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RESUMO: O presente texto tem como objetivo discutir o acesso à justiça como um
direito humano básico e o modo como ele vem se concretizando no Brasil pós
Constituição de 1988. Nessa mesma linha de raciocínio o texto aborda o Estado
como detentor do monopólio da força enquanto instituição legitimada a “dizer o
direito” determinando quem ganha e quem perde a demanda. Assim, as crises pelas
quais passa a jurisdição atual serão abordadas bem como se debaterá as possíveis
alternativas a estas crises.Como método de procedimento utilizou-se o dedutivo e
como técnica aplicou-se a pesquisa bibliográfica baseada em documentação indireta
que serviu de base teórica para o desenvolvimento do estudo.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Direitos humanos. Jurisdição. Mediação.
ABSTRACT: The present paper aims to study the justice access as a fundamental
human right and the way it has been consolidated in Brazil after the 1988 Federal
Constitution. So, it analyzes the State as the legitimate power responsible to
“establishes the right”, determining who is the winner and who is the loser in a
lawsuit. Thus, it is approached the present jurisdiction crisis and possible alternatives
to it. It is adopted the deductive method as a procedure methodology and the
bibliographic research based on indirect data as technics, which were the theoretical
basis of this study.
Key words: Justice Access. Human rights. Jurisdiction. Mediation.
1 INTRODUÇÃO
1 Esse texto foi produzido a partir da pesquisa desenvolvida no projeto: “Entre a jurisdição e a
mediação: o papel político/sociológico do terceiro no tratamento dos conflitos” coordenado pela autora
e financiado pelo CNPq, chamada 43/2013 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, nº do
processo 408582/2013.
2 Pós-doutora em Direito pela Università degli Studi di Roma Tre, em Roma na Itália, com bolsa CNPq
(PDE). Doutora em Direito pelo programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos – UNISINOS – RS, mestre em Desenvolvimento Regional, com concentração na
área Político Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC – RS, docente dos cursos
de Graduação e Pós Graduação lato e stricto sensu da UNISC e da UNIJUI, Coordenadora do Grupo
de Pesquisa “Políticas Públicas no Tratamento dos Conflitos” vinculado ao CNPq; e-mail:
fabiana@unisc.br
3 Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (2000), onde atualmente é professor
4 A concepção de efetividade que se pretende trabalhar aqui assume um caráter mais amplo do que
aquela desenvolvida por Chiovenda cuja visão, de cunho essencialmente individualista, está
ultrapassada, pois [...] na medida do que for praticamente possível o processo deve proporcionar a
quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter (CHIOVENDA,
1930, p. 110).
4
5 Andiamo, dunque, con ordine, mettendoci nei panni del cittadino che entra in un palazzo o in un’aula
di giustizia. La prima sensazione, in genere, è di avere a che fare con un sistema scarsamente
comprensibile: con una macchina che gira per lo più vuoto (spesso provocando interminabili e
incomprensibili perdite di tempo a chi ne è coinvolto), ma che può anche stritolare chi non sa – o non
ha i mezzi per difendersi. Non è sempre così: ci sono isole felici in cui il primo impatto è positivo; e, in
ogni caso, le difficoltà di acceso e di orientamento (anche sotto il profilo logistico o delle semplici
informazioni) non preludono necessariamente a un inter processuale insoddisfacente. Ma, di regola, è
questo l’inizio dell’avventura del cittadino (persona offesa o imputato, testimone o parte di un processo
civile) che si affaccia in un tribunale. Ciò genera, inevitabilmente, un senso di approfonda
inquietudine. Il passo verso la sfiducia non è automatico, ma certo a tale esito concorrono i tempi
lunghi che il processo successivamente assume (CASELLI; PEPINO, 2005, p. 11-12).
6 É interessante reforçar que o distanciamento e a descrença do cidadão comum pela jurisdição se
dão não só quanto aos seus aspectos quantitativos (velocidade da prestação jurisdicional), mas
também nos seus aspectos qualitativos (por exemplo, o problema da discricionariedade judicial). O
problema reside, também, na forma como o juiz decide e não só na celeridade de sua decisão.
5
8 Artigo 5º (...)
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
9 De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos
é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à
justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos
humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas
proclamar os direitos de todos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 11-12).
7
a qual o Brasil aderiu em 26.5.1992, realizando sua ratificação em 25.9.1992 e sua promulgação em
9.11.1992 (Dec. 678), dispõe expressamente em seu artigo 8º, item 1: “Toda pessoa terá o direito de
ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter
civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza”. É possível afirmar, então, que a determinação de
que o processo possua duração razoável e que sejam garantidos meios de celeridade na sua
tramitação não é, propriamente, uma novidade no cenário brasileiro. No entanto, a Convenção
Americana de Direitos Humanos não foi observada quanto a esse dispositivo.
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assegurados ao cidadão12. É por isso que não basta apenas “garantir o acesso aos
tribunais, mas principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e
interesses legalmente protegidos através de um acto de jurisdictio (CANOTILHO,
2000, p. 423)”. Nessa seara, mesmo que a EC/45 alcance resultados significativos
tornando célere o trâmite processual, aproximando a justiça do cidadão,
especializando varas para o melhor tratamento de uma parcela de direitos até então
pouco observados, valorizando as defensorias públicas (o que implica de forma
direta ou indireta na diminuição de custos e na possibilidade de inclusão do cidadão
hipossuficiente), deve-se recordar que os mecanismos de tratamento dos conflitos
precisam ser revistos. Os resultados atingidos pela Reforma do Judiciário, mesmo
que significativos, não evitarão o necessário empreendimento de novos esforços na
busca por outras estratégias de tratamento de conflitos, cuja base consensuada
possibilite à sociedade retomar a autonomia perdida, conquistando a possibilidade
de encontrar respostas para suas demandas.
Consequentemente, essas novas garantias constitucionais vêm para integrar o
sentido includente que deve ser conferido às normas constitucionais de um País que
pretende reduzir desigualdades, erradicar a pobreza, fundar uma sociedade justa e
solidária, etc., como forma de integrar a nação em um projeto de sociedade
comprometida com a dignidade humana que, como escopo do “constitucionalismo
social e democrático de direito”, repercute em todos os âmbitos da prestação estatal,
seja administrativa ou jurisdicional (BOLZAN DE MORAIS, 2005, p. 18).
Nestes termos, é importante revisitar algumas das crises pelas quais passa a
jurisdição brasileira e que tornaram necessária a implementação da EC/45
objetivando fazer efetivo o direito de acesso à justiça. Esse é, pois, o próximo
assunto.
12 Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários
mecanismos de processamento de litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa
para além dos tribunais e utilizar métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia e da
economia, e ademais, aprender através de outras culturas. O “acesso” não é apenas um direito social
fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da
moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e
métodos da moderna ciência jurídica (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 13).
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13 Tal fato vem ilustrado pela substituição, gradativa, da política pelo mercado, ou seja, “por
desconhecer limites de tempo e espaço, reduzir as fronteiras jurídicas e burocráticas, entre as
nações, tornar os capitais financeiros imunes a fiscalizações governamentais, fragmentar as
atividades produtivas em distintos países, regiões e continentes e reduzir a sociedade a um conjunto
de grupos e mercados unidos em rede, a transnacionalização dos mercados de bens, serviços e
finanças levou a política a ser substituída pelo mercado como instância máxima de regulação social.
(...). Acima de tudo, ao gerar formas de poder e influência novas e autônomas, ela também pôs em
xeque a centralidade e a exclusividade das estruturas jurídicas do Estado moderno, baseadas nos
princípios da soberania e da territorialidade, no equilíbrio dos poderes, na distinção entre o público e
o privado e na concepção do direito positivo como um sistema lógico-formal de normas abstratas,
genéricas, claras e precisas (FARIA, 2001, p. 8).
14 A crise funcional da jurisdição desemboca na desregulamentação e na deslegalização que nem
mesmo no Legislativo encontram barreiras, uma vez que “quanto mais os legisladores tentam
planejar, controlar, dirigir menos conseguem ser eficazes e obter resultados satisfatórios”. Assim, não
resta ao Legislativo outra alternativa para preservar sua autoridade funcional: “quanto menos
tentarem disciplinar e intervir, menor será o risco de serem desmoralizados pela inefetividade de seu
instrumental regulatório”. A conseqüência é nefasta: parte significativa dos direitos nacionais vem
sendo internacionalizada e outra parte esvaziada pelo crescimento de normas “privadas”. Desse
modo, a desregulamentação e a deslegalização do Estado-nação significam a re-regulamentação e a
relegalização em termos de sociedade, mais precisamente, das organizações privadas. (FARIA,
2001, p. 11-12).
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perdendo espaço para outros centros de poder, talvez mais aptos a lidar com a
complexidade conflitiva atual, mais adequados em termos de tempo e espaço. Não
se pode perder de vista, também, que o aparato judicial brasileiro, para tratar os
conflitos atuais, serve-se de instrumentos e códigos muitas vezes ultrapassados,
ainda que formalmente em vigor, com acanhado alcance e eficácia reduzida 15. Tal
eficácia e alcance muitas vezes atingem somente os conflitos interindividuais, não
estrapolando o domínio privado das partes, encontrando dificuldades quando instado
a tratar de direitos coletivos ou difusos.
Intimamente ligada à crise de identidade encontra-se a crise de eficiência, uma
vez que, impossibilitado de responder de modo eficiente à complexidade social e
litigiosa diante da qual se depara, o Judiciário sucumbe perante a inovadora carga
de tarefas a ele submetidas. Evidencia-se, então, o “flagrante descompasso entre a
procura e a oferta de serviços judiciais, em termos tanto qualitativos quanto
quantitativos” (FARIA, 1995, p. 11). Esse descompasso entre a oferta e a procura
gera uma frustração geral, decorrente da morosidade e da pouca eficiência dos
serviços judiciais, quando não da sua simples negação aos segmentos
desfavorecidos da população, que ainda precisam lidar com a diferença entre a
singela concepção de justiça que possuem e a complexidade burocrático/formal dos
ritos processuais16. A conjugação dessas duas circunstâncias acaba provocando o
desprezo e o descrédito do cidadão comum pela justiça, afastando-o muitas vezes.
Essa descrença na justiça se dá não só pela distância entre o cidadão comum,
os ritos e a linguagem que envolvem os processos judiciais, mas também pelo
tempo percorrido por cada procedimento (tradicionalmente longo), pela inadequação
das decisões vertidas frente à complexidade dos litígios, e pela impossibilidade de
15 Nesse sentido, a crise do Judiciário também influencia e é influenciada pela crise do modelo (modo
de produção de Direito) que se instala justamente porque a dogmática jurídica, em plena sociedade
transmoderna e repleta de conflitos transindividuais, continua trabalhando com a perspectiva de um
Direito cunhado para enfrentar conflitos interindividuais, bem nítidos em nossos Códigos (civil,
comercial, penal, processual penal e processual civil, etc.). Esse é o paradigma dominante nas
práticas jurídicas de nossos tribunais, fóruns e na doutrina (STRECK, 2004, p. 35).
16 Por isso, uma das formas de possibilitar o acesso à justiça, aproximando o cidadão de seus ritos,
passa pela necessidade dos “juristas reconhecerem que as técnicas processuais servem a funções
sociais; que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada e que
qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao
sistema judiciário formal, tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com
que frequência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social. Uma tarefa básica
dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de
processamento de litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para mais além
dos tribunais e utilizar métodos de análise da sociologia, da política, da psicologia e da economia, e
ademais, aprender através de outras culturas” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 13).
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5 Conclusão
REFERÊNCIAS
CASELLI, Gian Carlo; PEPINO, Livio. A un cittadino che non crede nella giustizia.
Bari-Roma: Laterza, 2005.
______. O poder Judiciário nos universos jurídico e social: esboço para uma
discussão de política judicial comparada. In: Revista Serviço Social e Sociedade.
Ano XXII, n. 67, set. 2001.
______. A crise do Judiciário no Brasil: notas para a discussão. In: SARLET, Ingo
Wolgang. Jurisdição e direitos fundamentais. Anuário 2004/2005. Porto Alegre:
Livraria do Advogado/Ajuris: 2005.
FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Estado, sociedade e direito. Qual o futuro
dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista. São
Paulo: Max Limonada, 2002.
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