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"O modelo de poeta-amante no Cancioneiro Geral: a presença de Macias em debates e comparações", in Mercedes Brea, Esther Corral Díaz e Miguel Pousada Cruz (coords), Parodia y Debates metaliterarios en la Edad Media, Alessandria, Edizioni dell'Orso, 2013, pp. 469-482

2013, "O modelo de poeta-amante no Cancioneiro Geral: a presença de Macias em debates e comparações", in Mercedes Brea, Esther Corral Díaz e Miguel Pousada Cruz (coords), Parodia y Debates metaliterarios en la Edad Media, Alessandria, Edizioni dell'Orso, 2013, pp. 469-482

Medioevo Ispanico Collana diretta da Pilar Lorenzo Gradín 5 Volume pubblicato con il contributo del Ministerio de Economía y Competitividad spagnolo (Progetto: FFI2011-26785) I volumi pubblicati nella Collana sono sottoposti a un processo di peer review che ne attesta la validità scientifica. Mercedes Brea, Esther Corral Díaz, Miguel A. Pousada Cruz (eds.) Parodia y debate metaliterarios en la Edad Media Edizioni dell’Orso Alessandria © 2013 Copyright by Edizioni dell’Orso s.r.l. 15121 Alessandria, via Rattazzi 47 Tel. 0131.252349 – Fax 0131.257567 E-mail: info@ediorso.it http: //www.ediorso.it Impaginazione a cura di Francesca Cattina È vietata la riproduzione, anche parziale, non autorizzata, con qualsiasi mezzo effettuata, compresa la fotocopia, anche a uso interno e didattico. L’illecito sarà penalmente perseguibile a norma dell’art. 171 della Legge n. 633 del 22.04.1941 ISBN 978-88-6274-497-3 O modelo de poeta-amante no Cancioneiro Geral: a presença de Macias em debates e comparações MARIA ISABEL MORÁN CABANAS Universidade de Santiago de Compostela Eu soo devo ser na fama em ũa igual gloria com Mancias Gil Moniz Por esta noites e dias me vejo sempre penado, desta são mais namorado que Mancias Henrique de Saa Seguindo o exemplo doutros reinos onde o versificar colectivo alcançava um extraordinário sucesso como prova de requinte e passatempo palaciano, também em Portugal as festas ou os famosos serões celebrados na Corte acrescentam o seu brilho na segunda metade do século XV, participando de uma vida de luxo e grandeza: organizam­se caçadas, touros, torneios e jogos de dados e cartas; as­ sim como se assiste a músicas, danças, encenações e improvisos poéticos.1 Esque­ ce­se, neste sentido, a denúncia que lançara o austero D. Duarte algumas décadas atrás, quando, assumindo especularmente a função de edificação dos seus súbdi­ tos, lhes atribuía a tais celebrações o relaxamento ou até entorpecimento da au­ têntica fortaleza e do espírito cavaleiresco no seu Livro de ensinança de bem cavalgar toda sela. Quando ainda os caracteres móveis ou letras de forma acabavam de ser intro­ duzidas em Portugal, imprimiu­se no ano de 1516 o Cancioneiro Geral de Gar­ cia de Resende, vasta compilação da produção versificatória das cortes portugue­ sas durante um período compreendido entre a segunda metade do século XV e os primeiros dezasseis anos do seguinte, correspondentes aos reinados de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I. Aceder ao imaginário que se encerra em tais coorde­ 1 O presente trabalho liga­se ao projeto de investigação com referência PGIDITINCI­ TE09204068PR, concedido pela Xunta de Galicia e dirigido por Esther Corral Díaz. 470 MARIA ISABEL MORÁN CABANAS nadas espaciais e sociais exige a perceção dos textos não apenas como uma série avulsa de composições reunidas para as preservar da usura do tempo, mas sobre­ tudo como um meio ou ferramenta eficazmente utilizável na empresa da magnifi­ cação do poder real e do valor nacional. Neste sentido, tanto a organização e seleção do material poético, como o pró­ logo, dedicado ao “Príncipe, Nosso Senhor” (futuro rei D. João III), e certas parti­ cularidades gráficas (a simbologia heráldica envolve o Cancioneiro de princípio a fim), ganham um especial relevo. Aliás, Garcia de Resende recrimina ali os portu­ gueses, lamentando a sua falta de interesse em deixar memória das grandes nume­ rosas façanhas que protagonizaram, apesar de serem estas superiores às dos pró­ prios gregos e romanos. Face a tal apatia, ele manifesta a intenção de divulgar em forma impressa algumas amostras da poesia cultivada no Portugal daquela altura (coisas de folgar e gentilezas) como um primeiro passo que sirva para incentivar os autores com maior talento a abordar literariamente outras questões de maior al­ cance – quer dizer, as aventuras ultramarinas: E, porque, Senhor [Príncipe D. Joao III], as outras cousas sam em si tam grandes que por sua grandeza e meu fraco entender nam devo de tocar nelas, nesta, que é a somenos, por em algũa parte satisfazer ao desejo que sempre tive de fazer algũa cousa em que Vossa Alteza fosse servido e tomasse desenfadamento, determinei ajuntar algũas obras que pude haver d’ algũs passados e presentes e ordenar este livro, nam pera por elas mostrar quaes foram e sam, mas para os que mais sabem s’ espertarem a folgar d’ escrever e trazer aa memoria os outros grandes feitos, nos quaes nam sam dino de meter a mão.2 Afirmar o talento cultural e literário do país implica cantar os próprios mitos ou apropriar­se e explorar os próximos, contribuindo em todos os casos para o forta­ lecimento de prestígio. Na verdade, a maior parte da poesia do Cancioneiro Geral gira ao redor de dois grandes eixos temáticos: amor e satira, erigindo­se como uma ponte entre passado, presente e futuro na arte poética – com efeito, a expres­ são não difere em grande medida da que caracteriza o lirismo trovadoresco de ori­ gem provençal, mas introduz a influência da literatura castelhana recolhida nos cancioneiros de Quatrocentos e certos motivos e recursos novos que se tornarão clichés na Renascença e em épocas posteriores. Até se anuncia um Barroco cheio “Prólogo”, do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, editado por Aida Fernan­ da Dias, Maia, Imprensa Nacional­Casa da Moeda, 1990­1993, 4 vols., e acrescentado em 1998 e 2003 com os volumes V (A Temática) e VI (Dicionário comum, onomástico e to­ ponímico), respetivamente. Os poemas que ao longo da nossa comunicação serão transcri­ tos seguem também esta edição, com indicação de volume e número de composição. 2 O MODELO DE POETA-AMANTE NO CANCIONEIRO GERAL 471 de subtis conceitos e artifícios, paradoxos, amostras de engenhosidade, deslum­ brantes hipérboles, antíteses violentas e significados intencionadamente obscuros, apenas acessíveis para uma restringida elite de entendedores.3 Os textos recolhidos obedecem sempre a uma função comunicacional e ape­ lativa determinada, enquadrando­se na teatralidade cortesa a partir do elogio, da celebração, da burla, do insulto, do intercâmbio de perguntas e repostas, do con­ selho, da encomenda, etc. E, tal como acontece em relação às trovas dedicadas a Inês de Castro da autoria do compilador (o polifacetado Garcia de Resende: cro­ nista, músico, compilador poeta…), as referências à figura de Macias o Namorado dispersas pela colectanêa portuguesa remetem­nos também para a concretização do mito da força do amor sobre qualquer interesse ou convenção social, capaz de ultrapassar a própria morte. Deste autor, considerado decano dos trovadores incluídos na chamada “escola galego­castelhana”, apenas se conservam alguns poemas que, com diferente grau de verosimilhança, lhe são atribuídos nos cancioneiros castelhanos.4 O que cele­ Os autores usaram a tradição e inovaram­na com elementos de inventividade e criati­ vidade, abrindo novas possibilidades estéticas e explorando inclusive a existência material do texto (visual) através de recursos que chegarão a ser especialmente postas em desta­ que na poesia concretista e experimentalista do século XX, como sublinha Geraldo Au­ gusto Fernandes na sua Tese de Doutoramento sobre O amor pela forma no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, defendida em 2011 na Universidade de São Paulo ou, mais resumidamente, no seu artigo “No Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, a criativida­ de palaciana em Fernão da Silveira”, Labirintos. Revista Electrônica do Núcleo de Estu­ dos Portugueses, 3, 1º semestre de 2008 (http://www.uefs.br/nep/labirintos/, tal como foi capturado em 3 de agosto de 2011). 4 Tanto a autoria de textos como a edição crítica destes apresentam problemas de di­ fícil resolução. Alguns estudiosos da sua obra chegaram a conceder­lhe, com argumen­ tos mais ou menos plausíveis, a paternidade de vinte e três composições, algumas delas conservadas apenas em forma fragmentária. Ora, tendo em conta a casuística de tal ques­ tão, Juan Casas Rigall classifica os poemas de Macias nos seguintes grupos: obra de Ma­ cias; atribuições prováveis; atribuições duvidosas; atribuições muito duvidosas; e atribui­ ções erradas. Na primeira série figuram “Cativo da miña tristura”; “Amor cruel e brioso”, “Señora en que fiança”; “Provei de buscar mesura”; e “Cuidados e maginança”, todas elas de temática exclusivamente amorosa. Entre os motivos literários que Macias mais explo­ ra destaca o silêncio cortês; a loucura passional; o sofrimento; a personificação do coração ou de entidades como a Mesura, a Cortesia, a Cordura; as imagens tiradas do campo béli­ co; etc. (“El enigma literário de Macias”, El Extramundi y los Papeles de Iria Flavia, 6, 1996, pp. 11­45). Para citar apenas alguns dos diversos trabalhos publicados em datas re­ centes sobre a vida e obra do trovador, veja­se Cleofé Tato, “Apuntes sobre Macías”, Quaderni del Dipartimento di Lingue e Letterature straniere moderne dell’Università di Pa3 472 MARIA ISABEL MORÁN CABANAS brizou Macias como espelho dos apaixonados não foi a sua produção lírica, mas certos aspetos de uma biografia lendária criada à volta de suposições acerca da sua data e lugar de nascimento, dos motivos da sua morte e de certas circunstâncias in­ terpretadas como reais a partir de versos considerados da sua autoria. A sua aven­ tura equipara­se a uma guerra/batalha de amor em que a conquista da dama é vis­ ta como uma contenda militar e o amante fica prisioneiro – daí a célebre metáfo­ ra do cárcere de amor. Aliás, a inclusão da personificação dos estados de ânimo, como Tristeza e Cui­ dado, contribuem para o tom lacrimogéneo dos seus poemas – entre eles, “Cativo da miña tristura∙, que podemos considerar como o texto fundacional do mito. De­ pois de uma breve alusão que o Marquês de Santilhana fez em 1448 ao seu enamo­ ramento na famosa Carta Prohemio al Condestable Don Pedro de Portugal, já no próprio século XV aparecem outros relatos que nos informam sobre o sofrimento de Macias. Na Sátira de Felice e Infelice Vida, o destinatário da carta mencionada (c. 1450), conta como se apaixonou por uma donzela que tinha salvado de morrer afogada num rio e como, embora tendo ela casado com outro cavaleiro, continuou a amá­la até que a lança do marido ciumento acabou com a sua vida. Uns anos mais tarde, quando o professor de grego em Salamanca, Núñez de Toledo, comenta o Laberinto de la Fortuna de João de Mena (1499), insiste na fama que rodeia o trovador galego e nas distorções a que era submetida a sua bio­ grafia, acarretando novos dados. Posteriormente, Argote de Molina inclui­o na sua Nobleza de Andalucia, fornecendo uma nova versão da sua vida e relacionando com outras personagens.5 As informações fornecidas variam em mais ou menos pormenores: matou­o o esposo da sua amada, mas onde? Numa celda do cárce­ re? Enquanto beijava as pegadas da mulher que amava? O seu mito como vítima via, 18, 2001, pp. 5­31 ou Manuel Gahete Jurado, “Ejes semánticos en la poesía de Macías o Namorado, un trovador gallego en el Cancionero de Baena”, Juan Alfonso de Baena y su cancionero. Actas del I Congreso Internacional sobre el Cancionero de Baena, ed. por Jesús Luís Serrano Reyes y Juan Fernández Jiménez, Baena, Ayuntamiento de Baena­Di­ putación de Córdoba, 2001, pp. 161­182. 5 Entre outros estudos que revisam todo o processo de formação, consolidação e inten­ sificação do mito de Macias o Namorado, veja­se Francisco Serrano Puente, “Notas para un paralelo: Rodríguez de Padrón – Macias”, Cuadernos de investigación filológica, 1­2, 1975, pp. 71­78, e Antonio Cortijo Ocaña, “El mito de Macías en la literatura española. A propósito de Porfiar hasta morir de Lope de Vega”, disponivel em http://www.ehuma­ nista.ucsb.edu/projects/Belmonte/index.shtml, tal como foi capturado em 1 de junho de 2012. Neste sentido, tenha­se também em conta a obra de Enric Dolz i Ferrer, Siervo libre de amor de Juan Rodríguez del Padrón: estudio y edición, València, Universitat de València, 2004. O MODELO DE POETA-AMANTE NO CANCIONEIRO GERAL 473 da paixão foi­se forjando e convertendo­se em fecunda fonte de inspiração – com efeito, apenas alguns anos depois da sua morte, os seus congéneres já veem nele um modelo de amador e cavalheiro. A sua figura é recriada tanto pela ficção sentimental nos finais da Idade Mé­ dia – tornando­se objeto de veneração em Siervo libre de amor (c. 1440), do seu conterrâneo Rodríguez del Padrón –, como na poesia recolhida nos cancioneiros peninsulares. Daí as palavras de Pedro José Pidal: “No se puede formar una verda­ dera idea de la celebridad de Macias sino conociendo los cancioneros manuscritos y viendo el gran número de composiciones en las que se celebra y ensalza”6 ou as de Teófilo Braga em relação à produção especificamente portuguesa: “De todos os poetas (…) um dos mais conhecidos em Portugal foi o enamorado Mancias, cujo nome se tornou proverbial e típico de todos os amantes”.7 Com efeito, Macias (grafado como Mancias) aparece no Cancioneiro Geral em repetidas ocasiões como arquétipo de entrega total à paixão. Já no texto em forma de debate sobre casuística amorosa com que se abre estrategicamente a co­ letânea regista­se o seu nome ora em versos que se apresentam como argumen­ to ora noutros que pretendem ser contra­argumento daqueles. Tal debate estabele­ ce­se em forma de processo judiciário, em estilo discursivo e numa linguagem ca­ racterizada pela gíria e pelas fórmulas forenses, estendendo­se ao longo de muitas estrofes. Na verdade, constitui uma celebração­homenagem do monarca D. João II, que aparece ali, vinte anos depois da morte, exercendo como Rei, como Deus e como Juiz de Amor. Nessa fachada poética, construída a partir das regras do direito como campo de um saber perfeitamente estruturado e capaz de organizar com coerência a mul­ tiplicidade e diversidade das intervenções, discute­se sobre a gravidade e since­ ridade das sintomatologias do amante: Qual atitude supõe verdadeiramente um maior tormento? É o cuidar, quer dizer, o sofrer em silêncio (a introspeção)? Ou é o sospirar, a manifestação/revelação da dor através dos suspiros procedentes da alma? Sucedem­se os pareceres das personagens a favor da sinceridade de uma ou outra reação, provocando dois julgamentos: o primeiro presidido pela senhora Leonor da Silva, diva da Corte; e o segundo, tomado como definitivo, pelo deus Amor, sob o qual aparece transfigurada a imagem de D. João II, o chamado Prín­ cipe Perfeito.8 Apud Carlos Martinez Barbeito, Macías el Enamorado y Juan Rodríguez del Padrón, Santiago de Compostela, Bibliófilos Gallegos, 1951, p. 38. 7 Ibidem, p. 56. 8 À sua memória e sobre as excelências da monarquia de Avis compuseram versos Diogo Brandão (vol. II, nº 333) e Luis Henriques (vol. II, nº 367). O primeiro apresen­ 6 474 MARIA ISABEL MORÁN CABANAS A figura de Macias aparece ali despida de carne e osso, ultrapassando o status humano e entrando, junto com Narciso, Oriana (a amada de Amadis) e Isolda, na esfera do sobrenatural. Assim, Nuno Pereira, líder da parte do cuidado, acode em ajuda dos seus procuradores, alegando que, se os que morreram de amor fossem perguntados, confirmariam que as suas vidas e almas perderam cruelmente, pois não há pior mal do que querer desabafar sem o poder fazer: Narciso, Mancias morreram de soo cuidados vencidos! Oh, quantos ensandeceram mui sesudos, que perderam com cuidados seus sentidos! A que se chama pasmar, que cousa é esmorecer senam querer abafar, sem poder esfolegar? E sospirar é viver. (vol. I, nº 1) Mais adiante, Fernão da Silveira remete­nos para essas quatro figuras trazi­ das de além­túmulo, a fim de contra­argumentar, qualificando­as como “estranhas testemunhas”, com as quais nada se pode provar. Elas ficam aqui discriminadas como pertencentes ao âmbito ficcional, cujo valor não pode concorrer com o da ta­o como protótipo dos reis vindouros, como exemplo perfeito de homem, cristão e go­ vernante, lembrando inclusive a sua fama de santidade – espalhada por ter sido encontra­ do o seu corpo incorrupto, exalando suaves odores depois de quatro anos, quando os seus restos foram levados de Silves para o Mosteiro da Batalha (1499). E, para esse caso mila­ groso também nos remete o segundo dos poetas, sublinhando que nem a morte conseguiu a vitória sobre o seu corpo, tal como fez Garcia de Resende no relato da Tresladaçam do corpo do mui catolico e magnanimo e esforçado Rei D. Ioam o segundo. Por outro lado, no que diz respeito à sua visualização como deus de Amor no Cancioneiro Geral, apare­ ce como um grande senhor da justiça que, rodeado de toda a sua administração, dita a sua sentença com espetacular pompa: desfila com pendões, veste opas de brocado e vai acom­ panhado de um grande aparato de ouro. O debate do Cuidar e Suspirar adquire, pois, a di­ mensão de uma festa em que se tematiza o amante ideal e se soleniza a figura do monarca sob um travestissement como deus de Amor. Neste sentido, cf. João Amaral Frazão, Entre Trovar e Turvar: A Encenação da Escrita e do Amor no Cancioneiro Geral, Lisboa, In­ quérito, 1993, p. 15; a fixação do texto O Cuidar e Sospirar (1483), com notas de Marga­ rida Vieira Mendes, Lisboa, CNCDP, 1997; e Maria Isabel Morán Cabanas em “Sobre o debate entre Cuidar e Suspirar e a visualização poética do Deus de Amor”, Revista Camoniana, 13, III Série, 2003, pp. 77­98. O MODELO DE POETA-AMANTE NO CANCIONEIRO GERAL 475 própria experiência, referida também por outros intervenientes no debate como o melhor garante da verdade. Com efeito, o poeta D. João pergunta diretamente ao seu próprio coração, que possui suficiente competência para saber onde reside a sinceridade do amante, pois nem o de Macias “nunca foi tam namorado”. Este ór­ gão vital confirma­lhe que é no cuidar onde domina a verdadeira tortura, enquan­ to os suspiros parecem apenas “vento”: Tu, que vives sem ser vivo, tu, que morres de paixam, tu, que sentes mal esquivo, coraçam, triste cativo, servo d’outro coraçam, qu’ ainda sejas amado, sospirar, cuidar, coitado, di qual has por moor tormento. Respondeo qu’era um vento sospirar peroo cuidado (vol. I, nº 1) Aliás, Macias pretende mostrar­se como auctoritas irrefutável quando se põe ficticiamente na sua boca um discurso proferido no Inferno dos Namorados, onde se encontra condenado por amor. Desde a “cova” ouve­se a sua voz, junto com a do seu conterrâneo e admirador Juan Rodríguez del Padrón (ou de la Cámara) e com a de Juan de Mena, todos eles autores venerados no Cancioneiro Geral, junto com a do romano Tarquino.9 Os quatro personagens foram convocados por Nuno Gonçalves, alcaide­mor de Alcobaça e “secretário do deus Amor”, para tratar tam­ bém de demonstrar que o cuidar é o sintoma mais verdadeiro do sofrimento ori­ ginado pela paixão; enquanto o suspiro se apresenta apenas como um alívio, um analgésico que permite sobrelevar as dores: Senhores, grandes senhores, querê saber esta nova, como servistes amores, quaes ficastes vencedores, Este último personagem é citado aqui como exemplum de indivíduo louca e ilegiti­ mamente apaixonado por Lucrécia, protótipo literário de esposa fiel, que não tendo podi­ do suportar o ultraje chegou até o suicídio. Quanto à presença de Tarquinio na coletânea portuguesa, veja­se Maria Isabel Morán Cabanas, Festa, Teatralidade e Escrita (Esboços teatrais no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende), A Coruña, Biblioteca Arquivo Tea­ tral Francisco Pillado­Mayor/Universidade da Coruña, 2003, p. 107. 9 476 MARIA ISABEL MORÁN CABANAS ouvi a quem vem da cova: – Mil annos e nove dias, ha que sam morto, finado, comigo pousa Mancias, Mena, Padram das ancias e Tarquino desterrado (vol. I, nº 1) A argumentação de cada um deles consta de uma tenção e outras três partes: comparação, cantiga e fala com a dama, Leonor da Silva, que tinha errado no seu julgamento. À maneira de ilustração, lembremos a exposição de Macias, a qual ouve com atenção o deus Amor antes de ditar a sentença de forma definitiva e re­ vogar judicialmente a anterior, que tinha nomeado vencedora a parte do suspirar. Note­se que as palavras do nosso célebre Namorado aparecem colocadas em pri­ meiro lugar e em língua portuguesa, face às de Padrón e Mena, em castelhano: Sospiros e sospirar, messajeens d’atrebulado, o meu mal podem mostrar, mas nam me podem matar como me mata cuidado. Cuidar é ũa negrura que nam tem consolaçam, sospiros ũa folgura qu’ aliva minha paixam. Sospirar nunca sessega, vai e vem como sezam, cuidado, despois que pega, chupando no coraçam, chupando todo prazer, tira­lhe toda folgança, fá­lo todo emnegrecer, fá­lo secar e morrer, quando tem desesperança, (vol. I, nº 1) Com efeito, ele é um dos maiores frequentadores destes infernos alegóricos ha­ bituais na poesia do século XV, sobressaindo nos versos do Marquês de Santilha­ na, ou nos do seu imitador Garcí Sánchez de Badajoz, o primeiro atribui­lhe, por exemplo, esta declaração bem emblemática: “E si por ventura quieres / saber por qué soy penado, / plázeme, porque si fueres / al tu siglo trasportado, / digas que fui condenado / por seguir d’Amor sus vías, / e finalmente Macias / en España fui O MODELO DE POETA-AMANTE NO CANCIONEIRO GERAL 477 llamado”.10 Como vemos, as referências aqui e além a Macias servem como mais um elemento que contribui para fornecer unidade ao polifónico debate entre o cui­ dar e suspirar, levantando­se sobre o fragmentário das intervenções. Noutro texto sobre casuística amorosa incluído no Cancioneiro Geral, D. João Manuel pergunta se supõe maior tormento amar uma mulher queixosa ou uma que tudo esquece e Álvaro de Brito responde que esta última é pior, pois, “a queixosa torna amorosa / quando se vê bem servida” (vol. I, nº 136), amparando­se em juí­ zos dalgumas dessas figuras tão celebrizadas nos finais da Idade Média: Macias, Paris, Helena, Juan de Mena e Juan Rodríguez del Padrón. Por outro lado, também deparamos na compilação de Garcia de Resende com Macias como termo de comparação numa tripla dimensão: – como mártir da paixão e modelo de servidor, lembrando os seus choros, o seu “cativeiro” e a sua “liberalidade” (no sentido da generosidade, virtude associada à lei dos amado­ res); – como excelso poeta, evocando as “trovas” rimadas que compôs; – e como personagem famosa, aludindo à auréola de “glória” que o cerca e o torna imortal na memória das gentes. Para citar apenas alguns casos, o poeta Gil Moniz reivin­ dica uma boa reputação por todas essas características: “Aqueles que bem ama­ ram / e lealmente serviram / no passado / fama de si vos leixaram, / polas penas que sentiram / e cuidado / (…) / eu soo devo ser na fama / em ũa igual gloria / com Mancias” (vol. II, nº 190). Na verdade, historiadores e antropólogos têm­se aproximado da noção de fama como aspiração de comunidades ou indivíduos dessas comunidades, observando as suas manifestações através de diferentes épocas e culturas a fim de perceber as suas peculiaridades e os seus condicionantes. Embora se trate de um fenómeno omnipresente, as variantes são realmente significativas, até no seio de uma mesma tradição cultural. Assim, é necessário distinguir entre uma Idade Média que orien­ ta a vida do homem para o além, vendo com desprezo a ânsia de fama coetânea e póstuma, e uma Idade Média cavaleiresca e cortesã, regida por outros ideais. Por sua vez, o espírito humanista e a exaltação das letras antigas virão fortalecer o des­ ejo de glória e o indivíduo já não se conformará com ser um “voceiro impessoal de santos”, chamando a atenção para si e para o seu espaço vital e/ou social.11 O poeta António Mendes evoca com nostalgia a irreversibilidade do tempo e confessa que só pode chorar, como o famoso Namorado, a memória do passado (vol. IV, nº 785). Noutra ocasião, uma mulher solicita trovas de amor através da perífrase “trovas como as de Mancias”, ao poeta Tristão da Silva, a fim de poder Apud Dolz i Ferrer, Siervo libre de amor, p. 206. Consulte­se, por exemplo, a obra já clássica de María Rosa Lida de Malkiel, La ideal de la fama en la Edad Media castellana, México, Fondo de Cultura Económica, 1952. 10 11 478 MARIA ISABEL MORÁN CABANAS aliviar os momentos de enfado, mas este reclama­lhe que tenha em conta a paixão que ele próprio sofre e que precisamente ela lhe provoca. Ora, superior a Macias se declara D. João Meneses em matéria de sofrimento quando se afasta da sua se­ nhora, sentindo­se longe de qualquer esperança e esclarecendo “que me nam che­ gou Mancias / em amar nem em querer, / conquanto teve grã fama, / sem se nun­ ca desdizer, / e depois triste morrer / por amor de sua dama” (I, 13, v. 143). E tal superioridade manifesta também Henrique de Saa numa resposta a umas trovas de Diogo Brandão, pois ele não se sente morto, mas “mais que morto”, sem sa­ ber como nem quando a senhora achará fim ao seu infortúnio: “Por esta noites e dias / me vejo sempre penado, / desta são mais namorado / que Mancias” (vol. II, nº 427). Reafirma­se, assim, um mundo poético convencional, amiúde impregnado de um tom elegíaco que se associa à separação, à partida de um dos membros da re­ lação amorosa. Como tantos outros, D. João Manuel invoca a “alma afligida” e de­ clara nuns versos em castelhano que “más razón te mató / que a Mancias” (vol. I, nº 154). Cabe falar, portanto, de “superação”, no sentido do Uberbietung que no­ tou Curtius: El que desea alabar a alguna persona o encomiar alguna cosa trata de demostrar a menudo que el objeto celebrado sobrepasa a todas las personas o cosas análogas, y suele emplear para ello una forma peculiar de comparación que yo llamo sobrepujamiento (Uberbietung). Para probar la superior y hasta la unicidad del hombre o del objeto elogiados, se les compara con casos famosos tradicionales.12 Por sua vez, Fernão da Silveira imagina o seu próprio funeral, pedindo­lhes às damas da Corte que lhe façam um saimento como bem merece: para além de ataú­ de e monumento, que se ouçam os toques dos sinos e choro de carpideiras, que as vestimentas sejam de luto… Enfim, todos dirão adeus a um “grande servidor” e uma senhora exclamará: “– Era este mal logrado / ũu Mancias! / Oh que milagrosa cousa, / que o vi tam namorado / ha tres dias!” (vol. II, nº 216). Tal tendência para a hipérbole e a vocação lúdica que domina a voz dos poetas do Cancioneiro Geral leva, ainda, a atribuir títulos como “Mancias segundo” ou “Mancias português / e inda mais que Mancias” (vol. IV, nº 803), sobretudo em contextos humorísticos. O primeiro recebe­o ironicamente alguém que pretende ser modelo de galante (vol. I, nº 34), enquanto o outro se insere num embrião farsesco composto por Henrique da Mota, contrapondo a avareza de Vasco Abul à liberalidade (generosidade) que 12 Francisco Crosas López, La materia clásica en la poesía de Cancionero, Kassel, Reincherberger, 1995, p. 70. O MODELO DE POETA-AMANTE NO CANCIONEIRO GERAL 479 exige a cortesia amorosa e que o Marquês pratica bem, gastando milhares de cru­ zados, joias, colares… E, paralelamente, registamos aqui fórmulas perifrásticas como “mortal dor de Mancias” (vol. I, nº 55, v. 4) ou “doença de Mancias” (vol. IV, nº 747, v. 60) para designar o mal de amores (ou amor hereos). Ora, entre todas as alusões ao célebre apaixonado, devemos destacar particu­ larmente a confissão de João Gomez da Ilha (vol. II, nº 228) – entenda­se da ilha da Madeira.13 Trata­se de um texto em que um pecador cristão delega num confi­ dente, “João Murato”, a responsabilidade de declarar ao padre as suas faltas, su­ blinhando a coincidência destas com as cometidas outrora por Macias: querer uma mulher casada; ter ciúmes do seu marido até desejar­lhe a morte; e, por últi­ mo, não se sentir arrependido dos seus sentimentos. Sob uma perspetiva tradicio­ nal, críticos como Jole Ruggieri14 ou Pierre Le Gentil15 nao vão além de assinalar aqui a convergência dos planos sagrado e profano que caracteriza a poesia quatro­ centista. Por sua vez, Cristina Almeida Ribeiro,16 embora o interprete como uma queixa amorosa, já assinala o fato insólito de se servir de um intermediário para confessar os próprios pecados, apontando para o tom de humor e ironia que nela se descobre. Numa análise mais pormenorizada convém comparar este com outros casos de amor adúltero no Cancioneiro Geral, em que a maioria dos amantes desiste resig­ nada. Na verdade, quase todos os colaboradores da coletânea consideram o casa­ mento das suas senhoras o fim de todas as esperanças e mesmo das suas próprias vidas; mas o espírito de João Gomes da Ilha não reage dessa maneira e insiste na vontade de continuar a sua relação. Assim, podemos dizer que se situa mais próxi­ mo do parecer do Coudel­Moor, que, quando Álvaro de Brito lhe pergunta sobre a qualidade (pecaminosa ou virtuosa) dos amores adulterinos, apropria­se dos ver­ sos do poeta castelhano Suero de Ribeira e responde com veemência: “ca dito te­ mos d’autor / que Dios al buen amador / nunca demanda pecado”.17 Com efeito, no texto português não há um ato de contrição: 13 Sabemos apenas que dali seria natural ou ali teria residido, estando casado com Guio­ mar Ferreira, filha de Gonçalo Aires Ferreira, companheiro de Gonçalves Zarco, no desco­ brimento dessa ilha. Pertenceu, pois, ao “grupo madeirense” de colaboradores do Cancioneiro Geral, junto com Manuel de Noronha ou Tristão de Texeira, entre outros poetas. 14 Jole Ruggieri, Il Canzonieri di Resende, Genebra, Leo S. Olschki, 1931, pp. 99­100. 15 Pierre Le Gentil, La poésie lyrique espagnole et portugaise à la fin du Moyen Âge, Rennes, Plihon, 1949­1953, vol. I, p. 442. 16 “João Gomes da Ilha”, Dicionário da literatura medieval galega e portuguesa, org. por G. Lanciani e G. Tavani, Lisboa, Caminho, 1991, p. 335. 17 Sobre outras referências a amores deste tipo e às associações discursivas entre amor profano e práticas cristãs, já tratámos em “A propósito da Confissam de Joam Gomes da 480 MARIA ISABEL MORÁN CABANAS Vós dizei que sam casado e quero bem a casada, sendo d’amor tam forçado que nam sento por pecado ela ser de mim amada. Nem me posso conhecer senam tam sojeito dela, que cuido que padecer e tras padecer morrer devo soportar por ela. E o pecado segundo lhe direis: Que meu sentido nam se funda nem me fundo senam sempre neste mundo querer mal a seu marido. E a morte lhe desejo mais cedo que possa ser e o demo nele vejo, e hei gram prazer sobejo, quando a ela posso ver. O terceiro concrusam vós dizei: Que sam tam forte amador por condiçam que nam sento contriçam nem receo minha morte. Nem d’ alma nam sam lembrado, nem de rezam nem de fama, nem é outro meu cuidado, salvante ser namorado daquesta casada dama. (vol. II, nº 228) O próprio confessando marca a priori as suas condições e impõe limitações quanto aos modos de expurgar as faltas. Ele já jejua quando não vê a sua dama e já passa a noite em vigília quando pensa nela. Quanto às orações, já podem ser­ vir como tais todas as dores e tribulações que o seu coração padece. E, no que diz Ilha no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende”, Agália. Revista de Ciências Sociais e Humanidades, 48, inverno 1996, pp. 435­450, estudo que em breve será publicado com revisões e acréscimos. O MODELO DE POETA-AMANTE NO CANCIONEIRO GERAL 481 respeito à esmola, mostra disposto a pagar com quanto dinheiro tiver e até com a sua própria pele (“que m’esfole”) o “serviço” da dama, com o qual o eu poético se consola, quer dizer, satisfaz os desejos. Ora, nunca aceitará prescindir de tal re­ lação: “ante me mande matar / por outra qualquer maneira”. Na verdade, a uma primeira leitura do texto como fingimento poético ligado à teatralidade cortesã segue­se outra em que podemos descobrir uma invetiva con­ tra o indivíduo mencionado no primeiro verso. Não convém esquecer a etimolo­ gia e formação do antropónimo Mourato: o lexema “mour­” e o sufixo “­ato” pare­ cem remeter­nos para a etnia dos mouros, anulando já a sinceridade do ritual cris­ tão. Aliás, alude­se à confiança na intermediação de tal indivíduo para conseguir absolvição/perdão e, simultânea e paradoxalmente, lembra­se a pouca frequência com que este se confessa. Como já temos assinalado noutra ocasião, o relato pa­ rece dirigido a este, que se torna vítima de uma dupla burla: pela origem moura e por ser, precisamente ele, o marido enganado. A propósito do termo jejuar, te­ nham­se em conta as ocorrências do seu antónimo comer como metáfora do ato sexual na tradição cancioneiril; e, quanto à aceção erótica da insónia, pense­se, por exemplo, na esparsa do castelhano Guevara à sua amiga, “estando con ella en la cama”, no Cancionero General de Hernando del Castillo: “¡Qué noche tan mal dormida! / Que sueño tan desvelado! / Qué gesto el vuestro, de Dios! / Qué mal el mío, con vicio! …”.18 Por outro lado, num ataque metaliterário de cariz religioso, alude­se ao culto irracional que os poetas rendem ao deus designado como Macias ou Cupido, em vez de adorar figuras mais dignas pela sua fé cristã, como o Apóstolo Santo An­ dré: D. João Manuel estabelece um confronto entre amor sensual versus espiri­ tual, criticando o primeiro e lamentando um mundo ao revês. A temática moral e religiosa domina o texto, pelo que Macias e todos os seus seguidores representam um contra­valor, a encarnação do mal ou o grupo do “imigo”: “Poetas ou trova­ dores / que despendeis vossos dias / em dizer cem mil primores / de Copido e de Mancias, / do bem nam diz bem ninguem, / o mal louvaes desigual, / sois trova­ dores do bem / e bendizentes do mal” (vol. I, nº 138) – eis uma adoração que nos traz à memória o relato de Rodríguez del Padrón no Siervo libre de Amor, em que o túmulo de Macias aparece como templo de peregrinação religiosa, onde se pro­ vam, à maneira artúrica, os verdadeiros amadores. Como acontece com o caso de Inês de Castro, com que compartilha o moti­ vo do trágico destino pelo seu amor impossível e pela sua origem galega, a miti­ ficação do Namorado regista­se, pela primeira vez na poesia portuguesa, no Can- 18 Apud Keith Whinnom, La poesía amatoria de la época de los Reyes Católicos, Dur­ ham, University of Durham, 1981, p. 32. 482 MARIA ISABEL MORÁN CABANAS cioneiro Geral, sendo veiculada no molde tipicamente quatrocentista da redondi­ lha. Mais tarde, continuará a ser explorada noutros metros e géneros por autores como Luís de Camões, que na peça teatral do Auto de Filodemo compara as pala­ vras sangrentas de Duriano com as de Macias, a partir de um verso amiúde glosa­ do no repertório poético hispânico: “e se isto não bastar, salgan las palabras mas sangrientas del corazón, entoadas de feição, que digam que sou um Mancias, e pior ainda”.19 É claro que a presença do nosso cativo de amor na literatura lusa se encontra intimamente ligada à influência da poesia de Castela: quase uma déci­ ma parte dos textos ali compilados estão compostos em castelhano e, independen­ temente da língua utilizada, sobressai nele um verdadeiro apreço e até veneração pelos autores da Corte vizinha através da referência (implícita ou explícita), da ci­ tação e da glosa – sobretudo em relação à temática amorosa. Reproduzimos este – nalguma ocasião atribuído a Garci Sánchez de Badajoz – em itálico. Cfr. Paloma Díaz­Mas, “Algo más sobre romances (y canciones) en ensaladas”, Nueva Revista de Filologia Hispánica, 41, 1993, p. 237, e a edição do Cancionero de Garcí Sánchez de Badajoz, preparada por Julia Castillo, Madrid, Editora Nacional, 1980. 19