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Comunicação e Expressão Organizado por Universidade Luterana do Brasil Comunicação e Expressão Dóris Cristina Gedrat Profª Dr. Maria Alice Braga Débora Teresinha Mutter da Silva Mota Profª. Me. Marione Rheinheimer Mozara Rossetto da Silva Edgar Roberto Kirchof Daniela Duarte Ilhesca Almir Mentz Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas, RS 2016 Conselho Editorial EAD Andréa de Azevedo Eick Ângela da Rocha Rolla Astomiro Romais Claudiane Ramos Furtado Dóris Gedrat Honor de Almeida Neto Maria Cleidia Klein Oliveira Maria Lizete Schneider Luiz Carlos Specht Filho Vinicius Martins Flores Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. ISBN: 978-85-5639-113-1 Dados técnicos do livro Diagramação: Jonatan Souza Revisão: Marcela Machado Apresentação N este livro, nós, professores do curso de Letras, temos como objetivo conduzir você, aluno, ao estudo e à prática de uso da sua língua materna. A língua portuguesa é o seu instrumento de comunicação verbal. Trata-se de um sistema complexo, cheio de possibilidades de interação, dependendo da situação, dos participantes, do tema, dos objetivos da comunicação, enfim, um instrumento que funciona dentro de um contexto no qual se molda para atingir o fim proposto pelo falante ou pela pessoa que escreve. Para que você domine o uso de sua língua, também precisa rever questões gramaticais, principalmente aquelas que geralmente causam dificuldades aos falantes e ouvintes do português. Assim, organizamos este livro alternando os conteúdos voltados à leitura e aos tipos de texto com as questões específicas de gramática da linguagem culta, a fim de auxiliá-lo a escrever com segurança e eficácia. O primeiro capítulo aborda o processo de leitura e compreensão de textos, com destaque para as estratégias que o leitor utiliza no intuito de otimizar sua compreensão da leitura. O segundo capítulo focaliza leitura, compreensão e produção de texto na perspectiva dos gêneros, possibilitando, assim, uma reflexão sobre as diferentes modalidades textuais, orais e escritas, de uso social. O terceiro capítulo aborda o parágrafo enquanto unidade redacional, com ênfase em seu caráter argumentativo. O quarto capítulo leva o estudante a entender e praticar a paráfrase, fenômeno que se dá quando dois discursos estabelecem entre si uma ideia igual ou semelhante e o segundo é uma retomada parcial ou total do primeiro O capítulo 5 dá subsídios para uma boa acentuação na escrita, incluindo as mudanças nas regras de acentuação após o Acordo Ortográ- Apresentação v fico. O capítulo 6 mostra que a língua falada e a língua escrita são duas modalidades que se assemelham e se diferenciam em muitos aspectos, e que ambas apresentam variações, dependendo da situação em que são utilizadas e dos propósitos comunicativos dos participantes em cada ato de comunicação. O capítulo 7 leva o estudante a refletir sobre a coerência textual, propriedade do texto que se encontra no processo de interação que o leitor realiza com as estruturas textuais. O capítulo 8 mostra que palavras ou frases soltas não são suficientes para formar um texto, para isso é necessário que as suas partes mantenham uma ordenação e uma relação entre si, que estejam de acordo com o sistema linguístico e transmitam a coerência que o autor deseja demonstrar. Um texto com essa ordenação é um texto que apresenta coesão. O capítulo 9 leva o estudante à compreensão da crase, o que pode auxiliá-lo a aprimorar a correção de sua escrita. Finalmente, o capítulo 10 tem como objetivo o de orientar o estudante no que tange à elaboração de trabalhos acadêmicos. Desejamos que você possa fazer bom uso deste livro para o aprimoramento de sua compreensão em leitura e de seu desempenho na escrita, e que os conhecimentos desenvolvidos a partir desse estudo tenham reflexo positivo no seu desenvolvimento pessoal e acadêmico. Sumário 1 Ler e Compreender...............................................................1 2 Gêneros Textuais ................................................................16 3 O Parágrafo Argumentativo ................................................38 4 Paráfrase e Construção Discursiva .......................................53 5 Acentuação Gráfica ............................................................79 6 Da Oralidade À Escrita .......................................................95 7 Coerência e Lógica ...........................................................110 8 Coesão.............................................................................126 9 Crase ...............................................................................142 10 Redação Acadêmica..........................................................158 Dóris Cristina Gedrat1 Capítulo 1 Ler e Compreender 1 1 Graduada em Letras Português/Inglês, mestre e doutora em Linguística Aplicada pela PUC/RS. Atualmente é professora e coordenadora do curso de Letras da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), em Canoas, RS. 2 Comunicação e Expressão Introdução Ler e compreender nem sempre fizeram parte do mesmo processo, pois, até pouco tempo atrás, o que se entendia de leitura não incluía, necessariamente, a compreensão do que se lê, podendo ser meramente a decodificação da palavra escrita, sem a construção de um sentido para o que foi lido. Hoje, a ciência está num nível bem avançado no que diz respeito à leitura, explicando-a em relação a como os seres humanos interpretam a realidade, como processam a informação. De acordo com essa abordagem, há mecanismos que atuam da mente do leitor para o texto que também intervêm na compreensão do texto lido. Antigamente, acreditava-se que o leitor começava nos signos gráficos, as palavras, para então chegar nas frases e no texto, a fim de lhe retirar o sentido, como se fosse uma operação de soma, em que as partes menores se unem e formam o todo. Esse era o modelo ascendente de leitura. Atualmente sabemos que há muitos outros mecanismos que intervêm na compreensão de um texto escrito, os quais não atuam da análise do texto à compreensão do leitor, e sim da mente do leitor ao texto2. Essa é a leitura mediante o processamento descendente da informação. Esses dois tipos de processamento da informação interagem durante o ato de ler. O leitor pode ser visto como um estrategista, na medida em que utiliza diversas estratégias para compreender o texto da 2 COLOMER, T.; CAMPS, A., 2002:30. Capítulo 1 Ler e Compreender 3 melhor maneira possível. Nas próximas seções, somos levados a conhecer algumas das principais estratégias adotadas por um leitor eficiente, que, segundo os seus objetivos, chega a um nível de compreensão satisfatório quando lê. 1.1 A leitura como processo de elaboração e verificação de previsões que levam à construção de uma interpretação Ao realizar a leitura, o leitor posiciona-se responsivamente perante o texto, isto é, seu cérebro interage com o texto e responde ao que lê. E, para que isso ocorra, entram em ação o conhecimento prévio que ele tem a respeito do tema, suas experiências ligadas ao tema e a maneira como ele lê o mundo, sua visão das coisas e seu conhecimento sobre a língua e o texto. Segundo Colomer e Camps3, o leitor constrói o significado da leitura mediante um processo que pode ser dividido em três partes: formulação de hipóteses, verificação das hipóteses realizadas e integração da informação com controle da compreensão. 1.1.1 Formulação de hipóteses Desde o início da leitura, o leitor faz várias hipóteses, ou antecipações: ele prevê a respeito das letras dentro das palavras, 3 COLOMER, T.; CAMPS, A., 2002:36. 4 Comunicação e Expressão das palavras na frase, das frases no texto e da articulação das proposições (ideias, fatos, descrições) no texto, seja ele narrativo, descritivo ou argumentativo. Fazemos previsões sobre qualquer tipo de texto e sobre qualquer um de seus componentes4. Para construirmos tais previsões, baseamo-nos nas informações do texto e de seu contexto, em nosso conhecimento sobre a leitura, sobre os textos e sobre o mundo em geral. 1.1.2 Verificação de hipóteses Para a verificação dessas hipóteses, integram-se os processos ascendente e descendente, vistos na introdução deste capítulo. Por exemplo, o leitor reconhece com mais rapidez as letras se elas fizerem parte de uma palavra, assim, após um “m”, o leitor espera a aparição de uma vogal, e não de qualquer letra do alfabeto. Assim, uma das pistas utilizadas pelo leitor competente para formular hipóteses é a materialidade linguística, o significante, o que o leitor vê ao ler um texto. Kato (1998:75) menciona a complexidade textual como um dos fatores que determinam a forma de ler. Quando um texto fala de um assunto que não é familiar ao leitor, o processo ascendente é mais utilizado e as pistas linguísticas desempenham um papel maior do que quanto o assunto do texto é conhecido pelo leitor. 4 SOLÉ (1998:23). Capítulo 1 Ler e Compreender 5 Também, o leitor processa com mais rapidez uma palavra que faça parte do campo semântico ao qual deveria pertencer. Assim, é bem mais fácil reconhecer “Este texto apresenta uma complexidade média”, do que “Fala lá uva aqui”, por exemplo. Outro exemplo: quando o texto inicia com “Era uma vez...”, o leitor espera que a próxima palavra seja um substantivo, e não um verbo. 1.1.3 Integração da informação com controle da compreensão Esse processo de verificar as hipóteses realizadas ocorre com a participação do conhecimento que o leitor já tem sobre como a língua se organiza na escrita e como se articulam as frases na progressão do conteúdo do texto. Se há coerência entre o lido e as hipóteses formuladas, ocorre a integração da informação, e o leitor continuará utilizando estratégias para a construção do significado global do texto. Quando uma nova informação é redundante, o leitor a descarta. Uma nova informação pode ser ampla e incluir várias outras que já foram processadas ao longo da leitura, então, o leitor as agrupa dessa forma. Assim dá-se o controle da compreensão por parte do leitor, uma operação quase totalmente inconsciente e automática. Como aponta Solé (p. 25): .... isso pode ser difícil de explicar, pois se trata de um processo interno, inconsciente, do qual não temos prova... até que nossas previsões deixem de se cumprir, ou seja, até comprovarmos que o que esperamos ler não está no texto. Isso significa que prevíamos que algo ia 6 Comunicação e Expressão suceder ou seria explicado, e esse algo não aparece, ou é substituído por outra coisa. Embora talvez não possamos dizer exatamente o que prevíamos, a verdade é que devíamos ter alguma previsão quando nos damos conta de que esta não se realiza. 1.2 Fatores que influenciam a leitura, levando o leitor a fazer inferências e, assim, a preencher lacunas “Assumir o controle da própria leitura, regulá-la, implica ter um objetivo para ela, assim como poder gerar hipóteses sobre o conteúdo que se lê”5 Um leitor, para compreender um texto com êxito, precisa ativar vários esquemas de conhecimento relacionados a este texto específico. Quanto mais conhecimentos pertinentes ao texto o leitor tiver e quanto mais hábil for para ativá-los, mais exitosa será a compreensão da leitura. 1.2.1 Conhecimento do texto, conhecimento prévio e objetivos do leitor O conhecimento linguístico do leitor é parte do conhecimento que ele utiliza na interpretação da leitura. Segundo Solé (p.40), além do conhecimento do texto que o leitor tem à sua frente, a compreensão que ele constrói desse texto também depende 5 SOLÉ, Isabel, 1998:27. Capítulo 1 Ler e Compreender 7 de seu conhecimento prévio para abordar a leitura, de seus objetivos e de sua motivação com respeito a essa leitura. Por conhecimento do texto entende-se o que o leitor já sabe sobre:  as letras, na escrita, e dos sons, na fala;  as regras que combinam as letras entre si para compor as sílabas e as palavras;  a estrutura das frases;  a organização de textos e a separação de palavras, frases, parágrafos, capítulos etc.;  as convenções sobre a organização da informação em cada tipo de texto; as situações comunicativas em que se organizam nos diversos tipos de texto;  as relações de significado entre as palavras;  o tipo de significado de cada tipo de palavra (por exemplo, um substantivo, geralmente, tem significado referente a coisas, pessoas, eventos e um verbo geralmente exprime ação, movimento, estado);  as relações entre os elementos de um texto, como, por exemplo, um pronome só significa algo com referência a algum elemento anterior no texto (o nome de uma pessoa, de um objeto etc.). Essas relações garantirão o que se chama de “coesão” no texto, tema desenvolvido no capítulo 8; 8 Comunicação e Expressão  as estruturas textuais mais conhecidas: narrativa, argumentativa, descritiva etc. O conhecimento dessas estruturas permite que o leitor faça previsões sobre o desenvolvimento do texto que está lendo, uma vez que as ideias estarão ordenadas segundo um esquema conhecido. O segundo tipo de conhecimento que interferirá na compreensão da leitura é o conhecimento prévio do leitor, seu conhecimento sobre o mundo, que irá determinar o grau de compreensão que terá sobre o conteúdo do texto lido, uma vez que a nova informação é entendida nos termos da antiga. Ao ler uma notícia de jornal, por exemplo, o leitor poderá compreender do que se trata se tiver conhecimento sobre os fatos tratados, pois, caso não o tenha, poderá fazer inferências errôneas e preencher lacunas incorretamente. Assim, quanto mais informações compartilhadas entre quem escreve e quem lê, mais chances de compreender a intenção do escritor o leitor terá. Também é possível ocorrer que o leitor consiga fazer previsões sobre tudo o que o texto dirá, tornando-se, este texto, irrelevante e sem interesse nenhum para ele, pois nada acrescenta ao seu conhecimento. Finalmente, mencionamos o objetivo e a motivação do leitor como fatores que também influenciam na construção do sentido de um texto lido. O que o leitor pretende com sua leitura determinará tanto as estratégias que ativará para compreender o texto, quanto seu grau de tolerância em relação à qualidade de sua leitura. Capítulo 1 Ler e Compreender 9 Segundo Colomer e Camps (2002:47), “A intenção, o propósito da leitura, determinará, por um lado, a forma como o leitor abordará o escrito e, por outro, o nível de compreensão que tolerará ou exigirá para considerar boa a sua leitura”. As autoras destacam com muita pertinência que não é a mesma coisa ler para reter uma informação, por exemplo, do que ler para aprender e para estruturar conhecimentos, ou ler para formar uma ideia geral, ou apenas para saber do que trata um texto. A interpretação de, digamos, dois leitores sobre o mesmo texto dependerá muito dos objetivos de cada um ao realizar a leitura. Portanto, mesmo com o conteúdo invariável, leitores com finalidades diferentes de leitura extrairão informações diferentes do mesmo texto. As inferências que cada um realizará a partir da leitura e de seus conhecimentos serão diferentes, e as lacunas que cada um terá para preencher também. 1.2.2 A relação entre o verbal e o não verbal Tendo em vista que a leitura não se limita ao ato de ler textos escritos, vale a pena destacarmos aqui a interação entre informações de outras naturezas com a informação verbal, embora essa relação seja discutida com mais detalhes no capítulo 3. Para que o leitor possa fazer inferências e preencher lacunas a partir de suas hipóteses, assim como, no caso da leitura de textos escritos, o que o leitor vê são as palavras e frases; no caso de textos não verbais, são as imagens, os sons; enfim, todas as informações às quais o leitor está exposto o influencia para a realização e verificação de hipóteses quanto à sua 10 Comunicação e Expressão compreensão leitora. As informações não verbais que interagem com o texto escrito podem auxiliar a confirmar ou podem também rejeitar previsões realizadas pelo leitor. Recapitulando Neste capítulo, vimos o que significa ler e compreender textos escritos e textos não verbais. Foi destacado que a leitura não é mera decodificação de palavras e frases, e que tudo o que sabemos influencia na construção do sentido daquilo que lemos. A interpretação durante a leitura é explicada, modernamente, com base no processamento da informação no cérebro e consiste, predominantemente, na formulação e na verificação de hipóteses. Partindo do que já sabemos e conhecemos, vamos interpretando as novas informações e, ao surgir uma dificuldade na compreensão, paramos e reformulamos nossas hipóteses para que a leitura continue e a interpretação seja satisfatória segundo nossos propósitos. Referências COLOMER, Teresa; CAMPS, Anna. Ensinar a Ler. Ensinar a Compreender. Porto Alegre: Artmed, 2002. SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998. Capítulo 1 Ler e Compreender 11 KATO, Mary. No mundo da Escrita. São Paulo: Martins Fontes, 1998. KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Atividades 1) Considerando o texto a seguir, marque a alternativa que contém elementos que influenciarão a formulação de hipóteses do leitor: Responsável pelas nossas ações voluntárias e involuntárias, o cérebro funciona a partir da transmissão constante de sinais elétricos e químicos. O que você faz, pensa ou sente a cada instante depende da atividade (maior ou menor) dos neurônios naquele momento. Portanto, não é exagero imaginar que é o cérebro o órgão que mais trabalha no corpo. Ele não para em nenhum instante, nem quando estamos inteiramente imóveis, nem quando estamos dormindo, nem mesmo durante um coma. É dele que dependem os outros órgãos para que o corpo funcione de forma adequada.6 a) conhecimentos acerca das funções do cérebro humano; estrutura do texto dissertativo; organização do tex- 6 Adaptado de “Conheça o seu cérebro!”, por Mónica Vitória, disponível em http:// www.conexaoaluno.rj.gov.br/especial.asp?EditeCodigoDaPagina=4939, consultado em 17/06/2012. 12 Comunicação e Expressão to que defende uma tese; organização de palavras e frases na construção de um texto. b) conhecimento da língua e de suas sequências estruturais: combinação entre letras, sílabas, palavras e frases; estrutura e organização do texto que informa; informações armazenadas sobre o funcionamento do cérebro humano. c) Informações científicas de alta profundidade sobre o cérebro e seu funcionamento; utilização de palavras e frases para defender uma opinião. d) conhecimentos sobre como se organizam textos de todos os tipos; conhecimentos armazenados acerca do cérebro e de como ele funciona; conhecimento de todos os dialetos existentes na língua e de sua utilização em cada situação de comunicação. e) experiências anteriores de leitura de narrativas sobre o cérebro humano; organização e articulação das ideias na frase e no texto; utilização da língua padrão em textos escritos. 2) Ao lermos um texto, fazemos escolhas e antecipações, recorrendo não apenas ao significado mais global do texto e à sua estrutura, mas também a conhecimentos de tipo mais local: gramaticais, semânticos, fonéticos ou ortográficos. Complete os espaços em branco no texto a seguir e reflita sobre as antecipações feitas para chegar aos resultados que você chegou: Um Tema, Três Gêneros Capítulo 1 Ler e Compreender 13 Ler um texto, como você está fazendo _____, é instaurar uma situação discursiva. ______, no caso deste texto que você lê agora, essa situação discursiva já se _______ no momento mesmo em que você tomou nas mãos este ______, observou a capa, uma ilustração, certas cores, um título, um nome _______, o da autora, folheou as primeiras páginas, viu um _______, que anuncia três textos... e, sob a influência desses elementos, chega a esta ________ e começa a ler esta Apresentação – que leitura estará você produzindo deste _______?7 a) agora; Portanto; iniciou; texto; próprio; sumário; página; livro. b) diariamente; Mas; começou; livro; famoso; nome; parte; texto. c) agora; Aliás; iniciou; livro; próprio; sumário; página; texto; d) frequentemente; No caso; decidiu; livro; próprio; sumário; página; texto; e) agora; Contudo; iniciou; livro; próprio; título; página; texto; Muitas vezes, a falta de compreensão durante a leitura pode ser resolvida recorrendo-se ao próprio contexto da leitura, não sendo necessário o uso de alguma fonte externa, como o dicionário. Nos exercícios 3, 4 e 5, escolha a alternativa que 7 Extraído de SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autência, 2004. 14 Comunicação e Expressão deve ser o significado de cada palavra em itálico e negrito, considerando o contexto8: 3) Aproxima-se uma época de emergência, durante a qual teremos de extremar as medidas de segurança. a) deixar à parte b) começar pelo extremo c) aumentar d) suavizar e) iniciar 4) Não gosto de falar com tanta dureza nesses momentos em que ele sofre pessoalmente os efeitos da perniciosa política que o país seguiu nos últimos anos. a) que faz falta b) má c) que pertence aos que perderam a guerra d) metálica e) exagerada 5) Se você quer saber onde fica a rocha de Vacamuerta, pergunte a qualquer pessoa os nomes dos acidentes geográficos daquelas paragens. a) tipo de veículo puxado por um animal 8 Exercícios adaptados de Colomer e Camps (2012). Capítulo 1 Ler e Compreender b) verdadeiros c) pessoas que trabalham no campo d) lugar ou parte de um povoado ou região e) pastagens 15 Profª Dr. Maria Alice Braga1 Capítulo 2 Gêneros Textuais1 1 Bacharel em Letras; mestre em Teoria da Literatura e doutora em Crítica Genética, pela PUCRS. Possui pesquisa na área de estudos culturais, literatura contemporânea, memória e identidade. Organizadora do livro "Cem anos sem Machado de Assis" (2008) e autora de vários capítulos de livros. Capítulo 2 Gêneros Textuais 17 Introdução O presente capítulo objetiva conceituar gênero a partir de concepções correntes, que remonta a antiguidade grega, quando já existia uma preocupação quanto à questão do gênero como um guia para a produção de textos. Espera-se que o trabalho com a leitura, a compreensão e a produção escrita em Língua Materna deva focalizar, em primeiro lugar, o desenvolvimento de habilidades do aluno, proporcionando-lhe a capacidade de empregar um número crescente de recursos da língua para produzir efeitos de sentido de forma adequada a cada situação específica de interação humana. 2.1 Texto Nos estudos da linguagem, texto é o centro de interesse de estudos e de correntes linguísticas e constitui-se na unidade de comunicação empírica; designa uma unidade linguística organizada e a sensação de coerência centrada no receptor do texto. É por meio do texto que as pessoas se comunicam e todo texto pertence a um gênero, não se confundindo texto com gênero. Para lembrar, texto é: unidade; singular; concreto; empírico. Possui começo e fim. São textos: a Bíblia, o Hino Nacional, a Carta de Pero Vaz de Caminha, o poema Vozes d’África, uma placa de trânsito. Veja que não há limite de ta- 18 Comunicação e Expressão manho do texto, o qual pode ser constituído por apenas uma palavra, PARE; por um verso, OUVIRAM DO IPIRANGA AS MARGENS PLÁCIDAS...; ou assumir dimensões bem maiores, como um livro. Para Bakhtin2, um texto termina quando o enunciador considera sua produção verbal suficiente, que se concretiza por meio de uma concordância, adesão, objeção, execução etc., pois todo texto pressupõe uma resposta, conforme o mesmo linguista. Segundo José Carlos de Azeredo, “nossas necessidades comunicativas são múltiplas e os conteúdos de nossos atos verbais ilimitados” (2008, p. 84). No entanto é preciso pensar que a vida em comunidade é caracterizada pela repetição, assim como pela padronização dos momentos interativos e, do mesmo modo, pela previsibilidade dos atos verbais. Observemos melhor: A nossa atividade discursiva, na maioria das vezes, acontece como um ritual, isto é, nas situações individuais e nas situações coletivas existe uma padronização das necessidades comuns pelo emprego das mesmas expressões e pela construção de textos que realizam tarefas comunicativas comuns, pois a vida em comunidade pressupõe hábitos e práticas comuns. Assim, a originalidade total da expressão é impossível quando o objetivo é a compreensão imediata a fim de se obter uma dinâmica na convivência social e cultural. 2 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Capítulo 2 Gêneros Textuais 19 Nessa perspectiva, podemos inferir o motivo que nos leva a produzir textos conforme modelos social e histórico – a esses nomeamos “gêneros textuais”, os quais nos são impostos por uma espécie de convenção consagrada, inerente ao ritualismo da vida social (AZEREDO, 2008, p. 84). Vejamos alguns exemplos: Bulas de remédio, receitas culinárias, juramentos, atas, requerimentos, anúncios funerários etc. São gêneros textuais próprios de atos ou eventos discursivos referentes a determinados domínios. Tendo em vista o exposto, podemos afirmar que o gênero predispõe o leitor/ouvinte para o processamento do que o texto comunica. EXEMPLO: um conto de fadas inicia com a seguinte frase: “era uma vez...” – isso leva o leitor a imaginar uma trama fantasiosa com final feliz. De outro modo, uma piada, que pressupõe o riso, pode começar assim: “Joãzinho, na sala de aula, pergunta para a professora...” As palavras existem para expressar ideias, e os gêneros misturam-se, criam-se, mudam-se, renovam-se porque acompanham o movimento de renovação da vida, tanto sob o aspecto cultural como pela dinâmica interna de determinadas situações, e também porque respondem ao dinamismo da comunicação verbal. 20 Comunicação e Expressão 2.2 Gênero Textual O gênero textual existe desde quando o homem começou a se comunicar, valendo-se das línguas naturais. Há três elementos que constituem os gêneros, referentes à natureza do discurso: a) aquele que fala; b) aquilo sobre o que se fala; e c) aquele a quem se fala. A relação dos três elementos centraliza a compreensão do gênero, promovendo parâmetros para a identificação tanto dos ouvintes, como dos conteúdos temáticos de cada gênero abordado, segundo Marcuschi. (P. 20) Para melhor compreensão, é importante acompanhar o desenvolvimento histórico, muito bem explicitado pelo teórico Tzvetan Todorov3. Todorov ao explicar a gênese dos gêneros afirma que o conceito de gênero era o mesmo de gênero literário, referindo à existência primordial desse, desde as clássicas cantigas, odes, sonetos tragédias e comédias. Essa tradição manteve-se até a metade do século XX quando o questionamento voltou-se para a eficiência de tal concepção, pois o gênero não seria mais uma categoria determinante para as diversas manifestações literárias. Sob esse aspecto, no final do século XX, a ideia de gênero cresce além dos domínios aristotélicos, abrangendo vários campos do saber e tornando-se essencial para as investigações multidisciplinares, como a 3 TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980. Capítulo 2 Gêneros Textuais 21 literatura, a retórica, a sociologia, a linguística e demais disciplinas relacionadas às línguas em geral. Assim as questões sobre gênero voltam-se para as ideias que são empregadas para determinar o conceito. (SPARANO, 2012, p. 18) Marcuschi (2008) elenca algumas características que podem definir o conceito de gênero:  Uma categoria cultural  Um esquema cognitivo  Uma forma de ação social  Uma estrutura textual  Uma forma de organização social  Uma ação retórica As categorias sintetizadas por Marcuschi permitem uma reflexão sobre o caráter multifacetado e multidisciplinar dos gêneros, sendo estes, pois, caracterizados por suas funções, conforme afirma Bazerman (2006, p. 23): Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser. São frames para a ação social. São ambientes para a aprendizagem. São os lugares onde o sentido é construído. Os gêneros moldam os pensamentos que formamos e as comunicações através das quais interagimos. Gêneros são os lugares familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os modelos que utilizamos para explorar o não familiar. 22 Comunicação e Expressão Bazerman (2006) destaca várias categorias possíveis para o gênero, como a função cognitiva, já que os gêneros permitem a elaboração de sentidos e ajudam a formação de modelos do nosso pensamento. Também a função comunicativa, que pressupõe as categorias de ação e de organização social, pois destaca a importâncias dos gêneros como ação entre os indivíduos em contextos definidos. Para finalizar, existe a função institucional, que sinaliza como as ações acontecem na sociedade. Você poderá perguntar se os gêneros são concretos como os textos. A explicação é clara: o texto é uma entidade concreta que se materializa em algum gênero. Sob essa perspectiva, o gênero é abstrato, virtual, variável, instável que se distingue de outros dependendo do canal, estilo, conteúdo, composição e função. Memorize: chega-se ao gênero a partir do texto.4 Os gêneros textuais são: Realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas; constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções comunicativas; sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função.4 O professor Luiz Carlos Travaglia refere que o gênero se caracteriza por exercer uma função social específica. Para ele, essas funções sociais são pressentidas e vivenciadas pelos usuá4 MARCUSCHI, Luiz Antonio. Linguística de texto: o que é e como se faz. Debates 1. Recife: UFP, 1986. Capítulo 2 Gêneros Textuais 23 rios, ou seja, intuitivamente, sabemos que gênero empregar em momentos específicos de interação, conforme a função social. Nessa perspectiva, tomemos como exemplo a carta, que foi ampliando o número de funções e se multiplicando em subgêneros: carta de amor, carta comercial, carta aberta, carta de cobrança etc. A carta evoluiu para o e-mail, que, igualmente, está ampliando suas funções conforme as necessidades de circulação, os parceiros que arregimenta e os domínios em que são gerados. Sob esse ponto de vista: os gêneros existem em uma perspectiva sócio-histórica e, por isso: sofrem mudanças que garantem sua permanência ou desaparecimento sendo substituídos por outros de semelhante função em novos tempos para novos interlocutores em novas condições socioculturais. Por vezes isso ocorre dentro do domínio discursivo ao qual o gênero pertence. As transmutações dos gêneros, além de revelarem as mudanças nos domínios discursivos, deslocam a estruturação para outros domínios. (SPARANO, 2008, p. 23) Assim, podemos pensar em um poema com a estrutura de uma receita, como Receita de espantar a tristeza, de Roseanna Murray, que mostra um conjunto de verbos (modo imperativo): faça, mande, vá, plante, estique, etc., destacando ordens ou conselhos. São traços comuns às receitas. Faça uma careta e mande a tristeza pra longe pro outro lado do mar ou da rua vá para o meio da rua e plante bananeira faça alguma besteira 24 Comunicação e Expressão depois estique os braços apanhe a primeira estrela e procure o melhor amigo para um longo e apertado abraço. Outro exemplo sobre a mudança no sistema da língua refere-se aos textos jornalísticos. As notícias e reportagens contemporâneas são diferentes das do início do século XX; mudaram noções de ortografia, sintaxe e morfologia, assim como o estilo da linguagem jornalística. 2.3 Tipos de Texto Os gêneros textuais são múltiplos, no entanto, “o encadeamento das unidades de informação no interior dos textos segue padrões que variam entre uns poucos modos de organização” (AZEREDO, 2008, p. 86). Por tradição, distinguem-se três tipos de texto: narração, descrição e dissertação. A narração e a descrição integram o bojo dos conteúdos que podem ser representados por outras linguagens, como o cinema e as artes plásticas. Já a dissertação exige, para sua composição, sentidos que só podem ser produzidos por meio de palavras. Modernamente, outras categorias são propostas, como a argumentação e a injunção. Observemos: NARRAÇÃO: sequenciação própria da enunciação de fatos que envolvem personagens movidos por certos propósitos e respectivas ações encadeadas na linha do tempo, seja por Capítulo 2 Gêneros Textuais 25 simples sucessão cronológica, seja por relações de causa e efeito. Nela predominam verbos de ação. Exemplo de Narração: Abaixo um fragmento do conto Cantiga de esponsais, de Machado de Assis, disponível, na íntegra, no site: http://www. dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000198.pdf. Imagine a leitora que está em 1813, na igreja do Carmo, ouvindo uma daquelas boas festas antigas, que eram todo o recreio público e toda a arte musical. Sabem o que é uma missa cantada; podem imaginar o que seria uma missa cantada daqueles anos remotos. Não lhe chamo a atenção para os padres e os sacristães, nem para o sermão, nem para os olhos das moças cariocas, que já eram bonitos nesse tempo, nem para as mantilhas das senhoras graves, os calções, as cabeleiras, as sanefas, as luzes, os incensos, nada. Não falo sequer da orquestra, que é excelente; limito-me a mostrar-lhes uma cabeça branca, a cabeça desse velho que rege a orquestra, com alma e devoção. Chama-se Romão Pires; terá sessenta anos, não menos, nasceu no Valongo, ou por esses lados. É bom músico e bom homem; todos os músicos gostam dele. Mestre Romão é o nome familiar; e dizer familiar e público era a mesma coisa em tal matéria e naquele tempo. “Quem rege a missa é mestre Romão” — equivalia a esta outra forma de anúncio, anos depois: “Entra em cena o ator João Caetano”; — ou então: “O ator Martinho cantará uma de suas melhores árias.” Era o tempero certo, o 26 Comunicação e Expressão chamariz delicado e popular. Mestre Romão rege a festa! Quem não conhecia mestre Romão, com o seu ar circunspecto, olhos no chão, riso triste, e passo demorado? Tudo isso desaparecia à frente da orquestra; então a vida derramava-se por todo o corpo e todos os gestos do mestre; o olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro. Não que a missa fosse dele; esta, por exemplo, que ele rege agora no Carmo é de José Maurício; mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a missa fosse sua. DESCRIÇÃO: tipo de construção textual em que se encadeiam os traços que servem para caracterizar a composição de um ambiente, de um ser vivo, de um objeto, de um conceito, de um evento. Aqui predominam os verbos de situação e as expressões qualificativas. Exemplo de Descrição: Abaixo um texto descritivo, de João Rodolfo Cavalcanti A. de Araújo, disponível no site: http://soumaisenem.com.br/redacao/tipologia-textual/texto-descritivo. Clarinete Um elemento clássico e imprescindível num concerto, o clarinete, com seu timbre aveludado, é o instrumento de sopro de maior extensão sonora, pelo que ocupa na banda de música o lugar do violino na orquestra. O clarinete que possuo foi obtido após o meu nascimento, doado como presente de aniversário por meu bisavô, um velho músico, do qual carrego o nome sem tê-lo conhecido. O clarinete é feito de madeira, possui um tubo Capítulo 2 Gêneros Textuais 27 predominantemente cilíndrico formado por cinco partes dependentes entre si, em cujo encaixe prevalece a cortiça, além das chaves e anéis de junção das partes, de meta. Sua embocadura é de marfim com dois parafusos de regulagem, os quais fixam a palheta bucal. Sua cor é confundivelmente marrom, havendo partes onde se encontra uma sensível passagem entre o castanho-claro e o escuro. Possuindo cerca de oitenta centímetros e pesando aproximadamente quatrocentos gramas, é facilmente desmontável, o que lhe confere a propriedade de caber numa caixinha de quarenta e cinco centímetros de comprimento e dez de largura. Com pouco mais de um século, este clarinete permanece calado, latente, sem produzir sons nem músicas, pois, não herdei o dom de meu bisavô e nunca me interessei por este tipo de instrumento, mas, quem sabe se daqui a alguns anos não aparecerá um novo João Rodolfo, que herde ao mesmo tempo, de seus bisavôs e tataravôs, respectivamente, o instrumento e o dom. ARGUMENTAÇÃO: encadeamento de proposições com vista à defesa de um ponto de vista e ao convencimento do interlocutor. As expressões que são comuns a esse tipo de texto são: caso, se; embora; mas; mesmo que; por outro lado; portanto; por isso etc. Dica de Leitura: http://www.pucrs.br/gpt/argumentativo.php INJUNÇÃO: emprego de formas da linguagem em que o enunciador explicita sua intenção de levar o destinatário a 28 Comunicação e Expressão praticar atos ou a ter atitudes. Os verbos no imperativo são comuns a esse tipo de texto. Dica de Leitura: http://www.todamateria.com.br/texto-injuntivo/ Estudar gênero, de um lado, consiste em estudar a organização textual, a temática pertinente, o estatuto dos interlocutores, as formas de circulação, a função social etc. Por outro lado, estudar o texto significa observar como esses elementos foram mobilizados na materialidade do enunciado e da situação comunicativa. O gênero textual constitui-se em uma categoria cultural, um esquema cognitivo, sendo uma forma de ação e organização social e retórica. Assim, cada gênero encerra características próprias de acordo com o domínio em que circula e no qual foi gerado. Por tudo isso, os gêneros podem apresentar um dos traços caracterizadores; sua função é o resultado dessa variação. 2.4 Gêneros e Dialogismo Os textos não são produzidos ao acaso, pois existe um constante diálogo entre eles e para que possamos compreender esse processo, é necessário conhecer um pouco o que é a intertextualidade entre os gêneros. Quando um gênero exerce a função de outro, segundo Marcuschi (2010, p. 33), a isso se denomina intertextualidade intergêneros, uma configuração híbrida que apresenta flexibilidade e dinamismo nessa capacidade de adaptação. Isso pode se apresentar de duas maneiras: Capítulo 2 Gêneros Textuais 29 Intertextualidade intergêneros = um gênero com a função de outro Heterogeneidade tipológica = um gênero com a presença de vários tipos No primeiro, ocorre uma mescla de funções e formas de diversos gêneros em um apenas. Já o segundo se caracteriza por um gênero que se vale de vários tipos de texto. Vejamos alguns exemplos. Para o primeiro caso, intertextualidade intergêneros, podemos observar o poema concreto, de Décio Pignatari, a seguir e disponível no site: https://www. google.com.br/search?q=poesia+concreta 30 Comunicação e Expressão O poema, em forma de xícara com café fumegante, revela-se não só pelas palavras (versos) que cumprem sua função do poema, mas também pela forma. O gênero poema assumiu a função de outro gênero, posto que a técnica da poesia concreta foi utilizada para um tipo referente ao domínio do discurso das artes plásticas ou até mesmo para o discurso publicitário, ambos possuem um tipo textual diferente do usual. Notamos que a poesia concreta, por sua natureza, trabalha com uma linguagem persuasiva, que é a imagem, a forma, o visual. Sob esse ponto de vista, a poesia concreta dialoga com diversas formas de arte, como a pintura, a música, o design e a publicidade, com o objetivo de se atualizar de acordo com o mundo contemporâneo. Quanto à heterogeneidade tipológica, isto é, um gênero contém vários tipos textuais, observemos um trecho do capítulo I, Óbito do Autor, da obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, a seguir, e disponível na íntegra, no site: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ bv000215.pdf. Capítulo 2 Gêneros Textuais 31 Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco. [...] Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. [...] E a imaginação dela, como as cegonhas que um ilustre viajante viu desferirem o voo desde o Ilisso às ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, -- a imaginação dessa senhora também voou por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha, esvaíase-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, e pedra, e lodo, e coisa nenhuma. [...] O excerto do capítulo destacado do livro Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, revela que o autor se inspirou não apenas em episódios bíblicos (Moisés, Pentateuco) para compor sua obra de arte, mas também na obra de Shakespeare (Hamlet), na antiga e sábia África, com sua 32 Comunicação e Expressão cultura simbólica e repleta de mitos, na mitologia grega (Ilisso) e muito mais se lermos a obra inteira. O resultado é a intertextualidade com diversos textos (um misto de culturas). Dessa forma, Machado de Assis subverte cada episódio original para construir um novo texto. Sintetizando: Um gênero assume a função de outro Mudança no suporte do texto Intertextualidade intergêneros Configuração híbrida do gênero Propósito de comunicação Para finalizar, os gêneros possuem potencial de hibridização e as mesclas ocorrem quando se misturam elementos distintos, ou seja, a estrutura de um gênero e a função de outro que resultará na identificação do segundo, pois a função é o elemento definidor do hibridismo. Recapitulando No capítulo II, estudamos Gêneros textuais, texto e tipologia textual e as variadas possibilidades que decorrem do dinamismo destes. O gênero textual constitui-se em uma categoria cultural, sendo uma forma de ação e organização social e ação retórica. Assim, cada gênero encerra características próprias de acordo com o domínio em que circula e no qual foi gerado. Capítulo 2 Gêneros Textuais 33 Referências AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São paulo: Publifolha, 2008. BAZERMAN, C. Gênero, agência e escrita. Trad. Judith Chambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2006. FÁVERO, L. L.; KOCH, I. V. Contribuição a uma tipologia textual. In Letras & Letras. Vol. 03, n. 01. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 1987. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. et al. Gêneros textuais e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. NASCIMENTO, Elvira Lopes (org.). Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino. São Carlos: Claraluz, 2009. SPARANO, Magalí et al. Gêneros textuais: construindo sentidos e planejando a escrita. São Paulo: Terracota, 2012. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. 34 Comunicação e Expressão TRAVAGLIA, L. C. Um estudo textual-discursivo do verbo no português. Campinas, Tese de Doutorado / IEL / UNICAMP, 1991. Atividades 1) Tendo em vista a leitura do capitulo 2, do livro da disciplina, assinale a alternativa correta: a) O texto predispõe o leitor/ouvinte para o processamento do que o gênero comunica. b) Todo texto pressupõe apenas inferências. c) O gênero predispõe o leitor/ouvinte para o processamento do que o texto comunica. d) Apenas e tão somente o texto é uma imposição convencionada socialmente. e) Juramentos, atas e requerimentos não são gêneros textuais. 2) Marque a alternativa que preenche corretamente as lacunas da afirmação a seguir: As ____ existem para expressar ____, e os ____ misturam-se, criam-se, mudam-se, renovam-se porque acompanham o movimento de renovação da vida, tanto sob o aspecto cultural como pela dinâmica interna de determinadas situações. a) palavras; ideias; gêneros Capítulo 2 Gêneros Textuais 35 b) ideias; palavras; textos c) opiniões; ideias; estudos d) pesquisas; pensamentos; livros e) frases; momentos; textos 3) O gênero textual existe desde quando o homem começou a se comunicar, valendo-se das línguas naturais. Aristóteles listou três elementos que constituem os gêneros, referentes à natureza do discurso. Assinale “V” para verdadeiro e “F” para falso a respeito dos três elementos: ( ) Aquele que fala. ( ) Aquilo sobre o que se fala. ( ) Aquele a quem se fala. ( ) Quem narra. ( ) Quem escuta dentro do texto, o narratário. a) F, V, F, V, V b) V, V, V, V, V c) F, F, F, V, V d) V, V, V, F, F e) V, V, F, V, F 4) Leia o trecho a seguir e marque a alternativa que preenche corretamente as lacunas: 36 Comunicação e Expressão O texto é uma entidade ____ que se materializa em algum ____. Sob essa perspectiva, o gênero é ____, virtual, variável, instável que se distingue de outros dependendo do canal, estilo, conteúdo, composição e função. a) abstrata; texto; concreto b) concreta; processo; abstrato c) abstrata; estilo; função d) abstrata; gênero; concreto e) concreta; gênero; abstrato 5) Por tradição, distinguem-se três tipos de texto: narração, descrição e dissertação. O primeiro constitui-se em: a) Um tipo de construção textual em que se encadeiam os traços que servem para caracterizar a composição de um ambiente, de um ser vivo, de um objeto, de um conceito, de um evento. b) Uma sequenciação própria da enunciação de fatos que envolvem personagens movidos por certos propósitos e respectivas ações encadeadas na linha do tempo, seja por simples sucessão cronológica, seja por relações de causa e efeito. c) Em um encadeamento de proposições com vista à defesa de um ponto de vista e ao convencimento do interlocutor. Capítulo 2 Gêneros Textuais 37 d) Em uma intenção de levar o destinatário a praticar atos ou a ter atitudes. e) Em um estudo da organização textual, da temática pertinente, do estatuto dos interlocutores, das formas de circulação, da função social. Débora Teresinha Mutter da Silva Mota1 Capítulo O Parágrafo Argumentativo 3 1 1 Bacharel em Letras; mestre em Literatura Comparada e doutora em Estudos de Literatura Brasileira e Luso-africanas, pela Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS). É autora do livro “A poética da perseguição em Clarice Lispector e Julio Cortázar” (2009) e organizadora do livro “Cem anos sem Machado de Assis” (2008). Capítulo 3 O Parágrafo Argumentativo 39 Introdução O objetivo deste capítulo é abordar o parágrafo dando ênfase à argumentação, ou seja, apresentaremos o parágrafo, enquanto unidade redacional e, na sequência, nos deteremos em seu funcionamento como base argumentativa no modo dissertativo. Como sabemos, todos os textos realizam-se por meio dos modos descritivo, narrativo e dissertativo. 3.1 Argumentação A habilidade argumentativa é virtude reconhecida e valorizada em todas as áreas de atuação profissional, além do plano pessoal. A capacidade para argumentar está ligada ao poder de retórica, ou seja, o poder de convencimento contido em nosso discurso2. A boa argumentação vincula-se à clareza de ideias, ao conhecimento do assunto abordado e à desenvoltura na expressividade, mas também ao modo de inserções de ideias para conquistar autoridade e credibilidade. Você lembra o que caracteriza um parágrafo? Um texto se compõe de palavras, de frases e de períodos e de parágrafos. O parágrafo é a maior unidade redacional 2 A palavra discurso tem vários significados teóricos, mas no âmbito deste capítulo, denominaremos discurso o tecido textual, cuja unidade mínima é a frase, marcado pela vontade do sujeito-autor para influenciar o seu interlocutor-leitor na sua posição ideológica. 40 Comunicação e Expressão de um texto longo. Sua função é importante para a progressão textual, pois seus efeitos definem a estrutura formal e incidem sobre a estrutura semântica global. Segundo Othon Garcia: O parágrafo é uma unidade de composição constituída por um ou mais período, em que se desenvolveu ou se explana determinada ideia central, à qual geralmente se agregam outras, secundárias mas intimamente relacionadas pelo sentido. (GARCIA, 1986, p. 203) Quanto à estrutura formal, o parágrafo segmenta um texto em blocos, que são visualmente identificados pelo recuo da margem esquerda. Sua extensão não é previamente determinada, seu tamanho é variável, visando a harmonia entre todos. Por isso, devemos evitar parágrafos muito longos e parágrafos de um único período. Em relação à estrutura semântica, cada parágrafo de um texto longo vai abordar um novo enfoque sobre o assunto principal. Além disso, introduzirá um novo dado sobre o conjunto, sempre alimentando ou subsidiando a ideia principal do texto. Nesse sentido, podemos dizer que cada parágrafo tem uma ideia principal, que não é exatamente a do texto, mas que gravita em torno dela, isto é, guarda estreita relação com o tema apresentado. Todo texto bem elaborado terá um parágrafo que apresenta a ideia-núcleo. A esse chamaremos de parágrafo-padrão, pois ele indicará os elementos fundamentais do assunto. Além disso, um parágrafo pode ser argumentativo no interior de um Capítulo 3 O Parágrafo Argumentativo 41 texto dissertativo. Por outro lado, um parágrafo poderá ser uma unidade autônoma dotada de força argumentativa. Aliás, costumamos dizer que o êxito de um texto dissertativo depende do acerto na escolha e na distribuição dos argumentos. Você já se perguntou o que é argumentar? Você sabe argumentar? Num sentido genérico, podemos dizer que argumentar é apresentar fatos, ideias, razões lógicas, afetivas ou provas que ratifiquem uma afirmação, uma tese, isto é, uma proposição que se apresenta, por exemplo, para ser defendida em final de curso universitário. Conforme Abreu: Argumentar é a arte de convencer e persuadir. Convencer é saber gerenciar informações, é falar à razão do outro, demonstrando, provando. Etimologicamente, significa vencer com o outro (com + vencer) e não contra o outro. Persuadir é saber gerenciar a relação, é falar à emoção do outro. A origem dessa palavra está ligada a preposição per, “por meio de” e a Suade, deusa romana da persuasão. Significava “fazer algo por meio de auxílio divino” (ABREU, 1999, p. 25) 42 Comunicação e Expressão Mas então qual é a diferença entre convencer e persuadir? Convencer é construir algo no plano das ideias. Quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós. Persuadir é construir no terreno da ação: quando persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que desejamos que ele realize. Por isso, é possível persuadir sem convencer. Figura 3 De toda forma, só é capaz de reunir bons argumentos para convencer ou persuadir quem tem amplo e profundo conhecimento do tema a ser tratado. Por isso, em caso de um texto acadêmico, por exemplo, a importância da pesquisa bibliográfica prévia e da leitura. Afinal, ninguém com conhecimento superficial sobre um assunto será capaz de reunir argumentos suficientes para comprovar a validade da sua tese, do seu ponto de vista, isto é, do seu discurso sobre qualquer tema. Portanto, é o grau de envolvimento que temos com certo assunto que determina a nossa força persuasiva e discursiva. De acordo com António Suárez de Abreu: Capítulo 3 O Parágrafo Argumentativo 43 Todos nós teríamos muito mais êxito em nossas vidas, produziríamos muito mais e seríamos muito mais felizes, se nos preocupássemos em gerenciar nossas relações com as pessoas que nos rodeiam, desde o campo profissional até o pessoal. Mas para isso é necessário saber conversar com elas, argumentar para que exponham seus pontos de vista, seus motivos e para que nós também possamos fazer o mesmo [...] saber argumentar é, em primeiro lugar, saber integrar-se ao universo do outro. É também obter aquilo que queremos, mas de modo cooperativo e construtivo, traduzindo nossa verdade dentro da verdade do outro. (ABREU, 1999, p. 10) As pessoas possuem particularidades, mas que também são comuns a muitas pessoas, formando assim grupos discursivos dos quais fazemos parte mesmo sem nunca pensar sobre isso. É por isso que, quando queremos defender uma ideia ou ponto de vista, necessitamos nos cercar de argumentos suficientes para amparar aquilo que desejamos informar ou concluir sobre um conjunto de ideias (ideologia) pré-existente. É nesse momento que necessitamos dos argumentos. Mas o que é um argumento? 44 Comunicação e Expressão Figura 4 Um argumento é  uma razão, um raciocínio que conduz à indução ou dedução de algo;  uma prova que serve para afirmar ou negar um fato;  um recurso para convencer alguém, para alterar sua opinião ou o comportamento. Capítulo 3 O Parágrafo Argumentativo 45 Argumentos fazem parte de nossas convicções ou, no caso de um estudo, de uma pesquisa, surgem, na etapa final de um percurso que iniciou com as leituras sobre um assunto pesquisado, depois de nossas interpretações e reflexões acerca do tema. Se, ao lermos um livro, encontramos ideias afinadas com o nosso ponto de vista, ou se encontramos ideias contraditórias, ou situações ilustrativas daquilo que desejamos afirmar, temos um conjunto de argumentos. No entanto, a habilidade argumentativa só se consolidada se, ao lado de razões convincentes, soubermos também contra-argumentar, ou seja, se soubermos nos posicionar diante dos fatos e dos argumentos de nossos interlocutores ou opositores. Vejamos agora o funcionamento de um parágrafo argumentativo no interior de um texto maior. 46 Comunicação e Expressão Ética, Corrupção e Cidadania 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 Manifestações de cidadania decorrentes da crise política e econômica no país mostram a reação dos brasileiros contra a corrupção e a falta de ética, que parecem ter relação de causa e efeito. Por isso, é indispensável entendê-las. Para analisar o fenômeno, precisamos definir a dependência entre ambas, a fim de saber qual delas deve ser combatida primeiramente. Poderíamos dizer que a corrupção tem materialidade, pois revela-se de modo palpável: números, dados, valores e objetos compõem o seu inventário. Já a falta de ética habita um plano mais imaterial, correspondendo a comportamentos e atitudes, inclusive em mínimas ações no convício social cotidiano a comprovar sua feição cultural. Como exemplo dessas pequenas ilicitudes, temos o “furão de fila”; mas também o sujeito que, vendo outra pessoa aguardar vaga num estacionamento, adianta-se e, espertamente, passa-lhe à frente. Nesse caso, a falta de ética traduz-se na falta de educação e de solidariedade, caracterizando a corrupção de valores caros à cidadania. A considerar essa linha reflexiva, contra a corrupção, devemos estimular atitudes socialmente éticas por meio da educação, da cortesia, da solidariedade. Todas são virtudes que revelam o respeito ao próximo, fortalecem o espírito e abrem caminho para uma sociedade culturalmente justa, na qual não haverá lugar para a corrupção. Capítulo 3 O Parágrafo Argumentativo 47 No texto acima, há quatro parágrafos identificáveis pelo recuo na margem esquerda. O primeiro parágrafo compõe-se de 2 períodos; o segundo, de 3 períodos; o terceiro, de 2 períodos, o quarto de 2 períodos. Na sequência, identificamos os componentes do texto: assunto/tema, delimitação do tema, objetivo e a função de cada parágrafo a serviço da intencionalidade do autor do texto. Assunto – Ética, corrupção e cidadania. Delimitação – Relação de dependência entre ética e corrupção. Objetivo – Provar que a ética evita a corrupção. Quanto ao conteúdo e ao funcionamento dos parágrafos no texto Ética, Corrupção e Cidadania, podemos interpretá-lo no seguinte esquema. 1º Parágrafo introdutório com apresentação do tema/ problema: relação de dependência entre ética e corrupção. Trata-se de uma estratégia retórica, pois segundo o autor, ética e corrupção “parecem guardar relação de causa e efeito”. Contudo, sabemos que essa é uma falsa dúvida, pois o autor já tem a sua convicção firmada sobre o fenômeno. O TÓPICO-FRASAL ou a Introdução vai até o final do segundo período. 2º Parágrafo dá início ao DESENVOLVIMENTO e apresenta as naturezas da ética e da corrupção como base argumentativa para mostrar que a ética, por pertencer ao plano imaterial, determina as ações do sujeito. 48 Comunicação e Expressão 3º Parágrafo é ilustrativo, dando continuidade ao desenvolvimento com exemplos de ilicitudes que mostram como a falta de ética no convívio social se revela no cotidiano, subsidiando argumentos para fortalecer a posição do autor. O DESENVOLVIMENTO VAI DE Para analisar o fenômeno (linha 5) até valores caros à cidadania (linha 18) 4º Parágrafo conclusivo, quando o autor estabelece o vínculo de causa e efeito, deduzindo que sujeitos dotados de valores éticos no plano social não serão suscetíveis à corrupção de um modo geral. A CONCLUSÃO vai de A considerar (linha 19) até para a corrupção (linha 23), corresponde a todo o último período Com base nessas orientações, você certamente irá desenvolver a sua capacidade de dissertar e de argumentar em suas atividades profissionais e também em sua vida pessoal e cotidiana. Recapitulando Neste capítulo, abordamos o parágrafo enquanto unidade redacional, dando ênfase à argumentação. Tratamos também de seu funcionamento no texto dissertativo. Isso porque reforçar a habilidade argumentativa é indispensável a todas as áreas de atuação profissional, pois a capacidade para argumentar está ligada ao poder de convencimento contido em nosso discurso. Apresentamos exemplos de parágrafos argumentativos, bem Capítulo 3 O Parágrafo Argumentativo 49 como a composição de suas partes com exemplos concretos de análise. Referências ABREU, Antônio Suárez. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. Cotia: Ateliê Editorial, 1999. CUNHA, Sérgio Fraga da et al. Tecendo textos. Canoas: Editora da Ulbra, 2. ed. 1978. GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 26. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, 540p. MARTINS, Dileta Silveira; ZILBERKNOP, Lubia Scliar. Português instrumental: de acordo com as atuais normas da ABNT. 27 ed. Editora Atlas, 2008. 570p. TOMASI, Carolina; MEDEIROS, João Bosco. Português jurídico. São Paulo: Editora Atlas, 2010. Atividades 1) Assinale a alternativa que indica o início e o final do desenvolvimento do parágrafo a seguir: Noites mal dormidas podem ser um sinal para você trocar o colchão, garante o ortopedista Anthony B. Lyndon, membro da Associação Britânica de Ortopedia. A má acomodação do 50 Comunicação e Expressão corpo pode ser notada a partir de seus hábitos noturnos. Se você se mexe excessivamente ou acorda várias vezes de madrugada, fique atenta à qualidade do colchão ou do travesseiro. O problema é que o mercado oferece tantos produtos nesse setor que fica difícil optar por um modelo específico. Mas isso é vital, porque você passa cerca de 1/3 do dia com o corpo sobre o colchão e o travesseiro. Portanto, tenha cuidado ao escolhê-los e acerte em cheio. (Site da Abril – Saúde) a) noites ... específico b) a má... travesseiro c) noite ... travesseiro d) garante ... travesseiro 2) Assinale a alternativa CORRETA com relação à estrutura do parágrafo da questão de nº 1: a) possui cinco períodos de desenvolvimento e um conclusivo. b) possui quatro períodos de desenvolvimento. c) não possui conclusão. d) a introdução está composta de dois períodos. 3) Leia a introdução e os argumentos do desenvolvimento do parágrafo a seguir e assinale a alternativa que MELHOR se adapta a uma conclusão com base na ideia de parágrafo-padrão: Capítulo 3 O Parágrafo Argumentativo 51 Longe de querer somente carros bonitinhos, as mulheres se transformaram em parcela expressiva do mercado e até de carros grandes e robustos como as caminhonetes. Elas não querem um carro da Penélope Charmosa. Procuram coisas relevantes, como segurança e praticidade, além da beleza. O ‘sexo frágil’ gosta dessa sensação de comando ao dirigir. (Adaptado de http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2 em 08/03/2008) a) em decorrência disso, cresceu o mercado de utilitários. b) além disso, elas gostam do lugar de comando. c) elas recusam carros tradicionalmente femininos. d) por isso, aumentaram as vendas de carros pequenos. 4) Assinale a alternativa que contém a ordem correta das letras para formar um parágrafo argumentativo coerente: a) Do mesmo modo, só se escreve “mergulhando” no texto, lendo, conversando e, acima de tudo, praticando. b) Então, após o domínio da escrita, sim, o estudo da gramática se torna interessante, um verdadeiro jogo, à medida que o fato linguístico se encontra com a lógica da norma gramatical. c) Aprende-se a nadar dentro da água. d) Tomam-se muitos “goles” de erros, surgem dificuldades, mas acaba-se conquistando essa capacidade tão rara nos dias de hoje. e) O domínio da linguagem escrita se assemelha ao aprendizado da natação. 52 Comunicação e Expressão 1) ( ) a, b, c, d, e 2) ( ) a, b, c, e, d 3) ( ) e, b, a, c, d 4) ( ) e, c, a, d, b 5) Assinale a alternativa que contém a ordem correta das letras para formar um parágrafo-padrão argumentativo: a) Também ocorre a aquisição de conhecimentos variados, tanto empíricos quanto científicos, dependendo do texto escolhido. b) Uma delas é a ampliação do vocabulário, pelos diversificados conceitos que apresenta. c) A leitura proporciona inúmeras vantagens. d) Assim, verifica-se que esse hábito deve ser amplamente estimulado, pois traz muitos benefícios. e) Além disso, é uma fonte de lazer inesgotável, visto que permite ao indivíduo uma “viagem” ao encantado mundo da fantasia através das personagens que vão aparecendo. 1) ( ) b, a, c, d, e 2) ( ) a, b, e, c, d 3) ( ) c, b, a, e, d 4) ( ) c, e, a, d, b Profª. Me. Marione Rheinheimer1 Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 1 1 Possui graduação em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e Mestrado em Letras – ênfase em Teoria da Literatura – pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (1999). Em 1997, cursou a Oficina de Criação Literária, na PUCRS, com Luiz Antônio de Assis Brasil. Atualmente, é pesquisadora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), onde atua como coordenadora dos cursos de Letras Português e Literaturas da Língua Portuguesa, Letras Espanhol e Literaturas da Língua Espanhola, Pedagogia, História, Matemática e Educação nas Organizações, no Campus Gravataí. 54 Comunicação e Expressão Introdução No universo acadêmico, as aulas são um espaço privilegiado para a leitura, análise e produção de textos. Dentre os gêneros textuais solicitados aos alunos, o professor ocupa-se, dentre outros, com o resumo, a resenha, a recensão, o ensaio, a monografia e a sinopse. É comum que, para o aluno, não estejam claras as definições dessas terminologias – a estrutura de cada gênero e também suas implicações conceituais precisam ser previamente esclarecidas aos acadêmicos, a fim de que atendam a contento à atividade solicitada. Para isso, tratamos aqui, sinteticamente, de cada uma dessas – e de outras – contextualizações. Começaremos pelo resumo, e já explicamos o porquê: o resumo – assim como outras produções – implica a utilização da paráfrase. Comecemos! 4.1 Paráfrase e tipologias textuais Para produzir uma paráfrase, você – o leitor – é essencial para a constituição do texto. É preciso vincular os conhecimentos de outros textos, para que a paráfrase, de fato, cumpra sua função. Antes de realizarmos uma conceituação do que seja paráfrase – e suas peculiaridades, contextos, classificações – vejamos como se podem definir determinadas tipologias textuais, cujos aprofundamentos você encontra no capítulo 10 deste livro. Aqui, para este capítulo sobre Paráfrase, veremos as tipologias que seguem, para, então, “conversarmos” sobre os sentidos por meio dos quais essas produções dialogam com a Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 55 paráfrase. Repare que utilizamos, nessa última enunciação, o verbo “dialogar”. Desde já registramos que a paráfrase é também um diálogo! Guarde esse termo – diálogo – pois, mais adiante, essa ideia, de textos que dialogam entre si, reaparecerá! Vamos, agora, à definição de algumas tipologias. RESUMO Conforme sistematização da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, resumo é a apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento (ABNT, NBR 2015). Entende-se, então, que para a elaboração de um resumo, devemos ater-nos à explanação do(a) autor(a), reapresentando, tão-somente, as ideias principais do texto-base, sem intervenções subjetivas. Essa compreensão é fundamental para que se entenda a diferença entre resumo e resenha. RESENHA Enquanto o resumo é a síntese da exposição ideológica do texto de referência – ou texto-fonte – a resenha deverá conter também essa síntese, todavia acrescida da avaliação de quem a reapresenta. Resenha é, pois, um resumo redigido por especialistas com análise crítica de um documento (ABNT, 2015). Veja-se que a expressão “com análise crítica” clarifica a intervenção subjetiva do resenhista em relação ao texto que se está reelaborando. Nesse sentido, é importante enfatizar que dizermos, portanto, “resenha crítica” é redundante, uma vez que a resenha tem como característica inerente a criticidade do produtor textual. 56 Comunicação e Expressão RECENSÃO A recensão, por sua vez, é também uma resenha, com a seguinte singularidade: ter-se-á recensão quando a resenha se referir a apenas uma edição dentre várias de determinada obra (ABNT, 2015). Detalhe: essa obra, em suas diferentes edições, deve ter recebido atualizações do autor, acréscimos, ampliações das ideias apresentadas anteriormente. Quando a nova edição de uma mesma obra apresenta esses acréscimos, você verá, na capa, a informação “Obra Revista e Ampliada”. Portanto, ela não é, simplesmente, uma nova edição apenas em função de a edição anterior estar esgotada. A obra está em nova edição e, também, não corresponde à exata publicação anterior, pois o autor pesquisou mais, acrescentou outras informações, ampliou-a. Assim, se uma obra tem várias edições retomadas pelo autor e fizermos um resumo crítico de apenas uma das várias edições da obra, estamos fazendo uma recensão. Note-se que recensão também implica um resumo crítico, razão pela qual possui todas as características da resenha: a diferença está no fato de trabalharmos com uma – dentre várias – edições específicas da obra. ENSAIO Já o ensaio oferece “uma teoria sugestiva em nível de prova dialética, sem a intenção de prová-la extensivamente” (ABNT, 2015). Quem escreve um ensaio considera que um estudo mais profundo vai comprovar sua tese, da qual dá apenas uma explicação suficiente. Em outras palavras, o ensaísta abre Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 57 um estudo a ser retomado pelo próprio autor ou por outros, pressupondo: “essa tese é suficientemente importante para justificar um estudo mais profundo do tema”. Pode-se dizer, então, que o texto ensaístico sugere ou equivale ao seguinte subentendido: As ideias que estou “ensaiando” dariam uma tese! MONOGRAFIA A monografia, a seu tempo, possui uma estrutura mais “fechada”, se a compararmos ao ensaio. Enquanto o ensaio se apresenta, em seus aspectos formais, inteiro em sua estrutura sequencial – ainda que tenha seções ou capítulos – a monografia apresenta, necessariamente, cada capítulo em partes separadas, apresentando, para cada seção, títulos e subtítulos que sobressaem na estrutura do trabalho. Atualmente – e esta é uma tendência acadêmica universal – prefere-se o formato de artigo ao invés de monografia, pois o artigo é não só mais sintético, prático, objetivo, como também mais concentrado em torno da delimitação do tema. SINOPSE A sinopse, por sua vez, apenas dá uma ideia sobre o assunto de um livro ou de um filme ao qual se esteja referindo. Então: em uma sinopse, nunca contamos o final ou desfecho do livro ou filme, assim como não referimos as considerações finais de um trabalho lido. Abordar todos os aspectos relevantes – inclusive as conclusões/desfechos – cabe ao resumo. Contamos, a seguir, minimamente, aspectos de uma narrativa da mitologia 58 Comunicação e Expressão grega, para que você perceba facilmente a diferença entre sinopse e resumo. Repare! Exemplo 1 – Sinopse Voto de Minerva Na mitologia grega, Orestes, filho de Cliptemnestra, foi acusado de tê-la assassinado. No julgamento, houve empate entre os jurados, cabendo à deusa Minerva, da Sabedoria, o voto decisivo. Exemplo 2 – Resumo Voto de Minerva Na mitologia grega, Orestes, filho de Cliptemnestra, foi acusado de tê-la assassinado. Cliptemnestra havia, por sua vez, matado o marido Agamenon, para unir-se ao amante. Orestes, então, vingou o assassinato do pai. No julgamento, houve empate entre os jurados, cabendo à deusa Minerva, da Sabedoria, o voto decisivo. O réu foi absolvido, e Voto de Minerva é, portanto, o voto decisivo. Você, facilmente, deve ter percebido que: a sinopse omitiu detalhes e ações, principalmente quanto ao final dessa narrativa. Já o resumo apresentou todos os pontos relevantes. Em síntese, vimos, então, as seguintes particularidades das tipologias textuais aqui comentadas, conforme os quadros a seguir sistematizados. RESUMO: Apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento – incluindo-se as considerações finais/conclusões contidas no texto. Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 59 RESENHA: Resumo redigido por especialistas com acréscimo de nossa análise crítica sobre o texto ou documento. IMPORTANTE, ENTÃO: Dizermos resenha crítica é redundante! RECENSÃO: Quando a resenha se refere a apenas uma edição dentre várias – mas distintas entre si, porque foram atualizadas pelo autor – já publicadas de uma determinada obra. ENTÃO: recensão também implica um resumo crítico. ENSAIO: Oferece uma teoria sugestiva, sem a intenção de provála extensiva e exaustivamente. Atem-se a uma explicação suficiente, abrindo um estudo que pode vir a ser retomado pelo próprio autor ou por outros, pressupondo: “essa tese é suficientemente importante para justificar um estudo mais profundo do tema”. ENTÃO, ensaio ou artigo pressupõe: isso daria uma tese! MONOGRAFIA: tipo especial de trabalho científico, que concentra sua abordagem em um assunto específico, em um determinado problema, com tratamento pormenorizado e analítico. Exige um tratamento estruturado de um único tema, com capítulos e subcapítulos referentes a cada uma de suas partes, com forma e valor didáticos. SINOPSE: Apenas dá uma ideia sobre o assunto de um livro, artigo, filme ao qual se esteja referindo; todavia, não conta aspectos essenciais e conclusivos. Agora, trataremos da PARÁFRASE propriamente dita, no seguinte sentido: para você produzir resumos, resenhas, artigos, monografias – ou seja, as tipologias antes sintetizadas – você se utilizará, dentre outros recursos, da paráfrase. Vamos a ela! 60 Comunicação e Expressão 4.2 Parafraseando textos Conforme explicita o autor José Gaston Hilgert (2003), tem-se uma paráfrase quando dois discursos estabelecem entre si uma ideia igual ou semelhante, e o segundo é uma retomada parcial ou total do primeiro. Nota-se, assim, que há, na paráfrase, uma relação de “similaridade ou igualdade” entre termos, enunciados, textos. Portanto, para que possamos reconhecer uma paráfrase, precisamos interpretar aquilo que foi dito em relação ao texto que lhe deu origem, ao texto que será parafraseado. Você deve estar reconhecendo, aqui, as características do resumo, tipologia sobre a qual há pouco escrevemos. Por isso, quando você faz um resumo – ou mesmo uma resenha – estará parafraseando as ideias desenvolvidas no texto-fonte. Imagine que você leu um artigo, obra, texto de um determinado autor e que deseja resumir – ou resenhar – as ideias por ele expostas. No entanto, você não o fará transcrevendo as exatas palavras desse autor. Nesse caso, você dirá, com as suas próprias palavras – ou seja, parafraseando – o que o estudioso abordou. Você estará, então, fazendo alusões ao texto, mas é você o sujeito das enunciações, o sujeito dessa conversação. É importante entender, nessa perspectiva, que o texto que você reescreve teve como base a obra consultada, todavia não está reproduzido diretamente para o seu trabalho. Observe essa estrutura nos exemplos seguintes. Para melhor compreensão, utilizamos uma citação sobre a obra O banquete, do filósofo Platão, feita por Werner Jaeger. Dessa Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 61 forma, você perceberá, comparativamente, a diferença entre o texto-fonte de Jaeger, e a paráfrase que o segue. Exemplo 1 – Texto-fonte de Jaeger: “Nenhuma prosa humana poderia atrever-se a fazer justiça, com os meios de análise científica ou de uma paráfrase cuidadosamente decalcada sobre o original, à suma perfeição da arte platônica, tal qual O banquete nos revela”. (JAEGER, 2003, p. 721) Exemplo 2 – Mesmo texto de Jaeger, mas parafraseado: Conforme explicita Werner Jaeger (2003), O banquete, de Platão, é uma obra literária por excelência, uma vez que nenhuma outra prosa se poderia igualar a ela em qualidade humana. Ainda que alguém tente imitar a obra O banquete – seja por meio de uma análise científica, seja reescrevendo-a por meio de uma paráfrase – não conseguirá igualar as suas propriedades. O Banquete é inimitável. Sobre a reescrita – ou sobre a paráfrase – do exemplo 2, repare: 1º) A paráfrase apresenta-se como expressão da ideia contida no livro de Jaeger, que utilizamos. É a reapresentação da ideia, mas não é a exata citação das mesmas palavras do autor. 2º) Dispensa o uso de aspas, pois não estamos citando diretamente os mesmos enunciados tal como foram escritos pelo autor Jaeger. 3º) Quanto à referenciação da fonte – conforme as normas da ABNT – dispensa a indicação de número de página, pois não é uma citação direta. 62 Comunicação e Expressão 4.3 Paráfrase Reconstrutiva ou Heteroparáfrase e Autoparáfrase ou Retórica Quando fazemos um resumo de um texto – ou uma citação indireta a respeito das obras, enunciados, termos de um autor – mas mantemos as mesmas ideias, estamos elaborando uma paráfrase reconstrutiva (HILGERT, 2003). Na concepção de Hilgert, “paráfrases reconstrutivas são reformulações feitas pela pessoa que estava ouvindo o discurso, mas mantém a equivalência semântica com o enunciado original que pertencia a uma outra pessoa” (HILGERT, 2003, p. 122). Portanto, no exemplo 2 do subcapítulo anterior, a reformulação apresentada do discurso de Jaeger é uma Paráfrase Reconstrutiva, uma vez que mantivemos as mesmas ideias de Jaeger, representadas com similaridade em seus contextos. Essa mesma classificação, com igual sentido, é chamada por Wenzel de Heteroparáfrase. Lembramos, aqui, que “hetero” é um termo grego que significa “o outro”, “o diferente de mim”. Nesse sentido, a heteroparáfrase ocorre quando nós reproduzimos o discurso de outra pessoa, de outro autor. Já a Autoparáfrase ocorre quando o enunciador reformula a sua própria fala ou escrita. “Auto” é o termo grego para “eu mesmo”, “eu próprio”. Então, quando você mesmo esclarece melhor algo que disse, para garantir a compreensão do ouvinte ou leitor, você está realizando uma autoparáfrase. Hilgert especifica esse recurso citando as expressões “quer dizer”, “isto é”, “ou seja”, muitas vezes utilizadas por nós para reafirmarmos, com uma explicação complementar, o que dissemos Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 63 anteriormente. Wenzel, por sua vez, denomina de “Retórica” esse tipo de paráfrase. A Retórica, como sabemos, é uma arte que remete à eloquência, à oratória, a uma eficaz capacidade de comunicação. Então, a retórica, enquanto paráfrase, pode ser compreendida como a competência para dizermos, com outras palavras, mas mantendo o mesmo sentido, aquilo que afirmáramos anteriormente. Por isso, para Marcuschi, os marcadores linguísticos para essa classificação parafrástica podem ser as expressões “isto é”, “ou seja”, “quer dizer”. Acompanhe os exemplos. Paráfrase Reconstrutiva é a reformulação que eu faço a partir de um discurso enunciado por outra pessoa, isto é, por um outro que não sou eu. Por isso, esse tipo de paráfrase é também chamado de Heteroparáfrase, ou seja, eu reformulo a construção discursiva de outro (= hetero) enunciador, e o reapresento com as minhas próprias palavras. POR OUTRO LADO: Autoparáfrase é a reformulação que eu faço a partir de um discurso que eu mesmo estou a enunciar, quer dizer, eu repito, com outras palavras, mantendo o mesmo sentido, aquilo que afirmei no período anterior. Por isso, a Autoparáfrase é também chamada de Retórica, isto é, eu reformulo a minha construção discursiva anterior, e a reapresento utilizando outras palavras, o que exige de mim competência linguística, ou seja, exercito, dessa forma, a arte da retórica. 64 Comunicação e Expressão 4.4 Paráfrase: níveis de linguagem Para além do contexto discursivo, a paráfrase não se restringe, tão-somente, a uma “similaridade semântica”, isto é, a dizermos, com outras palavras, um discurso preexistente. É isso também, mas há outras implicações quando estudamos Paráfrase. Os linguistas Pêcheux e Fuchs sistematizam quatro planos – ou níveis – envolvidos na paráfrase e, para alguns deles, fazem associações com as funções da linguagem, de Roman Jakobson, com o efeito sobre o receptor e com as figuras de estilo: A) Nível Referencial – Função Referencial B) Nível Locutivo – Função Metalinguística C) Nível Pragmático – o Plano do Efeito D) Nível Simbólico – Figuras de Estilo a. Nível ou Plano Referencial No contexto das funções da linguagem, estruturadas por Roman Jakobson, a função referencial é aquela que interpreta a linguagem conforme seu sentido denotativo. Portanto, referente e denotação são termos que se assemelham, ainda que não sejam sinônimos. Na função referencial, a compreensão deve se relacionar ao sentido objetivo, “de dicionário” a que as enunciações aludem. Observem a frase: Sou uma professora que gosta muitíssimo de escrever. Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 65 Na função referencial, a única forma possível de interpretar o que está escrito é reproduzir o exato sentido do discurso. Então, no caso do superlativo “muitíssimo”, a compreensão é de que “gosta muito mesmo!”. E no nível da paráfrase? Bem, aí, temos uma maior liberdade para redizer o que foi enunciado. No entanto, essa liberdade não nos permite “transgredir” o sentido. Na paráfrase referencial, podemos ir além do estritamente enunciado, desde que saibamos que OS REFERENTES são exatamente os que decodificamos por meio da construção parafrástica. Assim, se vocês tiverem conhecimento – com toda a certeza! – da identidade da pessoa que está afirmando ser “uma professora que gosta muitíssimo de escrever”, ou seja, se vocês souberem que é a professora Marione, ou a professora Dóris Cristina, a Débora, a Elza Maria, a Ilhesca ou a Maria Alice, nesse caso, podem PARAFRASEAR o enunciado da seguinte forma: A professora Marione disse que gosta muitíssimo de escrever. OU A professora deve gostar mesmo muito de escrever, pois até usou um superlativo para verbalizar essa predileção. Percebam: neste nível, temos uma maior liberdade para parafrasear; no entanto, temos de fazê-lo com os referentes adequados, precisamos estar certos sobre as interpretações realizadas. 66 Comunicação e Expressão b. Nível ou Plano Locutivo Esse plano remete-nos a uma decodificação restrita ao universo linguístico. Para exercitar o plano locutivo da paráfrase, é preciso que nos atenhamos à LOCUÇÃO, ou seja, estritamente àquilo que foi enunciado, mantendo os signos e códigos por meio dos quais a enunciação se concretiza. Leiamos, então, os seguintes períodos: O coelho saiu da toca. Ele usava uma cartola. Para elaborarmos paráfrases dessa locução, podemos formular períodos variados, mas todos devem reproduzir os sentidos enunciados: I. Saiu um coelho da toca e ele usava uma cartola. II. O coelho que saiu da toca usava uma cartola. II. Aquele ser que usava uma cartola era o coelho e ele saiu da toca. IV. Existia um coelho que usava uma cartola: foi ele que saiu da toca. Como vemos, há variadas possibilidades parafrásticas – construímos quatro, mas não esgotamos as possíveis reelaborações. Esse plano LOCUTIVO estabelece relação com a função metalinguística, dentre as funções da linguagem sistematizadas por Roman Jakobson. A função metalinguística compreende um diálogo do código com ele mesmo; nesse Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 67 sentido, no plano locutivo, as quatro reelaborações que construímos usam do código linguístico – e seus signos – para interpretar o próprio código: a frase que serve de fonte às (re) interpretações. c. Nível ou Plano Pragmático A paráfrase de plano pragmático está diretamente relacionada à intenção – consciente ou não – do locutor em relação ao ato da fala. Isso significa que, nesse plano, tanto o locutor (= emissor) como o receptor possuem um papel preponderante para a decodificação do discurso. Tem-se, aqui, um comprometimento por parte de quem fala/escreve e de quem ouve/lê, no sentido de ressignificar o que foi dito/escrito a partir da “força”, do “poder” da linguagem utilizada. Acima de tudo, aqui, os “participantes”, as “personagens” vinculadas ao ato de fala, mediadas pela linguagem, produzirão e receberão efeitos a partir do que dizem e do que entendem. Leia os exemplos: Locutor diz: – Queria tanto ir ao cinema hoje, mas não tenho dinheiro. Receptor entende: – Está me pedindo dinheiro para ir ao cinema. Locutor: – Nunca mais faça isso, proíbo-te de me contradizer! Receptor: – Ele está furioso comigo! Locutor: – Carlota Joaquina convenceu toda a turma a ir à tua festa. Receptor: – Todos da turma virão à minha festa só porque Carlota Joaquina os convenceu! 68 Comunicação e Expressão Como vemos, a interpretação provocada pelas enunciações é o “objetivo” da paráfrase de nível pragmático. A intenção de provocar esses efeitos pode não ser consciente por parte do locutor, mas a linguagem utilizada produzirá um “efeito prático”. Por isso, o nível chama-se pragmático. d. Nível ou Plano Simbólico Este nível pauta-se em figuras de estilo e em interpretações simbólicas. Relacionado às figuras de linguagem, pode ser compreendido, em especial, por meio de metáforas e de alegorias. São muitos os exemplos para essa tipologia parafrástica, tanto em narrativas ficcionais/literárias como nas bíblicas. Dentre as bíblicas, o plano simbólico faz-se especialmente presente, dentre outras narrativas, nos textos representados sob forma de parábolas. Acompanhe a Parábola do Semeador, apresentada no evangelho de Mateus: Certo homem saiu para semear. Quando semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e os passarinhos comeram tudo. Outra parte caiu em um lugar onde havia muitas pedras e pouca terra. As sementes brotaram logo porque a terra não era funda, mas quando o sol apareceu, queimou as plantas, e elas secaram porque não tinham raízes. Outras sementes caíram entre espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas. Mas as sementes que caíram em terra boa, produziram na base de cem, de sessenta e de trinta grãos por um. (Mateus 13.3-8) Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 69 O plano simbólico, aqui, permite-nos muitas interpretações parafrásticas. Uma delas remete-nos à própria existência humana, durante a qual as nossas escolhas, os caminhos que percorremos, as “sementes” que plantamos podem determinar o rumo dos acontecimentos, um destino que pode conduzir a sofrimentos ou a alegrias. Pense nas obras que você conhece ou já leu – romances, contos, poemas. Muitas delas, certamente, representam, metaforicamente, alegoricamente, circunstâncias e emoções humanas. A paráfrase de nível simbólico reflete a busca metafísica e abre-se para a transcendência. 4.5 E a Intertextualidade? Para encerrarmos este capítulo, é preciso que façamos uma associação entre paráfrase e intertextualidade. Você já leu sobre a intertextualidade no capítulo 2 deste livro. Acrescentamos, agora, que intertextualidade é definida pela teórica literária Júlia Kristeva a partir da seguinte concepção: “todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação de um outro texto” (KRISTEVA, 1990, p. 95). Se todo texto é “um mosaico de citações”, isso implica compreender que há, nesse caso, “um texto dentro de outro texto”. Imagine, por exemplo, que uma personagem de um determinado romance está lendo um livro. O narrador, no contexto da obra, informa, inclusive, o título desse livro e as sensações da personagem à medida que o lê. 70 Comunicação e Expressão Tal circunstância ocorre, dentre muitíssimas outras narrativas, na obra O primo Basílio, de Eça de Queirós: Luísa, a personagem protagonista, em um determinado momento lê A dama das camélias, romance de Alexandre Dumas Filho. Repare no seguinte: a obra A dama das camélias foi publicada em 1848; O primo Basílio, de Eça, foi um romance publicado em 1878. Portanto, quando o narrador informa que Luísa está a ler A dama das camélias, tem-se “um texto dentro de outro texto”: A dama das camélias “no interior” de O primo Basílio: ocorre, aqui, uma intertextualidade. Naturalmente, há uma “intenção”, por parte do narrador, no sentido de relacionar Luísa à Dama das Camélias. Não importa, neste momento, analisarmos essas inter-relações entre ambas as personagens femininas. Queremos que você reconheça de que forma ocorre esse “mosaico de citações” definido por Kristeva. É importantíssimo, nesse contexto, que: múltiplas são as formas de se configurar a intertextualidade – o exemplo que citamos é uma dentre várias possibilidades. Objetivamos, com isso, que você perceba o seguinte: a paráfrase também é intertextual! Intertextual por quê? Muito simples: há outro texto dentro do discurso parafrástico que você venha a produzir! Ou seja: quando você elabora um texto utilizando paráfrases, está, também, “realizando” uma intertextualidade. O seu texto parafrástico DIALOGA com o texto-fonte que você está reapresentando. Nesse caso, não é o mesmo contexto intertextual do romance de Eça de Queirós, mas, em ambos os contextos – no seu texto e no de Eça – há intertextualidade: um texto dentro de outro texto, um mosaico de citações! Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 71 Pronto! Esperamos que você esteja instrumentalizado para parafrasear com qualidade os seus textos. Desejamos a você excelentes experiências de escrita, de leitura, de interpretação! Recapitulando Neste quarto capítulo, revisamos as concepções sobre resumo, resenha, recensão, ensaio, monografia e sinopse. Para a produção desses textos, vimos que a paráfrase – e suas tipologias – subsidiam-nos para a elaboração de enunciações e discursos. A paráfrase, que implica a reconstrução de similaridades semânticas em relação aos textos-fonte, permite-nos diversificar a comunicação, principalmente a escrita. Os autores Hilgert e Wenzel classificam as paráfrases em relação aos textos a que se referem, bem como em acordo às circunstâncias de quem as produz, denominando-as de Paráfrase Reconstrutiva ou Heteroparáfrase e Autoparáfrase ou Retórica. Outro teórico concebe as construções parafrásticas conforme os níveis de linguagem, estabelecendo os níveis Referencial, Locutivo, Pragmático e Simbólico. Por fim, refletimos sobre a intertextualidade, concluindo que a paráfrase estabelece um diálogo com outros textos, e também um mosaico de citações. 72 Comunicação e Expressão Referências BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2010. CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Atica, 2013. FUCHS, C. La paráfrase. Paris: Presses Universitaires de France, 1982. GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Contexto, 2008. HILGERT, Jose Gaston. Procedimentos de reformulação: A paráfrase. São Paulo: FFLCH/USP, 2003. JAEGER, Werner. Paideia: A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003. JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1990. KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2012. KRISTEVA, Julia. História da linguagem. Trad. Maria Margarida Barahona. Lisboa: Edições 70, 1990. PÊCHEUX M; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: Atualização e perspectivas (1975). In: GADET, F.; HAK, T. Por uma análise automática do discurso. 2. ed. Trad. Bethania Mariani. Campinas/São Paulo: UNICAMP, 1993. Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 73 QUEIROS, Eça. O primo Basílio. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. Atividades 1) Leia o fragmento textual a seguir: De acordo com Abílio Hernandez Cardoso, o bidimensionalismo da tela do cinema possibilita uma imagem tridimensional, análoga ao espaço físico real e que se difere do próprio espaço em que é apresentado, ou seja: o cinema, pela capacidade de reproduzir o movimento, o som, produz uma impressão de realidade. Mesmo assim, para Abílio Hernandez, “o cinema possui um modo de fazer-crer que o distingue da ficção criada por outras linguagens artísticas” (CARDOSO, 1999, p. 134). I – O parágrafo acima é, possivelmente, um fragmento de algum texto acadêmico, constituído, em sua maior parte, por uma paráfrase, acrescida, ao final, por uma pequena citação direta do autor abordado. II – O parágrafo acima, pela estrutura que apresenta, deve ser compreendido, em sua íntegra, como uma grande paráfrase, mesmo havendo uma pequena abonação em forma de citação direta. III – Na forma em que se apresenta – o que nos remete diretamente ao conteúdo debatido neste capítulo e nos ajuda a compreender o conceito de paráfrase – pode- 74 Comunicação e Expressão mos afirmar que Abílio Hernandez Cardoso é o próprio autor do fragmento lido acima. IV – O autor do parágrafo lido acima, ao utilizar as ideias de Abílio Hernandez Cardoso na elaboração de um texto sobre a arte cinematográfica, está fazendo uma paráfrase reconstrutiva, também denominada uma heteroparáfrase. V – O autor do parágrafo lido acima, ao utilizar as ideias de Abílio Hernandez Cardoso na elaboração de um texto sobre a arte cinematográfica, está fazendo uma autoparáfrase. Agora, escolha a alternativa que aponta a(s) afirmativa(s) correta(s): a) Apenas a I está correta. b) Apenas a I e a III estão corretas. c) Apenas a II e a IV estão corretas. d) Apenas a I e a IV estão corretas. e) Apenas a II e a V estão corretas. 2) Leia os dois fragmentos textuais que seguem. O primeiro é um trecho do poema intitulado “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, e o segundo, um trecho do Hino Nacional Brasileiro: Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 75 Deitado eternamente em berço esplêndido, Ao som do mar e à luz do céu profundo, Fulguras, ó Brasil, florão da América, Iluminado ao sol do novo mundo! Do que a terra mais garrida Teus risonhos, lindos campos têm mais flores; Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida no teu seio mais amores. Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Agora, marque V para verdadeiro e F para falso e, depois, escolha a alternativa que represente a resposta correta: ( ) A relação entre a “Canção do Exílio” e o Hino Nacional Brasileiro pode ser compreendida como uma forma baseada em uma estrutura retórica de paráfrase. ( ) Os dois últimos versos do trecho do Hino Nacional Brasileiro expostos acima mostram-nos um claro exemplo de intertextualidade, presente em muitos momentos na escrita literária. ( ) Todo o recurso de intertextualidade só se concretiza na leitura, pois é o leitor, com suas experiências anteriores, que percebe e estabelece este diálogo entre dois textos. 76 Comunicação e Expressão ( ) Os dois últimos versos do trecho do Hino Nacional Brasileiro expostos acima mostram-nos um claro exemplo de plágio, bem diferente do que podemos considerar uma autêntica intertextualidade. a) V. F, F, V b) V, V, F, F c) V, F, V, F d) F, V, V, F e) V, V, F, V 3) Com atenção, leia o breve diálogo a seguir: - Olá, Ana. O que você está achando de seu novo emprego? - Você se refere ao contrato que assinei nesta semana? - Sim, sobre seu novo trabalho, está achando o que sobre ele? - Está ótimo. O pessoal é atencioso e muito criativo. - Que maravilha. Sucesso! Marque, agora, a alternativa certa: a) Em um diálogo, por mais que se repita o que o outro nos está dizendo, ou mesmo quando a própria pessoa repete o que ela mesma fala, com outras palavras, não há a possibilidade de paráfrase, já que esse fenômeno acontece unicamente na escrita textual. Capítulo 4 Paráfrase e Construção Discursiva 77 b) Quando a pessoa que se dirige à Ana refaz sua pergunta, reformulando-a, ela realiza uma autoparáfrase, sendo esta paráfrase de nível locutivo. c) Quando a pessoa que se dirige à Ana refaz sua própria pergunta, reformulando-a, ela faz uma autoparáfrase, sendo esta paráfrase de nível simbólico. d) Quando a pessoa que se dirige à Ana refaz sua própria pergunta, reformulando-a, ela faz uma heteroparáfrase, sendo esta paráfrase de nível locutivo. e) Em um diálogo, só é possível se considerar a ocorrência de paráfrase quando alguém repete e reformula as palavras de outra pessoa, não as suas próprias. 4) Observe esta imagem: Fonte: Capa da Revista Rolling Stone, publicada em 28 de novembro de 2002. Disponível em: <http://www.rollingstone.com/music/pictures/the-simpsons-20090727/the-simpsons-simpsons-cover-abbey-road-8239887>. 78 Comunicação e Expressão Sobre essa imagem é correto afirmar que: a) Esta é uma cena rotineira da família Simpson, atravessando uma rua qualquer da cidade onde residem, por onde, provavelmente, estão passeando em um dia calmo de fim de semana. b) Esta é uma cena rotineira da família Simpson, em que se percebe uma paráfrase em relação a tantas famílias que se movem incógnitas pelos grandes centros urbanos. c) Esta é uma imagem da família Simpson que estabelece uma clara intertextualidade com o grupo dos Beatles, na célebre cena em que os famosos músicos de Liverpool atravessam a faixa de pedestre. d) Esta é uma imagem da família Simpson que estabelece uma clara intertextualidade com um antigo grupo de artistas do cinema mudo dos anos de 1920. e) Esta é uma cena de personagens incógnitas que atravessam uma faixa de pedestre, provavelmente estabelecendo uma intertextualidade com a seriedade da sociedade moderna. 5) Selecione um conto, poema ou fragmento de uma narrativa pertencente à Literatura Universal, que represente o Nível Simbólico no contexto da Paráfrase, e explique a metáfora ou alegoria representada pelo texto escolhido. Mozara Rossetto da Silva1 Capítulo 5 Acentuação Gráfica 1 1 Possui Graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1990), Especialização em Literatura Brasileira pela mesma universidade e é doutoranda em Filologia Moderna Espanhola e Latina pela Universidad de Las Islas Baleares- Espanha. Atualmente é professora adjunta da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), atuando nos cursos de Letras, Comunicação Social e Secretariado Executivo e no Ensino a Distância ( EAD ), como professora nos cursos de Letras, Pedagogia, Gestão Financeira, Negócios Imobiliários e Ciências Sociais. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Linguística Textual, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura, metodologia, narrador, interlocutor, paráfrase, retextualização, coesão e coerência textuais e produção textual. 80 Comunicação e Expressão Introdução A acentuação gráfica costuma ser um conteúdo preocupante aos usuários da língua portuguesa, pois consiste na aplicação cuidadosa de determinados sinais escritos sobre letras. A colocação desses sinais é estipulada pelas normativas de acentuação do idioma. E qual é a finalidade da acentuação? Ela é utilizada para auxiliar a representação escrita da linguagem. Quando ouvimos, distinguimos com facilidade uma sílaba tônica de uma sílaba átona. Quando lemos, entretanto, isso não é tão fácil, o que pode dificultar a leitura. Os sinais de acentuação cumprem, portanto, o papel de distinguir, na escrita, palavras de mesma grafia, mas de tonicidade diferente, como secretária/secretaria, público/publico, baba/babá, mágoa/ magoa. Para compreender a acentuação gráfica, duas classificações são fundamentais: 1. Quanto à sílaba, ela pode ser átona ou tônica.  Átona: sem ênfase na pronúncia da sílaba.  Tônica: com ênfase na pronúncia da sílaba. Exemplos: tempo – tem duas sílabas: a primeira “tem-” é tônica; a segunda “-po” é átona. Você – tem duas sílabas: a primeira “vo-” é átona; a segunda “-cê” é tônica. Capítulo 5 Acentuação Gráfica 81 Símbolo – tem três sílabas: a primeira “ sím-” é tônica, as outras duas “-bo-” e “-lo” são átonas. 2. Quanto à posição desta sílaba tônica, pode ser oxítona, paroxítona ou proparoxítona.  Oxítona: quando a sílaba tônica encontra-se na última sílaba. Exemplos: es-tão, vo-cê, a-lém, ges-tão.  Paroxítona: quando a sílaba tônica encontra-se na penúltima sílaba. Exemplos: ser-vi-ços, ci-da-de, pe-cu-á-ria, as-sé-dio.  Proparoxítona: quando a sílaba tônica encontra-se na antepenúltima sílaba. Exemplos: sím-bo-lo, e-co-nô-mi-ca, má-qui-na, téc-ni-co. 5.1 Acentuação das Oxítonas Observe as palavras destacadas no texto a seguir: Quanto mais eles gostam de complicar as coisas e quanto mais complexas tornam suas operações políticas, mais eu considero uma tarefa civilizatória destrinchá-las, por mais delicado que isso seja. E você? Quatro pessoas foram assassinadas na Região Norte do país. Vamos lá. Adelino Ramos, morto em Vista Alegre do Abunã, um distrito de Porto Velho, em Rondônia, era considerado 82 Comunicação e Expressão um líder camponês. O casal de “extrativistas” José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinado em Nova Ipixuna, no Pará, estava em conflito com os próprios assentados. Em agosto de 2009, José Cláudio estava em companhia de um seu irmão, ambos armados, quando este assassinou um outro agricultor, que tinha o apelido de “Pelado”. A polícia da então governadora Ana Júlia Carepa só abriu inquérito mais de um ano depois. Na terça-feira, foi morto em Eldorado dos Carajás o lavrador Marcos Gomes da Silva. Já se sabe que não exercia nenhum papel de herói ou liderança política na região. A imprensa tem falado em cinco mortes. As mortes também servem como uma janela para o proselitismo político, criando um caso nacional em que ao menos se consegue usar a tragédia como fator de mobilização nacional. Parabéns... mas isso é asqueroso. (texto adaptado do blog de Reinaldo Azevedo – Veja on-line – 03/06/2011) O que há em comum entre as palavras sublinhadas? Elas são oxítonas acentuadas, ou seja, todas têm como sílaba tônica a ÚLTIMA. E todas recebem acento em razão de uma determinada regra especial. Vamos estudá-las: I – Emprega-se o acento agudo nos seguintes casos: 1. Em formas verbais que se tornam oxítonas terminadas pela vogal aberta a, em virtude da conjugação com os pronomes –lo(s) ou –la(s): destrinchá-las ( de destrinchar + las ). 2. Em oxítonas com mais de uma sílaba, terminadas em –em ou – ens: também, Parabéns. Capítulo 5 Acentuação Gráfica 83 3. Em oxítonas terminadas em ditongos abertos – eis, -éu(s), -ói(s): herói. II – Emprega-se o acento circunflexo nos seguintes casos: 1. Em oxítonas terminadas nas vogais fechadas e ou o, seguidas ou não de s: você, vocês, avô, avôs. 2. Em formas verbais que se tornam oxítonas terminadas pelas vogais fechadas e ou o, em virtude da conjugação com os pronomes –lo(s) ou –la(s): prendê-los ( de prender+ los). É claro que nem todas as palavras oxítonas são acentuadas, pois nem todas seguem as regras vistas acima. Vamos lembrar de alguns desses vocábulos: 5.1.1 Oxítonas sem Acento a) Oxítonas terminadas em “u”: é quase mania nacional acentuar oxítonas terminadas em “u”. Alguns exemplos em que o acento gráfico é proibido. 84 Comunicação e Expressão angu Aracaju babaçu iglu urubu Itu Peru chuchu Menu xampu rebu tatu b) Oxítonas terminadas em “i”: veja algumas palavras em que o acento gráfico é proibido. saci esqui agredi-la feri-la nasci ali frenesi guri aqui javali gari caqui 5.2 Acentuação das Paroxítonas Observe as palavras destacadas no texto a seguir: ESCOLAS APOSTAM EM PREVENÇÃO Capítulo 5 Acentuação Gráfica 85 “Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.” O trecho acima, que abre o romance O Ateneu, lançado em 1888, permanece um clássico escolar. Para muitos, ir ao colégio demanda valentia. Isso se deve a um tipo de violência que é antiga, mas vem sendo popularizada sob o conceito de bullying – palavra inglesa que significa intimidar e atormentar e vem preocupando cada vez mais as escolas brasileiras. Embora não haja números oficiais, a prática de atazanar colegas – muitas vezes confundida por pais e educadores com uma simples brincadeira – já envolve 45% dos estudantes brasileiros, segundo estimativa do Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes), organização com sede em Brasília. O índice está acima da média mundial, que variaria entre 6% e 40%. Contra o bullying, as escolas investem em estratégias de prevenção, com solução pontual dos conflitos. Conforme a gravidade, algumas instituições particulares lançam mão de medidas punitivas como advertência e suspensão. A prevenção se dá por meio de palestras, dinâmicas em sala de aula e orientação oral ou escrita sobre o uso saudável dos meios digitais – já que parte do bullying ocorre on-line. Apesar da estimativa alarmante, as escolas particulares ouvidas pela reportagem de VEJA.com frisaram que são raros os casos de bullying dentro de seus muros. O combate ao problema é feito pelos professores ou por palestrantes convidados. “Discutimos o assunto com os estudantes num curso específico 86 Comunicação e Expressão e endereçamos cartilhas sobre cyberbullying aos pais”, conta Cristiana Assumpção, coordenadora de tecnologia na educação do colégio Bandeirantes, de São Paulo. “A ideia é que o conteúdo seja reforçado em casa.” (http://veja.abril.com.br/especiais_online/bullying/index. shtml) O que há em comum entre as palavras sublinhadas? Elas são paroxítonas acentuadas, ou seja, todas têm como sílaba tônica a PENÚLTIMA. E todas recebem acento em razão de uma determinada regra especial. Vamos estudá-las: 1. A maioria das palavras paroxítonas não é acentuada. 2. Emprega-se o acento agudo: Nas paroxítonas cuja vogal tônica é a, e, o (abertas), i, u, terminadas em: L – saudável N – éden X – tórax PS – bíceps R – açúcar Ã(s) – órfã(s) ÃO(s) – sótão (s) EI(s) – jóquei(s) I(s) – júri(s) Capítulo 5 Acentuação Gráfica 87 UM, UNS – álbum/álbuns US – vírus As respectivas formas do plural dessas palavras normalmente seguem a mesma regra (saudáveis, bíceps), salvo algumas (açúcares, cadáveres), que passam a proparoxítonas (a-çú-ca-res, ca-dá-ve-res). As paroxítonas terminadas em –ENS não são acentuadas: edens, hifens. Os ditongos EI e OI abertos que constituem a sílaba tônica de palavras paroxítonas NÃO SÃO MAIS acentuados: ideia, estreia, assembleia, joia, paranoico. 3. Emprega-se acento circunflexo: a) Nas paroxítonas cuja vogal tônica é a, e, o (fechadas), terminadas em: L – cônsul N – plâncton R – câncer X – ônix ÃO(s) – bênção EIS – têxteis I(s) –Mênfis US – ânus 88 Comunicação e Expressão As respectivas formas do plural dessas palavras normalmente seguem a mesma regra. 4. NÃO SE EMPREGA MAIS o acento circunflexo nas paroxítonas terminadas em oo (hiato ): enjoo, voo (substantivo e verbo). 5. NÃO SÃO MAIS acentuadas as seguintes palavras homógrafas (com mesma grafia, mas significados diferentes): para – verbo Ela não para de tremer de frio. para – preposição Todos estão preparados acompetição. pela – verbo e substantivo Ele se pela de frio no inverno gaúcho. pela(s) – preposição + artigo Ele passou pelas situações mais incríveis durante a viagem. pelo – verbo Eu me “pelo” de medo do escuro. pelo (s) – preposição + artigo Ele passou pelos percalços ileso. polo – substantivo As aulas à distância serão ministradas no polo de Porto Alegre. polo – por + lo (forma antiga) para 6. Não se emprega acento gráfico para distinguir paroxítonas com a mesma grafia (homógrafas), mas a pronúncia é diferente: governo (substantivo) e (eu) governo (do verbo governar); acordo (substantivo) e (eu) acordo (verbo). 7. Levam acento agudo o i e o u, quando representam, em posição tônica, a segunda vogal de um hiato, desde que não estejam seguidos de l, m, n, nh, r e z: conteúdo, ciúme, rainha, ruim, ruins. Capítulo 5 Acentuação Gráfica 89 8. Não recebem acento agudo as palavras paroxítonas cujas vogais tônicas i e u são precedidas de ditongos decrescentes: feiura, baiuca. 9. Quanto à acentuação especial de alguns verbos: a) Arguir e redarguir não têm mais acento gráfico agudo no u tônico das formas rizotônicas: arguis ( úis ), argui (úi ), redarguem (úem ). b) Verbos como aguar, enxaguar, apaziguar, delinquir têm dois paradigmas: ⇒ com u tônico em formas rizotônicas sem acento gráfico: averiguo, averiguas,averigue, delinquo... ⇒ com o a ou i dos radicais tônicos e acentuados graficamente: averíguo, averígue, águo, águe, enxágue (em uso no Brasil). c) Verbos em -inguir cujo u não é pronunciado e verbos em -ingir possuem grafias regulares: atingir, atinjo, atinjas; distinguir, distingue, distinguimos. 5.3 Acentuação das Proparoxítonas Observe as palavras destacadas no texto a seguir: Pinheiro vira símbolo de esperança após tsunami no Japão. (disponível no site www.zerohora.com.br) 90 Comunicação e Expressão No balneário de Rikuzentakata, atingido em cheio pelo tsunami que varreu a costa nordeste do Japão, apenas um pinheiro sobreviveu, incólume, à força das águas, transformando-se para os sobreviventes da catástrofe em símbolo de esperança e reconstrução. Situada a 410 quilômetros de Tóquio, a cidade costeira tinha mais de 70 mil pinheiros plantados em uma área de dois quilômetros, por onde a onda gigante passou sem deter-se. — Levando em consideração que esta é a última árvore intacta, vai se tornar símbolo da reconstrução — acredita EriKamaishi, de 23 anos, morador de Rikuzentakata. Todos os prédios da cidade, com exceção de uma dúzia de edifícios de concreto mais resistentes, foram destruídos. — Esta árvore sobreviveu. É um milagre — diz TomohiroOwada, porta-voz da comunidade local. — Para nós, os pinheiros são muito especiais. Gostaria de ver novamente aqui uma praia magnífica e os esplêndidos pinheiros de antes, mas possivelmente eu não estarei mais viva quando isto acontecer — lamenta. O que há em comum entre as palavras sublinhadas? Elas são proparoxítonas, ou seja, todas têm como sílaba tônica a ANTEPENÚLTIMA. E todas as proparoxítonas recebem acento gráfico, pois seguem a seguinte regra gramatical: Capítulo 5 Acentuação Gráfica 91 Todas as proparoxítonas recebem acento agudo se a sílaba tônica é constituída de vogal ou ditongo aberto e recebem acento circunflexo, se a sílaba tônica é constituída de vogal ou ditongo fechado: incólume, catástrofe, símbolo, quilômetros, árvore, conífera, magnífica, esplêndidos. E finalmente, algumas regras especiais de acentuação, para concluirmos esse conteúdo: 1. Nas vogais abertas a, e, o – seguidas ou não de s – dos monossílabos tônicos, ou quando ocupam a última sílaba dos vocábulos oxítonos: já, só, é, há, três, aí, trás. 2. Na forma verbal pôr, para distingui-la da preposição por. 3. Nas terceiras pessoas do plural (eles/elas) dos verbos TER e VIR, a fim de se distinguirem da terceira pessoa do singular ( ele/ela ): TÊM e VÊM. 4. Em PÔDE (terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo) para se distinguir de PODE (terceira pessoa do singular do presente do indicativo). 5. Facultativamente em DÊMOS (presente do subjuntivo) para se distinguir de DEMOS (pretérito perfeito do indicativo) e em FÔRMA (substantivo) para se distinguir de FORMA (substantivo ou verbo no presente do indicativo ou no imperativo). 6. Não se emprega o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos CRER, DAR, LER, VER e seus derivados: creem, deem, leem, veem, releem. 92 Comunicação e Expressão Não confundir com as formas da terceira pessoa do plural dos verbos TER, MANTER, RETER etc., que conservam o acento: (eles) têm, mantêm, retêm etc. 7. O trema é inteiramente suprimido em palavras da língua portuguesa: tranquilo, cinquenta, sequestro. Conserva-se, no entanto, em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros: Müller, mülleriano. Recapitulando Neste capítulo estudamos o funcionamento da acentuação gráfica na língua portuguesa. Observamos que as principais regras estão associadas à posição da sílaba tônica nas palavras, que pode ser oxítona, paroxítona ou proparoxítona. Algumas regras de acentuação foram alteradas com o último Acordo Ortográfico, o que ainda dificultou um pouco mais um conteúdo que já trazia preocupações aos usuários do idioma, pois essa é uma parte gramatical muito exigida e valorizada em provas e concursos de língua portuguesa e de redação. Referências Escrevendo pela nova ortografia: como usar as regras do novo acordo ortográfico da língua portuguesa/ Instituto Antônio Houaiss/Coordenação e assistência de José Carlos Azeredo, 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2008. Capítulo 5 Acentuação Gráfica 93 SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática: teoria e prática. São Paulo: Atual Editora, 2012. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa/Academia Brasileira de Letras. 5. ed. São Paulo: Global, 2012. Atividades 1) Assinale a alternativa que apresenta erro quanto à acentuação gráfica: a) verossímil – pedofilia – pedófilo b) momentâneo – momentâneamente – improvavel c) poderíamos – esdrúxula – imóvel d) útil – prejuízos – juiz e) consequentemente – ideia – joia 2) Assinale a opção em que o par de vocábulos não obedece à mesma regra de acentuação gráfica: a) sofismático/ insondáveis b) automóvel/fácil c) tá/já d) água/raciocínio e) alguém/convém 94 Comunicação e Expressão 3) Marque a alternativa em que todas as palavras devem ser acentuadas: a) ingles, cipo, melancia, util b) conveniencia, canoa, geleia, orgão c) saude, adverbio, armazem, gratuito d) carater, Tiete, hifen, lapis e) instantaneo, somente, medicamento, magica 4) Indique a única alternativa em que nenhuma palavra é acentuada graficamente: a) lapis, canoa, abacaxi, jovens b) ruim, sozinho, aquele, traiu c) saudade, onix, grau, orquidea d) flores, açucar, album, virus e) voo, legua, assim, tenis 5) Assinale a alternativa que apresenta duas palavras acentuadas devido a regras diferentes: a) sensível – básicos b) parabéns – cortês c) só – pé d) média – espécie e) capítulo – desânimo Dóris Cristina ???????? Gedrat1 Capítulo 6 ? Da Oralidade À Escrita 1 1 Graduada em Letras Português/Inglês, mestre e doutora em Linguística Aplicada pela PUC/RS. Atualmente é professora e coordenadora do curso de Letras da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), em Canoas, RS. 96 Comunicação e Expressão Introdução Segundo Castilho (2001), a língua oral e a língua escrita são modalidades de um mesmo sistema, com ênfases diferenciadas em determinados elementos desse sistema, e as diferenças entre essas duas modalidades devem ser vistas na perspectiva do uso e não de características intrínsecas à fala ou à escrita.1 Neste capítulo, serão discutidas, de maneira sucinta, as principais características que diferenciam as modalidades oral e escrita da língua, destacando que ser competente comunicativamente significa saber fazer uso da língua em ambas as modalidades e considerando que as situações de comunicação exigem um comportamento linguístico diversificado dos interlocutores numa e noutra modalidade.2 6.1 A Língua Falada Textos podem ser escritos, falados, desenhados e representados por inúmeras formas diferentes. Quanto à escrita e à fala, o texto escrito possui qualidades e segue normas por vezes diferenciadas das normas que regem o texto falado. Podemos concluir disso que a organização textual escrita é diferente da organização textual falada. As diferenças devem-se ao fato de termos objetivos diferentes ao falarmos e ao escrevermos. O uso da língua em situações diferentes torna-a diferente para 1 Conforme Marcuschi (2001). 2 ELIAS, Vanda Maria (2011:11). Capítulo 6 Da Oralidade À Escrita 97 cada situação, e as situações de fala e de escrita têm características semelhantes, mas também diferem muitas vezes. Como dizem Fávero, Andrade e Aquino (2011): O oral e o escrito se diferenciam por escolhas feitas pelo locutor/enunciador, determinadas pela adequação a cada modalidade em cada um dos gêneros textuais por meio dos quais elas se manifestam (entrevista, requerimento, receita culinária, conto, atestado, conversa telefônica, consulta médica etc.). Além disso, é preciso observar a importância do suporte que permite a efetivação do texto (rádio, TV, internet, jornal, revista, outdoor etc.), o contexto em que se encontram os interlocutores e a interação que se estabelece entre eles. A partir disso, entende-se que a fala tem como característica marcante o fato de ser espontânea e ocorrer no momento em que pelo menos dois interlocutores se envolvem para abordar um assunto. O texto conversacional, então, é criado de forma coletiva, constituindo-se num lugar onde os participantes estabelecem relações de dominância ou igualdade, convivência ou conflito, familiaridade ou distância. A fala organiza-se em torno da troca de turnos de fala entre os participantes do ato comunicativo. E os marcadores conversacionais atendem às necessidades do envolvimento direto entre os participantes, podendo ser produzidos pelo falante ou por seu interlocutor. Como exemplos de marcadores conversacionais temos: claro, sabe?, certo, né?, acho, então, aí, uhn, ahn e outros. 98 Comunicação e Expressão No texto falado, os interlocutores fazem repetições, correções, paráfrases, referenciações, além de hesitações, interrupções e outras características típicas da fala, não permitidas na escrita. Nesta tudo deve estar explícito e não há recursos para efeitos visuais e auditivos, recursos extratextuais. 6.2 A Língua Escrita Como vimos, a fala organiza-se em tomadas de turnos de conversação. A escrita, por outro lado, conta com o parágrafo como sua unidade básica. Em geral, apesar de não haver uma regra única, a cada parágrafo adiciona-se uma nova ideia quando se escreve, e todos os parágrafos devem estar adequadamente articulados, para garantir não apenas a coesão, mas também a coerência do texto.3 Os parágrafos são construídos para atingir um ou mais propósitos: contar uma história, emitir uma opinião, argumentar contra ou a favor de algum ponto de vista e defender uma tese, fazer descrições, dar ordens, entre outros. Por exemplo, consideremos o parágrafo a seguir: Fazer revelações sobre si mesmo é um comportamento que temos o tempo todo, todos os dias. Quando você conversa com uma pessoa, ela geralmente fala sobre si mesma. No Twitter e no Facebook, as pessoas estão expondo o que pensam ou sentem naquele momento. Alguns estudos mostram 3 A coerência e a coesão do texto serão estudadas, respectivamente, nos capítulos 7 e 8. Capítulo 6 Da Oralidade À Escrita 99 que quanto mais você se abre para uma pessoa, mais você gosta dela e mais ela gosta de você. Isso pode estar relacionado à formação de laços sociais.4 Esse parágrafo dissertativo inicia com uma frase núcleo (tópico frasal), que desencadeia as ideias subsequentes. A partir do segundo período, o autor faz considerações sobre o comportamento comum entre as pessoas de gostarem muito de falar sobre si mesmas. Como se trata de um texto publicado em revista, as frases são curtas e objetivas, típicas desta mídia. O parágrafo tem a qualidade de estar separado do restante do texto e apresentar um recuo a partir da margem na primeira linha. É composto por introdução, desenvolvimento e conclusão, em muitos casos, mas também pode ser parte de um texto em que desenvolva uma ideia apenas, não seguindo, então, esse padrão. 6.3 Variações da Língua (na oralidade e na escrita) É comum as pessoas pensarem que a língua falada é “errada” e a língua escrita é “certa”. Isso reflete a cultura equivocada e disseminada de que a língua escrita sempre segue os padrões da gramática culta e de que esses padrões regem a única variedade correta da língua. 4 Adaptado de http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/falar-sobre-si-mesmo-da-prazer-diz-estudo, em 10/05/2012. 100 Comunicação e Expressão Em primeiro lugar, o uso do termo “variedade” já mostra que a língua varia. No entanto, além disso, e mais significativamente, há o fato de não existir “certo” e “errado” na língua, mas sim adequado e inadequado. Isso pelo simples fato de que a língua é utilizada em diversos contextos e situações, e é o seu uso que rege a forma que ela terá: mais formal, menos formal, culta, coloquial, com gírias, sem gírias, tanto na escrita quanto na fala. Como a escrita fica registrada, é permanente – não tem como se valer de recursos como gestos, expressão facial, tom de voz -, ela tende a ser mais cuidada e, portanto, mais próxima da norma padrão, embora isso dependa muito da situação de uso. Por exemplo, a linguagem de um livro impresso segue os padrões cultos de ortografia, regência, concordância, construção frasal, pois se trata de uma publicação e permanecerá para sempre. Por outro lado, a escrita de um bilhete entre pessoas que moram juntas, ou amigos íntimos, terá um cunho bem informal, com abreviações não permitidas pela gramática, com possíveis erros de ortografia, pois o propósito não é a publicação, mas sim a manutenção de relações e a passagem de informações úteis e importantes entre pessoas que se conhecem muito bem. Portanto, é importante que todos saibam que não se fala errado, nem se escreve certo, mas que a língua é utilizada de várias formas, por isso ela é muito variável, e todas as variedades têm seus propósitos e são absolutamente adequadas nas situações em que foram originadas e em que são utilizadas. Capítulo 6 Da Oralidade À Escrita 101 Segundo a renomada autora Maria Helena de Moura Neves (2012:134): Com efeito, o falado e o escrito – excluída qualquer rigidez de dicotomização, insisto – diferem quanto aos modos de aquisição, métodos de produção, transmissão, recepção, e, mesmo, estruturas de organização. E, se há diferenças constitutivas de cada uma dessas modalidades, isso tem repercussão no produto. Não por isso, porém, se dirá que alguma das modalidades constitui um padrão único. 6.4 O Internetês e o “dialeto escrito” com efeito oral5 Segundo Xavier (2011:170), o internetês simula uma conversa espontânea face a face, embora haja muitas diferenças e limitações entre esse gênero digital e a conversa real. O autor mostra como os participantes de conversações em internetês buscam reproduzir a mesma velocidade das trocas orais presenciais, e assim tornar a interação que é remota mais próxima e fluente da forma natural de conversar. Como todas as variedades da língua, o internetês é mais um dialeto que serve aos seus propósitos comunicativos e não representa uma ameaça à língua. Como diz Xavier (p. 175), “... o internetês parece representar perigo àquele que não o compreende ainda, nem tem boa vontade para estudá-lo a fim 5 Segundo XAVIER, A. C., in: ELIAS (org.) 2011: 167-179. 102 Comunicação e Expressão de encontrar a funcionalidade interacional presente em todas as línguas e dialetos, inclusive neste.” Vemos, assim, novamente, que cada variedade linguística é utilizada no contexto onde atinge melhor os propósitos da comunicação, o que significa que, como outros dialetos, o internetês será utilizado para a comunicação em meios digitais e hipertexto, e não indiscriminadamente em qualquer texto escrito. Recapitulando Vimos, neste capítulo, que a língua falada e a língua escrita são duas modalidades que se assemelham e se diferenciam em muitos aspectos, e que ambas apresentam variações, dependendo da situação em que são utilizadas e dos propósitos comunicativos dos participantes em cada ato de comunicação. É importante destacar que nenhuma modalidade e nenhuma variedade linguística são certas ou erradas, mas que cada uma tem sua razão de ser e é perfeitamente adequada em seu contexto de uso. E isso inclui o internetês, o dialeto utilizado nos meios digitais. Referências CASTILHO, Ataliba T. de. A Língua Falada e o Ensino do Português. São Paulo: Contexto, 2001. Capítulo 6 Da Oralidade À Escrita 103 ELIAS, Vanda Maria (Org.). Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita, leitura. São Paulo: Contexto, 2011. FÁVERO, Leonor Lopes, ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O, AQUINO, Zilda. Reflexões sobre oralidade e escrita no ensino de língua portuguesa. In: ELIAS, Vanda Maria (Org.), Ensino de Língua Portuguesa: oralidade, escrita, leitura. São Paulo: Contexto, 2011. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da Fala para a Escrita: o tratamento da oralidade no ensino de língua. São Paulo: Cortez, 2001. NEVES, Maria Helena de Moura. Ensino de Língua e Vivência de Linguagem. Temas em confronto. São Paulo: Contexto, 2010. Atividades 1) Uma secretária executiva envia um e-mail ao Conselho Gestor da empresa. Assinale a alternativa em que a linguagem escrita está adequada a essa situação: a) Senhores Gestores, Venho por meio deste informar que a reunião marcada para, o dia 29 de agosto, quarta-feira da, semana que vem, está confirmada. Em anexo, a pauta. Aguardamos sugestões adicionais de assuntos a serem discutidos na reunião. Atenciosamente, 104 Comunicação e Expressão Adriana Alves Secretária – Direção Geral b) Olá, pessoal, A reunião do dia 29 sairá e todos estão convidados a participar. Além dos assuntos em anexo que serão tratados, enviem suas sugestões. Abraços, Adriana Alves Secretária – Direção Geral c) Senhores Gestores, Informamos que a reunião marcada para o dia 29 de agosto, quarta-feira da semana que vem, está confirmada. Em anexo, a pauta. Aguardamos sugestões adicionais de assuntos a serem discutidos na reunião. Atenciosamente, Adriana Alves Secretária – Direção Geral d) Prezados Senhores, A reunião do dia 29 de agosto está confirmada, e a pauta vai em anexo, mas, se alguém quiser discutir sobre outro assunto, pode fazê-lo. Até mais, Capítulo 6 Da Oralidade À Escrita 105 Adriana Alves Secretária – Direção Geral e) Prezados Gestores, Informo que a reunião do dia 29 está confirmada e a pauta vai em anexo, embora é possível enviar outros assuntos a serem incluídas nela. Aguardamos sua confirmação de presença. Atenciosamente, Adriana Alves Secretária – Direção Geral 2) Um aluno bolsista de iniciação científica, num congresso internacional, faz uma apresentação oral das conclusões parciais da pesquisa conduzida por seu grupo. Assinale a alternativa em que a linguagem está sendo utilizada de forma adequada na situação: a) “Prezado público, é com muita satisfação que estou aqui para divulgar as últimas descobertas do grupo de pesquisa X, da Universidade Y, em suas pesquisas a respeito do sistema digestivo dos mamíferos.” b) “Gente, estou muito empolgado por estar aqui para contar pra vocês sobre as nossas últimas descobertas em nossa pesquisa sobre o sistema digestivos dos mamíferos. É incrível o que nós andamos descobrindo.” 106 Comunicação e Expressão c) “Pessoal, sério mesmo, vocês vão se arrepiar com as coisas que eu vou contar agora. É tudo descoberta do nosso grupo de pesquisa, sobre o sistema digestivo dos mamíferos!” d) “Senhores e senhoras! A partir deste preciso momento, todos terão o imenso privilégio de escutar, deste que vos fala, quais as últimas fantásticas, incríveis e fascinantes descobertas do grupo de pesquisa X, sobre o sistema digestivo dos mamíferos!!!!” e) Por favor, luzes, câmara e ação! A partir de agora, as informações mais empolgantes da história das pesquisas biológicas serão divulgadas a todos aqui presentes. 3) Dois amigos, A e B, conversam através de uma ferramenta de comunicação on-line, na Internet. Assinale as duas alternativas que apresentam uso apropriado para esse tipo de contexto: a) A: Bom Dia. B: Bom Dia. A: Como você vai? B: Tudo bem, e com você? b) A: E daí? B: Beleza, algo novo por aí? A: Tudo na mesma, e com você? Capítulo 6 Da Oralidade À Escrita 107 B: Novidades na área..... c) A: oi. B: oi, vc aí?? Naum tm aula?? A: sai + cdo B: pq? d) A: Cara, fica esperto! B: Qual é? A: Fiquei sabendo que amanhã tem prova! B: De quê? Ninguém avisou nada! e) A: ei, kd u doc??? B: fk friu, jah ti mandu A: v si naum eskeci B: i pur aksu jah ti dexe na maun um dia???? 4) Assinale a afirmativa correta a repeito das diferenças e semelhanças entre as modalidades oral e escrita da língua: a) Enquanto a língua escrita é sempre formal e utilizada na variedade padrão, a língua falada tende a não observar as regras gramaticais e é sempre utilizada no registro coloquial. b) O internetês imita a fala, por isso admite que se utilize a língua de forma errada. 108 Comunicação e Expressão c) A escrita é mais importante do que a fala, por isso tende a ser correta. d) Tanto a modalidade escrita, quanto a modalidade falada da língua assumem diferentes formas e variam conforme as situações em que são utilizadas, e isso é conhecido por todos e admitido tanto por gramáticos, quanto por falantes da língua, não havendo preconceito contra quem não domina a norma padrão. e) Tanto a modalidade falada quanto a escrita têm regras próprias, que variam de acordo com a situação e o contexto. Ambas são utilizadas nas diferentes variedades linguísticas e nos diferentes níveis de formalidade. 5) Assinale a alternativa que explica a frase “Internetês: dialeto escrito com efeito oral”. a) O internetês é uma variedade da modalidade escrita da língua, mas apresenta características típicas da modalidade falada, por exemplo, a representação gráfica de recursos como entonação, abreviação de palavras, frases e sons da fala. b) O internetês é uma variedade da modalidade falada da língua, mas apresenta características típicas da modalidade escrita, por exemplo, a representação gráfica de recursos como entonação, abreviação de palavras, frases e sons da fala. c) O internetês é uma variedade da modalidade escrita da língua, mas apresenta características típicas da mo- Capítulo 6 Da Oralidade À Escrita 109 dalidade falada, por exemplo, a utilização de estruturas linguísticas incorretas. d) O internetês é uma variedade da modalidade falada da língua, mas apresenta características típicas da modalidade escrita, por exemplo, a utilização de estruturas linguísticas incorretas. e) O internetês é uma variedade da modalidade escrita da língua, mas apresenta características típicas da modalidade falada, por exemplo, a utilização da variedade vulgar da língua. Edgar?????????? Roberto Kirchof1 Capítulo 7 ? Coerência e Lógica 1 1 Possui graduação em Letras (Portugês/Alemão) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1995), graduação em Teologia pela Escola Superior de Teologia (1998), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1997) e doutorado em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (2001), tendo realizado um Pós-Doutorado na área da Biossemiótica na Universidade de Kassel, Alemanha. Atualmente é professor adjunto da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), atuando, como docente e pesquisador, no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) e, como docente, no Curso de Letras. Tem experiência na área de Letras e Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Teoria da Literatura, Estudos Culturais, Semiótica e Cibercultura. Capítulo 7 Coerência e Lógica 111 Introdução Este capítulo tem como objetivo levar o estudante a refletir sobre a coerência textual, propriedade do texto que se encontra no processo de interação que o leitor realiza com as estruturas textuais. 7.1 O que é coerência A coerência é a condição lógica para que nós possamos compreender os textos que lemos. No senso comum, nós geralmente a entendemos através do princípio lógico da não contradição: “Algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo”. Um exemplo muito simplificado é o seguinte: uma pessoa afirma que esteve em um determinado lugar (sua casa, por exemplo), num determinado horário (ao meio dia de hoje), e, logo em seguida, afirma que não esteve naquele mesmo lugar e horário. Nós diríamos que essa pessoa está se contradizendo e que, portanto, seu discurso é incoerente. O resultado desse tipo de operação linguística é que o leitor tem dificuldade para decidir sobre a informação que deve ser apreendida. Textos incoerentes geralmente iniciam com um determinado assunto, mas, ao longo dos parágrafos, acabam se desviando para outros temas, não ligados de forma clara com o assunto principal, o que frequentemente produz contradições e enunciados não compreensíveis. É como se prometessem algo que não cumprem. Uma fonte inesgotável de incoerência textual é o uso inadequado de mecanismos coesivos, como con- 112 Comunicação e Expressão junções, pronomes, substituições de palavras e de expressões etc. Assim sendo, a coesão pode ser considerada como um dos principais fundamentos da coerência e, por isso, será tratada detalhadamente no próximo capítulo deste livro. Por ora, para citar um único exemplo, se utilizarmos mal um pronome relativo, o leitor terá dificuldades para saber do que estamos falando. No enunciado “Não vi o pai do aluno que está doente”, não é possível saber se quem está doente é o “pai” ou o “aluno”. A ambiguidade no uso da coesão, portanto, gera incoerência textual. Por outro lado, retomando o exemplo da pessoa que afirma estar e não estar em um mesmo lugar no mesmo horário, poderíamos perguntar por que uma pessoa faria uma afirmação para, logo em seguida, contradizê-la. Nesse caso, precisaríamos imaginar algumas situações em que isso pudesse ocorrer. Poderíamos levantar a hipótese de que essa pessoa quer confundir seu receptor; que está sendo irônica ou que está brincando; que está mentindo; que está tentando esconder alguma coisa. Poderíamos, inclusive, pensar que essa pessoa está tentando ser poética, pois, na poesia e na arte, muitas contradições aparentes são verdadeiros paradoxos repletos de sentidos densos e profundos. Pense, por exemplo, no poeta Camões, quando afirma que Amor é um contentamento descontente. Como você percebe, há muitas maneiras de interpretar um texto aparentemente incoerente. Isso nos leva a duvidar de definições muito simples de coerência textual, principalmente aquelas segundo as quais a coerência seria uma propriedade exclusiva dos textos. A linguísta Ingedore Koch (2006) afirma Capítulo 7 Coerência e Lógica 113 que a coerência permite estabelecer os sentidos do texto, fazendo com que este possa ser interpretado pelo leitor. Contudo, isso não quer dizer que as marcas da coerência sejam estáticas e que possam, todas elas, ser sempre encontradas dentro de alguns textos – os textos coerentes – estando completamente ausentes em outros – os textos incoerentes. Antes, a coerência é o resultado da interação entre as intenções interpretativas de um leitor, a partir de certas marcas estruturais de um texto, produzido por um autor. É no processo de interação com as estruturas textuais, de um lado, e na produção de sentidos por parte do leitor, de outro, que a coerência é construída, permitindo que os textos façam sentido. Muitas vezes, um texto aparentemente incoerente acaba se revelando coerente quando levamos em conta o seu contexto enunciativo. 7.2 Cooperação entre o leitor e o texto Uma maneira bastante produtiva para entender como funciona a coerência textual pode ser encontrada na ideia da interação ou cooperação, defendida, entre outros, por Umberto Eco (1986). Nessa concepção, o leitor é um sujeito que coopera com algumas estratégias estruturais previstas no próprio texto – as estruturas textuais –, o que faz com que a coerência não seja mais definida como uma mera característica do texto, mas como um processo. Essa concepção também evita o erro de considerar o leitor como único responsável pela coerência, independentemente dos textos. Se isso fosse verdade, nós 114 Comunicação e Expressão poderíamos decidir sempre qualquer sentido como verdadeiro para qualquer texto e ninguém poderia dizer que nossa decisão é equivocada. Imagine ler, por exemplo, uma receita de bolo como se fosse um tratado de química, ou ler uma história ficcional como se realmente tivesse acontecido. Para compreender como se dá a cooperação do leitor com o texto, é preciso saber com o que o leitor efetivamente deve cooperar. Basicamente, todo texto é construído a partir de certas estratégias linguísticas, e o reconhecimento dessas estratégias, por parte do leitor, é um pressuposto sine qua non para que o texto faça algum sentido. É importante dizer que há muitas estratégias textuais e discursivas mobilizadas em um texto, sendo que algumas são mais evidentes – como a escolha do idioma, por exemplo – e, outras, não tão evidentes – como o estilo. A seguir, serão abordadas apenas algumas das estratégias pressupostas em um texto para que seja lido como coerente. 7.3 Estratégias de cooperação textual: código, estilo e repertório enciclopédico A primeira delas é a escolha do próprio código linguístico. Um texto escrito em chinês, japonês ou tailandês é coerente apenas para o leitor capaz de compreender esses idiomas. No entanto existem variações lexicais também dentro de um mesmo sistema linguístico, como o português, por exemplo. Você saberia dizer, sem procurar em um dicionário, o significado de termos como almocreve ou piparote? Essas palavras, hoje, Capítulo 7 Coerência e Lógica 115 não são mais usadas, mas eram extremamente corriqueiras no século passado e, por isso, aparecem com frequência nos textos de Machado de Assis e de outros autores daquela época. Nesses casos, para que o texto seja coerente, o leitor precisa cooperar com o código linguístico empregado pelo autor, procurando o sentido desses termos. Por não conhecer palavras antigas, muitas vezes, leitores afirmam que não conseguem compreender Machado de Assis. Por outro lado, a escolha de certo registro linguístico, dentro de um mesmo idioma, também pode se caracterizar como uma estrutura estilística. Por exemplo, nós costumamos classificar alguns termos como mais coloquiais e outros como mais formais ou eruditos. A predominância de gírias e linguagem popular em um texto acaba construindo um estilo coloquial, que é perfeitamente aceitável em alguns contextos, mas não é recomendável em outros. Textos em que predominam termos formais e eruditos, por sua vez, podem estar revelando diferentes estilos: um estilo acadêmico (se os termos forem ligados a áreas específicas do conhecimento, como o direito, a literatura, a gramática, a medicina...); um estilo jornalístico (se os termos estiverem ligados a um contexto midiático); um estilo erudito, entre tantas outras possibilidades. No entanto, é sempre o leitor que, a partir de seu repertório cognitivo e cultural, atribui um sentido de estilo para essas marcas textuais. Por exemplo, no caso de Machado de Assis, um leitor de hoje poderia considerar o emprego dos termos piparote e almocreve como um registro estilístico erudito, mas um leitor contemporâneo a Machado de Assis não consideraria essas palavras necessariamente como eruditas, pois eram de uso corriqueiro àquela época! 116 Comunicação e Expressão Outro nível extremamente importante de cooperação entre leitor e texto diz respeito ao repertório enciclopédico pressuposto pelo texto. Por exemplo, dificilmente uma pessoa não iniciada em química avançada seria capaz de compreender os argumentos de um tratado que discute a função de certas substâncias químicas para o funcionamento de organismos. Textos acadêmicos, em geral, tendem a empregar um léxico muito específico, além de pressupor o conhecimento de uma série de procedimentos específicos de cada área: medicina, direito, filosofia, biologia, entre tantos outros. Por outro lado, textos voltados para grandes públicos, como jornais e revistas populares, tendem a pressupor poucos conhecimentos muito específicos, o que os torna mais palatáveis para um grande número de leitores. 7.4 Recorrência e progressão Visto que não é possível abordar aqui todas as estruturas pressupostas em um texto para serem reconhecidas no ato da leitura, optamos em aprofundar aquela que consideramos a mais útil para um estudante universitário interessado em escrever textos coerentes. De um modo bastante simplificado, é possível dizer que todo texto é composto por um conjunto de informações recorrentes, juntamente com informações novas, que vão sendo inseridas pouco a pouco, garantindo a progressão dos sentidos. O segredo para a construção de um texto coerente é justamente o equilíbrio entre essas duas instâncias. De modo muito simplificado, é possível dizer que a primeira decisão a ser tomada quanto à escrita diz respeito ao assunto princi- Capítulo 7 Coerência e Lógica 117 pal ou tema a ser abordado, pois esse tema não poderá ser desviado ao longo dos parágrafos. Leia com atenção o texto “Automedicação e risco, mesmo de aspirinas”, do Senador Humberto Costa. De forma bastante geral, poderíamos dizer que o tema, nesse caso, é a questão da “automedicação”. Isso significa que, ao longo dos oito parágrafos, esse assunto precisa estar em evidência. No entanto, para que o texto tenha progressão, cada um dos parágrafos também precisa acrescentar alguma informação nova. É nesse jogo, portanto, entre não se desviar de um único tema, de um lado, e acrescentar sempre novas informações sobre esse mesmo tema, de outro lado, que se constrói um bom texto. Vejamos como, no caso de Humberto Costa, o autor jamais se desvia da ideia central – a automedicação – e, mesmo assim, traz, em cada um dos parágrafos, pelo menos uma nova informação sobre esse tema. De forma simplificada, é possível dizer que a manutenção da coerência dos textos acadêmicos ou dissertativos está, de fato, ligada à regra da não contradição: “não é indicado dizer algo e o contrário desse algo ao mesmo tempo”. Quando iniciamos um texto sobre um determinado assunto, devemos permanecer discorrendo exatamente sobre esse mesmo assunto, ao longo de todo o texto, apesar de ser necessário acrescentar novas informações a cada parágrafo. Para terminar esta seção, é preciso dizer que o modo como se dá o engendramento entre informação recorrente e informação progressiva também é regido pelo gênero e pela tipologia textual. 118 Comunicação e Expressão Você já leu, neste livro, que o gênero é uma estrutura que define inúmeros aspectos quanto ao sentido de um texto. Se essa informação é importante para a leitura – pois permite antecipar vários sentidos pressupostos – ela é ainda mais importante para o ato da escrita, pois não é possível produzir um texto sem o conhecimento das características estruturais consideradas essenciais para cada gênero específico. Um jornalista que não domina a estrutura do gênero jornalístico, um ensaísta que não domina o gênero ensaio, um poeta que não domina o gênero poético, um estudante que não domina o gênero acadêmico, um cronista que não domina o gênero crônica, entre outros exemplos, dificilmente serão capazes de produzir textos lidos como coerentes em seus respectivos contextos. Textos argumentativos podem se desdobrar em vários gêneros (ensaios, dissertações, teses, monografias etc.), mas todos eles precisam respeitar uma estrutura específica, na qual é indispensável que o leitor possa reconhecer a tomada de posição (chamada geralmente de tese) por parte do autor, seguida de seus argumentos. Uma estrutura simplificada do texto argumentativo geralmente apresenta a tese já no primeiro parágrafo e faz uso dos demais parágrafos para apresentar os argumentos, geralmente um argumento por parágrafo. Por fim, o último parágrafo faz um reforço da tese. Vejamos como o senador Humberto Costa fez uso dessa estrutura para construir seu texto: Humberto Costa (Folha de São Paulo, 12 de maio de 2012) Deve ser permitida a venda de remédios em supermercados? Capítulo 7 Coerência e Lógica 119 NÃO Automedicação e risco, mesmo de aspirinas Ao pensar sobre a possibilidade de um cidadão comprar remédios em supermercados, armazém, empório, loja de conveniência e correlatos, vejo que não há porque ser favorável. Ainda que sejam só aqueles que dispensem receita médica. Claro que seria bom, em tempos de rotina corrida, a família abastecer sua casa com todo tipo de mercadorias num só lugar. Também o maior número de pontos de venda poderia render menor preço. Mas entendo que isso não compensa o risco para a saúde e a vida das pessoas. Diante da evidente possibilidade de que se dissemine o consumo indiscriminado, seguramente há vantagem em facilitar o acesso da população ao medicamento, sem considerar os perigos do consequente aumento no consumo. A preocupação é de que a presença do remédio nas prateleiras das lojas, ao alcance das mãos inclusive de crianças, incentive a automedicação, estimule as pessoas a praticarem, sem orientação, por conta própria, o consumo indiscriminado desses produtos. E remédio, obviamente, é item de produção complexa, com propósito bastante diferente dos também coloridos balas, chocolates, bolachas, pirulitos que se destacam nas estantes dos corredores por onde famílias inteiras gastam horas, todos os meses. Não é à toa que a Lei nº 5.991, de 1973, mas ainda atual, estabelece regras a serem seguidas pelas farmácias e drogarias, tanto em relação ao que podem comercializar, quanto à necessidade de um profissional habilitado para responder tecnicamente pelo estabelecimento. 120 Comunicação e Expressão Os medicamentos, indiscriminadamente, são a segunda maior causa de óbitos causados por intoxicação humana, segundo os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas (Sinitox), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em 2009, 17% do total de 409 mortes foram resultado da ingestão de remédios. Desses casos, 61% envolveram adultos em idade produtiva, entre 20 anos e 59 anos – e foram 8 as vítimas com menos de quatro anos. No Brasil, só os agrotóxicos causam mais óbitos por intoxicação que os medicamentos. E é um engano pensar que a dispensa de receita médica torna um comprimido ou um xarope inofensivo. Um medicamento, quando associado a outro, pode causar grandes males à saúde e, inclusive, levar à morte. Por exemplo, no caso da dengue, o uso na fase inicial da doença de um – supostamente – inocente anti-inflamatório pode dificultar o diagnóstico clínico porque funciona como paliativo dos sintomas. Também para essa doença, a ingestão de um comprido de acido acetilsalicílico (AAS) potencializa o risco de hemorragias. A diversificação da natureza dos pontos de venda implica, ainda, risco maior de que medicamentos falsificados cheguem ao consumidor. Pequenos estabelecimentos, para compra remédios a custo mais baixo, poderão se sujeitar à compra de mercadorias falsificadas, feitas, na melhor das hipóteses, de farinha. Esse tema está, inclusive, presente em três projetos de lei que apresentei e que hoje tramitam no Senado Federal. Defendo, também, medidas que assegurem o consumo racional de medicamentos, por meio de programas de cons- Capítulo 7 Coerência e Lógica 121 cientização dos consumidores e dos profissionais responsáveis pelo fornecimento desses produtos. Permitir que estabelecimentos comerciais, alheios ao serviço farmacêutico, vendam medicamentos, sem se submeterem a exigências técnicas, é desconsiderar os avanços já alcançados pela regulação sanitária brasileira. HUMBERTO SÉRGIO COSTA LIMA, 54, médico, professor e jornalista, senador pelo PT-PE. Foi ministro da Saúde (2003 a 2005, governo Lula). Recapitulando Neste capítulo, você foi convidado a refletir sobre a coerência textual. Inicialmente, a coerência foi definida como o fator que está na base da inteligibilidade dos textos. No entanto, ela não pode ser definida de forma absoluta, porque muitos textos aparentemente incoerentes acabam adquirindo sentidos coerentes quando são situados em contextos específicos. Por isso, não é possível dizer que todos os critérios da coerência podem ser encontrados nas estruturas textuais. Antes, ela se encontra no processo de interação que o leitor realiza com as estruturas textuais. Por isso, você foi convidado a conhecer algumas estratégias de cooperação textual, a saber, o código, o estilo e o repertório enciclopédico. Por fim, você foi introduzido na principal estratégia para a construção coerente de um texto 122 Comunicação e Expressão acadêmico: utilizar adequadamente os recursos da progressão e da recorrência de informações. Referências ECO, Umberto. Lector in fabula: A cooperação interpretativa nos textos narrativos. São Paulo: Perspectiva, 1986. ____. Os limites da interpretação. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. [1990] KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Coerência e Ensino. In: A Coerência Textual. São Paulo: Contexto, 2006. pp. 101-110. Atividades 1) Assinale a alternativa correta: a) Textos incoerentes sempre iniciam com um determinado assunto, mas, ao longo dos parágrafos, acabam se desviando para outros temas. b) Textos incoerentes podem ser percebidos independentemente de qualquer contexto enunciativo, pois surgem por causa do mau uso dos fatores coesivos. c) Textos incoerentes, que iniciam com um determinado assunto, mas, ao longo dos parágrafos, acabam se Capítulo 7 Coerência e Lógica 123 desviando para outros temas, podem ser lidos como coerentes em contextos específicos. d) Os fatores da coerência dependem unicamente da capacidade do autor para redigir textos que mantenham um bom equilíbrio entre informações novas e informações recorrentes. e) Os fatores da coerência dependem unicamente da capacidade do leitor para conseguir perceber informações novas e informações recorrentes nos textos. 2) Por que é importante entender a coerência a partir da cooperação entre leitor e texto? a) Porque essa concepção permite perceber que o mau uso de elementos coesivos sempre produz textos incoerentes. b) Porque essa concepção evita o erro de considerar um único fator como responsável pela coerência. c) Porque essa concepção permite, ao leitor, enxergar coerência em qualquer tipo de texto. d) Porque essa concepção permite, ao autor, escrever apenas textos coerentes, evitando erros. e) Porque essa concepção revela que o texto não passa de um aglomerado de informações novas e repetidas, que o leitor deve compreender. 124 Comunicação e Expressão 3) Leia o diálogo a seguir e responda corretamente a questão: - Cadê a flor que você tirou da minha sepultura? - O quê? – Carol não entende nada, mas um frio percorre sua espinha. Desliga. [...] Carol volta a sentar-se. Menos de um minuto depois, o telefone toca de novo. [...] - Estou suplicando, devolva minha flor! - Então, diga seu nome, senão não devolvo. A voz parece não ouvir, obstinada: - Devolva minha flor, que nasceu na minha sepultura. Já chega. Carol desliga, irritada. Novamente sua mãe pergunta: - Quem era, filhota? [...] TADEU, Jorge. A flor do cemitério. In: _____. Lendas urbanas. Planeta do Brasil: São Paulo, 2011, p. 47. a) Trata-se de uma variação dialetal que marca uma diferença regional. b) Trata-se de uma variação quanto ao grau de formalismo, que revela um estilo mais formal da linguagem em relação ao uso dos enunciados anteriores. c) Trata-se de uma variação de estilo, que marca o uso de uma linguagem mais técnica e científica. Capítulo 7 Coerência e Lógica 125 d) Trata-se de uma variação de estilo que marca uma dimensão familiar e de idade, ao mesmo tempo em que também há uma variação quanto ao grau de formalismo. e) A variação de estilo marca, nesse contexto, uma diferença de dimensão social, pois se trata da enunciação de uma pessoa em posição superior. 4) No primeiro enunciado do texto de Jorge Tadeu “Cadê a flor que você tirou da minha sepultura?”, a palavra “cadê” aponta para que tipo de estilo? a) Coloquial b) Vulgar c) Regional d) Acadêmico e) Técnico 5) Em que gênero ou tipologia se enquadra o texto de Jorge Tadeu? a) Texto jurídico b) Ensaio c) Dissertação d) Texto acadêmico e) Narrativa ficcional Daniela Duarte Ilhesca1 Mozara Rossetto da Silva2 Capítulo 8 Coesão 12 1 Graduação em Letras e Mestrado em Educação, Professora e Coordenadora Adjunta dos Cursos de Letras (Presencial e EAD) e Secretariado Executivo Trilingue da ULBRA/Canoas. 2 Possui Graduação em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1990), Especialização em Literatura Brasileira pela mesma universidade e é doutoranda em Filologia Moderna Espanhola e Latina pela Universidad de Las Islas Baleares- Espanha. Atualmente é professora adjunta da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), atuando nos cursos de Letras, Comunicação Social e Secretariado Executivo e no Ensino a Distância ( EAD ), como professora nos cursos de Letras, Pedagogia, Gestão Financeira, Negócios Imobiliários e Ciências Sociais. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Linguística Textual, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura, metodologia, narrador, interlocutor, paráfrase, retextualização, coesão e coerência textuais e produção textual. Capítulo 8 Coesão 127 Introdução Vamos analisar neste capítulo o conceito e a aplicação do termo coesão textual, um dos fatores indiscutíveis de manutenção do sentido e da articulação dos textos. O conceito de coesão está diretamente associado a termos como “união”, “ligação”, “tessitura”, pois a “conexão” entre as várias partes de um texto, o “entrelaçamento” entre palavras, expressões, orações, períodos e parágrafos é quesito fundamental para uma escrita de qualidade que garante a transmissão eficaz da mensagem do emissor (redator ou falante) ao destinatário/receptor (leitor ou ouvinte). Através do emprego apropriado de artigos, pronomes, adjetivos, determinados advérbios e expressões adverbiais, conjunções e numerais estabelece-se a coesão dentro dos textos. Observe essa aplicação no seguinte fragmento: Fatores genéticos podem ser responsáveis por diferenças notáveis no desempenho de uma criança na escola. No entanto, eles só se manifestam se o professor for bom, diz uma pesquisa da Universidade da Flórida, publicada na edição deste mês da revista Science. O estudo analisou os níveis de leitura de gêmeos que estudavam em classes diferentes. Os que tinham professores piores – medidos de acordo com o resultado geral da sala – não atingiam o nível dos irmãos, com carga genética idêntica. Esse resultado põe em xeque o mito de que bons alunos se fazem sozinhos. (trecho de matéria da Revista Época de 23/04/2010 – Edição 623) 128 Comunicação e Expressão Os enunciados desse texto não estão distribuídos caoticamente, mas sim interligados entre si, e essa conexão não é fruto do acaso, mas das relações de sentido que existem entre eles. Essas relações de sentido são explicitadas por certas categorias de palavras, as quais são chamadas de elementos de coesão. No texto acima, podemos observar a função de alguns desses elementos de coesão: Algumas palavras destacadas são denominadas de anafóricos, pois têm como função retomar elementos textuais já mencionados, sem reproduzir a mesma palavra ou expressão: “eles”, “o estudo”, “que”, “os que”, “esse resultado”. Outras palavras destacadas são classificadas como articuladores, pois estabelecem relações de significado entre as orações e os períodos, tais como:  no entanto – sentido de oposição;  se – sentido de condição;  de acordo com – sentido de conformidade. Há, portanto, dois tipos principais de mecanismos de coesão:  retomada de termos, expressões ou frases através do uso dos anafóricos;  encadeamento de segmentos do texto através do uso dos articuladores. Capítulo 8 Coesão 129 8.1 Coesão por Retomada A Coesão pode se efetivar através da retomada de uma palavra gramatical tal como pronomes, verbos, numerais ou advérbios ou retomada através de uma palavra lexical, que seria a substituição por um sinônimo ou por uma expressão correspondente. 8.1.1 Retomada por uma palavra gramatical (pronomes, verbos, numerais, advérbios) Observe o fragmento que segue, extraído do conto A Esfinge sem Segredo, de Oscar Wilde: A Esfinge sem segredo Achava-me numa tarde sentado no terraço do Café Paz, contemplando o fausto e a pobreza da vida parisiense, a meditar, enquanto bebericava o meu vermute, sobre o estranho panorama de orgulho e miséria que desfilava diante de mim, quando ouvi alguém pronunciar o meu nome. Voltei-me e dei com os olhos em Lord Murchison. Não nos tínhamos tornado a ver desde que estivéramos juntos no colégio, havia isto uns dez anos, de modo que me encheu de satisfação aquele encontro e apertamos as mãos cordialmente. Tínhamos sido grandes amigos em Oxford. Gostaria dele imensamente. Era tão bonito, tão comunicativo, tão cavalheiresco. Fonte: WILDE, 2002. Esse é o trecho inicial do conto, quando o narrador-personagem conta sobre o reencontro, após dez anos, com um ex-colega de escola. Ao longo da narração, são utilizadas diversas palavras que retomam vocábulos mencionados de for- 130 Comunicação e Expressão ma explícita ou termos inferidos pelo contexto. Acompanhe a análise desses elementos coesivos: Achava-me numa tarde sentado no terraço do Café Paz, contemplando o fausto e a pobreza da vida parisiense, a meditar, enquanto bebericava o meu vermute, sobre o estranho panorama de orgulho e miséria que desfilava diante de mim, quando ouvi alguém pronunciar o meu nome. Neste primeiro período, destacamos os anafóricos:  meu (pronome possessivo) – retomando o narrador em primeira pessoa  que (pronome relativo) – retomando a expressão estranho panorama de orgulho e miséria  mim (pronome pessoal oblíquo) – retomando o narrador em primeira pessoa No trecho: Voltei-me e dei com os olhos em Lord Murchison. Não nos tínhamos tornado a ver desde que estivéramos juntos no colégio, havia isto uns dez anos, de modo que me encheu de satisfação aquele encontro e apertamos as mãos cordialmente. Tínhamos sido grandes amigos em Oxford. Gostaria dele imensamente. Era tão bonito, tão comunicativo, tão cavalheiresco. Neste trecho, os elementos coesivos são:  -me (pronome pessoal oblíquo) – retomando o narrador  dele (fusão da preposição de + pronome pessoal ele) e era (verbo) – retomando Lord Murchison Capítulo 8 Coesão 131  Tínhamos sido (verbo) – retomando um sujeito composto pelo narrador e Lord Murchison 8.1.2 Retomada por uma palavra lexical É a retomada de um termo através da sua substituição por um sinônimo ou por uma expressão correspondente. Observe os termos sublinhados no texto a seguir e procure substituições lexicais para preencher as lacunas. Essas substituições devem manter o sentido original. No início da noite de segunda-feira, os porto-alegrenses experimentaram a incômoda sensação de viver numa cidade caótica, inviável para a circulação de veículos, vitimada pela incúria de sucessivas administrações. Devido a um acidente entre dois ônibus e dois automóveis na Avenida Castelo Branco, o _________ simplesmente parou. Numa sucessão de bloqueios motivados pelo excesso de veículos e pela insuficiência de vias de escoamento, as ruas centrais ficaram entupidas de ________, os ônibus não conseguiram andar e as ________ levaram horas para se deslocar por poucos quilômetros, atrasando-se para seus compromissos. Até mesmo atendimentos médicos foram dificultados, como no caso da ambulância que levou 45 minutos para prestar socorro à passageira de ônibus que desmaiou na Avenida Protásio Alves. A angústia da _______ refletia os sentimentos dos milhares imobilizados pelo trânsito mal planejado: desamparo, impotência e revolta contra as autoridades. (Jornal Zero Hora – 09 de junho de 2010 | N° 16361) Vamos conferir uma das possibilidades de resposta? Acompanhe... 132 Comunicação e Expressão Os anafóricos destacados retomam termos já citados, substituindo-os: • pessoas – retoma e substitui porto-alegrenses; • trânsito – retoma e substitui circulação de veículos; • carros – retoma e substitui veículos; • mulher – retoma e substitui passageira do ônibus. Essas trocas de palavras são muito importantes para garantir a qualidade dos textos, pois, sem elas, o texto fica repetitivo e demonstra falta de vocabulário e de revisão do autor. Comprove isso, comparando como seria o trecho anterior sem o recurso das substituições: No início da noite de segunda-feira, os porto-alegrenses experimentaram a incômoda sensação de viver numa cidade caótica, inviável para a circulação de veículos, vitimada pela incúria de sucessivas administrações. Devido a um acidente entre dois ônibus e dois automóveis na Avenida Castelo Branco, a circulação de veículos simplesmente parou. Numa sucessão de bloqueios motivados pelo excesso de veículos e pela insuficiência de vias de escoamento, as ruas centrais ficaram entupidas de veículos, os ônibus não conseguiram andar e os porto-alegrenses levaram horas para se deslocar por poucos quilômetros, atrasando-se para seus compromissos. Até mesmo atendimentos médicos foram dificultados, como no caso da ambulância que levou 45 minutos para prestar socorro à passageira de ônibus que desmaiou na Avenida Protásio Alves. A angústia da passageira do ônibus refletia os sentimentos dos milhares imobilizados pelo trânsito mal planejado: desamparo, impotência e revolta contra as autoridades. (Jornal Zero Hora – 09 de junho de 2010 | N° 16361) Capítulo 8 Coesão 133 Observaram como a qualidade ficaria prejudicada? O leitor imediatamente identifica essa sequência de repetições, as quais são perfeitamente passíveis de trocas; basta que o autor, após a revisão, elabore substituições adequadas ao contexto. 8.2 Coesão por Encadeamento e Segmentos Textuais Na língua portuguesa, existem determinados operadores discursivos responsáveis pela conexão/concatenação entre os segmentos do texto. São exemplos desses articuladores ou nexos: e, mas, porque, ou, então, quando, conforme, assim que, dentre muitos outros. Cada um desses articuladores, além de ligar as partes dos textos, estabelece entre essas partes uma relação semântica (de adição, oposição, causalidade, conclusão etc.). Quando se escreve, é necessário selecionar o nexo apropriado ao sentido que se quer exprimir, visando à elaboração da argumentação. Exemplo: “Este mês consegui um trabalho extra, porém as contas a pagar ainda superam o salário.” Porém é o articulador adequado a esse período, porque contrapõe elementos com orientação argumentativa contrária: O trabalho extra deveria liquidar as contas a pagar, mas não foi o que ocorreu. Há uma contradição entre o primeiro e o segundo argumento, portanto o articulador que deve demonstrar essa relação de oposição de ideias é o porém. 134 Comunicação e Expressão Seria descabido substituir o porém por então ou porque, que indicam, respectivamente, conclusão e causa, pois, com esses articuladores, a argumentação continuaria na mesma linha de raciocínio, contrariando o sentido que o período deseja expressar. Os nexos não são elementos vazios que possam ser permutados um pelo outro sem critérios, pois o uso inadequado resulta em paradoxos semânticos. É fundamental que se defina o sentido que se deseja passar no momento da produção do texto para que se saiba qual articulador deve ser selecionado a fim de estabelecer a correta conexão entre palavras, orações, períodos ou parágrafos. Alguns articuladores estabelecem relações de sentido diferentes, dependendo do contexto de aplicação. Acompanhem as diversas aplicações do articulador como:  Pedro é inteligente como a irmã. (relação de comparação entre dois elementos. Pedro é tão inteligente quanto a irmã.)  Como Pedro já havia avisado, amanhã não teremos aula. (relação de conformidade. Conforme Pedro já havia avisado, amanhã não teremos aula.)  Como Pedro não estudou o suficiente, foi mal na avaliação. (relação de causalidade. Porque Pedro não estudou o suficiente, foi mal na avaliação.) Capítulo 8 Coesão 135 Como estamos vendo, os articuladores apresentam várias possibilidades de sentido. Vamos verificar mais algumas de suas aplicações: 1. Articuladores que estabelecem uma relação de adição, de acréscimo de argumentos: e, também, ainda, nem, não só... mas também, além de, além disso etc. Esses operadores indicam o desenvolvimento do discurso e não a repetição do que já foi dito. Devem ser usados quando a sequência introduzida por eles indicar uma progressão, quando estiver acrescentando um dado novo. Ex.: A prova apresentou um nível intermediário de dificuldade E, com atenção, os alunos conseguiram resolver todas as questões. 2. A prova apresentou um nível intermediário de dificuldade, além de exigência de atenção para responder as questões. 3. Articuladores que estabelecem uma relação de disjunção, de alternância de ideias: ou... ou, ora...ora, quer...quer, seja... seja etc. Ex.: Todos devem realizar a prova do Enem: seja o aluno aplicado, seja o aluno com maior dificuldade de aprendizagem. 4. Articuladores que estabelecem uma relação de oposição, que contrapõem enunciados com argumentos contrários. Podem ser conjunções adversativas (mas, porém, todavia, contudo, no entanto, entretanto) ou conjunções concessivas (embora, ainda que, apesar de, mesmo que). Ex.: Cada área apresenta entre 10 e 11 questões, no entanto, na prova de química foram solicitadas apenas 2 questões. Embora cada área apresente entre 10 e 11 questões, na prova de química foram solicitadas apenas 2 questões. 136 Comunicação e Expressão 5. Articuladores que estabelecem uma relação de CAUSALIDADE ou EXPLICAÇÃO: porque, pois, que, já que, visto que, uma vez que etc. Ex.: Os professores que realizaram a correção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) afirmaram que a prova deste ano foi similar às dos anos anteriores, visto que apresentou o mesmo nível de dificuldade. 6. Articuladores que estabelecem uma relação de comparação de superioridade, inferioridade ou igualdade entre dois elementos: como, assim como, tal qual, tanto quanto, mais que, menos que etc. Ex.: Os professores desta escola são tão bons quanto os da escola em que cursei o Ensino Fundamental. 7. Articuladores que estabelecem uma relação de condição, de possibilidade, hipótese: se, caso, desde que, quando, contanto que etc. Ex.: Se o aluno já possui o hábito da leitura, poderá encontrar, na nossa biblioteca, livros infantis, almanaques e revistas. 8. Articuladores que estabelecem uma relação de finalidade: para, para que, a fim de, com o objetivo, com o intuito de etc. Ex: Para incentivar o hábito de leitura, a Secretaria de Educação de São Paulo já adquiriu 223 títulos de literatura infantil. 9. Articuladores que estabelecem uma relação de conformidade: conforme, segundo, de acordo com, como etc. Ex.: Segundo informação da secretaria de educação de São Paulo, o investimento para aquisição de livros é de R$ 67 milhões. 10. Articuladores que estabelecem uma relação de temporalidade: quando, logo, enquanto, no momento que, assim que etc. Ex.: Quando for esclarecida a real participação do aluno no tumulto, definiremos o que será feito. 11. Articuladores que estabelecem uma relação de conclusão: portanto, então, logo, assim etc. Ex.: Foi esclarecida a real participação do aluno no tumulto, portanto, serão tomadas as devidas providências. Capítulo 8 Coesão 137 É considerável a quantidade de conectores à disposição dos usuários da língua portuguesa. Agora que arrolamos os principais e explicamos sua função coesiva, vamos analisar um trecho em que aparecem os elementos de coesão estudados. A utilização tanto dos anafóricos quanto dos articuladores confere aos textos coesão, concisão e clareza, qualidades indispensáveis para as produções orais e escritas. Vamos finalizar nossa análise sobre a coesão com a música Índios, do autor Renato Russo. Elementos de coesão utilizados na música: • “Se alguém levasse embora até o que eu não tinha” – articulador que expressa condição. • “E o futuro não é mais como era antigamente” – articulador que expressa comparação. • “E fala demais por não ter nada a dizer” – articulador que expressa causalidade. • “Mas nos deram espelhos” – articulador que expressa oposição. • “É só maldade, então, deixar um Deus tão triste” – articulador que expressa conclusão. • “Está em tudo e mesmo assim ninguém lhe diz ao menos obrigado” – articulador que expressa oposição (concessão). 138 Comunicação e Expressão Recapitulando Como vimos neste capítulo, palavras ou frases soltas não são suficientes para formar um texto, para isso é necessário que as suas partes mantenham uma ordenação e uma relação entre si, que estejam de acordo com o sistema linguístico e transmitam a coerência que o autor deseja demonstrar. Essa ordenação é alcançada através da coesão, a qual se estabelece através do emprego apropriado de artigos, pronomes, adjetivos, determinados advérbios e expressões adverbiais, conjunções e numerais, termos ou expressões que funcionam ora como anafóricos, retomando e referindo termos ou trechos já citados, ora como articuladores, fazendo as conexões e transmitindo diferentes sentidos. Referências COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e Textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006. KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2007. SHEIBEL, Maria Fani e VAISZ, Marinice. Artigo CientíficoPercorrendo caminhos para sua elaboração. Canoas: Editora da ULBRA, 2007. Capítulo 8 Coesão 139 Atividades 1) Assinale a alternativa que estabelece a correta relação entre articulador/sentido no trecho “Caso a relação entre exercício físico e melhores notas seja mesmo comprovada, as escolas precisarão rever o investimento em disciplinas como a educação física e outras formas de incentivar o aluno a se exercitar.”: a) caso – articulador de comparação b) caso – articulador de condição c) caso – articulador de explicação d) caso – articulador de concessão e) caso – articulador de consequência 2) Assinale a alternativa correta, identificando que tipo de relação há entre as orações do período “Enquanto o homem vive, está num palco”: a) No período se estabelece uma relação de tempo entre as orações. b) No período se estabelece uma relação de condição entre as orações. c) No período se estabelece uma relação de causa entre as orações. d) No período se estabelece uma relação de proporção entre as orações. 140 Comunicação e Expressão e) No período se estabelece uma relação de conformidade entre as orações. 3) No texto a seguir há palavras que se referem a elementos já mencionados anteriormente no próprio texto, com exceção de: Dinheiro alivia a dor Num estudo da Universidade de Minnesota, dois grupos de voluntários mergulharam as mãos em água quente. Mas o primeiro grupo havia manuseado cédulas de dinheiro antes do teste – e, por isso (1), sentiu 30% menos dor com as mãos na água quente. Os pesquisadores acham que isso (2) acontece porque o dinheiro traz sentimentos muito positivos, que distraem o cérebro. (http://super.abril.com.br/ciencia/ciencia-paixao-573084.shtml) a) primeiro grupo b) isso (1) c) isso (2) d) porque e) que 4) No trecho, “Os pesquisadores acham que isso acontece porque o dinheiro traz sentimentos muito positivos, que distraem o cérebro”, é correto afirmar que o articulador “porque”: a) exprime oposição entre dois períodos. Capítulo 8 Coesão 141 b) exprime uma justificativa do que se declara na oração anterior. c) exprime finalidade. d) exprime uma concessão entre as orações. e) exprime uma condição entre as orações. 5) Assinale a alternativa CORRETA sobre o referente dos anafóricos destacados em: “É um número mínimo na comparação até com países da América Latina, como o Chile, onde a taxa já está em 21% – e também frustrante diante da meta do presente plano de educação, que previa, a esta altura, pelo menos 30% dos jovens brasileiros no ensino superior.” a) o pronome onde retoma número mínimo. b) o pronome onde retoma América Latina. c) o pronome que retoma plano de educação. d) o pronome que retoma meta. e) jovens brasileiros retoma 30%. Daniela Duarte Ilhesca1 Capítulo 9 Crase 1 1 Graduação em Letras e Mestrado em Educação, Professora do Curso de Letras e da disciplina de Comunicação e Expressão. Capítulo 9 Crase 143 Introdução Neste capítulo, abordaremos o estudo da CRASE. A utilização da crase constitui-se em uma dificuldade para muitas pessoas no nosso dia a dia. Empregá-la ou não: eis a questão! Pode parecer, em um primeiro momento, que é muito difícil, no entanto veremos que o seu uso está baseado em regras básicas. Além disso, há casos, algumas vezes denominados de “pecados” por alguns autores, em que temos a restrição do uso do acento indicativo da crase. 9.1 A Crase Antes de nos aprofundarmos nas regras, você saberia identificar se há algum problema quanto ao acento indicativo da crase no trecho a seguir? Iremos a universidade pela manhã, a fim de assistir a apresentação de duas bancas de mestrado. Em ambas as palavras destacadas, há problema e vamos explicitar agora o porquê disso: 1º caso Iremos à universidade pela manhã,... 144 Comunicação e Expressão O termo regente (iremos) pede a presença da preposição A, e o termo regido (universidade) aceita o artigo feminino A, ocorrendo a fusão e gerando a necessidade de uma crase (`). 2º caso ... a fim de assistir à apresentação de duas bancas de mestrado. O termo regente (assistir – sentido de ver) pede a presença da preposição A, e o termo regido (apresentação) aceita o artigo feminino A, ocorrendo a fusão e gerando a necessidade de uma crase (`). A crase é uma dificuldade exclusiva do texto escrito. No texto falado, não percebemos a sua presença, pois não há nenhum som específico que a indique. A função fundamental do acento de crase é indicar a fusão da preposição “a” com o artigo definido feminino “a”, assinalada pelo uso do acento grave (`). A preposição é determinada pela presença do verbo ou nome da frase. É sempre o termo antecedente (termo regente) – a regência de certos verbos e nomes é primordial para determinar a ocorrência de crase – que exige a preposição “a”. Dessa forma, a dificuldade desloca-se para a presença ou não do artigo “a” na estrutura que vamos utilizar, ou seja, no termo consequente (termo regido). Vamos conferir o exemplo a seguir: Capítulo 9 Crase 145 Para não falarmos e escrevermos: “Irei a a universidade”, empregamos o acento indicativo de crase que tem a missão de indicar essa sobreposição de dois “As”, o que pareceria muito estranho na fala e escrita do nosso cotidiano. Existe uma forma bastante simples para averiguar se a crase ocorrerá ou não. Faça a substituição do termo feminino por um termo masculino. Caso ocorra o emprego de AO ou AOS, ocorrerá a crase com o feminino. Senão, ela não será utilizada! Vamos observar os exemplos com substituições a seguir: 1) Irei à farmácia. Irei ao supermercado. 2) O aluno fez alusão à indisciplina. O aluno fez alusão ao problema. 146 Comunicação e Expressão 3) Paguei a dívida. (Aqui, a crase não ocorre, pois, na troca por um nome masculino, obtemos O documento e não AO.) Paguei o documento. Vejamos as possibilidades da ocorrência de crase na Língua Portuguesa: a. pela fusão da preposição a com o artigo a (singular) ou as (plural): Pagarei o recibo à vendedora. Pagarei o recibo às vendedoras. b. pela fusão da preposição a com os pronomes demonstrativos: aquela, aquelas, aquele, aqueles e aquilo: Pagarei o recibo àquela vendedora. Pagarei o recibo àqueles vendedores. Por isso, a fim de aplicar corretamente a crase, em regra geral, é preciso saber se o termo regente aceita a preposição A, e o termo regido aceita o artigo feminino A. Observe: 1º – Viso à carreira de aeromoça. Termo Regente: viso (verbo) – Quem visa, visa a alguma coisa – Regência Verbal Termo Regido: a carreira de aeromoça (palavra feminina) Nesse exemplo, o verbo VISAR (sentido de objetivar) exige a preposição a. Além disso, temos de analisar se a palavra que vem depois aceita o artigo a. A palavra CARREIRA é feminina Capítulo 9 Crase 147 e aceita o artigo a, portanto aplica-se a crase no “Viso à carreira de aeromoça”. 2º – Sou favorável à professora. Termo Regente: favorável (nome) – Quem é favorável, é favorável a alguma coisa – Regência Nominal Termo Regido: a professora (palavra feminina) Nesse caso, o nome FAVORÁVEL exige a preposição a, e PROFESSORA é uma palavra feminina que aceita o artigo a, portanto aplica-se a crase no “Sou favorável à professora”. A diferença entre os dois exemplos anteriores é o tipo de regência estabelecida, porque uma se refere ao verbo e a outra ao nome. Assim, a CRASE, em muitos casos, está ligada diretamente à REGÊNCIA VERBAL ou à REGÊNCIA NOMINAL. Neste momento, passamos a revisar algumas regras importantes relativas ao uso da crase, visto que existem alguns casos obrigatórios, outros em que ela não ocorre e há os facultativos. 9.2 Casos em que SEMPRE ocorre a crase 1. Diante de numerais, apenas, quando houver referência a horas e distância determinadas. Exemplos: A apresentação iniciará às 16 horas. Pedro estava à 100 metros da entrada do parque. 148 Comunicação e Expressão 2. Diante de palavras, quando se subentendem as expressões à moda ou à maneira de. Exemplos: Paulo jogava vôlei à Giba. (maneira) Ana costumava vestir-se à esportiva. (moda) 3. Diante de locuções adverbiais formadas por preposição e palavra feminina. à vista, à direita, à esquerda, às escondidas, às pressas, às vezes, à parte, às claras, à toa, à noite, à tarde, à fantasia... Exemplos: Vire à direita. Às vezes, chove à tarde. Observe que, no exemplo acima, a locução adverbial feminina “à tarde” recebe o acento indicativo da crase, mas, no período “A tarde estava chuvosa”, o a não recebe acento grave, pois apresenta a função sintática de sujeito. Por isso, preste muita atenção no sentido estabelecido pelas locuções em geral. 4. Diante de locuções prepositivas e conjuntivas. Prepositivas: à semelhança de, à custa de, à frente de, à razão de, à procura de, à espera de, à vista de, à cata de, à disposição de... Conjuntivas: à medida que, à proporção que... Capítulo 9 Crase 149 Exemplos: Minha irmã está à procura de um emprego. Estou à espera de informações atualizadas. 5. Diante dos pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo, sempre que forem antecedidos por verbos ou nomes que regem a preposição a. (Dica: substitua estas palavras por: a este (s), a esta (s), a isto) Exemplos: Ontem à tarde, entregaram a mercadoria àquela médica. (a esta médica) Estou atenta àquele material. (a este material) 6. Diante de nomes de lugares que admitem o artigo. Exemplos: Iremos à Espanha. Vamos à Alemanha de avião. Para saber se o nome de cidade aceita ou não o artigo, observe esta regra prática: substituir o verbo ir pelo verbo voltar. Vou à Espanha. Volto da Espanha. Vou à Alemanha. Volto da Alemanha. Vou a Brasília. Volto de Brasília. 150 Comunicação e Expressão Faça o seguinte teste: Se vou À e volto DA, CRASE há. Se vou A e volto DE, CRASE por quê? Se o nome da cidade estiver acompanhado de uma expressão explicativa, ocorrerá crase. Vou à Brasília dos deputados. (o lugar está especificado) 7. Diante das palavras casa e terra determinadas. Exemplos: Minha avó retornou à casa de meus pais. Fui à casa de campo. Os produtores voltaram à terra prometida. A palavra casa, no sentido de residência própria, e terra, como contrário de bordo, não admitem a crase. Exemplos: Regressamos a casa. Os fuzileiros voltaram a terra. 9.3 Casos em que não ocorre a crase 1. Diante de verbos. Exemplos: Não estou apto a trabalhar. Capítulo 9 Crase 151 Eles começaram a acreditar no trabalho desenvolvido. 2. Diante de palavras masculinas. Exemplos: A compra foi feita a prazo. Andei a cavalo no final de semana. 3. Diante de artigos indefinidos (um, uma, uns, umas), mesmo que no feminino. Exemplos: Obedeci a uma regra imposta. Fizemos alusão a um novo acordo. 4. Diante de pronomes, em geral, que repelem o artigo.  pessoal reto e oblíquo: eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/ elas, mim, ti... Exemplos: Entreguei tudo a ele. Ele não revelou nada a mim.  demonstrativo: este(s), esta(s), isto; esse(s), essa(s), isso. Exemplos: Fiz referência a esta aula. Refiro-me a este material. 152 Comunicação e Expressão  de tratamento (exceções: senhora, senhorita) Exemplos: A prefeitura cedeu o auditório a Vossa Senhoria. Pedro entregou a petição a Vossa Excelência? 5. Diante das expressões formadas por palavras repetidas. cara a cara, gota a gota, frente a frente, uma a uma, face a face Exemplos: Ficamos cara a cara. Todos ficaram frente a frente. 6. Diante da preposição a, no singular, seguida de um substantivo no plural. Exemplos: Assisti a bancas interessantes. Sou adepto a terapias alternativas. ATENÇÃO! Se o a estiver seguido de s, haverá o acento indicativo de crase. Sou adepto às terapias alternativas. Capítulo 9 Crase 153 9.4 Casos facultativos 1. Diante de pronomes possessivos femininos. Exemplos: Estávamos todos à(a) sua procura. Entregamos o trabalho à (a) minha professora. 2. Diante de substantivos próprios femininos. Exemplos: Emprestei-o à (a) Ana Maria. Paguei o café à (a) Joana. 3. Depois da preposição até. Exemplos: O evento ocorrerá até à (a) meia-noite. Enviarei-o até à (a) universidade. Recapitulando Neste capítulo, revisamos o funcionamento da crase em nossa língua e esperamos que as regras vistas possam auxiliá-los a partir de agora. O estudo dos processos de regências (verbal ou nominal), habitualmente, diz respeito à análise das situações em que verbos e nomes pedem ou não determinada preposição para desempenhar sua função regente sobre seus complementos. 154 Comunicação e Expressão Por isso, lembre-se sempre de verificar qual é o termo regente e qual é o regido. Referências BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 2009. MARTINS, Dileta Silveira; ZILBERKNOP, Lubia Scliar. Português instrumental: de acordo com as atuais normas da ABNT. São Paulo: Atlas, 2010. SACCONI, Luiz Antonio. Nossa Gramática: teoria e prática. São Paulo: Atual Editora, 2012. Atividades 1) Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas: Nós somos mestiços porque resultamos da mistura de várias culturas, mas pertencemos ____ mesma raiz. Como é poético escutar ____ gaita nas noites frias dos pampas sulinos; do mesmo modo, dançar ao som da décima corda da viola, que traduz ____ música do sertão, eleva o coração. a) à; a; a b) a; à; à Capítulo 9 Crase 155 c) à; a; à d) a; a; a e) à; à; a 2) Preencha corretamente as lacunas do seguinte texto: ____ baixa escolaridade dos aspirantes ao mercado de trabalho é apontada como um entrave ao desenvolvimento do país, mas ____ falta desses anos ____ mais de estudo está longe de ser o principal problema ____ retardar nosso crescimento. Muito pior que a baixa escolaridade é a má escolaridade. a) A; à; à; a b) A; a; à; à c) A; a; a; a d) Há; à; à; a e) Há; a; à; à 3) Assinale a alternativa que justifica corretamente porque não deve ser empregado o acento indicativo de crase no seguinte trecho: “...como somos alienados e pouco informados, tocamos a comprar..” a) Não pode ser empregado, pois é antecedido pelo verbo “tocamos”. b) Nesse caso, a crase é facultativa. c) Não pode ser empregado por estar entre verbos. 156 Comunicação e Expressão d) Não pode ser empregado, pois antecede o verbo “comprar”. e) Não pode ser empregado, pois os verbos estão no gerúndio. 4) Assinale a alternativa correta quanto à crase: a) Vou à Recife. b) Visitamos às tias do interior no domingo. c) Assistimos à uma partida empolgante. d) Recebemos à encomenda. e) Vou à biblioteca. 5) Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas no trecho a seguir: Rosa escolheu essas 15 mulheres entre textos já publicados no jornal espanhol El País. Ao final, percebeu que as eleitas tinham em comum o fato de terem vivido ___ margem de convenções. O que não significa, diz ___ autora, um time só de figuras edificantes. Há mulheres submissas, insanas ou mesmo cruéis – uma capaz de matar ___ própria filha. Mas todas, ___ seu tempo, destoaram do óbvio, do esperado. “Não esqueçamos que, durante muitos séculos, as mulheres que não se adaptavam ao estreito papel do ‘feminino’ estavam condenadas ___ alienação: por que, afinal, o que é a loucura se não que o íntimo sentido do mundo por parte de uma pessoa não seja aceito pela sociedade?”, escreve ___ autora [...] Patrícia Rocha – ZH 17/08/2008 Capítulo 9 a) à – à – a – a – a – a b) a – a – a – a – à – a c) à – a – a – a – à – a d) à – a – a – a – a – à e) a – a – a – a – a – a Crase 157 Almir Mentz1 Capítulo 10 Redação Acadêmica 1 1 Professor do Curso de Letras da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – São Jerônimo e Canoas). Mestre em Letras na Área de Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Capítulo 10 Redação Acadêmica 159 Introdução Escrever não é tarefa fácil. Escrever exige-nos domínio profundo sobre o tema a que nos propomos redigir. Para que a produção textual alcance seu objetivo, isto é, comunicar aquilo que desejamos, é preciso a apropriação de conhecimentos que são obtidos através de leitura e releitura de obras e de textos que tratam da temática sobre a qual temos interesse em redigir. Escrever é, pois, uma atividade dialógica. 10.1 O Texto Acadêmico Como vimos nos capítulos anteriores, a tecelagem do texto está ligada a diversos fatores que auxiliam na redação e no entendimento das ideias expressas pelo autor. Na elaboração de textos acadêmicos temos de dar atenção à argumentação, à dissertação e às qualidades de estilo. Além desses fatores, também é importante termos a preocupação com a correção linguística. A correção gramatical, enfim, permitirá a construção de frases mais compreensíveis. Repetição vocabular é inadequada. Precisamos fazer substituições através do emprego de anafóricos, a fim de que o texto apresente progressivamente suas ideias. Enfim, a linguagem faz parte do texto. O texto acadêmico deve ser claro. Suas ideias não podem ser ambíguas. Por essa razão, adjetivo e advérbios devem ser sempre evitados. Afora a clareza, é imprescindível precisão e simplicidade na redação acadêmica. Isso não significa que haja vulgarização da linguagem. Ao contrário. A linguagem 160 Comunicação e Expressão expressará realmente o que desejamos que seja entendido pelo leitor. Outro aspecto da linguagem acadêmica a ser respeitado refere-se à concisão. No texto acadêmico devemos dizer apenas o essencial. Não convém, então, que o texto seja permeado de ideias supérfluas. As informações desnecessárias devem ser rigorosamente suprimidas. Coesão e coerência são qualidades que aprimoram a construção de um texto acadêmico bem escrito. Aquela está relacionada diretamente aos aspectos gramaticais que articulam as ideias do texto, denominados como articuladores. Esta, por sua vez, ocupa-se da organização das ideias, da argumentação lógica e, consequentemente, da ordem do texto, a fim de que o sentido seja mantido, ou seja, as ideias não fiquem isoladas. A não contradição de ideias, o tempo e pessoa do discurso, e a relação das ideias com logicidade garantem a coerência do texto. Portanto, o entrelaçamento entre a forma e o conteúdo mantém a unidade textual. Passaremos, agora, a analisar alguns gêneros textuais mais comuns à rotina acadêmica. Transitaremos de textos mais simples e menos extensos até textos mais complexos e cuja extensão permitem, desde a apresentação do tema até a análise e conclusão sobre o mesmo. Serão abordados aspectos relevantes sobre a redação, o objetivo e a estrutura do resumo, da resenha, do artigo científico, do ensaio, do relatório e da monografia. Capítulo 10 Redação Acadêmica 161 10.1.1 Resumo Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), resumo é a “apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento”, isto é, a exposição concisa, compacta dos aspectos mais relevantes de um texto. Entretanto, é possível aprimorar e atualizar essa definição. Resumir é muito mais do que apenas selecionar ideias de um texto. Essa seleção deve contemplar as principais abordagens que o autor faz no texto a ser resumido, porém é preciso que haja progressão e articulação das ideias resumidas. Para o sucesso de um resumo, é importante que destaquemos alguns pontos em relação ao conteúdo: a) O assunto do texto; b) O objetivo do texto; c) A articulação do texto; d) As conclusões do autor do texto original. Ao resumir um texto, o autor não deve repetir integralmente frases, o texto, objeto do resumo, nem deve apresentar juízo de valor ou crítica. O resume tem de respeitar a sequência em que são apresentadas as ideias ou os fatos que estão sendo resumidos. A função básica do resumo é tão-somente instrumental razão pela qual este texto deve ser compreensível por si mesmo, ou seja, poderá dispensar qualquer consulta ao texto original. 162 Comunicação e Expressão O resumo é precedido da referência do texto (sobrenome do autor, nome; título da obra; local de publicação do texto; editora; ano; páginas) e, em seguida, é feita a sua apresentação. Na sua construção, deve constar uma sequência de frases afirmativas concisas, cuja estrutura sintática seja composta de sujeito, verbo e seus complementos. Também deve ser elaborado em apenas um parágrafo. A primeira frase deve explicar o assunto do texto. As frases que constituem um resumo devem ser redigidas com verbos na voz ativa e na terceira pessoa do singular. Logo após o resumo, devemos citar as palavras-chave, que representam o conteúdo do texto, separadas cada uma delas por ponto-final. Exemplo: LUCKESI, Cipriano Carlos et al. O leitor no ato de estudar a palavra escrita. In: Fazer universidade: uma proposta metodológica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1985, p. 136-143. Estudar significa enfrentar a realidade para compreendê-Ia e elucidá-Ia. Este enfrentamento pode ocorrer de um lado pelo contato direto do sujeito com o objeto. Isso se dá quando o sujeito opera “com” e “sobre” a realidade. De outro lado, o enfrentamento pode ocorrer pelo contato indireto. Nesse caso o sujeito recebe o conhecimento por intermédio de outra pessoa ou por símbolos orais mímicos gráficos etc. O ato de estudar indiretamente crítico equivale à objetividade na elucidação. O ato de estudar indiretamente será crítico à medida que descreve a realidade como é, sem magnetização pela comunicação em si. A atitude acrítica corresponde à abdicação da capacidade de investigar a alienação e a retenção mne- Capítulo 10 Redação Acadêmica 163 mônica. O leitor que assume uma postura de objeto frente ao texto de leitura é verbalista, ou seja, a aprendizagem não se dá pela compreensão, mas pela reprodução intacta e mnemônica das informações. O leitor sujeito por outro lado compreende e não memoriza avalia o que lê e tem uma atitude constante de questionamento. Na elaboração do resumo não empregamos símbolos que não sejam de uso corrente, nem fórmulas, equações e diagramas, desde que sejam imprescindíveis para o entendimento do texto. Caso seja utilizado qualquer um desses elementos, devemos defini-lo sempre que for feita a referência a ele pela primeira vez. Para realizarmos um bom resumo, é necessário que tenhamos a compreensão do texto a ser resumido. Exige, pois, mais uma habilidade de leitura do que propriamente de escrita. Dessa forma, devemos apreendê-lo através de sua leitura global, assim como das partes que o compõem. Resumo bem elaborado assegura-nos o entendimento do texto e a redação com linguagem própria e objetiva. Para a elaboração de um resumo eficaz, é preciso que sigamos alguns passos, conforme Platão e Fiorin (1995): 1. Ler o texto do começo ao fim. Essa leitura inicial tem como objetivo o entendimento do significado de cada uma das partes do texto. Ao final dessa primeira leitura, o leitor deverá ser capaz de responder à pergunta de que trata o texto? 164 Comunicação e Expressão 2. Reler o texto é fundamental, a fim de compreender o significado de palavras mais difíceis e de frases mais complexas. Além disso, através dessa leitura, fazer a compreensão dos articuladores, responsáveis pelas conexões das ideias. 3. Segmentar o texto em blocos de ideias, que apresentam unidades de significação que estejam relacionadas entre si. 4. Redigir o texto com palavras próprias do autor do resumo, através de resumo. O resumo pode ser indicativo ou informativo. O primeiro aponta apenas os aspectos essenciais do texto original. Exemplo: ROCCO, Maria Thereza Fraga. Crise na linguagem: a redação no vestibular. São Paulo: Mestre Jou, 1981, 184 p. Estudo realizado sobre redações de vestibulandos da Fuvest. Examina os textos com base nas novas tendências dos estudos da linguagem, que buscam erigir uma gramática do texto, uma teoria do texto. São objeto de seu estudo a coesão, o clichê, a frase feita, o “não texto” e o discurso indefinido. Parte de conjecturas e indagações, apresenta os critérios para a análise, informações sobre o candidato, o texto e farta exemplificação. 2 O segundo, o informativo, é analítico. Nele figuram objetivo do texto, métodos e técnicas empregados, resultados e 2 João Bosco Medeiros, 2011, p. 129. Capítulo 10 Redação Acadêmica 165 conclusões. Não devem fazer parte da construção do resumo informativo. Exemplo: ROCCO, Maria Thereza Fraga. Crise na linguagem: a redação no vestibular. São Paulo: Mestre Jou, 1981, 184 p. Examina 1.500 redações de candidatos a vestibulares (1978), obtidas da Fuvest. O livro resultou de uma tese de doutoramento apresentada à USP em maio de 1981. Objetiva caracterizar a linguagem escrita dos vestibulandos e a existência de uma crise na linguagem escrita, particularmente desses indivíduos. Escolheu redações de vestibulandos pela oportunidade de obtenção de um corpus homogêneo. Sua hipótese inicial é a da existência de uma possível crise na linguagem e, através do estudo, estabelecer relações entre os textos e o nível de estruturação mental de seus produtores. Entre os problemas, ressaltam-se a carência de nexos, de continuidade e quantidade de informações, ausência de originalidade. Também foram objeto de análise condições externas como família, escola, cultura, fatores sociais e econômicos. Um dos críticos utilizados para a análise é a utilização do conceito de coesão. A autora preocupa-se ainda com a progressão discursiva, com o discurso tautológico, as contradições lógicas evidentes, o nonsense, os clichês, as frases feitas. Chegou à conclusão de que 34,8% dos vestibulandos demonstram incapacidade de domínio dos termos racionais; 16,9% apresentam problemas de contradições lógicas evidentes. A redundância ocorreu em 15,2% dos textos. O uso excessivo de clichês e frases feitas aparece em 69,0% dos textos. Somente em 40 textos verifi- 166 Comunicação e Expressão cou-se a presença de linguagem criativa. Às vezes o discurso estrutura-se com frases bombásticas, pretensamente de efeito. Recomenda a autora que uma das formas de combater a crise estaria em se ensinar a refazer o discurso falho e a buscar a originalidade, valorizando o devaneio.3 Na redação do resumo, portanto, é preciso que desprezemos os elementos redundantes e supérfluos ou irrelevantes, por exemplo, adjetivos e advérbios. É significativo, ainda, que haja generalização de ideias, isto é, devemos registrar informações de âmbito geral. Isso nos aproxima da tematização. No processo redacional definitivo do resumo, é possível a construção de frases sintéticas que incluam várias ideias combinadas entre si. Na sequência, estudaremos um texto que apresenta características do resumo, contudo acrescentam-se a ele novos e fundamentais elementos, como veremos. 10.1.2 Resenha Resenha é uma espécie de resumo mais abrangente e crítico que possibilita comentário e opiniões, juízo de valor, comparações com outras obras de áreas afins e avaliação relativa a outras obras do gênero. Por isso, esta modalidade de resumo exige do autor conhecimento sobre o assunto, que lhe permite estabelecer comparação com outras obras da mesma área do conhecimento e 3 Op. Cit. p. 129-30. Capítulo 10 Redação Acadêmica 167 capacidade intelectual, a fim de avaliar e emitir julgamentos de valor. Diferentemente do resumo, resenha é um relato detalhado das propriedades de um objeto ou das partes que o compõem. Nele estão inclusos vários gêneros textuais, como a descrição, a narração e a dissertação. Além de servir como instrumento de pesquisa e atualização bibliográfica e de decisão de consultar ou não o texto original, ela possibilita desenvolver a capacidade de síntese, interpretação e crítica. Sua contribuição científica é inegável. Através desse texto, a mentalidade científica do pesquisador é desenvolvida. Afora isso, a produção da resenha contribui com a iniciação científica de quem o realiza e sua produção facilita a elaboração de trabalhos monográficos. A resenha é um texto crítico. Nesse tipo de texto, a linguagem empregada é em terceira pessoa, já que nele há certo tom de neutralidade, pois tanto a presença do emissor quanto a do receptor é imperceptível. Este texto crítico pode se referir a elementos reais, concretos, como uma reunião, palestra... Ademais pode estar ligado a referentes textuais, por exemplo, livros, peças teatrais, filmes. A resenha pode ser descritiva ou crítica. A resenha pode ser descritiva simplesmente, sem que haja nela nenhuma apreciação crítica de quem a elabora. Ela se divide em duas partes. Na primeira apenas damos informações sobre o texto: nome do autor, título completo da obra, nome da editora (se for o caso, da coleção de que a obra faz parte), 168 Comunicação e Expressão lugar e data da publicação, número de volumes e de páginas. Na segunda parte, é importante que seja feita uma breve contextualização como parte introdutória. No entanto, ainda nessa parte, tratamos especificamente do resumo do conteúdo da obra: indicação sucinta do assunto de que trata o objeto da resenha e do ponto de vista empregado pelo autor, bem como o resumo dos seus pontos fundamentais. A estrutura da resenha descritiva consta de: a) Nome do autor; b) Título e subtítulo da obra; c) Nome do tradutor (caso seja tradução); d) Nome da editora; e) Lugar e data da publicação da obra; f) Número de páginas e volumes; g) Descrição sumária de partes, capítulos, índices; h) Resumo da obra; i) Modelo teórico utilizado pelo autor; j) Como o autor construiu sua obra (método); k) Ponto de vista que defende; l) Indicação do resenhista: a quem a obra é indicada; É preciso que o resenhista perceba que nem sempre se ocupará de todos os elementos estruturais de uma resenha. Cabe-lhe discernir que elementos deverão ser abordados por Capítulo 10 Redação Acadêmica 169 ele na elaboração do seu texto. Segundo João Bosco Medeiros (2011), é fundamental uma resenha descritiva de um livro indicar o autor, o título da obra, a editora, o ano da publicação, os capítulos que compõem o livro e um resumo do texto que informe o objeto da obra e o objetivo. Exemplo: Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos (218 páginas), de Eni Puccineili Orlandi, publicado (2001) pela Editora Pontes de Campinas, é uma obra composta de 13 capítulos. Entre eles, ressaltam-se: Análise de discurso e interpretação; A escrita da análise de discurso; Os efeitos de leitura na relação discurso/texto; O estatuto do texto na história da reflexão sobre a linguagem; Do sujeito na história e no simbólico; Ponto final: interdiscurso, incompletude, textualização; Boatos e silêncios: os trajetos dos sentidos, os percursos do dizer; Divulgação científica e efeito leitor: uma política social urbana; A textualização política do discurso sobre a terra. A obra da Professora Eni Puccineili tem como objeto o discurso e seu funcionamento, área da qual jamais se afastou, como se pode verificar pelas dezenas de textos que publicou. Procura, na obra atual, dar resposta às questões “o que é texto?”, “como se textualiza um discurso político, um discurso jurídico, um discurso científico?”, “como os boatos funcionam no espaço social e político?” Ocupa-se a autora das diferentes maneiras pelas quais os sentidos são constituídos, são formulados e circulam. Essas maneiras de constituição dos sentidos são decisivas para a relação do homem com a sociedade, a natureza e a história. O texto é o momento fundamental da 170 Comunicação e Expressão significação em que o sujeito, ao dizer de um modo e não de outro, define a maneira como o sentido faz sentido não apenas para ele mesmo, como também para os outros, para a sociedade em que vive. A autora adota a perspectiva da Análise de Discurso de linha francesa, como o leitor pode verificar pela bibliografia utilizada, pelos posicionamentos e pelos conceitos de que se vale para explicar o discurso. A análise de discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. E é essa mediação, que é o discurso, que torna possível a permanência e a continuidade, o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que vive. Entre outros, o leitor vai deparar com autores citados como Courtine, Ducrot, Maingueneau, Pêcheux. Considera a autora, antes de tudo, a Análise de Discurso uma disciplina da interpretação. Trabalha não só a textualização do político, mas também a polfrica da língua que se materializa no corpo do texto, ou seja, na formulação, por gestos de interpretação que tomam forma na textualização do discurso. Interessa-se pela determinação histórica dos processos de significação, pelos processos de subjetivação, pelos processos de identificação e de individualização dos sujeitos e de constituição de sentidos, assim como por sua formulação e circulação. 4 A resenha crítica tem os mesmos elementos da resenha descritiva, porém somam-se a eles comentários sobre as ideias do autor e julgamento de quem a elabora, sobre as qualidades do objeto da resenha. Nessa tipologia de resenha há também 4 Op. Cit. p. 150-51. Capítulo 10 Redação Acadêmica 171 elementos dissertativos, a defesa do ponto de vista, a apresentação de argumentos e as provas. Exemplo: Referências bibliográflcas ANDRADE, Mário de. Querida Henriqueta: cartas de Mário de Andrade a Henriqueta Lisboa. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1991. 214 p. Informações sobre o autor Já foram publicadas cartas de Mário de Andrade a Manuel Bandeira, a Oneyda Alvarenga (Mário de Andrade: um pouco), a Alvaro Lins, a Fernando Sabino (Cartas a um jovem escritor), a Carlos Drummond de Andrade (A lição do amigo), a Prudente de Morais Neto, a Pedro Nava (Correspondente contumaz), a Rodrigo de Melo Franco, e Anita Malfatti. Em todas elas, é possível verificar a surpreendente revelação da personalidade de Mário de Andrade, seus conhecimentos, suas preocupações, sua dedicação à arte, o entusiasmo com que tratava os escritores iniciantes. Gênero da obra Em Querida Henriqueta, reunião de cartas de Mário à poetisa Henriqueta Lisboa, Mário é tão generoso quanto o fora em A lição do amigo, tão competente quanto o fora nas cartas a Manuel Bandeira. A exposição é sempre franca, os temas abordados variados e a profundidade e o valor humano notáveis. Para alguns, as cartas de Mário, em seu conjunto, estão no mesmo nível que suas criações literárias. 172 Comunicação e Expressão Resumo É possível ver nas cartas o interesse de Mário pela motivação dos iniciantes, analisando com dedicação e competência tudo o que lhe chegava às mãos. Há em seu comportamento o sentido quase de missão estética. As recomendações são as mais variadas: ora sugere alterações, ora a supressão, ora o cuidado com o ritmo, ora com as manifestações de conteúdo cultural. Não é o mestre que fala, mas o amigo. Não é o professor, mas o artista experiente, que sabe o que diz e porque o diz, que tem consciência de tudo o que fala, que leva o trabalho artístico muito a sério. As considerações não são, no entanto, apenas de ordem técnica. Mário de Andrade, por sua argúcia crítica, penetra na análise psicológica. Assim, examina os retratos feitos por diversos artistas, como Portinari, Anita Malfatti, Lasar Segali. Segundo ele, Segali ter-se-ia fixado em seu lado obscuro, quase oculto, malévolo de sua personalidade. A relação angustiada do autor de Macunaíma consigo mesmo aparece nas cartas a Henriqueta Lisboa. Da mesma forma, aparecem o problema do remorso e da culpa, o cansaço diante da propaganda pessoal, do prestígio, da notoriedade, da polêmica. Não silencia sequer a análise das relações com a família. Aqui, não é a imagem de Mário revolucionário e exuberante que apresenta. Não. Também não há lamentações: tudo é exposto com extrema lucidez quanto às virtudes e defeitos. Mário abre o coração numa confidência de quem acredita na amiga e nas relações humanas. Avaliação (Apreciação) As cartas foram escritas de 1939 a 1945, quando Mário veio a falecer. E são mais do que uma fonte de informação ou depósito de ideias estéticas: são um retrato de seu autor, com suas angústias e expansões de alegria, de emoção e de rigidez comportamental.5 5 5 Op. Cit. p. 157-58. Capítulo 10 Redação Acadêmica 173 Resenha não é, portanto, um resumo. O resumo, entretanto, é um dos elementos que a constituem. Quando a resenha for redigida para a publicação em jornais ou revistas, é possível que alguns dos seus elementos possam ser omitidos. Por isso, os elementos que a compõem devem ser rigorosamente observados. Como vimos, resenha está diretamente ligada a elementos reais ou a referentes textuais. O resenhista deve, portanto, manter-se fiel às ideias apresentadas pelo fato concreto ou pelo texto original. No entanto, há gêneros textuais que têm em sua elaboração características e objetivos diferentes. É o caso do artigo científico e do ensaio. 10.1.3 Artigo Científico O artigo científico trata de situações que envolvem problemas científicos. Seu objetivo é o de apresentar o resultado de estudos e pesquisas, que poderá ser publicado em jornais, revistas ou quaisquer outros periódicos especializados. É um texto relativamente curto e deve ser redigido, de preferência, em terceira pessoa. Quanto à estrutura, podemos dizer que é comum ao trabalho científico geral: título, autor, local; resumo em português e em uma língua estrangeira (opcional), porém, quando houver, seja, preferencialmente, em inglês; corpo do artigo que deve ser constituído de introdução, desenvolvimento e conclusão; referências bibliográficas, bibliografia, apêndice, anexos, datas... 174 Comunicação e Expressão No que diz respeito ao conteúdo, ele deve versar sobre temas novos; caso contrário, a abordagem ao tema deve ser atual. O artigo enfoca um argumento seguido da apresentação dos fatos que o provam ou o refutam. Exige do autor do artigo pesquisa aprofundada sobre o tema que será discorrido. Nele há exposição teórica, apresentação e síntese dos fatos e a conclusão. Exemplo: TEMPO E MEMÓRIA EM O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON Profª. Dr. Maria Alice Braga6 RESUMO As memórias são um tipo de escrita que procuram presentificar o passado, na tentativa de recuperar os fatos e as pessoas no contexto temporal. Assim, analisaremos o conto O curioso caso de Benjamin Button, de Scott Fitzgerald, e a narrativa fílmica homônima, dirigida por David Fincher, à luz da passagem do tempo, destacando imagens, apreendidas na memória, tanto no conto como no filme, que marcam etapas da vida da personagem protagonista. 6 Professora de Literatura Brasileira na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – Canoas). Doutora em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Capítulo 10 Redação Acadêmica 175 Palavras-chave: Literatura. Cinema. Tempo. Memória. Imagem. ANÁLISE CRÍTICA Antes de analisarmos o conto do escritor norte-americano Scott Fitzgerald (1896-1940) – O Curioso caso de Benjamin Button -, é importante destacar uma declaração de Fitzgerald bastante intrigante: “Todos os meus personagens são Scott Fitzgerald. Até as personagens femininas são Scott Fitzgerald”. Isso nos leva a pensar que, para o escritor norte-americano, o fio que separa a ficção da realidade é muito tênue, confundindo-se com as imagens retratadas, ora no texto, ora na realidade. Nessa perspectiva, a narrativa inicia com uma referência ao tempo: Lá pelo ano de 1860 era de bom-tom nascer em casa. Atualmente (1920, século XX – nota do autor), segundo me dizem, os altos deuses da medicina decretaram que os primeiros vagidos do recém-nascido devem ser lançados no ambiente anestésico de um hospital, de preferência de um hospital elegante [...] Contarei a história, e o leitor julgará por si mesmo.7 O escritor continua sua história preso ao tempo, o qual dá o caminho para que os fatos sejam narrados de modo orde- 7 FITZGERALD, Scott. Seis contos da era do jazz a outras histórias. Trad. e ensaio introdutório de Brenno Silveira. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 109. 176 Comunicação e Expressão nado, estabelecendo, assim, uma relação com o leitor. Observemos: Na manhã de setembro, consagrada ao grande acontecimento, despertou, nervosamente, às seis horas, vestiu-se [...] a fim de verificar se uma nova vida não havia surgido em meio à escuridão da noite. (p. 110) Após situar o leitor no universo espacial e temporal, o narrador apresenta, então, o protagonista recém-nascido, ainda na maternidade, leiamos: Os olhos do sr. Button acompanharam o dedo da jovem – e eis o que viu. Enrolado num volumoso cobertor branco e comprimido, em parte, num dos berços, lá estava sentado um velho que aparentava cerca de setenta anos de idade. Tinha os cabelos ralos, quase brancos, e de seu queixo pendia uma longa barba de um branco esfumaçado, que oscilava absurdamente de um lado para outro, soprada pela brisa que entrava pela janela. Olhou o sr. Button com olhos turvos, desbotados, nos quais se ocultava uma perplexa indagação [...] Não havia dúvida alguma: estava fitando um homem de setenta anos... um bebê de setenta anos... um bebê de setenta anos – um bebê cujos pés pendiam de ambos os lados do berço em que se achava repousando. (p. 112) O sr. Buttton, desesperado, não sabia o que fazer com aquele bebê de setenta anos. Aterrorizado, ainda na maternidade, afundou-se em uma cadeira perto do filho e escondeu o rosto nas mãos; depois, em conversa com Deus, balbuciou as Capítulo 10 Redação Acadêmica 177 seguintes palavras: “Que é que o povo dirá? Que devo fazer?” (p. 113) Logo, o narrador, onisciente, descreve o clima que se cria com o nascimento de Benjamin: Um quadro grotesco formou-se com terrível nitidez ante os olhos do homem torturado: viu-se caminhando pelas ruas atulhadas de gente da cidade com aquela espantosa aparição a seu lado. (p. 114) O pai, chocado, desejou que antes o filho tivesse nascido negro – talvez a vergonha fosse menor... Assim, em uma sequência temporal, o narrador expõe a passagem da vida do pequeno Benjamin, que, cumprindo um caminho inverso desenvolve-se naturalmente, como podemos observar em várias passagens: Ao completar dezoito anos, Benjamin era ereto como um homem de cinquenta; tinha mais cabelos, e estes eram de um cinza-escuro; o passo era firme, e a voz perdera o tom temido e rachado [...] (p. 121) Diferentemente do filme, a obra literária joga com as palavras para estabelecer a comunicação com o leitor, permitindo, desse modo, que o receptor valha-se da imaginação e da criatividade para ilustrar cada passagem lida. Como podemos observar nas marcações que o autor destaca na narrativa: “Em 1880, Benjamin Button tinha vinte anos [...] indo trabalhar com o pai na Roger Button & Co., Ferragens por Atacado”. (p. 123) 178 Comunicação e Expressão Ou ainda: “Nos quinze anos decorridos entre o casamento de Benjamin Buttton, em 1880, e o afastamento de seu pai dos negócios, em 1895 [...]” (p. 127). Nessa trajetória inversa, Benjamin caminha na direção contrária, desconstruindo as relações de afeto e de amizade porque sua vida se constitui de modo inverso à normalidade, enquanto a sociedade circundante amadurece e envelhece, ele percorre a estrada a caminho da juventude. Sob todos os aspectos suas relações ficam prejudicadas porque ele mesmo não encontra pontos de encontro, principalmente com sua mulher, Hildegarde. Aos trinta e cinco anos, ela já não o atraia tanto, tudo nela perdia cor, enquanto ele adquiria, dia após dia, mais energia, mais entusiasmo pela vida. Benjamin ansiava por desafios, por emoções, sua vida doméstica o desencantava diariamente, até que: [...] em 1898 [...] resolveu alistar-se no Exército. (p. 128) Ao voltar da guerra, depara-se com Hildegarde na casa dos quarenta anos, ele já não consegue mais esconder a juventude que irrompe com a força da natureza e, não tem controle dos apelos do corpo jovem sedento e faminto de vida. Mira-se no espelho e constata que o destino é inexorável – para ele, tudo acontece ao contrário, afastando-o não só da mulher e do filho, mas de todos os seus afetos, pois a sua natureza impõe, entre ele e os seus, um abismo intransponível porque a juventude toma conta de Benjamin, assim como a passagem para a maturidade é o caminho de Hildegarde e dos outros. Benjamin Button sente prazer por sua aparência jovial e deseja aproveitar todas as oportunidades, muitas negadas quan- Capítulo 10 Redação Acadêmica 179 do a idade cronológica lhe impunha como obrigação pessoal e social, como a vaga no Yale College, ou mesmo seu noivado com Hildegarde, realizado a contragosto da família. O tempo passa, mas para o jovem Button ele é seu aliado porque no ano de 1910, o rapaz de vinte anos consegue entrar na Universidade de Harvard, não cometendo o erro, entretanto, de declarar que jamais tornaria a ter 50 anos ou mesmo referir que seu filho, dez anos antes, diplomara-se naquela mesma instituição. A trajetória de desenvolvimento de Benjamin, como de todo homem, é célere. Assim, de aluno aplicado e atleta de ponta do time de rúgbi da universidade, o jovem Button “continua seu desenvolvimento” – depois de três anos, porém, o atleta perde massa muscular, altura, peso e, no final da faculdade, ele é mais leve, mais frágil, mais menino... Após terminar seu curso, em 1914, seguiu para sua casa, em Baltimore, levando no bolso seu diploma. Hildegarde estava residindo então na Itália, de modo que Benjamin foi viver com seu filho [...] Benjamin, que já não persona grata entre as debutantes e universitários mais jovens, via-se bastante solitário [...] (p. 132) Como no ciclo normal da vida, Benjamin também faz o mesmo percurso, com a diferença que, no lugar dos encontros que uma existência proporciona ao indivíduo, o velho/jovem Benjamin experimenta, em cada momento de sua vida, desencontros. 180 Comunicação e Expressão O pai tinha vergonha do filho recém-nascido velho; o filho envergonhava-se do pai velho/menino e nessa condição dual e distante, Benjamin isolava-se do mundo em que vivia. No ano de 1920 (60 anos após seu nascimento), nasceu o primeiro filho de seu filho, observemos: [...] durante as festividades com que o acontecimento foi comemorado, ninguém achou de bom-tom referir-se ao fato de que o garotinho desleixado, de aparentemente dez anos de idade, que brincava pela casa com soldadinhos de chumbo e um circo em miniatura, era avô do recém-nascido. (p. 135-6) Cinco anos depois, o mais jovem da família Button (neto de Benjamin) já tinha idade suficiente para entregar-se às brincadeiras infantis junto a Benjamin, sempre vigiados pela mesma pajem. Um ano mais tarde, o filho de Roscoe ingressou na escola e Benjamin permanecia na pré-escola. Após três anos, o pequeno Benjamin saiu do colégio para ficar somente em casa sob os cuidados de Nana, vivendo a rotina dos bebês, que descobrem o universo que os cerca por meio das imagens, as quais marcam a passagem do tempo: “Gostava de apanhar no cabide uma grande bengala e andar pela casa batendo em mesas e cadeiras, repetindo: ‘Lute, lute, lute’”. (p. 137) Assim, em um processo contínuo em que o limite é um tênue fio que separa a vida da morte ou a juventude da velhice, a relativização do estado de ser constitui-se no tema central da bela narrativa escrita por Scott Fitzgerald, que mostra o fim no início e o início no fim de um ciclo em que apenas as lembranças, apreendidas pelas imagens, são documentos preciosos de Capítulo 10 Redação Acadêmica 181 apreensão da memória, posto que passíveis de vivência. No fim/início da vida de Benjamin, o pequeno experimentou a paz de uma criança dormindo: Não havia lembranças perturbadoras em seu sono infantil. [...] Havia apenas as grades brancas, seguras, de seu berço [...] e uma grande bola alaranjada [...] e dizia ‘sol’. Quando o sol se punha, seus olhos estavam adormecidos: não havia sonho algum que o perseguisse. O passado [...] tudo isso havia se dissipado de seu espírito como um sonho inconsistente, como se nunca houvesse acontecido. Não se lembrava. Não se lembrava sequer, claramente, se o leite era quente ou frio em sua última refeição, ou de que modo os dias passavam: havia apenas seu berço e a presença familiar de Nana. Depois, tudo se tornou escuro, e o berço branco, e os vagos rostos que se moviam em torno, e o cálido e doce aroma do leite se dissiparam de todo de sua mente. (p. 137-8) O curioso caso de Benjamin Button é constituído por memórias de ausências: as figuras que animam o cenário são aquelas que povoaram a velhice, a maturidade e a juventude da personagem protagonista. Cada passagem está eternizada em molduras, posto que o ato de recordar pertence ao presente, mas o reencontro com os entes queridos e com os espaços vivenciados transporta o autor para um tempo passado, permitindo, assim, que ele o reviva, religando o princípio 182 Comunicação e Expressão e o fim e mostrando, ao leitor, que o percurso é a totalidade criadora. Entretanto, o conto de Fitzgerald revela facetas que se opõem às lembranças, pois, ao final da vida (ou no início dela), Benjamin não conseguia recordar nada mais, no berço, percebia leves aromas e ruídos, luz e sombra para... no derradeiro instante, tudo ficar tomado pela escuridão, como se o apagamento do mundo fosse o ponto de partida ou o ponto final de uma existência vista pelo contrário – talvez uma crítica severa ao preconceito da velhice, mas, especialmente, um modo de contar uma história guardada na memória, onde as imagens são arquivos que se abrem com o intuito de revelar o negativo da vida resguardada. Sob esse olhar, o filme dirigido por David Fincher, tem como protagonista Brad Pitt e Cate Blanchett, que vivem uma história baseada no conto focalizado, discorrendo sobre a trajetória de um homem que nasce com oitenta anos e vive na contramão dos acontecimentos naturais, sendo, pois, incapaz de parar o tempo. A crítica contemporânea inclina-se para as relações interdisciplinares e talvez seja a relação com o cinema e a literatura uma das questões mais instigantes do momento. É grande o número de obras que se transformaram em filmes, no entanto, o desafio de transformar uma narrativa em roteiro cinematográfico constitui-se em uma das motivações para as discussões críticas, possibilitando, desse modo, novas interpretações, assim como o estabelecimento de diálogo entre a literatura e o cinema, posto que o diretor e/ou roteirista cinematográficos são, antes de tudo, leitores e, como tais constroem sua obra, a nova obra, a partir de um novo olhar. Capítulo 10 Redação Acadêmica 183 A adaptação de uma obra literária para o cinema sempre causa alguns desequilíbrios, porque há a tendência da comparação exata. A fim de que seja amenizada essa perspectiva redutora, teóricos e estudiosos do assunto propõem análises pontuais com total respeito ao contexto histórico-cultural em que o filme é produzido. Assim, a noção de fidelidade ou infidelidade às obras literárias já não é uma questão a ser resolvida, pois tem mais valor histórico do que teórico em uma análise crítica. (CORSEUIL, 2005). Para Carvalhal (1992), a comparação é um recurso que caracteriza a estrutura do pensamento humano e a organização da cultura. Assim, a crítica comparativa é uma metodologia que serve para desnudar especificidades daquilo que está em foco. Nesse caso, conto e filme – O curioso caso de Benjamin Button. Como estamos centrados no tempo, memória e imagens, vamos seguir na mesma perspectiva, já que o cinema, diferentemente da narrativa literária, vale-se, dentre outros recursos, das imagens e sonoridades para desvelar-se diante do espectador/leitor. Não se pode reproduzir para o cinema aspectos de um livro sem muitas modificações, pois um roteiro não se constitui simplesmente na transposição de uma obra literária para outro formato. O roteiro é uma nova criação com suas próprias leis e características. Para que possamos, então, relacionar as duas obras destacadas, vamos recuperar a narração do filme. Daisy, no hospital, conta, para sua filha Caroline, a história da sua vida, recuperando os fatos registrados no diário de Benjamin Button, pai de Caroline, amor de Daisy. Vamos recuperar a noção de 184 Comunicação e Expressão diário, de acordo com o Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis, que refere o diário como um subgênero marcado pela via do tempo. Para Reis: Diário assenta a sua especificidade [...] no tipo de narração que privilegia: a narração intercalada [...] caracterizada pelo fato de ser uma enunciação narrativa intermitente, ocorrida em momentos de pausa da história, neste caso constituída pelas experiências que o dia a dia vai propiciando ao narrador. (p. 105) No Diário, segundo Staiger (1966, p.72), aquele que escreve, isto é, o autor do documento, liberta-se de cada dia na medida em que se distancia e testemunha os fatos decorridos. Assim, nessa modalidade de escrita, ocorre a fragmentação da história narrada, visto que o ritmo é imposto de acordo com a sucessão dos acontecimentos, também existe forte tendência para a postura confessional. Nessa perspectiva, o filme dirigido por David Fincher, que parte da narração de Daisy e da leitura do diário do próprio Benjamin Buttton, estabelece com o espectador/receptor um pacto de fidelidade na medida em que existe um documento comprobatório da história mostrada. O caráter diarístico assemelha-se à escrita de cartas, visto que focaliza um destinatário, por outro lado, contém traços de uma escrita autobiográfica, pois, em certos momentos, há o distanciamento do narrador na tentativa de recuperar os fatos vividos e transcendê-los para o registro escrito. Essa evocação do passado através do tempo assume a configuração de uma pintura impressionista com ausência de Capítulo 10 Redação Acadêmica 185 fronteiras. A moldura dos quadros, recuperados pela lembrança, não obedece aos limites da tela porque a pintura toma vida e penetra na realidade. Então, Daisy revive a história, ao contá-la para a filha, conferindo veracidade aos fatos para que outra história seja criada. Pois o que importa é o registro das impressões que brotam da alma de quem narra, e o resultado é a criação de tantos quadros quantos se fizerem necessários. Tudo contribui para recriar imagens que a vida abandonou e que só a imaginação, proporcionada pela arte cinematográfica pode reanimar, como: o relógio da gare, construído por um relojoeiro cego, que marca o tempo de modo inverso, causando, assim, desequilíbrios quanto ao processo da marcação do tempo. O tempo é simbolizado, frequentemente, pela Roda, com seu movimento giratório, descrevendo o ciclo da vida; o centro do círculo é o ponto imóvel do ser, o eixo que possibilita os movimentos dos seres, embora oponha-se a este como a eternidade se opõe ao tempo. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2000) Tal definição explica a máxima de Santo Agostinho, sobre o tempo: imagem móvel da imóvel eternidade. Outra imagem que o cinema explora para contar a história de Benjamin, baseado no conto de Scott Fitzgerald, é a constante presença da mulher, representada, fundamentalmente, na mãe adotiva. De acordo com o Dicionário de Símbolos, o significado do termo mãe este ligado ao significado de mar: ambos receptáculos e matrizes da vida. Nascer é sair do ventre da mãe e morrer é retornar à terra (mar e terra simbolizam o corpo materno). Sob esse viés, podemos recuperar trechos da obra fílmica em que a mãe, Queene, dá ao pequeno Benjamin amparo, 186 Comunicação e Expressão amor, ternura, calor e alimentação na mesma medida em que possibilita ao filho o risco da opressão pela estreiteza do meio. Aqui recuperamos o marinheiro, que mostra ao jovem senhor Benjamin o outro lado da vida. Ele é um marujo que vive no mar e inscreve-se no mundo por si, quando tatua o próprio corpo como forma de transgressão, marcando no corpo seu modus vivendi. A tatuagem, do carácter wen, significa linhas que se cruzam, tecelagem, texto – a história do marujo está escrita no seu corpo. Foi desse modo que Benjamin experimentou o sabor dos prazeres da carne, sem, no entanto, perder o senso de direção, pois o marinheiro mostrou a Benjamin o leme, o mar, a vida... E nessa dança de imagens que povoam a tela para contar uma história, recurso do cinema, vamos relembrar a bailarina por quem Benjamin se apaixonou. Daisy dançava – era o seu modo de comunicação com o mundo porque quando as palavras não bastam, apela-se para a dança, seja ela popular ou erudita, individual ou coletiva. Jean Chevalier, no seu Dicionário de Símbolos, pergunta: O que é essa febre, capaz de apoderar-se de uma criatura e de agitá-la até o frenesi, senão a manifestação, muitas vezes explosiva, do Instinto de Vida, que só aspira rejeitar toda a realidade do temporal para reencontrar, de um salto, a unidade primeira, em que corpos e almas, criador e criação [...] se encontram e se soldam, fora do tempo, num só êxtase. A dança clama pela identificação com o imperecível; celebra-o. (p. 319) Capítulo 10 Redação Acadêmica 187 Benjamin e Daisy, cada um, no seu tempo, dançaram sós, porque percorreram tempos diferentes. O curioso caso de Benjamin Button, conto e filme, situa-se num espaço entre a literatura e o cinema. Com a literatura divide as estratégias da ficção, como a construção da trama, não com a exata descrição, mas a criação liberta que busca na realidade o motivo para imaginar. Com o cinema compartilha infinitas possibilidades criativas e relacionais com a arte da palavra, criando linguagem e teorias próprias dentro de um sistema semiótico. Santo Agostinho, em suas Confissões, propõe uma definição do tempo como inseparável da psiquê. Ele destaca que o homem não só nasce e morre “no” tempo, mas, sobretudo, possui a consciência da sua condição temporal e mortal. Desse modo, somente através de uma reflexão sobre a temporalidade pode-se alcançar uma reflexão não aporética do tempo. No que se refere aos acontecimentos ou aos fatos em si mesmos para uma reflexão sobre as imagens que deixam na alma, Santo Agostinho destaca: Ainda que se narrem os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata, não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavras concebidas pelas imagens daqueles fatos, os quais, ao passarem pelos sentidos, gravaram no espírito uma espécie de vestígio.8 8 In: GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre Linguagem memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 75. 188 Comunicação e Expressão Nesse confronto de tempo e memória podemos perceber as incursões do autor/diretor pelos meandros da alma humana em busca, talvez, de respostas para a inexorabilidade do tempo ou, quem sabe, de um lugar no mundo, onde a personagem-protagonista inscreve-se como um ser diferente que caminha na contramão dos acontecimentos, experimentando o gosto da solidão e fragilidade da vida. Referências BONNICI, Thomas, ZOLIN, Lúcia Osana (org.) Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 2. ed. rev. ampl. Maringá: EDUEM, 2005. CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Trad. de Vera da Costa e Silva et al. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. FITZGERALD, Scott. Seis contos da era do jazz a outras histórias. Trad. e ensaio introdutório de Brenno Silveira. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre Linguagem memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 1997. REIS, Carlos, LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de Narratologia. Coimbra: Almedina, 2000. Capítulo 10 Redação Acadêmica 189 10.1.4 Ensaio Ensaio, segundo Medeiros (2011), “é uma exposição metódica de estudos realizados e das conclusões originais a que se chegou após apurado exame sobre o assunto”. Há duas modalidades de ensaio: o informal e o formal. O informal é marcado pela liberdade criadora e pela emoção que envolvem sua elaboração e sua redação. O formal, por sua vez, caracteriza-se pela abordagem mais séria dos objetivos e pela lógica que o texto apresenta. Além dessas distinções entre o ensaio informal e o formal, podemos destacar, ainda, que o formal traz em sua essência brevidade, originalidade e o uso da primeira pessoa. Este tipo de texto é problematizador e, por essa razão, nele está presente o espírito crítico do autor. Exemplo: ESCONDERIJOS DO TEMPO E DA MEMÓRIA Profª Dr. Maria Braga – ULBRA O tempo, transitório e fugaz, só pode ser apreendido na memória. Para o filósofo grego Aristóteles, a memória é uma fruição da imagem, que, segundo ele, é ampliada pela reflexão e leva ao condicionamento do passado como tal, que é a recordação. Sendo a recordação propriedade exclusiva do ser humano, recordar implica, necessariamente, inteligência, pois que ajuda o reconhecimento de um tempo que é passado. Santo Agostinho, em suas Confissões, propõe uma definição do tempo como inseparável da psique. Ele destaca que 190 Comunicação e Expressão o homem não só nasce e morre “no” tempo, mas, sobretudo, possui a consciência da sua condição temporal e mortal. Desse modo, somente através de uma reflexão sobre a temporalidade pode-se alcançar uma reflexão não aporética do tempo. No que se refere aos acontecimentos ou aos fatos em si mesmos para uma reflexão sobre as imagens que deixam na alma, Santo Agostinho diz: Ainda que se narrem os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata, não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavras concebidas pelas imagens daqueles fatos, os quais, ao passarem pelos sentidos, gravaram no espírito uma espécie de vestígio.9 Nesse confronto de tempo e memória pode-se sentir a nostalgia do autor que escreve para viver através da memória. As memórias literárias não passam apenas pelo crivo daquele que lembra, mas também pelo narrador, que traz para o texto um feixe de experiências de linguagem, as quais são revigoradas por possibilidades líricas. Assim, a expressão de tempo em um texto de caráter subjetivo extrapola o real vivido, tornando difícil chamar de realidade o passado, já que não é possível isolar ou definir com precisão esse passado. As memórias literárias escritas conferem ao texto certas garantias de realidade, mas elas são construídas muito mais pelas possibilidades de invenção criativa. Nessa 9 In: GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre Linguagem memória e história. Rio de Janeiro; Imago, 1997, p. 75. Capítulo 10 Redação Acadêmica 191 perspectiva, existe uma troca entre o real e o imaginário, existindo mais espaço para a fantasia. As memórias são um tipo de escrita que procuram presentificar o passado, na tentativa de recuperar os fatos e as pessoas no contexto temporal, não deixando que a inexorabilidade do tempo e o esquecimento apaguem as imagens retratadas cuidadosamente. O sujeito que recorda, nas memórias escritas, constitui-se num controlador da autoria, sendo um manipulador da função estética, dramática e lírica de todas as suas lembranças, em torno do desdobramento do sujeito que viveu. O ato de recordar pertence ao presente, mas o reencontro com os entes queridos e com os espaços vivenciados transporta o autor para um tempo passado, permitindo, assim, que ele o reviva, religando o princípio e o fim – esse percurso é a totalidade criadora. Mário Quintana, em Esconderijos do tempo, desce ao fundo de si mesmo, na medida em que o presente busca as referências no passado e o homem, enquanto vivo, define a sua identidade através do culto e da lembrança dos seus antepassados. Os poemas que compõem Esconderijos do tempo possuem referências ao tempo e à memória que levam o leitor a buscar nos recônditos de um passado distante as motivações que conduziram o poeta a construir sua obra. O poema Intermezzo, por exemplo, refere-se ao tempo: Nem tudo pode estar sumido ou consumido... 192 Comunicação e Expressão Deve – forçosamente – a qualquer instante, formar-se, pobre amigo, uma bolha de tempo nessa Eternidade... (p. 106) O poeta fala em eternidade, isto é, refere-se ao tempo eterno na perspectiva da arte, pois a bolha é o espaço da criação, este intocável e perene na medida em que a arte a vida se eterniza na arte, nessa bolha de que fala o poeta. Em Vida, Quintana reanima a paisagem apreendida em sua memória para buscar as marcas que o fizeram recordar, como as árvores, as esquinas – elementos da paisagem familiar e tão dele, coisas que eram parte de sua vida. Não sei o que querem de mim essas árvores essas velhas esquinas para ficarem tão minhas só de as olhar um momento. Ah! Se exigirem documentos aí do Outro Lado, extintas as outras memórias, só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum de imagens: aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado ou Capítulo 10 Redação Acadêmica 193 uma nuvem perdida, perdida... Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida! (p. 107) O tempo revela-se desde o 4º verso, para ficarem tão minhas só de as olhar um momento – quando a retina do poeta registra a imagem da árvore para retê-la para sempre, pois quando da sua morte, ele destaca, ao pedirem documentos do outro lado da vida, para a entrada no outro mundo, nos versos 6 e 7: extintas as outras memórias, só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum de imagens... a memória que resta ao poeta, como documento, são as imagens, uma pedra lisa, um cavalo ou uma nuvem perdida. Elementos do mundo, cada um pertencente a uma instância da natureza. A pedra representa o reino mineral, duradouro e resistente; já o cavalo é o representante do mundo animal, com tempo de vida determinado, ainda que mais resistente que o homem, e a nuvem, perdida, elemento fugaz, de formação breve. Em Os poemas, Mário Quintana, do mesmo modo, utiliza-se de metáforas para poetar o tempo, quando diz: Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo 194 Comunicação e Expressão como de um alçapão. [...] E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... Para Quintana, os poemas são como pássaros, isto é, livres representantes da alma, que se liberta do corpo, segundo os brâmanes, estabelecendo a intermediação entre a terra e o céu. Assim, o tempo não é medido, simplesmente sentido e apreendido na memória, os primeiros versos ilustram: “Os poemas são pássaros que chegam... Quando fechas o livro, eles alçam voo/como de um alçapão”. O que resta do tempo são os registros guardados na memória – os pássaros revelam esse tempo e os poemas escritos, a memória. O último verso, o alimento deles já estava em ti, culmina, de fato, com a certeza de que o importante é o registro das impressões que brotam da alma de quem narra e o resultado é a criação de tantos quadros, ou poemas, quantos se fizerem necessários. Esconderijos do tempo constitui-se em uma reunião de poemas que tratam das lembranças guardadas ou resguardadas, todas, porém, como metáforas da vida daquele que sabia poetar seus sentimentos. O poema, O baú, revela outra visão dessa vida: Como estranhas lembranças de outras vidas, que outros viveram, num estranho mundo, Capítulo 10 Redação Acadêmica 195 quantas coisas perdidas e esquecidas no teu baú de espantos... Bem no fundo, uma boneca toda estraçalhada! [...] E em vão tentas lembrar o nome dela... e em vão ela te fita... e a sua boca tenta sorrir-te, mas está quebrada! Nesse poema, o poeta fala das lembranças de outras vidas – as vidas de outros, tudo reunido no teu baú de espantos. O baú, imagem recorrente na obra de Quintana, refere-se a um depositório de objetos, lugar sagrado, pois que abriga os guardados de uma vida, fragmentos que possuem história, tempo, memória. Para os antigos hebreus, o baú era o suporte da presença divina, análogo ao tabernáculo, lugar sagrado. O quinto verso, “uma boneca toda estraçalhada”, mostra o conteúdo do baú, com coisas do mundo feminino que o poeta tenta desvendar a seguir, nos versos 12 e 14: “e em vão tentas lembrar o nome dela.../mas está quebrada!” Quer dizer que o mistério não se resolve porque os indícios não podem revelar a história contida no baú de espantos, pois a boneca que fita e tenta sorrir não pode ir além disso, pois está com a boca quebrada. Assim, a história pode ser vista sob o enfoque do olhar da boneca. Nessa perspectiva, as recordações surgem sob a forma de impressões visuais, mesmo as formações espontâneas da me- 196 Comunicação e Expressão mória são imagens permanentes que passam a ser compreendidas no momento em que a criação se encarrega de traduzir os sentimentos. O poema Ray Bradbury, do mesmo modo, contém imagens temporais, como se pode ler no fragmento que segue: Eu queria escrever uns versos para Ray Bradbury, [...] Era no tempo das verdadeiras princesas, nossas belíssimas namoradas [...] Era no tempo dos reis verdadeiramente heráldicos como os das cartas de jogar [...] Era no tempo em que o cavaleiro Dom Quixote Realmente lutava com gigantes, [...] Ray Bradbury é nossa segunda vovozinha velha Que nos vai desfiando suas histórias à beira do abismo - e nos enche de susto, esperança e amor. Capítulo 10 Redação Acadêmica 197 Os versos revelam que as referências ao tempo guardam a memória, como as histórias contadas: Era no tempo das verdadeiras princesas (verso 7); era no tempo dos reis (verso 10); era no tempo em que o cavaleiro Dom Quixote (verso 12) e, assim, essas voltas ao passado recontam a história sob o olhar do poeta. Os versos finais confirmam que a evocação do passado, através do tempo, contém parte da história de vida do poeta e possui o tempo como autor principal porque este artista, sábio na sua interpretação e sensível a ponto de reconhecer os modelos, trabalha lentamente, como se retivesse os detalhes na memória e, aos poucos, fosse completando sua obra até chegar à semelhança com a imagem real. Outro poema que integra Esconderijos do tempo, Crônica, contém versos que mostram as revisitas que o poeta faz ao passado: O tempo se desenrolava como um rio por entre as casas de porta e janela/Pequenas vidas/Pequenos sonhos. Aqui o poema, como uma tela, assume a configuração de uma pintura impressionista com tons esfumados e ausência de fronteiras, pois o tempo escapa dos limites apreendidos pelo olhar e corre sutilmente por entre as casas que compõem a paisagem focalizada na memória de quem conta. Ainda, em O poeta canta a si mesmo, outras referências ao tempo são demonstradas especialmente na segunda estrofe do poema: O poeta canta a si mesmo porque num seu único verso 198 Comunicação e Expressão pende – lúcida, amarga – uma gota fugida a esse mar incessante do tempo... Sempre o tempo permeando a inspiração. Esse tempo que, fugaz enquanto não apreendido na memória, pode transformar o curso da história na medida em que permite ao poeta buscar, nas profundezas do mar, o sentido para sua obra de arte. O poema As mãos de meu pai constitui-se em uma ode à memória, à história e ao tempo como mestre desse andar de Quintana. Os versos a seguir confirmam: As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis sobre um fundo de manchas já da cor da terra - como são belas as tuas mãos - pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos... Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida. E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da Capítulo 10 Redação Acadêmica 199 tua cadeira predileta, uma luz parece vir de dentro delas... [...] E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas... essa chama de vida – que transcende a própria vida ... e que os Anjos, um dia, chamarão de alma. As mãos de meu pai mostram, de modo concreto, o curso da vida, paripassu – como um retrato que permanece no tempo pela apreensão do momento. O poeta vê na figura paterna a própria vida e, assim, pode contar a história de si porque se vê no outro como a si mesmo para compor seu objeto de arte, expressão maior do artista. Quintana, em Esconderijos do tempo, remete-se ao passado, construindo sua obra como se fossem quadros e a moldura destes não obedece aos limites da tela que é elástica na proporção que a pintura toma vida e penetra na realidade. Tudo contribui para recriar imagens que a vida abandonou e que só a imaginação pode reanimar: o tempo interior vivido entre emoções, sentimentos e, especialmente, no quotidiano da vida. Mário Quintana, na busca incessante da escrita, percorre os caminhos nem sempre claros da introspecção para registrar sua memória através da arte, pois pela via da criação ele consegue segurar o tempo. 200 Comunicação e Expressão Referências GAGNEBIN, Jeanne Marie. Sete aulas sobre linguagem memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 1997. GENETTE, Gerard. Discurso da narrativa. Tradução por Fernando Cabral Martins. Lisboa: Vega, 1995. QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. São Paulo: Globo, 1995. ____. Quintana de bolso. Porto Alegre: L&PM, 2006. WILLEMART, Philippe. Bastidores da criação literária. São Paulo: Iluminuras, 1999. VOCÊ SABIA QUE... 1. A elaboração do artigo científico tem como objetivo expressar o resultado de uma pesquisa bibliográfica, documental ou de campo? 2. O artigo deve ser estruturado coerentemente, isto é, de forma sistemática? 3. O artigo não deve expor opiniões como se fossem fatos científicos? 4. As informações expressas em um artigo científico devem estar fundamentadas teoricamente? 5. A linguagem de um artigo deve ser coerente, objetiva, precisa, clara e correta? Capítulo 10 Redação Acadêmica 201 6. Na produção de um ensaio, o seu autor tem mais liberdade, sem que haja necessidade de embasamento teórico, diferentemente da produção do artigo científico? 7. Rigor lógico e coerência argumentativa são indispensáveis na construção de um ensaio, razão pela qual exige de seu autor ampla cultura e maturidade intelectual? 10.1.5 Relatório Relatório é a narração ou a exposição de fatos, com detalhamento de todos os passos que envolvem uma determinada atividade, cuja finalidade é a de informar e orientar a quem esse documento for dirigido. Narração e descrição de fatos fazem, portanto, parte da organização desse gênero textual. Essa modalidade textual deve ser breve. Por essa razão, o profissional que o organiza e o redige deve demonstrar capacidade de organizar sua explanação, sua clareza, objetividade, sistematização e seu poder persuasivo. Relatar pode ser uma prática individual ou coletiva, cujo teor do assunto relatado pode alcançar o cunho confidencial ou ainda o de domínio público. Além disso, realizá-lo não tem o momento determinado. Ao contrário, poderá se tornar uma atividade de rotina, eventual, anual, semestral, ou sempre que for necessário. É importante saber que qualquer assunto poderá ser objeto da elaboração do relatório. Partes que compõem um relatório: 1. Título: Relatório sobre...; 202 Comunicação e Expressão 2. Destinatário: Para...; 3. Remetente: De...; 4. Assunto; 5. Data (poderá estar no final); 6. Vocativo (cargo ou função); 7. Texto: Relato do assunto (introdução, análise, conclusões, sugestões ou recomendações – se necessário); 8. Fecho; 9. Local e data (poderão figurar no início); 10. Assinatura. O relatório também pode apresentar um assunto científico. Durante a vida estudantil, o aluno-pesquisador poderá necessitar, por exigência da instituição de que é aluno ou por se enquadrar num programa de bolsas, registrar o andamento ou a conclusão da pesquisa que possa estar realizando. Seu objetivo é o de relatar o desenvolvimento da pesquisa, bem como o de apresentar os caminhos nela percorridos, além de descrever as atividades e de proceder à apreciação dos resultados parciais ou definitivos obtidos. Quanto à estrutura, esse tipo de relatório contém elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais (ver estrutura da monografia). Capítulo 10 Redação Acadêmica 203 10.1.6 Monografia (TCC) Este gênero textual amplia os horizontes de quem se propõe a realizá-lo. Não é mais aquele texto que o aluno produzia no Ensino Médio. Monografia ou Trabalho de Conclusão de Curso é um texto dissertativo que aborda um assunto particular, com sistematicidade e completude. Esse tipo de texto pode ser de cunho teórico, documental ou de campo. Não importa sua perspectiva, no entanto é importante saber que ele visa a articular e consolidar a formação do aluno através do conhecimento científico em sua área. Essa dissertação deve ter o tom original que nem sempre significa total novidade, haja vista que a ciência está sujeita a constantes revisões teórico-práticas. A monografia é o resultado da revisão bibliográfica realizada pelo autor. A assimilação dos conteúdos ocorre por meio de resenhas ou de confecção de fichamentos. A unidade temática, a investigação pormenorizada e exaustiva dos fatos, a profundidade metodológica e a contribuição da pesquisa para a ciência são características da monografia. Introdução, desenvolvimento e conclusão compõem a estrutura do texto monográfico. Da introdução deve constar de maneira clara o objeto da investigação. Além disso, há necessidade da apresentação da problematização para a qual o pesquisador buscará solução. A justificativa do trabalho, a metodologia empregada para a realização do mesmo e a indicação da bibliografia existente sobre o tema são apresentadas ainda na primeira parte da monografia. 204 Comunicação e Expressão Na sequência do trabalho monográfico, o autor inicia a redação do desenvolvimento. Nessa etapa, são expostas a explicação, a discussão e a demonstração. Nesse momento da construção do texto são apresentados os esclarecimentos, a análise, as provas e a argumentação. Finalmente, na conclusão há uma retomada da unidade temática e das ideias que foram apresentadas durante o trabalho. Trata-se, pois, de um resumo das conclusões que figuraram durante o desenvolvimento do texto monográfico. A linguagem empregada nesse texto deve ser sem adornos, sem rebuscamentos. Para que o leitor não se desinteresse pela leitura do texto, evitemos o excessivo uso de citações e de tabelas. No passado, a linguagem acadêmica e o predomínio da neutralidade demonstravam capacidade intelectual do autor. Hoje, entretanto, um texto sem emoção e sensibilidade, sem que o autor assuma posições e que seja crítico podem ser fatores que motivem a sua leitura. Adequação ao assunto, correção gramatical e estabelecimento da comunicação são aspectos relevantes para a construção do texto monográfico. Ainda em relação à linguagem escrita, é importante que ressaltemos a inadequação do emprego de estrangeirismos. Sempre que houver possibilidade de fazermos a substituição deles por uma expressão equivalente na língua portuguesa é recomendável. A estrutura da monografia é compreendida de elementos pré-textuais, elementos textuais e elementos pós-textuais. A seguir, seguem os componentes de cada um desses elementos, conforme a ABNT. Capítulo 10 Redação Acadêmica 205 a) Pré-textuais obrigatórios: Capa (instituição, título, autor, local, data); Folha de rosto (nome do autor, título, natureza); Verso da folha de rosto (ficha catalográfica); Folha de aprovação; Resumo na língua vernácula; Resumo em língua estrangeira; Sumário. b) Pré-textuais opcionais: Lombada; Errata; Dedicatória; Agradecimento (s); Epígrafe; Lista de ilustrações, de tabelas, de abreviaturas e siglas, de símbolos. c) Textuais: Introdução; Desenvolvimento; Conclusão. d) Pós-textual obrigatório: Referências. e) Pós-textuais opcionais: Glossário; 206 Comunicação e Expressão Apêndice; Anexo (s); Índice. É importante que tenhamos consciência de que os elementos textuais representam o centro do trabalho monográfico. Na Introdução devem figurar o objeto (problema, hipótese, variáveis), o objetivo, o tema, a delimitação temática, a justificativa, a metodologia e a fundamentação teórica. O desenvolvimento, por sua vez, é elaborado através da revisão da literatura, da apresentação dos dados e da respectiva análise. A conclusão é organizada a partir do resumo das breves conclusões que são apresentadas durante o desenvolvimento do trabalho. Para a boa redação de um texto monográfico, é preciso que observemos alguns aspectos relevantes. VOCÊ SABIA QUE... 1. Devemos evitar períodos muito longos? 2. Devemos eliminar o uso excessivo de pronomes e de orações subordinadas? 3. A linguagem utilizada nesse gênero textual deve ser a de metalinguagem? 4. Frequentemente devemos iniciar novo parágrafo, a fim de suavizar a leitura e de facilitar o entendimento do texto? Capítulo 10 Redação Acadêmica 207 5. A finalidade do autor de uma monografia não é a de demonstrar que sabe tudo sobre o tema, porém é a de demonstrar uma hipótese inicial? 6. Não devemos usar pontos de exclamação, nem reticências, nem ironias? 7. Podemos empregar uma linguagem referencial ou figurada? 8. Sempre que utilizar um termo novo ou desconhecido pela primeira vez, devemos defini-lo? 9. Escrever é um ato social e, por essa razão, devemos empregar a primeira pessoa do plural, nós? 10. Não devemos usar artigo antes de nomes próprios, pois seu emprego soa um pouco antiquado e demonstra familiaridade? 11. Não devemos aportuguesar os nomes próprios estrangeiros, somente em caso de sobrenomes tradicionalmente consagrados, como Lutero? Recapitulando Este capítulo tem como objetivo o de orientar os acadêmicos e demais interessados pelo assunto no que tange à realização de trabalhos acadêmicos. Dele fazem parte algumas revisões teóricas gerais concernentes à linguagem que deverá ser empregada pelos acadê- 208 Comunicação e Expressão micos durante a redação dos textos que serão apresentados ao professor. Já que o texto visa à comunicação e à consequente interação entre autor e leitor, ele trata, inicialmente, do seu aspecto dialógico. Na sequência, o desenvolvimento do caráter dissertativo-argumentativo dos gêneros textuais acadêmicos. Por considerar a linguagem parte do texto, este estudo aborda os pontos que devem ser observados na tecedura do texto: correção gramatical, clareza e concisão das ideias, coesão e coerência textuais. Além dessa ênfase, este capítulo propõe-se realizar, detalhadamente, a análise dos gêneros textuais mais comuns ao dia a dia dos acadêmicos: resumo, resenha, artigo científico, ensaio, relatório e monografia. Atividades 1) Leia com atenção as afirmações a seguir: I – A redação acadêmica é dialógica, haja vista ter como objetivo o de comunicar informações científicas ou resultados a partir de leitura realizada pelo acadêmico. II – Na elaboração de textos acadêmicos temos de dar atenção à argumentação e à dissertação e às qualidades de estilo. III – O texto acadêmico deve ser claro; suas ideias, portanto, não podem ser ambíguas. Capítulo 10 Redação Acadêmica 209 IV – No texto acadêmico devemos dizer apenas o essencial, isto é, convém que o texto seja permeado de ideias supérfluas e desnecessárias ao leitor. V – Coesão e coerência são qualidades que aprimoram a construção de um texto acadêmico bem escrito. Quanto à redação do texto acadêmico: a) estão corretas apenas I e III. b) estão corretas apenas I, II e III. c) estão corretas apenas III e IV. d) todas estão corretas, exceto a IV. e) todas estão incorretas. 2) Leia atentamente as afirmativas a seguir: I – Resumir é muito mais do que apenas selecionar ideias de um texto; é contemplar as principais abordagens que o autor faz no texto a ser resumido, porém com progressão e articulação das ideias resumidas. II – A primeira frase do resumo deve explicar o assunto do texto. As frases que o constituem devem ser redigidas com verbos na voz ativa e na terceira pessoa do singular. III – Na sua construção, deve constar uma sequência de frases afirmativas concisas, cuja estrutura sintática seja composta de sujeito, verbo e seus complementos. Também deve ser elaborado em apenas um parágrafo. 210 Comunicação e Expressão IV – Ao resumir um texto, o autor não deve repetir integralmente frases, o texto, objeto do resumo, nem deve apresentar juízo de valor ou crítica. V – Na redação do resumo é preciso que desprezemos os elementos redundantes e supérfluos ou irrelevantes, por exemplo, adjetivos e advérbios. No que diz respeito ao resumo, é correto afirmar que: a) qpenas I e II estão corretas. b) qpenas I e III estão corretas. c) qpenas I, IV e V estão corretas. d) todas estão incorretas. e) todas estão corretas. 3) Escreva V ou F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as afirmações a seguir: a) ( ) Resenha é uma espécie de resumo mais abrangente e crítico que possibilita comentário e opiniões, juízo de valor, comparações com outras obras de áreas afins e avaliação relativa a outras obras do gênero. b) ( ) A resenha é um texto crítico. Nesse tipo de texto, a linguagem empregada é a literária e em terceira pessoa, já que nele há um tom de subjetividade, pois tanto a presença do emissor quanto a do receptor é imperceptível. c) ( ) Resenha pode se referir a elementos reais, concretos, como uma reunião, palestra... Ademais pode estar Capítulo 10 Redação Acadêmica 211 ligada a referentes textuais, por exemplo, livros, peças teatrais, filmes. d) ( ) A resenha crítica tem os mesmos elementos da resenha descritiva, porém somam-se a eles comentários sobre as ideias do autor e julgamento de quem a elabora, sobre as qualidades do objeto da resenha. e) ( ) Resumo e resenha têm as mesmas características. A sequência obtida acima é: a) V, F, V, V, F b) V, V, V, V, V c) F, V, V, V, F d) F, F, V, V, V e) V, F, F, F, V 4) Assinale a alternativa correta: a) Seu objetivo é o de apresentar o resultado de estudos e pesquisas, que poderá ser publicado em jornais, revistas ou quaisquer outros periódicos especializados. É um texto relativamente curto e deve ser redigido, de preferência, em terceira pessoa. b) Quanto à estrutura do artigo científico, podemos dizer que segue a estrutura da resenha e é também comum ao trabalho científico geral: título, autor, local; resumo em português e em uma língua estrangeira (opcional), porém, quando houver, seja, preferencialmente, 212 Comunicação e Expressão em inglês; corpo do artigo que deve ser constituído de introdução, desenvolvimento e conclusão; referências bibliográficas, bibliografia, apêndice, anexos, datas... c) No que diz respeito ao conteúdo, o artigo científico versa sobre temas novos; caso contrário, a abordagem ao tema deve ser atual. d) Há duas modalidades de ensaio: o informal e o formal. O informal é marcado pela liberdade criadora e pela emoção que envolvem sua elaboração e sua redação. O formal, por sua vez, caracteriza-se pela abordagem mais séria dos objetivos e pela ilogicidade que o texto apresenta. e) O ensaio informal traz em sua essência brevidade, originalidade e o uso da primeira pessoa. Este tipo de texto é problematizador e, por essa razão, nele está presente o espírito crítico do autor. 5) Assinala a alternativa correta quanto à elaboração do trabalho monográfico: a) A monografia visa a articular e consolidar a formação do aluno através do conhecimento científico em sua área. Essa dissertação pode ser plágio, pois nem sempre significa originalidade, haja vista que a ciência está sujeita a constantes revisões teórico-práticas. A monografia é o resultado da revisão bibliográfica realizada pelo autor. b) A unidade temática, a investigação pormenorizada e exaustiva dos fatos, a profundidade metodológica e a Capítulo 10 Redação Acadêmica 213 contribuição da pesquisa para a ciência são características da monografia. c) Introdução, desenvolvimento e conclusão são desnecessárias à estrutura do texto monográfico. d) A linguagem empregada nesse texto é impregnada de adornos, com excessivo rebuscamento. Para que o leitor não se desinteresse pela leitura do texto, evitemos o excessivo uso de citações e de tabelas. No passado, a linguagem acadêmica e o predomínio da neutralidade demonstravam capacidade intelectual do autor. Hoje, entretanto, um texto sem emoção e sensibilidade, sem que o autor assuma posições e que seja crítico podem ser fatores que motivem a sua leitura. Adequação ao assunto, correção gramatical e estabelecimento da comunicação são aspectos relevantes para a construção do texto monográfico. e) A linguagem escrita da monografia prima pelo emprego de estrangeirismos. Sempre que houver possibilidade de fazermos a substituição deles por uma expressão equivalente na língua portuguesa é recomendável. Referências ECO, Umberto. Trad. Gilson Cesar Cardoso de Souza. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 2009 (Estudos; 85). 214 Comunicação e Expressão FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1995. MARTINS, Dileta Silveira; ZILBERKNOP, Lúbia Scliar. Português Instrumental. Porto Alegre: SagraLuzzatto, 2002. MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. PIMENTEL, Carlos. A nova redação empresarial e oficial. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2003 (Série Ferramentas do Desempenho). SCHEIBEL, Maria Fani; VAISZ, Marinice Langaro (Orgs.). Artigo Científico: percorrendo caminhos para sua elaboração. Canoas: ULBRA, 2006. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. ver. e atual. São Paulo: Cortez, 2007. ZANOTTO, Normélio. Correspondência e redação técnica. Caxias do Sul: EDUCS, 2002 (Coleção Hotelaria). Gabaritos 215 Gabaritos Capítulo 1 1) b 2) c 3) c 4) b 5) d Capítulo 2 1) d 2) a 3) d 4) e 5) b Capítulo 3 1) b 2) b 3) a 4) 4 5) 3 Capítulo 4 1) d 2) d 3) b 4) c 5) Elaboração própria do aluno Capítulo 5 1) b 2) a 3) d Capítulo 6 1) c 2) a 3) c/e Capítulo 7 1) c 2) b 3) d 4) a 5) e Capítulo 8 1) b 2) a 3) d 4) b 5) c Capítulo 9 1) a 2) c 3) d 4) e 5) c Capítulo 10 1) d 2) e 3) a 4) c 5) b 4) b 4) e 5) a 5) a