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Octubre-2005

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grumo / número 04 / octubre 2005

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Buenos Aires - Río de Janeiro

Quedan rigurosamente prohibidas, sin la autorización escrita de los titulares del


copyright, bajo las sanciones establecidas en las leyes, la reproducción total o par-
cial de esta obra por cualquier medio o procedimiento, comprendidos la repro-
grafía y el tratamiento informático, y la distribución de ejemplares de ella medi-
ante alquiler o préstamo públicos.

® 2005 - Impreso en Buenos Aires. ISSN 1667-3832


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Staff
Colaboram neste número

Editores
Mario Cámara (Buenos Aires)
Paloma Vidal (Rio de Janeiro)
Paula Siganevich (Buenos Aires)
Diana Klinger (Rio de Janeiro) Agradecimentos

Coordenação e Assessoria gráfica:


Esteban Javier Rico

Desenho gráfico: Con el auspicio de:


María Belén Specius

Revisão

Imagens

Correspondências, correspondentes

Contato com Grumo


grumo / número 04 / octubre 2005
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Índice

PRESENTACION 12 Tonos antinacionales en América Latina. 12


Josefina Ludmer
ENTREVISTA
João Gilberto Noll 12 CRÓNICAS
Duas vezes Buenos Aires 12
TRANSITOS PRECARIOS: Pedro Amaral
INVENCIONES, MIGRACIONES, TRADUCCIONES Impressões num diário de notas 12
Viajes de Francisco de Orellana y Monsieur 12 Mauro Gaspar Filho
Charles-Marie de La Condamine Blog de viagem 12
Laura Fernández Corderoç Ítalo Moriconi
Tango, samba y nación: modernos y primitivos 12 Rio-LA-Rio 12
Florencia Garramuño Paloma Vidal
Pernambuco- Raúl Antelo
Saídas (latino-americanas) à francesa 12 À MARGEM DA FRONTEIRA*
Joka Wolff Naquela noite alucinante 12
Imágenes del exilio: Silviano Santiago 12 Frederico Oliveira Coelho
y Manuel Puig en Nueva York Distracción, un estudio sobre algunas 12
Paula Siganevich experiencias visuales de Ivan Cardoso,
Tránsitos 12 Torcuato Neto y Hélio Oiticica
Adrián Cangi Mario Cámara
La triple frontera: Washington Cucurto, 12 Banalidad (a propósito de Cinema Falado 12
Wilson Bueno y Guimarães Rosa de Caetano Veloso)
contrabandistas de la lengua Gonzalo Aguilar
Diana Klinger A proliferação textual de Embrujo 12
Claudia Doce
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El sueño de los héroes. Un diario de rodaje 12


Daniel Link
Glauber Rocha (en) vivo 12
Jorge La Ferla
*Ideas y realización Gonzalo Aguilar

POESÍA
Leblon, voz e chao de Solange Rebuzzi. 12
El enigma de lo femenino
Paula Siganevich
Wilson Bueno 12
Apresentação: Manoel Ricardo de Lima
Más Poesía:
Cecília Pavón, traducción Paloma Vidal 12
Guilherme Zarvos, traducción Cecilia Pavón 12

RESEÑAS
Lorde de João Gilberto Noll 12
Reinaldo Laddaga
Jardim dos camaleões 12
Franklin Alves
El Tilo 12
Luciene Azevedo
Cosmpolitismo do pobre 12
Antonio Andrade
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A p r e s e n t a ç ã o
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A p r e s e n t a ç ã o
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Apresentação

¿Y qué es GRUMO? Todos preguntan Que revista é essa? Una levar por essa pulsão de morte que atravessava as ruas de Buenos
revista rara: argentina / brasilera, dos países, en el inicio fueron Aires? A la voluntad vital de crear vínculos que manifestaron algunos
dos ciudades, Río y Buenos Aires, para estimular, dizemos, o encon- se sumó la memoria de otros, exiliados en la lengua portuguesa en los
tro entre gente que fala línguas diferentes, portugués y español, y años setenta y con voluntad de reencontrarse.
también el portuñol, esa lengua de paso.
Antes eram chamados de viajantes, visitantes, navegantes,
Como siempre en la vida de las personas y en la vida de todas las estrangeiros, estranhos. Agora podemos pensar no trânsito: traves-
cosas, también en la de una revista también, siempre hay una histo- ía, travesura, ese es el viaje que emprendimos con algo de recorrido,
ria. Algunas escenas fundadoras que establecen el origen y lo que será de pasar a otro lado. Por eso nos gusta llamarlo transborde: el trán-
después la memoria. Algunas ciertas, otras inventadas pero que nos sito en el borde. Com essa palavra que usamos para contar o que
ayudan a intentar entender cómo seguir. Imagens que ficam e que procuramos fazer se menciona uma longa tradição de trânsitos que
podemos repetir quando mais tarde tentamos explicar como andam nos interessa recuperar, desde el translingüismo, que era la posiblidad
as coisas. O para dónde van. . En ese sentido creemos que hoy no de pensar el lenguaje más allá de la comunicación en su valor poéti-
Imagens de nossas biografias: histórias pessoais que se misturam à co con su otra lógica, dialógica, hasta la transerrancia citada por el
história da revista. poeta paulista Haroldo de Campos y recuperada, nos gusta imaginar
o inventar, por el carioca Silviano Santiago bajo el concepto de entre-
Para Grumo o começo está, por um lado, na grande crise que se deu lugar. Também as idéias de Derrida quando questiona o mono-
na Argentina em dezembro de 2001. La red electrónica había estable- lingüismo como o lugar da falta, a falta de outra língua, a la que esta-
cido encuentros que finalmente se corporizaron en Buenos Aires en mos negados porque la cultura nos somete bajo diferentes modos de
febrero del 2002 con el objetivo de filmar lo que estaba pasando en dominación al predominio de una sobre la otra. O que há de mais
las calles. De allí en más los tránsitos entre las dos ciudades comen- forte para nós nesses trânsitos talvez seja o acontecimento do encon-
zaron a hacerse frecuentes, a sucederse. Algunos vínculos personales tro, mas também do desencontro, con el otro y sobre todo con la
con Brasil, un verano de crisis, el del 2002, hicieron que las conver- lengua del otro. Entre comprender y sentir que todo es irremedia-
saciones sobre la posible realización de la revista, tomaran un buen blemente lejano, entre la euforia y la melancolía.
ritmo: apostaríamos de novo, novamente, na vida ou nos deixaríamos

A p r e s e n t a ç ã o
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Con estos riesgos, leernos mutuamente, ir hacia un encuentro de indefinidos en territorio y tiempo. Os personagens que aparecem
encuentro de escrituras, escrever em colaboração, respeitando o uso nestas páginas não são nem argentinos nem brasileiros, borrando las
de cada língua ou entrando numa zona mais confusa de novidade fronteras son medusarios, camaleónicos...
lingüística afím à criação poética, proponer varias traducciones para
un mismo texto, lo que muestra el efecto de traducción más que la
comunicabilidad de un texto.

Cuando los tiempos ya no tienen fuerzas para sostenerse como


espectáculo,, estamos, de novo diante da descoberta do real, de
nuevo en la superficie. Com a experiêencia de nossas biografias, as
pessoais e a da revista, creemos que podemos pensarla bajo esta
ética del acontecimiento que es en verdad una política: uma revista
que transita entre cidades sem estar fixada em nenhum centro.

En este número presentamos una clasificación propia, construimos


una serie, construcción o invención de un sentido; a construção ou
invenção de um modo de dizer: cuando pedimos un artículo para la
revista, desde ese momento estamos pidiendo un modo de leer, un
esfuerzo de encuentro. E é assim como temos textos de brasileiros
que lêem argentinos ou vice-versa, ensayistas que construyen un
recorrido que genera un encuentro, cruces alrededor de un tópico;
do que é anterior à nação, no início da série possível, ao anti-
nacionalismo, em busca de um romance teórico. Con todo, la idea no
es precisamente construir armonías, otras naciones; nuestra
cronología no parte arranca de la idea de nación sino de lugares

A p r e s e n t a ç ã o
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Trânsitos precários: invenções, migrações, traduções

Presentación

A idéia de trânsito evoca vários movimentos. Há, entre Bra-sil e


Argentina, deslocamentos de escritores viajantes, que saindo ou não
de sua terra - porque é possível viajar sem sair do lugar -, encontram
no outro um motivo de escrita. E há também críticos viajantes, esses
que deslocam seu olhar para outras te-rras e outros tempos. Os tex-
tos a seguir configurariam uma na-rrativa feita de narrativas, fic-
cionais e teóricas, que desen-haria um percurso inesperado, e consti-
tutivamente precário, par-tindo das viagens coloniais até nossos dias
na busca de entrete-cer discursos e perfazer possíveis trânsitos entre
leituras e escritas.
Nossos trânsitos se iniciam, então, com uma viagem paródica aos
confins da Amazônia. Os personagens são Francisco de Orella-na e
Monsieur Charles-Marie de La Condamine. Dois tempos - sécu-lo
XVI e XVIII - e diferentes versões - as maravilhas e os horrores da
nova terra, imagens anteriores à nação, quando - pa-ra eles, europeus
- tudo por aqui estava por ser nomeado. As viagens se superpõem:
os viajantes do velho continente vêm dar em terras desconhecidas e
transmitem suas impressões, que chegam até nós e promovem out-
ras viagens, aqui chamados trânsitos, como a de uma leitora argenti-
na reescrevendo essas impressões.
Ou de uma outra, também argentina, que nos descompassos do
samba e do tango pensa a modernidade para além da busca do novo
para encontrar no paradoxo de uma "modernidade primitiva" uma
trajetória de formação da identidade nacional: "uma modernidade
cujas características 'alternativas' tenderam a ser pensadas a partir de

T r a n s i t o s
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sua confrontação com uma modernidade que se supõe ori-ginária mutação na língua, são traduções desviadas. "Essas escritas latino-
(única, e original: a européia) para identificar os des-vios dessa supos- americanas deslocadas de seu eixo, levando a língua de cá para lá, se
ta norma como características negativas de uma modernidade afastam do regionalismo sem deixar de estar atentas às localizações
desigual" (Garramuño). Movimento que responde a um "complexo menores no interior da cultura hegemônica" (Siganevich). Nesse
de inferioridade" cujos efeitos retornam no final des-te século na movimento, nesse "falar calando e calar falando, através de algumas
forma de uma literatura que profana a nação (Lud-mer). vozes argentinas e brasileiras" (Wolff), constrói-se uma política da
O que se busca na terra estrangeira? Quem sabe uma escrita que con- escrita.
funda as identidades e desloque as fronteiras entre realidade e
invenção, que seja uma maneira de "separar-se dos discursos e
deparar-se, por fim, com o Real, com a linguagem mesma, em sua
negativa rejeição da representação" (Antelo). Já não se trata, então,
de retratar a alteridade exótica. Estamos no limite da experiência rep-
resentável - o olhar sobre o outro proporciona novas formas de ler e
de escrever que põem em cheque a mímese.
"O Brasil se transforma numa comunidade emocional e uma nebu-
losa de afetos chamada por Carella: 'Estados Unidos do Fogo', por
Puig: 'Siete pecados tropicales' e por Perlongher: 'Paraíso'" (Cangi).
Em torno dessas e outras figuras em trânsito - Alejandra Pizarnik,
Silviano Santiago, Washington Cucurto, Wilson Bueno - constrói-se
uma narrativa que a cada instante mostra uma contaminação das
identidades nesse encontro, um choque deveríamos dizer, com a
alteridade.
A escrita busca uma "fala impossível, uma fala fronteiriça e margin-
al" (Klinger); busca-se uma língua que possa falar da alteridade sem
domesticá-la. Os trânsitos passam, assim, necessariamente por uma

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Viaje del capitán Francisco de Orellana y de Monsieur Charles- Marie de La Condamine

Laura Fernández Cordero

Relación abreviada del viaje al famoso río de las Amazonas que descubrió por ciones científicas del siglo XVIII se iluminan, en cambio, por el der-
muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana y de la primera navegación rotero ingenuo de aquellos adelantados y el matemático astrónomo
científica a cargo de Monsieur Charles- Marie de La Condamine. geógrafo en cuestión traducirá sus diarios para las memorias de la
Academia. Por eso el relato de Orellana no escatima en maravillas
"Odio los viajes y los exploradores" mientras La Condamine va desencantando el trayec-to con su sed de
C. Lévi-Strauss, Tristes Trópicos hidrografías y su voluntad de botánico.

Del oro
Hacia mil quinientos América apenas tiene nombre. Las costas son Repiten los biógrafos que no es riqueza es gloria lo que busca Don
delineadas pero el interior resiste. A la altura del ecuador se le abre Francisco. Que no es el oro ni especias. Que ser el primerísimo, ade-
un río al que nadie se atreve temiendo perderse en la madeja de bra- lantado, descubridor de una salida al mar, lo desvive. Tampoco La
zos. Lo llaman Marañón por el enredo y los cuentos de sus tesoros Condamine busca metales pero si los encuentra anota, por ejemplo,
incalculables llegan a Europa de barco en barco. Francisco de su resistencia a la temperatura, su grado de maleabilidad y la despre-
Orellana será el primero en navegarlo buscando tras el calor, la ocupación de los naturales machacándolos al sol.
canela, con ella la selva espesa y al fin, el oro. Charles-Marie de La
Condamine repetirá el viaje dos siglos más tarde persi-guiendo la De los nombres
medida exacta de la circunsferencia terrestre y la certeza en las car- Los primeros viajeros bautizan como Adán, por única vez y definiti-
tografías. Uno toma posesión en nombre de la corona española bau- va. Pocos atenderán los nombres indígenas y preferirán honrar a sus
tizando y levantando un cro-quis balbuceante. El otro es enviado por nobles con islas y montañas tocayas por todo el continente. Siglos
la Academia de París pero su aventura se inspi-ra en el progreso de después quedará la selva para imponer las voces genéricas: Carapa
las ciencias y el provecho común de las naciones. guianensis, Hevea brasiliense, Felis concolor, Rhizophora mangle,
Cinchona Condaminea.
Rumores de fantásticas ciudades guían a los viajeros del siglo XVI
cuyos cronistas, co-mo el fray Gaspar de Carvajal, narran para las De las lenguas del país
cortes aburridas las peripecias de la últi-ma incursión. Las expedi- Asegura Gaspar de Carvajal que Don Francisco parece entender y

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habla las lenguas nativas. En medio de una contienda, el capitán Y ambos: embusteros.
aparta informantes y construye un voca-bulario imposible. Sin ter-
ceras lenguas en común los diálogos son un repertorio de se-ñas y De las indias
ruidos que le dictan: sí, hay mucho oro, más arriba, más profundo en Del soltero tenaz de Extremadura los biógrafos apuntan con piadoso
la selva, sí, siempre más allá. Hay señores riquísimos, también, eufemismo que ya antes de ser gobernador de Guayaquil acompaña-
poderosos, y ciudades tapizadas de oro y papagayos multicolores y ba a algunos amigos en sus tratos con las indígenas. La pureza del
canela y mar. hábito dominico del cronista no permitirá después mayores confe-
A monsieur de La Condamine la comunicación le resulta inverosímil siones y tampoco habrá lugar para el erotismo en la lectura en sesión
porque hay indios que más que pronunciar exhalan o suspiran sin pública pari-sina donde apenas se consigna que las mujeres sufren
vocales mientras otros usan el vocablo poettarrarorincouroac sólo una condición más miserable aún y que se adornan las cabezas sin
para significar el número tres. Comprende entonces que esos grupos procurar vestido alguno en sus vergüenzas.
no pasen de la pesca alegre y el animismo. Con un idioma carente de
pala-bras para los seres morales y metafísicos estarán condenados a De las amadas
medrar en las orillas sin jamás decir virtud, justicia, libertad, agradec- Vuelto a España y dispuesto a hacer efectivas las capitanías y gober-
imiento. Por eso, precavido, recurre a in-térpretes voluntariosos que le naciones imaginadas sobre las riberas vírgenes, Don Francisco se
traducen: sí, hay un paso y más allá el río se ensancha tres toesas, y sí, enamora. Le falta un ojo y cubre el hueco con dramático paño negro
esa estrella se ve todo el verano y aquella hoja vistosa, claro, es fatal.. pero las mujeres perciben en esa ausencia, el coraje y la viri-lidad.
Ana de Ayala se deslumbra, además, por los años de abismo que le
De los indios lleva el ade-lantado y le escucha todas las ciudades que jura reinar con
Los encuentra Orellana: hospitalarios o belicosos, pacíficos o ella en la selva conquistada. El biógrafo indulgente señala que en la
recelosos, desconfiados o colaboradores, obsequiosos o caníbales. chiquilla las formas de mujer apenas eran una promesa y que en su
Los halla La Condamine: indolentes, intrépidos, pueriles, atezados, propio afán de aventuras se parecía tanto a Orellana que partirá con
insensibles, gloto-nes, muy desnudos, pusilánimes, vagos, nadadores, él en el siguiente viaje clandestino, improbable y final.
poltrones, alegres, pobres de inge-nio, encaprichados con lo maravil- Charles-Marie luce un perfil francés rotundo y sus travesías no le
loso, embrutecidos, infantiles, algo asiáticos. dejaron marcas tan crueles pero sí una fiebre invisible que nunca

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Viaje del capitán Francisco de Orellana y de Monsieur Charles- Marie de La Condamine


sanará. La joven Charlotte Bouzier d'Estouilly se admira por las De la ponzoña
ardorosas historias que su tío retacea al público académico y le cuen- Al decir del cronista español la nave quedó como puercoespín pero
ta solamente a ella. A pesar de la familia, La Condamine la desposa sin pérdida de tripu-lantes. Horas después Antonio de Carranza se
logrando que su amigo personal, el Papa Benedicto XIV, les dispense arrastra por cubierta y García de Soria grita en espasmos horrorosos.
la consanguinidad. Espantados, les encuentran apenas el rasguño venenoso de una
flecha.
De las traiciones en tan lejanas tierras Es el contacto con la sangre lo que mata, descubre La Condamine
Al momento de la partida Orellana no es capitán sino segundo de tras sus experimentos. Varias gallinas caerán retorcidas al verificarse
Gonzalo Pizarro quien a medio camino le ordena continuar en la inutilidad del azúcar como antídoto. Todavía, décadas después,
bergantín y volver con alimentos para salvarlos del desastre. Sin comprobará que la ponzoña sigue activa en los atestados gabinetes
embargo, el lugarteniente nunca vuelve, según dijo en juicio posteri- del museo de Historia Natural.
or: porque la corriente no lo quiso; según acusa Pizarro en denuncias
furibundas: porque la codicia llevó a la traición; según se explica en Del disparo cobarde del arcabuz
silencio el acusado: porque el agua virgen de las amazonas le quema Si después de presentarse en nombre de Dios y el Emperador,
en el pecho. Orellana entiende paz y servicio en los gestos de los indígenas, no
La Condamine parte con el astrónomo Bouguer y el matemático habrá ballestas ni arcabuces. Si no logra comprenderlos porque sus
Goudin pero difícil les será jactarse a cada uno de lo que des- lenguas son del demonio, habrá corridas, saqueos y disparos atron-
cubrieron juntos. A ojos de la Academia declaran que deciden sepa- adores. Si aún así no hay comunicación mandará colgar de los
rarse para multiplicar las posibilidades de observación y La Condami- mástiles a varios indios estrangulados y descubrirá que, de allí en más,
ne se decide por un camino que según él nadie envidiaría a causa de todos lo entienden.
los peligros que ya mataron a Orellana y a Ursúa. Será, suya, Doscientos cuatro años después La Condamine comprueba que la
entonces, la primera navegación científica del río de las Amazonas y evangelización favo-rece el entendimiento. Sólo la tribu rebelde de
su lengua ingeniosa y mordaz ganará para él la posterior batalla de los Xíbaros aterra en las orillas a la altura de Santiago y se dice que,
informes. Pese a que en su talento para las ciencias se sabe aventaja- protegidos por la espesura, pueblos enteros y diezmados re-inventan
do, siente como ninguno el ardor enloquecido de la corriente. sus jergas indescifrables.

De los trabajos sin cuento De los presagios y de los fenómenos


Embarcaciones inadecuadas, mosquitos del infierno, plantas insacia- En el día de San Luis se les cruza un río negro como la tinta. Los
bles, mareas impre-decibles, hambre, hambre, naufragios catastrófi- españoles leen pesares e infortunios en esa oscuridad que acompaña
cos, peces eléctricos, cocodrilos mons-truosos, marineros agotados y veinte leguas sin mezclarse. Bajo el árbol que los cobija esa noche un
el leve roce del veneno. ave inmensa canta tres veces: huí, huí, huí. Y calla. El capi-tán es

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respetuoso de semejantes avisos y dispone una guardia inútil. Dos plateadas, bajo las monta-ñas metálicas de Arripuna, ochenta jor-
hombres casi dormidos contra toda la maldad de la selva. nadas al norte y a pie. El resto lo gobiernan las mujeres guerreras, a
Armado de barómetro y brújula, el heredero de Newton explicará los quienes se rinde frutos y pasiones cuando ellas lo requieren.
fenómenos natura-les. Cierta noche perdió de vista a Júpiter y eso
por las brumas repentinas del horizonte. Sobre la margen derecha De las señoras y guerreras
desaparecen los mosquitos y eso porque el río cambia su curso y el Gracias a que los griegos han lidiado con casi todos los misterios de
viento este los empuja hacia la orilla occidental. Y la temible pororo- este mundo, el des-cubridor las reconoce. Son las tan mentadas ama-
ca con su ola desmadrada comiéndose las costas será, obviamente, zonas escitas de Asia, diestras con las armas, firmes en su abjuración
consecuencia inevitable del con-tacto con el mar. de los hombres y varoniles hasta la mutilación. De todas esas extrav-
agancias la que más alarma a Orellana es no encontrarles señor.
De los usos y costumbres También el francés devenido etnógrafo procura informarse con gran
Orellana se asombra del rítmico sonar de los tambores que de aldea cuidado y desde el inicio de la travesía interroga a los indígenas reca-
en aldea denuncian la presencia extranjera. Y de que sólo por con- bando numerosos testimonios en favor de su existencia. Supone que
tentar a sus dioses ensarten como trofeos las partes de los cautivos en algún momento las mujeres de América, infelices en su vida
que no van a comerse. doméstica y hartas de ser sometidas cual esclavas, buscaron su inde-
La Condamine se extraña de la extensión monstruosa del lóbulo de pendencia en los montes impenetrables. Concluye que quizás, abur-
las orejas traspasa-das por un ramillete de flores. Y de que las cer- ridas de su soledad y olvidando la aversión de las madres, hayan
batanas envenenadas no sean, entre gen-tes tan salvajes, un modo regresado a sus tribus y por eso ya no se las vea reinando sobre el río
corriente de satisfacer sus venganzas, sus envidias y sus ren-cores. al que dieron nombre.

De lo visto con los propios ojos o lo dicho por labios autorizados Aún cuando los mapamundis omiten los monstruos que el viaje
El lenguaraz aprende pronto a enardecer la implacable esperanza del depara y las sirenas ya son marsopas, el relato de las mujeres sin mari-
conquistador. En esas primitivas traducciones siempre habrá un dejo do insiste imperturbable. Aparecen cada vez que se pregunta por ellas
de burla: detrás de aquellas sierras habita el Señor de Ica cuyos cabel- como animales fabulosos nacidos candorosamente en la brutal tra-
los blancos hasta la cintura logran el respeto de los hombres; ducción de la conquista.
Paguana reina sobre una ciudad dorada hasta los techos repleta de
doncellas serviciales; de todas las vasijas de barro existe una copia de
oro guardada en Omagua; atrás se extienden los dominios aún más
resplandecientes de Nurandalugua Burabara adonde muchos lle-
garon para dejar sus tributos y volver encandilados; hay quienes han
visto los caminos a Ichipayo todos ellos tachonados de lajas

T r a n s i t o s
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Tango, samba y nación: modernos y primitivos

Florencia Garramuño

Durante las décadas del veinte y treinta del siglo veinte, cuando el y del sam-ba. Se la puede leer en Tarsila do Amaral y Oswald de
impulso por la construcción de una modernidad autóctona resulta Andrade, en Mário de Andrade y Jorge Luis Borges, en el grupo
casi hegemónico, el tango en la Ar-gentina y el samba en el Brasil Martín Fierro y en la Revista de Antropofagia, en Oli-verio Girondo
comienzan a ser percibidos como músicas nacionales. En algunas de y Heitor Villalobos o Radamés Gnattali. Como un movimiento sin-
las constelaciones de sentido que es posible aislar en la historia de esa uoso y por momentos claramente aporético, esa paradoja define un
con-versión del tango y del samba en músicas nacionales hay una nudo de problemas en torno a la nacionalización y modernización de
figura que insiste, aunque sus sentidos se transforman y proliferan. una cultura latinoamericana para la cual el tan-go y el samba funcio-
Se trata de una paradójica -en una primera mi-rada- combinación de nan como figuras de sentidos contradictorios y ambivalentes. Lla-mo
sentidos de lo primitivo y lo moderno. Porque en esas décadas de a esa "paradoja" modernidad primitiva porque evita el pensamiento
intensa modernización, son precisamente los rasgos más primitivos dicotómico que separa modernidad de primitivismo, cuando en ver-
y exóticos los que se acentúan para resaltar las características dad, en tanto conceptos, no sólo el primitivismo debe ser pensado
nacionales del tango y del samba. Y no sólo en la música -el samba junto a la modernidad sino que es esta última quien, his-tóricamente,
que acentúa las síncopas y la contrametricidad que se asocian con las crea este particular concepto de primitivismo. La paradoja es también
músicas africanas; el tango que se demora en la nostalgia por un equívoca y por eso permite identificar y caracterizar sin esencialismos
mundo perdido y pasado-: también algunos discursos contemporá- previos una mo-dernidad cuyas características "alternativas"
neos a esa "nacionalización" del tango y del samba -novelas, ensayos, tendieron a ser pensadas a partir de su con-frontación con una mod-
poemas, filmes, cuadros y representaciones iconográficas sobre el ernidad que se supone originaria (única, y original: la europea) para
tango y el samba- resultan elaboraciones a menudo complejas sobre identificar los desvíos de esa supuesta norma como características
el carácter primitivo y exótico de estas músicas. Aunque a fines del negativas de una modernidad desigual. Por último, la paradoja de
siglo XIX ese costado primiti-vo es precisamente la razón para alguna manera cancela la unidireccio-nalidad de un sentido unívoco:
expulsar al tango y al samba de la nación, cuando se producen sus en tanto primitiva puede ser también entendida como "originaria", su
respectivas canonizaciones será ese primitivismo -que ha variado en conexión con modernidades genera un sintagma que permite inver-
sus significaciones culturales- el que se esgrime para señalarlos como tir la supuesta laguna temporal y atraso cronológico de las mod-
símbolos nacionales. ernidades latinoamericanas. Una crítica cultural de esas mod-
La paradoja de esta "modernidad primitiva" no es exclusiva del tango ernidades primitivas es lo que este libro se propone.

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Como una suerte de aleph borgeano, hay una anécdota que conden- brasileño; ambos efigies de una esencia nacional que en ellos se man-
sa la intrinca-da red de problemas en la que se enmaraña este proce- ifestaría prístina, incandescente- los primeros balbuceos del tango y
so. Transcurre en París, una fría noche de invierno, durante la del samba, si se toman desde el punto de vista de la long durée,
primera década del siglo XX. En un cabaret de Montmar-tre, regen- parten de un mismo tronco común: la habanera, que está en el ori-
teado por Antonio Lopes Amorim, "O Duque", un grupo de músi- gen del tango, está también en el maxixe o tango brasileño que más
cos brasile-ños comienza a tocar un tango. Entre el público se tarde, alrededor de los años veinte, intervendrá en las transformacio-
encuentra un grupo de argentinos, que, ante el anuncio de la música, nes del samba urbano carioca. 3
"un tango brésilienne", reacciona indignado: "¡el tan-go es argenti- Para 1937, en cambio, el paisaje se ha transformado: Carmen
no!". Brasileños y argentinos, enfrentados por la disputa de sus Miranda puede en-tonces grabar una canción, "O tango e o samba",
pertenen-cias nacionales, llegan a las trompadas. en la que cada una de estas músicas se asume como característica-
No pude saber cómo termina la anécdota; tampoco, más allá de su mente nacional. No sólo la letra de este samba marca la dife-rencia
figuración en un libro de historia del samba, cuán cierta es.1 Lo cier- entre los argentinos que cantan tango y los brasileños que cantan
to es que en 1910, el tango es argentino en París, en Argentina y tal samba; también la música se desliza sinuosa desde unos primeros
vez en el resto del mundo, pero no en Brasil: así lo atestiguan los minutos con sonoridades claramente referentes al mundo del samba
numerosos tangos compuestos por Ernesto de Nazareth o -la batida de samba en el violão, los instrumentos percu-sivos que
Chiquinha Gonzaga, cuyas partituras comienzan a circular por dis- marcan el ritmo- hacia las sonoridades tangueras introducidas por el
tintas clases y zonas de Río de Janeiro y, posteriormente, también por bando-neón. Hasta Carmen Miranda alterna una modulación más
París, y que hoy son tocados por eximios músi-cos brasileños. El itin- aguda y rápida -"sonriente", podría decirse - para cantar el ritmo de
erario de ese tango brasileño es un camino intrincadísimo y con samba, con una modulación de la voz más grave con fuerte
numerosas bifurcaciones hacia la constitución de otros géneros alargamiento de las vocales, para cantar, en español, el ritmo del
musicales, entre ellos, el mismo samba que se convertirá en la músi- tango.4 Es verdad que ambas músicas sirven, en 1937, para definir
ca nacional brasileña. 2 identidades nacionales, pero cada una de ellas se manifiesta de forma
A juzgar por algunos estudios musicológicos que las historias tan específica y diferenciada de la otra que la canción resulta un ver-
nacionalistas de la música han tendido a desconocer -el tango siem- dadero fandango de diferencias culturales.
pre fue argentino o, en todo caso, rio-platense; el samba siempre ¿Cómo se convierte una forma cultural en "nacional"? ¿Qué signifi-

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ca "ser na-cional", por un lado, y cuáles son las operaciones que per- establecidas: el tango y el samba son, además de géneros musicales,
miten que determinadas for-mas culturales sean pensadas como sím- objeto de representaciones cultu-rales de lo más variadas, desde
bolos de una "identidad nacional"? Las pregun-tas -éstas, y no otras, cuadros, caricaturas, portadas de partituras y discos, en-sayos y nov-
que se les podría hacer y se les han hecho al tango y al samba- indi- elas, poesías y composiciones musicales que a su vez versan - en una
can ya que el camino que recorre este libro no es el de la búsqueda y suerte de reduplicación autorreferencial - sobre el tango y el samba.5
o explicación de cuál sería la identidad nacional que el tango y el Todas ellas influyeron en la construcción de ese sentido de lo
samba representarían por sus rasgos exclusivamente formales - sea nacional del tango y del samba, y su estudio de-manda un constante
en su música, sea en sus letras. Frente a la hermenéutica de lo ocul- e irreverente cruce de fronteras disciplinarias.
to - la búsqueda en una superficie de los orificios que nos permitan Esa ubicuidad del tango y del samba, si por un lado hace quijotesca
horadarla para penetrar en sus profundidades-, prefiero desplegar una investi-gación que aborde la proliferación de esas continuidades,
algunas hebras de la red cultural que hizo posible concebir al tango por el otro escenifica la cons-trucción de los sentidos de lo nacional
y al samba como músicas nacionales. como una distribución de regímenes de sentido que atraviesa formas
Al extender los pliegues de esa superficie, es posible leer en esos y performances de cristalización simbólica y que trasciende, por lo
arabescos una serie de zonas de sentido que hicieron posible pensar tanto, al tango y al samba. Por otro lado, también en la construcción
al tango y al samba como músicas nacionales. El estudio de las con- de ese sentido de lo nacional en el caso del samba y del tango inter-
stelaciones de sentido que se le adjudican a las prácti-cas culturales y vienen artefactos simbólicos y actores internacionales, como Darius
que estas mismas articulan en diálogo con estas constelaciones, y la Milhaud, integrante del grupo de los Seis, que "exporta" el samba a
manera en que esas prácticas van desarrollándose en relación con la música de vanguardia europea o Blaise Cendrars que otorga autori-
esas constelaciones de sentido - sea a favor, sea en reacción ante esas dad a la búsqueda de raíces populares de los vanguardistas mod-
constelaciones - y las operaciones, en fin, por las cuales la historia ernistas, o Paul Poiret, el modis-to francés de haute couture que
atraviesa a las prácticas y se imprime en ellas, encuentra en el tango colabora en la creación de una "moda tango" en París y quien fue,
y el samba un escenario privilegiado. Porque además de las razones también, modisto predilecto de Tarsila do Amaral.
sociales, políticas y musicales que inciden en esa transformación del La proliferación de objetos, materiales y problemas en torno a la con-
tango y del samba, la cons-trucción de un sentido de lo nacional aso- strucción del tango y del samba como músicas nacionales, además de
ciado a estas formas musicales es un proceso complejo, lleno de la variabilidad de registros discursivos que a menudo demanda la
crispaciones, en el que ha intervenido de forma contundente una ma- exposición de esos materiales, desde un registro histórico -e incluso
lla de discursos que, presionados por las transformaciones culturales estadístico en su exasperación-, a un registro de antropología cultu-
en las que emergie-ron, fueron cambiando también el significado cul- ral o de interpretación literaria, hace que un trabajo exhaustivo sobre
tural de ciertas connotaciones que habían sido establecidas como esta problemática sea quizás imposible. No me resultó demasiado
características del tango y del samba. La construcción de ese sentido difícil abandonar la demanda por la in-vestigación exhaustiva por lo
de lo nacional no puede ser encerrada en fronteras rígidamente que esta noción tiene en común con ideas de totalidad y sus implica-

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ciones lukacsianas; como decía Adorno, "the preoccupation with teras, el reemplazo de una historia de las formas por un análisis de
precision becomes a fetish that conceals from the investigator the los regímenes de significación como forma de historizar a partir de
irrelevance of its conclusions".6 Pero sí me preocupó definir el condiciones inmanentes en esos discursos debe entenderse como un
objeto de una investigación de este tipo para evitar des-víos confu- ejercicio de crítica cultural, donde cultural define, más que un obje-
sos -lo que a menudo significó directamente la exclusión de material to, un modo de cuestionamiento de discursos e imágenes en busca
de in-vestigación ya elaborado. Las cicatrices de esa extirpación del sentido que construyen en su coexistencia, contemporaneidad,
deben leerse como las mar-cas, más que de una disciplina, de un acer- polémicas e interconexiones. No es, en ese sentido, el análisis de una
camiento al problema de la nacionalización del tango y del samba. "cultura", sino el análisis de los sentidos culturales construidos por
No se trata de buscar unas condiciones de posibilidad que serían gen- las intersecciones de diferentes y heterogéneos objetos culturales el
erales a una forma del pensamiento de lo nacional: de hecho, creo timón -poco obediente- que dirige a este libro.
que así como el tango y el samba fueron pensados como nacionales La anécdota parisina interesa además por su capacidad ilustrativa y,
también, dentro del mismo horizonte histórico, ese pensamiento fue diría, hasta física: no se trata en ella de discusiones más o menos int-
disputado por otros sujetos y formas.6 Porque el pensamiento de lo electuales o formalistas sobre la nacionalidad de un determinado tipo
nacional, como la construcción de una cultura nacional -como ya lo de música, sino de una "pelea a trompadas". Res-cato esa violencia
demostró Gramsci-, implica el funcionamiento de una hegemonía como ilustración de los conflictos culturales en los que el tango y el
que no apacigua, aunque domine hasta el punto de obturarles el samba van a ser protagonistas desde 1880 a 1930 o 1940. De esa con-
habla, fuerzas subalternas contrarias al movimiento de la hegemonía. flictividad violenta emana una cierta imagen de la cultura que me
Pero en esos discursos culturales pueden sí leerse algunas de las interesa proponer: la idea de una cultura como campo de conflictos,
operaciones que permitieron pensar al tango y al samba como for- como espacio de polémicas y luchas simbólicas que las for-mas cul-
mas nacionales. Esas zonas de visibilidad creadas por el diálogo entre turales condensan en sus rasgos formales, en sus desvíos, en sus
el tango y el samba y sus representaciones en distintos discursos cul- colocaciones coyunturales y en los usos que de esas formas se hacen.
turales revelan una serie de regímenes de significación de lo nacional Si bien hace ya bastante tiempo que la idea de una cultura como un
que permiten reemplazar un análisis de la cultura a partir de formas todo homogéneo cuyo opuesto sería la anarquía ha sido puesta en
(estilos, movimientos, obras o grupos) por un análisis de los signifi- cuestión, la idea de que la cultura es un campo de negociaciones no
cados y operaciones que se construyen en la relación entre diferentes siempre ha llevado a un estudio de las diferencias que esa cultura
disciplinas y formas. Estas operaciones implican pensar "la cultura" articula. Incluso muchas veces ese estudio de las negociaciones que
no como un objeto positivo de localización cierta, sino como una construyen una cultura analiza cómo ese conflicto se resuelve, cómo
serie de pasajes y de umbrales construidos por el tránsito de opera- ese conflicto, para penetrar en la cultura, deja, de alguna manera, de
ciones y significaciones. Si la compartimentalización tecnocrática del ser tal. Contra el estudio de la unidad expresiva de una cultura, que
saber ha conducido al desconocimiento de objetos que sólo se reve- tiende precisamente a obturar y a sosegar los conflictos que la con-
lan como tales en los cruces y claroscuros ambiguos de esas fron- struyen, me parece importante intentar otro tipo de estudio: un estu-

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dio que busque en la cultura los conflictos que la constituyen, que por ejemplo en los distintos modernismos y las peleas en las que se
trate de describir la articulación de esos conflictos, no su sutura.7 encarnaron esas diferencias, en el caso de Brasil, pasibles de ser expli-
Sólo de esa forma es posible aprehender la contingencia que habita cadas también desde los conflictos que el samba -y, en general, la cul-
en esas formas, enfrentarse a las ambigüedades y sigilos de textos y tura popular- va a articular para la sociedad y la vanguardia brasileña
prácticas y abandonar un pensamiento de los textos, las imágenes y de la época. Las vanguardias argentinas de los veinte y sus guerras de
los discursos como pura positividad. posiciones se observan también de manera diferente según las posi-
El estudio de la unidad expresiva de la cultura no sólo obtura y borra ciones que frente al tango estos diferentes grupos adoptaron.
los conflic-tos que la construyen, sino que supone la cultura como Se trata de atisbar la nacionalización de una cultura a partir de la
lugar del consenso y "the site of reconciliation", según Lloyd & intersección de diferentes prácticas culturales en la construcción de
Thomas lo postularan en su influyente Culture & the State.8 un sentido de "lo nacional", proceso sinuoso y menos "positivo",
crispado y atravesado por ambivalencias, pero del cual pueden
La historia del tango y del samba suelen ser leídas desde esa idea de perseguirse algunos residuos en el análisis de los documentos de esas
cultura como pura positividad. Ya sea vistos de forma negativa, cuan- culturas nacionales. En los pasajes y umbrales entre diferentes for-
do el tango y el samba son percibidos como arenas para la domi- mas culturales -literatura, música, cultura popular, cine, artes plásti-
nación de las masas a partir de ciertas políticas estatales, ya vistos de cas- se revelan problemas transversales a cada una de estas formas
manera positiva como "auténtica" expresión de las clases populares, que permiten interrogar los procesos de nacionalización y moderni-
ambas lecturas comparten una visión de las formas culturales como zación de una cultura latinoamericana en la materialidad misma de
una toma de partido unívoca frente a un conflicto que, sin embargo, sus discursos cultu-rales, sus diálogos y sus polémicas.
permanecería siempre exterior a la propia forma cultural.

La mirada que proporciona una crítica cultural para observar estos Notas:
derroteros tiene, creo, algunas ventajas: permite atisbar la historia del 1 La anécdota figura en Tinhorão, Pequena História da Música Popular, p. 76-77, que, por
tango y del samba desde una perspectiva múltiple que lleva a com- cierto, relata otras anécdotas sobre la relación entre el tango y el samba con algunos
prender diferencias y conflictos en torno al samba y al tango desde errores verificables desde la histo-ria del tango. Por ejemplo, menciona, citando un
una perspectiva cultural más general y abarcadora: los debates en artículo periodístico de Álvaro Moreyra, que Jean Ri-chepin habría dado una conferen-
torno al tango no son, simplemente, debates sobre diferentes estilos cia en la Academia Francesa sobre el maxixe y luego escrito una come-dia sobre el tema.
de tango; son debates sobre diferentes tipos o redes de culturas. Se Guillermo Casió publicó la conferencia y la obra de teatro en Jean Richepin y el tango
hacen visibles, así, gracias al tango y al samba, conflictos culturales argentino, y, si bien la conferencia no explicita si se trata de un tango argentino o
más amplios que sirven también para entender otros problemas cul- brasileño, su referencia a mundos gauchescos hacen más posible identificarlos con el
turales que no se agotan en el tango y en el samba y que, según artic- tango argentino. Jean Richepin fue un escri-tor francés nacido en Argelia. Luego de
ulaciones específicas, aparecen en otras zonas de la cultura. Pienso algunos años como "aventurero", publicó en 1876 un largo poe-ma, Chanson des gueux,

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exaltando la poesía de los vagabundos. Ese poema, en varios sentidos cercano a la de acompanhar um estilo de dança espevitada - e outra semi-erudita - a do tango de
poésie maudite, muestra el conocimiento de Richepin del argot. El libro fue censurado Ernesto de Nazareth, composto para piano com requintes de virtuosismo técnico, e pos-
por considerar-se que incitaba al vicio y al crimen, y Richepin mismo condenado a un sivelmente influenciado pela habanera, sempre mais aproveitada pelos músicos erudi-
mes en prisión. En 1908, sin em-bargo, Richepin fue nombrado miembro de la Académie tos do que o maxixe nacional." (Tinhorão 1975, 67).
Française, y es en su calidad de académicien que en 1913 dio la conferencia "A propos El músico más representativo de esta cercanía que será borrada con el correr de los años
du tango". es Lupicínio Rodrigues, cantor gaúcho (del Sur del Brasil) que compuso indistintamente
2 En Feitiço Decente, Carlos Sandroni realiza un análisis de la base rítmica de las sambas y tangos. El primer samba carioca es Pelo Telefone, de Donga y Almeida, de
primeras composiciones a ser llamadas tango, maxixe y samba, encontrando en todas 1917, y fue registrado con el título de "samba maxixe". Para muchos estudiosos, esta
ellas un patrón rítmico que denomina "paradigma del tresillo" que se diferencia del composición no sería sino un maxixe puro, y, sin dudas, es clara-mente diferente -así
patrón rítmico europeo y que investigadores brasileños y de otras tradiciones han aso- como el resto de los primeros sambas que se componen durante la década del veinte-
ciado fuertemente con la música de origen africano. Su característica principal es el uso al samba que se hará famoso durante la década del 30 -lo que Sandroni llama "el para-
de la síncopa, que a su vez se asocia culturalmente en la danza con los "requebros" de digma Estácio", en referencia al barrio carioca que fue su cuna.
la mulata y que en el tango puede asociarse con sus "cortes y quebradas". Cf. Carlos 4 La canción -nombrada en el encarte del disco como "samba-tango" -"género", por lo
Sandroni, Feitiço Decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1930), que he podido averiguar, del cual esta canción sería su único espécimen- se convirtió en
especialmente "Premissas Musicais", pp. 19-38. Desde ya, lo que se conoce como tango emblema de la relación entre la música brasileña y la música argentina y, por extensión,
argentino alrededor de la década de 1920 en Brasil es diferente al tango brasileño, y pre- latinoamericana cantada en español. Dos músicos brasileños, en momentos diferentes,
cisamente por esa razón se diferencian ambos por el agregado del gentilicio. la eligieron como metáfora de una relación de cercanía. En la década de 1990 Caetano
Ernesto Nazareth escribió varios tangos brasileiros, entre ellos Bambino y Espalhafatoso. Veloso eligió "O samba e o tango" para abrir el show de presentación de su cd Fina
Alexandre Levy escribió un Tango brasileiro y un Samba. El ingreso a la música semi-eru- Estampa, en donde canta canciones populares latinoamericanas en español. En el 2003,
dita de Nazareth, según cuenta Mário de Andrade, parece no haber sido demasiado fácil: Elza Soares la utilizó para presentar su cd "Do cóccix até o pescoço" en un escenario
la primera vez que tuvo la honra de figurar en un concierto tuvo que intervenir la policía porteño -y la canción, sin embar-go, no forma parte del CD, producido y lanzado el año
a causa de la indignación de la gente contra aquella "música baja". (Mário de Andrade: anterior en el Brasil. En cada uno de estos casos, sin embargo, la musicalización ha sido
1963, 319) diferente, construyendo con esas armonías significados también diferentes. En el caso
3 Sandroni y Vicente Rossi coinciden en remontar ambas músicas a ese tronco común. del show de Caetano, que cantó canciones típicas suyas -que no se incorporaron en el
Según Mário de Andrade, las similitudes entre el tango brasileiro y lo que los argentinos cd Fina Estampa a secas, pero que sí están en Fina Estampa Ao Vivo- junto a las can-
y uruguayos llaman tango tiene que ver con la mutua procedencia de esas músicas de ciones hispanoa-mericanas, el gesto parece establecer una similitud que se propone
la habanera cubana (Mário de Andrade: 1963, 125). Esa hipótesis es sin embargo cues- como una alternancia entre la música brasileña -de la cual Caetano sería típico repre-
tionada por José Ramos Tinhorão, quien considera que la influencia de la habanera fue sentante- y la música hispanoamericana, englobada toda en una misma categoría
exclusiva de los tangos de Ernesto de Nazareth y no del maxixe en general, concluyen- indiferenciada (y es posible leer aquí una relectura de la relación del tropicalismo en los
do que, "na realidade, não houve uma criação, mas duas criações: uma popular - a do años sesenta con Latinoamérica, sobre todo a partir de la canción de Gilberto Gil "Soy
maxixe surgido aos poucos, na área dos músicos chorões, como síntese de uma forma loco por ti América"). En el caso de Elza Soares, en cambio, se trata de un acercamiento

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coyuntural dentro de las políticas culturales del Mercosur entre Argentina y Brasil. Antes
de cantar esa canción, su músico tocó en el bandoneón algunos acordes de "Adiós
Nonino", de Piazzolla, y todo el extenso discurso de Elza Soares en ese momento se
estructuró sobre la semejanza entre Piazzolla y ella misma, ambos acusados en los años
sesenta de no hacer tangos o sambas "auténticos".
La comparación entre la versión de Caetano y la de Carmen Miranda es iluminadora en
cuanto a la per-cepción histórica diferenciada del tango y del samba: mientras que en
la grabación de Carmen Miranda el cambio de registro -del samba al tango - se mues-
tra como un desvío fuertemente marcado, en la versión de Caetano, en cambio -y como
suele ocurrir con la incorporación de otros ritmos y sonoridades en la música de
Caetano-, la diferencia es marcada apenas por un bajo acústico que se incorpora clara-
mente a las sonoridades de la música brasileña.
Según varios de sus biógrafos, Carmen Miranda se habría dedicado a cantar sambas
luego de que Josué de Barros, después de haberla escuchado cantar, le pidiera que can-
tara un samba. Ante el pedido, Carmen Miranda habría reaccionado con sorpresa -y
quizás con cierto disgusto-: "Mas eu, eu sou cantora de tangos!". En su discografía sólo
figura la grabación de dos tangos, pero está documentada su actuación como cantora
de tangos previa a su identificación como "a embaixatriz do samba". Cf. Luiz Henrique
Saia y Simone Pereira de Sá. También otros cantores de samba grabaron algunos tan-
gos en sus carreras, como es el caso de Chico Alves.
5 No sólo el tango y el samba versan sobre su propio mundo del arrabal, del morro, del
compadrito y del malandro, sino que es posible identificar una gran cantidad de tangos
sobre el tango y sambas sobre el samba. También existen los sambas que parodian al
tango, como "O pesado 13", sobre "El penado 14". También otros géneros musicales
citaron o parodiaron el tango y el samba, como Le boeuf sur le toit, de Darius Milhaud,
quien también compuso tangos, o Tango de Stravinsky, por citar los más conocidos.
6 Adorno, "Some Ideas on the Sociology of Music", en Sound Figures.
7 Y, en el caso del tango, fue y ha sido pensado como representante de otra identidad
nacional, la urugua-ya.
8 Dice Appadurai (1998, 12): "Implying a mental substance, the noun culture appears to
privilege the sort of sharing, agreeing, and bounding that fly in the face of the facts of

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the unequal knowledge and the dif-ferential prestige of lifestyles, and to discourage
attention to the worldwiews and agency of those who are marginalized or dominated.
Viewed as a physical substance, culture begins to smack of any variety of biologisms,
including race, which we have certainly outgrown as scientific categories".
9 Dicen Lloyd & Thomas:
"Culture produces the consensual ground for the state form of representative democ-
racy by drawing the formal or representative disposition in every individual out of each
person's concrete particularity (p. 14-15)".
Siguiendo una tradición de larga data en el pensamiento inglés que se remonta a
Mathew Arnold -el mismo título de Lloyd & Thomas evoca el título del influyente
ensayo de Mathew Arnold, Culture and Anarchy-, la cultura cumple el rol de formar ciu-
dadanos para estados determinados. Mientras la función del estado es mediar los con-
flictos entre los diferentes grupos de intereses, la función de la cultura es interpelar a
los individuos en la disposición a la reflexión desinteresada que hace la mediación del
estado posible. Es claro que el punto de partida de estos teóricos es Raymond Williams,
a quien sin embargo critican. Su posición contra la idea de Williams de que la cultura
sería un "elemento disidente" los lleva a postular una visión opuesta de la cultura, en
donde su homogeneidad en tanto instrumento del estado parece ubicar a ésta en una
visión excesivamente determinista.

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Pernambuco

Raúl Antelo

Acompañado de su oscuro paje, Cristóbal Quilombo penetró en el Hilda tiene la bucca nera e invirtiendo la mimesis idealizadora con-
quiglobo1. Con esta frase, que parece prefigurar las esferas de funde vultus con vulva. El medusino significante Pernambuco abraza
Sloterdijk, Alejandra Pizarnik activa algo más que el desmontaje de entonces como una tijera al desdoblado lenguaje y de ese hueco pro-
ontologías locales. Pone en práctica una manera de leer que es com- fundo emerge entera el habla de entre piernas. En sus diversiones
plementaria a su modo de escritura. púbicas, Alejandra lleva ad pernam bucca. Leemos así en la versión
En efecto, Pizarnik lee la historia en clave nominalista. Se separa de La bucanera de Pernambuco o Hilda la polígrafa integrada a la
deliberadamente de cierta lógica naive, exotista2, y por eso mismo, a Prosa Completa (2002): "En tanto su pico deterioraba una tortilla de
la manera que luego veríamos en Paulo Leminski, rescata, de antiguas verdurita, papita y mole, disparo-bang, bang y pum, pum-al divino
crónicas de Indias, una enunciación que ella denomina inocente pero cojete con su trabuco trabado en Pernambuco por un oso que le
que, con más rigor, cabría llamar mimetismo nominalista. "Un cara- comió el ossobuco"6. En cambio, en la versión conocida en Textos
col y en él un pedazo de coral que paresce nascer dél....las nueces de sombras y últimos poemas (1982), tenemos: "Cuando Cocó Panel
muy encarceladas...todos pensábamos y hablábamos de lo cerrado afrontó el malón con pigmón amotinado sin tino, ella agitó sorciera-
que era todo alrededor de nosotros"3. Caracol y coral son cárceles mente sus aretes, heredados de un espléndido cretino-Pietro
del lenguaje. Las nueces (las carabelas), quiglobos. La nuez, precisa- Aretino-con el propósito de deslumbrar a la pigmeada plebeyuna que
mente, es una de las moradas ideales de Alejandra4 por eso, diríamos, chillaba como cuando en Pernambuco trabé el trabuco del oso que
Pizarnik usa el nominalismo como un modo de tomar distancia con se comió el ossobuco" 7. Para la polígrafa, Pernambuco no es paisaje
relación a lo real, una manera ambivalente por la cual una mediación sino un pasaje de coprológico cratilismo. Sabe Alejandra que en el
inmediata le permite a su lenguaje separarse de los discursos y Corán no hay camellos y por eso escribe en la posdata:
depararse, al fin, con lo Real, con el lenguaje mismo, en su negativo
rechazo de la representación. Al adoptar esa estrategia, Alejandra se La repetida lectura de Baffo, Aretino, Crebillon fils, las memorialis-
transforma en Hilda, la polígrafa, preceptora del papagayo Pericles. tas anónimas (princesa rusa, cantatriz alemana), me deparó la com-
prensión de esa alegría. Al-gunos -yo, la primera -me reprochan el
-¿Quien inició a Pericles en la literatura?-dijo el doctor Chú alarma- "realismo": situar en Dentáfrica un cuento sobre Dentáfrica. Cierto,
do por la verdifusión de la cultura de papas. la verosimilitud torna mi relación intolerable. Pero ¿no habrá nunca
-Hilda la polígrafa-dijo la paralelepípeda 5 un espíritu valiente? Veintiocho mil aninimitos no pudie-ron doble-

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garme. La verdad no es más cara que Platonov, quien sintió como na- descentra, me dispersa, me arrebata fuera de mí-a diferencia, par ex.,
die lo trágico del destino pigmeo 8. de los instantes frente al pizarrón, en que me reúno (o al menos me
parece). Sin embargo, ninguno de los poemas por rescribir me enfer-
En esa época en que Alejandra está leyendo a Apollinaire ("poemas voriza. El texto de humor, por el contrario, es la tentación perpetua
graciosos y medianos"), la lengua se escurre entre los dientes de 9.
Dentáfrica dando consistencia, como en el Apolinère enameled de
Marcel, al cratilismo del lenguaje. A través de ese fenómeno, Platón Sabemos desde Barthes, al menos, que todo sentido singular deviene
defendía que los nombres, en la medida de lo posible, se asemejasen plural y que la obra, al alcanzar su estatuto neutro, su grado cero, se
a las cosas, aunque admitía, sin embargo, la inocultable grosería de la transforma así en texto. La literatura-nos dijo el crítico de S/Z- se
convención para explicar la precisión nominativa. vuelve entonces exploración del nombre, por-que, en el fondo, el
En su expresión más elemental, el cratilismo evalúa la significación escritor, como un eterno Crátilo y a diferencia de Hermógenes, con-
del lenguaje como la mímesis discursiva de un objeto dado, pero en serva la creencia de que los signos no son arbitrarios y que el nom-
un sentido más amplio y moderno, en cambio, el cratilismo consiste bre es una propiedad natural de la cosa. Leer como se escribe, es
en encontrar un resto resistente a la significación, el núcleo mismo pues, la consigna. A través de lo neutro, es decir, de una poética de
de extrañamiento de un discurso que funciona como un paraiso per- la distancia o apatía, Barthes ha de concluir que la palabra lite-raria es
dido del lenguaje y, al mismo tiempo, ofrece un motor utópico a la siempre un destrozo inmenso y suntuoso, como resquicio de un con-
proto-historia. Orientado a multiplicar, más que a reproducir senti- tinente per-dido en que las palabras, saturadas de cualidades y no ya
dos, a fijar vértigos, más que a adecuar imágenes y, en última instan- de ideas, brillarían como es-quirlas de un mundo sin mediaciones,
cia, a extraer del carácter no-mimético del lenguaje la energía sufi- donde todo se entregase al sentido pero en que nada, al fin y al cabo,
ciente para desestabilizar convenciones, el mimetismo nominalista tendría entonces cualquier sentido 10.
redefine la escritura como diseminación del lenguaje y, en ese senti- Leer como se escribe es pues descubrir el funcionamiento simultá-
do, de la verdad. Al tiempo que ensaya la poligrafía de Hilda, la neo de dos va-lores ambivalentes; en ese sentido, la literatura tiende
bucanera pernambucana, Alejandra anota en su diario: a substituir la verdad particular y contingente por una recepción
duradera o diferida, de modo tal que el texto que busca conquistar el
Vértigo y naúseas. Adverti que el texto de humor me hace mal, me tiempo debe, ante todo, perder su propia entereza y, para producir

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Pernambuco
verdad, pasa a desdoblarse en figuras fragmentarias. En consecuen- nalista de la teoría de la mirada y de la escritura acarrea pues una con-
cia, toda obra dura por haber-se transformado, así como la imitación secuente definición an-artista del arte, captado por un más allá de la
que de ella se hace la despoja, a su vez, de todo lo imitable. "Anoche mezcla sinestésica, es decir, por una condición an-estésica. Duchamp
escribí de un tirón La bucanera. ¿Que relación no puedo cap-tar?"-se explicita esa posición nominalista diciendo que mesas no es el plural
pregunta Alejandra. de mesa, o que comió no tiene nada en común con comer. No se
Desde ese punto de vista, no es, por lo tanto, el hecho lo que preex- trata, en el no-minalismo, de adaptación física de las palabras conc-
iste a la imita-ción sino que el lenguaje precede, infinitamente, al retas. La palabra, en si infierno, pierde todo valor musical y pasa a ser
hecho mismo. La escritura nada le debe así al estilo, a la acumulación, legible sólo por los ojos-los ojos atrás de los ojos, dirían Warburg o
y todo, en cambio, al dispendio, al exceso signifi-cante que se lee en Lispector-porque, poco a poco, adopta una forma con signifi-cación
los márgenes de la representación. Eso acarrea una crítica a la mime- plástica, convirtiéndose, igualitariamente, en una realidad sensorial y
sis y a la propia teoría como mirada desinteresada. La relectura laca- una verdad plástica. Lo crucial, en último caso, es que el nominalis-
niana del psicoanáli-sis ayudó a formularla. mo es independiente de la inter-pretación y así, desde una perspecti-
En efecto, contrariamente a la mirada soberana de la Dialéctica del va posretiniana, el sentido se transforma en un su-plemento del olvi-
iluminismo, Lacan propuso superponer a Kant con Sade para obten- do, la obstinada búsqueda de una lengua que es universal y, al mismo
er un efecto de verdad, la mirada traidora, la mirada que ve más de lo tiempo, contingente.
que mira y denuncia así la ceguera del realismo. Gracias a esa
operación, el valor visible, legible, de un texto transgresivo sería la Imposible no invitar a Marcel Duchamp: Quand la fumée de tabac
verdad oculta por el ocularcentrismo racionalista. En la medida en sent aussi la bouche qui l´exhale, les deux odeurs s´épousent par
que la Revolución, factor que se instala entre ambos textos, el que infra-mince.
legisla y el que transgrede, había rearticulado el derecho pero también Rose Scélavy nos inculca:
a su revés, Lacan argumentaba que el mal sadeano era la inver-sión Un CALIBÁN se fume
puntual del bien kantiano, o sea que tanto Kant como Sade hablaban, y un canibal se esfume 11.
de hecho, de la sumisión del sujeto a la ley, con la salvedad de que,
donde el moralista hacía aparecer al Otro en la figura del torturador, Gracias al recurso infraleve, la polígrafa desanda la historia evolu-
el filósofo secuestraba al objeto en nombre de una teoria de la auton- cionista y del Calibán shakespereano regresa al caníbal pernambu-
omización del sujeto por medio de la ley. cano, un caeté, que nos inculca con el mismo tesón del oso que se
Si es verdad entonces que uno mandaba gozar, mientras otro pedía comió el ossobuco. Pizarnik no lo idealiza a Calibán, a la manera de
reprimir todo goce, no hay pues diferencia entre leer y escribir y, Fernández Retamar, sino que, para rearticularlo, escande su misma
siendo así, las nuevas mediaciones, los cambios en el orden técnico, memoria. Y hasta sus traiciones de memoria. Su Rose no es Rrose,
no hacen sino alterar el sistema de sensaciones o, mejor aún, de no es inversión especular de Eros. Su Scelavy es más que un conso-
excitaciones que hacen posible hablar de arte. La condición nomi- lador c´est la vie. Es más que un estímulo, sel à vie. Su Scelavy no es

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aséptica sino que, como todo ser manchado y mestizo, es scéptico. sión televisiva con Iris Marga) y, al año siguiente, Doña Clorinda la
Su Scelavy paresce nascer del fondo de la escena primordial, del descontenta, pieza ésta de inequívocos acentos calderonianos. En
quiglobo de una nuez arrojada al vacío. 1942 hizo el guión de El gran secreto, una película de Mecha Ortiz
La polígrafa, lo sabemos, no escribe por lineas rectas sino que usa el dirigida por Jacques Remy y, en 1951, Mi divina pobreza, film dirigi-
rayo (la ra-ya) oblícuo. Duchamp dice en sus Notas que un rayo do por Alberto D´Aversa, con Elina Colomer y Armando Bó. Su
oblícuo produce lo infraleve de donde, podríamos concluir, la inver- teatro tiende un puente entre el sainete y la picaresca pero su inda-
sión de imágenes se vincula asimismo a una inver-sión de género. El gación populista alcanza máxima expresión en un ensayo de 1956,
ready-made es una forma de alcanzarla. Pero la elección de un ready- Tango, mito y esencia. Publicó asimismo varios libros de poesía: Los
made no obedece a ningún deleite estético sino, por el contrario, a mendigos (1953), Intermedio (1955), Sonrisa (1964/5). Casi inmedi-
una reacción de indi-ferencia visual, carente por completo de las atamente sale en Pernambuco un libro escrito en Buenos Aires pero
nociones de corrección o desvío, es decir que, dictada, de hecho, por tan "de pura nostalgia pernambucana", que su nombre es portugués,
una anestesia completa. En última instancia, el nominalismo es tan Roteiro recifense (1965). Uno de los poemas iniciales se enlaza con
sólo una forma de perseguir la condición anoriginal del arte, ese el libro anterior, dejando ver la risa de los dioses.
punto neutro en que les deux odeurs s´épousent par infra-mince.
Pasa a ser así una exigencia de la razón infraleve suponer una cre- Secreto
atividad com-partida por todos los hombres para salvar las utopias, Admites mi secreto
por más reduccionistas u ontolo-gistas que éstas se hayan mostrado, en tu más íntima sonrisa.
devolviéndole a las fuerzas desestabilizadoras de la escritura una Tu tienes un secreto,
energía que no se confunda con arriesgados devaneos u optimismo también oscuro
incon-secuente. Desde ese punto de vista apático o neutro, la tradi- como el mío.
cional escisión kantiana en-tre literatura pura y literatura social pierde Por eso vuelves la cabeza
totalmente sentido, en la medida en que el nominalismo de van- para mirar la luna12.
guardia coincide, paradójicamente, con la autonomización literaria y
el pasaje del lector/autor a la posición de sujeto apático. El secreto estallará en una novela casi clandestina, Orgia. Confiscada
por la po-licía-que lo expulsa de Brasil porque "entregava furtiva-
Pernambuco perverso (o Kant con King) mente, nos portos e nos mictó-rios públicos, mensagens de revolu-
cionários cubanos para receptores de armas"-Orgia, inédita en castel-
En 1962 Tulio Carella (1912-1979) desembarca en Pernambuco con- lano, fue traducida al portugués (Rio de Janeiro, José Alvaro Editor,
tratado como profesor de teatro. Viene precedido de antecedentes 1968) por Hermilo Borba Filho, amigo pernambucano a quien
como poeta, ensayista y autor teatral de relativo suceso. Había estre- Carella dedica el Roteiro.., también autor teatral y especialista en el
nado, en 1940, Don Basilio mal casado (de la que hubo en 1966 ver- arte de los títeres populares, los ma-mulengos, que narró, en Deus no

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Pernambuco
Pasto (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972), las peripecias de vale a pena ser cometido é o pecado alegre, sem hipocrisias nem
Carella en los trópicos. remorsos. Lúcio, que não confunde remorso com arrependimento,
Aislado del medio local, Carella se había entregado, dionisiacamente, como muita gente, con-seguiu chegar a um paralelismo entre a
a experiencias anónimas de sexo con desempleados y paseantes-la proibição religiosa e sua carnalidade.
pigmeada plebeyuna, como diría Hilda, compuesta de "estudantes,
pais de família, maridos, artistas, operários, vagabundos, talvez Mimetizando las imágenes de Pierre Verger, el nombre del ocasional
ladrões" en que era dificil reconocer una vida, una vida desnuda, ya amante no podría ser más fetichista, King-Kong, un sujeto presenta-
que "um encontro na rua é apenas o leve atrito de dois trajes. Não há do como la fuerza primitiva más esencial y por completo ajeno a
nenhuma profundidade. Necessitam de um corpo semelhante, ainda cualquier juicio moral. King Kong es el oso que se comió el ossobu-
que o neguem, o dissimulem, ou pedem dinheiro para justificar o co. Es la contracara exacta del iluminismo de que Carella se siente
desejo. O sexo é como um alcalóide para eles. Ao desejo físico acres- por-tador en Recife, aunque su energía dionisíaca reintroduzca, sin
centam-se muitos elementos. De alguma maneira, consideram o embargo, la tragedia de la corporalidad como residuo inasimilable del
estrangeiro como a um deus ao qual se chegam sem temor ou ver- proceso civilizatorio.
gonha; um deus tangível que lhes pode dar um momento de prazer
e um pouco de dinheiro. E sentem-se poderosos, pois dobraram o King-Kong procede com cautela: pouco a pouco desliza para as min-
deus". has costas até encontrar uma saliência convexa onde se instala, a
Narra así Carella, en su autobiografía ficcional, las atribulaciones del princípio suavemente, depois acentuando o roçado para torná-lo
profesor Lúcio Ginarte, su alter-ego, que le provocaban vivo, intencional e não casual. O ruído dos ônibus que rolam sobre
as pedras desparelhadas do calçamento não altera o silêncio que se
uma espécie de dor e alegria, de querer e não querer, de remorso e criou entre nós e nos envolve. Um silêncio denso e quase palpável
deleite, de fracasso e triunfo. Um escrúpulo o atormenta: não veio pode formar-se em meio a um tumulto. Continuar dessa maneira é
para semelhante coisa. Um orgulho o acalma: o contato íntimo com comprometedor: podem ver-nos da rua. Acho que o mesmo pensa-
um homem desta terra doce e colo-rida. Recorda uma passagem de mento nasce instantaneamente em King-Kong que se afasta e fecha
insidioso misticismo, escrita por um francês, onde o protagonista a janela como se fosse o dono da casa. Decidiu-se. Com uma liber-
sorri ao sentir-se tão perto da vergonha da qual já não se po-de ele- dade que me deixa pasmado, desabotoa a camisa e tira-a. Faz a
var, compreendendo que ali, precisamente na vergonha, é necessário mesma coisa com a calça. Está completamente nu e se exibe com
des-cobrir a paz. King-Kong é um provinciano que veio trabalhar na orgulho: sabe que é difícil achar-se um corpo mais perfeito que o seu.
cidade e que es-tá para casar-se. (...) É evidente que King-Kong E como eu pareço indeciso, atrai-me, ajuda-me a tirar a roupa. Vejo
procurou, antes de mais nada, o seu próprio gozo. Mas o que mais meu próprio corpo e o de King-Kong no espelho da penteadeira. A
desconcerta Lúcio é a naturalidade com que o jovem ficou nu, luz escassa é suficiente para assinalar os relevos e as concavidades.(...)
impôs-se e realizou o ato, como algo comum. O único pecado que Algo do desejo desmedido de King-Kong comunica-se a mim. King-

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Kong agora é um monstro obcecado, possuído por um furor erótico No espelho se reproduzem os corpos acasalados, que se movem em
exaltado, implacável, perdeu o controle das suas reações. Está cego, cadência...
mudo; mudo com exceção de certos ruídos naturais e respiração
entrecortada que indicam inquebrantável propósito. Para ele só conta Borges ha dicho que afirmar la cuarta dimensión es enriquecer el
a sensação do tato e busca o contato das mucosas que lhe propor- mundo, ilimitarlo, porque si mediante la tercera dimensión, el espa-
cionará a calma que perdeu. É preciso que entre no meu corpo páli- cio, un punto encarcelado en un círculo puede huir sin tocar la cir-
do, alheio à sua terra, para comunicar-se com os deuses brancos que cunferencia, gracias a la cuarta dimensión, la no imaginable, la del
o habitam, mesmo que tenha de rasgá-lo e fazê-lo sangrar. Bota mais hiperespacio, "un hombre encarcelado en un calabozo podría salir
saliva, abre minhas nádegas e aponta com o membro teso. As possi- sin atravesar el techo, el piso o los muros" 13. Paralelamente, en À
bilidades de conseguir seu intento parecem remotas. Dou um grito e l´infinitif, Marcel Du-champ imaginó algunas vias para alcanzar esa
fujo. King-Kong ruge, volta a apoderar-se de sua vítima, coloca bem cuarta dimensión- mon portrait dans la glace de la salle bain, por
a verga, empurrando mais quando percebe que a carne está ejemplo. A través del espejo, en efecto, se vislumbra el hiper-espacio
começando a ceder. Dilatou-se levemente diante da contínua del nominalismo pictural que se confunde con un arte celibatario, el
pressão, permitindo a esperança de completar o ato. Respira profun- de la inver-sión especular y genérica que, sin embargo, potencia la
damente e empurra com violência terrível; afogo um grito ao sentir- dimesión táctil. En 1934 Borges la ilustra con el Caso Platner de
me invadido. Os dedos do violador cravam-se em minhas costas e H.G.Wells pero Duchamp también le aclara el punto a Serge Stauffer
me produzem uma dor que de nenhuma maneira me distrai da outra- en 1961: la cuarta dimensión tal vez pueda ser intuida más facilmente
equilibram-se, complementam-se, anulam-se. O violentíssimo desejo por el toque, de allí que el erotismo sea una sublimación táctil que le
de King-Kong contagia-me completamente. Esqueço o pudor, as permite a uno visuali-zar, o mejor, tactilizar la interpretación física de
precauções da prudência e as restrições morais. Sinto-me compelido la cuarta dimensión. A través del espe-jo también, ya no como
a entregar-me, anseio sentir e desfrutar desse instrumento gigan- Carella sino como el Otro-como Ginarte, el artista fémina-el solitario
tesco. Relaxo-me, ajudo o macho que, com movimentos que doem e pone la historia patas para arriba y admite ya no amar la vida sino la
não doem, vai penetrando em minhas entranhas.(...) King-Kong é muerte, es decir,
dono do meu corpo, submete-o; sinto que toca no fundo e que tri-
unfa. Suas garras se tornam de seda, e em vez de cravar os dedos a vida interior, o sossego, a paz, a eternidade. Obter o prazer por
acaricia meu peito, as costas, o ventre, e apóia seu rosto num dos meio da imobi-lidade requer mais sabedoria do que esse cansaço
meus ombros para saborear com mais clareza os meus gemidos. Eu imoderado de dois corpos se amando. Mas embriagado pela beleza
sofro, mas esse sofrimento, quem sabe por que intercâmbio na carnal sinto que os corpos substituem as idéias, os homens, as mul-
ordem estabelecida para cada sensação, é também deleite. O violador heres, o número e a qualidade do prazer. Eu parecia um homem cri-
começa a mover-se, a princípio com lentidão, depois com maior ado para pôr as bocetas em combustão, mas eis que faço arder as pi-
força e velocidade, até alcançar um ritmo igual, regular, inquisitivo. cas como tochas.

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Pernambuco
En ese acto gratuito, al divino cojete, se anuncia, en efecto, el tiro de Notas:
trabuco trabado en Pernambuco, la producción de presente, "Casi 1 PIZARNIK, Alejandra - Prosa Completa. Ed. Ana Becciu. Prólogo Ana Nuño. Barcelona,
nada, todo": Lumen, 2002, p.125
2 Un ejemplo contemporáneo, Hebe Uhart. Escribe en "Un viaje a Bahia" (1964): "El
En el grano de arena error en realidad fue ir a Bahía porque había antigüedades y pobreza. Mis propósitos no
y en la brizna de hierba eran exactamente ésos, más bien me estaba escapando, pero con tal inercia, que el
el tiempo está único modo de haber hecho turismo en Bahía como es necesario, hubiera sido sobre una
y todo el universo. silla de ruedas. Impulsando con diligencia mi silla de ruedas, yo hubiera recorrido las cal-
Y está también-si mirásemos lecitas antiguas y tal vez hubiera entrado en alguna iglesia. Pero no entré en ninguna y
con atención profunda recorrí con muy poco abandono las calles y el puerto. Cuando iba al puerto y me senta-
la veríamos--, la angustia ba un rato en la costa, esperaba vagamente que viniera un Zeppelin, piloteado por dos
de saber que somos hombres franceses de bigote, y que se incendiara en el aire o acuatizara y yo y toda la
como el grano y la hoja: gente, todos los negros, fuéramos a recibirlos con gran-des fiestas, comida, etc. Como
todo y no obstante tan poco eso no ocurría, me iba a mi pieza a leer el diario de Bahía y buscaba mu-cho color local
y transitorio 14. en el diario. Generalmente no lo encontraba, y cuando lo encontraba, decía: 'Esto tiene
color local y lo podría guardar'. Después terminaba envolviendo con el diario toda una
cantidad increíble de basura que yo dejaba en el piso y lo tiraba a un canasto de basura
que era la cosa más triste y mezquina de este mundo", cf Sur, nº 291, nov-dic. 1964,
p.69; con el título de "Turismo" el cuento fue incluído en La gente de la casa rosa.
Buenos Aires, Fabril, 1972, p.91-6.
3 PIZARNIK, Alejandra - Prosa Completa, op. cit, p.204
4 "Prolongar incomensurablemente el poema "Moradas" (....) Siempre quise vivir en el
interior de un cuadro, ser un objeto a contemplar. Pero a veces quiero vivir en el ojo
que mira ese cuadro en donde estoy. (...) Adentro de una nuez". Cf PIZARNIK, Alejandra
- Diarios. Ed. Ana Becciu. Barcelona, Lu-men, 2003,p.471.
5 IDEM - Prosa Completa, op. cit, p. 160.
6 IDEM - ibidem, p. 160.
7 IDEM - Textos de sombra y últimos poemas. Ed. Olga Orozco y Ana Becciu. 2ª ed.
Buenos Aires, Su-damericana, 1985, p.214-5.
8 IDEM - ibidem, p. 216.
9 IDEM - Diarios, op. cit., p.495

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10 Mientras ensaya Hilda la polígrafa, a mediados de 1969, Alejandra anota en su Diario:


"Leo Barthes. La escritura es una opción a diferencia del lenguaje y del estilo. El estilo
nace de la necesidad, está en la frontera de mi cuerpo y del mundo. No obstante, ¿qué
pasa, par ex., con los Diarios de Kafka, escritos por pura necesidad? No es esto, empero,
lo que importa sino la conciencia de que la poesía-y la literatu-ra-es más que mi necesi-
dad animal (o patológica) de escribir lo que escribí". Institución, que no instinto, la lit-
eratura mimetiza el acto y deshace la necesidad. Alejandra escribe en sus Diarios que
Kafka escribe en sus Diarios que....Cf IDEM -Diarios, op. cit., p.475
11 IDEM - Prosa completa, op. cit., p.126.
12 CARELLA, Tulio - Roteiro recifense. Recife, Imprensa Universitária, 1965, p.17. La tapa
fue ilustra-da por Adão Pinheiro.
13 BORGES, Jorge Luis - "La cuarta dimensión" in Borges en Revista multicolor. Ed. Irma
Zangara. Buenos Aires, Atlántida, 1995, p.31.
14 CARELLA, Tulio - Roteiro recifense.op. cit., p.12.

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Saídas (latino-americanas) à francesa

Joca Wolff

¿No habló él mismo de su propia muerte hasta en el último momento, y también, Barthes. La virtud de flexibilidad se ejerce sin la menor huella de tra-
metonímicamente, de sus muertes? ¿No fue él quien dijo lo esencial (especialmente bajo, pero tampoco de su desaparición. Nunca la abandona, ya se
en Roland Barthes par Roland Bart-hes, título y firma metonímicos por excelen- trate de teorización, de estrategia de escritura, de intercambio social,
cia) de la vacilación indecidible entre "hablar y callarse"? Incluso se puede callar y es legible hasta en su grafía; la leo como la reafirmación extrema de
hablando. El único "pensa-miento" que puedo tener es que al final de esta pri- esa civilidad que, en La chambre claire y al hablar de su madre, lleva
mera muerte está ya inscrita mi propia muerte; no hay nada entre las dos sino la hasta el límite de la moral e incluso hasta a someterla a ella.
espera; no tengo más recursos que esta ironía: "El horror es esto: nada que decir Flexibilidad a la vez ligada y desligada, como se dice de la escritura o
de la muerte de quien más amo, nada que decir de su foto". del espíritu. Tanto en el vínculo como en la desvinculación nunca
J. Derrida excluye la justeza -o la justicia; imagino que ha debido honrar esa
flexibilidad en secreto hasta en las elecciones imposibles-. Aquí el
rigor conceptual de un artefacto se mantiene flexible y juguetón,
dura el tiempo de un libro, será útil a otros pero sólo conviene per-
Em Les morts de Roland Barthes,1 que (caso Robbe-Grillet fectamente a su signatario, como un instrumento que no se presta a
já não o tivesse feito) po-deria se chamar Pourquoi j'aime Barthes, nadie, como la historia de un instrumento. Porque, sobre todo y en
Jacques Derrida faz um elogio da flexibilidade e uma denúncia do primer lugar, esta aparente oposición (studium / punctum) no sólo
dogmatismo. Destaca, entre os passos de sua longa trajetória, Le evita la prohibición sino que, por el contrario, favorece cierta com-
degré zéro de l'écriture e La chambre claire, primeiro e último textos, posición entre los dos conceptos...2
respectivamente, eleitos por De-rrida ao perceber sua relação com
"as mortes" - o romance e a fotografia enquanto experiên-cias Contra o dogmatismo:
funéreas.
Transportado por esta relación, jalado o atraído por el rasgo de esa
Pela flexibilidade: relación (Zug, Bezug, etc.), por la referencia al referente espectral,
atravesó los periodos, los sistemas, las modas, las "fases", los
El rigor nunca es rígido. Lo flexible, una categoría que creo "géneros" marcando y puntuando en ellos el studium, pasando a
indispensable para describir de todas maneras todas las maneras de través de la fenomenología, de la lingüística, de la mathesis literaria,

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de la semiosis, del análisis estructural, etc. Pero su primer movimien- posições vanguardistas mais radicais, e é desse trânsito rumo a políti-
to fue reconocer su necesidad y su fecundidad, su valor crítico, su luz, cas críticas e críticas políticas mais brandas que é preciso falar calan-
y volverlos contra el dogmatismo.3 do e calar falando, através de algumas vozes argentinas e brasileiras.
Uma de suas primeiras e principais manifestações encontra-se no
Falar e calar: neste ensaio parto das transformações susci- conceito de entrelugar do discurso latino-americano devido a Silviano
tadas pelo último movimento francês de vanguarda, centrado no Santiago,4 que por sua precoce filiação ao chamado pós-estruturalis-
grupo Tel Quel - que tem nas obras de Barthes e Derrida dois de mo (o "etc." de Derrida) permite fixar um primeiro ponto de inflexão
seus principais faróis - a fim de analisar as formas com que as textu- para a análise da aclimatação deste arsenal crítico e teórico nos dois
alidades da cha-mada "nova crítica francesa" incidem e operam sobre países, basicamente a partir de periódicos culturais como o
certo grupo de leitores latino-americanos, com suas singularidades, "Suplemento Literário" de O Estado de São Paulo - com críticos
sabidamente próximas e distintas, entre o dogmatismo e a flexibili- como o próprio Santiago e Leyla Perrone-Moisés - e a revista argenti-
dade. Alguns vetores teóricos balizaram o grupo e o movimento, na Los Libros, com, entre outros, Beatriz Sarlo e Oscar del Barco.
como as noções de texto, de sujeito, de dissidência e a própria noção Segundo sugestão de um leitor romeno, o conceito de teo-
de teoria, "para uma nova história e um novo homem", segundo a ria contradiz aquele de texto, ao menos quando se atenta para a sua
utopia que caracterizou esta vertente intelectual e todo o período em origem grega..5 Theoreia significa contemplação ou percepção,
questão. "La historia americana es inconcebible sin el juego por el estética ou ciência, repouso e calma, silêncio e imobilidade do olhar:
cual el americano ve a los otros mirar América", disse Jorge Panesi a "Tudo isto nos mostra que a teoria é algo que exclui a idéia de movi-
propósito de um relato de César Aira. De mo-do similar, a teoria mento, de processo, de temporalida-de", observa Gheorghe Craciun.
crítica metropolitana é encarada como uma espécie de "nova missão Diante disso, e segundo a etimologia, aquilo que se conhece por
fran-cesa": a entrada, que é sempre entrada-e-saída, dos conceitos e "Texte (théorie du)" seria uma "impossibilidade conceitual", do
práticas da vanguarda "revo-lucionária" francesa na América Latina mesmo modo que a noç-ão de écriture: "A escritura é um movimen-
desembocam invariavelmente em sua institucionali-zação. to, um processo que atravessa um campo. Como colocar em teoria
esse processo?" Uma resposta possível: ao se colocar em prática uma
Falar e calar, portanto, contra o dogmatismo e em nome da "anti-teoria", ao se tomar a teoria como prática e, no entanto, não
flexibilidade significa ao mesmo tempo verificar um abandono das enquanto uma teoria negativa mas "um outro modo de afirmar uma

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Saídas (latino-americanas) à francesa


verdade",6 que naturalmente não é aquela do rigor (pouco flexível) para um Franz Kafka - ou um Roland Barthes -, na medida em que
do neopositivismo estruturalista, do qual Barthes vai se afastando a toda a linha de reflexão do autor de Literatura argentina y política,
partir de S/Z (1969), como é bem conhecido. baseada nas viagens e no culto à França, obedece a esta mesma rígi-
Sabe-se que esta antiteoria do texto, em "Da obra ao texto" da tradição mimética, mais digna do século XIX do que do seguinte,
(1971), se utiliza de um jargão conforme à idéia então onipresente de em uma espécie de prolongamento de um velho humanismo
revolução devida à tradição socialista e é, por-tanto, tida como tra- resistente. E, a partir dele, começo a apontar as ambigüidades mani-
balho, produção. Trago à tona estes conceitos uma vez que, na festadas através dos cambiantes posicionamentos críticos que mar-
Argentina, mais precisamente no interior de Los Libros, nasce - vale cam os telquelianos latino-americanos.
recordar - uma dissidência com um discurso supostamente contrário
a tais postulados de vocabulário econômico, identificados com o De volta aos "fantasmas do texto", e ao reencontro de
telquelismo maoísta por Germán García, criador de Literal (revista Barthes com Derrida: em carta de março de 72 ao poeta Jean Ristat,
de nome simétrico, por sinal, ao de Tel Quel).7 Ocorre que este se Barthes reconhece sua dívida "derridarienne", como diria Craciun,
refere em seu argumento ao campo do discurso político, ao qual não ao mesmo tempo que se desculpa por não poder colaborar (por quê?,
se limita absolutamente a noção barthesiana de texto, cujo "trabalho" e lembre-se que jamais o faria, exceto em entrevistas) no número a
não é apenas produção mas jogo. O escritor e psicanalista busca, ele dedicado de Les Lettres Fran-çaises. Derrida
desse modo, impor aos ex-companheiros de Los Libros a pecha de
textuelos, ao mesmo tempo que procura se livrar de-la. Mas as desequilibrou a estrutura. Ele abriu o signo; ele é para nós aquele que
influências - que existem, embora nem sempre sejam aceitas - nunca desatou a ponta da cadeia (...). Nós lhe devemos palavras novas,
são lisas y llanas, como quer García ao designar, provocativamente, a palavras ativas (no que sua escritura é violenta, poética) e um tipo de
"tradición mimética" que caracte-rizaria a cultura de seu país, uti- deterioração incessante de nosso conforto intelectual (...). Há enfim
lizando a revista sartreana de David Viñas, publicada nos anos 50, em seu trabalho alguma coisa de contido, que é fascinante: sua
como alvo principal: solidão vem daquilo que ele vai dizer.9

Contorno, como tantas otras propuestas anteriores y posteriores, se O que Barthes diz (em seu Pourquoi j'aime...) é, de certo
inscribe dentro de la tradición mimética de la cultura argentina, modo, o que dele diz Derri-da logo após a sua morte, conforme
patente en la mímica deli-berada de la arquitectura que imita a París acima. Flexibilidade e antidogmatismo por uma "escritu-ra desenca-
-tanto como lo hizo Chicago, Tokio o Estambul, a principio de siglo- denada" e sua "monstruosa fuerza" - como a que reivindicava um
, con el orgullo de parecerse a su modelo.8 textuelo Oscar del Barco, nesses termos, em Los Libros a propósito
de Sade, no único artigo sobre o Mar-quês nos mais de seis anos de
Salta aos olhos uma contradição aí: este ponto de vista críti- existência da revista.10 Del Barco que, tradutor de Derrida e Bataille,
co, generalizante e limitado, estaria mais para um David Viñas do que faz publicar nela seu manifesto dissidente (ainda que seja atendido

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nas últimas pági-nas e com tipos mínimos),11 no momento em que É evidente que não é a assimilação do texto moderno a sua própria
o dogmatismo e a inflexibilidade invadem o grupo, através da pro- textura o elemento que explica a nova fisionomia de Barthes em O
posta de uma sociedade unidimensional e homogênea em que tudo prazer do texto e todos os escritos ulteriores, mas a integração na dis-
fica submetido à revolução política e ao político. O texto responde à cussão sobre o texto do leitor e do sujeito produtor. Sem ser declar-
polêmica aberta pelo caso Padilla, que provoca o editorial pró-regime ada de algum modo, esta ruptura de Barthes com seu próprio passa-
cubano intitulado "Puntos de partida para una discusión" (nº 20, jun. do parece natural em O prazer do texto. Somente aqui, neste es-crito,
1971), ao qual Del Barco replica quando, sintomaticamente, se inau- é que Barthes atinge verdadeiramente um discurso de autor em que
gu-rava a fase "Por una crítica política de la cultura" (nº 22) - tida pelo a teoria se confunde com uma prática, em que o pensamento teóri-
dissidente Germán Gar-cía como um retrocesso a Contorno. co é uma secreção que constitui a tela do texto e se confunde com
ela. É somente agora que o texto se torna um espaço da escritura em
Em "El enigma Sade", Del Barco relaciona o Marquês com voz alta.13
Marx em matéria de destruição de mitos burgueses12 e, simultanea-
mente, adere à ideologia da escritura, conforme diriam não sem A partir de O prazer do texto, portanto, o pulsional ultra-
razão seus detratores, cuja ideologia, por sua vez, poderia ser vista passaria o verbal, fazendo tremer o conceito de estrutura em definiti-
como uma ideologia da ideologia, uma crença fervorosa em deter- vo e abrindo espaço para uma teoria textual fundada sobre o gozo, ou
minado bloco sócio-político esquerdizante, nem sempre muito níti- seja, "a perda pessoal de consciência na consciência do outro". E a
do, com freqüência nada transparente. Fazia-se uma única aposta e, partir daí, seria possível retomar ao menos em parte a significação
no entanto, nenhuma das vertentes teve melhor sorte: todos na vala original do termo theoreia.14 O que não assegura a sua aceitação geral
comum da baixa cultura (inclusive a sua contraparte dita "alta"). e irrestrita, muito pelo contrário, sendo que as impug-nações partem
Importa observar que noções como aquelas de gozo - jouissance - e invariavelmente de um questionamento de tipo ideológico, relaciona-
de plaisir - prazer, placer - subsistem nesse debate enquanto signifi- do seja a uma suspeita de banalização no plano estético, seja a uma
cantes enigmáticos, independentemente da situação da literatura em suspeita de alienação no plano po-lítico, diante de suas sucessivas
relação à política (por outro lado, é escassamente verossímil a mera ("espetaculares") conversões. Neste último sentido trabalham dois
suposição de uma autonomia absoluta de qualquer um dos campos). ensaios (para apenas dois exemplos) - um de Thomas Pavel, em
O gozo, está claro, como reescritura, como um mais-além do prazer Euresis (na já citada revista romena, acadêmica e afrancesada), e outro
(que é consumo, releitura); o gozo como desfrutado em O prazer do - prata do Prata - de Beatriz Sarlo (tam-bém antes mencionado).15
texto (1973), quando Barthes - observa Craciun - deixaria todas as
ideologias, inclusive as próprias, para trás, através das figuras reno- De modo que a subversão ativa seria sublimada em oper-
vadas do autor e do leitor: ação semiótica, e a vanguarda artística reestruturada por uma nova
vanguarda intelectual, telqueliana, a qual viria a ser pos-teriormente
designada, desde os Estados Unidos da América, como "pós-estru-

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Saídas (latino-americanas) à francesa


turalista". Esta é a conclusão de um pragmático Pavel, no ensaio que antiga quanto atual, e des-de que se opte por ignorar a idéia (não o
antecede, em Euresis, o texto de peda-gógico prazer devido a ideal) de um entrelugar que confere ao político um caráter de dis-
Craciun.16 Vanguardistas que não passam, segundo aquele, de seminação, cuja força a cultura da modernidade tardia dificilmente
"marxistas liberais" e "heideggerianos sonhadores" (em clara refer- pode recu-sar. Não por acaso, o autor apela a Susan Sontag, que em
ência a Derrida, embora não o cite), devotados à destruição da artigo muito citado vinculara a figu-ra de Barthes ao dandismo aris-
metafísica a partir da "desintegração do signo". Entre a exuberância tocrático tipicamente francês.19
teórica e a discrição política, Barthes no entanto conseguiria manter
certa constância ideológica, segundo Pavel, em argumento simétrico No Brasil, Leyla Perrone-Moisés viria em sua defesa, e
ao de Sarlo: desde um ponto de vista pós-moderno caro a Silviano Santiago,
muito embora a crítica paulistana trate justamente de re-chaçar esta
Uma simpatia pouco loquaz pelas causas progressistas, colorida de categoria. Através de enunciados apodícticos como aqueles de um
um forte espírito de independência, animou-o durante toda sua car- Ricardo Piglia, fruto do rigor interpretativo que lhes são característi-
reira. Marxista ocidental tingido de revisionismo e que não escondia cos, vai situar o "lugar de Barthes" não no pós-modernismo, e sim
seu desprezo pelo socialismo orto-doxo, Barthes subscreveu mesmo "bem antes",
assim os objetivos que a esquerda adotava gra-dualmente no pós- entre o classicismo e a modernidade, entre o prazer e o gozo: "sujeito
guerra (a crítica do capitalismo envelhecido e de seu subprodu-to, a incerto" (Aula, 1977), escritor a cavalo entre duas sensibilidades.
cultura de massa, o anticolonialismo, a revolta contra a antiga Naquele lugar para-doxal, de onde combatia as certezas metafísicas,
Universidade). Mas ele só os defendeu, geralmente, de maneira indi- as teorias totalitárias, os clichês da dóxa, e defendia as vanguardas
reta e alusiva, em artigos ou livros consagrados a outros assuntos. modernas num estilo prazeroso e sedutor (clás-sico), ele produziu o
Posicionando-se tranqüilamente do lado co-rreto, o autor de S/Z melhor de sua obra. 20
assumiu o papel de companheiro de estrada das grandes cau-sas sem
se expor inutilmente na primeira fila. Em compensação, não hesitou Em relação a este entrelugar, é preciso lembrar que, segun-
em mudar de campo epistemológico tão freqüentemente quanto esti- do o autor de Uma literatu-ra nos trópicos (Santiago), "o escritor lati-
masse necessário, nem a tomar a cada virada consideráveis riscos int- no-americano (...) lança sobre a literatura o mesmo olhar malévolo e
electuais que sempre teve a honestidade de assumir abertamente.17 audacioso que encontramos em Roland Barthes em sua recente leitu-
ra-escritura de Sarrasine" - ou seja, no momento da guinada para
Seria preciso assumir, não menos abertamente, a lógica além das pautas estruturalis-tas.21 O que equivale a dizer que este
binária que perpassa esta in-terpretação: separa-se de modo radical o escritor não é latino-americano (necessariamente) e que poderia se
horizonte materialista próprio do marxismo do "idealismo flagrante chamar, por exemplo - "entre o restrito e o público, entre o especial-
da abordagem imanentista e formalista",18 o que pode fazer senti- ista e o profa-no"22 - Roland Barthes.
do desde que não se pergunte pelo lugar do político nesta querela tão

T r a n s i t o s
[59

Por outro lado, lembre-se igualmente que, entre 1976 e 77 Raymond Williams, por exemplo:
- quando Tel Quel abandona a China em nome dos Estados Unidos La aparición de S/Z marca, como a Barthes mismo le marca el fín
da América e dedica uma edição especial ao país -, Ricardo Piglia está del estructu-ralismo duro y el comienzo de una teoría del texto que
em certo lugar da Califórnia em busca do fantasma de Raymond uno podría decir que es, a mi juicio, mucho más sutil que la bajtini-
Chandler, como diz em "Los relatos sociales": "A fines de 1976, me ana. (...) Y portanto yo diría que, como crítica literaria, en mi tarea de
fui a enseñar a la Universidad de California, un semestre, en La Jolla, crítica literaria Barthes, la presencia de Barthes es constante, hasta
el pueblo donde vivió Chandler. Y decidí volver".23 Decide voltar hoy, hasta hoy...25
mesmo sob a ditadura, como o faz Santiago, de volta ao Brasil em 73,
também sob uma ditadura feroz. Perrone-Moisés vai e vem de
França, Sarlo sequer sai, e, a exemplo de Piglia, não suportaria fazê- De tal modo que, contra a mimese no sentido de resignação
lo por muito tempo (segundo depoimentos ao autor). ("comparar"), a opção dá-se por uma tradição mimética no sentido
Contudo, para além do aspecto biográfico relacionado aos sujeitos da de cumplicidade ("compartir"), flexível, antidogmá-tica, entre a van-
enunciação, su-blinhemos certos enunciados, conforme cobra guarda e a instituição.
Germán García de seus críticos no ensaio su-pracitado. Deles é pre-
ciso dizer e repetir, partindo do geral ao particular, que os telquelis-
mos latino-americanos (si los hay) tendem a ser plurais e contra-
ditórios, a exemplo do conceito de texto e de sua antiteoria. Não se
trata, portanto, de ensaiar comparar mas de buscar compartir. As cir-
cunstâncias históricas determinam simplesmente que o texto per-
passe sem hiatos os textos dos críticos-escritores brasileiros em
questão, os quais seguem um percurso menos acidentado da obra ao
texto. As mesmas circunstâncias - diferentes - fazem com que o
grupo de Los Libros retorne do texto à obra, do texto-limite ao pan-
fleto, do ideologema à ideologia, da festa ao manifesto, do deleite à
delação, como se fossem irredutíveis. Tão irredutíveis quanto, em
outro sentido, as posições de Perrone-Moisés a propósito de seu
mestre, que leva à leitura de um Barthes "clássico" ou canônico - à
diferença de Santiago, que o desloca em relação à tradição moderna
desde o seu gesto pioneiro, e à diferença de Sarlo, a qual em sua
obsessão pela reinvenção da esquerda no infinito da modernidade24
retorna sempre às incer-tezas do autor das Mitologias, e não a um Notas:

T r a n s i t o s
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Saídas (latino-americanas) à francesa


1 Manuseio a versão de Raymundo Mier: Derrida, J. Las muertes de Roland Barthes. 15 Seleção e introdução a El mundo de Roland Barthes. Buenos Aires: Centro Editor de
México: Taurus, 1998, p. 85. Originalmente em Poétique 47. Paris: Seuil, 1981 - mesmo América Latina, 1981.
ano em que Beatriz Sarlo publica pelo Centro Editor de América Latina (não sem 16 Pavel, T. "Comment on devient post-structuraliste: le cas de Roland Barthes". Euresis.
resistências) El mundo de Roland Barthes. Cahiers Rou-mains d'Etudes Littéraires, v. 1-2, Bucarest, 1996, p. 114-28.
2 Op. cit., p. 55-6. 17 Idem, p. 115-16.
3 Idem, p. 78. Sublinho o "etc". 18 Idem, p. 121.
4 Santiago, S. "O entrelugar do discurso latino-americano". Uma literatura nos trópicos. 19 Reproduzido em Punto de Vista nº 9 (jul.-nov. 1980, p. 16-19) como "Recordar a
2a. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000 (1a ed. São Paulo: Perspectiva, 1978). O ensaio foi Barthes".
escrito originalmente em 1971, em francês, para um congresso no Canadá. 20 Perrone-Moisés, L. "Barthes e o pós-modernismo". Inútil poesia e outros ensaios
5 Craciun, G. "Roland Barthes et les fantasmes du texte". Euresis. Cahiers Roumains breves. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 300.
d'Etudes Lit-téraires, v. 1-2, Bucarest, 1996, p. 129-39. 21 Op. cit., p. 19.
6 Op. cit., p. 129-30. 22 Antelo, R. "A invenção do finito". Conferência lida na Escola Brasileira de Psicanálise,
7 García, G. L. "Una encrucijada literaria", inédito. Buenos Aires, 1998, p. 8. Texto que foi Delegação Geral de Santa Catarina, Florianópolis, 22 mar. 2001, p. 1.
escrito por encomenda de Noé Jitrik mas imediatamente rechaçado pelo mesmo 23 Entrevista a Raquel Angel. Página 12, Buenos Aires, 12 jul. 1987 - republicada na
(segundo depoimento do autor). A qualquer ex-contornista, bastaria ler a epígrafe, de segunda edição de Crítica y ficción. Buenos Aires: Siglo Veinte, 1990, p. 182.
Carlos Correas, para rejeitá-lo: "Reporteado sobre la revista Contorno David Viñas dice: 24 V. Sarlo, B. "Contra la mimesis. Izquierda cultural, izquierda política". Tiempo pre-
'Hablábamos de la Argentina: claro, ¿cómo íbamos a hablar de Kaf-ka? ... Todo el mundo sente. Notas sobre el cambio de una cultura. Buenos Aires: Siglo XXI, 2001, p. 230-35.
tenía un librito sobre Kafka...' La ignorancia y la ignorancia de la ignorancia reina-ban en 25 Conforme depoimento de Sarlo, que também reivindica o autor de S/Z no debate
Contorno". O comentário aparece em Correas, C. Kafka y su padre. Buenos Aires: (com Roberto Schwarz) sobre "Literatura y valor" (Abralic 1998), reproduzido em
Leviathan, 1983, p. 8 - conforme nota de García, que acresce entre parênteses: "C. C. se Andrade, Ana Luiza et al. Leituras do ciclo. Chapecó: Grifos, 1999, p. 296. Em seu depoi-
refiere a un reportaje a D. Viñas publicado en Punto de Vista nº 13". mento, a crítica paulistana diria praticamente o mesmo: "(...) eu acho que o Barthes,
8 Op. cit., p. 1. como inspirador de uma postura diante da literatura, ele está plena-mente vivo e atual".
9 Cit. por Craciun, p. 131. As traduções do francês são minhas. Também em "O lugar de Barthes": "O tom de sua voz, audível em sua escritura, e o lugar
10 Como observam Luz Rodríguez Carranza e Wouter Bosteels em "El objeto Sade. flutuante (receptivo, generoso) em que ele soube manter sua enunciação permanecem
Genealogía de un discurso crítico: de Babel, revista de libros (1989-1991) a Los Libros infinitamente sugestivos e aptos a ecoar, no devido tempo, em outras palavras". Cf.
(1969-1971)". Descartes nº 15-16, Buenos Aires, jul. 1997, p. 138. Inútil poesia, op. cit., p. 293.
11 Del Barco, O. "Respuesta a 'Puntos de partida para una discusión'". Los Libros nº 22,
Buenos Aires, set. 1971, p. 32.
12 Los Libros nº 1, Buenos Aires, jul. 1969, p. 12-13.
13 Op. cit., p. 136.
14 Idem, p. 137-38.

T r a n s i t o s
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Imágenes del exilio: Silviano Santiago y Manuel Puig en Nueva York.


Las técnicas narrativas de Puig y de Santiago responden a ese momento de exacerbación del fragmento y el collage;
sin embargo las intensidades afectivas, las políticas del cuerpo dejan en el registro de la escritura el exilio, la
sonoridad del exilio. Es-tas escrituras latinoamericanas corridas de su eje, llevándose la lengua de aquí para allá,
se alejan del regionalismo sin de-jar de estar atentas a las localizaciones menores en el interior de la cultura
hegemónica.

Paula Siganevich

El escritor y ensayista brasilero Silviano Santiago terminó de escribir juicios, que interesa revisar ahora cuando lo latino como fuerza de
la novela Stella Manhattan en 1985 algunos años después de su dominio está cam-biando su posición en la sociedad norteamericana.
estadía en Nueva York donde enseñaba en la universidad. El novel- Las posiciones son claras aunque diferentes ya que cada uno de los
ista argentino Manuel Puig escribió Estértores de una década, Nueva aspectos de la sexualidad latina se subraya desde la lengua. La con-
York 78', una serie de relatos y crónicas donde trata el tema de los vocato-ria de los mitos sexuales se relaciona con la puesta en escena
inmigrantes latinos que viven en esa ciu-dad, por la misma época El de la propia lengua - española o portuguesa, según el caso - en
académico carioca y el escritor ar-gentino forman parte del éxodo relación con la local, se materializan en ellas. Por otra parte es
que comenzando en los años se-senta tras mecas culturales - París, atendible que esto suceda ya que se marca en ese mo-mento el punto
Nueva York -, alcanza su apogeo en los setenta por la agudización de más alto de la discusión que arrastra el arte pop sobre la inclusión de
los procesos autori-tarios en los países latinoamericanos: son sexual- materiales bajos en producciones cultura-les altas y por lo tanto un
idades disiden-tes inmersas en una confluencia de lenguas donde una particular tratamiento del lenguaje: la oralidad, la mezcla, la super-
es la domi-nadora. Correspondencias y discrepancias que es posible posición de géneros es una mane-ra política de responder.
estable-cer entre el argentino Manuel Puig y el brasilero Silviano San-
tiago dejan abierta esta serie con sus problemáticas y preguntas de la El cuerpo es parte de la economía simbólica de la sociedad. Como
que también participan entre otros escritores latinoameri-canos cuerpo del trabajo organiza el modo económico en el que se des-
Diamela Eltit, Roberto Echavaren, Néstor Perlongher, con la focal- envuelven las relaciones de producción en el mundo; al menos así
ización en el cuerpo proscripto como representación de las trans- fue hasta la transformación de la economía a partir de los tiempos de
formaciones del género y la constitución de nuevas subjetividades la sociedad de la comunicación y la información. La modificación no
marginales y perisféricas; una escritura en donde queda registrada la quiere decir que su valor de uso haya desapare-cido sino que se agre-
problemática del autoexilio y el enfrenta-miento a gobiernos dis- gan nuevas formas de explotación. Los bor-des de la década del
criminadores. Tanto Puig como Santiago convocan en sus obras ochenta, en el siglo XX, están atravesados para escritores e intelec-
todos los mitos sexuales de sus socieda-des, los desacralizan, los aus- tuales latinoamericanos por la pregunta sobre qué otro tipo de vio-
cultan, y al hacerlo ponen en es-cena, sobre todo, a las lenguas en las lencia sufren los cuerpos además de la explotación como fuerza de
que son hablados, el es-pañol, el portugués y el inglés. Comienzan un trabajo. Mientras las dictaduras autoritarias en los países del sur de
movimiento, el de empujar una pesada montaña de rocas de pre- América someten a la so-ciedad civil bajo el imperio del régimen del
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Imágenes del exilio: Silviano Santiago y Manuel Puig en Nueva York.


miedo y la violen-cia se hace presente con variados dogmatismos en Cuerpo de la escritura, cuerpo humano y cuerpo social.
la izquierda, el cuerpo es torturado, encarcelado, desaparecido. Allí
donde nos detenemos es posible pensar como cierta literatura era 1-
pro-ducida por intelectuales tanto argentinos como brasileros para En Estertores de una década, Nueva York' 78, una serie de rela-tos
quienes el autoexilio era considerado como parte de las políti-cas de sobre los inmigrantes latinos que llegan a trabajar a la ciudad, se
liberación del cuerpo de ataduras genéricas y estereoti-pos sociales plantean las dificultades de insertarse en un ámbito multicultural
mitificadores. El brasilero tiene en alta estima su imaginario de rep- donde lo hispano marca por la lengua y por los mi-tos sexuales.
resentación dice Magdalena Chaui en Mito funda-dor e sociedade Publicado en Buenos Aires por Seix Barral en 1993, los escritos
autoritaria. En ese sentido define el mito como el impulso a la repeti- fueron hechos especialmente para la desaparecida revista española
ción de algo imaginario que crea un blo-queo en la percepción de la Bazaar, entre fines de 1978 y principios de 1979, poco antes de la
realidad e impulsa a lidiar con ella. Y explica lo "fundador" como lo aparición de la novela Pubis Angelical. En 1984 fueron recogidos en
que se vuelve a repetir a partir de nuevos valores e ideas; cuando forma de libro por Sellerio Editore, en una traducción italiana de
parece ser otra cosa es, sin embargo, una repetición de lo mismo: Angelo Morino, supervisada por el autor. Inmediatamente posteri-
naciendo o emanan-do de la sociedad como mito se dan una serie de ores a La traición de Rita Hayworth (1968) y Boquitas pintadas
representaciones del mundo. Las ideologías que acompañan el (1969), las Crónicas de Nueva York, Londres y París que integran
momento histórico de formación, sostiene la autora, se alimentan de Bye, Bye Babilonia, otra parte del libro, fueron publicadas, durante el
ellos; es por eso que con nuevas ropas el mito puede repetirse verano de 1969/70, en la revista porteña "Siete Días Ilustrados", bajo
indefinidamente. ¿Se pueden traducir los mitos fundadores y, si esto el título Cartas de Manuel Puig. Puig llega a Nueva York en 1963
es posible, qué valor tiene la puesta en contacto de las lenguas en pensando que permanecerá poco tiempo pero su estadía se prolon-
relación con este tipo de traducción? Por otra parte ¿hasta qué punto ga hasta 1967. De allí parte hacia Brasil. En numerosas entrevistas
esos mitos no encubren políticas económicas que son utilitarias a comenta su experiencia newyorkina como traumática sobre todo por
determinados grupos que circulan en lo que se ha llamado na-ción y la rela-ción con el inglés y sus intentos fallidos de escribir una no-
en sus fronteras? La confluencia de las lenguas, que tam-bién puede vela en esa lengua. En ese momento coinciden en el mundo cultu-ral
ser leída como lucha, parecería trabajar en una con-dición liberadora de la ciudad los íconos de Warhol - las latas Campbell y las
de las fronteras estáticas de los países y también en una condición fotografías seriadas de Marilyn Monroe- con los equipos de cuero de
liberadora de la memoria colectiva de las minorías culturales. los rock punk y las nuevas estrellas del sexo, los sadomaso-quistas.
Estas búsquedas de la diferencia a través del lenguaje que pare-cían Entre este vasto conglomerado de especies el escritor focaliza en los
enfatizadas sobre todo en la sexualidad no olvidaban el as-pecto de personajes menores, latinos y homosexuales. En general el cruce de
la realidad económica, al contrario, lo tenían bien presente. De tal culturas produce cristalizaciones en las re-presentaciones, un colo-
manera que al enunciar esas demandas de reivin-dicación, apuntaban nialismo de la mirada que se resuelve en un realismo canónico al que
al mismo tiempo a cuestiones más generales de economía política. la literatura latinoamericana fue adicta y con el que los extranjeros

T r a n s i t o s
[63

occidentales se encantaron. La escritura de Puig va en la dirección spanglish (setenta cents, lo que cuesta el vaso de coca cola, el coffe
contraria, contando con revertir este proceso y convertir a los per- que le ofrecen o la referencia a los buildings donde visita forty apart-
sonajes estereotipos - el machista latino, el gay, el sadomasoquista - en ments por día); luego el español neutro al sufrir la incorporación de
humanida-des con soledades y sufrimientos. La cultura oral aparece un fuerte regionalismo léxico mexica-no (pinche vaso, cuates, etc)
en tensión con la escritura y se resuelve como cita de la oralidad que descontrola la lengua litera-ria y, por último, la respiración, esa
extranjera, mostrando el desmembramiento del español. Esa cita oral sonoridad aspirada que alcanza el español en algunos niveles popu-
da voz en el discurso al hispano probablemente nacido en otro país y lares que llevan a los nexos y a las preposiciones a desaparecer, el
exiliado en Nueva York donde vive como un trabajador inferior en la caso de "pos" por "pues" y "pa" por "para". Condición del exilio que
escala social y se relaciona con lo norteamerica-no a partir de ofrecer habla de su lengua y por ella, esta escritura menor rompe tanto la
sus servicios tanto laborales como sexua-les. "No hay intención unidad del inglés como del español al mezclar las lenguas; también
paródica en mi caso", insiste Puig. "Pa-rodia significa burla", concluye, rom-pe la unidad del español neutro con las hablas particulares y, por
y nada más alejado de su in-tención que burlar lo que comprende en fin, el cambio de ritmo respiratorio por la aspiración de las letras
carne propia como discri-minación, soledad y aislamiento. refiere a un impulso pulsional que arrastra la len-gua. La cita, recur-
En "Arcanos de pólvora", uno de los cuentos del libro, el diá-logo so estilístico fundamental en estos relatos, al poner en primer plano
resulta de una entrevista entre el español culto y neutro de un peri- la oralidad, la palabra del otro, lo real, establece la representación de
odista y un habla menor, caribeña, de un entrevistado, marcándose la distancia de una lengua a otra, de una cultura a otra. Los enuncia-
con estas diferencias de niveles de lengua las dife-rencias sociales. dos citados dan la voz viva del enunciador desde el registro de la oral-
Arcano, que significa secreto y misterioso, son una serie de enigmas idad. Así Néstor Perlogher apoya en "Estética del bretel" el pensar la
indescifrables y de recuentos imposi-bles que hacen referencia a los citación en Puig como "ese vivir presente de la lengua" cuando dice
numerosos encuentros sexuales que puede tener un hombre de ori- que "al entretejido de lugares comunes" corresponde un "arte
gen latino. En "Cucarachas eró-ticas" todo se reduce a intercambiar miméti-co", "la manera de dejar fluir los circunloquios del día a día".
sexo por un vaso de coca cola. El latino, exterminador de cucarachas También él argumenta en contra de los que caracterizan a la obra
recuerda a su herma-no en México quién come durante todo el día como paródica diciendo que justamente es esta banalidad llevada a la
con lo que él ahorra en el vaso de coca cola que le ofrece la mujer categoría estética lo que permite "liberar todo atisbo de sorna".
norteamericana con la que realiza el intercambio. Una lengua no
puede por sí misma más que hablar de sí misma, un monolingüismo 2-
que explica que para el escritor la experiencia de contar es poner la Como un cruce entre política, política sexual y política del exilio la
lengua en presencia. ¿Qué significa hablar de sí misma? Hablar de si novela Stella Manhattan espejea en una época en la que el autori-
misma, esa performance de la lengua, es mostrar su desmembra- tarismo militar también predomina en la escena so-cial brasilera.
miento: por un lado de la unicidad de las lenguas, tanto del es-pañol Cuenta la historia de un joven carioca de clase acomodada, Eduardo,
como del inglés, que se cruzan permanentemente produciendo el quién es mandado por su familia a Nueva York para ocultar su

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Imágenes del exilio: Silviano Santiago y Manuel Puig en Nueva York.


homosexualidad. Como funcionario de la Embajada se liga con el tinguir la ciudadanía extran-jera; para ellos sus vecinos extravagantes
agregado militar, Vianna, hombre de doble vida. La trama se complica pueden ser de cual-quier nacionalidad latina, de hecho creen que son
con la aparición de nuevos personajes que pertenecen a una célula ter- "Puerto-rican". Por otra parte ya en la primera página la escritura ex-
rorista brasilera con conexiones en Cuba y un profesor universitario, pone las diferentes lenguas con las que cada personaje se hace cargo
ideólogo de derecha y voyeur de las andanzas sexuales de su mujer. de su rol. El narrador con su epígrafe: Ö jardinería, por que estás tao
Cada personaje es uno y además, otro: Eduardo es Stella Manhattan, triste / Mas o que foi que te aconteceu?. Stella Manhattan que tararea
travestido en nínfula pop, Vianna, es la Viuda Negra, transexual sado- en inglés, Wonderful moning! What a won-derful feeling! Y los por-
masoquista. Los de derecha e izquierda desde sus extremos participan torriqueños que hablan en español. El tono coral babélico que con-
de las mis-mas falencias éticas; son monstruosos en sus manipula- struye la novela acompaña el interés formal poniendo todos los
ciones. Así cada uno no es lo que parece, cada uno se desdobla en otro, lenguajes en escena; en este punto Santiago percibe el valor de lo
par-ticipa de otro género y otra lengua: narrador y personajes ple-gadi- lingüístico encarnando en la confusión de lenguas como la traducción
zos, homenaje dice el autor a los "Bichos" de Lygia Clark y a "La de la situación traumá-tica.
Pouppé" de Hans Bellmer. Libro ejemplificador, en el pró-logo a la
última edición, veinte años después, el propio Santia-go plantea algu-
nas dudas con respecto a su novela referidas a la manera en que tomó FINAL
prestado el arte pop y a la posible confusión entre "las plumas y paetés "Querida/o...vuelvo otra vez a conversar contigo, la no-che...trae un
de nuestra virtud carnavalesca con las plumas y paetés de Andy silencio que me invita a hablarte y pienso...si también tú compartirás
Warhol". Si en los años ochenta co-rrespondía revisar los sesenta y los sueños tristes de este amor extraño. O no, mejor tachar este amor
darse a la fiesta del pensa-miento liberador que las dictaduras militares extraño y poner este Nueva York ex-traño" Esta cita de una conoci-
habían censurado, en la actualidad con O Cosmopolitismo do pobre da letra de canción popular se re-pite en Estertores de una década al
Santiago tiene mejor localizado el problema: "Hoje os retirantes comienzo de varios relatos y esta repetición insiste en un sentimen-
brasileiros, muitos deles oriundos de estados relativamente ricos da talismo que ha sido seña-lado como paródico. Foucault publica en
nacao, seguem o fluxo do capital transnacional como um girasol. 1978 los diarios de Herculine Barbin, un/a hermafrodita francés
Ainda jovens e fortes, querem ganhar as metropoles do mondo pós (esa) del siglo XIX. Al publicar esos papeles intenta mostrar cómo un
indus-trial, fazem enormes filas à porta dos consulados". Sin embargo cuerpo inter-sexuado implícitamente se exhibe y refuta las estrategias
en Stella Manhattan hay detalles significativos que adelantan las pre- regla-mentadoras de la categorización sexual. Herculine se pregunta
ocupaciones de Santiago sobre la relación entre lengua, pobreza y en sus memorias si "él/ella no es un juguete de un sueño imposi-ble".
exilio: una pareja norteamericana media observa desde su ventana el Así, del mismo modo, Manuel Puig preguntando por la sexua-lidad
desarrollo de los acontecimientos. Sus comentarios en inglés, la lengua presenta a sus mutantes transitando las nuevas sexualida-des en
local, son los típicos dichos prejuiciosos sobre los extranjeros inmi- Nueva York: el mundo del transformismo, el mundo gay.
grantes pobres de los países no des-arrollados. No son capaces de dis- Cuestionando la ley natural vislumbra caminos brumosos: "porque

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[65

de todos los pecados somos y seremos culpables", se queja un per- atentas a las lo-calizaciones menores en el interior de la cultura
sonaje, el mismo que ha estado mirando las flagelaciones en un bar hegemónica.
"sádico". Culpas entronizadas por la religión, más aún, violencia que
es parte de esa herencia religiosa. Preocupado por aclarar que su
intención no es paródica, como se ha dicho, lo más importante que
Puig hace es poner a la lengua a hablar, exacerbar su posibilidad de
performatividad en la literatura..
En tanto el carioca al comprometer claramente en su escritura sus
lecturas de los textualistas franceses, sobre todo de Roland Barthes
atiende más a los cambios en las estructuras formales de la narrativa,
la cuestión de la intertextualidad. Por eso di-rá en los setenta en "El
entrelugar del discurso latinoamerica-no" que el signo extranjero está
siempre en la traducción del imaginario del escritor latinoamericano
como pastiche, parodia o digresión. Tal afirma poniendo como ejem-
plo la novela de Cortá-zar 62. Modelo para armar y eso hace con los
personajes de Ste-lla Manhattan cuando dice que no pasarían por el
proceso clási-co de caracterización; no tendrían identidad fija, cada
uno a su manera sería múltiple. Sin embargo es la confusión lingüís-
tica, la distancia del portugués al inglés, al increpar a los mitos fun-
dadores lo que más certeramente pone en escena las tensiones políti-
cas que atraviesa el libro.

¿Por qué no cambiar la fórmula de lectura que ve en el arte pop una


representación referencial o simulacral, propone Hal Foster, por otra
que encuentra en la repetición un encuentro fallido con lo real, un
realismo traumático? Las técnicas narrativas de Puig y de Santiago
responden a ese momento de exacerbación del frag-mento y el col-
lage; sin embargo las intensidades afectivas, las políticas del cuerpo
dejan en el registro de la escritura el exilio, la sonoridad del exilio.
Estas escrituras latinoamerica-nas corridas de su eje, llevándose la
lengua de aquí para allá, se alejan del regionalismo sin dejar de estar

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Tránsitos

Adrián Cangi

El nombre Brasil evoca para la literatura argentina la presencia de paisajes pri- soportan el existir delictivamente. El delito es el golpe de suerte, el
mordiales y de cuerpos transidos. Bajo este nombre se entretejen tránsitos imagi- "batacazo", que salvaría a Erdosain evitando la caída hacia el fondo.
narios y reales que despliegan experiencias de ensoñación, encarnación y decli- "¿Robar? ¿Cómo no se le había ocurrido antes?" El delito es para
nación. Alcanzar el epicentro de un tránsito, como observaba Clarice Lispector, estos personajes como la alegría del inventor: una fuerza del azar que
es "escribir movimiento puro". Arlt, Carella, Puig y Perlongher buscaron en el puede cambiar las cosas instantáneamente. Tam-bién hay un "irse"
nombre Brasil el tiempo del acon-tecimiento y escribieron retazos de sueño, efer- que es el sueño del "cafishio" que espera ser descubierto por la mujer
vescencia y mutación. rica que repare en él y le prometa un exterior exótico. "Y la simplici-
dad de este sueño se enriquecía con el nombre Brasil que, áspero y
caliente, proyectaba ante él una costa sonrosada y blanca, cortando
con aristas y perpendiculares al mar tiernamente azul". El sueño del
"cafishio" evoca el viaje imaginario que por sí mismo carece de
1. Ensoñación fuerza para alcanzar lo real. Los viajes en sueños y los trayectos ter-
ritoriales son dos caras de un mismo cristal que se intercambian ince-
La Buenos Aires recreada por Arlt en los treinta, es una inmundicia santemente y componen un entramado de reco-rridos. El sueño es
concentrada donde reina la monstruosidad integral. Su destino es una imagen virtual que se adiciona al objeto real. Pero esta visión
una escatología en la que pobreza y suciedad son inseparables de per- requiere de una decisión que los personajes de Arlt depositan en
versión. "Bandoleros sobresaturados de civilización y escepticismo" otros. Se trata de una imagen en la que Brasil es solo un estereotipo
atraviesan la ciudad, como una nube de gas venenoso, accionados idiosincrático sin consecuencias vitales. Funciona como un sueño
por la pasión vehemente de salvarse. La salvación llegaría por la prác- simple y sin vitalidad que adormece toda potencia. La irrup-ción
tica de algunas profesio-nes indefinidas, por una ambición atroz o imaginaria aparece como un torbellino renovador pero sólo es un
por alguna fantasmagoría de tránsitos libera-dores. La ciudad por la fogonazo en lo real. La imagen no puede aspirar al tránsito si no
que deriva Erdosain no promete futuros a los de abajo, sólo tra-yec- compromete la encarnación y muta-ción de las fuerzas intensivas que
torias forzadas hacia la deseada embriaguez exterior. Es necesario sustentan a las fuerzas motrices. No hay tránsito sin el afecto real que
irse de la "gusa-nera humana" porque la desesperación mata y la lo active. El sueño sólo dura un instante antes de la angustia que lleva
cólera violenta el alma. ¿Irse, cómo? Los mezquinos y los cínicos hasta el fondo, hasta los prostíbulos inmundos. Erdosain sueña con

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Brasil y la fascina-dora geografía que describe depende de una rica y urales que, como chispazos de luz en un mundo de deformidades, ya
triste señorita que desde su Rolls Royce descubra, de una sola mira- anidaban en los sueños de Los siete locos. Puede pensarse que, cuan-
da, el amor brujo que promete su cuerpo. Esto es lo que él espera: do el edificio social se desmoronaba, Arlt dejó lugar para bordados
que le prodiguen una fortuna, que le resuelvan su divorcio y que con al abrir una entrada al exotismo. Ese llamado irresistible de una difer-
un yate resplandeciente le ofrezcan matrimonio pasional y arenas encia imposible de traducir. El sueño de Brasil y de África como
blancas. El sueño es ful-gurante y cuando se retira, la resaca de la marca de intensidad opaca estalla en escenas en que un cuerpo se
embriaguez es pesada. "Era más fácil detener la tierra en su marcha entrega a los otros. La Coja recuerda "cuántas veces había caído
que realizar tal absurdo". Todo termina en un infierno conocido: desnuda entre los brazos de un desconocido y le había dicho: ¿no te
Erdosain paga otra prostituta y se marcha a otro prostíbulo a gastar gustaría ir a África?" El exotismo es un afuera au-rático y quien lo
el dinero robado. El sueño de Brasil es recurrente. "En otras épocas nombra cree en la seducción hipnótica de ese fetiche. Estos person-
-dice el Astrólogo- para nosotros hubie-ra quedado el refugio de un ajes sueñan un mundo que desconocen y del cual no pueden
convento o de un viaje a tierras desconocidas y maravillo-sas. Hoy absorber ninguna energía dura-dera, sólo les queda un nombre vacío
usted puede tomar un sorbete a la mañana en la Patagonia y comer en las fronteras de una exaltación imaginaria. La Buenos Aires del
bananas a la tarde en el Brasil". No hay tránsito sin el entusiasmo del treinta que Arlt describe es una tierra agobiante de perturbados,
paisaje y del cuerpo. La volun-tad de ficción resulta inseparable de un enlo-quecidos, malditos, endemoniados y violentos. Vencidos que
conocimiento del sitio en el que los personajes de Arlt fantasean con cuando pueden soñar lo hacen con lejanías portadoras de energía
singularidades de anatomista y de fisonomista, sin embargo sus pal- vital, para distanciar a la angustia que los en-vuelve. Lejanías exóticas
abras resultan vacías y no pasan de ser epigramas. Prometen fugas y opacas a la "ciudad canalla", a sus escenarios industriales que
imaginarias sin una verdadera ruptura con el estado de cosas que los impulsan un deseo que el agobio de estos personajes no puede pro-
cobijan. Evaden sin un proceso de experimentación que desborde ducir. El tono dominante de las novelas de Arlt es el de "una locura
cualquier capacidad de previsión. Brasil es una versión concentrada que aullaba a todas horas", donde la vida se desangraba bajo el sim-
del sueño de África, lugar al que, años más tarde, llegaría Arlt como ulacro del ornamento dinerario y la agitación de oscu-ros temores.
perio-dista del diario El Mundo. Viaje que dio lugar a su obra de
teatro África (1938) y a los relatos de El criador de gorilas (1941).
Textos que agudizan las descripciones estiliza-das de escenarios nat-

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Tránsitos
2. Encarnación inario, se alcanzan en una trans-formación real. Pueden ser pensados
como impulsos para crear mundos posibles o posi-bilidades de vida.
Los personajes de Arlt experimentan el sueño en un senti- Los aprendizajes que prometen son experimentaciones de un camino
do inverso a los viaje-ros del s. XIX. Donde aquellos viajaban para que se aparta del camino, de una bifurcación o extravío, de un éxodo
soñar enfatizando las perspectivas que el tránsito permite alcanzar o una anábasis. El rodeo y el detalle, las estupefacciones y los des-
con sus contrastes, los personajes arltianos sueñan para huir de una cubrimientos se extraen de un paisaje donde se han mezclado mundo
realidad negra. Para los viajeros románticos "vivir es viajar" y solo en y cuerpo, verbo y carne. Brasil se transforma en una comunidad
la exposición de la experiencia se alcanzan los paisajes y los cuerpos. emocional y una nebulosa de afectos llamada por Carella: "Estados
Para el sueño de fuga solo exis-ten gentes y geografías imaginarias Unidos do Fogo", por Puig: "Siete pecados tropicales" y por
fundadas en estereotipos y epigramas de la cultura popular. Si el Perlongher: "Paraíso". João Sil-verio Trevisan, autor de Devassos no
sueño romántico es el del descubrimiento, clasificación y posesión paraíso, comparaba en su primera edición los tránsitos eróticos de
del otro; el que introduce Arlt es el de una huida imaginaria sin otro Carella y Perlongher. Carella a comienzos de los sesenta había de-
que el ya conocido. Los relatos de tránsitos que evocan el nombre jado registro en un diario de viaje ficcionalizado titulado Orgía (1968)
Brasil funcionan como crónicas de una experiencia tanto mental de su paso por Brasil. Inédito aún en español, Orgía alcanza una
como corporal. Se producen como prácticas de un ir hacia el otro y inmersión en una centralidad subte-rránea para un especialista en
entretejen sensaciones imaginarias y reales, donde la motivación últi- picarescas porteñas, autor de Tango, mito y esencia (1956) y de
ma es una voluntad de encarnación entre los cuerpos y una mutación Antología del sainete criollo (1957). Movido por potencias deseantes
física y moral de la experien-cia. Será con los viajes de autoexilio y a la búsqueda de una intensificación, Carella conoce el extravío de
erótico o de iniciación deseante que el movimiento hacia el otro se los juegos de la pasión y el acuerdo "simpático" con el genio colecti-
despoje de sueños vanos para alcanzar el fondo sensible de lo social. vo del pueblo brasileño. El dramaturgo no llegaba como Puig a Río
Carella, Puig y Perlongher en las décadas del sesenta y ochenta alcan- de Janeiro o como Perlongher a São Paulo, sino al nordeste brasileño
zarán en el tránsito un desvío de los fines, donde resultaba posible el para cumplir un contrato como profesor de Dirección y
encuentro de la libido con la energía social. El otro asegura los már- Escenografía en la Escuela de Teatro de la Universidad local. El
genes y transiciones en el mundo, la expresión de un mundo posible. encuentro entre él y Recife está atravesado por una mezcla de sensa-
En los grandes tránsitos todo se expresa en la carne. Encarnación ciones sin matices: gestos de miseria y lujuria conviven con un atis-
signi-fica que la unicidad absoluta del ser coincide con el constante bo de promesa de transformación social. Aquello que lo conmociona
devenir de todas las mo-dalidades de la existencia. Carella, Puig y son las cos-tumbres de los cuerpos. El tránsito del autor de la Farsa
Perlongher parten de un estado de agobio al que resisten, pasan por de don Basilio mal casado, busca transformar el encierro, entre beato
puntos críticos y terminan descubriendo en el tránsito la fusión con y puerco, de la "gusanera humana" descripta por Arlt. El amor y la
los cuerpos en la efervescencia social. Estos tránsitos no son huidas sexualidad dejan de ser una "cosa negra" y una práctica repugnan-te.
o evasiones sino actos de creación de sí. No se satisfacen en lo imag- Descubre una vitalidad eléctrica que toma los cuerpos y los envuelve

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en flujos e in-tensidades. Practica las mezclas de la carne y acepta la pensa mais porque um jo-venzinho literalmente cai em cima dêle,
impureza de los deseos sin repre-siones. Quedan atrás las conductas apalpando-o como se fôsse uma mercadoria à venda. É negro, é
descoloridas de la "gente fatigada, fantasmas apenas despiertos que lindo e em silêncio toma-lhe a mão entre as suas. A chuva que volta
apestaban la tierra con su grávida somnolencia, como en las primeras a cair quebra o contacto e o jovenzinho desaparece no tumulto." Los
edades los monstruos perezosos y gigantescos", narrados por Arlt en encuentros del trópi-co se mueven al ritmo de la lluvia y del tacto
Los siete locos (1929) y Los lanzallamas (1931). Un delirio afirmati- como si la geografía fuera tanto una expe-riencia mental como cor-
vo toma el cuerpo y exalta la per-sonalidad. Bajo la luz del trópico los poral. Lúcio descubre que el medio lo implica en el ritmo de una
cuerpos revelan su forma inocente y bestial al mismo tiempo. Lúcio, experimentación proxémica. El espacio subjetivo se habita afectiva-
el personaje de Orgía circula por Recife, como en una Sodoma trop- mente al ritmo del tacto y un enigma del tiempo se abre en el resp-
ical y siente que como entre los pájaros, el macho es mas atractivo. landor de los cuerpos. El encanto reside en una cotidianidad donde
Entre la brisa marítima, el olor a miel en el aire y el calor que diluye el movimiento y el contacto van creando una propen-sión al acon-
la sangre, un cráneo de color impone una fuerza erótica y un con- tecimiento. "Agora, Lúcio sente que uma mão se apóia em suas
tacto corporal. Se trata de la sustancia vital de los trópicos, la misma cadeiras. Será casualidade? Veste uniforme e olha para o outro lado.
que confunde pasión con pecado en Puig. Fascinado por los Hàbilmente maneja as mãos que traz metidas nos bolsos. Chega até
"sararás" (negros rubios del nordeste caracterizados por una ausen- mesmo a beliscar Lúcio, suavemente. Também é negro e, ao sentir-
cia de pigmentación), Lúcio termina agotadoras caminatas en la se observado, fica quieto. Depois, olha sua prêsa, sorri e diz-lhe que
desnudez de su cuarto, después de haberse perdido prisionero de é quentinho, e que o deseja..." El tacto vibra y busca. Describe trayec-
atractivos nunca antes imaginados. En las calles siente que las per- tos en una danza bajo la ley del cuerpo mestizo. Incesantemente
sonas lo miran, lo abordan con propuestas, lo siguen en un expuesto, siempre desviado en el lugar, Lúcio descubre el nexo que
movimiento expectante. "E de repente surge uma nítida imagem em une lo íntimo a lo colectivo. "Uma excitação sexual se apo-dera de
sua mente: dois forasteiros chegam a Sodoma e pedem hopedagem todos...", la fuerza vibratoria del medio vence las desconfianzas y
a Lot. Os sodomitas, acossados pela luxúria, querem gozá-los. É em crea un clima alucinatorio. Lúcio arde de vida mezclado en un espa-
vão que Lot lhes oferece suas filhas. Êles querem a carne nova, cio inexplorado que da lugar a la preposición "entre". En el "país da
desconhecida, que lhes pro-porcionará um prazer estranho. Lúcio brasa", envuelto en las "potencias do fogo" practica la conversión y
pensa com melancolia que não é um Mensageiro". El tránsito la encarnación. Conversión de las calles de Sodoma en las veredas del
imprime la plenitud de una carne radiante y nueva que mueve Paraíso. Encarnación en los giros por las calles, en los baños de los
poderosas in-tensidades. La curiosidad de la carne es táctil "pois bares, en las decla-raciones de amor susurradas. Como si viviera
tocam em suas roupas para certifica-rem-se que tecido é, e sua carne, sobre un balancín, Lúcio vence las melan-colías de sus recuerdos y
como se fôsse por descuido..." Lúcio imagina que debe haber pocos afirma que "viver não era apenas uma frase". En un vagabun-deo
extranjeros para que el atraiga tanta atención. Todo parece invitar al erótico consumado son las flexiones o declinaciones del cuerpo las
contac-to. "A franela não é desconhecida aquí, pensa Lúcio. E não que se registran como crónicas en la gramática. El "entre" que João

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Tránsitos
Cabral de Melo Neto alcanzara en El perro sin plumas (1950) en las sexual del "desbunde", travestis, taxiboys y noches interminables del
sección IV "Discurso del Capibaribe" ("viver/ é ir entre o que vive/ Baixo Leblon conjugan alcohol, trips y lujuria. Río "liberado" adonde
O que vive/ incomoda de vida..."); Carella lo descubre en Orgia ("O llegaron tantos argenti-nos y latinoamericanos escapando de los años
clima moral de Pernambuco é particularmente turbulento, o meio de plomo y represión. Contra la postal de morros y costa, en un
destaca-se pela sen-sualidad brutal"). Como en las narraciones de crisol de gentes, descubrimos a Puig viviendo su propio exilio mien-
Reinaldo Arenas la voracidad sexual de Lúcio supera todos los pre- tras escribe en "letra de mujer" Cae la noche tropical (1988). Su
juicios, represiones y prohibiciones. "Todos êsses rapazes... dispõem camisa colorida se deja ver entre putos y poetas en el arrastre de las
de uma liberdade que de outro modo não teriam". El calor afrodis- conversaciones sin rumbo. Nadando por las mañanas y caminando
íaco diluye la sangre y propicia las mezclas. El tacto toma y crea lib- atardeceres aplaca su soledad. Vive amores a los que des-ea per-
ertad como una fuerza persuasiva. Descubrimos que el "entre" tiene durables, aunque pasen fugaces portando como todo "garoto de pro-
nombre de "sarará", forma de sensualidad brutal y es práctica de una grama" una única filosofía: apenas una buena apariencia. Puig vive en
libertad sexual sin frenos. La promiscuidad va haciendo del deseo Río, pasados los cincuenta años, el amor y el sexo pasional mientras
algo divino e infinito, una mezcla mestiza que da nacimiento a un ter- registra la íntima consistencia de la vida en las conversaciones con
cero, a un nosotros. Ca-rella, Puig y Perlongher descubren a "urano sus amantes. El entredecir doméstico revela un tránsito de implica-
en las esquinas" y alcanzan el residuo emo-cional en el callejeo. Y es ción, donde un vendedor ambulante o un muchacho que pinta mue-
en éste que también se pierden en la naturaleza de fuerzas miste- bles serían los lazos con la creencia amorosa y con un dejarse estar.
riosas. Sutiles inflexiones de una vivacidad fisiológica. Recife encarna El impulso de agregación resulta contra-riado en la continuidad
a Carella rodeado de un deseo festivo e incesante. Aunque terminara amorosa pero festejado en la superficie de la cartografía de los cuer-
preso y sospechado de trafi-car armas a Cuba para miembros de las pos. Puig busca en lo semejante y lo cercano, lo lejano y lo diferente.
Ligas campesinas de Pernambuco, requisado policialmente en su Busca en los garotos, divas y galanes de celuloide. Descubre en los
propiedad, incluso en su diario, y chantajeado por la institución es- lapsos de lo cotidiano lo extraño y lo exótico. Los lugares comunes
colar, Carella prefigura la escena del deseo como la captura de acon- de una voz de mujer carioca son la materia prima de una tolerancia
tecimientos fugaces e instantáneos y registra atisbos de un que el propio narrador dice no haber encontrado nunca en otros
movimiento de mutación. sitios. "De alguna manera nadie te ve ni te observa. La mirada cario-
ca es otra cosa, no es críti-ca pero jamás es indiferente". En esta
3. Declinación mirada practica un "estar ahí" y un "pasaje hacia el exterior". Habita
"a través de" la mirada, en la "chatura" de la lengua y en la superfi-
El Brasil mítico de los años ochenta con sus carnavales que cie de los cuerpos. Habita un umbral que nombra al mismo tiempo
emulsionan una eclosión de sensaciones y sus playas hedonistas que el estar "adentro-afuera" y el tránsito mismo. Busca sustantivos y ver-
intensifican una multiplicación de simulaciones, permite ver una bos que le devuelvan zonas semán-ticas estables y encuentra flex-
cadena de imágenes donde vibran cuerpos gloriosos. Li-beración iones gramaticales como expresiones elásticas e inesta-bles. Como lo

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es un encuentro entre un pederasta y un revolucionario que solo ganas de ver si quedaba mejor, más fresca, más joven, con la piel ilu-
puede sostenerse en las declinaciones del detalle. Puig encuentra en minada por esa famosa luz plateada de la luna (...)" Escribir se ase-
Río de Janeiro un vivir presente que sostiene el continuo con sus meja a una caminata que salmodia el cuerpo. Testimonio de un vér-
amores cinematográficos. El tránsito oblicuo conquista el recorrido tigo corporal y de un pasaje continuo de un estado de equilibrio hacia
general donde el engendramiento de las mezclas descubre las miniat- otro estado paradojal y refinado. Puig escribe tránsitos que son
uras singulares. Tan singulares porque alcanzan el humus cotidiano hábitos complejos del cuerpo en los que encuentra la embriaguez del
en la fidelidad a una mirada caleidoscópica y banal. Como en las con- amante. Cae la noche tropical es sensualidad eufórica y vértigo de
versaciones de dos hermanas que en el crepúsculo de sus vidas viven muerte, es flexión y declinación del cuerpo. Puig tanto como
de prestado la historia de amor de una vecina más joven: "-A todo Perlongher enfrentan en Brasil a la "visitante inesperada" co-mo la
esto, dijiste que había cosas muy picantes que me iban a escandalizar. llamaría Copi. El vértigo funciona como una atracción cuyo primer
Yo estoy esperando y todavía de picante no hubo nada." Las her- efecto abruma al instinto de conservación. Destruye la autonomía
manas conversan en el exilio donde Río y Buenos Aires son com- del ser y abre la experiencia del abismo. El gusto por el fondo secre-
paradas en sus contrastes gruesos. Nidia le pregunta a su hermana: "- to trama una complicidad íntima e implacable. Des-cubrimos que el
¿ella por qué se vino a Rio?" Luci responde: "-Ya te dije, por ame- paraíso también es el infierno donde no hay tránsito real sin las
nazas de las tres A, ¿te acordás?, la Triple A." O la referencia al clima: violen-cias irreparables del cuerpo. Perlongher cartografió las calles,
"-¡Qué feo vivir en un país frío, ya me acostumbré al calor de acá." plazas, saunas, zaguanes de los bajos fondos, guaridas clandestinas,
"-A nuestra edad eso no tiene precio, un lugar donde nunca llega el discotecas, pensiones de mala muerte expe-rimentando ceremoniales
invierno. No sabés como sufro cuando vuelvo a la Argentina". Y la sórdidos, esporádicos y brutales del deseo. "Visión del paraí-so"
distinción entre bares que tampoco escapa a la mirada de las señoras: (1984) presentaba a São Paulo como "un sistema de laberintos prop-
"-Yo te llevo a un bar, pero no es lo mismo que en Buenos Aires. Acá icios para las aventuras eróticas (...) ciudad decididamente fea. Arroja
son mas para tomar cerveza, y por eso es toda juventud, o si no hom- un efecto de sordidez quizá atribuible a un ruidoso urbanismo que
bres solos. Pero señoras no van, y es un bochinche loco. Río no es acumulaba automóviles veloces en callejas estre-chas. Hay cierta
para gente mayor, ya viste que en la playa somos noso-tras las úni- vocación de monumentalidad: la ciudad presume de ser la New York
cas." Siempre en la búsqueda del hombre verdadero y del amor de Sudamérica. Desde lo alto de sus súper vigilados bunkers, una
durable, Puig es movido por la melodía "senda florida" de Gardel, clase media observa y teme a un pueblo en andrajos, marginalizado
uma lembrança (1987): "Un mu-chacho solo y extraviado/ que tam- pero no melancólico. Este abismo social guarda un dejo imperial: el
bién está buscando/ la vuelta hacia el hogar/ (...)/ El destino.../ era esclavismo derogado en títulos se ostenta en las ropas y en las pieles.
adverso.../ mas nos sonreirá.../". Camino sobre un ritmo cuya incli- Todo ello en una heterogeneidad abigarrada. Así, en el centro de São
nación se eleva suavemente y conserva la ilusión de los placeres Paulo, familias american way coexisten con putas, lúmpenes, cone-
efímeros de la sensualidad: "-(...) había imaginado que en ese paseo jeras de inmigrantes nordes-tinos, tugurios de travestis..." Perlongher
él podía desvestirla para verla a la luz de la luna, ella se moría de describe los medios y la escena donde el deseo parece contener una

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Tránsitos
prefiguración que se actualiza en la captura del acontecimiento ins- conectan zonas de circulación pulsional. Evocar el tránsito es exper-
tantáneo. O negocio do Michê (1987), "Territorios Marginais" (1988) imentarlo en una multiplicidad de fugas donde deseo y violencia con-
y "Poética urba-na" (1989) suman una trilogía de textos donde los viven. La violencia festiva es la que pone en peligro y exige la
medios y la escena permiten alcanzar las nociones de vida e inven- superación de sí mismo. Todo acontecimiento en el tránsito es
ción. "Vivir la ciudad es sentirla y en ese sentimiento inven-tarla". Se topográfico porque en el "aquí" se abre la singularidad de un mundo
trataría de una invención que conecta lo individual con lo colectivo: y de un cuerpo. Describir procesos y movimientos produce una mez-
la ciudad vivida es imaginada e imaginante. Aquello que interesó a cla entre lo semejante y lo diferente, entre lo cercano y lo lejano. La
Perlongher es "um desloca-mento da ótica dos territorios, monu- intersección de estas dimensiones define una cartografía de los cuer-
mentos e espaços fisicos ás comunidades que nelas moram". A estas pos o una "corpografía" como la denominara Perlongher. Para los
comunidades las llamó "itinerantes" y procuró sus tránsitos implicán- viajeros fantásticos, el viaje es una declinación de lugares quiméricos;
dose en las líneas de deseo que describen. Estas líneas pueden ser para los naturalistas lo es de lugares físicos. Las cartografías fantásti-
pensadas por sus có-digos de funcionamiento, a través de una cas hacen de lo semejante y lo cercano lo mas extraño, así como los
economía del deseo y de una cartografía y topología de sus peripecias naturalistas hacen de lo lejano y lo diferente lo exótico. Para
como de la producción de subjetividad que crean. Los tránsitos Perlongher el tránsito es una experimentación de los cuerpos como
describen espacios de transición en los que Perlongher alcanza la mezcla y del espacio como secreto singular donde reside lo vivo. Si
noción de "comunidad sensorial" y la trama de sus lazos secretos. El consideramos que lo infinito vive en lo finito en un atomismo del
ojo del etnólogo está puesto en la válvula de escape de las regiones deseo, esto confunde las fronteras entre clases de tránsitos y tipos de
morales, en los territorios donde se juegan los pactos de carne y las viajeros. Los geógrafos y los antropólogos son cartógrafos y topólo-
"condensaciones instantáneas". "Lo primero que se ve son cuerpos gos especialistas en espacios y en trayectos. Si la noción de espacio
provocativamente machos: ciñe un blue jean gastado la escultura de vincula trayectorias geométricas a procesos vitales, la noción de trán-
esa teatralidad del virilismo; telas rústicas, antes opacas que brillosas, sito despliega topologías dinámicas complejas con un número vari-
que se adhieren viscosamente, a una protuberancia que destacan: hay able de dimensiones. Todo viajero extrema una experimentación
en esos cuerpos sobreexpuestos toda una escenificación de la rigidez, posicional y relacional que pasa "por", "en" y "entre" los cuerpos.
de los varios sentidos de la dureza". Una etnografía urbana que capte Para describirlos hay que decir que son los que viven "a través de",
los tránsitos vibratorios es una erótica que se desplaza del "yo" al expresiones preposicionales mas que zonas semánticas estables.
"nosotros". Las relaciones y posiciones son el principio óptico de la Como en Carella y en Puig, las flexiones y declinaciones del cuerpo
intensidad que irá a fundirse en el afecto de las mezclas. Recuperar el se corresponden en Perlongher con expresiones preposicionales. La
afecto en el tránsito es una de las motivaciones de Perlongher porque crónica ficcional, la novela o el ensayo se traman de restos y exce-
los climas afectivos y sensuales permiten que "cada instante sea mas dentes que tratan a la posición y la relación como un ensanchamien-
de lo que es". Si el funcionamiento social expulsa al deseo y conde- to de la ficcionalidad de la ley. Los exilios forzosos y las "girias"
na el afecto a la privacidad, los trayectos del deseo descolocan y carcelarias se desplazan de un lado a otro de las fronteras. El habitar

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turbulento enhebrado de traiciones, crea el sedimento de los restos


donde lenguajes carcelarios se unen a viajes lúmpenes y la indistin-
ción es la única fidelidad. Caprichos, desvíos y errores de los lengua-
jes transmutan las miserias cotidianas. El tránsito afirma el desliz y la
mezcla, la indistinción y el error de los lenguajes a la deriva que no
respetan a los idiomas estabilizados. La literatura siempre ha vivido
de los restos y saca partido de las declinaciones.

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Guimarães Rosa, Washington Cucurto y Wilson Bueno: a escrita na (da) fronteira1

Diana Klinger

Una frontera no es el punto donde algo termina, sino, como los griegos reconocieron, escritor Guimarães Rosa no sigue los mismos criterios: en los terri-
la frontera es el punto a partir del cual algo comienza a hacerse presente. torios ficcionales de Guimarães Rosa las fronteras son difusas. "O
(Martin Heidegger, Building, dwelling, thinking. "A boundary is not that at Sertão está em toda parte", dice Riobaldo en Grande Sertão: Veredas.
which something stops but, as the Greeks recognized, the boundary is that from En el terreno simbólico de la prosa de Guimarães Rosa existe toda
which something begins its presencing.") uma comunidad de forasteros, extranjeros, desterrados, "lunáticos,
foras-da-lei, frontiers, borders, habitantes das márgens, dos subterrâ-
"Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo" (Guimarães neos, dos brenhais".4 Y no solo los territorios y los personajes se
Rosa, Grande Sertão: veredas) sitúan en las fronteras (es decir, en los lugares en los que "algo
comienza a hacerse presente" en palabras de Heidegger), sino que lo
Además de escritor, médico y diplomático, Guimarães Rosa fue, mismo ocurre con el lenguaje. Como ejemplo emblemático, citemos
desde 1962, je-fe del Servicio de Demarcación de Fronteras. En 1966, el cuento "Meu Tio o Iaguareté", que representa, para Haroldo de
le toca revisar el tratado de lími-tes firmado en 1872 que dispone la Campos, "o estágio mais avançado de sua experimentação com a
demarcación de las fronteras entre Brasil y Para-guay, pendiente desde prosa".5 En el cuento, un onceiro (cazador de onças, o jaguares) relata
la guerra. El territorio, dice Guimarães Rosa, debe estar estricta-mente a un forastero desconfiado historias de jaguares, y lo hace hablando
delimitado. En las 26 páginas dirigidas a la embajada paraguaya en "uma linguagem de onça", que se confunde con monosílabos tupís. El
respuesta a su tentativa de deslegitimar las deliberaciones del Tratado diplomático entra, así, en contradicción con el escritor: ¿dónde "demar-
de Límites, el diplomático des-arma con contundencia los argumen- car" los límites topológicos del escenario de Grande Sertão: veredas?
tos del país vecino, defendiendo los innegociables marcos territori- ¿Dónde situar los límites lingüísticos de "Meu tio o iaguareté"?
ales2: "Nos dicionários as palavras "demarcação" e "demarcar" Diplomáticos de la lengua, Washington Cucurto y Wilson Bueno
cobrem faixa mais ou menos larga de significados. Mas, quando se vienen a resti-tuir el borramiento de la (peligrosa) "triple frontera"
assina um ajuste de limites - e foi o caso do Tratado de 1872- (...) fixa- (lingüística) Brasil-Paraguay-Argentina. El primero, reivindicando el
se a divisória, a demarcação executa o tratado. É uma operação defin- Mar paraguayo que Solano Lopez no pudo conquistar. El segundo,
itiva, de valor jurídico, e alcance político, com efeitos permanentes"3. con su Máquina de hacer paraguayitos6. Ambos, como Gui-marães
Pues bien, si para el diplomático Guimarães Rosa, un ajuste de Rosa, aventurándose en la sospechosa zona de la triple frontera.
límites es una operación definitiva, con efectos permanentes, el Fluida frontera paraguayo-brasilera-argentina del río Paraná donde

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habita el Iaguareté. A terceira margem do rio. Restituyendo el guaraní teras", imagen de lo que no fue: mar paraguayo.
en la lengua literaria: tupí or not tupí. Los tres "diplomáticos" se El mar paraguayo es un fracaso histórico como lo es el guaraní en la
adentran, así, en aguas peligrosas. Recordemos, sino, el solitario final lengua literaria. Nostáligcamente, Wilson Bueno restituye al mismo
del funcionario público Policarpo Quaresma7, que quería instituir el tiempo uno y otro: "un aviso: el guaraní es tan essencial em nesto
tupi-guaraní como lengua oficial de Brasil. relato quanto el vuelo del párraro, lo cisco em la ventana, los arrul-
Aguas infernales las del "mar paraguayo" de Wilson Bueno: "Mi mar. hos del português ô los derramados nerudas en casacata num só sui-
La mer. Merd la vie que yo llevo em las costas como uma señora cidio de palabras anchas. Uma el error dela outra".
digna cerca de ser ejecutada em la guillotina", dice la narradora. Este Como en la ficción de Guimarães Rosa, también el personaje de
poema-prosa es un largo monólogo interior o una confesión deses- Wilson Bueno es un marginal (la "marafona": la mujer libertina del
perada de este personaje, "la marafona", que habita en los márgenes pueblo) y también ella se situa en un territorio indeterminado. Como
y que es marginal. Marafona (palabra del portugués, proveniente del la de Guimarães Rosa, también su prosa transita una lengua de fron-
árabe: mara-fraina): mujer engañosa; muñeca de trapos; meretriz. tera: "Me inscrevi assim en el corazón de los marginados, de los pos-
Marafa: vida desarreglada, licen-ciosa, libertina.8 tos de lado y chutados das lanchonetes hecho perros vanos y baldíos.
Infernal es la vida que la narradora, lleva en las espaldas ("as costas") Jaguara. Jaguará. Jaguaraíva. Jaguapitá". "Jaguapitá" es la pequeña ciu-
que son también las costas del balneario de Guaratuba. Si el infierno dad del Estado de Paraná en la cual - ironicamente - nació Wilson
de Mar Paraguayo consis-te, en palabras de Roberto Echevarren, "en Bueno: en tupí significa "onça vermelha". "Jagua-raíva" es un perro
la exaltación y la depresión amorosa de una mujer madura por un que no sirve para la caza.
garzón" y "las dos versiones del infierno son, para una mujer que entra Esta fauna "marginada", es la fauna típica de la "triple frontera"
en años, el viejo con quien perdió su juventud y del cual rememora la (lingüística), y habita también los textos de Washington Cucurto, por
agonía y la muerte, y el joven, niño casi, con quien comparte el lecho ejemplo, en el siguiente fragmen-to de su novela Noches Vacías:
en una aventura tan intensa como fugaz"9, el mar paraguayo espeja esa Tucanes, alacranes, pecarís quimieleros, pechitos colorados, boas
oscilación: "aguas de pura agonia, para-guas, mar de perdas y rumores, constrictoras, tigres de Bengala, tarántulas, ranas terneras, tucús,
chororó, pará de naufragados deseos sin limite ni fron-tera, la cal de la pucús, monos, titís, todo esta ahí, en sus ojos, mirándome, agazapa-
tierra, la sangre pissada de los dias, iguasu, ipaguasú....". Entonces, el dos para tirarse encima en el momento más inesperado. Yaguaretés,
Infierno es también la frustración de los "deseos sin límites ni fron- yasiretés, yacarés, coño, mamañema! (Noches Va-cías, 13)

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Guimarães Rosa, Washington Cucurto y Wilson Bueno: a escrita na (da) fronteira


Con Cucurto, los jaguares entran en la geografía de otros márgenes: Llegaba tarareando una hermosa canción dominicana
los de la subcultura cumbiera de los suburbios de Buenos Aires. En que cantaba José Alberto "El Canario",
la bailanta, dice el narrador de Noches Vacías, "la vida es el exceso, venía del brazo de un yintliman bussiness
lo barroco, lo exasperante hasta la empalagación".10 Así, el lenguaje como ella gustaba de pronunciar en un inglés indígena.
de Cucurto mimetiza el espacio de la bailanta en una enumeración
neobarro-ca, o neobarrosa, según la definición de Nestor Entre el yintliman y el yaguareté, el inglés indígena es el eco de un
Perlongher: "el neobarroco -término popularizado por Severo habla impo-sible, fronteriza y marginal. En "Meu tio o iaguareté", el
Sarduy pero que ya aparece alrededor de 1890 y que se vuelve festi- relato de la metamorfosis de un "onceiro" en onça por la
vamente 'neobarroso' en su descenso a las márgenes del Plata, como "tupinización del lenguaje", prevalece una función, no ape-nas estilís-
un marqués de Sebregondi, 'homosexual activo y cocainómano', tica, sino también en el nivel de la fábula. Paralelo a la "tupinización
tropenzando en el barro de su estuario - no funciona como una del len-guaje, mientras el lenguaje se desarticula, se quiebra en resid-
estructura unificada, como una escuela o disciplina estilística, sino uos fónicos, el tema del jaguar encuentra una resolución narrativa al
que su juego actual parece dirigido a montar la parodia, la carnaval- nivel de la fábula en la metamorfosis del "onceiro" en onça".12 Aquí,
ización, al derri-sión, en un campo abierto de constelaciones, sobre como en Grande Sertão: Veredas "la construcción de la historia es
(o a partir de) cualquier estilo".11 reproducida por la construcción del discurso"13. También Cucurto y
En la fauna barroca de la bailanta del relato de Cucurto, el Bueno transforman el lenguaje en "fábula", en el doble sentido de
jaguar (yaguar) y el yacaré engendran - sonoramente - al yasireté; por "historia" o "relato", y de "quimera" o "alegoría": "mar paraguayo".
otro lado, en "Meu tio o iaguareté", de Guimarães Rosa, el jaguar tam- El lenguaje mimetiza aquello que narra: la mezcla, la fiesta descon-
bién aparce en una prolífera constelación de palabras. Jaguar: del tupí, trolada de la cumbia, el deseo "libertino", la trasgresión.
"yaware´te. Jaguaraiam: filhote de onça. Jaguaretama: região dos En carta al Doctor Pedro Nunes Leal, el poeta Gonçalves Dias, que
sertões. Jaguaviara: caçador de onças. Jaguaretê pixuna: onça negra. había publi-cado un Diccionario Tupí, escribía: "a língua tupí lançou
Jaguanhenhém: neologismo rosiano que se podría traducir como "falar profundíssima raiz no portu-guês que falamos e nós não podemos,
como onça", o "língua de jaguar" (en tupí, nenhém significa falar). nem devemos, atirá-la para um canto".14 Sin em-bargo, si para el
Que el jaguar, (o yaguareté o "iaguareté") aparezca en los romanticismo brasilero el tupí entra en su programa estético-ide-
relatos de Cucurto, de Bueno y de Guimarães Rosa como animal de ológico de afirmación de una nacionalidad ("retroactivamente inven-
la frontera, se debe menos a una razón ecológica que a una fonética. tada", según Flora Susse-kind), para estos tres escritores, al contrario,
Su sonoridad tupí induce al pasaje de lenguas, al deslizamiento del el tupí (y el portunhol) funcionan como forma de trascender la
sentido. Así dice un poema de La máquina de hacer paraguayitos: nacionalidad. Lo que importa no es encontrar una raíz, restituir un
origen, sino promover una mezcla. El tupí y el portuñol son así las
Idalina llegaba del Chaco Paraguayo con la cabeza marcas de esos deseos sin limites ni fronteras.
cargada hasta la testa.

T r a n s i t o s
[77

Notas linguagem literária no romantismo brasileiro", em Ana Pizzarro. América Latina. Palavra,
Literatura e cultura. São Paulo, Unicamp, 1944. p.460
1 En octubre del 2003, Ítalo Moriconi habló, en el Simpósio sobre Língua e Literatura en 15 idem ibidem.
la PUC-Minas Gerais, sobre la relación entre el cuento de Guimarães Rosa "Meu tio o
iaguareté" y Mar Paraguayo, de Wilson Bueno. Aunque no tuve acceso a esa comuni- Referencias
cación (que no fue publicada) fue él quien me sugirió la idea de este texto.
2 Ver Heloísa Vilhena de Araújo. Guimarães Rosa: diplomata. Brasilia: Ministerio de El cuento "Meu tio o iaguareté", de Guimarães Rosa fue publicado originalmente em la
Relações Exteriores/ Fundação Alexandre de usmão, 1987. p. 79-111. Citada por Marli Revista Senhor. Rio de Janeiro, março de 1961 y republicado em Estas Estórias. Rio de
Fantini Scarpelli. "Relato de uma incerta Viagem". Em Revista Mario de Andrade: Janeiro, Livraria José Olympio, 1969. El cuento fue adaptado para teatro por Walter
Literatura e Diversidade cultural, São Paulo, jan-dez, 2001. |george Dürst y escenificado por el actor Carlos Augusto Carvalho, en la ciudad de São
3 Heloísa Vilhena de Araújo. Idem ibidem, p. 96 itálicas mías. Paulo, en 1986.
4 Marli Fantini Scarpelli. Idem ibidem
5 Haroldo de Campos. "A linguagem do iaguareté". En Metalinguagem e outras metas, El artículo de Haroldo de Campos fue publicado originalmente em el Suplemento
São Paulo, Perspectiva, 1992, p. 57-63 Literário de O Estado de São Paulo, el 22/12/1962) y después fue incluido em
6 y si de reivindicar mares se trata, digamos también que Cucurto organizó, en el 2004, Metalinguagem e outras Metas. São Paulo, Perspectiva, 1992.
el festival de poesía "Salida al Mar", título que hacía alusión a la situación entre Chile
y Bolivia. Mar Paraguayo se editó por primera vez em São Paulo, por Iluminuras, em 1992, com
7 de la novela de Lima Barreto Triste fim de Policarpo Quaresma, de 1911. um prólogo de Nestor Perlongher ("Sopa Paraguaya"), republicado em el Diario de
8 En Pablo Gasparini. "Hacia la subversión geográfica: Mar Paraguayo de Wilson Bueno". Poesía, N°44, em 1997. Mar Paraguayo se reeditó em Santiago, por la editorial
Disponible en www.cce.ufsc.br/~lle/congresso/trabalhos_ literatura_hispanoameri- Intemperie, em mayo del 2001, conservándose el prólogo de Perlongher. Mar Paraguayo
cana/Pablo%20Gasparini.doc fue llevado al cine por Nivaldo Lopes y presentado en el 32° Festival de Cinema de
9 Medusario. Muestra de poesía latinoamericana. México, Fondo de Cultura Económica, Granado y en el 37º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, ambos en el 2004.
1996.
10 Noches Vacías, p.13 La máquina de hacer paraguayitos se editó por Eloísa Cartonera, em ?. Los poemas tam-
11 Nestor Perlongher, em Folha de São Paulo, suplemento Folhetim, 11 de marzo de bién están publi-cados online em el sitio amigosdeloajeno.org. Existe uma traducción al
1988. Perlongher hace referencia a Sebregondi Retrocede, de Osvaldo Lamborghini. Alemán, realizada por Timo Ber-ger. Las citas corresponden también a la novela de
12 idem ibidem Cucurto Noches Vacías, Buenos Aires, Editorial Inter-zona, 2003.
13 Angel Rama, Transculturación Narrativa en America Latina. Montevideo, Fundación
Angel Rama, 1989. p. 53. Lo mismo ocurre en Cara de bronze, como lo notara Bendito
Núñez en O aorso do tigre. Saõ Paulo, Perspectiva, 1969, p. 185.
14 citado por Flora Sussekind. "O escritor como genealogista: a função da literatura e a

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Territorios del presente * Tonos antinacionales en América latina

Josefina Ludmer

Oigamos el tono Los tres, como si fuera poco, son misóginos [ "porque para mí las
mujeres era como si no tuvieran alma. Un coco vacío" dice el dandy
No voy a hablar contra la nación en una de sus instituciones. En mi de La virgen de los sicarios, 18; y "PIMENTA BUENO A brasileira
lugar , les traigo a unos antipatriotas autoritarios que aparecen en é a mulher mais detestável do universo!", Contra o Brasil, 21].
tres novelas latinoamericanas de los años 1990 (si es que estos Misóginos histriónicos arrogantes y brutales: son una parodia de sí
libros pueden llamarse todavía 'novelas') y se dedican interminable- mismos como 'detestables'. Tienen un humor sarcástico y están
mente a perorar contra sus respectivos países: El Salvador, llenos de "malos sentimientos" contra lo nacional-común. Su arte
Colombia y Brasil. 'Los profanadores' son: Edgardo Vega de El asco. está precisamente en "los malos sentimientos".
Thomas Bernhard en San Salvador de Horacio Castellanos Moya
[San Salvador, Editorial Arcoiris, 1997], un salvadoreño - canadiense Oigamos al Bernhard salvadoreño:
profesor de Historia del Arte en Mc Gill que vuelve por unos días a
San Salvador y en un bar le habla a Moya, sin parar y con el tono "Yo tenía dieciocho años de no regresar al país, dieciocho años en
de Thomas Bernhard, para decirle el asco que le da la gente, la ciu- que no me hacía falta nada de esto, porque yo me fui precisamente
dad y el país. El segundo cínico es el viejo dandy colombiano de huyendo de este país, me parecía la cosa más cruel e inhumana que
La virgen de los sicarios [Bogotá, Alfaguara, 1994] o cualquier otra habiendo tantos lugares en el planeta a mí me tocara nacer en este
novela de Fernando Vallejo, un pedante sin nombre que se dice sitio, nunca pude aceptar que habiendo centenares de países a mí me
Gramático, que vuelve al Medellín de su infancia 'en busca del tocara nacer en el peor de todos, en el más estúpido, en el más crim-
tiempo perdido' y se encuentra con que sus adolescentes de ojos inal, nunca pude aceptarlo, Moya, por eso me fui a Montreal, mucho
verdes son ahora sicarios que se matan ente sí. Y el tercer histrión antes de que comenzara la guerra, no me fui como exiliado, ni bus-
es Pimenta Bueno de Contra o Brasil de Diogo Mainardi [Sâo Paulo, cando mejores condiciones económicas, me fui porque nunca acep-
Companhia das Letras, 1998], una especie de personaje de comic té la broma macabra del destino que me hizo nacer en estas tierras,
que funciona como una máquina de diálogo y de citas ( no se sabe me dijo Vega". [El asco, 17, sub. míos]
si verdaderas o falsas) de viajeros ilustres que visitaron y hablaron Otra vez:
mal de Brasil. "Tremendo, Moya, me dijo Vega, San Salvador es una versión
grotesca, enana y estúpida de Los Angeles, poblada por gente estúp-

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[79

ida que sólo quiere parecerse a los estúpidos que pueblan Los [Contra o Brasil, 7-8]
Angeles, una ciudad que te demuestra la hipocresía congénita de esta La infamia y la pura escoria (y "la broma macabra del destino que
raza, la hipocresía que los lleva a desear en lo más íntimo de su alma me hizo nacer en estas tierras") son la otra cara del objeto escolar de
convertirse en gringos, lo que más desean es convertirse en gringos, 'el grito sagrado' y 'o juremos con gloria morir' del nacionalismo y
te lo juro, Moya, pero no aceptan que su más preciado deseo es con- del patriotismo.
vertirse en gringos, porque son hipócritas, y son capaces de matarte Estas provocaciones verbales a las "identidades nacionales y cultur-
si criticás [subr. mío] su asquerosa cerveza Pilsener, sus asquerosas ales" se escriben en América latina en territorios como El Salvador,
pupusas, su asqueroso San Salvador, su asqueroso país, Moya, son Colombia y Brasil, donde en los años 70-80 hubo políticas de la
capaces de matarte sin parpadear, aunque a ellos no les interese en muerte (dictaduras y guerras). Se escriben y se oyen en los años
absoluto y por eso destruyen su ciudad y su país con su entusiasmo 1990, en el momento mismo de reformulación de las naciones-esta-
enfermizo. Me dan un verdadero asco, Moya." [El asco,46-7] dos latinoamericanos con las desnacionalizaciones. Son uno de los
inventos literarios de los años de la peste que se llevó entera a la
Y oigamos al brasileño Pimenta Bueno que aparece de entrada nación . Podrían formar un género de los años 90 que no es novela
componiendo un "himno antipatriótico" que identifica formal- ni historia ni crónica ni política sino todo eso a la vez; sería algo así
mente, con la lengua y el ritmo de la poesía del himno, la constitu- como un género antinacional latinoamericano en la era de la global-
ción de la nación con su profanación: ización , la desestatalización, y el neoliberalismo. Por supuesto, no
"PIMENTA BUENO Con-trao-Bra-sil-e-con-traos-bra-si-lei-ros... solo es un género latinoamericano: abunda y precede en Austria, la
O decassílabo inicial de seu canto antipatriótico está pronto. Pimenta patria de Thomas Bernhard, y podrían ser de Peter Handke o de
Bueno congratula-se pelo resultado. Elfriede Jelinek: un "tono austríaco" en la tradición de la crítica cul-
PIMENTA BUENO De-to-dos-os-pa-í-ses-da-his-tó-ria... tural de Karl Kraus. 1
Poesía é mais fácil do que parece.
PIMENTA BUENO Em-in-fâ-mia-nós-so-mos-os-pri-mei-ros... Políticas de los sentimientos
Pimenta Bueno comemora o perfeito remate do terceto com resso-
nantes grunhidos nasais. Ya los oímos; podríamos decir ahora que la particularidad de estos
PIMENTA BUENO A-nos-sa-ra-ça?-Pu-ra-,-pu-raes-có-ri-a..." sujetos de los años 90 (para llamarlos de algún modo), lo que los

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Territorios del presente * Tonos antinacionales en América latina


hace necesarios para una reflexión sobre el presente, es que ponen cia y sol y como comunidad cantora. Ponen "el trabajo de lo nega-
en escena una voz antinacional que estaba en la realidad (y que tivo" o "del mal" (uno de los modos en que el presente piensa la
acompañaba las desnacionalizaciones y privatizaciones de lo públi- negatividad) en la nación como territorio que nos dio ciudadanía
co), y al mismo tiempo, con sus entonaciones ritmadas, dejan oir los y lengua y que fue sacralizado. 3 Atacan la nación como territorio
tonos de la nación y su historia. donde nacimos, algo que tiene una carga emotiva y que re-liga o
crea comunidad, como la iglesia. Profanan la nación. Las políticas de
La literatura es como un eco múltiple, deformado y monstruoso de los sentimientos 4, junto con las políticas de las creencias en relación
algo oído y escrito que se quiere duplicar, y que aparece como fic- con territorios que crean comunidad y que han sido 'sacralizados',
cional y real al mismo tiempo: "Th. B. en San Salvador". Los cínicos serían uno de los múltiples centros de la pospolítica del presente.
hacen pública una voz contemporánea, una expresión que se dice
para adentro y en familia, y que es un fragmento de la vida social de Los tonos antinacionales son una de las tantas profanaciones del pre-
los años 90 en plena globalización, desestatalización y desna- sente, una de las prácticas políticas del presente: un tipo de políti-
cionalización. 2 Registran las voces o expresiones antinacionales con- cas de los sentimientos cargados de un plus de energía negativa, de
temporáneas y las ponen en escena, las performancean. Y lo hacen mal. Los cínicos de los 90 insultan algo sagrado (como se insulta la
con un ritmo, un tono y una repetición tal que reproducen, en nega- madre, por abajo), lo profanan, y por eso se cargan de energía neg-
tivo, las voces de la constitución misma de la nación y su historia ativa. 5 Estos antipatriotas y sus tonos nos ayudan a pensar
(la destitución, con la voz del himno ritmado y rimado de Pimenta entonces en ciertas prácticas políticas del presente.
Bueno, necesita constituir lo que destituye ).
Reglas de la profanación
Lo que estos textos de los años 90 muestran en última instancia es
que la constitución de la nación y su destitución tienen las mismas Veamos cómo funciona la profanación de los años 90 en América
reglas y siguen una misma retórica, una en positivo y lo más arriba latina. Y si es cierto que la profa-nación tiene las mismas reglas que
posible, la otra en negativo, lo más bajo posible. Son dos casos de la nación. Con un ritmo y una repetición envolvente y circular la
"políticas de los sentimientos". Hasta tal punto coinciden la consti- voz antipatriótica pone en escena y hace pública la labor de lo neg-
tución de la nación y su destitución que podría decirse que los tonos ativo en los 'símbolos nacionales' y en la lengua en América lati-
de los "malos sentimientos" contra la nación son el reverso exacto na. El performativo (en el sentido de una actuación o ceremonia) es
de los tonos mismos de la nación. fundamental en los actos de profanación, igual que en los actos de
constitución de la nación. Porque las diatribas antinacionales son
La voz de los antipatriotas se carga de afectos bajos y viscerales: ante todo una puesta en escena, una performance verbal o la per-
desprecio, asco, abominación, para dejar sentir en negativo , por formance de una voz. No importa que ese tono-discurso sea asum-
lo bajo, los sentimientos que nos reunían en lo alto, como infan- ido por el autor como propio o citado como 'de otro'; es una voz

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actuada, declamada , que convoca o re-cita o parodia otra, original nación en una inflexión nacional-local de la lengua , en la inflexión
(la de Thomas Bernhard o la del himno de Pimenta Bueno). La lit- interior. Porque -curiosamente- estos tonos antinacionales lati-
eratura le pone un 'personaje' y le inventa un interlocutor a esa voz, noamericanos de los 90 se dicen en una posición verbal minoritaria
porque la gramática antinacional (como la nacional) requiere una (nacional o regional o local- familiar) en el interior del español: en el
situación dialógica o una interpelación 6 . Una situación que es en vos de El Salvador y de Antioquia ( y por supuesto de Argentina,
realidad jerárquica y autoritaria 7 , porque el que habla se pone pero ¿no se escribió aquí o no supimos leerlo?) 9.
afuera y arriba de su interlocutor (son los viajeros famosos de Contra
O Brasil como Darwin o Levi-Strauss, citados por Pimenta Bueno Las minoridades lingüísticas ( los localismos o lenguas minoritarias
contra Brasil ) , en el borde de la autoparodia y de lo ridículo. En en el interior del español, como el vasco o el catalán, o el portugués
estos textos habla un experto, una voz o palabra 'autorizada': la de de Brasil como lengua minoritaria en el interior de Latinoamérica),
un profesor de Historia del arte, catedrático en McGill (y además serían la materia misma de estas profanaciones. ¿O solo pueden ser
Thomas Bernhard) en Castellanos Moya, en Vallejo la de un profanadas las naciones con esas inflexiones minoritarias, no global-
Gramático (o sea, de un maestro de "la corrección" lingüística, y izables, de la lengua, y ese es precisamente su secreto público?
también del lenguaje literario: el primer libro de Fernando Vallejo es
Logoi. Una gramática del lenguaje literario, Fondo de Cultura Pero nuestra voz antipatriótica está y no está territorialmente en
Económica, 1983). la nación: está afuera-adentro y su estrategia es la de in y de outsider
al mismo tiempo. Está físicamente y lingüísticamente y provisoria-
En La virgen, la voz de los malos sentimientos ve un titular de periódi- mente adentro, pero está intelectualmente afuera. Separa el ojo de
co amarillo: "Gramático Ilustre Asesinado por su Angel de la Guarda", la lengua: mira el país desde el primer mundo en situación de 'glob-
en letras rojas enormes, que se salían de la primera plana." [94] alización', y lo dice en una voz bien interior. La posición afuera-
adentro (en este caso de la nación) es crucial y es una posición cen-
El que habla es una autoridad: conoce las reglas del juego y del arte. tral en el presente y en sus políticas territoriales. Así como "la isla
La voz antinacional no solo viene de arriba, sino de afuera8 . Los urbana" reformulaba la sociedad como civilización y barbarie
cínicos que nos interesan hoy no son exiliados políticos sino unos porque los personajes estaban afuera-adentro de la ciudad, esta posi-
emigrados que llegan del exterior (de otro territorio nacional: son los ción afuera-adentro de la nación reformula lo nacional-territorial.
viajeros de Pimenta), y se instalan temporariamente en 'la nación' Es una posición que plantea un problema crucial: es el modo que
o en su representación: San Salvador, Medellín, o en la ciudad y en podrían verse-decirse nuestras naciones latinoamericanas desde el
el Amazonas en Brasil . Vienen de afuera y se ponen 'por encima' primer mundo ( desde afuera y desde otro territorio nacional), y a la
con un discurso 'civilizador' o 'imperial' y autoritario. Y en esa posi- vez es el modo en que podrían decirse-verse aquí mismo, en su
ción dialógica-autoritaria - imperial, recitan-repiten su destitución- misma lengua o desde adentro. Y así se planteó la política de desna-
constitución de la nación. Repiten su discurso de 'el asco' contra la cionalizaciones de los años 90. Esta posición afuera y adentro del

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Territorios del presente * Tonos antinacionales en América latina


territorio puede constituir la nación y también la de-constituye en gravedad (de 'sagrado'), arrojando una sustancia orgánica, fecal-sex-
'la profanación'. Los cínicos antipatriotas son el reverso exacto de ual- baja, contra el territorio donde nacieron. Las políticas de los ter-
ciertos sujetos nacionales como el héroe, el fundador o el intelectu- ritorios sacralizados y de las profanaciones del presente son la
al, y el revés de los discursos del exilio que forman parte de los puesta en escena y la expansión de una expresión y una palabra que
textos de las naciones latinoamericanas. estaba en boca de todos, que corría como la moneda de los 90 y era
'la nación' de los 90.
La moneda de 'la nación de los 90': la palabra visceral
En síntesis: la pasión antinacional, ese desborde orgiástico de nega-
En esta posición afuera-adentro, en esta situación jerárquica y y tividad, tiene como centro no solo "la nación" sino también "la
autoritaria, con este vos y este ritmo, se lleva a cabo la profanación lengua". O tiene como centro la lengua (la palabra) para significar
de la nación. Todo es decir y voz de adentro en estas prácticas, la nación. Se funda en la identificación o equivalencia entre sen-
porque el antipatriota dice que aquí, en El Salvador o en Colombia, timiento nación territorio y lengua: todos sufren una paralela
la gente se somete a una permanente degradación verbal: aquí se degradación o pasaje al polo negativo o bajo de la palabra afecto
hablan uno al otro en la lengua de los "cerotes" o "hijueputas". El visceral que lo dice todo. Se ligarían así, en el polo negativo de la
arte de los malos sentimientos concentra su 'mal sentir' y su asco ambivalencia, la nación-territorio ( la voz está dicha aquí), y la
en esa palabra de adentro baja, visceral, fecal o genital , que toca o nación-lengua (inflexión local).
es el cuerpo y sus desechos y que circula como la moneda de 'la
nación de los 90'. Es una palabra dicha rápido que sintetiza todo y Estos cínicos antipatriotas no rompen ni deconstruyen la identidad
a la que el idioma nacional parece haberse reducido; un significante nación-territorio-lengua que nos une sino que la refuerzan, porque
"universal", simultáneamente cargado y vacío, todo y nada: una pal- en la palabra-afecto visceral que lo dice todo toman la parte baja de
abra-afecto que puede emocionar y enloquecer 10. Es una palabra la ambivalencia ("hijueputa", "cerote"). Ponen la lengua-nación-terri-
ambivalente positivo y negativo, pero el cínico toma solo el polo torio-afecto visceral 'en negativo' y después la abandonan. Le apli-
negativo de la ambivalencia. El centro de su política de los malos sen- can 'la labor de lo negativo' y su plus de sagrado y se des-nacional-
timientos-nación-territorio queda ocupado por esa palabra afecto izan: cambian no solo de país-territorio-nación-nacionalidad sino de
visceral ambivalente, que es la definición misma de común pero nombre y en muchos casos de lengua. Así concluye y culmina la pro-
tomada por su lado bajo, negativo: literal 11. Una palabra visceral fanación de la nación .
para un sentimiento visceral. Y con esa palabra en negativo atacan
la escena del nacimiento y su territorio, lo que nos une ,"lo común" El último acto del drama: la desnacionalización
, que es uno de los medios más intensos de formar colectivos (de
producir comunidad y pertenencia). Atacan la nación, un agluti- La regla número uno de la construcción de la nación es el territorio.
nante emocional o religante, cargado de sentimiento de devoción y Y la regla final del tono antinacional es el abandono de ese territorio,

T r a n s i t o s
[83

la emigración y el cambio de nacionalidad. Estos personajes cuentan Lo que escandaliza en estos textos no es la transgresión sexual o la
un cambio de identidad nacional-territorial y esta podría ser también homosexualidad exhibida de Vallejo porque ya no hay 'transgresión
una entonación de la renuncia a la nacionalidad territorial, que es sexual'. Se ponen más allá de la transgresión (así como se pusieron
también uno de los temas en estas ficciones. Insultan una nación no más allá de toda oposición binaria: izquierda y derecha, "realidad" y
solo entendida como símbolo y como rito (no solamente como obje- "ficción"), en la profanación . Y se ponen simultáneamente en la
to pedagógico, como fábula retrospectiva del estado o como mito posliteratura y posnación.
autoritario), sino como territorio-sentimiento-lengua. Más allá de la transgresión, después de las vanguardias, las profana-
ciones artísticas crean hoy "escándalos públicos". Verdaderos acon-
En El asco hay un momento realmente desopilante cuando el tecimientos del presente (como el caso S.Rushdie). Luz Horne (Hacia
antipatriota pierde el pasaporte canadiense: un nuevo realismo. Caio Fernando Abreu, César Aira, Sergio Chejfec
y Joâo Gilberto Noll, Tesis de Doctorado, Yale University, 2005) ha
"Incluso durante el trayecto en el taxi me la pasé aferrado a mi pas- puesto en comparación y paralelo dos escándalos públicos de los
aporte canadiense, hojeándolo, constatando que ése de la foto era yo, últimos años: las "blasfemias" de la exposición Sensation : young
Thomas Bernhard, un ciudadano canadiense nacido hace treinta y British artists from the Saatchi Collection en el Museo de Brooklyn
ocho años en una ciudad mugrosa llamada San Salvador. Porque esto en 1999, y las de León Ferrari en diciembre de 2004 en el Centro
no te lo había contado, Moya: no sólo cambié de nacionalidad sino Cultural Recoleta. Dice Luz Horne que en los dos casos los argu-
también de nombre, me dijo Vega." [ 118, subr. míos] mentos de los opositores, que pedían que se clausuraran las exposi-
ciones, eran los mismos y giraban alrededor del uso de los fondos
O el cambio de nombre y nacionalidad en Pimenta: públicos y del cuestionamiento del estatuto artístico de las obras. Y
"PB O brasileiro Pimenta Bueno morreu! Repudiei meu nome e yo agregaría que esos escándalos son típicos acontecimientos del
meu país! Como o vigarista Don Escovedo, que atravesa a Europa presente: políticos-culturales-económicos-estéticos o literarios y reli-
roubando dinheiro das mulheres, uso as mais variadas camuglagens! giosos al mismo tiempo.
Um dia sou o moldavo Romanesco, outro dia sou o grego
Maurokordatos!" [212-3] La profanación no sólo produce estos escándalos públicos. La
lengua mala-baja -visceral de la nación-territorio es contagiosa,
El de los malos sentimientos es a la vez el tono de la nación y el de las como todo 'mal', y extiende su maldición a quienes la escriben. Los
desnacionalizaciones y pérdidas y desposesiones de 'lo común' 12. Es el que trataron de hacer público ese sentimiento y ese tono, tan oído
tono de la nación perdedora de los 90 y el del emigrado que la abandonó. en los años 90, son escritores políticamente incorrectos, que encar-
nan algún tipo de mal : una especie de 'malditos'. Escritores inmen-
El escándalo' o 'affaire' de la profanación cionables, que están contra lo que el aparato pedagógico y el estado
nos ha inculcado; hasta su nombre se hace mala palabra en sus país-

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es y forman parte de listas negras en algunos medios. Su posición Notas
"cínica y fascista" sería la del estado neoliberal mismo: el tono *Este trabajo (una conferencia en la Biblioteca Nacional en Buenos Aires, el 25 de agos-
antinacional de los 90 es una mirada del primer mundo con una to de 2005) forma parte de otro mayor, el de 'los territorios del presente'. Dentro de
lengua del tercero . una cantidad de territorios (el de 'la exposición universal', el de la ciudad, el de la isla
urbana) aparece 'la nación' como territorio profanado o en negativo. Estamos entonces
Estas profanaciones y blasfemias no solo crean escándalos públicos aquí, en el territorio de la nación. A su vez es un capítulo introductorio a otro territorio
y contagian su 'mal' a quienes las escriben ; también tocan un límite (económico-cultural-político) del presente, posnacional, que le sigue: el territorio de
de lo decible y por lo tanto de lo literario. El género de la diatriba la lengua. En los territorios, trato de continuar la exploración de ciertas políticas pos-
antipatriótica profana lo que nos une, la nación-territorio, la lengua, nacionales, posrrepresentativas e imperiales del presente. Su rasgo central es que no se
y también la literatura: muestra la conexión o identificación entre las fundan en 'ideas', y por lo tanto postulan otras universalidades vitales y preindivid-
tres. Los tonos antinacionales tocan ese límite más allá del cual es uales, como las creencias y los sentimientos. Los tonos antinacionales son puros malos
imposible imaginar insultar a la nación. Tocan el límite corporal, sentimientos puestos en un territorio.
el asco, que es el límite de lo decible y el límite mismo de la liter-
atura. Es de este modo que el género-retórica-gramática de las pro- Dedico este trabajo, agradecida, a tres argentinos en el exterior: Fernando Rosenberg ,
fanaciones antinacionales aparece como posnacional, posgenérico que me dio Contra o Brasil, y Annick Louis y Esteban Buch, que tradujeron al francés
y postliterario. Desafía los preceptos ilustrados o modernos de la lit- una primera versión de este texto.
eratura tradicional y también de las vanguardias. Se sitúa no solo en
una posvanguardia literaria, sino en lo que podría llamarse una 1. Matthias Konzett (The Rethoric of National Dissent in Thomas Bernhard, Peter
etapa posliteraria, después del fin de las ilusiones modernas : Handke and Elfriede Jelinek. Rochester- NY, Camden House, 2000) analiza la cultura
después del fin de la autonomía y del carácter "alto", "estético", de austríaca y estos discursos de "disenso nacional".
la literatura. Yse sitúa después del fin de las ilusiones nacionales dis- W.G Sebald (Pútrida patria. Ensayos sobre literatura. Traducción de Miguel Sáenz.
ciplinarias, edificantes, liberadoras, o subversivas de la literatura. Barcelona, Anagrama, 2005), en el ensayo sobre Thomas Bernhard [pp.72-85] se refiere
a las manifestaciones blasfemas de los personajes y del mismo Bernhard, que no cor-
Josefina Ludmer responden al modelo de la crítica comprometida ni a ninguna idea de distanciamiento
Agosto 2005 artístico. "Por eso, la denuncia universal, tan característica en Bernhard, de todo fenó-
meno político y social parece en principio sencillamente un escándalo, ante el que los
conservadores y progresistas decididos reaccionan del mismo modo con irritación". Y en
la "Introducción" a la segunda parte del libro, titulada "Pútrida patria" [Unheimliche
Heimat], dice que ocuparse de la patria por encima de todas las catástrofes históricas
es una de las características constantes de la literatura austríaca. El concepto de patria
es relativamente nuevo, y surgió cuando la nación dejó de ser un sitio donde vivir y

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muchos se vieron obligados a emigrar [109-110]. Se refiere a Stifter, y también a Karl origen simplemente 'nacimiento'. Estado-nación significa entonces, para Agamben :
Kraus, donde 'el rostro austriaco' pareció una alegoría del horror, 112 . Estado que hace del nacimiento (de la vida humana desnuda) el fundamento de su
Matilde Sánchez ( "Jelinek contra la patria" en Otra parte [Buenos Aires], número 5, propia soberanía [24]. Es con la nación que el nacimiento, la vida natural misma,
Otoño 2005) dice que el premio Nobel para E. Jelinek "Premia una obra inseparable de deviene por primera vez el portador inmediato de la soberanía. La ficción implícita es
una "actitud", y una literatura pestífera con lo "nacional" cuando esto es entendido que el nacimiento deviene inmediatamente nación, de modo que no hay separación
como austrofascismo. Desde los años 30 hasta el fin de la Segunda Guerra, Austria entre los dos momentos.
pensó su patria como integrante del paisaje alemán. El tránsito de la patria como Si el refugiado representa un elemento tan inquietante, dice Agamben, es porque,
paisaje a la patria como Nación, problema que ocupó a las literaturas alemanas desde rompiendo la identidad entre hombre y ciudadano, y entre nacimimiento y nacionali-
el siglo XIX, encontraría a dos acérrimos críticos en los austríacos Robert Musil y dad, pone en crisis la ficción originaria de la soberanía. El refugiado, esta figura aparente-
Thomas Bernhard, paradigma de lo que la academia austríaca encuadra como novela mente marginal, merece ser considerado como la figura central de nuestra historia
anti-patria (Antiheimatroman). política porque rompe la vieja trinidad estado-nación-territorio. Dice Agamben: El refu-
2. Esa expresión de los años 90 estaba en la realidad y en la literatura. Shila Vilker la giado es un concepto-límite que pone en crisis radical el principio del estado-nación y,
reproduce en su Le digo me dice (Buenos Aires, Paradiso ediciones, 2004: 26) : "[ay,cómo en conjunto, permite abrir una renovación de nuestra categorías [25, subrayados nue-
me comería una cucharada de dulce de leche, [¿y eso, gordita? [el otro gran invento stros].
argentino, [¿ves que no podemos irnos de este país de mierda?, ¡y vos que cuando subió 4. Arjun Appadurai (Modernity at large. Cultural Dimensions of Globalization.
ese patilludo querías irte!, [¿te acordás cómo sacamos los pasaportes?" Minneapolis-London, Univ of Minnesota Press, 2000) dice que los sentimientos serían
3. Giorgio Agamben, Mezzi senza fine. Note sulla politica. Torino, Bollati Boringhieri, elementos fundamentales de la construcción de los modernos estados nacionales. Y
1996 [hay trad. castellana en la editorial española Pre-Textos] dice que deberíamos que solo una teoría del afecto en relación con lo político puede explicar esto. Las emo-
abandonar los conceptos fundamentales en los que nos habíamos representado el suje- ciones no son materiales crudos, preculturales que constituyen un sustrato universal y
to de la política, es decir, el pueblo soberano, el trabajador, el hombre y el ciudadano con transocial; el afecto se aprende [146-147].
sus derechos, y reconstruir nuestra filosofía política a partir de una figura única para Martha C. Nussbaum (Poetic Justice. The Literary Imagination and Public Life. Boston,
pensar el pueblo en nuestro tiempo: la del refugiado [21]. La primera aparición del refu- Bracon Press, 1995) dice que hay una relación específica entre la literatura y las emo-
giado como fenómeno de masas, dice Agamben, tiene lugar al fin de la Primera guerra, ciones. Los afectos no son solo respuestas al contenido de muchas obras literarias; estan
cuando la caída de los imperios ruso, austrohúngaro y otomano transforma la Europa construidos y se alojan en su estructura misma. Pero no están solamente en la liter-
centrooriental. Durante y después de esa guerra muchos estados europeos introdu- atura; las emociones juegan un importante papel en la práctica pública (sobre todo en
jeron leyes que permitían la desnaturalización y la desnacionalización de los propios los jurados y en el sistema judicial) y se relacionan con las creencias [ 53-71].
ciudadanos. Estas leyes significaron un cambio decisivo en la vida del estado-nación 5. Michael Taussig (Defacement. Public Secrecy and the Labor of the
moderno y su definitiva emancipación de las nociones ingenuas de pueblo y de ciu- Negative. Stanford, Standford UP, 1999) presenta este libro como un comentario a lo
dadano [22]. Dice Agamben que H. Arendt tituló el capítulo 5 de su libro Imperialismo, que G.W.F. Hegel llamó "la labor de lo negativo" [2-3] . Dice que el dinero, un cuerpo,
"La declinación del estado-nación y el fin de los derechos del hombre", estableciendo un una bandera, un monumento público pueden ser profanados, y producen entonces un
lazo fundamental entre los dos conceptos. Conforme a la etimol, natio significa en su plus de energía negativa, que surge desde dentro de la cosa misma. "Desde que la

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desacralización más espectacular, la muerte de Dios, fue anunciada por el loco de idad, encargado de simbolizar lo invisible, temporal y espacial, y de celebrar la unidad
Nietzsche, ese estado negativo puede ser más sagrado que lo 'sagrado'". La negación de los que comparten una creencia común o un pasado común. El poder político nece-
sería un plus sagrado cuya fuerza yacería en el modo de revelación que, como el sita construir un semióforo fundamental, que sería el lugar y el guardián de los semió-
desenmascarar, equivale a un descubrir transgresivo de algo 'secretamente familiar' foros públicos. Ese semióforo matriz es la nación, dice Chaui. Por medio de la intelli-
[51]. Entonces, el sacrilegio y la profanación serían la forma negativa de lo sagrado y gentsia (o de sus intelectuales orgánicos), de la escuela, bibliotecas, museos, archivos
ejercen la curiosa propiedad de magnificar, no de destruir, el valor, dice Taussig [55]. , el patrimonio histórico - geográfico y de los monumentos celebratorios, el poder
Giorgio Agamben , en "Elogio della profanazione" (Profanazioni. Roma, edizioni not- político hace de la nación el sujeto productor de los semióforos nacionales y, al mismo
tetempo, 2005, pp. 83-106) usa 'profanación" en el sentido de 'hacer profano' algo tiempo, el objeto del culto integrador de la sociedad una e indivisa [14]. Chaui diferen-
sagrado: de restituirlo al uso común de los hombres, sacándolo de la esfera religiosa y cia el lugar de la nación entre 1830-1980 y las representaciones desde fin de 1980
sacra. La religión sustrae lugares, cosas, animales o personas del uso común y las trans- [29]. En el primer periodo la nación y la nacionalidad son un programa de acción y ocu-
fiere a una esfera separada: toda separación conserva un núcleo religioso y no hay pan, a la derecha y a la izquierda, el espacio de las luchas económicas, políticas e ide-
religión sin esa separación [84]. Hay que distinguir entre secularización y profanación, ológicas. En el segundo periodo nación y nacionalidad se separan de las representa-
dice Agamben. La secularización es una forma que se limita a transportar de un lugar a ciones ya consolidadas (que ya no son objeto de disputas), y tienen a su cargo difer-
otro y deja intacta la fuerza (por ejemplo, la secularización política de los conceptos entes tareas político-ideológicas, tales como legitimar nuestra sociedad autoritaria,
teologicos). La profanación implica, en cambio, una neutralización de lo que profana: ofrecer mecanismos para tolerar varias formas de violencia y servir de parámetro para
una vez profanado, lo que estaba separado pierde su aura y se restituye al uso. Las dos avalar las autodenominadas políticas de modernización del país ('Brasil 500' fue un
son operaciones políticas: la primera tiene que ver con el ejercicio del poder; la segun- semióforo históricamente producido, que reactualiza el mito fundador), 29.
da desactiva los dispositivos del poder y restituye al uso común lo que había confisca- 8. En El asco Vega llega de Canadá a El Salvador de su infancia por unos días para
do, 88. Porque la profanación es una operación compleja que no se limita a abolir la arreglar los asuntos de la muerte de su madre, se sienta en un bar y le habla a Moya
forma de la separación para reencontrar un uso incontaminado. La creación de un nuevo durante dos horas; en La virgen es la voz del que llega al Medellín de su infancia desde
uso es posible para el hombre solo desactivando un uso viejo, haciéndolo inoperante, otra parte, se instala por un tiempo limitado (todas las ficciones son provisorias hoy),
99 y tiene relaciones con los jóvenes sicarios que matan y son matados: se encuentra con
¿Podría pensarse quizás que 'nuestras' profanaciones latinoamericanas intentarían algo la política de la muerte. La voz que viene de afuera en Contra o Brasil es, cada vez, la de
así como restituir la nación al uso común (para usar la expresión de Agamben)? un viajero ilustre, famoso y autorizado: Claude Lévi-Strauss, Darwin, Evelyn Waugh,
6. En esta posición puede verse claramente el legado de Diógenes y los diálogos de los Camus, Karl von den Steinem, Jacques Offenbach, Carl Seidler, Rudyard Kipling y otros.
cínicos: el que ejerce la actividad desacralizante se dirige a otro y se pone por encima La posición del exilio (ese adentro-afuera de los sujetos nacionales -héroes, fundadores,
de ese otro, que escucha y a veces responde en Vallejo y en Mainardi. El otro como escritores-intelectuales) que se ve tan nítidamente en Facundo, en algunos textos de
escucha total, sin voz, está en El asco. Bolívar, y en Martí, es productora de nación/patria. Frente a estos sujetos nacionales
7. Marilena Chaui. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritaria. Sao Paulo, Editora del pasado, los diaspóricos aparecen hoy como centrales. Esto es evidente en la pro-
Fundaçao Perseu Abramo, 2000 [5a reimp 2004] examina la construcción autoritaria de fusión de términos usados hoy para los que se van a otra parte: exiliados, transterra-
la nación. Para esto introduce la noción de semióforo: algo retirado del circuito de util- dos, expatriados, deportados, refugiados, evacuados… (G. Deleuze en Qué es la

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filosofía, ya se refería a los migrantes como uno de los sujetos conceptuales de los ah, eso ya sí es otra cosa. Es el veneno que te escupe la serpiente." [La Virgen , 49]
años 80). El discurso antipatriótico tiene en común con los discursos y tonos clásicos "En Colombia, de tantos que había y de devaluarse tanto, "hijueputa" quedó valiendo
de la nación latinoamericana venir desde el exterior de la nación, y ser enunciada en nada. Ayer insulto, hoy significaba simplemente persona, tipo, un tal, un cual, un fulano,
una posición afuera-adentro, liminal. usted, su papá, su tío, yo, el Padre, el Hijo, el Espíritu Santo, alguien y nadie, mucho y
La emigración y el exilio político serían entonces posiciones fundamentales en relación poco, todo y nada." [La rambla, 97]
con la nación o desde las que se constituye o destituye la nación. Dicho de otro modo: Y para El asco, el cerote:
la posición afuera-adentro de la nación es necesaria para la articulación de los discur- "Nunca he visto gente con más excremento en la boca que la de este país, Moya, no en
sos constituyentes de la nación, y para sus reformulaciones. En nuestro caso del rever- balde la palabra "cerote" es su principal muletilla de lenguaje, no tienen en la boca otra
so o destitución, en el caso del que se fue (cualquiera sea la causa) su posición afuera- palabra que "cerote", su vocabulario se limita a la palabra "cerote" y sus derivados:
adentro está planteada como 'el que mira desde afuera y habla aquí mismo', en un ter- cerotísimo, cerotear, cerotada. Increíble, Moya, cuando lo ves con distancia, una palabra
ritorio 'representativo de nación'. La diferencia entre exilio político y emigración sería que designa un trozo de excremento, una vulgar y asquerosa palabra que significa una
poder o no poder volver: nuestras voces de los malos sentimientos vuelven para articu- porción de excremento humano que se expele de una vez, la más soez palabra sinóni-
lar su discurso en 'el interior' y se vuelven a ir. ma de mojón es la que tienen metida en la boca con mayor fijeza mi hermano y su
9. Oigamos otra vez a estos cínicos de los 90. amigo negroide, me dijo Vega." [El asco, 109, subrayados nuestros]
"Vos, Moya, como no tenés carro no sabés de lo que estoy hablando..." [El asco, 48] 11. El concepto freudiano de ambivalencia está expuesto en el capítulo 2 de Totem y
"!Uy, vos sí sos un verraco! -me dijo Alexis-." [La Virgen de los sicarios, 37] tabú [1912]: designa lo que tiene dos sentidos contrarios; su campo de elección es el
En La rambla paralela [Madrid, Alfaguara, 2002: 50], también de Fernando Vallejo: "¿Y de los sentimientos, afectos, actitudes, y de manera general el antagonismo entre deseo
esos plurales de segunda persona, "habéis", "entráis", "sacáis", "zumbáis"?" ¿Oí bien? ¿A de vida y de muerte . La ambivalencia , con las políticas de los afectos, sería contradi-
un antioqueño hablando con el vosotros? ¿Habrase visto mayor fenómeno? aléctica. Aquí, como en el análisis del phármakon de Derrida, la ambivalencia de la pal-
-¿Se te contagió España, o qué, pendejo? Dejá de arriar mulas y de hablar como abra [remedio o veneno] es inseparable de la ambivalencia de la cosa misma: la comu-
gachupín loco y andate otra vez para la calle que aquí no tenés nada que hacer." nidad nacional.
10. María Moreno , "Volver ya no es lo que era" (Radar, suplemento de Página 12, 31 Los filólogos, dice Agamben en "Elogio della profanazione" (op.cit), no dejan de marcar
de octubre de 2004) cita a un profesor argentino que dice que volvió porque extraña- el significado doble, contradictorio, que el verbo profanare parece tener en latín: por una
ba la palabra "boludo", dicha a suficiente velocidad como para convertirse en "bolu", y parte, hacer profano, por la otra sacrificar, 88. Se trata de una ambigüedad que parece
que cuando la escuchó por primera vez en boca de su sobrino, se puso a llorar de tal inherente al vocabulario de lo sacro como tal, dice Agamben: el adjetivo sacer, con un
forma que lo coaccionaron a un tratamiento psiquiátrico. contrasentido que ya Freud había notado, significa tanto "augusto, consagrado a los
Y nuestros escritores con sus palabras afecto: dioses", como "maldito, excluido de la comunidad". La ambigüedad es constitutiva de la
"Tenía razón, todo el problema de Colombia es una cuestión de semántica. Vamos a ver: operación profanatoria. Sagrado y profano representan, en la máquina del sacrificio, un
"hijueputa" aquí significa mucho o no significa nada."!Qué frío tan hijueputa!", por sistema de dos polos, en el cual un significante fluctuante transita de un ámbito al otro
ejemplo, quiere decir: !qué frío tan intenso! "Es un tipo de una inteligencia la hijueputa" sin dejar de referirse al mismo objeto, dice Agamben [ 88-89]
quiere decir: muy inteligente. Pero "hijueputa" a secas como nos dijo ese desgraciado, Catherine Fuchs ("Ambiguïté et ambivalence: le discret et le continu" en

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Ambiguïté/Ambivalences. Actes du Colloque International organisé par le Centre de
Recherches Ibériques et Ibéro- Américaines de l'Université de Rouen [Mayo 1993].
Publications de l'Université de Rouen Nº 203, 1995, pag. 9-23) dice que la lengua
como 'código', como sistema de signos y diferencias, excluye todo funcionamiento
ambiguo, es decir, expresiones donde se acumulan dos sentidos diferentes y normal-
mente exclusivos o contradictorios. Esos efectos solo pueden aparecer en el uso por
parte de sujetos: en el discurso. Con la univocidad, la ambigüedad y la ambivalencia se
trataría de articular la unidad y la diversidad semántica.
Y Sygmunt Bauman ( Modernity and Ambivalence. New York, Polity Press, 1991) orga-
niza este libro según los diferentes aspectos de la lucha moderna contra la ambivalen-
cia, identificada con el caos y la falta de control, 15. Y en dos ideas centrales: la primera
es que la ambivalencia, un aspecto normal de la práctica lingüística, surge de una de las
principales funciones del lenguaje: la de nombrar y clasificar. La ambivalencia es el alter
ego del lenguaje, su compañero permanente y su condición normal, dice Bauman [pag.
1]. La otra idea es que la modernidad entabla una guerra contra la ambivalencia, porque
su tarea central es poner orden. Orden y caos son gemelos modernos, dice Bauman [3-
4]. "La práctica típicamente moderna, la sustancia de la política moderna, del intelecto
moderno, de la vida moderna, es el esfuerzo por exterminar la ambivalencia" [7] .

12. Y en La virgen de los sicarios: "como bastó una chispa para que se nos incendiara
después Colombia, se "les" incendiara, una chispa que ya nadie sabe de dónde saltó.
¿Pero por qué me preocupa a mí Colombia si ya no es mía, es ajena?" [8].

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Distracción, un estudio sobre algunas experiencias
visuales de Ivan Cardoso, Torcuato Neto y Hélio Oiticia

Mario Cámara

No se excluye que en el futuro la historia, existencialmente significativa, se desar- cionar en otro contexto enunciativo. "O revival - agrega - tornou-se
rolle ante los ojos de los espectadores sobre paredes y pantallas de televisión, y no um elemento preciso e claro, de uma objetividade impressionante,
en el espacio del tiempo. Eso sería realmente una posthistoria. Por eso el film es que o faz evitar qualquer insinuação de nostalgia ou melhor, saudo-
el arte de nuestro tiempo, y el gesto fílmico el del hombre nuevo, un ser que desde sismo". "Chega de saudade", recordemos, era el estribillo final de
luego no nos resulta incondicionalmente simpático. Saudosismo, una de las canciones emblemáticas del Tropicalismo de
Caetano y Gil de fines de los sesenta. Ni revival nostálgico ni pre-
Vilém Flusser ocupación con la originalidad. "A saída não está em "retomar" o
feito: "não confundir reviver com retomar". Reviver a invenção é
começar tudo de novo: eis o "novo". Essa atitude inclui uma nova
disposição dos signos já experimentados, agora livres do "drama da
NEW YORK procura". Las imágenes, y lo mismo vale para las palabras, no
pueden ser retomadas porque no disponen de una forma que las
En una carta del 16 de julio de 1971 Torquato Neto escribe anteceda, el sentido emanado proviene de la serie en la que se inser-
a Hélio Oiticica "Tenho mil filmes na cabeça, um por dia. Eu já fui tan. De este modo, el revivir y el encarnar se refieren no a la certeza
estudante querendo fazer filmes, já fui compositor querendo fazer de una falsa disponibilidad del pasado, que ha dado lugar a una mul-
filmes, a vida inteira atrás disso- não é possivel que eu não consiga tiplicación de "neos", sino a la convicción de que toda repetición (lo
em breve". Aquel mismo dia, pero desde Nueva York, Oiticica contrario del neo) es un retorno pero un retorno de lo no idéntico.
escribe a Torquato Neto "a ideia proferida por um critico de quem En la misma carta, pocas líneas después, Oiticica menciona a Stan
não me lembro o nome, de que Mario Montez não seria o drag de Brakhage y aconseja a Torquato Neto ver sus películas junto con las
Maria Montez, mas a encarnação de Maria Montez, é perfeita e justa: de Andy Warhol 1. Le recomienda pedirlas en la embajada americana.
não há preocupação em representar a atriz, mas em encarná-la". En Con los comentarios anteriores Oiticica había imaginado un proced-
ese breve extracto con el que se refiere a uno de los actores fetiches imiento, ahora con Warhol y Brakhage propone una sensibilidad y
de las películas de Andy Warhol, Oiticica esta leyendo la potencia de postula un lugar diferente para el espectador/lector 2. Recordemos
las imágenes de la factoría cultural de Nueva York. No representar es que Warhol solía afirmar que sus películas "se hicieron también para
la consigna, sino encarnar en una imagen circulante y ponerla a fun- ayudar a que la gente se relacionara más consigo mismos. Por lo gen-

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eral, cuando uno va al cine, uno se sienta en un mundo de fantasía, mentaron encuentran una analogía con los modos de participación
pero cuando uno ve algo que le molesta, uno se involucra más con la que Walter Benjamín, en su ensayo de 1936 sobre la reproductibili-
gente de al lado (...) Uno puede hacer más cosas viendo mis pelícu- dad técnica, había denominado "táctiles". Lo táctil debe entenderse
las que con otra clase de filmes: puede comer, beber, fumar, toser y en un doble sentido, como aquellas imágenes que acribillan al espec-
distraerse, y cuando vuelve a mirar a la pantalla, todo está igual" 3. tador 5 a través de un cumulo de planos, o bien como aquellas que
Una distracción provocada por la incomodidad del tedio. En efecto, producen su distracción. En ambos casos Benjamín esta pensando
las películas de Warhol no pretendían capturar la atención del espec- en una salida a la contemplación idealista. La temporalidad de la dis-
tador sino disiparla, configurando de este modo una forma de par- tracción o el ritmo desenfrenado no eran, sin embargo un transcur-
ticipación paradójica donde el comer y el beber significaban a la vez so muerto o alienado, sino el espacio donde mediante el establec-
presencia y ausencia. El espectador era activo pues se defendía del imiento de nuevas correspondencias era posible aprender nuevas
tedio comiendo o bebiendo y al mismo tiempo era pasivo al no resi- percepciones 6. Tanto Warhol como Brakhage, como luego Oiticica
stir al tedio propuesto por las imágenes y por ello comía y bebía. y Neto, se dirigían a la construcción de una nueva pedagogía de la
Frente a Warhol las películas de Brakhage, quizá su más perfecta con- percepción.
trafigura, eran un proyectil que chocaba contra su destinatario.
Entregado a la "verdad" de su cámara de 8 o 16mm, Brakhage Las reflexiones de Oiticica intentaban saldar la discusión sobre el
procuraba "un ojo no gobernado por las leyes de la perspectiva valor de lo nuevo, la cuestión de la originalidad y el estatuto de los
hechas por el hombre" que le permitiera revelar nuevas formas de la materiales con los que el artista debía trabajar. Temas que las van-
materia. Además del registro fílmico, Brakhage trabajaba sobre el guardias brasileñas, especialmente la Concreta, de la que el propio
celuloide con incisiones y collages que dotaban a sus imágenes de Oiticica provenía, habían discutido durante buena parte de los años
una expansión y una dimensión plástica y sensorial. Tanto el tedio sesenta. Ello significaba volver a pensar la relación productor-medio-
warholiano como el trabajo sobre el celuloide operaban mediante receptor o, que es lo que aquí nos interesa, cineasta-medio-especta-
una adición sustractiva que adicionaba al cine de nuevos elementos y dor. Lo táctil no sólo anulaba el tiempo pleno de la contemplación,
revelaba con ello su incompletud, la contingencia de un derecho a la como ya lo hemos dicho, sino que establecía el fin de una pedagogía
autonomía que se había pretendido perenne 4. y pugnaba por imaginar otras temporalidades que salieran del vector
Los nuevos modos de sensibilidad que Warhol y Brakhage experi- teleológico inicio-medio-fin. Durante los siete años que pasó en New

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Distracción, un estudio sobre algunas experiencias visuales de Ivan Cardoso, Torcuato Neto y Hélio Oiticia
York el cine 7 fue para Oiticica uno de los objetos que le permitiría dialécticas o de un camino triunfal hacia una abstracción total en el
reflexionar y poner en práctica lo mencionado. En este sentido, resul- arte. Entre uno y otro paradigma había transcurrido la década del
ta particularmente ilustrativa una de sus experiencias, la que llevó a sesenta en Brasil, con la excepción quizá de lo que fue el movimien-
cabo junto a Neville D´Almeida, y tiene por título "Quase-cinema to tropicalista. Para construir un nuevo arte sobre las cenizas de la
Experimentos en Bloc a Cosmococa" (1973). Allí Oiticica y dialéctica, positiva y negativa, es decir pre y post Adorno, Torquato
D´Almeida combinaban sonoridades, proyección de slides, e imá- Neto, desde su columna diario Geleia geral Torquato Neto alentaba
genes fotográficas. La proyección de slides, que se daba a intervalos la utilización del super ocho:
regulares, ponía de manifiesto el carácter estático de las imágenes. Se
utilizaban cuatro paredes y las imágenes, con intervalos de quince "Superoito é moda? É. E é também cinema. Tem gente que já está
minutos, aparecían una tras otra. Completadas las cuatro paredes se nessa firme e não está exatamente só brincando. Em minha opinião,
iniciaba una nueva serie que convivía con las anteriores hasta com- está fazendo o possível, quando é possivel. Aquí, então, nem se fala:
pletarse. Una imagen de la nueva serie y tres de la anterior, dos y dos, superoito está nas bocas e Ivan Cardoso, por exemplo, vai experi-
tres y una. Yuxtaponiendo lado a lado la anterior y la posterior, el dis- mentando. Bom e barato,. Bom. O olho guardando: aperte da janela
positivo permitía un análisis deconstructivo de la experiencia del cine do ônibus, como sugeriu Luiz Otávio Pimentel, e depois veja. É
mientras que el despliegue circular cuestionaba el tiempo lineal y bonito isso? Descubra: aperte e depois repare. As aventuras de
dejaba abierta la posibilidad de "ingresar" por cualquier lugar a aque- superoito, herói sem som - e se quiser falar também tem: em Manaus,
lla proyección. Sin ser cine sino casi-cine (quasi-cinema) los experi- nos Estados Unidos, na Europa, nas boas lojas. Nas importadoras.
mentos en Cosmococa se presentaban sin embargo como una Superoito pode ser fino, se você é fino. E poder ser grosso. A crise
descripción, y una crítica, del cine: imágenes fijas enmarcadas en geral também é do cinema e haja produção. Quando todos os ídolos
cuadros y proyectadas en secuencias resistían, en virtud de su filmmakers e superstars vão ao chão superoito também vai. Vê de
duración, una narración que, de otro modo, rápidamente se trans- perto. Não vê nada. Eu gosto de superoito porque superoito está na
formaría en espectáculo. El espectador, provisto de almohadones, moda. E gosto do barulhinho que a câmera faz - em Orgramurbana
limas de uña y pelotas de fútbol, podía participar o distraerse. (a vovó de Frederico). Hélio Oiticica notou também que filmar é
melhor do que assitir cinema, e melhor do que projetar. Se o espec-
RÍO DE JANEIRO tador é um voyeur, o critico é um tarado completo. E quem vê, já viu,
critica. Superoito superquente.
En Río de Janeiro, en forma paralela a las cartas que intercambiaba Aquella invención técnica, que le debía mucho a la Segunda Guerra
con Hélio Oiticica Torquato Neto llevaba adelante una columna en Mundial, y había desembarcado en el Brasil de los setenta, parecía un
el diario A última hora. Entre cartas y crónicas se iba delineando un atajo para los crecientes costos de hacer cine en un Brasil gobernado
agenciamiento estético que buscaba apartarse de un discurso que por la dictadura. Evitaba la cooptación por medio de subsidios de
pregonaba o una revolución en ciernes atada a inexcusables leyes parte del Estado, crítica que Torcuato Neto le hacia a los restos del

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cinema novo, y sorteaba la mirada, cada vez más asfixiante, de la cen- exeções Nelsinho sempre se dá muito bem. Em compensação, Paulo
sura. En la crónica citada, aparecida el 29 de agosto de 1971, Neto César deslumbrou a platéia meio malacosumada aos ídolos do fute-
mencionaba a Ivan Cardoso, que en ese momento se encontraba fil- bol, vocês sabem, por aí pela noite da granfinagem e tal; Jairzinho,
mando en super ocho, Nosferatu no Brasil con la actuación del pro- que eu voisse, não chegou a ir, mas pintou de galã numa sequência
pio Neto. Podemos rastrear las etapas finales de aquel proyecto a com automóvel e loura: Os piratas do sexo voltam a matar. Numa só
través de las cartas que Neto envía desde Río a Oiticica, "Nosferato noite e com apenas três filmes, Helena, a namorada de Ivan Cardoso,
do Brasil ainda esta sendo filmado. Semana passada vimos os três pulou firme para o posto que lhe cabe sem discursos: maior super-
primeiros rolos e vários slides, tudo fantástico. Ivan Cardoso é outro star do superoito nacional. Todo mundo lá.
cara que eu estou namorando agora: filmes de vampiro, transas por
aí, você acha que eu ia perder uma maravilha dessas? Quando você La crónica dedica todavía otro párrafo a inventariar los personajes
puder ver essas coisas vai dar pulos. O filme está incrível e as caras que asistieron a la proyección. Luego, se incluye un texto que se llama
que providenciei para mim são inacreditáveis. Tomei um susto quan- "inventar"
do vi. Fantástico! Quero fazer filmes com Ivan e mais alguns. O que
voce acha? Ivan me disse que ia mandar para você alguns stills do Classe A, artistas y poetas, fotógrafos e cronistas, atores e atrizes,
filme, mandou? Gostou? Casi dos meses después, también en carta Classe B, classe 2ª, jogadores e fuebolistas, marginais e pirados, copi-
para Oiticica, cuenta "terminamos, finalmente, as filmagens de desques, cineastas, vampiros e mocinhas, amor & tara, os divinos e
Nosferato no Brasil. Ontem à tarde Ivan me telefonou para dizer que os repelentes, os deuses e os mortos, os mortos-vivos e os vivíssi-
quase tudo já esta montado e que veremos logo. El 29 de noviembre, mos, publicitários e mecenas, amantes, desamantes, diamantes, car-
en otra comunicación con Oiticica, Neto cuenta "recebi tua carta reiristas e desocupados, o tout-Rio de cima e o tout-Rio de baixo,
hoje de manhã e ia escrever depois de conversar, hoje à noite, com caras limpas e caras bem quebradas, todo mundo lá, todo mundo
waly e ivan cardoso, na primeira exibição completa do Nosferatu no firme nessa primeira grande noite pública do melhor cinema
Brasil...". Esa noche a la que hace referencia aparecerá en su crónica brasileiro que este cronista comovido agradece só porque existe.
y servirá para profundizar la discusión que Neto mantenía con Anotar ainda: Amor e tara, Nosferato no Brasil e Piratas do sexo
algunos integrantes del cinema novo, especialmente en relación al voltam a matar: três filmes: o cinema brasileiro não morreu nem
discurso morrerá: morreram os trouxas: quem não inventa faz superpro-
duções estúpidas: quem não acredita na invenção a qualquer preço
Quente mesmo foi a sessão de cinema que Ivan Cardoso promoveu não sabe o que é malandragem, bate na ponta da faca e ainda se abor-
anteontem nos salões dos Taborda. Quente por causa dos filmes rece: suicidas são eles: transemos em superoito: nossa curiosidade
quentíssimos de Ivan e quente pela temperatura geral da platéia (con- não tem limites: rogério e julinho, quentura, viva: fraturas expostas
vidadíssima), subindo, subindo, queimando e pegando fogo. Nelson na tela desoficial: quem quiser que viva de barganhas: invenção
Motta, por exemplo, foi um que esfriou bastante, mas em matéria de transemos com a imagem: godard: é preciso confrontar idéias vagas

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Distracción, un estudio sobre algunas experiencias visuales de Ivan Cardoso, Torcuato Neto y Hélio Oiticia
com imagens claras: o abstrato versus o concreto armado: nem mor-
reu nem morrerá: cinema, Brasil, 1971: Ivan Cardoso apresenta.

De este modo Torcuato Neto construye un texto de combate medi-


ante una descripción envuelta en un clima festivo y lleno de
movimiento, actividad y distracción para un cine, el marginal, que
pretendía recusar toda pedagogía revolucionaria. Intervención doble:
el evento en si y la descripción del mismo en la crónica que crea una
nueva comunidad.

RIO-NEW YORK

No hay constancia de que Ivan Cardoso haya enviado, efectivamente,


algunos stills para Oiticica, como pregunta Neto en la carta, ni tam-
poco sabemos la fecha exacta en que Oiticica asistió a aquella pelícu-
la, pero podemos rastrear que desde fines de enero de 1971 Neto
comienza a planificar junto a Wally Salomão una publicación que se
llamaría Navilouca en referencias a las lecturas foucaultianas que
ambos estaban realizando. La publicación sólo llegó a concretarse en
1974, cuando Neto ya se había suicidado. Allí encontramos un artícu-
lo de Oiticica sobre el Nosferatu de Cardoso 8. Oiticica consideraba
aquella película como "anarrativa", con personajes que fijaban
tipologías y secuencias que no determinaban significados cerrados.
Las discontinuidades, en realidad nuevas escansiones, atentaban con-
tra la linealidad de la secuencia narrativa y promovían, como ya
hemos señalado, nuevos recorridos sensoriales y semánticos. "Para
Oiticica, a relação espectador-cinema sofre uma mudança básica:
como na televisão, ele "absorve por mosaicos"; é participante" no
preencher lacunas estruturais e nas interferências acidentais" 9.
El proyecto de Torcuato Neto, que cierra el recorrido de este texto,
también fue filmado en super 8, en su ciudad natal Teresina. O assas-

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ino da vérmela narra la historia de un regreso y un ajuste de cuentas.


Un asesino que rápidamente se convierte en serial por efecto de la
trama. Sin referencias críticas sobre aquel film, que en la actualidad
navega entre la extinción y anonimato debido a las dificultades de
acceder a él, voy a tomar algunas de las ideas del brillante ensayo de
Cláudio da Costa Cinema brasileiro (anos 60-70) dissimetria,
oscilação e simulacro. Basándose en Tyler Parker, teórico del cine
underground américano, Da Costa recupera el concepto de fetish
footage, que significa, en un film, la exposición literal de la fijación
particular de alguien y agrega "ao invés do cuidadosamente editado
com economia da forma plástica em mente, esses filmes under-
ground são mostrados inteiros, assemelhandose com episódios infla-
dos, na melhor das vezes, e tendendo ao inarticulado "tempo sólido"
da câmera do ponto fixo desenvolvida por Warhol em 1963. Un
tiempo sólido e inarticulado es lo que se despliega en el film de
Torcuato Neto. La insistencia en la muerte, su reiteración sin fin por
parte del protagonista explicitan una temporalidad que no consigue
desplegarse, que no logra salir de su comienzo y no consigue llegar
hasta un final. La muerte es imposible puesto que ella no se trans-
forma en una acción que modifique al mundo 10. "O meio (a situ-
ação) não é a potência para uma acão, mas a impotência que cria uma
imagem-inação", señala Da Costa. Neto descarta la forma impuesta
por la acción y experimenta con la disforma de la impotencia, en este
caso la impotencia, paradojica por cierto, de matar o de dejar de
matar.

En diferentes geografías, aunque conformando una comunidad que


desafiaba fronteras y censura, Oiticica, Cardoso y Neto fueron con-
struyendo en los primeros años de la década del setenta, una experi-
encia que intentó rebasar la inmaculada autonomía del arte, destituir
la contemplación trascendental que la noción de modernista de

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Distracción, un estudio sobre algunas experiencias visuales de Ivan Cardoso, Torcuato Neto y Hélio Oiticia
forma reservaba para el espectador y apuntar contra las nociones ori-
gen y originalidad, fueron algunos de los preceptos que guiaron estas
producciones visuales, algunas de las cuales pertenecieron al cinema
marginal (Nosferatu y O assasino) que más que enfrentarse al cine-
ma novo lo deconstruyó desde dentro, transformando la estética del
hambre glauberiana, como ha señalado Haroldo de Campos, en
destética de lo disforme.

Notas
1 En una carta anterior le había mencionado a Jonas Mekas.
2 Warhol, Brakhage, Mekas son algunos de los nombres que componen lo que se conoció
como el cine underground americano o "New American Cinema". A esos nombres les
podemos sumar los de Jhon Cassavetes, Kenneth Anger, John Lennon y Yoko Ono.
3 En las películas de Warhol no hay ni historia, ni argumento, sino "incidentes".
4 La cadena mundial Music Television ha leído cuidadosamente el cine de Brakhage. La
significación actual de la cadena nos habla de infinita potencia de absorción de la indus-
tria cultural.
5 El propio concepto de espectador entra en crisis.
6 En este sentido debe ser leída la participación del espectador, es decir como el intento de
llevar hasta las últimas consecuencias las premisas de un arte desauratizado.
7 Recordemos la siguiente cronología: en 1968 participa como actor en la película
Câncer de Glauber Rocha y en 1972, también como actor, en la inhallable Lagrima
Pantera de Julio Bressane; Agripina é Roma-Manhattan, como director (1972) con Mario
Montez y Antonio Dias; Neyrótica, como director (1973).
8 También hay otro artículo de Haroldo de Campos sobre Cardoso. Haroldo escribirá
sobre el cine marginal para la muestra organizada por Rubem Machado Jr. durante el
2002 en el Centro Cultural Banco do Brasil.
9 FAVARETTO, Celso. A invenção do Hélio Oiticia. São Paulo. EDUSP, p. 213.
10 Da Costa incluye en sus reflexiones sobre "imagen inacção" al film Câncer de Glauber
Rocha.

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Banalidad (a propósito de Cinema Falado de Caetano Veloso)

Gonzalo Aguilar

Desde su tiempos como crítico de cine, a principios de los


sesenta en Salvador, Godard fue una de las pasiones de Caetano. En
14-16 de mayo de 1999, París. ¿Se acuerdan cuando Jean-Luc su libro Vereda tropical escribió que Sin aliento fue una revelación;
Godard ponía canciones de Charles Aznavour en sus películas? Jean- Pierrot le fou y Una mujer es una mujer, fundamentales para el trop-
Paul Belmondo cruzaba apurado la Rue Faubourg de St. Denis, con icalismo, y Masculino-femenino, con sus "filhos de Marx y a coca-
su polera beige y su blazer ajustado, mientras en el bar lo esperaba cola", un momento más de la cotidianeidad y de la vida. Finalmente,
Ana Karina con una estola de piel blanca y el tapadito escocés, La Chinoise y Week-end, "comentários sobre a parte já vivida da
fumando Gitanes. Por una moneda de 20 francos, podía escucharse aventura". En los ochenta, la prohibición de Je vous salue, Marie
en la rockola "Tu t'laisses aller" cantada por Charles Aznavour, sí, el durante el gobierno de Sarney hizo que Caetano saliera a pelearse
mismo de Disparen sobre el pianista de Truffaut y del champagne con todos e irrumpiera en el Festival de Cine de Rio de Janeiro, vesti-
Monitor. Entonces, Ana Karina suspiraba (nadie supiraba como ella) do con ropas extravangantes, para acusar de imbéciles a los respon-
y decía "Aznavour me hace perder la cabeza". Otro tanto dijo algu- sables de la prohibición. Hasta se peleó con Roberto Carlos quien le
na vez Bob Dylan, un hombre poco inclinado al elogio fácil: respondió que "o povo é contra o filme. Então, graças a Deus, a
"Aznavour es un genio". minha opinião é a opinião do povo". El caso adquirió carta de ciu-
dadanía en el rock con la canción de Paralamas do Sucesso: "O gov-
En los tres recitales sucesivos que dio en la Cité de la erno apresenta suas armas / Discurso reticente, novidade inconsis-
musique en París, en mayo de 1999, con Augusto de Campos y tente / E a liberdade cai por terra / Aos pés de um filme de Godard"
Lenine como invitados, Caetano Veloso interpretó "Tu t'laisses aller" ("Selvagem"). Caetano siempre fue un godardiano 2 y defendió la
de Charles Aznavour e hizo, para cada una de las intepretaciones, una vitalidad, la experimentación y la frescura de sus primeras películas.
introducción autobiográfica en la que habló de Unne femme est
unne femme, el film de Godard de 1961 que incluye la canción.1 El Godard es una de las presencias tutelares de Cinema falado
primer día, habló de Ana Karina, el segundo de Aznavour y el ter- tanto por la profusión de sentencias que oscilan entre la boutade y la
cero de Godard. Es decir, habló del cuerpo, la voz, la mirada; de la sabiduría como por el amor a la cita y la experimentación. Así como
star, el chansonier, el director. en sus recitales Caetano descubría la cinta de Moebius que le per-
mitía ir de Godard a Aznavour, en la película el mundo ultraconver-

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Banalidad (a propósito de Cinema Falado de Caetano Veloso)


sado de Godard envía a Noel Rosa y a su samba-canción "Não Tem orden secreto regía la ciudad y el film. En esos años, el cine de la
Tradução". Compuesto en parcería con por Ismael Silva y Francisco plaza Castro Alves, a praça do povo, se llamaba "Glauber". Por esas
Alves, en esa canción Noel Rosa le respondió a los críticos de cine calles, en los días de carnaval de 1985 homenajeando a Jorge Amado,
que decían que "I love you" sonaba mejor que "eu te amo". los trios eléctricos comenzaban a incursionar en el reggae y en ritmos
afro. La promesa bahiana era básicamente eso: una cultura popular
O cinema falado ruda y sofisticada. Lo que en la Argentina se llamaba cultura popular
É o grande culpado da transformação estaba siempre acechado por el fantasma de la política o de la mala
[…] calidad (es decir, de la autenticidad), por el grotesco de una cultura
Tudo aquilo que o malandro pronuncia que históricamente había sido deglutida o acorralada por las políticas
Com voz macia é brasileiro, já passou de português de la elite. La cultura popular brasileña, en cambio, estaba llena de
Amor lá no morro é amor pra chuchu promesas de felicidad. ¿Era un efecto paradójico de la esclavitud? Se
As rimas do samba não são "I love you" podía ser populista en Brasil o, en su defecto, adorar ese populismo
E esse negócio de "alô, alô boy" e "alô Johnny" chic también envidiable. Oiticica hablaba de Malievitch, se codeaba
Só pode ser conversa de telefone con la crema de la crema neoyorquina y mataba el tiempo en una
favela carioca. Caetano era cantado por el pueblo, componía para
Un habla del cine y un habla de una cultura: ¿cómo pasar de una cosa telenovelas y hablaba de Deleuze y Heidegger. Drummond de
a la otra, de Godard a Noel Rosa, de Aznavour a Augusto de Andrade y Vila-Lobos aparecían en los billetes, una escola de samba
Campos, de Lenine a Anna Karina, en fin, de Caetano Veloso a todos homenajeaba a Macunaíma, el carnaval bahiano impulsaba la lucha
los demás sin derivar en una ensalada ecléctica que termina ofrecien- de las minorías negras y Gilberto Gil bailaba en los Filhos de Gandhi
do un muestrario inerte de la cultura? antes de ser ministro de cultura.

5 de febrero de 1986, Salvador de Bahia. Vi Cinema falado una tarde Cinema falado es una película imposible de describir:
en la que hacía mucho calor. Podría haber ido a la playa pero decidí Jorginho, un amigo carioca de Gávea que me había hospedado en su
meterme en una sala de cine. No había lugar más adecuado para ver casa y conocía a Caetano, me había dicho que había pocas cosas más
un film que transcurre en Río, en Bahía, en Santo Amaro da asombrosas que escuchar a Caetano contando una película. Pero
Purificação (el pueblo donde nació Caetano). Me senté en la butaca Cinema falado no se puede contar, tal vez por ser un rejunte de
y asistí a una historia que era en realidad una serie de conversaciones, hablas sobre películas vistas, libros leídos, danzas observadas, fiestas
lecturas y largos discursos. Tuve que moverme dificultosamente compartidas. No tranches de vie sino tranches de discours. No una
entre mi portugués de tourist y la sorpresa por lo que se desplegaba historia sino conversaciones, monólogos, delirios o, como se dice en
ante mis ojos. Fue abandonar la sala y encontrar a la película en la gíria: papos furados. Según el Aurélio: "conversa sem sentido". El
ciudad. Todo era extremadamente múltiple e impuro, pero un mismo sentido, habría que decir, no está en los significados sino en otro

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lado. Aunque se lea Guimarães Rosa o Thomas Mann (en la escena En Cinema falado también hay baile. Como una peonza, el
de la playa), los sentidos los trae el cine cuando pone en escena estos film de Caetano adquiere su gracia y su movimiento por la tensión
textos. Todo lo que puede un encuadre cuando se trata de atrapar una entre los polos opuestos. Es un collage compuesto de antagonismos:
voz al vuelo. desde la dedicatoria inicial a Agripino de Paula y Antonio Cícero
hasta el final, con una niña recitando Heidegger. En la danza también
1936, San Francisco. Se estrena otra de las películas del dúo Fred se produce un efecto general en base a contrastes: desde la concen-
Astaire y Ginger Rogers. Follow the fleet (Sigamos a la flota) de Mark tración de la danza contemporánea de Stokler al baile amateur,
Sandrich. Esta vez Fred se alista en la marina y hace unos números despreocupado y descontracturado, de su hermano Rodrigo danzan-
encantadores con sus marineritos (lo acompaña Randolph Scott, la do "Aguas de março" de Jobim y de Dazinho quien baila "Abeja
pareja nunca confesada de Cary Grant). Y en el medio de todo, sobre reina", de Caetano. Rodrigo, Dazinho: ¿bailan bien? No. ¿Bailan pési-
todo o debajo de todo, la música de Irving Berlin. El tema de los mo? Tampoco. Bailan, cómo decirlo, con gracia, no repitiendo una
conflictos en un buque de guerra era internacional: Muchachada de coreografía aprendida sino tratando de seguir la música. Caetano los
a bordo de Manuel Romero, con Luis Sandrini y Tito Lusiardo, es del capta en un plano secuencia fijo y los convierte en cuerpos adorables.
mismo año que la película de Sandrich. En Follow the fleet los En un caso y en otro, sea danza contemporánea o baile de amigos, la
marines no conquistan bárbaros países lejanos sino que simplemente promesa del cine se cumple una vez más: cuerpo verdaderos.
se preocupan porque el mar los separa de las mujeres. Pese a eso, Recordar lo que decía Serge Daney: "el cine es ese arte extraño que
Follow the fleet admite ser leída como una fábula que enseña, tácita- se hace con cuerpos verdaderos y acontecimientos verdaderos". En
mente, que el destino gay puede no ser desdichado. todos los casos (Stokler, Rodrigo, Dazinho) el plano secuencia logra
Hacia el final, Ginger y Fred bailan "Let's face the music su objetivo: el montaje lo hacen los propios cuerpos. Cada uno, a su
and dance" de Irving Berlin. Como siempre, baile, representación y manera, hace su propio cine, crea su propia gracia. Fred Astaire baila-
vida cotidiana son un continuo. Cuando Ginger y Fred (vestidos de do por una horda de fanáticos de Fellini.
rigurosa gala) se están por suicidar, comienza la música: "While
there's moonlight and music / and love and romance". La filosofía 28 de octubre de 1997, Rimini. "Lo que yo soy es lo que tengo ganas
es de cartonpiedra, como el decorado, pero el movimiento de los de contar" escribió Federico Fellini en su libro Hacer una película. Y
bailarines la hace ligera, digerible, encantadora. Astaire estrictamente agregó: "Yo lo inventé casi todo: una infancia, una personalidad, las
no baila sino que deja que lo haga el decorado. En un primer nostalgias, los sueños, los recuerdos, por el gusto de poder contar-
momento el decorado y los objetos se convierten en una prolon- los". La invención se opone a la clasificación: ésta trabaja con el
gación de su cuerpo, hasta que finalmente cuerpo y decorado son imaginario, disecciona, separa, observa; aquella, en cambio, se involu-
solo uno, así como son uno el soñador y el sueño, el cuerpo y la idea, cra pasionalmente, fantasea, conecta, borra contornos. La clasifi-
lo visual y lo sonoro. Lo más llamativo es que no hay esfuerzo ni cación es vertical, la invención transversal. Cinema falado, además de
acrobacia ni envión. Sólo gracia o deslizamientos. godardiana, es felliniana. En un mismo gesto, clasifica e inventa. La

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Banalidad (a propósito de Cinema Falado de Caetano Veloso)


película se construye, en todos sus tramos, a partir de la atracción de Recuerdo que de chico mi padre me contaba siempre esa
los opuestos. Godard, cerebral y sofisticado, es el diálogo, Buster película en la que un personaje que vivía en la juerga se burlaba de
Keaton, Ana Karina, el pop, la juventud, el sol. Fellini, sentimental y los trabajadores desde un auto con un corte de manga y gritando
popular, es la saudade, Chaplin, Giulietta Masina, el kitsch, la infan- "¡¡¡¡Laburatori pprrrrrrrr!!!!". ¿Quién iba a pensar que el auto iba a
cia (en el cine de Godard están prohibidos los niños), la luna. El sol pararse en plena ruta? Eran los tiempos en que el trabajo pagaba y
y la luna, "tela de luz puríssima". había justicia poética. También estaba "Marceeeelllloooooo!!!!", el
grito amanerado de La Dolce Vita, que -siempre según el relato de
En Omaggio a Federico e Giulieta (2000), Caetano inter- mi padre- se había convertido en la broma de los ambientes juveniles.
preta "Let's face the music and dance" en homenaje a Ginger y Fred Recuerdo además otra cosa que me sucedió años después en Roma
(1986), una de las últimas películas de Fellini. El compositor bahiano cuando en la entrada de una pizzería un grupo de personas recibía la
explicó su versión diciendo que "nós a tocamos como se fôssemos llegada del auto con los invitados al grito de "É arrivato Zampano!!".
uma banda fuleira que toca na rua para esmolas". Apropiándose de Fellini se mezcló tanto con la vida que hizo de ésta una mera
Estados Unidos (del músico más popular de la música popular imitación de su cine (antes que la vida imitara a la mala televisión).
norteamericana), Caetano convierte a Santo Amaro en Rimini o al Godard es el cine imitando al cine mientras Fellini es el cine imitan-
revés. Es una versión como si la hubiera bailado Dazinho evocando do a la vida. La de Caetano, sorprendentemente, es la película de un
'mal' a Fred Astaire. cinéfilo: la conversación después de ver las películas como modo de
hacer cine.
Una de las escenas más intensas y bellas de Cinema falado
transcurre frente a la iglesia de Santo Amaro da Purificação, el pueblo 6 de junio de 1968, São Paulo. Caetano Veloso y Gilberto Gil son
donde nació Caetano en el Recôncavo bahiano (justamente de esta invitados a dar una charla para los Estudiantes de la Facultad de
escena se tomó el fotograma que ilustra la tapa de Omaggio). La igle- Arquitectura y Urbanismo. Van acompañados por los poetas paulis-
sia se encuentra toda iluminada y Caetano conversa con Dazinho: tas Augusto de Campos y Décio Pignatari, que los alaban a la vez que
"Tem o cinema mudo e o cinema calado". Ambos recuerdan con los defienden. ¿El aula? Una ratonera. Son tiempos agitados: todos
saudade los estrenos de las películas de Fellini. Con Los inútiles "o coinciden en que el cambio social es inminente, todos intentan inter-
Sr. Agnelo Renato Rosso lloró", recuerda Caetano. Por la cultura que venir y darle forma a ese cambio. Los estudiantes son militantes de
traía el cine, todos querían ser estrellas, excepto Dazinho que sólo izquierda, denuncian el "desviacionismo" que se está produciendo en
deseaba ser "poeira de estrela". ¿Qué hacer con todas esas intensi- la música popular y defienden la idea de hacer una música de protes-
dades de los viejos tiempos, cuando se pasaba de una cosa a otra sin ta, nacional y popular. Los tropicalistas hablan (crípticamente) de
mediaciones, cuando cualquier cosa podía ser un juguete? "revolución", de salir a las calles, del "Che" Guevara y la violencia,
pero también usan pelo largo y guitarras eléctricas, defienden la ale-
gría y la moda, tienen su poética y su erótica. Originalidad: no defien-

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den la poesía combativa y de protesta de los CPC (Centros Populares suma los cuerpos desnudos, nada pornográficos, Del papel a la playa.
de Cultura) sino la elaborada y experimental poesía concreta. Para "organismo" se aprovecha de lo que ya había dicho la crítica lit-
Tomaron la frase de uno de sus textos y la usan de título para su can- eraria: la naturaleza cinematográfica del poema en su close-up de la
ción manifiesto: "Geléia Geral". La "geléia" era la jalea que, desde los palabra. Pero algo más: Caetano introduce una cita del primer corto
grandes carteles publicitarios, prometía larga vida. Con fines didácti- de Glauber Rocha, "O pátio", que jugaba con los cuerpos y las bal-
cos, Caetano explicó algo más al interpretar "Cambalache" de dosas blancas y negras de un patio. En el film, la mujer y el hombre
Discépolo como si el término del tango fuera una traducción aprox- son una blanca y un negro. El acto amoroso, que ambos cuerpos sim-
imada al castellano de "Geléia Geral". Además, le cambió ligera- ulan, no tiene un crescendo basado en el movimiento sino que se
mente la letra: representa por una serie de cortes. No hay erotismo (ni pornografía)
de los cuerpos: todo la seducción está en la forma de las letras, y el
cuerpo del negro es bello cuando pronuncia la "o" de orgasmo.
Cuando Caetano lee a contrapelo (una niña recitando a Heidegger,
Mezclaos con Toscanini, Ringo Star y Napoleón Fellini en la periferia, Godard como papo furado, la música como
Don Bosco y La Mignon, John Lennon y San Martín 3 prosa de la poesía de la danza, el concretismo como poética del sexo,
Thomas Mann en la playa carioca) no borra la esencia de aquello que
En esos años, Augusto de Campos escribió los artículos toca sino que la revela bajo otra luz. Es la virtud de la plasticidad que
más enfáticos y apologéticos sobre el tropicalismo. Le interesaron, tienen los objetos cuando se los somete a nuevos golpes de energía.
básicamente, la idea de una cultura popular no anclada en lo nacional En los sesenta todas las conexiones parecían posibles y
(una cultura popular cosmopolita) y el cuidado en la elaboración de deseables. Augusto de Campos escribió que había que transitar "de la
las letras (además de que los arregladores musicales, Rogério Duprat lucidez lúdica de un Godard al lúcido ludismo de un Richard Lester;
y Damiano Cozella, venían de su propio grupo, el concretismo). En cuando el cine -movies, por encima de todo- si muove, con sus anti-
una tarea de crítica militante, estableció nexos entre lo que estaba héroes vertiginosos, en la fuga "à bout de souffle", en la corrida ince-
sucediendo en la música brasileña con otras manifestaciones con- sante de los Beatles, en la sucesión barroca de episodios movidos
temporáneas: según sus palabras, "Alegria, alegria", por ejemplo, se (que no conmueven) del 007 -'ce rusé personnage'-, superman de un
asemejaba a un film cámara en mano a la Godard. La alianza contin- nuevo arte-de-ingenio cinematográfico". Hoy, cuando el escándalo
uó a lo largo de los años y llegó hasta los ochenta, cuando Caetano ya no es posible, el elitismo puede salir de la cárcel del valor en la que
adaptó para Cinema falado dos poemas concretos: "flor da pele" estuvo encerrado tanto tiempo. Pero en Caetano eso no es un prob-
(1959) de Augusto de Campos y "organismo" (1960) de Décio lema porque el valor siempre viene después: en sus mezclas no hay
Pignatari. En ambas lecturas, Caetano se interesa por mostrar el una consideración ideológica ni polémica sino energética. Como lo
color erótico que se puede arrancar de los poemas concretos dijo Thomas Mann en ese texto sobre el matrimonio que se lee en
aparentemente despojados y fríos. A las voces y las letras, el film le Cinema falado y que Caetano comenta con inteligencia en uno de los

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Banalidad (a propósito de Cinema Falado de Caetano Veloso)


bonus del DVD: "Es inútil, no hay retorno posible. Toda fuga hacia Cinema falado, el tramo de Paula Lavigne (actriz y actual esposa de
formas históricas vacías de vida es oscurantismo; toda piadosa repre- Caetano) toca, punto por punto, todas las cuestiones que aparecen en
sión de conocimientos entraña tan solo mentira y enfermedad. Es La nube díscola. ¿Qué tipo de sexualidad ha construido la raza
una fe falsa, orientada hacia la muerte, y en el fondo descreída, pues humana para, aun cuando es mostrado, repetir los mismos mecanis-
no cree en la vida y en sus energías inagotables". El artista como un mos y las mismas relaciones? ¿Cómo llegar al sexo desde el cine si
conductor de energías, una central que envía señales a otras trans- éste está más allá de la imagen? El monólogo de Lavigne en su cama,
misoras y se desparrama por las ciudades. Esta era una idea de con bombacha y con un hombre negro en calzoncillos que se cruza
Maiacóvski en su defensa de Khlebnikov contra los burócratas de la delante de ella, dice más o menos así:
cultura, y la retomó Haroldo de Campos que emitió sus señales a
Caetano Veloso, quien las imprimió en Circuladô de fulô, uno de sus Casi nunca es bueno ver sexo en el cine. El cuerpo de la mujer es un uni-
mejores discos. forme. Hace falta mucha violencia y mucha delicadeza para arrancarle a la mujer ese
uniforme. Los ojos del hombre. Arrancarle los ojos al hombre. El cuerpo desnudo de
Abril de 2005, Buenos Aires. Tian bian yi duo yun es el título en tai- un hombre nunca está donde está el de la mujer […] Godard en el film de la Virgen
wanés de una de las últimas obras de Tsai Ming-lian. En inglés fue María le quitó al desnudo el uniforme del desnudo. Pasolini registra un pene de frente
traducido como The Wayward cloud. En castellano podría ser La con la cámara sagrada […] Es bonito el pito como una herramienta encantada e infal-
nube díscola o algo así (en la revista El amante proponen el más ible. La radicalidad del orgullo más allá del placer. La mujer goza más que el hombre.
exacto de La nube errante). Como siempre, Ming-lian da en la médu- Pero es porque el hombre es el amo y esclavo del orgasmo. El cine porno es aburri-
la de las relaciones humanas en aquello que tienen de permanente y do. Siempre la caricatura de la relación heterosexual y el permiso de espiar la homo-
de manifestación histórica. En La nube díscola se trata del cruce sexualidad femenina. La homsoexualidad masculina está fuera del mundo. Sólo
entre el sexo y el amor: en una sociedad en la que se puede ver o espi- aparece en films donde hay homosexualidad masculina. Y sin embargo la curva de la
ar todo; ¿qué cosa es lo obsceno, qué cosa lo pornográfico, qué lo gran interrogación sobre el sexo pasa necesariamente por ésta.
erótico y qué el deseo. La película es una mezcla de Los paraguas de
Cheburgo (1964) de Jacques Demy y Catherine Deneuve con ¿Habrá que ser católico y dejar de serlo para, después,
Garganta profunda (1972) de Gerard Damiano y Linda Lovelace. poder mostrar el sexo? ¿Podrá existir, alguna vez, un cine verdadera-
Otra vez, la dificultad de clasificar: mejor seguir intensidades, descar- mente pornográfico? ¿O hay pudor mayor que las películas porno
gas de la memoria, nomadismos desclasificatorios. actuales en las que el sexo no tiene nada que ver con la vida, que
muestran absolutamente todo y con una luz uniforme? Cinema fala-
Hay encuentros que se producen fatalmente. Como el de do no es en realidad una película sobre las artes (sus capítulos son
Caetano y Tsai Ming-lian. Bem vindo a São Paulo (2004), film en "música", "danza", "literatura") sino sobre una erótica que las
capítulos realizados, entre otros, por Leon Cakoff, Mika Kaurismäki, atraviesa a todas ellas. Por eso las metamorfosis de Eros son tan
Maria de Medeiros, Amos Gitai, Tsai Ming-lian y Caetano Veloso. En importantes y van desde el "orgasmo" del poeta concreto (poesía

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erudita + cuerpo popular) al del personaje que se desnuda totalmente Thorg Billy grown and Burnley ten,
ante el espejo (la homosexualidad como la forma más refinada del And Aston Villa three
narcisismo). La "curva", en realidad, une los diferentes campos y We clobber ever gallup
parece decir: lo que trae el cine son los cuerpos. Deaf Ted, Danoota, and me

23 de marzo de 1964, Londres. Sale publicado en Londres el libro Y Rest, libre y libertino, reinventa:
In his own write de la estrella de yeah-yeah-yeah John Lennon. La
BBC promueve una lectura hecha por el propio John y Norman Bostecillo tupido, Isabel sarli
Rossington en el programa Tonight. El primer intelectual argentino Por Boca Juniors que siempre ganó
en escribir sobre Los Beatles fue Victoria Ocampo, quien fue testigo Sin la pausa, la prisa, ni la pena
de la beatlemanía en Londres y los descubrió inteligentes detrás de Es sordo Ted, Danoota y yo
"She loves you". 4 El músico erudito Juan Carlos Paz anotó en su
diario: "¡No hay que indignarse con Los Beatles que lo hacen lo La escena dedicada a Los Beatles de Cinema falado es lumi-
mejor que pueden! Aparte de que después de tanta música sofistica- nosa: el bajista Dadi los compara con Dylan, y si bien reconoce la
da, entre popular y culterana -jazz metafísico, jazz culto, tango inyec- superioridad intelectual de éste, sostiene que Los Beatles son el lazo
tado de Bartók, de Ravel, de Stravinsky o de cualquier otro que que une con la cultura de masas. "Filhos do vigor da banalidade
preste el indispensable y sofisticado pasaporte de cultura y mod- foram empurrados ao rigor da clareza". La observación se asemeja a
ernidad, o mejor aún, de culto y modernoso-, los Beatles ocupan una un teorema: Dylan es más complejo, sin duda, pero qué hacer con el
ubicación semejante a la de los juglares y menestrales de la Edad 60% de la vida -si no más- que transcurre en la banalidad. Los Beatles
Media, la pandilla inolvidable de los Villon o Garcilaso, o actual- descubrieron una alquimia y llegaron a lo que en Brasil se denomina
mente la de John Cage o de Juan Hidalgo" y agrega en nota al pie - una "tradición de rigor". El término fue acuñado por Décio Pignatari
verticalismo obliga- "con las distancias supuestas o probables". La a partir de la poesía de João Cabral de Melo Neto y tuvo un carácter
edición argentina de In his own write salió en 1967 con prólogo y proselitista: quiere decir, nada más, que el artista ejerce cierta selec-
traducción del crítico literario Jaime Rest, quien elogia este intento de ción de los materiales a partir de ciertos principios y aplica ciertos
"joycear" el lenguaje y recurre a las obras de Lewis Carroll, Edward procedimientos de los que no se aparta. El mito modernista del plus
Lear, Samuel Beckett y James Joyce para explicar en qué consiste la de conciencia en todo su esplendor, pero ahora aplicado a la banali-
experiencia escrituraria del beatle John (hasta entonces solo un dad de lo cotidiano o de la histeria de las adolescentes.
melenudo que no desafinaba). Y Jaime Rest es literatura. Escribe el
autor de "Help!" en su poema "Deaf Ted, Danoota, (and me)":

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Banalidad (a propósito de Cinema Falado de Caetano Veloso)


En un cierto régimen de signos, todas las expresiones cul-
turales pueden agruparse por lo que denominamos alto y bajo. Pero
en otro, esa organización jerárquica (aunque admita la inversión) es
insuficiente, pálida, débil. No admite el pathos ni los recorridos que
no actúan necesariamente en un escalamiento jerárquico y vertical,
sino que pueden actuar por agrupamientos arbitrarios, disgregados,
zonales, con el único fin del uso y del consumo necesario de com-
bustible. La emotividad puede colorear todas esas zonas e imponer
el orden de la memoria, del gusto o del encuentro azaroso. Rigor y
banalidad. En la fantástica escena en la que Dedé Veloso y Felipe
Murray hablan del cine ("era industrial") y la TV ("era electrónica"),
y en la que están incluidos los fragmentos de Mário Peixoto y
Glauber Rocha (los encuentros verticales se transforman en choques
horizontales), el joven Felipe y la bellísima Dedé recitan el diálogo
entre Sansón y Dalila (1949) de Cecil B. de Mille. No parodian el film,
ni lo citan ni lo recrean: simplemente lo repiten. Y en esa repetición
aparece toda la verdad de Cinema falado: hay que insistir en la banal-
idad con rigor porque es lo único trascendente que nos queda.

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REFERENCIAS

1 El recital "Carte blanche à…" está organizado por la Cité de la Musique (París) y con-
siste en invitar a un músico y darle "carta blanca", esto es, que pueda invitar a otros
artistas. Caetano invitó a Lenine y a Augusto de Campos.
2 Caetano había aparecido, de alguna manera, en una película de Godard. En Le Vent
d`Est (1970), Glauber Rocha hacía un cameo en el que citaba la canción "Divino, mar-
avilhoso" de Caetano y Gil
3 "¡Qué falta de respeto, qué atropello / a la razón! / ¡Cualquiera es un señor! /
¡Cualquiera es un ladrón! / Mezclao con Stavisky va Don Bosco / y "La Mignón", /Don
Chicho y Napoleón, / Carnera y San Martín...". Stavisky es el famoso ladrón sobre el que
Alain Resnais hizo una película: Stavisky el estafador (1974).
4 Testimonio de María Esther Vázquez: "Recuerdo que en el año 1964, Victoria Ocampo
trajo el primer disco que habían grabado los Beatles. Nos reunió en su casa de Mar del
Plata a una serie de personas, y después de la comida puso el vinilo y dijo: -Escuchen
porque, o mucho me equivoco, o estos muchachos van a marcar una época". El texto en
el que se menciona a Los Beatles están en los testimonios escritos a principios de los
sesenta e incluidos en la sexta serie.

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Embrujo

Cláudia Rio Doce

Ernesto Vilches (José Bonifácio), que trabalhou no cinema espanhol


e nos primeiros filmes falados de Hollywood, Francisco Pablo
Donadio (Marquês de Barbacena), que trabalhou no cinema italiano
Inusitado caso de um filme argentino sobre episódios históricos (fez, por exemplo, um pequeno papel em Quo Vadis) e do galã Jorge
brasileiros, Embrujo (1941) é uma adaptação cinematográfica do Rigaud (D. Pedro), que tendo ido para a França menino, fez 14 de
romance A Marquesa de Santos 1 (1925) de Paulo Setubal e marca a julho de René Clair e também atuou em Hollywood, trabalhando
confluência do enorme desenvolvimento do cinema platino durante com estrelas como Dorothy Lamour, George Raft e Henry Fonda.
esses anos (bem como o seu prestígio no mercado latino-americano) Aliás, Jorge Rigaud desembarcou em Buenos Aires especialmente
com a "solidariedade" surgida em uma parcela de intelectuais e artis- para atuar em Embrujo, conforme noticia a revista carioca A Cena
tas destes países no reconhecimento e divulgação de suas atividades Muda. Acrescente-se, ainda, que, em sua realização, o filme contou
culturais durante o período da Segunda Guerra Mundial. Com com José Maria Beltrán como diretor de fotografia. José Maria
direção de Enrique Susini, um aficionado pela técnica relacionado Beltrán já havia trabalhado com Buñuel e, posteriormente, trabalhou
com projetos pioneiros na Buenos Aires de sua época (nas áreas mais em filmes brasileiros como Tico-tico no fubá.
diversas, como na de medicina, combustíveis e na primeira transmis- Embrujo nos conta do amor extra-conjugal de D. Pedro, primeiro
são radial) e argumento seu em parceria com o poeta martinfierrista Imperador do Brasil, com Domitila de Castro, levando-o a agir de
Pedro Miguel Obligado, o filme não traz nenhum crédito ao escritor modo inconseqüente e provocando escândalos na corte. Em segun-
brasileiro, fato que teria levado a sua família a impedir judicialmente do plano, justificando o nome argentino para a história, temos a aia
que Embrujo fosse apresentado em São Paulo. Terezinha, fiel companheira de Domitila que, para obter o sucesso
desta e vê-la tornar-se Imperatriz do Brasil, faz feitiçaria e freqüenta
No elenco do filme, alguns atores que já haviam trabalhado no cine- sessões de macumba. No desfecho da trama, após a morte da
ma internacional dividiam espaço com artistas que vinham de outros Imperatriz D. Leopoldina (provocada pelos trabalhos de Terezinha)
meios. Assim, nele atuaram Maria Ruanova (Terezinha), primeira e com a possibilidade de finalmente Domitila conseguir o que sem-
bailarina do Teatro Colón, e o músico cubano Bola de Nieve (Corta- pre desejou, ela mesma, por um súbito sentimento de dever à Pátria,
orelhas), juntamente com os atores Pepita Serrador (Leopoldina), recusa o pedido de casamento de D. Pedro.
que antes de atuar na Argentina já tinha trabalhado na Espanha,

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A liberdade com que o tema é tratado, no entanto, dá um novo sabor curso oficial, rompendo com ele, e não devemos esquecer que essas
aos métodos convencionais do restabelecimento da ordem no final representações estavam, muitas vezes, distantes do âmbito socio-cul-
da trama e da evidente preocupação com o ajustamento da história tural dos próprios vanguardistas. Na crônica sobre Embrujo publi-
aos padrões do cinema internacional. Pois se no filme temos, de um cada em El Heraldo Cinematográfico, destaca-se precisamente os
lado, a apresentação das futilidades do Primeiro Império, sua vida episódios dos "bailes rituais e cerimônias afro-brasileiras", da
suntuosa, e que é a parte que vai ter um tratamento mais enquadra- "bruxaria de negros semiselvagens", anotando que filmes assim
do nos modelos dominantes, de outro, tem-se a preocupação de se apontam novos caminhos - transculturais, modernizadores - para o
cruzar a esse discurso, da tradição, um discurso popular, na medida cinema argentino. Este enxerto afro, filtrado por sons caribenhos, na
em que pretende explorar, mesmo que de forma um tanto estereoti- história de Paulo Setubal coloca, é claro, um pouco de exotismo, de
pada, as crenças e costumes radicalmente diferentes das camadas "mescla" nas tradições brasileiras. Porém, mais do que isso, é possív-
populares. Podemos ver, então, que na opção de Obligado e Susini el verificar nessa realização da Lumiton a construção de um peculiar
por uma narrativa mimética e linear, tal como é a história de Setubal, hipertexto cultural.
tão avessa às preocupações vanguardistas de uma expressão anti-
mimética, descontínua e fragmentária, a intenção de mesclar os dis- Vendo em Embrujo um ensaio transculturador, entendido como
cursos, pluralizando o texto de origem e, talvez, de utilizá-lo como tradução de uma situação nacional através de uma composição
mediador para a divulgação de uma nova estética. estrangeira e de uma situação de elite em uma linguagem de massas,
Sendo assim, a linearidade presente em Embrujo, suspensa pela podemos explorar alguns aspectos das sequências fílmicas onde a
inserção de dois "espetáculos negros" (as sequências da taverna e da proliferação textual se torna mais evidente, os dois espetáculos
macumba, protagonizadas por Bola de Nieve e Maria Ruanova, negros já mencionados.
respectivamente), torna mais marcante a heterogeneidade cultural da Os representantes das camadas populares, a aia Terezinha, que faz de
corte e das camadas populares. Se o passado é uma construção, na tudo para defender os interesses de sua patroa, sem que esta nem
versão fílmica da Marquesa de Santos há uma reivindicação de uma desconfie de seus métodos, e o Corta-orelhas, negro liberto que
outra tradição cultural, que nos é apresentada no mesmo plano que - vende favores para José Bonifácio, reproduzem as duas vertentes que
e interferindo na - convencionalmente aceita. Procura-se recuperar se formam na corte: a dos partidários de Domitila, que têm o único
representações que foram deixadas de lado ou "abafadas" pelo dis- intuito de agradar D. Pedro e conseguir boas posições, favores, etc.,

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Embrujo
e a dos partidários dos Andradas, que tentam assegurar o respeito às com grandes simpatias no meio surrealista e só deixava sua mesa de
tradições, a preocupação com a moral, com a imagem do Imperador trabalho para apreciar os concertos e as apresentações do Ballets
e, consequentemente, do Império. Enquanto Terezinha tenta destru- Russes. Possuía profunda admiração por compositores que faziam a
ir, através da magia, a Imperatriz, o Corta-orelhas alerta aqueles que fusão de elementos clássicos com os ritmos negros das Américas e
o rodeiam, exercendo alguma influência sobre eles, para o poder que desde as suas primeiras composições procurou incorporar ao seu tra-
Domitila exerce sobre o Imperador. balho a base do folclore crioulo. Escreveu um grande número de
obras para voz e piano com poemas de Nicolás Guillén e de Alejo
Simpático e debochado, compositor de modinhas e músicas com um Carpentier. Sua posição musical está em plena consonância com a de
ritmo próximo aos batuques de origem africana, o Corta-orelhas nos Mário de Andrade, que além de destacar a importância e o mérito de
proporciona um espetáculo de sabor bastante diverso daqueles que a compositores como Camargo Guarnieri, sempre exaltando a influên-
corte presencia. É uma verdadeira explosão de alegria e sensualidade. cia do maxixe e do batuque frenético de caráter negro em sua obra,
Todos participam, cantam e dançam. Visualmente evocam a tela ao pensar a música de seu tempo, não cessa de mostrar, em primeiro
Samba (1925) de Di Cavalcanti. Este já em 1932 tem sua obra reivin- plano, a transculturação lírica entre o estrato popular e as estruturas
dicada por Mário de Andrade, que alude a seu aspecto alegórico e da música concertante. Afirmando que "jamais não se inventou tanta
anti-mimético: música" como na nova forma de compor, incorporando-se os ritmos
Di Cavalcanti conquistou uma posição única em nossa pintura con- populares, e explorando as diversas possibilidades de forma, melodia,
temporânea. Em nossa pintura brasileira. Sem se prender a nenhuma harmonia e ritmos, enfim, utilizando-se de elementos e característi-
tese nacionalista, é sempre o mais exato pintor das coisas nacionais. cas de todos os gêneros de acordo com a "matéria musical" inventa-
Não confundiu o Brasil com paisagens; e em vez de Pão de Açúcar da por cada compositor, Mário de Andrade não deixa de notar, tam-
nos dá sambas. 2 bém, que as formas eruditas exercem influência decisiva (apesar de
inconsciente) na compreensão que o "ouvinte inculto" possa ter
Mas se Bola de Nieve evoca visual e associativamente esse cenário delas, fornecendo a base para sua própria concepção musical.
afro-brasileiro, relembra também, pela música que canta, as van- No entanto, parece que a versão de "Canto Negro" que ouvimos em
guardas afro-cubanas. Como se não bastasse sua simples presença Embrujo foi musicada por outro cubano, Eliseo Grenet, que, tanto
para nos remeter a elas, Ignacio Villa, o Bola, interpreta canção como Caturla, mesclava os gêneros tradicionais ao ritmo e tema
baseada em poema de Nicolás Guillén. Trata-se de "Canto Negro", negros, recebendo o título de Yambaó e sendo mais tarde incorpora-
poema de Songoro Cosongo (1931), em algumas edições dedicado da ao repertório de Bola de Nieve.
ao músico cubano García Caturla. A dedicatória é, per se, ilustrativa Devemos observar também a plasticidade da linguagem que supõe
da poética mesclada de Embrujo. Relembremos que Alejandro este poema cantado por Bola de Nieve. Marylin Miller, num estudo
García Caturla, de formação musical européia e admirador de sobre aspectos compartilhados pelas obras de Guillén e Hughes 3,
Stravinsky e Darius Milhaud, contou durante a sua estadia em Paris está sempre destacando a sonoridade, as repetições, o uso das ono-

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matopéias de seus versos. Mais interessante, porém, é a aproximação também no próprio filme. Além disso, a presença de "Canto Negro"
desta linguagem da arte dos cartazes, pois pode muito bem ser asso- num filme de 1941, quando a pregação da supremacia ariana tomava
ciada, pelo ritmo musical que lhe é própria, aos desenhos de Miguel proporções incalculáveis, é transgressivamente a "festa da raça", o
Covarrubias e Paul Colin. O primeiro, como nos fala Marilyn Miller, carnaval carioca do Manifesto da poesia Pau-Brasil de Oswald de
ao ilustrar a capa de The Weary Blues (1926) de Hughes, mostra Andrade ou, em outras palavras, a afirmação de uma cultura mestiça
retratos similares de um par de dançarinos no Harlem e em Havana, (aliás, o próprio Guillén, no prólogo do seu Sóngoro cosongo, reivin-
o que aliás marcaria as evidentes conexões entre os projetos de dicava o elemento africano como referência da identidade nacional,
Hughes e de Guillén. As caricaturas de Miguel Covarrubias toman- defendendo uma poesia mestiça). Esta afirmação extra-diegética
do como assunto os negros do Harlem, que apareceram na edição de estende-se ainda como contraposição aos modelos culturais impos-
dezembro de 1924 da Vanity Fair, influenciaram os primeiros desen- tos pela América do Norte. Se nos anos 40 os Estados Unidos ainda
hos que Paul Colin fez de Josephine Baker, que tornaria seu traço exercem a sua exploração econômica e cultural em Cuba, a afirmação
mais livre pela constante observação das apresentações de La Revue de uma cultura cubana já ultrapassou os limites da ilha, e Bola de
Nègre. De qualquer maneira, tanto Covarrubias quanto Colin bus- Nieve passa por cima de fronteiras com sua figura aglutinadora do
cavam captar os movimentos das "danças selvagens" produzidas alto e do baixo, pois toca piano no cabaré, mas vestindo smoking, e
pelos ritmos sincopados da "música negra", que é o que nos sugere executa músicas, como as que já falamos anteriormente, que
o "Canto Negro", o poema de Guillén cantado por Bola de Nieve em mesclam elementos tradicionais com o popular, como é o caso de
Embrujo. Yambó (Canto Negro) e Bito Manué (Tú no sabe inglé). Nessa per-
spectiva, é interessante pensarmos esta "afirmação", inclusive, em
Estas considerações nos mostram como nesta sequência fílmica con- relação ao próprio filme, pois houve uma preocupação, por parte dos
verge toda uma tradição sinestésica das vanguardas, onde imagem, realizadores, em trabalhar com atores que já tinham figurado no cin-
palavra e som são, na verdade, desdobramentos um do outro. São ema europeu e, inclusive, em Hollywood, como já tivemos oportu-
imagens e ritmos lançados na escrita e a partir da escrita. É a uti- nidade de observar. Seria, então, uma mescla dos dois discursos, o
lização, na arte, do poder multiplicador da técnica. Por isso as asso- discurso da cultura massificada hollywoodiana e aquele das van-
ciações não terminam: ao mesmo tempo que a presença de Bola de guardas, visando incorporar o popular à alta cultura; e esta mescla
Nieve no papel do Corta-Orelhas pode evocar toda uma imersão no não deixa de ser peculiar, pois se esta seqüência foge, como disse-
passado - a existência de uma unidade nas tradições africanas trans- mos, à diegese do filme, não é só por toda esta questão sócio-cultur-
mitidas para Brasil e Cuba devido à freqüente negociação de escravos al contemporânea aos anos em que foi rodado, mas também pela
com o Daomé, que mandava para estes dois países seus prisioneiros mise en scène que apresenta: as moças que dançam com o Corta-
de guerra, yorubás, em troca de tabaco e cachaça - , mostra, simul- orelhas estão vestidas como as havaianas de Hollywood, mas são
taneamente, o "resultado" desta transculturação das raças, asseguran- havaianas que, de qualquer forma, exercem apenas papel coadjuvante
do a sua voz diante da dominação americana do cinema, presente no espetáculo.

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Embrujo
Lendo este fragmento diegéticamente, o espetáculo protagonizado feitiçaria, em negras bruxas, e coisas semelhantes". Informa também
pelo Corta-orelhas vem nos mostrar que a cultura africana não só que "correu, entre muitas versões, a de que D. Leopoldina fôra enve-
subsiste à dominação européia, como sua vivência é a única maneira nenada. Carlos Seidler, tenente alemão que estivera no Rio por essa
através da qual o negro consegue se libertar desta dominação, que é época, recolhendo esse boato, estampou-o no seu livro". Já Mário de
o que também podemos ler no outro "espetáculo negro" que o filme Andrade, em suas notas para a conferência "Música de feitiçaria no
nos apresenta, a macumba da qual participa Terezinha. Brasil", destaca que C. Schlichthorst, em seu livro Rio de Janeiro wie
Sentindo seus planos ameaçados por uma viagem súbita de D. Pedro, es ist (Hannover, 1829), "diz que o povo brasileiro só explicava a
Terezinha vai até o terreiro com duas galinhas negras, algum dinheiro paixão de D. Pedro pela Marquesa de Santos, por algum feitiço que
e uma camisa de D. Leopoldina e pede auxílio ao pai-de-santo, dizen- ela tivesse botado no Imperador. E diz que se essa explicação podia
do que já fez de tudo e não conseguiu o seu intento. Encomenda ser ridícula na Europa, não o era aqui em que a crença nas simpatias
uma macumba que fica combinada para a mesma noite, que é noite e meios sobrenaturais estava universalmente generalizada."
de lua cheia. Terezinha está prestes a conseguir o que deseja. O sac- De fato, a sequência da macumba tem uma importância que vai
rifício de animais e as oferendas de comidas que fazem parte destes muito além de dar uma possível "cor local" ao filme. Ela sintetiza
rituais ficam implícitas nesta conversa da aia com o pai-de-santo. Na uma questão social muito profunda conservada por essas tradições
macumba propriamente dita, vão aparecer somente os batuques, as africanas no sentido de afiançar identidades socialmente construídas.
cantigas e danças que evocam a presença dos santos, bem como a Assim, seus praticantes
incorporação deles no pai-de-santo e em Terezinha. O favor vem
rapidamente. D. Leopoldina parece ter entrado em transe, fica com extraem esse sentimento de orgulho da fé real que conservaram em
o rosto alterado, fala em bruxaria, roga pela ajuda de Deus e morre. relação ao poder de seus Orixá e Vodun, que, para eles, nos momen-
Antes de prosseguirmos falando sobre esta sequência fílmica porém, tos penosos, são o amparo mais seguro contra a angústia e as humil-
observemos que de todos os filmes históricos que tratam deste hações e que, nos momentos de alegria, lhes proporcionam o senti-
episódio da História do Brasil, Embrujo é o único que registra, de mento exaltado do gênio de sua própria raça.
alguma maneira, esta versão explicativa de alguns fatos, inclusive a (…)Durante as cerimônias, o corpo dos adeptos é visitado pelos
morte da Imperatriz, que já esteve muito em voga. Paulo Setubal, Deuses e, quando estes partem, permanecem em seus filhos reflexos
com base em documentos pesquisados para o seu romance históri- que os engrandecem e enobrecem.
co, afirma que "o Barão de Inhomerim, e mais o Cirurgião-Mór do De empregadas domésticas e lavadeiras humilhadas, de carregadores
Império, o dr. Guimarães Peixoto, assistiram efetivamente a um e operários mal pagos, eles se tornam filhos e filhas de Deus,
parto prematuro de Sua Majestade. Desde esse fatal insucesso, prin- respeitados, admirados, cortejados. 4
cipiou a roer a vida da Imperatriz, impiedosa e implacável, uma
tremenda septicemia puerperal." e que, segundo as crônicas, D. Embora possamos relacionar vários pontos das seqüências de magia
Leopoldina, no delírio provocado pela febre, "falava muito em protagonizadas por Terezinha com a descrição e explicação que os

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estudos sobre as religiões de origem africana (ou obras que as docu- uma formação relacionada com o ballet de maior prestígio da época;
mentam) possam nos dar, se nos detemos seriamente nessas obras dentre os coreógrafos que eram contratados pelo Teatro Colón, ela
podemos facilmente perceber o caráter estilizado destas seqüências, teve a oportunidade de ter aulas, ser dirigida e trabalhar com vários
inserindo-as mais no universo do imaginário construído sobre tais nomes relacionados com a companhia de Diaghilev, seja com bailar-
religiões do que no que podemos conhecer de suas tradições. inos que se destacaram na companhia, seja com colaboladores, entre
Como no caso anterior, também na macumba a mescla é o recurso esses nomes estão Leonidas Massine, Adolph Bolm, Michel Fokine,
dominante. E aqui, torna-se emblemático o fato da seqüência ser Boris Romanoff, Bronislava Nijinska e Georges Balanchine. Além
protagonizada por uma personagem mestiça, Terezinha, o híbrido disso, atuou em importantes companhias internacionais, como parte-
entre os dois pólos. Na macumba apresentada, a música é bem dis- naire da principal estrela dos Ballets de Montecarlo, Serge Lifar, bem
tinta dos batuques afro-brasileiros. Realmente há um batuque que como na companhia de René Blum e em El Gran Ballet del Marqués
marca o ritmo, como é próprio destas cerimônias, mas logo entram de Cuevas.
os metais, aludindo ao jazz, à voz do negro americano. Começa a per- Apesar de se tratarem de dois mundos artisticamente distintos, não
cussão e um coro masculino, que são sempre repetitivos e são completamente dissociados, como pode parecer num primeiro
monótonos, enquanto outros instrumentos são introduzidos num momento. Enquanto bailarina, Maria Ruanova protagonizou a maio-
crescendo. As linhas musicais se misturam, variando sobre o tema. A ria dos ballets compostos por Stravinsky, que incorporava o folclore,
música parece querer evocar um clima de "jungle africana", de forças o "popular", o primitivo em seu trabalho. Podemos, então, dizer que
primitivas da natureza, estando presente, inclusive, um som que se encontramos realizado em Embrujo um procedimento que se
assemelha aos barridos dos elefantes. Observemos que os negros assemelha a essas composições de Stravinsky na medida em que tam-
que promovem a macumba no filme são os únicos personagens rep- bém na macumba verificamos a incorporação do primitivo e popu-
resentados por brasileiros. A biógrafa de Maria Ruanova lembra que lar por uma outra linguagem. Trabalha-se num duplo aspecto. De um
a bailarina "se asustaba con los pases de macumba y, aunque no fuera lado temos a mescla do primitivo ou popular com a alta cultura
supersticiosa, no le agradaba el clima que un grupo de muchachos (Maria Ruanova com o grupo de artistas brasileiros), de outro a
brasileños, sin desearlo, creaba en su autenticidad." Conta ainda que transformação desta mescla numa linguagem assimilável pelas mas-
a coreografia dançada por Ruanova e seu par foram números inspi- sas (a exploração de um imaginário primitivo com clara influência do
rados no candomblé, e representaram para a bailarina "el cinema norte-americano). Deste segundo procedimento também não
conocimiento de un mundo distinto al que frecuentaba artística- escapou Stravinsky, quando teve a Sagração da Primavera utilizada
mente"5. Estes relatos nos evidenciam que, apesar de todo o fic- em Fantasia, de Disney 6.
cionismo utilizado na criação da macumba, esta obteve êxito em sua
dramaticidade da evocação das forças primitivas. Percebemos com tudo isso que, embora preocupados em incorporar
Maria Ruanova, nestes anos, já era primeira bailarina do Teatro o popular como força atuante que dialoga com a história elitista,
Colón e gozava de uma grande admiração no seu meio. Ruanova teve Susini e Obligado o fizeram através de uma leitura "letrada" do pop-

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Embrujo
ular, isto é, através da pintura de Di Cavalcanti, da vanguarda afro-
cubana e do ballet de maior prestígio da época.
Estes e muitos outros elementos tão díspares, e que nos revelam uma
gama tão ampla e complexa de distintos enunciados, convivem em
Embrujo como num hipertexto. A magia e a técnica, as tradições
mais requintadas da corte com as tradições mais primitivas africanas
são possíveis porque o texto fílmico se constrói como num
"palimpsesto do tempo e do espaço", onde "essas vistas discor-
dantes" são "incessantemente opostas e incessantemente aproxi-
madas por um infatigável movimento de dissociação doloroso e de
síntese impossível" 7.
A proposta modernizadora do filme torna-se, assim, mais clara com
a incorporação das diferenças sem entretanto escamoteá-las, e mais
ainda com o primitivismo (no caso, a macumba) reapropriado como
prefiguração do próprio futuro, atitude que se mantém até o último
minuto do filme, quando a Marquesa de Santos, que representa uma
ameaça para as questões de linhagem, dinastia, enfim, para a "ordem"
do Império brasileiro, finalmente é pedida em casamento por D.
Pedro. Neste último instante, porém, ela nega o que mais desejou
sempre, "para o bem de sua pátria". A ordem, portanto, é restabele-
cida, para o bem de todos, embora a atitude de Domitila não nos
convença muito, mas o mais importante disso é que a decisão históri-
ca coletiva estava em suas próprias mãos, na decisão individual de um
sujeito singular, alegoria sutil das opções extremas em um momento
de guerra como o que se vivia durante as filmagens.

C i n e m a
[83

REFERENCIAS
1 Romance histórico vastamente documentado, foi traduzido para o espanhol por
Benjamin de Garay, cuja primeira edição saiu pelo Club del Libro em 1939.
2 MÁRIO DE ANDRADE: "Di Cavalcanti", artigo publicado no Diário Nacional em 1932,
in MARTA BATISTA, TELÊ ANCONA e YONE LIMA: Brasil: 1° Tempo Modernista. São
Paulo, IEB, 1972. pp.159-160.
3 MILLER, Marilyn - "(Gypsy) Rhythm and (Cuban) Blues: The Neo-American Dream in
Guillén and Hughes" in Comparative Literature. V.51, Nº 4, 1999.
4 VERGER, Pierre - Notas sobre o culto aos orixás e voduns. Trad. Carlos Eugênio
Marcondes de Moura. São Paulo, Edusp, 1999. p.24
5 MALINOW, Inés - Maria Ruanova. Editorial Planeta, Buenos Aires, 1993. p. 105
6 Disney pretendia popularizar a música de concerto e, para isso, utilizou, além da
Sagração, obras de Bach, Beethoven, Ponchielli, Mussorgsky e Tchaikovsky.
7 GÉRARD GENETTE: "Proust Palimpsesto" in Figuras. Trad. Ivonne Floripes Mantoanelli.
São Paulo, Perspectiva, 1972. P.52

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El sueño de los héroes. Un diario de rodaje

Daniel Link | Fotografías de Sebastián Freire

Un joven muy producido (y los rasgos físicos de una provincia Casi toda Ronda nocturna fue filmada en la calle, de noche, entre las
argentina) se me acerca en la puerta del Bar Oviedo, sobre 9 y las 6 de la mañana, durante 7 semanas. Todos esos freaks (taxi-
Pueyrredón (a metros de Santa Fe), y me pregunta (porque piensa boys, transexuales, mendigos de la noche) acompañaron el rodaje de
que algo tengo que ver con el rodaje de Ronda nocturna, con mi ano- la película con curiosidad cinéfila. Cozarinsky (consciente del narci-
tador en la mano y mi aire seguramente reconcentrado sobre el cismo que sucita el cine) a todos los trataba con coridalidad pero al
papel): "¿Qué están haciendo?". "Una película", contesto. "¿Para qué mismo tiempo con distancia. Ronda nocturna no es una película a la
canal?". "No es para TV, es para el cine". "¿Quién la dirige?". Pasolini que admitiera ragazzi di vita entre "los nuestros" (como
"Edgardo Cozarinsky". Mira un poco la preparación de la escena y llama Cozarinsky a su equipo: los freaks nuestros). Toda ella ha sido
sigue: "¿Eso qué es? ¿La cámara?". "No, el micrófono". "¿Cuál es el pensada, diseñada y, por lo tanto, sólo actores tienen cabida en el
protagonista?". Le miento, porque no quiero comprometer al actor, rodaje. (19/5, medianoche)
diciéndole que no está presente. El joven se retira, mariposea alrede-
dor del grupo, se entera aproximadamente de cómo será la escena ***
que va a rodarse. Al rato vuelve, ofuscadísimo, y me dice, como si
fuera un indicio de la decadencia del mundo y de las artes: "¿Sabés En la esquina de Santa Fe y Pueyrredón, cuando la mayoría de la
qué pasa? A ese pibe le falta calle. Para esto (sin que se sepa bien qué gente ya se ha retirado de la calle rumbo a sus casas, aparecen los
es esto, aunque supongo que se refiere a la profesión de taxi-boy, que otros, los cartoneros que casi nadie quiere ver y que sin embargo
él debe de ejercer y no al arte cinematográfico) hace falta calle". siempre están allí como formando parte de un paisaje al que nos
La escena sucedió a finales de mayo de 2004, durante la segunda hemos acostumbrado demasiado. "Si hay miseria, que no se note", se
semana de rodaje de Ronda nocturna, la película con la que Edgardo dijo siempre en Argentina. Y la mejor forma de no notarla es volver
Cozarinsky volvió a Buenos Aires y que se estrenó un año después irreales a esos personajes que son el índice de lo que Argentina ya
en Buenos Aires, y al que tuve el privilegio de poder asistir como tes- nunca volverá a ser. Una familia de cartoneros se cruza con el equipo
tigo mudo. de rodaje. Arrastran un carro de supermercado pletórico de cartones
y papeles que venderán la mañana siguiente en los centros de recolec-
*** ción y reciclado. Se quedan observando la escena (no una de las esce-
nas que integrarán la película, sino el espectáculo de esa banda de ilu-

C i n e m a
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minadores, maquilladores y productores que deciden la toma). Pasa una pierna esquiando y se me acabó lo de los perros. Así que me vine
otra familia de cartoneros. Los niños de doce o trece años que inte- a Buenos Aires y como en mi familia hay mucho teatro me dediqué
gran cada una de las miserables caravanas se saludan porque segura- a esto". Reviso su apellido. Le pregunto si es algo de Antonio Cunil
mente se conocen. Uno le pregunta al que estaba antes en su puesto Cabanillas, el maestro de actores cuyo nombre homenajean una sala
de observador: "¿De qué es la película?". Recibe como respuesta: "Si del Complejo Teatral San Martín y la Escuela Nacional de Arte
filman acá debe ser una de putos". (fines de mayo de 2004) Dramático. "El nieto", me contesta. (junio de 2004)

*** ***

Para Cozarinsky, el casting es fundamental en el cine (mucho más Va a rodarse una escena en un hotel. Ante la puerta de la suite habrá
que la actuación, que como todo el mundo sabe, sólo sobrevive en un guardaespaldas porque, se supone, dentro vive (o está de paso) un
los escenarios, pero no en los sets). De su protagonista, Gonzalo "embajador". Hablo con el actor, que también hace trabajos como per-
Heredia, le impresionó sobre todo la respuesta a la pregunta inocua sonal de seguridad para restaurantes de categoría. Cada uno de sus bra-
"¿De lo que hiciste hasta ahora, de qué te sentís orgulloso?". Muy zos tienen el grosor de la pierna de un hombre corriente. "Es que lo
serio, Heredia le contestó que no podía sentirse orgulloso de nada mío es la persuasión", se justifica. "El teatro me ha enseñado mucho.
que hubiera hecho porque todo lo que había hecho le parecía bas- Por ejemplo, a manejar las situaciones con sutileza". (junio de 2004)
tante malo. La umilitas como condición del artista y del arte.
Ninguna de las personas que integran el equipo (incluido ***
Cozarinsky) sería capaz de sostener algún tipo de jactancia respecto
de su obra. Todos ellos saben que cada cosa que hacen es una Buscando locaciones, Cozarinsky llegó a un club de swingers llamado Reina
acrobacia sin red y que nada podrá salvarlos salvo un proyecto Loba. El nombre no pierde su misterio, pero al menos se carga de sentido
futuro, la obra que vendrá. cuando tocan timbre. Lo que suena no es un timbrazo sino un aullido de
Hablo con un actor. Me dice: "No hice mucho hasta ahora. Yo vivía loba en celo. El encargado del lugar, después de escuchar el proyecto de
en Bariloche y me dedicaba a entrenar perros para que buscaran per- película mira seriamente al director y le señala, admonitorio: "Para eso hace
sonas perdidas en la nieve, a educarles el olfato. Un día me quebré falta alguien que haya gastado muchas suelas" (mayo de 2004)

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El sueño de los héroes. Un diario de rodaje


*** que cuenta: una obra de teatro, una performance urbana, una man-
era de intervenir el espacio con los cuerpos. Maxi, mi amigo taxi-boy,
Tiene algo extraño Buenos Aires. Si Ronda nocturna se propone a quien veré durante varias noches, me ofrece sus servicios, que me
hablar de la irrealidad de una ciudad (a partir de la superposición de veo obligado a rechazar con tanta delicadeza que parezco aceptarlos
dos registros: el registro realista y el registro fantástico), en algún sen- para un futuro incierto. "Bueno, cuando quieras", me dice. "Ya sabés
tido es porque se propone tematizar ese aire fantasmal que se ha que te hago descuento". (19.05.2004)
vuelto tan característico de Buenos Aires después de la crisis de 2001.
Frente a una casa que vende zapatillas en la esquina de Riobamba y ***
Santa Fe, el equipo de filmación se cruza con otro equipo (éstos son
músicos cargados de equipos de sonido y de grabación que salen de Última noche de rodaje, en un hotel. Todo el equipo de producción
Tower Records). Es como un plano imaginario en el que por un amontonado en una habitación mientras se prepara una escena en la
momento pareciera que Buenos Aires es la capital de una remota habitación contigua, de la que se oyen las voces de los utileros
república de las artes. Tal vez sea así: expulsada Argentina del armando la escena. Cada tanto alguien saca una foto. Cada tanto
concierto de naciones industrializadas, lo único que nos queda en el alguien conversa. Todo en un susurro, para no molestar a los ver-
campo de la producción especializada es la cultura industrial (y el arte daderos huéspedes del hotel. Todo en un susurro, como si hubiera
que de ella se deduce). fantasmas de verdad. En el cuarto contiguo, una discusión sobre
Para los habitantes de Buenos Aires la ciudad se ha convertido en un cómo se prepararán las lineas de cocaína (que son en verdad de azu-
gigantesco set de filmación, un estudio de grabación permanente, una car impalpable) y el ángulo en que la cámara tomará la acción.
pasarela perpetua. Eso, como el turismo, forma parte de la irrealidad Mientras todo esto sucede, el actor protagónico, alejado del mundo,
de todos los días. Ronda nocturna tal vez sea un síntoma de esa sen- se dedica a estudiar la guía telefónica. (junio de 2004)
sación y un intento por apresar esos fantasmas. (junio de 2004)
***
***
Última noche de rodaje. A partir del día siguiente, comienza la
Un auténtico taxi-boy con parada en Santa Fe y Pueyrredón, que me posproducción. El montaje se hará en Francia. La sonorización y la
ha visto varias veces dando vueltas por la esquina, finalmente me edición de sonido, en Buenos Aires. Para Cozarinsky, empieza la
dirige la palabra. Sin saber qué hago yo ni testigo de qué cosa creo depresión. "Por lo menos para mí, que soy una persona solitaria, un
ser, me dice, refiriéndose a los camiones y buses cargados de gente rodaje significa un cambio profundo. Estar rodeado de personas, aún
que acaban de llegar: "Están haciendo una obra de teatro". No se cuando no tenga con ellas relaciones de gran intimidad, funciona
equivoca. Alguna vez habrá una película llamada Ronda nocturna, como una contención muy especial. Saber que a partir de mañana
pero por el momento el rodaje es en sí mismo la experiencia estética voy a estar solo de nuevo me deprime". En el final del rodaje de su

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película anterior, Crepúsculo rojo, Marisa Paredes se burlaba amable- Ronda nocturan no es un ejercicio de "cine independiente". Es un
mente del estado de dicha de Cozarinsky durante el rodaje con la pre- ejercicio de inteligencia, y es una experiencia estética (radical), una
gunta "¿Qué es, un emperador romano?" (junio de 2004) experiencia particularmente notable porque es capaz de sacar sus
mejores virtudes de aparentes defectos, cosa que sólo puede decirse
*** del cine de los grandes.
Daré sólo un ejemplo: la historia, por necesidades de guión, debe
Ronda nocturna (2005), la película de Edgardo Cozarinsky, fue estre- transcurrir un 2 de noviembre. Por razones que escaparon a la vol-
nada durante la última versión del Bafici (Buenos Aires Festival untad de su director, no pudo filmarse sino durante un mes de junio
Internacional de Cine Independiente), ese evento mezquino en el particularmente frío.
que no se sabe bien si en él la excentricidad se vuelve frívola o la friv- Yo, que estuve en ese rodaje, tenía una curiosidad enorme por ver
olidad, excéntrica. La sola idea de "cine independiente" es una abom- cómo iba a verse esa incongruencia climatológica en el film. Pensé
inación conceptual. ¿Independiente de qué? ¿De los intereses de los que tal vez no se notara tanto. Lo cierto es que se nota: es un 2 de
grandes estudios? ¿Es que hay tales "grandes estudios" en Argentina? noviembre y hace frío. Ahora bien, como Edgardo Cozarinsky nunca
¿De la política? ¿Es que acaso hay, etc.? quiso hacer una película "realista", la incongruencia de la fecha y el
Lo que se llama "cine independiente" es lisa y llanamente cine débil, frío no hace sino crear una atmósfera de irrealidad que, por razones
que no puede competir por el público con ninguna película main- que tienen que ver con la resolución de la película (el día de todos los
stream. Si los planificadores y administradores culturales tuvieran muertos, aquéllos que ya no están entre nosotros salen a buscar, para
verdadero coraje o vocación de disidencia, el festival sería de cine llevarse con ellos, a las personas que amaron) pero también con el
"experimental". Pero no, "independiente" y "barato" (porque baratas clima del que Ronda nocturna se hace cargo, sólo pueden favorecer-
son las producciones y, también, las entradas) sirve para corroborar la, porque de eso habla (de la irrealidad, de lo imaginario, de la
que el "cine de entretenimiento" no es "cine de verdad" y que los ver- nihilización del mundo), entre otras cosas. Yo recibí el sentido de lo
daderos amantes del séptimo arte son capaces de someterse a las tor- que estaba percibiendo mucho después de haber naufragado en mi
turas que los fieles del Bafici son capaces de soportar en haras de un propio llanto.
arte que nunca debió existir. De discordancias semejantes, el film de Cozarinsky (que antes que
Además, todo sucede en ese lugar espantoso llamado "El Abasto" ninguna otra cosa, antes que uno de los mejores escritores argenti-
donde la clase media celebra sus fastos, al que cuesta llegar, al que nos, es, sobre todo, una persona inteligente y sensible) está lleno.
cuesta entrar, del que cuesta salir y en el que cuesta, sobre todo, estar. Cozarinsky (autor de la compilación clásica Borges y el cine) sabe
Lo que en el contexto del Bafici se llama "cine independiente" no es que el cinematógrafo es una experiencia de pensamiento encarnado
sino la frutilla que adorna la torta de la especulación inmobiliaria en (lo sabe también respecto de la literatura) y ha reflexionado sobre
Buenos Aires. El público que concurre al Bafici (lo sepa o no) no cómo es esa encarnación del pensamiento que llamamos cine. A la
hace sino legitimar el estado horrible del mundo y de las artes. par del estreno de su película, el autor publicó el guión de Ronda

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El sueño de los héroes. Un diario de rodaje


Nocturna (Buenos Aires, Libros del Rojas, 2005), precisamente para
potenciar esa experiencia estética que había comenzado como un
texto escrito, continuó con una experiencia dramática callejera y ter-
minó como un relato audiovisual.
Ronda nocturna se llama así porque evoca, deliberadamente, a
Rembrandt. El cineasta y su equipo, dice Cozarinsky, son como esos
conjurados que atraviesan la noche con una linterna, no para ilumi-
nar (porque la luz, en Rembrandt y en Cozarinsky, viene de todas
partes, de cualquier parte) sino para guiarse en un laberinto de sig-
nos. Es una ciudad (objeto a la vez del amor y del extrañamiento,
como sucede siempre que se trata del amor) lo que Cozarinsky quiso
entregar como un don a sus espectadores (también: a sus lectores).
La ciudad de la noche.
Alan Pauls declaró que Cozarinsky había hecho por Santa Fe y
Pueyrredón lo que Borges con Palermo Viejo. Se puede estar de acuer-
do o no con un pronunciamiento semejante (que adolece de una
simetría tal vez irreparable), pero en todo caso Pauls pudo ver que
Cozarinsky estaba haciendo algo con Buenos Aires que había que
entender como una operación desusada, y necesaria. (16.04.2005)

***

Los personajes que presenta Cozarinsky en su ronda aparecen leve-


mente distorsionados (desde el comienzo, y hasta el final). Uno de
esos personajes, un comisario, despertó la ira unánime de la crítica
cinematográfica especializada en vilezas. Que el comisario es demasi-
ado malo, o que es tan malo que no se entiende cómo el personaje
principal confía en él, o que no debería presentarse a los comisarios
como malos porque eso constituye un cliché. Como si Cozarinsky se
hubiera propuesto documentar el hecho y la opinión de que los
comisarios son malos y corruptos. Nadie parece haber escuchado el

C i n e m a
[89

diálogo en el cual el amigo de Victor, el personaje principal, le dice


que tiene que escapar del comisario porque está enamorado de él.
Nadie parece darse cuenta de que el comisario es un comisario enam-
orado y que más allá de la catadura moral del sujeto de lo que se trata
en ese momento de la historia es de la violencia de un amor sin
retorno posible. (20.04.2005)

***

"No puedo dejar de pensar que Ronda nocturna seria una película
mucho más satisfactoria si hubiese sido filmada desde el punto de
vista de los embajadores que contratan a los taxi boys", escribe
Manuel Trancón en la revista El amante del mes de mayo de 2005.
¿Por qué el crítico no puede dejar de pensar eso, salvo por prejuicio
homofóbico? "Se nota que Cozarinsky no se siente nada cómodo
con ese mundo", agrega el crítico. ¿Acaso alguien puede sentirse
cómodo con ese mundo, con el mundo? ¿Y acaso Cozarinsky hizo
esta película por encargo y con mandato de comodidad?
Cozarinsky fue a buscar algo al mundo. Si lo encontró o no es algo
que sólo él podrá decir, pero lo cierto es que, al ver Ronda nocturna,
nosotros somos testigos de esa busca. Y le agradecemos que nos
haya dejado participar del rumbo de sus pensamientos. (14.05.2005)

***
La película de Cozarinsky no es testimonial, sino fantástica. Habla
del amor, y de la muerte. Se llama Ronda nocturna, como un cuadro
de Rembrandt, y aspira a esa misma grandeza. Y sus personajes, casi
todos ellos, dicen una sola cosa: "Nadar sabe mi llama la agua fría,/
y perder el respeto a ley severa". (14.05.2005)

Juan José Sebreli en el rodaje.

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Glauber Rocha y la TV

Jorge La Ferla

je rodado en Bahía y del que salí en estado alucinatorio del


FilmStudio, en el barrio romano del Trastevere, hasta la presentación
¿Por qué se mantiene vigente?, podría uno preguntarse nuevamente. de su última película, La edad de la tierra, durante el festival de
Porque quizá sea, tras más de veinte años de su muerte, el que surge Venecia de 1980. Entre esos extremos recordados, desde su opera
como más vigente entre los grandes directores de cine de la región prima hasta su último largometraje, Rocha ejerció una praxis exhaus-
aún activos. Leonardo Favio y Raúl Ruiz son los únicos que acom- tiva en todo medio en el que intervino, novela, crítica, cine, video o
pañan. Pero su recordado entusiasmo y actitud provocadora dentro TV y fue un personaje con una posición muy comprometida con la
del género audiovisual, y en el ámbito político, siguen en vigor por su situación política del Brasil. Los vivientes viejos compañeros de su
valor agregado, a pesar de algunos olvidos coyunturales por parte de generación en el continente, mal llamado Cine Liberación, siguen
revistas especializadas, claustros, escuelas de cine de América Latina deambulando por festivales del mundo, o intentando realizar su
y fundamentalmente realizadores de la región. nueva película. Ausentes y en discordia con un presente, no han
podido aún liberar nada.
La idea que sostengo es que además de cualquier interés histórico, o
enciclopédico, que son fundamentales de conservar, la figura y la Aquel desencuadre difícil de llenar. En Viento del Este, de Jean-Luc
obra de Glauber Rocha constituyen una posición de una vigencia Godard película que forma parte de la tríada de su retiro bolche-ver-
muy intensa frente a la situación del audiovisual. Algo notable para toviano de Godard de la industria, hay dos escenas claves. Una es la
intentar debatir un estado de situación marcado por una crisis pro- cita topográfica tan remanida: No es una imagen justa. Es sólo una
funda, y terminal, en el ámbito de la política, las economías, el arte y imagen. Nada más justo para hablar del trabajo con la imagen de
la cultura de América Latina. La intensidad de su obra, su pen- Rocha. La otra, es la escena en la que Glauber pone su cuerpo en un
samiento cuestionador, y su visión de los medios ponen en evidencia encuadre a la vera de un camino. Uno de los personajes le pregunta
la claudicación casi total, de importantes ideas y utopías, en esta lán- en qué dirección queda el cine latinoamericano, y el bahiano, en un
guida primera década del tercer milenio. gesto inmortal, señala la izquierda del cuadro con su mano derecha.
En ese desencuadre, una puesta en abismo clara, política y estética-
Varios fueron mis cruzamientos con Rocha. Primero con su obra, mente, son pocos los que pudieron dar un vistazo significativo en los
que vi durante los años 70, desde Barravento, su primer largometra- últimos cuarenta años en nuestro continente. Para el caso de

C i n e m a
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Argentina, uno de los países con la mayor producción de cine en


América Latina, este también es un tema crucial pues la calidad de
ese cine subvencionado es muy baja, hecha la excepción de algunas
pocas obras. Cantidad nunca significó calidad y en este caso, la de un
cine subvencionado por el estado, la situación es preocupante.

Lo arcaico y el video. Jean-Paul Fargier se refiere siemore a una entre-


vista hecha en París durante los años 70: "Antonio das Mortes,
Glauber Rocha [.....] la moraleja de esta fábula es tan pesimista que es
el film de la burguesía intelectual de un artista que sublima su inca-
pacidad para actuar (físicamente o intelectualmente) en la belleza del
Mito. Film que enriquece el campo mítico, pero que no inscribe una
huella decisiva en la historia. La jerga de una época desaparecida.
¿Qué ha sido de él? Recuerdo que en un hotel de la calle Harpe,
Leblanc y yo lo acosábamos con preguntas marxistoides de buena y
debida forma, y de qué modo se defendía ante nuestra agresión.
¿Cómo se pueden hacer preguntas tan arcaicas con un material tan
moderno?, exclamaba él, refugiado en la cabecera de la cama y seña-
lando nuestra cámara. Nosotros grabábamos, en efecto, sus declara-
ciones con un magnetoscopio, un viejo Sony." (Algunas páginas
arrancadas del libro de mis noches en vigilia, Jean Paul Fargier)
Rocha marcaba y volvía a señalar una dirección en este caso la de la
imagen electrónica, en este caso a Jean-Paul Fargier que después
influiría a muchos con su creativa prédica videográfica y televisiva.

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Título de la nota en cuerpo 12


La elocuencia, Rocha, la manifestaba con la misma actitud, una
cámara en la mano, una idea en la cabeza a partir de relacionar ambos
con una permanente reflexión crítica sobre los soportes y las tec-
nologías audiovisuales y las maneras de producir imágenes técnicas.
Luego del incidente, el creyente Fargier se convertía no sólo en uno
de los pensadores más destacados del video sino también en un pro-
lífico videasta y realizador independiente de TV, una rareza en la
actual Francia fashion, derechista y decadente del nuevo milenio.

La TV y la experiencia de Abertura. Hacia fines de los 70 Glauber


Rocha participa en una serie de emisiones para la televisión brasileña
que influirían profundamente en el naciente video independiente y
en su estética, los que a su vez volverían a modificar a la misma tele-
visión a fines de los años 80. Rocha conducía estas secuencias de
reportajes emitidos por la TV TUPI, que en verdad eran monólogos
realizados fuera de los estudios. En cada uno de ellos desarrollaba un
tema diferente de una manera que en ese momento era radical: desal-
iñado, agresivo y desgarbado, mirando a cámara, sin cortes, con
planos muy cortos y en permanente movimiento, Rocha gritaba sus
verdades. Esta interpelación es acompañada de indicaciones hechas
de manera ostentosa sobre el encuadre o los movimientos de cámara.
A pesar de su emisión diferida, estos trabajos realizados en exteriores
se servían del directo, creando la ilusión de una transmisión en vivo.
Eran largas escenas, la mayor parte de las veces continuas, que con-
formaban un plano secuencia. Las referencias explícitas a la tele-
visión se ampliaban en su discurso polémico con una manera de
comentar la realidad sin tapujos. Icono viviente de una posición que
desafiaba la pasividad típica de las híbridas y correctas talking heads
de los noticieros tradicionales liderados por O Globo, o los política-
mente correctos reportajes de Jô Soares que suavizan cualquier tipo
de noticia y contradicción. El género y la actitud de Rocha eran ya

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molestos por el uso de la ilusión del vivo televisivo y por la manera


en que destrozaba los reportajes tradicionales y acartonados. Muchas
veces hablaba tapando su cara con fotos o con algún libro, opacan-
do continuamente mediante estos procedimientos el realismo televi-
sivo. Era evidente que ya en la última época de la dictablanda
brasileira con el general Figuereido en el poder y antes del adven-
imiento del general Geisel en el régimen brasileño, se comenzaba a
aflojar el control sobre los medios. Esto permitió que un grupo de
exilados famosos de la cultura tuviera sus propios programas de tele-
visión, entre los cuales Rocha que se destapaba sin tapujos crípticos
sobre la realidad política y cultural de Brasil. De lejos el bloque de
Rocha era el más creativo, y en su simpleza, trascendía las
propiedades específicas de la televisión. El 21 de octubre de 1979
Rocha se despedía de Abertura pues debía terminar el montaje del
que iba a ser su último film, La edad de la Tierra, debiendo también
viajar al exterior por algunos problemas de salud. El incipiente video
brasileño, que durante las últimas dos décadas del siglo XX se iba a
transformar en uno de los movimientos más creativos y más impor-
tantes del mundo, aún no tenía acta de nacimiento. Faltaban varios
años para que surgieran los provocadores trabajos de Olhar
Eletrônico en San Pablo. Rocha de una manera brillante se adelanta,
como Jean-Christophe Averty lo hace en su momento en Francia, y
trabaja con cuestiones inherentes a los usos de la imagen electrónica
mucho antes que los pioneros del video independiente en Brasil y el
mundo, incorporaran estas innovaciones a su práctica.

Y fue en la Biennale di Venezia de 1980, cuando Glauber presenta la


sublime La edad de la Tierra, cuando lo vi por última vez, en com-
pañía de su mujer colombiana -buena y correcta elección, similar a la
de Leonardo Favio. Rocha frente al horror del director de la Mostra,
Carlo Lizzani, despotricaba, furioso como siempre, contra el jerarca

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Título de la nota en cuerpo 12


símbolo del negocio de las majors hollywoodenses, JackValenti, al los intelectuales en el Brasil, no hablamos acá del caso argentino que
que calificó de "corrupto, provocador y agente del imperialismo en es más preocupante, no hacen más que profundizar el valor de
la Bienal". Pero también la sinceridad de su violencia apuntó también Glauber Rocha como artista audiovisual y hombre político, dos val-
contra otro rubro intocable, los críticos cinematográficos, a los que ores degradados y disociados en este nuevo milenio en las artes y el
tildó de "estúpidos, decadentes, corruptos, vendidos al capital amer- quehacer audiovisual del continente americano.
icano, burócratas, funcionarios de los partidos, intolerantes, esclavos
de la CIA e imperialistas". El filo izquierdista Carlo Lizzani, recor- Frente a la total digitalización del audiovisual se están planteando
dado director de cine convertido en funcionario, maldijo mil veces cuestiones de fundamental importancia con respecto a la máquina
haber seleccionado la película de Rocha, y haberlo invitado al Lido. del cine, y a la relación entre la imagen fotoquímica, electrónica y dig-
"Esas cosas no se hacen", decía Lizzani, mientras Valenti miraba el ital que pocos quieren mencionar y tratar de manera profunda. Este
mar con una copa de champagne en la mano. modelo de esquizofrenia es mucho más grave en América Latina que
siempre recibió tecnología ajena y obsoleta para una producción
Esta gran película, y su valiente show público, serían su última inter- audiovisual que en estos momentos está pasando por una situación
vención. de crisis apasionante a la cual pocos se quieren referir. "Yo solo
Esa intransigencia y ese vuelo creador aparecen en estos lábiles años quiero filmar", dicen todos. Ahora bien viendo las obras que resul-
90 como el último gran modelo de una actitud libertaria a ultranza tan, uno se pregunta cuál es el motivo para esta praxis, y porque se
absolutamente incorrecta políticamente. Sus incompresibles elogios destina dinero público para la misma, sin criterios claros de defensa
al General Geisel de alguna manera apoyaban las promesas del nuevo de algo que se consideraba como arte.
gobierno de reflotar el ente Embrafilme, así como de relanzar la pro-
ducción y exhibición del cine independiente en el Brasil. Esa Rocha siempre fue un ejemplo de praxis activa y creativa con los
aparente impostura política era mucho más coherente que el corifeo diversos soportes y lenguajes audiovisuales, en la producción y en la
festivo de artistas audiovisuales que no saben como reaccionar frente reflexión sobre los mismos.
a la falta de políticas culturales importantes del ministro de cultura
actual del Brasil, Gilberto Gil, que se suma al apoyo acrítico de la Recordemos finalmente, que a pesar de su aparente pequeña dimen-
masa de intelectuales y representantes del quehacer cultural frente a sión, la obra crítica y analítica de Rocha es inmensa, y que sus tres
la inoperancia y cinismo del gobierno del compañero Lula. El dis- escritos mayores, el último recientemente publicado, es lo más pro-
curso demagógico, el vacío de propuestas y los trajes Armani del fundo que se ha escrito en el continente por parte de un realizador.
ministro cantautor, como el aggiornado look del presidente obrero, "Una revisión Crítica del Cine Brasileño", "La Revolución del
son un atractivo suficiente para las huestes del campo intelectual en Cinema Novo" y "Cartas al mundo" es de lejos lo mejor que ningún
el Brasil ya alejados de cualquier espíritu de lectura crítica y ruptural director de cine del continente ha publicado. En el mundo hay
de la dura realidad de este país. Este espacio lábil del audiovisual y de algunos casos más, Eisenstein, Vertov, Godard y Jean-Louis Comolli

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que son los modelos antológicos que acompañan a Rocha mostran-


do un valor en completo desuso. Un maestro-director de cine que
hace, piensa y analiza con una profundidad, y una pasión desbor-
dante, el audiovisual, y el universo.

"El arte es estímulo, es metáfora. Arte, es la dimensión del sueño


anárquico de la materia onírica." (G.R. durante una de las últimas
emisiones de Abertura)

ã Jorge La Ferla, 2005

C i n e m a
grumo / número 03 / julio 2004
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Leblon, voz e chao de Solange Rebuzzi. El enigma de lo femenino


Editorial 7 Letras, Río de Janeiro, 2004

Paula Siganevich

El primer libro de Solange Rebuzzi, Contornos, publicado en 1991, libro en el 2002, Pó de Borboleta: "Atravessaremos juntos as grandes
lleva un epígrafe de Lou Andreas Salomé, "...la vida es simplemente espirais / A artéria estendida do silencio, o vao / O patamar do
poesía. Inconscientes vivimos día a día y fragmento por fragmento, tempo?". Cuando el tiempo recorre su camino deja a su lado som-
mas, en su inviolable integridad es ella la que nos vive, ella la que nos bras y fragmentos, fantasmas que pueden ser algunas prendas, vesti-
lleva.". Una cita que impone un modo y una referencia que avanza dos o vestigios, todo el libro es un cuerpo que se hace y se deshace
ininterrumpidamente hasta el presente en su obra creativa. Como en una condición de fragilidad frente a lo eterno. Hilda Hilst tiene el
primer libro visita el amanecer de todo poeta, su lugar, sus antepasa- don extraño de prender en un verso el tiempo, Solange aspira a cam-
dos. "Memorias" se revela de algún modo contra esto: por más que inar junto a ella su camino de poeta.
me escapo, recuerdo / la voz de los grillos / sueltos en la esperanza
/me hablan de secretos oscuros / momentos sin sosiego. Por más La imagen, el grabado, la letra manuscrita o la fotografía, acompañan
que me escapo, / recuerdo / Qué hacer? / No quiero vivir de memo- la escritura de Solange en todos sus libros; siempre un texto copiado
rias. en su caligrafía sinuosa, un pequeño grabado reproducido e inter-
calado entre poemas ¿Cuál es la intención de esta presencia?
Canto de Sombras, de 1997, también tiene su pregunta inicial en Materializar en la escritura un cuerpo, un cuerpo de escritura. Así al
"Germinación": ¿Cuál es la duración de la permanencia? Es en el paso de los libros el cuerpo crece, toma su voz, ocupa su lugar. Así
tiempo que se construye la observación de la naturaleza, la presencia llega Leblon, voz y chao.
constante de lo perenne que afecta las formas y los colores de la nat-
uraleza viva, de la naturaleza humana: Do verbo ser / o silencio soa. Una ventana, mirar a través de ella. Leblon, voz e chao, el nuevo
/ Desagua a vida cores / atenuando o impensable. / Entre vermel- libro de Solange Rebuzzi, propone dos visiones en cruce: la exterior
hos / conjugar anseios /ao por-de-sol. /No branco das luzes, / - Río, Leblon, Ipanema -, la interior enigma de lo femenino ya explo-
camélias abertas, /desponta o verso /mulher. rado en libros anteriores a máscara reveladora / do possivel no
imposible, /a verdade que nao debe ser dita toda.
Hay una poeta que como ninguna otra en estos últimos años se ha
preguntado por el tiempo haciendo de la condición de la pregunta un Es un libro sobre la visualidad en el sentido que la modernidad le da
modo de vivir, Hilda Hilst. De ella es el epígrafe que abre un nuevo a este concepto: sueño y fotografía, construcciones mediadas por la

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tecnología. Así el sueño es construido por el dispositivo técnico psi-


coanalítico y la fotografía por el dispositivo de la cámara, a visao/
reverte. Se dice que la foto es la nueva memoria de lo humano al
igual que el sueño y la poesía son construcciones paradigmáticas,
fragmentos, de una subjetividad.

Todo converge en la escritura, toda memoria es la del cuerpo. El


exterior se transforma en letra: Leblon:/ a musa mordida/ - na boca-
palabra -/ faz do buraco pensamento. Como también: Areias de
Ipanema / textura da língua. Hasta que la memoria se libera y la pal-
abra se transforma, la palabra / carnefluida.

La vestimenta, la ropa pertenece a la categoría del vestigio, la traza


sensual que se escribe sobre la corporalidad. El cuerpo de la escritu-
ra se desdobla en un cuerpo de mujer y otro cuerpo personaje, como
el poema se sobre escribe en las lecturas anteriores, ...e da janela da
frase, / uma impulsao suave as leva / em caminho onde o corpo da
escrita / desdobra-se / mezclado ao corpo-personagem-mulher ; /a
outra que escreve. Así también se escribe la carta - se cita dickinso-
nianamente, leminskianamente - a José. Porque a él, el que ve detrás
de la cámara, el autor de las fotografías del libro, quizás esté dirigido
parte del enigma, l'amour: un moment d'arret. Y en esta carta es
donde se produce el pasaje de la escritura al puro grafismo, la dis-
olución del poema: l - u - z -

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Uma casa de escrita, a de Wilson Bueno

Manoel Ricardo de Lima

Río de Janeiro, 2005 avenidas largas e apressadas de Curitiba, sul brasileiro, onde toma
abrigo Wilson Bueno e seus textos. O paranaense de Jaguapitã, aos
O último texto de Bolero´s Bar (1986), livro de Wilson Bueno que 55 anos, tem como prisma e gesto à sua escritura o que João Antônio
reúne conversas de boteco - "este boteco sórdido e esplêndido, que chamou de "autonomias", e aqui sempre me vem uma leve decli-
abre quando pode e fecha quando não é mais possível" (como a nação para pensar que Wilson estabelece uma proposta, ou uma cat-
porta de uma casa, espaço de intimidades) no dito de Paulo egoria de pensamento, que pode ser e estar remetida, diretamente, a
Leminski, - conta de um encontro possível com Carlinhos Oliveira, uma fala do artista visual Cildo Meireles: "O desvio define a arte:
o cronista quase sempre desabado "sob uma boina invariável" e aquilo que não se entrega à ordem senão para entregá-la de volta às
fazendo conjecturas "sobre as possibilidades da projeção do abis- manobras instáveis e duvidosas, ao momento em suspenso de seu
mo". É a partir desse um bar carioca qualquer, nos idos anos 1970, risco inicial. Eis o que não há: o mundo pronto."
Rio de Janeiro, que Wilson aponta para dizer de si mesmo e de uma
espécie de "twilight zone" na qual ele vai construindo o seu silêncio: E é este mundo pronto, que não há, sempre no pensamento também
como se soubesse o tanto que vai no dito: "olhar longe dói". É o de artistas, que se fazem e se pensam a partir dos limites de suas
mesmo Leminski quem afirma ainda que WB nunca se interessou experiências de criação, como as "casas do Há" da portuguesa Maria
demais pelas várias poéticas que se digladiavam num seu começo Gabriela Llansol, para criar avesso e revés, que se faz muito interes-
com a escritura; e bom isso, do Leminski, para se afirmar agora que sante à zona de espaço, as casas, as moradas, os abrigos por onde
WB continua não se interessando, desta forma, por nada que ainda trafegam os textos de Wilson. Uma zona que não impõe distração ou
se bata ou vocifere em suas mínimas pobrezas ou cerceamentos limite, mas sim, sempre, um deambular da imaginação ao mais longe
teóricos que em tudo cabe dentro, tudo vale, mas sim e sempre muito dela. Wilson usa de um descontrolar da sintaxe com uma precisão
mais preocupado em apenas dizer das coisas num seu narrar que é de embotamento para a alma de suas personagens e com uma pureza
muito próprio, e particular. Suas singularidades. de espírito questionador da existência humana mais vã, mais sem
sentido. É um desses des-narradores de boa linhagem, desses domi-
E talvez seja assim, dentro da casa, numa idéia de entre e sai, entre o nadores do que fazem, cíclicos e elípticos, que volta e meia estão
canto quase oco de um tico-tico alegre e uma água que escorre pelo repetindo tudo para criar outras coisas e desconcertando até ao leitor
pequeno jardim, no singular Pilarzinho, bairro de lá bem no alto das mais atento.

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Assim, penso em três casas que podem compor o universo das trav- A casa de escrita de Wilson Bueno não é senão a busca incessante de
essuras ficcionais de Wilson, para montar a armadilha de uma sua um espaço seu, no texto, como fez agora mais recentemente em seu
própria e singular casa de escrita, uma sua casa de linguagem (a casa último livro, Amar-te a ti nem sei com carícias (2004), este
de "autonomias"), numa renga com o trabalho de Ludmila de Lima decassílabo perfeito, em que a ladainha pode até parecer a mesma,
Brandão, A casa subjetiva (2002), em que ela monta a partir também mas estamos falando de um autor que sabe a espera da mão. Assim,
de Francisco Varela e de Philippe Boudon, como também aqui, e um manuscrito perdido em algum lugar, desta vez encontrado numa
ainda Deleuze e Guatarri, ao largo e perto, as volutas de um ser- antiga casa em Botafogo. Capa de couro, 200 folhas, de autoria de
espaço, um ser-mundo, um espaço corporeidade, um espaço subje- um certo Leocádio Prata, ou de Lavínia Prata, ou ainda de Licurgo
tividade. Uma casa aberta, como as catedrais medievais que man- Pontes, LP´s, (os preciosos chiados dos discos de vinil?), mas que
tinham suas portas abertas para todos os habitantes de uma região e todas as pistas indicam ser do primeiro. Uma justa com o século
visitantes, enfim, que é também uma casa quase de fazenda, entre XIX, que ainda não havia terminado direito, estava-se em 1913, e
tantas portas estreitas e janelas baixas, mas sempre e sempre abertas, com o século XX, que também ainda não havia começado direito.
como uma condição primeira do rizoma. Uma casa de encruzilhadas, Mais uma, também, incoerência dos jogos e mimos de memória e
talvez aqui a casa moderna, caixa de morar, ou "preparação para o amor.
túmulo" no dito de Rubem Braga, uma casa da cidade, urbana, em
linhas tensas e des-nortes, uma casa que não é a do híbrido, para não O livro é todo escrito com a estrutura dos romances de narrador em
resultar em Um, mas uma mistura que é encruzilhada mesmo, entre primeira pessoa de fins do século XIX, que Machado de Assis
línguas e etnias, entre invenção e incorporação, do moderno ao que desvendou com mão certa, e com todo o vulto de quem sabe brin-
veio depois a partir principalmente da novas unidades temporais. Por car com o ritmo e o manejar da língua, de quem sabe a "nevrose" e
fim, uma casa nômade, mas às avessas, que são as casas ditas con- a "ilusão de nossa imortalidade". Uma confissão amorosa, triangular,
temporâneas, que carregam consigo o imaginário das casas abertas e sem brechas (porque para todos os lados do triângulo) e um abrir do
das casas de encruzilhada, ou seja, o diverso todo ao mesmo tempo, pano da vida no Rio de Janeiro do período e dos oxímoros das
com seus súbitos deslocamentos de um processo a outro: como ir do deixas: quem escreve, para quem se escreve, para que se escreve, o
deserto aos homens sem morada fixa, o imaginários dos territórios que se escreve e por aí vai: "Nada indica que tenhamos mudado de
desconfigurados, a casa desterritorializada. século - é tudo a mesma pachorra e a mesma música lenta." Ou

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Uma casa de escrita, a de Wilson Bueno


"Passamos a existir como se numa dilação de prazos, na latência ter- uma espécie de devir para (entre; grifo meu) a sua própria
rível do fim, e medimos extensamente, a cada vez, a frágil carne de humanidade / animalidade". No primeiro, o Manual de Zoofilia,
que somos feitos. Cousas mortas, geladamente mortas." estabelece uma conversa esvaecida a partir dos lastros de doçura e
raiva numa simbiose amorosa que tanto se espatifa no chão quanto
Mas é talvez nos dois livros que Wilson organizou uma certa zoolo- se embate entre tapas, socos e bofetadas ao mesmo tempo em que
gia, Manual de Zoofilia (1991) e Jardim Zoológico (1999), que mel- desmonta o outro num beijo dado como se de um colibri. Como no
hor se pode imprimir e deixar ver estas casas de acesso que ele con- pequeno "Andorinhas": "Mínimos mirós dançantes as andorinhas
strói. Maria Esther Maciel em seu livro A memória das coisas (2004) moram comigo na moldura em cristal da vidraça e passam pela janela
dedica um bonito ensaio para desenhar alguma cartografia da pro- numa pressa alegre, numa urgência, aos bandos, em circunvoluções
dução latino americana de bestiários. De Gândavo à Afonso Taunay de puríssima coreografia. / Intuo façam do verão a livre ansiedade
com os seus Zoologia Fantástica do Brasil (reeditado em 1999, mas com que, contra o azul de fevereiro, brincam por entre prédios e tor-
de 1934) e Monstros e Monstrengos do Brasil (1937), principal- res - longe, perto, muito longe, ainda que aquém do céu. / Fosse
mente, até Jorge Luis Borges, com seus inúmeros textos que atraves- assim o jeito de tua existência rufiã, leve ao ar, não nos entreteríamos,
sam estes motivos. E é também em Wilson que Maria Esther apon- os dois, no telequéti da nossa cama, aos uivos, aos socos, aos beijos,
ta para uma intensificação do "problema dos sistemas modernos de aos relinchos, a golpes-baixos, e ao milagre da carne em nós em vôo."
classificação e do conhecimento". Mesmo que Maria Esther trate da
questão em termos do híbrido, o que penso aqui a partir de uma idéia E mais radicalmente ainda, numa zoologia inventada, nos moldes
de encruzilhada (que talvez possa até, num outro dado de descola- daquela mesma quase medieval, sombreada pelo espanto e o susto,
mento do ajuste, ser uma mesma coisa), penso também nos os bichos inventados do Jardim Zoológico, no jogo entre a memória
bestiários e na zoologia, que também foram gerados à guisa de reg- e a lembrança, entre o esquecimento e o assombro, a delicadeza
istrar o extraordinário e o prodigioso, por uma impossibilidade dos amorosa e a perda e o tempo eterno do mito, como neste trecho final
materiais para dizer de outra forma, nos narradores de histórias orais dos "Recém-Nados": "Inadaptados, relembradores, inquietos e quase
do nordeste brasileiro, tanto no sertão central quando à beira mar, na sempre aflitos, não esquecem o que foi deles no útero frutuoso; não,
costa mais ao norte, as incontáveis histórias de pescadores, quase pequenos monstros tocados de memória, não esquecem, não esque-
sempre nômades, e aqui, no dito de Ruy Vasconcelos, narradores dis- cerão jamais. / Talvez por isso durmam e se estertorem, nacos de
tintos "em suas vilas volantes, em suas velas ao vento". carne postos a viver, mesmo à sua extrema revelia. Não pediram para
medrar em terreno inóspito nem para guardar; punhal enterrado no
Nesses dois livros Wilson desfaz o espaço do limite, propõe a expan- coração, estas saudades de si que são, deles, a mais veemente nostal-
são de sua casa de escrita, como o tico-tico aqui cantasse mais baixo gia. / A felicidade do mundo é que não conhecem o suicídio e, se isto
e precisássemos inclinar a nuca para ouvi-lo melhor, no que Maria algum dia aconteceu, não tiveram meios de matar-se."
Esther chama, em mão certa e precisa, como um "contágio como

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Se de conversa fácil, frouxa, riso bom e sereno, é na casa LIVROS DE WILSON BUENO:
que o Wilson Bueno deixa aberta, numa encruzilhada de ferros ou
num nomadismo de escrita que fica visto o bem mais simples e del- *Bolero's Bar ( Criar Edições, Curitiba, 1986 ).
icado do que qualquer coisa que se possa dizer, e penso na, a meu *Bolero's Bar/Diário Vagau (2ª edição/ Travessa dos Editores/ projeto gráfico de Paulo
ver, melhor mão de Wilson, a que des-narra um tio, Roseno, em Meu Sandrini).
tio Roseno, a cavalo (2000), que se metamorfoseia em Rosevaldo, *Manual de Zoofilia ( Noa Noa, Florianópolis, 1991 ).
Rosemundo, Rosalvo, Rosilvo, Roseseno etc, que atravessa um per- *Ojos de Agua ( El Territorio, Argentina, 1992 ).
curso de sete céus para tentar chegar onde mora a bugra Doroí, de *Mar Paraguayo ( Iluminuras, São Paulo, 1992/Santiago do Chile, 2002 ).
olhos azuis, e que segundo uma cigana espera um filho seu, "para ser *Cristal ( Siciliano, São Paulo, 1995 ).
mais certo uma filha", que se chamará Andradazil. Esta que será a *Pequeno Tratado de Brinquedos ( Iluminuras,1996 ).
heroína, guerreira, da Guerra do Paranavaí nos idos de 1943, bem *Medusario/ Mostra de Poesia Latinoamericana ( antologia, Fondo de Cultura
antes mesmo, como diz, de nascer o narrador naqueles idos de Económica, México, 1996). Organização de José Kozer, Roberto Echavarren e Jacobo
depois do ano de 1949, quando o tio Rosenií 'iru, ainda será vivo. Sefamí.
Montado em um zaino, Brioso, de marcha imperiosa, lenta, dentro de *Jardim Zoológico (Iluminuras, 1999).
uma espécie de fábula, rasa, guarani, brasiguaya (como também no *Os Chuvosos ( Tigre do Espelho, Curitiba, 1999).
seu Mar Paraguayo - 1992 - com sua velha Marafona) porque atrav- *Meu Tio Roseno, a Cavalo ( Editora 34, São Paulo, 2000).
essa um Paraguai guarani, e um Brasil difícil. Se não é esta travessia (Finalista do Prêmio Jabuti 2001)
de Roseno a mesma das invenções da própria casa de escrita de * Once Poetas Brasileños ( ediciones Cetrería, 2004, Havana/Cuba).
Wilson Bueno, uma sua mesma e outra, numa encruzilhada, também *Amar-te a ti nem Sei se com Carícias - ( romance premiado com a Bolsa Vitae de
e ainda, certamente, uma projeção do abismo. Literatura 2000, editora Planeta, São Paulo, 2004)
* Cachorros do Céu - ( livro de fábulas, editora Planeta, 2005).

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Texto inédito. Do amor aos uivos

Wilson Bueno. Curítiba, 2005

Brotação de flores, solfejos, unhas, pêlos, organdi e gase, gase e lua cheia, vossa boca menina,
o poema anda à toa, debrun de lagos e lagoas, menina e gase, organdi e lua cheia:
poema alegre de si mesmo, magro, dançarino, solteiro. mamilos, ventre, curva, quadril, anilhos
Como se fôra paródia, ingênua rosa d'amore, arrulhos, dez mil pombos feridos, no pescoço,
o poema, cínico, espicha a língua de fora, amar em vós o grito aprisionado na garganta.
súplice máscara cisne dos derruimentos do dia; E a este céu perguntar o que o habitam as estrelas.
e da noite, esta drag louca. Luz, mortal, a Ursa; faíscam incêndio Cão e Cruzeiro,
Entre o lápis-lazúli, um tom seu de breu, carmim, entorpecida de amor a madrugada atravessa o escuro
fúccias, lúgubres cetins d'ouro. labirinto de ave, orquestração de abismo,
Ainda que Amor aspire às cézannes tintas do outono, sonata de asas o vento exangue reconta uma história velha -
vibram, desfeitos à mancha estrela, esgarços de mim, como velhas são todas as histórias -
dúbios, os ossos. a que mora em você e a que em mim se exalta trêmula de medo.
O poema derrama-se à fímbria da água, colores:
maçã ácida, folhas, jarra de vidro, campo de centeio;
capim, antúrio, alfombra, conosco o crepúsculo
se deita - ombro a ombro.
Manhã de vento e espuma, braçadas ao largo mar,
vértigo azul contra brancas ondas, franjas,
ilhas ao sol verdes de espanto.
Amor vos hina, massacra e dança.
E se formos pequeninos, ciscos, grãos, vultos na praia longa,
do mais alto firmamento é que vos miro -
avião, asa delta, aeroplano - ao longe os acidentes do engano - mín-
ima geografia, o Amor, este manual de augúrios.
Lua de maio, tonta de prata, os pastos passeia

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Mar Paraguayo

Un aviso: el guaraní es tan essencial en nesto relato quanto el vuelo por el futuro como una bomba que se va a explodir en los urânios
del párraro, lo cisco en la ventana, los arrulhos del português ô los del dia. Mi mar. La mer. Merde la vie que yo llevo en las costas
derramados nerudas en cascata num solo só suicídio de palabras como una señora digna de ser executada en la guillotina. Ô, há
anchas. Una el error dela outra. Queriendo-me talvez acabe aspiran- Dios... Sin. Há, Dios e mis dias. Que hacer?
do, en nesto zoo de signos, a la urdidura essencial del afecto que se
vá en la cola del escorpión. Isto: yo desearía alcançar todo que Hoy me vejo adelante de su olhar de muerto, esto hombre que me
vibre e tine abaixo, mucho abaixo de la línea del silêncio. No hay hace dançar castanholas en la cama, que me hace sofrir, que me
idiomas aí. Solo la vertigem de la linguagem. Deja-me que exista. E hace, que me há construído de dolor y sangre, la sangre que vertiô
por esto cantaré de oido por las playas de Guaratuba mi canción mi vida amarga. Desde sus ombros, mi destino igual quel hecho de
marafa, la defendida del viejo, arrastando-se por la casa como uno uno punhal en la clave derecha del corazón.
ser pálido y sin estufas, sofriendo el viejo hecho asi un mal
necessário - sin nunca matarlo no obstante los esfuerzos de Ahora, en neste momento, yo no sê que hablar com su cara dura,
alcançar vencer a noches y dias de pura sevícia en la obsessión rojos los olhos soterrados, estos que eram mis ojos.
macabra de enganar-lhe la carne pissada del pescoço. No, cream- No, no o matê porque su vida se entranhava en la mia. No, fue la
me, hablo honesto y fundo: yo no matê al viejo. suerte, ya lo disse. Mi suerte adivinadora de la esfera, bólide y
cristal: antes de todo yo já lo via más muerto que la muerte.
Y después há el niño con sus duros muslos cava
lo - la fuerza inventada del hombre en sus Nasci al fondo del fondo de mi país - esta hacienda guarani, guarâ-
ombros y en la carne ossessiva del sexo con que nia e soledad. La primera vez que me acerquê del mar, o que havia
ossessivo me busca y caça: yo, su presa y caçador era solo el mirar en el ver - carragado de olas y de azules. Además,
trazia dentro de mim toda una outra canción - trancada en el ascen-
Ñe´e. sor, desespero, suicidados desesperos y la agrura.

Yo soy la marafona del baneário. Acá en Guaratuba, vivo de suerte.


Ah, mi felicidad es un cristal ante el sol, adivinadora esfera cargada (... )

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Mar Paraguayo
esposas gordotas y sus hijos inquietos, llenos de arena, lambuzados
Mi temor de vivir no es como se fuera sola la soledad. Hay mis de mar y sorvetes con grandes crostas de caramelo, van por el, dis-
manos e todo lo que pueden sus infinitas capacidades, su fervor de traídos, por el camino. Tecové, tecové - mis ojos vão e vêem.
matar ô morir, su encendido furor cerca de la muerte e sus águas,
îtacupupú, chiã, chiã, tiní, chiní, sus águas de pura agonia, paraguas, (...)
mar de perdas y de rumores, chororó, chororó, pará de naufragados
deseos sin limite ni frontera, la cal de la tierra, la sangre pissada de El pânico de outono com frequência se avizina de las cercanias
los dias, iguasu, ipaguasú, ai que sangre pisada, tuguivai, donde já misteriosas de la muerte. Entonces es el infierno. Añaretã.
las mosacas, mberú, mberú, mberuñaró, las moscas e los beoros Añaretâmeguá. Sinto asi como se sea uno apertar-se en solo assom-
nocturnos del verano, ponen huevos de alvíssima blancura. Como bro el abraço sofrezado de mi vida de errores y conveniências.
la alba en el mar? Pará, paraná, panamá. Paraipieté. Todos se rien en el balneário, secreta me oculto en los desvons
otoños de Guaratuba. Hombres, mujeres, chicos nascidos, chicos
Fue de la ventana que o avistê y lo despi de su bermuda florada, el por nascer, chicos que han de haver nascido, el pânico otoño de sus
que venia por la calle en frente, duras coxas, sus joelhos de caballo voces rascantes, el pânico de haver equilibrado, todo este tiempo,
ao sol, sus diecisiete años que me juegan, sin piedad, en nesto en el fio tenso y precipício de los equilibristas que no se dejan lle-
mundo de aflición y unhas roídas con desusada inseguridad. No, var por la medianidad. No que se aincomun. Ellos é que san orid-
no que me quede en las janelas igual que estas vizinas tão malas de nários por demás y burocratas se van tangidos pelo que se dá la
la pressión, e ya un tanto viejas, mirandolo, a ele, a el tiempo que máquina, lo Estado, los podres constituidos. Me inscrevi asi en el
siquiera perpassa en esta rua de sombreros y flamboyants quema- corazón de los marginados, de los postos de lado y chutados das
dos de estio. Yo, cerrada en esta sala inda asi lo vi que venia por la lanchonetes hecho perros vanos y baldios. Jaguara. Jaguará.
calle, sin que me visse, sin flagrar-me a devorarlo, señora de las Jaguaraíva. Jaguapitã. La muerte no es assim tan definitiva: muerte
dores, borrada de rouge y batón. moral flagil cristal. No, no me habitua que el pânico empeza donde
empezan sus vidas llenas de vacaciones. Vacaciones de quê? Se se
Que terror puede ser la beleza! Añaretã, añaretãmeguá. De que unham con palabras y bofetadas e uno que lleva la tapa acontede de
monstruosidades y sinistro fascínio es un niño de duros muslos que caiga al solo. Oh es terrible, es terrible como en la cosa acesa,
cavalo, a la diez de jueves en diciembre, do lado de lá da rua, bate el assombroso vuelo carnal y pelúcia de los morciélagos de las
bate pi´abereté, ô pi´á, coração e el bajoventre, tiegui, tiegui, do noches redebujadas de luna, andirá andirá andiráimevá.
lado de la insturando la convulsión, tuguivaí, justo ali donde las viz-
inhas - con más frequência al poente - de costumbre nada vêem (...)
que a si proprias penando en nesta vida, siempre antes de la telen- Deseo el fundo de mi naturaleza tombada en nesto sofá, a las três
ovela, al borde de la ventana enquanto los banhistas con sus de la tarde de los júnios del balneário. Olvido guaranis y castejanos,

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marafos afros duros brasileños porque sei que escribo y esto es la Coisa Imposta se precipitô con ojos de duro diamante e en el
como grafar impresso todo el contorno de uno cuerpo vivo en el futuro parece espetar -sorriendo, tridente, lúbrico señor de la peste,
muro de la calle central. No hay que tener nadie além del silêncio - del horror y del agrura, a toda crasso ô a toda crápula, que solo
estos vasos comunicantes, lo rubro de las venas, la víscera pissada, existen para plantar aflicciones y cactos y sustos en el presente.
vozes y voces, latidos y ladridos - todo se dice y se completan viva- Pero arranco de lo agora su inóspita carne e lhe degluto para que
mente. E - porque- las palavras, todas las palabras sueltas en el me devolva el mundo en miel. No, el guarani es inofensivo e me
viento poneinte - serán menos, siempre menos do que el martiriza- garfo com ele, toda mordida de tahiis tahiiguaicurú, sílfides, aracutí,
do adverbio inscrito en la historia. Soy mi propria construcción e aririi, pucú. Hormigas aladas que me escolhem el canto da boca
asi me considero la principal culpada por todos los andaimes der- para penetrarme, insistentes, sua alas, la dança nupcial del abusmo,
ruídos de mi projeto esfuerzado. Se chegarê a mim? No sê y me sus revoedos al derredor de las fossas nasales, sus entrantes agor-
persigo, de lo melhor modo: escribiendome aun que esto me custe nias, ah el guarani amolece-me los huessos: tahiiguaicurú, aririi, ara-
lancetadas en el ovário y el pulsar de una vena azul cerca del cati, pucú, pucú.
corazón.

E ahora yo gostaria de lhes recontar un só y cabeludo segredo: toda


me esfuerzo para erguer-me con las manchas y gran exercítos de
hormiga, todos los sonidos silentes que hormigas dicen, comparan-
do estos inofensivos insectos con el guaraní que viene a mim,
hormiga, tahií, tahiquaicurú, hormigas, chilreantes, tahií, tahiquai-
curú, arii, aracutí, pucú. Las hormigas de Dios enciendiendo-se en
nestos crepúsculos de vierbos y sustantivos, en nesta enredada
telaraña -capaz em mi, santa senhora, de decidir, com rude sen-
tença, mi destino acá entre vos, seres ante-diluvianos. Si, porque yo
nasço dea cada rato del rato del rato. E serê hasta no ser más possi-
ble. E logo serei ali o que yua no lo sô más acá. Añaretã es el infier-
no e acabamos sabendo que sus fuegos vigen solamente en el pasa-
do ô en el futuro - no se cabe y no se sabe en el presente, añaretã,
no se cabe ô sabe pelos simplres fato de que el presente es la fonte
de Dios Padre y solo cabe a El determinar o que hacer con los
muertos ô que tarea a más para que la carreguem los vivos. En el
passado, Assunción, Birigüi, Poconé, Campo Grande, no importa,

P o e s í a
grumo / número 04 / octubre 2005
120]

Manoel Ricardo de Lima escribe "Entre conversas, 1999".


Dedicado a Wilson Bueno

180499 firme, já sobre outro assunto, um seu livro ou um amor que eu per-
Como pensar matéria adensando se a paisagem impede? Reger o dia: é que amor vai embora mas nasce no chão do que segue ainda
ritmo, doravante, é tomar o destino da samambaia, da saxífraga. O mais rumoroso.
pneu do carro, e o motor, principiam o esgotamento da estrada: estar 010599
indo, ter ido, poder não-ir. Quando voltar? Mas assim, como quem Depois, ao lado das moradas, a casa. O quarto, um quase-quase.
canta, alguma função: como indicar a estrela o lado: ser matéria, não Malogro: amor que não é tranqüilo, nem aqui. Vem de uma alameda
paisagem. e plátanos, tremores e revés. Degrada a impossibilidade, uma trempe.
220499 O que deveria, e sexo. A porra devora a palavra não dita. Pudera,
Para a esfera não há possibilidade de um final feliz - a notícia dizia de pudera: sensação de abandono.
alguns tiros. A morte encontra num outro lado o impreciso. Tinha 250599
uma tormenta aqui. Ficaram os ressaibos, exangue. Num resto de Nada mais e nada mais e um mínimo contraponto: o riso, o choro.
guerra, os perjúrios as insuspeições e outra notícia: um carro bomba Nada mais e nada mais e um tanto parece: fisionomia de riso, fisiono-
ali, ao lado. As feiúras e outras dores. Devastada, a esfera, e não mais mia de choro. É desfaçatez, alguém disse. Negar um é o princípio do
círculo: tudo, nada é. outro. Como ver o filme sobre os caçadores. Lá, a lágrima perde
280499 espaço. A chuva encerra: ela, o próprio tempo. "Quem vive?", uma
Foi o olho bem no meio da música. Na voz, na reentré de Ella pergunta.
Fitzgerald. Nem tanto, mas se enrola. A rua contínua, a provocação: 250599
desentope! Se para a vitrola a música tem e refestela a agulha, as Entre as pedras do paralelepípedo, numa insistência que nem outras
sobras que se requerem. Para a música a vitrola tem tudo. E uma vezes digo. À vista, crescer com os crisântemos amarelos, na
revolta. Toda a atribuição de um som que renega a si. E fica a vitro- garagem. Bem perto do automóvel vermelho. O homem do correio
la, um seu desentoar alguns chiados e teima, a vida. numa camiseta amarela entregou o envelope, perguntei se era só isso,
290499 disse que sim, tomou um assombro e saiu num zás: ao que veio den-
Bom que você, exigente, tenha gostado de minha saparia. Todo car- tro.
inho. Foi o que afirmou, contrito. Era uma primeira conversa. Fazer
amigo é fato pra vida. Depois resoluto, certo em quase, quando disse

P o e s í a
[121

Cecilia Pavón - Guilherme Zarvos

En julio del 2004, en unas Jornadas en la Casa de la Poesía que depende los géneros de escritura y de vida; sus miradas al mundo globalizado
del Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires, se encontraron Cecilia Pavón, reconocen el espacio transnacional del consumo y la intemperie que se ha
poeta porteña y Ghilherme Zarvos, brasilero, carioca. A partir de este vuelto basura, hambre y ocupación de casas. Río de Janeiro y Buenos
encuentro fortuito, del interés mutuo por sus escrituras surgió la posibili- Aires son la región y las ruinas abandonadas por lo sublime y pobladas
dad que Pavón tradujera a Zarvos. Este a su vez ya había conocido a por la violencia de los márgenes. Desde allí escriben.
Washington Cucurto y a Christian Di Napoli en el encuentro Conexiones
que GRUMO organizó en Río en julio del 2004. Zarvos regresó a Buenos En Caramelos de anís la experiencia poética es para Cecilia Pavón
Aires en julio de este año para participar en el Festival de Poesía "Salida al movimiento . Un cuerpo moviéndose veloz entre los lugares de la ciudad,
Mar". Un tránsito entre poetas: Pavón ha formado parte de Belleza y entre Buenos Aires y Berlín: así pasa su barrio, su ciudad, su país al mismo
Felicidad, un colectivo asentado en el barrio de Almagro en Buenos Aires tiempo que otras ciudades del mundo. Desde allí la incertidumbre
que reúne a artistas plásticos y nuevos escritores. Allí es posible ver colga- atraviesa la escritura: varias partes, varias voces, la invitación a otros a
dos los trabajos nóbeles del escritor César Aira, ahora como pintor, col- incorporarse a la escritura, múltiples tipografías, desdiferenciación de
lages de las presas de la cárcel de mujeres, las obras noecostumbristas del prosa y verso, alternancia de géneros, relatos, cartas, poemas, fragmentos.
artista Nahuel Vecino, revelación de la Feria Arte Ba 2003 o las de Mientras se construye la tópica del lugar propio, se apropia de todos los
Fernanda Laguna, socia fundadora de Eloísa Cartonera, la editora que con lugares. Un tono de humor que provoca simpatía y el tema del amor:
suceso se dedicó a editar libros con papel reciclado vendido por los car- amor imposible, amor de teleteatro, amor entre mujeres, amor a los hom-
toneros desde el 2002. Por su parte Zarvos es fundador junto al mitológi- bres, amor como enamorada del amor que cuando se vuelve sexualidad
co Chacal del Centro de Experimentación Poética, el CEP 20.000, que es violencia como son violentos los juegos que juegan los niños de los
debe su nombre a la zonalización de la ciudad que le asigna ese código inmigrantes árabes en las ciudades de Europa. La técnica es la impro-
postal al barrio donde se asentaron. Desde allí y hace ya quince años se visación, el fondo poético el soundtrack de la música pop que marca su
dedican a fomentar la publicación de jóvenes poeta y sobre todo a pro- propio ritmo. Un estilo en el que la inconclusividad desarraiga de la lóg-
mover lecturas y performances. ica realista y en el que el sujeto acusa los cambios perceptivos que le
En relación a la experiencia les es común una manera semejante de poner impone la técnica pero puede ser cada vez más humano.
el cuerpo en juego, en velocidad de movimiento y en tiempo presente.
Acusando la perdida del espacio cercano,local, sus escrituras sobrepasan

P o e s í a
grumo / número 04 / octubre 2005
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Selección de Caramelos de anís


Cecilia Pavón

Traducción: Paloma Vidal


Rio de Janeiro, 2005

A vida sorri para mim La vida me sonríe


A vida sorri para mim. La vida me sonríe.
Encontrei 3500 euros atrás de uma árvore e com isso Me encontré 3500 euros detrás de un árbol y con eso puedo vivir
posso viver seis meses sem trabalhar. seis meses sin trabajar.
Estou num bar com gente criativa e sem preconceito. An- Estoy en un bar con gente creativa y desprejuiciada. Antes de llegar,
tes de chegar, passei por quatro festas de tipos diferentes em pasé por cuatro fiestas de distintas clases en tres cuadras. Todos se
três quarteirões. Todos se divertiam. Fazem 28 graus. São divertían. Hacen 28 grados. Son las dos de la mañana. De un
duas da manhã. De um domingo de julho. Estou de domingo de julio. Voy con minifalda, tacos y top y los hombres no
mini-saia, salto alto e top e os homens não conseguem tirar pueden evitar darse vuelta. Todos , hombres y mujeres, quieren
os olhos de mim. Todos, homens e mulheres, querem falar comigo. hablar con migo. Mi novio mide 1,92 es rubio, de ojos celestes y
Meu namorado mede 1.92, é loiro, de olhos azuis lleva sólo ropas claras. Sus parientes son ricos, y dice que me amará
e só usa roupas claras, seus parentes são ricos e ele diz siempre.
que me amará para sempre.

Messerkampf (guerra de facas) Messerkampf (guerra de cuchillos)


Sei que daqui a alguns anos Se que dentro de unos años
vou achar tudo o que vivi nesta cidade uma beleza todo lo que viví en esta ciudad me parecerá bello
inclusive o jogo "Messerkampf" incluido el juego "Messerkampf"
Messerkampf é o jogo mais violento do mundo Messerkampf es el juego más violento del mundo
quem o joga são os filhos dos imigrantes lo juegan los hijos de los inmigrantes
e nós dois também y lo jugamos nosotros dos también
Cada um no seu computador Cada uno en su computadora
sem se olhar nos olhos sin mirarnos a los ojos
a gente abre o estômago um do outro a facadas nos abrimos el estómago a cuchilladas
No nosso corpo virtual estamos En nuestro cuerpo virtual estamos

P o e s í a
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vestidos de soldados vestidos de soldados


e nós dois somos homens y somos los dos hombres
À nossa disposição há muitas armas A nuestra disposición hay muchas más armas
metralhadoras e granadas ametralladoras y granadas
Mas só utilizamos a faca Pero sólo usamos el cuchillo
Um menino gordo se zanga para valer Un niño gordo se enoja más de la cuenta
corre pulando de cadeira em cadeira corre saltando de silla en silla
até lançar uma delas contra a janela hasta que arroja una contra la ventana
Os vidros se espalham pelo Salão Los vidrios se dispersan por todo el Salón

Não há um só lugar onde se possa jogar Messekampf em paz! No hay un sólo lugar donde se pueda jugar Messerkampf en paz!
Messerkampf é o jogo mais violento do mundo! Messerkampf es el juego más violento del mundo!

Balas de anis Caramelos de anís


Assim como existem as plantas apaixonadas pelo muro, exis- Así como existen las plantas enamoradas del muro, existen las chi-
tem as meninas apaixonadas pelo chão. Essa sou eu. Quando ado- cas enamoradas del piso. Esa soy yo. De adolescente, tomé la cos-
lescente, peguei a mania de me jogar no chão para meditar tumbre de tirarme al piso a meditar y desde entonces nunca la
e desde então nunca a abandonei. No inverno, uso abandoné. En invierno uso una manta roja que me robé de un
uma manta vermelha que roubei de um avião, no verão, não avión, en verano no uso nada y el frío de las baldosas me estabiliza
uso nada e o frio das lajotas estabiliza meu humor. el carácter
Gosto de escutar meus discos deitada no chão, e isso Me gusta escuchar mis discos acostada en el piso, y esto no es un
não é um signo de abatimento: signo de abatimiento: desde aquí la música es un flash!
daqui, a música é um flash! Desde el piso veo los muebles desde otra perspectiva, parecen más
Do chão, vejo os móveis de outra perspectiva, modernos o más antiguos, parece que los hubiera comprado recién.
parecem mais modernos ou mais antigos, parece que eu

P o e s í a
grumo / número 04 / octubre 2005
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Selección de Caramelos de anís


acabei de comprá-los.

Beber
Beber Dicen que mi hermano es un cobarde
Dizem que meu irmão é um covarde porque necesita beber para ser feliz
porque precisa beber para ser feliz Y que yo soy una cualquiera
e que eu sou uma vadia porque me tatué una virgen mejicana en un muslo.
porque tatuei uma virgem mexicana na batata da perna. Por mi parte, podría decir que no me interesan el éxito ni el fracaso
No que me diz respeito, eu diria que não me interessa o sucesso además, mi éxodo es interior
nem si me preguntan, nunca estaré a la altura de las circunstancias
o fracasso ¿o acaso ellos saben cómo cambiar el final de mi día?
além disso, meu êxodo é interior. Miro fijamente una lámpara
Se me perguntarem, nunca estarei à altura das circunstâncias imagino paisajes
ou será que eles sabem mudar o final do meu dia? manchas
Olho fixamente para uma lâmpada víboras de luz:
imagino paisagens siempre se puede recomenzar
manchas nunca se puede recomenzar
cobras de luz: Por segunda vez, al cerrar los ojos
sempre se pode recomeçar pienso en una calle de Londres
nunca se pode recomeçar
Pela segunda vez, ao fechar os olhos
penso numa rua de Londres. Ese edificio abandonado frente a la plaza Once

Esse edifício abandonado em frente à Praça Onze Vuelvo a ser sensible


Volto a ser sensível cuando ese enorme edificio
quando esse edifício enorme se me presenta como una entidad
se apresenta a mim como uma entidade No quisiera dar nombres ni calles
Não queria dar nomes nem ruas pero a la Plaza Once hay que nombrarla:
mas não é preciso mencionar a Praça Onze: es lo único que tiene
é só isso que ela tem El edificio es como una caja de bombones
O edifício é como uma velha caixa de bombons rota,

P o e s í a
[125

quebrada, enfrente, un monumento colosal


em frente, um monumento colossal enrejado y lleno de gatos
cercado por uma grade e cheio de gatos Allí descansa el cuerpo de un prócer, sus cenizas
Ali descansa o corpo de um prócer, suas cinzas muchos metros bajo tierra
muitos metros sob a terra Aunque esto a nadie le importa
Embora ninguém se importe Lo bueno de los edificios es que nunca mueren,
O bom dos edifícios é que nunca morrem, son homeless pero no mueren
são homeless, mas não morrem
Querido Timo
Querido Timo: Anoche me emborraché y al acostarme en la cama y cerrar los ojos
Ontem à noite me embebedei e ao me deitar na cama e fechar os imaginé a mi cuerpo trasladándose, porque sí, en línea horizontal.
olhos imaginei que meu corpo se deslocava, sem mais nem menos, Siempre en línea horizontal, miles y miles de kilómetros. Primero
em linha horizontal. Sempre em linha horizontal, milhares e mil- llegaba hasta el borde de Argentina, a orillas del Río de la Plata;
hares de quilômetros. Primeiro chegava até a fronteira da seguía y seguía, atravesaba el mar...y ahí mi pensamiento se detenía,
Argentina, às margens do Rio da Prata; continuava, continuava, pues dudaba... ¿tocaba África? Como ves no tengo para nada clara
atravessava o mar... e aí meu pensamento se detinha, duvidava... la realidad del Globo (a veces no sé si Perú está aquí o allá, donde
tocava a África? Como você está vendo não é muito clara para mim está Ecuador o si México está en América del Sur o en Marte). En
a realidade do Globo (às vezes não sei se o Peru fica aqui ou lá, realidad más que una pregunta era un deseo, yo deseba que
onde é o Equador ou se o México fica na América do Sul ou em moviéndome siempre así en línea recta mi cuerpo tocara
Marte). Na realidade, mais do que uma pergunta, era um desejo, eu Alemania...que se pudiera pasar de Berlin a Buenos Aires en un
desejava que me mexendo sempre assim, em linha reta, meu corpo segundo sin tomar aviones, que todas las ciudades copadas del
tocasse a Alemanha... que pudesse passar de Berlim a Buenos Aires mundo estuvieran una a continuación de otra, Lima, Buenos Aires,
num segundo sem pegar aviões, que todas as cidades legais do Berlin. Una al lado de la otra, tomando un micro de larga distancia,
mundo ficassem uma à continuação da outra, Lima, Buenos Aires, uno de esos con video y café. ¿No pensás que sería buenísimo?,
Berlim. Uma do lado da outra pegando um ônibus de longa distân- ¿vos que cruzás el Océano tan seguido haciendo el recorrido de las
cia, um desses com vídeo e café. Você não acha que seria ótimo, golondrinas, siempre al revés?
você que atravessa o Oceano com tanta freqüência fazendo o per-
curso das andorinhas, sempre ao contrário?

P o e s í a
grumo / número 04 / octubre 2005
]
126

Guilherme Zarvos
Presentación y traducción Cecilia Pavón,
Buenos Aires, 2005

Al leer los poemas de Guilherme Zarvos siento la necesidad de BIBLIOGRAFÍA GHILHERME ZARVOS
completarlos con mis propios sentimientos e ideas. Como si se
tratara de un puzzle al que le faltaran algunas piezas, o unos de esos Beijo na Poeira. Pós-diluviana, Río de Janeiro, 1990
ejercicios para aprender idiomas en los que hay que colocar el Nacos de carne 95. Francisco Alves, Río de Janeiro, 1992
verbo correcto en el espacio en blanco. Quizás esto se deba a su Ensaio do Povo Novo. Francisco Alves, Río de Janeiro, 1995
gran osadía para las mezclas y a la dinámica de su poesía que opera Mais tragedia burguesa. Sette Letras, Río de Janeiro,1998
reuniendo elementos provenientes de distintos registros culturales. Mourrer. Azougue, Río de Janeiro, 2002
Podría decirse que sus poemas aglutinan géneros tan disímiles Zombar. Francisco Alves, Río de Janeiro, 2004
como el documento de época, el lirismo confesional, el manifiesto
político y la ficción novelística, pero al contrario de lo que suced-
ería en un trabajo de pastiche tradicional, en el que los elementos
provenientes de distintos orígenes conviven fragmentariamente,
Zarvos logra crear una cohesión en la que los elementos conviven
creando una suerte de armonía y síntesis pero sin perder su hetero-
geneidad. Y en esta "continuidad discontinua", el lector se va
involucrado como en una especie de espiral, que va dejando huecos
para ser llenados por sus propias proyecciones. En este sentido, la
poesía de Zarvos prefigura un ideal de poeta no tradicional. Este
poeta no es uno que domina las palabras y el mundo y considera al
lenguaje como la materia virgen sobre la que imprimir su originali-
dad, sino uno que se involucra con las palabras desde una perspec-
tiva personal, pero sin borrar de ellas una cierta memoria de su uso
como herramientas sociales usadas por la comunidad. Así la poesía
se transforma en un método de exploración del mundo, en un work
in progress siempre en tránsito hacia otro estado de cosas.

P o e s í a
[127

Selección de Zombar
Ghillerme Zarvos

Gabriela GABRIELA
para Camila do Valle para Camila do Valle

Importa el vuelo de la mariposa. Su piel, la piel que es ala, verde y Importa o vôo da mariposa. Sua pele, a pele que é asa, verde e ver-
roja como el pavor de la cresta del gallo como el rouge que siempre melha como o pavor da crista do galo como o batom que sempre
revela como la bandera que todavía no dice amor. Importa la tor- revela como a bandeira que ainda não diz amor. Importa o trôpego
peza del tonto bicho de luz deshaciéndose en la espina de la rosa do bicho tonto de luz se desfazendo no espinho da rosa gigante
gigante dijo el viejo el cuerpo despedazado del bicho que se deslizó disse o velho o corpo dilacerado do bicho que escorregou pelos
por los hierros de la rueda. Importa siempre volar hasta la despedi- ferros da roda. Importa sempre voar até a despedida é desmedida
da es siempre desmedida y es natural que busque lo alto y el fin. sempre e é natural que procure o alto e o fim

Él Ele
para mí para mim

Fue decretada, ayer, la muerte del poeta fulano de tal. Los presentes Foi decretada, ontem, a morte do poeta fulano de tal. Os presentes
aclamaron cuando fue decapitado. Pidió su último deseo en cuatro gritaram vivas quando foi decapitado. Seu último desejo, pediu de
patas: - Darle una chupadita al pito de Claudinho. -Después dejaron quatro: - Dar urna chupadinha no perú do Claudinho. - Após
el cuerpo a un costado y fueron por la adivina. La mataron a deixarem o corpo no canto partiram para cima de urna adivinha.
puñaladas mientras gritaba: -Yo conozco el futuro de cada uno. La Ela foi morta a tacadas gritando: - Eu sei o futuro de cada um. A
muerte después de la mía. morte após a minha.

Transparencia TRANSPARÊNCIA para Claudia Guise

La transparencia de la lluvia finita A transparência da chuva fininha


la que permite observar con calma a que permite enxergar calmamente

P o e s í a
grumo / número 04 / octubre 2005
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128

Selección de Zombar
la enorme mangueira alejada 200m a enorme mangueira 200m afastada
de la ventana da janela
la lluvia forma capas y en A chuva é formadora de camadas e na
la continuidad es un color continuidade é urna cor
capa sobre capa carnada sobre carnada
Es gris, es blanca, es transparente Ela é cinza ela é branca ela é transparente
La enorme mangueira verde y amarilla - A enorme mangueira verde e amarela -
está cargada- se vuelve una está carregada - transforma-se numa
visión impresionista visão impressionista
el realismo de la mangueira modificado por lo O realismo da mangueira modificado pelo
borroso de la lluvia finita y el centenar de capas difuso da chuva fininha e as centenas de camadas
está cargada - se vuelve una está carregada- transforma-se numa
visión impresionista visão impressionista
El realismo de la mangueira modificado por lo O realismo da mangueira modificado pelo
borroso de la lluvia finita y el centenar de capas difuso da chuva fininha e as centenas de carnadas

Thiago y dos o tres playboys Thiago e dous ou tres playboys

Esperar el sueño, la mañana que me dormí a las 11.30 O esperar dormir, a manhã que dormi 11:30
Mi amigo tenía neumonía pero aspiraba aspirar Meu amigo teve pneumonia mas aspirava aspirar
Lo acompañé Acompanhei
Como acompaño la locura fútil de los jovencitos Como acompanho a insanidade fútil dos jovenzinhos
Decadentes, más decadentes que sus padres que Decadentes, mais decadentes que seus pais que
Perdieron dinero en la Bolsa, padre Perderam dinheiro na Bolsa, pai
Tu que eras poderoso y todo me lo prometías Tu que era poderoso e tudo me prometia
Los jovencitos hetero en el intercambio de mamadas Os jovenzinhos heteros na troca do sugar
Cuando el vampiro está harto de sangre inútil Quando o vampiro está enjoado de sangue pífio
Quien mamará el pene de huasca nueva Quem sugaria o pênis de porra nova
De los jovencitos de arrogancia bastarda Dos jovenzinhos de arrogância bastarda
Sus tetillas delicadas podrían ser blanco de lamidas Seus mamilos delicados poderiam ser alvo de lambidas
Al día siguiente cuál es el cheque de salvación No outro dia qual é o cheque salvação

P o e s í a
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Los jovencitos de Leblon del Colegio San Agustín Os jovenzinhos do Leblon de Santo Agostinho
Quien conoció a Agustín sabe que él Quem conheceu Agostinho sabe que ele
No tenía vergüenza de la conciencia de su vergüenza Não tinha vergonha da consciência de sua vergonha
De ahí la belleza de su andar de shorts largos Daí a beleza de seu andar de shorts largos
Cuerpo magro en crecimiento y la obsesión Corpo magro crescendo e a obsessão
Por la madre y por la playa y los juegos con el cuerpo, pelota Pela mãe e pela praia e jogos de corpo, bola
Y vela. Los jovencitos de la bohemia desesperada E vela. Os jovenzinhos da boemia desesperada
Son seguidores del falo paterno. No se dan cuenta São os seguidores do falo paterno. Não realizam
Que ya poseen los suyos. Bien formados Que já possuem os seus. Bem-formados
Impotentes. Usados con el cuidado de la higiene Impotentes. Usados com o cuidado da higiene
Púdica. Los jovencitos del final de la noche, aquellos que Pudica. Os jovenzinhos do final de noite, aqueles que
Se conocieron en el Agustín, todavía creen Se conheceram no Agostinho, ainda acreditam no
En el éxito falso ya que el verdadero exige Sucesso falso já que o verdadeiro exige
Trabajo o escuela divina Trabalho ou escolha divina
Esos jovencitos que creen en el dinero, Os jovenzinhos dos que acreditam no dinheiro não
no podrán ser elegidos, aunque sean agresivos Poderão ser escolhidos, mesmo que agressivos
La bolsa puede ser sus vidas A bolsa pode ser suas vidas
Pequeños. La bolsa de la madre, de donde alguna vez salieron Pequenos. A bolsa da mãe, de onde saíram
Sólo despiertan cuando el horror desafía sus bellezas inútiles Só despertam quando o horror desafia suas lindezas inúteis
La soledad de los soldaditos de la nada es la soledad de los A solidão dos soldadinhos do nada é a solidão dos
Soldadores de la nada. Soldadores do nada
Deseo dormir dormir. Mientras tanto la poesía llama con Desejo dormir dormir. Entretanto a poesia chama com
El sonido y la furia de los que tienen el conocimiento de Som e fúria do débil que tem o conhecimento da
La fuerza de cada palabra. Força de cada palavra.
Discúlpenme, Thiago y los tres playboys Desculpem-me Thiago e os três playboys
Soy tan patético como ustedes cuatro Sou tão patético quanto vocês quatro
El gentleman que también está en esta mesa, me mira y O gentleman, que também está na mesa, me olha e
Prevé que hará publicidad publicidad Prevê que fará publicidade publicidade
Atónito y sin coraje de abrir la boca frente Atônito e sem coragem de abrir a boca frente
a tanta grosería un día me esperará A tanta vulgaridade um dia me esperará
Pasaré a buscar al verdadero Agustín y pasearemos Pegarei o verdadeiro Agostinho e passearemos

P o e s í a
grumo / número 04 / octubre 2005
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130

Selección de Zombar
En mi Karmanguia amarillo claro No meu karmanguia amarelo-claro
El sol no confundirá nuestros ojos momentáneamente O sol nao atrapalhará nossos olhos momentaneamente
ingenuos. ingênuos.

Parque Parque

Ayer fue día de artes plásticas. Ontem foi dia de artes plásticas.
Fui atrapado otra vez. Por los colores y las formas. Ela me pegou outra vez. Com as cores e as formas.
Todo parece pequeño, hasta el ojo rosado del muchacho que Tudo parece pequeno, até o olho rosado do rapaz que
acaba de fumar. acabou de fumar.

El azul-tinta tomando forma O azul mata-borrão ganhando forma


En el ritual de Marcia X.
Las formas cuerpo de la verdadera carne que Eliana Duarte No Ritual da Márcia X.
pacientemente suavemente cose. As formas corpo da verdadeira carne que Eliana Duarte
pacientemente docemente costura.
Ayer las artes plásticas me tomaron y no voy a
olvidar los detalles. Ontem as artes plásticas me tomaram e não vou
El Parque Lage y sus niños. esquecer dos detalhes.
Soy uno de ellos. O Parque Lage e suas crianças.
Sou uma delas.
Por un segundo no se ve. Está.
Todo es.
Ya que cuando los colores y las formas te toman y sos color
y forma estás en el mundo del todo.
Desprendiéndote por el cosmos con un grito de miedo
rojo.

O, si se prefiere, a través del azul-tinta.


Sólo resta dejar que la memoria, bola de vida, trague

P o e s í a
[131

cuando ella quiera, los colores y las formas que desde ayer
me tragan.

Rateros Pivetes
para Roberto Corrêa dos Santos
para Roberto Correa dos Santos
La infinidad del amor no excluyó la
Disciplina. Lo estoico. Las drogas por la A infinidade do amor não exclui a
Mañana casi traen el desatino Disciplina. O estóico. As drogas pela
Por qué los bares tienen que cerrar cuando raya el día Manhã quase trazem o desatino
La familia de los Coelhos y de los Cojones Por que os bares têm de fechar quando raia o dia
El vómito A família dos Coelhos e dos Culhões
Recordar sonreír porque te amo O vômito
La indisciplina de la mentira O acordar sorrir porque te amo
Clásicos A indisciplina da mentira
Mocasín negro marrón Clássicos
Hacerlos lustrar en las sillas altas del aeropuerto Mocasssim preto marrom
Hoy necesito inteligencia Engraxar nas cadeiras altas do aeroporto
Estuve drogándome de más Hoje necessito inteligência
Voy a las exposiciones del centro Andei me drogando demais
Me puse una camisa de franela a cuadros verde y azul Vou as exposições do Centro da Cidade
Debajo una remera azul marino Coloquei urna camisa de flanela de quadrados verde e azul
junio azul de un azul de junio Por baixo urna camiseta marinho
Encantador, vivo en Río Junho azul de um azul de junho
Encantador, moro no Rio

P o e s í a
grumo / número 03 / julio 2004
]
148

E n t r e v i s t a
[149

E n t r e v i s t a
grumo / número 04 / octubre 2005
150 ]

Entrevista com João Gilberto Noll1

Paloma Vidal e Daniel Barretto

João Gilberto Noll reivindica para seus personagens a possibilidade isso, mas realmente tem muito a ver com a realidade da minha ficção.
de uma constante errância - a existência sem um telos, sem uma Só que essa ficção procura evidenciar seu tempo através de um olhar
direção certa, tateando no escuro. Sua escrita (uma militância da lin- que praticamente tem uma dinâmica, tem um processo. Eu me dei
guagem, ele nos diz) trabalha contra a homogeinização da realidade, conta disso há pouco tempo. Eu precisava desse número de livros de
contra uma língua e um corpo hierarquizados e uniformes. O olhar ficção para me dar conta disso, já que eu procuro trabalhar muito em
esquizóide se define desde os primeiros contos de O cego e a dança- cima do meu inconsciente. Eu trabalho um pouco no escuro. Faço
rina (1980) e o primeiro romance, A fúria do corpo (1981), esse livro questão desse "método". Não é uma escolha. É quase uma determi-
barrocamente lambuzado, nos traz o desnorteamento que será a nação a partir de... uma visão das coisas que de alguma forma é a
marca dos personagens de Noll: seres vomitadas da sociedade, mar- minha também, onde existe apenas um protagonista, se bem que eu
ginais, andarilhos. O estilo posteriormente se minimaliza, mas per- não tente filiar um livro posterior ao anterior, quer dizer, cada situ-
manece a visão trágica sobre a contemporaneidade e seus seres des- ação tem seu contexto básico, tem seu contexto próprio. Mas existe
garrados. Depois do primeiro, virão mais nove romances, e recente- realmente uma visão de mundo, eu acho que muito, muito... fanática,
mente uma coletânea de contos breves, Mínimos, múltiplos e para se demonstrar a si mesmo e ao entorno. É um olhar um pouco,
comuns (2003). Nascido em 1946 em Porto Alegre, Noll vive hoje na digamos assim, que testemunha uma certa diáspora entre o sujeito e
capital gaúcha depois de muitos anos morando no Rio de Janeiro. o outro. Há uma relação bastante complicada aí, não é? Mas a tua
Seus textos transitam por várias cidades, da precariedade das nossas pergunta foi quanto... Eu acho que existe sim uma continuidade do
ao anonimato das estrangeiras. sujeito que está em dinâmica, que está em processo, mas que é um
só. Isso me faz lembrar um pouco dos personagens do Bukowski, do
Fante, do próprio Proust. Não estou me comparando a eles, mas são
Daniel Barretto: Você já se referiu ao desejo de fazer dos seus textos paralelos. Quer dizer, não me interessa muito um afresco no sentido
um afresco do seu tempo. Considerando sua trajetória de O cego e a de um grande testemunho das guerras, do substrato social e históri-
dançarina a Lorde, você enxerga um retrato? Como seria? Haveria co, mas a quantas anda, a cada livro eu quero, digamos assim, me
uma função testemunhal nos seus textos? afundar um pouco mais nisso, a quantas anda o olhar, mais ou menos
esquizóide, diante das funções sociais pré-determinadas, quer dizer,
João Gilberto Noll: Eu enxergo, sim. Não lembrava mais de ter dito o olhar desse sujeito diante da organização do dia, dessas 24 horas, é

E n t r e v i s t a
[151

um olhar quase desesperado, parece que ele está fora deste anda- com uma relação amorosa, relação essa que o personagem principal
mento muito administrado por um vozerão social, esse vozerão vive sempre, digamos assim, atento à possibilidade de fracasso. Isso
administra, digamos assim, pré-determina como vai ser o movimen- está muito presente, que é o nosso dia a dia, não é? A gente quando
to, os olhares, a sexualidade. Quer dizer, o dia. encontra realmente um bem-bom, tem muito medo de que acabe,
que se instaure uma desordem qualquer que separe os personagens.
Paloma Vidal: Como seria para sua obra a diferença entre escrever no
início dos anos 80, num contexto repressivo, e escrever agora. Para P.V.: O que você acha da idéia de que haveria um lado negativo na
esse sujeito, esse personagem que é o mesmo, essa transição faz sua literatura, uma crítica ao status quo, uma constante fuga, uma não
diferença? Estou pensando num livro como A fúria do corpo, por aceitação das imposições sociais, e um lado muito afirmativo, de
exemplo. busca de liberdade, de busca de vida, de afirmação do desejo? Isso
surgiria como uma tensão? Ou como forças que se equilibram?
J.G.N.: Faz muita diferença, sim. A fúria do corpo, de 81, é um livro
que difere dos meus livros atuais, é um livro que ainda aspira a uma J.G.N.: Eu vejo mais como o desenho de uma tensão muito forte. Eu
harmonia entre o eu e o outro. Não que ela exista no livro, mas há sou um escritor de linguagem, é a linguagem que me encaminha para
uma aspiração constante, há um exercício, são pessoas que não com- a história, para as peripécias e não o contrário. Eu quando vou real-
binam com a administração diária, os nossos movimentos, os nossos mente para o computador, eu vou muito mais imbuído de mais uma
desejos, mas que tem lá naquele pomar no sul, já que o enredo se vez pegar esse personagem que desonra qualquer quadro familial, um
passa aqui no Rio de Janeiro, muito especialmente na Atlântica, um personagem desfamilizarizado, mas eu vou encontrar isso na possi-
tesouro que não sabem de que ordem que é, nem onde está. Os meus bilidade de viver essa tensão entre eu e o instante, entre eu e o
personagens atuais não têm mais a possibilidade desse tesouro. momento. Eu tenho muita preocupação em presentificar para o
leitor realmente essa mitologia da expansão do instante até a possi-
P.V.: Nem mesmo em Berkeley em Bellagio? bilidade de você se casar com o que chamam de realidade, com o que
chamam de circuito estabelecido das emoções. Agora, eu sou um
J.G.N.: O Berkeley é um livro mais relax, sem sombra de dúvida. Ele escritor de linguagem, tanto que a última coisa que eu faço geral-
é bem angustiado, mas se a gente comparar é um livro que termina mente é o início do livro. Por quê? O início da minha escrita,

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Entrevista com João Gilberto Noll


preparando um romance é um tatear no escuro. Chega um momen- usar uma sintaxe bruta. Quando eu vou me debruçando mais sobre
to que aí eu encontro o tom, mas eu só consigo encontrar esse tom a questão masculina, eu vou ressecando. Existe uma isonomia entre
no exercício da escrita. Então eu retiro esse começo quando ainda é a biologia, feminina ou masculina, e minha experiência com a lin-
um tatear, um ensaio, um exercício, e quando eu termino o livro é guagem. Quer dizer, quando eu vou pegando mais personagens mas-
que eu vou escrever ou reescrever o início. culinos... Agora eu acho que estou num momento quase de equi-
líbrio: voltaram os períodos longos, mas dentro de uma ordem mais
D.B.: Essa questão da linguagem me interessa bastante. Eu, como estreita sintaticamente.
leitor, tenho uma impressão muito sensorial do seu texto, corporal,
que eu acredito que passa muito por esse processo da linguagem, de D.B.: Quando a gente conversou, surgiu uma impressão parecida em
se deixar levar pela linguagem. Você acredita que existe essa possi- relação principalmente a Berkeley em Bellagio de quase uma recon-
bilidade de o texto ser recebido pelo leitor de uma forma muito mais ciliação com a força de A fúria do corpo como verborragia depois
sensorial do que racional? dessa secura dos outros livros.

J.G.N.: Sem dúvida. Sempre através da linguagem. Eu acho a lin- J.G.N.: É verdade.
guagem uma coisa muito sensorial. Acho que antes de tudo existe
essa visão de que a linguagem é que vai realmente outorgar, digamos P.V.: Talvez você pudesse falar um pouco do Mínimos, múltiplos e
assim, existência para os embates internos ao livro. Talvez por isso comuns, que é uma experiência sua bastante diferente. Já que a gente
eu seja tão tortuoso em alguns momentos da minha escrita. É uma está falando desses dois momentos, como é que você situa esse livro?
necessidade de simultaneismo, se eu pudesse dizer tudo ao mesmo
tempo seria muito mais interessante, mas a sintaxe não quer isso. J.G.N.: Eu tenho falado muito sobre o esvaziamento da memória e
Esses meus períodos muito longos vêm um pouco daí, mas são prin- eu acho que realmente um dos momentos em que eu mais exercito
cipalmente orações aditivas, coordenadas, existe uma deshierarquiza- essa questão da desmemória, de uma amnésia, é nesse livro, que eu
ção. São longas, mas as orações se equivalem, não têm aquela com- escrevi primordialmente para a Folha de São Paulo, publicando ali
promissidade da sintaxe dominante. Têm poucas preposições, quer duas vezes por semana. Mas sempre tem também essa questão dos
dizer, as coisas se equivalem em termos de valor. Há um acumula- personagens estarem um pouco em evasão, uma marca muito
mento, uma acumulação, principalmente em A fúria do corpo. esquizofrênica. Acho que isso aí é um.... tem um domínio aí, um
Depois os livros vão se ressecando. Rastros do verão já é um livro aspecto esquizo desses personagens. Eu me lembro agora de uma
muito mais masculino, por isso é mais simples. Eu acho que A fúria moça que entra naquelas cabines para você se fotografar, ela entra e
do corpo é meu livro mais feminil, quer dizer, Afrodite é uma pre- se esquece do que ela está fazendo ali. Ela começa a se despir, a suar,
sença muito importante ali, se bem que não é a voz dela que está em até que ela percebe que há uma fila de pessoas do lado de fora e ela
jogo, mas é um livro mais úmido, mais lambuzado. Fiz questão de sai sem saber mais o que foi fazer ali. São essas pessoas, que estão

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muito mais ocupadas com o fazer do caminho do que com a finali- samento muito hegemônico relativamente a isso que você acabou de
dade desse caminho, não é? falar. Fodam-se as diferenças porque eu estou almejando um fim
determinado, grandioso, restaurador, mas que é um fim que promete
D.B.: Como você vê a aproximação desses personagens, que são sem- uma certa unanimidade, não é? Eu sou um autor realmente que tenta
pre o mesmo, da figura do escritor que aparece em Bandoleiros e vai restaurar o indivíduo, eu sou muito preocupado com o indivíduo.
reaparecer agora em Berkeley em Bellagio e Lorde? Acho que há um definhamento do indivíduo, do seu ritmo interno
em função de uma a-tensão maior última. A tendência à uniformiza-
J.G.N.: O escritor é um sujeito muito sensível a essa pane que a gente ção é muito grande neste momento, através dos meios de comuni-
sofreu relativamente às utopias tradicionais, do homem como inte- cação eletrônicos, as pessoas estão pensando muito mecanicamente,
grante do processo histórico para conseguir tal e tal finalidade. São muito em função do que o outro também está pensando. Então, real-
seres que foram vomitados dessa história, da vida como uma tele- mente, eu gostei muito disso aí, da utopia ambulante. É uma utopia
ologia, uma realidade mais ou menos definida. São criaturas que no que não se realiza. Eu acho também que eu fui muito influenciado
fundo no fundo estão muito comprazidas diante dessa evasão, acho pelas ideologias dos anos 70, muito influenciado pela contracultura.
que é por isso que às vezes dá uma impressão de liberdade. O Marcuse era um autor muito presente no meu pensamento, um
Realmente eu acho que às vezes a evasão nos torna mais livres de autor que dizia que se a obra de arte de uma maneira geral não for
uma realidade que é muito regida por um catecismo, por uma finali- um trabalho de negação ao que é não tem sentido, se você não for
dade quase que escoteira. uma negação, uma recusa, a grande recusa, como ele diz, desse
mecanismo social, controlado, de economia da libido. Isso tudo está
P.V.: Com relação a essa questão da utopia, essa palavra se tornou dentro de uma proposta de pornografia muito estabelecida, muito
quase proibida para a gente, uma palavra perigosa porque sempre socialmente empunhada, digamos assim. É isso, eu acho que real-
tende a um projeto totalizante que elimina as diferenças em função mente se falar da utopia como um extravio dessa ordem, os person-
de um fim. Ao mesmo tempo, a utopia é uma busca de um lugar agens se descolam um pouco deste afresco, embora querendo
outro, de uma alternativa. Eu li em algum lugar você falando de seus realizar um outro afresco dentro da dimensão mais humanista, com
personagens como utopias ambulantes e achei essa idéia interessante. medidas mais plausíveis para cada indivíduo. Acho que eu sou um
Você acha que em algum sentido a gente pode falar de um horizonte sujeito, enquanto autor, muito mais apocalíptico do que integrado,
utópico nos seus textos? para usar aquele título do Umberto Eco. Quer dizer, a força humana
está muito mais nessa recusa apocalíptica, de cunho também
J.G.N.: A não ser nesse sentido que você acabou de falar, como pasoliniano, que é outro sujeito que era muito negativista com a
utopias ambulantes. Porque eu tenho a impressão de que eu trato de ordem do dia, com a questão da ordem do dia, era um sujeito muito
uma coisa que está muito mal vista no cenário cultural brasileiro, hoje contrário ao consumismo. Acho que é isso.
menos, mas quando eu estava produzindo esses livros havia um pen-

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Entrevista com João Gilberto Noll


D.B.: Ainda a respeito desse lugar da utopia, seria possível acreditar guagem, esse não saber aonde vai dar. E justamente eu acho que
na literatura como um meio de transformação do leitor? Porque aquilo que é escondido está muito presente no outro. A gente vive os
parece que o livro é essa utopia ambulante, o livro que a gente car- dias com coisas que a gente não consegue entender muito bem. Pelo
rega é o lugar da utopia possível. É possível transformar o leitor? menos eu não tenho respostas muito prontas para 70% ou mais do
meu apanhado imaginário, não é? As coisas não têm se desvelado
J.G.N.: Acho que não. Pelo menos não naquela visão da minha juven- muito. Eu acho que é um mundo que, sendo paradoxalmente muito
tude, marxista e tal, de que ela poderia reformular o mundo político, preocupado com a informação através dos meios eletrônicos, ao
o mundo social, nesse sentido não, mas existe uma certa militância mesmo o que interessa realmente para o homem é saber descrever,
da linguagem. Pelo menos os escritores que me interessam mais de desnudar esse processo de enfrentamento com essa partícula mínima
perto são aqueles que têm um compromisso, digamos, fundamental- do outro. Quer dizer, o que é que isso realmente tem a ver comigo?
ista com relação à linguagem, a linguagem realmente como possibil- O que é que eu tenho a ver com isso? E nisso as coisas não se
idade... e só nesse sentido eu acho possível uma transformação esclarecem. Por isso eu sou um escritor da indeterminação. Isso está
através da literatura, através de um ativismo da linguagem. O surre- muito presente neste último livro, Lorde, essa falta de significância
alismo é outra proposta que também me interessa muito, sempre me do outro, esse não saber qual é o interesse do outro dentro desse
interessou muito, porque o surrealismo não é alguma coisa automáti- choque e dramatizar esse enfrentamento que não tem levado a
ca, mas ao mesmo tempo é o reinado da automatização, quer dizer, muitas definições. Isso talvez seja bom, é quase que uma, digamos,
o que ele automatiza é justamente esse fluxo de coisas esquecidas, de uma aceitação inglória até da natureza misteriosa que é essa vida
coisas adormecidas, da mente como linguagem, mas ao mesmo onde nós somos jogados.
tempo... é isso, eu acho que o surrealismo é um dado muito impor-
tante na minha formação também, essa coisa de você ser quase que P.V.: Você acha que esses ambientes estrangeiros... Num certo senti-
um oficiante do que dificilmente vem à tona. O escritor é aquele que do, a gente poderia dizer que é sempre um estrangeiro em qualquer
tenta levantar o tapete para mostrar as coisas encobertas. Acho que lugar, mas como é que esses ambientes que são de fato estrangeiros,
aí dá para se pressupor um trabalho político, não há dúvida, mas per- outra língua e outra cultura, servem à sua escrita? Porque na global-
petuado pela linguagem, pelo mundo simbólico da linguagem. ização há a ilusão de que agora qualquer lugar é o mesmo lugar...

D.B.: Uma outra questão que se encaixa aqui é em relação a esse atri- J.G.N.: O não lugar...
to com o não familiar, que está muito presente em Berkeley em
Bellagio e Lorde. Você acredita que esse contato, esse atrito com o P.V.: Londres e Porto Alegre seriam o mesmo lugar, mas não são.
outro alimenta o funcionamento da linguagem e a transformação? Como é que foi essa experiência?

J.G.N.: Esse choque com o outro alimenta, sim, essa aventura da lin- J.G.N.: Tudo isso que a gente estava falando antes reforça essa situ-

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ação. Tudo isso é reforçado pelo contato com o estrangeiro, com o bém. Eu acho que não dá para pensar apenas no sentido de... linear,
meio estrangeiro, com a atmosfera estrangeira. Realmente as situ- quer dizer, muitas vezes o pensamento se perde, se extravia, tem que
ações de estranhamento, de não compreensão do meio, o sentimen- retomar. A gente está muito num momento de mostrar esse drama
to dominante de uma pessoa em terra estrangeira, são motores da expressão. Eu tento expor disso nos meus livros, o parto da
essenciais para a minha ficção, por isso eu estar no estrangeiro me expressão, ainda mais num campo, que é o campo literário, em que
estimula profundamente para a escrita, estar numa situação não você vai trabalhar com coisas como a ambigüidade, quer dizer, um
doméstica, estar numa situação não familiar e que é muito antagôni- conhecimento que se faz através de um não conhecimento, através
ca. Eu acho que a literatura tem um pouco de vacina, o princípio da das injunções, digamos assim, até doentias, até cegantes, até... O
vacina. Para ela realmente delatar uma dor humana, que seria essa de desejo de ser poema dos meus livros é uma coisa muito presente no
estar num ambiente placentário muito distinto de sua origem, acho que eu escrevo e essa tensão está no próprio corpo da linguagem. Eu
que ela é quase uma vacina. Ela delata os malefícios do tempo, mas escrevo romance, mas querendo fazer poesia. Eu escrevo romance,
com uma certa perversão de sedução ao mesmo tempo. Claro, mas querendo... Eu mais ou menos faço isso nesses dois últimos
porque a literatura não faz um esforço doutrinário seja quanto a romances, aponto muito para isso. A poesia talvez seja muito mais
tendências políticas ou a religiões, não, ela não tem uma evangeliza- parecida com a língua, com a música, desculpe, do que o romance. O
ção muito canônica nesse sentido pelo menos. Eu tenho visto como romance sempre tem um chamamento da história muito grande. No
isso acontece na literatura, quer dizer, o sujeito vai apontar o drama, romance, mesmo que seja o romance mais metafísico e mais poético,
mas ao mesmo tempo perversamente ele tem um certo fascínio. Ele você é responsável pelo encaminhamento de um relato, de uma
tem que ter a experiência prévia para poder depois transfigurar isso trama. Mesmo, por exemplo, em A paixão segundo G.H., da Clarice
no trabalho literário. Essa transfiguração é muito importante, se não Lispector, aquela mulher no quarto de empregada diante de uma
você faz um discurso muito fácil de militância, indicando o mal de barata.
sua época de uma maneira muito escoteira.
P.V.: Falando de diálogos com outros escritores, com relação à liter-
P.V.: Fico pensando na questão da língua mesmo, que aparece no atura latino-americana, contemporânea ou não, que afinidades você
Berkeley, esse choque com a língua estrangeira. Já que, como você encontra?
disse diversas vezes, o que te move é a linguagem, escrever em
choque com a língua estrangeira teve algum efeito? J.G.N.: Eu sou muito impressionado com o Ernesto Sábato, tanto
com a ficção quanto com um livro de ensaio, O escritor e seus fan-
J.G.N.: Eu acho muito perigoso, quer dizer, para escritores como eu. tasmas, que é justamente um autor muito preocupado com a questão
Eu falei que eu tenho essa tendência a abrir caminhos para a drama- existencial. Tem muito a ver com o que a gente está falando, como é
tização do nosso cenário contemporâneo, mas através da linguagem. problemático assumir essa tendência, hoje não mais, eu acho, mas
Eu acho que vai se abrindo essa senda, esse caminho. Tem isso tam- imagina na época da juventude do Sábato. Ele realmente dramatiza

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Entrevista com João Gilberto Noll


essa questão no ensaio, como a audiência da literatura latino-ameri-
cana tradicional recrimina essa tendência clariciana de falar de coisas
mais existencialistas até, camusianas. E o fato de um autor nesse con-
texto latino-americano ter um interesse exacerbado na questão do
indivíduo, tem isso também.

D.B.: Eu queria fazer uma última pergunta que talvez retome algumas
coisas que a gente já falou. Você acredita que existe algum empenho
ético no que você escreve?

J.G.N.: Eu acho que tem, sim. Evidente que tem. Eu sou um moral-
ista. Digo isso no sentido mais francês da palavra, não é nada de
doutrinário, de achar que eu sei o caminho para transcender a dor,
mas eu sou um sujeito... não é eu, tenho mania de chamar de eu esse
homem que está em todos os livros, esse personagem anônimo. Esse
cara tem uma visão muito infantil das coisas. Ele é contra o poder,
ele é contra qualquer automatização, contra fazer as coisas sem real-
mente auscultar seu desejo mais profundo diante dessa obrigato-
riedade de atuar socialmente. Um cara como esse está indignado.
Nesse último livro, por exemplo, ele está indignado com relação ao
desvendamento social, esse homem inglês que está lá chamando e ele
nunca consegue descobrir quais seriam as razões últimas desse
chamamento, mas acho que é um pouco a metáfora do ser humano
mesmo, não é? Eu sou um cara ateu, mas que tem a compulsão, dig-
amos assim, de colocar sempre um personagem com esse papel divi-
no. Quer dizer, as coisas não se materializam, as coisas estão muito
fugazes e muito absolutas para esse cara. Esse sujeito inglês, que
chama o personagem brasileiro através de uma instituição que ele
não sabe muito qual seja, tem uma certa função divina, aquele que
dispõe de dominantes da vida humana sem clarear a fonte disso e
aonde isso vai dar. Como por exemplo, também, aquele conto meu

E n t r e v i s t a
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de O cego e a dançarina, que deu no filme "Nunca fomos tão possibilitado de vingar no mundo de hoje em que se proliferam as
felizes", não sei se vocês conhecem, também aquele pai, no conto, tentativas, e a medicina é muito isso, a psicologia é muito isso, de
porque no filme... eu adoro o filme, mas o filme é o filme, o conto é puxar esse discurso da loucura para um eixo social.
o conto. No filme, o cinema exige isso, há um delineamento da
função social, que no conto não está, qual é a ordem da revolução REFERENCIAS
desse pai está muito mais confuso. Então realmente, em sendo um Realizada no Hotel Sofitel, Copacabana, Rio de Janeiro, no dia 17 de maio de 2005.
ateu, eu estou muito preocupado com esse casamento cósmico. Eu Agradecemos a Claudia Solans por nos ajudar a elaborar as questões que serviram de
acho que a grande tragédia humana é a gente não poder se fundir às base para a entrevista.
coisas, quer dizer, é por isso que é tão tradicionalmente casado o
amor com a morte, porque na medida em que há esse abraço, essa
vontade de fazer parte de uma ordem maior, no momento em que se
escolhe essa fusão, ela pode ser também o sinônimo da morte, essa
cápsula do eu que se dissolve em nome de um corpo cósmico. Eu
acho que a tragédia, no sentido grego da palavra, com Édipo, com
Antígona, mostra muito agudamente o que é essa fragmentação de
alguém que cometeu um ato transgressivo e que, em termos de polis,
em termos de comunidade, vai ter a sua resposta, ter seu troco por
ter feito isso, que é a evasão da familiaridade da polis. E a grandeza
da tragédia grega está em que o indivíduo está sabendo, presume,
qual será o seu fim e, no entanto, fabrica a transgressão. A grande
tragédia, a meu ver, é a impossibilidade dessa fusão do eu com o
mundo. O grande personagem trágico grego é aquele que é vomita-
do para fora desse corpo maior. Eu tenho uma visão trágica nos
meus livros, eu acho, são sujeitos muito à parte, esquizóides, person-
agens que quando falam é para expressar, não para comunicar. É o
louco, não é? O louco pode ser um herói trágico, porque é irrever-
sível. Quem provou da maçã proibida, de seguir esse fluxo demonía-
co, digamos assim, quem não se encaixa na polis, não se encaixa no
discurso dominante é um cara que se fudeu. E eu gosto muito dessa
literatura. Mas eu acho que talvez a paisagem, o horizonte trágico,
pelo menos em termos dos antigos gregos, também não está muito

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grumo / número 03 / julio 2004
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C r ó n i c a s
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THE BUENOS AIRES SESSIONS VOL. I: LA CALLE DE MACEDONIO


(Impressões num diário de notas: fragmentos em linguagem auditiva)

Mauro Gaspar Filho

En las imágenes de Buenos Aires vistas a través de los ojos de brasileños la difer- Esquecer para lembrar. A viagem está no corpo. Impregnada.
encia se asocia a un reconocimiento, la novedad a una sensación de dejá vu. En Esquecer para lembrar.
la mirada de Mauro, Buenos Aires adquiere un perfil propio, un relieve de Chegamos ao Rio à noite, uma sexta-feira, dia estranho para voltar.
escenografía novelesca, como si todo en la ciudad estuviera dispuesto para que el O fim de semana é de mal-estar e febre. Abstinência da viagem, cold
viajero descubriera retazos de vidas literarias. En cambio "Duas vezes Buenos turkey do outro lugar (de um outro lugar).
Aires" de Pedro da un paso atrás en el tiempo y nos habla de dos momentos muy Impressões, como digitais que marcam o meu corpo enquanto cir-
distintos de esa ciudad, el antes y el después de una crisis profunda, que son tam- culo pela cidade.
bién dos momentos diferentes en la experiencia de quien observa, atento a las A cidade é Buenos Aires (sempre foi). (Você é um argentino wanna
afinidades con su propia realidad - latinoamericana también - y a las diferencias be, uma amiga me disse há tempos. Qué hacer?, um tio argentino deu
imposibles de reconciliar. um tom diferente ao sotaque da família.)
Volto, permaneço.
Nada além viagens e crimes: que mais se pode narrar?
Viernes
Esqueça o que está escrito. Esqueça para lembrar. Táxi de madrugada, chego com Miró ao aeroporto. Encontramos K.
Se dá uma história não sei, mas dá uma viagem. E essa é uma outra logo depois. Uma viagem que seria solitária, uma viagem que seria
viagem, marcada há mais de cinco anos, teimando em adiar a si outra viagem, e ainda outra (como o texto) anterior, transformada
mesma. Este texto era para ser outro texto, e ainda um outro em uma ação-experiência entre amigos. Os viajantes somos nós.
primeiro. E, no entanto, nunca será nenhum dos três, o texto imagi- Primeiras conversas sobre "Respiração artificial" com K.: Kafka,
nado nunca será como concebido. É assim que se escreve, é assim Borges e as teorias de Renzi e Tardewski. Miró terminando o
que deve ser, ele diz (aquele que escreve diz).A primeira viagem, dos "Desonra" (tradução estranha para "Disgrace", comentamos mais
Invasores de Corpos, sampleada e remixada a partir dos relatos de cedo). Na conexão inesperada em São Paulo, melhor, em San Pablo,
outros, se perde no trajeto muito longo até a Patagônia (o mais próx- falamos os três de Coetzee. A impressionante disciplina do osso, uma
imo que chegarei será o Banco da Patagonia na Corrientes). narrativa que não cede nunca. A impaciência surge entre a objetivi-
dade cortante - ser impaciente, escrever impacientemente, não sig-
nifica descuidar de cada acorde, de cada vírgula do encadeamento da

C r ó n i c a s
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narrativa. Uma mulher passa por mim e sobe ao baño. Um travesti, corrigem.
No avião: sucessivas informações despejadas de forma incompreen- Volta (é um travesti, realmente, estereotipado e feio). Mais tarde, jan-
sível pelo comandante e seus comandados, o espanhol é uma afronta tando com amigos portenhos, ficamos sabendo que esta é uma área
e o inglês, um pastiche do alemão. Depois, por determinação das de travestis. Ele sai e o esteorótipo masculino flui. Que liguem o ven-
autoridades sanitárias argentinas, somos bombardeados por um tilador, diz o homem do balcão. Es um viadito, diz outro. Otra
aerosol purificador (natural, dizem) e esterilizador. Ouvindo quilmes más, pedimos. A conexão feita em cima do preconceito é lin-
"Speachless"(do "K&D Sessions", a trilha da viagem), janela aberta: guagem universal. Amizade de bar, boteco porteño, otra ginebra.
a bandeira argentina no horizonte - céu azul sobre nuvem branca (o Todos obreros acá. Problema sério nos dentes (falta de) dos amigos.
nome do quadro). Um trabalha nas corridas, treinou cavalos no Brasil. Falam de fute-
De Copacabana a Ezeiza, salto no espaço-tempo. Na autopista para bol, que vão cantar mais tarde, e vai se quedando más tarde e más
o centro, sensação estranha de entrar em outra dimensão, como um quilmes (otra más, por favor!) e conversamos, damos risada e o
percurso intestino interplanetário em direção a outro estômago-urbe, tempo passa (não passa).
autonauta da cosmopista levado pelo táxi. Gracias, dizemos. Non, por favor..., retruca Juan, o garçom nobre
atemporal. Bigodinho, fala mansa, cordial, quase servil (a diferença
16h42: no El Rapido. está na dignidade com que nos apresenta os talheres sujos e sorri),
Tres ginebras e una quilmes litro. andar coxo e arrastado, pano no ombro.
Esbarrando no "mundo clássico": um outro tempo, mágica pura, Saímos pelas diez, e a cantoria fica para manaña, estamos convida-
estamos entrando, estamos dentro do mito criado, e ele está vivo. dos. Tempo de viagem, sem relógio, sem telefone, sem referência
Eu e K., uma foto dos Chicos Bestiales contra o muro (e contra o frio). marcada que não as que são constituídas dentro da própria viagem.
Ginebra tastes like perfume, diz Miró. El Rapido contém os três (No domingo, daí a dois dias, seremos enxotados pelo cozinheiro. Se
pilares da civilização argentina, continua. O tango (foto de Gardel na acabó, no más, diz, nos espanando com as mãos, enquanto Juan olha
parede), o futebol (a seleção nos calendários) e os cavalos (as corri- melancolicamente da cozinha. Putos de mierda! Pero, sem ressenti-
das na TV, as fotos do proprietário com os jóqueis acimas de nossas mento. O gesto desapontador não quebra o encantamento dos últi-
cabeças). Quando os páreos terminam, sobe o tango para el vence- mos dias, que é nosso, nem a melhor comida de Buenos Aires de
dor, el salón lleno de milonga. toda a viagem: el quadril com papas fritas de puta madre!)

C r ó n i c a s
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THE BUENOS AIRES SESSIONS VOL. 1: LA CALLE DE MACEDONIO


Saímos do El Rapido para o inverno portenho. Otra cerveza no bar mento do que está lá fora, do Rio, do Brasil, de casa. Estive aqui sem-
da esquina do albergue onde passaremos a primeira noite. Fumaça e pre. Veio para Buenos Aires há mais de 50 anos, siempre en la Ideal.
álcool. Ao fundo, o fantasma ruinoso de Borges (há três fotos do seu Parado na porta espelhada, na volta del baño, começo a sentir os
espectro na bruma) lê no jornal o que já é passado. efeitos da viagem temporal. O tempo: em um dia e meio, a distância
da vida cotidiana é absoluta.
Sábado Soy un argentino, no soy un argentino, mejor: soy un local.
Tengo (tenemos) la fiaca. Ciudad de libro, acá no es un cine, sino una narración (que se va
Almoço no El Rapido, depois: metrô - Centro - Casa Rosada. imprimiendo en mi cuerpo), una prosa (con gotas de poesia) - como
Os amigos do El Rapido estão todos presentes. A casa está cheia, não produzir tantos grandes e maravillosos escritores?
mas o dono já é nuestro amigo e cria uma mesa para los brasileros. Voltando à mesa percebo o órgão e o viejo músico que lhe dá vida.
A cantoria será mais tarde, prometemos tentar voltar à noite (e Chocolate quente. Fora chove. El viejo Miguel sigue hablando a los
tentaremos, mas está frio, chove, está longe, e então já estamos no chicos. K. está enfeitiçado. Começo a escrever na caderneta - o
Pizza Qué? ouvindo Groove Armada e tomando um tinto). tempo: em um dia e meio a distância da vida cotidiana é absoluta.
Voltamos pela Rivadavia, pichações políticas em todos os muros, a Lentamente, sinto que vai me tomando una epifania: el son de la
consciência política dos hermanos nos impressiona. Dario y Maxi no musica del tango - el viejo Miguel com sus estorias - el otro viejo
estan solos (são os chicos assasinados na rebelião de 2001-2002). tocando el órgano - la confiteria e su teto clasico - los ojos llenos.
Todo estado es represor. Um povo que oprime outro povo nunca Estoy en casa (hasta siempre).
será um povo livre, nos dirá mais tarde o humanista Israel Levy. (Uma anotação anterior à viagem: Para mim não é (nunca foi) Paris,
e sim Buenos Aires a cidade do imaginário da escrita, a cidade míti-
La Confiteria Ideal. Miguel, el viejo italiano, nos encontra. Pára ao ca da escrita, o lugar do escritor. Uma genebra no Ambos Mundos.)
lado da mesa, segura a bengala e olha fixamente para mim e para K. Antes, ainda en el baño, penso em Dimitroff Otanos, o russo que foi
Sorri um sorriso de mil anos. Abre a mão para K., que retribui e comprar cigarros e voltou 30 anos depois. Viver uma outra vida,
ganha um cumprimento que é quase um golpe. Faz o mesmo comi- assumir um outro eu guardado, cortar o passado e incorporar outra
go, mas não tenho tanta sorte e levo um tapa (afetivo) no nariz. Ele história. Penso também em Benjamin: mover a ruína, e não ser imo-
se desculpa e segue sorrindo. E começa a falar como se jamais bilizado pelo lamento. Ahora es la única hora possible.
tivéssemos interrompido nossa conversa ancestral. No andar de cima No apartamento-base (vizinho à última morada de Macedonio),
há um salão de tango. Embaixo, o café, um pequeno palco, um órgão horas debruçados sobre o livro de Kuitca. Arte é construir reali-
e outro viejo sentado atrás. Empieza a tocar. Não conseguimos dades. Si yo fuera el invierno mismo.
perceber a origem da música. Miguel diz que esteve na guerra,
luchando em Africa, preso, viu de baixo os campos, o sofrimento. O
pé direito gigantesco do café cria uma sensação irreal de desplaza-

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Domingo Seix Barral que, segundo o prefácio de Sábato, preserva a tradução


Dia frio e chuvoso, noite maldormida no sofá-cama. Tentamos o lendária).
ônibus para la Feria de Santelmo, mas o motorista nos enxota A seguir chega O Conde (que ainda não sei que é O Conde). Figura
porque, além de demorarmos a subir e fazê-lo pegar o sinal vermel- "distinta", alta, bigode espesso de conde virado para cima, cabelos
ho, não temos moedas trocadas ou la boleta (e nem sabíamos que era grisalhos ondulados, óculos impossíveis (enormes, pretos,
para ter). É o favor que os idiotas nos fazem às vezes. Tomamos um quadradões e com as lentes sujas), uma capa por cima do terno.
táxi, chegamos em 10 minutos, quase o mesmo preço de três pas- O Conde diz: Bon soirée, grand maître! El Viejo Librero levanta os
sagens de ônibus. O lugar está cheio de gente, turistas para todo lado, olhos de si mesmo e parece ser percorrido por uma fagulha, mudan-
brasileños acá e allá. A idéia de comprar uma garrafa antiga para do completamente de tom: de uma lentidão modorrenta de fim de
servir a soda que os portenhos tanto usam vai por água abaixo quan- domingo a um ânimo jovial e alegre: Hola, maestro!, responde, e
do percebemos que é a miniatura do Cristo Redentor local. começam a conversar em francês. O Conde fala de uma proposta
Paro numa banca de artigos de guerra. Vários bottons nazistas, que recebeu para comprar os cinco volumes do "Cosmos" de
fascistas, fotos de Hitler. Fetiche infantil e estúpido ou fanatismo Humboldt. Passam ao castellano. O Conde diz que parece um bom
racista? Lembro do prato nazista em "Beleza americana". E também negócio, El Viejo Librero concorda (tenho a sensação que uma outra
do livro de Goñi sobre o contrabando de nazistas para a Argentina negociação, futura, se arma sutil entre os dois). Segue uma conversa
negociado entre Perón e o III Reich em queda. Deixo a banca e seu curta, de tom aristocrático - um livro que toma forma e vida ao meu
dono, um velho pequeno de feição intransponível (seria ele um ex- lado. Como inicia, acaba, um raio do tempo no meio do nada. Adieu,
SS? Alguém se torna um ex-SS?), pensando na hipótese de Tardewski grand maître! Adiós, Conde! Adiós, maestro! (E não é mais
sobre o encontro de Kafka e Hitler em Praga e em seu ataque con- necessário comprar, ou falar, de Gombrowicz ou Ferdydurke - ele
tra Heidegger (o homem que colocou na filosofia alemã a sua touca acaba de "acontecer")
de dormir kitsch, diz Reger, escreve Bernhard).
Música o tempo todo, a noite em casa, a cidade mais quente, sol
Libreria anticuaria. Uma banca de livros antigos en la feria. Pergunto amanhã?, e depois a realidade: mais frio, chuva fina.
pela edição de Ferdydurke traduzida pelo coletivo de abnegados cap-
itaneado por Virgilio Piñera (publicada em 47, a primeira tradução do Um conto possível: Roberto Arlt e Antônio Fraga se encontram no
livro para outra língua, feita sem dicionário, direto do polonês, com Rio em meados da década de 30. Vão à Mangueira. Arlt quer saber
Gombrowicz mal falando castellano trabalhando em conjunto com da língua dos malandros, el lunfardo de los hermanos brasileros.
o grupo). El Viejo Librero diz que tem na libreria e me dá um cartão. Erdosain e Desabrigo caminhando pelo canal do Mangue, passagens
Dentro do cartão está escrito: El libro que ud. busca se lo encuentra. de navio e sarjeta nos bolsos.
La libreria La Cruz del Sur (que não conseguiremos visitar). Ele não
está certo de que seja essa edição (e acabo por comprar a atual da

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Lunes preciso acostumar-se com a música. Está no bar há pouco tempo,
En el Nonnino: um dia que começa lento. La fiaca no se va a las ficar em casa corrói o espírito, ele diz. A voz parece sair de uma caix-
mañanas. Pela janela do café, o fim da manhã de segunda, primeira inha perdida em algum canto esquecido da vida. Hay un tartamudeo
impressão pós-cafe con leche: a distância entre el domingo y el lunes propio del lenguage argentino que me llena de uma extraña
é sutil, suave, o movimento de um para outro não é um choque, não exaltación. Un ritmo da, do, da, da, interno a las palabras, diz
é frenética a segunda nem morto o domingo e nem traumático o des- Gombrowicz no "Diario argentino", escreve Piglia nas suas
pertar do fim de semana. "Anotações sobre Macedonio" (e depois não consegue mais encon-
O guardanapo embaixo da xícara de café é, para K., o detalhe capi- trar a nota. Yo tampoco). Uma letra contra a outra, diz Gombrowiz,
tal, a diferença simples de um espírito civilizado. escreve Piglia, pedregulhos numa lata. A lata de Santiago parece estar
Passa o "filho" de Foucault (calvo, elegante, falta o óculos porém, revestida por cortiça, no fundo do mar, transmitida por um barbante
sobretudo, cabeça ovalada), digo para K, que se vira e diz que a de um "telefone sem fio". Indagamos sobre El Ruiseñor, e ele diz
semelhança é impressionante (apesar dos óculos). Miró procura que es un bar centenario, que a filha do dono, persona muy buena,
"Foucault", não o vê e pergunta: cadê o Foucault? Passou. está na Espanha, e que o movimento não é mais como antes (o tom
Começa a compulsão anunciada dos livros. Em breve teremos pilhas sempre o mesmo, lleno de melancolia). Qué hacer?, diz. Tento gravar
criando ângulos em cima da mesa do apartamento. Dias, horas, a experiência de ouvi-lo falar, mas as pilhas não têm mais força
meses nas librerias: La Barca, Paidos, Norte, Guadalquivir, Cuspide, (esquecer para lembrar - a gravação rouba a alma, dizem os índios).
Gandhi, Ateneo, Losada, a feira na Santa Fe. Saímos. Miró esquece algo e volta. Aparentemente, Santiago não o
El Café Bar Ruiseñor. Andando pelas Las Heras, a caminho do cam- reconhece. Voltaremos ainda duas vezes, mas não é possível saber se
inho, esbarramos nos anos 50. A sensação é a de que entramos no somos, ou não, reconhecidos.
túnel do tempo, realmente. Impressão de que nada mudou, ninguém A caixa se abre no fundo do mar e solta bolhas.
mudou (sequer de roupa ou cabelo) nos últims 50 anos (e talvez mais,
talvez a década seja a de 40). O garçom, viejito (siempre los encuen- Quando saímos vemos o céu pela primeira vez, e compreendemos a
tros com los viejos "clasicos"), usa um paletó de vendedor de amen- obsessão pelo azul suave, o azul nacional, de la patria, que está em
doim de circo (ou de recepcionista de hotel antigo). Entramos para tudo, em todos os lugares, ou quase. A bandeira argentina: o azul do
um café e un cigarrillo. A luz, ainda que deixe o lugar claro, dá a céu, o branco das nuvens e o sol no meio (dizem que essa associação
impressão de ter um filtro temporal e cria um ambiente chiaroscuro é o mito da bandeira, dizem depois os amigos portenhos).
(como os desenhos de Pratt quando coloridos) que está em suspen-
são espaço-temporal. Miró vê tudo com olhos em sépia. Ao fundo, Martes
na parede, um quadro antigo com o escudo apagado do No café, solo, vejo o mapa de Buenos Aires, pensando nas próximas
Independiente (o maior ganhador da Libertadores, dizem sempre). horas, ouvindo a música do castellano nas conversas ao redor (procu-
Santiago, o garçom, fala de forma incompreensível (a princípio). É rando olvidar a música péssima que sai da rádio), sempre a sensação

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de "estar em casa" - não estranho nada, a língua, os carros, a pais- Israel Levy, el humanista. Na volta, eu e K. entramos numa pequena
agem ou o frio, estranho apenas essa falata de estranhamento, esse loja de bolsas e mochilas. Nas vitrines, vários recortes de jornais e
sentir-se em casa que é tão natural e forte. revistas e outros papéis. A loja está fechando. Um senhor (un viejo,
Um dia nas livrarias. À noite, jantamos com Mario e Claudia no otro) que parece ser o dono pergunta sorrindo se queremos ajuda.
Gardelito. Lá, outro encontro: o garçom morou em Saquarema e Respondo que não é necessário, volvemos mañana. Ele me olha
Brás de Pina, tinha amigos compositores na Mangueira. Porra, (tenho a sensação de ser lido) e pergunta de onde somos. Com a
"ermão", adoro aquilo lá, mas só vacaciones, sabe como é (sabemos resposta, os olhos brilham de uma forma e ele abre um sorriso de
como é, digo). Borges morou aqui perto, eles dizem, parece que esfuziante prazer. Adora o Brasil, los brasileros, la musica brota, la
Piglia também fica por aqui quando está na cidade. Conversamos arte brota em Brasil, diz. Tom, Caetano, Milton, Chico, João
sobre nossas impressões sobre a cidade. Falamos do El Rapido e do Gilberto, como no escuchar a Elis Regina?, maravillosa. Pede que
el Ruiseñor, de Santiago. Se fosse eu, não me contaria nada, diz fiquemos, quer conversar e nos mostrar algo. Miró fuma um a dez
Mario. Vantagens de estar em trânsito, ser de fora (apesar de estar em passos, na rua. Estamos completamente surpresos (e felizes).
casa, eu). Andamos até o prédio de Borges, depois vamos a la Perguntamos se não quer se juntar a nós, estamos indo ao El
Plazoleta Cortázar. Eles nos deixam, se ván a la casa. Entramos no Ruiseñor, aqui ao lado. Tengo mi grupo de trabajo ahorita.
Cronico (se houvesse um Esquizo, entraríamos) e nos perdemos em Entra uma cliente. Atende a mulher com a filha e escapa inúmeras
nós mesmos, na ginebra com cerveza, no sorriso de incredulidade de vezes para nos mostrar os recortes colados nas vitrines e para seguir
Bernarda, a garçonete, quando pedimos más tres, nos perdemos na a conversa. Grandes escritores también. Tengo acá "Memórias do
fumaça, no texto e no corpo e nos amores platônicos del viaje, cárcere", que escritor es Graciliano Ramos. E Machado, Guimarães,
vamos nos dissolvendo no bar, na noite, nos sorrisos das chicas, a Vinícius. Começa a falar de poesia, o poder revolucionário das
bruma subindo com os risos e a alegria viajante (e alcóolica). palavras. Nos vidros, Gabriela Mistral, Drummond, Neruda, Pessoa.
E recortes sobre resistência anti-opressão no continente, e na
Miércoles Palestina. A cliente se vai, sorrindo com nossa conversa (será que
La fiaca impensable. Dor terrível na anca direita. Noite insana e percebe o poder desse encontro metafísico ou é, para ela, apenas
crônica. Voltamos andando, flutuando, arrastando as asas, três mais um exotismo banal entre un viejo simpatico e tres turistas?).
cronópios na madrugada de Buenos Aires. Ele quer falar sobre seu grupo de trabajo. Vamos ao balcão e ele nos
Estamos mortos. Dia de vizinhança, não é possível se mexer muito. mostra um abaixo-assinado contra o muro que Israel contrói para
Passamos de novo pelo prédio de Kakfa - onde ele viveu seus anos isolar os palestinos. Me llamo Israel Levy, para que usteds veán que
(imaginados por nós) em Buenos Aires, o "Castelo de Kafka", como lo que me importa es la humanidad, diz. Ha leído en algún hogar una
o chamamos - e na Norte encontramos a biografia escrita por Max frase que mi gustó mucho: Un pueblo que oprime otro pueblo no
Brod (e um livro mapeando a Praga de Franz). puede ser un pueblo libre. Há duas assinaturas de brasileiros. Sharon
es un criminal!, diz, enquanto mostra o material do grupo de trabajo

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iniciado no Fórum de Porto Alegre. Assinamos. a ação está no consumo.
Es la essencia de la humanidad, la solidariedad, diz Israel (um irmão Véspera da véspera: cansaço absoluto. Muito a escrever ainda (sem-
de Lévinas vendendo mochilas e distribuindo afeto e bondade ao sul pre).
do tempo). Enquanto nos despedimos, tentando expressar nossa
honra em conhecê-lo, un honor para nosotros, gratidão pelo Jueves
momento mágico (e que as palavras não serão suficientes para recor- Dia apático. Não me entendo com meu corpo, irritação, reações
dar), percebo seus olhos cheios. Um abraço forte em cada um. Já na esquizas, libros demás, overdose. Poderia andar até o Brasil, diz K.,
rua, percebo que esqueci a sacola de livros. Volto, pego os livros, ele irado. Cambiando la frequencia. Aos poucos, o corpo se acalma, mas
me olha, as lágrimas descem pelo rosto jovial del maravilloso viejo a sensação estranha, espécie de vazio pòs-dissolução extática, con-
Israel. Me emocionarán muchíssimo usteds, chicos, e me dá otro tinua se movendo. Voltamos ao Cronico para a última noite. Vanessa
abrazo. nos atende, simpática e guapa, conversamos, volveremos breve, dize-
Consigo gravar um trecho das palavras de Israel, da nossa conversa. mos, que se vuelván, diz.
Tom e freqüência. Um fragmento perdido da bondade e da soli-
dariedade humana. Viernes
O silêncio, a calma dos prédios antigos, avenidas largas, vozes baixas, Não há moscas na cidade. É inverno, me diz Sol, a ex-estudante de
as praças e os parques, os cafés de penumbra sensorial: uma cidade filosofia que trabalha na lojinha de objectos. Un regalo, diz, e me dá
para escrever, Bs.As. um cd com a trilha da loja, só com o cancioneiro francês. Te gusta?,
Em casa (no apartamento), anoto: Laiseca (e seu bigode alemão) pergunta. Lembra minha mãe, digo.
parece ser o más loco e interessante (como inconformista e produ- Volto à loja de mochilas e abraço Israel Levy longamente por nós
tor de desacomodação). Laiseca e o livro do plágio: 28 anos três. Ele me olha com os olhos cheios de novo, un gusto, un placer
escrevendo (a tradição do livro in progress, como Musil, Macedonio) conocer a vos, dizemos os dois.
o seu único ensaio. Un libro insano, e sério. Laiseca vestido de Conde
Drácula escrevendo o plágio de Bela Lugosi. Eu sou Boris Karloff. A volta. No avião, Ouvindo os discos dourados das "K&D Sessions"
Penso na volta, no cotidiano no Rio, tudo tão longe - e, ao mesmo e lendo "El ultimo lector", de Piglia. Na foto da orelha ele está pare-
tempo, a própria viagem, de alguma forma, também já está longe. cido (demais) com o tio argentino (psicose wanna be?).
A viagem é sempre movimento, cada experiência diária é anual, um O tom. Piglia encontrou um "tom" de escrita, o seu tom, um tom
mês viajando é uma vida de anos. Vem sempre à cabeça a afirmação que musica a si mesmo, sem pressa, fluido (é como eu ouço). A
de Chatwin: Yaweh é um deus do movimento, por isso prefere os relação entre música e literatura é muito mais próxima, muito mais
nômades, prefere Abel a Caim. A viagem não permite a acomodação. cruzada, interpenetrante do que se reconhece, ou se quer reconhecer
O turista não é um viajante, é um visitante do zoologico-urbe, do (assim como a delas com a viagem). (Schopenhauer acreditava que a
urbológico, quer a experiência sem vivê-la, a vida como um voyeur, linguagem feita só de palavras não poderia jamais atingir a profundi-

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dade e a universalidade alcançadas pela linguagem musical.)


De SP para o Rio. O tom final da viagem, a leitura musicada, a músi-
ca ilustrada e letrada - o livro à frente, a cidade embaixo (nos fones:
"you've got a passion, it's called peace"). Um pertence ao outro: a
viagem também é um tom. Encontrar o tom é a guerra necessária -
o tom da convivência, o tom do fluxo, convivência consigo, con-
vivência entre semelhantes e diferentes (tom = freqüência).
Vai ser preciso readaptar-se, readaptar-me ao que poderá vir a ser o
mesmo de antes: quase rançoso, quase doente e senil em sua própria
doença sedentária (é possível um deus para os sedentários, um que
não o deus-conforto&acomodação?).
Corto, Chatwin & eu (eu, Miró & K.) em movimento. Navio, avião,
carro, camelo. Uma viagem anti-turismo, anti-estereótipo. Au con-
traire: el viaje tipo stereo - dois canais, ouvidos&olhos abertos, espíri-
to voltado à freqüência local (e sempre preparado para uma exper-
iência quadrafônica). A viagem, se existe, é transformação. E a idéia
é produzir uma nova adaptação, desadaptadora, para a frente, rear-
ranjar os lugares dentro (e fora) do corpo, dentro e fora de mim.

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Duas vezes Buenos Aires

Pedro Amaral

Chegamos ao terminal rodoviário. Madrugada de inverno,


um frio que eu até então não conhecia. Num jaleco branco, um
agente da vigilância sanitária, pálido, calvo e de bigode, saído de não
O ônibus adentrava a Grande Buenos Aires, atravessando a sei que charge de Quino, não deixou ninguém descer até que fosse
escuridão da madrugada, cruzando quase que só com caminhões. feita uma busca por micróbios transfonteiriços (havia, creio, uma
Carga pesada, material de construção, combustível, alimentos: aten- epidemia de cólera no Brasil). Sua sisudez meio cômica era a confir-
to à janela, eu me sentia surpreendendo a grande cidade, adormeci- mação que faltava, se faltava alguma, de que o ônibus chegara ao seu
da ainda, em sua intimidade. Excitados com a proximidade da chega- destino. Noutras viagens, anos depois, pude ter a confirmação de que
da, após quarenta horas de viagem, quase todos estavam despertos. muitas vezes as assim chamadas autoridades proporcionam ao via-
Uma família argentina, voltando das férias em Copacabana, vibrava jante o primeiro contato com o folclore local (lembro, por exemplo,
de expectativa. Um estádio de futebol passou ao nosso lado: "-La do agente da polícia federal no aeroporto do Rio de Janeiro, que, ao
cancha de River!!" - gritou em uníssono o casal de adolescentes, e me ver chegando para o controle de passaporte, fez saber que estava
acrescentei uma palavra ao meu pobre vocabulário. ocupado: "'Guenta aí, mermão, só um minutinho!").
Já não éramos muitos. Lembro de um grupo de jovens espanhóis, um
casal de loiros sul-africanos. O samba desembarcara com o grupo de Logo começa a amanhecer e estou num táxi, um velho
brasileiros que fizera escala em Foz do Iguaçú, rumo a Ciudad del Renault preto e amarelo que me leva a Belgrano, próximo à Puente
Leste. A partir dali, atravessamos a província de Misiones: um longo Savedra. No caminho vejo pela primeira vez os belos parques de
deserto, nada além de infindáveis plantações de mate, uma paisagem Buenos Aires, suas longas avenidas. Aproveitando-se do meu por-
monótona como a dos nossos canaviais nordestinos - essa é a lem- tunhol claudicante, e da imprecisão do câmbio (aceitavam-se dólares,
brança que eu guardo. Mas eu soube de fonte segura que esse retra- mas a taxa de câmbio variava com as circunstâncias), o casmurro
to é, no mínimo, inexato: as plantações mate de fato estão lá, mas não motorista me subtrai uma quantia que irá fazer falta no decorrer da
são de modo algum onipresentes naquela que é uma importante viagem. O tango ainda não me ensinara que, lá como cá, otário é
província argentina. Julgue o leitor, portanto, até que ponto se pode otário.
confiar na veracidade deste relato. De minha parte, admito que estas Eram tempos difíceis. Sacudido pela crise da hiperinflação,
são lembranças inventadas - como, de resto, todas as lembranças. o país parecia estar com os nervos à flor da pele. A famigerada auto-

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flagelação argentina vivia dias de esplendor, e despontava em cada to quando o surpreendi divertindo-se com o filme Back to the
esquina: "O que você está fazendo aqui?! Por que não está em Future, na companhia dos filhos e vizinhos. Aquilo não me pareceu
Búzios, em Ipanema?!" - diziam-me freqüentemente, numa manifes- um flagrante delito, mas seu enrubescimento me fez crer que sua
tação quase hostil de simpatia, e que sempre me pareceu também imagem de sobrevivente de Sierra Maestra transformado em herói da
uma expressão de amor-próprio ferido, ou um orgulho invertido. Eu classe trabalhadora argentina havia sido maculada.
não sabia responder a essa pergunta, que aliás jamais formulara clara- Nas páginas do jornal eu via fotos do novo presidente
mente: viajava sem objetivo definido. "Viajar! Perder países! Ser argentino exibindo-se numa partida de tênis fictícia: nas laterais da
outro constantemente,/ Por a alma não ter raízes/ De viver e ver face, um par de ridículas suíças reforçava o grotesco da figura.
somente!" O poema de Fernando Pessoa ecoava na minha cabeça, Lembrava-me do mandatário brasileiro, também recém-empossado e
fazendo as vezes de resposta. que, esposando os mesmos ideais de progresso, lambuzava-se de
Na casa que me hospedava, o retrato de Sigmund Freud na atenção da mídia em macaquices similares.
parede era das poucas lembranças de outros tempos, outras preocu- "Em Buenos Aires, quando quero me sentir em Roma, vou
pações. O carro do casal, um velho Citröen ("O carro do pai da ao lugar tal; quando quero me sentir em Paris…" - Essa declaração
Mafalda", reconheci de imediato), se achava naquele estado de con- de um psicanalista argentino radicado no Rio de Janeiro, das mais
servação em que são tantos os macetes para acionar cada mecanismo ridículas que já ouvi, e que eu guardara assim vagamente, me vinha à
que somente o dono é capaz de fazê-lo funcionar. Naquela engen- cabeça quando eu vagabundeava pela Recoleta, pelos arredores da
hoca, o marido, um ex-guerrilheiro que gostava de relatar, orgulhoso, avenida de Mayo, ou quando matava tempo numa livraria ou num
o ataque ao palácio de Somoza, na Nicarágua, percorria as lojas do fliperama da avenida Belgrano. Mas eu, que aliás jamais pisara o con-
centro da cidade tentando negociar com os comerciantes adesivos tinente europeu, não me sentia senão numa metrópole latino-ameri-
das Tortugas Ninjas. Quase sempre sem sucesso, como pude teste- cana: Buenos Aires me fazia pensar em São Paulo.
munhar. As moças portenhas, elegantes em seus trajes de inverno,
A atmosfera de neo-realismo italiano se completava quando eu me faziam perceber, sem qualquer desgosto nisso, que as brasileiras
chegava à casa com o Página 12 sob o braço e ele exclamava, com não reinam absolutas no panteão da beleza do continente. E lotavam
desgosto: "-Pan, Pedrito… hay que comprar pan!" - com uma ênfase os ônibus, à noite, rumo ao centro da cidade, e perambulavam sem
algo teatral no substantivo. Não entendi de imediato seu desconcer- necessidade de proteção masculina. Crise à parte, a metrópole

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Duas vezes Buenos Aires


argentina ainda parecia desconhecer os níveis de violência, reais ou coisa sobre as relações diplomáticas entre as duas nações amigas. Sou
imaginários, das grandes cidades tupiniquins. Numa livraria do cen- finalmente liberado sem custo financeiro, mas não sem antes ouvir
tro, sou cutucado por duas meninas que me entregam um bilhete: do homem da lei uma séria reprimenda pela travessura que não fiz.
"Vamos hacerlo bien... a desentristecer", leio. Viro-me, e as fadas- Tudo, como se vê, perfeitamente absurdo.
madrinhas haviam desaparecido sem deixar rasto. O leitor tem razão: Percorrendo a rambla Mahatma Gandhi, em Montevidéu, sorvendo
quem disse que fadas existem? a brisa e o marulho do mar, sinto-me aliviado por estar num lugar
Desentristecer. Eu gostava de estar ali, mas freqüentemente onde nenhuma surpresa acontece, e onde ninguém parece ter algo de
me perguntavam se estava "aburrido". Será que viam no meu silên- solene a declarar.
cio um reflexo do próprio aburrimiento? Qué sé yo. Numa festinha
de aniversário infantil, estou contemplando absorto meu copo de Doze anos depois, por obra e graça dos editores de uma revista
vinho com soda e um senhor circunspecto, saído de um filme de literária brasileiro-argentina que o leitor evidentemente conhece,
Solanas, me aborda: desembarco em Ezeiza com minha namorada, após rápida viagem
- Qué hacés, chico? ("O avião é a desmoralização da distância", dizia Nélson Rodrigues).
Respondo, no idioma do Mercosul, que estou pensando. O person- Tenho o agradável compromisso de ler poesia em Buenos Aires e
agem reage indignado, gesticulando: Rosário, e o fito de rever amigos. Na Imigração, uma senhora amáv-
- No hay que pensar, chico… se pensas, te volves loco! el nos carimba os livrinhos sem mais delonga e, sorrindo, deseja-nos
Aquela seriedade na admoestação poderia me fazer rir, mas me sur- boa viagem. Essa recepção humana e civilizada, em pleno período de
preendeu e até assustou. Sempre me parecera algo inverossímel esse Pax Americana, me faz sorrir e ao mesmo tempo franzir a testa. É
personagem do cinema argentino, o homem velho que, em circun- como um beijo despropositado.
stâncias as mais banais, pronuncia sábias palavras eivadas de poesia. Desço a escada rolante sentindo-me bem acolhido em terras argenti-
Mas percebi naquele instante que, ou bem eu ainda tinha muito a nas, mas nem por isso menos alerta. Conto quase trinta primaveras,
aprender sobre o país vizinho, ou bem precisava entender que a já viajei e perdi países, e nesses dozes anos logrei aperfeiçoar meu
inverossimilhança, a rigor, não existe. portunhol. Não, senhor, desta vez nenhum malandro de Gardel irá
Chega o momento de me despedir, rumo ao Uruguai, e no porto o fazer um ganho às minhas custas. Perscruto o taxista com uma
federal me faz saber que estou obrigado a pagar uma gorda multa. agudeza que só o trauma ensina, estudo-lhe cada gesto, e desempen-
Cómo, señor? Isso mesmo, ele me mostra o visto de entrada, e ali ho o papel de falante de castellano com uma intimidade estudada que
está anotado que eu só tinha direito a permanecer no país por três há de inibir os gatunos. Mas não vejo gatuno algum. O chofer se
dias. O agente da fronteira havia compreendido "treinta" como mel- deixa absorver pelo rádio romântico, e seus olhos no retrovisor
hor lhe aprouvera, e me vejo numa situação de ilegalidade. Por sorte demonstram pouco interesse pela câmera de vídeo que saco da bolsa,
me acompanha o amigo Gian Maria Volonté, imponente em seu relembrando um velho filme de Wim Wenders. Chegando à cidade,
bigode e óculos ray-ban, que sussurra ao ouvido do policial alguma ele se perde e recorre ao mapa, a corrida se prolonga mas, para minha

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surpresa, chegando ao destino, ele subtrai da tarifa uma quantia que Dada essa parecença, ainda haveria lugar para um ufanismo de
corresponderia ao seu engano. Não é a Buenos Aires que conheço, empréstimo, para uma rejubilação idealista na linha do tolo psicanal-
but I like it. ista supracitado? Pareceu-me que não. Tendo a crer que, achacados,
Pouco depois, num café de San Telmo, minha namorada e eu con- humilhados até, por agiotas europeus e estadunidenses, que os chan-
versamos esperando nossos cafés e sanduíches. Vejo em sua tagearam até o limite, na melhor linha terrorista, os argentinos de um
expressão relaxada que ela se sente em seu habitat natural, uma leoa modo geral passaram a olhar sem grande embevecimento para o
na savana. E, com efeito, ela suspira: "Ah, um café… finalmente um "Primeiro Mundo", essa espécie de mundo dos adultos imaginário
café, como na França!". Pela primeira vez em dois anos ela encon- ainda cantada em verso e prosa pelas empresas de comunicação sedi-
trava um lugar diferente de um botequim para relaxar durante uma adas no Brasil.
peregrinação pela cidade. O botequim, se me permitem a digressão, Caminhando pelo centro da cidade, víamos os edifícios das institu-
é um prolongamento da rua, enquanto o café é um refúgio. O café é ições financeiras pichados com toda sorte de impropérios. Na facha-
um lugar para passar o tempo, ler um livro ou jornal, conversar… e da do Bank of Boston, uma mancha de tinta escarlate, semelhante a
inclusive tomar café, vendo a vida 'lá fora'. O boteco é, fundamen- um jorro de sangue, parecia ainda escorrer. Ali perto, a Casa Rosada,
talmente, um reduto boêmio. Lugar de pinga e cerveja, de debate rui- com seu rosa desbotado, era agora permanentemente protegida por
doso sobre os temas mais díspares, de futebol na TV. É bem verdade uma linha de cavaletes de ferro, destinada a manter à distância os
que, de uns anos para cá, atendendo a uma demanda da classe-média possíveis manifestantes. Sinais evidentes do terremoto ainda recente.
alta que viaja, surgiram nas capitais brasileiras estabelecimentos inspi- Mas havia outros, mais sutis e talvez mais duradouros. No impac-
rados na tradição européia, onde se pode tomar um bom expresso tante filme de estréia de uma talentosa cineasta, membros de uma
sossegadamente. Mas são, em geral, ambientes mais ou menos decadente burguesia argentina fingiam tomar sol em dias nublados,
'sofisticados', onde se paga um preço especial pela oportunidade de em torno de uma piscina apodrecida. Em torno deles, toda uma
reviver a última visita ao Louvre. O que os difere, justamente, da comunidade de mestiços pobres ("Los indios!") se fazia por vezes
maior parte dos congêneres parisienses. Ou seja, cá nos trópicos, odiar, mas já não se deixava ignorar. E aquela mesma classe propri-
hábitos como o de espairecer num café ou apreciar de um bom etária empobrecida, em busca de economia, cogitava de comprar
vinho, estranhos à cultura popular e circunscritos ao padrão de vida material escolar num país vizinho chamado Bolívia. Ah, sim, o país
burguês, são reconhecidos como símbolos de status social, e geral- andino parecia voltar à fronteira argentina, de onde evidentemente
mente desfrutados com certa afetação pelos 'iniciados'. Em Buenos jamais havia saído. E os imigrantes bolivianos, humilhados e ofendi-
Aires, diferentemente, a manutenção desses costumes no dia-a-dia da dos, também faziam sua aparição nas telas. Indubitavelmente, o mel-
classe-média fazem crer, por vezes (eu agora o percebia), que se está, hor cinema argentino já não comportava apenas sóbrios senhores de
por exemplo, em Madri. Daí ser natural para uma francesa relembrar origem européia e sua enlevada melancolia.
uma viagem à Argentina nesses termos: "C'était un voyage en Na literatura, destacava-se um poeta de Quilmes, de traços indígenas,
Europe en Amérique du Sud…" com obras como La máquina de hacer paraguayitos e outras em que

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Duas vezes Buenos Aires


se transforma, por exemplo, em uma prostituta dominicana. O tam uma busca por novos caminhos mais lúcida que as anteriores,
mesmo Cucurto, à frente de uma pequena editora "cartonera", mais responsável, e provavelmente mais produtiva.
empregava catadores de papel (que agora abundavam nas ruas de Bebo o meu café saboreando o mito e lamentando a ausência de
Buenos Aires, diziam-me, mas minhas retinas viciadas de carioca semelhante trauma coletivo no país do carnaval. Mais que a ausência,
pouco os notaram) e publicava, entre outros, os brasileiros Glauco a aparente impossibilidade.
Mattoso e Haroldo de Campos. Tamara Kamenszain, atendendo
gentilmente a um pedido meu numa manhã de domingo, leu em voz
alta um poema seu, como que pontuado pela marcação de um surdo
de escola de samba e ambientado no Corcovado, no Rio de Janeiro
(e depois me mostrou, na esquina de sua casa, uma bonita confeitaria
'imortalizada', como se diz, num conto de Borges). Esses pequenos
sinais foram me fazendo suspeitar que também o "más grande do
mundo" passava a ter maior presença na vida argentina, de um modo
mais diversificado e perene que há pouco mais de uma década,
durante o delírio cambial, quando a classe-média porteña acorria ao
litoral brasileiro, em frenesi, gritando: "-Dáme dos!!"
Converso com o motorista de táxi a caminho do Café Tortoni (como
evitar o lugar-comum?). Ele demonstra perplexidade com a política
brasileira, e me faz perguntas que procuro driblar com habilidade de
centroavante. Então me fala do terremoto que sacudiu o país no ano
anterior, dos confrontos nas ruas de Buenos Aires etc. Diz que, emb-
ora ele mesmo e sua categoria não tenham sido, de um modo geral,
muito afetados, o que se viu foi algo traumático, e que só agora se
sente a recuperação da economia e do ânimo geral. Seu tom de ser-
ena confiança, somando-se às impressões que andei colhendo pelas
ruas da capital, reforça na minha cabeça o mito da 'síntese histórica
de um povo'. Segundo esse mito, os argentinos, após conhecerem os
extremos da auto-comiseração e do júbilo fantasioso, teriam chega-
do a um terceiro momento, justamente o da serena confiança. Nessa
fase histórica, que sucede o trauma, a consciência das próprias limi-
tações e conflitos convive com a aposta no futuro; juntas, elas orien-

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Blog de viagem
("Leaves of weed")

italomori

Como um zumbi, peguei o trem para Amsterdam. Como um zumbi, Apenas ecos, ilusão, pois o passado lembrado pelos holandeses não
resolvi querer imitar os holandeses numa hora do dia em que isso se vai mais além que o século 17. Todas essas casas antigas, essas
revelou absurdo. O torpor tomaria conta de mim. Eram duas horas "gabled brown stones", são do século 17, testemunham o tempo de
da tarde. Nos bolsos imensos do meu impermeável, diversas opções ruptura com o medievalismo católico, o início do tempo pragmático,
de leitura para os trinta minutos da viagem- o Time Out Amsterdam, racionalista, moralista, coletivista. Na Holanda, só existe arquitetura
o Le Monde e um jornal local, que eu obviamente não posso ler, mas moderna. Arquitetura moderna antiga, dos séculos 17 ao 19.
gosto de olhar e folhear. Zumbi no trem perfurando os brancos de Arquitetura moderna moderna, do século 20. A arquitetura moderna
neve. Os campos brancos, desertos de branco. Feito cartas que o antiga, antes de ser moderna, é nórdica.
mundo manda ao Brasil na forma de filmes. Resolvi fazer a refeição
no trem, como eles. Almoço de holandês: fishburguer smulmenu * * *
(mais barato), muitas batatas fritas com maionese. A bebida é que
nada tinha a ver com o que os holandeses tomam na hora do almoço: Feito zumbi, tive que me sentar na escadinha do compartimento de
leite ou iogurte. Não quero laticínios. Quero coca. Não quero leite. entrada do vagão do trem. Dispus meu almoço no chão e mandei ver.
Quero cola. Quero? -- O zumbi está nervoso de tanto trabalhar, ele Viajante farejador, cão sem dono. Ração diária, substância. Neve
precisa de sua ração diária, ele precisa de sua substância de cobertor. Embalado por seu torpor, eu fora invadido por sonhos, na
manutenção física e psíquica, da coca-cola, a coca, a cola. O torpor noite invernal da véspera, que durara 12 horas, recebi a visita de
tomaria conta de mim. Esse skunk de Amsterdam deixa a gente minha vozinha. Agora eu era zumbi, zangão, enterrado em roupas e
muito chapado. É chapa quente. Tudo depende de saber dosar a neve, neve por todos os lados, eu era o próprio homem vestido exe-
quantidade.. Quero? Sim, quero. A coca, a cola, o aditivo, o adesivo. crado por Oswald de Andrade. Às vezes escrevendo na net descon-
Entrei no trem às duas da tarde de uma sexta-feira. Lotado. Constatei fio estar fazendo plágio de vozes fantasmáticas. Não tenho tempo de
que seria impossível conseguir um lugar junto à estantezinha ao lado voltar ao dicionário. Não tenho mais tempo de revisar minhas
da janela, que os holandeses usam para colocar o almoço. Almoçam próprias fontes. -- Depois de uma rápida visita à notável livraria
seu sanduba com leitinho na viagem de trem daqui prali. -- Em duas Athanaeum, tomei o tramway de volta para a Centraal Station. Eles
horas e meia se pode atravessar a Holanda inteira de carro. Haarlem, dizem: staciôn. O on de Station e o am de Amsterdam serão dois dos
Delft, Leyde - sensações de idade média nesses nomes de cidades. poucos sons nasais da língua holandesa? Soam belos. Rotterdam.

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Comprei gramáticas do holandês para turistas. Mas não. Não quero mesmo que na véspera: tramways parados em Amsterdam, tumultos
leite. Quero logo o aditivo. A pele (vc me entende?) de um amster- e mudanças de horário nos trens para Leiden. Em dia de nevasca, o
damerer desses, um desses, gigantescos e singularmente charmosos, melhor programa é ficar em casa, com provisões asseguradas.
com jeitão de labutador nórdico. -- O coletivismo holandês mixa Lembrei-me da fábula da formiga e da cigarra. Viajar pela Europa é
capitalismo e socialismo. Este último dado na Holanda é histórico, é encontrar os fundamentos dos contos de fada que ouvi na minha
modernamente arcaico, um arcaico moderno, combinação de calvin- infância deslocada. O mundo desfocado pelas lentes do alhures que
ismo e monarquia. Nada tem a ver com marxismo ou socialismo real. é o Brasil. Melhor ser formiga e ter o que comer, que ser cigarra de
Há quem diga que os traços despojados do modo de ser holandês, as amsterdamerer e morrer de inanição, no frio, no chão. Vai curtir tua
antigas pulsões igualitárias e mais o que ficou das pulsões ripongas, solidão em casa, zumbi farejador, gato de sofá cama. O torpor
vêm de certa forma declinando na virada pós-moderna do século 20 tomaria conta de mim. Afundei no abismo do eu, abraçando o país
para 21. Nem os holandeses resistiram aos encantos do consumo e dos sonhos, cercado de branco. Quero o branco. Quero? Quero o
ao prazer-poder de ter um carro, apesar das estradas congestionadas. quero. Minha vozinha de chapéu vermelho sumiu na névoa.
Preferem aposentar a bicicleta, porque não podem resistir ao motor
da globalização, que eles ajudaram a criar, no fatídico século 17. -- O
nórdico e nobre distributivismo igualitário da mini-aristocracia hiper- 13/03/05
modernizadora holandesa era regido pelo princípio da riqueza:
riqueza para todos. Isso é fácil sustentar num pequeno país de van- Preciso preparar minha viagem de meio de temporada. Afastar-me
guarda com população menor que das regiões metropolitanas de São um pouco desse sufoco da universidade, dessa prisão entre quatro
Paulo ou México City. Mas vai pra lá pra ver, holanda, vai pisar na paredes, dessa holanda-brasil. Ver alguns museus de Amsterdam só
chapa quente pra ver se é mole ou quer mais. Os holandeses que serviu para me acender o desejo de sair correndo para as grandes
estou conhecendo aqui são os que adoram a chapa quente. No mapa capitais - Paris, Londres. Circuito Elizabeth Arden. Opto por Paris
do mundo, escolheram a América Latina como objeto de desejo. por me parecer mais fácil de organizar, em meio ao desassossego
Destaque para Cuba, Venezuela e Brasil petista. -- Zumbi, zangão. trazido pelos compromissos acadêmicos. Londres fica para outro dia.
Tive que desistir de aventuras ulteriores, até mesmo do Museu Van Será que Paris é um destino muito brega hoje em dia? Vejamos o que
Gogh. Fiquei com medo que voltasse a nevar e que acontecesse o ela tem a me oferecer no próximo fim de semana. Uma expo de

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Blog de viagem
Sartre na Bibliothèque Nationale. Mas eu quero os museus. Quero começar pela preguiça de comprar e usar as roupas próprias. Fotos
rever o Orsay, que foi uma grande emoção na minha primeira e ráp- de clones Foucault povoam os folhetos de propaganda gay de
ida visita à cidade, três anos atrás. Quero conhecer o Beaubourg, que Amsterdam, prometendo o eldorado (el negro) para atrair mais tur-
fiquei com preguiça de conhecer naquela vez, preferi a rua e the istas franceses. Já os ingleses que vêm para cá, tive a impressão que
clubs. -- The clubs. -- Minhas retinas são placas de memória. -- Jamais são mais do gênero labour, chegam com a coisa armada na mão para
te esquecerei, soldado israelense, dançando as cadeiras para mim no um desafogo quickie, marcado por expressões vivazes de grande
clube de afro reggae, sem saber que para mim. Agora eu te pergun- prazer, de grande beber. Inglês em Amsterdam pega, mata e come,
to, imaginando um olho no olho. Era desconhecimento ou indifer- carcarejei eu na madrugada de cinderela. Inglês que cai no balangã do
ença? Meu olhar vagava e focava, vogava, e vagava de novo e focava brasileiro, sacumé. E agora essa, esse clone-Foucault, amsterdamerer
novamente, movimento em ondas, arabesco gelatinoso de fotos tor- de quatro costados, me pega com fúria mas não quer que eu encoste
nadas imersão, realidade. Confesso que invejei aquela tua alegria a mão nele. É o quê agora? Quer me amarrar todo? As cordas imag-
dançante, a camaradagem guerreira que se estabeleceu na roda dos inárias são seu eros, seu daimon performático. Sebastiana xique-
homens, esfuziantes, esse estar na vida depois da morte, cercados de xique. Mas como parar minhas mãos? Minhas mãos são ativas… Ah,
negros por todos os lados, negros africanos e negros latinos. Mas não deus traidor, lá vai simbora o grandalhão careca. Ele só quer fazer do
vou procurar o lugar. Numa decisão talvez fadada ao fracasso, jeitinho dele. Na sua careca eu vou tatuar minha barba cerrada de
descarto a cena gay como móvel principal de minha curiosidade latino, tá sabendo. Aí, mané punk skin head viado branco passivão
turística nesta volta a Paris. Assim abro mais tempo para mais coisas, machão, a tua careca grisalha e a minha barba cerrada, escura, do sul:
mais hamburguers no McDonald's por exemplo. -- Na esfera da desenvolvendo padrões de entrelaçamento abstrato. Sigo meu rumo
cena, contentar-me-ei com o hamburguer básico do fim de tarde nos a esmo, entre cão e zangão. Ao vento! Aos casacos! Aos frios cos-
fins de semana. Já tenho muito disso em Amsterdam, o suficiente. sacos do mar do Norte! Paris ainda é uma festa?
Enough. No máximo em Paris vai rolar um básico rápido com
mostarda francesa. No Le Monde de sábado vendido na Holanda há
um suplemento em inglês, uma edição francesa do NY Times. Paris 27/03/05
acabou? Do jeito que a Condoleezza Rice fez xixi no Panthéon se
poderia crer. E o Colin Powell que andou rebolando comedido num 23:30
desses lugares do globo. Será que ele senta e rebola num obelisco
branco? Bem que eu podia ir ao Centre Michel Foucault. Isso seria Domingo de Páscoa. Inteiramente sozinho num aparta-
mais eu, talvez. Que Sartre. Nada contra Sartre. Tudo muito bonito mento de Leiden, Holanda. Era isso que você queria? Fumo um para
em Sartre. Atualidade de Sartre, claro, sempre. Mas F e FF. -- Esse escrever isto. Estou gostosamente isolado. Ilha. Sem telefone, sem
careca de dois metros esfregando a cabeça em mim parece um clone internet. Escolhi assim. Pra dar um tempo. Leitor, me desculpe. Vou
de Foucault. O mundo negro de Foucault eu não consigo penetrar, a lhe dar uma chalapada cultural. Coloquei no aparelho de CD

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emprestado o Dietrich Fischer-Dieskau cantando lieders de Mahler. pobre. Tanto jeans surrado sem face a barba a fazer e os cabelos, cor-
Paris foi uma festa. Estive circulando por lá também solitário, como tar. Já o metrô de Paris tem dudes que procuram fazer estilo. E há o
agora nesta festa da escrita, fim de um domingo de Páscoa chuvoso. "elas", o mundo delas. Nunca a moda feminina foi tão sexual quan-
Estou começando a cansar de fazer sozinho um certo tipo de to agora. Elas todas, do Rio a Paris e de Leiden a Amsterdam, colo-
viagem. Passeando pelas Tulherias, eu queria ter alguém a meu lado. cam jeans apertados, uma segunda pele, dentro de botas imperativas,
Necessidade de companhia é necessidade de amor? Sexo é amor? galopadeiras, e no corpo os casaquinhos de couro até a cintura, qie é
Diz a Rita Lee que não. Foi com profundo amor que fiz sexo com os para o realce da bunda. Bunda, bunda. Imagino para você um versin-
carecas cegos, pelas veredas de el negro. -- Paris se fez primaveril. ho modernista. Rainha bunda a bambolar-se / gostosamente / pelas
Tive sorte. E revivi a emoção do sublime, emoção provocada pela calçadas, / je vous aime, / ma petite putaine / du boulevard.
grandiosidade bem planejada. Segundo Kant, o sublime é a emoção
de constatar que a cultura suplanta a natureza e que ela, cultura, é * * *
que é natureza. Você não concorda? Pelo menos é assim que eu
traduzo Kant para o nosso vocabulário. Por que não transferem logo Está rolando o ano Brasil na França. Fui ver a expo da Adriana
a ONU para Paris? Redescobri a pretensão-mundo dos franceses, eu Varejão, para conhecer o espaço da Fondation Cartier. Dali, já noite,
que vinha tão siderado pelas belezas de Washington, DC. Mas agora caminhando pelas ruas infindáveis de Paris, me vi repentinamente
acabou a colher de chá para DC. Grandiosidades, há muitas. Há out- em Montparnasse. E de repente apareceram diante de mim as
ras. Nem na esfera do sublime se pode falar em absoluto. Há chispas famosas, as faladas Galeries Lafayette. Elas ficam debaixo de um pré-
de absoluto. Pena que c'est sublime seja uma expressão banal em dio altíssimo que é uma monstruosidade arquitetônica só comparáv-
francês. el a coisas que se vê nas Américas. Sabe quando uma monumental-
idade modernista barata fica encardida? OK, OK, eu sei que existe
* * * o beautiful pobre e sei também que de dentro do pobre sempre
haverá de emergir a rica flor da cultura. -- Turistear é sintonizar um
O mundo tem encontro marcado em Paris. E os americanos estão lá, estado permanente de estesia. Delícia excitante do multilingüismo.
aos magotes. Ainda bem, apesar do pipi da Condoleezza. Meu Os canais de TV iguais e diferentes. Fiquei num hotel na République,
deslumbre é sublime prêt à porter, faço compras na C&A. Dentre a perto do Marais e do Centro Georges Pompidou. Visitei finalmente
massa babélica de turistas deslumbrados, os americanos parecem ser o Beaubourg. Achei medíocre a coleção de arte contemporânea.
os mais preocupados em vestir jeans alinhados. Ecoando Baudelaire, Depois, num dia de primavera e bouquinistes por sobre as margens
a aparência geral dos homens europeus nas ruas permanece lúgubre, do Sena, mais espasmos de grandiosidade: Tour Eiffel, parque, le
noventa por cento deles usam jeans escuros e surrados, sem nenhum cygne, os passarinhos tomando banho na fonte. O sublime vem por
estilo. Por cima, o casaco escuro do todo-dia. Em Amsterdam é mais espasmos, é uma emoção dinâmica, um pathos, um algo dentro que
sombrio que em Paris. A Centraal Station passa um cenário de coisa- vai e vem. Como ondas, aquáticas mesmo, não elétricas nem radi-

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Blog de viagem
estésicas. Sou tomado pelo modo look ecolier bien gardé type philo vindo da Holanda foi como ser jogado de súbito num mar de
e definitivamente elejo para favorito o pacote anos 50 de Sartre e latinidade. Engraçado que da outra vez eu vinha de Roma, então a
Simone. Assim como os americanos em Paris, decreto que gosto sensação foi inversa, tive a impressão de estar sendo jogado de
mesmo é do Quartier Latin e de Saint-German. Adoraria ficar num supetão num mundo nórdico sem gables nem brown stones. Paris é
hotel desses, os hotéis em Paris podem não ser caros, a hospedagem a cidade arquétipo da primeira modernidade urbana in South
em Paris é bem menos cara que em Nova Iorque, Londres, Milão. America. No abismo da noite, depois da balada, amo as infindáveis
Amsterdam é barata, Roma pode ser barata. - Ocorre que o zumbi- ruas. Estou cansado, estou satisfeito, as calçadas duras sob meus pas-
zangão busca vantagens mais palpáveis, sacumé. O hotel em que sos sapateados preludiam o leito. Leito final, leito sem mãe, leito da
fiquei me permitia voltar a pé para casa depois da balada errante mãe, leito solitário do depois do gozo, preparação para as jornadas.
pelos espaços esparsos do Marais. A excitação está no ar. No céu, por Essas ruas infindáveis. Nem toda cidade é de ruas infindáveis. As
sobre os telhados, boiava gorda uma lua cheia. Eu paguei meu pedá- cidades brasileiras não são de infindáveis. Há sempre o mato, a
gio e por duas noites consecutivas escarafunchei o calvário doce dos favela, a terra devastada. Nova Iorque também não, mas por outro
dark rooms, em atitude de pesquisa, o el dorado negro do sangue motivo. De um lado, o East River, de outro o Hudson. Infindáveis
grosso escorrendo pelas paredes, meu esperma e teu sangue, teu são as rotas do metrô nova-iorquino. O abismo infindável do urbano
sangue e meu esperma, meu esperma é meu sangue, o esperma rar- ameaçador. El dorado negro. Mas o que importa é o depois da bala-
efeito do cinqüentão disfarçado de quarentão jorra sangue vivo, da. Preciso sair correndo feito cinderela suburbana para pegar o trem
sangue negro, traçando arabescos de explosão esfuziante pelas pare- de Amsterdam para Leiden.
des labirínticas, ó paredes de mel, babélicas e babilônicas, infindáveis,
espuma sendo produzida em quase segredo e total silêncio pelos 3:30
abismos da grande cidade, secreção branca da grande colméia, corre,
clandestino, zumbi zangão cachorro louco israelense sem limites Da minha ilha, busco informação, recebo centelhas esparsas de
safado matador de palestinos em legítima defesa, você quer mel, quer informação. Tenho visto as referências ao caso Schiavo, o caso de
leite, quer substância, quer os olhos negros e profundos do assírio eutanásia nos Estados Unidos. Meu deus, será que em algum canal de
imaginário. Que venha lá um segundo hamburger básico, um ter- televisão alguém já disse o que eu gostaria tanto tanto de dizer o que
ceiro. Faço coisas que disse de mim para mim que não faria. eu gostaria tanto tanto que todos que todos que todos ouvissem. A
minha idéia genial. A minha contribuição pessoal. O meu grito. A
2:30 minha face tomando o lugar da minha assinatura, a qual duplico em
ato de nascimento neste texto, neste diário revisado pelo trabalho da
Buenos Aires e suas ruas infindáveis. Paris, das ruas infind- memória light. Meu diário, minha certidão. O passado e o futuro
áveis. E o rumor dos bulevares - fumaça e barulho de carros e motos. imediato. Meu testemunho de morte, no sapateado alegre do gozo
Qual delas será a verdadeira Das Ruas Infindáveis. Chegar a Paris cego, seja na hora da juventude, seja na hora da maturidade, seja na

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hora da velhice. -- Logo, logo. Logo nos encontraremos meu lobo Clint. Belo e grandioso, dentro do seu clima camerístico e sombrio,
amsterdamerer, não seja tão apressado, não importa quem você seja, todo trabalhado em cima das regras mais que consagradas do clichê
desde que seja forte, cabeludo e maduro. Estou cego, não consigo hollywoodiano. O clichê é uma base sobre a qual se pode exercer a
ver teu rosto, pouco me importa teu rosto. Vamos com calma. Nossa novidade da criação. A criação é o exercício da ousadia. O que
meta é to have fun. To have fun is our goal. Me pergunto se alguém chamam de sublime talvez seja a ousadia contida pelas regras do
levantou a questão do direito a não sofrer no caso dessa mulher clichê, cuja grandiosidade vem da emoção-em-cifrões. É sublime no
Schiavo. Me pergunto se nesse caso o Estado não teria ultrapassado filme de Clint o momento da eutanásia. -- Sou teu amigo até mor-
a fronteira entre a eutanásia e o simples assassinato. Estão matando rer, te estendo a mão, te dou a morte, te dou a morte que é sinôni-
essa mulher de fome. Essa mulher vai sofrer pra burro na hora da mo de te dar a vida. Minha mão benfazeja te garante a dignidade, da
morte. Será que eles não sabem que a eutanásia enquanto direito qual só você mesma é fiadora e proprietária. Amiga, amiga, eu te
humano e valor a ser defendido deve trazer como corolário o com- perco agora, aqui, para sempre. E te reencontro na memória, no teu
promisso de uma morte feliz? Agora vou rodar a baiana, vou fazer o nome que escrevi no caderninho há já tanto tempo. Aos anjos e seus
gênero indignado, vou gritar histérico na esfera pública. Não sou o açoites e espadas queimantes, mensageiros desse céu-maldito sem
grito num rosto, sou o rosto do grito, quero ser como a mulher que lua-lobo o terminal sideral, que venham calmos, cúmplices do deus-
desconcerta a razão com seus movimentos inesperados, seios e contra. Que venham doces, no tumulto do viver, ai angústia da pas-
bunda para lá e para cá, seu discurso difícil de entender, difícil de sagem, uma parada súbita. E então estamos direitos.
entender nessas horas. Vou postar um blog na Grande Rede
declarando inadmissível que se use na eutanásia o método de ir
matando aos poucos, através do desligamento dos aparelhos de
nutrição. Vão matar a mulher de fome. Morte cruel, eutanásia cruel.
Assim não. Quem fala pelaTerri? Quem fala pela Terri no direito e
na vontade de morrer? Quem grita por ela, por seu direito de não
sofrer? Pois é claro que com o circo armado em torno da disputa
entre o marido e os pais a primeira a ser esquecida foi justamente a
paciente Terri Schiavo.

* * *

Está em pauta a morte administrada. Nessa temporada holandesa, vi


dois filmes sobre o assunto: Mar Adentro e Million Dollar Baby. Os
hispanos são narradores supimpas, mas gostei mais do filme do

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Rio-LA-Rio

Paloma Vidal

Rio de Janeiro, novembro 10, 2003 lado e umas poltronas onde deitei e fiquei observando os passantes
Daqui a algumas horas parto para Los Angeles. Este blog vai se até pegar no sono.
tornar um caderno de viagem (e quem sabe também um caderno de Dois japoneses conversando, um jovem deitado que nem eu, colado
tese). É bom saber que, mesmo mudando para um cenário novo, esta à mala, dois loiros enormes em pé e com as pernas bem abertas,
página vai continuar disponível. Nos encontramos aqui. segurando cartazes com letras enormes. Não entendo a voz que sai
do alto-falante. É inglês? Adormeço e não vejo o Pedro sair.
Los Angeles, novembro 18, 2003
Tudo esta sendo mais difícil do que eu imaginava. Los Angeles, dezembro 05, 2003
São raros os momentos em que consigo me concentrar em algo além Será impossível uma interação com esta cidade? Uma megalópole,
das dificuldades da mudança. outra língua, sem carro. Mas deve haver algum jeito. Não vou me
(Sempre imagino as coisas mais leves, mais doces, mais cheias de deixar acovardar, transformando-me numa passante-fantasma.
graça do que são). Quero produzir sentidos e inscrições nela, deixar marcas e ser mar-
cada.
Los Angeles, novembro 19, 2003 Talvez seja a famosa perda da experiência e a condição seja
Primeiras impressões de Los Angeles: irremediável. Preciso mesmo assim buscar o ponto de fusão, a via de
Uma cidade bilíngüe. A simpatia dos americanos e um sotaque que entrada. Não é simplesmente um problema de anonimato.
me é muito mais confortável que o britânico. Um aeroporto de des- O que produz a comunidade?
garrados. A espera.
Cheguei quatro horas antes do Pedro. Só me resta procurar um lugar Rio de Janeiro, dezembro 14, 2003
para sentar. Empurrando o carrinho com a mala azul imensa, vou em "Una persona que escribe es alguien que tiene exceso de lenguaje,
direção a um guarda. Estou esperando uma pessoa que vem no vôo exceso que debe quemar. Por lo tanto, esa persona no sólo escribe en
da United às 11. Onde há um café ou algo do gênero? Por aqui não crisis o en duelo, sino que siempre. Y sacar ese exceso está ligado no
há. E cadeiras? Também não. Você pode tentar um daqueles bancos sólo al sufrimiento, sino a un placer, un placer de elaboración".
para deficientes físicos. Mas terá que levantar se um deles chegar. Diamela eltit
That's the deal? Acabei achando um café Java Java no terminal ao

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Rio de Janeiro, dezembro 24, 2003 que permitam circular saberes em vez de compartimentos teóricos
As viagens deixam em mim suas marcas. Que pele é essa, tão bran- delimitados por seqüências temporais simplificadoras (moderno ou
ca, esses caminhos de veias, essa película quase transparente que me pós-moderno?). Fronteiras conceituais são necessárias, mas linhas de
cobre? Vou me descolorindo pelo caminho. Sinto-me mais cansada fuga também. E o que são linhas de fuga? Aquilo que guia o olhar
do que da primeira partida. Será que andei perdendo sangue? Busco para o desconhecido.
o fio das coisas. Chego no apartamento antigo e acho tudo atabal-
hoado, excessivo. Como foi que juntei todas estas coisas? Móveis Los Angeles, fevereiro 03, 2004
grandes e pequenos, objetos decorativos, bibelôs, patinhos, livros de O suspiro da morte, respiração terrena e finita, passagem. Deixo-me
arte e caixinhas. Vasos de barro e de porcelana, um piano, tapetes. E assombrar por essas imagens na vigília. E na escuridão, quando só
então a imagem daquela mendiga carregando sua vida no carrinho de seu pulso se ouve, tenho medo. Mas o medo não define o sobressalto
supermercado. Moluscos gastrópodes. Horas depois estou num sem alvo, sem destino, sem imagem. Em torno dele sim: vidas,
outro lugar, quase vazio, muito claro, em tons de bege e creme. Os lugares, enredos. Desenhos virtuais do que só no escuro se vê.
objetos todos ficaram para trás. E o vazio me absorve as poucas
energias que me restam. Sinto-me zonza. Os pés estão avermelhados Los Angeles, fevereiro 13, 2004
e intumescidos agora que finalmente descalcei os sapatos. Deito min- Sonhei que estava num avião (não é a primeira vez).
has costas no chão e sinto cada uma das minhas vértebras. Estendo É necessário fazer uma aposta: o combustível é escasso, mas por
o braço e lá está ele. Havia então um motivo para vir até aqui. algum motivo que não fica claro para mim o avião deve partir assim
mesmo. Por quê? Não entendo. Todos vamos morrer. É um desafio
Los Angeles, janeiro 25, 2004 que me impõem. Uma viagem ao vazio. Por que ela é necessária?
Em tese Pavor, pânico e inevitabilidade. Sinto então que estou morta. Não
Perceber que ao trabalhar com o presente, com o contemporâneo, se consigo me mexer. Meu corpo está inerte, frio. Com esforço mexo
está num campo movediço (a sensação é de pântano) e tentar estab- um músculo do rosto e saio do meu estado catatônico. Só ao me lev-
elecer relações menos agônicas com o passado, com a imagem que se antar poderei me certificar da minha existência.
tem do passado (é quase uma miragem). Deixar fios para serem tra-
balhos no futuro. Deixar fios soltos. Abrir portas, canais, caminhos

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Rio-LA-Rio
Los Angeles, fevereiro 15, 2004 so que os una, o próprio impulso que movimenta a viagem, o
El caso Los angeles próprio movimento do exílio, as transformações inevitáveis e avas-
De la información oficial surge que Los Angeles era en 2002 la ciu- saladoras da voz e do corpo. Será um movimento insistente, obsessi-
dad con mayor cantidad de argentinos del mundo (111.115). vo, utópico e atávico.

Los Angeles, março 12, 2004 Los Angeles, março 24, 2004
Tem a ver com a resenha sobre o meu livro, a primeira que saiu. Siento un aislamiento que me ahoga. Es un grito que fracasa. Tengo
Rafael fala em melancolia, tristeza, sofrimento, dor e tango, claro, que decirlo en otra lengua porque no se expresa en mis palabras nat-
tango. Então, revendo este blog, acho que aqui também há tudo isso. urales (siento que las palabras se deslizan por mi lengua, ajenas). Es
Será uma espécie de insistência obsessiva? Me pergunto isso com un tema que se repite. Pero si una no gasta los temas... Una los gasta,
mal-estar e, ao mesmo tempo, com uma sensação de desnorteamen- insiste, les pega, los tortura. Y a los demás también. Siempre con lo
to, porque, diante dos fatos lidos nos últimos dias no jornal (para mismo. Es que una da vueltas y vuelve siempre al mismo lugar. Y
delimitar um tempo que coincide com a leitura da resenha, mas tam- escribe y anota y redacta. Hay pulgas en mi lugar de trabajo. Primero
bém com fatos repentinos, avassaladores e brutais) e da dificuldade, culpé a la gata. Pero es este cuarto, en el subsuelo de un edificio de
senão impossibilidade, de falar algo fora do óbvio e que expresse não la UCLA. Me dejaron sola y yo me apoderé de él, como rata, como
só o que se vê, mas principalmente o que os meios de informação perra. Marqué mi territorio. Y ahora casi nadie me visita. Estoy sola
não chegam a mostrar, diante disso, insisto na literatura. Ela se todo el día. Las ventanas estan clausuradas y lo tengo que agradecer.
impregna, então, de tudo isso, sem que talvez o sentimento ultrapasse Hay árboles y flores del outro lado. Hay sol. Las palabras están por
a folha, sem que a voz se expanda. Uma insistência atávica e utópi- todos lados. La lengua ocupa todo el espacio y me ahoga.
ca.
O próximo livro fala do exílio e começou a ser escrito aqui. Suas fras- Los Angeles, maio 25, 2004
es circulam pelos parágrafos desta página. Talvez o livro, o tal livro Semanas sem escrever. E a verdade é que não escrevo aqui, nem nos
que estou escrevendo aqui e ali, termine numa estação de trem em cadernos, nem em folhas soltas. Muita escrita, mas da outra, intensa-
Madrid. Me ocorreu essa idéia, mas da idéia à letra há mais do que mente. Tenho a impressão de que jamais será tão intenso quanto
um abismo (às vezes parece que não há relação nenhuma). Em todo agora. Talvez às custas desta escrita aqui. Há alguns dias atrás tive
caso, tenho várias idéias que vou transcrevendo diariamente e que, medo, senti que tinha perdido alguma coisa, talvez o gesto, a possi-
aos poucos, vão se transformando em livro ou, mais precisamente, bilidade do gesto, algo que vai além do medo da página em branco.
em fragmentos de livro, pedacinhos aguardando que alguma coisa os É anterior a ele. No escuro do quarto, sempre ali, tive medo. Acabou,
una. Será não exatamente a história, porque as cronologias me inter- pensei. E foi uma sensação estranha, porque afinal há todo esse
essam pouco; nem os personagens, também eles, enquanto con- movimento cerebral going on, sem parar, sem respirar até. E nada de
struções artificiais de traços, são secundários. Deve haver um impul- escrita, nem uma frase sequer. Por que tudo isso que venho lendo,

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Noll, Eltit, por que não tenho escrito com eles? Rio de Janeiro, junho 21, 2004
Ontem, porém, aconteceu: ouvindo Silvia Molloy contar como sua Pensar em diálogo. Com quem? Quem é a segunda pessoa sem a qual
crítica se inflitra na ficção e vice versa, tive um momento de angús- as palavras não encontram seu destino? O diário é uma represen-
tia, e dela vieram algumas palavras, desse fundo de nada veio a idéia tação dessa experiência estranha de não saber pensar sem falar. Uma
de que sim, claro, quero escrever este romance em fragmentos que representação mais do que adequada porque a fala já é escrita. A
fala do exílio, mas não é só isso, quero perguntar: o que é pertencer diferença é o tempo - o luxo da espera.
a um lugar?
Rio de Janeiro, julho 09, 2004
Los Angeles, junho 07, 2004 Falando em diário: César Aira ontem fez uma provocação, compara-
Aconteceu mais uma vez: ver no texto alheio um fio de Ariadne. Não ndo os diários de Alejandra Pizarnik, Eva Hesse e Sylvia Plath,
sei exatamente qual frase. Talvez esta: "aquí en el sur - quizás ahora escritos os três mais ou menos na mesma época e voltados para a
en el resto del mundo también -, estamos atravesados por esta dificuldade das mulheres de se inserirem num ambiente hostil em
paradoja - día a día, vivimos en condiciones sociales precarias, en que o simples fato de desejarem ser poeta, artista ou escritora as
constante transformación e inestabilidad. Viajando por la ciudad colocava numa posição de confronto e marginalidade. A provocação
percibimos la soledad, el vacío, el deterioro, la belleza, la perfección, foi dizer que não havia verdade ali, mas apenas melancolia (uma
enigmáticas ruinas emergentes de una arqueología social" (Fabiana insistente constatação da impossibilidade de se chegar a ser aquilo
Barreda). Uma palavra que não aparece ali, mas poderia: derrumbe. que se quer) em vez do cinismo que, segundo Aira, seria necessário
A decadência, a queda, mas também o movimento, as pedras rolan- para desmascarar os mecanismos de auto-complacência que susten-
do. Me veio de novo a imagem dos pássaros, as migrações e seus tam esse tipo de escrita de si.
motivos invisíveis, o constante movimento da escassez à fartura. A
relação entre uma geografia, o sul, com seus tempos naturais, e uma Los Angeles, setembro 01, 2004
história que a gente desejaria entender. As aulas do Jameson me des- Pedro acabou de ir embora. Gostaria de que a cena fosse outra. Mas
pertaram para essas correspondências - a partir de anotações não seria eu. Se ao entrar no apartamento não estremecesse de tanto
aparentemente aleatórias (como descrever os cadernos dele?), urdiu- vazio. Não seria eu. É preciso insistir nisso? É preciso sentir as
se uma trama caótica com um ponto de convergência: o tempo e seus ausências como uma massa de ar que comprime tudo? Uma xícara de
misteriosos desdobramentos. café pela metade, os livros, um casaco pendurado na estante, uma
marca no sofá, uma caneta, um buraco na prateleira onde antes havia
Los Angeles, junho 09, 2004 um monte de folhas. O tempo passa rápido, ele diz. Sem saber que é
E eis a tal palavra: "crea de una situación de derrumbe, una arquitec- justamente isso que me apavora.
tura ficcional de restos, inestable y poderosa como las tiernas casas de
azúcar de los cuentos de hadas de la infância" (da mesma Fabiana).

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Rio-LA-Rio
Austin, outubro 15, 2004 falatório à minha volta (por causa dele, seria mais sincero dizer), con-
Texas tinuei folheando o livro até me deparar com um texto da Rosalind
Poderia ser material para um novo conto, mas não é. Minha amiga se Krauss. Imediatamente fiquei curiosa. Muito melhor do que as ima-
interessou quando falei sobre uma literatura sem textos. Essa idéia, gens ou as frases do Picasso seria um bom ensaio sobre aquele livro
por sua vez, me fez pensar que talvez minha tese seja sobre o fim da que me parecia impenetrável. Digo isso como provocação porque
literatura. Tudo isso - a experiência de não ter nada a escrever sobre sempre ouvi que primeiro os artistas, os escritores, os filósofos, a
uma viagem de ônibus de 35 horas pelo interior dos Estados Unidos, crítica depois, daí meu constrangimento em confessar que antes de
essa frase de efeito dita na mesa de um café, como resumo de uma ler um livro, qualquer um, passo pela orelha, procuro um prólogo ou
onda atual de multiplicação de eventos e antologias literárias e, final- posfácio, leio a quarta capa, e só depois, e nem sempre, vou ao texto.
mente, a sensação de que minha tese é um diagnóstico que não quer O comentário, até mesmo os menos inspirados, me fascina pela sua
acreditar em si mesmo - me fez entrar na variante mais recente de um vocação intertextual de confrontar textos de tempos e lugares difer-
apolayptic mode que pode também ser mais uma versão da minha entes, tecendo relações inesperadas ou nem tanto, mas de qualquer
neurose de recém-chegada. Ou uma genuína expressão de tpe (ten- maneira abrindo a obra, trazendo-o para mais perto do chão,
são pré-eleição). dessacralizando-a. É como se dissesse, olha, esta grande obra, esta
obra-prima, também pode ser comentada, criticada, analisada. Nada
Rio de Janeiro, dezembro 03, 2004 mais monumental do que um clássico sem uma notinha, uma intro-
De novo a sensação de não ter vivido, uma suspensão abismada dos dução, uma cronologia do autor. Enfim, não era sobre nada disso que
sentidos. Procuro lembrar: o ano passado foi uma tempestade. eu queria falar, mas sim da alegria de encontrar um texto da Rosalind
Houve momentos lindos e parece que foi há milênios; houve Krauss naquele livro tão imponente e mais ainda por ele tratar da
momentos de horror e parece que foi há milênios - como se o tempo relação entre vida e obra do artista. Afinal foi por isso que abri o livro
não quisesse se deixar preencher por nada, resistindo a todo conteú- em primeiro lugar, pensando sei lá por que que encontraria diários e
do de lembrança. Também pode ser que minha própria memória mais uma chance de sondar as ambigüidades desse gênero. O título
cave buracos para me deixar à beira do abismo. do texto dizia algo assim como "Viver com Picasso" e, de uma
Se escrevo, vivo. maneira muito gideana, mostrava como Picasso foi construindo sua
biografia a partir de sua obra, num processo inverso ao suposto pelos
Rio de Janeiro, janeiro 13, 2005 biógrafos. Terminava com uma frase que valeu a rápida leitura: o
Viver com Picasso importante não é como o artista constrói sua biografia, mas com que
Hoje encontrei, no limbo de uma dessas mesas de centro enormes, finalidade.
um livro sobre os cadernos do Picasso. Me entusiasmei pensando
que fosse ver letras, mas os cadernos, como deveria ter imaginado,
eram de desenhos, rascunhos de obras. Mesmo assim, e apesar do

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Rio de Janeiro, fevereiro 01, 2005 Rio de Janeiro, maio 08, 2005
Asas Em tese II
Inveja dos pássaros, da altitude, do movimento contra a gravidade, O problema não é a chegada do neném que se aproxima, nem o
fora, lá fora, lá longe. De novo estou sufocada. Deveria estar num prazo, mas o estranhamento que por momentos sinto em relação ao
momento de reflexão, auto-consciência; deveria olhar meu umbigo que estou escrevendo, como se não tivesse nada a ver comigo. A sen-
se expandir, cuidar do meu corpo. Mas eu queria asas. No lugar, estes sação ficou mais forte há uns três dias e de lá para cá tem sido difí-
braços e pernas, mãos, uma boca que fala sem parar. Li que os cil trabalhar. Fiquei dois dias seguidos lendo o livro do Jacques
escritores acabam sempre almejando o silêncio. Quero mais o canto Rancière sobre o desentendimento e, ao me sentar diante do com-
dos pássaros. Está nos meus planos aprender a cantar, só que não putador, parecia que as anotações no meu caderno tinham sido feitas
agora - agora tenho prioridades, agora sou responsável. Leio o jor- por outra pessoa. Confio em que vai passar. Ou seria melhor que per-
nal. Empilho livros. Faço contatos. Tenho sentido muita saudade de sistisse?
tudo e sei o que é isso: vontade de voar.
Rio de Janeiro, junho 11, 2005
Rio de Janeiro, abril 03, 2005 Trouxe de Buenos Aires dois livros que deram novo fôlego às via-
Fiquei muito impressionada com a exposição do Farnese. Objetos. gens que quero escrever (aliás, por lá consegui, depois de bastante
Restos de coisas, pedaços de bonecas sem olhos, cabeças, pernas, tempo, me afastar momentaneamente da tese e voltar a pensar nisso).
braços desmembrados, corpos desfeitos, queimados, em caixas, em São escritas autobiográficas como a que venho tentando construir. A
pias batismais, em armários, em blocos de resina, fotos de família em do Coetzee, em Infância, subtrai toda a emoção e consegue assim
preto e branco, relicário abjeto, genealogia duvidosa. Me impressio- transformar radicalmente esse gênero tão dado a sentimentalismos.
nou o projeto obsessivo, feito da insistente repetição dos mesmos A Rosana comentou a contenção da versão de "Viagens" que
motes religiosos e sexuais. A morte rondando o discurso e a matéria. publiquei no Paralelos e concordei. Há mesmo uma suspensão: a um
Tudo fala da degradação. E ao mesmo tempo luta contra ela, evo- passo da emoção eu me detenho para me resituar como observado-
cando a permanência dos objetos através da arte. No vídeo, vemos o ra. Acho que ela sentiu uma falta de ousadia no sentido de não me
método: a busca dos objetos nos vestígios marítimos, nas coleções de libertar de um olhar crítico sobre meu próprio trabalho. Isso não me
antiquários, nos escombros das demolições. Me impressionou a con- parece ruim e não nego que faça parte da idéia de escrever esse texto
sistência patológica do projeto e do método. A insistência na solidão uma espécie de investigação sobre os modos de narrar a memória
austera e na morte inevitável que a arte expressa sem tornar menos que neste caso é em parte alheia. Não acho que haja muito risco de
sofrível. ficar um texto teórico sobre a memória, porque tudo o que está nar-
rado ali me envolve profundamente. O segundo livro é Yo nunca te
prometí la eternidad, de Tununa Mercado, que acabou de sair do
forno. Ouvi um trecho dele em Mar del Plata, mas não me parece

C r ó n i c a s
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Rio-LA-Rio
que seja um texto para ser lido em público, tal a complexidade da
construção, como se fosse um bordado. Estou apenas começando a
leitura, mas sinto que vai ser uma revelação.

Rio de Janeiro, julho 06, 2005


Há uns dias atrás tive uma dessas experiências em que é preciso se
definir. Como você é? Quais são os seus dilemas? Seus medos?
Como costuma acontecer, tive a sensação de que cada frase que eu
dizia desdizia a anterior. Aí resolvi assumir que as definições nunca
foram o meu forte, o que para quem estava me escutando foi útil -
isso não deixa de ser uma forma de se definir, ela disse. Só que eu
fiquei angustiada pensando em como minha indefinição vai afetar
esse ser que estou carregando na barriga. Depois fiquei procurando
as raízes dessa dificuldade (porque faz parte da minha indefinição
oscilar entre o caos e a obsessão) e cheguei à conclusão de que ela
tem a ver com uma necessidade de responder às expectativas dos
outros - quem você quer que eu seja? Mas tem a ver além disso com
duas indefinições primordiais, de língua e de nacionalidade, raízes de
angústia e também de escrita.

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Título de la nota en cuerpo 18

r e s e ñ a
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Biografías

Adrian Cangi Daniel Barretto


Ensayista. Dr. en Filosofía y Letras, Universidad de San Pablo. Prof. Nasceu no Rio de Janeiro em 1976. É graduado em Museologia e espe-
Universidad de Buenos Aires y Universidad del Cine. Asesor del Museo de cialista em Educação Estética pela Universidade Federal do Estado do Rio
Arte Latinoamericano de Buenos Aires. Ha publicado Lúmpenes peregri- de Janeiro. Atualmente é aluno do mestrado em Estudos de Literatura na
naciones. Ensayos sobre Néstor Perlongher (compilación, en colabo- PUC-Rio.
ración); Roberto Echavarren, Performance: Género y transgresión (compi-
lación y prólogo, 2000); Néstor Perlongher. Evita vive e outras prosas Daniel Link
(compilación y prologo, 2001); César Aira A trombeta do vime (posfacio, Catedrático y escritor. Dicta cursos de Literatura del Siglo XX en la
2002); Gilles Deleuze-Carmelo Bene. Superposiciones (traducción y estu- Universidad de Buenos Aires (http://groups.yahoo.com/group/siglo20/),
dio preliminar, 2002); Papeles insumisos (compliación y prologo, 2004). donde desarrolla sus investigaciones. Es miembro de la Associação
Brasileira de Literatura Comparada y la Latin American Studies
Antonio Andrade Association. Ha editado la obra de Rodolfo Walsh (El violento oficio de
Mestrando (com bolsa do CNPq) em Literatura Brasileira e Teorias da escribir. Ese hombre y otros papeles personales) y publicado, entre otros,
Literatura pela Universidade Federal Fluminense." los libros de ensayo El juego de los cautos (1992), La chancha con cade-
nas (1994), Escalera al cielo (1994), Carta al padre y otros escritos ínti-
Claudia Doce mos (2002), Cómo se lee (Norma, 2003, traducido al portugués), las nov-
Doutora em teoria literaria e mestre em literatura brasileira pela elas Los años noventa (2001) y La ansiedad (2004), y las recopilaciones
Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalha atualmente como poéticas La clausura de febrero y otros poemas malos (2000) y Campo
recém-doutora junto ao departamento de Teoria Literária da intelectual y otros poemas (2003). En 2004 obtuvo la beca Guggenheim.
Universidade Federal Fluminense, com bolsa cedida pela FAPERJ. Suas Actualmente prepara para su publicación su tercera novela Montserrat,
pesquisas estudam, atraves de materiais e enfoques distintos, as relaçoes trabaja en un ensayo sobre la obra de Copi y en Links, una novela
das vanguardas com a industria cultural. genealógica. Dirige para Ediciones del Zorzal la colección "Galleta criolla"
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Florencia Garramuño Studies en Harvard University y la beca Guggenheim (2005) por su actu-
Profesora en la Universidad de San Andrés e investigadora del CONICET al proyecto de investigación sobre representaciones culturales de la guer-
y del PACC-Río de Janeiro. Es autora de Genealogías culturales: Argentina, rilla en Brasil y Argentina.
Brasil y Uruguay en la novela contemporánea y coeditora de Absurdo
Brasil. Italo Moriconi
Doctor en Letras, poeta, crítico y profesor de Literatura brasilera en la
Franklin Alves Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Publicó, entre otros, A provo-
Poeta e mestrando em Literatura Brasileira e Teorias da Literatura na UFF. cação pós-moderna, Como e por que ler a poesia brasileira do século
Participa, na mesma universidade, com bolsa do CNPq, do grupo de XX,,una biografía de Ana Cristina Cesar y organizó las publicaciones: Os
pesquisa Poéticas da contemporaneidade, coordenado pela professora cem melhores poemas brasileiros do século Os cem melhores contos
Celia Pedrosa. Tem um livro, ainda inédito, chamado Céu vermelho. brasileiros do século y las Cartas de Caio Fernando Abreu.
Frederico Oliveira Coelho: Mestre em História Social pelo IFCS/UFRJ,
doutorando em Literatura Brasileira pela PUC/RJ e pesquisador do Jorge H. Wolff
Núcleo de Estudos Musicais - NUM/UCAM. Atualmente, é leitor diário de Nascido em Porto Alegre, em 1965, e radicado em Florianópolis desde
Hélio Oiticica. 1983, cursou a graduação em Filosofia e o mestrado e doutorado em
Teoria Literária na UFSC. Traduziu do espanhol Como se lê e outras inter-
venções críticas (Chapecó: Argos, 2002), de Daniel Link, e As formações
Gonzalo Aguilar do moderno (idem, no prelo), de Carlos Real de Azúa. Professor de liter-
Doctor en Letras por la Universidad de Buenos Aires. Investigador del atura e teoria da comunicação na Unisul, é autor de, entre outros, Julio
CONICET. En el año 2002 fue profesor Visitante en Stanford University Cortázar. A viagem como metáfora produtiva (Florianópolis: Letras
(USA). Publicó diversas antologías de literatura brasileña y libros sobre Contemporâneas, 1998).
cine, en 2003 publicó Poesía concreta brasileña: las vanguardias en la
encrucijada modernista (tiene traducción al portugués Poesia concreta Jorge La Ferla
brasileira: as vanguardas na encrucilhada modernista, 2005, Edusp). Ha Realizador de video, TV y multimedia. Ha obtenido un Master in Arts,
obtenido una beca del David Rockefeller Center for Latin American University of Pittsburgh, USA y una Licence d´Enseignement, Université
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185 ]

Biografías
Paris VIII. Es profesor e investigador en medios audiovisuales y jefe dee Luciene Azevedo
cátedra en la Universidad de Buenos Aires y la Universidad del Cine. Ha Doctora en Literatura Comparada por la UERJ. Su tesis, defendida en
enseñado en prestigiosas universidades locales y extranjeras. Ha sido el 2004, es sobre literatura argentina y brasilera contemporánea.
fundador y director de las Muestras EuroAmericanas de Cine,Video y Arte
Digital Organizadas por la Universidad de Buenos Aires entre 1995 y Manoel Ricardo de Lima
2002. Ha editado numerosas publicaciones de cine, video, TV y multime- É poeta. Autor de Embrulho e As Mãos (7Letras, RJ), Falas Inacabadas -
dia y por su labor ha obtenido becas y Premios nacionales e interna- objetos e um poema, com a artista visual Elida Tessler (Tomo, RS) e Entre
cionales. Desarrolla su trabajo artístico y académico en el país así como Percurso e Vanguarda - alguma poesia de P. Leminski (Annablume, SP). .
en Alemania, Brasil, Canadá, Chile, Colombia, España, Francia, México,
Suiza y los Estados Unidos. Mauro Gaspar Filho
Nasceu em 1967 em São Paulo e morou no Rio a vida inteira (quase).
Josefina Ludmer Jornalista, redator, escritor sem livro e argentino wanna be (segundo uma
Ha sido profesora en la Universidad de Buenos Aires y en Yale University. amiga). Faz doutorado em literatura na Puc-Rio (por onde concluiu o
Ha publicado los siguientes libros, Cien años de soledad, una inter- mestrado em 2001).
pretación (1972, 1974, 1985) Onetti. Procesos de construcción el relato
(1977); El género gauchesco. Un tratado sobre la patria (1988. Tiene tra- Pedro Amaral
ducción al portugués O Gênero Gauchesco. Um tratado sobre la Pátria. Escritor, autor de Vívido (Ed. Sette Letras) e Breve Encontro (Ed. Rocco).
Traducido por Carlos Santos. Editora Universitaria Argos, 2002); El cuerpo
del delito. Un manual (1999. Tiene traducción al portugués. O Corpo do Raúl Antelo
Delito. Um manual. Traducido por Maria Antonieta Pereira, Editora UFMG, Profesor en la Universidade Federal de Santa Catarina e investigador del
2002). Editora y colaboradora del libro Las culturas de fin de siglo en CNPq, en Brasil, fue profesor visitante en las Universidades de Yale, Duke,
América Latina (Coloquio de Yale, abril 1994), Buenos Aires, Beatriz Texas at Austin y Leiden. Presidió la Associação Brasileira de Literatura
Viterbo editora, 1994. Comparada (ABRALIC). Es autor de Literatura em Revista; Na ilha de
Marapatá; João do Rio: o dândi e a especulação; Parque de diversões
Laura Fernández Cordero Aníbal Machado; Algaravía. Discursos de nação y Transgressão &
Investigadora y docente en la Universidad de Buenos Aires. Ha publicado Modernidade. Colaboró en obras coletivas tales como The Future of
ensayos sobre anarquismo y pensamiento utópico. Colaboradora de las Cultural Studies (Leuven U.Press,2000); Fricciones (Madrid, Museo Reina
revistas El rodaballo y Políticas de la memoria. Sofía, 2000); Brasil. Culture and Economies of Four Continents (Leuven,
ACCO, 2000); Brazil 2001. A revisionary History of Brazilian Literature
and Culture (Dartmouth, 2001), Cánones literarios masculinos y relec-
turas transculturales (Barcelona, Anthropus, 2002) Valores. Arte Mercado
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Política (Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002) y La naturaleza en dispu-


ta. Retóricas del cuerpo y el paisaje en América Latina (Buenos Aires,
Paidós, 2002). Es editor de A alma encantadora das ruas de João do Rio
(Companhia das Letras, 1997); Ronda das Américas de Jorge Amado
(Oficina da palavra, 2001); Antonio Candido y los estudios latinoameri-
canos (Pittsburgh, Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana,
2001), así como de la Obra Completa de Oliverio Girondo para la colec-
ción Archivos de la Unesco (1999), donde colaboró asimismo en las edi-
ciones críticas de Mário de Andrade, Henriquez Ureña y Juana Manso.
Artículos recientes en Revista Iberoamericana (Pittsburgh), Revista de
Crítica Cultural (Santiago de Chile), Punto de Vista (Buenos Aires)
Margens/márgenes y los suplementos culturales de Clarín y Página 12.

Reinaldo Laddaga
se doctoró por la NYU en 1999. Enseña literatura latinoamericana en la
University of Pennsylvania. Publicó Literaturas indigentes y placeres
bajos (Beatriz Viterbo, 2000), sobre las obras de Felisberto Hernández,
Virgilio Piñera y Juan Rodofo Wilcock, y la novela La euforia de Baltasar
Brum (Tusquets, 1999), además de innúmeros artículos sobre literatura,
arte y cine.

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