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Koellreutter Estética
Koellreutter Estética
Koellreutter Estética
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7
~OELLREUTTER
ESTETICA
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Autor. Koellrcuttcr-, Ha
Ttulo: A procura de um rrumdo
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1
BA-00033796-7
1
Edio japonesa:
:tono tAi.. u:a
Meisei University Ed.
Tokio, 1983.
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H. J. ~OELLREUTTER
A PROCURA DE UM MUNDO
SEM VIS--VIS
IUSll
traduo e coordenao:
SALOMA GANCELMAN
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EXEMPLAR
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int&sJao
gr.ifica, editora e
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COLECO
ENSAIOS
- 06
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Edio brasileira
Direitos reservados pela
EDITORA NOVAS METAS LTDA.
SO PAULO
BRAS 1L
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2a. edio
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(Printed in Brazil)
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EDITORA NOVAS METAS LTDA.
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CDD-709.52
-701
-701-17
-709.1821
84-2193
1.
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5.
PREFACIO
O encontro do misticismo oriental com o pensamento cientfico
do
ocidente e suas naturais implicaes nos campos social, filosfico,
artstico e cientfico constituem-se, provavelmente, noacontecil"lento l'lais notvel de nosso sculo.
Em seu 1ivro "The Tao of Physics", o fsico americano Fritjof Capra
escreve:
"O pensamento oriental - e de um modo mais geral o pensamento mstico - prov ln fundo filosfico consistente e relevante para as teorias cientficas contemporneas; u-na concepo do mundo na qual as descobertas cientficas do homem convivem em perfeita harmonia
com
suas aspiraes espirituais e crenas religiosas.
Os
dois temas bsicos dessa concepo so a unidade e inter-relao de todos os fenmenos e a natureza intrinsecamente dinmica do universo. Quanto mais penetramos
no mundo sub-microscpico, mais nos damos conta de que
tanto o fsico moderno, quanto o mstico oriental, percebem o mundo como um sistema de componentes inseparveis, que interagem e esto em movimento contnuo, com
o homem como parte integrante desse sistema".
E Fritjof continua:
"O paralelo entre a fsica moderna e o mist1c1smo oriental chocante, frequentemente encontrando-se afirmaes a respeito das quais quase impossvel dizer
se
foram emitidas por fsicos ou msticos orientais".
Conscientes do significado e alcance da convergncia entre as culturas em questo, S. Tanaka e H. J. Koellreutter, nas doze cartas que
se escreveram entre 1974 e 1976, discutem a necessidade e urgncia
de un estudo crtico das culturas, a seleo de seus valores caractersticos, com vistas construo de uma cultura planetria, e a
redescoberta do homem como parte integrante de um todo orgnico.
Dois intelectuais que examinam os aspectos predominantes na forma do
ocidental e do oriental elaborarem seu pensamento, comas consequentes implicaes na apreenso do real, e partem, na anlise dos processos culturais, de diferentes vises quanto sua natureza: conservadora ("a cultura, baseada em conservadorismo, parece-me ser a
de
uMa
terra-1T1ater de novas idias e desenvolvimentos, isto ,
transformao cultural criadora" -Tanaka, quarta carta) ou renovadora {"o conservadorismo se prende ao j ultrapassado e se opoe ao
criativo" -Koellreutter, terceira carta).
r------ - - - - -
Juan
Carlos
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JI
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Toquio, 2/9/74
Prezado professor Koellreutter:
Acabo de ouvir seu novo trabalho intitulado "Yume no naka no hito",
(poema concreto do poeta japons SHUTARO MUKAI que sugere a real idade como criao onrica do homem) ()escrita para "Koto", instrumento tradicional do Japo, e voz falada, sobre um texto em lngua japonesa. Ouvindo essa composio, sente-se a influncia da sensibilidade e da esttica japonesas. No se tem a impresso, no entanto, e isto me surpreendeu, de se tratar de "niponizao". Admiro-lhe a capacidade de ter mantido sua identidade e individualidade,
apesar da influncia japonesa. Seguramente, o senhor sabe muito bem
quo distante est da msica tradicional japonesa; sabe tambm, e
eu estou convencido disto, distanciar-se do objeto alheio e contempl-lo objetivamente. Assim, consegue domin-lo, faculdade que os
artistas japoneses geralmente no possuem quando se defrontam com
culturas aliengenas.
Procurarei elucidar o que acabo de dizer por meio de um exemplo: h,
na pintura japonesa moderna, duas tendncias distintas; uma, chama-se "nihon-ga"; seus representantes visam pintar em estilo tradicional do Japo. A outra, chama-se ''y-ga"; seus representantes visam imitar as tendncias estilsticas do ocidente. E estranho que os
pintores japoneses nunca tivessem tido a idia de integrar a tcnica e o contedo esttico da arte ocidental ao modo de pintar
da
tradio japonesa. Nos ltimos tempos, no entanto, alguns pintores
de "ni hon-ga" procuram faz-lo.
Devo confessar que, se de um lado admiro, o individualismo
egocntrico ocidental, por outro, como oriental, no posso evitar sentlo como arrogante. Por isso, prezado Sr. Koellreutter,
gostaria
que discutssemos um pouco a respeito das coisas que distinguem os
europeus dos japoneses.
Desde sempre, tive a impresso de que a diferena principal entre
ocidentais e japoneses tem suas razes no Cristianismo.
Em todo o
mundo ocidental, pela maneira de viver e pensar, sente-se, at hoje, a sua influncia. Parece-me essencial o fato de ter o Cristianismo um nico Deus que simboliza o Absoluto, com o qual o Cristo
relaciona tudo. Para ns, o Absoluto no existe. Aos nossos olhos,
tudo relativo, os conceitos de Bem e Mal, de CertoeErrado. Acreditamos que, neste mundo, nada existe que possa
ser considerado
como Absoluto. Por outro lado, compreendemos que, num mundo de relatividade, um "mundo infinito", o Divino-Absoluto poderia vir
a
() nota dos tradutores
14
tornar-se uma necessidade. t fcil compreender que o povo judeu, atrs do qual havia uma longa histria trgica de sofrimento e traio, ansiasse por um Salvador. No se lhes apresentava outra sada
seno procurar proteo no Sobrenatural-Absoluto, em Deus.
Em um
l'll.lndo em que tudo pode falhar, resta apenas ao homem recorrer quele que, na Terra, no pode ser encontrado. Os europeus devem ao
CristianisrTX> o ter transformado a negao e o desespero em esperana e redeno, processo ao qual os japoneses no precisam recorrer,
uma vez que, segundo sua opinio, em sociedade, os conflitos podem
ser solucionados por "compreenso mtua". Esta idia se explica pelo fato de ser o Japo um pas de unidade scio-cultural
incomum.
Nele, praticamente, quase no se observa a influncia de outros povos. Por isso, os japoneses, congregados em torno de uma nica tradio cultural, sentem-se identificados em um pensamento co1T1Jm. Em
nossa sociedade, a vontade de conservar essa harmonia desempenha um
papel muito importante. Confiar, evitar conflitos e procurar a compreenso Mtua entre os homens constituem, por isso, princpios fundamentais da convivncia japonesa. Assim, o japons nonecessitado
apoio do Divino-Absoluto.
Per mita-me um exemplo: imaginerios uma superfcie que deve representar o nosso rrundo da relatividade. lmaginerTX>s um ponto colocado acima dessa superfcie, sem ter com ela qualquer ligao direta. Esse ponto representa o Absoluto. Enquanto o ocidental, de alguma maneira, tende a ligar a superfcie com esse ponto, o japons prescinde disso. Por esse processo, o ocidental cria um mundo em trs
dimenses. O japons, no entanto, contenta-se com a superfcie bi-dimensional. Ele no capaz de estabelecer relaes espaciais em
forma de sistemas imutveis. Em sua maneira de sentir, as relaes
mudam de acordo com o ngulo do observador. Tudo simplesmente relativo. E, em verdade, o japons carece do senso de dimenso. Sentimo-lo em todos os terrenos de sua arte e cultura. Assim, por exemplo, falta msica japonesa a harmonia, e pintura - at o perodo Edo (1598 a 1867) - a perspectiva, ou seja, a representao
racionalista do espao tridimensional. Mas ao japons faltam,
no
apenas, senso de dimenso (rittai-kn), mas tambm o de separao
(bumri-kn) e o de distncia (kyori-kn). A ausncia desses trs
fatores na conscincia do japons a chave da compreenso de sua
cultura. No podemos esquecer esse fato, se quisernos ent~nder verdadeiramente a arte e cultura do Japo. Por isso mesmo, nao separamos vida e arte, a qual faz parte integrante do dia a dia. O japons no considera "Sa-d" {em portugues erroneamente traduzido como
"cerimnia do ch") e "Ka-d" {arranjo de flores) como arte, mas sim
como "D" (ca'!li nho), ou seja, caminho da vi da, uma forma de f i losofi a e vida. Da ser a arte japonesa amena, sensvel, mas simples,
faltando-lhe, frequentemente, fora, profundidade e elevao.
Da rnesma maneira que as relaes do ocidental com a arte no so imediatas porque ocorrem atravs do Absoluto - o ponto queseencon-
JS
Bem diferente o japons; ele no se liga ao ponto fora da superfcie. O elo que estabelece aquele que cria com seus pares . QuanEm
do esse se rompe, ento sim, ele se sente solitrio e isolado.
seu ambiente mais ntimo, cultiva uma ligao "indissolvel", maior
do que a amizade e que no respeita, necessariamente, a liberdade do
outro. Ele se sente, em primeiro lugar, como parte dependente
da
sociedade. Aquilo que resta uma liberdade cujos limites so traados pelos interesses sociais. Talvez se possa explicar, ento, por
que o japons encontra dificuldade em se distanciar de objetos estranhos sua cultura e em conte~l-los objetivamente, isto , defrontar-se verdadeiramente com outras culturas; ~ se falta o senso
de distncia, faltar tambm a capacidade de defrontar-se com elas
e question- las. A falta de conscincia de s i mesmo e a consequente
tendncia do japons , de se orientar pelos outros e imit- los, so
as razes pelas quais ele aceita, to facilmente e sem crtica,
a
cultura ocidental. Ao tentar entregar- se inteiramente a ela,
no
percebe o quanto essa cultura estranha a seu prprio ser. No consegue pois, conhecer verdadeiramente o outro e, portanto, a si mesmo.
Ficaria 111.Jito grato se o senhor respondesse a essa carta.
Atenciosamente,
H. J. KOELLREUTTER - Tanka 1
"Yume no naka no hito" (Shutaro Mukai)
partitura (dois mdulos)
17
Tais ideais so, por exemplo: concentrao extrema da expresso, econorii ia de meios, renncia ao pr azer exc l us i vamen te sensor ia 1 , c 1a reza
e preciso, 1 iberao de um conceito de tempo racionalmente estabelecido, assimetria, forma aberta e varivel e outros conceitos mais . Sempre rejeiteiaidiadosom pelo som.Arneu ve r ,osom sempre o polo
complementar daquele elemento fundamental da msica, sem o qual, a
vivncia artstica no possvel: o silncio. E ta refa do composi tor anul- lo, para depois restitu-lo. O som tem por funo produzir, enfatizar, intensificar e conscientizar o silncio . No me re firo ao silncio no sentido da no-existncia do som, mas sim no
sentido de "seijaku", ou seja, calma interior e equi 1 brio,
coro
fundo originrio da vivncia espiritual, condio de ordenao
e
critrio de contedo e valor.
De fato , prezado professor, para mim , msica arte somente quando
- e isto sempre foi assim - permite esquecer o som e causar um es tado de equil brio interior . Po r tanto, quando a msica se torna si lncio "ativo", por assi'll dizer .
Foram esses os ideais que, em 1953 , encontrei confirmados no Japo .
Sem a vivncia da msica "Gagaku" do Japo e a an 1 i se da mesma , no
teria tido, talvez, a coragem de empregar e prosseguir desenvolvendo os princpios estticos acima mencionados, parcialmente contrrios aos da msica tradicional do ocidente.
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Estou convencido de que a l"Isica ocidental perdeu certos valores humanos no decorrer de sua evoluo histrica em direo a um individualismo voltado para o ego e um racionalismo que se acentua
progressivamente. Assim, certos valores humanos ainda vigentes no Oriente tero que ser resgatados, se pretendemos sobreviver corno sociedade tecnolgica de massa ora em marcha. Porque simplicidade, preciso, clareza e inteligibilidade, oor exemplo, so caractersticas
essenciais comunicao inter-humana.
Por outro lado, justamente esta sociedad~ tecnolqica de
r assa,
ainda em fase inicial, que obriga os japoneses a s apropriarem de
valores da cultura ocidental, inexistentes na sua prpria lradio.
Sem esses, a incluso dos japoneses ou de outras culturas na sociedade de massa seria impossvel. Refiro-me a caractersticas CO!l'K) reflexo objetiva quantificadora, liberdade de deciso
independente
de grupos, coragem de experirientar, criticar, questionar, etc.
Entendo por sociedade de massa a constituda por uma pluralidade de
Indivduos, cuja conscincia do "eu" e sentimento de responsabilidade individual vn sendo reduzidos ao mniMO, uma sociedade
sem
conscincia de unidade, tradies e estilos, no pensar e atuar.
Disso resulta, prezado professor, que ocidente e oriente no podem
evitar o questionamento de um em relao ao outro. A mim, no entanto, parece ser indiferente a maneira pela qual ocorre esse tipo de
processo de assimilao ou convergncia. Eu at diria queoquestionamento de valores culturais aliengenos, isto , daquilo que nos
separa, e a aceitao de outros que, embora estranhos cultura, tenham validade universal, se tornam, hoje, uma necessidade urgente.
Porque a sociedade tecnolgica de massa ser, sem dvida, planetria e universal; poder surgir somente quando houver a compreenso
de valores diferentes, estranhos, mesmo que opostos
aos
nossos
ideais. Refiro-me co,.,..,reenso, no tolerncia. Tolerncia pode
ser uma plida substituio para a falta de esforo em alcanar a
compreenso, fuga que em nada contribui para modificar falsas
interpretaes ou superar a incompreenso entre os povos.
Estou consciente, porm, de que a tolerncia representa um estgio
inicial indispensvel possibilidade de reflexo neste sentido.
Na sociedade planetria trata-se, antes de mais nada, de valorizar
as caractersticas culturais que nos diferenciam e, ao rresmo tempo,
redescobrir o homem como parte integrante de um todo.
O senhor, caro professor, de op1n1ao que a distino essencial entre europeus e japoneses reside no fato de terem os primeiros
introduzido em seu pensamento o conceito do Absoluto - do Eternamente
Vlido -enquanto que os ltimos no o fizeram. Concordo, sem dvida. O conceito do Absoluto nasce do modo racional e analtico
de
pensar - o Eternamente Vlido no parte de um todo em constante
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transformao -e estranho ao mundo da vivncia emocional e afetiva do Oriente. O Absoluto se111>re parte distinta, e por isso, diflcl lmente co~reensvel ao modo de pensar globalizante oriental.
20
em
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O senhor, no entanto, tem razo quando pensa que, para mim, indi fe r ente a forma pela qual se realiza esse exame crtico. Mas no o
manifestaes
compreendo quando v um cos na multiplicidade das
culturais que caracterizam a cultura do Japo de hoje. Se, como repetidamente tem acentuado, a harmonia da convivncia humana , para
o japons, lei suprema, o Japo, a meu ver, mais do que outras na es , est predestinado a assimilar e integrar valores culturais alheios, contribuindo, dessa maneira, para a "harmonizao" de todas
as culturas, com vistas a uma cultura universal futura .
Trata- se, hoje, de criar uma conscincia que seja capaz de perceber
e co~reender o mundo como um todo e de adaptar- se a ele criativamente. Tarefa custosa para o home~ ocidental que, por seu desenvolvimento histrico, ter no s que reaprender a pensar globalmente,
como tambm, e principalmente, a sentir como tal. Ho se trata
de
c r iar uma cultura tediosamente uniforme, mas sim, de desenvolver um
organismo scio-cultural que se baseie na elaborao e integrao
criativas de todos os valores culturais da humanidade .
O Japo, eu acredito, capaz de contribuir consideravelmente nessa
direo j que, por tradio, possui a capacidade de reconhecer o
homem em sua totalidade e de aproveitar suas caractersticas e po-
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27
Toquio, 20/05/75
Caro professor Koel lreutter;
Sua idia de una cultura planetria universal soa, de fato,
muito
sedutora. Como japons, ela me parece ilusria, o pensamento ilusrio de um europeu que considera o futuro da cultura e civilizao
ocidentais com ceticismo e procura uma soluo no oriente. O senhor
da opinio de que ainda no sabemos quais valores da herana
do
homem sero integrados em uma cultura universal, e que isto depender dos ideais e objetivos que o homem se propuser para o futuro.
Quanto a mim, creio que ser novamente o mundo ocidental, e no o
indivduo, a determinar os ideais e objetivos futuros. Tamb~ estou
convencido de que o japons, mais uma vez, estar disposto a seguir
as propostas do ocidente. Mas essa cultura, em ltima instncia, ser novamente ocidental e no universal ... Dizem, com razo, que a
cultura japonesa do tipo "lunar" porque o luar, como tal, no existe; a lua, ela mesl'\l, no brilha, mas brilha apenas con o auxlio de uma estrela. Assim acontece com a cultura do Japo; esta tamapenas
bm, na origem, no existiu como tal. Tornou-se importante
por_ ter aceito, em tempos passados, a cultura chinesa, assimilando-a a sua.
Um exeriplo caracterstico deste fato a simplificao, levada
a
cabo pelos japoneses, dos ideogramas chineses, processodoqual surgiu a escrita dos primeiros (escrita Kana). Eu diria, por isso, que
a cultura japonesa fundamentalmente um produto de adaptao muito
sensvel aos estmulos do mundo exterior, reagindo fcil e persistentemente s influncias estrangeiras. Esse processo de adaptao
ocorre sem planejamento, no se iq>ortando, o japons, com contradies aparentemente lgicas. Da a sensao de falta de unidade no
desenvolvimento da arte japonesa. No se pode fugir impresso de
ter sido influenciada, em vrios perodos da histria, por todo tipo de tendncias externas ou at . mesmo de ter surgido por acaso. O
crtico de arte brasileiro Mario Pedrosa diz que os estilos da arte
japonesa so determinados por situaes. At se poderia afirmar que
a arte do Japo desconhece estilos propriamente ditos e se constitui, cada vez, segundo a influncia que sofre. O senhor, caro professor, parece ser da opinio de que o Japo est predestinadoa assimilar valores culturais de outros povos, a transform-los e a contribuir assim, essencialmente, para a "harmonizao" de todas as
culturas, tendo em vista uma cultur~ planetria universal
futura.
COllD j disse, destino da cultura japonesa desenvolver-se sempre
sob influncia de outras. Em tempos imemoriais de sua histria,
o
japons ta 1vez teria consegui do a harmonizao de todas as cu 1tur as, porque ento, ele tinha tempo suficiente para assimilar os valores culturais de outros povos que chegavam ao Japo com grandes
lapsos de tempo. O japons, que sempre se esforou por alcanar
e
..
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(4)
(3) um sapo
O seu,
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Hunich, 11/07/75
prof. Tanaka:
planetria universal um acontecimento que se imEla surge da necessidade de oposio aos perigos do
nto tecnolgico e da automao extremas, atravs de medidas
locducativas essenciais e de uma espcie de revoluo cultural.
111 qu-;ncia natural de um desenvolvimento social ao qual no pode' 11111ls escapar. Se pretendemos ampliar as potencialidades do hoc brir novos campos para seu desenvolvimento - e tambm isto
Imperativo, porque a natureza nos obriqa a controlar e aperfeion civilizao por ns mesmos criada - teremos que delimitar o
rr no da cooperao poltica, econmica e cultural que corresponIA os princpios e s exiqncias de um mundo uno. A infra-estrututft dessa cultura universal ser uma sociedade aberta, uma sociedade
10 ~colhe seres humanos de toda a espcie, independente de oriqem,
n~ ou reliqio. A solidariedade entre os homens ser
consequida
atravs da concentrao em objetivos c01T1Uns, portanto, atravs
da
~o trans-nacional.
\li tura
~
r1~clm
~~/.
joio do
36
37
a economl a e condelinear,
111rnao de meios, aquilo que~ s7nhor :h~ma de' "eu designo por a" hci11r, insinuar, aludir. tendenc 1~ es tet 1c~ qve rflnnc ia reprel u11 lnn l smo artstico. Porque a alusao, Isto e, ' refere tambm
..--rrfe baseada
,
lar ao essencial e necessar10,
sera,
com t o da c~
neste
cplos artsticos mais importantes. Porque uma ~r ite humanos.
princTpio ser determinada por valores eminente~er
Je no h fracasso
Sim, e certa a afirmao de Shlko Munakata de Ql reender, ns do
na criao artstica; tambm isso deixamos de c~m?Boulez ainda re.
.
d a pv
.-.r
,
ocidente, para quem a obra prima,
questiona
38
39
oe
1975
Toquio, 6 de agosto
oro professor Koellreutter,
1 conhe-
A vezes chego a esquecer que o senhor europeu. Aqueles a~~niver1 so bem mais conservadores; nunca aspiram a urna cultura Os ja1. Orgulham-se da sua e se preocupam pouco com as demais cultuponeses, no entanto, demonstram grande interess~ por outraSa~e at
5
"
Hoje, caro professor Koel 1reutter, gostaria de lhe falar a respeito
da sensibilidade incomum do japons e de sua disposio, dela
resultante, de fazer concesses ao mundo exterior. Pa r tindo desse fato, poderfamos discutir a esttica japonesa. Tal sensibilidade
em
relao ao mundo exterior, tambm revela nosso interesse pela
maneira como o estrangeiro pensa sobre ns e o Japo. lembro aqui da
reao dos japoneses por ocasio das demonstraes ocorridas nos Pases Baixos contra o seu imperador, o "Tenno", quando de sua visita
Europa, em 1971. Os manifestantes exigiram dele que assumisse a
responsabilidade pela Segunda Guerra Mundial e principalmente pelas
atividades do exrcito japons na ndia
Holandesa . Os japoneses,
para os quais a Segunda Guerra Mundial j havia se tornado histria, ficaram chocados e embaraados com esse incidente. Eu, pessoalmente, admirei-me da atitude rancorosa dos
holandeses e com o
fato de que o Tenno fosse equiparado a monarcas europeus. Os
jornais japoneses, que so sempre todos da mesma opinio,
escreveram
naquela oportunidade: o japons continua deixando ser passado o que
j passou. Mesmo assim, segundo os jornais, deveramos compreender
que, para a Holanda, a ltima guerra mundial, ainda nopertenciaao
passado. Teramos, pois, que nos recordar, uma vez mais, da Segunda
Guerra Mundial, e refletir sobre a responsabilidade do Tenno.
De minha parte, ento me perguntei porque tendamos, to
levianamente e sem reflexo, a aceitar a opinio do ocidente, renunciando,
at com orgulho, ao nosso modo de pensar tradicional. Porque no podamos simplesmente nos satisfazer com a constatao da diferena de
mentalidades, deixando que esta, efetivamente, se mantivesse
como
ta 17
O estudante japons Koz Okamoto que, como d izem, per tencia a
um
grupo de guerrilhas rabes, na noite de 30 de maio de 1972, no Aeroporto Internaciona l de Te l-Aviv, atirou indiscriminadamente sobre
a multido. Muitos inocentes foram mortos. O governo japons
logo
mandou a Israel um funcionrio a ltamente graduado que, em lgrimas,
transmitiu para aquele governo as desculpas de seu pas pelo feito
absurdo do estudante. Ao ser criticado pelos rabes por essa atitude, o governo japons, novamente embaraado, tambem se desculpou
junto a eles, dizendo: "O fato de termos pedido desculpas a Israel
no significa que estamos contra os rabes, cuja situao e pontode
vista tambm compreendemos". Um exemplo tfpico de nossa sensibili dade e disposio em fazer concesses.
Imagine, por favor, o emba rao que os japoneses demonstraram durante a primeira crise do petrleo! O Mundo Arabe, ao declarar que o
Japo no pertencia aos pases com os quais mantinha relaes ami gveis, provocou uma enorme perplexidade. Precipitadamente, o vice
pl!.emleA Hiki viajou para aquelas regies, esforando- se por concluir
um tratado de "amizade permanente". De novo, os jornais
japoneses
criticaram seu governo pelo apoio a Israel, declarando que esse go-
41
sentir
"kehai", isto , a sombra e a presena do outro. "Kehai" a atmos fera que surge quando se sente a presena de outra pessoa, sem v-1 a
ou ouvi- la. Partindo desta idia, o japons formulou uma esttica a
que eu chamaria "esttica kehai ou shji". Seus fundamentos consistem em relegar o ego a um segundo plano e em penetrar, o mais possvel, no mundo emocional do outro, para, dessa maneira, realizar o
ideal do convvio harmnico. Talvez, ainda deva dar-lhe um exemplo
do que penso, quando afirmo que o japons est sempre preocupado em
penetrar, ao mximo, no mundo emocional do outro; quando, na Europa,
e talvez tambm na Amrica, tarde, se faz uma visita, o anfitrio
costuma perguntar ao visitante: "o que o senhor vai tomar, ch ou
caf?" Estou quase certo de que h pouqussimos japoneses que responderiam espontnea e naturalmente a essa pergunta; provavelmente
gaguejariam ou, na Melhor das hipteses, responderiam: "obrigado .. .
tanto faz, ... eu sigo os outros", ou, "o que os outros desejarem" .. .
Essa pergunta o embaraa muito; realmente lhe indiferente
tomar
ch ou caf, e quando indagado, pergunta-se qual das bebidas menos
incmodo trar ao anfitrio. Ns oferecemos aos nossos
visitantes
qualquer coisa, sem lhes perguntar o que preferem. Guiamo-nos pela
temperatura, baixa ou alta, ou ento tentamos ir ao encontrodogosto do visitante, caso tenhamos conseguido antes, durante uma
conversa, constatar algo a respeito.
O senhor entende japons e, com certeza, j teve dificuldade com as
vrias frmulas de polidez que h nesse idioma. No sosestrangeiros a sentem, ~mas tambm muitos dos japoneses da nova
gerao.
As frmulas de polidez no servem apenas para acentuar as diferenas sociais, como sempre dizem, mas tambm para ir ao
encontro,
mais facilmente, do pensar e sentir do interlocutor.
Como essas
formas esto fundamentalmente enraizadas na mentalidade
japonesa,
com frequncia no podem ser descritas gramaticalmente, sendo, pois,
difceis de serem aprendidas pelo estrangeiro.
A esttica "kehai" ou "shji", como se v, muito tpica do nosso
carter. Ultimamente, porm, quando comeamos a pensar
individualisticamente e a aceitar a porta ocidental que separa um indivduo
do outro, v-se pouco "shji" em nossa terra. A ironia dodestino,
no entanto, caro professor Koellreutter, que a porta ocidental fei ta no Japo no suficientemente grossa e macia para separar os
indivduos e, tampouco, suficientemente fina para deixar transparecer a sombra do outro .. .
O senhor, com certeza, no se espanta quando digo que, com
poucas
excesses, as relaes inter-humanas desempenham, no Japo, um papel importante, e se encontram, desde h muito, como tema
principal, no centro da literatura japonesa. Conheo pouqussimas
obras
literrias que tratam, por exemplo, do sentido da vida, da imagem do
mundo ou da ideologia do autor. O escritor japons preocupa-se, geralmente, com problemas sociais que surgem das dificuldades resul-
43
que
siqnifica
Toquio, 23/9/1975
Caro professor:
Se eu entendi bem, o senhor parte do ponto de vista de que a cultura japonesa parece ser esttica e deve ser co111>reendida como tal,
porque na histria da cultura do Japo no h conflito nem confrontao de idias e as formas de manifestao cultural parecem ser
justapostas por acaso. Porque "a cultura japonesa vive no presente"
e renuncia especulao relativa ao futuro.
Isto, seguramente, certo, compa rando- se sua dinmica coma da cul tura europia ocidental. Em realidade, todas as culturas do planeta, originalmente, foram estticas, ou melhor, formas de vida ~pd
Jteittemente estticas que, em certos pases do ocidente, foram dina mizadas pela singular mudana cultural desencadeada pela renascena
europia. A cultura do Japo rejeita, porm, inovaes de resultado
inseguro, no tem disposio para o "comportamento primeiro", ou seja, para uma atitude experimental diante do novo, uma cultura, enfim, presa tradio e ao passado. Uma cultura esttica, portanto.
Peo-lhe o favor de me coq>reender corretamente: no se trata
de
conservadorismo. Uma cultura p resa tradio e ao passado absorve
o novo; a conservadora, no entanto, permanece no passado.
O coq>ortamento rotineiro, uma certa estreiteza de percepo e dos
espaos de relacionamento, o medo do desconhecido e do confl i to, a
procura da comunidade como grupo com identidade de pensamento, a interligao de grupos de interesses comuns, como forma de proteo
cont ra o inusitado e o incerto, a aceitao de coisas experimentadas por outros e a rejeio do risco e do experimento, caracterizam
a sociedade japonesa e so tpicos das culturas estticas.
47
Kimi ni take
Yoki mono miseru
Yuk i maroge
Traduo: Voc acende o fogo- vou lhe mostrar uma coisa linda
uma grande bola de neve
e GOMRINGER, extrado de "Constelaes"
deine Stunde
mein Gedi cht
deine Stunde
me i n Schwe i gen
deine Stunde
mein Traum
Traduo: Sua hora/meu poema/sua hora/meu silncio/sua hora/meu sonho.
Aqui, como l, con~entrao extrema da exeressao pela economia dos
meios , rtmica estatica que paira e relaao entre as palavras que abandona princpios sintticos. Em ambos os poemas, o contedomais
circunscrito do que descri to. Os dois so exemplos daqui lo que o se-
48
(Sculo XI X)
Tambm na rea da arquitetura , arte social por excelncia, a influncia de elementos japoneses, desde h muito, no pode ser subesti mada:
so
Aqui, como l, "espao vazio" como vivncia globalizante;
espao
"plano", chato, bi - dimensional, que parece ignorar a dimenso
da
profundidade e conscientizado pelo morador atravs de articulao
assimtrica, de "design" rigoroso e enfatizao austera. Arquitetura livre de estilo, se entenderros por estilo "some formof spi ritual
constipation" (Frank Loyd Wright) . ( )
Aqui, cono l, um contato ntirro com a natureza {uso de material de
construo "natural") e um entrelaamento espontneo e discreto do
exterior e do interior. Comutao e variao como elementos que
constroem no te111>0 e co111>letam no espao.
Propositadamente escolhi as fo rmas do Haiku de Bash ede"Constelao" de Gomringer, como exemplos de arte aplicada. Acredito que seja justamente a referncia ~oci.Al.., e principalmente o alto grau de
comunicabilidade da arte japonesa, que se tornaram experincias decisivas pa ra os artistas do ocidente. A arte do futuro ser aplicada, sujeita a uma funo social e com sua autonomia, no sentido da
esttica da arte ocidental tradicional, restringida.
Assimetria (FUKINSE I), simplicidade (KANSO), naturalidade (SHIZEN),
profundidade (YGEN), arracionalidade (OATSUSOKO) , silncio (SEIJAKU) e discipl i na rigorosa (KOKU) , ideais da esttica japonesa trad i c i ona 1, tornam-se indicadores de caminho de uma ar te uni versa 1 nova, arte ambiental que poderia se propagar pelo mundo.
Como o senhor escreve, a representao "ostensiva" do ego artstico
que desempenha i111>ortante papel na arte ocidental dos ltimos qui nhentos anos, marcada pelo individualismo, e finalmente se tornou,
como estilo pessoal do artista, critrio de valor - perder sua importncia.
Estou convencido de que a superao das caractersticas do mundo
tecnolgico , alcanada pelo pensar e agir i ndependentes, tornou-se
a principal tarefa de nosso tempo.
Nesse processo, uma certa "padroo i zao" ser i nevi tve 1 j
que
tcnicas de produo, formas de administrao, meios de transporte
e de comunicao de massa mundialmente "standartizados" restringem
o comportamento individual e subjetivo, mas apenas representama infra-estrutura que fundamentar as formas e qualidades da nossa arte ambiental. Apesar das tendncias padronizao, possvel, sem
dvida, que certas caractersticas de culturas autctonessejamconservadas e atuem como contrapeso standartizao radical.
Acabo
de mencionar alguns exemplos no campo da arte que evidenciam essa
tendncia compensao. E preciso libertar o homem das amarras da
tradio, costumes e preconceitos. Porque deverros aprender a pensar
() Nota do tradutor: alguma forma de constipao espiritual.
Sl
Tquio, 18/11/75
Caro professor Koellreutter:
Gostaria de discutir hoje sua afirmao de que a cultura do Japo
ainda tem que ser compreendida como esttica, a ela acrescentaQdo o
seguinte: apesar de desconhecer uma religio no sentido ocidental e
de no dispor de fundamentos para uma teoria dos costumes,ojapons
no isento da noo de m conduta, tal como roubar, mentir, perpetrar adultrio ou assassinar . No porque transgresses correspondam desobedincia de certos mandamentos divinos, mas porque e 1e as
sente como inestticas. Acontece que o Budismo, principalmente
o
Zen-Budismo, que exerceu grande influncia na cultura japonesa, nao
religio no sentido ocidental, mas uma filosofia muito ligada a
arte~ no tica ~ do Japo . Olhando a histria deste pas, pode-se faci !mente observar que a ele falta uma unidade moral coerente. A sensibilidade esttica do japons, no entanto, aparenta
ser
bastante una, no s em sua totalidade, mas tambm em seus perodos
histricos. A histria do Japo bem diferente da do ocidente, no
possui um desenvolvimento contnuo, nem fases de transio. Consiste, ao contrrio da ocidental, em perodos de desenvolvimentos concludos e independentes que se seguem uns aos outros, sem uma lgica interior convincente, e que do a impresso de um catlogo. Ass im, a Idade Mdia, por exemplo, gerou um estilo dramtico especfico, o Teatro N . J o perodo Edo, independentemente, elaborou um
outro estilo dramtico, o Kabuki. N e Kabuki representam dois estilos concludos em si mesmos, que no passaram por uma fase de desenvolvimento; tambm eles so sintomas de uma cultura esttica. Esta uma das razes porque tanto N quanto Kabuki, ainda hoje, podem ser apreciados na forma em que surgiram.
Tudo que o japons faz, realiza, em ltima anlise, de acordo
com
sua sensibilidade esttica, a qual, me parece, constitui seu critrio mais seguro. Observo, porm, com preocupao, que desde a Restaurao Meiji ~ e principalmente a partir da Segunda Guerra Mun dial ~ela foi muito prejudicada pela penetrao de idias ocidentais, sendo, cada vez mais negligenciada por ns como critrio. Para fugir ao cos de nossos dias e esperar um futuro mais feliz, s
h para o japons, assim acredito, uma nica soluo, a de lembrar-se de sua sensibilidade esttica tradicional e novamente recorrer
a ela como referncia no julgamento de valores. A sensibilidade esttica deve, ento, ser considerada como o pilar fundamental de toda a cultura japonesa.
Isto, porm, s possvel porque o Japo sempre foi uma grande unidade scio-cultural e ainda hoje, apesar da forte influncia
de
culturas estrangeiras, seus habitantes sentem todos da mesma maneira, porque mantm seu pensamento ligado a uma tradio
cultural
comum.
Em nossa correspondncia, surge frequentemente a palavra "sociedade". Acredito, no entanto, poder constatar, em sua ltima carta, que
cada um de ns tem um conceito diferente de sociedade.
O senhor ,
provavelmente, entende por sociedade um grupo de pessoas que, for osamente, no precisam se conhecer. Ns japoneses, no entanto, entendemos por sociedade uma comunidade cujas caractersticas mais importantes so as estreitas relaes inter- humanas ; dentro dela vi gora um consentimento tcito que nasce de maneira natural, sem que
se fale a respeito; eloquncia e ostentao a no cabem .
E suficiente que a arte sugira, pois onde existe consentimento
natural,
reina a compreenso tcita.
O haiku, que j mencionei como exemplo de arte que insinua, s pode
nascer onde existe consentimento, pois, nessa situao , o artista
no precisa dizer tudo. Li sua comparao entre o haiku e o poema
de GOMRINGER, poeta alemo moderno, com o mximo interesse. E sabi do que o autor do haiku concent r a sua expresso em um nico ponto ,
maneira pela qual procura aludir ao que se encontra alm dele, oculto na profundidade. No haiku, os mais variados sentimentos do poeta
esto concentrados em 3 versos de 5 ou 7 slabas, em que o leitor
sente uma progresso de conceitos por saltos, cuja concluso, qua se sempre, surpreendente. Esses saltos, de fato, no existem para os japoneses que "sentem todos da mesma maneira", completando e
interpretando os conceitos sem qualquer discordncia. O haiku
de
Bash, por exemplo, citado em sua ltima carta:
r<1mi ni take
Yoki mono miseru
Yukimaroge
cuja traduo :
voc acende um fogo
vou lhe mostrar algo bonito
uma grande bola de neve
consiste em trs versos que no parecem coerentes, mas aditivamente
justapostos. No h uma sequncia causal lgica; como se o poeta
anotasse indiscriminadamente vrias idias, nascidas por acaso,
o
que bem caracterstico do haiku.
Eu, como um dos japoneses que "sentem da mesma maneira",
sou
capaz de, imediatamente, identificar-me com o feliz estado de esprito do poeta que parece se aleg rar, como uma criana, com a visita
de um amigo. Escuto- o dizendo: "que bom voc ter chegado!; no cami nho, com certeza, deve ter sofrido de frio. Ponha lenha na lareira
de
e aquea-se! Vou fazer uma coisa bonita e mostra r -lhe uma bola
neve!"
Para mim, a representao sugestiva, por saltos, torna-se um
processo metafrico fluente e logicamente discursivo.
O poema
de
ss
Gomringer, no entanto, contrasta fortemente com o Haiku
deine Stunde
ll'ein Gedicht
de
Bash:
deine Stunde
IT'ein Schweigen
deine Stunde
mein Traum
Nesse ltimo, repete - se trs vezes as palavras "deine Stunde" (tua
hora) . A sequncia"meinGedicht" (meu poema), "mein Schweigen (meu
si 1nc i o) , "me i n Traum" (meu sonho) , parece nos levar,
grada tivamen te, mais fundo. Apesar da concentrao extrema da expresso e economia de meios , vivemos aqui uma sequncia discursiva gradat i va e
lgica que no Haiku nunca, ou muito raramente, se observa.
Falta-lhe tambm o e 1emento surpresa , como a bo 1a de neve. t verdade que
Gomringer aceitou uma das caractersticas do haiku, a concentrao
da expresso e a economia de meios, mas no sua essncia, a progres so por saltos, o fim surpreendente, um tipo de poesia que s tem
sentido numa sociedade em que as pessoas "sentem todas da mesma maneira".
Para mim portanto, h uma grande diferena entre os
dois poemas,
tanto na atmosfera quanto na estrutura e forma.
Admiro Gomringer
justamente porque no perde sua identidade , mesmo quando se volta
para o oriente. Muito longe de imitar a poesia japonesa, aceitou aqui lo que podia incorporar, para criar algo de novo: a concentrao
de expresso, a economia de meios.
l.embro- me de uma observao do etnlogo alemo Leo Frobenius (1873-1938), que estudou as culturas rabe e africana . Frobenius distingue dois tipos de cultura: a do deserto, dos rabes e dos povos africanos, e a ocidental, qual pertence o prprio cientista. Constatou que a diferena entre as duas culturas consiste,
essencial mente, na maneira como o homem imagina o espao csmico. Diz ele que
os nmades, no deserto, consideram o espao csmico como uma caverna fechada; j os ocidentais, como um espao ilimitado .
Porisso,
segundo Frobenius, os rabes tendem introverso. Sua cultura de monstra um carter conservador, centrpeto e pobre em mudanas. Os
ocidentais, no entanto, para os quais o cosmos representa um espao
ilimitado, parecem tender a investig-lo o ma i s possvel, infinita~
mente . Sou, porm, de opinio que a tendncia do ocidental a adquirir propriedades materiais e espirituais levam- no, facilmente,aex plorar e conquistar outros povos, no s po l ticamasculturalmente.
Foi justamente o poema de Gomri~ger que me l~mbrou da tese de Frobenius. Se me pergunto como sera que o japones imagina o espao csmico, encontro um fato historicamente interessante. Apesar de o Ja-
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O senhor talvez concorde com minha afirmao de que as culturas europia e japonesa teriaA partido, em sua origem, de diferentes estados de conscincia: a primeira, da percepo de desenvolvimento
como um processo sem lacunas, sem incoerncias, contnuo, no qual
o prpriohomemest includo. A segunda, diferentemente, pressuporia um outro estado de conscincia, que convivesse coma multiplicidade de partes estanques, incoerentes e sem relaes, existentes si mas
multaneamente, no subordinadas presso do desenvolvimento,
esco 1h l das , se 1ecionadas e juntadas segundo critrios e necessidades
do homem.
O fsico ingls, portanto ocidental, A. S. Eddington escreveuemseu
livro "Espao, Tempo e Gravitao": "Os eventos no acontecem, eles
so. Ns os encontramos em nosso caminho . A formalidadedoacontecer
indica simp lesmente que o observador passou por um determinado e vento", ou, segundo mi nha forrr.ulao anterior, a formalidade do acontecer indica simplesmente que o observador escolheu aquele evento. "E essa formal idade", continua Eddington, "no de importncia". Mais ou menos ao mesmo tempo, anota o poeta Rainer Maria Rilke: "os desejos so lembranas que nos alcanam partindo do
nosso
futuro" . Com isso, o poeta quer dizer que o futuro, de certo modo,
j est contido no presente. Afirma~s supreendentes de um
cientista e poeta ocidentais que, a meu ver, j apontam para a integrao do pensar oriental e ocidental . Trata- se, no caso dos dois tipos de conscincia que acabo de citar, de formas cunhadas pela tradio e histria, que, se por um lado so eficazes - porque consti t uem fatores psicologicamente vlidos - por outro, carecem de reconhecimento cientfico. Porque os processos de desenvolvimento ocorrem por saltos e s depois, retrospectivamente, nos parecem contnuos. Porque construimos transies no correr dos acontecimentos,
sem as quais , o desenvolvimento se tornaria ininteligvel para ns,
transies que, dependendo do tipo de conscincia adquirida, podem
ser psquico-intuitivas ou lgico- casuais. Se isso for assim, se o
pensamento ocidental partir da idia de um desenvolvimento contnuo
da histria , e o japons, da idia de uma existncia tautcrona (simultnea) de eventos interligados que, aditivamente
justapostos,
causam a sensao de um desenvolvimento, ento a cultura japonesa,
vis t a como um todo, pode parecer , de fato, uma espcie de fotomontagem que surge em consequncia da ligao e justaposio de partes
estanques, independentes e concludas em si mesmas. Sem dvida, podemos ser do ponto de vista de que o japons no capaz de agir e
produzir dentro do mbito das leis de um desenvolvimento aparentemente lgico, mas tende a juntar e ligar aquilo que, na realidade,
j existe e est disponvel.
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Tal postura poderia explicar o acentuado senso de realidade do japons, sua posio fortemente pragmtica ante as coisas da cultura,
seu interesse maior por aquilo que , do que por aquilo que era ou
poderia vir a ser. Sua conscincia simplesmente registra ummundode
coisas que j existem e renuncia ao processo de avaliao .
Apesar do importante papel que a esttica, como teoria do belo e do
adequado, desempenha na vida cotidiana do Japo, nunca consegui ou vir, da boca de um japons, uma apreciao esttica ou terica referente a uma obra de arte, uma exolicao do porque
determinada
obra no lhe agrada, ou lhe agrada mais do que outra. As crticas de
manifestaes artsticas, ou comentrios da Rdio ou TV japonesas,
so, geralmente, constataes de carter enciclopdico, transmisso
de docu!'lentos histricos, raramente anlises ou interpretaes
de
ordem esttica ou estilstica, e, jamais, avaliao crtica, no sentido ocidental. Com frequncia, no entanto, observei que,
pontos
de vista pragmticos - um valor utilitrio por assim dizer - , so
levados em conta no julgamento de obras de arte e de manifestaes
artsticas, como, por exemplo, consideraes de ordemeconmica, publicitria ou poltica. No quero afirmar que , no Japo, reflexes
estticas no tenham qualquer importncia. De maneira alguma . Apenas me parece queasopesestticas so tomadas mais intuitivo-emocionalmente do que consciente e especulativamente. Esttica COITlO
experincia passional e no como resultado de reflexo e questionamento tericos. Porque, para o japons, as formas de
manifestao
artstica ou estilstica j existentes so objetos concludosemsl,
no interligados, independentes de valor e por isso trocveis.
Um tal tipo de conscincia, caro professor, explica assim,
muitas
questes levantadas pelo senhor em suas cartas anteriores: o ecletismo do pensar japons, a no existncia de conscincia de estilo
(em sua ltima carta, minha ateno foi despertada para o fato
de
que arquiteturas to diversas como o despretensiosopalcioKatsura,
em Kyto, e o Tshg- Shrine, francamente barroco, em Nikko, foram
concebidas por um mesmo arquiteto ... ), a ausncia de senso de dimenses (dimenso quer dizer extenso espacial, medio, portanto tambm individua 1 i zao do espao) , a capacidade do japons de se t ransformar (o senhor se referiu aparente falta de carter), a aparente incoerncia de seu pensar e atuar, a falta de desenvolvimento e
planejamento lgicos no campo esttico e artstico, etc. Talvez
a
simultaneidade das formas de manifestaes isoladas, o desejodeviver sempre no presente, ou seja, a inexistncia de passado e futuro
na conscincia do japons, explicam por que pode ele renunciar
ao
que ns, ocidentais, chamamos de religio e como a ausncia do sentido de desenvolvimento, isto , de algo que se afasta da or i gem ,
conduz ausncia da necessidade de religar- se a ela
~o
latim:
religio=religao).
A relativizao do conceito de valor e a idiademutabilidadee tro-
61
cabilidade dos acontecimentos e de suas formas de manifestao dela resultantes explicam tambm a importncia do "tantoumquanto outro", princpio do pensar que, embora entre os japoneses desempenhe
um papel to importante, frequentemente cria, para muitos
ocidentais, dificuldades insuperveis.
Este "tanto um quanto outro" japons, diametralmente oposto ao "ou
ou outro" ocidental, no apenas uma chave para a compreenso
da cultura japonesa, mas elucida tambm muitos aspectos da vida cotidiana desse pas. E uma premissa de pensamento sem a qual, a meu
ver, a cultura e o modo de viver dos japoneses podem permanecer incompreensveis.
UM
A ambivalncia que caracteriza o princpio do "tanto um quanto outrd', ou seja, validade e eficincia duplas, intencionais e involutrias um componente importante do ideal que o japons denomina
harmonia ("WA"), ideal para o qual o senhor, em suas cartas precedentes, chamou minha ateno. Porque aqui lo que 1tanto uma quanto
outra" coisa, compreende foras que aspiram complementao e fuso, conservando harmonia, e porque no se define, neutro eambivalente . Um belo e expressivo smbolo que representa
convincentemente este modo de pensar o Tai-Ki chins (yin-yang). Mele, complementam-se o claro (Vida) e o escuro (Morte), porque cada metade
do smbolo, vista por si mesma, contem a outra. Smbolo da ambivalncia do "tanto um quanto outro" da vida, mutuamente correspondentes, que existe no mundo imaginrio de quase todos os povos da As ia.
Enquanto no ocidente o "ou um ou outro" divisor tornou-se, cada vez
nais acentuadamente, o fundamento do pensar e da criao de conceitos - o modo de pensar em categorias opostas, aparentemente contraditrias, como bem e mal, corpo e alma, esprito e matria, que a
cultura ocidental procura compensar com sua lgica dialtica e
o
conceito de sntese-. o oriente insiste numa lgica cujo conceito
central o "tanto um quanto outro" complementar e correspondente.
(Entendo por lgica o contedo do pensamento r~sponsvel pela exatido ("lgica") do efetivo processo de reflexao).
Assim, no idioma japons, sujeito e objeto, conceitos que nas lnguas ocidentais representam dualismos caractersticos, so tratados
como fatos correspondentes e complementares, atravs do emprego das
partculas auxiliares ga e wa, da construo e emprego caractersticos do adjetivo, da substantivao polissmica do infinitivo, do
uso do passivo igualmente polissmico e do emprego de expresses idiomticas que tendem a reduzir a oposio dos conceitos.
E quando Hlderlin tenta questionar a excludncia do "ou um ou outro" ocidental - "vida morte , e morte tambm vida" - e Ri lke
escreve:
'nem um aquri, nem um alm, mas sim a grande unidade",
torna-se, ento, compreensvel, a enorme aceitao alcanada pores-
62
dua-
63
T'ai-Ki
Tokio, 3/3176
Caro professor Koellreutter:
Eu sabia desde h muito que o senhor se ocupava com grande interesse da arte e cultura japonesas, mas no sabia, francamente, que sua
compreenso delas fosse to profunda. Fiquei admirado, e at certo
ponto embaraado em perceber que a essncia da arte e cultura japonesas pudesse, de manei r a to racional, ser dissecada pe lo senhor.
Sinto at como se eu mesmo tivesse sido dissecado .
Concordo plenamente com o que diz a respeito da cultura do ~apo.
Achei interessante a razo que me apresentou de porque o japones pode renunciar quilo que os ocidentais chamam de religio, isto ,
de no sentir necessidade de "religar-se" origem.
Recentemente,
numa de nossas revistas, li po r acaso, a seguinte parbola: "o Ni ppon- Ma r u" (navio Japo), aps a restaurao Meiji, deixou o Japo
em direo Europa. Navegou com mxima velocidade, guiado por um
navio piloto chamado "Yroppa-Maru" (navio Europa).
O Nippon-Maru
finalmente alcanou o navio piloto e o ultrapassou; dessemodo,perdeu seu navio piloto. Hoje, o Yroppa- Maru dirige- se ao Nippon- Haru
para orientar- se. Como o Nippon- Haru sempre navegou atrs do Yroppa
-Maru, no precisou ligar- se com o porto de origem, ficando, pois,
desorientado com a impossibilidade de religar - se a ele.
O que, alm disso , distingue muito os japoneses dos ocidentais sao,
justamente, os dois modos de pensar diferentes, caracterizados pelo
"tanto um quanto outro" ou "ou um ou outro", res()ectivamente. Nisto
concordamos plenamente. Em sua l tima ca r ta, osenhor assinalou muito bem: o que pa rece ao artista ocidental contrastante, ao a r tista japons parece parte de um todo . Ao invs de uma esttica contrastante ocidental, poder- se- ia falar em uma esttica complementar.
Na
a rquitetura e cermica japonesas chamam ateno vrios arcos e curvas que parecem diferentes das ocidenta i s. Essa diferena,
provavelmente, resulta do fato de que o japons no sente linha e curva
como contraste . Para ele, um arco simplesmente uma variante da linha. Desde tempos imemoriais , os japoneses procuram produzir curvas
"naturais". Assim construiram, j num passado remoto, uma ripa
de
madeira flexvel de espessura e resistncia variadas ao lonqo de seu
comprimento. Vergando essa ripa, obtem- se , dependendo do grau de resistncia da madeira, arcos como os que se apresentam na natureza,
mas que, com a ajuda de um compasso , geometricamente , no podem ser
desenhados.
No final de minha ltima carta, mencionei as relaes que o japons
cultiva com a natureza . Ainda com referncia a esse ronto, gostaria
de fazer alguns comentrios a respeito da paisagem japonesa, da qual
dependem, decisivamente , nossa arte e cultura.
66
61
TEN - CHl-JIN
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69
70
7J
de
A meu ver, agora, finalmente, devemos nos deter e nos lembrar
nossa posio no mundo, para que possamos compreender, com clareza,
a diferena entre ns e os demais.
73
o~
74
O pensamento supra-nacional, ou seja, independente dos aspectos na cionais, s pode tornar-se efetivo quando se reconhece, se apreende ,
isto , se percebe, cotU>clVLteme.tLte., as formas nacionais
caractersticas existentes no mundo, incluindo a proria. Somente ento a
natureza humana poder alcanar sua plenitude.
(Por caractersticas nacionais entendo as manifestaes de desenvol v imento distintas e dinmicas, dentro do mbito de uma cultura predominante. Como parte, portanto, de um todo que se renova constantemente.)
Se a arte um meio de representao e depoimento do homem procura de um mundo sem "vis--vis" - e sou da opinio de que isto que
ela deve ser - ento tambm sua esttica ter que levar em considerao a nova realidade, em todas as suas dimenses.
Refiro-me,
principalmente, interdependncia, por destino, de todos os povos.
Uma tarefa cuja soluo no seria concebvel sem experimentos e insucessos. E, de fato, estes podem ser constatados, hoje,
na vida
cultural de todos os povos, sob forma de produtos de arte mal sucedidos do ponto de vista de suas relaes com a nova realidade. Tais
produtos j existem em toda parte: na msica, nas artes vis~ais, na
literatura, no cinema e no teatro. Lembro-me em particular, de algumas obras que, no ano de 1972, sob o lema do "Universal ismo da Arte" foram apresentadas na 01 impada de Hunich. Oisparates que sempre surgem quando o mundo, vlido at ento, comea a se transformar
mais intensamente. So justamente o desejo do extico e a fome de
sensao que garantem o sucesso de tais "obras". Colchas de retalho
que nos apresentam um mundo de cacos, de resduos culturais no digeridos, como substitutos de um esforo real para dominar, espiritual e intelectualmente, a nova situao.
Por isso mesmo, no acredito na arte "vanguardista" to pro:>agada na
Europa e na Amrica do Norte .
Um pleonasmo, alis, pois a arte,
se realmente arte, no tempo em que surge, sempre "vanguardista".
Porque a arte, neutra ou retrgrada, no exerce funo na sociedade
- a maioria dos assim chamados artistas " vanguardistas" no ocidente so, a meu ver, no melhor dos casos, romnticos atrasados, cuja
atitude intelectual e idias artsticas,
mesmo quando realizadas
com meios modernos - no correspondem, de modo algum, nova real idade e s novas condies sociais. A eles faltam a mensagem adequada ao mundo tecnolgico e uma funo fidedigna na nova sociedade.
Tais solues insatisfatrias de uma tarefa legtima e urgente
frequentemente a consequncia natural do experimento - so, porem,
se objetivamente vistas, uma parte da polrnica em torno das novas
idias. A elas no se pode, pois, renunciar. So os smbolos negativos, por assim dizer, que nos apontam o caminho para o futuro.
Talvez, caro professor, deveramos observar os contrastes que sepa-
75
Pensamento ocidental
quantidade especialmente grande de palavras e partculas que acentuam o relacionamento causal (lgica causal), enfatiza o significado de causa e efeito: donde, pois, porque, da, assim, com isto, em
consequncia de, indcio de, por causa de, eis porque, por isso,
visto que, em virtude de, da seguinte maneira, etc.
A traduo japonesa do provrbio portugus "o perigo est mais pro(traduximo quando no se pensa nele", no Japo, "yudan diteki"
o literal: descuido-grande inimigo) um belo exemplo da expresso
discursiva causal concludente em portugus, e a pontilhada, que se
refere a um ou mais pontos, em japons.
Comparando o japons com as lnguas ocidentais, interessante observar, nesse contexto, o uso relativamente raro das formas do passado e futuro dos verbos (independncia do tempo) em japons,
que
desconhece a conjugao no sentido das lnguas europias -os sufi xos verbais indicam as funes das conjugaes - e por isso, em ltima anlise, no abandona nunca a relao com o presente: isto eu
ainda no consegui -sore wa mada umaku ikanai (traduo literal:
concernente a isto ainda bem sucedido no ir) ou ela ainda
no
veio= Kanojo wa mada kite imasen (traduo literal: concernente a
ela ainda no vindo) e de agora em diante no fu~arei mais
ima
kara wa m tabako o suimasen (traduo literal: de agora em diante
eu mais no fumo): todos so exemplos de um modo de expressar-se,
somente possvel quando passado, presente e futuro no so vividos
como contrrios. O mundo sem "vis --vis", de fato, seria concebvel
apenas como sntese das formas de pensamento que nele esto vivas,
constituindo-se numa for~a de expresso universalmente vlida,
em
que nenhuma das modalidades de pensamento deveria, portanto,
ser
preterida ou especialmente acentuada.
Concebveis seriam, por exemplo, formas de pensamentoeexpresso de
carter integrante, indicadoras dos seguintes atributos:
independncia de espao e tempo (independncia de conceitos espaciais
e
temporais categricos), paradoxalidade (pensamento que leva a con cluses racionais, mas integra tambm o irracional),
polissemia
(produo de mais de um significado), percepo sisttica (apreenso por todos os lados), lgica a-causal (transcendncia do prin cpio de causa e efeito), a-ou supra-racionalidade (independncia da
reflexo racional), pensamento globalizante (conscientizao
das
partes e do todo), pensamento e ao centrados na hunanidade (independncia do eu e da comunidade; modo de contemplar as coisas independentenente desses temas).
Em toda parte, no ocidente e oriente, h, desde j, numerosos exemplos dessas formas de pensamento e expresso, tanto nas cincias
quanto nas artes. Assim, Pascual Jordan, em seu livro "A imagem da
fsica moderna" escreve: "A revoluo espiritual causada pelos fsicos de nosso tempo, que revelaram aos nossos olhares estupefatos,
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11
78
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Cada um de ns que atua no terreno da cincia e das artes, da educao e da poltica, a meu ver, deveria esforar-se no sentido de
efetivar essa transformao da conscincia. Foi principalmente tal
tarefa que me levou a oferecer meus servios ao Instituto Goethe:
como integrante de seu quadro, eu esperava poder contribuir para a
construo de um mundo sem barreiras. Uma esperana que no se concretizou. Pessoas demais se opuseram. Pessoas s quais faltavam
a
coragem e a fora para modificar seu pensamento, para mudar
radicalmente sua prpria atuao. Porque organismos como o Instituto
Goethe, se contribussem para a construo de um mundo sem "vis-vis", tornar-se-iam desnecessrios! ... Um mundo sem barreiras presume uma filosofia que integra todos os aspectos da experincia humana e que, como disse William James, "alia o real ao ideal,
numa
continuidade dinmica''.
E isso que muitos no compreendem. O senhor e eu, caro professor,
dedicamos nossas vidas ao ensino e educao. Teramos vivido
em
vao, se no tivssemos i nc 1u do em nosso t raba 1ho o novo com que uma
cultura universal enriquece a vida.
Estou firmemente convencido de que a realizao da humanidade como
um todo - a qual, sem o homem global, uma utopia - deve ser prioritria. E condio vital da era tecnolgica. Para mim, trata-se decisivamente de substituir -como diz Karl Marx - o homem fragmen tado pelo completamente desenvolvido. Por um ser humano para o qual
as vrias funes no so outra coisa seno formas de atividade que
mudam constantemente. Um homem que deixar de ser o representante de
um grupo nacional ou religioso, mas que est preparado para contribuir, por sua prpria mobilizao, para a mudana cultural que, dinamicamente, se processa em nosso tempo. Um homem livre e aberto,
capaz de viver com os conflitos causados por essa mudana. Preparado para modificar seu modo de pensar, no sentido de uma conscientizao do supra-nacional e da extenso da conscincia em direo
a
relaes universais.
Num mundo sem "vis--vis" sentir-nos-emos em casa, em todos os domnios da cultura. Saber e abertura para globalizar integraroaespecializao parcial. E o interctl1>io de experincias e idias, em
todos os terrenos, criar uma dinmica compensadora que produzir
novas foras e possibilidades.
Mesmo assim, teremos que renunciar a uma parte de nossa tradio.
Querendo ou no. Por isso ns, do oriente e do ocidente, encontramo-nos desde j, diante da necessidade de uma escolha entre renunciar
a uma parte do tradicional em favor de UM novo modo de pensar e viver -modo que, como j disse, pressupe um alargamento de
nossa
conscincia - ou permitir que aumente, progressivamente, o abismo
existente entre a c i vi 1 i zao por ns cri ada e as re 1aes e compor-
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