Teologia Da Renovação Espiritual
Teologia Da Renovação Espiritual
Teologia Da Renovação Espiritual
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RESUMO
O presente artigo visa apresentar, através da análise dos escritos de seus fundadores, um olhar
sobre a teologia do movimento de Renovação Espiritual, surgido na década de 1960 entre as
igrejas batistas brasileiras. Com forte ênfase na experiência do batismo com o Espírito Santo e
outros princípios ligados ao pentecostalismo, este movimento interno na denominação resultou
na primeira cisão doutrinária da Convenção Batista Brasileira, em 1965. Nesta análise da
teologia do movimento da Renovação Espiritual, destaca-se a forte influência do ambiente vital
da época na elaboração destes pressupostos renovacionistas. A teologia deste movimento pode
ser encontrada em sua melhor forma em duas principais obras produzidas pelos seus pioneiros:
Calvário e Pentecoste, de José Rego do Nascimento, e Batismo com o Espírito Santo, de Enéas
Tognini.
ABSTRACT
This article aims to present, through the analysis of the writings of its founders, a look at the
theology of the Spiritual Renewal movement, which emerged in the 1960s among Brazilian
Baptist churches. With a strong emphasis on the experience of the baptism with the Holy Spirit
and other principles linked to Pentecostalism, this internal movement in the denomination
resulted in the first doctrinal split of the Brazilian Baptist Convention, in 1965. In this analysis
of the theology of the Spiritual Renewal movement, the emphasis is on strong influence of the
vital environment of the time in the elaboration of these renovationist assumptions. The
theology of this movement can be found in its best form in two main works produced by its
pioneers: Calvário e Pentecoste, by José Rego do Nascimento, and Baptism with the Holy
Spirit, by Enéas Tognini.
*
Mestrando em Filosofia e Ensino (CEFET-RJ). Bacharel em Teologia (STBSB). Licenciado em História (UVA).
Pós-graduado em MBA em Gestão Estratégica de Pessoas (UCAM). Funcionário do Centro Cultural Banco do
Brasil RJ na área de Administração e Patrimônio. Professor no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.
**
Graduado em História (Universo), Doutorado em História (UFRJ), Doutorado em Ciências da Religião
(UMESP), Pós-doutor em Cognição e Linguagem (UENF).
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 6
INTRODUÇÃO
Os batistas no Brasil possuem duas experiências de destaque com o carismatismo ao
longo da sua história. A primeira, no início da segunda década do século XX, deu origem a
maior denominação pentecostal do país, a Assembleia de Deus. Sobre este movimento muito
se tem discutido, em parte, pelos próprios assembleianos, mas também por círculos acadêmicos
interessados na presença pentecostal cada vez maior na sociedade brasileira.
A segunda experiência, que surgiu nos fins da década de 1950 e ficou conhecida como
Movimento da Renovação Espiritual, de caráter cisório, que causou muita polêmica na estrutura
oficial da denominação, diferente da primeira experiência que se restringiu a divisão de uma
igreja local. A ruptura de 1965 deu origem ao segundo maior grupo de batistas no Brasil,
reunidos sob a Convenção Batista Nacional. Sobre esta última experiência pouco se discutiu,
dado as fissuras ainda aparentes na memória recente de ambos os grupos.
1
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. 2.
ed. São Paulo: Loyola, 2002, p.47
2
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. 4. ed. São Paulo: Loyola,
2012, p.10
3
Op. Cit., p.28-29
4
Ibid., p.29-30
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 7
A ênfase em curas divinas atraiu não só fieis de outras confissões, mas conseguiu atingir
as camadas mais pobres da população. O Brasil da década de 1950 experimentava as
transformações sociais causadas pelo processo de industrialização tardia empreendido pela Era
Vargas, com a modernização das cidades, instalações das indústrias de base e de bens de
consumo e a chegada das grandes industrias multinacionais. As Igrejas desta segunda onda
surgem em São Paulo, que nesta fase é o destino do fluxo migratório dos nordestinos, que em
busca de “ganhar a vida”, tornaram-se a mão de obra deste processo de crescimento5.
Sobre a diferenciação da segunda fase do pentecostalismo em relação a primeira, Mariano
estabelece a seguinte conceituação:
Justifica-se, assim, a divisão das duas primeiras ondas pentecostais pelo critério do
corte histórico-institucional, mas não pela existência de diferenças teológicas
significativas entre ambas. Tendo em conta que a segunda mantém o núcleo teológico
do pentecostalismo clássico, mas se estabelece quarenta anos depois e com distinções
evangelísticas e ênfases doutrinárias próprias, optamos por nomeá-la de
deuteropentecostalismo. O radical deutero significa segundo ou segunda vez, sentido
que torna muito apropriado para nomear a segunda vertente pentecostal. 6
5
Ibid., p.30
6
Ibid., p.32
7
Ibid., p.48
8
ARAUJO, Henrique Ribeiro de. História da Teologia no Brasil. Rio de Janeiro: Teologia Contemporânea
Editora, 2016, p.181
9
Ibid., p.182-183
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 8
Neste nosso dia, é por uma visitação bíblica, do Espírito Santo, canalizada pelas
igrejas de Cristo. O supremo anelo. E essa visitação que é uma necessidade
primordial. A felicidade futura do Brasil depende desta vitória. O peso de intercessão
em prol de um avivamento tem sido colocado sobre milhares. 12
Essa mensagem sobre avivamento envolvia uma forte chamada a vida de consagração dos
crentes, por meio de contínua oração e busca pelo poder do Espírito Santo, como um
revestimento para a realização da obra de evangelização e a total rejeição aos comportamentos
considerados mundanos e pecaminosos. Logo, avivamento na definição de Appleby é a
manifestação do poder e glória de Deus na vida dos salvos, e a falta deste poder do Espírito
Santo manifestado nos crentes é fruto de uma vida mundana e consequentemente a razão para
o fracasso na evangelização do país. 13
Eneás Tognini expressou de forma clara que o objetivo principal do Movimento de
Renovação Espiritual “é uma mensagem bíblica no poder do Espírito para sacudir as Igrejas
que existem, mas que dormem embaladas pelo comodismo e inatividade.” 14 De acordo com
Tognini, o movimento não objetivava criar uma nova denominação ou frente para-eclesiástica
de evangelização, mas sim renovar as estruturas denominacionais históricas através dessa
experiência do batismo com o Espírito Santo.15
Como os pioneiros da Renovação Espiritual entendiam e explicavam o batismo com o
Espírito Santo, este que é o elemento primordial na mensagem teológica do movimento? A
melhor forma de responder à questão é analisar as publicações de José Rego do Nascimento e
Enéas Tognini, salientando os pontos principais da argumentação teológica desses pastores.
10
IGREJAS RENOVADAS. Dicionário do Movimento Pentecostal. Org. Isael de Araújo. Rio de Janeiro: CPAD,
2007, p.382
11
MARIANO, Ricardo. Op. cit., p.10-12
12
APPLEBY, Rosalee M. O Preço do Poder. São Paulo: Renovação Espiritual, 1964, p.44
13
Ibid., p.84
14
TOGNINI, Enéas. História dos Batistas Nacionais. 2. ed. Brasília: Convenção Batista Nacional, 1993, p.137
15
Ibid., p.137
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 9
isso estabelece uma relação de precedência: a regeneração é uma experiência primária e inicial
para a recepção do batismo com o Espírito Santo. Uma benção para regenerados e somente para
regenerados.16 Rego do Nascimento diferencia regeneração e o batismo com o Espírito Santo
nos seguintes termos:
16
NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecoste: Estudos sobre o Espírito Santo. Belo Horizonte: Edições
Renovação Espiritual, 1960, p.37
17
Ibid., p.36-39
18
Ibid., p.40
19
Ibid., p.47
20
Ibid., p.48
21
Ibid., p.72
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 10
essa relação entre crente e Espírito Santo. Segundo ele, os crentes têm o Espírito Santo e não
precisam pedir por ele, pois ele já habita nos crentes desde a conversão. Para reforçar a sua
argumentação, Tognini estabelece dois tipos de crentes: os carnais e os espirituais. Ambos
possuem o Espírito Santo, com a diferença de o Espírito Santo possuir os crentes espirituais e
não possuir os crentes carnais. Tognini afirma: “O crente carnal não dá liberdade ao Espírito
Santo que está em seu coração, para agir e orientar a sua vida, como o espiritual dá.” 22 Com
isso, Tognini traz ao debate uma diferenciação entre os crentes, através de tipos, que ele mesmo
faz questão de explicá-los:
Não devemos confundir o homem natural descrito por Paulo em 1 Coríntios 2:14 com
o crente carnal descrito em 1 Coríntios 3:1. O homem natural não é convertido, o
crente carnal é. O homem natural é incrédulo, isto é, não crê em Cristo como seu
Salvador; o crente carnal conhece a Cristo, já o recebeu como seu pessoal Salvador e
confia nele. O homem natural não tem Cristo no coração, o crente carnal tem. O
homem natural não possui o Espírito Santo, o crente carnal, apesar de suas fraquezas,
tem o Espírito Santo, pois é crente em Cristo e como tal, tem o Espírito. O homem
natural não nasceu do Espírito, só da carne; o crente carnal nasceu da carne e do
Espírito, segundo a exigência de Jesus em João capítulo três. O homem natural não é
regenerado, vive no pecado, ama o pecado e permanece no pecado; o crente carnal foi
regenerado pelo Espírito Santo, anda às vezes no pecado, mas tem o desejo ardente
de liberta-se dele.23
José Rego do Nascimento e Enéas Tognini são unânimes em afirmar que o Pentecostes
se repete e esse é o evento que marca na vida do crente o batismo com o Espírito Santo. Rego
do Nascimento responde no capítulo dois do livro Calvário e Pentecoste a pergunta: Pentecoste
se Repete? Ele é afirmativo: sim, repete. Mas sobre essa repetição, ele explica:
Quando dizemos que Pentecoste se repete, não estamos nos referindo ao evento em
si, ao fato histórico, estamos nos referindo à sua benção consequente: a posse e o
revestimento de poder, a maravilhosa unção que o Espírito concede àqueles que
possui. Essa se repete e vem se repetindo através dos anos. Milhares tem comprovado
em sua vida a verdade da Escritura de que o Senhor Jesus não somente redime da
condenação do pecado, mas ainda purifica e reveste com o poder do seu Santo
Espírito, o glorioso batismo. A gloriosa benção nasceu em Pentecostes e vem se
repetindo através dos anos.
22
TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo. São Paulo: Edições Renovação Espiritual, 1960, p.48
23
Ibid., p.81-86
24
Idem.
25
Ibid., loc.cit.
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 11
Enéas Tognini faz uma análise dos primeiros capítulos de Atos dos Apóstolos para
subsidiar a sua afirmação de que Pentecostes se repete. E após isso afirma:
Fizemos questão de apontar essas escrituras de Atos sobre o Espírito Santo e descrevê-
las, com o propósito de provar que os efeitos de Pentecostes não se limitaram àquele
dia; pelo contrário, estenderam-se pelos anos a dentro, conduziram os discípulos na
realização da grande obra de evangelização do mundo; guiando-os à toda verdade,
corrigindo-os, auxiliando-os e dando-lhes forças para a luta, exatamente como ainda
hoje faz àqueles que à sua liderança se submetem.26
DONS ESPIRITUAIS
Para José Rego do Nascimento, o batismo com o Espírito Santo é condição para a
concessão dos dons espirituais.27 Na sua argumentação a evidência de que alguém recebeu o
batismo com o Espírito Santo é a manifestação dos frutos do Espírito28, posição também
esposada por Eneás Tognini ao descrever as características do crente espiritual, aquele a quem
o Espírito Santo dirige.29
Rego do Nascimento considera que os dons são provisões sobrenaturais para que os
crentes cumpram a missão dada pelo Senhor e os seus propósitos para a vida, edificação,
fortalecimento da fé e íntima comunhão com Deus. Com isso, os dons tornam úteis os servos
de Deus no mundo. As conclusões de José Rego do Nascimento são apresentadas em meio a
sua análise do texto de 1 Coríntios 12 e outros semelhantes.30Em meio a elas, tece considerações
sobre os dons de curar, operações de maravilhas e línguas.
Sobre o dom de curar, Rego do Nascimento estabelece algumas características: é um dom
particular, dado pelo Espírito a determinados crentes, não é infalível devido a incredulidade e
deve ser exercitado à medida que as Igrejas retornem ao padrão apostólico. Já as operações de
maravilhas são atos fora do comum, segundo ele. Portanto, são curas que tomam formas
dramáticas e inusitadas, tais como visão a cegos e recuperação de paralíticos.31
O DOM DE LÍNGUAS
Rego do Nascimento ocupa boa parte do seu livro em explicar as diversas questões e
controvérsias a respeito desse assunto. Em uma análise sobre Atos 2 e I Coríntios 12 a 14, ele
estabelece uma distinção entre as línguas faladas no dia de Pentecostes e as línguas faladas
pelos crentes na Igreja de Corinto:
26
TOGNINI, Enéas. Op.cit., 1960, p.41
27
NASCIMENTO, José Rego. op.cit., p.85
28
Ibid., p.81
29
TOGNINI, Enéas. Op.cit., p.88-105
30
NASCIMENTO, José Rego. Op.cit., p.85-87
31
Ibid., p.96-97
32
NASCIMENTO, José Rego. Op.cit, 1960, p.101
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 12
Ora, acontece que o dom de línguas é um dos mais fáceis de ser adulterado, o que tem
resultado em graves e funestos enganos para muitas almas. Algumas pessoas, na ânsia
de receberem o batismo, criam, inconscientemente, uma enunciação desordenada de
sons e a si mesmos convencem de que receberam o dom. Outras, no interesse
secundário de galgarem posições na Igreja, reservadas somente aos batizados com o
Espírito Santo, são levadas ao pecado de forjarem elas mesmas uma língua, caindo no
grave pecado da hiprocrisia.37
33
Ibid., loc.cit.
34
Ibid., p.102
35
Ibid., loc.cit.
36
Ibid., loc.cit
37
Ibid., p.105
38
Ibid., p.109-110
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 13
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário do protestantismo brasileiro nas décadas de 1950 e 1960 foi propício para o
surgimento do movimento Renovação Espiritual devido à eclosão da segunda geração do
movimento pentecostal. Percebe-se que o movimento renovacionista surgiu sob forte influência
do movimento pentecostal no Brasil, a princípio não como movimento denominacional, mas
sim intra-denominacional, de contestação da ordem vigente. A força motriz desse movimento
foi a teologia carismática, com ênfase na experiência mística dos crentes com o Espírito Santo
e a profusão de dons. Além disso, a Renovação Espiritual possui fortes influências do
fundamentalismo evangélico, principalmente no que tange a sua relação social, ao professar
que conversão dos indivíduos é a solução para o mal social.
Apesar de estar cronologicamente situada no mesmo período da segunda onda de
implantação pentecostal, as ênfases teológicas da Renovação Espiritual são uma junção tanto
desta segunda quanto da primeira onda. Isso ficou evidente com a análise das obras de José
Rego do Nascimento e Enéas Tognini, que dissertam sobre o dom de línguas, curas e prodígios,
como algumas das evidências desta experiência do batismo com o Espírito Santo.
39
NASCIMENTO, José Rego do. Renovação Espiritual. Belo Horizonte: Livraria Editora Renovação, 1992, p.
98-99
40
TOGNINI, Enéas. História dos Batistas Nacionais. 2. ed. Brasília: Convenção Batista Nacional, 1993, p. 143-
144.
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 14
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Henrique Ribeiro de. História da Teologia no Brasil. Rio de Janeiro: Teologia
Contemporânea Editora, 2016.
ARAÚJO, Isael de (Org.). Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.
NASCIMENTO, José Rego do. Renovação Espiritual. Belo Horizonte: Livraria Editora Renovação,
1992.
NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecoste: Estudos sobre o Espírito Santo. Belo Horizonte:
Edições Renovação Espiritual, 1960.
TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo. São Paulo: Renovação Espiritual, 1960.
TOGNINI, Enéas. História dos Batistas Nacionais. 2. ed. Brasília: Convenção Batista Nacional, 1993.