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Teologia Da Renovação Espiritual

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Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p.

5-14 5

A TEOLOGIA DA RENOVAÇÃO ESPIRITUAL


Jonathas Lopes Pereira*
Valtair Afonso Miranda**

RESUMO
O presente artigo visa apresentar, através da análise dos escritos de seus fundadores, um olhar
sobre a teologia do movimento de Renovação Espiritual, surgido na década de 1960 entre as
igrejas batistas brasileiras. Com forte ênfase na experiência do batismo com o Espírito Santo e
outros princípios ligados ao pentecostalismo, este movimento interno na denominação resultou
na primeira cisão doutrinária da Convenção Batista Brasileira, em 1965. Nesta análise da
teologia do movimento da Renovação Espiritual, destaca-se a forte influência do ambiente vital
da época na elaboração destes pressupostos renovacionistas. A teologia deste movimento pode
ser encontrada em sua melhor forma em duas principais obras produzidas pelos seus pioneiros:
Calvário e Pentecoste, de José Rego do Nascimento, e Batismo com o Espírito Santo, de Enéas
Tognini.

PALAVRAS CHAVES: Renovação Espiritual, Batistas, Batismo no Espírito Santo,


Pentecostalismo.

ABSTRACT
This article aims to present, through the analysis of the writings of its founders, a look at the
theology of the Spiritual Renewal movement, which emerged in the 1960s among Brazilian
Baptist churches. With a strong emphasis on the experience of the baptism with the Holy Spirit
and other principles linked to Pentecostalism, this internal movement in the denomination
resulted in the first doctrinal split of the Brazilian Baptist Convention, in 1965. In this analysis
of the theology of the Spiritual Renewal movement, the emphasis is on strong influence of the
vital environment of the time in the elaboration of these renovationist assumptions. The
theology of this movement can be found in its best form in two main works produced by its
pioneers: Calvário e Pentecoste, by José Rego do Nascimento, and Baptism with the Holy
Spirit, by Enéas Tognini.

KEYWORDS: Spiritual Renewal, Baptists, Baptism in the Holy Spirit, Pentecostalism.

*
Mestrando em Filosofia e Ensino (CEFET-RJ). Bacharel em Teologia (STBSB). Licenciado em História (UVA).
Pós-graduado em MBA em Gestão Estratégica de Pessoas (UCAM). Funcionário do Centro Cultural Banco do
Brasil RJ na área de Administração e Patrimônio. Professor no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil.
**
Graduado em História (Universo), Doutorado em História (UFRJ), Doutorado em Ciências da Religião
(UMESP), Pós-doutor em Cognição e Linguagem (UENF).
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 6

INTRODUÇÃO
Os batistas no Brasil possuem duas experiências de destaque com o carismatismo ao
longo da sua história. A primeira, no início da segunda década do século XX, deu origem a
maior denominação pentecostal do país, a Assembleia de Deus. Sobre este movimento muito
se tem discutido, em parte, pelos próprios assembleianos, mas também por círculos acadêmicos
interessados na presença pentecostal cada vez maior na sociedade brasileira.
A segunda experiência, que surgiu nos fins da década de 1950 e ficou conhecida como
Movimento da Renovação Espiritual, de caráter cisório, que causou muita polêmica na estrutura
oficial da denominação, diferente da primeira experiência que se restringiu a divisão de uma
igreja local. A ruptura de 1965 deu origem ao segundo maior grupo de batistas no Brasil,
reunidos sob a Convenção Batista Nacional. Sobre esta última experiência pouco se discutiu,
dado as fissuras ainda aparentes na memória recente de ambos os grupos.

O AMBIENTE VITAL DO MOVIMENTO DA RENOVAÇÃO ESPIRTUAL


Assim como numa boa exegese é indispensável o conhecimento do ambiente vital do
texto bíblico, para a análise de um fato histórico é importante conhecer o ambiente em que este
ocorreu e a mentalidade que envolvia a sua época, como também os seus agentes históricos.
Para a melhor compreensão da teologia do Movimento da Renovação Espiritual, cabe-nos
reconhecer o seu ambiente vital na história do protestantismo no Brasil.
A ascendência histórica e teológica do pentecostalismo no Brasil começa nos Estados
Unidos com o movimento de santidade, herdeiro da teologia wesleyana, que distinguia a
santificação como uma segunda obra da graça, distinta da justificação. O pregador Charles
Pahram, expoente deste movimento, pregava que o falar em línguas era uma das evidências que
acompanhavam o batismo do Espírito Santo. O discípulo de Pahram foi Willian Seymour, que
a partir desta concepção do batismo do Espírito Santo como uma benção posterior, além da
santificação e diferente da justificação, deu o início formal do que ficou conhecido como
pentecostalismo1. Para Ricardo Mariano, o pentecostalismo é um movimento norte-americano,
descendente da teologia wesleyana e do movimento de santidade, que se diferencia do
protestantismo histórico por confessar a contemporaneidade dos dons espirituais,
principalmente o falar em línguas estranhas e curas divinas.2
O sociólogo Paul Freston, estudioso do protestantismo no Brasil, periodizou o movimento
pentecostal no solo brasileiro em três grandes fases, das quais ele intitulou como ondas de
implantação. A primeira onda é a da década de 1910, com a fundação da Congregação Cristã e
das Assembleias de Deus. A segunda onda, na década de 1950 e 1960, de fragmentação do
campo pentecostal com o surgimento da Igreja Quadrangular, Igreja O Brasil para Cristo e
Igreja Deus é Amor. A terceira onda aconteceu no final da década de 1970 e início dos anos
1980, com a Igreja Universal, Internacional da Graça e outras.3
A primeira onda classificada como pentecostalismo clássico caracteriza-se pelo anti-
catolicismo (muito próprio do protestantismo brasileiro), a ênfase no dom de línguas como
evidência do batismo do Espírito Santo (influência direta do movimento de Los Angeles) e a
mensagem da volta iminente de Cristo (escatologia dispensacionalista). A segunda onda é
marcada pelo uso do rádio na evangelização (rejeitado pelo pentecostalismo clássico por ser
considerado mundano) e a sua ênfase é o dom de curas divinas4.

1
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. 2.
ed. São Paulo: Loyola, 2002, p.47
2
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. 4. ed. São Paulo: Loyola,
2012, p.10
3
Op. Cit., p.28-29
4
Ibid., p.29-30
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 7

A ênfase em curas divinas atraiu não só fieis de outras confissões, mas conseguiu atingir
as camadas mais pobres da população. O Brasil da década de 1950 experimentava as
transformações sociais causadas pelo processo de industrialização tardia empreendido pela Era
Vargas, com a modernização das cidades, instalações das indústrias de base e de bens de
consumo e a chegada das grandes industrias multinacionais. As Igrejas desta segunda onda
surgem em São Paulo, que nesta fase é o destino do fluxo migratório dos nordestinos, que em
busca de “ganhar a vida”, tornaram-se a mão de obra deste processo de crescimento5.
Sobre a diferenciação da segunda fase do pentecostalismo em relação a primeira, Mariano
estabelece a seguinte conceituação:

Justifica-se, assim, a divisão das duas primeiras ondas pentecostais pelo critério do
corte histórico-institucional, mas não pela existência de diferenças teológicas
significativas entre ambas. Tendo em conta que a segunda mantém o núcleo teológico
do pentecostalismo clássico, mas se estabelece quarenta anos depois e com distinções
evangelísticas e ênfases doutrinárias próprias, optamos por nomeá-la de
deuteropentecostalismo. O radical deutero significa segundo ou segunda vez, sentido
que torna muito apropriado para nomear a segunda vertente pentecostal. 6

Num contexto de crescimento e pentecostalização do protestantismo brasileiro, as igrejas


do denominacionalismo histórico experimentaram cisões e rupturas a partir da década de 1960,
motivadas por questões pentecostais. Surgiu dentro das denominações históricas movimentos
que se proclamavam “renovados” e que defendiam a contemporaneidade dos dons espirituais.
Mariano afirma que estas igrejas, intituladas como “renovadas”, são dissidentes do
denominacionalismo histórico por adotarem a teologia das igrejas pentecostais, além das
inovações teológicas de seus líderes.7
Henrique Ribeiro de Araújo ressalta que nos anos de 1950 a 1970 a presença de três
movimentos de perspectiva renovada no cenário religioso brasileiro: a segunda onda
pentecostal, a renovação espiritual com as igrejas históricas e o movimento carismático
católico. Araújo considera que estes três movimentos às vezes se encontram e se interpenetram
durante algum momento de suas jornadas. O autor afirma que a segunda onda de implantação
do pentecostalismo não só originou novas igrejas pentecostais, mas resvalou seus fragmentos
nas Igrejas históricas.8
Além da experiência batista de renovação espiritual, os presbiterianos vivenciaram a cisão
na Igreja Presbiteriana Independente, originando a Igreja Presbiteriana Renovada em 1973. Os
metodistas viram surgir a Igreja Metodista Wesleyana, em 1967. Na Igreja Congregacional o
ocorrido foi em 1967. A divisão em uma Igreja Presbiteriana no estado do Espírito Santo deu
origem a Igreja Cristã Maranata, também fruto do movimento pentecostal no
denominacionalismo histórico.9 O Dicionário do Movimento Pentecostal descreve esse
processo de cisões renovacionistas deste modo:

Presbiterianos, batistas, congregacionais, episcopais, enfim, todas as denominações


estavam convivendo com grupos ávidos por oração, pela busca de experiências mais
profundas com o Espírito Santo. Esse avivamento era gerado também por uma
insatisfação pessoal, pelo comodismo ou por falta de poder espiritual. Naturalmente,
essa nova época na igreja evangélica brasileira gerou crises. Surgiram, então, os

5
Ibid., p.30
6
Ibid., p.32
7
Ibid., p.48
8
ARAUJO, Henrique Ribeiro de. História da Teologia no Brasil. Rio de Janeiro: Teologia Contemporânea
Editora, 2016, p.181
9
Ibid., p.182-183
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 8

batistas renovados, os metodistas wesleyanos, os presbiterianos renovados e vários


outros com convenções próprias.10

Mariano concluiu que a contínua pentecostalização dos setores do protestantismo


histórico, iniciada na década de 1960, é um dos fatores que contribuiu para o acelerado
crescimento do pentecostalismo no Brasil. Para subsidiar essa conclusão, Mariano analisou os
dados dos censos demográficos de 1980 e 1990, em que as denominações históricas deixaram
ser a maior fração do protestantismo ao longo de uma década, superados pelos pentecostais,
que apresentaram expressivo crescimento diante da estagnação das denominações históricas.11

A MENSAGEM DA RENOVAÇÃO ESPIRITUAL


Rosalee Mils Appleby é reconhecida pelos líderes da Renovação Espiritual como a
pioneira deste movimento. A missionária norte-americana foi quem difundiu pelas igrejas
batistas e outras denominações a mensagem de um avivamento. Os folhetos de Vida Vitoriosa
e as suas diversas publicações de cunho devocional registram o que Rosalee Appleby entendia
como avivamento. Em um desses folhetos, reunidos no livro O Preço do Poder, ela afirma:

Neste nosso dia, é por uma visitação bíblica, do Espírito Santo, canalizada pelas
igrejas de Cristo. O supremo anelo. E essa visitação que é uma necessidade
primordial. A felicidade futura do Brasil depende desta vitória. O peso de intercessão
em prol de um avivamento tem sido colocado sobre milhares. 12

Essa mensagem sobre avivamento envolvia uma forte chamada a vida de consagração dos
crentes, por meio de contínua oração e busca pelo poder do Espírito Santo, como um
revestimento para a realização da obra de evangelização e a total rejeição aos comportamentos
considerados mundanos e pecaminosos. Logo, avivamento na definição de Appleby é a
manifestação do poder e glória de Deus na vida dos salvos, e a falta deste poder do Espírito
Santo manifestado nos crentes é fruto de uma vida mundana e consequentemente a razão para
o fracasso na evangelização do país. 13
Eneás Tognini expressou de forma clara que o objetivo principal do Movimento de
Renovação Espiritual “é uma mensagem bíblica no poder do Espírito para sacudir as Igrejas
que existem, mas que dormem embaladas pelo comodismo e inatividade.” 14 De acordo com
Tognini, o movimento não objetivava criar uma nova denominação ou frente para-eclesiástica
de evangelização, mas sim renovar as estruturas denominacionais históricas através dessa
experiência do batismo com o Espírito Santo.15
Como os pioneiros da Renovação Espiritual entendiam e explicavam o batismo com o
Espírito Santo, este que é o elemento primordial na mensagem teológica do movimento? A
melhor forma de responder à questão é analisar as publicações de José Rego do Nascimento e
Enéas Tognini, salientando os pontos principais da argumentação teológica desses pastores.

O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO


José Rego do Nascimento estabeleceu uma relação entre regeneração e o batismo com
o Espírito Santo. Para ele, o batismo com o Espírito Santo é uma experiência independente de
regeneração, significando a purificação do crente e o revestimento de poder para o serviço, com

10
IGREJAS RENOVADAS. Dicionário do Movimento Pentecostal. Org. Isael de Araújo. Rio de Janeiro: CPAD,
2007, p.382
11
MARIANO, Ricardo. Op. cit., p.10-12
12
APPLEBY, Rosalee M. O Preço do Poder. São Paulo: Renovação Espiritual, 1964, p.44
13
Ibid., p.84
14
TOGNINI, Enéas. História dos Batistas Nacionais. 2. ed. Brasília: Convenção Batista Nacional, 1993, p.137
15
Ibid., p.137
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 9

isso estabelece uma relação de precedência: a regeneração é uma experiência primária e inicial
para a recepção do batismo com o Espírito Santo. Uma benção para regenerados e somente para
regenerados.16 Rego do Nascimento diferencia regeneração e o batismo com o Espírito Santo
nos seguintes termos:

Na regeneração o pecador recebe o Espírito, penhor da sua salvação; no batismo com


o Espírito Santo o salvo é inteiramente possuído pelo Espírito e conhece do seu
revestimento. O batismo com o Espírito Santo não está ligado à regeneração mais à
santificação da vida e revestimento de poder para o serviço. (...) Concluímos que
batismo com o Espírito Santo, purificação do coração e revestimento de poder,
constituem experiência única. Não podem ser dissociados. Enquanto regeneração está
intimamente ligada ao perdão, ao cancelamento da culpa condenatória que pesava
sobre o homem e a adoção ou a identificação do salvo no reino de Deus, no corpo de
Cristo, tomando como metáfora da sua Igreja.17

Para Rego do Nascimento, unificar numa única experiência a regeneração e o batismo


com o Espírito Santo é uma invenção humana, que traz consequências trágicas para o crente,
que perde o estímulo para a busca da benção do Espírito.18Para ele, se essa premissa da
experiência única de regeneração e batismo com o Espírito Santo fosse verdadeira, precisaria
distinguir exatamente quando ocorreria essa recepção do Espírito Santo: ou no convencimento
do pecado, ou na regeneração ou na posse do Espírito sobre o crente. Rego do Nascimento faz
uma distinção entre essas fases de atuação do Espírito na vida do pecador e concluiu que a única
possibilidade do batismo com o Espírito Santo ocorrer é na última fase, de posse e plenitude do
Espírito sobre o crente.19 Ele assim define:

A primeira ação do Espírito é levar o pecador a reconhecer o seu pecado e se apropriar,


pela fé, do perdão em Cristo Jesus. Ora, desde o momento em que começou a ação
graciosa do Espírito, é correto dizer-se que o pecador tem com ele o Espírito. Uma
vez regenerado, não se infere daí que o Espírito Santo apossou-se do espírito, alma e
corpo, ou seja, do homem total, à revelia da sua vontade. O Espírito Santo regenerou
o espírito do homem, e nesse atua, mas somente se apossará soberanamente de todo o
seu ser se esse homem fizer total entrega. Se resolver submeter-se incondicionalmente
ao propósito de Deus para o qual foi vivificado. 20
O batismo com o Espírito Santo é a coroação, a obra final do propósito da cruz. É toda
a aplicação do Calvário feito pelo Espírito na lama pecadora e regenerada. O pecador,
na justificação, é convencido e levado pelo Espírito a se livrar da condenação do
pecado pela apropriação da justiça da cruz, é em seguida quebrantado no seu eu, e
submete a natureza pecaminosa, o homem da carne, à morte e conhece da plenitude
de Deus.21

A partir destas construções teológicas, para José Rego do Nascimento, o crente


regenerado possui o Espírito em sua vida, mas o Espírito não age em sua vida enquanto não
experimentar essa ação sobrenatural chamada de batismo com o Espírito Santo. De forma que
isso impede a afirmação de que alguém é batizado com o Espírito Santo somente porque foi
regenerado.
Enéas Tognini amplia a discussão de José Rego do Nascimento em seu livro Batismo no
Espírito Santo. No capítulo dois do referido livro, Tognini apresenta algumas conclusões sobre

16
NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecoste: Estudos sobre o Espírito Santo. Belo Horizonte: Edições
Renovação Espiritual, 1960, p.37
17
Ibid., p.36-39
18
Ibid., p.40
19
Ibid., p.47
20
Ibid., p.48
21
Ibid., p.72
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 10

essa relação entre crente e Espírito Santo. Segundo ele, os crentes têm o Espírito Santo e não
precisam pedir por ele, pois ele já habita nos crentes desde a conversão. Para reforçar a sua
argumentação, Tognini estabelece dois tipos de crentes: os carnais e os espirituais. Ambos
possuem o Espírito Santo, com a diferença de o Espírito Santo possuir os crentes espirituais e
não possuir os crentes carnais. Tognini afirma: “O crente carnal não dá liberdade ao Espírito
Santo que está em seu coração, para agir e orientar a sua vida, como o espiritual dá.” 22 Com
isso, Tognini traz ao debate uma diferenciação entre os crentes, através de tipos, que ele mesmo
faz questão de explicá-los:

Não devemos confundir o homem natural descrito por Paulo em 1 Coríntios 2:14 com
o crente carnal descrito em 1 Coríntios 3:1. O homem natural não é convertido, o
crente carnal é. O homem natural é incrédulo, isto é, não crê em Cristo como seu
Salvador; o crente carnal conhece a Cristo, já o recebeu como seu pessoal Salvador e
confia nele. O homem natural não tem Cristo no coração, o crente carnal tem. O
homem natural não possui o Espírito Santo, o crente carnal, apesar de suas fraquezas,
tem o Espírito Santo, pois é crente em Cristo e como tal, tem o Espírito. O homem
natural não nasceu do Espírito, só da carne; o crente carnal nasceu da carne e do
Espírito, segundo a exigência de Jesus em João capítulo três. O homem natural não é
regenerado, vive no pecado, ama o pecado e permanece no pecado; o crente carnal foi
regenerado pelo Espírito Santo, anda às vezes no pecado, mas tem o desejo ardente
de liberta-se dele.23

A concepção de Tognini sobre o batismo com o Espírito Santo consiste em um


apoderamento do Espírito Santo da vida do crente, controlando todas as suas ações e assim o
preparando para o labor cristão. Assim como Rosalee Appleby, Tognini faz asseveradas
condenações a comportamentos que classificou como mundanos e influenciados pelo pecado,
os quais constituem o retrato de um crente carnal, remetendo a sua experiência de batismo com
o Espírito Santo, quando lhe foram exigidas renúncias a fim de usufruir deste poder.24
Ele conclui o capítulo dois de seu livro com a seguinte definição sobre Batismo com o
Espírito Santo:

O batismo com o Espírito Santo ou a Plenitude do Espírito Santo se verificará sempre


que o crente esvaziar-se do seu eu com todos os seus inumeráveis satélites e der lugar
a Cristo no seu coração. Então o Espírito Santo que já está no seu coração o possuirá,
e ele, logicamente será cheio do Espírito Santo, conforme lemos em Atos dos
Apóstolos.25

José Rego do Nascimento e Enéas Tognini são unânimes em afirmar que o Pentecostes
se repete e esse é o evento que marca na vida do crente o batismo com o Espírito Santo. Rego
do Nascimento responde no capítulo dois do livro Calvário e Pentecoste a pergunta: Pentecoste
se Repete? Ele é afirmativo: sim, repete. Mas sobre essa repetição, ele explica:

Quando dizemos que Pentecoste se repete, não estamos nos referindo ao evento em
si, ao fato histórico, estamos nos referindo à sua benção consequente: a posse e o
revestimento de poder, a maravilhosa unção que o Espírito concede àqueles que
possui. Essa se repete e vem se repetindo através dos anos. Milhares tem comprovado
em sua vida a verdade da Escritura de que o Senhor Jesus não somente redime da
condenação do pecado, mas ainda purifica e reveste com o poder do seu Santo
Espírito, o glorioso batismo. A gloriosa benção nasceu em Pentecostes e vem se
repetindo através dos anos.

22
TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo. São Paulo: Edições Renovação Espiritual, 1960, p.48
23
Ibid., p.81-86
24
Idem.
25
Ibid., loc.cit.
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 11

Enéas Tognini faz uma análise dos primeiros capítulos de Atos dos Apóstolos para
subsidiar a sua afirmação de que Pentecostes se repete. E após isso afirma:

Fizemos questão de apontar essas escrituras de Atos sobre o Espírito Santo e descrevê-
las, com o propósito de provar que os efeitos de Pentecostes não se limitaram àquele
dia; pelo contrário, estenderam-se pelos anos a dentro, conduziram os discípulos na
realização da grande obra de evangelização do mundo; guiando-os à toda verdade,
corrigindo-os, auxiliando-os e dando-lhes forças para a luta, exatamente como ainda
hoje faz àqueles que à sua liderança se submetem.26

DONS ESPIRITUAIS
Para José Rego do Nascimento, o batismo com o Espírito Santo é condição para a
concessão dos dons espirituais.27 Na sua argumentação a evidência de que alguém recebeu o
batismo com o Espírito Santo é a manifestação dos frutos do Espírito28, posição também
esposada por Eneás Tognini ao descrever as características do crente espiritual, aquele a quem
o Espírito Santo dirige.29
Rego do Nascimento considera que os dons são provisões sobrenaturais para que os
crentes cumpram a missão dada pelo Senhor e os seus propósitos para a vida, edificação,
fortalecimento da fé e íntima comunhão com Deus. Com isso, os dons tornam úteis os servos
de Deus no mundo. As conclusões de José Rego do Nascimento são apresentadas em meio a
sua análise do texto de 1 Coríntios 12 e outros semelhantes.30Em meio a elas, tece considerações
sobre os dons de curar, operações de maravilhas e línguas.
Sobre o dom de curar, Rego do Nascimento estabelece algumas características: é um dom
particular, dado pelo Espírito a determinados crentes, não é infalível devido a incredulidade e
deve ser exercitado à medida que as Igrejas retornem ao padrão apostólico. Já as operações de
maravilhas são atos fora do comum, segundo ele. Portanto, são curas que tomam formas
dramáticas e inusitadas, tais como visão a cegos e recuperação de paralíticos.31

O DOM DE LÍNGUAS
Rego do Nascimento ocupa boa parte do seu livro em explicar as diversas questões e
controvérsias a respeito desse assunto. Em uma análise sobre Atos 2 e I Coríntios 12 a 14, ele
estabelece uma distinção entre as línguas faladas no dia de Pentecostes e as línguas faladas
pelos crentes na Igreja de Corinto:

As línguas faladas em Pentecostes eram da terra, humanas e entendidas pelos naturais


sem necessidade de interpretes; as línguas faladas em Corinto, ou dom do Espírito,
eram sobrenaturais, celestiais, necessitando de um outro dom sobrenatural – o de
interpretação – a fim de tornar inteligíveis os pensamentos. No primeiro exemplo, em
Pentecostes, temos o Espírito usando aqueles homens no propósito do serviço junto
aos perdidos; no segundo exemplo, em Corinto, temos o Espírito concedendo um dom
visando primariamente a edificação do agraciado.32

Para Rego do Nascimento, as línguas faladas em Pentecostes foram idiomas entendidos


por seus falantes originais reunidos em Jerusalém, um fato esporádico e sem outras ocorrências

26
TOGNINI, Enéas. Op.cit., 1960, p.41
27
NASCIMENTO, José Rego. op.cit., p.85
28
Ibid., p.81
29
TOGNINI, Enéas. Op.cit., p.88-105
30
NASCIMENTO, José Rego. Op.cit., p.85-87
31
Ibid., p.96-97
32
NASCIMENTO, José Rego. Op.cit, 1960, p.101
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 12

no registro bíblico. Já o dom manifestado na Igreja de Corinto é um fenômeno que se repete


todas as vezes que o crente entra em comunhão íntima com a Trindade.33 O autor então
estabelece: “o dom de línguas é um dom permanente. Uma vez recebido, o agraciado o
exercitará enquanto andar no Espírito, pois os dons do Senhor são irrevogáveis.”34 Quanto ao
seu uso, o autor estabelece que o seu valor é de edificação pessoal e por isso seu uso na
congregação só deve acontecer se estiver acompanhado de interpretação, assumindo assim o
caráter de profecia.35
O autor considera que a premissa do Movimento Pentecostal, que entende o falar em
línguas como a evidência obrigatória do batismo com o Espírito Santo, trouxe alguns problemas
para o movimento. Para ele, isso faz com que haja uma confusão entre o batismo e o dom,
fazendo com que a busca não seja pelo batismo com o Espírito Santo, mas sim pelo dom de
línguas36. E quanto a isso, o autor alerta sobre um perigo:

Ora, acontece que o dom de línguas é um dos mais fáceis de ser adulterado, o que tem
resultado em graves e funestos enganos para muitas almas. Algumas pessoas, na ânsia
de receberem o batismo, criam, inconscientemente, uma enunciação desordenada de
sons e a si mesmos convencem de que receberam o dom. Outras, no interesse
secundário de galgarem posições na Igreja, reservadas somente aos batizados com o
Espírito Santo, são levadas ao pecado de forjarem elas mesmas uma língua, caindo no
grave pecado da hiprocrisia.37

Rego do Nascimento estabelece uma diferença entre a teologia do movimento pentecostal


e a Renovação Espiritual. Para ele, os dons, a unção e os frutos do Espírito são consequências
do batismo com o Espirito Santo, e que tais manifestações podem ocorrer de modo imediato ou
posterior a experiência do batismo. A evidência obrigatória do batismo com o Espírito Santo,
de acordo com a mensagem teológica da Renovação Espiritual, é manifestada em uma vida
santificada e poder do Espírito no serviço. A experiência libertadora do batismo com o Espírito
Santo não se baseia na manifestação exterior de dons, mas no revestimento de poder na vida
interior dos crentes, que poderá se manifestar através de dons. Desta maneira, para a Renovação
Espiritual o dom de línguas é uma evidência do batismo com o Espírito Santo, mas não é
obrigatória e exclusiva, como afirmam os pentecostais.38

A RENOVAÇÃO ESPIRITUAL PELOS SEUS FUNDADORES


Depois de conhecer o ambiente vital e os pressupostos teológicos da Renovação
Espiritual, como os fundadores enxergaram o movimento? De que maneira Enéas Tognini e
José Rego do Nascimento compreenderam a tarefa do Movimento da Renovação Espiritual no
cenário da religiosidade protestante brasileira? Para isso, recorre-se a duas citações destes
líderes.
A primeira citação é de José Rego do Nascimento, publicada no livreto Renovação
Espiritual, que reúne algumas de suas mensagens e estudos sobre o movimento. No artigo
intitulado “O Avivamento nas Denominações Históricas”, datado da década de 1970, José Rego
traça um panorama no que chamou de “experiência pentecostal nas denominações históricas”,
tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Na sua conclusão, ele ressente a cisão batista e
vislumbra os resultados que o movimento da Renovação Espiritual produzirá, então proclama:

33
Ibid., loc.cit.
34
Ibid., p.102
35
Ibid., loc.cit.
36
Ibid., loc.cit
37
Ibid., p.105
38
Ibid., p.109-110
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 13

Por certo, com o fermento da benção mais e mais penetrando os corpos


denominacionais, a solução de expurgo vai-se tornando problemática. Ninguém
precisará deixar de lado as suas tradições: batista, metodista, presbiteriana, etc... para
usufruir do alto privilégio do Espírito Santo. Se sua igreja batista não o aceita, há outra
igreja onde a liberdade do Espírito não é cerceada. E o futuro nos mostra, que antes
que o Senhor volte à terra, todas as denominações evangélicas estarão na liberdade do
Espírito. E as igrejas que forem resistindo, resta-lhes irem-se ressecando e confinando,
enquanto o corpo genuíno da Igreja do Senhor vai-se ampliando e congregando todos
os salvos, cheios do Espírito Santo, crescendo corpo santo do Senhor, espiritual antes
que denominacional, ainda que com muitos nomes, mas com um só Espírito.39

A segunda citação é de Enéas Tognini, extraída da conclusão do livro História dos


Batistas Nacionais. Nesta conclusão, que é um artigo do ano 1975 publicado no jornal O Batista
Nacional, após enumerar as respostas para a questão: “O que não é a Renovação Espiritual?”,
ele responde de forma enfática a questão: “Mas, o que vem a ser, então, a Renovação
Espiritual?”.

Renovação Espiritual é um movimento sem cor denominacional, sem interferências


nas denominações ou nas Igrejas, e que visa o retorno das igrejas às fontes originais
do poder do Espírito como se acha no Novo Testamento, e de suprema fidelidade a
Palavra de Deus. É pureza de vida, de santidade, é amor aos irmãos, é paixão pelas
almas, é conquista de almas, é trabalho, é oração. É trazer para o seio das igrejas
chamadas históricas, o poder do Espírito, como está em Atos dos Apóstolos, de acordo
com a estrutura dessa Igreja, dentro da decência e da ordem. É o empenho por
avivamento, isso é, o fogo do Espírito do céu incendiando igrejas e pastores,
chamando-os a responsabilidade e a abandonar o pecado e levando-os a colocar suas
vidas sobre o altar do Senhor incondicionalmente; levando-os também a chorar pelas
almas perdidas, ganhando-as para Jesus. Renovação Espiritual é a voz dos céus contra
o mundanismo invasor, contra o comunismo real ou disfarçado, contra o materialismo
praticado; às vezes, de Bíblia aberta, e contra o falso ecumenismo sem qualquer apoio
na Palavra de Deus.40

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cenário do protestantismo brasileiro nas décadas de 1950 e 1960 foi propício para o
surgimento do movimento Renovação Espiritual devido à eclosão da segunda geração do
movimento pentecostal. Percebe-se que o movimento renovacionista surgiu sob forte influência
do movimento pentecostal no Brasil, a princípio não como movimento denominacional, mas
sim intra-denominacional, de contestação da ordem vigente. A força motriz desse movimento
foi a teologia carismática, com ênfase na experiência mística dos crentes com o Espírito Santo
e a profusão de dons. Além disso, a Renovação Espiritual possui fortes influências do
fundamentalismo evangélico, principalmente no que tange a sua relação social, ao professar
que conversão dos indivíduos é a solução para o mal social.
Apesar de estar cronologicamente situada no mesmo período da segunda onda de
implantação pentecostal, as ênfases teológicas da Renovação Espiritual são uma junção tanto
desta segunda quanto da primeira onda. Isso ficou evidente com a análise das obras de José
Rego do Nascimento e Enéas Tognini, que dissertam sobre o dom de línguas, curas e prodígios,
como algumas das evidências desta experiência do batismo com o Espírito Santo.

39
NASCIMENTO, José Rego do. Renovação Espiritual. Belo Horizonte: Livraria Editora Renovação, 1992, p.
98-99
40
TOGNINI, Enéas. História dos Batistas Nacionais. 2. ed. Brasília: Convenção Batista Nacional, 1993, p. 143-
144.
Sapientia, Belém, v. 1, n. 1, agosto/2023, p. 5-14 14

REFERÊNCIAS

APPLEBY, Rosalee M. O Preço do Poder. São Paulo: Renovação Espiritual, 1964.

ARAUJO, Henrique Ribeiro de. História da Teologia no Brasil. Rio de Janeiro: Teologia
Contemporânea Editora, 2016.

ARAÚJO, Isael de (Org.). Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. 4. ed. São


Paulo: Loyola: São Paulo, 2012.

MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no


Brasil. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002.

NASCIMENTO, José Rego do. Renovação Espiritual. Belo Horizonte: Livraria Editora Renovação,
1992.

NASCIMENTO, José Rego. Calvário e Pentecoste: Estudos sobre o Espírito Santo. Belo Horizonte:
Edições Renovação Espiritual, 1960.

TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo. São Paulo: Renovação Espiritual, 1960.

TOGNINI, Enéas. História dos Batistas Nacionais. 2. ed. Brasília: Convenção Batista Nacional, 1993.

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