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Real e virtual - Diálogos partilhados no Facebook (Real and virtual – Dialogues shared on Facebook)

No passado mês de março lancei um convite a amigos reais e virtuais, brasileiros, portugueses e de outras nacionalidades, para escolherem um tema «psi», a fim de podermos trocar algumas palavras na rede que pudessem enriquecer as nossas práticas.Para os que já aderiram e os que virão a acarinhar este projeto, lembro que o tema maioritariamente votado para a grande conversação foi: Real e Virtual.Vou começar hoje a falar dele. Espero pelos vossos comentários e partilhas durante os dois próximos meses. Guardarei tudo numa pasta. Não me irei contentar, nem reter os like. Manterei a diversidade dos estilos, sem ligar muito a acordos ortográficos. Se estas conversas derem frutos, podemos pensar num outro destino para elas.

Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 REAL E VIRTUAL Conversas no Facebook Abril 2013 * 1 de abril José Martinho É dia das mentiras, mas a verdade é que quem tem escrito ultimamente no perfil do Facebook da Antena do Campo Freudiano sou eu, José Martinho. Quem não me conhece pessoalmente pode ver o meu semblante na foto No passado mês de março lancei um convite a amigos reais e virtuais, brasileiros, portugueses e de outras nacionalidades, para escolherem um tema «psi», a fim de podermos trocar algumas palavras na rede que pudessem enriquecer as nossas práticas. Para os que já aderiram e os que virão a acarinhar este projeto, lembro que o tema maioritariamente votado para a grande conversação foi: Real e Virtual. Vou começar hoje a falar dele. Espero pelos vossos comentários e partilhas durante os dois próximos meses. Guardarei tudo numa pasta. Não me irei contentar, nem reter os like. Manterei a diversidade dos estilos, sem ligar muito a acordos ortográficos. Se estas conversas derem frutos, podemos pensar num outro destino para elas. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 1 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 * Já que Lacan inspira muitos de nós, começo pelo começo, o seu Seminário I (1953-54), onde Real» e Virtual são situados na Tópica do Imaginário. Lacan fala aí da imagem real e da imagem virtual, que aparecem de início como equivalentes da imagem subjetiva e objetiva. Mas a relação imaginária pode ser bastante mais complexa. Por exemplo, existem casos em que o objeto virtual é a imagem virtual de um objeto que é uma imagem real. No uso específico que Lacan faz da experiência do ramo de flores invertido de Bouasse (Cf. Optique et photométrie dites geométriques. 4ª ed. 1947. Paris: Delagrave), o Eu do sujeito é semelhante à imagem virtual, ou seja, à ilusão ótica que, no experimento físico, permite ver as flores que estão fora dentro da jarra. Contudo, isto só é viável se o olho que representa o sujeito como observador respeitar a ordem simbólica (as leis da Ótica) e se situar no cone visual do espelho esférico: De outra maneira nada aparece no devido lugar, semelhante a um Eu que contenha as Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 2 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 flores do desejo; o que aparece é uma espécie de corpo sem órgãos (jarra vazia), pulsões e objetos parciais (ramo que não entra no gargalo, flores dispersas ou fora do recipiente). Jorge De Almeida Gonçalves http://lacaneando.com.br/o-narcisismo-na-estruturacao-do-sujeito/ José Martinho Depois do Jorge nos ter enviado a referência eletrónica de um artigo que sublinha a correspondência entre a estruturação do Eu na relação imaginária e o narcisismo freudiano, queria retomar o Eu (moi, ego) como imagem virtual, já que é esta que dá a impressão que os objetos (da pulsão e do desejo) estão contidos ou são propriedade de um Eu uno e idêntico a si mesmo. Esta realidade virtual vale como fantasia, a fantasia que, como sublinha Lacan, está na origem do conhecimento omnipotente do mundo. Lembro, ainda, que Lacan apresentará mais tarde a fantasia como «janela para o real». Rosália Maia Olá José Martinho! Para os colegas da Antena Do Campo Freudiano, e pelo viés da psicanálise, passo a abordar o tema de modo apropriado. A lógica especular introduzida por Lacan, desde 1936, é uma crítica à psicologia adaptativa que faz do ego o lugar de ideal, dominante nos anos 1950 na Psicanálise americana. Essa crítica feita por meio da construção da teoria do imaginário resgata, de um só golpe, um outro lugar para o termo «sujeito». Lacan inferiu tal conceito do texto freudiano, opondo-o ao de ego, termo então reservado ao que é da ordem do narcisismo. Essas questões terminológicas tornam difícil a passagem da leitura de Freud a Lacan, pois o nomeado em Freud como pronome pessoal «eu» - a saber o ICH, em alemão -, é traduzido por Lacan tanto por «sujeito», quanto por ego, amparado pelo fato de que, em francês, há dois termos para Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 3 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 se referir ao «eu»: je e moi. Dessa forma, Lacan resgata o que é próprio do inconsciente, ou seja, o sujeito do desejo, que em nada se aproxima do ego ajustado e civilizado da Psicanálise americana. Ana Paula Gomes Joe Dassin canta : Je pourrais faire semblent d’être moi, mais je ne serai pas vrai. José Martinho A citação que a Ana fez podia muito bem aplicar-se à foto da minha pessoa que publiquei no início desta nossa conversa. Ela apenas serve para colocar diante dos olhos este vosso amigo virtual. É um semblante, uma imagem, uma aparência associada ao nome (José Martinho) que me é próprio: dupla que confere uma identidade imaginária e simbólica ao que tenho de mais real, de sintomático. Filipe Pereirinha A Antena do Campo Freudiano virtual tem, finalmente, um rosto. É interessante pensar, já que falamos de imagens virtuais e reais, o que acrescenta um rosto ao que era até aqui um dizer sem rosto. Será que as foto(grafias) onde nos (re)conhecemos, (des)conhecemos, damos a conhecer…são puramente da ordem da aparência (semblant) ou têm, por assim dizer, um grão de real? José Martinho É isso mesmo, o sintoma na foto: um grão de real. Saravá Barthes! Carolina Foglietti Uma dica de Lacan que pode servir para colher os frutos desta nossa rede na rede: «é na contingência (…) que me felicito que, nos grupos, cada um fale e traga sua experiência (…) é aí que podem ocorrer os pontos de precipitação que fariam com que o discurso Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 4 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 analítico enfim tivesse seu fruto». Acrescento: como ressalta Lacan, «só há uma borda para definir o furo no qual somos todos aspirados; essa borda é a linguagem». Então, o Eu é como o vaso que contorna, através do simbólico e do imaginário, o vazio, o real? José Martinho Um Eu contentor de conteúdos é uma ideia enganadora, não só porque se pode apresentar como um substituto da Mãe kleino-bioniana, mas também porque poderia fazer crer que, por detrás da imagem virtual, existiria um Eu real, originário, que alguns chamam self. Desde o Seminário I, Lacan avisa que o Ur-Ich freudiano é já um efeito do simbólico; da estrutura ou da língua, mesmo se aquilo que se chama normalmente «linguagem» anda a cavalo entre Simbólico, Imaginário e Real. Carolina Foglietti O esquema do vaso de flores invertido sempre me intrigou muito. Podemos dizer que a imagem real está para o Eu-ideal, assim como a imagem virtual está para o Ideal do eu? Essa imagem real é o que está, para aqueles que portam a palavra, desde sempre perdida? José Martinho Na experiência de Bouasse, a imagem real é à partida a imagem que Lacan chama «objetiva», por exemplo a imagem do objeto que é a jarra sem as flores. Nada impede que a imagem deste objeto possa ser vista pelo sujeito, desde que ele se situe no lugar ótico adequado. É o jogo de espelhos da psicologia que tende a desvirtuar o real em proveito da subjetividade virtual. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 5 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Carolina Foglietti Então uma depende da outra? A imagem virtual é o que vem recobrir o furo da imagem real, não especularizável? No Seminário II, Lacan vai dizer que o «eu» (moi) é sempre um outro. Por isso, vai afirmar também que o «eu» é uma ilusão, uma miragem, que se sustenta essencialmente no conhecimento paranoico. É preciso a incidência do Outro e o encontro contingencial do corpo com o significante para a constituição do sujeito do inconsciente (je), certo? Miguel Mota A questão que eu ponho é se a imagem virtual corresponde ao Eu, ou se corresponde ao Eu-ideal, i(a), na álgebra lacaniana. Lacan distingue o real, a imagem real, i(a), e a imagem virtual, i´(a), que implica o espelho do Outro. O Eu que resulta do «estádio do espelho» implica não só o outro como o Outro; ao espelho côncavo Lacan acrescenta posteriormente o espelho plano, símbolo do Outro simbólico. O Eu, para se constituir, precisa de ter um pé no imaginário: i(a), Eu-ideal, e um pé no simbólico I (A), Ideal do eu. E já agora um pé no real, constituído por a, o objeto a. Quando está frente ao espelho, a criança observa a sua imagem i(a), volta-se para a mãe (Outro onde se situa o significante do Ideal do Eu) que ratifica aquela imagem como Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 6 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 correspondendo à da criança, ao mesmo tempo que a nomeia: «És tu, a Leonor!». Neste processo, como diz a Carolina Foglietti, a imagem virtual, i(a), vem recobrir o furo da imagem real (a). * Podemos ver um exemplo filmado do estádio do espelho da criança no seguinte vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=yOSYKa_Qwxs Roberta Gomes O que Lacan (1954-55) nos diz é que «eu» não é um Eu, é outra coisa; uma coisa que intervém no sujeito e que se diz como sendo «eu». Isso é o que se dá na imagem especular. Mas o que é essa imagem no espelho? Lacan (1954-55) nos diz que os raios que voltam para o espelho nos fazem estruturar num espaço imaginário o objeto que se acha além dele na realidade. O objeto real não é o que se vê no espelho. Há aí um fenômeno da consciência. Basta compreender o «estádio do espelho» como uma identificação da própria imagem. A assunção da imagem especular por esse ser ainda imerso na dependência motora e alimentícia manifesta-se numa situação primordial, donde a matriz simbólica representada pelo pronome «Eu» se precipita numa forma estruturante, antes de se objetivar na dialética. José Martinho Meus amigos, a esta hora (21h em Portugal), em que está tanta gente on-line, em rede, começo a sentir dificuldades a ler todos os comentários e a responder devidamente. O real faz destas surpresas no «nosso» mundo virtual. Vou ter de arranjar uma maneira de dar um jeito n´Isso! Pia Hylén Siegler Les surprises du réel et du réel virtuel ne font que commencer… Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 7 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 2 de abril José Martinho A propósito das flores que entram ou não na jarra, a Ana Paula Gomes questionou a diferença entre o objeto do desejo e o da pulsão. Simplificando, diria que o objeto da intencionalidade suposta ao desejo não existe, ou que é porque ele está estruturalmente perdido que funciona como causa (ausente) do desejo. O objeto da pulsão existe, e pode ser qualquer um, com uma condição: que fique preso na rede ou circuito da pulsão, e sobretudo que sirva o objetivo desta, que é a satisfação. Já agora diria que o objeto da fantasia (ou fantasma) – que representa a pulsão no psiquismo e enquadra o desejo para o neurótico – existe, e é apenas um: o único que cria a miragem de completude. Carolina Foglietti Há um caráter «amboceptor» do objeto a: causa de desejo e mais-de-gozar? Além disso, faço um apontamento: afirmar que o objeto do desejo não existe não exclui os efeitos produzidos, justamente, por sua inexistência, tal como a falta (imaginária) que, num percurso de análise pode vir a se transformar em perda e, no final, em causa do desejo. José Martinho O carácter amboceptor do objeto a está bem patente no francês, na ambiguidade do plus em plus-de-jouir. Plus tem um valor negativo, castrador, de não há mais, e um valor positivo, de resto ou suplemento de gozo. Digo que o objeto do desejo não existe no sentido em que o desejo é finalmente desejo de nada (de objetivável). Mas que este «nada» tenha efeitos sobre tudo cela va de soi... Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 8 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Carolina Foglietti A recuperação do resto ou suplemento de gozo é efeito da perda estrutural e estruturante. Daí o mais-de-gozar? Ana Paula Gomes Vamos lá. Concordo com Martinho nesta diferença entre o objeto da pulsão e do desejo. Mas as relações entre eles não são simples. O índice da perda da entrada do sujeito no mundo é o objeto a, um cavo por onde o trilhamento pulsional se dá, na tentativa de recuperação desta perda, um mais de gozar. É deste trilhamento pulsional que a partir da metáfora paterna se constitui a fantasia, crença que há o objeto. Daí a dupla face do objeto a, mais de gozar e causa de desejo. Mas é na travessia da fantasia numa análise que esta perda que foi tomada como falta poderá ser decantada como causa. Causa de desejo. Desejo de desejo, pura insistência acéfala da pulsão. Carolina Foglietti Perfeito: Desejo é desejo de nada. Desejo de desejar. José Martinho Sim, dizer que o desejo é desejo de nada é diferente de dizer que o desejo é desejo de um Outro desejo, por exemplo, um desejo de reconhecimento. Mas, por favor, nada de perfeições. Já que se falou do «estádio do espelho» - que Lacan elabora antes do esquema ótico -, lembro que é nesse período que surge pela primeira vez a imagem do Sujeito completo, antes mesmo que a maturação neurobiológica do indivíduo se processe. O espécimen, portanto prematuro, vê-se, reflete-se, concebe-se então como um todo, na forma pura de uma consciência de si, de um Eu com propriedade privada, um corpo próprio não fragmentado. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 9 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 O que existia antes desta deslumbrante visão não era bom, nem mau, mas confusão. É depois do Eu do sujeito se fixar na imagem constituinte que pode passar a pensar-se com uma pessoa, tendo uma sensibilidade, um entendimento e uma vontade própria. Nas conversas que iniciámos na realidade virtual do Facebook, cada um de nós funciona também como um Eu ou como uma pessoa, postando os seus «gosto», fazendo os seus comentários e partilhas; é igualmente sujeito do significante e do inconsciente que a linguagem estrutura; finalmente traz para a rede o seu sintoma, esse bem real. Maria José Barbosa Sugiro que abandonemos a designação de «realidade virtual», na medida que o termo virtual, em Lacan não se refere à realidade em rede. O que acham? José Martinho «Realidade virtual» não é efetivamente um termo de Lacan, o que não impede que o seu ensino possa ajudar a pensar o que isso possa ser. Maria José Barbosa Concordo plenamente. Não deixa de ser ambíguo usar do termo «virtual» para designar duas ideias distintas. Podíamos «inaugurar» um conceito para a comunicação mediada por computador e em rede. José Martinho O sonho de todo o filósofo é de inaugurar um conceito. Vamos a isso. Maria José Barbosa Teremos de considerar, muito em breve, mais duas «realidades»: realidade imersiva e a realidade aumentada. No meu entender, deveríamos considerá-las como ambientes de Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 10 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 interface que ampliam a nossa realidade, e não irrealidades ou outras realidades. Afinal, o termo on-line traduz o fenómeno de «estar conectado a». As «realidades virtuais», tal como as vejo, não são mais do que novos palcos, recentemente inaugurados, do grande teatro da vida. Se considerarmos que a realidade é composta por planos de sentido, e que a tecnologia atual aproxima-se daquilo que os gregos traduziam por technê, adotemos um termo que seja próximo: «techreal» ou «techface». Criar conceitos é uma arte para poucos, é muito difícil. Não consigo, em tão pouco tempo, pensar em algo melhor. Deixo à vossa consideração. E por que não «e-realidade»? Maria Teresa Saraiva Melloni Acho que Maria José nos propôs um bom começo. Não se trata apenas de escolher um nome, mas verdadeiramente construir um conceito, o que é muito difícil. Como fez Freud, proponho que nos ocupemos em tentar recolher o que é para cada um de nós a experiência que a linguagem nos oferece, nas relações via internet. Às vezes fico pensando, que o momento que a nova tecnologia nos oferece não é mais um uso da linguagem como o foi um dia o rádio, o telefone, etc. Hoje não pensamos que esses recursos nos tenham desviado da estrutura da linguagem, com os seus atos falhos, sonhos e demais efeitos de significância. Maria José Barbosa Estou plenamente de acordo. É muito importante construir um conceito que capte, condignamente, a intensidade da experiência e/ou da realidade, e traduza em imagem o traço conceptual com que pretendemos conotar essa mesma realidade. Acredito que tal missão é coletiva e não individual. 3 de abril Ana Paula Gomes Confesso que fico surpresa com o fervor religioso de certos posts aqui pelo Facebook. Especialmente vindos de alguns. Concordo com Lacan: a religião triunfará. A Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 11 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 psicanálise sobreviverá ou não. Dependerá do vigor dos psicanalistas. José Martinho A religião re-liga ao Outro, eternamente, mas o psicanalista está condenado ao Um sozinho. Carolina Foglietti «Um homem que está livre da religião tem a oportunidade de viver uma vida melhor e mais completa», Freud. Miguel Mota «O volume de impostos não pagos pelas religiões organizadas explica a proliferação de igrejas e seitas no país e a presença de pastores evangélicos brasileiros.». A fé faz mover montanhas...de dinheiro. «Realigião»: o Real da religião, um grande negócio. Só no après-coup é que me dei conta que a moeda do Brasil é o Real. Miller diz que o analista é um «surpreneur de Réel». Aqui, quem foi surpreendido pelo Real (moeda) fui eu. Para evitar estas surpresas, sugiro que o Brasil mude o nome à sua moeda. A exemplo da capital que recebeu o belo nome de Brasília, a moeda poder-se-ia chamar «Brasa». Os brasileiros que me perdoem por estar a puxar a «brasa à minha sardinha.» Jorge De Almeida Gonçalves Partilhou a foto de No Hope For the Human Race Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 12 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Gilson Beck O Real (moeda) surgiu para que o dinheiro brasileiro tivesse uma estabilidade e um valor. A atitude foi tomada frente a uma real desvalorização da moeda lá pela década de 1990, a inflação era de 46% ao mês. Lembro que a realidade nessa época era não ter a menor ideia de quanto custava o pão e o leite na padaria. Todo dia o preço mudava. Ou seja, o preço era sempre virtual, e o salário (real) nunca era apreendido por inteiro no seu poder de compra. Taxa de conversão -> CR$2.750,00 (CR$ = Cruzeiro Real, algo como os Escudos) para cada R$1,00 (≃ US$ 1,00 na época). Mais infos: http://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_Real * Na lalíngua Jovem Guardiana, Brasília seria «uma Brasa, mora»? (http://www.dicionarioinformal.com.br/%C3%A9%20uma%20brasa,%20mora/?/). Plano Real – Wikipédia, a enciclopédia livre José Martinho Antes de fazer hoje o ponto da situação das nossas conversas sobre Real e Virtual, gostaria de propor uma linha de investigação. Como se pôde ler, comecei por situar o problema no primeiro ensino de Lacan ao nível do Seminário I e da diferença entre imagem real e imagem virtual. Quando considerarem que demos a volta à Tópica do Imaginário, podemos começar a colocar o Real e o Virtual ao nível do Simbólico. Em seguida, podemos começar a referir o Real e o Virtual ao «real» do derradeiro ensino de Lacan. Veremos aí que seremos conduzidos ao que há de mais real para cada um de nós, Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 13 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 o próprio sintoma. Ok para a metodologia? Resposta Geral Ok, ótimo, perfeito…. Miguel Mota Uma vez que se optou por uma abordagem diacrónica talvez fosse útil ir fornecendo o que se poderia considerar uma bibliografia básica. Aproveitando o entusiasmo dos participantes, talvez se pudesse pedir que os interessados apresentassem curtas mas claras resenhas dos textos básicos de maneira a que os não-iniciados pudessem participar. Fica aqui a sugestão. Há que tirar partido da «rede»: Há muitos artigos interessantes que nos podem servir. É uma questão de procurar e de os dar a conhecer. Sempre que alguém, no decorrer das suas pesquisas, descobrir algum texto elucidativo, seria interessante que o sinalizasse para proveito de todos. José Martinho Tiremos partido, mas não façamos um Partido, ou uma Academia na rede, com bibliografia obrigatória para estudantes. Cada um lê o que pode, mas convém que pense por si mesmo, enquanto Um sozinho. Miguel Mota Parafraseando Lacan: Dispensar o pai (a Web) não deixando de servir-se dele (a). Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 14 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 4 de abril Ana Luisa Kaminski «A fotografia é uma lição de amor e ódio ao mesmo tempo. É uma metralhadora, mas também é o divã do analista. Uma interrogação e uma afirmação, um sim e um não ao mesmo tempo. Mas é sobretudo um beijo muito cálido», Henri Cartier Bresson. Jorge De Almeida Gonçalves Partilhou a foto de Silina Olga https://www.facebook.com/photo.php?fbid=547257958658652&set=a.44757037196 0745.117344.100001233572821&type=1&ref=nf Sandra Lucas Ribeiro Sobre a imagem virtual: http://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151539528799204&set=a.101502074031 94204.327837.13294584203&type=1&theater E no capítulo «loucuras do real e virtual no século XXI»: o que de real haverá na criação de uma fonte baseada na letra de Freud? http://www.huffingtonpost.com/daniel-vahab/sigmund-freudfront_b_2972722.html#es_share_ended Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 15 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Andréia Attié França http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI337295-17770,00CARTAS+DE+FREUD+INSPIRAM+FONTE+CRIADA+POR+TIPOGRAFO+ALEM AO.html Pia Hylén Siegler Like turning something real into something symbolic... 5 de abril Antena Do Campo Freudiano Velhos e novos amigos da ACF. Por uma razão de gestão do trabalho atual só vamos manter como «amigos» do Facebook aqueles que participarão efetivamente nas nossas trocas a favor da psicanálise. Se quiserem manifestar-se a este respeito digam alguma coisa até domingo. Obrigado. José Martinho O real (X) pode devir imaginário e simbólico. Acontece que o virtual leva muitas vezes pensar que a Coisa é uma simples figura, mas não é. A perda percetiva ou até a amnésia do real no virtual são favorecidas pelo atual mundo das imagens fazer mais imediatamente apelo à máquina económica e seu mercado dos objetos tecnocientíficos, entre os quais os i-objetos com que muitos de nós estão hoje por assim dizer casados. Um exemplo disso é o que estou a fazer aqui com o meu computador. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 16 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Um outro exemplo, dado por Éric Laurent: «O sucesso de aparelhos como o i-pod testemunha do fascínio que temos pelos portáteis acumuladores de voz. O i-pod com telefone, o Blackberry, permite levar o «mundo consigo», como anuncia a publicidade. Esses aparelhos difundem música que faz dançar, faz dormir, faz sonhar, são fabricados para esconder o que há de mais real da voz, da que a psicose se aproxima, no fundo, a voz silenciosa e de comando. Enuncia uma ordem terrível em nome da qual o sujeito pode reunir o seu ser para a morte, matar e matar-se. O sucesso destes pequenos aparelhos deve-se ao Supereu. Esse mundo que acompanha o sujeito por toda a parte contém, no seu centro, um imundo. A voz mobiliza o sujeito em nome do gozo, até ao esgotamento. O workaholic, agarrado ao seu Blackberry, acaba também destruindo-se». Carolina Foglietti Mas será que o esquecimento do Real é possível? Não estou certa de que a realidade virtual seja tão distinta da realidade psíquica e, embora, possa postergar o encontro com o desencontro, o Real não cessa de não se escrever e de não «esquecer» o ser falante. José Martinho Pois é, mesmo se alguém esquece o real, ele não «esquece» ninguém! Efetivamente, como tinha referido no post de 3 de Abril onde falei do Eu, do sujeito da enunciação e do sintoma, a realidade virtual não é apenas mundana, ela existe também dentro de cada um, como «realidade psíquica», fantasia, janela para o real. O real está fora, mas também dentro da realidade. Maria José Barbosa Considerando que Lacan era um leitor reflexivo de grandes filósofos, nomeadamente Kant, consideremos o seu contributo. Segundo Kant a perceção é sempre uma figura. «As ideias normais são imagens flutuantes, formas ou figuras de acordo com as quais julgamos as diferentes espécies da natureza.» (Critica da Faculdade de Juízo, p. 119). Elas são pré-configurações resultante de sínteses da sobreposição de imagens na Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 17 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 memória. As ideias normais distanciam das ideias estéticas, da ordem da razão. O colocar no Face uma observação significa destituir-vos da vossa real existência, não me parece? Contudo, o que podemos dizer sobre a circunstância de um jogo (mesmo nos jogos educativos), isto é, sem que outro interlocutor existe que não a máquina? Pareceme que o problema não na circunstância da i-realidade (realidade mediada pela tecnologia) mas sim realidade inabitada, sem o outro. Não nos esqueçamos, contudo, que o Grande Outro pode estar a cristalizar-se na i-realidade. Já não é o Deus máquina de Descartes, mas o Deus programa. O que quer dizer «o real pode devir imaginário»? José Martinho 1 - A estrutura da perceção – que apesar de Kant, da Psicologia da Forma e de Merleau Ponty não deve ser reduzido à Figura (Gestalt) – não é a perceção. Nem «acoisa». 2 - Em vez de «e-realidade», preferia «i-realidade». É um termo interessante, que corresponde também aos já referidos i-objetos. Um conceito forjado a partir deste termo poderá dar frutos uma vez testado ou colocado à prova. 3 – Finalmente, sobre o modo como o real devém imaginário, volte a ler a nossa conversa inicial sobre o real, a imagem real e a imagem virtual. Miguel Mota Sugiro o termo «Iconomia», termo com várias ressonâncias... (do grego eikona, ícone + nomos, lei, norma)... Trata-se de imagens (imaginário) que valem por mil palavras (simbólico) e encerram um grain de beauté, um grão de real. Maria José Barbosa Sim, concordo com o uso do termo «i-realidade» para ser testado. Quanto ao conceito «Iconomia» parece-me ser aplicável a todos os âmbitos conceptuais. É demasiado Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 18 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 abrangente, isto é, não é um conceito cujo aplicabilidade se restrinja à especial condição de - realidade mediada pela tecnologia (como foi a rádio, telefone, TV, e tudo mais). Acho que o termo deve ser colocado à prova, no decorrer das nossas reflexões. O que vos parece? Contudo, é possível que a «i-realidade», após as nossas reflexões, se revele hiperrealidade e não irrealidade. Sandra Lucas Ribeiro Seria talvez interessante revisitar a história da comunicação, para melhor chegarmos ao termo certo. A rádio foi a primeira grande rede social. Dos 4 cantos do país, ouvintes participavam em antena nas conversas de um animador. Sujeitos despidos de imagem. Palavras transmitidas pela voz. Terá o rádio sido o primeiro i-objecto? E as ondas hertzianas uma realidade virtual ou i-realidade? José Martinho A Sandra podia fazer essa pesquiza e dar-nos umas primeiras respostas. Por enquanto talvez seja melhor começar a utilizar o termo «i-realidade» (que soa como irrealidade) para falar do que nos ocupa aqui, nesta época Geek. Veremos depois se esse termo pode dar lugar a um conceito. Maria Teresa Saraiva Melloni Desde que a Antena Do Campo Freudiano anda tomando o esquema ótico de Lacan, o estádio do espelho, para investigar o que de Real há nas relações virtuais, venho observando uma vertente nostálgica, a apontar as relações virtuais como usurpadoras do comparecimento da divisão do sujeito e seu apontamento para o Real. Andei mesmo a conversar com algumas colegas, se esse patrulhamento que as redes sociais e as formas de comunicação virtual vinham sofrendo, não se tornaria ridículo, quando daqui a algumas décadas, isso estivesse comparado ao advento do rádio, do telefone e da TV. Freud, em Mal-estar na Civilização, disse que tais progressos não aplacariam em nada o Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 19 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 sofrimento humano, pelo contrário, apenas o reincidiria. Lacan quando fala da antecipação da completude da imagem do Eu, no campo do Outro, diz que ela retorna para o bebê, apenas como traço, que por efeito de repetição constitui o Eu ideal. Então, o que estamos nós a fazer aqui, na rede que a Antena Do Campo Freudiano nos lançou, com o seu Real, Simbólico e Imaginário? Estamos escrevendo? Ou falando? Haverá produção de sujeito? O que cada um de nós pode dizer sobre essa experiência. Como Freud escreveu sobre a experiência da escuta das histéricas, esse é o ponto em que deveríamos insistir. Lacan disse que o Real do inconsciente é o que se escreve, daquilo que se lê no que se escuta. Carolina Foglietti Diante desses ataques e dessa demonização das redes sociais/virtuais fico-me perguntando: será que a obliteração do Real é possível? Maria Teresa Saraiva Melloni Só fica para mim a questão do corpo. Que corpo é esse que comparece no virtual? E não me refiro às imagens, fotos, desenhos. Faço a hipótese de que há um corpo na escrita. Há que fazer a verificação se isso se sustenta teoricamente. Carolina Foglietti É uma questão espinhosa, mas se estou aqui, nesse instante, escrevendo para você, não é sem o meu corpo e seu escrito, pelo menos é o que me parece. 6 de abril José Martinho Recebi hoje de manhã uma mensagem da Maria Teresa Saraiva Melloni a perguntar se tínhamos recebido em Portugal o seu comentário. Digo sim, mas, em razão da diferença horária, só agora posso responder. Em primeiro lugar muito obrigado à Maria Teresa e a Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 20 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 todos os que continuam a participar nesta rede na rede. Em segundo lugar, mas não sei se entendi bem, não se trata de demonizar a i-realidade, de atacar as redes sociais virtuais, ou até de eliminar o vírus, mas de dar melhor conta do impacto que isso tem sobre a realidade material e psíquica, sobre o corpo e a mente, sobre as novas formas de sofrimento da época Geek e, logo, de afinar melhor os nossos diagnósticos diferenciais. Maria José Barbosa O problema poderá ser a velocidade. Uma realidade em constante mutação continuará a ser real? José Martinho Numa conversa anterior propôs-se o tempo como real. Lembro que um dos últimos Seminários de Lacan foi sobre a Topologia e o Tempo, duas maneiras de cercar o «Há» real. Mas desenvolver isto – passando por exemplo pelo tempo kantiano e einsteiniano levaria realmente muito tempo. 7 de abril Filipe Pereirinha Isto vai de tal forma animado que eu não sei se há «tempo para compreender», para usar um termo de Lacan (in Escritos, «O tempo lógico»). Pelo menos, a velocidade da Internet (virtual) não se coaduna bem com a realidade em que os corpos sofrem «atrito». O dicionário diz que o atrito é a fricção de dois corpos que passam um pelo outro e a resistência (dificuldades) que essa fricção ocasiona: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=atrito Reparem nos Embaixadores, sobretudo, naquela mancha anamórfica na base do quadro: Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 21 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 http://www.casthalia.com.br/a_mansao/obras/images/holbein02.jpg www.casthalia.com.br Algo escapa-nos e, ao mesmo tempo, capta o nosso olhar (escapta-nos, portanto). É uma ilustração de que o olhar não é o olho, nem a visão, mas o que cai (o que se escapa) de ambos, ou entre ambos ou a pequena mas incómoda areia no olho absoluto. Escutem também a entrevista a Gérard Wajcman sobre O Olho Absoluto: http://www.dailymotion.com/video/xf0cj7_interview-g-wajcman-par-mh-brousse_news 8 de abril José Martinho Constatei que muitos dos novos amigos brasileiros da ACF são poetas ou pelo menos poetam. O último Lacan lamentava não poetar suficientemente. Será isso um suplemento lacaniano vindo do Brasil? Leio muitas vezes as belas coisas que escrevem, e fico a pensar na diferença entre poema, mitema e matema. João VGuedes Poema, mitema e matema. Seguindo a ordem dos termos, uma perspetiva possível seria considerar um parcours que parte do singular, ou do particular em direção ao plural, ao Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 22 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 universal, com uma diz-tracção a meio do caminho. Gilson Beck Do Desejo, só indiretamente, pela sua sombra. Um Real aos pedaços? http://www.facebook.com/photo.php?fbid=433394113421809&set=a.28306115178844 0.64881.283052288455993&type=1&relevant_count=1 Miguel Mota Aquém do espelho, o corpo fragmentado. Sandra Maria Costa Viola «Pièces detachées» José Martinho O entusiasmo inicial para debater sobre Real e Virtual parece ter-se um pouco esbatido. Será cansaço, desinteresse, falta de tempo, ou é porque se chegou à conclusão que já se deu a volta ao assunto no interior da Tópica do Imaginário. Se for isso, digam, para começar a ver como o problema se coloca na dimensão do Simbólico. Jorge De Almeida Gonçalves Pessoalmente ainda não tive muito tempo para analisar o assunto, nem de ler os textos, Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 23 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 porque estou a concluir aqui umas coisas atrasadas. Tenho questões básicas. A que conclusões chegámos na relação do virtual com o imaginário lacaniano? Sabemos o que é o virtual? Não será toda a mente o virtual do cérebro? José Martinho Em relação à última questão, diria que considero necessário introduzir pelo menos – pois há ainda uma quarta dimensão - um terceiro termo (a linguagem) no debate sobre a dialética corpo/alma, cérebro/mente, hardware/software, etc. É o que tento expor numa conferência disponível online no Canal da ACF: http://www.youtube.com/user/AntenaCampoFreudiano Selma Calasans Rodrigues Penso que o debate é produtivo e interessante. É preciso (para mim) dar um tempo para elaborar e poder colaborar. Estou de viagem para Lisboa com problemas grandes familiares de saúde. Sob controlo mas difícil. Ingrid Pontes Chagas Partilhou a foto de mindasks: Olhe para o cérebro da imagem. Agora tente responder as seguintes perguntas: qual a cor da pele da pessoa da qual foi retirado? Rica ou pobre? Sua orientação sexual? Famosa ou desconhecida? Religiosa ou não? Feia ou bonita? Homem ou mulher? Por Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 24 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 dentro, só de olhar, como é difícil nos diferenciar. Todos temos medos, alegrias, dúvidas, conhecimentos. Mas o que realmente nos diferencia é o conteúdo do que pensamos, este afinado por nossas experiências. E para saber o que realmente diferencia as pessoas, é preciso comunicar-se com elas, interessar-se por elas. A mente. Esse é o lugar onde as diferenças são confrontadas. Esse é o nosso alvo. Jamais as características superficiais que acima foram questionadas. Como deve ser. Carolina Foglietti No esquema óptico podemos verificar a presença de três elementos, que Lacan busca rearticular ao seu «estádio do espelho»: (1) os dois pares do imaginário (a - a´); (2) do simbólico (S-A); (3) o corpo real. Qual sua tese essencial? Inicialmente, o sujeito, não tem acesso à sua imagem (real?) senão por intermédio do Outro como espelho. Esse espelho não reflete apenas a imagem visual, mas inclui os significados do Outro. O sujeito não tem imagem, mas um corpo que tem uma imagem. Essa imagem é virtual e real? A imagem virtual seria o que «envelopa o objeto», isto é, que veste o vazio do real? Figura extraída de: Lacan, J. (1962-63). O Seminário, livro 10: A angústia. Tradução por Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 49. Roberta Gomes O estádio do espelho mostra o lugar do corpo na relação com o psíquico, e coloca a Gestalt do corpo como conformadora da função do Eu. Porém, com o avanço do ensino de Lacan, essa teoria foi sucessivamente reelaborada. No primeiro momento, em 1936, ele articulava o Eu como a captação imaginária do corpo, confrontado ao real biológico do corpo. Posteriormente, em 1953, com a introdução do simbólico, Lacan reformulou o lugar do corpo na psicanálise. Através do recurso a uma experiência usada em ótica física, conhecida como a experiência de Bouasse, que é a demonstração onde se faz uso Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 25 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 de um vaso (onde as flores estão colocadas fora dele no sentido inverso) colocado frente a um espelho côncavo, produz-se a ilusão de se ver o vaso com as flores dentro. Lacan, neste exemplo, seguiu a sugestão de Freud que indicava o interesse dos modelos óticos, usados para descartar a noção de localização anatômica, e ficar no terreno do psicológico. O olho, no modelo usado por Lacan, é o símbolo do Sujeito, e quer dizer que na relação do imaginário com o real, tudo depende da situação do Sujeito, posto que esta situação está essencialmente caracterizada por seu lugar no mundo simbólico, que é o mundo da palavra. Quer dizer, o corpo, em tanto real, é como o vaso refletido no espelho, quer dizer, ele é inacessível ao olhar e portanto o Sujeito (determinado pela ordem simbólica) nunca terá mais que uma apreensão imaginária do corpo. Maria José Barbosa Partilhou uma ligação, e chama de novo a atenção para a velocidade: O ESPELHO DE LACAN No seu seminário de 1953-54, Lacan utilizou um elaborado diagrama para explicar as dinâmicas da formação do ego. Através da combinação de espelhos planos e curvos, um sujeito imaginado é levado a ver dois objectos distintos, uma jarra e um ramo de flores, como se este estivesse contido naquela. Este truque feito com espelhos, segundo diz Lacan, é o mecanismo necessário da desidentificação, através do qual as pessoas podem imaginar que possuem uma identidade coerente. No diagrama de Lacan, o espaço virtual "por detrás" do espelho plano é onde o sujeito imagina (através da desidentificação) que o seu Eu existe enquanto unidade (mais do que uma qualquer desorganizada colecção de identificações). Este espaço virtual também contem o reflexo do olho do sujeito - o lugar do sujeito virtual -, que poderia, como sugere Lacan, olhar para toda esta trapalhada e vê-la enquanto tal. Este parece ser o espaço para o analista, mas parece também ser um espaço impossível - uma análise de fantasia, que poderá finalmente não ser mais do que uma espécie de protecção conjunta -, que teria que ser construído através de uma desidentificação qualquer, tanto quanto a assumpção do sujeito da posição de todo o ramo na identidade da jarra. No entanto, parece que o virtual é onde Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 26 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 está a acção, apesar do seu estatuto impossível. O trabalho de análise tem lugar entre um analisando que imagina que é - ou, pelo menos, que deveria ser - inteiro, e um analista que tem algum investimento em discernir claramente a fragmentação do analisando. Ambos operam em espaços que acabam por ser escuros e inabitáveis. Voltando à questão do jogo da livre identidade na internet, podemos estar a ver a invocação de algo semelhante à Lacaniana situação analítica. Uma boa parte da discussão sobre o potencial liberatório da internet assenta na presunção de que se pode assumir algo parecido com a posição do sujeito virtual. Há uma espécie de expectativa do trabalho de auto-terapia que se desenrola por detrás do plano do ecrã do computador. Mas estamos tão divididos quanto Lacan parece estar entre as dinâmicas do espelho e do ecrã, dinâmicas essas que parecem ser bastante diferentes. Há uma espécie de confusão sobre se se pode ou não ocupar o lugar por detrás do ecrã. Não é um espaço impossível no mesmo sentido, em parte porque não há necessidade de que a imagem virtual tenha qualquer relação com o sujeito particularmente «verdadeira» ou mesmo «real». A persona que aparece no ciberespaço é potencialmente muito mais uma projecção do que uma reflexão - potencialmente não mais que uma complexa espécie de identificação, e muitas vezes de uma maneira bastante consciente. Mas a consciência a este nível não nos permite fazer de analista e de analisando simultaneamente, como se a extensão no virtual através da tecnologia do computador fosse uma duplicação dissociativa. Claramente, neste momento, qualquer envolvimento mais profundo com a comunidade virtual irá envolver-nos num campo complexo de significados e associações - um envolvimento onde a possibilidade de escolha entre o real e o tão-bom-como-o-real, entre a experiência real e a virtual, poderá finalmente constituir uma de entre tantas mais questões. Devemos estar atentos aos efeitos da velocidade, a fim de não ficarmos dessincronizados dos ritmos da vida real. José Martinho Assim ainda acabamos por fazer um Seminário no Facebook. Prefiro pegar no que sei (de Freud, Lacan & Co.) e utilizá-lo para alimentar a minha fala, de modo a pensar melhor o que se passa aqui e agora, mas também na nossa «Era digital»; em particular, pensar as consequências que esta tem para a psicanálise, os psicanalistas e os psicanalisandos, presentes e futuros. Vamos lá ver se consigo. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 27 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Carolina Foglietti Uma das consequências é a possibilidade, mesmo que sempre não-toda, de estarmos aqui a fazer algo da experiência de cada um circular. 9 de abril Carolina Foglietti Figura extraída de: Lacan, J. (1962-63). O Seminário, livro 10: A angústia. Tradução por Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 54 . Eis porque continuo a insistir no fato de que algo da imagem real está desde sempre perdido: «Nem todo investimento passa para a imagem especular. Há um resto. (...) essa função é privilegiada sob a forma do falo. Isso significa que, em tudo que é demarcação imaginária, o falo virá, a partir daí, sob a forma de uma falta. Em toda a medida em que se realiza aqui, em i(a), o que chamei de imagem real, o falo aparece a menos, como uma lacuna (...) cortado da imagem especular», Lacan. Maria Teresa Saraiva Melloni De facto. Penso que toda a imagem é virtual, na medida em que não cobre a imagem do sujeito, que não há. Portanto, nessa falha especular, ela encobre/indica o real do corpo, que se perde. Tal conclusão nos é útil para sustentar algo teórico sobre a comunicação em rede (web)? Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 28 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Miguel Mota Lacan irá simplificar os seus termos substituindo i´(a) por i(a) e i(a) por a. José Martinho Simplificando então: - objeto a - i(a) = Eu, Eu ideal - I (A) = Ideal-do-Eu, mas vincando o assento deste no Simbólico (A). Voltando à discussão inicial sobre perda, ou não, da imagem real, proponho, para melhor esclarecimento do problema, que distingamos a imagem (real e virtual) de uma coisa, por exemplo de um «objeto» como o vaso sem as flores, e a imagem (real e virtual) do «sujeito» que emerge no espécimen humano em virtude do Simbólico. É neste último caso que acontece a referida perda (de algo) da imagem real, pois a formação do Eu do sujeito supõe o espelho/plano do Outro; e que o Desejo da Mãe está já normalmente marcado pela significação fálica do bebé, logo pela castração. A criança não tem acesso, através da imagem real, ao corpo fragmentado que estaria por detrás do espelho, nem à prematuração efetiva do organismo, e, sobretudo, começa a ver-se no olhar da mãe enquanto substituto do falo. Maria Teresa Saraiva Melloni Perfeito. Entendo que Lacan ao apontar a perda da imagem real que se dá a nível do imaginário, da qual o simbólico vem se servir, está interessado em abordar a relação do sujeito com a realidade psíquica, desde a constituição do sujeito, objetos fundamentais, seio, fezes, falo, incluindo o próprio corpo, que na verdade é a matriz fantasmática da sua relação com os objetos. No Seminário ... ou pire, Lacan diz que Freud promoveu o Um a pretexto do corpo ser uma das formas do Um, de se manter unido e ser, salvo acidente, um indivíduo. Mas Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 29 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 que isso põe em questão a díade Eros e Tanatos, já que essa díade é sustentada pela relação do Um com o não-um, essa que faz fracassar a relação sexual. 10 de abril José Martinho Passaram-se 10 dias desde que começamos a nossa conversa sobre Real e Virtual. Agradeço às mais ativas, à Ana, à Carolina, à Maria José, à Maria Tereza, à Mara, à Roberta, mas também ao Miguel e aos demais que têm participado nesta aventura. Um desejo decidido vale por muitos. Miguel Mota O campo da realidade institui-se a partir da extração do objeto a. O campo do visível institui-se a partir da extração do objeto olhar (regard). O aparecimento do objeto olhar no campo do visível gera angústia. A angústia surge quando falta a falta. Saint Exupéry, autor de Le Petit Prince, diz que o essencial é invisível aos olhos. O essencial, o objeto a, extraído, permanece, normalmente, invisível. Mas, na psicose onde falha a extração, o objeto mostra-se, «monstra-se», gerando angústia. José Martinho Io sono sempre vista: leiam o que Lacan diz sobre esta frase de uma esquizofrénica no Seminário X, sobre a angústia, neste caso psicótica, na medida em que o sujeito (olho) que observa se identifica com o objeto a (o olhar). Na neurose, o objeto a não aparece no quadro, só existindo o vazio resultante da sua extração. Na psicose, o objeto vê-se. Miguel Mota «C´est donc...comme sujet originairement refoulé que le , S barré du désir, supporte ici le champ de la réalité, et celui-ci ne se soutient que de l´extraction de l´objet a qui Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 30 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 pourtant lui donne son cadre.» (J. Lacan, Écrits. «D´une question préliminaire à tout traitement possible de la psychose»). José Martinho Ler também, de Jacques-Alain Miller (Jam), Montré à Premonté, 1983. João VGuedes C'est un réel (a)chat. Miguel Mota «O campo da realidade institui-se através da extração do objeto a... extração que, no entanto, lhe fornece o quadro... O sujeito como sujeito barrado é este buraco...equivalência entre o sujeito e o objeto. Num sentido, o sujeito não é nada - é o que significa  - mas noutro, ele não deixa de ser algo, ele é o objeto do seu fantasma.». …A janela do fantasma só se constitui na condição de o objeto ser extraído. É por aí que o fantasma é quadro, mas também écran...Essa a razão porque Lacan pode dizer - 2ª definição deste campo da realidade - que este só funciona, obturando-se com o écran do fantasma»…Há ainda um 3º valor do fantasma: o fantasma-cena. É no quadro desta janela, neste écran que a realidade adquire para nós a sua significação. É assim que entendo esta 3ª definição do campo da realidade: «o campo da realidade não é senão o que toma o lugar (tenant-lieu) do fantasma - o que o levará a formular mais tarde que...toda a realidade assenta no fantasma» (Jacques-Alain Miller, Montré à Prémontré). Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 31 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Carolina Foglietti O que é recusado no simbólico retorna no real: «Uma visão [...] que as palavras do pai não tinham conseguido evocar, surgiu à sua frente saltando da palavra escavada na madeira», James Joyce, Um retrato do artista quando jovem. José Martinho Dentro do nosso tema, podia-se dizer: o real que não se torna virtual volta ao real, de modo alucinatório. Quando se conhece o ensino de Lacan, o que escreve o «jovem artista», e muitos outros, ganha uma amplitude inesperada. Marcelo Quirino Justamente... Carolina Foglietti De fato, quando a peste nos «morde» ela não nos abandona em momento algum. É como se «ganhássemos» lentes novas, lentes outras. 11 de abril José Martinho O Nuno Simões trouxe hoje para o Seminário da ACF uma garrafa de um dos melhores vinhos portugueses, o Quinta de Foz de Arouce (colheita de 1996). O Rei escondia dos seus inimigos, no castelo da Lousã, os seus bens mais preciosos, como a sua filha, a Princesa Peralta, e o seu vinho de Arouce. Foi pois com este néctar que brindámos hoje ao almoço. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 32 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Jaime Correia Bessa Espero que também tenham brindado ao [meu filho] João Pedro, que faz hoje 5 anos! Maria José Barbosa Belíssima fonte de estimular a erudição. Um almoço inspirado por Baco. Miguel Mota In vino veritas Nuno Simoes Almoço fantástico onde Baco, Peralta e Lacan estiveram, além de nós claro. Freud saiu mais cedo do almoço mas também esteve. João VGuedes Um vinho excelente, uma verdadeira preciosidade. Obrigado Nuno, pela partilha. Foi um almoço Real. Filipe Pereirinha A imagem do vinho é real ou virtual? O vinho, esse, foi real (mente) bom! Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 33 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 12 de abril José Martinho Mais uma achega: Nova leitura do esquema L O sujeito como existência do Um levou-me à seguinte releitura do esquema L: Este Um está aí localizado em (Es) S. O «Es», ou Id, é uma referência ao que a segunda tópica de Freud chama o «reservatório das pulsões», como diz Lacan, a sua reserva. Sabemos que Freud remete a fonte dos que nos reserva a pulsão para a biologia. Será a razão pela qual o primeiro Lacan lembra que a biologia de Freud é uma mitologia. Por conseguinte, situa a pulsão freudiana no Imaginário. No entanto, o esquema L aproveita a homofonia em francês para sugerir que «Es» é, realmente, S: o Sujeito, como dirá Lacan em Kant com Sade, «na sua inefável e estúpida existência». O indivisível indivíduo da espécie, o espécimen vivo torna-se aqui o Sujeito (S). Este Sujeito seria uma espécie de mónada (pulsional), se Lacan não aconselhasse a lê-lo ao nível da estrutura quadripartida que é necessária para dar conta do inconsciente freudiano: o esquema L. Podemos ler o Sujeito a partir desta estrutura, mas eu queria lê-lo agora como separado dos outros e do Outro. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 34 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Se seguirmos o Z relacional do esquema L, vemos que, a relação do Sujeito ao outro (a´) é mais uma não-relação, um contacto intermitente (------) ou não contínuo. O esquema serve aliás para indicar que o Sujeito (S) não é o outro (a´), nem o eu (a). Do ponto de vista diacrónico, o primeiro vínculo, a «relação imaginária», mostra que o real do Sujeito (S) difere da imagem real (a`) e da imagem virtual (a). Isto é o que mostra o «estádio do espelho», a saber, que o eu do Sujeito se forma à imagem e semelhança de um outro, que pode ser a imagem especular do modelo, ou a sua imagem total e completa (Gestalt). Mas o que a estrutura quadripartida pretende sublinhar é sobretudo o lugar do Outro (A), que é o da linguagem, mas também daqueles que falam primordialmente ao Sujeito, em particular os pais da criança que passa por este processo. É neste mesmo lugar que aparecerão os significantes da Mãe e do Pai, ou seja, o «Desejo da Mãe» e o «Nome-do-Pai». O Outro que tem aqui o primado, não só sobre o Imaginário (ego-alter-ego), como sobre o Real do Sujeito, devém, mais tarde o Sujeito do inconsciente. Ora é precisamente o Sujeito do inconsciente que este esquema não mostra ainda, mesmo que ele presida à sua conceção. Estou evidentemente a referir-me ao Sujeito que Lacan escreverá mais tarde com a barra por cima: . Digamos que a relação ao Outro (A) faz com que o Sujeito perca a sua suposta unidade individual e se clive: Ichspaltung. O Sujeito dividido fica em conflito imaginário com o outro e sobretudo consigo mesmo, com a parcela que perdeu por força ou em virtude da relação ao Outro simbólico. Esta parte perdida fica na reserva pulsional. Ela regressa no delírio, no sonho e na fantasia, mas sobretudo retorna ao real na forma do sintoma. É, pois na relação com os outros e o Outro que o Um Sujeito se divide, em Eu e mim, Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 35 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 mas também entre significantes: . Desde logo, pode surgir a questão do Sujeito ou o Sujeito como questão (Che vuoi?): S  Um Dois O sujeito () dividido passa a queixar-se do seu sintoma (S).  é o sujeito do inconsciente estruturado como uma linguagem, não só o sujeito do lapso, do sonho, da fantasia ou até do sintoma como formação do inconsciente, mas também aquele que fala ao analista. O sofrimento do sintoma pode levar à queixa e à demanda endereçada a um especialista em sintomas, que o ajude a desembaraçar do embaraço. A lamentação, o pedido de ajuda, amor e compreensão indicam que o Sujeito do significante tem normalmente uma má relação com o seu sintoma. Ele perturba a estabilidade orgânica, atrapalha a sua vida quotidiana, por conseguinte quer livrar-se desta perda de liberdade. E portanto o sintoma (S) é o parceiro do Sujeito falante (). É mesmo por isso que ele ama o seu sintoma como a si mesmo. O que permanece geralmente não sabido é a positividade do sintoma, o facto dele ser não só o parceiro, como a sorte grande do Sujeito. Marca da singularidade e suplemento de gozo, o sujeito vive, convive sempre com o seu sintoma. É, pois, com ele que pode inventar ou criar algo de seu, produto que terá sempre impacto na cultura e sociedade. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 36 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 13 de abril [13 de abril: era o dia de aniversário de Lacan] Filipe Pereirinha Mas essa existência do sujeito como Um estava já ao nível de S (no esquema L) ou é algo a produzir? Se é algo a produzir - por exemplo, como resultado de uma análise será que poderá dizer-se que ele estava já em S? Ou será que poderíamos dizer que ele estava em S de forma virtual (seria uma outra maneira de ler o tracejado) mas só a muito custo ele se produziria (extrairia) como real-mente Um? Mas se o sujeito pode finalmente conviver com o seu sintoma, talvez isso não seja uma trégua, uma paz podre, uma deposição das armas, mas uma nova guerra, um novo desassossego, como diria o poeta - o tal que inventou algo a partir do seu sintoma e, com isso, ainda não cessou de ter impacto...na cultura, na sociedade e sei lá que mais! José Martinho A minha leitura do esquema L – que acompanha o Seminário da ACF deste ano e as nossas conversas no Facebook – é retroativa. O que aliás tenho vindo a fazer nos últimos anos é ler o primeiro ensino de Lacan a partir do derradeiro. Numa análise, o que apenas se identifica no fim, a saber o sintoma, é o que já lá estava desde o início para trazer o sujeito até ao analista. Lacan escreve S no esquema L e não . Este S não está dividido como o Sujeito (do significante) que Lacan apresenta mais tarde. Esta unidade de S não refere ao Sujeito cartesiano, kantiano, hursserliano, hegeliano, e muito menos ao da Psicologia do Ego. Também não é o indivíduo prematuro e ainda sem reconhecimento da imagem especular. A referência, mais homofónica do conceptual, é o Es freudiano. Mesmo se não se pode dizer que o Es seja Um, o «reservatório» pode ser visto como um Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 37 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 contentor. O que me interessou sobretudo foi a dimensão real deste S, diferente da imagem real (a´), da imagem virtual (a) e, claro está, do Outro (A) simbólico. É a partir do Outro que o sujeito será criado como ; o produto desta operação é o objeto a como objeto perdido, ou seja, como causa do desejo. Mas então  vai diferir de S, que eu li como retorno do que foi excluído em virtude de A, e que toma, então, o valor de real do sintoma. Este último real de S difere do primeiro. E é verdade, como disse, que ele apenas se consegue identificar no final de uma análise. 14 de abril Carolina Foglietti «Quem olha um espelho conseguindo ao mesmo tempo isenção de si mesmo, quem consegue vê-lo sem se ver, quem entende que a sua profundidade é ele ser vazio - então percebeu o seu mistério», C. Lispector. Carlos Eduardo Leal Os espelhos revelam ausências… Carolina Foglietti Sim. E quando algo surge ali a angustia se faz sentir. Carlos Eduardo Leal O real sempre surge quando não se espera. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 38 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Miguel Mota Nous ne voyons pas les choses telles qu´elles sont mais nous les voyons telles que nous sommes, Anaïs Nin Um retrato é um re-trato (simbólico-imaginário) do in-tratável (real) 15 de abril José Martinho Quando eu canso de mim refugio-me na palavra. Carlos Eduardo Leal Pego nesta frase para passar à etapa seguinte da nossa conversa, e pensar melhor o Real e o Virtual a partir da dimensão do Simbólico. Como sabemos, a referida dimensão é para Lacan a palavra. Porque não dizer então que vamos passar do Imaginário do «mim» para a o Simbólico da palavra. No início dos anos 1950, Lacan falava da função da palavra no campo da linguagem. A palavra que interessava mais diretamente a talking cure era a palavra falada ou mais simplesmente a fala. Isto não significa que a palavra escrita não seja problematizada desde o início, tanto na obra de Freud como na de Lacan. O escrito psicótico, como as Memórias de Schreber, é um exemplo privilegiado. Mas a semelhança entre o rigor delirante do paranoico e a loucura do lógico vem rapidamente à baila. A escrita científica, nomeadamente a das leis da natureza, aparece também já na referência às leis da ótica, que governam a formação e deformação das imagens (reais, virtuais, etc.). Fico por enquanto por aqui para ver se esta deixa suscita alguns comentários vossos. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 39 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Carolina Foglietti A partir dessas colocações, fiquei pensando na diferença entre o escrito, a escrita e a palavra (escrita ou falada). José Martinho Será que se refere à diferença entre o fonema e a letra? Carolina Foglietti Pode ser. O fonema já seria um efeito da letra ou seria um equívoco pensar nessa anterioridade? Quando o Carlos Eduardo se refere ao refúgio na palavra pensei na diferença entre lalangue e linguagem, já que Lacan vai dizer que esta última sobredetermina aquela. Refugiar-se na palavra seria valer-se da alteridade radical e, portanto, absolutamente singular de lalangue? Miguel Mota Eu faria uma leitura outra da frase em epígrafe: Penso que o que cansa é a repetição do sinthome, a iteração da letra, a l´iteração. Procura-se refúgio desta «lavra» incessante na palavra e na imagem. O que cansa é a incidência traumática da lalangue, la roulure de lalangue, lalangue que é uma «obscenidade». O que cansa são les résons du corps (Le corps a des résons que la raison ne connaît pas). Graças à palavra e à imagem procuramos domar esse indómito corcel. Creio que o «desabafo» de Roberta Gomes que ela publica hoje vai nesse sentido. Creio que o que a Carolina Foglietti expende também vai nessa direção. Carolina Foglietti Gostei da leitura e das provocações que suscitou Miguel Mota. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 40 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Miguel Mota Obrigado Carolina. A leitura que faço é em parte inspirada num artigo de Patrícia Bosquin-Caroz, «Trauma et événement de corps», que acabei de reler, onde a autora fala da sua própria análise. Carolina Foglietti O real é o que escapa tanto ao imaginário - não possui imagem especular - quanto ao simbólico - não se pode dizer. É lá que o sujeito tropeça. O real é o que não se sabe, é o mistério do corpo falante, que não cessa de insistir no sofrimento do sintoma e na angústia da falta estrutural do humano. Não temos outra escolha a não ser inventar uma solução singular para manter amarrados os registros que constituem nossa estrutura e fazer da falta a perda da qual somos causa. 16 de abril Roberta Gomes Uma semana de travessia entre margens... É o tempo da travessia E, se não ousarmos fazê-lo Teremos ficado, para sempre À margem de nós mesmos Fernando Pessoa Miguel Mota Travessia do fantasma? Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 41 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 José Martinho Se o Carlos quiser finalmente abraçar, ou entrar na dança desta nossa conversa do Facebook, pode também dizer o que é que o cansa e o que ele entende por «palavra». Aguardando, propunha: Aquilo que chamo «palavra», falada ou escrita, supõe a linguagem e seus efeitos sobre o corpo do «Omem» (L´Hom lacaniano). É este encontro – contingente, mas sempre troumatique - que produz o chamado «acontecimento de corpo». Algo de surpreendente e doloroso se inscreve no corpo que se assemelha a uma letra, eventualmente a uma escrita pura, primária, porque permite uma leitura après-coup. É nisso que reside a origem do sintoma, mas também uma possível saída da repetição do cansaço real que ele causa, saída pela porta do Simbólico (da fala, da escrita, etc.), ou saída pela janela do Imaginário. Carolina Foglietti Quando você diz «saída pela janela do Imaginário» está se referindo ao acting out e a passagem ao ato? Pergunto isso, porque em relação ao «acontecimento de corpo» acho que não se trata de um acontecimento especular e que, portanto, não acontece no «estádio do espelho», que desdobra a imagem enganosa do corpo. Me parece que esse «acontecimento de corpo», que se dá tanto no encontro contingente do infans com a linguagem, quanto no final de uma análise, possui uma consistência de gozo que escapa tanto às saídas imaginárias quanto às estratégias simbólicas. Em outros termos, me refiro aí ao ICS real, que jamais vai cessar de repetir a rata pulsional e de surpreender o ser falante (mesmo que se dê a tal identificação ao sinthoma). Esse saber fazer com isso que não cessa de não se escrever é transmissível pela palavra? Isso se liga ao imaginário? Penso que sim, mas de uma forma totalmente distinta... Ou seja, será que tratar-se-ia de uma experiência que pode, ou não, se transmitir pela via da perda, ou seja, pelos restos daquilo que não se diz por trás do que é dito? Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 42 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 17 de abril Carlos Eduardo Leal Obrigado pelo convite, Antena Do Campo Freudiano. Abcs e desejo te ler um pouco mais e a Carolina Foglietti também. Meu escrito poético está desvencilhado dos termos psicanalíticos. Creio que isso eu consegui para poder escrever com liberdade de pensamento. Mas, vamos lá: entendo, tal como Lacan o diz no Seminário 11, que a experiência de uma análise é fazer passar o real através do simbólico. Ou, se voltarmos ao velho e bom Freud (e quantas vezes Lacan em seu esforço de retorno não o fez?): o trauma é a impossibilidade de se traduzir a emoção em palavras. Então, o ato poético é da ordem de um savoir-faire, um saber fazer e um saber dizer a partir do semblante. José Martinho Em primeiro lugar obrigado ao Carlos por ter abraçado a nossa conversa. Este «abraço» pode designar o real da tal «emoção» que será traduzida simbolicamente, em palavras. É bom que o poeta, mesmo quando é psicanalista, diga as coisas bem com as sente. Cabe depois ao leitor ler isso. Assim, o referido cansaço de «mim» deu lugar a várias leituras e até provocações. As releituras de uma análise apenas tentariam não cometer muitos erros de leitura. A Carolina questiona a minha expressão «saída pela janela do imaginário». Efetivamente distingui a «porta» simbólica (veja-se por exemplo o que diz Lacan sobre o termo nos primeiros Seminários) e a «janela» do imaginário, que, como já disse, ele referiu mais tarde à fantasia, mesmo se a estrutura desta é a de uma frase, que se repete, como um leit motiv. A questão do acting out e da passagem ao ato podem também ser abordadas ao nível do Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 43 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 script, ou do palco da fantasia como defesa contra a angústia. Na análise, o acting out (o agir fora do setting psicanalítico) é uma maneira de fazer passar o dizer para o outro lado da janela da fantasia que enquadra e suporta a relação transferêncial, enquanto a passagem ao ato fecha ou tenta fechar a porta da análise. O «acontecimento de corpo» - porque não lembrar que este, como muitos outros termos (INC real, etc) que se tornaram usuais na nossa e em muitas outras conversas por esse mundo fora, foi meticulosamente forjado durante o Curso de «orientação lacaniana» de Jacques-Alain Miller – é efetivamente um real que, mesmo se não elimina as outras dimensões, é heterogéneo, diferente do Imaginário (estádio do espelho, etc.) e do Simbólico (a linguagem, a palavra, etc.). É num voltar a atar as dimensões que se desataram na análise que consistirá o saber-fazer com o que há de mais real para o sujeito, a saber, o sintoma pós-analítico. Este saber-fazer pode ser um saber-dizer, escrever ou até imaginar, inventar. A poesia no sentido forte da poeisis, da criação, tem aqui um lugar de destaque. Filipe Pereirinha Se me permitem, introduzo outro poeta na discussão. Como diz o Carlos Eduardo Leal, que é poeta, a poesia é antes de mais uma experiência de «palavra» e não uma concessão a esta ou aquela teoria (mesmo a psicanalítica, a lacaniana...ou outra qualquer). Ela refugia-se na palavra quando (e porque) está cansada não apenas de «mim», mas da «língua» comum e desgastada pelo uso (o discurso corrente). E é nessa experiência de palavra que também os poetas experimentam «o real» (sentido mais lacaniano do termo - pelo menos do Lacan de uma certa época): o real como impossível. Se não, vejamos o que diz um poeta no início daquele que muitos consideraram já como o mais belo poema do mundo. Aí vai: «Não sou nada/Nunca serei nada/Não posso querer ser nada/À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo/Janelas do meu quarto (Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é/ (E se soubessem quem é, o que saberiam?)/Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente/Para uma rua inacessível a todos os pensamentos/REAL, IMPOSSIVELMENTE REAL/ Certa, Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 44 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 desconhecidamente certa/Com o mistério das coisas por baixo da pedras e dos seres/Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens/Com o destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada/ (...)». Na experiência de palavra (quer se trate de uma análise ou de poesia) acaba por tocar-se em algo de impossível de ... dizer, de IMPOSSIVELMENTE REAL: S de A barrado, o que não cessa de não se escrever! Mas há também, segundo Lacan, o real da contingência. E aí me parece que o poeta consegue, apesar de tudo, fazer com que algo CESSE DE NÃO SE ESCREVER! Carolina Foglietti Concordo e acrescento que, ao autorizar-se pela diferença de seu corpo sinthoma, e fazer o luto da inexistência do Outro sexo, enquanto demanda neurótica da completude, o ser falante pode encontrar-se com a alteridade do pequeno outro, pois então a não equivalência e a desproporção passam a ser a condição, ainda que contingente, do encontro e do gozo sexual e não apenas de seu impossível. Miguel Mota La littérature est la preuve que la vie ne suffit pas Fernando Pessoa La littérature est la preuve que l´eau-de-vie ne suffit pas. Em Pessoa não há vestígios de um pousse-à-la-femme. Em contrapartida, a célebre «arca» sem fundo parece atestar um pousse-à-écrire. Joyce considerava-se «O artista» (Retrato do Artista enquanto jovem). Pessoa, de certo modo, aspirava a ser O Poeta (O Super-Camões). Que dizem os especialistas? Miguel Mota O interesse do coleciona-dor reside no Um que falta para completar a colecção. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 45 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 José Martinho É isso mesmo. Leiam/vejam, por exemplo, O Perfume. Gilson Beck Um pouco torto, não pude deixar de notar: «que uma caixa de fósforos não é de modo algum simplesmente um objeto, mas pode, sob a forma em que estava proposta em sua multiplicidade verdadeiramente imponente, ser uma Coisa.» Lacan a falar sobre o colecionador de caixas de fósforos que as dispunha pela sala (de maneira imponente), unindo-as umas às outras pela parte interna. (Seminário VII, A Ética da Psicanálise, p.140) Miguel Mota A coleção era de Prévert, suponho. É a este propósito que vale a definição proposta nesse Seminário, para a sublimação: «Elevar o objeto à dignidade da Coisa». E a distinção entre die sache e das Ding. A sublimação é elevar die sache à dignidade de das Ding. José Martinho Efetivamente, a maneira artística de tocar o real a partir do simbólico é de elevar a obra, o objeto, a coleção ao estatuto d´«acoisa», do que não serve para mais nada senão para o gozo, no caso, estético. 18 de abril José Martinho Já tinham pensado no seguinte para situar Real e Virtual por intermédio do Simbólico: antes da Psicanálise, antes da Linguística, havia várias maneiras de abordar a palavra e os seus mistérios; uma das mais conhecidas era a procura do étimo, da origem de cada Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 46 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 termo - Quid para «Real» e «Virtual»? Real: vem do latim res, rei, o que existe de facto; pode também vir do latim regālis, Rei ou monarca. Porque não dizer então que Real é o Reino da Coisa, o lugar onde a Coisa reina? Virtual: do latim virtualis, virtu, força, virtude, excelência, eficácia, potência, capacidade, mais literalmente virilidade, de vir, varão, homem. Porque não dizer, então, que Virtual é tudo o que toma uma significação fálica? João VGuedes Realmente, porque não? São afirmações bastante acertadas. O étimo é uma ajuda preciosa para uma semântica mais rigorosa. Carolina Foglietti De fato, e assim sendo, é somente pela via do gozo não-todo fálico que o reino da Coisa pode ser contornado. [Gostaria de retificar o que coloquei a respeito do gozo não-todo fálico como sendo a vertente pela qual se contornaria o Reino da Coisa. Este último, de fato, só pode ser contornado pelo gozo fálico! Posso adiantar que tal lapso me causou um certo embaraço acompanhado da indelével surpresa inerente à emergência da divisão subjetiva (castração), Carolina Foglietti] 19 de abril José Martinho Ainda sobre a etimologia de Real e Virtual: Real: por detrás do Rei e da Res Publica, a Coisa terá uma Substância? Aristóteles disse Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 47 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 que havia uma só Substância. Descartes dividiu-a em duas, res extensa e res cogitans. Interrogando ainda a Coisa, Heidegger diz que o ponto mais crítico é a confusão entre a Coisa e o Objeto. Lacan insiste: das Ding não é die sache, a Coisa, real, não equivale aos objetos, simbólicos e imaginários. No ponto em que estamos, o que convém dizer é que a Coisaem-si (Ding an sich), se ela existisse, não deixaria de sofrer os efeitos da linguagem, entre quais o furo que a esvaziaria de conteúdos. Para Freud, um destes efeitos é o inconsciente. No Lacan que vem depois do «inconsciente está estruturado como uma linguagem», surge também acoisa como pequena substância do gozo. Virtual: a significação fálica de Virtual pode aparecer tanto na ideia do que é em potência, não em ato, ou do potencial (1650) que pode ainda não ser visível nem ter sido nomeado, bem como naquilo que é inexistente fisicamente ou só aparece por meio de um software (datando da Informática). Filipe Pereirinha O que eu pergunto é se, hoje, graças à informática e às redes (virtuais) que ela permite estabelecer, algumas das velhas distinções/oposições categoriais não têm igualmente de ser reformuladas. Por exemplo, de que ordem é a «amizade» virtual? Tem, sem dúvida, uma componente «imaginária» (escolhem-se amigos à nossa imagem e semelhança), mas também uma componente «simbólica» (ter amigos, de preferência muitos amigos, é ser conhecido, reconhecido, desejar ou fazer-se reconhecer, portanto, um sinal de que estamos in, em rede, isto é, no circuito simbólico). Mas haverá na amizade «virtual» apenas estas dimensão imaginária e simbólica, isto é, da ordem do semblant? Ou haverá também, algo de real? Pelo menos, afeta a «realidade» (quando alguém deixa de me falar na realidade ou corta relações comigo porque eu não a aceito como amiga no Facebook). Mas a realidade, como mostrou Lacan, não é ainda o real. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 48 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Maria José Barbosa Correndo o risco de desviar-me, o virtual, no campo da filosofia, não se opõe ao real mas sim ao actual. O virtual existe ainda que de forma latente. Nesse sentido, a irealidade poderia ser vista como uma realidade virtual. Na sua obra sobre o póshumano, Hayles afirma que, por efeito da introdução da cibernética, todos os significantes adquiriram um carácter flutuante, na mediada que podem actualizar-se, ou não, segundo respeite o padrão ou por efeitos da aleatoriedade própria da rede. Os significantes, ao se desvincularem dos corpos utópicos da modernidade, converteram-se em formas de vida, que podem ser usadas, ou descartadas, pelo cibernauta a seu belo prazer. O real parece, neste sentido, não ter força para actualizar a força simbólica dos significantes. Bourriaud, por exemplo, afirma que o cibernauta está convertido numa mesa de pós-produção, pela forma como opera com fragmentos da realidade, criando com eles, obras que se manterão para sempre abertas (U. Eco). Esta é a prática dos movimentos artísticos do início do século XX, como o dadaísmo. O que pensar de tudo isto? José Martinho Guardo a ideia que o virtual pode não se opor ao real mas ao atual. Era o que designava já o ser em potência e o potencial. Mais uma citação: «se isolamos um género que chamamos «telerrealidade» é porque a teleirrealidade é a norma. A mídia produz show. Ela condena a sociedade ao espetáculo. Regra geral, não acreditamos no espetáculo. É, pois, da estrutura que a mídia desconfia. O incrédulo que a combate não se apercebe que ela é a sua sombra», J-A Miller, Lacan Quotidien, nº313. Poderemos dizer o mesmo da i-realidade? Maria José Barbosa O virtual é real só que em estado de latência. A questão que se coloca é o que dá Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 49 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 existência ao virtual? Parece ser a linguagem. O que mudou na linguagem no actual contexto? O que é a fala no actual contexto? Eu defendo que a i-realidade distancia-se dos restantes media pela possibilidade que faculta de interação. Contudo, cada sujeito interage com um programa e não com um outro. Consideremos o seguinte exemplo: na circunstância de alguém escrever algo no Facebook e não ter qualquer feedback, o que pode pensar? Todos viram, mas não se interessaram/gostaram, ou o meu comentário não obteve, por questões aleatórias do sistema computacional, visibilidade. Quem escreve algo espera por um feedback. Contudo, no caso de não o receber, não consegue determinar a causa, a menos que questione diretamente as pessoas. Parece-me que, na i-realidade, o diálogo (emissão e receção), garantido desde sempre na oralidade, encontra-se cindido pelo modo próprio do computador operar. Não nos podemos esquecer que na i-realidade os diálogos obedecem à matriz da oralidade, mas o canal já não é o ar, é um programa que codifica a mensagem no momento do imput e a descodifica como output. Parece imediato, mas há uma fração de tempo que é o da codificação/descodificação. Neste intervalo instalase a aleatoriedade. Não sei se me fiz entender. José Martinho Mesmo na «comunicação» oral e presencial pode não haver feedback. De qualquer maneira, todo o diálogo, toda conversa ocorre, por estrutura, no mal-entendido. Por esta razão e não só, numa análise de orientação lacaniana não se responde à Demanda. O silêncio do analista é omnipresente. Será que este se fez entender? Maria José Barbosa Sim, eu sei. Mas na comunicação oral e presencial há um corpo que fala-me. Obvio que interessa-me particularmente o discurso não analítico, na medida que as relações sociais não operam nesse campo. O que intuo é que, sem a presença física do outro, o real perde a força de significação. Mesmo ao nível da ciência, não sei se sabem mas, quem seleciona os resultados obtidos Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 50 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 no CERN, por exemplo, é um programa e não os cientistas. O programa procura os padrões que os cientistas esperam observar, sendo que muita informação se perde automaticamente. Na realidade o programa procura a pré-resposta sem considerar todos os dados, sendo que alguns poderiam seguramente invalidar a hipótese de que partem os cientistas. No entanto, a verdade científica se vai construindo, segundo o princípio que a introdução dos sistemas computacionais aumenta o rigor na obtenção dos dados. Segundo parece, o mesmo sistema foi introduzido nas bolsas de valores. O que determina os bons investimentos é um programa e não pessoas. Intuo que a rede (programa) constituirá, num futuro próximo, o grande Outro. José Martinho Aqui começo a ficar com um problema, pois o «Discurso do Analista» em Lacan é uma relação social, e que ensina muito sobre o atual e o virtual. Por outro lado, a significação não vem diretamente do real, nem da presença física do outro, pois só pode ser obtida a partir do simbólico, do grande Outro, qualquer que seja a sua forma histórica. Maria José Barbosa Esqueci-me que o discurso do analista é um tipo de relação social, deixei-me trair pelo termo. Pois... São questões, complexas, que têm de ser pensadas. Vou lanchar a pensar nelas. Selma Calasans Rodrigues O virtual acaba por se tornar uma relação sem sujeito, sem corpo. A linguagem lhe dá existência, sim, mas se torna muito independente. Miguel Mota A Coisa em Ca(u)sa Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 51 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Lilany Pacheco Quando acreditamos apaixonadamente em algo que ainda não existe, nós o criamos. O inexistente é o que não desejamos o suficiente», Franz Kafka Para lembrar sempre! José Martinho Outra definição do virtual… Miguel Mota O virtual pode ter efeitos reais...mesmo sobre a virtude. https://www.facebook.com/photo.php?fbid=359911150787134&set=a.10945741916584 3.14717.100003047575686&type=1&ref=nf 20 de abril José Martinho Ontem deitei-me muito tarde. Estive a arrumar a casa virtual da ACF, onde tenho residido desde há cerca de um mês. Arranjei como pude as prateleiras dos filmes, dos livros, da música, da rádio e da televisão. Depois limpei o pó, coloquei algumas fotografias e decorei um pouco. Finalmente, comecei a convidar amigos, sobretudo amigas, pois o futuro será das mulheres. Seguindo uma regra aritmética simples, mais Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 52 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 por mais dá mais, pedi amizade a amigos de amigos. Como estava no Facebook, o livro das Caras, escolhi essencialmente rostos que me agradavam. É certo que quem vê caras não vê corações. Veremos como iremos conviver futuramente. O mais importante, como disse muito bem a Ana, apesar de estar com gripe e com a cabeça já em Paris, é que esta nossa conversa, esta transmissão da psicanálise em extensão cause múltiplas transferências, mantendo sempre o rigor. Acrescentaria só o humor. Maria Teresa Saraiva Melloni Ótimo! Também faço fé nessa nossa articulação. Acrescentaria o humor e a poesia, que algum de nós, não me lembro o nome, já andou a apontar. Anialim Lima Já começando com humor: Se a seleção foi feita pela cara... Aahahaha, se eu soubesse teria colocado minha melhor fotinha. Já avisando, tem assunto que prefiro ñ entrar em debates. E quanto ao meu coração...nem eu sei direito dele! Ana Paula Gomes Fico muito feliz de me dar ouvidos ou melhor escuta. Insista, o desejo e nada mais que isso. Selma Calasans Rodrigues Só as «Caras» é que não entendi. Humor sempre. Miguel Mota Quem vê caras, vê de-corações? Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 53 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Filipe Pereirinha Freud dedicou muitas páginas ao humor e ao chiste. Humor rima com rigor (ri-gor)! Ana Paula Gomes «O humor compreende também o mau humor. O mau humor é que não compreende nada.», Millör Fernandes Humor é amor! O único rigor que vale na vida. Maria José Barbosa Eu espero que o futuro comece hoje. 21 de abril Maria José Barbosa No seguinte vídeo encontra-se algum lugar para a linguagem? Poder-se-á designar este diálogo por fala? http://www.youtube.com/watch?v=EScEDCfNSI0 Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 54 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Miguel Mota Jouissance de lalangue... Aqui predomina a jouisson sur la jouissens. Na fala predomina a jouissens sur la jouisson. No signo distingue-se o som (significante) do sentido (significado). Lacan inventa o neologismo jouis-sens homófono de jouissance para referir o gozo que o parlêtre obtém do sentido (que Lacan considera como religioso, poder-se-ia mesmo dizer que todo o sentido é delirante). Na esteira de Lacan eu criei o termo «jouisson», que poderia traduzir por «fruisson», para referir o gozo que se obtém a partir da sonoridade dos significantes independentemente dos sentidos. Maria José Barbosa Quanto mais conheço de Lacan, mais gozo tenho nestas partilhas, mesmo não estando segura de o entender bem Acredito que também as crianças inscrevem-se na linguagem por este mesmo «feitiço». Miguel Mota Nesse vídeo há uma espécie de «diálogo» especular. Cada criança funciona como o espelho da outra. O riso delas faz lembrar o «júbilo especular», alegria da criança, quando, ao colo do Outro, se reconhece na sua imagem. Utilizando o esquema L, a relação entre os dois infans se situa no eixo imaginário (a-a´) mas há que não esquecer que o outro eixo, simbólico não deixa de estar presente, na medida em que as crianças estão sob o olhar do Outro (que filma). Uma das crianças, não larga a barra (índice do sujeito barrado?) a mesma criança que só usa uma meia, como se situasse a meio caminho entre o especular e o universo simbólico, entre natura e cultura. Maria José Barbosa Confesso que, inicialmente, estava renitente em estudar Lacan. A lucidez pode ser dolorosa e sentia o perigo de «patologizar» a ação humana em geral. Contudo, quanto Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 55 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 mais falamos sobre ele (como agora com o Miguel) vejo um Lacan poético… há uma certa poética no desenvolvimento humana tal como Lacan o descreve. Obrigada por isso. Miguel Mota Obrigado eu, obrigado nós por se revelar uma interlocutora tão estimulante. Penso que muito mais haveria a dizer sobre este vídeo tão interessante. Decerto que outros amigos se irão pronunciar. Seja como for, o seu gesto de propor este vídeo à reflexão, espero que se torne em paradigma para outras intervenções. Que o exemplo da Maria José seja seguido, é o que espero. José Martinho Não há nada neste vídeo, incluindo o próprio vídeo que não suponha o campo da linguagem e a função da palavra. A câmara de filmar, o observador, os instrumentos de cozinha, as crianças são tudo criações do significante. Ao que parece, a dificuldade residia à partida em saber se o que fazem estas crianças é falar? Como aparentemente ainda não falam, ou apenas são falados pelos outros, o que fazem é brincar com os sons que são a matéria-prima dos fonemas; imitam um diálogo e gozam do que Lacan chama lalangue. Miguel Mota «Je veux être poète, je travaille à me rendre Voyant...Il s´agit d´arriver à l´inconnu par le dérèglement de tous les sens. Les souffrances sont énormes, mais il faut être fort, être né poète, et je me suis reconnu poète. Ce n´est pas du tout ma faute...C´est faux de dire, Je pense: on devrait dire on me pense. Pardon du jeu de mots - Je est un Autre.», Arthur Rimbaud 23 de abril Gleuza Salomon Olá! O encontro com o corpo real. Creio que isto aqui esclarece o ponto do qual Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 56 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 falávamos outro dia. Haum e o Outro não existe. Boletín #18 TEXTOaCUERPO/ TEXTOaCORPO - Escriben Gerardo Arenas y Jorge Castillo Cuerpo y tecnociencia en el Siglo XXI - Eje 5, Contribuciones para el debate: En el Seminario 18 Lacan reconoce dos fallos en su construcción de los cuatro discursos: el objeto a que en ellos circula es un semblante que no representa lo real del goce, y esa construcción solo permite concebir el surgimiento de algo nuevo como un cambio de discurso. Esto no es muy alentador. ¿Para qué invertir años en una experiencia que no ofrece más cambios que los posibles pasajes entre unos discursos que en nada tocan lo real? Lacan necesita pues recuperar el rumbo, y la distinción significante/letra lo lleva a dar otro estatus a lo real. Para ello redefine la letra como litoral entre el saber y el goce, dos dominios que entonces nada tienen en común. Este goce es pues algo muy distinto del plus-de-gozar de los discursos, que pertenece al mismo dominio que el saber (por ser semblante). La letra es producto de un accidente, no un efecto estructural necesario, y su singularidad aplasta lo universal. En calidad de litura (mancha o tachadura en un escrito o en el cuerpo) rompe el semblante, disuelve lo imaginario y hace goce al presentarse como torrente del significado en lo real. De aquí se deduce el nuevo estatus de lo real: si antes sólo era lo imposible para la estructura simbólica (necesaria y universal), ahora es también contingente y singular. Este real se agrega al anterior, no lo sustituye ni lo cancela, pero es una condición estructurante de lo real imposible. Entre las implicancias que esto tiene, algunas permiten vislumbrar un nuevo estatus del cuerpo. Las dos aserciones complementarias enunciadas como Haiuno y el Otro no existe implican un cambio de axiomática que radicaliza el estatus del goce como experiencia del cuerpo (Uno). Esta experiencia puede prescindir del lazo simbólico con la máquina significante (Otro) y es por ende primaria con respecto a él. El cuerpo se goza, y ese goce no es como el objeto a, producto de la articulación significante que depende de la existencia del Otro. Por eso se promueve la noción de parlêtre, con su Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 57 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 acento sobre un cuerpo que ya no es el imaginario, producido por el encuentro con el Otro en el estadio del espejo, sino el cuerpo real, gozable. Nuno Simoes «O Real é o que escapa à simbolização, surgindo a partir da conceção do desejo como uma falta impossível de ser preenchida, apreendido somente por intermédio do simbólico…O real não deve ser entendido aqui como o equivalente ao dado externo ou à coisa em si de Kant; o real é o barrado impossível de ser definido. É o registro que equivale à pulsão freudiana, afirma o autor. O acesso à pulsão era, para Freud, da ordem do impossível, acessível somente através de representações, no domínio próprio da representação – em termos freudianos, Vorstellungsrepräsentanz – isto é, a partir da ordem simbólica, como a denomina Lacan. Tendo essa precisão, podemos retornar às operações de castração, frustração e privação, relativas à forma de enlace do sujeito ao objeto (faltante), conforme propõe Lacan (1995), onde o psicanalista inscreve num quadro as funções do pai imaginário, simbólico e real.» 24 de Abril Rosália Maia Partilhou fotos de 1.000.000 Pictures. O virtual (ismo) em pintura: O real (ismo) em pintura: Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 58 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 https://www.facebook.com/photo.php?fbid=422654397831516&set=a.34835635526132 1.82963.237513286345629&type=1&ref=nf José Martinho Estive um pouco adoentado nos últimos dias, mas constato que houve um break na nossa conversa sobre Real e Virtual desde daquela noite em que me deitei tarde para arrumar a casa Fb da ACF e convidar novos amigos. Apesar de todos terem aceitado o convite, pouco ou nada participaram até agora nesta conversa. O mais curioso é que os antigos amigos também têm estado bastante calados. Assim sendo, volto a relançar o repto, começando por lembrar que andamos há quase um mês a discutir o assunto. Após termos abordado o Real e o Virtual a partir do Imaginário, passámos a uma abordagem a partir do Simbólico. Já falámos um pouco da etimologia das duas palavras, e fizemo-las vibrar bastante em poesia. Tocámos um pouco na epistemologia que decorre e, como não podia deixar de ser, abordámo-las na sua incidência clínica ou mais propriamente no psicanalisar. Como resta muito para dizer, vamos a Isso. Miguel Mota Partilhou a foto de A Lifetime Photography. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 59 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 http://www.google.pt/search?hl=ptPT&site=imghp&tbm=isch&source=hp&biw=1024&bih=523&q=A+Lifetime+Photogr aphy&oq=A+Lifetime+Photography&gs_l=img.12..0i24.6741.6741.0.10723.1.1.0.0.0.0 .81.81.1.1.0...0.0...1ac..16.img.1idiAjTN47M O fantasma, tal como a realidade, mesmo e sobretudo a virtual, é en-quadrado. José Martinho Vemos também nesse quadro a infinita reprodução especular. 25 de abril José Martinho Vivia exilado em Paris quando se deu o 25 de Abril de 1974 em Portugal. O que era para mim virtual tornou-se nesse dia real. Nuno Simoes Para mim foi ao contrário: era real e tornou-se virtual. Miguel Mota Os amigos da ACF estão convidados a responder à pergunta canónica de Baptista Bastos: «Onde estava no 25 de Abril?». Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 60 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Os amigos brasileiros terão ouvido falar do 25 de Abril através da canção de Chico Buarque, «Tanto mar». Curiosamente, eu estava exilado em Paris, na qualidade de desertor, não do serviço sexual, como o toxicómano, mas dos servícios e servícias militares. Ana Paula Gomes Eu era uma menina de 7 anos que escutava as notícias desta data através do espanto dos meus pais. Um ano depois eu estava em Portugal em passeio, e não entendia porque tantos cravos nas lapelas. «Grândola Vila Morena» era quase uma canção de ninar. Sinto o cheiro e o sabor dessas lembranças. Nuno Simoes Tinha 13 anos e estava no Porto num passeio do colégio. Selma Calasans Rodrigues Após o 25 de Abril, no Brasil, amei a visita de vários escritores portugueses à minha Faculdade. Eu praticamente conhecia muito Fernando Pessoa, Camões, lógico, etc, mas não os super contemporâneos, sauf Saramago que estava presente sempre e que eu adorei quando li. Marta Pratas Provavelmente brincando em casa. Tinha 2 anos. (Haja alguma vez que hoje em dia que me sinta novata!). Durante toda a minha infância ouvi dizer: «isto antes do 25 de Abril é que era! Não eram permitidas estas faltas de respeito e assaltos...». Restava-me a dúvida: teria sido assim tão bom? Tem de nos contar essa história, JM. José Martinho Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 61 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Soube do acontecimento ao pequeno-almoço, em Fontainebleau, perto de Paris, onde militava por dias melhores, acabava os meus estudos de Filosofia e fazia a minha formação psicanalítica. Agradeço hoje ao Estado Novo ter-me obrigado a emigrar para a Cidade Luz, a Nova Atenas que era Paris, que vivia então a sua Idade de Ouro. Tive aí a oportunidade de encontrar, ser aluno e por vezes amigo de alguns dos nomes mais citados desde essa época até aos dias de hoje. Lembro um certo número em desordem: Sartre, Beauvoir, Lévi-Strauss, Lévinas, Barthes, Althusser, Foucault, Baudrillard, Deleuze, Lyotard, Derrida, Bourdieu, Vitez, Chéreau, Godard, Boulez, etc, etc, etc. Foi também nessa altura que convivi, muito antes dele se tornar famoso, com Žižek. No meio de toda esta gente, opondo-se ou pondo-se (como eu) no seu ensino, reinava Lacan. Miguel Mota Un exil au Par(ad)is... Un bon pari, une bonne chance (de cadere), tomber dans la Ville Lumière quand Paris était le paradigme du savoir. Marta Pratas Já diz a sabedoria popular: fechando-se uma porta, abre-se sempre uma janela, havendo males que vêm por bem. Miguel Mota Un nouveau mot est un monde nouveau, Mallarmé Aprendi uma palavra nova: «steganografia». Atribui-se a George Sand e a Alfred de Musset uma correspondência em esteganografia. A não perder. Stéganographie www.traitement-signal.com Ao ler um poema de Mallarmé dedicado a Vasco da Gama fiquei intrigado por ele se lhe referir como pâle Vasco. Foi só quando desliguei o botão do sentido e me deixei penetrar pela ressonância das palavras é que «ouvi» «opale», onde aparentemente está pâle. Encontro alguma confirmação da minha leitura, controversa no facto de, no verso anterior, Mallarmé falar em pedrarias, pierreries. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 62 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 José Martinho Foram os Gregos - outra vez eles - que inventaram a stéganografia. Uma série de qualidade duvidosa que passa atualmente em Portugal sobre Leonardo Da Vinci referese a essa prática. É verdade que cada nova palavra cria um ou vários mundos, um ou vários pedaços de real. 26 de abril A minha hipótese de hoje é a seguinte: a poesia é a melhor via para abordar o Real e o Virtual a partir do Simbólico. Freud dizia que os poetas mostravam o caminho, Lacan acabou por lamentar não se ter dedicado mais à poesia, e Jacques-Alain Miller pôde dizer num dos seus Cursos que toda a sessão de análise é um esforço de poesia. Poetas (e não poetas) ajudem-me a provar a minha hipótese e, se o desejo vier, escrevam qualquer coisa atempadamente para um próximo nº da revista Afreudite (http://revistas.ulusofona.pt/index.php/afreudite) que será dedicado a Poesia e Psicanálise. Selma Calasans Rodrigues Agora, sim, concordo totalmente! Filipe Pereirinha Lembrei-me de repente, a este respeito, de que Lacan costumava citar a frase do Evangelho Segundo São João que diz: «No princípio era o verbo». Pois bem, nesta nossa época em que os princípios (sólidos) tendem a liquidificar (como diria Bauman), não seria melhor falar do «descomeço»? E não é esse descomeço que o poeta, melhor do que ninguém, consegue (a)bordar? A prova é este belo poema de um poeta brasileiro que eu muito aprecio, Manoel de Barros, e de que a editorial Caminho editou há algum tempo a poesia completa. Eis o poema: Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 63 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá, Onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não Funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz De fazer nascimentos - O verbo tem que pegar delírio. Em criança eu também escutei a cor dos passarinhos, e coisa e tal, e, um pouco mais tarde, experimentei igualmente um certo desejo de escrevinhar uns versos. Mas nada mas nada que se compare ao «menino-prodígio» de que nos falou o Everton Machado na quarta-feira. Apenas um gosto que se foi instalando pela coisa poética. Li muita poesia e continuo a ler. Também considero que a poesia é a língua em estado de fervura, a despetrificação da língua. Mas talvez não seja ainda disso que eu queria hoje falar, mas de uma outra coisa que, afinal, nos junta aqui nesta conversação em torno do real e do virtual (neste caso por via do simbólico - ou de uma das suas melhores frutificações: a poesia). Maria José Barbosa Deixo um pequeno excerto da minha tese de mestrado dedicado ao tema. Não será para publicação, mas sim pura partilha: «As verdades da poesia revestem-se de um caráter indeterminado e enigmático, são verdades prometidas na linguagem do poema, passíveis de interpretação. A presença sensível dessas verdades enigmáticas leva a que a memória encerrada no poema seja reencontrada e reinventada. Assim, afastamo-nos do conceito de poesia como representação, porque a sua linguagem não representa, mas faz pressentir o indizível que precede a construção do poema. Consagra-se, desta forma, a poesia como um prazer natural que prende o espírito humano à fabulação e, simultaneamente, transpondo Aristóteles, um modo agradável Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 64 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 pelo qual o intelectual refina a sua linguagem enriquecendo-a com jogos de figuras. Se a história na poesia representativa aristotélica subsumia os princípios próprios do encadeamento, os carateres subsumiam os princípios de verosimilhança e os discursos os princípios da conveniência, já na poesia expressiva romanesca, as frases e as imagens se convertem em frases imagéticas que valem por si mesmas como manifestação da sua poeticidade. A poética romântica, segmentada pelos paradoxos que a percorrem, encontra-se, depois do idealismo Alemão, perante um dilema: ou assume a poeticidade da linguagem e a teologia histórica que através dela se realiza - convertendo-se numa nova hermenêutica, ainda que de uma poesia passada - ou reivindica essa mesma poeticidade como princípio de produção de uma nova poesia - produção teórica e prática de literatura, embora, enquanto expressão de uma coletividade, se encontre sempre sob ameaça de ser reduzida a uma virtuosidade individual ou a um modo de execução artística. A unidade entre a produção de imagens poéticas e o movimento das formas de vida, isto é, o modo poético da poesia universal que antecipa o devir pela integração do diverso, possibilita a integração de todos os modos singulares de expressão, nomeadamente a prosa romanesca, num processo de recriação do mundo sobre as bases da subjetividade infinita. A epopeia é agora a utopia do poema enquanto forma da poesia, manifestação de um génio individual criador e da poeticidade inerente ao mundo comum. Explica-se, neste preciso contexto, o reaparecimento de heróis, como Ulisses, no pensamento Alemão. O mundo épico é poético, antiprosaico, na medida em que é a adequação de um ethos coletivo a um pathos individual. A tentativa hegleriana de sistematização, que constitui o programa do idealismo alemão de combater os paradoxos do classicismo romântico, desemboca numa utopia irrealizável, inviabilizada pelo facto de, no exato momento em que a ideia se manifesta, se diluir nas formas de arte. Ele faz coincidir a ação do artista precisamente com o que ele jamais poderá realizar. A poesia não poderá ser outra que não a dissolução contínua da representação. O princípio desta diluição deriva da incompatibilidade dos dois princípios organizadores da poética antirrepresentativa, o que faz da poesia um modo próprio de linguagem e o que decreta a indiferença da forma e dos sujeitos representados. Neste desvelar, Hegel não opõe Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 65 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 somente a necessidade de uma escrita à indiferença do sujeito, mas também à escritura como verbo incarnado presente no poema, nas pessoas e nas pedras, à escritura como letra sem corpo, disponível para todo o tipo de uso e locutor, que habita no domínio separado do da verdade. O conflito das escrituras, que revela a verdade oculta na nova literatura, culmina na grande inversão da poética aristotélica das intrigas bem conduzidas, a qual se converte, com Hegel, na união arbitrária da fantasia com a circulação errática da escrita, isto é, do antiespírito. Deste programa deriva uma dupla suspensão, “elle fait évanouir l’«esthétique» de la politique, la pratique de la dissensualité politique (…) c’est-à-dire non pas une communauté où tout le monde est d’acord mais une communauté réalisée comme communauté du sentir. Mais, pour cela, il faut aussi transformer le «libre jeu» en son contraire, en l’activité d’un esprit conquérant qui supprime l’autonomie de l’apparence esthétique, en transformant toute apparence sensible en manifestation de sa propre autonomie.” O aparecimento da psicanálise traduz a renúncia freudiana à radical identidade entre o pathos e o logos. Ao procurar restabelecer um bom encadeamento causal, contra esse pathos que ganha expressão em Shakespeare e em Wagner, no intento de restituir uma moralidade virtuosa ao saber, privilegia uma forma de palavra muda, a do sintoma que é vestígio de uma história, em detrimento da sua outra forma, a voz anónima da vida inconsciente e insensata. Rancière, ao explorar as tensões entre a lógica do inconsciente freudiano e a do inconsciente estético, afirma: “et cette opposition l’amène à tirer en arrière vers la vieille logique représentative les figures romantiques de l’équivalence du logos et du pathos.” Este instala a psicanálise num espaço teórico criado no ponto de interceção entre a ciência positiva, as crenças populares, a medicina e a filosofia. Tal espaço é o domínio desse inconsciente estético, que redefiniu as coisas da arte como modos específicos de união entre o pensamento que pensa e o pensamento que não pensa. Não nos podemos esquecer que Freud solicita à arte e à poesia que testemunhem positivamente em favor da racionalidade profunda da «fantasia», que apoiem a ciência que pretende propor, instaurando-as no âmago da racionalidade científica. É no regime que remonta à mimesis aristotélica que Freud encontra a legitimação teórica necessária à edificação do seu espaço concetual. No cerne desse regime, havia uma certa ideia do poema como disposição ordenada de ações, tendendo para a sua resolução através do confronto de personagens que perseguiam fins conflituantes e que manifestavam, na sua Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 66 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 fala, as suas vontades e sentimentos, segundo um sistema de conveniências. Contra o impulso de morte inscrito, inicialmente, por Schopenhauer, para quem a verdadeira cura era a renúncia ao querer-viver, Freud resiste, em defesa do princípio da realidade e dos instintos conservadores da vida. A afirmação da pulsão de morte torna-se, contudo, inevitável no contexto da problemática do trauma e da «neurose traumática», acentuados pelo golpe infligido à vida e à racionalidade pela guerra de 1914. A visão otimista que havia norteado a primeira fase da psicanálise e a simples oposição do princípio de prazer ao princípio de realidade colapsariam abruptamente. Não obstante os intentos de reenviar a escrita a um corpo que a legitime, a literatura que vincula o logos ao pathos, aciona mais uma forma de palavra muda, que já não é mais o hieróglifo inscrito diretamente nos corpos e submetido a uma decifração, mas sim a palavra solilóquio, aquela que não fala a ninguém e não diz nada, a não ser as condições impessoais, inconscientes, da própria palavra. O inconsciente estético, consubstancial ao regime estético da arte, manifesta-se na polaridade entre dois tipos de palavra muda: de um lado, a palavra escrita nos corpos, a que já fizemos referência, do outro, a palavra surda - de uma potência sem nome que permanece oculta na consciência e de todo significado - e à qual é preciso dar uma voz e um corpo por onde se manifeste. Será suficiente evocar o ça pense (isso pensa) de Lacan. Dos distintos modos de subjetivação do corpus literário irrompem novos jogos de multiplicação do «eu» que submetem os sujeitos a imensas encruzilhadas, acentuando assim a deriva da letra. ». Filipe Pereirinha Penso sobretudo na relação entre poesia e psicanálise e no desejo de escrever algo para a Afreudite - falo do repto laçado pelo José Martinho - em que procurarei mostrar de que forma uma interpretação do analista, num determinado momento da minha análise, teve sobre mim, não direi propriamente um efeito poético, mas antes um «efeito de poesia» (como diz Jacques-Alain Miller algures).Voilà! É o meu anúncio ao mundo de que quero finalmente falar da minha análise! Tornar público algo que normalmente se passa no consultório privado. Não é isso, no fim de contas, algo muito atual na era do virtual? Mas atenção: aquilo sobre o qual quero escrever não é fundamentalmente da ordem do virtual mas antes do real! Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 67 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Miguel Mota Sin Poesia La Luna Sólo Es La Luna «La poesía nos inmuniza contra la decepción», José Manuel Caballero Bonald. La Luna, nome de um filme de Bertolucci, pode ser encarada, bem como o Sol, como uma manifestação do UM, Un tout seul. A Lua, enquanto permaneceu inatingível, exerceu o seu feitiço (O Feitiço da Lua, nome de outro filme) sobre os amantes e os poetas. Se a poesia é um veículo simbólico privilegiado para abordar o real (o Um que se repete), eu definiria como «graça» os momentos, raros, «mágicos» em que o simbólico parece entrar em ressonância, em «comunhão» com o real. José Martinho O astro exerce ainda um feitiço sobre certos psicanalistas, pois dei à minha cadela o nome Luna. * Por causa da conferência da última quarta-feira na ACF, e das pedras que se encontram no meio do caminho, andei hoje caminhando na praia (não pensem que só ando no Fb), à procura das pedras da poesia de Florbela. Encontrei várias, por exemplo esta: Eu queria ser a Pedra que não pensa A pedra do caminho, rude e forte! Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 68 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Filipe Pereirinha Há também: A educação pela pedra (João Cabral de Melo Neto) Uma educação pela pedra: por lições; para aprender da pedra, freqüentá-la; captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ela começa as aulas). A lição de moral, sua resistência fria ao que flui e a fluir, a ser maleada; a de poética, sua carnadura concreta; a de economia, seu adensar-se compacta: lições da pedra (de fora para dentro, cartilha muda), para quem soletrá-la. * Outra educação pela pedra: no Sertão (de dentro para fora, e pré-didática). No Sertão a pedra não sabe lecionar, e se lecionasse, não ensinaria nada; lá não se aprende a pedra: lá a pedra, uma pedra de nascença, entranha a alma. João VGuedes Retornando a Freud, recordo a «pedra angular» que este considerou ser o recalcamento para a psicanálise, e a força que garante a resistência última do sujeito a produzir um discurso sobre esse material que constitui o núcleo da organização patogénica. Everton V. Machado Uma pequena contribuição para o debate sobre a «pedra». Lamentavelmente recordeime desse poema só a seguir à minha conferência. É da Fiama Hasse Pais Brandão. Não sei qual o sítio original de publicação, reproduzo-o da antologia Âmago, publicado pela Assírio em 2010. A pedra que passa nas sessões de análise, «em expansão»? Se quero ser coerente comigo ou com o que disse, em expansão no poema, esculpida na análise. Um abraço a todos e uma vez mais obrigado pelo convite, gostei muito de estar convosco. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 69 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 PEDRA EM EXPANSÃO Diz não são os anos que passam é a pedra Não o tempo o que por mim passa mas ela que somente acompanha Diz não passam anos para a minha idade só uma pedra está Miguel Mota Miller glosa abundantemente o tema da «pedra» em Drummond – uma tentativa de exploração e de interpretação do ser no mundo; em Heidegger «a pedra é sem mundo» em duas conferências proferidas no Brasil. O Osso de uma Análise (1998) e Elementos de Biologia Lacaniana (1999). No poema de Drummond (in Alguma poesia, 1930), a pedra é, claramente, o símbolo do Um que se repete: No meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento Na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho Tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 70 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Eu diria que a pedra não é sem mundo. A pedra, como símbolo do Um, é o i-mundo (o ostrakon) em torno do qual, o «ostracizado» que é o parlêtre vai tecendo a sua pérolamundo. A pedra é também o Um em torno do qual gravita o mundo do toxicómano. Cristo baptizou Simão de Pedro: Tu és pedra e com base nesta pedra... É a Pedra fundamento. Há que não esquecer a fabulosa «Sopa de Pedra», a culinária elevada à dignidade da poesia. Obedece a uma definição da sublimação: «Fazer alguma coisa a partir de coisa alguma». O mendigo, a partir de «coisa alguma», a pedra, o i-mundo, conseguiu atrair um mundo de produtos, oferecidos pelos curiosos, com os quais confeccionar uma saborosa sopoesia, ou seja, «alguma coisa». É o que se chama savoir y faire avec son sanstôme. Quando Florbela diz que queria ser a pedra que não pensa, não poderemos ver aí a ânsia mística de fusão com o Uno? José Martinho A Magoada Florbela acabou por dizer em seus «desejos vãos»: E as Pedras…essas…pisa-as toda a gente A pedra não é a perda. Na interpretação «clássica» a pedra é o objeto perdido e reencontrado, melhor dizendo, é o objeto (a) no caminho simbólico ou significante do sujeito. O Miguel propõe agora que se leia a pedra como nome do Um que se repete, nova e mais radical maneira de assediar o real. Miguel Mota Em Elementos de Biologia Lacaniana, Miller refere, entre outros, o mito de Deucalião e Pirra. Ele e ela foram os únicos sobreviventes do dilúvio. Correspondendo ao desejo manifestado de reconstituição do género humano, Zeus enviou Témis que lhes diz: Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 71 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 «Cubram as cabeças e atirem os ossos da mãe para trás.» Apercebendo-se que se trata da mãe-terra cujos ossos são as pedras, eles começam a atirá-las como lhes foi indicado, surgindo homens e mulheres. Desde então, homem e pedra são a mesma palavra em várias línguas... Este mito mostra como se constroem os mitos, muitas vezes a partir de homofonias. Seja como for, a homofonia, em latim entre petra (pedra) e pater (pai) pode confortar a leitura da pedra como perda. É uma leitura que estará de acordo com o Lacan clássico mas não com os últimos Lacan. Em termos formais, o poema recorre muito à repetição de uma «fórmula», o que indicia a presença de um real não dialectizável, a presença de um Um que se repete de forma inextinguível. A meio do poema, o autor revela a contingência, o acontecimento inolvidável, o Um que o marcou para sempre: «Nunca me esquecerei desse acontecimento / na vida de minhas retinas fatigadas». Ao fazer referência às «retinas fatigadas» indicia que o acontecimento foi de ordem escópica, envolveu o olhar. Podemos supor ao que ele se refere. Geralmente assiste-se a uma ob-literação do Um. Penso que a pedra não é o Um, mas uma pedra sobre o Um, uma pedra tumular, um memorial que comemora a «efracção» traumática da linguagem sobre o corpo. É a partir desta ob-literação primordial (recalcamento primordial) que se constitui uma ob-literatura, oubliteratura. José Martinho Podíamos proceder como o pequeno polegar, já que a pedra está a mostrar-nos o caminho. O Miguel tem ajudado, lembrando alguns dos textos referência da conferência que Everton Machado proferiu na quarta-feira. Estamos numa encruzilhada: ou seguimos o caminho que o Outro (A) e o outro (a) indicam, ou seguimos um caminho mais aventureiro, o do Um só ou sozinho. Como tem vindo a mostrar Jacques-Alain Miller, o último Lacan preferiu o segundo caminho. Se cada um o preferir também, a questão de como o real é tratado pela escrita e a fala deverá ser abordada para lá do sujeito e do objeto. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 72 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Miguel Mota Num poema, sobretudo na canção, há uma parte constante, o refrão, e uma parte variável, onde se dialetiza a inércia do refrão. Neste poema, predomina a constante (gozo) sobre a parte variável. De qualquer forma, penso que a leitura pelo fantasma e a leitura henológica não são mutuamente excludentes. Creio que ambas são possíveis. José Martinho Fantasia e Henologia são possíveis, mas sem dialética, nem síntese, pois são caminhos muito diferentes em direção ao real, como testemunha o fim da análise. Filipe Pereirinha Elevar uma pedra (como simples objeto) à dignidade da Coisa? Nem a propósito, pois este sábado estive em Almeirim - a catedral da dita sopa - a comer uma sopa da pedra. Minto, na verdade, a ideia era essa, mas quis inovar e provei desta vez uma sopa de peixe (também uma especialidade da casa, segundo dizem); acontece que fiquei com a «espinha» atravessada na garganta. Decididamente faltava «pedra» àquela sopa! Miguel Mota A «espinha» é o «osbjet» atravessado na garganta do significante, para usar uma expressão clássica de Lacan Filipe Pereirinha A pedra e a espinha: dois «ossos-objeto» ou duas ob-jeções (do real) ao simbólico e ao imaginário? Na verdade, a «pedra» da sopa é um significante (sabemos que ela existe não porque esteja lá, na sopa, mas porque o menu diz que há «sopa da pedra». A espinha já é algo um pouco diferente, um osso mais duro de roer. Miguel Mota Continuamos a «partir» pedra. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 73 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 «O termo da gíria portuguesa que significa falo (o «caralho») deriva do hebraico car alia, «pedra erecta», in Moisés Espírito Santo, Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa. Cf. História da palavra «Caralho» em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caralho Há também: «Arriar o calhau», ou como diz Olivia: shit happens * Nas equivalências freudianas dos dicionários antigos, a palavra mais utilizada primava pela ausência: «caralho» era a carta que faltava no baralho...do Outro. A palavra maldita só encontrava asilo no retiro das latrinas (letrinhas/letrinhas). José Martinho Deixemos então a fase anal vista à luz do significante e acentuemos que Um se multiplica: leiam o que diz a Wikipédia sobre a significação fálica: http://pt.wikipedia.org/wiki/Caralho Miguel Mota É um momento plotiniano de emanação de réplicas do Um. Oblivium. A ética da psicanálise luta contra a ob-literação L´éthique de la psychanalyse lutte contre l´ob-litération. Contre l´oublitérature. Enquanto Heidegger falava no da-sein. Lacan insiste no das eins. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 74 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Heidegger questionava o «esquecimento do ser». Lacan aborda o esquecimento da letra. Embora tenha, na fase simbólica da sua transmissão, estabelecido uma equivalência (l´être, c´est la lettre), na fase real (os últimos Lacan), ao encarar o ser como um efeito de Discurso (do Amo), ele despromove a ontologia em proveito da «henologia» (não confundir com enologia, nem com hainologie). * A relação das pedras com o divino e, por essa via com o Um, torna-se clara, na Kaaba de Meca, e, nos «bétilos» referidos na Bíblia de que há exemplos em Portugal (Recinto megalítico de Xarez, Reguengos de Monsaraz). Bétilo deriva de «Beth El», «Casa de Deus». Re-legião do UM Ernö Vadas (1899-1962) https://www.facebook.com/photo.php?fbid=4920577973570&set=a.4697656320 668.1073741833.1271919233&type=1&relevant_count=1 «Quantas (re)legiões tem o Vaticano?», inquiria, ironicamente, Stalin, no auge da Segunda Guerra Mundial. José Martinho Apesar de tudo o que se tem dito sobre a poetisa - e foi muito – continuo a gostar de Florbela e da sua definição: Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 75 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Ser Poeta Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sede de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e cetim… É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente… É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente! João VGuedes Essa flor, bela de alma, Espanca a angústia Com palavras trabalhadas com minúcia, Fervorosamente calma. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 76 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Carolina Foglietti Achei muito interessante a discussão ter enveredado pela via da literatura e da poesia. Afinal, se partirmos da hipótese de que há na escrita a presença da voz, e vice-versa, será que não poderíamos traçar um paralelo (com os pontos de semelhança e de diferença) do uso da linguagem na experiência literária e na experiência analítica? O que de real e virtual ambas as experiências portam ou presentificam, por assim dizer? Qual a relação que o corpo mantém com a fala e com a escrita? E quais os efeitos que esse corpo - substância gozante - sofre ao falar e ao escrever? José Martinho Carolina, antes de começarmos a conversar sobre as questões finais, talvez fosse bom falar um pouco sobre o que a levou à hipótese da presença da voz na escrita? Penso que não se está a referir à escrita lógica ou matemática, mas apenas à literária. Será? Carolina Foglietti Sim. Refiro-me à voz como um dos objetos «a», que tanto faz falar quanto escrever. Mas vou elaborar melhor essa hipótese. José Martinho Pense nisso então, porque há uma pura escrita, anterior à que inclui a voz como objeto pulsional, a escrita que deriva da repetição de Um só, logo sem A e a. Releia, por favor, a nossa conversação sobre a «pedra». Carolina Foglietti Essa escrita mais primitiva me remeteu ao traço unário – marca do que só pode se escrever como significante de uma falta, suporte da diferença, do Um. Em vários momentos de seu ensino, Lacan vai dizer que «no início é o traço unário»… e que não há antes não! Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 77 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 José Martinho Foi efetivamente a propósito do «traço unário» freudiano que Lacan começou a tratar da origem da escrita, do Um que se repete antes da existência do Outro (A) e do outro (a). Como marca numa superfície, esse Um não é ainda um significante, no sentido diacrítico de Saussure, nem no sentido do que «representa o sujeito para um outro significante». 27 de abril Filipe Pereirinha Ontem passei pelo Centro Comercial Colombo e aproveitei para ver a exposição de algumas obras de Andy Wharol. Entra-se num pequeno espaço feito propositadamente para o efeito, no centro da praça principal, e depara-se, à entrada, com um texto explicativo (o simbólico dando a ver, ou melhor, enquadrando o que vamos ver ali dentro?). O texto é do curador da exposição, Maurizio Vanni, e diz, nomeadamente, que a Pop Art de Andy Wharol e os artistas da Factory pretendiam «sublimar objetos quotidianos e utilitários independentemente da sua forma ou funções, transformando-os em ícones tangíveis do imaginário coletivo». Eu entrei, li antes de ver, vi e saí para o exterior. E foi então que concluí: a verdade desta exposição que eu acabei de ver lá dentro está hoje, mais do que nunca, cá fora, no exterior, para onde quer que se olhe neste espaço comercial e, mais longe ainda, na cidade que circunda este centro e em toda a periferia que se estende até…ao fim do mundo. E claro: no espaço-tempo virtual. E nos satélites que giram em volta da terra. Com isto inverteu-se, de alguma forma, a exclamação de Fernando Pessoa relativamente à Coca-cola (primeiro estranha-se, depois entranha-se), pois neste caso entranhamo-nos primeiro na exposição e só depois começamos a estranhá-la: como se ela fosse a matriz de um fantasma que o sujeito (capitalista e capitalizado) vê realizar-se cá fora, a céu aberto. E como bom sujeito (capitalista) que sou, fui depois à Fnac à procura de um Ipad ou algo parecido…mas não comprei (reservando-me o direito de continuar a desejar). Não, não saí do «discurso capitalista», mesmo quando saí do Colombo, pois o capitalismo sabe muito bem como Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 78 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 alimentar o desejo e perpetuá-lo, oferecendo-lhe constantemente novos objetos, isto é, satisfações em pequenas doses que deixam sempre a desejar…um pouco mais. E nem a crise que nos atravessa (e retira algum ar ao balão) vai fazer cair…o capitalismo. Um capitalismo cada vez mais virtualizado (jogando um interminável jogo de casino em rede), mas que não consegue absorver – aumentando até- o lixo humano, os «sujeitosresíduo, os improdutivos, os imóveis, os opacos; ou seja, como dizia Monique Voruz, num artigo intitulado ´Lei´, grãos de sal que a máquina capitalista não consegue reabsorver» (L’ordre symbolique au XXIe Siècle, 2012). Será que estes sujeitos-abjeto também bebem Coca-cola? José Martinho O capitalismo de hoje realizou efetivamente a «extimidade» que o Filipe Pereirinha viveu depois de ter vislumbrado que as obras de Andy Wharol expostas no Centro Comercial e esse local de consumismo se situavam no mesmo espaço-tempo virtual. No novo modo de produção capitalista o dinheiro real passou também a ser essencialmente virtual. Já não importa mais a matéria da moeda ou da nota no mercado global, basta uma ordem informática, um cartão de crédito, etc. Não se trata propriamente de uma nova «crise», mas de um jogo de casino onde o capital especulativo da Finança e Economia mundiais ganhou até agora. Apesar de haver grãos de sal no funcionamento dessa roleta, nenhum outro novo jogo apareceu ainda no horizonte. Mas é certo que o velho não poderá durar eternamente. Filipe Pereirinha A ideia de que não há Outro caminho (repetida até à exaustão por muitos políticos europeus) poderia traduzir-se na fórmula (lacaniana) de que há Um só! É nisso que Passos Coelho (embora não o saiba) est três lacanien! Com esta ressalva: ao dizerem que não há outro caminho, estes políticos pretendem sublinhar a ideia de que TODOS devem sujeitar-se a caminhar da mesma forma, enquanto em Lacan se trata, pelo contrário, de extrair a «diferença absoluta» que singulariza cada um. E desse ponto de vista, se imaginarmos a realidade (mesmo a virtual) como um labirinto – em que há Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 79 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 efetivamente um único caminho que leva à saída e muitos que levam a nenhures – o que singulariza cada um será o modo como acerta no caminho correto (igual para todos) ou antes o modo como erra e se perde, isto é, se desencaminha? Não é isso o sintoma – um caminho «impossível» (e por isso real), mas que faz de cada um de nós uma sólida objeção às tentações TOTALIZADORAS que muitos, nostalgicamente, gostariam de voltar a impor? Em termos heideggerianos, poderíamos falar de Holzwege: caminhos da floresta. Em 1997, Jacques-Alain Miller num seminário em Barcelona sobre o texto de Freud “Caminhos para a formação de sintomas” (Die Wege der Symptombildung), dizia a respeito o seguinte: «…poderíamos ver a relação do Holzwege com a dimensão do próprio inconsciente: ir de um ponto a outro não tem afinidade com a dimensão do inconsciente. Introduzir a via da cura como o trajeto de um ponto a outro é já algo forçado (…). Talvez com os seus nós, Lacan tenha mudado qualquer coisa. Um pouco mais de Holzwege na psicanálise!» (Le Symptôme-Charlatan, Seuil, 1998, p. 32). Portanto, mesmo se não há outro caminho, há muitos outros descaminhos…da floresta! Assim haja em cada um o desejo de aí se perder! 28 de abril Jorge De Almeida Gonçalves A nova Pirâmide das Necessidades: Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 80 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 José Martinho Avançando um pouco mais na nossa conversa, e simplificando, definiria agora a poesis como a criação que a linguagem faculta. Posso, assim, afirmar que poesia e talking cure são criações da palavra, ou da língua que uns chamam «materna» e outros «pátria», como na célebre frase – «a minha pátria é a língua portuguesa» - de Pessoa/Bernardo Soares, citada noutro dia pela Ana. Acontece que, como dizia Hölderlin, os homens, Insensíveis e longe da pátria Quase perderam a palavra A diferença entre poesia e psicanálise reside essencialmente no modo como cada uma delas regressa à pátria e habita finalmente a linguagem. Habitar não é construir, nem pensar. Enquanto o poeta, quando habita à sua maneira a língua em que escreve, deve se arranjar com as regras da poesia (métrica, ritmo, etc.) para fazer brilhar o que imagina e sente, aquele que fala a um analista é convidado, pela regra da associação livre, a desprender-se das amaras que as leis da linguagem impõem ao seu sonho, fantasia e delírio, mas também ao seu sintoma. No primeiro caso, o poema que se criou em cada um transforma-se em poesia, no outro, num saber-fazer com o seu sintoma. Selma Calasans Rodrigues As amarras são amargas. As amarras devem soltar-se, na associação livre, no sonho, no delírio. Mas a poesia moderna (atual) não cuida tanto dos constrangimentos da linguagem poética (tipo métrica e rima que caíram a partir do Modernismo). É bem mais livre. Tem que ter, sim, uma sonoridade cuidada. A intenção não é a mesma. Não visa (pelo menos apenas) o mesmo saber-fazer com o sintoma (sic). Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 81 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Filipe Pereirinha Concordo com a Selma. Penso, por exemplo, na poesia de Paul Celan que, mais do que «se arranjar com as regras da poesia», pretendeu desarranjá-las, atacando a língua (alemão) - «a morte é um mestre que veio da Alemanha» -, a língua do inimigo, habitada por aqueles que mataram os seus pais...Parece-me que o projeto poético de Celan (e de outros poetas contemporâneos) é mais sintomática do que sublimatória. A poesia de Paul Celan não permite qualquer identificação (narcísica); ela é, se me permitam, o encruamento do significante. Não se trata de fazer uma bela «sopa de letras», mas de servir o alimento cru. Entre o cru e o cozido, ele escolhe o cru. Na introdução de Todos os poemas de Ruy Belo (feita pelo próprio), podemos ler, a certa altura, o seguinte: «...poesia do quotidiano, onde de certa maneira sobressai UM REAL (sublinhado meu) que sucessivamente chega até nós, dessa forma humilde e comezinha que convém à REALIDADE (sublinhado meu).» (p. 19). Eu diria antes - o Ruy Belo que me desculpe - Um REAL que chega até nós e não convém à REALIDADE, nem mesmo a virtual! José Martinho Só para dizer que usei o verbo «arranjar» (preparar, reparar, refazer, restaurar, colocar, organizar, dispor, consertar, arrumar, mas também remendar, emendar) para indicar o mal-estar que as regras da poesia podem impor, em particular ao poeta contemporâneo, que cria mais a partir do sintoma do que da fantasia. Mas é verdade que arranjar não é destruir. No capítulo da destruição das regas da poesia, o Surrealismo marcou uma data, aquela onde a criação se ligou à associação livre freudiana. Selma Calasans Rodrigues O poeta contemporâneo desarranja as regras clássicas da poesia. Isso não quer dizer que ele, quando o deseje não pratique um soneto, por exemplo, em geral por saudosismo. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 82 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 A poética atual é sem regras, desde 1919 (Futurismo italiano), e em 1922 Mário de Andrade dizia no Brasil: «Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis». O alimento cru é o que comemos desde o começo do século passado. Roberta Gomes Lacan define a análise de modo muito preciso: a análise deve elevar a impotência ao impossível; a cura analítica é a passagem de um estado de impotência a uma experiência do real, portanto do impossível. Há algo de uma transposição como na poesia. A transposição poética faz passagem de uma impotência da língua a uma experiência do impossível, na língua. E Lacan também nos fala dessa passagem da impotência ao impossível como sendo uma formalização. Ana Paula Gomes Retornando a ótima questão da Carolina Foglietti, me pergunto se a voz do Supereu ao final de uma análise permite uma escrita mais poética da vida? Quando «a folia fez poesia em minha vida»? Carolina Foglietti «Quando falamos, repetimos a letra em instância que em nós calou a voz do supereu materno permitindo o acesso à palavra do Pai» - Teresa Nazar. O que acha Ana Paula Gomes? Sua questão me remeteu a essa frase em um sentido mais amplo, ou seja, naquilo que uma análise permite ao sujeito fazer com a palavra - caminhando do Nomedo-Pai ao Pai-do-Nome e, portanto, a uma escrita, se não poética, pelo menos mais livre da vida. O que acha? Ana Paula Gomes Acho que sim, Carolina Foglietti. Eu aposto na poesia. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 83 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 José Martinho Com ou sem Supereu (imperativo de gozo) à mistura, não penso que o final de uma análise conduza forçosamente a uma escrita, quer esta seja poética ou outra (por exemplo confessional). Também não entendo muito bem essa passagem da voz do Supereu materno à palavra do Pai, nem o caminho para o fim da análise que via que iria do Nome-do-Pai ao pai de Nome. Amigas Ana e Carolina, podem esclarecer-me sobre esses assuntos? Miguel Mota Há um provérbio conhecido: «De poeta, médico e louco todos temos um pouco». A sabedoria das nações está de acordo com a tese lacaniana da «loucura generalizada». O falante é um animal doente. Mas um doente que dispõe de recursos para se auto-tratar. Mas há diversas formas de tratamento da loucura (do real) pelo simbólico. Há a medicina, a religião, a filosofia (lembremo-nos do livro Mais filosofia e menos Prozac). A propósito de Prozac que associo a «prosaico», ocorreu-me que se poderia distinguir as variadas formas de tratamento entre as prosaicas, que recorrem à prosa e as poéticas. Entre estas, eu incluiria a psicanálise. Nas primeiras, incluiria a religião, a política, a filosofia. Enquanto as prosaicas propõem um tratamento do singular pelo universal, as poéticas advogam um trato particular do singular da loucura de cada um. Enquanto as prosaicas propõem tratamento pelo sentido, as poéticas privilegiam a «ressonância» do verbo. Enquanto as prosaicas se situam ao nível da linguagem (Discurso do Amo), as poéticas aventuram-se ao nível da lalangue. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 84 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Recorrendo ao significante «obliterar», diria que as prosaicas são ob-literantes, enquanto que as poéticas são literantes, tratamentos pela letra. * Tudo é o olhar Não te amo mais Estarei mentindo dizendo que Ainda te quero como sempre te quis Tenho certeza que Nada foi em vão. Sinto dentro de mim que Você não significa nada. Não poderia dizer mais que Alimento um grande amor Sinto cada vez mais que Já te esqueci! E jamais usarei a frase Eu te amo! Sinto, mas tenho que dizer a verdade É tarde demais. Clarice Lispector A esteganografia de Clarice ilustra aqui o carácter moebiano da relação amor-ódio. Experimentem ler o poema do fim para o princípio. 29 de abril Maria José Barbosa Obama apresentou um filme (documentário) numa cerimónia pública, fazendo-se passar por seu duplo (ator), focando, uma parte significativa, na sua imagem ao espelho. Genial - o homem e os seus duplos no contexto actual merece ser estudado. Merece ser visto. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 85 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/04/130428_obama_parodia_video_janta r_rw.shtml A importância do humor nos discursos atuais. Lacan seguramente falou dela. Miguel Mota O esquema L pode ajudar a situar a diferença entre o cómico e o chiste: «Freud promove a diferença entre o chiste (Witz) e o cómico...o cómico é dual. O cómico é a relação dual, e torna-se necessário a presença do terceiro, Outro, para haver chiste.» Lacan, Le Séminaire, livro V, pgs 24, 25, Seuil. O cómico situa-se sobretudo ao nível da relação dual, especular, narcísica ou seja no eixo imaginário (a-a´). La définition...du trait d´esprit. Le message gît dans sa différence d´avec le code. Lacan, Le Séminaire, livre V, pg. 24, Seuil. Lacan diz que o rei que se considera rei é tão louco como o que não sendo se considera tal. Obama é um «bom histérico» que, longe de se tomar pelo Presidente, não receia, faire le Bobama, brincar com as suas máscaras. Freud considerava a religião como uma sublimação da neurose obsessiva, assim como encarava a arte como sublimação da histeria. Obama, de certo modo, eleva o Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 86 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 histrionismo histérico à dignidade da arte. Não sei se ele alguma vez foi actor, mas não há dúvida que se não fosse político daria um excelente actor. Maria José Barbosa Seguramente. Contudo, os palcos da política não serão mais os mesmos. Ele está a desarticular algumas fronteiras que mudarão os cenários e os atores da diplomacia. Afinal, somos todos atores, mas nem todos somos artistas. Eu coloquei noutro dia um pequeno excerto da minha dissertação de mestrado sobre a poesia no Facebook. Convido-o a ler. Miguel Mota A clivagem das práticas poéticas/prosaicas também atravessa a psicanálise, basta pensar na diferença entre Lacan, que defendia uma interpretação poética, queixando-se de não ser poâte assez, e a platitude da Ego-psychology. Maria José Barbosa «A platitude da Ego-psychology»? - Eu nunca vou conseguir dominar o léxico da psicanálise? Miguel Mota O segredo da praxis é que não existe léxico da praxis. Vai-se inventando. É o que distingue uma praxis de uma praxe. Uma praxe tem a ilusão de ter um léxico onde os termos estão definidos de uma vez por todas. A Ego-psychology, variante americana da psicanálise, foi vigorosamente combatida por Lacan. Foi contra o desvio que ela representava que Lacan promoveu o «retorno a Freud» baseado no célebre postulado: «O inconsciente está estruturado como uma linguagem». Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 87 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 30 de abril Paulo Novais Partilhou foto de Literatura y psicoanalisis José Martinho O Discurso do Amo hoje: um olho, um número e um código de barras. Agora o ponto da situação: Entre as interessantes coisas que foram ditas nos últimos dias, propunha que retivéssemos a proposta do Miguel para repensar o que fazemos a partir da distinção entre práticas «prosaicas» e «poéticas». Isto permitiria dizer que podemos estar no Fb, como na análise, de modo prosaico ou poético. Selma Calasans Rodrigues Acho que estamos de modo virtual, nem prosaico, nem poético. Miguel Mota Proesia? Miguel Mota Eu diria que a poesia como a psicanálise n´est pas sans règles. O que se procura em ambos os casos é substituir as regras convencionais pelas «regras» singulares de cada sujeito. A psicanálise não tem regras, a não ser a da livre associação. No entanto, Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 88 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 através dela, o analisante descobre uma regra própria distinta da regra universal. A psicanálise visa a auto-nomia (lei própria) não a anomia. Nuno Simoes O ato analítico é superior ao analista. Ele não o realiza, o suporta. Ninguém administra o real. Digo sempre a verdade. Não toda, pois, dizê-la toda, não se consegue. Dizê-la toda é impossível, materialmente, faltam as palavras. É justamente por esse impossível que a verdade toca o Real (Lacan, Télévision). Carolina Foglietti Talvez tenhamos que ser forçados a nos reconciliar com a ideia de que é absolutamente impossível harmonizar os clamores de nossa pulsão sexual com as exigências da civilização: de que, em consequência de seu desenvolvimento cultural, a renúncia e o sofrimento, bem como o perigo de extinção no futuro mais remoto, não podem ser evitados pela humanidade. A própria incapacidade da pulsão sexual de produzir satisfação completa, tão logo se submete às primeiras exigências da civilização, torna-se a fonte, no entanto, das mais nobres realizações culturais que são determinadas pela sublimação, Freud. Maria Teresa Saraiva Melloni Freud acreditava na civilização! rrrsss Carolina Foglietti Acho que sabia do quão tênue era sua distância da barbárie. João VGuedes Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 89 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 E sabia-o com a convicção de cada pêlo da sua barba. José Martinho Pulsão = real Sublimação = virtual? Maria Teresa Saraiva Melloni Interessante! Poderíamos incluir as relações virtuais, nas quais o real do corpo é excluído, no campo das sublimações? Há que saber bem em que consiste a sublimação. Quais seus elementos estruturais e o estatuto do objeto aí. Carolina Foglietti Acho a sublimação um dos conceitos mais difíceis da psicanálise, mas levando em conta que ela é uma das vicissitudes da pulsão como poderíamos pensá-la sem o real do corpo? Fiquei confusa. João VGuedes Partilhou a foto de Andělská pomoc. José Martinho Ensinar o virtual e o real? Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 90 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 João VGuedes É uma abordagem possível fazer essa distinção, pelo menos importante ao nível da experiência afectiva, até pelos efeitos que esta tem na genuína aprendizagem. Lidar de perto com o Real e não apenas com o real fabricado pelo homem é sem dúvida, enriquecedor. Há algo no mundo virtual que exerce um certo fascínio, o mesmo acontece com o sonho. Mas o problema não reside apenas no virtual nem na alienação que promove, reside principalmente nos meios pelos quais é difundido. Uma coisa é um sonho produzido por cada um de nós, outra coisa é ser-nos imposta uma realidade com determinados objectivos que nem sempre são claros. Maria Teresa Saraiva Melloni Partilhou a foto de meus parabéns. Essa imagem exclui a leitura do campo da aprendizagem e revela sua estruturação interpretativa. José Martinho Apesar de tudo, confirma-se o primado do signo sobre o sentido. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 91 Afr eudite – Ano IX, v.9, nº 17/ 18, 2013 pp. 1-92 Miguel Mota Partilhou a foto de Jorge Azevedo. O Ser e o Tempo José Martinho Engraçado, tenho neste momento esse quadro assinado «Magritte» em pano-de-fundo do ambiente de trabalho do meu computador. O virtual domina. Miguel Mota Estava para o intitular: O Real e o Virtual. Real e Vir tual – Conver sas no Facebook Página 92