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DANTE NO INFERNO Compara-se aqui o texto da Divina Comédia, escrita por Dante Alighierie no século XIV, com o DVD de animação Dante's Inferno: um épico animado (2010), ressaltando a síntese mitológica realizada dentro da narrativa em um enquadramento ético cristão nos dois trabalhos e o acréscimo na narrativa digital de enredos psicológicos (as lembranças de Dante das Cruzadas) e de combates com criaturas infernais – que não existiam na narrativa original. 1. Introdução Dante's Inferno: Um épico animado é um filme de animação em DVD direto lançado em 09 de fevereiro de 2010. O filme é um spin-off Dante's Inferno vídeo game, um jogo eletrônico de ação-aventura em terceira pessoa publicado pela Electronic Arts e desenvolvido pela Visceral Games (antiga EA Redwood Shores) e Artificial Mind and Movement (versão PSP) – escrito por Will Rokos e também lançado em 2010. Tanto o filme como o game baseiam-se na primeira parte da obra Divina Comédia de Dante Alighieri (o Inferno), porém acrescentando – além de lutas contra demônios e personagens de outras narrativas clássicas em cada um dos nove círculos infernais cruzados pelo próprio Dante (o escritor também conta sua estória na terceira pessoa) em busca da amada Beatriz, há também um enredo explicativo (o seu passado como cavaleiro nas Cruzadas) em que o herói se confronta com a lembrança de seus pecados. No jogo, no entanto, o jogador controla a personagem Dante apenas os combates durante sua viagem pelo Inferno. O confronto ético com o próprio passado (a reflexão sobre os próprios pecados) não faz parte das exigências necessárias para passar para o próximo nível do jogo, representado pelo ciclo infernal seguinte; enquanto, no filme, a saga interior do herói é mais importante do que seu desempenho nas lutas externas. Ambos, o filme de animação e o vídeo game, considerados esses acréscimos de enredos interior e exterior, seguem fielmente o texto original escrito no século XIV. A Divina Comédia é uma síntese de toda mitologia anterior realizada na perspectiva cristã, não apenas a mitologia clássica dos gregos e romanos, mas das mitologias arcaicas, em que a visita ao Inferno e às regiões subterrâneas não era nenhuma novidade. As deusas Inanna, da Suméria; Isthar da Babilônia; Deméter dos gregos; foram algumas das que desceram aos infernos para se tornarem senhoras dos três domínios (Céu, Terra e Inferno). Também, nos tempos patriarcais, vários heróis alcançaram a imortalidade descendo aos infernos. Há ainda os livros dos mortos (egípcio, tibetano, entre outros) que relatam o percurso da alma após a morte e que também podem ser interpretados como narrativas iniciáticas. O historiador das religiões Mircea Eliade (1992) associa essa jornada à noção de 'Centro do Mundo'. Para ele, o simbolismo do centro faz parte do universo das sociedades arcaicas. O universo foi criado a partir desse centro (também chamado de 'umbigo do mundo') e é uma passagem tanto para os infernos subterrâneos como para regiões celestiais. Tal é o sistema simbólico das sociedades tradicionais, do qual derivam as imagens cosmológicas, os mitos e concepções religiosas nas mais diversas culturas: os pilares ou totens, as montanhas sagradas, as árvores da vida, as escadas cósmicas são representações do Axis Mundi (ou eixo do mundo), em torno do qual o universo se organiza. Para os judeus, o monte Tabor é o Centro do Mundo, enquanto para os gregos é o Olimpo. O monte Meru dos hindus, o Himinghjor dos germânicos, o Haraberezaiti dos iranianos, a Kaaba dos islamitas – todos são passagens verticais para outras dimensões e se situam no Centro do Mundo dessas cosmovisões. Eliade acredita que nas sociedades mais antigas a “imagem visível deste pilar cósmico é, no céu, a Via Láctea”, que se expande a partir da constelação Ursa Maior (polo norte estelar) e se direciona para constelação do Cruzeiro do Sul (polo sul estelar). Para o simbolismo cristão, o Centro do Mundo é o Gólgota, em Jerusalém, lugar sagrado tanto da crucificação do Cristo como da queda de Lúcifer. A Divina Comédia, seguindo a estrutura simbólica da cabala e do esoterismo cristão medieval, propõe um universo formado por uma sucessão de quatro círculos concêntricos: o mundo dos homens; o Inferno, cuja a porta ficaria na terra santa, no centro do mundo; o Purgatório, cuja a entrada ficaria no centro do 9° círculo infernal; e o Paraíso Celeste, de onde a humanidade foi expulsa no Gênesis e para onde voltará no final dos tempos, através da Nova Jerusalém. O Inferno, por sua vez, é subdividido por nove círculos concêntricos e se torna mais profundo e terrível a cada nível, uma vez que os pecados menores estão logo nos primeiros círculos enquanto os mais graves situam-se nos últimos, próximos à passagem para o Purgatório. Vejamos, então, como toda essa estrutura simbólica se coloca na narrativa tanto no texto original como em suas recentes versões audiovisuais. 2. Estruturas arquetípica e discursiva Em contraste com as tragédias que sempre terminam mal para seus protagonistas, a Divina Comédia, seguindo a classificação da época, é chamada de 'comédia' não por ser engraçada mas porque termina bem: Dante, o personagem, chega ao décima céu e, com a ajuda de São Bernardo e da Virgem Maria, encontra-se com Deus. Curiosamente Dante, o escritor, faleceu logo em seguida à conclusão da obra em 1321. Apesar de se tratar de um poema de viés épico com propósitos filosóficos, com várias citações mitológicas clássicas, o autor tinha a intenção de escrever um texto popular, por isso o fez em Toscano (um dialeto local de Florença) e não em latim, como exigia a erudição da época. Ele elaborou uma jornada iniciática para o herói cristão (narrador e protagonista da saga) estruturada como uma estória erudita de alcance popular. E conseguiu. Inspirou vários pintores durante séculos (Botticelli, Gustave Doré e Dalí – para citar os mais famosos) e se tornou “o primeiro e maior poeta do idioma italiano”. O texto está dividida em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Cada uma de suas partes está dividida em cantos, compostos de Tercetos. A composição do poema é baseada no simbolismo do número três (simbolizando a Santíssima Trindade). Cada estrofe tem três versos e cada uma de suas três partes contêm 33 cantos. Os três livros da Divina Comédia são divididos em 33 cantos (sendo que o Inferno possui um canto a mais que serve de introdução ao poema), com aproximadamente 40 a 50 tercetos. No total são 100 cantos e 14.233 versos. Os lugares/partes do texto (o inferno, o purgatório e o paraíso) são divididos em nove círculos cada, formando no total 27 (três vezes três vezes três) níveis. A narrativa possuí ainda três personagens principais: Dante, narrador e protagonista; Beatriz que personifica seu coração, sua Anima, o Sagrado Feminino; e Vírgilio, autor da Eneida, poeta predileto de Dante-narrador, que personifica a razão e seu alter-ego masculino, seu Animus, que acompanha o seu ego-herói em sua jornada através do Inferno. E, em contraposição a essa estrutura antagonista central da narrativa. ternária, está Lúcifer, O Quadrado Semiótico Narrativo de Greimas consiste na representação visual da articulação lógica de uma qualquer categoria semântica. Nele, se situam o Herói (S1), seu Ajudante (S2), seu Adversário (~S1) e a Sociedade (~S2) em torno do objetivo a ser alcançado. A partir deste modelo as estruturas profundas emergem nas estruturas discursivas (no texto evangélico) e nas estruturas narrativas de superfície (na linguagem audiovisual). As linhas bidirecionais contínuas representam as relações de contradição; as bidirecionais tracejadas, as relações de contrariedade; e as linhas unidirecionais, as relações de complementaridade. Em nossa perspectiva, o herói ou protagonista da narrativa corresponde ao ego projetado pelo narrador com o qual o leitor se identifica. O antagonista corresponde à sombra psicológica, à carga de negatividade utilizada na estória. O ajudante é composto por vários alter egos masculino (o animus), o melhor amigo do herói; e sagrado feminino (ou a anima) desempenhando o papel de 'par romântico'; e a sociedade pode ser substituída pelo Self, o narrador/leitor. Tabela 1 – Quadrado Semiótico Narrativo aplicado à Divina Comédia Posição Elementos narrativos Divina Comédia S1/S2 protagonista x antagonista Dante x Lúcifer ~S1/~S2 ajudante x sociedade Virgílio x Beatriz S1/~S1 protagonista & ajudante Dante e Virgílio S2/~S2 antagonista & sociedade Lúcifer e Beatriz S1/~S2 protagonista + sociedade Dante + Beatriz S2/~S1 antagonista + ajudante Lúcifer + Virgílio Incluindo Lúcifer como antagonista na estrutura ternária de Dante, pode-se aplicar a metodologia analítica do Quadrado Semiótico Narrativo (GREIMAS, 1989) à Divina Comédia. O conflito central da narrativa (S1/S2) é entre o bem (Dante) e o mal (Lúcifer) e o conflito secundário (~S1/~S2) entre o coração (Beatriz) e a razão (Virgílio). Os esquemas positivo (S1/~S1 - Dante + Virgílio) e negativo (S2/~S2 - Lúcifer + Beatriz) mostram como os elementos narrativos se agrupam. Porém, são as relações de complementaridade (S1/~S2 e S2/~S1), as diagonais internas do Quadrado Semiótico Narrativo, que melhor explicam tanto a originalidade da Divina Comédia em relação a outras narrativas de jornadas iniciáticas pelo inferno bem como sua adesão à ética cristã. 3. O cristianismo Em outra ocasião (GOMES, 2011), demonstrou-se que as relações Ego-Self (a inversão narrativa entre o Eu e sua representação narrativa no herói) e Sombra-Outro (a renúncia ao Sagrado Feminino e o papel de Judas na estória de Jesus) são a essência e a singularidade do cristianismo 1. Na estória de Jesus, há uma inversão no eixo da relação ego-self, em relação às narrativas heroicas. O 1 O texto estuda a estória de Jesus Cristo como narrativa mítica e histórica, através de diferentes versões cinematográficas. Ao final, percebe-se que a multiplicidade de discursos audiovisuais revela a variação dos principais elementos narrativos da estória de Jesus. Os filmes mais históricos são os que dão ênfase à vida de Jesus humano, diferindo entre si apenas na escolha do antagonista político (protagonista x antagonista). Por exemplo: para O Rei dos Reis (1961) de Nicholas Ray, os antagonistas são os romanos; para Jesus de Nazaré (1977) de Franco Zeffirelli, os inimigos de Jesus são os judeus. Em contrapartida, os filmes mais simbólicos ressaltam a universalidade de sua mensagem do Cristo, através da mudança de contexto narrativo, e apresentam um antagonista mais espiritual: Satanás. O conflito secundário entre o narrador e os elementos favoráveis aos protagonistas apresentam várias possibilidades. O caso de Judas é particularmente polêmico e complexo rendendo um maior número de interpretações sobre suas motivações. Também se demonstrou que os filmes mais ideológicos são aqueles cujo o apelo simbólico exclui ou diminui o teor crítico da estória de Jesus, que minimizam o aspecto humano e variam segundo o grau de violência e culpa que desejam incutir – como é o caso de A Paixão de Cristo (2004) de Mel Gibson. Discute-se ainda o projeto dos filmes heterodoxos – tais como Jesus Cristo Superstar (1973) de Norman Jewison e A Última Tentação de Cristo (1988) de Martin Scorsese - que tentam descobrir a humanidade de Jesus reinventado sua estória como narrativa ficcional e introduzindo mudanças nas relações entre o protagonista e o narrador (egoself) e entre os personagens de Judas e de Maria Madalena (sombra-outro). protagonista é o Self e não o ego, em que o leitor é induzido pelo narrador ao constrangimento. Trata-se da estória do 'verbo encarnado' e não de um homem que alcança a fusão com a divindade (como em outras narrativas iniciáticas) – narrada por coadjuvantes de forma fragmentada e recontada por instituições religiosas durantes muitos séculos. Em outras narrativas trágicas ou nos cultos a Dionísio (em que também existiam essa mesma inversão e um desfecho com morte e ressurreição) a enfase era na catarse do público e não no seu constrangimento ético. O efeito de sentido das narrativas de redenção nos dois casos são bem diferentes. A tragédia e os cultos em que se martirizavam os protagonistas se assemelha mais à malhação de Judas do que a Paixão de Cristo. No primeiro caso, trata-se de um bode expiatório e os participantes se sentem bem ao final porque liberaram suas emoções em catarse. Na paixão de Cristo, no entanto, ao final as pessoas se sentem mal, constrangidas pela injustiça que presenciaram (e/ou então, revoltadas com os vilões da estória). “Matamos o Salvador”, ou melhor: nosso ego mata nossa luz e mesmo assim ela consegue nos iluminar, continuamos 'crucificando o Cristo'– eis o sentido oculto na narrativa da Paixão. A Divina Comédia de Dante também é uma narrativa de redenção. Mas, a redenção não do público ou do herói e sim do autor que escreve o texto. Aliás, comédia, na época de Dante, significava uma estória que promete um final feliz – ao contrário da tragédia e da paixão de cristo. Outra característica singular da estória de Jesus reside na relação de complementaridade entre o antagonista (ou o mal) e o ajudante (e o sagrado feminino). A narrativa ressalta a renúncia aos desejos – o que pode ser interpretado tanto como uma negação patriarcal dos valores femininos, como também uma forma de ocultar e hiper sublimar a força narrativa das mulheres. Comparando a estória de Jesus a de Hamlet de Shakespeare, observa-se diferenças sutis em relação ao feminino. Ambos lutam por um pai verdadeiro contra um pai usurpador, renunciando ao feminino em função desta luta de reparação, porém enquanto Hamlet rejeita Ofélia para se vingar, Jesus realiza seu destino místico sem desejos ou aversões (GOMES, ). De certa forma, a Divina Comédia adota e aperfeiçoa essas características da ética cristã dentro do modelo mítico da 'Jornada do Herói'. Em relação à relação ego-self, há a identidade (Dante) entre narrador e protagonista. Também aqui há a renúncia/sublimação ao Sagrado Feminino. Renúncia aos desejos e instintos sublimados em sentimentos de fé e de amor. Beatriz representa a pureza e a inocência, o motivo e a recompensa da redenção de Dante. Entretanto, ela está sempre além do alcance do poeta, transcendente, divina, intangivel. E a relação com o Outro, a razão representada por Virgilio, é também vista como um ardil do antagonista, mas não como um traidor como no caso de Judas. Essas relações marcam também a diferença fundamental entre o texto original da Divina Comédia e suas recentes adaptações audiovisuais. No filme de animação e no vídeo game, Dante deixa de ser o poeta toscano que escreve a própria jornada para ser um cavaleiro templário em Jerusalém, o narrador não é mais protagonista. E no vídeo game, o protagonista da narrativa passa a ser o jogador, herói e coo narrador da jornada de descida aos infernos. 4. Banda desenhada O filme/game é dividido em onze partes. Cada capítulo é animado, produzido e dirigido por grupos diferentes, com estilos variados (o que dá margem a vários problemas de continuidade, inclusive na identidade dos personagens principais). No entanto, todos utilizam-se de técnicas de 'animês' (desenhos animados japoneses feitos a partir de histórias em quadrinhos ou Mangás), em que há muitos 'movimentos de camera' entrelaçados ao audio e pouco movimento cinético dos corpos e objetos. O resultado é de um conjunto narrativo de diversas camadas visuais, uma unidade multifacetada, bem ao estilo estético dos jogos de vídeo game contemporâneos. Cada capítulo, é um estágio da viagem. No texto da Divina Comédia, Dante sem saber ao certo como, talvez por estar sonolento, perdeu-se em uma selva sombria. Então Dante achou um monte, subiu-o e logo apareceram três feras representando os três tipos de pecados: a Pantera (incontinência), o leão (violência) e a loba (fraude) refletem níveis de gravidade de acordo com a intenção consciente do crime. Então, Dante encontra Virgílio – que lhe propõe uma jornada pelo inferno, purgatório e paraíso. Dante e Virgílio chegam ao vestíbulo do Inferno onde estão os mortos que não podem ir para o céu nem para o inferno. O vestíbulo é a morada dos indecisos e covardes. Os covardes são condenados a correr em filas, sendo picados por vespas e moscões por toda eternidade. Entre o vestíbulo e o 1° Círculo, está o rio Aqueronte, no qual se encontra Caronte, o barqueiro que faz a travessia das almas. Dante é muito pesado para fazer a travessia no barco de Caronte, por ser vivo. Virgílio adverte o barqueiro de que a travessia em seu barco é uma ordem celeste. É através deste barco que Virgílio e Dante atravessam o rio. O 1°capítulo, A Chegada é dirigido por Victor Cook, pré-produção pela Film Roman e animado pela Big Star. O filme, com pequenas diferenças, reproduz A Divina Comédia, mas acrescenta um novo enrendo: o retorno de Dante a Terceira Cruzada, que teve o longe de sua casa durante vários anos. Ao chegar em casa, ele encontra os servos e o seu pai mortos e sua noiva Beatriz ainda agonizante. Quando ela morre e começa a subir ao céu, Lúcifer surge a leva embora para o Inferno. Na perseguição, Dante chega aos portões do Inferno e Virgílio se oferece para guiá-lo para o inferno. Depois de Dante chama sua fé, ele é capaz de abrir os portões e entrar no Inferno. Entrada para o Inferno, 2° capítulo de Dante's Inferno dirigido por Victor Cook, pré-produção pela Film Roman e animado pela Digital Emation – narra que o episódio da travessia de Dante e Virgílio a bordo da balsa demoníaca que leva almas para o primeiro círculo do Inferno. Caronte, no entanto não aceita transportar um viajante mortal e manda seus demônios atacar Dante. O herói mata as criaturas e próprio Caronte, tomandolhe o barco e atravessando o rio. No 3° capítulo, Limbo - dirigido por Shukou Murase, produzido por Manglobe - Virgílio e Dante entram no primeiro círculo, o Limbo, que abriga principalmente virtuoso pagãos (filósofos como Aristóteles, Platão e Sócrates) e os bebês não batizados. É aqui Dante descobre Beatriz estava grávida de seu filho enquanto ele estava nas Cruzadas e abortou. Também aqui Dante encontra o rei Minos, cuja tarefa é julgar todas as almas dos mortos, condenando-as, segundo seus pecados, ao seu círculo específico do inferno que merecem. Quando ele nega passagem ao herói, eles batalham e Dante vence Minos, abrindo seu caminho até o 2° círculo. Enquanto isso, Lúcifer tenta convencer Beatriz de que Dante não merece seu amor. No texto original da Divina Comédia, o rei Minos está no 2° Círculo, o Vale dos Ventos, e não no Limbo. Nesse círculo ficam os luxuriosos, que sofrem e são atormentados e arrebatados por um furacão que não para nunca, arrastando os espíritos com violência, atormentando-os; da mesma forma que, em vida, eles eram levados por suas paixões que os arrastavam. Aqui estão Semíramis, Cleópatra, Helena, Aquiles, Páris, Tristão e "mais mil homens que se sacrificaram por amor". Aqui também está Francesca de Rimini e seu amante Paulo Malatesta, que é seu cunhado. Luxúria, o 4° capítulo do filme - dirigido por Shukou Murase, produzido por Manglobe – Dante e Virgílio chegam à Ilha da Luxúria, onde as almas são arrastradas pela interminável tempestade de paixão. Dante é atraído para um quarto com meretrizes que se transformam em demônios e tentam matá-lo e Beatriz chora à distância. Dante, então, percebe que quebrou sua promessa de fidelidade à Beatriz: durante a cruzada de uma mulher oferece sexo para salvar o marido de ser espancado até a morte. Tendo estado sob a ilusão de que ele foi absolvido de todos os pecados pela igreja, Dante aceita a proposta. Ao ouvir isso, Beatriz começa a perder a sua fé no amor do herói e Lúcifer lhe pede a mão em casamento, prometendo torná-la a Rainha do Inferno. A saga de Dante continua no 5° capítulo, Gula, dirigido por Jong-Sik Nam, produzido por Dong Woo Animação, no 3° círculo em que estão os gulosos, flagelados por uma chuva putrefacta e são vigiados pelo mitológico cão de três cabeças, Cérbero. Virgílio diz a Dante a única forma de chegar ao 4° círculo é através do cão. Dante se permite ser comido e ele acaba dentro do cão do inferno. Encontrando Ciacco, um homem que conheceu na vida e sentir piedade por seu sofrimento, Dante usa sua fé para libertar o homem da tortura a que ele teve de suportar. Isto provoca a ira de Lúcifer e ele revela seu plano de se casar com Beatriz e que o pai de Dante também está no inferno. Para escapar da barriga Cerberus, Dante ataca e destrói o coração da besta, fazendo o demônio cuspi-lo em um rio de sangue que flui para o círculo seguinte. No 4° Círculo estão os pródigos e avarentos. Suas riquezas materiais se transformaram em grandes pesos de barras e moedas de ouro que um grupo deve empurrar contra o outro e também trocarem-se injúrias, pois suas atitudes em relação à riqueza foram opostas. No 6° capítulo do filme, Ganância - dirigido por JongSik Nam, produzido por Dong Woo Animação - Dante e Virgílio veem as almas condenadas serem torturadas em prensas de dinheiro e cozidas em ouro derretido. Dentro do círculo, Dante confronta e vence seu próprio pai, que havia recebido a promessa de liberdade de Lúcifer, caso matasse o próprio filho em combate. A entrada para 5° Círculo está uma cachoeira de sangue borbulhante e fervente que forma um lago que se chama Estige, onde estão amontoados os acusados de ira, em estado de permanente revolta e briga entre si. O 7° capítulo, Ira e A Cidade de Dis (Dirigido por Lee Seung-Gyu, produzido por JM Animação) mostra a travessia do rio Estige a bordo Phlegyas, um gigante demoníaco, enquanto homens e mulheres ameaçam Dante com raiva. Phlegyas leva Dante até a Cidade de Dite onde ele vê Lúcifer anunciando sua intenção de casar com Beatriz para as almas condenadas. Ao mesmo tempo Dante lembra do passado, quando as ordens do rei durante as Cruzadas começaram a testar a sua paciência, tornando-o propenso a raiva e as dúvidas sobre o valor da vida de seus prisioneiros. Na Divina Comédia, A Cidade de Dite serve de divisão entre os pecados cometidos sem intenção (culpa) e os pecados cometidos conscientemente (dolo). Dante e Virgílio atravessam a cidade e descem ainda mais fundo em seus subterrâneos procurando a passagem para o 6° Círculo infernal. Heresia - 8° capítulo do filme, dirigido por Lee SeungGyu, produzido por JM Animação – mostra o sofrimento dos 'hereges' no 6° Círculo do Inferno, as pessoas que foram contra os ensinamentos de suas igrejas, sempre queimando no fogo e sendo torturados por vários instrumentos. No fim desse círculo há um alto precipício circular (de onde vem um terrível cheiro) que leva ao 7° círculo, onde estão os violentos, que distribuem-se por três vales ou giros: o Vale do Rio Flegetonte, que abriga os violentos contra os outros; o Vale da Floresta dos Suicidas, em que os violentos contra si mesmos são transformados em árvores; e o Vale do Deserto Abominável, com os violentos contra Deus e a natureza (homessexuais). E, no capítulo 9°, Violência - direção: Sang-Jin Kim, produzido por JM Animação - Virgílio ajuda a Dante enfrentar o minotauro, o guardião do 7° Círculo. Atravessam, então, um vasto rio vermelho em que almas dos assassinos se afogam no sangue de suas próprias vítimas, com a ajuda do centauro Nessus. Entrando na Floresta dos Suicidas, Dante encontra sua mãe condenada a existir como uma árvore por não conseguir resistir às brutalidades de seu marido, pai de Dante, ela acabou enforcando a si mesma. O herói pensava que ela tinha morrido por causa de uma febre. Em seguida, Dante encontra Francesco, seu amigo com quem lutou junto nas Cruzadas. Surpreso com a presença do amigo no Inferno, pois imaginava que os cavaleiros tivessem sido perdoados de todos os seus pecados pela Igreja, Dante se lembra dos vários pagões que matou, incluindo mulheres e crianças sem piedade, devido a falta de comida para alimentar muitos prisioneiros, apesar do Sultão Saladino ter poupado a vida de vários prisioneiros cristãos. Francesco, então, acusa Dante de ter causado sua derrota e o ataca, sendo morto pelo herói. A passagem para o próximo círculo é através de uma cachoeiras de sangue, nascente do rio Flegetonte. Dante e Virgílio montam no gigante Gerião para atravessar o rio de sangue. O 8° Círculo é todo em pedra escura, assim como a muralha que o cerca, e está dividido em dez fossos (ou Bolgias), ligados por pontes de madeira. No 10° capítulo, Fraude - direção: Sang-Jin Kim, produzido por JM Animação – Dante precisa chegar ao 8° Círculo para impedir o casamento de Beatriz e Lúcifer. Ao cruzar os dez fossos do, o herói reflete sobre seus próprios comportamentos fraudulentos. Ele percebe que seu pai, os servos da família e Beatriz foram mortos pelo marido ultrajado da mulher com que ele teve relações sexuais no cativeiro das Cruzadas. Quando passa o último fosso, encontra Beatriz transformada em demônio e atacar Dante, dominandoo e obriga-o a olhar para o seu maior pecado, projetado 9° Círculo de traição. Dante se lembra de que permitiu que o irmão de Beatriz, cavaleiro mais jovem a quem prometara proteger, assumisse em seu lugar a culpa por seu abate dos prisioneiros mouros. Dante, então apresenta a Beatriz sua cruz, que ela havia prometido trazer de volta para ela após o seu regresso da cruzada. Ela cede e ele pede perdão e implora a ela para, mais uma vez aceitar o amor de Deus. E ela o perdoa, fazendo-a voltar para sua antiga aparência angelical. E um anjo desce do céu para levar Beatriz para o Purgatório. Ela promete a Dante que estarão juntos em breve, mas que, para sair do Inferno e entrar Purgatório, ele terá de enfrentar Lúcifer sozinho no 9° Círculo. Os Gigantes obstruem a passagem do 8° círculo para este, estão acorrentados em poços congelados, é a punição por em vida terem se revoltado contra Júpiter. O gigante Anteu ajuda Dante e Virgílio a irem para o último círculo, carregando-os nas mãos e colocando-os lá. No 9° Círculo infernal, o Lago Cocite, não há fogo, e sim muito frio. Lá ficam os traidores, congelados, que se distribuem em quatro esferas diferentes, dependendo da gravidade da traição cometida. As esferas chamamse: Caína (onde são punidos os traidores de seus parentes, é onde está Caim que matou seu irmão Abel); Antenora (onde estão os traidores de sua pátria ou partido político); Ptoloméia (onde estão os traidores de seus hóspedes); e Judeca (onde estão aqueles que, em vida, traíram seus mestres e reis, onde residem Brutus, Cassius, Judas e Lúcifer, o traidor de Deus, que devora eternamente os três primeiros). Traição último episódio do filme Dante's Inferno dirigido por Yasuomi Umetsu, produzido pela Production IG – relata Dante descendo para o subsolo frio de traidores, se depara com uma caverna cheia de grandes cadeias de congelados. Ele corta através as correntes e liberta um demônio de três rostos, Lúcifer em seu corpo, que ataca Dante. O herói mata o arcanjo demoniáco e está a poucos centímetros da entrar no Purgatório, no entanto, Lúcifer, agora liberto de sua forma material e revela sua verdadeira natureza, quebra com facilidade e domina livre Dante. A ameaça entrar no Purgatório e no Paraíso, unindo o Inferno ao céu sobre seu domínio. Dante percebe que não pode parar Lucifer por conta própria e implora a Deus, prometendo sacrificar sua própria alma para impedir Lúcifer de sair do Inferno. Lúcifer corre de volta, tentando parar de Dante e é parado por uma poderosa força de luz que congela-o sólido. Livre para avançar, Dante mergulha no poço para o Purgatório, para encontrar com sua amada Beatriz. 5. Conclusão É claro que transformar um poema épico-filosófico em um vídeo game e em um desenhado animado de aventuras implica em uma certa mudança de conteúdo. No texto original, não há tanto combate; Dante não mata tantos demônios guardiões das passagens entre os círculos infernais. Dante's Inferno, no entanto, consegue manter toda (ou quase toda) estrutura metafísica e mitológica da Divina Comédia. O filme ainda acrescenta um sub-enredo psicológico – as lembranças de Dante das Cruzadas - bastante eficaz no sentido de reforçar a escada interior dos pecados e culpas do sujeito. Porém como dissemos no começo, este sub-enredo também dissocia cognitivamente o protagonista da estória do narrador do texto original, o Dante real, poeta medieval e não cavaleiro cruzado. Por outro lado, no vídeo game, não há nem o sub enredo do cavaleiro templario, nem referência meta narrativa do poeta toscano: o protagonista é o jogador, coo narrador e herói da narrativa mítica. Pode-se dizer assim que há três formas diferenciadas do eixo ego-self: a literária, em que Dante é o escritor e o personagem da estória que escreve; a audiovisual, em que a narrativa em primeira pessoa de Dante insere o sub enredo da memória das cruzadas em flashback; e, na narrativa do jogo, o jogador é que é Dante, herói e o autor da jornada mítica. A adaptação audiovisual da Divina Comédia levanta ainda uma questão interessante: será possível elaborar um jogo de RPG2, vídeo game ou processo eletrônico capaz de (não apenas simular mas também) induzir os jogadores a estados psicológicos em uma jornada mística? Como combinar a habilidade cognitiva dos combates do vídeo game com a superação de impasses subjetivos do auto- conhecimento? E mesmo que a simulação de situações mitológicas induzam os jogadores/espectadores a esses estados e sentimentos (no caso: gula, luxúria, ira, etc), como saber que esses estão aptos a passar para um novo nível de jogo/estado de consciência? E m m i n h a e x 2 Role-playing game, em português: "jogo de interpretação de personagens", p é um tipo de jogo em que os jogadores assumem os papéis de personagens e e criam narrativas colaborativamente. O progresso de um jogo se dá de acordo com um sistema de regras predeterminado, dentro das quais os jogadores r podem improvisar livremente. As escolhas dos jogadores determinam a direção que o jogo irá tomar. Os RPGs são mais colaborativos e sociais do ique competitivos. Um RPG raramente tem ganhadores ou perdedores. Isso o torna diferente de qualquer outro tipo de jogo. Os RPGs tem seu uso ê incentivado pelo MEC como método de ensino e embora não sejam obras audiovisuais, são classificados como tal no Brasil. n c i a