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FREUD — Sobre o inconsciente

O que nos processos inconscientes (recalcados)


causa maior estranhamento é o fato de neles o teste
de realidade não ter nenhum valor, e creio que
nenhum pesquisador se habitua a essa
peculiaridade sem um grande esforço para superar
suas próprias concepções anteriores sobre a psique.
Nos processos inconscientes, a realidade do pensar
torna-se equivalente à realidade exterior e o mero
desejar já equivale à realização de desejo ou
equipara-se até mesmo à ocorrência do evento
desejado; enfim, tudo neles acontece como decorria
do domínio do velho princípio do prazer. [...] nunca
devemos aplicar os critérios da realidade às
formações psíquicas inconscientes, pois, se o
fizermos, acabaremos por subestimar o papel das
fantasias na formação de sintomas só pelo fato de
elas não serem realidades. (FREUD, 1911)
Sobre as fantasias inconscientes

Entre os autores psicanalíticos, faz-se por vezes


referência ao termo (de acordo com a linguagem
corrente) na acepção exclusiva de “fantasias”
conscientes, da mesma natureza das divagações.
Mas as descobertas de Freud cedo levaram ao
reconhecimento da existência de fantasias
inconscientes. Essa referência da palavra é
indispensável. Os tradutores ingleses de Freud
adotaram uma redação especial da palavra:
“phantasy” (fantasia), com ph, a fim de
diferenciarem o significado psicanalítico do termo,
isto é, fantasias predominantemente ou
inteiramente inconscientes, da palavra popular
“fantasia”, significando divagações conscientes,
ficções, etc. O termo psicanalítico “fantasia”
estabelece, essencialmente, uma conotação com o
conteúdo mental inconsciente, que poderá ou não
tornar-se consciente. (ISAACS, 1948)
Sobre as fantasias inconscientes

A palavra “fantasia” também tem sido


frequentemente empregada para assinalar o
contraste com “realidade”, sendo esta palavra
tomada numa acepção que a torna idêntica a fatos
“externos”, ou “materiais”, ou “objetivos”. Mas,
quando a realidade externa é, assim, denominada
realidade “objetiva”, estabelece um pressuposto
implícito que nega à realidade psíquica sua própria
objetividade como fato mental. Alguns analistas
tendem a contrastar “fantasia” e “realidade” de um
modo tal que subestimam a importância dinâmica
da fantasia. Um emprego afim é pensar na “fantasia”
como algo “meramente” ou “unicamente”
imaginado, como algo irreal contrastando com o que
é real, com o que acontece a uma pessoa. Esse tipo
de atitude tende para a depreciação da realidade
psíquica e do significado dos processos mentais
como tais. (ISAACS, 1948)
Fantasia e relação de objeto

A hipótese de que um estágio que se estende por


vários meses precede as relações de objeto implica
que [...] os impulsos, fantasias, ansiedades e defesas
ou não estão presentes no bebê ou não estão
relacionados a um objeto, ou seja, ela operariam in
vacuo. A análise de crianças muito pequenas
ensinou-me que não existe urgência pulsional,
situações de ansiedade, processo mental que não
envolva objeto, externo ou interno; em outras
palavras, as relações de objeto estão no centro da
vida emocional. Além do mais, amor e ódio,
fantasias, ansiedades e defesas também operam
desde o começo e encontram-se ab initio
indivisivelmente ligados a relações de objeto. Esse
insight mostrou-me vários fenômenos sob uma nova
luz. (KLEIN, 1952)
Sobre o ambiente

São frequentes as afirmações de que Klein desconsidera o


papel da realidade dita externa na constituição psíquica,
porém trata-se de um equívoco. A autora aborda, em seus
textos, repetidas vezes a influência do contexto no qual se
encontra o sujeito e como este influencia
fundamentalmente sua subjetividade.
“Sabemos que a vida pulsional arcaica da criança, de um
lado, e a pressão da realidade sobre ela, de outro,
interagem mutuamente e que a sua ação combinada
modela o curso do seu desenvolvimento mental. Segundo
o meu modo de pensar, a realidade e os objetos reais
afetam as suas situações de ansiedade [angústia] desde os
estágios mais remotos da sua existência, no sentido de que
ela os encara como inúmeras provas ou refutações da sua
situação de ansiedade, que ela deslocou para o mundo
externo, e ajudam, desse modo, a guiar o curso de sua vida
pulsional. O comportamento de seus objetos e a natureza
de suas experiências contribuem desse modo para o
fortalecimento e também para o enfraquecimento das
situações de ansiedade dominantes da criança” (KLEIN,
1932)
Inveja e Gratidão

Em 1955, durante o 19º Congresso Internacional de


Psicanálise, Melanie Klein apresentou pela primeira vez
suas ideias sobre a inveja e a gratidão. Em 1957, dois anos
depois, vem a público seu famoso texto “Inveja e Gratidão”,
texto importante até os dias atuais, causou muito alvoroço
entre os psicanalistas.
A segunda teoria das pulsões de Freud (1920) é aceita sem
hesitação no trabalho de Melanie Klein. A autora considera
a inveja como uma expressão primitiva dos impulsos
derivados da pulsão de morte, estando, portanto, em
atividade desde o início da vida.
Enquanto a inveja é um dos fatores que mais pode arruinar
a capacidade de apreciar a vida na sua origem, a gratidão,
derivada de Eros, é o fundamento da capacidade de fruição
do prazer, sendo essencial no estabelecimento da relação
com o objeto bom primitivo. Klein considera ambas, a
inveja e a gratidão, como afetos presentes na relação mais
inicial com a mãe (cuidador).
Inveja e Gratidão

“A luta entre as pulsões de vida e de morte e a resultante


ameaça de aniquilamento do self e do objeto por impulsos
destrutivos são fatores fundamentais na relação inicial do
bebê com a sua mãe. Isso porque seus desejos implicam
querer que o seio, e em seguida a mãe, fizessem
desaparecer esses impulsos destrutivos e a dor da
ansiedade [angústia] persecutória.” (KLEIN, 1957)
A expectativa primitiva de alívio imediato da angústia é o
que está na raiz da inveja e da gratidão. O contraste entre
essa expectativa por um objeto ideal, o seio inexaurível, e a
realidade que, inevitavelmente, proporcionará frustrações
faz surgir a inveja. O bebê, tomado de angústia, anseia por
algo que o acalme, julgando que o seio tem tudo o que é
necessitado mas não o dá deliberadamente. O ataque
invejoso está justamente no arruinar, em fantasia, aquilo
que o seio teria de bom, despojando-o das suas qualidades
desejadas. “A inveja é o sentimento raivoso de que outra
pessoa possui e desfruta algo desejável — sendo o impulso
invejoso o de tirar esse algo ou de estragá-lo.”
Inveja e Gratidão

Ao sentir que o seio bom em fantasia está estragado, este torna-se um


objeto inútil, ficando o sujeito exposto à situações de maior angústia.
A inveja confere um ímpeto específico de ataque ao objeto: ele é
atacado por ser sentido como bom e, ao privar o sujeito de sua
“bondade”, torna-se mau por reter para si mesmo todo o amor e os
cuidados ansiados pelo bebê. Melanie Klein afirma que, no processo
analítico, o paciente em um estado invejoso, pode relutar em atribuir
sucesso ao trabalho na análise. Assim, todo o trabalho é sentido como
arruinado, de modo que o próprio sujeito encontra-se impedido de
estabelecer uma relação com o objeto bom, fechando-se em um
circuito narcísico de onipotência.
Uma consequência importante da ação da inveja na realidade
psíquica é o aparecimento do sentimento de culpa. “O paciente
invejoso também pode sentir que é indigno de beneficiar-se pela
análise, devido à culpa pela desvalorização do auxílio dado.” (KLEIN,
1957) Como a inveja já está em operação na posição
esquizo-paranoide, a culpa é sentida como imperdoável, sendo
vivenciada como angústia persecutória. Nessa situação o analista é
posto no lugar de um objeto persecutório, sendo percebido como
condenando moralmente o analisando.
Inveja e Gratidão

O sujeito, devido ao ímpeto da inveja e ao excesso de


mecanismos paranoides e esquizoides, encontra
dificuldades em manter separados o objeto bom e o objeto
mau, o amor e o ódio, ficando entregue a um estado de
confusão.
“[...] durante os primeiros meses ele [o bebê] mantém
predominantemente o objeto bom separado do mau e,
desse modo, fundamentalmente o preserva — o que
também significa que a segurança do ego é aumentada. [...]
Minha hipótese, portanto, é que a capacidade de amar
promove tanto as tendências integradoras quanto o
sucesso da cisão fundamental entre o objeto amado e o
odiado. Isso soa paradoxal. Mas, como já disse, uma vez que
a integração baseia-se em um objeto bom firmemente
enraizado que forma o núcleo do ego, um certo montante
de cisão é essencial para a integração, por preservar o
objeto bom e, mais tarde, capacitar o ego e sintetizar os
dois aspectos do objeto.” (KLEIN, 1957)
Inveja e Gratidão

Interessante observar o paradoxo envolvido no


estabelecimento da capacidade de amar. Inicialmente,
durante a posição esquizo-paranoide, a cisão é necessária
para estabelecer uma relação com o objeto bom
relativamente segura, cindida do ódio. A cisão é o pavimento
do caminho para a posterior integração, que só será possível
se a cisão primitiva estiver estabelecida. A confusão oriunda
da falha na cisão faz surgir uma perturbação no que Freud
(1925) chamou de juízo de atribuição, ou seja, o sujeito fica
incapaz de diferenciar o bom do mau, o útil do nocivo.
A gratidão, para Klein, é um dos principais derivados de Eros,
sendo “[...] o fundamento da apreciação do que há de bom
nos outros e em si mesmo.” (KLEIN, 1957) A gratificação
libidinal só pode ser alcançada, nos primeiros momentos, se
a capacidade de amar estiver relativamente segura. A
gratidão, ao possibilitar o sentimento de riqueza interna, está
ligada à generosidade. Essa experiência promove a
intimidade e a confiança, possibilitando a aceitação do que é
oferecido pelo objeto, formando uma base importante para o
advento do mecanismo de reparação na posição depressiva.
Estágios iniciais do conflito edipiano

“Assim como no complexo de castração das meninas, no


complexo de feminilidade dos meninos há no fundo o desejo
frustrado de possuir um órgão especial. As tendências de
roubar e destruir estão ligadas aos órgãos de fecundação,
gravidez e parto que o menino presume existirem na mãe,
assim como à vagina e os seios, a fonte do leite, cobiçados
como órgãos de receptividade e fartura desde o tempo em
que a posição libidinal é puramente oral.” (KLEIN, 1928)
“Tanto em homens como em mulheres, a inveja desempenha
um papel no desejo de tirar os atributos do sexo oposto, bem
como de possuir ou estragar aqueles do genitor do mesmo
sexo. Por conseguinte, em ambos os sexos, não importa quão
divergentes seus desenvolvimentos, o ciúme paranóide e a
rivalidade na situação edipiana direta e invertida são
baseados na inveja excessiva em relação ao objeto originário,
a mãe, ou melhor, seu seio.” (KLEIN, 1957)
Inveja e Gratidão

“Quero agora referir-me a um paciente do sexo masculino e relatar um sonho que teve um papel
importante em fazê-lo reconhecer não apenas impulsos destrutivos para com sua mãe e para com a
analista, mas também a inveja como um fator bem específico em sua relação com elas. Até aquele
momento, e com fortes sentimentos de culpa, ele já havia reconhecido em alguma medida seus
impulsos destrutivos, mas ainda não se havia dado conta de sentimentos invejosos e hostis dirigidos
contra a criatividade da analista e contra a de sua mãe no passado. “No sonho, o paciente havia estado
pescando; ele se perguntava se deveria matar o peixe que apanhara a fim de comê-lo, mas decidiu pô-lo
numa cesta e deixá-lo morrer. O cesto no qual estava carregando o peixe era do tipo usado pelas
mulheres para levar roupa para a lavanderia. O peixe transformou-se repentinamente num lindo bebê e
havia algo verde que tinha a ver com a roupa do bebê. Então ele notou – e naquele momento ficou muito
preocupado – que os intestinos do bebê estavam saindo, pois o bebê havia sido ferido pelo anzol que
havia engolido em seu estado de peixe.”
Inveja e Gratidão

“[…] associações mostraram, entretanto, que o peixe era não apenas meu trabalho e meu bebê mas que
também representava a mim. O fato de eu ter engolido o anzol, que significava ter engolido a isca,
expressava seu sentimento de que eu havia formado uma opinião melhor a seu respeito do que ele
merecia e que não havia reconhecido que havia também partes muito destrutivas de seu self agindo
contra mim. […] ele inconscientemente se dava conta disso. Eu também interpretei que a cesta de
lavanderia expressava, neste caso, seu desejo de ser uma mulher, de ter bebês e de privar sua mãe deles.
O efeito desse passo em direção à integração foi um forte ataque de depressão por ter que encarar os
componentes agressivos de sua personalidade. Embora isso tivesse sido antevisto na parte inicial de sua
análise, ele agora o vivenciava como um choque e como horror a si mesmo. Na noite seguinte o paciente
sonhou com um lúcio, com o qual associou baleias e tubarões; porém no sonho ele não sentia que o lúcio
fosse um ser perigoso. Ele era um peixe velho e parecia cansado e muito gasto. Sobre o lúcio estava uma
rêmora [suckerfish], e o paciente imediatamente mencionou que a rêmora não suga o lúcio ou a baleia,
mas adere por sucção à superfície deles, e assim fica protegido de ataques de outros peixes.”
Inveja e Gratidão

“O paciente reconheceu que essa explicação era uma defesa contra seu sentimento de ser a rêmora e de
eu ser o velho e desgastado lúcio, tendo eu ficado nesse estado por ter sido tão maltratada no sonho da
noite anterior e por ele sentir que havia me sugado até me exaurir. Isso tinha me tornado um objeto não
só danificado, mas também perigoso. […] A forte depressão que sucedeu esse insight durou várias
semanas […] mas não interferiu no trabalho do paciente e em sua vida familiar. Ele descreveu essa
depressão como diferente e mais profunda que qualquer outra que até então experimentara. A
necessidade premente de reparação […] foi aumentada pela depressão e abriu caminho para a sua
superação. O resultado dessa fase na análise foi muito evidente. Mesmo após a depressão […] ter sido
elaborada, o paciente ficou convencido de que nunca mais iria se ver do modo como se via antes,
embora isso não implicasse mais um sentimento de desalento mas sim um maior conhecimento de si
mesmo e também uma maior tolerância para com as outras pessoas. A análise conseguira um passo
importante na integração, ligado ao fato de ter o paciente se tornado capaz de encarar sua realidade
psíquica.”
Inveja e Gratidão

“A análise do seu sentimento de culpa teve vários efeitos; ele sentiu um amor mais profundo por seus
pais; também se deu conta – e estes dois fatos estão intimamente ligados – de que havia um elemento
compulsivo em sua necessidade de fazer reparação. Uma identificação exagerada com o objeto
danificado em fantasia – originalmente a mãe – tinha prejudicado sua capacidade de fruir plenamente, e
portanto, em certa medida, empobrecera a sua vida. Tornou-se claro que mesmo em sua relação mais
inicial com sua mãe […] ele não tinha sido capaz de desfrutá-la completamente, por causa de seu medo
de exaurir ou lesar o seio. Por outro lado, a interferência em sua fruição deu ensejo a ressentimento e
aumentou seus sentimentos de perseguição. Esse é um exemplo do processo […] pelo qual nos estágios
mais iniciais de desenvolvimento, a culpa – em particular a culpa quanto à inveja destrutiva da mãe e da
analista — é passível de transformar-se em perseguição. Suas capacidades de fruição e de gratidão em
um nível profundo aumentaram através da análise da inveja primária e da correspondente diminuição
das ansiedades persecutória e depressiva.”
A clínica psicanalítica

“O tratamento psicanalítico não cria a transferência, mas simplesmente a revela, como a tantas outras
coisas ocultas na vida anímica. [...] despertam-se todas as moções [do paciente], inclusive as hostis;
mediante sua conscientização elas são aproveitadas para fins de análise, e com isso a transferência é
repetidamente aniquilada. A transferência, destinada a constituir o maior obstáculo à psicanálise,
converte-se em sua mais poderosa aliada quando se consegue detectá-la a cada surgimento e traduzi-la
para o paciente.” (FREUD, 1905)
“Uma pessoa que se tornou normal e livre da ação de impulsos instintuais reprimidos em sua relação
com o médico, assim permanecerá em sua própria vida, após o médico haver-se retirado dela.” (FREUD,
1916)
A clínica psicanalítica

Uma das maiores contribuições de Klein para a clínica foi sua expansão da ideia de transferência. No
processo analítico, a transferência é abordada como um fenômeno que se origina a partir dos processos
que construíram as relações de objeto nos estágios mais arcaicos, na posição esquizo-paranoide e na
posição depressiva. É nuclear a noção de objeto interno para a abordagem da transferência do ponto de
vista kleiniano. As relações com os objetos externos é entendida como envolvendo a projeção dos
objetos internos. Isso foi o que possibilitou a análise de crianças pequenas, sendo a transferência da
criança para o analista não compreendida como um deslocamento da relação com os pais ditos “reais”.
Seguindo as ideias kleinianas, é entendido que a criança toma o analista como um novo objeto externo
para aplicar a mesma relação (transferencial) mantida com os pais: com o analista são encenadas as
mesmas relações com objetos internos projetados nos pais. O setting kleiniano é o lugar onde o mundo
interno do analisando pode manifestar-se para ser interpretado em sua realidade.
A contratransferência

Nem Freud ou Melanie Klein falaram da contratransferência como um instrumento útil na condução da
análise. Estes autores consideram que os afetos experimentados pelo analista na situação de análise
diziam sempre respeito à pessoa do analista, sendo portanto inúteis para o tratamento. Por esse motivo,
Melanie Klein desaprova a publicação do famoso ensaio sobre a contratransferência de Paula Heimann,
uma de suas colegas mais próximas, chegando a um rompimento entre as duas na década de 1950.
(SPILLIUS, 2007)

A escassa elaboração sobre a contratransferência nos escritos psicanalíticos até a década de 1950 se deu
por conta da posição dos próprios analistas frente ao tema. Os aspectos primitivos em operação na
mente do analista eram rejeitados pois se supunha que faltava análise ao analista e nada mais. O
questionamento em direção à contratransferência retira do analista o conforto de sua “neutralidade”
ilusória, o que derruba o antigo mito de que a análise deve transcorrer entre um paciente “adoecido” e
um analista “normal”, sem afetações. (ETCHEGOYEN, 1987)
A contratransferência

Com a aceitação da contratransferência como um instrumento útil para o tratamento analítico, a


comunicação entre inconscientes é destacada de modo que o analista pode ouvir questões que estão
além das palavras. A projeção de objetos internos no analista pode mobilizar afetos específicos na
contratransferência. A consulta, pelo analista, aos próprios sentimentos se faz necessária na formulação
de uma intervenção mais efetiva e útil para o avanço da análise.

É entendido que o paciente sofre os efeitos da contratransferência do analista. Esta só se torna útil se o
analista, partindo de uma auto-análise, é capaz de discriminar até que ponto o paciente contribuiu para o
surgimento de tais afetos, podendo então intervir sem a necessidade de falar diretamente sobre seus
sentimentos. Esse manejo possibilita a mudança psíquica através de um encaminhamento diferente dos
conflitos do paciente, para além de suas estereotipias.
A situação analítica como um campo dinâmico

As formulações inovadoras sobre a utilidade da contratransferência na análise permitiram que Willy e


Madeleine Baranger propusessem, em 1961, a noção de campo dinâmico, ampliando ainda mais as
possibilidades de compreender o que acontece em uma análise.

[...] a situação analítica deve ser formulada não só como situação de uma pessoa frente a um
personagem indefinido e neutro – na verdade, de uma pessoa frente a si mesma –, mas como situação
em que duas pessoas estão indefectivelmente ligadas e complementares enquanto a situação durar e
envolvidas num mesmo processo dinâmico. Nessa situação, nenhum membro desse par pode ser
entendido sem o outro. (BARANGER e BARANGER, 1961)
A situação analítica como um campo dinâmico

A situação analítica consiste em permitir o livre jogo da identificação projetiva no analisando, dando-lhe,
assim, ocasião excepcional de estruturar a fantasia de par segundo o que necessita, com o mínimo de
entraves por parte do “parceiro”. A posição do analista é muito diferente: precisa usar a identificação
projetiva (senão, não participaria da situação de par e lhe seria impossível entender o analisando), mas
em pequenas doses e a título de investigação experimental. A observação pessoal e de supervisões
confirma sobejamente que o uso da identificação projetiva por parte do analista, se passar de certo
limiar, paralisa o trabalho interpretativo. O analista se vê envolto por demais na estrutura de par, e perde
a oportunidade de modificá-la. (BARANGER e BARANGER, 1961-2010)

A situação analítica se dá pelo jogo de identificações projetivas que estrutura a fantasia inconsciente de
par. Porém essa situação deve ser administrada pelo analista, que mantém a função analítica em
operação, de modo a evitar o desvirtuamento do par analítico em um par não-analítico.
A situação analítica como um campo dinâmico

Todas essas ideias também dão uma dimensão diferente à noção de resistência na análise. Aquilo que
cristaliza o movimento do campo é chamado de baluarte, introduzindo diretamente o papel do analista
no surgimento das resistências. O analisando que resiste busca a paralisação do campo. É quando o
analista participa da resistência que se forma o baluarte, sendo este um ponto delicado onde a história
pessoal de cada um dos membros do par contribui para a formação de uma resistência crônica na
análise, mantendo lugares estereotipados, conhecidos e seguros para ambos.

As intervenções do analista tem como função colocar o campo em movimento, reativando a mobilidade
dos processos projetivos e introjetivos que estavam paralisados. Essa paralisação é o que produzia a
estruturação neurótica da vida do analisando e, portanto, a estruturação da neurose de transferência.
Somente após um longo processo preparatório, quando partes cindidas do analisando se integram,
muitas vezes de forma brusca, pode ocorrer a queda do baluarte. Essa queda faz com que todos os afetos
aflitivos, que eram anteriormente evitados, apareçam. Posteriormente, com a elaboração, as partes antes
cindidas podem ser melhor integradas, de modo a enriquecer as capacidades do analisando.
Sobre os critérios de analisabilidade

É sabido que grande parte da literatura psicanalítica clássica que aborda a questão dos critérios de
analisabilidade tem como foco as características relacionadas ao funcionamento psíquico do analisando.
Para Freud (1937), o objetivo de uma análise é “[...] substituir repressões, que são inseguras, por controles
egossintônicos dignos de confiança”, porém isso só pode ser feito de modo incompleto. O trabalho da
análise consiste em o analista aliar-se ao Eu do analisando de modo a submeter partes não controladas
do Id, incluindo-as na síntese egoica. Porém partes dos mecanismos antigos permanecem intocadas
pelo processo. Freud argumenta que a força das pulsões, mesmo com o auxílio analítico, faz o Eu maduro
fracassar em sua missão, assim como o Eu fraco e desamparado fracassou anteriormente.

A partir dos avanços teórico-clínicos, foi possível mudar o enfoque de modo a privilegiar o desejo de
análise de um sujeito singular em relação a um analista singular. Sendo a proposta da análise a
transformação das produções neuróticas do analisando, que se reportam a um conflito intrapsíquico, em
uma neurose de transferência, o foco pode deixar de ser o analisando “possuído” pela neurose para se
tornar a relação que se desenvolverá nos encontros analíticos da dupla. (MEYER, 2008)
Sobre os critérios de analisabilidade

Ferro (1998) acredita que seria mais útil falar de um critério de capacidade de pôr-se à prova ao invés de
falarmos de critérios de analisabilidade. A partir da consciência, conquistada na própria análise, o
analista pode saber até que ponto pode ir ao analisar, e isso baseado no seu próprio funcionamento
psíquico e no seu grau de tolerância à frustração e ao risco.

Ferro também comenta que a literatura relacionada ao tema da analisabilidade deslocou-se do estudo
das características do analisando para a interação que ocorre na dupla analítica, entre aquele
“determinado” analista e aquele “determinado” analisando: “uma análise pode terminar com sucesso no
ponto em que outras poderiam iniciar”. (FERRO, 1998)
Pergunta disparadora para o portfólio

Melanie Klein pensa as relações de objeto no centro de toda a vida psíquica. Quais são as consequências
teóricas e clínicas de tal pensamento?

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