Sobre críticas e críticos
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Sobre críticas e críticos - Eduardo Cezar Maia
Governo do Estado de Pernambuco
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Companhia Editora de Pernambuco
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© 2015 Álvaro Lins
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Fone: 81 3183.2700
L759s Lins, Álvaro, 1912-1970
Sobre crítica e críticos : ensaios escolhidos sobre literatura e
crítica literária, com algumas notas de um diário de crítica /
Álvaro Lins ; Eduardo Cesar Maia (org.) ; apresentação
Lourival Holanda. – Recife : Cepe, 2015.
1. Ensaios brasileiros – Pernambuco. 2. Crítica literária.
3. Escritores brasileiros – crítica e interpretação. 4. Literatura
brasileira – história e crítica. I. Maia, Eduardo Cesar.
II. Holanda, Lourival. III. Título.
ISBN: 978-85-7858-311-8
02.jpgEntre os anos de 1941 e 1963, Álvaro Lins coligiu, num total de sete volumes, muito apropriadamente denominados jornais de crítica
, a parte mais relevante de sua contribuição jornalística à crítica literária brasileira do período. Esses artigos e ensaios, que, em conjunto, somam mais de duas mil páginas, foram publicados originalmente na grande imprensa, principalmente no extinto diário carioca Correio da Manhã . Em sua maioria, tinham como finalidade precípua o recenseamento de novos autores e o comentário crítico de obras recém-publicadas, além da discussão de temas literários, políticos e ideológicos do momento. A maior parte da obra crítica de Lins foi realizada, portanto, no calor da hora , atendendo a demandas e contingências que cercam a atividade jornalística. Em alguns desses rodapés , no entanto, o crítico pernambucano refletiu não exclusivamente sobre obras concretas ou temas circunstanciais, mas a respeito do ato crítico em si : o papel da literatura e da crítica literária, as perspectivas dos demais críticos e teóricos da época e também sobre aqueles pensadores do passado que influenciavam sua visão pessoal de crítica e de literatura. O livro que o leitor tem em mãos recolhe justamente os artigos dessa natureza. ¹
A presente seleção não obedece, portanto, a critérios estritamente valorativos, mas, primordialmente, a uma orientação de ordem temática. Pretendemos, sobretudo, oferecer com esta seleção de textos metacríticos – artigos de crítica que tratam sobre a própria atividade da crítica e revelam teorizações a respeito da literatura e de seu papel na vida individual e social – uma visão alternativa ao lugar-comum estabelecido pela crítica universitária de que as análises literárias de Álvaro Lins padeciam essencialmente de falta de método e de rigor analítico; e, por outro lado, responder – com a apresentação das reflexões do próprio ensaísta – às acusações de que seus impressionismo e personalismo crítico o afastavam de maneira absoluta de qualquer elaboração teórica. Não obstante o viés temático, o leitor ainda assim sentirá, muitas vezes, permeando as ponderações mais propriamente literárias, o forte caráter jornalístico, contingente e circunstancial dos ensaios de Lins, que não podia conceber a Literatura como disciplina isolada, sem suas conexões com a atualidade, com a realidade histórica e com os demais fenômenos da cultura.
A disposição desses textos em ordem cronológica possibilita a observação da evolução e amadurecimento das opiniões críticas do autor, e, também, a manutenção de certos princípios que, para ele, permaneceram sempre inegociáveis.
Na parte final deste volume, o leitor encontrará ainda uma seleção de anotações pessoais
de Álvaro Lins, no formato de uma espécie de diário sobre leituras, escritas inicialmente sem intuito editorial, porém publicadas depois em jornais e compiladas em seguida como Notas de um diário de crítica.² O tom é quase sempre confessional; outras vezes, jocoso e polêmico; algumas vezes, ainda, terno e sentimental. O critério de seleção dessas notas
obedece aqui ao mesmo objetivo exposto anteriormente (embora, talvez, com um pouco mais de liberdade temática): mostrar que a crítica literária de Álvaro Lins possui alcance teórico e estatura crítico-filosófica, na medida em que reflete sobre seus próprios fundamentos e valores. A natureza, a profundidade e a qualidade estilística desses textos desmentem certas concepções reducionistas que levaram ao menosprezo da contribuição do seu pensamento crítico à literatura brasileira.
Os ensaios, artigos e notas selecionados para este volume foram adaptados às normas da nova ortografia da língua portuguesa.
A revisão e a tradução das citações em francês foram feitas por Everardo Norões; as demais, em inglês e castelhano, pelo organizador desta obra.
1 Os textos selecionados, que integram os volumes do Jornal de crítica, encontram-se, em ordem cronológica, nas seguintes edições: LINS, Álvaro. Jornal de crítica (1ª série). Rio de Janeiro: José Olympio, 1941; LINS, Álvaro. Jornal de crítica (2ª série). Rio de Janeiro: José Olympio, 1943; LINS, Álvaro. Jornal de crítica (3ª série). Rio de Janeiro: José Olympio, 1944; LINS, Álvaro. Jornal de crítica (4ª série): Rio de Janeiro: José Olympio, 1946; LINS, Álvaro. Jornal de crítica (5ª série). Rio de Janeiro: José Olympio, 1947; LINS, Álvaro. Jornal de crítica (6ª série): Rio de Janeiro: José Olympio, 1951; LINS, Álvaro. Jornal de crítica (7ª série). Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1963.
2 A totalidade dessas Notas foi publicada em LINS, Álvaro. Literatura e vida literária: diário e confissões. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1963. (Introduções com estudos de Sérgio Milliet, Wilson Martins, Mauro Mota e José César Borba.) A edição reúne as Notas de um Diário de Crítica, 1º Volume (segunda edição) e 2º Volume (primeira edição).
03.jpg04.jpgAvelocidade vertiginosa com que nos últimos tempos as coisas culturais se sucedem faz com que o nome de Álvaro Lins suscite leve lembrança, junto às comunidades literárias mais jovens. Uma geração atrás e ele era o crítico mais vivo no cenário nacional, provocando adesões, resistências, mas sobretudo admiração. Álvaro nasce em dezembro de 1912; nesse dezembro de 2012, Pernambuco tem portanto o que celebrar. A oportunidade da celebração do seu centenário é ocasião de fazer justiça à obra do crítico – a quem Antonio Candido considerava o crítico por excelência
, e de quem, na Festa Literária Internacional de Paraty de 2011, dizia: era um grande crítico do meu tempo
. O centenário é circunstância: a homenagem devida a Álvaro Lins é por sua importância inconteste na cultura brasileira. Um crítico combinando em si uma inteligência sensível e uma sensibilidade inteligente; e o empenho generoso de uma compreensão mais vasta da literatura no corpo social. Por isso a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) entrega ao público esta seleta de artigos para homenagear o crítico que, desde Caruaru, alargou nos quadrantes nacionais os critérios de apreciação literária. Assim a Cepe espera pôr outra vez em circulação, sobretudo junto às novas gerações, o legado de Álvaro Lins. É o propósito desta escolha de artigos.
Tão ligado a seu tempo, seria importante alguém situá-lo e trazê-lo para esse momento. Um momento muito diverso do seu; e, no entanto, sua presença segue sendo atual; melhor: Álvaro Lins é contemporâneo – e justamente porque se põe na contramão do descrédito que atualmente atingiu a crítica literária, depois da sucessão de teorias que desencantaram as propostas enriquecedoras de leituras críticas. Álvaro Lins pode ser um marco no debate sobre a situação da crítica e da literatura em nossos dias; um interlocutor.
A seleção é de Eduardo Cesar Maia, um intelectual jovem, crítico e pesquisador que segue, com outro instrumental, renovado e percuciente, o serviço que até então a academia tem prestado à cultura letrada: descoberta, manutenção e elucidação de criadores e pensadores que marcaram o cenário cultural por sua produção inventiva e analítica.
O livro faz percutir a força e a permanência do pensamento crítico de Álvaro Lins. Álvaro é um crítico à part entière: aquele que tenta discernir, ver claro, nas coisas da cultura literária. Daí porque Carlos Drummond vai chamá-lo imperador da crítica brasileira
. Mas isso não é só elogio: há, pelo viés da ironia mineira, um fino toque de esgrima: tudo o que acreditava ser imperioso, Álvaro o dizia em tom imperativo. Também Otto Maria Carpeaux percebe esse aspecto da personalidade forte do crítico – que ele caracteriza como voz de tribuno
. No entanto, diferindo de tantos teóricos quase ainda atuais, Álvaro não partia da criação de uma razão inflexível, única, um método como solução unitária para abarcar os textos; o que o movia era a defesa da literatura – e isso não se faz sem o risco de alguma paixão.
Sua percepção é certeira quando fala da necessidade de certo rigor da crítica: Um simples objetivismo não teria forças para criar mais do que uma figura de erudito; um simples subjetivismo, por sua vez, não teria forças para criar mais que a figura de divagador. O que se deve tomar é a erudição como um ponto de partida para atingir o impressionismo. Pois o verdadeiro crítico há de ser um erudito e um impressionista; e esta síntese fará da crítica uma obra criadora dentro da literatura
(O relógio e o quadrante. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964, pág. 192). E, ainda para voltar a Antonio Candido – o crítico cuja envergadura intelectual mais se lhe assemelha –, em muitos momentos a posição de Lins não difere tanto de Candido: Toda crítica viva, isto é, que empenha a personalidade do crítico e intervém na sensibilidade do leitor – parte de uma impressão para chegar a um juízo [...]
. É quando Álvaro Lins parece contemporâneo e comparece enquanto voz necessária no debate crítico atual.
Embora Álvaro Lins tenha escrito sobre o debate cultural e político de seu tempo, esta seleção privilegia os de teor mais marcadamente crítico e literário. Toda seleção sofre certo arbítrio; aqui o leitor é remetido a buscar depois os textos do diplomata, que teve uma atuação firme junto ao Governo de Juscelino Kubitschek, e que convidado pelo Itamaraty escreve livro magistral sobre o Barão do Rio Branco, logo premiado pela Associação Brasileira dos Escritores; do crítico cultural, presente nos grandes debates nacionais como um agudo polemista político, e que escreveu para o Diário da Manhã, aqui em Pernambuco, como para o Diário de Notícias, para os Diários Associados, e para o Correio da Manhã, no Rio de Janeiro; e da sua corajosa participação política em dias duros. No entanto, a seleção que faz Eduardo Cesar Maia é exemplar em seu propósito: o enfoque crítico-literário sofreu menos de desatualização; é mais oportuno para o norteio crítico que esse momento parece pedir.
Depois de enxurrada de teorias díspares – de insidiosa causticidade, e tanto mais corrosivas porque do interior do corpo literário – resta ver o que vale ainda a literatura. A cobranças e questionamentos anteriores os profissionais de literatura (ou, para ser mais justo: os acadêmicos) tentávamos responder com discursos que ficavam entre a ignorância e a arrogância, revelando menos a segurança da defesa e mais a fragilidade ontológica do momento. Muitas vezes, a assepsia do sujeito (quando não, sua negação) era garantia do método. Eduardo Cesar Maia diz, certeiro, em dado momento de sua tese doutoral: "O problema com tais procedimentos é que consideram que toda a problemática da crítica estaria resolvida com a simples utilização de métodos comparáveis aos das ciências naturais e exatas, sem tomar em conta que uma parte importante do labor crítico é de natureza ativa e criativa".
Em tempos tíbios admiramos a integridade de Álvaro Lins, a busca de clareza, de equilíbrio, a aspiração a certa medida, que foram as direções centrais de seu pensamento crítico. E esse pensamento contém contradições; não as suprime: as absorve: às vezes contradição pode ser considerado um enriquecimento, uma superposição de visões e concepções. Ainda se deve levar em conta, depois, que o mundo exterior – o mundo social dos homens e dos acontecimentos – não é coerente nem lógico. Este é contraditório
(Lins, 1963, pág. 104). Tampouco fala a partir de esquemas gerais, de métodos apregoados como a última abordagem crítica. Álvaro guarda, com relação às coisas culturais, uma curiosidade permanente; e, provisórias, as certezas. Certamente isso irrita aqueles que empunham alto suas verdades. É talvez por isso que o crítico de Caruaru está mesmo mais próximo de nós. Aqui, o propósito desta seleção: a Cepe e os organizadores entendem a urgência de passar isso adiante, de transmitir às novas gerações os traços delineadores da formação de nossa cultura literária. Portanto: receber, celebrar, transmitir o legado de Álvaro Lins.
Um grande escritor francês que na França de hoje – na desgraçada França dos nossos dias ³ – aparece com o seu gênio já revestido de profecias realizadas, Charles Péguy, dividia a vida em duas espécies de momentos: os períodos
e as épocas
, e do seguinte modo: nos períodos
, nada sucede que mereça sobreviver; nas épocas
, sucedem os grandes acontecimentos, as vitórias e as derrotas. Será uma felicidade ou uma desgraça que estejamos vivendo uma época
de derrotas? Creio que a resposta não é só pouco importante, mas inútil. O que importa é a aceitação daquilo que o Destino nos marcou; é a aceitação da vida, em qualquer plano, com lucidez e decisão.
As épocas
, felizes ou desgraçadas, angélicas ou demoníacas, de vitórias ou de derrotas – todas elas contêm a sua grandeza especial. Ao lado desta grandeza um perigo, no entanto, se apresenta: a absoluta totalidade do espírito das épocas
. Elas têm sempre a pretensão, em virtude da sua grandeza mesma, de tudo subordinar ao seu caráter e de tudo fazer convergir às suas tendências exclusivas.
A personalidade, a individualidade, a liberdade – tudo o que é essencial na figura do homem corre o risco de uma anulação em favor da coletividade. O que é social parece tudo pretender em direitos sobre o que é individual. Em momentos destes a personalidade do homem sofre os seus maiores perigos, mas encontra também, neste domínio instável e aparentemente desvantajoso, os mais fortes estímulos para a sua afirmação. Os estímulos da adversidade e do sofrimento.
Resulta deste espírito de totalidade e de coletivismo que as épocas
e os valores que as representam – valores políticos, econômicos, espirituais – tendem todos para as sínteses definitivas e inapeláveis. A análise passa a ser julgada como uma repugnante doença mental. As paixões, os delírios, os fanatismos são impulsos sentimentais que só conduzem às sínteses e nunca às análises. É verdade que se poderia lembrar que as sínteses são conclusões normais das análises. Mas de outra natureza são as sínteses das épocas
: elas se formam por si mesmas, por geração espontânea, como expressões de uma mística intocável.
Mas se o papel do artista ou escritor é o de viver adiante de seu tempo como um precursor e um vidente, vamos concluir que este é um momento, para nós, propício à análise e, portanto, à crítica. Exatamente o oposto daquilo que sucede nos instantes tranquilos, nos períodos
da classificação de Péguy. Nestes a crítica quase que se apresenta como uma impertinência odiosa, porque se tornou uma espécie de estado de espírito geral da maioria. São os momentos felizes e podemos, dentro deles, construir obras de síntese, utilizando os elementos de análise que foram legados pelas gerações anteriores, pelas gerações sacrificadas e sofredoras das épocas
.
A necessidade do espírito de análise e de crítica está, portanto, presente entre nós, que formamos as gerações de uma época
e que temos uma missão a cumprir e a realizar. Esta crítica que se exerce como uma tarefa e como um destino nada tem de destruidora e de negativa. Ela forma alicerces e levanta muros para futuras construções. Exerce-se num domínio idealístico, e, ao mesmo tempo, objetivo. Conformista, porém, é que ela não pode ser. O ato de tudo aceitar, como o ato de tudo negar, não é um ato de crítica. É um ato de positiva ou negativa apologia, e só. O ato da crítica é aquele que completa, que retifica, que amplia. O que abre perspectivas, o que desdobra situações. O crítico que se cinge ao círculo do que ele critica está esterilizado pelo seu próprio assunto e não merece este nome. Quando se exige de um crítico que seja também um criador, esta exigência não significa que lhe estejam a pedir que componha poemas ou romances. Dentro da mais pura e da mais estrita atividade crítica existe uma função criadora. A criação do crítico lhe vem da possibilidade de levantar, ao lado ou além das obras dos outros, ideias novas, direções insuspeitadas, novos elementos literários e estéticos, sugestões de bom gosto, sistematizações, esquematizações, quadros de valores. Crítica num tríplice aspecto: interpretação, sugestão, julgamento. É neste sentido que um crítico pode ser um criador e o mestre da crítica, Sainte-Beuve, o foi. Neste sentido mesmo é que Albert Thibaudet chegou a dizer de Sainte-Beuve que ele criou uma Comédie littéraire de proporções iguais à Comédie humaine de Balzac.
O nome de Sainte-Beuve, se deixou de ser um modelo, não deixou ainda de ser, para todos os críticos, um exemplo. E em que consiste este exemplo a seguir, esta lição a imitar? Creio que podemos resumir a lição de Sainte-Beuve em três pontos essenciais: 1º) um amor total pela literatura e fé na sua missão; 2º) valorização do que existe de original e de individual na personalidade dos autores e do próprio crítico; 3º) compreensão do que há, ao mesmo tempo, de proximidade e de distância nas relações entre as realizações humanas e as realizações estéticas.
Quaisquer que tenham sido os erros de julgamento de Sainte-Beuve, estes erros não nasceram do crítico, mas do homem. O crítico era lúcido, era imparcial, era literário; o homem é que era invejoso, desleal, apaixonado. Quando falava dos seus contemporâneos, quando o homem predominava sobre o crítico, então, nestas ocasiões, Sainte-Beuve cometia os seus erros mais duros e mais pesados. Os seus erros, por exemplo, contra Balzac, contra Baudelaire, contra Stendhal.
Contudo os erros mais graves que a crítica cometeu não foram os de Sainte-Beuve, mas os de alguns daqueles que o substituíram, exatamente daqueles que disputavam a sua herança de regente da literatura
. Entre todos, Taine e Brunetière. Ambos, com finalidades diferentes, fizeram a crítica científica, isto é: a crítica que se subordina a leis, regras, normas. Ambos, consequentemente, anulavam na crítica o que ela poderia dar como gênero criador, isto é: o seu elemento de aventura da personalidade, de desdobramento pessoal, de livre caminho em extensão e profundidade.
Tanto Brunetière como Taine pareciam esquecer que a única lei da vida espiritual é o imprevisto e que a única atitude inteligente para enfrentar as ciências chamadas morais é o ceticismo. É que sentimos que é mais fácil acreditar na metafísica do que na psicologia. Cada homem carrega a possibilidade de se tornar uma surpresa capaz de desmoralizar todas as leis sociológicas e psíquicas. Não vamos insinuar ou ensaiar uma negação da ciência, mas lembrar apenas que a própria experiência nos ensina a olhá-la com pontos de vista de relatividade e nunca de dogmatismo. Poderíamos dizer, utilizando o jogo de palavras de Pascal, que a vida psíquica tem uma ciência que a própria ciência desconhece. A ciência, porém, teve um momento de apogeu, do qual se aproveitou muito bem, pretendendo tudo incorporar aos seus domínios, inclusive a literatura e a arte. Pretendeu fornecer-lhes métodos e valores científicos de base positiva. Como julgar, porém, uma obra de arte dentro de determinados métodos, dentro de regras formuladas aprioristicamente – quando ela pode, em qualquer momento, ultrapassá-los ou fugir deles? Eis porque os erros de Sainte-Beuve foram menos graves e mais compreensíveis