetivamente pp. 226
ra filiforme e tissular da esteira e do cesto en- e 238]. Penélope não anda longe – até porque os
contra igualmente, como a teia de Penélope, no fios ou as linhas, que compõem tanto o labirin-
ato de entrançar o motivo eletivo da união: to como o texto, são os mesmos que a prendem
“Como se o tecedor a si próprio se tecesse/ E não ao mar, deus plural, “Um oceano de músculos
tecesse unicamente esteira e cesto // Mas seu hu- verdes / Um ídolo de muitos braços como um
mano casamento com a terra” [“Esteira e cesto”, polvo” [cf. “Descobrimento”, em Geografia, id.,
em O Nome das Coisas, id., p. 208]. Pela sua es- p. 77]. Marinhas também, e unificadas pela co-
trutura filiforme, também o motivo da queda no mum evocação da multiplicidade, da medida e
labirinto, como o da morte iniciática, traz in- da repetição, desdobram-se as ondas, tecido ve-
cluída, com o fio de Ariane (que benignamen- getal e aquático – na sua cadência rítmica sem
te reproduz o labirinto, anulando-o), a promes- defeito, frequentemente investida de erotismo
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(por exemplo, no belíssimo poema “Ondas” e no então” de Geografia, “Estrada” de Dual, “Projecto
poema “A vaga”, ao movimento sucessivo das I” de O Nome das Coisas, “Senhora da Saúde”
ondas são assimiladas as imagens do cavalo, do de Ilhas e “Lisboa” de Navegações, insertos to-
toiro e da mulher) [respetivamente em Musa, p. dos em Obra Poética III, respetivamente pp. 195,
11, e em Livro Sexto, inserto em Obra Poética II, 196 e 201, 267, 155, 14 e 77, 58, 135, 200, 296
p. 104]. O fluxo e refluxo das marés tissulares e 247]; ou a de “Homero”, de Contos Exempla-
– uma arquitetura que ininterruptamente se lan- res. Em todas se repete sempre um cósmico Re-
ça, desaba e regenera [cf. “Homenagem a Ricardo nascimento (com toda a carga cultural e histó-
Reis – VI” em Dual, inserto em Obra Poética III, rica que o termo comporta) pela poesia. Sempre
p. 112] – é, em Sophia (como em Vergílio), ex- se repete o gesto da criação do mundo. Mesmo
plicitamente aproximado ao das palavras e da que esse gesto inclua o regresso do caos incor-
métrica dos versos (vejam-se “No mar passa de ruptível, ele é, sempre, sob o seu desígnio uni-
onda em onda repetido”, de O Nome das Coisas, tário, um resgate da imagem e do tempo perdi-
“Náufrago”, de Mar Novo, ou “Beira-mar”, em dos da infância [cf. “Caderno I” e “Regressarei”
O Búzio de Cós) [respetivamente em No Tempo em O Nome das Coisas, insertos em Obra Poé-
Dividido, inserto em Obra Poética II, p. 22, em tica III, pp. 214 e 228]. Essa tendência acentuou-
Mar Novo e em O Búzio de Cós e Outros Poemas, -se, em Sophia, desde Geografia, mas está já ple-
insertos em Mar. Antologia, pp. 69 e 163]. Es- namente configurada nas primeiras obras [A tí-
trutura da sucessividade, da multiplicidade e da tulo de exemplo, citem-se, sem preocupação de
repetição, afim do tempo, o imaginário rítmico exaustividade, os poemas “Manhã” e “Escuto”,
da onda rege, como o verso, a ordem no movi- de Geografia, ou “Pascoaes” e “Habitação”, em
mento. Bem podemos dizer que a contenção do Ilhas, insertos todos em Obra Poética III, res-
tumulto pelo ritmo poético é em Sophia capaz petivamente pp. 12, 32, 299, 311]. Provavel-
de ordenar, como na escultura de Scopas, o êx- mente, é no conto “A Casa do Mar” (de Histó-
tase e o delírio das Ménades. Mas a dança ou a rias da Terra e do Mar) que mais desenvolvida
música do poema do mundo tem ainda um ha- e enigmaticamente se explicita a materialização
bitáculo de eleição em outro motivo marinho: a desse lugar de convergência e harmonia. A Casa
concha ou, melhor, porque mais espiralado e côn- é, como o búzio, na sua unicidade orgânica e con-
cavo, o búzio. Capaz de conter o rumor do mar, tida, mas múltipla e dinâmica, o habitáculo da
a espiral do búzio é um signo do equilíbrio no poesia. Aqui, o valor ficcional de explicitude e
desequilíbrio, da regra na mudança. Vertigino- clareza, próprio do uso da comparação (o “como
so como o labirinto, profundo como ele ou o se”), medeia com doçura um movimento de abs-
oceano, “O Búzio de Cós” [em O Búzio de Cós tração progressiva das imagens. Esse movi-
e Outros Poemas, inserto em Mar. Antologia, p. mento é um impulso fortíssimo, mas escandido
159] é verdadeiramente, a todos os títulos, uma em pequenos passos suaves – até que, precisa-
síntese desta poética – o signo helicoidal da or- mente no umbral do vazio, se desenha a rutura
dem no movimento, garantindo o registo sinté- de categorias. A Casa, lugar de exaltação e es-
tico do existente, o arquivo fundamente onto- panto onde o real emerge e se soletra na sua evi-
lógico da unidade primordial. É uma unidade dência, exultação e clamor –, abriga para sempre,
que por longa via se procura – e que tipicamente intacta e total, “a força nua do primeiro dia cria-
se atualiza, neste imaginário, pela repetição do do” [Histórias da Terra e do Mar, p. 82]. Cremos
gesto cosmogénico. A reedificação do dia inicial, ter, nesta já longa, embora incompleta, visita ao
uno e sem mácula, o regresso à primitiva manhã imaginário de Sophia, tornado manifesta a sua
da criação (que pode ser, entre muitas outras, a central adoção de um regime fundamente uni-
da Revolução e do 25 de Abril, a da praia de Igri- tário e sintético. Em primeiro lugar, identificá-
na, a dos gregos, a das Descobertas, a do país de mos, em tal regime, a prevalência da estrutura
Caeiro, a do Alentejo, a do rosto da Senhora da antagonista, dualista, bipolar, dirigida contudo
Saúde, a de Lisboa) [cf. “25 de Abril” e “Revo- não pela exclusiva antinomia, mas, pelo con-
lução”, “Revolução – Descobrimento” de O trário, pela justaposição, alternância e coexis-
Nome das Coisas, “Igrina” de Geografia, “Deri- tência, em que as fases de paixão e ressurreição
va – VII” de Navegações, “Os gregos” de Dual, se sucedem. Aqui, o negativo é suporte do po-
“ Deriva – VII” de Navegações, “Mundo nomeado sitivo. A tolerância ao caos, génese das coisas,
ou descoberta das ilhas”, “Descobrimento” e “Ali, inclui obrigatoriamente, nesta poética, os motivos
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do mal, da queda e da divisão. Podemos mesmo muro o mar – portefólio com seis fotografias de Eduar-
dizer que a epifania negativa é, em Sophia, uma do Gageiro (depois incluído em Ilhas), Lisboa, 1984; His-
tórias da Terra e do Mar, Lisboa, Salamandra, 1984; A
representação indispensável e fundadora, inte- Árvore, Porto, Figueirinhas, 1985; “A cebola da velha ava-
grando necessariamente a perda, o retorno ao in- renta”, A Antologia Diferente – De que são feitos os so-
forme, ao indiferenciado e tumultuoso. A vitó- nhos (org. de Luísa Ducla Soares), Porto, Areal, 1986;
ria da morte e do mal é sempre preambular, apa- Ilhas, Lisboa, Texto, 1989; Obra Poética (3 vols.), Lisboa,
Caminho, 1990-1991; Singraduras – Poema VI de “As
rente e momentânea. A ela sucederá, continua- Ilhas” incluído em Navegações (com seis gravuras de Da-
mente, a fase da transmutação, da morte da morte vid de Almeida), Lisboa, Galeria 111, 1991; “O carras-
– a do renascimento, da ressurreição, da refun- co”, As Escadas não Têm Degraus, n.o 5, Lisboa, Coto-
dação purificada e genesíaca. A força integradora via, 1991; Musa, Lisboa, Caminho, 1994; Signo (escolha
de contrários é, na sua harmonia dramática, cons- de poemas), Lisboa, Presença, 1994; O Búzio de Cós e Ou-
tros Poemas, Lisboa, Caminho, 1997; Era Uma Vez Uma
titutivamente ambivalente e dialética. O seu de- Praia Atlântica, Lisboa, Expo 98, 1997; O Colar [teatro],
sígnio totalizante e unitário – a famosa “mono- Lisboa, Caminho, 2001; Mar (antologia organizada por
tonia” de Sophia – associa-se às marcantes Maria Andresen de Sousa Tavares), Lisboa, Caminho,
fantasias do dual e do dinâmico. Ontologia do 2001; Orpheu e Eurídice (com ilustrações de Graça Mo-
rais), Lisboa, Galeria 111, 2001; “Leitura no comboio” e
devir, fundada sobre a perscrutação apaixona- “O cego” (com ilustrações de Tiago Manuel), Colóquio/
da do mundo que lhe surge ritmado pelos ver- Letras, n.o 159-160, Lisboa, Fundação Calouste Gulben-
sos, a cabeleira ondeada do mar (ou do tempo) kian, janeiro-junho, 2002; O Anjo de Timor (com ilus-
é o seu elemento de eleição. Não é estranho, por trações de Graça Morais), Marco de Canaveses, Cenate-
isso, que a apologia da pureza, do uno e do ini- ca, Associação Teatro e Cultura, 2003; Obra Poética (num
único vol.), Lisboa, Caminho, 2010. Organização de an-
cial se alie à exaltação do rítmico e do sucessi- tologias: Poesia Sempre I (em colaboração com Alberto
vo. Afinal, o verbo “urdir” designava, primiti- de Lacerda), Lisboa, Sampedro, s.a. [1964]; Poesia Sem-
vamente, a primeira operação da tecelagem: dis- pre II, Lisboa, Sampedro, s.a. [1964]; Primeiro Livro de
por o fio na sua estrutura de suporte primordial Poesia (com ilustrações de Júlio Resende), Lisboa, Ca-
minho, 1991. Ensaios: “A poesia de Cecília Meireles”,
[cf. Gilbert Durand, As Estruturas Antropológi- Cidade Nova – Revista de Cultura, IV Série, n.o 6, 1956;
cas do Imaginário, 1989, p. 221]. Por isso, o mo- “Poesia e realidade”, Colóquio – Revista de Artes e Le-
vimento da ligação, da fiação e da urdidura sig- tras, n.o 8, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
nifica, também, o início de tudo. 1960; “Caminhos da Divina Comédia”, Diário de Lisboa,
13/05/1965 e 01/07/1965; O Nu na Antiguidade Clássi-
Da autora – Obras literárias: Poesia, Coimbra, ed. da Au- ca, Lisboa, Estúdios Cor, 1975. Traduções: Émile Mireaux,
tora, 1944; Dia do Mar, Lisboa, Ática, 1947; Coral, Por- A Vida Quotidiana no Tempo de Homero, Lisboa, Livros
to, Livraria Simões Lopes, 1950; No Tempo Dividido, Lis- do Brasil, s.a. [1957]; Paul Claudel, A Anunciação a Ma-
boa, Guimarães, 1954; Mar Novo, Lisboa, Guimarães, ria, Lisboa, Aster, s.a. [1960]; Dante, O Purgatório, Lis-
1958; A Menina do Mar (com ilustrações de Sarah Af- boa, Minotauro, 1962; William Shakespeare, Hamlet, Por-
fonso), Lisboa, Ática, 1958; A Fada Oriana (com ilus- to, Lello, 1987; Quatre Poètes Portugais – Camões, Ce-
trações de Bio, capa de Quito sobre quadro de Nuno de sário Verde, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Pa-
Siqueira), Lisboa, Ática, 1958; A Noite de Natal (com ilus- ris, PUF/Fundação Calouste Gulbenkian, 1970; Leif
trações de Maria Keil), Lisboa, Ática, 1959; O Cristo Ci- Kristiansson, Ser Feliz, Lisboa, Presença, 1973; Leif Kris-
gano ou A Lenda do Cristo Cachorro, Lisboa, Minotau- tiansson, Um Amigo, Lisboa, Presença, 1973; William Sha-
ro, 1961; O Bojador [teatro], Lisboa, separata da Escola kespeare, Muito Barulho por Nada – inédito; Eurípedes,
Portuguesa, Direcção-Geral do Ensino Primário, s.a. Medeia – inédito.
[1961]; Livro Sexto, Lisboa, Moraes, 1962; Contos Exem- Prémios: Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portu-
plares, Lisboa, Moraes, 1962; O Cavaleiro da Dinamar- guesa de Escritores, 1964 (Livro Sexto); Prémio Teixei-
ca (com ilustrações de Armando Alves), Porto, Figuei- ra de Pascoaes, 1977 (O Nome das Coisas); Prémio da Crí-
rinhas, 1964; Os Três Reis do Oriente, Lisboa, Estúdios tica, da Associação Internacional de Críticos Literários,
Cor, 1965; O Rapaz de Bronze (com ilustrações de Fer- 1983 (pelo conjunto da obra); Prémio D. Dinis, da Fun-
nando de Azevedo), Lisboa, Minotauro, 1965; Geografia, dação da Casa de Mateus, 1989 (Ilhas); Grande Prémio
Lisboa, Ática, 1967; A Floresta (com ilustrações de Ar- de Poesia Inasset/Inapa, 1990 (Ilhas); Grande Prémio Ca-
mando Alves), Porto, Figueirinhas, 1968; Antologia, Lis- louste Gulbenkian de Literatura para Crianças, 1992 (pelo
boa, Portugália, 1968; Grades – Antologia de poemas de conjunto da obra); Prémio 50 Anos de Vida Literária, da
resistência, Lisboa, Dom Quixote, 1970; 11 Poemas, Lis- Associação Portuguesa de Escritores, 1994; Prémio Pe-
boa, Movimento, 1971; “Poema de um livro destruído”, trarca, da Associação de Editores Italianos; homenageada
Fevereiro – Textos de Poesia, Lisboa, 1972 (incluído de- do Carrefour des Littératures, na IV Primavera Portuguesa
pois em No Tempo Dividido); Dual, Lisboa, Moraes, 1972; de Bordéus e da Aquitânia, 1996; Prémio da Fundação
O Nome das Coisas, Lisboa, Moraes, 1977; Contos Luís Miguel Nava, 1998 (pelo livro O Búzio de Cós e Ou-
1979: A Casa do Mar e O Silêncio (com ilustrações de tros Poemas); Prémio Camões, 1999 (pelo conjunto da
Maria Helena Vieira da Silva), Lisboa, Galeria S. Mamede, obra); Prémio Rosalía de Castro, do Pen Club Galego, 2000;
s.a. [1980]; Poemas Escolhidos, Lisboa, Círculo de Lei- Prémio Max Jacob Étranger, 2001; Prémio Rainha Sofia
tores, 1981; Navegações, Lisboa, IN/CM, 1983; O Sol o de Poesia Iberoamericana, 2003.
SOR 878

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Homenagem a SMBA, Lisboa, Caminho, 2007; AA.VV., dura, iniciação e respiração), Lisboa, Dissertação de Dou-
Colóquio/Letras n.o 176, janeiro, 2011; AA.VV., Comu- toramento, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade
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Idem, Iniciação aos Mistérios da Poesia de S. M. B. A.,
Lisboa, Vega, 1996; Clara Rocha, “SMBA: poesia e ma- Stella Fiadeiro
gia”, O Cachimbo de António Nobre e Outros Ensaios,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2003; Idem, “Nos 50
v. Maria Stella Bicker Correia Ribeiro Piteira
anos de vida literária de Sophia. SMBA: poesia e ma- Santos
gia”, Colóquio/Letras, n.o 132/133, abril, 1994, pp. 165-
-182; Eduardo Lourenço, “Para um retrato de Sophia”, Stella Piteira Santos
Antologia (5.a ed.), Porto, Figueirinhas, 1985; Eduardo v. Maria Stella Bicker Correia Ribeiro Piteira
Prado Coelho, “O real, a aliança e o excesso na poesia
de S.M.B.A.”, A Palavra sobre a Palavra, Porto, 1972;
Santos
Idem, “Sophia, a lírica e a lógica”, Colóquio/Letras n.o
57, setembro, 1980, pp. 20-35; Estela Lamas, SMBA. Da Susana Mendonça dos Santos
escrita ao texto, Lisboa, Caminho, 1998; Fernando Irmã de Manuel dos Santos, operário comunis-
Guimarães, “Imaginação e intelectualização: Ruy Cinatti, ta conhecido pelo “pequeno Dimitrov” (1914?-
Sophia Andresen, Eugénio de Andrade e Jorge de
Sena”, Linguagem e Ideologia, Porto, Lello, 1996, pp. 147-
-25/10/1947), condenado nos anos 1930 a 22 anos
-156; Fernando J. B. Martinho, “Uma leitura da poesia de prisão e fugido da Penitenciária de Coimbra
de SMBA”, Rassegna Iberistica, n.o 49, abril-setembro, em setembro de 1944, com a saúde muito debi-
1994; Fernando P. do Amaral, “Sophia e Eugénio de An- litada, morrendo na clandestinidade. Costurei-
drade”, Discurso e Imagens da Melancolia na Poesia Por- ra, exerceu no mesmo período atividade políti-
tuguesa do Século XX, Dissertação de Doutoramento, Lis-
boa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ca e foi detida a 21 de novembro de 1936 pela
1997; Fiama Hasse Pais Brandão, “O triplo nome Sop- Polícia de Vigilância e Defesa do Estado/Secção
hia”, A Phala – Um Século de Poesia, Lisboa, 1988; Fran- Política e Social, com Luísa Rodrigues* (1903-
cisco Sousa Tavares, “A poesia de SMBA”, posfácio a -1960), esta última acusada “de fazer propaganda
Mar. Antologia (com seleção e organização de Maria An- subversiva e haver a suspeita de ter distribuído
dresen de Sousa Tavares), Lisboa, Caminho, 2001, pp.
167-175; Helena Langrouva, “Mar – Poesia de SMBA, panfletos clandestinos nas oficinas da fábrica
poética do espaço e da viagem”, Brotéria, Lisboa, maio- onde trabalha” [Ficha Policial inserida no II vol.
-junho-julho, 2002; Joaquim Manuel Magalhães, “SMBA”, dos Presos políticos no regime fascista]. Tornou
Rima Pobre. Poesia portuguesa de agora, Lisboa, Pre- a ser presa a 8 de agosto de 1942, sendo julga-
sença, 1999, pp. 41-78; Jorge de Sena, “Alguns poetas
de 1958”, Estudos de Literatura Portuguesa II, Lisboa, da e libertada a 27 de outubro. O jornal Avan-
Edições 70, 1988; Idem, “SMBA”, Estudos de Literatu- te! da primeira quinzena de março de 1943, a pro-
ra Portuguesa III, Lisboa, Edições 70, 1988; José Augusto pósito de novo julgamento de Manuel dos San-
Mourão, “Semiótica do espaço: ‘O anjo’ de Sophia de tos, informava que para o pressionar a fazer de-
Mello Breyner”, Colóquio/Letras, n.o 74, julho, 1983, pp. clarações o regime fascista tinha condenado “a
37-44; Luís Adriano Carlos, “A geração dos Cadernos de
Poesia”, Óscar Lopes e Fátima Marinho (dir.), História sua mãe «como jovem comunista» [?] a dois anos
da Literatura Portuguesa 7, Lisboa, Alfa, 2002, pp. 235- de prisão [...] e a sua irmã Susana no Tribunal
-268; Luís Ricardo Pereira, S. M. B. A. Inscrição da Ter- Militar Especial a muitos meses de prisão”
ra, Lisboa, Instituto Piaget, 2003; Maria de Fátima Ma- [Avante!, n.o 28], preparando-se para “sujeitá-
rinho, “Entre Deus e os deuses: para um estudo da am-
biguidade na poesia de SMBA”, A Poesia Portuguesa nos
-lo a novo julgamento em Tribunal Militar Es-
Meados do Século XX – Ruptura e continuidade, Lis- pecial ao lado de sua irmã bastante doente” [ibi-
boa, Caminho, 1989; Maria de Lourdes Belchior, “Iti- dem]. O mesmo periódico clandestino denun-
879 SUS

ciou, entre 1935 e 1947, a repressão policial que


afetava quotidianamente a família daquele pre-
so comunista, acusando de “prenderem, con-
denarem e assassinarem sua mãe”, ao detê-la, tal-
vez em finais de 1935 ou início de 1936, “como
elemento de ligação entre ele e os seus camara-
das” [Avante! n.o 20] e cuja condenação a dois
anos de prisão “arruinaram o seu organismo de-
pauperado pela miséria” [Avante!, n.o 28].
Bib.: Comissão do Livro Negro Sobre o Regime Fascis-
ta, Presos Políticos no Regime Fascista II – 1936-1939,
1982, p. 456; Fernando Rosas (coord.), Tribunais Políti-
cos – Tribunais Militares Especiais e Tribunais Plenários
durante a Ditadura e o Estado Novo, Temas e Debates,
2009, p. 462; “Salvemos Manuel dos Santos”, Avante!,
série II, n.o 20, agosto, 1936, p. 2; “Nos Tribunais Fascistas
– Novo julgamento de Manuel dos Santos”, Avante!, sé-
rie VI, n.o 28, 1.a quinzena de março, 1943, p. 2, col. 2.
[J. E.]
T
Telefonistas te aumentando, destacando-se as dezenas ao ser-
No início do século XX começa a afirmar-se um viço, exatamente, do Ministério do Comércio e Co-
novo conjunto de profissões, quase por definição municações. No inquérito promovido pelo Boletim
urbanas, nascidas da industrialização e das ino- do Trabalho Industrial neste período, as telefo-
vações tecnológicas. Ao nível das comunicações, nistas surgem identificadas como um dos grupos
os progressos são enormes a partir da segunda me- profissionais de risco no âmbito das indústrias elé-
tade do século XIX, mas as novidades chegavam tricas, referindo-se que “As telefonistas adquirem
a Portugal sempre diferidas no tempo e com uma facilmente anemias pela permanência constante
implementação reduzida. Um dos casos mais no- de vigilância, e a surdez pelo abuso dos órgãos au-
táveis é o do desenvolvimento de redes telefónicas ditivos”. O facto da designação surgir no feminino
com base na invenção de Graham Bell que, cu- é bem sintomático da sua completa feminização.
riosamente, em Portugal foi objeto de experiên- A telefonista tornou-se um dos tipos profissionais
cias logo em 1877, apenas um ano depois do apa- femininos urbanos, exemplo da emancipação fe-
recimento do referido aparelho. As primeiras re- minina e da sua penetração em novos domínios
des de telefones surgiriam em 1882 nas cidades do mercado de trabalho, que a imprensa come-
de Lisboa e Porto, sendo instaladas pela empre- çou a representar de forma mais ou menos este-
sa privada Edison Gower Bell que, mais tarde, vi- reotipada, mas com alguma admiração: “As te-
ria a fazer parte da Anglo-Portuguese Telephone lefonistas, as invisíveis e infatigáveis criaturinhas
Company. O número de assinantes era diminu- ligadas por um ténue fio de cobre à vida cosmo-
to e restringia-se quase só a assinantes institu- polita de Lisboa, discretos agentes de ligação en-
cionais, quer pelos custos que a instalação das li- tre pessoas que se procuram “avistar”, pelo me-
nhas acarretava, quer pela falta de criação de um nos, telefonicamente, desempenham um dos
mercado para este tipo de serviço numa sociedade misteres femininos mais laboriosos que conhe-
atrasada como era o Portugal de então. A situa- cemos, sobretudo ingrato e árduo. De auscultador
ção manter-se-ia assim até aos alvores de Nove- permanentemente fixo aos ouvidos e enfileiradas
centos quando, por iniciativa dos Correios, se es- ao longo dum negro e comprido quadro, olhar
tenderam redes telefónicas a outras cidades do país atento nos múltiplos pontos luminosos que cin-
e, principalmente, se começaram a interligar es- tilam na sua frente como constelações, aqui li-
sas redes. A partir de 1904, estabeleceu-se a rede gando, ali desligando […]. Como função material
entre Lisboa e Porto e os telefones começaram a não isenta do labor constante de dois sentidos ca-
entrar timidamente no quotidiano de um leque pitais – auditivo e visual – a simpática telefonista
restrito de serviços e atividades profissionais. Ao exerce-a com uma obscuridade que só rivaliza com
mesmo tempo, para além do pessoal necessário a sua infatigável atividade profissional, sendo por
para a instalação física das redes, começou a cres- isso uma obreira das mais dignas de enfileirar na
cer a necessidade de pessoas para operarem as cen- vanguarda das profissões que particularmente são
trais de comutação de chamadas. Apesar de ser destinadas à mulher” [Vida Feminina, 1925, n.o 7,
um trabalho recente, e resultante de uma inova- p. 15]. A complexidade da função foi aumentando,
ção tecnológica, os conhecimentos técnicos re- tanto com o desenvolvimento tecnológico das cen-
queridos eram reduzidos e a tarefa era basicamente trais telefónicas, como com o aumento do tráfe-
a repetição de uma curta rotina. Como diversas go, resultante do aumento do número de assi-
funções urbanas deste tipo, rotineiras, com escasso nantes e comunicações. A regulamentação da pro-
nível de exigências e baixo salário, a profissão de fissão também se foi tornando uma exigência e,
telefonista foi um domínio feminino quase des- em 18 de maio de 1934, Pedro Teotónio Pereira,
de o início. As telefonistas passaram a ser um dos então subsecretário de Estado das Corporações e
grupos profissionais típicos do proletariado fe- Previdência Social, aprovou os Estatutos do Sin-
minino urbano, a par de dactilógrafas, ama- dicato Nacional dos Telefonistas e ofícios corre-
nuenses e funcionárias dos Correios, embora não lativos do distrito de Lisboa, organismo que su-
fossem um grupo muito numeroso. Entre 1910 e cedera em setembro de 1933 à anterior As-
1920, o número de telefonistas foi gradualmen- sociação de Classe dos Empregados da Anglo-
TEL 882

-Portuguese Telephone Company, Limited. Para dos telefones expor os motivos suasórios que
além de explicitar o carácter “eminentemente Na- abrandariam os rigores de tal medida, demovendo
cional” do sindicato e a renúncia a quaisquer atos os dirigentes a permitirem que as suas emprega-
“que possam ir de encontro à autoridade do Es- das possam consorciar-se quando lhes aprouver,
tado e à Soberania da Nação Portuguesa” [artigo ou quando se lhes ofereça oportunidade favorá-
3.o], os referidos estatutos reconheciam o direito vel”. Pouco tempo depois, seria a vez do Novi-
a serem considerados sócios todos os indivíduos dades abordar o assunto, embora inicialmente de
“maiores de 18 anos, que exerçam a profissão de um modo mais ambíguo: “Sabemos que a Com-
telefonistas”, incluindo nessa designação não ape- panhia dos Telefones do Porto proibiu a admis-
nas aquilo que até agora se tem designado como são aos seus quadros de mulheres casadas, e as
operadora de centrais telefónicas, mas também os solteiras que se encontram ao seu serviço terão de
mecânicos, guarda-fios, guarda-cabos, desenha- abandoná-lo se pretenderem casar. É, ao que cons-
dores e pessoal de escritório, quase tudo ocupa- ta, a primeira medida contra a mulher casada, nos
ções exclusivamente masculinas. Mas se o sin- serviços públicos, e porque o casamento das fun-
dicato criado se destinava a enquadrar a atividade cionárias já aqui foi tratado, embora generica-
profissional deste sector na orgânica do Estado mente, e pela sua repercussão em todo o País, va-
Corporativo, a regulamentação do exercício quo- mos dedicar-lhe alguns momentos de atenção. Pa-
tidiano da profissão continuava a cargo da empresa rece-nos que, em primeiro lugar, devemos formular
e essa regulamentação viria a incluir determina- a seguinte pergunta: Poderá o serviço da mulher
ções consideradas abusivas para com as telefo- casada ser de tanto rendimento como o da solteira?
nistas. Às suas condições de trabalho, que se con- Respondemos que não deveria ser. E acrescenta-
sideram laboriosas, iriam juntar-se nos anos mos que, em tese, o estado de solteiro é mesmo
1930 limitações de ordem legislativa destinadas o estado ideal para assegurar o maior rendimen-
a regular a sua própria vida social. O caso mais to de qualquer trabalho, tanto na mulher como no
notável seria o da proibição do casamento que sus- homem”. Perante esta forma de argumentação, que
citaria uma fortíssima campanha por parte da Liga afinal não está muito distante de parte das justi-
Portuguesa de Profilaxia Social exatamente a fa- ficações que impediam o livre casamento, por
vor da abolição de tal limitação e pela permissão exemplo, das professoras, percebe-se claramen-
e promoção do casamento de todas as mulheres te que o trabalho por parte de mulheres casadas
que tinham a profissão em causa. Invocando a não é solução tida como desejável e os termos
Constituição e os princípios morais fundadores como isso é apresentado nem sempre eram os mais
do Estado Novo que colocavam a Família na base subtis: “A mulher solteira deveria ser, por isso,
nuclear da Nação, a Liga promoveria a partir de muito melhor animal de trabalho do que a casa-
1939 uma fortíssima ação de sensibilização de fi- da. Incontestavelmente”. Mas, depois, surgiram
guras públicas do novo regime e da comunicação interrogações causadas pela necessidade de
social em prol do casamento das telefonistas. Nas adaptação aos tempos: “Mas deverá ser assim? Ou
páginas do “Confessionário Feminino” de O melhor, poderá ser assim? A contribuição da fa-
Primeiro de Janeiro de 18 de maio de 1939, Sara mília não é determinada apenas por sentimentos
Beirão seria uma das primeiras a denunciar o que frágeis do coração humano, mas, além de ser a cé-
era entendido como um atropelo elementar aos lula da vida social, tem a força do instinto que só
direitos das mulheres telefonistas: “Em toda a par- muito raros vencem, porque abarca toda a sua na-
te do mundo as telefonistas podem organizar um tureza. Se o grau heróico da virtude não estives-
lar sem que a sua situação económica sofra a me- se tão fora das possibilidades humanas, nós que
nor alteração. Não se atina com a causa de deli- não desconhecemos a violência do económico so-
beração tão esquisita. […] A Companhia pode ob- bre a vida contemporânea, seríamos pela exigência
rigar a um trabalho extenuante. Pode cruelmen- do celibato feminino, já que o masculino era de
te restringir ordenados, mas não conseguirá, todo impossível”. Esta longa citação contém
porque não há forças humanas que o obtenham, elementos especialmente paradoxais porque de-
que a mocidade não ame. Seria uma anormalidade clara que, afinal, no plano dos princípios, as mu-
que nem os cafres ousariam impor aos seus súb- lheres não deveriam casar (como seria então pos-
ditos. É uma monstruosidade detestável. […] Creio sível que os homens não respeitassem o celiba-
que as mulheres portuguesas, num lindo gesto de to é que fica por explicar…); mesmo no caso de
solidariedade, deviam ir junto da Administração casarem, devido a uma necessidade entre o na-
883 TEL

tural e o social, considera-se que as solteiras eram económica ou moral! Se lhe proibiam que esse
naturalmente melhores trabalhadoras. No entanto, passo fosse dado ao abrigo da lei, podiam não evi-
por razões de ordem económica a que se “não deve tar que a lei fosse atropelada arriscando o pão,
nem pode ser indiferente”, acabava por se acei- como acontecia neste caso”. Embora afastada de
tar quer o casamento feminino, quer o trabalho das vez tal limitação aos direitos sociais de quem pro-
mulheres casadas. E daí se partiria para, sema- curasse seguir tal profissão, isso não significava
nalmente, em exposição de carácter doutrinal, se que a função de telefonista não continuasse a ser
concluir em texto de 25 de julho de 1939 pela encarada com uma seriedade que hoje podemos
“Inoportunidade da proibição do casamento às considerar algo desproporcionada. A 1 de abril de
mulheres empregadas”. Em outros espaços e pa- 1950, Rosa Gracinda Mateus proferiria uma pa-
ragens as hesitações eram menores; no Distrito de lestra na sala Algarve, da Sociedade de Geogra-
Portalegre, de 25 de agosto de1939, afirmava-se fia, subordinada ao tema de A Vida da Telefonista,
claramente que a proibição que impendia sobre mais tarde transformada numa publicação dos Ser-
as telefonistas era “um caso imoral” e o articulista viços Culturais dos CTT, onde se procurava de-
Dores Correia questionava se “será certo que as monstrar todo o valor das telefonistas, realçando
telefonistas solteiras servem melhor o público e as suas qualidades perante o que se achava serem
rendem mais em trabalho? Duvidamos. E duvi- ideias feitas negativas: “Sobre a conduta devo afir-
damos porque o ser solteira ou casada, de per si, mar que as telefonistas em geral, são dignas de con-
não dá nem tira aptidões ou atividades. O ren- sideração e respeito devido a todas as mulheres
dimento de trabalho depende da especialização, que deixam o seu lar para se acotovelarem com
do temperamento e da saúde de cada um e não o homem nas diversas maneiras de ganha-pão”.
do seu estado civil. É óbvio isso”. Mas a questão É verdade que se admitia que, para alguma opi-
não seria de solução fácil e/ou imediata. Em de- nião pública, as telefonistas eram vistas como in-
zembro de 1939, o assunto chega às páginas de cultas e ignorantes, mas Rosa Mateus declararia
O Primeiro de Janeiro (dia 18) e do Jornal de No- que essa visão era extremamente incorreta e in-
tícias (dia 29), sendo que neste caso se conside- justa porque “entre as telefonistas há professoras,
rava absurda a medida e as justificações apre- médicas, parteiras, enfermeiras, senhoras que cur-
sentadas. Só em meados de 1940 a situação teria saram as Belas-Artes, o Conservatório, que fre-
o seu desfecho, após recomendação do subse- quentaram a Universidade, etc. Há, também, al-
cretário das Corporações e Previdência que re- gumas com cursos dos Liceus, de Escolas Co-
ceberia uma delegação do movimento em prol do merciais e Industriais e outras só… com o exame
casamento das telefonistas, que então já contava da instrução primária” [p. 9]. A defesa da telefo-
com o importante apoio da Obra das Mães pela nista assumia, em algumas passagens desta pa-
Educação Nacional*, que lhe entregaria docu- lestra, tonalidade que a esta distância têm o seu
mentação sobre o assunto. Como que fechando o quê de caricato. Para além da descrição do trabalho
ciclo de opiniões, de novo no “Confessionário Fe- regular das telefonistas que, no caso de alguns ser-
minino” de O Primeiro de Janeiro de 10 de no- viços, também passava por tarefas de tipo admi-
vembro de 1940, Sara Beirão congratulava-se com nistrativo, como elaborar “estatísticas, curvas de
o levantamento da proibição: declarando que a tráfego, gráficos”, assinalava-se que “é um erro
mesma “era contra os princípios humanos, con- pensar que a telefonista é um zero [pois] ela tem
tra as leis do País e contra a Natureza. Felizmente aptidões para tudo, razão por que até está atua-
terminou esse período angustioso. Alguém inte- lizada com os modernismos, tão apreciados pelo
ligentemente o compreendeu, pondo de vez co- sexo forte, embora não exagere praticando os des-
bro a situações falsas que faziam a infelicidade de tituídos de bom senso. Assim, há algumas com
muitos, e corar e retrair-se quem não se confor- a carta de condução, quer de automóvel quer de
mava com estados ilegais. Não pode haver ven- bicicleta, ou em perspetiva de a obter, outras, ain-
tura quando uma nuvem espessa paira sobre o ho- da, que praticam vários desportos como a nata-
rizonte. O amor é para a maior parte da Huma- ção e o remo. Muitas há de coração generoso, de
nidade uma necessidade imperiosa, uma ordem iniciativa enérgica que realizam obras de alto va-
do destino. O epílogo dessas ternuras é em geral lor social para que as colegas possam manter-se
o casamento. Em que beco sem saída se viam cen- puras e honestas à custa do trabalho das suas mãos
tenas de indivíduos, que constituíam família, por- e do seu cérebro, do trabalho que é sempre dig-
que a isso eram forçados por motivos de ordem no e nobre seja de que género for” [p. 11]. Em ter-
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mos mais práticos, e passada a demorada justifi- do? Depois, guardar, torcer, educar, formar a alma
cação e demonstração do seu valor, temos a des- do que é toda a sua vida, se passam quase todo
crição dos três principais grupos de telefonistas: o dia fora de casa?” [p. 49]. E adiantavam-se nú-
as telefonistas de PPC (postos particulares de co- meros preocupantes: até 1945, o maior número
mutação), também conhecido como PBX, que de trabalhadoras com tuberculose era de telefo-
eram as que tinham missão mais simples e cuja nistas, explicando-se isso com o cansaço e a má
preparação poderia ser apenas de algumas horas alimentação, resultantes dos horários de trabalho.
de prática; as telefonistas da APT (Anglo-Portu- Em termos de remuneração, em 1963 (a legisla-
guese…) que precisavam de uma instrução prá- ção aplicável era o despacho de 23 de setembro
tica mais longa, sob supervisão de uma monito- do ministro das Corporações, retificado mais tar-
ra, embora o seu trabalho fosse considerado de em março de 1964) as telefonistas da APTC en-
simples, fácil e até monótono por ser muito re- contravam-se perto do fundo da tabela relativa aos
petitivo; por fim, as dos CTT, ou operadoras de salários dos empregados de escritório, cobrado-
chamadas interurbanas e internacionais, tinham res, dactilógrafos, telefonistas, contínuos e por-
que satisfazer critérios mais exigentes, físicos e in- teiros. Uma segunda telefonista poderia auferir en-
telectuais, estando a sua admissão dependente da tre 950$00 e 1250$00 conforme o seu grupo e
aprovação em duas provas, a primeira sobre as- zona, e uma primeira telefonista entre 1100$00
suntos como o cálculo de juros, percentagens, câm- e 1400$00, valores iguais aos de aspirantes a dac-
bios e a geografia, e a segunda de tipo teórico e tilógrafos, mas bem inferiores aos de um tercei-
prático sobre a função de telefonista propriamente ro escriturário (entre 1400$00 e 2000$00). No iní-
dita, desde a descrição à manipulação dos equi- cio dos anos 1970, os valores tinham subido (de
pamentos. Quanto às condições materiais de tra- 1550$00 a 1950$00 e de 1800$00 a 2200$00 para,
balho, considera-se que a remuneração era escassa respectivamente, segundas e primeiras telefo-
e as levava, por vezes de forma muito precoce, a nistas), mas em termos relativos a diferenciação
casarem-se e nem sempre seguindo os melhores relativa continuava a mesma. Entretanto, devido
critérios. Rosa Mateus ressuscitava assim algumas ao fim do contrato estabelecido pelo Estado por-
das ideias que nos anos 1930 tinham procurado tuguês com a Anglo-Portuguese Telephone Com-
justificar a proibição do casamento das telefonistas: pany, foi criada a empresa Telefones de Lisboa e
“esta geração é volúvel e inconstante; não se do- Porto, onde se inseria o maior número de telefo-
bra, quase sempre, às razões dos que à custa de nistas ao serviço do Estado. Entretanto, com o de-
uma longa e dura experiência conhecem melhor senvolvimento do sector das telecomunicações,
a vida. […] Colocadas, transferidas ou em comissão o número de telefonistas aumentaria, assim
longe das famílias, muitas vezes, nem sempre têm como as mudanças políticas decorrentes da re-
quem lhes demonstre que poucos homens aten- volução de 25 de Abril de 1974, introduziriam im-
dem à organização social, do que advém grande portantes transformações no contexto laboral e sin-
mal para a humanidade. A maior parte [dos ho- dical desta atividade [cf. dados disponíveis em
mens] casa porque precisa fundar o seu lar se- http://www.stpt.pt/estatutos.htm]. No entanto
gundo o ritual estabelecido, e entre o mar das in- é difícil acompanhar a evolução estatística do efe-
diferentes que topa no caminho, a telefonista não tivo de telefonistas, devido à rarefacção de esta-
é de desprezar. Tem quase com que bastar-se a si tísticas disponíveis. Por outro lado, a profissão de
própria” [p. 48]. A recomendação era que o ca- telefonista também se diversifica e difunde no sec-
samento só pudesse ser consentido às funcioná- tor privado, embora nem sempre com um estatuto
rias dos CTT depois dos 25 anos, porque “a te- profissional claramente definido. Apesar de con-
lefonista depois de casada, salvo raras exceções, tinuar profundamente feminizada, a profissão vai
perde parte da sua boa disposição para o traba- sendo assimilada, no contexto sindical, a um con-
lho. Depois nascem os filhos e aquela baixa ain- junto de outras atividades relacionadas com a ins-
da mais; com razão! A mulher foi predestinada talação e manutenção das linhas telefónicas, as
por Deus para educação e criação da prole. A ne- quais são fortemente masculinizadas. No início
cessidade que têm de ajudar o consorte faz delas, dos anos 1980, no primeiro número (junho de
por vezes, mulheres excecionais. Rodear de ca- 1981) do boletim Ligação, do Sindicato Nacional
rinhos e solicitudes os filhos é um dever a que não dos Telefonistas de Lisboa, organização inde-
podem escusar-se. Mas, como pode a telefonista pendente das grandes federações sindicais de en-
guiar nos primeiros passos os filhos – o seu mun- tão, dá-se conta da existência de mais de 50% de
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associados do sexo feminino e destaca-se “o pro- do Sindicato Nacional dos Telefonistas e ofícios corre-
blema da mulher trabalhadora”, pois “a mulher lativos do distrito de Lisboa, Lisboa, Tipografia de Alfredo
Roquete, 1934; João Fernando Covas Simões, O Teletra-
continua agarrada e subjugada por conceitos ma- balho em Portugal: a situação actual e as perspectivas de
chistas dos maridos, vergada a velhos preconceitos desenvolvimento: as implicações na gestão de empresas
de família que muitas vezes a impossibilitam de de serviços, Lisboa, Dissertação de Mestrado em Gestão
estar com os seus companheiros de trabalho, nas e Estratégia Industrial, Lisboa, Univ. Técnica de Lisboa,
horas de luta. […] Temos sido as principais víti- 1998; L. Graça, História da Saúde no Trabalho: 2.2. A Si-
tuação do Operariado no Final da Monarquia,1909-
mas da exploração desenfreada por parte do pa- 1910, 1999 [disponível em http://www.ensp.unl.pt/lgra-
tronato e dos governos do Capital. Somos quem ca/textos79.html]; Liga Portuguesa de Profilaxia Social,
mais diretamente sente a carestia da vida, a cri- A Campanha pelo Casamento das Telefonistas, Porto, Im-
se da habitação, a ausência dum verdadeiro ser- prensa Social, 1950; Ligação (1981-1986), Boletim Men-
viço nacional de saúde […]” [p. 6]. Mas o progresso sal do Sindicato dos Telefonistas de Lisboa, n.os 1-10; Ma-
ria José Sousa, Teletrabalho em Portugal: difusão e con-
técnico preparava-se para retirar parte importante dicionantes, Lisboa, FCA – Editora de Informática, 1999;
do papel das telefonistas no mundo do trabalho, Rogério Santos, História das Telecomunicações em Por-
pelo menos enquanto grupo profissional com uma tugal, 1998-1999 [textos publicados originalmente na re-
forte identidade e um centro polarizador. A au- vista Bits & Bytes e disponíveis em http://bocc.ubi.pt/
pag/santos-rogerio-historia-telecomunicacoes.pdf]; Idem,
tomatização das linhas telefónicas ficaria con- Olhos de Boneca. Uma História das Telecomunicações,
cluída em meados dos anos 1980 e em 1987 ar- 1880-1952, Lisboa, Edições Colibri – Portugal Telecom,
rancariam as primeiras centrais telefónicas digi- 1999; Rosa Gracinda Mateus, A Vida da Telefonista, [Lis-
tais. Se em 1986 ainda se anunciava uma “Esco- boa], Serviços Culturais dos CTT, 1950; Rui Fiolhais, So-
la Aberta a Telefonistas”, na sede do Sindicato aci- bre as Implicações Jurídico-Laborais do Teletrabalho Su-
bordinado em Portugal, Lisboa, Instituto do Emprego e
ma identificado [Ligação, n.o 10, p. 3], destinada Formação Profissional, 1998.
a aperfeiçoar a formação profissional de quem ain- [P. G.]
da não estivesse a par do funcionamento dos equi-
pamentos (PPC e PPCA) mais modernos, a partir Teresa Aço
dos anos 1990 a profissão, em especial dos ser- v. Teresa Aço Taveira
viços telefónicos do Estado na sua feição mais tra-
dicional, cairia em desuso. Nos anos 1990, em vir- Teresa Aço Taveira
tude dos avanços tecnológicos, a profissão de Atriz. Nasceu em Silves, a 18 de maio de 1852,
telefonista transmutou-se. Se por um lado a au- e faleceu no Hospital da Estefânia, em Lisboa, a
tomatização das ligações telefónicas sacrificou a 13 de maio de 1892. Ficou órfã muito nova e res-
figura tradicional da telefonista, isso não impli- ponsável por três irmãs mais novas, uma delas a
cou que não se mantivessem algumas funções pro- futura atriz Dores Aço*. Começou por costurar para
fissionais que podemos considerar suas sucedâ- ganhar o sustento. Iniciou-se como atriz amado-
neas. Para além da função de telefonista como ope- ra no Teatro Gil Vicente de Lagos, em 1871. Es-
radora de serviços de PBX de organizações mais criturou-se, depois, na Companhia do Dr. Cumano,
ou menos complexas, no final do século XX sur- então proprietário e diretor do Teatro Lethes, em
ge um novo tipo de trabalho muito ligado à uti- Faro. Nesse teatro fez os primeiros papéis im-
lização dos telefones e das novas tecnologias e portantes em Conspiração de Ambroise e A
comunicação, nomeadamente naquilo a que se Morgadinha de Valflor, drama em 5 atos, original
passou a designar como teletrabalho e, muito em de Pinheiro Chagas. Os atores Isidoro e Taborda
especial, da área mais restrita do telemarketing. viram-na representar, em Faro, e aconselharam-
Mas pelas suas características muito específicas na a tentar a carreira em Lisboa. Em 1877, entrou
[cf. Rui Fiolhais, 1988; João Simões, 1998; Maria numa peça que o ator Polla levou em digressão
José Sousa, 1999], desde as suas origens e difu- pelo Algarve, este quis trazê-la para a capital: em
são às implicações jurídicas deste modelo de tra- ambos os casos, Teresa Aço preferiu ficar. Ainda
balho e de relação laboral, esse é um tema que já representou no Teatro de Tavira. Em 1879, co-
escapa claramente ao âmbito desta abordagem. nheceu, em Faro, o empresário Afonso dos Reis
Bib.: Condições de Trabalho e Ordenados Mínimos para Taveira, que dirigia o teatrinho dos Artistas, com
os Empregados de escritório, cobradores, telefonistas, con- quem trabalhou e casou a 24 de dezembro de 1880,
tínuos e porteiros, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa,
1963; Condições de Trabalho e Ordenados Mínimos para
na igreja paroquial de Silves. Foi corrigindo de-
os Empregados de escritório, cobradores, telefonistas, con- feitos de fala e, em 1881, seria contratada pela so-
tínuos e porteiros, Lisboa, Rei da Sorte, 1972; Estatutos ciedade empresária do Teatro D. Maria II e aí de-
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butou na peça Burgueses de Pontarcy. Nesse mes- doença que se prolongou por três anos. O corpo
mo ano, o Diário Ilustrado dizia que ela se pen- foi para o Porto, onde foi recebido por atores e pela
teava horrivelmente, com tranças eriçadas, mas banda dos bombeiros voluntários daquela cida-
que tinha uma bela voz, sonora e rica. No ano se- de. Na igreja, a orquestra do Teatro do Príncipe
guinte, seguiu o marido para o Porto, para uma Real acompanhou as exéquias.
companhia dramática que funcionava no Teatro Bib.: Américo Lopes de Oliveira, Dicionário de Mulheres
Baquet. Ficou naquela cidade até 1885, repre- Célebres, Porto, Lello & Irmão, Editores, 1981, p. 7; An-
sentando, magnificamente, em vários teatros, pa- tónio Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Português, Lis-
péis em A Taberna, adaptação de L’Assommoir, boa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 197; Idem, Re-
cordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século, 1947, p. 119;
de Zola, Cão de Cego, Kean, de Alexandre Dumas, Gervásio Lobato, “Teresa Aço” [c/retrato], O Ocidente, Lis-
Cabana do Pai Tomás, original de Harriet Beecher boa, n.o 489, 02/07/1892, pp. 163-164; Guiomar Torrezão,
Stowe, adaptação de Adolph d’Ennery, Manhã de “Através dos Teatros”, Diário Ilusttrado, 13/12/1881, p. [2];
Artur, Falsa Adúltera, drama em 5 atos, tradução Idem, Ribaltas e Gambiarras, Lisboa, 2.a série, 08/09/1881,
de J. Gama, Senhora da Bonança, Cabo Simão, p. 261; Luiz Francisco Rebello (dir.), Dicionário do Tea-
tro Português, Lisboa, Prelo Editora, 1978, p. 20; Tomaz
drama de José Bento Araújo Assis, Os Fidalgos da Ribas, O Teatro da Trindade, Porto, Lello & Irmão, Editores,
Casa Mourisca, de Júlio Dinis, adaptação de Car- 1993, p. 33; O Recreio, Lisboa, n.o 13, 04/07/1892, p. 298;
los Borges, Tomada da Bastilha, Princesa de Bag- “Teresa Aço”, O Século, 14/05/1892, pp. 2 e 4; O Palco,
dad, de Alexandre Dumas, filho, tradução de Car- Lisboa, n.o 6, 1912, p. 85; O Anunciador Ilustrado, 1914;
O Teatro, Lisboa, n.o 3, fevereiro, 1918, p. 44, n.o 5, abril,
los de Moura Cabral, Filha do Mar, drama marí- 1918, p. 89, e n.o 7, junho, 1918, p. 130.
timo em 4 atos, e Noites da Índia, drama em 5 atos, [I. S. A.]
e 6 quadros, ambos de Luccotte, Filho da Noite,
Inglesa, Filho da Atriz. Em 1885, quando saíram Teresa Campos Piteira
do Porto, Taveira organizou uma companhia que Republicana. Nasceu em Évora, a 24 de agosto de
foi em digressão artística aos Açores, em cujo elen- 1889, e faleceu, na mesma localidade, a 4 de de-
co ia Teresa Taveira, que contribuiu com o seu ta- zembro de 1979, com 90 anos de idade. Após a
lento para o êxito obtido. No regresso, Taveira vol- implantação da República fez parte do grupo de
tou ao Porto como empresário do Teatro dos Re- senhoras eborenses que, em sinal de regozijo pelo
creios (depois denominado D. Afonso). Ali se re- advento do novo regime, bordou a bandeira na-
presentou, então, Guerras do Alecrim e Manjerona, cional e a ofereceram à Câmara Municipal local,
comédia de António José da Silva (o Judeu), e ou- numa cerimónia realizada a 30 de novembro. Ca-
tras peças sem êxito assinalável. A companhia pas- sou com José Calhau, irmão de Ana Laura Cha-
sou para o Teatro de S. João, do Porto, quando ar- veiro Calhau* e Maria Pires Chaveiro Calhau*, ati-
deu o Teatro Baquet e todos os espetáculos foram vistas da Liga Republicana das Mulheres Portu-
suspensos até se procederem a obras de preven- guesas e também intervenientes na confecção e
ção de incêndios. Teresa Aço seguiu a companhia doação daquele símbolo. Posteriormente, o ma-
em digressão pelas Ilhas. Depois disso, ainda vol- rido foi várias vezes preso pela polícia política,
tou ao Porto, integrada na Companhia Alves Ren- tendo, segundo relata Fina d’Armada, Teresa Cam-
te. Depois do falecimento deste, passou, com Ta- pos tido “dezoito visitas da PIDE em casa” [p.
veira, para o Teatro do Príncipe Real, naquela ci- 298], a última das quais já quase octogenária.
dade, onde representou Dominós Brancos (1884), Manteve-se toda a vida “interventiva social e po-
comédia em 3 atos, tradução de Luís Quirino Cha- liticamente” [p. 298].
ves. A última vez que representou foi em Reino Bib.: Fina d’Armada, Republicanas quase desconheci-
das Mulheres, peça fantástica em 3 atos, imitação das, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2011.
de Sousa Bastos, música coordenada por Freitas [J. E.]
Gazul. Distinguiu-se na criação dos papéis “al-
miranta”, em A Mártir, drama em 3 atos extraí- Teresa Dória Monteiro Santa Clara Gomes
do do romance de Richebourg por Adolph d’En- Filha do Eng. José Aires Santa Clara Gomes e de
nery, tradução de Guiomar Torrezão, “baronesa”, Maria Matilde Dória Monteiro, Teresa nasceu a
em Marquês de La Seiglière, comédia, tradução 31 de janeiro de 1936, em Aveiro, vindo a fale-
de Luís Augusto Palmeirim, ao lado de Palmira cer a 4 de outubro de 1996, em Lisboa. Fez os
Bastos* (1884), Fédora, tragédia, em adaptação de estudos primários e secundários no Colégio de
Victorien Sardou. Faleceu na sequência de uma S. José das Dominicanas, em Lisboa, e no Ra-
operação de ovariotomia decorrente de uma malhão, em Sintra. Licenciou-se em Filologia
887 TER

Germânica na Faculdade de Letras da Univer- namental, as suas intervenções situaram-se,


sidade de Lisboa, em 1958. Aos 22 anos de ida- principalmente, em três áreas: desenvolvimen-
de, Teresa Santa Clara foi convidada para as- to, educação permanente de adultos, em parti-
sistente do professor de Estudos Germânicos. Em cular de mulheres, e ações de formação cristã.
breve, veio a substituí-lo na condução do curso, Começando pelo desenvolvimento, Teresa San-
dado que aquele docente passou a consagrar gran- ta Clara Gomes, com um grupo de intelectuais
de parte do seu tempo à carreira parlamentar. Na empenhados, fundou a SEDES, primeira asso-
época, o currículo dos Estudos Germânicos de ciação nacional para o desenvolvimento eco-
todas as Faculdades de Letras estava em processo nómico e social, na década de 1960. No mesmo
de revisão, sendo a esta jovem que foi confiada decénio, criou e codirigiu a equipa técnica que
a tarefa de reestruturar os cursos relativos aos es- lançou, em Portugal, os “Programas de cons-
tudos da cultura e das instituições germânicas, ciencialização e de alfabetização” de populações
assim como aos da cultura e das instituições bri- rurais em diversas regiões do país, mobilizando
tânicas. O trabalho criador feito, então, por Te- centenas de jovens universitários nas ações de
resa Santa Clara teve profundas repercussões nas grupo. Nos anos 1970, com especialistas de edu-
ditas áreas de ensino durante largos anos. Ape- cação infantil, criou um projeto inovador des-
sar desse tempo tão enriquecedor, como acadé- tinado à idade pré-escolar em meio rural, per-
mica, Teresa decidiu um dia proceder a uma im- mitindo a introdução de tecnologias baratas e de
portante inflexão nas atividades desenvolvidas rentabilidade elevada, assim como a formação
e deixou a vida universitária. Dois fatores es- de educadoras recrutadas entre as jovens que não
senciais da política portuguesa prenderam a sua tinham tido acesso à escolaridade básica com-
atenção: a guerra colonial e as desigualdades ha- pleta. Dez anos depois, criou e animou o Mo-
vidas na sociedade convenceram-na da urgên- vimento para o Aprofundamento da Democra-
cia de um trabalho com as camadas jovens que cia destinado a encontrar novos conceitos e ações
tão bem conhecia e compreendia; o reconheci- com capacidade de enriquecer a nova democracia
mento de que era preciso tornar as mulheres ca- representativa instaurada em Portugal – esta ope-
pazes de enfrentar as novas realidades e de ocu- ração mobilizou numerosos grupos em todos os
par o papel que lhes era devido na vida do país. domínios. Na área de educação permanente de
Esses dois desafios conjugavam-se para a reali- adultos, em particular de mulheres, Teresa ani-
zação de um movimento cristão que Teresa lan- mou programas de cultura no “Centro de arte e
çou e cujo objetivo era o aprofundamento das de cultura” de Coimbra, e em outras cidades do
funções femininas, respondendo de forma cria- país, sobre questões da atualidade para a for-
dora às necessidades mais urgentes da sociedade mação sistemática de jovens adultos, nos anos
portuguesa, e permitindo uma procura espiritual 1960. Entre 1980 e 1990, fundou e dirigiu o cen-
sustentada e moderna numa comunidade sem tro cultural “O Terraço”, orientado para um pú-
verdadeiras referências religiosas. Ela desen- blico adulto em busca de resposta para os temas
volveu um conjunto de atividades onde se mis- mais “quentes” ou controversos sentidos na so-
turavam o governamental e o não-governamen- ciedade da época. Na década de 1980, orientou
tal, a iniciativa privada e as instituições públi- o programa de formação de jovens adultos à pro-
cas. Durante decénios, Teresa Santa Clara uniu cura de emprego no quadro do Fundo Social Eu-
a sua participação na sociedade civil com o com- ropeu. No decénio seguinte, coordenou o pro-
promisso assumido na vida política. Assim, no jeto “Mulheres 2000”, em colaboração com o pro-
domínio público, assinale-se o exercício das se- grama NOW da União Europeia. Foi, ainda, mem-
guintes funções: consultora do Gabinete de Es- bro do grupo diretor de “Terra Femina”, uma ini-
tudos e Planeamento Educativo do Ministério da ciativa de mulheres do Norte e do Sul com o fim
Educação; secretária de Estado da Cultura (III Go- de contribuir com um olhar feminino para a dis-
verno Constitucional); secretária de Estado Ad- cussão dos problemas do mundo, nas recentes
junta do Primeiro-Ministro (IV Governo Cons- conferências da ONU. Por último, mas não de
titucional); deputada no decurso de três man- menor relevância, exerceu o cargo de dirigente
datos – no primeiro como independente, pela nacional e internacional, por vários mandatos,
UEDS (1980-1983), nos dois últimos (1987-91 e do movimento transnacional de mulheres cris-
1991-95), também como independente, no gru- tãs – GRAAL. Quanto às ações de formação cris-
po parlamentar socialista. No plano não-gover- tã, Teresa Santa Clara Gomes lecionou no pro-
TER 888

grama de reciclagem do clero, nos anos 1960 e Afonso Taveira, que havia enviuvado da atriz Te-
1970, encarregada do sector “Mundo e Fé”, na resa Aço Taveira*, a 13 de maio de 1892. Neste
sequência da encíclica Gaudium et Spes. Durante teatro, explorado, a partir de 1901, pela Empresa
13 anos, dirigiu a publicação Igreja em diálogo, Taveira, e que retomou o género opereta, co-
consagrada à reflexão dos grandes temas do con- médias e revistas, a atriz teve atuações brilhan-
cílio Vaticano II. Dirigiu, ao longo de dez anos, tes em Os 28 Dias de Clarinha, opereta em 4 atos
a publicação Mudar a Vida, destinada a esta- de H. Raymond e A. Mars, tradução de Gervá-
belecer um elo entre as questões da sociedade sio Lobato e Acácio Antunes, música de Victor
e os estilos de vida pessoal. Durante os anos Roger, e A Mascote, ópera cómica em 3 atos de
1974-76, dirigiu também o conjunto Fichas Bí- Chivot e Doru, tradução de Eduardo Garrido, mú-
blicas, endereçadas às comunidades cristãs de sica de E. Audran. Em 1908, a empresa criou uma
base, utilizadas por centenas de grupos, com o companhia lírica composta só com cantores por-
fim de ajudar os cristãos a compreender e a em- tugueses e Teresa Taveira brilhou em O Trevo de
penhar-se, à luz do Evangelho, nos sucessos po- Quatro Folhas (1908), fez os papéis de “Frede-
líticos que tiveram lugar em Portugal naqueles rica”, na opereta Sonho de Valsa, “Gwendolina”,
dois agitados anos. Animou a renovação litúr- em O Rei das Montanhas (1912), ópera cómica
gica entre grupos de leigos, levando à criativi- em 3 atos, extraída do romance francês de
dade no domínio dos rituais e na utilização dos About, por Victor Léon, traduzido por Acácio An-
elementos simbólicos. Em 60 anos de vida, ple- tunes, com música de Franz Lehar, “Delfina”, em
namente vivida, Teresa Santa Clara Gomes ain- A Casta Susana (1912), opereta em 3 atos de
da encontrou tempo para realizar conferências J. Okonkowsky, música de J. Gilbert, tradução de
sobre temas de teologia e de espiritualidade cris- E. Nascimento Correia; entrou em Avante Fran-
tãs, assim como animar grupos em busca do sen- ceses! (1914), peça patriótica em 2 atos e 5 qua-
tido religioso da existência. dros, criou “Gilda”, na revista Pum!, de Artur
Bib.: Teresa Santa Clara Gomes, (1995), Documento edi-
d’Azevedo e Eduardo Garrido, e “Resagatt” em
tado pelo Graal, cedido por gentileza de Maria de Lour- As Calças do Juiz de Paz, vaudeville adaptado
des Pintasilgo. por João Soler, com música de Nicolino Milano,
[I. L.] e foi muito aplaudida em O Dia do Juízo (1915)
e O Ovo de Colombo (1917), revistas de Eduar-
Teresa Gomes do Schwalbach, música de Del Negro e Alves
v. Maria Teresa Baptista Gomes de Almeida Coelho, e O Cão do Regimento, opereta em 4 atos
de Pierre Decourcelles, no papel de “Jacquote”.
Teresa Matos Taveira Era, no dizer de Guedes de Oliveira, no Alma-
Atriz que se distinguiu em todos os géneros tea- naque dos Palcos e Salas, “forte, cheia de paz,
trais. Nasceu no Porto, a 19 de janeiro de 1863 cheia de saúde, sólida na sua opulenta figura mi-
ou 1864, e faleceu em Lisboa, a 5 de abril de nhota [...], tinha muitos filhos”. Em 1916, ficou
1948. Estreou-se no Teatro Chalet, do Porto, a 15 viúva e assumiu a Empresa Taveira que explo-
de março de 1886, na mágica Diadema Miste- rava o Teatro da Trindade desde 1901. Em
rioso, integrada na Companhia Dramática Dal- 1917, levou a companhia em digressão ao Bra-
lot. Fazia parte do elenco do Teatro Baquet do sil. No regresso, estreou-se com A Flor das Pam-
Porto quando este ardeu em 1888, onde faleceu pas (1918), opereta em 3 atos de Okonkowsky,
o marido, Henrique Prata, ponto daquela casa de música de Georg Carmo, a que se seguiram Ao
espetáculos. Passou para o Teatro do Príncipe Deus Dará (1918), revista em 2 atos de Eduardo
Real, naquela cidade. Veio para Lisboa, onde fez, Schwalbach, música de Del Negro, A. Coelho e
no Teatro da Avenida, Ali...à Preta! (1898), re- Luís Filgueiras, tendo o Presidente da Repúbli-
vista do Porto, de 1897, em 3 atos e 16 quadros ca, Sidónio Pais, assistido à estreia, Gato Mal-
de Guedes de Oliveira, música, parte original, tez (1918), revista de Artur Arriegas, música de
parte coordenada, por Ciríaco Cardoso. Nesse Luís Filgueiras e Adolfo Mântua; foi brilhante
ano, integrou o elenco da Companhia Afonso Ta- no papel de “Uma Mulher”, em Braz Gadunha
veira, no Teatro da Trindade, onde representou (1928), drama em 3 atos de Samuel Maia. Tra-
A Preta do Mexilhão (1898), paródia de Pedro balhou, pela última vez, no Teatro Nacional
Pinto Coelho Júnior à Aida de Verdi, entre ou- D. Maria II. Outras peças do seu repertório: No
tras. Aqui casou, em segundas núpcias, com País do Vinho, revista de André Brun e Leandro
889 TER

Navarro, musicada por Figueiras e Filipe Duar- de parceria com Eduardo Lopes Rodrigues, Po-
te; Os Sinos de Corneville, ópera cómica em 3 lítica Comunitária da Concorrência – Um Estí-
atos e 4 quadros, de Clairville e Gabet, tradução mulo para os Empresários Portugueses.
de Eduardo Garrido, música de Robert Plan- Da autora: Política Comunitária da Concorrência – Um Es-
quette; Madame Angot, opereta de Charles Le- tímulo para os Empresários Portugueses [de parceria com
coq; El Rei Danado; Causa Célebre, de Adolph Eduardo Lopes Rodrigues], Lisboa, Ed. Inquérito, 1989.
d’Ennery e Cormon, tradução de Maximiliano de Fonte: Informações prestadas pelo Eng. José Ricou, pa-
rente próximo de Teresa Ricou.
Azevedo; Conde de Monte Cristo, drama de Ale- Bib.: Dina Canço, Do Valor Lealdade e Mérito das Mu-
xandre Dumas, tradução de Silva Leal; As Duas lheres Portuguesas, Lisboa, Comissão para a Igualdade
Garotas; É Preciso Viver; Mulher Nua, de Hen- e para os Direitos das Mulheres, 1995; www. gov.pt.
ri Bataille; Hotel de Livre Câmbio, comédia em [M. R. S.]
3 atos, original de Georges Feydeau, tradução de
Carlos de Moura Cabral; Andorinhas, vaudeville; Teresa Prata
O Assassino de Macário, de Clairville, Brost e v. Teresa Matos Taveira
Bernard, adaptação de Camilo Castelo Branco;
O Novo Testamento; O Outro Eu; Magiares; Os Teresa Sales
Ciganos de Paris, drama, traduzido por Silva Atriz. Em 1905, fazia parte da Sociedade Teatro
Leal. Livre, dirigida por António Pinheiro, no Ginásio,
uma iniciativa que visava a educação do públi-
Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu-
guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, p. 286; co pela arte cénica, levando à cena peças ex-
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XXX, pressamente escolhidas para o fim. Entre as pe-
Lisboa/Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia, Lda., s.a., ças do repertório, estavam Missa Nova, de Ben-
p. 829; Gustavo de Matos Sequeira, O Carmo e a Trindade, to Faria, O Condenado, de Valentim Machado, Os
Vol. II, Lisboa, Publicações Culturais da Câmara Muni-
cipal de Lisboa, 1967, pp. 412-413; Joaquim Madureira que Furam, de Emídio Garcia, Às Feras, de Ma-
(Braz Burity), Impressões de Teatro, Lisboa, Ferreira & Oli- nuel Laranjeira, Prosa, de Gaston Sandri, Mater-
veira, Lda. Editores, 1905, p. 492; Mercedes Blasco, Me- nidade, de Brieux, Pai Natural, de Ernest Depré
mórias de uma actriz, Lisboa, Ed. Viúva Tavares Cardo- e Paul Charton, As Vítimas, de Fédéric Boutet, A
so, 1907, p. 79; A Scena, Lisboa, n.o 59 19/06/1898; Al- Confissão de Amigo, de Hermann Sudermann, e
manaque dos Palcos e Salas, Lisboa, Arnaldo Bordalo,
Editor, 02/04/1903, pp. 65-68; O Ocidente, n.o 917, Uma Falência, de Bjornstjerne Bjornson.
20/06/1904, p. 131; “Teatros – Foi neste dia...”, O Sécu- Bib.: António Pinheiro, Ossos do Ofício, Lisboa, Livra-
lo, 15/03/1960, p. 4. ria Bordalo Editora, 1912.
[I. S. A.] [I. S. A.]

Teresa Paula de Oliveira Ricou Teresa Santa Clara Gomes


Nasceu em Lisboa, a 8 de maio de 1948, e mor- v. Teresa Dória Monteiro Santa Clara Gomes
reu na mesma cidade, em 1992, em consequência
de uma intervenção cirúrgica mal sucedida. Era, Teresa Soares
nessa altura, secretária de Estado do Comércio Atriz. Mãe das atrizes Maria Soares* e de Ludovina
Interno do XII Governo Constitucional chefiado Soares*. Pertencia ao velho Teatro da Rua dos Con-
pelo Prof. Cavaco Silva. Antes de exercer fun- des que fechou, em finais de 1829, quando gran-
ções governamentais, foi diretora-geral da Con- de parte do elenco deste teatro foi contratada para
corrência e Preços e pertenceu aos quadros exe- o Teatro de S. Pedro, no Rio de Janeiro.
cutivos da Nestlé Portugal. Era filha do almirante [I. S. A.]
Emanuel Ricou e de Margarida de Oliveira Ri-
cou, e prima de Teresa Ricou – “Teté – a mulher Teresa Taveira
palhaço”. Teve, de dois casamentos, cinco filhos, v. Teresa Aço Taveira
dos quais dois morreram eletrocutados em trá-
gico acidente. Foi aluna do Instituto de Odive- Tomásia Veloso
las, onde completou o ensino secundário, e li- Atriz e estrela de opereta. Nasceu a 22 de abril
cenciou-se em Economia pelo Instituto Superior de 1865 e faleceu no Porto, a 6 de abril de 1888,
de Ciências Económicas e Financeiras de Lisboa. vítima de tifo. Era filha de Carlota Veloso* e do
Foi agraciada com a Ordem do Mérito Agríco- ator Alves e irmã de Margarida Veloso*. Tomá-
la e Industrial, grau de Comendadora. Escreveu, sia era, no dizer de Sousa Bastos, “a mais bela e
TOU 890

talentosa, uma verdadeira artista, insinuante e cote, ópera cómica em 3 atos, de Chivot e Doru,
cheia de variadas aptidões para a cena” e “uma música de E. Audran. Em 1888, era primeira fi-
vocação perfeita, completa”. Estreou-se, aos gura da Companhia de Ópera do Príncipe Real
cinco anos, no Teatro Bocage, em Setúbal, re- do Porto, dirigida pelo maestro Alves Rente. Vi-
presentando papéis de criança nas peças Cabo Si- via em frente ao Teatro Baquet e, por ocasião do
mão, drama de José Bento de Araújo Assis, e Mãe incêndio, foi para a janela observar o que se pas-
dos Escravos. Em 1878, estava na Companhia sava, em camisa de noite, constipou-se e acabou
Sousa Bastos, no Teatro do Príncipe Real, em Lis- por falecer.
boa, onde fez bons papéis em travesti; repre- Bib.: António Sousa Bastos, Dicionário do Teatro Portu-
sentava O Verde Gaio (1878) quando conheceu guês, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1908, pp. 11 e 197;
o poeta Cesário Verde (1855-1886), apaixonaram- Idem, Recordações de Teatro, Lisboa, Editorial Século,
-se e o poeta homenageou-a em Cristalizações: 1947, p. 128; Cesário Verde, O Sentimento dum Ociden-
tal/Cristalizações, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian,
“[...] / Donde ela vem! A actriz que tanto cum- 1986, pp. 28-39; Gervásio Lobato, “Tomazia Velloso” [c/
primento / E a quem, à noite na plateia, atraio / fot.], O Contemporâneo, Letras, Artes, Ciências, Lisboa,
Os olhos lisos como polimento! / Com seu ros- n.o 59, 1878, p. [1]; Francisco António de Mattos, “Ecos
tinho estreito, friorento, / Caminha agora para o dos Espectáculos”, O Recreio, Lisboa, 5.a série, n.o 9,
seu ensaio. / [...] / Mas as finas feições, o quei- 09/04/1888; Guiomar Torrezão, “Rumores dos Palcos”, Ri-
baltas e Gambiarras, Lisboa, série 1, 26/03/1881, p. 238;
xo hostil, distinto / Furtiva a tiritar em suas pe- Idem, “Tomazia Velloso” [c/ retrato por Pastor], Almanaque
les, / Espanta-me a atrizita que hoje pinto, / Nes- das Senhoras para 1893, Lisboa, Redacção do Almanaque
te dezembro enérgico, sucinto, / E nestes sítios das Senhoras, pp. 209-210; João Pinto de Figueiredo, A Vida
suburbanos, reles! / [...] / E Ela vacila, hesita, im- de Cesário Verde, Lisboa, Ed. Presença, 1986, pp. 137-144;
Mercedes Blasco, Memórias de uma actriz, Lisboa, Ed. Viú-
paciente / Sobre as botinhas de tacões agudos”. va Tavares Cardoso, 1907, pp. 27 e 79; “Tomásia Velloso”
O impedimento, pela mãe da jovem atriz, de fre- O Século, 07/04/1888, p. 3.
quentar o camarim, e a partida de Tomásia para [I. S. A.]
o Porto, logo que terminou a atuação em Verde
Gaio, parecem ter esfriado o interesse do poeta. Toucador (O)
Porém, em 1881, foi passar uns dias ao Porto e Usando como subtítulo “Periódico sem política”,
soube do envolvimento da atriz com um tal Oli- o semanário O Toucador publicou-se entre fe-
veira e Silva, conhecido por “Oliveira Grosso”, vereiro e março de 1822. Os quatro primeiros nú-
rapaz atlético com quem se envolveu em pancada. meros saíram no mês de fevereiro e os três se-
Ficaram os versos. A Companhia Portuense de guintes imprimiram-se em março, conforme se
Opereta, dirigida por Augusto Garraio e Alves pode inferir da edição original consultada nos Re-
Rente, veio ao Teatro dos Recreios de Lisboa, em servados da Biblioteca Nacional. O Toucador to-
1881, e Tomásia cantou na opereta Pompon, de talizou, pois, sete números antecedidos de um nú-
Lecocq, ao lado de Amélia Garraio*, e fez o pa- mero “Prospecto”. Até onde se conhece, foi o pri-
pel de “Luisa Portocarrero” em Os Dragões d’El meiro jornal “dedicado às senhoras portuguesas”,
Rei, ópera cómica em 5 atos, tradução de Eduar- designadamente da alta burguesia citadina, me-
do Garrido e Francisco Palha, música de José Ro- recendo, assim, a classificação de periódico fe-
gel. Regressou ao Príncipe Real, do Porto, onde minino tal como Maria Ivone Leal definiu nes-
continuou a agradar em O Naufrágio da Fraga- ta expressão – “todas as publicações destinadas
ta Medusa, mágica de Joaquim Augusto de Oli- a público feminino” [p.12]. Teve como fundadores
veira, fez o papel de “filha” em Mr. Alphonse e e redatores Almeida Garrett e Luís Francisco Mi-
foi um triunfo. Seguiram-se Lenço Branco, co- dosi, embora a maior parte dos analistas consi-
média em 3 atos, tradução de Rangel de Lima; Su- derem que os artigos foram quase todos da
plício de Uma Mulher, drama em 3 atos de Gi- pena de Garrett, nomeadamente as poesias,
rardin, tradução de Ernesto Biester; Sansão, de muitas das quais iriam mais tarde aparecer na Lí-
Bernstein, tradução de Eduardo de Noronha, em rica de João Mínimo. Segundo o “Prospecto”, a
que interpretou o papel de “Anjo”; Romã En- folha versaria “sobre matérias muito interes-
cantada, mágica em 2 atos, de Carlos Augusto da santes”, a saber: “Modas” e “Variedades”, temas
Silva Pessoa; Homem do Povo; Trabalho e Hon- presentes em todos os números; “Namoro”,
ra, comédia-drama em 3 atos, imitação de César “Bailes” e “Jogos”, publicados em três números;
de Lacerda; Os Incendiários, drama em 5 atos, tra- “Teatro”, tratado em cinco números; finalmen-
dução de Bayard; e fez festa artística com Mas- te, “Passeios” que constituiu assunto inscrito num
891 TOU

único número. Todo este conjunto temático ho- guintes, com 16 páginas cada um no formato de
menageava o “Sexo amável e encantador, que 18 cm, editaram-se na Impressão Liberal, Rua For-
fazeis as nossas delícias, aprimorais os nossos pra- mosa, n.o 42, também em Lisboa. A assinatura do
zeres, adoçais nossas amarguras, e sois a essên- jornal por três meses custava na capital 1$200 réis,
cia da vida, o afago da existência”. Em suma, con- nas províncias era de 1$440 réis [Ferreira Lima,
soante as relações entre os géneros eram conce- p. 2, col. 6]. O Toucador foi o único periódico oi-
bidas à época, as mulheres estavam aqui pers- tocentista a ser reeditado duas vezes no século
petivadas em função de outrem – os homens. De XX. A Portugália Editora deu à estampa a 2.a edi-
acordo com a “Introdução”, já que os redatores ção, em 1957, com “Prefácio” de Fernando de
não pretendiam “politicar e despoliticar”, o Castro Pires de Lima. A editora Veja responsa-
que fazia todo o sentido, tratando-se de um jor- bilizou-se pela 3.a edição, em 1993, com o mes-
nal destinado ao público feminino, surgiu a di- mo “Prefácio”. A publicação original teve vida
ficuldade de se lhe encontrar um título. Foi pre- efémera, não chegando a completar dois meses.
cisamente uma mulher que, em frente do seu tou- “O Toucador morreu como luz que se apaga à
cador, sugeriu o nome do mesmo. Aí, “É quando míngua de óleo. Não tinha assinaturas, a venda
as senhoras mais cuidam de seus importantes ne- avulsa não cobria as despesas e os redatores eram
gócios, onde mais se esmeram em seus cuidados”. pobres. Em fins de março venderam o fundo da
Almeida Garrett desejou dar a esta empresa um empresa, e foram gastar o dinheiro em Sintra, em
sentido didático, paternalista mesmo: “o nosso companhia de outros amigos” [Gomes de Amo-
fim único é e será sempre o de instruir o belo- rim, p. 251]. Pertinentemente, Ana Maria Costa
sexo” [n.o III, p. 9]. Na noite de 29 de setembro Lopes interpretou-o “como exercício do ócio” pra-
de 1821, conhecera no Teatro do Bairro Alto uma ticado pelos jovens Garrett e Midosi [p. 213].
menina de 15 anos, Luísa Cândida Midosi, com Bib.: Ana Maria Costa Lopes, Imagens da mulher na im-
quem veio a casar a 11 de novembro de 1822, na prensa feminina de oitocentos. Percursos de Modernidade,
Igreja de São Nicolau de Lisboa. A “despropor- Lisboa, Quimera, 2005; Francisco Gomes de Amorim, Gar-
ção das inteligências”, entre ele e a noiva, era rett. Memórias Biográficas, Tomo I, Lisboa, Imprensa Na-
cional, 1881; Henrique de Campos Ferreira Lima, “Gar-
grande, por isso “tratou de ver se era possível en- rett Jornalista”, O Jornal do Comércio e das Colónias,
curtar a distância que os separava”. Assim, ten- 08/05/1926, p. 2, cols. 4-7; Maria Ivone Leal, Um Século
tou dar à mulher “instrução literária superior à de Periódicos Femininos, Lisboa, CIDM, 1992.
que podia comportar a sua inteligência” [Gomes [M.E.S.]
de Amorim, p. 273]. O desidério do poeta,
como se lê, não teria resultado, mas ficou patente
em O Toucador. Cumprindo esse fim instrutivo,
os sete temas tratados nas suas páginas abriam
cada um com uma breve perspetiva histórica.
Quanto ao subtítulo “Periódico sem política”,
também não foi integralmente observado. O pa-
ladino do Vintismo, o colaborador do Setem-
brismo, o subscritor do 1.o Acto Adicional de
1852, não conseguiu subtrair-se a alguns co-
mentários de ordem política. Desde logo, na
forma de datação do “Prospecto” e dos sete nú-
meros: “Ano II (1822)”, seguindo o calendário re-
volucionário. Outros exemplos ficaram regista-
dos: “os Ingleses, que em tudo se querem meter”
[n.o I, p. 6]; desenterrando o vermelho das cores
nacionais, “ocupou o azul e o branco o sólio da
moda” [n.o II, p. 4]; aos enfeites de plumas à Tu-
pinambá, “Diz-se que lhe dão o nome de enfei-
tes à independente!!!” [n.o VII, p. 5], numa cla-
ra alusão ao processo brasileiro. O “Prospecto”
saiu da Impressão de João Nunes Esteves, Rua dos
Correeiros, n.o 144, Lisboa. Os sete números se-
U
UMAR – União de Mulheres Alternativa e Res-
posta
v. Associações de Mulheres nas décadas de 70
e 80 do século XX

Umbelina Antunes
Atriz. Nasceu em Elvas, a 12 de março de 1865,
e faleceu em Lisboa, a 15 de outubro de 1892. Ca-
sou com o tipógrafo e ator amador dramático Au-
gusto Antunes (1842-1912). Estreou-se no Rio de
Janeiro, em 1886, integrada na Companhia do Tea-
tro D. Maria II, onde trabalhou até ao fim da car-
reira. Das suas peças, lembramos O Fim de So-
doma (1892), de Hermann Sudermann.
Bib.: Luiz Francisco Rebello (dir.), “Augusto Antunes”,
Dicionário do Teatro Português, Lisboa, Prelo Editora,
1978, p. 52; Almanaque dos Palcos e Salas, para 1904,
Lisboa, Arnaldo Bordalo, Editor, 1903.
[I. S. A.]
V
Valentina de Lucena município de Lisboa e que, em 1892, passou para
Pseudónimo da escritora Maria Amália Vaz de a tutela do Ministério das Obras Públicas. Em
Carvalho. 1895, a 2.a secção autonomizou-se com o nome
de Escola Industrial do Príncipe Real. Na se-
Venda da Flor quência do decreto de 14/12/1897, que reorga-
v. Festa da Flor nizou o ensino nas escolas industriais e de de-
senho industrial, foi criado o curso de lavores fe-
Vicenta Guerreiro mininos, com a respetiva oficina, na Escola do
Primeira bailarina do Teatro dos Recreios, filha Príncipe Real. Virgínia Marques, pertencente ao
do empresário Manuel Guerreiro e de sua mu- pessoal adido, foi nomeada mestra, auxiliando Ma-
lher Petra Câmara. ria Augusta de Vasconcelos Soares*. Ainda exer-
Bib.: Diário Ilustrado, 19/05/1882. cia à data da implantação da República.
[I. S. A.] Fontes: Decreto de 14/12/1897, Diário do Governo,
n.o 283, de 15 de dezembro de 1897; Anuário Comercial
Violet Mallet Fulford-Williams de Portugal, Ilhas e Ultramar (1896-1911), Lisboa, 1895-
-1910; Portugal, Ministério da Fazenda, Direcção Geral
Inglesa. Nasceu na África do Sul. Casou com o da Estatística e dos Próprios Nacionais, Anuário Esta-
reverendo Henry Fulford-Williams, que foi pas- tístico de Portugal. 1900, Lisboa, Imprensa Nacional, 1907.
tor da Igreja Anglicana de São Jorge, em Lisboa, Bib.: Teresa Pinto, A Formação Profissional das Mulheres
entre 1937 e 1945 e que morreu em 1966. Am- no Ensino Industrial Público (1884-1910). Realidades e
bos trabalharam de forma empenhada no aco- representações, Dissertação de Doutoramento, Lisboa,
Universidade Aberta, 2008.
lhimento e acompanhamento dos muitos refu- [T. P.]
giados que entraram em Portugal a partir de 1940.
Montaram camaratas em sua casa onde não só Virgínia Dias da Silva
os refugiados mas também os animais que por Conhecida como “atriz Virgínia”, foi uma das ar-
vezes os acompanhavam eram acolhidos com boa tistas mais ilustres do nosso teatro e professora
disposição e afeto. Deixaram excelentes recor- da Escola de Arte de Representar. Nasceu em Tor-
dações na comunidade britânica. Depois da guer- res Novas, a 19 de março de 1850, e faleceu em
ra, regressaram ao Reino Unido, onde o marido Lisboa, a 19 de dezembro de 1922. Filha de Si-
exerceu a sua pastoral em Exeter e onde conti- mão Dias da Silva e de Miquelina da Conceição,
nuaram a receber os muitos amigos vindos de casou com o ator e empresário teatral Alfredo Fer-
Portugal. Em 1968, Violet publicou, em edição reira da Silva (1859-1923), nove anos mais
privada, o livro de memórias Under my Patch- novo do que ela e de quem acabou por se di-
work Quilt, onde descreve a sua vida na Índia, vorciar. De uma família pobre, veio, ainda
quando recém-casada, além dos tempos de Lis- criança, para casa de uma tia, em Lisboa. O pa-
boa. Mãe de dois filhos (um dos quais morreu drinho, Rafael Rodrigues de Oliveira, acionista
na guerra) e de uma filha, faleceu em 1971. do Teatro da Rua dos Condes, recomendou-a a
Bib.: The Anglo-Portuguese News, n.o 1008, 21/08/1971. César de Lima, então empresário do Teatro do
[A. V.] Príncipe Real, que lhe achou mérito e conseguiu
que a tia apoiasse a escritura da sobrinha naquele
Virgínia Carlota Xavier dos Santos e Silva teatro. Estreou-se, a 15 de abril de 1866, num pe-
v. Virgínia Santos de Avelar queno papel de Mocidade e Honra, comédia em
2 atos de José Carlos Santos, e foi muito bem re-
Virgínia Cassia do Sacramento Marques cebida pelo público. Em agosto de 1867, o tea-
Mestra na oficina de lavores femininos da Esco- tro passou a ser dirigido pela Empresa Pinto Bas-
la Industrial do Príncipe Real, em Lisboa, a par- tos & José Carlos Santos e Virgínia ali continuou,
tir de 1894/95. Virgínia do Sacramento Marques progredindo sob a orientação deste ator, com es-
foi mestra de trabalhos manuais elementares para pecial agrado nos dramas João, o Carteiro
o sexo feminino na 2.a secção da Escola Rodrigues (1867), em 5 atos e 7 quadros, tradução de Fer-
Sampaio, Escola Primária Superior criada pelo reira de Mesquita, Os Solteirões (1867), de Vic-
VIR 896

torien Sardou, O Abismo, Por Causa de Uma Car- dim, peça em estreia, no papel de “Luísa”, Fé-
ta, uma adaptação de Les Pattes de Mouche de dora (1883), de Sardou, As Nadadoras (1884),
Victorien Sardou, A Vida de Um Rapaz Pobre, de Fernando Caldeira, O Cardeal Richelieu
em 5 atos e 7 quadros, de Octave Feuillet, tra- (1884), de Edward Bulwer-Lytton, Martha (1884),
dução de Joaquim José Annaya, Os Dois Anjos, dramalhão de George Ohnet, e Dionísia (1885),
O Que Fazem as Rosas, em verso, de Eduardo de Alexandre Dumas, filho, ambas traduzidas por
Vidal. Como cantava bem, foi incluída nas ópe- Guiomar Torrezão, O Marquês de Villemer
ras cómicas A Grã-Duquesa de Gerolstein (1868), (1885), de George Sand, tradução de Ramalho Or-
em 3 atos e 4 quadros, de Halevy e Meilhac, tra- tigão, O Marido (1885), de Eugène Ives e Arthur
dução de Eduardo Garrido, A Ponte dos Suspi- Arnold, tradução de Abreu Marques. Protago-
ros, em 4 atos, ambas com música de J. Offen- nizou Martin (1886), extraído do romance de Ri-
bach, e Flor de Chá. Quando José Carlos dos San- chebourg, por Adolph d’Ennery, tradução de
tos passou a explorar o Teatro D. Maria II, em Guiomar Torrezão, O Duque de Viseu (1886), dra-
1870, levou Virgínia, que ali fez carreira, inte- ma em 5 atos, em verso, de Henrique Lopes de
grando os elencos das peças em cartaz, com re- Mendonça, no papel de “Margarida”, Samuel
levância para Pátria (1871), de Victorien Sardou, (1887), de Augusto Lacerda, no papel de “He-
Maria Antonieta (1872), drama em 5 atos de Gia- lena”, Severo Torelli (1887), drama trágico em ver-
cometti, tradução de Ernesto Biester, e O Drama so, de François Coppé, tradução do visconde de
do Povo (1875), de Pinheiro Chagas. Entre 1876 Monsaraz e Jaime Victor, Leonor Teles (1889),
e 1880, o D. Maria II foi adjudicado à Empresa drama em 5 atos, Os Castros (1893) e Dor Su-
Biester, Brazão, & Ca. e Virgínia continuou no tea- prema (1895), tragédia em 3 atos, no papel de “Jú-
tro, onde representou, entre outras, as peças A lia”, três peças originais de Marcelino Mesqui-
Varina (1877), comédia em 5 atos, de Fernando ta. No verão de 1895, organizou uma companhia
Caldeira, em seu benefício, O Bobo (1877), de dramática de que faziam parte Carolina Falco*,
Alexandre Herculano, adaptação de Carlos Bor- Emília Lopes*, Delfina da Conceição*, Laura Cruz*
ges, em benefício do ator Joaquim de Almeida, e os atores Soler e Ferreira da Silva, dirigidos pelo
os dramas Capitão Paulo (1878), A Família Da- diretor de cena do Teatro D. Maria II, Augusto
nicheff (1878), em 4 atos, ambos de Alexandre de Melo, para percorrer as províncias. Levaram
Dumas, Hernâni (1879), de Victor Hugo, tradu- algumas peças do repertório daquele teatro e ou-
ção de Pinheiro Chagas, no papel de “Dona Sol”, tras inéditas, tais como A Toutinegra Real, em
A Filha de Corália (1880), O Segredo de Miss Au- 4 atos, de D. João da Câmara, escrita expressa-
rora (1880), em seu benefício, Os Fidalgos da mente para a tournée, A Evasão, de Fialho de Al-
Casa Mourisca (1880), adaptação do livro de Jú- meida, traduzida para o fim, e Antonieta Rigaud,
lio Dinis por Carlos Borges, As Duas Damas em 3 atos, tradução de Maximiliano de Azeve-
(1880), de P. Ferrari, tradução de Pinheiro Cha- do. Em 1897, foi para o Teatro da Trindade onde
gas, Os Burgueses de Pontarcy (1880), em 5 atos, o marido era empresário e, além do repertório
tradução de Chaves de Aguiar, e A Estrangeira do teatro, distinguiu-se em Musotte (1897), de
(1880), de Alexandre Dumas, filho; as comédias Guy de Maupassant e Jacques Normand, peça
A Mantilha de Renda (1880), em 2 atos, original pouco adequada ao público daquele teatro, ha-
em verso de Fernando Caldeira, e O Nono bituado a revistas e mágicas, pelo que não teve
Mandamento (1880), em 3 atos. A 30 de outu- grande êxito. Fez benefício com Viagem à Lua,
bro de 1880, integrou-se na Sociedade dos Ar- opereta fantástica inspirada em Júlio Verne, tra-
tistas Portugueses, quando a Empresa Rosas & duzida por Eduardo Garrido, música de Offen-
Brazão passou a explorar o teatro, e seguiu so- bach, e foi-lhe confiado o papel de “Dulce”, em
mando triunfos em A Sociedade onde a Gente Auto dos Esquecidos (1898), drama em 3 jornadas
se Aborrece (1881), de Édouard Pailleron, adap- e 1 prólogo, em verso, original de Sousa Mon-
tação de Gervásio Lobato, A Oração dos Náu- teiro, peça premiada no concurso para o cente-
fragos (1881), dramalhão, O Grande Homem nário da Índia. Era, então, societária do Teatro
(1881), comédia em 4 atos, original de Teixeira da Trindade. Em 1898, quando a Companhia Ro-
de Queiroz, A Princesa de Bagdad (1881), de Ale- sas & Brazão deixou o D. Maria II, Virgínia con-
xandre Dumas, filho, O Grande Industrial tinuou neste teatro, classificada em 1.a atriz, na
(1882), de Georges Ohnet, Casamento Civil companhia em que figuravam, além do marido,
(1882), comédia-drama em 4 atos de Cipriano Jar- o ator José Carlos Santos e outros artistas com
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