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Cavalo Marinho - As Representações Do Povo No Folguedo - Maria Angela Grillo

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CAVALO-MARINHO: AS REPRESENTAES DO POVO ATRAVS DO

FOLGUEDO PERNAMBUCANO

MARIA NGELA DE FARIA GRILLO*

O Cavalo Marinho um folguedo tpico da Zona da Mata Setentrional de


Pernambuco e agreste da Paraba. Segundo alguns pesquisadores, o Cavalo Marinho
seria um tipo de verso brasileira da commedia dell'arte.1 O folguedo um auto que
rene teatro, msica e dana e poesia (loas).
Ao todo so mais de 70 personagens, que podem ser humanos, animais e fantsticos
que se apresentam, por cerca de oito horas, principalmente nos perodos junino e
natalino. O Capito Marinho quem comanda a cena: ele quem oferece um baile aos
Santos Reis do Oriente. Para isto, contrata dois negros, Mateus e Bastio, personagens
cmicos, para tomarem conta do terreiro. Os dois negros so amigos e dividem a mesma
mulher, Catirina. No terreiro, os negros passam a se dizer donos do lugar. Ento o
capito chama o Guarda da Gurita. Quando a situao normalizada, surge o Empata
Samba interrompendo a festa. At que aparece Man do Baile, abrindo terreno para o
baile, ponto alto da noite. Outros personagens de destaque so Ambrsio, Valento,
Matuto da Goma, Man Joaquim, Via do Bambu. H tambm o Caboclo de Arub, que
uma entidade sobrenatural que canta todas as linhas de Jurema.

* Doutora em Histria pela UFF/EHESS. Professora da UFRPE/ Pesquisadora do GEHIS. Pesquisa


financiada pelo CNPq.
1

A commedia dell'arte foi uma forma de teatro popular improvisado, que comeou no sc. XV na Itlia e
se desenvolveu posteriormente na Frana e que se manteve popular at o sc. XVIII. A Commedia
dellarte vem se opor Comdia Erudita, tambm sendo chamada de Commedia Allimproviso e
Commedia a Soggetto. Suas apresentaes eram feitas pelas ruas e praas pblicas. Ao chegarem
cidade pediam permisso para se apresentar, em suas carroas ou em pequenos palcos improvisados.
As companhias de commedia dellarte eram itinerantes e possuam uma estrutura de esquema familiar.
Seguiam apenas um roteiro, que se denominava canovaccio, mas possuindo total liberdade de
criao.Os personagens eram interpretados por atores usando mscaras. Assim como os da mesma
poca (Shakespeare), os italianos vestiam atores homens en travesti com roupas de mulheres e
perucas. Ao contrrio dos atores do Teatro Renascentista Ingls, no caso deles era por propsitos
humorsticos, mais do que por proibio social.

Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011

As danas so diversas como mergulho (maguio), So Gonalo e coco. O boi


surge pela manh e dividido entre os participantes.
encenado durante uma noite inteira e, durante toda brincadeira, os participantes
trocam de figuras, mudando apenas uma pea de roupa ou uma mscara. A encenao
executada em uma roda, tradicionalmente composta por homens. Atualmente as
mulheres tambm participam da brincadeira.
A histria contada atravs de dilogo de forma potica, por meio de toadas e
loas, sendo o enredo conduzido pelas figuras. Seus cacoetes, vcios e mazelas remetem a
vtimas os personagens, representando um grande desabafo. Todo enredo mostra a
relao entre dois extratos bsicos da sociedade canavieira: trabalhadores rurais X
usineiros e polticos, e podemos identificar como um cenrio de disputas polticas,
econmicas e sociais.
Segundo Roberto Benjamim (1999), esta manifestao se configura como um
teatro. Este autor nos revela que Cavalo Marinho uma brincadeira de ciclo natalino e
constitui um agregado de folguedos como o bumba-meu-boi, reisado, agaloados,
guerreiros, maracatu rural, entre outras manifestaes culturais da Zona da Mata Norte
pernambucana, o qual se inclui msica, dana e poesia, representado por personagens
do imaginrio popular, sua comunicao direta, sem a utilizao dos mecanismos
convencionais da gramtica. A utilizao de mscaras, de vestimentas coloridas,
somados a gestos, atitudes e cacoetes, emite mensagens que possibilitam interpretaes
diversas das representaes do cotidiano dos integrantes do folguedo.
um folguedo popular que se manifesta atravs da msica e principalmente da
dana para a valorizao e preservao de expresses da cultura popular em sua
comunidade. Inspirada pelas festas de reis, a apresentao regada de significados e
tem como enredo lendas, romances, narrativas hericas de figuras fantsticas e animais
glorificados.2
Diversos elementos e linguagens entrelaam-se no momento da realizao da
brincadeira: as figuras mascaradas (as responsveis pela interlocuo com o Capito), os
palhaos (Mateus e Bastio), os bonecos (o cavalo, o boi, a ema, entre outros), as danas

LIMA, Janana.
Cavalo-marinho levanta poeira e mantm
http://raizesdatradicao.uol.com.br/com.php?menu=3407&page_id=136.

tradio.

In:

Acesso em 20/09/2010.

Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho 2011

(mergulho, trups, dana dos arcos, coco de despedida) realizadas pelos figureiros e
galantes, as msicas (toadas tocadas pelo banco) e os versos (loas). Os instrumentos do
banco - designao dada pelos brincadores para o objeto e os tocadores que a se sentam
- so: uma rabeca, um pandeiro, um mineiro (ganz) e uma ou duas bajes de taboca
(espcie de reco-reco de madeira colhida na regio). Outro instrumento que compe a
msica, mas no faz parte do banco a bexiga, geralmente de boi, ressecada, tratada e
inflada um pouco antes de ser tocada por Mateus e Bastio (cada um possui uma).
Como em toda manifestao popular, esses elementos so interdependentes e
fundamentais para a realizao do espetculo (LARANJEIRA, 2008).
Depois do banco se instalar a toada de Abertura ou de Alevante cantada e
tocada, dando boa noite a todos. hora do Capito se posicionar ao lado do banco. Em
seguida o Mergulho inicia e a partir disso vem a sequencia de entradas e sadas de
figuras.3 O espao j est demarcado pela roda que se forma a partir do posicionamento
do banco. As figuras entram sempre no p da roda, do lado oposto ao banco, portanto
de frente ao Capito. Elas chegam ao som de uma toada prpria fazendo seu trup e
saem ao som de outra toada que serve para indicar o fim de sua apresentao. Dentro
da roda se relacionam com o Capito, com Mateus e Bastio que fazem parte da
brincadeira do comeo ao fim. Durante essas relaes travam-se dilogos, muitas vezes
permeados por loas. Entre cada etapa da brincadeira, dada pelo contato entre Capito,
Mateus e Bastio e a figura ou as figuras - pois h cenas em que suas histrias esto
encadeadas com duas ou mais delas o banco toca as toadas soltas, momento em que
pblico e brincantes, principalmente os galantes, batem trups variados. So como
intervalos entre as etapas.
A etapa, mais longa e a mais esperada pelo pblico a dana dos arcos
realizada pelos galantes e o Mestre. Os primeiros entram formando duas filas, frente e
entre as filas, o Mestre se posiciona. Juntos cantam para a Estrela Guia ou Estrela do
Oriente4, representada por um objeto confeccionado por eles e colocado a frente do
banco. Depois disso, vem a dana dos arcos, quando os galantes e o Mestre fazem
3

Em ACSELRAD (2002) e OLIVEIRA (2006) encontra-se a classificao realizada por Hermilo BorbaFilho (1966) na qual as figuras dividem-se em trs tipos: os seres humanos, os seres fantsticos e os
animais. Os brincantes afirmam que no total existem em torno de 66 figuras, muitas delas no so
encontradas atualmente nas brincadeiras.

Smbolo catlico encontrado nas comemoraes do dia de Reis. Representa a estrela que guiou os trs
reis magos at o local de nascimento de Jesus.

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evolues espaciais com arcos de fita colorida erguidos por seus braos. As fitas riscam
o ar enquanto seus ps esto fazendo passos largos e ligeiros. Normalmente a ltima
figura a entrar na roda o boi, momento em que tocado o coco, reunindo brincantes e
pblico em uma dana de roda. A brincadeira finalizada sempre com o Mestre dando
vivas como agradecimentos. Em grande parte das brincadeiras observadas foram dados
os vivas a alguns santos catlicos, ao dono da casa, aos brincantes, a algumas pessoas
do pblico como ns, o povo de Campinas, e aos polticos da cidade.
Uma caracterstica muito marcante e curiosa para quem v o Cavalo Marinho
o fato de nele estarem conjugados momentos religiosos e outros de zombaria, com
muitas piadas de conotao sexual, as puias. Nesse momento o grotesco, a ironia, a
malcia e certa agressividade5 envolvem o pblico e principalmente, os brincadores.
Eles demonstram que so extremamente sagazes e habilidosos ao armarem emboscadas
verbais para seus companheiros.
O comprovado fluxo entre a realidade da brincadeira e a realidade cotidiana
revelado tambm por meio das figuras, que quase sempre remetem s funes sociais
ligadas ao cotidiano de trabalho na poca dos engenhos. A proximidade entre cotidiano
e brincadeira presentes nas expresses simblicas da cultura popular, revelam valores e
prticas muito ligados organizao social da comunidade. Tambm comprovada na
mistura de aspectos sagrados sincrticos (cultura catlica e do Xang, religio afroindgena-brasileira), mas com o esprito de farra, de festa, de malcia, de brincadeira. A
idia de brincadeira e ritual est relacionada com os santos catlicos festejados, com a
figura do Caboclo de Arub, mas tambm com os aspectos mitolgicos que envolvem
as figuras dos bichos ( o boi e o cavalo principalmente), com a simbologia da pureza
ligada a galantaria e tambm,

e sobretudo, com a forma por meio da qual os

brincadores se relacionam com a brincadeira. Segundo eles: a brincadeira coisa


divina, j que o diabo chega at a beirada da roda, mas no entra com medo da
rabeca e da baje que rapam em cruz. (ACSELRAD, 2002, p. 36) A brincadeira seria

Agressividade relacionada predominncia de brincantes masculinos. Este um fato que no determina,


mas influencia na brincadeira onde se encontra ainda hoje muitas disputas. Estas so geralmente
presenciadas nos momentos das figuras do Soldado ou dos Bodes que brigam principalmente com
Mateus e Bastio. os brincantes realmente brigavam, ou seja, apanhavam e batiam. Um deles disse
que j perdeu o dente mais de uma vez durante a brincadeira. Hoje em dia h a meno da briga, mas
quase nunca para machucar o outro.

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formada justamente pela relao entre o ritual e a stira, o humor tambm como um
elemento de carter sagrado.
Para descrever a brincadeira, os pesquisadores consultados normalmente falam de
uma estrutura baseada num enredo - a histria conta que o Capito faz uma festa em
homenagem aos Santos Reis do Oriente e chama os Ngos Mateus e Bastio para tomar
conta da festa, iniciando assim a brincadeira. As figuras seriam os convidados do
Capito. Este representaria os donos de terra enquanto que Mateus e Bastio seriam
seus escravos.
Atravs da transmisso oral, o conhecimento repassado dentro da cultura
popular. No contexto especfico do Cavalo Marinho, o conhecimento tambm
transmitido pela fala e pelo gesto, ouvido, observado e repetido. No fazer e no
performar se constri, se conserva e se atualiza o conhecimento. Dessa forma, a
memria gerada pelo exerccio da performance. E a prpria brincadeira que se torna
uma potncia de recriao de memria na medida em que o local de aprendizado,
exerccio e recriao do repertrio tcnico.
A pluralidade de situaes comunicativas caracterstica indiscutvel dessa
brincadeira: toadas, loas, figuras e pisadas, isto , elementos musicais, poticos, teatrais
e de dana constituem diferentes formas de expresso e comunicao.
O poder policial aparece atravs da figura do Soldado da Gurita, por quem
Mateus e Bastio deixam bem clara profunda antipatia, e a questo da proibio da festa
est retratada na passagem do Empata-samba. E, por ltimo, o universo dos engenhos
de cana tambm est amplamente representado pelas figuras dos negros escravos
Mateus e Bastio, dos Bodes ou Capites do Mato, que aterrorizam os primeiros, e de
muitas outras figuras que passam pela roda do Capito (OLIVEIRA, 2006).
Para alm dessas observaes, entretanto, h uma relao fundamental a ser
apontada aqui que uma das verses acerca das origens do Cavalo Marinho das mais
difundidas entre os brincadores. Com variaes que dependem do sujeito que fala, ela se
estrutura mais ou menos de acordo com o seguinte relato feito por Mestre Mariano
Teles:

Quando veio o Cavalo Marinho pro Brasil era de senzala. Ele saiu de senzala,
na poca que o Cavalo Marinho brincava, que comeou brincar mais escondido
do rei, se chama sinh e sinh porque so os povo branco que comandava a
corte e os Cavalo Marinho vivia brincando os nego escondido. Depois, o

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Capito do Mato viu, reconheceu e avisou para sinh e sinh que tinha nego
brincando escondido. Num tava querendo trabalhar. Tava se escondendo pra
brincar. (...) denunciar como era aquela brincadeira que ele queria ver. Se ele
no se agradasse, ia pro tronco, ia apanhar. E tinha aquela nega de cozinha...
que o racismo nunca acabou (...) branco branco, o negro negro. Pois bem,
eles pegaram aqueles negro, viram que os negro dava pra brincar, fizeram
alforria dos negro, os negro teve que representar com a famlia do Capito e do
rei. Brincar junto. Um respeitando o outro. E aqueles dois Mateu e a Catirina
quem tomava conta do povo tudinho. Quando eles fugia, tinha aquele Capito do
Campo, outros chamam Bode, outros chamam Bicho Medonho. Quando eles
fugia (...) matulo, aquilo era a mudana dele (...) ele se tacava no meio do
mundo e se escondia (...) o Capito chegava e mandava buscar. Trazia lapeado
no pau para eles virem pra trabalhar na cultura da fazenda. A o Cavalo
Marinho representou como era tambm (...) O Capito mandou chamar o
Soldado (...)6

Trs aspectos desse relato devem ser aqui ressaltados. O primeiro refere-se ao
grau de violncia que estaria contido no processo de formao do Cavalo Marinho.
Longe de ser fruto de miscigenao harmonizadora, tal processo aparece nesse relato
como marcador histrico do violento modo de produo que vigorou no Brasil
legitimamente at fins do sculo XIX. H outros detalhes do relato que dizem que a
nega de cozinha foi obrigada a danar para sinh e sinh verem como est
representado numa toada chamada Marieta.
Em segundo lugar, instigante pensar na aceitao que tem essa hiptese de
origem junto aos brincadores. Embora tambm citem Portugal, Frana e at Japo como
locais de onde teria primeiramente provindo a brincadeira, o ambiente das senzalas e o
tempo dos cativos constituem o cenrio e a poca mais referidos para o seu
nascimento. Analisar esse fato leva a dois pensamentos: um seria o de que se opera a
uma identificao e empatia entre os brincadores e a realidade dos negros escravos de
outrora, seja pela pobreza material, pela opresso sofrida ou pelo peso do trabalho em
suas vidas. Quando citam a frica como continente original da brincadeira, necessrio
pensar no que coloca:
Esta frica, na minha anlise, no seria apenas o continente geogrfico,
seria, principalmente, o continente africano simblico presente aqui no Brasil
atravs dos negros escravizados. Esta frica seria so os que foram
cativos. No s frica espao, mas tambm frica tempo (passado que se faz
presente) (TENDERINI 2003:45).

Entrevista realizada em 31/12/04

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Assim, haveria uma afinidade com esse universo simblico, uma simpatia pela
idia dessa herana e pelo reconhecimento dessas razes.
O outro pensamento seria o de que a prpria opo pelo relato dessa verso de origem
seja um reflexo ou um eco de sua aceitabilidade na medida em que permitiria a
legibilidade ideolgica dos pesquisadores (Pavis, 2003). Em palestra promovida por
Mestre Salustiano na Casa da Rabeca na noite de encontro de Cavalos Marinhos de 25
de dezembro de 2004, Mestre Mariano Teles recebeu muitos aplausos por sua fala que
inclua, entre outras afirmaes, as de que Cavalo Marinho brincadeira de negro,
nunca foi dos brancos. Os brancos no gostavam do Cavalo Marinho. (...) os negros
sambavam a pulso para o senhor da senzala. (...) o Capito Marinho e o Capito de
Campo pisavam os Mateus, botavam eles pra trabalhar; quando eles fugiam, que
achavam o servio pesado, voltavam lapeados para a fazenda.
A expectativa de que a brincadeira de alguma forma reflita as contradies e o
violento processo de formao do Brasil talvez seja assim satisfeita. E, ao mesmo
tempo, h a a reafirmao de uma determinada identidade para ela: ao dizer que Cavalo
Marinho samba de negro, seu Mariano ressalta um perfil no qual podem estar
envolvidas noes como a de resistncia cultural ou a de preservao da memria
coletiva de um grupo historicamente oprimido.
Em terceiro lugar, vale notar como a histria da brincadeira se confunde com
a estria que conta, com sua trama. As fugas dos escravos e do Mateus se misturam o
matulo de que fala seu Mariano parte da indumentria de Mateus; o episdio do
Soldado que aparece no brinquedo contado como fato ocorrido no passado, na poca
de formao do Cavalo Marinho. E, ainda, tempos e lugares diversos convivem
sobrepostos no discurso: o Capito , simultaneamente, senhor de engenho e rei.
Antecipando os dilogos que sero estabelecidos neste trabalho entre brincadeira e
teatro contemporneo, vale notar aqui as caractersticas comuns da sincronia e da
metalinguagem.
O objeto fundamental dessa pesquisa investigar as prticas culturais,
apropriaes e representaes presentes no folguedo e suas disputas polticas.
Entendemos que um projeto que valorize a memria e as formas de expresso

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contribuir para uma redefinio da histria cultural de Pernambuco assim como a


histria nacional, ainda em muitos aspectos elitista e excludente.

Mas, o que acontece por trs das apresentaes?

Os sentidos que o prprio senso comum atribuiria festa seriam fluidos,


negociveis e contestveis. Alm disso, este no seria um termo neutro, mas
centro de polmica. E uma das questes mais debatidas e polemizadas acerca
das festas se refere justamente aos seus sentidos e significados. Interpretaes
diversificadas, muitas vezes conflituosas, foram elaboradas, chegando a
estabelecer uma viso dicotmica do assunto que pode ser traduzida em uma
pergunta formulada de diferentes maneiras como, por exemplo, as seguintes:
constituiriam as festas sociabilizao ou controle social? Resistncia ou
dominao? Promoo do esprito revoltoso ou vlvula de escape? Momento
propiciador de identidade e coeso tnica ou consolidao dos instrumentos
de mando? Elemento pacificador de tenses ou ensaio para a revolta?
Representao da economia afetiva entre mando paternal e obedincia filial
ou smbolo da memria coletiva de um grupo? (OLIVEIRA, 2006: 26).

O auto expressa as condies sociais dos engenhos: o Capito Marinho


representa o senhor do engenho; os negros, os escravos ou trabalhadores; os galantes e
damas so as elites que vm para a festa; o soldado o representante da lei; o boi um
elemento constante para o homem do campo.
Percebemos singularidades relevantes na prtica deste folguedo na regio da
Zona da Mata Norte e entre elas, as representaes das mulheres. Vistas em menor
nmero no folguedo, so apresentadas como figuras libidinosas, representadas sempre
por homens fantasiados com roupas de mulher. Evidenciamos neste complexo festivo
uma presena / ausncia do elemento feminino na brincadeira, as mulheres s estavam
presentes nas apresentaes de Cavalo Marinho, atravs de uma representao, homens
vestidos com figuras femininas.
O auto expressa as condies sociais dos engenhos: o Capito Marinho
representa o senhor do engenho; os negros, os escravos ou trabalhadores; os galantes e
damas so as elites que vm para a festa; o soldado o representante da lei; o boi um
elemento constante para o homem do campo.
Embora haja uma forte relao entre o cotidiano, seu contexto social, com a
brincadeira, h vises diferentes a respeito dos significados sobre os papis sociais
representados na brincadeira. Eles estariam representando uma crtica s relaes
hierrquicas definidas atravs das relaes de explorao entre patro e empregado ou

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pelo contrrio, apenas reproduzem e reafirmam tais relaes (ARAJO, 1987;


ACSELRAD, 2002; TENDERINI, 2003).

Referncias

ACSELRAD, Maria. Viva Pareia! A arte da brincadeira ou a beleza da safadeza: uma


abordagem antropolgica da esttica do Cavalo Marinho. Dissertao (Mestrado em
Antropologia) - IFCS, UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.
ALBERTI, Verena. Histria oral: a experincia do CPDOC. Rio de Janeiro: Fundao
Getlio Vargas, 1990.
ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em Histria Oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV,
2004.
BENJAMIN, Roberto. Pequeno Dicionrio do Natal. Recife: Sociedade Pr-Cultura,
1999.
BENJAMIN, Roberto. Folguedos e danas de Pernambuco. Recife: Ed. Fundao de
Cultura da Cidade do Recife, 1989.
BORBA FILHO, Hermilo. Apresentao do bumba-meu-boi. Recife: Ed. Guararapes,
1982.
FERLINI, Vera Lucia A. Folguedos, feiras e feriados: aspectos socioeconmicos das
festas no mundo dos engenhos In KANTOR, ris e JANCS, Istvan (org.). Festa:
cultura e sociabilidade na Amrica portuguesa. So Paulo: FAPESP, EDUSP,
Hucitec, Imprensa Oficial, 2001. (2V) p. 449-463.
LARANJEIRA, Carolina Dias. Corpo, Cavalo Marinho e dramaturgia a partir da
investigao do Grupo Peleja. Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Artes . Campinas, 2008.
LIMA, Janana.
Cavalo-marinho levanta poeira e mantm tradio. In:
http://raizesdatradicao.uol.com.br/com.php?menu=3407&page_id=136.
Acesso em 20/09/2010.
OLIVEIRA, Mariana Silva. O jogo da cena do cavalo marinho - dilogos entre
teatro e brincadeira. Dissertao (Mestrado em Teatro). Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro. UNIRIO,. 2006.
TENDERINI, Maria Helena. Na pisada do galope: cavalo marinho na fronteira traada
entre brincadeira e realidade. Dissertao (Mestrado em Antropologia) CFCH, UFPE,
Recife, 2003.

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