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SOCIEDADE, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO: PRÁTICAS SOCIAIS INSURGENTES E NOVAS CENTRALIDADES, APONTAMENTOS A PARTIR DA AMAZÔNIA BRASILEIRA. Marcel Ribeiro Padinha 1 RESUMO: A temática do artigo é a centralidade urbana e o processo de reestruturação da cidade e do urbano promovidas por Grandes Projetos na Amazônia Brasileira. O trabalho explorar a dimensão política por trás ou na base do processo de criação e desenvolvimento de uma centralidade urbana. O trabalho possui três objetivos: um demostrar que elementos e/ou variáveis particulares, fruto da relação homem-natureza, evidenciam práticas sociais específicas que se convertem em práticas espaciais insurgentes de múltiplas dimensões; dois apresenta, perante o contexto espacial eleito (a formação sócio espacial do Xingu), como foram se construindo lideranças e uma cultura política na região da cidade de Altamira no Pará, que possuem como marcas a luta cotidiana pela afirmação dos subalternizados; três, apresentar uma maneira particular de conceber os processos que estão sendo vivenciados na região de Altamira. PALAVRAS-CHAVE: Dimensão Política. Centralidade Urbana. Práticas Espaciais Insurgentes. SOCIETY, ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT: SOCIAL PRACTICES INSURGENTS AND NEW CENTERS, NOTES FROM THE BRAZILIAN AMAZON ABSTRACT: The theme of the article is the urban center and the city's restructuring and urban promoted by Major Project in the Brazilian Amazon. The work exploring the political dimension behind or on the basis of the creation and development of an urban centrality process. The work has three objectives: one demonstrate that elements and / or private variables, the result of man-nature relationship, show specific social practices that convert to spatial practices insurgents multiple dimensions; two shows, before the elected spatial context (the socio-spatial formation of the Xingu), like they were building leadership and a political culture in the region of the city of Altamira in Pará, which have as brands everyday struggle for the affirmation of the subordinate; Three present a particular way of conceiving the processes that are being experienced in the Altamira region. KEYWORDS: Dimension Policy. Urban centrality. Spatial practices Insurgentes . SOCIEDAD, MEDIO AMBIENTE Y DESARROLLO: PRÁCTICAS INSURGENTES SOCIALES Y LOS NUEVOS CENTROS, NOTAS DE LA AMAZONIA BRASILEÑA 1 Mestre em Geografia, Universidade Federal do Pará. Doutorando UNESP-Presidente Prudente. E-mail: mpadinha@ufpa.br Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. RESUMEN: El tema de este artículo es el centro urbano y la reestructuración de la ciudad y urbana promovido por el mayor proyecto en la Amazonia brasileña. El trabajo explora la dimensión política detrás o sobre la base de la creación y desarrollo de un proceso de centralidad urbana. La obra tiene tres objetivos: un demuestran que los elementos y / o variables privadas, el resultado de la relación hombre-naturaleza, muestran prácticas sociales específicas que se convierten en prácticas espaciales insurgentes múltiples dimensiones; dos espectáculos, antes de que el contexto espacial elegido (la formación socio-espacial del Xingu), al igual que estaban construyendo un liderazgo y una cultura política en la región de la ciudad de Altamira, en Pará, que tiene como marcas lucha diaria para la afirmación de que el subordinado; Tres presentan una particular forma de concebir los procesos que se están experimentando en la región de Altamira. PALABRAS CLAVE: Política de dimensión. Centralidad urbana. Prácticas espaciales Insurgentes. INTRODUÇÃO O presente artigo pretende cumprir três objetivos e lançar um desafio. Deve ser tido não obstante, enquanto proposta de discussão, portanto, enquanto um conjunto de ideias abertas. A temática do artigo é a centralidade urbana assim como, o processo de reestruturação da cidade e do urbano. Porém, a centralidade aqui não será tratada em sua dimensão econômicofuncionalista. O intento do trabalho é explorar a dimensão política por trás ou na base do processo de criação e desenvolvimento e consolidação de uma dada centralidade urbana. Dito isso, faz-se oportuno, em um primeiro momento, apresentarmos de qual “porção do espaço geográfico” a presente reflexão nasce. Trataremos de Amazônia e de amazônidas. Mais precisamente, tratar-se-á da unidade regional do Xingu buscando demostrar que elementos e/ou variáveis particulares, fruto da relação homem-natureza, evidenciam práticas sociais específicas que se convertem em práticas espaciais insurgentes de diferentes, ou melhor, seria dizer, de múltiplas dimensões, tais como: as ligadas a aspectos de ordem regional, de ordem territorial e ou mesmo de uma ordem que leva em consideração aspectos definidores e apropriativos do lugar, o que estamos chamando de lugaridade. Daremos atenção, portanto, as relações sociais posto que, estas se expressam enquanto relações espaciais. Temos por intuito oferecer um campo Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. de reflexão que, antes de discutir as relações entre espaço e sociedade, fundamente a compreensão do espaço na sociedade enquanto condição e produto social. Nessa perspectiva, que tem por base Lefebvre, a espacialidade, mais do que a historicidade, se abre como campo de possibilidades concretas e a escala de análise, dos fenômenos e processos, apresenta-se enquanto um componente fundamental (MARTINS, 2001). O segundo objetivo, é apresentar, perante o contexto espacial eleito (a formação sócio espacial do Xingu), como foram se construindo lideranças e uma cultura política na região da cidade de Altamira no Pará, que possuem como marcas a luta cotidiana pela garantia de direitos e afirmação dos de baixo, dos subalternizados. E demonstrar que, essa bagagem política advinda de uma população migrante que foi “largada” na Amazônia, em tempos de abertura e expansão das estradas (fins dos anos 60 e início dos anos 80) voltadas para atender a lógica do grande capital e do Estado Brasileiro, formou a partir da atuação de uma Igreja Católica, pautada pela Teologia da Libertação, sujeitos de práticas espaciais extremamente politizadas. Tão politizados ao ponto, de nos levar a defender, que a centralidade institucional e de serviços assim como, a ampliação e melhorias nas instituições e na estrutura de serviços prestados a sociedade de Altamira no Pará e, a concentração comercial neste centro, só se faz presente hoje nesta cidade, graças à atuação de seus movimentos sociais. Que por meio de seus pleitos pela vinda de tal e tais instituições, salvaguardam as condições mínimas de permanência nesta porção territorial de difícil acesso, dando uma condição de nó expressivo dentro da rede urbana da Amazônia oriental, a cidade de Altamira. Capaz de comandar hoje uma rede urbana que contém 10 municípios em sua região de influência. E por fim, como terceiro objetivo elegemos a defesa de uma maneira particular (e não singular!) de conceber os processos que estão sendo vivenciados na região de Altamira. E que impactam no urbano regional e se expressa em especial, na cidade de Altamira. Para tanto, pensamos que uma Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. economia política renovada e atual é oportuna no auxílio desta empreitada. A complexidade de diferentes e diferenciadas atividades sociais e o choque ou a contraposição através de normas e ordenações econômicas, buscam tratar o espaço cada vez mais como objeto, produto e mercadoria, redefinindo o sentido do espaço no plano da prática social. Não obstante, o claro intento de subjugação do social pelo econômico possibilita ao primeiro, contraditoriamente, a partir de práticas espaciais insurgentes, o surgimento de cenários alternativos, cuja principal marca é a negação do modo capitalista de produzir, visto como espoliador por essência (para o caso da Amazônia), e a proposição de soluções pensadas, dialogadas e encaminhadas pelos de baixo. Vamos à apresentação e defesa do texto então. 2 – AMAZÔNIA: UMA REGIÃO, MÚLTIPLAS VISÕES Trindade Júnior, no ano de 2006, publica um pequeno artigo no que se refere a número de páginas, mas um grande artigo em termos de possibilidades de análise e consistência teórica. A temática? Amazônia. O trabalho intitulado “Pensando a concepção de Amazônia” possui vários pontos importantes a destacar dos quais destacaríamos o seguintes: i) a apresentação de uma Amazônia diversa em todos os aspectos (social, ambiental, econômico e cultural); ii) a apresentação de diferentes visões e projetos para a região; e iii) o reconhecimento e destaque dado a força do “tempo lento”, portanto, nos pontos ii e iii há um claro apelo a importância da dimensão política. Segundo (TRINDADE JÚNIOR, 2006), no entendimento do que seja a Amazônia, duas posições têm se feito notar. A que a ver como um espaço homogêneo, representante maior de um imaginário ignorante e por isso, pronto e acabado do que seja a Amazônia, inventada a partir de pressuposto ahistóricos, sem a presença do homem e de sua história. E, outra que se contrapõe a essa concepção “embalagem Carrefour” de região, onde se trata Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. de Amazônia como um conceito arbitrário, uma representação imposta, em geral por quem a olha de fora, onde se impõe uma identidade única a uma pluralidade de culturas, de naturezas e de sociedades. Segundo o autor as duas posições são problemáticas: a primeira por desconsiderar a natureza humana e social do espaço geográfico; e a segunda por negar uma realidade objetiva que, serve de referência para o entendimento desta porção do espaço brasileiro e sul-americano quando de sua interação com o mundo, qual seja, a presença marcante do domínio Amazônico. O geógrafo amazônida advoga então a necessidade de compreendermos a Amazônia enquanto uma região, espaço dotado de particularidades específicas. Para Trindade Júnior (2006) a ideia de homogeneidade geográfica não ajuda a compreender um espaço, como o amazônico, muito diverso, tanto do ponto de vista da natureza, como do ponto de vista da existência humana. Sendo assim, segundo Trindade Júnior, deve-se buscar reconhecer a Amazônia como um espaço particular, como uma região, que serve de mediação entre o universal (o mundo) e o singular (o lugar). Para tanto, quais seriam as particularidades que ajudariam a compreender a Amazônia enquanto uma região? Segundo o autor (2006), diferentes respostas têm sido oferecidas ao longo do tempo para esta questão. Uma primeira se expressa no reconhecimento da natureza como conformadora de um quadro geográfico próprio (enquanto uma forma-conteúdo naturalista). Bem, esta forma de conceber a Amazônia privilegia um quadro natural, que: desconsidera a presença do homem, desconsidera processos históricos e identidades culturais conformadoras de um espaço humanizado. Desconsidera ainda a formação territorial e sua dimensão humana e histórica como elemento importante para compreender o papel do espaço amazônico no Brasil e no mundo. Não obstante as críticas apontadas a esta visão de Amazônia, o autor defende a consideração do quadro natural como importante particularidade regional (Trindade Júnior, 2006). Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. Outra visão sobre a região, entretanto, elege outra(s) particularidade(s). É o caso dos que veem a Amazônia como espaço estratégico para a ação e o planejamento do Estado. Trata-se de uma visão-discurso sobre a região, bastante presente nos documentos que estabelecem ações e intervenções nesse espaço. A particularidade da região nessa perspectiva é a de tê-la enquanto fonte de recursos a ser explorada, expressa na riqueza de recursos naturais do solo, do subsolo, dos recursos hídricos, assim como a de tê-la enquanto um composto de espaços vazios que devem ser ocupados (Trindade Júnior, 2006). Segundo Trindade Júnior (2006), o espaço aqui, não é tido na sua dimensão social, mas como base material a ser ocupada, sendo, portanto, um espaço sem homem, a-histórico. Em outras palavras, um substrato passivo para o desenvolvimento dos fenômenos. Para este autor, o Homem na Amazônia dentro desta visão é tratado como recurso humano, como população, como contingente de mão-de-obra, como mera força de trabalho. Trata-se de um homem genérico, abstrato, homogêneo. É um homem-objeto que ocupa espaços vazios, sendo apenas um habitante e não um criador de espaços. Conforme ainda Nahum (1999 apud TRINDADE JÚNIOR, 2006), o que prevalece nessa concepção de espaço é a ideia de uma região funcional onde o novo e o velho se polarizam e se estranham. O velho se apresenta como obstáculo ao novo, daí a necessidade de ser superado. Outra maneira de enxergar e debater a Amazônia é entendê-la enquanto fronteira. Trata-se de considerá-la como o mais recente espaço de expansão e projeção das relações capitalistas de produção. Nessa interpretação, a região apresenta-se enquanto fronteira econômica de ação do capital e de controle político do Estado no processo de estruturação do território brasileiro. Para o capital, a fronteira tem valor como espaço onde é possível implantar rapidamente novas estruturas e como reserva mundial de energia (Becker, 1990, p.11). Fala-se, então, de diversas fronteiras compondo a fronteira econômica: a madeireira, a agrícola, a industrial, a energética, a Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. urbana, dentre outras. Traz também implícita a ideia de ocupação de novas terras e de uma nova direção do processo de colonização e de incorporação de novos espaços à economia de mercado (TRINDADE JÚNIOR, 2006). Nas quatro últimas décadas, a região amazônica vem acumulando as maiores taxas de crescimento urbano do Brasil. Em 1970, a população urbana era de 35,5% quando comparada a população total. Esta proporcionalidade aumentou para 44,6% em 1980, para 58% em 1991, 61% em 1996 e aproximou-se de 70% em 2000 segundo informações levantadas junto à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2008). A Amazônia contemporânea possui padrões e arranjos espaciais cristalizados e mutantes: em meio à floresta tropical um tecido urbano complexo erigiu-se, modificando o espaço em diferentes escalas, transformando formas e introduzindo novos conteúdos à sociedade e ao território. Não obstante, o aumento da população urbana e a expansão de seu modo de vida, não fora acompanhado de melhorias infraestruturais capazes de prover níveis básicos de qualidade de vida. Desprezíveis indicadores de alguns serviços (saúde, educação) e baixos salários além da insuficiência de equipamentos urbanos, expressam e concretizam a precária qualidade de vida de boa parcela da população amazônida. As alterações sócio-espaciais promovidas em âmbito regional, por intermédio de ações do Estado e do capital, diversificaram a economia e aumentaram o contingente populacional. Não obstante, o processo histórico de ocupação humana e a urbanização da Amazônia não se verificaram de forma linear, o contexto político-econômico, ao longo do tempo, fora determinante destas flutuações. Hoje, a urbanização da região encontra-se em fase de estruturação, caracterizando-se ainda como uma região de "fronteira", onde a dinâmica das cidades ainda é intensa e constante, abarcando o surgimento de novos assentamentos urbanos. O entendimento da Amazônia enquanto fronteira para ciência geográfica traz como tripé: a) o destaque a uma preocupação econômica dos processos Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. que modelam o espaço regional, b) o impacto do modo de produção capitalista e suas formas recentes de reprodução nas organizações espaciais anteriores, e c) a necessidade de explicar o desenvolvimento desigual e combinado no interior do território nacional conforme ressalta (TRINDADE JÚNIOR, 2006). Esta discussão da fronteira amazônica carece, contudo, de uma atenção e debate acerca da dimensão cultural desta fronteira complexa. Ainda que incompleta, como bem sugere Nogueira (2001 apud Trindade Júnior, 2006), trata-se de uma maneira de conceber e interpretar a Amazônia tendo em vista a eleição de elementos importantes para a compreensão da particularidade que caracteriza a Amazônia enquanto espaço socialmente produzido, em uma escala nacional, ou mesmo internacional. De acordo com as reflexões de Trindade Júnior, devem se fazer presentes na caracterização/delimitação das particularidades de uma Amazônia vista dentro de outra perspectiva, os seguintes aspectos: i) o homem deve está no centro da compreensão da Amazônia enquanto região. Devendo, a particularidade regional ser dada pelo papel dos homens na produção social do espaço amazônico; ii) a presença da natureza e a forte ligação do homem com ela, trata-se de uma natureza reconhecida a partir de uma identidade de vida, ligada a várias identidades de vida e de culturas, presentes em diferentes porções do espaço regional; iii) a predominância e a combinação de várias temporalidades é outro elemento da particularidade regional, ou seja, temos na Amazônia a força de uma temporalidade hegemônica, a capitalista, que se impõe e que se caracteriza principalmente como processo econômico, não obstante, esta temporalidade ser enfrentada por outras, que inclui também tempos lentos, como aqueles das populações tradicionais. E, acrescentaríamos a atuação dos movimentos sócio-espaciais da região, que é como trataremos estes. Movimentos diversos em sua composição. Além dessas particularidades, Trindade Júnior (2006), destaca ainda outras particularidades: iv) os intensos conflitos que se dão em decorrência do Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. convívio dessas diversas temporalidades, tempos sociais estes que definem uma diversidade de territorialidades. Nesse aspecto são vários os elementos de resistências que se revelaram na Amazônia nas últimas décadas, mobilizados pela criação de reservas extrativistas, a exemplo dos seringueiros no Acre; pela defesa de territórios de populações tradicionais ameaçadas de desestruturação, em razão da implantação de grandes empreendimentos, como no caso da construção da hidrelétrica de Kararô (atual Belo monte) no rio Xingu, no Estado do Pará; pelo acesso a direito de permanência na terra agrária, que resultaram em conflitos de várias naturezas, a exemplo do episódio de Eldorado de Carajás, no sudeste do Pará. Relevante é também a resistência cultural, que resguarda importantes territórios, como no caso dos negros, descendentes de quilombos do rio Trombetas, que lutam pelos seus recursos naturais e pela permanência de sua cultura; dentre muitas outras resistências que marcam a pluralidade de temporalidades e de conflitos (...) (TRINDADE JÚNIOR, pág. 362, 2006). (grifo nosso) Aliam-se a esses elementos, conformadores de uma particularidade amazônida, v) a intensidade da expropriação dos recursos, da terra, da cultura; com uma forte, expressiva e evidente presença do Estado que, inclusive, insere outras identidades a serem reconhecidas como identidades amazônicas e o fato de a Amazônia se constituir em região de perdas, mais do que espaço de ganhos e de comando (Trindade Júnior, 2006). Para Becker (2001), o privilégio conferido aos grupos dominantes e a violência da implantação acelerada da malha tecno-política, resultou em danos muito perversos nos espaços onde fora incutida, destruindo, até mesmo, gêneros de vida e saberes locais construídos ao longo de décadas e séculos. A compreensão do espaço regional como isotrópico e homogêneo, desconsiderou as diferenças sociais e ecológicas da formação sócio-espacial amazônica. Esses aprendizados, de como não planejar uma região, devem permanecer cristalizados em nossas mentes, potencializando nossas reflexões, se temos por intuito a superação de seus paradigmas. Por fim, a Amazônia, ainda que seja pontuada de tempos rápidos, e que definem espaços de altas luminosidades, como nos ensinou teoricamente Santos (1994), é, sem dúvida, o espaço, a região, onde há um predomínio do Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. tempo lento. Aqui, este atributo não está sendo usado de maneira pejorativa, mas como um qualificativo de potencialidade política e de vida; afinal, a força dos fracos, conforme nos ensinou Santos (1994), é o seu tempo lento. É o tempo lento que nos faz reconhecer vivências, sociabilidades e, por conseguinte, identidades e, também, resistências (TRINDADE JÚNIOR, 2006, pág. 363). 3 – A UNIDADE REGIONAL DO XINGU: PROPOSIÇÕES PARA O DEBATE Desde a ocupação do Brasil, ao longo dos séculos XVI e XVII, pelos portugueses, o rio e a floresta sempre foram notados como recursos mercadófilos importantes para o enriquecimento da metrópole portuguesa, assim como, das elites locais (portuguesas ou não). Os povoados eram sempre construídos em locais que permitiam uma situação geopolítica favorável (do ponto de vista militar e religioso) e que, ao mesmo tempo, pudessem proporcionar um fluxo de mercadorias entre centros mais complexos e centros de baixa ou simples funcionalidade. O processo de ocupação da região Xingu, porção do território paraense onde está localizada a cidade de Altamira hoje, insere-se no contexto da formação sócio-espacial amazônida, tratando-se, portanto, de uma região particular, cuja interpretação geohistórica tem sido feita de forma fragmentada e incipiente. O padrão de povoamento “rio – várzea – floresta” era alicerçado no sistema de aviamento e na economia de base extrativista com destaque para a exploração extrativista da borracha e da atividade pesqueira. Tal padrão possuía seu sistema de locomoção circunscrito aos cursos d´água, em especial, no rio Xingu até a foz do rio Amazonas e no rio Iriri. A população em sua maioria se concentrava nas margens dos rios, em vilas e cidades. Segundo Cardoso e Lima (2006), o padrão de ocupação relacionado ao uso e aproveitamento dos rios é o mais antigo, estando associado à natureza extrativa das atividades econômicas praticadas na Amazônia durante séculos; Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. as cidades que apoiaram ciclos econômicos (extração de drogas do sertão, exploração da borracha ou mesmo de produtos madeireiros) prosperavam na medida em que funcionavam como entrepostos comerciais, em geral localizadas nas calhas dos rios mais importantes. É importante ressaltar que o padrão de ocupação às margens dos grandes rios e a formação de aglomerados que exerciam função de entrepostos comerciais (pontos de coleta e troca) contribuíram para formação de uma rede urbana do tipo dendrítico que, posteriormente (década de 1960), em virtude de uma redefinição na divisão territorial do trabalho, em diferentes escalas, e de uma densificação (construção e ampliação) nas redes de suporte e serviços na região, possibilitaram ao território viver momentos de esplendor e estagnação econômica. A mudança para outro padrão de rede, que não seja do tipo dendrítico, implica, necessariamente, alterações profundas na esfera da produção, circulação e consumo regional. Alterações estas que são promovidas por determinados (e contextualizados) agentes. E que, para a Amazônia, tem como marco espaço-temporal o fim os anos 1950 e início da década seguinte, com a construção da Belém-Brasília e posteriormente, nos anos 1970 com a abertura da Transamazônica, este sim, o evento mais significativo até Belo Monte, em termos de restruturação regional. Tão forte e profundo, ao ponto de transformar a forma-conteúdo de Altamira (antes ribeirinha), em cidade de confluência rioestrada, onde o ritmo da segunda, a rodovia, se impôs. Ainda sobre essas “alterações profundas” os dados do Censo de 2000 do IBGE são representativos, pois demonstram a multiplicação do número de centros urbanos na Amazônia. Na década de 1960, eram 165, em 1980 somam 212, em 1991 já são 264, e em 2000 449. Somente na última década do século XX, foram criadas 185 cidades, número superior em vinte centros à quantidade de cidades existentes em 1960. Tratam-se em sua maioria de pequenos núcleos que se emancipam respondendo à interesses políticos (ou politiqueiros), compostos de frágil ou nenhuma infraestrutura, cuja base de Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. sustentação é o repasse de recursos públicos, tais como FPM e Previdência (OLIVEIRA E SCHOR, 2008). Segundo Becker (2003) essa multiplicação dos centros urbanos é acompanhada de uma transformação sumamente importante, o desenvolvimento da conectividade, o aprimoramento das redes e a urbanização da sociedade e do território. A introdução na região de redes de suporte e serviços acaba por desencadear intensa migração para região ações estas, que impulsionam uma maior mobilidade ao trabalho, gerando desmatamento e queimadas, a partir do incentivo à abertura de estradas, à industrialização, e concomitantemente ao desrespeito às particularidades socioambientais endógenas que, paradoxalmente ou não, proporcionaram a ampliação e diversificação dos grupos sociais. Esta urbanização, extensiva e intensiva, levou a região amazônica a percentuais de 60, 70% de população residentes em locais considerados urbanos, caracterizando-a, segundo alguns autores, como uma “floresta urbanizada” (BECKER, 2001). 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Mas, quais as implicações, em termos sócio-espaciais destas transformações aqui apresentadas, a partir de um breve mergulho histórico? A partir de um conjunto de fatores, deflagradores de processos variados, o que resultou? Pois bem, em nosso entendimento algumas particularidades se formaram ao longo desses anos de processo de ocupação da região, sendo as mais expressivas as seguintes: i) presença marcante de uma população de origem migrante, fruto das políticas direcionadoras do Governo Federal para a região. População esta que desempenhou ao longo do tempo diferentes papéis enquanto força de trabalho. Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. Desde a época do extrativismo da borracha, passando pela “economia da pele do gato”, entre os anos 50, 60 e 70, onde se praticou a caça em grande escala da ariranha, da jaguatirica e da onça pintada. Passando pelo papel de desbravadores, enquanto colonos da transamazônica ao longo dos anos 70 e 80 ou mesmo, enquanto mineiros, na exploração de ouro nas comunidades de ressaca e fazenda nos anos 80; ou sendo peão nas fazendas de gado ou superexplorados por madeireiros durante os anos 90. Outra particularidade da região é a de ser cenário para: ii) intensos conflitos no campo. Fruto da disputa pela terra e do choque de concepções de mundo diferentes, resultantes do convívio de sujeitos com distintas temporalidades sociais. Ligado ao elemento destacado acima está o terceiro ponto definidor de mais uma particularidade regional: iii) a forte atuação dos movimentos sociais. Que surgiram das entranhas da igreja católica, embebedados pela teologia da libertação. Aliás, a força desta igreja, e a atuação política de seus representantes, conforma o quarto elemento particularizador do Xingu, a iv) presença marcante e atuante da igreja católica. Trabalho feito em uma cidade-região localizada na confluência das vidas do rio, da floresta e da estrada, seu quinto elemento em destaque, v) ponto de contato de dois padrões espaciais o rio – várzea – floresta e o estrada – terra firme – subsolo (GONÇALVES, 2001). Tendo em vista essa confluência, as cidades desta região, possuem a presença marcante: de um vi) diálogo entre os mundos urbano, rural, indígena e ribeirinho (não somente entre urbano e rural, assim mesmo, complexo). Dentre de nosso prisma analítico tratam-se de sujeitos sociais diferentes, que atuam sobre uma forma-conteúdo diferente, e que por isso possuem práticas espaciais diferenciadas. Como um sétimo elemento propositivo, destacaríamos vii) a forte presença indígena e a atuação política expressiva de demais povos tradicionais. Que particularmente nos dias de hoje, vivem momentos de grandes conflitos de natureza territorial. Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. Para além do reconhecimento de regionalismo e de territorialidades diversas e múltiplas, recentemente bastante enfocadas pela Geografia e mesmo por outras ciências, há de se falar ainda, na luta pela defesa do espaço de identificação imediata, defesa do espaço cotidiano, assim como de suas referências históricas sejam estas concretas e contemporâneas ou pela garantia da existência material de um espaço que possibilita recordar, pois aqui “recordar é viver”, “recordar e se fortalecer” em síntese, “recordar é continuar existindo”. Há uma ampla defesa do espaço, do seu nosso espaço, tendo em vista a luta pela permanência de um quadro que imprescinde de uma dada coletividade, de uma data interação, multiplicidade e devir. O espaço tende a ser mais do que o ambiente da prática social, exigindo um esforço de interpretação em que, seja possibilitado a esse uma caracterização como condicionante, a partir de determinadas particularidades. Trata-se aqui de falarmos da ação de sujeitos que politicamente demarcam posição bastante singular, em termos de demarcação de posicionamento político mesmo, onde a defesa de territorialidades é de suma importância. Onde as agressões a camponeses, ribeirinhos e indígenas contam demais. Onde o regionalismo está inflamado e posiciona-se contrário a exploração predatória dos recursos naturais e das sociedades. Onde a luta pelo direito à cidade também se trava. Porém o que nos leva, a falar em lugaridade é a soma de tudo isso em determinados sujeitos sociais. Que traduzem sua indignação a partir de práticas espaciais insurgentes bastante complexas. Os militantes do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, possuem em nossa opinião essa característica. Trata-se da contraposição a um poder hegemônico maior e mais forte, onde se busca reunir todos esses elementos externos no intuito de “preservar” o lugar. É o defender o outro sem ser o outro, é o defender o modo de vida do outro sem ser o outro. É a defesa do direito de permanência do ritmo da vida cotidiana de sujeitos subalternizados (não significando isso abrir mão de Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. melhorias e mais direitos). Por que defender a continuidade desses ritmos cotidianos, é defender uma cidade e um urbano onde este “ser militante” se reconhece, se enxergar, se identifica espacialmente. A espacialidade pressuposta nesses processos se realiza no espaço geográfico e perpassa relações reais, cotidianas. Como oitavo elemento explicativo da região Xingu, destacaríamos: viii) a instabilidade política regional. Trata-se de um espaço que possui a presença de municípios jovens e que passaram e passam por um processo de crescimento populacional e expansão urbana intensos e, em alguns casos agressivos mesmo. Citam-se os exemplos das cidades de Vitória do Xingu e de Brasil Novo, onde a sociedade local sofre com a troca de prefeitos antes do cumprimento de seus mandatos. Brasil novo, por exemplo, teve quatro prefeitos em 04 anos. Como nono elemento particularizador, cita-se: IX) a controversa presença do governo federal na região. Que embora se faça presente em termos institucionais, em termos práticos desagrada a todos os agentes do Xingu. Tendo como fruto desta particularidade, um sentimento de revolta em relação ao governo federal, desencadeador de um sentimento de cunho separatista, que defende a criação do Estado do Xingu. Aqui não se trata de uma crítica declarada à ausência do governo do estado, como acontece em Santarém no oeste paraense, aqui a crítica é mais profunda, posto que se dirige também a união. E por fim (mas não por último, tendo em vista a continuidade da pesquisa empírica e das leituras sobre a região em análise) citaríamos X) a localização estratégica de seu principal centro urbano, qual seja a cidade de Altamira. Situada entre centros de regionais de grande importância, como são os casos de Santarém e Marabá, e a metrópole belenense. Este arranjo econômico-político e urbano, em nossa opinião nos obrigam a pensar em termos de uma nova economia política da cidade e da urbanização. Revista Científica ANAP Brasil, v. 8, n. 11, 2015, p. 47-62. 5 – BIBLIOGRAFIA CONSULTADA E REFERÊNCIAS AMARAL, Márcio. Dinâmicas econômicas e (re) estruturações espaciais: a relação de Belém com as cidades médias Amazônia Oriental.. In: XII Encontro de Geógrafos da América Latina – Caminando en una América Latina en Transformación, 2009, Montevideo. Anais do XII Encontro de Geógrafos da América Latina, 2009. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos – SPI. Estudo da dimensão territorial para o planejamento: v. III. Regiões de referência. Brasília, MP/SPI, 2008, 146 p. IBGE. Regiões de Influência das Cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008 IBGE. 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