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"A Nova Jericó Maldita": Um Estudo Sobre A Colônia Do Iguá em Itaboraí/RJ (1935-1953)
"A Nova Jericó Maldita": Um Estudo Sobre A Colônia Do Iguá em Itaboraí/RJ (1935-1953)
"A Nova Jericó Maldita": Um Estudo Sobre A Colônia Do Iguá em Itaboraí/RJ (1935-1953)
Rio de Janeiro
2015
Orientador:
Rio de Janeiro
2015
CATALOGAO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCSA
A779
CDU 616-002.73(81)
Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao, desde que
citada a fonte.
___________________________
Assinatura
_________________________
Data
_______________________________________________________
Prof. Dra. Laurinda Rosa Maciel
Casa de Oswaldo Cruz/FIOCRUZ
_______________________________________________________
Prof. Dra. Lcia Maria Paschoal Guimares
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas UERJ
_______________________________________________________
Prof. Dra. Lcia Maria Bastos Pereira das Neves ( Suplente )
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas - UERJ
Rio de Janeiro
2015
DEDICATRIA
A meus pais Joo Jaks (in memoriam) e Maria das Graas que
combateram o bom combate e tudo fizeram, dentro dos princpios da
tica e da moral, para me tonar a pessoa que sou hoje. Aos demais
membros da minha famlia que de uma forma ou de outra marcam
nossa existncia para sempre...
AGRADECIMENTOS
A professora Cristina Maria de Oliveira Fonseca, onde tive a grata alegria de conhecer
atravs do Curso de Histria da Sade Pblica no Brasil na Casa de Oswaldo Cruz,
possibilitando importante espao de discusso e debates sobre Histria da Sade Pblica no
Brasil.
Aos queridos amigos da graduao, em especial: Carlos Vincius, Eduardo Gomes
(Dudu), Juarez de Almeida Moraes Jnior, Zilmar Luiz dos Reis, Paulo Veiga, Vincius
Oliveira e Raphael Santana.
A professora Laurinda Rosa Maciel que tive o imenso prazer de conhecer na Casa de
Oswaldo Cruz e logo se tornou uma amiga pessoal, devido ao seu carinho e sensibilidade que
me recebeu em seu trabalho. Querida Laurinda voc a real demonstrao de que amigos so
como prolas de valor inestimvel, que nos fazem brilhar nos momentos essenciais. A sua
contribuio para esta pesquisa foi imprescindvel.
Ao professor Henrique Mendona da Silva, agradeo o incentivo e a grande
contribuio para a pesquisa com o envio de fontes
A Maria Suellen Timoteo Correa, que sendo sempre muito solcita, me ajudou em
algumas tradues.
Ao professor e amigo Gilciano Menezes Costa pelos inmeros dilogos sobre a
histria de Itabora e a oportunidade de juntos trabalharmos em projetos sem fim lucrativos,
que tem como objetivo produzir conhecimento sobre a histria da pedra bonita escondida na
gua, que por muitos momentos, malbaratada pela administrao pblica.
Aos confrades da Doutrina Esprita, em especial Andr Cantareli, Valter Carvalho e
Claudiomar Fernandes, agradeo pelas palavras de incentivo e a amizade.
A todos ex-internos da Colnia Tavares de Macedo, principalmente aqueles que
abriram as portas de suas residncias, confidenciando o relato de suas memrias, registro meu
carinho e agradecimento, pois suas contribuies foram essenciais para realizao deste
trabalho.
Aos senhores Jonas, Daniel e Saul que alm de depoentes, so amigos de longa
caminhada e espritos dotados de grande sensibilidade.
Aos meus colegas da Ps-Graduao deixo o meu afetuoso abrao, em especial: Ana
Paula Carvalho, Ana Melo, Isabela Mota, Aline Hoche, Bonifcio Luiz, Camila Camacho,
David Coutinho, Jordan Gonalves, Rodrigo Pires e Regilany Alves.
A UERJ, em que fui acolhido desde a graduao, porque sem ela no poderia ter
realizado este sonho de conquista.
RESUMO
ARRUDA, Luiz Maurcio de Abreu. A nova Jeric maldita: um estudo sobre a Colnia de
Igu em Itabora/RJ (1935-1953). 2015. 186 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto
de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2015.
O objetivo da pesquisa que resultou nesta dissertao consiste na anlise sobre as
origens do primeiro leprosrio fluminense, a Colnia de Igu, em Itabora, Estado do Rio de
Janeiro. Busco privilegiar no s a anlise desta cidade em miniatura tal como se
pretendeu constituir um leprosrio e sua estrutura mas tambm os impactos poltico-sociais
ocorridos com sua fixao em um municpio que alimentou, durante a primeira metade do
sculo XX, a ideia de que poderia recuperar a situao de pujana econmica e poltica que
viveu entre os sculos XVIII e XIX, quando ocupou importante papel na economia
fluminense e brasileira. Nesta anlise focalizamos o movimento de resistncia contra a
instalao da Colnia neste municpio originada por aqueles que acreditavam que o leprosrio
iria prejudicar o reflorescimento da regio, bem como as disputas polticas envolvidas em sua
fixao na cidade. Tambm consideramos os relatos de ex-internos do antigo leprosrio sobre
a experincia do viver em uma colnia de atingidos pela lepra. Algumas de suas memrias
foram incorporadas ao trabalho em nossa tentativa de relatar o cotidiano de um sistema que os
segregou pela fora do ato de internar compulsoriamente. Os marcos cronolgicos da pesquisa
se referem, respectivamente, ao ano de 1935, quando foi lanada a pedra fundamental para
construo da Colnia de Igu e que tambm um perodo marcado pelo incio do Plano
Nacional de Combate Lepra. Tal Plano representou uma acelerao na construo e
modernizao de instituies dessa natureza em todo pas e marcou um momento de
consolidao do internamento como profilaxia dos doentes. Como marco final, estabelecemos
o ano de 1953 quando a Colnia Tavares de Macedo, como o Igu ficou denominado a
partir de 1942 recebe o novo sistema de abastecimento de gua, evidenciando a aliana
entre a instituio e o poder local na luta por melhorias do sistema de servios pblicos do
municpio e, portanto, evidenciando a falsa questo de que a presena da Colnia iria
prejudicar o municpio.
Palavras-chave: Colnia de Igu. Histria local. Leprosrio. Memria. Polticas de sade.
ABSTRACT
ARRUDA, Luiz Maurcio de Abreu. The new cursed Jericho: a study about Colnia do Igu,
in Itabora/RJ (1935-1953) 2015. 186 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Instituto de
Filosofia e Cincias Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2015.
The purpose of the research, resulted in this dissertation, is to analyze the origins of
the first leprosarium of Rio de Janeiro, the Igu Colony (Colnia do Igu), in the city of
Itabora. We seek to focus not only in the analysis of this "miniature city" - as it was intended
to be in its structure - but also in the political and social impacts occurred with its attachment
in a city that fed, during the first half of the twentieth century, the idea that could retrieve the
situation of economic and political strength of the eighteenth and nineteenth centuries, when
occupied an important role in the economy of Rio de Janeiro and Brazil. In this analysis, we
focus on the resistance movement against the installation of the Colony in this city by those
who believed that the leprosarium would harm the revival of the region and the political
disputes involved in its establishment in the city. We also consider the reports of former
inmates of the leper colony on the experience of living in a colony affected by leprosy. Some
of his memories were incorporated into the work in our attempt to report the daily life of a
system that segregated by the force of compulsory hospitalization. The chronological sections
of the survey refer, respectively, to 1935, when it launched the foundation stone for
construction the Igu Colony in a period marked by the beginning of the National Plan
Against Leprosy. This plan represented an acceleration in construction and modernization of
institutions of this nature throughout the country and marked a time of consolidation of the
hospitalization as prophylaxis of patients. As a final mark, we set the year 1953 - when the
Tavares de Macedo Colony, such as Igu was called from 1942 - receives the new water
supply system, showing the alliance between the institution and the local government in the
fight for improvement of the public services system in the city and therefore showing the false
axiom that the presence of the Colony would hurt the city.
Keywords: Health policy. Igu colony. Leprosy. Leprosarium. Local history. Memory.
LISTA DE FIGURAS
Gaspar
Dutra....................................................................................................................105
Figura 6 Fachada e planta baixa do pavilho de servios administrativos .........................109
Figura 7 Avenida de pavilhes Carville no dia da inaugurao e nos dias atuais...............110
Figura 8 Planta baixa dos pavilhes construdos em Igu...................................................112
Figura 9 Pavilho modelo Carville construdos na Colnia de Itanhenga e Igu............... 112
Figura 10 Escola 19 de abril e Vila dos casados no dia da inaugurao e nos dias
atuais................................................................................................................... 113
Figura 11 Cemitrio nos dias atuais....................................................................................118
Figura 12 Plano geral de construo do Leprosrio de Igu...................................................120
Figura 13 Internos da Colnia em momento de lazer..........................................................138
Figura 14 Anncio de Jornal o "Dia dos acamados" ......................................................... 141
Figura 15 Jonas e sua Banda em dcada de 1950........................................................... 143
Figura 16 Ficha de Ocorrncia........................................................................................... 149
Figura 17 Os novos prdios do Ministro Gustavo Capanema........................................... 155
Figura 18 Ministro Gustavo Capanema e o Interventor Ernani do Amaral Peixoto na
inaugurao do novo prdio Ministro Gustavo Capanema................................... 156
Figura 19 O Preventrio Vista Alegre em 1942 e nos dias atuais.....................................157
Figura 20 Capela de Santo Antnio em 1942 e nos dias atuais..........................................158
Figura 21 Placa comemorativa da inaugurao do servio de luz e fora da Cidade de
Itabora................................................................................................................164
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Verbas federais para construo e ampliao de leprosrios................................. 57
Tabela 2 Leprosrios inaugurados durante a gesto de Gustavo Capanema........................ 58
Tabela 3 Censo e estimativa dos leprosos em 1936.............................................................. 78
Tabela 4 Arrecadao das rendas municipais..................................................................... 99
CPDOC
DGSP
DNSP
DNS
DIP
DNOS
FSALDCL
IPLDV
IPL
IBGE
PQT
Poliquimioterapia
PPR
PSD
PSF
PTB
MESP
MES
SNL
SFALDCL
Lepra
UDN
SUMRIO
INTRODUO...................................................................................................
1
1.1
15
31
31
1.2
36
1.2.1
38
1.3
41
1.4
46
1.5
As facetas do isolacionismo.............................................................................
50
1.6
53
1.6.1
59
64
2.1
64
2.2
74
2.3
80
2.4
86
2.5
97
3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
3.2.3
3.2.4
3.2.5
3.2.6
3.3
3.3.1
Alegre...................................................................................................................
151
Os
um
primeiros
anos
do
Educandrio
Vista
Alegre
partir
de
depoente................................................................................................................. 159
3.4
15
INTRODUO
Minha insero no tema de Histria da Sade Pblica remete a algum tempo antes de
escrever esta dissertao quando mantive contato aos pacientes internados no Hospital
Estadual Tavares de Macedo, por meio de visitas peridicas. Nestes encontros tive a
oportunidade de conhecer antigos pacientes que revelavam suas memrias e lembranas do
perodo de isolamento e o complexo relacionamento com a populao externa ao Hospital, o
que, em algumas ocasies, evidenciava a continuidade do milenar estigma que envolve a
doena e o doente.
No decorrer de minha graduao em Histria pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, conquistei uma bolsa de iniciao cientfica pela FAPERJ no projeto As campanhas
de erradicao da malria no contexto da interiorizao do territrio e de institucionalizao
de uma Poltica de Sade Pblica no Brasil: Dimenses Visuais (1930-1960), coordenado
pela professora Maria Teresa Vilela Bandeira de Mello, que acabou por me inserir no campo
de pesquisa sobre histria do Brasil, com enfoque em Histria da Sade e das Doenas. Esta
pesquisa tem como premissa, a anlise dos aspectos histricos das campanhas de controle e
erradicao da malria no Brasil do sculo XX, especificamente no perodo compreendido
entre as dcadas de 1910 e 1960, mediante a anlise das imagens produzidas por diferentes
campanhas ocorridas ao longo destes anos. A riqueza das fontes documentais consultadas, no
contexto mais abrangente de institucionalizao de uma poltica de sade pblica no Brasil,
nas dcadas de 1930 e 1960, foram de grande importncia para compreenso da
institucionalizao de uma poltica de sade pblica no Brasil.
Nesta dissertao, procuro analisar determinados aspectos pertinentes construo do
primeiro leprosrio fluminense, privilegiando questes relativas ao movimento de resistncia
contra sua instalao no municpio de Itabora e os respectivos impactos poltico-sociais
gerados a partir deste embate. Ao realizar levantamento historiogrfico sobre a Colnia de
Igu percebi a recorrncia de algumas questes como A populao se revoltou contra sua
instalao devido ao preconceito da doena. Em primeiro lugar, quem era essa populao?
O preconceito por si s explica tal atitude ou j existia na memria coletiva a ideia de
decadncia associada s doenas? Por que Itabora e no outro dos 47 municpios do
Estado? Como e quem articulou esse movimento? Como se deu esse enfrentamento nos
campos poltico e social? Quais eram os interesses envolvidos? E, por fim, com sua
inaugurao, a Colnia se tornou um chamariz de desgraa como acusavam aqueles que
16
combatiam sua construo em Itabora ou um grande aliado do poder local na luta por
melhorias de infraestrutura no municpio?
Esses so alguns dos questionamentos presentes que busco responder, alm de outros
relacionados ao cotidiano dos doentes. Para isso, examinei aspectos sociais, culturais e
polticos das primeiras dcadas de funcionamento da Colnia procurando compreender de que
maneira se efetivaram as polticas de combate lepra no Estado do Rio de Janeiro, em
especial a do isolamento compulsrio. Embora os pacientes, ou seja, os personagens que
sofreram esta ao sejam de grande relevncia neste estudo, importante ratificar que este
trabalho no sobre histria da doena.
Sem deixar de reconhecer a qualidade de trabalhos j produzidos sobre histria da
lepra no Brasil, gostaria de chamar a ateno para a peculiaridade desta pesquisa. Esta se
refere conexo estabelecida entre a anlise histrica da Colnia de Igu durante as dcadas
de 1930 a 1950 e sua relao com a histria poltica do municpio que a recebeu. Evidencio
que muito mais do que um repositrio de leprosos, como apontado por parte da
documentao consultada, a Colnia de Igu, alm de representar um testemunho privilegiado
sobre o tratamento da hansenase no Brasil, tornou-se um elemento politicamente importante
naquele municpio, desmentindo os temores iniciais de que, sua presena iria impedir a
recuperao econmica da regio.
Atualmente a hansenase uma doena que se encontra no limiar da sua eliminao
como problema de sade pblica. Os progressos cientficos alcanados nas reas de
imunologia, biologia molecular e sequenciamento genmico de seu agente causador, o
mycobacterium leprae, representam perspectivas de pesquisa e de aplicao potencial para
diagnstico, prognstico e vigilncia da doena.
O Brasil o nico pas da Amrica Latina onde a doena no foi eliminada e o
segundo pas no mundo com maior predominncia de novos casos. Em 2010, 92,4% dos
novos casos de hansenase nas Amricas aconteceram no Brasil. Entretanto, o pas tem
apresentado avanos no combate hansenase em diversos aspectos nos ltimos anos.
Levantamento recente do Ministrio da Sade mostrou reduo de 61,4% no coeficiente de
prevalncia (pacientes em tratamento) entre 2001 e 2011, passando de 3,99 por 10 mil
habitantes para 1,54. Alm disso, durante o mesmo perodo, o nmero de postos de servios
com pacientes em tratamento cresceu de 3.895, em 2001, para 9.445, em 2011, apresentando
um aumento de 142%. Entre esses anos, o nmero de novos casos diminuiu 25,9%, passando
de 45.874 mil para 33.955 mil. A mdia nacional est prxima da meta estabelecida pelo
17
Plano de Eliminao da Hansenase (menos de um caso para cada grupo de 10 mil, at 2015),
sendo de 1,54 casos por 10 mil habitantes.1
Tambm conhecida como lepra, morfeia, mal de lzaro ou doena de Hansen, a
hansenase uma doena infecciosa e contagiosa, que afeta os nervos e a pele. 2 Sua presena
est associada a desigualdades sociais e atinge principalmente as regies mais carentes. A
transmisso se d atravs das vias areas do doente (secrees nasais, gotculas da fala, tosse,
espirro) chamados de bacilferos, ou seja, que expelem bacilos, devido falta de tratamento. 3
Ao iniciar o tratamento, o paciente deixa de transmitir a doena, levando em considerao que
a maioria dos indivduos que entraram em contato com estes bacilos no desenvolve a doena,
pois cerca de 95% da populao naturalmente imune.
Apontada como uma das enfermidades mais antigas do mundo, a lepra acompanhou as
mudanas sociais e culturais ao longo do tempo. Carregada de forte preconceito e estigma4,
relegou os leprosos ao ostracismo e morte social, pois a enfermidade era vinculada a
smbolos negativos como pecado, castigo divino ou impureza, confundida inclusive com
outras molstias que igualmente produziam ulceraes na pele.
O microrganismo causador da hansenase foi identificado em 1873, pelo mdico
noruegus Gerhard Henrik Armauer Hansen, derivando da, um dos nomes da doena:
hansenase. Com essa descoberta, grande parte dos aspectos simblicos que a cercavam foi
desaparecendo. No entanto, o preconceito se mantm e, atualmente, apontado pelo prprio
Ministrio da Sade, como uma das principais dificuldades enfrentadas pelos pacientes.
Segundo os profissionais, o estigma ainda persiste em funo da escassez de divulgao de
informaes acerca da doena e seus agravos.
A descoberta do bacilo, sem dvida, modificou a histria da doena. Entretanto, o
aspecto infectocontagioso continuou a ser refutado por boa parte da comunidade mdica
durante o final do sculo XIX e incio do XX. Faltava uma prova experimental do cultivo e
1
Segundo o Ministrio da Sade a classificao operacional do caso de hansenase, visando o tratamento com
poliquimioterapia baseada no nmero de leses cutneas de acordo com os seguintes critrios: Paucibacilar
(PB): casos com at 5 leses de pele; Multibacilar (MB):casos com mais de 5 leses de pele. In:
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/leia-mais-o-ministerio/705-secretariasvs/vigilancia-de-a-a-z/hanseniase/11295-informacoes-tecnicas (acessado em 19/12/2014).
4
A palavra estigma de origem grega (lepein) e tinha a conotao de impureza e desonra com a finalidade de
sinalizar que a pessoa portadora de estigma era um indivduo marcado fisicamente, evidenciando algo de
extraordinrio ou mal sobre o status moral de quem os apresentava. GOFFMAN, Erving, Estigma-Notas sobre a
Manipulao da Identidade deteriorada, Rio de Janeiro: Zahar ores, 1980.
18
COSTA, Dilma Ftima A. C. da. Entre ideias e aes: Lepra, medicina e polticas pblicas de sade no Brasil
(1894-1934).Tese de Doutorado, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2007. pp.75-76.
6
Poliquimioterapia (PQT) uma combinao de medicamentos padronizada pela Organizao Mundial de Sade
(OMS). O tratamento com a PQT altamente eficaz na cura da hansenase: ele imediatamente interrompe a
transmisso da infeco, reduz o perodo de tratamento, evita o desenvolvimento de resistncia a drogas e
apresenta poucos efeitos colaterais.
7
Em 1975, ocorreu a substituio oficial do termo Lepra por Hansenase, atravs do Decreto n 76.078, de
04/08/1975. Em 1995, assinada a lei n 9010 que determina que o termo Lepra e seus derivados no podero
ser utilizados na linguagem empregada nos documentos oficiais da Administrao pblica brasileira.
8
A simbologia de medo causada pela denominao lepra acabava por empurrar os doentes a uma vida
clandestina, que chegavam a adotar novos nomes para no prejudicar a famlia.
19
maioria das vezes por mdicos que, em alguns casos, estiveram envolvidos diretamente no
processo de polticas de combate doena no Brasil, retratam um olhar herico da medicina
sobre a doena e seus respectivos impactos sociais. Entretanto, preciso considerar que essa
produo foi realizada dentro de um determinado momento histrico e incorpora um vis
positivista de inevitvel progresso da medicina, isento na maioria das vezes de um perfil
analtico do processo histrico.9
Um bom exemplo a Histria da lepra no Brasil, uma obra basilar em qualquer
pesquisa sobre a trajetria da doena no pas. Ela foi escrita pelo mdico Herclides Csar de
Souza-Arajo, destacado leprologista que ocupou importantes cargos na sade pblica no
perodo em que a principal forma de tratamento consistia no isolamento compulsrio em
hospitais colnia. A obra, composta por trs volumes e publicada entre os anos de 1946 a
1956, abarca os perodos Colonial, Imperial e Republicano e bastante utilizada como fonte
primria devido imensa quantidade de documentos reproduzidos em suas pginas.
A segunda obra que me refiro, tendo ainda um olhar mdico e, portanto, uma narrativa
heroica sobre a histria da doena, foi organizada e publicada pelo Servio Nacional de Lepra
em 1950. Os dois volumes de Tratado de Leprologia apresentam vrios artigos sobre a
histria, as pesquisas laboratoriais, a profilaxia e o tratamento da lepra no Brasil at aquele
momento.
No livro Ns tambm Somos Gente: trinta anos entre leprosos, publicado em 1961,
o Dr. Orestes Diniz apresenta suas memrias profissionais relacionadas lepra, cujo
envolvimento perpassa toda sua vida profissional. Alm de diretor do Hospital Colnia Santa
Izabel, em Minas Gerais, Diniz ocupou vrios cargos de gesto na esfera pblica e
notabilizou-se como um dos principais leprologistas do pas. Sua obra apresenta um olhar
heroico dos profissionais da sade, enfatizando a vitria da medicina sobre a doena.
Na produo de conhecimento histrico acadmico contemporneo sobre a lepra, a
diversidade bem maior. Destaco aqueles que, seja pela qualidade do trabalho ou a
perspectiva abordada, ofereceram subsdios para realizao desta dissertao.
A tradio heroica ou otimista teve como principal referncia os trabalhos desenvolvidos por George
Rosen, que apresenta uma viso progressista na qual a medicina social apresentou um carter reformista. Uma de
suas principais bandeiras seria a capacidade de salvar a humanidade do terrvel mal que representam as doenas,
eliminando as deficincias relacionadas manuteno do bem-estar social da populao. O desenvolvimento
econmico seria benfico, pois levaria qualidade de vida e sade a todos. In: PORTER, Dorothy. The History of
the Public Health and Modern State. Amsterdam: Rodopi B.V., 1994. Apud. CAMPOS, Andr Luiz Vieira de.
Polticas internacionais de sade na Era Vargas - O Servio Especial de Sade na Era Vargas, 1942-1960. Rio
de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006, pp. 13-23.
20
21
22
23
Fontes e metodologia
10
Advogado, nascido em Pitangui, cidade do interior de Minas Gerais, Gustavo Capanema Filho iniciou seus
estudos nesta cidade e transferiu-se em seguida para Belo Horizonte. Ingressou em 1920 na Faculdade de Direito
de Minas Gerais, onde se tornou amigo de Abgar Renault, Mrio Casassanta, Gabriel Passos e Emlio Moura,
que mais tarde se destacaram no campo da literatura e poltica. Fez parte do grupo conhecido como Os
intelectuais da rua da Bahia, integrado tambm por Carlos Drummond de Andrade, Mlton Campos, Joo
Alphonsus e Joo Pinheiro Filho. Em dezembro de 1924, tornou-se bacharel em direito e ingressou na vida
poltica, elegendo-se vereador da Cmara Municipal de Pitangui em 1927. Fez parte da administrao pblica
mineira, sendo indicado pelo Congresso Nacional chefia do Ministrio da Educao e Sade Pblica em 1934,
10 dias depois de Getlio Vargas ser eleito presidente do Brasil. cf. BOMENY, Helena Maria Bousquet;
COSTA, Vanda Maria Ribeiro, SCHWARTZMAN, Simon. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro, Editora FGV,
2000. Pg. 9-35; Verbete: Gustavo Capanema Filho in: Dicionrio Histrico-Geogrfico Brasileiro.
http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx (Acessado em 21 de fevereiro de 2014)
11
CAMPOS, Andr Luiz Vieira de. Polticas internacionais de sade na Era Vargas O Servio Especial de
Sade Pblica na Era Vargas, 1942-1960. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2006 e FONSECA, Cristina M. Oliveira.
Sade no Governo Vargas (1930-1945): dualidade institucional de um bem pblico. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2007.
24
vieses polticos ou sociais do perodo em que ela foi produzida. Segundo Paul Thompson, os
historiadores muitas vezes so menos cautelosos ao analisar jornais para se construir o
passado, pois raramente tem condies de destrinchar as possveis fontes de distoro em
jornais antigos. Podemos at saber:
Quem era o proprietrio do jornal e, talvez, identificar sua orientao poltica ou
social; nunca, porm, se poder conjecturar sobre o colaborador annimo que
redigiu determinada matria partilhava daqueles vieses. (...) Ela tambm
selecionada, moldada e filtrada por um determinado vis, a respeito do qual, no
entanto o historiador no est seguro.12
12
13
RODRIGUES, Jos Honrio. Teoria da Histria do Brasil: Introduo metodolgica. 3 ed. So Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1968. pp.198-200. Apud. LUCA, Tnia Regina de. Fontes impressas. Histria dos,
nos e por meio dos peridicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Histricas. 2ed. So Paulo:
Contexto, 2008. pp.115-116.
14
LUCA, Tnia Regina de. Fontes impressas. Histria dos, nos e por meio dos peridicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (org.). Fontes Histricas. 2ed. So Paulo: Contexto, 2008. pp.116.
25
suas atividades em 1948, tendo como um de seus redatores Nelson Almada Abreu que foi
interno na Colnia Tavares de Macedo entre as dcadas de 1940 e 1950. Seus textos
noticiavam as atividades culturais, festas e visitas organizadas pelas sociedades filantrpicas,
artigos sobre a lepra e principalmente as movimentaes poltico-partidrias ligadas ao PSD,
que ocorreram na Colnia entre as dcadas de 1940 e 1960. A partir de sua colaborao neste
editorial, foi possvel mapear uma srie de acontecimentos ocorridos no interior da Colnia e
compreender inclusive como se deu a relao entre poder local e os internos da instituio.
Outro peridico local que tambm contribui para a realizao desta pesquisa foi o
Jornal O Itaborhaynse. Este jornal, fundado em 1895, teve suas atividades paralisadas em
1930, retornando com produo ininterrupta a partir de 1952. A partir dele pude levantar
informaes referentes histria poltica local, que muitas vezes foram silenciadas pelo Jornal
Folha de Itabora, devido este representar os interesses do PSD no municpio de Itabora.
Ainda que a atuao poltica do PSD em Itabora, durante as dcadas de 1940 e 1960, no
tenham sido foco especfico de nosso trabalho, busquei analisar apenas os movimentos
polticos que envolveram direta e indiretamente a Colnia, a fim de comprovar o argumento
de que a instituio e o poder local uniram suas foras na luta por melhorias do sistema de
servios pblicos do municpio e, portanto, evidenciando a falsa questo de que a presena da
Colnia iria prejudicar o municpio.
Tambm foram analisados documentos da Cmara Municipal tais como decretos,
resolues, deliberaes, leis e livros de ata. Porm, apesar da imensa boa-vontade dos
funcionrios responsveis pelo Centro de Memria e Documentao da Instituio, no foi
possvel obter acesso aos documentos do perodo de instalao da Colnia (1935-1938), pois
a documentao mais antiga (principalmente os livros de ata das sesses da Cmara
Municipal), existente no acervo do final da dcada de 1940.
Outro relevante conjunto de fontes coletados e analisados, encontram-se no Arquivo
Pessoal de Gustavo Capanema. L foi possvel localizar relatrios, boletins, regimentos,
regulamentos, estatutos e outros tipos de fontes oficiais, que foram de grande importncia
para o entendimento da rede burocrtica que envolvia as aes de sade propostas pela Unio.
Tambm encontrei material especfico relativo Colnia de Igu: por exemplo, o
planejamento da instituio, descrio de sua estrutura e funcionamento, conflitos envolvidos
em sua instalao, relatrio tcnico referente localizao do leprosrio e as vantagens do
terreno de Itabora, alm de correspondncias trocadas entre mdicos, autoridades do Governo
Federal, do Estado do Rio e do Ministrio da Educao e Sade durante o perodo de 1936,
evidenciando as insatisfaes locais j mencionadas. Outro importante documento presente
26
15
PARREIRAS, Dcio. Anotaes acerca do isolamento nosocomial na lepra. A Colnia de Igu (Estado do
Rio). In: Arquivos de Higiene. Ministrio da Educao e Sade. Departamento Nacional de Sade. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional. Ano 7. n2, 1937. p. 99-110.
27
Em 1940, dois anos depois da inaugurao oficial, a Colnia de Igu passa a ser designada Colnia Tavares de
Macedo.
17
18
JOUTARD, P. Desafios histria oral do sculo XXI. In: FERREIRA, M.; FERNANDES, T. & ALBERTI, V
(Org.). Histria oral: desafios para o sculo XXI. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.p.33.
28
voz do passado? Essas questes esto sempre presentes no ofcio do historiador, porm de
uma forma mais veemente com aqueles que trabalham com a metodologia de Histria Oral.
Um dos aspectos mais polmicos em trabalhar com depoimentos orais diz respeito a sua
credibilidade. A principal crtica fica por conta da subjetividade da fonte, que sustentada
pela memria do entrevistado, que pode ser falvel e fantasiosa. Um dos principais objetivos
do pesquisador seria justamente descobrir: porque o entrevistado selecionou determinados
fatos? Porque em outros foi omisso? 19
Sobre a legitimidade da histria oral e suas especificidades, Aspsia Camargo, que
participou da criao do Programa de Histria Oral do CPDOC, em 1975, afirma:
A histria oral legtima como fonte porque no induz a mais erros do que outras
fontes documentais e histricas. O contedo de uma correspondncia no menos
sujeito a distores factuais do que uma entrevista gravada. A diferena bsica
que, enquanto no primeiro caso a ideologia se cristaliza em um momento qualquer
do passado, na histria oral a verso representa a ideologia em movimento e tem a
particularidade, no necessariamente negativa, de reconstruir e totalizar,
reinterpretar o fato.20
Um dos livros capazes de oferecer instrumentos ou recursos a esses questionamentos a obra: THOMPSON,
Paul. A voz do passado. So Paulo: Paz e Terra, 1992.
20
CAMARGO, Aspsia. Apresentao. Quinze anos de Histria Oral: Documentao e metodologia. In:
ALBERTI, Verena. Histria Oral: a experincia do Cpdoc. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentao
de Histria Contempornea do Brasil, 1989. p.09.
21
POLLAK, Michael. Memria, esquecimento, silncio. In: Estudos Histricos. Rio de Janeiro, v. 2, n.3, 1989.
pp.03-15 e THOMPSON, Paul. THOMPSON, Paul. A voz do passado. So Paulo: Paz e Terra, 1992. pp.9-19.
29
Estrutura da dissertao
30
impactos das febres de Macacu, alm de evidenciar os embates polticos ocorridos atravs
do enfrentamento dos poderes local e regional, aps a escolha de Itabora como local de
instalao do referido leprosrio.
Finalmente, no terceiro captulo, intitulado Colnia do Igu: O chamariz da
desgraa ou cidade da esperana?, o objetivo ser de analisar o principal mecanismo de
combate lepra: o leprosrio. Para isso, trato da Colnia de Igu, a partir de seu projeto de
construo, que foi baseado em um modelo de Colnia agrcola, vislumbrado como uma
verdadeira cidade em miniatura. Sua organizao, as regras de convvio, atividades
culturais, entre outros, so aspectos abordados nesse captulo. Alm disso, realizo um breve
histrico do papel da Sociedade Fluminense de Assistncia aos Lzaros e Defesa Contra a
Lepra na realizao da Campanha de Solidariedade, em prol da construo do Preventrio
Vista Alegre, instituio filantrpica destinada a cuidar dos filhos sadios dos doentes.
Finalmente, demonstro que, ao contrrio do que foi veiculado por lideranas locais em
Itabora contrrias instalao do leprosrio naquele municpio, a Colnia de Igu acabou por
tornar-se uma instituio importante na cidade, sendo utilizada pelo poder local, inclusive,
como instrumento de barganha na conquista de importantes benefcios para a populao,
como a instalao do servio de luz e melhorias no fornecimento de gua ao municpio.
31
22
CASTRO SANTOS, Luiz Antonio. Poder, Ideologias e Sade no Brasil da Primeira Repblica: ensaio de
sociologia histrica. In: HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diego. Cuidar, controlar, curar: ensaios histricos
sobre sade e doena na Amrica Latina e Caribe. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004. pp. 249-293; HOCHMAN,
Gilberto. A era do saneamento - As bases da poltica de sade pblica no Brasil. So Paulo: Hucitec/ANPOCS,
1998. pp. 96-97.
23
Criada em 1897, a Diretoria Geral de Sade Pblica tinha como atribuies: dirigir os servios sanitrios e
fluviais; fiscalizao do emprego da medicina e farmcia; pesquisas sobre doenas infecto-contagiosas;
realizao de censo e formulao de estatsticas sanitrias e auxiliar aos Estados.
24
32
Durante boa parte do sculo XIX, as epidemias assolaram a capital federal e outras
regies do pas. Refiro-me principalmente s epidemias25 de febre amarela em 1850 e de
clera em 1855, que elevaram consideravelmente as taxas de mortalidade e colocaram na
ordem do dia a questo da salubridade pblica, em geral, e das condies higinicas das
habitaes coletivas, em particular. Segundo Sidney Chalhoub, foi a partir desses
acontecimentos que teve incio o surgimento de uma ideologia da higiene.26
Diversas medidas foram tomadas na capital da Repblica, reforando a poltica
higienista que se caracterizou por uma forte interveno no espao pblico e privado. A
derrubada do cortio Cabea de Porco, no centro da cidade do Rio de Janeiro em fevereiro de
1893, um exemplo destas modificaes, que abriu caminho para uma mudana
paradigmtica ocorrida na administrao de Pereira Passos (1902-1906), conhecida como
bota-abaixo.27
Durante o perodo de 1904 a 1919, duas grandes reformas sanitrias ocorreram sob a
direo de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, com grande atuao atravs do Instituto Oswaldo
Cruz.
O chamado movimento sanitarista registra dois momentos de grande importncia
para se compreender o processo de elaborao de polticas pblicas e o desenvolvimento de
servios de sade para o combate s endemias. Em um primeiro momento, a Reforma
Sanitria iniciada em 1903, pelo diretor-geral de Sade Pblica Oswaldo Cruz e promulgada
pelo decreto n 5.156, de 8 de maro de 1904, transformada em Regulamento Sanitrio da
Unio pelo ministro da Justia e Negcios Interiores J. J. Seabra. No segundo semestre de
1904, Oswaldo Cruz apresentou ao Congresso Nacional um projeto de vacinao e
revacinao contra a varola, considerada obrigatria desde fins do sculo XIX.28
25
Julgo destacar que alm destas epidemias que se notabilizaram por seus impactos sociais, h tambm o registro
de epidemias que assolaram regies fora dos centros urbanos. Apesar de ocorrerem em menor escala foram
responsveis por ocasionarem um considervel nmero de bitos, influenciando tambm a percepo de que era
preciso modificar as aes sanitrias. A ttulo de exemplificao, cito a prspera regio da Vila de Santo Antnio
de S, no Rio de Janeiro, que sofreu um grande surto epidmico de malria no final da dcada de 1820.
Denominada de febres de Macacu foi descrita pelos memorialistas e historiadores locais como uma das causas
de decadncia econmica da regio. No prximo captulo, retomaremos essa questo.
26
CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortios e epidemias na corte imperial. 3Ed. So Paulo: Companhia das
Letras, 2004. pp.25-30.
27
BENCHIMOL, J. Pereira Passos: Um Haussmann Tropical. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura,
Turismo e Esportes/Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, 1992. (Biblioteca Carioca).
pp. 205-206
28
33
29
Ibidem.
30
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. So Paulo: Brasiliense.
1984, pp. 3-5.
31
A Revolta da Vacina foi um fato histrico que apresenta vrias leituras a partir de diferentes anlises
historiogrficas. Dentre dessas abordagens, destacamos: BENCHIMOL, J. L. (1990, 2001); CARVALHO,
J.M.(1996); CHALOUB, S.(1996); SEVCENKO, N.(1984).
32
Hochman utiliza esse conceito e demonstra que no haveria soluo individual e local para os problemas de
sade e saneamento. A interdependncia demandou a constituio de uma autoridade capaz de implementar
polticas em todo pas, desconhecendo as fronteiras estaduais, sobre toda a populao, restringindo, quando
necessrio, a liberdade individual e o direito de propriedade. HOCHMAN, Gilberto. (1998).pp.81-82.
33
Um exemplo dessas aes (Decreto n 422, de 15 de maio de 1903) para evitar a propagao da tuberculose,
tornou-se obrigatrio o uso de escarradeiras em todos os recintos pblicos; proibiu-se tambm escarrar nos
veculos de transporte de passageiros, exigindo-se das companhias a lavagem do assoalho com soluo antisptica. In: BENCHIMOL, J. Idem. p. 285.
34
34
35
As viagens cientficas promovidas pelo Instituto Oswaldo Cruz entre 1912-1916 ao interior do Brasil,
revelaram um pas doente e miservel, desconstruindo uma viso determinista baseada na questo racial e
climtica como grande obstculo civilizatrio do pas como vigia o pensamento social no sculo XIX. Iniciou-se,
a partir da, um amplo movimento poltico e intelectual que proclamava a doena como principal barreira
civilizao. Para maiores informaes: CASTRO-SANTOS, Luiz Antnio de. O pensamento sanitarista na
primeira repblica: uma ideologia de construo da nacionalidade. In: DADOS. Revista de Cincias Sociais, Rio
de Janeiro, v. 28, n.2, pp.193-210, 1985. HOCHMAN, Gilberto. (1998). LIMA, Nisia Trindade. Um serto
chamado Brasil. Intelectuais e representao geogrfica da identidade nacional. Rio de Janeiro: IUPERJ/Editora
Revan,1999.
36
37
Essa expresso foi proferida em um discurso realizado pelo mdico e professor Miguel Pereira na Academia
Nacional de Medicina em 1916.
38
SANTOS, Luiz Antonio de Castro. (1985). pp.10-11.
35
organizou e montou com o Instituto Pasteur e Butantan, uma rede de pesquisa com apoio da
Rockefeller.39
As elites polticas dos estados foram se conscientizando da interdependncia sanitria,
pois no adiantava mais a soluo poltica de culpar o vizinho. Era necessria a adoo de
uma poltica centralizadora, com capacidade de coordenao e coero a fim de impedir que
as outras partes deixassem de cooperar, ou atuando diretamente nestas reas implementando
com isso as aes necessrias. O problema seria quem arcaria com os recursos e somente por
meio de negociaes entre estados e Governo Federal isso seria possvel, pois, do contrrio
cada um teria que cuidar do problema de maneira individualizada.40
No caso do estado de So Paulo essa no era a principal questo j que era um estado
que possua recursos para financiar suas prprias polticas de sade pblica, mas por
diferentes interesses41 participou e apoiou a interveno federal nos outros estados desde que
sua autonomia poltica fosse preservada42. O maior obstculo a ser enfrentado pela Unio na
adeso dos estados, dizia respeito autonomia regional e local, fundamentada em um sistema
oligrquico que dominou por boa parte da Primeira Repblica. 43 Romper a barreira da
autonomia no foi fcil, pois demandou articulao poltica entre Unio, estados e municpios.
O empenho do movimento sanitarista pela reforma da sade, principalmente na
segunda fase durante a dcada de 1910, foi fundamental para a definio da autoridade do
estado nacional no campo da sade. Alguns desses atores que protagonizaram tais aes,
como Belisrio Pena e Artur Neiva, identificaram as grandes endemias como empecilho ao
39
41
Hochman chama ateno para a questo das epidemias e doenas contagiosas, ocorridas ao longo do sculo
XIX, que acabaram por estimular polticas emergenciais e surtos de solidariedade. Foi nesse contexto que
ocorreu o encontro entre conscincia e oportunidades. A preocupao social das elites e seus interesses
particulares levou ao surgimento de polticas de sade pblica, onde os males pblicos ocasionados pela
precariedade sanitria no poderiam ser solucionados individualmente. HOCHMAN, Gilberto. Idem. pp. 149153.
42
A Constituio de 1891 definia que a responsabilidade pela higiene e saneamento dos estados era atribuio
das esferas estadual e municipal, cabendo Unio os cuidados dos portos martimos e fluviais. Idem, p.167.
43
Trata-se da poltica do caf com leite que favorecia os interesses das chamadas oligarquias de primeira
grandeza que eram So Paulo e Minas Gerais. Sua manuteno era garantida por um sistema poltico
fraudulento e frgil, regido pela poltica dos governadores que favorecia a perpetuao no poder das lideranas
regionais e consequentemente do governo federal. Um liberalismo excludente garantido por um federalismo que
favorecia uma pequena parcela da populao. LESSA, Renato. A inveno Republicana: Campos Sales, as bases
e a decadncia da Primeira Repblica Brasileira. So Paulo: Vrtice, Editora Revista dos Tribunais: Rio de
Janeiro: Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988. Pp. 99-136.
36
desenvolvimento do pas. No quadro das doenas que faziam parte das grandes endemias
destacavam-se a leishmaniose, a turberculose, a sfilis, as disenterias, a ancilostomase, a
malria e a febre amarela. Elas atacavam com maior virulncia as populaes pobres e
desassistidas das reas rurais. A lepra no fazia parte dessa enumerao e ser alada a
problema de sade pblica nacional, a partir de um movimento que ser analisado a seguir.
1.2 Lepra: A filha mais velha da morte
COSTA, Dilma Ftima A. C. da. Entre ideias e aes: Lepra, medicina e polticas pblicas de sade no Brasil
(1894-1934). Tese de Doutorado, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2007. pp.218-219; CRUZ,
Oswaldo. Uma Questo de Hygiene Social. In: Jornal O Imparcial, n 211, 03/07/1913.
45
COSTA, Dilma Ftima A. C. da. Idem, pp.70-73; PANDYA, Shubhada S. The First International Leprosy
Conference, Berlin 1897: the politics of segregation. In: Histria, Cincias, Sade-Manguinhos. Volume 10
Suplemento 1 Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. pp.162-177.
37
46
47
PANDYA, Shubhada S. Idem. pp. 170-174; MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sos perde o lzaro a
liberdade: Uma histria das polticas pblicas de combate lepra no Brasil (1941-1962). Tese de Doutorado
em Histria Social, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2007. pp.203-204.
48
38
principalmente a partir do esforo de alguns atores, que iro se empenhar para descrever os
perigos que a doena representava para a raa e o progresso do pas.
1.2.1 Uma questo de hygiene social49
50
49
Ttulo do artigo assinado por Oswaldo Cruz para O Imparcial, de 13 de julho de 1913.
50
Neste perodo destacam-se os mdicos Oswaldo Cruz, Belisrio Pena, Artur Neiva, Adolpho Lutz, Carlos
Chagas, Eduardo Rabello, Fernando Terra, Juliano Moreira, Paulo Silva Arajo, Belmiro Valverde, Emlio Ribas
e Herclides C. de Souza-Arajo. COSTA, Dilma Ftima A. C. da. Idem. pp.226; SOUZA-ARAJO, Herclides
C. de. Idem, pp.115-210.
39
notrio o esforo empregado por Oswaldo Cruz para caracterizar e dar visibilidade
doena. No obstante, lamenta a falta de um conhecimento mais objetivo quanto aos aspectos
etiolgicos da endemia, classificando-o como incompletos e insuficientes.
Durante a dcada de 1910, assim como Oswaldo Cruz, outros mdicos buscaram
sensibilizar no s os gestores pblicos, como tambm toda a sociedade para o grande
perigo que a doena representava. Em alguns casos, com certo exagero, como demonstrado
pelo Dr. Emilio Gomes em sesso de 22 de julho de 1915, na Academia Nacional de
Medicina:
um movimento humanitario esse em prol do estabelecimento de uma prophylaxia
sria contra a lepra, a mais terrvel das epidemias que se vem desenvolvendo de
maneira espantosa nestes ltimos tempos.53
Esses dois exemplos, possibilitam perceber o esforo realizado pelos mdicos, para
caracterizar uma doena que representava uma ameaa civilizao e precisava ser
dimensionada, da a utilizao da imprensa para demonstrar que a lepra, assim como as
grandes endemias, tambm necessitava de prioridade em seu combate.
Outros espaos de discusso importantes foram o Primeiro Congresso Mdico Paulista
em 1916 e o VIII Congresso Brasileiro de Medicina ocorrido no Rio de Janeiro em 1918.
Apesar de abrangerem todas as especialidades da medicina do momento, variados trabalhos
sobre lepra foram apresentados, com enfoque em estudos sobre o censo, inquritos, histricos
sobre a doena nos estados, frequncia e distribuio geogrfica, o projeto da leprosaria
modelo, assim como o tratamento. Souza-Arajo salienta que esses dois congressos marcaram
uma nova ra na soluo do grave problema da leprose no Brasil.54
Esse crescimento das discusses em torno da lepra por parte da comunidade mdica,
seja em publicaes, comisses ou congressos, demonstra o aumento da demanda em se
discutir e construir polticas pblicas para seu combate.55
52
53
Annaes da Academia de Medicina de 22 de julho de 1915. Tomo 81, p.158. Apud. SOUZA-ARAJO. Idem.
pp.123-124
54
55
CUNHA, Vivian da Silva. O Isolamento Compulsrio em Questo: polticas de combate a lepra no Brasil
(1920-1940) 2005. Dissertao (Histria das Cincias da Sade) Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz. Rio de
Janeiro, 2005. p. 43.
40
Entretanto, destaca que esse quadro no foi suficiente para modificar a relevncia
sanitria que a lepra possua, mantendo-se ainda aprisionada pela complexidade de sua
transmisso e pela baixa eficcia de sua teraputica. Esse cenrio s se modificou com a
criao da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenas das Venreas (IPLDV) em 1920, que
era subordinada ao DNSP.57
O DNSP possua entre suas funes, os servios sanitrios e de higiene da capital
federal; a profilaxia rural em todo o territrio nacional; os servios sanitrios nos portos; o
estudo da natureza, etiologia, tratamento e profilaxia das doenas transmissveis; assim como
a assistncia aos leprosos e demais doentes que necessitassem de isolamento, a exemplo dos
tuberculosos.58
O regulamento sanitrio aprovado a partir de sua criao previa no artigo 1, item i,
que seria provida a assistncia aos morpheticos no Distrito Federal; e no artigo 5, item e,
criao de Servios de prophylaxia contra a lepra e contra as doenas venreas em todo
paiz. Assim nasceu a IPLDV estabelecendo como algumas de suas aes, a notificao
obrigatria do doente, o exame peridico dos comunicantes e o isolamento do leproso seja na
forma nosocomial ou domiciliar.59
A relevncia da lepra frente demais doenas, comeava a ganhar outra perspectiva.
Esse fato destacado por Vivian Cunha quando menciona que enquanto o Servio Especial
Contra a Tuberculose estava subordinado Diretoria dos Servios Sanitrios do Distrito
Federal, atendendo exclusivamente os doentes da capital, a IPLDV possua uma abrangncia
56
57
Idem. pp.388-400.
58
BRASIL, Coleo de Leis, 1920, vol.1, p.1. Decreto n. 3.987, de 02 de janeiro de 1920.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1920-1929/lei-3987-2-janeiro-1920-570495-publicacaooriginal-93627pl.html.(Acessado em 01/06/2014)
59
Idem.
41
nacional. Assim, a partir dessa nova conjuntura sanitria possvel identificar no rol das
doenas que assolavam o pas, novos contornos em torno da lepra. vlido destacar que os
estados e municpios que desejassem realizar servios similares deveriam entrar em acordo
com o governo federal, entregando a direo tcnica e administrativa desses servios ao
DNSP ou especificamente IPLDV.60
A partir desse novo arranjo institucional cujo objetivo foi reorganizar os servios de
sade pblica, a lepra foi alada ao lugar de problema de sade pblica nacional.
O regulamento do DNSP teve a direo de Carlos Chagas com a colaborao de outros
mdicos de destaque nesse perodo, como o dermato-sifilgrafo Eduardo Rabello61 incumbido
de elaborar as diretrizes profilticas que orientariam a IPLDV.62
Com a aprovao do regulamento sanitrio, as aes que orientavam a profilaxia da
Tuberculose e da Lepra, foram alvos de crticas contundentes por parte da comunidade
mdica, principalmente no que se refere ao isolamento obrigatrio. No existia unanimidade
quando a pauta era a segregao dos doentes de lepra. Adiante, veremos o processo que levou
ao fortalecimento da poltica de isolamento compulsrio, destacando os principais argumentos
utilizados para a legitimao desta poltica pblica.
1.3 Isolamento compulsrio: condio essencial para o bom xito da prophylaxia63
O isolamento de um leproso, dadas as suas condies sociaes, pde ser medida dura
de executar, mas necessria e sem esse rigor no haver prophylaxia eficaz.(...) O
novo regulamento sanitrio adopta, bem verdade, o princpio do isolamento
obrigatrio, cometendo, porm, o grave erro de admitir seja elle feito em domicilio.
(...) No se pde admitir, entretanto, no seja obrigatrio o isolamento de todos os
leprosos e no se generalize a medida a todo Brasil. 64
60
61
Eduardo Rabello foi um grande expoente da medicina brasileira na primeira metade do sculo XX. Formado
em 1903 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e discpulo de Oswaldo Cruz, trabalhou por longo
perodo no Instituto de Manguinhos. Depois de formado, dedicou-se micologia (cincia que estuda os fungos) e
foi nomeado em seguida para o laboratrio bacteriolgico federal. Destacou-se em sua atuao no terreno da
dermatologia, com intenso trabalho em pesquisas, sendo reconhecido pela comunidade mdica como referncia
principal em Dermatologia na Amrica do Sul. In: Revista de Combate a Lepra, Ano VI, Rio de Janeiro, maro
de 1941. pp. 299-300.
62
63
Expresso utilizada por Dr. Emlio Ribas em Conferncia realizada no Primeiro Congresso Medico Paulista
em 4 de dezembro de 1926. Apud. SOUZA-ARAJO. Idem, pp. 161-175.
64
Brazil Medico, Anno 34, 24 de julho de 1920. p. 481. Apud. SOUZA-ARAJO. Idem. pp. 264-265.
42
A defesa pelo isolamento domiciliar j era realizada por outros leprologistas antes
mesmo da publicao do regulamento de 1920. Tais mdicos, assim como Rabello,
afirmavam que essa possibilidade s poderia ocorrer quando os doentes dispusessem de
recursos para manterem seu sustento e tratamento, desde que seguissem o protocolo sanitrio
incluindo a vigilncia necessria. Um dos principais argumentos, na defesa dessa medida, era
a recomendao internacional que assegurava tal procedimento. Segundo Vivian Cunha, este
debate, entretanto, no terminou com a resposta de Rabello, ocorrendo rplica por cada uma
das partes.
Em 1923, elaborado um novo regulamento para a sade pblica que vigorou por um
longo perodo, sendo modificado apenas em 1934.67 A finalidade da nova legislao foi
estabelecer um protocolo a ser seguido em todo territrio nacional; contudo, nem todos os
65
Idem.
66
43
estados adotaram esse ideal profiltico. Na Bahia, por exemplo, foi aprovado o decreto n
4144, de 20 de novembro de 1925, referente ao cdigo sanitrio estadual, no qual se
estabelece a criao de uma colnia agrcola para isolamento dos doentes, mantendo a deciso
federal de isolamento domiciliar para os no indigentes desde que fossem regularmente
vigiados.68
Em So Paulo as aes aconteciam de uma forma bem diferente. Pautado em uma
profilaxia de isolamento compulsrio extremamente rgido, independente da forma clnica da
doena, este estado acabou por inspirar outros na adoo de aes que se assemelhavam s
suas diretrizes no combate doena.
O chamado modelo paulista foi oficializado em 1917, aps a realizao de uma
reforma sanitria em So Paulo e diferentemente das aes que orientavam a IPLDV em nvel
nacional, seu programa profiltico exigia a internao de todos os diagnosticados. Segundo
Yara Monteiro, esse foi um dos principais motivos que levaram o estado a construir uma
ampla rede de leprosrios e aplicar o modelo de internao em massa aps a Revoluo de
1930. A singularidade do modelo paulista demonstra que mesmo com todas as mudanas
pretendidas a nvel nacional aps a revoluo de 30, So Paulo manteve uma identidade
peculiar que o diferenciava das demais unidades da federao, transformando-o em uma
referncia no combate lepra.69
Como foi possvel observar, o isolamento compulsrio dividiu opinies em torno de
uma ao profiltica que foi o epicentro da histria da lepra no Brasil durante a primeira
metade do sculo XX.
A partir dos bons resultados obtidos pelo uso do isolamento compulsrio na Noruega e
sendo uma prtica legitimada pela figura de Hansen, conclui-se que sua adoo era
indispensvel para o controle da doena. A incapacidade cientfica70 da medicina em dar
respostas eficazes s dvidas que ainda permaneciam a respeito da transmisso, controle ou
68
69
Segundo a autora, a Inspetoria de Profilaxia da Lepra de So Paulo era muito bem organizada e tinha uma
espcie de dossi completo de cada caso de doente comprovado, alm dos comunicantes que eram as pessoas
suspeitas de estarem infectados. Todas as informaes ficavam armazenadas em um nico arquivo na cidade
de So Paulo. cf. MONTEIRO, Yara Nogueira. Da maldio divina excluso social: um estudo da hansenase
em So Paulo. Tese de Doutorado. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1995, pp. 163-167.
70
A cultura artificial de um agente infeccioso qualquer, possibilita o seu mapeamento atravs da realizao de
pesquisas cientficas. O modo de transmisso, preveno, tratamento e cura das doenas so apontados de acordo
com essas realizaes. Ao adentrarmos no campo do estudo biolgico da lepra, surgem lacunas que se mantm
at a atualidade. Uma delas o fato de seu agente causador, o bacilo mycobacterium leprae no permitir cultura
in vitro, impossibilitando inclusive a criao de uma vacina.
44
cura da lepra cedeu terreno para perpetuao de uma cultura que Vvian Cunha denominou de
tradio de isolamento. Tal prtica vem desde os tempos bblicos e que partir de uma nova
moldura no sculo XX, legitimava a retirada do doente do convvio social. A percepo da
lepra como um castigo divino no mais se sustentava, porm a prtica do isolamento para boa
parte da comunidade mdica surgia como a maior das certezas a para a soluo deste
flagelo.71
Entretanto, em 1923, ocorreu a III Conferncia Internacional de Lepra, em
Estrasburgo, Frana, e as opinies dissonantes segregao irrestrita de acometidos pela lepra
ganhou espao. Apesar de este evento ratificar as diretrizes estabelecidas nas duas
Conferncias anteriores que norteavam as aes profilticas no combate lepra, o discurso
em torno do isolamento compulsrio apresentou novos contornos evidenciando os
questionamentos para sua eficcia como ideal profiltico e que, ento, foram explicitados.72
A presena de um vis humanitrio nas resolues desta Conferncia determinava
que nos pases onde a lepra no alcanasse nveis endmicos, o isolamento nosocomial, da
maneira como era empregado na Noruega, s seria recomendado se fosse possvel, no seria
mais uma condio fundamental. Nos pases onde havia focos da doena, ou seja, em regies
que apresentavam ndices endmicos, o isolamento continuaria a ser fortemente recomendado,
desde que o doente pudesse, sempre que possvel, ficar prximo de sua famlia.73
No Brasil foram organizados fruns de debates em que a doena ganhava espao de
discusso, possibilitando a comunidade mdica dimensionar a gravidade que esta representava
e um destes espaos foi o dos Congressos de Higiene ocorridos na dcada de 1920. A
legislao sanitria federal sobre a lepra e sua atuao atravs da IPLDV, foram apresentadas
no I Congresso Brasileiro de Higiene. Um dos principais atores da leprologia deste perodo,
Eduardo Rabello, exps as concluses das trs conferncias internacionais realizadas at
aquele momento, indicando que a legislao brasileira estava de acordo com estas
recomendaes.74
71
72
73
O motivo era evitar a quebra de laos familiares e afetivos, assim como a crena de que esta proximidade
pudesse contribuir para alguma melhora no restabelecimento do paciente, evitando a evaso do leprosrio e
consequente ocultao do doente. MACIEL, Laurinda Rosa. Idem, p.209.
74
CUNHA, Vvian da Silva. Idem.p.57; Revista de Combate a Lepra, Ano IV, Rio de Janeiro, maro de 1941.
pp.299-300.
45
75
Leonard Wood Memorial foi criada em 1929 pelo governo das Filipinas, com intuito de eliminar a lepra
naquela Ilha e como forma de homenagear o antigo governante, Leoanrd Wood que entre os anos de 1921 e
1927, promoveu grandes reformas no leprosrio daquele pas. Alm disso, valido destacar sua postura contrria
ao isolamento irrestrito e compulsrio dos doentes, tornando-se um rduo defensor de uma nova poltica no que
se refere ao isolamento de doentes de lepra. In: MACIEL, Laurinda Rosa. Idem, p.214.
76
Tambm chamado de 1 Congresso Internacional de Lepra. Revista de Combate a Lepra, Ano VI, Rio de
Janeiro, maro de 1939. p.31.
77
MONTEIRO, Yara Nogueira. Idem. pp. 133-134; MACIEL, Laurinda Rosa. Idem, pp. 211-212.
78
79
Boletim da Academia Nacional de Medicina, 1926, pp.263-291. Apud. SOUZA-ARAJO. Idem, p.423.
46
importante destacar a anlise sob a atuao da IPLDV realizada por Dilma Cabral.
Segunda ela, a extino da referida Inspetoria ocorreu a partir de dois referenciais:
O primeiro de que o rgo falhara na execuo de medidas sob os princpios
liberais, percepo sustentada pela crtica s suas prescries profilticas que no
priorizam a construo de leprosrios para o isolamento dos doentes; o segundo
seria o discurso da eficincia da administrao sanitria paulista na conduo do
combate lepra, especialmente a partir de 1927, quando o isolamento compulsrio
em asilos-colnias se constituiria o foco de sua ao.80
81
AGRCOLA, Ernani. A lepra no Brasil (Resumo Histrico). In: BRASIL Servio Nacional de Lepra.
Manual de Leprologia. Rio de Janeiro: SNL, 1960, p.78; Relatrio dos Presidentes do Estado do Rio de Janeiro.
Mensagem Apresentada Assembla Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de Outubro de 1930. Rio
de Janeiro, 1930. pp.51-52.
82
Expresso utilizada em peridicos para fazer meno aos Asilos-Colnias, construdos principalmente entre as
dcadas de 1930 e 1940.
47
83
Annaes do 8 Congresso Brasileiro de Medicina (Rio, 1918). Tomo I, 1925, pp. 379-391. Apud. SOUZAARAJO, Herclides Csar de. Histria da Lepra no Brasil. Perodo Republicano (1890-1952) - Volume III,
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956. pp.245-247; MONTEIRO, Yara Nogueira. Idem. pp.100-101.
84
85
48
km da capital do estado, Belm, este leprosrio inaugurado em 1924, apresentava uma nova
concepo de espao destinado segregao e tratamento de doentes de lepra.
Em 1921, logo aps Souza-Arajo assumir a direo do Servio de Saneamento Rural
do Estado do Par, imediatamente organizou o Servio de Prophilaxia de Lepra do Par,
iniciando em seguida o planejamento da primeira Colnia agrcola do Brasil, que para ele
seria:
(...)A minha pequena contribuio para essa grande obra est terminada. Cumprindo
a risca o meu velho programa, realizei o maior ideal da minha vida profissional.(...)
Estou satisfeito."86
86
SOUZA-ARAJO, Herclides Csar de. Lazarpolis do Prata: a primeira colnia agrcola de leprosos
fundada no Brasil. Empreza Graphica Amazonia: Belm, 1924. p. 9.
87
88
J existia naquele espao uma Colnia Prisional, o Instituto do Prata e a ideia inicial de adaptar o leprosrio
naquele espao institucional, partiu do Chefe de Polcia do Par, Jlio Costa.
89
SOUZA-ARAJO, Herclides Csar de. Histria da Lepra no Brasil. Perodo Republicano (1890-1952) Volume III, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956. pp. 544-545.
90
Segundo Charles Rosenberg a ideia de contaminao pode representar diferentes interpretaes. Em uma
destas anlises, indica que contaminao poderia implicar desordem em um sentido mais geral: qualquer evento
ou agente que viesse subverter uma configurao saudvel estabelecida. In: ROSENBERG, Charles E.
49
Outros fatores que estiveram presente nos protestos contra a instalao do Lazarapolis do Prata foram que a
agricultura, uma das melhores zonas da E. F. de Bragana, seria gravemente prejudicada e tambm pela grande
distncia da localizao do leprosrio considerando a Capital. Revista de Combate a Lepra, Ano X, Rio de
Janeiro, dezembro de 1945. pp.42-43.
92
Esse um dos principais motes da pesquisa, onde analiso adiante os impactos poltico-sociais da construo da
Colnia de Igu no municpio de Itabora, estado do Rio de Janeiro.
93
SOUZA-ARAJO, Herclides Csar de. Lazarpolis do Prata: a primeira colnia agrcola de leprosos
fundada no Brasil. Empreza Graphica Amazonia: Belm, 1924. pp.9-10.
50
que a atitude esperada dos internos era aceitar sua condio e permanecer submisso ao
isolamento, j que deveriam manter a crena no progresso da cincia como possibilidade de
cura para sua enfermidade.
Enquanto este fato no se concretizava, prevalecia a verdade cientfica de que o
isolamento era a alternativa vivel e mais adequada para enfrentar a lepra. Mais tarde, com a
disseminao de leprosrios por todo pas a partir da gesto de Gustavo Capanema, a tnica
do discurso mdico e filantrpico continuar nesse vis, porm o imperativo de preservao
da populao s aparece com mais veemncia, seguida pelo consolo dos lzaros.
1.5 As facetas do isolacionismo
94
CURI, Luciano Marcos. Defender os sos e consolar os lzaros. Lepra e isolamento no Brasil.1935/1976.
Dissertao de Mestrado em Histria - Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia, 2002. pp.139-140.
51
Oswaldo Cruz foi um dos primeiros defensores de que o doente pudesse exercer toda atividade que as suas
foras permitam dentro do leprosrio. Identificada como colnias de leprosos seria uma pequena cidade
onde no faltassem elementos de distrao. Ainda que ele no tenha usado o termo colnia-agrcola fica
patente que as ideias presentes nas colnias agrcolas para leprosos j vinham sendo discutidas desde o incio do
sculo XX, antes mesmo da publicao do Projeto da Leprosaria Modelo nos Campos de Santo ngelo em 1918.
SOUZA-ARAJO, Herclides Cesr de. Histria da Lepra no Brasil. Perodo Republicano (1890-1952) Volume III, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956. pp.116-118.
96
Um exemplo desse debate ocorreu em 1934 na Cmara Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, quando foi
levantada a necessidade emergencial de construo do primeiro leprosrio fluminense. Um dos projetos sugeria a
edificao de uma cidade dos lzaros na Ilha de Carvalho entre os municpios de So Gonalo e Niteri. Esse
fato ser objeto de anlise no segundo captulo desta dissertao.
97
Sobre a experincia insular aplicada no Hava, verificar: TORRES, Diana Obregn. Batallas contra la lepra:
estado, medicina y ciencia en Colombia. Medelln: Fondo Editorial Universidad EAFIT, 2002; TRONCA, talo
A. As mscaras do medo: lepra e aids. Campinas, So Paulo: Editora da Unicamp, 2000.
52
Nesse sentido, fica claro que as discusses em torno do isolamento compulsrio nas
dcadas iniciais do sculo XX, possuam nuances variadas e no eram uma voz unnime. Isso
significa que a aplicao posterior de um modelo isolacionista em grande escala no
98
99
MONTEIRO, Yara Nogueira. Da maldio divina excluso social: um estudo da hansenase em So Paulo.
Tese de Doutorado. So Paulo: Universidade de So Paulo, 1995, pp. 137-140.
100
Entrevista concedida ao jornal Gazeta de So Paulo em 1926 por Adelardo Soares Caiuby. Apud. CURI,
Marcio. Idem. pp.140-141
53
representou um consenso da comunidade mdica e sim foi fruto de uma deciso poltica, que
endossou o protocolo segregacionista.
A partir da Revoluo de 1930, com outros atores nas instncias de poder, a corrente
isolacionista acaba ganhando espao dentro desta nova poltica, iniciando um
recrudescimento na segregao dos doentes. Os isolacionistas radicais que reivindicavam o
programa de isolamento insular, ou os dois municpios de leprosos, no tiveram suas ideias
levadas adiante.
A chegada de Gustavo Capanema ao MESP representou o impulso da prtica do
isolamento compulsrio, a partir das construes de leprosrios por todo pas. Para isso, foi
lanado um planejamento criterioso que preconizava estabelecer um programa capaz de
implementar normas uniformes e obrigatrias de ao a nvel nacional.
Com a ascenso de mdicos comprometidos com os pressupostos da profilaxia
segregacionista, surgiram amplos asilos-colnias que acabaram alimentando uma cultura
isolacionista. Segundo Yara Nogueira, o sucesso do estado de So Paulo representado em
uma ampla rede asilar e a adoo de medidas coercitivas de isolamento em todos os casos de
lepra, acabaram por fortalecer o modelo preconizado pelo grupo mdico que chegou ao poder
aps a ascenso do governo de Getlio Vargas em 1930. Entretanto, torna-se necessrio
perceber como e quando se pulverizou esse modelo em um contexto nacional. Para isso
importante analisar o planejamento aplicado no combate doena a partir desse perodo.
1.6 Organizao Moderna da luta contra a Lepra: O Plano Nacional de Combate
Lepra
Quando assumi a direo do Ministrio, em 1934, no encontrei um plano traado,
para o combate da lepra. O Governo Federal no descurava do assunto, mas talvez,
por escassez oramentria, no poderia agir com a amplitude e o vigor necessrios.
(...) Era preciso, evidentemente, organizar um plano de combate lepra. Uma
endemia dessa gravidade no podia ser combatida com xito, sem a fixao de um
programa completo e rigoroso.
Gustavo Capanema 101
101
Gustavo Capanema presta esclarecimentos Comisso de Sade sobre o Plano Nacional de Combate Lepra
e o Projeto 483, que buscava cancelar a construo da Colnia do Igu em Itabora. In: Arquivo Pessoal Gustavo
Capanema, Seo de 11 de maro de 1937. 1935.09.02. F.576-598. CPDOC/FGV.
54
102
HOCHMAN, Gilberto e FONSECA Cristina. A I Conferncia Nacional de Sade: reformas, polticas e sade
pblica em debate no Estado Novo. In GOMES, ngela de Castro (org). Capanema: o Ministro e seu
Ministrio. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 2000, pp.179-181.
103
Arquivo Pessoal Gustavo Capanema, Seo de 11 de maro de 1937. 1935.09.02. F.576-598. CPDOC/FGV;
MACIEL, Laurinda Rosa. Idem. pp. 94-95.
104
55
atravs da expanso dos servios pblicos de sade, permitiria levar sua influncia a todas as
unidades federadas.105
Capanema foi sabatinado pela Comisso de Sade Federal em maro de 1937 106,
conforme destacado no texto inicial deste item, e os arguidores questionaram o Plano
Nacional de Combate Lepra, pois segundo eles tratava-se apenas de um plano de
construes de leprosrios. Em resposta, o ministro destacou que o referido Plano no se
resumia unicamente construo de leprosrios. Afirmou ainda que, ao chegar ao MESP,
verificou a ausncia de um Plano de cooperao entre a Unio e os estados no combate lepra
e que, por isso, logo em seguida tratou de organiz-lo, convidando tcnicos e especialistas
envolvidos com as polticas de sade deste perodo. Um destes atores foi o Ernani Agrcola107,
que fazia parte da direo dos Servios Sanitrios Federais nos Estados. Alm de Agrcola,
foram convidados: Joo Barros de Barreto, que era diretor da Diretoria Nacional de Sade
Pblica e Assistncia Mdico-Social, e Joaquim Motta, assistente da Seco Tcnica Geral de
So Paulo.108
O plano de construes, questionado pela Comisso de Sade Capanema,
realmente existia e fora elaborado por Ernani Agrcola e Joaquim Motta, em julho de 1935,
sendo a principal engrenagem do Plano Nacional de Combate Lepra. Este planejamento
visava exclusivamente aperfeioar os leprosrios j existentes atravs de reformas e
remodelaes dos projetos originais, alm da construo de novas unidades. Atravs dos
dados disponveis, foi feito um prognstico a ser alcanado considerando, naquele momento,
a incongruncia dos dados, principalmente no que se refere ao censo leprolgico.109
105
FONSECA, Cristina M. Oliveira. Sade no Governo Vargas (1930-1945): dualidade institucional de um bem
pblico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007, pp.133-134.
106
importante assinalar que este episdio ocorreu em um perodo histrico que era permitido convocar um
Ministro para prestar esclarecimentos sobre suas aes na conduo do Ministrio. Esses espaos de discusso e
debates sero suprimidos cerca de 8 meses depois, com a decretao do Estado Novo.
107
Ernani Agrcola formou-se em Odontologia em 1912 e em 1919 diplomou-se mdico pela Faculdade de
Medicina de Belo Horizonte. Pioneiro no pas na luta contra a lepra, participou da elaborao do Plano Nacional
de Combate Lepra em 1935. Professor emrito, considerado um dos maiores leprologistas do continente,
representou o Brasil nos principais congressos internacionais. In:
http://www.sms.rio.rj.gov.br/servidor/cgi/public/cgilua.exe/web/templates/htm/v2/view.htm?infoid=1011&editio
nsectionid=110 ( acessado em 01 de junho de 2014).
108
109
Arquivo Pessoal Gustavo Capanema, Seo de 11 de maro de 1937. 1935.09.02, F.576-598. CPDOC/FGV
BARRETO, Joo de Barros. Problemas Nacionais: I Lepra. Arquivos de Higiene, 1935:5, pp.119-130; O
Plano de Construes. Arquivo Pessoal Gustavo Capanema. F. 541-542. CPDOC/FGV.
56
110
Arquivo Pessoal Gustavo Capanema, Seo de 11 de maro de 1937. 1935.09.02, F.576-598. CPDOC/FGV
111
112
Trataremos no captulo 2, dessa relao entre poder local, regional e federal atravs da anlise dos embates
polticos ocorridos quando da construo da Colnia de Igu.
57
Ano
Investimento
1934
2.045:000$000
1935
1.685:000$000
1936
4.631:6874550
1937
9.801:672$100
1938
15.602:228$000
113
114
O prazo previsto no chamado Plano de Construes para implantao dos leprosrios em todo pas era de
trs anos. BARRETO, Joo de Barros. Idem, pp.119-130.
115
Ibid.
58
Ano de
Instituio
Estado
Cear
1937
Colnia do Bonfim
Maranho
1937
Colnia Itanhenga
Esprito Santo
1937
Colnia de Igu
Rio de Janeiro
1938
Alagoas
1940
Santa Catarina
1940
Colnia Itapoan
1940
Paraba
1941
Colnia Mirueira
Pernambuco
1941
Colnia So Julio
Mato Grosso
1941
Amazonas
1942
Colnia Marituba
Par
1942
Colnia Santa F
Minas Gerais
1942
Minas Gerais
1943
Gois
1943
Minas Gerais
1944
Minas Gerais
1945
Sergipe
1945
Inaugurao
116
59
Deste modo, a avaliao feita por Capanema em 1937, sobre o Plano de Construes
ao ser questionado pela Comisso de Sade na Cmara Legislativa Federal, era de que atrasos
e empecilhos burocrticos acabaram por dificultar a concretizao do Plano. Entretanto,
pouco mais de um ano depois, o ministro em discurso proferido na inaugurao da Colnia de
Igu no Estado do Rio de Janeiro assinalava que:
Estamos realizando metodicamente o Plano de Combate Lepra. De ano para ano os
esforos vo se tornando mais numerosos, mais extensos e mais enrgicos com
resultados cada vez melhores. (...) Sob a inspirao do Presidente Getlio Vargas a
obra prossegue. Persegue com energia, com entusiasmo e com f. Vemos com
alegria que os pontos do plano traado vo sendo atingidos com plenitude e
exatido.117
117
118
Projeto 483 buscava transferir a Colnia do Igu em Itabora para outro local, com aproveitamento do terreno
para a criao de uma estao experimental, a fim de beneficiar a produo agrcola do municpio. Esse projeto
ser objeto de estudo no item 2.5 do captulo 2.
119
60
120
Ibid.
121
122
Ibid.
123
SOUZA-ARAJO, Herclides Csar de. Breve Plano de Prophilaxia da Lepra. Revista de Combate Lepra,
Ano IV, Rio de Janeiro, maro de 1939. p.5
124
AGRCOLA, Ernani. Relatrio das atividades do Servio Nacional de Lepra em 1943. In: Arquivos do Servio
Nacional de Lepra, Ano II, n 2, 1944.
61
A ltima diretriz destacada foi o papel da administrao. Segundo ele, essa ao seria
o conjunto de servios administrativos a serem postos em prtica pelo poder pblico no
combate doena. As medidas administrativas visavam evidentemente padronizar em todos
os estados, o tratamento, a preveno e a cura, considerando o problema em toda a sua
amplitude e atuando no doente, quer caso confirmado ou suspeito, sobre o comunicante e
sobre o pblico em geral. Nesse sentido Capanema conclui:
Portanto, os servios administrativos relativos lepra so constitudos, de um lado,
por ao especial (leprosrios, preventrios e dispensrios) e de outro, por ao geral
(propaganda e educao sanitria).127
125
BARRETO, Joo de Barros. Organizao moderna da luta contra a lepra: a campanha no Brasil. Arquivos
de Higiene. Ano 8, n. 2, 1938. p.254.
126
127
Ibid.
128
62
129
AGRCOLA, Ernani. Situao da lepra no Brasil Organizao do fichrio central. In: Boletim do Servio
Nacional de Lepra, Ano II, n 2, junho de 1943. pp. 45-59.
130
No item 4 do captulo 3 desta dissertao, desenvolvo a atuao destas entidades filantrpicas no Estado do
Rio de Janeiro.
63
No prximo captulo, abordarei a questo da aplicao das verbas federais nos estados,
a partir da execuo do Plano, que se tornar mais evidente quando analisar as iniciativas
pblicas em torno do combate lepra no estado do Rio de Janeiro. Inicialmente farei algumas
consideraes sobre a trajetria do municpio de Itabora, local escolhido em 1935 para
construo do primeiro e nico leprosrio fluminense. Em relao sua localizao,
ocorreram muitas crticas no que se refere aos critrios cientficos que nortearam a escolha do
local, gerando intensos debates polticos entre poder local e estadual. Este o objetivo do
prximo captulo deste trabalho.
64
Por volta de 1583, Miguel de Moura doou sua sesmaria aos padres da Companhia de
Jesus que fundaram o Aldeamento de So Barnab133. provvel que os jesutas tenham
vendido parte dessas terras para Manoel Fernandes Ozouro, um negociante que, construiu em
1612, uma capela em homenagem a Santo Antnio. A referida capela foi elevada sede de
um curato a partir de 1624, chegando categoria de parquia em carter provisrio em 1644,
131
MACEDO, Joaquim Manoel. O Rio do Quarto. Rio de Janeiro: Editora Melhoramentos, p.6. s/d.
132
FORTE, Jos Matoso Maia. Vilas Fluminenses desaparecidas. Itabora: Prefeitura Municipal, 1984. pp.01-02.
133
65
135
134
PIZARRO E ARAUJO, Jos de Souza Azeredo. Memrias histricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1945. Vol.02, p.23-25. LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e a Guanabara. 2Edio, Rio
de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1964. pp. 206-207.
135
As runas do Convento So Boaventura esto situadas no Distrito de Porto das Caixas e foram tombadas pelo
Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional ( IPHAN). Embora tombadas desde 1980, as runas
religiosas jamais foram estudadas ou preservadas. Com repetidos saques ao local, nenhuma madeira, piso ou
ornamentao da construo original restaram; at mesmo as sepulturas foram saqueadas. Atualmente, o local
est mais em evidncia por estar localizado na rea de construo do Complexo Petroqumico do Estado do Rio
de Janeiro (COMPERJ).
136
RAMOS, Cesar Augusto Ornellas. Itabora: paisagens, monumentos e cultura. Niteri: Sociedade de Amigos
do Centro de Memria Fluminense, 2003. p.11-12
.
137
SANTOS, Ana Maria dos. Auge e decadncia econmica do Recncavo da Guanabara: O caso de Itabora. In:
GRAHAM, Richard (org). Ensaios sobre a Poltica e a Economia da Provncia Fluminense no Sculo XIX.
Universidade Federal Fluminense: Niteri, 1974. pp. 69-74.
66
138
A vasta jurisdio da Vila Santo Antnio de S, compreendia por um lado, at a Baa de Guanabara,
limitando-se com a Freguesia de Mag, e ia at as dilatadas divisas do distrito de Cabo Frio que, a esse tempo,
abrangia, pelo litoral e pelo serto, os territrios dos atuais municpios de So Pedro dAldeia, Barra de So
Joo, Capivari (Silva Jardim), parte de Rio Bonito, Tangu, Saquarema e Araruama.
139
Alberto Lamego destaca que a luta contra o brejo se tornou constante, por se tratar de um paraso na
proliferao de focos de impaludismo, atemorizando as populaes que se desenvolveram no Recncavo da
Guanabara. Entretanto esse desafio serviu como propulsor na ocupao e utilizao de seu territrio. LAMEGO,
Alberto Ribeiro. Idem. pp.119-122
140
Tropeirismo a prtica realizada por indivduos que conduziam tropas de mulas, transportando todo o tipo de
mercadorias pelos caminhos do interior. GOULART, Jos Alpio. Tropas e tropeiros na formao do Brasil. Rio
de Janeiro: Conquista, 1961.
141
BERNARDES, Lysia M. C. & SOARES, Maria Therezinha de Segadas. Rio de Janeiro, Cidade e Regio.
Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca (Secretaria Municipal de Cultura), 1990. pp.44-47. LAMEGO, Alberto
Ribeiro. Idem. pp. 116-117. RAMOS, Cesar Augusto Ornellas. Idem. pp. 15-17.
142
143
67
acar. No final do sculo XVIII, Porto das Caixas armazenava e escoava a produo
aucareira de 65 engenhos da regio e desenvolvia atravs de seu povoado, uma intensa
atividade mercantil, abrigando alm do acar produzido no local e em outras regies, cereais
e produtos agrcolas em geral. 144
Seu rpido desenvolvimento foi devido sua posio estratgica, como elo entre a
capital do Imprio e o vale do Macacu, alm de uma destacada produo local. A origem de
seu nome deve-se ao fato de abrigar um porto fluvial que escoava grande quantidade de
mercadorias para atendimento da cidade do Rio de Janeiro. Tudo convergia para o porto, que
segundo Barbosa Lima Sobrinho, era o principal porto comercial da Baa de Guanabara,
depois do porto do Rio de Janeiro. 145
Com o crescimento da Freguesia de So Joo de Itabora, a regio elevada
categoria de Vila por decreto Imperial em 15 de janeiro de 1833. Assim, o municpio, ganhou
emancipao da Vila Santo Antnio de S, devido principalmente ao contexto da economia e
poltica provincial fluminense. A primeira sesso solene na Cmara dos Vereadores ocorreu
em 22 de maio de 1833146.
No final da dcada de 1820, a regio da Vila de Santo Antnio de S ficou marcada
por epidemias (possivelmente) de malria, denominadas febres de macacu, que se
espalharam rapidamente ocasionando um elevado nmero de bitos. A historiografia local
classifica o surto epidmico como o primeiro marco no posterior declnio econmico do
municpio de Itabora frente s outras regies da Provncia. Iniciando nas margens do Rio
Macacu, a epidemia, ceifou vida de escravos e senhores, clrigos e mercadores. As chuvas,
alagaram campos e, deixaram gua estagnada pelo constante desmatamento na Baixada do
Macacu, o assoreamento dos rios causou um ambiente ideal para a proliferao de mosquitos
Anopheles, o vetor da malria.147
144
MAGALHES, Joo de. Reminiscncias de Porto das Caixas. Niteri: s.e., 1944. pp. 13-15 e FORTE, Jos
Matoso Maia. Idem. pp. 8-9.
145
SOBRINHO, Barbosa Lima. Presena de Alberto Torres: sua vida e pensamento. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1968. pp. 07-09.
146
Alm de sua relevncia poltica, a Vila de So Joo Batista de Itabora possua uma das maiores populaes da
Provncia, chegando a competir na Assembleia Provincial pelo posto de Capital da Provncia, com a Vila Real da
Praia Grande (atual Niteri), perdendo por apenas um voto de diferena. MAGALHES, Joo de. Idem. p.11. e
COSTA, Gilciano Menezes. A Escravido em Itabora: Uma vivncia s margens do Rio Macac (1833-1875).
Dissertao de Mestrado em Histria Social Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2013. p.59.
147
68
148
FORTE, Jos Matoso Maia. Vilas Fluminenses desaparecidas. Itabora: Prefeitura Municipal, 1984. (reeditado
pela Prefeitura Municipal de Itabora)
149
FERREIRA, Oswaldo Luiz. Itabora ontem e hoje: Sntese Histrica. Itabora: Secretaria Municipal de
Educao e Cultura, 1992. pp. 34-35.
150
provvel que essa informao tenha se fundamentado no trabalho de Matoso Maia Forte, que apresentou
essa informao em "Vilas Fluminenses Desaparecidas. RAMOS, Cesar Augusto Ornellas, Idem, pp- 17-18 e
FORTE, Jos Matoso Maia. Idem, p.10.
69
Macac, que assolou-a cruelmente, e dahi em diante comeou a decadencia que foi
rapida,(...) povoado que apenas agora vai sahindo mui lentamente da sua
mediocridade, mas que muito promette no futuro. 151
151
Annaes da Assembla Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, sesso 19 de Outubro de 1875. Biblioteca
Nacional.
152
FIGUEIREDO, Maria Aparecida de. Gnese e (re)Produo do Espao da Baixada Fluminense. Revista
Geo-Paisagem (on-line). Ano 3, n05, Janeiro-Junho de 2004.
70
misericrdia em Porto das Caixas; levando sua falncia, bem como de outros entrepostos
porturios.153
Barbosa Lima Sobrinho, atravs de sua obra biogrfica sobre Alberto Torres, destaca:
Porto das Caixas percebeu o perigo ou ameaa, quando no seu jornal, impugnou o
prolongamento da sua estrada de ferro, na direo do litoral, no rumo de Vila Nova.
Mas suas razes no conseguiram levar de vencida a realidade. Aberto trfego esse
novo trecho de estrada de ferro, a 18 de agosto de 1866, Porto das Caixas deixou de
ser ponto de partida ou chegada de mercadorias, tornando-se apena uma estao,
logo mais um simples ponto de parada, na ferrovia que se estendia at Friburgo,
Cantagalo e Santa Maria Madalena. Com a construo do ramal de Rio Bonito a
Campos ainda mais se agravou a situao e o isolamento do Porto das Caixas. Tudo
que o movimento comercial e a circulao de riquezas acumularam, foi de sbito
desaparecendo. 154
O autor retrata esse perodo da histria de Porto das Caixas, como se descrevesse um
cenrio ttrico, destacando que a nica lembrana do movimentado entreposto comercial, foi
o quadro de madeira, pendurado no incio da rua do povoado: seja bem-vindo a Porto das
Caixas.
Alm
disso,
outro
fato
que
nos
chamou a ateno foi o registro feito pelo jornalista e poeta Guilherme de Almeida, cuja
famlia provinha de Porto das Caixas, e teria abandonado a localidade devido: a decadncia
to violenta, que se demoliram casas para vender o seu material.155
Entretanto, a historiadora Ana Maria dos Santos questiona a ideia de decadncia
econmica do muncipio de Itabora. Segundo ela, a generalizao dos fatores que levaram a
fragmentao da Vila Santo Antnio de S, assim como seu declnio econmico, desconsidera
as especificidades locais, referentes s freguesias, reproduzindo uma interpretao singular
sobre os acontecimentos da regio. Para a autora, a crise da economia escravista no sculo
XIX, no eliminou a diversificao da economia, que se desenvolveu atravs de um mercado
interno, produzindo reaes particulares em cada uma das freguesias. 156
Pesquisas recentes desenvolvidas por meio de novas abordagens metodolgicas
relativizaram as consequncias das epidemias, e sua associao ao declnio e estagnao
econmica. Refiro-me especialmente ao trabalho de Gilciano Menezes Costa, que destaca que
a decadncia da Vila Santo Antnio de S deve ser interpretada por um conjunto de fatores,
153
ROSENDAHL, Zeny. Porto das Caixas: Espao Sagrado da Baixada Fluminense. Tese de Doutorado em
Geografia Humana. Universidade de So Paulo, So Paulo, 1994. pp.109-110.
154
155
Idem, pp.10-11.
156
SANTOS, Ana Maria. Vida econmica de Itabora no sculo XIX. Dissertao de Mestrado em Histria
Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1974. pp. 11-12.
71
157
Convm ressaltar que as doenas e suas implicaes foram durante muito tempo, um captulo negligenciado
pelos historiadores. No Brasil, a partir do final da dcada de 1980, que o campo de pesquisa de histria da
sade e das doenas e seus impactos sociais ganham impulso, e renovao a partir de um rompimento com
modelos interpretativos. A dissertao de Ana Maria dos Santos foi elaborada em um perodo no qual o vis
econmico de anlise revelava-se dominante, muito influenciado por linhas tericas baseadas no marxismo.
158
COSTA, Gilciano Menezes. A Escravido em Itabora: Uma vivncia s margens do Rio Macac (18331875). Dissertao de Mestrado em Histria Social Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2013. pp.182185.
159
A viso de contaminao frequentemente se associa ideia de contgio pessoa a pessoa. Esta associao to
forte que, entre os leigos, atravs da histria, o prprio termo epidemia e contgio tornaram-se sinnimos.
Entretanto, contaminao tambm poderia implicar desordem em um sentido mais geral: qualquer evento ou
agente que viesse subverter uma configurao saudvel estabelecida. In: ROSENBERG, Charles E. Explaining
Epidemics and Other Studies in the History of Medicine. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
pp.293-304.
160
Monografia Itabora. In: Pesquisas Arqueolgicas do Projeto SAGAS. (Parceria entre O Instituto Arqueolgico
Brasileiro e Companhia de Gs do Rio de Janeiro). Rio de Janeiro, n03, 2003. pp.59-62
72
161
No sculo XX, a Baixada Fluminense tornou-se uma das principais regies fruticulturas do pas. Sua expanso
atingiu a grande lavoura quando comerciantes adquiriram propriedades para produo destinada a esse fim. As
principais frutas produzidas nessas reas foram bananas, laranjas e abacaxis. A terra da laranja foi a
designao dada Itabora em grande parte do sculo XX. GEIGER, Pedro Pinchas & SANTOS, Ruth Lyra.
Notas sbre a Evoluo da ocupao humana na Baixada Fluminense. In: Revista Brasileira de Geografia, Ano
XVI, N03, Julho-Setembro de 1954. pp.296-300.
162
Em Venda das Pedras, no Municpio de Itabora, onde a Bacia do rio Macacu apresenta espessa camada de
aluvies, a tabatinga (argila mole) de tima qualidade, atendendo a todos os requisitos exigidos para a
produo dos diferentes produtos em cermica. Vale salientar que a abundancia e qualidade da matria prima
representa apenas um dos fatores que justificaro o desenvolvimento das olarias na cidade. CAMPOS, Maria da
Glria de Carvalho. Causas geogrficas do desenvolvimento das olarias na Baixada Fluminense. In: Revista
Brasileira de Geografia, Ano: XVII, n2, Abril-Junho de 1955. pp.3-31.
73
relatrio chegou concluso de que quase 1/3 do territrio da baixada fluminense estava
insalubre, comprometendo profundamente a agricultura.163
A proposta de saneamento de Hidelbrando Gos, consistia em evitar as inundaes
ocasionadas pelas chuvas e dessecar os extensos brejais atravs de obras de drenagem de
reas alagadias, construindo: canais, pontes, estradas, diques e comportas, bem como
promovendo a limpeza de rios assoreados. 164
No Indicador de Legislao e Administrao do Estado do Rio de Janeiro, publicado
em 1936, so apresentados os ndices referentes s municipalidades e dos dados de Itabora
apresentam a seguinte informao: Dia vir, porm, em que voltaro aos ureos tempos.
Mesmo porque o renascimento j comeou, e se completar com o saneamento da baixada.165
Publicado em 1945, o relatrio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE) menciona o discurso de renascimento da velha provncia166, atravs das obras de
saneamento da Baixada. 167
Na Enciclopdia dos Municpios Brasileiros publicada em 1959, identificamos a
mesma alegao, porm retomado o antigo argumento das epidemias:
(...) O marasmo que caiu o municpio s febres palustres, que irrompendo nas
margens do rio Macacu, espalharam-se pelas regies circunvizinhas. Desde ento,
Itabora assolado em alguns pontos, por surtos peridicos de malria. Entretanto,
com as obras de saneamento em curso e com o florescimento de vrias indstrias em
seu territrio, j se pode antever, num futuro prximo, o ressurgimento da velha
comuna fluminense.168
163
GOS, Hidelbrando de Arajo. Saneamento da baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Diretoria de Saneamento
da Baixada Fluminense, 1939. pp.33-36.
164
Idem. e ARAJO, Murilo. O Saneamento da Baixada Fluminense. In: Cultura Poltica, Rio de Janeiro Ano I,
1941. Num.09. pp.119-126.
165
PEREIRA, Ruben de Almeida Baptista (org). Itabora. In: Indicador de Legislao e Administrao do Estado
do Rio de Janeiro. V FASCICULO, 1936. Niteri: Dirio Oficial, 1944. pp. 258-260.
166
167
Sinopse Estatstica do Municpio de Itabora Estado do Rio de Janeiro. Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica. Rio de Janeiro: Servio Grfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, 1948. pp. 04-05.
168
Itabora. In: Enciclopdia dos Municpios Brasileiros Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Rio de
Janeiro: XXII Volume, 1959. pp.255-258.
169
74
170
Carta aberta publicada no Jornal O So Gonalo de autoria do Juiz de Direito Dr. Gasto Pache de Faria em
27 de setembro de 1936.
171
Idem.
75
pblica, salvo os casos de epidemias. Assim, como j apontado no captulo 1, os Estados que
possuam maiores recursos se destacavam nas aes de sade pblica, como So Paulo.172
Poucas so as informaes que tratam da situao da lepra no Estado do Rio de
Janeiro na Primeira Repblica. importante destacar que, de acordo com Laurinda Maciel,
todos os Hospitais de lzaros e asilos existentes no pas at o incio do sculo XX, eram de
iniciativa privada e na sua maioria sob administrao da Igreja Catlica, visto seu carter mais
caritativo que propriamente curativo.173
At o final da dcada de 1920, no encontramos registros oficiais referentes a censo de
leprosos no Estado do Rio, com exceo das pesquisas realizadas pelo Dr. Paes de Azevedo,
que realizou um levantamento censitrio entre os municpios de Saquarema e Cabo Frio em,
1916, por serem locais endmicos. Seu relatrio apontou a existncia de 90 leprosos nesta
regio, sendo citado por Souza-Arajo como nico censo confivel at aquele momento. O
fato de a regio de Saquarema apresentar o maior foco de lepra do Estado despertou o
interesse do Centro Internacional de Leprologia174 a realizar estudos epidemiolgicos sobre a
doena na regio.175
At 1938, o Estado do Rio de Janeiro no possua nenhuma instituio de isolamento
para leprosos. A instituio mais prxima era o Hospital dos Lzaros do Rio de Janeiro
situado na capital federal, no bairro de So Cristvo. Dada a proximidade geogrfica da
capital federal com a cidade de Niteri, Dr. Herclides de Souza-Arajo chama ateno que,
desde os seus primrdios, centenas deles atravessavam a Baa de Guanabara para buscarem
tratamento no hospital da capital federal.176
172
FARIA, Lina Rodrigues. A interveno federal na sade pblica durante a Primeira Repblica, in:
CASTRO-SANTOS, Luiz Antonio e FARIA, Lina Rodrigues de (orgs.). A Reforma Sanitria no Brasil: Ecos da
Primeira Repblica. Bragana Paulista: Edusf, 2003, p.23.
173
MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sos perde o lzaro a liberdade: Uma histria das polticas
pblicas de combate lepra no Brasil(1941-1962). Tese de Doutorado, Universidade Federal Fluminense,
Niteri, 2007. pp. 34-35
174
Este Centro foi uma iniciativa do governo brasileiro que contou com o apoio da Liga das Naes e com o
auxlio financeiro de Guilherme Guinle. Sua criao foi idealizada pelo cientista Carlos Chagas, que era membro
do Comit de Higiene da Liga das Naes desde 1922. O acordo foi firmado em 1931, porm somente a partir de
1934 se iniciaram as atividades laboratoriais. In: CUNHA, Vivian. Centro Internacional de Leprologia: cincia,
sade e cooperao internacional no Brasil do entre guerras (1923-1939). Tese (Doutorado em Histria das
Cincias e da Sade) Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Rio de Janeiro, 2011. p.10.
175
SOUZA-ARAJO, Herclides Cesr de. Histria da Lepra no Brasil. Perodo Republicano (1890-1952) V.II,
Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1956. pp. 572-573.
176
SOUZA-ARAJO, Herclides Cesar de. A lepra e as organizaes anti-leprosas. In: Memrias do Instituto
Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1937. pp.130-131.
76
177
Trata-se do exame baciloscpico que confirmava presena do bacilo e a sua respectiva morfologia.
178
Esse estudo foi publicada na Folha Mdica, de 1931, com o ttulo: A lepra no Estado do Rio de Janeio.
Apud. SOUZA-ARAJO, Herclides Cesr de. Histria da Lepra no Brasil. Perodo Republicano (1890-1952)
V.II, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956.pp.572-573.
179
Mensagem Apresentada Assembla Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de Agosto de 1922.
Rio de Janeiro, 1922. pp.45-46.
77
sendo que cerca de 70 estariam hospitalizados, confirmando a ideia de envio e trnsito dos
doentes para a capital federal, pois o leprosrio estadual s seria inaugurado quase uma
dcada depois.180
O que explicaria essa cooperao por parte da capital federal que permitia receber
doentes do Estado do Rio de Janeiro? Esse fato se dava pela adoo em 1918, de uma diretriz
da DGSP, que buscava a profilaxia da lepra por meio da construo de leprosrios em todos
os estados como esforo de uma poltica nacional de combate mesma. A questo foi que
nem todos cumpriram essa determinao, gerando um problema que o governo federal deveria
resolver, pois o doente ao no encontrar atendimento, deveria s-lo pela unidade mais
prxima, sobrecarregando ainda mais os poucos leprosrios existentes naquele momento.
Embora esta medida estivesse regulamentada, o professor e mdico Clementino Fraga faz a
seguinte observao:
(...) metade dos leprosos da capital federal no era ali domiciliada, aumentando os
custos e os riscos para a populao local. Em geral, eram provenientes de estados
vizinhos, que no haviam cumprido a determinao do regulamento sanitrio
segundo a qual os doentes no poderiam ser transferidos de localidade, sem
autorizao das autoridades sanitrias de seu destino. 181
180
Mensagem Apresentada Assembla Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 1 de Outubro de 1930.
Rio de Janeiro, 1930. pp.51-52.
181
Apud. HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento. As bases da poltica de sade pblica no Brasil. So
Paulo: Hucitec/ANPOCS, 1998. pp.153-154
182
PORTUGAL, Hidelbrando. Notas Epidemiolgicas sbre a Lepra no Distrito Federal (1934 a 1936). In:
Arquivos de Higiene, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Ano VII, Num.2, novembro de 1937. pp. 285-286.
78
Tabela 3:
183
Em 1936, j existia um grupo de doentes isolados no terreno onde seria construda a Colnia de Igu. Mais
adiante retomaremos essa questo.
79
184
Luiz Palmier foi poltico fluminense atuante no municpio de So Gonalo. Era formado em Medicina e,
participou ativamente em movimentos intelectuais e filantrpicos do Estado do Rio de Janeiro durante a primeira
metade do sculo XX. Amante da cultura, escreveu sobre histria fluminense, folclore e geografia. In: SILVA,
Henrique Mendona da. A medicina social eugnica de Luiz Palmier e suas atuaes em educao e sade.
Dissertao de Mestrado em Histria Social. UERJ, So Gonalo, 2011. pp. 29-34.
185
Rio de Janeiro: Combate lepra no Estado do Rio de Janeiro. In: Revista de Combate Lepra. Federao das
Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa contra Lepra; Ano III, n.01, 1938, pp. 41-42.
186
Faixa de terra situada entre os municpios de So Gonalo e Niteri. Devido aos sucessivos aterramentos,
atualmente faz da parte da Ilha das Flores, no bairro Neves, em So Gonalo.
187
Na Sociedade de Medicina e Cirurgia de Niteri: Anis das Primeiras Jornadas Mdicas do Estado o Rio de
Janeiro. Realizadas em Julho de 1935, Cidade de Campos - RJ. Niteri: Oficinas graficas da Escola do Trabalho,
1935. pp.146-147.
80
adequado, entretanto afirma que o Estado do Rio, j havia recebido a verba de 200 contos ris
do Ministrio da Educao e Sade Pblica para ser iniciada a construo do leprosrio. 188
O Deputado Ruy de Almeida destaca que apesar de os parlamentares reconhecerem o
grave problema que a lepra representava para a sociedade fluminense, e a necessidade de se
construir um leprosrio no Estado, nenhum municpio desejava ter em sua jurisdio uma
cidade dos lzaros. Esse fato j evidencia que antes da construo do leprosrio, a escolha
do local para sedi-lo j se tornava um problema devido ao estigma representado pela
doena.189
Luiz Palmier relembrou que o nico projeto apresentado at aquela data, foi de autoria
do Deputado Leopoldo Teixeira Leite, em 1932, propondo construo de um leprosrio na
Ilha de Carvalho, em So Gonalo.190 O terreno no foi disponibilizado pelo Governo do
Estado para implementao do projeto, mas, provvel que isso se justifique pelo
aproveitamento do espao para outros fins, como evidencia o decreto: 191
Servio de Colnias Agrcolas subordinadas ao Departamento do Amparo ao
Trabalhador; destinados readaptao dos vadios, egressos do crcere, amparado
dos desvalidos e desempregados, a primeira a ser instalada na Ilha de Carvalho,
cujas despesas correro por conta do slo penitencirio. 192
188
Annaes da Assembla Constituinte de 1935. 1volume, Officinas Graphicas do Diario Oficial: Niteroi,
1937.pp. 772-775.
189
190
A construo de leprosrios em ilhas era defendida por um grupo de mdicos, que indicavam essa ao como
melhor medida de isolamento e controle da doena. Verificar item 1.5 do captulo 1.
191
192
Decreto n 114 de 20 de janeiro de 1936. In: Indicador de Legislao e Administrao do Estado do Rio de
Janeiro, V- Fasciculo 1936, Niteri: Dirio Oficial, 1944. Biblioteca Popular de Niteri
81
Esse um trecho do discurso realizado por Galdino do Valle Filho194 nas Primeiras
Jornadas Mdicas do Estado do Rio de Janeiro, organizadas pela Sociedade de Medicina e
Cirurgia de Niteri, na cidade de Campos, em julho de 1935. Neste Congresso, foram
apresentados vrios trabalhos com destaque para a situao da lepra no Estado do Rio.
Chama a ateno o fato de surgir um possvel local para instalao do leprosrio.
Reconhecendo a iniciativa do governo estadual uma vez que o leprosrio era considerado
como principal ao na soluo do flagelo da lepra, Dr. Galdino enaltece o
empreendimento, porm denuncia um grande clamor da populao local demonstrando a
insatisfao contra a construo do leprosrio. A retrica presente neste trecho evidencia sua
possvel intencionalidade em dar visibilidade ao descontentamento de lideranas locais,
pois nenhum peridico da capital do Estado do Rio de Janeiro noticiou esses
acontecimentos.195
evidente que nenhum municpio aceitaria de bom grado acolher uma instituio que
traz o preconceito de chamariz de leprosos. O medo do contgio e a repugnncia que a
doena e o doente representavam simbolicamente no espao social revestiram a lepra de um
estigma que se arrastava h milnios. Os leprosos eram relegados condio de pria social,
193
194
Galdino Valle Filho foi Deputado Federal pelo Estado do Rio de Janeiro e importante liderana poltica do
municpio de Nova Friburgo. Com a Revoluo de 1930, participou da organizao das legies patriticas
contra os aliancistas liderando uma legio em Friburgo. Aps a Revoluo foi deposto do cargo de parlamentar
se exilando voluntariamente em Portugal e, retornando ao pas e vida poltica durante o Governo Provisrio
quando foi convidado assumir a direo do Partido Evolucionista. Como adversrio do Presidente Getlio
Vargas, foi preso vrias vezes durante a vigncia da ditadura estadonovista e foi um dos fundadores da Unio
Democrtica Nacional (UDN). Jornal O So Gonalo, 20 de Outubro de 1935 e ABREU, Alzira Alves de (org).
Verbete: VALE, Galdino do. Dicionrio da Elite Poltica Republicana (1889-1930). CPDOC, Fundao Getlio
Vargas. http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/VALE,%20Galdino%20do.pdf
(acessado em 13 de junho de 2014)
195
Segundo Marieta de Moraes Ferreira e Srgio T.N. Lamaro era comum a imprensa do Distrito Federal
noticiar os assuntos ocorridos no Estado do Rio de Janeiro por diversos fatores. Um deles era devido
proximidade geogrfica e muitos polticos atuantes na esfera fluminense trabalharem na edio desses jornais.
Outra razo seria que as faces oposicionistas fluminenses, no encontrando espao na imprensa do Estado,
veiculavam suas ideias nos jornais da capital federal. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & LAMARO, Srgio
T.N. Fontes para o Estudo da Histria do Estado de Janeiro na Primeira Repblica. BIB, Rio de Janeiro, n.20,
pp. 23-40, 2 Semestre, 1985.
82
apontados como criaturas indesejveis que ameaavam os sos e, consolidada por uma
memria mtica fundamentada em textos bblicos, marcados pela maldio divina.196
Outros mdicos fluminenses se apresentaram favorveis causa da lepra. Figura
proeminente na luta pelo combate a lepra no Estado, o j citado Dr. Luiz Palmier, discorreu
para o pblico presente no Congresso mdico de Campos, sobre a situao da lepra
enfatizando a campanha contra a doena no Brasil.
Palmier chamou a ateno para a precariedade do Estado do Rio de Janeiro nesta
questo quando comparado a outros Estados, alm de destacar o trabalho filantrpico de
combate doena e assistncia aos doentes espalhadas por todo o Brasil. Em 1933, participou
diretamente da fundao de uma dessas entidades, a Sociedade Fluminense de Assistncia aos
Lzaros e Defesa contra a Lepra, na cidade de Niteri. Destacou o importante trabalho que a
referida entidade vinha desempenhando na captao de recursos e enfatizou o projeto de
construir o primeiro preventrio fluminense para assistir os filhos sadios dos doentes. 197
Retomando a possibilidade de utilizao da Ilha do Carvalho, Luiz Palmier recobra
essa questo, porm, em vez de leprosrio o terreno abrigaria uma instituio de acolhimento
para os filhos dos leprosos (preventrio), caso o Estado aceitasse a inciativa da referida
Sociedade filantrpica e disponibilizasse o terreno. A utilizao da Ilha foi novamente vetada.
Na concluso de sua explanao, destaco a seguinte informao:
6- As Jornadas Mdicas, embora reconhecendo a necessidade da existncia de um
Hospital-Leprozario nas proximidades da capital do Estado, louvando a iniciativa
dos governos estadoal e federal no sentido de dotar a terra fluminense de um
leprozario, sugere a localizao de uma Colonia-Leprozario em Mombaa o maior
nucleo conhecido de leprosos em terras do E. do Rio. 198
196
197
PALMIER, Luiz. A lepra problema mundial, In: ANAIS das Primeiras Jornadas Mdicas do Estado do
Rio de Janeiro: Realizadas em Julho de 1935 na cidade de Campos. Oficinas Graficas da Escola do Trabalho:
Niteroi, 1935.
198
Idem.
83
199
A orientao para escolha do local para construo de leprosrios era de que as reas deveriam ser vastas, de
bom clima, prximas das capitais ou grandes cidades e, portanto, acessveis. Para maiores informaes, verificar
o item 1.6 do captulo 1.
200
Com a vitria da Revoluo de 1930, foram nomeados interventores em todos os estados da Unio exceto
Minas Gerais, onde foi mantido o presidente estadual Olegrio Maciel. Com exceo ainda de Pernambuco e Rio
Grande do Sul, onde os lderes revolucionrios locais, Carlos de Lima Cavalcanti e Jos Antnio Flores da
Cunha, respectivamente assumiram o governo, a grande maioria dos estados passou a ser governada por
tenentes indicados por Osvaldo Aranha e Juarez Tvora. O papel dos interventores no ps-1930 fundamental,
pois designavam os executivos locais, estabelecendo assim uma rede de poder. Verbete: Cdigo dos
Interventores. In: ABREU, Alzira Alves de (coord.). Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro ps-1930. Rio
de Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas, 2001. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: e o regime
representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. pp. 158-159.
201
FONSECA, Cristina M. Oliveira. Sade no Governo Vargas (1930-1945) dualidade institucional de um bem
pblico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. pp.133-134.
84
objetivo de financiar servios, evitando transpor a barreira do poder local a fim de evitar
atritos polticos.203
O municpio que receberia a Colnia j havia sido escolhido 4 meses antes das
Jornadas Mdicas de Campos, conforme relatrio enviado ao Diretor de Sade Pblica do
Estado do Rio de Janeiro, em 1 de fevereiro de 1935. Neste documento, consta que o terreno
a ser adquirido para o leprosrio deveria seguir as diretrizes do Plano Nacional de Combate
Lepra e, para isso, foram consultados os Drs. Ernani Agrcola (chefe dos Servios Sanitrios
Federais nos Estados), Joaquim Motta (assistente da Inspetoria de Lepra e Doenas Venreas
no Distrito Federal) e o Dr. Tefilo de Almeida (Diretor do Hospital-Colnia de Curupaiti).
Estes opinaram, de comum acordo que o stio escolhido no deveria ficar distante da capital
para facilitar a logstica e possibilitar conforto moral aos doentes. Vale salientar que dos
trs mdicos consultados, dois deles participaram da elaborao do Plano Nacional de
Combate Lepra. 204
Essas diretrizes, baseadas no referido Plano, encontravam pleno apoio da gesto de
Gustavo Capanema que logo aps assumir o Ministrio em 1934, julgou por bem reorganizar
a estrutura que orientava a sade pblica do Brasil, possibilitando uma presena mais efetiva
da Unio nos estados, sem ferir suscetibilidades locais.
No relatrio elaborado pelos mdicos supracitados, so sugeridos trs municpios,
avaliados por aspectos tcnicos presentes em cada regio: Maric, embora mais perto da
capital, possua superfcie baixa, o que facilitaria a estagnao das guas e, alm disso,
possua grandes reas de cultivo; Saquarema tinha a vantagem de ter os maiores ndices da
doena e de estar prximo das estradas de ferro e de rodagens, mas foi recusado por ficar a 3
km de uma usina e possuir lavoura prxima. A regio de Venda das Pedras, em Itabora,
ofereceu maiores vantagens por que:
Zona alta, a margem da estrada de rodagem que segue para Rio Bonito e a estrada
tronco Norte-fluminense; alm disso, h o leito da Estrada de Ferro Leopoldina.
203
Desde a Primeira Repblica, os tradicionais vnculos com a poltica local possuam relao com a figura dos
coronis, que capitaneavam votos para perpetuao de polticos locais. Aps a Revoluo de 1930, Vargas
buscou interferir numa estrutura poltica, consolidada durante toda a Primeira Repblica, buscando assegurar
maior controle na esfera municipal. A principal medida foi a nomeao dos prefeitos pelos interventores
estaduais, podendo inclusive exoner-los ou anular seus atos, e a criao do departamento das municipalidades,
j na fase constituinte. Com a convocao do povo s urnas em 1945, Victor Nunes Leal ressalta o retorno destes
elementos polticos no contexto da poltica local. LEAL, Victor Nunes, Idem, pp.159-160. e FONSECA, Cristina
M. Oliveira. Idem, pp.104-108.
204
Idem. Fls. (473-475) Resultado a que chegaram sobre a localizao do leprosrio que seria construdo no
Estado.
85
Possui 2/3 em superfcie elevada, com vegetao abundante e tendo prximo o Rio
Igu. 205
205
CPDOC/FGV. FGC.35.09.02.(Fls. 576-598). Relatrio assinado por Augusto Mesquita, Chefe do Servio de
Lepra Estadual, aprovado pelo Diretor de Sade Pblica, Dr. Amrico Oberlaender.
206
Revista de Combate Lepra. Rio de Janeiro: Federao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa
Contra a Lepra: 1939:1. p.114.
207
Indicador de Legislao e Administrao do Estado do Rio de Janeiro, V Fasciculo 1936, Niteri: Dirio
Oficial, 1944.
208
86
209
Revista de Combate Lepra. Rio de Janeiro: Federao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa
Contra a Lepra: 1936:1. p.41; Annaes da Assembla Legislativa do Estado do Rio de Janeiro de 1937, Niteroi:
Officinas graphicas do "Dirio Official".1937. pp. 47-48.
210
87
A luta contra o leprosrio em Itabora ser capitaneado por Roberto Pereira dos
Santos, mdico atuante nos bairros da Tijuca e arredores no Distrito Federal e docente na
Faculdade de Medicina de Niteri. Residente na cidade do Rio de Janeiro, nutria profunda
ligao com sua terra natal, o municpio de Rio Bonito, vizinho cidade de Itabora. Ao ter
conhecimento que Itabora havia sido escolhida como local de instalao de um moderno
leprosrio, Roberto Pereira dos Santos se posicionou sumariamente contrrio a esta deciso do
governo do Estado, tornando-se o principal articulador de um movimento de resistncia. Esta
luta o levou, inclusive, a se candidatar a uma cadeira na cmara municipal de Rio Bonito.212
Seu objetivo naquela candidatura era, atravs da utilizao da tribuna municipal,
atingir as esferas de poder, ou seja, pretendia um movimento que ganhasse fora e atingisse a
Assembleia Legislativa Estadual e, no limite, o poder Central. Atravs de um brado de
revolta213 foi conquistando apoio poltico para tentar impedir o projeto de construo do
leprosrio. Vale ressaltar que Roberto Pereira dos Santos nunca havia exercido cargo poltico
e sua deciso de se candidatar no pleito municipal de 5 de julho de 1936, foi apoiada por
vrios conterrneos que apoiaram sua campanha contra o leprosrio e, assim como ele, no
desejavam ver sua terra natal cercada por muros como a Jeric maldita214.
Roberto Pereira dos Santos se lana em campanha contra o leprosrio, convocando
luta todos itaboraienses e riobonitenses, como demonstra seu discurso na Cmara de Itabora:
211
SANTOS, Roberto Pereira dos. O Leprosrio do Igu (Brado de revolta de um povo). 2 Edio, Rio de
Janeiro: 1937. pp.28-30.
212
Idem. p.74
213
Definio criada pelo prprio Dr. Roberto Pereira como subttulo do seu manifesto: O leprosrio do Igu
( Brado de revolta de um povo) publicado em 1937.
214
A cidade de Jeric a que se faz referncia trata-se da antiga cidade judaica, situada no Vale do Jordo na
regio da Palestina. Segundo referncias bblicas e recentes pesquisas arqueolgicas, os primeiros assentamentos
teriam mais de 10.000 anos de existncia. Nas escrituras do velho testamento, consta no livro de Josu a famosa
batalha de Jeric, em que sete sacerdotes tocavam trombetas diante da arca da aliana, quando, no stimo dia,
um som mais agudo, somado aos gritos dos Judeus, derrubaram a muralha que cercava a cidade. Em seu
opsculo, Dr. Roberto constantemente cita passagens bblicas, se utilizando do latim e reproduzindo trechos que
apontam a lepra como maldio divina. Verbete: Jeric. In: DAVIS, John W. Dicionrio da Bblia. Rio de
Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1978.
88
A mobilizao orquestrada por Roberto Pereira dos Santos no era dirigida, segundo
ele, contra s polticas de combate lepra realizadas pelo poder pblico. Pelo contrrio, em
vrios momentos, exaltou a iniciativa das lideranas polticas em prol de aparelhar o governo
do Estado do Rio com seu principal arsenal profiltico: o leprosrio. Seu inconformismo se
dava pela escolha do local, da sua cruzada em prol de migrar o projeto para um outro, de
preferncia uma ilha para no comprometer a paz daquele pacato lugar, bero de ilustres
personalidades como: Joo Caetano, Joaquim Manoel de Macedo e Alberto Torres. 216
Quando Roberto Pereira dos Santos publicou pela primeira vez seu opsculo : O
leprosrio do Igu, em outubro de 1936, o Jornal O So Gonalo apresentou na capa
principal, um resumo da obra do qual destacamos o seguinte trecho:
(..) os discursos contidos no libreto, que um ferro em braza contra o dogmatismo
official que no v inconvenincia na localizao de um foco de pestosos naquella
florescente regio fluminense217
215
Nilo Torres era editor do Suplemento de Itaborahy publicado pelo Jornal O So Gonalo e tambm vereador
na Cmara de Itabora no exerccio de 1936 - 1938. TORRES, Nilo. Suplemento de Itaborahy Conferencia
pronunciada pelo prof. Dr. Roberto Santos em Itaborahy. In: Jornal O So Gonalo, 13 de Outubro de 1936.
216
217
218
Utilizamos o emprego da palavra elite, baseada num critrio de posio e no atravs de um parmetro de
reputao ou de tomada de deciso. Joseph Love definir como elite poltica, algo muito utilizado nos estudos
histricos sobre elites. Um exemplo de anlise desta definio so os estudos dos brasilianistas: Jhon D. Wirth, e
Robert M. Levine. LOVE, Joseph. Um segmento da elite poltica brasileira em perspectiva comparativa. In: A
Revoluo de 30, Seminrio Internacional realizado no Centro de Pesquisa e Documentao de Histria
Contempornea da Fundao Getlio Vargas. Braslia, D.F.: Universidade de Braslia, 1982. pp. 51-52.
89
Atravs de carta aberta populao, o juiz Pache de Faria demonstra total apoio
campanha contra o leprosrio em Itabora e, destaca o prestgio de Roberto Pereira dos
Santos, idealizando seu papel missionrio decorrente de sua autoridade cientfica.
Diferentemente, o Juiz no enfatizou o fator estigmatizante da doena e sim
demonstrou preocupao com as precrias condies de sade da regio. Enfatizou, ainda,
que a cidade dos lzaros poderia prejudicar a regio. Afirmava ser nobre a causa em defesa
dos lzaros e do combate lepra, porm, para ele, Itabora j tinha problemas demais, no
podendo suportar mais esse fardo. Fica, mais uma vez, evidente a associao dos flagelos
que o municpio vivenciou ao longo do sculo XIX, com os supostos prejuzos econmicos
219
Gasto de Castro Pache de Faria, Juiz de Direito, importante liderana poltica em Itabora entre as dcadas de
1930 a 1950. Assumiu a funo de Juiz em Itabora em 1931 e em 1941, publicou Saudao, onde
comemorou 10 anos de judicatura no municpio. Em 26 de janeiro de 1956, promovido ao cargo de
Desembargador de Justia, assumindo em janeiro de 1962, a Presidncia do Tribunal de Justia do Estado do Rio
de Janeiro. De enorme prestgio como liderana local, foi convidado para representar Itabora na viagem do
primeiro nibus que partiu de So Gonalo para inaugurar a primeira linha de nibus que ligava os municpios
de Niteri, So Gonalo, Itabora, Rio Bonito, Saquarema, Araruama e Cabo Frio. In: Relatrio da Interventoria
do Estado do Rio de Janeiro. Periodo de 1931-1934. Niteroi: Officinas Graphicas do Dirio Oficial, 1935;
Jornal O Itaborahyense, n1818 e 1932, 09 de fevereiro de 1956 e 09 de setembro de 1962.
220
A maleita tambm conhecida como malria, doena que provocou alto ndice de mortes no sculo XIX na
regio da Vila Santo Antnio de S, da qual a regio de Itabora fazia parte. Para maiores informaes, verificar
o item 2.3.
221
TORRES, Nilton. Leprosrio de Venda das Pedras Carta aberta do Dr. Pache de Faria ao Professor
Roberto Pereira dos Santos In: Jornal O So Gonalo. 27 de setembro de 1936.
90
222
223
Segundo Vivian Cunha, uma das hipteses referentes s vrias religies de matriz judaico-crist, bem como as
de origem asitica como, o hindusmo, no apenas construram como tambm difundiram vrios preceitos e
determinaes estigmatizantes voltados contra a lepra e aos leprosos, no decorrer da histria das mais diferentes
sociedades. In: CUNHA, Vivian. O Isolamento Compulsrio em Questo: polticas pblicas de combate a lepra
no Brasil(1920-1940). Dissertao (Histria das Cincias da Sade) Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz, Rio de
Janeiro, 2005. pp.20-24.
224
A memria sobre a lepra reteve durante sculos o estigma da sexualidade. A doena possua seu significado
maior na ideia de desejo de fornicao incontido, e do pecado da luxria. In: TRONCA, talo. As mscaras do
medo: Lepra e Aids. Campinas: Editora Unicamp, 2000. p.68.
225
CARVALHO, Keila Auxiliadora. Colnia Santa Izabel: A Lepra e o Isolamento em Minas Gerais (19201960). Universidade Federal Fluminense. Tese de doutorado UFF, Niteri, 2012. pp.147-163.
91
226
227
REZNIK. Lus. Qual o lugar da Histria Local? Apresentado: V. Taller Internacional de Histria Regional y
Local. Havana/ Cuba, 2002.
228
229
92
terreno, com a criao de uma escola que nos ensine a bem cultivar as nossas terras
ferazes, aproveitando todas as suas riquezas. 230
Apesar de a matria ocupar mais da metade da primeira pgina do Jornal, no foi dado
nenhum destaque celeuma que ocorria nos bastidores do projeto. No so relatados
quaisquer problemas sobre a grandiosa obra; ao contrrio, enfatizavam-se questes
referentes ao projeto, como capacidade, infraestrutura e logstica.
A matria exalta a
93
231
FERREIRA, Marieta Moraes de. Verbete: A Noite. In: ABREU, Alzira Alves de (coord.). Dicionrio
Histrico-Biogrfico Brasileiro ps-1930. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas, 2001.
232
Os pavilhes carville so inspirados no Leprosrio Nacional de Carville, construdo em 1921, entre Nova
Orleans e Baton Rouge no Estado de Louisiana, EUA. O seu modelo tornou-se referencia, pelo propsito de
abrigar todos os leprosos do pas e a existncia de uma estrutura de cidade, onde todos os setores eram divididos
para o uso de sos e doentes. In: WHITE, Cassandra. Carville e Curupaiti: experincias de isolamento e
comunidade. Histrias, Cincias e Sade Manguinhos, Rio de Janeiro, v.10 supl.1, 2003. pp.123-141
233
94
234
LEAL, Carlos Eduardo. Verbete: Correio da Manh In: ABREU, Alzira Alves de (coord.). Dicionrio
Histrico-Biogrfico Brasileiro ps-1930. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas, 2001.
235
Capitulino dos Santos Jnior era advogado e uma das principais lideranas do Partido Socialista Fluminense.
Sua influncia poltica nos municpios de Rio Bonito e Itabora foram decisivas para o resultado do pleito de
1936. In: Jornal do Brasil de 28 de setembro de 1934.
236
Diario da Assembla Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Anno I, Num.70, de 14 de maro de 1936.
237
O Partido Socialista Fluminense (PSF) foi fundado em 1932 e era a terceira fora poltica estadual.
238
A busca pela pacificao na poltica fluminense foi uma das tticas utilizadas, pelo governador do Estado do
Rio, atravs de um acordo poltico entre os trs principais partidos fluminenses. A coligao radical-socialista j
havia sido formada justamente para fazer frente Unio Progressista Fluminense e conseguir ocupar o executivo
estadual. E conseguiram, pois o Almirante Protgenes Guimares foi eleito para governador por um voto, depois
95
de tumultuada votao em que ocorreu interveno da justia eleitoral. O passo a ser dado logo aps, seria unir
as principais foras (Coligao Radical-Socialista e Progressista) a fim de neutralizar a disputa partidria dentro
da Assembleia Legislativa. Essa ao se mostrou inoperante, pois a prpria liderana do partido que havia
apoiado o governador, se manifestou contra esse processo. Uma comisso foi criada para resolver o impasse,
alm de um novo partido, o Liberal Fluminense, mas, o fator principal que acirrou a disputa comprometendo o
acordo foi as eleies municipais de julho de 1936. PECHMAN, Robert. Verbete: GUIMARES, Protgenes.
In: Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro. Fundao Getlio Vargas, CPDOC.
http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx., acessado em 09 de junho de 2014. E SOARES,
Edmundo de Macedo. Histria Poltica do Estado Rio de Janeiro (1889-1975).Niteri: Imprensa Oficial, 1987.
pp.59-62. Jornal O So Gonalo, 17 de novembro de 1935. Constituio da Repblica dos Estados Unidos do
Brasil( De 16 de julho de 1934) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm. Acessado
em 23/05/2014.
239
240
Os 3 deputados faziam parte da Unio Progressista Fluminense, que no pleito de 1935 haviam elegido 9
deputados das 18 cadeiras de representantes do Estado do Rio de Janeiro na Cmara Federal.
96
241
242
243
Idem, p.494.
244
Idem.
97
Vale ressaltar, que mesmo com a polmica gerada pelo movimento contrrio a
construo do leprosrio, a resoluo do impasse seguia por um vis centralizador, condizente
com as polticas pblicas de sade implementadas por Vargas, desde o incio de seu
governo.245
2.5 Projeto 483: Transferindo o local da construo do leprosrio de Igu para um local
j comprometido pelo mal de Hansen
N.483 1936 - O Poder Legislativo decreta:
Art. 1 - Fica o Ministro da Educao e Sade Pblica autorizado a entrar em
entendimento com o Ministrio da Agricultura, para o fim de instalar no atual
leprosrio em construo, em Igu, Municipio de Itabora, Estado do Rio de Janeiro,
adaptando-o convenientemente, uma Estao Experimental de Pomicultura, devendo
o leprosario ser construdo em zona mais indicada daquele Estado.
Art. 2- Para as despesas determinadas no artigo anterior, o Governo aplicar os
saldos de verba do oramento da Agricultura.
Art.3- Revogam-se as disposies em contrrio.
Sala das sesses, 17 de Novembro de 1936. Adalberto Correia. Bandeira
Vaugham. Agenor Rabello. Prado Kelly. Bento Costa. Lemgruber Filho. 246
245
Verificar o captulo 1, no qual abordo as questes que levaram a constituio da sade como um bem
pblico.
246
Dos atores polticos que assinaram o Projeto 483, somente o Deputado Adalberto Correa no era
representante do Rio de Janeiro, atuando pelo Rio Grande do Sul. Dos 5 deputados fluminenses, 4 eram da Unio
Progressista Fluminense e um, o deputado Lemgruber Filho, do Partido Popular Radical. Faziam parte da
Comisso de Sade em maro de 1937, os Deputados Bento Costa e Adalberto Correa. In: Comisso de Sade
Seo 11 maro de 1937. CPDOC/GCH.1935.09.02, F576-598. Arquivo Pessoal Gustavo Capanema,
CPDOC/FGV. e ABREU, Alzira Alves de (coord.). Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro ps-1930. Rio de
Janeiro: Ed. Fundao Getlio Vargas, 2001.
98
passou a ser a principal argumentao a partir deste projeto para aqueles que se posicionavam
contra a localizao do leprosrio em Itabora. No obstante, o argumento econmico foi
perdendo sua fora para o embasamento cientfico, uma vez que representava um ataque
direto ao relatrio tcnico que orientou a escolha dos tcnicos por Itabora.247 Entretanto, em
nenhum momento, o pressuposto econmico foi abandonado pelos adversrios do leprosrio
de Igu, conforme registro ocorrido na Comisso de Sade:
-Sr.Bento Costa: Dizer-se tambm que os terrenos nas cercanias de Saquarema e de
Sampaio Correia (Maric) no eram apropriados por haver culturas, agrcolas nas
vizinhanas, outro argumento que no colhe porque a Colnia de Igu est
instalada nas redondezas de zona absolutamente cultivada.
-Sr.Abelardo Marinho: Argumento esse que agora est sendo invocado exatamente
pelos adversrios da localizao do Igu. (grifo meu) 248
247
Esta alegao fundamentou a postura dos que se levantaram contra a localizao do leprosrio. Destacamos o
principal lder do movimento, Roberto Pereira dos Santos; alm de Pache de Faria, o jornalista e vereador Nilo
Torres, alm dos polticos que apoiaram o intento. At mesmo a comunidade mdica reunida no Congresso em
Campos, em julho de 1935, defendia que a localizao deveria ser embasada por um critrio mdico: ou seja, o
leprosrio deveria ser localizado em uma regio endmica da doena.
248
99
NITERI
1929
1932
1933
1934
9.787.000.000
9.776.000.000
1.071.000.000
1.100.000.000
1.043.000.000
450.795.600 10.056.000.000
SO GONALO 133.545.200
MAG
37.690.700
289.000.000
329.000.000
290.000.000
RIO BONITO
35.458.400
135.000.000
108.000.000
118.000.000
ITABORA
28.977.200
82.000.000
103.000.000
95.000.000
Quando comparado aos municpios vizinhos como Rio Bonito e Mag, com
populaes menores, possvel identificar que apesar de um crescimento na arrecadao
municipal, Itabora no apresenta uma posio favorvel.
Em resposta contrria ao projeto 483, Ernani Agrcola destacou que no se justificava
essa reao, pois os protestos na verdade estavam vinculados a preconceitos ancestrais,
manipulados habilmente por aproveitadores.249
Segundo o leprologista, o estigma em torno da doena, seria o principal obstculo para
construo de novos leprosrios. Agrcola destaca o interesse poltico neste imbrglio.
Segundo ele, esses fatores a escolha da localidade de Vendas das Pedras, em Itabora, no
oferecia perigos sendo a razo do preconceito o desconhecimento do problema.250
Yara Monteiro, em seu trabalho sobre a construo da rede asilar no Estado de So
Paulo, afirma que a medida profiltica de isolar o doente de lepra era apoiada pelos populares,
desde que este no fosse localizado prximo s suas residncias. Um exemplo desse fato
quando o Governo de So Paulo anunciou que havia comprado em Guarulhos uma
249
AGRICOLA, Ernani. O Leprosario de Itaborahy. In: Revista de Combate Lepra. Federao das
Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa contra Lepra; Ano III, n.01, 1938, pp. 156-158.
250
Idem
100
panorama
251
252
Conforme citado no item 2.4, o Jornal Correio da Manh demonstrou estar favorvel aos interesses do
governo federal referentes construo do leprosrio em Itabora. Devido a isso, desferia duras crticas aos
opositores deste Projeto, independente dos argumentos apresentados.
253
254
Este relatrio possui 26 laudas e foi utilizado em boa parte deste captulo. Alm de registrar vrias
informaes sobre combate lepra no Brasil, transcreve o dilogo do Ministro Gustavo Capanema com a
referida Comisso representada pelos parlamentares: Adalberto Correa, Abelardo Marinho, Bento Costa,
Fernandes Tvora, Ferreira de Souza, Magalhes Neto e Pires Gayoso. In: Fundo Pessoal Gustavo Capanema,
CPDOC/FGV.FGC.35.09.02 Comisso de Sade , seo de maro de 1937. Acervo: CPDOC/FGV.
255
Na edio de 12 de maro do jornal A Noite, foi noticiado que o Ministro da Educao e Sade Gustavo
Capanema realizou uma longa exposio sobre o combate a lepra no Brasil, acompanhado de vrios e
interessantes documentos.
101
Educao e Sade (MES) em 1941, j sob o regime do Estado Novo, sendo aprovada em
apenas um ms, demonstrando o novo momento poltico que vivia o pas. 256
As manobras polticas para transferir o local de construo do leprosrio bem, como a
manuteno do projeto, demonstram em uma escala reduzida, que o perodo entre a
Constituio de 1934 e novembro de 1937, representou um espao de disputas de poder na
esfera municipal, refletindo-as a nvel federal. Atravs de anlise do sistema partidrio de um
dos municpios que compem um aglomerado de 48 do Estado do Rio de Janeiro na dcada
de 1930, pode ser identificado que mesmo com sua autonomia quase nula, o perodo
constitucional (1934-1937) demonstra ser de luta poltica e, o poder local mobilizou-se em
defender seus interesses.257
A atrofia do poder local se dava por vrias circunstncias: excesso de tributao,
penria oramentria, redues de suas atribuies, o problema da eletividade ou a,
interveno da polcia nos pleitos municipais. Sobreveio o perodo republicano, e em pouco
tempo o poder do municipalismo comeou a ser impulsionado; aps 1934 tivemos um novo
surto autonmico que foi interrompido pelo Estado Novo.258
Em 14/03/1937, foi votado o projeto 483 e no dia seguinte o Jornal a Noite noticiou as
articulaes polticas, para que o Projeto 483 fosse vetado:
Aberta a sesso de hoje da Camara e lida a acta, falou o Sr, Bandeira Vaughan. O
deputado fluminense, a proposito de retificar aquela acta, combateu a atitude do Sr.
Protegenes Guimaraes, Governador do Estado do Rio, telegraphando aos
representantes estaduaes para que votem contra o projeto que extingue o leprosario
de Igu, no mesmo Estado. 259
256
Segundo Cristina Fonseca, o perodo que antecedeu a decretao do Estado Novo, evidenciou a diversidade e
a ausncia de partidos nacionais, demonstrando que o conflito autonomia x centralidade estava constantemente
presente na relao entre Unio, estados e municpios. Esse perodo de conflitos e negociaes no se configura
como uma ante-sala do Estado Novo ou perodo do pr-37, como apresentado por parte de nossa
historiografia. So sete anos de instabilidade e negociao poltica, que a historiadora ngela de Castro destaca
na apresentao da obra Regionalismo e Centralizao poltica Partidos e Constituinte nos Anos 30, editado
em 1980 pela Nova Fronteira. FONSECA, Cristina M. Oliveira. Idem. pp. 94-97.
257
Isto demonstra a diversidade da conjuntura poltica no qual o debate sobre a Colnia de Igu estava inserido,
mesmo aps os acontecimentos de 1935 e 1936, em que foram implantadas medidas de forte autoridade poltica,
j evidenciando as intenes autoritrias do governo. Um dos exemplos dessas medidas foi s alteraes em
torno da Lei de Segurana Nacional, em resposta ao levante comunista ocorrido em abril de 1935, no qual o
Congresso aprovou medidas que cerceavam seu prprio poder, enquanto o Executivo ganha poderes de represso
praticamente ilimitados. PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves & FERREIRA, Jorge (org). O Brasil Republicano 2, O tempo do Nacional-Estatismo.
Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2011.pp.31-34. e FONSECA, Cristina M. Oliveira. Idem.128-129.
258
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. pp.70-74
259
102
O deputado fluminense e doutor Moacir Lobo era integrante do Partido Popular Radical (PPR) do Estado do
Rio, o mesmo do Almirante Protgenes Guimares. Representante do municpio de Angra dos Reis, foi um dos
maiores adversrios do movimento contrrio ao leprosrio, se envolvendo em discusses com Dr. Roberto
Pereira dos Santos. Em plenria da Assembleia Legislativa Estadual, o deputado Capitulino dos Santos acusou
Moacir Lobo, de que seu empenho favorvel ao leprosrio de Igu seria para que pudesse exportar os leprosos
existentes em sua rea de influncia para Itabora. Segundo Santos, Moacir Lobo tinha receio da utilizao da
Ilha Grande como leprosrio. SANTOS, Roberto Pereira dos. Idem. pp.46-48.
261
SANTOS, Roberto Pereira dos. Rprobo. In: O Leprosrio do Igu. 2 Edio, Rio de Janeiro, 1937. pp.
45-48.
262
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo o que trouxe de novo? In: FERREIRA, Jorge & DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano 2. O tempo do nacional-estatismo. Do incio da dcada de 1930
ao apogeu do Estado Novo. 4 Ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 201. pp.109-111.
263
Idem. pp.116-117.
103
estadual ou federal. O jornal O So Gonalo que por diversas vezes publicou artigos e, atuou
como um verdadeiro termmetro durante a tentativa de transferncia do leprosrio, no
publicou mais uma linha sequer sobre o andamento das obras ou sobre as insatisfaes locais
por conta de sua instalao. O peridico s voltaria a veicular informao atravs de uma
pequena nota No dia 20 de agosto de 1938, ocorreu em Itabora a inaugurao do leprosrio
do Igu.
A seguir apresento algumas imagens que retratam o dia da inaugurao:
Figura 2 Chegada do Presidente Getlio Vargas e sua comitiva, que vinham da Cidade de
Campos atravs de trem especial, para inaugurar a Colnia de Igu. Ao centro de
terno preto e, sobretudo cinza, identificamos o Presidente e do seu lado esquerdo
de, sobretudo preto, est o Ministro Gustavo Capanema.
104
Figura 3 direita de terno escuro e com um leno no bolso est o Presidente Getlio
Vargas. esquerda da imagem, possvel identificar duas senhoras, que
representaram a Federao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa
contra a Lepra. Com trajes escuros, identificamos Olga Teixeira Leite e com
chapu branco e traje riscado, sorrindo, Amrica Xavier da Silveira.
Fonte: Idem.
Fonte: Idem.
105
Figura 5 Em primeiro plano vemos o Ministro Gustavo Capanema de terno escuro e atrs
dele, fardado estava o ento Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra.
Fonte: Idem.
106
O termo chamariz da desgraa foi utilizado pelo movimento contrrio ao leprosrio do Igu, pois segundo
seus representantes a instalao da Colnia transformaria a regio em polo de atrao para leprosos do Rio de
Janeiro e de outros Estados. Em contraponto, Eunice Weaver destaca que todas as colnias de leprosos do Brasil
deveriam ser conhecidas como cidade da esperana por representarem uma situao de conforto e consolo,
onde os doentes estariam entre iguais. WEAVER, Eunice. Como a cooperao privada d assistncia aos
Lzaros e como coopera no esforo para erradicar a lepra. In: Revista de Combate Lepra, Ano IV, maro de
1939, Rio de Janeiro. pp. 21-30.
107
265
Sobre o Projeto da Leprosaria modelo nos campos de Santo ngelo verificar o item 1.4 do captulo 1 desta
dissertao.
266
COSTA, Ana Paula Silva da. Asilos Colnias Paulistas: anlise de um modelo espacial de
confinamento. Dissertao (Mestre em Arquitetura e Urbanismo). Escola de Engenharia de So Carlos,
Universidade de So Paulo. So Carlos, 2008. Ver tambm ALECRIM, Laura Karina Nobre. Arquitetura
profiltica. Leprosrios Brasileiros (1918-1949). Dissertao de Mestrado em Desenvolvimento Urbano.
Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Urbano. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2012;
267
108
268
PARREIRAS, Dcio. Anotaes Acerca do Isolamento Nosocomial na Lepra. A Colnia do Igu. Estado do
Rio. Arquivos de Higiene. Rio de Janeiro, 1937: 7,1. pp.101-102.
269
A partir das entrevistas realizadas com ex-internos, no foi registrado qualquer perodo de quarentena ou
observaes no momento de internao. Entretanto, em outras Colnias como a de Santa Izabel em Minas
Gerais, era comum, segundo o regulamento interno da Instituio, o doente passar por minucioso exame para
confeco de ficha; a partir desta avaliao, poderia ficar de quarentena em alojamento especial, para verificao
de doenas infectocontagiosas agudas, antes de internao em qualquer local da Colnia. CARVALHO, Keila
Auxiliadora. Colnia Santa Izabel: A Lepra e o Isolamento em Minas Gerais (1920-1960). Universidade Federal
Fluminense. Tese de doutorado UFF, Niteri, 2012. pp.60-61.
270
271
Parlatrio era o local onde ocorriam as visitas aos doentes j que estes no podiam ter nenhum contato fsico
com o visitante durante a visita. Para garantir que isso aconteceria, havia um vidro que funcionava como barreira
de proteo higinica. Qualquer objeto a ser entregue aos doentes, deveria acontecer atravs de mediao dos
funcionrios.
109
A fronteira entre as zonas intermediria e a de residncia dos doentes era marcada por
instalaes utilizadas por sadios e doentes, como o pavilho de servios clnicos. Essa era a
edificao mais bem estruturada de todo o conjunto arquitetnico e era utilizada para a
realizao dos procedimentos cirrgicos, com dispensrios para atendimento das
especialidades principais. Atrs desse pavilho, ficava a enfermaria para atendimento de
portadores de outras doenas ou que necessitassem de um tratamento mais especfico. E nesta
zona tambm ficavam o gabinete do Diretor, do administrador e da madre superiora, alm da
farmcia e um refeitrio.272
E, por fim, vinha o principal zoneamento denominado de zona doente, identificada
por Dcio Parreiras como doente ou suja, demonstrando que o discurso cientfico profiltico
continuava a reproduzir a percepo de impureza, atravs dos adjetivos limpo e sujo". 273
Este zoneamento era de acesso restrito, s tendo permisso para adentr-lo pessoas
devidamente autorizadas pela administrao da Colnia. O ritual de entrada do doente no
acontecia diretamente na zona doente, passando primeiramente na cmara de expurgo que
se constitua das etapas de banheiro, rouparia e cabeleireiro, onde o doente recm-chegado
272
273
Na realizao de visitas e entrevistas com pacientes e ex-pacientes do Hospital Tavares de Macedo comum
a utilizao dos adjetivos limpo e limpinho. O termo utilizado como forma de identificar aqueles que
possuem pouca ou nenhuma sequela deixada pela doena. Segundo Mary Douglas, ao analisarmos essa questo
pelo vis da ordem, mesmo os doentes estando entre iguais, a impureza no deixa de ser uma ofensa. O
impuro o que no est no seu lugar e no pode ser includo se o desejo manter esta ou aquela ordem.
DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo: Ensaio sobre a noo de poluio e tabu. (Traduo Snia Pereira da Silva).
Rio de Janeiro: Edies 70, 1966. pp. 33-34.
110
passava para condio de interno, sendo preparado higienicamente antes de entrar na zona
doente.274
No final da avenida central, logo aps a praa central, comeava a avenida de
pavilhes Carville onde estavam o refeitrio, a cozinha e a copa. No momento da
inaugurao, a Colnia de Igu possua 190 leitos, sendo 178 leitos em pavilhes e casas
geminadas e 12 no pavilho de servios clnicos.275
Figura 7 - A fotografia esquerda foi tirada no dia da inaugurao e representa a avenida de
pavilhes Carville na denominada zona doente. Ainda na referida fotografia,
temos o quarto pavilho com arquitetura diferenciada, onde se localizava o
refeitrio e a cozinha. A fotografia direita representa a mesma rua atualmente e
evidencia mudanas do espao fsico, porm com algumas similitudes ao projeto
original.
Fontes: (foto esquerda) Inaugurao da Colnia de Igu. 20/08/1938. GC138 Arquivo Gustavo Capanema,
CPDoc/FGV. Foto direita de autoria do autor em 11/07/2014.
O projeto da Colnia de Igu previa a construo de uma escola, alm de ampla rea
de lazer com ptio de esportes, campos de futebol, arquibancadas e banheiros coletivos. No
espao de diverses, em frente ao campo, ficava o cassino, salo de danas e cinema; salas de
bilhar, xadrez, tnis de mesa; biblioteca; sala de conversa; sala de costuras e trabalhos
artesanais; engraxadores; sede para clubes: recreativos, comerciais e musicais. De todo esse
274
275
111
conjunto, apenas um campo de futebol, o cassino e o salo de danas estavam prontos para
uso no dia da inaugurao.
O modelo pavilhonar construdo em Igu previa uma estrutura geminada276, com
capacidade de 28 leitos considerado como o de maior tipo desta categoria. Apesar de prever a
separao dos pacientes para atender aspectos sociais como etnia, gnero, faixa etria, estado
civil, classe social, religiosidades, ideologia poltica e diferentes nveis clnicos da doena,
apenas algumas dessas classificaes foram, de fato, obedecidas.277
Atravs de entrevistas realizadas com ex-internos que vivenciaram a experincia de
isolamento compulsrio no Igu, conclumos que a separao de doentes atendeu basicamente
a aspectos de gnero, idade e nveis clnicos da lepra (quando em estgio avanado) e de
outras doenas infectocontagiosas, como a tuberculose.
No pavilho destinado ao refeitrio, cuja utilizao era de toda a coletividade doente,
o projeto tambm previa a mesma separao. Parreiras justifica essa distino, afirmando que
a inteno era importar para o cotidiano da colnia as relaes sociais que faziam parte da
vivncia do doente antes de ser diagnosticado, afirmando que isso facilitaria sua adaptao.
Bruno Costa que tambm analisou o projeto da Colnia de Igu, destaca a conscincia dos
mdicos e arquitetos para a heterogeneidade da populao, ainda que a maior parte procedesse
das camadas mais pobres da populao.278 Desse modo, percebe-se que a concepo de
colnia agrcola como uma cidade em miniatura foi projetada para ser capaz de reproduzir
as relaes sociais e aspectos da vida em sociedade, em que se destaca uma srie de
diferenciaes.
276
Estrutura geminada significa duplicada, que est disposta em pares. A utilizao mais frequente do termo
surge em casa geminada, que um tipo de construo simtrica, que une duas ou mais habitaes,
compartilhando entre elas o telhado e parte da estrutura.
277
Laurinda Maciel destaca que a separao por grau de contagiosidade evitava o agravamento da doena e
eventualmente o surgimento das superinfeces. MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sos perde o
lzaro a liberdade: Uma histria das polticas pblicas de combate lepra no Brasil (1941-1962). Tese de
Doutorado em Histria Social, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2007.p.99.
278
COSTA, Bruno Souza Norbert. O Isolamento compulsrio como poltica de combate lepra na Era Vargas: o
caso da Colnia de Igu(1936-1938). Monografia de Concluso de Curso de Histria, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
112
Fonte: PARREIRAS, Dcio. Idem, p.117. & Fotografia atual tirada pelo autor em 11/07/2014.
113
Fonte: Inaugurao da Colnia de Igu. 20/08/1938. In: CPDOC. il. & Fotografia tirada pelo autor em
11/07/2014.
279
280
A Escola 19 de abril foi inaugurada em 1943, acompanhando outros eventos comemorativos a data de 19 de
abril, quando se recordava o natalcio de Getlio Vargas. Jornal O Fluminense, Ano 65, n 18.422. 16 de abril de
1943.
114
281
SALOMO, Abraho. Problemas sociais decorrentes do internamento dos leprosos. In: Revista de Combate
Lepra. Rio de Janeiro: Federao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa Contra a Lepra, ano V,
n1, maro de 1940. pp.18-28.
282
HILLIER, B. HANSON, J. GRAHAM, H. Ideas are in things: an application of the space syntax
method to discovering house genotypes. Environment and Planning B, In: Planning and Design, v.14, p.363385, 1987, apud: ALECRIM, Laura Karina Nobre. Arquitetura profiltica. Leprosrios Brasileiros (1918-1949).
Dissertao de Mestrado em Desenvolvimento Urbano. Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2012.
283
284
FERRARA, Lucrcia dAlssio. Ver a cidade: cidade, imagem, leitura. So Paulo: Nobel, 1988, pp.2-5.
Falaremos adiante sobre a questo do fornecimento de gua na Colnia, assim como no municpio de Itabora.
PARREIRAS, Dcio. Idem, p.103-104
115
de que o interior dos leprosrios modernos buscava oferecer uma organizao similar a uma
cidade. Entretanto, no que se refere Colnia de Igu, boa parte destes elementos foi sendo
construda aps a inaugurao da Colnia e em agosto de 1938 e destes citados, apenas o
hospital, o campo de futebol e o cassino estavam em funcionamento nesta data 285. Todo o
restante, alm de outras melhorias, foram fruto da parceria entre iniciativa privada e pblica,
principalmente a partir da atuao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa contra
a Lepra do Estado do Rio de Janeiro.
Assim, a Colnia do Igu foi construda a partir de recursos federais e sua
responsabilidade financeira e administrativa entregue ao Governo do Estado do Rio de Janeiro
e apenas em raros momentos pode contar com a participao do poder pblico municipal nas
melhorias de sua infraestrutura. Em um desses momentos identificamos esta participao com
o decreto municipal n2 de 05 de abril de 1940: Cria um cemitrio na Colnia Tavares de
Macedo, para enterramento de leprosos falecidos nessa colnia, sob a denominao de
cemitrio de Igua. 286
O cemitrio, que constava no projeto inicial, no foi prioridade no momento da
construo da Colnia. Ao cruzarmos variadas fontes referentes a este fato, identificamos uma
srie de incoerncias no que se refere construo e funcionamento do cemitrio. Por meio de
depoimentos de ex-internos, cuja internao foi antes de 1940, nos deparamos com as
informaes de Simo:
No tinha cemitrio quando cheguei aqui. O cemitrio foi construdo pelo Hospital
alguns anos depois. Foi feito com os recursos do hospital e com a mo de obra do
doente. Liderado pelo Dr. Arnaldo. Os doentes eram enterrados em Tangu. 287
285
Apesar de a inaugurao oficial da Colnia de Igu ocorrer em 20 de agosto de 1938, antes mesmo do
lanamento da pedra fundamental do leprosrio em 14 de julho de 1935, o Dr. Manoel Ferreira e equipe j
cuidavam de um grupo de 12 doentes de lepra em casas adaptadas nas dependncias da fazenda, comprada pelo
Governo do Estado do Rio de Janeiro para construo da Colnia. Revista de Combate Lepra. Rio de Janeiro:
Federao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa Contra a Lepra: 1936:1. p.41.
286
Simo nasceu em 1929. Natural de Campos dos Goytacazes, foi internado na Colnia de Igu em 20 de
setembro de 1939. Reside nas proximidades, em um terreno cedido pelo Governo do Estado, onde construiu sua
residncia. Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2014.
288
Arnaldo Zu foi mdico leprologista formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ocupou diversos
cargos relacionados profilaxia da lepra e foi um dos primeiros diretores da Colnia do Itanhenga no Esprito
Santo, inaugurada em 1937. Em 1942, assumiu a administrao da Colnia do Igu, permanecendo no cargo at
116
cedo identificada, mas no cumprida, j que a lei municipal foi aprovada em 1940. Por que a
demora na construo? E os recursos, afinal, vieram do municpio, ou da prpria Colnia,
como afirma o depoente? Outra questo a seguinte: o que explicaria a boa vontade do
poder local em construir um cemitrio no interior da Colnia? Seria pelo medo do contgio,
potencializado pela representao da doena? Colocamos aqui essas questes j que pela falta
de um cemitrio, os corpos eram enterrados no cemitrio pblico do municpio provavelmente
desde 1935, data que comeou a funcionar o leprosrio. O principal cemitrio municipal o
So Joo Batista, localizado no centro da Itabora, que inclusive bem mais prximo da
Colnia do que o Distrito de Tangu290, como apontado por Simo.
Outro fato que responderia essa boa-vontade do municpio deve-se a necessidade de
engajamento poltico do poder local junto ao Governo do Estado; era preciso que houvesse
cooperao. Convm notar que o quadro poltico nacional determinava que os cargos de
Prefeito durante o Estado Novo (1937-1945) fossem nomeados. Assim, era conveniente e
desejvel que o Prefeito fosse um amigo da Colnia, pois isso contribuiria para sua
permanncia no cargo.
A Revista de Combate Lepra, em edio de junho de 1943, confirma em certa
medida esse argumento, afirmando inclusive a finalizao da construo e atribuindo os
crditos Prefeitura local:
(...)A Colnia Tavares de Macedo foi dotada de um cemitrio, cuja construo foi
levada a efeito pela Prefeitura Municipal, tendo tido ultimado as suas obras, fato que
foi levado ao conhecimento do Comte. Ernani do Amaral Peixoto, DD. Interventor
fluminense pelo Sr. Prefeito.291
Em 1940, dois anos depois da inaugurao oficial, a Colnia de Igu passa a ser designada Colnia Tavares
de Macedo.
290
291
Revista de Combate Lepra. Rio de Janeiro: Federao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa
Contra a Lepra, ano VIII, n1, junho de 1943.
292
Jonas nasceu em 31 de maio de 1931. Natural de Itaocara chegou Colnia Tavares de Macedo em agosto de
1944, junto de seus irmos, Osias de 15 anos e No de 19 anos, ambos doentes. Reside nos limites da antiga
Colnia de Igu, num terreno cedido pelo Governo do Estado, onde construiu sua residncia. Entrevista
concedida em 10 de janeiro de 2014.
117
Mesmo ainda muito jovem e estando em seu primeiro ano de trabalho (1945), Jonas
relembra os transtornos gerados pela falta de um cemitrio na Colnia. Novamente surge a
referncia ao Distrito de Tangu, como destino dos mortos da Colnia naquele perodo. E
mesmo depois de morto, o doente continuava a ser estigmatizado:
O motorista levava sempre algum doente com ele. Porque quando chegava no
cemitrio, o coveiro fugia para no enterrar nenhum leproso. Isso s acabou graas
ao Dr. Zo, que junto com os doentes construram o cemitrio. 294
293
Idem.
294
Idem.
295
ELIAS, Norbert. A solido dos moribundos, seguido de envelhecer e morrer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001. pp.16-17.
296
Segundo George Rosen, esse pensamento est associado teoria miasmtica desenvolvida pela cincia mdica
no sculo XVIII. Nesta teoria sustenta-se que a emanao meftica do solo, supostamente nociva, seria a causa
de vrias doenas. ROSEN, George. Uma histria da Sade Pblica. So Paulo: Hucitec, 1994.
118
Figura 11 - O cemitrio atualmente. Seu nome homenageia o Frei Daniel Krommer, um frade
polons que teve grande atuao na causa da hansenase no Brasil. Fotografias
tiradas pelo autor em 09/08/2014.
297
Mais adiante retomaremos essa questo atravs do depoimento de um ex-interno, que inclusive ocupou o
cargo de prefeito da Colnia.
119
298
Todos os servios realizados na zona doente eram de responsabilidade dos prprios doentes, com alguma
assistncia dos funcionrios sadios.
299
300
SOUZA-ARAJO, Herclides Csar de. Histria da Lepra no Brasil. Perodo Republicano (1890-1952) Volume II, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1956. p.211.
120
Fonte: PARREIRAS, Dcio. Anotaes Acerca do Isolamento Nosocomial na Lepra. A Colnia do Igu. Estado
do Rio. Arquivos de Higiene. Rio de Janeiro, 1937: 7,1. p.101, il. e SOUZA-ARAJO, Herclides Cesr de.
Histria da Lepra no Brasil. Perodo Republicano (1890-1952) - Volume II, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1956. p.211
301
Essas concluses foram obtidas a partir da anlise de uma srie de fotografias da Colnia de Igu localizadas
no arquivo do CPDOC, alm da significativa contribuio de dois ex-internos que chegaram Colnia em 1938
e 1944, respectivamente.
121
A Revista de Combate Lepra na edio de 1939, publicou uma grande matria sobre
a inaugurao da Colnia de Igu. Como grande colaboradora do Governo federal na defesa
da poltica de isolamento compulsrio, deu nfase ao discurso de Gustavo Capanema,
afirmando categoricamente que as obras estavam totalmente concludas.
Em pleno Estado Novo, a imprensa no agiria de maneira diferente. Jornais como A
Manh, A Noite, Dirio Carioca, Gazeta de Notcias, Correio da Manh e Jornal do
Brasil noticiaram a inaugurao, muito mais atentos s informaes relacionadas ao evento
do que aquilo que realmente estava sendo entregue populao fluminense.
Conforme foi visto neste item, o projeto idealizado para edificao da colnia agrcola
fluminense buscou criar um mundo medicalizado, com perfil de autossuficincia, em que,
princpio, o poder mdico definia as regras do jogo. Os acessos foram pensados para facilitar
um controle eficaz da circulao dos doentes. A disposio dos edifcios e a organizao
espacial planejada revela a importncia da dimenso simblica do espao para o ordenamento
e a organizao dos internos.
A partir deste item, alm das fontes escritas e iconogrficas incorporadas pesquisa,
recorri utilizao das memrias daqueles que foram os principais atores deste processo: os
ex-internos da Colnia Tavares de Macedo. No item anterior, utilizei depoimentos para
compreender fatos e completar lacunas que o prprio projeto da Colnia e outras fontes
escritas no foram capazes de suprir, como, por exemplo, a questo do cemitrio. A
302
303
122
contribuio da Histria Oral para a compreenso da memria destes atores foi fundamental.
Contudo, deve-se atentar que ilusrio acreditar que ser possvel controlar todas as
informaes oferecidas por um depoente, pois conforme salienta Michel Pollak, a memria
seletiva, em parte herdada e submetida a flutuaes,304 ou seja, a memria no pode ser
definida como algo cristalizado.
Apoiado na metodologia de Histria Oral busco compreender as subjetividades
presentes nas relaes sociais vividas pelos que tiveram a experincia de ser leproso, tanto
no meio social que inicialmente estavam inseridos ou nos limites do leprosrio, psinternao.
POLLAK, Michael. Memria e identidade. In: Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n10, 1992. p.210.
Alm de Pollak, outros autores trabalham com a chamada seletividade da memria e o tema recorrente em
estudos de Eclea Bosi, Marieta de Moraes Ferreira ou Verena Alberti.
305
Isaac nasceu em 1938. Natural de Itaocara chegou Colnia Tavares de Macedo em outubro de 1949. Reside
nos limites da antiga Colnia de Igu, num terreno cedido pelo Governo do Estado, onde construiu sua
residncia. Entrevista concedida em 10 de dezembro de 2014.
123
as aulas. Fez reforma em todo o prdio. Pintaram tudo para limpar o espao.(...) O
grupo escoteiro que eu fazia parte, acabou quando souberam que eu estava com
lepra. Minha me lutou muito para que a gente conseguisse internar, pedindo
inclusive a pessoas de influncia na cidade.306
306
307
CUNHA, Vvian da Silva. Idem. pp.115-117 e MARANHO, Carlos. Maldio e glria: A vida e o mundo
do escritor Marcos Rey. So Paulo: Companhia das Letras, 2004.
308
309
124
310
BNIAC, Francoise. O medo da lepra. In: LE GOFF, Jacques (Org). As doenas tem Histria. Editora
Terramar, Lisboa, 1997. pp.139-140.
125
Como a lepra apresenta uma evoluo crnica e perodo de incubao muito longo,
atingindo em mdia de trs a cinco anos de acordo com a resposta imunolgica,
provavelmente Daniel foi contaminado por sua me e diagnosticado trs anos depois de sua
internao. O exame mencionado por ele como sendo do quente ou frio, trata-se da
avaliao inicial que consistia no mapeamento da sensibilidade cutnea, pois a doena afeta
principalmente a pele e os nervos perifricos, fazendo com que a sensibilidade se altere. Essa
avaliao nem sempre eficaz, pois em 30% das leses no ocorrem alteraes de
sensibilidade. O exame baciloscpico era o recurso de maior eficcia neste perodo para
confirmar os casos positivos da doena.313
Contrariando a expectativa, o entrevistado reproduz uma memria que no apresenta
as dificuldades, dores e humilhaes as quais ele e sua me estiveram sujeitos. A Dona Rosa,
senhora mencionada, era patroa de sua me que, segundo ele, era uma pessoa muito caridosa e
os ajudou muito. Era como uma madrinha que j o havia adotado aps a internao da me.
No entanto, esse lao foi rompido com o diagnstico da doena.
Apenas em um momento Daniel narra uma passagem de forte ruptura familiar,
enfrentada no por ele, mas por sua me quando estava prxima de ser internada na Colnia
Tavares de Macedo:
Isso foi minha me que me contou aqui n, eu no estava com ela. Antes dela vim
para c, ela foi se despedi (sic) dos meus irmos gmeos, que eram menores que eu.
Ela foi, porque ia internar. A, quando minha me chegou l, a madrinha veio com as
311
Daniel nascido em 1932, chegou Colnia em 1947, aps ficar por trs anos internado no Preventrio
(educandrio) Vista Alegre em So Gonalo. Solteiro, reside dentro dos limites geogrficos da antiga Colnia,
num terreno cedida pelo Governo do Estado. Entrevista em 15 de Junho de 2014.
312
Idem.
313
126
crianas e perguntou: Maria, voc vai internar por qu? Que doena que voc tem?
A minha me teve que contar, que tava com lepra. Na mesma hora a madrinha
pegou os dois e juntou na barra da saia e no deixou eles d beno na minha me,
nem se despedir. A madrinha disse: Maria, vai se tratar, vai. Pode ficar tranquila,
que seus filhos a partir de hoje sero meus filhos. Com isso, minha me nunca mais
viu eles. Eu vim para c garoto e tambm nunca mais encontrei eles. 314
A quebra dos laos familiares nem sempre ocorreu de forma abruta e definitiva e o
caso de Esther bem peculiar. Seu pai acometido pela lepra foi internado no Igu-velho315
em 1936, quando a Colnia do Igu ainda estava em construo. Em seguida ela afirma:
Eu, minha me e meus irmos estvamos todos com a doena. S o nego no
estava, a foi para o Educandrio Vista Alegre. Meu pai chegou primeiro em 1936,
no Igu-velho. Ns s viemos em 1944. Foi bom vim para c, estava muito difcil a
vida por l. Meu pai ganhou um terreno, a construiu uma casa para a gente morar. 316
A fixao do doente nos leprosrios era algo primordial na poltica de combate lepra.
Na situao descrita por Esther verificamos a boa-vontade da administrao ao entregar um
terreno para seu pai, para que pudesse construir uma residncia para a famlia. A internao
do pai, anteriormente ao restante da famlia, gerou problemas provavelmente econmicos;
seus pais eram oriundos de zona rural e sua famlia tinha uma formao tradicional, com o pai
como provedor do lar e a me se ocupava das funes domsticas.
O mdico Jos Mariano, que durante a dcada de 1940 foi Diretor da Colnia de Santa
F em Minas Gerais, realizou um estudo epidemiolgico com 33 casais, dos quais 17 j
haviam contrado matrimnio antes de entrar para a Santa F. Parte de suas concluses foi de
que todos os casais eram de origem rural, tendo o homem como provedor e a mulher
responsvel pelos afazeres domsticos.317
As rupturas causadas pelo diagnstico de lepra e o consequente isolamento
compulsrio, levava em muitos casos a pulverizao do ncleo familiar do doente. No caso de
Esther, o internamento no leprosrio durante determinado tempo separou seu pai de sua
314
315
Igu-velho uma expresso utilizada por alguns ex-internos em referncia s instalaes iniciais da
Colnia de Igu quando a mesma ainda no havia sido construda.
316
Esther nasceu em 1935. Natural de Ino, municpio de Maric, foi internada na Colnia Tavares de Macedo
em 1944, junto de sua me e irmos, ambos doentes. Reside nos limites geogrficos da antiga Colnia de Igu
em um terreno cedido pelo Governo do Estado, onde construiu sua residncia. Entrevista concedida em 10 de
junho de 2014.
317
H interessantes estudos realizados sobre a lepra conjugal e sua propagao em meio domstico. SOUZAARAJO, Herclides Csar de. A lepra estudos realizados em 40 pases (1924-1927). Rio de Janeiro: Typ. do
Oswaldo Cruz, 1929; DINIZ, Orestes. Notas sobre a epidemiologia da lepra familiar em Minas Gerais, In:
Brazil Mdico, 15 de junho de 1936 e MARIANO, Jos. Lepra conjugal, In: Revista de Combate Lepra, Ano
IX, n1, maro de1943 dezembro de 1944, Rio de Janeiro. pp.16-26.
127
famlia e em seguida foi capaz de agrupar o mesmo ncleo familiar, a partir do diagnstico
positivo de quase todos os membros, com exceo de um dos irmos que foi internado no
Educandrio Vista Alegre.
As narrativas aqui descritas, independentemente do grau de especificidades
apresentadas, evidenciam estigma, condenao social e quebra de laos familiares aos que
vivenciaram a experincia de ser leproso. As rupturas sociais igualmente vividas por estes so
notrias. Planejamentos profissionais e matrimoniais rompidos ou histrias de vidas com
dissoluo de ncleos familiares: tudo isso era vivenciado a partir da confirmao do
diagnstico e a consequente internao nos leprosrios.
318
319
Revista de Combate Lepra, Ano V, n1, maro de 1940, Rio de Janeiro. p.17.
Alguns jornais da poca utilizavam esse termo para qualificar as mulheres da alta sociedade que eram
envolvidas com as causas filantrpicas. A expresso tambm foi utilizada por alguns dos entrevistados.
128
O ato de receber os doentes que chegavam para internao era uma funo a priori do
prefeito da Colnia. Jonas registra esse momento como algo positivo, at porque o prefeito
tambm era doente e conhecia bem as dificuldades enfrentadas por ser leproso.
O pavilho infantil existente na Colnia e citado por Jonas, s foi inaugurado em
1943. At que completassem 18 anos, todos os recm-internados, independentemente do sexo,
eram encaminhados para este pavilho. Construdo pelo Governo do Estado Rio, era dividido
em duas amplas salas, com a capacidade para abrigar 30 crianas de ambos os sexos.322 Antes
de sua construo, as crianas e jovens internados, dependiam da caridade dos doentes
casados para que pudessem abrig-los, pois s existiam pavilhes para adultos. O caso de
320
CRUZ, Oswaldo. Idem. In: Jornal O Imparcial, n.211, 03/07/1913 e SOUZA-ARAUJO, Herclides Cesar de.
Histria da Lepra no Brasil: perodo republicano. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1956. pp.117-118.
321
322
129
Simo, internado em 1939, retrata essa dificuldade, pois acabou sendo acolhido por Dr. Jos
Hiplito da Silva323, mdico doente que possua uma residncia destinada a doentes
casados.324
Na Colnia Tavares de Macedo, como na maioria das colnias, existia muito trabalho
a fazer, j que o funcionamento dessas instituies demandava uma grande quantidade de
funcionrios; na falta destes, os doentes preenchiam estes postos de trabalho. No modelo de
colnia agrcola os doentes eram tratados como pessoas capazes de produzir, porm para isso
precisavam aprender algum ofcio. Desde os servios de limpeza, preparo das refeies at os
servios de enfermagem: toda mo de obra empregada na zona doente, era de
responsabilidade dos prprios internos.
O modelo institucional da Colnia de Igu foi projetado para tornar-se autossuficiente.
Por isto, o trabalho era indispensvel para seu prprio funcionamento e tinha como funo
baratear os custos de sua manuteno e ainda manter os internos ocupados, facilitando
inclusive sua (re)socializao.
A estratgia aplicada para muitos que ali estiveram segregados foi bem sucedida. Os
prprios entrevistados relatam que reinventaram suas vidas, explorando os privilgios e
vantagens quando conseguiram fazer parte do sistema formal de trabalho da Colnia. As
atividades ligadas agricultura foram incentivadas como forma de aproveitar as habilidades
trazidas pelos doentes oriundos de rea rural e desonerar os altos gastos com alimentao. A
prpria realidade do municpio de Itabora favorecia esse incentivo, pois alm de apresentar
ndices de cerca de 80% da populao em rea rural, historicamente sempre se destacou como
um municpio com grande produo de gneros agrcolas.325
A existncia de lavoura no interior da Colnia foi raramente mencionada pelos
entrevistados e quando perguntados a esse respeito, alguns informaram no se lembrar de sua
323
Dr. Jos Hiplito da Silva, mdico e interno da Colnia Tavares de Macedo. Chegou no incio da dcada de
1940, com a viso bem comprometida como sequela da doena. Segundo relato de alguns ex-internos, atuou
como nico clnico atendendo aos doentes durante certo perodo. Participou ativamente das atividades culturais
na Colnia, mantendo vnculos polticos partidrios locais e estaduais, atravs da legenda PSD. Jornal Folha de
Itabora, Ano 3, 31 de agosto de 1950, entrevista concedida ao autor pelo ex-interno Jonas em 20 de janeiro de
2014, Daniel em 15 de junho de 2014 e Simo em 10 de dezembro de 2014.
324
325
Enciclopdia dos Municpios Brasileiros. XXII Volume, Rio de Janeiro, 1959. pp. 258-259.
130
existncia, enquanto que outros afirmaram que sua presena s existiu durante a
administrao do Dr. Arnaldo Zo, por tratar-se de um grande incentivador desta atividade.
Arnaldo Zo assumiu a direo da Colnia em 1942 e permaneceu no cargo at 1948,
quando foi substitudo pelo mdico alemo Alfred Blutz326. Dr. Arnaldo, como era conhecido,
foi apontado como um gestor muito atuante, tanto para o funcionamento da Colnia, como no
contexto poltico local. Era visto na lavoura junto com os doentes, contrariando inclusive o
protocolo mdico de preveno de contgio.327
Segundo Cavaliere, a oportunidade de trabalhar, mesmo que fazendo pequenos
servios e depois com vnculo empregatcio na prpria Colnia, propiciava uma nova
perspectiva aos doentes j que podiam converter seu tempo na execuo de algo til e
remunerado. Por outro lado, essa prtica era extremamente vantajosa para o Estado, pois
somente doentes poderiam trabalhar no hospital328 como j evidenciado, fornecendo mo de
obra barata aos cofres pblicos, uma vez que a estrutura de funcionamentos dessas
instituies significava alto poder de investimento por parte do Estado, devido
complexidade de atividades ali existentes e necessrias.329
A utilizao de mo de obra dos internos fazia parte de uma engrenagem que permitia
a ocupao de papis importantes na organicidade da Colnia, atravs de funes primrias e
secundrias na execuo de atividades essenciais do dia-dia dos doentes, estando frente
inclusive na manuteno do controle e disciplina da instituio. Para aqueles que ocuparam
funes de destaque, como prefeito, delegado ou chefe da guarda, como a exemplo de Saul330,
326
Alfred Blutz, mdico alemo especialista em leprologia. Antes de ser transferido para a Colnia Tavares de
Macedo, foi diretor do Lazarpolis do Prata, primeiro leprosrio agrcola do Brasil, inaugurado em 1924, no
Par. Possua cidadania brasileira, pois a legislao do Brasil no permitia que estrangeiros ocupassem cargos
de gesto, caso no fossem naturalizados. In: Revista de Combate Lepra, Ano V, n1, maro de 1940, Rio de
Janeiro. pp. 176-177.
327
De acordo com as entrevistas concedidas pelos ex-internos Jonas em 20 de janeiro de 2014 e Daniel em 15 de
junho de 2014.
328
A chamada zona doente denominada pelos ex-internos em seus depoimentos de hospital. Essa questo
presente em todos os depoimentos que colhemos, onde sempre destacado que os sadios no trabalhavam no
hospital.
329
Saul nasceu em 1938, sendo natural do muncipio de So Gonalo/RJ. Foi diagnosticado quando tinha 11
anos de idade e internado na Colnia Tavares de Macedo em 22 de julho de 1957, sendo recebido pelo prefeito
Manoel Nazareno. Reside em uma das casas destinadas aos doentes casados e por ser portador de considervel
limitao fsica, causada pelas sequelas da doena, ganhou o direito referida residncia que fica ao lado do
Centro Esprita Trabalhadores de Jesus.
131
suas memrias destacam o valor que essas funes representaram em determinado perodo,
alm de fornecer questes do cotidiano:
A administrao gostava muito de mim, fui prefeito entre 1969-1972. Mandava em
tudo, quando o diretor no estava a. Delegado e mais 28 guardas tudo minha
disposio. Eu sa para ser funcionrio pblico, que foi uma espcie de resgate que o
Estado fez. No podia morar mais aqui dentro. Foram escolhidas 10 pessoas, e eu
estava entre eles. S para resgatar o prestgio, a honra do doente, o Estado comeou
ajudar os doentes, dando cargo de funcionrios para eles. 331
O projeto original da Colnia previa que o cargo de prefeito fosse escolhido por meio
de eleio, porm segundo os depoimentos e os documentos escritos que tivemos acesso, esse
sistema nunca foi adiante devido a importncia desse posto para a direo da instituio. Vale
ressaltar ainda que, entre 1937-1945, o pas vivia um regime de exceo, legitimando o vis
da nomeao, algo que depois se cristalizaria, mesmo depois da redemocratizao do pas em
1946.332
A indicao de Saul ao cargo de prefeito, demonstra o papel do prestgio na ocupao
de determinados postos, o que acabava hierarquizando a vida social entre os doentes uma vez
que nem todos teriam acesso ddiva da administrao da Colnia. Ao deixar sua funo
para ocupar um cargo pblico, evidencia a iniciativa do Governo do Estado no sentido de
estabelecer penses aos egressos da Colnia, como forma de reparao aos danos causados
pelo isolamento compulsrio.333
Ainda na temtica que envolvia a ascenso dos doentes aos cargos oferecidos pela
instituio, destacamos o fator limpo334 como premissa. Os limpos tinham mais
oportunidades por no apresentaram sequelas deixadas pela doena. O discurso proposto
pelos leprosrios modernos era de que estando os doentes entre iguais, as aflies
331
332
importante salientar que o perodo em que o projeto da Colnia foi elaborado (1936), o pas estava vivendo
um momento poltico conturbado vigorando o regime democrtico de direito, porm com algumas medidas de
exceo e prestes a receber um revs com a decretao do Estado Novo em novembro de 1937.
Tradicionalmente desde o perodo Colonial, a nomeao do cargo de executivo municipal sempre esteve
marcado pela tendncia em se considerar o cargo de Prefeito como um simples administrador pblico. Durante o
perodo 1930-1945, ocorreu uma longa experincia de nomeao de prefeitos. Entretanto, o problema da
eletividade dos Prefeitos foi diversas vezes discutido no STF, dividindo muitas vezes opinies sobre a
eletividade ou nomeao. LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto e o regime representativo no Brasil.
3ed., Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997. pp.79-127.
333
Com a utilizao das sulfas, ocorreram as primeiras altas a partir do final de dcada de 1940. O Governo do
Estado do Rio iniciou, a partir da dcada de 1950, baseado na lei federal n 1045, de 02 de janeiro de 1950, a
concesso de penses mensais, vitalcias e intransferveis no valor de Cr$1.500, 00. In: Jornal Folha de Itabora,
Ano XII, n390, 18 de julho de 1959 e
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=138384&norma=159885 (acessado em
23/06/2014).
334
132
335
336
A folha dos albergados era o instrumento de controle pessoal utilizado pela administrao da Colnia, para
pagamento dos internos que ocupavam postos de trabalho.
337
Existia a intolerncia as sulfas por parte de alguns pacientes, impossibilitando em alguns casos a continuidade
do tratamento. Eram muitas as reaes adversas: anemia, nuseas, cefaleia, pruridos, surtos erizepeladoides etc.
Apud. MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sos perde o lzaro a liberdade: Uma histria das polticas
pblicas de combate lepra no Brasil (1941-1962). Tese de Doutorado em Histria Social, Universidade Federal
Fluminense, Niteri, 2007.pp.227-228.
133
Outro ponto que deve merecer grande ateno por parte das autoridades favorecer
todas iniciativas sociais dentre os internados. O apoio s agremiaes de carter
associativo (Caixas Beneficentes) que constituem o ncleo de toda a vida desportiva,
cultural e social dos pacientes, constituem um grande auxlio para a administrao e
favorece enormemente a vida do paciente no seu isolamento.338
O Dr. Arnaldo Zo foi diretor da Colnia Tavares de Macedo de 1942 a 1948 e neste
artigo, apresenta uma recomendao clara e objetiva, ao dizer que todas iniciativas sociais
deveriam ser favorecidas para o doente no subverter o sistema tutelar. E sobre cooperao,
merecem ateno especial a Caixa Beneficente e as Sociedades filantrpicas de assistncias
aos doentes. Atravs da realizao de inmeras campanhas, angariavam recursos e doaes
para fomentar atividades culturais e ampliao da infraestrutura, facilitando a socializao do
internado e sua consequente adeso ao sistema de excluso.
A Caixa Beneficente era uma associao que funcionava dentro dos leprosrios.
Buscava, por meio de doaes e subvenes, promover a assistncia moral e social dos
internos objetivando um cotidiano saudvel" atravs de uma srie de atividades direcionadas
s necessidades internas da instituio. A primeira caixa beneficente inaugurada oficialmente
foi a do Asilo-Colnia paulista de Pirapitingui, em 15 de novembro de 1933. Segundo seu
estatuto, sua funo era de defender os direitos e interesses de seus associados.339
No caso da Caixa Beneficente da Colnia fluminense, sua fundao ocorreu por
iniciativa de alguns doentes, como Humberto Mesentier, que foram apoiados pela Federao
Fluminense de Assistncia aos Lzaros e Defesa contra Lepra. Sua presidente, Amrica
Xavier da Silveira340, convidou uma das damas ilustres mais importantes da sociedade
fluminense, Alzira Vargas do Amaral Peixoto. Esta que, por sua vez, j participava
338
ZO, Arnaldo. Da ao das autoridades Sanitrias e da cooperao particular no isolamento dos doentes de
lepra, In: : Revista de Combate Lepra, Ano VIII, Junho de 1943, Rio de Janeiro. pp.41-48.
339
Extrato dos Estatutos da Caixa Beneficente do Asilo-Colnia Pirapitingui, 1939. Arquivo Gustavo Capanema.
GC h 1935.09.02 CPDOC/FGV
340
Amrica Xavier da Silveira, alm de vice-presidente da Federao dos Lzaros, tambm ocupava neste
perodo a presidncia da Sociedade Fluminense de Assistncia aos Lzaros e Defesa contra Lepra.
Descendente de tradicional famlia carioca do advogado Joaquim Xavier da Silveira Jnior que foi deputado,
senador e membro do Instituto Histrico e Geogrfico do Brasil (IHGB). Entre 1901 e 1902, exerceu a funo de
prefeito do Distrito Federal, por indicao do presidente Campos Sales (1898-1902). In: SANTOS, Vicente Saul
Moreira dos. Entidades Filantrpicas e Polticas Pblicas no Combate Lepra: Ministrio Gustavo Capanema
(1934-1945). Dissertao de Mestrado em Histria das Cincias e da Sade, Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz, Rio
de Janeiro, 2005. p.71.
134
ativamente nas campanhas de doaes para a causa dos lzaros e de seus filhos, aceitou o
convite com a responsabilidade de organizar um grande evento para angariar recursos
financeiros que possibilitariam a fundao da Caixa Beneficente e a ampliao das instalaes
do Preventrio (educandrio) Vista Alegre, sobre o qual falaremos mais adiante.
Alzira Vargas liderou um grupo de personagens importantes da sociedade fluminense,
muitos deles polticos e que j eram envolvidos com a causa filantrpica, como, por exemplo,
o Dr. Luiz Palmier. Aps uma reunio ocorrida no Palcio do Ing, ficou decidido que seria
realizado um jantar danante no Casino Icarahy em Niteri, com presena confirmada de
Carmem Miranda, alm de outros cantores que no cobrariam cach, em prol da causa dos
lzaros e seus filhos. O evento foi um enorme sucesso, atraindo grande pblico e toda a renda
entregue ao Dr. Lauro Motta, diretor da Colnia do Igu, a Alzira Reis Ferreira Vieira,
diretora do Preventrio Vista Alegre e a Judith Fontenele, diretora do Instituto de Proteco e
Assistencia a infancia de Nictheroy.341
A instalao da sede da Caixa Beneficente em Igu ocorreu em 1940 342, com a doao
de armrios, cadeiras, mesas, cabides, escrivaninhas, poltronas, mveis completos para uma
sala de leitura, alm de uma srie de livros para montagem de uma biblioteca. Todo esse
material foi doado pela Federao de Assistncia aos Lzaros.343
Segundo Yara Monteiro, a existncia de Caixas Beneficentes atribuda Lauro de
Souza Lima, que iniciou esse movimento durante sua gesto como diretor do Sanatrio Padre
Bento em So Paulo. Essa foi a forma encontrada pelo DPL daquele Estado para acabar com a
ingerncia das sociedades filantrpicas nos leprosrios, sem com isso perder as doaes. Esse
intento inicial de afastar as sociedades filantrpicas foi uma estratgia bem sucedida,
demonstrando a peculiaridade das aes de combate lepra no Estado de So Paulo. 344
O surgimento das caixas teve um objetivo especfico e, especialmente, no que se
refere Caixa Beneficente da Colnia de Igu, a iniciativa ocorreu por meio da organizao
dos prprios doentes e o recurso financeiro para a sua criao ocorre atravs de campanha
realizada pelas Sociedades Fluminenses de Assistncia aos Lzaros.
341
Jornal Dirio Carioca, 27 de setembro de 1940; Jornal Correio da Manh, 12 de outubro de 1940 e Revista
de Combate Lepra, Ano VI, Maro de 1941, Rio de Janeiro. p.186.
342
Nos documentos que tivemos acesso, a data oficial de criao da Caixa Beneficente dos Internos e Egressos
do Igu, foi no segundo semestre de 1940. Entretanto, a associao possui atualmente um website que informa a
data de 30 de agosto de 1939 como o ano de sua fundao. http://caixabeneficente.webs.com/, acessado em
15/09/2014.
343
Revista de Combate Lepra, Ano VI, Maro de 1941, Rio de Janeiro. p.127.
344
135
346
347
LIMA FILHO, Rodrigo Octavio da Fonseca. O Municpio de Itabora recebe os Anjos Inocentes:
Hansenase/Lepra Preconceitos e outras histrias. Monografia de Concluso de Curso de Histria.
Universidade Federal Fluminense, Niteri: 2005.
348
Nelson Almada de Abreu foi internado na Colnia Tavares de Macedo em 1942. Letrado, trabalhou como
laboratorista no hospital. Foi articulista no Jornal Folha de Itabora durante as dcadas de 1940 a 1960,
escrevendo tambm, por curto perodo, para o jornal O Itaborahyense e o Tribuna de Itabora. Seus textos
noticiavam as atividades culturais, festas e visitas organizadas pelas sociedades filantrpicas, artigos sobre a
lepra e principalmente as movimentaes poltico-partidrias ligadas ao PSD, que ocorreram na Colnia entre as
dcadas de 1940 e 1960. Ocupou o cargo de Presidente da Caixa Beneficente por alguns exerccios, seja por
136
ser interno da Colnia. Tratava-se do Jornal Folha de Itabora, que s iniciou suas atividades
em 1948, no possibilitando com isso o levantamento dos primeiros anos de existncia da
Caixa Beneficente.
3.2.5 Sociabilidade e poltica na Colnia
indicao do diretor ou atravs de eleies bem concorridas, como nos anos de 1951-1952. Como egresso,
continuava marcando presena nas solenidades e reunies do clube modelo, uma das organizaes de futebol
fundadas na Colnia em 1949. Suas atuaes a partir desses espaos renderam-lhe projeo poltica fazendo com
que chegasse ao cargo de vereador e presidente da Cmara Legislativa de Itabora no exerccio de 1963 a 1967,
e, em seguida, a vice-prefeito entre 1967 a 1971. Durante esse perodo, aps ter alta, cursou Direito, atuando
como advogado no municpio. Jornal Folha de Itabora, Ano 3, n137. 05 de abril de 1951, entrevista concedida
ao autor pelo ex-interno Jonas em 10 de janeiro de 2014 e pelo ex-interno Daniel em 15 de junho de 2014.
349
350
Coleo de Leis do Brasil - 1946, Pgina 97, Vol. 3. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/19401949/decreto-lei-9215-30-abril-1946-417083-norma-pe.html. (consultado em 27/12 /2014).
137
sobre o internamento dos doentes que conversamos, segue uma viso otimista onde
afirmam que em outros tempos a Colnia era muito animada e que apesar de a doena ser
ingrata, eram tempos muito bons. Entretanto, muitos subvertiam a ordem, pois ocorriam
fugas e formas de burlar o confinamento por parte daqueles que no aceitavam o sistema,
motivado por inmeras questes. As principais razes das fugas eram saudades da famlia,
negcios a resolver, arrimo da famlia, dificuldades financeiras, questo sexual do doente,
profisses liberais, condio social, repulsa da sociedade famlia dos leprosos, situao dos
egressos dos leprosrios e paixo poltica.351
As prticas narradas pelos depoentes demonstram que o cotidiano da Colnia era
permeado por mltiplas prticas e redes de sociabilidades, cujas brechas deixadas pelo
sistema institucional, eram exploradas pelos doentes. A ideia de que a Colnia Tavares de
Macedo teria sido o chamariz da desgraa como destacado no ttulo do captulo, alvo de
questionamentos, principalmente quando nos deparamos com imagens do cotidiano, capazes
de quebrar determinados paradigmas, como por exemplo, a da foto a seguir:
351
138
139
compradas com os comerciantes de Venda das Pedras, pois neste perodo no havia bares e
mercearias no interior da Colnia.
Apesar de existir um cdigo de prticas disciplinares objetivando impor um padro de
conduta aos doentes, esse no era capaz de coibir totalmente suas prticas sociais.
O relato da ex-interna Esther, internada em 1944, ajuda a compreender como
aconteciam as festas quando no existia ainda o fornecimento de luz eltrica:
Nossa, as festas naquele tempo eram muito animadas. Tinha conjunto para tocar, e
os doentes se divertiam. Quando no tinha luz, porque o gerador apagava as
22:00hs, a festa continuava com os doentes danando com o lampio na mo. 352
352
353
140
Compra de roupas feitas, de cortes para vestidos, peas para roupas de senhora,
cobertores, latas de compostas, doces e etc.
O exmo. Prefeito de Petropolis nos cedeu um caminho da Prefeitura para transporte
dos objetos at Niteri, e a distribuio foi feita aos doentes no Leprosrio do Igu, a
23 de dezembro.
(..)No ms de Junho do corrente ano, entregamos ao Dr. Lauro Motta, digno diretor
do Igu, a importncia de 750$000 para os festejos de So Joo.354
354
Revista de Combate Lepra, Ano VI, maro de 1941, Rio de Janeiro. p.187.
355
141
356
Jornal O Itaborahyense, ano59, n1768, 27 de setembro de 1953 e entrevista concedida ao autor pelo exinterno Jonas em 10 de janeiro de 2014 e pelo ex-interno Daniel em 31 de Julho de 2014.
357
142
destinado aos bailes e diverses, se tornou um lcus de sociabilidade, uma usina de talentos e,
posteriormente, contribuiu para a atenuao do estigma, atraindo a populao externa para
participar dos alegres bailes de carnaval que ocorriam no interior da Colnia.358
Um dos talentos que desabrocharam nesse lcus, foi Jonas. De tradio musical
familiar, possua habilidade com instrumentos de sopro e logo depois que foi internado, pode
aprimorar seu talento com o professor Olegrio, que tambm era doente. Comeou a partir
da, a ideia de montar um conjunto musical de qualidade e tocar nos bailes que aconteciam
regularmente no salo de festas. No final da dcada de 1940, comeou a dar aulas de msica,
com salrio pago pelo Frei Daniel Krommer, e montou uma banda musical que fez muito
sucesso dentro e fora da Colnia, a Banda Musical So Jos do Igu. Em seguida, montou
uma orquestra e alcanou sucesso com apresentaes em eventos ocorridos em Itabora e
outros municpios.359
Esse dinamismo musical fomentado pelas iniciativas de Jonas despertou interesse de
internos ligados msica, formando inclusive msicos que nunca haviam tido contato com
instrumentos musicais anteriormente. Daniel que foi integrante da Banda musical liderada por
Jonas, destaca que Fizemos muito sucesso. Teve doente que nunca havia tocada nada e virou
msico.360
358
Esse vis no faz parte de nossos objetivos, que por sinal apresenta uma riqueza extraordinria construda
pelos internos como forma de resistncia e ressignificao de suas vidas atravs da msica e da arte. A pesquisa
realizada por Lima Filho prioriza a anlise da fundao da escola de samba Anjos Inocentes que conquistou
notoriedade em Itabora, ganhando, mais de uma vez, o desfile de carnaval da cidade. Entrevista concedida ao
autor pelo ex-interno Jonas em 20 de janeiro de 2014 e LIMA FILHO. Idem.
359
360
143
Figura 15 - Fotografia do final da dcada de 1950, que retrata Jonas. e sua Banda. No
centro, com a mo esquerda no bolso, est Jonas e sua esquerda de roupas
brancas, com as mos nos bolsos est Daniel.
361
362
144
363
Eunice de Sousa Gabbi nasceu no dia 19 de setembro de 1904. Sua iniciativa pela causa hanseniana teria sido
influenciado por um reencontro com antiga conhecida de adolescncia, que teria simulado suicdio para livrar a
famlia do estigma da lepra. Aps reencontr-la junto de outros doentes agrupados em uma determinada
localidade e com alto grau de mutilao causada pela doena, Eunice se sensibiliza profundamente e passa a se
dedicar causa dos hansenianos. Formou-se em servio social nos EUA e casou-se com Charles Weaver, que foi
seu professor de latim. Participou com o marido de um projeto patrocinado pela Universidade de New York,
onde pode visitar mais de 40 pases travando contato com realidades distintas sobre a lepra e vrios leprosrios.
Seu engajamento na causa dos lzaros aconteceu oficialmente em 1934, quando fundou e presidiu a Sociedade
de Assistncia aos Lzaros e Defesa contra a Lepra de Juiz de Fora. Eunice Weaver esteve durante anos frente
da FSALDCL. Foi por diversas vezes homenageada, uma delas em 1949 quando recebeu ttulo e medalha de
Honra ao Mrito pelos servios prestados causa humana, oferecido pela Standard Motor Company of Brasil
que pela primeira vez homenageava uma mulher. Verbete: WEAVER, Eunice. SCHUMAHER, S. & BRAZIL,
E. V. (org.) Dicionrio Mulheres do Brasil: de 1500 at a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000.
ABREU, Nelson Almada. Eunice Weaver, uma pioneira. In: Jornal Folha de Itabora, Ano 2, 20 de outubro de
1949.
364
Revista de Combate Lepra, Ano X, Janeiro Dezembro de 1945, Rio de Janeiro. pp. 2-3. e Do direito de
voto aos hansenianos. Servio Nacional da Lepra, 30 de julho de 1945.
145
Colnia, o Modelo e o Ypiranga, teriam sua rivalidade acirrada pelo fato de representarem
respectivamente os partidos PSD E PTB.
O ex-interno Simo, que chegou a ser Diretor da Caixa Beneficente e durante longo
perodo esteve frente da Diretoria do clube Ypiranga, ao ser questionado sobre essa
polarizao, afirma:
O PSD s levou os votos dos doentes. No fizeram nada pela Colnia. Eu participei
ativamente das questes polticas que aconteciam. Fui candidato a vereador, cheguei
a ser suplente. A rivalidade do Modelo e do Ypiranga era de futebol e nada mais.
365
366
367
146
Silva Leal Jnior e sua esposa Margarida de Andrade Leal, ambos atuantes como
representantes municipais na Assembleia Legislativa do Estado do Rio pelo PSD, alm do
irmo de Margarida, Joo Augusto de Andrade, que esteve frente do executivo municipal
por trs vezes.368
A Colnia Tavares de Macedo acabou por refletir o mesmo palco de ao partidria
que ocorria no muncipio, a partir de elementos centrais de sua estrutura administrativa.369 Em
1948, foi criado um diretrio do PSD no interior da Colnia, sob a direo de Jos Hiplito da
Silva e Nelson Almada de Abreu, que representavam os interesses do Partido, estando frente
da Caixa Beneficente e do Clube Modelo, marcando presena e discursando nos eventos
culturais e comcios ocorridos.370
Para que o doente pudesse votar, existiam duas sees de votao: uma no cinema e
outra na Caixa Beneficente. Em 1955 havia 310 eleitores cadastrados nestas sesses,
representando cerca de 3% do eleitorado do muncipio que contava com 30 sees de votao
distribudas em seis distritos, contabilizando um total de 10.906 eleitores.371
A atuao poltica existente no interior da Colnia, atravs de doentes e egressos
engajados no PSD local, trouxe alguns benefcios para os doentes ao mesmo tempo em que
possibilitava a existncia de um palanque para atuao dos polticos supracitados. O servio
de alto-falantes foi doado pelo prefeito de Itabora, Joo Augusto de Andrade, em 24 de
agosto de 1949, durante uma noite de arte quando aconteceu um baile com apresentaes de
artistas locais e de outras regies. Foi uma doao benfica para o dia a dia dos internos e era
utilizado para informar as principais notcias do cotidiano, como programas, eventos, avisos
de pagamentos, bitos, chegada de correspondncias, aniversrios, recados do diretor e etc.
Poucos meses depois da instalao dos alto-falantes, foi realizado um comcio no campo de
futebol da Colnia pelo prprio Prefeito que discursava junto das principais representaes do
PSD de Itabora.372
368
FERREIRA, Oswaldo Luiz. Idem, pp.51-57, Jornal O Itaborahyense, junho de 1948 a dezembro de 1956,
Jornal Folha de Itabora, janeiro de 1952 a dezembro de 1960 e PANTOJA, Silvia Regina Serra de Castro. As
razes do pessedismo fluminense. A poltica do interventor: 1937-1945. Rio de Janeiro: CPDoc, 1992.
369
Os diretores eram nomeados pelo Governo do Estado do Rio, que durante longo perodo esteve sob a tutela de
Amaral Peixoto, principal liderana do PSD no Estado.
370
O jornalista Odyr de Barros era o diretor responsvel pelo Jornal e tesoureiro do PSD em Itabora neste
perodo.
371
Jornal Tribuna de Itabora, Ano II, n 54, 25 de agosto de 1955 e Dados Estatsticos: eleies federais e
estaduais realizadas em 1954 e 1955, v.3 (parte 2) - Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rio de Janeiro, Brasil,
1958. p.197.
372
Jornal Folha de Itabora, Ano II, n61, 18de agosto de 1949 e Ano III, n 111, 31 de agosto de 1950.
147
importante ressaltar que as relaes dos internos com a populao externa nem
sempre se davam de maneira amistosa e caritativa. Preconceito e repdio foram um clice
373
Jornal Folha de Itabora, Ano V, n175, 28de agosto de 1952 e entrevista concedida pelo ex-interno Jonas em
18 de agosto de 2014.
148
amargo que os doentes em muitas ocasies tiveram que tragar quando se aventuravam em sair
da Colnia, seja atravs das fugas, seja atravs de licenas mdicas. As relaes com a
populao de Venda das Pedras, bairro mais prximo da Colnia, aconteceu de uma forma
dbia. Alguns comerciantes tinham muita simpatia pelos doentes e eram considerados
amigos da Colnia, como Virglio Novis que era proprietrio de um armazm no bairro de
Venda das Pedras. Vez por outra trazia caminhes de frutas para os doentes e colaborava com
as festas organizadas para os internos. Outras pessoas se configuravam como grandes
desafetos, chegando a denunciar a movimentao dos doentes pelas imediaes.374
Um desses episdios aconteceu quando um comerciante local enviou uma cartadenncia redao do Jornal O Estado, pelo fato de pacientes da Colnia estarem circulando
diariamente aos bandos pelo bairro de Vendas das Pedras. O episdio foi noticiado pelo
Jornal que alguns dias depois publicou uma carta do diretor da Colnia:
De incio devo esclarecer que o leprosrio em moldes modernos no pode ter aquela
feio medieva de uma priso com todas as suas caractersticas e suplcios. Hoje
visam-se mais a recluso espontnea dos enfermos pelo desenvolvimento dos seus
nobres sentimentos, no sentido da preservao da sociedade de uma molstia
infecto-contagiosa e da qual eles so portadores. Entretanto a sua fixao no
leprosrio obra que depende quase s de exata compreenso do hanseniano quanto
ao perigo que representa para os sadios em promiscuidade com eles, e por fim
depende de sua conscincia (...). Quando acontece de fugir algum, quase sempre
volta arrependido de sua m atitude, e como ainda no exista aqui uma cadeia para
punio de tais crimes, anotamos a irregularidade na ficha social do interno e sob
compromisso de nunca mais fazer outra.375
374
Entrevista concedida pelo ex-interno Daniel em 15 de junho de 2014 e pelo ex-interno Saul em 20 de
fevereiro de 2014.
375
376
Jornal O Estado, 24 de outubro de 1940. Apud. LIMA FILHO, Rodrigo Octavio da Fonseca. Idem. p.18.
No foi possvel identificar a data exata de sua construo, porm atravs dos dados oferecidos pelos exinternos, conclumos que foi construda entre 1941 e 1943.
149
enfatiza o diretor, ocorria possivelmente pelo agravamento da doena e difcil convvio que
enfrentava fora do leprosrio.
Precisar o movimento de fugas um captulo parte no cotidiano dos doentes que
vivenciaram o isolamento compulsrio. Juliane Serres destaca o caso do Leprosrio de Itapu
no Rio Grande do Sul onde as fugas ocorriam de uma forma definitiva e/ou temporria, com o
doente retornando em pouco tempo. Ao analisar as fichas dos internados entre as dcadas de
1940 e 1950, Serres verificou a ocorrncia de fugas com 42,9% dos internados. Esse elevado
ndice se explicaria pelo escasso nmero de licenas que eram fornecidas durante o perodo de
internao, o que estimulava tal atitude.377
A ficha de ocorrncia, uma espcie de ficha disciplinar do doente, era parte
integrante de sua documentao, como instrumento de controle e vigilncia, onde eram
registradas as ocorrncias e as respectivas providncias (punies). Alm dessa ficha,
possuam tambm pronturio aos moldes de um tradicional hospital.
Em seguida, veremos uma ficha de ocorrncia utilizada para controle dos internos da
Colnia Tavares de Macedo:
377
SERRES, Juliane Conceio Primon. Expulsos do mundo dos sos: histrias de excluso. In:
NASCIMENTO, Dilene Raimundo do e MARQUES, Vera Regina Beltro (orgs.). Hansenase: a voz dos que
sofreram o isolamento compulsrio. Curitiba: Editora UFPR, 2011. pp.43-44.
150
378
151
acontecimentos que ele no deseja mais relembrar. A fuga de Wando, assim como a de outros
internos da Colnia Tavares de Macedo, revela o movimento de resistncia poltica de
isolamento compulsrio.
Segundo Jonas, alguns doentes que regularmente saam da Colnia escondidos,
sabendo que os comerciantes no gostavam que tocassem em nada que estivesse venda nas
mercearias, aproveitavam o medo dos sadios e pegavam frutas ou outros objetos. Eles
tinham conscincia de que, ao final, o comerciante mandaria que levassem o produto sem
pagar, ou seja, se aproveitavam da doena para adquirir vantagens materiais.379
O relato de Daniel tambm menciona suas fugas com os amigos:
Era proibido (sic) a nossa sada. Mais a gente sempre saa n, porque a Colnia
nunca foi cercada por muros. Alguns iam pelo trilho, outros pelo mato. Eu ia com
outros colegas, para passear, para beber. Mais eles no gostavam muito no, sabe.
Tinha gente que perguntava: Escutam aqui, vocs so doentes e ainda bebem? A
gente botava o dinheiro em cima do balco, eles tinham um medo danado. Eles
tinham um pedao de pau no canto, que usavam para empurrar o dinheiro para
dentro da gaveta, s para no por a mo.380
3.3.
380
381
MUIR, Ernest. International Journal of Leprosy, 1936, vol.4, n.1 pag.45 a 48. Apud. Revista de Combate
Lepra, Ano V, N1, maro de 1940, Rio de Janeiro. pp.15-16.
152
de cura e assistncia pelo pas. Com a Primeira Repblica tiveram incio as primeiras aes
mais efetivas de institucionalizao da Sade Pblica no Brasil.
A partir da chegada de Getlio Vargas ao poder em 1930, ocorreu um momento de
ruptura no sistema poltico brasileiro, iniciando um modelo baseado no Welfare State onde se
buscou prover e cuidar da populao. Trata-se de um marco para as polticas sociais no Brasil,
sem deixar de mencionar que importantes aes polticas j vinham acontecendo na dcada
anterior, favorecendo as polticas sociais como atribuio do Estado, como j falado no
primeiro captulo deste trabalho.382
A partir de 1934, houve um aumento considervel nos investimentos, com o incio da
gesto de Gustavo Capanema na pasta de Educao e Sade Pblica. O combate lepra
sofreu, a partir da, profundas alteraes. Segundo Curi, as sociedades de assistncias aos
leprosos, representadas pela Federao das Sociedades de Assistncia aos Lzaros e Defesa
Contra a Lepra (FSALDCL) foram parte integrante dessa histria. 383
A figura de Eunice Weaver de importncia vital para compreender esse novo
momento que as sociedades filantrpicas de assistncia causa da lepra viveram a partir da
aproximao com o Governo Vargas, mais especificamente com o ministro Capanema. Ainda
que a FSALDCL tenha sofrido relativa perda de autonomia, a partir da foi considervel o
apoio poltico e financeiro para assistncia aos doentes e avano da poltica preventorial.
Deve-se considerar que em 1935, existiam dois preventrios com cerca de 200 internos e oito
anos depois, o nmero de preventrios passou para 27, com 1852 crianas internadas.384
A ao filantrpica da Federao passou a centralizar seus esforos no amparo aos
filhos dos leprosos, desempenhando a nvel federal uma ao assistencialista, que ao mesmo
tempo, projetava socialmente aqueles que se envolviam nas campanhas.385
382
FONSECA, Cristina M. Oliveira. Sade no Governo Vargas (1930-1945): dualidade institucional de um bem
pblico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007, pp.26-27.
383
384
Uma campanha de Solidariedade Humana e Interesse Nacional: Preventrios do Brasil. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1944. Arquivo Gustavo Capanema, CPDoc /FGV.
385
Apesar de aps 1935, a funo primordial das associaes de assistncia aos lzaros foi focada na ampliao
e manuteno da rede preventorial, deve-se considerar que as campanhas e subvenes levantadas por estas,
continuavam a assistir socialmente os internos dos leprosrios, os egressos e suas famlias. Ainda que tenha
perdido prioridade, houve continuidade deste modelo de assistncia. A ttulo de exemplificao, cito a Sociedade
Campista que, em 1941, distribuiu cofres em bares, restaurantes e cinemas para arrecadar fundos em prol das
famlias dos hansenianos do Estado. Revista de Combate Lepra, Ano VI, maro de 1941.
153
No contexto fluminense, a organizao pioneira a trabalhar pela causa dos lzaros, foi
a Sociedade Fluminense de Assistncia aos Lzaros e Defesa Contra Lepra (SFALDCL).
Fundada em 19 de maio de 1933, foi idealizada pela Dr. Alzira Reis Vieira Ferreira 386 que
ocupou a presidncia, acompanhada das diretoras Ermerlinda Vasconcelos e Ilda Neumann,
alm de Estephania Paixo, Celina Pinto, Myriam Cianconi, La Paiva, e Dulce Lagoeiro. 387
Ator importante deste movimento, o Dr. Luiz Palmier, desde o incio da dcada de
1930, vinha buscando apoio poltico para a construo do primeiro preventrio fluminense.
Ocupando nesse perodo uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, cobrou do
governo do Estado em junho de 1934, a edificao de um preventrio na Ilha do Carvalho,
onde a manuteno e administrao ficariam sob a responsabilidade da referida Sociedade.388
Inicialmente, o maior desejo dos envolvidos com a causa da lepra no Estado era a
construo do primeiro leprosrio fluminense. Na impossibilidade de assumir um encargo de
tal vulto, a SFALDCL deliberou como meta principal a construo do preventrio para cuidar
dos filhos de leprosos do Estado. Em 1933, teve incio, nas cidades de So Gonalo e Niteri,
a campanha da solidariedade389 para angariar fundos e dar visibilidade causa.390
Iniciada a construo da Colnia de Igu em 1936, a SFALDCL conseguiu junto ao
governo do Estado do Rio, a doao de um stio em Vista Alegre, no muncipio de So
Gonalo, onde seria construdo, por iniciativa particular, o preventrio. Em 18 de abril de
1936, Eunice Weaver, Olga Teixeira Leite, Amrica Xavier da Silveira, representando
386
Dr. Alzira Reis Vieira Ferreira, nascida em Minas Gerais em 1886. Baluarte do movimento feminista no
Brasil foi uma das primeiras eleitoras brasileiras e primeira mdica formada do Estado de Minas Gerais em
1920. Foi tambm poeta, escritora, professora e jornalista, vindo a fundar junto de seu esposo entre 1926 e 1931,
o Jornal O Estudante, em Tofilo Otoni, MG. Fundou e presidiu a Sociedade Fluminense de Assistncia aos
Lzaros e Defesa contra a Lepra, tornando-se a principal figura no Estado do Rio em torno da causa e assistncia
social aos leprosos. Em seguida, assumiu por longo perodo a direo do Educandrio Vista Alegre, obra
assistencial que foi a principal mentora nas campanhas para sua construo.
http://notaveisdafamilia.blogspot.com.br/2010/07/alzira-nogueira-reis.html e
http://www.mulher500.org.br/acervo/biografia-detalhes.asp?cod=909 (acessado em 30/09/2014).
387
PALMIER, Luiz. A Lepra Problema Mundial. Idem. pp. 146-147 e Revista de Combate Lepra, Ano I,
1936, Rio de Janeiro.
388
A Campanha da Solidariedade foi idealizada por Alice Tibiri no final da dcada de 1920, no Estado de
So Paulo, e inmeras outras foram organizadas nas dcadas de 1930 e 1940, em diversos Estados. A
coordenao ficava sob responsabilidade das sociedades locais e tinham como objetivo arrecadar recursos
financeiros para a construo e manuteno dos preventrios, alm de realizar melhorias e promoo de eventos
nos asilos-colnias. CURI, Luciano Marcos. Idem. pp. 184-185.
390
154
FSALDCL e Alzira Reis Vieira Ferreira, presidente da Sociedade Fluminense, fizeram uma
visita ao terreno doado. Entre 1936 e 1937, quando as construes avanavam em meio
onda de acaloradas disputas polticas envolvendo o leprosrio de Itabora391, j estavam sendo
delineadas as aes para construo do primeiro abrigo para o filho do lzaro. O primeiro
evento oficial pr-preventrio ocorreu junto da fundao da Sociedade Petropolitana de
Assistncia aos Lzaros em 16 de fevereiro de 1937, no Tennis Club de Petropolis.392
A campanha pr-preventrio atingiu vrios municpios do Estado, principalmente
aqueles que tinham sociedades de assistncia organizadas, como Niteri, So Gonalo,
Petrpolis, Campos, So Fidlis ou Trajano de Morais. Outras cidades aderiram campanha,
fomentando o nascimento de outras sociedades, como nos muncipios de Maca, Friburgo,
Valena e Entre-Rios. Esse grande boom no surgimento de novas associaes foi um
fenmeno nacional, fazendo com que a FSALDCL em 1940, atingisse 100 associaes
filiadas ao seu quadro.393
Em agosto de 1938, o Jornal O Estado, noticiava a apresentao da pianista Guiomar
Novaes no Teatro Municipal de Niteri, patrocinado pela me do interventor Amaral Peixoto,
Alice do Amaral Peixoto, em benefcio do preventrio. Ocorreram tambm homenagens
Alzira Reis Ferreira Vieira, principal responsvel pela campanha em prol da construo do
preventrio Vista Alegre que, neste momento, j abrigava em uma casa mal adaptada 16
crianas de vrios locais do Estado, sob a responsabilidade da professora Aluizia Sodr, da
Escola Aurelino Leal, em Niteri. So poucos os detalhes sobre o funcionamento inicial do
preventrio, porm possvel concluir que as primeiras aes rapidamente foram suplantadas
devido fora que a campanha da solidariedade atingiu no Estado. A SFALDCL identificou
que era preciso avanar j que a estrutura inicial no permitia a internao de mais crianas.394
391
Verificar o captulo 2.
392
Revista de Combate Lepra, Ano III, maro de 1938, Rio de Janeiro. p.31. e Jornal do Commercio, 18 de
abril de 1937.
393
PALMIER, Luiz. Idem. pp.152-154. Jornal O Estado, 07de abril de 1940; Revista de Combate Lepra, Ano
III, maro de 1940, Rio de Janeiro. pp.61-64; Jornal O Imparcial, Ano VI, N 1611, Rio de Janeiro, 24 de agosto
1941.p.11 e Annaes da Assembla Legislativa do Estado do Rio de Janeiro de 1937, Niteroi: Officinas graphicas
do "Dirio Official".1937. pp.47-48.
394
Com a inaugurao da Colnia do Igu, a estrutura profiltica de combate lepra do Estado passou a ter o
principal aspecto do modelo trip. O Preventrio, que fazia parte desse modelo, teria que ter a capacidade
necessria para receber os filhos sadios dos internados. A demanda tambm aumentou devido criao de vrias
sociedades de assistncia no Estado, que atuavam como braos do poder pblico local na conduo dos doentes
para a Colnia e de seus filhos para o Preventrio. Um exemplo dessa ao foi registrado no Relatrio da
Sociedade Valenciana de Assistncia aos Lzaros de 1940, que trata inicialmente de suas aes ao longo do ano
em prol da causa, depois menciona que j havia enviado da Cidade de Valena, 6 adultos para a Colnia e
155
Fonte: Fotos n 21 e 23, Filme 492/1/1-2, Arquivo pessoal Gustavo Capanema, FGV/CPDOC.
A ala direita do novo prdio foi inaugurado em 27 de agosto de 1940 e contou com a
presena do Interventor do Estado do Rio, Amaral Peixoto; Gustavo Capanema, Ministro da
Educao e Sade; Heitor Gurgel, Secretario Estadual; Samuel Libaneo, Chefe do
Departamento de Sade; Ernani Agrcola, Chefe da Diviso de Sade Pblica e Victor Nunes
Leal, Chefe do Servio de Documentao. A presidente Alzira Reis Ferreira falou aos
presentes um breve histrico da instituio, que contava, naquela ocasio, com 67 crianas
11crianas para o Preventrio Vista Alegre. Revista de Combate Lepra, Ano III, maro de 1941, Rio de
Janeiro. pp.189-192.
395
Joo Noronha dos Santos era engenheiro, arquiteto, membro do Rotary Club e grande colaborador da
SFALDCL. O cine-teatro Noronha Santos da Colnia Tavares de Macedo foi construdo por iniciativa das
SFAL, tendo sido homenageado com seu nome em reconhecimento a seus prstimos instituio e causa
hanseniana.
156
internadas e teria, com as novas instalaes, mais 100 novas vagas que seriam oferecidas para
os filhos sadios de leprosos.396
Figura 18 - Fotografia tirada em 27/09/1940 por Peter Lange no dia da inaugurao da ala
direita do novo prdio. Ao centro de terno preto riscado, identificamos o Ministro
Gustavo Capanema; do seu lado direito tambm de terno preto, est o Interventor
Amaral Peixoto; a mulher entre os dois, de chapu Alzira Reis Ferreira Vieira.
Fonte: Foto GC 221, filme 610/3/8-9, Arquivo pessoal Gustavo Capanema, FGV/CPDOC .
396
Jornal O Imparcial, Ano VI, N 1614, Rio de Janeiro, 28 de agosto 1940 e Jornal Dirio Carioca, 28 de
agosto de 1940. p.6.
157
Fonte: Arquivo pessoal Gustavo Capanema, GC 531, filme 492/1/1-2 - FGV/CPDOC e Fotografia tirada pelo
autor em 04 de setembro de 2014.
397
158
398
399
Revista de Combate Lepra, Ano III, maro de 1941, Rio de Janeiro. pp.188-189.
400
Ibidem.
159
Fonte: SOUZA-ARAJO, Herclides Cesr de. Idem. p.256. e Fotografia tirada pelo autor em 12/08/2014.
Um dos fatos mais curiosos nesse relato foi a existncia de um pavilho infantil para
crianas doentes de todas as ordens, inclusive com uma ala destinada para os acometidos de
lepra. Isso se explicaria devido doena ter um perodo de incubao longo, pois algumas
crianas ou jovens que tiveram contato mais prximo com um doente e sendo, a partir da,
infectados poderiam manifestar a doena mais adiante. No caso desse entrevistado, j chegou
doente ao Preventrio e l permaneceu por pouco mais de trs anos. A instituio que era
destinada aos filhos sadios de leprosos recebia crianas j diagnosticadas com lepra? A ala
afastada, onde ficava o pavilho de isolamento, funcionava tambm como espao de
observaes para, em seguida, confirmando-se os novos casos, encaminh-los ao seu destino,
ou seja, o leprosrio. Mas no foi esse o caso em questo, pois Daniel j chegou diagnosticado
e permaneceu no educandrio por trs anos.
401
160
Em seu cotidiano revela manter contato com outros garotos, porm no com as
crianas sadias, confirmado quando ele afirma a gente s no podia ir para o prdio.
Percebemos assim que era cumprido o protocolo de isolamento para evitar o contgio.
Analogamente ao modelo de uma colnia agrcola, seria uma espcie de zona doente que
separava as crianas ss das doentes. O tratamento dado pelos responsveis considerado
satisfatrio, com exceo da comida que de vez em quando no era muito boa.402
Luciano Marcos Curi que investigou o papel da filantropia na administrao dos
preventrios e de suas principais lideranas, aponta que com o suicdio de Getlio Vargas em
1954, iniciou-se o fim do perodo ureo em que o Estado subvencionou boa parte dos
recursos para manuteno da rede preventorial. Foi tambm nesse perodo que severas crticas
foram dirigidas ao modelo trip, pois j no se sustentava a partir de novos tratamentos contra
a doena, lanando essas instituies de recluso para uma categoria de peso-morto.403
A morte de Eunice Weaver em 1969 representou a queda do ltimo baluarte de
sustentao da prtica preventorial. Aps esse perodo, uma crise generalizada, tanto
econmica como poltica, pairou sobre os preventrios, faltando apoio s suas atividades e
dinheiro para custe-las.404 Esse fato poderia ser uma das explicaes possveis para as
denncias relacionadas a maus tratos sofridos por crianas que estiveram sob a tutela destas
instituies. A ruptura causada por uma abrupta separao familiar deixa marcas indelveis
naqueles que foram internados sob esse regime. Como rfos de pais vivos foram indivduos
que cresceram sem o amor e ateno de seus pais. Entretanto, existem outras vises sobre a
atuao da rede preventorial, como a exemplo de Elisabeth Poorman:
Os preventrios foram construdos para servir como um importante campo de provas
para os cientistas e polticos, ou seja, que a lepra no era hereditria, mas contagiosa,
e que o Estado poderia melhor educar e " civilizar " os filhos da nao do que os
seus prprios pais.
(...) Os preventrios, no entanto, caram em abandono, especialmente depois de
Eunice Weaver. Foram locais horrveis de abusos fsico, sexual, psicolgico(...)405
Assim, ainda que essa questo no seja o foco da pesquisa, procurei apresentar neste
item um breve histrico do movimento filantrpico em torno da causa da lepra no Estado do
402
Idem.
403
404
Ibidem.
405
POORMAN, Elisabeth. The Legacy of Brazils Leper Colonies. Caderno de Sade Coletiva, Rio de
Janeiro, 16 (2), 2008. p. 323. (traduo livre)
161
Rio de Janeiro nas dcadas de 1930 e 1940, enfatizando principalmente as aes relacionadas
s Campanhas da Solidariedade em prol da construo do Preventrio Vista Alegre.406
Como elemento fundamental na poltica de combate lepra no Estado, este preventrio foi o
destino dos filhos dos internos da Colnia Tavares de Macedo. Assim, optei em retratar
atravs desse resgate como essa instituio preventorial realizava suas atividades e a
contribuio do caso particular de um depoente que tambm esteve internado por l.
No prximo item, retomaremos as discusses em torno do cotidiano da Colnia,
priorizando a anlise de sua infraestrutura, pois a partir dela possvel demonstrar como a
presena da Colnia Tavares de Macedo no municpio de Itabora o tornou um importante
aliado poltico.
3.4 A cidade dos lzaros em Itabora: Depreciao ou benefcio?
Pobre Itabora! To digno s t de melhor trato!
Todo o vosso patrimnio material e moral, h longos anos pacientemente
amealhado, ruir por terra como castelos de areia, ao sopro meftico dos futuros
donos do logar. E vs mesmos, para fugir ao hlito leprgeno, irei cedendo terreno e
emigrando para longinqas paragens, tementes do contgio nojoso da mais
terrificante das molstias.
A vossa lavoura, ai dela! Nem mesmo conseguir transpor as fronteiras do
municpio! Que dizer da depreciao das vossas terras?
A leprofagia anda solta por estes stios; e, qual nova fera apocalptica, s anda
espreita para vos prear.
(...)Uma vez invadida e prada a gleba, nada mais podereis fazer, pois v ser toda a
luta, e inglria qualquer peleja, contra inimigos taes. 407
406
Por iniciativa de Eunice Weaver, a partir de 1944, as instituies preventoriais passaram a ser denominadas
educandrios. Entretanto, o principal rgo de comunicao da FSALDCL, a Revista de Combate Lepra,
mesmo depois dessa mudana, continuou a utilizar a denominao preventrio em seus artigos.
407
408
162
captulo 2 desta dissertao, com a decretao do Estado Novo em 1937, foram silenciadas as
insatisfaes por conta desta celeuma.
O que busco demonstrar agora que, ao contrrio da previso catastrfica que foi
imaginada ao municpio pela instalao de um ignominioso leprosrio, a Colnia se tornou
um forte aliado nas reinvindicaes polticas para conquistar benefcios para a populao de
Itabora. Os maiores exemplos destes benefcios so a instalao de fora e luz(energia
eltrica) e os melhoramentos no fornecimento de gua potvel.
Em 1944, quando Jonas e seus irmos chegaram Colnia Tavares de Macedo seis
anos aps sua inaugurao, se depararam com uma estrutura bsica precria que refletia a
deficincia dos servios pblicos prestados pelo municpio de Itabora.409A ex-interna Esther
que tambm chegou em 1944, revela em suas memrias as questes ligadas s festas
ocorridas nos primeiros anos que esteve internada, destacando que a iluminao era feita por
lampies, devido ao desligamento do transformador s 22:00hs.410
O sistema de abastecimento de gua da Colnia era realizado com o volume do Rio
Igu, que aps a decantao e armazenamento, era distribudo aos edifcios existentes. Esse
sistema que perdurou at o final da dcada de 1940, no supria suficientemente os servios
prestados aos internos, gerando constantes racionamentos. Um dos motivos principais era o
equipamento utilizado para o processamento da gua de retirada do rio, que regularmente
necessitava de manuteno ficando em muitas ocasies quebrado por dias seguidos. A energia
era alimentada por geradores movidos leo visto que o municpio no possua uma rede de
abastecimento eltrico. Foi possvel constatar a ocorrncia de editais de concorrncia que
buscavam suprir a necessidade mensal de lenha para o funcionamento dos foges da cozinha
do hospital e das residncias de internos casados.411
No que se refere ao fornecimento de energia eltrica, a cidade possua apenas uma
pequena usina que supria com precariedade as atividades comerciais e industriais, alm do
servio de iluminao pblica. Eram frequentes as reclamaes sobre a qualidade do servio
prestado. Apesar das queixas, a Prefeitura se eximia de sua responsabilidade alegando que o
investimento para solucionar a questo era muito alto e extrapolava os limites arrecadados
409
410
Citado na p.137.
411
163
pelas rendas municipais. Eram frequentes as quedas de energia, como o episdio ocorrido em
1939, quando a usina eltrica entrou em colapso, ficando desativada por vrios meses.412
No obstante os esforos da administrao municipal, que em 18 de abril de 1940,
abriu um crdito municipal de 50: 000$000 (cinquenta contos de ris), destinado compra de
novo maquinrio para reforma do servio de iluminao pblica da cidade, continuava-se a
manter uma estrutura precria que atendia uma pequena parcela da populao do municpio.
O referido gasto representou 20% das rendas municipais, pois no exerccio de 1940, o
municpio orou o valor de 250:000$000 (duzentos e cinquenta contos de ris) para sua
receita anual, evidenciando uma arrecadao insuficiente que no permitia aos gestores a
realizao de mudanas estruturais significativas.413
O executivo municipal buscava resolver o impasse, marcando audincias com o
Interventor Federal Ernani do Amaral Peixoto a fim de conseguir os recursos necessrios para
apaziguar as reclamaes da populao e avanar economicamente, visto que a carncia de
energia eltrica era considerada um dos entraves para o progresso do municpio. Em uma
dessas reunies ocorridas em janeiro de 1940, o Prefeito de Itabora, Vicente Pereira da
Fonseca, esteve no Palcio do Ing para pedir a soluo da questo quando recebeu a
promessa que seria feito o pedido de fornecimento de energia para Itabora Companhia
Brasileira de Energia Eltrica. Entretanto, apesar da euforia local, em nada resultou esse
alarde, pois at o fim do perodo do Estado Novo em 1945, enquanto Amaral Peixoto esteve
frente da Interventoria do Estado do Rio de Janeiro, a precariedade do fornecimento de
energia eltrica para o municpio no foi resolvida. 414
A situao s foi solucionada a partir do decreto lei n 21.935, de 12 de outubro de
1946, assinado pelo Presidente da Repblica, Eurico Gaspar Dutra, que autorizava:
A Companhia Brasileira de Energia Eltrica a estender os seus servios de energia
eltrica ao vale do rio Araras (Municpio de Petrpolis), ao Leprosrio de Igu e
cidade de Itabora (Municpio de Itabora) e no subrbio de Pendotiba (Municpio de
Niteroi), no Estado do Rio de Janeiro, e d outras providncias.415
Depois de trs anos de assinatura deste decreto, Itabora pode contar com uma
infraestrutura eltrica a partir da construo de uma subestao de energia no 3 distrito de
412
413
414
415
164
Em 27 de agosto de 1949, foi a vez do bairro de Venda das Pedras onde fica localizada
a Colnia Tavares de Macedo. Aps discursos inflamados do Prefeito Joo Augusto de
416
417
165
Andrade e os Deputados Estaduais Leal Jnior e Saramago Pinheiro 418, mediante grande
festividade patrocinada pela prefeitura e pela Firma Jos Maria Nanci, comemorou-se o
estabelecimento de luz e fora na localidade.419
Convm salientar que o decreto lei destacava ao Leprosrio de Igu e cidade de
Itabora evidenciando, assim, que a localizao do leprosrio no municpio acabou por se
tornar um grande aliado na melhoria da infraestrutura local. O fornecimento de energia
eltrica foi conquistado aps uma srie de reclamaes por parte da populao e constantes
articulaes polticas. Alguns atores deste processo se mobilizaram para a soluo desta
questo que transformou radicalmente o cotidiano do municpio.
Boa parte da populao de Itabora, que durante muito tempo continuava a acreditar
que a Colnia Tavares de Macedo era uma mcula para a cidade por enxergarem no leprosrio
o chamariz da desgraa, nem imaginava que a conquista do fornecimento de energia eltrica
do muncipio se deveu, em parte, por sua presena no municpio. Julgo tambm relevante
destacar a participao direta do Dr. Arnaldo Zo, um dos diretores da Colnia que lutou pela
instalao da energia eltrica, como noticiado pelo Jornal a Folha de Itabora:
No momento em que esta cidade presta especiais homenagens aos homens que se
destacaram na luta pela instalao do servio de luz e fora de Itabora, a figura
simptica do Dr. Arnaldo Zu no poderia ser esquecida. (...) Tomou parte constante
nos planos elaborados e desta forma soube unir seus esforos ao Governo Municipal,
para a soluo do grave problema, que no era s da Colnia que dirigia, mais
sobretudo do muncipio de Itabora. 420
418
O Deputado Antnio Francisco da Silva Leal Jnior era a principal liderana poltica do PSD em Itabora e
desafeto poltico do Deputado Ewaldo Saramago Pinheiro, lder local da Unio Democrtica Nacional (UDN).
Ambos eram representantes do muncipio na Assembleia Legislativa Fluminense.
419
Jornal Folha de Itabora, Ano II, n62, 01/09/1949; Jornal O So Gonalo, Ano XIX, n 981, 28/08/1949.
420
421
166
422
SOARES, Emmanuel de Macedo. Histria Poltica do Estado Rio de Janeiro (1889-1975). Niteri: Imprensa
Oficial, 1987. pp.66-67
423
424
167
A Camara Municpal, nos ltimos dias, empolgou-se nos debates sobre o problema,
determinando uma srie de medidas e sugestes entre as quais, a designao de uma
comisso especial, em que solicitou a interveno do prefeito Joo Augusto de
Andrade e dos Deputados Leal Jnior e Evaldo Saramago para agir junto ao
Governo do Estado no abastecimento de gua para a Colnia Tavares de Macedo. 425
425
Idem.
426
Mensagem apresentada a Assemblia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, 15 de maro de 1950. Niteroi:
Imprensa Estadual,1950. p.18
427
428
Idem.
168
429
Jornal A Manh. 20 de maro de 1949 & Jornal Correio da Manh, ano XLIX, n17348, 05 de outubro de
1949.
430
Livro de Atas n2, Setembro de 1949 a maro de 1954. Cmara Municipal de Itabora.
431
432
Idem.
169
433
Jornal Folha de Itabora, 01 de setembro de 1953. Ano VI, N200. Sinopse Estatstica do Muncipio de
Itabora- Estado do Rio de Janeiro. Aspectos Histricos e Geogrficos. Rio de Janeiro: Servio Grfico do
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170
CONSIDERAES FINAIS
171
polticos de outros municpios. O principal personagem deste movimento foi Roberto Pereira
dos Santos, mdico atuante no Distrito Federal e docente na Faculdade de Medicina de
Niteri. Nutria profunda ligao com sua terra natal, o municpio de Rio Bonito, vizinho
cidade de Itabora. Ao ter conhecimento que Itabora havia sido escolhida como local para a
instalao de um moderno leprosrio, Dr. Roberto se posicionou sumariamente contrrio a
esta deciso do governo do Estado, tornando-se o principal articulador do movimento de
resistncia.
Ao realizar um breve histrico sobre a formao da cidade de Itabora, identificamos a
presena de um perodo ureo de grande pujana econmica ocorrido entre os sculos XVIII e
XIX, quando a regio ocupava posio de destaque no cenrio econmico fluminense. Na
produo historiogrfica sobre Itabora, notria a presena de um eixo analtico baseado no
que denominamos trip e que fundamenta a ideia de decadncia econmica e poltica do
muncipio, associado s febres de macacu (supostamente epidemias de malria);
ampliao da malha ferroviria e carncia de mo de obra devido abolio da escravatura.
Por apresentar conexo com a pesquisa que empreendemos, destaco os impactos que
as chamadas febres de macacu ocasionaram na memria local. Entretanto, o que importa
ressaltar que na memria e historiografia local, as doenas epidmicas foram um elemento
primordial para a percepo de decadncia do municpio. E justamente contra a
possibilidade de uma contaminao pela lepra, potencialmente provocada pela instalao de
um leprosrio, que se organizaram as lideranas do municpio contra sua construo.
Vimos que o momento de maior visibilidade poltica para o grupo que lutava contra a
instalao do leprosrio ocorreu em maro de 1937, atravs do projeto federal n 483. Tal
projeto buscou modificar sistematicamente o rumo das edificaes, transferindo a Colnia
para outra localidade com aproveitamento do terreno e edificaes em uma Estao
Experimental Agrcola. Contudo, atravs de manobras polticas, lideradas por deputados que
faziam parte da base aliada do Governo do Estado, com o apoio direto do Interventor do
Estado Rio de Janeiro, Protgenes Guimares, e do Governo Federal, o projeto sequer foi
colocado em votao, significando um duro golpe ao grupo que lutava contra a instalao do
leprosrio em Itabora.
Alguns meses depois, com a decretao do Estado Novo em 10 de novembro de 1937,
os partidos e o Parlamento foram abolidos e isso destituiu seus interlocutores polticos. O
governo federal passou a intervir nos Estados mediante a nomeao dos interventores,
assumindo o poder orientado por uma nova Constituio. A partir da, o movimento foi
silenciado e isso demonstrou a fora da ditadura varguista sobre o poder local. A inaugurao
172
oficial da instituio se deu em 20 de agosto de 1938, com a presena do prprio Vargas, alm
de vrias outras autoridades.
Ao analisarmos o projeto da Colnia de Igu foi possvel compreender quais eram os
objetivos dos tcnicos responsveis. O projeto apresentava caractersticas de uma cidade em
escala reduzida tendo hospital, delegacia, prefeitura, ncleos religiosos, comrcio,
entretenimento, espaos culturais e esportivos. A anlise deste projeto, atravs do dilogo com
o espao arquitetnico atual, alm das contribuies dos depoentes que foram internados nos
primeiros anos da Colnia, evidencia que muito do que foi pensado e planejado, s foi
concretizado ao longo dos anos, por meio da parceria entre as esferas pblica e privada.
A contribuio da metodologia de Histria Oral foi de suma importncia, pois alm de
produzir novas fontes, pude resgatar as vivncias destes atores que no fazem parte do
discurso oficial sobre as prticas de sade em geral. Priorizei analisar as duas primeiras
dcadas de existncia e funcionamento da Colnia, sem a pretenso de dar voz aos doentes
para compreender este universo. Apesar disso, reconheo que, de fato, muitos dos
questionamentos relacionados ao cotidiano dos ex-internos s puderam ser compreendidos em
sua plenitude a partir da utilizao das fontes orais, resultado das entrevistas por mim
realizadas.
Enquadrados em uma estrutura montada para combater a doena, os internos se
reinventavam dia aps dia, criando diversas maneiras de escapar do sofrimento imposto pela
doena e pelo confinamento. Boa parte da coletividade que residia na Colnia de Igu
(posteriormente, Tavares de Macedo) protagonizou complexas relaes sociais que
ultrapassaram um espao medicalizado, imposto pelo isolamento compulsrio. Entretanto,
sem dvida que o poder pblico alicerado pela imprensa e pelas agncias de benemerncia
ligadas causa da lepra, reafirmou constantemente a necessidade do isolamento dos doentes,
j que estes representavam um perigo para os sadios e sua subservincia ao confinamento
preservaria a coletividade de um flagelo. Outro argumento muito comum neste contexto foi
amparar-se na ideia de que as colnias de isolamento eram os nicos locais onde os doentes
poderiam receber os cuidados necessrios. Alm do tratamento mdico especializado, as
Sociedades de Assistncia aos Lzaros estavam espalhadas por todo pas e cuidavam dos seus
filhos indenes, educando-os e tornando-os homens e mulheres de bem, aptos a integrarem a
sociedade no futuro.
As campanhas da solidariedade promovidas pelas Sociedades Filantrpicas ligadas
causa hanseniana no Estado do Rio de Janeiro, atuaram principalmente na construo do
Preventrio Vista Alegre que tambm foi alvo de nossa anlise. Essa instituio que era parte
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Fontes Orais
Nome
Daniel
Esther
Ano de
nascimento
Ano de
Internao
Data da
Entrevista e
durao
1932
1947
15/06/2014
54 min.
1935
1944
10/06/2014
37 min.
Principais
Temas abordados
186
Isaac
1938
1949
10/12/2014
44 min.
Jonas
1931
1944
20/01/2014
42 min.
18/08/2014
58 min.
Saul
1938
1957
20/02/2014
55 min.
Simo
1929
1939
10/12/2014
49 min.
O diagnstico da doena,
preconceito/estigma, a vida antes e
depois da internao. A experincia
de ser portador de lepra e suas
impresses sobre a Colnia
O diagnstico da doena,
preconceito/estigma, arquitetura da
Colnia.
Primeiras impresses aps a
internao, infraestrutura, anlise
de imagens, poltica, envolvimento
cultural, cotidiano na Colnia.
O diagnstico da doena, as
primeiras impresses aps a
internao, preconceito/estigma,
questes familiares e aspectos
religiosos.
O antes e depois do diagnstico da
doena, a infraestrutura da Colnia,
anlise de imagens, poltica, cultura
e diverses e o papel da Caixa
Beneficente junto aos doentes
internados.