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David Atkinson A Mensagem de Rute

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E-book digitalizado por: Marcos J.

Prado Reviso de: Levita Digital Com exclusividade para:

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ANTES DE LER
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A Mensagem de

RUTE
David Atkinson

ABU EDITORA LIVROS PARA GENTE QUE PENSA

A MENSAGEM DE RUTE Traduzido do original em ingls THE WINGS OF REFUGE Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra David Atkinson, Direitos reservados pela ABU Editora S/C Caixa Postal 7750 01064 - So Paulo SP Traduo de Yolanda Mirdsa Krievin Reviso de estilo de Silda Silva Steuernagel 1a Edio -1991

1983

Um tpico rolo hebraico dos cinco livros de Moiss, chamados de Lei (Tora). Este exemplar, com cabos modernos, esteve em uso numa sinagoga em Jerusalm durante um perodo de 200 anos ou mais at ser aposentado em 1924 devido ao desgaste e desbotamento da tinta. (Foto gentilmente cedida por D. J. Wiseman.) O texto bblico utilizado neste livro o da Edio Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade Bblica do Brasil, exceto quando outra verso indicada. Comentrios do autor quanto s diferentes verses inglesas foram, sempre que possvel, adaptados s principais verses da Bblia em portugus.

Fala Hoje constitui uma srie de exposies, tanto do Antigo como do Novo Testamento, que se caracterizam por um triplo objetivo: expor acuradamente o texto bblico, relacion-lo com a vida contempornea e proporcionar uma leitura agradvel. Esses livros no so, pois, "comentrios", j que um comentrio busca mais elucidar o texto do que aplic-lo, e tende a ser urna obra mais de referncia do que literria. Por outro lado, esta srie tambm no apresenta aquele tipo de "sermes" que, pretendendo ser contemporneos e de leitura acessvel, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade. As pessoas que contriburam nesta srie unem-se na convico de que Deus ainda fala atravs do que j falou, e que nada mais necessrio para a vida, o crescimento e a sade das igrejas ou dos cristos do que ouvir e atentar ao que o Esprito lhes diz atravs da sua Palavra to antiga e mesmo assim sempre atual. J. A. Motyer J. R. W. Stott Editores da Srie

NDICE

I - As Lgrimas 1. Partindo (1:1-7) 2. Voltando para casa (1:8-22) II - Asas de Refgio 3. G raa e Gratido (2:1-13) 4. Um lugar na famlia (2:14-23) III - O Parente-Remidor 5. O levir e o god 6. F em ao no amor (3:1-18) IV - A Redeno e a Alegria 7. Amor acima da lei (4:1-12) 8. Temos uma histria (4:13-22) Senhor seja contigo

Prefcio do Autor
J se passaram alguns anos desde que eu tentei, pela primeira vez, apresentar alguns sermes sobre o livro de Rute para uma congregao onde tive o privilgio de servir como pastor. Num perodo de sofrimento pessoal em minha prpria vida e na vida de nossa famlia, de repente eu me vi pregando

sobre Noemi e sobre como Deus ficou ao lado dela. Descobri que o Deus de Noemi tambm estava ao nosso lado e que, mais do que nunca, eu estava aprendendo a dar um significado muito mais rico a palavras tais como "providncia" e "graa". Mais tarde, em um outro pastorado, alguns amigos tambm me incentivaram a apresentar parte do livro de Rute em uma reunio semanal da igreja. Naquela ocasio, a bondade demonstrada para conosco reforou a minha convico de que o cuidado de Deus por ns percebido e recebido, na maioria das vezes, atravs do cuidado que os outros nos demonstram. Boaz um bom exemplo de como o padro do fiel amor de Deus para com o seu povo deve ser o padro do nosso relacionamento uns com os outros. Ns, que vivemos deste lado da encarnao, do Calvrio e da sepultura vazia, conseguimos entender o significado da graa redentora e do amor fiel com muito mais riqueza de detalhes do que o autor do livro de Rute jamais foi capaz de compreender. Ao trabalhar, mais recentemente, sobre esse livro, o que mais tem me impressionado a profunda f do autor e a maneira com que ele (ou ela) cria firmemente que todas as coisas se encaixam dentro dos cuidados providenciais de um Deus cheio de graa. Foi esta convico que eu tive o privilgio de fortalecer um pouco mais em tempos de dificuldade: que, em Cristo, Deus nos d aquilo que precisamos para enfrentar as incertezas. Isso, creio eu, faz parte do significado da f. Que Deus use esta exposio para ajudar outros a descobrir algo mais doseucuidadoedasua graa, para que se sintam mais vontade sob o "refgio de suas asas". Principais Abreviaturas David Atkinson

Introduo
Providncia? " noite, est escuro e eu estou com medo." Assim diz o juiz ao padre no filme de Bergman, "O Ritual", gritando para o desconhecido todo O medo, o

silncio e a solido de grande parte do nosso mundo desmoronado do sculo vinte. Em "O Stimo Selo", outro de seus filmes, um dos personagens, buscando, talvez, uma indicao para o lignificado de algumas das questes e incertezas da vida e da morte, diz: "Transformamos em dolo o nosso medo e o chamamos de Deus". A voz de Bergman, vinda da incerteza e do medo da vida vivida apenas dentro da perspectiva desta ordem natural, ou, quando muito, de uma perspectiva dentro da qual a questo "Onde ests, Deus?" parece nunca obter uma resposta, fala em nome de muitos outros nos quais uma viva f em Deus e na sua graciosa interveno com este mundo j se extinguiu. Seus olhos parecem perceber apenas o fluxo e o refluxo dos acontecimentos e das experincias; suas mentes no conseguem discernir qualquer padro ou significado; eles perderam o contato (se que chegaram a capt-lo algum dia) da mo do Deus invisvel que tudo governa, que tudo planeja e cujos propsitos do significado histria, tanto a nvel mundial como individual. Ao contrrio dos personagens de Bergman, a f na providncia de Deus (nome generalizado que os cristos deram atual atividade de Deus no mundo) est muito viva nos personagens principais e no autor desconhecido do pequeno livro de Rute. A histria acontece "nos dias em que julgavam os juizes", dias em que, como veremos, a f em Deus estava ameaada por muita coisa "sombria" e "temvel". Mas, mesmo num contexto em que a f era desafiada, o autor insiste conosco, os seus leitores, para que tenhamos certeza da alegria na garantia da providncia de Deus. Antes de examinar os detalhes do livro de Rute, vamos rever o que ns, os cristos, costumamos entender pelo termo "providncia", e destacar algumas das dificuldades que se opem f nos dias de hoje. Retrocederemos, ento, a um mundo totalmente diferente do nosso, Palestina do sculo XI ou XII a. C., "nos dias em que julgavam os juizes", e descobriremos que, de certa forma, os desafios f na providncia de Deus naquela poca no eram to diferentes dos desafios de hoje. O significado de "providncia" bem expresso plos cristos de um perodo anterior ao nosso: Deus, o grande Criador de todas as coisas, realmente sustenta, dirige, predispe e governa todas as criaturas, aes e coisas, desde a maior at a menor, atravs de sua sapientssima e santssima providncia, de acordo com a sua previso infalvel e com o livre e imutvel conselho de sua prpria vontade, para o louvor e a glria de sua sabedoria, seu poder, sua justia, sua bondade e sua misericrdia.1 Ou, atualizando um pouco a linguagem, os cristos acreditavam que Deus no apenas criou o mundo, de modo que ns, como criaturas suas, dependemos dele para a nossa existncia, mas tambm sustenta e governa o seu mundo, de forma que dependemos constantemente dele para recebermos "vida, respirao e tudo o mais".2 Neste ponto talvez convenha estabelecer uma diferena entre a atividade criadora e sustentadora de Deus, por um lado, e, por outro, a sua providncia geral e especial (com as quais lidaremos de forma especial no livro de Rute). Alguns autores usam a palavra "providncia" como sinnimo da atividade de Deus ao orientar e governar a ordem das coisas que criou.3 Neste sentido, como observa Michael Langford, a providncia j parte

integrante da ideia crist da criao. "Dentro da prpria noo do universo criado j temos a ideia de uma ordem que tem suas prprias leis, sua prpria causalidade e sua prpria independncia relativa."4 Semelhantemente, os cristos falam da atividade sustentadora de Deus como sendo a mantenedora dessa espcie de ordem, dentro da qual acontecem as mudanas e o progresso na criao. Assim, num sentido mais amplo, "providncia" inclui tambm a atividade mantenedora de Deus. Contudo, geralmente num sentido pouco mais restrito que se usa o termo "providncia", ou seja, para descrever "o governo ou a direo da natureza, do homem e da histria". 5 neste sentido que usaremos o termo quando estivermos tratando do livro de Rute. Muitos autores cristos aconselham estabelecer uma diferena entre providncia geral e providncia especial. A primeira "refere-se ao governo do universo atravs de leis universais que controlam ou influenciam o mundo sem a necessidade de atos especficos ou ad hoc da vontade divina".6 A providncia especial, por sua vez, trata de acontecimentos especficos que so entendidos pelo homem de f como evidncias particulares da atividade de Deus. "Providncia", assim, indica um modo especial de interpretar os acontecimentos e a natureza, o homem e a histria. A bem da clareza, convm distinguirmos entre "providncia" e "milagre", que se refere especificamente a uma exceo irrepetvel de uma lei da natureza que, em circunstncias normais, seria demonstrvel. "Providncia", pelo contrrio, "o governo ou a direo da natureza, do homem e da histria; no a manipulao destas ordens com a introduo de fatores causais que levariam mistificao dos cientistas".7 A f na providncia reconhece a dependncia criada do mundo e tambm a sua eventualidade, isto , Deus poderia ter criado o mundo de maneira diferente. A "providncia" reconhece tanto a soberania de Deus no mundo quanto a liberdade do homem de viver de maneira responsvel dentro dos limites estabelecidos por Deus. "Para os cristos, o mundo e a histria no so essencialmente significativos por si mesmos, mas tm a ver com Deus e os seus propsitos".8 Toda interao de Deus com o seu mundo (seja escolhendo Abrao para ser o pai de uma nao ou estabelecendo sua aliana no Sinai; sejam os acontecimentos do nascimento, vida, morte e ressurreio de Jesus Cristo ou o estabelecimento da igreja crist e o derramamento do Esprito Santo, ou seja a experincia contempornea dos cristos), tanto a nvel global como pessoal, est alinhada com o seu propsito geral para a criao, "de compartilhar sua vida, amor e glria com uma outra realidade sobre a qual ele seria o Senhor".9 Esse Deus, assim crem os cristos, revelado em Cristo e comprovado nas Escrituras, existe; ele se importa, ele governa, ele prov. Em tal viso de Deus h extremos que devem ser evitados. O desmo, por exemplo, separa Deus totalmente do seu mundo: ele o criou, afirma, e agora o mundo tem que seguir o seu prprio curso. O pantesmo confunde Deus com tudo o que ele criou. A f crist, contrastando com estes dois extremos, entende que Deus um ser isolado e maior que a sua criao, mas est intimamente envolvido com ela em cada acontecimento. De igual forma, ao contrrio da noo epicurista de que o mundo no passa de um acidente do acaso (um ponto de vista ainda largamente defendido), 10 e tambm da

filosofia estica de que nos encontramos nas mos de um destino cego, os cristos crem que o Deus Criador, vivo, pessoal, racional, santo e amoroso, sustenta e governa o seu mundo. Tal f na providncia de Deus prov um firme ponto de apoio a partir do qual podemos procurar entender o mundo. Para ns, as glrias e as tragdias dos acontecimentos nacionais e globais ou as alegrias e sofrimentos da vida familiar quotidiana no tm significado apenas dentro da histria humana ou da biografia pessoal. Seu verdadeiro significado faz parte do propsito de um Deus que se revelou como amor e santidade, como pessoal e infinito, como Criador e Redentor, como sustentador e governador. Desta forma as alegrias humanas so enriquecidas, e as incertezas da vida so colocadas no contexto de uma f com a qual se pode enfrent-las. A "providncia" diz que Deus est conosco, que Deus nos ama, que Deus governa e que Deus prov. a f nesse Deus que orienta cada captulo do livro de Rute. Desafios f Uma f como a que descrevemos sofre a ameaa de muitas presses que isolam, confundem e do medo, na vida deste nosso sculo. Ou, quem sabe, deveramos dizer que a doutrina da providncia tem sido negligenciada. Comparemos nossas atuais atitudes com o que J. H. Newman disse h cem anos atrs: "O que as Escrituras exemplificam acima de tudo, desde a primeira at a ltima pgina, a providncia de Deus, e esta quase a nica doutrina sustentada de comum acordo pela maioria" das pessoas religiosas.11 O nosso sculo, alm de ter passado por guerras mundiais de imensa destruio e de experimentar crescentes presses para que aguarde e se prepare para mais uma, tambm tem sido angustiado por enormes questes apocalpticas que ameaam alterar toda a noo do que significa ser humano. O sacrifcio de crianas entre os cananitas parece nada em comparao com a matana, em escala sem precedentes, de crianas que nem chegam a nascer, nos dias de hoje. Alm disso, embora se reconheam as inmeras presses sociais que h por trs dos muitos pedidos de interrupo de gravidez, o aborto geralmente discutido apenas em termos de "direitos" e "benefcios" dos que j nasceram. Isto tem desencadeado um profundo efeito em nossa conscincia social com referncia ao que tradicionalmente se tem ensinado como "santidade" da vida. Muitos argumentos a favor do aborto levam logicamente justificao do infanticdio. Cresce cada vez mais a presso para que se aplique aos idosos a chamada "morte com dignidade" e para que se negue a vida a algumas crianas que nascem com defeitos. Centenas de milhares de pessoas do nosso mundo morrem de fome devido negligncia da conhecida fartura do Ocidente, e porque os chamados "poderes" preferem usar os menos privilegiados como joguetes polticos em vez de se disporem a resolver os problemas atravs de uma justa distribuio da rica fartura da terra de Deus. Tudo isto e muito mais traz tona a questo que os cristos costumam proclamar: que cada pessoa preciosa porque foi criada " imagem de Deus". A disponibilidade da tecnologia para o controle da natalidade (que, como qualquer outro benefcio passvel de abusos), aliada aos meios de comunicao e outras presses que apoiam a chamada "permissividade", contribui de

maneira crescente para uma total separao entre os aspectos unitivos e procriativos da relao sexual, e entre a relao sexual e o casamento heterosexual, desafiando assim o pensamento tradicional cristo quanto ao significado da masculinidade e da feminilidade.12 A crescente promessa do que podemos fazer na pesquisa cientfica e biomdica, sem a ideia correspondente do que temos o direito de fazer;13 o poder de que dispem os monoplios multinacionais para tragar os interesses e os direitos dos indivduos; tudo isto, a seu prprio modo, apresenta a questo: "O que o ser humano?" E o flagelo do racismo ameaa com violncia e guerra em muitos lugares. G. C. Berkouwer escreveu: O sculo vinte, embora produzindo muita coisa boa, no permanecer para sempre como o sculo dos campos de concentrao e dos pogroms, da guerra e do dio, do ataque contra a dignidade da prpria humanidade? E no devemos suspender a respirao diante do que est por vir?14 E, ento, ele pergunta, com razo: Ser que o evangelho tem algum significado e valor para a nossa poca? Ser que a igreja tem a coragem e o direito de pregar o Deus vivo no meio deste mundo sem sentido?15 Para muitos o atesmo parece ser a nica concluso lgica e permissvel diante da evidncia de nosso tempo. Concluindo esta discusso, podemos isolar trs fatores especficos que tm desafiado a f na providncia de Deus: outros deuses, uma cultura dividida e o problema do mal. Outros deuses No se trata apenas de que "o homem moderno no cr na realidade de Deus", mas, expondo de maneira mais positiva, que "um atesmo cultural cada vez maior" constitui de fato a f deste sculo.16 Esta f, o secularismo, reflete uma ideia do homem como senhor total do seu prprio destino, das coisas materiais como a fonte primeira dos valores, e da ordem natural como abrangendo toda a realidade. O homem como centro dos relacionamentos humanos, o materialismo nos valores humanos e a crena de que este mundo o fim de todas as coisas eis a as caractersticas da f do homem moderno. Portanto, "cornamos e bebamos, que amanh morreremos". verdade que, ao lado desta f, h sempre a expresso do desejo de conhecer o significado da "noite", das trevas e do medo: "Morremos apenas uma vez e por to longo tempo." Mas o que realmente domina o nosso mundo "o atesmo cultural cada vez maior", e estes outros deuses (humanismo, materialismo, naturalismo) representam um forte desafio ideia crist da providncia de Deus. Uma cultura dividida O crescimento da cincia moderna, o seu desenvolvimento no cientismo (a ideia de que a cincia tem a chave para todo o conhecimento) e as realizaes da tecnologia moderna tm sido, para muita gente, as pontes para a falta de f em Deus. Como a "Natureza" (uma palavra que antes tinha

implicaes dos propsitos de Deus para o mundo natural) passou a ser identificada com as "causas naturais", j no mais oramos pelo "po nosso de cada dia", mas, em lugar disso (e no alm disso), esforamo-nos no cultivo da lavoura e na eficincia da arte de fazer po. Ainda que Addison cresse que O espaoso firmamento no alto, Com todo o cu azul etreo, E o firmamento salpicado de estrelas, Proclamam sua grande Origem,17 assim como cria o salmista ("Os cus proclamam a glria de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mos"),18 ns sabemos muito mais. Os buracos negros, os gigantes vermelhos, os duendes brancos e os programas espaciais de milhes de dlares fazem com que a "Grande Origem" parea um tanto arcaica, alm de improvvel. E h muitos cuja compreenso cada vez maior do universo vem acompanhada, no de um profundo senso de adorao, mas de um profundo ceticismo. Steven Weinberg, autor de The First Three Minutes (Os Trs Primeiros Minutos), conclui: "Quanto mais compreensvel parece o universo, tanto mais parece igualmente sem sentido."19 Embora, naturalmente, muitos membros da comunidade cientfica estejam alertas s limitaes do mtodo cientfico, ou, melhor dizendo, ilo prprio lugar da questo do conhecimento humano nos processos da cincia,20 bem como s questes ticas que as possibilidades tecnolgicas levantam cada vez mais,21 a nossa cultura ficou soterrada pela aparente irrelevncia de Deus para a nossa mentalidade e moralidade modernas.22 Isto se aplica maneira como encaramos os assuntos globais e nacionais, como tambm forma como organizamos nossas prioridades familiares. Mesmo entre os cristos, a "mentalidade crist" 23 desapareceu quase por completo, e muitas decises ticas so tomadas com base num hedonismo cristianizado ("Se assim nos sentimos to bem, s pode ser a vontade de Deus!"), ou um utilitarismo cristianizado (que mede "o que Deus quer" apenas pela quantidade de "benefcios" que produz). Em seu livro God Alive (Deus Vivo), o Bispo Leonard escreve acertadamente que "no exagero dizer que o cristo comum de hoje v a religio principalmente em termos da ajuda que Deus lhe pode dar neste mundo, com uma vaga expectativa em relao ao mundo vindouro, e no como um relacionamento criativo e ativo com Deus; um relacionamento que tem implicaes confessionais para esta vida, mas que se concretiza na eternidade. Falando de maneira franca, uma atitude que olha para Deus em termos de sua utilidade e no como um objeto de adorao e amor".24 Um "positivismo utilitrio" (que se concentra principalmente em observar os fatos que lhe so teis) est se tornando cada vez mais um ponto de vista dominante da natureza da cincia. Mas continua sem resposta a pergunta se a cincia, seccionada de suas razes na tradio crist dentro da qual ela nasceu,25 pode permanecer sem se diluir em algo que no passe de uma tecnologia secularizada na qual os lucros se tornaram mais importantes do que a verdade.26 Alm disso, em certos trabalhos cientficos, por exemplo nos bebs de proveta, parece que tambm ouvimos a variante da cano do pesquisador: "Parece to certo que no pode estar errado." Em tal ambiente, no nos surpreende que tenha ocorrido uma diviso esquizofrnica: os aspectos "religiosos" da vida ficaram separados do mundo de cada dia. Vemos isto, s vezes, no voo mstico das experincias religiosas subjetivas que podem perder de tal forma o contato com o solo objetivo da f

que se tornam emocionalmente equivalentes a outras experincias que intensificam as nossas per- cepes, exceto que usam a linguagem religiosa para descrev-las. s vezes, a diviso se percebe no piedoso afastamento do "mundo", considerado um lugar ruim, para um ambiente "mais puro" de interesses "espirituais" e para uma f pessoal que apenas individual. No voo rumo ao subjetivismo vemos como a nfase na experincia por amor experincia separada (ou privada) de uma compreenso da verdade divina como revelao objetiva. No pietismo geralmente h uma reverncia para com a palavra de revelao divina e, ao mesmo tempo, tambm a imposio de uma diviso, estranha mentalidade da Bblia, entre o mundo do esprito e o mundo de cada dia, frequentemente com linhas de "separao" traadas por uma conveno arbitrria ou pela tradio. Esta diviso cultural, que separa a "religio" da questo principal da histria e da cincia, representa uma ameaa compreenso unificada de vida e de mundo que era possvel, e ainda , atravs da crena na providncia de Deus. O problema do mal Sem dvida, a maior ameaa f na providncia de Deus a realidade do mal em nosso mundo. No apenas os campos de concentrao e os pogroms, mas tambm a dor do luto, as manchetes sobre mais uma seca ou um furaco devastador, a cruel desigualdade de oportunidades e prosperidade em diferentes partes do mundo, o cncer do nosso vizinho, tudo isto levanta a pergunta: "Onde est Deus?" Como, num mundo onde tanto mal parece no ter sentido, podemos continuar acreditando na manuteno e no governo providencial de Deus? Para o crente cristo, parte do significado da f que o dom de Deus que nos capacita a enfrentar as incertezas e a aparente falta de significado (que o Pregador chamou de "vaidade")27 de grande parte da histria deste mundo desmoronado. Mas imaginar que essa f nunca se sente ameaada pela maldade do homem para com o homem, ou plos azares da "natureza", superproteo bem-avenrurada ou estupidez obstinada. H, deste lado do cu, muitas coisas cujo significado encontra-se escondido no mistrio de Deus. H muitas experincias que muitos de ns teramos preferido no atravessar. Embora grande parte do mal possa ser entendida em termos do abandono pecaminoso, por parte do homem, dos padres de vida que, como ensina a f crist, personificam a vontade de Deus, h muita coisa que no tem explicao ou causa humana. A nossa f na providncia de Deus deve ser suficientemente grande para enfrentar estas incertezas, como tambm para lidar com os sentimentos dolorosos e s vezes amargos que elas j;oram. Conforme veremos, os personagens do livro de Rute tambm tiveram de enfrentar incertezas. Descobriremos tambm como, para eles, a f em Deus foi um dom que ajudou a enfrentar tudo. "Nos dias em que julgavam os juizes" Os detalhes da vida do sculo XX diferem de tantas formas dos dias da Palestina do sculo XI ou XII a. C. que abrir o livro de Rute no contexto desse perodo dos juizes de Israel como andar em outro mundo. Mas os crentes em Jav, o nome pelo qual eles foram convidados a conhecer o seu Deus, 28 estavam eles mesmos enfrentando um perodo de desafios sem precedentes

sua f. Israel passara por anos de sublevaes. Conforme criam, no xodo o seu Deus os havia libertado da escravido no Egito. Depois dos anos no deserto, ele os preservara atravs das guerras da conquista e os introduzira na posse da terra prometida. Mas a confederao das tribos de Israel estava mal estabelecida na f. O povo de Deus, agora em Cana, lutava para se ajustar a um estilo de vida rural e para se tornar uma nao. B. W. Anderson chama isto de "luta entre a f e a cultura".29 Usando ttulos similares aos que usamos para os nossos tempos, podemos separar as principais presses exercidas sobre o crente israelita pelas tentaes da cultura cananita que o rodeava. Outros deuses Como os povos de hoje, os cananeus da antiguidade estavam absorvidos pela busca do segredo da prosperidade. Como fortalecer a economia? Como garantir empregos para todos? Como prover um salrio adequado s necessidades e manuteno dos padres de vida? Considerando que sua economia era predominantemente agrcola, sua busca da prosperidade focalizava a necessidade de uma terra frtil que desse colheitas abundantes e rebanhos frteis, e de um casamento frtil que produzisse, no devido tempo, trabalhadores e herdeiros para a fazenda. A religio era, segundo pensavam, a chave da prosperidade. Apenas Deus podia criar a fertilidade, e particularmente o deus Baal, que significa "senhor", ou "dono". Baal era o nome de sua divindade masculina. Na crena cananita, ele era o dono da terra e controlava a sua fertilidade. Sua companheira feminina era Astarte (pi. Astarote).30 Baal e Astarte eram entendidos como divindades csmicas que habitavam nos cus e tambm eram associados a localidades particulares. O ciclo regular da natureza e a fertilidade do solo, a nova vida da primavera seguindo-se esterilidade do inverno, eram devidos s relaes sexuais entre Baal e sua companheira. O homem no era um simples espectador deste casamento dos deuses. Era extremamente importante que os deuses no se esquecessem disso, e a tcnica empregada para lembr-los constante-mente das necessidades da terra era a "mgica imitativa". As pessoas realizavam, na terra, atos equivalentes queles que desejavam que os deuses realizassem nos cus. Por este motivo, os santurios de Baal, geralmente localizados nos altos desnudos das montanhas para terem mais chances de serem vistos plos deuses, eram cenrios de ritos sexuais orgacos. Homens e mulheres se alistavam no servio do deus e copulavam livremente com os adoradores femininos e masculinos. Tal religio parecia atraente a Israel, que acabara de se envolver com um estilo de vida agrcola. Como Anderson observa,31 no nos surpreende que os israelitas, no acostumados com a agricultura, se sentissem tentados a buscar os deuses da terra. Naturalmente, na mente israelita, a fertilidade da terra e a prosperidade entre o povo faziam parte das bnos prometidas e associadas aliana que Jav fizera com eles e suas famlias. O desfrute dessas bnos da fertilidade e da prosperidade estava ligado s obrigaes da aliana que o povo tinha com Jav, de viver em obedincia responsiva vontade deste. Tal princpio, engastado talvez de maneira mais clara na bno e nas maldies do

captulo 28 de Deuteronmio, o padro da aliana desde os primeiros dias: "Eu serei vosso Deus; vs sereis o meu povo."32 "Se ouvires a voz do Senhor teu Deus, viro sobre ti e te alcanaro todas estas bnos." 33 Mas a fascinao dos outros deuses era forte. Hoje, a atrao no se encontra na mgica imitativa para sacudir a memria de Baal. , antes, o engano da crena v de que "as leis econmicas", "as polticas monetrias", "o comrcio livre", "a nacionalizao", ou seja l o que for, vo por si mesmos gerar prosperidade, se nos submetermos a eles e os adorarmos. Com muita facilidade nos esquecemos de que a santidade obediente em atender o que sabemos ser a vontade de Deus ser sempre o fator principal da fora, da harmonia e da prosperidade social. Conforme comentou Len Murray, na reedio do livro de William Temple, Christiany and Social Order (Cristianismo e Ordem Social): " um constante lembrete da verdade das palavras de R. A. Butler, que 'se no for tocada pela moralidade e pelo idealismo, a economia uma atividade rida e a poltica intil'".34 Se em lugar de "moralidade" colocarmos "santidade" e, em vez de "idealismo", "interesses espirituais", a questo fica ainda mais incisiva. Os problemas fundamentais que jazem no mago da vida nacional no so econmicos ou polticos, mas espirituais: ou seja, a falha em perceber que a adorao da economia ou da teoria poltica uma idolatria que nos cega em relao ao Deus vivo. Assim como nos dias em que os juizes julgavam, tambm hoje a f na providncia de Deus no pode andar confortavelmente de mos dadas com a fascinao plos outros deuses. Uma cultura dividida Muitas vezes, a religio tem sido usada para manter o status quo.ss Para aqueles que tm conforto, a religio pode ser facilmente invocada como sano divina para que continuem vivendo no conforto. E o adorador de Baal no era exceo. Para ele, a religio, com seu interesse central focalizado na fertilidade, servia para preservar e intensificar o ciclo perptuo da natureza. O alvo dos deuses era preservar a ordem estabelecida; a religio, portanto, tinha um interesse de mante-la. O adorador de Baal, atravs de sua mgica imitativa, procurava controlar os deuses para esse fim. Mas isso no acontecia com o israelita que conhecesse Jav! Jav se revelara na histria, no acontecimento nico do xodo e no estabelecimento de sua aliana. Jav o Deus vivo que se revela na ao como o Senhor da histria, e cujo envolvimento nos processos comuns da vida humana constitui um constante desafio ao status quo com um convite obedincia renovada, crescimento em santidade, justia e amor. No vamos imaginar que o crente israelita tentasse desvirtuar a vontade de Jav! O povo da aliana de Jav buscava servir ao seu Deus em obedincia cheia de gratido e sensibilidade. Na verdadeira espiritualidade israelita, a f religiosa e a vida moral estavam inseparavelmente unidas. Um exemplo claro a maneira como o nome de Deus ("Eu sou o Senhor") perpassa, nas prescries ticas naturais do Cdigo Santo,36 por cada aspecto da vida domstica, social, econmica e agrcola, como tambm da religio e do culto. Sendo Deus o que ele ("Eu sou o que sou"), cada aspecto da vida tica envolve para o israelita uma aplicao da natureza de Deus situao humana.

Descrevendo os pontos altos da espiritualidade israelita, H. H. Rowley observa: A vida benfica ... conforme nos apresentada no Antigo Testamento, a vida que vivida em harmonia com a vontade de Deus e que se expressa na vida diria em reflexo do carter divino traduzido em termos de experincia humana, que extrai a sua inspirao e a sua fora da comunho com Deus na confraternizao do seu povo e na experincia particular, e que sabe como adorar e louv-lo em pblico e tambm na solido do prprio corao.37 Contudo, nos dias em que os juizes julgavam, as pessoas que tinham f ficavam tolhidas na tenso entre a vontade de Jav, que eles sabiam ter relevncia para cada rea da vida, e a ordem social vigente, com o seu ciclo de padres da vida agrcola. O povo estava rodeado pela religio de Baal. Parece que esta tenso s vezes se comprovava pela tentao de deixar Jav mais vontade, deixando-o agir em apenas um cantinho da vida e sendo, nos demais aspectos, abertos aos mtodos mais naturalistas do culto a Baal. Esta tendncia de manter o culto a Jav e a Baal lado a lado expresso por B. W. Anderson desta forma: "Para Jav eles olhavam nos perodos de crise militar; para Baal, voltavam-se para ter sucesso na agricultura."38 Como fcil relegar Deus a apenas determinadas reas de nossos interesses! Este, porm, o primeiro passo decisivo para a diviso cultural, que j mencionamos antes, na qual o verdadeiro significado de Deus e da vida humana se perde na fuga rumo ao subjetivismo e ao pietismo. Existe, realmente, uma verdadeira "separao" para o povo de Deus, mas no em termos de diviso entre o "sagrado" e o "secular", sendo que os interesses de Deus se encaixam no primeiro. Isso, infelizmente, foi exemplificado pela observao do Lorde Melbourne, Primeiro Ministro da Rainha Vitria, depois de ouvir um pregador evanglico, ao dizer que se a religio interfere com os negcios particulares da vida, isso j demais! 39 No, para o povo de Deus a verdadeira separao a sua caracterstica de povo chamado para formar a famlia da aliana de Deus, perceptvel em suas reaes corporativa e individual, de santidade obediente a Deus e de servio prestado ao prximo, expresso em cada rea da vida e dos relacionamentos humanos. A f na providncia de Deus e no seu ativo envolvimento em toda a vida no dura muito tempo quando Deus mantido "guardado" em um canto, enquanto esperamos para ver o que Baal tem a oferecer. O problema do mal No devemos imaginar que o perodo dos juizes foi totalmente sem f! Se houvesse tempo, o escritor de Hebreus teria desenvolvido mais a rpida citao que fez da f de Gideo, Baraque, Sanso e Jeft. 40 Longe de serem homens perfeitos, verdade, mas homens que conheciam o seu Deus e que, sua prpria maneira, demonstraram a realidade de uma f viva. Eles trouxeram um pouco de liderana e orientao a um povo confuso e ameaado por novas circunstncias. Mas isto foi convulsivo e passageiro, e no houve estabilidade duradoura. Foi tambm um perodo de grande maldade. A

apostasia do povo provocou o castigo de Deus. 41 Os homicdios e a guerra, os estupros e os saques faziam parte da ordem do dia. A poli rica inimiga da devastao da terra42 acabou com a economia agrcola. A segunda parte do livro de Juizes43 descreve um quadro sinistro de inquietao civil e de violncia, de desintegrao social, de imoralidade sexual, de agresses e de guerras. As pessoas que tinham f entendiam isto em termos do juzo de Jav por causa do fracasso do povo em viver segundo a justia de Jav. "Naqueles dias no havia rei em Israel: cada um fazia o que achava mais reto."44 Mas como Deus podia permitir este mal? Onde ficavam agora as bnos da aliana? Como podiam ter f na providncia de Deus? Ser que ele ainda se preocupava com cada aspecto da vida? Tais perguntas deveriam se esgotar facilmente na mente daqueles cujo destino se resumia simplesmente em acatar o mal aparentemente sem fim. A atrao exercida plos outros deuses e a tentao de desligar os interesses de Jav da vida quotidiana; o caos social, a misria pessoal e a dura experincia do juzo divino: isto que caracteriza de maneira especial "os dias em que julgavam os juizes". A abrangncia do l ;vro de Juizes imensa (lutas nacionais e internacionais) e o ambiente sombrio e difcil para quem cr na providncia de Deus. O livro de Rute na escurido dessas questes que reluz o livro de Rute.45 Embora tenha sido escrito bem depois dos acontecimentos descritos,46 o autor coloca a histria "nos dias em que julgavam os juizes". 47 uma histria de encanto e deleite. De acordo com A. Weiser, Goethe a chamou de "a mais bela obra completa em escala reduzida, que nos foi dada como um tratado tico e um idlio". Ele tambm cita o veredito de Rud. Alexander Schroeder: "Nenhum poeta do mundo escreveu um conto mais belo."48 O livro de Rute uma histria sobre gente muito comum que enfrenta acontecimentos muito comuns. Aqui vemos Noemi, que passou por muitas dificuldades, fome e perda de entes queridos, mas que finalmente encontrou paz e segurana. Encontramos Rute, a moa estrangeira de Moabe, que se apegou sua sogra Noemi e ao Deus desta, recebendo a sua bno. E encontramos Boaz, o parente afim de Noemi, que foi bondoso para com Rute e Noemi e que, casando-se com Rute, entrou no propsito de Deus para a histria: histria to significativa que o grande rei Davi 49 e, portanto, o prprio Senhor Jesus Cristo,50 encontram-se entre os seus descendentes. Das muitas genealogias apresentadas no Antigo Testamento, sabemos que at o perodo de Cristo os crentes em Jav preservavam a rvore genealgica atravs de sculos de sua histria. sobre essa tradio que o nosso autor se apoia. Conforme comentrio de G. A. F. Knight, "no temos motivos para duvidar que houve uma Noemi que realmente foi a Moabe com o marido e os dois filhos." 51 Estamos, segundo consta, lidando com uma histria real. Como todo historiador, o autor do livro de Rute selecionou, dentre todos os acontecimentos, aqueles que melhor serviam aos seus propsitos de escritor. Quais eram exatamente estes propsitos tem constitudo um assunto

para discusso entre especialistas do Antigo Testamento. H muitos que pensam que o livro foi escrito depois do exlio, como reao aos aparentemente rgidos pontos de vista de Esdras e Neemias, que faziam o povo de Deus lembrar sua exclusividade; aqueles que se casaram com estrangeiros foram chamados de volta f dos seus pais, na qual tais casamentos mistos eram banidos. 52 Alguns dos que tinham feito tais casamentos agora tinham filhos. "Teria sido o clamor de algum desses filhos", pergunta Knight,53 "que levou um escritor totalmente desconhecido (talvez at uma mulher) a escrever este pequeno livreto que ns intitulamos de Livro de Rute?" Essa explicao atraente, pois Esdras parece ter estendido a proibio legal contra o casamento com os cananeus54 tambm ao casamento com moabitas, amonitas e egpcios. E Rute era moabita. Se o grande rei Davi descendente de um casamento misto com uma moabita, Esdras no estaria sendo demasiadamente estrito anulando tais casamentos? Mas55 a proibio legal da Tora contra o casamento misto com os cananeus era uma proteo contra a idolatria, e a extenso da preocupao de Esdras para com outras naes idlatras era adequada, especialmente no novo ajuntamento dos israelitas exilados novamente como nao. Afinal, os moabitas eram proibidos pela lei de entrar na congregao.56 Portanto, dizem alguns, talvez o livro de Rute fosse um tratado contra essas disposies da Tora. Mas tudo isso coloca a composio de Rute numa data muito tardia, com o que no concordamos. E parece muito difcil discernir uma inteno to polmica na histria. Rute realmente no parece ser um tratado poltico. Outra sugesto que o livro de Rute foi escrito muito antes do perodo de Esdras, durante ou pouco depois da poca do prprio rei I Davi. (H uma tradio rabnica que diz que o autor foi Samuel, mas dgora ningum usaria tal argumento.) Uma data assim to precoce, talvez do tempo de Salomo, explicaria a concluso, de outra forma um tanto surpreendente, do livro com uma genealogia que leva ao prprio rei Davi. No h motivos textuais para considerarmos a genealogia como adio posterior. Seria uma histria tradicional que foi ento registrada junto com outra literatura sobre o grande rei? Ou teria sido a histria de Rute escrita deliberadamente a fim de prover uma ilustrao e definio para o conceito de "redeno"? No decorrer da histria so-nos apresentadas as diversas prticas legais do antigo povo de Israel relacionadas com os deveres da famlia e os direitos de propriedade. Vamos gastar algum tempo examinando o significado do levirato (concernente aos costumes matrimoniais quando o homem da casa morria) e especialmente do goel (o "parente remi-dor"). Eles apontam para a ideia israelita da redeno, da terra e do povo. Mostram como a lei era interpretada e em que esprito de amorosa generosidade ela era aplicada. E, diversas vezes, as caractersticas do povo nesta histria combinam com o que ele cria sobre o carter de Deus. Seria para expressar sua ideia sobre a graa redentora de Jav que o escritor selecionou esta histria em particular, tratando especialmente destes temas? Rute certamente permanece em notvel contraste com a severa e legalista adeso aos cdigos da lei que colocam a lei de Deus fora do contexto da aliana de Deus, e que reduz a f viva a um moralismo frio.

Ou ser que o livro de Rute foi simplesmente escrito para contar, numa histria de grande beleza, os acontecimentos que envolveram as perdas de Noemi e o casamento de Rute, talvez para incentivar virtudes tais como o amor e a fidelidade nos relacionamentos familiares? No conhecemos o propsito exato do nosso autor. Mas o que est claro que, atravs de sua leitura, aprendemos algo da vida rural do sculo XI ou XII a. C. na Palestina, a rotina do dia-a-dia, a necessidade do trabalho, as alegrias familiares, a dor da morte, a separao dos parentes, o relacionamento com a sogra. E, na ilustrao de pureza, inocncia, fidelidade e lealdade, dever e amor, o escritor deseja que os seus leitores percebam a mo de Deus, que cuida, sustenta e prov. Gastamos muito tempo observando que a histria foi colocada no perodo dos juizes. como se o autor quisesse que soubssemos que houve um outro lado da vida na poca dos juizes. Certamente houve os grandes lderes carismticos de Juizes 4-16, com seu sucesso inter-t mi tente e seu fracasso geral em proporcionar estabilidade e segurana ao povo de Deus. Houve igualmente a apostasia, violncia, imoralidade e guerra civil de Juizes 17 - 21. Mas no havia f: f viva na providncia cheia da graa de Deus, que enriquecia e satisfazia. Talvez o autor conte a histria dessa forma para destacar o fato de maneira especial e para reacender esse tipo de f em seus leitores. Com uma f assim, o nosso escritor apega-se a um valor da vida humana que precioso para Deus e para os outros e a uma compreenso dos propsitos de Deus em seu mundo, transcendendo as barreiras raciais, e a um prazer no envolvimento do Todo-Poderoso com os problemas de uma famlia comum que ora pelo seu po de cada dia. Procurando acompanhar a f do autor na providncia de Deus, descobrimos a segunda histria (a perspectiva divina) que permeia a histria humana, e aprendemos hoje, quando muitos tm medo "da noite e das trevas", que o Deus de Israel quer ser conhecido como o nosso Deus. Vivendo, como vivemos, do lado de c do Calvrio e da sepultura vazia, com o conhecimento que temos da encarnao e da asceno do Senhor, podemos dar expresso "parente remidor " um significado muito mais completo do que Noemi, Rute ou Boaz foram capazes de entender. Mas ns, nossa moda, podemos compartilhar com eles do conhecimento de que "sob suas asas", nos sofrimentos e nas alegrias do nosso dia-a-dia, podemos encontrar a segurana do seu "refgio".57

Densas trevas envolvem o meu ser. Sozinha. Com medo. Minha mente um sorvedouro voltado para dentro na direo de uma eternidade de sofrimento intolervel. Eu costumava estender a mo

nas trevas desconhecidas com esperana. Mas minha alma foi arrancada de mim, e eu j no tenho mais esperana. Foi como um poo. Profundidade insondvel. Humilhao tortuosa. Apenas o som de minhas lgrimas na impenetrvel escurido. Eu me lembro desse poo, e do medo, e da desesperana de uma eterna agonia da mente, e da peregrinao cruel no deserto inexplorado. Agora eu me encontro neste osis, neste porto inesperado, neste refgio. Eu no mereci esta graa de ser arrancada daquelas profundezas todo-poderosas. Eu no tinha esperanas, mas quando voltei pelo caminho que trilhava, vi uma mo cheia de graa e um sorriso amoroso. Eu vi uma luz orientadora e senti uma asa protetora. Aninhando-me no seu calor, meu corao gelado se derreteu. A negrura de minha alma desabrochou em milhares de flores. Minhas lgrimas se transformaram em jias, e minha amargura em mel. Mas eu me lembro do poo. Mantm-me, Senhor, Segura no refgio das tuas asas. Elisabeth

PARTE I
AS LGRIMAS

1:1-7

1. Partindo
Preocupao com as coisas comuns (1:1) Nos dias em que julgavam os juizes ...um homem. Em um mundo dominado (se acreditarmos nos meios de comunicao) pela "crise" e plos "desafios", no qual cada pequeno acontecimento pode ser transformado em manchete, contanto que haja nela uma "histria interessante" (e at mesmo em uma igreja, onde o incomum e espetacular costuma ser recebido por certas pessoas como mais autntico que a monotonia e a rotina), um alvio abrir o livro de Rute. J descrevemos a agradvel simplicidade de seus assuntos: a vida do interior, suas alegrias e tristezas, suas "virtudes agradveis" e, especialmente, sua concentrao nos

personagens volta dos quais se tece a histria. Isto se destaca mais ainda pelo contraste com o livro dos Juizes, com o qual as palavras iniciais estabelecem uma ligao. O livro de Juizes termina com uma referncia ao caos social e misria pessoal resultantes da falta de autoridade justa entre o povo: "Naqueles dias no havia rei em Israel: cada um fazia o que achava mais reto." 1 O livro de Juizes foi pintado numa tela grande. Embora apaream no livro personagens individuais, sempre surgem no contexto da guerra civil, das convulses nacionais, dos assuntos internacionais. Mas o livro de Rute, embora no fique totalmente esquecido do significado nacional, e at mesmo global, dos seus personagens, trata de um < homem, sua famlia e seu destino. Lembra-nos de que o Deus das naes tambm est interessado nas coisas comuns relacionadas a "um homem". Nosso Senhor, que nos ensinou a orar ao "nosso Pai que est no cu" e a elevar nossos coraes e mentes para a viso global da vinda do seu reino (pois seu o reino e a glria para todo o sempre), tambm nos ensinou a orar pelo po nosso de cada dia. Deus, que sabe quando um pardal cai ao cho e que nota quando oferecemos um copo de gua fresca a quem precisa dele, 2 tambm se interessa pelas coisas comuns. Como Helmut Thielicke o destaca: Diga-me at que ponto voc considera Deus sublime e eu lhe direi quo pouco ele significa para voc. Este pode ser um axioma teolgico. O Deus sublime foi arrancado de minha vida particular... Se Deus no tem significado para as minsculas peas do mosaico de minha vidinha particular e para as coisas que so do meu interesse, ento ele no tem significado algum para mim.3 O interesse de Deus no destino de um homem nos dias em que julgavam os juizes deveria nos lembrar que at mesmo as nossas coisas mais comuns so significantes para Deus e se encaixam no seu cuidado todopoderoso. A fome (1:1) Nos dias em que julgavam os juizes, houve fome na terra; e um homem de Belm de Jud saiu a habitar na terra de Moabe, com sua mulher e seus dois filhos. Mudar de residncia no uma tarefa que a maioria das pessoas assume com leviandade. uma coisa dispendiosa e inquietante. Implica arrancar razes e deixar amigos e vizinhos. Geralmente leva a procurar uma nova casa, estabelecer uma nova vizinhana, conhecer outras pessoas. Para uma famlia um verdadeiro terremoto. Embora Elimeleque certamente no tivesse a mesma quantidade de utenslios domsticos para transportar que um chefe de famlia moderno, no foi uma deciso menos importante para ele. Ele resolveu sair de Belm por causa de uma fome. Belm de Jud era uma cidade, cerca de oito quilmetros ao sul da atual Jerusalm. Seu nome significa "casa do po", nome que aponta para a incomum fertilidade daquela regio para o plantio de cereais (como o esclarece o captulo 2 do livro de Rute), Tambm destaca que a fome era fora do comum. Alguns comentaristas crem que a fome local na regio de Belm (aparentemente no havia tal dificuldade cerca de oitenta quilmetros a sudeste, em Moabe, do outro lado do atual Mar Morto) devia-se em parte s pilhagens associadas com o perodo catico dos juizes. A invaso midianita no perodo de Gideo, por exemplo,4 destruiu a lavoura e o gado.

Por causa da fome, Elimeleque decidiu que ele e sua famlia iriam morar durante algum tempo como estrangeiros residentes (peregrinos) na terra de Moabe. No temos certeza do que o induziu a partir. Embora a religio canania procurasse controlar o processo da natureza com os seus niveis da fertilidade, o povo de Jav fora ensinado a confiar nele conquanto prosperidade da terra. Ser que a fome, na mente de Elimeleque, era um sinal do descontentamento divino?5 No sabemos. Sabemos que outros belemitas permaneceram na terra espera tio final da fome e, ao que parece, passaram muito melhor do que lilimeleque (versculo 6). luz dos acontecimentos subsequentes, fie.imos imaginando se o autor no pretende nos levar a pensar que lilimeleque no foi sbio na sua atitude! Certamente a viagem no alcanou o seu objetivo: escapar da morte. Todos os trs homens da fnmlia morreram em Moabe. Alm disso, com a mudana, morreram numa terra estranha, deixando Noemi, a viva, muito mais desolada do que se tivesse permanecido na companhia dos seus conhecidos. Ali, com tantos lugares, por que ir a Moabe?! Localizada no planalto, ao leste do Mar Morto, Moabe era povoada pt-Ios descendentes de L.6 Embora no tivessem sido atacados plos israelitas em seu retorno terra prometida depois do xodo, apesar de sua falta de amabilidade caracterstica, os moabitas no deviam ser admitidos na congregao de Israel.7 Por qu? Eles eram adoradores ile Camos, um deus ao qual aparentemente se faziam sacrifcios humanos. Os moabitas eram, s vezes, chamados de "povo de Camos".8 Alm disso, durante o primeiro perodo dos juizes, Eglom, rei de Moabe, invadiu a terra dos israelitas e manteve o povo de Israel na escravido durante dezoito anos.9 Portanto, era um lugar muito estranho para um crente em Jav, habitante de Belm, escolher para morar. Por que no foram para algum lugar onde se adorava Jav? Ser que era falta de confiana na providncia de Deus? Embora elogiando o pretenso desejo de Elimeleque de cuidar de sua famlia durante a fome, Matthew Henry pergunta como se poderia justificar a mudana a Moabe. "Aborrecer-nos com o lugar no qual Deus nos coloca e abandon-lo na primeira oportunidade, logo que nos deparamos com algum desconforto ou alguma inconvenincia, evidncia de um esprito descontente, desconfiado e instvel."10 No temos dados suficientes para saber se a atitude de Elimeleque justifica o comentrio de Matthew Henry. Porm, mesmo que a atitude de Elimeleque implique falta de f ou expresso de descontentamento para com Jav, o restante do livro de Rute demonstra amplamente que a providncia graciosa de Deus no limitada pela loucura do homem. A alegria final na famlia e o propsito de sua histria, resultante da entrada de Rute no cenrio, demonstram a rica benignidade da providncia de Deus. Ver que tais benefcios foram colhidos como resultado de uma conduta impensada uma evidncia de seu amor. Felizmente, a providncia de Deus cobre at os nossos erros! Os nomes (1:2-5) Este homem se chamava Elimeleque, e sua mulher, Noemi; os filhos se chamavam Malom e Quiliom, efrateus, de Belm de Jud; vieram terra de Moabe e ficaram ali. 3 Morreu Elimeleque, marido de Noemi; e ficou ela com seus dois filhos,

os quais casaram com mulheres moabitas; era o nome duma rf, e o nome da outra Rute; e ficaram ali quase dez anos. 5 Morreram tambm ambos, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada de seus dois filhos e de seu marido. Para o nosso autor, os nomes so significativos. Temos alguns personagens no livro cujos nomes no so mencionados, como o "resgatador" que aparece em Rute 4:1. Portanto devemos presumir que, se o escritor nos cita nomes, com algum propsito especial. Na maneira hebraica de pensar, saber o nome de uma pessoa conhecer o seu carter, conhecer a pessoa. O nome a pessoa. Quando Abro se tornou uma nova pessoa, ele recebeu um novo nome. 11 Quando o nome de uma pessoa destrudo ou retirado, a pessoa, extinguida da memria humana, como se nunca tivesse existido.12 Era uma coisa terrvel ser deixado sem nome nem descendentes.13 Portanto, quando Deus diz o seu prprio nome, est falando do seu carter e compartilhando o seu prprio ser com aqueles aos quais falou.14 "Jav" o seu nome pessoal, o nome do Deus da aliana. Elimeleque significa "meu Deus rei". Alguns comentaristas, como Henry, que j citamos acima, imaginam que talvez haja alguma censura implcita no fato de citar este nome. No deveria tal nome expressar dependncia e confiana em Deus? Com certeza deveramos lembrar que para todo aquele que pode dizer "meu Deus rei", embora no receba uma promessa de uma vida livre de problemas, h sempre a promessa do po de cada dia e a certeza de que no h necessidade de ficar morbidamente ansioso por causa do amanh.15 Parte do significado da f pode ser expressa declarando que a f aquilo que Deus nos d para nos ajudar a enfrentar as incertezas da vida. Ser que Elimeleque vivia de acordo com o seu nome? Noemi significa "amvel, encantadora, agradvel". E o comovente significado deste nome destaca-se mais tarde, quando Noemi volta de Moabe com sua nora Rute, entristecida pelas experincias amargas que ela cria ter recebido da mo do Senhor. "No me chameis de Noemi", ela diz aos seus vizinhos, "chamai-me Mara; porque grande .unargura me tem dado o Todo-poderoso" (1:20). Malom e Quiliom, os filhos de Noemi, aparentemente tinham antigos nomes cananeus, mas foram aqui mencionados devido ao seu sig-n i ficado dentro do cenrio, para que entendamos as lgrimas e o sofrimento do restante de Rute 1. "Malom" parece estar ligado a uma raiz cujo significado "estar enfermo"; e "Quiliom" significa algo assim como "enfraquecer", ou "definhar", ou at mesmo "aniquilao". rf e Rute so nomes moabitas e os seus significados no so muito claros. Mas o que est claro a sua nacionalidade. Os filhos de llimeleque casaram-se com adoradoras de Camos e, embora tal casamento no fosse aparentemente proibido,16 os moabitas no eram admitidos na congregao para o culto.17 A famlia, diz-nos o autor, era de efrateus. Efrata uma palavra geralmente associada com Belm, mas o seu significado muito incerto. As passagens onde aparece sugerem que h uma dignidade especial ou alguma importncia em se estar ligado a um efrateu. Aqui, provavelmente, indica que estamos sendo apresentados a uma famlia bem estabelecida. Certamente, quando Noemi voltou, no era uma pessoa sem importncia
4

(1:19). Talvez, como sugere Leon Morris, 18 sua famlia pertencesse "aristocracia" local, uma famlia que, quando partiu para Moabe, era conhecida como de pessoas ricas ("Ditosa eu parti", 1:21). Mas a riqueza e o prestgio no so garantias de felicidade material ou de ausncia de sofrimento. A fome angustiou a famlia o suficiente para que esta abandonasse o seu lar e partisse para Moabe. Depois, alm da perda do conforto fsico e da segurana do lar, veio a dor, no de uma morte, mas de trs. Noemi, em quem se concentra este primeiro captulo de Rute, ficou sozinha, sem lar, sem marido, sem filhos, sem amigos, sem esperana, sem herana. O que o culto a Jav significava para ela agora? A morte (1:3-5) Morreu Elimeleque... 5Morreram tambm ambos, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada de seus dois filhos e de seu marido. A morte, num certo sentido, um dos acontecimentos mais naturais da vida, mas, num outro, o menos natural. Todos os homens so mortais;19 o tempo de permanncia do homem aqui na terra limitado. A morte inexoravelmente lembra o homem de sua fragilidade e limitao; limitao essa (o salmista nos diz) da qual o Senhor no fica esquecido, e que faz par te do significado da compaixo que sente para com o seu povo: "Como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece dos que o temem. Pois ele conhece a nossa estrutura, e sabe que somos p."20 Assim como toda a "natureza", a morte faz parte do homem desde o princpio. E certas casas funerrias modernas parecem recusar-se a crer que ela seja real. Que significado, ficamos imaginando, o crente em Jav dava morte quando Noemi ficou desamparada de seus dois filhos e de seu marido? Eles no tinham conscincia da transformao do significado da morte trazida pelo Novo Testamento. Eles tinham muito menos fundamento do que ns para crer na vida aps a morte. No poderiam ter entendido a plenitude do significado das palavras de Paulo sobre a morte, que "perdeu o seu aguilho", ou da sua descrio da morte como um simples "adormecer".21 Mas no devemos esquecer a confiana de Davi em que estaria com o seu filho morto, 22 nem o pensamento positivo dos Salmos 49 e 73. Mesmo para um homem de f do Antigo Testamento, morrer era "dormir com os seus pais", ou "ser reunido ao seu povo".23 E o desespero expresso em passagens tais como o Salmo 88 parte daquele que se julga alienado da compaixo de Deus, morrendo sob a sua ira, e no de um crente plenamente confiante na graa de Deus. Mas a ressurreio de Jesus Cristo que d forma quilo que para o cristo agora uma certeza: para o crente a morte proporciona comunho infinita com o Senhor.24 Para o cristo, morrer "zarpar rumo a outra terra". 25 Nossos corpos so preparados para uma vida espiritual mais completa, preparados para a vida no cu, com seus correlativos celestiais mais ricos do que os corpos fsicos que so apropriados para este mundo de espao e tempo.26 A esperana crist aguarda "aquela grande multido que ningum pode enumerar", cujas roupas foram alvejadas "no sangue do Cordeiro", que ficaro em p diante do trono de Deus e o serviro "de dia e de noite no seu santurio".27 Algumas partes do Antigo Testamento do indicaes destas afirmaes de f. Isaas, numa seo que poderia ser considerada como a base da f no

destino pessoal, como tambm da sorte da nao, fala do tempo quando o Senhor "tragar a morte para sempre e assim enxugar o Senhor Deus as lgrimas de todos os rostos." Ento ele afirma que "os vossos mortos e tambm o meu cadver vivero e ressuscitaro; despertai e exultai, os que habitais no p."28 E nas vises apocalpticas de Daniel, ele se estende pela f em busca daquilo que talvez apenas perceba indistintamente: "Muitos dos que dormem no p da terra ressuscitaro, uns para a vida eterna, e outros para a vergonha e horror eterno."29 Mas, de um modo geral, a morte no Antigo Testamento um estado nmbguo e escuro. De um lado, os mortos so s vezes considerados como aqueles que foram separados da esfera da influncia de Jav. A morte para eles significa o fim de um relacionamento consciente com Deus; j no se ouvem mais louvores a Jav. A morte o rei dos terrores.30 O submundo tenebroso do Seol, o lugar dos mortos, um local profanado que enfatiza o horror da morte. O crente em Jav no deve tentar alcanar aqueles que morreram, nem deve, como os demais cananeus, ocupar-se em rituais da morte, como cortar o cabelo ou ferir sua carne como um reconhecimento do poder da morte.31 O povo de Moabe, entre o qual Noemi habitava, possivelmente tinha atitudes para com a morte que eram intolerveis para o crente em Jav (indicadas, talvez, pelo modo como Amos teve de denunci-lo porque "queimou os ossos do rei de Edom, at os reduzir a cal"32). Por outro lado, tambm encontramos no Antigo Testamento uma forte f em Jav como Senhor, e o Senhor da vida.33 Nenhum outro soberano pode reinar no reino da morte. Assim, neste vcuo, a f em Jav cria indcios de esperana. O salmista, quando se encontra beira da morte, clama a Jav para que se lembre dele; e, em outra passagem, o poeta expressa a certeza de que Deus vai receb-lo atravs da morte numa outra vida.34 Ou, ento, mesmo que venha a fazer a sua cama no Seol, "l ests tambm". O Senhor no vai abandon-lo.35 H um sentido no qual, no momento da morte, Jav vai "arrebatar" o crente para que fique em comunho com ele.36 O prprio Deus est presente junto ao crente na vida e na morte, e no vai abandon-lo no reino de Seol. Quanto desta f crescente Noemi partilhava ns no sabemos. Talvez ela tivesse vislumbres dessa verdade que nos foi totalmente revelada no Novo Testamento: para aquele que se aproxima de Deus pela f, a morte, num certo sentido, j ficou para trs. Os crentes cristos so "batizados na morte de Cristo"37 e, embora a sua morte fsica ainda tenha de acontecer porque a glria completa ainda no foi revelada,38 sua comunho contnua com o Senhor coisa segura. Mas seja quanto for que Noemi tenha captado sobre o significado da morte para o crente em Jav, existem dois aspectos de suas prprias circunstncias que so evidentes. Primeiro, seu marido e filhos haviam morrido prematuramente. Como podemos nos identificar bem com a tristeza do Antigo Testamento, quando enfrentamos aquilo que os que ficam s podem classificar de morte prematura! Abrao morreu em idade avanada, um homem velho e cheio de anos. Numa vida assim h realizao, como na de J, que viu seus filhos, netos e at mesmo bisnetos.39 Mas a morte de uma pessoa jovem tem um tom de tragdia: "Em pleno vigor de meus dias hei de entrar nas portas do alm; roubado estou do resto dos meus anos." 40 Hagar, a

me, lamenta a morte iminente de seu filho: "Assim no verei morrer o menino"; e Davi sofre com a morte do seu filho. 41 Para Malom e Quiliom certamente, e podemos imaginar que tambm para Elimeleque, a morte chegou cedo na vida; eles foram "roubados" do resto dos seus anos. E Noemi ficou desamparada de seus dois filhos e de seu marido muito cedo na vida. Em segundo lugar, embora o livro de Rute apenas nos d um rpido vislumbre de f em que a morte no seja o fim da comunho (1:17), havia uma certeza. O nome do homem no deve ser esquecido. Seu nome permaneceria na sua herana. Como era importante para ele, portanto, que tivesse um filho (4:5,10)! E como deveria ser desespera-dor, portanto, para Noemi o fato de que, alm de ter perdido os trs homens de sua famlia, ela no tivesse um nico herdeiro atravs do qual os nomes deles continuassem e sua herana ficasse garantida! Seus homens morreram, e com eles os seus nomes! Aqui o autor coloca um desastre em cima do outro na vida de Noemi, dando-nos um senso real do choque que atinge uma pessoa nessas condies. Ela certamente no havia merecido; com certeza fora inesperado. No estaremos penetrando aqui no lado oculto da providncia de Deus: o fato de que certos sofrimentos nossos parecem insuportveis; algumas de nossas circunstncias parecem to injustas; e algumas de nossas perguntas ficam sem respostas? Com Noemi aprendemos que f, s vezes, significa uma disposio de deixar essas perguntas como mistrios de Deus, na confiana de que, em dias melhores, ele tem se mostrado fidedigno. O Senhor visita (1:6-7) Ento se disps ela com as suas noras, e voltou da terra de Moabe, porquanto nesta ouviu que o Senhor se lembrara do seu povo, dando-lhe po. 7Saiu, pois, ela com suas noras do lugar onde estivera; e, indo elas caminhando, de volta para a terra de Jud,... A nossa memria mantm vivo no presente o significado das experincias passadas. Com que frequncia o povo de Deus recebeu a instruo de "lembrar" de como Deus o ajudou no passado. Depois do xodo do Egito, na noite de Pscoa, a primeira palavra de Moiss , ao povo foi: "Lembraivos deste mesmo dia ... pois com mo forte o Se-nhor vos tirou de l." Eles deviam se lembrar do seu tempo de escravos no Egito como um incentivo para a guarda do sbado; deviam lembrar que o Senhor era o seu Deus. Quando tivessem medo, deviam se lembrar do poder do Senhor. Quando repousassem em bnos, deviam se lembrar de que tambm o tinham provocado ira. Ci rande parte das regras ticas de sua sociedade estava fundamentada na lembrana do tempo em que eram escravos e na salvao de Deus. Nos dias dos juizes, logo depois que Gideo morreu, houve problemas, porque o povo se voltou novamente para Baal e no se lembrou do Senhor seu Deus.42 Mas Noemi se lembrou. As linhas de comunicao com os amigos da ptria continuaram abertas. Pelo testemunho posterior de Rute vemos que Noemi fora uma servidora fiel de Jav em Moabe. Ela mantivera viva em sua conscincia a realidade da ajuda do Senhor ao seu povo no passado. E aguardava sinais da sua ajuda no presente. Como o salmista, quando consumido com sofrimento e depresso, Noemi sem dvida consolava-se

"invocando os feitos do Senhor". Como Jonas em seu nada invejvel estado aqutico, a mente de Noemi estava em orao ("Quando dentro em mim desfalecia a minha alma, eu me lembrei do Senhor; e subiu a ti a minha orao").43 Nos tempos de provao, f s vezes significa deixar as dificuldades nas mos de Deus, mesmo sem receber uma resposta. Uma f assim fortalecida pela lembrana constante de como Deus nos ajudou no passado. Pedro insiste com os seus leitores cristos para que tenham em mente as promessas e os dons graciosos de Deus, e que os tenham como lembrete.44 E, acima de tudo, somos aconselhados a lembrar, a descansar e a nos alimentar da graa salvadora de Deus em Cristo sempre que comermos o po e bebermos o clice do Senhor "em memria" dele.45 A f uma caminhada de confiana e crescimento; um mbile em movimento, no uma vida esttica. E quando algumas partes balanam por algum tempo nas sombras, confiamos que aparecero de novo na luz, como j aconteceu muitas outras vezes. Parte da espiritualidade dos homens e mulheres de f no tempo de Noemi consistia em meditar nos grandes feitos de Deus no passado, e podemos aprender com eles a manter assim a f viva em perodos de trevas. Assim, o corao de Noemi permaneceu em Jud e ela no se esqueceu do seu Deus. Na verdade os seus ouvidos ficaram alertas s notcias que chegavam a Moabe, de que Jav no abandonara o seu povo: a fome terminara, o Senhor se lembrara do seu povo, dando-lhe po. O Senhor, como j dissemos, traduz o nome de Deus, Jav. Ele o Deus cujo nome pessoal indica o seu carter: o Deus que est em atividade, o Deus que vem ao encontro do seu povo na necessidade, o Deus que liberta o seu povo pela ao de um remidor (goel)-46 atravs do carter deste Senhor, revelado ao seu povo geraes antes, que Noemi mede agora a amargura de suas perdas e do seu isolamento (1:13, 21). este Senhor que, descobrimos mais tarde, adorado por Boaz e seus empregados, e cuja bno invocada sobre Rute (2:4,12). este Senhor que bendito por Noemi por causa da graciosa generosidade de Boaz, que visto como o doador da vida e sob cujos cuidados providenciais Noemi finalmente encontra alegria (2:20,4:13-14). O livro de Rute rico em sua revelao do tipo de Deus que Jav. O nosso autor anseia que o carter deste Senhor domine a sua narrativa. como se quisesse que os seus leitores colocassem os acontecimentos detalhados das alegrias e tristezas de sua histria dentro do contexto do Deus cujo carter foi descrito como "Jav". Quanto significado existe na frase O Senhor se lembrar! As notcias que Noemi recebeu no so expressas em termos tais como "o tempo melhorou", ou "houve uma inverso econmica", ou "a ameaa da invaso desapareceu". Tudo isso poderia fazer parte da cadeia das causas para a recuperao da fartura em Belm. Mas no, as notcias chegaram a Noemi em termos de ao do Senhor. Aqui h um tema central na Bblia: toda a vida traada diretamente pela mo de Deus. Quando nos concentrarmos principalmente nas causas secundrias sentimo-nos encorajados a manipular o sistema. a concentrao na Grande Causa que nos ensina a viver pela f. Quando o Senhor "visita" o seu povo, ele o faz pelo julgamento47 ou atravs de bno.48 O alimento que agora existia em Belm entendido por Noemi como um dom de Deus. O sentido disto foi captado pelo salmista ("Abenoarei com abundncia o seu mantimento, e de po

fartarei os seus pobres"49), como tambm pelo sacerdote Zacarias sculos mais tarde, quando ele se deleitou no nascimento do mensageiro do Messias ("Bendito seja o Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo"50). Com a confiana de Noemi nesse Deus, ela podia lidar, como veremos, com os sentimentos de ira que suas circunstncias viessem a provocar. Agora, com Rute e rf, ela inicia sua viagem de volta ao lar.

2. Voltando para casa A preocupao de Noemi (1:8-9) Disse-lhes Noemi: Ide, voltai cada uma casa de sua me; e o Senhor use convosco de benevolncia, como vs usastes com os que morreram, e comigo. 9O Senhor vos d que sejais felizes, cada uma em casa de seu marido. E beijou-as. Elas, porm, choraram em alta voz. A verdadeira f sempre pode ser avaliada plos frutos do amor;1 e Rute, a moabita que veio a crer no Deus de Noemi, devia ter aprendido com esta a realidade da f, experimentando seus benefcios atravs do amor praticante de sua sogra para com ela. Noemi surge agora como a personagem principal de Rute 1. No desdobramento da "outra histria", o tema da providncia de Deus na sucesso dos acontecimentos de situaes humanas nas quais Noemi e suas noras se encontram, e a subsequente proviso divina para com Rute e Boaz, vamos nos concentrar primeiro em Noemi e especialmente na f inabalvel de Noemi em Jav. Especificamente aqui vemos como a sua f se demonstrou ativa em amor.2 Antes de mais nada, a preocupao amorosa de Noemi com suas noras encontra sua expresso na orao. Como j se disse com muito acerto: "O que um homem cr ou no cr a respeito da orao uma boa indicao de suas crenas religiosas de um modo geral. O que ele cr sobre a orao uma indicao do que ele cr sobre Deus. Mais particularmente, o que o homem faz com a orao uma indicao do que ele cr a respeito dela."3 A orao , e sempre foi, o lado ativo da doutrina da providncia. A orao o reconhecimento, no do benefcio psicolgico de algum exerccio mitolgico, mas do fato de que ns cremos que Deus existe, que Deus se importa conosco, que Deus est no controle e que Deus providencia tudo, e cremos de tal modo que estamos dispostos a fazer alguma coisa com base nisso, isto , a falar com ele. A providncia nos lembra que no passamos de criaturas, que somos dependentes de Deus e que, junto com o mundo todo, estamos sob o senhorio de Deus; a orao uma atividade pela qual reconhecemos que no podemos ser nosso prprio senhor. A providncia nos lembra que nem tudo desesperadamente absurdo ou sem sentido; a orao a nossa maneira de dizer "sim" diante da convico de que Deus est

1:8-22

operando os seus propsitos na natureza, nos homens e na histria. A providncia um lembrete de que o Senhor um Deus de graa e generosidade; a orao a nossa maneira de responder ao seu convite para fazermos parte da famlia da sua aliana, para sermos seu filho ou sua filha, seus cooperadores neste mundo. A providncia nos lembra que o Deus vivo no um destino imutvel diante do qual s podemos manter silncio e ficar passivos; a orao a nossa reao diante do convite de Deus para que partilhemos da comunho com ele, uma expresso da nossa unio com ele. Como disse P. Forster: A profundidade do senhorio de Deus tal que ele permite que tenhamos um lugar no seu governo do mundo ... isto aponta para a seriedade de nossas aes como cristos. No significa que estejamos segurando as rdeas do governo do mundo. Elas esto nas mos de Deus. Mas ns temos o nosso lugar no seu exerccio. Em sua onipotncia e oniscincia supremas, Deus quer partilhar sua vida conosco.4 Forster prossegue dizendo que Deus vai retificar e compensar nossa orao quando a responder. No que a nossa orao seja a coisa certa e segura a fazer, e a resposta de Deus a coisa incerta e insegura. Pelo contrrio, ns que somos desafiados na orao, e no Deus. Portanto, atravs da orao ns expressamos a nossa confiana na providncia de Deus e descobrimos como a nossa prpria vontade deve ser alinhada com a sua vontade soberana e cheia de amor por ns. A nossa ao na orao se encontra na sua resposta transformadora. Isto aconteceu com Noemi em sua orao a favor de Rute e rf. Ela orou como algum que conhecia o seu Deus como o Senhor da aliana. A sua orao aqui de confiante entrega do futuro nas mos do Senhor. Ao pensar em suas noras e nas necessidades delas, Noemi ora pedindo que o Senhor, o Deus da aliana, use de benevolncia para com elas. O amor da aliana Benevolncia (versculo 8) traduz a palavra central do relacionamento de Deus com o seu povo atravs da aliana: hesed, amor constante e fidelidade. uma palavra "que combina o calor da comunho de Deus com a segurana da sua fidelidade".5 a palavra de amor que Moiss canta ao louvar o redentor, 6 e pela qual o povo convocado para a comunho da aliana com ele. Noemi louva a Deus por seu hesed em 2:20, e Rute louvada pelo seu em 3:10. Portanto, uma palavra que nos diz algo do car ter do Deus da aliana, e tambm diz algo das pessoas que demonstram esse carter em suas vidas. Vamos retornar a este assunto no captulo 4. O correlativo desta palavra no Novo Testamento gape, que descreve o amor sacrificial de Deus pelo seu povo e o amor que ele espera que o seu povo demonstre em troca disso. Talvez a definio mais aproximada a que encontramos em l Joo 4:10-11: "Nisto consiste o amor, no em que ns tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou, e enviou o seu Filho como propiciao plos nossos pecados. Amados, se Deus de tal maneira .nos amou, devemos ns tambm amar uns aos outros." Noemi confia no Deus do amor e entrega Rute e rf aos cuidados dele. Suas noras demonstraram uma bondade maravilhosa para com ela e sua extinta famlia; que Deus demonstre o seu amor para com elas. Sua

preocupao particular era que elas retornassem s suas prprias famlias em Moabe, onde aparentemente pelo menos os pais de Rute ainda viviam (2:11), e que se casassem novamente. Um lar O Senhor vos d que sejais felizes, cada uma em casa de seu marido', isto indica principalmente o anseio por um "lugar de descanso". 7 A palavra no se refere apenas ao fim dos problemas e do sofrimento (que Rute e rf pudessem superar a dor de suas perdas), mas tambm experincia positiva da segurana e do conforto divinos. "Volta, minha alma, ao teu sossego (descanso)", canta o salmista, "pois o Senhor tem sido generoso para contigo."8 Para entender o pleno significado da orao de Noemi, temos de saber alguma coisa sobre a situao das mulheres vivas naquele tempo. Considerando que o status das mulheres na sociedade do Antigo Testamento era muito aqum do que lhes foi concedido por Jesus 110 Novo Testamento (na sua maneira de tratar a mulher junto ao poo, com a siro-fencia, Maria e Marta, como tambm no que ensinou sobre o divrcio, garantindo s mulheres direitos iguais aos dos homens),9 a situao da viva era ainda pior. A esposa estava includa na propriedade do marido, podendo ser repudiada, e no tinha direito de herana.10 Era, entretanto, bem superior a uma escrava e, especialmente quando nascia um filho do sexo masculino, era respeitada dentro da famlia. Mas a sua segurana repousava no marido e ela tinha poucos direitos prprios. Portanto, quando morria o marido, a viva (especialmente se tivesse filhos pequenos para sustentar) ficava em posio muito difcil. A palavra traduzida para "viva" no apenas indica a morte do marido, mas tambm d ideia de solido, abandono e desamparo.11 As vivas eram geralmente mencionadas junto com os rfos e os estrangeiros.12 Elas tinham necessidade especial de proteo, e Jav cuida delas de maneira singular." Portanto, o povo era convocado a cuidar do direito das vivas e diversas leis do Pentateuco procuravam aliviar o destino delas.14 Contudo, a queixa do tratamento injusto recebido pelas vivas um tema constante nos profetas.15 A nica esperana que restava de recuperar o status social para uma viva ainda jovem era casar outra vez. Toda a profundeza de sentimentos extrados de sua prpria viuvez Noemi colocou em sua orao em favor das duas jovens: O Senhor vos d que sejais felizes, cada uma em casa de seu marido. A dor da separao (l:9b-14) E beijou-as. Elas, porm, choraram em alta voz, we lhe disseram: No, iremos contigo ao teu povo. "Porm Noemi disse: Voltai, minhas filhas, por que ireis comigo? Tenho eu ainda no ventre filhos, para que vos sejam por maridos? nTornai, filhas minhas, ide-vos embora, porque sou velha demais para ter marido. Ainda quando eu dissesse: Tenho esperana, ou ainda que esta noite tivesse marido e houvesse filhos, ^esper-los-eis at que viessem a ser grandes? Abster-vos-eis de tomardes marido? No, filhas minhas, porque por vossa causa a num me amarga o ter o Senhor descarregado contra mim a sua mo. uEnto de novo choraram em

voz alta; rf com um beijo se despediu de sua sogra, porm Rute se apegou a ela. O choro expressava a dor, e a dor era em parte um sentimento de ambivalncia de rf e Rute, que precisavam escolher entre o seu amor por Noemi e a sua esperana de serem mes num segundo casamento. Inicialmente as duas se recusaram a partir, mas, com a insistncia de Noemi, rf foi persuadida. O raciocnio de Noemi girava em redor da prtica do casamento de levirato, que explicaremos mais detalhadamente na seo 5. Quando um homem morria sem deixar um filho homem, o seu irmo devia agir como "levir": isto , tomar a viva, a fim de gerar um filho para o homem morto. Talvez Noemi estivesse dizendo a Rute e rf que no havia irmos vivos de Malom e Quiliom que pudessem agir como "levir" e, naturalmente, as jovens no podiam esperar que futuros filhos seus atingissem a idade de casar! De qualquer forma, Noemi j havia ultrapassado a idade de conceber.16 O autor pretende descrever um quadro de desesperana: Noemi est enfatizando a completa impossibilidade de providenciar pais para os filhos de rf e Rute.17 Conforme veremos, a situao estava longe de tal desespero, pois na providncia de Deus, e atravs da ao de um goel (um parente remidor), Rute receberia um marido e um filho. Mas, por agora, essa esperana no estava ainda no horizonte. E rf foi persuadida a partir. Ela beijou Noemi, despedindo-se dela (versculo 14), e presumivelmente voltou a Moabe para procurar outro marido. A propriedade de Quiliom retornou para Noemi (4:9). A dor no era apenas das noras. Tanto o sofrimento da prpria Noemi como a sua participao na dolorosa escolha que Rute e rf tinham de fazer expressavam-se nas suas palavras: "No, filhas minhas, porque por vossa causa a mim me amarga o ter o Senhor descarregado contra mim a sua mo." Vamos retomar a este versculo quando chegarmos a Rute 1:21. Note-se, porm, que, apesar do sofrimento, seus pensamentos so voltados para o benefcio dos outros (por vossa causa). E, apesar do sofrimento (e at mesmo ira), Noemi ainda se apega ao fato de que aquilo que recebeu veio das mos do Senhor. No h sentimentos ocultos, no h fingimento de que no existe ira, no h qualquer gesto estico, nem falsas afirmativas de que tudo vai bem. Enquanto, da perspectiva de sua f na providncia de Deus, tudo vai bem, ela certamente no se sente assim. Como o grito de Habacuque diante de Deus por causa de seu aparente fracasso em evitar que se levantassem os opressores caldeus, 18 para descobrir depois, finalmente, que os prprios caldeus faziamparte do propsito amoroso de Deus19 e havia, no obstante, fundamentos para confiana na fora de Deus, at mesmo alegria,20 assim tambm Noemi, aqui, no esconde de Deus seus sentimentos mais profundos. Muitos de ns at j esqueceram como se lamenta a morte de algum. Embora devamos nos lembrar de que a f crist acabou com o aguilho da morte e que h lugar para uma palavra gentil de compaixo em certas ocasies ("No chores!"21), no devemos negar a dor da separao daqueles que perderam os seus queridos. Chegar o dia em que a afirmao crist da esperana de vida em Cristo se tornar a realidade do novo cu e da nova terra, quando "a morte j no existir, j no haver

luto, nem pranto, nem dor";22 mas haver momentos ainda deste lado do cu quando choraremos e lamentaremos antes de nossa tristeza ser convertida em alegria.23 Naturalmente, a f crist tomou obsoleta grande parte da lamentao pblica prolongada e dolorosa plos mortos, o que era costume no Israel de antigamente. Embora os crentes em Jav fossem proibidos de praticar alguns rituais da morte dos cananeus, eles ainda ficavam, durante longos perodos, gemendo e batendo no peito depois da morte de um ente querido.24 A parbola de Jesus sobre as crianas lamentando os mortos quando brincavam de enterro25 indica que alguns desses costumes ainda prevaleciam no seu tempo. Mas, embora grande parte do desespero dessa lamentao tenha se transformado para o cristo com a morte e ressurreio de Cristo,26 ainda h uma tristeza muito espiritual quando perdemos um amigo e quando a morte penetra em nossa vida. No foi por isso que Jesus chorou junto sepultura do seu amigo?27 Em nossa tristeza pela morte, ns, como cristos, somos sustentados pela esperana da ressurreio dos mortos. Mas no vamos fingir que a morte no machuca e que a tristeza no pode ser expressada. A tristeza uma coisa real e a sensibilidade renovada pela graa de Cristo pode sentir-se profundamente ferida e, portanto, muito mais suscetvel a revelar-se em lgrimas. Aps o choque inicial de dor pela morte de algum, e aps o pequeno perodo de serenidade forada por causa dos outros (no funeral, por exemplo), o verdadeiro sofrimento muito naturalmente leva a uma experincia de retorno s emoes que alguns de ns esquecemos desde a infncia. Sentimentos, s vezes de culpa, s vezes de raiva, vm junto com uma tenso que anseia ser aliviada com lgrimas. depois de passar por esta importante fase, na qual a dor pode ser expressa e chorada, que uma pessoa pode comear a se consolidar e a edificar novamente um futuro.28 Muitos de ns perdemos contato com os nossos sentimentos, ou esquecemos como que se chora. Para ns geralmente mais difcil atingir este estgio de reconstruo. Que as lgrimas dessas mulheres nos lembrem a importncia de no esconder nossos sentimentos, ou de no fingir que eles no existem. Maturidade implica aprender a expressar nossas emoes apropriadamente. Noemi passou pela dor e chegou determinao de edificar uma vida nova no futuro. Que Noemi tambm nos faa lembrar que nossos sentimentos mais profundos e nossas ansiedades no esto ocultos de Deus. Ela deliberadamente apresenta a ele os seus sentimentos de maneira bem franca. Realmente, ela lana toda a responsabilidade do seu destino nas costas de Deus! Ela agora experimenta Deus como um inimigo (cuja mo foi descarregada contra ela). Dele foi tambm a mo por trs da fome e das mortes, primeiro de seu marido e, depois, dos sevis filhos. Mas ela mantm estas amargas experincias dentro do contexto da sua promessa, lembrandose, e s suas noras, do seu nome: Jav, o Senhor. O que significa a f em Jav em perodos de aflio? Mais tarde voltamos os olhos para o sofrimento e, s vezes, discernimos o bem que veio aps ele. Outras vezes, no. Frequentemente, podemos crer, o sofrimento nos

confronta, mais que qualquer outra coisa, com a transitoriedade e fragilidade de nossas vidas. O sofrimento, como bem se v no livro do Dr. Martin Israel, The Pain that Heals (O Sofrimento que Cura), pode nos colocar em contato com dimenses mais profundas da vida espiritual. O sofrimento (que o Dr. Israel chama de "a face escura" de Deus) pode ser o caminho para o crescimento e a maturidade do carter: dor que cura. Mas na hora no sentimos assim. Na hora, como o testifica a experincia de Noemi, a essncia da confiana, durante toda a experincia da aflio, nos colocarmos humildemente debaixo da mo de Deus, da qual recebemos o golpe, na firme crena de que (apesar de todas as aparncias) a mo do Pai de amor. "Garante-me, Senhor, a fora de atravessar o vale da sombra da morte de modo que, ao sair do outro lado, eu seja uma pessoa melhor, mais compassiva, mais aproveitvel por ti como testemunha e mais til ao meu irmo como servo."29 Uma f assim deve ter tido uma influncia vital na vida de Rute. A f de Rute (l:14b-18) rf com um beijo se despediu de sua sogra, porm Rute se apegou a ela. l5 Disse Noemi: Eis que tua cunhada voltou ao seu povo e aos seus deuses; tambm tu, volta aps a tua cunhada. l6Disse, porm, Rute: No me instes para que te deixe, e me obrigue a no seguir-te; porque aonde quer que fores, irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo o meu povo, o teu Deus o meu Deus. l7 Onde quer que morreres, morrerei eu, e a serei sepultada; faa-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra cousa que no seja a morte me separar de ti. wVendo, pois, Noemi que de todo estava resolvida a ir com ela, deixou de insistir com ela. Enquanto rf deu prova do seu amor na obedincia ao desejo de Noemi de que partisse para se casar novamente, Rute demonstrou o seu amor tornando-se sua filha. Lemos que Rute se apegou a Noemi (versculo 14). Este verbo a palavra que expressa um "apego" fiel e sincero em um relacionamento pessoal, como o do homem com a esposa no jardim do den.30 Tambm usado em relao sincera fidelidade que Deus espera do povo da aliana em resposta sua iniciativa da graa salvadora. 31 Rute, a moabita, ex-adoradora de Camos, est demonstrando uma qualidade de vida caracterstica do povo de Jav. Apesar de Noemi citar o exemplo de rf e da bvia adequabili-dade de que Rute permanea com o "seu povo", e apesar de que, de acordo com a sabedoria humana, uma adoradora de Camos devesse obviamente permanecer onde os "seus deuses" eram adorados, Rute insiste em ficar com Noemi. O nosso autor apresenta aqui as palavras de Rute, sua clssica e bela afirmao de fidelidade, determinao e compromisso de amor. Rute quer compartilhar do futuro de Noemi: sua viagem, seu lar, sua f. a promessa de uma fidelidade sincera na vida e para toda a vida. Ou, por que no dizer, alm da vida: os membros de uma famlia partilhavam do mesmo cho ao serem sepultados, pelo menos na Palestina primitiva;32 e supomos que isto tambm acontecia com o povo de Rute. Como diz Leon Morris, a firme determinao de Rute que nada, nem mesmo a morte, v separ-la de Noemi.33 E no centro desta expresso de amor e compromisso para com Noemi (na viagem, no lar, na famlia, na vida e na morte) est o

compromisso de adorar o Deus de Noemi. Embora, num certo sentido, seja verdade que Rute talvez pensasse que uma mudana para Belm poderia implicar a necessidade de reconhecer "o deus de Belm",34 num outro, a sua f mostra-se explicitamente mais profunda. Rute est disposta a colocar nos seus lbios o nome do Deus da aliana de Noemi, Jav, o Senhor, numa determinada profisso de f naquele que fundamenta o seu juramento. Faame o Senhor o que bem lhe aprouver: esta expresso deveria incluir um gesto invocando a punio de Jav sobre ela, caso deixasse de cumprir o seu voto. A f de Noemi com certeza era to eficaz, mesmo na adversidade, apontando para o governo soberano de Jav, que Rute, atravs do testemunho de Noemi, foi agora capaz de exercer a sua prpria f no Deus dela e de se considerar agora como parte do povo da aliana de Jav. No teria sido precisamente a f de Noemi, em meio s incertezas, que mostrou a Rute o Senhor? Com que frequncia o Senhor usa as experincias do seu povo, especialmente em perodos de aflio e dificuldades, para atrair outros a si! Quando Moiss foi ao encontro de Jetro, seu sogro, ele contou "tudo o que o Senhor havia feito a Fara e aos egpcios por amor de Israel, todo o trabalho que passaram no Ego, e como o Senhor os livrara." Jetro se regozijou pelo livramento cheio de graa de Deus: "Agora sei que o Senhor maior que todos os deuses."35 Da mesma forma, Paulo, preso sob a guarda romana, o que ele considerava como parte de sua "incumbncia" 36 para com Cristo, escreve aos leitores em Filipos: "Quero ainda, irmos, cientificar-vos de que as cousas que me aconteceram tm antes contribudo para o progresso do evangelho."37 Por meio dos seus sofrimentos a igreja foi incitada a uma renovada devoo e Cristo foi pregado. Aqui, nesta passagem, o Senhor est atraindo Rute f, certamente usando como testemunho persuasivo a experincia da graa de Noemi atravs da aflio. Um Deus que se revela no vale das sombras digno de nossa confiana tambm nos dias de maior conforto. Noemi ou Mara? (1:19-22) Ento ambas se foram, at que chegaram a Belm; sucedeu que ao chegarem ali, toda a cidade se comoveu por causa delas, e as mulheres diziam: No esta Noemi? 20Porm ela lhes dizia: No me chameis Noemi, chamai-me Mara; porque grande amargura me tem dado o Todo-poderoso. 2}Ditosa eu parti, porm o Senhor me fez voltar pobre; por que, pois, me chamareis Noemi, visto que o Senhor se manifestou contra mim, e o Todo-poderoso me tem afligido? 22Assim voltou Noemi da terra de Moabe, com Rute, sua nora, a moabita; e chegaram a Belm no princpio da sega das cevadas. Quando Noemi viu que Rute estava "resolvida", firmemente determinada por uma deciso inabalvel (1:18), ela concordou, e as duas vivas seguiram juntas para Belm. Quando chegaram, os homens, ao que parece, estavam fazendo a colheita da cevada, no comeo da sega, isto , em abril. Mas as mulheres (Knox as restringe a "todas as fofoqueiras"!) comearam a fazer perguntas. Noemi estivera fora durante muitos anos. Ela partira com marido e dois filhos, e voltava agora viva com uma nora viva. Talvez sua

aparncia falasse da amargura que tinham experimentado. Quando lhe perguntaram: No esta Noemi?, o jogo de palavras com o significado do seu nome comovente: No me chameis Noemi (que significa "alegre"); antes, chamai-me Mara (que significa "amargura"). Conforme percebemos em 1:13, ela cr que as amargas experincias que enfrentou vieram da mo de Deus: "porque grande amargura me tem dado o Too-Poderoso." O Todo-poderoso O ttulo divino traduz a palavra hebraica Shadai, geralmente usada no Pentateuco e particularmente em Gnesis. Discordam os autores sobre o significado de sua raiz, sugerindo alguns que mais provavelmente a etimologia relacione "Shadai" com "montanha", no sentido qualitativo de possuir durabilidade, solidez e veracidade. 38 Contudo, se verificarmos o seu uso em Gnesis, descobriremos trs referncias que podem esclarecer o seu significado, levando-nos ao pensamento de Noemi ao us-lo. Primeiro, em Gnesis 17:1, descobrimos que Deus fez a um Abrao de noventa e nove anos de idade a promessa de gerar filhos, e se revela como "Deus Todo-poderoso". Aqui ele o Deus que pode transformar a impotncia do homem em bno, para o bem do prprio homem e para a sua glria. Segundo, em Gnesis 43:14, o velho Jac, em sua perplexidade, concorda relutantemente com que os seus angustiados filhos retornem ao Egito, levando o irmo mais moo para o (at ento) ainda no identificado Jos: "Deus Todo-poderoso vos d misericrdia perante o homem." "Shadai" aqui fala da esperana da proteo de Deus para um perodo de incertezas. E, terceiro, em Gnesis 49:25, a profecia de Jac sobre os seus filhos fala da futura "fertilidade" de Jos apesar de todo o "embarao", e o atribui ao "Todo-poderoso, o qual te abenoar com bnos dos altos cus, com bnos das profundezas, com bnos dos seios e da madre." Depois de treze anos de sofrimento e isolamento na priso, Jos elevado a primeiro ministro do Egito! Esse tipo de bno caracterstico de Shadai. E com referncia a esse aspecto do carter de Jav descrito por "Shadai" ("o Deus que melhor quando o homem est na pior", como J. A. Motyer uma vez expressou) que Noemi apresenta a estrutura de sua f naquele em quem ela deposita o seu sofrimento. como se ela dissesse: "Vocs podem ver a amargura que tenho experimentado: a fome, a perda de entes queridos, as dvidas, as separaes, o aparente desespero; mas eu conheo Deus como Shadai, e posso deixar as explicaes, e at mesmo a responsabilidade, desta amargura com ele." Ser que ela no estava conseguindo enfrentar a realidade? Ser que Noemi estava errada em pensar assim? Ser que ela estava acusando Deus do mal que sofria, usando aquele tipo de astuta explicao mais apropriada aos inteis consoladores de J ao invs de observaes que eram fruto de uma f amadurecida? No nos parece assim. Antes, parece que exatamente a chave de como uma pessoa de f aprende a enfrentar a dor e a incerteza das muitas tribulaes da vida. Em um mundo, no qual, da perspectiva humana, as palavras do Pregador parecem sobremodo verdadeiras ("Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrs do vento")3'1, suas outras palavras podem fornecer o contexto completo, a perspectiva

mais ampla dentro da qual a "vaidade" pode ser enfrentada: "no sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas".40 a pessoa que conhece o seu Deus como Shadai que pode perceber a outra histria: que at mesmo a aparente falta de significado do sofrimento terreno faz parte de um padro da providncia, e pode ser enfrentada quando colocada nas mos de Deus. E no apenas Shadai, pois o Deus que se revelou nessa caracterstica o Deus que tambm declarou o seu nome ao seu povo: Jav, um nome que aponta para o seu amor expresso na aliana. E Noemi sabe que o Shadai com o qual ela pode deixar sua amargura o Jav que a trouxe para casa. Conta-se a histria de um pregador que usava como ilustrao os fios emaranhados do avesso de uma tapearia, destacando que grande parte da experincia desta vida "debaixo do sol", neste mundo decado e afligido pelo pecado, em todos os seus diferentes caminhos, geralmente nos parece ser uma confuso de cores sem relao alguma, fios soltos e ns indesembaraveis. Apenas quando o outro lado da tapearia se torna visvel que esses mesmos fios nos apresentam o que foi bordado: "Deus Amor". Talvez no vejamos o outro lado, que ns chamamos de "outra histria", que est sendo escrito ao longo e ao redor da histria humana a qual ns lemos s vezes de maneira to dolorosa. Mas a f a garantia divina de que esse outro lado existe, e de que, no seu amor, at mesmo o sofrimento tem um significado. Este um tema exemplificado em outras passagens das Escrituras. Quando o salmista ficou desesperado por causa da prosperidade dos perversos e da aparente futilidade de uma vida honesta, de modo que at a sua prpria f parecia estar sendo tragada pela calamidade e pela dvida, ele achou que era "mui pesada tarefa" tentar compreend-lo. "At que entrei no santurio de Deus": ento o homem perverso e ele mesmo foram vistos a uma nova luz. Ele pde, apesar da contnua incerteza, exclamar: "Todavia, estou sempre contigo, quanto a mim, bom estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refgio." 41 Davi tambm, no Salmo 30, chegou a "clamar" a Deus pedindo ajuda. Ele experimentou o que chama de "ira" de Deus. Ele chora e suplica a Deus, e descobre que at mesmo a profunda tristeza pode produzir alegria. O visitante noturno que chega vestido de "choro" transformado pela luz do dia em exclamaes de alegria.42 Nosso Senhor Jesus, tambm, ajudou os discpulos a entenderem suas perplexidades e dvidas a uma nova luz e de uma perspectiva diferente. Quando, falando do sofrimento de um homem que nascera cego, eles perguntaram a Jesus "Por qu?" Eles no foram informados da causa ativa do sofrimento, mas apenas da causa final: "para que se manifestem nele as obras de Deus".43 Mas na prpria pessoa de Cristo que a plena revelao desta verdade se torna clara. O Novo Testamento o apresenta como o servo sofredor de Deus, como o Cordeiro de Deus sobre o qual foram colocados os pecados e as dores do mundo. Em Cristo, e em particular na vida de Cristo derramada na morte da cruz, o prprio Deus entrou e compartilhou das profundezas do sofrimento e do pecado deste mundo. Ele assumiu sobre os seus ombros a responsabilidade de resolver este assunto. Na horrvel ruptura da comunho entre o Pai e o Filho, focalizada no grito de abandono, Deus demonstrou o seu desejo de que a graa preciosa fosse conhecida em

cada separao e sofrimento humano; ele ouve cada orao com o grito: "Meu Deus, por qu?" Alm disto, com espantosa condescendncia, ele nos convida a lanar sobre ele nosso pecado e nosso sofrimento, e at mesmo, poderamos dizer, a desabafar sobre ele nossa ira, pois ele a pode suportar. No isto que acontece em alguns daqueles difceis salmos "imprecatrios", quando o autor d vaso sua ira? Frank Lake cita Robert Leighton, arcebispo de Glasgow no sculo XVII, que escreveu a uma mulher muito deprimida: "Eu a convido a lanar a sua raiva 110 seio de Deus." Ento Lake prossegue, dizendo o seguinte em um pargrafo muito comovente: O propsito da cruz de Cristo atrair sobre ele a justa ira dos inocentes aflitos, que no podem se defender nem se vingar adequadamente para dar um fim injustia do momento e que tendem, portanto, a adiar e inevitavelmente transferir a reao, de modo que outras pessoas, relativa ou totalmente inocentes, vm a sofrer. Cristo foi crucificado para que agora a nossa ira possa se esgotar, obedientemente e na f, ferindo aquele que foi providenciado, o Cordeiro de Deus. Pecado passa a ser, ento, "no crer em Jesus", no confiar nele para assumi-la e, ao assumi-la, acabar com ela.44 Precisamos aprender, na vida pessoal e pastoral, a aplicar o evangelho da graa de Deus em Cristo s mais profundas necessidades emocionais. Nossos sentimentos tambm esto dentro do escopo da providncia de Deus. Neste primeiro captulo de Rute, Noemi compartilhou conosco a sua f em Deus. uma f cujo brilho contrasta com as trevas dos seus sofrimentos. Ela viu a mo do Senhor na restaurao da bno de Belm; reconheceu a mo divina levantando-se contra ela na amarga experincia da morte; buscou o seu cuidado e proteo para rf e Rute; deu testemunho do Todo-poderoso na dor, quando de sua volta s antigas amizades. Esta uma f e uma confiana em Jav que reluz maravilhosamente na tela de fundo obscura e cheia de dvidas dos dias em que os juizes julgavam. a f em Jav que levou Rute a confiar nele: a f na qual se baseiam os subsequentes captulos de nossa histria. Rute e Boaz assumem os papis principais no restante do livro. Noemi, porm, volta no captulo 2 de Rute como a intrprete luz da providncia de Deus; e, em Rute 3 e 4, ela o agente de bnos divinas providenciais aos outros.

O amor quente como as lgrimas, O amor so lgrimas: Presso na cabea, Tenso na garganta, Dilvio, semanas de chuva, Montes de feno inundados, Mares sem forma entre as sebes; Antes tudo era verde. O amor ardente como fogo, O amor fogo: Todo tipo: fogo do inferno, Cheio de avidez e orgulho, Desejo lrico, forte e doce, Risonho, mesmo quando desejado, E essa chama celeste De onde vem todo o amor. O amor suave como a primavera, O amor primavera: Cnticos de aves pelo ar, Aromas frescos nas matas, A sussurrar: "Coragem!" Dizendo seiva, ao sangue: "Calma, segurana e repouso So bons; mas no o melhor." O amor duro como os cravos, O amor so cravos: Duros, grossos, martelados Nos nervos mediais daquele Que, tendo nos feito, sabia O que ele tinha feito, E vendo (com tudo isso) A nossa cruz e a dele. C. S. Lewis (1898-1963)

PARTE II ASAS DE REFGIO

3. Graa e gratido O segredo (2:1) Tinha Noemi um parente de seu marido, senhor de muitos bens, da famlia de Elimeleque, o qual se chamava Boaz. Enquanto a maior parte das histrias de detetives guarda seu segredo at a ltima pgina, o escritor desta nos revela um segredo bem no comeo deste captulo. Ao faz-lo, ele nos d mais uma indicao do propsito geral deste livro e de sua preocupao em no nos deixar ignorantes a respeito dele. A esta altura da histria, nem Noemi nem Rute sabiam que no muito longe de sua casa morava um homem de considervel riqueza e influncia que era seu parente, ou melhor, parente do falecido marido de Noemi. O dia da vida de Rute contido em Rute 2:1-22 o dia em que ela vem a conhecer esse homem, Boaz. No final do dia, depois do trabalho, ela conta a Noemi o que aconteceu. S ento ela percebe o verdadeiro significado do seu encontro (2:20). At ento, Rute no havia notado que o encontro no fora acidental, mas parte do propsito de um Deus cheio de graa e cuidado. Mas ns, os leitores, somos informados sobre Boaz neste primeiro versculo. Com esta informao, nosso contador de histrias est nos preparando pelo seguinte motivo: quando, mais tarde, Rute vem a conhecer Boaz de um modo que lhe parece puramente acidental, ns j estaremos informados. Por trs dos aparentes acasos dos encontros comuns do dia-a-dia, Deus expressa o seu cuidado e a sua determinao providencial, a sua graa da aliana. Quem era Boaz e por que esta informao to significativa para ns? Embora o significado do seu nome no seja claro (parece ser algo relacionado com "rapidez" ou "fora"1), duas coisas importantes ficamos sabendo a respeito dele. Em primeiro lugar, Boaz umparente de Elimeleque, um membro da famlia de Elimeleque. Em segundo lugar, Boaz senhor de muitos bens. Vamos examinar uma expresso de cada vez. Um parente A importncia crucial do elo familiar de Boaz se tornar mais clara no devido tempo. importante, porm, que saibamos deste relacionamento, uma vez que apenas por causa deste parentesco com Noemi que Boaz cumpre o papel no qual mais tarde se encaixa a histria. Por "famlia", o Antigo Testamento naturalmente se refere a uma rede de relacionamentos muito mais ampla do que o nosso conceito de uma famlia nuclear moderna, constituda de me, pai e filhos. A famlia do Antigo Testamento consiste de todos aqueles que esto unidos sob o mesmo teto. Assim, a "famlia" de No inclua sua esposa, seus filhos e suas noras. 2 A famlia de Jac inclua trs geraes.3 Os servos e at mesmo os estrangeiros residentes eram includos na famlia, como as vivas e os rfos que viviam sob a proteo do chefe da casa.4 A famlia no antigo Israel ficava no centro de uma srie de relacionamentos ligados: com Deus, com Israel (o povo de Deus como um

2:1-13

todo) e com a terra. A famlia era o centro do relacionamento principal da aliana do povo com o seu Deus. Assim, os filhos de No com suas esposas (e os filhos, se houvesse) estavam includos na aliana feita com No. 5 Quando Deus fez sua aliana com Abrao, todo macho (inclusive "o que tem oito dias") devia ser circuncidado. At mesmo as criancinhas eram bem recebidas na membresia da aliana, com base nica na sua participao na famlia.6 Na noite de Pscoa, um cordeiro foi providenciado "para cada famlia".7 Toda a famlia permaneceu segura no local demarcado pelo sangue do Cordeiro. Deus operava nas famlias; o seu relacionamento com o seu povo, na aliana, focalizava a vida familiar. A famlia era a unidade bsica da estrutura social dos israelitas. Era tambm a unidade bsica e beneficiria do sistema israelita de propriedade da terra, porque a terra, em ltima anlise, pertencia a Deus e era concedida s famlias como herana.8 Portanto, na maneira de ver dos israelitas, que se consideravam o povo da aliana de Deus, as reas social e econmica estavam ligadas famlia como seu centro focal. A solidariedade da famlia era, portanto, extremamente forte no antigo Israel, e os membros da famlia num sentido mais amplo tinham a obrigao de ajudar e proteger uns aos outros quando houvesse necessidade. Isto se via no apenas na convico de que o nome da famlia de um homem devia ser preservado em sua herana, mas tambm no costume do "levirato" (que discutiremos na seo 5), atravs do qual isto se tomava possvel. Conforme veremos, o papel que Boaz desempenha mais tarde na histria deriva do fato de ele ser um parente: algum da famlia de Elimeleque. Como que para garantir que ns no percamos a importncia do ponto, o fato repetido novamente no versculo 3. Talvez valha a pena refletir que grande parte do interesse cristo pelo bem-estar da "vida familiar" nos dias de hoje tem uma nfase totalmente diferente da solidariedade familiar do Antigo Testamento. Como J. Gladwin observa com acerto,9 devemos ter o cuidado de no nos concentrarmos demasiadamente em determinados padres culturais da classe mdia ocidental, crendo serem eles necessariamente um modelo bblico. Seria mais importante procurar, dentro de nossos prprios termos e de nossa prpria cultura, descobrir maneiras de refletir a interligao dos relacionamentos familiares com a terra e com a sociedade que o Israel do Antigo Testamento conhecia em seu contexto em Deus. C. J. H. Wright escreveu: Ainda que, naturalmente, no sejamos uma nao teocrtica redimida como o era Israel, certamente podemos desejar produzir uma sociedade que refuta, num certo sentido, o tringulo dos relacionamentos dentro do qual a famlia estava estabelecida no Antigo Testamento. Isto significa uma sociedade na qual as famlias desfrutariam de um grau de independncia econmica com base na participao equitativa da riqueza da nao; na qual a famlia pudesse sentir alguma relevncia social e algum significado dentro da comunidade; na qual cada famlia tivesse a oportunidade de ouvir a mensagem da redeno divina de um modo culturalmente relevante e significativo, tendo a liberdade de reagir. Idealstco? Talvez. Mas pelo menos um idealismo bblico que de fato parece mais realista do que a crena que busca uma sociedade moralmente revitalizada, desejando apenas uma

maior coeso familiar, sem atacar as foras econmicas que solapam a prpria coisa desejada.10 Precisamos afirmar no apenas a famlia mas tambm as condies sociais dentro das quais a coeso familiar se torna economicamente vivel e socialmente digna. Senhor de muitos bens A outra coisa que ficamos sabendo sobre Boaz que ele era um senhor de muitos bens. A expresso, s vezes, significa homem "valente"; foi usada com referncia a Gideo, "homem valente", e a Jeft, "homem valente".11 s vezes significa homem de "poder", como na orao de Moiss por Levi: "Abenoa o seu poder, Senhor." 12 s vezes, significa "riqueza", expresso diversas vezes usada por Isaas. 13 Tambm traz um sentido de valor moral; na verdade a palavra que Boaz usou elogiando Rute em 3:11: "Toda a cidade do meu povo sabe que s mulher virtuosa.^ Portanto, quando somos apresentados a Boaz, somos apresentados a um homem de integridade, a um homem de influncia, a um homem de recursos. Todos esses fatores na vida de Boaz, e, acima de tudo, o fato de ser "algum da famlia", um parente de Elimeleque, sero importantes no papel que ele desempenhar dentro da histria de Noemi e Rute. "Por casualidade entrou ..." (2:2-3) Rute, a moabita, disse a Noemi: Deixa-me ir ao campo, e apanharei espigas atrs daquele que mo favorecer. Ela lhe disse: Vai, minha filha. 3E/a se foi, chegou ao campo, e apanhava aps os segadores; por casualidade entrou na parte que pertencia a Boaz, o qual era da famlia de Elimeleque. Um dos aspectos mais importantes da f na providncia de Deus que ela nos ensina que at mesmo as coisas acidentais esto dentro do seu cuidado. O tema do captulo 2 passa agora para o crescente relacionamento entre Rute, a pobre e jovem viva de Moabe, e Boaz, o influente homem de recursos que era parente do falecido marido de Noemi. Rute, a esta altura, totalmente ignorante da existncia de Boaz, aproveita-se de uma das generosas provises da lei de Israel, que se refere respigadura. Por causa da preocupao com os desamparados, os pobres e os "viajantes", as leis levticas exigiam que os segadores nos campos por ocasio da colheita, e tambm os agricultores nas vinhas e nos olivais, deixassem uma poro dos frutos, inclusive s margens dos campos, para que fossem colhidos plos necessitados. Os segadores no deviam voltar para buscar o gro que tivessem deixado sem colher ou que tivesse cado. Em Levtico 19:9-10 ns lemos: Quando tambm segares a messe da tua terra, o canto do teu campo no segars totalmente, nem as espigas cadas colhers da tua messe. No rebuscars a tua vinha, nem colhers os bagos cados da tua vinha: deix-loss ao pobre e ao estrangeiro: Eu sou o Senhor vosso Deus.14 O motivo da preocupao com os pobres e os oprimidos est expresso em termos do carter divino. Repetidas vezes, neste captulo 19

de Levtico, encontramos provises para a vida domstica, social, religiosa, econmica e para os aspectos pessoais da vida, junto com o refro: "Eu sou o Senhor". H no carter do Deus (o Senhor) da aliana alguma coisa que deve ser seguida com um determinado padro de comportamento na vida do povo da aliana. Neste caso em particular, o deuteronomista enuncia o motivo mais claramente: "Que faz justia ao rfo e viva, e ama o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito."15 Em outras palavras, sendo Deus um Deus que liberta os escravos e cuida dos pobres, dos desamparados e dos necessitados, as leis socioeconmicas do pas devem expressar tambm esta preocupao humana, pois a terra e o povo pertencem a esse Deus da aliana, e o seu padro de vida deve refletir a natureza dele. Assim como no princpio do Jubileu16 e do ano sabtico, e tambm nas leis do dzimo,17 est implcita a crena de que a terra pertence, em ltima anlise, a Deus, e de que a sua preocupao com os pobres e os desprivilegiados encontra expresso econmica desse modo. Aqui surge uma questo muito importante. Ser que os pases que herdaram a f crist tm o dever de ajudar economicamente as reas mais pobres do mundo? A preocupao com a justa distribuio dos recursos da terra no uma opo confortvel para o cristo. Ela fazia parte do significado de pertencer ao povo da aliana de Deus. A lei da respigadura era uma das maneiras que o antigo Israel entendia como sua obrigao neste sentido. Rute, sendo uma viva pobre, podia aproveitarse dela. Rute sabia tambm que esta proviso da lei era uma proviso generosa, um sinal da graa que vai alm dos direitos pessoais na posse de propriedades. Ela sabia que, embora fosse obrigatrio que o proprietrio deixasse alguma coisa para o pobre, era perfeitamente possvel que senhores inescrupulosos dificultassem a vida dos respiga-dores. Os pobres dependiam, em grande parte, da boa vontade do proprietrio, como se v pela conversa de Noemi com Rute, no final do dia: "Bendito seja aquele que te acolheu" (2:19). O pedido de Rute a Noemi reconhece o fato: Deixe-me iro campo, e apanharei espigas atrs daquele que mo favorecer. A palavra "favorecer " usada com referncia graa de Deus (No "achou graa diante do Senhor"18), como tambm expressa o carter gracioso de uma pessoa em relao outra. Depois, falaremos mais sobre isto. Por ora, descobrimos que Boaz est colocado no papel de generoso provedor, e Rute a pessoa necessitada que depende da graa de outra pessoa. A gentil lealdade de Rute para com a sua sogra, um dos aspectos mais atraentes deste relacionamento j to rico e bom, destacada pelo pedido de permisso que ela faz a Noemi, para ir ao campo. Noemi o poder propulsionador humano em que se baseiam as escolhas de Rute nos captulos 2 e 3. Lemos que Rute, por casualidade, entrou na parte do campo que pertencia a Boaz. Ou, como diz a Edio Revista e Corrigida, "caiu-lhe em sorte uma parte do campo de Boaz". Temos aqui uma reafirmao da f do autor na graciosa providncia de Deus. O escritor sabe, como tambm os leitores, que no foi uma "sorte" ou "casualidade" acidental. O que para Rute foi uma mera coincidncia em um conjunto de circunstncias no planejadas, entendemos

(como Noemi entendeu mais tarde naquele dia; 2:20) que foi parte da obra do cuidado gracioso de Deus. "Deus tem o mundo em suas mos", diz o conhecido hino. Ou, na linguagem mais refinada do apstolo Paulo, que, depois de exaltar a misericrdia, as riquezas, a sabedoria, o conhecimento e o juzo de Deus, lembra os leitores cristos de Roma de que "dele e por meio dele e para ele so todas as cousas. A ele, pois, a glria eternamente. Amm."19 Abraham Kuyper foi Primeiro Ministro da Holanda no comeo do sculo. Ele tambm era professor de teologia, jornalista, escritor e amante da arte. Ele fundou a Universidade Livre de Amsterd em 1880, e na sua conferncia inaugural incluiu estas famosas palavras: "No h uma polegada em toda a rea da existncia humana que Cristo, o soberano de tudo, no reivindique como sendo sua."20 Kuyper tinha a preocupao de colocar cada esfera da vida, de maneira consciente, sob o senhorio e domnio de Cristo, por causa da sua convico que todo o mundo se encontrava "em suas mos"; de que "dele e por meio dele e para ele so todas as cousas". Todos os acontecimentos que aparentemente so ocasionais e que alteram a situao do mundo esto nas mos de um Deus que tem um propsito para esse seu mundo, um propsito que ele "propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensao da plenitude dos tempos, todas as cousas, tanto as do cu como as da terra".21 O que temos pela frente, no sabemos, se vamos viver ou morrer; mas sabemos que todas as coisas esto ordenadas e certas. Tudo foi ordenado com inerrante sabedoria e amor sem limites, por ti, nosso Deus que s amor. Que possamos ver a tua mo em todas as coisas, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor.22 Tendo, assim, falado sobre a soberania de Deus, devemos, entretanto, nos guardar do ponto de vista esttico e determinista sobre Deus que s vezes acompanha esse tipo de f. O corolrio no que no passamos de peas em algum jogo de xadrez divino, ou de marionetes controlados por cordas nas mos de um artista celestial. Pelo contrrio. Tanto o Antigo como o Novo Testamento deixam-nos diante do paradoxo (ao qual retornaremos mais tarde) de que as escolhas e as responsabilidades humanas so inteiramente nossas, e de que o desenvolvimento da nossa f (com temor e tremor) tambm obra nossa, precisamente porque Deus opera em ns "tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade".23 Aqui na histria de Rute vemos claramente exemplificada a verdade de que a graciosa providncia divina no abafa a deciso e a ao humanas. Antes, foi o pedido de Rute e o estmulo de Noemi, a acidental escolha do campo e a livre deciso de Boaz de fazer a colheita no seu campo naquela ocasio, que se tornaram instrumentos na mo de Deus para o seu cuidado providencial. Esta viso de Deus, longe de ser esttica e determinista, viva, dinmica e responsiva. Parte da nossa dificuldade em entender este paradoxo deriva talvez da maneira como as tradies crists, tanto a catlica quanto a protestante, costumam explicar a graa. A tendncia de ambas considerar a graa de Deus como uma fora. s vezes, ela vista como um poder extra por cima e acima da f ora humana, uma outra camada de vida, como a nata por cima do leite. s vezes, a graa considerada como o poder de uma cirurgia radical que extrai o pecado e coloca, em lugar do poder do pecado original, uma nova

fora. E naturalmente existe certa verdade em tudo isto. Mas a nfase principal em nossa compreenso da graa que "graa" uma palavra que traduz relacionamento pessoal. Graa significa, mais do que qualquer outra coisa, um "relacionamento cheio de graa" entre Deus e ns. Quando "No achou graa" diante do Senhor,24 a verdade que Deus, com a sua graa, achou No e o convidou a se relacionar com ele de uma forma especial. Assim, a graa de Deus no "age sobre ns" de maneira forada, acabando com a nossa liberdade. Antes, o relacionamento cheio de graa de Deus cria a nossa liberdade. E a sua graciosa providncia se expressa em nosso tempo e espao atravs da liberdade que temos, como seres humanos, de fazer escolhas, tornar decises e assumir responsabilidades. Para dizer a verdade, nem sempre as coisas parecem ser assim. O Pregador assumiu a tarefa de encontrar um propsito divino em todas as coisas e chegou concluso deprimente e pessimista de que tudo no passa de "correr atrs de vento" ,25 A vida parece (como deve ter sentido Noemi em suas amargas experincias) um emaranhado de fios desconexos. Mas a f na graciosa providncia divina traz consigo a certeza de que aqueles fios emaranhados so apenas o avesso de uma tapearia, cujo lado direito apresenta uma mensagem de esperana e graa. Na verdade, a graa atravs do sofrimento e da incerteza um tema que se destaca tanto no Antigo como no Novo Testamento. Talvez uma das experincias mais poderosas seja a do apstolo Paulo, que orou trs vezes pedindo a cura de seu "espinho na carne", apenas para receber a resposta transformadora: "A minha graa te basta." Como ele mesmo aprendeu e compartilhou conosco, o poder cheio da graa de Deus "se aperfeioa na fraqueza" humana.26 este o ponto alto de sua carta, o vantajoso ponto para onde convergem as experincias de Paulo como apstolo (inclusive suas fraquezas, provaes, alegrias e "acidentes"). Aqui, na hora da necessidade, percebe-se mais claramente a generosa providncia de Deus: o que sustentou o apstolo em sua fraqueza foi a f. Foi igualmente a f que, muito tempo antes e com muito menos clareza, Rute partilhou e que o nosso autor est preocupado em expor aqui. Este o mundo de Deus e at mesmo nossa "sorte" ou "casualidade" faz parte de sua providncia dominante. Gratido (2:4) Eis que Boaz veio de Belm, e disse aos segadores: O Senhor seja convosco. Responderam-lhe eles: O Senhor te abenoe. Nem sempre o Senhor reconhecido to francamente por um gerente em sua conversao com os operrios. "O Senhor seja convosco" (a nica vez em que esta saudao em particular se encontra nesta forma, o que talvez indique ser ela mais do que mera conveno) nos d a entender que at mesmo o trabalho comum cotidiano considerado por Boaz e seus homens no contexto da f no Deus da aliana, a quem pertence a terra. H, nesta saudao, calor e at mesmo gratido. Como diz Cooke, "nesta propriedade, um esprito religioso governa o relacionamento entre empregador e empregados."27 Encontramos uma bno semelhante no final do Salmo 129: "A bno

do Senhor seja convosco! Ns vos abenoamos em nome do Senhor!" Isto se parece muito com a bno sacerdotal de Nmeros 6:24: "O Senhor te abenoe e te guarde; o Senhor faa resplandecer o seu rosto sobre ti, e tenha misericrdia de ti; o Senhor sobre ti levante o seu rosto, e te d paz." Ela provavelmente reflete a maneira como o sacerdote despedia a congregao depois do culto. Mas o salmo usa a bno apenas em contraste com uma maldio. Mais de uma vez o salmista usa a linguagem da colheita ao faz-lo, e a certa altura indica que partilhar as bnos fazia parte da ideologia da colheita em Israel. A maldio contra "todos os que aborrecem a Sio" expressa a brevidade e a fragilidade da vida em termos de ser esta "como a erva dos telhados, que seca antes de florescer". Descreve, ento, o fracasso econmico dizendo que "no enche a mo o ceifeiro, nem os braos, o que ata os feixes". Quando chegamos, portanto, ao versculo final, que fala da ausncia de confraternizao no trabalho em que seria compartilhado esse tipo de bno, podemos presumir que aqui tambm se faz referncia a um tema de colheita. A comunho da bno partilhada fazia parte da filosofia da colheita de Israel. Alm disso, a bno que apropriada para o culto igualmente adequada ao local de trabalho. A troca de bnos entre Boaz e seus trabalhadores tem muita semelhana com o repartir da bno no final do culto. No h, no Antigo Testamento, separao entre o "sagrado" e o "secular": o todo da vida vivido "diante da face de Deus". Assim o Salmo 129 chega ao seu filial contrastando o silncio dos futuros destruidores de Israel com aquilo que Maclaren chama de "pequeno e belo quadro de um campo de colheita, onde os que passam gritam seus votos aos alegres trabalhadores e recebem destes saudaes iguais."28 "A bno do Senhor seja convosco! Ns vos abenoamos em nome do Senhor!" Esse tambm o quadro aqui em Rute 2: a alegria do trabalho e a invocao das bnos do Senhor sobre o fruto do rduo labor. Temos aqui um reconhecimento implcito de uma dependncia essencial, ainda que amadurecida (nada infantil), de Deus. No nvel da ordem natural, a compreenso de Deus como Criador traz consigo uma compreenso do mundo como uma coisa contingente em sua existncia e ordem: isto , ele poderia ter sido feito de maneira diferente, e a sua existncia atual depende totalmente de Deus para continuar sendo assim. Como T. F. Torraiice, S. Jaki e outros argumentam,29 esta uma pressuposio bsica de toda obra cientfica experimental. Se a ordem do universo fosse uma ordem logicamente necessria, ns a descobriramos pensando nela sentados em nossas poltronas. Sendo a sua ordem contingente, s podemos descobrir os padres da natureza atravs da experincia. E ainda assim a cincia tambm aceita que o universo ordeiro e no catico. O cristo responde dizendo que ambos, tanto ordem quanto contingncia, derivam da racionalidade do Criador, que com liberdade de senhor deu a este mundo uma limitada liberdade na dependncia dele. E isto se aplica tanto ao nvel pessoal como ao impessoal. Ns somos seres morais e racionais, cujas vidas, sob todos os aspectos, refletem os limites de nossa humanidade como criaturas dependentes do Criador, e tambm uma limitada liberdade de responder-lhe em gratido e adorao ou de ignor-lo em suposta autonomia. pela gratido e pela adorao que desfrutamos as riquezas da verdadeira

liberdade humana dentro dos limites divinos, e esta que se torna a base de nossa prpria criatividade humana em amor. A psicanalista Melanie Klein escreve muito sobre a interao de um senso de "confiana em alvos pessoais bons" com a capacidade de expressar gratido e, ento, sobre o elo ntimo entre gratido e generosidade.30 De fato, ela argumenta persuasivamente que o cultivo de uma atitude de gratido (ela cita, por exemplo, certos hbitos enfatizados plos rituais cristos, como o de dar graas antes das refeies) que pode mitigar os impulsos destrutivos dentro de ns, como a inveja e ganncia. O reconhecimento de dependncia e de gratido joga um papel nada desprezvel em nossa vida emocional, no sentido de libertar-nos dos efeitos deformadores da inveja e da mania de perseguio, e de liberar nossa capacidade de ser generosos e criativos. Para a Srta. Klein, tal confiana tem uma relao predominante com a confiana da criana em sua me e com o amadurecimento emocional que pode advir de tal relacionamento.31 Com muito mais frequncia poderia (e deveria) o reconhecimento da dependncia e, portanto, um sentimento de gratido para com o Deus da aliana levar-nos a reaes de generosidade nos nossos relacionamentos com os outros. Este foi certamente o caso de Boaz. A jovem moabita: "Sendo eu estrangeira" (2:5-13) Depois perguntou Boaz ao servo encarregado dos segadores: De quem esta moa? &Respondeu-lhe o servo: Esta a moa moabita que veio com Noemi da terra de Moabe. 7Disse-me ela: Deixa-me rebuscar espigas, e ajunt-las entre as gavelas aps dos segadores. Assim ela veio, desde pela manh est aqui at agora, menos um pouco que esteve na choa. sEnto disse Boaz a Rute: Ouve, filha minha, no vs colher a outro campo, nem to pouco passes daqui; porm aqui ficars com as minhas servas. 9Estars atenta ao campo que segarem, e irs aps delas. No dei ordem aos servos, que te no toquem ? Quando tiveres sede, vai s vasilhas, e bebe do que os servos tiraram. 10 Ento ela, inclinando-se, rosto em terra, lhe disse: Como que me favoreces e fazes caso de mim, sendo eu estrangeira? 11Respondeu Boaz, e lhe disse: Bem me contaram tudo quanto fizeste a tua sogra, depois da morte de teu marido, e como deixaste a teu povo e a tua me, e a terra onde nasceste e vieste para um povo que dantes no conhecias. 12O Senhor retribua o teu feito, e seja cumprida a tua recompensa do Senhor Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refgio. l3Disse ela: Tu me favoreces muito, senhor meu, pois me consolaste, e falaste ao corao de tua serva, no sendo eu nem ainda como uma das tuas servas. Tem-se dito com frequncia que um dos propsitos com que o livro de Rute foi escrito foi a oposio rgida impermeabilidade da aplicao das leis contra o casamento inter-racial que aconteceu no perodo de Esdras e Neemias. Conforme j sugerimos, entretanto, provvel que o livro de Rute tenha sido escrito antes do exlio; de qualquer forma, ele no tem o aspecto de um tratado polmico poltico. No obstante, seja como for, o livro no apresenta srios empecilhos queles que pensam no povo de Deus, no Antigo Testamento, como a raa israelita para a qual a questo do casamento inter-racial estava sujeita a sanes legais. Este um ponto de vista comum. A prpria Rute se considerava "uma estrangeira". Um rpido exame das leis do Pentateuco que proibiam o casamento entre israelitas e

estrangeiros tambm parece apoiar o ponto de vista de que o povo de Deus era definido em termos raciais. Assim, em Deute-ronmio 7:3, o povo de Deus, na iminncia de entrar em Cana, comparado s naes que j ocupavam a terra, e recebe esta advertncia: No "contrairs matrimnio com os filhos dessas naes: no dars tuas filhas a seus filhos, nem tomars suas filhas para teus filhos! Isto no parece enfatizar uma preocupao com a pureza racial entre o povo de Deus? um princpio que, nos ltimos anos, tem sido explorado consideravelmente na poltica do "apartheid" da frica do Sul. Mesmo assim, um ponto de vista errneo. Em um artigo sobre "Racismo e a Bblia", John Austin Baker comea dizendo o seguinte: "Quando buscamos orientao e sabedoria na Bblia para os nossos problemas raciais, a primeira coisa, e a mais importante, que devemos absorver que a Bblia no tem absolutamente nada a nos dizer."32 O que ele quis dizer com esta declarao totalmente sem artifcios que "raa", nos termos em que refletimos, um conceito do qual os escritores da Bblia no tinham a mnima ideia. As diferenas, para no dizer antagonismos, do mundo antigo no eram sobre raa, no nosso sentido tnico ou de diferenas de cor; tinham a ver com cultura, tradio e religio. O nico tipo de discriminao que encontramos no Antigo Testamento a cultural e a religiosa, e no a racial. Na verdade, a proibio deuteronmica sobre casamentos mistos, que citamos pouco atrs, foi feita para justificar a lei: no era uma preocupao com raa, mas com religio. Os casamentos com mulheres estrangeiras foram proibidos, "pois elas fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses".33 Alm disto, os motivos subjacentes na linha dura assumida por Neemias depois do exlio foram precisamente os mesmos: o casamento com "mulheres estrangeiras" seria o mesmo que (como aconteceu com Salomo34) seduzir o povo de Jav adorao de outros deuses. No uma proibio de casamento inter-racial, mas, sim, uma forte proibio de casamento inter-religioso. Mas mesmo esta proibio no devia enfatizar a exclusividade como tal. Esdras e Neemias no desistiram da viso universal de "Deutero-Isaas".35 Eles, antes, insistiram numa base moral e religiosamente definida sobre a qual uma tal viso de misso mundial poderia ser realizada.36 O povo de Deus deve ser reconhecido por suas diferenas culturais, morais e religiosas. Mas no se trata, de forma alguma, de uma questo de "raa". Isto acaba com qualquer tentativa de defender a segregao racial e a discriminao com base num suposto princpio bblico de "pureza racial". O primeiro princpio sobre o qual se deveria basear qualquer discusso crist da questo racial que "no que se refere raa humana, s existe um nico grupo".37 Ser membro do povo da aliana de Jav, portanto, uma questo de f na promessa universal de graa, e no uma questo de raa, cor ou antecedentes tnicos. E este sempre tem sido o padro de f do Antigo Testamento. Com certa ironia, Baker comenta sobre os "partos, medos e elamitas e os naturais de Mesopotmia, Judia, Capadcia, Ponto e sia; da Frigia e da Panflia, do Egito e das regies da Lbia nas imediaes de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como proslitos, cretenses e rabes", mencionados em Atos 2, destacando o fato de que eles estavam reunidos em uma comunidade universal sob a antiga aliana para prestar culto em Jerusalm quando o dom pen tecos tal do Esprito Santo foi derramado. O que os unia

inicialmente era sua f em Jav. E foi o que ocorreu com Rute e Boaz. Embora Rute se entendesse como uma "estrangeira", Boaz a recebe como membro da famlia de Jav, sob cujas asas ela veio buscar refgio. A insistncia do evangelho do Novo Testamento, em que a graa de Cristo e a f dos cristos transcendem todas as barreiras raciais e devem ter expresso nos relacionamentos da comunidade,38 baseia-se na convico fundamental de que Deus "de um s fez toda raa humana".39 O Salvador que os cristos proclamam um salvador universal que participa de nossa humanidade comum. O dilogo do prprio Jesus com a mulher de Samaria, junto ao poo de Sicar,40 destaca esse mesmo ponto. E esta insistncia do Novo Testamento que prefigurada na generosa atitude de Boaz, o belemita, para com Rute, a viva de Moabe. Como que me favoreces e fazes caso de mim? (2:10). J percebemos que Rute se considerava dependente da graa. Face a face com Boaz, ela novamente reconhece na solcita generosidade deste os sinais da graa ("favoreces"). Boaz obviamente j tinha ouvido falar da volta de Noemi e Rute de Moabe a Belm (versculo 11). Sabia que Rute aceitara a f em Jav e ouvira do seu devotado servio sogra, o que era provavelmente reforado pela notcia da persistncia de Rute o dia todo no trabalho (2:7). Ele sabia que ela desistira de sua famlia e amigos, de sua religio e da companhia de seus compatriotas para ficar com Noemi. Boaz sabia que Rute, tal como Abrao,41 deixara a casa de seu pai e a sua parentela para ir a uma outra terra, no sabendo o que lhe reservava o futuro. E ele sabia que isto era uma prova da profundeza da f recm-descoberta de Rute em Jav (2:12), uma f que se expressava em amor. A notcia de que aquela era a moa moabita que veio com Noemi da terra de Moabe no surpreendeu a Boaz quando ele perguntou ao encarregado dos segadores quem era a nova jovem que rebuscava no campo (versculo 5). Boaz imediatamente responde com a instruo de que ela deve ser tratada com respeito (versculo 9). Rute recebe esta iniciativa como um sinal da graa (versculo 10), outra indicao para ela, talvez, da graciosa providncia do seu novo Deus. Aqui, porm, um outro aspecto do significado da graa comea a se tornar claro. J falamos do relacionamento cheio de graa entre uma pessoa e Deus, que capacita colocar as mudanas e as oportunidades dos acontecimentos deste mundo dentro de uma nova perspectiva: ver "o mundo inteiro nas mos dele". Tambm mencionamos a graa atravs do sofrimento, o qual sustentou Noemi em suas amargas experincias: uma graa que suficiente, que "perfeita" em situaes de fraqueza humana. Vemos aqui que a graa tambm tem muito a ver com a proviso das necessidades pessoais. Em sua graciosa providncia, alm de governar o seu mundo, Deus tambm o sustenta e prov o necessrio. O salmista adora a Deus pela sua grandeza, no apenas como Criador, mas tambm como sustentador e provedor.42 O mundo no apenas um mundo ordeiro (como o indica a nossa compreenso da criao e o fato de o empreendimento cientfico ser possvel); , como dissemos, um mundo contingente, lembrando-nos a nossa contnua e constante dependncia da graa mantenedora de Deus. A manuteno e aproviso de Deus para o seu mundo tambm so um aspecto de sua graa. E a sua

proviso cheia de graa para conosco geralmente se expressa atravs da generosidade cheia de graa dos outros. Noemi quem, naquele mesmo dia (2:20), relaciona mais claramente a generosidade de Boaz com a proviso cheia de graa de Deus; mas talvez mesmo antes essa relao j tivesse comeado a despontar na mente de Rute. Boaz empenhou-se em ser gentil: "No vs colher a outro campo ...ficars com as minhas servas ... e irs aps elas ... Quando tiveres sede... bebe do que os servos tiraram" (2:8-9). Certamente suas palavras gentis e a oferta de pelo menos uma posio temporria em sua casa (ficars com as minhas servas) foram um conforto para a viva de Moabe. Talvez fossem para ela o primeiro sinal do fim do escuro tnel que ela vinha atravessando desde a morte do seu marido. Foram um sinal de esperana. Humildade e responsabilidade "Deixa-me rebuscar... Ento ela, inclinando-se, rosto em terra... no sendo eu nem ainda como uma das tuas servas (2:7,10,13). Se Boaz percebeu em Rute a devoo de sua lealdade para com Noemi, no poderia deixar de perceber nela a sua humildade em relao a ele. Embora a lei, como j vimos, exigisse o cuidado para com os pobres, Rute no insistiu em seus direitos. Humildemente ela pedira permisso ao servo encarregado: Deixa-me rebuscar. Este humilde reconhecimento de sua dependncia tambm se v na sua outra resposta: "Mas o que estou dizendo ao me chamar tua serva? Eu no sou digna de ser comparada com a menos importante das tuas servas!"43 Em seu importante comentrio sobre direitos humanos (Human Rights: a Study in Biblical Themes), Christopher Wright comea, no com "direitos", mas com a "responsabilidade para com Deus", que ele considera como a caracterstica essencial do que significa ser humano. No podemos escapar responsabilidade, pois isto no est em nosso poder como criaturas. Mesmo tentar neg-la reconhecer sua realidade. Assim Caim, at mesmo ao tentar isentar-se da responsabilidade para com o seu irmo, pelo simples fato de responder a Deus, admite a sua responsabilidade para com o seu Criador. E inseparvel dessa responsabilidade primeira est o fato de que Deus nos considera responsveis pelo nosso prximo. Considerando que no podemos escapar ao fato intrnseco de nossa constituio humana, que a responsabilidade para com Deus, tampouco podemos fugir ao seu correlativo divinamente imposto, a nossa obrigao diante de Deus plos outros seres humanos.44 As caractersticas que mais se destacam em Boaz, um homem de f, e em Rute, uma mulher de f, aqui neste pargrafo, so as suas respectivas recusas de se apegarem aos seus direitos (Boaz como proprietrio, Rute como rebuscadora). Temos, antes, evidncias de sua humilde disposio de expressar a f em Deus cuidando (Boaz para com Rute), e de gratido e humildade aceitando o cuidado (Rute para com Boaz). Uma f viva, s vezes, demonstrada no ato de dar, outras vezes, na disposio de aceitar com gratido. Como j notamos antes, nunca devemos formular a nossa compreenso da providncia soberana de Deus de tal forma a diluir a nossa responsabilidade humana. A graa de Deus no elimina a nossa liberdade; antes, a graa cria a liberdade. E a primeira premissa de toda moralidade

que a pessoa moral responsvel. Na Bblia, a responsabilidade fica atribuda s pessoas feitas imagem de Deus, e contm o senso de "resposta" ao Criador, que nos considera responsveis. Nossa compreenso crist da queda humana, na qual o pecado desordenou todos os aspectos de nossa personalidade e relacionamentos, significa que uma responsabilidade humana totalmente restaurada deve estar ligada nossa total restaurao como pessoas, medida que nos tornamos mais e mais semelhantes a Cristo. Assim, como em todos os aspectos da vida crist, h uma ambiguidade no exerccio de nossa responsabilidade entre o "agora" do hoje e o "ainda no" do futuro dia do Senhor. A responsabilidade , portanto, uma admisso e um alvo. Devemos ficar atentos aos efeitos debilitantes dos pecados de outras pessoas, e dos nossos prprios, no exerccio de nossa responsabilidade, mas no temos a liberdade de anular a nossa responsabilidade moral por causa de qualquer tipo de determinismo. Toda a nossa vida est sob o que Barth certa vez chamou de "mandato global da liberdade responsvel".'15 Ser responsvel viver como se prestssemos conta a Deus e cuidssemos dos outros, dentro dos limites da liberdade que temos neste mundo. E existem limites. O fato de ser um mundo criado, estabelece limites nossa liberdade. Somos livres como criaturas de Deus; portanto tal liberdade no arbitrria. O fato de nossa constituio fsica, gentica e psicolgica coloca limites nossa liberdade; somos o que somos, em certo sentido, por causa do que foram os nossos pais. H limites estabelecidos pelas personalidades e necessidades dos outros: a lei do amor nos obriga a no exercer a nossa liberdade s custas da humanidade de qualquer outra pessoa. Somos obrigados, antes, a exerc-la para o maior bem dos outros. A existncia do pecado tambm coloca limites nossa liberdade, de tal forma que nem sempre somos capazes de fazer o que sabemos ser o bem, mesmo quando desejamos faz-lo. E h limites morais nossa liberdade, que indicam que, s vezes, temos que dizer "no devemos" quando a tecnologia diz "podemos". Estes limites precisam ser enfatizados em nosso contexto de devastao ecolgica, na licenciosidade sexual, na proliferao das armas nucleares e no congelamento dos embries humanos. Responsabilidade aprender a "amar dentro dos limites" 46, um dilogo responsvel com as restries que nos so impostas, sempre abertos direo e graa de Deus, sempre abertos s reivindicaes ticas prioritrias das necessidades dos outros. E isto que a experincia da f em Deus significava para Boaz e Rute. Podemos aprender com eles a importncia de se viver dessa forma. O Senhor da Aliana O Senhor retribua o teu feito, c seja cumprida a tua recompensa do Senhor Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refgio (2:12-13). Jav, o Senhor, como j observamos anteriormente, o nome do Deus de Israel na aliana. De acordo com xodo 6:2s., o significado deste nome foi esclarecido a Moiss 47 quando Deus prometeu, lembrando sua aliana com Abrao, Isaque e Jac, libertar e resgatar "com brao estendido" o seu povo, ento escravo no

Egito. Foi Jav, o Senhor, quem, de acordo com xodo 19:3ss., chamou Moiss e estabeleceu com ele a sua aliana no Sinai, uma aliana na qual percebemos pela primeira vez a ideia do "povo escolhido". Foi sob o nome Jav que, segundo xodo 20:lss., Deus enunciou os Dez Mandamentos, essa destilao fundamental de princpios e preceitos que descrevem o carter de Deus e tambm o padro de vida apropriado a um povo que fez aliana com Deus, que mais do que qualquer outra coisa estabeleceu os limites morais para o povo de Deus, e que, em maior ou menor extenso, se reflete em todas as outras leis do Pentateuco, no Antigo Testamento, como tambm no Sermo do Monte e nas cartas de Paulo, no Novo Testamento. A aliana do Sinai foi modelada segundo os tratados de suserania comparativamente comuns no antigo Oriente Mdio. Quando os reis dos grandes imprios (o Egito, os hitits, a Assria) conquistavam um reino menor, eles podiam permitir que o rei subjugado retivesse o governo do seu reino, contanto que fizesse um juramento de vassalagem ao conquistador.48 Atravs desse tratado de suserania, o subjugado jurava vassalagem ao "grande rei" conquistador. Esta terminologia passou para o registro israelita no seu relacionamento pactuai com Deus. Contrastando a aliana do Sinai com a aliana abramica que a precedera e a aliana davdica que se seguiu a ela, G. J. Wenham escreve: A aliana do Sinai no teve como modelo um privilgio real, mas sim um tratado de vassalagem, uma forma legal em que as obrigaes do vassalo so muito mais proeminentes. Mas mesmo ento as leis so estabelecidas em um contexto de graciosa iniciativa divina. A obedincia lei no fonte de bno, mas aumenta a bno j concedida.49 H, portanto, um padro de escolha divina e iniciativa da graa, de obediente reao humana em adorao e servio, que, por sua vez, leva a um gozo maior de outras bnos divinas. Voltando agora orao de Boaz em favor de Rute (2:12), podemos ver uma clara evidncia da conscincia que este tinha de ser membro dessa famlia pactuai do Deus de Israel. O seu conhecimento de Deus como Jav, o Senhor; a sua descrio da graa de Jav em termos de "asas de refgio"; seu reconhecimento, ento, da reao humilde e obediente de Rute para com a graa, em sua devoo a Noemi; e, finalmente, sua expec tativa de que o Senhor a abenoaria plenamente, tudo indica o padro do relacionamento de Deus com o seu povo dentro da aliana. "Nestas palavras", comentam Keil e Delitzsch sobre este versculo, "vemos a piedade genuna de um verdadeiro israelita." "Retribuio" e "recompensa" A devoo crist sempre teve a devida cautela de no fazer o bem "por amor a uma recompensa". Mas as palavras que Boaz usa aqui so "retribuio" e "recompensa". Essa orao de Boaz pedindo a Deus um "pagamento" para Rute por seu devotado servio deve ser entendida no contexto de sua f no Senhor da aliana. A palavra "retribuio" usada com diversas e diferentes nuances no Antigo Testamento. Est relacionada com a palavra "paz". Pode ter sentido de "pagamento", como quando Eliseu diz mulher de um dos filhos dos profetas: "Vai, vende o

azeite, e paga a tua dvida."50 Pode ter o sentido de "reparao". Se umboi ou umjumento casse em uma cova que fora aberta por um homem e ficara sem cobertura, a lei do Livro da aliana exigia que ele fizesse a "reparao".51 Semelhantemente, "quem matar um animal, o restituir: igual por igual".52 A mesma palavra , s vezes, usada tambm para "restituio" ("Restituir-vos-ei os anos que foram consumidos pelo gafanhoto migrador"53) e para "fazer paz".54 A palavra "recompensa", entretanto, uma palavra pouco usada no Antigo Testamento, aparecendo outra vez apenas em Gnesis,55 sempre no sentido de "salrio". A orao de Boaz , portanto, que Deus "recompense convenientemente" a Rute por todo o seu sofrimento e altrusmo para com Noemi, que ela seja "suficientemente paga" e "restaurada a uma condio de inteireza e paz" novamente. Mas por que deveramos nos preocupar com "pagamentos" e "recompensas"? No parece que, deixando de lado a piedade, passamos a um prudente interesse pelo que poderamos receber por causa dela? Ser que a f de Boaz aponta para uma crena que diz ser preciso ganhar o favor de Deus atravs de servio sacrificial? O Novo Testamento no destaca principalmente que somos justificados pela graa mediante a f, e no pelas obras?56 Mas ento nos lembramos de que o Novo Testamento tambm parece ter muito a dizer sobre recompensas. Jesus fala de um "grande galardo nos cus" para aqueles que so perseguidos.57 Ele ensina que o Pai que v seus filhos dando esmolas, orando e jejuando em segredo, ir recompens-los.58 Nem um copo de gua fresca ficar sem recompensa; e Deus chamado de "galardoador" daqueles que o buscam, e aquele que recompensa seus profetas e santos.5'' E agora? Talvez seja conveniente fazer aqui uma distino entre o que se costuma chamar de recompensas "arbitrrias" e aquelas que so "verdadeiras" recompensas. As recompensas arbitrrias no tm qualquer relao direta com o comportamento que as causou. No h necessariamente nada de errado em se ser recompensado arbitrariamente (como receber dinheiro por uma pintura a leo que voc criou). Seria um erro, 110 entanto, buscar a recompensa arbitrria s por amor a ela. este o defeito dos hipcritas que tocam suas trombetas e oram nas esquinas e desfiguram seus rostos quando jejuam "para serem vistos plos homens". As "verdadeiras" recompensas, pelo contrrio, so consequncias diretas e integralmente relacionadas com o comportamento (como a satisfao de ser capaz de pintar depois de muita prtica). Assim, a verdadeira recompensa de se dar esmolas, orar e jejuar o relacionamento com Deus, o que essas atividades pretendem expressar. Portanto, quando Jesus insiste em que as boas obras deveriam ser feitas sem interesse em recompensa, 60 ele tambm d a entender que a "verdadeira" recompensa pela bondade deve ser deixada com Deus. Um precioso relacionamento com Deus a "devida recompensa" da obedincia amorosa em resposta sua iniciativa de graa e amor. A Edio Revista e Corrigida capta o sentido, se no a traduo exata, de Gnesis 15:1: h algo do prprio Deus experimentado em todos os seus

benefcios.62 A sua palavra a Abrao foi: "No temas ... eu sou o teu escudo, o teu grandssimo galardo." Calvino, comentando este versculo, diz que a palavra "galardo" tem a fora de "herana" ou "felicidade". Ele insiste que deveramos gravar profundamente em nossas mentes que s em Deus temos a mais elevada e completa perfeio de todas as coisas, e que "seremos verdadeiramente felizes quando Deus nos for propcio; pois ele no somente derrama sobre ns a abundncia de sua bondade, mas oferece-se ele mesmo a ns para que o desfrutemos."63 Qualquer pessoa que esteja completamente convencida de que a sua vida est protegida pela mo de Deus, e de que ela nunca pode ser miservel enquanto Deus for gracioso para com ela; e que, conseqentemente, recorra a esta certeza em todos os seus cuidados e problemas, encontrar o melhor de todos os remdios para todos os males. No que os fiis possam ficar inteiramente livres de temores e cuidados quando sacudidos por temporais de lutas e misrias, mas porque a tempestade acalmada no seu prprio peito; e, assim, sendo a defesa de Deus maior do que todo perigo, a f triunfa sobre o medo.64 A orao de Boaz em favor de Rute fala de sua experincia de um relacionamento rico com Deus como a "devida recompensa" por sua lealdade para com Noemi, resultante, segundo ela cr, da nova f no Deus da aliana de Israel. As asas de refgio A orao de Boaz termina com esta frase, que de diversas maneiras focaliza o tema de todo o livro. Ela inclui este gracioso quadro de Deus como uma guia que estende as asas sobre os seus filhotes. O hino de Moiss registrado em Deuteronmio 32:lls. usa a mesma imagem: "Como a guia desperta a sua ninhada, e voeja sobre os seus filhotes, estende as suas asas, e, tomando-os, os leva sobre elas, assim s o Senhor o guiou." Figuras semelhantes encontramos nos salmos. As "asas" de Deus descrevem um lugar de segurana ("Esconde-me, sombra das tuas asas, dos perversos" 65) ou um lugar de refrigrio ("Como preciosa, Deus, a tua benignidade! por isso os filhos dos homens se acolhem sombra das tuas asas. Fartam-se da abundncia da tua casa, e na torrente das tuas delcias lhes ds de beber" 66). Em outras passagens a figura de um lugar de quietude na tempestade ("Tem misericrdia de mim, Deus, tem misericrdia, pois em ti a minha alma se refugia; sombra das tuas asas me abrigo, at que passem as calamidades"67). Algumas vezes descreve um lugar de auxlio e descanso ("Porque tu me tens sido auxlio; sombra das tuas asas eu canto jubiloso"68). Outras vezes o pensamento de esperana quando as circunstncias amedrontam ("O que habita no esconderijo do Altssimo, e descansa sombra do Onipotente, diz ao Senhor: Meu refgio e meu baluarte, Deus meu, em quem confio. Pois ele te livrar do lao do passarinheiro, e da peste perniciosa. Cobrir-te- com as suas penas, sob suas asas estars seguro: a sua verdade pavs e escudo. No te assustars ,.." 69). Segurana, refrigrio, quietude, auxlio, descanso, esperana: estas so as palavras associadas com as "asas" de Deus. H no ser humano um anseio bsico por Deus, captado na figura do

filho prdigo longe do lar, e na afirmao de Agostinho, de que nossos coraes no encontram paz at que encontrem o seu repouso em Deus,70 e na "noite, no escuro e no medo" citados por alguns dos nossos escritores contemporneos. Como satisfaz pessoa "alienada", aquela que se sente "sozinha na insensvel imensido do universo", 71 descobrir que, longe de estar "em pedaos" a antiga aliana, Deus est presente: Deus se importa, Deus governa, Deus prov. Senhor nosso Deus, que o abrigo de tuas asas d esperana. Protege-nos e preserva-nos. Tu sers o Sustento que nos d o apoio desde a meninice at quando as nossa cabeas ficarem grisalhas. Quando tu s a nossa fora, ns somos fortes, mas quando a nossa fora a nossa prpria, somos fracos. Em ti habita o nosso bem para sempre, e quando nos desviamos de ti, voltamo-nos para o mal. Faze que finalmente voltemos para o lar, Senhor, para que no nos percamos, pois em ti habita o nosso bem que no tem mcula, pois s tu mesmo. No tememos que no haja lar para retornar. Ns nos afastamos dele; mas o nosso lar a tua eternidade e ela no desmoronou porque ns nos afastamos.73 Que Rute encontre no Deus de Israel tal proviso para as suas ' necessidades! Sua poro foi a de uma viva sozinha em terra estranha, e parece que ela agora se encontra em contnuo perigo de ser molestada (2:22). Ela passou fome, mudanas, ansiedade e sem dvida ficou emocionalmente esgotada. Como precisa de um lugar de segurana e refrigrio! Ela anseia por encontrar quietude, repouso e uma nova esperana. A orao de Boaz que ela encontre tudo isto atravs da sua confiana em Jav. Como nos revela o restante da histria, descobrimos que aquele que fez esta orao de fato aquele atravs de quem ela ser atendida! atravs do prprio Boaz que Rute recebe segurana, refrigrio e alimento, encontra um lugar de repouso na alegria do casamento e a esperana de um novo lar e um novo nome familiar. Ns, na qualidade de povo da aliana de Deus, o Israel que pertence a Cristo, podemos fazer acertadamente a mesma orao para ns e para os outros. Podemos experimentar o refgio de suas asas e ao mesmo tempo estar prontos para ser o meio de outros passarem pela mesma experincia. Como Helmut Thielicke expe no final do seu grande sermo sobre o filho prdigo e o pai que o aguarda. "H para todos ns uma volta ao lar, porque existe um lar."74

4. Um lugar na famlia "Mos cheias de propsito" (2:14-16) hora de comer Boaz lhe disse: Achega-te para aqui, c come do po, e molha no vinho o teu bocado. Ela se assentou ao lado dos segadores, e ele lhe deu gros tostados; ela comeu, e se fartou, e ainda lhe sobejou. Levantando-se ela, para rebuscar, Boaz deu ordem aos seus servos, dizendo: Ate entre as gavelas deixai-a colher, e no a censureis. "Tira; tambm dos molhos algumas espigas, e deixai-as, para que as apanhe, e no a repreendais. Na f do povo de Deus no existe lugar para legalismo. Um apego frio letra restrita cia lei expulsa a lei da aliana da graa, em cujo mago se encontra um relacionamento de generoso amor, o qual a lei pretende salvaguardar e, atravs do exerccio da obedincia, aprofundar e enriquecer. Estes versculos apontam no meramente para a suficiente proviso das necessidades de Rute, mas, como os cestos que sobraram depois que 5.000 foram alimentados, 1 para uma generosidade que lhe deu muito mais que ela pediu. Boaz lhe oferece gros frescos tostados, os quais ela comeu, e se fartou, e ainda lhe sobejou tanto que ela pde oferecer a Noemi quando voltou para casa (2:18). Boaz disse que ela podia rebuscar at entre as gavelas, quando a lei s mencionava as margens do campo. Boaz at disse aos seus servos que deixassem "tambm dos molhos algumas espigas" ("de propsito", como diz certa verso) para que sobrasse mais para Rute colher. J comentamos antes 2 a generosa atitude de Boaz, que vai alm das exigncias restritas da lei. Mas preciso lembrar que na religio israelita a lei nunca foi um cdigo externo que exigisse mera subservincia legalista. A lei deve ser entendida dentro do contexto da aliana, dentro da ordem total da vida do

2:14-23

povo sob o governo do Deus da aliana. Foi a separao da lei como uma categoria distinta do relacionamento da aliana, particularmente no perodo intertestamentrio, que levou ao desenvolvimento da abordagem legalista do Antigo Testamento, vista no ensino farisaico condenado por Jesus. No, a lei, certamente no tempo do Deute-ronmio, seno antes, era parte integrante da "esfera de operao da vida espiritual e moral, onde a compulso externa devia ser substituda pela deciso moral pessoal".3 No material deuteronmico em particular, o mandamento mais importante o de amar a Deus, e "cada uma das regras s deve ser entendida corretamente como sendo a vontade de Deus se ela for compreendida corno a expresso detalhada de uma injuno total de amor, atravs da qual Deus reivindica algum como propriedade sua, no apenas em uma ou outra obrigao especfica, mas na integridade pessoal do ser humano."4 "Estas leis, que to facilmente podem ser aceitas em um sentido legalista como definies casusticas individuais sem qualquer relao umas com as outras, devem ser entendidas como a aplicao e prtica, em situaes concretas particulares, do mais importante mandamento, o do amor."5 Portanto, o que vemos em Boaz uma indicao de sua generosidade cheia de graa, a qual, indo alm da letra da lei no que se refere respigadura, demonstrou o interesse espiritual por cuja causa a lei foi estruturada, isto , que o amor a Deus se expressa no cuidado e no amor aos pobres. Ao agir assim, Boaz compartilha algo do carter do Deus que nos foi revelado mais plenamente em Cristo, o qual, como ensina o apstolo, " poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos, ou pensamos."6 "Que amor generoso!" (2:17-20a) Esteve ela apanhando naquele campo at tarde; debulhou o que apanhara, e foi quase um efa de cevada. lsTomou-o, e veio cidade; e viu sua sogra o que havia apanhado; tambm o que lhe sobejara depois de fartar-se, tirou e deu a sua sogra. wEnto lhe disse a sogra: Onde colheste hoje? onde trabalhaste? Bendito seja aquele que te acolheu favoravelmente! E Rute contou a sua sogra onde havia trabalhado, e disse: O nome do senhor, em cujo campo trabalhei, Boaz. 20Ento Noemi disse a sua nora: Bendito seja ele do Senhor, que ainda no tem deixado a sua benevolncia nem para com os vivos nem para com os mortos. Aps trabalhar com afinco o dia inteiro, Rute debulha a cevada e leva para casa um enorme efa (cerca de 22 litros; era o nome de um recipiente suficientemente grande para caber dentro dele uma pessoa),7 para a evidente surpresa e alegria de sua sogra. Noemi ora, abenoando o benfeitor de Rute, antes mesmo de saber quem ele , e quando Rute lhe conta que o seu nome Boaz, Noemi explode em uma orao de ao de graas e bnos: Bendito seja ele do Senhor, que ainda no tem deixado a sua benevolncia nem para com os vivos nem para com os mortos. A razo exata por que ela ficou to exultante e por que ela mencionou os "mortos" (de fato uma referncia ao seu falecido marido Elimeleque) vai se tomar mais clara dentro em breve.

Mas, antes, vamos parar na palavra aqui traduzida como "benevolncia", e tentar explicar um pouco mais o significado da "benevolncia" do Senhor qual Noemi se refere. Esta palavra, hesed (j usada anteriormente por Noemi com referncia a Deus, em sua orao em favor de rf e Rute, e em 3:10, por Boaz, desta vez em favor de Rute) uma das palavras caractersticas do relacionamento da aliana. Quando lemos sobre alianas de compromisso de amor entre pessoas (como entre Davi e Jnatas), "o tipo de comportamento que nor-' malmente se espera das pessoas implicadas" o descrito pela palavra hesed? o calor do amor leal' combinado com "camaradagem fraternal" e com um senso de fidelidade jurada e digna de confiana. a palavra usada frequentemente para descrever a fidelidade e o amor que Deus prometeu ao seu povo ao fazer a aliana. 10 Como Eichrodt ilustra, o poderoso remidor do Egito e o doador da lei no Sinai o amoroso protetor que continua fiel s suas promessas. Este Deus ensina ao seu povo a sua lealdade e amor,11 ajudando-o em suas peregrinaes pelo deserto e perdoando os seus pecados.12 Mesmo quando Deus castiga, ele o faz a fim de restaurar um relacionamento interrompido.13 "O carter imutvel da amorosa disposio divina" belamente refletido na descrio de uma notvel lealdade humana em termos da constncia amorosa que Jav deseja e demonstra. Assim Davi deseja demonstrar a Jnatas "a bondade do Senhor" e, num perodo posterior de sua vida, pergunta: "no h ainda algum da casa de Saul para que use eu da bondade de Deus para com ele?"14 As frequentes imagens de Deus no Antigo Testamento como sendo o PaiPastor do seu povo tambm expressam algo do significado especial da mentalidade israelita do hesed de Jav. Ele "Pai", primeiramente porque ele o Criador, o que lhe d o direito adorao do seu povo; mas a sua paternidade se expressa em compaixo e ele at conhecido como o Pai dos rfos.15 Ele o Pastor que d ao povo de sua aliana o sentimento de forte segurana em ser o "povo do seu pasto, e ovelhas de sua mo".16 O carter de hesed talvez seja mais claramente percebido pela disposio de Jav (que o seu povo s veio a apreciar pouco a pouco) de permitir que o seu amor continue a fluir misericordiosamente rumo ao seu povo, mesmo quando o pecado deste ameaa interromper e at mesmo destruir o relacionamento da aliana. Isto introduz no conceito do amor leal tambm a ideia de uma misericrdia no merecida. Em nenhuma outra passagem isto se percebe to claramente como na histria da vida de Osias: o "amor apesar de",17 que estabelece um paralelo entre o contnuo amor do profeta pela mulher adltera e o amor fiel e misericordioso de Jav por Israel, apesar de os israelitas terem se voltado para outros deuses. Como Eichrodt destaca mais uma vez, isto contribui para um aprofundamento da imagem de pai aplicada a Deus. Ouam como Osias se expressou: Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho. Quanto mais eu os chamava, tanto mais se iam da minha presena; sacrificavam a Baalins e queimavam incenso s imagens de escultura.

Todavia, eu ensinei a andar a Efraim; tomei-os nos meus braos, mas no atinaram que eu os curava. Atra-os com cordas humanas, com laos de amor; eu fui para eles como quem alivia o jugo de sobre as suas queixadas, e me inclinei para dar-lhes de comer.18 Mais tarde, Jeremias (diz Eichrodt novamente) vai ainda mais longe: Ele v o relacionamento de pai como uma imagem de amor que no morre, o tipo de amor que toma o filho perdido novamente em seus braos com emoo ardente, sempre que esse filho retorna, penitente; e isso apesar do fato de que nem mesmo o prprio amor pode apresentar um motivo para o triunfo dessa compaixo sobre a mais justificvel indignao, mas fica consciente de seu prprio comportamento apenas como um imperativo interior incompreensvel.19 Aqui ele se refere a Jeremias 31:20 ("No Efraim meu precioso filho? Filho das minhas delcias? pois tantas vezes quantas falo contra ele, tantas vezes ternamente me lembro dele; comove-se por ele o meu corao, deveras me compadecerei dele, diz o Senhor"). O tom destas palavras nos faz pensar na parbola de Jesus registrada em Lucas 15, do pai espera do filho prdigo. O hesed que faz parte da "lgica" de um relacionamento de aliana transforma-se agora em um rico dom da graa, dado a pessoas que no tm direito a ela. "A qualidade miraculosa deste novo amor reside no apenas na condescendncia do Deus exaltado, mas tambm, muito mais interiormente, no mistrio de uma vontade divina que busca comunho com o ser humano."20 Este o car ter do Deus que Noemi conhece como Jav e ao qual ela se confiou. Talvez ela no tivesse a compreenso perfeita que ns temos e que to eloquentemente exposta nos profetas. Mas temos aqui grandes indicaes de que, at mesmo em seu entendimento talvez mais limitado, Deus se revelou a ela como o Deus cujo dom da graa dado mesmo queles que no tm direito a isso. Este hesed, esta misericordiosa e graciosa bondade, ela percebe na graciosa generosidade de Boaz para com Rute. Toda a atitude mental de Noemi fora de observar a mo do Senhor nas circunstncias de sua prpria vida. Anteriormente ela se apegara graa divina no meio do sofrimento provocado pela morte. Agora ela experimenta a graa de sua proviso atravs da generosidade de um rico fazendeiro. Ns tambm podemos aprender a ver a mo de um Deus cheio de graa em todas as circunstncias da nossa vida. Agentes da graa Convm agora destacar o fato de que Noemi percebe a graciosa mo de Deus agindo atravs de aes humanas. Como j vimos arites, tambm aqui no h qualquer indicao de que a graa e a bondade de Deus excluam a agncia humana. Pelo contrrio, muitas vezes pela agncia humana (neste caso, Boaz) que recebemos a bondade cheia da graa de Deus.

Encontramos exatamente o mesmo padro em um dos pargrafos do apstolo Paulo sobre a graa, em sua segunda carta aos corntios. Ele diz a seus leitores que deseja que conheam a graa de Deus, que ele expe como "a graa de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vs, para que pela sua pobreza vos tornsseis ricos".21 Mas nesta passagem ele est falando sobre dinheiro! E ele prossegue ensinando aos corntios a igualdade social.22 A graa de Deus neste contexto se v no generoso comportamento das igrejas da Macednia, "porque no meio de muita prova de tribulao, manifestaram abundncia de alegria, e a profunda pobreza deles superabun-dou em grande riqueza da sua generosidade. Porque eles, testemunho eu, na medida de suas posses e mesmo acima delas, se mostraram voluntrios, pedindo-nos, com muitos rogos, a graa de participarem da assistncia aos santos".23 Ento ele insiste que os corntios tambm abundem nesta graa: "Porque no para que os outros tenham alvio, e vs, sobrecarga; mas para que haja igualdade."24 A f na graa de Deus nos obriga, diria Paulo, a trabalhar muito servindo uns aos outros. E este servio incluiria a preocupao pela igualdade na distribuio dos recursos e, portanto, pelas estruturas sociais e pelas prioridades que talvez impeam uma justa distribuio da rica abundncia da terra de Deus. No h sentido, no livro de Rute, em que os que esto no poder usem os menos privilegiados como peas de jogo para benefcio pessoal. Pelo contrrio, a impresso de que a f na proviso graciosa de Deus faz par com uma preocupao de expressar essa graa nos relacionamentos pessoais com os outros e, de modo particular, no cuidado para com os menos afortunados. Talvez o apstolo Paulo insistiria conosco para que abrssemos o "Relatrio Brandt", que versa sobre a ajuda do Norte rico para o Sul pobre, ao lado do livro de Rute, ao falarmos sobre a generosa proviso de Deus. Karl Barth sugeriu certa vez que o significado interior e o propsito de nossa criao como seres humanos imagem divina foi expressar a "fidelidade da aliana" em nossos relacionamentos uns para com os outros, e que o significado interior e o propsito de toda a ordem criada foi de constituir a estrutura externa para a possibilidade de manter essa aliana e a sua condio. Nossas vidas e nossos relacionamentos existem para refletir a vida de Deus e os relacionamentos de Deus. A questo tica para os cristos sempre se destaca na seguinte questo: como, nesta situao e neste contexto, eu vou (ns vamos) dar expresso ao carter de Deus e sua aliana da graa? "Um dentre os nossos resgatadores" (2:20b-23) Disse-lhe mais Noemi: Esse homem o nosso parente chegado, e um dentre os nossos resgatadores. 2lContinuou Rute, a moabita: Tambm ainda me disse: Com os meus servos ficars, at que acabem toda a sega que tenho. 22Disse Noemi a sua nora, Rute: Bom ser, minha filha, que saias com as servas dele, para que noutro campo no te molestem. 23Assim passou ela companhia das servas de Boaz, para colher at que a sega de cevada e de trigo se acabou; e ficou com a sua sogra. No prximo captulo de Rute veremos o significado que tm as palavras

nosso parente chegado, e um dentre os nossos resgatadores para a histria de Noemi. Ento todo o significado da entrada de Boaz no cenrio se tomar mais claro. Por ora, o captulo termina, como o primeiro de Rute, com referncia colheita. Mas naquele o tom era de tristeza, amargura, solido e pobreza. Agora a situao de esperana, conforto e proviso. Descobrimos nestes captulos como a f de Noemi, de Boaz e de Rute ilustram para ns algo da graa de Deus: a graa da providncia vista no cuidado soberano de Deus nos acontecimentos comuns e cotidianos da vida, dentro do contexto de seu propsito cheio de graa e de amor; as possibilidades da graa atravs do sofrimento, mesmo quando as aparncias so desoladoras e difcil discernir a mo de Deus; a graa da proviso, mesmo nas questes materiais do "po nosso de cada dia". Rute 3 coloca-nos face a face com a figura central deste drama, a pessoa atravs da qual a graa de Deus foi mediada a Rute e Noemi: Boaz, o parente remidor.

O Amor me deu boas-vindas, mas a minha alma recuou, Cheia de confuso e de pecado. Mas o Amor penetrante, vendo minha lentido E a minha inexperincia, Aproximou-se mais, docemente perguntando Se eu precisava de alguma coisa. Um convidado, respondi, digno de estar aqui. O Amor disse: Tu o sers. Eu, o mau, o ingrato? Ah, meu bem, No posso olhar para ti. O Amor tomou a minha mo e, sorrindo, respondeu: Quem fez os olhos, no fui eu? verdade, Senhor, mas eu os estraguei; mereo Passar por essa vergonha. E no sabes, diz o Amor, quem levou a culpa? Querido, ento servirei. Tu deves ficar sentado, diz o Amor, e provar o meu alimento. Ento me assentei e comi. George Herbert (1593-1933)

PARTE III
O PARENTE REMIDOR

5. O levir e o goel Vamos agora nos afastar um pouco do texto de Rute para examinar dois aspectos das leis e da vida do antigo Israel que nos so um tanto estranhos: o levir e o goel. O primeiro, o levir (uma palavra latina que traduz o hebraico "cunhado"), refere-se aos deveres de famlia mencionados em Rute 3:13, que diz: "se ele te quiser resgatar". O levirato regulava os costumes referentes ao casamento quando o homem da casa morria. O segundo, o goel, um parente achegado que agia como remidor de pessoas ou propriedades. O verbo g'l significa "comprar de volta" ou "remir", mas, fundamentalmente, seu significado "proteger".1 Estas duas instituies familiares esto ligadas entre si em diversos pontos da narrativa de Rute e, antes de estudarmos mais detalhada-mente Rute 3 e 4, precisamos esclarecer bem o que estes costumes envolviam. Vamos examin-los um de cada vez.

O levir O levirato se refere a uma antiga instituio matrimonial que envolvia um cunhado. Se um homem morria sem deixar filhos, o "nome" do morto era perpetuado atravs do casamento da viva com outro homem (o irmo do morto, por exemplo) e atravs dos filhos que ela tivesse com ele "para" o morto. Muito papel e tinta j foi gasto plos estudiosos sobre o propsito e a prtica do levirato no antigo Oriente Prximo, e este no lugar para resumir toda esta discusso. Basta dizer que uma prtica deste tipo foi comprovada em diversas formas nas culturas assria, hitita e ugartica,2 como tambm no antigo Israel. Na verdade, s encontramos trs passagens no Antigo Testamento nas quais se menciona a prtica do levirato, e as aparentes discrepncias entre elas deram lugar a discusses que parecem no ter fim.3 Uma dessas passagens o livro de Rute, e as outras duas, Gnesis 38 e Deuteronmio 25:5-10, so ambas mencionadas nesse livro. Vamos comear com a histria de Jud e Tamar, em Gnesis 38. Jud estava separado dos seus irmos (versculo 1) e casado com uma mulher canania. Eles tinham trs filhos, o primeiro dos quais, Er, tambm se casou com uma canania. O seu nome era Tamar. Er morreu sem deixar filhos (versculo 7). Assim tornou-se necessrio o costume familiar chamado levirato. Jud diz ao segundo filho, On: "Possui a mulher de teu irmo, cumpre o levirato e suscita descendncia a teu irmo" (versculo 8). A ideia era que o filho fosse "para" Er, o irmo mais velho falecido. Isto perpetuaria o nome de Er e provavelmente tambm preservaria a sua propriedade. 4 Um filho nascido desta segunda unio seria o herdeiro do irmo mais velho. E a viva (tambm um "capital ativo" da famlia) ficaria dentro da famlia, no retornando casa do seu pai como uma viva deveria fazer se no se casasse outra vez. On, entretanto, no estava disposto a criar filhos para o seu irmo. Ele apenas finge cumprir o seu dever fraternal e, por causa de sua falta de responsabilidade e falta de caridade, incorre no desagrado de Deus. Ele tambm morre (versculo 10). De acordo com o costume do levirato, agora Jud obrigado a dar a Tamar o seu terceiro filho. Mas, tendo visto o que aconteceu aos seus dois outros filhos, atravs do seu relacionamento com Tamar, no quer arriscar-se a perder tambm o nico filho que lhe resta (versculo ll).Ento ele diz a Tamar que ter de esperar at que Sela fique mais velho (mais tarde, torna-se claro pela histria que Jud nunca pretendeu que Sela fosse o levir de Tamar: versculo 26), e aconselha-a a ir morar temporariamente "em casa de seu pai". Tamar, entretanto, percebendo que Jud desejava que ela se ausentasse definitivamente de sua casa, toma agora a iniciativa, disfarando-se de prostituta, e fica grvida do prprio Jud. Est claro que ela acreditava que o levirato podia ser cumprido tanto pelo sogro como pelo genro. Como uma devota canania de Astarote, a ao de Tamar se entende em termos de uma prostituio cultual sagrada, e no simplesmente srdida prostituio. Tais costumes cananeus haviam sido proibidos ao povo de Jav.5 Tamar, entretanto, elogiada por Jud (versculo 26), e implicitamente pelo narrador. Apesar da culpa que ela atraiu para si e Jud atravs do seu ato, o que domina a narrativa o importante senso de dever para com o nome do irmo falecido. Como era importante que o nome do falecido no desaparecesse sem

uma herana! Como era importante que ele tivesse um filho! Quando nos voltamos para Deuteronmio 25:5-10, a lei parece refletir, de um certo modo, uma ideia mais restrita da prtica do levirato do que a exemplificada em Gnesis 38. A lei diz o seguinte: Se irmos morarem juntos, e um deles morrer, sem filhos, ento a mulher do que morreu no se casar com outro estranho, fora da famlia; seu cunhado a tomar e a receber por mulher, e exercer para com ela a obrigao de cunhado. O primognito que ela lhe der ser sucessor do nome do seu irmo falecido, para que o nome deste no se apague em Israel. A seguir vem a proviso para o caso de o irmo no desejar cumprir o seu dever e para o tratamento humilhante que deve receber neste caso: Porm se o homem no quiser tomar sua cunhada, subir esta porta, aos ancios, e dir: Meu cunhado recusa suscitar a seu irmo nome em Israel; no quer exercer para comigo a obrigao de cunhado. Ento os ancios da sua cidade devem cham-lo e falar-lhe; e, se ele persistir, e disser: No quero toma-la; ento sua cunhada se chegar a ele na presena dos ancios, e lhe descalar a sandlia do p, e lhe cuspir no rosto, e protestar, e dir: Assim se far ao homem que no quer edificar a casa de seu irmo; e o nome de sua casa se chamar em Israel: A casa do descalado. Alguns mestres acreditam6que esta era a reviso israelita de uma lei canania mais antiga. Seja qual for a data do Deuteronmio, muitos esto convencidos de que a matria da lei contida nesta seo vem de um perodo anterior7 e, assim, reflete um costume muito antigo. A lei, o que acontece com algumas outras do Deuteronmio, tem um estilo casustico, como o do Antigo Livro da Aliana, em xodo 20:18-23. Os pontos principais aqui em Deuteronmio 25 so quatro. Primeiro, a lei se refere a "irmos que morarem juntos". Isto pressupe um arranjo de "grande famlia" e, segundo von Rad, 8 d a impresso de que a lei do levirato era considerada vlida apenas nesse contexto. Talvez o Deuteronmio preveja uma situao na qual o chefe da "grande famlia" j tenha morrido (ao contrrio de Jud, em Gnesis 38). Ou talvez refuta um endurecimento da lei medida que se desenvolvia. Em segundo lugar, a lei deuteronmica enfatiza a obrigao de um irmo "tomar... a mulher do que morreu" (versculos 5,7), exercendo para com ela a responsabilidade de irmo do marido. No estamos to interessados nos direitos do irmo, mas sim na obrigao familiar de continuar com o nome do falecido. Em terceiro lugar, esta passagem de Deuteronmio indica que a obrigao no era absoluta (versculos 7-9a). Havia aqui, em contraste com o costume ilustrado em Gnesis 38, um elemento de escolha.9H, contudo, um senso explcito de vergonha na recusa do irmo, e a cerimnia do versculo 9 tinha a inteno de sujeit-lo humilhao pblica. Finalmente, o propsito era um meio de perpetuar a vida e o nome do falecido: "para que o nome deste no se apague em Israel" e "edificar a casa do seu irmo" (versculos 6-9). Fatores econmicos, tais como manter inteira a propriedade da famlia, tinham talvez alguma importncia; mas o desejo de ter filhos, especialmente filhos homens, para manter vivos o nome e a herana do pai, que eram crucialmente importantes. Leggett descreve isto como um

"dever de amor",10 e cita Pedersen dizendo: Se um homem, depois de contratar casamento, morresse sem deixar filhos, ento ele morria totalmente. este apagar da vida que tinha de ser evitado. Seu parente mais prximo, o irmo, tinha de realizar este ato de amor a fim de proteg-lo da exterminao. A esposa, cujo objetivo na vida era dar-lhe um filho no qual sua vida fosse ressuscitada, devia cumprir o dever para com ele.11 Exatamente por que o costume do levirato desenvolveu-se em Israel, ou nas culturas vizinhas, ainda no est claro. Como observa Rowley: "Os motivos e as ideias que cercam qualquer costume so mais complicados do que as nossas mentes ordenadas desejariam. Os costumes surgiam de uma situao complexa, pois a vida sempre complexa, e eram mantidos por um complexo de razes."12 O que parece proeminente no Antigo Testamento a importncia do nome da famlia: que o falecido sem filhos tivesse um filho e que sua viva tivesse, portanto, o direito maternidade como expresso de sua lealdade para com o marido falecido e de seu interesse de dar continuidade herana dele. As nicas outras referncias ao levirato esto no livro de Rute, 13 particularmente nos captulos 3 e 4. Temos aqui uma outra ilustrao da maneira como o costume do levirato era praticado em Israel. Os detalhes aqui no so idnticos situao de Gnesis 38 e Deuteronmio 25. No h um sogro envolvido no caso de Rute, nem uma situao de "irmos vivendo juntos". Mas as discrepncias entre as narrativas no so irreconciliveis se ns entendermos que Deuteronmio estabelece uma forma legal e Gnesis 38 e Rute 4 do ilustraes de como o costume funcionava em circunstncias particulares, em determinadas pocas da histria de Israel. Na verdade, toda a istituio parece que entendida e interpretada de maneira mais ampla em Rute do que o indicaria a lei restrita de Deuteronmio 25. Se o levirato era, como o sugere Leggett, uma manifestao especial de amor familiar, ento deveria ser predominante quando a necessidade o exigisse. Afinal, foi para isso que esta lei foi criada. Na histria de Rute, os deveres do levirato passavam para o parente mais prximo, fosse quem fosse. Por isso que Noemi se regozija ao descobrir que Boaz o homem que ajudou Rute; porque ele "um dentre os nossos resgatadores". Poderia se esperar que ele agisse como levir de Rute, dandolhe um filho para Elimeleque. Mas logo descobriremos um desvio na histria. Como o prprio Boaz mais tarde esclarece, "ainda outro resgatador h mais chegado do que eu" (3:12). Mas antes de verificarmos como, na providncia de Deus (diria Noemi), este resgatador no estava capacitado a cumprir os deveres de levir, e como a alegre tarefa reverte para Boaz, vamos examinar essa outra antiga instituio entretecida com o levirato na histria de Rute: o goel. O goel14 J percebemos anteriormente no comentrio da histria de Rute que havia um forte sentimento de solidariedade familiar entre o povo de Jav. Os membros da famlia tinham o dever de cuidar e proteger uns aos outros. Havia certas situaes definidas pela lei na instituio do goel no antigo Israel, nas quais estas obrigaes tinham de ser expressas em ao. Embora haja, como de

Vaux nos informa, analogias entre outros povos,15 a instituio do goel em Israel assumia uma forma especial, porque, como veremos, estava relacionada com o status especial de Israel como povo da aliana de Jav. Mencionamos que o goel era o "protetor", o parente mais prximo cujo dever era, em determinadas circunstncias como, por exemplo, em situaes de necessidade, agir como "remidor". Quatro dessas situaes foram descritas no Pentateuco. Em Levtico 25:25-28, aps um lembrete de que a terra pertence a Jav, encontramos a seguinte possibilidade: Se teu irmo empobrecer e vender alguma parte das suas possesses, ento vir o seu resgatador, seu parente, e resgatar o que seu irmo vendeu. Se algum no tiver resgatador, porm vier a tornar-se prspero e achar o bastante com que a remir, ento contar os anos desde a sua venda, e o que ficar restituir ao homem a quem vendeu, e tornar sua possesso. Mas, se as suas posses no lhe permitirem reav-la, ento a que for vendida ficar na mo do comprador at ao ano do jubileu; porm no ano do jubileu sair do poder deste e aquele tornar sua possesso. Isto destaca a importncia de um homem manter a sua propriedade e herana (at o ano do jubileu) e a do papel do "parente prximo", o goel, como resgatador da propriedade que foi vendida. O goel o parente mais prximo, responsvel por evitar que a propriedade da famlia se perca. esta redeno da propriedade que se destaca na narrativa de Rute 4. Em segundo lugar, em Levtico 25:47-49, a redeno no a de uma propriedade, mas de uma pessoa: Quando o estrangeiro, ou peregrino, que est contigo, se tomar rico, e teu irmo junto dele empobrecer, e vender-se ao estrangeiro ou peregrino que est contigo, ou a algum da famlia do estrangeiro, depois de haver-se vendido, haver ainda resgate para ele; um de seus irmos poder resgat-lo: Seu tio, ou primo, o resgatar; ou um dos seus, parente da sua famlia, o resgatar; ou, se lograr meios, se resgatar a si mesmo. Aqui, o goel, o parente remidor, age para libertar um membro de sua famlia que, devido a dificuldades financeiras, foi forado a vender-se como escravo. A terceira circunstncia encontra-se mencionada em Nmeros 35:16ss., que discute um dos aspectos mais srios da solidariedade familiar: o da vingana de sangue. O sangue de um parente assassinado devia ser vingado com a morte de quem o derramara, ou com a morte de algum de sua famlia. Sobre isto de Vaux comenta: Em contraste com a lei beduna... a legislao israelita no permite compensao em dinheiro, alegando para isto um motivo religioso: o sangue derramado contamina a terra na qual Jav habita e deve ser expiado com o sangue de quem o derramou.16 A lei diz: "O vingador do sangue, ao encontrar o homicida, mat-lo-" (versculo 19). Ser "o vingador do sangue" era uma das mais solenes responsabilidades do goel na comunidade no deserto.17 Destaca de maneira notvel a responsabilidade coletiva do grupo familiar de cuidar dos membros fracos e oprimidos. Finalmente, o goel podia atuar como curador, recebendo pagamentos devidos como reparao de erros cometidos contra um parente. Nmeros 5:8

menciona esse papel do goel: "Se esse homem no tiver parente chegado, a quem possa fazer restituio pela culpa, ento o que se restitui ao Senhor pela culpa, ser do sacerdote." Novamente, aqui, o goel uma instituio de solidariedade familiar e um lembrete da responsabilidade coletiva. Como Leggett destaca, estes deveres entre o povo de Israel brotam do relacionamento da aliana para a qual foram chamados por Jav. Leggett diz: Estes deveres, que foram todos prescritos nas leis do Antigo Testamento, s os entendemos a partir dos antecedentes da aliana na qual Israel como povo se tornou propriedade nica de Jav (x 19:5), povo esse em cujo meio ele habitava (x 25:8). A terra era de Jav e fora dada a Israel atravs da interveno salvadora do poderoso Senhor da histria. Portanto, a terra no devia ser vendida em perpetuidade (Lv 25:23), mas devia, antes, ser remida (Lv 25:24). Jav remira o povo de Israel tiraiido-o do Egito, ato atravs do qual eles se tomaram seus servos (Lv 25:37, 55). Da mesma forma, um israelita empobrecido que se vendia como escravo devia ser remido pelo goel (Lv 25:55). Toma-se evidente, ento, que as responsabilidades e os privilgios da instituio do goel derivavam do ato redentor de Jav, libertando Israel da escravido no Egito e introduzindo-o na Terra Prometida... O relacionamento dos israelitas uns com os outros em termos da instituio do goel fundamenta-se no seu relacionamento comum de aliana com Jav: "Andarei entre vs, e serei o vosso Deus, e vs sereis o meu povo" (Lv 26:12).18 A instituio do goel ilustra, assim, a nfase que o Antigo Testamento d ao povo de Deus como comunidade e solidariedade do grupo familiar. As responsabilidades do goel, de agir como redentor, so responsabilidades familiares. Mas so tambm um reflexo de um lao mais forte do que o relacionamento fsico: o da lealdade da aliana. A nfase especial dada instituio do goel em Israel deve ser considerada, portanto, dentro do relacionamento especial da aliana entre o povo e Jav, e o modo de vida pelo qual toda a vida ficava relacionada com ele atravs da aliana. A terra e o povo Um dos aspectos interessantes da funo do goel dentro da aliana que este remia tanto a terra como a pessoa. Embora nas leis do Pen-tateuco os valores pessoais sempre tivessem precedncia sobre os interesses materiais, a terra (o mundo material) no era desconsiderada. E isto importa na compreenso bblica da vida humana. Um aspecto constante do Antigo e do Novo Testamento que, apesar das diferenas de nfase sobre "corpo" e "alma", a coisa mais importante a dizer sobre os seres humanos que as nossas vidas so uma unidade: uma unidade psicossomtica com potencial espiritual. No Antigo Testamento, conceitos tais como corao, alma, carne e esprito, e palavras usadas para as diversas partes do corpo (boca, mo, p) so geralmente intercambiveis na poesia hebraica. Cada uma delas pode representar a pessoa "inteira", expressada em diferentes maneiras. No existe um dualismo corpo-alma. No Novo Testamento, de igual forma, no h qualquer ideia de alma separada do corpo (antes, o corpo fsico o veculo da experincia com este mundo fsico de todo o nosso ser) tal como o corpo "espiritual" ser na ressurreio. Precisamos ter o cuidado de no pensar que apenas uma parte da vida relevante para Deus: apenas a parte da vida que pode ser remida.

No: todo o nosso ser, psicolgico e fsico, interessa ao Remidor, assim como o nosso ser pessoal dentro do contexto mais amplo de toda a ordem natural. Paulo, em Romanos 8:18ss, indica que todo o mundo fsico est "gemendo" com dores de parto de uma nova criao; o Redentor do mundo no apenas o meu Redentor, e no o Redentor apenas de pessoas, mas tambm de toda a ordem natural do mundo. Um ponto de vista assim unificado vai nos ajudar a fugir da desastrosa dualidade de grande parte da filosofia moderna que tende a manter Deus "separado", restringindo-o a apenas um canto dos nossos interesses. Dentro dos propsitos da aliana de Deus, o parente remidor tem responsabilidades tanto no campo material como no pessoal. Jav, o Goel A palavra goel (ou os verbos e substantivos associados mesma raiz), que usada em relao ao "parente remidor" israelita, tambm usada pelo povo de Israel em relao ao seu Deus da aliana, Jav. No comeo, quando o prprio Deus se revelou a Moiss como Jav e o comissionou a negociar com o fara a libertao dos escravos israelitas do Egito, ele disse a Moiss: Portanto dize aos filhos de Israel: Eu sou o Senhor, e vos tirarei de debaixo das cargas do Egito, vos livrarei da sua servido e vos resgatarei com brao estendido e com grandes manifestaes de julgamento. Tomar-vos-ei por meu povo, e serei vosso Deus; e sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tiro de debaixo das cargas do Egito. E vos levarei terra, acerca da qual jurei dar a Abrao, a Isaque e a Jac; e vo-la darei como possesso: Eu sou o Senhor. ^ O ponto central da chamada do povo para ser o povo da aliana de Deus, e a sua promessa de uma nova esperana em uma nova terra, o ato da redeno do Egito. Como importante que o Senhor seja o seu parente, o seu remidor!^ Mais tarde, lemos, especialmente em Isaas 40-55, que Deus muitas e muitas vezes descreveu-se como "o Senhor, e o teu Redentor... o Santo de Israel".20 Da mesma forma, Jeremias cita a referncia de Deus opresso dos povos de Israel e Jud sob o cativeiro, e ento a sua palavra: "O seu Redentor forte, o Senhor dos Exrcitos o seu nome; certamente pleitear a causa deles".21 Era assim, tambm, que os salmistas entendiam o seu Deus: "Rocha minha e redentor meu".22 "Aproxima-te de minha alma, e redime-a; resgata-me por causa dos meus inimigos".23 "Porque ele acode ao necessitado que clama, e tambm ao aflito e ao desvalido. Ele tem piedade do fraco e do necessitado, e salva a alma aos indigentes. Redime (g'l) as suas almas da opresso e da violncia, e precioso lhe o sangue deles". 24 "Tu s o Deus que operas maravilhas... Com o teu brao remiste o teu povo".25 O Senhor "quem da cova redime a tua vida, e te coroa de graa e misericrdia".26 Ele "salvou-os das mos de quem os odiava".27 "Digam-no os remidos do Senhor, os que ele resgatou da mo do inimigo".28 Assim, Deus compreendido como o tipo de Deus que fica ao lado dos oprimidos, que chama um povo para ser a sua famlia da aliana, libertandoo da escravido, que com o seu poderoso brao liberta os cativos e lhes oferece uma nova liberdade e uma nova esperana. Esta uma expresso do seu amor e da sua misericrdia; um profundo interesse pelo bem-estar

material, emocional e espiritual do seu povo. Este o carter que tambm deve ser visto no "parente remidor" de Israel: aquele que atravs de suas aes em benefcio dos necessitados est demonstrando dentro do relacionamento familiar algo do carter do seu Deus da aliana. E, da sua posio de inevitvel necessidade, esse tipo de expresso de amor que Noemi e Rute buscavam quando Noemi transmitiu a sua nora as boas novas sobre o seu elo familiar com Boaz. O preo da redeno Portanto, a nfase principal da palavra goel , em termos gerais, obrigao familiar. Dentro disto, particularmente quando se usa goel com referncia s necessidades humanas, a palavra tambm carrega em si o senso de pagamento de preo. 29 Isto implica na ideia do esforo e preo da parte do remidor por amor ao parente. s vezes significa o pagamento de um resgate, um preo de redeno, como resultado do relacionamento familiar. Nas passagens em que o Senhor chamado de goel geralmente h alguma implicao sobre o preo da redeno. Em Isaas 52:10, depois de descrever a alegria do retorno dos exilados, o profeta exclama: "O Senhor desnudou o seu santo brao vista de todas as naes." como diz Michael Green: "A redeno do povo de Deus foi cara."30 Da mesma forma, em Isaas 43:3-4, a ideia de um preo alto na redeno est evidente: "Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu salvador; dei o Egito por teu resgate, a Etipia e Sab por ti. Visto que foste precioso aos meus olhos, digno de honra, e eu te amei, darei homens por ti e os povos pela tua vida." Green cita um comentrio de Westcott: "No se pode dizer que Deus pagou ao opressor egpcio qualquer preo pela redeno do seu povo. Por outro lado, a ideia do emprego de uma fora gigantesca, a ideia de que a redeno custou muito, est presente por toda parte. A fora pode ser representada pelo poder, pelo amor ou pelo auto-sacrifcio divinos, que finalmente se tornam idnticos."31 s vezes, como observa Leon Morris,32 a Bblia usa a terminologia da redeno das aes salvadoras de Jav precisamente para dar esta nfase ao seu "esforo": "... vos resgatarei com brao estendido".-33 "Tu s o Deus que operas maravilhas, e, entre os povos, tens feito notrio o teu poder. Com o teu brao remiste o teu povo."34 O esforo, diz Morris, considerado como o "preo" que aponta para a metfora da redeno. A ao de Jav custou-lhe ele mesmo, Como enfatizaremos mais tarde na ao remidora de Boaz, 35 agir como goel naquelas circunstncias teria sido muito custoso. Envolvia sacrifcio pessoal. importante que mantenhamos unidos estes dois aspectos das funes do goel: os aspectos relacionados com a posio do redentor e o pagamento do preo como significado da redeno. Um futuro e uma esperana J sugerimos antes que um dos propsitos do livro de Rute seria expor o significado da "redeno". No toa que Paulo particularmente, no Novo Testamento, focaliza muitas das suas ideias na pessoa de Jesus Cristo, o redentor, da mesma forma como o autor de Rute.o faz com Boaz. Como D. A. Leggett comenta,

Nas atitudes de Boaz como goel vemos em sombra a obra salvadora de Jesus Cristo, seu posterior descendente. Assim como Boaz tinha o direito da redeno e, contudo, no tinha obrigao alguma de intervir em benefcio de Rute, o mesmo ocorre com Cristo. Assim como Boaz, vendo a situao angustiante das pobres vivas, veio em seu auxlio porque a sua vida era governada por Jav e suas leis, tambm sobre o Messias foi profetizado que a sua vida seria governada pela lei de Deus e que ele lidaria justa e equitativamente com os pobres e aqueles que estivessem oprimidos (SI 72:2,4,12,13; Is 11:4).36 Paulo usa o "modelo do parentesco" quando fala da expiao de Cristo em Romanos 5-8.37 Cristo est intimamente associado conosco (como Boaz com Rute), tendo nascido "em semelhana de carne pecaminosa" (8:3). Ele paga o preo da redeno exigido pelo nosso antigo senhor: sua prpria morte. "No poderia haver outro preo para que ele se identificasse plenamente conosco em nossa situao de subjugados pelo pecado e pela morte." Mas este goel no pde ser detido pelo poder da morte. Ele ressuscitou dos mortos, "trazendo com ele aqueles que ele associou consigo". Ns fomos "sepultados com ele... unidos com ele... crucificado(s) com ele" (6:4-6) e tambm seremos "vivos para Deus em Cristo Jesus" (6:11). O objetivo de Deus em tudo isto est expresso em 8:29: "Porquanto aos que de antemo conheceu, tambm os predestinou para serem conformes imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primognito entre muitos irmos." Uma nova famlia foi criada pela interveno de nosso grande "parente remidor". Fomos adotados na famlia de Deus (8:15) e, portanto, somos filhos de Deus e co-herdeiros com Cristo (8:16-17). E, conosco, toda a ordem criada ser "redimida do cativeiro da corrupo, para a liberdade da glria dos filhos de Deus" (8:18ss.). Cristo, o nosso goel, como Boaz o foi de Rute, est ligado a ns, capaz e desejoso de nos remir. Quando pensamos mais sobre como o autor de Rute procurou expor o significado da redeno e focalizar a mente dos seus leitores sobre a figura do parente remidor, ns, deste lado da cruz, podemos nos regozijar na proviso de Deus em Cristo pela nossa redeno em uma nova famlia de seus filhos dentro de uma nova criao. Agora pertencemos a algum! Fomos recebidos em um lar! Temos um futuro e uma esperana. Voltando agora ao livro de Rute, lembremo-nos de que o momento crtico e crucial em que os sentimentos de Noemi passaram do desespero para a esperana aparece em 2:20, no final daquele dia cheio de acontecimentos no qual Rute foi rebuscar no campo de Boaz. "Bendito seja ele do Senhor", exclama Noemi com alegria ao ouvir que foi Boaz o generoso lavrador que recebeu Rute sob os seus cuidados. "Esse homem nosso parente chegado, e um dentre os nossos resgatadores (nosso goel)". A partir deste ponto podemos entender que para Noemi e para Rute a existncia de um goel contm a promessa de proteo, auxlio e redeno. Se h um goel, um parente achegado, empenhado em se solidarizar com a famlia, talvez (na falta de outros) ele possa ser persuadido a tornar-se um levir. Nele jaz o futuro e a esperana delas. Talvez Boaz, o goel, seja aquele atravs do qual o nome da famlia de Elimeleque vir a ser preservado mediante o filho de um casamento em levirato. Como que Noemi vai alcanar este objetivo para benefcio no apenas do nome de Elimeleque, mas tambm de sua amada nora Rute, que viera buscar refgio sob as asas do seu Deus da aliana?

3:1-18
6. F em Ao no Amor A iniciativa de Noemi (3:1-5) Disse-lhe Noemi, sua sogra: Minha filha, no hei de eu buscar-te um lar, para que sejas feliz ? 2Ora, pois, no Boaz, na companhia de cujas servas estiveste, um dos nossos parentes ? Eis que esta noite alimpar a cevada na eira. 3Banha-te, unge-te e pe os teus melhores vestidos, e desce eira; porm no te ds a conhecer ao homem, at que tenha acabado de comer e beber. ^Quando ele repousar, notars o lugar em que se deita; ento chegars, e lhe descobrirs os ps, e te deitars; ele te dir o que deves fazer. 5Respondeu-lhe Rute: Tudo quanto me disseres, farei. Agora a iniciativa na histria permanece firmemente com Noemi. Sua preocupao com o bem-estar de Rute. Moffatt traduz as suas palavras a Rute da seguinte maneira: "Eu tenho de estabelecer tua vida." Ela, portanto, naturalmente desejava que Rute se casasse de novo. Ela j o havia expressado antes em Moabe (1:11), mas ali a perspectiva de casamento era extremamente remota. Agora, a notcia de que Boaz conhecera Rute transformou o desespero em uma nova esperana, pois ele era um parente achegado. Ser que Noemi pensava que ele era o seu parente mais prximo - o seu goel? Ser que ela sabia que havia de fato um outro parente achegado (3:12)? Neste caso, estaria ela, atravs deste mtodo de aproximao de Boaz, tentando forar o outro a se revelar? Se ela sabia da existncia deste outro homem, a forma como ela insistiu com Rute para se aproximar de Boaz destaca o fato de que o nosso autor vai aos poucos revelando daqui para a frente que qualquer ao da parte de Boaz provavelmente estaria baseada no nas exigncias da lei, mas apenas no desejo de Boaz de ser generoso e ter boa vontade. O que est claro que Noemi encontrou a maneira de Rute pedir a Boaz que fosse o seu levir. Ele era um parente achegado: elas podiam lhe pedir que as ajudasse e protegesse. Mas estaria ele disposto a "fazer o papel de parente prximo" num casamento em levirato com Rute, tornando-se pai de um filho para o finado marido de Rute (e tambm para o de Noemi)? Chegara a hora de fazer cuidadosos preparativos para esse fim, e Noemi procura descobrir a forma de promover um encontro entre Boaz e Rute. Nessa noite

Boaz est trabalhando na eira; chegou o momento de agir. Naquele tempo era responsabilidade dos pais fazer os arranjos para o casamento. Isto est claro, por exemplo, na maneira comq Sanso viu "em Timna a uma das filhas dos filisteus" e "declarou-o a seu pai e a sua me", pedindo-lhes que lha tomassem "pois, por esposa". 1 Noemi assume aqui as responsabilidades paternas para com Rute. Boaz nosso parente chegado: parente de Noemi atravs de Elimeleque e de Rute atravs de Malom, filho de Elimeleque. Naquela noite, Boaz estaria limpando a cevada na eira. Desde o entardecer at o pr-do-sol vinha um vento martimo e, durante esse perodo, Boaz estaria na eira, ao p das colinas, fora da vila, limpando a cevada trilhada plos animais, aproveitando o vento para soprar a palha. Rute devia banhar-se e ungir-se e, ento, cobrir-se com um pesado manto, sem dvida para no ser reconhecida. Ela devia se preparar "como uma noiva para o seu casamento".2 Uma descrio semelhante encontramos em Ezequiel,3 onde o Senhor fala em termos do seu amor a Jerusalm: "deite juramento" (diz ele) e "ento te lavei com gua, e te enxuguei do teu sangue e te ungi com leo. Tambm te vesti de roupas bordadas, e te calcei com peles de animais marinhos...". Noemi prepara Rute para tornar claro a Boaz que deseja que ele se case com ela. Rute tem de descer eira e esperar que Boaz termine a sua refeio. Ela deve observar bem onde ele vai se deitar para dormir para que, mais tarde, possa deitar-se perto dele. Todos os preparativos para esta visita noturna, o lugar, a maneira de se aproximar, a hora, tudo previsto para tornar claro que Rute est pedindo a Boaz em casamento (levirato). A corajosa lealdade de Rute (3:6-9) Ento foi para a eira, e fez conforme tudo quanto sua sogra lhe havia ordenado. 7 Havendo, pois, Boaz comido e bebido, e estando j de corao um tanto alegre, veio deitar-se ao p de um monte de gros; ento chegou ela de mansinho, e lhe descobriu os ps e se deitou. sSucedeu que, pela meia-noite, assustando-se o homem, sentou-se; e eis que uma mulher estava deitada a seus ps. 9Disse ele: Quem s tu l Ela respondeu: Sou Rute, tua serva; estende a tua capa sobre a tua serva, porque tu s resgatador. Obediente, Rute fez exatamente como foi instruda por sua sogra. No sabemos o que motivou Rute, alm de sua sincera lealdade para com Noemi. Como Boaz observa mais tarde, deveria haver muitos jovens mais atraentes disposio de Rute (3:10) alm deste solteiro, se ela preferisse ir "atrs" deles. Mas Rute aprendera a importncia da herana de um marido e de um descendente do sexo masculino para o povo de Jav naquele tempo, a importncia que tinha para Noemi a herana de Elimeleque e Malom. Rute sabia que Noemi era idosa demais para ter filhos (1:11). rf retornara a Moabe. Agora a importante tarefa era dela. Totalmente parte, portanto, de qualquer desejo pessoal de ter um marido e uma famlia, que podemos bem imaginar que Rute sentia, ela sabia que agora fazia parte da famlia da aliana de Jav, e estava pronta a assumir a sua parte no costume do levirato por amor a Jav e pela herana de um membro do seu povo. E agora tinha chegado o momento. A colheita era tambm um perodo de festa, 4 e depois da festa, Boaz foi

dormir, observado por Rute, que estava disfarada. Depois que ele adormeceu, ela se aproximou silenciosamente e se deitou aos seus ps: uma posio de humildade, at mesmo de splica. Passou-se o tempo. Ento, diz-nos o autor no seu jeito vivo de contar as coisas: meia-noite! Boaz assustou-se. Sentou-se e eis que uma mulher estava deitada a seus ps! Podemos imaginar a tenso que houve na conversa sussurrada: "Quem s tu? O que queres?" E, ento, Rute se revela com humildade caracterstica: "Sou Rute, tua serva." Mas por que ela estava ali? Ela faz o seu pedido crucial: "Estende a tua capa sobre a tua serva, porque tu s o meu goel". Era um delicado pedido de casamento. O "estender a capa" mencionado por Ezequiel na passagem que citamos, nas palavras de amor do Senhor a Jerusalm: Passando eu por junto de ti, vi-te, e eis que o teu tempo era tempo de amores; estendi sobre ti as abas do meu manto, e cobri a tua nudez; dei-te juramento, e entrei em aliana contigo, diz o Senhor Deus; e passaste a ser minha.5 Cooke cita uma interessante ilustrao desta prtica atravs da qual um parente achegado reivindicava uma viva por esposa: O costume prevalecia entre os rabes antigos; uma boa ilustrao nos dada no comentrio de Tabari sobre o Coro... "Em Jahiliya, quando o pai, o irmo ou o filho de um homem morria deixando viva, o herdeiro do homem morto, se viesse imediatamente e jogasse a sua capa sobre ela, tinha o direito de casar com ela e receber o dote (isto , que j fora pago) do seu senhor (falecido), ou de d-la em casamento, ficando com o seu dote."6 Como podemos ver pela sua resposta, Boaz certamente entendeu o pedido de Rute em termos de casamento. "Melhor fizeste a tua ltima benevolncia que a primeira, pois no foste aps jovens" ('-10). Para que no tenhamos a ideia de que Rute estivesse fazendo alguma coisa imprpria, ou at mesmo imoral, pedindo a Boaz que se casasse em levirato com ela (um procedimento que estaria totalmente fora de cogitao num casamento comum), o autor esclarece que ela sente confiana em faz-lo porque Boaz "seu resgatador". Na realidade, como veremos logo no decorrer da histria, havia um outro parente mais achegado do que ele, mas isto no muda o fato: Rute pede que Boaz seja o seu goel e o seu levir. Era um empreendimento arriscado. Rute estava se colocando em uma situao de extrema vulnerabilidade, na qual ela poderia ter sido facilmente explorada. " pelo herosmo da lealdade que ela se envolve em uma situao to difcil. Ela nada deseja para si mesma, apenas um herdeiro para o seu marido."7 A frase "estende a tua capa", que Keil e Delitzsch traduzem como "o canto da coberta", lembra-nos (embora no seja uma expresso idntica) as "asas" de Jav sob as quais Rute veio buscar refgio (2:12). Pertencendo agora ao povo da aliana de Jav, ela busca a proteo das "asas" de Boaz atravs do casamento. A graciosa generosidade de Boaz (3:10-18) Disse ele: Bendita sejas tu do Senhor, filha tninha; melhor fizeste a tua ltima benevolncia que a primara, pois no foste aps jovens, quer pobres quer ricos. n Agora, pois, minha filha, no tenhas receio; tudo quanto disseste eu te farei, pois toda a cidade do meu povo sabe que s mulher virtuosa. nOra muito verdade que

eu sou resgatador; mas ainda outro resgatador h mais chegado do que eu. l3Fica-te aqui esta noite, e ser que, pela manh, se ele te quiser resgatar, bem est, que te resgate; porm, se no lhe apraz resgatar-te, eu afarei, to certo como vive o Senhor; deita-te aqui at manh. }4Ficou-se, pois, deitada a seus ps at pela manh, e levantou-se antes que pudessem conhecer um ao outro; porque ele disse: No se saiba que veio mulher eira. 15Disse mais: D-me o manto que tens sobre ti, e segurao. Ela o segurou, ele o encheu com seis medidas de cevada, e lho ps s costas; ento entrou ela na cidade. 15Em chegando ca .? de sua sogra, esta lhe disse: Como lhe passaram as cousas, filha minha? Ela lhe contou tudo quanto aquele homem lhe fizera. 17E disse ainda: Estas seis medidas de cevada ele mas deu, e me disse: No voltes para a tua sogra sem nada. wEnto lhe disse Noemi: Espera, minha filha, at que saibas em que daro as cousas, porque aquele homem no descansar, enquanto no se resolver este caso ainda hoje. J comentamos antes o sentido de hased, palavra usada em 1:8 e 2:20 em relao a Deus, e usada aqui para com Rute (a tua ltima benevolncia). \ ledicao e a lealdade de Rute se vem na sua prontido em no colocar a sua preferncia plos jovens acima de sua dedicao para com suas novas obrigaes familiares. Isto desperta em Boaz uma orao pedindo que Deus a abenoe. Agora Rute membro da famlia da aliana de Deus e est dando provas de sua "f que atua pelo amor".9 E no era o caso de ela no poder escolher! Est claro que ela devia ser atraente. Todo o povo que se reunia porta da cidade para conversar ou tratar de negcios estivera falando dela, comentando sua virtude, chamando-a de mulher virtuosa, "uma noiva digna de ser conquistada" (como Knox prefere traduzir livremente). A palavra virtude tambm se usa para com riqueza e opulncia, fora e valor, virtude e carter. Ela descreve Boaz, o homem de influncia (2:1). Ela descreve a "mulher virtuosa" ou a "boa esposa" de Provrbios 31:10. E tambm aponta para a fora do carter de Rute. Em reao s perguntas de Rute, Boaz promete ajudar; na verdade, ele promete agir imediatamente aps o raiar do dia. Rute no deve ter medo: tudo quanto disseste eu te farei. Cooke chama ateno para a sutil mudana das palavras de Noemi a Rute em 3:4 (ele te dir o que deves fazer) para a maneira como a prpria Rute sugere o que Boaz deveria fazer (tudo quanto disseste, 3:11). "A coincidncia", diz Cooke, "estava sendo orientada pela boa providncia de Jav". Na preparao dos coraes, mentes e atitudes que levaram a esta reao de Boaz, e no a qualquer outra que ele poderia livremente ter assumido, Cooke v claramente a graa providencial e soberana de Deus. Como j dissemos, Boaz entende perfeitamente a atitude de Rute e o seu pedido de um casamento em levirato. Certos comentaristas crem que Boaz est interessado apenas em remir a propriedade e teria entendido a referncia que Rute faz ao goel nesses termos. Certamente a questo da redeno da propriedade aparece em Rute 4, mas seria inconcebvel, luz de sua referncia aos "jovens" e instituio do levirato em 3:13, que ele tivesse interpretado mal o significado das palavras de Rute. De qualquer forma, se a questo era pedir a redeno das terras de Noemi, ela mesma poderia ter ido negoci-la e no teria enviado Rute para acordar Boaz no meio da noite. No, Boaz sabia perfeitamente bem o que Rute lhe pedia.

Ele no o considerou como coisa imoral ou impertinncia. Reconheceu que ela estava respeitando uma obrigao familiar e sentiu-se honrado com a solicitao. Parece que, em Deuteronmio 25 e em Gnesis 38, a iniciativa para a ao remidora vinha do prprio goel. Apenas se ele relutasse em . faz-lo, ento a viva tomaria a iniciativa. Por que, ento, Boaz no tomou a iniciativa neste caso? A resposta deve estar na existncia de outro resgatador, mais chegado do que eu. Se algum deveria agir, seria este homem, caso soubesse da situao. Gnesis 38 tambm indica que havia uma ordem de preferncia no exerccio do levirato. A obrigao do casamento em levirato caa sobre este "outro resgatador" antes de cair sobre Boaz. Apenas se o outro no aprouvesse resgat-la (v.13) este poderia agir como levir. Boaz, portanto, no tem a mnima obrigao legal de agir dentro dos termos do casamento em levirato. Alm disto, as leis do pen-tateuco referentes ao goel, como j vimos, no teriam exigido ao alguma da parte de Boaz. Havia, entretanto, uma compreenso mais ampla da funo do goel no Antigo Testamento, a qual no restringia seus deveres simplesmente ao cumprimento do cdigo legal. Era, antes, uma obrigao moral e pactuai de agir em benefcio de um parente necessitado, fosse qual fosse essa necessidade. Vimos como a palavra goel foi aplicada a Jav na sua ampla expresso de compaixo para com os oprimidos e na sua atividade de remir os cativos, ajudando os necessitados. Leggett cita Schoneveld, dizendo: Esperava-se de um remidor que, alm de cumprir as obrigaes escritas, tambm demonstrasse, em tais circunstncias, o seu hesed (fiel amor pactuai), que a sua disposio de ajudar com base no relacionamento existente. Quanto maiores os seus recursos, mais o remidor poderia fazer; quanto mais hesed ele tinha, mais ele desejava fazer.10 Nesta situao de iniciativa da parte das duas vivas, presumimos que era esta a ideia que elas tinham do goel. De direito, elas nada poderiam esperar de Boaz. Acreditavam, porm, que podiam confiar-se sua amorosa misericrdia e compassiva generosidade. E foram recompensadas. Boaz expressou seu cuidado para com Rute no apenas em sua resposta positiva ao pedido dela, mas tambm de outras maneiras. Em vez de voltar sozinha para casa no meio da noite (o caminho tinha considerveis perigos, podemos imaginar), ela deveria ficar com ele, desfrutando de sua proteo. E quando ela parte, aos primeiros raios do alvorecer, ele a adverte que mantenha essa visita em segredo. Boaz est preocupado em evitar qualquer mal-entendido da parte de outras pessoas sobre esta visita notuma, o que poderia prejudicar o curso dos acontecimentos. Leon Morris11 cita o Mishn, no qual se l que se um homem fosse suspeito de ter relaes sexuais com uma mulher gentia ficava proibido de casar-se com ela em levirato. Talvez esse tabu fosse conhecido de Boaz: ele no quer dar a impresso de que alguma coisa imprpria tivesse acontecido. Certamente, estando Boaz ciente de um "parente mais achegado", ele no gostaria que este, a esta altura, soubesse dos seus sentimentos para com Rute. Rowley sugere: Se o parente mais achegado tivesse alguma ideia sobre o desejo de Boaz de se casar com Rute, ele poderia querer explorar a situao. E Boaz conhecia bem a natureza humana para adivinhar o que isto poderia significar. O resgatador teria de ser induzido a renunciar ao seu direito, ou at mesmo

poderia fazer uma acusao de adultrio contra Rute pelo que j tinha acontecido, de modo que o patrimnio de seus prprios filhos no s ficaria inalterado, mas at substancialmente melhorado! Tambm Rute estava em verdadeiro perigo e era preciso que Boaz empregasse todos os recursos para enfrentar a situao. Ele manteve completamente abafado o seu desejo de casar com Rute e apresentou-se primeiramente como o benfeitor econmico de Noemi.12 Alm disto, um grande presente de seis medidas de cevada, aparentemente para que Rute dividisse com Noemi, confirma as boas intenes de Boaz para com as duas mulheres.13 interessante notar que Rute conta que Boaz lhe dissera: No voltes para a tua sogra sem nada. Ser que Rute sagazmente acrescentou estas palavras para que sua sogra se agradasse ainda mais de Boaz? No sabemos. Mas a ltima vez que vimos referncia a este estado de pobreza foi quando, em 1:21, Noemi exclamou em desespero: "Ditosa eu parti, porm o Senhor me fez voltar pobre". Como Morris comenta a propsito de 3:17: "seus dias de 'pobreza' tinham acabado!". Noemi recebe Rute na sua volta cidade com a pergunta:Como lhe passaram as cousas? A ERC diz: "Quem s tu?" Talvez, como a pergunta do cego Isaque ao seu filho Jac14, quando no tinha certeza de sua identidade, isto signifique que estava difcil de reconhecer Rute (especialmente com aquele fardo inesperado sobre a cabea) luz incerta da manh. Mas mais provvel, como a forma da resposta de Rute indica, que seja uma forma hebraica de perguntar como foram as coisas. Noemi v a cevada como um sinal de benevolncia do homem e acredita realmente nas suas palavras de que no descansar at resolver este caso. A complicao com o parente mais achegado -talvez no tenha passado antes pela cabea de Noemi. No captulo final de Rute veremos como Boaz maneja a situao de tal forma que as esperanas de Noemi so plenamente realizadas. A graa do remidor Agora comeamos a ver com mais clareia como o nosso escritor entende a graa e a providncia de Deus. J observamos antes a compreenso da graa atravs do domnio soberano e providencial de Deus sobre os acontecimentos, como existe uma outra histria a ser escrita atravs dos acontecimentos das escolhas e das circunstncias humanas. Percebemos como geralmente h uma graa especial atravs das circunstncias do sofrimento, a qual nos apresenta, de maneira no acessvel em outras circunstncias, aos recursos do conforto todo-poderoso de Deus. Depois vimos como a graa esteve ligada proviso, de maneira muito material, na oportunidade que Rute teve de rebuscar nos campos de Boaz e atravs da generosidade do prprio Boaz. E agora somos apresentados ao resgatador. Os benefcios da bondosa providncia de Deus no pensamento do autor de Rute esto ligados pessoa de Boaz, o parente remidor, atravs de quem veio grande parte destes benefcios. Da nossa perspectiva neotestamentria tambmpodemos ver como grande parte da graciosa providncia de Deus para conosco est ligada, no pensamento dos escritores do Novo Testamento, pessoa de Cristo. nele que Deus estabeleceu seus propsitos para o mundo, "de fazer convergir nele, na dispensao da plenitude dos tempos, todas as cousas, tanto as do cu

como as da terra".15 Este o "eterno propsito que estabeleceu em Cristo Jesus nosso Senhor, pelo qual temos ousadia e acesso com confiana, mediante a f nele".16 em Cristo que entendemos Deus como "o Pai de misericrdias e Deus de toda consolao... que nos conforta em toda a nossa tribulao".17 "Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim tambm a nossa consolao transborda por meio de Cristo".18 Alm disso, atravs de Cristo que os ricos recursos da proviso de Deus nos so transmitidos. Conhecemos a Cristo, diz Calvino, na medida em que conhecemos os seus benefcios. E conhecemos "a graa de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vs, para que pela sua pobreza vos tornsseis ricos".19 E atravs dele, quer nossas circunstncias sejam de "escassez" ou de "abundncia",20 podemos aprender, em qualquer situao, a estar contentes, na confiana de que "o meu Deus, segundo a sua riqueza em glria, h de suprir em Cristo Jesus cada uma de vossas necessidades".21 Cristo, nosso "parente remidor", traz consigo "o perdo de nossos pecados e todos os outros benefcios de sua paixo", chamando-nos para sermos membros de sua famlia, penetrando conosco na dor do nosso sofrimento e carregando-a conosco, encorajando-nos a confiar em nosso Pai celestial para nos dar o po nosso de cada dia, e recebendo-nos finalmente no banquete das bodas do Cordeiro quando, na consumao de nosso futuro e nossa esperana, com a grande multido que homem nenhum pode contar, nos uniremos aos cnticos de "Aleluia! pois reina o Senhor nosso Deus, o TodoPoderoso!"22 Lei e amor H, entre certos cristos, uma tendncia de polarizar lei e amor. s vezes a lei considerada como uma caracterstica do Antigo Testamento e o amor como a nova e radical proclamao do Novo. Essa polaridade entre os Testamentos no existe na mente dos autores bblicos. Na verdade, nos textos do Antigo Testamento sobre o "amor a Deus" e "amor ao prximo"23 que Jesus baseia toda a lei e os profetas.24 Nem tampouco nos escritos bblicos existe qualquer polaridade entre a lei e o amor propriamente ditos. E muito menos no livro de Rute. Boaz uma pessoa obediente lei. Para ele a lei d orientao para a vida de uma pessoa dentro da famlia pactuai de Deus. Mas para ele a lei no apenas um cdigo legal, e sim um lembrete de que ele faz parte da famlia pactuai de Deus. A lei para Boaz Tora (instruo paternal de Deus), no um cdigo legal moralista. A Tora de Deus orientao em amor. a aplicao do carter do Deus da aliana s situaes especficas da vida diria. Quando Jesus diz a seus ouvintes que ele no veio abolir a lei, mas sim cumpri-la,25 certamente tambm no est considerando a Tora em termos de cdigo legalista, mas como uma instruo paternal do Deus da aliana para os seus filhos. E Jesus torna explcito o que est implcito na narrativa de Boaz: que o amor, embora nunca seja menos importante que a lei, sempre vai alm desta por amor dos outros. Jesus penetra no mago do propsito da lei, por trs das interpretaes dos escribas que a reduziram a um cdigo todosuficiente, para mostrar o tipo de justia (relacionamento certo) que excede aquele dos escribas e fariseus do seu tempo.26 A lei orientao em amor, e

prov exemplos especficos do significado da obedincia em amor em determinadas situaes.27 Quando nos concentramos apenas no "amor", logo a palavra perde todo o seu contedo, podendo servir de disfarce para todo e qualquer comportamento que "parece bom" ou que "a gente sente que est certo". No h qualquer prdteo contra a auto-indulgncia pecaminosa ou contra a estupidez declarada. Quando nos concentramos apenas na "lei", fora do contexto pactuai da redeno e de uma alegre reao graa, logo transformamos a lei em legalismo, moralidade ou moralismo, e a liberdade da f transforma-se em luta para guardar as regras: uma escravido da qual Cristo nos libertou. Lutemos para criar uma tica de "vassalagem"28 para com o nosso Senhor remidor, o qual, como dom da sua graa, nos deu uma lei para nos orientar em amor. E que, alm disso, gravou a lei em nossos coraes pelo Esprito Santo que nos foi dado. Precisamos da Palavra, para que impea que caiamos em uma moralidade de subjetivismo e relatividade. Precisamos do Esprito para que implante em ns uma motivao rica e cheia de considerao para com os outros, motivao que flui da lei com o significado do amor e que nos capacita a ir alm de sua letra estrita, na direo que ela nos aponta, por amor ao prximo e movidos pelo gozo da nossa resposta ao amor remidor de Cristo. Boaz nos d mais um exemplo do significado do amor que vai alm da lei, na maneira como resolveu as complexas negociaes que veremos agora em Rute 4.

Meu divino Protetor, Quero em Ti me refugiar; Pois as ondas de terror Ameaam me tragar! Quase estou a perecer! D-me a tua proteo; Pois guardado em teu poder No receio o furaco. Outro amparo no achei; Sem alento venho a Ti; Se me negas morrerei, Voz da morte eu j ouvi. Eu confio em teu amor E na tua compaixo; s meu forte defensor, No me largue a tua mo. Tudo o que eu desejo ds, Cristo meu, e ainda mais; Ds-me fora e tua paz, Sempre Tu comigo vais. O teu nome santo , E eu injusto e fraco sou; Ponho em Ti a minha f, Sei que em Ti seguro estou. Graa imensa em Ti se achou Para tudo perdoar; Sangue teu se derramou, Nele quero me lavar. Fonte Tu de todo bem, D-me sempre de beber! Confortar minha alma vem; Queiras sempre me valer. Charles Wesley (1707-88)

PARTE IV
A REDENO E A ALEGRIA

4:1-12
7. Amor alm da lei O golpe de mestre de Boaz (4:1-6) Boaz subiu porta da cidade, e assentou-se ali. Eis que o resgatador de que Boaz havia falado ia passando; ento lhe disse: fulano, chega-te para aqui e

assenta-te; ele se virou, e se assentou. 2Ento Boaz tomou dez homens dos ancios da cidade, e disse: Assentai-vos aqui. E assentaram-se. 3Disse ao resgatador: Aquela parte da terra que foi de Elimeleque, nosso irmo, Noemi, que tornou da terra dos moabitas, a tem para venda. ^Resolvi, pois, informar-te disso, e dizer-te: Compra-a na presena destes que esto sentados aqui, e na de meu povo; se queres resgat-la, resgata-a, se no, declara-mo para que eu o saiba, pois outro no h seno tu que a resgates, e eu depois de ti. Respondeu ele: Eu a resgatarei. 5Disse, porm, Boaz: No dia em que tomares a terra da mo de Noemi, tambm a tomars da mo de Rute, a moabita, j viva, para suscitar o nome do esposo falecido, sobre a herana dele. 6 Ento disse o resgatador: Para mim no a poderei resgatar, para que no prejudique a minha: redime tu o que me cumpria resgatar, porque eu no poderei faz-lo. O foco de ateno transfere-se agora para a porta da cidade, o prprio centro da vida da cidade sob muitos aspectos. Ali o povo da cidade se reunia para conversar1 e para administrar justia.2 Junto porta os pobres aguardavam auxlio.3 Ali eram feitos os negcios. Foi " porta" que Abrao negociou comprar a caverna de Macpela de Efrom.4 Os filhos de Jac negociaram com "Hamor e Siqum, seu filho, porta da sua cidade".5 Era porta da cidade que os ancios da sociedade se reuniam,6 como tambm os prncipes e os nobres, os jovens e os velhos.7 E nesse dia, Boaz foi porta assentar-se junto com os outros. Ele estava espera do "outro resgatador" do qual falara a Rute. Pelo que transparece na narrativa, est claro que tem um sutil plano de ao preparado em sua mente. Quando aparece o outro resgatador, Boaz o chama amistosamente e insiste com ele para que se assente ao seu lado. Ento chama um grupo de dez ancios para servirem de testemunhas na transao que est a fim de propor.8 Os ancios geralmente confirmavam os contratos e acordos comerciais atendendo a este convite formal para "testemunhar": uma funo importante na vida comercial do povo,9 que conferia autoridade contratual s transaes. Estava escrito na lei10 que os ancios de uma cidade eram particularmente encarregados da jurisdio nas questes de direitos de famlia tais como o levirato. neste ponto da narrativa que os problemas comeam a se multiplicar para o leitor! Ficamos com algumas perguntas para as quais apenas podemos imaginar respostas. Boaz apresenta um fator novo no padro que o nosso autor teceu at agora, e algo bastante surpreendente, mas que, conforme veremos, acaba sendo o que Rowley chama de "golpe de mestre" de Boaz.11 Boaz fala sobre a compra da terra: Aquela parte da terra que foi de Elimeleque, diz Boaz ao outro resgatador, Noemi, que tornou da terra dos moabitas, a tem para venda. Esta a primeira vez que ouvimos falar sobre a terra. Possivelmente Boaz e Noemi conversaram sobre isso depois da visita noturna de Rute, sendo o resultado este plano de ao. No somos informados dos detalhes da relao entre a venda da terra e o casamento de Rute. Antes de mais nada, no sabemos por que Noemi herdou este pedao de terra. Apenas sabemos que ele foi de Elimeleque. Talvez fosse um presente de Elimeleque a Noemi antes de morrer. Mas, se ela j a possua ento, por que no ouvimos nada antes? Por que Rute teve de ir rebuscar? Por que no havia subsistncia a partir dessa terra? De Vaux sugere que talvez Noemi estivesse agindo como curadora sobre

os direitos que Malom e Quiom, filhos de Elimeleque, tinham sobre a terra, e certamente Rute 4:9 descreve a terra como propriedade conjunta deles. Talvez agora, em desespero de causa, Noemi se veja forada a vender a terra, podendo tentar persuadir um goel a remi-la para ela.12 Provavelmente, como sugere Gunkel,13 na sua ausncia, enquanto estivera em Moabe, a terra fora confiscada. E, talvez, tal como a viva de 2 Reis 8:1-6, que, numa situao semelhante, apelou ao rei para que a sua propriedade lhe fosse devolvida, Noemi quisesse que algum agisse em seu nome para recuperao da terra. Se Boaz agisse como seu representante, ela poderia recuperar a terra e, ento, vend-la para ter uma fonte de renda. Uma outra possibilidade que talvez o levirato estivesse ligado, de alguma forma, herana da terra. O livro de Nmeros d a ideia de que as vivas no eram includas na lista daqueles que poderiam herdar uma propriedade que pertencesse a um homem que houvesse falecido sem deixar herdeiros do sexo masculino.14 (J se sugeriu que a prtica da permisso s vivas de herdar terras desenvolveu-se mais tarde na histria de Israel. 15) Mas podemos entender a lei em Nmeros supondo que a propriedade do falecido passava para os seus irmos via levirato. No caso de Noemi, tambm, talvez o levirato e a herana da terra estivessem ligados. Lembremos que, quando o marido morreu, Noemi estava em Moabe. Parece que ela veio a Belm logo aps a morte dos filhos. Talvez a questo da herana da terra tivesse de aguardar os arranjos relacionados com a transao do levirato. E agora, finalmente, parece que o caminho se abre para um goel fazer um casamento tipo levirato com Rute. Talvez Boaz tiv sse falado a Noemi do seu amor por Rute e da dificuldade de haver um outro parente mais achegado sobre o qual recaam as responsabili-dades de goel. Juntos, podemos imaginar, Boaz e Noemi buscaram um meio de contornar este dilema e, aplicando as responsabilidades do goel para a redeno da terra, tornaram muito difcil a este parente mais prximo fazer um casamento em levirato com Rute. E foi, conforme veremos, o que aconteceu. O que est claro, no meio de todas estas incertezas, que Noemi tinha um direito inegvel de vender este campo; e Boaz escolheu este momento, o dia seguinte ao pedido que Rute lhe fizera noite na eira, para levantar a questo com o parente mais achegado de Elimeleque. Rowley comenta acertadamente sobre isso: perda de tempo especular o tamanho da propriedade de Noemi. J se sugeriu que ela talvez mal fosse suficiente para manter Noemi, sendo, portanto, insuficiente para manter Noemi e Rute. Talvez fosse menos, talvez mais. Mas parece que a propriedade era apenas uma pea do jogo, e Boaz a usou habilmente para atingir o seu objetivo. improvvel que a propriedade tivesse sido efetivamente ocupada por Noemi desde a sua volta, pois ela chegara no comeo da colheita da cevada, que mal tinha acabado quando a histria chega ao seu clmax. pouco provvel que o usufruto da propriedade tivesse sido aproveitado por Elimeleque e seus herdeiros durante os anos que Noemi passara em Moabe, e provavelmente fora lavrada por outros membros da famlia, que desfrutavam de sua produo. Pode ser que Noemi no soubesse dos seus direitos, ou que, se no fosse pela ajuda de Boaz, ela no tivesse o poder de garantir a posse. Mas Boaz sabia dos direitos legais dela e usou-os para o seu propsito. Como ela chegou a estes direitos legais

no sabemos, uma vez que no somos informados em parte alguma dos direitos de herana das vivas sem filhos vivos. Mas que ela tinha direitos sobre uma propriedade no especificada, isto est bastante claro.16 Portanto a primeira opo da oportunidade de remir a terra de Noemi, agora que ela, qualquer que seja o motivo, resolveu vend-la, pertencia ao parente mais achegado, e Boaz lha oferece na presena dos ancios porta da cidade (4:4). Se ele no quiser agir como goel para remir a terra, Boaz diz que ele mesmo o far. No temos certeza se esse parente mais prximo percebeu que a sua responsabilidade de goel era dupla, isto , comprar a terra e assumir as responsabilidades do levirato para com a viva. Podemos imaginar, entretanto, que ele sabia que, se Noemi fosse uma mulher mais jovem, ele teria de se casar com ela em levirato; mas como ela j tinha passado da idade de conceber filhos, no havia a possibilidade de se gerar um filho do levirato, ao qual a propriedade reverteria. Ele, portanto, pensa que a terra ficaria para ele e para os seus herdeiros, e assim concorda em remi-la. A esta altura da narrativa Boaz abre o jogo: no, no a Noemi que voc deve considerar em relao ao levirato, mas sua nora, Rute. No dia em que tomares a terra da mo de Noemi, tambm a tomars da mo de Rute, a moabita; e isto com o propsito especfico de lhe dar um filho, para suscitar o nome do esposo falecido, sobre a herana dele. Era bvio que Rute, em idade de se casar e gerar filhos, substituiria Noemi na responsabilidade do levirato de dar um filho a Elimeleque. parente via-se agora em uma situao difcil; e era exatamente isto o que Boaz pretendia! Aqui transparece o profundo interesse pessoal de Boaz por Rute. Boaz engendrou esta trama para poder se casar com ela, mencionando primeiro a terra, e Rute, depois. E o seu "golpe de mestre" funcionou. Ele habilmente usou as possibilidades da lei, colocando o parente mais achegado numa posio impossvel. O goel annimo percebeu que tinha duas responsabilidades e no uma s, e que as duas estavam interligadas. Ele tinha uma responsabilidade para com a propriedade de Elimeleque e uma responsabilidade para com a viva de um dos filhos de Elimeleque. Uma vez que era o parente mais prximo sobre o qual recaam ambas as responsabilidades, ele no poderia aceitar uma sem a outra. "Ou ele desempenhava a parte de remidor, ou nenhuma".17 Geralmente, supomos, se um homem deixasse uma propriedade e uma viva, o resgatador casava-se com a viva mas no precisava comprar a propriedade. Ele tinha de prover algum tipo de sustento para a viva, mas no devido tempo a terra seria propriedade do filho do levirato, o herdeiro legal do homem falecido. Neste caso, entretanto, a questo da compra da terra estava ligada com o dever do levirato (devidamente legal, ainda que inesperado), mas isto, especialmente por causa da total falta de sustento para Rute, envolveria o resgatador em grandes despesas. Alm disso, o motivo principal porque este resgatador no podia assumir ambas as responsabilidades de goel era que isto prejudicaria a sua prpria herana. Se ele tivesse de resgatar apenas a terra, ficaria financeiramente mais pobre, mas pelo menos a terra seria sua. S a perderia se (como pensava) nascesse um filho de Noemi, a quem a propriedade reverteria como herdeiro legal de Elimeleque. E isto, como j dissemos, ele _achava improvvel. Mas se ele tivesse de se casar com

Rute e lhe dar um filho do levirato, a propriedade reverteria ao filho, e o resgatador perderia os dois, o seu dinheiro e finalmente a terra. Suas propriedades seriam diminudas consideravelmente, como tambm a sua prpria herana. Alm disso, era importante que o nome de sua famlia no desaparecesse com ele. O outro parente, portanto, viu-se forado a recusar as responsabilidades de ser goel, passando a Boaz o direito do resgate. Tudo isto exemplifica, portanto, que para agir como goel nessas circunstncias o preo seria muito alto. Envolvia sacrifcio pessoal. O goel teria de dar parte de sua prpria herana (o custo da terra) para o benefcio de outros (o nome da famlia de Elimeleque e a herana da propriedade de Elimeleque). Isto exigiria um ato de amor e sacrifcio que este resgatador no estava disposto a fazer. Assim, descobrimos no livro de Rute que a prtica do levirato parece ter sido ampliada em relao lei encontrada em Deute-ronmio 25 e ao modo como ocorreu na histria de Jud e Tamar, em Gnesis 38. Torna-se claro tambm que uma das responsabilidades que recaa sobre o goel era se casar com a viva sem filhos em um casamento de levirato. Como Leggett defende convincentemente, estes deveres obviamente no eram entendidos de maneira legalista. H deveres legais prescritos no Pentateuco, como j vimos, mas "a histria de Rute a histria do hesed motivando alm da letra da lei. As leis eram indicadores ou guias que mostravam de maneira concreta como o hesed devia operar dentro da famlia".18 O hesed capta o esprito da lei do levirato, aprofundando e estendendo as provises da lei para o bem da famlia, para o que a lei fora idealizada. A. S. Herbert destaca o mesmo ponto com estas palavras: "Talvez... seja deliberadamente que a ao de Boaz 'v alm' da tradio sugerida pela histria de Jud e Tamar e do que era exigido pela lei de Deuteronmio 25:5-10." atravs de tal cumprimento da lei, sugere Herbert, que a religio do povo de Deus protegida, para no se tornar legalista.19 Motivado tanto pelo amor que sentia por Rute como por sua prpria disposio (e capacidade) de usar o seu dinheiro em favor dela e em benefcio do nome de Elimeleque, Boaz astutamente coloca o outro parente em uma situao na qual este nada mais pode fazer a no ser oferecer a Boaz, o prximo da lista, o direito da redeno (4:6). Nada h aqui de ilegal ou desleal. Isto simplesmente destaca de maneira notvel a natureza voluntria das responsabilidades do goel nesta narrativa, e a maneira pela qual este ato exigia o mais alto grau de dedicao, amor e sacrifcio pessoal. O significado da expresso "senhor de muitos bens", que aparece em Rute 2:1 com referncia a Boaz, agora torna-se explcito. O parente-remidor tinha de estar interessado nos necessitados e ser capaz de ajud-los. De igual forma, devia estar pronto a se sacrificar para fazer isso. No se tratava de um obrigao, mas, sim, de um ato de amor. Testemunha de um casamento (4:7-10) Este era outrora o costume de Israel, quanto a resgates e permutas: o que queria confirmar qualquer negcio, tirava o calado e o dava ao seu parceiro; assim se confirmava negcio em Israel. sDisse, pois, o resgatador a Boaz: Compra-a tu. E tirou o calado. ^Ento Boaz disse aos ancios e a todo o povo: Sois hoje testemunhas de

que comprei da mo de Noemi tudo o que pertencia a Elimeleque, a Quiliom e a Malom; we tambm tomo por mulher a Rute, a moabita, que foi esposa de Malom, para suscitar o nome deste sobre a sua herana, para que este nome no seja exterminado dentre seus irmos, e da porta da sua cidade; disto sois hoje testemunhas. Um ponto de importncia particular vem agora luz neste pargrafo: Boaz se casa com Rute. At agora no se falou nada alm do dever do levirato. Este dever nem sempre implicava casamento de fato. No caso de Jud e Tamar, no houve casamento. No sabemos se o parente que acabou de expressar sua incapacidade de agir como goel poderia realmente se casar com Rute, ou se apenas agiria como levir at o nascimento da criana. Talvez ele j fosse casado, com uma herana a salvaguardar para os seus prprios filhos. Mas com Boaz a situao era diferente. Rowley acha muito provvel que Boaz no tivesse filhos. Talvez fosse solteiro. Poderia ser vivo. Certamente era um homem mais velho, rico e influente. Ele disse que se sentia honrado porque Rute se aproximara dele, e no dos jovens da cidade. E agora, alm de querer cumprir as responsabilidades de levir, tambm se casa com Rute. Podemos imaginar a cena: alm dos ancios, tambm todo o povo foi convocado para testemunhar o que estava acontecendo. H uma conotao de alegria no ar, a julgar pela reao do povo (4:11-12). A cerimnia do sapato20 foi encenada (um costume aparentemente em desuso na poca em que o autor estava escrevendo o livro). Atravs dela validava-se uma transao (neste caso, a transferncia dos direitos de resgatador a Boaz): uma das partes interessadas tirava o seu sapato e o dava outra. Atravs disto o resgatador abandonou o seu direito de redeno em favor de Boaz. Na lei deuteronmica referente aos deveres do levir,21 quando este se recusava a cumprir o seu dever, sua sandlia lhe era tirada: ele era despojado dos seus direitos, em sinal de humilhao pblica. Em Rute 4, entretanto, o ambiente de alegria. E todo o povo participa da celebrao. Este um aspecto do casamento que no se deveria perder. Nos dias de hoje, muitos consideram o casamento apenas como uma aliana particular entre duas pessoas, que pode ser feita (e at mesmo desfeita) vontade delas, por sua escolha pessoal. Mas a sociedade sempre teve interesse na formao de um novo lao conjugal e no surgimento de uma nova unidade familiar na sociedade. Apesar da grande variedade de contextos culturais, das expectativas do casamento e do relacionamento social entre os sexos, o modelo pactuai de casamento que podemos perceber tanto no Antigo como no Novo Testamento traz consigo o fato de ser o "casamento" entendido tanto em termos pessoais e relacionais, quando olhamos para o casal, quanto em termos sociais, quando nos afastamos deste e observamos o seu lugar no grupo social mais amplo. Um dos trs suportes sobre os quais se baseia o casamento pactuai, conforme exposto em termos simples pelo narrador de Gnesis 2:24 ("deixa o homem pai e me", "e se une a sua mulher", "tornando-se os dois uma s carne") torna isso muito claro. O "deixar" uma declarao pblica de que o casamento est sendo feito. a ocasio na qual o casal recebe junto o apoio pblico dos seus amigos e da sociedade na nova unidade social que esto criando. a ocasio em que o casal tambm aceita sua vocao para ser uma nova unidade dentro da sociedade: viver dentro da

sociedade um relacionamento que de alguma forma reflete o relacionamento pactuai de Deus com o seu povo. Em um de seus sermes Bonhoeffer diz o seguinte: O casamento mais do que o amor de vocs um pelo outro. Tem uma dignidade e um poder mais elevados, pois uma santa ordenana de Deus... Em seu amor vocs s vem o cu de sua felicidade, mas no casamento vocs so colocados em um posto de responsabilidade para com o mundo e a humanidade. O seu amor propriedade particular de ambos, mas o casamento uma coisa mais do que pessoal: um status, um cargo... que os liga um ao outro vista de Deus e dos homens.22 As perguntas que se fazem hoje ("Para que casar?", "Por que se preocupar com um pedao de papel?") so respondidas em termos de responsabilidade para com a sociedade e de um reconhecimento de que o nosso equivalente dos ancios e todo o povo tem um certo interesse na formao de um novo grupo familiar. O testemunho pblico sempre faz parte da aliana. E a importncia social do testemunho pblico retm este aspecto do significado do casamento. Mas h tambm um valor pessoal. O testemunho pblico serve, entre outras coisas, como um contraforte no casamento contra a desintegrao nos perodos quando o relacionamento est sob tenso. um lembrete constante de que se fizeram promessas, obrigaes foram assumidas e oraes feitas pedindo graa e recursos. Os votos no so um mero assunto particular, mas foram assumidos e testemunhados publicamente. Um senso de responsabilidade para com a comunidade crist mais ampla nos ajuda a manter as nossas promessas e nos apoia nos perodos difceis quando o nosso compromisso de amor fiel posto prova. A importncia da celebrao no deve ser desprezada! Lewis Smedes escreve o seguinte em seu excelente livro Sex in the Real World: H uma coisa mais a respeito do casamento que exige uma festa de casamento: a necessidade que o homem tem de festejar. A vida humana parece precisar de momentos separados para celebrao e festejos. Destacamos os aniversrios, as formaturas, os nascimentos e quaisquer outros acontecimentos em nossas vidas, interrompendo a rotina de nosso estilo de vida com uma festa. As pessoas precisam de alguma coisa para brincar; e a comunidade tambm precisa. E os casamentos so festivais que celebram o comeo de uma nova aventura. A bno de Deus sobre o matrimnio, invocada num casamento, realmente um ato de celebrao: o casamento afirma que est acontecendo uma coisa boa e importante... Os casamentos so o comeo pblico de um novo empreendimento, que no seu mago original um empreendimento particular. Como todos os empreendimentos privados, precisa do apoio e do controle da comunidade. Os casamentos no so um truque da sociedade para manter os jovens dentro da linha; o mtodo desta sociedade de receber no seu meio um novo empreendimento de amor.23 Para Boaz, porta da cidade, a celebrao comeou mesmo sem que Rute estivesse ali! Mas "todo o povo" estava presente, no apenas para testemunhar, mas para fazer oraes. Orao pedindo bnos (4:11-12) Todo o povo que estava na porta, e os ancios, disseram: Somos testemunhas;

o Senhor faa a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como a Lia, que ambas edificaram a casa de Israel; e tu, Boaz, h-te valorosamente em Efrata, efaze-te nome afamado em Belm. 12Seja a tua casa como a casa de Perez, que Tamar teve de Jud, pela prole que o Senhor te der desta jovem. A reao imediata do povo diante desta demonstrao de amor remidor foi dupla: testemunhar e orar. Ser testemunha neste contexto, lembra G. A. F. Knight, "significa falar disso aos outros e permitir que seja claramente percebido no prprio comportamento e atitude para o restante da humanidade".24 Ele aponta as semelhanas de pensamento entre muitos dos aspectos do livro de Rute e a ideia contida nos ltimos captulos de Isaas. "Eu, eu sou o Senhor, e fora de mim no h salvador... vs sois as minhas testemunhas, diz o Senhor ",25 E, mais adiante, o profeta lembra ao povo: "Pouco o seres servo, para restaurares as tribos de Jac, e tornares a trazer os remanescentes de Israel; tambm te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvao at extremidade da terra".26 Atravs do ato de auto-sacrifcio de Boaz, Rute foi estabelecida como membro do povo de Deus. Boaz expressou na prtica o que ele mesmo cria ser a ao de Deus para com o seu povo. Esta sempre a vocao do povo de Deus: pessoas que so remidas devem ser agentes da redeno de outras. Disto o povo deu testemunho. Este testemunho veio junto com orao invocando a bno de Deus sobre a nova famlia. Quanto este livrinho palpita com a vida de orao! A reao de Noemi diante das notcias vindas de Belm de que a fome terminara foi mandar suas noras de volta aos seus lares moabitas com orao (1:8). A saudao rotineira que Boaz fazia aos seus trabalhadores, e tambm a resposta deles, eram oraes (2:4). A generosa saudao de Boaz a Rute para que rebuscasse em seus campos foi feita em forma de orao (2:12). E Noemi orou dando ao de graas em alegre reao diante da volta de Rute para casa com notcias sobre Boaz, no final do seu dia de trabalho (2:20). Boaz respondeu visita noturna de Rute com uma orao (3:10). E agora todo o povo reage com orao diante da transao porta da cidade, pedindo a bno de Deus para Boaz e Rute. Tudo isto nos faz ver claramente a profunda espiritualidade do autor deste livro. Cada aspecto da vida, desde a misria at a alegria, da rotina ao extraordinrio, no trabalho dirio e no relacionamento social, como tambm nos momentos de intimidade, vivido na f em que Deus est ali e se importa com as pessoas. Alm disso, tambm as atitudes humanas, como j vimos, apontam para o carter de Deus. Notamos a maneira como o hesed de Boaz corresponde ao hesed de Jav. interessante tambm recordar a maneira como o casamento pactuai do homem com uma mulher geralmente usado como uma analogia do relacionamento de Deus com o seu povo pactuai, e, "atravs de iluminao recproca",27 como o pacto de Deus prov um padro e um significado vida matrimonial humana. Na verdade, todos os relacionamentos humanos devem seguir o modelo divino e por sua vez revelar algo da maneira como Deus faz seus relacionamentos dentro do pacto com o seu povo. Agora, pois, a orao do povo produz uma conscincia da mo de Deus nas resolues tomadas porta da cidade. E, como Knight destaca, isto encerra implicaes sobre o que o autor deste livro pensa de Deus. A maneira

como ele conta toda a ao de Boaz como goel, remindo a terra e oferecendo famlia de Elimeleque um futuro e uma esperana atravs de seu prprio compromisso de casamento com Rute, tudo isto mostra como o autor v o carter de Deus. Se um simples homem, uma criatura de Deus, podia agir desta maneira, usando o seu poder para remir uma pria, introduzindo-a na comunho com o Deus vivo, ento certamente, diz Knight, o autor devia perceber que Deus pelo menos igualmente compassivo para com todas as "Rutes" (de Moabe, da Babilnia e de qualquer outro lugar), e o prprio Deus deve ser um "Deus de redeno com o desejo e o poder de remir todos os prias, atraindo-os para a comunho consigo mesmo".28 para este Deus que o corao do povo se voltou em orao. O povo foi testemunha de um ato de amor remidor. Agora esse povo busca a bno de Deus. E o seu interesse em Boaz, sua esposa e sua nova famlia triplo. Primeiro, a esposa: o Senhor faa a esta mulher, que entra na tua casa, como a Raquel e como a Lia, que ambas edificaram a casa de Israel. Raquel e Lia foram as duas esposas de Jac; e dos seus filhos e dos filhos das concubinas de Jac, que de certa forma tambm foram filhos delas, descendia toda a nao de Israel. Que Rute, tambm, se torne antepassada de uma raa famosa. Que ela tenha muitos descendentes dentro da famlia e dos propsitos de Deus. Depois, o marido: e tu, Boaz, h-te valorosamente em Efrata, efaze-te nome afamado em Belm. Que o prprio Boaz seja enriquecido atravs deste casamento e sua descendncia. Que ele adquira poder e fama. Como traduz Cooke, "que o teu nome seja proclamado". No estamos apenas interessados em manter o nome de Elimeleque. Atravs deste casamento com Rute, a prpria famlia de Boaz tambm ser estabelecida. Finalmente, a futura famlia: Seja a tua casa como a casa de Perez. Perez foi mencionado possivelmente por diversos motivos. O primeiro que ele foi o mais importante dos dois filhos gmeos nascidos do relacionamento de levirato entre Jud e Tamar. O paralelo com esta situao est claro. Mais do que isto, porm, h o fato de que Perez um dos antepassados dos belemitas que descendiam de Jud.29 A expresso casa de Perez provavelmente destaca o grande nmero de descendentes seus, dentre os quais algumas das pessoas porta da cidade. Perez era certamente um dos antepassados de Boaz.30 O povo orou para que Boaz, como o seu antepassado, tivesse uma famlia numerosa e renomada. E se Boaz no tinha filhos, como algum j sugeriu e parece ser mais do que provvel, que "a prole" que o Senhor lhe desse daquela jovem, como dizia sua orao, fossem herdeiros, no somente de Elimeleque, mas tambm de Boaz.

8. Ns temos uma histria "Uma s carne" (4:13) Assim tomou Boaz a Rute, e ela passou a ser sua mulher, coabitou com ela, e o Senhor lhe concedeu que concebesse, e teve um filho. O principal quadro bblico do casamento o de aliana. O relacionamento pactuai de Deus com o seu povo descrito em linguagem matrimonial; deriva o significado da vida matrimonial humana do relacionamento pactuai de Deus com o seu povo e de Cristo com sua igreja, e deve seguir o mesmo padro.1 Podemos discernir os trs elementos principais no pacto matrimonial: a promessa de amor sincero entre marido e mulher; o pacto realizado publicamente atravs do qual uma nova unidade familiar criada dentro da sociedade; e o desenvolvimento da comunho ntima entre os parceiros, que simbolizada e aprofundada pela unio sexual. O escritor de Gnesis 2:24 expressa-o no seu comentrio sobre a narrativa da criao da mulher como companheira do homem: "Por isso deixa o homem pai e me, e se une sua mulher, tornando-se os dois uma s carne". Para Boaz, todas as trs partes do casamento pactuai encontravam-se agora reunidas: o seu amor por Rute, o testemunho pblico de seu casamento e, ento, a unio sexual. No pensamento do autor e de outros escritores bblicos, a unio sexual

4:13-22

fsica tem lugar num contexto de relacionamento sincero, cheio de amor e publicamente conhecido. Isto no acontecia s para salvaguardar os direitos dos filhos. Era parte do significado de "uma s carne", essa ideia progressiva que podemos traar desde o Antigo at o Novo Testamento, de que casamento significa "uma sociedade unitria completa de um homem com uma mulher para toda a vida, simbolizada e aprofundada atravs do relacionamento sexual".2 Conforme Paulo tambm esclarece no seu tempo, ao escrever aos corntios,3 a unio sexual envolve muito mais do que unio fsica. Ela cria, sustenta e simboliza o leal compromisso "em uma s carne" entre o homem e sua mulher. A vida fsica est unida com a vida emocional e a vida espiritual. Separ-las , at certo ponto, viver uma mentira sexual. Nos dias de hoje, quando, atravs de eficientes mtodos de controle de natalidade, os aspectos relacionais e procriativos de nossa sexualidade podem ser separados na prtica, geralmente se assume que o aspecto fsico do relacionamento sexual pode ser separado de todos os outros aspectos. Mas esta no a opinio bblica. A Bblia, antes, insiste com a pergunta: A unio sexual significa "Eu me entrego a voc", como o relacionamento fsico explicitamente declara? Ento, se no h uma entrega espiritual e emocional correspondente em um relacionamento sexual, no estamos tentando separar o que Deus uniu? Alm disso, como Jack Dominian acertadamente argumenta, o "apoio, a cura e o crescimento", que so algumas das bnos existentes em um bom relacionamento conjugal sob a mo de Deus, exigem uma estrutura de "continuidade, disponibilidade e previsibilidade" permanente, dentro da qual se desenvolvam. 4 A permanncia da aliana entre Deus e o seu povo novamente o nosso modelo. A riqueza do significado que Deus deu ao relacionamento sexual fsico exige um contexto de amor permanente e sincero e uma fidelidade entre os parceiros. Por isso que a moralidade bblica, embora confirme nossa sexualidade em todos os nveis dos encontros pessoais, reserva a plena expresso fsica do amor na relao sexual para o contexto nico de um compromisso heterossexual permanente baseado em amor fiel. Este o quadro que se nos apresenta aqui sobre o casamento de Boaz e Rute. O dom da vida Pela orao que os ancios acabam de fazer fica explcito que eles consideravam os filhos como um dom de Deus. Isto enfatizado pelo comentrio do nosso autor. Ele no conta simplesmente os acontecimentos: coabitou com ela (expresso comum no Antigo Testamento para indicar relao sexual)... e teve um filho. Ele une os dois acontecimentos com o seguinte: o Senhor lhe concedeu que concebesse. Se h um tema que domina o livro de Rute acima dos outros, o da providncia soberana de Deus e da nossa dependncia dele como humanos. Deus a fonte da vida. A vida, assim como suas bnos, um dom da sua mo. E particularmente aqui a concepo de um filho entendida como um dom de Deus. Em que ponto se inicia a vida humana pessoal? O testemunho bblico responde inequivocamente: na concepo. E muitos pensadores seculares modernos concordam com isto. Na concepo, todos os genes humanos j

esto presentes e, embora algum tempo se passe antes do desenvolvimento do crtex cerebral, do qual depende o funcionamento da verdadeira capacidade humana, no feto que acaba de ser concebido, estamos, de qualquer forma, na presena de um ser humano em processo de formao. Evidncias crescentes existem de que as primeiras experincias do feto so muito significativas. Particularmente nos trs primeiros meses da vida fetal, a sade e o bem-estar da me, bem como as experincias do feto atravs dela, tm um efeito marcante sobre o desenvolvimento da personalidade.5 Isto est muito longe da linguagem de "produtos da concepo" e "tecido uterino" que se tornou o jargo de certos propagandistas do aborto. Mesmo se tivssemos alguma dvida quanto ao status da vida nascente no tero, o nus da prova recairia pesadamente sobre qualquer um que decidisse que o feto no deveria ter o benefcio da dvida. Mas o testemunho bblico no deixa dvidas. H muitas aluses bblicas vida humana antes do nascimento. 6 At mesmo o agnosti-cismo do Pregador ("Assim como tu no sabes... como se formam os ossos no ventre da mulher grvida, assim tambm no sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas") contm uma afirmao: o ventre no contm apenas um "corpo", mas tambm um "esprito vivente".7 A lei do Pentateuco estruturada para proteger a mulher grvida e a vida do feto exige que, se uma mulher entrar em trabalho de parto prematuro por causa de uma briga na qual ela tenha sido inadvertidamente machucada, seja ela compensada atravs de uma multa; se ela ou a criana forem machucadas, "ento dars vida por vida".8 No antigo Israel a morte do feto era considerada como "a mais brbara crueldade, que exigia o julgamento de Deus". 9 Jeremias d testemunho das palavras de Deus: "Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci",10 como tambm Paulo, que reconheceu que Deus o chamara antes do seu nascimento.11 No Salmo 139 o salmista recorda que Deus j o conhecia desde o ventre materno. Alm disto, o primeiro captulo do Evangelho de Lucas parece mostrar que h na vida de Joo Batista uma indicao de alguma determinao pr-natal de personalidade e carter. "Pela ordenao e dom de Deus, uma nova vida concebida, uma nova criao, uma vida totalmente nica e insubstituvel, com um destino especfico, identificvel e pessoal".12 Esta tambm a crena expressa pelo autor de Rute. A concepo um dom do Senhor. Visto luz disto, todo o debate sobre o aborto, argumentado geralmente em termos de direitos conflitantes ou de consequncias benficas, assume uma dimenso mais profunda. Se estamos diante de um ser humano em processo de formao, um ser humano com um destino pessoal sob a mo de Deus desde o momento da concepo, o nus da prova jaz pesadamente sobre aqueles que decidem acabar com a gestao. A questo do aborto pode ser levantada apenas dentro da categoria da justificvel proteo vida humana. Da pobreza alegria (4:14-17) Ento as mulheres disseram a Noemi: Seja o Senhor bendito, que no deixou hoje de te dar resgatador, e seja afamado em Israel o nome deste. l5Ele ser restaurador da tua vida, e consolador da tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deu luz, e ela te melhor do que sete filhos. ^Noemi tomou o menino, e o ps no

regao, e entrou a cuidar dele. 17As vizinhas lhe deram nome, dizendo: Noemi nasceu um filho. E lhe chamaram Obede. Este o pai de Jess, pai de Davi. O feliz resultado da histria: o filho que Rute teve e que, portanto, tambm o de Noemi, na famlia de Elimeleque, est rodeado de oraes de gratido a Deus. esta orao que completa o crculo da histria e proclama novamente o governo providencial e o cuidado de Deus. O foco de ateno novamente Noemi. Ela deixou Moabe sem o seu marido e sem os filhos. Foi recebida em Belm pelas mulheres que viram sua dor e ouviram a sua amargura. Agora elas partilham de sua alegria: Seja bendito o Senhor, que no deixou hoje de te dar resgatador! Novamente se enfatiza o senso de solidariedade familiar. O filho de Rute, tua nora, que te ama, mas tambm ser para Noemi o restaurador da tua vida, e consolador da tua velhice. Como filho de Malom atravs do levirato, ele tambm herdeiro de Elimeleque. Atravs dele o nome da famlia de Elimeleque no desapareceu at o dia de hoje. Atravs dele os propsitos de Deus foram executados. Rute e Noemi receberam um futuro e uma esperana. Mas os propsitos de Deus na tela mais extensa da histria do mundo tambm foram realizados, conforme veremos. Talvez tenha sido muito apropriado que a criana fosse chamada de Obede: "Servo", o servo do Senhor. O sentido da histria (4:18-22) So estas, pois, as geraes de Perez: Perez gerou a Hezrom, l9Hezrom gerou a Ro, Ro gerou a Aminadabe, 20Aminadabe gerou a Naassom, Naassom gerou a Salmom, 2lSalmom gerou a Boaz, Boaz gerou a Obede, 22Obede gerou a Jess, e Jess gerou a Davi. A Bblia tem uma poro de genealogias, e as genealogias costumam ser enfadonhas. Servem, entretanto, para nos lembrar uma coisa muito importante que a Bblia insiste que no esqueamos: nossa interligao, como seres humanos, com as geraes passadas. Cada concepo um dom de Deus. Mas um dom dentro de um contexto. No nvel de nossa herana gentica e descendncia fsica, somos em muitos aspectos produtos de nossa histria. Somos quem somos em grau significativo por causa do que foram nossos pais e avs. A nossa histria importante. precisamente este sentido da histria que captado por esta lista de nomes um tanto enfadonha que aparentemente foi anexada no final deste captulo. "So estas, pois, as geraes de..." a frmula que encontramos em diversas passagens, como, por exemplo, em Gnesis 2:4; 5:1, etc. Indica o sentido de uma histria que se desenvolve. Conforme Leon Morris comenta, "H um qu de histria no termo".13 Assim, a partir de Perez, um dos gmeos de Jud e Tamar, atravs de vrias geraes (algumas das quais provavelmente foram ignoradas pelo autor), chegamos at Boaz e, ento, a Obede. Obede foi o pai de Jess, que foi, por sua vez, o pai do maior rei de Israel. Como Keil e Delitzsch comentam, a genealogia, num certo sentido, "forma no apenas o fim, mas tambm o ponto de partida, d histria contida no livro". "Pois mesmo se no lhe dermos tanta importncia como Auberlen, que diz que o livro de Rute contm, por assim dizer, o lado interior, os

antecedentes morais espirituais das genealogias que desempenham uma parte to significativa na antiguidade israelita, torna-se inquestionavelmente verdadeiro que o livro contm um quadro histrico da vida familiar dos antepassados de Davi, com a inteno de mostrar como os antepassados deste grande rei andavam em retido diante de Deus e dos homens, em piedade e singeleza de corao, em modstia e pureza de vida". Podemos discernir tambm o que eles chamavam de "tratado messinico": "que Rute, uma mulher pag, de uma nao to hostil aos israelitas como era Moabe, foi considerada digna de se tornar a me da tribo do grande e piedoso rei Davi, por causa de seu fiel amor para com o povo de Israel e de sua total confiana em Jav, o Deus de Israel".14 A continuidade histrica dos propsitos pactuais de Deus no povo da sua aliana, desde o grande pai Abrao at os acontecimentos salvadores da vida, morte e ressurreio de Jesus Cristo, e ainda alm, at a vida e interligao da famlia da igreja crist, tudo isto vem mente na rpida referncia genealogia de Rute no captulo 4, que se centraliza no filho que Boaz teve atravs da nora de Elimeleque e Noemi. Seria bom lembrar que o Novo Testamento entende a igreja crist como a comunidade pactuai histrica, e o processo histrico como "a esfera do governo providencial e soberano de Deus".15 Isto nos libertaria de uma hiperconcentrao na f individualista, fazendo-nos lembrar dos nossos elos pactuais com os crentes do passado. Vai nos ajudar a entender as nossas Bblias como um produto dentro do contexto da comunidade da aliana; vai nos ajudar tambm a entender as tradies da igreja (a comunho histrica dos santos) como parte desse mesmo contexto pactuai histrico em suas tentativas de entender e aplicar a verdade bblica. A famlia da aliana de Deus cobre sculos. a essa famlia que somos convidados a pertencer. Rejeitamos a sugesto de que todo o propsito do livro de Rute foi fornecer um antepassado ao rei Davi. Mas a deciso do autor de concluir a sua histria deste modo (e bvio que estes versculos no so um acrscimo ao texto) acentua o fato de que ele considerava a histria importante. Toda a vida de uma nao estava ligada com o seu rei. E a importncia da realeza em Israel era relacionada com a vida do rei prottipo, Davi. E a sua vida, em termos de descendncia fsica, tem a ver com a histria de uma moa moabita que rebuscava em um campo de cevada a muitos quilmetros de sua casa; a uma sogra carinhosa e a um resgatador cheio de amor; a uma conversa noturna na eira; disposio de um rico fazendeiro de ultrapassar as exigncias da lei no seu cuidado aos necessitados. Resumindo, no aspecto comum dos acontecimentos da vida de gente comum que Deus opera o seu propsito. Futuras vidas significativas ficaram ligadas histria de Rute. E no apenas a de Davi, mas, como Mateus tem o cuidado de nos lembrar, a do prprio Senhor Jesus.16 E quando Cristo, nosso Salvador, nasceu da linhagem de Davi, nessa mesma Belm, ele nasceu em uma famlia de gente comum. E eles, tambm, atravs de sua prontido em obedecer ao Deus da graa (focalizada mais claramente na orao de Maria: "Aqui est a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra"17), foram instrumentos dos propsitos providenciais de Deus no seu mundo. A nossa f, nossas vidas de todo dia, e tambm nossas decises fazem parte do cuidado providencial e bondoso de

Heus. Somos hoje parte da famlia da aliana, cujo primeiro pai foi Abrao e que deu as boas-vindas tambm a Rute, a moa de Moabe. Ns partilhamos da interligao da vida familiar daquele tempo at agora. O Deus que chamou Rute o Deus que nos chama em Cristo. Que possamos (como Rute e como Maria, sua importante descendente) declarar a nossa disposio e obedincia amorosa em aceitar o gracioso convite de Deus para desfrutar do nosso lugar sob o refgio de suas asas.

" O Senhor seja contigo"


Nosso Pai do cu, Criador e Sustentador do nosso mundo, tu sustentas tudo o que criaste dentro da tua bondosa providncia. Agradecemos-te pela

rica liberdade que nos tens dado. Ajuda-nos em todas as coisas a ver a tua mo e a viver como seres cuja vida est sob o teu cuidado soberano. Como Rute de Moabe veio a ser uma do teu povo, assim tu nos chamas pelo nome e nos convidas para o lar. Estamos felizes em encontrar abrigo sob o refgio das tuas asas. Em Jesus Cristo, nosso "parente remidor", tu vens ao nosso encontro em nossa mediocridade e transformas a nossa vida humana, fazendo-a tua. Ns agradecemos pelo teu amor altamente sacrificial e remidor, que nos libertou a fim de podermos partilhar da vida da tua famlia. Tu assumiste nossos sofrimentos, nosso pecado, nossa amargura, nosso medo. Perdoa-nos os nossos pecados e nos ensina a perdoar. Quando estivermos andando como Noemi, pelo vale das lgrimas, ao entardecer e nas trevas, concede que no percamos de vista o alvorecer da ressurreio de esperana e de alegria. Atravs do Esprito Santo, o Doador da vida, conduze-nos verdade. Tu enriqueces a tua lei atravs do calor pessoal do teu generoso amor. Assim como Boaz foi alm da vocao do dever na graciosa proviso das necessidades alheias, o teu dom da graa muitssimo mais abundante do que podemos pedir ou imaginar! Ensina-nos a ficar alertas s necessidades dos outros e a trabalhar pela justa distribuio das riquezas do teu mundo, para que todos tenham o po de cada dia. Deus, Santa Trindade, de ti cada famlia terrena recebe o seu nome e aprende o seu amor. Tu s o Deus da histria cujos propsitos cobrem sculos. Atravs da tua famlia, a igreja, tu agora tornas conhecido o teu plano de unir todas as coisas, tanto no cu como na terra, em Jesus Cristo, nosso Senhor. Diante dele, um dia, todo joelho se dobrar. A ti rendemos o nosso louvor, pedimos o teu auxlio e buscamos colocar todos os aspectos de nossas vidas sob o domnio de Cristo, nosso Senhor, pois dele, por meio dele e para ele so todas as coisas. A ele glria para sempre. Amm

Notas de Rodap As notas de rodap no foram Revisadas, por no possuir o livro impresso e conter muitos erros ortogrficos. Caso alguem tenha o livro impresso, acrescente as notas e envie para:

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