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Artigo Apoio tecnológico para treinamento vocacional Projeto-piloto indica possibilidades de ampliação de acesso a cursos online • Rodrigo Laiola Guimarães*, andrea Britto Mattos**, victor Martinêz***, Flávio Gonzalez**** *Engenheiro de Computação e pesquisador na IBM Research **Graduada em Ciência da Computação e pesquisadora na IBM Research ***Pedagogo na APAE DE SÃO PAULO ****Psicólogo e supervisor de qualiicação e inclusão da APAE DE SÃO PAULO 34 Revista Di • no 7 • 2014 A tualmente, as tecnologias da informação e de comunicação estão cada vez mais presentes em nossas vidas, impactando diversos aspectos da sociedade e transferindo muitas atividades e serviços para o mundo virtual (BATISTELLA, 2013). Entretanto, apesar de hoje muitos desfrutarem da era digital, grande parte das populações com deiciência têm acesso restrito a ferramentas digitais e conteúdos online, icando assim à margem da vida contemporânea. Dentro da metodologia do Emprego Apoiado, o apoio tecnológico é reconhecido como um poderoso instrumento para promover mudanças na qualiicação e inclusão social de pessoas com Deiciência Intelectual (DI) (BETI, 2014). Se, por um lado, ainda há pouco hábito em utilizar dispositivos com tela sensível ao toque, como os tablets, para a educação dessas pessoas, por outro lado, esse tipo de dispositivo, à medida que promove uma experiência sensorial e utiliza diferentes recursos multimídia, pode ajudar a estimular e trabalhar diversos sentidos —visão, audição, tato — enriquecendo a experiência do aluno com deiciência (FALCÃO, 2007). Devido às suas diiculdades gerais em memória, atenção, raciocínio lógico, pensamento abstrato e aspectos comportamentais, pessoas com DI podem ser muito beneiciadas por dispositivos capazes de simular a interação através de objetos do cotidiano. Neste artigo, apresentamos um projeto-piloto sobre a utilização de apoios tecnológicos como ferramenta complementar de treinamento vocacional e inclusão social para pessoas com DI. MetodoLogia Este trabalho é parte de um estudo mais amplo sobre o papel da tecnologia na melhoria da formação proissional acessível. Em particular, estamos interessados em entender como as pessoas com DI podem utilizar Cursos Online Abertos e Massivos — do inglês Massive Open Online Courses (MOOCs) — para aprender e desenvolver habilidades relacionadas ao trabalho. Tais cursos, nos quais o aluno tem acesso a um conjunto de vídeos e exercícios explicativos a respeito de um conteúdo especíico, têm demonstrado um grande sucesso pelo mundo e vêm cada vez mais ganhando popularidade também entre estudantes brasileiros. Nossa abordagem integra diferentes aspectos da interação entre as pessoas e o computador, por exemplo, a análise de requisitos, a observação e a avaliação da experiência do usuário. Potenciais usuários foram envolvidos desde o início desse processo, começando com grupos focais e entrevistas, levando à observação de uma aula tradicional de formação proissional para pessoas com DI e, posteriormente, à avaliação de uma plataforma MOOC como uma forma de complementar o processo de aprendizagem tradicional em sala de aula. A APAE DE SÃO PAULO e o Laboratório de Pesquisas da IBM no Brasil têm colaborado intensamente nesse projeto há alguns meses. Começando em fevereiro de 2014, as equipes das duas instituições promoveram uma série de grupos focais para discutir o processo de qualiicação proissional e inclusão de pessoas com DI no mercado de trabalho. Em maio de 2014, pesquisadores da IBM acompanharam uma aula do programa de Emprego Apoiado na APAE DE SÃO PAULO. O programa busca auxiliar e assessorar empresas privadas a cumprir a lei de cotas e também ajudar pessoas com DI a obter e manter um emprego remunerado por meio de treinamento, capacitação e captação de oportunidades. O trabalho conjunto entre as duas instituições nos possibilitou fazer um levantamento preliminar dos principais cursos, metodologias e objetos de ensino utilizados no processo de treinamento vocacional acessível. Em agosto de 2014, a parceria entre a APAE DE SÃO PAULO e o Laboratório de Pesquisas da IBM no Brasil foi oicializada mediante a assinatura de um acordo de colaboração. Durante esses meses, investigamos sistematicamente o uso de mecanismos e tecnologias que poderiam melhorar a experiência de aprendizagem de alunos com DI em sala de aula, bem como o comportamento dos alunos ao manipular tais ferramentas. Antes de avaliar qualitativamente a efetividade de uma nova estratégia de ensino com instrutores e alunos, izemos uma análise comparativa de várias MOOCs disponíveis gratuitamente na Internet. Cabe ressaltar que essas ferramentas não são projetadas com foco em pessoas com DI. Como resultado dessa análise, decidimos pela utilização da plataforma educacional Khan Academy, criada com a missão de “fornecer educação de alta qualidade para qualquer um, em qualquer lugar” (mais informações em www.pt.khanacademy.org), pois sua interface gráica já está traduzida para o Português Brasileiro e parte O próprio instrutor se mostrou bastante surpreso com o desempenho dos alunos, que interagiram com facilidade com o tablet, mesmo os que não conheciam o dispositivo, e com a plataforma educacional Khan Academy Revista Di • no 7 • 2014 35 Por promover uma experiência sensorial e utilizar diferentes recursos multimídia, o tablet poderia ajudar a estimular e trabalhar diversos sentidos (visão, audição, tato), enriquecendo a experiência do aluno com Deiciência Intelectual do conteúdo programático oferecido ia ao encontro do que os alunos de um curso de Emprego Apoiado em andamento exercitavam em sala de aula. Todos os recursos educacionais, como vídeos e exercícios, estão disponíveis gratuitamente e podem ser acessados por meio de um navegador Web no computador ou tablet. eXperiÊncia de aULa coM a pLataForMa KHAN ACADEMY No final de julho de 2014, dois pedagogos do Serviço de Qualiicação e Inclusão Proissional da APAE DE SÃO PAULO foram convidados para entrevistas individuais com pesquisadores da IBM. Nessa oportunidade, os pedagogos interagiram com a plataforma Khan Academy por meio de um tablet e foram orientados a dar suas opiniões quanto à viabilidade da utilização desse tipo de ferramenta digital de apoio em treinamentos vocacionais para pessoas com DI. O objetivo era veriicar se os alunos seriam capazes de compreender e ser beneiciados com a ferramenta, além disso, como poderia funcionar a coordenação em sala para o uso simultâneo de tablets pelos alunos. Em média, cada entrevista durou 2 horas e 30 minutos. Além de contribuir para a compreensão de algumas demandas e desaios enfrentados por alunos e professores durante o treinamento vocacional, as entrevistas ajudaram a deinir e estruturar um projeto-piloto com os alunos do programa de Emprego Apoiado da APAE DE SÃO PAULO. Em agosto de 2014, promovemos uma atividade em sala de aula para avaliar o uso potencial de MOOCs — nesse caso, com a plataforma Khan Academy — em um curso de formação proissional acessível. Além do instrutor, quatro estudantes do programa de Emprego Apoiado da APAE DE SÃO PAULO (três do sexo feminino e um do sexo masculino) participaram do plano de aula. Todos os alunos que participaram têm DI de grau leve ou moderado. A idade dos alunos variou entre 18 e 40 anos, e eles estavam empregados em uma tradicional rede de fast-food parceira da APAE DE SÃO PAULO. Como parte do acompanhamento pós-colocação do programa de Emprego Apoiado, os alunos retornam à APAE DE SÃO PAULO regularmente para aprimorar ou desenvolver um conjunto de habilidades e competências necessárias à atividade proissional que desempenham. Vale destacar que esses alunos passaram por um treinamento de 16 horas antes da realização deste estudo em sala de aula e foram 36 Revista Di • no 7 • 2014 avisados previamente sobre a dinâmica de trabalho. A equipe de pesquisa consistiu de cinco facilitadores, quatro dos quais desempenharam o papel de assistentes particulares de ensino, observando a interação dos alunos com os tablets. A atividade em sala de aula começou com o instrutor do curso vocacional justiicando a presença dos proissionais externos. Em seguida, com um tablet, que era projetado em um telão, o instrutor deu uma breve explicação sobre o dispositivo e sua utilização e perguntou se os alunos já haviam tido contato com um dispositivo semelhante. Dos quatro estudantes, dois disseram que tinham seus próprios tablets, enquanto os outros dois airmaram nunca ter interagido com um antes. O próprio instrutor não se considerava um especialista em tecnologias digitais, mas não encontrou problemas para manusear o dispositivo. Em seguida o instrutor mostrou alguns gestos básicos (como selecionar, deslizar e habilitar o teclado) e demonstrou algumas aplicações no tablet (por exemplo, músicas e vídeos). Durante esse processo, ele incentivou a participação individual, solicitando que os alunos realizassem ações básicas em seu dispositivo (por exemplo, iniciar um aplicativo). Posteriormente, cada aluno recebeu um tablet com o qual poderia interagir livremente por alguns minutos. Os interesses foram variados, desde música e vídeos até jogos. No total, essa primeira parte da atividade durou por volta de 40 minutos. A segunda fase do plano de aula consistiu em uma revisão de aproximadamente 15 minutos sobre como ler as horas em um relógio de ponteiro e de fundamentos básicos de matemática (adição e subtração). Inicialmente, o instrutor exigiu que os alunos colocassem o tablet de lado antes de prosseguirem. Considerando-se que a pessoa com DI apresenta diiculdades em assimilar conteúdos abstratos, o instrutor lançou mão de material pedagógico concreto e de estratégias metodológicas práticas para que os alunos desenvolvessem suas habilidades cognitivas e o conhecimento abstrato. Dessa forma, a ferramenta digital foi utilizada somente para exercitar o conteúdo aprendido. Na sequência, ainda com seu tablet conectado a um projetor, o instrutor mostrou passo a passo como iniciar a aplicação Khan Academy nos tablets (todos os dispositivos haviam sido previamente conigurados com o aplicativo e cada aluno tinha uma conta particular). Para controlar a atividade, o instrutor só avançava para a etapa seguinte depois de todos os alunos alcançarem o mesmo ponto. Observamos que, apesar dos alunos seguirem fotos: Pedro Pavanato agosto de 2014: cenas da atividade em sala de aula para avaliar o uso potencial de ferramentas digitais em curso de formação proissional. Revista Di • no 7 • 2014 37 Apesar de os alunos seguirem corretamente a sequência de passos determinada pelo instrutor, os exercícios sobre tempo e matemática básica eram apresentados em uma ordem diferente para cada um corretamente a sequência de passos determinada pelo instrutor, os exercícios sobre tempo e matemática básica eram apresentados em uma ordem diferente para cada aluno, por restrições da própria plataforma. Isso exigiu que o instrutor mudasse a dinâmica da aula. Em vez de fazer cada exercício e corrigi-lo em grupo, os alunos foram instruídos a fazer de forma independente o conjunto de exercícios que lhes era atribuído pelo sistema, e quando necessário, pedisse ajuda (ao instrutor ou aos facilitadores). Os alunos não icaram intimidados com a presença dos proissionais externos, interagindo de forma natural e espontânea com a equipe. Essa fase durou aproximadamente 50 minutos e foi seguida por entrevistas individuais de 5 a 15 minutos. reSULtadoS e diScUSSÃo De modo geral, a atividade em sala de aula foi considerada muito rica tanto pelos alunos quanto pelo instrutor. Durante a entrevista, o instrutor disse que os alunos se interessaram profundamente pela atividade e icaram muito motivados/realizados por terem acesso à tecnologia. Ele comentou que a interação dos proissionais da IBM com os alunos foi muito boa, talvez sendo um fator a mais de motivação para os alunos. O próprio instrutor se mostrou bastante surpreso com o desempenho dos alunos, que interagiram com facilidade com o tablet, mesmo os que não conheciam o dispositivo, e com a plataforma educacional Khan Academy. Um ponto importante mencionado durante a entrevista foi que, durante a atividade, alguns alunos que costumavam ter mais diiculdades no dia a dia tiveram um desempenho até melhor do que outros com menos diiculdades. Para o instrutor, o uso dos tablets deu oportunidade para os alunos serem mais ativos, o que pode ser bem diferente de uma aula expositiva em que eles eventualmente icam quietos o tempo todo. Essa observação induz a uma relexão sobre a personalização do ensino, levando-se em consideração tanto o peril quanto os estilos de aprendizagem dos alunos. Acreditamos que esse é um tópico de pesquisa muito importante a ser investigado no futuro. Apesar dessa estratégia de ensino ter sido bastante produtiva, o instrutor levantou alguns pontos que devem ser considerados. Na sua opinião, uma atividade como essa deve ser usada como um recurso de apoio (tecnológico), e nem tudo deve ser feito no tablet. Por exemplo, ir direto para o virtual não é recomendável. Outro ponto a ser explorado é a autonomia das pessoas foto: Rodrigo Laiola Guimarães instrutor mostra como ler as horas em um relógio: ferramenta digital foi utilizada somente para exercitar o conteúdo aprendido. 38 Revista Di • no 7 • 2014 com DI. Apesar de hoje os alunos se darem muito melhor sob orientação, deixar que eles mexam e tentem avançar sozinhos é importante e pode ser explorado em trabalhos futuros. Outro desaio enfrentado diz respeito à coordenação e condução da atividade em sala de aula. Constantemente o instrutor precisou trabalhar a disciplina e atenção dos alunos, sempre trazendo-os de volta para o foco da atividade. Apesar de a princípio ser mais fácil ter controle sobre a aula utilizando um material impresso, acreditamos que é preciso explorar mecanismos de coordenação distribuída em múltiplos dispositivos. Tal funcionalidade permitiria ao instrutor ter mais controle sobre a atividade por meio de seu próprio dispositivo. Ainda sob uma perspectiva tecnológica, a utilização de mecanismos de apoio que reforcem os objetos de aprendizagem, resgatem a atenção e guiem os alunos devem ser considerados no projeto de plataformas educacionais para pessoas com DI. ministrados pela APAE DE SÃO PAULO. Baseado em nossos resultados preliminares e observações, é possível compreender melhor as necessidades de alunos e instrutores, assim como identificar possíveis problemas de pesquisa no contexto de treinamento vocacional acessível. Contudo, ainda são muitos os desafios a serem enfrentados e esperamos que alguns dos pontos levantados possam ser levados em consideração no projeto e na implementação de plataformas educacionais para pessoas com DI. concLUSÕeS Neste artigo apresentamos um ensaio sobre a utilização de tecnologias digitais de apoio em cursos vocacionais FALCÃO, T. P. R. F. Design de interfaces tangíveis para aprendizagem de conceitos matemáticos. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007. REFERÊNCIAS BATTISTELLA, L. R. Telecentros: muito além da inclusão digital. Cartilha de Acessibilidade em Telecentros. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deiciência; Governo do Estado de São Paulo, 2013. BETTI, A. P. Perspectivas do Emprego Apoiado. Revista de Deiciência Intelectual, n. 6, p. 12-16, 2014. 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