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Africanos Minas Nagôs-Juliana Lima

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AFRICANOS MINAS NAGÔS:

UMA COMUNIDADE DE FALA IORUBA


COMO FORMA DE RESISTÊNCIA NO
SÉCULO XIX

Debret 1816 - 1831

JULIANA SANTOS DE LIMA


MESTRE EM HISTÓRIA SOCIAL –UFF
B O L S I S TA D A F C R B
P R O F E S S O R A DA R E D E M U N I C I PA L D E M AG É
DELIMITAÇÕES DA PESQUISA

• Recorte temporal: 1830 a 1879


(contexto de construção do Estado nacional após a independência)

• Recorte espacial: Rio de Janeiro


(para o século XIX, até o momento, só encontramos falantes de Língua
Mina nas fontes dessa província)
O MULTILINGUÍSMO NA AMÉRICA PORTUGUESA

Unificar e A língua é
civilizar a uma
nação construção
Línguas política.
indígenas,
africanas,
europeias.

Língua
Geral Tupi Língua
Portuguesa
(1757)
CITAÇÃO
“O outro esquecimento organizado é aquele que
construiu uma unidade linguística com base no português
como se, desde 1500, essa fosse a única língua falada
pelos brasileiros. Quer dizer, em um passe de mágica, a
simples chegada de Cabral funcionou como a descida do
Espírito Santo em forma de língua de fogo, e todo mundo
começou a falar português, já que se ignorou a existência
das línguas indígenas.”
BESSA-FREIRE, José Ribamar. Nheengatu: a outra língua brasileira. In: CARMO, Laura e LIMA,
Ivana Stolze (Org.). História Social da Língua Nacional. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui
Barbosa, 2008, p.124-125.
PRINCIPAIS LÍNGUAS AFRICANAS NO BRASIL

• Quimbundo, quicongo, ambundo, umbundo. (Línguas bantas)


• Ewe-fon (também chamado de línguas do grupo gbe).
• Ioruba
• Haucá

CASTRO,Yeda Pessoa de. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro brasileiro. Rio
de Janeiro: Topbooks, 2001.
REGISTROS DE LÍNGUAS AFRICANAS

• Arte da Língua de Angola (1697) 1ª Gramática de Quimbundo


- Pedro Dias

• Alguns apontamentos da língua Mina com palavras portuguesas


correspondentes; Obra Nova da Língua Geral de Mina (1731-
1741)
- Antônio da Costa Peixoto
A INTENSA PRESENÇA DE AFRICANOS
NO SÉCULO XIX
É interessante percebermos que o fluxo do tráfico humano que
chegou ao Brasil veio primordialmente da África Ocidental e da África
Central. Mais especificamente dos portos de duas dessas localidades,
sendo respectivamente a primeira o Golfo do Benin e o Golfo do Biafra
(999.600 pessoas) e a segunda predominantemente em Angola (3.656
milhões de pessoas), cujos desembarques ocorreram em maior escala
em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro.
GOLFO DO BENIN E COSTA DA MINA
A POLISSEMIA DO ETNÔNIMO MINA
• A primeira referência faz menção ao Forte São Jorge da Mina, construído pelos
portugueses em 1482. E que mais tarde tornou-se a cidade de Elmina, situada na
Costa do Ouro, na África ocidental, e que diante das migrações estabeleceu-se na
cidade de Anexo.

• A segunda refere-se à língua das pessoas dessa região específica, em que habitavam os
Mono, Fon,Aja, entre outros.

• E a terceira referência é utilizada para mencionar os africanos que foram escravizados


e traficados para as Américas a partir do Golfo do Benin.
PRINCIPAIS LÍNGUAS FALADAS PELOS
ESCRAVIZADOS DO GOLFO DO BENIN
Iorubá – Nagô
é constituído por um conjunto de “vários falares regionais, pouco diferenciados, e
concentrados nos territórios limítrofes entre a Nigéria ocidental [...] e o Reino de
Queto, no Benin oriental. Chamados de ‘anàgó’ pelos seus vizinhos, termo por que
ficaram genericamente conhecidos como nagô”

Gbe – Mina
o vocábulo gbe foi cunhado no século XX para designar um complexo dialetal que
apresentam semelhanças entre si, e possibilitam um grau elevado de intercompreensão,
fazem parte do ramo cuá da família nigero-congolesa.
A PRESENÇA DOS OCIDENTAIS NO
SOCIEDADE IMPERIAL
A presença dos africanos ocidentais, não era numericamente preponderante
na sociedade imperial. No entanto, esse fato não foi impedimento para que os
minas galgassem posições de liderança política dos escravizados. De forma
que causavam intensa preocupação entre as autoridades, por serem o reflexo
do “mágico-religioso”, sinônimo de associações escravas por meio da sedução
e a encarnação do perigo da sublevação, sobretudo após as revoltas de 1835.

SOARES, Carlos Eugênio Líbano, A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro,
1808-1850, Campinas: Editora da Unicamp, 2001, p.369.
ÊXODO MINA
Na década de 1830, houve o que Carlos Eugênio Líbano
Soares caracterizou como êxodo mina, motivado sobretudo pela
revolta dos malês. Era notório o movimento senhorial de afastar os
escravizados minas com o intuito de reprimir novas sublevações,
muitos desses africanos foram levados para fora de Salvador, de
maneira que em alguns casos foram, inclusive, reexportados para a
África. Contudo, o destino da maioria foi o Rio de Janeiro.
CITAÇÃO
“Não se tratava apenas de libertos africanos fugindo da repressão, ou
de fugidos embarcando clandestinamente nas rotas costeiras. Escravos
implicados no movimento eram levados pelos senhores para serem
vendidos ‘longe da terra’, e o Rio era onde se conseguiam, talvez, os
melhores preços. Isto sem contar os crioulos da Bahia, que vinham na
esteira da vaga africana e que facilmente se envolviam nos conflitos
intestinos da comunidade negra da cidade”.

SOARES, Carlos Eugênio Líbano, A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro, 1808-
1850, Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
OS MINAS NO RIO DE JANEIRO
No Rio de Janeiro, entre 1833 e 1849 os minas compunham cerca de 7% da população escrava. Às
vésperas da interrupção definitiva do tráfico, quando o número de africanos escravizados na Corte
estava bem elevada, cujo contingente perfazia 52.341 pessoas, os minas escravizados que
compunham esse mosaico eram apenas 3.664, e os alforriados 531. Entre 1860 e 1864 registra-se
uma elevação nesses números, nas áreas rurais do Rio estima-se que os minas representassem
19% dos africanos escravizados, e nas regiões urbanas concentravam-se 15%, tal aumento pode ser
reflexo do êxodo mina provocado pelas revoltas, mas também do intenso tráfico interno de
pessoas escravizadas após 1850, quando se deu a abolição do tráfico transatlântico.

REIS, João José; MAMIGONIAN, Beatriz Gallitti. Nagô and Mina: The Yoruba Diaspora in Brazil. In: FALOLA, Toyin;
CHILDS, Matt D. The Yoruba Diaspora in the Atlantic World. Indiana University Press: United States of America, 2005.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano, A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro, 1808-1850, Campinas:
Editora da Unicamp, 2001.
FALANTES DE LÍNGUA MINA
“Com efeito, ao amanhecer do dia 29 do passado mês foi ela verificada, apresentando-se
uma infinidade de papéis escritos com diferentes tintas e, em caracteres desconhecidos,
alguns livros também manuscritos, e sendo chamados peritos para traduzirem,
interpretarem ou decifrarem tais escritos, declararam que nelas não se continha mais do
que orações em grande parte tiradas do Coram, em árabe espúrio e enxertado de
palavras de línguas Minas e Malês [...] interroguei aos presos e, de suas respostas, vim
no conhecimento de que com efeito suas práticas e associações se referiam a coisas
religiosas.”
IJ6-211, 06/10/1848. Arquivo Nacional. In: SOARES, Carlos Eugênio Líbano, A capoeira
escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro, 1808-1850, Campinas: Editora da
Unicamp, 2001.
FALANTES DE LÍNGUA MINA

Atenção
50$000
Anda fugido desde o dia 1 de maio do corrente o preto
Victoriano, crioulo, idade 40 anos, pouco mais ou menos,
estatura baixa, com falta de dentes na frente, pernas um pouco
arqueadas, fala um tanto atrapalhado, e também fala mina as
vezes, para não ser conhecido, veio do Rio-Bonito, tem a barriga
um pouco grande, trabalha de cavouqueiro, é carreiro, e também
trabalha na lavoura, intitula-se forro e dá o nome trocado,
também costuma fazer chapéus e diz que se quer alugar para
qualquer serviço; quem o levar a rua da Providencia nA, pedreira,
ou a rua dos Ouvires, n.12, ou der notícias certas, receberá a
quantia acima, e desde já protesta-se contra o rigor da lei contra
quem o tiver acoitado. (grifos nossos)

Jornal do Comércio, 14/07/1864, p.5


FALANTES DE LÍNGUA MINA

Fugiu, no dia 26 de fevereiro de 1839, da fazenda Palmares, um


escravo crioulo, de nome Estulano, 22 anos, alto, magro, com
cabeça e cara pequenas, olhos grandes, nariz afilado, beiços
grossos, bons dentes, um golpe na orelha esquerda, que separa a
ponta da cara, procedido de trazer uma bixa: tem o dedo grande
da mão esquerda machucado de uma martelada que levou; pés
grandes, e pisa alguma coisa com os calcanhares cambados para
fora, mas estando de pé é direito; joga muito com os braços
quando anda; é perfeito oficial de funileiro, fala francês e a língua
de mina; levou vestido calças e jaqueta de castor escuro de
cordão, e camisa de algodão americano e tem princípios de tocar
trombão. Quem o levar a dita fazenda, no distrito da freguesia de
Campo Grande, ou nesta corte a Rua do Senado da Cidade
Nova, n.58, receberá alvissaras.

O despertador, 01/03/1839, p.4


FALANTES DE LÍNGUA MINA

100U000
Continua fugido, a cerca de dois anos o preto Miguel, de nação
Moçambique, é perfeito pintor de liso e oficial de pedreiro, baixo
ombros largos, tem a perna direita arqueada, fala bem, e também
fala mina e costuma intitular-se forro; quem o apreender e levar
a rua do Ouvidor n.60, será gratificado com a quantia acima.

Jornal do Comércio, 26/03/870, p.3


FALANTES DE LÍNGUA MINA

30$000
Fugiu na madrugada de 23 do corrente o escravo Cícero, natural
da província da Bahia, com os sinais seguintes: cor acaboclada,
cabelos quase corridos, cheio de rosto, com princípio de barba,
tem espinhas no rosto, fala Mina às vezes, olhos escuros,
conversa muito bem, tem bons dentes, baixo e cheio de corpo, e
é simpático quando ri; quem o mesmo apreender e levar a seu
senhor Agostinho Correa da Costa, à rua da Rainha n.81
receberá a gratificação acima; protesta-se com todo o rigor da
lei contra quem o acoitar.

Jornal do Comércio, 25/05/1877, p.8


FALANTES DE LÍNGUA MINA

50$000
Fugiu a 8 de dezembro da rua do Bom Jardim, n16, a seu senhor,
capitão do porto Campos Cypriano, a escrava Bernarda que só
lhe serviu oito dias; baixa, reforçada, dentes claros, bem falante e
crioula; foi escrava do Breves Sobrinho, 2º Dr. Leal e 3º do
capitão, tem um filho pardo de 6 anos, forro, na casa do Sr. Major
Campinho, rua do Bom Jardim, n.98, foi vista no Rio-Comprido,
estalagem, Campo Grande e rua da Princesa. Paga-se a quem
vela-la ou der notícia na rua do Sabão n294, e protesta-se aonde
ela estiver acoitada em 1$500 diários, ela diz ser forra e chamar-
se Bernardina, fala língua de Mina e foi encontrada em Mata-
porcos, e pede-se a policia sua proteção, para ser presa; é vista
na rua de S. Diogo.

Gazeta de Notícias, 16/02/1878, p.4


ABRIGO NA CASA DE
PARENTES
- DESAPARECEU, no dia 21 do corrente,
andando ao ganho, uma preta de nome Rita,
nação Mina Nagô, estatura regular, com os
sinais de sua nação, fala mal o português:
levou vestido escuro e saia também escura,
vendia água, desconfia-se que esteja em
casa dos parentes na rua da Valla, Aljube
ou Violas por onde sempre andava; quem a
levar a seu senhor na travessa de S. Francisco
de Paula, n.14, receberá 20$ de gratificação.
- JC, 27-08-1846, P.4
A PROTEÇÃO MÚTUA DOS
IORUBA FALANTES
Escravos fugidos
Desapareceu no dia 3 do corrente da praia da Gamboa,
n.99, uma escrava de nome Joanna, nação Mina Nagô, idade
19 anos pouco mais ou menos, estatura regular, fala
atrapalhado, tem um calombo de baixo do lábio inferior,
muitos sinais de nação pela cara e corpo, e um coração
feito no braço direito; desconfia-se ter sido seduzida por
uma preta da mesma nação, de nome Antonia, cujo seu
senhor tem casa de quitanda na rua dos Pescadores, e
julga-se que está acoitada na rua do Fogo ou Conceição,
por ali morarem muitas pretas Minas; quem a apreender
será gratificado.
- Diário do Rio de Janeiro, 13-01-1844, P.4
A RESISTÊNCIA DAS
AFRICANAS MINAS NAGÔS
20$ RS DE GRATIFICAÇÃO
A quem levar a rua de Santa Luzia, n.69, uma preta de
nome Maria, nação Mina Nagô, fugida no dia 6 do
corrente, com os sinais seguintes: idade 16 anos, baixa,
fula, com largos sinais de nação nas bochechas, levou
vestido de chita com flores encarnadas, já usado, pano
da costa azul, fanhosa e atrapalhada, consta que se acha
acoitada por uma preta de nação Mina, de nome
Francisca, que vende quitanda na entrada de S.
Clemente; roga-se a qualquer capitão do mato de a
procurarem, e protesta-se com todo rigor das leis
contra qualquer pessoa que a tenha seduzido.
- DRJ, 15-09-1845, P.4
COM SINAIS E FALA DE
NAÇÃO

Escravos Fugidos
FUGIU no dia 2 do corrente, da casa n.12 na rua de
Silva Manuel, dirigindo-se para o morro de Santa
Tereza, onde foi achada a roupa que levou vestida,
uma preta que terá 16 a 17 anos mais ou menos,
de nação Mina Nagô, com sinais e fala de nação,
tendo em um dos cotovelos sinais de impigens,
magra e alguma coisa fula; quem a levar a dita casa
ou der notícias receberá a paga do seu trabalho; e
protesta-se contra quem a tiver acoitado.
- DRJ, 06-04-1849, P.4
JÁ TEM FUGIDO MAIS
VEZES...
Do largo da Memória n.85, em Niterói, fugiu na
noite de 16 do corrente, uma preta de nome
Eva, de nação Mina Nagô, terá 26 anos pouco
mais ou menos: levou vestido de chita velho,
uma trouxa de roupa e uns fios de miçangas no
pescoço, sendo um azul e outro encarnado, é
alta, cor muito retinta e tem cara redonda, já
tem fugido mais vezes, e tem sido
agarrada em casa de pretas Minas; quem
apreender e levar ao lugar acima, será bem
gratificado.
- DRJ, 23-06-1849, P.4
FUGAS E FALAS

- DESAPARECERAM, da praça dos Lázaros n.21, na


madrugada do dia 23, os escravos seguintes:
Antonio, Mina Nagô, com sinais grandes na casa, beiços
grossos, olhos grandes, boa estrutura, com bordados de
sua nação na cara e nas costas: não fala português
corretamente.
João, da mesma nação, boa altura, preto retinto, cara
lisa, e também não sabe falar: ambos levaram camisa de
baeta verde, camisa e calças de riscado, baetas azuis, e
carapuça encarnada.
Quem os apreender e levar a casa acima, em S. Cristóvão,
ou na cidade, à praça da Constituição, n.64, loja do Sr. Paula
Brito, será gratificado com 100$000rs
- JC, 26-06-1843, P.5
OBRIGADA!

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