Vinculo Sombrio - Kim Richardson
Vinculo Sombrio - Kim Richardson
Vinculo Sombrio - Kim Richardson
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Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
D roga. Segurei a carta com dedos trêmulos. Não importava quantas vezes
eu lesse aquele aviso, ele sempre dizia a mesma coisa: o banco estava
ameaçando tomar a casa da minha avó.
Meu estômago revirou e uma sensação de mal-estar tomou conta de
mim. Sentei-me no meu lugar habitual da mesa de madeira antiga da minha
avó. Senti um frio repentino e olhei pela janela da cozinha para a chuva que
caía, forçando-me a respirar. O vento frio do outono entrava pela janela
aberta. Apertei o papel para não hiperventilar.
Isso não pode estar acontecendo.
– Rowyn, deixe a carta de lado antes que você tenha um ataque cardíaco
– comentou o Padre Thomas, sentado à minha frente, com sua bela voz
ressonante e rica em tons. – As palavras não vão mudar, não importa
quantas vezes você as leia.
Deixei a carta cair sobre a mesa e olhei para o padre. Ele visitava minha
avó regularmente. Quando apareci esta manhã para ver como ela estava, eu
o encontrei.
O Padre Thomas era um dos padres de Thornville, mas era também um
Cavaleiro Templário moderno. Eles se autodenominavam Cavaleiros
Celestiais, uma equipe especialmente designada pela igreja para investigar
todos os “crimes incomuns” que aconteciam na cidade e seus arredores,
especialmente na cidade de Nova York. Eles travavam uma guerra secreta
contra os inimigos da igreja: os demônios, híbridos, fantasmas e outros
vilões sobrenaturais que representavam uma ameaça para a igreja.
Ele vestia seu costumeiro traje escuro de calças pretas e camisa preta.
Seu colarinho clerical branco contrastava com os tons profundos. Ele tinha
uns trinta e poucos anos e era alguns centímetros mais alto do que eu, com
um físico atlético de tirar o fôlego, adquirido por horas na academia. Suas
feições bonitas e bem definidas complementavam seus olhos escuros e
inteligentes. Os cabelos negros que emolduravam sua pele morena
entregavam sua óbvia descendência espanhola.
Isso mesmo, alto, moreno e bonito. El padre tinha o pacote completo.
Eu não sabia se podia dizer ou mesmo pensar que um padre era gostoso.
Será que Deus acabaria comigo e me mandaria para o Submundo por pensar
que o Padre Thomas era um pouquinho bonito?
O Padre Thomas é gostoso.
O Padre Thomas é gostoso.
O Padre Thomas é gostoso. Tá bom, eu ainda estou aqui. Acho que é
permitido.
– O Padre Thomas está certo – disse Tyrius, sentando-se na mesa.
Desviei os olhos do clérigo. – Nós memorizamos o que está escrito. Agora,
precisamos descobrir o que vamos fazer sobre isso.
O elegante gato siamês parecia fazer parte da realeza com suas feições
cuidadosamente refinadas, sua sofisticada máscara preta e patas com luvas
pretas. A preocupação em sua voz refletia a minha. Tyrius amava
profundamente minha avó e o aviso tinha nos deixado preocupados.
Olhei para minha avó, ela estava de pé de costas para o forno. A placa
acima dos armários da cozinha dizia A VIDA É CURTA DEMAIS.
LAMBE A TIGELA.
Ela usava um vestido de suéter na altura da panturrilha com o cabelo
branco amarrado frouxamente em uma longa trança. Seu rosto estava mais
pálido do que o normal e seus olhos estavam um pouco fundos, sem o
brilho travesso de sempre. As linhas de expressão em seu rosto, que uma
vez achei tão reconfortantes, estavam mais profundas, fazendo-a parecer
cansada e mais velha. A tristeza em seus olhos me deu um nó na garganta.
– O banco pode realmente fazer isso? – perguntou Tyrius, seus
profundos olhos azuis brilhavam. – Eles podem realmente pegar a casa
dela?
– Sim – o Padre Thomas se remexeu na cadeira. – O contrato de
empréstimo foi assinado com o consentimento do cliente. O banco pode
tomar todas as medidas necessárias caso o cliente deixe de pagar. – Percebi
a frustração em sua voz. – E isso significa que eles têm todo o direito de
pegar a casa se os pagamentos não forem feitos.
– Quando o banco vai fazer isso? – perguntou Tyrius, sua voz carregava
uma nova preocupação.
– Se não dermos vinte mil – eu disse, com meus dedos tamborilando na
mesa –, em sete dias a partir de hoje.
Um silêncio sombrio caiu sobre nós. Eu me inclinei com os cotovelos
sobre a mesa, deixando minha cabeça cair sobre minhas mãos. Estava tão
envolvida com meus próprios problemas com a morte do arcanjo, as mortes
dos Não Marcados e com meus sentimentos confusos sobre Jax, que eu não
notei a tensão na casa da minha avó. Fui uma tola. Uma tola egoísta.
Agora, meus pensamentos estavam confusos. O pânico dificultava a
minha respiração. Eu precisava me concentrar. Precisava resolver isso.
Eu precisava de vinte mil dólares.
Como eu não tinha derrotado o demônio Superior Degamon, não tive
direito de receber os dez mil que o conselho havia oferecido no início.
Contudo, como resolvemos os assassinatos, o conselho me permitira ficar
com os cinco mil que eles haviam me dado antecipadamente. Jax explicara
ao conselho o envolvimento de Degamon nas mortes, usando uma mentira
na qual concordamos. Ele dissera a eles que o demônio Superior estava
caçando os Não Marcados porque suas almas eram mais poderosas e
detinham mais força vital do que as dos mortais normais ou as dos
nascidos-anjo.
Não sei se eles tinham acreditado na nossa história, mas os assassinatos
haviam parado, assim como a atenção que o conselho estava me dando.
Muito bem, era isso que eu queria: ser deixada em paz.
A maior parte desses cinco mil tinha sido usada para pagar três meses
de aluguel, contas atrasadas e roupas novas, algo que eu precisava
desesperadamente. Coloquei os quinhentos dólares restantes em uma conta
poupança, na esperança de economizar para comprar um carro. Odiava ter
que pegar ônibus e metrô para me locomover. Eu era uma Caçadora. Andar
de ônibus sujava minha imagem.
Dane-se minha imagem. Eu tinha quinhentos dólares para pagar a dívida
da minha avó. Agora, tinha que descobrir uma maneira de conseguir
dezenove mil e quinhentos em menos de sete dias. Droga. Como diabos eu
iria fazer isso?
– Sugiro roubarmos um banco – disse Tyrius. Para minha surpresa, o
Padre Thomas riu. – O que foi? – perguntou o gato. – Você acha que estou
brincando? Sabe como é fácil para mim invadir um banco e transferir o
dinheiro para a conta de Cecile?
– Ninguém vai roubar um banco – resmunguei, embora tivesse ficado
tentada por meio segundo.
Porém, com a firmeza de caráter da minha avó, eu sabia que ela nunca
concordaria com isso.
Minha cabeça latejava, a dor era gigantesca. Cerrei os dentes e olhei
para a mais velha. Meu coração se partiu com a dor que vi.
– Por que você não me contou?
A dívida de vinte mil indicava que ela não pagava sua hipoteca e os
juros a mais de um ano.
Minha avó enxugou as lágrimas e eu me esforcei para segurar as
minhas.
– Você já tinha tanta coisa para resolver, teve o seu retorno e depois
aquele demônio Superior Degamon fazendo uma matança e aquele conselho
insuportável se intrometendo em nossos assuntos novamente. Eu não queria
que você se preocupasse.
– Tarde demais, estou preocupada agora.
Embora eu tenha sido aberta e honesta sobre o meu confronto com
Degamon e o porquê de ele estar atrás de mim, a lembrança ainda fazia meu
coração bater mais forte.
Deslizei para a beirada da cadeira, perguntando-me como eu poderia ter
deixado isso passar.
– Vovó, eu pensei que você e o vovô tinham dinheiro guardado – eu
disse. – Talvez uma pensão e algumas economias?
– Economias? – A mais velha me deu um sorriso forçado. – Eu
precisava de um telhado novo. Houve um vazamento. A água passava pelas
rachaduras da fundação, então, tive que consertar isso. Não vou nem falar
do encanamento. – Ela suspirou profundamente. – É uma casa velha. Casas
velhas sempre precisam de reparos, assim como este velho corpo. Se não é
uma substituição de quadril, é uma substituição de janela. Segurei a
pequena pensão até onde pude, mas ela simplesmente não foi suficiente.
Senti um aperto no peito de preocupação. Eu não podia deixar minha
avó perder a casa. Eu tinha que fazer alguma coisa.
– Sinto muito, Cecile – disse o Padre Thomas enquanto se recostava na
cadeira. – Vou me informar sobre um possível empréstimo na igreja. Tem
que haver algo que possamos fazer para ajudar.
– Não – disse ela, endireitando as costas. Sua expressão era dura.
Reconheci aquele orgulho teimoso, o mesmo que acho que herdei dela. –
Parem de se preocupar comigo – A mais velha colocou sua xícara de café
no balcão. – É apenas uma casa com teto e paredes, só isso. Se aquele
maldito banco a quer tanto, podem ficar com ela. Eu não me importo mais.
O clérigo ficou assustado com o xingamento vindo de uma senhora que
parecia tão inocente. Sorri, imaginando que ela devia ter sido uma nascida-
anjo muito fodona quando era mais jovem.
Claro que ela se importava. Eu me importava.
– Não é apenas uma casa, vovó. Você derramou seu suor neste lugar. É
a casa que você comprou com o vovô. É a casa onde mamãe cresceu. É o
lugar onde posso me transportar para as lembranças dela, do papai e do
vovô. As lembranças são tudo o que me resta dela… de todos eles. – Cerrei
meus dentes até minha mandíbula doer. – O banco não vai ficar com essas
memórias – acrescentei, piscando para afastar as lágrimas.
– Então, qual é o grande plano? – questionou Tyrius enquanto andava
em cima da mesa.
– Vou arrumar um emprego – anunciei, surpreendendo a mim mesma. –
Um trabalho comum, como os humanos.
Meu Deus, isso soou ridículo em voz alta. A ideia de um trabalho
comum era estranha, perturbadora e até um pouco assustadora. Eu poderia
mesmo conseguir um?
A gargalhada de Tyrius me pegou desprevenida. Fiz uma careta quando
ele pigarreou e disse:
– Você? Em um trabalho comum? Isso é tão hilário quanto um arco-íris
saindo da minha bunda.
Meu corpo enrijeceu na cadeira.
– O quê? Você acha que eu não consigo?
Um calor subiu em meu rosto. Uma parte de mim queria derrubá-lo da
mesa.
– Nunca disse que você não conseguiria – O sorriso do gato foi breve,
mas sincero. – É só que… bem… que habilidades você tem? Além de matar
demônios e aquele arcanjo idiota… o que mais pode fazer?
Meus olhos se voltaram para minha avó enquanto ela olhava para a
mesa sem piscar, sua expressão estava distante. Eu quase perdi o controle.
– Eu posso muito bem conseguir um emprego normal – protestei, quase
gritando. – Minhas habilidades pessoais estão um pouco enferrujadas, mas
o quão difícil pode ser? Eu sou leal, confiável e gentil.
– Isso é ótimo – comentou Tyrius. – Agora, tudo o que você precisa
fazer é aprender a pegar um frisbee com a boca e estará pronta para
trabalhar como um golden retriever.
O Padre Thomas riu e eu fiz uma careta para o gato.
– Você tem uma ideia melhor?
O sorriso de Tyrius me fez querer arrancar seus bigodes.
– Poderíamos pegar dinheiro emprestado do banco. Eles nem
perceberiam. Mole-mole.
– Não.
– Seria tão, tão fácil.
– Tyrius, não vamos roubar um banco – eu disse, vendo o Padre Thomas
sorrir para o gato porque achava que ele estava brincando. Só que ele não
estava. Eu sabia que se dissesse sim, Tyrius provavelmente transferiria
pequenos valores de várias contas diferentes para não chamar a atenção e,
depois, colocaria na conta da minha avó. O problema era que ela não iria
aceitar isso e nem eu.
O gato fez uma careta.
– Tá bom. Faça do seu jeito, então. Porém, para mim, a ideia de ver
você atrás de uma mesa é tão surreal quanto um gato nadando. É errado.
Você não duraria um dia.
Pressionei minhas têmporas.
– Duraria sim. – Eu nem sabia por onde começar. – Vou conseguir um
emprego normal se é isso que preciso fazer para salvar esta casa. Eu vou
conseguir.
– Você tem um currículo? – O Padre Thomas franziu a boca e tocou o
queixo bem barbeado com as costas da mão.
Se ele não fosse tão bonito, eu teria dado um soco nele.
– Não.
Meu rosto corou. Os Caçadores não tinham currículos. Conseguimos
nossos trabalhos pela reputação. Não que isso importasse agora.
– Rowyn, seja sensata – Minha avó inclinou a cabeça e sua feição
exibiu brevemente um olhar de dor. – Tyrius está certo. Você é uma
nascida-anjo, uma Caçadora. Um local de trabalho normal não é lugar para
minha neta. Você não vai se encaixar.
Não me encaixo em lugar nenhum, pensei amargamente. Isso não é
nenhuma surpresa.
Minha avó exalou, exibindo um olhar de preocupação.
– Sinto muito por estarmos prestes a perder este lugar, Rowyn, mas não
há mais nada que possamos fazer.
Agora, eu me sentia culpada.
– Tem sim. – Empurrei minha cadeira para trás e me levantei. – Não vou
desistir, não mesmo. – Olhei para minha avó e jurei ver uma ponta de
esperança em seus olhos. – Eu vou encontrar uma solução – disse com um
nó na garganta. – Só não faça nada precipitado até eu falar com você, tá
bom?
– Aonde você vai? – perguntou a mais velha enquanto eu deixava a
cozinha e corria pelo corredor.
– Arrumar o dinheiro – sussurrei para mim mesma.
Minha cabeça latejava quando abri a porta da frente e saí na chuva da
manhã em direção a Maple Drive. Sim, minha vida era um desastre, mas a
da minha avó não precisava ser. Ela era a única família que eu tinha, sem
contar Tyrius. E eu com certeza não ia ficar sentada sem fazer nada.
Eu arrumaria o dinheiro. Mesmo que tivesse que machucar algumas
pessoas para fazer isso.
Capítulo 2
– Q uanto mais feio e espalhafatoso for, mais as fadas vão gostar – disse
Tyrius, caminhando ao meu lado. – Aposto vinte dólares que é ainda
mais brega por dentro.
Uma figura negra emergiu das sombras de um poste de luz. Senti uma
pontada de medo quando ela se dirigiu para nós. Com o coração batendo
forte, eu puxei minha lâmina da alma do meu cinto de espadas.
– Ah, ótimo – disse Tyrius, parecendo um pouco entediado. – É o
vampiro melancólico.
De fato, Danto emergiu das sombras. Ele era o chefe da Corte dos
Vampiros de Nova York. Sim, o sujeito era um vampiro melancólico, mas
ainda era lindo.
Embainhei minha lâmina enquanto o observava. Ele estava descalço,
como sempre, e vestindo calças pretas. Conforme o vampiro andava, sua
camisa preta desabotoada balançava atrás dele como uma capa, revelando
seu peito nu musculoso e sua pele de porcelana. Ele se movia com uma
graça predatória, mas também tinha os traços de elegância suave da
linhagem nobre. Ele era ambicioso, inteligente, bonito, ousado – e letal.
O híbrido inclinou a cabeça. Seu longo cabelo preto, que brilhava como
óleo, balançou com o movimento. Os fios contrastavam com sua pele
pálida. Aqueles olhos cinzas brilharam ao luar enquanto me encaravam,
fazendo meu pulso acelerar. Eu não pude evitar. O vampiro era muito
bonito.
Danto me deu um sorriso forçado, nada parecido com o jeito brincalhão
que ele havia sorrido para mim antes, com sua boca carnuda e muito
sensual. A dor de perder Cindy ainda era visível nas linhas ao redor de seus
olhos e nos seus lábios cerrados. Seu rosto esculpido parecia mais velho. A
morte dela claramente ainda o assombrava.
Senti um aperto no peito quando pensei em Cindy e em como ela tinha
morrido. Culpa e arrependimento ainda apertavam meu peito por não
termos conseguido salvá-la. Contudo, isso não era nada comparado à dor e
ao sofrimento visíveis no rosto do vampiro.
Ainda assim, senti uma pontada de decepção. Ele não era Jax. Havia
enviado uma mensagem de texto para ele na noite passada, contando sobre
meu encontro com a rainha das fadas da Corte das Trevas, mas não obtive
resposta. Na verdade, Jax não havia retornado a única ligação que eu fizera,
uma semana após a morte de Vedriel. Eu não ia ser o tipo de garota que
ficava no pé de um cara. Já tinha ligado e deixado uma mensagem. Bem, se
ele não ligara de volta, eu podia adivinhar o motivo: Jax conseguira o que
queria de mim, ou seja, resolver os assassinatos dos nascidos-anjo. Tratava-
se de um evento isolado. Agora, ele desaparecera da minha vida. Talvez,
para sempre. Eu tinha que começar a me acostumar com a ideia.
Quanto mais pensava a respeito, mais eu me sentia estúpida por ter
mandado uma mensagem para ele. Excelente.
Observei o vampiro se aproximar, pensando em como ele sabia que
estaríamos aqui.
Os olhos cinzas de Danto encontraram os meus.
– Ouvi dizer que você estava vindo ao Bairro Místico para se encontrar
com a rainha das fadas da Corte das Trevas – o sujeito disse como se lesse
minha mente. Sinistro.
Pensei no grupo de vampiros que tinha acabado de nos ver.
– Nada passa por você, hein?
Será que seus vampiros estavam me seguindo?
Danto balançou a cabeça e um breve sorriso apareceu em seus lábios
perfeitos.
– Não no Bairro Místico. Tenho olhos e ouvidos em todos os lugares. –
Seu olhar ficou intenso. – Eu vou com você.
– Obrigada, mas não há necessidade – respondi, sentindo o calor da
gratidão se espalhar pelo meu peito. – Eu tenho Tyrius como reforço.
– É isso mesmo – disse o gato, parecendo presunçoso.
Danto manteve os olhos em mim, deixando-me um pouco
desconfortável.
– Não. – Sua voz era firme. – Eu vou com você. – Ele levantou a mão e
meu protesto ficou preso na minha garganta. – Você será a primeira nascida-
anjo a pisar naquele… naquele lugar. Qualquer trabalho que ela lhe ofereça
não será apenas um trabalho. Nunca é. Você não pode confiar nela. Não
pode acreditar em nada do que a mulher diz.
Olhei para o vampiro, perguntando-me como ele sabia sobre a oferta de
trabalho.
– Eu pensei que as fadas não pudessem mentir.
– Isso é uma grande bobagem. – Riu Tyrius. – Na real, elas não
conseguem dizer a verdade.
– Eu a conheço – continuou o vampiro. – Ela tem um jeito de distorcer
as palavras que é capaz de fazer você realizar coisas que nunca imaginou,
que nunca pensou que pudesse fazer. Isobel é má, muito má.
Franzi o cenho, achando estranho que esse velho vampiro chamasse
outro híbrido de mau. Quer dizer, ele bebe sangue, pelo amor de Deus!
Além disso, tinha ouvido e visto algumas das coisas perversas que Danto
havia feito no passado. Se ele achava que ela era má…
– Isobel gosta de jogar seus próprios jogos – disse Danto. – Ela fica
bastante entediada em sua torre. A mulher gosta de ser entretida.
Fiz uma careta.
– Bem, eu não estou aqui para entretê-la.
Meus pensamentos sobre a rainha se transformaram em uma raiva
mortal.
– Ela tem algo a ganhar. Sempre tem. – Os olhos cinzas de Danto
escureceram como se estivessem escondendo uma lembrança distante e
horrível. Perguntei-me se ela o havia irritado de alguma forma. – Não
pense, nem por um minuto, que isso é apenas mais um alvo, outra caçada,
pois não é. – Os punhos do vampiro estavam fechados. – Saiba que tem
mais coisa aí.
Era estranho sentir tanta simpatia e carinho por um vampiro, sabendo
que meu sangue podia ser sua refeição. E, sem dúvida, era estranho eu
sentir qualquer afeição, lealdade e amizade, porque isso me assustava.
Após termos matado o arcanjo Vedriel, tínhamos nos unido – nós
quatro. Era inevitável após compartilhar uma experiência como essa. Não
podíamos simplesmente matar um tenente do exército da Horizon e, depois,
voltar para casa para tomar um chá da tarde. Algo havia despertado em nós.
Eu sabia que, naquele momento, tínhamos mudado para sempre –
estávamos marcados pelo sangue de um arcanjo em nossas mãos.
Mechas do cabelo do vampiro se moveram com uma brisa repentina e
seu rosto ficou coberto pela sombra, mas uma preocupação real brilhava em
seus olhos.
Droga. Eu estava começando a gostar desse vampiro bonito – de uma
forma platônica, é claro.
Dei de ombros.
– Mas por quê? Você não me deve nada. Não precisa vir.
O vampiro desviou o olhar.
– Você é a coisa mais próxima que eu tenho de Cindy.
Bizarro.
Ele ficou em silêncio por um momento, então, voltou sua atenção para
mim.
– Nós somos amigos. Por mais estranho que pareça, nós somos. A Torre
Sylph não é segura. Vocês dois precisam de mim. – Ele olhou para Tyrius.
O gato se virou para mim com os olhos azuis brilhando.
– Eu concordo com o vampiro. Três indo conhecer a bunda gorda da
Fada Real é muito melhor do que apenas dois. Danto disse que a conhece e
isso pode ser útil… se ela tentar nos enganar.
– Tá, então – concordei. – Vamos lá.
A tensão percorreu minha espinha enquanto nós três caminhávamos em
direção à torre negra. De repente, a expressão de Danto pareceu satisfeita.
Fiquei um pouco irritada com o fato de ele pensar que eu não conseguiria
lidar com Sua Alteza sozinha. Isso é o que íamos ver.
Tyrius fez um som estranho com sua garganta, chamando nossa atenção
enquanto caminhava entre nós
– Vampiro, o que há com você e o fato de não usar sapatos? Acho que
nunca o vi com algo nos pés.
Abafei uma risada com a expressão de choque que cruzou o rosto de
Danto. Ele olhou para os pés enquanto caminhava.
– Não gosto de ter meus pés confinados. Prefiro sentir a terra sob eles. –
Ele ergueu uma sobrancelha. – Vejo que você também não usa sapatos.
A boca de Tyrius se abriu.
– Eu sou um gato.
– Você é um demônio.
O gato deu de ombros.
– É a mesma coisa.
Afastei meu nervosismo e meu desconforto e os substituí por uma
aparência calma quando chegamos diante da pesada porta de madeira.
Símbolos de prata e de ouro estavam gravados na porta, emoldurando-a
como uma obra de arte na linguagem das fadas.
Olhei para Danto.
– Como entramos? Não há maçaneta.
– Os não-fadas não podem entrar sem permissão – disse o vampiro. Um
músculo de sua mandíbula se contraiu como se ele estivesse lutando com
algum sentimento. – A porta está enfeitiçada. Só quem foi convidado pode
entrar. Você bate e, então, espera.
– Fadas – resmungou Tyrius enquanto se recostava e enrolava o rabo em
volta das patas. – Sempre sentem a necessidade de tornar as coisas
excessivamente complicadas.
Suspirei baixo e lentamente.
– Estou começando a me arrepender de ter vindo aqui.
Ao levantar meu punho, notei estar tremendo levemente. Bati na porta,
mais forte do que pretendia.
Não tivemos que esperar muito. Menos de vinte segundos depois, a
porta se abriu, revelando um homem-fada tão alto quanto Danto com braços
e pernas desengonçados, orelhas pontudas e longos cabelos negros. A pele
verde estava encoberta pelas suas tatuagens de fada. Eu podia sentir o
cheiro podre e doce exalando dele, fazendo meu estômago revirar. Seus
olhos cruéis, negros como breu e sem vida encontraram os meus. Ele me
encarou.
Um arco e flecha curvado estava apontado para o meu rosto e isso
realmente me irritou. Se ele pensou que estava me intimidando com aquela
coisa, estava errado.
Dei-lhe um sorriso que deixaria Amber orgulhosa.
– Tire esse arco e flecha da minha cara antes que eu faça você engoli-lo
– O rosto do homem-fada estava inexpressivo enquanto ele permanecia
imóvel, olhando para mim como uma pedra, então, continuei – Abaixe essa
maldita coisa. Estou aqui para ver Isobel, sua rainha. Sou Rowyn Sinclair.
Ela está me esperando. – Olhei por cima do ombro dele, mas tudo o que vi
foi um corredor que terminava em sombras.
O homem-fada verde passou seus olhos em Tyrius e em Danto.
– Só você – o cara falou com uma voz profunda e seca enquanto
abaixava seu arco e flecha.
Tyrius se levantou em um salto e rosnou.
– Ei, espere um minutinho aí! Rowyn não vai entrar neste covil de fadas
sem nós. Você pode simplesmente esquecer.
– Isso mesmo. – Fiz um gesto em direção ao gato siamês enquanto
cruzava os braços e inclinava a cabeça. – Você que escolhe. Ou meus
amigos vêm comigo… ou pode dizer à sua rainhazinha que você não me
deixou entrar. Não acho que Isobel iria gostar disso já que foi ela quem me
convidou.
O homem-fada sorriu para mim, revelando dentes levemente
pontiagudos.
– Nascida-anjo – ele murmurou, correndo os olhos sobre mim. – Nunca
vimos ninguém da sua espécie na Torre Sylph antes.
Eu sorri.
– Sorte a minha. – Tyrius riu quando eu descruzei meus braços e
coloquei as mãos nos quadris. – Eu não tenho a noite toda. Vamos entrar ou
não?
Sem dizer nada, a fada acenou com a cabeça e fez sinal para que o
seguíssemos.
Bati nos cabos das minhas lâminas com os dedos. Eu poderia estar
caminhando rumo à minha morte, mas não chegaria desarmada.
Assim que cruzei a soleira, senti a energia fria e demoníaca das fadas
percorrendo a sala e toda a torre. Eu podia sentir a intensidade de sua
presença muito mais forte do que quando caminhava pelas ruas do Bairro
Místico. Era como se a energia estivesse concentrada ali de alguma forma,
enchendo o ar, o chão e até as paredes que nos cercavam.
Senti como se estivesse andando por uma caverna apertada com o teto
baixo. Até o ar frio tinha um leve cheiro de mofo. Castiçais acesos com
fogo verde demoníaco cobriam as paredes, lançando tons de verde por todo
o corredor. A passagem estava mortalmente silenciosa, exceto pelos passos
suaves de nossas botas, pés e patas, e as batidas implacáveis do meu
coração em meus ouvidos. Andamos silenciosamente por um corredor de
paredes lisas gravado com mais palavras ornamentadas na linguagem das
fadas e gravuras que retratavam fadas e demônios em várias cenas de
batalha. A mesma mulher-fada era retratada repetidamente, lutando contra
um demônio alado gigante, cortando a cabeça do que parecia ser um goblin
de pernas curtas e de rosto achatado e se deitando na cama com muitos
homens humanos. Era Rainha Isobel, sem dúvida, mas não consegui dar
uma boa olhada no rosto dela com aquela luz.
Tive a sensação de que estávamos andando em um círculo, um círculo
muito grande. O chão era de terra batida. Achei estranho que não fosse
mármore ou alguma outra pedra sofisticada polida que brilhasse como joias.
Fadas adoravam se exibir.
O homem-fada não olhou para trás enquanto nos conduzia pelo labirinto
em forma de caverna. Ele tinha a mesma postura superior que o outro
homem-fada que roubara meu alvo, o demônio metamorfo.
Será que ele ficaria bravo se eu tropeçasse nele?
– Cheira a vômito aqui – disse Tyrius. – Ou talvez seja carne enlatada?
– Não, acho que é apenas o cheiro de vômito das fadas. – Sorri ao ver os
ombros do homem-fada ficarem tensos, mas ele não olhou para trás.
Depois de um minuto, uma fenda de luz verde mais brilhante inundou a
semiescuridão. Duas portas enormes de pedra se erguiam diante de nós.
Elas eram antigas e gravadas com a mesma linguagem de fadas prateada e
dourada que estava pintada na porta da frente. Um barulho de vozes veio do
outro lado das portas.
Meu pulso acelerou. Eu estava começando a me arrepender da decisão
de me encontrar com a fada rainha. Atravessamos as portas e entramos em
uma vasta câmara circular de pedra calcária esculpida e sustentada por
quatro pilares cujos topos desapareciam na escuridão acima.
Trepadeiras verde-escuras com rosas brancas, vermelhas e rosadas se
enroscavam nos pilares. O homem-fada nos levou por um caminho ladeado
por macieiras em plena floração. Margaridas, equinácea purpúrea, lavanda e
inúmeras rosas se intercalavam com as árvores. A sala estava coberta pela
luz verde. Senti como se tivesse acabado de entrar em um jardim
exuberante, não em uma torre cilíndrica e feia.
Através das árvores, avistei uma multidão de fadas. Algumas delas
dançavam ao som de uma batida baixa de tambores, outras conversavam e
algumas estavam esparramadas pelo chão – todavia, todas tinham seus
olhos em mim, em nós. Devia ter pelo menos uma centena de fadas ali.
Senti minha pressão subir enquanto me forçava a manter meu ritmo
uniforme. De jeito nenhum eu mostraria a o efeito que elas tinham em mim.
Era tudo um borrão de olhos negros, dentes pontudos e roupas finas.
Seus rostos eram adoráveis, porém, selvagens e magros, sempre muito
magros.
Uma plataforma elevada estava diante de nós. Descansando em um sofá
vermelho cercado por homens e mulheres-fadas magricelas, estava uma
mulher. Não, uma mulher não. A rainha das fadas.
– Minha rainha – disse nossa escolta, curvando-se. – Eu trouxe a
Caçadora e seus… companheiros.
Nossa escolta pareceu recuar como se ele não fosse digno de estar na
presença de sua rainha. Contudo, a mulher nem sequer olhou para ele. Seus
olhos estavam em mim.
Lentamente, Isobel se levantou. Ambos os lados de sua cabeça não
tinham cabelo, porém, do meio, caíam mechas de cabelos negros até a
cintura, como um moicano. Ela não era nada como eu tinha imaginado. Era
muito, muito pior.
Embora partes de seu rosto pudessem ser consideradas adoráveis, sua
pele branca como a neve era puxada e muito esticada sobre suas feições
definidas, tornando-a mais petrificante do que bonita. Talvez fosse esse o
estilo que ela estava buscando – a rainha dos mortos-vivos.
Seu pescoço era um pouco longo demais – assim como seus braços,
pernas e dedos – para ela se passar por um humano. A mulher parecia quase
como um inseto. Isobel usava um vestido preto que balançava e esvoaçava
com seus movimentos, mas não pude ver nenhuma joia. Uma coroa
esbranquiçada estava entrelaçada em seu cabelo, acima da cabeça. Quanto
mais eu olhava, mais a coroa se parecia com dentes. Dentes humanos de
verdade. Caramba, ela era louca.
Seus olhos de ébano brilhavam com uma frieza calculada e ainda
estavam fixos em mim.
O medo percorreu meu corpo, mas eu o afastei devido a rigidez de sua
expressão. Se ela visse, cheirasse, ou apenas sentisse meu medo, eu era um
caso perdido.
Senti uma brisa atrás de mim quando senti o ombro de Danto encostar
no meu. Exalei lentamente. Nunca estive tão feliz por ter um vampiro
sugador de sangue tão perto da minha jugular antes.
Os olhos da rainha caíram sobre Danto e, por um momento, seus lábios
vermelhos e salientes esboçaram um sorriso de escárnio que era realmente
aterrorizante. Seus olhos escuros brilharam com um ódio de alguma história
do passado antes que sua atenção voltasse para mim. Então, com a mesma
rapidez, ela suavizou suas feições e voltou para sua atitude impetuosa e
aristocrática.
– Rowyn Sinclair – sussurrou a rainha das fadas. Sua voz era sedosa e
venenosa como a de uma cobra. – Que bom que você veio.
Capítulo 6
T yrius estava deitado de costas na minha cama, com as patas abertas para
cima, expondo sua barriga. Tínhamos passado a maior parte da noite e o
início da manhã examinando o metrô de Manhattan e os mapas da ferrovia
Amtrak, procurando alguns pontos de entrada que nós sabíamos que
existiam, especialmente um no viaduto da Riverside Drive. Elysium era
uma enorme rede de corredores, motivo pelo qual nós dois estávamos
cansados e mal-humorados quando o sol nasceu e lançou seus raios
amarelos pela janela da minha cozinha, banhando a caixa de pizza vazia.
De repente, Tyrius começou a resmungar.
– O que é agora? – perguntei, tirando meus olhos dos mapas na tela do
meu laptop e piscando para aliviar a queimação nos olhos que sempre sentia
quando olhava por muito tempo e muito perto de uma tela. – Bola de pelo?
A cabeça do gato siamês pendeu para o lado.
– Eu me sinto gordo.
Soltei um suspiro exasperado e sacudi a cabeça.
– Você deveria ter pensado nisso antes de comer quatro fatias de pizza.
Afinal… para onde tudo isso vai… nesse corpo minúsculo?
O gato se levantou com um salto e o rabo esticado.
– Realmente quer que eu diga?
– Um pé no saco, é isso o que você é – resmunguei, enxugando os olhos
e sentindo uma dor na nuca. – Por onde quer começar a procurar? Esse
Ugul pode estar em qualquer lugar.
Depois de deixar a Torre Sylph e Sua Fada Real, Tyrius me fizera
prometer levá-lo comigo em minha caçada. Porém, quando me virara com
expectativa para Danto, ele parecera apenas querer distância de nós. O
vampiro foi embora sem se despedir. Sem dúvida, ele estava envergonhado
por termos ouvido as palavras da rainha, que pintaram um quadro muito
diferente do meu amigo vampiro, um mais misterioso.
Um desconforto brotou em meu peito enquanto eu observava o sujeito
desaparecer na noite. Era estranho como as coisas haviam mudado. Eu
realmente me preocupava com o vampiro sugador de sangue. Quem diria
que eu era tão sensível? Talvez eu estivesse perdendo a cabeça. Ou talvez
minha percepção tivesse mudado agora que sabia que Danto e eu tínhamos
algo em comum: nós dois tínhamos essência demoníaca correndo em nossas
veias. Além disso, algo na forma como seus olhos haviam brilhado de dor e
de traição me deixou preocupada.
Eu sabia sobre as Cortes de Vampiros e como elas eram governadas,
mas nunca ouvira falar do vampiro Oros. Acho que foi antes do meu tempo.
Se alguém podia ficar mais entediado que tudo com a política dos nascidos-
anjo ou híbridos, esse alguém era eu. Porém, se o que a rainha dissera era
verdade, Danto era excluído de sua própria espécie, assim como eu.
Os vampiros não aceitariam isso por muito tempo, especialmente se
acreditassem que ele os enganara. Mais cedo ou mais tarde, Danto seria
caçado e morto.
– O que você sabe sobre esse vampiro Stefan? – perguntei enquanto me
recostava na cadeira.
Tyrius parou de se limpar e me encarou com os olhos se estreitando.
– Que ele é um sem vergonha de primeira. O cara se diverte bebendo o
sangue de virgens antes de quebrar seus pescoços.
– Legal – eu disse, afastando um arrepio.
– E se ele está indo pra a cama com a doce rainha das fadas da Corte das
Trevas, é ainda pior. Somente o verdadeiro mal tomaria o partido daquela
cadela híbrida louca. – O rabo do gato se levantou. – Se eu fosse chutar,
diria que ela tentou e falhou em conseguir os votos para Stefan. Isobel
provavelmente está planejando substituir Danto por Stefan neste exato
momento. É uma pena, mas os dias do vampiro melancólico estão contados.
– Por quê? – perguntei, acordando subitamente. – O que ela ganha com
isso?
Tyrius deu de ombros.
– Coisa boa não é. As fadas e os vampiros sempre foram inimigos
jurados. Eu nunca ouvi falar de nenhum grupo ou clã das diferentes raças
trabalhando juntos. Acho que estamos deixando algo passar.
– Concordo, mas não temos tempo para entrar em detalhes agora. –
Afundei na cadeira, pensando no café e em como seria gostoso senti-lo
descer goela abaixo. – Não há mapas de Elysium? – perguntei, bocejando. –
Talvez Bemus e Mani possam ter um? – Empurrei a cadeira para trás e fui
em busca de café na minha cozinha.
– Não existem mapas de Elysium – miou Tyrius. Sua língua rosa se
movia enquanto ele limpava sua pata dianteira direita.
– Por que não? – Virei-me com uma colher de pó de café na mão. – Isso
parece um pouco estranho… até mesmo para nós.
– Particularmente, acho que é porque ninguém nunca se preocupou em
fazer um – disse o gato. – Contudo, pode ter algo a ver com o fato de o
lugar estar sempre mudando. Novos túneis continuam surgindo. Passagens
aparecem e desaparecem, é um lugar amaldiçoado. É como um labirinto
com vida própria.
– Que ótimo. Por que tenho a sensação que me ferrei?
Seus olhos se arregalaram.
– Você está fazendo café? – Com um único salto, Tyrius pulou no
balcão da cozinha e caminhou até mim. Ele levantou uma sobrancelha
enquanto se sentava ao lado da máquina de café. – É orgânico? Você sabe o
que os pesticidas fazem com meu pelo.
Assenti.
– Sim, quero dizer, não, Tyrius. Você sabe o que acontece quando toma
café. Você se transforma. Já vi gatos sob o efeito de catnip, mas você depois
de tomar café… é como uma centena de gatos sob o efeito de catnip.
Lembra o que aconteceu da última vez? O Padre Thomas teve que jogar
água da mangueira em você para evitar que arruinasse o jardim dele.
– Como posso esquecer? – murmurou Tyrius. – O padre me pregou na
parede com a força da água de sua mangueira. Espera, isso soou meio
obsceno. Ah, qual é. Apenas um gole. Pela minha honra de baal, prometo
que não vou enlouquecer. – Ele colocou a pata direita na testa. – Além
disso, eu preciso de um pequeno estímulo. Nós passamos a noite toda nisso.
Eu mereço um pouco de café.
– Você é um falastrão, mas um bonitinho – eu ri enquanto despejava a
água na máquina e adicionava o café. Em seguida, apertei o botão de ligar.
O cheiro era inebriante, ele me despertou apenas com seu aroma.
– Dizem que Elysium é a porta mais próxima do Submundo – continuou
o gato enquanto olhava o café pingar na caneca de vidro. Juro que pude ver
baba se formando nos cantos de sua boca. – E quando digo mais próxima,
quero dizer ao lado dele, onde os planos dos dois mundos se encontram. É
por isso que se você abrir uma porta, ela pode muito bem ser sua última, já
que os demônios do Submundo podem estar esperando do outro lado para
puxá-la para dentro.
Credo. E eu estava indo lá.
Eu não era claustrofóbica, mas a ideia de estar no subsolo em um
espaço apertado, sem saber para onde estávamos indo no labirinto
amaldiçoado, com demônios e híbridos espreitando nas sombras, fez minha
pressão subir.
Depois de servir uma pequena quantidade de café em uma pequena
xícara, coloquei-a na frente de Tyrius. Meus pensamentos se voltaram para
Jax quando olhei para o meu celular no balcão e senti uma pontada em meu
coração. Um fio de calor subiu do pescoço para o meu rosto quando me
lembrei de seu beijo, de sua mandíbula quadrada, de seu peito musculoso
quase sem pelos, daqueles malditos lábios novamente…
Estava sendo uma idiota, fiquei com raiva de mim mesma por me
permitir pensar nele.
– Para de ficar emburrada. Isso não combina com você.
Tirei os olhos do meu celular para encontrar Tyrius olhando para mim.
Seus bigodes brancos estavam manchados de marrom.
– Eu não estou.
Mentirosa. Mentirosa. Mentirosa.
Tyrius fez um som com sua garganta. Seus olhos exibiam uma
descrença divertida enquanto ele lambia os lábios.
– Certo. Você só está brava porque gosta dele e ele não ligou de volta.
– Eu não gosto dele.
Eu queria me socar. Não ter notícias dele deixou um vazio doloroso em
minha alma que nunca esteve lá antes. Eu nunca me apegava aos caras,
nunca baixava a guarda, nunca me deixava apegar, porque, quando me
apegava, as coisas ficavam complicadas. E eu odiava coisas complicadas.
Eu não tinha tempo para complicação. Minha vida já era difícil o suficiente.
Não há necessidade de adicionar mais drama. Então, o que estava
acontecendo comigo?
– Você gosta dele – repetiu Tyrius. – E eu nem preciso ser um demônio
baal para saber que está mentindo. Eu sei só de olhar para o seu rosto, está
todo vermelho.
Mordi o lábio enquanto mais ondas de calor se espalhavam por todo o
meu rosto, sabendo que eu provavelmente parecia um maldito tomate.
– Esquece isso, Tyrius. Estou muito cansada.
– E ele beijou você. Isso deve estar mexendo com essa sua cabeça. – Os
olhos de Tyrius brilharam. – Estou começando a sentir os efeitos do café.
Eu sacudi a cabeça.
– Pensei apenas que ele fosse meu amigo. Só isso, agora, eu não tenho
tanta certeza.
Ouvi uma batida na porta da frente.
Estremeci. Com o coração batendo forte, girei para olhar a porta
enquanto me afastava lentamente do balcão.
– Você está esperando companhia? O Padre Thomas, talvez? –
sussurrou Tyrius.
Quando olhei para o gato, ele estava começando a tremer com os efeitos
do café, parecia que estava prestes a se transformar no Hulk. Ótimo. Isso é
tudo que eu preciso agora, um baal gigante dopado com cafeína.
– Não – murmurei, puxando minha lâmina da alma. Fui até a porta na
ponta dos pés.
As dobradiças da porta balançavam enquanto alguém batia várias vezes.
Eu duvidava que fosse um demônio ou um híbrido. Eles nunca batiam.
Ficou claro, pelas batidas estrondosas, que quem quer que fosse, estava
impaciente.
Envolvendo minha mão ao redor da maçaneta, abri a porta e apontei
minha lâmina da alma para um par de óculos cor de rosa cravejados de uma
mulher gorda de vinte e poucos anos. Seus olhos azuis e redondos estavam
cheios de medo.
Baixei minha lâmina.
– Pam? O que você está fazendo aqui?
Dei um passo para o lado para deixá-la entrar e fechei a porta atrás de
mim. Eu não tinha ideia de que os nascidos-anjo sabiam onde eu morava.
Pam tinha uma marca de nascença em forma de R em seu antebraço, ela era
da Casa Raphael, a casa de nascidos-anjo que formavam curandeiros e
médicos. A mulher era tão inteligente quanto eles.
– Eu sei. Eu sei. Lamento aparecer tão cedo na sua porta assim – disse
Pam, um pouco sem fôlego ao entrar na minha sala. – Eu só… não sabia
mais o que fazer.
Franzi a testa ao ver seu rosto corado e a preocupação em seu tom. Seu
cabelo ruivo estava puxado para trás em um coque bagunçado, exibindo
suas bochechas rosadas. Ela vestia um jaleco branco em torno de sua
cintura grossa, o que me fez pensar se ela tinha saído com pressa ou se
jalecos eram sua roupa habitual.
– Pam! – Tyrius saltou do balcão e correu até ela, seu rabo estava
levantado enquanto ele esfregava o rosto nas pernas dela repetidamente. –
Ah… o cheiro de formol.
A mulher exibiu uma expressão de preocupação.
– Qual é o problema dele? – Ela se ajoelhou e começou a examinar a
cabeça e os olhos do gato, até mesmo abrindo sua boca e verificando seus
dentes.
Embainhei minha lâmina.
– Café.
Pam apenas olhou para mim, mas não disse nada quando Tyrius tombou
e expôs a barriga. Ele começou a ronronar alto assim que os dedos dela
roçaram no seu pelo. O rosto da nascida-anjo abriu um sorriso. Eu não tinha
certeza de quem estava se divertindo mais: Pam ou o baal.
Soltei um suspiro exasperado.
– Pam? O que está acontecendo?
– É Jax – disse ela, seus dedos acariciando gentilmente o pelo de Tyrius
como se ele fosse o último gato na terra. – Não tenho notícias dele há mais
de três semanas. Sempre mantemos contato. Nós fizemos uma promessa
quando éramos pequenos que cuidaríamos sempre um do outro, não importa
o que aconteça.
– O que lhe dá a impressão de que algo está errado? – perguntei,
ouvindo um tom de medo na minha voz que esperava que ela não
percebesse.
Com um esforço, Pam se endireitou, deixando Tyrius de patas abertas
aos seus pés, parecendo um gato morto. Ela empurrou os óculos no nariz
oleoso com um dedo trêmulo.
– Porque – a mulher disse, com seu rosto confuso – ele não retornou
nenhuma das minhas ligações ou mensagens de texto. Isso nunca aconteceu
antes.
Uma tensão recaiu sobre mim ao saber que Jax não estava apenas me
ignorando. Contudo, ela foi imediatamente substituída por um aperto no
peito gerado pelo medo e pela preocupação inconstantes no rosto de Pam.
Quando passei meus olhos sobre suas roupas e seu cabelo, tive a impressão
de que ela tinha dormido com elas nos últimos dias ou não tinha dormido
nada.
O olhar de Pam ficou intenso.
– Algo está errado. Posso sentir isso em meus ossos.
– Então, o que você quer que eu faça? – perguntei, sem entender
completamente o que ela esperava de mim. – Eu também não tenho notícias
dele. Sem falar que você é uma das amigas mais próximas de Jax.
Um lampejo de esperança brilhou em seus grandes olhos redondos e,
naquele momento, eu soube o que ela queria de mim. Fui para a cozinha e
encostei no balcão.
– Você quer que eu o procure, não é?
Um suspiro alto de alívio relaxou os ombros de Pam.
– Você faria isso, Rowyn? – Seus olhos estavam brilhantes e cintilantes.
Ela piscou rapidamente. – Isso significaria muito para mim.
Como eu poderia dizer não depois disso?
– Claro. – Olhei para Tyrius, que me ignorava completamente. Toda sua
atenção estava voltada para Pam.
Ia ficar corrido. Eu não poderia sacrificar mais do que algumas horas
para encontrar Jax. O prazo do banco terminava em cinco dias, então,
postergar as coisas, mesmo que por apenas um dia, seria problemático.
Ainda assim, eu também queria descobrir o que estava acontecendo com
Jax e, agora, eu tinha uma desculpa. Não estava fazendo isso por mim,
estava fazendo pela Pam. Tá bom.
– Bem, já que você o conhece melhor do que todos nós – eu comecei –,
onde acha que eu devo começar a procurar?
Eu era uma Caçadora, um demônio e uma Caçadora híbrida, mas não
uma investigadora particular. Meu trabalho era matar entidades demoníacas.
Todavia, havia realmente uma diferença entre rastrear uma fada e rastrear
um nascido-anjo?
– Tente a casa dos pais dele. – Os ombros de Pam ficaram tensos e seu
alívio repentino foi substituído por uma expressão mal-humorada. – Eu
mesmo iria, mas…
Isso chamou minha atenção.
– Mas o quê?
O rosto dela ficou pálido quando desviou o olhar e olhou para o chão.
– A mãe dele me odeia. Na última vez que fui ver Jax, ela fechou a
porta na minha cara.
Observei a dor e o constrangimento no rosto de Pam e senti minha raiva
aumentar. Eu não conseguia imaginar alguém sendo tão desagradável com a
nascida-anjo. Ela tinha uma alma doce, boa e gentil. Como alguém poderia
tratá-la dessa maneira? Agora eu realmente queria conhecer essa mulher.
– Parece que ela é uma vadia – miou Tyrius, que parecia ter se
recuperado de seu coma induzido por cafeína enquanto se sentava.
– Jax mora com seus pais?
Achei estranho que um homem de sua idade, embora jovem, ainda
morasse na casa dos pais, mas os nascidos-anjo não eram como os humanos
normais. Tinha ouvido falar de famílias que compartilhavam suas casas
com seus filhos e seus netos – já que eram grandes o suficiente para caber
todos.
Sacudindo a cabeça, Pam mordeu os lábios e disse:
– Não. Ele tem sua própria casa em Parks Hollow, mas eu já verifiquei
lá. O porteiro disse que não o vê há semanas.
– Talvez ele esteja de férias na Europa – sugeri. – Jax não tem família
em algum lugar da França?
Os óculos da nascida-anjo escorregaram do nariz enquanto ela sacudia a
cabeça.
– Ele sempre atende minhas ligações, mesmo quando está no exterior ou
fora da cidade. Isso é diferente. – Ela tirou os óculos e esfregou os olhos. –
Às vezes, quando ele pensa na irmã – ela acrescentou, colocando os óculos
de volta –, quando ele não está bem, vai para a casa dos pais.
De repente, o rosto da mulher ficou dois tons mais escuros.
– Eu sinto muito. Você deve pensar que eu sou uma idiota. Eu sei. Eu
sei. Estou pensando demais nisso. Jax é um guerreiro habilidoso. Tenho
certeza de que ele está bem, mas… é que… estou preocupada com ele. Isso
é tudo. – Ela encontrou meus olhos. – Algo está errado, Rowyn. Sei disso.
Estendi o braço, agarrei a mão dela e a apertei, surpreendendo a mim
mesma com o gesto.
– Não se preocupe – falei, sentindo os olhos de Tyrius em mim
enquanto soltava sua mão. – Vou achá-lo. E tenho certeza de que não
aconteceu nada. Talvez ele só precisasse de algum tempo para esfriar a
cabeça depois de tudo o que aconteceu.
– A morte de Cindy provavelmente trouxe algumas memórias sombrias
e dolorosas de sua irmã – disse Tyrius. – Isso afetaria qualquer um.
Pam assentiu. Seus olhos ficaram sem vida e seu rosto empalideceu.
– É isso que me preocupa. – Ela engoliu em seco como se estivesse se
preparando para o que estava prestes a dizer. – A última vez em que
conversamos, Jax disse que sabia… quem matou Gillian. – Seus olhos
estavam fixos nos meus e seus lábios tremiam. – Isso é verdade?
Droga. Eu podia ver que a nascida-anjo desejava que não fosse. Eu
tinha visto o quão desesperado Jax estava para encontrar o assassino de sua
irmã e, agora com o nome do demônio, eu sabia que ele poderia fazer algo
estúpido. Algo muito, muito estúpido. Como ir atrás dele. Sozinho.
Tyrius se mexeu nervosamente. Sua cauda se contorcia atrás dele e eu
sabia que ele estava pensando a mesma coisa.
Jax foi atrás do demônio rakshasa. Droga.
– Sim, é verdade – eu disse suavemente, esforçando-me para continuar
olhando para ela quando vi o pânico em seus olhos. – O demônio Degamon
nos deu seu nome. Strax. Ele é um demônio rakshasa, exatamente como eu
pensava.
O rosto de Pam empalideceu. Ela assentiu solenemente.
– Eu me lembro. Eles são os demônios que se transformam, alimentam-
se das almas dos jovens e oferecem o coração de suas vítimas como
sacrifício ao seu mestre.
– Esses mesmos – disse Tyrius.
A nascida-anjo ficou quieta, muito quieta. A dor e o medo brilhavam
em seus olhos azuis. Suas pernas tremeram e, por um momento horrível,
pensei que ela estava prestes a desmaiar.
Pam jogou as mãos para o alto, fazendo Tyrius pular.
– Ele foi atrás do demônio! O idiota foi atrás dele! – Ela saltou para
frente e agarrou meus ombros mais rápido do que eu pensava ser possível
para alguém do tamanho dela. – Rowyn! – A mulher me sacudiu. – Você
tem que encontrá-lo.
Seus olhos estavam marejados e eu via que ela estava tentando controlar
suas emoções. Contudo, seu medo era visível.
– Ele não está pensando com clareza. Temo por ele. Eu sei do que Jax é
capaz quando está assim. Tenho medo do que ele possa fazer.
O medo embrulhou meu estômago quando me lembrei de como Jax
estava enlouquecido no V-Lounge, o clube de vampiros. Eu sabia com que
facilidade ele podia perder o controle quando se tratava de demônios e de
híbridos; como o cara poderia se perder naquela fome de vingança pela
morte de sua irmã.
Os demônios rakshasa eram cretinos traiçoeiros muito mortais. Eu
nunca tinha matado um, mas sabia que eles eram raros e extremamente
difíceis de rastrear e de matar.
Um calafrio percorreu minha espinha. Fazia meses desde que eu tinha
visto Jax pela última vez. Porém, não foi apenas o demônio rakshasa que
apertou meu peito, fazendo até mesmo eu esquecer de respirar.
Havia também o domínio do demônio Superior Degamon sobre o nome
de Jax. Meu sangue gelou. Com o nome do nascido-anjo, o demônio teria
total controle sobre ele. Sem os feitiços, amuletos e pingentes de proteção
adequados, Jax era uma marionete. Eu tinha lido como fazer isso no
grimório da bruxa das trevas, mas nunca tive a chance de dizer ao homem
como se proteger, já que ele não retornara minha ligação.
E se Jax não fosse mais Jax?
Jax… o que diabos você fez?
Respirei, exalando longa e lentamente, e senti os olhos de Tyrius em
mim. Ele provavelmente sabia o que eu estava prestes a dizer antes mesmo
que eu dissesse. Na minha profissão, ser mole significava a morte. Quando
comecei o negócio de caça, fiz uma promessa a mim mesma de nunca
misturar assuntos pessoais com o trabalho e nunca me envolver
pessoalmente com ninguém no trabalho. As mortes eram comuns na minha
profissão e eu não conseguiria lidar com a perda de alguém importante sem
me comprometer emocionalmente. Não depois de perder meus pais. Eu não
ia passar por isso de novo. Nunca mais.
O problema era que eu podia não estar envolvida, mas estava apegada.
Droga. Eu me importava com o idiota. A rainha das fadas teria que
esperar. Eu não ia abandonar Jax para um futuro incerto como animal de
estimação de um demônio – ou pior.
O pânico começou a tomar conta da minha mente e eu me forcei a
respirar.
– Não se preocupe, Pam – falei, vendo seus ombros relaxarem
brevemente. – Vou encontrá-lo. Eu prometo.
Só espero que não seja tarde demais.
Capítulo 8
E u nãoSequei
vou chorar. Eu não vou chorar. Ah, inferno. Eu estava chorando.
minhas lágrimas antes que Tyrius as visse. Os Caçadores não
choravam. Os Caçadores nunca choravam. Os Caçadores faziam as pessoas
chorarem.
Eu nunca tinha sido tão humilhada na minha vida. E sim, eu tinha
passado pela minha cota de situações desastrosas. Porém, por um minuto
horrível, a mãe de Jax quase, quase me fizera sentir vergonha de quem ou o
que eu era.
Dane-se.
Eu não precisava dela. Eu não precisava de Jax. Eu não precisava de
ninguém. Bem, exceto, talvez, de Tyrius.
Meu humor piorou e a única maneira de remediar isso era matando
alguma coisa. Preferencialmente demônios, embora o rosto de Celeste
continuasse piscando diante dos meus olhos. Droga, aquela mulher fazia
meu sangue ferver.
Depois de ligar para Pam e dizer que Jax estava vivo e razoavelmente
bem na casa de seus pais – porque eu não confiava que o nascido-anjo se
lembraria de ligar para ela –, fui para casa e peguei tanto sal quanto podia
carregar, junto com outros suprimentos, e os coloquei em minha grande
bolsa de couro. Depois de reunir tudo o que precisava para a viagem, comer
um pouco e verificar se meu cinto de armas estava carregado, Tyrius e eu
fomos procurar meu alvo.
Caminhamos pelo Riverside Park. O cascalho estalava sob minhas
botas. Os caminhões estrondosos e os rugidos dos carros ecoavam ao nosso
redor enquanto nos aproximávamos dos arcos de pedra do viaduto da
Riverside Drive – uma das entradas de Elysium.
Quando chegamos, o céu estava de um tom de laranja profundo,
refletindo no rio Hudson como sangue. Era um presságio sombrio ou um
aviso para não entrar? Na boca do túnel largo, que engolia a luz e deixava
apenas a escuridão, estava a entrada para Elysium.
Abafei um arrepio. Não era sábio ir atrás de um híbrido à noite em um
lugar que eu nunca havia estado antes. Um lugar como Elysium abrigava
muitos demônios e Rifts, esperando para levá-los ao Submundo.
Senti meu estômago revirar.
– Devemos nos apressar. Vai escurecer em breve.
Os demônios saíam à noite para se alimentarem da escuridão e das
sombras, isso os dava força.
– Não importa – disse Tyrius enquanto cheirava um muro coberto de
grafite. – Dentro de Elysium é sempre noite. É por isso que a maioria dos
demônios escolhem esse lugar. A falta de luz a torna uma passagem
relativamente fácil para este mundo.
De onde estava, podia ver partes de uma ferrovia em ruínas entrando
profundamente na boca oca do túnel, em um convite silencioso.
– Você está bem?
Olhei para baixo e vi os olhos azuis de Tyrius brilhando de
preocupação. Meu coração se apertou levemente.
– Estou bem. Não se preocupe – eu disse com um sorriso rápido. – Nada
que uma pequena matança de demônios não resolva.
O gato deu um pequeno suspiro.
– Que saco. Eu meio que gostava de Jax, sabe? Ele não era mente
fechada. Não tinha aquela atitude complexa de deus que a maioria dos
nascidos-anjo compartilha. Ele gostava de cerveja e de armas. O cara era
legal.
– Eu sei.
Senti um nó na garganta e suspirei. Eu tinha que matar algo rápido ou
iria perder a cabeça.
– Agora, ele é apenas um idiota de primeira.
– Acho que ele puxou à mãe. – Eu dei um sorriso para Tyrius e levantei
minha bolsa em meu ombro para ela não se mexer enquanto eu puxava
minha lâmina da alma do cinto. Todo cuidado é pouco. – Vamos lá.
Não adiantava ficar parada ali. Quanto mais cedo eu encontrasse Ugul,
mais cedo poderíamos sair de lá.
Eu nunca tinha rastreado uma fada antes e, no meio de todo aquele
fedor repugnante de demônio e dejetos humanos, não seria fácil. Avancei.
Minhas botas batiam ruidosamente no cascalho, então, congelei.
A sensação de estar sendo observada se apoderou de mim como dedos
gelados em volta do meu pescoço. Com o coração batendo e a lâmina da
alma posicionada na minha frente, eu me virei.
Conectando-me com meus sentidos de nascido-anjo e de demônio,
procurei a sensação familiar gelada dos demônios, mas tudo o que senti foi
a onda quente e familiar dos humanos. Nada de entidades sobrenaturais ou
demônios. Nada.
Os humanos passeavam no parque sem sequer olhar para nós enquanto
seguiam seu caminho, ao longo da passarela que margeava o rio. Não pude
sentir demônios ou híbridos, mas eu tinha sentido algo. Tinha certeza disso.
Tyrius estava ao meu lado em um piscar de olhos.
– O que é, Rowyn? Você viu algo? Está tendo aquela sua vibe Jedi?
– Pensei que sim, mas, agora, não tenho tanta certeza.
Não pude deixar de me perguntar se o demônio Superior Degamon
ainda queria um pedaço de mim. Eu tinha matado alguns de seus minions,
mas eles atacaram primeiro. A sensação tinha sido tão rápida que eu não
sabia dizer se era demoníaca ou angelical. Os aliados de Vedriel
eventualmente viriam atrás de mim. Era apenas uma questão de tempo até
que os anjos bundões me encontrassem.
Olhei ao redor do parque, procurando pela sensação de ser observada
novamente, mas ela se fora.
– Não é nada – falei, dando de ombros. – Vamos.
– Se você diz – murmurou o gato enquanto caminhava ao meu lado.
Uma onda de animação misturada com apreensão subiu pelo meu corpo
quando entramos na boca do túnel. Era minha costumeira adrenalina da
caçada. Cheirava a mofo e a poeira, mas o ar também trazia o aroma de
ovos azedos e de podridão. O cheiro se intensificou quando entramos no
túnel – o fedor de híbridos e de demônios. Mais além, senti o lampejo de
algo frio, escuro e poderoso. Um ponto de escuridão apareceu dentro do
túnel e puxou meu peito enquanto um calafrio me percorria. Rifts. Era a
única explicação para uma energia sobrenatural tão forte – as portas para o
Submundo.
Caramba. Eu não queria pensar no que aconteceria se eu acidentalmente
passasse por um desses portais. Já enviara muitos demônios de volta ao
Submundo. Eu duvidava que eles fariam uma festa de boas-vindas.
Escolhi um caminho ao longo dos trilhos. Meus olhos lentamente se
ajustaram à escuridão ao nosso redor. A entrada era grande e escura, mas
com meus sentidos de anjo e de demônio aprimorados, minha visão clareou
como se eu estivesse vendo o mundo através dos olhos de Tyrius. Ele podia
ver no escuro como qualquer gato.
Em pouco tempo, eu parei de ouvir o tráfego barulhento atrás de nós.
Havia apenas o som das minhas botas ecoando ao meu redor. As patas
macias de Tyrius eram silenciosas como de costume.
Depois de uma caminhada de dois minutos pelos trilhos, notei uma
fresta na parede do túnel do lado direito, grande o suficiente para caber um
SUV. Os destroços de concreto estavam jogados abaixo da abertura como se
uma criatura gigante tivesse atravessado do Submundo para o mundo
mortal.
Uma brisa fria e úmida vazou pela fresta, trazendo o cheiro de enxofre,
de carne podre e o odor pegajoso e metálico de sangue.
A energia das trevas era mais forte aqui. Eu quase podia vê-la vazando
pelo buraco da parede como uma névoa negra. Esta era a verdadeira entrada
para Elysium, não o viaduto. Perguntei-me quantos humanos idiotas haviam
vagado pela passagem e nunca mais sido vistos.
– É isso – disse Tyrius. – Não há como voltar atrás após cruzarmos esse
limite. Tem certeza de que quer fazer isso? Não há vergonha nenhuma em
recusar o contrato. – Ele mostrou a língua. – Estamos falando de fadas. Nós
as ODIAMOS, lembra? Podemos conseguir mais trabalho com o Padre
Thomas. Tem muitos demônios do armário nesta época do ano.
– Não – eu disse. – Vou fazer isto.
Eu preciso fazer isso. Precisava trabalhar. Isso me mantinha focada. Se
não o fizesse, estaria rindo de autopiedade, pensando em como fui estúpida
e enganada pelo rosto bonito de Jax. Só de pensar nele, eu sentia uma
pontada aguda de dor no meu peito. Eu sou uma idiota. Ele tem uma
maldita noiva. Ela provavelmente era linda de morrer, uma nascida-anjo
pura de uma família antiga e estupidamente rica, assim como ele.
Enquanto eu era uma mancha no tapete caro de sua mãe.
Meus olhos ardiam. Eu queria me socar. Mandou bem, Rowyn.
Jurei que, quando terminasse essa caçada, encontraria um humano legal
e faria sexo por raiva.
Olhei para baixo e minhas bochechas arderam. Tyrius olhava para mim
com uma expressão de quem sabia o que eu estava pensando. Sempre me
perguntei se os baals podiam ler mentes.
– Quão difícil isso pode ser? É apenas uma fada fedorenta – eu disse,
tentando me concentrar no trabalho e não querendo que Tyrius lesse muito
as minhas emoções. Além disso, meu instinto me dizia que não seria tão
fácil, pois nem os Flechas Negras haviam conseguido localizar sua fada
trapaceira.
– Tem certeza de que não está fazendo isso pelos motivos errados? –
questionou meu amigo peludo.
– Como o quê? Receber vinte mil por uma fada desprezível? – Ajeitei
meu quadril. – Se eu não receber o resto desse dinheiro, minha avó perde a
casa. De jeito nenhum vou deixar isso acontecer. Esse dinheiro, esse
maldito dinheiro das fadas, vai me ajudar a manter a casa dela. É chato,
muito chato, mas é a única maneira de ajudá-la. – Frustrada, cerrei os
dentes. – Eu odeio esses bastardos de orelhas pontudas, mas sou uma
profissional. Eu sei o que estou fazendo.
– Uh-huh – disse Tyrius com uma expressão cética. – Tudo bem. Então,
eu vou primeiro. Me dê cobertura.
Endireitando meus ombros, olhei para frente e afastei todos os
pensamentos de Jax da minha mente enquanto seguia o gato siamês pela
brecha. Meus ouvidos estalaram e fui imediatamente atingida pela sensação
de uma mudança de pressão, que lembrava a aterrissagem de um avião.
Uma vez no limiar, encontrei-me em outro túnel. Ao contrário do metrô
de Nova York ou de um túnel da empresa ferroviária Amtrak, que tinham
paredes de pedra lisa, essas paredes eram rústicas e desordenadas, como se
esculpidas à mão. Elas tinham cheiro de mofo e de terra.
Uma brisa soprou das profundezas da escuridão, espalhando mechas do
meu cabelo pelo meu rosto. Um arrepio percorreu minha espinha. Uma
mistura de teias de aranha e de raízes de árvores brotavam das paredes do
túnel. A umidade era espessa. Senti uma fina camada grudando no meu
rosto e pescoço assim que cruzamos a entrada. O túnel estava silencioso,
exceto pelo suave gotejar de água vindo de algum lugar.
De repente, o chão tremeu e ouvi um estrondo atrás de mim. Quando me
virei, perdi a respiração. A parede do túnel estava completamente lisa, a
superfície rochosa plana e intacta. A entrada para Elysium havia
desaparecido.
– Tyrius – eu disse alarmada.
– Não se preocupe. A entrada está enfeitiçada, mas ainda podemos sair
– falou o gato enquanto se esgueirava ao meu lado, ficando perto da parede.
Ele mordeu a pata. Sangue preto escorreu de sua ferida, então, Tyrius a
pressionou contra a parede. Quando tirou a pata, ficou uma pegada perfeita.
Ele saltou através da parede onde a entrada estava e desapareceu,
reaparecendo no segundo seguinte.
– Viu? Ela quer que você passe, mas também quer mantê-la aqui dentro.
Agora, sabemos qual é a saída.
Gato esperto.
– Estou feliz que você esteja aqui comigo, Tyrius – eu disse, sorrindo.
Tyrius sorriu.
– Fique perto de mim, garota, e sua vida será uma moleza.
Rindo, segui o gato pela passagem. O chão estava coberto de poeira e de
sujeira, sem dúvida do monte de demônios e de híbridos que vagavam por
ali, além de um ou outro humano idiota.
Depois de meia hora caminhando, o ar ficou quente e rarefeito, sendo
substituído pelo fedor de enxofre. O suor escorria pelas minhas costas e
minhas têmporas à medida que ficava mais difícil respirar. Era como se o ar
fosse tóxico e cada respiração fosse forçada. É assim que deve ser o ar no
Submundo.
Mergulhamos em um vazio, em uma escuridão brutal, que sufocava
todo os sentidos de tempo e de percepção espacial. Tyrius continuou
parando e cheirando as paredes com suas orelhas baixas e o rosto contraído
como se estivesse sentindo algo ruim. Seu nervosismo me deixou
preocupada e meu pulso acelerou, deixando-me tonta.
Eu preciso de ar. Ar fresco.
Em meio ao ar quente e fedorento, senti a escuridão fria e o leve fedor
de morte e de podridão.
– Malditos híbridos – eu disse, tentando continuar respirando pela boca.
– Eles sempre escolhem os lugares mais charmosos para ficar. Como podem
viver aqui embaixo? Quero dizer, eu entendo porque os demônios vivem
aqui, eles são demônios, mas os híbridos são parte humanos. Eles não
precisam de um pouco de ar fresco? Eu enlouqueceria se tivesse que ficar
aqui.
– Eles provavelmente não têm escolha – disse o gato. – É isso ou a
morte.
Pingos de suor brotaram na minha testa.
– Eu não sei você, mas meu radar demoníaco está enlouquecido. É
difícil identificar um híbrido em particular. Todos os lugares parecem…
parecem um fluxo de energias demoníacas aleatórias.
– Os Rifts estão fazendo isso – disse Tyrius, sem olhar para cima. – É a
energia demoníaca pura que pulsa dentro deles ferrando com nosso olfato
demoníaco.
Caminhei ao redor de uma pilha de pedras e de escombros.
– Isso vai tornar muito mais difícil encontrar Ugul. Ele pode estar em
qualquer lugar aqui embaixo.
Tyrius olhou por cima do ombro e disse:
– Apenas siga o fedor. Há sempre uma fada no final da bosta.
Eu ri, deixando-me relaxar um pouco. O som do riso ricocheteou nas
paredes do túnel de forma estranha, como se o som, em si, não fosse
permitido.
Tínhamos nos movido mais trinta metros quando Tyrius parou diante de
três túneis igualmente escuros e imponentes que se ramificavam do túnel
principal.
O demônio baal se virou e olhou para mim com seus olhos arregalados.
– Acho que devemos seguir em frente.
Examinei os outros dois túneis.
– O que há de errado com esses dois?
Tyrius deu de ombros.
– Há um veterinário com uma agulha gigante me esperando. – O siamês
estremeceu. – Tá, talvez não, mas há algo maligno lá, especialmente no da
direita.
Limpei o suor dos meus olhos.
– Tá – concordei, sentindo-me inútil.
Minhas habilidades de caça não eram tão eficazes aqui como eu
imaginei que seriam. Sempre que usava meus sentidos, eu recebia de volta a
mesma energia fria e demoníaca, como se ela estivesse vindo da parede.
Podia apostar que os Rifts estavam afetando meus sentidos de demônio e de
anjo.
Droga. Isso não era bom.
Depois de duas horas caminhando, comecei a notar uma crescente
sensação de pânico à medida que nos movíamos. Senti-me muito cansada,
como se minha energia estivesse sendo drenada por este lugar. Uma
sensação nauseante apertou meu peito. Parecia que os túneis estavam nos
encurralando.
Meu coração disparou enquanto eu tentava afastar o pânico dos meus
pensamentos, mas ele voltou dez vezes mais forte.
– Maldito lugar – xingou Tyrius, parando.
Caminhei em direção a ele.
– O que foi?
– Nossas próprias pegadas. Andamos em círculos!
– O quê?
Ajoelhei-me para olhar a terra batida e reconheci as pegadas femininas
tamanho trinta e oito, bem como as patas. Nossas pegadas. Merda.
Senti um aperto na garganta. Estávamos ferrados. Se Tyrius não
percebera que tínhamos andado em círculos até chegar aqui, como iríamos
encontrar o caminho para sair deste inferno?
Levantei-me lentamente com o coração na boca.
– Estamos perdidos.
– E você está invadindo um local privado – disse uma voz vinda das
sombras.
Os cabelos da minha nuca se arrepiaram. Os olhos do gato se
arregalaram com o choque súbito.
Eu não os senti se aproximarem, mas reconheceria o fedor deles em
qualquer lugar: uma mistura de cerveja velha, de frutas podres e de uma
pitada de gambá.
Duendes.
Capítulo 11
E u não– Você
sabia o que fazer, então, comecei a rir.
está me sacaneando, não é, goblin?
O híbrido resmungou para mim.
– O que você esperava? Um homem-fada alto e bonito com peito
musculoso, nariz pequeno e olhos sonhadores?
Comprimi meus lábios.
– Algo parecido.
– Não. – Ele sacudiu a mão para mim. – Você assiste a muita televisão.
– Não consegui ouvi o resto do que dizia pois ele virou a cabeça e
murmurou para si mesmo enquanto olhava para o fogo.
– Mas…
Eu nunca tinha visto nenhum livro ou registro que dizia que os goblins
eram fadas. Se tivesse, acho que me lembraria. Isso era loucura.
Exalei lentamente. Minha mente girava. Não havia como saber se
aquele goblin estava falando a verdade. Todavia, eu nunca tivera o prazer de
conhecer uma fada da Corte da Luz. Só havia cruzado com aquelas fadas
sujas da Corte das Trevas. Talvez… essa fada-goblin estivesse dizendo a
verdade. Talvez ele fosse Ugul.
Isso explicaria porque estava morando aqui, porque ele tinha um
exército de cães de caça cercando sua casa e porque as fadas da Corte das
Trevas nunca poderiam alcançá-lo.
Meus olhos observaram sua cabeça um pouco grande demais, seu rosto
deformado, as orelhas que caíam quase até os ombros, o couro cabeludo
escamoso e a pele morena com rugas profundas enquanto ele pensava sobre
algo. O híbrido assustaria qualquer criança humana.
Emoções conflitantes me atingiram como uma injeção de adrenalina. Se
ele realmente era Ugul, então, meu trabalho estava feito. Com uma simples
entrega para a fada rainha das trevas, eu pagaria a dívida da minha avó e
consertaria as coisas novamente.
O pensamento me fez sorrir. Ainda assim, o sujeito tinha nos salvado.
Merda. Eu estava tão ferrada.
– Isso não faz sentido – eu soltei em voz alta antes de perceber o que
tinha feito.
– O que não faz sentido?
Estremeci com a voz familiar. Tyrius estava sentado. Seus olhos azuis
estavam arregalados e pareciam saudáveis. Seus pontos haviam
desaparecido e tufos de pelos brancos cobriam sua barriga enquanto seu
pelo começava a crescer.
– O que eu perdi? – disse o gato.
Meus olhos ardiam enquanto eu lutava para manter minhas lágrimas sob
controle. Estendi a mão e segurei seu rosto, sabendo que ele odiava isso,
mas não me importando.
– Graças a Deus. Como você está se sentindo?
Tyrius puxou a cabeça das minhas mãos e olhou para seu corpo.
– Como se eu tivesse passado por um moedor de carne. O que
aconteceu? Não me lembro. Devo ter apagado. Você me curou?
– Não – eu disse, sentindo os olhos do goblin em mim quando me virei
e disse – Ele o curou.
Tyrius olhou para o híbrido.
– Obrigado, gentil senhor – disse o gato. – Estou em dívida com você.
Eu sou Tyrius.
– Ugul – disse o goblin.
Observei Tyrius em busca de um sinal de que o goblin estava mentindo.
Senti um nó na garganta quando ele não reagiu do jeito que reagia com
mentiras. O gato teria me dado um olhar. O demônio baal voltou seu olhar
para mim e arqueou uma sobrancelha, dizendo-me com os olhos que o
goblin era, de fato, a fada que fomos enviados para encontrar. Ele cheirou o
ar.
– Você tem alguma comida nesta espelunca? Eu mataria por uma pizza
ou um cheeseburger.
O goblin nos olhava estranhamente. Ele tinha percebido nossa troca de
olhares silenciosa. Cerrando os dentes, seus dedos agarraram os braços de
sua cadeira quando disse:
– Não. Não tem carne. Apenas vegetais e algumas frutas secas.
Tyrius bufou.
– Vocês, fadas da luz, não sabem o que estão perdendo.
Fadas. Então, era verdade. Meu pulso acelerou e eu respirei rápido.
– Aqui – eu disse enquanto pegava uma tira de carne seca da minha
bolsa e dava para Tyrius. – Você sabia que os goblins eram fadas?
– Hã, sim. – O gato mastigou com fome. – Os goblins são fadas da
Corte da Luz. Eu pensei que você soubesse disso – ele adicionou entre as
mastigadas.
Voltei meu olhar para o goblin.
– Eu não sabia. – Meu coração estava acelerado.
– Contudo, as fadas da luz e das trevas nunca se deram bem. Não é? –
perguntou Tyrius enquanto se aproximava de Ugul, ainda mastigando sua
carne. – Devido a algum tipo de conflito entre os tribunais, certo?
Ugul estreitou os olhos para o gato, mas não disse nada.
A tensão aumentou no silêncio repentino. Eu pude ver que o homem-
fada estava se arrependendo de sua decisão de nos salvar. Mudei de posição
no caso de ter que me mover rápido. Senti algo gelado passando pelo meu
jeans enquanto a moeda do duende pulsava e me lembrei que ainda havia
uma saída.
Eu realmente vou fazer isso?
Um ar frio e úmido soprou. Olhei através da entrada escura da caverna
para a escuridão que se estendia. Eu estava em conflito. Isso nunca tinha
acontecido comigo antes em uma caçada. Livrar-me da escória demoníaca
era minha especialidade. Inferno, eu era ótima nisso. Era a única coisa na
vida que me trazia um senso de propósito. Contudo, este goblin-fada me
fazia hesitar. Ele não era o lixo demoníaco com a qual estava tão
acostumada a lidar. O que quer que ele tivesse feito não tinha nada a ver
comigo. Não era problema meu. Ugul era realmente mau? Ele nos salvara,
mas também matara o filho da rainha das fadas.
– Por que você está aqui? – Os olhos de Ugul se arregalaram. – Quem a
mandou?
– Quem disse que alguém nos enviou? – perguntou o gato enquanto
olhava para mim com encorajamento. Seus olhos diziam “faça”.
Droga. Meu coração batia tão alto que eu tinha certeza que Ugul podia
ouvir.
– Ela mandou você, não foi? – pressionou o goblin enquanto empurrava
a cadeira para trás e se levantava. Sua voz forte me fez vibrar, embora ele
estivesse a três metros de distância. – Esperta, ela sabia que eu não iria feri-
la por causa do que você é. Eu deveria ter deixado os cães veth a matarem.
– Ele deu um passo para trás.
Ouvi Tyrius sorrir.
– Awwww, ele é tão doce que eu poderia até peidar bolas de pelo.
Cerrei meus dentes e minhas mãos se fecharam.
– Eu não sei do que você está falando.
A sensação de antecipação apertava meu estômago. Isso não era bom.
Quanto mais eu esperasse, mais difícil seria. Além disso, eu tinha visto um
pouco da magia dele. Não tinha ideia o que mais o homem-fada poderia
tirar de sua bunda ou o quão poderoso ele era.
– Sim, você sabe – o goblin disse suavemente. Seus olhos escuros e
expressivos olhavam para mim e para Tyrius. – Você veio aqui procurando
por mim, mas nunca deveria ter vindo. Eu odeio matar os nascidos-anjo,
contudo, você não está me dando escolha. Devo me proteger. Devo proteger
a todos nós.
Tyrius riu.
– O que ele andou fumando?
– Saiba que isso não me agrada, nem um pouco. Porém, devo matá-la –
disse Ugul e um arrepio percorreu-me quando me agachei. – Ela vai acabar
com tudo e eu não posso permitir isso.
Uma expressão dura marcou o rosto dele, fazendo-me lembrar de quem
ele era e do que era capaz. Afinal, o sujeito havia matado o filho da rainha.
Um sorriso cruel curvou os cantos de sua boca. O goblin ergueu a mão e
seus lábios proferiram um feitiço silencioso enquanto uma bola de luz
branca se formava em suas mãos, a mesma luz branca que eu o vira usar
nos cães veth.
Com um movimento rápido e ofuscante, ele a atirou em mim.
Contudo, o goblin não tinha ideia de com quem estava lidando.
Esquivei-me para o lado, mas não rápido o suficiente. Gritei quando a
bola atingiu meu braço direito. Eu caí no chão quando a esfera explodiu,
soltando centelhas brancas. A dor tomou conta do meu corpo e a tensão
contraiu meus músculos um a um enquanto um formigamento quente
começou a subir dos meus dedos dos pés até o meu pescoço. Um mau
cheiro de metal fez cócegas em meu nariz, então, senti um cheiro de cabelo
queimado.
– Rowyn! – gritou Tyrius sobre o zumbido em meus ouvidos.
Tremendo, empurrei com os joelhos involuntariamente e me forcei para
ficar de pé. Quando a onda de náusea parou, olhei para o rosto atordoado de
Ugul.
O goblin olhou para mim, franzindo a testa com uma frustração
estampada em seu rosto.
– Maldição. Isso doeu – eu gritei, olhando para o resto de sua magia de
luz que parecia pequenas correntes elétricas enroladas no meu corpo.
Doeu pra caramba, mas eu não estava morta. Pelo olhar de choque no
rosto de Ugul, eu sabia que ele planejava me matar com aquela bola de luz.
Ainda assim, não funcionara.
De alguma forma, sua magia de fada não tivera o que ele pretendia.
Minha metade anjo e metade demônio salvaram minha pele.
Um sorriso curvou meus lábios e eu apontei para o goblin de repente
inseguro.
– Você não deveria ter feito isso, querido Ugul.
O rosto do híbrido estava mortalmente furioso. Claramente afetado, o
goblin caminhou até Tyrius e começou a falar em uma língua estranha.
– Quiso ru setodies ipsos antgu? – ele disse irado. Centelhas de energia
branca entrelaçaram seus dedos e eu quase enlouqueci.
Gritando de raiva, voei em direção à fada.
Ele virou a cabeça quando me aproximei. Seus braços estavam erguidos
para me acertar de novo com aquela porcaria de luz. Usando meu embalo e
com a mão aberta, bati em sua têmpora esquerda o mais forte que pude.
Ugul abriu a boca para dizer algo, mas, então, parou. Seus olhos rolaram e
ele caiu no chão, inconsciente.
Tyrius saltou ao meu lado.
– Rowyn, você conseguiu! Não que eu tivesse qualquer dúvida. Sabe o
que isto significa? Que podemos salvar a casa da vovó!
Olhei para o goblin-fada inconsciente aos meus pés com meu estômago
embrulhado.
– Então, por que me sinto uma imbecil?
Capítulo 15
– E le é Eu
muito mais pesado do que parece.
ofegava, enquanto arrastava os pés o goblin-fada pelos túneis.
Usamos seu pequeno barco a remo para voltar pela água e, para minha
surpresa e alívio, os cães não apareceram. Ele fedia a repolho e a lenha.
Depois que caíra inconsciente, amarrei seu pulso com algemas de ferro – o
ferro era um repelente mágico natural – para impedi-lo de conjurar qualquer
uma de suas magias de fadas e prendi seus pés com grandes algemas. Para
não arriscar, amordacei o goblin com um cachecol velho que encontrei em
sua caverna. Eu tinha certeza que, dada a oportunidade, ele tentaria conjurar
sua magia.
A moeda do duende estava pressionada contra a minha mão direita,
enviando ondas de calor que pulsavam nela. Estávamos bem adiantados,
usando a moeda como guia.
– Tem certeza que este é o caminho certo? – questionou Tyrius enquanto
caminhava à minha frente. O pelo do baal já havia crescido e eu não
conseguia nem dizer onde ele havia levado pontos. – Podemos estar
perdidos, você sabe, né? Essa moeda ainda pode ser um truque.
– Por que seria? – perguntei, ouvindo minha voz rouca. Meu coração
batia forte e suor escorria por todo o meu corpo. – Os duendes nos disseram
onde encontrar Ugul e eles estavam certos. Por que mentiriam sobre esta
moeda se nos contaram a verdade sobre a fada?
– Porque eles querem nos confundir? Eu não gosto disso – resmungou o
gato.
– Eu sei. Você já me disse uma centena de vezes. Pense assim, talvez
esta moeda nos traga sorte. Deus sabe que merecemos um pouco.
Tyrius murmurou alguma coisa, mas eu não consegui entender. Minhas
roupas estavam secas e o que quer que estivesse na água tinha grudado em
meu jeans como tiras finas verde escuro. Meu humor piorou com o esforço
de arrastar a fada, mas eu suspeitava que a culpa do que eu estava prestes a
fazer seria mais pesada do que ele.
Meus ombros ardiam de dor. Exalei ruidosamente e puxei a fada sobre
uma grande pedra.
– Jesus, espero que estejamos chegando ao fim do túnel em breve. – A
moeda pulsava com o calor, dizendo-me que ainda estávamos no caminho
certo. – Estou cansada de carregar o traseiro dele.
– Estamos quase lá – respondeu o gato. – Eu posso sentir o cheiro da
sujeira do rio Hudson. Não deve estar muito longe.
Levantei minhas sobrancelhas, sentindo um fio de suor escorrer entre
meus seios.
– Impressionante.
Tyrius se virou e olhou para mim.
– Você já pensou em como vamos levá-lo ao Bairro Místico sem os
humanos ligarem para a polícia nos acusando de sequestro?
– Você quer dizer sequestro de fadas? – eu disse, arrastando o goblin
pelos pés. – Vou chamar um táxi assim que chegarmos ao parque. Ele é meu
pai e está bêbado, vamos levá-lo para casa. Simples assim.
– Tsc tsc tsc. Um táxi para o Bairro Místico? Tem certeza que isso é
sábio? – perguntou Tyrius.
Irritada, eu olhei para o gato.
– Ou mais perto que o taxista estiver disposto a nos levar. Eu mesma o
arrastarei para a maldita torre se for preciso.
Tyrius se encolheu com meu humor azedo, mas não disse nada enquanto
continuava andando, um pouco mais rápido agora.
Quando finalmente chegamos à grande fenda na parede, a entrada de
Elysium, quase desmaiei de alívio. Sorri ao ver a pegada de Tyrius na
parede e arrastei a fada inconsciente pela abertura. Nós conseguimos.
Agradeci silenciosamente à moeda do duende quando finalmente
chegamos à boca do túnel. Achei que Tyrius não iria gostar se eu beijasse o
objeto. Embolsando minha moeda da sorte, coloquei Ugul gentilmente no
chão e saí. Fechando os olhos, inalei o ar fresco da manhã. Em seguida,
colidi com algo duro e, ao mesmo tempo, macio.
Era um corpo. Reconheci seu cheiro almiscarado que fez meu coração
disparar.
Meus olhos se abriram.
– Jax? – eu gritei, quase tropeçando em Ugul. – O que diabos você está
fazendo aqui?
Jax olhou para mim e, quando nossos olhos se encontraram, senti meu
peito contrair. Droga. Por que ele tinha esse efeito sob mim? Eu deveria
estar puta da vida, não com borboletas na barriga como uma colegial
apaixonada.
Então, seus olhos se voltaram para Tyrius e, finalmente, pararam em
Ugul. Ele fez uma cara feia.
– O Padre Thomas me disse onde encontrá-la. Procurei em todas as
entradas sem saber quando você apareceria. Quem é esse?
– Não é da sua conta – rebati, lembrando que eu tinha contado ao padre
sobre meu trabalho com a rainha das fadas antes de sair, caso eu nunca mais
voltasse.
De repente, percebi o quão perto ele estava e quão horrível eu devia
estar fedendo. Um calor percorreu o meu rosto. Exalei nervosamente e
evitei olhar para Jax quando senti seus olhos deslizarem sobre mim. Eu não
ficaria hipnotizada por sua beleza física, não importa o quão gostoso eu
achasse que o nascido-anjo era. Droga, ele era gostoso. Gostoso. Gostoso.
Gostoso.
Não seja idiota, Rowyn. O cara tem uma noiva, eu lembrei a mim
mesma.
– Por que você está aqui, Jax? – repeti.
Quando eu olhei para ele, foi sua vez de evitar meus olhos.
O homem coçou a nuca.
– Eu queria me desculpar pelo comportamento da minha mãe.
– E pelo seu também, imagino – repreendeu Tyrius, olhando para Jax
como se estivesse pronto para mordê-lo. – Rowyn e eu não temos segredos.
Somos melhores amigos. Eu sei tudo sobre a história da noiva. Isso não foi
legal, Jax.
Outra onda de calor percorreu minhas bochechas.
– Agora não, Tyrius – avisei.
Eu não queria falar sobre isso agora. Além disso, de forma alguma
queria que o nascido-anjo soubesse como eu realmente me sentia. Isso
passaria, assim como todas as mágoas passavam. Tinha sido apenas um
beijo. Tinha sido apenas um beijo, né?
Jax abriu a boca, mas, depois, a fechou. Ele claramente não estava
pronto ou disposto a compartilhar o que estava em sua mente. O homem
tinha marcas roxas em seu rosto, o que só me confundia ainda mais.
– O Padre Thomas deveria ter ficado de boca fechada – eu disse,
pegando meu celular e percorrendo meus contatos. Onde estava aquele
número idiota do táxi? – Ele não tinha nada que dizer meu paradeiro,
principalmente quando estou no trabalho. Como você pode ver, estamos
ocupados aqui. Não tenho tempo pra conversa fiada.
– Vim porque estava preocupado. – Jax correu os olhos sobre mim.
Mesmo na escuridão, eu podia ver aqueles cílios grossos delineando
seus olhos verdes. Meus olhos se moveram para encontrar seus lábios. Senti
uma sensação de calor no estômago.
Eu bufei.
– Por favor.
– O que deu em você para entrar naqueles túneis sozinha? – O tom dele
era duro, claramente irritado. Suas feições estavam tensas e marcadas. –
Você entrou em Elysium? Todos os nascidos-anjo sabem que essas
passagens subterrâneas são traiçoeiras e mortais. É por isso que nunca
entramos lá. Por que não me ligou?
Irritada por ele achar que eu precisava de sua ajuda, eu disse:
– Você não retorna as ligações. Além disso, eu não estava sozinha.
Estava com Tyrius.
– É isso aí, gostosão – disse o gato.
Jax exalou lentamente.
– Eu queria ligar para você – disse ele e eu quase revirei os olhos. – As
coisas estão difíceis ultimamente.
– Por quê? Andou conjurando algum demônio inferior ultimamente? –
Eu estava mostrando muita emoção de novo. – Você não me deve nada –
expressei com meus sentimentos abalados. – Nós trabalhamos juntos. Isso
não nos torna casados.
Jax suspirou e eu quase sorri com o quão irritado ele parecia.
– Minha mãe precisava que eu ficasse com ela em casa enquanto meu
pai estava no exterior a negócios do conselho – disse ele. – Ela pode ser
bem agressiva quando está de mau humor.
– Não me diga – fala de forma agradável e Tyrius riu.
Não me importava que ela fosse a mãe dele. Já tinha perdido todo o
respeito pela mulher.
– Eu sei o que você deve pensar dela – Jax continuou. – Minha mãe
disse algumas coisas bem desagradáveis.
– Ela é uma mulher horrível.
Um músculo se contraiu na mandíbula do nascido-anjo.
– Ela nem sempre foi assim – ele hesitou. – As coisas em casa têm sido
muito diferentes desde a morte de Gillian. Minha mãe não consegue superar
isso.
– Eu nunca disse que ela deveria – falei. Conhecia aquela dor profunda
e excruciante devido a morte de meus próprios pais. – Não consigo
imaginar a dor de perder um filho, mas a mulher não precisava me tratar
como uma merda qualquer. Eu não deveria ter ido à sua casa. Foi um erro
que não vou repetir.
Um belo sorriso tomou conta das feições bem barbeadas dele.
– Você estava preocupada comigo. – Ele me deu um sorriso bobo, do
tipo que os homens davam quando achavam que a garota estava apaixonada
por eles. O nascido-anjo se aproximou e sussurrou – Eu sabia que você
gostava de mim.
Maldito Jax. Droga.
– Você deveria ir embora. – Rolei a tela do meu celular novamente, os
nomes pareciam borrões devido à velocidade. A última coisa que eu
precisava era estar perto do cara. – Como você pode ver, estamos bem.
Ugul soltou um gemido e eu prendi minha respiração. Porcaria.
Tyrius saltou ao lado da fada.
– Devemos nos apressar com o táxi. Ele está acordando. A menos que
você queira bater nele de novo?
– Não.
Eu não iria bater nele novamente. Não era meu estilo. Não iria
nocauteá-lo sempre que o goblin acordasse. Não era sádica.
– Quem é ele? – Jax se ajoelhou ao lado de Ugul. – Um goblin, pela
aparência. Ele é um filho da mãe feio, né? – O nascido-anjo riu. – O cara é
perigoso? Foi por isso que o amarrou? Por que ele cheira a repolho?
– Não é da sua conta quem ele é.
Vá embora, Jax.
O homem me deu um sorriso irônico.
– Eu amo uma mulher brava. Isso apenas mostra como ela gosta de estar
no controle.
Meu coração bateu contra o meu peito e fiz uma careta para ele. O que
havia de errado comigo?
– Estou levando-o para a rainha das fadas da Corte das Trevas. Depois
disso, ele não é mais problema meu.
– Eu levo você – ofereceu Jax, enquanto se levantava em um salto. –
Meu carro está ali na rua.
– Não.
De jeito nenhum eu entraria no carro dele. Eu queria que ele fosse
embora para que eu pudesse ouvir meus pensamentos.
– Obrigado. Vamos aceitar a carona – disse Tyrius e meu queixo caiu.
Olhei para o gato.
– Não, obrigada. Estou chamando um táxi.
– Não seja idiota, Rowyn – miou o felino. – Aceite a oferta de Jax. Um
táxi só vai atrair atenção no Bairro Místico, sem mencionar que o motorista
pode nem querer nos levar com seu pai bêbado.
Tyrius tinha razão, mas eu era teimosa. E, neste momento, eu não me
importava com o quão ofendido Jax parecia. Ele tinha uma maldita noiva.
– Vou me arriscar com o táxi – falei com uma voz seca. – Aqui, achei o
número. Estou ligando.
– Rowyn, deixe-me levá-la – começou Jax. – Você vai precisar de ajuda
para arrastá-lo até a rainha. Ele parece pesado.
– Eu me viro – rebati.
Tyrius olhava para mim como se eu estivesse sendo uma idiota. Tá,
então talvez eu estivesse. Eu até poderia aceitar isso. O que eu não podia
aceitar era estar perto de Jax. Eu não gostava do jeito que ele me fazia
sentir, como se eu estivesse perdendo o controle. Não era uma sensação
boa.
Naquele momento, minha moeda mágica emitiu uma energia fria,
fazendo a pele sob o bolso do meu jeans formigar. Talvez ela estivesse me
avisando para ficar longe do nascido-anjo. Moeda esperta.
Ouvi uma voz do outro lado da linha.
– Oi – eu disse e observei enquanto Jax se virava, parecendo chateado. –
Eu gostaria de solicitar um táxi na esquina da Riverside Drive com a…
Senti um espasmo na mão e deixei cair o celular. Ele atingiu o
pavimento fazendo um estalo. Ouvi o barulho do plástico quebrando.
– Rowyn? O que há de errado? – perguntou Tyrius com os olhos
arregalados de terror.
Minha boca estava seca e senti que não tinha ar suficiente em meus
pulmões.
– Não sei. Sinto-me estranha. – Senti um aperto no estômago e não
consegui falar. Eu pisquei. Estava ficando tonta. Talvez a magia de Ugul
finalmente estivesse fazendo efeito.
Uma mão firme me agarrou. Jax.
– Você provavelmente está desidratada. Tenho água no carro. Quando
foi a última vez que comeu alguma coisa?
– Não é desidratação – disse o gato. – Alguma coisa não está certa.
Posso sentir isso também. Há trevas no ar, sinto o cheiro de morte e de
corrupção.
Meus olhos caíram sobre Tyrius. Pisquei novamente, tentando me
concentrar.
– Acho que parou agora…
Uma dor quente me atingiu do nada e gritei, cambaleando. Meu coração
pulou e eu me engasguei. O fogo queimava minha pele. Meu grito seco
rasgou o ar. Caí de joelhos, tremendo. Meus órgãos estavam em chamas. Eu
estava queimando de dentro para fora. Não conseguia respirar. Doía muito.
Ouvi vozes gritarem. Era Jax e Tyrius. Contudo, eu não podia
compreender o que diziam sobre meus batimentos disparando loucamente.
Cada batida empurrava o fogo pelos meus poros. Consegui respirar com
dificuldade, então, eu a vi.
Uma velha com longas mechas de cabelo branco e grisalho estava na
minha frente. Seus pequenos olhos estavam perdidos entre as rugas
profundas, mas eu podia distinguir um olho branco leitoso me encarando.
Eu teria reconhecido aquele rosto em qualquer lugar. Era a bruxa das trevas
de quem eu roubara o grimório.
Evanora Crow sorriu como o diabo, então, uma escuridão pesada
finalmente me engoliu.
Capítulo 16
O scamisas
guerreiros das fadas usavam os mesmos casacos longos pretos,
e calças combinando junto com uma variedade de adagas
curvas embainhadas ao longo de seus cintos. Símbolos de fadas foram
tatuados na maior parte do seu corpo, fazendo com que eles parecessem ter
uma aparência mais sombria e mais perigosa.
Tyrius rosnou baixo e feroz.
– Onde está um sabre de luz quando você precisa de um?
Deslocando-me para o lado, abaixei Ugul o mais suavemente que pude
no chão atrás de uma BMW sedã cinza estacionada, sem desviar o olhar dos
Flechas Negras.
– Tente não se mover – eu disse ao goblin. – Isso só vai piorar. Apenas
fique parado até eu voltar.
Me endireitei e me afastei do carro, vendo Jax se aproximar e ficar ao
meu lado. Seu rosto ficou sombrio quando ele apontou sua espingarda para
os Flechas Negras, parecendo um guerreiro. Danto, Vicky e Keith
avançaram, formando uma linha protetora.
– O que você quer fazer? – Jax virou a cabeça e olhou para mim, a
tensão estava estampada em suas feições, mas algo em seu rosto me disse
que ele estava procurando uma briga.
– Eu não vou entregar Ugul para a rainha – eu disse, minha voz
tremendo de raiva.
– Então lutaremos? – perguntou Jax, com um brilho nos olhos.
– Nós lutaremos.
Examinei os rostos dos Flechas Negras enquanto eles olhavam de
soslaio. Eles eram selvagens, arrogantes e estavam à procura de sangue.
Nosso sangue. E todos eles tinham flechas apontadas para nossos rostos.
Daegal se afastou dos guerreiros fadas, seu arco estava em seu quadril, e
seus olhos escuros fixos em mim.
– Meus olhos estão me enganando – disse o comandante dos Flechas
Negras – ou você estava prestes a libertar a fada que você foi paga para
trazer? Deixar a fada ir não fazia parte do contrato. Esse não foi o acordo.
Minha rainha ficará muito decepcionada com você, Rowyn Sinclair.
Eu sorri para ele.
– Decepcionar uma fada é como ter um orgasmo. É uma sensação tão
boa.
Jax soltou uma risada alta e deu um tapa na coxa para adicionar um
efeito dramático. Funcionou.
– Você acha que isso é uma piada? – Daegal rosnou, as palavras soaram
quase guturais. Seu rosto pontiagudo estava torcido em uma careta, dando-
lhe mais a aparência de um animal. Ele era o único que não apontava uma
flecha para nós, mas isso não significava que ele era menos perigoso.
– Nos dê a fada – ele rosnou –, e talvez nós deixemos você viver.
Mostrei meus dentes em um sorriso Colgate.
– Que tal eu lhe dar o dedo do meio – eu disse e fiz o gesto com meus
dedos – e, então, talvez eu deixe você viver.
– Boa, Rowyn. – Riu Tyrius.
Sorrindo para o baal, eu puxei ambas as lâminas e então me virei para as
fadas.
Os olhos escuros de Daegal encararam os meus por um breve momento.
– Eu não vou falar de novo. Este é o último aviso, Caçadora. Entregue
ele para nós, ou a última coisa que você verá é minha flecha cravada em seu
peito.
Irritada, troquei o peso da perna e me abaixei.
– Pensei que tinha mandado você ir se ferrar.
– Como quiser. – Com um movimento incrivelmente rápido, Daegal
estendeu a mão para trás, puxou seu arco e encaixou uma flecha. – Ouvi
dizer que o Submundo está cheio de demônios morrendo por um pedaço de
sua alma. Eles vão me agradecer por ter mandado você mais cedo.
Eu fiz uma careta. Ele acha que quando eu morrer eu vou para o
Submundo?
Meus pensamentos se dissiparam quando ouvi o som de cordas se
esticando e flechas sendo encaixadas.
– Protejam-se! – eu gritei.
Com o coração na boca, eu entrei em ação.
Flechas, negras e rápidas dispararam em minha direção, e eu me abaixei
e me afastei. Mas elas continuaram chegando. As flechas assobiavam
passando por mim, raspando meu rosto como um vento gelado, e eu me
joguei para o lado para evitar uma flechada no rosto. Elas atravessaram meu
cabelo como as garras brutais de uma fera. Merda. Eu viraria um kebab de
Rowyn se não encontrasse cobertura logo.
A adrenalina percorreu meu corpo quando me joguei para frente e rolei
no chão ao lado de um sedã Infiniti preto e reluzente. As flechas atingindo o
teto e a lateral do carro soaram como uma metralhadora. Ele era um carro
muito bonito.
As flechas dispararam pelo ar como granizo negro, granizo negro e
mortal. Eu nunca vi nada parecido. A única maneira de parar a saraivada de
flechas era matar os Flechas Negras. Eu tinha que chegar até eles, de
alguma forma.
Ofegante, me inclinei para frente. Sentindo a adrenalina, me abaixei
atrás do porta-malas do carro. Arrisquei uma olhada e vi alguém correndo.
Jax.
Assisti com horror quando ele se lançou para frente, bombeando e
atirando no bando de Flechas Negras como uma prática de tiro ao alvo.
A espingarda de Jax disparava, mais alto que um trovão. As balas
lançadas estouravam formando uma explosão de sangue e ossos no ar. O
homem-fada deu um passo para trás, sendo jogado de costas pela força das
balas que o atingiu. Ele não teve tempo de sacudir-se, muito menos gritar.
Ele simplesmente caiu como uma pedra. Havia uma mistura de sangue e
carne onde o tiro havia rasgado o peito da fada.
O cheiro súbito de pólvora queimada me disse que desta vez Jax tinha
colocado balas de verdade e não as de sal.
Nossos olhos se encontraram e ele sorriu. Então seu sorriso desapareceu
com a chuva repentina de flechas que voaram em sua direção. Jax xingou e
saltou para atrás de um poste de luz.
– Seu idiota! Você está tentando se matar! – eu gritei.
Ele contornou o poste para me dar um sinal de positivo e então abaixou
a espingarda e começou a atirar novamente. Eu balancei minha cabeça.
Filho da mãe xarope.
Mais rápido que o vento e mais rápido que a morte, Danto disparou para
frente, acertando o punho no rosto de um homem-fada, e levando a cabeça
dele para trás. Houve um barulho horrível e o híbrido desabou. Ele voou
para outro homem-fada, derrubando o arco de sua mão, e com uma rápida
sucessão, ele abriu um buraco no pescoço do homem-fada do tamanho de
seu punho. O sangue da ferida jorrou no rosto de Danto. Flechas voaram na
direção do vampiro, mas usando o corpo da fada morta como um escudo,
ele girou e caminhou através da chuva de flechas.
Vicky era um borrão, ela se movia rápido demais. Ela agarrou o pulso
de um homem-fada e houve um estalo, o estalo de osso era claro no ar da
noite. O grito do homem-fada ficou preso em sua garganta quando ela
cortou sua jugular com um golpe de suas garras. Keith seguiu com um
chute selvagem em um dos joelhos do homem-fada. Os olhos da fada se
arregalaram, mas ele não teve tempo para mais nada. Antes que a fada
desmoronasse, Keith havia quebrado seu pescoço e se esgueirado para
perseguir o Flecha Negra mais próximo.
Impressionante. Era preciso um domínio sério do combate corpo a
corpo para saber onde acertar, e eles faziam parecer tão fácil quanto
respirar. Quero dizer, fale o que quiser sobre os vampiros, mas eles
matavam com um sério estilo.
Eu sempre invejei a velocidade sobrenatural dos vampiros. Eles se
moviam como o The Flash. Eles eram fodas, e eu estava feliz que desta vez
eles estavam do meu lado.
Ouvi um grito estridente, e me virei para ver um gato arrancando os
olhos de um dos Flechas Negras. O rosto do homem-fada estava coberto de
sangue enquanto ele se debatia, tentando afastar o gato, mas Tyrius não o
soltou. Eu sabia que Tyrius ainda estava se recuperando, então ele não podia
se transformar no Hulk. Mas sua forma minúscula era uma estratégia. Ele
era perfeitamente capaz de arrancar os olhos de seu oponente com suas
garras afiadas. Ele também tinha uma mordida cruel, seus dentes
minúsculos eram como agulhas abocanhando a carne macia e cortando as
artérias. Ele era incrível.
– Isso aí, Tyrius – murmurei, meu peito inchando de orgulho. Desviei
meus olhos e vi Daegal. Bingo.
Sorrindo, saltei ao redor do carro e fui na direção do homem-fada
magro. Sua atenção estava focada em Jax, ele estava tentando acertá-lo com
suas flechas enquanto circulava ao redor do poste de luz. Senti o gosto da
raiva na minha garganta. Ele não tinha me visto.
Ele era meu. Eu ia pegá-lo.
Segurando minha lâmina da alma pela ponta afiada, eu a lancei. A prata
da lâmina brilhou à luz da lua enquanto voava, girando em linha reta
enquanto ganhava velocidade. E justamente quando a lâmina ia atingir seu
alvo, Daegal desviou seu arco no último segundo e encontrou minha lâmina
com uma flecha. Houve um tinido de metal, e minha lâmina atingiu o chão
junto com a flecha.
Meu queixo caiu. E meu sorriso desapareceu. Droga, como ele fez isso?
O maldito zombou de mim, mas antes que ele pudesse armar outra
flecha, eu corri novamente, com a lâmina da morte na mão, eu ia acabar
com o maldito de uma vez por todas.
Algo fino e preto veio na minha direção, e era rápido demais. Mergulhei
na calçada, mas não rápido o suficiente. Bati com força no chão, e a dor
irrompeu na minha coxa esquerda.
Merda. fui atingida.
Me debatendo, eu cerrei os dentes quando uma onda de dor me atingiu.
Uma flecha atravessou minha coxa e saiu do outro lado. Que ótimo. A
flecha atravessou minha pele, e minha perna era como um espetinho de
carne. Não tinha como eu lutar com aquela coisa em mim, muito menos
tentar fugir. Ela havia atravessado o músculo, mas não minha artéria
femoral, pelo que pude ver. Xingando, me abaixei para puxar a flecha
Gritei quando outra flecha atravessou minha mão, prendendo-a na
minha coxa bem ao lado da outra flecha.
Eu estava muito, muito irritada.
Uma sombra se moveu na minha linha de visão. Não precisei olhar para
cima para saber que era Daegal. Claro, ele viria para se regozijar e saborear
a minha dor.
– Tsc, tsc, tsc, Caçadora. Você deveria ter desistido da fada quando teve
a chance. Agora, vou acabar com você com minhas flechadas. Então
estriparei você como um porco angelical que você é.
Senti uma dor pequena, aguda e latejante na coxa e na mão. Olhei para
baixo e vi um líquido amarelado saindo das feridas. Uma lenta sensação de
queimação começou a se espalhar pelas feridas da minha coxa e da minha
mão. Senti calor e frio ao mesmo tempo, e um calafrio desceu pela minha
espinha. Então, a sensação de queimação aumentou a cada batida do meu
coração.
As pontas das flechas foram envenenadas.
A boca da fada se abriu em um sorriso largo e presunçoso.
– Faebane. Nosso veneno mais mortal.
O medo apertou minha garganta quando pensei em Jax. Se ele fosse
atingido por uma daquelas flechas, ele não sobreviveria. Eu conhecia o
Faebane. Era a versão das fadas do veneno de uma lâmina da morte. Ele era
especialmente mortal para não fadas, outros híbridos e nós nascidos-anjo.
Contudo, eu era diferente.
O suor escorria pelos meus olhos, queimando-os. Minha lâmina da
morte era um peso bem-vindo na minha mão, isso significava que eu não
estava indefesa.
Piscando, eu rosnei para ele.
– Vem me pegar, seu maldito de orelhas pontudas.
Daegal ergueu as sobrancelhas e disse com uma voz sensual:
– Em outra vida, talvez.
Eca.
– Não tenho interesse em fadas – eu disse, ouvindo a repulsa na minha
voz. – O pó das fadas sempre acaba entrando em lugares onde não deveria.
O Flecha Negra riu enquanto encaixava outra flecha.
– Você deveria ter aceitado o acordo, Caçadora. Agora sua avó vai
perder a casa dela.
– O quê? – exclamei, sentindo meus músculos rasgando enquanto eu
puxava as flechas. – Como você sabe disso? Responde!
Daegal me deu um sorriso malicioso.
– A vida da fada realmente valeu o fim da sua avó? Você é uma nascida-
anjo pirralha e muito egoísta. Agora, sua avó será reduzida à pobreza por
sua causa. O que ela vai pensar de sua única neta quando descobrir que
você poderia ter salvado sua casa, mas decidiu que ela não valia a pena?
Senti meu corpo enrijecer.
– Você sabia – eu disse, meu rosto ficando frio. – Agora, faz sentido.
Foi por isso que ela o mandou naquela noite. O dinheiro que você ofereceu
era a quantia exata que eu precisava. Inteligente, vou admitir. Eu nunca
imaginei isso, ela sabia que eu não podia dizer não. Ela me enganou
direitinho.
Droga. Danto estava certo. A rainha armou uma armadilha e me pegou.
Eu era uma maldita idiota.
Havia uma movimentação dos Flechas Negras em meio a gritos e
lamentos. Meu sangue pulsava em meus ouvidos.
– Ela vai matá-lo, não é? – Mexi-me e uivei enquanto as flechas
cortavam minha pele. Eu precisava tirá-las.
Daegal riu, brincando com a ponta de sua flecha.
– Claro que ela vai. Ele matou seu único filho. Nenhuma mãe deveria
passar pela dor de perder seu único filho.
– Em legítima defesa – eu disse. – Isso não foi uma caçada, foi uma
desculpa para matá-lo. Ela mentiu para mim, me enganou. Isso não é
justiça, é um assassinato. – Tremi de raiva. Fui enganada, traída e cegada
pela minha própria necessidade desesperada de arrumar dinheiro.
– Sim, correto. – Daegal deu um sorriso ardiloso. – E você era o peão
perfeito. Você caiu direitinho no jogo dela. A rainha viveu por mais de
setecentos anos. Você não é páreo para ela.
– Talvez não – apertei meus lábios. – Porém, ela ainda é uma cadela.
Os olhos do homem-fada escureceram. Daegal puxou a corda do arco
para trás e atirou no mesmo instante em que libertei minha mão, que estava
presa na flecha da minha coxa e me esquivei.
Ai, essa doeu.
Girando, me mantive perto de Daegal, sabendo que quanto mais perto
eu estivesse dele, mais difícil seria para ele sacar seu arco e atirar. Apreciei
os grunhidos de raiva que ele deu. Matar-me nunca seria tão fácil.
Daegal abriu a boca em um sorriso largo e louco.
– O veneno vai a matar, mesmo que a flecha não mate.
Eu já podia sentir os efeitos do veneno diminuindo.
– Eu acho que não.
Chutando, eu o acertei logo abaixo do joelho. Seu osso quebrou sob
meu pé. Ele gritou, e eu peguei um vislumbre de seu rosnado. Rodopiei
para longe do seu alcance, minha coxa esquerda estava rígida, tornando
meus movimentos irregulares e falhos. Meu progresso era lento com a
flecha ainda saindo da minha coxa. Tentei me mover sem tocá-la, mas era
impossível.
Toda vez que eu roçava as flechas com meus movimentos, a dor
aumentava como se minha perna estivesse sendo cortada por dentro. Eu não
estava em condições de continuar lutando assim.
Havia apenas uma coisa a fazer.
Assim que Daegal virou seu arco para mim e errou, eu me abaixei e
fugi. Apertando minha mandíbula, envolvi minha mão ferida ao redor da
primeira flecha e a quebrei. Fiz o mesmo com a outra. Não havia tempo
para tentar retirá-las sem machucar ainda mais minha coxa. As flechas
enterradas teriam que ficar, por enquanto.
Soltei uma risada ao ver o olhar surpreso no rosto de Daegal. Não pude
evitar.
– Acho que seu precioso faebane não funciona em mim, hein?
Girei minha lâmina rapidamente quando a fada disparou em minha
direção. Ele veio se movendo de um lado para o outro, com uma adaga
curvada na mão direita. Rodopiando, deixei minha raiva aumentar e me
guiar. A ponta da minha lâmina fez um corte em sua barriga rosada. Daegal
cambaleou para trás, atordoado. Eu assisti, sem saber os efeitos que o
veneno de uma lâmina da morte teria em um híbrido. Talvez nenhum.
– Vou matá-la por isso, sua vadia angelical – ele praguejou.
Eu sorri.
– Pode vim, Sininho.
Ele disparou na minha direção. Driblei para a esquerda, mas quando fui
para a direita, ele se moveu tão rápido que, apesar das minhas habilidades e
anos de treinamento, bati em um carro estacionado. O barulho do meu
corpo colidindo com o metal ecoou pela rua silenciosa quando caí de cara
no capô do carro, meu queixo deslizou.
– Como eu disse – Daegal zombou enquanto eu me virava e deslizava
para baixo do carro. – Eu vou matá-la, sua vadia angelical.
Meus lábios já estavam doendo e inchados, e senti o gosto de sangue na
minha boca.
– Vou quebrar todos esses dentinhos pontudos nessa sua boca podre.
Mais rápido do que eu pude perceber, e mais rápido do que meu corpo
fraco poderia reagir, ele se aproximou de mim, e seu punho acertou meu
rosto. Esquivei-me o suficiente para evitar que meu nariz se quebrasse, mas
levei o golpe na mandíbula. Girando, eu caí no chão e senti gosto de
sangue, mais uma vez. Desgraçado.
Ele recuou para atacar novamente. Com rapidez, eu segurei seu segundo
golpe antes que ele fraturasse minha mandíbula e rosnei bem perto de seu
rosto.
Minha respiração ficou irregular enquanto eu rosnava baixo e feroz:
– Isso é tudo que você tem?
Seus olhos carregados de ódio me fitaram enquanto o homem-fada veio
na minha direção novamente, só dava para ver punhos e flechas. Me virei,
levantando um punho para bater em seu rosto, mas acertei apenas o ar.
Então seu pé enganchou atrás do meu em uma manobra que me fez perder o
equilíbrio.
Tentei desviar, mas não fui rápida o suficiente. Daegal bateu seu arco na
minha cabeça e vi estrelas. Antes que eu pudesse me recuperar, ele chutou
meu estômago e eu cai no asfalto, perdendo a respiração. Bati no asfalto
com força, mas rolei e fiquei de pé. Me virei, com minha adaga na mão,
pronta para me jogar sobre ele, mas Daegal se fora.
Olhei ao redor da rua, e senti um alívio no meu peito ao ver Tyrius
agachado em cima do corpo de um Flecha Negra, parecendo presunçoso e
contente.
Danto e Vicky andavam em círculo ao redor dos corpos dos Flechas
Negras, esperando que algum deles se mexessem para que pudessem acabar
com eles. Avistei Keith agachado ao lado do corpo de um homem-fada
morto, pegando seus pertences valiosos e colocando-os nos bolsos.
Aquele vampiro era estranho.
Com a espingarda em seu ombro, Jax caminhou em minha direção, ele
franziu o rosto quando viu o sangue na minha coxa.
– Jesus, Rowyn, essas flechas estão atravessadas na sua coxa?
– Pedaços de flechas. Não é nada demais. – Puxei minha camisa para
baixo, mas isso não fez nada para esconder o líquido amarelo e rosa que
saia das duas feridas. – Vou pedir para Pam removê-las assim que
colocarmos Ugul em segurança.
– Hã, Rowyn, onde está Ugul? – disse Jax.
O medo tomou conta de mim com a preocupação em sua voz. Virei-me,
disparando o olhar para o local onde deixei o goblin.
Ugul se foi.
Capítulo 21
C orri rua abaixo, minha coxa ferida queimava enquanto eu a forçava cada
vez mais. Os pedaços das flechas ainda estavam atravessados na minha
perna e rasgavam a carne como as presas de uma grande fera. Minha perna
esquerda estava encharcada, encharcada com meu próprio sangue.
E ainda assim, eu corri.
Não parei, não consegui parar. A rainha mataria Ugul se eu não
chegasse a tempo. Um inocente ia morrer por minha causa. Eu não podia
deixar isso acontecer. Não se eu puder evitar.
– Rowyn! Vai devagar! – ouvi a voz de Jax. – Você não pode
simplesmente invadir.
– É exatamente isso que pretendo fazer.
Mantive meus olhos na Torre Sylph, usei meu ódio para me impulsionar
até que senti que meus pés mal tocavam o chão enquanto eu disparava pela
rua. Eu estava voando como a maldita Mulher Maravilha.
– Você é louca! – ouvi a voz de Tyrius atrás de mim.
– Sim. – Eu não ia deixar Ugul morrer nas mãos da rainha. Eu precisava
saber o que ele ia me dizer.
– Rowyn – gritou Tyrius –, você tem duas flechas atravessadas na
perna! Pense nisso. Está ferida. Além disso, não conseguirei me transformar
no Hulk. Não conseguirei protegê-la. Vamos sentar um minuto e pensar
sobre isso.
– Ugul não tem um minuto. – Eu ofegava, minhas coxas queimando
enquanto eu forçava ainda mais. Ele já havia sofrido uma flechada no peito.
Quanto tempo ele poderia sobreviver sem ajuda médica?
– Você sabe quantas fadas têm lá? – gritou o gato. – Imagine centenas,
talvez milhares. Sinto muito, Rowyn, mas você fez o seu melhor. Você o
libertou, isso já é alguma coisa. Agora pare com essa loucura!
– Eu o libertei? – Eu ri. – Eu não o libertei. Eu o matei, não vou deixá-
lo morrer. Não vou. – Com o coração acelerado, eu podia ver o contorno da
porta. Estava quase lá.
Ouvi Tyrius gritar alguma coisa quando me joguei contra a porta. Ela
nem se mexeu.
– Droga! – Usando meu peso, arremessei meu ombro direito contra a
porta, várias vezes. E, ainda assim, a porta não abriu nem um centímetro.
Algo agarrou meu ombro e eu vacilei. Danto me virou colocando-me de
frente para ele.
– Rowyn, o baal está certo. Acho que todo o clã de fadas da Corte das
Trevas está lá. Não podemos lutar contra tantos.
Meu coração palpitou na garganta.
– Preciso tentar. Eu preciso.
– Se arrombarmos esta porta – disse o vampiro, com uma voz
surpreendentemente fria –, eles vão ver isso como um ataque.
– Eles nos atacaram primeiro – eu rosnei.
O cabelo do vampiro balançou quando ele sacudiu a cabeça.
– Não importa. – Um brilho de angústia franziu os cantos de seus olhos.
– Entramos lá exigindo que a rainha devolva a fada, e ela vai arrancar a
nossa pele – Seus olhos cinzentos traçaram meu rosto enquanto ele
acrescentava suavemente – Nós nunca o teremos de volta. Você precisa
entender isso, acabou. Sinto muito, Rowyn, mas esta é uma luta que não
podemos vencer.
– É claro que podemos – eu me desvencilhei de suas mãos e bati minha
lâmina contra a porta.
– Vou arrombá-la se for preciso, mas vou passar por essa maldita porta.
– Meu pulso estava acelerado, e o medo e a aflição tensionavam meus
músculos. – Quanto mais esperarmos, mais difícil será salvá-lo.
– Rowyn, apenas ouça por um segundo – Tyrius estava ao lado da porta.
– Ele é inocente – eu gritei. – Inocente. Ele matou o filho da rainha em
legítima defesa e ela quer vingança. Sempre se tratou de sua vingança. E eu
sou a idiota que o trouxe para ela. Isto tudo é minha culpa. Não conseguirei
viver comigo sabendo que tive um papel na morte dele. Você não entende?
– Parei de bater na porta e olhei para Tyrius. – Se ele morrer… – engoli em
seco, sentindo as lágrimas, mas não consegui dizer o resto das palavras.
– Tá, então como vamos fazer isso? – perguntou o gato. – Você tem um
plano pelo menos?
– Sim – eu menti. – Entramos e pegamos Ugul. Possivelmente matamos
algumas fadas no caminho. – Os planos mais simples eram os melhores.
Mas esta era uma missão suicida. Eu sabia disso. Tyrius sabia disso. Todos
eles sabiam.
– Tudo bem, Sherlock – disse Tyrius, claramente irritado por eu não
deixar isso passar. – Como você planeja entrar? A porta da torre não se
abrirá para não fadas, a menos que tenhamos um convite. – Ele fez uma
careta. – Você tem um convite? Oh não, você não tem.
– Eu tenho um convite. Rowyn, sai da frente – ordenou Jax de repente.
– Esse aqui.
Virando, vi Jax de pé, com as pernas abertas e com a espingarda
apontada para mim, bem, para a porta.
– Certo. – Assentindo, me abaixei e agarrei Tyrius antes que ele pudesse
argumentar e saí do caminho.
Uma expressão diabólica se formou no rosto de Jax, o deixando muito
sexy. Ele bombeou a espingarda e atirou.
Uma, duas vezes, e o último tiro abriu um buraco na porta grande o
suficiente para caber uma pessoa.
– Entrar sorrateiramente para quê? – miou Tyrius. – Acabamos de soar o
alarme.
Sem esperar que os outros tentassem me convencer da loucura que isso
era, larguei Tyrius e abri caminho pela abertura.
Tyrius estava certo. O barulho que Jax fez para abrir um buraco na porta
chamaria a atenção das fadas.
Ignorando o latejar na minha coxa esquerda ferida, eu corri pelo
corredor em forma de caverna o mais rápido que minhas pernas podiam. Os
mesmos castiçais com fogo verde jade demoníaco iluminavam os espaços
apertados com tons de verde. O som da minha respiração era alto em meus
ouvidos, e minhas botas batiam na terra batida parecendo um galope. Os
Flechas Negras deveriam estar nos atacando a essa altura, e uma sensação
inquietante apertou meu peito pelo fato deles não estarem. Isso não era
bom, mas era tarde demais para recuar.
Eu podia ouvir o murmúrio distante de vozes e o som inconfundível de
risos.
Uma fúria tomou conta da minha mente como uma febre. Alcancei as
duas portas enormes de pedras antigas em segundos e, usando meu ímpeto,
joguei meu ombro contra elas.
As portas se abriram com um estrondo. Esperei pelos protestos e gritos,
esperei para ver uma horda de fadas nos atacar, mas as fadas apenas me
encararam, com seus rostos especialmente atentos.
As vozes pararam. Pisquei com a luz repentina mais forte e diminuí o
ritmo ao entrar na vasta câmara circular e passar pelos pilares em forma de
trepadeiras, as macieiras e as flores silvestres, onde aceitei o trabalho para
começar este pesadelo.
Ao contrário da primeira vez que estive na torre, não havia batidas de
tambores, música, conversas alegres, apenas os sons de nossa respiração
pesada e nossos passos.
Parei e praguejei assim que passei pelas árvores. Não havia centenas
fadas reunidas no salão. Eu acho que estava olhando para cerca de mil.
Droga. Claro que todos se viraram ao som de nossa entrada explosiva, havia
um mar de roupas elegantes sobre corpos esqueléticos. Seus rostos finos
expressavam divertimento e exibiam dentes pontudos, seus olhos negros
estavam cheios de expectativa.
As fadas me observaram por mais um minuto, e então todas voltaram
sua atenção para a plataforma. Com o coração acelerado, segui seus olhares
e meus joelhos fraquejaram.
Ugul estava de joelhos, a flecha em seu peito ainda era claramente
visível. Sua cabeça estava puxada para trás, e atrás dele Daegal tinha uma
faca em sua garganta. O goblin não olhou para cima.
Cerca de cinquenta Flechas Negras estavam em formação diante da
plataforma, os arcos já estavam com as flechas prontas.
A rainha das fadas da corte das trevas estava na plataforma elevada. Sua
única mecha de cabelo negro se derramava sobre um vestido branco
esvoaçante que se acumulava no chão e em torno de seus pés. O vestido
branco combinava com sua pele branca como a neve, fazendo parecer que o
vestido não tinha começo nem fim. Ela era ainda mais aterrorizante do que
eu me lembrava – a noiva do diabo perfeita.
Os olhos negros e sem fundo de Isobel se fixaram em mim, e seu rosto
se contorceu em um sorriso, expondo suas feições bem definidas e dando-
lhe a beleza fria e antinatural das fadas.
A rainha inclinou a cabeça como se quisesse mostrar sua coroa de
dentes humanos e transmitir o quão má ela realmente era.
– Que prazer vê-la novamente, Caçadora – sussurrou a rainha das fadas
da Corte das Trevas. – Você chegou a tempo de testemunhar o início do
meu reinado.
Agora, por que isso parecia muito, muito ruim?
Capítulo 22
A svencido
fadas riram. Havia algo aterrorizante nisso, como se já tivessem
uma batalha secreta e tivéssemos chegado atrasados para a
festa.
Tyrius bateu na minha perna.
– Rowyn, não faça nada estúpido – ele sussurrou.
Mantive meus olhos na rainha.
– Quem disse que eu vou?
Tá, então meu plano de invasão parecia um pouco estúpido agora.
– Eu disse. – Tyrius suspirou alto. – Isso não parece nada bom, nada
bom. Vamos nos virar e ir embora.
Cerrei os dentes.
– Não vou embora sem Ugul.
Jax, Vicky e Keith se juntaram a mim. Olhei para Danto quando ouvi
seu rosnado. Ele tinha se transformado em vampiro. Um sangue preto
escorria entre seus dedos descendo pelos seus punhos trêmulos, e seus olhos
negros estavam fixos em algo à nossa frente. Eu segui seu olhar. Na parte
de baixo da plataforma elevada havia um grupo de doze homens e
mulheres, isolados da multidão principal. Notando seus rostos frios e
bonitos, e o ar de superioridade, eu sabia que eles eram vampiros.
Uma sensação de preocupação arruinou minha adrenalina com uma
velocidade inquietante. Um deles deu um passo à frente. Ele era enorme.
Seus ombros pareciam tão largos quanto eu, e ele exibia seu físico em um
elegante terno de três peças. Seus olhos eram perspicazes, e revelavam uma
inteligência astuta, e ele se movia com a elegância sexy que todos os
vampiros compartilhavam. E o pior é que todos eles tinham aquela
arrogância e autoconfiança dos vampiros.
Ficou claro que eles foram convidados para assistir à execução de Ugul.
Porém, por quê? As fadas raramente se misturavam com vampiros. O que
os vampiros ganhariam assistindo a morte de uma fada?
Fixei meus olhos em Danto, e a menos que aquele grande vampiro não
explodisse com o olhar de Danto, isso só poderia significar que eu estava
olhando para Stefan. O escolhido da rainha das fadas para comandar a Corte
dos Vampiros de Nova York.
Como se ouvisse meus pensamentos, os olhos de Stefan encontraram os
meus, seu rosto era impassível, se não um pouco entediado. Então, seus
olhos se voltaram para Danto, e ele sorriu para mostrar os dentes.
O pelo de Tyrius roçou meu pescoço quando ele saltou em meus
ombros.
– Eu gostaria de saber porque os vampiros estão aqui – disse ele,
enquanto se acomodava.
– Estava pensando a mesma coisa – eu disse. – Por que eles querem
fazer parte disso? Não faz sentido.
Tyrius virou-se para me encarar.
– Aposto o pelo do meu rabo que eles querem ganham algo com isso,
certeza.
Uma brisa soprou ao meu lado, e senti a respiração de Jax do outro lado
da minha bochecha.
– Você sabe que eu amo uma briga, especialmente com esses
desgraçados magricelas, mas estou ficando sem munição. Alguma ideia
brilhante sobre como vamos recuperá-lo?
– Pedindo gentilmente?
Tyrius bufou enquanto eu exalava longa e lentamente. Afastei meus
olhos dos vampiros e encontrei o olhar desafiador da rainha. Percebi com
um calafrio que ela não desviou o olhar de mim.
Meu sangue pulsava em minhas veias, mas mantive meu queixo erguido
enquanto dizia:
– Deixe-o ir – estremeci, ouvindo o leve tremor na minha voz.
A rainha lambeu os lábios, e um deleite brilhou em seus olhos.
– Ou o quê? – ela provocou.
Endireitei meus ombros.
– Ou eu vou matar você.
Tá, isso soou muito patético.
Antes mesmo que eu terminasse minha frase, todos os cinquenta
Flechas Negras se viraram e avançaram como uma parede de soldados. As
outras fadas abriram caminho, dando aos Flechas Negras uma linha de
visão limpa. Que ótimo. Os guerreiros pararam a seis metros de nós e
puxaram as cordas de seus arcos.
Merda. Não havia como fugir disso.
Não sei porque, mas desviei meu olhar para o grupo de vampiros, e
minha pressão subiu com a risada deles. Stefan me pegou olhando e me
mandou um beijo. Desgraçado.
– Parem! – Isobel ordenou, e todos os Flechas Negras abaixaram seus
arcos ao mesmo tempo. – Ainda não. Eu quero que eles assistam. – Ela
acenou a mão com desdém. – Vocês podem matá-los depois. Eu
honestamente não me importo – Seus olhos encontraram Danto e sua
alegria se intensificou. – Danto. Estou muito feliz em vê-lo aqui.
– Eu não estou – rosnou o vampiro, e o sorriso de Isobel se alargou
quando ela viu que ele encarava Stefan.
– Ah, não fique tão arrasado, Danto – disse a rainha, dando a ele um
breve sorriso horripilante. – Confie em mim. Você vai gostar disso.
Ela levantou a voz e falou para a multidão.
– Esta noite eu lhe darei um presente digno da minha corte – ela
continuou. – Desta noite em diante, tudo mudará. Meus filhos, a mudança
chegou, para todos os híbridos, como prometido, nossa hora chegou.
– Sou o único perdido aqui? – disse Tyrius, com uma voz baixa. – Por
favor, levante a mão se você está entendendo alguma coisa.
Isobel exibiu uma expressão reveladora. Daegal sorriu maliciosamente e
deu um puxão forte no cabelo de Ugul, fazendo sua cabeça virar para trás.
– Não. Por favor – o goblin gemeu, com seus olhos fechados, e eu
comecei a tremer.
Cerrei os dentes e respirei ofegante.
– Se você matá-lo – eu disse, minha voz ecoando pelo salão –, o
Conselho das Sombras vai cair em cima de você. Eu prometo. Ele é
inocente. Ele matou seu filho em legítima defesa. Se você matá-lo agora,
será assassinato. Você estará arruinada. Perderá sua coroa de dentes e não
será mais nada.
A rainha não parava de sorrir como se eu estivesse lhe elogiando.
– Ah, não. Acho que não.
– Você não quer ouvir o que ele tem a dizer? Você não quer saber a
verdade?
Claro que ela não queria, e eu sabia que estava abusando da sorte.
Contudo, esperava que ela se importasse se eu colocasse dúvidas na cabeça
das outras fadas.
E quando passei os olhos pelas fadas, não pude evitar a inquietação que
senti na boca do estômago. Elas nem estavam prestando atenção em mim.
Seus olhos estavam fixos em Ugul. Mas não se tratava apenas da forma que
elas olhavam para ele, era a forma como estavam vidradas nele, parecia
uma fome desesperada e febril. Todas as fadas no salão queriam que ele
morresse, elas estavam ansiosas para que ele morresse. Mas por quê? Não
poderia ser apenas por causa da morte do filho da rainha. Algo mais estava
acontecendo aqui.
Senti minha coxa latejar, e desloquei meu peso para a outra perna.
– Isso está errado – continuei, sentindo um fio de suor escorrendo entre
meus seios. – Matá-lo não trará seu filho de volta.
– Você quebrou nosso contrato. – A rainha sacudiu a cabeça. Ela parecia
mais alta do que eu me lembrava, agora que estava de pé na plataforma,
mais alta e muito mais magra do que eu. – E isso vai lhe custar.
– O quê? – eu disse desafiadoramente. – Você vai me matar também?
– O pensamento passou pela minha cabeça. – A rainha suspirou
enquanto rodeava a plataforma, movendo-se de forma rápida e precisa.
– Eu gostaria de ver você tentar. Que tal uma boa e velha briga mano a
mano? – eu instiguei. – Só você. O vencedor leva Ugul. O que você me diz?
A rainha jogou a cabeça para trás e uivou, o som aterrorizante parecia o
grito de uma alma penada. Houve um silêncio no salão. Isso foi assustador.
Isobel fechou os olhos e respirou fundo como se estivesse tentando
inalar minha energia e medo como uma droga.
– Eu gosto de você, Rowyn. Eu realmente gosto. É uma pena quando
alguém com tanto talento morra tão jovem. Eu poderia ter usado alguém
como você na minha corte. – A rainha mostrou os dentes. – Porém, você
não é páreo para mim, querida. É apenas uma criança – ela riu como se eu
fosse uma tola. – Não é nem uma mulher ainda. Eu acabaria com sua vida
em um estalar de dedos – ela adicionou com um aceno de sua mão.
– Talvez – eu disse e me mexi de raiva. – Ou talvez eu faça você engolir
essa sua coroa horrorosa, fazendo você cagar dentes pelo resto da sua vida.
– Rowyn – avisou Tyrius –, eu gosto de onde você quer chegar com
isso, mas, ênfase no mas, isso é inútil. Ela nunca vai desistir dele, olha para
ela. Ela está enlouquecendo.
Eu sacudi a cabeça.
– Eu não duvido disso – eu sussurrei. – É por isso que não podemos
abandonar Ugul.
O rosto da rainha se contraiu.
– Ele matou meu único filho. Você sabe o que é passar por isso? – Seus
olhos negros rolaram sobre mim enquanto ela se movia em direção à beira
da plataforma, e eu senti minha pele formigar, era como se ela estivesse
tentando ver além da minha pele, minha alma. Suas sobrancelhas se
ergueram. – Não. Você nunca foi mãe. Eu posso ver isso. Você não entende
o que é perder um filho, você ainda é apenas uma criança.
– Sinto muito por você ter perdido seu filho – Não, eu não sinto –, mas
Ugul não teve outra escolha a não ser usar sua força para se defender do seu
filho. Por quê? Por que seu filho estava lá? Por que ele estava tentando
matá-lo? – Senti um nó na garganta com a dor que vi no rosto do goblin.
Toda a frente da sua camiseta estava encharcada de sangue.
– Você enviou seu filho atrás de Ugul, não foi? – acrescentei, lembrando
que o goblin havia me dito que a rainha queria algo dele. – Porque ele tem
algo que você quer, não é?
A rainha me olhou fixamente e disse:
– Sim, eu mandei meu filho atrás dele, mas nunca ordenei que ele o
matasse. Isso foi um erro.
– Claro que foi.
O rosto de Isobel se contorceu em um sorriso selvagem.
– Meu filho morreu tentando conseguir algo que eu queria. Mas devo
lhe agradecer, Rowyn. Ele falhou, mas você conseguiu. – Ela colocou as
mãos nos quadris. – Sabe, estou de olho em você há um bom tempo.
Dei-lhe um sorriso amargo.
– Você não faz meu tipo.
As sobrancelhas da rainha se ergueram divertidamente, e ela sorriu.
– Quando soube do infortúnio de sua avó, sabia que você seria
persuadida a fazer qualquer coisa para ajudá-la. E, assim como a boa neta
que é, você fez. Você me trouxe a fada. Você tornou tudo isso possível,
Rowyn Sinclair. A morte dele é seu presente para mim.
Meu rosto queimou, ameacei dar um passo, mas Jax me impediu.
– Não – ele sussurrou. Seus dedos agarraram meu cotovelo com tanta
força que doeu. – Ela só está tentando irritar você.
– Está funcionando. – Eu fervilhava. Soltei meu cotovelo, mas fiquei
onde estava.
– Não seja estúpida, Rowyn – disse Jax e eu senti minha raiva aumentar.
Uma culpa me invadiu, fazendo meu coração bater mais forte e minha
cabeça latejar. Ela estava certa sobre uma coisa. Isso foi tudo culpa minha.
– Eu nunca o entreguei a você. Você o pegou – eu contestei. – Ele
estava livre para ir. Eu não ia entregá-lo. Eu nunca iria entregá-lo a você.
Olhei para Ugul e perdi a respiração ao ver a cor pálida de sua pele.
Droga. Se eu não o tirasse agora, ele não sobreviveria.
Isobel me encarou, mas quando voltou seu olhar para Ugul, ela deu um
sorriso largo e doce.
– Gostaria de dizer algo antes de morrer? – A rainha se aproximou para
ficar diante do goblin.
– Se você fizer isto! – gritei, ciente de que os Flechas Negras haviam
encaixado suas flechas e estavam todas apontadas para minha cabeça. – Se
fizer isso – eu repeti, com meu pulso acelerado –, você pagará caro. Você
me ouviu, rainha! Eu vou matar você!
Os olhos negros da rainha encontraram os meus por um momento, e ela
sorriu.
– Não, você não vai.
– Ugul! – meu grito ecoou pelo teto alto. – Ugul!
Os olhos do goblin ainda estavam fechados, mas seu rosto estava
contorcido de dor.
Sinto muito.
Contorci-me enquanto a agonia tomava conta do meu corpo. Cada
terminação nervosa pulsava e queimava. Soltei um som gutural de dor e
determinação. O medo caiu sobre mim como uma onda gigante de frio. Se
eu me mexesse, morreria. Meus amigos morreriam. Não podia fazer nada.
Tudo o que eu podia fazer era assistir enquanto uma fada inocente era
assassinada, por minha causa.
Isobel se inclinou e aproximou seu rosto a centímetros do rosto de Ugul,
observando-o com uma sensação distorcida de prazer. Sob sua
impassibilidade havia uma excitação crescente.
Daegal empurrou Ugul endireitando-o, e o sangue escorria da faca sob
sua garganta.
– Não! – eu gritei, esperando ver o comandante dos Flechas Negras
cortar a garganta de Ugul.
Porém, Daegal não se moveu.
Em um piscar de olhos, a rainha encravou suas unhas no peito do
goblin, estripando-o como se ela tivesse usado uma espada. Senti náusea
quando o gemido de dor dele foi o único som no salão.
– Que diabos? – gritou Tyrius, claramente chocado e horrorizado.
A bile subiu do fundo da minha garganta quando a rainha mergulhou a
mão dentro do peito do goblin até que sua mão estivesse completamente
submersa nas entranhas do goblin. Depois de um momento, a rainha puxou
algo, parecendo triunfante e um pouco fora de sua si.
E, em sua mão, estava uma pedra branca brilhante.
Capítulo 23
U ma nova energia inundou o salão, ela era fria e rápida, além de zumbir e
estalar como uma tempestade elétrica. Meu corpo formigava, do topo
da cabeça até a ponta dos dedos. Eu nunca tinha sentido nada parecido
antes. Isso me assustou pra caramba.
O rosto da rainha brilhou como uma luz branca reluzente, sua pele
cintilava e suas feições se amplificaram até ela parecer uma rainha do gelo.
Fiquei sem ar. Eu já tinha visto aquela luz antes. Era a mesma luz que
Ugul usara nos cães veth e em mim. Droga.
Tyrius praguejou.
– Rowyn. Precisamos ir embora, tipo agora.
Fiquei paralisada quando o sorriso vitorioso de Isobel iluminou seu
rosto. Ela se virou para a multidão reunida e ergueu o punho.
Daegal descartou o corpo de Ugul como se estivesse jogando fora algo
nojento que havia sujado seus dedos. O goblin atingiu a plataforma com um
baque ecoando no salão, seus olhos sem vida olhando diretamente para
mim, acusando-me por seu destino. É tudo culpa minha.
Eu assisti, incapaz de me mover quando Daegal bateu palmas uma vez.
Uma porta se abriu à esquerda da plataforma, e dois homens fadas surgiram,
arrastando uma mulher humana entre eles. Mechas do seu cabelo castanho
estavam grudadas em seu rosto molhado, e seus olhos estavam vermelhos e
arregalados. Ela parecia mais ou menos da minha idade, vinte e poucos
anos, porém mais baixa. E o terror em seu rosto fez meu coração parar.
O medo me atingiu como uma onda fria enquanto meus joelhos
tremiam. Minha boca abriu e fechou.
– O que está acontecendo? – Minhas palavras eram quase inaudíveis
devido ao ranger dos meus dentes.
– Coisa boa não é. – Ouvi Tyrius dizer quando ele saltou dos meus
ombros e pousou ao meu lado no chão.
Os homens fadas empurraram a mulher de joelhos na plataforma de
frente para a rainha.
Olhei para a multidão de fada.
– Eles não podem simplesmente matá-la. Eles conhecem as regras. Se
tocarem em um fio de cabelo dela, eles pagarão caro por isso.
– Parece que eles não dão a mínima – disse Jax, tirei os olhos dele e
olhei para a plataforma.
– Isso não está certo. Não podemos deixá-los matar outra pessoa
inocente. Temos que fazer alguma coisa.
Dei um passo para frente, mas Jax pegou meu braço e me puxou de
volta com força contra seu peito.
– Não faça isso. – Seu hálito quente no meu pescoço e na lateral do meu
rosto enviou um calor pelo meu corpo. – É o que ela quer. A rainha quer
que você estrague tudo para que ela possa destruí-la. Eu não deixarei isso
acontecer.
Deixei que ele me puxasse para mais perto e senti o calor do seu peito
penetrar minhas roupas.
– Ela vai matá-la – eu fervilhava, mas não me mexi.
A sensação reconfortante de outro corpo contra o meu me deixou
imóvel – ou o desgraçado tinha me enfeitiçado. Esse era um lembrete do
quão solitária eu era. Respirei o cheiro de sabonete, loção pós-barba e seu
almíscar natural. Meu Deus, ele é cheiroso.
– Talvez não – disse Jax, com seus lábios macios e quentes roçando meu
rosto – Talvez ela só queira assustá-la. Não sei, apenas espere. – Senti sua
outra mão deslizar em volta da minha cintura, enviando pequenos arrepios
de prazer pelo meu corpo, de forma selvagem e ardente.
Meu mundo inteiro se reduziu ao toque de suas mãos. Meu pulso
acelerou, e eu mal conseguia respirar.
Deus me ajude.
– E se ela a matar? – perguntei, ciente de que estava ofegante. Meu
rosto ardeu quando minha bochecha roçou contra a dele.
– Então, somos testemunhas do assassinato – disse Jax. Sua voz intensa
me fez estremecer. – dela e de Ugul. Isso é o suficiente para alertar o
Conselho das Sombras. Ela vai pagar por isso. Confie em mim.
Eu gostaria de acreditar nele, mas havia algo absolutamente perturbador
na quietude da sala e na expressão de loucura no rosto da rainha.
– Sua nova vida espera por você – Isobel falou lentamente, gesticulando
para a mulher ajoelhada. – Claro, se você me perguntar, eu diria que é um
tremendo progresso. Apesar do histórico dos humanos de assassinar a nossa
espécie, acredito que estou lhe oferecendo um presente. Você deveria se
considerar… muito sortuda.
– Por favor, não me mate – gritou a mulher. – Eu não quero morrer. Por
favor. Por favor, não me mate – ela soluçou.
Enrijeci e Jax apertou seu braço ao meu redor. E eu o deixei me abraçar
assim, tão perto, tão forte.
Isobel deu um sorriso ardiloso.
– Matar você? – ela riu, e os dois homens fada riram ainda mais. A
rainha estalou a língua. – Eu não vou matá-la, humana boba.
Inclinei minha cabeça e compartilhei um olhar com Jax.
– Estou lhe oferecendo um presente – continuou a rainha. – Um
presente tão especial, tão precioso, que nenhum outro humano jamais teve.
– Ela olhou para a mulher. – Você, pequena humana, será a primeira. A
primeira de muitos.
A mulher tremeu.
– Eu-eu não quero o seu presente – ela gaguejou. – Eu só quero ir para
casa. Por favor, deixe-me ir para casa.
A rainha continuou a sorrir.
– Esta é a sua nova casa agora. Acostume-se. – Ela ergueu a mão, e a
pedra branca brilhou como mil lanternas em uma. A multidão de fadas e os
vampiros esperaram, e eu ouvi a respiração coletiva quando a rainha
estendeu sua mão livre para a mulher.
– Não – implorou a mulher. – Por favor, não!
Alguém na multidão chorou. Contudo, não era uma lamentação triste
que se ouviria antes de uma execução. Este era um choro de contentamento,
um choro doentio e feliz. Eles choraram de alegria.
A rainha sorria com uma alegria selvagem e triunfante enquanto tocava
suavemente a bochecha da mulher.
No começo, nada aconteceu, e eu quase suspirei de alívio. Porém,
quando a rainha retirou a mão, a mulher gritou e caiu no chão. Seus gritos
ecoaram pelo salão enquanto ela se debatia violentamente no chão, os olhos
das fadas estavam fixos nela.
Isso era doentio. Eu ia vomitar.
A rainha respirou fundo, seu rosto estava enrugado pelo aparente
esforço e sua tez manchada, mas ela se recuperou rapidamente e endireitou-
se enquanto observava a mulher se contorcendo com uma expressão de
contentamento e vitoriosa.
Tinha sido rápido, mas eu tinha visto.
A mulher parou de se debater e ficou imóvel. Por um horrível segundo
eu pensei que ela tinha morrido. Meu pulso acelerou enquanto eu observava
a mulher puxar os joelhos em direção ao peito. Então ela se levantou
lentamente, ficando de pé com as pernas trêmulas. Agora ela estava de pé e
era tão alta quanto a rainha.
Meus lábios se entreabriram.
– Que diabos?
A mulher parecia ter me ouvido. Ela se virou e encontrou meu olhar e
eu praguejei. Os olhos que me observavam não eram nada como os olhos
arregalados e aterrorizados da mulher de um minuto atrás, eles eram
escuros e ávidos. Suas feições estavam mais pronunciadas, mais
acentuadas, seu queixo fino estava erguido e seus olhos brilhavam. Sua
postura era dominadora e predatória. Ela colocou uma mecha de cabelo
atrás de suas orelhas pontudas com seus dedos longos e finos.
A mulher não era mais humana. Ela era uma fada.
– Mas que merda é essa?
Senti uma dor de barriga com o olhar de confusão no rosto da nova fada
enquanto ela olhava para seu novo corpo. Mas ela não estava mais
assustada. Caraca, ela parecia feliz.
Jax praguejou baixinho
– Que tipo de magia negra é essa?
Daegal se moveu para ficar ao lado de sua rainha, com seu rosto se
contorcendo, e com prazer ele gritou:
– Salve Isobel, a rainha da Corte das Trevas. Pois ela nos deu este
presente. A escuridão não é mais escuridão, pois a noite é clara como o dia.
Ajoelhe-se diante de sua rainha! – ele gritou.
O barulho repentino de mil corpos se curvando soou como uma
explosão após o silêncio assustador. Todas as fadas do salão se ajoelharam
ao mesmo tempo, para minha surpresa, até mesmo os vampiros e os Flechas
Negras, sua atenção estava fixa na rainha com admiração.
Meu coração batia como se estivesse tentando encontrar uma maneira
de sair do meu peito, mas meus músculos estavam relaxados. Eu estava
tendo um ataque de pânico.
– Que raio foi aquilo? – peguei-me dizendo, nem mesmo percebendo
que eu havia falado as palavras em voz alta enquanto me contorcia para sair
do abraço de Jax.
– O sinal que estávamos esperando para dar o fora daqui – comentou
Tyrius.
– Eu sei o que é isso.
Virei-me para o som de preocupação na voz de Danto. Vicky e Keith
exibiam a mesma expressão aterrorizada, seus rostos estavam pálidos.
O vampiro olhou para mim.
– Chama-se Dádiva Branca.
– Já ouvi falar da Dádiva Branca – disse Tyrius, entre mim e Danto. – É
uma pedra mágica e muito poderosa.
Mantive meus olhos no vampiro enquanto Jax se aproximou de mim.
– É por isso que o nome Ugul soou tão familiar – o vampiro disse
rapidamente, inclinando seu corpo em direção à saída, preparando-se para
correr. – Eu ouvi Isobel mencionar o nome dele uma vez quando ela não
sabia que eu estava ouvindo. Agora, eu sei porquê. Ela deve ter descoberto
que ele era seu protetor.
Senti-me entorpecida.
– Nunca ouvi falar disso – eu disse, com meus olhos na pedra branca
cuidadosamente envolvida pela mão da rainha. Como poderia estar no peito
de Ugul? Ele tinha a engolido?
– Ela sumiu há milhares de anos – apressou-se Danto. – Ela é poderosa.
Você acabou de ver o que ela pode fazer.
Olhei novamente para a rainha.
– Mas por que a rainha quer transformar humanos em fadas?
– Não nasce uma criança híbrida de qualquer tipo há mais de um
milênio. Procriar é quase impossível. Nossos números diminuíram muito ao
longo dos anos. Mas com ela, com a Dádiva Branca…
– Puta merda – eu disse enquanto tudo se encaixava. Eu nunca tinha
visto uma criança híbrida, e fiquei chocada por nunca ter pensado muito
nisso. – Não é à toa que ele estava escondido naquela caverna. Ele estava
protegendo-a… e eu entreguei a ela. – A última parte saiu como um
sussurro desesperado. Eu fui uma tola.
Olhei nos olhos de Danto esperando ver o olhar de eu-te-disse, mas
havia apenas sofrimento e medo. Não havia culpa na expressão do vampiro.
– E agora a Fada dos Dentes maluca está com ela – disse Tyrius. – Você
sabe o que isso significa?
O rosto de Danto se contraiu.
– Isobel pode criar seu próprio exército, milhares de novas fadas apenas
com essa pedra. E ela vai usar humanos.
Voltei meu olhar para a plataforma. A rainha das fadas ainda segurava a
pedra em sua mão. Com suas feições banhadas pela luz da Dádiva Branca,
por um momento ela quase pareceu linda. Mas seu olhar era firme e duro
enquanto ela o lançava sobre as fadas e vampiros curvados.
– Se houvesse um momento melhor para dar o fora daqui – insistiu
Tyrius, – esse momento é agora, enquanto o show de horror das fadas ainda
está acontecendo.
Minha mão tremia enquanto eu segurava minha lâmina da morte.
– Isso não acabou.
Eu ia pegar aquela pedra de volta.
– Tudo bem – disse Jax. – Contudo, agora precisamos ir! – Ele agarrou
meu braço com força novamente como se quisesse me tirar do meu
sofrimento. – Ele se foi, vamos. Vamos dar o fora daqui antes que acabemos
como ele!
Jax me puxou com ele enquanto corria. Danto, Vicky e Keith passaram
por nós com sua velocidade de vampiro e se lançaram em direção à saída.
Minhas pernas estavam dormentes e rígidas enquanto eu corria pelo salão,
passando pelas portas duplas e descendo pelo corredor, Tyrius galopava
como um guepardo em miniatura ao meu lado. Minha visão estava
embaçada com as lágrimas, os vampiros eram apenas um borrão em
movimento à nossa frente.
Juntos, deslizamos pelo buraco na porta e corremos para a noite.
Capítulo 24
O ssorriu,
olhos negros do demônio Superior Degamon focaram em mim e ele
revelando uma boca excessivamente grande com um número
excessivo de dentes afiados e amarelos.
O estacionamento era lentamente tomado por uma névoa preta que
avançava, mergulhando-o na escuridão, enquanto espectros – criaturas
cobertas de escamas, peles e músculos – saíam das sombras. Suas caudas de
rato se agitavam atrás deles e seus olhos negros brilhavam em seus crânios
achatados. Suas narinas se dilataram, absorvendo nosso cheiro, e uma baba
pingava de suas bocas alongadas.
Demônios igura. Eram demônios menores. Estúpidos, mas mortais.
Contei cerca de vinte, mas apenas metade deles carregava lâminas da morte.
Bom.
– Olá, pirralha angelical – zombou o Demônio Superior. Sua voz baixa
me fez estremecer. – Estou aqui para cobrar minha parte do nosso acordo. O
pequeno Jaxie Spencie.
Os olhos de Jax encontraram os meus, e o branco de seus olhos brilhou
na luz da lua. Seu rosto estava ficando com um tom roxo perturbador. O
demônio vermelho o agarrou pelo pescoço, seus pés balançavam quatro
centímetros acima do chão.
– Não fique tão surpresa – gargalhou o demônio. – Trato é trato. Eu dei
o que você queria e, agora, estou aqui para cobrar o que me é devido. Ele.
Seis meses atrás, eu assisti Jax dar seu nome ao demônio Superior em
troca do nome do demônio responsável pela morte de sua irmã. Eu sabia o
que aquilo significava. Pelo que li e aprendi ao longo dos anos, a Lei dos
Nomes, como é descrita em muitos livros de demonologia, permite que
alguém em posse do nome verdadeiro de uma pessoa ou ser tenha poder
sobre ela. Neste caso, com magia demoníaca.
Com o verdadeiro nome de Jax, que ele havia dado livremente ao
demônio, Jax estava preso a ele. Para sempre, talvez. Essa parte eu não
tinha certeza. Mas eu sabia que isso dava ao demônio poder sobre Jax. O
demônio poderia controlar sua mente e corpo, talvez até possuí-lo.
Degamon poderia usá-lo contra nós, e Jax não teria escolha a não ser fazer o
que lhe fosse ordenado.
Em nossa pressa para encontrar o assassino dos Não Marcados, não
especificamos os detalhes. Não fomos a fundo nas entrelinhas do contrato.
As brechas estão nas letras miúdas de qualquer contrato. Grande erro. O
poder de Degamon sobre Jax terminaria, muito provavelmente, quando Jax
estivesse morto.
Tremi de raiva da minha própria estupidez. Eu deveria ter feito alguma
coisa. Encontrado um amuleto ou feitiço para combater o poder do demônio
sobre Jax, se é que existe tal coisa. Eu não fazia ideia.
Minha cabeça latejava. Eu senti como se meus olhos estivessem prestes
a sair das órbitas.
Maldito Vedriel.
Então, no momento em que os olhos de Jax encontraram os meus, não
vi medo neles, mas, sim, fúria. Uma fúria do tipo quando um plano não sai
do jeito que você queria. E foi quando entendi o que Jax vinha fazendo nos
últimos seis meses, o porquê de ele parecer mais magro e cansado. Ele
estava procurando uma maneira de quebrar seu acordo.
Claro, Jax estava procurando pelo assassino de sua irmã, mas também
estava procurando uma maneira de quebrar seu acordo com Degamon.
– Degamon, sabia que era você. – A voz de Tyrius ecoou alto no ar da
noite quando ele parou aos meus pés. – Eu reconheceria esse fedor
demoníaco de quinta categoria em qualquer lugar. – O cheiro de loção pós-
barba me disse que o Padre Thomas estava atrás de mim, à minha direita.
Danto olhou para mim, com os dentes cerrados.
– O que você quer fazer? – Seus olhos negros estavam tensos, e ele
assim como eu sabia que qualquer movimento brusco, faria Degamon
quebrar o pescoço de Jax.
O medo golpeou meu estômago como uma pedra caindo em um riacho.
– Troco a vida dele pela minha – eu disse apressadamente. – Sou mais
valiosa do que um nascido-anjo comum. Você sabe disso, e eu sei disso –
Dei um passo à frente e desviei meus olhos dos iguras para Degamon. –
Vamos negociar.
Degamon levantou a cabeça, aparentemente interessado.
– Rowyn, não – disse Jax com dificuldade. – Não… seja… estúpida. –
Suas últimas palavras falharam enquanto ele tremia, e eu estava seriamente
me perguntando quanto tempo mais ele poderia aguentar sem ar em seus
pulmões.
– É, Rowyn, o que diabos você está fazendo? – sibilou Tyrius. Então ele
acrescentou rapidamente ao ver a sobrancelha erguida do clérigo – Sem
ofensa, Padre.
Os olhos do Padre Thomas brilharam com um profundo ódio por
Degamon.
– Sem problemas, baal. – O padre parecia durão com sua longa espada
brilhando ao luar. Compartilhávamos os mesmos gostos por espadas,
aparentemente, devido ao nosso ódio por demônios.
Voltei meus olhos para Degamon e baixei minha voz para o gato.
– Estou tentando salvar a vida dele. – Minhas coxas estavam rígidas e
latejavam por me abster de atacar Degamon.
Seus olhos brilharam com diversão. Ele estava gostando de ver que
estávamos nos segurando, com medo de nos mexer. Eu vou matar aquele
filho da mãe.
Tyrius mexeu suas patas nervosamente.
– Sacrificando a sua? Jax não iria querer isso.
– Talvez – eu disse, sentindo a palma da minha mão molhada com meu
próprio sangue enquanto o cabo da minha lâmina cortava minha pele por
segurar com muita força. – Mas você quer deixá-lo morrer nas mãos
daquele demônio?
– Eu também não quero isso – disse o gato. – Porém, o que você está
fazendo é suicídio. Não seja idiota. Pense!
Jax ia morrer se eu não fizesse alguma coisa.
– Estou sem opções. Idiotice é a única coisa que me resta.
Um turbilhão de fúria gigante e inflexível tomou conta de mim. Um
grunhido gutural saiu da minha garganta ao ver as lágrimas de Jax rolando
em seu rosto. A raiva que fervilhava em mim era tão grande que eu
precisava de um grande esforço para não atacar Degamon com minha
lâmina da alma. Mas mesmo antes que eu pudesse alcançá-los, o demônio
mataria Jax.
– Rowyn, Rowyn, Rowyn – zombou o demônio. – Sim. Eu sei quem
você é. Mas não se preocupe, eu não vim aqui pegar você. Este pequeno
fracote é meu – disse Degamon. Uma névoa preta e vermelha envolvia seu
corpo. – Ele é meu a partir do segundo em que abriu a boca e selou o
acordo – o demônio rosnou, e aproximou Jax do seu rosto. – As coisas que
vamos fazer juntos me dá um friozinho na barriga.
O rosto de Jax se contorceu, e então ele cuspiu no rosto do demônio.
Degamon afastou Jax e estreitou seus olhos negros.
– Um ano no Submundo vai lhe ensinar boas maneiras.
– Não! – Uma onda fria e quente subiu pelo meu corpo. Eu ia vomitar. –
Não – minha voz saiu como um sussurro. – Não, você não pode fazer isso.
– A raiva fervilhava dentro de mim. Isso não pode estar acontecendo. Não
agora.
Degamon riu e o som enviou ondas de medo pelo meu corpo.
– Claro que posso. Este jovem – Degamon sacudiu Jax – me deu seu
nome. Ele é meu até eu decidir o contrário… ou quando ele estiver morto.
– Seu desgraçado! – eu gritei quando ouvi Jax fazer um som de asfixia.
– Você não pode fazer isso! Se você o machucar eu vou matá-lo. Eu vou
matar você!
– Estou honrado – disse Degamon, com uma tensão em sua voz. – Jaxie
Spencie é meu. Você não pode tocá-lo. – O demônio riu. – Como se você
tivesse uma palavra a dizer sobre o assunto.
Eu tenho. Inclinei meu corpo para frente. Eu ia arrancar sua cabeça. O
ar soprou ao meu lado, e pelos cantos dos meus olhos vi Danto e o Padre
Thomas fazerem o mesmo.
Uma sombra de dor e horror brilhou nos olhos de Jax. Eu não conseguia
tirar os olhos dele, e meu pulso disparou. Ele era um pé no saco, ele tinha
uma maldita noiva, mas eu ainda me importava com o idiota. Importava-me
muito, aparentemente.
– Vamos, Degamon – sibilei. – Eu sou muito melhor. Eu vou fazer valer
a pena. Você é um homem de negócios, demônio de negócios, tanto faz.
Você sabe o que eu quero dizer. Eu valho dez vezes mais que ele.
Por um momento, Degamon me observou. Sua expressão era ilegível,
mas a pressão no pescoço de Jax pareceu diminuir.
– Você sacrificaria sua vida por ele? – Degamon perguntou, movendo
seus dedos com garras ao redor da garganta de Jax. – Por quê? Por que faria
isso?
– Porque ele é meu amigo. E é isso que os amigos fazem.
– Só um amigo? – perguntou o demônio, passando seus olhos sobre Jax
e, depois, voltando para mim. Ele jogou a cabeça para trás e riu. – Ah… eu
acho que não. Ele é bonito demais para ser algo platônico. Olha esses
lábios. Os humanos pagam muito dinheiro para ter lábios como esses.
Meu rosto ardeu e eu transferi o peso da minha perna.
– Então, temos um acordo? Eu vou no lugar dele? – Meu pulso acelerou
com seu súbito interesse. Talvez isso fosse o suficiente para pagar
completamente a dívida de Jax. – Interessado? – eu provoquei. – Limpe a
dívida dele com você e, em troca, você pode me levar. Combinado?
– Rowyn, não seja idiota! – retrucou Tyrius. – Ele vai matá-la.
Encontraremos uma solução. Tem que haver outra maneira.
– Concordo com Tyrius – disse o Padre Thomas de repente. – Talvez a
Legião possa ajudar. Eles poderiam encontrar uma maneira de recuperá-lo.
– Dane-se a Legião – eu rosnei, pensando em Vedriel e no que eles
fizeram comigo. – Eles são piores que demônios.
Ouvi a inspiração do padre para o meu desdém com Legião. Tá, então
eu fui um pouco longe demais com essa última observação. Mas eu estava
chateada, com medo, fora de mim e preocupada com Jax. Eu não podia
deixar isso acontecer com ele, eu não podia. E não deixaria.
Eu sacudi minha cabeça, apertando minha mandíbula.
– Não há outro caminho. Tenho que fazer isso – eu disse, com uma voz
baixa. – Se não o pararmos agora, ele levará Jax para o Submundo. Você
sabe como é lá. Você acha que Jax vai sobreviver?
Tyrius praguejou.
– Mesmo que o ar tóxico não o mate imediatamente, nunca mais o
veremos.
– Tenho sangue de demônio – eu sussurrei, com meu estômago se
contraindo. – Se alguém pode sobreviver no Submundo, esse alguém sou
eu. Posso encontrar o caminho de volta – Espero…
– Não é tão simples assim. – Baixei os olhos ao ouvir a tensão na voz de
Tyrius. – O Submundo não é como este mundo. Você não pode
simplesmente pegar um avião e ir para outro país. Os Rifts que permitem
que você passe são raros e perigosos, e você será uma prisioneira. Não é
como se você pudesse vagar livremente – disse ele. – Não se esqueça que o
Submundo é uma prisão para todos os demônios. Eles vão odiá-la pelo que
você é. Eles vão torturá-la e fazer outras coisas para seus próprios prazeres
doentios. Você poderá nunca encontrar uma saída. Você pode morrer
sozinha lá, Rowyn.
– Eu não me importo – menti, sentindo como se isso não fosse uma boa
ideia. Minha bravura se foi com o rosnado de prazer vindo do demônio
Superior.
Contudo, era tarde demais. Eu já tinha dado minha palavra.
– Então? – minha voz ecoou no ar e nos meus ouvidos. Meu coração
bateu forte. – O que vai ser?
Degamon estava nos observando com um leve interesse.
– Estou tentado. Você me traria uma soma muito grande. No entanto,
não vou quebrar meu acordo com Jaxie Spencie – disse Degamon. – Já
tenho alguns compradores interessados nele, que estão dispostos a pagar
uma grande quantia para brincar com ele – O demônio estendeu a outra mão
e agarrou a virilha de Jax sugestivamente. Seus olhos negros focaram em
mim. – Mas eu voltarei para você mais tarde.
– Desgraçado!
Me atirei para frente e corri enquanto uma onda de adrenalina crescia
em mim. Senti um vento e ele se misturou com uma névoa negra, e então
um monte de demônios igura correram na minha direção.
Droga.
Danto já estava correndo em direção aos iguras próximos que saltaram
ao mesmo tempo.
Puxando minha lâmina da morte com a outra mão, eu girei e golpeei,
cortando a garganta do demônio igura mais próximo. Virei e empurrei o
demônio morto para cima do demônio mais próximo enquanto mergulhava
minha outra lâmina profundamente no intestino de um terceiro.
Na minha linha de visão, eu peguei um vislumbre do padre puxando sua
espada da barriga de um demônio que gemia e girando para cortar a cabeça
de outro. Impressionante.
Eu não conseguia ver Tyrius, mas sabia que ele não estava muito atrás
de mim.
Me acalmando, eu me movi por instinto, e deixei meu treinamento e
habilidades sobrenaturais fluir por mim e me guiar. O ar circulava com o
cheiro de podridão. Um demônio igura cortou o ar com sua própria lâmina
da morte, mirando direto no meu peito. Amaldiçoando, eu parei o golpe
com uma adaga, e a cravei em seu peito exposto. Um sangue preto, quente e
fedorento espirrou na minha mão enquanto eu enfiava minha lâmina da
morte em seu olho. Uma nuvem de sujeira me atingiu no rosto quando o
igura explodiu em pó.
Buscando o ar para respirar, eu me virei, e me distanciando, eu bati com
a parte achatada do cabo na cabeça de outro igura.
Ouvi uma risada. Degamon. Meu ódio pelo demônio acendeu uma
chama que percorreu meu corpo, como um veneno quente em minhas veias.
Eu ia estripar aquele filho da mãe.
Minha respiração era ofegante, e eu parei quando um igura pulou em
Danto, com as garras estendidas e emitindo um som horrível.
Por um segundo, eu assisti, chocada, enquanto os dois lutavam, ambos
se movendo incrivelmente rápido. Danto era como um borrão, fazendo
parecer que o igura estava tentando pegar uma sombra em movimento.
– Cuidado! – gritei quando outro igura o agarrou pelas costas, mas o
vampiro se contorceu com uma velocidade desumana para cravar os dentes
no pescoço do demônio. O demônio gritou e perdeu a força, e antes que
caísse, Danto girou e quebrou o pescoço de outro demônio. Nossos olhos se
encontraram, suas presas brilhavam com o sangue negro.
Eu estava em movimento novamente. Disparei em direção ao demônio
vermelho, em direção a Jax. Se eu pudesse matá-lo, tudo isso estaria
acabado.
Um desespero me atingiu enquanto eu forçava meu corpo cada vez
mais, girando, rolando, me abaixando. Atravessei a multidão de iguras, não
tirei os olhos das feições de sofrimento de Jax.
Estou chegando.
Não foi a coragem que me deu forças, foi a fúria e o medo.
– Rowyn! – gritou Tyrius. – Atrás de você!
Pulei e girei no ar, vendo dois iguras vindo em minha direção com uma
velocidade assustadora. A fome estampava seus rostos. Eles queriam me
matar, mas eu queria matá-los mais ainda.
Com os olhos arregalados, eu encolhi meu corpo quando caí fazendo
contato com o chão. Joguei-me na direção deles, rolando e me mantendo
abaixada até que estava bem debaixo dos dois iguras que ainda tentavam
me pegar. Eles gritaram quando estripei os dois com dois golpes.
Eu levantei. Danto estava esmagando a cabeça de outro demônio com as
mãos, dada sua força sobrenatural. Ele rosnou, seus dentes ainda pingavam
sangue de demônio. Estremeci quando o vampiro estendeu a mão e cravou
suas garras afiadas nos olhos do demônio. Gritando, o demônio se jogou
para trás, mas o vampiro estava atrás dele. Com dois golpes rápidos, a
cabeça do demônio foi decepada do seu pescoço e caiu no chão com uma
explosão de cinzas.
Tyrius pulou na cara de um igura. Ele era um borrão de garras e dentes
enquanto atacava sem piedade, ele cortava a carne macia do demônio com
uma vontade selvagem. Um sangue preto voou por toda parte, molhando o
pelo claro do gato.
Ouvi um rosnado perto de mim, e virei, meu coração acelerou quando vi
um igura atacar o Padre Thomas, que tinha sua espada enfiada
profundamente nas entranhas de outro.
– Padre! Abaixe-se! – gritei antes de lançar minha lâmina da alma no
rosto da criatura que se aproximava.
O clérigo mal tinha se mexido para evitar o golpe. O sangue do
demônio espirrou em sua camisa.
Quando o Padre Thomas puxou sua espada do igura morto, olhei para
cima e vi uma abertura.
Um caminho limpo direto para Degamon.
Metade do seu exército de igura estava morto, e o resto estava ocupado
lutando com um padre, um gato e um vampiro.
– Peguei você – sussurrei e pulei.
Eu estava quase lá, podia estender a mão e tocar Jax. Seus olhos
estavam fechados, ele estava inconsciente.
Com um uivo selvagem, eu me joguei contra o demônio vermelho,
minha lâmina da morte estava a centímetros do seu rosto repulsivo e cheio
de bolhas.
Mas meus ouvidos estalaram com a mudança repentina de pressão, e
então caí de cara no chão.
Levantei-me do chão e me virei.
Degamon e Jax se foram.
Capítulo 28
L ádeestava ela, brilhando, como os anjos sempre brilhavam. Sua pele cor
café era um contraste gritante com seu terninho branco moderno, e eu
me perguntei se ela tinha se vestido toda de branco apenas para um efeito
angelical extra. Provavelmente. Ela tinha cabelos negros curto e parecia
estar na casa dos trinta e tantos anos.
Eu podia ser péssima em invocar demônios, mas tinha certeza que não
tinha invocado um anjo. Não dessa vez.
Seus olhos se moviam com uma precisão fria de se familiarizar com
tudo a sua volta, como uma predadora.
Seus olhos encontraram os meus, seus olhos escuros ardiam com um
desprezo mal contido. E ela sorriu, não era um sorriso amável de “prazer
em lhe conhecer”, mas o sorriso que um predador dá antes de matar sua
presa. Seu braço direito se moveu e uma longa lâmina de prata escorregou
para sua mão direita.
– Rowyn, ela está com uma lâmina na mão – sussurrou Tyrius, seus
olhos azuis brilhavam. – Por que ela tem uma lâmina na mão?
Os olhos do anjo se fixaram em Tyrius e seu sorriso se alargou de uma
forma absolutamente assustadora, revelando seus dentes brancos e
brilhantes.
Eu me levantei e os pelos do meu pescoço se arrepiaram. O que diabos
um anjo estava fazendo no meu apartamento? Quando os anjos apareciam,
era porque eles queriam alguma coisa. E ainda assim eu não conseguia me
livrar do profundo sentimento de pavor que contraiu meu estômago. Não
havia nada de sagrado nos olhares que ela me lançava, ou naquela longa
adaga em sua mão.
– O que você quer? – perguntei com uma voz dura. De forma alguma eu
ia deixar o anjo perceber meu medo.
Ainda sorrindo, o anjo atravessou meu apartamento e se aproximou de
mim, falando em voz alta:
– Rowyn Sinclair. A Caçadora. – Ela desviou seus olhos para o círculo
de sangue no chão. – Invocando demônios, pelo que vejo. Que
irresponsável de sua parte. Invocar demônios é considerado blasfêmia. A
magia demoníaca viola as leis angelicais.
Cerrei os dentes.
– Eu não dou a mínima para suas leis. – Levantei minhas sobrancelhas e
sorri. – Eu não sou um anjo.
O anjo inclinou a cabeça enquanto me observava, ela passou os olhos
sobre a lâmina da morte no meu quadril.
– Não. Você não é nenhum anjo, mas já foi uma nascida-anjo. De
qualquer forma, isso não importa agora.
Fiz uma careta.
– O que você quer dizer com isso?
O que diabos está acontecendo?
– Ou você nos diz porque sua bunda angelical veio até aqui – rosnou
Tyrius, com sua cauda levantada. – Ou dê o fora. Esta é uma casa particular.
Você não pode simplesmente se transportar sem ser convidada. Existem
regras.
– Não preciso de convite – respondeu o anjo.
Meu corpo gelou.
– Que diabos você está falando? – perguntei, minha boca estava seca.
O anjo riu alto e profundamente.
– Você é acusada do assassinato do arcanjo Vedriel. – Ela ergueu a
adaga e rolou um dedo sobre a ponta afiada. – Uma acusação punível com
pena de morte.
Fiquei de boquiaberta enquanto Tyrius praguejava.
– O quê? – Merda. Merda. Merda. – Espere um minuto, isto é um erro.
Eu não matei ninguém.
Sim, eu matei o arcanjo com a ajuda de meus amigos, mas era ele ou
nós. E escolhemos ele. Senti um tremor nas pernas com a mistura nauseante
de pavor e nervosismo, e prendi a respiração para tentar me acalmar.
– Nenhuma violação das leis angelicais será tolerada. – O anjo baixou
sua lâmina. Seus olhos escuros dançavam de excitação, o que me deu
arrepios. Ela queria me matar. – A sentença por cometer assassinato, ainda
por cima de um arcanjo, é a morte pela lâmina, a ser executada
imediatamente.
Tyrius baixou as orelhas.
– O desgraçado sabia o que estava por vir. Você ao menos sabe o que ele
fez? O que ele fez com Rowyn e os outros? Não, você não sabe, e é punível
com a morte? Rowyn apenas tentou se salvar do Dr. Frankenstein.
O anjo lhe deu um olhar arrepiante.
Cutuquei o gato com meu pé.
– Tyrius. Para, não está ajudando.
Levantei meu queixo para o anjo com determinação e levei minha mão
para a cintura.
– Isso é um erro – protestei. – O arcanjo estava tentando me matar. Ele
matou outros como eu. Eu não queria que isso acontecesse – Aham, tá bom
–, mas ele não me deu escolha. Era ele ou eu. Foi legítima defesa. Ele ia me
matar. Não tenho direito a um julgamento ou algo assim?
O anjo riu.
– Há provas suficientes para apoiar a alegação de assassinato. Seu saco
de carne aspirante a anjo miserável. Você assassinou um arcanjo. De forma
alguma você tem direito a um julgamento. É simples assim, você vai
morrer. Está decidido.
Lambi meus lábios.
– Que provas? – perguntei com uma voz baixa para ela não tremer.
O sorriso do anjo não vacilou.
– Houve testemunhas. Isso é o suficiente para colocar uma recompensa
pela sua cabeça.
Uma recompensa pela minha cabeça?
Enrijeci quando uma saraivada de palavrões saiu da minha boca.
– Vá para o inferno, você e sua Legião. – Agora eu estava irritada,
muito, muito irritada. – Deixa eu adivinhar… você vai receber algo em
troca da minha vida. Não vai? Não é dinheiro, deve ser outra coisa. O que
vocês anjos querem?
– Uma promoção – ela respondeu, seus olhos brilhavam. – Mérito.
Status. Poder. Posso ter tudo, uma vez que eu levar sua alma.
– Malditos anjos – murmurou Tyrius. – Matar mortais para subir na
maldita hierarquia angelical. Brilhante.
Uma raiva me invadiu, alimentada pela memória de Vedriel tentando me
matar, pelas mortes dos meus pais, pelas mortes dos Não Marcados.
O anjo continuou a me encarar. O prazer e a excitação em seus olhos
eram perturbadores.
Encontrei seus olhos e puxei minha lâmina da morte.
– Sai daqui. Ou então que Deus e todos os deuses que me ajude, vou
acabar com você.
O anjo sorriu.
– Você deve morrer, Rowyn Sinclair. Você deve pagar por tirar a vida de
um arcanjo.
Ela disparou para frente parecendo um borrão preto e branco. Sua
lâmina estava apontada para frente e balançava, um grito de guerra soou de
seus lábios enquanto ela se lançava contra mim de forma rápida e mortal.
Contudo, eu estava pronta para ela.
Empurrei Tyrius para fora do caminho com o pé e corri para trás,
desviando de cada golpe daquela lâmina afiada e letal. Malditos anjos.
Porque eles não me dão um tempo.
Eu pulei para trás quando ela me rodeou.
– Você pode ir agora, e eu esquecerei tudo isso. Combinado?
O anjo se lançou para frente e desferiu um golpe com sua longa adaga.
Eu me afastei, mas logo em seguida senti o gume de sua adaga ao longo do
meu pescoço. Abaixei-me e girei, mas a lâmina roçou minha pele. O sangue
aqueceu meu pescoço e ombros.
Cadela. Ela vai pagar por isso.
O anjo sorriu ao ver o sangue no meu pescoço. Ela era rápida pra
caramba. E uma lutadora boa para cacete. Mas eu também. E isso era uma
luta, lute ou morra tentando.
E eu não ia morrer hoje.
– Acho que você realmente quer essa promoção, hein? – provoquei,
sorrindo quando o sorriso dela desapareceu. – Me fala, o que acontece se eu
não morrer? E se eu ganhar? O que acontece com sua promoção?
– Você não vai – o anjo rosnou enquanto ela fintava para a esquerda e
golpeava para a direita.
Ela veio para cima de mim, girando com uma elegância impiedosa e
atacando com sua lâmina reluzente. Eu me abaixei e rolei para o lado,
batendo no balcão da cozinha, quebrando pratos e louças. O balcão de
azulejos estremeceu quando a lâmina do anjo penetrou fundo no azulejo.
O anjo puxou sua espada, xingando.
– Você errou – eu sorri ao ver sua frustração. Eu também poderia jogar
este jogo.
O anjo sibilou e me atacou, mas eu me abaixei e girei, enfiando minha
adaga em seu quadril.
Merda. Eu tinha acabado de esfaquear um anjo com minha lâmina da
morte. Mas ela me obrigou fazer isso.
O anjo gritou quando puxei minha adaga e pulei para trás, a ponta
estava coberta por um líquido branco, a essência do anjo.
Ela se virou, seu rosto estava sombrio e lívido.
– É preciso muito mais do que sua lâmina da morte para me matar. Só
preciso de uma visita a Horizon para voltar novinha em folha.
– Você ainda tem a chance de ir embora – eu disse, olhando por cima do
ombro dela, e vendo Tyrius agachado nas costas do meu sofá, pronto para
atacar se eu precisasse de ajuda. – Ninguém precisa morrer.
– Eu só vou embora quando você estiver morta.
A lâmina do anjo brilhou à luz das velas quando ela a ergueu sobre a
cabeça. Com uma força selvagem, ela se jogou em minha direção. Eu
abaixei, e a lâmina enterrou na porta do armário. O anjo a puxou de volta
enquanto saltava em minha direção.
Girei e gritei quando seu joelho atingiu meu estômago. Perdi o ar,
tossindo, eu mantive a mão na minha adaga.
Sem ar, não consegui gritar quando ela me chutou novamente no
estômago. Eu caí no chão com o golpe poderoso, o espelho do meu círculo
caiu do meu lado. Lá se vai sete anos de azar.
Ouvi um estalo quando a parte de trás da minha cabeça atingiu o chão
de madeira dura, um medo me invadiu.
– Rowyn! – gritou Tyrius.
– Fique aí! – eu gritei. Eu não queria que ele se machucasse. Ele ainda
não estava totalmente recuperado e eu não sabia do que o anjo era capaz.
Falando do diabo, ela pairou sobre mim. Seu sorriso era mais
aterrorizante visto de baixo.
– Vou arrancar sua alma, pequena mortal. Não é pessoal, é que eu
realmente quero essa promoção.
– Você é uma cadela doente. Sabia disso? – rosnei, cuspindo sangue da
minha boca e lutando contra uma onda de náusea enquanto tentava parar a
sala de girar. Senti como se a parte de trás da minha cabeça tivesse
explodido como um melão.
– Já fui chamada de coisa muito pior – comentou o anjo, seu rosto
sombrio estava contorcido em um sorriso de escárnio.
Meus lábios se curvaram.
– Aposto que sim.
Com um grito de fúria, o anjo levantou sua lâmina, a ponta assobiava
quando vinha na direção do meu rosto. Rolei e com um pulo me levantei.
Grunhindo com esforço e raiva, eu me abaixei e desviei do seu ataque.
Ela era magra e forte, mas não era nada comparada à força e velocidade
aterrorizantes do arcanjo Vedriel.
Ela tinha habilidades, mas não era uma Caçadora treinada como eu. Ela
era muito arrogante, muito impetuosa. Logo ela cometeria um erro, e eu
estaria esperando por isso.
– Você se move como uma maldita contadora – zombei, acenando com
minha lâmina. – É isso que você faz em Horizon? Eles colocaram você
atrás de uma mesa para fazer contas? É por isso que você está toda animada
assim, não é? Enquanto seus amigos estão no mundo salvando almas
mortais, você está sentada em uma mesa fazendo contas. Se eu sou um
ingresso para sua promoção, você realmente deve ser um péssimo anjo da
guarda.
Eu sabia que tinha atingido um ponto fraco quando seus olhos se
estreitaram. Seu sorriso diminuiu quando ela olhou para Tyrius.
– Acho que vou matar seu gato como bônus adicional – ela sorriu,
voltando sua atenção para mim, mas no fundo dos seus olhos pude ver pela
primeira vez seu desespero, sua angústia por uma maldita promoção.
Minha raiva aumentou junto com a dor na parte de trás da minha
cabeça.
– Porque você teve que falar isso.
Ela ergueu as sobrancelhas quase imperceptíveis.
– Odeio gatos. Os gatos nunca deveriam ser considerados animais de
estimação. Eles sempre têm aquele olhar superior, como se fossem os donos
e nós fôssemos seus animais de estimação.
– Nada de errado com isso – miou Tyrius.
– Além disso – ela acrescentou –, sou alérgica. – Após dizer isso, ela se
lançou para frente tão rápido que mal pude acompanhar. A mulher parecia
uma névoa branca enquanto mergulhava sua longa lâmina. O anjo foi muito
rápido. Rápido demais para eu conseguir bloqueá-la.
Abaixei-me e rolei, mas o anjo já estava lá. E ela desferiu seu golpe
mortal direto em meu coração.
Naquele momento, tudo o que vi foi seu rosto ansioso e retorcido.
Mas em vez de sentir o corte suave na carne, ouvi um tintilar fraco e
senti uma ardência reverberando no meu peito quando sua adaga atingiu
algo duro e inflexível.
Minha moeda de duende.
Sua mão tremeu com a força do golpe. O anjo gritou e cambaleou para
trás, com os olhos arregalados. Ela ficou boquiaberta, mas não disse nada.
Seus olhos, cheios de choque e ódio, estavam fixos no meu peito.
Mas eu já estava de saco cheio dessa porcaria.
Joguei-me para frente tão rápido quanto a flecha de uma fada. Os olhos
do anjo se arregalaram quando enterrei a ponta da minha lâmina da morte
em seu queixo e a empurrei até seu cérebro.
Pulei para longe quando ela tombou para trás, seus suspiros chocantes e
terríveis foram abafados pela dificuldade em respirar. O anjo largou sua
espada, seus olhos ainda estavam arregalados e sua boca aberta em um grito
silencioso. Uma luz branca se derramou sobre seus olhos, nariz, boca e
ouvidos, até que todo o seu corpo foi envolvido por um brilho de luz.
E então ela explodiu em um milhão de partículas brilhantes.
O barulho da minha lâmina da morte foi alto quando atingiu o chão. O
anjo desapareceu como uma névoa antes do sol nascer, não restou mais
nada dela, exceto o latejado na parte de trás da minha cabeça.
– E lá se vai mais um – disse Tyrius enquanto se aproximava de mim. –
Droga, Rowyn. Quando pensei que as coisas não poderiam piorar, matamos
outro anjo.
Minhas pernas e braços tremeram com os últimos efeitos da adrenalina.
– Você quer dizer, eu matei. Foi eu que fiz, não você.
Ah, inferno. Malditos anjos. Eu não precisava dessa porcaria agora com
todo o resto acontecendo.
Tyrius suspirou alto.
– Você sabe o que isso significa, não sabe?
Eu bufei.
– Que minha vida é uma merda?
– Que você foi oficialmente acusada de assassinato. – A voz de Tyrius
estava distante enquanto ele olhava para o chão e o que restou do meu
círculo de sangue. – A Legião virá atrás de você por ter matado o arcanjo.
– Foi legítima defesa – rebati. Uma onda de raiva cresceu em mim, mas
eu rapidamente a reprimi, não querendo direcionar minha raiva para Tyrius.
– Não conforme as testemunhas deles.
– Danem-se suas testemunhas. Nós fomos as testemunhas.
Lembrava daquela noite como se fosse ontem. Além de Degamon e seus
minions, não havia mais ninguém na Boca do Diabo, uma das atrações
abandonadas no parque de diversões de Fox Island, onde matamos o
arcanjo Vedriel.
– Eles estão mentindo – eu disse, sacudindo a cabeça. Isso não estava
cheirando bem, fedia podridão. Eu tinha que encontrar uma maneira de
provar a eles que eu era inocente, ou estava praticamente morta. – Passei
minha vida adulta inteira com o conselho tentando me acusar de coisas que
eu não fiz, e agora vem a Legião de anjos tentando armar pra cima de mim
e me prender quando eu estava apenas tentando me defender.
– É uma merda, eu sei – disse Tyrius. – Contudo, não podemos parar
agora. Precisamos seguir em frente.
– Isso é tudo que tenho feito – eu disse. – Siga em frente. Continue,
Rowyn. Você consegue. Infelizmente, parece que tem forças que continuam
me empurrando para trás. Como se eu estivesse fadada ao fracasso.
– Você não está fadada ao fracasso.
– Parece que sim.
Vi-me cerrando os punhos, estava ficando extremamente mal-humorada.
– Eu sei disso – disse o gato calmamente. – Encontraremos uma
maneira de remover essas acusações infundadas, mas até que possamos
provar sua inocência, você não pode mais ficar aqui. Não é seguro.
Um arrepio subiu pelo meu corpo. Afundei no chão, zangada e
deprimida.
– Que ótimo – eu disse, olhando para o nada. Eu sabia que Tyrius estava
certo. A qualquer minuto poderia haver outro anjo seguido de outro anjo,
faminto por uma maldita promoção.
Meu peito se contraiu enquanto eu lutava contra as lágrimas. Jax ainda
era prisioneiro de Degamon. Eu tinha que trazê-lo de volta. Assim como
Tyrius disse, o ar do Submundo era tóxico para não-demônios, então Jax
não tinha muito tempo.
– Você sabe que haverá mais. – O medo estava estampado em seus
olhos, o canto dos seus olhos brilhava enquanto ele se aconchegava ao meu
lado. – E eles não vão parar até que você esteja morta.
– Eu sei.
A Legião dos anjos pensava que eu era uma assassina e queria me
matar. O que poderia ser pior?
Meus olhos dispararam para o círculo, para o molho de chaves em cima
do espelho quebrado. A invocação não funcionou. Mas eu não tinha falhado
com Jax, pelo menos não ainda. A esperança que me invadiu, era quase
dolorosa.
Ainda havia uma chance de salvá-lo e eu sabia exatamente o que fazer.
Capítulo 30
SOMBRA E LUZ
Caçada Sombria
Vínculo Sombrio
ARQUIVOS SOMBRIOS
Feitiços e Cinzas
Encantos E Demônios
Magia e Chamas
Maldições e Sangue
GUARDIÕES DE ALMA
Marcada
Elemental
Horizonte
Submundo
Seirs
Mortal
Ceifeiros
Selos
REINOS DIVIDIDOS
Donzela de Aço
Rainha das Bruxas
Magia de Sangue
Sobre A Autora
KIM RICHARDSON é uma autora best-seller do USA Today de fantasia urbana, fantasia e livros
para jovens adultos. Ela mora no leste do Canadá com o marido, dois cachorros e um gato velhinho.
Os livros de Kim estão disponíveis em edições impressas e as traduções estão disponíveis em mais de
sete idiomas.
www.kimrichardsonbooks.com