Sumário
EDiToriAL…………………………………………………………………………………………03
ArTiGoS……………………………………………………………………………………………05
CURSO DE PEDAGOGIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES CRÍTICOS REFLEXIVOS
Vanda Moreira Machado Lima, Yoshie Ussami Ferrari Leite……………………………………06
FORMAÇÃO EM SERVIÇO DE PROFESSORES PARA O USO DAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC) EM PROJETOS DE TRABALHO, VISANDO A
INCLUSÃO ESCOLAR: ANÁLISE DAS DIFICULDADES
Maria das Graças de Araújo Baldo, Monica Fürkotter,
Elisa Tomoe Moriya Schlünzen………………………………………………………………………22
A ETIMOLOGIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM DISCUSSÃO
Maria de Jesus Campos de Souza Belém……………………………………………………………35
O MEIO-AMBIENTE E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA VISÃO DOS ALUNOS DE ENSINO
MÉDIO DE UMA ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL EM MANAUS
Maria Eunice Torres do Nascimento, Evandro Ghedin………………………………………46
RESPONSABILIDADE SOCIAL: UMA QUESTÃO DE GESTÃO, SENSIBILIDADE E VALORIZAÇÃO
DAS PESSOAS
Eliana da Conceição Rodrigues Veras, Adonay Farias Sabá,
Niger Rubens Barros de Paiva………………………………………………………………………61
rESENHAS………………………………………………………………………………………71
AS CONTRIBUIÇÕES DA NOVA BIOLOGIA PARA A EDUCAÇÃO
Josué Cláudio de M. Dantas, Whasingthon Aguiar de Almeida,
Amarildo Menezes Gonzaga…………………………………………………………………………72
O IR, VIR APREENDER O CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO
Mara Regina Kossoski Félix Rezende, Patrícia Farias Fantinel Trevisan,
Amarildo Menezes Gonzaga…………………………………………………………………………76
A BUSCA DA UNIDADE PERDIDA
Joeliza Nunes Araújo, Maria Inez Pereira de Alcântara,
Amarildo Menezes Gonzaga…………………………………………………………………………80
rELATo DE EXPEriÊNCiAS……………………………………………………………………84
INTERNET E PROJETOS DE APRENDIZAGEM: ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO
DA CRIATIVIDADE
Carolina Brandão Gonçalves………………………………………………………………………85
CoNFErÊNCiAS Do ii SEmiNário DE FiLoSoFiA E EDuCAÇÃo
NA AmAZÔNiA……………………………………………………………………………………89
EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E PROCESSOS FORMATIVOS
Silas Borges Monteiro………………………………………………………………………………90
DA RELAÇÃO IMBRICATIVA ENTRE O FAZER PEDAGÓGICO E O FAZER CIENTÍFICO À
PEDAGOGIA COMO CIÊNCIA
Amarildo Menezes Gonzaga………………………………………………………………………102
OLHARES INTERCONECTIVOS SOBRE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO NA AMAZÔNIA
Evandro Ghedin……………………………………………………………………………………109
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
EDITORIAL
Este quarto volume da Revista Ethos e
Episteme, diferente dos anteriores, consegue agregar quatro modalidades das cinco
propostas em seu projeto original. Entendemos isso como um processo de amadurecimento, ainda não completo e com problemas a serem equacionados, próprios das
diiculdades do desenvolvimento que está
em curso.
Reunimos neste número artigos, resenhas, relato de experiências e as conferências apresentadas no II Seminário de Filosoia
da Educação na Amazônia, organizado pelo
curso de Filosoia da FSDB e pela Escola
Normal Superior da UEA, no período de 21
a 23 de novembro de 2006.
Os artigos, centrados em perspectivas
educacionais enfocam desde a formação de
professores discutida nos artigos das Professoras Yoshie Ussami Ferrari Leite e Vanda Moreira Machado Lima, integrantes do
Grupo de Estudo e Pesquisa sobre a Formação de Educadores (GEPEFE) da USP e
Professoras da Unesp. Também as professoras Mônica Fürkotter, Maria das Graças de
Araújo Baldo e Elisa Tomoe Moriya Schlünzen da Unesp de Presidente Prudente, ao
investigarem a formação de professores em
serviço e o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação em projetos de traba-
lho que visa a inclusão social, nos brindam
com seu texto que comunica os resultados
de suas pesquisas. A Professora Maria de
Jesus Campos de Souza Belém, da FSDB,
discute a etimologia da formação de professores polemizando o tratamento dado
aos conceitos de formação inicial e formação
continuada.
Apresenta-se, na seqüência, a visão dos
estudantes do Ensino Médio a respeito do
Meio Ambiente e Educação Ambiental, resultante de pesquisa realizada em escolas da
Rede Pública estadual na cidade de Manaus pela Professora Maria Eunice Torres
do Nascimento da Universidade Federal
do Amazonas e o Prof. Evandro Ghedin da
FSDB e UEA.
No artigo seguinte a professora Eliana
da Conceição Rodrigues Veras e os professores Adonay Farias Sabá e Niger Rubens
Barros de Paiva discutem a questão da responsabilidade social a partir da gestão, sensibilidade e valorização das pessoas.
As resenhas, relato e conferências discutem idéias que possibilitam ampliar nosso
horizonte epistêmico que nos é oferecido
ao tratamento dado aos temas propostos
nestas sessões.
Esperamos que as relexões aqui apresentadas possam animar-nos no desenvol-
3
vimento e disseminação do conhecimento
da realidade através das mais diversas ciências que, consolidadas em seus respectivos
campos do saber, possam instituir novas
práticas sociais que nos façam avançar na
compreensão de nossas práticas, na mesma
medida em que possam ser promotoras da
justiça, da igualdade de condições no reconhecimento das diferenças culturais e na
realização de uma sociedade democrática.
O esforço institucional na produção
deste periódico justiica-se pelo compromisso social assumido com a produção e
disseminação do conhecimento como condição do desenvolvimento humano em suas
dimensões ética, técnica, política e estética.
É por essa e outras razões que convidamos
nossos leitores.
O Editor.
4
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
ARTIGOS
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
CURSO DE PEDAGOGIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
CRÍTICOS REFLEXIVOS1
Vanda Moreira Machado Lima2
rESumo
Yoshie Ussami Ferrari Leite3
ção da realidade escolar e da experiência
dos alunos e, a percepção de que papéis e
documentos não asseguram mudanças reais.
Tais indicadores necessitam ser superados
para garantir a formação do professor crítico relexivo.
O curso de Pedagogia da UNESP, no Campus de Presidente Prudente, constitui um
espaço de formação de professores críticos
relexivos? Essa questão funciona como eixo
norteador deste texto, que se desenvolve a
partir da análise do curso segundo o conceito do professor crítico relexivo e dos
saberes fundamentais à docência (saber da
experiência, saber do conhecimento e saber
pedagógico). O texto resulta de uma pesquisa qualitativa com abordagem de estudo de
caso, porque utiliza a história de vida da pesquisadora, a análise documental e entrevistas
semi-estruturadas. Demonstra como o estudo possibilitou a relexão sobre o processo
de ensino do Curso de Pedagogia em seus
pilares, como a ausência de um compromisso proissional e coletivo dos professores
do curso em relação às metas prioritárias;
a inexistência do trabalho interdisciplinar e
coletivo; a dicotomia entre a teoria e prática;
a frágil proposta de Estágio; a precariedade
dos fundamentos do curso; a não valoriza-
Palavras-chave: Curso de Pedagogia. Professor Crítico Relexivo. Saberes docentes.
introdução
Lembrar-se do passado no presente
possibilita-nos o prazer de contribuir para
a construção do futuro. Ações de ontem inluenciam o hoje e o amanhã, assim como
ações de hoje podem mudar os rumos do
amanhã. A educação tem um papel fundamental, não o único, mas imprescindível na
transformação social. A rapidez e facilidade
com que circulam atualmente as informações na sociedade têm exigido que a escola
repense seu antigo papel de mera transmissora de conhecimentos, alterando também
_____________________
1
O texto constitui uma versão sintetizada da dissertação de mestrado “Curso de Pedagogia: espaço de formação de professor
como intelectual crítico relexivo?”, defendida em maio de 2003, na UNESP/Marília, sob orientação Profª Drª Yoshie Ussami Ferrari
Leite.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da USP, da linha de pesquisa: Didática, Teorias do Ensino e Práticas Escolares.
3
Professora do Departamento de Educação – Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP, Campus de Presidente Prudente, SP.
6
a função do professor diante desse novo
cenário. Ela representa um dos espaços capazes de transformar a sociedade. Para isso,
é necessário que compreenda seu papel no
atual contexto sócio político educacional
brasileiro.
Acreditamos que o papel da escola seja
formar pessoas críticas relexivas, que assumam seu espaço na sociedade como sujeitos históricos, capazes de reletir sobre
a contemporaneidade histórica da escola,
compreender o mundo e escolher o modo
de atuar na sociedade, ao mesmo em que
tempo que respeitam os limites das suas
possibilidades.
O professor é um sujeito que se encontra em constante processo de formação e
trabalha diretamente com os alunos, formando novas gerações, em um espaço especíico,
que é a escola. No momento, urge repensar
os cursos de formação de professores, em
virtude das inúmeras críticas que as pesquisas apontam (GATTI, 1994, 2000; PIMENTA,
1992, 1999, 2002; LIBÂNEO, 1999; LEITE
1994; NUNES, 2000; BRZEZINSKI, 1999; SILVA, 1999, dentre outras). Todas esclarecem
que esses cursos não favorecem a formação
de um proissional capaz de compreender o
signiicado de sua proissão, bem como seu
papel na sociedade. Segundo Nunes (2000),
os cursos de formação de professores propagam um ensino idealizado de aluno/escola,
professor/ensino desvinculado da realidade prática de nossas instituições de ensino.
Além disso, carecem de fundamentação teórico-metodológica e de competência formal
e política para o exercício do magistério.
Em conseqüência dessas considerações,
demonstra-se imprescindível a análise do
processo de formação dos professores, de
modo a responder a esse novo cenário de
atuação, caracterizado fortemente pelas mudanças sociais.
Como as universidades públicas respondem a essas novas exigências formativas?
Como os cursos de Pedagogia preparam
os futuros professores para atuar nesse cenário? Essas questões nos impulsionaram a
desenvolver uma pesquisa que buscou reletir se o curso de Pedagogia da Universidade
Estadual “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT),
Campus de Presidente Prudente, constituiuse espaço de formação de professores críticos relexivos.
A pesquisa qualitativa se fundamenta nos Estudos de Casos, que enfatizam
a compreensão dos eventos particulares
(casos) e “pretendem retratar o idiossincrático e o particular como legítimos em
si mesmos. Tal tipo de investigação toma
como base o desenvolvimento de um conhecimento idiográico” (ANDRÉ, 1984,
p.52). Além do Estudo de Caso, utilizou-se
a História de Vida, já que a relexão sobre
o Curso de Pedagogia se desenvolveu mediante a história de vida e registros de memória de uma aluna do curso (própria pesquisadora). Trata-se, portanto, de enfrentar
o desaio que possibilita analisar o curso de
formação inicial em nível superior através
da relexão do vivido, cujo eixo é a própria
história de vida da pesquisadora “tentando
resgatar pela memória movimentos que,
sendo meus, revelam-se nossos” (FAZENDA, 2001, p.127). Utiliza-se também a análise documental tanto do projeto pedagógico quanto dos planos de ensino do curso,
como entrevistas semi-estruturadas com
alunos matriculados, referentes ao período
entre 1994 a 1998.
1. Professor Crítico Relexivo:
uma Nova Concepção
Por que perguntar-se se é tempo de ser relexivo? O que
é ser relexivo? Quem deverá ser relexivo? Para que ser
relexivo? Sobre que ser relexivo? Como ser relexivo?
E inalmente, é possível ser relexivo? É desejável ser
relexivo? Para onde vamos com a nossa relexão?
(ALARCÃO, 1996, p.173).
7
O conceito de relexão é utilizado na
área educacional por professores, pesquisadores e educadores diversos. A popularidade do conceito relexão “é tão grande que
se torna difícil encontrar referências escritas
sobre propostas de formação de professores que, de algum modo, não incluam este
conceito como elemento estruturador”
(GARCIA, 1992, p.59).
Nos meios acadêmicos, causa estranhamento a reiteração da necessidade de
“professor relexivo”. Uma vez que a capacidade de reletir é uma característica
humana, não seria procedente usar a expressão “professor relexivo” pois é óbvio
que professores – até por força da proissão – pensam, reletem.
O verbete relexão vem do latim relexione e signiica ‘ação de voltar para trás (sic),
de virar’, ‘reciprocidade’. Relexão supõe
razão, um movimento de interrogação, de
ponderação, meditação, capacidade de mudar de direção. O ato de reletir é também o
ato de revelar, de deixar ver, que se instaura
na comunicação e na ação. E como as coisas
não acontecem por acaso, cabe-nos indagar:
por que a ênfase no conceito ‘professor relexivo’?
Conforme Libâneo (2002), o debate sobre o conceito de relexão no Brasil iniciase, de modo arbitrário, em 1960, porque a
história da relexividade começa desde que
o homem se fez homem. Libâneo (2002)
apresenta sete momentos quando o conceito “relexão” surge na história brasileira.
O primeiro vem do Método de relexão
do Ver – Julgar – Agir do movimento da ação
católica4 com o intuito de sistematizar o
exercício da relexão, formando a consciência histórica e crítica dos militantes.
O segundo consiste na proposta de relexividade de Paulo Freire assentada no
processo da ação-relexão-ação, que também visa à formação da consciência política
mediante o diálogo entre educador e educando, num processo de codiicação e descodiicação, fortalecendo a análise crítica da
realidade concreta.
O terceiro retrata o método da relexão dialética no marxismo humanista que
acentuava “a discussão das questões sociais,
históricas, do contexto em sua totalidade e
suas contradições, considerando os objetos
nas suas relações”. (LIBÂNEO, 1999, p.59).
O quarto revela o método da relexão
fenomenológica que possibilitou aos educadores um instrumental de leitura crítica da
realidade, método que compreende toda
ação humana como intencional, e o homem
um criador de signiicados.
O quinto se refere ao movimento preocupado com o desenvolvimento das competências do pensar de alunos e professores,
que iniciou no inal dos anos 70 nos Estados
Unidos e Europa, enfatizando as competências do pensar que levam à relexão, possibilitando a criatividade, a resolução de problemas e outros, além de destacar o currículo,
a metodologia de ensino e a construção de
estratégias intencionalmente planejadas. Essa
idéia não é nova, já está implícita em Dewey,
Piaget,Vygotsky e outros.
O sexto momento apresenta a discussão do professor relexivo que aparecia na
literatura relacionada à formação de professores no inal dos anos 70. Nos anos 80,
constatou-se o efetivo papel dos professores
na melhoria do ensino, em razão de um conjunto de mudanças educacionais. Por volta
dos anos 90, a bibliograia chega às escolas
brasileiras, destacando o papel de relexão
na prática docente como aprimoramento
do trabalho do professor (NÓVOA, CARR,
KEMMIS, PERRENOUD, SCHÖN).
Segundo LIBÂNEO (2002), o sétimo momento aborda os novos entendimentos de
relexividade com a crise do marxismo, os
quais se fundamentam na teoria crítica da
_____________________
4
Esse movimento da ação católica agrupava a JUC (Juventude Universitária Católica), a JOC (Juventude Operária Católica), JEC
(Juventude Estudantil Católica) e JAC (Juventude Agrária Católica).
8
Escola de Frankfurt, a teoria da ação comunicativa, o movimento do professor crítico
relexivo, o intelectual crítico e outros, em
debate no contexto atual.
O conceito de professor relexivo, apropriado e desenvolvido por Schön5 fundamentou-se em Dewey6, segundo Campos (1998),
que o denominou por “pensamento relexivo”, cujo im educacional era “o ensinar a
pensar”, buscando a capacidade para “o ato
de pensar relexivo” que nos emancipa da
ação unicamente impulsiva e rotineira e se
caracteriza pela visão ampla de perceber os
problemas, possibilitando uma análise criteriosa dos mesmos e das possíveis soluções.
desses princípios e, por último, uma prática.
É preciso mudar esse currículo normativo
para buscar uma formação a partir da aprendizagem no “aprender fazendo”.
Schön (1992) destaca quatro momentos
(conhecimento na ação; a relexão na ação; a
relexão sobre a ação e relexão sobre a relexão na ação). Combinados, esses movimentos auxiliam o processo de desenvolvimento
de relexão proissional que envolve a postura do professor, a relexão sobre as atitudes
e diiculdades encontradas e a capacidade de
problematizar e encontrar soluções.
Por outro lado, é possível olhar retrospectivamente e reletir sobre a relexão-naação. Após a aula, o professor pode pensar no que aconteceu, no que observou,
ao signiicado que lhe deu e na eventual
adoção de outros sentidos. Reletir sobre
a relexão-na-ação é uma ação, uma observação e uma descrição, que exige o uso de
palavras (SCHÖN, 1992, p.83).
[...] Sabemos que o uso do termo relexão
na formação de professores foi incorporado pelos educadores brasileiros a partir do
livro de Antônio Nóvoa, Os professores e
a sua formação (1992). O livro apresenta a
visão de vários autores sobre o tema, cujo
foco é conceber o ensino como atividade
relexiva”[...] os autores, posicionam-se
francamente contra a adoção do modelo
da racionalidade técnica na formação de
professores” (LIBÂNEO, 2002, p.65).
Schön (1992, 2000), embora não elabore
o conceito ‘professor relexivo’, propõe um
‘ensino relexivo’ que apresenta a necessidade de formar os professores para a relexão
sobre sua própria prática, analisando suas
ações e decisões. Entretanto, a contribuição
de Schön provocou a construção desse conceito que suscitou críticas7, relacionadas principalmente, à ênfase ao individualismo, à ausência da discussão do contexto institucional
e à relexão da prática dissociada da teoria.
A ênfase na formação do professor relexivo não seria uma forma de culpabilizar
ainda mais o professor, responsabilizando-o
pelos fracassos da educação escolar? A re-
No início da década de 90, segundo vários autores (LIBÂNEO, 2002; PIMENTA,
1999, 2002; GERALDI, 1998; CAMPOS 1998,
MATOS, 1998, dentre outros) o pensamento
de Schön começou a ser difundido no meio
acadêmico como importante contribuição
para a formação de professores no Brasil.
Propõe uma formação de proissionais em
oposição ao modelo teórico da racionalidade técnica, ou seja, que ultrapasse o currículo
proissional normativo, que ensina os princípios cientíicos relevantes, depois a aplicação
_____________________
5
Segundo Campos (1998), Donald A. Schön se licenciou em Filosoia em 1952, pela Universidade de Yale, realizando mestrado e
doutorado na Universidade de Harvad. Schön tornou-se conhecido internacionalmente após seu doutoramento sobre a formação
dos proissionais da Arquitetura, cujo tema central fora a teoria da indagação de John Dewey. Atualmente é Professor de Estudos
Urbanos e de Educação no MIT (Massachusetts Institute of Technology) nos Estados Unidos da América.
6
John Dewey (1859-1952), ilósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano, inluenciou de forma determinante o pensamento pedagógico contemporâneo. Suas obras foram fundamentais para que o movimento da Escola Nova tomasse impulso e se propagasse
por quase todo o mundo. Dewey foi um crítico renitente das práticas pedagógicas que cultivavam a obediência e a submissão, que
até então predominavam nas escolas. Qualiicava-as como maiores obstáculos para o desenvolvimento da educação de crianças,
jovens e adultos (CAMPOS, 1998, p.187).
7
Alguns autores que suscitam tais críticas são:Pimenta (2002), Zeichner (1992), Giroux (1990), Libâneo (2002), Contreras (2002).
9
Além disso, a perspectiva da relexão
necessita de uma análise crítica e contextualizada para não transformar o conceito
de professor relexivo em mero termo, ou
expressão de um modo novo e ambíguo de
pensar que contribui para a elaboração de
um discurso
lexão fundamenta-se exclusivamente na
prática? O saber docente é formado apenas
na prática? Na proissão docente é possível
enfatizar a prática em detrimento da teoria?
As teorias da educação nutrem a prática
docente, uma vez que a relexão embasa-se
não apenas na prática, mas nas teorias da
educação. Os saberes teóricos se articulam
com os saberes da prática, ressigniicandoos e sendo por eles ressigniicados. Dessa
forma, a teoria visa “oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais,
culturais, organizacionais e de si mesmos
como proissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os” (PIMENTA, 2002, p.26).
K. Zeichner8 ressalta a importância de
preparar professores para que assumam
uma atitude relexiva, enfocando o aspecto
coletivo, não enunciado por Schön. O estudioso problematiza a excessiva valorização
que Schön confere
[...] que culpabiliza os professores, ajudando os governantes a encontrarem um discurso que os exime de responsabilidades
e compromissos. Discurso que se reveste
de inovação, porque se apropria da contribuição de autores estrangeiros contemporâneos e dos termos novos que decorrem
de suas teorias. No entanto, ignoram ou
mesmo descartam, a análise do conjunto
de suas teorias e, principalmente, dos contextos nos quais foram produzidas e para
os quais, eventualmente, têm sido férteis
no sentido de potencializar a efetivação de
uma democracia social com mais igualdade, para o que contribui a democratização
quantitativa e qualitativa dos sistemas escolares (PIMENTA, 2002, p.47).
Essas considerações apontam um novo
desaio aos cursos de formação de professores. É imprescindível pensá-la como
conhecimento da escola, enquanto como
organização complexa que tem a função de
promover a educação para e na cidadania;
o conhecimento da pesquisa que envolve a
análise e a aplicação dos resultados e investigações de interesse da área educacional, e,
principalmente, conhecimentos teóricos e
práticos, consolidados no exercício da proissão, fundamentando-se em princípios de
interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social,
ética e sensibilidade afetiva e estética.
Como subsidiar uma proposta de formação de modo a superar a prática de professores transmissores de informações para professores críticos relexivos? Quais os saberes
necessários para que os docentes atuem
como um proissional crítico relexivo?
[...] à autoridade individual do proissional
para identiicar e interpretar as situações
problemáticas que perpassam sua prática,
bem como aponta um certo reducionismo
dessa abordagem, quando esta circunscreve em demasia o processo de relexão à
prática imediata, abstraindo de seu foco
de análise as implicações sociais de ensino.
Zeichner irá ainda defender que a atividade relexiva não se pode manifestar por
uma ação isolada do sujeito. Segundo este
autor, ela exige uma situação relacional
para ocorrer. A prática relexiva deve ser
considerada como uma prática eminentemente social, portanto, só passível de ser
desenvolvida como uma ação compartilhada coletivamente (AQUINO, 2001, p.219).
A discussão da proposta de Schön gera
a possibilidade de alterar a abordagem da
relexão individual do professor para a construção de uma relexão coletiva de professores, ou uma comunidade de relexão.
_____________________
8
Segundo GERALDI (1998), Zeichner foi professor do ensino básico em escolas urbanas, freqüentadas por crianças pobres da
Filadélia e, depois, de Nova York. Iniciou seus trabalhos sobre a formação de professores a partir de 1970.
10
2. objeto de Análise: o Curso
de Pedagogia da FCT/uNESP
Pedagogia da FCT – Unesp prioriza um corpo de conhecimentos que se fundamenta
na formação do professor. A docência constitui a base da identidade do curso, isto é,
representa a mediação para outras funções
que envolvem o ato educativo intencional.
Pensar nos cursos de formação de professores signiica buscar superar a estrutura
curricular, que enfoca apenas a racionalidade
técnica. Nesse sentido, essa pesquisa visou
pensar nos saberes que fundamentam o ato
de ensinar no contexto escolar. Dentre os
vários autores que têm pesquisado os saberes, (TARDIF, 2002; GAUTHIER, 1998; GUIMARÃES, 2005; FIORENTINI, 1998; PIMENTA, 1999, e outros) o ponto de partida para
reletir se o Curso de Pedagogia assegura
a formação do professor crítico relexivo.
Nessa direção, consideram-se essenciais os
parâmetros de análise a utilização da categorização de saberes docentes necessários
apresentados por PIMENTA (1999), como
saberes da experiência, saberes do conhecimento e saberes pedagógicos.
Conforme Pimenta (1999), os saberes da
experiência envolvem dois enfoques.
O primeiro destaca a compreensão que
os alunos possuem sobre o que é ser professor. O fato de freqüentarem a escola como
aluno lhes possibilita dizer quais foram os
bons professores; quais eram bons em conteúdo, mas não sabiam ensinar; quais professores foram signiicativos em suas vidas.
Percebem, também, a desvalorização social,
as diiculdades para realização do trabalho, a
disparidade econômica atribuída à proissão.
Outros alunos, como já atuam como docentes, vivenciam diariamente os desaios do
exercício proissional.
O segundo enfoque do saber da experiência se refere àquele “que os professores
produzem no seu cotidiano docente num
processo permanente de relexão sobre sua
prática, mediatizado pela de outrem – seus
colegas de trabalho, os textos produzidos por
outros educadores” (PIMENTA, 1999, p.20).
O curso de Pedagogia pesquisado surge
em 1959 na Faculdade de Filosoia, Ciências
e Letras (FAFI), substituída pelo Instituto de
Planejamento e Estudos Ambientais (IPEA),
com a criação da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
em 1976, quando o curso de Pedagogia foi
extinto. O IPEA foi incorporado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT). O
curso de Pedagogia reinstalou-se em 1989.
A FCT/UNESP representa a única instituição
universitária de ensino público e gratuito na
região de Presidente Prudente, oeste do Estado de São Paulo. Ela conquistou o respeito
e o reconhecimento em razão de trabalho
sério e comprometido.
Para a pesquisadora, freqüentar o curso
de Pedagogia nessa instituição representou
a possibilidade de uma formação docente
de qualidade, que lhe proporcionou uma
compreensão crítica da sociedade, do papel
social da escola e do professor. Além de um
espaço para aprender a ser professor crítico
relexivo, capaz de assumir um compromisso
coletivo com a educação de qualidade, possibilitou-lhe contribuir para transformação
da sociedade, através da formação de alunos
que se tornarão cidadãos, sujeitos históricos
e conscientes de seu papel social.
O Curso de Pedagogia analisado se
propõe a formar um pedagogo generalista
com a compreensão globalizadora da educação, do processo educativo, das especiicidades dos problemas da sociedade brasileira. Espera que ele seja capaz de atuar
no planejamento e execução dos projetos
educacionais. O curso também busca formar o pedagogo professor, detentor dos
conhecimentos e da capacitação didática a
im de transmiti-los, seja nos anos iniciais
do ensino fundamental, seja em cursos de
formação de professores para atuar nas
mesmas séries. Percebe-se que o Curso de
11
Os saberes do conhecimento se referenciam ao domínio do conteúdo especíico da
área em que o aluno, futuro professor, atuará. O domínio do conteúdo é imprescindível
para que o futuro professor possa propiciar
ao futuro aluno a compreensão de conhecimentos da realidade, desenvolver habilidades
para analisá-los, confrontá-los, contextualizálos, revê-los, operá-los, enim reconstruí-los
com sabedoria. Todo professor tem clareza
que é essencial ter o saber do conhecimento
especíico da área que atuará; contudo, “poucos já se perguntaram qual o signiicado que
esses conhecimentos têm para si próprios;
qual o signiicado desses conhecimentos
na sociedade contemporânea” (PIMENTA,
1999, p.21).
Os saberes pedagógicos representam conteúdos relacionados ao processo de ensino
ao saber lidar com situações da prática social, às necessidades em sala de aula. A aquisição dos saberes pedagógicos se concretiza
a partir da experiência dos formandos e da
relexão sobre a prática que se fundamenta
na teoria. A vivência e a relexão dos contextos escolares favorecem a compreensão da
escola como espaço de formação dos alunos
e professores, como espaço de conhecimento, através do qual o ato de aprender e o de
ensinar ocorrem simultaneamente.
Os saberes pedagógicos se constituem a
partir da prática, que os confronta e os elabora, assim esses saberes não se originam
apenas na prática. O saber teórico fundamenta o saber da prática. Em síntese, os
saberes pedagógicos auxiliam a prática, na
medida em que o ponto de partida são os
problemas reais, os desaios da prática docente, “entendendo, pois, a dependência da
teoria em relação à prática, pois esta lhe é
anterior. Essa característica, no entanto, longe de implicar uma contraposição absoluta
em relação à teoria, pressupõe uma íntima
vinculação com ela” (PIMENTA, 1999, p.28).
Portanto, a relexão e análise sobre o
Curso de Pedagogia se fundamentam nas
questões a seguir: Os saberes da experiência foram contemplados no Curso de Pedagogia? O Curso de Pedagogia propiciou aos
futuros professores o domínio dos saberes
do conhecimento? Como o Curso de Pedagogia desenvolveu atividades referentes aos
saberes pedagógicos?
3. Os saberes da experiência
foram contemplados no
curso de Pedagogia?
Conhecer os alunos, suas experiências,
seus projetos de vida; perceber que cada
sujeito possui uma história única; considerar
que professores e aluno são seres humanos
que inluem um no outro e sofrem a inluência no processo de interação funcionam
como aspectos essenciais para o trabalho
de um professor crítico relexivo que valoriza os saberes da experiência. O curso de
Pedagogia da FCT não se preocupou com
a priorização desses aspectos no trabalho
ou nas atividades do dia-a-dia durante os
cinco anos de formação analisados (19941998). As experiências vivenciadas no espaço universitário mostraram que para muitos
professores, embora esses aspectos estivessem presente no discurso, a ação era outra.
Observavam-se no discurso docente alguns
valores como:
• ênfase na coletividade e no trabalho
interdisciplinar;
• priorização da relexão, da criticidade, da discussão e do debate;
• valorização do conhecimento do aluno, como ponto de partida;
• compreensão da avaliação como diagnóstico para novas ações;
• necessidade de compreensão da realidade política social e econômica,
para uma práxis social conseqüente.
Para a pesquisadora, poucos momentos
no Curso de Pedagogia propiciaram vivenciar
12
crever e reletir sobre a sua produção com
a possibilidade de reescrevê-la signiica uma
das preocupações relativas à formação do
professor crítico relexivo. A ênfase nas
produções dos alunos objetivava apenas a
reprodução teórica do pensamento de autores, sem relacioná-la com a experiência
pessoal. Segundo a pesquisadora, os saberes
da experiência não foram valorizados pelos
professores responsáveis pelas diversas disciplinas no Curso de Pedagogia.
esses aspectos apontados no Projeto Pedagógico do Curso como essenciais ao trabalho
docente. Eles não se viabilizaram na concretude das atividades realizadas no espaço da sala
de aula. Como explicar essa defasagem entre
o discurso e a prática docente?
Conirmando a não valorização dos saberes da experiência no Curso de Pedagogia,
a pesquisadora destaca as atitudes de alguns
professores do curso quanto à produção
escrita dos alunos. Estes chegavam à Universidade com diiculdades de se expressar
por escrito e oralmente, em virtude de suas
histórias pessoais. Como o curso trabalhava
esse aspecto? É possível ignorar essa diiculdade dos alunos? Como o curso desenvolvia
seminários e as produções textuais? Estes,
raramente, eram orientados pelos professores universitários. Esporadicamente, emergia
a preocupação da superação das diiculdades
dos alunos.
A avaliação do trabalho produzido deveria representar um meio de estímulo
para melhorar a produção escrita. Nesse
processo, poderia avaliar o texto nos diferentes aspectos: adequação à proposta,
à norma culta, coesão, coerência, recursos
discursivos e lingüísticos. Em conseqüência,
apontar caminhos para o amadurecimento
da produção, além de estimular a necessidade de retomar ou não algum conteúdo. Na realidade, a devolução da avaliação
(trabalhos, textos, seminários, relatórios
e provas) raramente ocorria. Em alguns
casos, a avaliação se demonstrava extemporânea, o comentário era inexistente e
a reelaboração desestimulada. Em algumas
disciplinas, apenas ao término do período
letivo os alunos recebiam os trabalhos; em
outras, concluíam as atividades sem saber
se haviam sido aprovados ou retidos na disciplina. Para a pesquisadora, a ausência de
uma concepção de avaliação dos trabalhos
escritos não favorecia o amadurecimento e
a autonomia do aluno na produção escrita.
O exercício da escrita-reescrita, ou seja, es-
4. o curso de Pedagogia
propiciou aos futuros
professores o domínio dos
saberes do Conhecimento?
O Curso de Pedagogia, como constava
no Projeto Pedagógico no período de 1994
a 1998, objetivava a formação de professor
para atuar nos anos iniciais do ensino fundamental e nas matérias pedagógicas do Curso
de Magistério, em nível médio. Entretanto, a
pesquisa desenvolvida teve por preocupação
analisar a formação para os anos iniciais, não
priorizando o domínio do conhecimento
para o nível médio.
Partiu-se do princípio que cabe assegurar ao professor dos anos iniciais do ensino
fundamental sólida formação teórica e prática que possibilite uma ação docente crítica
e relexiva envolvendo, pelo menos, dois aspectos centrais: de um lado, a compreensão
crítica do papel social e político da escola e
do professor na formação de sujeitos críticos, relexivos e transformadores da sociedade; de outro, o domínio de conhecimentos especíicos na área de atuação do futuro
professor (docência, gestão e pesquisa).
Em relação às discussões sobre o papel
da escola e do professor na transformação
social, as disciplinas do Curso de Pedagogia
pouco contribuíram para o amadurecimento
e relexões sobre essas questões. Na sala de
13
aula, os textos trabalhados abordavam conteúdos fragmentados, que não asseguravam
uma formação crítica relexiva. Leituras sobre a formação docente e o papel da escola ocorriam de forma esporádica. O curso
apresentava um bom suporte teórico referente aos fundamentos da educação, mas limitada discussão sobre a viabilização dessas
idéias na prática. A teoria, infelizmente, não
era compreendida como nutriente da prática, mas como algo isolado e dicotômico.
Embora estivesse presente na realização
das atividades do Projeto Núcleo de Ensino9,
as análises relexivas ocorreram apenas em
algumas disciplinas curriculares. Dada sua natureza, o projeto não atendia todos os alunos
matriculados no curso, mas somente alguns.
Em relação aos conhecimentos especíicos
da área de atuação docente, a análise envolveu principalmente as disciplinas relacionadas
às Metodologias10, que possuíam, cada uma
delas, a carga horária de 90 horas/aula anual.
O montante evidencia a fragilidade da formação, visto que o curso enfatiza, segundo carga
horária apresentada acima, uma preocupação
maior na formação teórica caracterizada pelas disciplinas de fundamentos, em detrimento
dos conteúdos metodológicos preocupados
mais com a ação na prática de sala de aula. É
possível discutir/conhecer os conteúdos especíicos para os anos iniciais do ensino fundamental de comunicação e expressão com
apenas 90h/a? Como possibilitar que a teoria
fomente a prática desse professor?
Infelizmente, no Curso de Pedagogia analisado, os debates travados em sala de aula
demonstravam-se desvinculados da realidade, já que não articulavam teoria e prática.As
Metodologias não possibilitavam aos futuros
professores quer a compreensão, quer a discussão dos conteúdos das respectivas disciplinas com as quais atuariam futuramente.
Além desses problemas, o Projeto Pedagógico do Curso e a realidade das aulas não
constavam os conteúdos relacionados à Metodologia do Ensino de Arte e de Educação
Física, cujos conteúdos também são de responsabilidade do professor dos anos iniciais
do ensino fundamental. Dessa forma, mostrase com clareza a dicotomia entre a teoria e a
prática e a ausência dos conhecimentos especíicos de Arte e Educação Física.
Enim, os saberes do conhecimento, tanto os conteúdos referentes ao papel da escola e do professor, como os conhecimentos
especíicos da área de atuação do proissional docente não foram trabalhados ao longo
dos cinco anos do curso da forma apropriada aos objetivos da formação.
5. Como o curso de Pedagogia
desenvolveu atividades
referentes aos saberes
pedagógicos?
Os saberes pedagógicos auxiliam na
formação do professor crítico relexivo, na
medida em que consideram a realidade, os
problemas e os desaios da prática docente,
através de atividades que possibilitem vivências de atividades mais identiicadas para a
intervenção pedagógica. Diferentemente, no
Curso de Pedagogia predominavam aulas
expositivas e alguns momentos de seminá-
_____________________
9
Projeto Núcleo de Ensino da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP, Campus de Presidente Prudente, foi instalado em 1991,
sob a coordenação dos professores Yoshie Ussami Ferrari Leite, Alberto Albuquerque Gomes e Gelson Guibu. Deste Projeto, participavam professores da Universidade, alunos do Curso de Pedagogia e professores do Curso Normal e/ou CEFAM. O trabalho
manteve-se ativo, reletindo e intervindo na melhoria da qualidade do processo de formação dos professores da escola pública,
antes no curso de Habilitação Especíica do Magistério (HEM) e depois, no Centro Especíico de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério (CEFAM). Contou com o inanciamento da FAPESP, para pagamento de bolsas aos professores do CEFAM/HEM, assegurando dessa forma condições para que os mesmos pudessem desenvolver pesquisas sobre suas práticas pedagógicas. Contou
também, com a FUNDUNESP, para pagamento de bolsas para os alunos do Curso de Licenciatura em Pedagogia, estagiárias do
projeto. As reuniões eram semanais e as atividades se realizaram até por volta de 2003.
10
Metodologia do Ensino de 1º grau: Comunicação e Expressão, Alfabetização, Estudos Sociais, Matemática e Ciências.
14
rios que se resumiam a repetições de textos
teóricos, prática que não conduzia à análise
dos problemas efetivos que envolvem o trabalho docente. Segundo a pesquisadora, as
aulas, geralmente, restringiam-se a comentários dos professores sobre os textos utilizados em sala. Ainda que, a inalidade fosse
a discussão e o debate, as atividades desenvolviam-se como monólogos. Em alguns
momentos, ocorriam escassas participações
com comentários de dois ou três alunos.
Raros eram aqueles que liam os textos propostos para as aulas; e as razões eram várias:
alguns não tinham dinheiro para reproduzir
o material, outros não tinham tempo para
providenciar os textos em virtude do trabalho, outros não buscavam empreender as
leituras por puro desinteresse.
O seminário revelou-se como outra metodologia do curso. Consistia na exposição
e repetição das idéias teóricas dos autores.
No entanto, para sua elaboração, os alunos
raramente recebiam orientações, o que os
deixava inseguros e amedrontados durante
a exposição. A pesquisadora vivenciou uma
outra experiência mais enriquecedora para
sua formação, no terceiro ano do curso sobre essa atividade na disciplina de Estrutura
e Funcionamento do Ensino Fundamental e
Médio. A orientação comprovou o diferencial. A professora apresentava diversos temas relacionados à compreensão crítica e
relexiva do papel social e político, fosse da
escola pública, fosse do professor na transformação da sociedade. A turma formava
grupos e escolhia os temas. Cada grupo recebia um conjunto de textos que eram lidos
e discutidos. Num segundo momento, produzia-se uma síntese teórica que auxiliava
na compreensão dos problemas existentes
na escola pública brasileira. Após correção,
o texto básico era devolvido à sala com antecedência para leitura prévia. Apenas neste
momento, ocorriam os seminários, durante
os quais o grupo responsável coordenava
os trabalhos, articulava a discussão entre o
texto e a realidade da escola pública, assegurando a participação dos colegas.
Outra vivência muito enriquecedora foi
desenvolvida junto à disciplina de Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação de
Currículo para o 1º grau. Ela consistiu em
realizar um diagnóstico em salas dos anos
iniciais do ensino fundamental da escola pública. O passo seguinte foi elaborar um plano de atividades de ensino, para aplicação na
sala observada. Na seqüência, a experiência
era relatada e avaliada junto aos professores
responsáveis pelas salas, onde as atividades
tinham sido desenvolvidas. Um processo
concomitante ocorria com os discentes do
curso de Pedagogia. Essa foi a única experiência docente, vivenciada pela pesquisadora,
ao longo dos cinco anos do curso de Pedagogia da FCT/UNESP.
Aulas expositivas e seminários patenteavam-se como estratégias recorrentes nos
planos de ensino, embora ocorressem outras
propostas de metodologia, como: estudos
dirigidos, pesquisas bibliográicas, trabalhos
práticos, recursos literários e /ou cinematográicos, discussão de textos, elaboração de
textos e/ou relatórios, ichamentos, pesquisas históricas, estudos de casos, confecção e
análise de materiais didáticos, elaboração de
planos de ensino.
A articulação entre a teoria e a prática
deve estar presente durante todo o processo formativo do professor como seu
eixo norteador na organização do estágio,
espaço privilegiado para oferecer ao futuro professor possibilidades para conhecer
com profundidade e criticidade as condições políticas, sociais, históricas e culturais
do processo educacional concreto em que
irá atuar. Conhecer a realidade escolar representa a pedra fundamental para a construção da identidade dos professores.
A análise da realidade, durante a observação deveria provocar discussões e debates à
luz da teoria. Eles fundamentariam a relexão
sobre a prática, com o intuito de alterá-la ou
15
tos cientíicos (congressos, colóquios, seminários) que constituíram enriquecedores
momentos de partilha e de troca de idéias
com universitários de diferentes regiões
do país. Nessas atividades, a pesquisadora
ampliava seus olhares, suas argumentações,
além de exercitar o domínio da socialização
do conhecimento acadêmico. É pertinente
caracterizar o campo da pesquisa como um
caminho norteador para a formação do professor crítico relexivo.
O espaço político funciona como estimulador de atuação nos colegiados, como
Conselho de Curso, Centro Acadêmico Paulo Freire (C.A.), Diretório Acadêmico (D.A.),
Conselho de Departamento, Conselho Municipal de Educação e outros. A experiência
como representante nesses colegiados, segundo a pesquisadora, ensinou-lhe o valor da
luta por uma educação pública de qualidade,
da força do trabalho coletivo que se enriquece com a diversidade de idéias e valores das
pessoas envolvidas. Enfrentou o desaio de
representar um grupo, e, principalmente, de
precisar o que signiica “representatividade”
e qual o papel dos colegiados na busca social
e política pelas mudanças e qualidade do ensino. Tais discussões foram fundamentais na
formação da pesquisadora como professora
em processo de desenvolvimento proissional, cuja concepção nega a técnica burocrática e busca a criticidade e a relexão.
A Universidade representa também espaço cultural, visto que proporcionava diversos momentos culturais envolvendo a arte,
eventos ligados à poesia,ao teatro,às artes
plásticas, e ainda outras programações organizadas, em sua maioria, pelo C.A. e D.A.
Havia outras atividades organizadas pela
FCT, com o envolvimento dos alunos, como
lançamentos de livros; noites de autógrafos
de professores; o lançamento, em 1995, da
Revista do Curso de Pedagogia Nuances11;
o Projeto da Semana da Educação, um evento didático-cientíico de realização anual
elaborar outra. O estágio do Curso de Pedagogia da FCT/Unesp não atingiu essa meta.
A proposta de estágio, segundo Projeto
Pedagógico e Planos de Ensino, resumia-se
a uma relexão teórica sobre a questão do
ensino-aprendizagem das diversas disciplinas envolvidas no trabalho do professor e
sobre a necessidade de constante busca de
coerência entre teoria e prática pedagógica, além de elaborar projetos de trabalho
para o ensino de 1ª a 4ª série envolvendo diferentes disciplinas. Como o estágio
envolvia observações e descrições que resultaram no relatório inal, tais objetivos
não foram alcançados pelo curso. Os alunos não debatiam suas observações e raramente tinham acesso à avaliação, apenas
conheciam a nota atribuída ao relatório
pelo professor responsável.
Os fatos evidenciam que o Curso de
Pedagogia da FCT/UNESP, no período entre
1994 e 1998 desenvolveu de modo precário
os saberes pedagógicos, prejudicando a construção dos saberes necessários à docência e
à formação do professor crítico relexivo.
No pólo oposto, vale ressaltar que a Universidade proporcionou uma variedade de
vivências que contribuíram para a formação
do professor crítico relexivo dos anos iniciais do ensino fundamental, seja no campo
da pesquisa, da política e da cultural.
O espaço da pesquisa implementa a oportunidade de participação em projetos de
pesquisa, como o Projeto Núcleo de Ensino, já citado anteriormente, além dos estágios não-obrigatórios, das monitorias e das
pesquisas de iniciação cientíica. Experiências vivenciadas pela pesquisadora, entre as
quais se destacam os inúmeros momentos
de relexões sobre a realidade da escola pública e do papel do professor como crítico
relexivo que se fundamentavam em leituras
e estudos, ora individuais, ora orientados,
ora grupais. O envolvimento com a pesquisa
propiciou diversas participações em even-
_____________________
11
Revista do Curso de Pedagogia NUANCES: buscava abrir espaços para publicações de artigos de docentes e discentes.
16
fundamentais para a construção do peril
de professor relexivo. A diiculdade de uma
prática voltada para articular os fundamentos com as disciplinas de metodologia, comprometia a formação sólida e de qualidade.
A pesquisa revelou a urgência de que os
formadores de professores do Curso devem
conceber objetivos e diretrizes comuns que
favoreçam uma formação mais consistente
aos proissionais dos anos iniciais do ensino
fundamental.
Será que os professores formadores
compreendiam seu papel no Curso de Pedagogia? Como a prática dos professores
formadores poderia contribuir para alcançar o objetivo do Curso de Pedagogia? Por
que não havia um trabalho coletivo? Como é
possível valorizar a importância do trabalho
coletivo na escola, a construção de uma proposta interdisciplinar que busque a formação
de professores críticos relexivos, quando
sua iniciação no ensino superior não possibilita a vivência desses conceitos?
A dicotomia entre a teoria e a prática
demonstra-se a principal diiculdade do Curso de Pedagogia desde o início de sua implantação. Da mesma forma, a desarticulação
do currículo. Embora o curso ofereça sólida
fundamentação teórica, esta distancia-se da
prática. As leituras e discussões de textos,
isto é, o conhecimento da teoria restringese à discussão, sem a necessária relação com
a realidade da escola pública, gerando nos
alunos formadores angústia, desorientação
e mal estar. O futuro professor identiica a
importância de seu papel na transformação
da sociedade a partir da discussão teórica,
ao contrário, não sabe como concretizar
essa transformação. Ainal, os alunos detêm
as idéias, as concepções e não conseguem
viabilizá-las. Para tanto, a proposta do estágio poderia ser o instrumento que articulasse teoria e prática. Contraditoriamente, a
experiência reduzia-se a meras observações
e meras descrições, elementos constitutivos
da elaboração do relatório inal.
destinado aos alunos do Curso de Pedagogia e demais proissionais relacionados à
educação. Esses eventos eram considerados
momentos ímpares de libertação e aprendizagem. A Semana da Educação desenvolve
como sistemática o oferecimento de diversas atividades através de oicinas com proissionais especialistas em diversas áreas, além
de palestras com renomados proissionais
da educação brasileira.
A Universidade, portanto, além do espaço de formação proissional aos futuros
professores, também proporcionou espaços
de cultura e formação dos alunos, futuros
professores, como seres humanos. A pesquisadora iniciou sua formação cultural no
espaço da Universidade, visto que em sua
história de vida a iniciação cultural era precária, ou seja, teve acesso à arte, à música, ao
teatro, à poesia através da participação do
espaço cultural universitário, que ampliou e
completou a visão educacional, tornando-a
mais humanizadora e crítica.
Considerações inais
O curso de Pedagogia forma professores
crítico relexivos? O processo de pesquisa
desenvolvido através da história de vida da
pesquisadora, das entrevistas semi-estruturadas e análise apontou certezas e dúvidas.
A maioria dos professores formadores
que compunham o quadro de docentes do
Curso de Pedagogia no período analisado
não demonstrava preocupação e postura
proissional e coletiva com a formação do
professor dos anos iniciais do ensino fundamental, conforme constava no Projeto Pedagógico do curso. Nas diversas disciplinas,
isoladas umas das outras, lecionavam conteúdos que não se preocupavam com o objetivo geral do curso. A ausência de diretrizes
comuns aos professores formadores determinou a inexistência de trabalho coletivo e
interdisciplinar capaz de articular disciplinas
17
Como é possível um curso que oferece
a parte teórica, mas não a articula à prática? Como ser professor desconhecendo a
realidade do espaço que atuará? É possível
desenvolver-se como professor crítico relexivo sem uma proposta de estágio que seja
o eixo norteador de todo o curso? O que o
Curso tem realizado para eliminar ou mesmo minimizar essa dicotomia entre a teoria
e a prática?
Os conteúdos especíicos para atuar
como professor dos anos iniciais do ensino fundamental exige além domínio de conhecimentos das disciplinas que irá lecionar,
conhecimentos sobre a dinâmica e funcionamento da escola, recursos didáticos sobre o
saber ensinar, dentre outros.
Como assegurar a formação de um aluno crítico, quando o mesmo não é capaz de
selecionar/organizar/seqüenciar conteúdos
de uma determinada disciplina para uma determinada série? Como elaborar projetos
interdisciplinares? Como lecionar Arte ou
mesmo Educação Física, se o Curso de Pedagogia não oferece Metodologias de Ensino
para tais disciplinas? Como ser professor
sem dominar os conhecimentos especíicos
da área que em atuará?
Após a análise da história de vida da pesquisadora, das entrevistas semi-estruturadas
e análises dos documentos, icou esclarecido
uma vez mais que as mudanças na Educação
ocorrem, em grande parte, em virtude das
ações dos próprios sujeitos. Conhecer criticamente leis, documentos, planos, projetos,
compreender sua origem, sua elaboração,
seu contexto são requisitos essenciais para
a transformação social, o que não quer dizer que assegure mudanças reais. Há uma
grande distância entre o Projeto Original do
Curso de Pedagogia da FCT e as propostas
das atividades das disciplinas vivenciadas na
realidade pela pesquisadora no cotidiano do
curso. Essa certeza reforça a convicção de
que apenas a ação do sujeito provoca de fato
mudanças.
Um projeto político pedagógico bem elaborado assegura uma formação crítica relexiva? Como contribuir para que mudanças
ocorram na prática?
A inexistência de uma postura proissional e coletiva dos professores do curso
para o alcance dos objetivos, a inexistência do trabalho interdisciplinar e coletivo,
a dicotomia entre a teoria e prática, a frágil
proposta de Estágio, o oferecimento precário dos conhecimentos especíicos do curso, a não valorização da realidade escolar
e da experiência dos alunos e a percepção
de que papéis e documentos não asseguram mudanças reais representam aspectos
que ressaltaram na análise do Curso de Pedagogia da FCT – Unesp, os quais urgem
ser superados para garantir a formação do
professor crítico relexivo.
Fica patente a urgência de um processo
de reestruturação curricular, que enfatize:
• uma proposta de prática pedagógica
e estágio, em que a teoria nutra a prática e estabeleça a articulação entre
a teoria e a prática, entre a Universidade e a escola dos anos iniciais do
ensino fundamental, entre as atividades da sala de aula e o estágio. Essa
estratégia de articulação deve perpassar todo o curso de formação de
professor, compreendendo-a numa
perspectiva de unidade;
• uma valorização dos saberes da docência, valorizando os saberes da experiência dos alunos e levando-os em
consideração no projeto pedagógico
do curso, aprofundando os saberes
pedagógicos com vivências e experiências de docência nos anos iniciais
do ensino fundamental, além de reorganizar os saberes do conhecimento
necessário ao atual contexto educacional brasileiro, principalmente, os
conhecimentos sobre as disciplinas
de Metodologias de Ensino de Arte
e Educação Física. É necessário asse-
18
gurar um embasamento teórico dos
saberes da docência (saberes pedagógicos, saberes da experiência e saberes do conhecimento) que possibilitem ao futuro professor condições
para elaboração de ações e projetos
mais adequados para uma escola que
garanta condições mínimas de cidadania ao aluno;
• uma nova postura do corpo docente
através de integração de conteúdos e
relexão coletiva, atendendo ao peril
do aluno que o curso deseja formar.
É urgente a necessidade de um trabalho interdisciplinar e coletivo do
corpo docente com objetivos e diretrizes comuns que favoreçam uma
formação de qualidade superior aos
futuros professores dos anos iniciais
do ensino fundamental.
Repensar o curso de formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental signiica orientar e desenvolver
habilidades de um professor crítico relexivo enfocando seu caráter público e ético; articular a análise crítica (teórica) das
práticas e da ressigniicação das teorias a
partir do conhecimento da prática (práxis);
viabilizar a vivência de pesquisa no espaço
escolar possibilitando na escola uma cultura de análises e problematizações da própria prática docente com a participação da
universidade como espaço formador de
proissionais, cuja pesquisa é eixo central
da transformação da narrativa inicial. Além
de enfatizar o aprimoramento individual e
coletivo para a busca do desenvolvimento proissional dos professores, entendido
como resultante da combinação da história de vida, com as experiências educativas
para assumir um compromisso coletivo e
proissional com a escola, deve oferecer,
uma sólida fundamentação teórico-prática,
facilitando o exercício da relexão, análise
e crítica coletiva da prática docente sob o
foco das teorias. Ainal, o que desejamos
que se efetive nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser desenvolvido nos
cursos de formação de professores. Se
quisermos alunos críticos e relexivos, os
cursos de formação de professores devem
formá-los como tais.
Referências
ALARCÃO, I. Relexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de
formação de professores. In:______. (Org.)
Formação relexiva de Professores –
Estratégias de Supervisão. Portugal: Editora
Porto, 1996.p.9-40.
ALMEIDA, M. I. o sindicato como instituição Formadora dos Professores: novas contribuições ao Desenvolvimento Proissional. Tese de Doutoramento. São Paulo.
Universidade de São Paulo – Faculdade de
Educação, 1999.
ANDRÉ, M. E. Estudo de Caso: seu potencial
na educação. Cadernos de Pesquisa. São
Paulo, p.51-54, mai, 1984.
AQUINO, J.A.; MUSSI, M.C.As vicissitudes da
formação docente em serviço – a proposta
relexiva em debate. Educação e Pesquisa. São Paulo, p.211-227, 2001, p.211-227.
BRZEZINSKI, Iria. Embates na deinição das
políticas de formação de professores para a
atuação multidisciplinar nos anos iniciais do
ensino fundamental: respeito à cidadania ou
disputa pelo poder? Educação & Sociedade, Campinas, nº 68, p.80-108, dez, 1999.
Número Especial.
CAMPOS, Silmara; PESSOA, Valda I. F. Discutindo a formação de Professoras e Professores com Donald Schön. In: GERALDI, C.M.G.
(et al) Cartograias do Trabalho Docente – professor(a) – pesquisador(a).
19
Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998.
p.183-206 (Coleção Leituras no Brasil).
pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado
de Letras, 1998. p.237-274.
FAZENDA, I; SOARES, M. Metodologias
não-convencioanis em teses acadêmicas. In:
FAZENDA, I. (Org.) Novos Enfoques da
Pesquisa Educacional. 4. ed. São Paulo:
Cortez, 2001. p.119-135.
GIROUX, Henry A. os professores como
intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução: Daniel Bueno.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. 270 p.
GUIMARÃES, Valter S. Formação de professores: saberes, identidade e proissão.
2.ed.Campinas, SP: Papirus, 2005.128p.
FIORENTINI, Dario; SOUZA Jr. Arlindo, J.;
MELO, Gilberto, F A. Saberes docentes: um
desaio para acadêmicos e práticos. In: GERALDI, Corinta .M.G. (et al) Cartograias
do Trabalho Docente – professor(a) –
pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado de
Letras, 1998, 307-335.
LEITE,Yoshie U. F. A Formação de Professores em nível de 2º grau e a melhoria
do Ensino da Escola Pública. 1994. 277f.
Tese Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP, Faculdade de Educação, Campinas, 1994.
GATTI, Bernadete. Características de
Professores(as) de 1o grau no Brasil: peril
e expectativas. Educação & Sociedade, n.
48, p.248-61, ago, 1994.
LIBÂNEO, J. C; PIMENTA, S G. Formação
de proissionais da educação: visão crítica
e perspectiva de mudança. Educação &
Sociedade – Formação de Proissionais da
Educação – Políticas e Tendências. Campinas:
CEDES, nº 68, p.239-277, 1999.
______. Formação de professores e
carreira: problemas e movimentos de renovação. Campinas, SP: Autores Associados,
2000 (Coleção Formação de Professores).
______. Relexividade e Formação de Professores: outra oscilação do pensamento
pedagógico brasileiro? In: PIMENTA, S G;
GHEDIN, E (Org.) Professor Relexivo
no Brasil – gênese e crítica de um conceito.
São Paulo: Cortez, 2002, p.53-80.
GAUTHIER, Clermont (et.al). Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente.Tradução Francisco
Pereira. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998. 457 p.
GARCIA, C. M. A formação de professor:
novas perspectivas baseadas na investigação
sobre o pensamento do professor. In: NÓVOA, A. (Org.) os professores e a sua
formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992,
Cap.3, p.51-76.
MACHADO, Vanda Moreira. Curso de Pedagogia: espaço de formação de professor
como intelectual crítico relexivo? Dissertação de mestrado. Marília. Universidade
Estadual Paulista – UNESP – Faculdade de Filosoia e Ciências, Campus de Marília, 2003.
GERALDI, Corinta Maria, G; MESSIAS,
Maria da Glória, M; GUERRA, Miriam D.,
S. Reletindo com Zeichner: um encontro orientado por preocupações políticas, teóricas e epistemológicas. In: GERALDI, C.M.G. (et al) Cartograias do
Trabalho Docente – professor(a) –
MATOS, Junot. C. Professor Relexivo?
Apontamentos para o debate. In: GERALDI, Corinta. M.G. (et al) Cartograias do
Trabalho Docente – professor(a) –
pesquisador(a). Campinas, SP: Mercado de
Letras, 1998. p.277-274.
20
NUNES, C. S. C. os Sentidos da Formação Continuada: o mundo do trabalho e a
formação de professores no Brasil. 2000.155f.
Tese de doutoramento. Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP,Campinas,
2000.
SCHÖN, Donald. A. Formar professores
como proissionais relexivos. In: NÓVOA, A.
(Org). os professores e a sua formação.
Portugal: Dom Quixote, 1992. p.77-92.
______. Educando o proissional relexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem.Tradução de Roberto Cataldo Costa.
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência.
In: ______. (Org.) Saberes Pedagógicos
e Atividade Docente. São Paulo: Cortez,
1999 p.15-34.
SILVA, Carmem. S.B. Curso de Pedagogia
no Brasil – história e identidade.São Paulo:
Autores Associados, 1999 (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, 66).
______. Professor Relexivo: construindo
uma crítica. In: PIMENTA, S.; GHEDIN, E.
(Org.) Professor Relexivo no Brasil:
gênese e crítica de um conceito. São Paulo:
Cortez, 2002. p.17-52.
TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e
Formação Proissional. 2.ed. Petrópolis,
RJ:Vozes, 2002. 325p.
______. GONÇALVEZ, Carlos Luiz. revendo o ensino de 2º grau: propondo
a formação de professores. 2.ed. São Paulo:
Cortez, 1992. 159 p.
ZEICHNER, K. Formação de Professores:
contato direto com a realidade da escola.
In: Presença Pedagógica v. 6, nº 34, julho/
agosto – 2000, p.5-15.
21
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
FORMAÇÃO EM SERVIÇO DE PROFESSORES PARA O USO
DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
(TIC) EM PROJETOS DE TRABALHO, VISANDO A INCLUSÃO
ESCOLAR: ANÁLISE DAS DIFICULDADES
Maria das Graças de Araújo Baldo12 Monica Fürkotter13
Elisa Tomoe Moriya Schlünzen14
rESumo
Trata-se de uma “investigação-formação”
visto que pesquisadoras e professores se
relacionaram cooperativamente, possibilitando o crescimento de ambas as partes. O processo de formação em serviço
ocorreu em três escolas públicas, levando
os professores a refletirem sobre ações
desenvolvidas no contexto escolar, com
seus alunos, utilizando as TIC em Projetos de Trabalho. Dentre as dificuldades
encontradas, destacamos o fato de os
projetos político pedagógicos não serem
elaborados coletivamente, os gestores
não darem o apoio necessário às capacitações, e os professores se mostrarem
resistentes às inovações, não ousando
adotar posturas diferentes daquelas a que
estão habituados, e que poderiam propiciar o desenvolvimento de habilidades e
potencialidades dos alunos, e assegurar a
inclusão escolar.
A Constituição Brasileira de 1988 e a Lei
9394/96 (LDB) asseguram o atendimento
educacional especializado gratuito a pessoas com deficiência, preferencialmente
na rede regular de ensino. Como os professores não se sentem preparados diante
da perspectiva inclusiva, faz-se necessária
uma formação continuada que os atualize
quanto a recursos, ferramentas e desafios
à educação, numa perspectiva de mudança de sua prática docente. Nesse sentido,
apresentamos nesse artigo os resultados
de uma pesquisa que desenvolvemos com
o objetivo de analisar as dificuldades na
implantação de um processo de formação em serviço de professores da rede
pública de Ensino Fundamental e Médio
do interior do Estado de São Paulo, para
o uso crítico e reflexivo das Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC) no
desenvolvimento de Projetos de Trabalho, buscando uma educação de qualidade para todos e aberta às diferenças.
Palavras-chave: Tecnologias de Informação
e Comunicação (TIC). Inclusão. Projetos de
Trabalho. Formação de professores.
_____________________
12
Professora da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo. Mestre em Educação pela FCT/Unesp/Campus de Presidente
Prudente.
13
Doutora em Matemática, ICMC/Usp/Campus de São Carlos. Docente do Departamento de Matemática, Estatística e Computação
e do Programa de Pós-graduação em Educação, FCT/Unesp/Campus de Presidente Prudente.
14
Doutora em Educação (Currículo), PUC/SP. Docente do Departamento de Matemática, Estatística e Computação e do Programa
de Pós-graduação em Educação, FCT/Unesp/Campus de Presidente Prudente.
22
A inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular é um assunto de
grande relevância no Brasil tendo em vista a promulgação da Constituição Federal
de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) – Lei 9394/96,
que estabelece as normas procedimentais
e os fundamentos da educação nacional. A
Constituição, em seu Artigo 205, assegura
o direito de TODOS à educação, e a LDB,
o atendimento educacional especializado
gratuito às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
A partir dessa legislação, o Artigo 2
das Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica, estabelece
que “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos
educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições
necessárias para uma educação de qualidade para todos”. Tal atendimento é um
complemento ou suplemento, que pode
ocorrer em classes especiais, quando não
for possível realizá-lo em classes comuns,
removendo barreiras e garantindo o acesso de todos os alunos com deficiência à
escolaridade; porém, em hipótese alguma,
substitui o ensino regular, independentemente da idade da pessoa. (FÁVERO;
PANTOJA; MANTOAN, 2004, p.9 e 10).
Assim, os especialistas devem atuar nos
espaços especíicos e não podem substituir
os professores, apenas complementarem o
trabalho destes. Tais espaços especíicos são
as Salas de Recursos, nas quais são desenvolvidas atividades que ajudam as pessoas com
deiciência a derrubar barreiras para que
possam freqüentar as salas regulares. Porém,
este não é o lugar no qual se aprendem os
conteúdos curriculares. É incumbência do
professor que atua nas salas regulares mediar a aprendizagem de conceitos.
O Plano Nacional de Educação (PNE),
aprovado pela Lei no. 10.172, de 9 de ja-
neiro de 2001, aponta em um capítulo
sobre Educação Especial, que “o grande
avanço que a década da educação deveria
produzir será a construção de uma escola inclusiva, que garanta o atendimento à
diversidade humana”.
Segundo dados do Censo Escolar
2005, realizado pelo INEP/MEC em parceria com as Secretarias Municipais e
Estaduais de Educação e divulgados em
junho de 2006, há aproximadamente 56,5
milhões de estudantes no Brasil, considerando-se todos os níveis da educação
básica. Destes, 640.317 são pessoas com
deficiência, o que corresponde a 1,1%
dessa clientela.
Além disso, entre 1998 e 2005, ocorreu
um aumento de aproximadamente 89,8%
nas matrículas de pessoas com deficiência
no Brasil, e esse aumento foi maior em
classes comuns que em classes especiais.
Nas instituições municipais, foi de 52,5%
o aumento no número de matrículas em
classes especiais, e de 786,7%, nas classes
comuns. Quanto às instituições estaduais,
ocorreu um decréscimo de 29% no número de matrículas de pessoas com deficiência em classes especiais, enquanto
houve um aumento de 265% em classes
comuns.
Os dados citados anteriormente
apontam que o número de matrículas de
pessoas com deficiência em classes comuns tende a aumentar, principalmente
em relação ao ensino regular municipal e
estadual.
A tabela seguinte apresenta os dados
do Censo Escolar de 1998, 2003, 2004 e
2005, comprovando a análise feita.
23
Tabela 1. Evolução da matrícula inicial na
Educação Especial e na Educação Especial
inclusiva no Brasil em todos os níveis da
Educação Básica
pode contribuir para que a sociedade receba as pessoas com deiciência haja vista que
pode favorecer uma saudável convivência de
sujeitos com e sem diiculdades ao longo de
suas vidas. Além disso, possibilita o convívio
em alguns ambientes dos quais elas foram
privadas pela sua própria condição, dandolhes oportunidade de vivenciar, experimentar e interagir por meio de várias situações
do cotidiano escolar. Aprender a conviver
com outras pessoas, respeitando as diferenças, contribui com a erradicação de qualquer
forma de discriminação.
Segundo Mantoan (2003, p.70), para
“ensinar a turma toda sem exceções e exclusões” é preciso reconhecer, valorizar as
diferenças e evidenciar as habilidades, garantindo a eqüidade e possibilitando que todos
os alunos desenvolvam suas potencialidades.
Além disso, se desejamos “uma escola que se
distingue por um ensino de qualidade, capaz
de formar pessoas nos padrões requeridos
por uma sociedade mais evoluída e humanitária” (MANTOAN, 2002, p.19) devemos realizar um trabalho que ofereça instrumentos
para que os alunos se transformem, desenvolvendo suas habilidades e potencialidades.
Entretanto, o que se observa é que, na
maioria das vezes, a prática educacional não
tem propiciado a inclusão das pessoas com
deiciência. Ainda que matriculadas e freqüentando as escolas, continuam excluídas.
Relatos de professores com os quais convivemos apontam que eles não se sentem aptos a trabalhar com a diversidade. Sentem-se
desnorteados e inseguros, sem saber como
atuar.
Nesse contexto, é importante reletir
sobre a formação dos professores, fator primordial para o sucesso ou não da inclusão
das pessoas com deiciência no ensino regular e para uma educação de qualidade para
todos e aberta às diferenças.
Para realizar um trabalho segundo os
princípios apontados por Mantoan (2003), o
professor precisa ter uma formação que o
Censo Escolar – 1998, 2003, 2004 e 2005
FONTE: MEC/INEP/Censo Escolar
Chama atenção, ainda, o fato de 147.409
(56,2%) das matrículas de alunos com deiciência, registradas em 2005, serem em Classes Comuns sem Sala de Recursos, enquanto 114.834 (43,8%) são em Classes Comuns
que possuem integração com Sala de Recursos, conforme apontam os dados da tabela
a seguir.
Tabela 2. matrículas na Educação Especial inclusiva, Educação inclusiva – Classes Comuns, com
e sem Sala de recursos
FONTE: MEC/INEP/Censo Escolar
Diante deste cenário, a escola deve rever
seu papel, pois o ambiente escolar tem um
papel relevante no movimento pela inclusão.
É o local propício para viabilizar a interação
da criança com o meio social, resguardar a
sua dignidade, a igualdade de direitos, a solidariedade e o respeito. A inclusão escolar
24
proissionais não ocorra segundo os “moldes de um currículo normativo que primeiro
apresenta a ciência, depois a sua aplicação
e por último um estágio que supõe a aplicação pelos alunos dos conhecimentos técnico-proissionais”, mas que esteja baseada
numa epistemologia da prática, ou seja, que
a prática seja entendida “como momento
de construção do conhecimento, através da
relexão, análise e problematização desta, e
o reconhecimento do conhecimento tácito,
presente nas soluções que os proissionais
encontram em ato”. Assim, a formação de
professores deve ter como eixo norteador a
escola numa perspectiva de formação-ação.
Dentre as inúmeras diiculdades que os
educadores vivenciam há também aquelas
relacionadas ao processo ensino e aprendizagem. Geralmente, as informações são
transmitidas pelos professores e a maioria
dos alunos não se detém no signiicado das
mesmas. Os conteúdos são abordados de tal
forma que os alunos não conseguem estabelecer uma relação entre o que lhes foi transmitido e o mundo. Ou seja, o processo de
escolarização se restringe a “aprender vários
tipos de regras simbólicas”, que são utilizadas
somente dentro da escola (MOYSÉS, 1997,
p.59). Com isso, o aluno pode desenvolver
um pensamento correto, porém desprovido
de sentido, pouco contribuindo com o seu
desempenho na sociedade.
É a isso que se deve uma grande parte
dos erros cometidos pelos discentes ao resolverem um problema. As pessoas utilizam
e absorvem conhecimentos úteis, importantes e interessantes no cotidiano, mas são
reprovadas, detestando e desprezando o conhecimento acadêmico, aquele que se tenta
ensinar nas escolas, ocasionando a exclusão
dos alunos que não conseguem realizar uma
integração entre o que se aprende na escola
e a vida.
Muitos dos conteúdos disciplinares são
abordados nas escolas da mesma forma
como eram trabalhados há muito tempo
habilite a valorizar as diferenças de todos os
alunos, estabelecendo intercâmbios intelectuais, culturais e sociais. Bueno (1999, p.16),
destaca que “não basta incluir nos currículos
de formação de professores conteúdos e
disciplinas que permitam uma formação básica” para atuar com alunos com deiciências.
Há que se formar proissionais de qualidade,
criativos, autônomos, relexivos, ousados,
desaiadores, mediadores, consultores, investigadores, facilitadores, problematizadores, e
que busquem novas formas de ensinar, adequadas à heterogeneidade dos aprendizes
e compatíveis com os ideais democráticos.
A formação de professores deve criar uma
cultura de relexão na prática e sobre a prática, que faça com que os mesmos não vejam
seus alunos como meros objetos a serem
padronizados ou homogeneizados.
Porém, observarmos que embora a formação inicial propicie a fundamentação teórica, a prática nem sempre prepara para o
trabalho docente na diversidade. Relacionado ao exposto, Garcia destaca que
uma das críticas geralmente feita aos cursos de formação é a pouca incidência que
têm na prática. Ou seja, os professores
diicilmente aplicam ou incluem no seu
repertório docente novas competências,
ainda que estas tenham sido desenvolvidas adequadamente durante os cursos.
(1999, p.180).
Uma maneira de enfrentar esse problema é fazer com que
as actividades presenciais de formação
sejam seguidas de actividades de acompanhamento ou assessoria quer entre
colegas que tenham assistido ao curso,
quer por especialistas (professores que
já tenham conhecimento e competências
nas metodologias em questão, assessores,
etc.) (Ibidem, p.180)
Pimenta e Ghedin (2002, p.19) mencionam que Schön propõe que a formação de
25
fatais, desses problemas” (Ibidem, p.105). O
mesmo autor conceitua “educação como
uma estratégia da sociedade para facilitar
que cada indivíduo atinja o seu potencial e
para estimular cada indivíduo a colaborar
com outros em ações comuns na busca do
bem comum.” (D’AMBROSIO, 1996, p.68).
Isso, sem dúvida, possibilita também o desenvolvimento das potencialidades das pessoas com deiciência e a interação de todos.
Com isso, conseguimos garantir que todos
tenham oportunidades de trabalho escolar
que atendam as diferenças.
Isso posto, nossas observações nos conduziram a relexões sobre a prática pedagógica dos professores e nos levaram a buscar caminhos que otimizassem o processo
ensino e aprendizagem, valorizando os potenciais que as pessoas têm, apesar de suas
limitações, e que segundo Schlünzen (2000),
geralmente são esquecidos e ignorados.
Em meio a estas buscas e por constatarmos que vivemos atualmente numa sociedade complexa e tecnológica, acreditamos que
saber utilizar os recursos disponíveis em benefício próprio de maneira criativa e autônoma é cada vez mais importante para todas
as pessoas, principalmente para aquelas com
deiciência. Tomando como referência as
pesquisas de Valente (1993), Papert (1994),
Almeida (2001), Mantoan (2002, 2003, 2004)
e Prado (2004), dentre outras, constatamos
que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), podem constituir
atrás. Isto é, a forma de ensinar não está
contextualizada com o momento vigente.
Por isso são mal recebidos pelos alunos. Da
mesma forma, os objetivos, métodos e avaliação são deinidos antes da prática escolar
e sem que se conheça o aluno, seu ambiente
cultural e suas motivações. O aluno é enquadrado de acordo com a faixa etária, supondo-se que sua capacidade cognitiva dependa
dela, e “numa faixa social, à qual estaria subordinada a sua motivação”. (D’AMBROSIO,
1999, p.79).
Além disso, o conhecimento que o aluno adquire fora da escola nem sempre é
aproveitado em sua aprendizagem escolar,
não sendo considerado nem como recurso
motivacional. Para D’Ambrosio (1999, p.79),
“ignoram-se as maneiras próprias que o
aluno tem para explicar e lidar com fatos e
fenômenos naturais e sociais” e ainda, caso
o aluno “não responda como ‘deveria’ responder, é corrigido. Se persistir, é punido. E,
se resistir, é excluído”. Sobre o mesmo assunto Moysés (1997, p.60) diz que, “o saber
da escola, ao que parece, anda na contramão
do saber da vida”. Ou seja, a forma como os
conceitos são abordados não possibilita ao
aluno utilizá-los na resolução de problemas
do seu cotidiano.
D’Ambrosio (1999) declara que as diiculdades se tornam mais evidentes quando
se adota modelos segundo os quais o aluno
é treinado para efetuar tarefas especíicas e
para ser capaz de repetir, ou seja, memorizar.
Privilegiar a memorização inibe o desenvolvimento da criatividade, quesito indispensável aos alunos não só na resolução dos
problemas relacionados com as atividades
escolares, mas também no seu futuro de cidadão, vivendo num mundo atribulado, com
problemas sociais, econômicos, ambientais,
políticos e emocionais.
Nesse contexto, a função da escola é
fundamental, e deve preparar os indivíduos
para que possam “participar no esforço para
prevenir as conseqüências, que podem ser
um ambiente de aprendizagem que propicia o desenvolvimento da autonomia do
aluno, não direcionando a sua ação, mas
auxiliando-o na construção de conhecimentos por meio de explorações, experimentações e descobertas. (ALMEIDA,
2001, p.23)
Para tanto, as TIC devem ser utilizadas
como ferramenta educacional de complementação em Projetos de Trabalho que
abordem temas contextualizados e signiica-
26
tivos.Trabalhar com projetos permite tornar
alunos e professores parceiros na elaboração e desenvolvimento das atividades, buscando a construção do conhecimento. Dessa
forma, é possível alcançar as transformações
pedagógicas necessárias a uma educação de
qualidade para todos.
Mas para isso, é necessário romper com
a limitação das atividades ao saber disciplinar
compartimentado, distante da realidade do
aluno, e articular os conteúdos “com situações do cotidiano e com o desenvolvimento
da capacidade de mobilizar os saberes especíicos para enfrentar situações reais por
meio do desenvolvimento de competências
e habilidades fundamentais para a autonomia
em relação à própria vida e ao trabalho.”
(ALMEIDA, 2001, p.57).
Esse rompimento ocorre quando se
trabalha com projetos, nos quais os alunos
vivenciam situações-problema, reletindo sobre elas e tomando atitudes diante dos fatos.
Cabe ao professor auxiliá-los na identiicação e resolução de problemas que fazem
parte do seu cotidiano e que têm signiicado
para eles, ou ainda, a buscar informações, selecionar e realizar ações que para eles sejam
interessantes.
Isso requer, segundo Valente (1993, p.05),
mudanças no sistema educacional que “podem ser introduzidas com a presença do
computador que deve propiciar as condições para os estudantes exercitarem a capacidade de procurar e selecionar informação,
resolver problemas e aprender independentemente”.
Porém, utilizar as TIC na educação não
signiica simplesmente explorar recursos
computacionais e/ou navegar na Internet.
Seu uso deve estar “voltado à promoção da
aprendizagem” (ALMEIDA, 2001, p.37). Para
tanto, não basta ao professor conhecer o
conteúdo de sua área de conhecimento, ele
deve conhecer também as potencialidades e
limitações das TIC e as teorias educacionais
para criar ambientes de aprendizagem e ati-
vidades adequadas. É quando se integra as
dimensões tecnológica, pedagógica e especíica da área de conhecimento ao uso das
TIC na aprendizagem que estas se tornam
mais efetivas.
Geralmente, a preparação dos educadores para o uso das TIC realiza-se em cursos
ou treinamentos para a exploração de determinados softwares sem que haja uma relexão sobre as diiculdades e potencialidades
de sua utilização na prática pedagógica. Entretanto, se optarmos por uma abordagem
que possibilite a construção do conhecimento por meio do uso do computador,
denominada construcionista (PAPERT, 1994),
isso não é suiciente. Não basta que eles dominem os recursos computacionais, mas é
necessário que compreendam, também, os
aspectos político-pedagógico-institucionais
e que revejam os conceitos de informação,
conhecimento, ensino e aprendizagem (ALMEIDA, 2001, p.12).
Como a aprendizagem é uma constante
na vida do ser humano, a formação continuada de professores é essencial na busca de
mudanças signiicativas que tragam melhorias na qualidade do ensino. É necessário um
processo de formação continuada que leve
os professores a reletirem sobre suas práticas pedagógicas e reverem os conceitos e as
bases sobre as quais o ensino e a aprendizagem estão irmados. E, a partir de uma articulação entre a teoria e a sua prática, leve-os
a buscarem novas formas de ensinar adequadas à heterogeneidade dos aprendizes, e a
tomarem consciência das novas responsabilidades do professor diante dos desaios do
mundo moderno.
Com esse referencial, desenvolvemos
uma pesquisa que teve como objetivo analisar as diiculdades na implantação de um
processo de formação em serviço de professores da rede pública de Ensino Fundamental e Médio do estado de São Paulo para
o uso crítico e relexivo das TIC no desenvolvimento de Projetos de Trabalho, buscan-
27
do uma educação de qualidade para todos e
aberta às diferenças.
A pertinência dessa pesquisa se justiica
pela possibilidade de realizar um trabalho
coletivo e diversiicado que pode auxiliar
o processo de inclusão escolar por meio
da cooperação, do sentido de trabalhar e
produzir em grupo, do reconhecimento das
diferenças, da diversidade dos talentos humanos e da valorização do desempenho de
cada pessoa para a concepção de metas comuns de um mesmo grupo.
Trata-se de uma “investigação-formação”
visto que, segundo Nóvoa (apud CANDAU,
1997, p.61), pesquisadoras e professores se
relacionaram cooperativamente, buscando
conceber mudanças na prática docente por
meio da relexão na prática e sobre a prática,
valorizando os saberes que os professores
possuem.
O trabalho de campo ocorreu em três
escolas, dadas as diversas adaptações que
se izeram necessárias em função de circunstâncias advindas do contexto educacional público, onde atuam os professores
participantes, atores que desempenham
um papel fundamental na construção de
uma escola de qualidade para todos. As
escolas foram selecionadas por possuírem
pessoas com deiciência matriculadas entre seus alunos e por terem Sala Ambiente
de Informática (SAI).
Os procedimentos de pesquisa utilizados
foram: levantamento bibliográico, análise
documental, questionário, observação, entrevista e acompanhamento da formação em
serviço.
As atividades de formação levaram os
professores a vivenciarem um Projeto de
Trabalho interdisciplinar, utilizando as TIC, e
a “reletirem na ação, sobre a ação e sobre a
relexão na ação” (SCHÖN, 2000), obtendo
indicadores que pudessem nortear sua atuação de professor, e que os levassem a rever
o seu fazer pedagógico de modo a potencializar a aprendizagem.
A formação ocorreu no ambiente escolar de atuação dos professores, levando
sempre em consideração os seus saberes e
objetivando o aperfeiçoamento individual e
coletivo.
Ao analisarmos os objetivos das Horas de
Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC’s) realizadas presencialmente na escola, pudemos
perceber que seria pertinente realizar uma
capacitação nesses horários. Paralelamente
a isso, veriicamos que no Projeto Político
Pedagógico (PPP) das 3 (três) escolas, existia
o compromisso dessas em incentivar a participação dos professores em capacitações,
utilizar as HTPC’s para propiciar a formação
continuada e em adotar metodologias diversiicadas. Em decorrência disso, acreditamos
que a direção e a coordenação das escolas
envolvidas apoiariam nossa pesquisa disponibilizando algumas horas daquelas destinadas
ao trabalho pedagógico e incentivando os
professores a participarem das atividades.
Por esse motivo, propusemos uma parceria com as escolas visando desenvolver
um processo de formação em serviço nesses horários.
Na primeira escola, aqui denominada
“escola A”, a capacitação contou com 15
professores do Ensino Médio, e na segunda
escola, “escola B”, 16 professores do Ensino
Fundamental (de 5ª a 8ª séries). Em ambas
procuramos envolver todas as disciplinas da
grade curricular. Na terceira escola, “escola
C”, participaram 9 professores de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental.
A capacitação na escola A ocorreu na SAI,
procurando vincular os temas abordados aos
projetos especiais que fazem parte do PPP
da Unidade Escolar. Em cada encontro, procuramos instigar os educadores a reletirem
sobre as atividades realizadas, os resultados
obtidos e planejamos as ações futuras. Além
disso, realizamos um acompanhamento em
sala de aula, observando o desenvolvimento de algumas das atividades do projeto que
foram elaboradas na capacitação, intervindo
28
quando necessário, anotando fatos relevantes para, posteriormente, discutirmos com
os professores.
A formação em serviço na escola B
ocorreu a partir do tema “Igualdade de Direitos”, que a Direção vinha trabalhando nas
HTPC’s, e que já era desenvolvido com os
alunos. Os professores realizaram atividades com as TIC, veriicando a possibilidade
de trabalhar conteúdos curriculares a partir
de suas próprias produções. A discussão e
análise dos resultados alimentaram a continuidade do trabalho. Vale ressaltar que os
alunos de todas as séries do período matutino foram levados à SAI para realizarem
atividades semelhantes aquelas que foram
feitas na capacitação.
A capacitação na escola C se deu durante uma semana do recesso escolar e contou com o apoio da Secretaria Municipal
de Educação. Os professores vivenciaram
um Projeto de Trabalho utilizando as TIC,
e as atividades propostas foram elaboradas
a partir de um diagnóstico inicial, abordando a questão da inclusão, do uso das TIC
e da metodologia de Projetos de Trabalho.
As atividades levaram os professores a reletirem sobre o ensino e aprendizagem e a
descreverem os problemas enfrentados em
suas práticas pedagógicas. Foram planejadas
ações que desenvolveriam com seus alunos
e eles mesmos as desenvolveram, colocando-se no papel de aluno. Com isso, puderam
reletir por meio de uma comparação entre o resultado obtido e o esperado. Caso
o resultado obtido não fosse o esperado,
depuravam as ações planejadas na busca de
identiicar os erros e refaziam as atividades,
buscando atingir os objetivos determinados
pelos mesmos. Podemos dizer, então, que os
professores vivenciaram o ciclo descrição
– execução – relexão – depuração – descrição deinido por Valente (1993, p.34), e
utilizaram as TIC como uma ferramenta que
propiciou a construção do seu conhecimento. Os professores elaboraram um projeto,
porém este não foi desenvolvido com os
alunos dadas as diiculdades de se trabalhar
apenas nas HTPC’s.
A análise das diiculdades encontradas
no processo de formação em serviço foi realizada a partir de três categorias: formação
de professores, o uso das TIC no desenvolvimento de Projetos de Trabalho e a inclusão
de pessoas com deiciência.
A Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (CENP), um dos órgãos da estrutura básica da Secretaria de Estado da
Educação, do estado de São Paulo, em sua
Portaria nº. 1, de 08/05/1996, dispõe sobre
as atividades das 2 (duas) horas de trabalho
coletivo nas escolas de 1º. e 2º. graus da rede
estadual de ensino. Segundo o Artigo 1º, alguns dos objetivos das HTPC’s realizadas
presencialmente na escola são possibilitar a
relexão sobre a prática docente, favorecer
o intercâmbio de experiências e promover
o aperfeiçoamento individual e coletivo dos
educadores.
Entretanto, o que constatamos foi que
as HTPC’s raramente são destinadas ao
aperfeiçoamento individual e coletivo dos
professores. Ocorrem atividades isoladas
envolvendo a leitura de pequenos textos
escolhidos pela direção ou coordenação,
nem sempre selecionados de acordo com as
necessidades do momento, e sem um encadeamento lógico entre eles. Por não terem
um signiicado para os professores, não há
um envolvimento satisfatório e a discussão
é bastante supericial. Durante as atividades
de formação, embora tenhamos proposto
a leitura de textos somente após a vivência de alguma atividade, de modo a atribuir
um signiicado aos mesmos, ainda assim os
professores não aprofundaram a discussão.
As HTPC´s são, prioritariamente, utilizadas
para transmitir informações, restando pouco
tempo para um processo de formação em
serviço. Assim, não cumprem todas as inalidades pelas quais foram introduzidas na carga horária docente.
29
Além disso, existe uma resistência por
parte os professores em adotar metodologias de ensino diferentes daquelas a que
estão habituados, mostrando-se demasiadamente acomodados. Todos esses aspectos
inviabilizam qualquer iniciativa de formação
continuada nessas horas.
Portanto, faz-se necessário encontrar
meios para que as informações sejam dadas em outros momentos, garantindo que
as HTPC’s sejam realmente destinadas ao
aperfeiçoamento individual e coletivo.
A disponibilidade de tempo dos professores também foi uma problemática, já que
a carga horária que cumprem na escola faz
com que lhes reste pouco tempo para seus
compromissos particulares, o que fez com
que vários encontros fossem desmarcados. Cabe ressaltar ainda, que, mesmo que
houvesse uma periodicidade nas atividades
de formação, seria difícil desenvolver a contento o trabalho tendo reuniões semanais
cuja duração correspondia a 1 (uma) ou, no
máximo, 2 (duas) horas. O professor precisa
ter mais tempo disponível para sua formação continuada, no contexto escolar, quando
surgem e se pode resolver a maior parte dos
problemas do ensino (GARCIA, 1999, p.171).
A formação levada a cabo no local de trabalho e durante o tempo escolar propicia um
maior envolvimento dos professores (Ibidem, p.171). Assim, as discussões, relexões
e vivências serão mais valiosas e profundas,
surtindo melhores resultados.
Ao analisar o PPP das três escolas, constatamos que existia um compromisso destas
em incentivar a participação dos professores
em capacitações e a adoção por eles de metodologias diversiicadas, assim como a utilização das HTPC’s para propiciar a formação
continuada desses. Como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s) destacam a
importância da construção coletiva e permanente do PPP pela escola, consideramos
natural supor que a proposta de participação
dos professores em capacitações teria surgi-
do no coletivo. Entretanto, esse documento
é reelaborado quase que unicamente pelos
gestores, no início de cada ano letivo, sendo
muito pequena a contribuição dos professores. Assim, o plano não constitui um “plano
de ação que abrange a Instituição Escolar e
a compromete com a elaboração de uma
proposta educativa conjunta rumo ao futuro” (GUIMARÃES, C. M.; MARIN, F. A. D. G.,
1998, p.35), e não contempla a participação
efetiva do coletivo, condição necessária para
sua legitimação. E ainda, as ações e objetivos
nele previstos são abordados somente nas
reuniões de planejamento que acontecem
no primeiro mês de aula. Com isso, a implementação desse projeto ica comprometida.
Além disso, ainda que o PPP mencione o
incentivo à participação dos professores em
capacitações, não houve qualquer manifestação da direção e/ou coordenação de duas
das escolas envolvidas, no sentido de compensar de alguma forma as horas em que o
professor participasse das atividades.Valente
(1999, p.45) destaca que “a gestão da escola
deve estar voltada para facilitar os processos
de aprendizagem, não só dos alunos, mas de
todos os seus membros, aprimorando constantemente os mecanismos de gestão e de
ensino-aprendizagem”. Assim, é imprescindível o apoio de diretores e coordenadores
nas iniciativas de formação em serviço. E, é
necessário que se façam alterações no plano de carreira dos professores, com vistas a
incentivá-los a buscar um aperfeiçoamento
proissional. Uma possibilidade é a redução
da carga horária a ser cumprida em sala de
aula, disponibilizando mais tempo para que
os docentes participem de capacitações.
Cabe, então, aos gestores garantir que
os PPP´s sejam elaborados coletivamente
por toda a comunidade escolar, principalmente por aqueles que vivenciam e almejam
soluções para os problemas do cotidiano.
Somente dessa forma eles expressarão os
anseios e desejos dos envolvidos no processo ensino e aprendizagem e, assim, o envol-
30
vimento de cada um no trabalho a ser realizado será muito maior.
Os problemas enfrentados pela Educação são, segundo os professores, decorrentes da forma como a escola está organizada.
Entretanto, segundo Kemmis (1987, apud
GARCIA, 1999, p.171), as escolas não podem
mudar sem o compromisso dos professores,
que não podem mudar sem o compromisso das instituições em que trabalham. Assim,
não é somente a organização escolar que
impede a consolidação de uma educação de
qualidade para todos, mas também uma postura de resistência daqueles que deveriam
atuar coletivamente, desde professores, coordenadores, orientadores pedagógicos, especialistas e funcionários, até representantes
de pais e alunos com diferentes formações e
qualiicações especíicas.
As diiculdades encontradas nessa pesquisa apontaram que é fundamental que os
professores reconheçam suas necessidades
e se conscientizem da importância das capacitações em serviço. É preciso motivá-los a
buscar caminhos que os levem a potencializar a aprendizagem, valorizar as diferenças e
contribuir para a consolidação de uma educação de qualidade para todos. Sem o desejo
dos professores, os processos de formação
continuada estão condenados ao fracasso.
Um outro obstáculo com o qual nos
deparamos nas 3 (três) escolas foi o trabalho com projetos. O PPP não faz nenhuma
referência à adoção dessa metodologia ou
de qualquer outra que favoreça a realização
de um trabalho interdisciplinar. Segundo
Prado [2004?], a diversidade de projetos
que circula no âmbito da escola preocupa
o professor, que não sabe como situar a sua
prática pedagógica de modo a propiciar aos
alunos uma nova forma de aprender. Como
reconstruir na escola uma forma de ensinar, integrando as TIC e os conteúdos curriculares numa abordagem construcionista?
Dada a organização funcional e operacional
escolar, é necessário desenvolver projetos
articulados, envolvendo os vários protagonistas do processo educacional. Porém,
constatamos que os docentes realizam um
trabalho coletivo somente quando este se
trata de atividades relacionadas aos temas
transversais, desvinculadas daquelas desenvolvidas em sala de aula, que por sua vez
são muito individualizadas.
Deve-se fazer uso de uma abordagem
pedagógica, quebrando os paradigmas existentes. Uma possibilidade é o trabalho com
projetos. Embora muitos professores acreditem desenvolver Projetos de Trabalho com
seus alunos, na maioria das vezes sua implementação não corresponde aos objetivos
de tal abordagem, resumindo-se a atividades
lúdicas. O que constatamos é que os professores não sabem nem elaborar um projeto.
Têm diiculdades para especiicar os conteúdos, o objetivo geral e os especíicos, descrever a metodologia e a avaliação, uma vez
que não têm clareza de cada um destes itens.
Sendo assim, ica difícil colocá-lo em prática e obter sucesso. Além disso, a formação
inicial e continuada não os têm preparado
para a realização de um trabalho interdisciplinar, o que é importante quando se utiliza
projetos.
As instituições de ensino têm se mantido praticamente intactas, inabaladas no que
diz respeito ao seu fazer pedagógico. Papert
(1994) destaca que o sistema educacional
não tem a capacidade de adaptação necessária para funcionar com eicácia numa perspectiva de mudança. A maioria dos professores não utiliza outros recursos didáticos
além do livro texto e da lousa. A abordagem
pedagógica adotada é predominantemente
a instrucionista, na qual as informações são
transmitidas aos alunos. As mudanças geram
sempre insegurança, provocando desequilíbrio. Por isso, os professores mostram-se resistentes, acomodados, não procuram inovar,
usar metodologias diferentes das que estão
habituados para abordarem os conteúdos
disciplinares.
31
Porém, os docentes devem usar outras
ferramentas, além do livro e da lousa, principalmente quando se trabalha com projetos.
Uma delas é o computador, que possibilita a
criação de ambientes abertos nos quais as
diferenças são minimizadas, possibilitando
que cada aluno deixe alorar sua criatividade, desenvolvendo-se de acordo com suas
limitações, habilidades e potencialidades e
otimizando a aprendizagem.
Ao investigar a formação dos professores que participaram da capacitação constatamos que 73,3% na escola A, e todos os da
escola B, têm 10 (dez) anos ou mais de tempo de serviço no magistério. Confrontando
esses dados com o que prescreve Garcia
(1999), no sentido de que nem sempre os
professores incorporam novas competências a sua prática, é possível entender porque estes não se sentem preparados para
lidar com a diversidade e utilizar as TIC no
desenvolvimento de projetos de trabalho.
Aqueles que têm mais tempo de serviço se
mostram mais acomodados e resistentes às
mudanças, diicultando as iniciativas de formação em serviço.
Além disso, como as capacitações para
o uso das TIC na Educação promovidas pela
Secretaria Estadual de Educação (SEE) não relacionam as atividades nelas desenvolvidas e
o dia-a-dia em sala de aula, contribuem muito
pouco para que os professores as coloquem
em prática. Portanto, essa formação tem que
ser revista possibilitando aos professores vivenciar, problematizar e reletir sobre o uso
das TIC, dando maiores subsídios para que ele
possa usar a SAI de maneira adequada, segundo a abordagem construcionista. É necessário,
ainda, que eles sejam incentivados e que os
gestores da escola tenham clareza sobre qual
é a formação mais adequada aos professores,
oferecendo maior disponibilidade de tempo
para que eles possam participar de capacitações em serviço.
Durante o processo de formação realizado na pesquisa, os professores expressaram
sua angústia pela presença de pessoas com
deiciência em suas salas de aula, argumentando que não foram preparados para trabalhar com as diferenças. Procuramos mostrar
que não é necessário que o professor tenha
uma formação especial que o torne um especialista, mas sim uma formação inicial de
qualidade. Porém, percebemos por meio de
algumas frases, que eles esperavam obter
“receitas prontas”, que indicassem qual era
a melhor forma de atender os alunos com
deiciência.
Não é possível realizar um trabalho que
valorize as diferenças e promova uma educação de qualidade para todos se o professor
não tiver uma formação generalista e não
estiver sempre atualizado em relação às diversas metodologias, recursos e estratégias
existentes, para que possa utilizá-las com
seus alunos de forma crítica, atendendo as
diferenças e derrubando as barreiras (MANTOAN, 2004).
Existe, ainda, uma confusão entre o que
é incumbência da Sala de Recursos e o que
cabe às classes regulares, no que diz respeito
ao trabalho que o professor deve desenvolver. O professor da Sala de Recursos deve
dar atendimento especializado às pessoas
com deiciência, auxiliando-as a derrubar as
barreiras que podem diicultar a sua inserção
no ensino regular. Portanto, não cabe a ele
abordar conteúdos curriculares, sendo esta
uma incumbência do docente que atua nas
classes regulares. Porém, nem sempre cada
um desses proissionais tem clareza quanto
as suas responsabilidades. Esse fato nos levou
a concluir que existe um desconhecimento
sobre o que está posto na legislação vigente
no que diz respeito à inclusão das pessoas
com deiciência no ensino regular.
Além disso, comparando o conceito
de inclusão deinido por Sebba e Ainscow
(1996, apud WARWICK, 2001, p.112) com
as respostas dadas pelos professores das 3
(três) escolas quando questionados sobre
esse conceito, pudemos perceber que os
32
mesmos não têm clareza do seu signiicado.
Com isso, alguns docentes acreditam que a
educação de pessoas com deiciência é responsabilidade dos especialistas em Educação
Especial e outros têm uma idéia equivocada
de como atuar com essa clientela.
As 3 (três) escolas têm pouca ou nenhuma informação a respeito das pessoas com
deiciência. O formulário do Censo Escolar
contém uma pergunta a respeito do número
de pessoas com deiciência que estão matriculadas no ensino regular. Porém, cumprindo
ordens superiores, a secretaria não fornece
esses dados e a própria família, ao matricular
a criança, omite dados a respeito das mesmas. Esse fato também impede a realização
de um trabalho que atenda a todos os alunos.
Apesar de conviverem e trabalharem com
essas crianças, os professores nem sempre
percebem suas diiculdades e necessidades.
A iniciativa de implantação de um processo de formação em serviço não teve o
sucesso por nós esperado devido às muitas
diiculdades encontradas. Os PPP´s não são
elaborados coletivamente, os gestores não
dão o apoio necessário às capacitações, não
disponibilizam as HTPC’s ao aperfeiçoamento dos docentes e estes últimos se mostram
bastante resistentes às inovações, não ousando adotar posturas diferentes daquelas a
que estão habituados, apesar de veriicarem
que muitos dos seus alunos têm diiculdades na aprendizagem. É necessário, portanto,
fazê-los reletir sobre essas problemáticas
para que uma educação de qualidade para
todos se consolide em nossas escolas.
da República. Casa Civil. Subcheia para
Assuntos Jurídicos. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 07 nov.
2004, 20:47.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases – Lei
9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: < ile://A:\ Lei%20de%20
Diretrizes%20e%20Bases.htm>. Acesso em:
23 set.2003.
BRASIL. Plano Nacional de Educação.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br /arquivos/ pdf/pne.pdf. Acesso em 03 dez. 2006.
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria
de Educação Especial. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília: MEC, SEESP, 2001. 79
p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf. Acesso em:
03 dez. 2006.
BUENO, J. G. S. A educação e as novas
exigências para a formação de professores: algumas considerações. São Paulo:
Editora UNESP, 1999.
CANDAU,V. M. (Org.) magistério: construção
cotidiana. 5.ed. Petrópolis:Vozes, 2003. 317 p.
D’AMBROSIO, U. Educação matemática: da
teoria à prática. Campinas: Papirus, 1996. 120 p.
_____. Educação para uma sociedade
em transição. Campinas: Papirus, 1999.
167 p.
Referências
ALMEIDA, M. E. B. de. Educação, projetos,
tecnologia e conhecimento. São Paulo:
PROEM, 2001. 63 p.
FÁVERO, E. A. G.; PANTOJA, L. de M. P.;
MANTOAN, M. T. E. (Org.) o acesso de
alunos com deiciência às escolas e
classes comuns da rede regular. Brasília:
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004. 59 p.
BRASIL. Constituição da república Federativa do Brasil de 1988. Presidência
33
tvebrasil.com.br/salto/boletins2003/ppm/index.htm>. Acesso em: 07 jun. 2004, 7:00.
GARCIA, C. M. Formação de professores
– para uma mudança educativa. Porto: Porto
Editora, 1999. 272 p.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. Legislação de Ensino Fundamental e médio Estadual. Compilação
e organização de Leslie Maria José da Silva
Rama e outros. São Paulo: SE/CENP, 1998.
GUIMARÃES, C. M.; MARIN, F. A. D. G. Projeto pedagógico: considerações necessárias
à sua construção. Nuances, Presidente Prudente, v. IV, p.35-47, set. 1998.
MANTOAN, M. T. E. Ensinando a turma toda.
Pátio – revista Pedagógica, Porto Alegre,
ano V, n.20, p.18-23, 2002.
SCHLÜNZEN, E.T.M. mudanças nas Práticas Pedagógicas do Professor: Criando um Ambiente Construcionista
Contextualizado e Signiicativo para
Crianças com Necessidades Especiais
Físicas. Tese de Doutorado em Educação:
Currículo, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2000.
MANTOAN, M T. E. inclusão escolar: o
que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003. 95 p.
MANTOAN, M T. E. O direito de ser, sendo
diferente, na escola. revista CEJ, Brasília,
Centro de Estudos Judiciários do Conselho
da Justiça Federal , n.26, p.36-44, 2004.
SCHÖN, D. Educando o proissional relexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.
MOYSÉS, L. Aplicações de Vygotsky à
Educação matemática. Campinas: Papirus, 1997.
VALENTE, J. A. Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráica da UNICAMP, 1993.
PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática;
trad. Sandra Costa, Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. 210 p.
______. (Org.) o Computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Gráica da UNICAMP, 1999a. 156 p.
PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.) Professor relexivo no Brasil: gênese e crítica de
um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. 224 p.
WARWICK, C. A Inclusão como direito humano. In: RODRIGUES, D. (Org.). Educação
e diferença: valores e práticas para uma
educação inclusiva. Porto: Porto Editora, 2001.
p.111-121. Disponível em: <http://www.deb.
min-edu.pt/revista/revista5/Cliff%20Warwick.
htm>. Acesso em: 04 mai. 2004.
PRADO, M. E. B. B. Pedagogia de projetos
e integração de mídias. PGM 1 – pedagogia de projetos. Disponível em: <http://www.
34
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
A ETIMOLOGIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM
DISCUSSÃO
Maria de Jesus Campos de Souza Belém15
rESumo
norteando os caminhos da formação de
professores, questionando-se os seus fundamentos, com perspectivas para além de
um tecnicismo exacerbado, projetadas às
inalidades de uma educação como prática
social de humanização, que ocorre quando
a ação técnica não se sobrepuja à ação humana. Ora, se o processo de formação das
pessoas estar imbricado com a própria vida,
não se justiica aprisioná-lo em tempos e
modalidades.
As idéias discutidas neste texto fazem parte do estudo que desenvolvemos no curso
de mestrado, o qual inscrevemos no universo da formação continuada, escolha que
nos estimulou a investigar a etimologia da
formação de professores que os sujeitos
da pesquisa eram docentes com formação
em magistério de nível médio, e, naquele
momento, vivenciando uma formação em
pedagogia de nível superior, isso, de alguma
forma, instituía uma polêmica, ao menos do
ponto de vista oicial, a banca examinadora nos convidou a discorrer sobre o que é
formação inicial e o que é formação continuada, apresentando alguns argumentos. De
acordo com a Legislação do Ensino vigente,
a formação inicial tem raízes no processo
de graduação, quando se deve adquirir os
fundamentos básicos necessários ao exercício da proissão. A formação continuada,
prática relexiva posterior à graduação, já
seria uma busca permanente do educador
para saber mais de si, do mundo e do próprio ofício. A questão que se coloca ao debate diz respeito às concepções que vem
Palavras-chave: Concepção de educação.
Formação inicial. Formação continuada.
introdução
Qual é o valor que tem a formação para
uma educação de qualitativa social? Que
concepção de formação deve fundamentar a
prática educativa neste século? O tipo mais
adequado é a que transmite o conhecimento
com vistas à sua reprodução? Ou, a perspectiva mais coerente com a atual temporalidade é
aquela que possibilita o conhecimento como
processo de construção e reconstrução?
_____________________
15
Licenciada em Pedagogia pela UFAM. Especialista em Psicopedagogia pela UFAM e em Educação Infantil pela ULBRA. Mestre em
educação pela UFAM. Professora nos cursos Normal Superior e Filosoia da Faculdade Salesiana Dom Bosco. Coordenadora
Pedagógica no Centro de Formação de Professores da Secretaria Municipal de Educação – Manaus-Am.
35
A palavra “formação”, tomada em sua
etimologia, segundo o dicionário Aurélio
é deinida como ato ou efeito de formar
ou formar-se, e é, também, uma maneira
pela qual se constitui uma mentalidade, um
caráter.
Compreender a origem etimológica da
formação de professores, pode ser um modo
de desvendar os sentidos da mesma. O nome
diz muito sobre a identidade de alguém ou
de algo. Assim, uma incursão no percurso da
formação de professores no Brasil, na busca
de interpretação de seus reais signiicados
nas distintas fases da história da educação
brasileira, é urgente e necessária. Quem sabe,
a partir desta leitura crítica, seja possível dizer
com mais propriedade, sobre quais ideologias
dominantes visavam difundir dadas tendências pedagógicas em determinadas conjunturas políticas e econômicas.
As teorias, que tomam corpo no pensamento pedagógico brasileiro, vão assumindo feições
distintas, e expressando determinadas formas
ideológicas de entender as relações entre educação e trabalho, que tendem a ser incorporadas ao projeto escolar, em contextos históricos
também distintos.
A teoria que esteve subsidiando a visão
tradicional e a visão renovada da educação, a
concebia, segundo Saviani (1989, p.20), como
“fator de equalização social, um instrumento de
correção da marginalidade na medida em que
cumpria a função de ajustar, de adaptar os indivíduos à sociedade, incutindo neles, o sentimento de aceitação dos demais e pelos demais”.
O emprego deste ou daquele conceito
que, muitas vezes, tem conotação de sinônimo, como é o caso de “formação continuada”,
“capacitação”, “aperfeiçoamento”, “formação
permanente”, pode, no entanto, reservar suas
distinções e assumir os resquícios de tendências cuja matriz pode ser uma ideologia de
mercado, merecendo atenção e relexão.
Torna-se, pois, de fundamental relevância
analisar a ótica sob a qual se difundem os
conceitos. Estes se revestem de signiicados
espaço-temporais. Daí a importância de fazermos a relação contextual do uso deste
ou daquele conceito, buscando apreender a
lógica sob a qual se deine, atentando para
o alerta que nos faz Bourdieu (apud ROPÉ
e TANGUY, 1997, p.15), quanto ao sentido
empregado às palavras na construção das
práticas sociais,
Sob pena de se apropriarem, sem saber,
dos atos de constituição cuja lógica e necessidade ignoram, precisam tomar por
objeto, as operações sociais de nomeação
e os ritos de instituição pelos quais elas se
realizam [...] precisam examinar o espaço
que as palavras ocupam na construção das
coisas sociais.
Esse alerta de Bourdieu é importante
para buscarmos a compreensão do que
vem a ser a etimologia da formação de
professores, termos como formação inicial
e formação continuada podem assumir diferentes conotações no atendimento a necessidades e interesses de grupos sociais
e/ou cientíicos, cuja semântica imprimida
a essas nomenclaturas pode vir nortear
ações consideradas centrais numa determinada época e secundárias num outro
momento.
Os sentidos atribuídos a alguns termos,
seja de curta ou de longa duração, têm relação
com um certo número de mudanças ocorridas em uma sociedade, em esferas de atividades como: a economia, o trabalho, a educação
e a formação. São noções que não desaparecem, mas ganham outras conotações.
Reletindo um pouco sobre o sentido e
a produção do conhecimento que se constrói historicamente incidindo sobre a formação docente, observa-se, segundo Imbernón
(2000), que esse processo se torna paradoxal, pois se, de um lado, temos o discurso da
importância dessa formação, de igual modo,
temos a realidade social e acadêmica precárias que lhes são condicionantes. Este tipo
de constatação nos desperta para a neces-
36
1. Sobre a Formação inicial
sidade de estarmos atentos sobre a forma
como os conhecimentos e as práticas se
constroem.
Com o estudo da História da Educação
Brasileira compreender-se-á, de forma mais
evidente, os rastros dos interesses liberais
e/ou neoliberais, constantemente, tentando
fazer da educação um mercado a mais na difusão de seus princípios.
Reconhecendo tais investidas é possível fazer uma necessária problematização, concernente ao exercício da docência e aos saberes
que a fundamentam, enquanto herança de tendências pedagógicas, requeridas numa conjuntura especíica, onde as relações de produção
são determinantes. Nessa direção, Gryzybowski
(1986, p.41-42) explicita.
A educação é, antes de mais nada, desenvolvimento de potencialidades e a
apropriação de “saber social” (conjunto
de conhecimentos e habilidades, atitudes
e valores que são produzidos pelas classes,
em uma situação histórica dada de relações
para dar conta de seus interesses e necessidades). Trata-se de buscar na educação,
conhecimentos e habilidades que permitam
uma melhor compreensão da realidade e
envolva a capacidade de fazer valer os próprios interesses econômicos, políticos e
culturais.
A educação tem um valor econômico
que pode se sustentar em função de uma
manha ideológica que, disfarçando-se de inovadora e de democrática, pode está se articulando para manter privilégios e interesses
de uma classe hegemônica. Manha ideológica
que pode, inclusive, velar o sentido político da educação, atribuindo-lhe um valor de
mercado.
Assim, no contexto da formação de
professores(as), vamos ter interesses norteando propostas e programas, encerrando concepções de educação, conceitos de
aprendizagem, e visões quanto à habilitação
dos papéis que os(as) professores(as) deverão desempenhar.
A dimensão que é denominada de “formação Inicial”, nesta discussão, nos referimos ao magistério de ensino médio, geralmente visto como curso proissionalizante,
propedêutico ao trabalho docente inicial.
Em outras palavras, trata-se da habilitação
do futuro professor, a partir do domínio de
certas competências cientíicas e habilidades
proissionais especíicas – o início da socialização sobre a proissão docente.
Imbernón (2000, p.55) considera a formação inicial, dada a sua importância, como
sendo sempre passível de análise:
É preciso analisar a fundo a formação inicial recebida pelo professor ou professora,
uma vez que a construção de esquemas,
imagens e metáforas sobre a educação
começam no início dos estudos que os
habilitarão à proissão. A formação inicial
é muito importante, já que o conjunto de
atitudes, valores e funções que os alunos
de formação inicial conferem à proissão
será submetido a uma série de mudanças
e transformações em consonância com o
processo socializador que ocorre nessa
formação inicial. É ali que se geram determinados hábitos que incidirão no exercício da proissão.
Os valores, as funções, os esquemas e as
imagens que esse processo socializador inicial gera, são tão eicientes, do ponto de vista de assimilação da concepção disseminada,
por ocasião do processo formativo, neste nível, que pode acabar se conigurando numa
cultura proissional de base tecnicista, por
exemplo, muito difícil de remover, lá adiante.
Um outro problema, gerado nesse âmbito de uma formação inicial, diz respeito
a um enfoque individualista, personalista e
isolado, que encaminha essa proissionalização, no sentido de fornecer, somente, as
bases para um conhecimento, cujo domínio
se pauta muito bem na execução de funções,
que têm por base a aplicabilidade de uma
racionalidade técnica, orientando a prática
do(a) professor(a).
37
ser professor(a) fosse um cata-vento que
gira a mercê da última vontade política e
da última demanda tecnológica. Cada nova
ideologia, nova moda econômica ou política, pedagógica e acadêmica, cada novo
governante, gestor ou tecnocrata até de
agências de inanciamento se julgam no
direito de nos dizer o que não somos e
o que devemos ser, de deinir nosso peril,
de redeinir nosso papel social, nossos saberes e competências, redeinir o currículo e a instituição que nos formarão através
de um simples decreto.
O referido autor critica essa perspectiva
unicamente técnica e funcionalista do conhecimento proissional:
Destacamos na crítica a essa formação o
fator da contextualização, uma vez que as
ações educativas sempre ocorrem em um
contexto social e histórico determinado,
que inlui em sua natureza. A título de
exemplo, é interessante a relação que se
estabelece entre os valores e crenças de
uma sociedade como a norte-americana,
centrados no individualismo e em uma
cultura da competição, e o tipo de orientação recebida pelo desenvolvimento proissional e pela formação proissional de
educação nesse país (p.52).
Essa tendência, de formar professores(as)
com peril individualista e competitivo, tão
ao gosto do mercado neoliberal e de sua
economia capitalista lexível, incorpora e
fortalece uma concepção do ofício de mestre, alienada, descontextualizada e pouco
proissional, confundindo-se por vezes, o
magistério, com doação e sacerdócio.Tal tendência é observada entre os(as) próprios(as)
professores(as) brasileiros(as), e, também é
forte no imaginário social.
É questionável, na formação inicial do
professor, a adoção desse tipo de currículo, reducionista; poderíamos dizer até que é
algo danoso à construção da identidade docente. Os anos de formação, dentro desta
perspectiva, podem deinir, paulatinamente, um peril proissional alienado do que
deve ser, de fato, o ofício de mestre, na sua
coniguração histórica, que, vem concorrer,
posteriormente, para o entendimento das
demandas atuais.
Para Nóvoa (1992, p.16), a identidade não
é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conlitos, é um espaço de
construção de maneiras de ser e de estar na
proissão. A construção de identidades passa
sempre por um processo complexo graças
ao qual um se apropria do sentido da sua
história pessoal e proissional. É um processo
que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações,
para assimilar mudanças. Perspectiva que um
currículo reducionista não comporta.
Arroyo (2001, p.24) retrata esse quadro
argumentando que
A professora das primeiras séries da educação fundamental carrega outra imagem social mais deinida, porém ainda pouco proissional. A imagem de professora primária
é dominante, com traços bastante feitos,
onde predomina a competência para o ensino das primeiras letras e contas, mas sobretudo o carinho, o cuidado, a dedicação e
o acompanhamento das crianças. Esses traços têm um reconhecimento bastante forte
no imaginário social, porém não conferem
um estatuto proissional. Podemos mudar
o nome professora primária por professora de 1º grau, de ensino fundamental, de 1º
ou 2º ciclos, por alfabetizadora, até proissional da Educação Básica ou pedagoga...
A imagem social ainda está marcada pelos
traços de professora primária construídos
por década. Ser professora ou professor é
carregar uma imagem socialmente construída. Carregar o outro que resultou de tudo
(ARROYO, 2001, p.30).
Essa imagem de professora, de traços
bem mais maternais do que proissionais,
ainda bastante arraigada na prática docente,
pudemos constatar no trabalho de campo
As políticas de formação e de currículo e,
sobretudo, a imagem de professor(a) em
que se justiicam perderam essa referência
ao passado, à memória, à história, como se
38
uma formação sólida nos âmbitos cientíico,
político, cultural, ilosóico, contextual, psicopedagógico, pessoal e interpessoal, dentre
outros, focalizando a tarefa educativa em toda
a complexidade que lhe é peculiar. Por que
é preciso esperar um tempo adequado, para
introduzir a prática relexiva que é uma necessidade no fazer docente, desde sempre?
Imbérnon (2000, p.61) nos fala da importância de uma formação contextualizada, situada no espaço-tempo onde se produz:
quando realizamos a pesquisa durante o
mestrado, como é possível constatar, lançando mão de alguns depoimentos das professoras que participaram do estudo:
“Na época que eu iz o magistério, se eu te
disser, que ele me preparou para muita coisa,
estarei mentindo. O conhecimento que eu adquiri, foi só aquele básico. Me deu uma visão
pequenininha do magistério”.
(Profª Jandira, 2ª série, formanda em pedagogia);
“A formação que recebi no magistério, não
me preparou para a realidade nua e crua de
uma escola municipal”.
Os futuros professores e professoras também devem estar preparados para entender as transformações que vão surgindo
nos diferentes campos e para ser receptivos e abertos a concepções pluralistas,
capazes de adequar suas atuações às necessidades dos alunos e alunas em cada
época e contexto.
(Profª Jarina, 1º período de educação infantil,
formanda em pedagogia).
Podemos dizer que a formação inicial, tal
como veio se dando ao longo do percurso
da educação brasileira, sugere a idéia de ter
sido um im em si mesma, todas as vezes em
que reduziu a formação do professor ao domínio de um conjunto de situações, habilidades e comportamentos, ancorados numa
abordagem técnica, como se o trabalho docente fosse concebido numa realidade estática, e não lidasse com sujeitos históricos e
sociais, portanto, dinâmicos.
Os anos iniciais de formação para o magistério são decisivos para o futuro proissional. Daí a relevância do alerta de Imbérnon (2000, p.60), no sentido de que
Formar-se numa perspectiva que concebe
o processo educativo sempre envolto num
sentido de práxis, em que o conhecimento
é trabalhado como processo de construção
e reconstrução, tanto para quem “ensina”
como para quem aprende, é um pressuposto
que deve ser incorporado, em qualquer proposta formativa, que se proclame qualitativa,
não importando muito qual a dimensão que
ocupa nas esferas das instituições formadoras (inicial, permanente, continuada, proissionalizante).
As pessoas começam a ser formadas proissionalmente em seu cotidiano. Cada um
de nós sofre um processo de formação
proissional a partir da educação formal e
informal a que está submetido, diariamente, desde muito cedo. É na interação social,
na família, nos grupos de amigos, nas instituições, nas horas de lazer que começa
essa formação, não nos cursos básicos que
ministramos (MARIN, 1996, p.162).
A formação inicial, como começo da socialização proissional e da assunção de
princípios e regras práticas (Elbaz, 1983),
deve evitar passar a imagem de um modelo proissional assistencial e voluntarista
que freqüentemente leva a um posterior
papel de técnico-continuísta, que relete
um tipo de educação que serve para adaptar acriticamente os indivíduos à ordem
social e torna o professor vulnerável ao
entorno econômico, político e social.
Aliás, essa discussão sobre a deinição,
em campos distintos, do que é formação inicial e do que é formação continuada, suscita
polêmica, no meio acadêmico. Um dissenso
O início de uma proissionalização docente deveria contemplar, sem mais retardos,
39
já traz consigo uma dada concepção de
ensino, aprendizagem, escola, avaliação, docência, contribuindo, futuramente, para a
coniguração de uma determinada prática
pedagógica.
que se explica a partir de pontos de vista
divergentes sobre o desenvolvimento proissional dos(as) professores(as). Já se discute
a inclusão, nessa perspectiva de desenvolvimento, do necessário investimento, também,
na pessoa, e no saber, oriundo da experiência do(a) professor(a).
Entretanto, não se trata de instituir, de
forma veemente, a defesa desta ou daquela
esfera de ensino. O mais urgente refere-se à
revisão das concepções que estão no subsolo dessas dimensões, e atentar a um princípio
que é incontestável: o ser humano, pela sua
natureza, vive numa busca permanente, por
saber mais de si, do mundo e do seu ofício.
Seja no âmbito da formação inicial, seja no
que diz respeito à formação continuada, não
há referência homogênea, única ou modelo
incontestável; o parâmetro deve ser a realidade histórico-social de vida, do professor,
em toda a sua plenitude.
Buscando fundamentar este estudo na
abordagem sócio-histórica e reletindo sobre essas concepções do ofício de mestre
cujas raízes nos remetem à condição de alunos, o situamos no âmbito da formação continuada, sabendo que, do ponto de vista dos
níveis normativos do ensino, a graduação em
pedagogia, curso dos professores envolvidos
na pesquisa que izemos, recebe a nomenclatura de formação inicial, de nível superior.
Neste caso havia uma especiicidade que
não poderia ser relegada. Todos os participantes do curso de pedagogia eram professores e professoras, do quadro permanente
da Secretaria Municipal de Educação, efetivos, atuantes em sala de aula, com experiência de mais de cinco anos na proissão, experiência e conhecimentos acumulados, no
exercício da docência, que não poderiam ser
desconsiderados. Como todos já possuíam a
formação em magistério de nível médio que
os habilitava a atuar nas séries iniciais do ensino fundamental, o curso de pedagogia, era,
para eles, uma continuidade dos estudos em
educação.
O tempo de docência, já vivido por
esses(as) professores(as), os inseria numa categoria de proissionais, com mais elementos
para realizar, com êxito, a relexão crítica, articulando a experiência cotidiana e os postulados teóricos, colocando em questão o ofício
de mestre. Sendo assim, a graduação em pedagogia conigurava formação continuada.
E o que é a formação continuada de professores?
A terminologia utilizada na designação da
formação continuada já oscilou, e ainda oscila,
entre termos como educação permanente,
capacitação, reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, formação contínua e educação
continuada. Segundo Lima (2001, p.42-43),
2. Sobre a Formação Continuada
A abordagem sócio-histórica concebe
sempre o sujeito imerso em sua cultura e
que por conta dessa imersão, sabe que vive
em constante processo de desenvolvimento
e aprendizado, desde os primórdios de sua
existência. Na via dessa perspectiva, não se
pode airmar que a gênese da formação está
no curso inicial, pois ela está entrelaçada à
própria história de vida do(a) professor(a). A
professora Arminda Rachel Mourão (2003)
durante o exame de qualiicação deste trabalho se posicionou a esse respeito airmando que “falar, por exemplo, que a graduação
seria formação inicial, é negar o processo de
vida do sujeito. A formação é um processo
contínuo para toda a vida; a formação inicial
escolar é lá na alfabetização”.
Nunes (2000, p.41) nos convida a reletir que,
No percurso histórico desta formação de
professores, o aluno, o futuro professor,
40
continuada, educação essa considerada necessária ao processo de industrialização e
ao desenvolvimento pessoal e proissional
do homem (NUNES, 2000, p.53).
isto é perfeitamente compreensível pois o
próprio conceito da área ainda está em construção, havendo muito para sistematizar.
Nunes (2000), ao investigar sobre a constituição dos conceitos de formação contínua
de professores(as), constata certa vinculação
com o conceito de formação permanente.
Uma educação que já existia, no campo informal, mas que só ganhou precisão terminológica e conceitual no inal da década de 50,
com o advento de pesquisas realizadas em
diversos países, principalmente europeus.
As Conferências Mundiais de Educação
de Adultos, realizadas a partir da década de
60 e patrocinadas por diversos organismos
internacionais, entre eles a UNESCO, tiveram, também, uma importância signiicativa
como espaço de debate para deinição e
precisão de tal quadro. Sobre o contexto
histórico da gênese do conceito de educação permanente AROUCA (1996, p.70)
airma que “surgiu na Europa, não somente
impulsionada pela necessidade da reconstrução dos países nos períodos pós-guerra, mas
também tentando elaborar um instrumento para superar limitações dos modelos de
Educação Formal” (p.51).
Essa necessidade de reconstrução dos
países, no período pós-guerra, põe em xeque
o ensino escolar, frente ao avanço das ciências e tecnologias, das transformações políticas, sociais e econômicas, suscitando uma
profunda crise no contexto sócio-educacional. A constatação dessas novas realidades e
novas necessidades introduz o pensamento
da importância da educação se constituir
numa perspectiva de ser algo permanente,
processo que se prolonga por toda a existência humana.
Assim, o conceito de formação continuada de professores(as) se origina e se desenvolve, tendo como referência teórica a idéia
de educação permanente, vindo a evoluir, de
acordo com cada momento histórico.
Pode-se airmar, de maneira geral, que a
idéia de Educação Permanente, está ainda
em evolução e que na sua história recente passou por três etapas. Primeiro, nada
mais era do que um termo novo aplicado
à educação de adultos, principalmente
no que se referia à formação proissional contínua. Depois passou por uma fase
utópica, integrando toda e qualquer ação
educativa e visando uma transformação
radical de todo o sistema educativo. Finalmente, nestes últimos anos, inicia-se
a elaboração de projetos práticos para
operacionalizar o conceito ou certos aspectos deste princípio global, a im de se
chegar a um sistema de educação permanente (GADOTTI, 5ª ed, p.63).
Nas últimas décadas do século passado
temos visto, expressivas entidades como a
ANPED: Associação Nacional de Pesquisa
e Pós-graduação em Educação; ANFOPE:
Associação Nacional pela Formação dos
Proissionais da Educação, dentre outras e
pesquisadores(as) que analisam a formação
continuada de professores, sobretudo, em
busca de novas concepções acerca desta
perspectiva.
Atualmente, presenciamos a emergência
de nova nomenclatura, que pressupõe amplitude e potencialidades que extrapolam
o campo conceitual até então utilizado.
Expressões como: educação permanente,
formação continuada, educação continuada fazem parte, atualmente do discurso pedagógico de professores, técnicos,
pesquisadores. Ressalto que, conforme as
exigências de cada momento histórico, os
termos utilizados para designar a formação contínua de professores foram sendo
superados, trocados, eliminados, substitu-
Por conseguinte, a preocupação com a educação permanente nasce a partir do momento em que se chega a um consenso de
que seria necessário investir na formação
de jovens e adultos que não possuíam um
peril proissional deinido e de qualidade
por meio de ações formativas, propostas
por diferentes programas de educação
41
ídos, sem contudo, deixar de nos revelar
que explícitas concepções desta formação
estavam em jogo, determinando objetivos
e linhas de ações (NUNES, 2000, p.56).
gia que caminha na perspectiva dialética que,
no seu movimento histórico, vai construindo
processos de interações, ora, marcados pela
tensão e pelo conlito, ora, provisoriamente, conciliatórios, no interior da sociedade
onde habita. Uma trajetória que não pode
ser desconsiderada, pois corre-se o risco de,
ao fazê-lo, perdermos de vista as expressões
mais autênticas de um sujeito concreto.
No que pese as nomenclaturas e as concepções que as legitimam, indagamos: ainal,
qual é a relevância, que tem hoje, a formação
continuada de professores(as)? Estará limitada
a ser uma prática de educação compensatória,
vindo a servir, unicamente, para compor as lacunas de uma formação inicial, que se deu numa
perspectiva de estreitamento da realidade social
e educacional, e, que, por isso, não responde às
necessidades sentidas pelo(a) professor(a), no
cotidiano de suas práticas atuais?
Ou será que a formação continuada,
ainda que seja um ato de continuidade de
estudos ao longo da carreira proissional, diferencia-se, qualitativamente, dessa perspectiva, que a vê como uma complementação da
formação inicial?
Nunes (2000) discute a necessidade de
ampliarmos nossa visão quanto ao sentido
de uma formação continuada, articulada ao
desenvolvimento proissional docente, e não
com qualquer outra perspectiva. Assim, recomenda que:
Com sua atividade prática os homens destruíram e criaram novos sistemas sociais;
com sua práxis produtiva criaram as condições para que desaparecessem sucessivamente diversas formações econômicosociais – escravista, feudal ou capitalista – e
com sua práxis social – protestos, rebeliões
ou revoluções – contribuíram para a abolição das relações sociais capitalistas e para
a derrocada do velho sistema colonial. Os
homens aboliram a servidão, aumentaram
as forças produtivas, criaram mercados nacionais, izeram guerras, etc., e em nenhum
momento desses casos se pode dizer que
os resultados de sua atividade tenham sido
a objetivação prática de um projeto comum,
de uma intenção. Os atos dos indivíduos
concretos como seres conscientes. Isto é,
suas práxis individuais, integram-se numa
práxis comum que desemboca num produto
ou resultado (VASQUEZ, 1977, p.326).
Ao entender a formação de professores
como um processo educativo permanente
de (des)construção de conceitos e práticas para corresponder às exigências do
trabalho e da proissão docente, posso
airmar que a formação contínua insere-se,
não como substituição, negação ou mesmo complementação da formação inicial,
mas como um espaço de desenvolvimento
ao longo da vida proissional do professor, comportando objetivos, conteúdos,
formas organizativas diferentes daquela, e
que tem seu campo de atuação em outro
contexto (p.07).
Lamentavelmente, a implementação de
práticas de formação continuada, na direção desta pedagogia, que vai ao encontro de
um sujeito histórico, parece ser uma perspectiva ainda, a ser concretizada, na nova
sociedade, regida por altas tecnologias, dita,
“pedagógica”, “educativa” e do “conhecimento”, onde, se fala, inclusive, sobre um
novo tipo de homem.
Algumas práticas de formação continuada ainda se irmam, para corresponder às
inalidades de um paradigma econômico, de
sentido, predominantemente, pontual, inclinado, por exemplo, à preparação de um
indivíduo apto às solicitações do mercado
de trabalho, onde, importa mais treinar habilidades e competências, do que instituir uma
formação, que instiga e indaga sobre qual a
Articulada ao desenvolvimento proissional, a formação continuada se constitui com
o objetivo precípuo de proporcionar novas
relexões sobre a ação proissional e novos
meios de desenvolvimento de uma pedago-
42
se recria na possibilidade de relexão sobre a
prática individual e coletiva materializado no
esforço concreto de pensar e de repensar o
percurso proissional, colocando a sociedade, e a si mesmo, em xeque, e enfrentando os
embates necessários, quando se tem como
meta educar num contexto democrático.
A verdadeira formação contínua, independente do curso ou da modalidade que
se tenha elegido, constitui-se numa possibilidade de desenvolvimento proissional. Neste, “arregaçar as mangas” do pensamento e
reletir sobre as condições do ser-professor,
percorrendo todas as teias da rede de relações, que vão do instrumental didático aos
sistemas de avaliação de um Estado Negligente, é algo impreterível nesse exercício de
pensar que é nosso, portanto, intransferível.
Nessa perspectiva de construção de processos de formação continuada, um avanço
que se observa diz respeito a não confundir a idéia de atualização proissional com o
status de poder exibir um currículo quantitativo. As considerações de Candau (1988,
p.150) apontam nessa direção:
importância da produção do conhecimento,
numa sociedade capitalista, onde os seres
humanos, parecem ser descartáveis.
Em função dessas novas exigências do
mercado, a formação de professores(as), seja
inicial ou continuada, nunca esteve tão em
foco. Há um discurso que aposta no investimento e na qualiicação do(a) professor(a)
como sendo a tábua de “salvação” para a
educação decolar, de uma vez por todas,
contribuindo para que o País, saia da condição de Estado em vias de desenvolvimento,
e, inalmente, integre-se aos blocos, dos ditos, países desenvolvidos.
O tema da formação continuada está na
ordem do dia. Ao menos, na retórica, esta
vem ganhando destaque, ao ser apresentada
como uma perspectiva capaz de oportunizar,
de fato, o desenvolvimento proissional, ao
privilegiar, como elemento de análise e relexão, os problemas reais do(a) professor(a),
em suas práticas de sala de aula.
Por vezes, também é utilizada como estratégia eiciente, para atrair professores(as)
em nome da promessa de qualiicação proissional condizente com o que se exige nestes
tempos de “globalização” e reestruturação
produtiva, mas, no fundo, pouco ou quase
nada acrescenta à sua formação, de fato. A
verdade é que vem se constituindo, também,
numa espécie de mercado, onde a venda de
saberes tem sido divulgada por todo o Brasil,
por vezes aparecendo relacionada a temas
pontuais, isolados, sem eixo condutor, além
de não reletirem de forma alguma a realidade escolar em toda a complexidade que lhe
é peculiar.
Aquino (2002), critica essa perspectiva
de mercantilização dos processos de formação continuada e alerta em relação à supericialidade, que por vezes, prepondera na
realização de palestras ou similares.
Formação continuada, como o próprio
nome sugere, no nosso entendimento, é uma
cultura de estudos que se traduz na inesgotabilidade do processo de aprendizagem, que
A formação continuada não pode ser concebida como um processo de acumulação
(de cursos, palestras, seminários, etc., de
conhecimentos ou de técnicas), mas sim
como um trabalho de relexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção
permanente de uma identidade pessoal e
proissional, em interação mútua. E é nessa
perspectiva que a renovação da formação
continuada vem procurando caminhos novos de desenvolvimento.
Atualmente, enfoques mais amplos no
campo conceitual e metodológico já se coniguram. E isso é necessário que aconteça. Há
uma vertente que enfatiza a importância, do
ambiente escolar ser um espaço privilegiado de formação. Emergindo do interior da
própria escola, a formação tem mais condições de valorizar os saberes docentes, e, de
instituir a relexão crítica sobre a realidade
educativa local.
43
vigentes em períodos históricos distintos
que estão embutidos nos conceitos que
formulamos. É o que defende Marin:
A valorização da escola, como importante espaço de relexão e formação, apresenta-se como um meio eicaz de superação
do projeto clássico de formação continuada,
traduzido muito mais em eventos pontuais,
cursos rápidos e esporádicos, oicinas, seminários e palestras, quase sempre desvinculados das reais necessidades formativas
dos(as) professores(as). Isto, porque, nas palavras de Candau (1988, p.44),
Estaria, assim, a serviço da relexão e da
produção de um conhecimento sistematizado, capaz de oferecer a fundamentação teórica necessária para a articulação com a prática
e a crítica criativa do professor em relação ao
aluno, à escola e à sociedade. Estaria ainda ajudando a pensar a proissão, a proissionalização, o proissionalismo e o desenvolvimento
proissional do professor (p.32).
Na experiência dos professores, o diaa-dia na escola é um locus de formação.
Nesse cotidiano ele aprende, desaprende,
reestrutura o aprendido, faz descobertas
e, portanto, é nesse locus que muitas vezes
ele vai aprimorando sua formação.
Considerações inais
Ampliando o olhar para além da etimologia da formação de professores, é fundamental
enxergar que mais importante do que deinir
ou conceituar, é construir uma consciência
sobre o sentido dos conceitos. Entendendo
que pode haver apropriações e distorções
no uso deste ou daquele conceito e a ênfase valorativa empregada pode ser aquela que
permita melhor adaptação aos interesses hegemônicos em fases distintas do capitalismo.
Tanto a formação inicial, quanto a formação continuada de professores, requeridas neste início de século, não podem estar
assentadas em lógicas academicistas, tecnicistas, voluntaristas ou mesmo, reduzidas a
lógicas economicistas.
Torna-se urgente o domínio de uma
formação que ponha em xeque as grandes
questões educacionais que eclodem nesta
era das incertezas, caracterizada no que deveria ser o desapego ao determinismo e na
aceitação do inesperado – não sem uma boa
dose de relexão crítica.
Precisamos pensar a formação de
professores(as) pelo prisma da complexidade –
ótica anti-simplista que convive muito bem com
a idéia de tecer junto, de se permitir duvidar, de
fazer contextualizações, observando princípios
de inter-relação da educação com os dilemas
políticos, econômicos, sociais, e culturais.
A formação continuada também pode ser
inserida num projeto maior. Ao invés de ser
vista como processo cumulativo de informação e conhecimento, pode contemplar uma
perspectiva de desenvolvimento proissional
do professor, onde a qualiicação docente pode
contribuir para o reconhecimento dos direitos
dos(as) professores(as) e para sua valorização,
em se tratando de plano de cargos e carreiras.
A esse respeito, Marin (1998, p.137) escreve:
O desenvolvimento proissional dos professores tem sido focalizado nos últimos anos
em diversos Países com utilização de processos genericamente denominados de educação
continuada.Tais processos têm sido efetivados,
por meio de diferentes modalidades, em geral
caracterizadas, por um lado, como cursos de
curta ou longa duração, acompanhados ou não
de certiicados e progressão na carreira, e, por
outro lado, como um conjunto de medidas ou
procedimentos comumente chamados de formação centrada nas escolas.
A formação contínua de professores(as)
não se esgota numa deinição conceitual
encerrando um sentido estrito. Sua abrangência perpassa instâncias da vida humana e experiências proissionais, indicando
a existência de ramiicações de ordem
epistêmica, econômica, política e social,
44
Já é tempo de instituirmos novas perspectivas, trilharmos novos caminhos, produzirmos novos conhecimentos, quem sabe
na via da educação como prática social de
humanização, na qual, a proissão docente
considera e aprecia as demandas do tempo
presente.
Assim sendo, os processos de formação de
professores, precisam contribuir para que o(a)
professor(a) assuma uma postura de constante relexão, construção e reconstrução do seu
próprio conhecimento, sendo, este posicionamento, extensivo à sua prática, articulando os
conhecimentos teórico-práticos aos aspectos
sociais, econômicos, políticos e ilosóicos, todos estes inerentes ao ato de educar.
LIMA, Maria Socorro Lucena. A formação
contínua do professor nos caminhos e
descaminhos do desenvolvimento proissional. 2001. Tese (doutorado em educação) – USP: São Paulo.
MARIN, Alda Junqueira. Desenvolvimento
proissional docente: início de um processo
centrado na escola. In: VEIGA, Ilma Passos
Alencastro (org.). Caminhos da proissionalização do magistério. Campinas/SP:
Papirus, 1998, p.137-152.
______. Propondo Um Novo Paradigma
Para Formar Professores a Partir das Diiculdades e Necessidades Históricas Nessa Área.
In: REALI, Aline Mª de Medeiros Rodrigues;
MIZUKAMI, Mª da Graça Nicoletti. (orgs.).
Formação de Professores: Tendências
Atuais. São Carlos: EDUFACar, 1996.
Referências
AQUINO, Julio Groppa. os mascates da
Formação Contínua. Nova Escola, São
Paulo, setembro 2002.
NÓVOA, Antonio. Vidas de professores.
Porto Editora, Portugal 1992.
ARROYO, Miguel G. ofício de mestre:
imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2001.
NUNES, Cely do Socorro Costa. os sentidos da formação contínua de professores: O mundo do trabalho e formação
de professores no Brasil. Campinas, SP: Unicamp, 2000.
CANDAU,Vera Maria e LELIS, Isabel Alice. A
relação teoria-prática na formação do educador. In: rumo a uma nova didática. 9.
ed. Petrópolis/RJ:Vozes. 1988.
ROPÉ, Françoise e TANGUY, Lucie. Saberes
e Competências: uso de tais noções na escola e na empresa. Campinas: Papirus, 1997.
GADOTTI, Moacir. A educação contra a
educação. 5ª edição. Rio de Janeiro: Paz e
Terra.
SAVIANI, Dermeval. As teorias da educação e o problema da marginalidade na
América Latina. In: Cadernos de Pesquisa,
nº 42, ago. 1982.
GRZYBOWSKI, C. et alii. Esboço de uma
alternativa para pensar a educação no
meio rural. Revista Contexto & Educação.
Ijuí, 1 (4): 47-59, out./dez. 1986.
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosoia da
Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
IMBERNÓN, Francisco. Formação Docente
e proissional, formar-se para a mudança
e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2000.
ZEICHNER, Kenneth M. A formação relexiva de professores: idéias e práticas.
Lisboa: EDUCA, 1993.
45
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
O MEIO-AMBIENTE E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA VISÃO
DOS ALUNOS DE ENSINO MÉDIO DE UMA ESCOLA PÚBLICA
ESTADUAL EM MANAUS
Maria Eunice Torres do Nascimento16
rESumo
Evandro Ghedin17
da educação para o desenvolvimento de
uma sociedade responsável é considerada.
O presente estudo teve como objetivo geral analisar de que forma a educação ambiental vem sendo trabalhada com os alunos
de Ensino Médio em Manaus. Para isso, foi
necessário realizar um levantamento sobre
a origem e a evolução da questão ambiental até a sua inserção na área da educação,
culminando na sistematização da educação ambiental. Quanto aos procedimentos
metodológicos, trata-se ao mesmo tempo
de uma pesquisa bibliográica e de campo.
Na pesquisa bibliográica foram realizadas
consultas e leituras em obras sobre educação ambiental. Também foi realizada uma
pesquisa de campo, para veriicar através de
um questionário, as opiniões de 85 alunos
de Ensino Médio de uma escola pública estadual de Manaus sobre o meio ambiente e
a educação ambiental. Esse artigo apresenta ainda algumas ferramentas teóricas que
podem ser utilizadas na compreensão holística do mundo e contribuir para a conscientização dos alunos sobre a preservação
ambiental. Além disso, a idéia de incluir a
educação ambiental no audacioso objetivo
Palavras-chave: Meio ambiente. Educação
ambiental. Ensino médio.
introdução
A Educação Ambiental (EA) é o objeto
de estudo deste artigo, que discorre sobre
o tema por meio de duas abordagens: a primeira com enfoque conceitual e a segunda
com enfoque prático, tomando-se como
estudo a visão dos alunos de Ensino Médio
de uma escola pública estadual na cidade de
Manaus, acerca do meio-ambiente e da educação ambiental.
A situação problemática que deu origem
ao estudo partiu da observação de que, ao
longo dos anos, a questão ambiental vem
sendo considerada como cada vez mais urgente e importante para a sociedade, pois
o futuro da humanidade depende da relação
estabelecida entre a natureza e o uso pelo
homem dos recursos naturais disponíveis.
No entanto, essa consciência, ainda não che-
_____________________
16
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de
Santos e aluna do Curso de Licenciatura Plena em Filosoia da Faculdade Salesiana Dom Bosco – FSDB em Manaus-AM.
17
Orientador.
46
gou a todas as escolas de Ensino Médio, e
iniciativas incipientes têm sido desenvolvidas
em torno desta questão nas escolas públicas
na cidade de Manaus. Diante deste contexto
questiona-se: De que forma a educação ambiental vem sendo trabalhada com os alunos
de Ensino Médio na cidade de Manaus?
A hipótese que norteou a pesquisa partiu
da premissa de que as ações desenvolvidas
apresentam falhas na utilização da educação
ambiental como ferramenta de compreensão holística do mundo e não tem contribuído muito para a conscientização dos alunos
sobre a preservação ambiental.
Para justiicar a relevância da discussão
do tema, pode-se destacar que é importante
a inclusão da temática do meio ambiente não
só como tema transversal dos currículos escolares, permeando toda prática educacional,
mas como também, conforme estabelecido
nos Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Médio, que os conceitos e modelos
ambientais devem transitar entre todas as
disciplinas.
Além disso, o momento em que a Região
Norte desperta para valorizar seus recursos,
devem-se rever os problemas ambientais
inerentes à região e como trabalhar a questão ambiental nas escolas.
É nesse contexto que a educação ambiental assume o papel de um grande instrumento de integração e valorização que
levará os alunos a atingirem um grau maior
de responsabilidade e conscientização, fazendo-os co-participantes do processo de
preservação do meio ambiente. O momento
é oportuno para que se analisem os problemas inerentes ao meio-ambiente e a educação ambiental, sugerindo soluções práticas
e razoáveis, compatíveis com a realidade e
comprometidas, acima de tudo, com a conservação do meio ambiente.
Diante do que foi exposto, o presente estudo torna-se relevante porque visa à
compreensão da temática em questão, haja
vista que estimula a relexão crítica. Sen-
do a pesquisa uma fonte imprescindível do
conhecimento e da produção da ciência, se
oferece aos acadêmicos de ilosoia, informações que podem ajudar na compreensão
da educação ambiental e sua aplicabilidade
no Ensino Médio.
O objetivo geral do artigo foi analisar de
que forma a educação ambiental vem sendo
trabalhada com os alunos de Ensino Médio
em Manaus. Para isso, foi necessário realizar
um levantamento sobre a origem e a evolução da questão ambiental até a sua inserção
na área da educação, culminando na sistematização da educação ambiental.
Quanto aos procedimentos metodológicos, trata-se ao mesmo tempo de uma pesquisa bibliográica e de campo. Na pesquisa
bibliográica foram realizadas consultas e
leituras em obras sobre educação ambiental.
Também foi realizada uma pesquisa de campo,
para veriicar através de um questionário, as
opiniões de alunos de Ensino Médio de uma
escola pública estadual de Manaus sobre o
meio ambiente e a educação ambiental.
1. origem e evolução da
educação ambiental
Desde os seus primórdios a Educação
Ambiental conduziu à necessidade de reuniões internacionais para tentar disciplinar o
tema.
No entanto, para Antonio (2000), podese airmar com convicção de que a educação
ambiental existe informalmente desde épocas
muito remotas, manifesta indiretamente no
convívio pacíico que alguns indivíduos tidos
erroneamente como selvagens mantinham
com o meio do qual faziam parte. Esses conceitos de educação ambiental eram transmitidos oralmente pelos homens mais sábios
desses povos e denotavam claramente sua interdependência com a natureza, que assumia
o papel de provedora e mãe respeitada.
47
Um claro exemplo dessa prática, ainda remanescente, é encontrado entre o povo
Yanomami. [...] é um discurso de orientações da vida diária com referências aos
antepassados, à lua, ao sol, aos tempos
propícios de pesca, caça, plantio e colheita.
De todo modo, o escocês Patrick Geddes é apontado cronologicamente como
o introdutor da educação ambiental na
moderna sociedade, fato que se deu nos
idos de 1889. Daquele tempo até os dias
hodiernos a educação ambiental ganhou
contornos de verdadeiro mecanismo de
reconhecimento e clariicação de conhecimentos que permitem ao homem vislumbrar corretamente as inter-relações entre
si e o meio biofísico (ANTONIO, 2000,
p.29-30).
Ela é um marco histórico internacional
na emergência de políticas ambientais em
muitos países, inclusive no Brasil (PEDRINI, 2001, p.26).
Pela primeira vez, a EA foi, nesta declaração, reconhecida como essencial para solucionar a crise ambiental internacional, enfatizando a priorização em reordenar suas
necessidades básicas de sobrevivência na
Terra.
Ainda segundo informações de Pedrini
(2001), o Plano de ação da Conferência de
Estocolmo recomendou a capacitação de
professores e o desenvolvimento de novos
métodos e recursos instrucionais para a EA.
A UNESCO (1997), adotando estas recomendações, promoveu três conferências
internacionais em E ao longo de duas décadas (70-80), das quais derivaram igual número de declarações como a seguir delineadas.
A Conferência de Belgrado – O Encontro de Belgrado (na ex-Iugoslávia), em 1975,
congregando especialistas de 65 países gerou a Carta de Belgrado. Esta preconizava
uma nova ética planetária para promover a
erradicação da pobreza, analfabetismo, fome,
poluição, exploração e dominação humanas.
Censurava o desenvolvimento de uma nação
às custas de outra, buscando-se um consenso internacional. Sugeriu também a criação
de um Programa Mundial em Educação Ambiental.
Mas oicialmente, segundo Pedrini (2001),
o marco inicial de interesse para a EA foi
a Conferência da Organização das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano – a Conferência de Estocolmo.
Segundo observações de Souza (2000),
depois da Conferência sobre o Meio Ambiente, realizada pela Unesco em 1972, passou a ser paciicamente aceito que por problemática ecológica devia entender-se mais,
bem mais, que a tentativa de se manter, por
ajustes conetivos e medidas preventivas, o
equilíbrio dos ecossistemas. Tornava-se imperativo, à luz da velocidade dos processos
degradadores, entender melhor o mecanismo de sua causação.
Retomando o pensamento de Pedrini
(2001), em 1972, esta conferência foi realizada ao mesmo tempo em que o Clube de
Roma18 publicava importante documento
relexivo, baseado nos estudos sobre o crescimento demográico e a exploração dos
recursos naturais, denunciando o provável
colapso da humanidade. O modelo de crescimento humano precisava ser reavaliado.
Do Encontro de Belgrado, sai a conhecida
“Carta de Belgrado”. Sua receita relete
seu pioneirismo temeroso e seu amadorismo lacunoso. Relete, acima de tudo, a
ânsia de se buscar uma solução negociada,
escapando, por isso mesmo, de analisar as
forças que alimentam o fogaréu ensandecido do problema ecológico. Dela saiu um
conjunto de assertivas que todos aceitam,
porque resumem a alegria da inoperância. É documento retoricamente lúdico,
substantivamente idealista, formando um
conjunto ameno de vaga utopia e despreocupada irresponsabilidade consensual.
A nosso ver, só teve o mérito de reunir
Mas este alerta só teve utilidade com os
debates gerados pela “Declaração sobre
o ambiente Humano” e seu “Plano de
ação Mundial”. Estes documentos foram
derivados da Conferência de Estocolmo.
_____________________
18
Coletivo de países ricos economicamente.
48
as boas intenções dos participantes. E de
chamar a atenção para o tema (SOUZA,
2000, p.26).
Com o início das preocupações ecológicas entre os cientistas sociais, tentar-se um
mínimo de uniformidade de perspectivas parecia um objetivo válido. Tbilisi representa o
ponto culminante nesta busca. A motivação
para a conferência era clara. O momento já
parecia grave no inal dos anos 70, exigindo
tomada de posição da comunidade internacional quanto à necessidade de se orientar
o processo educativo normal para tomá-lo
sensível à problemática ecológica e veículo
da luta que se devia intensiicar para salvação coletiva.
A Conferência Mundial sobre o Meio
Ambiente Humano, celebrada em Estocolmo
em 1972, mostrou a necessidade de gerar
um amplo processo de educação ambiental,
o que levou a criar o Programa Internacional
de Educação Ambiental Unesco/PNUMA em
1975 e a elaborar os princípios e orientações da educação ambiental na Conferência
de Tbilisi em 1977. Segundo informações de
Leff (2001, p.237), isto levou a fundar a educação ambiental em dois princípios básicos:
A Conferência de Tbilisi - Foi a segunda
reunião internacional promovida pela UNESCO e a mais marcante de todas, pois revolucionou a EA. Embora governamental, vários
participantes não oiciais interferiram e foram internalizadas estratégias e pressupostos pedagógicos à sua declaração.Trata-se da
Primeira Conferência Intergovernamental
sobre Educação Ambiental, realizada em Tbilisi em 1977. Foram formuladas 41 recomendações que primam pela união internacional
dos esforços para o bem comum, tendo a EA
como fator primordial para que a riqueza e
o desenvolvimento dos países sejam atingidos mais igualitariamente.
Ao inal convida diferentes instâncias políticas dos países da Terra a: a) incluir em
suas políticas de educação conteúdos,
diretrizes e atividades ambientais contextualizadas nos seus países; b) intensiicar
trabalhos de relexão, pesquisa e inovação
em EA por parte das autoridades em educação; c) estimular os governos a promover intercâmbios de experiências, pesquisas, documentação, materiais e formação
de pessoal docente qualiicados entre os
países; d) fortalecer os laços de solidariedade internacionais em uma esfera de
atividade que simbolize uma adequada solidariedade entre os povos com o im de
promover a união internacional e a causa
da paz (PEDRINI, 2001, p.28).
•
•
Sobre o signiicado de Tbilisi, Souza (2000,
p.23) airma que:
A preocupação em se reunir a comunidade
de interessados indica o que nos tem servido de tese: a) Por um lado, a necessidade
imperativa de um esforço sistemático e
amplo de educação ambiental. Por outro,
o reconhecimento de que as divergências
eram tão profundas que se tornava necessário tentar-se alguma forma de acordo
sobre o que poderia ser o currículo básico
e os objetivos fundamentais da educação
ambiental.
Uma nova ética que orienta os valores e comportamentos sociais para os
objetivos de sustentabilidade ecológica e eqüidade social.
Uma nova concepção do mundo
como um sistema complexo levando a uma reformulação do saber e a
uma reconstituição do conhecimento.
Neste sentido, a interdisciplinaridade
se converteu num princípio metodológico privilegiado da educação ambiental.
Mas, a Conferência de Tbilisi não contemplou as demandas pedagógicas emergentes
internacionalmente. Apenas a Conferência
de Moscou, onde educadores não governamentais participaram sem amarras formais,
é que, em conjunto com as anteriores, criou
um arcabouço teórico-metodológico aperfeiçoado.
49
1991. No entanto, nem tudo que consta nestas declarações é para ser adotado sem avaliação crítica. Mas, a comunidade internacional não se conformou com a conferência de
Estocolmo e as três de EA, além de dezenas
de outras, tratando das variadas dimensões
sócio-ambientais.
Reconhecendo que havia muito o que fazer para a sociedade se preparar para o próximo milênio, a ONU decidiu promover uma
segunda conferência nacional. Daí, o Brasil se
ofereceu para sediá-la.
A Conferência do Rio de Janeiro – A
Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),
oicialmente denominada de “Conferência
de Cúpula da Terra”, reuniu 103 chefes de
estado e um total de 182 países.
A Conferência de Moscou – A terceira
conferência foi a de Moscou, em agosto de
1987, que reuniu cerca de trezentos educadores ambientais de cem países. Visou fazer
uma avaliação sobre o desenvolvimento da
EA desde a Conferência de Tbilisi, em todos
os países membros da UNESCO.
A EA nesta conferência não governamental reforçou os conceitos consagrados
pela de Tbilisi. A EA deveria preocupar-se
tanto com a promoção da conscientização
e transmissão de informações, como com o
desenvolvimento de hábitos e habilidades,
promoção de valores, estabelecimento de
critérios e padrões e orientações para a resolução de problemas e tomada de decisões.
Portanto, objetivar modiicações comportamentais nos campos cognitivo e afetivo. O
plano de ação da Conferência de Moscou,
resumidamente, seria:
Aprovou cinco acordos oiciais internacionais: a) Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento; b) Agenda
21 e os meios para sua implementação; c)
Declaração de Florestas; d) ConvençãoQuadro sobre Mudanças Climáticas; e)
Convenção sobre Diversidade Biológica.
Durante este megaevento o governo brasileiro, através do Ministério da Educação e
Desporto - MEC organizou um Workshop
paralelo à Rio-92, no qual foi aprovado um
documento denominado “Carta Brasileira
para a Educação 1mbiental”. Este enfoca
o papel do estado, estimulando, em particular, a instância educacional como as
unidades do Ministério da Educação e do
Desporto (MEC) e o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB)
para a implementação imediata da EA em
todos os níveis (PEDRINI, 2001, p.30).
a) desenvolvimento de um modelo curricular; b) intercâmbio de informações
sobre o desenvolvimento de currículo;
c) desenvolvimento de novos recursos
instrucionais; d) promoção de avaliações
de currículos; e) capacitar docentes e licenciandos em EA; f) capacitar alunos de
cursos proissionalizantes, priorizando
o de turismo pela sua característica internacional; g) melhorar a qualidade das
mensagens ambientais veiculadas pela mídia ao grande público; h) criar um banco
de programas audiovisuais; i) desenvolver
museus interativos; j) capacitar especialistas ambientais através de pesquisa; k) utilizar unidades de conservação ambiental
na capacitação regional de especialistas; l)
promover a consultoria interinstitucional
em âmbito internacional; m) informar sobre a legislação ambiental; dentre outras
medidas não menos importantes (PEDRINI, 2001, p.29).
Mas, enquanto a CNUMID transcorria a
portas fechadas outras reuniões se realizavam. Segundo Viezzer e Ovalles (1995), um
dos eventos paralelos mais importantes para
a EA foi a Jornada Internacional de Educação Ambiental. Dela derivou o “Tratado de
Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global”. Este
tratado enriquece os outros já existentes e
deles difere pelo fato de ter sido formulado
A Conferência de Moscou consolidou as
recomendações das duas conferências anteriores da UNESCO. Destas reuniões gerais
derivaram outras setorizadas. Na América
Latina aconteceu a de Costa Rica, em 1979,
a da Argentina, em 1988 e a do Brasil em
50
e aprovado pelo homem comum e ser fruto
de calorosas discussões entre educadores.
Segundo informações de Alvarenga
(2005), na reunião mundial ocorrida no Rio
de Janeiro, em 1992, restou oicial e formalmente proclamada a declaração internacional de que o direito à prosperidade deve
exercer-se de forma que responda eqüitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das presentes e futuras
gerações.
Conforme preceitua o art. 5º,V, da Lei n°
9.795, de 27 de abril de 1999, no âmbito educacional, a determinação legal no Brasil é que
se promova a cooperação entre as diversas
regiões do País com vistas à construção de
uma sociedade ambientalmente equilibrada,
fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social,
responsabilidade e sustentabilidade.
Dentre os mega-princípios do direito
ambiental, pela sua reconhecida importância
na construção da conscientização individual
e pública direcionada à preservação do meio,
sublima-se o princípio da educação ambiental, cuja promoção em todos os níveis do ensino é uma exigência constitucional (art. 225,
§ 1°,VI) da Constituição Federal.
As pessoas melhor informadas poderão
adequar e ajustar ambientalmente as suas
condutas às práticas cotidianas de proteção e
conservação do patrimônio ecológico. Ainal,
é preciso conhecer para proteger! A inserção
de programas sérios de educação ambiental
no sistema oicial de ensino do país revela-se
fundamental para a formação de uma sólida
e permanente consciência social de respeito
aos bens e valores ambientais.
a política nacional de educação ambiental,
que foi concebida como os processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. A
precitada Lei da Educação Ambiental restou
regulamentada pelo Decreto n° 4.281, de 25
de junho de 2002.
Legalmente declarada integrante da educação nacional, a educação ambiental deve
ser ministrada em caráter formal (desenvolvida no âmbito curricular das instituições
oiciais de ensino, públicas e privadas, em
todos os níveis) e não formal (práticas educativas de sensibilização geral da coletividade a respeito da questão e da necessidade
de proteção ambiental). Este mega-princípio
reitor do direito ambiental está em estreita sintonia com os direitos fundamentais do
homem.
Na concepção de Nalini (2001), em tema
de educação ambiental, todas as pessoas padecem de certo analfabetismo. Ao menos
de um analfabetismo funcional. Na verdade,
quase todos são analfabetos em muitos campos de saber importantes para suas necessidades vitais. E isso faz dos seres humanos
mais dependentes uns dos outros. Se os seres humanos tivessem consciência dos perigos que ameaçam a Terra, poucos os que
alterariam substancialmente sua existência
para poupá-la.
Como lembra Boff (1999), para cuidar
do planeta todos os seres humanos precisam passar por uma alfabetização ecológica
e rever os hábitos de consumo e importa
desenvolver uma ética do cuidado.
Retomando o pensamento de Nalini
(2001), destaca-se que a ecologia se aprende
de múltiplas formas.Vivenciando experiências
preservacionistas, lendo inúmeras obras hoje
direcionadas a conscientizar as pessoas de sua
responsabilidade planetária, ou mesmo fazendo cursos de educação ambiental, para obter
escolaridade formal em temas ecológicos.
2. Sistematização da educação
ambiental
Segundo Alvarenga (2005), no Brasil, a
Lei n° 9.795, de 27 de abril de 1999 instituiu
51
Muitos imperativos éticos importantes
continuam sendo ainda grandes desaios
para a questão da educação ambiental. Nalini
(2001) destaca resumidamente alguns:
• Reeducar as pessoas para uma melhor adequação entre a cultura visual e televisiva do meio ambiente e a
práxis individual e social das pessoas;
• Propor uma educação ambiental que
atinja a dimensão plural da liberdade
do homem, promovendo uma verdadeira metanóia;
• Articular uma educação ambiental
com um planejamento sociopolítico
que seja verdadeiramente condizente com as necessidades locais e regionais, possibilitando a interação e
integração das pessoas com o meio
ambiente circundante, ajudando-as
no processo de preservação do espaço socioambiental.
Dessas observações, depreende-se que
não há um saber ambiental deinitivo, cuja
aquisição se possa fazer de imediato. Todas
as metodologias e estratégias estão abertas
à criatividade. Essencial é centrar-se sobre a
valoração do ambiente.
E os valores ambientais se induzem por
diferentes meios (e não só dentro dos processos educativos formais), produzindo
efeitos educativos. Estes vão desde os princípios ecológicos gerais (comportamentos
em harmonia com a natureza) e uma nova
ética política (abertura na direção da pluralidade política e da tolerância com relação ao
outro), até novos direitos culturais e coletivos que têm a ver com os interesses sociais
em torno da reapropriação da natureza e a
redeinição de estilos de vida que rompem
com a homogeneidade e a centralização do
poder na ordem econômica, política e cultural dominante (NALINI, 2001).
Logo, pode-se inferir que toda ação próambiental é bem-vinda e toda omissão na
defesa do ambiente é inadmissível. A quem
foi dado enxergar a realidade e não se com-
porta de acordo com ela, não haverá escusa.
Nem será perdoado aquele que, podendo
fazer algo para tirar a venda ao seu semelhante, não o izer. Nem a ignorância é escusável.
Nalini (2001) enfatiza que falha ética intolerável é o desconhecimento consentido
e o descomprometimento com aquilo que é
tarefa de todos: conhecer melhor, para melhor saber conservar o ambiente. O saber
ecológico não é para os eruditos, os especialistas, os iniciados. É para todas as pessoas.
Simplesmente porque é perigoso e temerário que o cidadão médio continue a ignorar
as catástrofes naturais como o aquecimento
global, a diminuição da camada de ozônio,
a poluição do ar, dentre outras. Conhecer,
conhecer mais, conhecer melhor, é a única
prevenção.
Há uma pressuposição de dever ético
para as consciências despertas: prover, a
cada dia, de mais ciência a consciência. A ciência, geradora de conhecimento e aprimoradora da consciência, cumpre o seu papel
de vigilante preventivo de males futuros. É
ela, a ciência, que alerta contra os perigos
introduzidos por tecnologias que alteram o
mundo, especialmente o meio ambiente de
que nossas vidas dependem. A ciência providencia um sistema essencial de alerta antecipado (NALINI, 2001).
Segundo estudos da UNESCO e do IBAMA (1999), a educação ambiental, como se
percebe atualmente vem da emergência de
uma percepção renovada de mundo conhecida como holística: uma forma íntegra de
ler a realidade e atuar sobre ela. Nesse novo
paradigma, a proposta educativa envolve a
visão de mundo como um todo, e não pode
ser reduzida a apenas um departamento, uma
disciplina, ou programa especíico. Dentro ou
fora de qualquer instituição, ela está ligada a
ações multi e interdisciplinares e inserida na
vida cotidiana de todos os indivíduos.
O que se percebe é que a educação ambiental busca na verdade uma proposta de
52
ilosoia de vida que resgata valores éticos,
estéticos, democráticos e humanistas. Ela
parte de um princípio de respeito pela diversidade natural e cultural, que inclui a especiicidade de classe, de etnia e de gênero. Por
isso, uma de suas características é a defesa
da descentralização em todos os níveis e a
distribuição social do poder, reconhecendo
também como formas de poder o acesso à
informação e ao conhecimento.
A educação ambiental visa modiicar as
relações entre a sociedade e a natureza em
função da melhoria da qualidade de vida,
como esta é percebida pelas comunidades.
Ela propõe a transformação do sistema produtivo e do consumismo em uma sociedade
baseada na solidariedade, afetividade e cooperação, visando à justa distribuição de seus
frutos entre todos.
Ainda de acordo com estudos da UNESCO e do IBAMA (1999), uma educação
holística propõe a busca de novos valores
e práticas baseados em uma postura ética
que, aliados à sabedoria acumulada pela humanidade e aos conhecimentos cientíicos,
perpassem todas as ações das comunidades,
de órgãos governamentais, partidos políticos
e de ONGs. É também uma educação democrática que propicia oportunidades para que
as pessoas e grupos desenvolvam sua criatividade, reaprendendo o mundo sem estabelecer separações artiiciais entre mestres
e aprendizes, entre sexos e idades, e entre
saberes.
Para viver o cotidiano de uma maneira
mais coerente com os ideais de uma sociedade sustentável e democrática, as pessoas
precisam de uma educação que as conduza a
repensar velhas fórmulas de vida e a propor
ações concretas para transformar a sua casa,
a sua rua, o seu bairro, as suas comunidades,
sejam elas no campo, na fábrica, na escola, no
escritório.
Na visão da UNESCO e do IBAMA
(1999), a preocupação ambiental não é assunto somente para especialistas, mas uma
dimensão que deve estar presente em qualquer forma de organização popular ou programa. É por meio do exercício efetivo da
cidadania que se irá proporcionar a melhoria
de vida do ser humano nos grandes centros
urbanos.
Como bem salienta Antonio (2000, p.29):
Clama-se, mundialmente, por um modelo
de educação voltado para a paz, para a democracia e para o desenvolvimento sustentável. Firmam-se, pois, com intensidade,
as bases de uma nova teoria do ensino,
a Ecopedagogia, que sustentada por vultos da intelectualidade latino-americana,
como Leonardo Boff, intenta dar arrimo a
uma metodologia da educação direcionada à consecução de uma verdadeira cidadania planetária. É a pedagogia ambiental,
concebida como uma estratégia educativa
para a conservação do meio, uma estratégia ressalte-se para sobrevivência. Para
atinar com clareza o signiicado desse revolucionário postulado do ensino, mister
se faz uma análise consistente da educação
ambiental e da sua importância para a manutenção da vida humana no século XXI.
Vê-se, pois, que a ética ambiental deve
ser buscada através da consciência ecológica
fundamentada na educação ambiental.
Na visão de Antonio (2000), apesar de a
educação arrimada em constatações naturais
não obedecer a regras inlexíveis comuns a
outras ramiicações do estudo, no que tange a Educação Ambiental, tem-se aceitado a
deinição clássica de Mellowes, como a que
mais se aproximou da essência desse saber.
Em sua ótica a educação ambiental se traduz em “um processo no qual deve ocorrer
o desenvolvimento progressivo de um senso
de preocupação com o meio ambiente, baseado num completo e sensível entendimento
das relações do homem com o ambiente a
sua volta” (ANTONIO, 2000, p.30).
O Governo brasileiro também procurou
delinear seu entendimento sobre educação
ambiental, através do Ministério da Educação, que a aponta como “o conjunto de ações
53
escolas e centros comunitários integrantes da sua estrutura e do setor privado, se
na condição de subvencionado ou conveniado com esse.
Parágrafo Único – O Município se utilizará
de programas especiais e campanhas de ampla repercussão e alcance popular com vistas
a promover a educação ambiental no âmbito
comunitário (ANTONIO, 2000, p.31).
educativas voltadas para a compreensão da
dinâmica dos ecossistemas, considerando os
efeitos da relação do homem com o meio,
determinação social e a evolução histórica
dessa relação” (ANTONIO, 2000, p.31).
Independentemente de qualquer fonte,
a concepção de educação ambiental sempre
transcende aos padrões tradicionais impostos à vida acadêmica. Atrelá-la a conceitos
pré-determinados, impor a ela normas sistemáticas redundará apenas na resistência à
sua assimilação e na negação de sua natural
transversalidade, de sua inegável interdisciplinaridade.
No que diz respeito à educação formal,
os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN (2001) determinam que os conteúdos
relacionados ao meio ambiente sejam integrados ao currículo do Ensino Fundamental
através da transversalidade, sendo tratados
pelas diversas áreas do conhecimento, de
modo a atingir toda a prática educativa e,
ao mesmo tempo, criar uma visão global e
abrangente da questão ambiental.
A Constituição de 1988 previu a concretização da educação ambiental quando
prescreveu os espaços territoriais, em todas
as unidades da Federação, com seus componentes a serem protegidos. Considerando os
parques e as unidades de conservação como
espaços a serem preservados, uma vez que
o patrimônio cultural e a biodiversidade
são reconhecidos como essenciais para a
sustentabilidade da vida na terra, o papel da
educação ambiental é insubstituível.
Segundo informações de Antonio (2000),
a Constituição do Estado do Amazonas reairma esse mister no inciso I, do Art. 230, em
seu capítulo X dedicado ao meio ambiente.
A Lei Orgânica do Município de Manaus,
promulgada em 1990, contempla o assunto
em seu Artigo 287 e Parágrafo Único que
expressa:
A educação ambiental é, pois, elevada por
textos legais dessa magnitude a um patamar
de acentuada importância, sendo que atualmente a quase totalidade das nações do globo se empenha na consecução de uma política comum e eicaz de implementação da EA.
Cabe nesse aspecto salientar o capítulo
36 da Agenda 21, fruto da Rio-92, que ressalta ser “o ensino de fundamental importância
na promoção do desenvolvimento sustentável e para aumentar a capacidade do povo
para abordar questões do meio ambiente e
desenvolvimento” (ANTONIO, 2000, p.32).
De acordo com o PCN (2001), a educação ambiental tem como objetivo o desenvolvimento de hábitos e atitudes, e estes
só se consolidam ao longo da formação do
indivíduo. Nesta modalidade de educação
deve-se buscar uma sociedade ambientalmente sustentável, que propicie uma melhor
qualidade de vida para gerações presentes
e futuras.
A principal função da Educação Ambiental é contribuir para a formação de cidadãos
conscientes, aptos para decidirem e atuarem
na realidade socioambiental de um modo
comprometido com a vida, com o bem-estar
de cada um e da sociedade, local e global.
Para isso é necessário que, mais do que informações e conceitos, a educação ambiental
se proponha a trabalhar com atitudes e com
formação de valores. E esse é um grande desaio para a educação: comportamentos ambientalmente corretos (PCN, 2001).
Outros componentes devem se juntar à
tarefa da educação ambiental. A sociedade é
responsável pelo processo como um todo,
mas os padrões de comportamento da família
Art. 287 – A educação ambiental será proporcionada pelo Município na condição de
matéria extracurricular e ministrada nas
54
Gráico 1 – O que você concebe por meio
ambiente?
e as informações veiculadas pela mídia exercem especial inluência sobre as pessoas.
3. o meio-ambiente e a
educação ambiental na
visão dos alunos de uma
escola pública em manaus
A seguir serão apresentados os resultados coletados com 85 alunos do 3º ano do
Ensino médio de uma Escola Pública da rede
estadual de ensino na cidade de Manaus.
A primeira parte do questionário foi direcionada para a caracterização da amostra.
Quanto ao sexo, detectou-se que 44 alunos,
o que corresponde a 51,76% da amostra,
eram do sexo masculino, e 41 alunos, cerca
de 48,24%, eram do sexo feminino.
Quanto à idade, 58 alunos, o que corresponde a 68,23% da amostra, responderam ter
entre 16 e 20 anos; 24 alunos, cerca de 28,26%,
responderam ter entre 26 e 35 anos, e 3 alunos,
o que corresponde a 3,51% do total de entrevistados, responderam ter acima de 35 anos.
Quanto à faixa etária, é importante destacar que alguns alunos estão acima da faixa
etária normal para cursar o Ensino Médio, o
que pode ser justiicado pela condição socioeconômica dos mesmos. Muitas vezes, em
função da necessidade de ajudar seus pais
no orçamento doméstico, esses alunos começam a trabalhar cedo, prejudicando seu
desempenho e progressão escolar.
Ao serem questionados sobre o que
concebem por meio ambiente, 54,12% dos
alunos responderam que o meio ambiente é
constituído por elementos do meio natural
(lorestas, animais); 22,36% dos entrevistados responderam que se vêem como parte
integrante do meio ambiente; 20% dos alunos responderam que o meio ambiente é um
presente de Deus aos seres humanos, apenas
1,17% dos alunos responderam que não se
vêem como parte integrante do meio ambiente e 2,35% dos alunos não responderam.
Pode-se perceber pelos resultados acima
que uma parcela, ainda pequena, de 22,36%
dos alunos têm aquilo que Capra (1996)
chama de um novo paradigma baseado em
uma visão de mundo holística. Nessa visão,
concebe-se o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes
dissociadas, enim concebe-se a natureza
como um ser natural, que tem inteligência e
dinamicidade.
Em compensação, mais da metade dos
alunos, cerca de 54,12%, responderam que
o meio ambiente é constituído por elementos do meio natural, tais como lorestas e
animais, de certa forma excluindo-se o ser
humano, e 20% dos alunos responderam que
o meio ambiente é um presente de Deus aos
seres humanos. Ou seja, somando-se os dois
percentuais (74,12%), grande parte dos alunos vê o meio ambiente como uma coleção
de partes dissociadas e não como um todo,
que inclui a espécie humana.
Tabela 1 - O que você concebe por meio
ambiente?
Fonte: Questionário, 2006.
55
Segundo Mota apud Mukai (2002), este
ecossistema é formado de dois sistemas intimamente inter-relacionados: o sistema natural, composto do meio físico e biológico
(solo, vegetação, animais, habitações, água) e
o sistema cultural, consistindo do homem e
de suas atividades. Assim como em outros
sistemas, o homem tem a capacidade de dirigir suas ações, utilizando o meio ambiente
como fonte de matéria e energia necessárias à sua vida ou como receptor de seus
produtos e resíduos. Da mesma forma, a
expressão similar meio ambiente tem sido
entendida como a interação de elementos
naturais, artiiciais e culturais que propiciam
o desenvolvimento equilibrado da vida do
homem.
24,70% dos alunos responderam que não
têm conhecimento; 22,35% dos alunos
responderam que não têm nenhum contato com o tema educação ambiental;
15,29% responderam outros, e 12,96%
dos alunos responderam que é através da
visitação a locais públicos relacionados ao
meio ambiente.
Pelos resultados pode-se perceber que
as escolas ainda apresentam sérias falhas no
que se refere à educação ambiental, pois de
acordo com o PCNEM (2002), os conceitos
e modelos ambientais devem transitar entre
todas as disciplinas.
A poluição ambiental, seja ela urbana
ou rural, do solo, das águas ou do ar, não é
algo só “biológico”, só “físico” ou só “químico”, pois o ambiente, poluído ou não, não
cabe nas fronteiras de qualquer disciplina,
exigindo, aliás, não somente conhecimentos
ligados às chamadas Ciências da Natureza,
mas também das Ciências Humanas, se se
pretender que a problemática efetivamente
sócio-ambiental possa ser mais adequadamente equacionada, num exemplo da interdisciplinaridade imposta pela temática real
(PCNEM, 2002).
No que diz respeito à educação formal, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(2001) determinam que os conteúdos relacionados ao meio ambiente sejam integrados
ao currículo do Ensino Fundamental através
da transversalidade, sendo tratados pelas diversas áreas do conhecimento, de modo a
atingir toda a prática educativa e, ao mesmo
tempo, criar uma visão global e abrangente
da questão ambiental.
A Constituição Federal, que é considerada uma das mais completas do planeta na
questão ambiental, consagra com clareza
meridiana no inciso VI, do 1º§, do Art. 225 a
incumbência do Poder Público de “promover a educação ambiental em todos os níveis
de ensino e a conscientização pública para
a preservação do meio ambiente” (ANTONIO, 2000, p.31).
Tabela 2 - A disciplina educação ambiental é
desenvolvida na escola, através de:
Fonte: Questionário, 2006.
Gráico 2 – A disciplina educação ambiental é
desenvolvida na escola, através de:
Quando questionados como a disciplina educação ambiental é desenvolvida
na escola, 24,70% dos alunos responderam que as atividades eram desenvolvidas
através de Palestras/Temas Transversais;
56
Já em nível local, segundo informações
de Antonio (2000), a Constituição do Estado do Amazonas reairma esse mister
no inciso I, do Art. 230, em seu capítulo
X dedicado ao meio ambiente. A Lei Orgânica do Município de Manaus, promulgada em 1990, contempla o assunto em seu
Artigo 287, destacando que a educação
ambiental será proporcionada pelo Município na condição de matéria extracurricular e ministrada nas escolas e centros
comunitários integrantes da sua estrutura
e do setor privado, se na condição de subvencionado ou conveniado com esse. Para
complementar o parágrafo único preceitua
que o Município se utilizará de programas
especiais e campanhas de ampla repercussão e alcance popular com vistas a promover a educação ambiental no âmbito
comunitário.
tais: 45,88% dos alunos responderam que
não têm conhecimento; 28,25% dos alunos
responderam que não; 23,52% dos alunos
responderam que sim, a escola desenvolve
projetos ou atividades ambientais e 2,35%
dos alunos não responderam.
De acordo com o PCNEM (2002), a
compreensão da problemática ambiental e
o desenvolvimento de uma visão articulada do ser humano em seu meio natural,
como construtor e transformador deste
meio, parte necessariamente da consciência do caráter interdisciplinar ou transdisciplinar, numa visão sistêmica. Por isso
tudo, o aprendizado da questão ambiental
deve ser planejado desde uma perspectiva
a um só tempo multidisciplinar e interdisciplinar, ou seja, os assuntos devem ser
propostos e tratados desde uma compreensão global, articulando as competências
que serão desenvolvidas em cada disciplina
e no conjunto de disciplinas, em cada área
e no conjunto das áreas. Mesmo dentro
de cada disciplina, uma perspectiva mais
abrangente pode transbordar os limites
disciplinares.
Diante deste contexto é de extrema relevância que as escolas, desenvolvam projetos ou atividades ambientais com seus alunos desde a mais tenra idade.
Tabela 3 – Você tem conhecimento se a escola
desenvolve projetos ou atividades ambientais?
Fonte: Questionário, 2006.
Tabela 4 – Como você avalia o grau de
compromisso da escola com o meio ambiente?
Gráico 3 – Você tem conhecimento se a escola
desenvolve projetos ou atividades ambientais?
Fonte: Questionário, 2006.
Quanto ao conhecimento se a escola
desenvolve projetos ou atividades ambien-
57
Gráico 4 – Como você avalia o grau de
compromisso da escola com o meio ambiente?
e das tecnologias correlatas a essas ciências.
Contudo, principalmente ao que tange
a questão do meio ambiente e da educação
ambiental, toda a escola e sua comunidade
– não só o professor e o sistema escolar –
precisam se mobilizar e se envolver para produzir novas visões de preservação do meio
ambiente, de modo a promover a transformação educacional e social pretendida.
Quando convidados para avaliar o grau
de compromisso da escola com o meio ambiente, 51,76% dos alunos classiicaram o
compromisso da escola como médio; 21,20%
dos alunos classiicaram como ruim; 17,64%
dos alunos classiicaram como bom; 5,88%
dos alunos responderam muito bom e 3,52%
dos alunos não responderam.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio – PCNEM
(2002), o aprendizado nesta etapa de ensino
deve contribuir não só para o conhecimento
técnico, mas também para uma cultura mais
ampla, desenvolvendo meios para a interpretação de fatos naturais, a compreensão de
procedimentos e equipamentos do cotidiano social e proissional, assim como para a
articulação de uma visão do mundo natural
(meio ambiente) e social.
Deve propiciar inclusive a construção
de compreensão dinâmica da nossa vivência
material, de convívio harmônico com o mundo da informação, de entendimento histórico da vida social e produtiva, de percepção
evolutiva da vida, do planeta e do cosmos,
enim, um aprendizado com caráter prático
e crítico e uma participação no romance da
cultura cientíica, ingrediente essencial da
aventura humana (PCNEM, 2002).
Essa concepção ambiciosa do aprendizado cientíico-tecnológico e ambiental no
Ensino Médio, que infelizmente é diferente
daquela hoje praticada na maioria das escolas públicas, não é uma utopia e pode ser
efetivamente posta em prática no ensino da
Biologia, da Física, da Química, da Matemática
Conclusão
Com base nos dados da pesquisa bibliográica e da pesquisa de campo realizada neste estudo, conirmou-se a hipótese de que as
ações de educação ambiental desenvolvidas
nas escolas públicas estaduais, em nível de
Ensino Médio ainda apresentam falhas, o que
contribui para que os alunos não tenham
uma compreensão holística do mundo e
pouca conscientização sobre a preservação
ambiental.
Logo, é indispensável, em nível local, em
todas as esferas de ensino e na comunidade em geral, um trabalho de educação em
questões ambientais, visando tanto as gerações jovens como os adultos, dispensando
a devida atenção ao setor das populações
menos privilegiadas para assentar as bases
de uma opinião pública bem informada e de
uma conduta responsável dos indivíduos, das
empresas e das comunidades, inspirada no
sentido de sua responsabilidade, relativamente à proteção e melhoramento do meio
ambiente, em toda a sua dimensão humana.
Tomando-se como base as conclusões do
Relatório Final Região Norte, resultado da I
Conferência Nacional de Educação Ambiental, que atesta que um dos grandes causadores da degradação ambiental na Amazônia
é o modelo de desenvolvimento econômico
vigente, urge a tomada de medidas enérgicas
no sentido de implantar uma política de desenvolvimento em que se garanta o uso racional dos recursos naturais, bem como uma
58
a ilosoia tem que mostrar aos estudantes
as diferentes alternativas e visões sobre o
tema ambiental, e, sobretudo transmitir conhecimentos que possam aumentar sua capacidade de entender e avaliar os possíveis
sentidos e alcances das diferentes opções.
Para inalizar é importante destacar que
o presente estudo não teve a pretensão de
esgotar o assunto. Ao contrário, pretendeuse apenas destacar a relevância do tema
abordado e demonstrar que a educação ambiental é fundamental para a preservação do
meio ambiente, e que o estudo da educação ambiental, em nível de Ensino Médio em
Manaus, representa um amplo campo para
futuras pesquisas.
educação de qualidade que contribua para
a formação de cidadãos conscientes, aptos
para agirem responsavelmente no meio em
que vivem.
Este desaio atribuído à Educação Ambiental deve constituir-se em um processo
contínuo e permanente a ser oferecido de
forma interdisciplinar, dando ênfase à abordagem da problemática ambiental que afeta
a qualidade de vida das comunidades, sem,
contudo, esquecer as potencialidades para
prevenir problemas que possam surgir.
Atualmente a humanidade se vê diante
da necessidade de mudanças radicais para
garantir a sobrevivência digna das futuras
gerações. Por isso mesmo, nunca como neste século, emergiram tantas iniciativas para
a conservação, controle e recuperação do
ambiente. Logo, é importante a implantação
da educação ambiental em todos os níveis
de ensino das comunidades, com o objetivo
da capacitá-las para a participação ativa na
defesa do meio ambiente.
Diante deste contexto, a Educação Ambiental se reveste de excepcional importância. Ela simboliza a conluência das iniciativas
individuais para um reconhecimento institucional da necessidade de agrupar as especialidades, de forma a oferecer aos estudantes
um sólido compromisso de capacitação, voltado para a preservação da bioesfera.
As pesquisas acadêmicas, sejam em nível de graduação ou especialização, devem
contribuir para a literatura de pesquisa na
área de educação ambiental e para a solução, ou pelo menos amenização dos problemas ambientais enfrentados atualmente pela
humanidade. Embora estas pesquisas, ainda
representem iniciativas de cunho individual,
deveriam ser mais estimuladas em nível institucional nos Institutos de Ensino Superior
e nos curso de especialização, mestrados e
doutorados.
O papel da ilosoia, na educação ambiental, não deve e nem pode se limitar à difusão
retórica de valores. Além de dar o exemplo,
Referências
ALVARENGA, Paulo. Proteção jurídica do
meio ambiente. São Paulo: Lemos e Cruz,
2005.
ANTONIO, Adalberto Carim. Ecoletânea:
subsídios para a formação de uma consciência jurídico-ecológia. Manaus:Valer, 2000.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do
humano – compaixão pela terra. Petrópolis/
RJ:Vozes, 1999.
BRASIL. Constituição Federal. In: RCN Editora. Vade mecum Jurídico. Leme/SP:
RCN Editora, 2005.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Brasília: MEC/SEMTEC, 2002.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente e saúde.Volume 9. 3.ed.
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2001.
59
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova
compreensão cientíico dos sistemas vivos.
São Paulo: Cultrix, 1996.
SOUZA, Nelson Mello e. Educação ambiental: dilemas da prática contemporânea.
Rio de Janeiro: Thex Editora: Universidade
Estácio de Sá, 2000.
LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder.
Petrópolis/RJ:Vozes, 2001.
UNESCO. Educação ambiental as grandes orientações da Conferência de
Tbilisi. Brasília: Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, 1997.
MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
UNESCO/IBAMA. Educação para um
futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas/
UNESCO. Brasília: Ed. IBAMA, 1999.
NALINI, José Renato. Ética ambiental.
Campinas/SP: Millenium, 2001.
PEDRINI, Alexandre de Gusmão (Org.).
Educação Ambiental: relexões e práticas contemporâneas. 4.ed. Petrópolis/RJ,
2001.
VIEZZER, Moema L.; OVALLES, Omar. manual Latino Americano de Educação
Ambiental. São Paulo: Gaia/Global, 1995.
60
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
RESPONSABILIDADE SOCIAL: UMA QUESTÃO DE GESTÃO,
SENSIBILIDADE E VALORIZAÇÃO DAS PESSOAS
Eliana da Conceição Rodrigues Veras19 Adonay Farias Sabá20
Niger Rubens Barros de Paiva21
rESumo
partir de indicadores em sete grandes temas:
valores e transparência da empresa, relação
com o público interno, meio ambiente, fornecedores, consumidores e clientes, comunidade, governo e sociedade. A ação social,
geralmente relacionada à comunidade, é apenas um item do espectro bem mais amplo
abarcado pela noção de RSE. A denominação
mais apropriada hoje é a responsabilidade
socioambiental, pois inclui a responsabilidade social da empresa com as pessoas e com
o meio ambiente.
A responsabilidade social é uma nova forma
de gestão corporativa, e administração participativa, em que o gestor é deinido pela
relação ética e transparente com os funcionários e clientes, de forma geral com todos
os públicos com o qual se relaciona. A denominação “gestão social” é para distinguir
a responsabilidade social do simples apoio
inanceiro de empresas a projetos desenvolvidos por entidades sem ins lucrativos.
O apoio inanceiro normalmente é visto
como uma atividade ilantrópica, enquanto
a responsabilidade social a despeito do que
muitos pensam é pensar a assistência social
sem cultivar o assistencialismo. Ações que
reletem a consciência de cada proissional vão além do que empresas socialmente
responsáveis podem fazer para diminuir a
desigualdade de classes. A responsabilidade
social é hoje questão de gestão estratégica.
O Instituto Ethos desenvolveu uma metodologia relativa à incorporação de práticas de
responsabilidade social empresarial (RSE) a
Palavras-chave: Trabalho voluntário. Legislação do trabalho voluntário. Inclusão social.
introdução
Empresários de pequenas, grandes e médias empresas, que têm pessoas com deiciência em seu quadro de funcionários, estão
satisfeitos em investir na inclusão social. Alguns têm receios em contratar uma pessoa
com deiciência, por diversos motivos, mas
_____________________
19
(Autora). Graduada em Administração de Empresas, com Especialização em Metodologia do Ensino Superior e Mestrado em
Gestão e Auditoria Ambiental pela Fundação Universitária IberoAmericana e UFAM/AM. Coordenadora do Projeto de Pesquisa
Cientiica da FSDB – Responsabilidade Socioambiental – uma questão de gestão estratégica. Professora de Pós – Graduação da
Faculdade Tahirih e Faculdade Salesiana Dom Bosco.
20
(Autor) graduado em Filosoia, aluno de Administração.
21
(Autor) graduando em Administração de Cidades, Gerente da Caixa Econômica Federal.
61
1. o trabalho voluntário
no Brasil
quando colocam em prática a alocação dos
“deicientes”, incluindo-os na sociedade
como seres capazes, descobrem que essas
pessoas são tão capazes quando qualquer
outro considerado “eiciente”. As diiculdades de adaptação existem, mas são frutos da
falta de experiência por parte dos gestores
e funcionários, mas que pode ser adquirida
no dia-a-dia de trabalho. Logo nos primeiros
meses ica claro que esse é um processo comum e que tudo acontece naturalmente.
Conviver com funcionários “deicientes”
é uma lição de vida diária. Eles são iguais aos
colegas sem “deiciência”, têm o mesmo nível
de aprendizado e capacidade. Se existe algum
diferencial, está no valor que dão ao emprego e
na força com a qual agarram as oportunidades.
Abraçam todas as oportunidades por se considerarem úteis no mercado de trabalho. As
empresas que investem nessas contratações
percebem que a integração dessas pessoas é
benéica e não se observa qualquer distinção
entre funcionários regulares e os deicientes,
sejam por parte dos próprios colegas, seja por
parte dos chefes e supervisores.
Ao perceber que os benefícios da inclusão social estão além do cumprimento da
lei, faz com que muitas empresas acabem
montando programas que compreendem investimentos em projetos sociais de todos os
tipos. Investir, por meio da Lei Rouanet, em
um espetáculo de dança e de teatro que utilizam a arte como forma de terapia para pessoas especiais é um dos caminhos a serem
seguidos pelas empresas públicas, privadas
ou ONG`s. A lei Rouanet é uma forma de
incentivar as empresas a investirem na cultura, proporcionando benefícios às mesmas
e à comunidade
Garantir ao cidadão a oportunidade de
educação e geração de renda não conigura
assistencialismo. A Responsabilidade Social
pressupõe buscar as melhores alternativas
considerando o cenário e os recursos disponíveis para acabar com a fome e a miséria,
uma das metas do milênio.
Durante todo o período colonial e até
o século XIX, as ações de assistência social
privada tiveram uns modelos caritativos, inspirados em valores religiosos, que inluenciam a ação ilantrópica até os dias de hoje.
Era papel da igreja trabalhar as atividades de
ajuda aos carentes, minimizar as desigualdades sociais. Acontece que a responsabilidade
socioambiental deixa de ser um papel apenas da igreja e passa a ser responsabilidade
também das empresas que buscam a sua
permanência no mercado, aquelas que fazem
diferença perante a comunidade.
No século XX, a partir da década de 30, o
Estado assumiu a assistência social, mediante políticas especíicas. Em 1942 foi criada
a Legião Brasileira de Assistência (LBA),
mas, como relata Marcos Kisil (2005:22)
ao longo das décadas que se seguiram à
sua criação, o órgão se tornou objeto de
barganha política. Mesmo tendo criado em
1979 um Programa Nacional de Voluntariado, denúncias de corrupção culminaram
com a extinção da mesma em 1994.
Paralelamente, a partir dos anos 70, observa-se uma tendência de mobilização da
sociedade civil, sua crescente participação
e articulação na atenção aos problemas comunitários. A redemocratização do país, a
incapacidade do poder público para o atendimento das demandas sociais, e a difusão de
novos valores, ambientalismo, direitos humanos, concorrem, desde então, para a “emergência” do terceiro setor e, na década de 90,
para a crescente ênfase na responsabilidade
social das empresas.
Vale ressaltar que o terceiro setor foi criado para atender as necessidades da sociedade,
aquelas que as políticas públicas não conseguem e não querem alcançar. Mas setor existe
apenas dois: o Público e o Privado. Deve-se
ainda dizer que não apenas as ONG`s atuam
no terceiro setor, mas torna-se uma constan-
62
te nas empresas a implantação da SA 8000
– gestão de responsabilidade social, como
forma de beneiciar a sociedade pelos lucros
e benefícios a ela proporcionados.
Após a década de 90, a mudança de governo criou um contexto favorável a uma
nova abordagem em relação a grandes temas
relacionados à ação social do Estado em parceria com a sociedade civil. Em 1997, rodadas
de interlocução política com organizações
da sociedade civil, o Conselho da Comunidade Solidária – órgão vinculado à Presidência
da República – propôs medidas concretas de
estímulo do trabalho voluntário no Brasil: a
instituição do Programa Voluntário, que disseminou “Centros de Voluntariado” no país,
e a proposta do reconhecimento jurídico do
trabalho voluntário – o que veio a ser alcançado com a edição da Lei nº 9.608, de 1998.
Desde então, passou a ser objeto de diversos estudos e pesquisas, estimuladas com a
declaração, pela ONU, no ano de 2001 como o
“Ano Internacional do Voluntário”. Em agosto
de 2001, o IBOPE realizou com exclusividade
uma pesquisa para o Instituto Brasil Voluntário,
com 7.700 pessoas nas nove principais capitais
brasileiras. Segundo a pesquisa, 18% do entrevistados já izeram ou estavam fazendo algum
tipo de trabalho voluntário.
A Pesquisa analisa voluntariado nas principais capitais do Brasil, tendo se observado
que a metade dos entrevistados valorizava
mais o trabalho voluntário do que a simples
doação, mas praticavam mais doações do que
trabalho voluntário. Isto poderia indicar a
existência de algum impedimento ou diiculdade para a prática do voluntariado – como
a falta de conhecimento ou de estímulo.
prestada por pessoa física, a entidade pública
de qualquer natureza ou instituição privada
de ins não lucrativos, que tenha objetivos
cívicos, culturais, educacionais, cientíicos,
recreativos ou de assistência social, inclusive
‘mutualidade’” (art.1º).
O mesmo dispositivo legal acrescenta
que “o serviço voluntário não gera vínculo
empregatício nem obrigação de natureza
trabalhista, previdenciária ou aim” (parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.608/98).
Tem-se, pois, que o serviço voluntário é
prerrogativa da pessoa física. A lei acrescenta
que o vínculo entre a pessoa física e a entidade, instituição pública ou privada sem ins
lucrativos, a quem presta os serviços voluntários, devem ser formalizados mediante um
“termo de adesão”, no qual conste o objeto
e as condições de exercício do trabalho voluntário (art. 2º). Admite-se que o voluntário
seja ressarcido apenas em relação às despesas incorridas para a prestação do trabalho
voluntário (art. 3º).
A lei, embora singela, constitui um marco
na legislação do terceiro setor, pois, ao admitir a realidade do serviço voluntário, ajuda a prevenir situações em que alguém, que
haja prestado serviços voluntários a uma
entidade, venha a requerer, posteriormente, por quaisquer razões, eventuais direitos
trabalhistas. Anteriormente à edição da Lei,
seria mais difícil, em demandas judiciais, o
reconhecimento de um vínculo de trabalho
“voluntário”. Como exemplo tem-se uma
decisão judicial de 1995 na qual se airmava,
em segunda instância, que “provado o pagamento de salário durante certo período,
incabível sua supressão sob alegação de realização de serviço voluntário”.
Percebe-se que decorridos alguns anos
da edição da lei, os tribunais superiores têm
reconhecido o valor do “termo de adesão” e
a realidade do trabalho prestado em caráter
voluntário.
O termo de adesão é um instrumento
útil para formalizar a relação entre institui-
2. A legislação brasileira sobre
o trabalho voluntário
A Lei nº 9.608/98 deine o serviço voluntário como “a atividade não remunerada,
63
ções públicas ou instituições privadas sem
ins lucrativos e os voluntários que lhes
prestam serviços.
Cumpre acrescentar que uma instituição
sem ins lucrativos que tenha empregados
não deve contar com os mesmos para a realização de serviços voluntários. Não cabe
nesses casos a realização de um contrato de
trabalho com a jornada pré-deinida e realização de “termo de adesão” para realização
de serviço voluntário na mesma instituição
em outros horários.Trata-se de vínculos mutuamente excludentes. Tampouco cabe ser
voluntário em uma empresa, já que a lei admite apenas instituições públicas ou privadas
sem ins lucrativos como parte na relação de
voluntariado.
b) Fornecimento de espaço adequado
para que os voluntários se reúnam,
guardem materiais, armazenem o
produto das coletas; ou colocação de
equipamentos, instalações e sistemas
à disposição de uma determinada
ação voluntária;
c) Doação de materiais para entidades
indicadas por empregados com inalidades variadas: para mutirão de construção ou reforma, para uso em uma
instituição para a transformação em
produtos vendáveis.
As doações feitas por empresas a entidades sem ins lucrativos de utilidade pública
federal ou qualiicada como OSCIP podem
ser deduzidas da base de cálculo do imposto
de renda a pagar da pessoa jurídica doadora,
até o limite de dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica.
Para as pessoas físicas o percentual permitido é de 6% do imposto devido aos Fundos da Infância e da Adolescência. Com isso,
cerca de 1,3 bilhões de reais seriam disponibilizados para combate da fome e miséria,
para a capacitação das pessoas da comunidade na geração de emprego e renda.
3. Os incentivos às ações de
voluntariado nas empresas
É crescente o número de pessoas que se
engajam em trabalhos voluntários, portanto é
natural que as empresas contem com empregados que fora do expediente, atuem como
voluntários em diversos tipos de organização. Algumas empresas dão-se conta de que
podem oferecer diversas formas de apoio a
ações espontâneas de seus empregados.
d) Uma forma particular de doação é a
de recursos inanceiros para causas
ou instituições nas quais funcionários
da empresa estejam envolvidos, por
exemplo, depositando certa quantia
para cada 100 horas voluntárias trabalhadas. No Brasil, não há incentivo
especial para essa prática.
Podem-se citar algumas possíveis ações
de incentivo ao voluntariado dentro da empresa, e aspectos jurídicos correlatos, ressaltando que tais ações não constituem, necessariamente, um “Programa de Voluntariado
Empresarial”.
a) Permitir que voluntários realizassem campanhas internas, mobilizando colegas em prol de uma causa. A
empresa pode franquear espaço aos
voluntários nos seus mecanismos de
comunicação: murais e jornais internos, boletins eletrônicos;
4. Programas de voluntariado
empresarial
O voluntariado empresarial é uma prática relativamente tradicional nos Estados
Unidos, e empresas multinacionais norte-
64
americanas têm contribuído para difundi-la
em outros países. No Brasil, ganhou impulso a partir de 1997 com o Programa Voluntário, do Conselho da Comunidade Solidária, que promoveu encontros, fomentou
iniciativa, e conferiram maior visibilidade a
práticas existentes.
Construir um Programa de Voluntariado Empresarial é uma decisão estratégica
de investimento social corporativo, cuja
implementação requer, ordinariamente, a
contratação de assessoria especializada. No
entanto, o investimento em Programas de
Voluntariado tem segundo estudos no exterior, um excelente retorno, pois favorecem o
clima organizacional, motivam os empregados ajudando em seu desenvolvimento pessoal e proissional, e tendem a melhorar a
imagem da empresa na comunidade.
O Programa de Voluntariado Corporativo também deverá deinir questões operacionais que terão importantes relexos
jurídicos. Por exemplo: os colaboradores poderão exercer sua ação voluntária durante o
expediente ou fora do horário de serviço?
A empresa irá cobrir custo de transporte de voluntários? Alguns cuidados são
necessários. Outro aspecto na legislação é
a inexistência de incentivos iscais especíicos para a implementação de Programas de
Voluntariado.
Em Portugal, editou-se em 1998 a Lei nº
71, bem mais extensa do que a lei brasileira,
publicada no mesmo ano. A lei portuguesa traz normas para nós surpreendentes,
como a previsão de emissão de um cartão
de identiicação do voluntário, e prevê especiicidades como o direito à faltas justiicadas na empresa para prestação de serviço
voluntário em missões urgentes. Além disso,
dispõe sobre competências para cobertura
de riscos e prejuízos, na eventualidade de o
voluntário causar prejuízos a terceiros no
exercício da sua atividade, tendo em consideração as normas aplicáveis em matéria de
responsabilidade civil.
Na Espanha, a Lei nº 6, de 1996, trouxe
também extensa regulamentação do serviço voluntário, com a apresentação de
conceitos, direitos e deveres do voluntário, obrigações das entidades – incluindo,
por exemplo, a de realização de apólice de
seguro adequada às características e circunstâncias da atividade realizada por voluntários. A lei também trata de medidas
de fomento e de incentivo ao voluntariado
– como a boniicação no uso de meios de
transporte público e prevê inclusive normas relativas à prestação de serviço voluntário no estrangeiro.
Nos países de tradição consuetudinária,
o fomento ao voluntariado decorre principalmente de incentivos iscais, e não do marco de uma legislação trabalhista. Nos Estados Unidos, em especial, dado que o marco
regulador das leis trabalhistas é bem lexível,
a “regulamentação” do serviço voluntário
seria alheia à tradição do país. Contudo, a
legislação do Imposto de Renda traz importantes incentivos ao trabalho voluntário:
sirva de ilustração a permissão de dedução
de algumas despesas vinculadas aos serviços
prestados em caráter voluntário, na medida
em que a organização beneiciada pelos serviços seja qualiicada para o recebimento de
doações dedutíveis.
No Reino Unido, a prestação voluntária
mais comum é o exercício não remunerado
de cargos em Conselhos de organizações
sem ins lucrativos. Existe a previsão de cessão de pessoal remunerado por empresas,
para trabalho temporário em “charities”. O
principal incentivo consiste na dedução dos
custos trabalhistas do lucro tributável (inclusive salários), o que à primeira vista corresponde a tê-los como despesa pelo fato de a
empresa doar o tempo do trabalhador, sem
ressarcimento. Além disso, para citar como
exemplo, é utilizado o sistema de doações
via folha de pagamentos, na qual o empregado autoriza a empresa a processar o desconto de doações. O volume de doações
65
originadas em uma empresa é transferido,
mês a mês, a agências autorizadas pelo governo a administrar essas contas e processar a transferência a donatários, conforme
escolha formulada pelo empregado. Algumas
companhias adotaram a prática de somar, a
cada doação do empregado, um valor adicional de doação à “charity” escolhida por eles.
As informações não pretendem sugerir
que os exemplos de outras legislações devam ser necessariamente seguidos. No entanto, existem algumas “boas práticas” em
matéria de regime legal aplicável ao voluntariado que podem constituir uma fonte de
inspiração e de relexão para o aperfeiçoamento do nosso marco legal.
do petróleo como: A ousadia, a capacidade
de criação e realização. É a primeira empresa
petrolífera no mundo a receber a certiicação ISO 9001 E 14001 além do atestado de
conformidade da BS 8800.
Todos os resíduos sólidos, tanto domésticos como industriais produzidos pela Petrobrás, são tratados com técnicas modernas, que permitem a destinação adequada,
ajudando a preservar a natureza, um dos
compromissos ambientais da Petrobrás.
Faz parte do compromisso da Petrobrás
recompor as áreas desmatadas com locação
de poços, jazidas de terra, mantendo um viveiro com quase 200.000 mil mudas.Além de
manter um orquidário com aproximadamente 2.100 orquídeas com poucas catalogadas
pela Universidade do Amazonas e 40 espécies de bromélias reletindo o compromisso
com a pesquisa cientíica.
A empresa investe em escolas de formação técnica através do projeto Samaúma,
parceria irmada com o Serviço Nacional da
Indústria – SENAI, onde um barco percorre
os municípios do interior, realizando os cursos de eletricistas, mecânicos de motores
de barco, informática entre outros. Já foram
qualiicadas mais de 12 mil pessoas em 23
municípios.
A MASA da Amazônia empresa referência
em responsabilidade social, considerada pela
revista exame de 2006 a melhor empresa do
Brasil para se trabalhar, possui uma infra-estrutura digna dos melhores proissionais ali
existentes. Capacitou todos os funcionários
com o ensino médio, investe na graduação e
pós-graduação beneiciando os colaboradores pagando 50% das mensalidades.
Há mais ou menos seis anos a empresa não contrata ninguém de fora para fazer
parte do seu quadro funcional. Investe na
qualiicação proissional do seu colaborador
para que possa crescer na empresa e dessa
forma motivá-los, pois sabem que as vagas
existentes serão preenchidas pelo pessoal já
existente.
5. Empresas do pólo industrial
de manaus – Pim que atuam
com responsabilidade social
Das empresas do Pólo Industrial de Manaus que atuam com responsabilidade social
voltadas para o desenvolvimento sustentável,
podemos citar várias, tais como a Petrobrás
que é referência em preservação/conservação ambiental, o parece um contra-senso,
uma vez que a empresa, para implantar um
pólo de exploração de petróleo, devasta lorestas inteiras, mas que busca possibilitar um
desenvolvimento humano de alto grau nos
locais onde se insere.
O histórico da Petrobrás na Amazônia
começa em 1954 com a descoberta de petróleo em quantidades não comerciais em
Nova Olinda. Em 1978, foi descoberto o gás
na província do Juruá; em 1986 descobertas
de gás na província petrolífera do Urucu. Somente em 1988 é que começou a ser produzido o gás de Urucu em grande escala, tendo
sido necessário o aumento da capacidade da
base de produção.
A Petrobrás está sempre buscando a excelência em seus produtos, na exploração
66
Como políticas de gestão empresarial, a
MASA atua com programas de orientação
a gestantes, permite a funcionária tirar seis
meses de licença maternidade, receber o
enxoval e ter acompanhamento médico
durante toda a gestação na própria empresa. Age ainda no combate a hipertensão, diabetes e obesidade. Possui salas de
descanso para combate ao estresse dos
funcionários.
as margens do Mindu, na Colônia Japonesa. A
reserva será destinada a pesquisa, educação
ambiental e tour de cultura ecológica.
Uma das missões da Honda é “fazer todos os esforços para contribuir com a saúde dos seres humanos e com a proteção do
ambiente no planeta, em cada fase de suas
atividades corporativas”. Em Manacapuru a
Honda desenvolve trabalhos de conscientização e sensibilização ambiental.com a ajuda do INPA conseguiu evitar uma tragédia
ecológica nessas localidades. Participa ainda
da consciência limpa onde os colaboradores
atuam as margens dos igarapés recolhendo
o lixo ali despejado.
A Videolar investe maciçamente na
Educação, é uma das principais mantenedora do pró-menor Dom Bosco atuando
na formação proissionalizante, com cursos de eletricidade de autos, eletrônica,
informática, lanternagem, mecânica, metalurgia, entre outros. Possui uma estação de
tratamento de eluentes onde trata a água
utilizada na empresa, devolvendo-a a natureza já tratada.
A empresa paga 67% do custo da refeição
de um restaurante popular para que pessoas
de baixa renda tenham uma alimentação saudável. Com a ajuda proporcionou que 161
mil refeições fossem servidas no ano passado as pessoas carentes e que necessitam de
uma boa alimentação para sobreviverem.
A BIC tem como prioridade os incentivos à educação e o aprendizado dos seus
colaboradores. Sua meta é chegar ao inal
de 2007 com todos os colaboradores tendo
concluído o ensino médio.
O Grupo Simões, através da Recofarma,
prioriza a Educação continuada e as coletas
seletivas de lixo, recolhendo embalagens
plásticas e de alumínio em escolas, fazendo
uma troca com materiais pedagógicos.
Muitas outras empresas do Pólo Industrial de Manaus já atuam de forma responsável de maneira que aqui é possível citar
apenas alguns exemplos do que vem sendo
Como políticas de responsabilidade ambiental a empresa recicla todos os resíduos
plásticos, as substâncias mais perigosas são
encaminhadas para uma empresa especializada que trata os mesmos sem causar danos
à natureza. Os funcionários da MASA são voluntários nas ações de responsabilidade social voltadas para as comunidades carentes.
Apóia instituições como Casa Vhida, Casa
da criança com câncer, casa Mãe Margarida,
entre outros.
Empresas como a Sony valorizam o trabalho voluntariados dos funcionários, um
dos maiores projetos de sustentabilidade
da empresa é a caça ao lixo onde os voluntários participam da limpeza das margens e
das águas do Rio Negro e Mindu. São ações
ambientais que demonstram o compromisso
com os recursos hídricos.
Assim como as outras empresas a Sony
valoriza as pessoas, o relacionamento humano entre os colaboradores e com a comunidade onde está inserida, oferecendo melhor
qualidade de vida de forma continua. Promove campanha de arrecadação de alimentos
e produtos de higiene para a Casa Vhida. As
arrecadações também são distribuídas às
pessoas carentes através do programa Natal
da Esperança promovido pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas.
A Honda tem como diferencial o incentivo à pesquisa ambiental onde desenvolve 14
projetos de preservação a natureza em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa
da Amazônia (INPA) e escolas de ensino fundamental na cidade de Manaus. A empresa
criou uma reserva ambiental de 16 hectares,
67
feito ao longo do tempo para a preservação/
conservação do meio ambiente na cidade de
Manaus.
ção do desenvolvimento como um processo
permanente de integração entre o ambiente,
a tecnologia e o homem poderão conduzir à
construção de uma sociedade sustentável e
que, portanto, poderá oferecer condições adequadas e qualidade de vida. As empresas que
assumirem este compromisso serão altamente competitivas e suas contribuições serão de
grande importância, não só para a comunidade,
mas para a sociedade como um todo.
Trata-se, portanto, de repensar todos os
valores da organização, para que as mesmas
tornem-se adequadas para essa nova ordem
social, realizando muito mais do que a simples ilantropia e sim ações que efetivamente
promovam a responsabilidade social e a sustentabilidade. Essas ações farão toda a diferença entre as empresas e serão certamente
uns diferenciais competitivos.
O trabalho voluntário é uma realidade presente na sociedade brasileira, e as empresas
são chamadas a estimular essa prática, dentro
de uma perspectiva de cooperação entre o
Estado, o mercado e a sociedade civil.
A Lei nº 9.608/98, ao trazer o reconhecimento jurídico do serviço voluntário, é um
avanço na legislação do terceiro setor em
nosso país. Os tribunais do trabalho têm reconhecido a realidade do serviço voluntário
e o sentido da legislação que o rege.
O incentivo de empresas às ações espontâneas de seus empregados admite inúmeras
formas e possibilidades, mas todas exigem
atenção aos aspectos jurídicos correlatos. A
implantação de Programas de Voluntariado
Empresarial, com o apoio formal e organizado da empresa, incentivando seus empregados aos trabalhos voluntários, requer especial cuidado quanto à legislação especiica
sobre o assunto.
No Brasil estamos construindo o marco
regulador do terceiro setor, e dentro dele,
incentivos especíicos para o voluntariado.
Em diversos contextos legais, a legislação alcança uma soisticação desconhecida entre
nós, que pode inspirar importantes meca-
Conclusão
As questões sociais, consideradas modismos por algumas pessoas e gestores em
geral, tornam-se uma necessidade nas empresas que buscam um diferencial no mercado, diferencial não só para os seus produtos
e serviços, mas para preservar/conservar o
meio ambiente de forma que possa usufruir
o que existe e preservar para as gerações
futuras.
Além de administrar de forma participativa, o gestor tem ainda os benefícios oferecidos à empresa através do balanço social
e da contabilidade ambiental, tendo que se
adequar às normas e procedimentos estipulados pelo modelo de gestão. Ultrapassar voluntariamente o respeito às leis gera, muitas
vezes, economias de custo.
As empresas consideradas responsáveis
e que primam pela valorização das pessoas
e do meio ambiente estão descobrindo que
a responsabilidade socioambiental melhora
a imagem corporativa da empresa; torna a
marca reconhecida, transmite a idéia de que
os produtos são de qualidade, motiva o consumo, deixa evidente a visão de gestão estratégica da empresa, promove economias
de custos, o que, por extensão, satisfaz as
necessidades dos funcionários, clientes, fornecedores e consumidores no sentido de
manter uma alta qualidade dos produtos e
serviços, cumprindo o seu papel social.
Percebe-se que somente através da participação do homem como um ser social, capaz
de conceber a interação homem-meio ambiente, pode-se conduzir a construção de uma
sociedade justa e sustentável. O homem não
sobrevive sem um ambiente saudável e a natureza não terá como sobreviver com a degradação causada pelo mesmo homem. A concep-
68
nismos de fomento ao voluntariado. A busca
de fórmulas jurídicas mais adequadas para o
incentivo ao voluntariado merece nossa relexão e nos propõe importantes desaios.
As Instituições de Ensino Superior que
formam cidadãos críticos, ou que ao menos
pensam formar, devem estar atentas às tendências de mercado, principalmente aquelas
instituições que formam Gestores que serão
absorvidos pelas empresas. A Responsabilidade Social, ou mais precisamente Socioambiental, deve ser uma constante na grade curricular
dos cursos de Administração, Contabilidade,
Economia, entre tantos outros. O assunto
deve ser discutido em todas as esferas, levando-se em consideração que, somente através
da Educação, da concepção de Meio Ambiente e consciente da Responsabilidade Social,
pode-se vislumbrar um futuro melhor, com
mais qualidade aos nossos ilhos e netos.
As empresas que já incutiram o pensamento de conservar/preservar trabalham as
comunidades onde estão inseridas gerando
emprego e renda; proporcionam aos funcionários e colaboradores a oportunidade de
crescimento pessoal e proissional extensiva
aos seus familiares, e dessa forma produzem
com qualidade e trabalham com pessoas altamente motivadas.
Percebe-se que as alternativas existem
para que sejam postas em prática; os efeitos
são benéicos às partes interessadas, (empresa, fornecedores, sociedade). Portanto, cabe a
cada gestor analisar as formas de contribuir
para uma sociedade mais justa e igualitária,
de maneira que possa erradicar a pobreza e
a miséria, condição sine qua nom para que a
sociedade e a comunidade tenham reconhecimento dos seus produtos e serviços.
CORRULLÓN, Mônica Beatriz G. & MEDEIROS FILHO, Barnabé. Voluntariado na
Empresa. Gestão Eiciente e Participação
Cidadã, São Paulo, Periópolis, 2002
DUPRAT, Carla Cordery. A Empresa na
Comunidade: um passo-a-passo paea
estimular sua participação social. São
Paulo, Global, Porto alegre:RS. IDIS- Instituto para o Desenvolvimento do Investimento
Social, 2005 (Coleção Investimento Social/
coordenação Inês Midlin Lafer)
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA. As Fundações Privadas
e Associações sem Fins Lucrativos no
Brasil: 2002/ IBGE, Gerência de Cadastro
das Empresas. 2ª ed. Rio de Janeiro: 2004
KARKOTLI, Gilson e ARAGÃO, Sueli Duarte. responsabilidade Social, uma contribuição à gestão transformadora das
organizações. Petrópolis/Rj:Vozes, 2004
KISIL, Marcos. Comunidade: foco de ilantropia e investimento social privado. São Paulo: Global; Porto Alegre, RS: IDIS – Instituto
para o Desenvolvimento do Investimento Social, 2005 – (Coleção investimento social/coordenação de Inês Midlin Lafer), pg. 22
MONTÓN, Carmen. Voluntariado Corporativo. Cuando las empresas aportan algo más que
dinero. Boletim Aceprensa, 5 febrero 2003
Referências
OLIVEIRA, Anna Cynthia. Temas jurídicos
do Terceiro Setor. Revisão Comparativa.
Relatório de Trabalho. Contrato Unesco n.
896-916-7 com o International Center for
Not-for-Proit Law (ICNL). Projeto BID BR
– 5413, Conselho da Comunidade Solidária.
1998, mimeo.
CENTRO DE VOLUNTARIADO DE SÃO
PAULO. Voluntariado Empresarial. Aspectos Jurídicos, mimeo.
SILVA, Ruy Martins Altenfelder. o Pressuposto da Ética na economia, nas
empresas, na política e na sociedade.
69
Centro de Integração Empresa- Escola. São
Paulo: CIEE, 2004.
Sites de Consulta
www.premiobalançosocial.org.br
SEBRAE. Balanço Social. Contabilizando o
sucesso. Sebrae, 2006
www.sa-intl.or
SZAZI, Eduardo. Visão Legal do Voluntariado
Empresarial, Valor Econômico, 18 de setembro de 2001
www.ibase.org.br
www.rh.com.br
www.exame.com.br
70
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
RESENHAS
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
AS CONTRIBUIÇÕES DA NOVA BIOLOGIA PARA A
EDUCAÇÃO
Josué Cláudio de M. Dantas22 Whasingthon Aguiar de Almeida23
Prof. Dr. Amarildo Menezes Gonzaga24
aprendizagem e da vida; Autopoiese e Biologia
do Conhecimento e Educar na Biologia do Amor.
Especialmente no tópico Descobrindo o luxo e Aprendendo a desfrutar da aprendizagem
e da vida são trabalhados os aspectos que
caracterizam uma experiência ótima a partir do olhar de Mihaly Csikszentmihalyi25.
Através destes tópicos, procura-se discutir a
respeito do entrelaçamento existente entre
aprendizagem e vida, onde se observa que
o aprender e o conhecer envolvem sempre
a totalidade humana ativando processos integrados e implicando em diferentes dimensões que caracterizam os vários aspectos da
totalidade humana.
A segunda parte refere-se a trabalhos realizados anteriormente pela autora, em especial o
paradigma educacional emergente que fez parte de um conjunto de conferências realizadas
sobre o tema. Também aborda temáticas relacionadas às questões de mudança, complexidade e mediação pedagógica, e das implicações
pedagógicas do paradigma emergente, bem
como do reencantamento da educação partindo
de novos paradigmas.
A terceira e última parte é dedicada à
realização de desdobramentos a partir das
A obra justiica-se pela necessidade do
aparecimento de novas teorias que fundamentem uma prática pedagógica renovadora
a qual propicie uma nova concepção de conhecimento e uma compreensão mais relexiva da realidade e do mundo em que vivem.
O estudo é a extensão da tese de doutorado
da autora, Maria Cândida Moraes, e tem o
intuito de auxiliar na fundamentação de programas e projetos governamentais no Brasil,
buscando colaborar na criação de uma nova
epistemologia que vise a melhoria da gestão
escolar.
Maria Cândida Moraes é doutora em
Educação pela PUC – SP e Mestre em Ciências pelo Instituto de Pesquisas Espaciais,
Inpe/CNPq. Desde 1997, é professora do
Programa de Pós – Graduação em Educação
(Currículo) da PUC – SP. Foi consultora do
Banco Mundial, da OEA, professora visitante,
e pesquisadora colaboradora da Universidade de Barcelona.
O livro é dividido em três partes. A
primeira relaciona-se à questão do conhecimento e da aprendizagem, trabalhados a
partir dos tópicos: Aprendizagem e Vida; Descobrindo o luxo e Aprendendo a desfrutar da
_____________________
22
Licenciado em Normal Superior; Mestrando em Ensino de Ciências pela UEA.
23
Licenciado em Normal Superior, Mestrando em Ensino de Ciências pela UEA.
24
Doutor em Educação pela Univ. de Valladolid. Professor do Mestrado Proissional em Ensino de Ciências.
25
Decano da Universidade de Chicago EUA.
72
idéias de Humberto Maturana26 e Francisco Varela27, voltada para a área social, e às
implicações éticas da citada teoria. A autora
endossa a airmação de Maturana, quando
airma que o pensamento Autopoiético é
válido para outros sistemas além do biológico, já que, em qualquer um deles, o sistema
vivo interage com circunstâncias e, a partir
dessas interações, se conserva ou desintegra, não havendo contradição entre ambos,
biologicamente falando.
Defende-se a necessidade de uma pedagogia que envolva o educando por completo,
desde a construção do conhecimento até
seus valores, atitudes, estilos de vida etc.,
pois ela deixa claro que um projeto educacional exige clareza epistemológica no que
se refere ao processo de construção do conhecimento e aprendizagem, sendo os valores, as atitudes e os hábitos do indivíduo os
fatores que inluenciam os diálogos no decorrer do processo.
Percebe-se também sua preocupação
em buscar novas epistemologias, que propiciem uma educação transformadora e que
ensine o educando a aprender. Para isso, ela
propõe que os educadores tratem os alunos como um todo, levando em consideração o meio em que vivem e as relações que
estabelecem com o mesmo, pautando-se na
Teoria Autopoiética, proposta por Maturana, que signiica autocriação, autoprodução, ou seja, o próprio ser vivo cria-se e
transforma-se a partir das interações com
o mundo.
De acordo com a Teoria Autopoiética
de Maturana e Varela, o sistema vivo é parte do meio e o meio é parte do sistema
vivo, estando estes em constante interação. Daí a preocupação de Maria Cândida
com a necessidade de percebermos este
diálogo, pois é através dele que ocorrem
as transformações, tanto no meio quanto
no indivíduo. No entanto, para reconhecermos este momento, é importante atentarmos para as emoções e os sentimentos
do sujeito, e não apenas para sua dimensão
racional, uma vez que são elas que inluenciam suas ações e relexões, acabando por
caracterizar a sua visão de mundo.
Maria Cândida Moraes também airma
a necessidade da área educacional incorporar algumas premissas da Teoria Autopoiética, haja vista que educação e escola ainda são dicotomizadas pelo modelo
cartesiano, tornando o homem alienado e
distanciado da escola e do próprio mundo.
Ela deixa claro que aprender é diferente
de captar um objeto externo, sendo a vida
um processo contínuo de aprendizagem,
através do qual construímos realidade e
saber a partir das relações estabelecidas.
Para ela: “O fenômeno da educação e da
aprendizagem é também um fenômeno de
transformação na convivência e o aprender se dá na transformação estrutural
que ocorre a partir da convivência social”
(p.48). Dentro desta perspectiva baseia-se
em Fritjof Capra28, quando comenta que
tudo se relaciona através de uma teia, a
grande teia da vida, onde todas as coisas
estão interconectadas e inter-relacionadas,
onde viver é conviver.
Na segunda parte do livro, são trabalhadas especiicamente as questões pedagógicas que envolvem as novas ciências, principalmente no que se refere aos paradigmas.
Discutindo suas mudanças na perspectiva
das novas tecnologias inseridas no contexto escolar, como a informática e as práticas pedagógicas dos professores, as quais
devem contemplar o educando como um
todo, explicando, também, como se desencadeia este processo de transformação paradigmática, buscando desde sua deinição
com os Filósofos Clássicos29, passando por
_____________________
26
Biólogo e Neurocientista chileno criador da Teoria Autopoiética e autor da obra A Árvore do Conhecimento.
27
Biólogo chileno colaborador de Humberto Maturana na elaboração da Teoria Autopoiética.
28
Físico Austríaco, autor de A Teia da Vida.
73
Thomas Kuhn30, até a airmação da crise paradigmática proposta por Boaventura dos
Santos31, e atendo-se também a concepção
de paradigma epistêmico proposto por alguns teóricos, dentre eles Edgar Morin32.
Destaca-se que, mesmo a sociedade estando numa era de evoluções tecnológicas,
ainda vivemos e convivemos com valores
da era industrial, enquanto se constrói um
novo paradigma baseado na nova biologia,
na nova física, na cibernética etc. No tocante à educação, ica evidenciado que vivemos
um processo de rápidas transformações
em que temos diiculdades de deinir o que
deve ser aprendido e quais competências
são necessárias para se estabelecer neste
novo mundo.
O processo de globalização cada vez mais
abrangente e os avanços cientíicos e tecnológicos transformaram os meios econômicos, sociais e culturais obrigando os educadores a formarem indivíduos autônomos e
críticos, os quais seriam sujeitos ativos que
constroem, desconstroem e reconstroem o
conhecimento.A autora, também, evidencia e
comenta um a um os desaios propostos por
Edgar Morin, visando essa transformação paradigmática, contextualizando-os de maneira clara e sucinta, com o nosso momento
educacional, para depois propor novas estratégias e metodologias didáticas voltadas
para esta mudança paradigmática. Num dos
tópicos deste capítulo é proposto um “Reencantamento da Educação” como forma de
transformar o espaço escolar, e propiciar um
diálogo entre os atores educacionais através
de uma sedução ao educando.
Outra idéia trabalhada é a prática poliparadigmática na educação, onde transitamos
de um paradigma a outro, muitas vezes de
forma inconsciente. Quanto a essa questão, é
airmada sua ocorrência devido à pluralidade
e dinamicidade da prática educativa. Pois para
ela, devemos desenvolver um pensamento
complexo para entender a subjetividade do
sujeito, e assim, melhor compreender o universo físico, biológico, antropológico e social
do indivíduo.
A terceira e última parte da obra é caracterizada pela exposição das idéias de vários
teóricos, como: Niklas Luhmann33, Humberto Maturana, Fritjof Capra, Edgar Morin etc.,
dando atenção especial a obra de Maturana
e Varela. O intuito da discussão dessas idéias
é o de entender como é possível transferir
a visão sistêmica Aupoiética, para o domínio
social e suas vantagens para o indivíduo.
Também é destacado nesta parte inal da
obra, o papel da linguagem no sistema social,
onde a autora relata que é a partir da linguagem que os sujeitos constroem e reconstroem sua leitura de mundo, distinguindo as
diversas comunidades sociais, sejam elas religiosas, proissionais, políticas, etc.
Por im, deixa-se claro a idéia de Maturana em relação à “Biologia do Amor”, quando
aponta que, num enfoque biológico, amor é
uma emoção que se transforma em sentimento e, sob um enfoque social, o amor, é
a aceitação do outro, do respeito, da tolerância, ou seja, da promoção da diversidade,
sendo o amor o fundamento biológico do
fenômeno social.
Esta biologia do conhecimento proposta
por Humberto Maturana interpreta a realidade a partir do ponto de vista do sistema
vivo, onde o real não é apenas uma abstração do objeto material.
Dentro dessa perspectiva e com a colaboração de Varela, Maturana propôs a Teoria
da Autopoiese, que explica a dinamicidade
estrutural dos seres vivos e a invariabilidade
de sua organização. Vale ressaltar que, mesmo a obra sendo de fácil leitura e compre-
_____________________
29
Os ilósofos gregos Sócrates, Platão e Aristóteles.
30
Filósofo Alemão, autor de A Estrutura das Revoluções Cientíicas.
31
Sociólogo Português, autor de Um Discurso sobre as Ciências na Transição para uma Ciência Moderna.
32
Sociólogo Francês, criador da Teoria da Complexidade, e autor da obra O Paradigma Perdido.
33
Sociólogo Alemão, autor de Teoria de la Sociedad e Pedagogía.
74
ensão, é importante para o leitor cujo desejo é se aprofundar nas idéias de Humberto
Maturana, principalmente os educadores
que procuram nas Ciências soluções para alguns problemas de cunho pedagógico, terem
acesso a algumas de suas obras, em especial
a “Árvore do Conhecimento”.
Referências
MORAES, Maria Cândida. Educar na Biologia do Amor e da Solidariedade. Petrópolis, RJ:Vozes, 2003. 293 páginas.
75
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
O IR, VIR APREENDER O CONHECIMENTO DO
CONHECIMENTO
Mara Regina Kossoski Félix Rezende34 Patrícia Farias Fantinel Trevisan35
Amarildo Menezes Gonzaga36
1. Aventurando no
conhecimento de morin
em si, para si e com relação ao sujeito-objeto, as coisas e possibilita a compreensão
do outro.Com base nessa característica, segundo o pensamento moriano, o processo
de produção de conhecimento (cômputo)
depende dos processos cognitivos dos seres
cognoscentes e suas instâncias (memorial,
simbólica, pragmática), sendo indissociável
em relação à objetividade e subjetividade
que neles estão incluídos.
A obra compreende o ser humano como
um sujeito complexo, capaz de se auto-organizar e de promover interações com o outro.
Morin airma que é nessa relação de alteridade que o sujeito encontra a autotranscendência entre as diversas áreas do saber
e legitima a ordem, desordem, a interação
e organização como etapas inseparáveis de
um processo que culmina no auto-eco-organização de todas as máquinas vivas.
Nesse mundo globalizado, de culturas e interesses tão
complexos, o autor evidencia a necessidade de dialogar
e interagir com a conjunção dos processos energéticos,
biológicos, antropológicos, psicológicos e culturais em uma
dimensão epistemológica, em que o conhecimento do
conhecimento não poderá dispensar as aquisições e os
conhecimentos cientíicos relativos ao cérebro, à psicologia
cognitiva, à inteligência artiicial e à sociologia.
A leitura da obra propõe que o conhecimento do conhecimento não pode escapar
ao que é relativo e incerto. E sim exige relexões cognitivas sobre os desaios e as incertezas do século XX. Assim sendo, aborda-se
sobre as diferenças fundamentais fenomenológicas entre máquina viva e a máquina artiicial, sendo que a primeira tem capacidade
em conviver com a complexidade e com a
indeterminação, diferentemente da segunda.
Também aborda a questão em relação
à Biologia do Conhecimento, e compreende que toda a máquina viva (ser humano) é
auto-eco-organizador, ou seja, precisa retirar
informações do exterior, as processa por si,
O pensamento moriano acredita que todo
conhecimento vem necessariamente de um
computador (mente/espírito/cultura), fonte
de extrema importância para o ser humano, pois realizam operações como tradução
(signos/símbolos), construção (programas
que articulam informações, signos e símbo-
_____________________
34
Mestranda do Curso de Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia – UEA.
35
Mestranda do Curso de Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia – UEA.
36
Orientador e Professor Dr. do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências – UEA.
76
los) e solução (reconstrução), já que é uma
associação viva de células, idéias, estruturas e
geram outro complexo com linguagem, organização, informação e conhecimentos.
É observado também que essas estratégias
cognitivas que fazem parte da cultura e conhecimento humanos, que se desenvolve em
ação desinteressada ou intencional, encontram-se de forma primata no mundo animal,
e transcende de forma complexa no domínio humano, nas dimensões da palavra, do
pensamento, da relexão e da consciência de
representações ou idéias organizadas.
Assim sendo, as idéias expostas na obra
deixam claro que a humanidade do conhecimento emerge no processo de construção de um sujeito triúnico: humano-espiritual-cultural, sustentando (agora em novas
instâncias de complexidade) as características gerais da biologia e animalidade do
conhecimento.
bólico/mitológico/mágico e racional/lógico e
empírico), e que ao mesmo tempo são antagônicos, mas devem estar dialogicamente interligadas, criando assim um novo modo de
organizar a experiência, e de imaginar o possível. Além da relação entre analogia e lógica,
o pensamento moriano também evidencia a
importância da dialógica entre compreensão
e da explicação no modo de conhecer.
2. Avaliando a obra de morin
A partir do momento em que a obra
abrange ao mesmo tempo o todo e as partes nele contido, abrem-se as possibilidades
de recorrer a outros conhecimentos que são
complementares e essenciais para a compreensão do assunto abordado no texto, uma
vez que o conhecimento é uma organização
viva e ao mesmo tempo um sistema aberto
e fechado.
Percebe-se que o autor faz críticas severas ao modelo cartesiano, acusando-o de
fragmentar o conhecimento. Não faz dialogicidade entre as dimensões do conhecimento, e também tende a simpliicá-lo, diferentemente do método que ele apresenta,
pois defende as dimensões antagônicas e as
complementares, para melhor pensar a complexidade.
Morin sustenta a sua obra em uma
abordagem fenomenológica, uma vez que
nega a visão de sujeito e objeto isolados,
defende através de suas idéias a correlação
entre sujeito-objeto, já que a consciência é
sempre intencional. E assim percebe que na
produção cientiica há descrição, compreensão e interpretação dos fenômenos de
maneira intencional, colocando-os sempre
em dúvida, interligando-os, a im de sugerir
um método baseado em uma ilosoia fenomenológica.
A obra tem o mérito de trazer á tona
problematizações sobre as possibilidades do
conhecimento da natureza, e busca reletir
Para o pensamento moriano, nada no
homem escapa à computação. Nele memorizam-se, elaboram-se, transformam-se, cogitam-se e desenvolvem-se idéias, palavras
e frases. Todos se formulam pela linguagem,
que permite à cogitação tratar não somente
o anterior à linguagem como ação, percepção, lembrança e sonho, mas também o que
depende da própria linguagem como os discursos, as idéias e os problemas.
No método exposto, o conhecimento
humano luta contra o egocentrismo, as obsessões, a ansiedade vital (viver ou morrer),
as incertezas, a verdade. O sentimento da
verdade se relaciona aos interesses e problemas pessoais de natureza real e do universo.
Apropria-se da verdade e da possessão da
verdade e, em contrapartida, não se separa
da certeza, pois comporta o sentimento da
evidência. A evidência apropria-se do sujeito
e o religa à essência do real, estabelecendo
uma comunhão, uma comunicação. Busca-se
a que ponto a verdade é a fonte principal
dos nossos erros, ilusões e delírios.
De acordo com as relexões realizadas ao longo do desenvolvimento do livro,
a máquina viva, diferentemente da máquina
artiicial, chega ao pensamento duplo (sim-
77
sobre essas possibilidades, por vezes ignorado ou deixado à margem dos modelos
teóricos.
É fenomenológico ao explicar o seu
método, porque busca em outras dimensões, atualmente separados e compartimentados, da realidade humana a compreensão/explicação do seu próprio método,
como por exemplo, a biologia, mitologia,
a cibernética, tecnologia, psicologia, sociologia, ilosoia, antropologia e história e as
circunstâncias, sociais, econômicas, históricas do mundo das incertezas, ou seja, há
uma dialocidade entre diversas dimensões
do saber.
(não em forma de complicação) a obra gera
relexões que estão em constantes construções, desconstruções, conlitos e indagações
até mesmo no século XXI. Pois, o ser humano ainda depara-se com conhecimento
fragmentado, simpliicado, e não busca a
compreensão e explicação para sua própria
condição de ser diante de mundo cultural,
social, biológico, espiritual em que vive.
Ao longo do tempo percebe que houve
uma originalidade e equilíbrio entre os parágrafos e capítulos. Deste modo, as idéias
se interligam, se unem, se completam, aparecem num ir e vir, pois para esse estilo de
pensamento, compreender e apreender é
intervir e mutilar a dinâmica criadora da
multiplicidade do conhecimento. As mesmas são marcadas por uma recursividade
exemplar. Basta ter acesso ao conjunto de
sua obra para observar como expressões,
argumentos e relexões, que aparecem de
forma sintética em alguns de seus capítulos,
reaparecem em outros de modo renovado,
instigante, provocador e interligados.
Como para os defensores da complexidade, o pensamento complexo nunca é um pensamento completo ou verdadeiro, mas é sim
um pensamento articulante, incerto e multidimensional. Um dos axiomas da obra é a impossibilidade, inclusive teórica, de uma onisciência.
Essas características podem-se encontradas
principalmente quando Morin cita na introdução do livro a seguinte airmação:
Assim sendo, esta produção traz como
importante contribuição à defesa pelo
conhecimento complexo, que não é simpliicado somente pela informação, a compreensão/explicação das incertezas como
etapa das novas descobertas, inovações, e a
ligação dos pressupostos da organização da
auto-organização e da ordem/desordem na
apreensão do método de conhecer.
Acredita-se também que esta obra se
mostra como um horizonte de um ecossistema, e adota o sujeito como um ser pensante, que possui a dialocidade de animalidade e hominização. Essa relação unidual é
recíproca, constitutiva e inseparável através
de um sistema vivo pensante, e ao mesmo
tempo legitima um conhecimento autogeno-feno-ego-eco-re-organizador, e não se
separa da ação. Busca ampliar os pensamentos simpliicadores das teorias e dos pressupostos teóricos, partindo da não completude do conhecimento, e da aceitabilidade.
Para Morin, nada está isolado, a parte está no
todo, e o todo está na parte. Deste modo, a
visão de fragmentação e imparcialidade do
conhecimento deve ser sobrepujada, para
que possa entender o ser humano e suas relações como unidade/pluralidade complexas
e multidimensionais.
Em estilo conciso, objetivo e complexo
Assim, construímos nossas obras do conhecimento como casa de teto, como se o
conhecimento não estivesse a céu aberto.
Continuamos a produzir obras acabadas,
fechadas ao futuro, que fará surgir um novo,
e o desconhecido, e nossas conclusões dão
a resposta segura à interrogação inicial somente com, in extremis, nas obras universitárias algumas novas interrogações (p.39).
Deixa claro, então, que para apreender o
conhecimento, a partir de um pensamento
complexo, não se pode captar apenas uma
78
das aptidões da máquina viva, mas pela dialocidade unitária de todas elas, o que é muito
mais que sua mera soma mecânica.
Conclui-se que como um organismo
vivo, a humanidade tem vários começos e
novos nascimentos.Toda relexão é bem vinda, a partir de uma certeza de que nada é
absoluto, e a incerteza é o grande desaio da
humanidade.
Referências
MORIN, Edgar – o método 3: o conhecimento do conhecimento 3a ed. – Porto Alegre – Sulina 2005. 286p.
79
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
A BUSCA DA UNIDADE PERDIDA
Joeliza Nunes Araújo37 Maria Inez Pereira de Alcântara38
Amarildo Menezes Gonzaga39
Mario Osório Marques, professor desde 1952, sociólogo, doutor em educação e
pesquisador-bolsista do CNPq, com vários
artigos e livros publicados, atua na área de
Ciências Humanas e estuda a natureza do
conhecimento histórico acenando para a superação da fragmentação, da classiicação e
simpliicação deste, articulando história, memória e experiências vividas no campo da
ciência da educação.
Educação nas ciências: interlocução e complementaridade foi publicado no Brasil, em
2002; contém 160 páginas, incluindo capa,
contracapa, folha de rosto e catalogação.
A capa é ilustrada com a imagem de uma
criança desenhando, e ao lado a igura de um
teclado, representando a substituição do ato
de escrever pelo ato de digitar. Em outras
palavras, a ilustração revela a ruptura do paradigma da experiência vivenciada, e os conhecimentos cientiico e tecnológico.
A apresentação feita por Gaudêncio Frigotto faz referências aos capítulos e ressalta
a maneira como o estudo é concluído; revista a memória e busca, numa experiência de
30 anos, uma prática educativa, convidando
o leitor ao diálogo critico, presente no con-
junto do texto.
A obra de Marques está estruturada com
introdução e quatro capítulos. No primeiro
capítulo, recorre à história buscando nexos
para explicar os percursos dos saberes e
os percursos da educação. Fundamenta-se
a partir das idéias dos ilósofos originários
indo até aos ilósofos contemporâneos.
O livro retrata a educação como tradições culturais vividas pelos sujeitos e passadas de geração a geração, sendo ressigniicada em cada espaço e tempos sociais,
respeitando as diferenças culturais. Airma
que, na dialética da conservação/transformação, o que se busca é o entendimento
compartilhado entre todos os participantes
de uma comunidade discursiva de argumentação. Entre os saberes necessários a esta
interlocução, destaca-se o aprender a partir
do que já se sabe, em direção a saberes outros, ampliados e mais consensuais.
Retrata a transição da linguagem falada
para a linguagem escrita, como uma ruptura
entre os dois saberes: a palavra e a escrita.
A ruptura se dá em virtude desses saberes
ocorrerem em espaços e tempos diferentes.
Os saberes da palavra viva ou a linguagem
_____________________
37
Mestranda do Curso de Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia – UEA.
38
Mestranda do Curso de Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia – UEA.
39
Orientador e Professor Dr. do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências – UEA.
80
falada se dá em ambientes não formais; no
entanto, a palavra escrita necessariamente se
dá em ambientes formais. Se por um lado
a ruptura desses saberes ocasionou um distanciamento entre a magia da palavra viva e
os saberes da cultura letrada, por outro lado
as letras deram origem à abstração, á lógica,
à ilosoia e às ciências.
Neste cenário, a obra faz um convite à
busca da unidade perdida, sugerindo sua recomposição através de inter-relacionamentos e interdependências em novas bases.
Ressalta que essa recomposição não signiica o abandono do passado, o esquecimento
da tradição, mas uma releitura dela à luz do
presente que temos e do futuro que desejamos.
No segundo capítulo, o autor faz uma
análise sobre o contexto educacional da
atualidade em que prevalece a fragmentação
do conhecimento, através da divisão das disciplinas em que, na verdade, as ciências se
tornaram especializadas, ao mesmo tempo
em que são interdependentes. Faz uma crítica a essa situação, pois a sociedade é um
todo organizado e que pertencemos a ela,
mesmo antes do nascimento. O objeto do
conhecimento foi reduzido, fragmentado e
isolado de seu contexto natural e cultural.
Com a compartimentação do saber cientíico, as ciências naturais se tornaram mais importantes, especialmente a Física à qual foi
possível aplicar os modelos matemáticos, em
detrimento das ciências sociais e humanas.
Ainda nesse capítulo, coloca-se em questão o distanciamento que há nos tempos
atuais do fazer pedagógico ao fazer cientiico. Como que se pode pensar o ensino de
ciências separado da pedagogia das ciências?
A educação formal em ensino de ciências
deve proporcionar aos alunos a iniciação
cientiica, para que possam ser formados cidadãos críticos, conscientes dos problemas
da atualidade e, assim, prepará-los para enfrentar e assumir difíceis decisões diante das
adversidades sociais. Diante do real signii-
cado da ciência, aprender a ser cientista é
diferente de aprender ciência, uma vez que
aprender ciência é mergulhar na cultura com
suas múltiplas diversidades.
No terceiro capítulo, Marques faz uma
abordagem sobre as ciências na educação
formal. Faz referência à questão da construção do projeto político pedagógico, o qual é
uma proposta ético-política necessária para
a legitimação da identidade escolar, mas que
depende do desejo e solidariedade coletiva,
em que seja considerada a diversidade e a
pluralidade cultural. Por essas razões qualquer proposta de educação requer a mobilização da sociedade nas diferentes esferas
e diferente abrangência. Cita a importância
dos sujeitos da ação educativa, os quais são
responsáveis pela construção do indivíduo
socialmente integrado; lembra que esses sujeitos não são uniformes, ao contrário, diferem-se em categorias de alunos, professores,
funcionários e comunidade humana, categorias essas que possuem identidade própria,
e organizam-se em busca de objetivos comuns. Comenta que diante das cobranças
da intercomplementaridade das ciências, os
professores de distintas disciplinas não podem mais atuar isoladamente, opostamente,
devem lutar para a constituição de um corpo docente cooperativo e interativo.
No quarto capítulo, discute a questão da
escola como espaço para a educação formal
e sistemática, criada pela necessidade social
de trabalhar os conhecimentos cientíicos, o
qual é tratado em diferentes níveis de ensino
escolar. Apresenta a sala de aula, formada pelos professores e alunos, como um contexto
em que as relações intersubjetivas acontecem através da comunicação e compreensão entre os sujeitos que participam desse
microuniverso.
Em virtude de abordar questões ligadas
à educação nas ciências: interlocução e complementaridade, a partir do diálogo realizado
com inúmeros pensadores que se ocupam
sobre a natureza do conhecimento histórico,
81
faz-se necessário um conhecimento prévio
das Ciências da Educação como: a Filosoia,
a História, a Sociologia, Antropologia e Pedagogia. Entre outros pesquisadores que tratam da Epistemologia das Ciências, citamos
a importância de um olhar mais apurado nos
escritos de Habermas, que diz que a teoria
da racionalidade só pode ser construída sobre uma coerência discursiva entre teorias
distintas; Morin, que propõe a ruptura ao
modelo compartimentalizado do conhecimento; Boaventura, que trata da analogia e
metáfora e suas contribuições para o ensino
de ciências; Fritjof Capra e Japiassu, que sugerem o diálogo entre as ciências, acenando
para a necessidade da mudança de paradigma epistemológico.
A cada capítulo que compõe a obra percebe-se uma síntese, embora que resumida,
de cada um. Por exemplo, no primeiro é possível perceber a distinção entre saberes de
culturas tradicionais com base no poder da
palavra pronunciada e os saberes de culturas
de orientação cientíica com base na escrita.
Ressalta que os saberes da experiência, os
saberes tecnológicos elaborados no âmbito
das ciências e a educação não são realidades
excludentes. Critica a educação enquanto
instituição a serviço do sistema produtivo,
quando esta molda a formação humana às
exigências do capital. Mostra a necessidade
da rearticulação entre as ciências face aos
desaios da contemporaneidade postos pelas mudanças políticas e organizativas.
Nos capítulos seguintes é retratado o
percurso da volta à unidade perdida, para
tanto a obra sugere a reconstrução pedagógica associada ao fazer pedagógico e o conhecimento cientíico, a construção coletiva
do projeto político pedagógico, e interação
entre os professores e estudantes.
A obra deixa aberto o diálogo para discussões posteriores no âmbito das escolas
onde os saberes se confrontam e ratiica a
complexidade das relações entre os sujeitos da ação educativa e o saber cientíico.
É embasada nos pressupostos da corrente
ilosóica progressista no qual o conhecimento é construído rompendo com os paradigmas cartesianos, que separa sujeito do
objeto. Este aspecto é visto na proposição
da retomada da unidade perdida, na crítica
ao modelo do conhecimento fragmentado e
conseqüentemente a fragmentação das ciências idéia presente nos textos que compõem
a obra.
A maneira como a história é revelada na
obra, dissertando sobre o percurso dos saberes e o percurso da educação, indicando
as contradições postas nos diferentes períodos dessa trajetória, dá a entender que o
caminho percorrido por Marques assume
características do método histórico-dialético. Histórico por considerar que a sociedade contemporânea, as instituições e os
costumes têm origem no passado dialético,
quando descreve o fenômeno contextualizando-o no tempo a partir das contradições
intrínsecas ao objeto de estudo. Este enfoque é percebido em toda obra, tornando-se
mais evidente no último capítulo que trata
da educação nas ciências.
Como técnica utilizou a pesquisa bibliográica ressaltando, porém, que não se trata
de repetição do que já foi dito ou escrito,
mas a obra permite um novo enfoque sobre a temática, sobretudo quando propõe o
compromisso do leitor com a ampla discussão pública sobre os desaios da educação e
em particular das ciências.
A contribuição da obra é relevante para
o debate atual da educação, sobretudo para
o ensino de ciências, pois, propõe a reconstrução dos saberes do senso comum e
cientíico, percebendo-os dinâmicos e processuais, conferindo um status abrangente à
complexidade das relações da parte com o
todo e do todo com as partes, numa circularidade de interdependências, reciprocidades
e complementaridades.
É possível perceber a idéia do parágrafo
acima, no item A complexidade, pano de fundo
82
da intercomplementaridade das ciências, que
retrata a fragmentação do conhecimento e
do homem enquanto sujeito cognoscente,
abstraído de seu ambiente e de seu sistema de relações. O objeto do conhecimento
tornou-se manipulável para a experimentação, mutilado em seu ser, separado de suas
condições de existência, artiiciosamente
reproduzido em função de uma objetividade em si, no ideal de neutralidade e distanciamento. A contribuição, portanto está no
entendimento de que o conhecimento para
uma comunidade humana só tem sentido se
ele for compreendido e usufruído por ela,
que a educação nas ciências é legitimada pela
interlocução e se complementa pelo conhecimento cientíico. Trata-se de reconsiderar
a ciência para além das idéias reveladas no
modelo cartesiano.
Na obra, as idéias são colocadas de forma
coerente, seguindo uma seqüência lógica de
pensamento, abordando a questão do conhecimento, desde os primeiros ilósofos até os dias
atuais. Porém, percebe-se um certo antagonismo implícito quando faz referencia às rupturas.
No item Percursos dos saberes, percursos da educação, é possível distinguir um rompimento entre saberes de culturas tradicionais com base
no poder da palavra pronunciada, e os saberes
de culturas de orientação cientíica com base
no texto escrito. Esse corte é colocado como
algo prejudicial ao conhecimento do senso comum, uma vez que só se considera conhecimento o que for comprovado cientiicamente,
logo o conhecimento tradicional perde sua
importância. Por outro lado, essa cisão abriu
caminho para o surgimento da ciência inaugurando o pensar abstrato, a lógica a ilosoia, as
ciências. Para além deste entendimento sugere
a busca da unidade perdida, através da recomposição do conhecimento encurtando as distâncias entre os saberes da interlocução e da
cultura letrada.
A obra destina-se a um público cujo capital intelectual possibilite o entendimento
dos conceitos e processos históricos nela
contidos. Traça um panorama da história da
ciência, permitindo ao leitor uma visão ampliada da complexidade da educação e do
conhecimento desde os tempos remotos
até a atualidade. Considera todas as formas
de saberes como relevantes para o bem da
humanidade.
Referências
MARQUES, M. O. Educação nas ciências:
interlocução e complementaridade.
Ijuí: Ed. Unijuí, 2002. – 160 p.
83
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
RELATO DE EXPERIêNCIAS
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
INTERNET E PROJETOS DE APRENDIZAGEM: ESTRATÉGIAS
PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIATIVIDADE
Carolina Brandão Gonçalves
Embora o discurso da democracia tenha
sido incorporado pelos professores, ainda
é freqüente no espaço escolar assistirmos
uma forte reação a tudo que possa mudar
os antigos modelos de pensar o ensino.
Moraes (2004, p.57) analisando os estudos de (Torrance, 1962,1968, 1976,1981;
Smith &Carlsson, 1985, Gardner, 1983) declara que a criança possui várias nuanças de
expressão criativa, apresentando um decréscimo nos anos posteriores ao pré-escolar. A
razão desse decréscimo estaria associada,
entre outros fatores, à submissão às regras
da escola, à obrigatoriedade de concentração, e à obediência cega à hierarquia, havendo na adolescência uma posterior elevação
da potencialidade criativas.
Destes estudos, depreendemos a necessidade reletir as práticas pedagógicas que
têm sido utilizadas; as estruturas e modo de
conceber a educação. “Tratando-se de uma
entidade vocacionada para o mundo da cultura e da socialização, a escola não pode ignorar as profundas transformações dos processos e dos meios de construção, acesso e
utilização da informação”. (Morgado 2004).
É preciso transpor a passividade dos métodos de ensino e aprendizagem e dar oportunidade à escola de se atualizar, de se aproximar dos que a ela recorrem para adquirir
A criatividade pode ser entendida pelo poder de representar algo; é a expressão interior daquilo que o indivíduo
constrói em sua relação com o mundo através das funções
de assimilação e acomodação e posteriormente representa
através das idéias. “A representação que a imagem mental
torna possível passa a ser totalmente dissociada de todo ato
exterior, tornando-se pensamento”. (Magadalena, 2003).
Estudos sobre as características da personalidade e realização criativa apontam a
autonomia de atitudes e comportamentos,
auto-suiciência como condições necessárias para a criatividade. Assim, as interações
com o meio e com os objetos são extremamente importantes para o aperfeiçoamento da capacidade de representar e criar.
Morais (2001) indica que ao considerarmos
perspectivas diferentes, tolerarmos as ambigüidades, gerarmos alternativas e conlitos cognitivos, alargamos o pensamento
criativo.
A escola assume o compromisso de
educar para criatividade, a medida em que
promove as interações entre os educandos;
proporciona um ambiente rico de experiências; favorece a relexão com práticas que
respeitam o ritmo e o interesse do aprendiz,
e estabelece estratégias de ensino para pergunta, a resolução de problemas e a sistematização dos saberes.
85
conhecimentos. Ainal, o estabelecimento da
autonomia e da criatividade perpassa pela
reorganização do agir e do pensar o ensino.
Fechar os olhos à tecnologia, querer ignorar suas possibilidades como instrumento
pedagógico trata-se de um esforço inútil de
tentar frear as mudanças exigidas pelo tempo. Hoje a informática representa um poderoso veículo de informação. De modo atrativo temos contato com diferentes assuntos,
cultura, música, moda, política, ciência, tecnologia entre outros no Brasil e no Mundo.
Os fóruns, chats, mensengers, correios
eletrônicos, se bem aproveitados pela escola, podem transformar-se em signiicativos
recursos pedagógicos. Mais que um ambiente para a busca de informações, a Internet
viabiliza a formação de Comunidades de
Aprendizagem, ambientes comunicativos online em que pessoas se reúnem em torno de
um interesse comum.
Para (Hargreeves: 2004) as comunidades
virtuais baseiam-se na inteligência coletiva
de seus recursos humanos e devem ter por
objetivo o aperfeiçoamento proissional.
A partir da interação dos sujeitos envolvidos nas atividades de aprendizagem, o professor pode utilizar o computador para favorecer o pensamento criativo de seus alunos,
à medida que, através da web, esses alunos
tenham acesso às diferentes fontes do saber
e ajuda para comparar, analisar e reelaborar
as informações obtidas na rede.
Mediante a pesquisa, o aluno pode descobrir, inventar, reletir e inovar a sua própria realidade; ele escolhe, decide e discute,
atitudes que permitirão o desenvolvimento
de suas capacidades de criar e agir. “Uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada
em experiências estimuladoras da decisão e
da responsabilidade, vale dizer em experiências respeitosas da liberdade” (Freire,1998).
Entendemos que a tecnologia por si só
não é capaz de realizar uma educação emancipadora. Seu uso, como estratégia de ensino, precisa estar aliado a um projeto político
pedagógico consistente, de natureza crítica,
que traduza, através de seu currículo, os
princípios da justiça e da igualdade social, o
qual orientará as relações entre escola e a
comunidade da qual faz parte.
Quanto ao desenvolvimento de metodologias de ensino, a Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (Brasil) propõem a prática
da pesquisa escolar a partir dos Projetos de
Aprendizagem com a utilização dos recursos
da informática. Essa estratégia utiliza o modelo da pesquisa cientíica para desenvolver
a criatividade e a autonomia dos alunos.
De modo prático, a metodologia consiste
em solicitar ao educando que formule uma
questão; com hipóteses, escreva suas dúvidas
provisórias e suas certezas temporárias; ao
concluir, elabore suas considerações inais
com os argumentos que dão resposta à pergunta, o que conirma ou não a hipótese. As
fontes de busca podem ser encontradas com
a ajuda da Internet, livros, revistas e demais
veículos de informação.
No processo de investigação, os alunos
trocam informações, socializam êxitos e diiculdades; avaliam suas produções em grupo
e individualmente. O professor exerce o papel de articulador da aprendizagem, acompanhando as construções, mediando as interações, desaiando a novas aprendizagens.
Nos Projetos de Aprendizagem, o computador ampara tanto a pesquisa realizada
quanto viabiliza a apresentação dos projetos.
Nesse processo, o aluno tem oportunidade
de construir e reconstruir seus conhecimentos, confrontar o que já sabia sobre o assunto
com os novos dados sobre o mesmo e expressar seu pensamento de forma criativa.
A metodologia dos Projetos de aprendizagem valoriza as experiências prévias dos
alunos; busca superar o conceito de erro
tendo em vista perceber esse erro como
etapa necessária para elevação do senso comum à consciência ilosóica, (Saviane 1988).
Nesse modelo, percebe-se, na autonomia
e na criatividade, fenômenos complementa-
86
Muitos desses alunos possuíam diiculdades em problematizar, delimitar questões e
trabalhar em equipe. Ou seja, havia diiculdades
em seus processos de tomada de decisão e de
criação tanto individuais quanto coletivos.
Embora os professores mantivessem
um bom relacionamento com a turma, os
alunos não eram suicientemente incentivados a desenvolver estratégias próprias para
apreender o conhecimento, reelaborá-lo,
confrontá-lo com percepções diferentes, a
pensar com liberdade. Observamos que a
metodologia de ensino resumia-se na transmissão e cópia de conteúdos, com reforço
na memorização dos conteúdos, o que havia
limitado suas chances de expressão.
Inicialmente, foi necessário um diálogo informal a im de nos apresentarmos à
turma, procurado-os motivar para a prática
da pesquisa, o estudo individual e em grupo.
O contato com o universo de informações
disponibilizadas pela Internet, a princípio,
desconcertou-os, mas revelou-se fundamental para o estabelecimento do trabalho em
equipe e para motivação para pesquisa.
Estabelecemos uma rotina. Antes de começarmos as atividades, conversávamos livremente sobre algum assunto do interesse
geral, que às vezes era sugerido por nós, e
em outras pelos próprios alunos. Essa dinâmica permitiu maior aproximação com a
turma, tornando-os mais à vontade conosco; isso também permitiu que adquiríssemos
intimidade com o universo do qual faziam
parte, ajudando-nos a compreender suas
formas de expressão.
Cada aluno pôde escolher livremente o
tema de sua pesquisa, e, ao longo do processo, foram levados à biblioteca, ao laboratório
de Informática, àquela na altura, praticamente inoperantes, pela quantidade insuiciente
de acervo, e o pouco incentivo ao uso.
Na investigação, o computador foi fundamental para produção de textos, pois favoreceu a correção, a recuperação e os registros
das informações com maior rapidez. Ao i-
res entre si, pois sem a liberdade de escolher os elementos signiicativos que nos dão
vontade de inventar, de desenvolver talentos
para interagir com o meio, compreender os
estímulos percebidos, nossa capacidade de
representar ica extremamente reduzida.
Sem ela tornamo-nos dependentes de opiniões de outras pessoas, que nem sempre
nos são úteis.
Relatos de uma experiência
com Projetos de Aprendizagem
em uma escola em manaus
Em 2003, em colaboração com uma colega professora da SEDUC, desenvolvi a metodologia de projetos de aprendizagem em
uma escola Estadual no município de Manaus. A experiência feita no laboratório de
Informática envolveu alunos da quinta série
e provocou-nos alguns incômodos e questionamentos.
Na ocasião em que a experiência aconteceu, apesar da grande motivação em realizar os trabalhos, os alunos sentiam muitas
diiculdades de pensar com autonomia, fazer
escolhas, dar opinião, trabalhar em grupo
suas produções; demonstravam-se pobres
do ponto de vista estético e de conteúdo.
Ao tentarmos compreender as razões
para limitada capacidade de expressão, descobrimos algumas pistas: má utilização dos
espaços pedagógicos (biblioteca, videoteca,
laboratório de informática), estratégias de
ensino conservadoras que pouco favoreciam
o pensamento criativo.
Mesmo com suas dúvidas ouvidas e discutidas coletivamente, os alunos, apresentavam
diiculdades na elaboração, interpretação e
sistematização dos textos, em selecionar as
informações na Internet ou em livros e revistas; pareciam estar apegados ao hábito de
copiar literalmente, sem exporem uma opinião pessoal.
87
nal, os trabalhos foram apresentados em datashow, abertos à discussão, e todo processo
avaliado em conjunto.
Acreditamos que parte do êxito obtido
na experiência com os Projetos de Aprendizagem foi possível, principalmente, pelo poder impressionante dos computadores tanto
em motivar à pesquisa, à produção de texto,
quanto em favorecer o trabalho colaborativo.
Ensino médio, Brasilia: Ministérido da Educação, 1999.
DELORS, Jacques (org). Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para UNESCO
da Comissão Internacional sobre Educação
para o século XXi, 6.ed.São Paulo: Cortez: Brasilia, DF: MEC : UNESCO,2001.
Referências
DIAS, Ana Augusta Silva, Et.all. E – learning
Para E – Formadores. Guimarães:Portugal, Tecminho, 2004.
ALENCAR, E. S de. Criatividade e educação de superdotados. Petrópolis(RJ):
Vozes, 2001.
DOWBOR, Ladislau. Tecnologias do Conhecimento: os desaios da educação.
Petrópolis:Vozes, 2004.
ARMSTRONG, Alison. A Criança e a máquina: Como os computadores colocam a
educaçao de nossos ilhos em risco: Porto
Alegre:Artmed, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia:
saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1998.
HARGREAVES, Andy. o ensino na sociedade do conhecimento: educação na era
da insegurança. Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Brasil, Ministério da Educaçao e cultura, Secretaria de Educação Média e Tecnológica.
Parametros Curriculares Nacionais:
88
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
CONFERêNCIAS DO II SEMINÁRIO
DE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO
NA AMAZôNIA
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA E PROCESSOS FORMATIVOS
Silas Borges Monteiro – Universidade Federal de Mato Grosso
Outubro de 2006
rESumo
a idéia de que há fertilidade no conceito de
Epistemologia da Prática como proposição
de concepções formativas que pretendam
efetivar um tipo de identidade docente profundamente implicada com a realidade proissional vivida.
Tem sido chamado de Epistemologia da
Prática aquele campo de estudos da educação que toma o fazer do docente como
objeto privilegiado de compreensão da sua
identidade proissional. Procederam desta
inscrição investigações que têm contribuído
para avaliar práticas formativas, buscando
compreender a atuação do docente a partir
de seu interior, ou seja, da situação concreta
do ensino. A partir dessa compreensão, os
esforços têm sido direcionados na proissionalização dos professores a partir de concepções teórico-práticas que tenham como
sustentação esse solo de análise. Uma das
alternativas que tem ocupado as agendas de
debate é a concepção do professor-relexivo, adotada neste texto. Para superar a visão
mais individual da formação, complementase com o conceito de pesquisa-colaborativa.
O diálogo entre ambos estes conceitos concorrem para a construção de uma Epistemologia da Prática. Daí o título deste trabalho.
Neste texto, pretendo apresentar: o sentido
histórico da palavra epistemologia na ilosoia; o sentido de epistemologia da prática; a
conotação que dou ao termo; a relação da
epistemologia da prática com a formação
de professores. Minha intenção é sustentar
introdução
O tema geral deste texto se insere em
um movimento surgido em diferentes países a partir da década de 1990, denominado
professor relexivo. A característica do conceito é a de valorização da formação e da
proissionalização de professores, iniciada
por Donald Schön com seu livro Educando o
proissional relexivo, destinado à formação de
estudantes de arquitetura.
Na verdade, o americano Schön reacende uma preocupação presente em John
Dewey de que a formação escolar tivesse
como marca o desenvolvimento da relexão
como instrumento de tomada de decisão
qualitativamente melhor do que a mera resposta impulsiva. Essa concepção transborda
ao sentido proissional – e, em nosso caso,
docente – de modo a acentuar a importância da relexão como instrumento de
valorização do magistério. Os movimentos
90
sociais em educação ampliaram essa noção
incluindo elementos sociopolíticos: carreira,
salário, condições de trabalho etc., saindo da
dimensão meramente pessoal do trabalho
docente. Por outra face, perdeu-se, com essa
abordagem da educação brasileira, a tensão
saudável entre o pessoal e o proissional do
professor, muito bem apontando por António Nóvoa40, embora, os ganhos políticos
tenham sido de extrema relevância. Com o
conceito de professor relexivo valoriza-se,
no debate e na produção teórica, aspecto
importante da proissão docente: a relexão.
A partir desse contexto, quero argumentar sobre a importância da formação
relexiva do professor. Inscrevo essa análise
naquilo que é chamado de Epistemologia da
Prática, ou seja, a compreensão de saber que
tome como referência a prática proissional
efetiva.
Minha primeira tarefa é apresentar o
sentido que a tradição ilosóica, no século
XX, tem atribuído ao termo epistemologia.
apenas, mais ou menos aproximada; com a
ajuda de correções sucessivas, tratamos de
adaptar progressivamente o conjunto cada
vez mais estreitamente à verdadeira marcha da natureza”.43
Por certo, o autor ainda sustenta uma
concepção de ciência como resultado da
observação empírica dos fenômenos naturais. Em seu livro, Meyerson examina o método de produção do conhecimento. Para
ele, compete à epistemologia analisar os
métodos usados na produção das ciências,
assim como cabe à ciência explicar e resolver fenômenos indicando a causa, isto é, a
razão pela qual se produz. Julga que a causa
de um fenômeno é sua lei, ou regra empírica que o governa; e lei é construção ideal
que expressa o que poderia acontecer em
determinadas condições; com isso, a ciência
tem caráter prospectivo e projetivo. A relação estabelecida entre fenômeno e causa é
feita com o intuito de prevê-los. Donde se
conclui que ciência é uma regra de ação que
tem êxito, pois é efetiva, não fazendo sentido ação sem previsão. Logo, epistemologia é
investigação do método, é ilosoia das ciências, pois a fonte é empírica, com o im de
compreender a realidade. Intuito da ciência:
reconhecer identidades.
Na tradição inglesa, o autor de referência
é Bertrand Russell. Ele usa o termo epistemologia em seu livro Um ensaio sobre os Fundamentos da Geometria, escrito em 1897, dez
anos antes de Meyerson. Nesse texto, airma
ser Kant o criador da epistemologia moderna. Para o ilósofo alemão, a geometria é uma
certeza apodídica (necessária). Logo, esta é
a priori (pois independe da experiência) e
é subjetiva (da ordem das estruturas da razão). Devemos nos lembrar que a priori é
1. o sentido de epistemologia
Pelo que tenho notícias, o termo epistemologia tem sido usado a partir de duas tradições: a inglesa e a francesa.41
A francesa pode ser remetida à obra de
Emile Meyerson em seu texto Identidade
e Realidade, publicado em junho de 1907.
Seu método cientíico se sustenta na compreensão de que “a causa de um fenômeno
é a lei, a regra empírica que governa toda
a classe dos fenômenos análogos”.42 Apesar da aparência dogmática da airmação,
entende que “com referência ao fenômeno diretamente observado, a lei é sempre,
_____________________
40
No texto “Os professores e as histórias da sua vida”, António Nóvoa airma: “Aqui estamos. Nós e a proissão. E as opções
que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e
desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu proissional do eu pessoal. (Nóvoa, Os
professores e as histórias da sua vida, p.17)
41
Sugiro consultar o texto de Fichant, A epistemologia na França.
42
Meyerson, Identité et Réalité, p.01.
43
Meyerson, Identité et Réalité, p.22.
91
singular. A segunda: que cada ciência, em
vez de aparecer como uma constelação
de “verdades”, se dê como tema possível de um exame histórico ou ilológico,
A) Histórico: como o deixa entrever,
ainda que nebulosamente, o elogio que
Kant tece a Tales e a Galileu, as ciências
são tantas aventuras contingentes (da
razão... se não se pode dispensar uma
personagem) e suas proposições podem
ser tratadas como eventos. B) Filológico:
é permitido conferir a elas o estatuto de
um texto e de olhar doravante cada uma
como um corpus de fórmulas (enunciados, protocolos, direções de pesquisa...)
no qual foi depositado um trabalho coletivo, e de que cada articulação expressa uma escolha ou uma decisão. Vamos
enunciar melhor esta segunda condição:
que tenha uma “história das ciências”
implica que a palavra “épistasthai” designe uma aventura, – que tenha uma “epistemologia” implica que ela designe uma
estratégia. E nada mais.45
aplicado a qualquer parte do conhecimento
que, embora talvez expulso da experiência,
é logicamente pressuposto nela. Subjetivo é
aplicado a qualquer estado mental cuja causa imediata repousa não no mundo exterior,
mas dentro dos limites do sujeito.
Na visão de Russell, Kant intercambia os termos a priori e subjetivo, dando
a idéia de serem sinônimos. Donde se infere que ambos são remetidos ao campo
epistemológico e ao campo da Psicologia.
Apesar disso, Russell usa a palavra a priori
sem qualquer implicação psicológica. Ora,
a sustentação do conhecimento cientíico
se dá pela postulação do empírico, assim
como ocorre na geometria. Logo, todo conhecimento cientíico é empírico-dedutivo
por princípio. Finalmente, epistemologia é
análise lógica de conhecimentos empíricodedutivos.
Em precisa análise de A idéia de epistemologia, Gérard Lebrun airma:
Se acompanharmos Lebrun, encontraremos uma agenda de trabalho do epistemólogo. Pautada pelas construções históricas dos
conceitos, ele lida com os discursos produzidos da ciência. Com isso, a idéia de epistemologia recai sobre exame dos discursos
– eventos – produzidos ao longo da história,
sustentados em uma forma de pensar esta
produção, pensar como crítica da própria
produção.
Para concluir, penso que Heidegger nos
oferece outra pista, muito mais ilológica, ao
sentido de episteme:
A epistemologia como saber emancipado
só pode nascer sobre um fundo de positivismo – e limitando cuidadosamente o
sentido desta palavra ao que se diz e se
elabora no Curso de Filosoia Positiva de
Comte. Pois é ali, nos parece, que aparece
pela primeira vez bem nitidamente a necessidade da tarefa epistemológica.44
Lebrun não demonstra muito pudor em
dizer isso: – a idéia de epistemologia decorre
do positivismo. Que isso sirva de lição aos
fóbicos dos conceitos tradicionais! Então, é
admissível falar em epistemologia, mas nos
seguintes termos:
O que diz epistêmê? O verbo que lhe corresponde é epistasthai, colocar-se diante
de alguma coisa, ali permanecer e depararse, a im de que ela se mostre em sua visão. Epistasis signiica também permanecer
diante de algo, dar atenção a alguma coisa.
Esse estar diante de algo numa permanência atenta, epistêmê, propicia e encerra em
si o fato de nós nos tornarmos e sermos
cientes daquilo diante do que assim nos
colocamos. Sendo cientes podemos, portanto, tender para a coisa em causa, diante
da qual e na qual permanecemos na aten-
Eis então pelo menos duas condições
necessárias ao surgimento da epistemologia como disciplina bem fundada.
Vamos resumi-las. A primeira: que cada
ciência seja considerada em primeiro lugar no que ela tem de diferencial e de insubstituível, que ela seja almejada como
um objeto dotado de um funcionamento
_____________________
44
Lebrun, L’idee d’Epistemologie, p.13.
Lebrun, L’idee d’Epistemologie, p.15.
45
92
ção. Poder tender para a coisa signiica
entender-se com ela. Traduzimos epistêmê,
por “entender-se com-alguma-coisa”.46
um ato de traição às suas origens positivistas. Um epistemólogo hoje, iel à tradição do
século XX, ruborizaria ao se debruçar sobre
algo singular como uma ciência; sua tarefa é
plural.
Neste primeiro momento, portanto, estabelecemos que o discurso epistemológico
é de ordem compreensiva, ao mesmo tempo em que é descritiva. Podemos substituir
a palavra epistemologia, no jargão de Heidegger, como entender-se-com-algo, se com isso
queremos dizer que seu discurso interpreta
a diversidade de eventos com os quais nos
havemos cotidianamente.
Novamente, caímos no campo do discurso compreensivo. Mas que não iquem
de lado as questões metodológicas. Não se
entende algo sem estratégia de aproximação.
Faz pouco sentido aprofundar a distância entre estas áreas do saber, pois
quaisquer que sejam as diferenças de textura entre essas formações que dividimos
grosseiramente entre “ciências exatas”
e “humanas”, o epistemólogo, aqui e ali,
acha tema seu somente quando ele tenta compreender como isso se articula,
como isso funciona nesta região teórica
para que, deste terreno movediço, surjam
às vezes esses maciços de enunciados relativamente estáveis que serão honrados
depois com o nome de ciências; ele está
em casa somente quando ele cava abaixo
do que poderia se chamar a cientiicidade
recebida.47
2. Sentido de Epistemologia
da prática
Esse momento da apresentação requer
a retomada de conceitos. Inicialmente, denomino epistemologia o conhecimento que
se entende-com-algo. O sentido etimológico
do termo dá a idéia de algo sobre o qual
se está irmemente em pé (epi, no grego,
signiica “sobre”; histemi, aquilo que está em
pé). Portanto, epistemologia, do modo como
compreendo, tem a ver com algo que está
em pé, sobre o qual podemos nos irmar,
para entender-se com alguma coisa. Essa posição segura nos ajuda a analisar algo.
Ora, a meu ver, a posição mais segura
para compreender a docência é sua prática.
Por isso, sustento que o olhar da prática
do professor deve ser efetuado de seu interior, o que signiica dizer que tenho certa
suspeita de análises sobre a prática do professor realizada por quem não tem como
proissão a docência. E isso indica uma opção teórica: há uma natureza própria da
docência que deve ser formada, querendo
dizer com isso que precisamos aprender
São regras que são estabelecidas. E essas
devem ser revisadas, com freqüência:
Uma ciência só se torna objeto epistemológico quando está entendido que cada
uma das disciplinas que a compõem só
tem uma unidade, a de um trabalho produtivo normalizado por um conjunto de regras revisáveis, e que não são todas obrigatoriamente formuladas claramente. No
olhar do epistemólogo, nenhuma disciplina
cientíica poderia ter outra unidade a não
ser essa, eminentemente provisória e instável – e não seria um paradoxo sustentar
que um epistemólogo, hoje, só pode almejar a cientiicidade com a condição prévia
de eliminar esses monstros de identidade
forjados pelos manuais e pela vulgarização:
“a ciência”, “uma ciência” ...48
A instabilidade das regras e a provisoriedade do seu saber dão à epistemologia caráter peculiar que, de certo modo, se torna
_____________________
46
Heidegger, A doutrina heraclítica do logos, p.204.
Lebrun, L’idee d’Epistemologie, p.20.
48
Lebrun, L’idee d’Epistemologie, p.16.
47
93
ignorância e a inconsciência. A ciência tem
como inalidade última o melhoramento
das condições de vida do homem, em decorrência do fato de ser o mais perfeito
conhecimento dos fenômenos da realidade social.
a ser professor. Dominar o conteúdo que
deve ser ensinado não garante a qualidade
do ensino. Há algo próprio da docência que
deve ser tomado como ação intencional no
processo de formação.
No livro Didática e formação de professores, Selma Garrido Pimenta traz ao debate
“a importância da discussão epistemológica”
acerca das ciências da educação. Aqui, parece dar continuidade ao debate que Mazzotti
já havia posto a partir de suas leituras de
Piaget.49 Contudo, Pimenta50 sustenta sua
argumentação a partir da inscrição conceitual de Vieira Pinto, de onde tira a seguinte
airmação:
Se a seguirmos em sua compreensão,
Vieira Pinto tem como tarefa reletir sobre a
produção da ciência entendida como um instrumento de melhorar as condições de vida
do ser humano, principalmente naquilo que
o mantém consciente da situação social em
que se encontra, visando à sua autonomia.
Assim ele airma:
Para o país que precisa libertar-se política,
econômica e culturalmente das peias do
atraso e da servidão, a apropriação da ciência, a possibilidade de fazê-la não apenas
por si, mas para si, é condição vital para a
superação da etapa da cultura relexa, vegetativa, emprestada, imitativa, e a entrada
em nova fase histórica que se caracterizará exatamente pela capacidade, adquirida
pelo homem, de tirar de si as idéias de que
necessita para se compreender a si próprio tal como é e para explorar o mundo
que lhe pertence, em benefício fundamentalmente de si mesmo”.51
O exame dos problemas epistemológicos que a penetração no desconhecido
mundo objetivo suscita, a determinação
da origem, poder e limites da capacidade
perscrutadora da consciência, [...] não podem icar à parte do campo de interesse
intelectual do pesquisador, que precisa conhecer a natureza do seu trabalho, porque
este é constitutivo da sua própria realidade individual.
Vieira Pinto é de tradição marxista, o
que dá ao termo epistemologia conotação
um pouco diferente das duas principais
correntes foram mostradas neste texto,
francesa e analítica. Em uma dissertação de
mestrado defendida em 1996, na Faculdade
de Educação da USP, sob orientação de Antônio Joaquim Severino, a autora, Edjane de
Andrade Silva assim escreve no resumo de
seu trabalho:
Parece-me que esta é a principal razão
da adesão de Pimenta à leitura de Vieira Pinto, qual seja: a produção de uma ciência da
prática cujo sentido seja a transformação
social.
Em 2000, Pimenta incorpora efetivamente o termo “epistemologia da prática” em
um trabalho intitulado “A pesquisa em Didática – 1996 a 1999”. Nesse texto, indica
a fertilidade do conceito para aprofundar as
análises da prática em sala de aula, com suas
importantes contribuições para a Didática.
Contudo, alerta para o fato de que, apesar
de superar o discurso ideológico da não
produção do conhecimento da prática edu-
Álvaro Vieira Pinto entendia que não se
deve fazer ciência apenas pela ciência, mas
deve-se fazer ciência com consciência, ou
seja, o papel intrínseco da ciência é o de
aperfeiçoar as condições de vida do ser
humano, o que ela não vinha fazendo. Para
ele, o conhecimento perde signiicado se
não contribuir decisivamente para libertar
a humanidade em relação à repressão, a
_____________________
49
Mazzotti, Pedagogia: elementos para sua determinação, 1993.
Pimenta, Para uma re-signiicação da Didática, pp.27-28.
51
Vieira Pinto, Ciência e existência, p.04.
50
94
res utilizados realmente pelos proissionais
em seu espaço de trabalho cotidiano para
desempenhar todas as suas tarefas.”54 Vou
analisar esta airmação. Entretanto, uma palavrinha antes.
De acordo com Deleuze e Guattari:
“todo conceito remete a um problema, a
problemas sem os quais não teria sentido,
e que só podem ser isolados ou compreendidos na medida de sua solução”.55 São os
componentes do conceito que o qualiicam
na medida em que se ordenam de modo a
dar-lhe originalidade e, pertinência ao seu
propósito, qual seja, fazer ressoar “problemas que são os nossos, com nossa história
e sobretudo com nossos devires”.56 Com o
conceito, um contorno é criado; conigura o
que está sendo, o que acontece, ou melhor,
a ediicação de um acontecimento que sobrevoa todo vivido. “Cada conceito talha o
acontecimento, o retalha a sua maneira”.57
Por conseguinte, o uso de um conceito deve
expressar rigorosamente as opções teóricas
de seu autor. O uso descuidado do conceito
torna frágil uma concepção.
Ora, se epistemologia é estudo – provavelmente porque Tardif entende logos como
estudo –, a episteme seria o conjunto (grifo do
autor). De certo modo, ele entende que estes estão dados, pois se estuda o conjunto de
saberes. Pela pesquisa – que é sua proposta
operadora – são estabelecidos os saberes
que são “utilizados realmente”. Por im, com
esse conjunto dos saberes utilizados de fato,
os proissionais desempenham todas as suas
tarefas. Por essa airmação, nota-se que Tardif
pretende, com o conceito de epistemologia
da prática proissional, exaurir as possibilidades de práticas docentes. Seria como se fosse
uma compreensão última acerca da docência,
lembrando, em parte, o projeto ilosóico aris-
cacional, pode estar limitado “porque não
adentra o fenômeno na sua concretude e,
por isso, não capta as suas contradições e as
suas possibilidades”.52 Se por um lado o conceito de epistemologia da prática airma a
autonomia do sujeito (como ela aprendeu a
reconhecer em Vieira Pinto), por outro corre “o risco da tentação psicologizante e/ou
da luidez característica de algumas análises
pós-modernas”.53 Essa relexão ela já fazia
em ocasião da publicação de seu livro O pedagogo na escola pública, de 1988. Com isso
tem razão, pois associa o discurso da epistemologia da prática de Donald Schön com a
tradição escolanovista de John Dewey.
Entrando por outra porta, em um artigo de 2000, Maurice Tardif escreve sobre a
epistemologia da prática (Revista Brasileira
de Educação), republicado com alterações
em 2002 sob o título: “Saberes proissionais
dos professores e conhecimentos universitários – Elementos para uma epistemologia
da prática proissional dos professores e
suas conseqüências para a formação docente”. No texto procura abordar, sob o ponto
de vista histórico, as questões que têm sido
suscitadas acerca dos saberes proissionais
do professores e as relações entre esses
saberes e os conhecimentos universitários. Para essa análise, vale-se do conceito
de “epistemologia da prática proissional”,
desdobrando-o em suas implicações para o
ensino e a pesquisa.
Tardif, assim como Pimenta no texto já
aludido, entende que a gestação do conceito
de epistemologia da prática se deu no cerne do movimento de proissionalização dos
professores, que tem passado a Europa e as
Américas a partir da década de 1970. Airma: “Chamamos de epistemologia da prática
proissional o estudo do conjunto de sabe-
_____________________
52
Pimenta, A pesquisa em didática – 1996 a 1999 , p.94.
53
Pimenta, A pesquisa em didática – 1996 a 1999 , p.94.
54
Tardif, Saberes proissionais dos professores e conhecimentos universitários, p.255.
55
Deleuze e Guatarri, O que é ilosoia?, pp.27-28.
56
Deleuze e Guatarri, O que é ilosoia?, p.40.
57
Deleuze e Guatarri, O que é ilosoia?, p.47.
95
totélico realizado na Metafísica. O que quero
dizer é que o conceito proposto por Tardif
escapa da noção contemporânea de epistemologia estabelecida no inal do século XIX,
aproximando-se mais do idealismo alemão do
século XVIII. A utilização do termo por Tardif,
parecendo vincular-se à tradição francesa, na
verdade embaralha seu sentido.
Sumariamente, entendo que o conceito
de epistemologia da prática tem seu vínculo
original na tradição analítico-pragmatista, do
modo como foi cunhado por Donald Schön.
Sua fertilidade permitiu ampliar o debate
acerca da proissionalização docente. Ao
mesmo tempo, há esforço teórico em explicar as possibilidades da compreensão da
proissão de professor a partir de seu interior. Esse suporte poderá vir das análises
epistemológicas das ciências da educação.
Estabelecidos os sentidos de epistemologia e epistemologia da prática, vamos ao
terceiro movimento do texto que pretende
apresentar, a partir da própria prática, um
sentido para a docência.
minada área do conhecimento, crê-se que
basta “repetir” o que se sabe para ser chamado de ensino. Nessa situação, o ensinar
tende a ser reprodução do estilo daquele
professor ou professora que era considerado um docente “bem didático”. Por uma
espécie de “imitação” a docência vai sendo
constituída. Com o tempo, forma seu estilo
próprio até chegar ao ponto em que o proissional se considera o “bom professor”.
É claro que essa convicção vai sendo sedimentada pelas observações dos estudantes,
pelos comentários de colegas de trabalho
e por outras tantas razões. Estou seguro
de que a formação docente requer mais do
que domínio de conteúdos. A docência resulta de formação intencional para tal. Isso
signiica que ela possui saberes próprios e
identidade própria.
O segundo pressuposto é de que a docência é um trabalho coletivo. Lamenta-se
muito o fato de que alguns professores não
tomem o que fazem para problematizá-lo
em conjunto com outros proissionais da
escola. As ações docentes, na maioria das
vezes, são pensadas a partir da própria experiência, sem levar em conta o contexto
coletivo no qual ela se encontra. De certa forma, parece existir receio de que se
tais ações forem discutidas coletivamente
haverá super¬exposição do que se faz, submetendo esse fazer ao juízo público, o que
acarreta, no dizer de Sartre, vergonha por
se tornar objeto de exame do outro.
Parece que evitamos os juízos públicos
de nossas ações públicas. A docência é ação
social, e temos mais ou menos convicção
disso. Mas, sua avaliação deve restringir-se ao
nosso próprio exame. Por outro lado, parece
que não estamos bem convencidos de que o
conhecimento com o qual trabalhamos está
relacionado com outros conhecimentos veiculados na escola. Por isso, a docência como
trabalho coletivo compreende o conhecimento e o ensino de forma integrada, bem
como construído histórica e coletivamente.
3. Docência como atividade
proissional, coletiva,
interdisciplinar e relexiva
Aponto quatro aspectos que fundamentam o modo como entendo a docência: é
exercício proissional, coletivo, interdisciplinar e relexivo.
A docência é um exercício proissional,
o que exige proissionalização, isto é, requer formação especíica para sua atuação.
É comum encontrarmos pessoas convictas
de que a docência pode ser desempenhada
pelo simples fato de que dominam o conteúdo que lhes é designado. Isso decorre da
coniança que se alimenta de que para ensinar algo basta saber o que ensinará. Não
temos tido a preocupação em reletir sobre
isso. Pelo fato de ser formado em deter-
96
Muito do ensino está enraizado em quem
nós somos e como nós percebemos o
mundo. [...] Então, voltamos nossa atenção
às crenças e entendimentos dos professores, e como entender a relação entre esses entendimentos e suas práticas, atuais
ou prováveis.60
O terceiro pressuposto é de que a docência é interdisciplinar, ou seja, a formação
de professores é um tipo de formação que
deve tomar os conhecimentos historicamente acumulados e colocá-los em relação
ao nosso sentido como espécie humana,
num determinado momento histórico, tendo como direção a melhoria da qualidade
de vida das pessoas. Isso quer dizer que
a docência implica a relexão sobre seus
saberes e conhecimentos em relação ao
contexto geral no qual ela ocorre: outros
professores, corpo técnico e administrativo,
coordenações pedagógicas, direção, pais e
estudantes. Deve ser uma ação integrada.
Finalmente, o papel da relexão na docência tem sido inscrito a partir do conceito
de professor relexivo. E vejo como principal
interlocutor o educador americano Kenneth
Zeichner. Para ele, o ensino relexivo não é
um tipo de operação mecânica que pode ser
contida em um modelo fabricado e consumido por professores.58 Como airma:
A elaboração teórica é uma forma de visão de mundo, que é refeita, atualizada, por
meio da relexão, fazendo com que nossa
compreensão sobre a prática, assim como
todo o resto do que percebemos, seja alterada. A relexão não pode ser reduzida a
qualquer operação mental; requer “esforço
consciente e voluntário”, ou seja, tem método e intenção. Podemos dizer que a relexão
é um tipo de labor intelectual.
E ao usar a palavra labor, retomo-a em
seu senso original: um dos deuses gregos,
ilho da deusa Éris, a deusa da discórdia. Signiica que labor é fruto da disputa, da discórdia, do conlito, o que Heráclito chamaria de
polemos, nos seguintes termos:
É preciso saber que o combate é o-queé-com, e justiça (é) discórdia, e que todas
(as coisas) vêm a ser segundo discórdia e
necessidade.61
De acordo com Dewey, relexão não
consiste em uma série de passos ou
procedimentos para serem usados por
professores. Mais do que isso, ele é uma
forma integrada de perceber e responder
a problemas, uma forma de ser professor.
Ação relexiva envolve, também, mais do
que solução-de-problemas por procedimentos lógico e racional. Relexão envolve intuição, emoção e paixão, e não é algo
que pode ser acondicionado em pacotes,
como um programa de técnicas para professores usarem.59
Justiça é discórdia. Devemos nos lembrar que a palavra grega dikê tem sua origem no ambiente conceitual da mecânica.
Justiça tem a conotação de algo que se
ajusta mecanicamente às coisas. Estas vêm
a ser segundo a discórdia e a necessidade.
Como entender isso? Resumidamente, diria que as coisas se ajustam pela incitação
da batalha: quando as coisas confrontam-se,
elas se ajustam, realizam a justiça. As coisas
tornam-se o que são pelo embate e por necessidade – um tipo de compreensão grega
que explica a mecânica da natureza. Provavelmente, o que Heráclito está airmando
é que a polêmica é tão natural quanto o
Percebe-se a crítica de Zeichner a processos formativos que tendem a reduzir a
sua complexidade a fórmulas mecânicas, baseadas na lógica causal, ou seja, para obter
“x” deve-se fazer “y”. A relexão envolvida
na ação docente não pertence à lógica estímulo-resposta, pois, como Zeichner diz:
_____________________
58
Zeichner, El maestro como profesional relexivo.
59
Zeichner, Relective teaching: an introduction. p.09.
60
Zeichner, Relective teaching: an introduction. p.23.
61
Heráclito, fragmento 80.
97
conlituoso movimento da natureza, em
constante ação e reação, ajustando-se por
meio da contradição. Se estamos acostumados a ouvir que a natureza é a mãe de tudo,
Heráclito encontra um pai para a natureza:
o combate, que “de todas as coisas é pai”
(fragmento 53). Com isso, quero dizer que
o labor – de onde vem nossa palavra “laboratório” – próprio do trabalho colaborativo, resulta de conlitos e embates.
Voltando ao assunto de origem, relexão
é trabalho coletivo, colaborativo, o que designa uma ação tensa, combativa, conlituosa:
isso é comum; opera, da mesma forma, na
natureza.
Por isso, dou à conotação de relexão
uma dimensão que inclui o embate como
forma de trabalho docente. E quem já não
experimentou batalhas quando trabalha com
seus colegas! Para Heráclito, é uma forma de
justiça, ou seja, uma forma das coisas ajustarem-se com melhor qualidade.
reairmar o valor apreciativo da ação, ou
seja, deve resultar em modiicações vantajosas às nossas faculdades. Signiica dizer
que não basta estar vivo para se obter experiência, nesse sentido que estou usando
aqui. Com ela, espera-se que o espírito humano faça aquisições por meio do exercício, no caso, o docente, de modo a notarem
progressos intelectuais resultantes dessa
prática. Em suma, a experiência deve trazer, constantemente, acréscimo de saberes,
progressos para o raciocínio do docente,
melhoria na qualidade do ensino. Mas, para
tal, precisamos apreender outros elementos que contribuem na qualidade do ensino,
e que, por isso, trazem acréscimos de saberes docentes.
O problema do conhecimento, sua origem e processo, tem sido tema da ilosoia
desde seu nascimento. Aqui, airmo a compreensão de que o conhecimento é histórico. Isso tem desdobramentos importantes
para a prática docente, pois trabalhar com
conhecimento é saber abordá-lo em sua
construção histórica. Isso exclui qualquer
forma de dogmatismo. Não é incomum encontrarmos práticas de ensino que tratam
o conhecimento de forma dogmática: quando ensinam, exigem de seus estudantes a
devolução das informações transmitidas
e não o conhecimento elaborado a partir
delas. Denomina esse tipo de ensino como
catequético: a constante repetição das palavras sagradas do saber humano. Convém
reairmar a leitura de Nietzsche sobre isso:
“tudo veio a ser; não há fatos eternos: assim como não há verdades absolutas. – Portanto, o ilosofar histórico é necessário de
agora em diante e, com ele, a virtude da
modéstia”.62
Finalmente, é comum encontrarmos avaliações sobre o trabalho docente restringindo-se ao ensinar. Por um lado, isso é correto
na medida em que o ensino caracteriza-se
como cerne da docência. Por outro, exclui
4. Saberes da docência
Gostaria de explorar um pouco o sentido
dos saberes da docência que podem contribuir para a compreensão do ensino. São três
os saberes estabelecidos por Pimenta: da experiência, do conhecimento e pedagógicos.
Pela experiência alimentamos certa convicção de que ela nos oferece elementos
sólidos para a ação. Quando acumulamos
vivências, tendemos a coniar que possuímos
subsídios adequados para tomar decisões e
empreender ações, apoiados nesse acúmulo
de experiências.
Podemos inscrever esse acúmulo na denominada “experiência em geral”. Essa tal
experiência tende a se constituir em hábitos: grandes auxiliares da vida cotidiana.
Entretanto, o mero acúmulo de experiência pode não ajudar a avançarmos muito.
Quando obtemos experiência, queremos
_____________________
62
Nietzsche, Vantagens e desvantagens da história para vida, seção § 1.
98
A relexão, por outro lado, se ixa sobre
um tema buscando soluções, compreensões, desdobramento. Ela relexão aprofunda a análise: deste modo, o desmatamento,
mais do que agressão à natureza, investiga
suas implicações no maior âmbito possível,
tomando em conta as dimensões sociais,
culturais, políticas, econômicas, éticas, estéticas etc. Por isso, não é possível falar em
relexão se não for alimentada pela perplexidade e estranhamento diante de um fenômeno.
Quando falo em relexão na ação docente, quero dizer algo dessa natureza, que
interroga o pensamento sobre si mesmo e
sobre as ações humanas, pois somos seres
que pensam e agem. Indagamos pelos motivos, pelas razões e pelas causas do que pensamos, falamos e fazemos.
Contudo, será erro imaginar que a relexão individual basta ao docente; que a
relexão é um exercício solitário. Zeichner
ajuda-nos a compreender a superação disso,
quando airma:
outras ações próprias do professor como
avaliar, planejar, estudar, pesquisar etc. Todas
essas ações expressam uma forma de entender a educação, bem como o ensino, assim
como a docência. O raciocínio fragmentado
e disciplinar que tem ocupado o espaço escolar se desdobra em separar essas ações
próprias do professor como se estivessem
desvinculadas. Ao pensarmos em saberes pedagógicos, devemos estar falando do ensino
e suas implicações. Esses são construídos na
prática dos professores.Valendo-se das ciências da educação, estes saberes são eminentemente práticos. Como airma Pimenta, “os
saberes sobre a educação e sobre a pedagogia não geram os saberes pedagógicos. Estes
só se constituem a partir da prática, que os
confronta e os reelabora”.63 Enfatizo que os
saberes pedagógicos são produzidos na ação.
Coloco, portanto, outra vez, a importância
da experiência na formação de professores.
5. Relexão como identidade
docente
Uma maneira de pensar na prática relexiva
é encará-la como a vinda à superfície das
teorias práticas do professor, para análise
crítica e discussão. Expondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio
e para os seus colegas, o professor tem
mais hipóteses de se aperceber das suas
falhas. Discutindo publicamente no seio de
grupos de professores, estes têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e
de terem mais uma palavra a dizer sobre o
desenvolvimento da sua proissão.64
Reletir é mais do que aquilo que conhecemos por meditação. Ficar lembrando do que
aconteceu e encontrar respostas não é algo
que possa ser chamado de relexão. A ação
mental de reletir possui algumas características próprias que precisam ser identiicadas,
pois sem elas, corremos o risco da supericialidade. É uma operação mental de buscar causas,
compreender circunstâncias, calcular efeitos.
Meditar é buscar respostas que façam brotar
lições de vida. Talvez poderíamos ilustrar a
meditação como sendo aquilo que resulta da
leitura das fábulas: a realeza do leão, a operosidade da formiga, a cooperação das abelhas, a
vivacidade da raposa, a sagacidade da serpente
e coisas assim. A meditação tende a encontrar
respostas ilustrativas para os problemas.
Aqui retomo o ponto já apresentado
anteriormente: a ação docente é ação coletiva. A proissão de professor é um tipo de
trabalho que será pouco signiicativo se for
reduzido à sala de aula com seus estudantes. Essa fronteira deve ser atravessada em
direção a uma concepção de trabalho coletivo, com todas as diiculdades e desaios
_____________________
63
Pimenta, Formação de professores: identidade e saberes da docência, p.26.
Zeichner, O professor como prático relexivo, pp.21-22.
64
99
próprios a essa decisão. Reairmo que a relexão é parte da identidade proissional do
professor, e deve ser sempre pensada como
um exercício crítico sobre o que pensa, o
que fala e o que faz, de tal modo que contribua na construção do espaço coletivo da
escola.
Para concluir esse ponto, transcrevo a
argumentação de Pimenta sobre a formação
de professores na tendência relexiva:
A formação de professores na tendência
relexiva se conigura como uma política de valorização do desenvolvimento
pessoal-proissional dos professores e das
instituições escolares, uma vez que supõe
condições de trabalho propiciadoras da
formação como contínua dos professores,
no local de trabalho, em redes de autoformação, e em parceria com outras instituições de formação. Isso porque trabalhar
o conhecimento na dinâmica da sociedade
multimídia, da globalização, multiculturalidade, das transformações nos mercados
produtivos, na formação dos alunos, crianças e jovens, também eles em constante
processo de transformação cultural, de
valores, de interesses e necessidades, requer permanente formação, entendida
como re-signiicação identitária dos professores.65
Referências
FICHANT, Michel.A epistemologia na França,
in História da ilosoia: o século XX, Volume VIII. François Châtelet (org.). Tradução
de Hilton F. Japiassú. Rio de Janeiro: Zahar
Editores. 1974. pp.124-162.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito: a origem
do pensamento ocidental: lógica: a
doutrina heráclitica do logos. Tradução
de Márcia Sá Cavalcante Schuback: Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 1998.
HERÁCLITO. Fragmentos. Tradução de José
Cavalcante de Souza, Pré-socráticos (Os
Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 2a
edição, 1978.
LEBRUN, Gérard. L’idee d’Epistemologie, in
Manuscrito. Revista de Filosoia. Campinas: UNICAMP. Volume I, n. 1, outubro de
1977, pp.7-21.
MEYERSON, Émile. identité et réalité.
Paris: Libraerie Philosophique J. Vrin, 1951,
50ª edição.
MONTEIRO, Silas Borges. Epistemologia da
prática: o professor relexivo e a pesquisa
colaborativa; in Professor relexivo no
Brasil: gênese e crítica de um conceito, organizado por Selma Garrido Pimenta
& Evandro Ghedin. São Paulo: Cortez Editora, 2002, pp.111-128.
NIETZSCHE, Friedrich. obras incompletas, coleção “Os Pensadores”. Tradução de
Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo:
Abril Cultural, 2ª edição, 1978.
NÓVOA, António. Os professores e as histórias da sua vida; in Vidas e de professores. Organização de António Nóvoa. Porto:
Porto Editora, 2a. edição,1995.
PIMENTA, Selma Garrido. Formação de
professores: identidade e saberes da docência, in Saberes pedagógicos e atividade docente, organizado por Selma Garrido Pimenta.
São Paulo: Cortez Editora, 1999, pp.15-34.
SILVA, Edjane de Andrade. Educação, ciência e consciência: o lugar da ciência no
projeto politico-pedagogico de Álvaro Vieira
Pinto. São Paulo, 1996. FE – USP. Dissertação
de Mestrado.
ZEICHNER, Kenneth M. & LISTON, Daniel P.
Relective teaching: an introduction. New
Jersey: Lawrence Erlbaum Ass, Publis, 1996.
_____________________
65
Pimenta, Formação de professores: identidade e saberes da docência, p.31.
100
ZEICHNER, Kenneth M. El maestro como
profesional relexivo. In Cuadernos de Pedagogia, 220, 1992, p.44-49.
ZEICHNER, Kenneth M. o professor como
prático relexivo; in A formação relexiva
de professores: idéias e práticas, organizado
por Kenneth M. Zeichner, traduzido por A.J.
Carmona Teixeira, Maria João Carvalho e Maria Nóvoa. Lisboa: EDUCA, 1993, pp.13-28.
101
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
DA RELAÇÃO IMBRICATIVA ENTRE O FAZER PEDAGÓGICO E
O FAZER CIENTÍFICO À PEDAGOGIA COMO CIêNCIA
Amarildo Menezes Gonzaga66
1. O fazer cientíico e o fazer
pedagógico: relações para e a
Construímos esta produção a par- partir da imbricação?
introdução
tir de uma inquietação que vem durante anos nos perseguindo. Relembrando
nosso processo formativo, ainda quando
fazíamos o magistério, nossos professores faziam questão de demarcar os seus
campos de ação, para efeito de otimização de suas práticas pedagógicas. Atualmente, percebemos que esta prática
ainda é comum. Por outro lado, hoje, fazendo uma leitura mais aprofundada da
situação, conseguimos também perceber
não somente a demarcação de campos
de ação, mas suas respectivas conseqüências, que tornam a situação bem mais
complexa do que imaginávamos anteriormente. Dentre elas destacaremos neste
momento apenas duas: a condição desarticulada entre o fazer ciência e o fazer
pedagógico; o método como alternativa
de interação entre o fazer pedagógico e
o fazer científico.
O tipo de tratamento dado aos resultados de uma pesquisa (cuja postura decorre
da capacidade de negação ou de airmação;
de valorização ou de desvalorização de uma
determinada realidade, a qual, inclusive, legitima o próprio objeto de pesquisa, que antes
de assim o ser foi um problema) é um processo ainda considerado como o único percurso a ser feito pela maioria dos cientistas.
Por outro lado, no âmbito educacional,
pensar em perspectivas capazes de legitimarem a pedagogia como ciência implica a busca do entendimento do próprio processo
histórico no qual aquela vem se legitimando.
Devido a isto, é necessário que se leve em
consideração as distintas trajetórias que se
tem feito com aquela, na busca de apreensão e legitimação do seu objeto de estudo,
ou seja, a compreensão da educação a partir da e na instituição escolar. Problematizar
estes percursos quase sempre sinuosos e
distorcidos,exige a adoção de possibilidades de percepção que não se restrinjam a
estratégias uniformes e fragmentadas. Pelo
_____________________
66
Doutor em Educação (Diseño Curricular) pela Universidad de Valladolid-Espanha. Professor Pesquisador do CEFET – AM e da
UEA. Líder do Grupo Integrado de Pesquisa LINCEAN – Universidade do Estado do Amazonas – UEA.
102
contrário, mais do que nunca a condição
conjuntural faz-se imprescindível.
Se considerarmos a contínua negação da
indissociabilidade entre pesquisa e ensino,
que é uma ação contínua no âmbito acadêmico, e a partir daí imergirmos na busca de
entendimento desta situação paradoxal, não
encontraremos respostas satisfatórias. Esta
realidade decorre daquela ser um produto
advindo de um processo, que se retroalimenta a partir dos interesses, das necessidades, da motivação, e até mesmo das paixões
dos sujeitos que experienciam e vivenciam
possibilidades de contribuições de conhecimento na e para a sociedade.
Dois fazeres estão, por sua vez, como
aspectos caracterizadores do mencionado
processo: o fazer cientíico e o fazer pedagógico. Numa perspectiva ideal, ambos deveriam manter entre si uma relação de imbricação, a partir e para se legitimarem na
dialogicidade decorrente de suas próprias
especiicidades e, por conseguinte, de suas limitações. Infelizmente não é esta a real situação, quando experienciados pelos sujeitos
da educação, que procuram legitimá-los e se
legitimarem em suas práticas cotidianas. Pelo
contrário, há uma contribuição signiicativa
para que haja um distanciamento entre ambos, quando são criadas regras preestabelecidas, ou certos acordos tácitos que determinam as atribuições daqueles que, através
da pesquisa, pensam o ensino, assim como
dos que absorvem os pressupostos e fundamentos do que foi pensado pelos primeiros,
para efeito de implantação e implementação
de processos e produtos, possíveis de serem
uniformizadores de uma determinada realidade. Se levarmos em consideração a inluência da condição histórica neste processo,
detectaremos o quanto ainda,
[...] há uma concepção uma tanto estreita,
legada pelo positivismo, segundo a qual a
realidade é cognoscível quando é fragmentada, cada parte estudada separadamente,
e quando se busca recompor, pelo traba-
lho de análise, a antiga realidade sob determinações de leis universais e consideradas
cientíicas. (MEKSENAS, 2002, p.25)
O estabelecimento de relações com o
objeto, cujo primeiro procedimento não
deixa de ser apenas um dos procedimentos
que contribuirá na construção de um determinado conhecimento, acaba não sendo assim interpretado. Pelo contrário, no âmbito
da pesquisa, aquele primeiro olhar passa a
ser o único referencial, que se vicia através
de regras preestabelecidas, ao adotar como
sustentação o princípio da dinâmica da fragmentação do todo, para efeito de análise das
partes que, quanto mais detalhadas, pressupõe-se que poderão trazer respostas cada
vez mais eicazes.
Imaginemos, por exemplo, as questões
pontuais e os cortes que estabelecemos,
quando procuramos deinir nossos problemas/objetos de pesquisa na perspectiva de
executarmos projetos no âmbito educacional. A título de ilustração, se quisermos estudar a inluência dos programas infantis no
comportamento das crianças na faixa etária
de 8 a 9 anos, não nos contentaremos inicialmente em atentar para o princípio de que os
programas infantis não são, mas que estão
inluenciando o comportamento de pessoas
que estão na condição de criança e que, inclusive, se o projeto tiver a durabilidade de
três anos, aquelas nem mais na condição de
crianças estarão, ao inal da pesquisa.
Na verdade, estes cortes pontuais que
estabelecemos, delimitando lugar, ano, período e faixa etária, acabam, de certa forma,
sendo estratégias de fragmentação do objeto a ser pesquisado. Além disso, nos levam a
retalhar tanto o processo de construção do
conhecimento, quanto a própria possibilidade de estabelecimento de relação entre os
sujeitos – as crianças – que buscam legitimidade no e a partir de um conjunto complexo
de elementos – os programas infantis – que,
por sua vez, também se legitimam através de
perspectivas de interação e mediação.
103
Outro fator determinante é a capacidade
que temos, no âmbito educacional, de ressigniicar nossos objetos de pesquisa, centrando-os em outras ciências, sem antes termos
pelo menos tentado problematizar e buscar
possibilidades de legitimá-los primeiramente
a partir da Pedagogia, como referência inicial
para um possível diálogo com as demais ciências. É comum, no processo de deinição
dos objetos de pesquisa, os estudantes que
estão passando pelo processo de formação, serem induzidos a legitimá-los a partir
da Psicologia, da Sociologia, da Lingüística
etc., adotando a Pedagogia apenas como
uma espécie de arcabouço ou, quando não,
como justiicativa para a efetivação do tão
necessário produto, de acordo com as exigências predeterminadas pelo programa do
qual aqueles fazem parte. Por conseguinte,
esta situação distorcida, além de reforçar a
condição marginal da Pedagogia, também faz
com que aquela reduza suas perspectivas de
cientiicidade. Além disso, reforça-se a concepção de que aquela se reduz apenas a uma
área de formação, que está para oferecer um
conjunto de procedimentos ou estratégias,
objetivando instrumentalizar aqueles que
deverão determinar o que deve ser discutido ou executado, quando o assunto for
as chamadas questões pedagógicas. Ora, se
a Pedagogia apresenta como condição de
irredutibilidade do fazer pedagógico pelo
fazer pedagógico, a possibilidade daquele
ser retroalimentado a partir do fazer ciência acaba desaparecendo, juntamente com a
oportunidade de trazer à tona a relação de
interdependência que ambos mantêm, e que
precisa, como comentamos anteriormente,
ser legitimada a partir da problematização,
para efeito de sustentação dos pressupostos
de cientiicidade da Pedagogia.
O mais interessante é que temos percebido o quanto ainda são escassas as relações
instituídas e construídas em contextos nos
quais a Pedagogia deveria, necessariamente,
ser legitimada como uma ciência que pos-
sui o seu objeto de estudo, e que está para
dialogar com as demais ciências. Nos cursos
de formação de professores para o Ensino
Fundamental das séries iniciais, por exemplo,
percebemos outras ciências como a Biologia,
a História, a Geograia, a Lingüística, a Sociologia etc., ganhando legitimidade isoladamente, e sem perspectiva alguma de estabelecimento de diálogos com a Pedagogia.
De acordo com o panorama apresentado, encontraremos situações em que biólogos ensinam os futuros formadores a olharem como biólogos para as nossas crianças;
historiadores forçando futuros formadores
a adotarem posturas de historiadores para
ensinarem História às crianças; geógrafos
ensinando os futuros formadores a usarem a
lente de contato que legitima a cientiicidade
da Geograia, para que os futuros educadores também assim procedam, futuramente. E
assim as práticas caminham, na busca de uma
pseudo-uniformidade, contida muitas vezes
nas entrelinhas dos Projetos Pedagógicos
dos cursos de formação.
Por outro lado, queremos deixar claro
que as ações e relações entre os sujeitos
pesquisados e sujeitos pesquisadores não
se encerram nelas próprias, como se decorressem de um determinismo que impulsiona tanto os primeiros, quanto os segundos
para a condição de reféns das pesquisas,
principalmente quando as respectivas ações
tratam de problemas relacionados às questões educacionais emergentes. Precisamos,
na verdade, estar atentos para as possibilidades de exercitarmos, de acordo com
as circunstâncias, os diferentes focos de
nosso olhar de observador, não permitindo
que sejam canalizados apenas para a lente
míope e calejada que sustenta o foco uniforme de um percurso predeinido a partir
de uma resposta preconceituosa, que necessariamente precisa ser comprovada. É
preciso que percebamos, na perspectiva de
apreensão deste processo enquanto fenômeno, que
104
[...] o ser manifesta-se a todos de algum
modo, pois dele podemos falar e dele temos certa compreensão.Assim, deve haver
um fenômeno de ser, uma aparição do ser,
descritível com tal. O ser nos será revelado por algum meio de acesso imediato, o
tédio, a náusea, etc., e a ontologia será a
descrição do fenômeno de ser tal como
se manifesta, quer dizer, sem intermediário. (SARTRE, 2005, p.19)
Por outro lado, a tentativa de busca desta essência exige, acima de tudo, humildade
intelectual da parte daquele que enfrenta
este desaio. Não é tarefa fácil permitir-se
primeiramente mergulhar em si para se ver
como o próprio objeto a ser estudado que,
para ser apreendido, necessita do estabelecimento de relações mediatizadoras com os
outros sujeitos. Mais difícil ainda é emergir
ignorando a dinamicidade decorrente da
condição primeira, para estabelecimento de
relações de dialogicidade com aqueles que
se vêem como sujeitos, exigindo dos demais
que se enquadrem no padrão preestabelecido em seus imaginários.
Podemos considerar, por analogia, inclusive, as contínuas práticas de formação
de professores pesquisadores, as quais
não conseguem estabelecer relações interativas entre o fazer ciência centrado
no fazer pedagógico, desconsiderando-se
as perspectivas articuladoras que emergem no processo, negando a continuidade
evidente na própria legitimação do que se
busca apreender a partir do primeiro fazer,
na condição de que aquele pode, inclusive, utilizar o segundo fazer como pretexto para, a partir dele, vir à tona o próprio
objeto de investigação. Ora, na condição
de pesquisador, se o que me inquieta é capaz de conduzir-me a uma possibilidade de
problematizá-lo e, por conseguinte, transformá-lo em um objeto de investigação a
ser apreendido, não posso continuar este
percurso considerando aquilo que o pragmatismo me induz a priorizar, pois posso
incorrer no erro de retaliar o que busco
apreender, criando, inclusive, rupturas que
poderão comprometer as relações que
aquele estabelece com os demais elementos, na busca do que consideramos prioridade nesta trajetória, ou seja, a legitimação
do princípio de que,
A idéia de unidade complexa adquire densidade se pressentimos que não podemos
reduzir nem o todo às partes, nem as partes ao todo, nem o um ao múltiplo, nem
o múltiplo ao um, mas que precisamos
tentar conceber em conjunto, de modo
complementar e antagônico, as noções
de todo e de partes, de um e de diversos.
(MORIN, 2003, p.135)
Decorrente disso, é possível percebermos também que quando se nega esta dinamicidade, tende-se para a busca de uma
possível extensão que determina até aonde
vai o fazer ciência, para que assim se possa
começar o fazer pedagógico, ou vice-versa.
Além disso, adota-se, geralmente, para esta
busca, metodologias e tecnologias oriundas
dos critérios preestabelecidos por uma determinada comunidade cientíica. Quando
o fazer ciência decorre desta possibilidade,
tende-se a dar sentido para a ciência em uma
perspectiva utilitária, ignorando-se o seu real
sentido, que incide não somente em limitá-la
para, mas sim em ir mais além disso, ou seja,
“no fazer-lhe novas perguntas, numa comunidade cientíica crítica, como é a comunidade escolar [...]” (MARQUES, 2002, p.109).
Por conseguinte, aquela cultura instituída
acaba fazendo com que o fazer pedagógico
também seja afetado, pois ao se dissociar do
pensamento cientíico, acaba se restringindo
a um conjunto de atividades operacionais,
para efeito de resolução de situações-problema, que emergem principalmente no cotidiano educacional.
Na unidade a seguir, trataremos de como
o método pode tornar-se uma alternativa de
imbricação entre o fazer pedagógico e o fazer cientíico.
105
2. o método como alternativa
de imbricação entre o fazer
pedagógico e o fazer cientíico
Queremos começar esta unidade partindo do princípio de que nenhuma ciência,
por mais que se demonstre completa em
seus métodos e regras preestabelecidas,
é suiciente para explicar um determinado
problema de pesquisa, mesmo que o seu
objeto de estudo seja o mais conhecido e
tido como completo. O método proposto
a priori, por mais que tenha sido pensado
com todos os mecanismos de precisão, será
confrontado com situações que tenderão a
levar o investigador a reajustes, adaptações e
até mesmo às mudanças radicais no decorrer do percurso.
A importância deste princípio está na
necessidade de problematizarmos o que estamos fazendo, a partir da interação entre os
fazeres pedagógico e cientíico, para legitimarmos a nossa própria condição de educadores e, respectivamente, de seres humanos.
Faz-se importante, inclusive, para esta situação, citarmos o trecho do poema de Antonio Machado, quando assim descreve aquele
que faz o percurso: “Caminante no hay camino, se hace camino al caminar” [Caminhante
não há caminho, o caminho faz-se caminho
no andar] (apud MORIN, 2003, p.21).
Na condição de investigadores ou, porque não, caminheiros, geralmente nossas
posturas e ações tendem a apresentar situações que negam a possibilidade de se efetivar
a proposta de percurso apresentada no parágrafo anterior pelo ilósofo e poeta. Pensemos, por exemplo, na necessidade existencial
que sentimos de pragmatizar o que nos inquieta, na condição de um possível problema
a ser estudado. Enquanto não o percebemos
enquadrado em uma determinada “camisa
de força”, a qual dá uma forma, delimita a
sua extensão, demarca o tempo, o lugar e o
espaço, entramos em desespero. Uma vez o
problema “vindo à tona, (visto que conseguiu
ajustar-se aos moldes preestabelecidos por
aquilo que nos foi passado de informações
pela comunidade cientíica que, direta ou indiretamente nos identiicamos) o problema
acaba sendo um alvo ainda maior de uma
maratona de ajustes, para ainda assim” “ganhar possibilidades de materialização”. Esta
fase incide no que vou arriscar denominar
de possibilidades de otimização do produto,
a ser consumido ou experienciado por um
determinado público alvo.
O mais arriscado ainda é o fato de, por
insegurança ou por uma questão cultural,
criarmos barreiras para os possíveis diálogos com outros investigadores de outras
áreas de formação, a respeito do que estamos investigando. Decorrente disso, o que
vemos são lingüistas que lutam para que o
“seu território” não seja invadido por psicólogos, por acreditarem que tudo que é
possível de ser tratado sobre a linguagem é
competência única e exclusiva deles. Vemos
também pedagogos, que acreditam que todas as questões relacionadas à educação, ao
ensino e à aprendizagem são de competência
deles. Por outro lado, há aqueles que saem
de suas áreas de atuação, mas não para um
possível diálogo com os demais de outras
áreas. Pelo contrário, por acreditarem que
abarcam todas as informações não só de sua
área de formação, mas também das demais
áreas, acabam assumindo a condição de monólogos multifuncionais. Por exemplo, há lingüistas que acreditam entenderem tudo de
linguagem, e abarcam, de acordo com as circunstâncias, todas as possibilidades de “viajarem” por todas as áreas de conhecimento, e
por elas responderem, sem pelo menos ter
tido vivência e experiência de construção de
conhecimento nas áreas em que adentram, e
muito menos diálogo com os demais proissionais que nelas atuam.
Queremos chamar atenção para um aspecto importante. Se “o caminho se faz no
caminhar”, precisamos problematizar a nossa
condição humana e de educadores. Se assim
106
o izermos, este momento da problematização passa a ser o começo deste caminho em
construção, que precisa ser percebido como
constante e contínuo. Nada é, na verdade, as
coisas estão. Sendo assim, nós, na condição de
professores pesquisadores, mesmo sabendo
para onde estamos indo, teremos a convicção de que quando chegarmos até o ponto
determinado, o que foi planejado não seguiu
piamente aquilo que apresentamos como intenção primeira. O mais interessante é que se
olharmos para trás, perceberemos que não foi
só o objeto pesquisado que nos deu respostas distintas daquelas que esperávamos. Além
daquela descoberta, nossa própria condição
humana também nos surpreenderá, com respostas que antes jamais havíamos pensado
em obter, sobre inquietações que fazem parte
das nossas vidas, e que estão imbricadas no
que procuramos legitimar como objeto de
investigação. Sendo assim,
O método não parte de crenças seguras
de si mesmas, apreendidas e encarnadas
como demônios que se alimentam de
nossa sede de certezas e da ambição de
conhecimentos absolutos e inalteráveis.
O método é o que ensina a aprender. É
uma viagem que não se inicia com um
método; inicia-se com a busca do método. (idem, p.29)
Com efeito, nesta perspectiva, qualquer
possibilidade de apreensão do objeto investigado, na condição de fenômeno, não pode
partir da valorização da forma, em detrimento ao conteúdo. Se o primeiro antecede ao
segundo, a tendência é, de imediato, o produto a ser priorizado, em detrimento do processo. Se caso isso ocorrer, a história que se
constrói não é decorrente da trajetória percorrida, a partir de aspectos que, em um primeiro olhar, parecem ser irrelevantes. Pelo
contrário, o que se torna normal é o que
não é natural, como a necessidade premente
em trazer à tona os resultados decorrentes de procedimentos adotados, pautando-
se nas famosas regras preestabelecidas. O
importante é gerar o produto decorrente
da delimitação do que já foi delimitado, ou,
quando não, estereotipar pontos de vistas
a partir de uma população predeterminada,
através de uma amostragem aceitável; ainda,
quando necessário, comprovar resultados
de técnicas que são universalmente aceitas
como princípios geradores de um certo
grau de coniabilidade.
Como contrapartida, para efeito de superação da possibilidade de valorização do
produto, em detrimento ao processo,
Em seu diálogo, o pensamento complexo
não propõe um programa, mas um caminho (método) no qual ponha à prova certas estratégias que se revelarão frutíferas
ou não no próprio caminhar dialógico.
(idem, p.31)
O que não deixa de ser um caminho
que, em um primeiro momento amedronta, por apresentar-se tortuoso e cheio de
emaranhados. Optarmos por ele implicará
em desprender-nos de crenças e valores
que colocam à prova o tratamento cartesiano que costumamos dar ao conhecimento. Principalmente se levarmos em consideração que,
O pensamento complexo é um estilo de
pensamento e de aproximação à realidade.
Neste sentido, ele gera sua própria estratégia inseparável da participação inventiva
daqueles que o desenvolvem. É preciso
pôr à prova metodologicamente (no caminhar) os princípios gerativos do método
e, simultaneamente, inventar e criar novos
princípios. (idem, p.31)
Ademais, se nos pautarmos neste princípio, para a partir dele procedermos, teremos
não só a possibilidade de legitimar o nosso
fazer cientíico, a partir do caminho a ser percorrido durante a apreensão do nosso objeto
de investigação, mas também a capacidade de
entendermos e problematizarmos o nosso
107
fazer pedagógico, que nos levará a retroalimentarmos também a nossa identidade de
educadores, a partir do princípio de que,
Educar com base no pensamento complexo deve ajudar-nos a sair do estado
de desarticulação e fragmentação do saber contemporâneo e de um pensamento
social e político, cujas abordagens simpliicadoras produziram um efeito demasiado, conhecido e sofrido pela humanidade.
(idem, p.39)
Decorrente disto, acreditamos que aquele que assume a postura de professor pesquisador assim o faz não apenas por mero
diletantismo, muito menos porque o mundo
do trabalho o cobra uma titulação, que é um
muito mais acadêmico do que proissional,
mas que não vem ao caso entrarmos nesta discussão agora. Qualquer razão acaba,
na verdade, passando desapercebida com
as descobertas que costumam vir à tona, à
medida que o professor pesquisador avança no percurso que faz, ora para legitimar
sua identidade de pesquisador, ora para legitimar a sua identidade de professor. Não
há mais o fazer ciência que está para gerar
um produto, porque alguém ou determinada
instituição o solicitou. Não há mais o fazer
pedagógico como fator determinante, para
justiicar um conjunto de procedimentos
que preparam indivíduos exclusivamente
para o mundo do trabalho. Há fazeres que
se imbricam, com a inalidade de dar sentido
ao sentido da vida de seres humanos, que
dependem principalmente daqueles que não
se contentam com a possibilidade de apenas
travestirem-se, circunstancialmente, ou do
que a sociedade estereotipa como o peril
de educador, ou de pesquisador.
Três considerações
Queremos terminar este momento com
três aspectos que consideramos pertinentes
para a viabilização do que discorremos nas unidades desta produção, apresentadas a seguir:
• Teoria e prática precisam assumir uma
relação de dialogicidade, para que a
partir daquela, ambas possam, continuamente, serem retroalimentadas;
• Ser professor e pesquisador é uma
questão existencial; é uma opção de
vida;
• O caminho a ser percorrido para
quem está sendo professor e pesquisador é uma construção histórica,
que implica a quebra de paradigmas a
partir da instituição de novas culturas,
de novos saberes e novos fazeres.
Mas, acima de tudo, não nos esqueçamos
de que nossa identidade se constrói na nossa própria condição de caminhada que precisa perceber que o caminho faz-se no nosso
próprio caminhar.
Referências
MARQUES, Mario Osório. Educação nas
ciências: interlocução e complementaridade. RGS – Ijuí: Ed. Ijuí, 2002.
MEKSENAS, Paulo. Pesquisa Social e Ação
Pedagógica: conceitos, métodos e práticas.
São Paulo: Loyola, 2002.
MORIN, Edgar. o método 1: a natureza da
natureza; trad. Llana Heineberg. – Porto Alegre: Sulina, 2 ed., 2003.
_________. Educar na era planetária:
o pensamento complexo como método
de aprendizagem no erro e na incerteza
humana. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
UNESCO, 2003.
SARTRE, Jean Paul, 1905-1980. o ser e o
nada – Ensaio de ontologia fenomenológica;
tradução de Paulo Perdigão. – Petrópolis, RJ:
vozes, 1997.
108
Revista de Ciências Humanas e Sociais da FSDB – ANO II,VOLUME IV – JULHO – DEZEMBRO 2006
OLHARES INTERCONECTIVOS SOBRE FILOSOFIA E
EDUCAÇÃO NA AMAZôNIA67
Evandro Ghedin68
Essa relexão é movida por três questões
fundamentais: que olhares queremos estabelecer sobre nossas próprias práticas pedagógicas (aquelas da Filosoia no espaço do ensino
e aquelas da educação no espaço da escola)?
É possível educar o olhar para ler o mundo
em suas múltiplas representações? Que olhares nos permitem ver para além daquilo que
realmente vemos em nossa pedagogia?
Certamente que não são questões facilmente resolvíveis, mas apenas abordáveis.
Então, pela borda vamos procurar “espiar”
aquilo que é possível perceber com o olhar, a
relexão e a crítica. Isso que queremos ver é
nosso próprio modo de ser, esperando que
o olhar possa aclarar o nosso modo de reletir sobre as formas como somos na prática de nosso cotidiano.
A diiculdade desse processo de querer
“ver” o que nós e os fenômenos somos na
constituição do mundo é a grande diiculdade. Para além dos problemas que podem ser
levantados a respeito do limite de nossa “visão”, queremos saber porque não conseguimos “ver” além daquilo que os outros nos
instigam a pensar. Por que não conseguimos
instigar a nós mesmos a pensar?
Ver é pensar. Só estendemos o ver quando nos pomos a pensar nós mesmos como
tentativa de superar um fazer mais ou menos automático e mecânico no cotidiano de
nosso mundo. Se nos permitirmos pensar a
partir do fazer cotidiano, abre-se a possibilidade de saber que o olhar é sempre seletivo à correlação do pensamento que permite nossa concentração em torno de um
objeto que determinamos olhar. Os olhares
que nos fazem ver são aqueles objetos que
nos permitem pensar os fenômenos que nos
atingem, pois somente assim poderemos
compreender com maior inteireza o que estamos sendo ao fazermos a história de nosso tempo-espaço existencial.
1. Que olhares queremos
estabelecer sobre nossas
próprias práticas pedagógicas?
O olho vê aquilo que pode ao alcance da
inteligência e até onde chega a relexão. “[...]
o olhar deseja sempre mais do que o que lhe
é dado a ver [...]” (NOVAES, 1997, p.9). Isto
_____________________
67
Texto apresentado em mesa redonda no II Seminário de Filosoia e Educação na Amazônia, em 23 de novembro de 2006.
68
Doutor em Filosoia e Educação pela Faculdade de Educação da USP. Coordenador do Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia da UEA. Coordenador de Pós-Graduação e Pesquisa da FSDB (Faculdade Salesiana Dom Bosco).
109
porque queremos passar da percepção69 do
objeto para seu conhecimento e isto implica
interpretação, para que possa haver compreensão. O olhar atiça o desejo de ler aquilo
que não está explícito. Ele busca o que não
é aparente. É justamente aquilo que o jogo
de sombras e luzes revela e esconde que o
olhar quer ver. Ou melhor, o olhar está buscando muito mais o que escondem as sombras por traz dos vazios luminosos do que
aquilo que é revelado imediatamente pela
visão. A partir do visível, o olhar quer ver
o invisível. A partir do objeto visto, quer se
ver o que não pode ser visto imediatamente.
De modo bastante apressado poderia dizer
que é este desejo de ver o invisível, perpassado pelo questionamento e pela relexão,
que desperta o pensamento. Quer dizer que
vemos com os olhos, mas só sabemos o que
as coisas são através do pensamento.
Ver não é apenas perceber o objeto, mas
fundamentalmente interpretá-lo. O universo
da percepção é um feixe de interpretação.
Esta dialética entre perceber e interpretar é
que potencializa o pensamento, a linguagem,
a criatividade e a inteligência humana. Isto
nos lança na direção do conhecimento e nos
permite permanecer no conhecido como
forma de iluminação daquilo que não podia
ser visto. O que conhecemos é somente
aquilo que trazemos à luz e é somente isto
que podemos trazer à luz que possibilita
criar e recriar o mundo, a natureza e nós
próprios. Neste sentido, apesar de todo
avanço do conhecimento humano, ainda há
um universo a ser trazido à luz do olhar para
que possamos compreender.
Este movimento da percepção à compreensão exige o movimento do objeto ao
pensamento, ou de como o objeto atinge o
pensamento, na mesma medida em que o
pensamento condiciona a leitura do objeto.
Enquanto o objeto pode ser tido como a
coisa mesma, o pensamento sobre o objeto
virtualiza-o na idéia, podendo multiplicá-lo
no conceito que se faz dele pela interpretação. Este movimento de virtualização do
objeto cria uma distância metódica entre a
realidade e o pensamento. Assim, “[...] pensar é pôr à distância [...] pensar não é experimentar, mas construir conceitos [...]”
(NOVAES, 1997, p.11).
O movimento da percepção do objeto à
sua compreensão é mediado pelo conceito
que representa a imagem do que vemos e
do que as coisas são em si mesmas e em nós.
De certo modo, objeto e sujeito são partes
constitutivas de um mesmo mundo onde
um lê, pelo olhar, aquilo que o outro é em
seu modo de compreender à medida que
compreende a si mesmo. Quando o sujeito
procura ler o objeto através de seu olhar ele
está desabitando o mundo para poder aprofundar o conhecimento de sua forma e modo
de habitar as coisas. Assim, tanto habitamos
o mundo quanto ele nos habita, nos impulsiona e nos condiciona a um determinado
modo de ser. De certo modo, pensamento e
mundo não são coisas próximas, são a mesma realidade. “O pensamento fala com a linguagem do olhar [...]” (CHAUÍ, 1997, p.40).
O que vemos é o mundo que somos e o
que criamos faz parte daquilo que estamos
sendo no mundo. Nosso olhar é condiciona-
_____________________
69
Para Merleau-Ponty (1999) todo saber se instala nos horizontes abertos pela percepção. Segundo Chauí (1997, p.40), “percepção vem
de percipio que se origina em capio – agarrar, prender, tomar com ou nas mãos, empreender, receber, suportar. Parece, assim, enraizar-se
no tacto e no movimento, não sendo causal que as teorias do conhecimento sempre a considerassem uma ação paixão por contato: os
sentidos precisam ser tocados (pela luz, pelo som, pelo odor, pelo sabor) para sentir”. Segundo Ostower (1997, p.167),“[...] os processos de
percepção se interligam com os próprios processos de criação. O ser humano é por natureza um ser criativo. No ato de perceber, ele tenta
interpretar e, nesse interpretar, já começa a criar, não existe um momento de compreensão que não seja ao mesmo tempo criação [...]”.
Para Maciel (2003) a nossa percepção se dá sempre em função dos interesses ativos que nós possuímos. Somos por natureza interesseiros,
precisamos tirar partido do mundo que nos cerca. Óbvio, a vida nos dispôs como seres ativos. Percebemos tudo aquilo que nos interessa
do ponto de vista da nossa ação, deixando-nos atravessar por tudo que não nos for interessante.A percepção é a imagem em movimento
que relete a ação possível que este pode exercer sobre ela. O cérebro aparece aqui como o órgão receptor de estímulos e selecionador de
movimentos.As excitações oriundas da periferia do corpo são conduzidas pelo sistema nervoso até o cérebro. Este se comportaria como
um órgão seletor, para após ter decodiicado e integrado tais estímulos, selecionar, dentre as ações possíveis, a mais eicaz.
110
do pelo mundo na mesma medida em que,
ao olhar-mo-lo atentamente, condicionamos
nosso modo de ser.
Neste sentido, “[...] o olhar é, ao mesmo
tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si [...]” (CHAUÍ, 1997, p.33). Do mesmo
modo que “[...] a visão depende das coisas e
nasce lá fora, no grande teatro do mundo”
(CHAUÍ, 1997, p.34). Assim, “[...] ver é olhar
para tomar conhecimento e para ter conhecimento” (CHAUÍ, 1997, p.35). Essa relação
entre o ver e o conhecer, de um olhar que se
tornou cognoscente e não apenas expectador desatento, é o que designa: ver, observar,
examinar, fazer ver, instruir, instruir-se, informar, informar-se, conhecer, saber.
Este olhar que quer ver, quer saber e
pensar, até porque pensa com o olhar e sua
atenção concentrada no objeto de sua relexão. A necessidade deste ver constitui-se
num desejo que vai formando o que somos.
Este desejo de conhecer impulsiona nosso
ser. No dizer de Aristóteles (1979, p.21-25),
Por natureza, todos os homens desejam
conhecer. Prova disso é o prazer causado
pelas sensações, pois mesmo fora de toda
utilidade, nos agradam por si mesmas e,
acima de todas, as sensações visuais. Com
efeito, não só para agir, mas ainda quando não nos propomos a nenhuma ação,
preferimos a vista a todo o resto. A causa
disto é que a vista é, de todos os nossos
sentidos, aquele que nos faz adquirir mais
conhecimentos e o que nos faz descobrir
mais diferenças.
É pelo olhar que observamos o mundo,
suas expressões, particularidades, diferenças,
consistência e identiicamos os objetos, ao
mesmo tempo em que criamos uma espécie
de “aptidão” para ver e discernir as coisas.
Para Chauí (1997, p.38),
[...] a aptidão da vista para o discernimento
[...] a coloca como o primeiro sentido de
que nos valemos para o conhecimento e
como o mais poderoso porque alcança as
coisas celestes e terrestres, distingue mo-
vimentos, ações e iguras das coisas, e o faz
com maior rapidez do que qualquer dos
outros sentidos. É ela que imprime mais
fortemente na imaginação e na memória
as coisas percebidas, permitindo evocá-las
com maior idelidade e facilidade.
Podemos dizer que há mutação quando
passamos da experiência do olhar à explicação racional dessa experiência, isto é, uma
passagem do olhar ao pensamento do ver e
quando passamos do pensamento ao juízo.
Isto estabelece, ao mesmo tempo, uma cisão
entre o olhar e a palavra, do mesmo modo
que exige uma fusão entre estes dois aspectos que compõem nosso conhecimento racional. Será na fusão do olhar com a linguagem, como escrita, que poderemos passar da
imagem ao pensamento. Será nesta relação
que o olhar lança-nos para fora de nós mesmos. Esta passagem da imagem captada pela
visão ao pensamento e à explicação possui
a mediação da palavra, que pela experiência
possibilita o desenvolvimento da memória
e da inteligência. A visão passa e permanece
pela memória expressa pela palavra escrita
que registra o pensamento. Por outro lado, a
palavra não pode reduzir o olhar à linguagem,
pois isto bloqueia o pensamento. A palavra é
a potencializadora do olhar que se explica e
se compreende pela linguagem. Neste caso,
tanto o olhar quanto a linguagem são mediações para explicar e compreender o mundo
e a nós mesmos.
A linguagem que faz a mediação entre a
experiência do olhar e do pensamento possibilita a relexão, que se amplia à medida
que o olhar detém-se no objeto e vai percebendo as minúcias que se intercalam e se
relacionam pela percepção que também se
amplia na relexão. Assim, a relexão é possível porque mundo e ser humano são feitos
do mesmo estofo.
Pela linguagem a visão e o pensamento
podem ampliar-se. O olhar torna-se mais
atento e o pensamento reinado. Isto pode
indicar que o olhar sistemático sobre o
mundo amplia nossa “cognicitividade” possi-
111
bilitando outras leituras e outras interpretações de objetos comuns.
Deste modo, segundo Merleau-Ponty
(1964, 35), a imagem da pintura, articulando
o olhar que procura pensá-la, amplia nosso
universo. Neste sentido, pede-se ao pintor
que desvele os meios visíveis pelos quais elas
são visíveis aos nossos olhos. Que mostre
como luz, iluminação, cor, sombra e relexo
só tem existência visual. O olhar inspirado
do pintor interroga o visível para “compor o
talismã do mundo, para nos fazer ver o visível”, ensinando-nos porque há visível.
A pintura, expressa no recorte do artista,
expõe-nos o visível que não vemos e precisamos aprender a ver não só o visível, mas
aquilo que o visível esconde por traz de si.
Deste modo,
A pintura é “ruminação do olhar” e “inspiração, expiração, respiração no ser”. Essas
expressões [...] não são metáforas e sim
descrições rigorosas da pintura como ilosoia igurada da visão [...]. A pintura é
transsubstanciação do sensível, passagem
da carne do mundo na carne do pintor
para que dela se faça presente um novo
visível, o quadro, visível do visível. [...] se a
pintura é ilosoia igurada da visão é porque nos ensina algo que compartilhamos
com o pintor, o simples olhar quando nossos olhos vêem [...] (CHAUÍ, 1997, p.60).
Para Merleau-Ponty (1964, p.81), “[...] a
visão não é um certo modo do pensamento
ou da presença a si: é o meio que me é dado
de estar ausente de mim mesmo, de assistir de dentro a issão do ser, ao término da
qual, e só então, me fecho sobre mim”. Deste
modo, vê-se vendo e se transforma a visão
em novo visível que nasce para o mundo.
Assim, podemos dizer que a ilosoia da
visão nos ensina que: ver não é pensar e
pensar não é ver, mas que sem a visão não
podemos pensar; que o pensamento nasce
da sublimação do sensível no corpo glorioso
da palavra que conigura campos de sentido
a que damos o nome de idéias; que o pen-
samento não são enunciados, juízos, proposições, mas afastamentos determinados no
interior do ser; que não é contato invisível
de si consigo, interioridade transparente e
presença a si, mas excentricidade perante
nós a partir de nós; que o conceito não é
representação completamente determinada,
mas “generalidade de horizonte” e a idéia
não é essência, signiicação completa sem
data e sem lugar, mas o “eixo de equivalência”, constelação provisória e aberta do
sentido. Ensina que, assim como o visível é
adaptado pelo forro do invisível, também o
pensamento é habituado pelo impensado. O
olhar ensina um pensar generoso que sai de
si pelo pensamento de outro que o apanha
e o prossegue. O olhar, identidade do sair
e do entrar em si, é a deinição do espírito
e a construção mais plena de nosso ser no
mundo.
A ilosoia do olhar instiga a ação do pensamento que abstrai do real sua imagem no pensamento. Bornheim (1997, p.89) explica que,
[...] com o início do teatro e da ilosoia
[na Grécia] [...] a ação de ver encontra-se
a si própria, na ação de olhar em si mesma;
assim, de meramente exterior, ela passa a
educar-se nas dimensões de seu próprio
exercício. Aliás, o verbo “theoreim” deriva
de um nome, “theoros”, ser espectador.
Sem dúvida, a teoria é apenas isso: um ver
concentrado e repetido, num ver que sabe
ver, que inventa meios para ver cada vez
melhor. E é nessa educação do olhar, a partir dela, que se institui toda a ilosoia e as
ciências do Ocidente [...].
À medida que vemos, trazemos para
dentro tudo o que está fora. O olhar ensina
e possibilita a passagem da objetividade para
a subjetividade, criando inúmeras formas de
ver os mesmos objetos. Esse olhar possibilita a criação do ser, ao mesmo tempo em que
permite recriar o mundo nas formas que temos de interpretá-lo naquilo que o abrigamos em nós. Esta direção do olhar é uma
direção do ser, um horizonte onde construí-
112
mos e reconstruímos nosso modo de existir
e de fazer existir o mundo nele próprio e
em nós. Diante deste processo criativo do
olhar, é preciso e necessário, no processo de
ensino de Filosoia, educar o olhar para que,
por meio dele, possamos aprender a pensar
melhor e não se deixar enganar pela imagem
do mundo construída para iludir o pensamento e alienar o espírito humano.
Para Rouanet (1997, p.131),
ANET, 1997, p.135). É preciso formar uma
perspectiva que ultrapasse as falsiicações
para que possamos aprender a “[...] ousar
ver e ousar saber [...]” (ROUANET, 1997,
p.147) para que não sejamos enganados pela
falsiicação do olhar e pela manipulação das
representações.
É preciso aprender a olhar na direção da
transformação da sociedade, olhar corretamente, e
“É preciso olhar corretamente o que se
quer ver”. Para ver tudo [...] tem que ter
dois atributos principais: a lucidez e relexidade. Para ser lúcido, o olhar tem que
se libertar dos obstáculos que cerceiam a
vista; para ser relexo, ele tem que admitir
a reversibilidade, de modo que o olhar que
vê possa por sua vez ser visto. Se essas
características não estivessem presentes,
não seria possível ver tudo, e com isso
não icaria atendido o objetivo máximo
da visualidade esclarecida. Um olhar incompetente não daria acesso a todos os
objetos; um olhar sem reversibilidade criaria uma distinção entre os que vêem e os
demais, fazendo com que alguns indivíduos
não fossem vistos, o que [...] contrariaria a
meta da universalidade.
Olhar corretamente signiica usar a vista
com astúcia e com inocência. Com astúcia
porque sem ela seríamos iludidos, e com
inocência para não sermos corrompidos
pela miragem de uma visibilidade estéril,
sem ins transformadores, e posta unicamente a serviço do prazer do olhar [...]
(ROUANET, 1997, p.135).
Ver tudo é uma pretensão do iluminismo,
pois compreende-se que vendo o universal
pode se revolucionar o modo como o ser
humano constrói-se no mundo. O olhar há
de ser crítico e esta surge na dúvida que
questiona o modo como as coisas estão
postas. Por isso é preciso educar o olhar,
pois sem este olhar crítico corremos o risco
de reproduzir apenas as representações do
mundo, suas ilusões e não o mundo em sua
concreticidade transformado pela arte de
fazê-lo humano. Para instaurar um processo
de transformação é preciso educar o olhar
noutras direções. É preciso ensinar a olhar,
pois “[...] o homem que aprendeu a olhar,
desconia da percepção, quase sempre ilusória, e a relativiza comparando-a a outras
formas de percepção, que dão dos mesmos
objetos uma visão diferente [...]” (ROU-
2. Que olhares nos permitem
ver para além daquilo que
realmente vemos em
nossa pedagogia?
As práticas nos permitem ver que aquilo
que pensamos não está nas práticas que “lemos” no ensino escolar.
Os olhares nos permitem perceber que
não pensamos e não deixamos pensar, pois
por vezes é perigoso pensar seriamente.
A crise do olhar se estabelece porque ao
ver não podemos pensar e ao pensar precisamos ingir que não vemos, e o silêncio
ocupa o espaço vazio da indiferença que nos
marca radicalmente.
O caminho percorrido para ensinar não
ensina, e a pedagogia escolhida para orientar
a prática se esvazia do conteúdo que poderia ser formativo.
Os docentes se iludem, pois olham para
a imagem e pensam que estão contemplando o objeto que ele relete.
Nossa ilusão de ver oculta, na imagem
distorcida, nossa compreensão de ser. Ao
113
pensar ser não somos. Ao ver o que pretendemos ser, vemos outras coisas e não nós
próprios identiicados com um caminho a
percorrer que deine a identidade de nosso
ser em construção.
Referências
ALMEIDA, Milton J. imagens e sons: a nova
cultura oral. São Paulo: Cortez, 2001.
ALTAMURA, D. L’incubo della civiltà e il sogno della natura nel ilm “Sogni” di Kurosawa.
In: Comunicazione Filosoica nº 8, 1999.
Disponível em: <www.si.it> Acesso em 28
de outubro de 2003.
ARISTÓTELES. Metafísica. In: os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1979.
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética
da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BENJAMIN, Walter. o conceito de crítica
de arte no romantismo alemão. 2ª ed.
São Paulo: Iluminuras, 1999.
BENJAMIN,Walter. obras escolhidas: magia, técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
BERGSON, Henri. matéria e memória.
Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
BORNHEIM, Gerd A. As metamorfoses do
olhar. In: NOVAES, Adauto (Org.). o olhar.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.
89-95.
BUORO, Anamelia Bueno. olhos que pintam. A leitura da imagem e o sentido da
arte. São Paulo: Educ/Fapesp/Cortez, 2002.
CABRERA, J Da Aristotele a Spielberg.
Capire la ilosoia attraverso i ilm. Milano:
Bruno Mandadori, 2000.
CHAUI, Marilena. Janela da alma, espelho
do mundo. In: NOVAES, Adauto (Org.). o
olhar. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 31-64.
D’ANTONIO, Nicola. Un “regista ilosoico”: Krzysztof Kieslowski. In: Il Giardino
dei Pensieri, novembro de 2002. Disponível
em: <http://www.ilgiardinodeipensieri.com/
storiail/dantonio-2.htm> Acesso em: 28 de
outubro de 2003.
DELEUZE, Gilles. Cinema 1. L’immagine-movimento. Milano: Ubulibri, 1993.
DELEUZE, Gilles. Cinema 2. L’immagine-tempo. Milano: Ubulibri, 1997.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem.
6ª ed. Campinas, Papirus, 2003.
MACIEL, Auterives. Perceptos e afetos. Disponível em: http://www2.uerj.br/~labore/
perceptos_e_afetos_main.htm Acesso em:
04/11/2003, 5 p.
MARCONI, Diego. Che cos’è la realtà. In: Il
Giardino dei Pensieri, novembro de 2002.
Disponível em: <http://www.ilgiardinodeipensieri.com/storiail/matrix-1.htm> Acesso
em: 28 de outubro de 2003.
MERLEAU-PONTY, Maurice. L’Oil et esprit.
Paris: Galimard, 1964.
MERLEAU-PONTY, Maurice. o visível e
o invisível. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva,
1999.
NOVAES, Adauto. De olhos vedados. In: NOVAES, Adauto (Org.). o olhar. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p. 9-20.
114
OLIVEIRA, Ana Claudia de. As semioses
pictóricas. Face, São Paulo, v.4, n.º 2, 1995,
p.104-125.
TROMBINO, Mario. Immagini e allegati. Disponível em: <http://www.athenaforum.org>
Acesso em: 28 de outubro de 2003.
OSTROWER, Fayga.A construção do olhar. In:
NOVAES,Adauto (Org.). o olhar. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p. 167-182.
TROMBINO, Mario. La Tigre e il Dragone.
In: Il Giardino dei Pensieri, novembro de
2001. Disponível em: <http://www.ilgiardinodeipensieri.com/storiail/immagini-1.htm>
Acesso em: 28 de outubro de 2003.
ROUANET, Sergio Paulo. O olhar iluminista.
In: NOVAES, Adauto (Org.). o olhar. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 95-124.
STUDER, Alessandro. Il mito platonico della
Caverna tra cinema e psicoanalisi. In: Il Giardino dei Pensieri, novembro de 2002. Disponível em: <http://www.ilgiardinodeipensieri.
com/storiail/studer-1.htm> Acesso em: 28
de outubro de 2003.
XAVIER, Ismail. o discurso cinematográico: opacidade e transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1997a.
XAVIER, Ismail. Cinema: revelação e engano. In: NOVAES, Adauto (Org.). o olhar.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997b, p.
367-384.
115