Science">
Miyashiro Rafaeltadashi d1
Miyashiro Rafaeltadashi d1
Miyashiro Rafaeltadashi d1
gestos da escrita
CaMpinas
2015
i
ii
UniVERsiDaDE EsTaDUal DE CaMpinas
insTiTUTO DE aRTEs
gestos da escrita
Tese apresentada ao programa de pós-Graduação
em artes Visuais do instituto de artes da
Universidade Estadual de Campinas para a
obtenção do título de Doutor em artes Visuais.
CaMpinas
2015
iii
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350
iv
v
vi
resumo
abstract
This is a research about gestures of writing in graphic design. These gestures present
themselves as calligraphy, lettering and type design. The body – and the gesture –
approach is inspired by phenomenology and complexity theory. Gesture is seen as a
space-time interval, and the body is its protagonist. Therefore, this research involves
the elements of this interval: writing, imagination, knowledge (through theory and
practice experience based on workshops and undergraduate course) and gesture as
expression of being in the world. At the conclusion, gestures of writing are seen as
something that must be discovered in its depth: more than just a single physical
movement, they are an interval which involves many realities and, above all, a
human being that manifests himself through the body and writing.
keywords gesture, body, typography, calligraphy, lettering, type design
VII
VIII
sumário
apresentação
.......................................................................................................................................... 01
introdução
princípios de uma visão dos Gestos da Escrita ....................................................... 09
Os gestos – intenção e corpo ................................................................................... 20
capítulo 01
Entornos da palavra:
considerações sobre a escrita e o alfabeto romano ................................................ 27
1.1 os registros gráficos: o homem e a escrita ..................................................... 28
1.2 escritas latinas: arquétipos ................................................................................ 41
capítulo 02
a imaginação e o gesto................................................................................................. 57
2.1 Escrita e devaneio ............................................................................................... 66
2.2 Devaneio e gesto ................................................................................................. 82
capítulo 03
a escrita corporificada:
o aprendizado do artífice ............................................................................................ 85
capítulo 04
Um outro lado do aprendizado................................................................................... 113
4.1 aprendizado em campo ..................................................................................... 113
4.2 Workshops ............................................................................................................ 121
4.3 Oficina de Criação de letras............................................................................. 139
capítulo 05
Gestos e mundo .............................................................................................................. 153
5.1 liberato dos Reis Brito Júnior .......................................................................... 162
5.2 Gustavo lassala.................................................................................................... 170
5.3 Rubens Matuck .................................................................................................... 176
5.4 Ítacas ...................................................................................................................... 188
considerações finais
a profundidade dos gestos da escrita................................................................... 191
IX
X
à minha família
XI
XII
agradeço muito
XIII
XIV
[ apresentação ] Esta é uma tese sobre os gestos da escrita.
Considero a escrita uma “representação
do pensamento e de palavras por meio de sinais gráficos [...]” (HOUaiss,
2004, p. 300), entendidos como um sistema complexo que envolve tam-
bém seus aspectos formais, usos, disseminação e modos de produção, tais
como são entendidos no contexto do design gráfico1, como a caligrafia, o
letreiramento e o design de tipos2 3 4.
a caligrafia é um modo direto de produção da escrita: executada de
uma vez só, não permite retoques. Caso seja retrabalhada, ela se tornará
letreiramento (ou lettering5). no letreiramento, as letras (ou palavras e até
[ 01 ]
figura AP1
Exemplos de caligrafia feitos
de um mesmo ideograma
(MIYASHIRO, 2014).
[ 02 ]
frases) são construídas por partes, ou seja, não são feitas de uma única
vez: pode-se refazê-las, modificá-las, e assim por diante – seja com lápis,
pincel, goiva, ferramentas de entalhe etc. Já o design de tipos é feito com
finalidade de reprodução, para formar palavras (sMEiJERs, 2011, p. 24)6.
Os tipos assumem a forma das letras, diacríticos e números. por meio da
combinação deles é que se forma um conjunto (digital ou físico), que se
denomina fonte, e que poderá ser reproduzido tanto física (por exemplo,
em folhetos) como digitalmente (num website).
Cada modo de produção "tem sua própria circunstância e caracte-
rística, seu escopo e seus limites, suas próprias liberdades, sua própria
história” (sMEiJERs, 2011, p.22)7, sugerindo usos mais adequados para
cada um deles. a caligrafia e o letreiramento, por exemplo, podem ser
indicados para casos em que se queira algo customizado. ao invés de
escolher as letras que formam um logotipo a partir de uma fonte digi-
tal, o designer poderia optar pelo letreiramento ou pela caligrafia, já
que eles permitem mais possibilidades de alteração e customização na
forma, ao contrário dos caracteres já 'prontos' da fonte. Já o uso dos
tipos, por sua vez, seria mais indicado para a produção de um livro
impresso, pois permite uniformidade e rapidez na sua diagramação.
Embora se diferenciem, esses modos de produção tem algo em co-
mum, que se revela essencial na abordagem desta tese: eles lidam, antes
de tudo, com a escrita como algo a ser gerado/transformado/desenhado.
Tal escrita não se faz sozinha: ela é feita por alguém, o que traz à tona o
protagonismo criativo do corpo, por meio dos seus gestos.
O conceito de gesto, aqui, difere do que se atribui a ele em geral.
Gesto, para muitos, é o movimento físico do corpo quando ele faz algo.
Essa definição, no entanto, não me parecia completa. Como praticante de
caligrafia japonesa há doze anos e tendo feito mestrado sobre a criação
nesse tipo de caligrafia, aprendi que no momento dessa escrita há algo
[ 03 ]
maior que o aspecto visível do corpo. Morita shiryu (1912-1998), calígrafo
japonês de vanguarda8, descreveu bem isso, quando explicou o que era
sho, palavra que designa caligrafia japonesa expressiva pessoal:
[ 04 ]
no design gráfico, ao contrário das artes, parece haver pouco estí-
mulo para o desenvolvimento de trabalhos que ressaltem a singularidade
do designer, que deem expressão pessoal à comunicação, em geral vis-
ta como 'neutra' e 'objetiva'. É importante salientar que, sobretudo no
design de tipos, têm havido uma produção de qualidade crescente, que
reflete o número de profissionais envolvidos na área; o reconhecimento
do mercado9 e de instituições como o Museum of Modern art (MoMa)10,
de nova York; e o interesse do público de designers, manifestado pelo
número cada vez maior de eventos e cursos ligados a esse campo até
mesmo no Brasil, país que não tem tradição tipográfica11. a caligrafia e
o letreiramento também tem ganhado mais relevância neste país, como
se pode ver em aplicações de design ambiental e editorial e nos interes-
ses por workshops dessas práticas. no entanto, em tempos nos quais se
discutem a economia criativa12 e o fomento de serviços nesse setor, há
[ 05 ]
necessidade de buscar um diferencial maior. Espera-se que as reflexões
apresentadas nesta tese possam contribuir para abordagens e ações que
estimulem e potencializem a criação nos gestos da escrita, por meio da
valorização do corpo/ser e das suas singularidades13.
para tanto, esta pesquisa, de caráter qualitativo, se apoia tanto na fe-
nomenologia quanto na complexidade. Da primeira veio a abordagem do
fenômeno – se algo se mostra, ele se mostra a alguém –, o que implicou
considerar não apenas a escrita, mas também o corpo de quem escreve. Em
geral, os métodos fenomenológicos, em pesquisas qualitativas das Ciências
Humanas14, utilizam entrevistas para compreender a vivência dos entrevis-
tados. no entanto, nas obras de flusser (2004, 2005, 2007) e Gaston Bache-
lard (1991, 2002, 2008) percebe-se um outro uso da fenomenologia, aqui ado-
tado, que a utiliza como discurso. Mais do que por meio de entrevistas, esses
autores realizam uma abordagem que circunda o objeto de pesquisa; e, a par-
tir deste movimento, comentam, descrevem e revelam reflexões, mostrando
essências e particularidades. Já a complexidade sugeriu que esse movimento
fosse feito em vários níveis, em diálogo com as artes, as artes do corpo, a
filosofia, a história da escrita, as neurociências, a anatomia humana, entre
outros. Os dados da pesquisa foram coletados por meios diversos. além
da pesquisa bibliográfica, houve pesquisa de campo, com observação par-
ticipante no acompanhamento de uma disciplina de graduação (Design de
Tipos15) e na participação em eventos como os Diatipo, e em workshops, como
aqueles promovidos pela calígrafa andréa Branco, todos em são paulo. Re-
alizou-se também uma pesquisa-ação, com o desenvolvimento de workshops
e de uma disciplina na graduação, de criação de letras, no segundo semestre
capaz de gerar uma nova imagem para o país. Desde então, o conceito foi
replicado em Cingapura, líbano e Colômbia (REis, 2008, p.16-7). O design
como um todo, incluindo o que aqui se denomina escrita, faz parte da eco-
nomia criativa.
13. numa abordagem do projeto como algo isolado, sem envolvimento, a cria-
ção tem um raio de ação centrípeta, fechada em si mesma, apenas em seus
objetivos. Mas quando esse primeiro caso é superado, a criação se poten-
cializa, pois o raio se amplia, envolvendo não apenas as forças centrípetas,
que forçam as coisas ao centro, mas também as centrífugas, de direção
oposta, construindo um campo de força mais rico e que se relaciona com
mais coisas.
14. Como aqueles descritos por Moreira (2002).
15. Ministrada pela prof. Dra. priscila farias no curso de Design da faculdade
de arquitetura e Urbanismo da Universidade de são paulo (faU/Usp), 2010.
[ 06 ]
de 2013 e 2014, respectivamente, na Universidade presbiteriana Mackenzie
(UpM), onde sou professor do curso de Design. por fim, quatro entrevistas,
de caráter semiaberto16, com alguns profissionais da área possibilitaram uma
perspectiva mais profunda de quem pratica os gestos da escrita.
a introdução apresenta embasamentos da fenomenologia e da com-
plexidade e os princípios de uma visão dos gestos da escrita, desenvol-
vendo o conceito do gesto como um intervalo tempo-espaço.
O Capítulo 1 é uma reflexão sobre o uso de sinais gráficos para a
expressão do homem no contexto histórico. Já que os gestos da escrita
partem de uma intenção – a escrita em si –, é importante compreender
como o homem buscou sua expressão na História, por meio de sinais grá-
ficos. O capítulo parte dos registros desses sinais na pré-História e abarca
até o momento da idade Média em que se organizou o alfabeto romano
tal como é conhecido hoje17. O gesto constitui presença importante que
desenvolve, nos sinais da escrita, particularidades de seu tempo. nota-se,
na história da escrita ocidental, que o empréstimo da escrita de outros
povos é frequente, além de ser fruto de gestos que queriam deixá-la mais
próxima a sua cultura, e, por isso, a transformaram e a adaptaram.
no Capítulo 2, partindo da ideia de que a imaginação é essencial à
natureza humana e à produção da escrita, busca-se compreender o que
o filósofo Gaston Bachelard chama de imaginação material – baseada nos
quatro elementos naturais: terra, ar, fogo e água – e sua relevância para os
gestos da escrita. O que dirige e orienta esse tipo de imaginação é o deva-
neio. Devaneio, na interpretação desta tese, é o fluxo entre a imaginação e a
imaginação materializada que faz, promove e orienta os gestos da escrita.
Baseado no conceito de artífice – profissional que se caracteriza pela
busca da excelência e de um diálogo entre o fazer e o pensar –, o Capítulo
3 procura responder como o corpo do artífice aprende. O Capítulo 4 apre-
senta reflexões sobre o aprendizado da escrita dentro da universidade. para
isso, utiliza a observação de campo e o desenvolvimento de dois workshops e
uma disciplina sobre a criação de letras já referidos. nesses dois capítulos, de
formas diferentes mas complementares, a cognição revela-se como essencial
ao gesto.
16. Que têm um roteiro de perguntas, mas também tem abertura para outras
que surjam, eventualmente.
17. Considerando a estrutura básica desse alfabeto, que depois foi sendo adap-
tado por diversos povos, de acordo com a sua língua e costumes.
[ 07 ]
O Capítulo 5 apresenta o gesto como visão de mundo. partindo das
reflexões dos filósofos Giorgio agamben (2008) e Martin Heidegger
(2007), vê-se que os gestos são fruto da vivência do homem no mundo,
que, na escrita, trabalha na essência da técnica. assim, são entrevistados
três designers que, de diferentes formas, geram gestos singulares: libera-
to dos Reis Brito Jr. (2013), Gustavo lassala (2012) e Rubens Matuck (2010).
novamente, a cognição apresenta-se de forma essencial, mas, nesse caso,
ela está aliada à vivência pessoal, ao modo como cada um apreende o
mundo e devolve essa percepção na forma de letras e palavras.
nas Considerações finais, os gestos da escrita são apresentados
como algo que é descoberto em sua profundidade: mais do que um sim-
ples movimento físico, eles trazem em si a profundidade de um intervalo
que envolve várias realidades, e, sobretudo, um ser que se manifesta por
meio do corpo e da escrita com suas singularidades.
[ 08 ]
Princípios de
uma visão dos
Gestos da Escrita
[ introdução ]
Grãos de açúcar dão forma a le-
tras e ornamentos sob uma mesa
de madeira. peças de um quebra-
cabeça combinam-se, gerando aleatoriamente letras e padrões abstratos
numa revista inglesa. palavras feitas com macarrão lembram os trabalhos
escolares de crianças. Cartões de Valentine’s Day revelam a diversidade
dos adereços e da riqueza de suas letras, em 150 versões diferentes, todas
desenhadas à mão.
Esses são alguns exemplos do trabalho da designer Marian Bantjes
(2013) e representam apenas uma parcela de sua produção. Em palestra
realizada no evento TED x, em 2010, a designer define sua trajetória pro-
fissional como uma busca pessoal:
[ 09 ]
Figura I.
Variedade de suportes
no trabalho de Marian
e digital [página
ao lado])
(BANTJES, 2010)
[ 10 ]
[ 11 ]
para si mesma, procurando fazer algo pessoal, do “coração”, é que seu
trabalho parece se popularizar e chamar a atenção das pessoas. Ela lida
principalmente com o universo gráfico da palavra e mostra uma visão
distinta daquela predominante no design gráfico.
na literatura especializada que envolve a criação de letras e pala-
vras no design gráfico, por exemplo, percebe-se que a objetividade pa-
rece dominar. Manuais abordam as técnicas de caligrafia, livros falam
de metodologias do projeto tipográfico e da história da tipografia; além
disso, a internet oferece uma ampla gama de artigos, cases, entrevistas
e portfólios de profissionais da área, ressaltando especificidades e de-
talhes técnicos.
Em congressos ligados ao do design e à criatividade realizados
no Brasil, ocasiões em que foram apresentadas algumas das ideias que
cruzavam corpo e criação1, e que fogem de uma abordagem mais ra-
cionalista, presentes nesta tese, havia sempre um silêncio no final da
apresentação, o que talvez remetesse a um estranhamento quanto ao
assunto, associado mais à tecnologia e aos aspectos formais e históri-
cos. Quando se fala de processo criativo na área do design, a discussão
envolve, em geral, metodologias ou cases, centrando-se em uma narra-
tiva linear a respeito de como construir fontes ou letreiramentos. as
letras, no contexto do design gráfico, parecem adquirir status próprio,
como se fossem quase independentes de quem as escreve, constrói, cria.
Essa ‘independência’ remete a algo bastante frequente no pensamento
ocidental: a dicotomia sujeito e objeto, corpo e ambiente.
É claro que a objetividade apresenta seus resultados e tem sua re-
levância, mas às vezes parece impor-se como algo que ofusca todo o
resto. Há alguns anos, em visita à Vi Bienal de Design Gráfico2, John
Warwicker, do estúdio inglês Tomato, fez uma crítica generalizada: os
trabalhos estavam muito bem-feitos – e só. Era como se faltasse algo,
possivelmente uma abordagem mais pessoal no fazer.
[ 12 ]
Em práticas do Oriente, como a caligrafia japonesa, por exemplo, não
há dicotomia escrita e sujeito. Embora existam livros e vídeos que expli-
quem detalhes práticos de como fazer determinados estilos, realçando a
posição do corpo e as técnicas do manejo do pincel, há o entendimento
de um corpo que escreve em sua totalidade: que se faz um com o pincel,
tinta e papel, consciente do espaço que ocupa; que registra, por sua vez,
instantâneos do corpo traduzidos no preto da linha e no branco do pa-
pel; e que corporifica conhecimentos por meio do estudo dos clássicos
das caligrafias chinesa e japonesa, o rinsho.
a reverência aos clássicos na caligrafia japonesa não é mero deta-
lhe. Ela remete à escrita como uma arte da linha, a sua herança enquan-
to conhecimento construído pelas várias escolas que se constituíram
ao longo da história do Japão, ao seu profundo respeito à história e aos
mestres chineses da escrita, e à influência do Zen Budismo na cultura
japonesa.
O rinsho tem três etapas: a primeira é para o aprendizado de aspectos
técnicos da caligrafia, do estilo específico estudado; a segunda serve para
captar o hitsu-i, o espírito da letra; e a terceira é voltada a uma interpre-
tação pessoal: longe do ‘modelo’, mas tendo absorvido e corporificado
conhecimentos, o calígrafo pode escrever livremente seu caractere ou
seus caracteres, expressando-se de forma mais pessoal3.
O que o rinsho deixa subentendido é a relação cognitiva escrita-cor-
po: o aprendizado da escrita passa pelo corpo, que, por sua vez, ‘devolve’
a escrita. Chama atenção também o fato de a etapa final desse processo
estar ligada à expressão pessoal, que só pode acontecer no/por meio do
corpo.
O que foi descrito até agora – além de uma vivência pessoal com a
caligrafia japonesa, já descrita anteriormente – deixou pistas e suscitou
questões a serem investigadas, aprofundadas e ruminadas, ligando o
corpo e as práticas da escrita. antes de tudo, foi necessário olhar so-
bre o próprio corpo e a cultura4 na qual está inserido. Há uma relação
íntima entre a visão do corpo e a visão do mundo: se penso o corpo
como algo mecanicista, então a natureza também será vista por esse
[ 13 ]
viés, bem como as coisas, a ciência e o design. a saída, então, está na
busca de alternativas.
no Oriente, por exemplo, nas culturas chinesa e japonesa, influên-
cias do Taoísmo, Confucionismo, Budismo e Zen Budismo5 moldaram
tanto o “ver” o corpo, como sua relação com as coisas e com o ambiente.
por conta disso, unidade, não dualidade e complementaridade são alguns
dos pontos que colocam sujeito/objeto e sujeito/ambiente em relações
que não são estáticas, nem isoladas.
Já no Ocidente há uma rede que domina e conforma uma visão es-
pecífica de corpo e de mundo, construída ao longo dos séculos e até
hoje presente, tendo como ponto de partida a filosofia de René Descartes
(1596-1650), e que recebe influências do positivismo e do desenvolvimen-
to da ciência moderna.
Descartes fala da divisão do corpo e da alma, e do cogito, uma pro-
posta de ver as coisas por meio do isolamento. Dulce Mára Critelli (2006,
p. 14) critica a percepção cartesiana de mundo:
[ 14 ]
científica como seu validador e refutando conhecimentos não cien-
tíficos, como os saberes popular, xamânico, étnico etc. a medicina
alopática tradicional, pelas mãos de médicos especialistas, parece
dar conta de todas as questões, desconsiderando o todo, apostando
na medicalização de partes específicas do corpo como solução de
problemas. Contudo, não trata suas causas, já que o que propõe é
uma visão vertical.
Muitos problemas ligados à cidadania são vistos de forma li-
near, como causa e efeito, e tratados de forma isolada, resolvidos
com propostas redutoras. O problema da violência é resolvido com a
construção de cadeias, e a redução da maioridade penal é apresenta-
da como 'solução' para jovens infratores. pouco se discute a inclusão
e a desigualdade social e seus impactos, e há pouco espaço para um
pensamento que saia da linearidade (problema e solução) ou que re-
flita as coisas de forma mais ampla. nesse cenário contemporâneo,
esse pensamento linear, que tende ao isolamento e à especialização,
parece construir um modus operandi, ainda dominante e sorrateiro, de
refletir e viver no mundo. É natural que tal visão – ‘ex-tranhada’,
porque está fora do viver mais íntimo do homem – se desdobre em
objetividade e racionalismo também na pesquisa e no design.
É verdade que, na mesma época de Descartes, o filósofo Baru-
ch spinoza ofereceu uma alternativa ao dualismo cartesiano corpo-
mente, mas foi especialmente ao longo do século XX que se forta-
leceram as correntes de pensamento alternativas. no início desse
século, a fenomenologia surgiu como uma filosofia das essências.
Com ela, o sujeito neutro e desencarnado da objetividade positivista
foi substituído por um sujeito que tinha uma consciência, propondo
um novo enfoque sobre as coisas. isso porque Edmund Husserl, seu
fundador, propunha uma visão mais integrada entre sujeito e objeto,
uma volta às 'coisas mesmas’ (allEs BEllO, 2006).
Como ressalta angela alles Bello (2006, p. 17), fenômeno é “aqui-
lo que se mostra”, o que é diferente daquilo “que aparece ou parece”:
se algo “se mostra”, diz a autora, mostra-se a alguém. O que 'se mos-
tra' está ligado à consciência, e aqui há uma diferença entre a prática
fenomenológica e a prática cartesiana: essa consciência é sempre
intencional, faz-se colocando sentido. Yolanda forghieri (1993, p.15)
diz:
[ 15 ]
[Husserl] afirma querer “voltar às coisas mesmas”,
considerando como o ponto de partida do conhecimento.
Entretanto, a “coisa mesma” é entendida por ele não como
realidade existindo em si, mas como fenômeno, e o considera
como a única coisa à qual temos acesso imediato e intuição
originária; e o fenômeno integra consciência e o objeto,
unidos no próprio ato de significação. A consciência é sempre
intencional, está constantemente voltada para um objeto,
enquanto este é sempre o objeto para uma consciência; há
entre ambos uma correlação essencial, que só se dá na intuição
originária da vivência.
A intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um
sentido; é ela que unifica a consciência e o objeto, o sujeito
e o mundo. Com a intencionalidade há o reconhecimento de
que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito não é pura
interioridade, mas a saída de si para um mundo que tem uma
significação para ele (FORGHIERI, 1993, p. 15).
[ 16 ]
Reencontramos na unidade do corpo a estrutura de implicação
que já descrevemos a propósito do espaço.
As diferentes partes de meu corpo – seus aspectos visuais,
táteis e motores – não são simplesmente coordenadas. Se
estou sentado à minha mesa e quero alcançar o telefone, o
movimento de minha mão em direção ao objeto, o aprumo do
tronco, a contração dos músculos das pernas, envolvem-se
uns aos outros [...] Da mesma forma, quando estou sentado
à minha mesa, posso “visualizar” instantaneamente as
partes de meu corpo que ela me esconde. Ao mesmo tempo que
contraio o pé em meu sapato, eu o vejo. Esse poder me pertence
até mesmo para as partes de meu corpo que nunca vi
(MERLEAU-PONTY, 2011, p. 206-7).
[ 17 ]
mento não é aplicável quando ligado a fenômenos presentes em siste-
mas que têm suas partes “em interação”6 (BERTalanffY, 2006).
Esse autor ainda diz que é possível pensar numa Teoria Geral dos
sistemas, em que seria possível discernir certas estruturas, com deter-
minadas características, que seriam aplicadas a diferentes campos de
estudo. nos capítulos dedicados às Ciências sociais e à História, o au-
tor acentua especialmente as relações e as visões sistêmicas, critican-
do também teorias que tenderiam à ‘simplificação’, ignorando o caráter
complexo que envolve, por exemplo, a cultura, e mesmo teorias como
o behaviorismo, que tende a considerar o comportamento do homem
como resposta a estímulos externos.
Bertalanffy (2006), ao diferenciar sistemas fechados (aqueles iso-
lados em seu ambiente) de sistemas abertos (com fluxos contínuos de
entrada e saída), esclarece que neste último há uma estrutura mais con-
dizente com os estudos do corpo e da vida:
[ 18 ]
à Teoria dos sistemas, na qual reconhece o valor intrínseco de todos os
seres vivos (CapRa, 2002, p. 15). nesse sentido, tudo o que gira em torno
do homem (suas questões, como saúde, justiça social, proteção ao meio
ambiente, negócios etc.) está ligado ao homem e suas relações, tanto em
nível individual, como enquanto sistema social e ecossistema. as questões
devem ser consideradas nas “quatro dimensões da vida: a biológica, a cog-
nitiva, a social e a ecológica” – o que significa pensar as múltiplas camadas
existentes no corpo em si, sua relação com o conhecimento, o relaciona-
mento com os outros e com o ambiente (CapRa, 2014).
nas últimas décadas, outro pensador, o filósofo Edgard Morin tem
explorado a complexidade sob um viés mais epistemológico, aberto às
diversas interações entre os elementos envolvidos na cultura. O conhe-
cimento, diz Morin (1998), sofre as restrições do imprinting cultural, uma
rede que determina, retém, molda e normaliza o conhecimento. furar
esse imprinting é o que permite que o conhecimento questione a si mes-
mo, se expanda e se (re)crie. Dialogia, polifonia, calor cultural e a pos-
sibilidade de expressões de desvios são alguns dos fatores que afetam e
colaboram nesta epistemologia. nesse sentido, percebe-se que a visão de
Morin vai além daquela linear e especializada e tem um espectro amplo,
no qual rondam incertezas, desvios, potências e singularidades.
De certa forma, isso dialoga com estudos do corpo contemporâneos,
que rompem com premissas cartesianas e se aproveitam das possibilida-
des do desvio e do furo do imprinting cultural, ou que propõem um debate
capaz de provocar uma revisão em conceitos profundamente enraizados
na cultura.7 nesse sentido, toda mudança de paradigma está envolvida
num cenário como o proposto por Morin. É interessante que essas novas
formas de pensar do século XX, brevemente apresentadas aqui, tenham
trazido questionamento sobre o modo de pensar e vivenciar o corpo. ao
fazê-lo, puseram-no sob outras perspectivas, abrindo caminhos que ini-
ciaram um processo de ‘restauração’ desse corpo, promovendo-o como
organismo complexo e que se situa em um ambiente. E porque restauram
o corpo, estimulam um olhar múltiplo na relação deste consigo mesmo e
seu entorno, e, portanto, com seus gestos.
[ 19 ]
os gestos – intenção e corpo8
Uma pesquisa pela internet mostrará a diversidade de sentidos
atribuídos à palavra gesto, como: ‘complemento da linguagem oral’,
‘linguagem de sinais’ (caso da libras), ‘processo expressivo das artes
do corpo’, ‘ato político’ etc. alguns estudos tendem a classificar os
gestos, como o proposto por David Mcneill (2000). Esse autor divi-
de-os em gesticulação, linguagem de sinais, mímica e emblema/sinal.
no entanto, embora tal classificação se encaixe bem no campo da
linguística, parece feita a partir de imagens “fixas”, estanques, que
deixam pouco espaço para uma abordagem dos gestos nas artes do
corpo e na escrita. Como pensá-los, então?
Vilém flusser (1994) diz que a intenção é o que diferencia os ges-
tos de “outros” movimentos do corpo, como a dilatação das pupilas e
o movimento peristáltico dos intestinos. “Os gestos são movimentos
do corpo que expressam uma intenção” (flUssER, 1994, p. 8). flusser
fala da impossibilidade de ter uma compreensão completa a respeito
deles e afirma que um estudo sobre os gestos não deve limitar-se a
explicações causais, mas considerá-los dentro do campo da comuni-
cação, incluindo sua interpretação codificada.
segundo Comte-sponville, a intenção é “uma vontade presente,
mas voltada para o futuro ou para o fim perseguido. É o projeto de
querer ou a meta da vontade” (COMTE-spOnVillE, 2003, p. 320). Ela
estabelece um percurso para o gesto, um intervalo entre a vontade
presente e o fim perseguido, ou entre a intenção e sua materialização.
algumas dessas intenções produzem coisas tangíveis, como a escri-
ta, a barba, a fotografia; outras, entretanto, dizem a respeito a coisas
intangíveis, como a transmissão de uma fala, o que pode diferir do
conceito mais usual de material9 – algo que pode ser pego, que existe
[ 20 ]
num plano físico10.
a noção intervalar se encontra na própria etimologia de gesto: do la-
tim gestus e tendo como particípio passivo gerere, a palavra dá origem a
outras com conotações distintas, como ‘levar’, ‘trazer’, ‘fazer’, ‘administrar'
(alTERnaTiVa, 2012), mas que apresentam, em sua essência, uma relação
entre os estados antes e depois, entre o fim e os meios, entre o corpo que
é/está e o corpo que será/estará. Vale a pena refletir sobre algumas das
qualidades e características desse intervalo, bem como das do corpo que
aí se manifesta.
O conceito de ma, presente na cultura japonesa, possibilita aproxi-
mações. atribui-se a ele um intervalo (que pode ser relacionado a tem-
po, espaço e tempo-espaço) cheio de possibilidades, no qual a ação está
latente (OKanO, 2007, p. 91). Michiko Okano distingue dois modos de
refletir sobre ele: o primeiro é o próprio ma, que não é conceituável por
ainda não ter existência, pois é apenas possibilidade; o segundo é o que
a autora chama de espacialidade ma, que é quando o ma adquire visibi-
lidade:
mesmo. É aqui que o círculo se fecha: matéria é tudo o que existe, indepen-
dentemente do espírito ou do pensamento, inclusive (para o materialista) o
espírito e o pensamento” (COMTE-spOnVillE, 2003, p.370).
10. O termo materializado, nesta tese, quer dizer algo que adquire um status de
completude, quer com propriedades físicas, como tamanho, peso, superfície
etc., quer como existente num plano não físico, como pode ocorrer na co-
municação e nas artes.
[ 21 ]
possibilidades; e porque acontece por intermédio do corpo. Ma chama a
atenção para os gestos de manifestações do corpo, como desenho, dança,
teatro, escrita, assim como para as possibilidades de aproveitar, em seu
fazer, a potência de sua ação.
Christine Greiner, em parceria com Helena Katz, lembra que há
fluxos de informação constantes entre o corpo e o ambiente. Essas
informações, capturadas pelo nosso processo perceptivo, “que as re-
constrói com as perdas habituais a qualquer processo de transmis-
são, [...] passam a fazer parte do corpo de uma maneira bastante sin-
gular: são transformadas em corpo” (GREinER e KaTZ, 2000, p. 130).
11. Um self mais primário seria o que Damásio chama de proto-self, que cor-
responde à representação dos estados corporais do organismo.
[ 22 ]
cada vez que o movimento é atualizado, o self autobiográfico, por meio
da consciência ampliada, faz as ligações com as memórias da pessoa, sua
vivência e a intenção do gesto.
Toda a interação com objetos no exterior, assim como a evocação
de memórias, diz Damásio (2011), ocorre pela formação de mapas pelo
cérebro. Os mapas (ou “imagens”, considerando que podem ser visuais,
auditivas etc) ajudam o cérebro a tomar decisões e a se proteger, caso
haja algum sintoma que considere sua sobrevivência uma ameaça. Eles
são dinâmicos, instáveis e adaptáveis ao comportamento do homem.
Damásio explica ainda que, na mente, as imagens ganham maior ou
menor destaque, o que acontece de acordo com os valores de cada um,
adquiridos ao longo de sua história de vida. Ou seja, há um filtro, uma
edição dentro da mente:
[ 23 ]
isso permite uma aproximação com o processo criativo. nas artes e
nas artes aplicadas, por exemplo, o objeto a que se refere Damásio pode
ser qualquer coisa relacionada ao homem, desde instrumentos e matérias
-primas que se apresentam a ele até “tarefas” mais complexas, como o
desenho de um alfabeto ou um espetáculo de dança. Enquanto acontece,
o gesto e seus elementos fazem pontes com o passado, o presente e o
futuro, criando possibilidades de atualizar gestos passados e de (re)criar
outras possibilidades estéticas a partir do que já foi visto, experimentado
e vivenciado.
Mas nem tudo que acontece no gesto ocorre de forma consciente.
no gesto há a presença de 'pensamentos sutis', algo que leila Reinert
(2012) descreve como percepções sensíveis, aquelas que se encontram entre
as sensações inconscientes e o que é percebido na consciência. Elas en-
gendram o que será percebido conscientemente, dentro do "domínio das
'pequenas impressões, sensações ínfimas, imperceptíveis', que pertencem
a apreensão do sensível, tanto na experiência comum como em outras es-
feras da atividade humana" (REinERT, 2012, p.20-21). assim, da vivência e
do olhar que uma pessoa tem diante do mundo, emergem os pensamentos
sutis, que influenciarão decisões e olhares manifestados nos gestos.
Essa sutileza também se encontra no que Hupert Godard denomina
pré-movimento. Godard (2000, p.14) considera que o corpo tem um peso
e uma estrutura (músculo, ossos, órgãos etc), que atuam sob a força da
gravidade. Esse pré-movimento tem um caráter pessoal pela particulari-
dade de cada organismo.
[ 24 ]
turrilha, prevendo a desestabilização que tal movimento do braço gerará.
O pré-movimento antecede, influencia e potencializa todos os movimen-
tos posteriores e, tal como com os pensamentos sutis, ele é invisível e im-
perceptível para quem faz o gesto, mas tem como consequência mudanças
nos níveis mecânicos e afetivos do organismo do indivíduo. a relação com
a qualidade do instante vivido influenciará o gesto:
12. as zonas de fronteira são sempre vistas como zonas não limitadas em que
acontecem contaminações, misturas, confrontos. Uma exploração interes-
sante sobre o tema acontece com o documentário Terras (2009), de Maya
Da-Rin, que trata das cidades gêmeas letícia e Tabatinga, fronteira entre a
Colômbia e o Brasil, respectivamente.
[ 25 ]
que articula particularidades para cada tipo de gesto. Essa articulação pode
ser vista dentro de um sistema, de caráter aberto, pois depende de como o
corpo13 lida com cada uma das particularidades e as relaciona, na materia-
lização da intenção.
no caso dos gestos da escrita, essas particularidades são a matéria-pri-
ma da escrita, especialmente o alfabeto romano; a imaginação; a cognição
e o aprendizado; e o modo de ser e fazer no mundo. são elas que sustentam
os gestos da escrita e serão aprofundadas nos próximos capítulos.
[ 26 ]
Entornos da palavra:
considerações
sobre a escrita e
o alfabeto romano
[ capítulo 1 ] na busca da compreensão do que
são os gestos da escrita, inevitavel-
mente, relaciona-se ao corpo que faz
a matéria-prima que é transformada e trabalhada: a palavra. se em algumas
línguas uma palavra pode ser representada por um único signo – como o
ideograma chinês –, no caso do Ocidente, em geral, precisamos da junção
das letras, que, combinadas, terão uma forma gráfica e sons corresponden-
tes1. nesse caso, é o alfabeto romano. Ele é fruto de um processo de comu-
nicação que começou há milhares de anos, tendo o corpo, e unicamente
ele, como suporte. Mais tarde, o homem foi se apropriando de materiais,
sobrepondo e ampliando as possibilidades de comunicação, chegando à
escrita, que envolve vários fatores:
[ 27 ]
a aproximação com o termo herança é oportuna: essa palavra deriva
do espanhol herencia, que, por sua vez, vem do latim Haerîntîa, que em
português significa “coisas vinculadas, pertences, do verbo Haereere, ‘es-
tar ligado, fixo, preso, pregado a; estar parado, imobilizado” (MaCHaDO,
1967). Os “pertences”, as “coisas vinculadas”, no caso da escrita, signifi-
cam o repertório gráfico e simbólico passado de geração a geração, de
povo a povo, e assim por diante.
O papel do corpo, nesse caso, é essencial: os pertences e as coisas
vinculadas são transformados pelos gestos do homem, no seu tempo, ou
seja, pode-se dizer que são construídos culturalmente. Esse fazer pode
envolver mudança, edição, ampliação e ressignificação a partir daquilo
que estava “preso”, “fixo”, “imobilizado”. O resultado dessa construção
deixa um legado, e novas mudanças – estruturais ou formais – podem
acontecer4, ressaltando o dinamismo da escrita5.
[ 28 ]
no parque nacional da serra da Capivara, a presença humana re-
monta a cerca de 100.000 anos, encontram-se pinturas de períodos
posteriores (12.000 a 6.000 anos), feitas em abrigos de chuva, formados
pela ação da erosão na base dos paredões. Já puderam ser identificadas
cinco tradições8. na tradição nordeste de pintura rupestre, que tem
presença maior nos terrenos da bacia sedimentar, há tantos grafismos
reconhecíveis (figuras em sua maioria humanas e de animais, além de
plantas e objetos) e grafismos puros que ainda não puderam ser identi-
ficados. na serra da Capivara domina a subtradição Várzea Grande, do
estilo ‘serra da Capivara’, que traz:
[ 31 ]
figura 1.3
Osso de elefante
em Bilzingsleben
(LANDESMUSEUM, 2014)
10. patricia Dobrez (2013), em seu artigo “The Case for Hand stencils and
prints as proprio-performative”, afirma que essas mãos impressas em
positivo e negativo significam mais que uma assinatura: estão relacionadas
à consciência de si e de seu corpo dentro do ambiente.
[ 32 ]
forma e a possibilidade da contraforma, antevendo conceitos fundamen-
tais no universo das letras.
no entanto, parece ter havido necessidade de ampliar as possibi-
lidades de expressão. O registro por meio de pictografias , recurso de
figuração de seres e objetos familiares, foi um passo adiante em relação
àqueles já descritos. foi na Mesopotâmia que se encontraram alguns dos
registros mais antigos da história do alfabeto.
Esse tipo de registro surgiu por uma questão prática: era preciso
contar e registrar recipientes de cerâmica e sacas de alimentos. isso era
feito com pequenas etiquetas de argila contendo um pictograma e um
“número”, que correspondia à contagem com os dez dedos das mãos
(MEGGs e pURVis, 2010, p. 21). O mais antigo registro é o da cidade de
Uruk, cerca de 3100 a.C.. Dele constam desenhos de objetos, números e
nomes de pessoas, dispostos em colunas bem organizadas11 (fig. 1.4).
a necessidade de registro era impulsionada tanto pela propriedade
privada – para marcar gado, por exemplo – quanto pela especialização
em artes e ofícios, que demandava marcas de autoria. sinetes cilíndri-
cos, quando rolados sobre uma tabuleta de argila úmida, deixavam uma
impressão em alto-relevo, uma “marca registrada” que podia ser usada
figura 1.4
Registros em tabuleta
de argila da Mesopotâmia
[ 33 ]
para autoria de proclamações religiosas e reais, documentos e contratos
comerciais (MEGGs e pURVis, 2010).
Vale dizer que houve uma evolução crescente na complexidade
do uso dos pictogramas. Das simples relações com imagens, eles fo-
ram evoluindo e passaram a incluir também conceitos abstratos (‘em
cima’, ‘embaixo’), bem como a combinação de dois pictogramas, geran-
do significados correlacionados. na suméria12, região que compreende
o sul do iraque e do Kwait atuais, por volta de 2.800 a.C., houve uma
importante mudança: o uso do pictograma por um valor fonético, pelo
princípio rébus13. Entretanto, levou mais de mil anos para que esse uso
prevalecesse, reduzindo os 1.500 pictogramas e símbolos para 800 pic-
togramas, símbolos e sinais. posteriormente, outras escritas da região
foram influenciadas por essa ideia, incluindo a egípcia (fisCHER, 2009),
que diminuía e tentava sistematizar os signos gráficos.
O material utilizado na escrita da Mesopotâmia, a argila, era
abundante na região. Ela era inscrita com um instrumento de jun-
co bem afiado, enquanto a mão esquerda segurava a tabuleta. Depois
de inscritas, as tabuletas de argila eram postas ao sol para secar ou
queimadas em um forno (MEGGs e pURVis, 2010). O ato de secar a
argila, segundo Vilém flusser, estava relacionado à necessidade de
prolongar a escrita para que servisse de testemunho do livre-arbítrio
ali marcado: “endureço-o para forçá-lo a não esquecer rapidamente”
(flUssER, 2010, p. 28). Essa argila marcada e endurecida, mais do que
se constituir em simples suporte, escondia, por trás da necessidade
prática de contar coisas, um desejo inscrito no próprio homem: não
só a possibilidade de voltar atrás, por meio da evocação da memória,
mas também a vontade de prolongar o tempo ou fixar determinado
período do tempo em um suporte.
Os registros evoluíram, tanto em termos de conteúdo – o que po-
deria ser registrado –, como pela necessidade de guardar mais coisas.
assim, por volta de 2.800 a.C., os escribas inclinaram os pictogramas de
lado14, o que tornou a escrita mais rápida e fluida, bem como as picto-
grafias menos literais, mais simplificadas (MEGGs e pURVis, 2010, p. 21).
[ 34 ]
figura 1.5
Evolução da escrita
cuneiforme, segundo tabela
ideogramático, foram
rapidez.
O cuneiforme aproveitou-
resistentes ao cozimento.
[ 35 ]
figura 1.6
Imagens do processo
da escrita cuneiforme
(WRIGHT, 2014).
[ 36 ]
Mais tarde, o Egito e a fenícia tiveram um papel importante no de-
senvolvimento da escrita. Os egípcios aproveitaram a logografia, a fono-
grafia e a linearidade com sequência. além disso, devido à especificidade
da língua, estabeleceram novos recursos, como a acrofonia (uso de um
hieróglifo para representar apenas a primeira consoante de uma pala-
vra), signos representando complementos fonéticos e signos que eram
logogramas individuais e determinativos. Havia certa preocupação em
assegurar a interpretação correta, e, para isso, usava-se muita redundân-
cia (fisCHER, 2009, p. 36-7).
para fischer (2009, p. 36-7), a grande contribuição egípcia foi o uso
de cerca de 26 signos uniconsonantais, o primeiro alfabeto. por meio de
seu uso era possível, dentro do contexto, identificar o que estava escri-
to na estrutura de consoantes, bastando apenas acrescentar as vogais.
O uso do papiro (fino, leve, flexível, mais fácil de guardar e de escrever)
e do pincel, em contraponto à argila e ao estilete, também apontam
gestos que buscam tanto a racionalidade quanto a praticidade da escri-
ta. a presença de quatro escritas também mostra a diversidade de usos
dentro da sociedade: o hieróglifo (para ocasiões grandiosas, cerimo-
niais), duas cursivas (hierática e demótica) e o cóptico, que se aprovei-
tou de letras gregas para transcrever palavras egípcias, posteriormente,
como mostra a fig. 1.7.
figura 1.7
Variações nas escritas demótica
e cóptica (WIKICOMMONS,
2014).
[ 37 ]
O escriba era bastante valorizado no Egito antigo. Um de seus ma-
teriais era a paleta de madeira, que continha pastilhas de tinta, especial-
mente a preta e a vermelha. Os pincéis úmidos, fabricados com caules de
junco, eram esfregados nas pastilhas e, assim, carregados de tinta. O es-
criba mascava as pontas do caule, cortadas na diagonal, a fim de separar
as fibras. O papiro era segurado com a mão esquerda, e o escriba escrevia
em colunas, da direta para a esquerda, e de cima para baixo (Meggs e
purvis, 2010, p. 29).
a influência da escrita egípcia se estendeu para outros povos e repre-
sentou uma etapa importante no desenvolvimento da história da escrita:
[ 38 ]
na época da adoção do alfabeto fenício, entre 1000 a.C. e 850 a.C., a
região da Grécia atual era, composta de cidades-estado independentes.
Os gregos cipriotas foram os primeiros a fazer a adaptação do fenício
para sua língua: para isso, utilizaram a sequência semita, mas com pro-
núncia grega15. alguns sinais foram convertidos de consoante para vogal,
ampliando o alcance desse alfabeto para outras línguas. Embora esse al-
fabeto inicial tenha se espalhado pelo território grego, gerando algumas
outras variações, por volta da metade do século iV a.C., o alfabeto jônico
(a Jônia fazia parte da região da Turquia atual) foi o que prevaleceu,
sendo adotado em 403-402 a.C. de forma compulsória em documentos
atenienses (fisHER, 2009).
Os gregos aplicaram ao alfabeto uma estrutura geométrica. Meggs e
purvis (2010, p. 40-1) mencionam a harmonia e a beleza do alfabeto grego
presente no manuscrito de Os persas, datado de iV a.C.: as letras mostram
simetria e um ritmo regular, pelo fato de seguirem um sistema com tra-
ços horizontais, verticais, curvos e diagonais. Em outro manuscrito, uma
estela do século V a.C., há uma aplicação epigráfica do alfabeto: as formas
têm grande beleza, e várias delas seguem a proporção de um triângulo
(a), quadrado (E, M) e um círculo quase perfeito (O). algumas particula-
ridades marcam essa inscrição: o E apresenta, no lugar da barra central
atual, um ponto; o a tem uma barra horizontal em sua base, transfor-
mando-se num triângulo (MEGGs e pURVis, 2010).
a existência de mais de uma escrita ou de mais de uma versão dela,
dependendo do caso, em uma mesma cultura é uma constante na his-
tória da escrita, como já se viu antes, no Egito. são manifestações que
se empregam devido a usos distintos (cerimonial, formal ou cotidiano,
por exemplo) e, frequentemente, apresentam materiais distintos em sua
produção – o mesmo aconteceu na Grécia.
por muito tempo, as letras monumentais das inscrições gravadas em
pedra conservaram suas formas clássicas, e os papiros mais antigos (século
iV a.C.) seguem a escrita lapidar. Mas a escrita na vida intelectual, cotidia-
na e administrativa, a partir da era helenística (323 a.C.-146 a.C.), evoluiu
de forma diferente, dividindo-se em escrita dos “livros” (libraria), escrita da
chancelaria e escrita dos documentos privados (HiGOUnET, 2004, p. 90).
15. O sistema de sons fenício era bastante diferente do grego. por exemplo, as
palavras fenícias começavam com consoantes, mas muitas do grego co-
meçavam com vogais. além disso, era a aplicação de um alfabeto semita a
uma língua não semita (fisCHER, 2009, p. 112).
[ 39 ]
figura 1.10
Documentos gregos do século
[ 40 ]
É interessante constatar que cada uma delas exigia gestos próprios,
tanto pelas ferramentas e suportes, quanto pela necessidade da escrita.
O corpo que faz a escrita dos monumentos é um corpo que exige rigor,
atenção e força no entalhamento das letras em pedra. O dos manuscri-
tos nos pergaminhos, por outro lado, trabalha em escala menor e é uma
escrita que se faz de forma direta: trata-se em grande parte de caligrafia,
o que requer prática e atenção, já que não permitia retoques. a escrita
desenvolvida dentro dos documentos de chancelaria era cursiva, pois
demandava algo mais pragmático e rápido. Como se pode ver na fig. 1.10,
isso não significa descuido – ao contrário, ela possui ritmo e harmonia.
O alfabeto grego estendeu-se até a península itálica, sendo adotado
pelos etruscos para escrever, pela primeira vez, sua língua, ainda hoje
desconhecida. Esse alfabeto etrusco foi tomado emprestado pelos roma-
nos, e foi especialmente a partir deles que o alfabeto latino se desenvol-
veu no formato conhecido atualmente.
[ 41 ]
de seita a religião oficial do império Romano, em 325 d.C., graças a de-
terminação do imperador Constantino. por fim, o desenvolvimento da
escrita dentro da sociedade romana, com sua diversidade de formatos,
foi decisivo para a constituição do alfabeto latino atual.
O mais antigo registro de uma inscrição latina é o lapis niger (‘pe-
dra negra’), no fórum de Roma, do segundo quarto do século Vi a.C. .
por ser um empréstimo dos etruscos, algumas adaptações foram neces-
sárias: o G foi criado a partir do C, com um gancho, (fisCHER, 2009);
após a conquista de Roma pela Grécia, no século i a.C., as letras Y e Z16
foram acrescentadas ao alfabeto, devido à apropriação de palavras gregas
que tinham esse som.
se os gregos não valorizavam tanto a escrita, demonstrando
apreço maior pela tradição oral, os romanos a aproveitavam para de-
monstrar seu poder, como se vê em monumentos como a Coluna de
Trajano, que contém inscrições entalhadas, no fórum de Trajano, em
Roma17, com suas capitalis monumentalis feitas com traços grossos e
finos, linhas retas e curvas – ainda hoje referência em elegância e
proporção clássica. Mandel (2006, p. 61) chama a atenção para o ritmo
criado devido ao contraste, o que gerava identidade gráfica, e para o
cuidado com a dimensão dos caracteres, prevendo a distância neces-
sária para ser lida.
as letras entalhadas – epígrafes – romanas eram feitas com plane-
jamento, em etapas que envolviam a redação (provavelmente no papiro
ou em outro material); a construção de linhas de apoio e o traçado em
pincel, feito pelo compositor ordinator; e a incisão definitiva com cinzel
ou goiva pelo lapidador18. Essa colaboração entre ordinator e lapidador
nem sempre era mútua, pois em alguns casos as letras talhadas fugiam
ao padrão caligráfico19 e tinham aspecto mais simétrico e geométrico.
[ 42 ]
figura 1.8
Manuscrito Os persas.
Abaixo, detalhe
[ 43 ]
nas epígrafes romanas da Capitalis Monumentalis também se veem as
proporções do desenho “clássico” romano: as letras se encaixam em um
quadrado ou em um triângulo que cabe em um quadrado; outras são me-
nores (como o i) ou maiores do que essa referência (como o M), enquanto
também há exceções, como p, B, R e Q (HEiTlinGER, 2014, p. 30).
a escrita, no entanto, não estava presente apenas nos monumen-
tos; ela também se estendia à vida cotidiana. nota-se que nas ruínas de
pompeia e Herculano (século i d.C.) ela se espalhava de forma ampla
pela vida social, em avisos, material de campanhas políticas, anúncios de
publicidade nas paredes externas, cartazes em painéis de madeira, como
marcas de propriedade privada, e em registros comerciais, documentos
de Estado e literatura (MEGGs e pURVis, 2010, p. 46).
alexander nesbitt chama a atenção para a escrita corrente20, dizen-
do que ela tem grande impacto no desenvolvimento de estilos mais no-
vos e simples. no caso dos romanos, houve, na prática cotidiana, uma
tendência a escrever mais rápido, o que deformava as letras. para manter
a legibilidade, algumas eram levadas acima e abaixo do nível das outras,
já que não havia espaço entre as palavras. Essa tendência influenciou
as letras manuscritas formais (nEsBiTT, 1957, p. 14-5). Essa escrita tinha
raízes nos séculos anteriores:
[ 44 ]
figura 1.9
Estela com 4 pessoas.
formas geométricas
(MEGGS e PURVIS,
2010, p. 44).
[ 45 ]
figura 1.11
Grafite em Pompeia, na
[ 46 ]
século II a.C., a escrita latina se diversificou em três tipos
principais: a escrita livreira, que viu o desenvolvimento
da rústica primitiva [...], a escrita comum ou cursiva,
muito próxima à capital, que se orienta paulatinamente
até a minúscula; finalmente, a capital gravada, chamada
monumental, que se diferencia segundo o cuidado com
que se executava. Desde o século VI ao século III a.C., esta
capital gravada se mantém estável. Com a introdução
de grossos e finos e dos remates, o aspecto da letra se
regulariza (MEDIAVILLA, 2005, p. 122).
21. Utilizo o termo mão para designar um conjunto de letras que segue deter-
minadas características em seus atributos formais. Esse termo é usado na
caligrafia, mas adoto-o aqui de forma mais ampla, que inclui também a
epigrafia. Uma palavra comum para designá-la seria alfabeto, mas evitei seu
uso para que não criasse confusão com o termo alfabeto como empregado
posteriormente.
22. Em seu verso contém a Epístola aos hebreus, feita no século iV a.C.
23. percebe-se facilmente em letras como a e D (agora com ascendente vertical).
[ 47 ]
figura .1.12
Fragmentos dos
manuscritos De Bellis
(MEDIAVILLA, 2005)
figura 1.13
Fragmento de Quedlinburgo,
século IV d.C.
(MEDIAVILLA, 2005)
[ 48 ]
ínfimas, quase imperceptíveis, podem acabar criando formas
novas, em situações muito longe do modelo inicial. No caso que
nos ocupa, não seria irracional alegar que o desejo de escrever
com rapidez e, portanto, do módulo das letras, a simplificação
do número de traços interferiu na formação dos signos ou em
busca da cursividade.
Finalmente, outros fatores importantes, como a transição do
papiro ao pergaminho ou a troca do ângulo de escrita, provavel-
mente também contribuíram para esta transformação (MEDIA-
VILLA, 2005, p. 111-3).
[ 49 ]
traçadas sobre um suporte de pele mais liso e melhor
preparado [...] Aparecem traços completamente novos, sendo
particularmente característicos o ductus das letras A, D, E,
H, M, N e U (MEDIAVILLA, 2005, p. 129).
25. a semiuncial irlandesa teve grande uso do final do século Vii até o século
iX (MEDiaVilla, 2005, p.130).
[ 50 ]
figura 1.14
Evangelho de São Mateus, com
(MEDIAVILLA, 2005).
figura 1.15
Ductus da semiuncial
no Livro de Kells.
[ 51 ]
figura 1.16
Corte de livro com
escrita carolíngea.
figura 1.17
Alguns detalhes da letra
carolíngea – G aberto, S
(estrutura de F, com o F
carolíngeo, na sequência) e a
específico do estilo.
[ 52 ]
Com exceção da tradição celta, a escrita europeia era pobre e
indisciplinada, praticada por escribas pouco experientes, que
produziam manuscritos difíceis ou impossíveis de ler. Daí que
em 789 Carlos Magno tivesse ordenado uma reforma através
de um édito que tentava impor uniformidade de composição,
decoração e escrita. A uniformidade da escrita conseguiu-se
com a adoção de um modelo de escrita comum da era antiga
tardia, combinada com inovações celtas que incluíam as
quatro linhas-guia com traços ascendentes e descendentes,
e que foram adaptadas e ordenadas por escribas com a
supervisão do abade Alcuíno. O resultado foi um alfabeto
planejado como um sistema gráfico, onde cada letra ou mancha
foram cuidadosamente estudadas – a carolíngea minúscula,
que também constitui um excelente trabalho de identidade,
ainda hoje permite datar documentos da época de Carlos
Magno (COSTA e RAPOSO, 2010, p. 77).
26. Essa divisão está de acordo com a escolha de Claude Mediavilla (2005), que
a faz seguindo o consenso entre os paleógrafos, já que há divergências e
contradições.
[ 53 ]
figura 1.18
Manuscrito de Poggio Bracciolini
(WIKICOMMONS, 2014).
[ 54 ]
das letras cursivas latinas, e não há certeza quanto à criação delas.
Mediavilla (2005) afirma que um contexto possível é o da democrati-
zação da escrita e de seu uso nas universidades (os estudantes anota-
vam o que era ditado, o que exigia uma escrita rápida e, não por acaso,
recheada de abreviaturas).
foi na região da itália, na fase tardia da idade Média, que flores-
ceu uma cultura que reforçava valores humanísticos ligados à anti-
guidade clássica e era voltada ao conhecimento das coisas, do mundo
e do próprio ser humano: o Renascimento. a escrita, como um espe-
lho desse novo paradigma, incorporou tais valores. Mais do que uma
evolução natural, as letras desse novo tempo, segundo Mediavilla
(2005), foram uma construção, uma escolha deliberada levada a cabo
por alguns meios intelectuais e artísticos.
até então, não se fazia uso do alfabeto bicameral, termo que
designa o uso conjunto de duas mãos, no caso as maiúsculas (Capitalis
Quadratta) e minúsculas (carolíngea). Com a escrita humanística,
houve uma combinação de maiúsculas e minúsculas para serem
utilizadas conjuntamente, no que ficou conhecido como lettera
antiqua.
no uso da lettera antiqua havia mais três letras, as quais fo-
ram incorporadas durante a idade Média: o J (como extensão do i),
alongado dos manuscritos do século XiV, indicando uso com força
consonantal; e o U e W, estas como variantes do V, designando sons
diferentes27 (Meggs e purvis, 2010, p. 43-5).
O Renascimento marca um período de consolidação do alfabeto
romano enquanto estrutura gráfica básica, não apenas chegando a sua
constituição final (as letras do abecedário), como também inauguran-
do o uso de maiúsculas e minúsculas utilizadas conjuntamente. nesse
período, começou a surgir uma demarcação mais clara e duradoura
entre as letras de texto, baseadas nas romanas – a serem desenvolvi-
das pela tipografia –, e as letras cursivas, usadas no dia a dia e mar-
cadas pela caligrafia.
[ 55 ]
na medida em que a mecanização28 das letras permitiu uma rápida
reprodução por meio da tipografia, a caligrafia perdeu parte importante
de seu domínio. a partir do Renascimento, as tensões entre a escrita feita
à mão, de um lado, e aquela reproduzida pela tipografia, por outro, passa-
ram a revestir a estrutura do alfabeto então consolidado, propondo, cada
uma a sua maneira, novas formas de expressão de letras. para qualquer
expressão, no entanto, é necessária imaginação, tema do Capítulo 2.
[ 56 ]
A
imaginação
e o gesto
[ capítulo 2 ]
a metáfora de uma caligrafia que tem osso, carne, músculo, nas cali-
grafias chinesa e japonesa, indica qualidades na linha que um praticante
de caligrafia chinesa ou japonesa deve perseguir. O calígrafo não deve
retratar apenas o ideograma de forma bem-feita; ele deve, sobretudo,
trabalhar em sua estrutura – osso, carne, músculo – dando-lhe profun-
didade. Ela aparece duplamente na linha: em seu aspecto visível, externo
(fig. 2.1), e também no que não pode ser separado do que calígrafos ex-
perientes veem, que está ‘escondido’ do olhar ordinário4.
no Ocidente, Vilém flusser, analisando o trabalho de Mira schen-
del , menciona um olhar capaz de revelar coisas, descobrindo profundi-
5
dade na transparência6:
1. Em japonês, Eifujin.
2. Em japonês, Ogishi, considerado um dos melhores calígrafos da caligrafia
chinesa (ver MiYasHiRO, 2009, nota 83, p. 149).
3. Em japonês, também se fala de uma “escrita magra”.
4. sobre essa percepção, ver nakamura (2006).
5. Mira schendel (1919 -1988), nasceu em Zurique, suíça. Depois de estudar
arte e filosofia na itália, se mudou para o Brasil em 1949, fixando residência
em porto alegre e, posteriormente, em são paulo (iTaÚ, 2014).
6. O texto faz parte do livro Bodenlos, autobiografia de Vilém flusser formada de
textos diversos. nesse, o filósofo fala da obra de Mira schendel e aponta, em
dois de seus trabalhos, a capacidade da artista de pensar nas “imagens dos
conceitos”. Como notado por Cauê alves (2014, p. 40), essa mediação, para
flusser, poderia ajudar “a compreender a complexa estrutura do mundo, ou
melhor, a tratar objetivamente os conceitos”.
[ 57 ]
figura 2.1
Diversos tipos de linha na
contemporâneos de Tan
(WESTGEEST, 1999)
[ 58 ]
figura 2.2
Objetos gráficos
exibidos na exposição da
Pinacoteca do Estado de
colocadas entre as chapas” (MiRa, 2014). Era por meio dessas chapas,
e da escrita, que a artista tentava “Mostrar que o ‘lado atrás’ da trans-
parência está na sua frente e que o ‘o outro mundo é Este” (flUssER,
2007, p.186).
Observa-se que a escrita não está isolada. schendel, trabalhando com
letras, mostra que elas criam relações entre si, bem como com o papel
arroz, o acrílico, as outras chapas e o espaço da instalação. a profundi-
dade que flusser menciona pode se estender também às relações com os
gestos da artista e o seu trabalho. Os objetos revelam a artista, assim como
a artista se revela por meio dos objetos.
Essas reflexões sobre a obra de schendel, que também fazia trabalhos
de design gráfico, como capas de livros, junto com aquela sobre a linha
da caligrafia japonesa e chinesa feitas inicialmente, propõem enxergar
algo além da aparente superfície das letras. Ou, no caso desta tese, 'ras-
gar' a superfície da escrita e dos seus gestos.
no Ocidente, a matéria-prima da escrita é especialmente o con-
junto de letras romanas9, mas inclui também os diacríticos e os nú-
meros. a maioria das letras teve como origem um significado próprio,
um pictograma, como descrito no Capítulo 1. Com a simplificação de
[ 59 ]
sua forma e sua adaptação por diversos povos e períodos, esse sentido
primeiro desapareceu. ao tornarem-se parte de um sistema alfabéti-
co, essas letras potencializaram a linguagem verbal, enriquecendo-a.
ao mesmo tempo, no desenvolvimento do alfabeto latino – ou, como
ele é nomeado, o alfabeto romano –, assumiram-se como arquétipos,
no sentido etimológico, “modelo de seres criados; padrão, modelo,
protótipo” (CUnHa, 2013, p. 57). Eles são reconhecíveis em toda cul-
tura ocidental que usa o alfabeto romano.
Os arquétipos-modelo assumem formas que são reveladas, sobre-
tudo, por seus atributos formais (fig.2.3). Eles dizem respeito à cons-
trução das letras, ao formato, à proporção, à modulação, à presença ou
não de serifas e remates. assim, o que à primeira vista são apenas letras
se revela mais profundo, com possibilidades formais variadas, como se
pode ver na figura abaixo:
figura 2.4
Variedade de atributos
formais presentes
em algumas fontes
Myfonts.com (2015).
[ 61 ]
(ver fig.1.15)
E se ousarmos 'rasgar' a superfície das letras, no que os atributos formais
apresentam, veremos traços da imaginação que as inspirou. para que isso
aconteça é necessário o uso da imaginação. para Christoph Wulf, antropó-
logo e professor na Universidade livre de Berlim, a imaginação é essencial
para o desenvolvimento humano e parte integral da condição humana:
10. Wulf cita como referência o italiano Remo Bodei (ver BODEi, 2004).
[ 62 ]
modos: um diz respeito ao mundo das letras que circunda o indivíduo e
que é absorvido (criticamente ou não) por ele, alimentando seu imaginá-
rio. O outro é a aproximação do que Mark Johnson (2007, p. 165) chama
de metáforas conceituais, importantes no modo como apreendemos algo do
mundo externo e o transformamos (daí o termo metáfora), inserindo em
nossa própria vivência. Ou seja, é possível que as imagens externas se
traduzam em sentimentos, comportamentos, ações etc, o que se aproxi-
ma do que que lady Wei recomenda, quando recomenda uma caligrafia
com carne, osso, músculo.
nesse sentido, a teoria da imaginação de Gaston Bachelard, descrita
a seguir, pode ser vista como um modo de apropriação do mundo pelo
ser, reelaborado em outro campo de domínio. a obra de Bachelard pode
ser dividida em um pensador diurno, que se ocupa de reflexões sobre
o espírito científico, “formulador de um novo racionalismo11 – aberto,
setorial, dinâmico, militante” (pEssanHa, 1991, p. V), e outro noturno,
que formula a teoria da imaginação poética e o devaneio, que é o que
interessa a esta tese.
Em A água e os sonhos – Ensaio sobre a imaginação da matéria (2002), Gaston
Bachelard apresenta a imaginação formal e a imaginação material, dis-
tintas, mas ao mesmo tempo complementares. a primeira está associada
à razão, ao que já é conhecido e visto – por isso mesmo, mais dependente
da visão e da percepção. Já a imaginação material é regida pelos quatro
elementos naturais12: fogo, terra, água e ar. Esses elementos funcionam
como forças potencializadoras, geradas pelas próprias imagens que lhe
inspiraram, que darão substância (a poética específica) da criação; sendo
assim, são capazes de revelar a essência da criação:
11. nas reflexões diurnas, Bachelard clama para um novo espírito científico,
que rompa com o senso comum, se afastando do empirismo, e abrace o ra-
cionalismo (MElO, 2006). Com a publicação de Psicanálise do fogo, o filósofo
inicia um conjunto de obras que estuda a imaginação e que se desenvolveu
ao longo de décadas até sua morte em 1962.
12. Bachelard se aproveita dos elementos da física aristotélica.
[ 63 ]
Oposta à imaginação formal, a imaginação material tem uma relação
direta com o fazer:
[ 64 ]
Outros sonhos nascem ainda quando, em vez de ler ou de
falar, escrevemos como se escrevia outrora, no tempo em
que estávamos na escola. No cuidado em fazer letra bonita,
parece que nos deslocamos no interior das palavras. Uma
letra nos espanta, nós a ouvíamos mal ao lê-la, escutamo-la
diversamente sob a pena atenta (BACHELARD, 2009, p. 48).
[ 65 ]
massa, levando à frente seu devaneio, que se regozija com essa atividade,
suscitando possibilidades15.
Dos quatro elementos naturais é especialmente com a água e a terra,
e a junção deles, a massa, que se podem ver aproximações com a caligra-
fia, o design de tipos e o letreiramento. isso porque o devaneio permitiu
(e permite, ainda hoje) construir identidades e narrativas, abrindo novas
possibilidades que até então eram limitadas pela imaginação formal.
[ 66 ]
figura 2.5
Manuscrito humanista do
Há maiúsculas romanas;
(SMEIJERS, 2011).
[ 67 ]
figura 2.6
As serifas paralelas mostram
estritamente às possibilidades
[ 68 ]
figura 2.7
Processo de geração
(SMEIJERS, 2011).
O metal era a matéria-prima dos tipos, que eram feitos, em geral, pelo
uso da contrapunção19, que marcava espaços internos da letra20. a contra-
punção era enrijecida pelo calor e pressionada contra outra barra, também
de aço, e amolecida pelo fogo, que originava a punção. Em seguida, depois
de eliminadas as rebarbas, a punção passava pelo processo de refinamento,
deixando a letra mais precisa. O profissional responsável por isso era o pun-
cionista21, que, em geral, especialmente entre 1520 e 1600, não eram apenas
puncionistas22, mas também editores e impressores (sMEiJERs, 2011).
Como o metal era uma matéria-prima bastante maleável, era possível
moldar letras que não estivessem presas às formas limitadas da pena de
caligrafia, o que impulsionou a descoberta de uma linguagem própria no
design de tipos23 no período.
19. Também inicialmente uma punção, que poderia ser feita cavando ou pro-
duzindo outra contrapunção.
20. Outro modo seria cavar a superfície, mas esse método não seria tão preciso
quanto partir da contrapunção (sMEiJERs, 2011).
21. antes do século XVi, um ourives, provavelmente (sMEiJERs, 2011).
22. puncionistas que nesse período tornaram-se notórios por seus trabalhos:
Garamond, Granjon e pierre Haultin.
23. a expressão design de tipos significa o processo de desenvolvimento e a pro-
dução de tipos.
[ 69 ]
a inspiração e a força, ou, usando o termo bachelardiano, o deva-
neio, no design de tipos levou, no período de 1520 a 1600, a um grande
desenvolvimento na tipografia:
[ 70 ]
figura 2.8
Representação das forças
[ 71 ]
a imagem material do rio torna-se ainda mais apropriada na cali-
grafia, quando se visualizam também suas variações físicas: ele pode ser
sinuoso ou mais linear, largo ou estreito, rodeado de rica vegetação ou
de deserto. Cada uma dessas imagens, como elemento material, propõe
caligrafias distintas, pois a cada uma delas se relaciona um devaneio es-
pecífico. É como o percurso de um rio, que se transforma conforme a
geografia e a interação com o meio..
Com o surgimento da tipografia, a caligrafia parece criar, cada vez
mais, consciência de sua fluidez, procurando expressá-la em prolonga-
mentos das ascendentes e descendentes de suas letras, bem como na de-
coração e nos floreios que acompanham a escrita24. Esse prolongamento
das letras já aparecera em algumas mãos do período gótico e podia ser
percebido também nas variações cursivas das letras da alta idade Média.
sobre a escrita cursiva, David Harris diz:
24. só no fim do século XX, com os recursos OpenType, tecnologia que per-
mite o uso de caracteres alternativos e grande armazenamento de glifos,
que a tipografia pode imitar, mais facilmente, esses detalhes da caligrafia.
25. na mão Textura Quadrata, estilo gótico não cursivo, que surgiu no início do
século Xiii, já se podia observar a presença de floreios em fio. Mas na Bastar-
[ 72 ]
figura 2.9
Bastarda Secretaria
[ 73 ]
no século XVi, na região da atual itália, os trabalhos de ludovico
degli arrighi (1475-1527), Giovambattista palatino (1515-1575) e Gio-
vanni francesco Cresci26 (fig.2.8) possuem variações da mão Chance-
laresca, criada a partir da escrita utilizada pelo Vaticano nesse perío-
do. a importância da Chancelaresca, e de suas variações, ainda se faz
sentir hoje, já que ela é a base de grande parte da escrita cotidiana feita
com caneta. inicialmente, a Chancelaresca do Vaticano era exclusiva
para o uso da instituição, mas a simplicidade e a elegância dessa mão
levaram os calígrafos das secretarias dos principados e dos meios
intelectuais a adotarem-na, acrescentando arabescos a seu gosto
(MEDiaVilla, 2005, p. 196).
Ter uma boa caligrafia, a partir do século XVi, era algo apreciá-
vel, especialmente nas sociedades com altos níveis de alfabetização,
como a Holanda. Muitos calígrafos não eram apenas mestres da es-
crita, mas também podiam ensinar e divulgar, por meio de manuais
da escrita, sua pedagogia e as mãos caligráficas que tinham mais
destreza.
Os mestres da escrita holandeses27, do século XVi em diante,
desenvolveram ainda mais as curvas e os detalhes de decoração de
suas letras (uma de suas características é a presença de floreios arre-
dondados). a Holanda oferecia um ambiente propício ao desenvolvi-
mento das ciências, das artes e do pensamento no século XVi, com a
chegada de intelectuais estrangeiros e a riqueza gerada pelas trocas
comerciais realizadas no período. Com a tomada de flandres (atual-
mente parte da Bélgica) pelos espanhóis, muitos mestres calígrafos
fugiram para a região da atual Holanda. nas cidades holandesas, o
ensino fundamental incluía o ensino de línguas e a prática de ofícios
como a caligrafia (MEDiaVilla, 2005), fomentando uma geração de
profissionais calígrafos, bem como o reconhecimento da caligrafia
como uma prática a ser valorizada.
da de secretaria isso fica mais evidente, pois os fios são mais explorados.
26. sua data de nascimento e morte não são precisas. Estima-se que tenha
nascido no segundo quarto do século XVi.
27. na Espanha, o trabalho dos mestres da escrita nesse período também é
importante. Mas, como o objetivo não é fazer um resgate histórico, mas
pensar nas imagens de matéria e em sua relação com os gestos da escrita,
foi escolhido o foco na Holanda, país relevante na cena da escrita até
hoje, devido a sua tradição em caligrafia e design de tipos.
[ 74 ]
figura 2.10
Exemplo de documento de
(MEDIAVILLA, 2005).
[ 75 ]
a grande liberdade de movimento e a aparente despreocupação
com uma legibilidade imediata são, segundo nicolete Gray (1982, p.
31), uma continuação do que foi desenvolvido no período gótico tar-
dio28. Há uma preocupação em valorizar o conjunto das letras como
um todo. Jan Van den Velde, mestre da escrita holandês, tinha uma re-
putação que ultrapassava o território holandês, devido a seu domínio
caligráfico. suas pranchas e manuais de escrita circulavam em países
como a inglaterra e a Espanha. sobre seu trabalho, Gray comenta:
a lâmina de Van den Velde (ver fig. 2.10) pouco se compara com
os exemplos do período renascentista (ver fig. 2.9). são devaneios dis-
tintos: no renascentista, os floreios e prolongamentos das letras têm
forma mais comedida, propondo águas mais tranquilas, cristalinas; já
no de Van den Velde, as águas são mais dinâmicas.
na fig. 2.1129 vê-se que, fora a presença de uma mão flamenca que
expressa o texto principal, há algumas frases iniciais em uma mão
que parece ser derivada da gótica fraktur. Mas o que complementa a
lâmina de forma exuberante é a presença de uma capitular que remete
àquelas do período gótico, porém um pouco mais fluidas. Ela se afasta
da linearidade da caligrafia, porque propõe uma construção por meio
[ 76 ]
figura 2.10
Detalhe em lâmina de Jan
a caligrafia é superior à
gravura em metal – no
(MEDIAVILLA, 2005).
figura 2.11
Lâmina de Jan Van den Velde,
(CIVILITÉ, 2014).
[ 77 ]
de várias linhas que são acrescentadas, rendendo formatos únicos –
mais próxima da ideia de um desenho construído –, impossíveis de se-
rem feitos de uma só vez. Em outras palavras, o que vemos combinado
com a caligrafia é lettering ou letreiramento.
O letreiramento da fig. 2.12, na leitura desta tese, propõe imagens
de água em profusão, que se fazem pela gestualidade da mão, que se
mostra especialmente nas curvas. parecem vir de um devaneio que
não se contenta apenas com o elemento água, mas requer uma paisa-
gem mais ampla, que envolve mais um elemento, a terra, e convida à
contemplação do dinamismo das águas: percebem-se os traços orgâ-
nicos da letra D, que se complementam com os floreios circulares, os
quais se superpõem e se somam, criando sobreposições que ora variam
pelo contraste, ora pela escala.
assim como há diferentes rios, com qualidades distintas, que re-
sultam em caligrafias distintas, podem ocorrer mudanças ao longo do
tempo na relação escrita-elemento. se a massa, como mistura de terra
e água, parece caracterizar o design de tipos no Renascimento, isso
não parece ser algo estanque.
Desde o Renascimento, houve uma crescente busca pela racionali-
zação das formas das letras. isso gerou estudos geométricos das letras
Romanas capitais, as maiúsculas, das quais aquela presente na Coluna
de Trajano é, por suas proporções, a considerada mais clássica. albert
Dürer fez uma descrição completa de como traçar cada uma das le-
tras; paulo Heitlinger (2014) lembra que atualmente esses estudos se
relacionam com a aplicação vetorial das fontes, que descrevem para
o computador, em curvas vetor, as formas das letras. na frança, luís
XiV ordenou estudos dos ofícios do período, incluindo um a respeito
do desenho das letras, que procurou detalhar letras romanas e itálicas
dentro de um grid geométrico30. Esse estudo serviu de pano de fundo
para o tipo Roman du Roi, feito por philippe Granjean para a im-
prensa Real francesa, em 1702. Esse tipo é considerado o precursor das
letras chamadas ‘modernas’, no período (GRaY, 1986).
Da crescente racionalização do design de tipos, pareceu emergir,
lentamente, outro elemento material terrestre que alimenta o deva-
neio. O afastamento das formas humanistas e a verticalização do eixo,
30. Elas foram gravadas em chapas de metal entre 1695 e 1716, mas só foram
impressas em 1965 (GRaY, 1986).
[ 78 ]
figura 2.12
Lâmina de Van den Velde,
[ 79 ]
junto à consciência de que a modulação poderia ser abrupta, estimu-
laram desenhos de letras muito distintos da letra humanista, apre-
sentando grande diferença nas hastes e valorizando o alto contraste.
além disso, as serifas foram se tornando delicadas, até que se trans-
formassem apenas em um fio extrafino. Tudo isso gerou uma página
mais leve, nem sempre proporcionando uma boa leitura (GRaY, 1986;
nEsBiTT, 1957). Os tipos Didot e Bodoni, produzidos em 1783 e 1798,
respectivamente, são aqueles que melhor apresentam as característi-
cas descritas.
a respeito da imaginação material, pode-se dizer que o elemento
material massa dos tipos humanistas cedeu lugar à matéria terrestre
das pedras e dos cristais. O designer de tipos pode ser comparado a
um lapidador de pedras preciosas, que observa a pedra em seu estado
mais bruto e, por meio de sua produção e interferência, evidencia suas
melhores qualidades, entregando uma pedra precisa, polida, refinada.
[ 80 ]
figura 2.13
Detalhe da abertura do
Manual Tipográfico de
[ 81 ]
entra-se em outro universo, que complementa o da forma – aquele
dos elementos naturais que ressoam no profundo do inconsciente, que
suscitam e conduzem os devaneios nos gestos.
O perigo está, no entanto, em considerar os devaneios e os ele-
mentos materiais como estereótipos, imagens fixas. Quando a água
é apresentada como elemento da caligrafia, ela não o é por conta de
uma relação direta com a tinta líquida – embora isso auxilie nas re-
flexões sobre a materialização da imaginação –, mas sim porque tem
como característica a fluidez, uma fluidez que será conduzida pela ges-
tualidade.
pelas obras do Bachelard noturno consultadas, no seu modo de
construir o conhecimento pela imaginação, por meio dos elementos,
não há prisão; ao contrário, os exemplos e suas leituras são tão varia-
dos, misturando reflexões de caráter universal (porque arquetípicas no
sentido junguiano) e pessoais, que deixam possibilidades de interpre-
tação abertas. E quando aplicadas a um campo que não o da literatura,
como é caso desta tese, parece que o mais importante é fazer aproxi-
mações, de forma poética, e não tentar 'encaixar', objetivamente, nas
categorias do autor.
Refletir a partir dos elementos nos exemplos dados ao longo do
capítulo suscita algumas considerações. O gesto é o intervalo entre
intenção e intenção materializada, e o devaneio, na leitura desta tese,
propõe trânsitos nesse intervalo, um sonho acordado, que é ativo. Ele
sustenta o elemento material, dando uma identidade particular, como
se pode ver no trabalho de Van den Velde, mas é possível identificar
um devaneio mais geral, que marca épocas, como o desenvolvimento
do tipo no século XVi.
para que o devaneio aconteça, é necessário deixar emergir o ele-
mento material, pois ele pulsa e deseja a materialização, uma vez que
“quando se sonha com toda sinceridade, as linhas de força do sonho
seguem sua disciplina própria” (BaCHElaRD, 1991, p. 47).
isso só pode acontecer reconhecendo-se que a imaginação mate-
rial é complementada pela imaginação formal. a questão da imagina-
ção, como Christolph Wulf (2014) ressaltou no início deste capítulo,
depende tanto do imaginário já existente do homem quanto do que
ele capta e interpreta ao seu redor. nos gestos da escrita, pode-se acres-
centar mais um verbo a frase anterior: capta, interpreta, faz. nesse senti-
[ 82 ]
do, é necessário refletir a respeito dos aspectos cognitivos do homem31
. Outro ponto necessário é olhar para o homem que faz a escrita, isto
é, para o ser que se manifesta em meio a esses gestos – temas dos pró-
ximos capítulos.
31. Essa reflexão será feita em dois capítulos: o primeiro busca responder a
pergunta: como o corpo aprende; o segundo lida com o aprendizado nos
ambientes universitários.
[ 83 ]
[ 84 ]
A escrita
corporificada:
o aprendizado
do artífice
[ capítulo 3 ]
[ 85 ]
Giambattista Bodoni, designer de tipos do século XViii, já ressalta-
va, em seu Manuale Tipografico2, que a ‘beleza da letra’ estaria relacionada
a quatro aspectos:
[ 86 ]
Quanto mais um caractere é maravilhoso, mais tem regularida-
de, precisão, bom gosto e graça
(BODONI, 2010, p. 49-50).
[ 87 ]
as habilidades dos artífices são desenvolvidas no fazer, na insistên-
cia e na vontade. Bachelard, em sua teoria sobre a imaginação material,
como se viu anteriormente, fala da imaginação que estimula o fazer, das
“imagens do despertar” (BaCHElaRD, 2008).
O despertar de Bachelard tem como consequência uma relação que
se faz cumplicidade entre artífice e matéria. Dela advém a consciência
material, termo empregado por sennett (2009), a partir de três princí-
pios: metamorfose, que lida com a transformação, como a mudança de do-
mínio4; autoria, que reúne as diversas formas pelas quais o artífice pode
afirmar sua presença, como uma marca ou alguma característica física
específica; e a antropomorfose, que indica o grau de relação com a matéria,
atribuindo a ela qualidades humanas.
para que haja tal consciência, no entanto, é necessária intimidade,
que, por sua vez, exige conhecimento: eu conheço aquilo que me é pró-
ximo, e a proximidade/intimidade me ensina – trazendo tanto conheci-
mentos diretos quanto indiretos. ambos acontecem no corpo – e vale a
pena levar adiante as reflexões apresentadas na introdução, impulsiona-
das pela questão: Como o corpo do artífice aprende?
se a fenomenologia em Husserl, e especialmente em Merleau-ponty,
já priorizava a relação sujeito-ambiente, a complexidade mostrou que
isso implica pensar num sistema. ao mesmo tempo, nas últimas décadas
do século XX, especialmente com as neurociências, foram sendo pesqui-
sados os aspectos cognitivos do homem, que são indissociáveis do am-
biente em que ele habita. para suzana Herculano-Houzel (2013), o apren-
dizado é um processo, construído por meio da experiência, de vivências,
e de tentativas e erros. Esse aprendizado se fixa pela neuroplasticidade
(lEnT, 2011), que pode traduzir as experiências em aprendizado – ora
ativando determinados circuitos, ora tornando-os menos ativos – de
acordo com a necessidade do meio, e pelas operações mentais. Ou, nas
palavras de Herculano-Houzel (2009), no aprendizado “o cérebro que faz
alguma coisa se modifica, de forma que, da próxima vez, ele age de ma-
neira diferente”.
a cognição, no entanto, não implica apenas os aspectos racionais
envolvidos no processo. Henri Wallon, médico psiquiatra nascido na
frança, em 1879, propôs que o desenvolvimento humano é um processo
[ 88 ]
que se desenvolve contínuo de transformações: dentro de seu ambiente,
o ser humano trava relações dialéticas que envolvem o que Wallon cha-
ma de conjuntos funcionais: a afetividade, o ato motor, o conhecimento e a
pessoa5. Eles estarão presentes durante todo o desenvolvimento humano
– afetividade e conhecimento se alternarão em fases nas quais o indívi-
duo está voltado para o conhecimento de si mesmo, cujo predomínio é
da afetividade, e em outras nas quais está voltado para o mundo exterior,
em que prevalece o conhecimento modelado pela cultura. apesar da pre-
valência de uns ou outros, Wallon ressalta que os conjuntos funcionais
estão interligados. Esse processo de alternância representa uma ‘cons-
trução do eu’, dialética, que continua por toda a vida, incluindo a fase
adulta. (MORaEs e OnCalla, 2011). a teoria de Wallon traz unidade ao
homem, restaurando afetividade e racionalidade como partes de seu ser.
Quando um homem atua no mundo, ele o faz com suas várias dimensões
.
para Rupert Cox, essa atuação implica um ato estético. O autor re-
corda que a cognição e os sentidos estão intimamente ligados – uma das
definições dadas para a estética:
[ 89 ]
soa-meio, em que os sentidos têm um papel importante antes mesmo da
criação do significado das coisas. Os bebês, diz Johnson (2007), aprendem
a pegar as coisas, a explorar as affordances6, e só depois dão significado e
identidade ao que estão pegando. À medida que seu corpo evolui, a mus-
culatura se desenvolve com a coordenação, ampliando as possibilidades
de expansão de seu mundo: “O mundo da criança é o mundo das intera-
ções sociais e corporais. Um mundo que é aprendido ao observar, imitar
e agir, frequentemente em modos que requerem muita tentativa e erro”
(JOHnsOn, 2007).
as dimensões estéticas da atividade corporificada – que inclui ima-
gens, padrões de processos sensoriomotores e emoções, entre outros –
não ocorrem sempre de forma consciente7. Dar sentido e significado,
segundo Johnson, não é algo feito apenas pela mente, mas também por
todo o corpo e pelos sentidos. até mesmo conceitos abstratos surgem
a partir das “metáforas conceituais”, termo descrito no capítulo 02 – a
possibilidade de o pensamento ser construído por metáforas, propondo
que a vivência influencia o modo de construirmos o pensamento.
Beatrice Warde parece ter cunhado uma das metáforas mais conhe-
cidas na área da tipografia com base em sua própria vivência. Ela com-
parou o uso da tipografia a partir de dois cálices: um todo feito de ouro,
com detalhes complexos, e outro de cristal, fino, transparente. “Depen-
dendo da sua escolha, eu saberei se você é um especialista em vinho”
(WaRDE, 1932). para ela, a mais perfeita escolha seria a do cálice de cris-
tal, interessado em revelar, mais do que esconder, seu conteúdo. assim
deveria ser um design tipográfico: preocupado com o conteúdo, sendo
uma estrutura transparente para ele. É interessante ver que ambas as
experiências da metáfora – o vinho e a tipografia – envolvem sensações
que passam pelo corpo, especialmente pelo olfato e visão. a sensualidade
do vinho de Warde, no entanto, é incompleta por sua radicalidade: o vi-
[ 90 ]
nho não perde suas propriedades por ser servido em um cálice de ouro8;
apenas propõe uma experiência distinta que a daquele servido em cálice
de cristal.
Diante do homem, o ambiente também lhe propõe ações. James Gib-
son chamou essas possibilidades de ação de affordance, ressaltando que
elas vêm de forma direta.
8. Considerando que o vinho está sendo servido, e não armazenado a longo prazo.
[ 91 ]
lhes significações (KnappETT, 2005). Esse autor usa o exemplo da caixa
de correio, que tem um formato retangular com uma fresta para pôr as
cartas. O que faz um carteiro colocar as cartas especificamente nessa cai-
xa, e não em outras parecidas, está relacionado a um contexto cultural
– isto é, de forma indireta –, mais do que às propriedades do objeto, ou
a sua affordance.
nesse sentido, junto às affordances, há o mundo cultural que cerca o
homem, que propõe tanto (re)ações afetivas quanto motoras e cogniti-
vas, abrindo possibilidades para reflexões como o homem e o fazer, o
homem e os meios, o homem e seu espaço (privado ou público). Há um
ser, integral, que se põe a fazer e descobre-se – e desenvolve-se – no ofí-
cio. É um fazer que não se separa do refletir, tal como Martin Heidegger
propõe:
[ 92 ]
assim, o pegar (ferramentas e suportes) e o lidar (com as mesmas),
como extensão do corpo, revelam-se como potencializadores para o re-
fletir. segundo lenira peral Rengel e Maria Mommensohn (1992), o fato
de o homem ter adotado a postura bípede fez que seu corpo fosse revisto:
uma vez ereto, liberou as mãos da função de apoio, e as mandíbulas da
preensão e da defesa, passando a projetar instrumentos que o auxilias-
sem: “seu sentido de temporalidade despertou e, assim como a criança
adquire a faculdade da permanência do objeto, da diferenciação entre o
eu e o mundo, gradativamente esse animal percebeu-se pensando, proje-
tando e nominando” (REnGEl e MOMMEnsOHn, 1992, p. 99-100).
Também deve-se considerar a háptica9. Em geral, fala-se de percep-
ção háptica quando há uma relação conjunta do sentido do tato (que
permite a sensibilidade das propriedades de um objeto, como textura,
peso, dimensão) com a cinestesia (que faz relação com a localização es-
pacial do corpo e com os movimentos do corpo). no toque de um ob-
jeto, acionam-se percepções que variam de acordo com a superfície de
contato – o toque de um dedo, por exemplo, tem área sensível menor
que a do toque de duas mãos em um mesmo objeto. pode-se captar mais
informações a respeito dos objetos, no entanto, unindo o movimento
dos membros superiores por meio do sistema mão-braço, cobrindo uma
superfície de contato mais complexa, com maior número de receptores
sensoriais (TOsETTO, 2005).
a háptica está intimamente ligada às affordances e está presente no
dia a dia em tarefas corriqueiras.
9. Termo também trabalhado antes por James Gibson (1966). Tosetto (2005)
utiliza-o de forma semelhante.
[ 93 ]
de postura e eficiência de movimentos como andar, correr,
alcançar objetos entre outros (OCARINO, 2009, p.15).
10. Escolhi traduzir grip como ‘pegada’, no sentido de um movimento que se-
gura alguma coisa com consistência. Embora atualmente essa palavra seja
usada como gíria, o que pode conferir à tese um tom estranho, ela é usada
frequentemente na Ergonomia para designar o sentido aqui empregado.
11. Esses termos surgiram na pesquisa de John napier, em 1956, cujo objetivo
era melhorar a avaliação clínica da função da mão e seus efeitos em aci-
dentes nesse membro.
12. aquela que cuida dos movimentos musculares finos, de ação mais refina-
da, em contraponto aos grandes músculos, responsável pelos movimentos
‘maiores’, como andar e correr.
13. Veja outros detalhes em Miyashiro (2009). John Maeda (2007) recorda a ori-
gem animista do aichaku: as coisas têm, cada uma, o seu ‘espírito’ e por isso
devem ser respeitadas.
[ 94 ]
souros’: tinta, pincel, papel e recipiente de tinta. a escolha de um pincel
(cerdas duras ou macias, por exemplo) pode se juntar à de determinada
tonalidade de tinta sumi (que, além de preto, pode apresentar diversas
tonalidades de cinza) e papel – são opções que refletirão a expressão e a
intimidade do calígrafo com seus materiais. Esse conceito pode ser trans-
posto do Oriente para o Ocidente para ressaltar a ligação afetiva que o
artífice estabelece com seus materiais, mostrando os vínculos com os
objetos que o circundam, elegendo alguns como seus preferidos, às vezes
de acordo com um trabalho específico, às vezes em relação ao conjunto
de sua obra.
a relação entre a mão e a ferramenta se completará com a atividade
visual do corpo14. na neurofisiologia diferencia-se a visão central, que é
o foco da atenção, da visão periférica, aquela que está nos limites da pri-
meira. Enquanto copiava uma das citações diretas deste capítulo, obser-
vei o que estava na minha visão central e o que estava nas áreas perifé-
ricas. foquei a atenção na leitura do parágrafo (visão central), enquanto
lia e digitava. Minha visão periférica me mostrava o que estava fora de
foco: o movimento de meus dedos no teclado, à direita. Essas visões, pe-
riférica e central, são como scans, que dão informações aos mais diversos
elementos do sistema visual, gerando mapas topográficos. por meio dos
mecanismos ligados à fóvea, a imagem terá foco (na formação do mapa
topográfico, essa região é deformada, como se estivesse ampliada), alto
nível de detalhamento, exatidão. Já fora dela, nas áreas periféricas, liga-
das à retina, os mapas não são tão deformados e apresentam uma função
visuomotora: é a partir delas que os movimentos reflexos dos olhos, da
cabeça e do corpo são ativados para posicionar melhor a fóvea no objeto
de interesse (lEnT, 2010).
a integração entre a visão e as outras partes do corpo e sistemas
específicos aprimora a realização de tarefas distintas:
[ 95 ]
presentes nessa região do campo. Além disso, é necessário
conhecer as relações topográficas entre as diversas partes de
uma cena visual, ou entre as diversas partes de um objeto, para
que elas façam sentido perceptual. O sistema visual, portanto,
torna-se mais vantajoso a um animal se é de alta precisão,
para que a orientação visuomotora do corpo e a percepção
propriamente dita sejam realizadas com mais sucesso
comportamental. (LENT, 2010, p. 322).
[ 96 ]
É necessário que se acumulem horas em que o corpo se volta para
esse fim, formando-o integralmente. no campo da psicologia há pesqui-
sas que se dedicam ao treinamento necessário para a formação de um
profissional excepcional – o número de horas para alcançar tal nível é,
em geral, de cerca de 10.000, segundo Ericsson, Krampe e Tesch-Romer
(1993). Esses mesmos autores consideram que, embora se possam ver nos
especialistas características e habilidades distintas da média padrão, isso
não é algo completamente fixo. seus resultados são fruto do esforço de-
liberado para melhorar sua atuação em um longo período de tempo. no
entanto, esses autores também destacam que um ambiente favorável (no
caso de crianças e jovens, apoio e suporte dos pais, infraestrutura para
desenvolver as habilidades, possibilidade de prática intensiva) também
tem um papel importante16.
O treinamento tem a ver com o modo de ‘conformar’ o corpo para o
ofício. Uma das formas é a repetição:
[ 97 ]
maior controle e expressão na sua execução musical. Por outro
lado, o desuso, ou uma doença, pode fazer com que ligações
sejam desfeitas, empobrecendo a comunicação nos circuitos
atingidos (CONSENZA e GUERRA, 2011, p. 36).
[ 98 ]
Fiz estágios em duas agências de publicidade [...]. E eles es-
tavam fazendo rótulo para a cerveja Brahma. Você não tem
ideia da quantidade de ilustrações que chegavam com arte,
tudo com guache... chegava todo dia, de ilustração, de layout
de rótulo para a cerveja.. Era a cevadinha com a folhinha as-
sim, com a folhinha embaixo. Arte todinha pintada com gua-
che, com a cerveja, tudo pintado e desenhado à mão... com
a cerveja escrita aqui, com a Brahma com a outra letra [...].
Hoje em dia, você põe no computador, ele te gera aquilo, tro-
ca a cor do fundo, põe o dourado aqui, põe na frente, atrás...
e letra vermelha, dourado na frente. É bico! [riso]. [Antes]
quanto tempo você levava para fazer as coisas? Por isso
acho que mudou muito essa relação com o tempo... (LEVY,
2012)
19. Christina Haas (1996 apud ManGEn e VElaY, 2010), em um contexto que
discute alfabetização e tecnologias, afirma que as mudanças nas tecnolo-
gias constroem relações (visuais, táteis, espaciais e temporais) diferentes do
modo análogico, entre o corpo de quem escreve e seu texto material.
20. Quinze meses, na pesquisa indicada por lent (2011).
[ 99 ]
figura 3.1
Página da apostila da
e MACON, 2014).
figura 3.2
Página do Modern Showcard,
[ 100 ]
figura 3.3
Caligrafia abstrata de
(MEDIAVILLA, 2005).
[ 101 ]
ciência da escrita – além de maior poder de concentração, há um senso de
bem-estar e relaxamento (naKaMURa, 2006).
nos gestos da escrita, há pelo menos duas formas de materializar le-
tras: uma que acontece de forma direta, como a caligrafia, e outra que se
faz pela construção21. Embora distintas em sua execução, ambas exigem
treinamento e, portanto, aprendizado do corpo para fazer as letras. Há
pelo menos dez anos, andréa Branco22, calígrafa paulistana responsável
pela formação caligráfica de muitos designers, artistas e tatuadores, por
meio de seus cursos de curta duração (2 meses) e workshops (12 horas),
recomenda, em seu primeiro módulo, traçar algumas peças (partes das
letras) separadamente para depois juntá-las no ductus das letras. assim,
linhas verticais, horizontais, curvas e inclinadas a 30º antecipam alguns
dos traços que serão usados depois nas letras dos alfabetos sem serifa
e da mão fundamental23, utilizando a pena quadrada. Em seus módulos
avançados, outras mãos são trabalhadas, como a Cooperplate, que é feita
com bico de pena e tem grande variação de contraste. Em todos os cursos
e workshops, no entanto, a calígrafa recomenda um treino intensivo nas
pautas caligráficas, pela repetição. pode-se dizer que, independentemen-
te da mão caligráfica que se faz, a caligrafia revela diretamente as letras
que está gerando: estrutura e forma estão diretamente ligadas.
fora do Brasil, a Escola de artes Butera, criada em 1910, em Boston
– tradicional espaço de caligrafia e letreiramento para sinalização – ,
propõe um ano básico de aprendizado dos fundamentos do pincel apenas
no papel, antes do segundo ano, com propostas formais mais livres em
diversos suportes e ferramentas24. Richard Thuillier, professor do pri-
meiro ano, diz: “O primeiro ano é para [aprender] o controle do pincel,
traços básicos [...] fazemos várias dessas páginas [fig. 3.1], [...] sem esses
21. Como será explicado adiante, em geral, por meio da linha de contorno.
22. andréa Branco tem uma trajetória peculiar. formada em pedagogia, mais tarde
ela fez cursos de caligrafia e começou a atuar na área. Ela oferecia cursos de
caligrafia para convites, mas o crescente interesse de pessoas ligadas ao design
e às artes fez com que passasse a oferecer cursos específicos de caligrafia para
essas áreas. Hoje, além de são paulo, a calígrafa dá cursos e palestras em todo o
Brasil. Um trabalho similar é realizado por Cláudio Gil, no Rio de Janeiro.
23. O alfabeto fundamental foi proposto por Edward Johnston no início do
século XX, período de reavivamento da caligrafia, iniciado por ele na in-
glaterra e por Rudolph Koch na alemanha.
24. incluindo o uso de aerógrafo, pinstripe (letras e desenhos em metal), folha
de ouro.
[ 102 ]
traços básicos, não há muito o que fazer” (lEVinE e MaCOM, 2014). Jim
Birmingham, do segundo ano, comenta que “Eles [os alunos] têm que
trabalhar o básico, e no segundo ano é o ano divertido” (lEVinE e Ma-
COM, 2014). a instrução de começar pelos traços básicos remete a livros
do início do século XX, como Modern Show Card Lettering Designs etc (1901) e
The Practical Show Card Write (1904).
a repetição exigida para o aprimoramento permite não apenas a
incorporação do que se repete, mas também o desenvolvimento de ou-
tras ações a partir daquela tarefa ou ato repetitivo. segundo Richard
sennet (2009), o jogador de tênis que repetir o saque muitas vezes apren-
derá a fazer isso de diferentes maneiras, demonstrando uma diferença
qualitativa. na caligrafia, isso parece equivaler a ultrapassar a fase em
que se domina o traçado das letras com destreza e perfeição técnica.
se esse treinamento ganhar complexidade, pode haver condições para
novos aprendizados – como o trabalho ‘divertido’, segundo Jim Birmi-
gham. isso também pode significar estudos iniciais para um tipo ou para
um trabalho pessoal, mais artístico, como demonstram calígrafos como
Claude Mediavilla, que mostra um domínio de diversas mãos caligráficas,
mas também desenvolve uma caligrafia pessoal e, muitas vezes, abstrata.
Gilles Deleuze (2000) diferencia a repetição da generalidade, que
seria extrair um caráter comum, e redutor, de coisas semelhantes. a
repetição, conforme o autor, lida com a identidade e se constrói na
diferença, em sua singularidade. luiz Orlandi, comentando a repetição
deleuzeana, menciona que a repetição sempre tem a ver com o presente
das pessoas, que, paradoxalmente, revela que aquilo que é repetido vai
se revelando, embora não pareça ser a mesma coisa. “Digamos que a
repetição deleuziana é paradoxal porque o encontro repetitivo impli-
ca diferencial que pode, repentinamente, transfigurá-lo num encontro
intensivo” (ORlanDi, 2013)25. O ser que repete nunca é o mesmo, uma
vez que a cada repetição seu corpo está sendo reconstruído, ressaltan-
do a potência do ser e do agir. ao mesmo tempo, é curioso notar que,
[ 103 ]
no ato da escrita, sempre ocorre uma repetição, uma vez que estamos
falando de uma estrutura alfabética que é aprendida e pode ser recom-
binada.
Já o modo de fazer letras pela construção geralmente permite seu
traçado por meio de seu contorno26. É como se a caligrafia propusesse
um movimento de dentro para fora, como se da pena, ou dos pelos do
pincel, fossem geradas as formas, enquanto a construção faz um movi-
mento externo, que demarca o território das letras. para muitos profis-
sionais que criam letras para letreiramento e design de tipos, mais do
que de modo direto, é pelo contorno da linha que se vão construindo
as letras, na separação entre a forma e a contraforma. Em geral, um O
em caixa-alta feito pela ductus caligráfico é constituído de duas peças.
Um O construído pode ser iniciado pela parte mais externa, que de-
marca os limites da letra, e depois se completar com a parte interna,
seu miolo. pode-se dizer que quanto maior a prática da pessoa com o
traçar, melhor será a relação entre aquilo que se imagina e o que se cria.
Da mesma forma que na caligrafia, a prática extensiva vai moldando o
corpo e, na repetição, uma vez ultrapassada a fase do domínio técnico,
pode haver a diferença.
O treinamento adquirido pelo artífice, no entanto, só faz sentido
quando ele o aplica à prática do ofício, uma das três formas de apren-
dizado do corpo. participando de alguns workshops de caligrafia e letrei-
ramento nos últimos cinco anos, pude ver de perto alguns calígrafos,
letristas e designers de tipos. Observar como esses profissionais demons-
tram seu ofício, permite refletir a respeito dos movimentos corporais
nesses momentos. além do que já foi dito sobre o aprendizado, acrescen-
tarei alguns conceitos propostos por Rudolf laban27 em seu estudo sobre
o corpo em movimento.
laban desenvolveu, na primeira metade do século XX, uma filo-
sofia do movimento do corpo28, que derivou um sistema de notação
[ 104 ]
chamado de Labanotation, especialmente utilizado na dança (laBan,
1978). Ele chamou de ‘Esforço’29 os impulsos internos que originam o
movimento: “afim de discernirmos a mecânica motora intrínseca ao
movimento vivo, no qual opera o controle intencional do movimento
físico, é útil denominarmos a função interior que dá origem a tal movi-
mento: [...] é o esforço ['Esforço]” (laBan, 1978). segundo ele, ‘Esforço’
e ação podem ser inconscientes e involuntários, mas apresentam-se
em todo movimento, seja no de um operário30, seja no de um bailarino
(laBan, 1978).
lenira Rengel procurou reunir em um dicionário os termos usados
por laban; nele o ‘Esforço’ mostra-se como um conceito-chave para o
estudo do movimento, de natureza qualitativa31:
29. Grafei com caixa alta e baixa e usei aspas simples nos quatro fatores (e em
‘Estado’) para diferenciá-los de seu uso comum, fora das referências do sis-
tema laban, tal como Miranda (2003) utiliza.
30. laban chegou a pesquisar o movimento de operários nas fábricas, na déca-
da de 1940, com f. C. lawrence, visando a sua melhor execução nas linhas
de produção (veja <www.dance-archives.ac.uk/about/laban>. acesso em:
dez. 2014).
31. a partir dos escritos desse autor e de entrevistas com especialistas (ver
REnGEl, 2001; 2003).
[ 105 ]
laban (1978) destacou quatro fatores que influenciam a qualidade do
esforço: ‘peso’ (de leve a forte), ‘Tempo’ (de lento a rápido), ‘Espaço’ (de
direto a indireto) e ‘fluxo’ (de livre a contido). na análise dos movimen-
tos, laban priorizava aquilo que se sobressaía, fosse com um único fator,
ou pela combinação de dois (‘Estado’) ou três (‘impulsos’). Essas asso-
ciações sugerem combinações como o ‘Estado’ forte-lento (‘peso’-‘Tem-
po’), o ‘Estado’ leve-livre (‘peso’-‘fluxo’), o impulso visual (‘fluxo’-‘Tem-
po’-‘Espaço’), entre outros. segundo Regina Miranda (2003), o uso desses
fatores aliados à imaginação pode propor explorações do corpo na práti-
ca da dança, do teatro e da terapia corporal. no caso da escrita, olhar os
gestos do que é suscitado pelo ‘Esforço’ ajuda a descrever o movimento
por meio dos fatores que mais o orientam, bem como a pensar em suas
qualidades.
Dos registros feitos nos workshops que participei, escolhi duas de-
monstrações32 para análise: a primeira, de caligrafia, feita pela calígrafa e
letrista andréa Branco; a segunda, uma das possibilidades de fazer letrei-
ramento, realizada pelo norte-americano Ken Barber. Os dois profissio-
nais se encaixam na definição de artífice de sennett, que tem paixão por
seu ofício e mais de dez anos de treinamento e prática intensiva.
Em seus workshops, andréa Branco intercala aulas expositivas (histó-
ria da caligrafia, modos de fazer a caligrafia) com práticas nas quais os
participantes são convidados a treinar caligrafia de acordo com a técnica
estudada. a inclinação do instrumento, a ordem das peças e a proporção
são alguns dos detalhes a serem observados33.
Um outro momento é aquele em que andréa demonstra o uso de
diversos instrumentos. nessa demonstração (ver vídeo 01, no CD anexo),
que simula uma prática do ofício, como a criação de um logotipo, todo
o corpo da calígrafa coloca-se a serviço da escrita. Como já foi visto, a
visão central atua como lente de aumento em cada letra escrita, forne-
cendo detalhe e foco. Já a visão periférica – em parceria com a percepção
háptica – a complementa, porque a caligrafia, como um modo direto, exi-
32. O objetivo aqui não é aplicar o método laban/Bartenieff nos gestos da es-
crita, mas aproveitar-se dos conceitos e das reflexões propostas pelos dois
autores.
33. Minhas duas experiências foram em cursos rápidos, de 12h, feitos durante
um fim de semana. Mas há cursos que duram dois meses, com uma aula
por semana, o que certamente ajuda a fixar melhor os conceitos e as técni-
cas apresentadas.
[ 106 ]
ge que a andréa tenha domínio do espaço em que a palavra está sendo
traçada. Enquanto escreve uma letra, a calígrafa precisa ter consciência
do espaço que as próximas letras ocuparão, pensando no equilíbrio e na
identidade que terão com as demais já escritas. a demonstração foi feita
com uma pena cuja ponta era feita de lata, diferente da ponta quadrada,
pois é dobrada.
‘peso’, ‘Tempo’ e ‘fluxo’ denotam qualidades que se manifestam en-
quanto a calígrafa escreve gestual. O ‘fluxo’ é livre, pois as letras seguem
o formato da letra cursiva – o que não significa que não haja precisão ou
controle. O instrumento exige um ‘peso’ médio, que acontece pela pega-
da (de força), na qual a mão segura o instrumento de forma a mantê-lo
firme, mas que ainda seja possível usar da flexibilidade da pena. isso se vê
nas curvas mais fechadas – as que mostram variação no contraste, como
nas letras E e U – e também nas abertas, como na cauda do G e no l. a
palavra é escrita em três momentos, cada qual exigindo um carregamen-
to de tinta (GEsT, TU [com reforço na barra do T], al).
a variação e a velocidade com que a tinta será depositada no papel
dependerão da força e da velocidade do sistema mão-braço. a barra do
T, por exemplo, expõe a segurança do gesto, que tem auxílio também dos
músculos do tronco e do braço que permanece como apoio, enquanto o
antebraço e a mão realizam o movimento semicircular da barra.
O corpo precisa de um apoio estável – no caso dessa demonstração,
os principais apoios são o do cóccix e das coxas, em contato com a ca-
deira, além dos pés no chão e da mão esquerda que se apoia sobre a mesa.
a mão direita, que conduz a pena, fundamenta seu apoio no cotovelo
direito e na tensão entre a pena e o papel, ao mesmo tempo que a mão
também sustenta a pena. nesse caso, o corpo é uma base dinâmica para
os gestos e, na medida em que o corpo se movimenta e as forças se alter-
nam em intensidade e localização, ele busca manter seu equilíbrio.
Em 2011, por ocasião do DiaTipo, evento organizado por Henrique
nardi em são paulo, participei do workshop de letreiramento ministrado
por Ken Barber34. a proposta era trabalhar a palavra paulista a partir de
diferentes referências tipográficas que ele havia trazido em fotocópias. O
letreiramento, nesse caso, é feito por meio da construção das linhas de
contorno, de seu traçado. Embora seja possível estruturar a palavra com
34. filmagem feita no workshop durante o DiaTipo natal, nos dias 8 e 9 de de-
zembro de 2011, em são paulo. Câmera: Rafael Tadashi Miyashiro.
[ 107 ]
figura 3.4
Palavra gestual, escrita
[ 108 ]
cotovelo direito, com ângulo pouco
maior que 90º, dá apoio ao siste-
ma mão-braço, enquanto o sistema
sistema mão-braço
mão-braço esquerdo segura a folha e
conduz o 'Fluxo' da escrita
fornece outro apoio
figura 3.5
Observações a partir
da demonstração de
Andréa Branco.
[ 109 ]
figura 3.6
Ken Barber demonstrando
formas de fazer o
letreiramento.
[ 110 ]
o esqueleto das letras (suas formas mais básicas), Ken Barber alerta que,
às vezes, isso pode não funcionar tão bem com letras mais expandidas
ou com maior peso35.
Depois de definir algumas palavras-chaves que o letreiramento deve
ter (peso, expansão), Ken Barber começa a traçar com o lápis as linhas ex-
ternas das letras, para depois trabalhar com o miolo (ver vídeo 02, no cd
anexo). são linhas de ‘Tempo’ rápido, ‘peso’ médio, apenas para sustentar
o lápis firmemente, e o ‘fluxo’ não é livre, pois ele constrói, com várias
linhas, o contorno das letras que vão sendo apresentadas.
À medida que finaliza o contorno de uma letra, Ken Barber preenche
suas formas. isso permite visualizar a forma/contraforma resultante, e,
uma vez que não é um modo direto, permite corrigir determinadas par-
tes da letra. para Ken Barber, o que importa é de que maneira o espaço
positivo e negativo se relacionam um com o outro, ou com o termo
tipográfico conhecido como cor (que se refere ao peso visual das letras).
Da mesma forma que na demonstração de andréa Branco, o siste-
ma mão-braço é sustentado pelo braço, em um ângulo de 90º, mas aqui
a maioria dos movimentos visíveis vem da mão e dos dedos. Os dedos
seguram o lápis apoiado no dedo médio e no indicador, e a lateral direita
da mão direita serve de ponto de apoio para os movimentos dos dedos
que traçam as letras. a mão esquerda serve de apoio, a cabeça está leve-
mente inclinada. O apoio se encontra no cóccix e nas coxas, que estão
apoiados na cadeira.
percebe-se que o instrumento muda a relação com a criação das for-
mas das letras. O lápis propõe linhas finas e, portanto, uma construção
pelas linhas de contorno; já a pena caligráfica propõe, quase automati-
camente, a estrutura da letra. Deve-se ressaltar, no entanto, que isso não
é absoluto, pois é possível pensar no contorno por meio da pena, assim
como no lápis como estrutura.
É interessante dizer que aquilo que andréa Branco e Ken Barber
demonstram nos workshops é o trabalho que vem de um corpo moldado
para a caligrafia e o letreiramento. percebe-se que há precisão e seguran-
ça em seus traçados, e ambos demonstram um poder de visualização do
que ainda se está fazendo – isso só vem com a prática, como ressalta Ken
Barner. apesar de haver modos distintos de fazer o letreiramento, “Você
ainda precisa saber para onde mover o seu braço. Você precisa saber essas
[ 111 ]
coisas... elas vêm pela prática... praticar com a pena [caligráfica] ou dese-
nhando. Em ambos os casos, tem que funcionar” (BaRBER, 2011).
Uma das faces dessa prática é aquela que está ligada aos ambientes
de aprendizado. Há espaços que se revelam importantes na formação de
profissionais que lidam com a escrita. no capítulo 4 apresento algumas
observações de campo realizadas, assim como as reflexões que surgiram
com a realização de dois workshops rápidos e uma disciplina de graduação
no curso de Design na Universidade presbiteriana Mackenzie, em são
paulo.
[ 112 ]
Um outro Este capítulo foca nos gestos da escri-
lado do ta a partir de observações nos ambientes
aprendizado de aprendizado universitários. na primeira
parte, relato o que foi observado na pesqui-
[ capítulo 4 ] sa de campo realizada na disciplina Design
de Tipos no curso de design da faU-Usp.
a seguir, menciono as minhas experiências,
como docente, conduzindo workshops e uma disciplina no curso de de-
sign da Universidade presbiteriana Mackenzie, em são paulo.
Os workshops foram realizados gratuitamente, em módulos de 3
horas. O objetivo era observar os gestos da escrita na prática discente.
Queria saber como seria o aprendizado dos alunos pela repetição, sua
resposta a diferentes materiais e escalas; especialmente, interessava-me
saber como eles devolveriam o conhecimento (aprendido e apreendido)
em trabalhos pessoais que mostrassem a sua singularidade.
Já a disciplina Oficina Optativa de Tipografia – Desenho de letra,
com duração de um semestre, fazia parte da grade curricular implantada
no segundo semestre de 2014. Como fui designado docente responsável,
o conteúdo programático da disciplina se aproveitou da pesquisa teórica,
da observação de campo e dos workshops realizados para esta tese. foi
uma oportunidade para observar, num prazo maior, como se dariam as
relações dos alunos com as diferentes manifestações da escrita e seus
materiais e processos. Tal como nos workshops, o modo como cada um
manifestava sua singularidade através dos trabalhos era um ponto im-
portante a ser observado. Todo o material gerado nos workshops e na
disciplina foi recolhido para avaliação e para a pesquisa desta tese.
[ 113 ]
Dentro do ensino formal das universidades, a tipografia é a que mais
está presente nas grades curriculares. ao menos em são paulo, no perío-
do em que a pesquisa que embasou esta tese foi realizada, a Universidade
anhembi-Morumbi, o Centro Universitário senac e a faculdade de ar-
quitetura e Urbanismo da Universidade de são paulo (faU-Usp) conta-
vam com disciplinas específicas de design de tipos.
no primeiro semestre de 2010, acompanhei a disciplina ministrada
pela profa. Dra. priscila lena farias no curso de graduação de Design na
faU-Usp, aUp 2303 Design de Tipos. por ser optativa, essa disciplina
atrai alunos com interesse em desenvolver uma fonte digital. Entre eles,
havia tanto pessoas que se interessavam em trabalhar com fontes quanto
pessoas que pensavam na disciplina como uma oportunidade de conhe-
cer mais o campo. Havia no grupo também um estudante de História
e dois estudantes de arquitetura, cujos trabalhos finais de graduação
consistiam no desenvolvimento de uma fonte, ambos orientados pela
professora responsável pela disciplina. Um deles, paulo Chagas, traba-
lhava com design na Editora Cosacnaïfy e era o monitor da disciplina,
auxiliando nas aulas de laboratório. Já laura lotufo trabalhava em um
estúdio de design gráfico durante o dia e tinha optado por cursar a dis-
ciplina de forma a complementar sua formação1.
as aulas, no período noturno das terças-feiras, dividiam-se entre a
sala de aula e o laboratório de computação gráfica. além dos atendimen-
tos individuais, posteriormente, em estágio mais avançado, os caracteres
já trabalhados eram impressos e pendurados na parede para crítica e
apreciação em sala de aula.
O conteúdo programático reunia os principais passos para a cons-
trução de uma fonte. foi proposto, como exercício inicial, o desenvolvi-
mento intensivo de uma fonte, ao longo de três semanas, para que todos
se inteirassem de etapas importantes do processo, como edição de carac-
teres, espaçamento e kerning.
passada essa primeira etapa, houve o desenvolvimento do projeto
da disciplina, a partir de propostas individuais livres. abarcando pelo
[ 114 ]
figura 4.1
Imagens de alguns projetos
da disciplina Design de
Tipos/FAU-USP/2010.
[ 115 ]
menos nove semanas, as propostas eram variadas: desde fontes mais de-
corativas até as fontes display e de texto. a cada semana, as aulas cen-
travam-se em um ponto do processo, como o desenvolvimento de carac-
teres, sua transferência para o software editor de fontes fontlab, a criação
de caracteres compostos (ligaturas), espaçamento e kerning, geração e
instalação de fontes2.
Essas etapas demonstram a complexidade e o tempo que estão en-
volvidos no processo de fazer fontes. não é algo rápido; exige compro-
metimento do corpo e um olhar analítico, que seja capaz de gerar, a par-
tir da proposta e dos desenhos iniciais, um conjunto de letras que possa
ser combinado de diversas maneiras e que, ainda assim, mantenha coesos
sua identidade e seus atributos formais.
Chama a atenção a variedade de projetos, o que talvez se deva à di-
versidade de pessoas. Cada uma delas traz consigo um corpo – inteiro,
afetivo e racional, além de um conjunto de habilidades cognitivas e mo-
toras, desenvolvidas e por desenvolver, com uma história pessoal única.
Quando elas se põem a pensar e a traçar os rascunhos de uma eventual
fonte, cada uma emerge com uma proposta diferente.
as etapas desenvolvidas na disciplina também propõem uma refle-
xão a respeito dos gestos. se eles são um intervalo entre a intenção e a
intenção materializada, pode-se dizer que os gestos que fazem parte do
design de tipos envolvem o corpo em várias etapas: nos primeiros rascu-
nhos no papel; nos momentos decisivos em que a fonte vai adquirindo
sua identidade, em que caracteres são aprimorados ou excluídos; quando
os originais são escaneados e levados para o software de edição e há novas
decisões, que visam prever as mais diversas combinações entre as letras
e diacríticos; na fase de refinamento e ajuste fino, que darão mais coesão
à identidade da fonte.
nesse intervalo de tempo-espaço abrangente não há apenas os ges-
tos do momento em que o esboço é feito ou os gestos de quando os
caracteres são trabalhados. ao contrário, eles propõem gestos que vão
assumindo diferentes papéis,que partem de um mesmo corpo: são gestos
em processo, pois estão em construção. Dialogam com os gestos que já fo-
ram e aqueles que serão, pois encontram-se entre um ponto de partida
(intenção) e um ponto final (nesse caso, o desenvolvimento digital de
uma fonte, com caracteres, diacríticos e numerais).
[ 116 ]
figura 4.2
Paulo Chagas e Laura Lotufo
em apresentação de seu
na disciplina de Design de
Tipos, em 2010.
figura 4.3
Aspectos da família Nassau,
variações do A em caixa-baixa
os caracteres em caixa-baixa,
caixa-alta e versalate; e as
letras.
figura 4.4
[ 117 ]
nos trabalhos apresentados durante a avaliação final, pelos então
estudantes paulo Chagas e laura lotufo, percebe-se que, por serem pro-
jetos de final de curso e terem duração de um ano, apresentam maior
complexidade. são fontes de texto que envolvem questões de leitura-
bilidade (facilidade de leitura da fonte em textos de grande extensão)
e legibilidade (facilidade de reconhecimento individual do caractere)
em corpos menores (em geral, de 10 pt a 12 pt3). Mais tarde, ambas as
famílias (isidora e nassau) foram aplicadas a projetos editoriais4. laura
lotufo partiu de estudos do que é considerado o primeiro livro feito
no Brasil, impresso pelo português antonio isidro da fonseca, em sua
gráfica no Rio de Janeiro, em 1747, e da fonte aí utilizada5. O trabalho
incluiu pesquisa bibliográfica, observação e levantamento dos carac-
teres existentes no impresso, adaptação dos caracteres para que fun-
cionassem como fonte digital, além dos estudos de espaçamento e do
kerning6. É interessante notar que a escolha de uma família tipográfica
de texto (batizada de ‘isidora’) por lotufo ecoa em seu trabalho em um
estúdio de design gráfico, que lida com design editorial.
Já paulo Chagas (2010) projetou uma família tipográfica de texto para
aplicações editoriais7. para tanto, fez uma pesquisa envolvendo algumas
fontes utilizadas e reconhecidas no mercado editorial e elegeu alguns pa-
râmetros para um ‘bom design’ a partir daí: com serifa, traço modulado,
com baixo e médio contrastes e eixo variável. segundo ele:
[ 118 ]
figura 4.5
De cima para baixo,
Em seguida, os caracteres
impresso, a vetorização a
Lotufo (2010).
[ 119 ]
em cada letra) fazendo com que a letra pareça maior; a
horizontalidade reforçada pelas serifas um pouco mais
largas; ascendentes e descendentes mais curtas, bem como
menores caixas-altas, para se relacionarem melhor com as
caixas-baixas [...] e um contraste mais alto [...]
(CHAGAS, 2010).
[ 120 ]
4.2 workshops
Em dezembro de 2013, realizei dois workshops com estudantes do cur-
so de Design, na Universidade presbiteriana Mackenzie, onde leciono.
Havia feito um em outubro do mesmo ano, em um evento que a univer-
sidade chama de Mackenzie Day e que consiste em um dia de divulga-
ção da universidade para interessados em conhecer sua estrutura física e
seus cursos. nesse evento, são promovidas diversas palestras e workshops
nas unidades da universidade. Ofereci um workshop de criação de letras,
em três turnos, com o objetivo de fazer que as pessoas começassem a ver
as letras e suas características como transmissoras de uma mensagem.
isso acontecia por meio da observação de uma referência tipográfica e
de sua customização, explorando os atributos formais com lápis e papel
manteiga. a organização desse workshop serviu de experiência para aque-
les que serão descritos9, com alunos da universidade.
para que esses workshops pudessem ser mais bem aproveitados, li-
mitei o número de vagas (seis), divulgando-os para poucos alunos, e,
assim que essas vagas foram preenchidas, encerrei a divulgação. Os
workshops aconteceram nos dias 2 e 10 de dezembro e tiveram duração
de 3 horas (das 18h30 às 21h30). Os alunos estavam no quarto, quinto e
sexto semestres, e já haviam cursado as disciplinas de Tipografia10, pro-
jeto i – identidade Visual, projeto ii – Design Editorial, entre outras,
[ 121 ]
ou seja, eram alunos que já haviam passado da metade do curso e ti-
nham mais repertório de design gráfico em termos de prática projetual.
as idades variavam entre 19 e 25 anos.
Meu objetivo com os workshops era investigar os gestos na escrita
com os alunos, por meio do contato com uma parte prática do universo
gráfico das letras. aproveitei a experiência dos workshops de que havia
participado, do acompanhamento da disciplina de Design de Tipos/faU
-Usp e do que já havia pesquisado a respeito do corpo e do aprendizado.
Repetição da caligrafia, experimentação em escala e materiais, expressão
pessoal a partir da proposta foram alguns dos pontos chaves do workshop.
Eles tinham a seguinte estrutura:
• breve introdução da pesquisa do doutorado;
• considerações sobre as diferenças entre caligrafia, letreiramento e
design de tipos;
• um resumo geral da história da escrita após o século XV: os tipos
móveis, as consequências para a caligrafia nos séculos seguintes; a
influência do bico de pena; o crescente afastamento do tipos caligrá-
ficos, buscando formas mais autônomas; a revolução industrial e sua
influência na forma das letras; a litogravura no fim do século XiX e
algumas características da tipografia moderna e pós-moderna11.
a parte prática foi baseada em palavras-chaves, nesta sequência:
aprender, apreender, explorar. a ideia foi começar a trabalhar com a caligra-
fia para, depois, a partir desses resultados, fazer lettering/letreiramento,
modificando tais formas.
Em ‘aprender’, o objetivo era conhecer a estrutura por meio da ca-
ligrafia, utilizando a pena quadrada. Os participantes aprenderam sobre
o ductus, ângulo de inclinação, pauta caligráfica. Usei como materiais as
letras e o ductus, da apostila de andréa Branco. Como era um workshop de
três horas, limitei-me à escrita das palavras barco e proa, pois, com suas
letras, poderiam ser geradas várias palavras, além de elas terem uma as-
cendente e uma descendente, o que evidencia a relação com o corpo da
letra e a pauta caligráfica. a letra utilizada não tinha serifa, o que pensei
facilitar o processo. foram dadas as seguintes instruções, ressaltando o
aspecto mais estrutural:
[ 122 ]
figura 4.6
Base dada para os
escaneadas as letras
presentes na Apostila
de Andréa Branco
e adaptadas com as
Atividade [Aprender]
- Escrever as letras, segundo a ordem das peças;
- preocupar-se com a estrutura; depois com o espaçamento;
- repetir inúmeras vezes! (MIYASHIRO, 2013).
Atividade [Apreender]
- Com a mesma estrutura, variar a combinação das mesmas
letras, formando/inventando outras palavras, como plac,
arco, coar, roca, croa, roca, bobo, boba, paçoca, arpo, bar...
(MIYASHIRO, 2013).
É na escrita dessas palavras que, junto a cada letra, pelo seu ductus,
o corpo cria coreografias completas a cada palavra escrita: as categorias
labanianas de ‘peso’, ‘Tempo’ e ‘fluxo’ marcam coordenadas, influencian-
do o movimento do sistema mão-braço; a visão atua como orientadora.
na força (‘peso’) descobre-se a intensidade certa; é no deslizar da pena
sobre o papel, em um ‘Tempo’ nem muito lento, nem muito rápido, que
se deve sentir e apropriar a escrita; é na compreensão do ‘fluxo’ livre da
construção de suas peças e da formação das palavras que o corpo reforça
o aprendizado, corporificando o conhecimento caligráfico.
nessa etapa, eles utilizaram a pena quadrada com tinta de caligra-
fia japonesa sumi, mas pedi que experimentassem também com a caneta
paralell pilot, que funciona com cartuchos de tinta independentes. a
paralell oferece a possibilidade de um fluxo mais contínuo na escrita
das letras, uma vez que não exige carregamento de tinta a cada peça ou
[ 123 ]
figura 4.7
Alunos no workshop, na
(à esquerda) segura a
figura 4.8
Danilo na etapa
‘Apreender.
figura 4.9
Bárbara, em repetições
[ 124 ]
sequência de letras12. isso também permite que a mão esquerda ajude a
dar mais firmeza no papel ou, simplesmente, a direcionar mais o olhar,
propondo um enquadramento. Já com o uso da pena, uma das mãos pode
manter a tinta mais próxima da mão que escreve13.
O acompanhamento dos alunos foi feito ao longo do workshop14 (ver
o vídeo 03 no CD anexo). na fase ‘aprender’ (fig. 4.7) havia dificuldade
em manejar a pena no ângulo correto. Em ‘apreender’ (fig. 4.8), o fato
de haver mais palavras adicionou variedade e, dependendo da palavra,
descontração, especialmente com onomatopeias, como ploc, plac.
na fase ‘Explorar’, os alunos deveriam experimentar diferentes pos-
sibilidades utilizando a pena ou a paralell, ou seja, explorar as suas af-
fordances. Distribuí fotocópias de várias referências de letreiramento e
fontes, com serifas variadas, expandidas e condensadas, e com variação
de altura x.
Atividade [Explorar]
- Escolher três palavras e procurar, pela observação dos
exemplos dados, possibilidades de modificar a forma pela
caligrafia;
- Adicionar diferentes tipos de serifa, expandir, condensar,
aumentar/diminuir a altura X são algumas das possibilidades
(MIYASHIRO, 2013).
Atividade [Lettering]
- Escolher três palavras já trabalhadas para o redesenho com
o papel manteiga. Novamente, utilize as referências para criar
uma identidade/conceito nessas palavras;
A expansão em formas irregulares agora será permitida;
Escolha um e finalize, procurando corrigir imperfeições e
melhorando o desenho (MIYASHIRO, 2013).
[ 125 ]
[ 126 ]
figura. 4.10
[nesta e na página
anterior]
Alunos na fase do
caligrafia.
[ 127 ]
as variações feitas pelos alunos propuseram diferentes direções.
Há trabalhos com referências à caligrafia praticada, e outros que se afas-
tam dela, utilizando a linha de contorno do desenho para retrabalhar de
forma mais radical. a observação de referências já existentes alimentou
a criação de alguns dos trabalhos, com a adição de floreios ou com atri-
butos formais distintos daqueles derivados da caligrafia (fig.4.11 a 4.14).
ao final do workshop, dei início a um bate-papo com os alunos para
que eles expressassem sua percepção a respeito do que tinham feito e do
trabalho dos colegas. Também pedi que mostrassem seus resultados –
aquilo que considerassem mais interessante em seu processo. Os comen-
tários variaram entre a experiência da caligrafia e a do letreiramento. a
caligrafia ficou reforçada como um aprendizado da ‘forma correta’, de
traçar pelo ductus – propondo uma experiência prática, que reforçou as
relações entre o instrumento, a angulação, o ductus e a pauta caligráfica.
Também aprendi com a parte teórica, tem muita coisa que achei
que era de uma vez só, e eram duas. Eu nunca fiz nada [nenhum
curso], eu olhava na internet e tentava fazer, gostei muito mais
do embasamento teórico [Lucas].
[ 128 ]
figura. 4.11
Alguns do resultados
apresentados na fase
final do workshop.
[ 129 ]
figura 4.12
Estudos de letreiramento
de Natália.
figura 4.13
Estudos de caligrafia e
letreiramento de Valéria.
figura 4.14
Estudos de
letreiramento de Lucas.
[ 130 ]
figura 4.15
Acompanhamento de
alunos no segundo
workshop.
[ 131 ]
Eu acho que deu para ter uma ideia do passo a passo, né. Eu
mesmo me perguntava o significado do lettering, não sabia o
que era isso. Então primeiro você faz o desenho e depois você
deixa ele mais caprichado, você faz refinamentos, põe papel
manteiga em cima, eu acho que isso foi legal para ter uma ideia
do processo [Valéria] (IBIDEM).
15. a aluna tinha feito um workshop rápido (com duas horas de duração) com
Cláudio Gil em outubro de 2013
16. Como na primeira vez, havia penas quadradas e 3 canetas paralell pilot.
Optei por distribuir a paralell pilot, para que houvesse mais tempo no de-
senvolvimento do letreiramento.
[ 132 ]
figura 4.16
Imagens da fase do
escalonamento com
madeira balsa e do
lettering.
[ 133 ]
[ 134 ]
figura 4.17
Imagens do processo
desenvolvido no
workshop.
[nesta e na página
anterior]
[ 135 ]
paralell (2.4 e 3.8 mm). nenhum dos alunos gostou do marcador, como
me disseram posteriormente, mas a madeira balsa foi uma surpresa: eu a
havia escolhido pela facilidade de cortar várias larguras de pontas, e os
três alunos falaram positivamente da experiência.
É interessante notar que, à medida que o tamanho aumenta, o siste-
ma mão-braço é direcionado mais pelo braço e pelo antebraço, ao con-
trário de quando a pena é menor e exige maior trabalho de coordenação
fina da estrutura da mão e dos dedos. as propriedades físicas do material
também ajudam: a madeira balsa é leve e seu toque é macio. no tamanho
de 100 mm, era preciso fixar o papel, exigindo o uso da mão esquerda, o
que atrapalhava um pouco o fluxo do movimento.
na fase do letreiramento, os alunos escolheram as caligrafias feitas
com a ponta de madeira balsa de 17.5 mm.
ao final do workshop, pedi aos alunos que dessem sua impressão a
respeito da experiêcia e dos trabalhos realizados. O tema ‘aprendizado’
manifestou-se na fala deles, quando mencionaram a repetição e o pro-
cesso processo criativo de cada um no letreiramento. lucas ressaltou que
achava certo começar pela base, a caligrafia:
Toda vez que aprendi alguma coisa foi muito assim... [como]
no caratê, a gente treina muito, muito, o básico, para depois
fazer o resto. Eu acho que essa metodologia é a mais certa.
Firmar a raiz da planta para depois fazer o tronco. [Lucas]
(WORKSHOPS, 2013).
[ 136 ]
se adaptar com isso. E daí quando a gente passou para
o lettering, pelo menos eu senti que eu consegui levar
um pouco dessa movimentação do braço para fazer o
lettering, dessas curvas e tal...
[sobre a madeira balsa] achei mais gostoso, mais
divertido. E tem também um pouco da textura também.
[Júlia] (WORKSHOPS, 2013).
[ 137 ]
figura 4.17
Resultados apresentados
no segundo workshop:
e arco (Júlia).
isso pode ser visto como uma aproximação com o elemento material
água, segundo a teoria da imaginação de Bachelard. a água, que con-
duzia a caligrafia, se misturou à terra, tentando reproduzir aquela pri-
meira gestualidade.
apesar de haver detalhes a serem refinados nos trabalhos (maior
identidade em alguns caracteres, contrastes a serem mais bem desen-
volvidos), eles representam uma apropriação do que foi passado em
menos de três horas. percebe-se que o envolvimento – algo fundamen-
tal para o aprendizado – foi um aspecto presente nos três participantes,
do começo até o final do workshop.
Os resultados de ambos os workshops ensejaram considerações a res-
peito de uma eventual disciplina de criação de letras, da necessidade
de fazer algo prático, que se aprendesse pela experiência manual, e que
envolvesse a experimentação de materiais e suportes. Essa disciplina
foi implementada no segundo semestre de 2014, no curso de Design da
Universidade presbiteriana Mackenzie, e é dela, da experiência e dos
resultados, que falarei na próxima seção.
[ 138 ]
4.3 Oficina de Criação de Letras
Esta oficina foi oferecida como uma disciplina optativa para alunos
do terceiro semestre do curso, no segundo semestre de 2014. Embora no
projeto pedagógico ela seja optativa para alunos do terceiro ao sexto
semestre, nesse semestre letivo, por conta de equivalências de uma grade
antiga para a nova, a disciplina foi optativa17 somente para alunos do
terceiro semestre ou em situação especial18.
não houve registro fotográfico ou em vídeo no curso da disciplina,
por uma questão ética. no caso dos workshops, eram atividade extracurri-
culares, gratuitas e o material era todo cedido por mim; os alunos sabiam
que a produção do workshop poderia ser utilizada nesta tese e assinaram
um termo de consentimento livre-esclarecido em que evidenciavam isso.
Já na disciplina, que os alunos pagam para cursar, me pareceu impositi-
vo e não ético pedir qualquer autorização de registro logo no início das
aulas.
na ementa da disciplina constava “Estudo de diferentes formas de
expressão e técnicas de configuração das letras e seus espaçamentos.
Experimentação de técnicas de caligrafia, letreiramento, estêncil. in-
trodução ao processo de design de tipos: da configuração do conceito
à vetorização” (MaTRiZ, 2014). as aulas tinham, em geral, uma parte
expositiva e outra prática, e, às vezes, dividiam-se entre o laboratório
de computação gráfica e a sala de aula, dependendo da atividade. a
disciplina durou 17 semanas, e houve aulas em 14 delas, assim, havia
necessidade de impor um ritmo mais intenso logo no início. alguns
alunos desistiram ou passaram para outra disciplina optativa, restando
cerca de 20 alunos na lista final.
para o conteúdo programático, aproveitei a experiência da pesquisa
que embasou esta tese, especialmente a parte realizada em campo, para
propor as atividades e os trabalhos a serem entregues. a profa. Zuleica
schincariol sugeriu o trabalho com estêncil, o que se revelou importante
para pensar em questões como a identidade do alfabeto, o espaçamento,
17. Os alunos podiam escolher entre a oficina de criação de letras e uma ofici-
na de cartazes.
18. Como o aluno vindo de lisboa, pedro Vaz, que fazia intercâmbio no mo-
mento; a aluna nicolle Turbiani, que veio transferida de outra faculdade,
matriculada no quinto semestre, mas cumprindo a disciplina como equi-
valência; e Thiago Han, aluno do segundo semestre, que optou por fazer a
disciplina para cobrir uma ‘janela’ em sua grade.
[ 139 ]
figura 4.18
Resultado de exercício
introdutório.
[ 140 ]
Ken Barber, mencionado no capítulo 03. a partir de referências tipográ-
ficas (alfabetos em caixa-alta e em caixa-baixa, com fontes como Univers
e Helvetica), os alunos deveriam escrever seus nomes ou apelidos e, por
meio do estudo de alguns tipos e letreiramentos, propor modificações,
copiando e desenhando no papel manteiga.
foi um primeiro contato com as letras, feito em uma única aula.
Esse exercício propunha o que seria trabalhado ao longo do semestre: a
criação de letras e seus atributos formais. Também apresentava a cons-
trução como modo de criar as letras. nos exemplos reproduzidos aqui,
percebem-se não apenas algumas tentativas de criar composições com as
letras (variando em caixa-alta e caixa-baixa), mas também de impor algo
mais pessoal às letras, como o arredondamento dos terminais e a exten-
são de alguns deles (Vivian), os floreios (Jaqueline) e as serifas, o outline e
os terminais levemente arredondados (Raphael) (fig.4.18).
nas primeiras semanas, houve prática de caligrafia na sala de aula,
em que acompanhei a escrita dos alunos. foram feitas duas mãos: uma
mais básica, sem serifa (baseada na dada por andréa Branco), e outra, a
mão fundamental, feita por Edward Johnston. Os alunos foram encora-
jados a praticar em casa.
além das aulas de caligrafia, no início, fizemos um exercício proposto
pela profa. Zuleica schincariol na antiga disciplina de Tipografia19, no qual
uma tabela de 3 × 3 quadrados deve destacar 9 dos principais atributos for-
mais de uma fonte, ressaltando pequenos detalhes, como uma serifa, uma
linha que apresenta grande contraste etc. O uso do computador permitiu
rapidamente a ampliação de detalhes das fontes, como uma 'ampliação' do
olho, que seleciona algo de uma paisagem geral e a detalha com nitidez. É
um exercício de aprendizado que pode contribuir para os gestos da escrita,
uma vez que amplia o repertório visual e sensibiliza para detalhes que pode-
riam passar despercebidos.
O segundo trabalho foi criar um letreiramento a partir da caligrafia.
Os alunos deveriam escolher uma palavra e escrevê-la diversas vezes (fig.
4.19). Como havia sido feito nos workshops, a caligrafia com a pena foi
seguida do uso de diferentes tamanhos de madeira balsa, bem como da
experimentação de outros instrumentos, condensação, expansão etc. O
trabalho foi iniciado em sala de aula para acompanhamento e, depois, os
alunos tiveram mais duas semanas para sua finalização em casa.
[ 141 ]
figura. 4.19
Algumas páginas de
[ 142 ]
Devido à prática da caligrafia já há algumas semanas, os resultados em
geral foram bastante satisfatórios, mostrando comprometimento. segun-
do o depoimento dos alunos, a caligrafia teve lugar de destaque. Muitos
afirmaram que ela foi parte especial da disciplina e que gostaram de ter
caligrafado – o que também reverbera com o que os alunos do primeiro
workshop mencionaram: a necessidade de algo prático quando o assunto é
o universo das letras no design gráfico.
Otávio, um dos alunos, ressaltou que não esperava que a oficina fosse
algo prático: ”achei que a gente fosse só ver sobre o assunto [...]. achei le-
gal você ensinar a usar a madeira balsa, os processos de construir a letra...”
(OfiCina, 2014). “Entender a caligrafia como um princípio da tipografia,
essa coisa do treinar... achei que isso foi bem legal, bem produtivo” (Ofi-
Cina, 2014), disse João. pergunto à turma se eles sentiram que a caligrafia
mudou enquanto faziam e escuto um coro dizendo um forte “sim!”.
Uma das alunas, Thaís, disse que achou interessante saber que as
letras deviam seguir determinada inclinação (30º, por exemplo). Ela
havia descoberto que se fizesse a caligrafia de forma lenta, pensando
muito em sua construção, a letra não saía tão bem: “na hora em que
você pega o ritmo, você vai rápido e sai mais perfeito que se você fizer
devagar” (OfiCina, 2014). É interessante tal colocação, pois ela leva a
pensar no fluxo da caligrafia, o movimento da mão ao fazer o ductus.
significa uma corporificação da ordem de fazer a letra, em que cada um
deve achar seu próprio fluxo, aquele em que a letra sai visualmente sa-
tisfatória, com a angulação correta, com as peças bem feitas e propor-
cionais. a cada caligrafia feita, o corpo passa a ser outro, com o reforço
da coordenação visuomotora e os circuitos que lembram as qualidades
do 'Esforço', como descritas no capítulo anterior, que devem ser impos-
tas nesse gesto. por outro lado, dois alunos ressaltaram a necessidade
de aprender como fazer outras mãos caligráficas, além das trabalhadas
durante o semestre. “a gente poderia ter visto mais aquela caligrafia,
do vídeo que você passou por e-mail20 [Cooperplate] [...]. porque na hora
que eu ia fazer, faltava a técnica para fazer... porque você não sabe a
forma de usar a caneta, porque às vezes você está traçando ela prende,
espirra a tinta”, diz Otávio. Vivian concorda, rindo: “não dá, não dá
para fazer!...”. (OfiCina, 2014,).
20. são referências que passei por e-mail, entre elas um vídeo que mostra como
fazer a mão Cooperplate.
[ 143 ]
Quanto a trabalhar com uma estrutura feita a partir da caligrafia
– em vez de criar em cima de algo livre, sem referência –, nicolle me
responde que a experiência valeu a pena:
21. Uma licença ‘aberta’, que permite o uso livre, como a do sistema operacio-
nal linux.
[ 144 ]
figura 4.20
Algumas páginas de
caligrafia e estudos de
letreiramento feitos no
[ 145 ]
Quando perguntei o que tinham achado desse trabalho, os alunos
responderam que foi uma proposta interessante. Ressaltaram que, pela
temática social, o fato de ser em grupo reforçava a discussão, além da
distribuição do trabalho. Um dos grupos, por exemplo, queria trabalhar
com a legalização do consumo da maconha. nos atendimentos, chegou-
se à conclusão de que a proposta mais interessante seria provocar
discussões com as diferentes palavras relacionadas ao status da maconha:
regulamentação, descriminalização e legalização. O processo se deu de forma
colaborativa a partir do esboço de um aluno (João paulo), que exigiu a
lapidação de um alfabeto que era mais fantasia (e remetia ao letreiramento
psicodélico) a um que transmitisse a mensagem de forma mais direta e
ainda assim tivesse uma identidade interessante (fig. 4.21).
a criação das letras, em vários grupos, implicou o redesenho das
letras na etapa do recorte a laser, pois, devido às limitações de software,
alguns tiveram que rever o desenho feito. É interessante que esse projeto
tenha envolvido diferentes etapas (analógicas e digitais) para alcançar a
materialização do estêncil, propondo diferentes gestos a cada uma.
O quarto e último trabalho era um projeto livre (três a quatro se-
manas), cujo enfoque principal deveria ser a criação de letras. pedi uma
apresentação digital inicial em que mostrassem o tema, projetos simila-
res e um caminho metodológico para o trabalho. a partir dela, foi feito
um atendimento individual e, nas outras semanas, os alunos desenvol-
veram os trabalhos.
Os resultados, como um todo, ressaltam a diversidade dos alunos e
seus gestos. Eles podem ser divididos especialmente em três categorias:
desenho de alfabetos (fig.4.22), letreiramento (fig.4.23) e desenhos liga-
dos à identidade visual (fig.4.24).
na conversa final, perguntei se preferiam desenhar à mão ou no
computador, a maioria respondeu que ‘à mão’ era melhor. Dos que res-
ponderam ‘no computador’, cabe mencionar que usam mesas digitaliza-
doras, o que propõe uma experiência mais próxima do desenho à mão.
a opção pelo desenho analógico parece refletir-se também no conjun-
to dos trabalhos como um todo: alguns dos trabalhos apresentados têm
qualidade superior em sua versão feita à mão e perderam a espontanei-
dade dos gestos que o geraram quando foram digitalizados e finalizados.
Uma questão aparece aqui e deve ser melhor investigada posterior-
mente: a transposição do gesto analógico para o gesto que utiliza mídias
[ 146 ]
figura 4.21
Exemplos de estêncil.
[Pedro]
[ 147 ]
digitais. Mais do que uma questão de instrumentalização22, parece que
deve haver o desenvolvimento de um olhar mais completo e o reconhe-
cimento de que a visão na tela (produzida por cor luz direta, projetada
em um monitor sobre uma mesa) pode ter resultados diferentes na visão
em um suporte analógico, como a impressão de um papel (que reflete
a cor pigmento do impresso). são poucos os alunos que imprimem, ao
longo do processo de digitalização, cópias de seu trabalho para checa-
gem – em geral, só o fazem na etapa final. isso permitiria uma etapa a
mais de refinamento nos vetores, para que ficassem mais harmônicos em
seu conjunto, com curvas e linhas bem vetorizadas. Um exemplo em que
isso fica mais evidente é o das provas impressas pregadas nas paredes,
na disciplina Design de Tipos na faU-Usp: elas provaram ser frutíferas,
considerando os comentários da professora responsável e dos colegas.
para um próximo semestre, uma possibilidade é ampliar o prazo de de-
senvolvimento dos trabalhos, atrelando a atendimentos com cópias im-
pressas, a fim de que os alunos tomem consciência da diferença entre os
processos analógicos e os digitais.
De modo geral, percebem-se alguns problemas de espaçamento
e consistência na identidade e nos atributos formais nos trabalhos
apresentados. no entanto, considerando que houve pouco tempo
para a produção e os atendimentos23, eles demonstram uma apropria-
ção pessoal do universo das letras dentro do design gráfico. Muitos
dos alunos mostraram, durante o processo, duas coisas fundamentais
para o aprendizado: o interesse, como já observado nos workshops,
que leva ao comprometimento, e as tentativas de acerto. isso se mostrou na
apresentação de estudos de mãos caligráficas, não ensinadas durante
a disciplina (Otávio, Tainá, Jaqueline); na insistência em buscar no
gestual caligráfico um símbolo de identidade (nicolle); na abstração
do processo caligráfico para a geração de um logotipo (João); e na
elaboração de trabalhos que misturassem ilustração e letras, por meio
do letreiramento.
22. a maioria dos alunos teve, no semestre anterior, uma disciplina de com-
putação gráfica inteiramente voltada para a vetorização no software Adobe
Illustrator.
23. Em novembro houve feriado e uma premiação no Museu da Casa Brasileira
(MCB), à qual os alunos compareceram. Devido a problemas no equipa-
mento, alguns grupos entregaram o trabalho do estêncil em meados desse
mês, o que atrapalhou também o desenvolvimento do último trabalho
[ 148 ]
figura 4.22
Trabalhos finais:
criação de alfabetos.
[Raphael]
[Bruno]
figura 4.23
Trabalhos finais:
letreiramento.
[Luiza, Débora]
[Karina
[ 149 ]
figura 4.22
Trabalhos finais:
relacionados à
identidade visual.
[Jaqueline]
[João Pedro]
[Tainá]
[Otávio]
[Nicolle]
[ 150 ]
[ 151 ]
O fato dos trabalhos oferecerem propostas diferentes, utilizando ca-
ligrafia, letreiramento, estêncil, tipografia, suportes analógicos e digitais,
faz com que o corpo de cada um dos alunos aprenda a 'dar vazão' aos
próprios devaneios, recordando a teoria da imaginação de Bachelard. na
materialização das intenções desses gestos, cada abordagem pede um
corpo que seja sensível aos devaneios que são suscitados – e que esteja
disposto a aprender, como se vê no retorno positivo com os exercícios de
caligrafia e nos atendimentos dos trabalhos.
Chama a atenção o fato de alguns alunos já apresentarem, em seus
trabalhos, um modo de expressão do ser. penso na Karina, que aprovei-
tou os trabalhos da oficina para reafirmar sua identidade: no primeiro
trabalho, escolheu a palavra preto para refazer; no do estêncil escolheu
uma mensagem que afirmava que todos, independentemente de etnia,
são iguais; e no último fez um letreiramento para a expressão black music.
penso no Otávio, aluno que fazia sketches com letras e mostrou interesse
e evolução consideráveis, tanto na caligrafia quanto na finalização di-
gital dos trabalhos. penso na luiza, que procurou expressar o feminino
em seus trabalhos, não poupando uma busca constante em fazer melhor.
Esses são apenas alguns exemplos, em meio a tantos outros, pois poderia
falar da nicolle, do Bruno, dos dois Joãos...
Os gestos, nesse sentido, se fazem a partir do que cada um dos alu-
nos é. sua coordenação motora, sua afetividade, sua leitura de mundo,
entre tantos outros aspectos. Eles apontam para a vivência e a expressão
do ser no mundo, o tema do Capítulo 5.
[ 152 ]
Gestos e mundo
[ capítulo 5 ]
O filósofo Giorgio agamben1,
no texto “notas sobre o gesto” (2008), pro-
põe que ele seja pensado como medialidade, isto é, mais do que o fim em si
é o meio – e o ser que se coloca nesse intervalo – que importa. para chegar
a essa proposição, agamben começa declarando que, no fim do século XiX,
“a burguesia ocidental já tinha perdido seus gestos” (aGaMBEn, 2008).
É uma burguesia que perdeu seu rumo, seu sentido2 3. ao mesmo tempo
que isso acontece, surge o cinema, e é por ele que a burguesia busca rea-
propriar-se daquilo que perdeu e registrar a sua perda. É o cinema como
tentativa de recuperação dos gestos, por meio de suas imagens, formadas
pelos fotogramas.
não por acaso, agamben também cita o trabalho de aby Warburg
(1899-1929)4, que reuniu em seu Atlas Mnemosyne imagens diversas a par-
tir de recortes e fotografias, agrupadas por tema. nesse agrupamento
de imagens, pode-se encontrar, segundo o filósofo, uma virtualidade do
movimento que se aproxima do cinema. interessa ao autor a potência
que as imagens permitem, e, para tanto, ele evoca o que Deleuze chama
de images-mouvement, ou imagens movimento. nos fragmentos que fazem a
imagem em movimento, há uma polaridade: de um lado, eles anulam o
[ 153 ]
Figura 5.1
Trabalho de Aby
Warburg, Atlas
Mnemosyne, Painel
45 (“Superlativos
da linguagem dos
gestos”) [1927-29]
(MNEMOSYNE, 2014).
gesto; de outro, conservam sua dynamis. nesse sentido, o autor diz que
há uma potência de ação (movimento) nessas imagens e, porque valoriza
esses instantes-potência, “o cinema reconduz as imagens para a pátria do
gesto” (aGaMBEn, 2008). O filósofo diz que o cinema, por ser centrado
no gesto e não na imagem, pertence essencialmente à ordem da ética e
da política, e não apenas à da estética (aGaMBEn, 2008).
Com essa reflexão, que parte do cinema e relaciona sua potência ao
gesto, agamben falará um pouco do gesto como medialidade, citando
Varrão5. O filósofo antigo inscreve o gesto na esfera da ação, mas denota
algumas diferenças de sentido. pode-se fazer algo e não agir – o poeta,
por exemplo, faz o drama, mas não age [agere] [recitar uma parte]. Já o ator
age o drama, embora não o faça. Um age e não faz, o outro faz, mas não
age. Um terceiro sentido complementa o pensamento de Varrão, aquele
utilizado pelo magistrado investido de poder supremo, na expressão res
gerere [cumprir algo, no sentido de apreendê-la em si, assumir-lhe a in-
teira responsabilidade]. O magistrado, nesse caso, nem age, nem faz, mas
gerit, ou seja, suporta, é responsável por alguma coisa (aGaMBEn, 2008).
5. Marco Terêncio Varrão (península itálica, 116 a.C.-27 a.C.), filósofo romano.
[ 154 ]
segundo agamben (2008), os gestos não estariam limitados nem
ao fazer, nem ao agir. Eles não seriam um meio para alcançar um fim,
nem um fim em si mesmo, sem meios. Estariam mais relacionados ao
gerit – indicando um apoio, um suporte, ressaltando os meios sem um
fim, ou seja, o que importa são esses instantes que fazem o meio, e
não necessariamente o fim, a finalidade. isso porque, assim como nos
fotogramas do cinema, em cada um dos quais há potência, existe, na
medialidade do gesto, o homem: “O gesto é a exibição de uma mediali-
dade, o tornar visível um meio como tal. Este faz aparecer o ser-num-
meio do homem e, desse modo, abre uma dimensão ética” (aGaMBEn,
2008). nesse sentido, para agamben, os gestos, mais do que a descrição
de uma ação, referem-se sobretudo ao ser que é na medialidade. “O
gesto é, neste sentido, a comunicação de uma comunicabilidade. Este
não tem propriamente nada a dizer, porque aquilo que mostra é o ser-
na-linguagem do homem como pura medialidade” (aGaMBEn, 2008).
Os gestos não são apenas uma ação – eles estão em um intervalo maior,
que está ligado ao ‘ser-num-meio’, ou seja, à vivência e às decisões
desse homem no meio. O caráter ético dos gestos, nesse sentido, se
desdobra em cada uma das ações do corpo, bem como em cada um dos
instantes desse corpo, criando relações com o que foi e o que será –
assim como os fotogramas de um filme. no entanto, agamben ressalta
que os gestos também se atrelam à dimensão política6: “a política é a
esfera dos puros meios, isto é, da absoluta e integral gestualidade dos
homens” (aGaMBEn, 2008), ou seja, os gestos incluem uma dimensão
ética (pessoal) e política (coletiva). a essência dos gestos consiste, para
o filósofo, em aceitar sua medialidade, valorizando o ser que aí é e está.
Como pensar esse ser-num-meio quando ele lida ou realiza algo?
parece possível dialogar com Martin Heidegger (2007), a partir dessa per-
gunta, quando ele medita a respeito da essência da técnica. no contexto
de um mundo de inovações tecnológicas, que se mostraram cada vez
mais aceleradas, sobretudo no século XX, Heidegger propõe que se reflita
sobre a técnica, não por meio de sua instrumentalização7, mas a partir
de sua essência.
[ 155 ]
Como ponto de partida, Heidegger afirma:
[ 156 ]
O produzir leva do ocultamento para o descobrimento. O trazer
à frente somente se dá na medida em que algo oculto chega
ao desocultamento. Este surgir repousa e vibra naquilo que
denominamos o desabrigar [...].
O que a essência da técnica tem a ver com o desabrigar?
Resposta: tudo. Pois no desabrigar se fundamenta todo
produzir. Este, porém, reúne em si os quatro modos de
ocasionar – a causalidade – e os perpassa dominando. A seu
âmbito pertencem fim e meio, pertence o instrumental. Este
vale como o traço fundamental da técnica. Questionemos
passo a passo o que a técnica representada como meio é em
sua autenticidade e então chegaremos ao desabrigar. Nele
repousa a possibilidade de todo aprontar que produz algo.
A técnica não é, portanto, meramente um meio. É um modo
de desabrigar. Se atentarmos para isso, abrir-se-á para nós
um âmbito totalmente diferente para a essência da técnica.
Trata-se do âmbito do desabrigamento, isto é, da verdade
(HEIDEGGER, 2007).
[ 157 ]
Mas é na técnica moderna – aquela que se origina no século XVii e
é, de certa forma, aplicação prática da ciência moderna – que Heidegger
propõe uma reflexão em que o ser encontra-se em uma posição mais vul-
nerável, que pode levá-lo à perda de seu ser. Embora a técnica moderna
também tenha como essência o desabrigar, essa essência leva à armação
[Ge-stell]. segundo José Erivaldo da ponte prado:
[ 158 ]
Tanto agamben quanto Heidegger põem em evidência o ser que se
coloca no mundo. nos gestos da escrita, esse ser manifesta-se de diversas
maneiras, mas em uma delas em especial: é quando devolve o conheci-
mento adquirido na forma do desenho.
O arquiteto Vilanova artigas (2004), em aula inaugural na faU/
Usp, em 1967, retoma o conceito original da palavra desenho no Renasci-
mento italiano para, a partir daí, falar de arte e técnica. nesse período,
o homem, diante do mundo que se expandia e propunha conhecimen-
to, examinava a natureza ao seu redor e elaborava planos para colo-
cá-la a seu favor – e fazia isso por meio do desenho. O arquiteto cita
leonardo da Vinci como um homem, tanto engenheiro quanto artista,
que se contrapõe ao dualismo, hoje presente nas relações entre arte e
técnica12. O desenho é mais que um simples traço gráfico:
[ 159 ]
senho com a palavra desígnio – a capacidade de projetar e, portanto, de
transformar o mundo:
[ 160 ]
O desenho se manifesta não apenas no plano
bidimensional, nem apenas em experimentos espaciais
lineares, mas também em toda a realização na qual ele
participa como pensamento de forma efetiva, expandindo
uma definição desgastada de desenho condicionada por
hierarquizações e categorizações artísticas, técnicas e
científicas profundamente problematizadas em nosso
contexto contemporâneo (RAYCK, 2009).
[ 161 ]
antes, porém, uma observação. a visão de agamben parece propor
um espaço-tempo que se estende na vida da pessoa, formada, por sua
vez, de pequenos intervalos, nos quais se manifesta o ser no meio. Já a
de Heidegger, embora também fale do ser-no-mundo, abre perspectivas,
quando medita a respeito da técnica, para refletir um intervalo específi-
co – quando alguém faz alguma coisa. É interessante notar que ambos os
intervalos são importantes, complementando-se e formando-se um ao
outro, reciprocamente, como se pode perceber a seguir.
13. Pixação, grafado com “x”, é uma forma de diferenciar da grafia correta, com
“ch”. Enquanto pichação remete ao ato de gravar ou riscar um muro com uma
frase ou palavra, por exemplo, os pixadores “marcam” o muro, com suas le-
tras e símbolos, de caráter mais anguloso e estilizado (ver lassala, 2011).
[ 162 ]
figura 5.2
Alguns trabalhos
de Liberato
como cartazista
(BRITO, 2014).
[ 163 ]
Há, na fala de liberato, um reconhecimento do mundo da escrita na
sua vida, que, de maneira ampla, se apresenta sob as mais diversas for-
mas (o caderno de caligrafia de quando era criança, o desenho de capas
na vida estudantil, a reprodução de graffitis) até que decide frequentar
a faculdade de design. É uma consciência que se fez pela intimidade, na
prática de transpor as letras do alfabeto romano para as diversas circuns-
tâncias de sua vida. Como vendedor da marca de roupa Ellus, liberato
conta um caso interessante:
14. são cartazes com algumas informações já impressas, como os splashes (ofer-
tae imperdível), por exemplo. Quando esses cartazes estão em falta, é normal
os cartazistas fazerem todo o layout, incluindo os splashes.
[ 164 ]
figura 5.3
da Helvetica.
figura 5.4
Alguns dos instrumentos
de Liberato para o
trabalho de cartazista
(REIS, 2014.
[ 165 ]
aí expliquei que não pode em caixa baixa, empilhado [...]
então, tomava todo um espaço vertical, tirei até uma foto,
um com a informação feita, nesse cartaz [do espaço vertical]
e outro, com a informação, [num modelo] que eu gostava...
e falei para eles fazerem diferente... e eles pararam de fazer
esse cartaz [rs]. Eles disseram: pô, legal, obrigado por essa
informação [rs] (BRITO, 2013).
[ 166 ]
figura 5.5
Imagens do processo
de TCC de Liberato
(BRITO, 2014).
[ 167 ]
Ele [o colega] apareceu lá, porque ele trabalhava em outra loja,
da mesma rede [...]. Ele sempre passava lá, conversava, dava
uns toques [...].
Ele me ensinou até a parte teórica. Falou também de todos os
cartazistas que ele já conheceu, que antigamente era diferente,
que as ferramentas eram diferentes.... que não era nem assim
[mostra o pincel atômico recarregável], nem o kit [cartazista16].
Era praticamente tudo artesanal (ibidem).
[ 168 ]
Mas é exatamente na diversidade da escrita que ele está interessado,
e isso o instiga a buscar conhecimento. Quando pergunto se não acha
muito diferente o universo da pixação, daquele dos cartazes e do racio-
nalismo presente nas identidades visuais, ele responde:
Acho que um projeto, seja lá qual for, não dá pra fazer direto no
computador [...].
Eu vi um documentário do Alexandre Wollner, que disse isso,
mas na verdade eu sempre concordei com isso. Tudo que eu
faço, um desenho, uma forma de letra, eu costumo rabiscar.[...].
Porque quando você risca no papel, uma ideia que você quer
fazer, você pode fazer vários. Em menos de um minuto, você
pode por várias ideias ali, do que no computador. Por exemplo,
vai tentar fazer uma esfera, mais ou menos assim, com o
quadrado. Para fazer isso, você já rabiscou, seu raciocínio já
está acompanhando a letra. Você já tem aquele pique.
Principalmente... para letra, se você quer fazer uma fonte, e
você não vai para o papel, como você vai ter uma noção, se
uma está maior que a outra... se for fazer no computador,
vai demorar, sei lá, 5 minutos. 5 minutos, para mim, é uma
eternidade! Acho que essa ideia do manual é fundamental!
Eu não me vejo fazendo um projeto direto no computador!
(BRITO, 2014).
[ 169 ]
Chama a atenção na entrevista com liberato o fato de que ele é uma
pessoa que faz – um fazer como o que Heidegger menciona quando fala
da mão: ele tem uma consciência que vem da prática, do fazer. ao mes-
mo tempo, o mundo da escrita ao seu redor também lhe propõe refle-
xão e ação. Como trabalho de conclusão do curso, liberato desenvolveu
uma fonte digital, que partiu de uma inspiração vernacular e resultou
em uma fonte display: a Quinta. Em alguns acompanhamentos que fiz
com ele, percebi a seriedade com que ele se portou diante desse proje-
to, já demonstrando características do ser artífice. Conversávamos sobre
identidade, espaçamento e possibilidades; e ele mostrava uma evolução
crescente na forma de pensar e desenvolver a fonte.
[ 170 ]
uma curiosidade pelo letreiramento21, da participação em foruns de dis-
cussão na internet sobre design e tipografia, por volta de 1999. Cabe dizer
que, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, formava-se no Brasil,
lentamente, uma cena tipográfica mais consistente, com a publicação de
livros de tipografia, como o de Cláudio Rocha (publicado em 2002) e de
mostras como o Tipografia Brasilis22, em são paulo. posteriormente, Gustavo
fez cursos de caligrafia com andréa Branco: “aí eu fui estudando caligrafia,
pegando gosto, aí não parei mais” (lassala, 2012).
Esse “pegar gosto” levou à criação de sua fundição digital, a BRtype,
e à busca de lançar no mercado pelo menos duas fontes, desde 200623,
totalizando cerca de 16 fontes24. É uma produção extensa; parte dela pode
ser vista a seguir (fig. 5.6) e demonstra sua variedade.
O que se percebe é que sua produção envolve especialmente fontes
Display (que apresentam identidade mais decorativa, experimental ou
não convencional) e fontes Dingbat (que apresentam desenhos, pictogra-
fias, símbolos etc.). fontes para texto que priorizem a leitura de maiores
quantidades de texto, por exemplo, não o estimulam (lassala, 2012).
“agora, para desenvolver uma fonte Display mais experimental, as pos-
sibilidades são inúmeras, daí me encanta mais. porque eu acho que fonte
para texto, para título, as que tem no mercado são muito boas” (lassa-
la, 2012).
O designer toca em um aspecto fundamental do processo de co-
nhecimento que envolve os gestos da escrita e que já foi comentado: a
motivação. Como ele mesmo diz: “Eu trabalho por estímulo, pelo que
estou com tesão no momento” (lassala, 2012). E de onde vem essa mo-
tivação? na entrevista, fica evidente que vem de um olhar apurado, que
se desdobra em vários modos de ser. nas ruas, andando por são paulo, ele
se interessa (ou é atraído) pela paisagem urbana e sua expressão gráfica;
[ 171 ]
como professor, propõe trabalhos experimentais aos alunos; como api-
cultor, envolve-se no trabalho de criação das abelhas e extração do mel;
como residente em um sítio, no interior de são paulo, cuida da horta e
de vários trabalhos manuais; como pai e marido, tem seus deveres para
com a família; como pesquisador, envolve-se na construção do conheci-
mento em nível acadêmico, trazendo leituras que transformam seu olhar
e discurso.
O designer tem consciência de onde vêm as fontes e sua inspiração:
[ 172 ]
figura 5.6
Algumas das fontes de Gustavo
figura 5.7
(2014).
[ 173 ]
figura 5.8
A fonte Montada, de
(LASSALA, 2014).
[ 174 ]
completos ou em mau estado de conservação e eram parte do acervo da
Escola do senai Theobaldo De nigris. Gustavo usava nanquim sobre eles
para guardar sua forma por meio da impressão. a ideia de uma fonte
veio só depois. Então, primeiro ele se preocupou em reunir um conjunto
de minúsculas e maiúsculas, depois completou o conjunto de caracteres
com o processo de desevolvimento tipográfico, que incluiu espaçamento
e kerning (espaçamento específico de pares de caracteres que necessitam
de um ajuste específico, como i e O).
Os gestos no design de tipos de lassala, de forma geral, envolvem
meios distintos para fazer, como lápis, caneta, máquinas fotográficas, sof-
twares de vetor etc. no caso da Montada, uma vez registrada a impressão
pelo nanquim, como se fosse um carimbo28, os originais foram escanea-
dos e levados para o software de edição de imagens photoshop, para tra-
tamento digital (limpeza e pequenos ajustes). só mais tarde é que foram
levados para o software fontlab, que é um editor de fontes. Mas esse é um
trabalho que exige cuidado, escolhas e adaptação, uma vez editados no
computador:
28. segundo lassala (2012), isso lembra o exercício de carimbo dado em algu-
mas aulas na UpM.
29. OTf (Open Type features) são características especiais do formato de fonte
OpenType. Ele permite, por exemplo, que dois caracteres, quando digitados
na sequência, assumam a forma de uma ligatura (desenho específico para o
par), assim como o uso de caracteres alternativos, entre outros.
[ 175 ]
É interessante que o fato de se envolver no processo inteiro propõe
um corpo que se adapta/responde às diferentes situações que lhe são apre-
sentadas, tal como na interação que ocorre na essência da técnica heideg-
geriana. Os gestos, nesse caso, mostram grande diversidade, pois incluem
desde as mãos que imprimem os carimbos ou fotografam, que manipulam
os softwares diversos, que trazem a impressão das provas para pendurá-las
na parede. isso, em sintonia com o olhar, que articula o que se vê/faz em
função do objetivo final, é o que gera a fonte digital. aqui, no entanto, vem
à tona um detalhe importante: mesmo o olhar é gesto, pois é movimento
do corpo com intenção, faz parte do intervalo do gesto. lembrando o que
foi dito a respeito da visão central e da capacidade de ampliar (deforman-
do) o que se vê, dando à área escolhida mais nitidez e detalhe, percebe-se
que a seleção (a escolha) acontece já aí, quando se foca em algo.
O modo de ser do designer também influencia o nome de suas fon-
tes. procurando nomes mais exclusivos, que valorizem uma identidade
brasileira (sua fundição chama-se BRtype) e eventualmente possibilitem
algum trocadilho, Gustavo mostra seu lado irreverente: surgem nomes
como Boqueta, Brocha, Tremida, pimpa, flozô.
O fato de ter consciência de seus gestos e de que o mundo se abre ao
seu olhar faz com que ele liste, ao longo da entrevista, algumas das (pos-
síveis) próximas fontes: uma baseada em pipas, pois ele gosta delas; outra
inspirada no desenvolvimento do filho; e uma calcada na observação de pi-
xações específicas que margeiam parte da Vila prudente, bairro onde mora
sua mãe. Essa consciência é fruto de alguém que se põe no mundo, e devol-
ve, em gestos, a vivência e a leitura do mundo.
[ 176 ]
uso da tipografia como instrumento de dominação ideológica e à histó-
ria da escrita, que desconsidera a contribuição de povos não brancos e
não europeus. acima de tudo, sobressai em sua fala a paixão pela escrita.
Essa paixão traduz-se em reflexões e trabalhos pessoais, que come-
çam a partir de seu percurso na faU-Usp. Da época de seu TCC nessa
faculdade até hoje, Matuck elabora o que chama de tese (não no sentido
convencional, como uma tese de doutorado), que vai se apresentando
por cadernos30, nos quais escreve à mão comentários e ilustra com tipos
diferentes de escrita caligrafada, reúne recortes de jornal e revista, im-
pressos, catálogos, fotografias31.
O caderno que começou na faU-Usp, em 1977, é todo escrito à mão,
por decisão sua: “a primeira coisa que eu resolvi é que o estudo seria
tudo em manuscrito” (MaTUCK, 2010), pois o manuscrito, segundo o ar-
tista, “tem a ideia da própria opinião pessoal” (ibidem). nele, percebe-se
que a tese envolve a história da escrita não apenas no Ocidente, mas no
mundo todo – e isso parece ser o início de algo que impregna o próprio
espírito e trabalho de Matuck:
30. “Cadernos” no sentido amplo, que inclui também uma pasta com muitos
logotipos desenvolvidos por ele, além de manuscritos que deram origem a
livros infantis.
31. pude olhar três desses cadernos enquanto conversava com o artista, dos
quais apresento alguns frames ao longo do texto. imagens adicionais do li-
vro Duas partes: a imagem escrita, escrito por Matuck e lançado em 2008, ‘bem
como referências a um ensaio de Oscar D’ambrósio presentes na obra,
também são utilizadas nesta seção.
[ 177 ]
figura 5.9
À esquerda, primeira
Matuck. Embaixo,
diversas.
filmagem da entrevista. Há
ferramentas, materiais.
impressos e presentes.
[ 178 ]
[ 179 ]
livro em branco, com apenas uma página escrita,
na qual mostrava como o homem, com o artifício
aparentemente banal de colocar a mão sobre a pedra
e soprar a terra, deixava impressa uma imagem que
refletia seu estado cultural [...]. A discussão era a de
como uma imagem trabalhada, que tinha sentido em
certo momento, tornou-se o símbolo de uma jornada: a
da escrita.
O orientador não entendeu aquilo e deixou de lado
a pesquisa, sem perceber que a grande pergunta que
ali estava era: qual é a diferença entre a expressão
daquela mão e uma imagem e uma letra?
32. Matuck tem uma relação profunda com o Oriente, especialmente com a
China, onde já esteve algumas vezes.
[ 180 ]
[...] Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem
lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa. [...] (CAMPOS, 2014).
[ 181 ]
figura 5.11
Detalhe de caligrafia
baseada em poesia de
Álvaro de Campos.
O suporte da caligrafia é
papéis diferentes.
figura 5.12
Interpretação caligráfica
a partir de João
Guimarães Rosa.
[ 182 ]
Como os Astros agregam-se
Uma Lente em cada Época
Disseminando a sua
Circunferência -
figura 5.14
Reprodução, a partir de
decalque, da caligrafia de
TODA, 2007)
[ 183 ]
figura 5.13
Imagens (cortes)
do poema de Emily
Dickson interpretado
de Rubens Matuck.
[ 184 ]
ideogramas como montanha e força se misturam com caligrafias
envolvendo o alfabeto romano, com o mesmo estilo: a pincel, com tin-
ta sumi e na vertical. a caligrafia de Wang Hsi Chi é, de fato, bastante
reverenciada no Oriente, sobretudo no estilo kaisho, que é considerado
o estilo ‘blocado’. O kaisho se distancia de outros dois estilos, cursivo e
semi-cursivo, gyôsho e sôsho, que permitem um movimento mais fluido
do braço. Talvez por isso Matuck se identifique menos com a caligrafia
de Wang Hsi Chi: a do mestre chinês exige extremo rigor e precisão;
já a sua, é variada em estilos, suportes e meios de produção, diversifi-
cando-se em vários estilos de caligrafia e letreiramento, primando pela
liberdade expressiva na escrita. Quando pergunto, ao ver muitos tra-
balhos feitos com pincel, se seu meio é o pincel, ele responde: “Eu uso
tudo: lápis de cor, pena, pincel” (MaTUCK, 2010).
Durante a entrevista, percebo que a sensibilidade do artista apa-
rece em outros gestos que não os da escrita. Enquanto folheava a tese,
Matuck, ao ver que uma das colagens havia desgrudado, pega um tubo
de cola branca e prende-a novamente, delicadamente. são segundos si-
lenciosos que mostram o cuidado que ele tem com as coisas. Depois de
me oferecer um chá chinês, ele me pergunta se quero abiu, uma fruta
que não conheço. pergunto se parece uma nêspera; ele responde, com
um leve sorriso, “é como abiu”. Em seguida, complementa: “Cada fru-
ta tem uma linguagem, tem sua personalidade” (MaTUCK, 2010). Essa
simplicidade aparece quando lhe pergunto a respeito do trabalho das
‘caixinhas’, dentro das quais Matuck guarda letras que ele mesmo faz,
de madeira, em peças: “Eu sempre fiz caixa. Eu não sei explicar racio-
nalmente. Desde criança, tenho caixa. não sei se você reparou [aqui],
tudo tem caixa... a caixa é para conter a ideia” (MaTUCK, 2010).
Diante da diversidade de escritas em sua tese, Matuck (2010) en-
contra uma boa definição para ela, comparando-a a um diário. “É um
diário, que eu vou descobrindo, marcando. a tese, a lógica dela, é meu
diário. Meu caminho de descoberta e de pensamento.” Mas também é
um registro dos seus gestos: intenções, interesses, pesquisas, modos de
materializar a escrita, escritas que são materializadas, ferramentas. na
entrevista, uma de suas frases ressoa com Heidegger, pois alia reflexão
a trabalho manual: “Uma questão que eu adoro na letra é fazer na mão.
É com ela que eu aprendo tudo” (MaTUCK, 2010).
[ 185 ]
figura 5.15
Variedade de modos de fazer
Matuck (2010).
[ 186 ]
figura 5.16
interpretação gráfica de
em sua tese.
[ 187 ]
5.4 ítacas
pode-se destacar alguns pontos a partir do que foi apresentado
até aqui. as vivências de liberato Brito Reis Jr. vão se acumulando e
sobrepondo em seu corpo e em sua história, instigando-o a perseguir
mais. O fato de lidar (ou ter lidado) com coisas distintas, como pixação,
bomb, letreiramento e, recentemente, design de tipos, sugere isso – é
antes uma vontade de perseguir seus interesses. Talvez Marian Bantjes,
citada na introdução, reconhecesse em liberato uma pessoa que ‘segue
seu coração’.
Já Gustavo lassala vem desenvolvendo um olhar que é sustentado
por seu modo de ser no mundo, devido a seus interesses variados – de
abelhas a pixação –, unificando nas fontes que desenvolve as coisas que
‘acha’ e unindo seus interesses em fotografia, desenho e ilustração.
O aprendizado, marca do artífice, aparece em cada uma das páginas
da tese de Rubens Matuck, apresentando-se de diversas formas, seja por
fontes externas (jornais, livros etc.), seja por meio de seu trabalho. assim
como a tese registra um conjunto de gestos, pode-se vê-la como uma re-
presentação da medialidade de que fala agamben, sendo fruto de como
esse ser-num-meio se expõe perante o mundo (Matuck escreve a ‘sua’
história da escrita) e lida com a essência da técnica (por meio de seus
trabalhos e das escolhas feitas diante deles).
nos três, o fazer parece mais importante que o feito: percebe-se que
eles nunca se contentam com o que têm, estão sempre buscando mais,
um trabalho segue o outro – o que importa, antes, é o processo. Talvez
isso se aproxime do poema de Constantine p. Cavafy (1983-1933), Ítaca,
que faz referências ao herói Ulisses. nele o que importa não é o retorno
a Ítaca, mas sim o processo vivido na viagem, o entre, o estar-no-meio
dela, em que são tomadas as decisões, e a vida é plena de potência de ser.
Como o poeta recomenda na parte final da poesia:
[ 188 ]
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
E agora sabes o que significam Ítacas
(KAVÁFIS, 2006, p.146-7).
[ 189 ]
[ 190 ]
A profundidade
dos gestos
da escrita
[considerações finais]
Esta tese começou como uma pesquisa a respeito dos processos criati-
vos. levou algum tempo (dois anos) até que eu tivesse consciência de que
aquilo que me instigava não era tanto o processo criativo, mas sim seu
gesto. assim, a pesquisa lentamente se encaminhou para os "movimen-
tos do corpo que expressam uma intenção", para usar a descrição dada
por Vilém flusser (2014). no entanto, ainda se detinha em aspectos mais
instrumentais do gesto e deixava pouco espaço para uma reflexão sobre
sua essência. O passo a ela aconteceu meses depois do exame de quali-
ficação, com a reflexão a respeito do que os membros da banca haviam
proposto1 e pela interpretação pessoal – e pelas escolhas – a partir do que
fora indicado. no percurso da tese como um todo, também me assumi
como um sujeito ativo: como praticante de caligrafia japonesa vi que era
possível utilizar essa experiência na pesquisa, aproximando conceitos do
Oriente no Ocidente; como designer, o incômodo com a objetividade no
design gráfico, que deixa pouco espaço à subjetividade dos seus criadores,
incentivou a busca por alternativas; o docente buscou na prática discente
a realidade dos gestos da escrita; o pesquisador se empenhou em ler textos,
que muitas vezes se revelavam-se obscuros, e pediam insistência.
para investigar os gestos da escrita, objetivo principal desta tese, foi necessá-
rio olhar o que se revelava a minha frente, numa contemplação ativa, tal qual o
sentido etimológico da palavra teoria, do grego théôria (que significa visão
ou contemplação [COMTE-spOnVillE, 2003, p.594]), sugere. leituras a partir
da fenomenologia propuseram um outro paradigma para os gestos, distinto da
visão positivista e cartesiana, no qual sujeito e objeto, sujeito e mundo, se com-
plementam e não existem isolados; a complexidade ofereceu a visão de sistema,
uma estrutura cujas partes estão em relação entre si e com o todo. assim, o gesto
foi definido como um intervalo de tempo-espaço, no qual o corpo é protago-
nista e cujas fronteiras são a intenção e a intenção materializada. por causa do
[ 191 ]
protagonismo do corpo, foram considerados alguns norteadores da pesquisa
que aprofundassem a interação/relação do corpo com elementos presen-
tes no gesto – a escrita, a imaginação, a cognição, o aprendizado e os
modos e meios de ser e fazer –, descritas brevemente a seguir.
Uma pesquisa sobre a origem do alfabeto romano, a matéria-prima
principal dos gestos estudados, mostrou que a escrita tem um dinamismo
que vem por meio dos gestos. são eles que a criam e a transformam, den-
tro de vários contextos, como no uso cotidiano (para o registro de coisas
cotidianas) e religioso (como em livros litúrgicos, como o Livro de Kells),
e pelo uso de ferramentas e suportes, que variaram ao longo do tempo,
com suas propriedades peculiares. Vê-se também que a escrita, historica-
mente, faz parte de um processo histórico que envolveu diversos povos,
com empréstimos, apropriações e adaptações dos sinais gráficos até que
o alfabeto romano se constituísse tal como o conhecemos hoje, com sua
separação em caixa alta e baixa, e suas formas arquetípicas.
na materialização da escrita, os gestos precisam da faculdade da ima-
ginação. Gaston Bachelard mencionou a existência de dois tipos de ima-
ginação necessários à criação: a formal e a material. a primeira é apoiada
na razão e no que já é conhecido; a segunda é aquela que se inspira nos
quatro elementos naturais (terra, água, fogo e ar) para apoiar a criação.
É uma imaginação ativa, que acontece por meio do devaneio, um sonho
desperto, que suporta os gestos de formas variadas: podemos pensar no
devaneio de trabalhos individuais de um profissional, mas também na-
quele que sustenta a imaginação material de um período, como quando,
depois da invenção dos tipos, buscou-se descobrir a especificidade dos
mesmos no Renascimento.
O profissional que será responsável por descobrir e desenvolver es-
sas singularidades, é o artífice, que se caracteriza pela excelência em seu
ofício, bem como pelo diálogo entre o pensar e o fazer – que valoriza
o uso da imaginação formal e material. Mas como o artífice da escrita
aprende? percebeu-se, nesta tese, que seu corpo é moldado pelo apren-
dizado constante. Ele utiliza as capacidades cognitivas do homem para
aprimorar seu conhecimento, alia à prática uma atitude reflexiva. neste
sentido, a cognição pode ser pensada como um motor do gesto, pois ela
permite que o conhecimento seja adquirido, em vários níveis. a cognição
também permite sensibilidades e percepções distintas, que se comple-
mentarão no fazer a escrita. O homem explora as ferramentas e supor-
tes, pelo toque e pelo modo de segurá-los, descobrindo suas affordances,
[ 192 ]
aprendendo o que pode fazer com elas e como utilizá-las na materiali-
zação dos gestos da escrita. intimamente ligada às affordances está a per-
cepção háptica, que permite o manuseio das ferramentas, assim como os
controles espacial e motor, que incluem a força necessária para o uso das
ferramentas e a destreza para lidar com elas. nesse caso, quanto maior a
intimidade do artífice com esses elementos, mais ele conseguirá prever o
comportamento e as possibilidades de ação no suporte. Quando andréa
Branco faz a demostração da pena de lata, ela sabe como manejá-la a fim
de conseguir extrair as linhas características dessa ferramenta. seu corpo
aciona os sistemas mão-braço e visual, e a memória de práticas anterio-
res – o corpo deve responder ao que a imaginação suscita pelo devaneio.
Quando Ken Barber traça um letreiramento, em sua demonstração, sua
gestualidade, rápida e precisa, é reflexo de um corpo que já traçou e de-
senhou inúmeras vezes. ao mesmo tempo, é interessante que resida na
repetição a possibilidade da diferença – que vem de uma liberdade que
só é possível por meio da corporificação e da apropriação da escrita. a
aproximação dos gestos da escrita com o sistema laban, por meio do ‘Es-
forço’, propôs pensar qualitativamente os modos de como o corpo lida
com a escrita. se a cognição pode ser o motor do gesto, esse motor pode
ter variações na intensidade da força, na velocidade, na relação com o
espaço e o seu fluxo – isso poderá ser aprofundado em pesquisas futuras.
Por ser docente num curso de Design, busquei investigar como
acontece o aprendizado que será devolvido nos gestos da escrita em am-
bientes universitários. a presença de um tutor/professor mostrou-se im-
portante para promover o aprendizado e suscitar no aluno uma posição
crítica em relação a seu trabalho e ao de seus colegas, assim como a profa.
Dra. priscila farias fez nas aulas da faU-Usp. nas minhas experiências
com os workshops e a disciplina realizados na Universidade presbiteriana
Mackenzie, evidenciou-se a necessidade do aprendizado da escrita na
prática, complementando a teoria. Exercícios de fundamentos da prá-
tica (como no caso da caligrafia) e projetos que permitissem a expressão
das singularidades de cada um mostraram-se importantes e complemen-
tares. pelo depoimento dos alunos, viu-se que a caligrafia foi importante.
isso porque eles perceberam que, a cada letra feita no papel, uma letra
é apreendida em seu corpo: na intensidade da pegada, no fluxo do mo-
vimento do braço, no situar-se dentro de um espaço – eles vivenciaram
uma melhora significativa, pois o conhecimento foi se corporificando. Esse
conhecimento poderá ser devolvido na forma de outros trabalhos, como
[ 193 ]
acontece com artífices da escrita. Em um período no qual o cotidiano é
mediado por plataformas e aparelhos digitais, revelou-se surpreendente
a preferência da maioria pelo desenho analógico, sugerindo a valorização
do trabalho manual.Talvez uma das causas que justifique essa preferência
seja o aprendizado – e a satisfação – que vem desse tipo de trabalho, que
alia o pensar e o fazer.
Martin Heidegger, ao discutir a técnica, dedicou-se a refletir sobre
quando o ser ‘que é’ se propõe a fazer algo, mostrando que a essência da
técnica envolve tanto o homem quanto os procedimentos e os instru-
mentais. assim, no caso desta pesquisa, ligam-se ao ser que faz a escrita,
os modos e os meios de fazer, bem como o mundo em que ele habita. O
filósofo alertou para o perigo de se concentrar somente na instrumen-
talização da técnica, que conduz ao esquecimento do ser. isso seria um
desvio na vocação dos artífices da escrita, que não mais se colocariam
em seu ofício. O contato com designers de diferentes gerações e histórias
pessoais – liberato, Gustavo e Rubens – levou a uma reflexão de como
eles veem o mundo e interagem com ele, devolvendo isso na forma de
gestos, cada qual a sua maneira, especialmente por meio do desenho.
Entendido aqui como projeto, é um desenho que é resultado de sua pró-
pria vivência e escolha diante do mundo. percebeu-se que no desenho
se manifestam vários corpos: o corpo de um pixador, que vira cartazista
e, depois, designer; o corpo do designer, que ‘acha’ tipos a partir de sua
vivência; o corpo do artista-designer, que se expressa sob os mais diver-
sos meios. Todos eles salientam a riqueza da escrita e a expressão de
singularidades.
a noção intervalar do gesto foi reforçada pela leitura do texto “no-
tas sobre o gesto”, do filósofo Giorgio agamben, que fala da medialida-
de do gesto e de como ela, por apresentar a potência do ser enquanto
acontece, é mais importante que o fim desse gesto. assim como os foto-
gramas de um filme se relacionam um ao outro, ocorre o mesmo com os
gestos da escrita. O caráter processual não se manifesta apenas quando
os gestos estão inseridos no desenvolvimento de projetos em diversas
etapas, como se viu no acompanhamento da aula de design de tipos e na
disciplina ministrada. Cada novo gesto se relaciona com os gestos que já
foram e com os que serão. pode haver uma diversidade deles: do desenho,
da caligrafia, dos rabiscos, dos letreiramentos, da tipografia, dos projetos
fracasssados, dos projetos bem-sucedidos etc. Em cada um deles, o corpo
apresenta um modo de ser, projeções de si que se atualizam em cada uma
[ 194 ]
dessas manifestações: o corpo se transforma em outro. Mas, como num
paradoxo, é ainda o mesmo corpo, do mesmo ser. isso parece dialogar
com Michel foucault, quando diz:
[ 195 ]
Eu. Então?... Me lembrei de procurar nos seus livros de
medicina o assunto do desenvolvimento do embrião. Um belo
dia, se faz [...] um sulco no envelope externo...
Dr. A ectoderme. Ela se forma...
Eu. Sim!... Toda nossa infelicidade vem de lá. Notocorda!
[Chorda dorsalis]! E aí tutano, cérebro, tudo que é necessário
para sentir, padecer, pensar... é profundo! Tudo vem de lá.
Dr. E então?
Eu. Bem, é a invenção da pele!... [...] Eu não duvido. É por isso
que completei minha fórmula: o que há de mais profundo no
homem é a pele [...] (VALERY, 1961, p. 48-51).
[ 196 ]
Referências
[ 197 ]
BaRBER, Ken. Notas de workshops. são paulo: Diatipo, 2011.
BEnTO, Elói alberto. Gaston Bachelard: o lado nocturno do filósofo:
Estudo sobre a imaginação material e o devaneio poético. Dissertação
(Mestrado em filosofia da Educação). , Curso integrado de Estudos pós-
Graduados em filosofia, Orientação de prof. Doutora Maria Eugénia
Vilela – faculdade de letras da Universidade do porto, porto, 2010..
BERTalanffY, ludwig von. Teoria geral dos sistemas. Rio de Janeiro:
Vozes, 2006.
BisCHOff, Bemhard. Latin Palaeography: antiquity and the Middle ages.
Cambridge: Cambridge University press, 1990.
BODOni, Giannbattista. Manual of Typography: Manuale tipografico 1818.
Köln: Taschen, 2010.
BOMEnY, Maria Helena. Os manuais de desenho da escrita. são paulo: atelier
Editorial, 2010.
BOOKs of the Middle ages. Toronto: Royal Ontario Museum of
archeology, 1954.
BRiTO Jr., liberato dos Reis. Quinta typeface: tcc. Orientador: prof.
Zuleica schincariol. são paulo: Universidade presbiteriana Mackenzie,
2014.
BUaRQUE DE HOlanDa, luisa. Corpo.Doc: gesto e filosofia. palestra. 36’.
Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=Vhmiold4iD0>. acesso em:
out. 2014.
CalMOn, nathalia Corrêa. O milagre do corpo a partir de Jerusalém de
Gonçalo M. Tavares. Dissertação (Mestrado em letras) – pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
CalMOn, nathalia Corrêa; KiffER, ana paula Veiga. O milagre do corpo
a partir de Jerusalém de Gonçalo M. Tavares. 2009. Dissertação (Mestrado
em letras) – pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Departamento de letras, Rio de Janeiro, 2009
CapRa, fritjof. As conexões ocultas. são paulo: Cultrix, 2002.
CHaGas, paulo. Nassau, um desenho contemporâneo de fonte: um estudo
projetual. Orientador: profa. Dra. priscila farias. são paulo: faU/Usp,
2010. Disponível em: <http://issuu.com/pachagas/docs/nassau__um_
desenho_contempor_neo_de_fonte>. acesso em: out. 2014.
CHEMERO, anthony. an outline of a theory of affordances. Ecological
Psychology. 15(2), 181-95.
[ 198 ]
CiViliTÉ. Website. Disponível em < https://coopertypography.
wordpress.com/2009/03/02/civilite/>. acesso em dez.2014.
COMTE-spOnVillE, andré. Dicionário filosófico. são paulo: Martins
fontes, 2003.
COnnOR, steven. The Book of Skin. londres: Reaktion Books, 2004.
COnsEnZa, Ramon; GUERRa, leonor. Neurociência e educação. porto
alegre: Bookmand, 2011.
Contemporary Japanese Calligraphy. 2006. Tese (Doutorado em
antropologia Visual) – University of Oxford, Oxford.
COsTa, Joan; RapOsO, Daniel. A rebelião dos signos: a alma da letra. lisboa:
Dinalivro, 2010.
COX, Rupert. The Zen Arts: an anthropological study of the Culture of
aesthetic
CRiTElli, Dulce Mara. Analítica do sentido. são paulo: Brasiliense, 2006.
CUnHa, antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: léxicon, 2013.
Curitiba: aend, 2006.
DaMÁsiO, antonio. O mistério da consciência. são paulo: Cia. das letras, 2010.
______. E o cérebro criou o homem. são paulo: Cia. das letras, 2011.
DiCiOnÁRiO ETiMOlÓGiCO. Website. Disponível em: <www.
dicionarioetimologico.com.br/teoria/>. acesso em: dez. 2014.
DOBREZ, patricia. The Case for Hand stencils and prints as proprio-
performative. Arts, 2013:2(4), 273-327. Disponível em: <www.mdpi.
com/2076-0752/2/4/273/htm#sthash.4UxBzoRe.dpuf>. acesso em: out.
2014.
DElEUZE, Gilles. Diferença e repetição. lisboa: Relógio d’Água, 2000.
DRisCOll, lucy; TODa, Kenji. Chinese Calligraphy. Chicago: University
of Chicago press, 2007.
D’aMBRÓsiO, Oscar.Três cadernos. in: MaTUCK, Rubens. Duas partes: a
imagem escrita. são paulo: TypeBrazil, 2008.
ERiCssOn, K. a.; KRaMpE, R. Th.; TEsCH-ROEMER, C. The role of
deliberate practice in the acquisition of expert performance. Psychological
Review, 1993, 100:363-406.
faRias, priscila lena. Tipografia digital: o impacto das novas tecnologias.
Rio de Janeiro: 2aB, 1998.
[ 199 ]
______. notas para uma normatização da nomenclatura tipográfica.
Anais… p&D Design 2004 - 6º Congresso Brasileiro de pesquisa e
Desenvolvimento em Design (versão em CD-ROM). faap: são paulo,
2004.
filOinfO: filosofia da ciência. Website. Disponível em: <www.filoinfo.
bem-vindo.net>. acesso em: maio 2013.
fisCHER, steven Roger. História da escrita. são paulo: Editora da Unesp,
2009.
flinT-saTO, Christine flint. Japanese Calligraphy: The art of line and
space. Osaka:Mitsuru sakui, Kaifusha Co, 1999.
flUssER, Vilém. A escrita. são paulo: annablume, 2010.
flUssER, Vilém. Bodenlos. são paulo: annablume, 2007.
flUssER, Vilém. Los gestos: fenomneologia y comunicación. Barcelona:
Herder, 2004.
fORGHiERi, Yolanda Cintrão. Psicologia fenomenológica: fundamentos,
método
form in Japan. Richmond: Routledge Curzon/Royal asiatic society of
Great Britain and ireland, 2003.
fOUCaUlT, Michel. O corpo utópico. Disponível em: <www.ihu.unisinos.
br/noticias/38572-o-corpo-utopico-texto-inedito-de-michel-foucault>.
acesso em: dez. 2014.
fREiTas, alexander de. Água, ar, terra e fogo: arquétipos das
configurações da imaginação poética na metafísica de Gaston
Bachelard. Educ. e Filos., jan./jun. 2006, 20(39), 39-70.
fRiGOTTO, Gaudêncio. Tecnologia [verbete]. in: fiOCRUZ. Dicionário da
educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: fioCruz, 2013. Disponível em:
<www.epsjv.fiocruz.br>. acesso em: maio 2013.
fRiTZ, Donald W. Origin and Meaning of pattern in The Book
of Kells. Journal of Analytical Psychology, 1977:22(4), 343.
fUnDHaM. fundação Museu do Homem americano. Website. Disponível
em: <www.fumdham.org.br>. acesso em: out. 2014.
GaUDÊnCiO Jr., norberto. A herança escultórica da tipografia. são paulo:
Rosari, 2004.
GiBsOn, James. The Ecological Perception to Visual Perception. Boston:
Houghton Mifflin, 1986.
[ 200 ]
Gill, Eric. in: TYpOpHilE site. Famous quotes from type design. Disponível
em <http://typophile.com/node/13406>. acesso em: nov. 2014.
GinZi, Elisa Kiyoko. Entre o corpo e o desenho. Revista científica FAP, jul./
dez. 2010, Curitiba, v.6, 17387.
GlaDWEll, Malcolm. Complexity and the Ten-Thousand-Hour Rule.
The New Yorker. nova York, 2013. Disponível em: <www.newyorker.com/
news/sporting-scene/complexity-and-the-ten-thousand-hour-rule>.
acesso em: out. 2014.
GODaRD, Hupert. Gesto e percepção. in: sOTER, silvia; pEREiRa,
Roberto. Lições de Dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001.
GOUVEia, anna paula silva. O croqui do arquiteto e o ensino do desenho. 1998.
V.1 [Croqui: representação e simulação]. Tese (Doutorado em arquitetura
e Urbanismo) – faU, Usp, são paulo, 1998.
GRaY, nicolete. A History of Lettering: Creative Experiment and letter
identity. Boston: David R. Godine, 1986.
______. Lettering as drawing. nova York: Taplinger publishing Company,
1982.
GREinER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. são
paulo: annablume, 2002.
_______; KaTZ, Helena. por uma teoria do corpomídia. in: GREinER,
Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. são paulo:
annablume, 2002.
HaRRis, David. A arte da caligrafia - um guia prático, histórico e técnico.
são paulo: ambiente e Costumes, 2009.
HaRRis, David. The Calligrapher’s Bible: 100 Complete alphabets and How
to Draw Them. Hauppauge: Barron’s, 2003.
HEiDEGGER, Martin. a questão da técnica. Scientiæ zudia, são paulo:
2007;5(3):375-98.
______. Basic Writings. nova York: Harper & Row, 1977.
HEinTlinGER, paulo. Letra dos romanos. lisboa: Tipógrafos.net, 2014.
[edição digital]
______. Alfabetos. lisboa: Tipografos.net, 2014.
HERCUlanO-HOUZEl, suzana. neurociências – contribuições para a
aprendizagem. formato digital (DVD). Região 4. Distribuidora: nittas
Vídeo. são paulo, 2009.
[ 201 ]
______. suzana Herculano-Houzel: entrevista. Entrevistador: programa
Roda_______ Roda Viva. são paulo: 25/03/2013.
HiGOUnET, Charles. História concisa da escrita. são paulo: parábola
Editorial, 2003.
HOlMBERG, Ryan. Dragon knows dragon. 1998. Tese (Doutorado) – art
History Department, Boston University, Boston.
HOUaiss dicionário. são paulo: Moderna, 2004.
in: Anais do Congresso de Pesquisa em Design P&D 2006 [acesso eletrônico].
JOHnsOn, Mark. The Meaning of the Body: aesthetics of Human
Understanding. Chicago: University of Chicago, 2007.
KaVÁfis, Konstantinos. Poemas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
KiTTaY, Jeffrey. Utterance Unmoored: The Changing interpretation
of the act of Writing in the European Middle ages. Language in Society,
Jun. 1988:17(22), 209-30. Cambridge: Cambridge University press stable.
Disponível em: <www.jstor.org/stable/4167923>. acesso em: jul. 2014.
KnappETT, Carl. The affordances of things: a post-Gibsonian perspective
on the relationality of mind and matter. in: DEMaRRais, Elizabeth et
al.. Materiality, Mind and History. Rethinking Materiality: The Engagement
of Mind with the Material World. Cambridge: McDonald institute for
archaeological Research, 2005.
laBan, Rudolph. Domínio do movimento. são paulo: summus, 1978.
lanDEsMUsEUM site. Disponível em: <www.lda-lsa.de/fileadmin/
bilder/museum/dauerausstellung/Da_5_42_weiss.jpg>. acesso em: set.
2014.
lassala, Gustavo. Pixação não é Pichação. são paulo: altamira, 2011.
______. Gustavo lassala. Website. Disponível em < http://www.
gustavolassala.com/>. acesso em dez.2014.
lEnT, Robert. Cem bilhões de neurônios. são paulo: atheneu, 2010.
______. Sobre neurônios, cérebro e pessoas. são paulo: atheneu, 2011.
lEVinE, faythe; MaCOn, sam. Sign Painters. 2014. filme. 80’.
liMa, Dani. Gesto: práticas e discursos. Rio de Janeiro: Cobogó, 2013.
liRa, José (Trad.) Emily Dickinson: alguns poemas. são paulo: iluminuras,
2006.MaRTins, luiz Geraldo ferrari. A etimologia da palavra desenho (e
design) na sua língua de origem e em quatro de seus provincianismos: desenho como
forma de pensamento e de conhecimento. iii fORUM DE pEsQUisa faU –
[ 202 ]
MaCKEnZiE, Universidade presbiteriana Mackenzie, são paulo, 2007.
são paulo: UpM, 2007.
lOTUfO, laura. Isidora: um resgate tipográfico – desenvolvimento
de uma família de fontes tipográficas digitais para a composição de
textos. Orientador: profa. Dra. priscila farias. são paulo: faU/Usp, 2010.
Disponível em: <www.fau.usp.br/disciplinas/tfg/tfg_online/tr/102/a063.
html>. acesso em: out. 2014.
MaCHaDO, José pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa. lisboa:
Confluência, 1967. 3v.
MaEDa, John. As leis da simplicidade. são paulo: ibmec/novo Conceito,
2007.
ManDEl, lasdilas. Escritas: espelhos dos homens e da sociedade. são
paulo: Rosari, 2006.
MaTRiZ curricular Curso de Design. Documento eletrônico, arquivo Excel,
978kb. são paulo: Universidade presbiteriana Mackenzie/faU-MaCK,
2014.
MCnEill, Marc. Language and Gesture. Cambridge: Cambridge University
press, 2000.
MEDiaVilla, Claude. Caligrafia: del signo caligráfico a la pintura
abstracto. Valencia: Campgràfic, 2005.
MElO, alessandro de. A construção do objeto turístico: diálogos com a
epistemologia de Gaston Bachelard e pierre Bourdieu. iV seminTUR
– seminário de pesquisa em Turismo do MERCOsUl. Universidade
de Caxias do sul – Mestrado em Turismo, Caxias do sul, Rs, Brasil – 7
e 8 de julho de 2006. Disponível em <www.ucs.br/ucs/tplsemMenus/
eventos/seminarios.../GT14-10.pdf>. acesso em: out. 2014.
MERlEaU-pOnTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. são paulo:
Martins fontes, 2011.
MiRanDa Jr., Gilberto. Teoria, evolução, fato e cientificidade: questões
epistemológicas, parte i. Disponível em: <http://blog.gilbertomirandajr.
com.br/2009/04/teoria-evolucao-fato-e-cientificidade_3668.html>.
acesso em: dez. 2014.
Mitsuru sakui, Kaifusha Co, 1999.
MiYasHiRO, Rafael Tadashi. Blog: Caligrafia Japonesa. acesso em
<caligrafiajaponesa.wordpress.com.. acesso em: dez.2014
______. Entre tempos: a criação artística da caligrafia japonesa. 2009.
[ 203 ]
Dissertação (Mestrado em artes) – instituto de artes, Unicamp, são
paulo. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2009.
______. Workshops: notas de aula. são paulo: Universidade presbiteriana
Mackenzie, 2013.
MnEMOsYnE. Meanderings through aby Warburg’s atlas. Disponível
em <http://warburg.library.cornell.edu/>. acesso em: dez.2014.
MODERn show card lettering, designs, etc. pontiac: The Thompson
school of lettering, 1901.
MORaEs, Regiane Rodrigues; OnCalla, simone alarcon. a teoria
psicogenética de Henri Wallon e suas contribuições para a psicopedagogia.
in: CODEÇO et al. Psicopedagogia: teorias da aprendizagem. são paulo: Casa
do psicólogo, 2011.
MORin, Edgard. O método v. 4. Rio Grande do sul: sulina, 1998.
MOTTa, flávio l. Desenho e emancipação. in: UniVERsiDaDE DE
sÃO paUlO. faculdade de arquitetura e Urbanismo. Desenho Industrial e
comunicação visual. são paulo: faU-Usp, 1970.
MYfOnTs. Myfonts website. Disponível em http://www.myfonts.com.
acesso em dez.2014.
naKaMURa, fuyubi. Creating New Forms of “Visualized” Words: an study
of
naUJORKs, Maria inês. Henri Walon: por uma teoria dialética na
educação. in: Cadernos, 2000:16. Disponível em: <http://coralx.ufsm.br/
revce/ceesp/2000/02/a6.htm>. acesso em: nov. 2014.
nEsBiTT, alexander. The History and Technique of Lettering. nova York:
Dover, 1957.
OCaRinO, Juliana Melo. Percepção háptica em crianças com desenvolvimento
típico e crianças com distúrbios do desenvolvimento. 2009. Tese (Doutorado).
Belo Horizonte, programa de pós-Graduação em Ciências da Reabilitação,
da Escola de Educação física, fisioterapia e Terapia Ocupacional da
Universidade federal de Minas Gerais, 2009.
OKanO, Michiko. Ma, entre espaço da comunicação: um estudo acerca
dos diálogos entre Oriente e Ocidente. 2007. Tese (Doutorado em
Comunicação e semiótica) – pontifícia Universidade Católica, são
paulo.
ORlanDi, luiz. Breve passagem pela paradoxal repetição deleuziana. são
paulo: laboratório de sensibilidades. [palestra em vídeo]. Disponível em:
[ 204 ]
<https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/08/28/breve-
passagem-pela-paradoxal-repeticao-deleuziana-luiz-orlandi-video-da-
conferencia/>. acesso em: out. 2014.
palaZZO, luiz a. M. Complexidade, caos e auto-organização. in: III
Oficina de Inteligência Artificial, 1999, pelotas. iii Oficina de inteligência
artificial. pelotas: Educat, 1999. pallasMaa, Juhani. The Thinking Hand.
West sussex: Wiley & sons, 2009.
pEssanHa, José américo Motta. in: BaCHElaRD, Gaston. O direto de
sonhar. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.
pURVis, arlston W.; MEGGs, philip. História do design gráfico. são paulo:
Cosacnaïfy, 2009.
RaYCK, Diego. Desenho como forma de pensamento. 4o CiClO DE
inVEsTiGaÇÕEs ppGaV UDEsC, florianópolis, 09 a 11 de novembro.
florianópolis: UDEsC, 2009.
REis, ana Carla fonseca. Economia criativa como estratégia de desenvolvimento:
uma visão dos países em desenvolvimento. são paulo: itaú Cultural, 2008.
REnGEl, lenira. MOMMEnsOHn, Maria. O corpo e o conhecimento:
dança educativa. Série Ideias, 1992, n.10, 99-109.
ROsa nETO, francisco. a aptidão motora e o idoso. in: ______. Manual de
avaliação motora para a terceira idade. porto alegre: artmed, 2009.
RUDER, Emil. Typography. niederteufen: fritz Brunner-lienhart, 1977.
sCHWEnK, Theodor. Sensitive Chaos: The Creation of flowing forms in
Water and air. nova York: schoken Books, 1979.
sECHaUD, Evelyne. in: MaRZanO, Michela (Org). Dicionário do corpo. são
paulo: Centro Universitário são Camilo/Edições loyola, 2012.
sEnnETT, Richard. O artífice. Rio de Janeiro: Record, 2008.
sMEiJERs, fred. Counterpunch: Making Type at 16th Century. londres:
Hyphen press, 2011.
TERRas. Diretor: Maya Da-rin. Rio de Janeiro: synapse, 2009. 75, colorido,
formato digital.
THE aMERiCan Heritage. Dictionary. Boston: Houghton Mifflin
Company, 1991.
THE CaVE of Chauvet-pont-D’arc. Website. Disponível em: <www.
culture.gouv.fr/culture/arcnat/chauvet/en/>. acesso em: jul. 2014.
THE CaVE of forgotten dreams. Diretor: Werner Herzog. nova York: ifC
[ 205 ]
films, 2010. 90’, colorido, formato digital.
THE pRaCTiCal show Card Writer. nova York [?]: [?], 1904.
TOsETTO, ana paula. percepção visual e háptica de comprimentos de linha
apresentados em diferentes formas. Ribeirão preto, 2005. 107p.: il; 30 cm.
ValERY, paul. L’Idée fixé. paris: Galimard, 1961
WaRDE, Beatrice. The Crystal Goblet, or Printing Should Be Invisible. [publicado
em 1932, republicado em 1955]. Disponível em: <http://gmunch.home.
pipeline.com/typo-l/misc/ward.htm>. acesso em: dez. 2014.
WEsTGEEsT, Helen. Zen in the Fifties: interaction in art Between East and
West. Zwolle: Waanders, 1996.
WiKiCOMMOns site. Coptic alphabet. Disponível em: <http://en.wikipedia.
org/wiki/Coptic_alphabet>. acesso em: ago. 2014.
WilsOn, frank R. The Hand: How its Use shapes the Brain, language, and
Human Culture. nova York: Vintage books, 1999.
WRiGHT, David p. Writing in cuneiform. Website. Disponível em: <http://
writingcuneiform.blogspot.com>. acesso em: jul. 2014.
Entrevistas e Depoimentos
BRiTO Jr., liberato dos Reis. liberato dos Reis Brito Jr.: depoimento.
Entrevistador: Rafael Tadashi Miyashiro. são paulo: 11/03/2013, formato
digital. 70’.
lassala, Gustavo. Gustavo lassala: depoimento. Entrevistador: Rafael
Tadashi Miyashiro. são paulo: 26/11/2012, formato digital. 48’.
lEVY, Dora. Dora levy: depoimento. Entrevistador: Rafael Tadashi
Miyashiro. são paulo: 24/05/2012, formato digital. 70’.
MaTUCK, Rubens. Rubens Matuck: depoimento. Entrevistador: Rafael
Tadashi Miyashiro. são paulo: 19/05/2010, formato digital. 55’.
OfiCina de criação de letras: conversa. participantes: lucas Matuda, Bárbara,
ana Júlia anastácio, Danilo, in-sun park, Valéria, natália. são paulo, nov.
2014. Conversa com os participantes da oficina. Cor, 39’, formato digital.
WORKsHOps de desenho de letras: depoimentos. Entrevistador: Rafael
Tadashi Miyashiro. participantes: João pedro Donnangelo Cordeiro, Otávio
augusto Ramos, Tainá azevedo, Thaís andelmi Godoy, Vivian de Oliveira
silva, nicolle inacia da Rocha Turbiani, entre outros. são paulo: dezembro,
2013. Cor, 61’, formato digital.
[ 206 ]