School Work e flo menezes edson zampronha">
Música Contemporânea Brasileira
Música Contemporânea Brasileira
Música Contemporânea Brasileira
msicacontempornea-1
organizadora Vera Lcia Donadio
So Paulo, 2008
Gilberto Kassab
Carlos Augusto Calil
Martin Grossmann
Durval Lara
Alessandra Meleiro
Diviso de Pesquisas/IDART
Luzia Bonifcio
Lica Keunecke
Solange Azevedo
Marcia Marani
Colaborao
Organizadora
M987
ISBN 978-85-86196-18-8
Material disponvel na Diviso de Acervos: Documentao e
Conservao do Centro Cultural So Paulo.
CDD 780.981
Msica Contempornea ::
:: AGRADECIMENTOS
Agnes Zuliani
Lcia Maciel Barbosa de Oliveira
Marcos Cmara
Vera Achatkin
Walter Tadeu Hardt de Siqueira
:: PREFCIO
A Coleo cadernos de pesquisa composta por fascculos
produzidos pelos pesquisadores da Diviso de Pesquisas do Centro Cultural So Paulo, que sucedeu o Centro de Pesquisas sobre Arte Brasileira
Contempornea do antigo Idart (Departamento de Informao e Documentao Artstica). Como parte das comemoraes dos 30 anos do Idart,
as Equipes Tcnicas de Pesquisa e o Arquivo Multimeios elaboraram vinte
fascculos, que agora so publicados no site do CCSP. A Coleo apresenta
uma rica diversidade temtica, de acordo com a especificidade de cada
Equipe em sua rea de pesquisa cinema, desenho industrial/artes grficas, teatro, televiso, fotografia, msica e acaba por refletir a heterogeneidade das fontes documentais armazenadas no Arquivo Multimeios do
Idart.
importante destacar que a atual gesto prioriza a manuteno da
tradio de pesquisa que caracteriza o Centro Cultural desde sua criao,
ao estimular o esprito de pesquisa nas atividades de todas as divises.
Programao, ao, mediao e acesso cultural, conservao e documentao, tornam-se, assim, vetores indissociveis.
Alguns fascculos trazem depoimentos de profissionais referenciais
nas reas em que esto inseridos, seguindo um roteiro em que a trajetria
pessoal insere-se no contexto histrico. Outros fascculos so estruturados a partir da transcrio de debates que ocorreram no CCSP. Esta forma
de registro - que cria uma memria documental a partir de depoimentos
pessoais - compunha uma prtica do antigo Idart.
Os pesquisadores tiveram a preocupao de registrar e refletir
sobre certas vertentes da produo artstica brasileira. Tomemos alguns
exemplos: o pesquisador Andr Gatti mapeia e identifica as principais
tendncias que caracterizaram o desenvolvimento da exibio comercial
na cidade de So Paulo em A exibio cinematogrfica: ontem, hoje e
amanh. Mostra o novo painel da exibio brasileira contempornea en-
Msica Contempornea ::
Martin Grossmann
Diretor
Msica Contempornea ::
:: Introduo
O Centro Cultural So Paulo est lanando a coleo Cadernos
de Depoimentos, em comemorao aos 30 anos do IDART, destacando
criadores nas mais diversas reas da cultura, objeto de sua investigao
e estudo.
Em 2004 e 2005 foi realizada uma srie de depoimentos na Sala de
Debates do Centro Cultural So Paulo. A Equipe Tcnica de Pesquisas de
Msica desenvolveu o projeto Uma conversa com o compositor, no qual os
compositores contemporneos eruditos brasileiros atuantes na cidade de
So Paulo transcorreram sobre suas trajetrias na rea musical.
Para estas publicaes Msica Contempornea, em dois cadernos,
foram editados os depoimentos dos compositores Flo Menezes, Edson
Zampronha - Msica Contempornea - Caderno 1 e Silvio Ferraz, Mrio
Ficarelli e Marcos Cmara Msica Contempornea - Caderno 2.
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:: ndice
Flo Menezes
Edson Zampronha
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:: Flo Menezes
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:: Universo da composio
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Henri Pousseur (1929), compositor belga, participou desde os anos de estudos do movimento
de vanguarda internacional (msica serial, eletrnica, aleatria).
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Karlheinz Stockhausen (1928), compositor alemo de msica contempornea, um dos maiores
do final do sculo XX.
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Luciano Berio (1925-2003), compositor italiano, de genialidade artstica incontroversa, grande
sbio, na verdadeira acepo da palavra.
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Olivier Messiaen (1908-1992), organista e ornitologista francs, grande compositor de estilo
extremamente individual.
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John Cage (1912-1992), escritor norte-americano, compositor musical experimentalista e um
dos primeiros a escrever sobre msica de acaso ou aleatria.
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Gyrgy Ligeti (1923-2006), compositor hngaro, nome maior de tradio hngara de msica
moderna.
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Iannis Xenakis (1922-2001), compositor e arquiteto grego, nascido na Romnia. Em 1955,
iniciou suas investigaes em msica instrumental, eletroacstica e de computador. Instituiu a chamada
msica estocstica, baseada no clculo das probabilidades.
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:: Msica concreta
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:: UNESP ou USP?
Quando fiz vestibular para msica, tive uma certa dvida para onde
prestaria, porque na poca o Michel Phillipot21 ensinava, naquela poca,
composio na UNESP: um compositor extremamente interessante, que
vinha da primeira gerao da msica concreta. O primeiro disco de msica
concreta que, alis, meu pai tem at hoje era um LP duplo, no qual
foram lanadas algumas peas inditas de Pierre Schaeffer e de Pierre
Henry22 primeiro importante colaborador de Schaeffer a partir de 1950,
mas tambm uma obra de Phillipe Arthuys e uma de Michel Phillipot.
Phillipot trouxe ao Brasil inclusive um de seus alunos prediletos, Philippe
Manoury23, hoje com 53 anos aproximadamente, na minha opinio o
principal compositor da gerao dos 50 anos na Frana. Manoury veio
para c com cerca de vinte e poucos anos, e eu me lembro dele analisando
Wozzeck de Alban Berg24 numa palestra no Departamento de Msica da
USP. Fiquei curioso com sua maneira de abordar. Eu no estava no grupo
de estudo, mas pude assisti a uma de suas aulas. Nessa poca, fiquei na
dvida se deveria fazer o Bacharelado em Composio na USP, com o
Willy Corra de Oliveira25, ou na UNESP, com Phillipot, justamente por
21
Michel Phillipot (1925-1996), compositor francs, assistente de Olivier Messiaen no Conservatrio
de Paris.
22
Pierre Henry (1927), compositor francs, pertencia ao Groupe de Recherches de Musique Concrte
na Frana, tendo sido um dos pioneiros da msica concreta e primeiro colaborador de Pierre Schaeffer.
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Philippe Manoury (1952), compositor francs. Entre 1978 e 1980, deu cursos e conferncias
sobre a msica contempornea em diferentes universidades brasileiras. Foi um dos iniciadores da msica
eletroacstica mista em tempo real, desenvolvida no IRCAM (Institut de Recherches et Coordination
Acoustique/Musique de Paris).
24
Alban Berg (1885-1935), compositor austraco, foi apelidado o romntico do dodecafonismo,
pois nas obras que escreveu com esse estilo sobrevive uma expressividade e dramatismo de ndole psromntica.
25
Willy Corra de Oliveira (1938), professor e compositor brasileiro nascido em Pernambuco. Foi,
juntamente com Gilberto Mendes, o grande responsvel pela propagao das idias musicais da Escola de
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:: Alemanha
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Guido dArezzo (995-1050), monge italiano e regente do coro da catedral de Arezzo (Toscana).
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frase perdida, muito interessante, que : Que tudo que seja falado tornese canto. um verdadeiro manifesto pela expresso musical da palavra. Em
minha obra, h ao incio uma recitao pura desta frase em alemo, e no
final da frase, ouve-se j uma extenso da ltima palavra. A msica toma
conta do discurso, numa espcie de musicalizao radical da verbalidade.
Trecho da pea Phantom-Wortquelle; Words in Transgress
22
Todos os sons dessa obra so derivados da voz. Pouco a pouco, ouvese uma perda da recitao pura... Uso diversos textos, de Schaeffer,
Schoenberg e do poeta mexicano Hector Ola, mas no final da obra temos o
som puro, destitudo de conotao verbal. No meio desse processo, retomei
uma idia de 1985 que eu tinha desenvolvido no Brasil, uma das coisas
que marcou meu trabalho na Alemanha, que o que eu chamei na poca
de forma-pronncia. Com a forma-pronncia, procuro entender a palavra
como uma expresso eminentemente musical, fazendo explodir no tempo
as suas estruturas, numa extenso radical de sua organizao interna.
como se voc se colocasse a seguinte questo: como ouvir, do ponto
de vista musical, da maneira mais abstrata possvel o potencial musical
da fala, das palavras? Isto somente torna-se possvel se voc estender
radicalmente a palavra no tempo. Ao faz-lo, cada elemento fonmico da
palavra vai se dilatar proporcionalmente de acordo com sua durao no
interior da palavra. Assim, a palavra passa a colorir os momentos da forma
musical, gerando uma forma musical nova, que, no entanto, nada mais do
que uma forma derivada da prpria estrutura da palavra. Ao invs de voc
ouvir a palavra rapidamente j que toda palavra dura uma efemeridade
na fala , voc a ouve radicalmente dilatada no tempo. Eu tinha feito
isso com a palavra PAN, devido a essa minha obsesso pelo mito de P,
pois o acho o mais musical de todos os que eu conheo na mitologia
grega. Dilatei a palavra PAN em trs momentos: P, A e N, e fiz, assim, uma
primeira forma-pronncia. Na realidade, se a gente cronometrar nossa
fala corriqueira, a pronncia de PAN vai durar em mdia menos que um
segundo. Mas em minha pea, ela demora 7 minutos e 40 segundos. TrataFoi o criador da pauta musical e batizou as notas musicais com os nomes que conhecemos hoje: d, r,
mi, f, sol, l e si, baseando-se num texto sagrado em latim cantado pelas crianas do coral para que So
Joo os protegesse da rouquido.
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sonora. Esta era inclusive uma grande discusso que eu tinha com o meu
falecido irmo, Philadelpho Menezes34, que foi o introdutor da poesia
sonora no Brasil e que tinha conscincia de que uma coisa no tinha nada
a ver com a outra.
:: Msica eletroacstica
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:: Msica acusmtica
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:: Studio PANaroma
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:: PUTS
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isolamento social. Ou voc pra de fazer o que voc julga que tem teor,
substncia e valor e, abrindo mo totalmente do saber, vai fazer qualquer
outra coisa, qualquer porcaria dentro da rea do saber, ou voc continua
fiel aos princpios intelectuais e atua humanamente no sentido de uma
transformao dentro daquilo em que voc consegue atuar.
uma situao crtica? . No existe situao que favorea a expanso
da inteleco. Se voc comparar a dana em relao msica, acontece
a mesma coisa. A dana contempornea muito pouco compreendida. O
carinha vai discoteca fazer os movimentos mais estereotipados possveis,
em vez de pensar na expresso dos gestos. a mesma coisa que acontece
com o som: em vez de voc pensar na substncia da composio, do som,
das estruturas musicais, da expresso musical, voc vai se arregimentar
por moldes, tentar opes hbridas que no levam nem pra c nem pra l,
que acabam alimentando uma intelectualidade superficial, como as opes
meio clssicas, meio populares, o que acho uma verdadeira porcaria. Sou
bastante crtico com relao a isso. Mas felizmente existem formas de
resistncia, por mais que a sociedade seja avessa a um fazer mais radical,
mais integrado com a questo da linguagem musical e da escuta, com
a linguagem potica ou com a linguagem da dana. Ns, que fazemos
arte de ponta, de alguma forma acabamos influenciando, mesmo que por
osmose, quem atua em esferas culturais mais superficiais. Se voc fizer
arte com a mxima seriedade, sem qualquer concesso, de alguma maneira
seu trabalho acaba se impondo. E acaba sendo uma contribuio no s
cultura brasileira, mas para a cultura de modo geral.
Atualmente, existe uma ausncia de perspectiva poltica enorme,
uma morte das utopias bastante grave, porque sem utopias voc no tem
construo possvel. Voc precisa ter ausncia do lugar para chegar a esse
lugar sonhado, o u-tpico para ter o tpico. Se voc no tiver a utopia,
voc no ter o tpos. O tpico uma iluso, no existe; o u-tpico
que existe! Quando voc no tem o utpico e por decorrncia no tem o
tpico, fica complicado. Sinto muito por ser negativo assim, mas eu estou
cada vez mais ctico quanto ndole humana, ao ser humano em geral.
chato dizer isso, mas a realidade. Eu vejo muita porcaria e aes muito
pequenas no sentido contrrio, e constato um empobrecimento muito
grande da cultura.
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importncia que tem Cuba e que tem Fidel Castro55 num mundo como hoje.
Numa discusso com um amigo, ele me perguntou: Voc gostou de Cuba?
No tem um shopping l! Foi uma frase to ridcula...!
Quando voc ouve uma msica, a sua escuta histrica, jamais
voc vai ouvir uma coisa sem se desligar de sua historicidade. Voc no
consegue ouvir um Schumann56 achando que sua msica feita nos dias
de hoje. Se fosse feito hoje, seria uma porcaria, no mximo um artesanato
bem-feito. A linguagem tem o peso da sua histria, e ela mantm um
interesse justamente por se situar numa historicidade. comparando o
que era possvel e o que foi possvel que voc diz que se trata ou no de
uma obra de gnio. Ela mantm um interesse, ela passa uma energia que
se atualiza na poca de hoje. Schumann continua sendo genial porque ele
era genial na sua poca. Transcende o limite, porque no existe limite
nas coisas. Elas so muito mais que as nacionalidades, as fronteiras, as
cerquinhas de nossas casas.
A tendncia do ser humano cada vez mais de se esfacelar em
pedacinhos. Vivemos na contramo de como eu acho que a gente deveria
existir: o ideal seria uma cosmopolitizao radical do saber humano e
uma setorizao econmica em modelos reduzidos de sociedade, como
afirma o compositor Henri Pousseur, que a partir dos utpicos franceses do
sculo XIX, resgatou o ideal de modles reduits, modelos reduzidos, como
os kibutz. Funcionam muito mais! So Paulo maravilhosa por um lado,
eu adoro So Paulo, sou tipicamente paulistano, neurtico, neurastnico,
tudo isso, tomo caf demais. Mas uma cidade invivel. muito mais
fcil voc viver em modelos economicamente reduzidos de sociedade, com
uma cosmopolitizao um cosmos mesmo, uma cosmos-politizao da
cultura. O que a gente vive hoje, essa cosmopolitizao da economia, so
os processos de globalizao, maneira moderna de dizer imperialismo, e
uma setorizao cultural: as msicas populares, que na realidade de popular
tm quase nada, e os nacionalismos, tais como os movimentos nacionalistas
europeus, ou como os compositores brasileiros que passam dos 50 anos e
vo fazer msicas nacionalistas. O nacionalismo atrasou a msica brasileira
55
Fidel Castro (1926), presidente da Repblica de Cuba, governa desde 1959 como chefe de
governo e a partir de 1976 tambm como chefe de Estado. Lder bastante contestado, para seus defensores
representa o heri da revoluo social, enquanto que seus opositores consideram-no lder de um regime
ditatorial baseado numa poltica de partido nico e numa polcia repressiva.
56
Robert Schumann (1810-1856), msico e pianista alemo, um dos maiores compositores do
romantismo alemo. Sua tendncia era revolucionria na poca. Foi escritor e crtico notveis.
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em 80 anos, e vai atrasar por quantos mais? Por quantos anos mais vamos
eleger o Villa-Lobos57 como um grande compositor? Ele apenas um bom
compositor em algumas de suas obras. No se pode compar-lo a um Pierre
Boulez, por exemplo, ou a seu contemporneo Bartk58. No tem o mesmo
nvel. Se a gente no tiver coragem de dizer, de assumir isso, a msica
brasileira no salta. O Rudepoema do Villa-Lobos tem um nvel de Bartk,
tem um nvel de Debussy, por isso ele um cara conhecido. Se voc pega
o Uirapuru, de 1917, uma pea estranha e boa, mas se voc pega as
milhes de obras nacionalistas de dcima categoria que que Villa-Lobos
escreveu depois da dcada de 20 e pega linguagem musical conseqente de
um Bla Bartk, nota que existe entre ambos uma considervel diferena
de qualidade. No acentuando valores nacionais para defender um espao
nosso que a gente vai conseguir dar o salto que precisamos dar. defendendo
a qualidade da msica enquanto linguagem universal.
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voc quer, mais chance tem de ser compreendido pelo intrprete. Por outro
lado, deixo muito claro o som que eu quero. Duvido um pouco da potica
da aleatoriedade, e acho que o acaso no existe. No sou laplaciano, mas
acho que o acaso uma incapacidade humana de compreenso de algum
fenmeno. Eu diria que sou einsteiniano. Quando Einstein diz que Deus
no joga dados, acho que emitiu a frase mais sbia de sua vida. No fim das
contas, o jogo de dado sempre tem um impondervel, j dizia Mallarm62.
A arte um terreno em que, devido a uma srie de fatores que influenciam
a elaborao da linguagem, o artista tem que assumir responsabilidades.
Quanto mais responsvel ele for pelo produto da sua arte, mais chance
ter seu inconsciente de se projetar na obra, a partir do que ele pretendeu
conscientemente. Por isso, sou bastante ctico em relao s poticas que
centraram questo no inconsciente, como se o inconsciente fosse capaz
de, atravs de processos de automao, dar conta da linguagem artstica.
Me refiro aqui claramente ao surrealismo. Das vanguardas histricas do
sculo XX, talvez o surrealismo seja a pior delas. Pior no sei, porque
desconheo se as outras so ruins. Mas no acredito no surrealismo. Foi
um erro na arte. Nunca vi nada surrealista que prestasse, nem em pintura,
nem em literatura, nada. Acho Dal63, por exemplo, tecnicamente perfeito,
mas do ponto de vista da linguagem pictrica, um pintor primitivo muito
aqum do autntico primitivo. Volpi64, do qual ningum fala, d de dez
no Salvador Dal. Eu no acredito na potica do inconsciente no lugar do
consciente. Existe o inconsciente transparecendo no ato de conscincia,
e a que ele se faz inconsciente. O ato da criao artstica tem que ter
uma responsabilidade, e nisso acho que sou um compositor ps-serial,
porque o serialismo nos ensinou isso na dcada de 50: o domnio ou pelo
menos a inteno de uma conscincia plena do som e dos parmetros
sonoros, tendo conscincia de fenmenos de densidade, de direcionamento,
de organizao de intervalos, de organizao de tempo, despertarndo a
62
Stphane Mallarm (tienne Mallarm) (1842-1898), poeta e crtico literrio francs, destacouse por uma literatura que se mostra ao mesmo tempo lcida e obscura. Pretendia escrever A Grande Obra
(Le Livre), livro com estrutura de obra arquitetnica, uma espcie de sintonia com o universo.
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Salvador Dal (1904-1989), pintor catalo, conhecido por seu trabalho surrealista, que chama a
ateno pela incrvel combinao de imagens bizarras, como nos sonhos, com excelente qualidade plstica.
Foi influenciado pelos mestres da renascena.
64
Alfredo Volpi (1896-1988), pintor talo-brasileiro, considerado pela crtica um dos artistas
mais importantes da segunda gerao do modernismo. Na dcada de 50, evoluiu para o abstracionismo
geomtrico, de que exemplo a srie de bandeiras e mastros de festas juninas.
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conscincia auditiva para o mximo que voc consegue. Dentro do que voc
poderia chamar de exerccio de escuta, a sim brota o inconsciente. Quer
dizer, o inconsciente vai brotar do exerccio de conscientizao mxima.
Nesse sentido, o intrprete sempre vai ter seu lugar, porque, no exerccio
de interpretao e de ser fiel a uma transcrio com o maior detalhamento
possvel, sempre vai surgir o inconsciente. Da o fenmeno interpretativo.
Na msica instrumental, isso mais fcil, porque ela atualizada. Na msica
eletroacstica, fixada num suporte, essa interpretao acaba, ela no existe
ali, existe na mera audio, que no mera, um fenmeno complexo
de entendimento musical. Mas, desde que existe uma fixao do som
uma das maiores crticas que se faz msica eletroacstica fixa , existe
ausncia da interpretao enquanto fazer do som, uma caracterstica da
msica eletroacstica que pode ser vista at como um problema. Eu no
vejo assim, pois acho que a interpretao no tpico dessa esfera de
fazer musical; ela o do fazer da msica instrumental e vocal. So fazeres
musicais distintos.
Eu achei brbara, maravilhosa a interpretao e o trabalho do Jamil
Maluf. A experincia que eu tive...! Tenho o maior respeito por ele. um
msico de primeirssima qualidade! Fez um trabalho minucioso. A prova
disso foi o ltimo ensaio que a gente foi passar: a gente passou a pea
j no teatro, acabou o ensaio, mas ele segurou os msicos mais uns 20
minutos para voltar a fazer a pea. Eu fiquei realmente emocionado! O
Jamil um dos msicos para quem a gente tem que tirar o chapu. Ele
tem um preciosismo impressionante.
De uma interpretao para outra, sempre vai haver alguma variao.
Essa pea que eu toquei na Sala So Paulo, Parcours de lEntit, para flauta,
percusso e tape, j foi executada por muitos flautistas, e cada um a toca
de um jeito diferente, que eu gosto muito. Foi tocado pelo Flix Henggli
do Contrechamps, pelo Terje Thiwn da Sucia, pelo Toninho Carrasqueira65
aqui, pela Cssia Carrascoza66, pela Isabelle Hureau67 para quem eu escrevi
65
Antonio Carlos Carrasqueira, professor da USP, msico do Quinteto Villa-Lobos e fundador da
Orquestra Jazz Sinfnica do Estado de So Paulo, tem vrios CDs gravados e um repertrio que vai
do perodo barroco at a msica eletroacstica. Navega livremente e com a mesma propriedade pelos
universos erudito e popular.
66
Cssia Carrascoza, flautista, integra a Orquestra Sinfnica Municipal de So Paulo e a Jazz
Sinfnica do Estado de So Paulo. Desenvolve trabalhos como solista e camerista, tendo se apresentado
nas principais salas de concerto do Brasil e em pases como Hungria e Holanda.
67
Isabelle Hureau, flautista francesa.
Msica Contempornea ::
:: Trilhas sonoras?
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Msica Contempornea ::
:: Processo de composio
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Msica Contempornea ::
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:: O mito de P
Msica Contempornea ::
razo , foge, e perseguida por P. Veja que implicao tem isso! Eco fica
aterrorizada e emite gritos que se perdem na floresta, criando o eco, um
grito perdido, mas que ao mesmo tempo se perde junto ao grito de P, o
grito pela razo. Esses gritos aterrorizam as tietes de P, as ninfas a
noo mitolgica da tiete contempornea. Esse terror cria o terror pnico,
que vem de P. Olhem que loucura! O que ento o terror pnico? o
medo de enxergar a verdade! Como vocs podem ver, a questo em torno
da verdade est me perseguindo h muito tempo! Para tentar se disfarar
de P, Eco se transforma em caule, achando que assim ele no a acharia no
meio do vale. Mas P, com sua viso pan-ormica, depois de causar o terror
pnico diante da verdade, descobre claramente o disfarce e tenta resgatar
Eco e seu grito perdido. Resgata o caule e assopra, criando assim a flauta.
Olhem que coisa linda: voc v a criao do eco, a busca da verdade, o
pnico, o panorama, o PANaroma que vem da, a flauta, o gesto do sopro
como expresso de uma extenso corporal na busca de algo que essncia,
perdido no meio de um disfarce. Quer dizer, a busca da essncia no meio
de um mundo disfarado. Como se fosse a prpria msica, a imerso de uma
autenticidade. H a tantas implicaes que acho esse mito impressionante
para um msico. Essa minha obsesso por P vem da.
Quando eu descobri o termo pontuado pelos irmos Campos dentro do
Finnegans Wake, decidi que meu estdio se chamaria Studio PANaroma, pelo
P. Antes de se chamar PANaroma, a primeira pea de grande orquestra que
eu fiz chama-se PAN, mais ou menos uma msica de programa que narra
diversos captulos desse mito. No interessante? A origem dos eventos que
causam pnico est na realidade das coisas. Mitologicamente, a origem
do medo humano diante da verdade. Eu, como bom neurastnico, j senti
tudo isso, j tive sndrome de pnico, taquicardia, conheo bem todas essas
coisas. horrvel, horrvel...
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Msica Contempornea ::
:: Edson Zampronha
Edson Zampronha compositor. Suas composies receberam dois
prmios da Associao Paulista de Crticos de Arte-APCA. Em 2005,
foi vencedor, junto com o Grupo SCIArts, do 6o Prmio Sergio Motta
2005, o mais importante em arte e tecnologia do Brasil. Tem sido
compositor convidado em distintos centros, como LIEM-CDMC (Madri),
Fundao Phonos (Barcelona, Espanha) e Universidade de Birmingham
(Inglaterra). Tem recebido encomendas de diversas instituies, como
da FIFA e Museum fr Angewandte Kunst para o mundial de futebol 2006
e da Banda Sinfnica do Estado de So Paulo em comemorao aos 100
anos da Pinacoteca do Estado. Suas composies so apresentadas em
importantes festivais e concertos de msica contempornea: concertos
BEAST em Birmingham, Festival de Bourges, Sonoimgenes de Buenos
Aires, The Los Angeles Philharmonic Orchestra, JIEM em Madri, Festival
Msica Nova e Bienal de Msica Brasileira Contempornea, entre
outros. Suas obras esto includas em doze CDs lanados por diferentes
instituies e selos discogrficos. professor de composio musical
na Universidade Estadual Paulista-UNESP, onde coordena o Grupo de
Pesquisa em Msica, Semitica e Interatividade. Desde 2002, professor
convidado no doutorado em musicologia na Universidade de Valladolid,
Espanha. doutor em comunicao e semitica artes pela Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo-PUC-SP. Trabalhou como pesquisador
convidado na Universidade de Helsinque e Universidade de Valladolid.
autor do livro Notao, Representao e Composio (So Paulo:
Annablume) e organizador, junto com a professora Maria de Lourdes
Sekeff, da srie Arte e Cultura estudos interdisciplinares (4 volumes).
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:: Origens
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Msica Contempornea ::
do mundo exterior atravs de certos contatos que tem. O som uma forma
muito importante de contato. curioso: o Concerto n 3 de Beethoven foi
uma das obras de que realmente nunca tive a sensao de ter escutado
uma primeira vez. Parece que eu j conhecia a obra desde sempre, alm
de outras, e muitos estudos de escala e arpejo, mas nunca consegui tocar
piano bem como minha me, uma grande pianista. Tentei ter aulas com
ela, mas cheguei at certo ponto. Desde cedo, eu sentava diante do
piano e, em vez de tocar a partitura diante de mim, eu inventava, pois
tinha desejo de criar uma expresso prpria. No possvel ser pianista
dessa forma. Eu no conseguia ter cinco minutos de estudo de tcnica.
Para atingir uma excelncia num instrumento, voc deve ter pacincia e
dedicao. Eu, ao contrrio, improvisava ininterruptamente.
Minha grande escola desde pequeno foi ver minha me tocando, foi
acompanhar meu pai escutando todo aquele repertrio e eu inventando
msicas no piano. A improvisao aliada a certos conhecimentos
tcnicos e conhecimento do repertrio fez com que eu tivesse muita
facilidade para me expressar criando msicas. A improvisao se tornou
algo natural para mim, fao com facilidade no estilo de vrios autores.
No de todos, mas daqueles com os quais tenho maior afinidade e de
que gosto mais, por exemplo, Bach87, Bartok88, Beethoven, Mozart89.
Com esses no tenho dificuldades, nem com Messiaen90, Debussy91 ou
msica atonal expressionista. Tenho um pouco mais de dificuldade com
Stravinsky92, embora goste e admire profundamente sua msica. Tenho
grande afinidade com todos esses compositores. Improvisar no estilo
87
Johann Sebastian Bach (1685-1750), msico e compositor alemo do perodo barroco da
msica erudita. Foi tambm um organista notvel.
88
Bela Viktor Janos Bartok (1881-1945), compositor hngaro, pianista e investigador da msica
popular da Europa Central e do Leste. Considerado um dos maiores compositores do sculo XX, foi um dos
fundadores da etnomusicologia, o estudo da antropologia e etnografia da msica.
89
Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), compositor e msico erudito, um dos mais populares
dentre as audincias modernas. Gnio austraco, foi um fenmeno durante toda sua vida.
90
Olivier Messiaen (1908-1992), compositor e organista francs. Apontado como um dos maiores
compositores do sculo XX, est entre os trs mais importantes e influentes compositores franceses do
perodo. Ficou conhecido pela originalidade de suas idias e concepes musicais.
91
Claude Debussy (1862-1918), compositor francs, smbolo do impressionismo musical e da
transio da msica do sculo XIX ao XX. Levou a linguagem musical a universos antes no imaginados
atravs de novas escalas, novo uso da harmonia, da forma e da orquestrao.
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Igor Stravinsky (1882-1971), compositor russo, um dos mais destacados e influentes do sculo
XX, revolucionou de forma decisiva a linguagem musical com o bal A Sagrao da Primavera (1913).
Posteriormente, se destacou em diferentes linguagens musicais, incluindo o neoclassicismo e o serialismo,
sempre de forma notvel.
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:: Estudos musicais
Meu primeiro instrumento foi o piano, que toco at hoje e com o qual
pratiquei muito a improvisao. Embora eu improvisasse continuamente
antes, minhas primeiras composies escritas so de 1977. Minhas primeiras
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Franois Couperin (1668-1733), compositor francs, um dos mais completos e geniais da poca.
Foi na msica para cravo que Couperin chegou ao cume de sua arte.
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Domenico Scarlatti (1685-1757), um dos mais representativos compositores e excepcional
tecladista do perodo barroco e pr-clssico. Destacam-se, entre outras obras, suas sonatas para teclado e
sua virtuosidade, brilho e musicalidade.
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Gyorgy Ligeti (1923-2006), compositor romeno. Deixou obra peculiar e influente. Em 1961,
teve grande xito com a pea para orquestra Atmosphres durante o Festival de Msica Nova de
Donaueschingen.
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Luciano Berio (1925-2003), compositor italiano, um dos mais importantes da segunda metade do
sculo XX, participou e superou o movimento serial de composio. Foi pioneiro em diversas reas, inclusive
no uso da eletrnica como forma de explorao de novas fronteiras musicais.
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Alfred Schnittke (1934-1998), compositor representativo do ps-modernismo musical, faz uso
freqente de citaes e referncias a estilos de diferentes pocas, gerando um poliestilismo rico e bastante
expressivo.
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Jorge Antunes (1942), compositor carioca, um dos pioneiros da msica eletroacstica no Brasil.
Construiu diversos instrumentos eletrnicos. Possui trabalhos que relacionam sons e cores, gestos sonoros e
significaes musicais. Internacionalmente reconhecido e premiado, atualmente professor de composio
na Universidade de Braslia.
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Gilberto Mendes (1922), compositor paulista, participante ativo da vanguarda musical
brasileira, um dos fundadores do Grupo Msica Nova e criador do Festival Msica Nova, de grande impacto
na cena musical contempornea.
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:: Experincias profissionais
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Msica Contempornea ::
para uma srie de aspectos que desconhecia. Acredito que me torno melhor
compositor tendo tocado em orquestra e feito msica de cmara.
Regi coro por onze anos; regi um coral pequeno, o Coral Bandeirantes,
e por trs anos o coral da Escola Municipal de Msica de So Paulo. Alm
disso, cantei em coro por seis anos. Cheguei a reger orquestra; regi o
PIAP105 e a prpria Estadualzinha em uma ocasio, alm de alguns grupos
de cmara. Tudo isso considero parte de minha formao. A dcada de
1980 foi dedicada a alcanar uma formao a melhor possvel. Minha
dedicao foi grande, e os resultados foram muito bons para mim.
Conclu meu mestrado na Escola de Msica da UFRJ, em 1991. No
morava no Rio de Janeiro na poca; eu ia e voltava, e um problema era o
sono. Na maior parte das vezes, eu ia de nibus noturno para conciliar as
atividades profissionais que eu tinha em So Paulo com o mestrado. Optei
por fazer o mestrado no Rio porque trabalhava sob a orientao da Profa. Dra.
Marisa Rezende106, uma excelente compositora. Ela sabe orientar e me dava
liberdade para desenvolver minha linguagem pessoal. Eu no era direcionado
por ela a uma determinada linha esttica, no tive que compor obras em
linguagens com as quais no me identifico. Eu buscava uma orientao
que investisse no aprofundamento da minha linguagem pessoal, e a Marisa
Rezende foi uma orientadora notvel nesse sentido. Terminei o mestrado
em novembro de 1991. No ano seguinte, surgiu uma vaga para professor na
UNESP, e entrei por concurso pblico. A entrada na universidade foi muito
importante para meu desenvolvimento pessoal e de minhas pesquisas. Em
1994, comecei meu doutorado em comunicao e semitica na PUC-SP.
Como me encantei pela filosofia durante um certo tempo, consegui retomar
parte disso com mais maturidade, unindo filosofia e msica no mundo da
semitica. Eu sentia que a semitica seria um caminho importante para
mim, que permitiria um aprofundamento da minha linguagem pessoal. Tive
como orientador o Prof. Dr. Arthur Nestrovski107, bastante reconhecido hoje
em dia. Algumas poucas palavras eram fundamentais para o entendimento
de coisas no bem esclarecidas antes; um poder de sntese e uma clareza
notveis. Foi muito importante para minha formao, e sou muito grato a
105
Grupo de Percusso do Instituto de Artes da UNESP, dirigido por John Boudler.
106
Marisa Rezende (1944), pianista e compositora carioca, fundou a Associao Nacional de
Pesquisa e Ps-Graduao em Msica. Tem participado ativamente de festivais nacionais e internacionais
de msica.
107
Arthur Nestrovski (1959), gacho, professor titular de literatura na PUC-SP e articulista da
Folha de S.Paulo. Escreve sobre literatura e msica desde 1992.
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:: Publicaes e gravaes
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:: Pesquisas musicais
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Msica Contempornea ::
ser falso comigo mesmo. Tenho que saber que msica essa que preciso fazer
e que ainda no fiz. Parei o que estava fazendo e fiz outra msica, enorme,
uma hora e quatro minutos de durao, chamada Composio para Msicos
e Atores. No existe gravao dessa obra, tenho somente uma gravao em
vdeo amador. Algum dia, vou recuper-la. complexa: tem um coro de 16
pessoas, 4 percussionistas, uma orquestra de 16 integrantes, dois atores, uma
modelo e um regente; 40 intrpretes no palco. difcil montar a obra, e a
msica longa. Eu a regi em 1986 contando com colegas da faculdade. Fui
chamando um a um: vamos fazer, vamos fazer! E saiu. Foi uma experincia
notvel, e, j que tinha feito uma obra de grandes propores, iria recomear
do pequeno. Comecei a compor obras para solistas, uma a uma, de duraes
breves. Foi um grande estudo para mim, pois ia aprimorando o que considero
uma das coisas mais difceis para um compositor adquirir: o controle da
sensibilidade, tal como comentei antes.
O controle da sensibilidade do tempo musical, dos sons, do discurso
musical, da tenso dentro da obra, da expressividade, tudo isso muito difcil
de adquirir, requer muita prtica, muito treino, muita pacincia e disciplina.
Voc precisa de muitos anos de sua vida dedicados observao de cada
som que voc insere num trabalho; a troca de um por outro pode alterar
todo o equilbrio e toda a sensibilidade construda dentro da obra. Algumas
decises podem pr tudo a perder. Esse tipo de controle difcil de explicar,
mas est no dia-a-dia da composio. H um raciocnio sensvel tecido com
muito cuidado e profundidade. s vezes, uma simples distrao pode fazer
com que um raciocnio muito delicado seja perdido. O tocar do telefone
pode gerar uma perda irreparvel na construo do pensamento musical.
Alguns mtodos composicionais podem simplificar esse processo porque,
digamos, partes do problema j possuem solues prvias mais ou menos
direcionadas. No tenho nada contra os mtodos. No seu uso didtico, os
mtodos de composio servem para levar o aluno a uma aproximao desse
problema de uma maneira menos exaustiva. Permite adquirir experincia e,
a partir da, um controle pessoal sobre o fazer musical. Esse pensamento
sensvel difcil, seno impossvel de medir. Como que voc controla
a sensibilidade na construo de um discurso musical? Como que voc
dosa o peso das coisas dentro do fazer musical? Realmente muito difcil e
demora muitos anos para ser alcanado.
:: As obras
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A Modelagem X-a uma pea muito curta que eu compus para o Andr
Juarez. Foi a nica que fiz em 1997. Eu anoto tudo, conto todas as minhas
coisas, como se fosse um dirio no qual eu procuro registrar o meu controle
sobre a sensibilidade. Sempre essa a perspectiva. Vou registrando o
controle da sensibilidade. Depois, eu posso voltar e observar, ver quais
foram os meus saltos. Certas coisas esto muito bem explicadas, enquanto
outras ocorrem por salto. Salto de uma coisa e chego outra, e esse salto
no est anotado. A passagem que tem um salto muito grande e que no
est explicada, tem potencial para ser um foco de ateno composicional
em uma prxima obra porque ali existe alguma coisa no consciente que
eu quero descobrir, quero entender o processo composicional a fundo. Na
verdade, quero entender o processo criativo e aumentar as possibilidades
de controle sobre ele sem que esse controle seja algo determinista ou
ditatorial. s vezes, entendemos, mas no podemos controlar o processo
criativo. Posso querer controlar um rio. Como voc controla um rio? Voc
constri uma barragem, aprofunda a calha. Voc no pode evitar as chuvas,
mas pode controlar as cheias atravs do controle da vazo do rio. nesse
sentido que uso a palavra controle. Voc controla at certo ponto aquilo
que possvel controlar. No busco um controle absoluto. Isso no me
Msica Contempornea ::
parece ser possvel nem desejvel. Ento, fao uma srie de esboos de uma
obra. Posso estar no meio da composio e, de repente, reavalio minhas
anotaes e os esboos. E, como se observasse com maior distncia, posso
mudar completamente o que havia realizado, mas no jogo nada disso fora.
A reavaliao necessria e importante. Um ano, dois anos depois, volto
para os rascunhos, vejo o que fiz, comparo com o resultado, de preferncia
ouvindo a obra gravada. Analiso meu prprio trabalho, meu prprio processo
criativo e procuro compreender melhor e refinar o processo. uma maneira
muito interessante de trabalhar. No acho que deva ser uma regra para todos,
isso pessoal, uma maneira pessoal que, segundo minha experincia, me
auxilia. Tambm me acrescenta porque descubro quais partes do processo
no controlo bem ou quais partes no posso controlar. Busco ser mais
consciente e descobrir reas de atuao sugeridas nos trabalhos anteriores
que me levam a especular outras obras. uma espcie de auto-anlise. Vou
fazendo meus esboos, vrios deles. Vou agora mostrar um trecho de outra
msica composta na mesma poca da Modelagem X-a.
Audio do fragmento inicial da obra MODELAGEM XIII, de Edson Zampronha,
na interpretao de Ldia Bazarian (piano) e Eduardo Gianesella (percusso).
Obra includa no CD Duos e Trios Contemporneos, faixa 10.
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Adolfo Nez (1954), compositor espanhol e diretor do Laboratrio de Informtica e Eletrnica
Musical do Centro para Difuso da Msica Contempornea LIEM-CDMC, no Museu Reina Sofa, em Madri.
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:: O contedo musical
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elas porque nesse dilogo que o discurso musical constri sentidos novos,
antes inimaginveis. s vezes, observo uma grande preocupao com a
busca por um som novo. No entanto, embora o som seja fundamental, ele
sozinho no msica. Mesmo como objeto sonoro isolado, ele somente
se transforma em objeto musical se estabelecer um dilogo com o
passado. O objeto musical est realmente no dilogo entre msicas, entre
mltiplas leituras de um mesmo texto musical. Nesse sentido, a gravao
potencializou uma antiga forma de dilogo entre msicas, ela interferiu
nesse processo. A gravao fsica do som no existia antes, e sua presena
se torna um elemento muito significativo. Ela alterou, dessa forma, nossa
maneira de pensar a composio e de interpretar obras. Agora, quando
voc dialoga musicalmente, voc o faz com vrias obras gravadas. Mas,
como a msica se constri no dilogo, h sempre espao para a nova
msica e para o novo intrprete, j que esse dilogo que move a msica.
Eles so necessrios. No caso do compositor, no entanto, necessrio
que outras obras dialoguem com ele, essa continuidade do dilogo
muito importante para o desenvolvimento da msica. Como se trata de
uma linguagem no verbal, a gravao se torna um elemento da mxima
importncia para o crescimento vertiginoso dessa faceta da linguagem
musical. nesse ambiente que ocorre, hoje, uma importante parte do
discurso musical que possui um valor que pode ser muito positivo.
Vou interromper este depoimento. Gostaria muitssimo de agradecer
o convite do Centro Cultural So Paulo e da mesma forma a presena de
todos. E dizer, ainda, que os materiais que mencionei nesta apresentao
esto todos disponveis na Discoteca do Centro Cultural So Paulo para os
que desejarem consult-los. Obrigado.
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So Paulo, 2008
Composto em Myriad no ttulo e ITC Officina Sans, corpo 12 pt.
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http://www.centrocultural.sp.gov.br