Cândido R. Dinamarco - A Instrumentalidade Do Processo - 3 Edição - 1993
Cândido R. Dinamarco - A Instrumentalidade Do Processo - 3 Edição - 1993
Cândido R. Dinamarco - A Instrumentalidade Do Processo - 3 Edição - 1993
Capa:
Nadia Basso
Impresso no Brasil
À Lais
e aos nossos três
Printed in Brazil
02 - 1993
SUMÁRIO
8 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
Parte II
113
114
119
121
126
137
IV - ESCOPOS DA JURISDIÇÃO E
INSTRUMENTALIDADE
18. Processo, escopos, instrumentalidade. . . . . . . . . 149
19. Os escopos da jurisdição. . . . . . . . . . . . . . . . . . I50
20. Relatividade social e política. . . . . . . . . . . . . . . 155
V - ESCOPOS SOCIAIS
21. Pacificarcomjustiça ......... ..... ..... ... 159
22. Educação ........................ ........ 162
23. Escopos sociais e técnica processual. . ....... 164
VI - ESCOPOS POLITICOS
24. Os escopos políticos ............ ... ..... .. 168
25. Escopos políticos e técnica processual....... .. 172
VII - O ESCOPO JURIDICO
26. O problema .... ............... .. ........ 177
27. Colocações introspectivas ........ .. ..... .. 178
28. O processo e o direito ..................... 181
28.1 Pontos de estrangulamento.... .. ...... 183
28.2 Entre a teoria unitária e a dualista........ 189
28.30 juiz e o processo.. . . ..... .... .... 195
28.4 Os ônus processuais e a conduta das
partes ...... .............. .. .... ... 201
28.5 Suficiência do direito substancial. .... ... 206
29. Atuação da vontade concreta do direito<*-*>...... . 209
29.1 Críticas e confrontos.......... . ...... 213
30. Escopo jurídico e técnica processual.. ... .... 219
VIII - ESCOPOS DO PROCESSO E TÉCNICA
PROCESSUAL
31. Atécnicaeosescopos ........ .... . ...... 224
SUMÁRIO
229
236
243
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297
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305
MINHA PROPOSTA
12 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
Este estudo pretendeu ser uma síntese das novas tendências meto-
dológicas representadas pela bandeira da efetividade do processo, pelo
destaque ao seu caráter instrumental e pela exaltação de sua missão re-
levantíssima perante a sociedade - e não mais apenas perante o direito
material, como se acreditava antes. Além de minhas reflexões pessoais
e propostas levantadas ao longo da exposição, reúne informações sobre
o pensamento de doutrinadores de escol, empenhados nessas novas
tendências.
Fiquei muito gratificado, como não podia deixar de ser, pelo su-
cesso obtido no concurso à cátedra de direito processual civil em minha
Faculdade, onde A instrumentalidade do processo foi a tese defendida.
Muito feliz, ainda, com a boa aceitação que duas edições da obra já vie-
ram a ter.
Mas o compromisso não termina ali. Definidas as linhas do instru-
mentalismo processual e o sentido vetorial da pressão sofrida pela agili-
zação do sistema como algo destinado a pacificar pessoas, é preciso agora
traduzir tudo isso em resultados práticos. É preciso, em outras palavras,
retornar à dogmática processual, agora com o espírito esclarecido pela
visão dos objetivos a conquistar.
A novíssima tendência do instrumentalismo processual, agora que
ele já foi capaz de se definir de modo consistente e implantar-se em de-
finitivo no plano teórico, volta-se para o estudo de certos grandes te-
mas, em suas perspectivas teleológicas e com vistas ao aprimoramento
do sistema processual. Eis por que, nesta terceira edição, procuro des-
tacar alguns desses temas fundamentais, numa proposta de seu reestu-
do e reformulação. Convido o leitor interessado a refletir e questionar
as soluções que envolvem temas clássicos como o da legitimidade ad cau-
sam e o dos limites subjetivos da coisa julgaja (infra, n. 38), com a co-
ragem de afrontar dogmas, a prudência em não expor os litigantes a in-
seguranças e a esperança de dotar a sociedade de instrumentos mais ágeis
para a realização da justiça.
Na sessão de encerramento do IX Congresso Internacional de Di-
reito Processual, em Lisboa aos 30 de agosto de 1991, discursando co-
mo orador oficial, o Prof. José Carlos Barbosa Moreira deu ênfase à
necessidade de revisitar a técnica processual. Sugere que a disciplina dos
14 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
PARTE PRIMEIRA
.
PREMISSAS METODOLOGICAS
E CONCEITUAIS
1. Cfr. Liebman, "Ai lettori brasiliani" (apresentação da edição brasileira do seu Ma-
nua! de direito processual civi<*-*>, p. IX.
2. Cfr. Jellinek, Allgemeine Staatslehre, p.188, o qual, após destacar o trinômio em
que se expressa a vida do Estado (conservar-ordenar-ajudar), fala da evolução das relações
sociais no sentido de uma crescente solidariedade; e "quanto maior é o interesse solidário,
maior é a responsabilidade do Estado pela sua satisfação' '. A idéia central é essa, do acrés-
cimo de interesses comuns na sociedade gerando responsabilidades maiores a cargo do Es-
tado e essas responsabilidades conduzindo a um intervencionismo mais ou menos acentua-
do, como requisito indispensável para o cumprimento das crescentes atribuições; o Estado
faz-se responsável pela realização integral da condição humana de cada um, assumindo o
encargo de criar condições para isso e tornando-se, nesse sentido, "a providência do seu
povo" (cfr. Ferreira Filho, "Conjuntura política nacioaal - o Poder Executivo", p. 6).
18 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
missas e conceitos antes não revelados à ciência dos estudiosos que se de-
bruçavam sobre o "direito judiciário civil" (meraprocédure). Tinha-se,
até então a remançosa tranqüilidade de uma visão plana do ordenamen-
tojuridico, onde a ação era definida como o direito subjetivo lesado (ou:
o resultado da lesão ao direito subjetivo), a jurisdição como sistema de
tutela aos direitos, o processo como mera sucessão de atos (procedimen-
to); incluíam a ação no sistema de exercício dos direitos (jus quod sibi
debeatur, judicio persequendi) e o processo era tido como conjunto de
formas para esse exercício, sob a condução pouco participativa do juiz.
Era o campo mais aberto, como se sabe, à prevalência do princípio dis-
positivo e ao da plena disponibilidade das situações jurídico-processuais
-, que são diretos descendentes jurídicos do liberalismo político então
vigorante (laissez ,I<*-*>aire, laissez passer et !e monde va de lui même).
Foi esse sincretismo jurídico, caracterizado pela confusão entre os
planos substancial e processual do ordenamento estatal, que no século
XIX principiou a ruir. Primeiro, questionou-se o tradicional conceito
civilista de ação e afirmou-se a sua grande diferença, seja no plano con-
ceitual ou funcional, em face da actio romana: ela não é (como esta)
instituto de direito material, mas processua:; não se dirige ao adversá-
rio, mas ao juiz; não tem por objeto o bem litigioso, mas a prestação
jurisdicional.3 A celeuma provocada por essas afirmações revolucioná-
rias (hoje, tão naturais aos olhos do jurista moderno) acabou gerando
reações em cadeia, que chegaram até à plena consciência da autonomia
não só da ação, mas dela e dos demais institutos processuais. A primei-
ra dessas repercussões foi a tomada de consciência para a autonomia
da relação jurídica processual; que se distingue da de direito substancial
pelos seus sujeitos, seus pressupostos, seu objeto.4 Com a descoberta
tos. Antes dele, já dissera Búlgaro que judicium est actus trium personarum, judicis, ac-
toris, rei; as Ordenações do Reino diziam que "três pessoas são por Direito necessárias
em qualquer Juízo, Juiz que julgue, autor que demande e réu que se defenda" (L. III,
XXX, pr.); na obra de Bethmann-Holweg, que o próprio Von Billow refere na sua, igual-
mente havia alusão à relação jurídica processual. A inovação racionalizadora teve por
mérito
principal o destaque dos dois planos do próprio ordenamento jurídico, a partir da visão
da relação jurídica processual e da relação de direito privado como duas realidades
distintas.
5. Se o método é "processo ordenatório da razão" (Miguel Reale, Filosofia do di-
reito, I, n.16, p. 72) e justifica-se por oferecer a "certeza dosresultados" das investiga-
ções mediante juízos coerentes e adequados ao real (id. , ib.); e se a realidade que a ciência
processual examina apresenta suas características próprias, é natural que ela disponha do
próprio método, caracterizado por premissas bem definidas e conscientizadas. E era na-
tural a fragilidade metodológica e portanto científica do direito processual, nos tempos
em que se acreditava ser a ação um instituto de direito privado. Dizia-se, v. g.: "ação
e exercício da ação exprimem noções distintas. A ação pertence ao direito civil ou comer-
cial, conforme for a matéria de que se trate com relação à lei; o exercício da ação é de-
manda propriamente dita, a qual já entào pertence ao regime judiciário'' (Paula Baptista,
Compêndio, § 5<*-*>, p. 12). Disse-se também que o direito processual vivia de crédito, ao
traçar suas elaborações em torno da açâo, instituto de direito privado e dajurisdição, de
direito constitucional (Wetzell, apud Liebman, Manual de direito processua! civil, n. 21,
esp. nota 3, p. 40 trad.). Hoje a situação não é essa e o objeto material específico do direi-
to processual está perfeitamente identificado nos seus institutos sobejamente conhecidos
(especialmente, nos quatro "institutos fundamentais": cfr. Dinamarco, Fundamentos do
processo civil moderno, cap. 3, nn. 27-42, pp. 38 ss.). Mas as grandes premissas metodo-
lógicas do direito processual vão sendo substituídas nas últimas décadas como neste estu-
do é salientado. Àquelas que correspondem à introspecção do sistema vào se acrescendo
ou em certa medida sucedendo outras, reveladoras de uma visão exterior. É a tal proble-
mática metodológica, em síntese, que se dedicam as presentes investigações.
6. Foram os tempos da grande escalada da técnicaprocessual, em que gradualmente
mas em breve tempo os institutos do processo foram-se revelando e foram sendo desco-
bertas as relações entre eles. Bastante expressivo dessa idéia técnica é o ensaio de Carnaci-
ni, "Tutela giurisdizionale e tecnica del processo", em que se toma por ponto de partida
aquele bastante tradicional, do processo visto do ponto-de-vista do autor, para depois en-
22 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
quadra da ciência processual, pôr ao centro das investigações a polêmi-
ca em torno da natureza privada, concreta ou abstrata da ação; ou as
sutis diferenças entre a jurisdição e as demais funções estatais, ou ainda
a precisa configuração conceitual do jus excepcionis e sua suposta assi-
milação à idéia de ação.11 O que conceitualmente sabemos dos institu-
tos fundamentais deste ramo jurídico já constitui suporte suficiente pa-
ra o que queremos, ou seja, para a construção de um sistema jurídico-
processual apto a conduzir aos resultados p:áticos desejados. Assoma,
nesse contexto, o chamado aspecto ético do processo, a sua conotação
deontológica. lz
A negação da natureza e objetivo puramente técnicos do sistema
processual é ao mesmo tempo afirmação de sua permeabilidade aos va-
lores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material (os
quais buscam efetividade através dele) e reconhecimento de sua inser-
ção no universo axiológico da sociedade a que se destina. As premissas
culturais e político-jurídicas da atualidade repelem, v. g. , a distinção da
eficácia probatória do testemunho, a partir do status societatis de quem
o presta; repelem também o valor das provas legais de fundo supersti-
cioso, que nos soam como pitoresca reminiscência do obscurantismo me-
dieval;l3 de palpitante atualidade é a questão das provas obtidas por
meio ilícito, que a preservação das liberdades constitucionalmente asse-
guradas levou o Constituinte a proibir que sejam acolhidas no proces-
24 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
26 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
10. Cfr. Const., art. 5<*-*>, inc. XXXV, CPC, arc. 6<*-*>. A garantia da ação não se
ofere-
ce somente nos casos de lesão ("lesào", elemento civilista sobrevivo em pelo menos dois
13. Agir segundo o direito e não arbitrariamente constitui, segundo Trocker, carac-
terística formal do Estado-de-direito (Processo civile e cosiituzione, p. 96): o Estado-de-di-
28 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
18. Cfr. Cappelletti, "Appunti per una fenomenologia della giustizia nel XX seco-
lo", 2, esp. p. 159; v. também Trocker, Processo civile e costituzione, p. 148.
19. Cfr. Cappelletti, ib.; à homonímia referida não corresponde, como se vê, equi-
valência funcional entre a Popularklage e a ação popular brasileira.
20. Cfr. Const., art. 103.
30 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
1. Cfr. Habscheid, "As bases do direito processual civil", n.1., esp. p.119. Essa
afirmação é muito significativa, especialmente pela sua colocação num relatório de con-
gresso internacional, onde a comparação jurídica é tônica destacada (cfr. supra, n.1, no-
ta 7) e pela inserção em rubrica com a sugestiva indicação "oprocesso civi! enquanto ins-
tituição do Estado"; as instituições do Estado hão de ter, necessariamente, o feitio do
Estado a que pertencem.
2. Cfr. ainda, Habscheid, op. loc. cits.: "freqüentemente a terminologia jurídica
é a mesma, mas o significado dos termos é diverso". Essa é uma observação elementar
mas indispensável em direito comparado; em suas aulas de "direito constitucional italia-
no e comparado", na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Milão, o prof.
Paolo Biscaretti di Ruffia observava a semelhança verbal das Constituições sabidamente
integradas em sistemas políticos dos mais diferentes matizes e dizia que, para sentir a dife-
rença, "bisogna andar sulposto".
32 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
Por outro lado, o Estado contemporâneo tende a ser Estado-de-di-
reito, onde assoma a garantia da legalidade e a abertura do Poder Judi-
ciário como guarda último da Constituição e dos valores e garantias que
ela abriga e oferece. Os sucessivos movimentos político-sociais da Hu-
manidade nos últimos duzentos anos, com a Revolução Francesa, e a
industrial, gerando a ascensão da burguesia e do proletariado e a uni-
versalização do voto mais a urbanização da população e notável expan-
são dos meios de comunicação de massa, são fatores da crescente cons-
cientização cívico-política das populações (no Brasil, o movimento
"diretas-já" e mesmo a exploração publicitária do drama da moléstia
e morte do presidente eleito acabaram cumprindo esse importante papel
de provocar um processo de despertar da população adormecida, para
os valores cívicos da nação). Pois, nesse quadro, constitui verdadeira
trend universal, apoiada em sentimentos mais ou menos conscientiza-
dos pelas populações, a observância dos padrões de legalidade e bani-
mento do arbítrio, como é próprio do Estado-de-direito.5
Por isso é que o processo nos Estados ocidentais de hoje, marcados
pelo cunho social e legalista, há de oferecer também em si mesmo a ga-
rantia da legalidade processual (seria estranho o juiz, órgão estatal, agir
com arbítrio no exercício da sua função de controlador da legalidade)
e ser dotado de meios aptos a promover a igualdade e garantir a liberda-
de. A maneira como diante da escala axiológica da sociedade contem-
porânea são interpretadas as garantias constitucionais de igualdade subs-
tancial entre as pessoas (e entre as partes), da inafastabilidade do con-
trole jurisdicional, da ampla defesa e do contraditório, do devido pro-
cesso legal - todos eles endereçados à efetividade do processo em sua
função de instrumento a serviço da ordem constitucional e legal -,6
conduz à existência de um processo acessível a todos e a todas as suas
causas (por mais humildes que sejam aqueles e menor expressão econô-
mica tenham estas), ágil e simplificado, aberto à participação efetiva dos
34 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
risdição revolucionária (o processo seria "um ato anti-revolucionário, de tal modo que
juízo e revolução viriam a ser ângulos opostos pelo vértice", porque a parcialidade é ine-
rente aos julgamentos revolucionários), diz que as revoluções de verdade "supõem o le-
vante contra uma situação caracterizada por sua flagrante e insuportável injustiça políti-
ca, econômica ou social e, correlativamente, pelo desejo de instaurar um novo regime li-
vre dos vícios do antigo"; mas admite as arbitrariedades praticadas pelos tribunais revo-
lucionários e chega a dizer que "a justiça de Villa ou Zapata teve, realmente, muito do
respectivo caudilho e pouco ou nada de justiça" ("Justicia y revolución", nn.1, 2 e 11,
pp. 20 e 28). Entende-se que o autor se refere aos períodos de implantação da revoluçâo,
do seu direito e da sua justiça; e que, na passagem daí para o período da revolução institu-
cionalizada e mesmo daí por diante a "imparcialidade" do juiz não equivalha a uma su-
posta indiferença política, que seria a negação da própria ordem revolucionária.
13. Se houvesse a consciência arraigada da identidade ideológica entre processo e
direito substancial, sentir-se-ia mais rapidamente e de modo mais firme a necessidade de
atualização do sistema processual. Mas este tende a manter-se retardado com relação aos
progressos do direito material e isso "se deve não tanto à natureza própria de suas nor-
mas, como à maior atenção que sepresta às substantivas, porque, seguramente e à medi-
da que (historicamente) se separa e dá maior importância ao direito substantivo sobre o
processual, é preponderantemente aquele que se destina a afetar a vida humana em rela-
ção" (Gelsi Bidart, "Processo y época de cambio", V, A, p. 433). O processo, afinal,
é instrumento manipulado somente pelos profissionais do foro e (especialmente o proces-
so civil) não integra o acervo de conhecimentos do homem comum (cfr. Dinamarco, Fun-
damentos, n. 34, esp. p. 57: "o processo não é um fato da vida cotidiana do leigo").
14. Cfr. Denti, Processo civile e giustizia sociale, p.17 (esp. nota 10, em que trans-
creve o dito acima), destacando o liberalismo político que se projetou na "ideologia jurí-
dica que dominou a ciência do processo em toda a primeira metade do século e que trans-
pareceu nas grandes obras sistemáticas bem conhecidas de todos os estudiosos". Ele fala
de "uma ciência aparentemente neutra", preocupada com os princípios e garantias que
compõem a estrutura interna do direito processual. E conclui: "na realidade, a `neutrali-
dade' dessas construções conceituais era apenas aparente, pois elas correspondiam em cheio
à ideologia conservadora da qual a ciência jurídica havia colhido os seus princípios infor-
madores". Tão intensa e generalizada é, hoje, a afirmação do caráter ético do processo
(ou caráter deontológico: comportamentos pautados segundo os valores escolhidos) que
quase se torna um lugar-comum a sua reafirmação. Justifica-se, porém, pela necessidade
de passar da teoria à prática e promover, além das alterações legislativas indispensáveis,
acima de tudo uma verdadeira mudança de mentalidade quanto ao processo e o modo
de tratá-lo: sublima Mauro Cappelletti o caráter genuinamente revolucionário das novas
36 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
das Pequenas Causas, vê-se patética recomendação ao juiz, para que não
se retraia, para que,participe da instrução, para que só se satisfaça com
o resultado da experiência probatória quando o seu senso de justiça es-
tiver tranqüilizado e para que dê aos textos legais a interpretação que
seja capaz de fazer justiça no caso concreto.ls Tal é a postura instru-
mentalista esperada de todos os juízes. E, embora o Poder Judiciário
seja uma estrutura muito volumosa e pesada, dotada de elevado grau
de inércia que nào lhe permite evoluções muito ágeis ou imprudentes
(até porque o retrocesso é sobremaneira difícil e sempre desaconselhá-
vel), o juiz moderno vai-se libertando do preconceito conservador. Na
Itália, movimentos internos da própria categoria dos magistrados há vá-
rias décadas vêm pondo em polêmica a postura política do juiz.l9 No
também em dissertação para mestrado, apresentada à Faculdade de Direito da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul pelo magistrado Ruy Portanova, um dos chamados
jurzes alternativos daquele estado (e de cuja banca tive a honra de participar, no ano de
1991). A "indiferença inicial" do cientista, à qual se assimilou a postura psíquica do juiz,
chega somente até ao ponto de refletir a sua imparcialidade (cfr. Liebman, Manual, I,
n. 3, nota 5, p. 9): não se confunde nem inclui a indiferença quanto aos valores sociais
e políticos da sociedade. A tradicional postura introspectiva do sistema, que levava ao
exame das normas, princípios e categorias processuais em si mesmos e no máximo permi-
tia que fossem examinados em sua conexão com o direito substancial constitui fator de
descompasso entre o processo e o direito substancial e permite que as atividades proces-
suais conduzam a situações discrepantes dos desígnios daquele e do conceito de justiça
vigente na sociedade. Essa "neutralidade" foi que permitiu um desvio "em direção po-
tencialmente autoritária" (Denti, Processo civile e giustizia socr'ale, p. 17). Pelo que ela
tem de manifestação do positivismo jurídico, para o qual "lei é lei", merece a crítica,
a este dirigida, de "haver deixado indefesa a ciência jurídica - e conseqilentemente a ad-
ministração da justiça alemã - contra os horrores e arbítrios do nazismo" (cfr. Bagolini
Visioni della giustizia e senso comune, pp. 127-128). Assim, "o escopo do processo civil
liberto de toda ideologia, no sentido de sua determinação formalista, ou então empírica,
não oferece, assim, proteção alguma contra um abuso pohtico do direito processual ci-
vil" (cfr. Habscheid, "As bases do direito processual civil", n. 2, b, p. 123). Do ponto-
de-vista metodológico, essas considerações reforçam a ldéia instrumental do processo ci-
vil e a da insuficiência da determinação do seu escopo jurídico. Ele é um instrumento,
sim, mas não a serviço exclusivamente do direito substancial; sua missão mais elevada
é a que tem perante a sociedade, para a pacificação segundo critérios vigentes de justiça
e para a estabilidade das instituições (v. infra, nn. 19 ss.).
18. Cfr. lei n. 7.244, de 7 de novembro de 1984, arts. 4<*-*> e 5"; v. Dinamarco, Ma-
nual das pequenas causas, n. 4, pp. 5 ss.
19. Os juízes que comungam das posições políticas mais "avançadas" propugnam,
como se compreende, por posições menos legalistas e portanto mais criativas, com o juiz
mais participante (cfr. Moriondo, L'ideologr'a della magistratura italiana, p. 35); a "neu-
tralidade", como foi dito, caracteriza os conservadores, interessados em conter as evolu-
ções sociais e políticas (supra, nota 14). No contexto italiano de hoje, o grupo Magistratu-
ra democratica é o de posições mais esquerdizantes; Unitá per la costituzione (Unicost)
é de centro-esquerda e as posições mais conservadoras ficam por conta de Magistratura
indipendente. Pelo que se vê dos escritos italianos recentes, também na doutrina há muita
preocupaçâo pela posição do juiz, sua independência, forma do recrutamente de juízes
etc., tudo a partir da percepção de que a participação do julgador na produção dos resul-
38 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
tados do processo é muito grande e suas premissas culturais não podem ser desprezadas
(cfr. Vigoriti "A favore del giudice onorario elettivo: spunti e proposte per una rifor-
ma' ', passim). Antes de estabelecer como se julga e deve-se julgar, é lícito fixar bem quem
deve julgar.
20. Cfr. AI-5, art. 10".
21. Cfr. a propósito, Grinover, Direito de agão, n. 47, pp.137 ss.; emenda constitu-
cional n.11 de 13 de outubro de 1978, art. 3"; v. ainda AI-5, art. 4<*-*> § 5" e art. I 1;
antes,
já o art. 181 (Const. 67), com redação dada pela emenda n. I, de 1969.
22. Mas são desse período a Lei da Ação Popular (lei n. 4.717, de 29.6.65) e a das
pequenas causas pei n. 7.244, de 7.11.84); a da Ação Civil Pública (lei n. 7.347 de 24.7.85),
embora promulgada depois, originou-se de mensagem do último Ministro da Justiça do
regime extinto.
1. Cfr. Anna Cândida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança da Cons-
tituição, esp. pp.102 ss. O tema, muito interessante, diz respeito à "continuação" do tra-
balho do constituinte pela via da interpretação constitucional. As constituições rígidas ten-
deriam a tornar-se obsoletas, não fora essa permanente dinâmica que lhes assegura a ade-
rência à realidade dos tempos e aos mutantes valores da sociedade. Não pretendo abrir
aqui a discussão em torno da precisa função que o juiz desempenha perante o direito subs-
tancial, se cria ou não cria (sempre o confronto entre a teoria unitária e a dualista do or-
denamento jurídico; cfr. infra, nn. 28.2, etc.). Aliás, mesmo quem afirma a criatividade
pelo juiz nega-se a assimilá-lo ao legislador, como se vê do próprio título polêmico da
recentíssima obra de Mauro Cappelletti, Giudici legislatori? Ele diz: "... os juízes são cha-
mados a interpretar e por isso, inevitavelmente, a aclarar, integrar, plasmar e transformar
o direito -, e nâo raramente a criá-lo ex novo. Mas isso não significa que eles sejam legis-
ladores"; e passa a falar das "virtudes passivas" do juiz, que o caracterizam como tal,
pondo a tônica na referência de sua atividade a "cases and controversies" na imparciali-
dade, com sua colocação superpartes, no contraditório, na inércia inicial ("ubi non est
A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
nacional em nome do Estado, o juiz dita decisões que são providas de
imperatividade (provimento)2 e que, por mais de um modo, podem in-
fluir no conteúdo da Constituição ou das leis, ou no significado dos tex-
tos, ou mesmo nas diretrizes políticas do Estado.
Diversos fatores são indicados pela doutrina constitucionalista, co-
mo criadores de clima propício à recepção dessa influência, sendo al-
guns inerentes à própria Constituição (deficiência de linguagem, seu ca-
ráter sintético, lacunas e omissões) e outros, vindos do mundo exterior
(evolução dos valores, mutações sociais etc.);3 e o que de comum em
actio, non est jurisdictio"): cfr. op. cit., n. 11, pp. 63 ss. Da função complementar do
juiz perante a legislaçào, fala a doutrina do "direito jurisprudencial", ou Richterrecht,
como em obra também recente de Giovanni Orr—: "nos setores mais avisados da ciência
jurídica, chegou-se a uma convergência quase unânime ao reconhecimento de que o ato
judicial, como intervenção decisiva sobre a norma, en<*-*>uanto fase da própria vida
dela,
é sempre criativo", porque, "em virtude do caráter incompleto, equívoco e antinômico
dos enunciados legislativos, qualquer corpusjuris, por mais aperfeiçoado que possa ser,
não tem condições para eliminar aquelas margens de liberdade inventiva, escolha pessoal
e criatividade do intérprete, indispensáveis para realizar a síntese dinâmica entre a nature-
za abstrata da norma e o caráter concreto da situação histórica a ser juridicamente quali-
ficada" (cfr. Richterrecht, cap. I, n.1, p.12). Esse zlegantíssimo problema, contudo, nào
se confunde com o da jurisprudência como fonte do direito, ainda que ambos sejam bas-
tante próximos. O autor citado fala da "força vinculativa da jurisprudência consolida-
da" ainda que para dizer que "pode ter natureza simplesmente fática, ou ao mesmo tem-
po fática e axiológica" (cap. II, n. 3, p. 71), passando a considerar depois o dever do
juiz em observar os precedentes (n. 4, p. 74). Uma coisa, todavia, é a complementaçào
da norma no caso concreto e outra é a descoberta de normas já pré-estabelecidas median-
te o concurso da legislaçào com a jurisprudência reiterada. No primeiro caso, haja ou nào
a suposta criatividade, trata-se sempre de positivação do poder e seguramente o ato é vin-
culante nos limites estabelecidos pela dogmática proce,;sual; mas a "força" da jurispru-
dência, projetada para casos futuros, se bem nào possa ser negada, poder não é nem posi-
tivação dele, mas mera influência, que com o poder não se confunde: cfr. infra, n.14.3.
2. Cfr. infra, n. 13.
3. Cfr. Cunha Ferraz, Processos informais, cit., p.125. Cfr. ainda Lôwenstein: ideal
seria uma Constituição que disciplinasse o processo político com peií'eita previsào das fu-
turas evoluções da comunidade; mas, como esta evolui segundo determinantes históricas
que nunca podem ser previstas (e quantas mutaçôes não são deveras surpreendentes!), da
necessidade de aderência da Constituição à realidade social deriva a plasticidade dela pró-
pria, a qual se mostra, assim, como "um organismo vivo, sempre em movimento como
a prória vida" (cfr. Verfassungslehre, p.164 trad.). Para o discurso desenvolvido no pre-
sente item da obra, são esses fatores externos que suscitam maior interesse (fala-se de "mu-
tações"). A esse propósito, tem pertinência o relato das decisões da Suprema Corte norte-
americana acerca da segregação de negros em escolas públicas. Sem alteração constitucio-
nal formal acerca do alcance da garantia da igualdade, estabeleceu-se inicialmente a dou-
trina "separada mas igual" (Plessy vs. Ferguson,1897), "segundo a qual as escolas públi-
cas separadas para crianças negras eram legais, tendo, porém, que ser iguais... às escolas
para crianças brancas"; meio século após, reconheceu a Suprema Corte que "não havia,
de fato, igualdade possível para as crianças negras em escolas segregadas" (Brown vs.
Board
of Education of Topeka,1954): cfr. Deutsch, Pohíica e governo, p.198, com essa máxi-
ma: "a revisão judicial proporciona uma oportunidade suplementar de compensar os ci-
dadãos cujas necessidades e direitos, como indivídaos ou membros de grupos minoritá-
rios, não encontraram uma resposta adequada no processo legislativo". A mesma idéia,
42 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
ponde à realidade empírica. O resultado da sentença é que, após obtido, pode assim ser
examinado em confronto com a norma geral, em face dos fatos considerados (cfr. Cala-
mandrei, "Genesi logica della sentenza", pp. I 1 ss.). Na verdade, o que parece mais pró-
ximo da realidade é um iter que, aproximadamente, pode-se descrever assim: a) o juiz exa-
mina o petitum; b) indaga ao direito substancial quaisfatos (fattispecte) constituem pre-
missa do resultado jurídico pretendido pelo demandante (salvo, é claro, nos casos em que
se trate de matéria corriqueira, quando então essa relação fatispecie-sanctio jurr's Ihe é
familiar e ele pelo demandante; c) verifica se esses fatos foram alegados e concretamente
descritos; d) verifica se ocorreram (prova) ou se pode aceitá-los (presunções, efeito da re-
velia); e) emite o julgamento acerca do pedido do demandante (decisum). Como todo es-
quema lógico, também esse é sujeito a modificações na experiência concreta e, como nin-
guém pode ignorar, nos casos corriqueiros o juiz intui soluções logo ao primeiro contato
com a causa em julgamento; ele, como se diz, "queima etapas".
7. O considerável valor da certeza ou segurançajuridica, situa-se no campo social
e não no jurídico: o sentimento de estabilidade nas relações entre as pessoas não é um
plus perante o direito, mas algo que serve à paz entre elas (cfr. infra, n. 21).
44 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
46 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
VI, p. 30). Referia-se, por certo, a errores in judicando devidos a desvios dessa ordem.
Mas o privatismo no trato de assuntos que não são de direito privado atinge também o
modo de condução do processo, como está denunciado no texto e como transparece em
práticas representadas pela falta de impulso processual, "arquivamentos" de processos,
sua extinção por abandono fora dos casos que a justificam. O direito privado conta com
milênios de amadurecimento e infiltração no espírito dos juristas, ao passo que o admi-
nistrativo e o processual estão cientificamente colocados há muito pouco tempo (reflexos
profundos da denunciada visão privatista de institutos de direito público sentem-se no trato
inadequado que ainda se dá ao sistema das nulidades processuais: cfr. Dinamarco, Insti-
tutos fundamentais do direito processual, n. 27, esp. p. 39).
6. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 9, pp. 77-78; v. ainda, na mesma ordem de
idéias, Garbagnati, Lasostituzioneprocessuale, cap. II, n.12, p. 69; Attardi, L'interesse
ad agire, cap. II, n. 3, p. 91 (também n. 6, p. 110); Satta, L'esecuzioneforzata, n. 14.
A posição então assumida revelava, no entanto, o mal-conscientizado privatismo dos ju-
ristas latinos que aqui vem sendo denunciado e especialmente as premissas da teoria da
lide. Conjteor. Dizendo-se explicitamente consciente da realidade aqui considerada (pro-
cessos "necessários", "que são primários e não sucedâneos ou subsidiários: divórcio, pe-
nal, etc."), um jurista finamente politizado como é Adolfo Gelsi Bidart continua prefe-
rindo, apesar disso, afirmar o caráter secundário e eventual do processo. Ele o diz, no
entanto, a partir de perspectiva diferente, considerando o momento jurídico-substancial
anterior aos próprios fatos trazidos ao conhecimento do juiz através da demanda; antes
da instauração do processo, a ordem jurídica "pretende que as situações jurídicas sejam
definidas, que se dê cumprimento espontâneo às obrigações, que não se incorra em deli-
tos civis ou penais, etc." (cfr. "Processo y época de cambio", IV, C, esp. p. 432). Sua
colocação, no entanto, parece assentar em premissa ligada às teorias civilistas ou pelo me-
nos concretistas da ação, supondo que, quando o processo é instaurado e o direito de ação
existe, realmente hajam ocorrido as violações que justificam a procedência da demanda
e que, no seu entender, constituiriam o primeiro momento na vida dos direitos.
48 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
50 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
15. O projeto de Código de Processo Civil dizia que a confissão e o documento fa-
zemprovaplena, "comprometendo-se inconvenientemente com a teoria da prova legal";
mas "o mal foi corrigido no Senado Federal, suprimindo-se o adjetivo plena, que naque-
les dispositivos se continha, e resultando nos arts. 350 364 e 383 do texto definitivo" (cfr.
Dinamarco, Direitoprocessualcivil, n. 7, J, esp. p. 30). Não só o irracional de uma prova
legalmente supervalorizada ia sendo consagrado, como ainda a influência exagerada da
disponibilidade de direitos (na conf'issão). Essa postura está no valor que perante o direito
italiano têm a confissão (o valor de "excluir. . . qualquer liberdade de apreciação por parte
dojuiz" - Liebman, Manual, cit., II, n. 213, p.144) e ojuramento ("em caso de presta-
ção, o fato fica plenamente provado e nenhuma prova contrária pode ser admitida"-
op. cit. n. 221, p. 155).
16. Para os raros casos em que a lei italiana admite a ação civil e a intervenção do
Ministério Público, cfr. Liebman, Manual, I, n. 67, esp. p.137; n. 69, pp.139 ss.; cfr.
ainda Allorio, "I1 p.m. nel nuovo processo civile" pp. 212 ss. Interessante a observação
de que não só quanto aos casos de legitimação a agir ou a intervir se justificaram debates
na Itália ao tempo, como ainda no tocante aos poderes de que investido o Ministério Pú-
blico que intervém para opinar ("p. m., concludente") (cfr. Allorio ib., nn. 2 ss. 215
ss.). A participação mais intensa é sinal de publicismo e Liebman atribui o acréscimo de
poderes do Ministério Público à "crescente intervenção dos poderes públicos na atividade
dos sujeitos privados" (op. loc. cit.). Para o direito alemão, v. Lent: "o Ministério Públi-
co (Staatsanwalt) tem função no processo civil somente em tipos especiais de procedimen-
tos, isto é, em matéria matrimonial, declaração de relações jurídicas entre pais e filhos,
interdição" (Zivilprozessrecht, § 17, p. 59); observa o autor que, aos tempos do nacional-
socialismo, por motivospoliticos o Ministério Público dispunha de legitimação mais am-
pla; assim também era no regime socialista soviético, em que o Ministério Público compa-
recia ao processo civil como agente dos valores socialistas incorporados pelo Estado (cfr.
Shakarian, Derecho procesa! civil soviético, dir. Gurvich, IV, § 8<*-*> : destaque para o
zelo
pela legalidade, que é o penhor da estabilidade das instituições soviéticas); v. ainda Habs-
cheid, "As bases", cit., n. 1, esp. p. 119.
17. Informa Karl Deutsch que "um ano antes da eclosão da Revolução Francesa,
a França dos reis Bourbons arrecadou, através de tributos municipais, provinciais e na-
cionais, cerca de 8% do produto nacional bruto"; na atualidade "o governo francês arre-
cada e repassa despesa equivalente a 40% do mesmo produto" (cfr. Politica e governo
p. 27). Isso é sinal de uma escalada intervencionista do Estado, que saiu do imobilismo
da filosofia liberal (fins limitados) e tem, hoje, acentuada preocupação pelo social, acima
do individual. Daí o abandono das soluções marcadamente privatistas, que o direito mo-
derno herdou do romano através dos tempos. No direito processual, a preponderância
da ordem pública sobre a dos interesses privados em conflito manifesta-se em inúmeros
pontos da sua dogmática, v. g.: a) inafastabilidade do controle jurisdicional; b) garantia
do juiz natural, competência absoluta; c) impulso oficial; d) livre investigação das provas,
liberdade de convencimento, dever de fundamentar sentenças; e) conhecimento de ofício
(objeções); f) nulidades absolutas; g) indisponibilidades; h) contraditório efetivo e equili-
52 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
brado; i) ampla defesa; j) autoridade do juiz, seu poder de polícia, dever de lealdade, re-
pulsa à litigância de má-fé e atos atentatórios à dignidade da Justiça (contempt ofcourt);
k) tutela penal do processo. Esses e outros sinais tornam sem dúvida que o sistema proces-
sual da atualidade é voltado à tutela de uma ordem superior de princípios e valores que
se situam fora e acima do âmbito estrito dos interesses controvertidos entre as partes (or-
dem pública) e que, em seu conjunto, dirigem-se ao bem comum, como objetivo-síntese
do Estado moderno.
18. "Hoje, a propósito da doutrina do processo civil, pode-se falar de uma multina-
cional que tem em cada um dos países suas características peculiares, mas tem também,
no conjunto, uma profunda unidade de inspiração sobre o que é que deve ser o processo
e sobre os princípios fundamentais que o governam" (Liebman, "Ai lettori brasiliani"
- palavras de apresentação da tradução brasileira do seu Manual: p. IX).
19. Cfr. supra, n.1. Cfr. ainda Cappelletti, Processo e ideologie, p. 6: a instrumen-
talidade é a porta maestra, através de que entram no sistema processual as ideologias e
também, como se compreende, entra o espírito do direito substancial.
20. Em resumo: a maior sensibilidade do processo civil aos influxos privatistas, fru-
to da própria relação de instrumentalidade ao direito privado, vai sendo neutralizada e
a tendência, hoje, é a tomada de consciência para os objetivos estatais a serem realizados
através dele.
21. A realidade social dos conflitos e sua dimensão ditam o grau de iniciativa fran-
queada ao juiz, seja quanto ao processo em si mesmo, seja para a realização da prova
(livre investigação): v. infra, n. 23. Isso explica que, apesar do reconhecido escopo publi-
cista de atuação da vontade do direito (tutela ao ordenamento jurídico), o juiz nâo tem,
como poderia parecer que devia, o pleno poder de iniciativa do processo. É que o escopo
jurídico não é o único, nem o mais importante. Justificando o princípio da iniciativa de
parte a prevalecer nos conflitos entre particulares em matéria disponível, diz Calamandrei
que ele não constitui mera "projeção, sobre o sistema processual, dos poderes de disposi-
ção que no campo do direito privado são atribuídos à vontade dos interessados" -, mas
também não se pode desconhecer que essa disponibilidade é "condição essencial para o
bom funcionamento do princípio dispositivo'' ; invoca o conceito do interesse de agir, mos-
trando que também a necessidade social do processo, diante da falência dos modos con-
cordados para eliminação de conflitos, é elemento a ser considerado no momento em que
a iniciativa é deixada aos interessados (cfr. Calamandrei, "Linee fondamentali del pro-
cesso civile inquisitorio", n. 2, pp. 135-136).
54 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
22. V. supra, nota 16. Sempre é o interesse público a causa legitimante do Ministé-
rio Público e a referência a ele numa disposição específica do Código de Processo Civil
(art. 82, inc. III) constitui autêntica norma de encerramento do sistema, destinada a pre-
valecer em casos não previstos especificamente, arredios a previsões e insuscetíveis de ge-
neralizações. Daí o grande erro no entendimento de qoe tal dispositivo conduza à legiti-
mação do Parquet para todas as causas em que seja parte a Fazenda Pública (além do
mais, o Ministério Público não é fiscal dos interesses fazendários).
23. V. infra, n. 23. Dizer, com Liebman, que o único interesse do juiz no processo
é o de sentir-se inteiramente. . . desinteressado (cfr. "Il fondamento del principio dispositi-
vo", esp. n. 8, p. 14) requer complementaç•es. "Desmteressado" é palavra que, nesse
contexto, não pode significar axiologicamente neutro: o juiz, ser vivente na sociedade de
onde vêm os fatos e pretensões em exame, há de ser o porta-voz dos sentimentos que ali
preponderam e, portanto, interessado em soluções condizentes com eles, sendo "desinte-
ressado", então, somente no sentido de imparcial, superior a sentimentos pessoais (infra,
n. 28.3). Daí as curiosidades que Ihe é lícito satisfazer, em certa medida, por iniciativa
própria (princípio inquisitivo): cfr. Cintra-Grinover-Dinamarco, Teoria geral do proces-
so, n. 23, esp. p. 61. Calamandrei tem por processo inquisitório "um processo de partes,
no qual prevaleça o princípio inquisitório: isto é, em que o juiz, embora tendo diante de
si duas partes, seja desvinculado, para a busca da verdade, da iniciativa e dos acordos
entre elas" ("Linee fondamentali del processo civile inquisitorio", n. II, p. 160). Mas
o fiorentino fala menos da escalada inquisitiva no processo civil moderno do que na dis-
tinção, em razão da matéria controvertida, entre processo dispositivo e processo inquisi-
tório. Depois, que essa escalada inquisitorial seja sinal das tendências mais atuais, já não
é sequer novidade: cfr. Teoria geral do processo, loc. cit.; Barbosa Moreira sublinha que
a iniciativa do processo continua reservada à parte, mas enumera os modos como no pro-
cesso civil moderno o juiz é chamado a participar intensamente para a sua "direção for-
mal" (cfr. "A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na
direção e na instrução do processo", IV, pp.145-146); do mesmo autor, v. ainda "Ten-
dências contemporâneas do direito processual civil", n. 3, p. 40. Na literatura brasileira
mais recente e moderna, tem-se a obra de José Roberto dos Santos Bedaque, inteiramente
alinhada nessa idéia do juiz comprometido com o dever de fazer justiça no processo (Po-
deres instrutórios do juiz, 1991).
24. Falar do processo como instrumento requer que se precisem os objetivos a se-
rem alcançados mediante o seu emprego: v. infra, esp. n. 18. E os escopos situam-se no
campo social, no político e no jurídico (cfr. nn. ss.).
25. Relaciona-se com isso também a ausência do efeito da revelfa, nas ações de se-
paração judicial, divórcio e conversão daquela neste (cfr. Dinamarco, "Separação judi-
cial e divórcio", in Fundamentos do processo civil moderno, n. 268 esp. p. 408; v. tam-
bém condusão n. 76 do Simpósio de Processo Civil - Curitiba, 1975).
56 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
26. Isso acontece com boa freqüência em casos em que os juízes de primeiro grau
declaram extinto o processo sem julgamento do mérito, por abandono (CPC, art. 267,
inc. III): a jurisprudência vem firmemente proclamando que, sendo do juiz o poder-dever
de impulso processual (art. 262), só mesmo em casos onde a providência indevida seja
indispensável para o prosseguimento do feito é que, presentes os requisitos legais, a extin-
ção terá lugar; e isso quase só terá ocorrência quanto a ônus financeiros descumpridos
pelo autor (não, porém, quanto ao adiantamento dos salários provisórios de peritos) (cfr.
por todos, I<*-*> TACSP, 2<*-*> C., ap. n. 275.774, j. 26.11.80, rel. Rangel Dinamarco,
v. u.;
em doutrina, Araújo Cintra, "Abandono da causa", nn. 3-4, pp. 135-136).
27. A tutelapenaldoprocesso constitui mais um nítido reflexo e uma demonstração
dessa postura publicista, uma vez que só se concebe a tipificação penal de condutas que
atinjam objetividades jurídicas de interesse do Estado. Assim é que, para a estabilidade
do sistema processual, reprimem-se condutas que constituam: a) autotutela (exercício ar-
bitrário do poder ou das próprias razões: CP, arts. 345 e 350); b) provocação indevlda
do exercício do poder (denunciação caluniosa, art. 339; comunicaçào falsa, arc. 341); c)
óbices ao exercicio dajurisdição ou insubmissão a ela (reingresso de estrangeiro expulso,
favorecimento pessoal ou real, violência ou fraude a arrematação, etc.: arts. 338, 348,
349, 358, etc); d)prejuizo àprovaprocessual(autoacusação falsa, art. 341; falsidade, etc.,
arts. 343-344; sonegação de documentos, art. 356); e) coação (art. 344); f) fraude (art.
347); g)falênciafraudulenta (LF, arts. 186 ss.). Interessante notar que, embora a insol-
vência civil seja funcional e estruturalmente muito parecida com a falência e tenha objeti-
vos semelhantes, inexistem crimes especificamente ligados a ela e ao seu processo. Sobre
o tema, em geral, v. Antonio Greco, La tutelapenale delprocesso; de Mario Pisani, La
tutela penale delle prove formate ne! processo e Tuteia penale e processo.
28. Essas condutas são fadadas à ineficácia, em primeiro lugar porque o juiz é dota-
do, como agente estatal, do poder de conduzir o processo pelos rumos adequados; a au-
sência de preclusividade também concorre para a manutenção de situações jurídico-
processuais cuja eliminação contraria a ordem pública (ex.: as condições da ação perma-
necem sujeitas a verificação pelos órgãos judiciários enquanto perdurar o processo, po-
dendo ser proclamada a carência de ação a qualquer tempo).
II
60 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
formes" e diz de propostas avançadas na Itália (cfr. Fazzalari, verbete "Processo - teo-
ria generale", n.10, p.1075). De sua parte, todavia, pretende mesmo é a unificação dou-
trinária, com a demonstração da "possibilidade e legitimidade teórica do emprego do
módulo
do processo fora do campo da jurisdição" (ib., n. 8, esp. p. 1.074). A diferença é que
o professor de Roma põe o Processo ao centro do sistema e aqui prcpõe-se que ali se po-
nha a jurisdição (cfr. infra, n. 9). Ainda na Itália, há a obra de Dante Angelotti, sobre
Teoria generale delprocesso, o qual no entanto declara expressamente ` `o intento de colo-
car os pressupostos teóricos para a unificação legislativa das normas processuais comuns
em um sistema legislativo unitário" (n. 2, p. 4).
4. Cfr. Liebman, "recensione" a Istituzioni di diritto processuale, de Elio Fazzala-
ri, esp. p. 464.
5. O cuidado pela "certeza dos resultados" e sua "adequação ao real" é inerente
a toda ciência (cfr. Reale, Filosofia do direito, I, n. 16, p. 72) e os perigos de errar são
inerentes a toda investigação científica, variando naturalmente o grau.
6. Cfr. n. s.; observa-se também que, embora aqui se propugne pela colocação da
jurisdição e não do processo ao centro da teoria geral (infra, n. 9), mesmo assim vai-se
falando em teoria geral...do processo. É denominaçâo já consagrada e não valia a pena
discutir meras palavras (mas talvez fosse menos inadequado fazer como Sauer, que deno-
minou sua obra de Allegemeine Prozessrechtslehre -, Teoria geral do direito processual).
62 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
o trabalho se agita entre o jurídico e o político-social, o que não é usual; mas tem-se plena
consciência das limitações do próprio método, que não aspira a precisões ou eliminação
de superposições ou eventuais lacunas (especialmente no que toca aos escopos do sistema
processual). Isso é natural quando se trata de ciências do pensamento e não da natureza,
porque elas jamais poderiam qualificar-se como "exatas". O que legitima a tentativa é
a esperança de oferecer uma contribuição à melhor interpretação do sistema e das suas
mazelas, para a percepção dos rumos que convém tomar. E "a questão de saber se, no
caso concreto, o caminho é correto só pode porém ser resolvida ao se olhar para trás,
do fim para o começo. Se o método trouxe clareza essencial ao que era apenas vislumbra-
do, então era adequado" (cfr. Voegelin, A nova ciênciapohIica, pp.19-20). Esse exame
poderá ser feito quando, após o último item sobre a "efetividade do processo", chegar
a opinião sobre a aptidão de todo o estudo a proporcionar a desejada visão sistemática,
teleológica, instrumental e dinâmica do direito processual civil.
1. Fazzalari, em sua teoria geral, cuida somente dos processos integrantes do orde-
namento estatal italiano; somente para que a informação seja completa, acrescenta "que
o emprego do processo se observa também fora e/ou de modo independente do nosso or-
denamento estatal" (partidos, sindicatos, associações esportivas, ordens profissionais e
até mesmo microcosmos privados -, além dos juízos "comerciais internacionais") (cfr.
Istituzioni di dirittoprocessuale, § 3", p. 9). Diz Boaventura de Souza Santos, a propósi-
to, que "os veículos tradicionais da práxis jurídica (no<*-*>mas gerais e universais
tribunais,
garantias processuais, etc.) são crescentemente enquadrados por uma multiplicidade de
novos veículos (decisões e omissões singulares, arbitragens, negociações, programações,
agências administrativas, empresas públicas, etc.) cuja articulação com as formas jurídi-
cas clássicas, sem deixar de existir, é, no entanto, bem remota". E continua: "a práxis
jurídica e política do Estado estende-se a áreas e estruturas de ação social formalmente
fora do Estado, dando origem a novas e complexas configurações jurídicas e políticas a
que noutro lugar dei a designaçâo geral de sociedade civil secundária" (cfr. "O Estado,
o direito e a questão urbana", cap. I, n. 2, p. 21). Existem ainda formas menos perceptí-
veis de processos e decisões, no seio de entidades não estruturadas explicitamente em face
do direito, como a família e as favelas.
64 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
66 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
faz coisa julgada em sentido formal e material, erga omnes"; "a decisão judicial é espécie
do gênero jurisdicional" (cfr. Direito administrativo brasileiro, p. 638, nota 17). Dispen-
sada a crítica quanto a essa suposta autoridade erga omnes (discrepante dos ensinamentos
gerais e do direito positivo: CPC, art. 472), as idéias do ilustre administrativista partem
de um conceito diferente dejurisdição, talvez dando-lhe a mesma amplitude do vocábulo
"poder", ou talvez reduzindo ambos à sinonímia. Que haja processo administrativo e nào
somente meros procedimentos, sim; que seja jurisdicional, nâo.
6. Cfr. Luhmann, Legitimaçàopeloprocedimento, pp.17-18; as diferenças de procedi-
mento refletem somente, no entanto, o juízo do legislador sobre a forma e intensidade de
par-
ticipação do próprio agente do poder e das pessoas interessadas (contraditório): v. infra,
n.16.
7. Cfr. supra, nota 1.
8. Cfr. supra, n. 5, esp. nota 2. Soberania não é empregada como sinônimo de po-
der, mas como um atributo do poder estatal (cfr. Jellinek, Allgemeine Staatslehre, cap.
XIV, p. 327: a soberania entre as "propriedades do poder do Estado").
9. O único que haveria, nesses "processos", a indicar a presença do processo seria
a existência de alguma estrutura formal. Muito pouco, porém, para a integraçào no sistema
processual. Daí a restriçào, aqui contida e no n. s. , aos extremos a que chega Elio
Fazzalari.
1. Cfr. Elio Fazzalari, Istituzioni dr' diritto processuale, esp. p. 29; Dinamarco, Fun-
damentos do processo civil moderno, n. 37, pp. 64 ss.; v. infra, n. 16.
68 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
execução não constuma ser tratada pelo mesmo método nem sequer me-
diante a mesma linguagem que a cognição, o que dá até a impressão de
tratar-se de outra disciplina jurídica, sujeita a outros conceitos e colo-
cações metodológicas diversas; raciocinam assim, certamente, porque
nela não se tem o julgamento do mérito, nem atividade cognitiva ou ins-
trução probatória significativa, nem coisa julgada -, o que tem desvia-
do os autores do exame in executivis das grandes estruturas doutriná-
rias do direito processual civil, erigidas à vista das atividades e situações
inerentes ao processo de conhecimento.
Muito menor que o do processo de conhecimento é também o pro-
gresso do cautelar no contexto internacional da ciência do processo: só
em tempos recentes se vem tomando consciência de sua individualidade
como processo, da individualidade e características do provimento caute-
lar, seus objetivos específicos etc. (o Código de Processo Civil brasileiro
é louvável pelo pioneirismo na colocação sistemática da cautelaridade,
em livro específico e com a tentativa de disciplina orgânica dos fenôme-
nos relacionados com ela).5 Assim como da execução é usual dizer que
está sujeita a dois pressupostos específicos (título e inadimplemento), das
medidas cautelares tradicionalmente se afirma que dependem dofumus
boni juris e periculum in mora; e até ao tempo presente não se estabele-
ceu com segurança o enquadramento sistemático desses requisitos entre
as condições da ação ou como pontos ligados ao mérito,6 nem se pacifi-
cou a doutrina quanto à existência ou inexistência do direito substancial
à cautela,<*-*> nem está definido o mérito dos processos cautelares.
veram os novos estudos processuais a partir de meados do século passado: todos os prin-
cípios e construções (a dizer a verdade, até hoje) costumam ser submetidos, se não com
excluvidade, pelo menos de modo muito preponderante, ao banco-de-prova consistente
no exame do seu comportamento na cognição e não in executivis (cfr. ainda aquela minha
tese anterior, "premissas", pp. 3-7). E o vigente Código de Processo Civil brasileiro, não
obstante a elevação do nível em que colocado, relegou a execução a esse mesmo plano,
tratando-a como se não pertencesse ao sistema do processo civil globalmente considera-
do, mas fosse um sistema em si mesma, diferente daquele.
5. O nosso Código tratou a matéria de modo ímpar, não fazendo como o italiano
(que cuida das medidas cautelares entre os procedimentos especiais), nem como o portu-
guês (entre os dispositivos genéricos sobre o processo), ofrancês (medidas isoladas, sem
organicidade) ou o alemão (seqilestro tratado isoladamente); ditou de modo explícito o po-
der geral de cautela, estabeleceu medidas típicas e procedimentos específios (ao lado do
pro-
cedimento cautelar básico) e trouxe regras suficientemente claras sobre competência, cará-
ter preparatório ou incidente, etc. (cfr., por todos, Dinamarco, "Das medidas cautelares
na Justiça do Trabalho", in Fundamentos doprocesso civilmoderno, nn. 206-212, pp. 345,
ss).
6. Em "prefácio" à monografia de Sydney Sanches (Poder cautelar geral dojuiz),
manifestei minha dúvida a propósito, com a suspeita "de ser concreta a ação cautelar,
tendo por condições precisamente os requisitos para a sua concessão" (cfr. p. XVII); ao
monografista parecia que se trata de requisitos ligados ao mérito do processo cautelar (cfr.
cap. XI, pp. 38-41). A doutrina é extremamente variada, a respeito.
7. Disse Allorio, defensor da tese da existência desse direito substancial à cautela:
"qualificação cautelar, aposta ao vocábulo processo, está a indicar não tanto a forma
70 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
tido mais amplo possível: princípio da demanda, contraditório, acesso aos graus superio-
res da jurisdição, etc.). Sobre os instirutosfundamentais do direito processual, v. supra,
cap. I, nota 5. Entre os "conceitos e estruturas" referidos a seguir no texto está toda a
construção do direito processual, em torno dos seus institutos fundamentais (com isso,
lá se contém a disciplina da competência, condições da ação, princípio da demanda e cor-
relação entre sentença e esta, jus exceptionis, procedimentos, prova, recursos, etc.). Toma-
se
o cuidado, porém, de distinguir o direito processual constitucional, que como sistema nor-
mativo não existe (existem os diversos ramos, no ordenamento positivo), da teoria gera!
doprocesso, que é a condensação de conceitos e princípios colhidos na teoria de cada ra-
mo processual em particular.
10. Cfr. Fazzalari, "Processo - teoria generale", n. 1, esp. p. 1069.
11. Cfr. infra, n. 16.
12. Cfr. Benvenutti, "Funzione amministrativa, procedimento, processo", passim;
é a tese que aceitei e desenvolvi em minha Execuç<*-*>ão civil (cfr. n. 10, pp. 85 ss.).
13. Todo curso de direito administrativo é, em grande parte, curso de processo ad-
ministrativo. Mesmo assim, nos currículos universitários inexistem separações e a matéria
processual administrativa é ministrada em íntimo sincretismo com o direito substancial
administrativo.
"I processi amministrativi"); cfr. ainda a monografia de Alberto Xavier, Doprocedin iento
administrativo, "passim".
16. Cfr. Fazzalari, "Processo - teoria generale", n. 1, p. I 068.
72 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
19. "Quem voltar os olhos aos múltiplos grupos que gravitam na órbita da comuni-
dade estatal perceberá logo sua tendência a organizar, no próprio seio e para os seus pró-
prios membros, alguma forma de justiça, ainda que rudimentar" (Fazzalari, Isrituzioni,
cit., § 3<*-*>, p. 9). Sem falar do direito "inoficial", de geraçào mais ou menos espontânea
(cfr. Tércio Sampaio Ferraz Jr., "O oficial e o inoficial"), basta recordar o processo dos
partidos políticos, sindicatos, sociedades mercantis, associaç•es de toda ordem, etc. De
muito interesse são as decis•es dajustiça esportiva, seja a nível de árbitros ou das entida-
des instituídas para a organização do esporte; seja em <*-*>natéria puramente esportiva
(rela-
cionada com as competições e seu resultado), seja trabalhista (no Brasil, v. lei n. 6.354,
de 2.9.75, art. 29, c/c Const., art. 5<*-*>, inc. XXXV: prévio exaurimento das instâncias
es-
portivas, como requisito para legitimidade do interesse de agir em juízo), seja disciplinar
(cfr. Luiso, La giustizia sportiva, pp.1-6). Essas formaç•es todas, que se inserem no qua-
dro dos "equivalentes jurisdicionais", ou soluções alternativas mediante as quais se ob-
tém solução para os litígios sem o exercício da jurisdiçào (v. infra, n. 36) trazem consigo
a idéia de um pluralismo jur:ílico, caracterizado pela existência de ordenamentos jurídi-
cos inferiores ao estatal, ou seja, portadores de graus inferiores de positividade (fala Rea-
le da "estabilidade do direito": cfr. Teoria do direito e do Estado, p. 225).
20. Os fundamentos constitucionais do processo (v. supra, n. 2) e a maneira como
se entrelaçam seus institutos fundamentais dào o contexto da teoria geral. A inexiscência
de ação fora do contexto jurisdicional não infirma essa colocaçào, porque o que há de
comum é tanto e tào significativo que a estrutura de raciocínio em torno dos demais pro-
cessos continua sendo a mesma (garantias, competência, procedimento, etc.).
74 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
76 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
III
JURI,<*-*>DIÇ'ÃO E PODER
78 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
JURISDIÇÃO E PODER 79
80 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
so até à disciplina dos negócios jurídicos, o que não seria capaz de enri-
quecer conhecimentos ou aprimorar soluções. Não-obstante se diga teoria
geral do processo e se continue sempre a dizer direito processual, tem-se
no fundo e essencialmente a disciplina do poder e do seu exercício e esse
é o fator de unidade que reúne numa teoria os institutos, fenômenos,
princípios e normas de diversos ramos aparentemente distintos e inde-
pendentes entre si.
Essa visão metodológica unitária de largo espectro, que caracteriza
a teoria geral do processo, mostra todo o campo pelo qual se espalha
o exercício imperativo do poder estatal, com destaque ao que há de subs-
tancial, ou seja: o compromisso do Estado a prestar o seu serviço, mais
as limitações impostas pela ordem político-jurídica à extensão e intensi-
dade dos meios pelos quais essa função é exercida. O compromisso resi-
de fundamentalmente na garantia constitucional da inafastabilidade da
tutela jurisdicional, perante a qual são ilegítimas as restrições à faculda-
de de lamentar situações desfavoráveis e ao poder deexigir solução;s
a garantia de celebração do processo como condição prévia a imposição
de pena (nullapoena sinejudicio) e o direito de petição (ou de represen-
tação) também são partes integrantes desse compromisso. Das limita-
ções, tem-se primeira manifestação no veto ao exercício espontâneo da
jurisdição, seja no cível ou no criminal (a garantia do processo acusató-
rio é uma das maiores conquistas do processo penal moderno); limita-
ções generosas e de grande alcance político são também aquelas ineren-
tes à garantia do juiz natural, do contraditório, ampla defesa, isono-
mia. A tudo isso há de manter-se atento o juiz, sob pena de ser ilegítimo
o exercício da jurisdição. Onde o exercício da ação ou o da defesa se
vir comprimido pelos abusos ou desvios de poder do órgão estatal, ou
sofrer significativo risco de ficar prejudicado de modo sensível, ali ter-
se-á violação a alguma dessas garantias fundamentais (daí as garantias
JURISDIÇÃO E PODER 81
82 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
JURISDIÇÃO E PODER g3
84 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
JURISDIÇÃO E PODER 85
11. Cfr. Deutsch, op. cit., p. 47; sobre influência, v. infra, n. 14.3.
12. Cfr. Dallari, Elementos de teoria geral do Estado n. 53, p. 96, dizendo que "o
Estado é poder"; ele é a institucionalização do poder e o direito (todo o direito, nào só
o processual) é positivação do poder que o Estado tem.
13. O poder atua sobre a matéria ou as pessoas (Bertrand Russell Opoder - uma
nova análise social, p. 21); v. ainda Deutsch, Polrtica e governo, p. 46; Dahl, A moderna
anáfise polrtica, pp. 72 ss. (ele aproxima a idéia, mas nào emprega as mesmas palavras
de Deutsch, nem as do texto).
14. "O poder em sentido político não pode ser concebido como a capacidade de pro-
duzir efeitos pretendidos em geral, mas apenas aqueles efeitos que envolvem diretamente
outras pessoas: o poder político se distingue do poder sobre a natureza como sendo o po-
der sobre outros homens" (Kaplan-Lasswell, Poder e sociedade, pp.110-111). Parece, no
entanto, que o conceito de poder polrtico está muito amplo, nesse pensamento: tenha-se
por poder político somente aquele de que é detentor o Estado, como entidade política
(pólis),
no desempenho de suas funções e atuando sobre os membros da população para cumpri-
mento de seus fins. Também outras entidades exercem poder diretamente sobre pessoas
e nem por isso se dirá que é polrtico o seu poder.
JURISDIÇÃO E PODER 87
86 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
15. Nesse sentido é que Dahl vê no poder a situaçào daquele que "eontrola o Esta-
do" e nào a do próprio Estado em si mesmo, na sua relaçào com os submetidos (cfr. ,4
moderna análise poliíica, pp. 88-89). Fala-se no poder de fundo mágico, ou carismático
(cfr. Lassw'ell, A linguagem da po/iiica, p. 16; Kaplan-Lassw ell, Poder<*-*> e sociedade,
p.
137) e busca-se a medida do poder que as pessoas têm em dado contexto político,
confrontando-se com o poder de outra, ou outras (qual é mais poderoso?); e, investigan-
do sobre O poder de controle nas sociedades anôninras, Fábio Konder Comparato procu-
ra determinar quem exerce esse poder (cfr. esp. n. 3, pp. 16 ss.). Como no texto se vê,
nào é disso que se cuida no presente estudo, mas do poder institucionalizado, ou seja,
daquele que o Estado exerce em nome do povo (Const., art. 1<*-*>). O "romantismo" dessa
concepção, que Comparato entende irreal (op. loc. cit., p.18), residiria somente na posi-
çào de quem ignorasse a realidade do outro aspecto do poder ou seja, do poder exercido
por indivíduos ou grupos que se sucedem nos centros, ou pólos de poder. Para o estudo
da ciência política aplicado ao direito processual, falar do poder institucionalizado é falar
da jurisdiçào exercida pelo juiz e nào do juiz como pessoalmente titular de poderes. É
do conhecimento geral do processualista a e<*-*>'oluçào doutrinária do conceito de crsào,
que
na ciência processual de hoje ninguém mais crê que tenha por sujeito passivo ojui;, (pes-
soa física), mas "o juiz", como órgào através do qual se revela o poder inscitucionaliza-
do, ou seja, o Estado-juiz.
16. Hobbes, Levlathan, p. 48 (v. Comparato, O podei<*-*> de controle, p. 1). É uma
realidade a busca de proteção pelas pessoas, seja na família, seja no patrào, no chefe,
no Estado, nos dirigentes, nos juízes. Daí a necessidade de ampliar a via de acesso à Justi-
ça, como meio de evitar a perpetuaçào de insatisfaç•es reprimidas e a consumaçào de de-
cepç•es que constituem fator de generalizada insatisfaçào social e instabilidade das insti-
tuiç•es (v. infra, n. 36.1).
17. Cfr. Kaplan-Lasswell, Podei<*-*> e sociedade, p. 138.
18. Nesse sentido é que se disse: "o peso do poder é o grau de participaçào na coma-
da de decisôes" (id., ib., p.112). A participaçào no processo decisório, como critério pa-
ra definir o poder, é em si manifestaçào dessa idéia do poder de indivíduos e grupos, da
qual não se interesse este estudo (v. infra, n.14.4), salvo para fixar bem a atençào direcio-
nada ao poder institucionalizado.
88 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
JURISDIÇÃO E PODER 89
I. V. infra, n. 14.2.
2. Cfr. Francamente "decisionista" é Miguel Reale, que associa o poder à "decisão
para outrem" (PCuralismo e liberdade, cap. XIII, pp. 214-215). Assim também Luhmann,
Legitimaçãopeloprocedimento, p. 26 ("mecanismo de transmissão de resultados de sele-
çào"); v. ainda Tércio Sampaio Ferraz Jr. "apresentaçào" da obra de Luhmann p. 3.
Da "participação no processo decisório", dizem Kaplan-Lasswell (Poderesociedade, p.
110). Sobre a participaçào no processo decisório e o seu significado (especialmente, para
o processualista), v. infra, n. 14.4.
3. A idéia de dominação remonta a Max Weber, com a sua trilogia representada
por poder-dominação-disciplina (cfr. Wirtschaft und Gesellschaft, p. 43, trad.); e, daí,
a idéia de obediência. Poder é, nesse quadro, definido como "probabilidade de impor
a própria vontade" (ib.). Essa probabilidade, ou capacidade, aumenta na medida em que
aumentam os hábitos voluntários de aquiescência'' (inconscientes?) de que fala Deutsch
(Polrtica e governo, pp. 12-13). Cfr. ainda Faria, Poder e legitimidade, p. 76.
90 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
4. Daí que o poder também foi definido como "ability to determine the behavior
of others" (Organski, "The nature of national power", p. 137).
5. Existe uma "tensào entre o conhecimento e a ignorância" (Karl Popper, Lógica
das ciências sociais, p. 17), na medida em que "conhecer" é buscar a verdade (ou mera
convicção? v. infra, nn. 32-33). Há também uma "relação dialética de complementarie-
dade entre o pensar e o conhecer" (Lafer, O Br-asil e a crise mundial, p. 38), que sào atitu-
des do juiz no processo.
6. Cfr. Dinamarco, Execução clvi/, n.10, esp. p. 95, nota 106. O resultado jurídico
da execuçào nào é de natureza declaratória (conhecimento), senào a atuaçào do direito
(satisfação, como se costuma dizer); para Carnelutti, é a atrlbuiçào e nào a coisajcclgadcr
(cfr. Diritto e processo, n. 249, p. 371). Mesmo assim, o juiz julga incidentemente ques-
t•es de diversas ordens, sem que a sua atividade seria cega. É sempre oportuno lembrar
a importância dos propósltos, ou seja, da determinaçào de objetivos, para o exercício ra-
cional do poder: "o poder sem propósito é apenas um efeito sem objetivos" (cfr. Ingo
Pl•ger "apresentaçào" do volume Po/rticn e gover-rco, de Karl Deutsch, p. 13).
JURISDIÇÃO E PODER 91
7. Cfr. Bellinetti, Da sentença, cap. III, n. 3, p. 96 (essa obra, ainda inédita, está
no prelo, Ed. RT); seu autor é um jovem muito talentoso, promotor de justiça do Estado
do Paraná, a quem prestei orientação na elaboração dessa tese, a qual Ihe valeu grau de
distinçào a nível de mestrado na Universidade Estadual de Londrina; toda a investigação
em torno do instituto de direito processual, que é a sentença, foi conduzida pelo metro
da filosofia do direito).
8. Cfr. Bellinetti, op. cit., cap. IV, n. 12, pp. 122-123. E ele esclarece: "nào se pre-
tende com isso afirmar que o julgador, quando emice a sua sentença, esteja consciente-
mente objetivando a implementaçào ou conservaçào de um determinado modelo de orga-
nizaçào social..., mas sim que a sentença concorre para isso" (p. 123).
9. Sobre positivaçào, cfr. Reale, Teoria do direito e do Estado p. 93. O fenômeno
da positivação, como está no texto, é aquele "por meio do qual todo e qualquer direito
vale por força de uma decisão" (Faria, Poder e legitimidade, p. 32); ora, as declaraç•es
e atuações do direito, que constituem resultado dos processos jurisdicionais (de conheci-
mento, de execuçào), ou são decisões ou exteriorizaç•es delas e, invariavelmente, encar-
nam o poder exercido quanto a um caso concreto. O poder, portanto, é posto ali, tanto
quanto mediante a lei ele é posto para a generalidade dos casos previstos. Acrescente-se
a isso o dado relevantíssimo da segurança jurídica imposta pelo ato jurisdicional sobre
situaç•es que, em grau mais elevado ou menos, sempre comportariam contestaç•es e con-
trovérsias (quanto à ausência de certeza antes do ato jurisdicional, v. infra, n. 33). Por
ヘ sso é que se afirma a positivaçào do poder também aqui, aliás na linha da abertura ofere-
cida por Luhmann, em sua obra de louvável abrangência do fenômenoprocedimento. Ele
diz que "todo o direito é posto por decisào" e prossegue dizendo que "leis, atos adminis-
trativos, sentenças, etc., são, pois, legítimos como decis•es", etc. (Legicirnaçãopelopro-
cedimento, p. 32).
92 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
JURISDIÇÃO E PODER 93
5. Sobre as espécies de preclusão, cfr. op. loc. cit., e Liebman Manual de direito
processua/ civil, I, n. 107, pp. 235-237 (cfr. ainda minha nota n. 149, à p. 237, falando
da maior fixidez das normas brasileiras sobre preclus•es, em face do procedimento rígido
que temos, no qual entâo maior realce se dá ao recrudescimento das situaç•es criadas ao
longo do procedimento).
6. Cfr. CPC, art. 463.
7. Nesse sentido, parecer que emiti como procurador de Justiça e foi acolhido pelo
1<*-*> TACSP (cfr. 3<*-*> C., ap. n. 222.787, j. 27.4.77, rel. Francisco Negrisolo, v. u.): a
expropria-
ção obtida em execução não embargada não comporta ataque pela via rescisória mas para
sua desconstituiçâo é indispensável algum pronunciamento jurisdicional (cfr. também
Theo-
doro Jr., "Execução forçada e coisa julgada", n. 6, in Direito processual civil, pp.109 ss.).
8. CPC, art. 18.
9. Súmula 473 STF.
10. Sobre o efeito preclusivo da coisajulgada, que nào se confunde com esta, cfr.
Machado Guimarães, "Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo", passim; Barbosa Mo-
reira, "A eficácia preclusiva da coisa julgada material", passim; e, já em Chiovenda, vê-
se o germe dessa importante distinção (cfr. Principü, § 78, esp. II, pp. 910 ss.). Caso de
eficácia preclusiva da coisa julgada, no Código de Processo Civil Brasileiro, é o que resul-
ta do art. 55: o assistente fica impedido de suscitar eficazmente questões sobre a "justiça
da decisão" proferida no processo em que interviera (não se trata de resjudicata, mas
Intervention-swirkung, que é a eficácia preclusiva projetada sobre ele). No processo ad-
ministrativo, "exauridos os meios de impugnação administrativa, torna-se irretratável, ad-
ministrativamente, a última decisão, mas nem por isso deixa de ser atacável por via judi-
cial" (cfr. Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, p. 593); essa preclusào
94 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
JURISDIÇÀO E PODER 95
96 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
justificação e uma utilização do fenômeno social que é o poder": cfr. Droit constitution-
nel et institutions politiques, p. 13).
2. cfr. Jellinek, Allgemeine Staatslehre, cap. XIII, pp. 295 ss.: território, população
e poder. Dallari, Elementos, n. 55, esp. p. 99: "é insustentável a afirmação de que o po-
der do Estado é total e exclusivamente jurídico".
3. Sobre o imperium, cfr. Scialoja, Lezioni di procedura civile romana, § 9<*-*>, pp.
106-107; Jellinek, A!lgemeine Staatslehre, cap. XIII, III, p. 320.
4. Soberania, como foi dito antes, não é empregado aqui como sinônimo de poder,
nem colocada no mesmo plano de raciocínio em que este: ela é um atributo do poder esta-
tal, que concorre para distingui-lo dos demais (cfr. Jellinek, Allgemeine Staatslehre, cap.
XIV, pp. 327 ss.).
5. Sobre poder estatal originário, v. Dallari, Elementos, n. 53, p. 96; Jellinek (All-
gemeine Staatslehre, cap. XIV, II, p. 367) entrelaça a "capacidade de organizar-se por
si mesmo e autonomia" com a soberania como propriedade do poder estatal.
6. Cfr. ainda Jellinek, op. cit., cap. XIII, III, p. 320; Dallari, Elementos, n. 14,
p. 97.
7. Cfr. Dallari, ib.; e por isso é que, de um lado, a eficácia dos atos jurisdicionais
independem de prévia aceitação pelo demandado (litiscontestatio) e, de outro, impõe-se
inevitavelmente sobre as partes.
8. Cfr. Dallari, ib.; Faria, Poder e legitimidade, p. 57.
JURISDIÇÃO E PODER 97
9. Trata-se dos mecanismos de controle "inter-órgàos" dos atos estatais, de que fa-
la Loewenstein (cfr. Verfassungslehre, pp. 294 ss.); v. supra, n. 2.
10. Cfr. Kaplan-Lasswell, Poder e sociedade, pp. 109, 129, 121.
I1. Cfr. Reale, Teoria do direfto e do Estado, p. 225.
12. "Soberania, pois, quer dizer, em primeiro lugar, consciência e afirmação de su-
premacia por parte de um círculo social em um dado momento histórico, relativamente
a outros círculos sociais particulares nele politicamente integrados" (Reale, 7'eorta do di-
reito e do Estado, p. 179); só o direito do Estado tende à universalidade (entenda-se: nos
lindes do território e sobre a população daquele Estado): cfr. ainda Reale, ib., pp. 85-86.
98 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
JURISDIÇÃO E PODER 99
2. V. infra, n. 14.2.
1. Cfr. Luhmann, Legitimação pelo procedimento, p. 26.
2. Cfr. Kaplan-Lasswell, Poder e sociedade, pp. 111 e 112.
3. Cfr. Organski, "The nature of national power", p. 139.
4. A fórmula entre aspas é de Vamireh Chacon (Autoridade e poder, p. 11), mas
o pensamento é do clássico Weber (Wirtschaft und Gesellschaft, I, p. 170), no trato da
dominação.
alteração na situação jurídica trazida a julgamento com a pretensào deduzida. Toda sen-
tença constitutiva é mesmo portadora de uma "execuçào", mas nào se trata da execuçào
tomada em sentido próprio pela lei processual e pela ciência do processo. Por isso, não
tem razão o florentino, ao ver na sentença substitutiva da vontade uma condenaçào a prestá-
la, acompanhada do "elemento executivo" nem tem razão Vidigal que o apóia substan-
cialmente. Na mesma linha, Távora Niess (Da sentença de substituição da declaração de
vontade, pp. 44-45). Sydney Sanches, após passar em revista a doutrina, conclui minimi-
zando o problema, em face do direito positivo, segundo o qual "os efeitos do contrato
prometido ou da declaração de vontade devida se produzem ipso iure, independentemen-
te de outros atos" (cfr. Execução especifica, n. 25, esp. p. 46). A opinião sustentada no
texto afina-se com a de Chiovenda (cfr. Principü, § 8<*-*> V, A, p. 190). Porque a aceito,
não vejo como correta a inclusão da disciplina positiva das sentenças positivas, no Livro
II do Código de Processo Civil, arts. 639-641. Mesmo que a posição assumida nào fosse
a melhor, todavia, a lembrança dessas sentenças serve para demonstrar o que no texto
se pretendida, a saber: que há casos nos quais o provimento imperativo do Estado realiza
os efeitos desejados, independentemente de qualquer ato de obediência.
14. Cfr. CPC, arts. 600-601. Os atos atentatórios à dignidade da Jusliça foram san-
cionados pela primeira vez em nosso direito, com a amplitude que nesses dispositivos se
vê, com a vigência do atual Código de Processo Civil; essa inovação faz parte de um con-
texto de muita severidade contra a deslealdade no processo (cfr. Dinamarco, Direito pro-
cessualcivil, n. 129, pp. 200-201; sobre o tema, v. Roberto Molina Pasquel, Contempt
of court).
15. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 9, esp. p. 84, nota 68; n. 11, esp. p. 100;
n. 13, p. 111, esp. texto e nota 155.
16. V. infra, n. 17.
17. Sobre sujeiçào, v. supra, n. 8, nota 24; mas da "impossibilidade de reagir" nào
decorre que a conduta do obrigado seja inteiramente irrelevante a partir da sentença (in-
fra. n. 14.3).
1. V. supra, n. 11, esp. texto e nota 2.
2. Cfr. Lafer, O Brasil e a crise mundial, p. 25; falar da "erosào de aç•es contrá-
rias", que poderia atingir as leis, é pensar no aspecto político da jurisdiçào e sua missào
de salvaguardar a autoridade do Estado e do seu ordenamento (v. infra, n. 24).
3. Cfr. Dahl, A moderna análisepoli7ica, pp. 90-91, nota 8. Diz Deutsch que "os
seres humanos têm tendência a aprender mais com recompensas do que com castigos"
(Politica e governo, p. 159), com o que se valorizam as sanç•es premiais; v. ainda Ingo
Pl•ger ("apresentação" da tradução brasileira da obra de Deutsch, p.13: "também a coer-
ção pode ser traduzida por ameaças ou aplicação de respostas posttivas, isto é, recompen-
sas e castigos"); mas Kaplan-Lasswell falam em "ameaça de sanç•es", locuçào em que
o vocábulo aparece somente no sentido negativo (castigo) (cfr. Poder e sociedade, p.111).
4. A sanção é sempre ditada pelo titular do poder, embora nem sempre sua aplica-
ção se dê pela via dos atos particulares, em concreto. O direito do cônjuge inocente a ob-
ter o desquite (direito potestativo) é a sançào que no ordenamento jurídico é destinada.
com visos de generalidade, aos atos caracterizados como "conduta desonrosa" ou "grave
violaçào dos deveres do casamento" (lei n. 6.515, de 26.12.77, art. 5"; v. Dinamarco, Fun
dois valores, pode livremente optar pelo que lhe pareça superior em sua
própria escala, seja buscando a recompensa prometida à custa do sacri-
fício pretendido pelo sistema, seja reunciando a ela, para preservação
do valor cujo sacrifício o sistema pretendia; seja adotando o comporta-
mento pretendido e com isso evitando o mal contido na ameaça, seja
preferindo a privação ameaçada, como preço do valor que preferiu pre-
servar. Vê-se que, mediante essas técnicas, o titular do poder quer criar
ou aplicar sua "oportunidade de obter obediência daqueles que a de-
vem".lo Exemplos de recompensas prometidas são: a) a permanência
do locatário no imóvel urbano por seis meses, com isenção do pagamento
das despesas processuais e condenação honorária, como compensação,
por reconhecer o pedido de despejo (nos casos que a lei prevê) e desocu-
par pontualmente o imóvel;ll b) isenção a despesas e honorários, à mas-
sa falida ou concordatário que deixa de resistir ao pedido de restituição
de bens.l2 Exemplos de privações ameaçadas: a) prisão do devedor por
alimentos; b) astreintes, multas pecuniárias impostas com o fito de ob-
ter a obediência ao ato estatal concreto de comando a fazer ou abster-se.
As sanções consistentes em ameaças de privação com vistas a obter
o cumprimento da sentença, em casos onde se cogita de prestação do
obrigado, constituem meio de evitar a execução forçada. A prisão do
devedor por alimentos e as astreintes não constituem meios executivos,
mas instrumentos de pressão psicológica. Trata-se daquilo que, em vir-
tude da equivalência funcional à execução, recebeu da doutrina a deno-
minação de execução indireta.l3 Chegado o momento em que já se es-
gotaram as esperanças de obter o adimplemento, considera-se que a
ameaça foi insuficiente, ou mesmo a privação efetivamente aplicada,
abrindo-se então caminho para a execução propriamente dita, onde os
resultados determinados pela ordem jurídica serão perseguidos sem qual-
quer consideração à vontade do obrigado (sub-rogação).
Quando o Estado age por sub-rogação, como na sentença constitu-
tiva e na execução fórçada, tem-se a substituição de outra vontade pela
sua, ordinariamente sem coerção sobre quem quer que seja, mas com
a auctoritas decorrente do seu poder, que torna inevitável a consecução
do resultado compatível com a ordem posta. Tem-se, com isso, o esta-
do de sujeição, imposto pelo Estado sem qualquer indagação quanto ao
10. A idéia de obediência, como venho dizendo, não é coessencial ao poder mas tam-
bém não fica excluída.
11. Cfr. lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, art. 61.
12. Cfr. L F, art. 77, § 7".
13. "Uma multa - disse Bertrand Russel -, não torna uma ação impossível, mas
apenas nada atraente" (Cfr. Opoder - uma nova análise social, p. 23). Discorri sobre
a execução indireta, como meio de pressão psicológica, na tese Execução civil (v. n. 9,
esp. pp. 78-79 - texto e nota 52).
18. Aqui, em nome do poder depol<*-*>cia a violência poderá ser e<*-*>ercida, sempre
que
indispensável para remover óbices ao interesse público, restringindo direitos e invadindo
a esfera de liberdade das pessoas (cfr. Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasi-
leiro, p. 104). Para o exercício da jurisdição (e não somente no exercício da jurisdiçào),
o juiz tem poderes para fazer valer a força, seja quanto a testemunhas faltantes (conduzi-
das a juízo com auxílio da força pública), seja quanto à disciplina nas audiências (polícia
das audiências), etc.
1. Cfr. Lasswell, apud Deutsch, Pol<*-*>tica e governo, p. 47.
2. Cfr. Deutsch, ib.
3. Cfr. Deutsch, ib. Em Kaplan-Lasswell tem-se que "a coaç<*-*>ão é o exercício da in-
fluência por ameaça de privaçào; a indução, por promessa de recompensa" (Poder e so-
ciedade, p. 132).
4. Afirma-se que essas colocaç•es pecam em face da lógica, porque: a) se a influên-
cia é uma categoria mais ampla, ela entào abrange o poder e outras formas de alterar a
situação ou a conduta das pessoas (ela seria o gênero a que o poder pertenceria); b) se
ela é forma moderada do poder, não pode abranger o próprio poder, como forma mais
radical.
5. Cfr. Dahl, A moderna análise pol<*-*>tica, p. 52; lembro também a ficçào do rei, de
Saint-Exupéry, que só dava ordens razoáveis aos corpos celestes, para poder ser obedecido.
JURISDIÇÃO E PODER 11 I
2. Cfr. Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, n.16, p. 30: "é possível consi-
derar o poder sob dois aspectos: ou como relaçào, quando se procede ao isolamento arti-
ficial de um fenômeno, para efeito de análise, verificando-se qual a posiçào dos que nele
intervêm; ou como processo, quando se estuda a dinâmica do poder''. O processo jurisdi-
cional, de que se preocupa a ciência processual, insere-se mesmo, decididamente, na "di-
nâmica do poder''.
3. "O pensamento estratégico nos diz como conseguir o que queremos; a consciên-
cia nos diz o que devemos querer" (v. Deutsch, PolrIica e governo p.16; "apresentaçào"
por Ingo Pl<*-*>ger). Transferindo essa distinçào para os propósitos deste estudo, tem-se
que
a "consciência" (que, no fundo, sào as "políticas", cscolha de objetivos) corresponde
à visão externa do sistema; e o "pensamento estratégico" conduz à "visào interna".
7. V. infra, n. 21. Mas Dahrendorf atribui uma funçào social positiva aos conflitos,
dizendo que "sào indispensáveis, enquanto um fator do processo universal social" (cfr.
As funç•es dos conflitos sociais, V, p. 7).
8. Cfr. infra, n. 28.3.
9. Cfr. Cappelletti, em obra recente cujo título já é sugestivo e antecipa a negativa
da suposta equiparação do juiz ao legislado: Giudici legislatori`! Ele diz: "a experiência
passada e presente parece indicar com bastante clareza que o que faz que um juiz seja
um juiz e que uma corte seja uma corte nào é a sua nâo-criatividade (e pois a sua passivi-
dade no plano substancial), mas (a sua passividade no plano processual, ou seja): a) a
conexào de sua atividade decisória com `cases and controversies' e, portanto, com as par-
tes de certos casos concretos", etc. (v. n. 11, pp. 64-65; v. também p. 71).
10. Não falei aqui do caráter substitutivo, que recebe ênfase na doutrina chioven-
diana. Nào parece que o seu autor pretendesse associar muito intimamente o caráter subs-
titutivo ao caráter secundário, ou muito menos assimilar o primeiro ao segundo (tanto
que indica caso de substituiçào em que visivelmente inexiste o caráter secundário; a sepa-
raçào judicial); (cfr. Principii, § 13, I, pp. 296-297). Quando escrevi a primeira ediçào
da Execução civil, há dezessete anos, fiz essa associação de modo que hoje considero in-
teiramente inadmissível (tanto quanto repudio o suposto caráter secundário da jurisdiçào:
v. supra, n. 5): cfr. Execuçâo civil, 1 <*-*> ed., n. 6, esp. p. 64. Pensando bem, no entanto,
a substitutividade dá-se mesmo naqueles casos em que a jurisdição é atividade primária,
13. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 7, pp. 66 ss., sobre o "caráter jurisdicional
da execução''.
1. Cfr. inicialmente, Cintra-Grinover-Dinamarco Teoria geral do processo, n. 68, p.
122: "falar em diversas jurisdições num mesmo Estado significaria afirmar a existência,
aí, de uma pluralidade de soberanias, o que não faz sentido; a jurisdição é, em si mesma,
tão una, indivisível, quanto o próprio poder soberano". Sobre a unidade do poder, afirma-
da com autoridade por Jellinek v. supra, n.15, nota 2. E tal é o pensamento moderno sobre
a jurisdiçào, em sua unidade. Mas em processualistas mais antigos, vemos o trato da `
`juris-
di ào civil e penal" ou "ordinária e especiais", conduzido a partir de premissa diversa, ou
seja, a partir da idéia de que realmente existissem "duas jurisdições" (e destas, com muita
naturalidade fala Chiovenda: cfr. Principü, § I5, pp. 324, ss.; § 17 p. 367). Liebman,
embo-
ra fale em "jurisdições" (plural) no plano de seu Manual, quando vai ao trato do assunto
conduz a redação sempre de um modo, em que se serite sempre a afirmaçào de que as
ativi-
dades jurisdicionais é que são distribuídas entre os diversos órgãos (v. nota seg.).
do isso tem o seu valor reduzido ante a consideração de que menos im-
porta encontrar o critério de distinção da jurisdição mesma em face das
demais atividades do Estado, do que a natureza e fundamentos comuns
a todas elas.
Como é sabido, a jurisdição voluntária aproxima-se da contencio-
sa em razão da semelhança das formas do seu exercício e da competên-
cia do juiz, como agente estatal independente e necessariamente impar-
cial. Mais ainda: tanto quanto a contenciosa, a jurisdição voluntária exer-
ce-se com vistas a alguma concreta situação de conflito a resolver e é
endereçada ao objetivo social último de pacificação (e esse é o mais re-
levante dos escopos da jurisdição).2 A grande diferença apontada pela
doutrina, entre ela e a contenciosa, reside nos escoposjurirlicos: segun-
do uma das conhecidas tendências doutrinárias, à jurisdição contencio-
sa incumbiria compor a lide, enquanto que a voluntária quer somente
similação não pode ser ocasional, pois revela algo muito verdadeiro, que
é a reunião de ambas na mesma categoria jurídico-processual.
Isso não significa que o due process of law se resolva em mera ga-
rantia de legalidade. O que importa é a estrutura de oportunidades e de
respeito a faculdades e poderes processuais, que a Constituição e a lei
impõem ao juiz que comanda o processo. A observância da lei torna-se
importante, nesse contexto, como meio de preservar o devido processo
via, faz afirmações que desencorajam essa interpretação, v. g.: a) "é pelo procedimento
que se revela o processo, através dos vários atos entre si coordenados" (ib., p. 61) (mas
como revelar-se empiricamente o processo mediante o procedimento, quando ele fosse
apenas o modelo?); b) "o procedimento, segundo assinalou Calamandrei, é o `aspecto
exterior do fenômeno processual"' (ib.) (mas como é o aspecto exterior, se o movimento
está no processo e o procedimento é apenas a fórmula para o movimento?); c) "o pro-
cesso é privativo da função jurisdicional" e "constitui erro metodológico, por isso mes-
mo, falar-se em processo administrativo, pois o que existe é o procedimento administra-
tivo" (ib., pp. 61-62) (mas como, se o movimento é que caracteriza o processo. e qual
seria a natureza do movimento, em sede administrativa?). Na realidade, J. F. Marques
expressava o pensamento predominante no tempo em que escreveu, quando a doutrina
não havia ainda chegado a idéias claras sobre o processo: como ele, v. também Amaral
Santos, Primeiras linhas, II, n. 368, pp. 67 ss., também invocando a lição tomista de
João Mendes Jr. E as idéias claras só vieram a partir de quando, com Benvenutti, passou-se
a perceber que o processo é uma entidade complexa, onde o procedimento é visto como
algo sensível, atrás do qual estão as posições jurídicas ativas e passivas integrantes da
relação jurídica processual; processo é, assim o procedimento animado pela relação pro-
cessual (cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 10, esp. p. 79, texto e notas 87-90<*-*> Cintra-
Grinover-Dinamarco, Teoria geral do processo, nn. 167 e 175, pp. 229 ss e 239 ss; as
idéias claras de Benvenutti estão in "Funzione amministrativa, procedimento, proces-
so", n. 2; v. ainda Fazzalari, Note in tema di diritto e processo, cap. III, n. 1, p. 110;
v. supra nn. 7-8).
constituído por essa estrutura.6 O alcance da cláusula vai além dos li-
mites do processo jurisdicional e por isso são freqiientes as afirmaç•es
de sua natureza extra-processual, ou substancial.<*-*>
No contexto processual bastante amplo afirmado pela doutrina mo-
derna,s dueprocess oflaw é mais que uma garantia: é "o conjunto de
garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercí-
cio de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispen-
sáveis ao correto exercício da jurisdição".9 Na sua redução mais sinté-
tica, é uma garantia de justiça e consiste no direito ao processo,lo ou
seja, direito ao serviço jurisdicional corretamente prestado e às oportu-
nidades que o conjunto de normas processuais-constitucionais oferece
para a defesa judicial de direitos e interess<*-*>s.
Isso não significa, também, que a estrita legalidade dos atos do pro-
cesso seja uma inerência do Estado-de-direito, nem que seja convenien-
te para os bons resultados do processo. A liberdade das formas, deixa-
da ao juiz entre parâmetros razoavelmente definidos e mediante certas
garantias fundamentais aos litigantes é que, hoje, caracteriza os proce-
dimentos mais adiantados.<*-*>l Não é enrijecendo as exigências formais,
num fetichismo à forma, que se asseguram direitos; ao contrário, o for-
malismo obcecado e irracional é fator de empobrecimento do processo
e cegueira para os seus fins.lz No processo civil brasileiro, temos a pro-
messa da liberdade das formas em normas programáticas dos dois su-
cessivos Códigos de Processo Civil nacionais, mas só a promessa: am-
bos foram tão minuciosos quanto à forma dos atos processuais (aliás,
segundo os tradicionais modelos europeus) que com segurança se pode
6. Pesquisa levada a efeito por Antonio Roberto Sampaio Dória mostra o ceticismo
do juiz norte-americano Frankfurter quanto à possibilidade de definir o conteúdo da cláu-
sula, expresso nessas palavras: "due process não pode ser aprisionado dentro dos trai-
çoeiros lindes de uma fórmula... due process é produto da história, da razão, do fluxo
das decisões passadas e da inabalável confiança na força da fé democrática que professa-
mos" (cfr. Sampaio Dória, Direito processual tributário e dueprocess oflaw<*-*>, n. 12,
esp.
p. 33).
7. Mas v. Sampaio Dória, op. cit., n. 5, pp. 12 ss.; n. 7, pp. 18 ss.
8. V. supra, nn. 7-8, pp. 63 ss.
9. Cfr. Cintra-Grinover-Dinamarco, Teorta geral do processo, n. 36, p. 75.
10. Cfr. Ada Pellegrini Grinover, Osprincipios constitucionais e o Código de Pro-
cesso Civil, S. Paulo, Bushatsky, 1975, n. 4, p. 11; n. 5, esp. p. 18.
11. Cfr. Luhmann, Legitimação pelo procedimento, p. 38: os procedimentos mo-
dernos não são tão fortemente dominados pela idéia ritualística, como os primitivos. É
muito mais difícil realizar um procedimento em regime de liberdade formal (que absoluta
nunca é), porque passa do legislador para o juiz o encargo de medir e conformar os atos
segundo os grandes princípios e garantias constitucionais, observando-os sempre sem a
comodidade de um modelo diante de si. Sobre a grande liberdade deixada pela Lei das
Pequenas Causas ao juiz (cfr. Dinamarco, Manual das peQuenas causas, n. 1, pp. 2-3).
12. V. infra, nota 33.
15. Cfr. Tarzia, "Parità delle armi tra le parti e poteri del giudice nel processo civi-
le'', passim.
18. Refiro-me, naturalmente, apenas aos procedimentos que ao fim produzem pro-
vimentos. Cfr. Dinamarco, "O princípio do contraditório", esp. n. 47, p. 90. Quando
tem aplicação o efeito da revelia, isso significa que o réu renunciou à participação,
tratando-
se de litígio que, pela natureza substancial do fundamento da demanda comportava dis-
posição de direitos (então, à necessária informação dada ao demandado, bastava seguir
a reaçãopossivel: cfr. Dinamarco, ib. n. 51, pp. 95 ss.; v. também Execução civil, n.10.1,
esp.106). Nos casos de medidas concedidas inaudita alteraparte, o contraditório vem de-
pois e elas são concedidas antes em atenção à urgência de situações excepcionais (pericu-
lum in mora), sendo que seria um contra-senso cultuar tanto o contraditório, como valor
absoluto, mesmo ao preço consistente em imolar direitos.
apenas o aspecto visível do processo, ele, no fundo, não tem o seu pró-
prio valor, mas g.valor das garantias que tutela. O direito ao procedi-
mento, que as partes têm e é solenemente assegurado mediante a cláu-
sula due process of law,z4 em substância é direito aos valores proces-
suais mais profundos e notadamente a participação em contraditório.
positura da ação civil pública, esse inquérito deve ser visto como penhor da liberdade e
da preservação dos direitos das pessoas contra medidas que, seriam açodadas e mal pre-
paradas sem esse meio adequado de instruçâo prévia.
27. Cfr. Carnelutti, Istituzioni, I, n. 281, pp. 263-264; v. também Fazzalari, Note
in tema di diritto e processo, p. 94; Dinamarco, Execução civil, n. 10, pp. 93 ss.
30. Cfr. Dinamarco, "O princípio do contraditórco", n. 51, pp. 95 ss.; e essa é uma
manifestação do caráter instrumental do processo, visto como o seu modo de ser fica in-
fluenciado, em cada caso, pela natureza jurídico-substancial do fundamento da demanda.
31. Cfr. Tarzia (supra, nota 15). Ada P. Grinover entende que a igualdade é ineren-
ce ao contraditório, tanto que, segundo ela, o fundamento constitucional do contraditó-
rio no processo civil seria (na ordem constitucional anterior) a garantia constitucional da
igualdade (cfr. Os principios constitucionais e o Código de Processo Civil n. 9. I, pp. 89-
94).
Na realidade, parece que contraditório e igualdade constituem duas idéias diferentes, se
bem andem paralelas e se acompanhem reciprocamente: é imaginável algum sistema pro-
cessual com mínima participação de ambos os sujeitos, porém tratados eles em nível de
igualdade; inversamente, algum sistema muito participativo, mas atribuindo a um deles
participação mais acentuada que o outro. Politicamente nem uma solução convém, nem
a outra. Por isso é que se fala em contraditório equilibrado. Esse equilíbrio é mantido
por diversas soluções de ordem técnica, seja na lei ou na prática diuturna dos juízos e
tribunais; a participação do Ministério Público em prol de incapazes (CPC, art. 82, inc.
I), é uma inequívoca manifestação do empenho da lei em equilibrar o contraditório.
32. Sobre o significado sistemático da máxima pas de nuClité sans grief, v. supra,
nota 16.
33. Como procurador de Justiça, emiti parecer nesse sentido e teor, no ano de 1978;
depois, escrevi pequeno artigo sobre o tema: "Julgamento antecipado da lide após a perí-
cia". Em sentido rigorosamente oposto, v. TJRJ, 5<*-*> C. Civ., ap. 22.661, reg. 5.9.82,
rel.
Cláudio Lima, v. u., ADV 21.2.83, p. 108, em 8.433; mas o que digo tem inteiro apoio
na brilhante sustentação de Galeno Lacerda quanto à relatividade do valor das nulidades
processuais (v. supra, nota 16).
34. Cfr. Liebman, "O despacho saneador e o julgamento do mérito", n. 5, esp. p.109.
35. CPC, art. 330; no sentido do texto e com a mesma ordem de preocupaç•es cfr.
Grinover, "Julgamento antecipado da lide e direito ao processo", esp. p. 137.
outros motivos, sempre que o juiz antecipar o julgamento sem ser rigo-
rosamente o caso de fazê-lo, a nulidade da sentença como ato do proce-
dimento será e<*-*>eito da violação que haja sido praticada contra a garan-
tia do contraditório. Há, portanto, um dirEito ao procedimento, que é
direito à participação e que coincide por inteiro com o já denominado
17. Legitimidade
ralizada para aceitar decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites
de tolerância" (p. 30). Entre nós, José Eduardo Faria define a legitimidade do poder co-
mo "grau de aceitação dos sistemas políticos e dos ordenamentos jurídicos" (Poder e le-
gitimr'dade, p. 58). E diz Dallari: "a coletividade deve reconhecer seus liames com o po-
der, manifestando o seu consentimento. É indispensável, para que se reconheça e se man-
tenha a legitimidade, que haja convergência das aspiraç•es do grupo e dos objetivos do
poder. Em condusào: poder legitimo é opoder consentido" (cfr. Elementos de teoria ge-
ra! do Estado, n.19. esp. p. 39). Afirma-se que a necessidade do poder é poderoso fator
legitimante (cfr. Dallari, ib., n. 20, a; Faria, ib.).
4. Cfr. Faria, Poder e legitimidade, p.16: "o problema da legitimidade da norma
constitucional" (é claro que, se legitimidade fosse somente a compatibilidade com a nor-
ma de grau superior, não se poderia sequer colocar o problema da legitimidade da norma
constitucional, que é suprema e constitui positivaçâo do poder "originário").
5. Cfr. Faria, op. cit., p. 59. É por isso que as Constituições brasileiras afirmam
que "todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido" (v. Const., art. 1<*-*>, par.
ún.). Perde-se um pouco a noção (ou, talvez somente a lembrança) da base popular do
poder, quando se trata da jurisdição. Isso é devido, especialmente em sistemas como o
nosso, em que os juízes são recrutados por critérios outros que não o da eleição popular,
à independência dos juízes e seu afastamento das base<*-*>. Mas também o poder dos
juízes
"emana do povo e em seu nome é exercido". A forma de sua investidura é legitimada
pela compatibilidade com as regras do Estado-de-direito e eles sào, assim, autênticos
agentes
do poder "popular", que o Estado polariza e exerce. Na Itália, isso é constantemente lem-
brado, porque toda sentença é "dedicada (intestata) ao povo italiano, em nome do qual
é pronunciada" (cfr. Liebman, Manual, n. 190, II, p. 243 trad.; cfr. CPC, art. 132).
"a função legitimadora do procedimento não está em se produzir consenso entre as par-
tes, mas em tornar inevitáveis e prováveis decepções em decepções difusas" ("apresenta-
çào" de Legitimaçào pelo procedimento, de Niklas Luhmann, p. 4).
12. Como se disse, a necessidade do poder é fator legitimante do poder mesmo. Acen-
tua Faria que o problema da legitimidade surgiu com a implantação do governo "indire-
to" nas "comunidades antigas" e que "a herança do pensamento clássico parece ter sido
a consciência da necessidade, em termos de legitimidade do sistema político, de uma cor-
respondência com as necessidades públicas de um lado e com os preceitos éticos do hu-
manismo, de outro" (cfr. Poder e legitimidade, pp. 62, 59). Sabe-se que a populaçào lan-
ça mão, com boa freqüência, de soluções alternativas, evitanto o recurso ao serviço juris-
dicional do Estado; sabe-se, também, que boa parte das insatisfaç•es não são trazidas
ao conhecimento do Poder Judiciário, em virtude da descrença nele: é a "litigiosidade
contida", de que diz Watanabe, "Filosofia e características básicas do Juizado especial
de pequenas causas", n. 2, esp. p. 2; fala Barrios de Ángelis no homem "indiferente, re-
signado ou inibido", em confronto com o "murmurador, queixoso, rebelde, denuncian-
te, reivindicador ou cumpridor direto do seu dever judicial" (cfr. Introdución al estudio
delproceso, n. 5.6.5, esp. p. 58) (v. infra, nn. 21-22). Esses dados empíricos e essas atitu-
des passivas, contudo, significam somente que o grau de legitimidade da Justiça em dado
momento histórico e no lugar considerado, é menor do que se desejaria que fosse, sem
porém que deixe de existir a legitimidade e sem que passe a ser ilegítimo o poder em si
mesmo.
13. Cfr. Niklas Luhmann, Legitimação pelo procedimento, p. 71.
çjg
credores (conceituado veículo de comunica ão ornalística che ou a ta-
char o Poder Judiciário, sob esse prisma, de refúgio da impunida-
de");<*-*>6 e, o que desgasta ainda mais o sistema processual e concorre
com muito peso para a menor confiança nele, vale-se o p<*-*> óprio governo
dessa relativa ineficiência, para fins igualmente imorais. Por outro la-
do, a falência do sistema repressivo, com a liberalização nos juízos pe-
nais até mesmo em função da insuficiência dos presídios, tem concorri-
do em muito para a generalizada impressão de uma grande impunidade
dos delinqüentes mais perigosos (ainda recentemente, recebeu a popula-
ção com grande desagrado e renovado sentimento de insegurança a ino-
vação imposta por um juiz que determinara a ilegal soltura provisória
de criminosos convertidos a determinada confissão religiosa). Profun-
do sentimento nacional de frustração cercou também a impunidade as-
segurada, ainda no período de excepcionalidade política, aos envolvi-
dos nos espisódios Baumgarten, Capemi e Rio-Centro; e o inconformis-
mo generalizado estava agravado, nesses casos, pelo repúdio da naçáo
ao próprio sistema político-militar garantidor da impunidade.
20. Daí a legitimação como "promessa" da oferta de vantagens, ainda que a custo
de sacrifícios individuais e sociais.
PAR<*-*>'E SEGUNDA
A INSTRUMENT<*-*>IDADE
DO SISTEMA PROGESSUAL
IV
ESCOPOS DA JURISDIÇ'ÃO
E INSTRUMENTALIDADE
18. Processo, escopos, instrumentalidade; 19. Os escopos da jurisdição; 20.
Relatividade socia! e pohtica.
1. Cfr. Habscheid, "As bases do direito processual civil", n.1, esp. p.119: em síntese
diz que a visão dos escopos do sistema processual se reflete na estrutura do processo civil
(e v. infra, nn. 23, 25, 30 e 31, sobre a técnica processual em face dos escopos indicados).
6. Cfr. Zanzucchi, Diritto processuale civile, I, pp. 6 ss., indicando as "diversas teorias
sobre o conceito de jurisdição" e incluindo entre elas naturalmente, aquelas mais "indi-
vidualistas". Cfr. ainda Dinamarco, nn. 35-36, pp. 58 ss. Tem-se por pandectismo o mé-
todo consistente em aplicar "ao direito público a ordem conceitual elaborada pela pande-
tística para o direito romano" (cfr. Denti, Processo <*-*>ivile e giustizia sociale, p. 17).
7. Cfr. Liebman, "Norme processuali nel codice civile", n.1, esp. pp.155-157; Vi-
digal, "Escopo do processo civil", n. 9, p. 13.
152 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
2. Cfr. Dallari, Elementos de teoria geral do Estado n. 52 p. 94. Como ele, tam-
bém Rawls distingue o bem-comum do bem-estar (Uma teoria da justiça, p. 27).
4. Cfr. Bagolini, Vrsioni della giustizia e senso comune, pp.182-183: "em vão fo-
ram e são as tentativas de dar fórmulas práticas e regras que sirvam efetivamente como
guia de ação e que ao mesmo tempo sejam a expressão de uma idéia absoluta e incondi-
cionada dejustiça, correspondente a uma essência universal e imutável''. E diz que talvez
a justiça fosse representada pela igualdade, "mas esta é também um conceito vazio, que
se presta para tendências políticas diversas" (pp.184-185). Rawls fala nos princípios da
liberdade e da igualdade (cfr. Uma teoria da justiça pp. 67 ss.).
Mas é certo que, não obstante esses descontos, tem-se como missão
permanente do Estado a busca do bem comum e, como dever inaliená-
vel a ser cumprido através do exercício do poder, a prática da justiça.
Pela visão tradicional da justiça e do proces<*-*>o, à moda do Estado libe-
ral oitocentista e da processualística das primeiras décadas deste século,
no fazer cumprir a lei exauria-se a idéia de promover justiça mediante
o exercício da jurisdição; e o processo achava-se já então dissociado do
pensamento social do tempo, mas a mais autorizada voz doutrinária,
presa daquele espírito conservador que despia o sistema processual de
qualquer vestimenta ideológica (o neutralismo ideológico), encarava a
situação com surpreendente fatalismo, ao preconizar que se procurasse
"na própria natureza do processo a causa primeira do distanciamento
entre as normas processuais e a vida, da sua refratariedade a assumir
o espírito do tempo".6
O que mudou de lá para cá, na mentalidade do processualista, foi
a sua atitude em face das pressões externas sofridas pelo sistema proces-
sual: ele quer que o processo se ofereça à população e se realize e se en-
derece a resultados jurídico-substanciais, sempre na medida e pelos mo-
dos e mediante as escolhas que melhor convenham à realização dos ob-
jetivos eleitos pela sociedade política. Como escopo-sintese da jurisdi-
ção no plano social, pode-se então indicar ajustiça, que é afinal expres-
são do próprio bem comum,<*-*> no sentido de que não se concebe o de-
senvolvimento integral da personalidade humana, senão em clima de li-
berdade e igualdade. Sendo variáveis a dimensão e o conceito que em
situações políticas diferentes se ligam a esse<*-*> atributos,g dizer isso qua-
se significa nada esclarecer e talvez essa colocação servisse, em alguma
medida, a uma boa variedade de regimes políticos distintos entre si.
Na determinação dos fins do Estado e (conseqüentemente) dos es-
copos da jurisdição é indispensável, por isso, ter em vista as necessida-
des e aspirações do seu povo, no tempo presente. Entra aí, dessa forma,
o elemento cultural, a determinar concretamente os conceitos de bem
21. Pacificar com justiça; 22. Educaçào; 23. Escopos sociais e técnicaproces-
sual.
22. Educação
9. Sobre a segurança jurídica como escopo processual, v., por todos, Habscheíd,
"As bases do direito processual civil", n. 2, b, esp. p.122; trata-se de afirmaçâo corrente
e moente na doutrina.
1. Alude Roberto Berizonce à "ignorância do direito e do sistema de justiça, erigi-
dos em terríveis obstáculos que se opõem ao acesso à justiça", assim como à conseqüente
"série infindável de carências e obstáculos, resumidas no desconhecimento do direito, de
que padecem as grandes massas" (cfr. Efectivo accesso a la justicia, cap. VIII, esp. p.
129). Tais são os males a serem debelados, inclusive, mediante o correto e difundido exer-
cício da jurisdiçào.
6. Sobre a educação para o pensamento e para a ação socialistas, como escopo polí-
tico (e não social) nos países socialistas, v. supra, n. 3; infra, n. 24.
vr
ESCOPOS POLITICOS
4. Cfr. Lafer, O Brasil e a crise mundial, p. 20; v. também Orestano, "Azione: sto-
ria del problema", n. 4, p. 21 ("direito público, entendido como conjunto de normas de
organização do ordenamento político", etc.).
5. Agora, o lavor educativo realizado através do processo dos povos socialis<*-*>as não
se dirige (como no enfoque dado em parte anterior: v. supra, n. 22) (somente) a conscien-
tizar direitos e obrigações, mas também a promover o regime socialista (v. supra, n. 3).
Ali, existe o fim de "salvaguardar o sistema social e estatal da URSS", assim como o de
proteger direitos individuais (Gurvich, Derecho procesal civil soviético pp. 7-8). O pro-
cesso é, em outras palavras, "instrumento de ação política" (Barrios de Angelis, Intro-
ducción al estudio delproceso, n. 5.9.3, p. 64); "os países socialistas utilizam o processo,
não só como forma de afirmar princípios legais, mas também como oportunidadepropa-
gandistica, favorável à construçâo do socialismo. Não se esquecem os juízos em recinto
aberto, com evidente propósito proselitista" (id., ib. p. 65). Extinta a União Soviética
como realidade política e repudiado o socialismo radical, aguardam-se agora as inovações
constitucionais compatibilizadoras.
1. V. supra, n. 2.
2. Cfr. Watanabe, Controlejurisdicionalemandadodeseguranga, pp. 93 ss.: relata
a evolução doutrinária e jurisprudencial acerca da admissibilidade do writ contra atos de
jurisdição, inclusive no seu relacionamento com os vetos contidos nas Súmulas 267 e 268
do Supremo Tribunal. O mandado de segurança não se tornou sucedâneo perfeito dos
recursos, mas os substitui com vantagem e lhes reforça a capacidade de afastar injustiças
e a eficácia de decisões. É a ordem constitucional reagindo contra lesões a direitos líqui-
dos e certos a que a ordem legal não estaria sendo capaz de dar a devida proteção. A pro-
pósito do tema disse Calmon de Passos: "a teoria do mandado de segurança contra atos
jurisdicionais tem que assentar, como a do mandado de segurança em geral, em três no-
ções básicas: a de ilegalidade ou abuso de poder na atividade jurisdicional do magistrado;
a de direito, relacionado com o processo e o conjunto de atos que o constituem, resultado
do exercício das faculdades que integram as situações de vantagem dos sujeitos; e, por
último, a de liquidez e certeza desse direito" (cfr. "Do mandado de segurança contra atos
juxisdicionais: tentativa de sistematização nos cinqüenta anos de sua existência", n. 12,
p. 52). Até mesmo contra sentença passada em julgado, não se exclui por completo a ad-
missibilidade do writ.
3. Discutiu-se sobre isso há tempos, inclusive mediante um desvio de perspectiva con-
sistente em colocar o problema como se fosse de legitimatio ad causam, quando ele real-
mente se situa no campo pertinente ao quesito da adequação (fator relacionado com o
interesse de agir).
4. V. supra, n. 4.
ESCOPOS POLITICOS 173
6. V. supra, n. 3. Cfr. Habscheid "As bases do direito processual civil" n.1, pp.
118-119. Fala-se com muita ênfase também na preservação da ` `legalidade soviética'', que
é o meio para assegurar o culto aos princípios políticos eleitos e consagrados na lei: cfr.
Gurvich, Derecho procesa! civil soviético, pp. 8, 28 ("o princípio inquebrantável da lega-
lidade na administração da justiça"), etc.
7. Cfr. Gurvich, op. cit., p. 45: legitimação do interessado, do promotor, de orga-
nismos de administração estatal, das empresas, dos "koljoses" "e outras organizações
venção do Ministério Público não tem esse sentido, ainda quando ele
vem, como se costuma dizer, como mero custos legis; impele-o o zelo
por certos valores sociais de natureza familiar, econômica ou mesmo po-
lítica, expressos na fórmula interesse público - mas sempre a partir do
pressuposto democrático da plena independência intelectual e ideológi-
ca do promotorjustitiae, ou seja, sem qualquer prévio direcionamento
político estereotipado.s
Na visão mais ampla das projeções jurídicas do fator político do
processo, permitida pela afirmação do escopo de assegurar a autorida-
de do próprio Estado e do seu ordenamento jurídico-substancial, chega-se
a uma série grande de observações, que se situam no plano da crescente
publicização do sistema processual.9 Talvez a mais abrangente delas seja
a de que constitui preconceito privatista e individualista a crença e gene-
ralizada afirmação do caráter secundário da jurisdição. Ela é o próprio
poder do Estado, exercido com vistas aos seus fins institucionais e à sua
manutenção como superestrutura da sociedade. É do interesse primário
do Estado. O que acontece é que, em muitas matérias não-penais, tem-
se como correspondente à vida normal dos direitos (sua "fisiologia")
o desenvolvimento de todo o ciclo vital independentemente da intromis-
são estatal autoritativa; só nos casos "patológicos" é que, insatisfeita
uma das pessoas, vem ela a provocar o exercício da jurisdição. Será se-
cundária a atividade jurisdicional, nesses casos, no sentido de que reser-
vada para as hipóteses ` `patológicas''. Nos casos em que nada se espera
ou permite aos indivíduos para a realização dos objetivos, nem nesse
sentido se pode afirmar o suposto caráter secundário essencial à jurisdi-
ção (ações constitutivas necessárias, pretensão penal punitiva).lo
Por outro lado, o fato de a jurisdição não ser em princípio exercida
de-ofício não é significativo da preponderância do interesse individual
sobre opolítico do Estado: este não a exerce no interesse exclusivo nem
mesmo preponderante das parte<*-*> ou do demandante, nem o faz com sa-
crifício de interesse seu, como quem cumpre uma obrigação. É a partir
cooperativas e sociais ou dos cidadãos nos casos em que, com base na lei, possam dirigir-
se ao tribunal em defesa dos direitos e interesses de outras pessoas". E mais: "o direito
processual civil soviético é uma ciência partidária. Serve para a construção do con:unis-
mo" (p. 25). Que será dessas idéias agora que extinta se acha a U.R.S.S.?
8. V. lei compl. n. 40, de 14 de dezembro de 1981, art. I<*-*>: ele não representa o Esta-
do pro domo sua, mas pro societate, sendo responsável "pela defesa da ordem jurídica
e dos interesses indisponíveis da sociedade", etc. Sobre a posição do Ministério Público
no processo, sua imparcialidade, etc., cfr. Calmon de Passos, "Intervenção do Ministério
Público nas causas a que se refere o art. 82, III, do Cócügo de Processo Civil", nn.12-14,
pp. 86-88; v. ainda Cintra-Grinover-Dinamarco, Teoria geral do processo, nn. 122 ss.,
pp. 178 ss.
9. Cfr. supra, n. 5.
10. Cfr. supra, n. 5.
11. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 14, pp. 188 ss., bem como bibliografia ali
citada. A afirma ão da ação como direito público subjetivo (cfr. Grinover, Direito de açâo,
nn. 21-26, pp. 45 ss.) tem muito mais significado político do que técnico-jurídico, ou seja:
trata-se de fórmula ligada à generosa preocupação pela inafastabilidade do controle juris-
dicional no Estado-de-direito, sendo a ação uma garantia destinada a assegurar o acesso
a ordem jurídica justa. Se fosse válido determinar a natureza jurídica do instituto só por
isso, sê-lo-ia, no máximo, quanto à ação civil: a penal pertence à acusação e não visa à
presevação do direito em jogo no processo crime (a liberdade), mas precisamentpao con-
trário, isto é, à imposição de restrição a ele (cfr. Dinamarco, Fundamentos do rocesso
civil moderno, n. 36, pp. 62-64; supra, n. 9).
v Ir
O ESCOPO JURIDICO
26. O problema
ção da causa, mas nem sempre é lembrado que na execução também exista instrução, não
para a prova, mas para a predisposição das coisas para a satisfação da vontade concreta
do direito: cfr. Dinamarco, ib., pp. 94 ss.; Tarzia, "I1 contraddittorio nel processo esecu-
tivo'', passim).
5. No máximo, ter-se-ia resposta para indagações acerca dos resultados do proces-
so, entendido este como instituto de direito processual (o procedimento em contraditó-
rio); não quanto ao processo, como sistema processual (nem, obviamente, quanto ao es-
copo da jurisdição).
6. Habscheid, dando visão de conjunto quanto a comunicações dos relatores nacio-
nais sobre o tema no Congresso de Gand (1977), fala de uma corrente definindo "o esco-
po do processo civil como puramente processual"; refere a opinião de James Goldsch-
midt (v. supra, nota 1) e diz que "não há relação de fins para meios, entre a autoridade
da coisa julgada e o processo" (cfr. Habscheid, "As bases do direito processual civil",
n. 2, b, pp. 121-122).
7. Cfr. Liebman, Efficacia ed autorità della sentenza, esp. § 3", pp. 37 ss.
8. Referência e crítica a essa colocação, v. in Goldschmidt, Principios generales, n.
14, esp. p. 40.
3. Const., art. 5<*-*>, inc. XXXV; CPC, art. 4". Tais dispositivos correspondem a uma
visão plana do ordenamento jurídico, contra que me insurjo (cfr. Dinamarco, Fundamentos
do processo civil moderno, nn. 141-142, pp. 259 ss.).
4. CC, art. 75.
5. CC, art. 76.
6. Cfr c.c., arts. 2.643 ss.; cfr. Liebman, "Norme processuali nel codice civile",
n. 1, pp. 155-157.
7. Falando em "insuficiência", diz-se somente que, sem o processo, falha às vezes
a eficácia da norma substancial, sem que fique ela privada de vigência (v. Faria, Poder
e legitimidade, p. 105); o que digo aqui não colide com o que está no n. 28.5.
8. Cfr., ainda, Barrios de Ángelis, Introducción alestudio delproceso, n. 5.5.1, p. 50.
9. V. infra, n. 28.2.
- a ossibilidade jurídica", n. 7, esp. p. 62; v. também n. 12, esp. p. 66). Precisa ser
dito que o arquiteto da doutrina que inclui a possibilidade jurídica entre as condições da
ação (notoriamente, Liebman) jamais aderiu à teoria da asserção. Ele diz sempre sem
ressalvas, que "a ausência de apenas uma delas já induz carência de ação podendo ser
declarada, mesmo de ofício em qualquer grau do processo" (Manual de direito proces-
suaC civil, I, n. 74, esp. p.154 trad.; v. ainda "L'azione nella teoria del processo civile"
n. 6, pp. 46-47); sintomática também é a proposta que fez, em artigo escrito no Brasil
ainda na vigência do Código de 1939 da realização de uma audiência especial destinada
ao esclarecimento de fatos relacionados com as condições da ação (cfr. "Novamente so-
bre a legitimação das partes", p.153). A respeito da problemática da teoria da asserção,
tiam, que embora não seja realmente prova (mas elemento formal do
ato) a ela se assemelha e com ela é muitas vezes confundida -,ls tudo
isso somado tem produzido uma aproximação tão grande entre os dois
planos do ordenamento jurídico, que esse também se apresenta como
si nificativo ponto de estrangulamento a ser considerado nas reflexões
a érca da própria divisão do ordenamento em diferentes patamares.
A disciplina da responsabilidade patrimonial, ou executiva, tem si-
do objeto de intensa e indevida assimilação nos quadrantes do direito
substancial (privado), especialmente por conta de duas de suas manifes-
tações, a saber: a hipoteca e afrauspauliana. Por definição e a desti-
nação insLitucional, responsabilidade, nesse sentido, é a aptidão que os
bens inte rantes do patrimônio de alguém, ou a universalidade desse pa-
trimôni gtenha a responder por obrigaçôes; em outras palavras, é a ap-
tidão a vir ao estado de sujeição às medidas executivas.
20 Se isso fosse
sempre lembrado e dessa colocação se tirassem rigorosamente todas as
conseqüêricias, a hipoteca cessaria definitivamente de ser incluída entre
os <*-*><*-*>direitos reais de garantia", porque ela s<*-*> traduz, em última análise,
17. O Códi o Civil italiano inclui dispositivos sobre a prova, em seu conhecido Li-
vro VI, sobre a gtutela dos direitos". A propósito, dirigiu Liebman aguda reprovação
ao le islador de sua terra, dizendo que, antes de preocupar-se com o modo de sistematizar
tais disposições no Código Civil, ele devia "propor a si próprio o quesito primeiro e fun-
damental, que diz respeito à sua natureza intrínseca, perguntando-se se havia motivos su-
ficientes para mantê-las em tal código" ("Norme processuali nel codice civile", n.1, pp.
156-157). A exposição de motivos do Código Civil havia faladp em "certos institutos bi-
frontes, que constituem como que a ponte de passagem enLre o rocesso e o direito". Lieb-
man mostrou que nada há de "bifronte" nesses institutos e "a sua disciplina...pertence
toda inteira ao direito público" (ib., n. 2, esp. p. 158).
18. Cfr. Carnelutti, La prova civile, n. 24, esp. 135: "a escritura por causa desse
seu caráter de permanência, cumpre não só a função de manifestação ,da vontade, mas
ainda a de certificação dessa mesma vontade''. A distinção é hoje ponto bastante esclare-
cido na doutrina.
19. É notória a distinção entre Schuld e Haftung, proposta por Brinz, para quem
a responsabilidade se apresenta como o momento real da obrigação (é o dever de permitir
a satisfação do credor). Tal formulada, essa teoria pecou por não c <*-*>nsiderar a
existência
de dois planos no ordenamento jurídico (o substancial e o processual atribuindo aos dois
fenômenos a mesma natureza, jurídico-substancial (v. Brinz, Lehrbuch der Pandekten,
, § 206, pp. 1-2). Mas a teoria foi depurada pelo gênio de Carnelutti (cfr. "Diritto e
I rocesso nella teoria delle obbligazioni" n.19; Lezioni, V n. 440) e assim foi aceita por
P <*-*> , pp. 32 ss.' n. 35i5 P 8 <*-*>ber ó dó Reis (proo
Liebman (v. Processo de execu ão, n.14
concurso de credores no processo de execução, nn. 4-12 PP<*-*>ução civil, n.11, esp. pp .
131
cesso de execução, nn. 9-10, pp.13-22) e Dinamarco (Exe
21. Tal é a tese de Carnelutti (v. "Natura giuridica dell'ipoteca", passim), aceita
por Liebman (cfr. "I1 titolo esecutivo riguardo ai terzi", n. 11; Processo de execução,
n. 36, p. 86), Carnacini (Contributo alla teoria delpignoramento, p. 262), Machado Gui-
marães (Comentário ao Código de Processo Civil, IV, n. 59), Amílcar de Castro (Comen-
tários ao Código de Processo Civil, VIII, n. 135, p. 94), Dinamarco (Execução civil, n.
11, esp. p.139, nota 204). Mas J. F. Marques considera esse entendimento uma hipertro-
fia processualista (Instituições, cit., V, n. 1.274, p. 220).
22. A tendência, hoje, é no sentido de incluir afrauspauliana no quadro das causas
de ineficácia: cfr. Liebman, Processo de execução, n. 44, esp. p. 106; Alvino Lima, A
fraude no direito civil, n. 20, pp.114-116; n. 55, pp.183-186; Nelson Hanada, Da inso!-
vência e suaprova na ação paullana, n. 80, esp. p. 52; Dinamarco, Execução civil, n.11.1. I,
pp.142 ss.; "Fraude contra credores alegada nos embargos de terceiro", n. 281, pp. 426
ss. Na doutrina italiana, é clássica a obra de Butera (Dell'azionepauliana o revocatoria),
em que enumera pontos de distinção entre a ação revocatória (pauliana) e a de nulidade
(v. esp. n. 23, p. 53). Sustento que o bem alienado ou gravado em fraude a credores sai
efetivamente do patrimônio do devedor e, conseqüentemente, sai do círculo dos bens que
respondem por suas obrigações; a ação pauliana é constitutiva e a sentença que a acolhe
desconstitui somente esse efeito secundário do ato de disposição, ou seja, ela repõe o bem
sob responsabilidade patrimonial, mas sem repô-lo no patrimônio do alienante (trata-se
de ineficácia relativa, porque favorece só aos credores que já o eram antes do negócio
fraudulento; e sucessr'va, ou "eventual", porque o negócio se mantém integralmente efi-
caz até que sobrevenha sentença desconstituindo o efeito lesivo ao terceiro: cfr. meu estu-
do "Fraude contra credores" cit., passim). Com essa colocação, chega-se sem trauma à
pubicação do instituto nos quadrantes do direito processual, uma vez que se trata somen-
te de subtrair ao negócio jurídico parte da sua eficácia, e precisamente essa parte de eficá-
cia que se refere à responsabilidade do bem alienado ou gravado fraudulenxamente (a efi-
cácia jurídico<*-*>substancial do negócio é mantida, mesrno em relação aos credores).
23. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 1, esp. pp. 19-20.
24. A actiopauliana sucedeu ao interdictumfraudatorium, em época indetermina-
da para a repressão da fraus creditorum, que se incluía entre os "delitos pretorianos"
(cfr. Correia-Sciascia, Manual de direito romano, § 122, pp. 336-337).
26. Outros pontos em que se manifestam dúvidas quanto ao tratamento devido são
os representados pela prescrição, pretensão (fantasma sobrevivo da actio romana) e direi-
to natural; a sólida visão dualista do ordenamento jurídico e consciencioso afastamento
de preconceitos sincretistas (v. supra n.1) concorreria para a melhor visão desses institu-
tos e depuração, na sua teoria, de tudo aquilo que de incompatível com as conquistas da
moderna ciência do processo tem sido dito.
1. Aqui, torno ao que antes dissera sobre a importância desse quesito metodológi-
co, salientando que, acima da bondade da tese escolhida, importa a escolha em si mes-
ma, sem a qual não há como situar-se o processualista diante do objeto da sua própria
ciência: "o importante não é a utópica concordância de todos sobre os problemas cientí-
ficos do direito, mas a coerência com que cada um sustenta os próprios pontos-de-vista;
e essa coerência não se atinge se não houver uma diretriz constante na apreciação dos
diversos institutos em particular" (v. "Fundamentos do processo civil moderno", n. 26,
esp. p. 37). Essas palavras vêm de um escrito bastante antigo do ano de 1970 ("Refle-
xões sobre direito e processo"). Agora, como se vê no texto a seguir, mantido embora
o pensamento "dualista" (teoria dualista do ordenamento jurídico), a ele são opostas
diversas ressalvas, na tentativa de chegar tão próximo quanto possível à realidade (em
certo sentido, proponho um grau de "relativização" do contraste entre a teoria dualista
e a unitária).
2. Cfr. Fazzalari, Note in tema di diritto eprocesso, n. 11, pp. 31 ss.; n. 12, pp.
36 ss.
3. Cfr. Fazzalari, Note cit., n.12, pp. 36 ss., no entanto o qual examina as diversas
fases do direito romano e conclui: "definitivamente, parece-me que também no ordena-
mento romano se encontra sempre a distinção entre direito e processo" (p. 45).
4. Mas são duas coisas diferentes: a) a projeção do julgamento para o futuro, me-
diante a vinculação da ordem jurídica ao holding de uma sentença; b) a criação no caso
concreto, à falta de norma anterior escrita. A primeira questão não tem relação direta
com o problema tratado agora, mas com o da jurisprudência como fonte do direito (v.
supra, n. 14.3). No tocante ao segundo, sente-se que seja só de intensidade a diferença
entre o que se dá no sistema da common law e nos de direito escrito. Mesmo aqui, "não
há nítido contraste entre interpretação e criação do direito" (cfr. Cappelletti, Giudici le-
gislatori?, n. 4, p.13) e até quem não creia na função criativa do juiz é obrigado a ver
que algo há de relevante nos julgamentos, através dos quais se positiva o poder em casos
concretos (eliminando incertezas): dizer, então, que "toda interpretação é criativa" (ib.,
p. 14) não significa necessariamente aceitar a teoria unitária e, por outro lado, mostra
que a "criatividade" existente num sistema existe também em outro, com mais intensida-
de porque os parâmetros iniciais positivados não existem.
5. Cfr. Carnelutti, Diritto eprocesso, n. 249, pp. 371-372: o resultado do processo
de conhecimento é a coisa julgada (rectius: é a decisão, ou declaração que ela contém),
do executivo é a atribuição (usualmente, diz-se satisfação) e do cautelar é a "cautela judi-
ciária". No texto, a partir deste ponto, passa-se a um enfoque mais próximo, de modo
a destacar as diferenças entre os diversos processos, na mesma categoria.
Toda peculiar, sob esse aspecto, é a função dos juízes de fato, nos
julgamentos pelo júri popular: eles seguem formalmente o programa de
respostas a quesitos formulados segundo os fatos relevantes perante o
direito penal e que hajam sido alegados, mas são tão livres, em suas res-
postas secretas imotivadas peremptórias e soberanas, que o veredito fi-
nal nem sempre corresponderá à vontade concreta da lei. O conselho
de sentença apresenta ao juiz presidente já um projeto definido de sen-
tença que é a expressão de uma vontade concreta formulada sob os in-
fluxos da própria causa e sua discussão, sem haver sido necessariamen-
te deduzido a partir de uma premissa maior representada pela vontade
abstrata contida na lei penal. Por isso é que, a partir da visão dualista
do ordenamento jurídico, chegou-se a insinuar a não-jurisdicionalidade
dos julgamentos pelo júri -, mas isso constit<*-*>ii pelo menos um exage-
ro, decorrente de examinar a jurisdição exclusivamente a partir do seu
escopo jurídico. I I
8. Cfr. Celso Neves, CorsajuCgada civiC, pp. 450 ss. (nn. 7-8), pP<*-*> 457 ss. (nn.10-1
I);
10. Cfr. Carnelutti Diritto e processo, n. 176, pp. 283-284: relata a evolução do
seu pensamento, que partira da idéia de quejurisdictio in sola notione consistit, mas aca-
bou sustentando a jurisdicionalidade da execução (v. também Istituzioni, I, n. 30, pp. 29-
30).
17. V. Súmula 237: "o usucapião pode ser alegado em defesa": entende-se que, se
o direito nascesse da sentença, sem que houvesse sentença alguma a respeito não haveria
a aquisição do domínio a ser alegada.
18. Nesse caso, como no anterior, a aquisição do domínio é alegada como funda-
mento da demanda (lá, fundamento da defesa); em ambos os casos, os pontos de fato
e de direito referentes ao usucapião serão objeto do conhecimento pelo juiz, mas ele deci-
dirá a respeito incidenter tantum, entre os motivos da sentença e não no decisum. A juris-
prudência admite, ainda, a ação de usucapião movida após perda da posse (Súmula 263 :
"o possuidor deve ser citado pessoalmente, para a ação de usucapião"). A propósito,
diz Negrão: "normalmente, só o possuidor pode intentar ação de usucapião; mas, se após
haver preenchido todos os requisitos para a prescição aquisitiva perdeu a posse também
poderá mover ação de usucapião, correspondente, no caso à ação publiciana do direito
romano; nesta hipbtese, o possuidor atual terá de ser citado" (cfr. Código de Processo
Civil e legislação processua! em vigor, nota 7 ao art. 942).
19. O juízo, contido na sentença, constitui ato concreto de positivação do poder (não
só na lei o poder se positiva: v. supra, nn.10-1 I). A propósito v. ainda Luhmann, Legiti-
mação pelo procedimento, p. 32; Faria, Poder e legitimidade, pp. 22 e 32.
24. Além de tudo, a teoria unitária fixa-se no processo de conhecimento e não pode-
ria mesmo chegar ao ponto de sustentar essa suposta criatividade institucionalizada, quanto
ao executivo. Por isso é que os unitaristas excluem o caráter jurisdicional da execução,
ois esta não poderia mesmo ter o escopo de compor a lide (ou seja, de criar a norma
pue a disciplina e rege). Carnelutti esteve coerente com seu unitarismo, enquanto negou
q uando passou a admiti-lo (v.
o caráter jurisdicional da execução; a coerência teve fim, q
2. Como foi dito, o processo é permeável aos influxos axiológicos da sociedade, que
inclusive lhe são transmitidos pelo próprio direito substancial (instrumentalidade). Não
só o modo de ser do processo é legitimamente modelado por esse critério, como ainda
ele há de estar presente no espírito do juiz no momento do julgamento, quando então
chega a um ponto bastante crítico a sua condição de agente da sociedade, para que julgue
conforme esta espere que ele julgue (naturalmente, nos limites das escolhas permitidas em
lei). Em sentido diferente, fala Denti dapolitica social confiada ao juiz, ou seja, da "dire-
ta atribuição, ao juiz, de tarefas de política social, com funções que outrora teriam sido
consideradas administrativas, mas que hoje não se pode mais duvidar que sejam substan-
cialmente jurisdicionais" (Processo civile e giustizia soeiale, pp. 69-70). Dá exemplos<*-*>
são
hipóteses, previstas em lei, em que o juiz tem o poder de atenuar os rigores da lei e levar
em conta as disparidades sócio-econômicas entre as partes (v. g., fixando o "justo alu-
guel" nas locações, remanejando o vencimento de "prestações que se tornaram muito gra-
vosas para o devedor em virtude de acontecimentos extraordinários", etc. Merece refe-
rência também a dissertação arrojada de Ruy Portanova, já citada (supra, n. 3, nota 17).
disse alhures Boaventura de Souza Santos: "os habitantes dos bairros têm conseguido al-
umas vitórias nos tribunais, ainda que à partida os seus argumentos sejam relativamente
gfrágeis em termos estritamente jurídicos. Essas vitórias configuram um autêntico uso al-
ternativo do direito, tornado possível pela argumentação tecnicamente sofisticada de ad-
vogados altamente competentes"; e acrescentou: "a interpretação inovadora do direito
substantivo (sic) passa pelo aumento dos poderes dos juízes na condução do processo"
(cfr. "Introdução à sociologia da administração da justiça", III, n.1, esp. p.133). A pro-
pósito Tércio Sampaio Ferraz Jr. falou das "manifestações de um `direito' inoficial",
consubstanciado em "desconfirmações mais sutis, não intencionais não assumidas como
tais, em que a retórica desconfirmadora se utiliza, III, n. 1, esp. ,p<*-*> 133). Houve casos
em que prevaleceu nesses julgamentos um "direito inoficial", isto é, não positivado na
ordem jurídica do país, mas em alguma medida legiti f dó pelpá S mséid p end4s pp 111
res (cfr. Tércio Sampaio Ferraz Jr., "O oficial e o ino i '
ss.). Nesse relato, vê-se manifestação macroscópica da postura dos uízes em face das res-
sões axiológicas a que não devem manter-se insensíveis.
p
legalidade ditado constitucionalmente no Estado-de-d<*-*> reito re ele a ins-
titucionalização de sentenças contra legem, ainda que a lei vigente con-
duza a resultados viciados ou injustos".Io
A sujeição do juiz à lei, que nào se traduz em culto servil às pala-
vras desta, é impeditiva da "livre invenção jurídica", tendo-se o gover-
no das leis como inerência dos sistemas jurídicos em que vivemos e co-
mo ` `imperativo axiológico da segurança jurídica'' .11
havendo o juiz então declarado que, sem a ênfase trazida por um ponto de exclamação,
a frase não era criminosa (!). Os exemplos são italianos e foram largamente noticiados
na imprensa da Itália; foram narrados por Vincenzo Vigoriti em aula dada como parte
do curso, que coordenei, de teoria geral do processo (11.11 <*-*>85).
10. Cfr. Spota, Eljuez y el abogado, n. 4, pp. 22-23: essa idéia, própria do Frei-
recht, não é aceita pela ordem jurídica dos países ocidentais ligados à tradiçào romano-
germânica, como a Argentina (onde escrito o livro ciLado) e o Brasil.
13. Na Lei das Pequenas Causas foi recomendado aos juízes essa sistemática opção
pela solução mais justa que o ordenamento jurídico comportar. "Entre duas possíveis in-
terpretações, ambas razoalvemente encontradas nas palavras da lei, as recomendações tra-
zidas no art. 5" farão com que o juiz prefira a que melhor satisfaça às exigências do bem
comum e aos fins sociais da própria lei - ou seja, farão com que ele opte pela solução
que atenda ao seu senso de justiça" (cfr. Dinamarco, "Princípios e critérios no processo
das pequenas causas", n. 7, esp. p. 116); e essa é uma das "lições da Lei das Pequenas
Causas", a ser recolhida, assimilada e afinal praticada por todos os juízes, porque fazer
justiça é a glória do seu mister e para isso não seria sequer preciso que a lei trouxesse tão
solene recomendação (cfr. Dinamarco, "A Lei das Pequenas Causas e a renovação do
processo civil", n. 2, pp. 198 ss.).
14. Cfr. Súmula 339: "não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislati-
va, aumentar vencimentos de servidores públicos sobfundamento de isonomia".
15. Severa e clássica advertência de Jeremy Bentham.
16. Mesmo sabendo-se que do mero Estado-de-direito, passou-se agora ao "Estado
social de direito" (cfr. Trocker, Processo civile e costituzione, esp. p. 96; Orr—, Richter-
recht, I, n. 3, p. 26) e estando-se convencido da "fuga do legislador às suas responsabili-
dades políticas" (Orr—, ib., esp. p. 31).
gidos se sua postura fosse outra e que não costumavam sê-lo antes das
inovações que ele põe em prática. São atitudes marcadamente instru-
mentalistas, das quais si<*-*>l'lificativo exemplo é a já referida desconside-
raÇão dapessoajurídica, especialmente no trato da responsabilidade pa-
trimonial: a penhora de bem da sociedade por quotas entre marido e
mulher viola os clássicos esquemas jurídicos da personalidade jurídica
distinta da dos sócios e da distinção de responsabilidades, mas faz justi-
ça e neutraliza a fraude. Trazer essa construção a crédito da teoria uni-
tária, contudo, constituiria vício do mesmo quilate daquele consistente
em pensar que é o juiz quem pessoalmente cria novas soluções de direi-
to substancial; é esquecer que ele age como canal de comunicação entre
a nação e o processo e que, quando inovar por conta própria, contra
legem ou fora dos limites tolerados, ele estará agindo sem fidelidade aos
objetivos de sua missão e o que pretender impor carecerá de licitude ou
mesmo de legitimidade.
Pp,Pp
se sente o rincípio dis ositivo mais resente está o eso desse ônus e
as conseqüências praticamente "causativas da omissão da prova, no
sentido de que, para o juiz "fato não provado é fato inexistente" ("re-
gra de julgamento")<*-*> e, uma vez finda a instrução, as afirmações, omis-
"atribui eficácia impeditiva ou extintiva somente quando o réu assim a quiser e que por-
tanto não têm essa eficácia se o réu não o quiser"); v. ainda Cintra-Grinover-Dinamarco,
Teoria geral do processo, nn. 149 ss., pp. 239 ss. p
6. Cfr. CPC, arts. 319 e 320, c/c art. 334, inc. III (e isso é diferente de uma resun-
ção). Das ressávas e atenuações a esse rigoroso tratamento destinado ao réu que não
cumpre
com o ônus de contestar, não é o caso de falar nesta sede, onde a alusão a este visa somen-
te a compor o quadro dos ônus processuais e seu descumprimento.
7. Ordinariamente, sucumibirá (ou é mais provável que sucumba) "aquela das duas
p q ' cfr. Liebmann Manuale, II
partes que teria devido rovar o fato ue fllá tol aos fatos da causa não pode seguir
n. 172, esp. p. 89), porque ao non liquet q -se
um non liquet quanto à causa em si mesma sob pena de denegação de justiça (CPC, art.
126; Const., art. 153, § 4<*-*>, inafastabilidade do controle jurisdicional);
insistentemente,
a doutrina sublinha não ser admissível, nessas hipóteses um julgamento "no estado dos
autos", i. é, ul amento que deixe imprejudicado o objeto do processo (Liebman, ib.;
civile, n. I .1 I ss.), observando que "se falou, a propósito, de ônus objetivo ou subs-
tancial ara aludir ao conteúdo que o juiz deverá dar à decisão na hipótese de que alguns
fatos relevantes tenham ficado sem (suficiente) demonstração" (p.15). Buzád aceita essa
idéia dos processualistas austríacos, falando em ônus oójetivo da prova (cfr. "Do ônus
da prova", n. 18, pp. 65-66).
de a parte endereçar o processo por rumos tais que afinal ele venha a
produzir um resultado que não é precisamente aquele correspondente
à vontade do direito no caso concreto. Ter-se-á, v.g. , o acolhimento da
demanda inicial porque revel o réu e "presamidos" os fatos que com-
põem a causa de pedir; ou seu acolhimento ou rejeição porque não pro-
vado o fato extintivo alegado pelo réu ou o constitutivo alegado pelo
autor; ou a execução conduzirá à satisfação do demandante não-credor,
simplesmente porque o executado não ofertou embargos.
diz ue ` uem se nega a submeter-se a exame médico, não poderá aproveitar-se de sua
recú a"`(á t. 231) e que "a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a
prova que se pretendia obter com o exame" (art. 232).
10. Cfr. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, n. 25, esp. p. 33.
11. Afirmação muito conhecida, de James Goldschmidt (cfr. Zivilprozessrecht, §
33, pp.194-196); a aguda crítica de Liebman ("L'opera scientifica di James Goldschmidt
e la teoria del rapporto processuale") atinge apenas o desvio de perspectiva consistente
em atribuir ao processo as vicissitudes que pertencem ao seu objeto, mas é por todos reco-
nhecido o grande valor científico do destaque dado a essas situações jurídicas (v. também
Dinamarco "Os institutos fundamentais do direito processual", n. 37, pp. 64 ss.).
3. No caso do processo penal condenatório, bem como nas chamadas "ações cons-
titutivas necessárias" (processo civil) tem-se uma instrumentalidade potenciada do pro-
cesso ao direito material, no sentido de que ele não só se presta a produzir efetivamente
os efeitos predispostos por este, mas ainda só mesmo através dele esses efeitos podem ser
produzidos. São casos, por outro lado em que bastante aguda se torna também a aplica-
ção do princípio da inafastabilidade do controle jurisdiciona/, porque: a) no civil ou se
tem o processo à disposição (processo "efetivo", regular e prestativo), ou se é obrigado
a renunciar definitivamente à pretensão; b) no criminal, a pretensão punitiva ficaria fada-
da à definitiva frustração, não fora o processo (e, inversamente, este funciona como in-
dispensável filtro das pretensões punitivas). O "direito ao processo", que afinal constitui
o conteúdo do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (cfr. Grinover, Os
8p)g
principios constitucionais e Códi o de Proces<*-*> orCifirmação da pró biçá
cdalautótutela)
da oferta da via processual (além de constitu r ea
e no criminal é garantia da liberdade individual, que só mediante o processo pode ser atin-
gida.
4. Cfr. CC, arts. 394-395.
5. Antes, Súmula 146; depois da lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977, §§ l<*-*> e 2<*-*>
do
Códi o Penal, redigidos por ela; agora, a nova parte geral, a redação dada aos arts.109-110.
A idé a da prescrição da ` `pretensão penal'', corrente na matéria corresponde à aceitação
da "pretensão de direito material", conceito pandetista introduzido por Windscheid e fonte
de muitos mal-entendidos.
6. Cfr. Cintra-Grinover-Dianamarco, Teoriageraldoprocesso, n. 34, pp. 73 ss. V.
ainda Grinover, "explicação necessária" ao volume O processo constitucional em mar-
cha, n.1, p.1: "se não se admite que o acusado possa anuir na imposição da pena, tam-
bém não se pode admitir que a pena seja imposta por intermédio de um processo que não
Ihe garanta o exercício de uma defesa efetiva e completa, com todos os seus corolários"
(isso, em vista do "interesse geral à regularidade do procedimento e à justiça das deci-
sões"). Cfr. supra, n. 2.
7. V. supra, n. 5.
p-
7. São afirmações quase corri ueiras e segurame fÞ ,Pono<*-*>he § 2<*-*>nto de todo ro
cessualista (remontam, como é notório, a Chiovenda c . , pp. 63 ss., esp.
. 67 ; estão no texto, para compor o raciocínio completo, sem deixar hiatos.
p )8. Cfr. Goldschmidt, Princípios generales del proceso, n. 14, esp. p. 39.
9. Negar a verdade como objetivo do processo e dizer que a certeza não pode ser
exigida como pressuposto dos julgamentos, sob pena de inviabilizá-los (inira, n. 33), não
significa renunciar à busca da verdade, nem ao ideal de fidelidade aos fatos reais e, por-
tanto, à vontade concreta do direito (cfr. Baur, "Transformações do processo civil em
nosso tempo", p. 63).
10. São idéias que vêm da Reine Rechtslehre, mas cuja aceitação não implica ali-
nhamento ao positivismo jurídico de Kelsen. Em linguajar meta-jurídico, dir-se-á que,
quan-
to mais próximo do concreto se situa uma decisão, menor é a complexidade que ela en-
contra diante de si, ou seja, menor o leque de alternativas.
I1. Cfr. Capelletti, Giudici legislatori?, n. 11, pp. 63 ss.
12. Em outras palavras: opções legislativas, antes das opções judiciárias. E é claro
que, como cidadão, o juiz há de participar de alguma forma daquele processo decisório
a nível legislativo, ao menos mediante o voto (mas também levando aos centros de poder
as sugestões de sua experiência qualificada: cfr. Dinamarco, "promessa", passim). Exemplo
significativo foi a participação de magistrados paulistas, representando a sua Associação,
na comissão que redigiu o anteprojeto que se converteu na Lei das Pequenas Causas (lei
n. 7.244, de 7.11.84).
13. Não é pacífica a tese da existência de fins jurídicos da política e fins políticos
do direito. No que respeita à observação feita pelo processualista (que é jurista), basta
ter por certo que o direito assume para si certos objetivos maturados e conformados na
política. Néstor Pedro Sagiles entende que, no mesmo momento em que o direito assume
a tarefa de dar efetividade a valores políticos, nesse mesmo momento "estes últimos se
introduzem no catálogo dos valores do direito" (cfr. Mundojuriílico y mundo politico,
pp. 216-217). Mesmo que assim seja e, no momento em que o direito os atua, os valores
políticos já sejam também valores jurídicos, a instrumentalidade do direito à política não
fica negada (v. supra. nn. 2-3). Criteriosa é a manifestação de José Eduardo Faria: "o
conceito de justiça não pode ser tratado como uma questão fechada; somente terá algum
significado dentro do contexto da política, uma vez que a nomogênese jurídica resulta
da interação e cooperação de todos os elementos vitais da comunidade'' (Poder e legitimi-
dade, p. 16).
14. Cfr. Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, II, p. 348.
15. Cfr. Zanzucchi, Diritto processuale civile, p. 7. O jurídico reflete o político, na
medida em que a lei e as sentenças forem fiéis aos valores políticos da nação.
16. Não fosse assim, o processo seria instrumento só técnico, o que vem sendo nega-
do ao longo de todo este trabalho.
1. Carnacini fala em dois planos na análise jurídica, mas ambos são jurídicos: "já
é tempo de assar, do plano da tutela jurídica dos interesses materiais realizada pela via
do rocess p ivil ara o relativo à estrutura deste" (cfr. "Tutela giurisdizionale e tecnica
4. Cfr. Denti, Processo civile e giustizia sociale, p. 17. V. supra, nn. 2, 3, 21, 24.
5. Palavras de Dallari, Elementos de teoria geral do Estado, n. 50, p. 93.
como escopo da jurisdição. Essa teoria não deixou de ser jurídica, para
ser sociológica, muito embora a lide, conceito e elemento em volta do
qual gira todo o sistema proposto, seja em si mesmo um dado sociológi-
co muito mais do que jurídico.ó Compor a lide, ou seja, ditar a disci-
plina jurídica que concretamente a resolve, é uma tarefa puramente ju-
rídica.<*-*> Mas vem da vida em relação o conf7ito de interesses que com-
põe a substância da lide e a resistência à pretensão que a qualifica e lhe
confere concreta relevância. Além disso, a adjetivaçãojusta ("justa com-
posição") traz em si uma carga de preocupação ética pelos resultados
do processo, o que aliás constitui coerente reflexo da proposta do méto-
do teleológico no trato do sistema processual.s
O que torna inaceitável esse pensamento são as grandes premissas
metodológicas de que ele parte, ou seja, a suposta insuficiência do or-
denamento jurídico substancial a gerar direitos e obrigações,9 mais a fal-
sa afirmação da onipresença da lide. É um sistema de bases profunda-
mente privatistas, inconscientemente ligadas a pressupostos pandectis-
tas do direito processual e à crença de que a jurisdição seja sempre e
invariavelmente uma atividade secundária; sem considerar a problemá-
tica da suficiência ou insuficiência do ordenamento jurídico, o sistema
centrado na lide como pólo metodológico fundamental seria aplicável
somente às relações de direito privado caracterizadas por direitos dispo-
níveis (objetiva e subjetivamente). lo Há situações em que o processo se
O ESCOPO JURIDICO
215
14. Cfr. Liebman, "O despacho saneador e o julgamento do mérito", nn. 7-9, pp.
114 ss.; Galeno Lacerda, Comentários ao Código de Processo Civil, VIII, t. I, n. 6, p.
20, também propõe uma correção ao conceito da lide, mas para alargá-lo e sem interferir
na sua significação metodológica.
15. V. ainda Barbosa Moreira, "As tendências contemporâneas do direito proces-
sual civil", n. 3, p. 40: "a ciência do direito processual civil nasceu e desenvolveu-se no
ambiente cultural do liberalismo individualista. Era natural que o Zeitgeist impregnasse
a doutrina e a maioria das grandes codificações oitocentistas. Cfr. ainda Vittorio Denti,
Processo civile a giustizia sociale, p. 17: "a neutralidade dessas construções conceituais
era apenas aparente, pois estas correspondiam em cheiu à ideologia conservadora da qual
a ciência havia haurido os seus princípios informadores". E é de Galeno Lacerda essa ad-
vertência: "nada mais natural, portanto, que a própria função do processo varie confor-
me a época e a mentalidade reinante" (cfr. "Processo e cultura", n. 2, p. 75). Ao longo
do ensaio, demonstra a idéia fundamental, de que o processo brasileiro constitui "mani-
festação de uma cultura individualista".
16. Cfr. Orestano, "Azione - storia del problema", n. 3, p.19: o famoso esquema
personae-res-actiones (manifestação do individualismo romano).
PgP'
que vai forçando assa em para im or-se na sociedade<*-*>moderna com
,
relações, necessidades e angústias do tempo presente<*-*>mostra ue em tem-
pos assim acaba por chegar a graus mais sensíveis a tensão entre a nor-
ma e a realidade".ls
Nesse uadro de descompassos, especialmente notando-se que as
tendências ólidaristas inerentes ao Estado social tornam inadequadas
,P
as soluções individualistas cont<*-*>das na lei é reciso então dar à fórmula
çjpç,
"atua ão da vontade concreta a dese ável inter reta ão dinâmica' o
gq
relações jurídicas os novos estilos <*-*>de 9 i<*-*>a e sociedade exi em ue suce-
da o seu tratamento molecular . onstituem vigorosa afirmação
dessa diretriz imposta ao direito processual pelo atual modo de ser da
vida em sociedade, onde se multiplicam os problemas comuns, as que-
bras da ortodoxia processual segundo a lei posta, que foram observadas
em es uisa levada a efeito a partir de invasões urbanas ocorridas no
18. Cfr. Faria, op. cit., p. 42. E é nesse contexto que há de ser vista a gravíssima
problemática social das invasões urbanas, conformando-se o sistema jurídico ositivado
com a inserção do "direito inoficial", portador de soluções casuísticas angustiosamente
conquistadas (cfr. Tércio Sampaio Ferraz Jr., "O oflcial e o inoficial", esp. n. 4, pp.
111 ss.).
19. Cfr. Watanabe, palavras ditas em conferências.
20. Cfr. Joaquim Falcão, "Justiça social e justiça legal", IV, pp. 87 ss. (questões
sobre a legitimidade da partes, os prazos processuais e, em geral sobre o modo de ser do
processo diante das situações excepcionalíssimas que os casos apresentaram); nos casos
considerados, pôs-se de modo muito crítico o dilema entre "a submissão do homem à téc-
nica, ou a humanização desta" (Gelsi Bidart, Proceso y época de cambio, I, p. 423) (cfr.
infra, n. 36.2).
21. A realidade das relações jurídicas pluri-individuais exerce pressão no sentido de
se Ihes ofertarem vias processuais compatíveis com o seu próprio modo de ser.
22. Cfr. Súmula 239 STF: "decisão que declara indevida a cobrança do imposto
em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores". Tal é uma
inerência do sistema processual tradicional, de marca profundamente singularista, em que
cada processo só se destina a produzir efeitos rigorosamente limitados ao caso concreto
injudicium deductum. Por isso é que a coisa julgada não vincula terceiros (art. 472), cir-
cunscreve-se à causa posta em julgamento em sua tríplice dentidade (art. 300, §§ 1 <*-*> a
3")
e não abrange a motivação (art. 469, incs. I e II): limites subjetivos e objetivos da resjudi-
cata, herdados dos romanos. Falta ainda a disciplina técnico-processual adequada à "mo-
lecularização" das decisões, mas todo o sistema exeree pressão nesse sentido, seja pela
coletivização da própria vida e dos interesses das pessuas (difusos, coletivos, individuais
ap
influências projeta sobre a técnica rocessual. Isso não spnifica reco-
nhecer ou pressupor a natureza exclusivamente técnica do rocesso, co-
mo instrumento sem conotaçôes éticas ou deontológicas e desligado da
escala axiológica da nação e do Estado. Ele é instrumento e é técnico,
mas
pelo canal da sua instrumentalidade jurídica social e política recebe
(b) na ampla legitimação das entidades associativas e sindicatos (art. 5", inc. XXI) (c)
(art.103), (d) na ação civil pública e éipn<*-*>7 347, de 24.785)e(e onas aç esocoletivas é
defesa do consumidor (Cód. cons., arts. 91 ss.), (t1 na ação civil pública de proteção aos
menores e adolescentes (arts.141 ss.). Nesse quadro falta pouco para se to gar consciên-
cia de ue á não temos aquele sistema singularista de feição romana consa rado no Có-
digo de Processo Civil. É chegado, pois, o momento de repensar a Súmula ç39 na busca
de meios técnico-processuais ara mais um passo direcionado à universaliza ão da uris-
dição, "molecularizando" oss erviços jurisdicionais de modo a otimizar-lhes a capacida-
de de cumprir de modo mais efetivo o objetivo social de pacificar.
2. Da parte dos juízes, essa é uma postura burocrática favorecida em parte, no Bra-
sil, pela excessiva profissionalização da Magistratura (cfr. Watanabe "Filosofia e carac-
terísticas do Juizado especial de pequenas causas", n. 6, esp. p. 7). A "desprofissionali-
zação" é tema atual entre os processualistas modernos, preocupados com quem julga e
não só com a técnica do modo do julgamento (a propósito, cfr. Denti-Vigoriti "La con-
ciliation comme moyen d'éviter le procŠs", n. 10, c: denunciam uma "insatisfação sem-
pre crescente" e uma "atitude cada vez mais crítica contra o profissionalismojurídico',
além de uma "tomada de consciência dos indivíduos que desejam recuperar o sentido de
`comunidade', atribuindo então a cada um, um papel mais ativo nas decisões que dizem
respeito ao seu modo de vida"). ,A Lei das Pequenas Causas, abrindo espaço para a parti-
cipação comunitária (conciliadores, árbitros), alinha-se com as mais modernas tendências,
expressas na voz autorizada de Cappelletti: "a constatada exigência de um tal juiz ou om-
budsman, de vizinhança, com encargos de conciliação, mediação e informação, mais do
Por esse aspecto, merece atenção também o fato de que mesmo dois
institutos fundamentais, que pertencem à ordem processual mas pree-
xistem ao processo e sobrepairam a ele - a jurisdição e a ação -3 tra-
dicionalmente vinham sendo estudados e foram notavelmente bem ex-
plicados, sempre no plano da técnica processual. São praticamente de
hoje as preocupações sobre a ação como garantia que constitui proje-
ção do Estado-de-direito e não mero instrumento técnico (imanente, con-
creto ou abstrato) para a ativação do processo;4 as construções acerca
da ação tiveram origem, aliás, no direito privado e a ele durante muitos
séculos se pensou que pertencesse. Sobre a jurisdição, também prepon-
deram os exames do ponto-de-vista técnico, seja para demonstrar a sua
inércia, seja para distingui-la das demais funções ou "poderes" do Es-
tado, seja para afirmar que o seu exercício está dividido entre os órgãos
jurisdicionais do país (competência, "medida da jurisdição").
Quando se passa ao exame da "estrutura interna do processo",5
mais se acentua a conotação técnica dos endereçamentos, ou seja, a preo-
cupação de aperfeiçoar a engrenagem em si mesma, vista do ângulo in-
terno e sem alusões ao mundo exterior. Já pela metade do século XIX,
foram enunciados os principios informaüvos do direito processual, de
que se fala até hoje (lógico, jurídico, político, econômico).6 Na fórmu-
que de verdadeiro juízo" (cfr. "Giudici laici: alcune ragioni attuali per una loro maggiore
utilizzazione in Italia", III, p. 710). Cfr. ainda Cappelletti, "Giudici non professionali:
una nota critica sul dibattito in Italia", insistindo na idéia do "juiz de vizinhança" e alvi-
trando iniciativas experimentais para a futura implantação (esp. p. 9). A proposta de Vi-
goriti, já referida antes, é também no sentido da recepção do sistema de juízes honorá-
rios, eleitos (cfr. "A favore del giudice onorario elettivo", passim).
3. Jurisdição, manifestação do poder estatal (fenômeno antes de tudo político). Ação
(civil), garantia constitucional que constitui inerência do Estado-de-direito (ligação à or-
dem político-constitucional). Cfr. em outros tempos, disse-se que "a teoria do processo
civil vive... essencialmente de crédito. O conceito de ação lhe é oferecido em empréstimo
pelo direito civil, o de jurisdição pelo direito constitucional" (Degenkolb, apud Liebman,
Manual, I, n. 20, esp. p. 40, nota 3). Escrevendo sobre "o direito à jurisdição antes do
processo", Horacio D. Rosatti definiu o "direito à jurisdição" como "um suposto do
processo", cronologicamente precedente a ele e que continua na sua pendência, até à ob-
tenção da sentença firme (cfr. El derecho a lajurisdicción antes delproceso, esp. pp. 29,
31); a anterioridade considerada é cronológica (p. 29) e o "direito à jurisdição" equivale
à garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.
4. Ação civil: a penal não tem esse significado.
5. Alvitre de Carnacini, "Tutela giurisdizionale e tecnica del processo", n.19, que
reivindica exclusivamente para esse plano o exame dos princípios dispositivo e inquisitó-
rio (p. 768). Liebman não se mostra infenso a considerar o princípio dispositivo umprin-
cipio técnico, só acrescentando que essa qualificação não dá a necessária explicação com-
pleta; energicamente, associa-o ao dever de imparcialidade do juiz (cfr. "I1 fondamento
del principio dispositivo", nn. 3 ss., pp. 5 ss.), mas não leva em conta a sua justificação
associada ao escopo social de pacificação, para equillbrio do sistema, como neste traba-
lho se alvitra (supra, n. 23; infra, n. 31).
6. Cfr. Chiovenda, "Le riforme processuali e le correnti del pensiero moderno" (confe-
rência a Nápoles, 11.3.06), referindo Mancini (cfr. n. 2, p. 383); v. ainda Principü, §
formativos (Teoria geral do processo, n.17, p. 49)' bem como o substancioso epudo
Mendon a Lima, "Os princípios informativos no Código de Processo Civil assim.
É clássic a obra de Robert Wyness Millar, The formative principles of civil procedure;
na tradução argentina, o apresentador, que foi Eduardo J. Couture, destacou: "o autor
deste livro não faz do mática nem lógica jurídica. Seu plano de realização é a técnica ou,
se se preferir, em umgentido muito mais penetrante, a política processual" ("prólogo",
P
. 11 trad.). O trabalho é verdadeiramente posto em termos de técnica ("bilateralidade
da audiência", impulso processual, prova formal e prova racional, oralidade e escritura,
etc.) e o vocábulo "política", empregado pelo professor uruguaio, não tem a conotação
P(Po),P
que aqui se lhe em resta v. su ra n. 10 n. 24.
11. Embora não lhe sobre espaço entre os institutosfundamentais do direito roces-
sual (já que os quatro usualmente indicados fornecem a explicação global endo-
sistemática
de toda a teoria do processo), a prova ocupa posição de extraordinária grandeza no siste-
ma, pois dela depende o correto exercício da jurisdição (fidelidade à vontade concreta do
direito) e sem ela a garantia de ação e o jus exceptionis careceriam de conteúdo s <*-*>
stan-
cial. Daí a alusão a um "direito à prova" (Liebman) e a um direito probatório Sentís
Melendo, La prueba - los grandes temas del derecho probatorio).
12. É própria de todos os juízos históricos uma margem de risco, porque "estamos
no terreno da convicção subjetiva, da certeza meramente psicológica, não da certeza lógi-
ca" (cfr. Liebman, Manuale, II, n.164, esp. p. 71); sobre "certeza, probabilidade e ris-
co" na vida do processo, v. mais amplamente infra, n. 33.
13. V. supra, n. 28. 4, nota 7.
14. Cfr. ainda Lafer, O Brasil e a crise mundial, n.19: ao exame do processo pelo
ângulo interno com investigações sobre como ele é feito, some-se a perspectiva externa,
que nos permitirá perceber para que ele deve ser feito. É sempre, como ao longo deste
estudo vem sendo sustentado, uma questão de eleição de perspectivas adequadas.
15. V.infra, n. 33 (e adiante-se: se a busca da verdade fosse objetivo processual
autônomo, seria uma frustração toda a faina para chegar a ela e depois, findo o processo,
a "verdade dos fatos" não ficar imunizada de novos questionamentos: CPC, art. 469,
inc. II).
p4pp
nos velhos padrões herdados, do ue o ró rio texto da lei p r. W 8<*-*> 8 <*-*> eQ `Tutela
uris-
dicional dos interesses difusos: a legitimidade para agir'', es. pp uanto ao mo-
do de ser do processo, os lití ios em torno das invasões urbanas no Grande Recife trouxe-
ram uma série de su estões à reflexão do processualista, sobre modo de realizar citações
extremamente dificú tadas, sobre alargamentos discricionários de prazos, significado da
exigência legal de publicidade, etc. Discorrendo sobre toda essa problemática, Joaquim
Falcão ôs em destaque ainda a eficácia das sentenças além dos limites dos invasores cha-
p cfr. "Justiça social e justiça legal", esp. 87 ss.).
mado i<*-*> oÁitíg<*-*>or a definição do processo, como procedimento e relação jurídica
proces-
sual, corresponde a uma visão técnico-jurídica. Por isso é que a tendência hoje é inserir
no conceito o elemento político representado pelo contraditório, que é portador das idéias
de atração do processo aos seus objetivos extra-jurídicos (v. supra, n. 16).
l<*-*> Ill
ESCOPOS DO PROCESSO
E TÉCNICA PROCESSUAL
5. Cfr. Tanaka, "O direito e a técnica", n. 36: "a naturalização da técnica do do-
mínio do direito". Por outro lado, cabe à dogmática processuaC a "elaboração lógica"
das normas consideradas boas e convenientes, para a sua integração harmoniosa no orde-
namento urídico mediante "uma hierarquia de princípios e assim numa representação
e construção unitária" (cft. Angelotti, Teoria generale del processo, n. 1, pp. 5-6).
Tal é o efeito da revisitação que aos poucos vai sendo feita aos
institutos processuais tradicionais e à sua técnica, na busca de soluções
novas para velhos probl'<*-*>mas. As ondas renovatórias caracterizadoras
das novas tendências do direito processua: só se mostram concretas
e úteis na medida em que os ideiais de ampliação da tutela jurisdicio-
nal se traduzam em técnicas capazes de melhorar os resultados apre-
sentados aos consumidores do serviço, que são os membros da popu-
lação.s
E assim é que, ao lado das disposições tradicionais do direito pro-
cessual civil e mesmo na sua interpretação teleológica, vão surgindo so-
luções reveladoras de uma sensibilidade social antes inexistente.9 São as
medidas de abertura da via de acesso àjustiça, seja afastando as "desi-
gualdades da lei perante os cidadãos", incompatíveis com a "igualdade
dos cidadãos perante a lei"'o seja outorgando legitimidade ad causam
às associações representativas de interesses coletivos ou a entidades qua-
Iificadas à defesa dos difusos (associações, Ministério Público). São in-
tuitos simplificadores, para a brevidade dosjuizos e maior participação
dos juízes e das próprias partes, tudo visando a formar uma convicção
mais aderente à realidade social dos conflitos e conduzir à pronta paci-
ficação indispensável à legitimidade social do próprio sistema (exemplo
magno são os nossos juizados especiais para as peQuenas causas -<*-*> e<*-*>
flexo de congêneres como as small claims courts norte-americanas.
A aproximação da Justiça à população, feita sem os intuitos demagógi-
cos e corporativistas denunciados quanto a uma conhecida tentativa eu-
ropéia recente,'2 é um dos pontos cardiais de uma "nova política judi-
ciária'' compatível com as exigências do tempo e com a visão pluralista
dos objetivos do processo.
11. Cfr., por todos, o percuciente trabalho de comparação jurídica de Caetano La-
rasta Neto ("Juizado Especial de Pequenas Causas e direito processual civil compara-
gpP
do"), mostrando a preocupação de todo o mundo civilizado ela efeti<*-*> idade do rocqsso
a ser obtida mediante a aproximação da Justiça à população. O art. 5. da Lei das Pe ue
nas Causas, como venho dizendo, é uma solene advertência ao juiz, uma lembrança do
seu compromisso com a justiça.
12. V. Denti, Processo civile e giustizia sociale, pp. 20-21: alude à experiência fas-
cista italiana, a quem debita um aspecto paternalista no processo e hostilidade aos ideais
humanitários, inclusive ao princípio de igualdade.
228 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
curso do tem o e aflições das partes por uma solução para suas angús-
tias e fim do estado de insatisfação clama por soluções rápidas, que pa-
ra serem rápidas trazem consigo o risco da imperfeição jurídica.ló
16. v. n. seg.
17. V. infra, nn. 32, 33.
que os julgados propaguem seu efeito direto além do caso julgado e das
pessoas envolvidas.6
O
processualista moderno sabe também que a coisa julgada é auto-
ridade Que incide sobre os efeitos da sentença de mérito e que tem a sua
gçjçp
própria confi ura ão urídica: ela não se define como fi <*-*> ão ou resun-
ão de verdade, mas somente cria a irrevocabilidade urídica do co-
mando, sem se preocupar em estabelecer se as premissas psicológicas das
quais esse comando nasceu são premissas de verdade ou de mera
verossimilhança'' .<*-*>
Essas coisas Que hoje são do conhecimento comum do processua-
lista não devem, contudo, ofuscar a visão de Que toda atividade cogniti-
va no processo, Que por definição é endereçada à descoberta da verda-
recisa ser mesmo conscientemente ordenada segundo essa destina-
' p to que
de se desenvolve em sede judi-
ção institucionalizada. O conhecimen
6. Não é o caso de cuidar, aqui, dos efeitos reflexos da sentença (v. Liebman, Effi-
cacia ed autorità della sentenza, esp. nn. 20 ss. , pp. 79 ss.). Nem é lícito confundir a ques-
tão da extensão subjetiva dos efeitos da sentença, com a da coisa julgada. Sobre a
infCuência
da sentença em decisões futuras [jurisprudência), v. supra, n. 14.3.
12. Jurisdição, ação, defesa, processo: cfr. Dinamarco, "Os institutos fundamen-
tais do direito processual", esp. n. 28, p. 42.
p p p <*-*> p
é preparar e re aração do rovime <*-*>n raditósió nan e 50teesp pr g5<*-*> sos de toda
ordem
(cfr. Dinamarco, "O princípio do c . 136-137.
15. Cfr. Bazarian, O problema da verdade, pp
16. "Instrução", no sentido indicado à nota 14, não se confunde com "prova" ou
"instrução probatória". Quando o Código de Processo Civil diz que ` finda a instrução,
o juiz dará a palavra ao advogado do autor e ao do réu", etc., entenda-se: "finda a ins-
truçãoprobatória". Do contrário, as alegações finais seriam consideradas integrantes da
fase decisória do procedimento e, portanto, atividade decisória. As alegações finais visam
a preparar a decisão que virá na sentença e, portanto, constituem atividade instrutória.
17. Existe sempre "uma relação dialética de complementariedade entre o pensar e
o conhecer" (cfr. Lafer, O Brasil e a crise mundial, pp. 38-39), que durante todo o pro-
cesso leva o juiz a aplicar a sua inteligência e capacidade de percepção a essa atividade
de busca (ainda que aproximativa) da verdade. São objeto do seu conhecimento questões
de três ordens: processuais, referentes às condições da açào e de mérito (cfr. Dinamarco,
"O conceito de mérito em processo civil", n. 111, pp. 203 ss.).
19. É muito rica e pouco explorada a idéia de ponto, em direito processual. As afir-
mações, que as partes têm o ônus de fazer no processo (cfr. Carnelutti, La prova civile,
n. 3 .16 ss.; n. 4, pp. 25 ss.), referem-se a fatos e a normas jurídicas comopressupos-
tos da demanda endereçada aojuiz (n. 3, p.16). Cada afirmação constitui o que se chama
ponto; cada ponto é um fundamento da demanda (lato sensu). Ora, é da doutrina carne-
lutliana também (com larga aceitação entre nós brasileiros) o que constitui questão é um
ponto controvertido de fato ou de direito. Maioré é contdover<*-*>os(questão) eeo
quevidas,
contudo, em torno do ponto, distinguindo o qu não é
controverso. Do "ponto prejudicial" fala Menestrina, interessado porém no fenõmeno
da re udicialidade e sem se preocupar em desenvolver a idéia do ponto em si mesmo (cfr.
La pregiudiciale nef processo civile, n. 30, pp. 137 ss.). Pontos são, nas suas palavras,
os ` recedentes lógicos da decisão"; surgindo na mente do juiz "uma dúvida sobre a ver-
dade de uma circunstância de fato que deva ser examinada de-ofício ou sobre a aplicabili-
dade da norma legal proposta", tem-se então um quesito. (ib.). E questão "pressupõe
a contestação de um ponto. . . que haja sido proposta por uma das partes ao raciocínio
do juiz" (n. 31, p. 139). Ponto é portanto todo fundamento; questão é o fundamento
em torno do ual surgiu dúvida. Ora, quando dúvida não surgiu (fato provável, não con-
testado, maté ia disponível) o ponto permaneceu como ponto mesmo e não se erigiu em
questão; trata-se dos "fatos incontroversos", que o art. 334, inc. III, do Código de Pro-
cesso Civil diz não dependerem de prova (rectius: a alegação do ponto incontroverso não
passa a integrar o objeto da prova). Por outro lado julgar é solucionar questões; só em
face de questões é que o juiz é chamado a proferir julgamento (ele as julga nos "motivos"
da sentença: art. 458, inc. II). Assim, conclui-se que, quanto aos pontos que permanece-
ram como tais, nada julga o juiz: ele simplesmente os aceita, independentemente de ter
ou não formado convicção a respeito (arts. 302 319). Essa colocação é rica de conseqilên-
cias práticas e teóricas na definição do efeito da revelia e da sua dimensão, com reflexos
nos recursos e na admissibilidade da ação rescisória.
lógica da certeza que tem importância mínip a na i<*-*> 18 a matemática orém máxima
na histórica"): cfr. Contributo cit., n. 3, es. pp
6. Não fora assim (se se pudesse aceitar rigorosamente o que disse Carnelutti: nota
supra), teria menor valor o processo, para a certeza jurídica; no decorrer deste mesmo
item do trabalho, maiores esclarecimentos a respeito.
15. CfrS Vol áqe, Dictionairephilosophique, XIV, verbete "vérité", esp. p. 139.
16. CPC, art.131: é a consagração legislativa da convicção, como medida psicoló-
gica da certeza e arredia a critérios objetivos.
18. CPC, art. 285: é nítido caso em que não prevalece a "presunção" referida na
nota anterior, concedido pela lei em face da severidade com que trata o revel (art. 319).
19. CC, art. 159.
20. Cfr. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, n.155, pp. 284 ss.;
n. 156, esp. p. 290; v. ainda Súmula 562.
21. Quando juiz do 1" Tribunal de Alçada, fui relator num caso em que ficaram
rejeitados embargos de terceiro opostos por sociedade mercantil de responsabilidade limi-
tada contra penhora feita sobre bens de que titular, por obrigação pessoal de um dos só-
cios (sociedade de marido e mulher): cfr. I" TACSP, 2<*-*> C. ap. n. 288.904, j. 3.3.82,
rel.
Rangel Dinamarco, v. u. (Dinamarco, Execução civil vol. II n. 147, pp. 391 ss.). Na
doutrina, v. José Lamartine Corrêa de Oliveira, A dupla crise dapessoajurtílica; Rubens
Requião, "Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica"; Sílvio Rodri-
gues, "Disregard theory, ou teoria da desconsideração da personalidade jurídica".
og Q
No tocante à execução civil, os requisitos de li uidez e certeza do
crédito exeqüendo (que absolutamente não são predicados do titulo, co-
oderia levar a crer) nada têm a ver com a segu-
mo o Código brasileiro p uis a lei apenas condicio-
rança quanto à sua existência. Ao exigi-1 pre én a de uma situação em
nar a admissibilidade da via executiva à ç
quidez
"). Certeza quanto à existência do crédito não poderia ser exigi-
"La certezza nel diritto", n. 2, P<*-*> 82<*-*>
24. Não forá essim <*-*> o direito não evoluiria, nem o sistema processual (v. supra nn.
, ue dificil-
3 4. A lória da urisprudência é essa sua ada tabilidúd <*-*>á s códesdé xar de seq
cambian-
- ) g ( ` or integrar a realidade q P variam os
mente são iguais entre si ` P ` e
te") e à dinâmica axiológica da própria sociedade, em seu evolver histórico (
"im ossibilidade de vida em comum'', ` P-
conceitos, como os de "bom P<*-*> de família", P ,<*-*> cit.): cfr. Gelsi Bidart, "Diversi-
` rudente arbítrio do juiz'
riculosidade", "boa-fé", ` P aldad", nn. 21-25, pp. 15-19.
dad de la jurisprudencia y principio de igu za" cit., n. 3, p.167; é que a vontade
do juiz não integra a sentença que sb se fde considerar como ato de vontade na medida
cfr. Liebman E ficacia ed autorità della sentenza, n. 22, p. 73:
de vontade de proferi-la ( p
"ato de vontade só no sentido jurídico, e não no sicológico").
de erder de vista, por outro lado, que a obsessão pela verdade consti-
tuipobertura à burocracia e alimenta os formalismos que se querem evi-
tar.
3o Daí a liberdade das formas, que dois Códigos de Processo Civil
brasileiros proclamaram como regra programática, mas na realidade não
permitiram que prevalecesse: ambos foram tão minuciosos quanto à for-
ma dos atos processuais (aliás, segundo os modelos tradicionais euro-
peus), que com se urança se pode afirmar que o princípio consagrado
foi realmente o dagegalidade formal. Na Lei das Pequenas Causas é que,
anunciada a liberdade, não vêm depois os desmentidos, o que permite
a esperança de um processo que de fato seja simples ágil e rápido, além
de favorecer a real percepção dos fatos pelo juiz, nesse contato mais di-
reto e es ontâneo com as fontes de prova. Aqui, a liberdade formal,
ue even úalmente poderia trazer em si o risco da arbitrariedade e por-
ánto das injustiças, comparece como fator de muita esperança pela boa
qualidade do produto do exercício jurisdicional.3'
31. Cfr. Dinamarco, "Princípios e critérios no processo das pequenas causas", nn.
1-2, pp. 102 ss.
PP
o Estado presta à parte mediante o seu exerc<*-*>s <*-*>o'Estado ná temá portan ó<*-*>
obrigaçõe<*-*>
interesse, voltado a escopos políticos e soci
9. Parece claro que, quanto à preclusão consumativa, isso não se dá: trata-se da fa-
culdade ou poder já extinto justamente porque exercido (cfr. Liebman, Manual, I n.
107, esp. p. 236). Pode suceder que, tendo reélnó d ántajosoápr énda alpartef épedade
por um modo que considere inadequado ou m -lo;
mas o veto à duplicação, se lhe é desfavorável não traz a frustração referida no texto,
ou seja, a frustração da própria situação jurídica processual (ela foi aproveitada como
no momento entendeu a parte e os males que apesar disso lhe sobrevierem fazem parte
das incertezas do processo).
246 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO
de fato que não haja ficado provada: valer-se-á das regras sobre o ônus da prova e assim
decidirá a causa (cfr. Arruda Alvim, Código de Processo Civi! comentado, V, nota 3 ao
art.130, p
. 214). "Justamente o contrário é que nosparece exato", exclamou o proces-
sualista carioca, empenhado na efetividade do processo.
biria a busca da verdade dos fatos e a cooperação das partes seria pelo
menos dispensável e sequer haveria como sancioná-las pela omissão de
provar. I
Convivendo no sistema o dispositivo com o inquisitivo,2 porém, aIi
está também presente a disciplina do ônus da prova, com atenuações
aos seus possíveis rigores. No extremo das relações jurídico-substanciais
disponíveis, tem-se aplicação bastante inter<*-*>sa do critério de distribui-
ção do onusprobandi, cabendo ele à parte interessada no reconhecimento
do fato; e tem-se também a maior possível intensidade do ônus em si
mesmo, no sentido de que mais grave será a conseqüência do seu possí-
vel descumprimento.3 Onde maior é a disponibilidade dos direitos e in-
teresses controvertidos, ali mais viva é a presença do princípio dispositi-
vo e, conseqüentemente, mais se aplica a regra dejulgamento, segundo
a qual fato não provado é fato inexistente;4 ao ônus de afirmar fatos
,
segue-se o de comprová-los,5 de modo que o juiz, ao dispor-se a julgar,
1. Noprocesso civil inquisitdrio ` `o juiz, mesmo tendo diante de si duas partes está
desvinculado, para a busca da verdade, da iniciativa e dos acordos entre elas" (cfr. Cala-
mandrei, "Linee fondamentali del processo civile inquisitorio", n.11, p.160). E Buzaid,
categórico: "num sistema que admitisse a pesquisa de ofício da veracidade dos fatos, não
teria significação a repartição do ônus da prova" (cfr. "Do ônus da prova", n. 1, esp.
p. 47). Inexiste, porém, processo puramente inquisitivo e o que se vê é a convivência de
traços inquisitoriais com regras dispositivas, variando o grau de participação destas e da-
queles (Cintra-Grinover-Dinamarco Teoriageraldoprocesso, n. 23, pp. 60 ss.). Quanto
ao processo penal, onde a inquisitoriedade é mais acentuada não se elimina mas relativiza-
se
o sistema do ônus da prova, mediante atenuações às exigências inerentes ao esquema váli-
do em processo civil, diferenciando-se o penal com relação a este, especialmente, no que
toca ao ônus da prova dos fatos impeditivos (cfr. Illuminati, Lapresunzione d'innocenza
dell'imputato, p.116; v. infra, nota 12). Essa relativização impõe-se em todos os proces-
sos onde a inquisitoriedade é mais acentuada e na medida da sua presença. Cfr., ainda,
Bedaque, Poderes instrutórios dojuiz, n. 3.3.1, pp. 61 ss.
2. Cfr. Cintra-Grinover-Dinamarco, Teoria gerol do processo n. 23, pp. 60 e ss.;
por isso é que, substancialmente no sentido do que está dito no texto logo a seguir, Miche-
fi afirma a prevalência da "regra de julgamento" (ainda que com menor intensidade),
mesmo
naqueles processos em que o juiz dispõe de maior poder de iniciativa probatória (oficiosi-
dade) (cfr. L ónere della prova, n. 28, p. 189).
3. São coisas diferentes a distribuição do ônus da prova (v.g., art. 333 C PC) e o
próprio ônus, ou seja, o seu "peso". Na experiência concreta dos tribunais, sente-se a
diferença do "peso", p. ex., na comparaçâo entre o ônus de provar a paternidade bioló-
gica em ação de alimentos e na de investigação de paternidade: a maior liberalidade na
primeira hipótese constitui projeção do maior grau de disponibilidade, que lá se tem. A
regra de distribuição não se altera, pois em ambos os casos se trata de fato constitutivo
do direito do possível credor de alimentos (autor) e a ele compete a prova (CPC, art. 333,
inc. I).
4. Sobre a "regra de julgamento", v. supra, n. 30, nota 13.
5. A lei não disciplina a distribuição do ônus de afirmar, diz Carnelutti, porque é
natural o interesse de cada uma das partes na afirmação dos fatos do seu interesse (v.g.:
os fatos constitutivos, pelo autor) e por isso ao legislador não caberia qualquer escolha
(cfr. L a prova civile, n. 3, esp. p. 24).
ESCOPOS DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 249
", g p p
perfeito nos lití ios marcados <*-*> ela indis onibil <*-*>dade vão mais inten-
samente para o campo dos ônus <*-*> menos perfeitos (em outras palavras:
mais se afastam da categoria dos ônus absolutos e mais intensa passa
a ser a sua relatividade).9 Isso quer dizer, em outras palavras, que nos
processos sobre direitos indisponíveis o juiz compartilha com as partes
do encargo probatório, aflorando ditames relativos à sua liberdade in-
vestigatória. Maior é a participação do juiz, como sujeito ativo da pró-
pria instrução.lo E como numa ação de investigação de paternidade, em
que o juiz determina a realização de prova biológica, com ou sem pro-
vocação do autor. I 1
8. O latim onus ("onus, -eris") e o alemão Last (Beweislast ônus da prova) são
vocábulos que, coincidentemente significam "carga", ou "peso". É compreensível, pois,
que se tenha de medir esse peso, conforme o caso.
O que se vê, nesse jogo equilibrado, é outra vez aquele outro equi-
líbrio, entre exigências opostas. Se o juiz cruza os braços e espera a ins-
trução que virá das partes, ele poderá desviar-se dos rumos preferidos
pelo ordenamento jurídico-material, porqu" a prova mal feita lhe ofe-
rece para o julgamento um quadro fático que não corresponde ao real:
ele declarará direitos sem que haja base fática para isso, ou negará di-
reitos apesar de na realidade ter-se configurado a fattispecie concreta
prevista em lei. Se o juiz, ao contrário, fosse indefinidamente em busca
da verdade real, ele estaria dando ao conflito significado talvez maior
do que tem para os contendores e, também, alongando a duração do
processo e retardando a oferta do seu produto final. O equilíbrio, que
transparece como meio de convivência entre o princípio dispositivo e o
inquisitivo, tem raízes mais profundas e o significado teleológico de busca
da harmonia entre exigências vindas de diferentes pólos de atração de
todas as atividades jurisdicionais.
Existe, além disso, a necessidade de pautar-se o juiz, no momento
de julgar, por uma mentalidade sensivelmente instrumentalista, sem a
qual não será correta a medição, que fizer, do grau de intensidade do
onusprobandi. Em processo penal, fala-se de uma genérica "presunção
de inocência'', que no fundo é formulação menos técnica da regra do
ônus da prova dos fatos da acusação.l2 Mas o valor político dessa pre-
interest rei publicae a decisão segundo a verdade, ou seja, fiel à vontade concreta da lei,
pois transcende ao interesse dos litigantes a definição da eventual relaçào de paternidade
entre eles; isso é próprio dos status em geral, que se definem como "unidade de várias
relações jurídicas", com envolvimento de mais de duas pessoas e, portanto, com projeçào
na vida da sociedade (cfr. Carnelutti, Diritto eprocesso, n. 264, esp. pp. 386-387). Uma
coisa é omitir o filho a iniciativa de propor a demanda investigatória, mas conservar para
sempre o poder de fazê-lo; ou reconhecê-lo o pai, mas conservar para sempre o poder
de postular em juízo a declaração da inexistência da paternidade. Coisa diferente é a imu-
tabilidade de uma resjudicata sobre sentença que atribua pai a quem nào é filho, ou que
negue a declaração de paternidade a dano de quem é efetivamente filho. Pensando assim,
como procurador de Justiça alvitrei a conversão do julgamento em diligência, numa ape-
lação contra R. sentença que julgara improcedente a demanda de investigatória sem ter
sido feito o exame biológico da paternidade, não requerido pelas partes (ap. n.
235.894-Sorocaba, parecer em 12.7.74). O Tribunal de Justiça acolheu o alvitre.
12. Correta a colocação feita por Illuminati, associando adequadamente essa dita
"presunção" (que, como formulada, tem conotação destacadamente política e nâo jurí-
dica (cfr. Lapresunzione d'innocenza dell'imputato, p. 5), à temática do ônus da prova
em matéria penal. Diz: "mesmo querendo-se aplicar tal regra de juízo, restaria ainda as-
sim a exigência, muitas vezes reafirmada, de diferenciar adequadamente a sua articula-
ção, com relação ao que é previsto para o processo civil, especialmente no que diz respeito
à prova dos elementos impeditivos" (op. cit., p.116). Eis o ponto: o valor liberdade, que
está em jogo nos litígios penais, é de tão grande significado social e humano, que em no-
me dele (princípio da instrumentalidade) o processo penal não recebe aquela racional re-
gra de distribuição do onus probandi, vigente no processo civil (e, então, pelo menos se
atenua bastante o encargo probatório do acusado, sem que ele tenha o ônus integral de
provar, v.g., alguma justificativa penal eventualmente alegada).
ESCOPOS DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL 251
sunção sobreleva ao seu mero significado técnico-processual, valendo
ela como princípio de largo espectro no rol de garantias ao acusgdo: o
valor liberdade, que está e'<*-*>11 )ogo nos litígios penais, é de tão rande
significado social e humano, que em nome dele o processo penal não
recebe aquela puramente racional regra de distribuição do onus probandi
vigente no rocesso civil; e, então, ao menos atenua-se bastante o en-
cargo probá ório do acusado, sem que ele tenha o ônus integral de pro-
vá
, v,g., alguma justificativa penal eventualmente alegada.
E diz-se também que "é preferível absolver noventa e nove culpa-
dos do que condenar um só inocente'' <*-*> m da a pena de<*-*>morte gé pé oalor
político nos sistemas jurídicos onde incluí me <*-*>
nos exagerada nos demais e não pode servlr de inspiração ou critério
Mas existe ainda outra e mais forte razão, para que menos rigor
seja imposto nos julgamentos e, apesar de eventuais resíduos de incerte-
za subjetiva no espírito do uiz, venha ele a aceitar rocé so crimdn<*-*>átos
alegados: é que, diferentemente do que se dá no p no
civil defrontam-se ordinariamente dois interesses da mesma ordem em
conflito, e razão alguma existe páa Que o Estado-legislador ou o Estado-
uiz manifeste preferência por algum deles. Impor pena ao inocente traz
o sentido da injustiça e truculência impostas a uma pessoa sem vanta-
gem alguma para a parte contrária, até porque ao Estado nada favorece
o ali amento de um membro prestante e não nocivo à sociedade. Atri-
buir um filho ao réu que não foi biologicamente responsável pela gera-
ção do autor, todavia, é injustiça de igual teor da consistente em negar
ao autor ue realmente seja filho, a condiçãá pagá lca decorrente do
, Q o réu Que não de-
nexo de filiação. Do mesmo modo, condenar
ve ou
privar o verdadeiro credor do seu crédito, constituem in ustiças
de igual natureza e teor.
13. Sobre o tema, v. a profunda investigação na bem sucedida tese de Antonio Ma-
galhães Gomes Filho, Presunção de inocência passim (laureada com grau dez e louvor
em concurso de doutoramento na Faculdade do Largo de São Francisco, perante banca
da qual tive a honra de participar).
14. As enerosas cautelas do Iluminismo, Beccaria à frente, não têm valor invariá-
vel, sub s ec é aeternitatis e em todo e qualquer contexto sócio-político ou jurídico. Va-
lem intrinsecamente pelo elevado espírito de respeito à pessoa, mas cada sociedade há de
aplicá-las segundo as conveniências, sem que com isso elas fiquem minimizadas ou des-
consideradas.
15. O critério, em síntese, é o do interesse: cada uma das partes provará as proposi-
ções que Ihe favoreçam no julgamento. O autor tem o ônus de provar os fatos constituti-
vos do seu alegado direito, (CPC, art. 333, inc. I), bem como os fatos impeditivos da efi-
cácia dos fatos extintivos ou impeditivos alegados pelo réu (v. g., erro na emissão de reci-
bo). Ao réu incumbe provar fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do alegado di-
reito do autor (inc. II), mais algum outro que haja sido argüido contra esses provados
pelo autor. Tal é, fundamentalmente, a posição de Chiovenda (Principü, § 55, I, p. 787)
(não é o caso de considerar, nesta sede, a singular colocação de Carnelutti, determinando
o ônus da prova "com base no interesse à afirmação": v. Laprova civile - parte genera-
le, n. 3, esp. p. 24; nem a interessante proposta de Micheli, considerando "a posição dos
fatos nafattrspecie": cfr. L'onere dellaprova, n. 50, esp. p. 313).
16. Refiro-me ainda uma vez a Niklas Luhmann, Legitimação pelo procedimento,
pp. 22-23. São burocráticas e comodistas as soluções (que Barbosa Moreira combate; v.
n. ant., nota 15) consistentes em abrigar-se o juiz no ônus da prova e na regra de julga-
mento, exacerbando o peso daquele e decidindo formalmente por esses critérios que só
haveriam de servir em caso de falência total das tentativas de trazer aos autos elementos
suficientes de convencimento.
bilidade superior a 98% de Que o réu seja pai do autor.l<*-*> Havendo al-
um adminículo probatório por outro meio, por débil que seja, e não es-
ándo excluída por modo algtim a possibilidade de ser é<*-*><*-*>s n nça. ls Ele
visão instrumentalista há de levar o juiz a afirmar isso
18. É muito comum o recurso à exceptio plurium concubentium, mas ela só poderá
levar à negativa da paternidade admitida pela prova HLA se tiver sido feita cqncretamen-
te e flcar rovada a romiscuidade sexual da mãe do autor (não é de excluir ue, concor-
dando, tá bém o su osto parceiro seja submetido a exame). Em suma: é preciso ter pre-
sente que de i ual ávidade é o erro consistente em dar pai a quem não é fllho e negar
pai a quem o é: daí os maiores cuidados na busca de elementos de convicção e na aplica-
ção da regra de julgamento. Estas considerações sobre a prova HLA perderam atualidade
com a superveniência do teste DNA, que conduz à certeza cientifica da paternidade. Mas
continua válido o raciocínio.
19. Essa postura corresponde, no fundo, à atitude introspectiva que venho comba-
tendo: o dirieto pelo direito. As preocupações que manifesto e soluções que prefiro são
inerentes à mentalidade instrumentalista que há de prevalecer, tendo em vista o serviço
que a ordem social espera do processo e a perene preocupação em não lhe impor
decepções.
21. V. ainda Watanabe, op. loc., cit., nota ant.: destaca "a regra proibitiva de qual-
quer forma de denegação da justiça, decorra ela de norma processual ou substancial".
22. Tal exigência e patético apelo ao juiz. Cfr. LPC, art. 5<*-*>: v. ainda Dinamarco,
Manual das pequenas causas, n. 4, esp. p. 7.
23. Id., ib., p. 8.
gpjp
incidentes, que inte ram o rocesso embora este am fora do rocedi-
mento principal, provocando com isso decisões do juiz. Também nes-
sa atividade decisória, é natural que se paute o juiz por critérios depro-
babilidade suficiente, formando livremente o seu convencimento apesar
de não ter chegado à certeza quanto à matéria a apreciar. A própria lei
deixa margem de discricionariedade ao juiz, correndo risco de errar, v.g.,
quando limita a revisibilidade da avaliação do bem penhorado aos ca-
sos de erro, dolo ou queda do valor -, cabendo à sensibilidade do
juiz, em cada caso, a percepção da ocorrência de alguma das hipóteses
legais.
A mais significativa tomada de posição quanto à aderência dos re-
sultados do processo executivo ao direito substancial é o próprio siste-
5. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n.1, esp. pp. 8 e 10; Watanabe alude a essa pas-
sagem como sendo a sublimação da "preocupação dos romanos em impedir execuções
injustas" ("Contribuição" cit., n. 11, esp. p. 21).
6. É conhecida a história da condensação das tendências opostas de romanos e ger-
mânicos, por volta do ano 1000, mediante a síntese representada pelo título executivo:
cfr., por todos, Dinamarco, Execução civil, n. 2, esp. pp. 25 ss.
7. E isso, não só pela nobre linhagem romana e tradição que a acompanha (non
est inchoandum ab executione), como ainda pela segurança, dada, tanto quanto seguran-
ça se possa ter, pela declaração do direito nela contida. Isso não significa, todavia, que
a declaração em si mesma faça parte do título: v. Liebman, Le opposizioni di merito nel
processo d'esecuzione, nn. 75 e 83, pp. 141 e 164.
da
essoa que figura como emitente: suportará a execução até que, me-
di nte embargos ou incidente de falsidade, obtenha a declaração do fal-
so perpetrado. No Brasil, átendência à ampliação dos títulos executi-
vos chegou ao ponto de conferir eficácia de título à duplicata não-aceita
rotestada por falta de aceite e acompanhada de comprovante da
mas p ç p <*-*>8 é um onto à
entrega da mercadoria vendida ou do servi o restado. p
frente, nessa linha de correr riscos em nome da probabilidade razoável.
nor nas execuções por título extrajudicial, porque o único ato constriti-
vo a realizar antes da cognição, que figurava como obrigatória no pro-
cedimento especialíssimo, era a penhora; por isso, a lei brasileira sentia-
se à vontade para consignar número bastante elevado de títulos executi-
vos extrajudiciais. Hoje, com a equiparação da eficácia destes à dos ju-
diciais, continuamos porém com a mesma tendência expansiva e não se
conhece qualquer ordem processual, no continente europeu, em que tan-
tos sejam os títulos executivos extrajudiciais. O risco aumentou, portanto.
8. Cfr. lei n. 5.478, de 18 de julho de 1968 art.15, inc. II (red. lei n. 6.458, de 1.11.77).
9. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 25, pp. 261 ss.
10. Cfr. Liebman, Processo de execução, n. 6 pp. 9 ss.; Liebman, "Instituti del
diritto comune nel processo civile brasiliano", n. 13, pp. 514 ss.
11. Fi uei vencido no Plenário do 1 <*-*> Tribunal de Alçada Civil deste Estado ao sus-
q ( o .j p ,l
tentar o que está no texto cfr.1. TACSP <*-*> Pien<*-*><*-*> 154, pp r4l4<*-
*>ss.)283.540 . 21.10.82,
m. v., JTA-RT vol. 83/1) (Execução civil I, n
dos bons exemplos europeus, todavia, a Lei das PeQuenas Causas insti-
tui a discricionariedade do juiz na outorga de efeitos ao recurso inter-
osto: ele ordinariamente é privo de suspensividade (e, portanto, a sen-
énça terá efeito imediato, autorizando a execução provisória), mas on-
de o perigo for maior o juiz eliminará o risco de injustiças na execução
provisória, acrescendo-lhe efeito suspensivo. Augura-se que essa práti-
ca invada o processo civil comum, mesmo porque em sede de mandado
de segurança contra ato jurisdicional já vêm os tribunais acrescentando
efeito suspensivo a recursos que ordinariamente não o têm, sempre que
a eficácia imediata da decisão sob recurso possa trazer lesão a direito
líquido e certo do recorrente.ls
18. Cfr. Dinamarco, "A Lei das Pequenas Causas e a renovação do processo civil",
n. 4, e, p. 202.
para que mais efetiva possa ser a própria atividade jurisdicional consi-
derada como um todo.4
4. Cfr. Calamandrei, Introduzione cit. n.17, p. 47. Ilustra a exposição com o caso
de uma artista que viu o seu semblante reproduzido sobre o corpo de uma ninfa figurada
em afresco nas paredes de uma casa noturna de Paris e "dançava em vestes extremamente
sucintas" (p. 48)' pediu medida inominada, destinada a mandar cobrir a imagem.
5. A "utilidade das decisões", que as medidas cautelares concorrem para garantir,
constituip onto de muito destaque na "efetividade do processo" de que se cuida ao fim
da obra. E mesmo uma questão de mentalidade essa consistente em dispor-se o intérprete
e notadamente o juiz a buscar toda a potencialidade do processo, como instrumento que
se justifica pela utilidade social e política que possa ter.
10. Cfr. CPC, art. 801, inc. II. Theodoro Jr. associa essa exigência, expressamente,
ao caráter instrumental do processo cautelar (cfr. Processo cautelar, n. 89 esp. p. 124:
"o processo cautelar é instrumental, serve à tutela de outro processo, que a doutrina cha-
ma principal ou de mérito").
11. E por isso é que nem ficam cobertas pela autoridade da coisa julgada as decisões
concessivas ou denegatórias de medidas cautelares nem elas vinculam depois, o julgamento
do mérito (cfr. CPC, arts. 807, 2<*-*> parte; 810, 817 - salvo quando pronunciarem a pres-
crição ou decadência, caso em que repercutem na ação principalj.
IX
A INSTRUMENTALIDADE
E SEU DUPLO SENTIDO
1. Como vem sendo dito, é relativizar o binômio substance- rocedure. Não se trata
de renunciar à autonomia do direito processual e muito menos aos princípios solidamente
instalados em sua ciência e a nível de garantias constitucionais. E que a autonomia do
processo não implica seu isolamento e o seu culto como se fosse um valor empi mesmo.
Ao longo de todo o trabalho e a partir do seu n.1, foi feita a denúncia do su eramento
daquela atitude nosiológica da fase "autonomista" principiada por von Bülow, mas é
claro que sem osgconhecimentos que ela propiciou, o processualista moderno não poderia
alçar os vôos que pretende: seria tentar a fisiologia, quem não conhece a anatomia.
Sob esse aspecto, merece ser lembrada a Lei das Pequenas Causas
4. V. supra, n. 16.
4. Cfr. Cappelletti, "Accesso alla giustizia come programma di riforma e come me-
todo di pensiero": "do mais recente movimento pelo acesso ao direito e à justiça pode-se
dizer que subverteu todos os métodos precedentes. Realmente, não se limitou a estender
a análise das normas às instituições e ao seu modo de operar, como muito meritoriamente
já haviam feito as várias correntes do pensamento realístico moderno; e essa sua análise
realística e funcional concentrou-se nos consumidores e não mais nos produtos do sistema
jurídico. A análise dirigiu-se, então, às partes e aos administrados, antes que aos juízes,
legisladores e administradores"; e, com isso, "os juízes legisladores e administradores
são vistos a uma nova luz, ou seja, à luz da demanda dos consumidores".
1. Cfr. Gelsi Bidart, "Proceso y época de cambio", p. 442: uma verdadeira preocu-
pação do processualista, no plano da ação teórico-prática, deve ser a de conseguir a efeti-
va universalização do processo: que não fique direito algum sem a possibilidade de ser
deduzido e obter reconhecimento e aplicação no processo". A Lei das Pequenas Causas
(lei n. 7.244, de 7.11.84) e a da Ação Civil Pública (lei n. 7.347, de 24.7.85) têm manifes-
tamente esse intuito de abrir uma caminhada para a universalização do processo.
2. Por isso, hoje existe uma consciência generalizada, entre os processualistas, no
sentido da abertura do Judiciário. Como é notório, por iniciativa de Mauro Cappelletti
teve lugar uma ambiciosa e completa pesquisa sobre o problema do acesso à Justiça: foi
o Projeto Florença (The Florence Access-to-Justice Project), que contou com o apoio da
Ford Foundation e do Conselho Nacional de Pesquisas da Itália. Desse estudo coletivo
interdisciplinar, participaram juristas, sociólogos, economistas, antropólogos, politicólo-
gos e psicológos, de cerca de três dezenas de países dos cinco continentes. Obteve-se, com
isso, uma ampla visão dos esforços e da evolução no sentido da efetividade do acesso à
justiça. Informa Cappelletti, no ensaio escrito em co-autoria com Bryant Garth, que o
movimento pelo acesso à justiça constitui um aspecto central do moderno Estado social,
ou welfare State; nos países ocidentais, esse movimento tem transparecido em três fases
(ou ondas), iniciadas em 1965. Aprimeira onda consistiu na assistênciajuradica (supera-
ção dos obstáculos decorrentes da pobreza); a segunda diz respeito às reformas necessá-
rias para a legitimação à tutela dos "interesses difusos", especialmente os respeitantes aos
consumidores e os pertinentes à higidez ambiental; e a terceira onda traduz-se em múlti-
plas tentativas com vistas à obtenção de fins diversos, entre os quais: a) procedimentos
mais acessíveis, simples e racionais, mais econômicos, eficientes e adequados a certos ti-
pos de conflitos; b) promoção de uma espécie de justiça coexistencial, baseada na conci-
liação e no critério de eqüidade social distributiva; c) criação de formas de justiça mais
acessível e participativa, atraindo a ela os membros dos grupos sociais e buscando a supe-
ração da excessiva burocratização (cfr. Cappelletti-Garth, "Access to Justice: the world-
wide movement to make rights effective. A general report" pp. 21 ss.); cfr. ainda Cappel-
letti, "Acesso alla giustizia come programma di riforma e come metodo di pensiero' ',
passim.
À vista desse quadro e dos recentes diplomas brasileiros referidos, "dentro do universo
cappellettiano atingimos agora - talvez - a terceira grande onda, ultrapassada aquela
da intervenção estatal na tentativa de se obter plena eficácia na aplicação da assistência
judiciária e sem que se adentre, por ora, no âmago da segunda: a proteção de interesses
difusos" (cfr. Lagrasta Neto, "Juizado Especial de Pequenas Causas e direito processual
civil comparado", n. 6, esp. p. 97).
que sem ela não seria proferida e dá origem a um novo processo) não infirma o entendi-
mento de tratar-se de veículo para a defesa do executado (v. Liebman, Processo de execu-
ção, n. 88 ss., pp. 214 ss.): eles são "uma ação" e "um processo" de fins defensivos,
porque constituem a via institucionalizada para a resistência do devedor.
8. Já formada jurisprudência assim, depois sobreveio alteração no sistema estadual
de custas e emolumentos, ficando então determinado que "nos embargos do devedor não
são devidas custas, emolumentos e contribuições" (dec. est. n. 14.716, 5.2.80, tabela 1,
nota 7'). Sobreveio outra disciplina da matéria (res. SJ 167, de 30.5.85), que foi omissa
a respeito, mas as razões da jurisprudência anterior perduram.
9. Cfr. Const., art. 5", inc. LXXIV: "será concedida assistência judiciária aos ne-
cessitados, na forma da lei" (a "lei" é a de n. 1.060, de 5.2.50).
10. A Ordem dos Advogados do Brasil tem posição firmada, considerando os advo-
gados liberados de qualquer dever de patrocínio gratuito, porque o dever é do Estado,
que promoteu solenemente a assistência judiciária, e porque o envolvimento com os servi-
ços gratuitos compromete a exercício profissional da advocacia (cfr. conferência do advo-
gado Carlos A. Canellas de Godoy, conselheiro da O.A.B.-SP, 23.11.84). Apesar do dita-
me do art. 87, inc. XI, do seu Estatuto, a entidade proclamara que "o advogado não tem
obrigação de trabalhar rotineiramente como operário intelectual, sem qualquer remune-
ração, contribuindo com isso para que a omissão do Estado em providenciar, como deter-
mina a Constituição, assistência judiciária aos necessitados, seja mantida" (apud Negrão,
Cógido de Processo Civil e legislação processual em vigor, nota 11 ao art. 87 EOAB, 2<*-
*> col.).
11. Cfr. LPC, art. 54 (v. também art. 9", § 1").
12. Cfr. Dinamarco, "Princípios e critérios no processo das pequenas causas", n. 5,
pp. 110-112; Watanabe, "Assistência judiciária e o Juizado de pequenas causas", n. 3,
pp. 164 ss.
qj
quadro ixo da Justi a não são hie4ar uicamente subordinados ao uiz
do ponto de vista administrativo.
munhas etc.) e ter-se-á como avaliar todo o custo social a que eles estão
sujeitos.<*-*>5 Também quanto a isso, a Lei das Pequenas Causas é porta-
dora de propostas muito realistas, não somente porque gratuito o pro-
cesso, como ainda porque dispensa o patrocínio técnico (e a despesa ad-
vocatícia constitui muitas vezes peso desproporcional à causa) e abrevia
o procedimento, poupando partes e testemunhas de sucessivos compa-
recimentos.
Causa jurídica de estreitamento da via de acesso à Justiça é a disci-
plina da legitimatio ad causam ativa, no processo civil individualista que
herdamos e praticamos. Em princípio, por expressa disposição legal, a
cada um cabe defender em juízo somente os seus próprios direitos,
reputando-se excepcionalíssimos e de direito estrito os casos de substi-
tuição processual.l6 Tal disciplina consiste numa interpretação acanha-
da e insuficiente da garantia constitucional da ação e da inafastabilida-
de do controle jurisdicional, em contraste com as tendências solidaris-
tas do Estado e do direito contemporâneos. Hoje, importa menos "dar
a cada um o que é seu'', do que promover o bem de cada um através
do bem comum da sociedade, tratando o indivíduo como membro desta
e procurando a integração de todos no contexto social. Aquela linha de
legitimação individual, válida na maioria dos casos, corresponde ao tra-
tamento "atômico" tradicionalmente dado aos conflitos, sem cogitar
da dimensão supraindividual que estes podem muitas vezes apresentar;
sucede-lhe agora o impulso doutrinário no sentido da "molecularização"
do direito e do processo, ou seja, do tratamento dos conflitos a partir
de uma ótica solidarista e mediante soluções destinadas também a gru-
pos de indivíduos e não somente a indivíduos enquanto tais.<*-*><*-*>
15. Já não me refiro ao custo pecuniário do processo, como se vê (v. também supra,
notas 4 ss.). A litispendência não deveria ser, na vida das pessoas, um peso maior que
o necessário. Mas é. Adiam-se audiências com extrema freqüência e isso obriga as pessoas
a sucessivos comparecimentos. Os serviços da infra-estrutura cartorária são muito buro-
cráticos e desatualizados (a informática nos serviços do processo ainda constitui pouco
mais que uma esperança, no Brasil; sabe-se somente de sua implantação em Porto Alegre).
16. CPC, art. 6<*-*>. Mas v. a interpretação sistemática bastante otimista de Kazuo Wa-
tanabe, que, discordando de Barbosa Moreira, chega a uma satisfatória abertura da legiti-
matio ad causam apesar da dicção intencionalmente restritiva do individualista art. 6<*-*>
(supra,
n. 31, nota 15).
17. Corresponde inteiramente a esse modo de pensar a proposta da comissão encar-
regada do anteprojeto de revisão do Código de Processo Civil, no sentido de acrescer um
parágrafo ao art. 6<*-*>, verbis: "as entidades públicas e privadas poderão ingressar em
juízo
na defesa de interesses transindividuais que se incluam entre os seus fins" (a comissão
era composta dos juristas Luís Antônio de Andrade, José Joaquim Calmon de Passos,
Kazuo Watanabe, Joaquim Correia de Carvalho Jr. e Sérgio Bermudes; o anteprojeto foi
oferecido à crítica e sugestões da comunidade mediante publicação no DOU de 24.12.85
e a partir de então, infelizmente, não se cuidou mais dele: a mudança de titular da pasta
da Justiça enterrou o anteprojeto). C omo tem sido dito, a lei n. 7.347, de 24 de julho
de 1985 (Ação Civil Pública), foi importante passo no sentido de abertura da via de acesso.
pp,
processuais da Europa continental e dos aíses latino-americanos a eles
filiados, até que surgisse em <*-*>de doutrinária essa onda" renovatória;
elas corres ondem ao espírito individualista do direito romano, que her-
damos. Já os ordenamentos jurídicos de origem anglo-saxônica, livres
dos postulados a que estamos presos desenvolveu-se a idéia s gidarista
p
rocesso não está assim rigorosamente preso à regra da le itimatio
n ividual, nem à da eficácia subjetivamente limitada da sentenças As
class actions constituem manifestações eloqüentes desse espírito.
"Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti alla giustizia civile", p. 365). Sobre a
rica temática, v., entre nós: Ada Pellegrini Grinover ("A tutela jurisdicional dos interes-
ses difusos"; "Novas tendências na tutela jurisdicional dos interesses difusos"; "A pro-
blemática dos interesses difusos" e "A tutela jurisdicional dos interesses difusos no direi-
to comparado"); Barbosa Moreira ("A legitimação para a defesa dos interesses difusos
no direito brasileiro"; "A ação popular do direito brasileiro como instrumento da tutela
jurisdicional dos chamados interesses difusos"; "A proteção jurídica dos interesses cole-
"); Maris de Oliveira, "Tu-
tivos" e "Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos "Tutela urisdicional dos
tela jurisdicional dos interesses coletivos e difusos'' ; watanabe, )
interesses difusos: a legitimação para agir". j
19. Cfr. lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública). V. ainda
a lei n. 8.078, de I1 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).
20. V. nota 16, supra.
21. O anteprojeto de lei modificando o Código de Processo Civil (v. supra, nota
17) também previa: a) uma tutela específica da obrigação de fazer ou não-fazer (arts. 889-A
e 889-B); b) um incidente de "molecularização" das ações individuais que envolvam, num
dos pólos, sempre a mesma parte e tendo por fundamento uma idêntica tese jurídica (arts.
479-A a 479-F). Quem conhece a vida forense de cada dia sabe como sâo repetidas certas
teses, às centenas de processos, como em matéria tributária ou relativa ao funcionalismo.
22. Cfr. Barbosa Moreira, cit. nota 17. Tudo quanto se disse e se vê a respeito con-
firma a tendênciapublicista do processo, como reflexo dessa "transmigração" do indivi-
dual para o social, com a conseqüência de o processo ficar cada vez mais longe de ser
` `um negócio combinado em familia" (cfr. Liebman, Efficacia ed autorità della sentenza,
n. 34, esp. p.125): quanto mais ele repercute na vida social, e número cada vez mais cres-
cente de pessoas, mais se evidencia a necessidade de ser tratado como instrumento do Es-
tado e da sociedade, com menor poder de disposição para as partes e mais intenso grau
de participação do juiz (v. supra, n. 5; infra, n. seg.).
24. Cfr. Carnelutti, Istiuzioni delprocesso civile italiano, I, nn. 59 ss., pp. 60 ss.:
ele fala em "equivalentes do processo civil" (e não da jurisdição), em virtude de suas co-
locações em torno da função processual (v. esp. n. 3, p. 5). V. também Boaventur<*-*> de
Sousa Santos, cuidando das soluçôes alternativas para a "mediação" dos conflitos "O
Estado, o direito e a questão urbana", n. 2, esp. p. 21).
Pois é aí que, chamando para o seu âmbito essa atividade hoje dis-
persa entre outros pólos conciliadores (estatais ou não)2s e oferecendo-
se como canal de desafogo da litigiosidade contida29 no espírito dos que
não têm quem lhes valha ou não se animam a ir a Justiça, o Poder Judi-
ciário ganha pontos em sua legitimidade e com isso concorre eficiente-
mente para a ampliação da via de acesso aos serviços jurisdicionais. Tu-
do isso se insere no contexto de um trabalho muito paciente a ser desen-
volvido e a recente implantação dos Juizados Especiais de Pequenas Cau-
sas é apenas um fator de esperança.30-31
a essa realidade, apresenta a conciliação, seja processual ou extra. O que no fundo quis e
conseguiu demonstrar a ilustre professora paulista foi a conveniência dessa atividade de
con-
ciliação, a qual naturalmente há de ser praticada em cada país segundo as suas
características
e necessidades (cfr. Ada P. Grinover, "Conciliação e Juizado de Pequenas Causas",passim).
27. Cfr. Tércio Ferraz Sampaio Jr., "O oficial e o inoficial". Assim é também em
cada família "nuclear", em que há sempre as próprias regras de convivência e a própria
práxis de solução dos pequenos conflitos surgidos, sob a condição do cabeça-de-casal.
28. Ministério Público, Delegacias de Polícia, ultimamente o Procon.
29. Cfr. Watanabe, "Filosofia e características básicas do Juizado Especial de Pe-
quenas Causas", n. 2, p. 2. Pior é a situação desses que, por fás ou por nefas, ficam con-
denados a definitiva decepção, não tendo como ou não sabendo como, ou não se animan-
do a externar a sua insatisfação a algum órgão ou a alguém que possa procurar o caminho
da pacificação do seu conflito e do seu espírito. Esses são os indiferentes resignados ou
inibidos, de que fala Barrios de Ángelis, e que ficam à margem das atividades pacificado-
ras, alimentando o germe de uma revolta.
30. Esperança justificada, em primeiro lugar, pelo sucesso da experiência inoficial pionei-
ra do Rio Grande do Sul; também pelo conhecimento, que se tem, dos bons resultados da
conciliação e das small claims courts e demais iniciativas similares em diversos países (cfr.
Lagrasta Neto, ` `Juizado Especial de Pequenas Causas e direito processual civil
comparado''
passim com criteriosa e paciente exposição dos modelos existentes); e, finalmente,
justifica-
da pelo alto nível de conciliação que se vem obtendo nos Juizados Informais de
Conciliação.
31. São coisas diferentes: a) a Justiça alternativa, representada por órgãos pacifica-
dores estranhos ao Poder Judiciário (não exercem a jurisdição mas procuram cumprir sua
função social de pacificar); b) o direito alternativo, que são normas não-estatais de com-
portamento, ditadas por pessoas dotadas de poder suficiente ou por entidades com ou
sem legitimidade (o "direito" das favelas); c) o uso alternativo do direito, representado
pela interpretação da ordem jurídica estatal segundo a visão (teleológica) dos objetivos
a realizar e (axiológica) dos valores a preservar. Está ligada a esse último conceito a idéia
do direito,j7exivel ("pour une sociologie du droit sans rigueur": cfr. Jean Carbonier Fle-
xible droit, "passim"). Também ali se situam as investigações de Elício de Cresci Sobri-
nho no livro Justiça alternativa (apesar do título sugerir outra idéia - a dos organismos
não-judiciários).
uma das partes tem liberdade para produzir provas admissíveis e isso são faculdades; e
tem poderes relacionados com a prova, em face dos quais lhe é lícito exigir a realização
de atividades probatórias pelo juiz.
4. V. supra, n. 16, Const., art. 5", inc. LV.
foi o dispositivo em exame,ll o qual veio a ser alterado por lei poste-
rior ao Código.
O grau de participaçãc J<*-*>o juiz na realização do processo é também
um
`<*-*>ponto sensível" relativo ao modo de ser deste. Nos sistemas político-
constitucionais marcados pela busca do bem-comum e nos de conota-
ção socialista, o processo recebe influxos publicistas que impõem a pre-
sença do juiz atuante.l2 E assim é o nosso sistema processual da atuali-
dade, onde a todo momento é preciso enfatizar que os juízes são os con-
dutores do processo e o sistema não lhes tolera atitudes de espectador.
A escalada inquisitiva, no processo civil moderno, corresponde à cres-
cente assunção de tarefas pelo Estado contemporâneo, o qual repudia
a teoria dos "fins limitados".13 É claro que essa tendência publicista
não poderia chegar ao ponto de autorizar o exercício espontâneo da ju-
risdição, nem de substituir as iniciativas instrutórias das partes pelas do
juiz; mas, para a efetividade jurídica social e política do processo, algu-
mas mitigações a esse imobilismo do agente jurisdicional vão sendo es-
tabelecidas.
Os casos de jurisdição exercida ex officio são raríssimos. O sistema
impõe ao juiz criminal, todavia, um grau de cooperação com o Ministé-
rio Público na iniciativa da persecução penal, ao determinar que provo-
que a manifestação do Procurador-Geral da Justiça quandol4 ão con-
cordar com o pedido de arquivamento de inquérito policial, manda,
também, que todo juiz encaminhe cópias de autos ao Parquet, sempre
que em algum processo vislumbrar a prática de infração criminal. ão
se trata de funções de natureza jurisdicional, mas são atividades admi-
nistrativas acessórias à jurisdição, exercidas pelo agente desta e com vistas
ao seu possível exercício futuro. No curso do processo, cabe ao juiz in-
fluir sobre o andamento e endereçamento do litígio, tanto quanto não
chegue ao ponto de comprometer sua imparcialidade.16 Tentar a conci-
liação e aconselhar os litigantes poderia parecer fonte de envolvimentos
indevidos nos negócios destes, mas a experiência mostra que não é: a
12. No tocante à URSS, "é o princípio inquisitório que impera" (cfr. Habscheid,
"As bases do direito processual civil", n.1, p.119); e isso, mercê do grande coeficiente
de interesse público depositado nos processos, todos voltados institucional e independen-
temente de quem sejam os litigantes a "salvaguardar o sistema social e estatal da URSS",
etc. (cfr. Gurvich, Derechoprocesalcivilsoviético, § 1. , p. 7). Sobre publicismo e partici-
pação do juiz, v. supra, n. 5.
13. V. supra, n. 5.
14. CPP, art. 28.
15. CPP, art. 40.
21. Cfr. Liebman, "Fondamento del principio dispositivo", nn. 4-5 pp. 7-9. No
Brasil, como já se disse, a presença do Ministério Público no processo civil é particular-
mente sensível e isso é sinal de boa tendência publicizante (supra, n. 5).
22. Considerando que o jurídico absorve o social e o político isso significa que in-
diretamente, decisões conformes com o direito material serão também, em princípio (sal-
vo exceções, e casos em que o direito substancial destoe dos valores sociais), capazes de
cumprir com a tarefa social magna de pacificar com justiça e de prestigiar o Estado e o
seu ordenamento (v. supra, n. 29).
23. A rigor, em todo processo há um interesse público, que é o interesse público
ao correto exercício da jurisdiçâo a qual é uma funçâo do Estado. Mas o interesse públi-
co que legitima o Ministério Público é outro e diz respeito às partes, ao próprio litígio
ou peculiaridade do processo.
ticidade desse arcabouço, que deve ser o mais elevado possível para per-
mitir que pelos atos e fases do procedimento flua com eficiência e cele-
ridade o exercício corretó da jurisdição, da ação e da defesa -, mas
tudo sem prejuízo substancial ao clima de segurança que há de imperar
nas atividades estatais (due process of law). As mesmas regras procedi-
mentais que constituem penhor da efetividade do contraditório pode-
riam tornar-se empecilhos a ele, se enrijecidas; e também constituiriam
fator de distanciamento entre o juiz e a causa, além de propiciar delon-
gas desnecessárias. Volta, com isso, o discurso sobre a instrumentalida-
de das formas no procedimento e a séria advertência sobre a sua função
vital no direito processual moderno.
31. A lei e a linguagem que temos no Brasil dão a idéia de que a cada procedimento
tipificado corresponda uma ação típica, o que é errado e constitui reminiscência romanís-
tica das actiones, para as quais inexiste espaço no sistema processual contemporâneo (cfr.
Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, n. 149, p. 272).
que se quer, com essas novas disposições, é afinal a pacificação tão pronta
quanto possível, para a menor possível duração do estado social de in-
satisfação. Se a lei for<*-*>em cumprida, o processo terá condições, ali,
de atingir aos graus mais satisfatórios de efetividade que se podem al-
mejar, especialmente no tocante ao escopo social considerado.
3. V. supra, n. 28.3.
4. V. supra, n. 14.3; n. 28.3.
5. Ao juiz cabe o papel de árbitro do equillbrio das tensôes sociais, que no processo
se manifestam (cfr. Baur, "Transformações do processo civil em nosso tempo", p. 66):
mais do que dar solução a pretensões, aos conflitos em si mesmos, ele precisa estar atento
à relação global entre as pessoas e pronto a restabelecer o equih'brio afetado; essa é a "tran-
formação da sentença judicial", alvitrada ainda por Baur e que se insere num contexto
de mudanças, que, como foi dito, só serão possíveis se corresponderem a uma efetiva trans-
formação na mentalidade do jurista e especialmente do juiz. É nesse sentido que se espera
do juiz o desempenho da função de "árbitro dos conflitos sociais" (v. Denti, Processo
civile e giustizia sociale, p. 69).
6. Entra aqui, outra vez, o que tem sido dito sobre a participação do juiz na revela-
ção do direito do caso concreto. Ser sujeito à lei não significa ser preso ao rigor das pala-
vras que os textos contêm, mas ao espírito do direíto do seu tempo. Se o texto aparenta
apontar para uma solução que não satisfaça ao seu sentimento de justiça, isso significa
que provavelmente as palavras do texto ou foram mal empregadas pelo legislador, ou o
próprio texto, segundo a mens legislatoris, discrepa dos valores aceitos pela nação no
tempo
bém
podem ter sido mal feitas. Em ambas as hipóteses carecem de legi-
timidade as decisões que as considerem isoladamente e imponham o co-
mando emergente da rxiéra interpretação gramatical. Nunca é dispensá-
vel a interpretação dos textos legais no sistema da própria ordem jurídi-
ca positiva em consonância com os princípios e garantias constitucio-
nais (interpretação sistemática) e sobretudo à luz dos valores aceitos (in-
terpretação sociológica, axiológica). Tal é, em substância, o pensamen-
to inerente ao uso alternativo do direito.
Daí, porém, não deve emanar a idéia de uma carga excessiva e peri-
gosa de poderes entregues ao juiz. Legislador ele não é e, com as ressal-
vas postas, sempre continua o juiz sujeito à lei. Aquele que, a pretexto
de dar a esta uma interpretação evolutiva, pretender impor soluções suas
personalíssimas, decorrentes de suas opções políticas, crenças religiosas,
preconceitos, preferências etc., estará cometendo ilegalidade e sua deci-
são não será legítima.
Muito eloqüente é o caso, que foi amplamente noticiado na imprensa
italiana na década dos anos setenta, do juiz que, comprometido com
o pensamento marxista de supremacia do proletariado, beneficiou com
a reintegração no emprego um padeiro que havia sido despedido em vir-
tude de envolvimento amoroso com a mulher do patrão: eram somente
os três trabalhando na pequena empresa e a situação de constrangimen-
to criada com essa decisão absurda era insuportável. Nos noticiários a
propósito, manifestou-se verdadeira indignação popular a respeito, o que
é sinal inquestionável de falta de legitimidade. Além disso, a própria es-
trutura técnico-processual oferece meios para minimizar riscos como esse
e assegurar decisões despersonalizadas, através do duplo grau de juris-
dição; em grau de recurso, aquela decisão do juiz italiano foi cassada
e a justiça se restabeleceu, com o primado dos valores da sociedade so-
bre as preferências pessoais do juiz.
presente. Na medida em que o próprio ordenamento jurídico lhe ofereça meios para uma
interpreta ão sistemática satisfatória perante o seu senso de justiça, ao afastar-se das apa-
rências verbais do texto e atender aos valores subjacentes à lei, ele estará fazendo cumprir
o direito.
Causas, onde se diz que "o juiz adotará em cada caso a decisão que re-
putar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exi-
gências do bem comum'"<*-*>.lo Tal colocação, reflexo evidente de norma
contida na Lei de Introdução ao Código Civil,lt seria vazia de objeti-
vos, não fosse a sensível preocupação em lembrar ao juiz o seu solene
compromisso com a justiça e conclamá-lo a proferir decisões justas, sem
formalismos ou comodismos.lz
çPPP,4
o juiz diante de si as limita ões re resentadas el<*-*>daspequé aslcausasenl4hpp. 5 s<*-*>
).
preender adequadamente (cfr. Dinamarco, Manua
ma situação que existiria se a lei não fosse descumprida, que sejam pro-
feridas decisões nesse sentido e não outras meramente paliativas.
2. Nesta parte, não tem cabimento a discussão sobre a pertinência das sentenças subs-
titutivas da vontade do devedor à categoria das sentenças constitutivas, conforme venho
sustentando. O que importa, a partir da visão instrumentalista programada, é indicar nes-
sas sentenças essa sua força de sub-rogação, mediante o qual a vontade do obrigado passa
a ser de menor importância: cfr., por todos, Vidigal, "Da execução direta das obrigações
de prestar declaração de vontade", esp. n. 55, p. 156.
3. Disse Vidigal: "o direito existe para se realizar. Todo o seu valor reside na possi-
bilidade prática de sua realização" (op. cit., n. 1, p. 117). A sua monografia citada tem
toda ela a tônica posta na possibilidade de suprir a omissão dos atos infungíveis da vonta-
de do devedor, por atos judiciais imperativos que, produzindo o mesmo efeito, dão efeti-
vidade prática ao direito substancial, sem ultraje ao dogma da vontade.
4. Cfr. Vidigal, n. 52 ss., pp. 152 ss.
5. Cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 1, p. 14: "não concebiam os romanos no
período do ordojudiciorumprivatorum, a execução que hoje nós chamamos espec<*-*>fica,
destinada à entrega de coisa certa ou ao cumprimento das obrigações de fazer ou de não-fa-
zer. Na hipótese de obrigações dessa natureza, convertia-se o seu objeto em pecúnia, atra-
vés de um processo (arbitrium litis aestimandi) de que a doutrina até hoje não tem conhe-
cimentos suficientes". Cfr. ainda Liebman, Le opposizioni di merito nelprocesso di ese-
cuzione, nn. 8, 13 e 14; Moreira Alves, Direr'to romano, I, n. 125, p. 225.
1P(
(tempusjudicat<*-*> e durava trinta dias, d<*-*><*-*><*-*>s t atando-se de sé té ça<*-
*>' Execu ão civil,
referentes a uma
8. O quantum debeatur é representado, hoje na maioria dos casos, pelo valor corri-
gido das obrigações (correção com base nos índices de variação das BTNs: cfr. lei n.
6.205,
de 29.4.75; lei n. 6.515, de 21.12.77, art. 22). A correção monetária, ainda não pedida,
deve ser concedida na sentença e isso não constitui ultraje ao princípio da correlação entre
o provimento jurisdicional e a demanda (CPC art.128), mas interpretação realista desta,
livre do preconceito nominalista. Por outro lado, a correção monetária será feita, no mo-
mento de liquidar, mesmo sendo omissa a sentença a respeito - e isso também não viola
q ç ( ), P
a regra da fidelidade da li uida ão ao títulol5 P ppa29 6 S0<*-*> ela mesma razão: cfr. Di-
namarco, "Inflação e processo", esp. nn
12. Cfr. também Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, n. 78, esp.
p. 138.
13. V. Const., art.100, § 2<*-*>, e arts. 34, inc. VI, e 35, inc. IV. Mas os tribunais em-
pregam com muita cautela e parcimônia essas sanções, o que compromete a efetividade
das decisões.
14. É o dístico de Carnelutti, várias vezes referido.
16. Costo e durata: o binômio das grandes preocupações dos processualistas da Es-
cola de Florença, nos tempos atuais.
17. Cfr. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, n. 300, pp. 468 ss.
18. É grande a utilidade das execuçôes provisórias, o que se sente com alguma fre-
qüência em processos alimentares. A utilidade gera o interesse processual legítimo, que
se caracteriza por ela e exterioriza-se na necessidade da tutela jurídica para não ser a pes-
soa obrigada a manter-se em estado de insatisfação. Essa é uma aplicação da linha do
pensamento atual acerca do requisito do interesse de agir (utilidade; necessidade e ade-
quação) (cfr. Dinamarco, Execução civil, n. 20, pp. 140 ss.).
19. Discorrendo sobre a perspectiva do consumidor dos serviços jurisdicionais co-
mo novo método de pensamento, diz Cappelletti que "é precisamente essa nova perspec-
tiva que melhor se adapta, obviamente, a uma sociedade democrática livre, aberta, a qual
deve pretender que os seus officialprocessors cumpram a sua função não com uma visão
`tolemaica' do direito e do Estado, mas tendo em vista o bem-estar dos consumidores:
é como dizer que o direito e o Estado devem finalmente ser vistos por aquilo que são -,
ou seja, vistos como simples instrumentos a serviço dos cidadãos e das suas necessidades,
e não o contrário" (cfr. "Accesso alla giustizia come programma di riforma e come meto-
do di pensiero", pp. 231-245).
Tudo quanto foi dito ao longo da obra volta-se a essa síntese multo
generosa que na literatura moderna leva o n<*-*>me de acesso àjustiça. Fa-
lar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa,
no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com
vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação
dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. Mais do que um prin-
cípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias
do processo, seja a nível constitucional ou infra-constitucional, seja em
sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à idéia do aces-
so à justiça, que é o pólo metodológico mais importante do sistema pro-
cessual na atualidade, mediante o exame de todos e de qualquer um dos
grandes princípios. ` `
A garantia de ingresso em juizo (ou do chamado direito de de-
mandar")1 consiste em assegurar às pessoas o acesso ao Poder Judiciá-
rio, com suas pretensões e defesas a serem apreciadas, só lhes podendo
ser negado a exame em casos perfeitamente definidos em lei (universali-
zação do processo e da jurisdição). Hoje busca-se evitar que conflitos
pequenos ou pessoas menos favorecidas fiquem à margem do Poder Ju-
diciário; legitimam-se pessoas e entidades à postulação judicial (interes-
ses difusos, mandado de segurança coletivo, ação direta de inconstitu-
cionalidade estendida a diversas entidades representativas); e o Poder
Judiciário, pouco a pouco, vai chegando mais perto do exame do méri-
to dos atos administrativos, superando a idéia fascista da discriciona-
riedade e a sutil distinção entre direitos subjetivos e interesses legítimos,
usadas como escudo para assegurar a imunidade deles à censura jurisdi-
cional.z Nessa e em outras medidas voltadas à universalidade do pro-
1. Const., art. 5", inc. XXXV, em seu sentido menos profundo: v. supra, n. 36.I,
e Execução civil, vol. 1.
2. A própria ação popular já permite que pelo menos seja resvalado o mérito admi-
nistrativo; além disso, ao criticarem o exame da prova, feito em processos disciplinares,
os juízes estão de maneira, a meu ver, cada vez mais visível, adentrando o mérito das
decisões dos administradores. Já não existe uma linha muito nítida, entre o mérito do ato
administrativo e a sua legalidade, antes tomada como critério para a censurabilidade judi-
ciária (v. Súmula 473).
CONCLUSÊES
O caráter instrumental do processo, afirmado ao longo de todo es-
te estudo, antes que uma conclusão é o seu próprio tema. Nem é novi-
dade dizer que o processo é um instrumento. No tocante a esse predica-
do de instrumentalidade, houve a preocupação por três destaques fun-
damentais, os quais constituem, assim, as conclusões mais amplas:
B - OUTRAS CONCLUSãES
Ao longo da exposição, como era indispensável, muitas assertivas
foram feitas e compõem o quadro geral da proposta avançada. O tema
propicia um trabalho tão amplo que, para ser rigorosamente completo,
precisaria decompor-se em todos os itens de um programa de direito pro-
cessual. Era indispensável, portanto, uma seleção de temas. E ela foi
feita a partir da idéia fundamental, afastando-se da visão introspectiva
do sistema e debruçando-se sobre conceitos somente na medida em que
isso a resentasse valia para a d<*-*>á <*-*>do ração e de<*-*> açãovimento do ra-
p conceito d , v. g., disse-se
ciocínio teleológico e instrumen
somente que o adotado pelo Código de Processo Civil brasileiro é o pre-
ferível, porque legitimado pelo sentido instrumentalista que contém).
Com esse critério, vê-se logo por que não se tratou de apresentar con-
clusões "específicas", ou "particulares", em oposição às de ordem geral
trazidas na primeira parte; mesmo não constituindo as colunas mestras
do pensamento construído ao longo da obra, as que agora se oferecem
p <*-*> p p ç
não chegam a ser assim articulares. Além disso não há a reocu a ão
de reapresentar, como ` `conclusão, cada um dos pensamentos lançados
ao longo de todo o trabalho, ainda que algum deles possa ter alguma ori-
ginalidade; só mesmo os que guardem relação com o tema fundamental
ou com as três idéias recapituladas na primeira parte desta síntese final.
A seguir, então, essas conclusões de ordem "menos genérica".
CONCLUSÊES 313
CONCLUS6ES 315
30. Embora não seja fonte do direito, isto é, embora não constitua
positivação do poder em normas de valor geral e abstrato, a jurisdição
tem o seu valor pela influência que exerce no comportamento das pes-
soas em geral e dos juízes. Influência é a capacidade de participar na
tomada de decisões alheias, que chega ou deixa de chegar ao ponto de
caracterizar-se como poder; e, quando não chega, ela vale menos que
uma ordem, porém mais do um simples conselho (v. n. 14.3).
CONCLUSÊES 317
38. A jurisdição não tem um escopo, mas escopos (plural); é muito
pobre a fixação de um escopo exclusivamente jurídico, pois o que há
de mais importante é a c éstinação social e política do exercício da juris-
dição. Ela tem, na realidade, escopos sociais (pacificação com justiça,
educação), políticos (liberdade, participação, afirmação da autoridade
do Estado e do seu ordenamento) e jurídico (atuação da vontade con-
creta do direito) (v. nn. 19, 21, 22, 24, 29).
CONCLUSÊES 319
te, pois está dito que elas são concedidas com base nofumus bonijuris
e instrução sumária (v. n. 33.4). Esse sistema de probabilidades suficientes
apresenta riscos de err<*-*> mas ele próprio fornece o instrumental neces-
sário à sua correção (prova contrária às presunções relativas; prova pe-
lo revel; recursos, ação rescisória; embargos do executado; revocabili-
dade das medidas cautelares etc.).
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