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O CONCEITO DE SAÚDE E
DO PROCESSO SAÚDE – DOENÇA
Até que, com os estudos de Louis Pasteur na França, entre outros, vem a prevalecer a “teoria da unicausalidade”, com a descoberta dos micróbios (vírus e bactérias) e, portanto, do agente etiológico, ou seja, aquele que causa a doença.
Devido a sua incapacidade e insuficiência para explicar a
ocorrência de uma série de outros agravos à saúde do homem, essa teoria é complementada por uma série de conhecimentos produzidos pela epidemiologia, que demonstra a multi- causalidade como determinante da doença e não apenas a presença exclusiva de um agente. Finalmente, uma série de estudos e conhecimentos provindos principalmente da epidemiologia social nos meados deste século esclarece melhor a determinação e a ocorrência das doenças em termos individuais e coletivo.
O facto é que se passa a considerar saúde e doença como
estados de um mesmo processo, composto por factores biológicos, económicos, culturais e sociais.
Deve-se ressaltar ainda o recente e acelerado avanço que
se observa no campo da Engenharia Genética e da Biologia Molecular, com suas implicações tanto na perspectiva da ocorrência como da terapêutica de muitos agravos. Desse modo, surgiram vários modelos de explicação e compreensão da saúde, da doença e do processo saúde- doença, como o modelo epidemiológico baseado nos três componentes – agente, hospedeiro e meio –, considerados como factores causais, que evoluiu para modelos mais abrangentes, como o do campo de saúde, com o envolvimento do ambiente (não apenas o ambiente físico), estilo de vid a, biologia h umana e siste ma dos se rviços de saú de, numa permanente inter-relação e interdependência. Alguns autores questionam esse modelo, ressaltando, por exemplo, que o “estilo de vida” implicaria uma opção e conduta pessoal voluntária, o que pode não ser verdadeiro, pois pode estar condicionado a factores sociais, culturais, entre outros.
De qualquer modo, o importante é saber e reconhecer essa
abrangência e complexidade causal: saúde e doença não são estados estanques, isolados, de causação aleatória – não se está com saúde ou doença por acaso. Há uma determinação permanente, um processo causal, que se identifica com o modo de organização da sociedade. Daí se dizer que há uma “produção social da saúde e/ ou da doença”.
Em última instância, como diz Breilh, “o processo saúde-
doença constitui uma expressão particular do processo geral da vida social”.
Outro nível de compreensão que se há de ter em relação
ao processo saúde-doença é o conceito do que é ser ou estar doente ou o que é ser ou estar saudável.
Sem aprofundar as grandes discussões sobre esse tema,
que envolvem entre outras, como base de discussão preliminar e compreensão, as categorias da “representação dos indivíduos” e a “representação dos profissionais” ou mesmo das instituições de saúde, em um sentido mais pragmático pode-se destacar que em toda população há indivíduos sujeitos a factores de risco para adoecer com maior ou menor freqüência e com maior ou menor gravidade. Além do que, há diferenças de possibilidades entre eles de “produzir condições para sua saúde” e ter acesso aos cuidados no estado da doença.
reliminarmente há que se definir claramente sobre o que
estamos falando e os objetivos que pretendemos atingir, ou seja, discutir um sistema de saúde que tem como objecto de trabalho o processo saúde-doença, em sua complexidade e abrangência, e seus determinantes das condições de saúde da população.
Desse modo, a saúde deve ser entendida em sentido mais
amplo, como componente da qualidade de vida. Assim, não é um “bem de troca”, mas um “bem comum”, um bem e um direito social, em que cada um e todos possam ter assegurados o exercício e a prática do direito à saúde, a partir da aplicação e utilização de toda a riqueza disponível, conhecimentos e tecnologia desenvolvidos pela sociedade nesse campo, adequados às suas necessidades, abrangendo promoção e proteção da saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças. Em outras palavras, considerar esse bem e esse direito como componente e exercício da cidadania, que é um referencial e um valor básico a ser assimilado pelo poder público para o balizamento e orientação de sua conduta, decisões, estratégias e acções.
A partir daí, deve-se perguntar: afinal, o que significa esse
processo saúde-doença e quais suas relações com a saúde e com o sistema de serviços de saúde?
Em síntese, em termos da determinação causal, pode-se
dizer que ele representa o conjunto de relações e variáveis que produz e condiciona o estado de saúde e doença de uma população, que se modifica nos diversos momentos históricos e do desenvolvimento científico da humanidade.
Assim, houve a teoria mística sobre a doença, que os
antepassados julgavam como um fenómeno sobrenatural, ou seja, ela estava além da sua compreensão do mundo, superada posteriormente pela teoria de que a doença era um facto decorrente das alterações ambientais no meio físico e concreto que o homem vivia. Em seguida, surge a teoria dos miasmas (gazes), que vai predominar por muito tempo.
Há, portanto, grupos que exigem acções e serviços de
natureza e complexidade variada. Isso significa que o objecto do sistema de saúde deve ser entendido como as condições de saúde das populações e seus determinantes, ou seja, o seu processo de saúde-doença, visando produzir progressivamente melhores estados e níveis de saúde dos indivíduos e das colectividades, actuando articulada e integralmente nas prevenções primária, secundária e terciária, com redução dos riscos de doença, sequelas e óbito.
Desse modo, há que se compreender outra dimensão, que é
aquela que coloca o processo de intervenção, por meio de um sistema de cuidados para a saúde para atender as necessidades, demandas, aspirações individuais e colectivas, como um processo técnico, científico e político.
É político no sentido de que se refere a valores, interesses,
aspirações e relações sociais e envolve a capacidade de identificar e privilegiar as necessidades de saúde individuais e coletivas resultantes daquele complexo processo de determinação e acumular força e poder para nele intervir, incluindo a alocação e garantia de utilização dos recursos necessários para essa intervenção.
É técnico e científico no sentido de que esse saber e esse
fazer em relação à saúde-doença da população não devem ser empíricos, mas podem e devem ser instrumentalizados pelo conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico, pelo avanço e progresso da ciência.
Portanto, o saber e o fazer em relação à saúde da
população mediante um sistema de saúde é uma tarefa que implica a concorrência de várias disciplinas do conhecimento humano e a acção das diversas profissões da área de saúde, bem como acção articulada entre os diversos sectores, que é requerimento para a produção de saúde.
E aquela dimensão política inerente a esse processo social
remete para a necessidade de satisfazer um outro requerimento, próprio dos processos políticos democráticos, que é a participação social, ou seja, a participação activa da população na formulação, desenvolvimento e acompanhamento das políticas e dos sistemas de saúde, que hoje, no SUS, está minimamente estabelecida nos conselhos de saúde (nacional, estadual e municipal) e conferências de saúde.
Estabelecidas essas preliminares conceituais e directivas
em relação à saúde e doença, ao seu processo de determinação e ao sistema e serviços de saúde e seu objecto de acção, ou seja, as bases conceituais de referência, passaremos à discussão e análise do modelo de Atenção Sanitária.
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