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MESA DE ABERTURA DO PROJETO A Memória Vai À Escola
MESA DE ABERTURA DO PROJETO A Memória Vai À Escola
MESA DE ABERTURA DO PROJETO A Memória Vai À Escola
Bem vou tentar ser breve. Como sou a última a falar imagino que as pessoas já
estejam cansadas, então pretendo cumprir o tempo estabelecido de 15 a 20 minutos.
Tarefa nada fácil pra mim porque vou tocar em questões que não poderei aprofundar
aqui. Bem organizei minha participação nessa mesa tomando como base um artigo
intitulado “A memória vai à escola”: o que a Comissão Estadual da Verdade do
Amapá tem a nos ensinar sobre o Ensino da Ditadura Civil-Militar? que escrevi
recentemente sobre a experiência de ensino que vivenciamos na Comissão da Verdade
do Estado do Amapá. Estou no aguardo de sua publicação, quando isso ocorrer coloco
este artigo no site do projeto, que as meninas divulgaram juntamente com esse evento,
caso alguém se interesse em ler.
Mas antes de seguir com este propósito queria situar meu lugar de fala, pois
somos impactados sempre por ele. Como já dito na minha fala inicial não é nenhum
exagero afirmar que estamos vivendo, como professores e professoras um período que
jamais imaginávamos viver até pouco tempo e que nos coloca à frente de muitos
impasses e escolhas, pois, diante dos registros cada vez maiores de crimes, como
feminicídio, racismo, LGBTfobia, ou seja, contra a vida das pessoas em condições de
vulnerabilidade social, faz-se fundamental sim o combate à banalização da violência.
A quantidade de declarações apologéticas e fantasiosas com relação à ditadura e à
tortura, por exemplo, que circulam nas redes sociais, sobretudo entre os mais jovens no
Brasil, é reveladora de um universo assustador, o qual precisamos lidar como
professores e professoras, e nos coloca diante de um retrato da sociedade brasileira, na
qual a violência não é só banalizada, mas também se manifesta nas diversas faces de um
país profundamente desigual, em que os ódios de classe, raça e gênero são os
marcadores sociais dessa violência.
Queria chamar atenção para o fato de que logo após a finalização dos trabalhos
realizados pelas comissões da verdade, estimadas em mais de 100 comissões espalhadas
em todo país (em que se pretendeu a reconstrução de uma memória oficial sobre esse
período como tentativa de superação desse passado), da mesma forma que, nos últimos
anos se registrou um crescimento exponencial das pesquisas sobre a Ditadura Civil-
Militar no Brasil, também se observou esse aumento das manifestações favoráveis a
esse período. Essa forma positivada e banalizada de se enxergar esse passado ditatorial
não é algo novo no Brasil, mas o que chama atenção e a linha ascendente destas
manifestações no espaço público, sobretudo, por figuras públicas que deveriam defender
as instituições democráticas.
Esse cenário ascendente de manifestações favoráveis à ditadura é ressignificado
no presente por um contexto político que tem à frente do executivo um ex-parlamentar
que, em diversas ocasiões, fez e continua fazendo como presidente manifestações de
apologia à ditadura e à defesa de torturadores, ao mesmo tempo em que procura colocar
em descrédito as torturas e assassinatos das vítimas deste período.
Nesse universo de difícil enfrentamento, não consigo me imaginar como mãe,
feminista, professora, historiadora, amazônida, amapaense que sou sem assumir meu
compromisso com o engajamento social e político que esse tema nos convida a assumir.
Penso que essas funções sociais nos convidam a pensar qual é o país que queremos
construir para nossos filhos e filhas e para as futuras gerações. Mais do que isso, como
professores e professoras, precisamos nos perguntar sempre qual o nosso papel como
educadores diante de tudo isso.
É difícil não reconhecer que, nesse universo político pulsante que condicionou
minhas escolhas profissionais, o convite para compor o colegiado da Comissão da
Verdade do Estado do Amapá, em 2013, meses depois que me tornei professora de
História do Brasil na mesma instituição e curso em que me graduei, colocou-me diante
de um lugar social, como diz Selva Guimarães (2016), que compreende que só
conseguiremos avançar enquanto estado democrático se as especificidades, fragilidades
e contradições de nossa democracia forem investigadas e debatidas de forma
permanente em suas várias dimensões. Foi a partir desse envolvimento com as
atividades dessa comissão que passei a querer inquerir sobre o tema da Ditadura Civil-
Militar, vendo-o como um dos pilares articulantes do Ensino de História.
Uma questão central que busquei abordar no artigo mencionado no início de
minha fala foi justamente sobre quais aprendizados para o ensino de história é possível
extrair com a experiência do “A Memória Vai Escola”.
Só para ficar bem claro! Estamos nos referido ao projeto “A memória vai à
escola”, que foi realizado pela Comissão Estadual da Verdade do Amapá com o objetivo
de levar ao espaço escolar e universitário o debate da Ditadura Civil-Militar e de temas
afins. O “A memória vai à escola” teve uma curta duração dentro da Comissão do
Amapá, de dezembro de 2013 a outubro de 2014. Ao todo, o projeto abrangeu vinte e
cinco instituições de ensino e um museu, com um alcance de um público de 2.342
alunos e alunas do Ensino Fundamental, Médio, Tecnológico e Superior (CEV-AP,
2017). Desse total, vinte dessas instituições eram escolas da rede pública do Estado do
Amapá.
Queria mencionar com vocês uma característica dos comissionados da Comissão
Estadual da verdade do Amapá que foi a meu ver o fator determinante para que esta
comissão, que não foi criada com especificamente com a finalidade de desenvolver
atividades pedagógicas voltadas para escolas, colocasse em prática um projeto como o
“A Memória Vai Escola”. Quase 50% dos seus comissionados eram professores e
professoras que atuaram ou atuavam na Educação Básica. Metade desses professores
tinham formação na História.
É importante também ressaltar que a iniciativa de se estabelecer diálogos com o
ensino por comissões da verdade em atividade, como os que foram propostos pela
Comissão Estadual da Verdade do Amapá, através do projeto “A memória vai à escola”,
infelizmente não é algo que ocorre com frequência. Isso é mais comum de acontecer
após o encerramento das atividades dessas comissões, sobretudo, através de reflexões e
ações propostas por pesquisadores e educadores que têm se debruçado sobre as
possibilidades abertas no campo educacional que seus relatórios e fontes podem
suscitar. Ana Kallás publicou recentemente, em 2019, um levantamento das produções
científicas referentes ao tema do Ensino de História da Ditadura Civil-Militar no Brasil,
no qual demonstrou que, no intervalo temporal de 2012 a 2015, após a criação da
Comissão Nacional da Verdade, ocorreu um expressivo aumento de pesquisas no país
sobre o ensino do passado ditatorial, muitas vezes, atrelado à educação em direitos
humanos.
Portanto, muito tem se mencionado sobre a importância de uma apropriação mais
ampla pela sociedade brasileira dos resultados obtidos pela CNV e pelas demais
comissões da verdade que foram instaladas pelo país. É consensual que o melhor
caminho para se fazer isso é através da educação, e as escolas são consideradas campos
estratégicos nesse sentido. Porém, a educação não acontece somente nas escolas,
tampouco é um dever somente delas. Um maior alcance público do trabalho realizado
pela Comissão Estadual da Verdade do Amapá, bem como pelas demais comissões,
depende de muitas frentes. Atualmente a UNIFAP abriga temporariamente o acervo da
Comissão Estadual da Verdade do Amapá até que se construa o Arquivo Público do
Estado do Amapá para sua guarda permanente. Porém, independentemente ou não que
isso ocorra, um passo seguinte a ser dado é fazer chegar ao máximo de escolas os
resultados obtidos por essas comissões, e um bom ponto de partida é através de projetos
semelhantes ao do “A memória vai à escola”, os quais devem ser impulsionados por
políticas públicas geridas pelo Estado e a Universidade. Por isso o dia de hoje é uma dia
muito especial para gente porque nós estamos lançando oficialmente para as escolas não
só do Amapá mais do Brasil inteiro o Relatório da Comissão Estadual da Verdade do
Amapá.
Portanto, acredito que essa experiência de ensino vivenciada no âmbito de uma
comissão da verdade criada com o objetivo de investigar as violações aos direitos
humanos no Amapá durante a Ditadura Civil-Militar deve ser objeto de reflexão e de
compartilhamento, sobretudo, se pensarmos que não é possível a superação do passado
recente ditatorial brasileiro sem que esse processo venha acompanhado por um amplo
compromisso com a reparação histórica e com a formação de novas gerações
comprometidas com a democracia e com a não repetição dos crimes e erros do passado.
Pergunto novamente: quais os reflexos da ação direta da Comissão Estadual da
Verdade do Amapá nas escolas naquele cenário? Quais as lições que ainda podemos
extrair dessa experiência?
Na tentativa de responder a essas indagações avaliei como melhor caminho para
uma reflexão sobre os aprendizados que se pode construir com essa experiência, foi
trazer as vozes daqueles e daquelas que foram diretamente impactados por esse projeto,
mesmo que deslocadas temporalmente de sua realização. Cito a seguir um pequeno
trecho da entrevista que a ex-aluna Adrian Kethen Picanço Barbosa nos concedeu em
janeiro desse ano. A época da realização do projeto Adrian tinha 18 anos, e cursava, em
2014, o último ano do Ensino Médio Integrado na Escola Gabriel de Almeida Café
(CCA), uma das instituições de ensino comtempladas pelo ‘A memória vai à escola”.
Me disse ela: