Obama refere-se à cancel culture como uma forma de "atirar pedras", mas as opiniões dividem-se e os prós e contras desta cultu-ra em crescimento também polarizam opi-niões. "Pode ser uma abordagem positiva, por ser um fenómeno que espelha...
moreObama refere-se à cancel culture como uma forma de "atirar pedras", mas as opiniões dividem-se e os prós e contras desta cultu-ra em crescimento também polarizam opi-niões. "Pode ser uma abordagem positiva, por ser um fenómeno que espelha o poder que as pessoas agora têm e que antes não tinham, de se fazer ouvir e até de condenar certas atitudes xenófobas, racistas ou pos-turas mais impróprias que antes passavam despercebidas. Agora as pessoas têm a ca-pacidade de retaliar e de ter a sua opinião-e esta é a parte positiva. Depois também tem uma parte negativa, que é a questão da desinformação e do discurso de ódio, por-que qualquer grupo de utilizadores das re-des sociais pode simplesmente pedir o can-celamento de uma pessoa quando ela não disse nada do outro mundo", explica Dora. O debate estende-se para lá do certo versus errado e o gap geracional serve de combustível para o conflito entre os defen-sores da cultura de cancelamento e quem acha que é indelicado ou exagerado defender as minorias, que são as "vítimas" mais frequentes. "Hoje vivemos um período de mudança, de grande revolução de identidade sexual, de género, política... E publicamente o que é que acontece? Há uma atenção, por parte de alguns setores da sociedade que, numa atitude de vigilância social, cultural e polí-tica, criticam aquilo que são os velhos há-bitos de comportamento. E os velhos hábi-tos são lançar um piropo a uma mulher ou brincar com a orientação sexual…", explica Vasco. Mas se há uma geração que domina uma ferramenta que democratiza o debate público sobre o que é ou não ofensivo, quão errado pode ser continuar a usá-la? E quando falamos do que a Internet considera ofensivo, falamos de casos como o do comediante Dave Chappelle que, no seu espetáculo Sticks and Stones -que foi tãããããããão cancelado que ainda está disponível em streaming na Netflix-, diz que Wade Robson e James Safechuck, os acusadores de Michael Jackson, deveriam ter regressado à esco-la orgulhosamente depois de terem sido abusados sexualmente pelo rei da pop. Ou de Louis CK, que admitiu que as acusa-O comportamento da opinião pública, quando surge uma situação de crise para uma empresa, para um político ou para uma figura pública, é quase sempre o mes-mo. Primeiro, há uma perda de confiança, a opinião pública deixa de acreditar naquela marca, produto ou personalidade; segundo, se é uma empresa, perde clientes ou volume de negócio; em terceiro lugar, há uma popularidade imediata das vítimas, ou seja, a pessoa que se apresenta publicamente como vítima passa para os primeiros pla-nos e para as primeiras páginas dos jornais e, por último, se é uma empresa ou organi-zação, os dirigentes são postos em causa. Na crise de honorabilidade, o fator de ficar oposto à sociedade é aquele que tem maior importância ou maior peso." DEITAR ACHAS NA FOGUEIRA "É um fenómeno das redes sociais, basi-camente. Aliás, o fenómeno sempre exis-tiu, tal como muitos outros, mas foi muito potenciado pelas redes sociais, porque dá uma amplitude à voz das pessoas que não existia antes", explica Dora. As pesquisas no Google pela expressão cancel culture aumentaram em 2019 e, em maio desse ano, atingiram um pico quan-do James Charles e Tati Westbrook, you-tubers da comunidade de beleza, tiveram uma quezília pública e decidiram acabar a sua amizade publicamente e ressurgiram depois quando o comediante americano Shane Gillis foi despedido do programa Saturday Night Live por terem começado a circular clipes do seu podcast em que usava insultos racistas sobre a comunidade asiá-tica. Sabemos que um tema faz parte da or-dem do dia quando um Obama pós-funções decide dar o seu parecer-que serviu para aguçar o interesse de quem ainda não ti-nha ouvido falar da expressão e, por outro lado, melindrar a comunidade internáutica, desta vez, com a sua quota-parte de razão. Entre os milhares de milhões de tweets e posts, só podemos ser expostos a uma parte do que se passa na web. E são as próprias plataformas as responsáveis por criar o algoritmo que decide como será cada feed, com o objetivo de potenciar ao máximo a nossa interação com as publicações. O que acontece é que posts que desencadeiam uma resposta emocional-e a raiva é bastante emocional-atraem atenção. O efeito bola de neve começa com uma pessoa zangada que atrairá a atenção de outras pessoas. O algoritmo só tem de as pôr no mesmo feed para começar o movimento e a caixa de ressonância trata de fazer parecer que, de facto, a opinião de toda a comunidade é igual e que aquela situação é gravíssima ao ponto de merecer um cancelamento coletivo. A palavra do ano 2019, de acordo o australiano Macquarie Dictionary , foram duas palavras: cancel culture. Em português, o nome do fenómeno digital é cultura do can-celamento e, embora por cá vá passando des-percebido, essa doce ignorância poderá ter os dias contados. "O que a cultura do cancelamento faz é cancelar uma pessoa se ela diz alguma coisa nas redes sociais que, para o seu pú-blico, não representa uma postura aceitá-vel ou porque o público não gosta desses conteúdos. Essas atitudes podem gerar um movimento das audiências que podem pedir o cancelamento daquela pessoa", explica Dora Santos Silva, especialista em Media Digitais e docente na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. Na sua génese, este "cancelamento" sur-giu associado ao movimento #MeToo, a série de denúncias de assédio sexual que assolou Hollywood em 2017. Na altura, a intenção do movimento era ostracizar agressores, exigindo a responsabilização pelos seus atos, mas não demorou até que os cancelamentos se multiplicassem. Em 2018, uma reportagem do New York Times com o título Everyone Is Canceled explica-va o crescimento do fenómeno e explicava também porque é que toda a gente estava cancelada. A tendência passou a fenómeno viral e, em 2019, foi tema central em várias discussões sobre redes sociais e media di-gitais-tão central que até o ex-Presidente