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Educatrix 24 - Versão Digital
Educatrix 24 - Versão Digital
Educatrix 24 - Versão Digital
ANO 12 • N O 24 • 2023
CIDADANIA
QUEM CUIDA DOS
PROFESSORES?
{ DOSSIÊ }
EDUCACÃO
INCLUSIVA
E A ARTICULAÇÃO ENTRE
REDES, ESCOLAS E FAMÍLIAS
PARA A EQUIDADE.
FOCO NA TELA
A INCLUSÃO 5 PERGUNTAS
GERACIONAL E OS ESSENCIAIS PARA A
DESAFIOS DA EJA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
FORMAÇÕES
ATUALIZAÇÃO PRÁTICA
www.moderna.com.br/educatrix
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CARTA AO LE I TO R
COM A CIDADANIA
QUEM CUIDA DOS
PROFESSORES?
INCLUSÃO EDUCACÃO
{ D O SS I Ê }
E DUC AÇ ÃO INCLUSIVA
em nossas conversas e visitas a escolas e redes
INCLUSIVA
E A ARTICULAÇÃO ENTRE
de ensino de todo o Brasil, a inclusão é sempre uma REDES, ESCOLAS E FAMÍLIAS
PARA A EQUIDADE.
pauta urgente e, ao ser levantada, causa um suspiro
em gestores e educadores. Ao abordar mais de per-
to esse tema, percebemos que a inclusão vai mui-
to além da educação especial ou de estratégias de
adaptação pontuais dentro de sala. A inclusão é um
FOCO NA TELA
ENTREVISTA | RODRIGO HÜBNER MENDES: “A ESCOLA INTEIRA GANHA COM A EDUCAÇÃO INCLUSIVA” PÁG. 12
PERSPECTIVAS | PÁG. 44
DE PORTAS ABERTAS
PARA A INCLUSÃO
PANORAMA | O QUE PAIS E MÃES ESPERAM DA ESCOLA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA PÁG. 56
PENSAMENTO ACADÊMICO | NEURODIVERSIDADE E OS DESAFIOS EM SALA DE AULA PÁG. 66
PLENOS SABERES | SUPERDOTAÇÃO E A FORMULAÇÃO DE ESTRATÉGIAS EM SALA DE AULA PÁG. 78
POR DENTRO | COMO PREPARAR AULAS (MAIS) INCLUSIVAS PÁG. 86
NA TELA | 5 PERGUNTAS ESSENCIAIS SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA PÁG. 92
LINHA DE RACIOCÍNIO | A ESCOLA NA ALDEIA PÁG. 98
TENDÊNCIAS | VAMOS FALAR DE RACISMO? PÁG. 104
CONEXÃO | COMITÊ DE CONVÍVIO ESCOLAR: ESTRATÉGIA DE GESTÃO DEMOCRÁTICA PÁG. 114
CIDADANIA | QUEM CUIDA DOS PROFESSORES? PÁG. 124
SUSTENTABILIDADE | EDUCAÇÃO INCLUSIVA PRECISA DE BONS RECURSOS PEDAGÓGICOS PÁG. 132
com toda certeza, um dos “aprendiza- dades de cada indivíduo com o objetivo de
dos” mais dispensáveis que despertei nos articulá-las para estarem a serviço da cole-
tempos da escola foi a crença de que “não tividade. Isso foi facilitado com a populari-
basta ser bom, é preciso ser melhor”. A zação das tecnologias digitais e da cultura
cultura da competição, do ranking, do pri- da colaboração, tanto no meio acadêmico
meiro lugar, acaba por invalidar tudo que quanto no empresarial.
é diverso e fora do padrão do que é posto O maior valor da inteligência coletiva é
como formal, além de colocar todos que seu potencial de oportunidade e compar-
não estiverem no topo como inadequados, tilhamento entre todos, sem distinção etá-
insuficientes de alguma forma. Passadas ria, acadêmica, de classe social, gênero ou
décadas dos meus tempos de carteira es- etnia. São saberes individuais que, soma-
colar, é nítido que essa crença ainda povoa dos, compõem um mosaico de inteligên-
o imaginário da imensa maioria da popula- cias múltiplas e diversas, potencializadas
ção, alimentada pelos processos de seleção pelas vivências, pela criatividade e pela
às universidades. Afinal, como construir percepção de mundo de cada indivíduo.
uma nova forma de ensinar com sentido Darwin talvez dissesse que a inteligência
se o aluno precisa necessariamente cum- coletiva poderia ser um processo evoluti-
prir os requisitos cobrados nos exames de vo da experiência humana, consideran-
seleção? Ouso dizer que na proposta mista do aprendizados colaborativos e de em-
seguida por muitos colégios, aquela que patia, que envolvem tanto a técnica quanto
dá luz à inovação sem tirar os olhos dos o conceitual e o emocional. Afinal, todo o
protocolos mínimos do vestibular, tanto conhecimento está na humanidade e não
o gato quanto o peixe acabam sendo per- há ninguém que seja nulo nesse contexto,
didos de vista uma vez que se promove a todos podem colaborar de alguma forma
exclusão, por segregar em vez de acolher que faça sentido. Por essa razão, o autor
as diferentes formas de aprender e des- afirma que a inteligência coletiva deve ser
pertar a criatividade e a curiosidade pelo valorizada em todas as circunstâncias, e
novo. Afinal de contas, sejamos sinceros, aqui vale ressaltar que não se trata de uma
há espaço para os estudantes com neces- atribuição exclusivamente da escola e na
sidades especiais na escola atualmente? escola, mas de todos e nos mais diferentes
Não me refiro a projetos apertados, mas a lugares e contextos. O que a escola pode
políticas públicas de inserção nas univer- fazer é ajudar a mobilizar a comunidade
sidades, no mundo do trabalho, propostas sobre seu papel, abrir seus espaços para
de valorização de suas identidades e em- esse tipo de discussão e construção cole-
poderamento na comunidade. De forma tiva, a começar pela conscientização do
geral, não há. poder excludente dos vestibulares, que se-
Hoje, em resposta ao que supostamente quer avaliam a jornada formativa do estu-
aprendi, sou muito mais afeito a um apren- dante, e sim sua capacidade emocional no
dizado proposto por Pierre Lévy na obra dia da aplicação do exame.
Inteligência coletiva. Segundo o autor, o Parafraseando Paulo Freire, “nin-
conceito que dá nome ao livro é “uma in- guém ignora tudo. Ninguém sabe tudo.
teligência distribuída por toda parte, in- Todos nós sabemos alguma coisa. Todos
cessantemente valorizada, coordenada em nós ignoramos alguma coisa. Por isso
tempo real, que resulta em uma mobiliza- aprendemos sempre”. Que tal dividir
ção efetiva das competências”. Com ela, é essa experiência com mais pessoas da
possível reconhecer as diferentes habili- escola? Fica o convite.
8
ano 12 • n o 24 • 2023
conselho editorial
Ivan Aguirra Izar
Kátia Dutra
Luciano Monteiro
Solange Petrosino
coordenação editorial
Ivan Aguirra Izar
Kátia Dutra
produção de textos
Ivan Aguirra Izar
Kátia Dutra
Lara Silbiger
Luciano Monteiro
Paulo de Camargo
Ricardo Prado
articulistas
Ana Paula Patente
André Lázaro
Fabiane Navega
Liliane Garcez
Nilma Lino Gomes
Roberta Panico
Telma Pantano
preparação e
revisão de textos
Adriana Bairrada
edição de arte e design
Ricardo Davino
pesquisa iconográfica
Ricardo Davino
capa
Ricardo Davino
colaboradores
Tiago Santana
Gabriel Santos
Guilherme Figueira
Vinicius Lima
leia nosso acervo digital:
moderna.com.br/educatrix
9
FIO DA MEADA
Equidade e educação
O usufruto da igualdade e da justiça
não se realiza sem a existência do
reconhecimento, da redistribuição
de renda e da equidade. Educação
sem equidade não é educação.
T E XTO Nilma Lino Gomes
10
a ideia de que todos os seres humanos têm direitos Por esse motivo os movimentos sociais implementaram a
iguais é um pressuposto básico da democracia. Esse partir dos anos 2000 a luta pelas políticas de ações afirmativas,
princípio está presente na noção de cidadania, cons- e a educação foi um dos seus principais focos. As ações afirma-
truída na sociedade moderna. Trata-se da ideia de que tivas explicitam que o usufruto da igualdade e da justiça para
o princípio da igualdade confere direitos a todas as todos não se realiza sem a existência do reconhecimento, da
pessoas e, sendo assim, não cabem distinções entre os redistribuição de renda e da equidade.
cidadãos e as cidadãs. Em outras palavras, um Estado Na escola, o processo de construção da equidade implica
democrático, ao garantir direitos, deve fazê-lo para uma série de mudanças em vários níveis de atuação. Um exem-
todos. No entanto, a igualdade não se concretiza desse plo é a revisão do projeto político pedagógico (PPP): é preciso
modo na vida cotidiana. explicitar o compromisso com a Lei de Diretrizes e Bases, alte-
Os contextos de dominação, colonização, escravidão rada pela Lei n. 10.639/2003, sobre as culturas afro-brasileiras,
e lutas pelo poder que forjaram as sociedades modernas e pela Lei n. 11.645/2008, das culturas indígenas. O PPP deve
têm o seu ápice com o advento do capitalismo, que se também pensar nas questões ambientais e de direitos huma-
por um lado afirma que todas as pessoas têm os mesmos nos, na ressignificação da participação da comunidade escolar
direitos perante a lei, necessitam das mesmas coisas e na gestão democrática. Produzir uma educação com qualidade
têm a liberdade para consegui-las, por outro, seguindo e equidade exige uma revisão do material didático e dos acervos
a lógica do mercado, sustenta a desigualdade real e não literários e da brinquedoteca para que a diversidade brasileira e
garante a igualdade na aplicação desses mesmos direi- do território esteja aí representada. A acessibilidade das pessoas
tos. Uma coisa é a igualdade formal e outra é a igualdade com deficiência faz parte das políticas de equidade.
de condições materiais que todos deveriam ter para É preciso ressignificar a relação ensino-aprendizagem re-
alcançá-la. Se as sociedades são desiguais e pautadas conhecendo, compreendendo e inserindo os saberes construí-
no acúmulo de riquezas de uns poucos e na pobreza de dos pelos estudantes na sua vivência comunitária, social, cul-
muitos, falta problematizar o princípio de igualdade tural, étnica, racial, de gênero, de idade, de orientação sexual
com as noções de justiça e equidade. como eixos pedagógicos do currículo e não como momentos
Na contramão do mercado como eixo condutor da ilustrativos. Os materiais pedagógicos devem ser acessíveis a
vida em sociedade, a partir do século XX, construímos todos os estudantes e é importante conhecer a diversidade que
lutas sociais em prol de uma cidadania mais plural, do existe na sala de aula. Pensar a relação entre equidade e edu-
direito à diferença, de uma igualdade que reconheça o cação é uma proposta exigente uma vez que diz respeito à am-
trato desigual que recai historicamente sobre coletivos pliação e ao aprofundamento da nossa concepção de educação
sociais diversos que são considerados fora do padrão democrática, laica, inclusiva, socialmente referenciada. Para
ocidental de humanidade. ser equânimes, a educação e a escola precisam ser antirracis-
Nesse contexto, a equidade coloca-se como hori- tas, antimachistas, anticapacitistas e antiLGBTQIA+fóbicas.
zonte, possibilidade e potência para que, articulada A equidade não deve ser um alvo a ser alcançado pela edu-
aos princípios da igualdade e do reconhecimento, via- cação democrática que queremos, mas sim o caminho para a
bilize a construção de políticas e práticas que visem a sua efetivação por meio de um posicionamento político e pe-
um tratamento mais justo aos sujeitos contemplando dagógico afirmativo que reconheça as diferenças dos sujeitos e
as diversas diferenças. garanta a igualdade de direitos e oportunidades como trunfos
A equidade é parte intrínseca da justiça social. É um para uma vida justa.
substantivo feminino originário do latim, aequitas e
aequus, que significa “justo”, “igual”, “simétrico”.
No Direito, a equidade diz respeito ao julgamento jus-
to para todos, tendo em vista as distintas condições de nilma lino gomes
indivíduos ou grupos. É professora titular emérita da UFMG. Doutora em Antropologia Social (USP) e
pós-doutora em Sociologia (Universidade de Coimbra) e em Educação (UFSCar-SP).
Educação que não leve em conta a equidade não me-
Pesquisadora do CNPq. Consultora de políticas antirracistas da Fundação Santillana.
rece ser chamada de educação de qualidade. Educação é
um bem social e coletivo, portanto deve atender a toda para saber mais
h BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes
comunidade. Por isso, quando falamos sobre igualdade, Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
equidade e justiça na educação, é preciso considerar o h SOUZA, Eliete de. Problematizando a equidade: a questão da inclusão profissional
papel importante dos movimentos sociais, que denun- da pessoa com deficiência. São Paulo: PUC, 2006. Mestrado em Psicologia Social.
h SPOSATI, A. Exclusão social abaixo da linha do Equador. In: VERÁS, M. P. B. (ed.) Por
ciam o trato desigual e não equânime dado aos coletivos uma sociologia da exclusão social: o debate com Serge Paugam. São Paulo: Educ, 1999.
sociais diversos transformados em desiguais e tratados h RODRIGUES, Tatiane Cosentino; ABRAMOWICZ, Anete. O debate
contemporâneo sobre a diversidade e a diferença nas políticas e pesquisas
como inferiores, tais como negros, mulheres, quilom- em educação. Educação e Pesquisa [on-line]. 2013, v. 39, n. 1. pp. 15-30.
bolas, indígenas, pessoas do campo, pessoas com defi- Disponível em: mod.lk/ed24_fm1. Acesso em: 26 abr. 2023.
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EN TREVI STA R ODR I GO HÜB N E R M E N D ES
A escola
inteira ganha
com a
educação
inclusiva”
12
Conheça o trabalho pioneiro de Rodrigo Hübner Mendes
que dá insumos para a inclusão se tornar realidade para todos.
TE XTO Paulo de Camargo
o ensino brasileiro tem desafios gigantescos em Mendes. Administrador, mestre em Gestão da Di-
diversas áreas, mas, em todas, há pelo menos um versidade Humana pela Fundação Getúlio Vargas
elemento em comum, em diferentes dimensões: o (FGV), Mendes criou, em 1994, o Instituto Rodri-
conceito de educação inclusiva. A cultura reconhe- go Mendes, que desde então se tornou uma refe-
cidamente excludente da educação básica, no país, rência na área.
encontra sua expressão também no atendimento de Autor do livro Educação inclusiva na prática,
crianças e adolescentes com deficiência – e essa é a publicado pela Fundação Santillana e Editora Mo-
razão de existir do Instituto Rodrigo Mendes. derna, Mendes é membro do Young Global Leaders
“Trabalhamos para que nenhuma criança e ne- (Fórum Econômico Mundial) e concedeu uma en-
nhum adolescente fiquem fora da escola em vir- trevista exclusiva para a Educatrix tratando dos
tude de uma característica ligada ao campo da desafios que o campo da educação de pessoas com
deficiência”, explica o advogado Rodrigo Hubner deficiência enfrenta no Brasil.
13
EN TREVI STA R ODR I GO HÜB N E R M E N D ES
educatrix Como é possível recuperar a história da educação educatrix É por isso também que o conceito de educação in-
de crianças e adolescentes com deficiência antes de falarmos clusiva abrange o universo que vai além da oferta educativa
no cenário atual? para crianças e adolescentes com deficiência. Há múltiplas fa-
rodrigo hübner mendes Pretendemos gerar transformações ces da inclusão que expressam a demanda por direitos, certo?
em um campo em que historicamente crianças e adolescentes mendes Sim. A proposta da educação inclusiva surge a partir
passaram por enormes processos de discriminação e exclusão do amadurecimento da própria pedagogia e da discussão so-
em todos os âmbitos. Isso se observa também na questão do bre direitos humanos, como uma resposta ao que a sociedade
acesso à educação. Estamos falando da história da humanida- colheu depois de tanto tempo investindo em um modelo da
de. Na educação, essas pessoas foram completamente excluí- segregação em salas especiais. Ainda persistem falsos dilemas,
das e apenas no século passado esse processo começou a ser como o que sugere que crianças seriam mais bem atendidas
repensado. Como política pública, ou seja, buscando escala e em lugares próprios, e que isso representaria uma proteção...
reservando investimentos para a implementação, esse é um É preciso entender que uma escola especial é quase sempre
processo muito recente. Inicialmente, isso aconteceu com o uma instituição muito pequena, que recebe dinheiro do Es-
surgimento de escolas especiais. tado. Raramente essas instituições seguem o currículo oficial.
Mas o que se observa, e muitas vezes é explicitamente colo-
educatrix Por que se pensava em salas e escolas chamadas cado, é a reprodução de uma crença segundo a qual aquelas
especiais? crianças precisam ser protegidas, pois não têm a capacidade
mendes Esse era o paradigma então vigente – um modelo se- de construir autonomia.
gundo o qual seria necessário um ambiente restrito, reservado
especificamente para o público com deficiência. Daí a ideia de educatrix Essa é uma visão que permeia toda a sociedade...
especial, de especificidade. Era um princípio de separação em mendes A visão de mundo de muitas instituições, transmitida
um tipo próprio de instituição que lidaria exclusivamente com para os pais, é de que essas crianças não deveriam ser compara-
esse público. Mas tudo isso evoluiu nas últimas décadas, no das com as outras e que não se deve ter grandes expectativas no
mundo inteiro, para o que se busca hoje: uma educação ver- seu futuro. Quando se fala em pessoas com impedimentos in-
dadeiramente inclusiva. telectuais, isso predefine um horizonte de autonomia, como se
fosse possível ver o ponto de chegada antes mesmo da largada.
educatrix É um desafio planetário... Muito bem, depois de décadas podemos perceber que este é um
mendes Só para que você tenha uma ideia da dimensão do que modelo que fracassou, não gerou resultados. Hoje são adultos
estamos falando, de acordo com a Organização Mundial da completamente dependentes de suas famílias ou de institui-
Saúde, existe no planeta um bilhão de pessoas com deficiência, ções, e isso sinaliza um fracasso.
perto de 15% da população no mundo. Quando pensamos na
participação dessa população, tanto nas etapas educacionais, educatrix E por que a inclusão ainda gera tanta insegurança
como na inserção no mundo do trabalho, vemos a profundi- na escola?
dade da desigualmente que persiste. É sempre extremamente mendes Porque muita gente ainda entende que o que está sendo
relevante ressaltar a desigualdade, que é gigantesca. proposto é simplesmente uma transferência de um público que
14
antes frequentava instituições especializadas para o universo pedagógica que valoriza o contexto individual em um proces-
da escola convencional. É claro que não funciona simplesmen- so singular de aprendizagem, que aposta em formas distintas
te matricular uma criança com algum tipo de deficiência em de se relacionar com o conhecimento, que dá abertura para os
uma escola comum. Esse é só um primeiro passo. Para que o próprios alunos participarem e contribuírem com a jornada
processo educativo aconteça, a escola e os professores preci- educativa – tudo isso representa um conjunto de atualizações
sam se transformar e rever o seu projeto político pedagógico e mudanças necessárias para a escola e para os educadores. Não
pela mesma lógica que nos últimos 15 anos vem funcionando há como continuar com uma rotina pedagógica cristalizada
em várias partes do mundo. Temos encontrado, em todas as re- quando você traz a diversidade para dentro da sala de aula. É
giões brasileiras, casos muito exitosos. É preciso, com olhar de preciso buscar novas informações, rever sua organização como
pesquisadores, entender o que deu certo, como deu certo, para professor, introduzir novos recursos, buscar alternativas.
compartilhar as experiências bem-sucedidas.
educatrix Os marcos legais que temos favorecem o avanço?
educatrix O que deve ocorrer para a educação inclusiva funcionar? mendes Nosso marco regulatório é bastante robusto. No Bra-
mendes Temos de buscar os elementos que são imprescindí- sil, se pensarmos em uma curva de amadurecimento, há um
veis em transformações multidimensionais. Estamos falando ponto de inflexão a partir de 2006, quando a Organização das
do cotidiano escolar, mas também de outras dimensões. Eu Nações Unidas (ONU) publica a Convenção sobre os Direitos
destaco, em primeiro lugar, a necessidade de se investir na das Pessoas com Deficiência, documento que se torna o gran-
formação dos professores e de todos os profissionais da equi- de referencial internacional. O Brasil não apenas assinou essa
pe pedagógica, quer dizer, de ampliar o seu repertório com convenção como decidiu incorporá-la à própria Constituição
alternativas pedagógicas e com o uso das novas tecnologias. Federal, o que pouca gente sabe. Na prática, isso quer dizer
Há muitas tecnologias de baixo custo que ajudam muito na que todas as leis – sejam federais, estaduais ou municipais –
eliminação de barreiras. Em segundo lugar, é preciso haver precisam estar de acordo com a Constituição e, portanto, com
tempo de planejamento pedagógico. Isso significa tempo para a Convenção, que ressalta a importância de eliminar barreiras
a equipe educativa se reunir para discutir os casos, para que sociais, e não apenas discutir o impedimento com foco na pes-
pensem estratégias diversificadas. Ou seja, estamos falando soa. Qualquer lei que não siga esse princípio não está dialogan-
em sair de um padrão que vem se mostrando insuficiente, de do com a nossa Constituição Federal.
um modelo baseado apenas em foco no conteúdo, com o uso
de livro didático e lousa. educatrix E como isso se desdobrou nas políticas públicas
brasileiras?
educatrix Você considera que esse mesmo princípio também mendes A partir desse momento, em 2008, o Brasil lançou
fortalece a escola do ponto de vista pedagógico para todos? uma Política Nacional de Educação Especial muito alinhada
mendes Claro! No final do dia, o que se percebe é que a quali- com a Convenção. Trouxe uma novidade muito importante,
dade do ensino da escola ganha com todas as transformações. a ressignificação do papel da Educação Especial, que é uma
A inclusão é uma demanda contemporânea que diz respeito a modalidade na arquitetura da educação brasileira. Até então,
todas as crianças e a todos os adolescentes. Uma abordagem era essa modalidade que tinha de assumir a incumbência
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EN TREVI STA R ODR I GO HÜB N E R M E N D ES
de oferecer escolarização da população com deficiência, em educatrix Muitas vezes, no entanto, as escolas se queixam
salas especiais. A partir de 2008, isso é rompido. As crianças da falta de suporte dos órgãos gestores. Isso é real?
e os adolescentes devem ser incluídos nas escolas comuns e mendes Claro, seria subestimar o desafio. É preciso garantir
as escolas especiais devem apenas apoiar as escolas comuns a infraestrutura de acessibilidade. Além disso, é um trabalho
a atender a demanda e oferecer serviços complementares no necessariamente intersetorial. O município precisa pensar,
contraturno. Esse atendimento no contraturno é um serviço por exemplo, o transporte público. Da mesma forma, os ser-
que deve ser desempenhado por professores com formação, viços de apoio precisam ser destacados. Uma instituição con-
com o objetivo de ajudar as equipes a identificar barreiras e vencional de ensino pode precisar de um especialista para algo
apoiar o professor, e também apoiar o aluno. Ou seja, é uma mais operacional, de um cuidador ou até mesmo de intérprete
função que pode ser desenvolvida pelas instituições especia- no caso da criança surda, e assim por diante. Então, estamos
lizadas, mas nunca como uma substituição à escola e ao pro- falando de ações que pressupõem investimento e de políticas
fessor. Não se trata de trocar, mas de somar. públicas que reservem recursos de seu orçamento geral para
que a escola possa dar conta desse conjunto de mudanças e
educatrix E como isso se refletiu no atendimento? que precisam acontecer em escala, em todas as redes. Mas eu
mendes Isso gerou uma completa mudança no panorama, queria destacar sempre a importância da dimensão da abor-
como mostram os dados de matrículas. Houve um crescimen- dagem pedagógica inclusiva. A equipe de professores precisa
to vertiginoso de matrícula nas escolas regulares, acompanha- apostar em práticas didáticas mais diversificadas, e para isso a
do de um decréscimo proporcionalmente inverso das matrí- formação e a troca de experiências são essenciais.
culas em escolas especiais. Outra consequência importante foi
o crescimento no número absoluto de matrículas. Entre 2010 educatrix E sobre o momento do Instituto Rodrigo Men-
e 2020, o número de matrículas passou de 702,6 mil para 1,3 des, que completará 30 anos em 2024?
milhão de alunos, da Educação Infantil ao Ensino Médio e edu- mendes Nosso trabalho é buscar diariamente experiências
cação profissional. de educação inclusiva que estão dando certo, gerando trans-
formações positivas. Buscamos sistematizar tudo e transfor-
educatrix E como você avaliaria o momento hoje? mar em conteúdo. Publicamos o que produzimos no Portal
mendes Passamos por um período difícil e tivemos alguns Diversa (www.diversa.org.br), uma plataforma aberta em
alertas de retrocesso, inclusive na Educação Especial. Hoje, que os educadores poderão encontrar um conjunto muito
podemos dizer que vivemos um tempo de experiências ino- grande de artigos, estudos, exemplos, materiais, bem como
vadoras muito bem-sucedidas, consistentes, encontradas a possibilidade de estabelecer diálogos. Mas é importante
em todas as partes do Brasil. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que não investimos na crença de receitas prontas. Isso
lembrar que as instituições ainda estão em uma etapa inicial não existe, é uma ilusão. Acreditamos na oferta de uma bi-
dessa transformação, com equívocos muito explícitos. É um blioteca de referências que possa ampliar a paleta de cores
cenário plural, no qual boas práticas convivem com práticas dos professores para que possam criar o seu próprio projeto
muito atrasadas. com base em outras fontes e ideias que deram certo.
16
educatrix O Instituto Rodrigo Mendes trabalha com for- cisão, especialmente na esfera pública?
mação digital e presencial? mendes Temos também um outro pilar, que é o trabalho feito
mendes Temos diferentes formatos, seja presencial, pre- junto às lideranças. Atuamos com advocacy junto aos nossos
sencial a distância ou cursos digitais autoinstrucionais. legisladores, aos gestores públicos e também eventualmen-
Tudo pode ser acessado no site www.institutorodrigomen- te trabalhamos em parceria com o Judiciário. Nosso papel é
des.org.br. Os cursos são planejados a partir de demandas constantemente colocar essa pauta na agenda, garantir que
diretas dos educadores, dos municípios, dos gestores que esse assunto não seja deixado como algo periférico ou secun-
nos pedem apoio, em todas as etapas. Já formamos mais dário, como muitas vezes aconteceu na história.
de 100 mil professores. Temos a missão de longo prazo de
apoiar esses 2 milhões de professores que estão na educação educatrix Qual é o impacto de uma educação mais inclusiva
básica para que todos possam ter acesso a um conhecimen- para a sociedade como um todo?
to mais amplo da educação inclusiva. mendes Este é um investimento importante também do ponto
de vista do desenvolvimento econômico. É fundamental prio-
educatrix Muitas vezes, os professores pedem formações rizar a dimensão educativa, social, mas a partir disso podemos
mais específicas para diferentes tipos de condições dos ressaltar o impacto dessa política em outros campos. Há estu-
alunos. Isso é eficaz? dos internacionais que mostram, por exemplo, que a exclusão
mendes Há uma visão quase intuitiva por parte de muitos das pessoas com deficiência pode significar a perda de 2% a 5%
profissionais que se possa organizar o processo formativo a do PIB de um país, seja pela diminuição da capacidade pro-
partir dos tipos de deficiência. Parece correta, mas, atuan- dutiva, de pessoas que deixam de exercer plenamente seu po-
do há tantos anos nessa área, percebemos que essa é uma tencial quando não recebem educação, seja por familiares que
percepção equivocada. Uma coisa é oferecer para o profes- muitas vezes deixam de exercer sua própria atividade profis-
sor formação para que pense a educação inclusiva como um sional por serem demandados por essas crianças e esses adul-
todo, naquilo que é papel do professor, ou seja, definir as tos. Além disso, o próprio Estado deixa de investir recursos em
estratégias pedagógicas para seus alunos, na relação cole- manutenção de serviços de assistência social, moradia... Ou
tiva. Outra é a informação específica, das tipologias e es- seja, a exclusão custa caro no longo prazo.
pecificidades, que está no campo da saúde, que não devem
ser endereçadas pelo professor. Na escola, precisamos es-
tar atentos às barreiras que impedem a aprendizagem, não
buscar receitas por tipos de deficiência. Em alguns casos,
rodrigo hübner mendes
será necessária a interlocução com outros profissionais, tem dedicado sua vida para garantir que toda pessoa com deficiência
mas com inputs para se pensar o processo de aprendiza- tenha acesso à educação de qualidade na escola comum. É mestre em
Gestão da Diversidade Humana pela Fundação Getulio Vargas, onde atua
gem, e não a condição em si. também como professor. Rodrigo é membro da rede de empreendedores
sociais Ashoka e do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial).
educatrix E como vocês atuam junto aos tomadores de de-
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FOCO
20
Um pouco da história e dos
desafios atuais da EJA
A educação é o caminho para transformar
vidas. É hora de falar sobre a inclusão
geracional e as oportunidades reservadas
pelos novos começos na escola.
T EXTO André Lázaro
21
FOCO
22
Em 2021, o Brasil registrava a taxa
de alfabetização em 95%, mas
havia desigualdades: populações do
Nordeste, do campo, afrodescendentes
e o grupo mais pobre ainda não
haviam alcançado a meta.
ficiência, refugiados, pessoas em situação de res- educação de qualidade foi, ao longo do século XX,
trição de liberdade e migrantes. Listagens como uma herança de classe, protegida por decisões po-
essa deveriam ser motivo de escândalo: as socie- líticas autoritárias que frustraram movimentos in-
dades ocidentais modernas, frutos das revoluções clusivos que buscavam recolocar nossa história na
industrial e democrática, afirmam que a educação trilha republicana, garantindo direitos, reconheci-
— pública, laica e de qualidade — é o principal fa- mento e participação da população.
tor de mobilidade social e de participação na vida Nos períodos democráticos do século passado
cidadã. Exatamente aqueles a quem a sociedade houve iniciativas que promoviam a educação não
impôs maior custo para alcançar uma vida digna apenas como aquisição da leitura, escrita e mate-
são os que estão fora dos processos educativos que, mática, mas também incluíam o conhecimento e
em tese, seriam caminhos seguros para sua inte- a compreensão das dinâmicas de nossa sociedade,
gração na sociedade para a qual contribuem com promovendo a conscientização cidadã dos grupos
seu trabalho e sua participação. tradicionalmente excluídos. Educação para trans-
A tradição brasileira do século XX, período em formação era o lema desse esforço.
que as sociedades ocidentais já haviam equaciona- É nessa chave que o Brasil desenvolve a Educação
do o acesso à educação, manteve parte expressiva Popular, em contraposição às campanhas oficiais
de nossa população em condição de analfabetismo episódicas que pretendiam “erradicar o analfabe-
e exclusão escolar. Como a educação é um bem de tismo”. A metáfora da erradicação revela, de um
transmissão intergeracional, famílias de baixa es- lado, a visão que atribui ao analfabetismo o papel
colaridade têm maiores limitações para que seus predatório das ervas daninhas que devem ser erra-
descendentes alcancem graus mais elevados de dicadas dos canteiros produtivos, como se a cultura
instrução, limitando o acesso a melhores postos de letrada fosse a única válida. Em segundo lugar, atri-
trabalho, remuneração e reconhecimento social. A bui aos próprios analfabetos a responsabilidade
23
FOCO
A EDUCAÇÃO POPULAR
A Educação Popular, fortalecida pela ampliação
da participação democrática dos anos 1950 e 1960,
encontra em Paulo Freire a ontologia e a metodo-
logia para constituir uma pedagogia política e hu-
manitária de grande alcance na América Latina.
Ao contrário do que asseguravam as campanhas
episódicas dos órgãos oficiais, a pedagogia freiria-
na afirmava que educandos e educadores têm sa-
beres próprios que podem ser compartilhados e, a
partir desse diálogo, é possível construir uma nova
compreensão do mundo e de sua dinâmica econô-
mica, política e social. A ontologia partia da con-
cepção da incompletude humana e sua vocação de
“ser mais”. Assim, está inscrito na própria condi-
ção humana o desejo de ampliar o entendimento e
a ação consciente com base na experiência ética da
convivialidade na transformação do mundo. Ler,
escrever e contar são formas de decifrar o mundo
e transformá-lo.
Como sabemos, o golpe militar de 1964, que e dever do Estado e da família, será promovida
impôs 21 anos de ditadura no Brasil, silenciou as e incentivada com a colaboração da sociedade,
vozes críticas que buscavam, pela educação, pro- visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
mover maior participação e transformação da so- seu preparo para o exercício da cidadania e sua
ciedade brasileira. A efervescência dos anos 1960 qualificação para o trabalho.
marca a história brasileira não apenas na educa- Nessa perspectiva, a educação é um valor em si
ção, mas também nas artes, na vida política e na mesma, articulando as dimensões da vida subjeti-
ampliação da cidadania, iniciativas que o golpe va, cidadã e produtiva. Também, são reconhecidos
silenciou. tanto a responsabilidade do Estado como o papel da
Contrariamente à visão oficial, que via apenas sociedade na sua promoção.
carências nas pessoas de baixa escolaridade, a Edu-
cação Popular prosseguiu, afirmando os saberes das POLÍTICAS PARA A EJA
populações oprimidas, a solidariedade que criava Apesar do elevado número de adultos analfabetos
redes de colaboração e reconhecendo nesses grupos e de baixa escolaridade no país, a EJA nunca havia
a potência e a força para romper com as tradições merecido políticas públicas constitucionais de fi-
excludentes que se perpetuavam na sociedade e nos nanciamento e apoio pedagógico. Apenas no início
sistemas de ensino. do século XXI foram estendidos a estudantes e tur-
A Constituição de 1988 marca uma nova etapa mas da EJA benefícios que há muito atendiam aos
da vida brasileira concedendo à educação um lu- demais estudantes da educação básica: financia-
gar distinto daquele subordinado à lógica da segu- mento pelo número de matrículas (apesar do fator
rança nacional autoritária. O artigo 205 traz uma 0,8), livros específicos do Programa Nacional de Li-
concepção de educação que dialoga com a tradi- vro Didático (PNLD), alimentação e transporte. Nos
ção emancipatória: A educação, direito de todos anos 2000, as matrículas em EJA cresceram de 3,8
24
NÚMERO DE MATRÍCULAS DE EJA
E TOTAL DA POPULAÇÃO SEM EDUCAÇÃO BÁSICA QUE NÃO FREQUENTA A ESCOLA
2.000.000
1.750.000
1.500.000
1.250.000
1.000.000
750.000
500.000
[pessoas:]
250.000
0
[idade:] 15 25 35 45 55 65
Fonte: SANTOS, Robson dos. Jovens e adultos com baixa escolaridade, oferta de EJA e desigualdades nas chances de conclusão do ensino
fundamental e do médio. In: Caderno de Estudos e Pesquisas Educacionais, Inep, Brasília, 2019, v. 1, pp. 143 A-174. Gráfico p. 165.
milhões em 2001 para 5,6 milhões em 2006. Depois pulações de 18 a 29 anos do campo, do grupo mais
disso, elas decaíram ano a ano. Entre 2018 e 2022, pobre e da região de menor escolaridade alcancem
diminuíram 21,8%, chegando a 2,8 milhões. 12 anos de estudo, e que jovens brancos e negros
O Brasil vive um processo em que parte signifi- tenham a mesma escolaridade no final do período.
cativa da população adulta não concluiu a educa- Embora haja crescimento em todos os indicadores,
ção básica formal, enquanto se registra a queda do as metas não serão alcançadas no prazo. Em 2020,
número de matrículas e a crescente participação de a escolaridade dos jovens de 18 a 29 anos que inte-
pessoas jovens. Em 2022, quase 400 mil jovens mi- gram o grupo dos 25% mais pobres era pouco maior
graram do chamado ensino regular para turmas de que a metade da meta (7,9 anos).
EJA. O fenômeno está sendo chamado de “juvenili- A meta 9 pretende ampliar a alfabetização da
zação” da modalidade (gráfico acima). população de 15 anos ou mais para 93,5% e redu-
Estão em curso estudos para compreender essa zir o analfabetismo funcional em 50%. Em 2021, o
dinâmica complexa que implica decisões dos siste- Brasil registrava a taxa de alfabetização em 95%,
mas de ensino, que excluem estudantes com baixa mas havia desigualdades: populações do Nordeste,
renda e reduzem turmas da EJA, assim como pesam do campo, afrodescendentes e o grupo mais pobre
as dinâmicas do mercado de trabalho, as motiva- ainda não haviam alcançado a meta. O indicador
ções pessoais e outros fatores. Além disso, as tur- do analfabetismo funcional aponta avanços, mas
mas de EJA nem sempre encontram escolas dispos- insuficientes para a redução projetada. Já a meta
tas a compartilhar seus espaços e recursos. 10, que propõe a educação de jovens e adultos in-
O Plano Nacional de Educação 2014-2024 está tegrada à educação profissional, recuou: em 2012
prestes a se encerrar enquanto duas das três metas apenas 2,8% das matrículas atendiam ao requisito
dedicadas à EJA enfrentam imensas dificuldades. A e em 2021 a proporção ficou reduzida a 2,2%. O
meta 8 diz respeito à equidade: propõe que as po- que era ruim ficou péssimo...
25
FOCO
26
pode se constituir numa resposta política poderosa.
As crises sanitária, econômica, política e social e a
emergência ambiental denunciam que outro mundo
é necessário, um mundo com o qual sonharam edu-
cadores para deter a crescente desumanização que
vivemos. Será que nestes tempos desafiadores have-
rá o encontro criativo da força mobilizadora da edu-
cação popular, associada às possibilidades de oferta
de Educação de Jovens e Adultos e às promessas da
educação ao longo da vida?
É para isso que trabalham todos que reconhe-
cem na educação a força capaz de transformar as
injustiças e iniquidades que alimentam guerras,
destruição e opressão nas sociedades e para cons-
truir um mundo em que todas as pessoas tenham
o direito à educação de qualidade e à vida digna,
sem racismo, sexismo e quaisquer formas de vio-
lência que hoje nos ameaçam.
andré lázaro
Diretor de Políticas Públicas da Fundação Santillana.
27
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VENCEDORES
PARA A VIDA.
BRUNINHO
CAMPEÃO OLÍMPICO -
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do nosso campeão
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para evoluir a cada treino.
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AVALIAÇÃO
2- Atendimento personalizado
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do processo de ensino-aprendizagem, 3- Encontros de gestores e Jornadas
uma vez que dá ao aluno o controle do seu pedagógicas
aprendizado e reflete, também, a prática
pedagógica do professor. 4- Plano de ação
Oferecemos à escola uma gama de 5- Cursos EAD
ferramentas avaliativas, visando a facilitar a
análise e o planejamento dos professores.
• Marketing Educacional
• Formações EAD sistemafb.com.br
2
GESTÃO ES COLAR
30
em plena pandemia, a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (Unesco) lançou o Relatório
Global de Monitoramento da Educação,
que avalia o progresso em direção ao Ob-
jetivo de Desenvolvimento Sustentável
4 (ODS 4) e suas dez metas, bem como
outras relacionadas à Educação na Agen-
da 2030. Ele traz como título Inclusão e
Educação, chamando a atenção para to-
dos os excluídos desse direito e para as
grandes desigualdades educacionais ain-
da existentes. O documento — motivado
pela convocação feita no ODS 4 de garan-
tir uma educação de qualidade, inclusiva
e equitativa, e que foi reforçada na De-
claração de Incheon, aprovada em maio
de 2017 por mais de 100 países — defende
a educação para todos como o principal
indutor para o desenvolvimento mun-
dial. Ao identificar as diferentes formas
de exclusão, como elas são causadas e o
que podemos fazer a respeito, o relató-
rio pode ser considerado um chamado
à ação para abrir caminhos a sociedades
mais resilientes e igualitárias, nas quais
o direito à educação seja vivenciado por
todas as pessoas, sem exceção. Essa in-
tenção é traduzida na forma de dez reco-
mendações, das quais destacamos três:
1.
Ampliar a compreensão sobre a
educação inclusiva: incluir to-
dos os estudantes, independentemen-
te de sua identidade, seu histórico ou
suas habilidades.
2.
Financiar aqueles que foram
excluídos: a inclusão não será
possível enquanto milhões não tive-
rem acesso à educação.
3.
Compartilhar conhecimentos
e recursos: esta é a única ma-
neira de sustentar uma transição para
a inclusão. Atingir a inclusão é um de-
safio de gestão.
31
GESTÃO ES COLAR
33
GESTÃO ES COLAR
1.
tonia com os princípios de uma educação inclusiva, Nosso propósito é a eliminação de barrei-
equitativa e de qualidade. Assim, é papel central da ras: o foco de nossa mobilização deve ser a
gestão promover e garantir espaços de planejamento percepção e a eliminação das barreiras que se en-
conjunto. Não pontualmente, não como algo oca- trepõem entre a pessoa e o direito à educação e à
sional, e sim como prática institucional. O encontro participação plena. As medidas de apoio específi-
deve estar impresso nas expectativas, no hábito, e co podem e devem ser adotadas como parte da in-
transbordar nas ações. Afinal, a cultura inclusiva é clusão escolar, para que a participação das pes-
justamente esse conjunto de valores e atitudes que soas com deficiência, e não só, seja contemplada
se configuram, ao mesmo tempo, como nosso prin- e valorizada. Para tanto, o fluxo de pensamentos
cípio e nossa finalidade e que nos movimentam a e ações educativas deve partir do geral para o es-
quebrar as barreiras existentes. Partimos do pres- pecífico a fim de escapar da falsa dicotomia entre
suposto que cultura não é algo que se constrói em educação comum e especial que acabam por esta-
um dia, ou seja, uma gestão que trabalha pela e na belecer “puxadinhos” ou condicionantes.
educação inclusiva deve estar atenta a oportunizar
2.
formação em serviço. Uma equipe bem informada, O sentido de nossa mobilização é construir
atualizada, está mais apta e ávida a prestar atenção uma escola acessível, considerando todas e
aos materiais que tem à disposição, às políticas pú- cada uma das pessoas, pois o processo para me-
blicas, às discussões teóricas e práticas educacionais, lhorar nossos indicadores de acessibilidade pas-
e a saber utilizar esses recursos em benefício da es- sa pela inclusão e pela equidade na e por meio da
cola e da comunidade. Nesse circuito, a gestão arti- participação e ampliação de repertório individual
cula e dá respostas às demandas. Ao atuar como par e coletivo. A seta é sempre de duplo sentido.
complementar de cada docente, apoia a mobilização
3.
de aprendizagens com base na pluralidade e nas di- Nossa interpretação coloca a pessoa na
versidades presentes em cada turma. Na medida em frente da deficiência: o conceito atual de
que são chamadas a participar, as famílias reconhe- pessoa com deficiência explicita que as relações
cem a importância de não deixar ninguém de fora e sociais devem considerar a diversidade humana
se engajam por entender que suas filhas e seus filhos como valor positivo. A convivência nos mobiliza a
serão pessoas melhores, o que fortalece a relação de ter um olhar crítico sobre nossas respostas dian-
confiança com a escola e ajuda a ressignificar o pa- te de uma situação desafiadora, que saia de uma
pel de cada unidade escolar. Crianças, adolescentes, percepção capacitista.
jovens e adultos, por sua vez, são ensinados em um
mundo real e desafiados a construir vínculos e diá- Como então nos alinharmos diante desse pro-
logos que são motores da aprendizagem. Em outras pósito, sentido e interpretação? Considerando as
palavras, estar na gestão é estar atento para condu- demandas reais, o reconhecimento de habilidades
zir mudanças rumo a uma escola que desconstrua e inteligências das educadoras e dos educadores e a
saberes e práticas racistas, machistas e capacitistas articulação com conceitos e legislações construímos
de maneira coletiva, organizando uma educação que possibilidades de ampliar repertórios individuais e
34
A CULTURA INCLUSIVA É JUSTAMENTE ESSE CONJUNTO DE
VALORES E ATITUDES QUE SE CONFIGURAM, AO MESMO TEMPO,
COMO NOSSO PRINCÍPIO E NOSSA FINALIDADE E QUE NOS
MOVIMENTAM A QUEBRAR AS BARREIRAS EXISTENTES.
transformem o mundo com empatia e compaixão, h UNICEF Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Disponível em: mod.lk/ed24_ge6. Acesso em: 5 abr. 2023.
de modo que promovam crescimento e aprendiza- h UNICEF Brasil, Instituto Claro e Cenpec. (2021).
gem significativos para todas as pessoas. Seu nome Enfrentamento da cultura do fracasso escolar. Disponível
em: mod.lk/ed24_ge4. Acesso em: 5 abr. 2023.
não poderia ser mais convidativo: Reimaginar nos- h WORLD Education Forum, Incheon, Korea R. (2015).
sos futuros juntos – por um novo contrato social da Declaração de Incheon: Educação 2030: Rumo a uma
Educação de Qualidade Inclusiva e Equitativa e à Educação
educação. Ele nos chama a reinventar nossa escola, ao Longo da Vida para Todos (1st ed.). Disponível
valorizar nosso fazer e apostar que todas as pessoas, em: mod.lk/ed24_ge3. Acesso em: 5 abr. 2023.
35
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DE PORTAS ABERTAS
PARA A INCLUSÃO
44
45
P E R S P E C T I VA S
dizem os mais antigos que contra fatos não há argumentos. e é fruto do movimento mundial em prol da educação inclusiva e
Mas será que isso também se aplica aos alunos da educação es- das políticas brasileiras, o que mostra que o país está no caminho
pecial quando o assunto é o direito a uma educação inclusiva, certo em relação à garantia de acesso a esses alunos. Contudo, a
equitativa e de qualidade, tal como recomenda a Organização especialista acredita que a pergunta a ser feita é outra: “Como
das Nações Unidas no Objetivo de Desenvolvimento Sustentá- estamos nos organizando para dar conta desse direito? O que
vel (ODS) sobre Educação de Qualidade? está acontecendo nas escolas?”, questiona ela.
Segundo o Censo Escolar 2022 do Inep (Instituto Nacional de Para Augusto Galery, coordenador de Gestão Educacional
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o número de no Instituto Rodrigo Mendes e professor de Psicologia na Fe-
matrículas desses estudantes na educação básica cresceu 29,3% cap, estamos diante de um novo paradigma de educação. “Já
entre 2018 e 2022. “A população entendeu que lugar de qualquer não cabem remendos para atender estudantes com deficiên-
criança é na escola. Isso é educação inclusiva e ela já está aconte- cia ou outras condições. Precisamos criar um modelo que vá
cendo”, comenta a mestre em Educação Liliane Garcez, ideali- além de ensinar o aluno médio — o que, por si só, é um mito —,
zadora e articuladora do COLETIVXS, grupo que estuda, dialoga mas contemple todos.” Liliane Garcez concorda com Galery
e executa intervenções em prol da inclusão educacional e social. que o desafio não é dos mais simples. “Exige mobilizar as es-
Os dados ainda revelam que o percentual de matrículas de colas para que, de fato, a inclusão se complete. Demanda mu-
alunos incluídos em classes comuns também vem aumentando dar atitudes, estruturas”, afirma.
gradativamente, passando de 92% em 2018 para 94,2% em 2022.
“Até meados dos anos 1990, os estudantes da educação especial INCLUIR É: VALORIZAR, RESPEITAR E FAZER PERTENCER
praticamente só estavam nas escolas especializadas”, lembra Li- “As escolas devem ser espaços educacionais protegidos, uma
liane. Para ela, é um salto e tanto que aconteceu em pouco tempo vez que apoiam a inclusão, a equidade e o bem-estar indivi-
EDUCAÇÃO BÁSICA:
116.287
91.394
29,3% DE AUMENTO
Para todos os alunos, por exemplo, nunca
falamos que eles precisam brincar com o outro
porque este tem uma deficiência. Respeitar
as diferenças é entender, no convívio diário,
que cada um brinca do seu jeito e que,
principalmente, todos adoram brincar. Num
ambiente livre de preconceito e discriminação,
as interações simplesmente acontecem
de forma espontânea entre as crianças.
O desenvolvimento da empatia e a
valorização da diversidade também estão
presentes nos nossos projetos. No ano
passado, na área de Linguagem Oral e Escrita,
trabalhamos com a turma de 5 anos os objetivos
TOTAL: de aprendizagem e desenvolvimento do campo
de experiência ‘O eu, o outro e o nós’, da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), a partir de
1.527.794
204.233
silvana lopes
é diretora e sócia da Escola Quacatú - Unidade 3 –, que
2022 2018 2022 atende crianças de 4 meses a 5 anos, em São Paulo (SP).
93
,2%
DA EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUÍDOS EM CLASSES COMUNS:
FEDERAL
2022
20 1 8
POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA:
94,
92 %
2,2%
DE AUMENTO ENTRE 2018 E 2022
2%
2022
20 1 8
9 8 , 9% 2 0 2 2
9 8% 2 0 1 8
NO PERCENTUAL DE ALUNOS
DE 4 A 17 ANOS ESTADUAL
INCLUIR É: IDENTIFICAR POTENCIAIS, GARANTIR der primeiro qual é o laudo ou o diagnóstico do aluno inevita-
AS MESMAS OPORTUNIDADES E DESENVOLVER velmente acabará limitando as apostas que fará nele”, afirma
“A neurociência parte do princípio de que todos os cérebros Liliane Garcez, especialista do COLETIVXS. Não é à toa que
aprendem”, explica Carola Videira. Sob essa perspectiva, a são sempre os mesmos alunos que vão ficando para trás, que
educação inclusiva é aquela que reconhece a individualidade recebem menos oportunidades. “Acabam sendo vítimas do
das crianças e respeita os diferentes tempos e ritmos de apren- capacitismo, racismo, machismo e outras formas de discrimi-
ensinagem”, comenta a neurocientista. cial para a educação, a Unesco faz um convite para as escolas:
Um dos desafios a ser transpassado é o de o professor ser “Também há o que ‘desaprender’, como vieses, preconceitos
capaz de ensinar a mesma coisa de diferentes maneiras, con- e polarizações hostis. A avaliação deve refletir esses objetivos
siderando as múltiplas inteligências. “O problema é que nosso pedagógicos, de modo que promova crescimento e aprendiza-
sistema de educação ainda impõe barreiras, traça montanhas gem significativos para todos os estudantes”.
e define que todos têm de chegar a determinada altura – e, se
possível, juntos. O conteúdo ainda é pensado para o coletivo, INCLUSÃO À LUZ DA BNCC
em detrimento do indivíduo”, lamenta Carola. A inclusão, como caminho para alcançar a equidade, é tema
Outro aspecto que contribui para limitar, de antemão, até de destaque na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Por
onde o estudante pode chegar são as nomenclaturas, que ro- exemplo, ela está presente nas competências gerais 9 e 10, que
tulam e restringem possibilidades. “A escola que quer enten- destacam respectivamente o “respeito ao outro e aos direitos
48
NA VOZ DE QUEM FAZ
Quebrando
97,8%
97% 2 0 1 8
MUNICIPAL
2022 as barreiras
educação básica com Transtorno Global de Desenvolvimento (TGD), que reúne Transtorno
“É através da educação especial que vamos
49
P E R S P E C T I VA S
50
NA VOZ DE QUEM FAZ
Formação para
quem inclui
“A Emei Gabriel Prestes tem 70 anos
e, nos últimos 20, passamos a receber
alunos da educação especial, mas
o número ainda era baixo: de três a
quatro estudantes por ano. No retorno
ao presencial, após o isolamento
necessário em decorrência da pandemia
de covid-19, esse número cresceu
para duas a três crianças por sala.
E aí veio a questão: como trabalhar
melhor o potencial delas? Como grupo,
vimos a necessidade de desenvolver
um processo formativo para os
professores e refinar nosso olhar para
práticas que já adotávamos.
Como ponto de partida, no ano
passado, escolhemos o tema da
educação inclusiva para o nosso Projeto
Especial de Ação. Nele, os educadores
se debruçaram sobre os marcos
legais e refletiram sobre aspectos
que precisaríamos rever na escola.
Já em 2023, estamos revisitando o
nosso projeto político pedagógico (PPP),
de forma que ele reflita a educação
– inclusive por e para os educadores. De um espaço físico inclusiva e integral que queremos. Com
onde diversas teorias convergem, passaremos a um espaço isso, estamos redimensionando o foco
pedagógico onde elas conversam entre si para atender a da formação dos professores. A inclusão
todas as pessoas.” não será apenas um capítulo do PPP, será
Até então, segundo ele, estávamos acostumados com o transversalizada, passará por todos os
professor no centro da educação. Agora tudo caminha para campos dele e exigirá dos educadores um
que o aluno esteja no centro, e os professores, ao redor, olhar mais afinado para todos os alunos.
discutindo o que fazer em prol dele. Em paralelo, estamos revisando
No contexto da inclusão na escola, o olhar individuali- nossos instrumentos de observação
zado ganha ainda mais importância. “Só é possível ver to- e registro sobre as crianças da
dos se antes eu olhar cada estudante”, completa ele. educação especial, com ajustes que
irão contribuir para os professores
identificarem com mais precisão os
desafios e as potencialidades. E mais:
para saber mais como ampliá-las para que estudantes
h UNESCO. Relatório de monitoramento global da educação: Inclusão e educação: aproveitem todas as experiências e
todos, sem exceção. Disponível em: mod.lk/ed24_ge1. Acesso em: 13 abr. 2023.
h UNESCO e Fundação SM. Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato
vivências que a escola oferece.”
social para a educação. Disponível em: mod.lk/ed24_ge9. Acesso em: 13 abr. 2023.
marilene sales é coordenadora pedagógica
da Emei Gabriel Prestes, em São Paulo (SP).
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Re inventamos os espaços
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A cada resposta errada, o aluno é
guiado paras obter informações
no texto. Todas as interações são
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56
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a trajetória das famílias que buscam por uma Hoje, com o Luigi no sexto ano, vejo
educação inclusiva e um aprendizado equitativo e que nosso trajeto foi cheio de altos e
de qualidade para seus filhos — especialmente para baixos. Na prática, a gente acaba de-
os que são elegíveis à Educação Especial — ainda é pendendo da sorte, da empatia de um
repleta de altos e baixos no Brasil. Ou, como definiu professor, de cair numa turma boa, en-
uma mãe, uma montanha-russa de emoções, bata- fim, de toda uma engrenagem para se
lhas, desalento, vitórias e sempre mais desafios pela ter alguma paz.
frente. Em comum, os familiares revelam o peso da Precisei — e ainda continuo preci-
solidão em suas lutas diárias, o enfrentamento de sando — lutar, me expor e me indispor
olhares preconceituosos e a dificuldade de encon- para que a inclusão escolar seja realida-
trar escolas e educadores que acolham verdadeira- de na vida do meu filho. Para que ele seja
mente seus filhos em todas as suas especificidades e atendido, pelo menos, com o mínimo
potencialidades. que lhe é de direito. Para isso, fui buscar
Por outro lado, pulsam no ritmo da esperan- conhecimento, mesmo sem ter forma-
ça. Buscam novos conhecimentos, pesquisam so- ção acadêmica especializada, para aliar
bre políticas públicas, se colocam à disposição das à minha vivência de mãe de uma crian-
equipes pedagógicas e assumem o lugar de apren- ça autista e, com isso, mostrar para as
dizes da educação inclusiva, que transcende a sala pessoas e para as escolas que tenho pro-
de aula e envolve toda a comunidade escolar. priedade acerca do que estou falando
A seguir, confira o relato de cinco famílias para sobre o meu filho.
conhecer diferentes perspectivas, vivências e ex- Provar que a deficiência invisí-
pectativas em torno da inclusão escolar. vel existe, que não é birra da criança
ou negligência dos pais, é cansativo e
58
e estou, desde já, em busca de uma nova escola que
esteja preparada para receber uma criança com de-
ficiência. E mais: que olhe para a Livia para além da
paralisia cerebral e veja nela todas as suas capacida-
des e potencialidades.
Fico assombrada, porém, pelo medo de que fi-
que isolada dentro da própria sala de aula ou em
uma sala segregada. Ou que não faça amigos, que
sofra. O que mais quero é que ela seja feliz e se de-
senvolva ao máximo. Por isso, pesa sobre mim o de-
ver de escolher bem agora.
Como minha filha se locomove com andador, a
acessibilidade do espaço, ou a disposição da dire-
ção para adaptá-lo, é essencial. É necessário tam-
bém que haja uma pessoa para acompanhá-la, seja
para acessar os diferentes ambientes da escola,
seja para ajudá-la a ir ao banheiro.
São direitos de todo estudante com deficiência,
mas que muitas escolas privadas continuam negli-
genciando, ainda que de forma velada e permeada
por preconceito, falta de vontade e despreparo.
Nos contatos que tenho feito com escolas, sem-
pre questiono se há outros alunos com deficiência
matriculados na instituição. Já cheguei a ouvir:
“não temos crianças com essa condição, mas temos
muita inclusão nesta escola”. Só me resta pensar
como é possível uma coisa dessas.
Hoje, ainda na Educação Infantil, minha filha
estuda em uma escola que realmente leva a edu-
cação inclusiva a sério. Logo no primeiro contato,
a dona foi me mostrando o prédio e indicando as
adaptações que faria. Já veio com tudo organizado,
inclusive com o plano de designar uma auxiliar de
sala para dar todo suporte necessário para a Livia.
Foi incrível a receptividade, tanto por parte da
escola como das outras famílias, desde a primeira
reunião de pais.
Minha filha é convidada a todas as festas de ani-
versário, os amigos querem ajudar a empurrar o
andador, carregam a mochila dela e correm para
abraçá-la. Hoje realmente nos sentimos incluídas,
em um ambiente que é capaz de naturalizar as di-
ferenças.”
59
PANOR AMA
60
escolar da minha filha, aos dois anos. Nos últimos
dez, passamos por uma dúzia de escolas.
FLEXIBILIDADE, CONVIVÊNCIA
O acolhimento era sensacional até efetivar a ma-
trícula. A partir daí, começavam as dificuldades e a
E APRENDIZADO
falta de suporte. Mesmo eu pagando um AT (Aten- { karina sousa } é mãe do Gustavo
dente Terapêutico) para acompanhar a Maria Luísa, Sousa Silva, de 15 anos, que estuda no
diante de qualquer sinal de crise, já me ligavam para Colégio Stockler, em São Paulo (SP).
buscar minha filha. E pior: na rematrícula, sempre
vinham com uma desculpa para ela não permane- Quando soube que meu filho tinha recebi-
cer no ano seguinte. do uma bolsa integral para estudar em um
Em geral, as escolas não estão preparadas para colégio privado, diferentes pensamentos tomaram
lidar com transtornos ou doenças mentais. Minha conta de mim. Tive medo que seu processo de in-
percepção é de que crianças com um desenvolvi- clusão na turma fosse mais difícil por causa da nos-
mento diferente acabam sendo vistas como poten- sa condição financeira. Morávamos na comunidade
cial fonte de gastos e, portanto, indesejadas – espe- e eu não tinha certeza de como ele e as outras crian-
cialmente na rede privada de ensino. ças se sentiriam diante disso.
O ponto de virada veio no ano passado, quando A primeira surpresa foi a reação dos colegas logo
a matriculei no Colégio Militar da Polícia Militar nas primeiras semanas de aula. Ninguém o tratou
de Manaus – Unidade V. Lá as professoras da sala mal ou com diferença pelo fato de ser bolsista ou vir
de recursos multifuncionais, especializadas em de escola pública. E, em boa medida, atribuo isso ao
Educação Especial, entendem mais a Maria Luísa. exemplo dado pela própria escola e do cuidado com
Respeitam o tempo dela, orientam os professores que o processo de inclusão foi conduzido.
de sala e traçam estratégias para trabalhar as difi- Sempre que os professores passavam uma ati-
culdades individuais dos alunos. No caso da minha vidade, a coordenadora procurava saber se ele e
filha, o foco inicial foi desenvolver a autonomia outros bolsistas tinham os meios necessários para
para atividades cotidianas, como amarrar o cadar- fazer a tarefa. Já quando começou o isolamento
ço e abotoar roupas. social na pandemia, se certificou de que tínhamos
Aos poucos, já vamos sentindo o poder da inclu- notebook e conexão de internet em casa.
são. Na sala de aula, ela adora quando chega a sua O Gustavo também esteve sempre cercado de
vez de ser a chefe da turma — uma espécie de re- suporte emocional na escola desde o início. O pon-
presentante de classe. No início, se sentia envergo- to chave trabalhado com ele e com os demais bol-
nhada, Hoje, abraça a função como oportunidade sistas era: a partir do momento em que estou no
de se sentir igual aos outros. Já na sala de recursos, meio do mundo do outro, como faço para me sentir
está sempre pronta para ajudar as outras crianças, à vontade? Afinal, a inclusão não é algo banal. Não
orientá-las e até mesmo resolver problemas; pela dá para simplesmente fundir um mundo no outro.
primeira vez, vejo minha filha criando vínculos no É um processo de convivência e aprendizado, nem
ambiente escolar. sempre fácil, para todas as partes.
Como pontos de melhoria, destaco a importân- Olhando para trás, vejo quantas coisas meu fi-
cia de os professores de sala também participarem lho já aprendeu e ensinou pelo simples fato de ter a
de capacitações focadas em inclusão e que a esco- oportunidade de viver lado a lado com realidades tão
la converse mais com a comunidade escolar sobre diferentes da dele. Meu desejo é que todas as crian-
saúde mental. A conscientização é um passo funda- ças tenham a oportunidade de experienciar os en-
mental para combater o preconceito.” contros que a educação inclusiva proporciona.”
61
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Jornada é
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Neurodiversidade
e os desafios
em sala de aula
É preciso dar protagonismo
às formas como aprendemos
e às diversas potencialidades
cerebrais a favor da aprendizagem.
Estipular objetivos e traçar
planos de aula que valorizam a
diversidade é um desafio possível
e estimulante. Vamos juntos?
T E XTO Telma Pantano
66
67
PENSAMENTO ACADÊ M I CO
68
diversos. Assim, o processo de ensino- ambientais e seleção de rotas neuronais diferen-
-aprendizagem deve permitir a participa- tes, provocando assim condições de processa-
ção direta do aluno no processo de ensino mento da informação completamente distintas.
(construção do conhecimento) e o acom- O cérebro apresenta predisposições temporais
panhamento constante desse processo pelo para maturações de determinadas áreas cerebrais,
professor (verificação dos significados ad- porém, em razão dos estímulos advindos do am-
quiridos pelo aluno). biente e do próprio corpo, a intensidade da matura-
Esse conceito envolveria uma mudança ção cerebral no comportamento é bastante distinta
de perspectiva para o professor a partir do em cada indivíduo. Nesse conceito, não se trata de
momento que os alunos, de forma singular, uma questão de “esperar” a maturação cerebral,
passam a ser o objetivo principal da elabo- mas sim de fornecer estímulos adequados, visando
ração das estratégias de ensino e não o con- à funcionalidade da relação cérebro e ambiente.
teúdo pedagógico. O conteúdo seria uma Há períodos críticos que acontecem em idades
pequena parte do processo de construção distintas em diferentes partes do cérebro. Assim,
do professor que deve considerar os diver- por exemplo, estímulos visuais apresentam uma
sos canais sensoriais (entradas) e os diver- seleção nos primeiros meses de vida e, portanto,
sos significados que esses conteúdos podem ocorre a maturação nos primeiros anos. Com re-
adquirir para cada um dos alunos (com base lação aos estímulos auditivos, temos uma seleção
nas especificidades de cada cérebro). refinada e bastante distinta das áreas e rotas de
O resultado desses processamentos cere- maturação com maior refino por parte do cérebro
brais só pode ser conhecido se for continua- nos primeiros meses de vida e na adolescência. Já
mente monitorado pelo professor. Isso não no início da vida adulta, ocorre um refino e apri-
significa provas e/ou atividades avaliatórias moramento dessas vias, visando à adequação em
constantes, mas a participação ativa do aluno diversos ambientes e situações.
no contexto de aprendizagem através de As funções executivas — que se localizam prio-
expressões verbais, escritas, gráficas e/ou ritariamente nos lobos pré-frontais, mas cujo fun-
lúdicas que permitam ao cérebro represen- cionamento depende de todas as outras áreas do
tar ao ambiente as novas aquisições e os no- cérebro — têm um aumento de conexões signifi-
vos significados atribuídos. cativas até os cinco ou seis anos e, até o início da
São essas significações que poderão ser vida adulta, ocorre o seu refino e aprimoramento
registradas como informações permanen- (Diamond, 2013). As funções executivas são um
tes por parte dos alunos e não o conteúdo conjunto de funções requisitadas pelo nosso cére-
produzido pelo professor. Tudo o que vive- bro quando não conseguimos responder de forma
mos e significamos adquire significados e automática aos estímulos, sendo um exemplo im-
memórias diferentes em função das diver- portante de neurodiversidade. O comportamento
sas estruturas e organizações cerebrais que resultante da ação das funções executivas pode ser
cada um de nós tem e seleciona ao longo da funcional ou disfuncional mesmo com a maturação
nossa vida. completa da área associada a essas funções. Assim,
Atualmente, não conhecemos uma jus- o comportamento resultante está diretamente re-
tificativa para essas diferenças iniciais (em lacionado às memórias que foram construídas, as-
termos dessas conexões e inter-relações sim como às possibilidades de modificação do com-
sensoriais pelo cérebro) e que culminam portamento após a aprendizagem do ambiente.
em processos cerebrais de organização
e significação ambientais bastante dife- A NEURODIVERSIDADE E A APRENDIZAGEM
rentes “da média”. Portanto, não sabe- Frente à grande neurodiversidade existente, há
mos como reverter essas diferenças. Tais uma tentativa de “agrupar” e descrever padrões
variações podem se acentuar ou reduzir de funcionamento gerais que serviriam como base
nos primeiros anos devido a estimulações de diversos funcionamentos cerebrais. Ainda
69
PENSAMENTO ACADÊ M I CO
70
ESTRATÉGIAS
embora o conceito de neurodiversidade seja regra nas neuro-
ciências, alguns funcionamentos já são esperados em algumas
patologias e, com isso, é possível definir estratégias prévias
de suporte. A proposta aqui é instrumentalizar o professor, a
escola e as equipes em atendimento direto a crianças e ado-
COM ALGUMAS
características e sintomatologias clínicas, o professor e a equi-
pe multidisciplinar devem identificar quais medidas benefi-
ciariam diretamente o aluno e por quanto tempo devem ser
utilizadas. Vamos adentrar algumas delas a seguir:
ESPECIFICI-
DADES
71
PENSAMENTO ACADÊ M I CO
1 TRANSTORNO DO
DÉFICIT DE ATENÇÃO
COM HIPERATIVIDADE (TDAH)
Uma vez que o aluno com TDAH apresenta difi-
culdades importantes relacionadas a motivação,
noções de percepção do tempo e da organização
mental dos elementos necessários para a aprendi-
zagem no contexto educacional, é necessário con-
siderar essa criança como parte ativa do processo
de ensino, não só por meio da verificação constante
da organização mental do conteúdo das aulas, mas
também pela participação motora ativa da criança
no contexto pedagógico. A criança com TDAH pre- entre atividades que envolvam movimento (ou seja, em
cisa se movimentar, e atividades como a entrega de que a criança possa se levantar e caminhar) e ativida-
material para o grupo, a possibilidade de auxiliar des mentais. Os enunciados devem ser simples, claros
o professor na mudança de tela (no caso de lousa e concisos, utilizando-se palavras concretas. Deve-se
digital), possibilidades como apagar a lousa e reco- considerar espaço para a realização após cada etapa dos
lher determinado material com os colegas tornam- enunciados para que o aluno desenvolva o raciocínio.
-se momentos importantes em que o motor pode se É fundamental que em situações de avaliação o ma-
associar à aprendizagem de forma mais constante e terial venha com grifos e destaques nas palavras de
socialmente aceita. ordem e direcionamento. Cada etapa a ser realizada
No caso de crianças com TDAH, torna-se fun- deve ser apresentada numa linha separada deixando o
damental que o professor possa monitorar o aluno, espaço necessário para a realização. Pode-se indicar à
que respeite o seu tempo atencional e permita que a criança que coloque um visto ou risque os enunciados
aprendizagem aconteça em períodos curtos, ou seja, à medida que eles forem sendo cumpridos. Vale tam-
que a aprendizagem possa ocorrer “em blocos”. bém destacar os símbolos das atividades em matemá-
O uso de estratégias constantes para o resgate de tica com cores diversas ou em destaque (marca-texto).
informações deve se tornar uma rotina no contexto As atividades para as crianças e adolescentes com
educacional até mesmo para permitir ao professor TDAH devem ser fornecidas de forma segmentada com
monitorar o que o grupo compreende do conteúdo pausas frequentes entre elas, permitindo que se levan-
aplicado. Pedir a determinada criança que diga uma te, beba água, aponte alguns lápis ou mesmo saia da sala
palavra, uma frase ou uma imagem que resuma o para realizar alguma atividade externa rápida. Pode-se
que acabou de ser explicado pode trazer para a classe combinar regras para que a criança usufrua das pausas;
a sensação de que a atenção é necessária, assim como por exemplo, a cada três exercícios completados são
o registro de informações para que possam respon- concedidos três minutos de pausa.
2
der ao professor de uma forma lúdica e espontânea.
Nessa mesma linha de construção do pensamento, o
professor pode organizar o conteúdo pedagógico de
TRANSTORNO DO
forma que traga pausas que permitam ao aluno pre-
ver o que virá em seguida com formulações como “o
ESPECTRO AUTISTA (TEA)
que você acha que vai acontecer?” ou “como você A rigidez dos conteúdos e a dificuldade de abstração
resolveria esse problema?”. e construção de conhecimentos dentro do espec-
Cada criança estrutura o pensamento dos con- tro autista exige do professor atenção na preparação
teúdos abordados pelo professor de forma indivi- para a aula. É sempre importante iniciar com o que
dual e singular. Vale a pena pedir a alguma criança o aluno já sabe a respeito do tema, mesmo que sejam
aleatoriamente que repita e resuma as informações experiências práticas sem nenhuma elaboração cons-
fornecidas pelo professor, permitindo o monitora- ciente. Esse tipo de proposta favorece mentalmente o
mento dos conteúdos apreendidos e a reorganização conteúdo da sala e melhora a autoestima no contexto
das informações com a linguagem do próprio aluno. educacional. Dessa forma, torna-se importante reali-
Se possível, as atividades devem ser alternadas zar um levantamento do que as crianças já conhecem
72
sobre o assunto a ser abordado. O levantamento vas, como através da oralidade, de gravações dos
pode ser realizado em papel com palavras simples conteúdos, apresentações visuais, PowerPoint,
ou imagens rapidamente rabiscadas (não mais de Prezi, gráficos, mapas e imagens. Dessa forma
dois minutos para ativar o conhecimento prévio). também é possível ajudar crianças que tenham
É possível estruturar o conteúdo de aula a partir de pouca fluência de fala e/ou escrita.
exemplos e situações vividas pelas crianças, mos- Torne a rotina de sala de aula clara e previsível.
trando novas formas de incorporar conteúdos pe- Mostre as palavras-chave de um texto e indique
dagógicos na vida diária. Esse mesmo levantamen- os pontos fundamentais para que a criança possa
to pode ser feito ao final da aula para a verificação compreender melhor o texto escrito.
dos conceitos adquiridos. É importante dividir o texto em partes menores
É essencial tornar as atitudes em sala de aula para que a compreensão possa ser garantida. Na
previsíveis, com poucas regras e estipuladas em lousa, a escrita deve ser clara e espaçada. Permita
conjunto com o grupo. A constância nas ações con- ao aluno que fotografe ou copie o caderno do co-
tribui para a organização da criança. No caso de di- lega caso não consiga realizar as cópias em tempo
ficuldades com a letra cursiva em função de ques- suficiente. Vale a pena combinar previamente com
tões psicomotoras ou impulsivas, deve-se permitir o aluno as questões ortográficas que serão descon-
o uso de letra bastão e/ou o uso de alternativas ao tadas na nota. Coloque lembretes na prova como
sistema de escrita, como o uso de gravador conjun- um auxílio para a revisão do conteúdo.
to com a escrita ou mesmo a digitação de conteúdos Incentive atividades orais e representações de
principalmente em situações avaliativas. conteúdo com pouco registro gráfico (tabelas, grá-
Pode-se anotar em um canto da lousa a sequên- ficos e mapas mentais). Permita que a apresentação
cia de ações para que a criança possa se reorgani- de atividades possa vir em modelos variados, assim
zar com relação aos conteúdos e/ou à atividade em como a anotação de sala de aula.
qualquer momento. Risque as atividades à medida
que forem sendo realizadas e/ou cumpridas.
Permita que as atividades de sala ou mesmo de
casa possam ser apresentadas de formas alternati- telma pantano
vas, como através da oralidade, de gravações dos é fonoaudióloga e psicopedagoga do Serviço de Psiquiatria
Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
conteúdos, apresentações visuais, PowerPoint, (FMUSP), coordenadora da equipe multidisciplinar do Hospital
Prezi, gráficos, mapas e imagens. Dessa forma tam- Dia Infantil do Instituto de Psiquiatria da FMUSP, professora
colaboradora da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP),
bém é possível ajudar crianças que tenham pouca especialista em Linguagem, Mestre e Doutora em Ciências
fluência de fala e/ou escrita. pela FMUSP, Master em Neurociências pela Universidade de
Barcelona (Espanha), pós-doutora em Psiquiatria pela FMUSP.
3
para saber mais
h BAKER, DI. The politics of Neurodiversity: why public policy
matters. Boulders, CO: Lynne Rienner Publishers, 2011.
DISLEXIA h BARON-COHEN, S. Editorial Perspective: Neurodiversity
— a revolucionary concept for autism and psychiatry.
Journal of Child Psychology and Psychiatry,
Use e abuse de imagens. Uma outra medida bastante 58:6, 2017. p. 744-747.
simples e que auxilia bastante crianças e adolescen- h BERNICK, M. Effective Autism (Neurodiversity)
Employment. Forbes, 15 jan. 2019.
tes na organização do pensamento antes de iniciar a h DIAMOND, A. Executive Functions. Annual Review
escrita é permitir o uso de gravador para que a crian- of Psychology, 64, 135-168, 2013.
h DOYLE, N. Neurodiversity at work: a biopsychosocial
ça possa organizar as ideias antes de escrevê-las. Essa model and the impact on working adults. British
medida é bastante importante quando o aluno com Medical Bulletin, 135: 108-125, 2020.
h MCLOUGHLIN, D.; DOYLE, N. The Psychological Assessment
dislexia deve organizar uma resposta mais longa e
of Adults with Specific Performance Difficulties at Work.
elaborada e essencialmente na produção textual. Leicester: British Psychological Society, 2013.
Recorra a uma grande variedade de materiais h PANTANO, T. Neurociências e Educação. Revista
Aprendizagem, Rio de Janeiro (3), 54-56, 2010.
em aula e nas tarefas (não deixe para casa só cader- h PANTANO, T. et al. Funções cognitivas fundamentais para a
nos, livros e exercícios), mas utilize também filmes, aprendizagem: processamentos auditivo e visual, atenção, memória,
linguagem e funções executivas. In: A. D. P. Serafim, C. C. A. Rocca,
sons, cartões e imagens que possam ser tocadas e P. D. Gonçalves, P. D. (Orgs.). Intervenções neuropsicológicas
discutidas pelo grupo. em saúde mental. Barueri: Manole, 2020. pp. 201-213.
h PANTANO, T.; ZORZI, J. L. (Orgs.). Neurociências
Da mesma forma que crianças com TEA, deve- aplicada a Aprendizagem. São José dos Campos:
-se permitir que as atividades de sala ou mesmo de Pulso Editorial, 2009. p. 190. v. 1.
73
Apresentação disponível em Formações Educatrix:
78
Superdotação
e a formulação de
estratégias em
sala de aula
Saiba quem são os
estudantes com altas
habilidades/superdotação
e as possibilidades de
atendimento pedagógico
no ambiente escolar.
T EXTO Fabiane Navega
79
PLE NOS SABE R E S
quantos não são os profissionais que atuam na tipo é composto daqueles com grandes capacidades
sala de aula cuja prática os levou a pensar sobre a de desenvolver pensamentos e soluções para a vida
diversidade e com isso terem suscitado a possibi- social; estes costumam ser menos sobressalentes no
lidade de encontrar estudantes com altas habilida- ambiente escolar.
des/superdotação (AH/SD)? Efetivamente, essas Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca
crianças estão inseridas no contexto educacional, de 3,5% a 5% da população possui essa capacidade.
mas algumas ideias equivocadas sobre o assunto No entanto, de acordo com os resultados apresenta-
impedem a sua identificação e o atendimento ade- dos pelo Censo Escolar de 2021, apenas 23.506 estu-
quado ao seu desenvolvimento. Há muitos mitos dantes com tais características encontram-se regu-
recorrentes, como: a superdotação atrelada à ge- larmente cadastrados no ensino regular (Inep, 2023).
nialidade; a incidência de superdotados somente Nota-se uma baixa identificação dessas ocorrências,
na área acadêmica; a raridade do fenômeno; mani- bem como a necessidade premente de discutir o as-
festação dos comportamentos, exclusivamente, em sunto, para que seja possível retirar esses estudantes
famílias mais privilegiadas. Nos ambientes familia- da invisibilidade e atender às suas demandas.
res e escolares prevalece a máxima de que esses in-
divíduos conseguem se desenvolver sem nenhuma COMO É FEITA A IDENTIFICAÇÃO
adequação nem apoio. A identificação das pessoas com AH/SD é de ex-
De acordo com a Política Nacional de Educação trema relevância, pois permite atendê-las em suas
Especial (brasil, 2008), crianças com altas habili- necessidades e capacidades. Segundo Rondini; Reis
dades/superdotação apresentam potencial eleva- (2021), a avaliação para AH/SD parte de observações
do em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas do comportamento feitas por uma equipe habilita-
ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, da na área da psicologia e da psicopedagogia. Nesse
psicomotricidade e artes. Essas crianças compõem processo investigativo, devem participar professo-
um grupo muito heterogêneo, de multipotenciali- res, familiares e profissionais especializados bus-
dades e em graus variados. Elas apresentam grande cando avaliar quantitativa e qualitativamente as
facilidade para a aprendizagem, dominam rapida- capacidades desses estudantes. Neuropsicólogos
mente informações e conceitos, enfim, são origi- podem contribuir com a aplicação de testes pa-
nais, imaginativas, criativas, não convencionais; dronizados, para uma verificação da capacida-
estão sempre bem informadas, inclusive em áreas de cognitiva do aluno. Vale lembrar que os testes
não comuns. São persistentes, independentes, au- psicométricos (testes de QI) avaliam os aspectos
todirecionadas (agem sem que sejam mandadas); lógico-matemático e a linguagem; sendo assim,
persuasivas, capazes de influenciar os outros; mos- indivíduos que apresentem comportamentos de
tram senso de observação seletivo e podem não to- superdotação em outras áreas não terão pontuação
lerar tolices; estão sempre curiosas sobre o como e superior nesses testes. Para que se complete essa
o porquê das coisas; têm vocabulário excepcional, identificação, faz-se necessária a avaliação psicope-
são verbalmente fluentes; têm bom julgamento, dagógica por área, com profissionais especializados,
são lógicas; têm múltiplos interesses, alguns deles e que seja possível confirmar as capacidades acima
acima da idade cronológica; mostram perspicácia da média. O processo avaliativo busca observar ha-
e percepções incomuns; demonstram alto nível de bilidades nas áreas cognitivas, criativas e emocio-
sensibilidade e empatia com os outros; apresentam nais dos estudantes, seus estilos de aprendizagens,
excelente senso de humor; resistem à repetição. interesses e habilidades, considerando uma visão
Segundo Joseph Renzulli (2014), um dos mais mais ampla e holística da criança.
importantes teóricos no assunto, a habilida- Os pais e as famílias representam uma relevante
de acima da média, a criatividade e a motivação participação no processo de avaliação para a super-
compõem a personalidade desses indivíduos. Ele dotação, pois irão compor a rede de busca de infor-
aponta ainda que existem dois tipos de comporta- mações por meio de seus relatos de todo o desenvol-
mento de superdotados: os acadêmicos e os criati- vimento da criança nos aspectos cognitivos, sociais,
vos-produtivos. Os primeiros são mais facilmente afetivos e motores.
identificáveis pelos testes de QI (quociente de in- Nesse sentido, a equipe pedagógica é fundamen-
teligência) e destacam-se nas escolas. Já o segundo tal no processo de investigação. A escola deve con-
80
tribuir compartilhando informações sobre o desenvolvimento
pedagógico em sala de aula, a socialização e os comportamen- ALUNOS SUPERDOTADOS
tos manifestados no dia a dia, bem como suas capacidades e
dificuldades. É possível utilizar no contexto escolar instru-
DEVEM SER ENCORAJADOS
mentos para a sondagem de altas habilidades, que podem ser
aplicados pelo próprio professor, de forma coletiva ou indivi-
A PARTICIPAR
dual, e, identificados comportamentos acima da média, pode- DE ATIVIDADES
rão ser direcionados às avaliações mais específicas.
Esse processo avaliativo pode ser feito, de forma particu-
INVESTIGATIVAS,
larizada, pela família, buscando profissionais capazes de co-
letar informações e confirmar ou refutar as altas habilidades.
AS QUAIS RESULTARÃO
Outra sugestão para o acesso às avaliações é procurar o setor NO DESENVOLVIMENTO DE
público, ou seja, o encaminhamento para os Núcleos de Altas
Habilidades/Superdotação implementados em todo território
UM PRODUTO CRIATIVO.
nacional (naahs).
Criados em 2005 através de política pública por meio da Se-
cretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, os
naahs objetivam apoiar os sistemas de ensino, promover de
forma gratuita a identificação, o atendimento e o desenvol-
vimento dos alunos com altas habilidades/superdotação das
escolas públicas de educação básica, possibilitando sua inser-
ção efetiva no ensino regular e disseminando conhecimentos
sobre o tema nos sistemas educacionais, nas comunidades es-
colares, nas famílias em todos os Estados e no Distrito Federal
(brasil, 2005).
81
PLE NOS SABE R E S
82
uma avaliação psicológica, para analisar os aspectos sociais e isso, aprimoram habilidades de aprendizagem au-
emocionais da criança. todirigidas de planejamento, foco no problema,
Sobre o enriquecimento curricular Virgolin (2019) ressalta administração e cooperação, tomada de decisão e
que essa estratégia contribui para um ensino mais flexível e autoavaliação, o que repercute no desenvolvimento
adequado às necessidades dos estudantes, permite compactar pessoal, social e afetivo dos estudantes.
e eliminar os conteúdos curriculares já assimilados e aprofun- Finalmente, é notório o fato de que a educação
dar e/ou avançar em outros conteúdos mais dinâmicos e de- inclusiva é o caminho para que toda a educação fun-
safiadores. Vale mencionar que o enriquecimento promove a cione efetivamente. É imprescindível, nessa pers-
participação ativa da criança, possibilitando o protagonismo pectiva, que a equipe escolar se comprometa com a
na construção do conhecimento. responsabilidade de promover o desenvolvimento
Joseph Renzulli (2014) explicita que os alunos superdotados de todos os estudantes, independentemente de suas
devem ser encorajados a participar de atividades investigativas, características, necessidades e potencialidades. Ela
as quais resultarão no desenvolvimento de um produto criativo. deve acolher as diferenças e atender às particulari-
Baseado nisso, o autor propõe o Modelo Triádico de Enriqueci- dades de cada criança, além de criar estratégias para
mento, que consiste em um planejamento de ação dividido em que não se desperdicem tantos talentos no ambien-
três tipos de enriquecimento: Tipo I, Tipo II, Tipo III, podendo te educacional. Conforme afirmam Videira; Plotek;
ser aplicados na sala regular e em atendimentos especializados. Goya (2021, p. 96), o sistema educacional brasileiro
As atividades do Tipo I consistem em atividades variadas, deve se pautar na aprendizagem, reconhecer todos
interessantes e instigadoras, que buscam possibilitar aos alu- os estudantes como indivíduos singulares, oferecer
nos experiências incomuns ao currículo regular da escola para todos os recursos possíveis, como melhores con-
enriquecer a aprendizagem por meio de diversas vivências, po- dições de trabalho, formação continuada, material
dendo provocar o interesse de aprofundamento de um tópico, adaptado, recursos tecnológicos, entre outros, para
desenvolvimento de projetos e produções criativas, apoiados garantir que a dificuldade de ensinar seja superada,
por meio de disciplinas, temas, ocupações, hobbies, pessoas, e que a Educação Inclusiva de fato ocorra.
lugares e eventos. Esse primeiro tipo de atividade permite a to-
dos os alunos participarem de ações de aquisição curricular em
concordância com seus interesses reais. Por fim, pode também
captar e inspirar novos interesses dos alunos em temas e ativi- fabiane navega
Pedagoga há 23 anos com Habilitação em Educação Especial.
dades mais criativas e produtivas. Alguns exemplos de ativida- Mestranda do programa de pós-graduação em Saúde e
des de Enriquecimento do Tipo I são as oficinas diversas, escri- Interdisciplinaridade e Reabilitação pela Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp. Psicopedagoga clínica desde
ta criativa, origâmi, técnicas de desenho, robótica, bate-papo 2009. Especialista em Altas Habilidades, Superdotação e
com profissionais — botânicos, astrônomos, escritores —, ex- Talentos. Atuou como tutora no curso de AEE pela Unesp
(Marília). Atuou como professora do Ensino Fundamental
cursões, passeios, visitas guiadas, exploração de laboratórios, durante 22 anos. Docente do curso de Pedagogia da
museus e feiras e acesso às novas tecnologias. UNIFACP (Centro Universitário de Paulínia). Organizadora
e coautora das obras: Pessoas & dEficiência: diálogos
Já o Enriquecimento do Tipo II envolve o treinamento, interdisciplinares inclusivos, e Inclusão: Construindo o futuro
tanto individual quanto em grupo, preparando o estudan- na transformação do presente. Autora de diversos capítulos
e artigos referentes às Altas Habilidades e Superdotação.
te para produzir produtos concretos e/ou gerando soluções Membro da equipe NPAS (Núcleo Paulista de Atenção à
para problemas do mundo real por meio do desenvolvimen- Superdotação) como psicopedagoga. Fundadora da empresa
Agevan Consultoria e Treinamento para Inclusão.
to de habilidades e coleta de informações. Nessas atividades,
os estudantes são incentivados a sair da inspiração e buscar para saber mais
soluções. São trabalhados métodos, técnicas, instruções, ofi- h MEC (Brasil). Diretriz específica para o atendimento de
estudantes com altas habilidades ou superdotação.
cinas cujo objetivo é aprender a fazer. Disponível em: mod.lk/ed24_ps1. Acesso em: 10 abr. 2023.
No Enriquecimento do Tipo III são propostas atividades h MEC (Brasil). Saberes e práticas da inclusão: Desenvolvendo
competências para o atendimento às necessidades
especialmente aos estudantes que demonstram um nível alto educacionais especiais de alunos com altas habilidades/
e incomum de interesse por uma área e que seja identificado superdotação, 2006. Disponível em:
mod.lk/ed24_ps2. Acesso em: 10 abr. 2023.
pela superdotação. Essas atividades têm como objetivo levar h CUPERTINO, C. M. B.; ARANTES, D. R. B. A. (Orgs.). Um olhar
o estudante a adquirir entendimento mais avançado do co- para as altas habilidades: construindo caminhos. 2. ed.,
2012. Secretaria da Educação, Núcleo de Apoio Pedagógico
nhecimento e da metodologia usados em disciplinas parti- Especializado (Cape). Disponível em:
culares, que proporcionam ao aluno desenvolver produtos e mod.lk/ed24_ps3. Acesso em: 10 abr. 2023.
83
Hoje, oferecer uma educação flexível,
tecnológica e de qualidade é
fundamental para o ensino de inglês.
Tudo isso se torna possível e mais
simples com Richmond Solution.
Resultados comprovados por meio de evidências de
aprendizagem durante todo o processo.
86
87
POR DENTRO
1.
PROMOVER AULAS MAIS INCLUSIVAS?
A escola é um espaço importante para a formação
integral de seus estudantes e deve ser um lugar que
acolhe e valoriza a diversidade, por isso é funda-
CRIE DINÂMICAS DE mental que ela adote políticas e práticas inclusivas
GRUPO INCLUSIVAS para garantir que todos os estudantes tenham a
[Competências da BNCC: 5, 6, 8 e 9] oportunidade de desenvolver todo o seu potencial.
Peça aos estudantes que se apresentem e compartilhem in- De acordo com pesquisas do Instituto Alana,
formações sobre si mesmos. Incentive-os a falar sobre suas “estudar em ambientes que valorizam a diversida-
habilidades, interesses e o que gostam de fazer. Traga pro- de, em que estão juntos estudantes com e sem defi-
postas para a criação de projetos de vida para que possam ciência, pode ter efeitos positivos nas atitudes e nas
descobrir seu potencial, refletir sobre quem eles sabem que crenças sociais de alunos sem deficiência”. E ainda:
são e quem gostariam de ser. Essas atividades ajudam a criar “pessoas sem deficiência que estudam em salas de
um ambiente de aprendizagem mais inclusivo, em que todos aula inclusivas têm opiniões menos preconceituo-
se conhecem e são valorizados. sas e são mais receptivas às diferenças”.
Todos ganham com a diversidade nos ambien-
tes educativos, isso porque, quando estudantes
com habilidades diferentes trabalham juntos, eles
2.
podem aprender com as experiências uns dos ou-
tros e desenvolver habilidades sociais importantes
como a cooperação, a empatia, a autoconfiança e
a autoestima. Inclui-se nessa conquista o cumpri-
ADAPTE OS MATERIAIS mento do ODS 4.
UTILIZADOS NO ENSINO
[Competências da BNCC: 1 e 2] OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO
Crie um ambiente acolhedor em que todos os estudantes te- SUSTENTÁVEL (ODS)
nham acesso aos recursos adaptados necessários. Isso pode in- Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são
cluir a disposição das carteiras e o lugar onde sentam, de modo uma agenda global adotada pela Organização das
que favoreça a locomoção e a possibilidade de ouvir o profes- Nações Unidas (ONU) composta de 17 objetivos e
sor, dê explicações verbais sobre o material que será utilizado, 169 metas a serem alcançadas até 2030. O ODS 4 é
desenvolva material adaptado, ampliado, em letras caixa alta dedicado a “garantir uma educação de qualidade
(maiúscula), use textos que podem ser compreendidos também inclusiva e equitativa, e promover oportunidades de
com o uso de imagens e recursos visuais. aprendizagem ao longo da vida para todos”.
Em síntese, ao promover aulas mais inclusivas a
escola ganha:
h Respeito à diferença e valorização da diversi-
3.
dade.
h Respeito aos direitos humanos.
h Promoção da igualdade de oportunidades.
h Garantia de uma educação equitativa, inclusi-
UTILIZE FERRAMENTAS va e de qualidade para todos.
DE TECNOLOGIA ASSISTIVA Além disso, o professor pode deixar a sala de aula
[Competências da BNCC: 4 e 5] muito mais interativa, além de melhorar o engaja-
Opte por softwares de leitura de textos em voz alta para estu- mento e a participação dos estudantes ao oferecer
dantes cegos, com baixa visão e/ou que não estão alfabetiza- diferentes oportunidades de aprendizagem e acessi-
dos. Recorra às editoras para receber a versão de audiobook bilidade por meio de sites como os indicados a seguir:
de livros didáticos, a aplicativos para celular e a sites que ofe- Escola Games: Para o professor que gosta de
recem a opção leitora como dosvox, nvda e orca. Outras trabalhar com atividades prontas, o Escola Games
ferramentas podem ser teclado adaptado, lupa eletrônica, é uma excelente sugestão, pois é uma plataforma
alfabeto móvel, conversor de fala para texto, mudança no es- educacional on-line que oferece uma variedade de
quema de cores etc. jogos e atividades gratuitas para Educação Infantil e
88
os anos iniciais do Ensino Fundamental.
São jogos e atividades com temas de
língua portuguesa, matemática, geogra-
fia, história, ciências, inglês e meio am-
biente integrados à BNCC, aos Objetivos
de Aprendizagem e Desenvolvimento e
ainda os professores podem trabalhar de
forma inter e transdisciplinar.
Para facilitar a pesquisa, o professor
pode filtrar os jogos por componentes
curriculares, por temas (alimentação
saudável, profissões, paz no mundo,
cores, formas geométricas etc.) e por
nível (fácil, médio e difícil). Cada jogo
é projetado para ser interativo e desa-
fiador, e muitos apresentam gráficos e
animações coloridas ideais para traba-
lhar com os alunos dos anos iniciais.
O professor encontra ainda dicas,
objetivos pedagógicos e ficha com ní-
vel de ensino, componente curricular,
tema, série e idade para ajudar no de-
senvolvimento do seu plano de aulas
com ideias de atividades divertidas,
atrativas e diversificadas.
O site ainda conta com uma área de-
dicada a livros com as seções Leia para
mim e Eu mesmo leio, acessíveis a es-
tudantes que precisam ter contato com
o letramento e a alfabetização. Pode ser
facilmente utilizado por estudantes alfa-
betizados ou não, incentiva o gosto pela
leitura, favorece a interpretação de tex-
to, a escuta atenta, estimula a imagina-
ção e a criatividade.
Confira a opção “Leia para mim” e
observe como ela é interessante. Perce-
ba que o áudio foi produzido com todas
as características que um bom professor
contador de histórias emprega na leitura
de livros. Vale a pena conferir!
Wordwall: Se você gosta de produzir
suas próprias atividades, o Wordwall é
uma ótima opção, pois é uma plataforma
on-line que fornece várias ferramen-
tas para criar e compartilhar recursos
educacionais interativos, como ques-
tionários, combinações, caça-palavras,
classificação de grupo, pares correspon-
dentes, anagramas, entre outros. Esses
modelos são editáveis e podem ser per-
sonalizados como desejar.
89
POR DENTRO
90
ATIVIDADES DIVERSIFICADAS COMO AVALIAR COM BASE
Para criar suas atividades o professor precisa escolher o NA PERSPECTIVA INCLUSIVA?
modelo, inserir o conteúdo elaborado e escolher se dese- A avaliação é crucial no processo edu-
ja a atividade no formato digital ou impresso. É possível cacional, pois permite ao professor ve-
criar atividades que podem ser facilmente editadas de rificar se os Objetivos de Aprendizagem
um modelo para o outro, por exemplo, uma atividade de foram alcançados ou se serão necessárias
correspondência pode se tornar palavra cruzada. Dessa novas formas de intervenção para um
forma é possível oferecer a mesma atividade em formatos ensino mais efetivo.
variados. É importante saber que o mesmo cri-
Outra sugestão é utilizar a plataforma para trabalhar tério para adaptar atividades e criar au-
o conceito de sala de aula invertida. Pode-se propor, por las mais inclusivas que sugerimos aqui
exemplo, que os estudantes (em grupo ou individualmen- pode ser utilizado para criar os processos
te) expliquem determinado conteúdo ou conceito usando avaliativos. Além disso, o professor pode
os recursos disponíveis na plataforma, o que contribui utilizar durante as avaliações estratégias:
para o desenvolvimento de estudantes autônomos, solidá- h Tempo extra para conclusão da
rios e competentes. avaliação.
Todas as atividades criadas podem ser compartilha- h Comandos com instruções passo a
das entre professores e um pode contribuir com a criação passo.
do outro. Elas podem ainda ser duplicadas e adaptadas à h Segmentação de longos textos em
realidade e necessidade de cada professor. Essa atividade pequenos parágrafos.
incentiva os professores no trabalho em equipe, na apren- h Redução de estímulos visuais.
dizagem cooperativa, na melhora da comunicação e na h Letras maiúscula (caixa alta) e/ou
maior eficácia no ensino. fontes aumentadas.
h Simplificação de questões muito
CANVA complexas.
Para o professor que está em busca de imagens de alta Portanto, o professor tem um papel
qualidade para suas atividades escolares o Canva é a fer- essencial na criação de ambientes inclusi-
ramenta ideal. É uma plataforma de design gráfico on- vos, promoção da diversidade e enrique-
-line que permite criar uma ampla variedade de mate- cimento do processo de aprendizagem.
riais gráficos, atividades escolares, plano de aulas, apre- Preparar aulas mais inclusivas é fun-
sentações e infográficos que se adaptam a qualquer tipo damental para o desenvolvimento de
de necessidade educativa. Observe algumas sugestões: todos os estudantes, pois eles se tor-
Folha de atividades. Nessa seção, o professor encontra narão cidadãos mais conscientes e pre-
várias atividades prontas para serem usadas sobre diversos parados para enfrentar os desafios do
temas. Pode preparar atividades com fontes ampliadas, mundo atual e alcançar o seu máximo
com espaçamento maior entre as linhas de um texto, so- potencial.
mente com imagens, alternando entre imagens e texto etc.
Plano de aulas: Permite criar planos de aula visualmen-
te atraentes e organizados. É possível também utilizar os
modelos prontos como referência ou adaptá-los.
ana paula patente
Flashcards: Para tornar o aprendizado interativo, colo- Atua na educação inclusiva há mais de 15
rido e atrativo, o professor pode criar cartões para infinitas anos na capacitação de profissionais do AEE e
na implantação de Salas de Recursos da rede
possibilidades, como jogo da memória, de formas geomé- pública de Minas Gerais. É autora do livro Guia
tricas, das emoções, das letras do alfabeto, das cores e do definitivo para elaborar o PDI e fundadora
da Comunidade Educadores Inclusivos, que
que mais ele precisar. reúne on-line educadores de todo o Brasil.
91
NA TELA
5 perguntas essenciais
sobre a educação inclusiva
Quando o assunto é educação inclusiva,
existem premissas que todo professor
deve se preparar para responder.
Conheça cinco delas.
?
T E XTO Ana Paula Patente
?
apesar de a educação inclusiva ser um assunto fre-
quente nas conversas sobre ensino e aprendizagem, e
de existir uma crescente sensibilização e interesse sobre
o tema, muitos educadores e muitas famílias ainda en-
frentam dificuldade e incertezas ao lidar com o ensino
dos estudantes público-alvo da educação especial.
?
Desde o diagnóstico até o fazer em sala de aula, a
inclusão exige do educador uma postura diferenciada,
que vá além da simples adaptação de atividades e re-
cursos. É preciso compreender as necessidades indivi-
duais de cada estudante, as preocupações e os anseios
da família, bem como criar um ambiente que favoreça
o desenvolvimento e a participação de todos.
Nesse sentido, é fundamental trazer essas dúvi-
?
das, discuti-las e buscar soluções coletivas que con-
tribuam para uma prática pedagógica mais inclusiva.
Para ajudar nessa missão, trouxemos cinco perguntas
que todo o professor precisa responder para conquis-
tar bons resultados na inclusão.
92
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
podem contribuir significativamente para a criação de
um ambiente mais inclusivo uma vez que estão rela-
cionados às aprendizagens essenciais como comporta-
mentos, habilidades, conhecimentos e vivências.
Para atingir esse objetivo, é fundamental que o
professor elabore um planejamento que reconheça
cada estudante como único, que esteja preparado para
atender demandas específicas, bem como esteja dis-
posto a adaptar atividades de acordo as necessidades
educativas e diferenças individuais que surgirem du-
rante o processo educativo.
Além disso, é preciso considerar os diferentes ní-
veis de aprendizagem, ritmos de desenvolvimento,
potencialidades, habilidades e limitações, cuidando
?
para selecionar os recursos mais adequados a cada si-
tuação de aprendizado.
É importante salientar que os professores não devem
se limitar a uma única metodologia ou recurso, mas
devem oferecer atividades diversificadas e atrativas:
h Utilizar atividades lúdicas e criativas para enga-
jar os estudantes.
h Utilizar jogos ou atividades com múltiplas moda-
?
lidades sensoriais.
?
h Criar rotinas e procedimentos claros.
h Incentivar a cooperação e o trabalho em equipe.
h Utilizar recursos audiovisuais e multimídia para
enriquecer as atividades.
h Buscar constantemente se atualizar e se capacitar.
Por fim, vale salientar que tão importante quanto
implementar essas estratégias na prática é a flexibilida-
de do professor ao elaborar seu planejamento, estando
?
sempre atento à necessidade de ajustes, mudanças e até
mesmo de começar tudo de novo, se necessário.
93
NA TELA
94
4 COMO LIDAR COM A
FRUSTRAÇÃO DA FAMÍLIA
E DO ESTUDANTE NO AEE?
5 QUEM É RESPONSÁVEL
PELA INCLUSÃO ESCOLAR?
A inclusão é responsabilidade de toda a sociedade, desde
governos, instituições públicas e privadas, organizações da
Gerenciar a frustração que familiares e estudantes sociedade civil, empresas até cada um de nós. Nossas ações
vivenciam no Atendimento Educacional Especia- desempenham um papel indispensável na construção de
lizado (AEE) pode parecer algo desafiador, no en- uma sociedade mais inclusiva e acessível para todos.
tanto a escola deve encarar essa situação sob uma No entanto, nos ambientes educativos a responsabilidade
nova perspectiva. é compartilhada com toda a comunidade escolar e não pode
Embora o reflexo dessa frustração seja uma ser atribuída a um único profissional. Dessa forma, todos os
emoção negativa, ela pode estar vinculada a ou- profissionais da escola, como gestores, professores, orien-
tras circunstâncias que pais e alunos experimen- tadores educacionais, pedagogos, psicólogos e fonoaudiólo-
tam, tais como a falta de confiança na escola e gos, têm responsabilidades na inclusão escolar.
na sua função, baixas expectativas em relação ao A gestão escolar, por exemplo, tem a responsabilidade
aprendizado do estudante, sensação de impotên- de implementar políticas de inclusão, bem como garantir
cia diante dos diversos obstáculos e aos “nãos” ou- que o ambiente físico e os recursos pedagógicos estejam
vidos constantemente. adaptados às necessidades dos alunos da educação especial.
Por isso, é crucial que a escola reconheça esses Além disso, é seu papel promover formação continuada e
sentimentos e busque estabelecer uma comunica- implementar práticas pedagógicas inclusivas.
ção aberta, acolhedora e positiva a fim de lidar com Já os professores são responsáveis por garantir a inclu-
as situações desafiadoras que possam surgir. Suge- são em sala de aula, adaptando a metodologia de ensino e
rimos, a seguir, três estratégias: as atividades pedagógicas para atender às necessidades dos
h Escuta ativa: Essa é uma habilidade importan- estudantes. Têm também a responsabilidade de promover
te na comunicação interpessoal que consiste em um ambiente acolhedor e inclusivo.
ouvir atentamente não só as palavras ditas, mas Coordenadores educacionais têm um papel determinan-
também perceber as emoções e intenções por trás te na orientação e no acompanhamento dos estudantes, no
da mensagem. A escuta ativa permite ao profes- desenvolvimento de estratégias pedagógicas inclusivas, na
sor mostrar que está aberto para ouvir sem julga- identificação de dificuldades de aprendizagem e compor-
mentos, que se importa com as preocupações da tamento, na orientação dos professores sobre estratégias
família e que não está alheio às suas emoções. pedagógicas inclusivas e na participação dos estudantes em
h Pedagogia da presença: É uma abordagem atividades escolares em sua totalidade.
educacional baseada na conexão humana, no res- Além disso, a participação da família é fundamental para
peito mútuo e no diálogo. Ela prioriza a qualida- o sucesso da inclusão escolar, já que é sua responsabilidade
de das relações entre professor e estudante e visa acompanhar o processo educativo de seus filhos, dialogar
proporcionar um ambiente de aprendizagem em com a escola e contribuir para o desenvolvimento de habi-
que os estudantes se sintam apoiados, motivados lidades sociais e emocionais.
e acolhidos. A inclusão escolar só é possível quando todos assumem
h Competências socioemocionais: Uma forma sua responsabilidade e trabalham juntos para garantir o
prática de oferecer suporte emocional às famí- acesso, a permanência, o percurso escolar de qualidade para
lias e aos estudantes é se dedicar ao desenvolvi- o estudante alcançar os níveis mais elevados de ensino.
mento de atividades que envolvam as competên-
cias socioemocionais, seja com família, seja com
estudantes.
Ao utilizar essas estratégias, professores e outros ana paula patente
integrantes da escola podem ajudar famílias e es- Atua na educação inclusiva há mais de 15 anos na capacitação de profissionais
do AEE e na implantação de Salas de Recursos da rede pública de Minas Gerais.
tudantes a minimizar os impactos que a frustração É autora o livro Guia definitivo para elaborar o PDI e fundadora da Comunidade
causa, ensinando-os a lidar com ela de forma posi- Educadores Inclusivos, que reúne on-line educadores de todo o Brasil.
tiva e saudável.
95
HISTÓRIAS INCRÍVEIS ESCRITAS POR QUEM
CONHECE A LINGUAGEM DA INFÂNCIA!
A Moderna apresenta uma seleção de autores
renomados e obras literárias que marcaram
gerações de leitores. São grandes clássicos da
literatura infantil agora na escola pública!
Folheie as obras em
mod.lk/fund_lit
LINHA DE R ACI O CÍ N I O
A escola Os desafios
da chegada
Cenas do cotidiano de
diversos povos em aldeia.
98
99
LINHA DE RACI O CÍ N I O
a experiência escolar do escritor Da- Daniel percebeu que ali se abria um caminho nunca imaginado
niel Munduruku não poderia ter sido pior: por ele: aos poucos, vertendo para a escrita o rico fabulário
obrigado a sair de sua aldeia, na cidade pa- indígena até então transmitido de geração em geração, ele se
raense de Maracanã, ele e seus irmãos fo- reencontraria com sua cultura e passaria a ter orgulho de sua
ram morar em Belém, onde o pai já fazia condição. “Hoje, eu escrevo para me manter ‘índio’”, usando
serviços de carpintaria. Eram tempos de de forma irônica o termo pejorativo usado pelos colonizado-
ditadura militar, e para os povos indígenas, res, que, dessa forma, buscavam uniformizar a profusão de
naquela época tutelados pelo Estado bra- povos e línguas que viviam por aqui antes da chegada dos por-
sileiro, o paradigma educacional era o da tugueses, das doenças, da sociedade de classes e da proprieda-
“integração”, eufemismo para uma política de privada. E da escola e da palavra escrita.
de trazer as crianças indígenas para estudar
em escolas das cidades, pulverizando as et- “ÍNDIOS”, NÃO! SÃO POVOS INDÍGENAS
nias de forma que todos fossem obrigados a Quando Paula Mendonça se candidatou à vaga de estagiária no
se comunicar apenas em português. Daniel Instituto Socioambiental (ISA) chegou atraída pelas três áreas
lembra que na escola onde estudava ele e de atuação daquela organização: educação, meio ambiente
outros meninos indígenas eram discrimi- e cultura. Com um trabalho há muito tempo consolidado na
nados, sofriam bullying e muita chacota. assessoria aos povos indígenas e um corpo técnico altamente
Aos poucos, nasceria nele o desejo de não qualificado, o ISA abriria para a jovem pedagoga recém-for-
ser indígena. “A escola, não só como insti- mada as portas da diversidade dos povos indígenas, composta
tuição, mas também a escola-gente, ficava de 263 povos, segundo o IBGE, e mais de 150 línguas diferen-
o tempo inteiro me lembrando de que eu tes. “Fiquei impressionada! Como eu não conhecia essa diver-
estava no lugar errado, que meu lugar era sidade toda de povos e de línguas? Isso me motivou a trabalhar
outro, que eu não tinha inteligência sufi- com esse tema, trabalhar junto aos povos indígenas para for-
ciente pra viver aquela experiência”, co- talecer essa luta”, relembra.
menta o premiado autor de Coisas de índio Paula mergulhou de cabeça na experiência de assessorar
e Vozes ancestrais, Prêmio Jabuti na cate- os primeiros professores indígenas a criar seus currículos e um
goria juvenil, entre outras obras. papel para essa instituição tão tradicional em nosso contex-
Mesmo com a experiência escolar to, mas inexistente nas comunidades indígenas: a escola. Po-
traumática, Daniel decidiu prosseguir os rém, agora sob um paradigma diferente, tendo o Referencial
estudos. Convenceu os padres salesianos Curricular de Educação Indígena (RCEI), publicado em 1999,
de que tinha vocação religiosa e conseguiu como documento norteador. Antes disso, a Constituição Fe-
se formar em Filosofia em Manaus. Nessa deral de 1988 havia retirado a tutela do Estado sobre os povos
época, Daniel confessa que tentava muito indígenas, e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em seu artigo
“ser branco”. “Passei uns três anos mar- 78, asseguraria aos povos indígenas o direito a uma educação
telando na minha cabeça essa ideia e quem “intercultural e bilíngue”.
me salvou foi meu avô Apolinário. Ele viu A assessoria pedagógica no Parque Nacional Indígena do
que eu estava passando por momentos di- Xingu se estenderia por uma década, de 2001 a 2010, em escolas
fíceis e, nas férias escolares, passou a nos das etnias Panará, Yudiá e Sedje, e Paula acompanhou os dile-
ensinar de acordo com a tradição, come- mas e as soluções encontradas pelos jovens professores no em-
çou a nos ensinar o orgulho de ser indíge- penho de criarem uma gramática e uma escrita para alfabetizar
na”, relembra o autor. as crianças em suas próprias línguas, além da necessidade de
A saída do seminário coincidiria com produzir materiais didáticos mais compatíveis com a realidade
a vinda à cidade de Lorena, em São Paulo, da vida na aldeia, com os valores e a estética de cada povo. “Ha-
para validar o diploma. Nessa cidade, Da- via muitas dúvidas, era um processo de construção contínua
niel iniciaria sua carreira de professor de dessas línguas, das grafias, de como que se acentua... como é
Filosofia no Ensino Médio, e ao deparar com que escrevem os sons que não existem na língua portuguesa?”,
os mitos gregos e a pouca aderência dessas relembra a educadora.
histórias junto aos seus alunos, resolveu
trazer para suas aulas as histórias contadas A ESCRITA EM UMA SOCIEDADE ÁGRAFA
por seu avô. A reação dos alunos às lendas A chegada da escola na aldeia indígena não acontece sem trau-
e aos mitos de origem do povo munduruku mas. “O conhecimento entre os povos indígenas está centrado
foi muito positiva. Quando uma aluna quis numa tradição oral, e essa é uma forma de passar o conheci-
saber onde poderia encontrar um livro com mento que tem a ver com experiência. A experiência tem a ver
aquelas narrativas que encantavam a todos, com longevidade. Então, é como se diz nas aldeias: ‘a criança
100
é quem tudo pode, mas o mais velho é quem tudo sabe’. En-
tão eles são a fonte do conhecimento, o arcabouço da cultura.
Os próprios professores indígenas falavam que ‘os mais ve-
lhos são as nossas bibliotecas’, só que, de certa forma, a esco-
la inaugura uma outra forma de adquirir conhecimento, por
meio do livro, de uma carta etc. Ao mesmo tempo a escrita é
uma ferramenta para lidar com o mundo de fora, não indíge-
na, para compreender a legislação, por exemplo. Aos poucos,
esses entendimentos foram sendo construídos, mas não foi
sem conflitos”, observa Paula.
Um dos desafios era criar um currículo que fizesse sentido
para as crianças. Não bastaria trocar Cabral e suas caravelas
pelos mitos de origem dos povos, priorizar a geografia e as re-
ferências topográficas locais em detrimento de latitudes e lon-
gitudes etéreas, nem escrever nomes de bichos e plantas que
todos até então precisavam apenas falar, se a arquitetura cur-
ricular não dialogasse com a vida na aldeia. Foi quando surgiu
a proposta de o currículo ter como elemento norteador as fases
O escritor Daniel Munduruku da vida. “Foi um exercício de pensar: Quando se é criança na
(acima) e outras lideranças aldeia, o que essa criança faz? Que vida ela tem? Por onde ela
indígenas: Txai Suruí, anda? Que conhecimentos fazem sentido para essa criança? E
Aílton Krenak e Davi Kopenawa depois, deixa de ser criança, aí vira o quê? O que é importante
ele saber dentro da sua cultura, no contato com outros povos?
Ele já acompanha o pai para sair na cidade?”, explica Paula.
“É todo um cuidado de sistematizar esses conhecimentos que
são mais próximos das crianças, como a geografia da aldeia,
as histórias do próprio povo, a língua, o modo de contar os
números, de como que chamam os peixes, de como se entende
o regime das águas, das chuvas, o calendário. E assim a gente
foi entendendo em cada fase da vida o que era importante e
quando deveríamos entrar com o conhecimento de fora, que
também é necessário”, relata.
O TEMPO DO SILÊNCIO
Professora de Psicologia da Educação da Universidade Federal
Fluminense (UFF) no campus de Angra dos Reis, a professora
Renata Lopes Costa Prado tem diante de si um grupo de 34
estudantes de Ensino Médio da etnia Guarani e uma Pataxó.
Trata-se da primeira turma de magistério indígena do estado
do Rio de Janeiro, uma experiência que teve início em 2018.
A formatura dessa turma é esperada com ansiedade pelas al-
deias existentes em Angra e da vizinha Paraty, pois signifi-
ca a possibilidade de uma escola de Ensino Médio voltada ao
público estudantil indígena e com professores indígenas, até
agora inexistente na rede de ensino estadual.
Praticante da aula dialogada, ela lança uma questão, e o
que ouve é o silêncio. Agora não se incomoda mais com isso,
mas no começo as diferenças culturais daquele novo alunado a
tiraram da zona de conforto. “O tempo do silêncio para eles é
muito diferente. Eu começo a explicar uma determinada ma-
téria, um conceito, e estou acostumada a fazer pergunta e os
alunos responderem. E vem uma discussão imediatamente.
101
LINHA DE RACI O CÍ N I O
Cenas do cotidiano de
diversos povos em aldeia.
102
Com os estudantes do magistério indíge- riqueza maior que os outros. Isso foge muito ao paradigma dos
na não é assim que acontece. Eu pergun- povos indígenas, que formam comunidades não hierárquicas”.
tava e ficava aquele silêncio. Eu pensava: Mas Daniel também vê sinais para ser otimista ao conhecer
será que eles não entenderam? Será que escolas indígenas que encontraram o seu lugar junto aos seus,
não estão interessados? Ficava aquele si- em ambientes que respeitam os saberes, a ciência e a língua
lêncio. E de repente vinha uma resposta dos povos originários e onde a educação é intercultural e bilín-
muito elaborada, uma fala superinteres- gue. “Com a presença maior de indígenas na universidade, ou
sante. E eu pensava: ‘olha, eu estou sen- já formados, e que estão pensando suas próprias pedagogias,
do compreendida’. Então esse silêncio é já se pode ter alguma ideia sobre como seria essa educação
um silêncio para pensar, para refletir. A diferenciada. Existem experiências entre os povos do Alto
gente vive numa sociedade em que tudo Rio Negro muito interessantes, com uma pedagogia própria,
é simultâneo, é rápido, imediato”, relata material didático também, e inclusive com o reconhecimento
Renata, destacando o ambiente sereno: oficial das línguas indígenas pelo município de São Gabriel da
“Ninguém fala alto e ninguém fala junto, Cachoeira”, destaca.
todo mundo se escuta”. Uma pedagogia própria parece ser o caminho possível. Mas
como criar uma estrutura capaz de lidar com as especificidades
VISÃO CÍCLICA E SISTÊMICA de cada povo indígena e, ao mesmo tempo, contemplar o direito
Indagado sobre o novo paradigma da à educação de todas as crianças e jovens, como prega a Consti-
educação escolar indígena, bastante di- tuição? Paula Mendonça ecoa a proposta de algumas lideranças
ferente daquele vivido em seus tempos indígenas e educadores que atuam na educação escolar indíge-
de estudante, Daniel Munduruku é cé- na: a criação de um subsistema específico para a educação esco-
tico. “Esses parâmetros foram escritos lar indígena, vinculado ao MEC, mas seguindo a lógica dos ter-
por pessoas não indígenas, ou seja, as ritórios, não de estados ou municípios, como, aliás, já funciona
pessoas imaginam o que seja intercultu- no Ministério da Saúde. “Somente no Parque Indígena do Xingu
ralidade, imaginam o que seja ser indí- existem onze municípios”, exemplifica Paula. Segundo a LDB,
gena, colocam isso na lei e vira um passe a responsabilidade da educação escolar indígena é dos Estados,
de mágica” observa, com a experiência podendo estes estabelecer convênios com municípios. Com o
de quem viveu uma experiência escolar retorno da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
de apartação da própria cultura. E pros- Diversidade e Inclusão (Secadi) no organograma do MEC e com
segue sua análise: “os indígenas naque- a criação do Ministério dos Povos Indígenas, espera-se que a
la ocasião não estavam tão preparados educação escolar indígena ganhe destaque. E financiamento.
para entender o que estava mudando, Uma pedagogia da terra é o que, de certa forma, as novas
que tipo de paradigma era esse, até por- gerações de professores indígenas acabarão por criar. Uma pe-
que o paradigma que o indígena conhe- dagogia que dê conta, por exemplo, de mostrar como uma e
ce é o paradigma da sua sociedade, que outra sociedade medem o tempo. Esse episódio, bastante re-
é um modelo de educação sem escola. A velador das diferenças culturais que precisam ser levadas em
ideia de educação escolar é uma violên- conta pelos educadores, foi relatado por um estagiário da UFF
cia para os povos indígenas, foge dessa da turma pioneira de magistério indígena: era uma aula sobre
visão cíclica e sistêmica que os povos medidas de tempo e a professora, antes de falar de horas, mi-
indígenas desenvolveram ao longo do nutos e segundos, perguntou como nas aldeias se media o tem-
tempo, em que se aprende tudo o tempo po antes da chegada dos relógios e celulares. Um aluno guarani
inteiro, com todo mundo”. chamado Miro explicou que, antes de os relógios chegarem, as
O ex-aluno formado sob a égide pessoas na aldeia mediam o tempo pelo canto dos pássaros e
da integração do indígena que se tor- dos sapos. Alguns pássaros cantam de manhã, outros no final
nou formador de professores e escri- do dia, os sapos fazem barulho em diferentes períodos da noite.
tor bem-sucedido aponta, ainda, outra E assim o tempo voava, antes de a escola chegar à aldeia.
questão incômoda. “Quando você leva o
professor pra escola indígena, você está
segmentando, está criando uma clas-
se social. E essa luta de classes começa para saber mais
a acontecer a partir do histórico de que h MUNDURUKU, D. Crônicas indígenas para rir e refletir
na escola. São Paulo: Moderna, 2000.
um tem a autoridade porque tem conhe- h PRIETO, H.; MUNDURUKU, D. Antologia de contos indígenas
cimento maior que o outro e porque re- de ensinamento. São Paulo: Moderna, 2005.
cebe pra isso e, portanto, passa a ter uma
103
TENDÊNCIAS
104
A DESIGUALDADE ENTRE
NÓS ASSOMBRA: O 1%
MAIS RICO CONCENTRA
28,3%
DA RENDA
TOTAL DO PAÍS.
105
TENDÊNCIAS
ARISTÓTELES E A ÍNDIA
Ao longo do século passado, outros países viram um fosso so-
cial se abrir entre os mais ricos e os mais pobres e buscaram Acima, ilustração de navio
criar, por meio de políticas públicas, mecanismos para cor- com escravos negros. Abaixo,
rigir distorções de caráter histórico. Para isso, foram buscar representação de negros
inspiração em um preceito do filósofo grego Aristóteles, que, escravos que carregavam café
ao refletir sobre a arte da política, observava a necessidade de no Brasil no século XIX.
a sociedade criar meios para diminuir as diferenças entre os
cidadãos, preservando-se alguma forma de harmonia social.
Para isso, recomendava: “Devemos tratar igualmente os iguais
e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.
Em 1949, a Índia foi o primeiro país da era moderna a im-
plantar a política de cotas para enfrentar as diferenças sociais
entre sua população, especialmente os dalits (“os intocáveis”),
a casta de menor prestígio social da sociedade hindu. Esse
segmento se via privado de qualquer perspectiva de ascensão
social dentro do rígido esquema de divisão por castas vigente
naquele país. Para inseri-los na sociedade, foi criada uma lei
tornando obrigatória a oferta de cotas para a casta dos dalits
em todos os serviços públicos, incluindo as universidades. Com
isso, se em 1950 apenas 1% dos “intocáveis” tinha nível supe-
rior, em 2005 os dalits respondiam por 12% das matrículas.
Outro passo nas políticas afirmativas contemporâneas
aconteceu na década de 1970, quando a pressão do movimento
negro nos Estados Unidos fez com que as principais universi-
dades começassem a adotar sistemas de cotas. Em 2012, um
dos beneficiários desse sistema, Barack Obama, tomou posse
como presidente dos Estados Unidos.
AS COTAS NO BRASIL
Ainda em 2012 foi promulgada no Brasil a Lei n. 12.711, conhe-
cida como Lei de Cotas. Ao longo de duas décadas de vigência,
essa lei alterou profundamente o cenário das universidades
brasileiras. Um levantamento realizado pelo Instituto de Pes-
106
quisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que o percentual
de ingressos por meio de vagas reservadas passou de 13% em
2012, ano de aprovação da lei, para mais de 39% em 2017. Ou-
tras duas leis foram importantes para a reparação histórica do
racismo e do colonialismo: a Lei n. 10.639, em 2003, que tor-
nou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-
-brasileira na Educação Básica, e a Lei n. 11.645, de 2008, que
incluiu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura dos
povos originários.
“A política de ações afirmativas no Brasil tem o movimen-
to negro brasileiro como protagonista. É importante dizer
isso porque nem sempre as pessoas têm esse conhecimento”,
observa Natalino Neves da Silva, professor da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
pesquisador associado do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Relações Étnico-Raciais e Ações Afirmativas (Neraa). “Alguns
estudiosos, sobretudo do campo da história, vão tentar com-
preender esse espectro do movimento negro por meio de ci-
clos. Há um ciclo que traz a rebelião, com a questão do quilom-
bo, como foi estudado pelo Clóvis Moura. Depois, acontece a
Frente Negra Brasileira, no período pós-abolição. São ciclos de
protesto e de atuação desse movimento, que vão desaguar, na
DEVEMOS TRATAR década de 1970, na constituição do MNU, o Movimento Negro
PAPO CABELO
A Escola Municipal Anne Frank está localizada no bairro Con-
fisco, quase na divisa de Belo Horizonte com o município vizi-
nho de Contagem. O prédio era uma antiga fazenda, que seria
ocupada por integrantes de um acampamento do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos anos 1980, sendo
finalmente encampada pelo município, que levaria até o bairro
os primeiros equipamentos públicos, dentre eles a escola.
107
TENDÊNCIAS
108
da Escola Vera Cruz, uma das instituições educacionais pri- ta, como a filósofa Sueli Carneiro, o atual ministro dos Direitos
vadas mais conceituadas na capital paulista. Humanos Silvio Almeida, a historiadora Lília Schwarcz e o edu-
Localizada em um bairro de classe média alta e prestes a cador Fernando Almeida. Foi necessário, por exemplo, rever o
completar 60 anos, o Vera Cruz passou por uma profunda rea- material didático e os autores trabalhados, já que um dos efei-
valiação em 2019. O movimento é resultado de uma ação con- tos do letramento racial é despertar para o racismo científico,
junta da direção com a Organização de Pais Solidários (OPS) em aquele que, por exemplo, identifica o nascimento da filosofia
um momento em que o mercado das escolas de elite passava na Grécia, ignorando que ela já era praticada no Egito. Regina
por transformações, com a aquisição de escolas por grupos de exemplifica com a própria formação: “Fiz graduação na USP, fiz
investimento e o boom do ensino bilíngue. Pais, professores e mestrado, doutorado e o único autor negro que eu estudei foi o
direção refletiram sobre o que gostariam de manter e o que gos- Milton Santos. Esse racismo científico nos constitui. Essa pers-
tariam de mudar na escola. Houve duas unanimidades: todos pectiva eurocêntrica da educação e do mundo acadêmico apa-
concordavam que a proposta humanista, democrática e inclu- gou toda uma produção intelectual das pessoas negras, dos pes-
siva já praticada pela escola deveria permanecer. Sobre o que quisadores negros, que é importantíssima de ser conhecida”.
deveria mudar, todos cobraram mais diversidade. “Era a neces- Para essa tarefa de rever o currículo por um viés decolonial
sidade de sair da bolha: todo mundo muito parecido, da mesma e antirracista, o novo olhar trazido pelos professores negros
classe social, majoritariamente branco, isso precisava mudar”, que começaram a integrar o corpo docente foi imprescindível.
lembra Regina Scarpa, diretora pedagógica do Vera Cruz. “Ao contratar professores negros conseguimos trazer saberes,
O primeiro passo foi criar um grupo para estudar o tema. perspectivas e conhecimentos diferentes que, sem eles, não
Aos poucos a compreensão do racismo estrutural e de suas alcançaríamos”, observa Regina Scarpa.
múltiplas presenças, sutis ou explícitas, ganhou corações e
mentes e o Projeto para Relações Étnico-Raciais ganhou sua CAMINHO SEM VOLTA
forma definitiva em 2021, depois de um ano de fase expe- Ao escrever e publicar Nuang, caminhos da liberdade (Pira-
rimental: a cada ano, duas bolsas integrais são concedidas a poriando, 2017), a escritora Janine Rodrigues viu que tinha
crianças negras ou indígenas para cada nova turma de G5, a nas mãos mais do que um livro para crianças contando sobre
porta de entrada dos estudantes na Educação Infantil do Vera a luta pela liberdade por parte dos negros. Havia ali uma pos-
Cruz. São dezoito bolsas anuais garantidas até o fim do Ensino sibilidade de qualificar mais a discussão que sua obra provo-
Médio, incluindo material didático, uniforme, estudo do meio cava, trabalhando diretamente com os professores os recur-
e um auxílio-permanência para transporte. sos didáticos que o livro permitia acessar. Dessa constatação
Cláudia Alberto fez parte da primeira leva de famílias bene- nasceu a Piraporiando, que, para além de uma editora criada
ficiadas pelo projeto. Soube dele por fazer parte de um movi- por uma autora, presta assessoria educacional para escolas e
mento de militância negra e foi incentivada a procurar a Escola redes públicas trabalharem questões como diversidade racial
Vera Cruz, que fica próxima ao seu trabalho, depois que a dire- e educação antirracista.
tora da Emei onde sua filha Milena estudava, no mesmo bairro, Nessa trajetória, Janine Rodrigues aprendeu que o segredo
a incentivou. “Se o Vera está se propondo a fazer, muito pro- é a constância. “É impossível que a gente faça um trabalho
vavelmente vai ser bem-feito”, conta Cláudia. Ao seu lado, Re- numa escola durante um ano e, depois, a direção ache que
gina explica que os estudantes de Pedagogia do Instituto Vera nunca mais precisa tocar nesse assunto porque no ano ante-
Cruz fazem estágio naquela escola – daí a boa referência. rior fez uma abordagem densa. Isso não acontece, porque a
Ao chegar no quarto ano de projeto, a diversidade começa escola é um ser vivo, as pessoas entram, saem, respondem ou
a ser vista: já são 102 alunos negros e dois indígenas na escola. reagem ao que está acontecendo no mundo, e esses processos
São apenas 6% dos 1.700 alunos da instituição, mas suficiente sociais são imprevisíveis”, observa a escritora que atualmente
para romper a tal bolha. Milena, por exemplo, está muito bem também assina a coluna mensal Escola Diversa no blog Redes
adaptada e Cláudia dá conta disso contando o que ouviu recen- Moderna, da editora Moderna. Ao olhar de frente para o racis-
temente dela: quando crescer, quer ser “professora do Vera”. mo estrutural e assumir a proposta de uma educação antirra-
cista, não há mais caminho de volta.
REVER PONTOS PARA AVANÇAR
Do lado de gestores e professores, o desafio criado ao se colo-
car a lupa das relações étnico-raciais é complexo, implicando
repensar práticas e materiais, do currículo ao acervo da biblio- para saber mais
teca, do material didático ao uso de expressões corriqueiras, h DA BAHIA, D. P. do E. (2021). Dicionário de expressões (anti)racistas: e como eliminar as
microagressões do cotidiano. Disponível em: mod.lk/ed24_lr1. Acesso em: 10 abr. 2023.
como “criado-mudo” em vez de mesa de cabeceira, já que a h PIRAPORIANDO. Conteúdos e experiências antirracistas, antibullying,
expressão remonta aos tempos em que havia o escravizado de antipreconceitos e de promoção da equidade de gênero.
Disponível em: mod.lk/ed24_lr2. Acesso em: 10 abr. 2023.
quarto, que deveria permanecer calado. h RODRIGUES, Janine. Coluna Escola Diversa. Redes Moderna.
Para dar sustentação e segurança à equipe, a Escola Vera Disponível em: mod.lk/ed24_lr3. Acesso em: 10 abr. 2023.
Cruz trouxe especialistas em educação e na temática antirracis-
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• ESCOLAR •
perplexa e assustada, e o assassinato de
quatro crianças em um atentado a uma
creche em Blumenau se somam a uma
série de episódios de violência extrema
que resultaram em mortes desde 2002, e
que a partir de 2022 passaram a ocorrer
com mais frequência.
O que vem acontecendo nas escolas
brasileiras? O que essa escalada na vio-
lência pode nos dizer sobre a escola e a
nossa sociedade? Sob o choque de even-
tos como esses, nos perguntamos sobre
as razões, as motivações do ato, como
um adolescente chegou ao ponto de as-
sassinar a professora em sala, e ficamos
ansiosos por encontrar formas de evitar
que mais tragédias aconteçam.
114
•
115
C O N E X ÃO
Basta refletir sobre a sociedade em É evidente que isso traz uma com-
que vivemos hoje e sobre os desafios en- plexidade enorme para a gestão escolar,
frentados por todos nós para saber que que precisa colocar todas as questões
as respostas não são simples. No entan- das relações humanas, incluindo con-
to, esses episódios invariavelmente nos flitos e violência, nas suas mais diferen-
remetem às microviolências na escola, tes formas, como conteúdos de ensino
às incivilidades que ocorrem no coti- e aprendizagem. A escola é uma orga-
diano escolar, o que convencionamos nização humana e sua função é princi- • ESCOLAR •
chamar de bullying. É importante lem- palmente ensinar valores democráticos
brar que, embora tenha um funciona- para a vida em sociedade. As famílias
mento próprio, a escola se configura têm valores próprios, algumas são ra-
como microcosmo da sociedade con- cistas, machistas, homofóbicas, gordo-
temporânea e, portanto, as intolerân- fóbicas, não necessariamente explicitam
cias e as atitudes violentas também são esses valores no discurso, mas pelas ati-
nela reproduzidas. tudes e vivências, e a escola é o espaço de
O bullying, que ocorre por meio do convívio entre diferentes.
xingamento, do constrangimento a um Sendo assim, os conflitos são ineren-
colega, da risadinha, de uma piada ou tes à convivência escolar e precisam ser
uma “brincadeirinha” de mau gosto, é considerados e trabalhados. Não basta
uma primeira manifestação de hostili- reprimi-los por meio de uma gestão au-
dade com a diferença que, banalizada toritária, repressora ou menosprezá-los,
e não combatida, é normalizada. Não tratando-os como brincadeirinhas. A UM DOS MAIORES DESAFIOS
olhar para essas incivilidades não só nos partir dos conflitos, é importante reco-
embrutece como nos faz passar por cima nhecer as tensões, conversar sobre elas QUE O BRASIL ENFRENTA
da necessidade de trazer à tona questões e refletir sobre como se pode melhorar ATUALMENTE É O FATO DE QUE
que podem ser educativas. a convivência e o respeito mútuo entre
O ambiente escolar deve ser um es- as pessoas. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
paço seguro, de proteção e acolhimento,
com o objetivo de responder à sua mis-
Muitas vezes repreendemos um chu-
te raivoso de um aluno no portão, mas
DOS ESTUDANTES MARCADOS
são constitucional, inscrita no art. 205 deixamos passar um comentário sobre PELA DIFERENÇA TÊM SIDO
da Constituição Federal: a altura de um colega “que parece uma
Art. 205. A educação, direito de girafa”. Como educadores, não pode-
ENCARADOS PELAS ESCOLAS
todos e dever do Estado e da famí- mos naturalizar nenhum tipo de vio- COMO UM TRABALHO A MAIS
lia, será promovida e incentivada lência, é preciso ter uma escuta atenta e
com a colaboração da sociedade, sensível para capturar esses desrespei- E NÃO COMO PARTE DAS
visando ao pleno desenvolvimen-
to da pessoa, seu preparo para o
tos. Não colocar os conflitos e as situa-
ções de ofensa em discussão transforma
ATRIBUIÇÕES DE UMA GESTÃO
exercício da cidadania e sua qua- a violência na escola em violência da QUE VISA À GARANTIA DA
lificação para o trabalho. escola. Afinal, a invisibilidade e o des-
Para que o acesso à escola seja um caso com tais situações acabam geran-
QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
direito de todos, ela precisa ser demo- do sofrimento para os estudantes, que PARA TODOS E CADA UM.”
crática e garantir que todos possam podem se sentir cada vez isolados e, em
conviver bem e aprender em segurança. casos extremos, ir se desconectando
Considerando que somos um país que dos estudos até abandonar a escola, ou
carrega diferenças de todas as ordens ainda, quando há associação com fato-
— social, econômica, racial, de gênero e res psiquiátricos e/ou de envolvimento
de oportunidades —, a gestão da escola com grupos extremistas que pregam o
precisa se comprometer com valores de- ódio, fazer da própria escola um alvo de
mocráticos e de equidade. violência.
116
tão que visa à garantia da qualidade da
Educação para todos e cada um”.
Desde 2015, a Lei n. 13.185 prevê que
as instituições de ensino têm o dever de
desenvolver ações e campanhas para
combater intimidações no ambiente es-
colar. Para colocar em prática essa lei,
a escola precisa se responsabilizar por
ofertar aos estudantes condições para
que aprendam e se desenvolvam na sua
integralidade: cognitiva, social, física,
emocional.
Todas as experiências escolares ensi-
nam alguma coisa e as intencionalidades
educativas precisam estar bem-estabe-
lecidas. Uma simples regra de tolerância
com atrasos de entrada na escola pode
gerar problemas, se, por exemplo, só
valer para estudantes e não para profes-
sores. São decisões que ensinam valores
e atitudes sobre o que são regras e para
que e para quem servem, se são justas ou
injustas, se servem para todos ou apenas
para alguns etc. Por isso a pergunta, so-
bre o que estamos ensinando em cada si-
TSUNAMI DE VIOLÊNCIAS a importância de cuidar da qualidade da tuação vivida na escola, precisa ser uma
Um tsunami se constitui a partir de convivência escolar. Além de nomear reflexão constante de toda a equipe e do
movimentos geológicos que provocam as situações, é importante identificar e projeto político pedagógico (PPP).
pequenas ondas em alto-mar que, ao compreender o que está por trás desses Então como lidar pedagogicamen-
se aproximarem das regiões costeiras, comportamentos — preconceitos como te com as incivilidades e violências que
se transformam em uma onda gigante, o capacitismo, a homofobia, a xenofo- permeiam o espaço escolar? O que a es-
ou seja, é preciso cuidar das pequenas bia, o racismo, intolerâncias políticas cola pode (deve) fazer? Uma estratégia
violências na escola para que elas não religiosas e todos os demais desrespeitos que pode ajudar a garantir um espaço
se transformem em situações de maior pelas diferenças humanas precisam ser para que sejam olhadas e encaminha-
gravidade. analisados e se transformar em material das é um comitê de convivência escolar.
Por isso, o bullying precisa ter uma de discussão. Pode ter outro nome, o que vale aqui é
atenção especial. A palavra bullying, “[...] temos o direito a ser iguais criar uma instância que preze pelas boas
que curiosamente só é usada no contex- sempre que a diferença nos inferioriza; relações entre todos e pela coibição de
to da escola, na tradução do inglês para temos o direito a ser diferentes sempre práticas violentas contra estudantes,
o português significa: que a igualdade nos descaracteriza” educadores e/ou funcionários. O comitê
Bully sem o ing significa valentão. (santos, 2006, p. 316). pode ser uma instância de participação
Bully significa intimidar. No livro Direção para novos espaços de toda a comunidade escolar represen-
Bullying significa assédio moral, ou e tempos da escola, destacamos que “um tada por alunos, professores, funcioná-
seja, uso de poder para oprimir o outro. dos maiores desafios que o Brasil enfren- rios, gestores, pais e/ou responsáveis
Mas as situações que levam ao ta atualmente é o fato de que os direitos pelos estudantes e até da vizinhança
bullying não se constituem somente fundamentais dos estudantes marcados escolar para que todos juntos identifi-
como ofensas de um indivíduo para ou- pela diferença têm sido encarados pelas quem, cuidem, proponham soluções e
tro, estão amparadas por uma atmosfera escolas como um trabalho a mais e não tomem decisões para prevenir situações
coletiva que permite que aconteçam, daí como parte das atribuições de uma ges- de bullying.
117
C O N E X ÃO
3.
mos uma sugestão de passo a passo para Escolha dos representantes. Esta discriminatórias na escola.
a criação de um comitê na escola onde etapa poderá ser realizada de As situações de bullying e de
você trabalha: muitas formas, pela eleição de cada discriminação geralmente são
1.
Definir composição e função. A membro, ou por representantes de cada encaminhadas para a gestão
equipe gestora poderá levar a segmento — por exemplo, os estudantes da escola, que precisa ter um
ideia da constituição de um comitê para se candidatam ou são indicados — e os canal aberto de escuta e tomar
o conselho de escola e juntos poderão demais estudantes votam em seus re- decisões em relação às medidas
organizar um grupo de trabalho para presentantes. É importante haver repre- e aos cuidados a serem tomados.
definir seu propósito, sua função e suas sentantes de estudantes de diferentes As queixas podem chegar
atribuições. É fundamental estabelecer etapas e anos de ensino, pois os interes- diretamente aos gestores, mas
se será apenas uma instância de vota- ses e as ideias de uma criança de 9 anos também podem chegar pelo
ção de ideias da gestão da escola ou se são bem diferentes de um adolescente de comitê. O denunciante deve se
também terá função propositiva. Com 15 anos. No caso dos professores e fun- sentir seguro e confiante em
base nisso, poderá se pensar na propos- cionários, a ideia pode ser a mesma. No comunicar sua queixa. As decisões
ta de funcionamento e composição do caso dos familiares, o conselho da escola são sempre da gestão escolar
comitê, passando pela quantidade de pode indicar a melhor forma para essa respaldada pelo regimento da
representantes e a representatividade: escolha. É importante cuidar também escola e da legislação vigente,
funcionários, professores, gestores, es- da representatividade de meninos e me- mas ela poderá fazer consultas
tudantes de diferentes idades, familia- ninas e étnico-racial. Feita a eleição e aos membros do comitê.
res/responsáveis etc. anunciada a composição, é hora de colo- As assembleias escolares
Será necessário constituir um regi- car o comitê em funcionamento. poderão ficar sob a
mento específico para esse funciona- responsabilidade do comitê,
4.
mento que seja público e acessível para Definir um cronograma de reu- que pode, considerando a
todos. Algumas definições que podem niões do comitê e deste com a escuta atenta da comunidade
ser importantes: forma de eleição, tem- gestão da escola. escolar, coordenar e promover
po de mandato (anual, bienal); procedi- debates sobre as práticas e os
5.
mento para substituições de membros; Estudar a legislação e os docu- conflitos do cotidiano escolar.
encaminhamento de reclamações sobre mentos que orientam as práticas
o próprio comitê, além de outras si- contra a violência no ambiente escolar
tuações que possam ser levantadas pelo e colocá-los em discussão com a comu-
grupo. nidade. É importante que esses conteú-
2.
Divulgar e sensibilizar toda a co- dos sejam discutidos sempre em diálogo
munidade escolar. Nesta etapa, com o PPP da escola. Vale conversar com
precisamos garantir que todos tomem a Secretaria de Educação e verificar se há
conhecimento da proposta e ainda pos- políticas públicas locais para esse tema.
118
• ESCOLAR •
6.
Mapeamento da situação da co- e levantados pela escola. Por exemplo:
munidade escolar. É pertinente mediação de conflitos, uso de redes so-
que o comitê analise e reflita sobre as ciais, intolerâncias políticas e religiosas,
ocorrências e queixas de convivência na comunicação não violenta, racismos e
escola. Identificar, por exemplo, em que preconceitos, além de outras temáticas.
situações os estudantes são encaminha-
9.
dos para a diretoria, em que situações Promover ações em que as prá-
são suspensos. Quais as justificativas ticas e o respeito às diversidades
para evadirem ou abandonarem? Ana- étnico-raciais sejam vivenciados. Isso
lisar o desempenho dos estudantes da pode ser promovido com atividades
escola é importante, já que as situa- culturais e artísticas em que as diferen-
ções de bullying e de evasão podem ser tes culturas estejam presentes e sejam
mais críticas quando os estudantes não valorizadas. Os materiais e recursos pe-
se sentem aprendendo. Tais dados são dagógicos da escola e sua ambientação
preciosos para ampliar o repertório de também precisam expressar essa con-
análise e de possíveis proposições. cepção e esse valor social de respeito às
diversidades.
7.
Elaboração e revisão do regimen-
to do comitê e organização e di-
vulgação do plano de trabalho. Com um
cronograma estabelecido, o aprofun- roberta panico
damento na legislação e o mapeamento Diretora executiva da Comunidade Educativa
Cedac e coorganizadora da publicação
das situações de conflito e violência na Direção para os novos tempos e espaços da
escola, pode-se avançar na sistematiza- escola (Editora Moderna, 2022). Mestre em
Educação e pedagoga por formação, com
ção de respostas a ocorrências cotidia- experiência na docência e na coordenação
nas na escola e na identificação de ca- pedagógica, atuou como formadora
do programa Parâmetros em Ação e
sos que extrapolam a sua competência assessorou a Coordenação de EJA do MEC.
e precisam ser encaminhados a outras
instâncias (família, conselho tutelar). para saber mais
h CARA, D. (Org.). (2022). O extremismo de
Com base nisso, é possível construir um direita entre adolescentes e jovens no Brasil:
plano de trabalho com uma abordagem ataques às escolas e alternativas para
a ação governamental. Campanha Nacional
preventiva e construtiva que passe pela pelo Direito à Educação. Disponível em:
formação dos educadores (sempre em mod.lk/ed24_cx1. Acesso em: 12 abr. 2023.
h PANICO, R.; PEREZ, T. (2022). Direção para os novos
diálogo com a coordenação pedagógica espaços e tempo da escola. Editora Moderna,
e o PPP) e pela promoção de palestras e Fundação Santillana e Cedac. Disponível em:
mod.lk/ed24_cx2. Acesso em: 12 abr. 2023.
rodas de conversas. h VINHA, T. P.; DE MORAIS, A.; MORO, A. (2017).
8.
Formação na escola. É necessário Manual de orientação para a aplicação dos
questionários que avaliam o clima escolar. Fapesp,
assegurar formação à equipe es- Fundação Lemann, Itaú BBA, Cedac. Disponível
colar, estudantes e seus familiares/res- em: mod.lk/ed24_cx3. Acesso em: 12 abr. 2023.
119
Compromisso com a
formação continuada
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time de assessoria pedagógica.
01 02
Implementação Plataforma de
de material educação
didático a distância
03 04
Trilhas formativas Assessoria
presenciais e/ou pedagógica
digitais contínua
Saiba mais em
mod.lk/ZW2nT
Débora
Garofalo
Trilha 1
Metodologia Débora Garofalo de
Aprendizagem Mão na Massa
Trilha 2
Gestão de sala de aula: Um novo Julci
Rocha
olhar para uma nova prática
Tereza
Perez
Trilha 3
Escola mais segura: Ações para
uma boa convivência
CIDADANIA
Quem cuida
dos professores?
O tema da saúde mental vem
ganhando relevância e é
importante que não seja encarado
como mais um modismo na
educação. Violência crescente
e ataque às escolas torna a
questão ainda mais aguda.
T E XTO Paulo de Camargo
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CIDADANIA
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também proteger os outros. Para poder cuidar de outros, pre-
cisam antes cuidar de si mesmos”, acredita Avilés, que desen-
volve projetos nesse campo na Espanha e em outros países.
Para ele, o mundo atravessa um momento muito delicado,
pois acabamos de sair do difícil período da pandemia. “Agora,
todos falam de saúde mental, mas passamos décadas pedindo
que este fosse um pilar fundamental da convivência na escola.
É algo extremamente necessário”, lembra.
É verdade que o cuidado com a saúde dos professores par-
te de uma visão de respeito profissional, direito que assiste a
todos os trabalhadores, e não se pode esquecer que esse trata-
mento tem reflexos imediatos na sala de aula e na escola. Afi-
nal, lembra o pesquisador espanhol, muitas vezes os professo-
res serão os mediadores das relações da comunidade escolar
e precisam estar bem para fazer frente a situações educativas
novas e muitas vezes desafiadoras.
127
CIDADANIA
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por exemplo, para a importância do trabalho em equipe, com
responsabilidade compartilhada e realização coordenada, que
atue principalmente de modo preventivo. “A qualidade do
ambiente escolar não depende apenas de uma pessoa, mas de
uma equipe, de um contexto, de uma escola que assuma essa
cultura e proponha estratégias para elaborar e desenvolver
essa pedagogia”, afirma.
É importante, no seu entender, também para as questões de
gênero. Segundo explica, é muito frequente que recaia sobre
as alunas e sobre as educadoras o papel de cuidado. Portanto,
desenvolver a responsabilidade coletiva, em que os homens
também sejam responsáveis pelo cuidado mútuo, é essencial
e educativo, em consonância com as práticas de igualdade de
gêneros na sociedade.
Em diversas ações realizadas com escolas e universidades
brasileiras, Avilés vem focando na formação de professores.
“É preciso construir essas habilidades e competências com os
docentes. Isso precisa ser um objetivo educativo, que precisa
ser ensinado – o que é plenamente possível”, explica. Como
exemplo de parceria com esse objetivo, Avilés realizou uma
oficina na Escola Concept, em São Paulo, com foco na Peda-
gogia de Cuidados. A ação se integrou a um conjunto de ini-
ciativas que já caminham no mesmo sentido. A escola planeja
recessos estratégicos com focos no bem-estar físico e mental e
promove diversos momentos de vida comunitária, bem como
estimula práticas esportivas, culturais e jogos colaborativos
entre os docentes. “Essa sempre foi uma prioridade em nosso
projeto”, explica a diretora Priscila Torres.
Mas, afinal, quem deve ser o responsável pela proposição
de iniciativas para o bem-estar docente? Para Avilés, são os di-
retores, no caso das escolas privadas, e das políticas públicas,
no caso das redes de ensino. Sem o envolvimento dos órgãos
gestores, as chances de ações duradouras são pequenas. São
necessárias mesmo mudanças de paradigmas, para que a es-
cola se torne um lugar de bem-estar. “Propostas nesse sentido
precisam estar articuladas com os demais planos pedagógicos.
Está sendo feito menos do que se deveria fazer, o mundo vive
uma situação crítica e há consciência da necessidade de se fazer
mais pela convivência e pela saúde mental”, finaliza Avilés.
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Damos suporte a diretores, gestores públicos e
privados para o desenvolvimento e fortalecimento
de uma governança ágil, inovadora e inclusiva.
Convocamos as famílias a participar de nossos
projetos. Para nós, a melhoria da educação é uma
missão de todos nós. A educação nos une.
Educação
inclusiva precisa
de bons
recursos
pedagógicos
A Santillana acredita
que a inclusão é uma
construção coletiva e
de responsabilidade
compartilhada
por aqueles que
trabalham por uma
educação igualitária
e para todos.
T E XTO Luciano Monteiro
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133
S U S T E N TA B I L I DA D E
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SANTILLANA INCLUSIVA Todos os recursos são digitais e aces-
Internacionalmente, a Santillana tam- síveis e dividem-se entre recursos de
bém vem buscando formas de oferecer orientação psicopedagógica para os
aos educadores, alunos e famílias recur- educadores, material para os alunos e
sos que permitam avançar no projeto de orientações para gestores. “Tanto este
educação inclusiva. Nos dias 26 e 27 de novo projeto como a celebração do
abril de 2023 aconteceu o primeiro Con- Congresso Internacional de Educação
gresso Internacional de Educação Inclu- Inclusiva fazem parte do compromis-
siva para a América Latina, momento so da Santillana com a diversidade e a
planejado para a empresa apresentar a igualdade na educação, alinhada com
iniciativa Santillana Inclusiva. o Objetivo de Desenvolvimento Sus-
O evento virtual buscou reunir re- tentável número 4 e o Plano Diretor de
nomados palestrantes internacionais, e Sustentabilidade da empresa”, finaliza
as inscrições foram gratuitas. Realizado o diretor.
pela Santillana, com o apoio da UNIR (La
Universidad em Internet), da Fundação INICIATIVA BRASILEIRA
Santillana, do Fundo das Nações Unidas Aqui no Brasil, a Moderna, uma das mar-
para a Infância (Unicef), da Organização cas da Santillana Brasil, acaba de lan-
dos Estados Ibero-Americanos (OEI) çar uma parceria com o Porvir, um dos
e da Confederação Interamericana de mais prestigiados sites brasileiros sobre
Educação Católica (Ciec), teve por foco inovação e educação, para a produção e
central justamente os desafios da educa- divulgação da série de reportagens “De-
ção inclusiva. A iniciativa Santillana In- safios da Educação Inclusiva”. Ao todo
clusiva promove a produção, em língua serão oito reportagens e conteúdos rela-
espanhola, de recursos digitais adapta- cionados ao tema da educação inclusiva
dos, além de orientação técnico-peda- escritos por especialistas, além de mate-
gógica e assessoria aos centros. riais especiais para redes sociais. A ação
“Faz alguns anos que tínhamos in- tem como objetivo conscientizar redes
quietude sobre o tema e procuráva- de ensino, escolas e famílias em relação a
mos formas de gerar material de apoio práticas de inclusão e debater experiên-
para professores, para população com cias e vivências em todo o Brasil. O con-
deficiência e dificuldades de aprendi- teúdo é lançado mensalmente no portal
zagem”, conta o diretor global de con- Porvir e replicado nas redes sociais da
teúdos, Luis Guillermo Bernal. Surgiu, editora Moderna.
assim, a ideia de um trabalho coletivo,
envolvendo todos os países de língua
espanhola, abordando inicialmente sete
grupos específicos: síndrome de down, para saber mais
transtorno de déficit de atenção com h I Congreso Internacional de Educación Inclusiva.
Santillana Global, 2023. Disponível em:
hiperatividade (TDAH), dislexia, difi- mod.lk/ed24_su2. Acesso em: 19 abr. 2023.
culdades auditivas, dificuldades visuais h MENDES, R. H. Educação inclusiva na prática:
experiências que ilustram como podemos
e autismo (TEA). Cada país buscou a acolher todos e perseguir altas expectativas
parceria com organizações sociais espe- para cada um. Fundação Santillana
e Editora Moderna, 2020. Disponível em:
cialistas de alta reputação. “Fizemos um mod.lk/ed24_su1. Acesso em: 19 abr. 2023.
trabalho transversal, mas que pudesse h OLIVEIRA, R. Educação inclusiva é assunto para
todas as etapas de formação de professores.
se situar localmente”, conta o diretor. Porvir e Editora Moderna, 2023. Disponível em:
O projeto teve início em 2022 e está em mod.lk/ed24_su3. Acesso em: 19 abr. 2023.
permanente construção.
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FAVO R I T O S
Livros, Podcast
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CONT E ÚDOS QUE POT E N C IAL IZA M O D IA A D IA D O PRO F ESSOR
& Série
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PALO MA BAR BO SA @ PA RT ES.ART
paloma barbosa
é ilustradora e artista visual, técnica em
comunicação visual e com graduação
em Artes Visuais. Assina seus trabalhos
como Partes, desde 2015. Atualmente
trabalha como ilustradora freelancer.
Em sua pesquisa explora, por meio
do desenho, a imagem de mulheres
diversas, contemplando também
nas ilustrações a sua vivência como
mulher preta com deficiência.
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EDUCACIÓN
QUE ROMPE
FRONTERAS
Alinhada ao MCER
Módulos flexíveis Solução educacional de
(Marco Comum Europeu
quanto a carga espanhol para todos os
de Referência para as
horária semanal. segmentos escolares.
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