SOCIEDADE, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO:
PRÁTICAS SOCIAIS INSURGENTES E NOVAS
CENTRALIDADES, APONTAMENTOS A PARTIR DA
AMAZÔNIA BRASILEIRA.
Marcel Ribeiro Padinha 1
RESUMO: A temática do artigo é a centralidade urbana e o processo de reestruturação da
cidade e do urbano promovidas por Grandes Projetos na Amazônia Brasileira. O trabalho
explorar a dimensão política por trás ou na base do processo de criação e desenvolvimento de
uma centralidade urbana. O trabalho possui três objetivos: um demostrar que elementos e/ou
variáveis particulares, fruto da relação homem-natureza, evidenciam práticas sociais
específicas que se convertem em práticas espaciais insurgentes de múltiplas dimensões; dois
apresenta, perante o contexto espacial eleito (a formação sócio espacial do Xingu), como foram
se construindo lideranças e uma cultura política na região da cidade de Altamira no Pará, que
possuem como marcas a luta cotidiana pela afirmação dos subalternizados; três, apresentar
uma maneira particular de conceber os processos que estão sendo vivenciados na região de
Altamira.
PALAVRAS-CHAVE: Dimensão Política. Centralidade Urbana. Práticas Espaciais Insurgentes.
SOCIETY, ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT: SOCIAL
PRACTICES INSURGENTS AND NEW CENTERS, NOTES FROM
THE BRAZILIAN AMAZON
ABSTRACT: The theme of the article is the urban center and the city's restructuring and urban
promoted by Major Project in the Brazilian Amazon. The work exploring the political dimension
behind or on the basis of the creation and development of an urban centrality process. The work
has three objectives: one demonstrate that elements and / or private variables, the result of
man-nature relationship, show specific social practices that convert to spatial practices
insurgents multiple dimensions; two shows, before the elected spatial context (the socio-spatial
formation of the Xingu), like they were building leadership and a political culture in the region of
the city of Altamira in Pará, which have as brands everyday struggle for the affirmation of the
subordinate; Three present a particular way of conceiving the processes that are being
experienced in the Altamira region.
KEYWORDS: Dimension Policy. Urban centrality. Spatial practices Insurgentes .
SOCIEDAD, MEDIO AMBIENTE Y DESARROLLO: PRÁCTICAS
INSURGENTES SOCIALES Y LOS NUEVOS CENTROS, NOTAS
DE LA AMAZONIA BRASILEÑA
1
Mestre em Geografia, Universidade Federal do Pará. Doutorando UNESP-Presidente
Prudente. E-mail: mpadinha@ufpa.br
Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62.
RESUMEN: El tema de este artículo es el centro urbano y la reestructuración de la ciudad y
urbana promovido por el mayor proyecto en la Amazonia brasileña. El trabajo explora la
dimensión política detrás o sobre la base de la creación y desarrollo de un proceso de
centralidad urbana. La obra tiene tres objetivos: un demuestran que los elementos y / o
variables privadas, el resultado de la relación hombre-naturaleza, muestran prácticas sociales
específicas que se convierten en prácticas espaciales insurgentes múltiples dimensiones; dos
espectáculos, antes de que el contexto espacial elegido (la formación socio-espacial del Xingu),
al igual que estaban construyendo un liderazgo y una cultura política en la región de la ciudad
de Altamira, en Pará, que tiene como marcas lucha diaria para la afirmación de que el
subordinado; Tres presentan una particular forma de concebir los procesos que se están
experimentando en la región de Altamira.
PALABRAS CLAVE: Política de dimensión. Centralidad urbana. Prácticas espaciales
Insurgentes.
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende cumprir três objetivos e lançar um desafio.
Deve ser tido não obstante, enquanto proposta de discussão, portanto,
enquanto um conjunto de ideias abertas. A temática do artigo é a centralidade
urbana assim como, o processo de reestruturação da cidade e do urbano.
Porém, a centralidade aqui não será tratada em sua dimensão econômicofuncionalista. O intento do trabalho é explorar a dimensão política por trás ou
na base do processo de criação e desenvolvimento e consolidação de uma
dada centralidade urbana.
Dito isso, faz-se oportuno, em um primeiro momento, apresentarmos de
qual “porção do espaço geográfico” a presente reflexão nasce. Trataremos de
Amazônia e de amazônidas. Mais precisamente, tratar-se-á da unidade
regional do Xingu buscando demostrar que elementos e/ou variáveis
particulares, fruto da relação homem-natureza, evidenciam práticas sociais
específicas que se convertem em práticas espaciais insurgentes de diferentes,
ou melhor, seria dizer, de múltiplas dimensões, tais como: as ligadas a
aspectos de ordem regional, de ordem territorial e ou mesmo de uma ordem
que leva em consideração aspectos definidores e apropriativos do lugar, o que
estamos chamando de lugaridade.
Daremos atenção, portanto, as relações sociais posto que, estas se
expressam enquanto relações espaciais. Temos por intuito oferecer um campo
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de reflexão que, antes de discutir as relações entre espaço e sociedade,
fundamente a compreensão do espaço na sociedade enquanto condição e
produto social. Nessa perspectiva, que tem por base Lefebvre, a espacialidade,
mais do que a historicidade, se abre como campo de possibilidades concretas
e a escala de análise, dos fenômenos e processos, apresenta-se enquanto um
componente fundamental (MARTINS, 2001).
O segundo objetivo, é apresentar, perante o contexto espacial eleito (a
formação sócio espacial do Xingu), como foram se construindo lideranças e
uma cultura política na região da cidade de Altamira no Pará, que possuem
como marcas a luta cotidiana pela garantia de direitos e afirmação dos de
baixo, dos subalternizados. E demonstrar que, essa bagagem política advinda
de uma população migrante que foi “largada” na Amazônia, em tempos de
abertura e expansão das estradas (fins dos anos 60 e início dos anos 80)
voltadas para atender a lógica do grande capital e do Estado Brasileiro, formou
a partir da atuação de uma Igreja Católica, pautada pela Teologia da
Libertação, sujeitos de práticas espaciais extremamente politizadas.
Tão politizados ao ponto, de nos levar a defender, que a centralidade
institucional e de serviços assim como, a ampliação e melhorias nas
instituições e na estrutura de serviços prestados a sociedade de Altamira no
Pará e, a concentração comercial neste centro, só se faz presente hoje nesta
cidade, graças à atuação de seus movimentos sociais. Que por meio de seus
pleitos pela vinda de tal e tais instituições, salvaguardam as condições mínimas
de permanência nesta porção territorial de difícil acesso, dando uma condição
de nó expressivo dentro da rede urbana da Amazônia oriental, a cidade de
Altamira. Capaz de comandar hoje uma rede urbana que contém 10 municípios
em sua região de influência.
E por fim, como terceiro objetivo elegemos a defesa de uma maneira
particular (e não singular!) de conceber os processos que estão sendo
vivenciados na região de Altamira. E que impactam no urbano regional e se
expressa em especial, na cidade de Altamira. Para tanto, pensamos que uma
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economia política renovada e atual é oportuna no auxílio desta empreitada. A
complexidade de diferentes e diferenciadas atividades sociais e o choque ou a
contraposição através de normas e ordenações econômicas, buscam tratar o
espaço cada vez mais como objeto, produto e mercadoria, redefinindo o
sentido do espaço no plano da prática social.
Não obstante, o claro intento de subjugação do social pelo econômico
possibilita ao primeiro, contraditoriamente, a partir de práticas espaciais
insurgentes, o surgimento de cenários alternativos, cuja principal marca é a
negação do modo capitalista de produzir, visto como espoliador por essência
(para o caso da Amazônia), e a proposição de soluções pensadas, dialogadas
e encaminhadas pelos de baixo. Vamos à apresentação e defesa do texto
então.
2 – AMAZÔNIA: UMA REGIÃO, MÚLTIPLAS VISÕES
Trindade Júnior, no ano de 2006, publica um pequeno artigo no que se
refere a número de páginas, mas um grande artigo em termos de
possibilidades de análise e consistência teórica. A temática? Amazônia. O
trabalho intitulado “Pensando a concepção de Amazônia” possui vários pontos
importantes a destacar dos quais destacaríamos o seguintes: i) a apresentação
de uma Amazônia diversa em todos os aspectos (social, ambiental, econômico
e cultural); ii) a apresentação de diferentes visões e projetos para a região; e iii)
o reconhecimento e destaque dado a força do “tempo lento”, portanto, nos
pontos ii e iii há um claro apelo a importância da dimensão política.
Segundo (TRINDADE JÚNIOR, 2006), no entendimento do que seja a
Amazônia, duas posições têm se feito notar. A que a ver como um espaço
homogêneo, representante maior de um imaginário ignorante e por isso, pronto
e acabado do que seja a Amazônia, inventada a partir de pressuposto ahistóricos, sem a presença do homem e de sua história. E, outra que se
contrapõe a essa concepção “embalagem Carrefour” de região, onde se trata
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de Amazônia como um conceito arbitrário, uma representação imposta, em
geral por quem a olha de fora, onde se impõe uma identidade única a uma
pluralidade de culturas, de naturezas e de sociedades.
Segundo o autor as duas posições são problemáticas: a primeira por
desconsiderar a natureza humana e social do espaço geográfico; e a segunda
por negar uma realidade objetiva que, serve de referência para o entendimento
desta porção do espaço brasileiro e sul-americano quando de sua interação
com o mundo, qual seja, a presença marcante do domínio Amazônico. O
geógrafo amazônida advoga então a necessidade de compreendermos a
Amazônia
enquanto
uma
região,
espaço
dotado
de
particularidades
específicas.
Para Trindade Júnior (2006) a ideia de homogeneidade geográfica não
ajuda a compreender um espaço, como o amazônico, muito diverso, tanto do
ponto de vista da natureza, como do ponto de vista da existência humana.
Sendo assim, segundo Trindade Júnior, deve-se buscar reconhecer a
Amazônia como um espaço particular, como uma região, que serve de
mediação entre o universal (o mundo) e o singular (o lugar). Para tanto, quais
seriam as particularidades que ajudariam a compreender a Amazônia enquanto
uma região? Segundo o autor (2006), diferentes respostas têm sido oferecidas
ao longo do tempo para esta questão.
Uma primeira se expressa no reconhecimento da natureza como
conformadora de um quadro geográfico próprio (enquanto uma forma-conteúdo
naturalista). Bem, esta forma de conceber a Amazônia privilegia um quadro
natural, que: desconsidera a presença do homem, desconsidera processos
históricos e identidades culturais conformadoras de um espaço humanizado.
Desconsidera ainda a formação territorial e sua dimensão humana e histórica
como elemento importante para compreender o papel do espaço amazônico no
Brasil e no mundo. Não obstante as críticas apontadas a esta visão de
Amazônia, o autor defende a consideração do quadro natural como importante
particularidade regional (Trindade Júnior, 2006).
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Outra visão sobre a região, entretanto, elege outra(s) particularidade(s).
É o caso dos que veem a Amazônia como espaço estratégico para a ação e o
planejamento do Estado. Trata-se de uma visão-discurso sobre a região,
bastante presente nos documentos que estabelecem ações e intervenções
nesse espaço. A particularidade da região nessa perspectiva é a de tê-la
enquanto fonte de recursos a ser explorada, expressa na riqueza de recursos
naturais do solo, do subsolo, dos recursos hídricos, assim como a de tê-la
enquanto um composto de espaços vazios que devem ser ocupados (Trindade
Júnior, 2006).
Segundo Trindade Júnior (2006), o espaço aqui, não é tido na sua
dimensão social, mas como base material a ser ocupada, sendo, portanto, um
espaço sem homem, a-histórico. Em outras palavras, um substrato passivo
para o desenvolvimento dos fenômenos. Para este autor, o Homem na
Amazônia dentro desta visão é tratado como recurso humano, como
população, como contingente de mão-de-obra, como mera força de trabalho.
Trata-se de um homem genérico, abstrato, homogêneo. É um homem-objeto
que ocupa espaços vazios, sendo apenas um habitante e não um criador de
espaços. Conforme ainda Nahum (1999 apud TRINDADE JÚNIOR, 2006), o
que prevalece nessa concepção de espaço é a ideia de uma região funcional
onde o novo e o velho se polarizam e se estranham. O velho se apresenta
como obstáculo ao novo, daí a necessidade de ser superado.
Outra maneira de enxergar e debater a Amazônia é entendê-la enquanto
fronteira. Trata-se de considerá-la como o mais recente espaço de expansão e
projeção das relações capitalistas de produção. Nessa interpretação, a região
apresenta-se enquanto fronteira econômica de ação do capital e de controle
político do Estado no processo de estruturação do território brasileiro.
Para o capital, a fronteira tem valor como espaço onde é possível
implantar rapidamente novas estruturas e como reserva mundial de energia
(Becker, 1990, p.11). Fala-se, então, de diversas fronteiras compondo a
fronteira econômica: a madeireira, a agrícola, a industrial, a energética, a
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urbana, dentre outras. Traz também implícita a ideia de ocupação de novas
terras e de uma nova direção do processo de colonização e de incorporação de
novos espaços à economia de mercado (TRINDADE JÚNIOR, 2006).
Nas quatro últimas décadas, a região amazônica vem acumulando as
maiores taxas de crescimento urbano do Brasil. Em 1970, a população urbana
era de 35,5% quando comparada a população total. Esta proporcionalidade
aumentou para 44,6% em 1980, para 58% em 1991, 61% em 1996 e
aproximou-se de 70% em 2000 segundo informações levantadas junto à
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2008).
A Amazônia contemporânea possui padrões e arranjos espaciais
cristalizados e mutantes: em meio à floresta tropical um tecido urbano
complexo
erigiu-se,
modificando
o
espaço
em
diferentes
escalas,
transformando formas e introduzindo novos conteúdos à sociedade e ao
território. Não obstante, o aumento da população urbana e a expansão de seu
modo de vida, não fora acompanhado de melhorias infraestruturais capazes de
prover níveis básicos de qualidade de vida. Desprezíveis indicadores de alguns
serviços (saúde, educação) e baixos salários além da insuficiência de
equipamentos urbanos, expressam e concretizam a precária qualidade de vida
de boa parcela da população amazônida.
As alterações sócio-espaciais promovidas em âmbito regional, por
intermédio de ações do Estado e do capital, diversificaram a economia e
aumentaram o contingente populacional. Não obstante, o processo histórico de
ocupação humana e a urbanização da Amazônia não se verificaram de forma
linear, o contexto político-econômico, ao longo do tempo, fora determinante
destas flutuações. Hoje, a urbanização da região encontra-se em fase de
estruturação, caracterizando-se ainda como uma região de "fronteira", onde a
dinâmica das cidades ainda é intensa e constante, abarcando o surgimento de
novos assentamentos urbanos.
O entendimento da Amazônia enquanto fronteira para ciência geográfica
traz como tripé: a) o destaque a uma preocupação econômica dos processos
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que modelam o espaço regional, b) o impacto do modo de produção capitalista
e suas formas recentes de reprodução nas organizações espaciais anteriores,
e c) a necessidade de explicar o desenvolvimento desigual e combinado no
interior do território nacional conforme ressalta (TRINDADE JÚNIOR, 2006).
Esta discussão da fronteira amazônica carece, contudo, de uma atenção
e debate acerca da dimensão cultural desta fronteira complexa. Ainda que
incompleta, como bem sugere Nogueira (2001 apud Trindade Júnior, 2006),
trata-se de uma maneira de conceber e interpretar a Amazônia tendo em vista
a eleição de elementos importantes para a compreensão da particularidade que
caracteriza a Amazônia enquanto espaço socialmente produzido, em uma
escala nacional, ou mesmo internacional.
De acordo com as reflexões de Trindade Júnior, devem se fazer
presentes
na
caracterização/delimitação
das
particularidades
de
uma
Amazônia vista dentro de outra perspectiva, os seguintes aspectos: i) o homem
deve está no centro da compreensão da Amazônia enquanto região. Devendo,
a particularidade regional ser dada pelo papel dos homens na produção social
do espaço amazônico; ii) a presença da natureza e a forte ligação do homem
com ela, trata-se de uma natureza reconhecida a partir de uma identidade de
vida, ligada a várias identidades de vida e de culturas, presentes em diferentes
porções do espaço regional; iii) a predominância e a combinação de várias
temporalidades é outro elemento da particularidade regional, ou seja, temos na
Amazônia a força de uma temporalidade hegemônica, a capitalista, que se
impõe e que se caracteriza principalmente como processo econômico, não
obstante, esta temporalidade ser enfrentada por outras, que inclui também
tempos lentos, como aqueles das populações tradicionais. E, acrescentaríamos
a atuação dos movimentos sócio-espaciais da região, que é como trataremos
estes. Movimentos diversos em sua composição.
Além dessas particularidades, Trindade Júnior (2006), destaca ainda
outras particularidades: iv) os intensos conflitos que se dão em decorrência do
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convívio dessas diversas temporalidades, tempos sociais estes que definem
uma diversidade de territorialidades.
Nesse aspecto são vários os elementos de resistências que se
revelaram na Amazônia nas últimas décadas, mobilizados pela
criação de reservas extrativistas, a exemplo dos seringueiros
no Acre; pela defesa de territórios de populações tradicionais
ameaçadas de desestruturação, em razão da implantação de
grandes empreendimentos, como no caso da construção da
hidrelétrica de Kararô (atual Belo monte) no rio Xingu, no
Estado do Pará; pelo acesso a direito de permanência na terra
agrária, que resultaram em conflitos de várias naturezas, a
exemplo do episódio de Eldorado de Carajás, no sudeste do
Pará. Relevante é também a resistência cultural, que resguarda
importantes territórios, como no caso dos negros,
descendentes de quilombos do rio Trombetas, que lutam pelos
seus recursos naturais e pela permanência de sua cultura;
dentre muitas outras resistências que marcam a pluralidade de
temporalidades e de conflitos (...) (TRINDADE JÚNIOR, pág.
362, 2006). (grifo nosso)
Aliam-se a esses elementos, conformadores de uma particularidade
amazônida, v) a intensidade da expropriação dos recursos, da terra, da cultura;
com uma forte, expressiva e evidente presença do Estado que, inclusive, insere
outras identidades a serem reconhecidas como identidades amazônicas e o
fato de a Amazônia se constituir em região de perdas, mais do que espaço de
ganhos e de comando (Trindade Júnior, 2006).
Para Becker (2001), o privilégio conferido aos grupos dominantes e a
violência da implantação acelerada da malha tecno-política, resultou em danos
muito perversos nos espaços onde fora incutida, destruindo, até mesmo,
gêneros de vida e saberes locais construídos ao longo de décadas e séculos. A
compreensão
do
espaço
regional
como
isotrópico
e
homogêneo,
desconsiderou as diferenças sociais e ecológicas da formação sócio-espacial
amazônica. Esses aprendizados, de como não planejar uma região, devem
permanecer cristalizados em nossas mentes, potencializando nossas reflexões,
se temos por intuito a superação de seus paradigmas.
Por fim, a Amazônia, ainda que seja pontuada de tempos rápidos, e que
definem espaços de altas luminosidades, como nos ensinou teoricamente
Santos (1994), é, sem dúvida, o espaço, a região, onde há um predomínio do
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tempo lento. Aqui, este atributo não está sendo usado de maneira pejorativa,
mas como um qualificativo de potencialidade política e de vida; afinal, a força
dos fracos, conforme nos ensinou Santos (1994), é o seu tempo lento. É o
tempo lento que nos faz reconhecer vivências, sociabilidades e, por
conseguinte, identidades e, também, resistências (TRINDADE JÚNIOR, 2006,
pág. 363).
3 – A UNIDADE REGIONAL DO XINGU: PROPOSIÇÕES PARA O DEBATE
Desde a ocupação do Brasil, ao longo dos séculos XVI e XVII, pelos
portugueses, o rio e a floresta sempre foram notados como recursos
mercadófilos importantes para o enriquecimento da metrópole portuguesa,
assim como, das elites locais (portuguesas ou não). Os povoados eram sempre
construídos em locais que permitiam uma situação geopolítica favorável (do
ponto de vista militar e religioso) e que, ao mesmo tempo, pudessem
proporcionar um fluxo de mercadorias entre centros mais complexos e centros
de baixa ou simples funcionalidade.
O processo de ocupação da região Xingu, porção do território paraense
onde está localizada a cidade de Altamira hoje, insere-se no contexto da
formação sócio-espacial amazônida, tratando-se, portanto, de uma região
particular, cuja interpretação geohistórica tem sido feita de forma fragmentada
e incipiente. O padrão de povoamento “rio – várzea – floresta” era alicerçado
no sistema de aviamento e na economia de base extrativista com destaque
para a exploração extrativista da borracha e da atividade pesqueira. Tal padrão
possuía seu sistema de locomoção circunscrito aos cursos d´água, em
especial, no rio Xingu até a foz do rio Amazonas e no rio Iriri. A população em
sua maioria se concentrava nas margens dos rios, em vilas e cidades.
Segundo Cardoso e Lima (2006), o padrão de ocupação relacionado ao
uso e aproveitamento dos rios é o mais antigo, estando associado à natureza
extrativa das atividades econômicas praticadas na Amazônia durante séculos;
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as cidades que apoiaram ciclos econômicos (extração de drogas do sertão,
exploração da borracha ou mesmo de produtos madeireiros) prosperavam na
medida em que funcionavam como entrepostos comerciais, em geral
localizadas nas calhas dos rios mais importantes.
É importante ressaltar que o padrão de ocupação às margens dos
grandes rios e a formação de aglomerados que exerciam função de
entrepostos comerciais (pontos de coleta e troca) contribuíram para formação
de uma rede urbana do tipo dendrítico que, posteriormente (década de 1960),
em virtude de uma redefinição na divisão territorial do trabalho, em diferentes
escalas, e de uma densificação (construção e ampliação) nas redes de suporte
e serviços na região, possibilitaram ao território viver momentos de esplendor e
estagnação econômica.
A mudança para outro padrão de rede, que não seja do tipo dendrítico,
implica, necessariamente, alterações profundas na esfera da produção,
circulação e consumo regional. Alterações estas que são promovidas por
determinados (e contextualizados) agentes. E que, para a Amazônia, tem como
marco espaço-temporal o fim os anos 1950 e início da década seguinte, com a
construção da Belém-Brasília e posteriormente, nos anos 1970 com a abertura
da Transamazônica, este sim, o evento mais significativo até Belo Monte, em
termos de restruturação regional. Tão forte e profundo, ao ponto de transformar
a forma-conteúdo de Altamira (antes ribeirinha), em cidade de confluência rioestrada, onde o ritmo da segunda, a rodovia, se impôs.
Ainda sobre essas “alterações profundas” os dados do Censo de 2000
do IBGE são representativos, pois demonstram a multiplicação do número de
centros urbanos na Amazônia. Na década de 1960, eram 165, em 1980 somam
212, em 1991 já são 264, e em 2000 449. Somente na última década do século
XX, foram criadas 185 cidades, número superior em vinte centros à quantidade
de cidades existentes em 1960. Tratam-se em sua maioria de pequenos
núcleos que
se
emancipam
respondendo
à
interesses políticos (ou
politiqueiros), compostos de frágil ou nenhuma infraestrutura, cuja base de
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sustentação é o repasse de recursos públicos, tais como FPM e Previdência
(OLIVEIRA E SCHOR, 2008).
Segundo Becker (2003) essa multiplicação dos centros urbanos é
acompanhada
de
uma
transformação
sumamente
importante,
o
desenvolvimento da conectividade, o aprimoramento das redes e a
urbanização da sociedade e do território. A introdução na região de redes de
suporte e serviços acaba por desencadear intensa migração para região ações
estas, que impulsionam uma maior mobilidade ao trabalho, gerando
desmatamento e queimadas, a partir do incentivo à abertura de estradas, à
industrialização, e concomitantemente ao desrespeito às particularidades
socioambientais endógenas que, paradoxalmente ou não, proporcionaram a
ampliação e diversificação dos grupos sociais.
Esta urbanização, extensiva e intensiva, levou a região amazônica a
percentuais de 60, 70% de população residentes em locais considerados
urbanos, caracterizando-a, segundo alguns autores, como uma “floresta
urbanizada” (BECKER, 2001).
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mas,
quais
as
implicações,
em
termos
sócio-espaciais
destas
transformações aqui apresentadas, a partir de um breve mergulho histórico? A
partir de um conjunto de fatores, deflagradores de processos variados, o que
resultou?
Pois bem, em nosso entendimento algumas particularidades se
formaram ao longo desses anos de processo de ocupação da região, sendo as
mais expressivas as seguintes: i) presença marcante de uma população de
origem migrante, fruto das políticas direcionadoras do Governo Federal para a
região. População esta que desempenhou ao longo do tempo diferentes papéis
enquanto força de trabalho.
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Desde a época do extrativismo da borracha, passando pela “economia
da pele do gato”, entre os anos 50, 60 e 70, onde se praticou a caça em grande
escala da ariranha, da jaguatirica e da onça pintada. Passando pelo papel de
desbravadores, enquanto colonos da transamazônica ao longo dos anos 70 e
80 ou mesmo, enquanto mineiros, na exploração de ouro nas comunidades de
ressaca e fazenda nos anos 80; ou sendo peão nas fazendas de gado ou
superexplorados por madeireiros durante os anos 90.
Outra particularidade da região é a de ser cenário para: ii) intensos
conflitos no campo. Fruto da disputa pela terra e do choque de concepções de
mundo diferentes,
resultantes do convívio
de
sujeitos com
distintas
temporalidades sociais. Ligado ao elemento destacado acima está o terceiro
ponto definidor de mais uma particularidade regional: iii) a forte atuação dos
movimentos sociais. Que surgiram das entranhas da igreja católica,
embebedados pela teologia da libertação. Aliás, a força desta igreja, e a
atuação política de seus representantes, conforma o quarto elemento
particularizador do Xingu, a iv) presença marcante e atuante da igreja católica.
Trabalho feito em uma cidade-região localizada na confluência das vidas do rio,
da floresta e da estrada, seu quinto elemento em destaque, v) ponto de contato
de dois padrões espaciais o rio – várzea – floresta e o estrada – terra firme –
subsolo (GONÇALVES, 2001).
Tendo em vista essa confluência, as cidades desta região, possuem a
presença marcante: de um vi) diálogo entre os mundos urbano, rural, indígena
e ribeirinho (não somente entre urbano e rural, assim mesmo, complexo).
Dentre de nosso prisma analítico tratam-se de sujeitos sociais diferentes, que
atuam sobre uma forma-conteúdo diferente, e que por isso possuem práticas
espaciais diferenciadas. Como um sétimo elemento propositivo, destacaríamos
vii) a forte presença indígena e a atuação política expressiva de demais povos
tradicionais. Que particularmente nos dias de hoje, vivem momentos de
grandes conflitos de natureza territorial.
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Para além do reconhecimento de regionalismo e de territorialidades
diversas e múltiplas, recentemente bastante enfocadas pela Geografia e
mesmo por outras ciências, há de se falar ainda, na luta pela defesa do espaço
de identificação imediata, defesa do espaço cotidiano, assim como de suas
referências históricas sejam estas concretas e contemporâneas ou pela
garantia da existência material de um espaço que possibilita recordar, pois aqui
“recordar é viver”, “recordar e se fortalecer” em síntese, “recordar é continuar
existindo”.
Há uma ampla defesa do espaço, do seu nosso espaço, tendo em vista
a luta pela permanência de um quadro que imprescinde de uma dada
coletividade, de uma data interação, multiplicidade e devir. O espaço tende a
ser mais do que o ambiente da prática social, exigindo um esforço de
interpretação em que, seja possibilitado a esse uma caracterização como
condicionante, a partir de determinadas particularidades.
Trata-se aqui de falarmos da ação de sujeitos que politicamente
demarcam posição bastante singular, em termos de demarcação de
posicionamento político mesmo, onde a defesa de territorialidades é de suma
importância. Onde as agressões a camponeses, ribeirinhos e indígenas contam
demais. Onde o regionalismo está inflamado e posiciona-se contrário a
exploração predatória dos recursos naturais e das sociedades. Onde a luta
pelo direito à cidade também se trava. Porém o que nos leva, a falar em
lugaridade é a soma de tudo isso em determinados sujeitos sociais. Que
traduzem sua indignação a partir de práticas espaciais insurgentes bastante
complexas. Os militantes do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, possuem em
nossa opinião essa característica.
Trata-se da contraposição a um poder hegemônico maior e mais forte,
onde se busca reunir todos esses elementos externos no intuito de “preservar”
o lugar. É o defender o outro sem ser o outro, é o defender o modo de vida do
outro sem ser o outro. É a defesa do direito de permanência do ritmo da vida
cotidiana de sujeitos subalternizados (não significando isso abrir mão de
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melhorias e mais direitos). Por que defender a continuidade desses ritmos
cotidianos, é defender uma cidade e um urbano onde este “ser militante” se
reconhece, se enxergar, se identifica espacialmente.
A espacialidade
pressuposta nesses processos se realiza no espaço geográfico e perpassa
relações reais, cotidianas.
Como oitavo elemento explicativo da região Xingu, destacaríamos: viii) a
instabilidade política regional. Trata-se de um espaço que possui a presença de
municípios jovens e que passaram e passam por um processo de crescimento
populacional e expansão urbana intensos e, em alguns casos agressivos
mesmo. Citam-se os exemplos das cidades de Vitória do Xingu e de Brasil
Novo, onde a sociedade local sofre com a troca de prefeitos antes do
cumprimento de seus mandatos. Brasil novo, por exemplo, teve quatro
prefeitos em 04 anos.
Como nono elemento particularizador, cita-se: IX) a controversa
presença do governo federal na região. Que embora se faça presente em
termos institucionais, em termos práticos desagrada a todos os agentes do
Xingu. Tendo como fruto desta particularidade, um sentimento de revolta em
relação ao governo federal, desencadeador de um sentimento de cunho
separatista, que defende a criação do Estado do Xingu. Aqui não se trata de
uma crítica declarada à ausência do governo do estado, como acontece em
Santarém no oeste paraense, aqui a crítica é mais profunda, posto que se
dirige também a união.
E por fim (mas não por último, tendo em vista a continuidade da
pesquisa empírica e das leituras sobre a região em análise) citaríamos X) a
localização estratégica de seu principal centro urbano, qual seja a cidade de
Altamira. Situada entre centros de regionais de grande importância, como são
os casos de Santarém e Marabá, e a metrópole belenense. Este arranjo
econômico-político e urbano, em nossa opinião nos obrigam a pensar em
termos de uma nova economia política da cidade e da urbanização.
Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62.
5 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E REFERÊNCIAS
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