As Influências Afro Na Música Brasileira
As Influências Afro Na Música Brasileira
As Influências Afro Na Música Brasileira
Samba ou semba?
“ Esses festejos, realçados por muita música e dança, seriam não só uma recriação das celebrações que
marcavam a entronização dos reis na África como uma sobrevivência do costume dos potentados
bantos de animarem suas excursões e visitas diplomáticas com danças e cânticos festivos, em séquito
aparatoso. E os nomes dos personagens, bem como os textos das cantigas entoadas nos autos
dramáticos em que esses cortejos culminavam, eram permeados de termos e expressões originadas de
termos e expressões nos idiomas quicongo e quimbundo.” (LOPES, Nei. “A Presença Africana na
Música Popular Brasileira.” Revista ArtCultura: Uberlândia, n. 9, jul-dez de 2004, p. 47-48)
Sabemos que o termo “samba” tem origem africana. O próprio pesquisador Nei
Lopes (1997) diz que a palavra samba, entre os quiocos de Angola, é um verbo que
significa “cabriolar, brincar, divertir-se como um cabrito. Entre os bacongos angolanos
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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da UFPE, e-mail: uelba_ufcg@yahoo.com.br
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e congueses o termo designa “uma espécie de dança em que um dançarino bate contra o
peito de outro”. Desta forma, essas duas raízes originaram a mesma raiz banta que deu
origem ao quimbundo “di-semba”, ou seja, umbigada, que era o elemento coreográfico
muito presente nas rodas de samba primitivos.
Dentro desta perspectiva José Ramos Tinhorão (1991) concorda que todos os
batuques dos negros vieram das umbigadas africanas. Assim, a umbigada está ligada a
cerimônia do LEMBAMENTO ou LEMBA.
Lembamento é a cerimônia de
casamento no qual se “dançava cenas da vida
dos casados”, ou seja, a dança fazia referência
explícita aos jogos amorosos e atos sexuais
dos cônjuges. Dança ousada, na visão dos
europeus que muitas vezes presenciaram-na
em suas viagens no século XIX por estes
países, ela caracteriza-se como parte da
cultura congo-angola, referindo-se as
festividades que precediam aos casamentos,
ou seja, como a cultura do dote era bastante
forte nessas comunidades, era bastante comum
a família da noiva negociar o preço do seu
M’LEMBA, da sua virgindade. Segundo um
cronista europeu:
“(...) A dança consiste em formar uma roda, dentre a qual saem uns pares que bailam no largo, dois a
dois, tomando ares invocadores e posições indecorosas, em que a voluptuosidade discute com a
insolência as honras da primazia. Os que entram na dança cantam em côro a que os dois pares
respondem em canções alusivas a todos os efeitos conhecidos da vida privada dos presentes e dos
ausentes”. ( Ladislau Batalha, em Costumes Congoleses)
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“ Como já disse, os cantares que acompanham estas danças lascivas, são sempre imorais e até mesmo
obscenos, historia de amores descritas com a mais repelente e impudica nudez. Em Loanda e em vários
presídios e distritos, o batuque difere deste que acabamos de descrever, que é peculiar do Congo e dos
sertões situados ao norte do Ambriz. Nesses distritos e presídios, o batuque consiste também num
círculo formado pelos dançadores, indo para o meio um preto ou preta que depois de executar varios
passos, vai dar uma embigada, a que chamam semba, na pessoa que escolhe, a qual vai para o meio do
círculo, substituí-lo.” (Alfredo de Sarmento, Os Sertões d’África)
O padre fazia esta comparação porque queria mostrar que enquanto as elites
primavam por um gosto elevado (óperas de Rossini), a baixa ralé (brancos e mestiços)
gostava de um samba d’almocreves2, música e dança tipicamente de negros e que era
considerado de extremo mal gosto.
Desta forma, a palavra “samba” aparece pela primeira vez, identificando todas
as danças de matriz afro-brasileira com as umbigadas: lundu, jongo, caxambu, os
diversos tipos de coco (de cordão, de parelha, de roda, virado, bambelô) e estilos de
samba (de roda, lenço, rural, maculelê, bate-baú, partido-alto e tambor de criola).
Nas últimas três décadas do século XIX a população negra e mestiça no Rio de
Janeiro teve um aumento considerável e isso se deveu a vários fatores, tais como: o
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Almocreves= pessoas que lidavam com as mulas.
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Foi nesta área, denominada de Pequena África, que o samba primitivo surgiu
como canção urbana e que foi estudado tão vigorosamente por diversos pesquisadores
da área4.
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Os negros que vieram ao Vale do Paraíba atraídos pelo apogeu do café acabaram sendo jogados como
mão de obra ociosa na cidade do Rio de Janeiro, quando a lavoura cafeeira do Vale entra em declínio, por
volta de 1860. O grande fluxo de negros expulsos das lavouras, principalmente após o fim da escravidão,
que chega em busca de trabalho começa a se juntar a outros que, no Rio de Janeiro, já residiam na zona
portuária e central da cidade.
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Um estudo que trabalha a Pequena África é o estudo de MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena
África do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2ª Ed.Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf.
Cultural, Divisão de Editoração, 1995.
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“A casa das tias aparece como espaço de reunião num tempo e numa cidade onde não havia lugar para
“os da raça”. Só através da “festa familiar” é que se cria esse espaço, onde é possível comer, sambar,
se divertir, casar ou amigar. Tudo em família... As moradias populares normalmente não são vistas
como espaço da privacidade — conforme o modelo burguês — mas sim da reunião, do convívio social
e da luta cotidiana.” (VELOSO, Mônica; 1990)
Era nas casas das tias baianas que se propiciava não só as festas religiosas do
candomblé como também os sambas. Eram elas as responsáveis por gerar a estrutura
propícia para o rito, protegendo, abrigando, mantendo a comida e a bebida, enquanto
que o fazer musical é assumido pelos homens. Quando a roda se forma, as mulheres são
dançavam, cantavam e davam o ritmo do samba, como tia Ciata que era
reconhecidamente uma tiradeira de partido alto5. Segundo o depoimento de Tia
Carmem, conhecida como Carmem do Ximbuca, tia Ciata:
“[...] levava meia hora fazendo miudinho na roda. Partideira, cantava com autoridade, respondendo os
refrões nas festas que se desdobravam por dias, alguns participantes saindo para o trabalho e voltando,
Ciata cuidando para que as panelas fossem sempre requentadas, para que o samba nunca morresse”.
(CARMEM apud MOURA,1995, p. 100).
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Partido alto era o samba feito de improvisação, geralmente apenas o refrão era que se repetia.
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demorar uma semana, que o samba urbano foi ganhando feições e adquirindo novos
hábitos.
A introdução de vários instrumentos de origem afro no samba vem deste
período, embora eles já fossem utilizados pelos negros em suas festas religiosas, como
afirma Nei Lopes:
“(...) a cuíca ou puíta, o berimbau, o ganzá e o reco-reco, bem como toda criação da maior parte dos
folguedos de rua até hoje brincados nas Américas e no Caribe, foram certamente africanos do grande
grupo etnolinguístico banto que legaram à música brasileira as bases do samba e a grande variedade de
manifestações que lhe são afins.” (LOPES, Nei; 1990, p. 48)
“Perciliana [...] ensinou ao filho a batida do pandeiro que tanto o diferenciava de outros músicos.
Perciliana foi a grande responsável pela introdução do instrumento no samba, em 1889. Todos os seus
filhos se envolveram com a música. O movimento das mãos de Perciliana transmitido a João da Baiana
era único. Não é à toa que, aos 15 anos, o jovem sambista era atração nas festas pela sua habilidade
como pandeirista. Perciliana foi também a primeira a ser vista raspando a faca no prato, um
instrumento de ritmo inusitado”. (NOGUEIRA, 2007, p. 18).
Jovino, Sinhô, João da Mata e tia Ciata que se improvisaram várias versões de uma
composição chamada inicialmente de “O Roceiro”, que Donga registrou com o título de
“Pelo Telefone” como sendo de sua autoria e de Mauro de Almeida, o que causou um
imenso mal-estar entre ele e tia Ciata, que nunca mais se falaram.
Podemos perceber que as primeiras décadas do século XX o predomínio de
cantores e compositores era de origem negra ou mulata que se destacaram no meio
artístico e cultural da cidade. Claro que o preconceito ainda existia, mas os talentos
desses artistas muitas vezes superaram a discriminação racial e musical também, pois o
samba não foi bem aceito logo de imediato pelas camadas médias cariocas, só muito
mais a frente, a partir da década de 1930 é que ele vai entrar nas casas e cair no gosto
popular através do rádio.
Entre 1917 e 1928, segundo o historiador Jairo Severiano (2009), surge a
primeira geração de sambistas de origem negra, tais como: Donga, Pixinguinha,
Caninha e Sinhô, o mais importante compositor da década de 1920 e responsável por
sistematizar o samba e levá-lo aos salões das elites cariocas. Todos eles saídos das rodas
de samba e partidos alto da casa de tia Ciata.
A influência do maxixe nos sambas das primeiras décadas é inegável. Influência
benéfica, segundo Jairo Severiano (2009), pois ele contribuiu para apressar o processo
de aceitação pelo público, “... que agora já podia dispor de um novo tipo de música
cantante e dançante, também sensual e sacudida, porém sem a pecha de imoral do
maxixe.”
Quanto ao ritmo e a dança maxixe, também tem suas origens nas umbigadas
africanas. O maxixe é o primeiro tipo de dança urbana criada no Brasil. Como todas as
criações desse nosso misturadíssimo povo, o maxixe se formou musical e
coreograficamente pela fusão e adaptação de elementos originados em várias partes
como a polca europeia, que lhe forneceu o movimento, a habanera cubana, que lhe deu
o ritmo, a música popular afro-brasileira como o lundu e o batuque africano.
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Rodrigo Cantos Savelli. Tias Baianas que Lavam, Cozinham, Dançam,
Cantam, Tocam e Compõem: Um Exame das Relações de Gênero no Samba da
Pequena África do Rio de Janeiro na Primeira Metade do Século XX.
http://www.unirio.br/simpom/textos/SIMPOM-Anais-2010-RodrigoSavelli.pdf
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2ª
Ed., Secretaria Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de
Editoração, 1995.