Psychology">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Artigo - Fatores Que Influenciam Os Comportamentos Alimentares - Questionário Das Escolhas Alimentares Dos Adolescentes

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 19

Psicologia, Saúde e Doenças

ISSN: 1645-0086
spps@clix.pt
Sociedade Portuguesa de Psicologia da
Saúde
Portugal

Madeira Pereira, Cláudia; Lopes da Silva, Adelina; de Sá, Maria Isabel


FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES:
QUESTIONÁRIO DAS ESCOLHAS ALIMENTARES DOS ADOLESCENTES
Psicologia, Saúde e Doenças, vol. 16, núm. 3, 2015, pp. 421-438
Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde
Lisboa, Portugal

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=36244846012

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
PSICOLOGIA,SAÚDE & DOENÇAS, 2015, 16(3), 421-438
EISSN - 2182-8407
Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde - SPPS - www.sp-ps.com
DOI: http://dx.doi.org/10.15309/15psd160312

FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES:


QUESTIONÁRIO DAS ESCOLHAS ALIMENTARES DOS ADOLESCENTES

Cláudia Madeira Pereira1, Adelina Lopes da Silva1, & Maria Isabel de Sá1

1
Centro de Investigação em Psicologia , Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa

______________________________________________________________________

Esta investigação teve o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH / BD / 60732 / 2009),
no âmbito do Doutoramento de Cláudia Madeira Pereira (http://repositorio.ul.pt/handle/10451/15480).

RESUMO: Esta investigação teve como objetivo identificar fatores que influenciam os
comportamentos alimentares dos adolescentes. No estudo 1 procedeu-se à construção do
Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes e à identificação dos referidos
fatores com recurso à análise fatorial exploratória, através da aplicação do questionário
a uma amostra de 247 adolescentes (12-19 anos). No estudo 2 procedeu-se à validação
fatorial do questionário e à avaliação da replicabilidade dos fatores com recurso à
análise fatorial confirmatória, através da aplicação do questionário a uma nova amostra
de adolescentes (N=258). Os resultados permitiram identificar vários fatores,
nomeadamente, a satisfação corporal/controlo de peso, as preocupações éticas, as
qualidades sensitivas, a conveniência e o humor. Foram encontradas diferenças de
acordo com o género e a idade. São discutidos os potenciais contributos desta
investigação para o desenvolvimento futuro da teoria e das intervenções para a
promoção da saúde dos adolescentes. Por fim, são discutidas as limitações e
apresentadas sugestões para a investigação futura.
Palavras-chave: Comportamento alimentar, Adolescentes, Promoção da saúde, Análise
fatorial, Questionário

______________________________________________________________________

FACTORS INFLUENCING EATING BEHAVIORS: THE ADOLESCENTS


FOOD CHOICES QUESTIONNAIRE

ABSTRACT: This research aimed to identify factors that influence eating behaviours
of adolescents. In study 1 we proceeded to construction of the questionnaire of
adolescents food choices and identification of factors using exploratory factor analysis,
by applying the questionnaire to a sample of 247 teenagers (12-19 years). In study 2 we

Telef.: 969 487 645. E-mail: psicologa@claudiamadeirapereira.com

www.sp-ps-pt 421
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

proceeded to factorial validation of the questionnaire and assessment of replicability of


the factors using confirmatory factor analysis, by applying the questionnaire to a new
sample of adolescents (N = 258). Results identified a number of factors, in particular,
body weight control/satisfaction, ethical concerns, sensory qualities, convenience and
humor. Differences were found according to gender and age. We discuss potential
contributions of this research for future development of theory and health promotion
interventions for adolescents. Finally, we discuss limitations and present suggestions for
future research.
Keywords: Eating behavior, Adolescents, Health promotion, Factor analysis,
Questionnaire
______________________________________________________________________

O comportamento alimentar tem um papel determinante para a saúde, constituindo a


prática de uma alimentação saudável um elemento essencial para a qualidade de vida e a
saúde (física e psicológica) dos indivíduos, o que tem feito crescer o interesse da
Psicologia nesta área de estudos.
Ao longo das últimas décadas, somam-se os estudos que têm alertado para e
demonstrado a existência de uma estreita relação entre os comportamentos relacionados
com o estilo de vida e um vasto conjunto de doenças crónicas (Plotnikoff, et al., 2009;
Silva & Pereira, 2012). Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2012a), a
obesidade representa um dos maiores desafios para a saúde pública do século XXI. Tal
como a obesidade, também outras doenças crónicas, anteriormente encontradas apenas
na população adulta, são hoje cada vez mais observadas em crianças e adolescentes.
Desta forma, a prevenção da doença e a promoção da saúde de crianças e adolescentes
têm constituído objetivos prioritários e transversais a diversos países (Pereira & Silva,
2011; WHO, 2012b).
Apesar de diversas intervenções proporem mudar os comportamentos alimentares da
população adolescente, poucas são as que se baseiam num conhecimento compreensivo
das razões que motivam as escolhas alimentares desta população. Da mesma forma,
ainda que sejam diversos os estudos sobre os comportamentos alimentares dos
adolescentes no contexto das perturbações alimentares, são escassos os que procuram
investigar e compreender os fatores que influenciam as escolhas alimentares dos
adolescentes saudáveis (Contento, Williams, Michela, & Franklin, 2006; Neumark-
Sztainer, Story, Perry, & Casey, 1999; Sloan, Legrand & Chen, 2008). Neste sentido, as
investigações recentes têm apontado para a necessidade de estudos nesta área, sugerindo
que o desenvolvimento de estratégias de prevenção e de promoção da saúde dos
adolescentes exige uma profunda compreensão dos fatores que influenciam as escolhas
alimentares específicas desta população (Sloan et al., 2008; Viana, Santos & Guimarães,
2008).
Os estudos têm salientado que, embora os adolescentes tenham um conhecimento
adequado do conceito de alimentação saudável e conheçam as consequências que os
seus comportamentos alimentares podem ter para a saúde, estes conhecimentos nem
sempre se correlacionam com as suas escolhas alimentares (Pirouznia, 2001). Diversos
autores sugerem, por isso, que a divulgação de conhecimentos e a educação para a
saúde não são condições suficientes para a mudança de comportamentos,
particularmente, nos adolescentes (Contento, 2007; Pirouznia, 2001). Os estudos
sugerem ainda que a saúde constitui apenas um dos fatores que explica as escolhas

www.sp-ps.pt 422
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

alimentares dos adolescentes, destacando a necessidade de identificar fatores


explicativos alternativos que não são contemplados nos atuais modelos teóricos e
estudos de intervenção (Contento, 2007; Neumark-Sztainer, et al., 1999; Story & Stang,
2005).
Com o aumento da idade e a entrada na adolescência, as escolhas alimentares dos
adolescentes tornam-se mais autónomas e independentes. Todavia, esta maior
autonomia nas tomadas de decisão parece encontrar-se associada a um aumento de
comportamentos alimentares inadequados, ao contrário do que seria desejável
(Neumark-Sztainer, Wall, Larson, Eisenberg, & Loth, 2011). A contribuir para isto
parecem estar diversos aspetos característicos da adolescência que têm implicações
diretas nas escolhas alimentares dos adolescentes, tais como a procura de independência
e aceitação social, a maior vulnerabilidade a pressões sociais e comerciais (e.g.,
marketing e publicidade), a preocupação com a aparência física e a despreocupação com
a saúde (Spear, 1996). Em resultado, particularmente do último aspeto referido, as
intervenções que se têm baseado somente na educação para a saúde e para os
comportamentos alimentares saudáveis têm-se mostrado insuficientes com a população
adolescente. Como tal, parece importante reforçar o estudo dos fatores que influenciam
as escolhas alimentares dos adolescentes, no sentido de auxiliar o futuro
desenvolvimento de intervenções mais eficazes na promoção da saúde e na prevenção
de doenças associadas aos comportamentos alimentares dos adolescentes (WHO,
2012b).
A literatura sugere que as escolhas alimentares são determinadas por fatores
diversos, nomeadamente, biológicos (Tepper, 2008), psicológicos (Martyn-Nemeth,
Penckofer, Gulanick, Velsor-Friedrich, & Bryant, 2009), psicossociais (Contento, et al.,
2006; Silva, Pais-Ribeiro & Cardoso, 2008), económicos (Macino, Lin, & Ballenger,
2004) e outros. Como resultado, têm sido desenvolvidos modelos explicativos da
seleção alimentar (e.g., Hamilton, Mcllveen & Strugnell, 2000; Sloan et al. 2008), sendo
a escolha alimentar definida como o conjunto de decisões, conscientes e inconscientes,
que os indivíduos tomam no momento de adquirir, de consumir e em qualquer outro
momento entre estes dois (e.g., Hamilton et al., 2000). Sloan, et al. (2008), baseando-se
na Teoria Sociocognitiva e no Modelo Transteórico da Mudança, desenvolveram um
modelo para explicar os fatores que influenciam as escolhas alimentares dos
adolescentes, o qual sugere 4 dimensões: 1) fatores pessoais; 2) fatores relacionados
com o estilo de vida; 3) fatores ambientais; e, 4) fatores éticos. Os fatores pessoais
incluem a experiência pessoal do adolescente com as características sensoriais dos
alimentos e as suas preferências alimentares. Os fatores relacionados com o estilo de
vida incluem o prestígio (i.e., normas sociais), o preço, os métodos de confeção e a
conveniência (i.e., facilidade na aquisição dos alimentos). Os fatores ambientais
incluem os meios de comunicação (media) e a publicidade. E, por fim, os fatores éticos
incluem os métodos de produção (e.g., uso de fertilizantes químicos e pesticidas) e a
cadeia de produção (e.g., processamento, embalamento e distribuição).
No que respeita aos instrumentos existentes, são escassos os que têm sido
desenvolvidos para estudar os comportamentos e as escolhas alimentares dos
adolescentes no campo da saúde, ainda que sejam diversos aqueles desenvolvidos no
campo das perturbações alimentares. Harmatz e Kerr (1981) criaram uma escala, a
Reasons for Eating Scale, que Williams, Spence e Edelman (1987) aplicaram a uma
amostra de estudantes. Embora a escala tenha sido concebida no âmbito do estudo da
423

www.sp-ps.pt
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

obesidade, os resultados de Williams et al. (1987) permitiram concluir que o


afeto/humor, os aspetos sensitivos, o hábito (i.e., familiaridade) e o prazer na
preparação dos alimentos constituem fatores que podem influenciar os comportamentos
alimentares dos adolescentes. Steptoe, Pollard e Wardle (1995) desenvolveram para a
população adulta o Food Choice Questionnaire que foi utilizado em diversos países
(Canadá, Bélgica e Itália) (Eertmans, Victoir, Notelaers, Vansant, & Van den Bergh,
2006), e mais recentemente foi revisto (Fotopoulos, Krystallis, Vassallo & Pagiaslis,
2009), para avaliar a importância atribuída pelos indivíduos a uma variedade de fatores
relacionados com as escolhas alimentares. Segundo os estudos desenvolvidos com este
instrumento, a saúde, o humor, a conveniência, as qualidades sensitivas, o conteúdo
natural, o preço, o controlo do peso, a familiaridade e as preocupações éticas
constituem fatores que influenciam as escolhas alimentares dos indivíduos (Eertmans et
al., 2006; Fotopoulos et al., 2009; Pollard, Steptoe & Wardle, 1998; Steptoe, et al.,
1995). O Food Choice Questionnaire tem sido um dos instrumentos mais utilizados
com a população adulta, tendo sido usado inclusivamente em Espanha (Jáuregui-Lobera
& Bolaños Ríos, 2011) e em Portugal (Cardoso & Vale, 2010), onde os estudos parecem
reforçar os resultados encontrados no estudo original (Steptoe et al., 1995).
Sendo escassos os estudos que se conhecem nesta área com a população adolescente,
surge a necessidade de estudar e compreender os fatores que explicam as escolhas
alimentares dos adolescentes. Assim, e pretendendo dar resposta à necessidade de
estudos nesta área, a presente investigação estabeleceu como objetivos: (1) identificar
fatores que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes; (2) analisar as
diferenças significativas de acordo com o género dos adolescentes; e, (3) analisar as
diferenças significativas de acordo com a idade dos adolescentes.
Em seguida apresentam-se os dois estudos que fizeram parte desta investigação.
Procede-se à descrição do Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes, das
suas qualidades psicométricas e dos resultados obtidos através das análises efetuadas.

ESTUDO 1

Neste estudo procedeu-se à construção e aplicação do Questionário das Escolhas


Alimentares dos Adolescentes e à identificação dos fatores com recurso à análise
fatorial exploratória.

MÉTODO

Participantes
Considerando a ausência de acordo entre autores relativamente aos critérios que
sugerem para a determinação do número de participantes com base no número de itens
de determinado instrumento em estudo, optou-se por seguir a proposta de Moreira
(2009) que sugere o número mínimo de 200 para a dimensão da amostra. Assim,
participaram neste estudo 247 adolescentes, alunos de escolas secundárias e colégios do
distrito de Lisboa, Portugal. Utilizou-se uma amostra não probabilística de
conveniência, constituída por 92 (37,25%) adolescentes do género masculino e 155

www.sp-ps.pt 424
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

(62,75%) do género feminino, estudantes do ensino secundário (7º-12º ano), com idades
entre os 12 e os 19 anos (M = 14,57; DP = 1,87).

Material
Considerando a definição de escolha alimentar como o conjunto de decisões,
conscientes e inconscientes, que os indivíduos tomam nos momentos de adquirir e
consumir, e, em qualquer momento entre estes dois (e.g., Hamilton et al., 2000),
procedeu-se à construção do Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes.
O Food Choice Questionnaire (Steptoe, et al., 1995) constituiu o ponto de partida para a
construção do questionário dada a sua construção baseada numa extensa revisão da
literatura e na sua vasta utilização. A literatura e os estudos empíricos sobre os fatores
que influenciam as escolhas alimentares dos adolescentes (Contento, 2007; Contento, et
al., 2006; Hamilton et al., 2000; Neumark-Sztainer, et al., 1999; Sloan et al., 2008;
Sobal & Bisogni, 2009; Story & Stang, 2005) auxiliaram igualmente a identificação de
fatores, assim como a construção dos itens.
A estrutura do questionário compreendeu três partes. A 1ª parte incluiu: a)
informação sobre o estudo; b) instruções de preenchimento do questionário; e, c)
recolha de dados dos participantes (e.g., género, idade, ano de escolaridade). A 2ª parte
compreendeu 47 itens, construídos para avaliar as dimensões identificadas como fatores
influenciadores dos comportamentos alimentares, designadamente: a) Satisfação
corporal – contentamento com a forma física e imagem corporal do próprio; b) Controlo
do peso – preocupações com o ganho, perda e/ou manutenção do peso corporal; c)
Humor – consequências emocionais da ingestão e recurso a esta como estratégia de
coping; d) Conveniência – qualidades práticas dos alimentos, sua disponibilidade e
acessibilidade; e) Qualidades sensitivas – características sensitivas dos alimentos em
termos de sabor, cheiro, aparência e textura; f) Preço – custo dos alimentos; g)
Familiaridade – conhecimento e contato habitual com os alimentos; h) Influência social
– influência da família, dos pares e da cultura; i) Preocupações éticas – preocupações
políticas e ambientais relacionadas com a produção dos alimentos; e, j) Saúde –
preocupações com a saúde associadas ao comportamento alimentar.
O questionário iniciou-se com a frase “Na minha rotina diária tento escolher
alimentos que…”, seguida pelos 47 itens, cuja resposta era dada segundo o grau de
concordância: concordo totalmente; concordo; não concordo nem discordo; discordo; ou
discordo totalmente. Os itens foram dispostos aleatoriamente, tendo sido alguns
invertidos, conforme sugere Moreira (2009), para controlar eventuais enviesamentos ou
tendências de resposta. O questionário foi ainda composto por uma 3ª parte com vista à
análise de: a) obstáculos percecionados à prática de alimentação saudável; e, b) aspetos
facilitadores dos comportamentos alimentares saudáveis. Os resultados obtidos nesta 3ª
parte do questionário não serão apresentados no presente artigo que irá limitar-se à
apresentação dos resultados obtidos na 1ª e 2ª parte do questionário.

Procedimento
Partiu-se da tradução e adaptação para a população adolescente de diversos itens do
questionário original Food Choice Questionnaire (Steptoe, et al., 1995) e da construção
de novos itens tendo por base a literatura e os estudos empíricos realizados nesta área
425

www.sp-ps.pt
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

(Contento, 2007; Contento, et al., 2006; Hamilton et al., 2000; Neumark-Sztainer, et al.,
1999; Sloan et al., 2008; Sobal & Bisogni, 2009; Story & Stang, 2005). A tradução,
adaptação e construção dos itens foram, posteriormente, alvo de revisão por duas
professoras universitárias. Depois da construção do questionário, procedeu-se à análise
da sua validade através do exame de conteúdos e do exame dos processos de resposta
(Moreira, 2009). O exame de conteúdos foi assegurado pela revisão do questionário por
psicólogos e outros profissionais de saúde, de forma a garantir a representação do
construto (escolhas alimentares) e das dimensões em estudo no conteúdo dos itens,
assim como avaliar a possibilidade de problemas de compreensão ou atitudes de
resposta. O exame dos processos de resposta foi realizado através de aplicações-piloto
do questionário a adolescentes com idades entre os 12 e os 19 anos, com vista à recolha
de dados sobre os processos utilizados na elaboração de respostas. Para tal, procedeu-se
à observação do comportamento dos adolescentes durante o preenchimento do
questionário e à realização de uma entrevista após a sua aplicação, de forma a avaliar
eventuais problemas na compreensão ou interpretação dos itens, das instruções e/ou do
formato de resposta. Procedeu-se depois às alterações consideradas necessárias ao
questionário. Após a obtenção da autorização da Direcção-Geral de Inovação e de
Desenvolvimento Curricular (DGIDC) para a aplicação do questionário em meio
escolar, foi estabelecido o contato com diversas escolas e colégios a fim de recrutar uma
amostra significativa de participantes. O consentimento informado dos adolescentes e
dos pais (dos menores de 18 anos) foi obtido, o anonimato e a confidencialidade dos
participantes foram assegurados, tendo sido cumpridos os demais princípios éticos do
Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP). Foram realizadas
doze aplicações coletivas em contexto de sala de aula (i.e., 12 turmas), duas por ano de
escolaridade, do 7º ao 12º ano. Foram excluídos da análise os questionários que se
mostraram inválidos, devido a elevado número de respostas omissas ou de tendência
central.

RESULTADOS

Para a análise dos resultados utilizou-se o software PASW Statistics 18. A


possibilidade de realizar uma análise fatorial (em componentes principais) foi
confirmada pelo Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0,79) e pelo Teste de
Esfericidade de Bartlett (p=0,00), tendo-se submetido os itens do questionário a uma
análise fatorial exploratória com rotação Varimax.
Foram consideradas várias soluções a partir da análise, tendo demonstrado maior
consistência em termos de interpretação, a que identificou dez fatores que explicavam
57,46% da variância total dos resultados. Os itens que demonstraram saturações
inferiores a 0,30 e/ou que saturaram em mais de um fator, dificultando a interpretação
dos dados, foram excluídos da análise (Maroco, 2011; Moreira, 2009; Pestana &
Gageiro, 2008). Isto resultou na eliminação do fator 10, tendo sido assim obtidos nove
fatores e quarenta e três itens (Quadro 1).

www.sp-ps.pt 426
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

Quadro 1
Fatores retidos na análise fatorial exploratória seguidos dos itens (numerados pela ordem em que
surgem no questionário) e respetivos valores de saturação (≥0,30)
“Na minha rotina diária tento escolher alimentos que…” Saturação

Fator 1 – Satisfação corporal/ controlo de peso

29. ...me ajudem a gostar mais do meu corpo 0,83

38. ...me ajudem a perder peso e emagrecer 0,82

43. ...me ajudem a controlar e manter o meu peso 0,71

7. ...me ajudem a ter uma melhor aparência física (i.e., para eu parecer ou me sentir mais bonito(a)) 0,66

28. ...sejam produtos "Light", “Diet” ou "0% de gordura" 0,66

31. ...me ajudem a ter uma pele, cabelo e dentes saudáveis 0,58

15. ...me ajudem a ter uma melhor condição física (i.e., para ter o corpo tonificado ou com músculos) 0,51

14. ...tenham poucas gorduras 0,40

9. ...sejam ricos em fibra 0,30

Fator 2 – Preocupações éticas

22. ...tenham uma embalagem/pacote amigo do ambiente (i.e., o processo de embalamento não polui o 0,73

ambiente)

8. ...tenham origem em países com políticas governamentais amigas do ambiente 0,71

30. ...tenham origem em países com políticas governamentais anti- exploração infantil 0,58

Fator 3 – Qualidades sensitivas

12. ...pareçam bons e deliciosos (i.e., tenham um aspeto agradável) 0,76

18. ...tenham uma textura agradável na boca 0,71

27. ...tenham um sabor agradável 0,67

4. ...cheirem bem 0,63

20. ...sejam doces 0,58

Fator 4 – Conveniência

26. ...não impliquem ter de lavar pratos ou outros utensílios 0,76

42. ...não necessitem de ser descascados, descaroçados ou arranjados 0,73

45. ...não impliquem ter de se sujar as mãos 0,63

23. ...eu possa petiscar entre refeições, como os snacks 0,48

427

www.sp-ps.pt
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

37. ...sejam fáceis de transportar na mala ou no autocarro 0,36

11. ...possam ser cozinhados de forma simples, fácil e rápida 0,34

Fator 5 – Disponibilidade/acessibilidade

33. ...possam ser comprados nos supermercados próximos do local onde vivo ou estudo/trabalho 0,63

13. ...sejam baratos 0,60

3. ...sejam fáceis de encontrar e obter nas lojas e supermercados 0,60

19. ...tenham um preço razoável 0,41

Fator 6 – Influência social

46. ...estejam de acordo com os alimentos consumidos pelos meus pais quando como em casa com a minha 0,68

família

24. ...estejam de acordo com o que os meus pais preferem que eu coma 0,65

34. ...sejam consumidos de acordo com a cultura/religião da minha família 0,63

44. ...estejam de acordo com os alimentos que os meus amigos e/ou colegas consomem quando estou num 0,43

restaurante com eles

Fator 7 - Humor

2. ...me ajudem a ficar mais animado quando me sinto em baixo 0,77

32. ...me façam sentir bem-disposto 0,72

10. ...me deixem mais relaxado 0,71

Fator 8 - Saúde

41. ...me deem a energia de que necessito para ser bem sucedido(a) no(s) desporto(s) que pratico 0,67

35. ...me deem a energia de que necessito para ser bem sucedido(a) na escola 0,56

40. ...me impeçam de ficar doente por causa de uma alimentação pobre 0,49

36. ...me saciem e me impeçam de sentir fome 0,46

1. ...contenham vitaminas e minerais 0,42

25. ...me tornem uma pessoa saudável 0,40

Fator 9 - Familiaridade

16. ...sejam parecidos com os alimentos que eu habitualmente como 0,75

47. …sejam os que eu costumo comer 0,56

www.sp-ps.pt 428
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

21. ...me sejam familiares (i.e., alimentos que eu conheço ou que habitualmente como) 0,42

A validade fatorial do instrumento foi demonstrada pelos resultados obtidos no Teste


de KMO (KMO=0,79), pela % de variância total explicada (>50%) e pela ausência de
comunalidades inferiores a 0,50. A validade convergente dos fatores foi verificada
através da Variância Extraída Média (VEM≥0,50). E, a validade discriminante foi
verificada através das VEM extraídas para cada par de fatores, que se mostraram
superiores ao quadrado da correlação entre fatores (Maroco, 2011).
Através do quadro 1 é possível verificar que o fator 1 incluiu nove itens relacionados
com a imagem corporal e as preocupações com o peso tendo sido, assim, designado por
satisfação corporal/controlo de peso (Cronbach α=0,86). O fator 2 incluiu três itens
relacionados com preocupações políticas e ambientais, pelo que foi designado por
preocupações éticas (α=0,73). O fator 3 foi composto por cinco itens relacionados com
as características sensitivas dos alimentos em termos de sabor, cheiro, aparência e
textura, tendo sido denominado por qualidades sensitivas (α=0,73). O fator 4
contemplou seis itens relacionados com as qualidades práticas dos alimentos e a
facilidade na preparação dos mesmos, tendo sido denominado de conveniência
(α=0,73). O fator 5 incluiu quatro itens relacionados com a facilidade na aquisição dos
alimentos, associada à sua disponibilidade e à sua acessibilidade em termos de preço,
tendo sido designado por disponibilidade/acessibilidade (α=0,59). O fator 6 reteve
quatro itens sobre a influência da família, dos pares e da cultura nas escolhas
alimentares, pelo que foi denominado de influência social (α=0,62). O fator 7
compreendeu três itens relacionados com questões emocionais e de coping, tendo sido
designado por humor (α=0,76). O fator 8 foi composto por seis itens relacionados com
questões de saúde, pelo que foi denominado de saúde (α=0,67). Por fim, o fator 9
incluiu itens sobre a familiaridade dos alimentos (α=0,53) (Quadro 1).

ESTUDO 2

Neste estudo procedeu-se à validação fatorial do questionário e à análise da


replicabilidade dos fatores, com recurso à análise fatorial confirmatória. Procedeu-se
ainda à análise de diferenças significativas nos resultados de acordo com o género e a
idade.

MÉTODO

Participantes
Participaram neste estudo 258 adolescentes, alunos de uma escola secundária do
distrito de Lisboa. Utilizou-se uma amostra com características semelhantes à do estudo
1, constituída por 114 (44,20%) adolescentes do género masculino e 144 (55,80%) do
género feminino, estudantes do ensino secundário (7º-12º ano), com idades entre os 12 e
os 19 anos (M = 14,52; DP = 1,72).

429

www.sp-ps.pt
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

Material
Utilizou-se o Questionário das Escolhas Alimentares dos Adolescentes, sendo este
constituído pelos itens cujos fatores demonstravam uma consistência interna adequada
(α ≥ 0,70; ver Pestana & Gageiro, 2008): satisfação corporal/controlo de peso,
preocupações éticas, qualidades sensitivas, conveniência e humor.

Procedimento
Foi estabelecido o contato com uma nova escola a fim de recrutar uma amostra
significativa de participantes. Procedeu-se à aplicação do questionário a uma nova
amostra de adolescentes, após a obtenção do consentimento informado dos jovens e dos
pais. O anonimato e a confidencialidade dos participantes foram assegurados, tendo sido
cumpridos os demais princípios éticos do Código Deontológico da OPP. À semelhança
do estudo 1, foram realizadas doze aplicações coletivas em contexto de sala de aula, do
7º ao 12º ano.

RESULTADOS

Para a análise dos resultados recorreu-se ao software AMOS Graphics 19. A validade
fatorial do questionário e a replicabilidade dos fatores foi avaliada através da análise
fatorial confirmatória.
A existência de outliers foi avaliada pela distância quadrada de Mahalanobis (D2) e a
normalidade das variáveis pelos coeficientes de assimetria (Sk) e curtose (Ku), uni- e
multivariada (Maroco, 2010). Os resultados de D2 confirmaram a inexistência de
outliers (p1 e p2 <0,001) e os coeficientes de Sk e Ku indicaram a inexistência de
variáveis com violações à distribuição Normal (|Sk|<3 e |Ku|<10).
A qualidade de ajustamento global do modelo fatorial foi analisada de acordo com os
seguintes índices e respetivos valores de referência: X2/df <5; CFI> 0,90; PCFI> 0,60;
RMSEA< 0,08; P[rmsea≤0,05] ≥ 0,05; e MECVI (quanto menor for o valor, melhor)
(Maroco, 2010). A qualidade do ajustamento local foi avaliada pelos pesos fatoriais e
pela fiabilidade individual dos itens. Por sua vez, o ajustamento do modelo foi efetuado
a partir dos índices de modificação (superiores a 11; p<0,001) produzidos pelo AMOS e
com base em considerações teóricas. O modelo original ajustado revelou uma qualidade
de ajustamento tolerável, mas passível de ser melhorada (X2/df=2,38; CFI=0,84;
PCFI=0,74; RMSEA=0,07; P[rmsea≤0,05]<0,001; MECVI=3,45). Como tal, e depois de
eliminados os itens 5, 10, 12, 20 e 22, cujos índices de modificação sugeriam a sua
saturação em fatores diferentes daqueles sugeridos na versão original do questionário,
obteve-se uma melhor qualidade de ajustamento, em suporte da validade fatorial do
questionário (X2/df=1,84; CFI=0,92; PCFI=0,78; RMSEA=0,06; P[rmsea≤0,05]=0,117;
MECVI=1,89). De salientar que o modelo simplificado apresentou uma qualidade de
ajustamento superior à do modelo original (X2(179)=328,39, p<0,05 vs.
X2(289)=688,88, p<0,05) e um MECVI consideravelmente menor (1,89 vs. 3,45).
A validade convergente dos fatores foi confirmada através das VEM (≥ 0,50) e a
validade discriminante através da comparação das VEM com os quadrados da
correlação entre fatores (Maroco, 2010).

www.sp-ps.pt 430
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

A figura 1 apresenta os pesos fatoriais estandardizados que demonstraram a validade


fatorial dos fatores (λ ≥ 0,5) e a fiabilidade individual apropriada (λ2 ≥ 0,25) de cada um
dos itens no modelo final simplificado.
A consistência interna dos fatores foi confirmada através da fiabilidade compósita
(FC ≥ 0,70; Maroco, 2010): satisfação corporal/controlo de peso, FC=0,93;
preocupações éticas, FC=0,90; qualidades sensitivas, FC=0,78; conveniência,
FC=0,77; e humor, FC=0,78.
Verificaram-se correlações moderadas (0,40 <R< 0,69; ver Pestana & Gageiro, 2008)
entre as preocupações éticas, a satisfação corporal/controlo de peso e o humor; e entre
as qualidades sensitivas e a conveniência. Verificaram-se também correlações positivas
baixas (0,20 <R< 0,39) entre o humor e a satisfação corporal/controlo de peso, a
conveniência e as qualidades sensitivas. Por fim, registou-se uma correlação negativa
entre a satisfação corporal/controlo de peso e as qualidades sensitivas (Figura 1).

Item 3 .69
e1
.68
e3 Item 9
.78
e5 Item 17 Satisf. corporal/
.79 controlo de peso
e6 Item 18
.81

e8 Item 23 .79

e9 Item 25 .44

.79
e10 Item 4
.76 Preocupações .01
e11 Item 13
éticas -.04
.84

e12 Item 19

Item 7 .40 .03


e13 .33

.53
e14 Item 14
.66 Conveniência
.05
e15 Item 15
.60

e17 Item 24 .55

e18 Item 26
.49
.43

.50
e19 Item 2
.66 Qualidades .21
e20 Item 8
.55
sensitivas

e21 Item 11 .68

e23 .23
Item 16

.52
e24 Item 1 431
.63 Humor
e25 Item 6
www.sp-ps.pt .78

e26 Item 21
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

Figura 1.
Modelo do questionário simplificado (X2/df=1,84; CFI=0,92; PCFI=0,78;
RMSEA=0,06; P[rmsea≤0,05]=0,117; MECVI=1,89)

Os resultados deste estudo revelaram-se idênticos aos do estudo 1 (Quadro 2). O


fator qualidades sensitivas obteve, em média, os resultados mais elevados e o fator
preocupações éticas os resultados mais baixos.

Quadro 2.
Médias dos resultados em cada fator no Estudo 1 e no Estudo 2
Fatores Estudo 1 Estudo 2

Média* Desvio padrão Média* Desvio padrão

Satisfação corporal/ controlo de peso 1,45 0,77 1,18 0,96

Preocupações éticas 0,98 0,92 0,61 1,03

Conveniência 1,08 0,77 1,16 0,79

Qualidades sensitivas 1,81 0,69 2,05 0,60

Humor 1,47 0,95 1,38 0,87

(*) 2 – concordo totalmente; 1 – concordo; 0 – não concordo nem discordo; -1 – discordo; -2 – discordo totalmente

As análises de variância multivariada permitiram identificar efeitos estatisticamente


significativos das variáveis género e idade nos resultados. As análises univariadas
identificaram um efeito significativo do género no fator 1 (F(1, 256)=29,75; p=0,00;
ƞ2p=0,10; π=1,00), sugerindo uma maior influência da satisfação corporal/controlo de
peso nas escolhas alimentares do género feminino, comparativamente com o género
masculino; e um efeito significativo da idade no fator 2 (F(3, 254)=3,16; p=0,03;
ƞ2p=0,04; π=0,73), indicando uma menor influência das preocupações éticas e
ambientais nas escolhas alimentares dos adolescentes com mais idade.

DISCUSSÃO

A presente investigação teve como objetivo identificar fatores que estão subjacentes
às escolhas alimentares dos adolescentes, tendo identificado nove fatores: satisfação
corporal/controlo de peso, preocupações éticas, qualidades sensitivas, conveniência,
disponibilidade/acessibilidade, influência social, humor, saúde e familiaridade.
O fator satisfação corporal/controlo de peso revelou-se um dos mais consistentes,
tendo saturado neste fator itens sobre satisfação corporal e itens sobre controlo do peso,
o que está de acordo com os estudos que mostram que a (in)satisfação corporal e o peso
se encontram significativamente associados nos adolescentes (Mäkinen, Puukko-
Viertomies, Lindberg, Siimes, & Aalberg, 2012). No presente estudo observou-se uma

www.sp-ps.pt 432
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

correlação entre este fator e as preocupações éticas que sugere que os jovens que
demonstram maiores preocupações com a sua imagem corporal e com o seu peso são
também aqueles que apresentam maiores preocupações éticas e ambientais. À
semelhança de estudos anteriores (Martyn-Nemeth, et al. 2009; Steptoe et al., 1995),
verificou-se uma correlação entre este fator e o humor, indicando que quanto maior é a
satisfação com o corpo e o peso, mais elevado é o humor dos adolescentes. Registou-se
ainda uma correlação negativa entre este fator e as qualidades sensitivas, sugerindo que
as preocupações com o corpo e o peso se relacionam inversamente com a escolha de
alimentos atraentes em termos de sabor, aparência, cheiro e textura. À semelhança de
outros estudos (Cardoso & Vale, 2010; Steptoe et al., 1995), os resultados neste fator
revelaram diferenças de acordo com o género, indicando que as preocupações com a
satisfação corporal e o controlo de peso influenciam mais as escolhas alimentares das
raparigas, do que as dos rapazes. Julga-se que esta influência é maior nas raparigas
devido às pressões socioculturais para a magreza, predominantes sobre o género
feminino, nas sociedades ocidentais (Gonçalves, Machado & Machado, 2011).
O fator preocupações éticas surgiu igualmente como um fator consistente e, à
semelhança de estudos anteriores (Steptoe et al., 1995), apresentou uma correlação com
o humor, sugerindo uma relação positiva entre as atitudes éticas e ambientais
relacionadas com os alimentos e o humor dos adolescentes. Os resultados revelaram
ainda que as preocupações éticas e ambientais diminuem com a idade, o que poderá ser
explicado pela maior sensibilização que se verifica, nomeadamente em contexto escolar,
para este tipo de questões junto dos mais novos.
O fator conveniência mostrou-se igualmente consistente e, à semelhança de outros
estudos (Steptoe et al., 1995), apresentou uma correlação, ainda que baixa, com o
humor. Verificou-se também uma correlação entre este fator e as qualidades sensitivas,
sugerindo que os alimentos considerados pelos adolescentes como mais práticos e fáceis
de preparar são também percebidos como mais apelativos em termos de sabor,
aparência, cheiro e textura.
O fator qualidades sensitivas revelou-se um fator consistente, sendo aquele que
maior influência demonstra sobre as escolhas alimentares dos adolescentes, o que
corrobora os resultados de estudos anteriores (Neumark-Sztainer, et al., 1999). À
semelhança de outros estudos (Steptoe et al., 1995), este fator demonstrou uma
correlação, ainda que baixa, com o humor, o que sugere que a escolha de alimentos
apelativos em termos de sabor, aparência, cheiro e textura está associada positivamente
com o humor.
Por sua vez, o humor revelou-se também um fator consistente, corroborando os
resultados dos estudos que demonstram a existência de uma relação entre o humor e os
comportamentos alimentares dos jovens (Martyn-Nemeth, et al. 2009). Tal como em
estudos anteriores (Steptoe et al., 1995), o humor demonstrou correlações positivas com
todos os outros fatores.
A disponibilidade/acessibilidade, a influência social, a saúde e a familiaridade
constituíram fatores adicionais que surgiram no presente estudo exploratório, contudo, a
consistência interna destes fatores, avaliada através do α de Cronbach (α<0,70; ver
Pestana & Gageiro, 2008), determinou a sua exclusão do estudo confirmatório. No
entanto, a literatura mais recente tem questionado a validade da medida do α de
Cronbach para avaliar a consistência interna, sendo vários os autores que têm sugerido a
utilização de medidas alternativas (e.g., Maroco, 2010; Maroco & Garcia-Marques,
433

www.sp-ps.pt
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

2006). Segundo Maroco (2010), a fiabilidade compósita (FC) consiste numa medida
alternativa mais exata da consistência interna e da reprodutibilidade dos fatores.
Considera-se FC ≥0,70 indicador de uma fiabilidade de construto apropriada, não
obstante, Maroco (2010, p. 175) refere que valores abaixo de 0,70 são aceitáveis para
investigações exploratórias. Neste caso, se o presente estudo exploratório (estudo 1)
tivesse recorrido à FC, ter-se-iam verificado valores mais elevados de consistência
interna: satisfação corporal/controlo de peso FC=0,89 (α=0,86); qualidades sensitivas
FC=0,87 (α=0,73); humor FC=0,86 (α=0,76); preocupações éticas FC=0,81 (α=0,73);
conveniência FC=0,80 (α=0,73); influência social FC=0,78 (α=0,62); saúde FC=0,75
(α=0,67); disponibilidade/acessibilidade FC=0,74 (α=0,59); e familiaridade FC=0,62
(α=0,53). O quadro 3 mostra resultados semelhantes de consistência interna obtidos
para fatores semelhantes em estudos anteriores (com adultos) (Cardoso & Vale, 2010;
Eertmans et al., 2006; Fotopoulos et al., 2009; Steptoe et al.,1995). Resultados
ligeiramente mais elevados foram obtidos no estudo confirmatório, sendo a consistência
interna dos fatores satisfação corporal/controlo de peso (FC=0,93), preocupações
éticas (FC=0,90) e qualidades sensitivas (FC=0,78) superior à dos fatores
correspondentes obtidos em estudos anteriores.

Quadro 3
Consistência interna dos fatores obtidos na presente investigação em comparação com a
consistência interna obtida para fatores semelhantes em estudos anteriores
Consistência interna

Estudo 1 Estudo 2 Steptoe et Eertmans et al. (2006) Fotopoulos et Cardoso &


Fatores
FC α FC al. (1995) Itália Bélgica Canadá al. (2009) Vale (2010)

Satisfação corporal/ controlo de peso 0,89 0,86 0,93 0,79 0,75 0,84 0,82 0,82 0,89

Qualidades sensitivas 0,87 0,73 0,78 0,70 0,71 0,56 0,62 0,67 0,81

Humor 0,86 0,76 0,78 0,83 0,75 0,83 0,82 0,74 0,94

Preocupações éticas 0,81 0,73 0,90 0,70 0,60 0,58 0,62 0,30 0,76

Conveniência 0,80 0,73 0,77 0,81 0,78 0,85 0,78 0,74 0,79

Influência social 0,78 0,62 - - - - - - -

Saúde 0,75 0,67 - 0,87 0,75 0,87 0,83 0,77 0,89

Disponibilidade/acessibilidade 0,74 0,59 - - - - - - -

Familiaridade 0,62 0,53 - 0,70 0,59 0,62 0,71 0,61 0,65

Ainda que os fatores influência social, disponibilidade/acessibilidade e saúde


tenham sido excluídos do presente estudo confirmatório, a influência destes fatores
surge documentada na literatura (Contento et al., 2006; Neumark-Sztainer, et al., 1999;
Steptoe et al., 1995). Não obstante, vários estudos têm demonstrado que as
preocupações com a saúde e a sua influência sobre as escolhas alimentares predominam

www.sp-ps.pt 434
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

na idade adulta (Fotopoulos, et al., 2009; Rappaport, Peters, Huff-Corzine, & Downey,
1992; Steptoe et al., 1995).
Os resultados da presente investigação mostram ainda que o fator qualidades
sensitivas constitui aquele que mais influencia as escolhas alimentares dos adolescentes.
Por sua vez, estudos realizados com adultos mostram que as qualidades sensitivas, mas
também a saúde, a conveniência e o preço, constituem os fatores mais importantes nas
escolhas alimentares da população adulta (Cardoso & Vale, 2010; Rappaport, et al.,
1992; Steptoe et al., 1995).
Poderá apontar-se como limitações à presente investigação a não inclusão, no estudo
confirmatório, de quatro fatores que demonstraram resultados adequados de
consistência interna medida através da FC (influência social, saúde,
disponibilidade/acessibilidade e familiaridade); a utilização de uma medida de
autorrelato, podendo as respostas dos participantes não refletir os seus comportamentos;
e a utilização de amostras de adolescentes portugueses provenientes de meio urbano,
podendo os resultados não ser generalizáveis a outras populações.
Apesar das limitações, as semelhanças encontradas entre os resultados da presente
investigação e aqueles de estudos anteriores (Cardoso & Vale, 2010; Eertmans et al.,
2006; Fotopoulos et al., 2009; Steptoe et al.,1995) permitem reforçar a consistência dos
resultados obtidos e a validade do questionário desenvolvido. Os resultados obtidos
respondem às questões de investigação, demonstrando que diversos fatores (para além
da saúde) influenciam os comportamentos alimentares dos adolescentes, e que estas
influências apresentam diferenças de acordo com o género e a idade dos adolescentes.
Os resultados reforçam a necessidade de se desenvolverem no futuro teorias
explicativas das escolhas alimentares e intervenções específicas para a população
adolescente (distintas daquelas para a população adulta) que possam ser mais eficazes
na promoção da saúde e na prevenção das doenças associadas aos comportamentos
alimentares dos adolescentes. Julga-se que a presente investigação dá um contributo
nesse sentido, tendo identificado vários fatores que influenciam as escolhas alimentares
dos adolescentes, os quais se julga que devem ser contemplados na teoria e na
intervenção, enquanto fatores de motivação para a mudança. Todavia, uma vez que a
motivação não é condição suficiente para a mudança de comportamentos (Armitage &
Conner, 2001; De Wit, 2006; Silva & Pereira, 2012), torna-se necessário investigar no
futuro novas estratégias de intervenção que promovam a mudança efetiva dos
comportamentos, estratégias estas que não se limitem a educar ou instruir os
adolescentes para a modificação de comportamentos de saúde específicos (e.g.,
comportamentos alimentares), mas os oriente a descobrir e a desenvolver por si um
processo autorregulatório heurístico que lhes permita regular autonomamente, não só os
seus comportamentos de saúde, como também todos os seus demais comportamentos
que podem influenciar e ter implicações para a sua saúde. Crê-se que o avanço dos
estudos no campo da autorregulação da saúde pode dar importantes contributos para o
desenvolvimento futuro da investigação e da intervenção nesta área (Pereira, 2008;
Pereira, 2014; Silva & Pereira, 2012).

435

www.sp-ps.pt
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos ao Colégio de Santa Doroteia, à Escola Secundária D. Pedro V,


Escola Secundária José Gomes Ferreira e Escola Secundária Maria Amália Vaz de
Carvalho que possibilitaram a realização desta investigação.

REFERÊNCIAS

Armitage, C. J., & Conner, M., (2000). Social cognition models and health behavior: A
structured review. Psychology and Health, 15, 173-189. doi:
10.1080/08870440008400299
Cardoso, P. R., & Vale, S.P., (2010). Avaliação de critérios de escolha alimentar – Uma
aplicação do Food Choice Questionnaire. Revista da Faculdade de Ciências da
Saúde, 7, 62-72.
Contento, I.R. (2007). Overview of determinants of food choice and dietary change:
Implications for nutrition education. In I. R. Contento (Ed.), Nutrition education:
Linking research, theory, and practice, Second Edition (Chapter 2). Sudbury, MA:
Jones and Bartlett Publishers.
Contento, I.R., Williams, S.S., Michela, J.L., & Franklin, A.B., (2006). Understanding
the food choice process of adolescents in the context of family and friends. Journal
of Adolescent Health, 38, 575-582. doi: 10.1016/j.jadohealth.2005.05.025
De Wit, J. F. (2006). Maintenance of health behavior change: Additional challenges for
self-regulation theory, research and practice. In D. de Ridder & J. de Wit (Eds.), Self-
Regulation in Health Behavior (pp. 193-215). Chichester, UK: Willey. doi:
10.1002/9780470713150.ch9
Eertmans, A., Victoir, A., Notelaers, G., Vansant, G., & Van den Bergh, O. (2006). The
Food Choice Questionnaire: Factorial invariant over western urban populations?
Food Quality and Preference, 17, 344-352.doi: 10.1016/j.foodqual.2005.03.016
Fotopoulos, C., Krystallis, A., Vassallo, M., & Pagiaslis, A. (2009). Food Choice
Questionnaire (FCQ) revisited. Suggestions for the development of an enhanced
general food motivation model. Appetite,52, 199-208. doi:
10.1016/j.appet.2008.09.014
Gonçalves, S. F., Machado, B. C., & Machado, P.P., (2011). O papel dos factores
socioculturais no desenvolvimento das perturbações do comportamento alimentar:
Uma revisão da literatura. Psicologia: Saúde & Doenças, 12, 280-297.
Hamilton, J., McIlveen, H., & Strugnell, C. (2000). Educating young consumers – A
food choice model. Journal of Consumer Studies & Home Economics, 24, 113-123.
doi: 10.1046/j.1365-2737.2000.00151.x
Harmatz, M. G. & Kerr, B. B. (1981). Over-eating behaviour: A multi-causal approach.
Obesity and Metabolism, 1, 134–139.
Jáuregui-Lobera, I., & Bolaños Ríos, P. (2011). What motivates the consumer's food
choice? Nutrición Hospitalaria, 26, 1313-21.
Macino, L., Lin, B. H., & Ballenger, N., (2004). The role of economics in eating
choices and weight outcomes. In Agricultural Information Bulletin No 791.
Washington, DC: U.S. Department of Agriculture, Economic Research Service.
Mäkinen, M., Puukko-Viertomies, L., Lindberg, N., Siimes, M. A., & Aalberg, V.
(2012). Body dissatisfaction and body mass in girls and boys transitioning from early

www.sp-ps.pt 436
Cláudia Madeira Pereira, Adelina Lopes da Silva, & Maria Isabel de Sá

to mid-adolescence: Additional role of self-esteem and eating habits. BMC


Psychiatry, 12, 35.
Maroco, J., (2010). Análise de equações estruturais: Fundamentos teóricos, software e
aplicações. Pêro Pinheiro: ReportNumber.
Maroco, J. P., (2011). Análise estatística com o SPSS Statistics (5ª Ed). Pêro Pinheiro:
ReportNumber.
Maroco, J., & Garcia-Marques, T., (2006). Qual a fiabilidade do alfa de Cronbach?
Questões antigas e soluções modernas? Laboratório Psicologia, 4, 65-90.
Martyn-Nemeth, P., Penckofer, S., Gulanick, M., Velsor-Friedrich, B., & Bryant, F. B.
(2009). The relationships among self-esteem, stress, coping, eating behavior, and
depressive mood in adolescents. Research in Nursing & Health, 32, 96-109.
doi:10.1002/nur.20304
Moreira, J. M. (2009). Questionários: Teoria e prática. Coimbra: Edições Almedina.
Neumark-Sztainer, D., Story, M., Perry, C., & Casey, M., (1999). Factors influencing
food choices of adolescents: Findings from focus-group discussions with
adolescents. Journal of the American Dietetic Association, 23, 576-585.
Neumark-Sztainer, D., Wall, M., Larson, N. I., Eisenberg, M. E., & Loth, K. (2011).
Dieting and disordered eating behaviors from adolescence to young adulthood:
Findings from a 10-year longitudinal study. Journal of the American Dietetic
Association, 111, 1004-1011. doi:10.1016/j.jada.2011.04.012
Pereira, C. M., (2008). Programa Protótipo de Promoção de Estilos de Vida Saudáveis,
Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica e da Saúde, Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa.
Pereira, C. M., (2014). Autorregulação e Eus Possíveis: Um Contributo para a
Investigação na Promoção da Saúde e Prevenção da Obesidade em
Adolescentes, Dissertação de Doutoramento em Psicologia Clínica, Faculdade de
Psicologia, Universidade de Lisboa.
Pereira, C. M., & Silva, A. L. (2011). Obesidade e estilos de vida saudáveis: Questões
relevantes para a intervenção. Psicologia: Saúde & Doenças, 12, 161-182.
Pestana, M. H., & Gageiro, J. N. (2008). Análise de dados para ciências sociais: A
complementaridade do SPSS (5ª ed). Lisboa: Edições Sílabo.
Pirouznia, M. (2001). The association between nutrition knowledge and eating behavior
in male and female adolescents in the US. International Journal of Food Sciences &
Nutrition, 52, 127-132. doi: 10.1080/713671772
Plotnikoff, R. C., Karunamuni, N., Spence, J. C., Storey, K., Forbes, L., Raine, K., …
McCargar, L. (2009). Chronic disease–related lifestyle risk factors in a sample of
Canadian adolescents. Journal of Adolescent Health, 44, 606-609.
Pollard, T.M., Steptoe, A., & Wardle, J. (1998). Motives underlying healthy eating:
Using the Food Choice Questionnaire to explain variation in dietary intake. Journal
of Biosocial Science, 30, 165-179. doi: 10.1017/S0021932098001655
Rappaport, L., Peters, G., Huff-Corzine, L. & Downey, R., (1992). Reasons for eating:
An exploratory cognitive analysis. Ecology of Food and Nutrition, 28, 171–189. doi:
10.1080/03670244.1992.9991269
Silva, I., Pais-Ribeiro, J. L., & Cardoso, H., (2008). Porque comemos o que comemos?
Determinantes psicossociais da seleção alimentar. Psicologia: Saúde & Doenças, 9,
189-208.

437

www.sp-ps.pt
FATORES QUE INFLUENCIAM OS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES

Silva, A. L., & Pereira, C. M., (2012). Aprender a ser saudável: Um desafio à
autorregulação dos comportamentos de saúde. In: A.M. Veiga Simão, L. M. Frison,
M. H. Abrahão (Eds.), Autorregulação da aprendizagem e narrativas
autobiográficas: Epistemologia e práticas (pp. 287-320). Natal, Porto Alegre,
Salvador: EDUFRN, ediPUCRS, EDUNEB.
Sloan, P., Legrand, & Chen, J.S. (2008). Factors affecting the choices young people
make when selecting healthy food: A conceptual model. Journal of Culinary Science
and Technology, 6, 1-15. doi: 10.1080/15428050802339090
Sobal, J. & Bisogni, C.A. (2009). Constructing food choice decisions. Annals of
Behavioral Medicine,38, S37-S46. doi: 10.1007/s12160-009-9124-5
Spear, B. (1996). Adolescents growth and development. In Rickert VI (Ed). Adolescents
nutrition. Assessment and management (pp. 1-24). New York: Champman & Hall.
Steptoe, A., Pollard, T.M., & Wardle, J., (1995). Development of a measure of the
motives underlying the selection of food: The food choice questionnaire. Appetite,
25, 267-284. doi: 10.1006/appe.1995.0061
Story, M., & Stang, J., (2005). Understanding adolescent eating behaviors. In J. Stang,
M. Story (Eds.), Guidelines for adolescent nutrition services (Chapter 2, pp. 9-19).
Acedido em http://www.epi.umn.edu/let/pubs/adol_book.shtm
Tepper, B. J., (2008). Nutritional implications of genetic taste variation: The role of
PROP sensitivity and other taste phenotypes. Annual Review of Nutrition, 28, 367-
388. doi: 10.1146/annurev.nutr.28.061807.155458
Viana, V., Santos, P. L., & Guimarães, M. J., (2008). Comportamento e hábitos
alimentares em crianças e jovens: Uma revisão da literatura. Psicologia: Saúde &
Doenças, 9, 209-231.
WHO (2012a). Obesity and overweight. Acedido em
http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs311/en/index.html
WHO (2012b). Preventing chronic diseases: A vital investment. Acedido em
http://www.who.int/chp/chronic_disease_report/presentation/en/index.html
Williams, A., Spencer, C. P. & Edelman, R. J., (1987). Restraint theory, locus of control
and the situational analysis of binge eating. Personality and Individual Differences,
8, 67–74. doi: 10.1016/0191-8869(87)90012-2

www.sp-ps.pt 438

Você também pode gostar