Clarice Lispector: A Busca Incansável Pela Identidade: Prof. Mestre Lucas Pedro Do Nascimento
Clarice Lispector: A Busca Incansável Pela Identidade: Prof. Mestre Lucas Pedro Do Nascimento
Clarice Lispector: A Busca Incansável Pela Identidade: Prof. Mestre Lucas Pedro Do Nascimento
CLARICE LISPECTOR
Clarice Lispector:
a busca
incansável pela
identidade
Prof. Mestre Lucas Pedro do Nascimento
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CLARICE LISPECTOR
Biografia
Clarice Lispector nasceu na aldeia de Tchetchelnik, na
Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920. Era filha
de Pinkouss e Mania Lispector, casal de origem
judaica que fugiu de seu país diante da perseguição
aos judeus durante a Guerra Civil Russa.
Ao chegarem ao Brasil, fixaram residência em
Maceió, Alagoas, onde morava Zaina, irmã de sua
mãe. Clarice tinha apenas dois meses de idade. Por
iniciativa de seu pai, todos mudaram o nome. Nascida
Haya Pinkhasovna Lispector, passou a se chamar
Clarice.
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CLARICE LISPECTOR
A descoberta do eu
A literatura produzida por Clarice não se preocupa
com a construção de um enredo tradicionalmente
estruturado, com começo, meio e fim. Ela busca a
compreensão da consciência individual, marcada
sempre pela grande introspecção das personagens.
Isto além de assemelhá-la a James Joyce e
Virgínia Wolf com o fluxo de consciência, inova a
literatura brasileira.
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São situações narrativas complexas, em que as personagens passam por transformações capazes de
abalar a estrutura de suas vidas.
“Assustei-me, não sabia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca
aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava.
Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser
bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou
de infinito. [...]
Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle
mastigado cair no chão de areia. [...]
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que
pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim”.
Crônica Medo da eternidade
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EPIFANIA
Na obra de Clarice, epifania significa a descoberta da própria identidade a partir
de um estímulo externo. As personagens, nesse momento, descobrem a própria
essência, aquilo que as distingue das demais e as transforma em indivíduos
singulares.
Uma estrutura recorrente
Nos seus muitos romances e contos,
Clarice trata da condição feminina, da
dificuldade de relacionamento humano,
da hipocrisia dos papéis socialmente
definidos, da busca pelo “eu”.
Clarice para Affonso Romano de Sant’ Anna
1. A personagem é disposta numa determinada situação
cotidiana.
2. Prepara-se um evento que é pressentido discretamente pela
personagem (algo como uma inquietação).
3. Ocorre o evento que ilumina sua vida (epifania).
4. Apresenta-se o desfecho, no qual a situação da vida da
personagem, após a epifania, é reexaminada.
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Os animais em Clarice
• Outra característica recorrente, na ficção de Clarice, é a presença
constante de animais (cavalo, galinha, barata, aranha, búfalo, gato,
etc.) que representam o “coração selvagem” da vida, que pulsa
descontrolada, sem se submeter às regras e expectativas sociais. Essa é
a forma também revolucionária de simbolizar a busca incessante das
personagens pela libertação das amarras sociais e o mergulho no
irreversível processo de individuação.
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“Mas sentimentos são água de um instante. Em breve - como a mesma água já é
outra quando o sol a deixa muito leve, e já outra quando se enerva tentando morder
uma pedra, e outra ainda no pé que mergulha - em breve já não tínhamos no rosto
apenas aura e iluminação. Em torno do pinto aflito, estávamos bons e ansiosos. A
meu marido, a bondade deixa ríspido e severo, ao que já nos habituamos; ele se
crucifica um pouco. Nos meninos, que são mais graves, a bondade é um ardor. A
mim, a bondade me intimida. Daí a pouco a mesma água era outra, e olhávamos
contrafeitos, enredados na falta de habilidade de sermos bons. E, a água já outra,
pouco a pouco tínhamos no rosto a responsabilidade de uma aspiração, o coração
pesado de um amor que já não era mais livre. Também nos desajeitava o medo que o
pinto tinha de nós; ali estávamos, e nenhum merecia comparecer a um pinto; a cada
piar, ele nos espargia para fora. A cada piar, reduzia-nos a não fazer nada. A
constância de seu pavor acusava-nos de uma alegria leviana que a essa hora nem
alegria mais era, era amolação. Passara o instante do pinto, e ele, cada vez mais
urgente, expulsava-nos sem nos largar. Nós, os adultos, já teríamos encerrado o
sentimento”.
A Legião Estrangeira, in Felicidade Clandestina, 1971.
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Os afetos do corpo e os eventos do mundo não raro
conduzem os protagonistas e as vozes narrativas por
caminhos aporéticos
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A HORA DA ESTRELA
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Rodrigo S. M., o narrador
“É um livro de caça. O narrador-escritor está diante da morte de
Deus enquanto horizonte de sentido no homem e para o homem e,
ao mesmo tempo, padece da figura poderosa do Criador. Vai ele,
então, vasculhar a sua interioridade que, no entanto, sempre lhe
escapa. Vai ele indagar o sentido da existência de Macabéa e sua
tosca manifestação de vida”. P. 09
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“Ninguém olhava para ela na rua, ela era
café frio”
• “Grito puro e sem pedir esmola. Sei que há moças que
vendem o corpo, única posse real, em troca de um bom
jantar em vez de um sanduíche de mortadela. Mas a
pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender,
ninguém a quer, ela é virgem e inócua, não faz falta a
ninguém. Aliás – descubro eu agora – eu também não
faço a menor falta, e até o que escrevo um outro
escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser
homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas”.
P. 24
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A busca pelo eu
• “Quem antes afiançar que essa moça não se
conhece senão através de ir vivendo à toa. Se
tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?”
Cairia estatelada em cheio no chão. É que “quem
sou eu?” Provoca necessidade. E como satisfazer
a necessidade? Quem se indaga é incompleto. P.
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“E lá foram para a esquina. Macabéa estava muito feliz.
Realmente ele a levantou para o ar, acima da própria cabeça. Ela
disse eufórica:
– Deve ser assim viajar de avião.
É. Mas de repente ele não aguentou o peso num só braço e ela
caiu de cara na lama, o nariz sangrando. Mas era delicada e foi logo
dizendo:
– Não se incomode, foi uma queda pequena.
Como não tinha lenço para limpar a lama e o sangue, enxugou o
rosto com a saia, dizendo:
– Você não olhe enquanto eu estiver me limpando, por favor,
porque é proibido levantar a saia”.