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O Fantasma de Canterville Adaptação Da Peça

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Capítulo 1 O Castelo de Canterville

Quando o sr. Hiram B. Otis, ministro norte-americano, resolveu comprar o Castelo de


Canterville, todos disseram que ele estava fazendo uma enorme bobagem, pois o lugar era
mal-assombrado. Até mesmo

Lorde Canterville achou melhor avisar o comprador do fato quando conversaram sobre os
termos da venda: — Nós desistimos de morar lá depois do susto que minha tia-avó, a duquesa
viúva de Bolton, levou — disse Lorde Canterville. — Enquanto se vestia para o jantar, ela sentiu
as duas mãos de um esqueleto encostarem em seus ombros. Até hoje, nunca se recuperou
completamente do ocorrido — Muitas pessoas da minha família viram o fantasma, sr. Otis, e
também o vigário da paróquia e o reverendo Augustus Dampier, que é membro do King’s
College de Cambridge. Depois do terrível incidente com minha tia-avó, nenhum dos criados
novos quis continuar a trabalhar conosco. Além de tudo, minha esposa, lady Canterville, não
conseguia mais dormir, assombrada por barulhos estranhos vindos da biblioteca e do corredor.

Otis — Caro Lorde Canterville, vou ficar com a casa, os móveis e o fantasma pelo preço que
combinamos — disse o ministro. — Venho de um país moderno, onde o dinheiro compra tudo.
Acho que se houvesse um fantasma de verdade na Europa, alguém já o teria levado para a
América e o colocado em algum museu, ou, até mesmo, o exposto nas ruas.

Lorde Canterville — Temo que o fantasma exista e que ele tenha resistido bravamente às
ofertas dos empresários de seu país — disse Lorde Canterville, sorrindo. — É conhecido há três
séculos, desde 1584. Sempre aparece como PREMONIÇÃO antes da morte de algum membro
da nossa família.

Otis — Assim como o médico também aparece — IRONIZOU o ministro. — Ora, Lorde
Canterville, fantasmas não existem, e acredito que as leis da natureza não vão abrir uma
exceção para a ARISTOCRACIA inglesa.

Lorde Canterville — Bem, se o senhor não se incomoda em conviver com um fantasma na


mesma casa, melhor assim — Lembre-se de que eu o avisei.

Semanas depois, o negócio foi fechado e a família Otis se mudou para o Castelo de Canterville.

Sra. Umney — Sejam bem-vindos ao Castelo de Canterville.

(biblioteca, Sra. Umney serviu o chá,

Sra. Otis — Devem ter derramado alguma coisa ali.

Sra. Umney — É verdade — disse a governanta em baixo tom de voz. — Derramaram sangue.

Sra. Otis — Que horror! É preciso removê-lo! Não suporto manchas de sangue dentro de casa!

Sra. Umney — É o sangue de lady Eleanore de Canterville, morta pelo marido, sir Simon de
Canterville, bem ali naquele lugar, em 1575. Nove anos depois do assassinato, sir Simon
desapareceu misteriosamente. Seu corpo nunca foi encontrado, mas seu espírito culpado por
ter matado a esposa ainda assombra esta casa. Os turistas e visitantes admiram a mancha no
chão. Não é possível removê-la.
Washington Otis — Isso é bobagem (disse tirando um produto de dentro de sua maleta) —
Este Removedor de Manchas Campeão e Detergente Poderoso da marca Pinkerton vai dar um
jeito nisso. (Dito isso, o rapaz se ajoelhou no chão e começou a esfregar freneticamente o
produto sobre a mancha. Em segundos, o sangue havia desaparecido) — Eu sabia que a
Pinketon não ia falhar!

(Na mesma hora, um forte trovão ecoou no ar, um relâmpago riscou o céu e a sra. Umney
desmaiou)

Sr. Otis — Que tempo horrível (disse o acendendo um charuto com toda a calma do mundo) —
Este país deve estar tão populoso que não consegue produzir mais tempo bom para todo
mundo. Sempre achei que a única solução para a Inglaterra é a emigração.

Sra Otis — Querido, o que faço com uma governanta que desmaia?

Sr. Otis — Desconte de seu salário, como se fosse um objeto quebrado. Aposto que não irá
desmaiar mais.

(A Sra. Umney levantou-se logo em seguida) — Não devia ter limpado a mancha, meu rapaz. É
melhor que os senhores tomem cuidado, pois não se sabe o que pode acontecer de agora em
diante. Tenho visto coisas nesta casa que me deixam noites sem dormir. Qualquer cristão
ficaria de cabelo em pé.

Sr. Otis — Não se preocupe, nem eu nem ninguém da minha família acredita em fantasmas.

Sra. Umney — Que Deus os abençoe (som de trovão)

(Na manhã seguinte, quando a família desceu para o café da manhã, todos depararam com a
terrível mancha de sangue no piso da biblioteca)

Washington — Não acredito que seja culpa do Detergente Poderoso, pois já o testei em tudo
o que possam imaginar. Deve ser o fantasma.

(Dito isso, ele esfregou e removeu a mancha novamente. Cena da sala de jantar: Conversas
banais, sobre assuntos desinteressantes, situação de possessão tipo Beetlejuice. E depois
todos vão dormir como se nada tivesse acontecido)

(Cena das correntes e primeira aparição do fantasma)

(O sr. Otis acordou com um ruído estranho vindo do corredor. Era um RANGIDO de metal
desagradável quando levanta com um vidro na maão, vê diante dele, iluminado pela pálida luz
da lua que entrava pela janela do corredor, estava um velho horroroso. Seus olhos pareciam
brasas flamejantes e ele tinha longos cabelos grisalhos caindo, em cachos, sobre os ombros. As
roupas muito antigas estavam imundas e rasgadas. Nos pulsos e tornozelos, haviam GRILHÕES
e algemas completamente enferrujadas.

Sr Otis — Caro senhor, insisto para que utilize este lubrificante em suas correntes. Ele se
chama Lubrificante Sol Nascente, da marca Tammany. Dizem que é muito eficaz desde a
primeira aplicação. Vou deixar este pequeno vidro aqui sobre esta mesa de mármore. Se
desejar mais, terei o maior prazer em fornecer-lhe.
(Dito isso, o sr. Otis fechou a porta e voltou para a cama. O fantasma de Canterville ficou
parado por alguns instantes, sentindo uma profunda indignação, depois atirou o vidro do
produto contra o chão e saiu caminhando, reclamando e arrastando as correntes como uma
criança birrenta, os gêmeos entram correndo e o assusta atirando-lhe travesseiros)

(CENA Lamúrias do Fantasma - Escondido em um quartinho secreto em cima da casa)

Fantasma - Nunca, em minha brilhante existência de trezentos anos, Fui tão grosseiramente
INSULTADO como esta noite. Me recordo da duquesa viúva, que quase teve uma crise quando,
coberta de jóias e rendas diante do espelho, sentira minhas mãos cadavéricas sobre os
ombros; nas quatro arrumadeiras que ficaram histéricas quando me viram sorrindo atrás de
uma cortina de um quarto de hóspedes; no perturbado vigário da paróquia, cuja vela eu
apenas apagara certa madrugada, quando o pobre homem saía da biblioteca; e na madame de
Tremouillac, que certa vez despertou cedo e deu de cara com um esqueleto sentado na
poltrona à frente da lareira lendo seu diário. E agora... Ai de mim!... Sou obrigado a enfrentar
esses americanos insolentes que me presenteiam com o Lubrificante Sol Nascente e me atiram
travesseiros. Isso é intolerável! Me vingarei com força!

Na manhã seguinte, a família passou todo o café da manhã conversando sobre o fantasma. O
ministro ficou bastante chateado quando percebeu que seu presente fora rejeitado. — Não foi
minha intenção lhe fazer mal nem ofendê-lo — disse ele. — Além do mais, não achei educado
jogarem travesseiros num fantasma que habita este lugar há tanto tempo. Os gêmeos caíram
na risada e o sr. Otis continuou a falar. — Por outro lado, se ele se recusa a usar o Lubrificante
Sol Nascente, teremos que desacorrentá-lo. Ninguém vai suportar o barulho durante a noite.
Mas a semana correu tranqüila, sem ruídos durante a madrugada. A única coisa que chamou a
atenção foi a constante renovação da mancha de sangue sobre o assoalho da biblioteca,
apesar de Washington limpá-la toda noite e trancar a porta a chave. O mais estranho é que a
cor da mancha mudava todas as manhãs. Certos dias ela era vermelho-vivo, outros tinha uma
colora- ❦ MONSIEUR: “senhor” em francês Coleção Aventuras Grandiosas 8 ção mais pálida.
No dia em que a família resolveu fazer uma oração de acordo com os rituais da Igreja Episcopal
Americana Livre e Reformada, a mancha amanheceu num tom verde-esmeralda brilhante.
Todos se divertiam muito com o aspecto CAMALEÔNICO do sangue, com exceção de Virgínia,
que se assustou tanto a ponto de quase chorar no dia em que o chão acordou verde. No
domingo à noite, o fantasma fez uma nova aparição. Logo após a família ir se deitar, ouviu-se
um estrondo ensurdecedor vindo da entrada da casa. Todos correram para lá e viram que a
armadura de ferro antes pendurada na parede encontrava-se caída no chão. O fantasma
estava sentado numa cadeira próxima, esfregando os joelhos com uma expressão de dor. —
Mãos ao alto! — gritou o sr. Otis ao fantasma, apontando-lhe uma arma de acordo com as
regras da etiqueta CALIFORNIANA. — Isso mesmo, mãos ao alto! – berraram os gêmeos,
usando ESTILINGUES para atirar bolinhas contra a aparição. Revoltado, o fantasma de
Canterville levantou-se bruscamente, deu um grito cavernoso e passou por todos como se
fosse uma nuvem de fumaça. No caminho, apagou a vela do sr. Otis, deixando todos numa
escuridão profunda. Quando atingiu o alto da escada, parou e soltou sua famosa gargalhada
demoníaca, aquela que já lhe tinha sido tão útil em outras ocasiões. Gargalhou tão alto que o
teto chegou a ECOAR mais de uma vez. No entanto, qual não foi sua surpresa quando uma
porta se abriu no andar de cima e de dentro do quarto saiu a sra. Otis vestindo uma camisola
azul. — Vejo que o senhor não se sente muito bem. Deve ser indigestão. Tome aqui esta
tintura do Doutor Dobell. É um ótimo remédio — disse ela. O fantasma se enfureceu, soltou
fumaça pelo nariz e estava prestes a se transformar num enorme cachorro preto, uma de suas
melhores façanhas, quando percebeu a presença dos gêmeos subindo as escadas. Diante
disso, achou melhor apenas tornar-se FOSFORESCENTE e sumir no ar soltando um gemido
agudo e dolorido. A salvo das crianças, o fantasma continuou muito agitado. Estava mesmo
impressionado com a falta de respeito dos gêmeos e com a VULGARIDADE da sra. Otis. No
entanto, o que mais o afligia era o fato de não ter conseguido vestir ❦ CAMALEÔNICO: próprio
de um camaleão, animal que tem a capacidade de mudar de cor ❦ CALIFORNIANA: referente
à Califórnia, estado norte-americano ❦ ESTILINGUE: atiradeira, bodoque (objeto em forma de
forquilha que contém um elástico usado para atirar pedras) ❦ ECOAR: ressoar, produzir eco
❦ FOSFORESCENTE: que brilha no escuro ❦ VULGARIDADE: relativo a vulgar, ordinário,
comum, sem requinte O Fantasma de Canterville 9 a armadura de ferro. Tinha a esperança de
que até mesmo americanos modernos fossem se assustar diante de um fantasma
ENCOURAÇADO, nem que fosse em consideração ao poeta nacional deles, Longfellow, cuja
poesia tão delicada o havia entretido durante o tempo que passava sozinho no castelo, quando
os Canterville estavam na cidade. A armadura era sua e ele a tinha vestido no famoso torneio
de Kenilworth. Naquela noite, entretanto, ela o esmagara e o levara ao chão de tão pesada,
esfolando seus joelhos seriamente. O fantasma passou vários dias se recuperando da queda.
Só saía de seu quarto, no sótão, para manter viva a mancha de sangue. No dia 17 de agosto,
porém, uma sexta-feira, ele decidiu: — Vou fazer uma nova tentativa de assustar esses
americanos. E desta vez vou conseguir! — exclamou, entusiasmado. Escolheu cuidadosamente
o que iria vestir: um grande chapéu sem abas e com uma pena vermelha, uma MORTALHA com
babados nos punhos e no pescoço, além de uma ADAGA toda enferrujada. À noite, uma
enorme tempestade desabou, fazendo com que as janelas balançassem e rangessem a cada
golpe de vento. — É exatamente desse tipo de ventania que eu precisava hoje! — disse o
fantasma para si mesmo. Seu plano começaria com Washington Otis, o rapaz que o irritava por
remover as manchas de sangue do chão com o Detergente Poderoso Pinkerton toda noite. Ele
iria até seu quarto, sussurraria algumas palavras sem sentido em seu ouvido e depois enfiaria a
adaga na própria garganta três vezes ao som de alguma música lenta. Isso com certeza o
deixaria apavorado. Em seguida iria até o quarto do casal, colocaria as mãos pegajosas na testa
da sra. Otis e falaria coisas horríveis no ouvido do marido. Quanto à Virgínia, ainda não estava
certo do que iria fazer. “Ela nunca me maltratou. Além disso, é meiga e bonita. Talvez bastem
uns gemidos vindos de dentro do armário”, pensou. Mas, para os gêmeos, ele estava
preparando uma surpresa. “Vou sentar sobre os peito deles para que se sintam sufocados e
imaginem que estão tendo um pesadelo. Depois vou me deitar entre as camas deles e tirar a
mortalha, de forma que meus ossos fiquem à mostra. Não vou me esquecer de girar os olhos
sem parar, como se estivessem em órbita. Eles vão ficar e paralisados de terror!”, pensou
satisfeito. ❦ ENCOURAÇADO: munido de uma couraça (armadura de metal) ❦ MORTALHA:
roupa em que se envolve um cadáver que será sepultado ❦ ADAGA: punhal com dois gumes
(dois lados afiados) Coleção Aventuras Grandiosas 10 Capítulo 4 A Falsificação Perto das dez e
meia da noite, o fantasma escutou a família subir as escadas e se recolher em seus devidos
aposentos. Até às onze e meia, porém, os gêmeos conversaram e deram risadinhas típicas de
crianças que gostam de se divertir antes de pegar no sono. Quando o relógio soou meia-noite,
chegou a hora. Com um sorriso malicioso no rosto, o fantasma saiu pelo corredor arrastando
sua longa mortalha e fazendo movimentos de ataque no ar com a adaga, como se estivesse
treinando algum tipo de golpe. Uma coruja bateu contra a vidraça e um corvo GRASNOU ao
longe. O vento soprava fortíssimo e a chuva fazia barulho nas janelas, dando a impressão de
que havia almas penadas pela casa. No entanto, o som mais alto que se escutava pela mansão
era o do ronco do ministro dos Estados Unidos. De repente, ele parou. — O que é isso? Parece
que ouvi um chamado... — disse baixinho para si mesmo. No instante seguinte, porém, o
fantasma percebeu que era apenas o latido de um cão. Ele seguiu caminhando em direção ao
quarto de Washington. As sombras que produzia na parede, causadas pela iluminação da luz
da lua, eram tão assustadoras que chegavam a deixá-lo desconfortável. À meia-noite e quinze,
ele se preparou para dar início a seu plano. Parou na curva do corredor perto da porta do
quarto do rapaz, esperou alguns segundos enquanto o vento desgrenhava seus cachos
grisalhos, respirou fundo e deu uma risada baixinha. Ao virar a esquina, no entanto, parou. —
Aaaaahhhhhhh!!!! — berrou apavorado, tampando o rosto com as mãos ossudas. Diante dele,
havia uma criatura horrorosa, imóvel e monstruosa. Era careca, branquelo e gordo, com o
rosto redondo. A boca estampava um risinho CÍNICO do lado esquerdo e os olhos lançavam
raios vermelhos em sua direção. Para completar, a criatura vestia uma mortalha como a sua,
só que ainda mais velha e pavorosa, e levava um SABRE afiado de aço em uma das mãos. No
peito, a aparição carregava uma tabuleta com escritos em caracteres antigos. “Deve ser sua
lista de crimes ou os registros dos pecados cometidos”, pensou atordoado. Como aquela era a
primeira vez que via um fantasma, ele correu para o quarto, louco de terror. No caminho,
acabou derrubando sua adaga dentro das ❦ GRASNOU: emitiu som com o tom desagradável
dos corvos ❦ CÍNICO: obsceno, desavergonhado, imoral, imprudente ❦ SABRE: tipo de
espada curta O Fantasma de Canterville 11 botas do ministro, que na manhã seguinte foi
encontrada pelo mordomo. Na segurança de seu aposento, ele entrou debaixo dos cobertores,
cobriu o rosto e lá ficou por quase uma hora, tremendo de medo. Depois o espírito corajoso
dos Canterville falou mais alto e ele decidiu ir falar com o fantasma de manhã. — Dois
fantasmas podem unir suas forças para apavorar esses americanos! Os gêmeos não perdem
por esperar! — exclamou, assim que os primeiros raios do dia iluminaram o céu. Quando
chegou ao lugar onde vira o fantasma na noite anterior, no entanto, percebeu que algo
surpreendente havia acontecido com o ESPECTRO. Para começar, a luz vermelha que saía de
seus olhos havia se apagado. O sabre brilhante e afiado estava caído no chão e o fantasma
estava encostado na parede, meio desajeitado, numa posição bastante desconfortável. O
fantasma de Canterville se aproximou e o agarrou pelos braços, mas, nessa hora, a cabeça da
aparição rolou pelo chão e todo o corpo se DESMANTELOU. Ele se viu diante de um cabo de
vassoura enrolado num pano branco que tinha pés feitos de NABO. No chão, em vez do sabre
havia uma antiga faca de cozinha cuidadosamente lustrada para dar mais brilho. ATÔNITO,
sem entender o que estava acontecendo, o fantasma leu a tabuleta pendurada na vassoura.
Dizia: O Fantasma de Otis A única aparição original e verdadeira. Cuidado com as imitações.
Todos os outros fantasmas são falsificados. — Fui enganado!!!! — gritou o fantasma,
compreendendo tudo afinal. Ele levantou as mãos para o alto num gesto de desespero. Seu
rosto adquiriu uma expressão demoníaca e as gengivas desdentadas ficaram à mostra. Sem
pensar, ele fez um juramento em voz alta: — Assim que o galo cantar duas vezes, o sangue vai
começar a rolar nesta casa! Vou cometer crimes HEDIONDOS! Mas, naquela manhã, o galo só
cantou uma vez. Inconformado e já percebendo a aproximação das arrumadeiras dentro da
casa, o fantasma de Canterville se viu impossibilitado de cumprir seu juramento. ❦ ESPECTRO:
fantasma, sombra, aparição ❦ DESMANTELOU: demoliu, separou em pedaços ❦ NABO: raiz
desenvolvida e comprida de uma planta herbácea ❦ ATÔNITO: espantado, atordoado,
pasmado ❦ HEDIONDO: pavoroso, medonho, horrendo Coleção Aventuras Grandiosas 12 —
Maldito galo! Em outros tempos eu enfiaria uma faca em sua garganta até ele cantar, nem que
fosse pela última vez! — resmungou o fantasma, recolhendo-se no sótão até o anoitecer.
Capítulo 5 O Resfriado No dia seguinte, o fantasma estava se sentindo fraco e cansado. Os
terríveis acontecimentos das últimas quatro semanas começavam a pesar. Sentia os nervos
EXAURIDOS e se assustava ao menor ruído. Ficou dentro do quarto por cinco dias inteiros e,
finalmente, desistiu de sair à noite para manter viva a mancha de sangue na biblioteca. Se a
família Otis não a desejava é porque não a merecia. Eram pessoas DESTITUÍDAS de qualquer
requinte, sem capacidade de dar valor aos fenômenos SENSORIAIS. Apesar de todo o cansaço
havia, porém, obrigações das quais o fantasma não se liberava. Era seu dever fazer aparições
no corredor uma vez por semana e também falar da janela do balcão na primeira e na terceira
quartasfeiras de cada mês. O sobrenatural era algo muito sério e ele não via como não cumprir
esses deveres. Nos três sábados seguintes, então, ele atravessou o corredor entre meia-noite e
três da manhã tomando o máximo de cuidado para não despertar ninguém. Tirou as botas,
pisou o mais leve possível nas tábuas velhas do assoalho, vestiu uma TÚNICA de veludo preta e
teve a preocupação de utilizar o Lubrificante Sol Nascente para que as correntes não
rangessem. Devo admitir que somente depois de muita dúvida o fantasma resolveu fazer uso
do lubrificante. No início sentiu-se meio humilhado, mas depois reconheceu que aquela
invenção até que lhe era bastante útil e, certa noite, enquanto os Otis jantavam, entrou
SORRATEIRAMENTE no quarto do ministro e pegou o frasco. Mesmo assim, não o deixavam em
paz. Estavam sempre esticando cordões pelo corredor para que ele tropeçasse de madrugada
e, numa dessas noites escuras, o fantasma levou um tombo feio numa tábua escorregadia
colocada na frente do quarto dos gêmeos. Isso o deixou tão furioso que ele decidiu tentar
impor sua dignidade de uma vez por todas diante daqueles meninos insolentes. Vestiu-se de O
Conde sem Cabeça, fantasia essa ❦ EXAURIDO: exausto, esgotado ❦ DESTITUÍDA: sem,
privada de ❦ SENSORIAL: relativo a sensações ❦ TÚNICA: espécie de manto ou casaco longo
❦ SORRATEIRAMENTE: de forma esperta e furtiva, em silêncio O Fantasma de Canterville 13
que já tinha feito lady Bárbara Modish, a antiga noiva do avô do atual lorde de Canterville,
romper o noivado e morrer de tristeza em menos de um ano, tamanho fora seu pavor. A
preparação levou mais de três horas, pois o traje exigia cuidado. Por volta de uma e quinze da
manhã, o fantasma saiu de seu quarto caminhando devagar e prestando atenção em cada
passo para não fazer barulho. Diante do quarto dos gêmeos, ele parou. A porta estava
entreaberta. Como queria fazer uma aparição de impacto, empurrou a porta e entrou de uma
só vez, soltando um grito cavernoso. Um barulho esquisito veio do alto da porta e um balde
d’água caiu sobre seu corpo, molhando-o até os ossos. — Ri, ri, ri!!!! — ele ouviu os gêmeos
dando risada sob o DOSSEL azul de uma das camas. O choque que sofreu foi tão grande que
ele voltou correndo para o quarto e, na manhã seguinte, acordou com um forte resfriado.
“Ainda bem que eu estava sem cabeça, ou as conseqüências teriam sido bem mais sérias para
a minha saúde”, pensou. Depois desse episódio, o fantasma de Canterville desistiu de assustar
a grosseira família americana. Resignou-se a caminhar pelos corredores de chinelos, vestindo
um cachecol para evitar golpes de vento e portando apenas uma antiga arma a fim de se
defender dos gêmeos. Mas, ainda assim, sofreu outra investida. Era dia 19 de setembro e ele
estava no hall de entrada dando risada das fotografias da família do ministro expostas na
parede no lugar dos retratos da família Canterville. Estava vestido de Ladrão de Cadáveres, ou
seja, trajava uma mortalha salpicada de terra do cemitério e levava nas mãos uma pá e uma
lanterna. Quando, perto das duas e quinze da manhã, ele resolveu ir até a biblioteca verificar
se ainda havia algum rastro de sangue no assoalho, duas criaturas pequenas saíram de um
canto escuro e agitaram as mãos loucamente sobre sua cabeça gritando: — Búúúú!!!! Ele
tentou fugir, mas Washington Otis o esperava na porta da biblioteca de posse de uma
mangueira de água. Como não estava disposto a pegar outro resfriado, enfiou-se pela chaminé
e desapareceu. Precisou se espremer todo até conseguir chegar ao quarto no sótão. Quando
finalmente deitou-se na cama, exausto, estava sujo, DESALINHADO e sentindo-se
profundamente humilhado. Depois disso, o fantasma nunca mais foi visto pela casa. Os
gêmeos armaram diversas armadilhas e colocaram nozes pelo corredor, mas foi tudo em vão.
Era claro que os sentimentos do fantasma estavam feridos e que ele não ia mais aparecer. ❦
DOSSEL: cobertura de pano fino sobre a cama para evitar a proximidade de insetos ❦
DESALINHADO: desarrumado, descuidado Coleção Aventuras Grandiosas 14 — Que bom! –
exclamou o ministro americano. — Agora que o fantasma se foi, podemos retomar nossas
vidas. Vou escrever uma carta a Lorde Canterville informando-o do desaparecimento do
fantasma. O ministro recebeu outra carta em resposta, na qual Lorde Canterville
cumprimentava-o pelo grande feito. A família passou a se dedicar a outros afazeres. Os
gêmeos começaram a jogar um tipo diferente de hóquei, além de pôquer e outros jogos
americanos. A sra. Otis preparou um piquenique de MEXILHÕES que deixou a vizinhança
boquiaberta e a jovem Virgínia cavalgava toda tarde na companhia do duque de Cheshire, que
tinha ido passar suas últimas duas semanas de férias no castelo de Canterville. O que ninguém
sabia era que o duque de Cheshire era sobrinho-neto do Lorde Francis Stilton, que certa vez
apostara um bom dinheiro com o coronel Carbury que jogaria dados com o fantasma de
Canterville. O pobre homem amanheceu jogado no chão da sala de jogos delirando. Antes de
morrer, falou apenas coisas desconexas sobre um jogo de dados. A família abafou o caso, mas
o fato é que a história ficou famosa. Embora o fantasma de Canterville estivesse quase inválido
e sem disposição para assombrar os americanos, ele sentiu uma grande ansiedade ao ver o
jovem duque. Era uma questão de honra provar a si mesmo que ainda exercia uma influência
sobre os Stilton. Vestiu-se de O Monge Vampiro para assombrar o rapaz. Era um traje muito
poderoso, que já havia matado a velha lady Startup de susto na noite de ano-novo em 1764.
Diante da porta de seu quarto, porém, sentiu-se desencorajado. Não queria passar pelo terror
de encontrar os gêmeos pela frente mais uma vez. O medo o paralisou e o fez ir se deitar,
permitindo que o jovem duque tivesse uma bela noite de sono e doces sonhos com Virgínia.
Capítulo 6 O Bem Contra o Mal No dia seguinte, Virgínia rasgou sua linda roupa de amazona ao
cruzar uma cerca de arbustos durante a cavalgada com o duque. Envergonhada, quando
chegou em casa, decidiu subir as escadas dos fundos para que ninguém a visse. Passando pela
sala de costura, viu alguém lá dentro. Pensou que era a criada de sua mãe e entrou, mas qual
não foi sua surpresa quando deu de cara com o fantasma de Canterville olhando pela janela!
Com o olhar desolado, ele observava as folhas avermelhadas balançando com o vento e
fazendo com que as árvores chacoalhassem de um lado para o outro, como num ❦
MEXILHÃO: espécie de molusco que vem dentro de uma concha O Fantasma de Canterville 15
balé. O primeiro impulso de Virgínia foi o de sair correndo, mas o fantasma parecia tão triste,
que ela resolveu ir consolá-lo. — Sinto muito pelo senhor, mas fique tranqüilo, meus irmãos
voltarão para o colégio, em Eton, amanhã. Então, se o senhor se comportar, ninguém irá
incomodá-lo — disse ela. O fantasma só percebeu a presença de Virgínia depois que ela
começou a falar, tamanha era sua falta de ânimo. Ele ouviu suas palavras, espantado por uma
garota tão linda e delicada ter lhe dirigido a palavra com aquela serenidade: — É um completo
absurdo você me pedir para ter bom comportamento. Minha única razão de existir é poder
arrastar correntes, gemer através do buraco da fechadura, caminhar sem destino pela noite,
essas coisas... — Isso não é razão de existir. Além do mais, o senhor sabe que foi muito
malvado. A sra. Umney nos contou que o senhor matou sua mulher. — Está bem, admito que a
matei, mas aquele era um assunto de família. Ninguém tem o direito de se meter. — É errado
matar os outros! — exclamou Virgínia, num tom grave. — Ah, como é severa e pobre a ÉTICA
ABSTRATA! Você não sabe nada sobre minha mulher... Ela era feia, gorda, não sabia cozinhar e
não engomava bem as minhas roupas. De qualquer maneira, não achei certo os irmãos dela
terem me deixado morrer de fome como vingança por eu tê-la assassinado. — Eles o deixaram
morrer de fome? Quer dizer que o senhor está com fome, sr. fantasma, ou melhor, sir Simon?
Tenho um sanduíche aqui comigo. O senhor quer comê-lo? — Não, hoje em dia já não como
mais nada. Mas agradeço, de qualquer forma. A senhorita é muito mais bondosa, simpática e
amável do que o resto de sua família horrível, grosseira, vulgar e desonesta. — Já chega! —
exclamou Virgínia. — O senhor é que é horrível grosseiro e vulgar. E quanto à desonestidade, o
senhor bem sabe que roubou minhas tintas para tentar recuperar aquela mancha de sangue
no assoalho. Primeiro roubou todos os meus tons de vermelho, inclusive o vermelhão,
impedindo-me de pintar pores do sol, depois pegou o verde-esmeralda e o amarelo-cromo.
Restaram apenas o índigo e o branco-chinês, que só me permitem pintar luares deprimentes.
Fiquei muito aborrecida com o senhor, mas ainda assim não ❦ ÉTICA: qualificação da atitude
dos seres humanos do ponto de vista do bem ou do mal; moral ❦ ABSTRATA: que não é
concreta, ao contrário, é vaga e obscura; que não corresponde à realidade Coleção Aventuras
Grandiosas 16 o denunciei. E que história é essa de me roubar o verde? Onde já se viu uma
mancha de sangue verde-esmeralda? O fantasma lançou um olhar humilde para a moça e
respondeu: — É verdade, mas o que é que eu podia fazer? Foi o seu irmão que começou tudo
com aquele Detergente Poderoso, então não achei que deveria ter ESCRÚPULOS em roubar
suas tintas. Está muito difícil encontrar sangue de verdade na Inglaterra. Quanto às cores, tudo
é uma questão de gosto. Os Cantervilles têm sangue azul, por exemplo, o mais azul de toda a
Inglaterra, mas sei que vocês americanos não se importam com essas coisas. — O senhor não
sabe de nada! Seria melhor EMIGRAR para aprimorar seu espírito. Meu pai ficaria muito feliz
em lhe dar passe livre, embora é bom que saiba que existem impostos pesados sobre qualquer
tipo de espírito. De qualquer maneira, não terá problemas com a ALFÂNDEGA, uma vez que os
funcionários são todos democratas. O senhor faria grande sucesso em Nova York. Tem muita
gente por lá que pagaria uns cem mil dólares para ter um avô e mais dinheiro ainda para ter
um fantasma na família. — Acho que eu não iria gostar da América. — Imagino que seja
porque lá não temos ruínas nem curiosidades — disse ela, num tom de deboche. — Não têm
ruínas! Nem curiosidades! — exclamou o fantasma. — Vocês têm a Marinha e têm também
seus costumes. — Boa noite! Vou pedir ao meu pai que arrume mais uma semana de férias
para os gêmeos. — Por favor, não vá, senhorita Virgínia — pediu ele. — Estou tão sozinho e
infeliz que não sei o que fazer. Quero ir dormir, mas não consigo. — Isso é um absurdo! Basta
que se deite na cama e apague a vela. É mais difícil ficar acordado, principalmente na igreja.
Dormir é fácil demais. Até os bebês sabem como fazê-lo e eles nem são tão inteligentes. —
Não durmo há trezentos anos. Estou tão cansado... — suspirou ele. Os olhos azuis de Virgínia
se arregalaram de espanto. Ela ficou séria e seus lábios rosados começaram a tremer. Ela se
aproximou do velho fantasma, ajoelhou-se ao lado dele e disse: — Pobre, pobre fantasma. O
senhor não tem um quarto, uma cama para dormir? — Lá longe, além dos pinheirais, tem um
jardim — respondeu ele num tom de voz suave e sonhador. — A grama cresce alta e densa por
lá, onde é ❦ ESCRÚPULO: dúvida de consciência, sentimento de remorso ❦ EMIGRAR: sair de
seu país para ir viver em outro ❦ ALFÂNDEGA: repartição pública que vistoria bagagens e
mercadorias em trânsito O Fantasma de Canterville 17 possível encontrar as estrelas ALVAS da
flor de CICUTA e ouvir o rouxinol cantar a noite toda. A lua prateada observa tudo do alto e as
árvores estendem seus braços gigantes sobre os que dormem. — O senhor está falando do
Jardim da Morte — disse ela baixinho. — Sim, estou falando da morte. Como ela deve ser
bonita... Como deve ser bom se deitar na terra fofa e escura, com a grama balançando sobre a
cabeça, e escutar apenas o silêncio. Não existir ontem, nem amanhã. Esquecer o tempo,
perdoar a vida e estar em completa paz. — O que o senhor quer dizer? — Que você pode me
ajudar a conseguir tudo isso. — Eu? — perguntou a menina. — Você pode me ajudar a abrir os
portais da casa da morte. — De que maneira? — Você tem o amor junto com você e o amor
sempre vence a morte. Virgínia sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. Parecia estar no meio
de um sonho. Depois de alguns momentos de silêncio, o fantasma disse, num tom de voz que
parecia o suspiro dos ventos: — Por acaso você já leu a profecia na janela da biblioteca? —
Várias vezes — respondeu ela. — É difícil de ler, pois está escrita em letras estranhas, mas eu
sei os versos de cor: Quando uma menina com brilho dourado conseguir tirar Preces dos lábios
de um pecador, Quando a amendoeira infértil frutificar E uma criança suas lágrimas derramar,
Então o silêncio irá chegar E a paz em Canterville retornará. — O que acha desses versos? —
perguntou ele. — Não sei o que significam — respondeu ela. — Significam — disse ele com
tristeza — que você precisa chorar comigo pelos meus pecados, pois não tenho lágrimas, e
orar comigo pela minha alma, pois não tenho fé. Depois disso, se você tiver sido sempre boa,
meiga e gentil, o anjo da morte terá pena de mim. Você verá formas horrorosas na escuridão e
vozes maldosas dirão coisas aos seus ouvidos, mas ninguém lhe fará mal, pois o inferno não
consegue vencer a pureza de uma criança. ❦ ALVA: branca, clara ❦ CICUTA: planta venenosa
que cresce em pântanos e montanhas Coleção Aventuras Grandiosas 18 Virgínia permaneceu
de joelhos, com a cabeça baixa e os lindos cabelos dourados lhe cobrindo o rosto. O fantasma
retorceu as mãos em gestos de ansiedade e desespero. De repente, a jovem se levantou e
disse, com um estranho brilho nos olhos e firmeza na voz: — Não tenho medo. Vou pedir ao
anjo da morte que tenha piedade do senhor. O fantasma ficou tão feliz que tomou as mãos
dela entre as dele e as beijou, num gesto de agradecimento. Seus dedos eram gelados e os
lábios INCANDESCENTES, mas ela não hesitou em acompanhá-lo ao quarto das tapeçarias, no
alto da escada. Enquanto ele a conduzia, ela via pequenas criaturas no papel de parede
dizendo para ela desistir e fazendo movimentos negativos com as mãos. — Volte, pequena
Virgínia, volte! — gritavam eles. Ela fechou os olhos para não vê-los e o fantasma apertou sua
mão com mais força. Mais adiante, animais terríveis com caudas de lagarto e olhos arregalados
piscavam para ela dizendo: — Cuidado, Virgínia! Talvez não a vejamos nunca mais! Mas o
fantasma acelerou o passo e ela não os escutou. Quando chegaram ao quarto das tapeçarias,
ele parou e disse algumas palavras, que ela não entendeu. Virgínia abriu os olhos e viu a
parede se dissolver devagar, como numa manhã nublada. Uma caverna escura e profunda
surgiu à sua frente. Um vento gelado passou por eles e ela sentiu algo puxando sua roupa. —
Rápido, rápido, ou será tarde demais! — gritou o fantasma. Em segundos, as paredes se
fecharam atrás deles e a sala ficou vazia. Capítulo 7 O Perdão Cerca de dez minutos depois,
tocou a campainha para o chá. Como Virgínia não desceu, a sra. Otis pediu para um dos
empregados ir chamá-la. Ele não demorou a voltar. Entrou no salão de chá e disse: —
Desculpe-me, senhora, mas não encontrei a srta. Virgínia em nenhum lugar. — Bem, ela deve
ter ido apanhar flores no jardim para enfeitar a mesa do jantar — disse a sra. Otis. No entanto,
quando o relógio bateu seis horas e a jovem não apareceu, ela começou a ficar realmente
preocupada. Ela e o marido entraram em todos ❦ INCANDESCENTE: que está quente, em
brasa O Fantasma de Canterville 19 os aposentos da casa, mas não encontraram a filha. Então
a sra. Otis pediu aos gêmeos e a Washington: — Por favor, procurem a irmã de vocês ao redor
da casa. Por volta de seis e meia, eles retornaram. — Não há nem sinal dela — disse um dos
gêmeos. Em meio a grande agitação, o sr. Otis disse: — Esperem um pouco... Acabei de me
lembrar que dei permissão a um grupo de CIGANOS para acampar no parque uns dias atrás.
Washington deu um passo à frente e falou, num tom apressado: — Vamos agora mesmo para
lá! Vou buscar dois empregados para nos acompanhar. — Quero ir também! — gritou o duque
de Cheshire, louco de ansiedade. — Não, meu caro Cecil. Você fica aqui para o caso de ela
aparecer — ordenou o sr. Otis, que no fundo tinha medo de que o jovem duque se metesse
em alguma briga com os ciganos. Ao chegar no local do acampamento cavalgando a todo
vapor, eles constataram que o grupo tinha partido de repente. — A fogueira ainda está
ardendo e há pratos sujos pela grama — notou um dos empregados. — Dêem uma busca pelos
ARREDORES. Vou voltar para casa e telegrafar para toda a polícia local pedindo que procurem
uma menina de quinze anos raptada por desocupados ou por ciganos! — exclamou o ministro.
Depois de chamar a polícia, saiu de novo a cavalo em direção à estação de trem de Ascot na
esperança de encontrar a filha. Cerca de duas milhas depois, escutou galopes atrás dele. Parou
e olhou para trás. Era o jovem duque de Cheshire, que vinha no seu pônei, com o rosto todo
vermelho e a cabeça descoberta. — Perdoe-me, sr. Otis — disse ele, ofegante —, mas não
consigo ficar em casa enquanto Virgínia está desaparecida. Se o senhor tivesse permitido que
ficássemos noivos no ano passado, nada disso estaria acontecendo. Por favor, não me mande
de volta. Não vou! Não posso ir! O ministro sorriu, emocionado com a demonstração de amor
do rapaz. Aproximou seu cavalo do pônei, bateu de leve no ombro do duque e disse: — Está
bem, meu rapaz. Pode me acompanhar, mas precisarei arrumarlhe um chapéu quando
chegarmos em Ascot. — Que chapéu que nada! Quero Virgínia! — exclamou o jovem,
galopando atrás do sr. Otis. ❦ CIGANO: pessoa nômade, que segue seu próprio código de
ética e que se dedica à música; vive de artesanato, de ler a sorte, vender cavalos etc. ❦
ARREDOR: vizinhança, cercania, imediação Coleção Aventuras Grandiosas 20 Em Ascot,
ninguém havia visto uma jovem com a descrição de Virgínia, mas o chefe da estação telegrafou
para todas as estações daquela linha de trem, garantindo ao ministro que uma vigilância
rigorosa se estabeleceria a partir daquele momento. O sr. Otis comprou rapidamente um
chapéu para o duque de um comerciante de tecidos que estava prestes a fechar a loja e os dois
se dirigiram a Bexley, uma aldeia a cerca de quatro milhas, muito conhecida por ser
freqüentada por ciganos. Depois de despertar o guarda rural e vasculhar a área toda, não
encontraram nada nem ninguém que tivesse visto a jovem, então os dois voltaram para casa,
exaustos e inconformados. Washington e os gêmeos os aguardavam com lanternas para
iluminar o caminho. — E então, alguma novidade? — perguntou o sr. Otis. — Os ciganos foram
capturados, mas não estão com Virgínia — disse um dos gêmeos. — E por que partiram com
tanta pressa? — perguntou o ministro. — Disseram ter se enganado sobre a data da feira de
Chorton. Saíram às pressas com medo de não chegarem a tempo — explicou Washington. —
Quatro dos ciganos desistiram de ir à feira para auxiliar nas buscas. Disseram ser gratos ao sr.
Otis pela permissão para acampar no parque. O tanque das CARPAS havia sido esvaziado e
toda a propriedade, vasculhada. Estava claro para todos que, pelo menos naquela noite, não
havia nada mais que eles pudessem fazer. Entraram em casa desolados, onde encontraram um
grupo de criados nervosos e a sra. Otis ESTIRADA no sofá da biblioteca enlouquecida de pavor
e ansiedade. A governanta aplicava-lhe COMPRESSAS de água-de-colônia na testa. — Você
precisa se alimentar — disse o ministro à esposa, ordenando que o jantar fosse servido a
todos. Foi uma refeição triste e silenciosa. Até os gêmeos, que costumavam tagarelar, estavam
cabisbaixos, pois gostavam muito da irmã. Quando a ceia terminou, o sr. Otis disse: — Vamos
todos dormir. Amanhã cedo vou telegrafar para Scotland Yard e pedir que me mandem alguns
detetives especializados. Nesse exato momento, enquanto todos se dirigiam ao andar de cima,
o relógio da sala soou meia-noite. Quando a última badalada tocou, um estrondo
ENSURDECEDOR e um grito agudo, quase metálico, ecoou pelos corredores. A casa balançou,
empurrada pelo vento forte e um trovão repentino. Uma música fantasmagórica se espalhou
pelo ar. Um quadro que cobria a parede ❦ CARPA: tipo de peixe ❦ ESTIRADA: deitada,
esticada ❦ COMPRESSA: pano embebido em medicamento ❦ ENSURDECEDOR: que deixa
surdo, atordoa O Fantasma de Canterville 21 de cima a baixo, estilo painel, caiu, causando
barulho assustador ao se espatifar no chão. No alto da escada, surgiu Virgínia, muito pálida,
com um pequeno cofre nas mãos. Todos correram para abraçá-la. O duque e a sra. Otis quase
a sufocaram de beijos. Os gêmeos pulavam e dançavam ao redor deles. — Deus do céu, onde
você estava, minha filha? — perguntou o sr. Otis, imaginando que seu desaparecimento havia
sido alguma espécie de brincadeira. — Cecil e eu procuramos você por toda parte e sua mãe
quase morreu de susto! — Minha filhinha linda, graças a Deus você está viva! Nunca mais saia
de perto de mim — pedia a sra. Otis, enquanto acariciava os cabelos dourados de Virgínia. —
Papai — disse ela baixinho —, eu estive com o fantasma. Ele está morto e o senhor precisar ir
até lá para vê-lo. Ele foi muito mau no passado, mas se arrependeu de tudo o que fez e me
presenteou com esta linda caixa de jóias antes de partir. Todos olharam para ela com ar de
espanto, mas seu tom era sério e grave. Virgínia os levou através de uma abertura na parede
antes imperceptível, pois ficava atrás do quadro que caíra, dentro da sala das tapeçarias.
Washington iluminava o caminho com uma vela. O grupo atravessou um corredor escuro e
chegou diante de uma grande porta de carvalho. A jovem encostou sua mão nela e a
fechadura girou sozinha. Quando a porta se abriu, a família Otis e o duque de Cheshire se
encontraram dentro de um quartinho minúsculo com teto em forma de ABÓBADA. No alto,
havia uma pequena janela com grades e na parede de pedra, uma corrente se prendia a um
esqueleto deitado no chão. Suas mãos estavam voltadas para dois potes colocados à sua
frente, mas impossíveis de serem alcançados. Em um deles devia haver água, pois agora estava
repleto de mofo esverdeado. O outro continha apenas um monte de pó. Virgínia se ajoelhou
diante do esqueleto e começou a rezar em silêncio, enquanto todos observavam a cena
boquiabertos com o segredo trágico que agora se revelava. — Olhem! — exclamou um dos
gêmeos que tentava olhar através da janela para descobrir em que parte da casa ela estava. —
A velha amendoeira seca floresceu! Dá para ver as flores com a luz da lua! — Deus o perdoou
— disse Virgínia, pondo-se de pé e se deixando iluminar por uma bela luz. — Você é mesmo
um anjo! — disse o jovem duque, passando o braço ao redor de seu pescoço e beijando-a. ❦
ABÓBADA: cobertura em forma côncava (mais elevada nas bordas do que no meio) Coleção
Aventuras Grandiosas 22 Capítulo 8 O Segredo Quatro dias depois desses acontecimentos
interessantes, um FUNERAL partiu do Castelo de Canterville por volta das onze horas da noite.
O carro fúnebre era puxado por oito cavalos de pêlo negro levando PENACHOS de pluma de
avestruz na cabeça. O caixão estava envolto em uma mortalha vermelha, na qual estava
bordado o brasão da família Canterville. Os empregados levavam tochas acesas ao lado do
carro, o que deixava o CORTEJO ainda mais bonito e emocionante. Lorde Canterville, que viera
do País de Gales especialmente para a ocasião, era destaque na cerimônia, por isso ia na
primeira carruagem ao lado de Virgínia. Logo depois vinham o ministro dos Estados Unidos e
sua esposa, em seguida Washington Otis, os gêmeos e o duque e, no último carro, a sra.
Umney, que fora assombrada pelo fantasma por cinqüenta anos e, por isso, tinha o direito de
ver seu fim. Augusto Dampier, o reverendo, leu o serviço fúnebre de forma maravilhosa
enquanto os restos do fantasma eram sepultados sob o velho TEIXO. Na hora do
sepultamento, os empregados apagaram as tochas, seguindo um costume dos Canterville.
Virgínia se aproximou do caixão e colocou uma cruz feita de flores de amendoeira brancas e
rosa sobre ele. Nessa hora, um rouxinol cantou alto e a lua saiu detrás das nuvens, colorindo o
pequeno cemitério e os espectadores de prateado. Ela se lembrou da descrição do Jardim da
Morte que o fantasma lhe fizera e seus olhos se encheram de lágrimas. Na volta para casa, ela
ficou quase o tempo todo em silêncio. Na manhã seguinte, antes de Lorde Canterville partir, o
sr. Otis resolveu conversar com ele sobre as jóias que Virgínia ganhara de presente do
fantasma. Eram peças belíssimas, principalmente um colar de rubis montado no antigo estilo
VENEZIANO, uma verdadeira obra de arte do século XVI. Além disso, eram jóias de valor tão
alto, que o sr. Otis não queria permitir que sua filha as aceitasse. — Caro Lorde Canterville —
começou o ministro —, sei que neste país não se transferem terras nem jóias e estou
convencido de que essas jóias fazem parte da herança de sua família. Peço, então, que as leve
com o se- ❦ FUNERAL: cerimônia para enterrar alguém ❦ PENACHO: pena para enfeitar,
pluma ❦ CORTEJO: procissão, comitiva ❦ TEIXO: tipo de árvore ❦ VENEZIANO: relativo a
Veneza, cidade italiana O Fantasma de Canterville 23 nhor e as considere parte de sua
propriedade que lhe foi devolvida em circunstâncias estranhas. Lorde Canterville não parecia
satisfeito com as palavras do ministro, mas ele continuou: — Minha filha ainda é uma criança,
com certeza não tem interesse em acessórios de luxo supérfluos. Minha esposa, que entende
muito de jóias, disse que essas pedras preciosas têm valor alto. O senhor poderia, se preferir,
colocá-las à venda e conseguir um bom dinheiro. Antes que Lorde Canterville dissesse
qualquer coisa, o sr. Otis completou seus pensamentos: — Como pode ver, caro Lorde, não
posso permitir que as jóias fiquem na minha família. Além do mais, esses adornos e enfeites,
por mais que caiam bem e sejam até necessários à aristocracia britânica, não combinam com
aqueles que foram educados nos moldes severos e imortais, eu diria, da simplicidade
republicana. Virgínia só lhe pede uma coisa. — O quê? — perguntou Lorde Canterville,
confuso. — Ela gostaria de ficar com a caixa das jóias. — Com a caixa? — Sim, ela quer ter uma
recordação de seu infeliz ANTEPASSADO. Como a caixa está velha, em péssimo estado mesmo,
talvez o senhor não se importe. De minha parte, acho estranho que um filho meu se interesse
por coisas MEDIEVAIS. Só posso explicar isso pelo fato de Virgínia ter nascido em um subúrbio
de Londres, logo depois de a sra. Otis ter voltado de uma viagem para Atenas. Depois de
escutar atentamente todo o raciocínio do ministro norteamericano, enquanto arrumava o
longo bigode grisalho de vez em quando, Lorde Caterville apertou-lhe a mão num gesto cordial
e disse: — Meu caro senhor, sua adorável filha prestou um serviço IMPAGÁVEL ao meu
antepassado, sir Simon. Todos os meus familiares lhe são extremamente gratos e, na verdade,
nós nos sentimos devedores pela sua incrível coragem e poder de decisão. As jóias pertencem
a ela e a ninguém mais. O ministro tentou argumentar, mas Lorde Canterville não permitiu e
continuou falando. — Acho até que se eu tivesse a ousadia de lhe tirar as jóias, o danado do
fantasma se levantaria do túmulo e iria me infernizar para o resto da vida — brincou. —
Quanto à questão da herança, garanto-lhe que nada é considera- ❦ ANTEPASSADO:
antecedente, pessoa que viveu antes ❦ MEDIEVAL: referente à Idade Média ❦ IMPAGÁVEL:
muito valioso, que não se pode pagar Coleção Aventuras Grandiosas 24 do herança se não fizer
parte de um TESTAMENTO legal. Ninguém sabia da existência dessas jóias, portanto, minha
família não tem direito a elas. Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes. O sr. Otis
suspirou e Lorde Canterville concluiu seu pensamento: — Virgínia vai gostar de usar coisas
bonitas quando crescer, mesmo que não tenha sido educada para dar valor a esse tipo de
coisa. Além de tudo, sr. Otis, não se esqueça de que o senhor comprou a casa e o fantasma
pelo preço que combinamos e tudo o que era do fantasma passou às suas mãos na hora da
assinatura do contrato. Por mais que o fantasma fizesse suas excursões pela casa durante a
noite, ele estava legalmente morto, então o senhor adquiriu seus bens ao comprar o castelo
de Canterville. — Ainda sim não estou certo de que Virgínia deva ficar com as jóias — disse o
ministro. — Considere um presente meu então, um presente da família Canterville a srta.
Virgínia Otis — disse o Lorde. Depois de mais alguns argumentos, o sr. Otis acabou aceitando o
presente do fantasma, ou da família Canterville, seja lá o que fosse. Na primavera de 1890, a
pequena Virgínia, que se tornara uma moça, chamou a atenção da rainha ao ser apresentada
como duquesa de Cheshire durante a cerimônia de seu casamento com Cecil, o jovem duque
de Cheshire. Assim que o rapaz completou a maioridade, os dois se uniram em MATRIMÔNIO,
e as jóias que ela usava na festa eram motivo de admiração de todos. — Como esses dois se
amam! — ouvia-se pelo salão PAROQUIAL. — Vê-se nos olhos deles que estão apaixonados! —
diziam as pessoas. — E que jóias maravilhosas! — comentava-se. A única que não estava feliz
com o enlace era a marquesa de Dumbleton, que gastara um dinheirão em três jantares ao
duque de Cheshire, na esperança de que ele se encantasse por uma de suas sete filhas
solteiras. O sr. Otis, estranhamente, também não queria a união. Ele gostava muitíssimo do
jovem duque, por isso sua esposa lhe perguntou os motivos de sua OBJEÇÃO ao casamento.
Desconsolado, ele respondeu: — Temo que, pela preocupante influência de uma aristocracia
amante do prazer, os verdadeiros princípios da simplicidade republicana sejam esquecidos. ❦
TESTAMENTO: documento pelo qual uma pessoa transfere seu patrimônio, ou parte dele, para
outras pessoas, depois de sua morte ❦ MATRIMÔNIO: casamento ❦ PAROQUIAL: referente a
paróquia ❦ OBJEÇÃO: obstáculo, oposição O Fantasma de Canterville 25 No entanto, suas
preocupações se DISSIPARAM no caminho para a Igreja de São Jorge, em Hannover Square. Ao
conduzir sua bela filha ao altar, não poderia haver homem mais orgulhoso em toda a
Inglaterra. Ao final da lua-de-mel, o duque e a duquesa de Cheshire foram até o Castelo de
Canterville para uma temporada. No dia em que chegaram, deram um passeio pelo pequeno
cemitério no final da tarde, perto dos pinheirais. Em princípio, houve muita dúvida quanto à
inscrição na lápide de sir Simon, mas depois acabou se decidindo gravar as iniciais do velho
cavalheiro e os versos da janela da biblioteca. A duquesa colocou lindas e perfumadas rosas
sobre o túmulo. Depois de alguns minutos, os dois entraram na pequena capela, já em ruínas,
da antiga ABADIA. Cecil olhou para os lindos olhos azuis de sua esposa, que se sentara numa
coluna caída, e disse: — Virgínia, uma esposa não deve ter segredos para o marido. — Meu
querido Cecil, eu não tenho segredos para você. — Tem sim – disse ele, sorrindo. — Do que
está falando? — Você nunca me contou o que aconteceu durante o tempo em que esteve
trancada com o fantasma. — Cecil, eu nunca contei isso a ninguém! – exclamou ela, num tom
de quem não gostou do comentário. — Eu sei, mas, já que sou seu marido, você poderia me
contar. — Não me peça isso, Cecil, por favor. Eu não posso contar. Coitado de sir Simon! Eu
devo muito a ele... O jovem duque riu. — Não ria, Cecil, tudo o que lhe digo é verdade – disse a
duquesa. — Ele me fez conhecer em vida o significado da morte. Principalmente, me fez ver
que o amor é mais forte do que a vida e a morte. O duque abraçou sua esposa e a beijou com
afeto, depois falou: — Está bem, pode guardar seu segredo, com tanto que eu possua seu
coração. — Meu coração sempre foi seu, Cecil. — E você contará para nossos filhos algum dia,
não é? O rosto de Virgínia ficou CORADO. ❦ DISSIPARAM: desapareceram ❦ ABADIA:
residência de um abade (superior religioso) ❦ CORADO: com as faces vermelhas

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