Horácio - A Arte Poética PDF
Horácio - A Arte Poética PDF
Horácio - A Arte Poética PDF
ed. bilngue
Organizadores
Bruno Maciel
Darla Monteiro
Jlia Avelar
Sandra Bianchet
Organizadores
Bruno Maciel
Darla Monteiro
Jlia Avelar
Sandra Bianchet
Epistula ad Pisones
ed. bilngue
FALE/UFMG
Belo Horizonte
2013
Sumrio
Vice-Diretora
Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet
Comisso editorial
Eliana Loureno de Lima Reis
Elisa Amorim Vieira
Fbio Bonfim Duarte
Lucia Castello Branco
Maria Cndida Trindade Costa de Seabra 5 Introduo
Maria Ins de Almeida 9 Bibliografia comentada
Snia Queiroz
Epistula ad Pisones
Capa e projeto grfico
Glria Campos 12 Epistula ad Pisones
Mang Ilustrao e Design Grfico 13 Epstola aos Pises
Preparao de originais
Nathalia Bonato
Diagramao
Nathalia Bonato
Reviso de provas
Paulo Belato
ISBN
978-85-7758-204-4 (impresso)
978-85-7758-205-1 (digital)
Sobre o texto
A Epistula ad Pisones, provavelmente escrita entre 14-10 AEC, objetivava
apresentar aos Pises, amigos de Horcio pertencentes a uma famlia
romana patrcia, uma srie de preceitos e conselhos relacionados tcnica
da poesia (ars) e s qualidades necessrias aos poetas. Exatamente
devido a esse carter preceptivo, a obra foi, j entre os prprios romanos, amplamente utilizada na literatura para denominar as obras que se ini-
considerada uma verdadeira Potica, um manual clssico sobre a ciam em meio narrativa, valendo-se do recurso do flashback, tem sua
composio de poemas, sendo, inclusive, referida por Quintiliano (Institutio origem no texto horaciano (v. 148).
oratoria, livro VIII, captulo 3) como Ars Poetica. Uma vez que sintetiza e expe um conjunto de regras referentes aos
Dentre as principais orientaes expostas por Horcio, merece gneros clssicos (sobretudo no que diz respeito ao gnero dramtico), a
destaque a concepo de que o poeta sublime seria aquele capaz de Epistula ad Pisones influenciou boa parte da produo literria posterior,
harmonizar as instncias da ars (arte, compreendida como tcnica) e do adquirindo, historicamente, o carter de objeto de imitao ou cdigo
ingenium (engenho, compreendido como talento nato), de tal modo que de prtica. Evidncia disso fora a sua recepo no Renascimento e sua
se encontrasse em um ponto de equilbrio entre ambos. Essa postura, influncia, por exemplo, sobre o classicismo francs, em que vigoravam
baseada na moderao e na busca de harmonia, revela o ideal de muitos dos preceitos horacianos, adotados por dramaturgos como
aurea mediocritas tambm presente nas odes horacianas. No entanto, Racine e Molire. Igualmente, a epstola de Horcio, juntamente com
interessante observar que, na epstola, abordada com muito mais a Arte potica aristotlica, serviu de fonte a diversas poticas escritas
frequncia a ars, na medida em que Horcio visava ensinar aos Pises posteriormente, como, por exemplo, a Potica de Escaligero (1561), a
a tcnica da poesia. Desse modo, so feitas consideraes acerca da Philosophia antigua poetica de Alonso Lpez (1596) e Lart potique de
necessidade de unidade, ordenao e coerncia nas obras poticas e da Boileau (1674). Na tradio portuguesa, por sua vez, digna de nota
adequao do contedo ao metro utilizado; alm disso, so expostas a famosa Carta XII, de Antnio Ferreira, a Diogo de Bernardes (sculo
diversas regras concernentes poesia dramtica. Ademais, Horcio XVI), que uma espcie de transposio dos princpios fundamentais da
defende que a obra potica seja simultaneamente til e agradvel, de Epistula ad Pisones.
modo que possa no apenas deleitar o leitor, mas tambm instru-lo.
O trabalho do poeta, portanto, segundo a concepo horaciana,
Sobre o autor
no resulta somente da criao, mas envolve preceitos que podem ser
Quinto Horcio Flaco nasceu a 8 de dezembro de 65 AEC, em Vensia, no
apreendidos por meio do estudo e da consulta s fontes gregas. A isso,
sul da Itlia. Foi um dos maiores poetas latinos e notabilizou-se, principal-
soma-se o constante labor sobre o poema, que deve ser cuidadosamente
mente, pela poesia lrica. Embora tivesse origem humilde, era de condio
limado (v. 290-294; v. 438-450). Dessa forma, Horcio destaca a im-
livre, porque seu pai, provavelmente um ex-escravo pblico, era um liberto
portncia da razo, da disciplina e do trabalho na composio potica e,
e proprietrio de uma pequena fazenda em Vensia. Posteriormente, j
simultaneamente, critica a figura do poeta vesano, que se deixa invadir
em Roma, o pai de Horcio exerceu a funo de coactor, uma espcie de
pela inspirao.
fiscal de tributos pblicos, atividade modesta, mas algo rentvel, que lhe
Escrita em hexmetro datlico, o metro destinado aos assuntos
possibilitou construir um significativo patrimnio e custear a uma educao
elevados, a Epistula ad Pisones apresenta carter didtico: contm ensi-
refinada e de tima qualidade ao filho. Como costumavam os jovens da
namentos e preceitos referentes poesia. A habilidade potica e a agu-
elite romana da poca, Horcio completou sua educao em Atenas, onde
deza de Horcio manifestam-se tambm nos diversos smiles e imagens
estudou grego e filosofia.
construdos ao longo da epstola. Dentre eles, celebrizou-se aquele verso
Quando a guerra civil romana comeou, em 44 AEC, com o assas-
que, inclusive, tornou-se lugar-comum no domnio artstico, adquirindo
sinato de Csar, Horcio, que ainda estava em Atenas, alistou-se no exr-
permanncia na histria da arte e na iconologia: ut pictura poesis (a
cito de Bruto e de Cssio e, depois de galgar o posto de tribunus militum,
poesia como a pintura, v. 361). Alm disso, a expresso in medias res,
foi derrotado na batalha de Filipos (42 AEC). Anistiado, voltou a Roma
10 Epistula ad Pisones 11
Tringali no s faz uma apresentao das questes fundamentais da po-
tica horaciana e de algumas suas implicaes futuras, como empreende
uma anlise pormenorizada dos aspectos formais e materiais da Epistula
ad Pisones.
Epistula ad Pisones
12
Epistula ad Pisones Epstola aos Pises
Humano capiti ceruicem pictor equinam Se um pintor desejasse unir um pescoo equino
iungere si uelit et uarias inducere plumas a uma cabea humana e revestir de variadas penas
undique conlatis membris, ut turpiter atrum membros reunidos de vrias partes,1 de tal modo
desinat in piscem mulier formosa superne, que uma mulher formosa de rosto termine em um peixe
5 spectatum admissi, risum teneatis, amici? 5 horrendamente negro, vendo tal quadro, segurareis o riso, amigos?
Credite, Pisones, isti tabulae fore librum Crede, Pises, muito semelhante a esse quadro h de ser
persimilem, cuius, uelut aegri somnia, uanae o livro do qual, como sonhos de um doente, vs imagens
fingentur species, ut nec pes nec caput uni sero criadas, de modo tal que nem o p nem a cabea
reddatur formae. Pictoribus atque poetis se harmonizem numa nica forma. A pintores e poetas
10 quidlibet audendi semper fuit aequa potestas. 10 sempre existiu igual poder de ousar no que queiram.
Scimus, et hanc ueniam petimusque damusque uicissim, Isso sabemos, e, por sua vez, procuramos e damos essa permisso,
sed non ut placidis coeant immitia, non ut mas no para que coisas selvagens se unam a plcidas,
serpentes auibus geminentur, tigribus agni. no para que se juntem serpentes a aves, cordeiros a tigres.
nceptis grauibus plerumque et magna professis Muitas vezes, a comeos solenes e anunciadores de grandes eventos
15 purpureus, late qui splendeat, unus et alter 15 se costura um e outro purpreo remendo, que amplamente
adsuitur pannus, cum lucus et ara Dianae esplende, quando se descrevem o bosque e o altar de Diana,
et properantis aquae per amoenos ambitus agros e uma curva de gua corrente por amenos campos,
aut flumen Rhenum aut pluuius describitur arcus; ou o rio Reno, ou um arco-ris de chuva;
sed nunc non erat his locus. Et fortasse cupressum agora, porm, no era lugar para isso. Mas talvez se saiba representar
20 scis simulare; quid hoc, si fractis enatat exspes 20 um cipreste; por que se faria isso, se, recebida a paga, pintado
nauibus, aere dato qui pingitur? Amphora coepit aquele que, sem esperana, salva-se de navios destroados? Uma nfora
[comeou
institui; currente rota cur urceus exit? a ser formada; por que sai um pote2 ao girar da roda?
Denique sit quod uis, simplex dumtaxat et unum. Por fim, o que quer que se queira, seja ao menos simples e uno.
Maxima pars uatum, pater et iuuenes patre digni, A maior parte dos vates, pai e jovens dignos do pai,
25 decipimur specie recti. Breuis esse laboro, 25 somos enganados pela aparncia do certo. Esforo-me por ser breve,
obscurus fio; sectantem leuia nerui torno-me obscuro; nervos e flego faltam ao que visa a
deficiunt animique; professus grandia turget; assuntos corriqueiros; o que anuncia temas grandiosos empola-se,
serpit humi tutus nimium timidusque procellae; serpeia na terra o excessivamente seguro e receoso da procela.
qui uariare cupit rem prodigialiter unam, Quem deseja variar um tema uno de forma abundante
1
Vndique conlatis membris: outra possibilidade de interpretao seria: por toda a parte nos membros
reunidos.
2
A amphora caracterizava-se por ser esguia e alta e por ter duas alas. O urceus (pote), por sua vez,
era baixo, achatado e de uso domstico.
30 delphinum siluis adpingit, fluctibus aprum. 30 pinta um delfim nas selvas, um javali nas ondas.
In uitium ducit culpae fuga, si caret arte. Para o vcio conduz a fuga ao erro, se carece de arte.3
Aemilium circa ludum faber imus et unguis Nas proximidades da Escola Emlia,4 um artfice inferior5
exprimet et mollis imitabitur aere capillos, modelar no bronze as unhas e imitar os macios cabelos;
infelix operis summa, quia ponere totum mas ser estril pelo resultado da obra, pois construir o todo
35 nesciet. Hunc ego me, siquid componere curem, 35 no saber. Eu mesmo, se cuidasse de criar algo,
non magis esse uelim quam naso uiuere prauo no preferiria ser aquele a viver com o nariz torto,
spectandum nigris oculis nigroque capillo. ainda que admirvel pelos negros olhos e negro6 cabelo.7
Sumite materiam uestris, qui scribitis, aequam Tomai, vs, que escreveis, matria igual s vossas foras
uiribus et uersate diu quid ferre recusent, e examinai longamente o que os ombros recusam carregar,
40 quid ualeant umeri. Cui lecta potenter erit res, 40 ou o que suportam. A quem o assunto for escolhido segundo suas foras,
nec facundia deseret hunc, nec lucidus ordo. no o abandonar nem a eloquncia nem a ordenao luminosa.
Ordinis haec uirtus erit et uenus, aut ego fallor, Tal ser o vigor e o encanto da ordenao, ou eu me engano,
ut iam nunc dicat iam nunc debentia dici, que diga j o que deve ser dito j,
pleraque differat et praesens in tempus omittat, difira muitas coisas e no presente momento as omita;
45 hoc amet, hoc spernat promissi carminis auctor. 45 que o autor do carme prometido ame isto, despreze aquilo.
In uerbis etiam tenuis cautusque serendis Alm disso, sutil e cauteloso ao articular as palavras,
dixeris egregie, notum si callida uerbum ters falado distintamente, se a hbil juntura tornar
reddiderit iunctura nouum. Si forte necesse est nova uma palavra conhecida. Se acaso necessrio,
indiciis monstrare recentibus abdita rerum, et por signos recentes, mostrar as profundezas das coisas,
50 fingere cinctutis non exaudita Cethegis 50 chegar-se- a inventar palavras no ouvidas pelos Cetegos cingidos,8
continget dabiturque licentia sumpta pudenter, ser dada uma licena tomada com discrio,
et noua fictaque nuper habebunt uerba fidem, si e as palavras novas e criadas recentemente possuiro crdito se
Graeco fonte cadent parce detorta. Quid autem vierem de grega fonte, ainda que levemente modificadas. O que, por sua
[vez,
3
Um dos eixos do texto de Horcio consiste na contraposio entre os termos ars e ingenium. A arte
entendida como tcnica, o engenho como talento nato.
4
Aemilius ludus: escola romana de gladiadores, perto do frum, fundada por Emlio Lpido e em torno
da qual se localizavam diversas lojas de artfices.
5
Imus: optamos pela traduo desse termo referindo-se ao artfice, na medida em que, no verso 34, ele
caracterizado como estril pelo resultado da obra (infelix operis summa), no sabendo construir o
todo (ponere totum). No entanto, possvel tambm interpretar imus como uma indicao local, isto
, no pavimento mais baixo, no trreo.
6
Os olhos e os cabelos negros eram considerados o padro de beleza na poca de Horcio.
7
Essa passagem do texto pouco clara e permitiria tambm a seguinte interpretao: Eu mesmo, se
cuidasse de compor algo, no preferiria ser aquele com nariz torto a viver admirvel pelos negros olhos
e negro cabelo. De acordo com essa perspectiva, a comparao presente no trecho no se centraria
no eu lrico e no artfice (me naso uiuere prauo/hunc), mas teria como foco os verbos no infinitivo:
esse naso prauo/uiuere spectandum. Optamos por inserir no texto a primeira interpretao, uma vez
que a associao de naso prauo ao verbo uiuere pode ser justificada sintaticamente pelo recurso de
parnteses utilizado pelo autor (naso uiuere prauo).
8
Entre os Cornelii Cethegi, famlia romana tradicional, foi comum durante muito tempo o uso, no lugar
da tnica, de uma espcie de tanga debaixo da toga.
9
Caecilius Statius (sculo III AEC): clebre comedigrafo latino. Nenhuma de suas peas, contudo,
chegou at ns.
10
Plautus (sculos III-II AEC): famoso comedigrafo latino. A partir dos modelos da Comdia Nova grega,
comps vinte comdias que expressam claramente sua veia cmica.
11
Vergilius (sculo I AEC): poeta latino que se celebrizou em razo de sua obra pica (Eneida), na qual
so apresentadas e louvadas as origens de Roma. Tambm escreveu as Buclicas, conjunto de dez
poemas pastoris, e as Gergicas, poema didtico composto por quatro livros.
12
Varius Rufus (sculo I AEC): autor de uma tragdia, Tiestes, e do poema De morte, de inspirao
epicurista, foi contemporneo e amigo de Virglio e de Horcio. Diz-se ter sido encarregado por
Augusto da publicao da Eneida aps a morte de Virglio.
13
Cato (sculos III-II AEC), conhecido como o Censor, foi um dos primeiros prosadores latinos. Contribuiu
muito para o estabelecimento da lngua latina. Conhecido pelo seu De agri cultura, tratado em que
fornece preceitos para o cultivo dos campos, foi tambm historigrafo e orador. Destacou-se pela
defesa do mos maiorum, numa reao conservadora e anti-helenista em defesa dos antigos valores
romanos.
14
Ennius (sculos III-II AEC): considerado o pai da poesia romana. Escreveu obras trgicas e picas,
alm de inserir o hexmetro datlico na poesia romana. Assim como Cato, foi importante para o
estabelecimento da lngua latina.
15
Aquilo: vento norte, caracterizado como frio e violento.
16
As obras de engenharia mencionadas do verso 63 ao 68 foram provavelmente empreendidas ou por
Csar ou por Augusto.
17
Homerus (sculo VIII AEC): autor das obras picas Ilada e Odisseia.
18
Versibus impariter iunctis: trata-se do dstico elegaco, composto por um hexmetro e um pentmetro.
19
Archilochus (sculo VII AEC): poeta lrico grego arcaico a quem Horcio atribui a inveno da poesia
jmbica, uma espcie de stira lrica.
20
Soccus e cothurnus: o soco, de solado baixo, era o calado tpico da comdia; o coturno, de solado
alto, o da tragdia.
21
Musa: as Musas eram nove divindades irms que presidiam s artes e a que se atribua capacidade
de inspirar a criao artstica.
22
Cena Thyestae: a famosa ceia em que Atreu, para se vingar da traio de sua esposa, serve, como
refeio, ao seu irmo gmeo Tiestes, os trs filhos que este teve com uma ninfa.
23
Cremes: personagem de Heautontimoroumenos, comdia de Terncio (sculo II AEC), clebre
comedigrafo latino.
24
Telephus: Rei da Msia que, ferido por Aquiles na guerra de Troia, vai como mendigo para os campos
gregos em Argos para que sare sua ferida.
25
Peleus: pai de Aquiles e filho de Eco. Foi exilado por ter matado o prprio irmo.
26
Sesquipedalia uerba: as palavras de um p e meio eram de emprego tpico da tragdia.
27
Equites peditesque Romani: referncia a duas classes sociais bem demarcadas em Roma: os
cavaleiros, pertencentes ordem equestre, classe rica e nobre, e os plebeus (ou comuns), no
pertencentes a essa ordem.
28
Colchus: habitante da Clquida, reino da antiguidade localizado ao sul do Cucaso e a leste do Mar
Negro.
29
Assyrius: habitante da Assria, reino antigo do norte da Mesopotmia.
30
Thebae: antiga cidade-estado grega da Becia.
31
Argi: antiga cidade-estado grega do Peloponeso.
32
Achilles: heri grego e maior guerreiro da Guerra de Troia.
33
Medea: figura feminina da mitologia grega clebre e controversa por ter assassinado os dois filhos que
teve com Jaso para se vingar dele.
34
Ino: era mulher de Atamante, com quem acolhe Baco perseguido por Juno. O casal, tornado louco pela
ira de Juno, mata os dois filhos, Learco e Melicertes. Da a tristeza de Ino.
35
Ixion: foi rei dos Lpitas, povo da regio da Tesslia. Demonstrou ingratido a Jpiter, ao tentar
violentar Juno, e, por isso, foi preso, a mando de Jpiter, a uma roda em chamas e condenado a nela
eternamente girar.
36
Io: princesa de Argos por quem Jpiter se apaixonou e com quem se uniu e que, depois de
transformada em novilha, foi condenada por Juno a vagar, perseguida por um moscardo.
37
Orestes: filho de Agammnon e Clitemnestra. Matou, com a ajuda de sua irm Electra, a prpria me,
para se vingar do assassnio do pai, morto por Egisto e Clitemnestra. uma personagem marcada, por
essa razo, pela tristeza e mesmo certo arrependimento.
38
Communia: diz respeito aos assuntos publicamente compartilhados, isto , tradio. Justifique-se a
manuteno do termo comum na traduo devido sua oposio a proprie. Ou seja, o escritor deve
se apropriar de temas oferecidos pela tradio de forma particular.
39
Priamus: filho de Laomedonte, era o rei de Troia durante a Guerra de Troia.
40
Antiphates: rei dos Lestriges, tribo mitolgica de gigantes antropfagos.
41
Charybdis e Scylla: eram dois monstros marinhos que habitavam, cada qual de um lado, o estreito de
Messina, de modo que, se um navegante, ao passar por esse estreito, quisesse escapar a um deles,
seria necessariamente arrebatado pelo outro.
42
Cyclops: membro de uma raa de gigantes que tinham um nico olho no meio da testa.
43
Diomedes: foi prncipe de Argos antes e depois do reinado de Agammnon e lutou na Guerra de Troia.
44
Meleagrus: filho de Eneu e Altaia, reis de Clidon. A passagem trata do momento aps a morte
de Meleagro e de Altaia, em que Eneu casa-se novamente. Desse casamento nasce Tideu, pai de
Diomedes. O retorno de Diomedes ou aquela sua ptria Etlia depois da conquista de Tebas, ou
a viagem de volta depois da queda de Troia. Tal epopeia principiaria por um parentesco afastado de
Diomedes.
45
Leda: esposa de Tndaro, amada por Zeus transformado num cisne. Dessa unio surgem dois ovos
com dois gmeos: Plux e Helena (cujo rapto por Pris teria sido uma das causas da Guerra de Troia), e
Castor e Clitemnestra. O segundo ovo tambm atribudo unio de Leda com seu marido. Em suma,
a epopeia comearia pelos pais de Helena.
46
In medias res: Expresso que designa o tipo de narrativa que se inicia j em meio ao desenvolvimento
da ao (no meio dos eventos). Em geral, apenas em um momento posterior, por meio do flashback,
so apresentados os eventos que teriam ocorrido antes do comeo da narrativa. So exemplos
clssicos desse procedimento a Odisseia e a Eneida.
47
Apricus Campus: Campo de Marte ou Campo Mrcio uma plancie romana mais ou menos vasta
situada entre o rio Tibre, o monte Quirinal e o Capitlio, onde, na poca de Horcio, a prtica de jogos
e de exerccios militares era comum.
48
Spe longus: Essa expresso permite duas possibilidades de interpretao contrrias. Por um lado,
h a ideia de que o velho, embora cobioso do futuro, est distante da esperana, pois j se encontra
ao fim da vida. Por outro, pode-se interpretar que o velho, mesmo que com idade avanada, ainda se
demora na esperana, ou seja, persiste esperanoso.
49
Embora a edio do texto latino consultada para traduo apresente o termo auidus, alguns
testemunhos registram pauidus. Julgamos que essa segunda opo mostra-se mais coerente em
relao ao contexto, na medida em que a caracterizao do velho se baseia em uma sequncia de
aspectos negativos e pelo fato de ele, por estar j ao fim da vida, temer aquilo que o futuro lhe reserva.
50
Atreus: ver nota 21.
51
Procne: depois de assassinar, por vingana, seu filho tido com Tereu, foi transformada pelos deuses,
para fugir fria de seu marido, em andorinha ou rouxinol, a depender da verso do mito.
52
Cadmus: considerado o fundador mtico de Tebas. Na velhice, exilado na Ilria, foi, juntamente com
sua esposa, transformado em serpente, por sua falta de piedade.
53
A regra da diviso da pea em cinco atos provavelmente surgiu na escola de Teofrastro, durante o
perodo helenstico.
54
O coro, com o passar do tempo, perdeu na Grcia sua relevncia at ser completamente suprimido.
Em Roma, o coro j no representava absolutamente nada. Horcio defendia-lhe a importncia e
a necessidade de suas palavras serem convenientes ao argumento da pea, seguindo preceitos
aristotlicos.
55
Fortuna: deusa romana relacionada ao destino, seja adverso, seja propcio. Sem epteto, como
Horcio utilizou, significa boa fortuna, boa sorte.
56
Tibia: inicialmente, a flauta era um canio, depois passou a ser feita de madeira e, finalmente, sob
influncia etrusca, de lato na poca de Horcio, de modo a rivalizar com a trombeta.
57
Genius: deus romano responsvel pelo nascimento de cada local, coisa ou homem. Converteu-se
em divindade tutelar individual. Deviam-se fazer libaes para o aplacar durante a noite. As libaes
diurnas constituam sacrilgio.
58
A lira sofreu, no decorrer do tempo, sensveis mudanas no nmero de cordas. Primeiro, tinha quatro
cordas. No sculo VII AEC, j eram sete, depois onze ou doze, com Timteo, no sculo IV AEC, e, por
fim, dezoito cordas.
59
Referncia s palavras do coro, que, em alguns casos, prediziam o futuro das personagens na pea.
60
Os orculos de Delfos eram profecias dadas pelas sacerdotisas de Apolo, tambm conhecidas como
ptias ou pitonisas, no templo de Apolo, em Delfos, que ficava nas encostas do monte Parnaso, na
Grcia. Eram considerados um dos mais confiveis e famosos do mundo grego clssico.
61
Uma das possveis explicaes etiolgicas de tragdia (tragoedia, canto do bode) est relacionada
aos concursos dramticos cujo prmio era um bode. Parece ser essa a opinio de Horcio.
62
Satyri: figuras da mitologia grega que habitam os bosques e as montanhas. Personificam a fertilidade
e a fora vital da natureza. So representados como seres lascivos, dedicados ao vinho, acompanhados
de ninfas e tocadores de flauta. Mais tarde foram identificados com os Faunos, da mitologia romana.
63
Entenda-se versos sem dignidade.
64
Dauus, Pythias e Simon: personagens conhecidas da cena cmica. Ptia uma escrava posta em cena
para extorquir dinheiro, mediante astcias, de seu senhor. Com efeito, engana ao senhor e recebe dele
um talento de dinheiro.
65
Silenus: figura da mitologia grega. Divindade vinculada aos bosques e de natureza selvagem e lasciva.
Diz-se que foi professor de Baco e era tido como o mais sbio, mais velho e um dos mais beberres
dos seguidores desse deus.
66
Baco.
67
Faunus: figura da mitologia romana. uma divindade da natureza vinculada, especialmente, ao
campo e aos bosques. Posteriormente, foi identificada com o Stiro, da mitologia grega.
68
Smbolos de nobreza, refinamento e riqueza, a estirpe nobre, a pertena ordem da cavalaria e as
posses parecem representar tambm bom gosto, de modo a se contraporem aos que compram nozes
e gros-de-bico o gentio, caracterizado pela rudeza e falta de requinte e que, por isso, so menos
exigentes.
69
Trmetros jmbicos ou senrios jmbicos: . O trmetro diz respeito a trs pares de ps (trs
dipodias).
70
P composto por duas longas: ..
71
Isto , o jambo aceitou ser substitudo pelo p espondeu, concedendo-lhe os direitos que pertenciam
ao jambo.
72
Accius (sculos II-I AEC): ilustre tragedigrafo latino.
73
Entre os gregos, s poderia haver substituies nos ps mpares (a segunda e a quarta posies no
admitiam o espondeu). No entanto, os latinos ampliaram as possibilidades, de modo a conceder uma
maior liberdade mtrica ao poeta (apenas a penltima breve era fixa). exatamente isso que Horcio
critica.
74
Thespis (sculo VI AEC): originrio da tica, foi o primeiro poeta e ator trgico. Desenvolveu a tragdia
a partir do canto do coro.
75
Camenae: figuras da mitologia romana. Eram originalmente divindades dos nascimentos e das fontes.
Logo foram identificadas com as Musas gregas. Lvio Andronico (sculo III AEC) tradutor da Odisseia
para o latim traduziu o termo grego mosa do primeiro verso dessa obra por camena.
76
Aeschylus (sculos VI-V AEC): renomado dramaturgo grego responsvel por vrias inovaes no
teatro, conforme relata Horcio.
77
Praetextae: tragdias com tema nacional (domesticae), nas quais os personagens usavam a praetexta,
veste dos altos magistrados nas cerimnias pblicas.
78
Togatae: comdias com tema nacional, nas quais os personagens usavam a toga, veste prpria dos
cidados romanos.
79
Pompilius: trata-se dos Pises que, segundo se conta, inventaram, para dissimular-lhes a origem
plebeia, um antepassado da gens Calpurnia, Calpus, filho de Numa Pomplio, lendrio segundo rei de
Roma (715-673 AEC).
80
Reprehendo,- is,-ere tambm pode ser interpretado segundo o seu significado primeiro, que consiste
em segurar, prender junto a si, ou seja, no publicar os poemas.
81
Democritus de Abdera (sculos V-IV AEC): filsofo grego pr-socrtico para quem as qualidades
necessrias ao poeta eram inatas e no dependiam de desenvolvimento ou aprimoramento tcnico.
Demcrito, segundo Ccero (sculo I AEC), nega que algum possa ser um grande poeta sem ser louco.
82
Helicon: monte da Becia consagrado a Apolo e s Musas.
83
Licinus: barbeiro romano ento em moda.
84
Anticyrae: nome de trs cidades gregas em que se produzia o helboro, erva medicinal analgsica,
considerada, na antiguidade, eficaz na cura da loucura.
85
A blis era considerada uma das causas da loucura.
86
Os escritos a que se refere Horcio so aqueles de base socrtica, porque consabido que Scrates
nada deixou escrito.
87
As, quincunx, uncia, triensesemis: esses termos fazem referncia a unidades monetrias correntes
na poca de Horcio. Tomando como base a ona (uncia), o seguinte clculo de correspondncia pode
ser realizado: um asse corresponde a 12 onas; um quincunx, a cinco onas; um triens (que a tera
parte do asse), a quatro onas; o semis (meio asse), a seis onas. Alm disso, importante destacar
que o asse correspondia a uma moeda de baixo valor, o que contribui para o carter irnico do trecho.
88
Filius Albini: trata-se de Albino, um conhecido usurrio, cuja famlia veio habitar em Roma.
89
Linenda cedro et leui seruanda cupresso: prticas corriqueiras para a conservao dos manuscritos.
O leo de cedro, uma resina de colorao amarelada, era usado para untar os papiros, a fim de evitar
que as traas ou outros insetos o corroessem. Alm disso, os papiros eram encaixotados em armaes
de madeira de cipreste.
90
Docilis: na traduo, dceis conserva o sentido prprio do termo latino que, proveniente do verbo
doceo, -es, -ere, refere-se a quem possui a faculdade ou mesmo facilidade de aprender.
91
Lamia: monstro fabuloso de feies tanto bestiais quanto humano-femininas que povoava o imaginrio
folclrico da Antiguidade.
92
Centuria: aqui, representa os homens de mais de 45 anos, segundo a diviso primitiva do povo
romano em classes.
93
Ramnes: ordem equestre, uma das trs primeiras centrias romanas, representa aqui os cavaleiros
jovens.
94
Omne tulit punctum: no contexto eleitoral, um oficial recebia os votos e os transcrevia sob a forma de
um ponto ao lado do nome do candidato vencedor.
95
Sosii: conhecidos livreiros da poca de Horcio.
96
Choerilus (sculo III AEC): medocre poeta pico grego que vivera na poca de Alexandre, o Grande.
97
Messala (sculo I AEC):exemplo de orador romano e amigo de Horcio.
98
Cascellius Aulus (sculo I AEC): renomado jurista romano.
99
Columna: a referncia aqui , muito provavelmente, s colunas dos livreiros romanos.
100
Mel Sardum: o mel sardo, de m qualidade, era conhecido pelo amargor.
101
Trocus: crculo de metal que se fazia girar por meio de uma vara de ferro.
102
Minerua: deusa da inteligncia, da sabedoria, das artes e das tcnicas de guerra. Foi identificada
com a deusa grega Palas Atena. Horcio faz referncia a uma expresso proverbial comentada por
Ccero (De officiis, I, 110): inuita, ut aiunt, Minerua, id est aduersante et repugnante natura, que
corresponderia a sem imaginao, sem capacidade.
103
Maecius Tarpa (sculo I AEC): clebre crtico de teatro romano, fora encarregado por Pompeu de
escolher as peas que seriam representadas na inaugurao de seu teatro.
104
Testudo: tipo de lira construdo a partir do casco de tartaruga.
105
Tyrtaeus (sculo VII AEC): poeta elegaco grego. Suas elegias, de carter blico, tiveram importncia
decisiva na formao da tica guerreira espartana.
106
Pierus: monte consagrado s Musas e que se localizava nos confins da Tesslia e da Macednia.
107
Meta: colunas pequenas localizadas na curva da pista, nas quais o corredor no deveria derrapar.
108
Phythia: jogos celebrados em Delfos em honra de Apolo, pelo fato de ter vencido a serpente Pton.
109
Occupet extremum scabies: conforme informado em nota na edio do texto realizada por Villeneuve
(Paris: Les Belles Lettres, 1955, p. 223), trata-se da aluso a uma brincadeira de corrida em que as
crianas se divertiam e na qual aquele que estivesse mais prximo da chegada dizia: habeat scabies,
quisquis ad me uenerit nouissimus (que tenha sarna aquele que for o ltimo a chegar a mim).
110
Leuis tem aqui o sentido de leve, liso, sem dinheiro.
111
Donaris pode ser interpretado como a forma sincopada de donaueris ou como presente do indicativo
passivo (s presenteado). Optamos pela primeira forma em razo do contexto: no verso seguinte, os
versos feitos por ti referem-se a algum que faz versos, e no algum que os recebe.
112
Vero pode ser interpretado como um advrbio que se refere a mouetur ou como um adjetivo
acompanhando laudatore no ablativo: verdadeiro apologista.
113
Sub uolpe: a raposa era considerada, nas fbulas de Esopo (sculos VII-VI AEC), o smbolo da
hipocrisia. Da sua comparao com os que adulam os poetas falsamente.
114
Quintilius Varus (sculo I AEC): nascido em Cremona, era amigo de Virglio e de Horcio. Esse ltimo
lamentou sua morte na ode 24 do primeiro livro.
115
Aristarchus da Samotrcia (sculo II AEC): crtico literrio e bibliotecrio em Alexandria, procurou
eliminar as interpolaes dos poemas de Homero.
116
Morbus regius: trata-se da ictercia, uma vez que o tratamento dessa doena exigia larga soma de
dinheiro, possvel de ser paga apenas por reis.
117
Morfossintaticamente, sublimis poderia ser um nominativo singular, referindo-se a hic (ele o poeta
insano , olhando para cima), ou um acusativo plural, acompanhando uersus. Embora a primeira
opo tambm faa sentido de acordo com o contexto (o poeta insano, distrado, olha para cima como
o passarinheiro), escolhemos a segunda possibilidade de traduo em razo de sua carga irnica. No
entanto, o texto latino provavelmente apresenta o duplo sentido, impossvel de ser reproduzido na
traduo.
118
Horcio refere-se a Empdocles de Agrigento (sculo V AEC), filsofo pr-socrtico grego que se
considerava um deus.
119
Encontra-se a sugesto de compreender frigidus (frio) no sentido de stultus (insensato), tendo em
vista o fato de que, segundo a teoria de Empdocles, o sangue congelado em torno do corao denota
no homem a ausncia de inteligncia.
120
Bidental: lugar sagrado onde caiu um raio e foi purificado com o sacrifcio de uma ovelha de dois
dentes (bidens). O sacrlego, acreditava-se nessa poca, era castigado, sobretudo, com a loucura.
121
Recitator: o sentido do autor que l publicamente suas obras. Neste caso, trata-se de um leitor que
causa um desprazer ao ser ouvido.
tacas
Konstantinos Kavfis
Da transcriao: potica e
semitica da operao tradutora
Haroldo de Campos