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Síndrome de Pandora e Estresse em Felinos 2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO – UFRPE

DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA – DMV

RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO OBRIGATÓRIO (ESO)

O PAPEL DO ESTRESSE NA MEDICINA FELINA:

UM NOVO OLHAR SOBRE A SÍNDROME DE PANDORA

Relatório de Estágio Supervisionado


Obrigatório realizado como exigência parcial
para a obtenção do grau de Bacharel em
Medicina Veterinária, sob orientação da Prof.ª
Dra. Daniela Maria Bastos de Souza.

RECIFE, 2020.

1
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO – UFRPE

RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO OBRIGATÓRIO – ESO


O PAPEL DO ESTRESSE NA MEDICINA FELINA:
UM NOVO OLHAR SOBRE A SÍNDROME DE PANDORA

THATIANY LÍDIA MOURA BOTELHO

RECIFE, 2020.

2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Sistema Integrado de Bibliotecas
Gerada automaticamente, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

B748r Botelho, Thatiany Lídia Moura Botelho


RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO OBRIGATÓRIO (ESO): O PAPEL DO ESTRESSE NA
MEDICINA FELINA: UM NOVO OLHAR SOBRE A SÍNDROME DE PANDORA / Thatiany Lídia Moura Botelho
Botelho. - 2020.
79 f. : il.

Orientadora: Dra Daniela Maria Bastos de Souza.


Inclui referências, apêndice(s) e anexo(s).

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Bacharelado em


Medicina Veterinária, Recife, 2020.

1. Casuística clínica felina. 2. Estresse e bem estar felino. 3. Pandora. 4. Sistema psiconeuroimunoendócrino. 5. Cistite
Intersticial Felina. I. Souza, Dra Daniela Maria Bastos de, orient. II. Título

CDD 636.089
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
Departamento de Medicina Veterinária
Coordenação do Curso de Bacharelado em Medicina Veterinária

FICHA DE AVALIAÇÃO DO RELATÓRIO

I) IDENTIFICAÇÃO DO ALUNO

NOME: THATIANY LÍDIA MOURA BOTELHO


CPF: 064.295.67-400

II) TÍTULO DO RELATÓRIO:


O PAPEL DO ESTRESSE NA MEDICINA FELINA: UM NOVO OLHAR SOBRE A
SÍNDROME DE PANDORA

IV) BANCA AVALIADORA


MEMBROS:
1 Daniela Maria Bastos de Souza Presidente - Orientador
2 Isabela Zitti dos Santos Membro Titular 1
3 Lirêda Drechsler Membro Titular 2
4 Samara Viana Rufino Membro Suplente

V) PARÂMETROS DE AVALIAÇÃO (Nota de 0 a 10,0 para todos os parâmetros):


1 - APRESENTAÇÃO DO CONTEÚDO DO RELATÓRIO:

1º 2º 3º MÉDIA
examinador examinador examinador
10,0 10,0 10,0 10,0

2 - DEFESA ORAL DO CONTEÚDO DO RELATÓRIO:

1º 2º 3º MÉDIA
examinador examinador examinador
10,0 10,0 10,0 10,0

3 - ARGUIÇÃO DO CONTEÚDO DO RELATÓRIO:

1º 2º 3º MÉDIA
examinador examinador examinador
10,0 10,0 10,0 10,0

VI) MÉDIA FINAL

10,0 (Dez inteiros)

Recife, 05 de novembro de 2020

PRESIDENTE MEMBRO TITULAR 1 MEMBRO TITULAR 2

4
5
In memoriam de Gilvaneide de Oliveira Moura
(tia) e Lídia de Oliveira Moura (avó), seres
eternizados por Bondade e Pureza.

6
AGRADECIMENTOS

Aos Deuses e à Natureza por todos os ensinamentos de equilíbrio e amor, deposito toda a minha
gratidão.
Sou eternamente grata a todos os animais colocados em minha vida, que desde a infância foram
meus amigos, irmãos e pilares de felicidade. Aos cães e felinos por ensinarem amizade,
companheirismo, temperança, paciência, respeito e responsabilidade, em suma por suscitarem virtudes
humanas na formação de minha personalidade.
Nada seria possível do jeito que foi sem Lídia, minha vó, que me deu seu nome, seu carinho,
educação, bondade e amor, estais sempre comigo, que estejas bem com nossos entes queridos, minha
eterna gratidão a ti vó!
A Neide, minha tia e madrinha que me deu uma família de cães e gatos, os melhores irmãos que
pude ter, graças a ela entrei no mundo da veterinária mesmo antes da academia e nele permaneço!
Aos integrantes da minha família que seguiram me apoiando nessa jornada, sem os quais não
seria possível realizar, em particular a minha tia Neta por se dedicar a cuidar dos animais que herdamos
e todo apoio nos estudos; e a minha mãe Gil por toda ajuda física, psicológica e emocional, mesmo ela
insistindo que eu faça um concurso público e eu teimando em mostrar que a clínica de felinos será uma
boa opção.
Ao meu esposo Bruno pela parceria e apoio incondicional, nas noites e finais de semana de
estudos, nas viagens que deixei de ir por conta de uma prova ou atividade, e principalmente a
compreensão nos dias de estresse por ter que arcar com tantas responsabilidades, por toda sua doação e
companhia, minha eterna gratidão! “Agora vou ganhar mais dinheiro, amor!” (sim, eu me iludo!).
É fundamental agradecer a turma SV3 – 2015.1, pois foi a melhor combinação de pessoas
possível para que essa realização acontecesse, no entanto, algumas pessoas merecem destaque por terem
uma participação direta na minha formação acadêmica: Renato com toda a sua memória e disposição
para os estudos, sempre crescendo junto conosco, ele que sempre compra minhas ideias e devaneios
científicos, fico muito feliz por ter te arrastado para buscar o comprovante de matrícula no primeiro
período e depois para a seleção de estágio no laboratório de bacterioses pois foi onde se encontrasses na
academia, parabéns!! Minha eterna amizade!
Ao Ramon que também se deixou ser arrastado por nós durante os períodos iniciais e depois
acabou nos levando até o último, sempre junto, mesmo com sono, sempre disposto a investir em
qualquer ação positiva aos animais e humanos, prossegue!! Grande sucesso pela frente!
A Evelyn, que me apresentou o mundo das transcrições e só assim consegui entender e passar
em bioquímica, fisiologia, patologia e ... em tudo! O que trouxe a parceria de Raquel, nos ajudando a
sobreviver a todos os períodos! Ufa!
As amigas que a Rural me deu: a Thaíza Oliveira por toda atenção, ajuda, pelos estímulos e
confiança!
A Anna Júlia pelo companheirismo em 2019 nos momentos críticos cuidando dos gatinhos do
gatil e da universidade.
A Nicole pelo compromisso e companheirismo com esses seres inocentes do gatil e da
universidade.
7
Ao próprio gatil, onde cada gato tem seus significados, eles mostram que mesmo em um coletivo
a individualidade deve ser trabalhada.
A universidade – querida UFRPE, ao próprio reitor professor Marcelo Carneiro Leão, que tem
um olhar diferenciado e amoroso aos animais.
Ao Departamento da Medicina Veterinária – DMV, com todos os seus integrantes de quatro
patas e duas pernas, pois foram essenciais para a minha formação acadêmica, aos mestres e todos os
animais do DMV.
A toda equipe de diagnóstico por imagem do DMV guiados pelo professor Fabiano Séllos e
Lorena Séllos, que contribuiu para meu conhecimento nesta área desde o início, por acreditarem nos
casos que eu levava até vocês e seguirem até o fim para fecharmos o diagnóstico e viabilizarmos
tratamento.
A Dra. Andréia Laís Teodoro, a primeira veterinária que conheci, que deixou uma imagem na
mente me estimulando a ser veterinária, gentilmente sempre disposta a me ensinar e orientar.
A Dra. Andrea Santana e Dr. Auto por todos atendimentos, cirurgias e conhecimento repassado.
A Dra. Patrícia Falcão por todos os atendimentos e conhecimento repassado!
A Dra. Camilla Lira pela confiança, por acreditar e pela troca de conhecimento!
A Dra. Telga Lucena, uma profissional excepcional que transforma o complexo em simplicidade
com muita humildade.
A Dra. Catharina Brito por me ensinar sempre e me despertar para a endocrinologia veterinária!
Aos veterinários, Mariana Lira, Miguel Nunes, Mariano Genovesio e Igor Barboza da clínica
Chatterie pela parceria, atendimentos, cirurgias e aprendizado!
A equipe da clínica Animalis pelo acolhimento e experiência durante meu estági na clínica.
Muito significativamente a Dra. Lirêda Drechsler por abrir a sua casa aceitando a realização de
meu ESO e a Dra. Samara Viana por aceitar meu acompanhamento nas consultas, vocês transbordaram
conhecimento me incitando a aprender cada vez mais, contribuíram muito com esse estudo e com as
bases de meu aprendizado. Tá só começando!
A Dra. Isabela Zitti pela contribuição e avaliação desse estudo.
A minha orientadora professora Daniela Bastos, pelas aulas e estudo da farmacologia e
terapêutica, pelas conversas e orientações acadêmicas, por aceitar a orientação e contribuir com este
estudo em um momento tão conturbado por conta da pandemia.
A escola Nova Acrópole por desenvolver meu ser filosófico e minha vocação de ser humano.
A Moisés Henrique pela amizade e toda ajuda na vida!
A Gizelda Barbosa pelas nossas perturbações mútuas e evolutivas! Por todo o cuidado com os
resgatinhos!
A Paulinho, querido irmão, por prosseguir do nosso lado!
E ainda, aos meus amigos de longas datas, irmãos, pai, mãe, tios, sogros e todos familiares, por
compreenderem minhas ausências e exclusão social durante a graduação.
A todos os meus filhos felinos por estarem nessa conosco e nos ensinarem tanto, amo muito
vocês!
A todos citados e ainda aos que contribuíram de forma indireta,
meu eterno sentimento de gratidão.

8
O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.

Não há unidade como ele.


Ode ao gato, Pablo Neruda.

9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1 Fachada do SEMEFEL 17

ILUSTRAÇÃO 2 Gata com estímulo de segurança para exame clínico ........ 18

ILUSTRAÇÃO 3 Aferição de pressão em gato com suporte da tutora para


acalmá-lo ........................................................................... 18

ILUSTRAÇÃO 4 Gata sendo examinada após reforço positivo com comida


úmida e petiscos ................................................................ 18

ILUSTRAÇÃO 5 Gata sendo examinada após reforço positivo com comida


úmida e petiscos ................................................................ 18

ILUSTRAÇÃO 6 Exemplo de checklist das alterações de manejo e síntese


de terapia cognitiva comportamental sugeridas para cada
paciente.............................................................................. 29

ILUSTRAÇÃO 7 Exemplo de checklist das alterações de manejo e síntese


de terapia cognitiva comportamental sugeridas para cada
paciente.............................................................................. 29

ILUSTRAÇÃO 8 Fluxo de assimilação do estímulo estressor e geração de


resposta biológica .............................................................. 36

ILUSTRAÇÃO 9 Resposta ao estresse pelo eixo HHA (HPA) e SNS no gato


........................................................................................... 39

ILUSTRAÇÃO 10 Representação de uma liberação normal de CRH em um


animal com respostas adequadas ao estresse..................... 49

ILUSTRAÇÃO 11 Representando uma liberação acentuada de CRH e


desacoplamento na regulação entre os eixos HHA e SNS 49

10
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Quantitativo da ocorrência por afecções / sinais clínicos


nos sistemas acometidos dos felinos acompanhados. ........ 21

Quadro 2 Consultas preventivas .................................................................. 22

Quadro 3 Pacientes com problemas comportamentais e psicológicos


............................................................................................................. 26

Quadro 4 Classificação e indicação de medicações de destaque da


rotina ................................................................................................. 33

Quadro 5 Medicamentos utilizados no decorrer do tratamento de


acordo com a sintomatologia/quadro clínico do paciente .. 61

11
LISTA DE ABREVIATURAS

SEMEFEL Serviço em Medicina Felina


FIV/FeLV Vírus da Imunodeficiência Felina e Vírus da Leucemia Felina
SNC Sistema Nervoso Central
SNS Sistema Nervoso Simpático
CRH Hormônio Liberador de Corticotropina
ACTH Hormônio Adrenocorticotrópico
HPA Hipotálamo-Pituitária (hipófise)-Adrenal
SCRA Sistema Central de Resposta a Ameaça
SB Sickness Behaviour: comportamento de doença
CIF Cistite Intersticial Felina
DTUIF Doença do Trato Urinário Inferior de Felinos
SUF Síndrome Urológica Felina
TUIF Trato Urinário Inferior de Felinos
TOC Transtorno Obsessivo Compulsivo
GAGs Glicosaminoglicanos
MEMO Multimodal Environmental Modification: Modificação Ambiental
Multimodal

12
RESUMO
Para conclusão da graduação em Medicina Veterinária pela UFRPE foi realizado o estágio
supervisionado no consultório de felinos - SEMEFEL, sob a supervisão das médicas veterinárias Lirêda
Drechsler e Samara Viana. Este trabalho de conclusão de curso apresenta dois capítulos, sendo o
primeiro uma apresentação do local e casuística, com uma breve explanação sobre esta destacando
pontos relevantes da rotina clínica. O segundo capítulo é uma revisão da literatura sobre as
repercussões do estresse na medicina felina, trazendo uma visão atualizada da Síndrome de Pandora
como algo sistêmico e mais abrangente do que a ocorrência da cistite inflamatória (intersticial).
Durante a realização do estágio os problemas comportamentais e doenças psicogênicas tiveram uma
incidência elevada dentro da estatística da casuística, ocasionados por medos, ansiedades e estresse
agudo ou crônico; foi constatada a importância do especialista em felinos ao passar o conhecimento
de estruturação ambiental, de recursos, alimentação e rotina aos tutores visando pilares de bem estar.
Por este motivo aborda-se a Síndrome de Pandora, como uma afecção psiconeuroimunoendócrina
com comorbidades sistêmicas, tratando a cistite Intersticial como um de seus desencadeamentos.
Sinteticamente a Síndrome de Pandora é vista como uma patologia multifatorial decorrente da soma
de fatores epigenéticos e SCRA (Sistema Central de Resposta a Ameaça) sensibilizado no felino em um
ambiente provocador com gatilhos estressores. Dentro desse contexto apresenta-se nesse estudo
conceitos e diretrizes fundamentais para análise e diagnóstico dessa síndrome bem como para sua
prevenção baseada em estratégias de modificação ambiental multimodal e terapia cognitiva-
comportamental, que podem guiar o clínico frente a um gato pandorizado.
Palavras-chaves: Casuística clínica felina; Estresse e bem estar felino; Pandora; MEMO; Modificação
Ambiental Multimodal; Sistema psiconeuroimunoendócrino; CIF; Cistite Intersticial Felina.

ABSTRACT

To attain the graduation in Veterinary Medicine at UFRPE, the supervised internship was fulfilled at
the feline veterinary office SEMEFEL, under the supervision of the veterinarians Lirêda Drechsler and
Samara Viana. This Final Paper presents 2 chapters, the first being a local and casuistry introduction,
with a brief explanation about casuistry, highlighting relevant issues of the clinical routine. The second
chapter presents a literature revision about stress repercussion in feline medicine, presenting a current
view of the Pandora Syndrom, as a systemic and more comprehensive than the ocurrency of
inflamatory cystitis (interstitial). During the fulfillment of the internship the behavior issues and
psychogenic diseases had a high incidence at the casuistry statistics, caused by fear, anxiety and
chronic and acute stress; It was verified the importance of the feline specialist in transmiting to the cat
owners the knowledge about ambient structuring, resources, eating and routine, with the goal of
increasing wellfare. For this reason, we approach the Pandora Syndrom as a
psychoneuroimmunoendocrine disease with systemic comorbities, treating the interstitial cystitis as
one of its consequences. Synthetically, the Pandora Syndrom is seen as a multifactorial disease due to
the sum of epigenetic factors and a sensitized CTRS (central threat response system) on the feline in
an environment with stress triggers. Within this context, this study presents fundamental concepts
and guidelines for the analysis and diagnosis of this syndrome as well as for its prevention based on
strategies of multimodal environmental modification and cognitive-behavioral therapy, which can
guide the clinician in face of a pandorized cat.

Keywords: Feline clinic casuistry; feline stress and welfare; Pandora; MEMO; Multimodal
Environmental Modification; Psychoneuroimmunoendocrine system; FIC, Feline Interstitial Cystitis.

13
SUMÁRIO

CAPÍTULO I – ATIVIDADES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SEUS DESDOBRAMENTOS .......... 15

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 15
2. ESTÁGIO DESENVOLVIDO NO SEMEFEL - ATIVIDADES ......................................................... 17
3. CASUÍSTICA E CONSIDERAÇÕES .................................................................................................. 20
3.1 SINTOMATOLOGIAS DE CAUSAS COMPORTAMENTAIS E DE MANEJO ....................... 26
4. PRINCIPAIS TERAPÊUTICAS INSTITUÍDAS E DROGAS UTILIZADAS.................................... 32

CAPÍTULO II – O PAPEL DO ESTRESSE NA MEDICINA FELINA: UM NOVO OLHAR SOBRE A


SÍNDROME DE PANDORA .............................................................................................................................. 35

1. ESTRESSE E SAÚDE NA MEDICINA FELINA .................................................................................. 35


1.1. A FISIOPATOLOGIA RESULTANTE DO ESTRESSE ........................................................... 38
1.2. FATORES ESTRESSORES GERADORES DE EMOÇÕES NEGATIVAS PARA OS FELINOS
E SEUS REFLEXOS .................................................................................................................... 42

2. EXPLANANDO A SÍNDROME DE PANDORA ALÉM DA CISTITE INTERSTICIAL .................... 45


3. AS CORRELAÇÕES DE FATORES EXISTENTES PARA O DESENVOLVIMENTO DA CISTITE
INTERSTICIAL FELINA - CIF .............................................................................................................. 52
4. APORTES PARA DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA SÍNDROME DE PANDORA ................. 54
4.1. TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA E HOLÍSTICA .............................................................. 60
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................... 66

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 69

ANEXO 1 – EXEMPLOS DE PRESCRIÇÃO E ORIENTAÇÃO ..................................................................... 73


ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA SOBRE O AMBIENTE DO GATO DE CRIAÇÃO
INDOOR ............................................................................................................................................................. 76

14
CAPÍTULO I – ATIVIDADES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUAS
CONSIDERAÇÕES.

1. INTRODUÇÃO

Atualmente a medicina felina vem ganhando cada vez mais espaço no âmbito da
medicina veterinária se consolidando como especialidade, no entanto, nas cidades brasileiras
ainda é carente. O paciente felino com todas as suas particularidades fisiológicas e
comportamentais é um ser diferenciado necessitando de atendimento e tratamentos
individualizados.
O gato como um belo ser metódico, territorialista, estoico e adrenérgico, precisa ser
visto integralmente para uma análise clínica e diagnóstico bem sucedidos, não devendo ser
focado só sinais clínicos em si ou só a patologia em questão, pois o felino pode demonstrar
desencadeamentos sistêmicos diversos e sinais clínicos sutis sendo por vezes os mesmos sinais
para causas distintas.
Os aspectos fisiológicos diferenciados dos felinos propiciam que esses apresentem
aspectos patológicos distintos e requerem posologias diferenciadas dos cães, por exemplo.
Saber abordar o felino durante a consulta é de fundamental importância para realização de
exame clínico e coleta de materiais para exames complementares. Uma abordagem
particularizada fundamentada em conceitos cat friendly, que visa o bem estar na conduta médica
e capacitação da equipe voltada a espécie pode garantir um atendimento eficiente e consequente
sucesso no tratamento.
É recorrente tutores deixarem de levar seus felinos ao veterinário por conta de momentos
estressores passados em consulta e/ou coletas que os impactaram e traumatizaram os felinos
com um estresse agudo que retorna ao serem expostos as mesmas condições passadas: o
transportador, a forma do tutor pegar o animal para leva-lo a clínica, saídas, o transporte até a
clínica; estes processos podem ser minimizados através de orientações adequadas vindas do
veterinário para minimizar aspectos estressores, assim, é fundamental que os médicos
veterinários saibam o impacto do estresse nos felinos, como também, diagnosticar
comorbidades de cunho psiquiátrico por somatização de processos traumáticos.
Para dar início aos estudos acerca da medicina felina o estágio foi realizado no
consultório SEMEFEL – Serviços em Medicina Felina, tendo como médica veterinária mentora

15
a especialista em felinos Lirêda Drechesler, acompanhada pela pós graduanda em medicina
felina Samara Viana.
O consultório tem uma rotina distinta de uma clínica e/ou hospital, não abarcando
algumas emergências, mas algumas urgências, casos crônicos e a medicina preventiva, o que
nos proporciona o acompanhamento do felino ao longo de sua vida.
Primeiramente o relatório apresenta as atividades desenvolvidas e a casuística do
SEMEFEL; posteriormente foi abordado o papel do estresse na medicina felina destacando uma
nova visão sobre a Síndrome de Pandora, condição que extrapola o diagnóstico de uma cistite
intersticial apenas, abarcando um conjunto de eventos psiconeuroimunoendócrinos associados
a comorbidades que se desenvolvem nos felinos, que requer como controle o tratamento do
contexto de vida e ambiente do paciente, além das questões relacionadas ao uso adequado de
fármacos.
Trata-se de uma síndrome cada vez mais recorrente com patologias que estão se
tornando mais evidentes, tanto com o avanço da medicina felina, quanto com o avanço da
criação indoor dos felinos.
Então, é fundamental olhar o felino com olhos diferenciados que cabe a espécie,
enxergá-lo além e em toda sua completude, e o intuito deste trabalho é este: além do
aprendizado, o despertar de um olhar diferenciado.

16
2. ESTÁGIO DESENVOLVIDO NO SEMEFEL – ATIVIDADES

O SEMEFEL (vê figura 1) existe há 6 anos, com o objetivo de proporcionar uma


experiência agradável aos atendimentos de felinos, como também, visa disseminar o bem estar
desses em suas residências, buscando sempre informar sobre os pilares básicos de bem estar
dos felinos e solucionar entraves de convivência dentro do ambiente familiar. Os atendimentos
têm como objetivo a medicina preventiva e acompanhamento contínuo de seus pacientes. A
estrutura consta com duas salas para atendimento e uma terceira sala de apoio; tem parceria
com laboratórios para exames laboratoriais e com médicos terceirizados para exames de
imagem: ultrassonografia, ecocardiograma/risco cirúrgico; como também, com cirurgiões e
anestesistas para procedimentos especializados.

FIGURA 1 – Fachada do SEMEFEL

As consultas são realizadas com agendamento prévio para garantir um fluxo menor de
pessoas, evitando espera e desconforto ao felino, garantindo dedicação exclusiva a consulta. No
consultório adotamos as boas práticas de atendimento para o felino (Cat Friendly Practice1)
sempre sendo empáticos com o ponto de vista do gato, as abordagens são feitas de forma que
minimizem o estresse para o felino e seu tutor, sendo assim, a visita ao veterinário é menos
traumática (ver figuras 2,3, 4 e 5 com uso autorizado pelos tutores).

1
Para saber mais ler LITTLE (2015) e site https://catfriendlyclinic.org/
17
O estágio foi realizado durante o período de 02 de março de 2020 a 18 de março de
2020, havendo uma pausa por conta da pandemia pelo novo corona vírus, retornando ao estágio
dia 17 de agosto de 2020 finalizando dia 24 de outubro de 2020.

FONTE: Arquivo pessoal FONTE: Arquivo pessoal


Figura 2 – Gata com estímulo de Figura 3 – Aferição de pressão em gato
segurança – coberta com sua toalha. com suporte da tutora para acalmá-lo.
Para exame clínico e vacinação.

FONTE: Arquivo pessoal FONTE: Arquivo pessoal

Figura 4 e 5 – Gata sendo examinada após reforço positivo com comida úmida e petiscos.

18
As atividades realizadas compreenderam o acompanhamento das consultas, das análises
dos exames solicitados e participação na reflexão acerca do diagnóstico e tratamento. Foram
realizadas fluidoterapia, administração de medicações parenterais, auxílio nas contenções,
coletas de sangue, aferição de pressão arterial, aplicação de vacinas, testes de FIV e FeLV,
acompanhamento do manejo de distúrbios urinários e de pequenos procedimentos necessários,
tais como ovariohisterectomia, orquiectomia e biópsia de nódulos para histopatólogico.
No período de estágio foi constatado que um maior índice de felinos apresentou
problemas relacionados ao manejo e/ou ao estresse crônico por conta do manejo inadequado
contínuo o que levava a associação de consultas clínicas com consultas comportamentais.

19
3. CASUÍSTICA E CONSIDERAÇÕES

A frequência de consulta de pacientes felinos vem aumentando, em especial para


consultas preventivas, além da vacinação; o crescimento da criação indoor (do domiciliamento
dos gatos) levou a uma maior atenção e cuidados por parte dos tutores; no entanto, surgem
problemas relacionados a convivência entre gatos, principalmente em casas multicats,
problemas de saúde relacionados ao estresse e ao estilo de vida sedentário. A medicina
preventiva e comportamental ganha espaço, promovendo o bem estar ao felino em seus lares e
qualidade de vida, aumentando desta forma sua expectativa de vida. Dentro desse contexto
temos no consultório uma rotina de vacinação, testagem de FIV/FeLV e consultas
comportamentais, além das consultas clínicas com uma queixa/afecção específica.
Durante o período de estágio foram acompanhados 156 animais, observando-se que as
afecções se apresentam com o comprometimento de mais de um sistema, por conta de suas
particularidades anatômicas e fisiológicas, por exemplo, animais com cálculos em vesícula
urinária que apresentam com comprometimentos hepáticos, digestivos (êmese e anorexia);
desencadeando alterações com clínicos sistêmicos, desequilíbrio no balanço hidroeletrolítico e
metabólico.
Assim, várias queixas clínicas ao serem investigadas em exame clínico e laboratoriais
demonstram uma patologia central que traz consigo repercussão sistêmica ou em um outro
órgão além da queixa inicial. Por esse motivo apresenta-se a casuística por sistemas acometidos
versus ocorrência, assim como uma breve explanação acerca dos quadros clínicos
acompanhados; as informações estão sintetizadas nos quadros e gráfico a seguir (quadros 1 e 2
e gráfico 1).

20
Quadro 1- Quantitativo da ocorrência por afecções / sinais clínicos nos sistemas acometidos dos felinos acompanhados.

Fonte: SEMEFEL, 2020. 21


Quadro 2 - Consultas preventivas

Motivo Quantitativo
Consulta de rotina/imunização 34
Teste de FIV/FeLV* 11
*Havendo um teste reagente para FIV Fonte: SEMEFEL, 2020.

Gráfico 1 – Síntese das ocorrências por sistemas orgânicos.

Fonte: SEMEFEL, 2020.

As afecções da cavidade oral compreenderam a doença periodontal, lesões de


reabsorção e complexo gengivoestomatite, são afecções dolorosas que muitas vezes levam o
gato a conviver com dor crônica desenvolvendo síndrome de dor orofacial ao ponto que
evoluem, por conta desta apresentam vocalização ao comer, mímica de dor , fobia da
alimentação: “fuga da vasilha de ração”, hiporexia, secreção oral, perda de peso e até
prostração. Nas consultas os tutores recebem recomendações para a rotina de escovação e as
indicações de profilaxia para que uma doença periodontal leve não se tornasse grave. Nos casos
avançados os pacientes são encaminhados para consulta odontológica com a finalidade de
realizarem procedimentos específicos de exodontia e profilaxia, quando se fez necessário foram
estabilizados antes e quando bem clinicamente receberam encaminhamento.
Referente ao trato gastrointestinal, a queixa principal dos tutores foi o vômito e perda
de apetite (êmese, hiporexia e anorexia) decorrentes de alguma causa, foram administrados
fármacos para alívio dos sintomas, solicitados exames hematológicos e de imagem para
investigação e diagnóstico. Foram observadas gastrites por causa medicamentosa ou bolas de
22
pelos – tricobenzoares que foram facilmente revertidas. As Gastroenterites com curso
infeccioso e parasitário são recorrentes na clínica, no entanto, as ações preventivas de
desparasitação e vacinação repassadas em consultas de acompanhamento mostraram-se eficaz
na diminuição dessa afecção por estas causas.
Alterações hepáticas foram frequentes, os pacientes apresentam alterações hepática
sugerindo uma intoxicação – hepatite tóxica, esteatose hepática em obesos com repercussão
sistêmica, lipidose hepática decorrente da falta de ingestão de alimento por afecção em cavidade
oral e hepatites medicamentosas. Em alguns casos as alterações biliares estavam associadas,
tais como dilatação de ducto cístico, colangites e colecistites.
Foi observado que os pacientes com estresse crônico apresentavam alterações hepáticas
e em vesícula biliar na imagem ultrassonográfica com alteração de bioquímicos hepáticos,
provavelmente por conta da diminuição da alimentação e do próprio estresse estimulando a
liberação de catecolaminas intensificando a lipase hormônio-sensível que mobiliza ácidos
graxos, causando acúmulo de triglicerídeos hepáticos (RODRIGUES, 2009).
Durante o período de estágio dois pacientes persa com doença renal policística – PKD
apresentaram nódulos hepáticos, tendo sintomas de êmese e hiporexia, foram solicitados
exames de imagem por tomografia e coleta de material para investigação, mas esses não foram
apresentados pelos tutores durante o período de estágio.
Um paciente com sinais de artrose na cervical e alterações articulares em articulação
coxofemoral no laudo tomográfico apresentou um cisto hepático sobrepondo a vesícula biliar,
esse apresenta êmese e hiporexia intermitentes, estando também sob investigação.
As afecções do trato urinário inferior foram uma das queixas que mais levaram os
tutores ao consultório durante o período acompanhado com a queixa da periúria, hematúria,
estrangúria e anúria. O número de pacientes recebidos com cistite inflamatória aumentou no
período de quarentena por conta do coronavírus; entre os pacientes acompanhados tivemos dois
machos de casa com número elevado de gatos (multicats), uma fêmea residente em uma casa
com criança de dois anos na composição familiar, além de dois machos com cistite obstrutiva
que foram enquadrados na síndrome de pandora, mostrando que os fatores ambientais
estressores influenciavam no curso da afecção. Não foram recorrentes os doentes renais
crônicos durante o período referente ao estágio.
Ao menos uma fêmea foi atendida com cristalúria e com cistite, havendo uma
predominância de pacientes do sexo masculino. Dois machos acompanhados da raça persa

23
apresentam PKD - doença renal policística, um com treze e outro com seis anos, ambos estáveis,
mas apresentando nodulações hepáticas.
Um felino uretrostomizado apresentou formação de cálculos que reincidiram precisando
assim passar por uma cistotomia, este caso serviu para exemplificar que a correção da causa
base deve ser buscada, pois a uretrostomia não garante o surgimento de novos cálculos.
Em relação as afecções de pele e anexos, ressaltou-se durante as consultas a importância
da análise e diagnóstico prévio a terapêutica, pois lesões apresentam padrões similares, mas
agentes diferenciados e por vezes a associação de agentes. Nos pacientes com ectoparasitas,
principalmente ácaros, com uma alta carga parasitária observou-se a predisposição à infecções
bacterianas secundárias que necessitaram de tratamento tópico e sistêmico.
Em relação aos pacientes com otite foi de fundamental importância a microscopia de
cerume de ouvido associado a coloração de Gran para melhor escolha do medicamento visando
combater ectoparasitas, fungos e/ou bactérias de acordo com o resultado obtido.
Os pacientes com lesões e alterações na pele passaram por exames citológicos e
histopatológicos para diagnóstico; realizando esta prática na rotina foi feito biópsia de uma
nodulação em região de metatarso de uma gata, constatamos em exame histopatológico uma
neoformação benigna classificada como hamartoma, rara em felinos.
Referente as afecções do sistema respiratório, nos felinos a incidência de alterações
advindas do complexo respiratório é alta, como este envolve vários agentes, nas consultas
clínicas foi realizado o diferencial para rinotraquíte e o tratamento baseado na apresentação dos
sintomas e suas necessidades: se necessário antibiótico ou não, se necessário antiinflamatório e
antiviral. Merece menção a incidência de casos de asma, tosses e bronquites alérgicas,
observou-se durante o período a importância do acompanhamento clínico para diferenciação e
correto diagnóstico.
Foi atendida uma paciente de 14 anos apresentando rinite crônica, com episódios de
tosse e um remodelamento pulmonar em radiografia, foi feita investigação tomográfica de face
e tórax, associados ao lavado brônquico e cultura bacteriana com antibiograma do material
coletado. Os quais revelaram uma estrutura nodular lateral a glândula nasal direita estendendo-
se até o sino esfenoidal, tratando-se de uma provável rinite eosinofílica com complicações, foi
constatada ainda nas imagens uma otite média bilateral e no antibiograma um alta resistência
bacteriana; a paciente foi encaminhada para o procedimento de otoscopia, lavagem dos
condutos e estudo para melhor forma de intervenção na estrutura nodular.

24
Não houve uma rotina significativa de problemas oculares, os casos acompanhados
foram sequelas de acometimento por herpesvírus com alguns pacientes apresentando obstrução
de ducto lacrimal; nos casos dos felinos com rinotraqueíte foi observada associação da
conjuntivite com lesões herpéticas.
Em relação aos distúrbios endócrinos e metabólicos, constatou-se uma crescente
obesidade na criação indoor relacionada ao excesso de alimentação, ansiedade e tédio. Dos 156
felinos acompanhados 14 estavam obesos, entrando em programa de redução de peso com
controle alimentar e mudança de manejo. Em todas as consultas há a recomendação de se pesar
a ração seca dada aos gatos seguindo o guia alimentar de cada ração utilizada.
A única afecção endócrina diagnosticada foi o hipertireoidismo, em pacientes acima
de 13 anos de idade; não havendo no período casos de diabetes mellitus, a qual tem sua
incidência associada a obesidade nos felinos.
Referente ao sistema cardiovascular, foram diagnosticados dois pacientes com
hipertensão estabilizada após tratamento terapêutico; havendo o acompanhamento de um
paciente com cardiomiopatia hipertrófica congênita. Nesse contexto ressaltou-se a importância
da aferição da pressão na rotina clínica principalmente em pacientes geriátricos, doentes renais
e hipertireóideos, assim como, a importância da realização do ecocardiograma como exame
pré-operatório ou exame de rotina para quem apresente alguma alteração em ausculta cardíaca.
A ocorrência dos problemas comportamentais foi alta entre março e outubro, assim
como, os problemas derivados do manejo errôneo dos recursos disponíveis para o gato. Foram
atendidos pacientes estressados, ansiosos, angustiados, com Síndrome de Pandora, alguns
apresentando episódios de cistite e outros problemas hepáticos (que atribuímos ao aumento da
lipólise em situações estressantes).
Sendo assim, foi colocada a classificação Psiconeuroimunoendócrino no quadro da
casuística (quadro 1), para enquadrar as patologias de ansiedade, estresse, medo e Pandora.
Usou-se o termo Psiconeuroimunoendócrino oriundo do termo "Psiconeuroimunologia"
introduzido por Robert Ader (1981), para definir o campo científico que se dedicava a estudar
a interação entre o sistema nervoso central (SNC) e sistema imunológico, atualmente o
complemento com o termo endócrino é feito por comprovações das correlações entre esses
sistemas; estudos e a casuística clínica demonstram que uma variedade de estressores físicos e
psicossociais podem alterar a resposta imune através dessas conexões, nos felinos foi observado
além das alterações emocionais, a inflamação de órgãos alvo, como bexiga, fígado e vesícula
biliar.

25
3.1. Sintomatologias de causas comportamentais e de manejo

De forma padronizada as consultas abordaram o manejo e o comportamento dos gatos


em seus lares, sendo observado que em todos os casos havia necessidades a serem estabelecidas
para melhoria de vida do gato. Em 10% das consultas, conforme pode ser observado no quadro
3, as causas estão relacionadas com alterações comportamentais derivadas de falhas no manejo.
Tais alterações envolviam ansiedade podendo ser evidenciada no aumento do apetite e
consequentes regurgitações; medo e estresse crônico que levou a uma expressão de
agressividade que geralmente é vista pelos tutores como “ataques espontâneos”; perseguições
e bullying entre felinos ou reclusão e depressão. Foi constatado durante as consultas que os
tutores encaram como alterações alguns comportamentos naturais que são realizados em locais
considerados inapropriados, porém a ocorrência desses também está relacionada a falta de
estruturações ambientais para o gato.
Quadro 3 – Pacientes com problemas comportamentais e psicológicos
FELINO GÊNERO CAUSA
MACHO FÊMEA

A x Medo e estresse; tosse crônica, faz uso de fluticasona


B x Medo, Estresse crônico, reatividade, distúrbios urinários,
poliúria e comportamentos anormais: dormir na caixa de
areia, urinar nas pessoas.
C x Ansiedade e estresse crônico por manejo inadequado;
apresenta urina com alta densidade e aumento de creatinina.
D x É encurralada em casa, se isola, desenvolveu
colangiohepatite
e x Isolamento e estresse com a chegada de um novo gato na
casa, casa com muitas pessoas.
f x Estresse crônico e reatividade
g x Ansiedade
h x Medo, estresse e reatividade.
i x Ansiedade e tédio. Vive em um cômodo a três anos, não há
outros animais na casa.
j x Medo e ansiedade, com agressividade redirecionada, convive
em residência com muitas pessoas.
l x Estresse, ansiedade e distúrbios urinários.
m x Ansiedade, apresenta comportamento inibitório e reclusão.
n x Medo e estresse crônico, apresenta comportamento inibitório
pela convivência não amigável com outros felinos;
descamação com oleosidade em pelame opaco; acne felina.
o x Ansiedade e estresse crônico. Apresenta vocalizações
noturnas, agressão redirecionada e isolamento; mudança de
casa recente, uma criança a incomoda grande parte do tempo.
p x Estresse crônico; cistite intersticial com hematúria,
colangiohepatite, sobrepeso. Convive com outro gato que
não tolera; com cães e papagaio que ignora; não gosta da
visita de outros gatos da rua no jardim.
Fonte: SEMEFEL, 2020.
26
Durante as consultas foi possível observar que comportamentos inatos aos felinos são
frequentemente considerados problemáticos, e de necessária repreensão e correção pelos
tutores, causando frustação no felino. Mesmo que um comportamento inato seja considerado
como problemático deve-se ter em mente que ele ocorre por falha de compreensão das
necessidades comportamentais dos felinos e pela falta de disponibilidades para exercê-las
dentro de uma casa, assim levando a punições errôneas e a continuidade do comportamento
problemático.
Um exemplo a ser citado é o comportamento da arranhadura, considerado incômodo
quando realizado em sofás ou outras mobílias, se trata de um comportamento inato, além de
necessário ao felino2. A ranhura de mobílias pode ser facilmente corrigida com a
disponibilidade de arranhadores, preferencialmente compridos, firmes e com textura
semelhante a mobília de preferência do felino, assim evitando a repreensão comportamental.
Como o arranhar sofás, por exemplo, a arranhadura é normal e necessária, ele precisaria ter a
disponibilidade de arranhadores específicos em locais específicos para direcionar o local de
arranhaduras, de preferências compridos e firmes, e neste caso em uma textura similar ao sofá
que ele passou a gostar de arranhar, assim não será repreendido/reprimido.
Outra questão verificada nas consultas são os reais problemas comportamentais que
compreendem desde a ação exacerbada de algum comportamento normal, comportamentos
anormais advindos de transtornos compulsivos, automutilação, até fobias, medo e ansiedade.
Isso gera estresse crônico e são resultantes muitas vezes de falta de atividade física e mental,
como também, de experiências negativas pregressas.
Em um estudo sobre fatores relacionados a problemas de comportamento em gatos PAZ
et.al. (2017, p. 1339) relatou que: “O problema de comportamento mais frequente na população
(229 tutores) de gatos estudada foi arranhadura de móveis, seguido de agressividade, eliminação
inapropriada e vocalização excessiva.”
Nas consultas acompanhadas com enfoque comportamental são queixas frequentes o
uso inadequado da bandeja sanitária com a eliminação de dejetos em locais indevidos;
agressividade com os tutores e/ou outros gatos, arranhadura em locais inapropriados e excesso
de atividade noturna. Dependendo de cada situação/paciente o tutor recebe recomendações

2
A arranhadura promove garras saudáveis, exercício e alongamento, alívio de estresse, comunicação olfativa e
visual entre os gatos.

27
gerais de manejo e de uma terapia cognitiva-comportamental para que o gato se harmonize com
seu lar (ver figuras 6 e 7).

28
Figuras 6 e 7- Exemplos de checklist das alterações de manejo e síntese de terapia cognitiva comportamental sugeridas para cada paciente.

29
Foi exposto para os tutores o correto manejo do ambiente, da alimentação, da higiene, a
correta interação humana com o gato e a necessidade de rotina para os felinos. Os tutores foram
orientados a estabelecerem uma rotina para o gato e a estruturarem seu ambiente – para que
tenham locais de descanso, rota de fuga e refúgio; a estabelecerem o número correto de
recursos: número de gatos mais um extra (regra de recursos N+1)3, ou seja, o número de
recipientes de água, comida, bandejas sanitárias e outros sempre um a mais que a quantidade
de gatos total; que fossem estabelecidos momentos de brincadeiras – ao menos 15 minutos duas
vezes ao dia; que fosse fornecida alimentação úmida duas vezes ao dia, intercaladas com a
alimentação seca; que fosse utilizado um granulado sanitário fino que formasse torrão, dentre
outras orientações mais específicas para cada paciente.
Com a finalidade de fundamentar o que foi verificado nas consultas constatou-se
algumas considerações de outros autores, como as conclusões de BEAVER (2003), que
demonstrou que a eliminação inapropriada é o problema de comportamento mais comum em
gatos, pois era relatado por 47% a 50% dos tutores. Tal ocorrência, além das causas físicas e
psicológicas, se relaciona à insuficiência de recursos, como HOUPT (1985) já afirmou deve-se
ter uma bandeja sanitária para cada gato e uma extra (seguindo a regra de recursos N+1).
As interações entre os gatos em uma mesma residência merece atenção, pois também,
pode ser a causa da eliminação inapropriada, já que existe o bullying silencioso, os bloqueios,
ataques e encurralamentos entre gatos, estes podem ocorrer na ida ou na bandeja sanitária e
assim estimular o gato a procurar outro local seguro para utilizar. Como também, um gato que
considera seu ambiente hostil pode começar a demarcação com urina por questões territoriais
e/ou de ansiedade (NEILSON, 2004).
Outros estudos ao longo dos anos apresentam a agressividade como o problema mais
comum, principalmente a intraespecífica quando o número de gatos está acima de três
(BORCHELT; VOITH 1996, TAMIMI et al. 2015, AMAT et al. 2009). A quantidade de gatos
nas residências pode influir em resultados sobre agressividades contra gatos e contra pessoas,
pois segundo RAMOS & MILLS (2009), a ausência de outros gatos aumenta o risco para
agressividade contra pessoas e assim ser superestimada em casas com um só gato, por tanto,
em casas com um número elevado e poucos recursos a agressividade intraespecífica é maior.
Como demonstra AMAT et. al. (2009) que encontrou maior porcentagem de agressividade
intraespecífica (64%) do que contra pessoas (36%).

3
A regra do “n+1”, trata-se de uma das disposições da MEMO - Multimodal Environmental Modifications, sobre
a disponibilidade de recursos, para reduzir a competição por recursos entre os animais e, consequentemente, o
estresse e ansiedade sentidos pelos mesmos (WESTROPP; BUFFINGTON, 2004, BUFFINGTON, et. al. 2006).
30
Constata-se, assim, a fundamental importância de uma consulta para felinos onde o
veterinário dissemine seu conhecimento visando uma melhor estruturação do lar para os gatos,
seja um especialista ou um generalista, mas que consiga direcionar bem a consulta para
minimizar o estresse e que exponha as questões referentes aos cuidados na casa para o gato,
para que essas questões comportamentais sejam diluídas e eles tenham bem estar em suas
residências, reduzindo assim, não só problemas de saúde, como também o abandono e maus
tratos.
Deve-se ter em mente que gatos são potencialmente adrenérgicos e suas respostas à
ameaças se desdobram em questões fisiológicas, as respostas de luta ou fuga em um local hostil
na visão do gato gera um estresse crônico e danos emocionais graves em um ser que se vê sem
o controle, sem a oportunidade de escolha e sem refúgios.
Concluiu-se, então, que a consulta clínica deve sempre ir além da queixa trazida pelo
tutor, que o clínico ao atender um gato tenha ciência de que é um instrumento basilar no bem
estar ao longo da vida de seu paciente, que sua consulta se estende para além das paredes físicas
do consultório, ela precisa entrar no dia a dia da família.
É preciso conquistar e orientar a família multiespécie visando dias mais felizes aos
felinos, mas sempre de forma emocionalmente segura a todos, trata-se de um grande desafio ao
veterinário. O acompanhamento das consultas no SEMEFEL tornou-se um pilar para este
aprendizado.

31
4. Principais terapêuticas instituídas

Toda a terapêutica instituída no consultório visa medicamentos apropriados ao


metabolismo felino. Como também, escolhe-se medicações que se complementem para o alívio
dos sintomas enfrentados. O uso de antibióticos é realizado sob evidências de sua necessidade
para evitar usos desnecessários. Antiinflamatórios e analgésicos são utilizados com adequações
da dose para cada particularidade.
No entanto, a terapêutica vai além das medicações, ela visa a restruturação ambiental,
social e alimentar dos felinos em suas residências, pois problemas emocionais crônicos
repercutem na qualidade de vida.
Por vezes, não há a prescrição de medicações, mas orientações para antiparasitários, e
escovação dos dentes, e/ou há a prescrição de uma terapia comportamental e cognitiva (ver
anexo 1). São passadas orientações para a verticalização do espaço, o uso de caixas/tocas para
locais de refúgio, a instalação de arranhadores, a multiplicação dos potes de água e comida (e
diversificação do material utilizado: plástico, barro, porcelana, vidro e etc.), a multiplicação das
caixas sanitárias e sua descentralização e a limpeza eficiente; a manutenção de uma rotina
agradável ao gato, que é um ser metódico, uma rotina de brincadeiras, uma rotina de higiene:
escovação do pelo, corte de unhas, escovação dos dentes; uma rotina de alimentação e a
inserção da dieta úmida na alimentação duas vezes ao dia.
Ou seja, a terapêutica muitas vezes é um enriquecimento ambiental e alimentar que visa
a socialização, interação e harmonia do gato com seu lar. As recomendações para o
enriquecimento são feitas pontualmente para cada gato, já que cada um responde ao ambiente
de formas diferenciadas, assim, visando atender às necessidades físicas, emocionais, médicas e
comportamentais de cada felino (BUFFINTON et al., 2006; PEIXOTO, 2019).
Algumas medicações utilizadas merecem menção (vê quadro 4), pois se destacam na
resposta obtida no uso com felinos e seu conhecimento se faz necessário, tais como maropitant,
cefadroxila, acetilcisteína, gabapentina, melatonina e triptofano.

32
Quadro – 4 Classificação e indicação de medicações de destaque da rotina.

MEDICAÇÕES CLASSIFICAÇÃO E USO


Cefalosporina de 1ª geração, com atividade principal
Cefadroxila em bactérias gram-positivas, bem como estafilococos
produtores de penicilinase; mas indicado no combate
a infecções bacterianas em cães e gatos, causados por
bactérias Gram positivas e Gram negativas. Podendo
ser uma alternativa ao uso da cefalexina visando não
ter tantos efeitos gastrointestinais indesejáveis; sendo
indicada para uso SID ou BID.
Um antagonista dos receptores da neurocinina 1
Maropitant (NK1) que bloqueia a ação farmacológica da
substância P no Sistema Nervoso Central. Maropitant
é a denominação comum para uma quinuclidina
substituída. A Solução Injetável é indicada para
prevenção e tratamento do vômito agudo. Mesmo não
tendo em bula por questões laboratoriais, seu uso é
seguro.
Ondasetrona Antiemético. Antagonista da Serotonina,
bloqueia estímulos eméticos deflagrados pela
serotonina. Uso para controle de vômitos e náuseas.
Omeprazol Inibidor da Bomba de Prótons. Utilizado para inibidor
de secreções gastroduodenais. Associado a
ondasetrona oral potencializar seu efeito, garantindo
uma melhora de casos de gastrite e êmese.

N-Acetilcisteína Mucolítico. Indicado para o tratamento de afecções


respiratórias e intoxicação por acetaminofeno
(paracetamol). Utilizado como antioxidante e
hepatoprotetor, sendo precursor da glutationa
(LITTLE 2015).

Silimarina Hepatoprotetor. Tratamento adjuvante de doenças


hepáticas ou reações hepatotóxicas.
SAME com vitamine E Nutracêuticos. Usados no tratamento de hepatopatia e
contra o estresse oxidadtivo. A associação
potencializa o efeito; manipulados em capsulas
entéricas. (LITTLE 2015).
Cianocobalamina Vitamina B12. Usada visando suas funções
metabólicas, como o metabolismo das gorduras,
carboidratos e na síntese de proteínas.
Amitriptilina Antidepressivo Tricíclico. Inibe a recaptação de
serotonina e outros transmissores em terminações
nervosas pré-sinápticas. Tem efeito anticolinérgico.
Indicado para o tratamento de doenças
comportamentais, como ansiedade por separação; em
felinos tem indicação no tratamento de cistite
intersticial crônica com ressalvas, prurido e
automutilação. No entanto, seu uso é reservado e seus
efeitos são obtidos a partir de quatro semanas no
mínimo.
Triptofano Aminoácido precursor da serotonina. Indicado para
redução de comportamentos ligados ao stress.
Melatonina Hormônio hipofisário. Indicado para o tratamento de
alterações dermatológicas e comportamentais. Efeito
potencializado quando utilizada com o triptofano.
Gabapentina Anticonvulsivante. Pode ser usada como
anticonvulsivante em casos refratários a outros
33
medicamentos e como parte do tratamento de
síndromes de dor neuropática. É utilizada para
tranquilizar animais hiper-reativos prévio a algum
procedimento.
Flancicovir Antiviral. Indicado para o tratamento do herpesvírus
felino (FHV1) associado à conjuntivite, rinosinusite,
ceratite e FHV1 associado à dermatite.
Fonte: Descrição de bula de cada medicação; DRECHSLER e RUFINO, 2020.

Suplementos, probióticos e nutracêuticos são utilizados com resultados benéficos nos


tratamentos instituidos, tais como ômega 3 e 6, vitamina E, selênio e a taurina. Como probiótico
são priorizadas as associações de Bacillus cereus, Bacillus subtilis, Enterococcus faecium,
Lactobacillus acidophilus, Saccharomyces cerevisiae, vitamina A, vitamina D3 e vitamina E.
Além das medicações alopáticas, no consultório são utilizados e prescritos os florais de
linha veterinária visando diminuir os efeitos da ansiedade, medo e estresse, assim como, quando
necessário a feromonioterapia é recomendada.
Tratando-se da escolha de medicações para felinos essas devem ser escolhidas com base
na medicina de evidências e de acordo com as particularidades do metabolismo felino,
atentando as particularidades de cada indíviduo no tocante aos doentes renais, hepáticos,
cardíacos e com distúrbios eletrolíticos.

34
CAPÍTULO II – O PAPEL DO ESTRESSE NA MEDICINA FELINA: UM NOVO
OLHAR SOBRE A SÍNDROME DE PANDORA.

1. ESTRESSE E SAÚDE NA MEDICINA FELINA

Na relação saúde – doença o estresse é frequentemente definido em termos de


estressores, que são eventos internos e externos que resultam em uma resposta estressora. Esses
eventos são captados como ameaças à percepção de controle do indivíduo. Dessa perspectiva,
um estressor é qualquer coisa que ativa o sistema central de resposta a ameaças – SCRA
(BUFFINGTON e BAIN, 2020).
Na medicina felina, o estresse é um fator determinante da qualidade de vida e saúde dos
gatos (MILLS et al., 2014), compreendido como uma gama de reações cognitivas, emocionais
e somáticas a diversos estímulos; fisiologicamente desempenhando o papel de preservar a
estabilidade física e psicológica do animal. Ele acontece em quaisquer circunstâncias que ocorra
desequilíbrio na homeostasia do organismo (LEVINE, 2008, SHONKOFF, 2010).
De acordo com SHONKOFF (2010) podemos classificar esses eventos estressores em
três categorias positivo, tolerável e tóxico de acordo com a intensidade e duração da resposta
fisiológica desencadeada frente ao estresse. MILLS (2016) distingue estresse de distresse,
conceituando o primeiro como qualquer estímulo estressor que chegue e tenha uma resposta
saudável do organismo em um período curto (de positivo a tolerável), sendo o distresse, então,
quando o estresse causa um efeito deletério (tóxico) como resultado de efeitos prolongados e
múltiplos fatores estressores e/ou a falta de capacidade do animal em retornar ao seu estado
normal.
Fatores estressores ocorrem naturalmente no dia a dia, o ato de se alimentar e beber água
desorganiza a homeostasia temporariamente, mas são estresses (positivos) necessários
(SHONKOFF, 2010). Ele passa a desenvolver patologias quando esse fator estressor é algo
negativo, ou ele já ocorreu e o gato relembra ou ele espera que ocorra, o que gera ansiedade (vê
figura 8). Fatores estressores psicológicos são altamente tóxicos, já que a impossibilidade de
reação frente a situações e/ou espaços vistos como hostis pode ser extremamente estressante,
pois o gato sente que não tem mais o controle sobre suas escolhas (BUFFIGNTON e BAIN,
2020).
LEVINE (2008) mostra que no campo do comportamento animal, cognição animal e
bem-estar animal concorda-se que a emoção precede e causa a resposta fisiológica ao estresse,

35
que serve como mecanismo auxiliar secundário, permitindo a capacidade do animal de reagir
ou lidar com a emoção (medo e ansiedade). O estresse seria, então, acionado através das
emoções – medo e ansiedade – possibilitando resposta aos estímulos. Enquanto o medo
promove uma reação adaptativa da parte animal, evitando condições de risco iminente; a
ansiedade (por vezes, expressa através da agressividade) é decorrência da incapacidade do gato
de impedir o evento desencadeador de medo.

Estímulo
estressor
captado
pelo SNC

Organiza
sua
resposta
biológica

Genética
Epigenética
Experiências

FIGURA 8 – Fluxo de assimilação do estímulo estressor e geração de resposta biológica. Fonte: elaborada pela
autora a partir de BUFFIGNTON e BAIN (2020); LEVINE (2008); MOBERG (2000).

A ativação do SCRA depende da percepção de ameaça e de controle que serão


resultantes dessa interação gato – ambiente, assim, um fato que ative o o sistema central de
resposta a ameaças – SCRA é estressor e irá atuar nas vias neuroendocrina e neurovegetativa,
podendo levar a uma resposta de luta ou fuga, decorrente do sistema autônomo simpático; é
exatamente quando o animal perde a noção de controle da vida e acha que o fator ameaça a vida
dele (BUFFIGNTON e BAIN, 2020; LEVINE, 2008).
BUFFIGNTON E BAIN (2020, p. 658) nos mostra um fluxo que se retroalimenta de
como os animais sentem e respondem aos eventos do meio. O ciclo demonstra uma ação do
gato com uma resposta hostil do ambiente, as sensações perante essa resposta são introjetadas
no sistema nervoso do gato formando uma percepção da resposta ambiental, que é então
36
comparada com eventos do seu histórico – esse histórico envolve genética, epigenética e o
meio; o contexto em que a resposta foi recebida e sua expectativa de eventos futuros resultará
em atos subsequentes: como serão esses atos depende da percepção de ameaça ou do potencial
de recompensa da resposta. Por sua vez esses atos subsequentes resultam em nova resposta do
ambiente e assim retroalimentando o ciclo. Essas sequencias de formação de percepção e de
ações posteriores ocorre instantaneamente e sempre ao longo da vida do animal.
A superação dos estressores (das respostas ambientais) se correlaciona com a noção de
controle, quanto mais possibilidade de escolhas e alternativas o gato tenha na vida, mais leva
ele a reagir de forma saudável em situações de estresse, tornando-se, assim, mais tolerável: ele
tem uma sensação de controle sobre a própria vida (MOBERG, 2000; STELLA et.al.; 2013).
É constatado que se uma variável externa quebrar o ciclo dos fatores estressores,
havendo assim reestruturação da resposta do ambiete às ações do gato; as mudanças no
ambiente poderiam direcionar uma minimização da sensação de ameaça ao mesmo tempo
reforçando a sensação de segurança e controle (WESTROPP e BUFFINGTON, 2004;
BUFFINGTON, et. al. 2006; HEATH, 2020). Por isso foi proposto uma reestruturação de
recursos e estímulos ambientais (baseada na Modificação Ambiental Multimodal – MEMO) em
terapias cognitivas e comportamentais por WESTROPP e BUFFINGTON (2004).
Então, aceita-se que a percepção ambiental que um gato estabelece de uma situação
influencia seu estado emocional e, portanto, em seus comportamentos e esta percepção, por sua
vez, depende de uma variedade de fatores de seu histórico como afirmam BUFFINGTON e
BAIN (2020); LEVINE (2008).
De acordo com SHONKOFF (2010), como resposta ao fator estressor considera-se três
tipos de de respostas: estresse leve, quando a resposta é curta e pontual, qualificada saudável,
desencadeando adaptações. Pode ser moderada frente a um estressor tolerável se a ameaça for
maior. E segundo BUFFINGTON e BAIN (2020) a falta de estímulo / tédio ou instabilidade
doméstica, doenças ou lesão, ou exposição a um desastre natural desencadearão esse segundo
tipo de resposta.
Ambas respostas leves e moderadas levam à alterações fisiológicas e comportamentais
no animal, podendo se recuperar caso tenha um ambiente favorável pra que seja restabelecida
a percepção de controle. No entanto, quando essa resposta é longa e intensa e o ambiente sem
estruturação para favorecer a percepção de controle, elas resultam em patologias físicas e
emocionais (SHONKOFF, 2010; BUFFINGTON e BAIN, 2020).

37
Respostas intensas e prolongadas são as mais danosas para a saúde e bem estar felino,
decorrem de um estresse severo (tóxico) e/ou crônico. A percepção de ameaça é elevada e a de
controle é totalmente perdida, desencadeadas normalmente em doenças crônicas, eventos
adversos durante a gestação, amamentação e primeiros meses de vida, ou em situação de abuso
contínuo em qualquer idade e situações de privação de bem estar durante a vida – solidão,
reclusão, isolamento, convivência com muitos gatos (BUFFINGTON e BAIN, 2020).

1.1. A fisiopatologia resultante do estresse

O felino doméstico conserva muitas características de seus ancestrais, têm mantido ao


longo do tempo pontos de intercessão entre os felídeos silvestres. A conduta de manejo
adequado a espécie deve ser mantida, pelo veterinário, tutor e família, respeitando todas as
características inerentes ao felino o que evita gatilhos estressores (TAYLOR, 2006; LITTLE,
2015).
Os felinos são seres adrenérgicos, ou seja, os fatores estressores ocasionam respostas
fisiológicas adrenérgicas que se refletem em alterações visíveis na clínica: aumento da pressão
arterial; sopro sistólico por obstrução de via de saída de ventrículo direito (ou sopro de ejeção);
taquicardia; taquipneia; hiperglicemia; leucocitose por neutrofilia, linfocitose e agregação
plaquetária (DANIEL, 2018).
É preciso estar atento para as respostas demonstradas no seu ambiente que refletem
medo, ansiedade e um estresse crônico, que podem ser negligenciados, tais como evitação,
esconder-se, isolamento social, baixa motivação para brincar, intolerância ao toque,
agressividade, vocalizações, marcação urinária, arrancamento pelos/lambedura excessiva,
inquietação, dificuldade em se acalmar, sono prolongado, pelame sujo/desarrumado, alteração
no apetite (RÜNCOS , 2020).
O medo e a ansiedade atuam no gato sobre estruturas semelhantes do sistema nervoso
central (SNC) e ele responde por três sistemas principais: o sistema motor voluntário, o sistema
nervoso autônomo e o sistema neuroendócrino. O gato percebe um estímulo como aversivo ou
assustador, a amígdala é acionada ativando o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal – HHA (HPA),
no mesmo momento que o hipotálamo atua no tronco cerebral para a liberação de
catecolaminas, pelo eixo sistema nervoso autônomo simpático – SNS (ORSINI, H. e
BONDAN, 2006; SILVA e SUYENAGA, 2019).
Neurorreceptores captam o estímulo estressor, enviam impulsos nervosos ao SNC, após
processamento da informação as áreas motoras a recebem e encaminham aos nervos periféricos
38
gerando uma resposta que fica na defensiva preparando sua resposta de luta ou fuga. Em mesmo
instante o SNS atua na medula adrenal estimulando a liberação de grande quantidade de
catecolaminas. Um pouco mais tardiamente ocorre a resposta neuroendócrina, com a liberação
pelo hipotálamo do hormônio liberador de corticotropina (CRH) atuando na adenohipófise para
que esta libere o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH), este agirá no córtex adrenal
estimulando a formação e liberação de glicocorticoides (cortisol e corticosterona) no sangue,
havendo após a fase de alerta um feedback negativo pelo cortisol, assim o organismo entra em
homeostasia novamente como exemplificado na figura 9 (MOBERG, 2000; ORSINI, 2006;
LITTLE, 2015).

Fator
Estressor
Medula CATECOLAMINAS
Tronco adrenal
cerebral

Hipotálamo
F (-)
Homeostasia
CRH
Hipófise F (-)
CORTISOL
ACTH

Córtex
adrenal

FIGURA 9 – Resposta ao estresse pelo eixo HHA (HPA) e SNS no gato. Fonte: Elaborada pela autora
(CUNNINGHAM, 1993; MOBERG, 2000 ORSINI, 2006; LITTLE, 2015).

As catecolaminas por sua vez se ligam a receptores específicos em órgãos causando uma
resposta simpática de estado alerta, aumento da frequência e da força de contração cardíaca,
contração esplênica, no gato uma vasoconstricção periférica e distribuição do sangue para
órgãos vitais, aumento da frequência respiratória visando obter mais oxigênio, dilatação de
pupilas, glicólise, visando aporte energético aos músculos e ainda leucocitose com linfocitose
no gato4 (CUNNINGHAM, 1993; ORSINI, 2006; LITTLE, 2015, SILVA & SUYENAGA
2019).

4
No estresse agudo observa-se um leucograma de estresse com neutrofilia, linfopenia, eosinopenia e
monocitose discreta. Em estados crônicos de estresse é possível observar uma leucopenia e linfopenia em alguns
gatos por conta da ação do cortisol frequente.
39
Em resposta a ativação do eixo HPA os glicocorticoides mobilizam aminoácidos e
ácidos graxos para a gliconeogênese visando obter mais energia; atuam no bloqueio inicial da
inflamação e atuam na liberação de interleucinas para não desencadear febre. O cortisol sendo
liberado continuamente atuará no sistema imune diminuindo a liberação de linfócitos T; age na
diurese inibindo a secreção de vasopressina; estimula, ainda, a absorção de gordura pelo trato
gastrointestinal e secreção de pepsina do estômago, favorecendo gastrite e úlceras
(CUNNINGHAM, 1993; ORSINI, 2006; STELLA et. al. 2013; LITTLE, 2015, SILVA e
SUYENAGA 2019).
Estudos mostraram que fatores psicológicos podem ser mais potentes fatores na
estimulação do eixo HPA do que fatores físicos (LEVINE, 2008; HEATH, 2020; STELLA et.
al., 2013).
Esses estressores psicológicos ocorrendo por longos períodos gera um estresse de
caráter crônico, o organismo não retorna a homeostasia levando a um estado de ansiedade
refletindo em alterações cardiovasculares, respiratórias, endócrinas e metabólicas; transtornos
gastroentéricos: hiporexia, apetite exagerado, êmese, diarréia, tenesmo, salivação, e
hematoquesia; no sistema imune e sanguíneo - neutrofilia, linfopenia, eosinopenia e monocitose
e baixas concentrações de IgA; no sistema nervoso motor pode-se verificar atividade motora
aumentada, comportamento estereotipado, tremores, automutilações e baixo limiar convulsivo;
perda de peso ou ganho de peso; na pele e glândulas, observa-se ressecamento, pelame opaco,
lesões autoinduzidas, queda de pelos aumentada. E ainda em indivíduos saudáveis é visto
anorexia, micção inadequada, vômitos e/ou diarreia. Referente ao comportamento teremos
comportamentos excitatórios – maníacos e aumentados ou inibitórios – catatônicos, freezing
(LEVINE, 2008; HEATH, 2020; STELLA et. al., 2013, LITTLE, 2015, RÜNCOS, 2020).
STELLA et al. (2011) constatando que o estresse crônico leva o felino a refletir
desequilibrio em seus comportamentos, traz a noção de sickness behaviour5(SB):
comportamento de doença, relatando que os gatos em situações de vida estressantes exibem SB
em resposta aos estressores ambientais. Distúrbios similares ocorrem normalmente em clínicas
veterinárias, instalações de pesquisa, abrigos e gatis. Os SB mais comuns exibidos em resposta
aos estressores são vômito com bolas de pelo – tricobenzoares, alimento ou bile, diminuição do
apetite e eliminação fora da bandeja sanitária. Em gatos, esses comportamentos são

5
Comportamento de doença, ou ainda, usado por alguns, comportamento de adoecimento é um conjunto de
mudanças comportamentais adaptativas que se desenvolvem em indivíduos doentes, ou seja, são os sinais que
aparecem quando o organismo não está bem e busca um equilíbrio: letargia, aumento de temperatura, enjoos,
por exemplo.
40
frequentemente considerados normais (vômitos), enjoativos (diminuição do apetite) ou
inaceitáveis (não usar a bandeja sanitária) pelos proprietários e algumas vezes por veterinários.
O estresse psicológico é associado a regulação do sistema imune pelo SNC via
hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) com a liberação de citocinas pró-inflamatórias aumentando
comportamentos de vigília e suprimindo comportamentos de manutenção (MARQUES-DEAK
et al., 2005). Estudos relatam a liberação de citocinas desempenhando um papel importante na
expressão de SB em relação as citocinas pró-inflamatórias interleucina-1 beta (IL-1β),
interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). Fatores liberadores de
macrófagos no início da resposta imune inata, eles comunicam a presença de inflamação
periférica ao cérebro, que leva às respostas comportamentais de doença e a somatização do
estrese (RAISON E MILLER, 2003; MARQUES-DEAK e STERNBERG, 2004; MARQUES-
DEAK et al., 2005; DANTZER et al., 2008; STELLA, et. al. 2013; PARYS, et. al., 2018).
Esses comportamentos de adoecimento descritos induzem uma mudança na motivação
do animal em realizar atividades cotidianas, para uma que promove a recuperação ao inibir
atividades metabólicas, poupando energia e favorecendo aquelas que promovem a cura
(DANTZER et al., 2008). Estariam suprimidas, por exemplo, ações de reconhecimento,
aquisição de alimento, apetite e ingestão podendo ter um neofobia alimentar; a resposta
comportamental é, então, controlada em partes pelo hipotálamo e em partes pelo sistema
límbico (MOBERG, 2000).
Podemos ter uma susceptibilidade e resistência às doenças autoimunes, inflamatórias,
infecciosas e alérgicas. (MARQUES-DEAK et. al., 2005; MARQUES-DEAK e STERNBERG,
2004) derivadas da liberação excessiva de hormônios de estresse antinflamatórios, como o
cortisol, que pode predispor o felino a infecções devido à imunossupressão relativa, ressaltando
as complicações de estados virais relacionados a FIV e FeLV e herpesvírus (FHV-1) que podem
ser desencadeadas. Contudo, uma ativação insuficiente da resposta hormonal ao estresse
predispõe a doenças autoimunes e inflamatórias (SPARKES, et. al. 2016).
O estresse é relacionado a obesidade em humanos, nos gatos o estresse crônico
associado ao excesso de alimentação pode desempenhar um papel fundamental para a
obesidade. Como também, teria relação com o hipertireoidismo, pois tendem a apresentar níveis
altos de cortisol, contribuindo para algumas manifestações da doença, em humanos o
hipertireoidismo aumenta a sensibilidade de vários tecidos às catecolaminas, não há estudo do
gênero em gatos, mas sugere-se que o aumento dos hormônios advindos do estresse possam
exacerbar sinais clínicos (SPARKES, et. al., 2016) . BUFFINGTON (2002) relata ainda que a

41
junção de um ambiente desfavorável (estressante) com uma predisposição genética acarreta em
doenças como a cistite intersticial, lesões odontoclásticas reabsortivas, obesidade e
hipertireoidismo.
Gatos sob estresse também exprimem frequentemente uma reativação viral do
herpesvírus, geralmente entre 4 e 11 dias após passarem por fatores estressores, a maior carga
de disseminação do vírus está nos gatos com maiores sinais de angústia (GASKELL, et. al.
2007). Podendo ocorrer ainda uma alopecia psicogênica, sendo caracterizada pelo excesso de
lambedura levando à alopecia, ocorrendo também associada a CIF em regiões pré-púbicas.
CARNEY e GOURKOW (2016) defendem que poderia ser denominada alopecia traumática
por angústia já que há uma ligação direta entre sofrimento: com o início e resolução de
estressores, podendo estar associada a outros distúrbios advindos do sofrimento.

1.2. Fatores estressores geradores de emoções negativas para os felinos e seus reflexos

Há muito se reconhece que o ambiente externo influencia no risco de doenças


infecciosas em animais. A criação indoor é cada vez mais aconselhada e reconhecida por
veterinários e tutores para evitar exposição a doenças infecciosas, além de atropelamentos e
brigas; no entanto, dependendo do ambiente e em quais situações de vida o felino esteja, esses
podem representar um fator externo gerador de emoções negativas (BUFFINGTON 2002).
Em um ambiente indoor pobre em recursos para seu bem estar e com ocorrências
imprevisíveis – falta de rotina, rotina conturbada, movimentação, agitação, barulhos externos,
mudanças contínuas – incluindo, também, o fato da alimentação ser exclusivamente ração seca,
o felino está propenso a fatores estressantes (medo, tédio e ansiedade) desenvolvendo um estado
emocional negativo. (BUFFINGTON 2002; STELLA, et. al.; 2013).
A habilidade do gato em responder a um fator estressor influência nas emoções que
serão geradas. Eventos distintos podem gerar respostas emocionais distintas que vão se inserir
em quatro viés emocionais, os quais podem aparecer isolados ou associados: Ansiedade e medo;
frustação; dor e perda de pertencimento (apego) – attachment-loss (MILLS, 2016). Têm-se
como exemplo gatos com medo do toque por pessoas que desconhecem em locais que se sintam
encurralados, como ocorre em instalações de animais resgatados, abrigos, clínicas veterinárias
e ainda com gatos que vivem em estabelecimentos com grande circulação de pessoas, o gato
tem uma ansiedade pelo que pode ocorrer, medo e frustação por não poder sair do local.

42
De acordo com MILLS (2016) o estado emocional de ansiedade e medo surge frente a
uma ameaça, mas é impossível discernir se o animal está percebendo aquilo como perigo real
e sente medo, ou se está se antecipando ficando ansioso. Como já foi exposto esse quadro
contínuo leva ao estresse crônico, dependendo da percepção do gato sobre a ameaça, ele pode
apresentar reações de luta, fuga ou congelamento6.
A frustação aparece quando o gato perde a noção de controle sendo impedido de fazer
algo que deseje, como em restrição de dietas, quando o espaço individual é invadido e/ou seu
território, ou seja, quando sua autonomia é retirada. A falta de pertencimento (apego e de
identidade relacionada a pessoas e locais) advém da perda da sensação de segurança após
eventos traumáticos, consequentemente o gato busca algo novo que traga segurança; ocorre
frequentemente em desmames inadequados, separação da mãe e irmãos, mudança de casa e de
família (MILLS, 2016).
A dor ocorre tanto fisicamente quanto além dos limites da integridade física, a nível
emocional há uma influência importante e isto nutre o estresse, dependendo da cronicidade da
dor teremos a cronicidade do estresse, como um idoso que apresente artrite com receios de ser
manuseado. É importante lembrar que essa emoção interage diretamente com a ansiedade e
medo de realmente sentir dor, assim as punições físicas ou verbais; convivência com indivíduos
ameaçadores, convivência com conflitos e perseguições sejam de pessoas ou animais e traumas
levam ao medo (MILLS, 2016; BUFFINGTON, 2020).
Um ambiente desprovido de recursos necessários que atendam às necessidades básicas
do gato, rotina imprevisíveis e inconsistência nas interações leva a percepção de insegurança
servindo como gatilhos para a frustação. O tédio e falta de estímulos ambientais e o não saber
lidar com situações frustrantes também acarretam nesta emoção (MILLS, 2016; CARNEY et.
al., 2014).
É importante identificar os fatores desencadeadores de emoções negativas no ambiente
para remodelá-lo. Verificar a estruturação ambiental: espaço disponível, estrutura e recursos
específicos para o gato, quantidade, tipos (material), distribuição e uso, se há enriquecimento
vertical e ambiental. Verificar a organização social em busca de identificar interações
negativas, perseguições, competição, ameaças e punições. Estruturação de rotina e higiene:
quais são as atividades com os gatos, o tempo e a qualidade, se há previsibilidade nas ações
com os gatos, o horário de alimentação e se há enriquecimento alimentar, se há escovação de
pelo e dentária, como é feita a higienização das vasilhas de água, comida e caixas sanitárias. E,

6
Trata-se da resposta dos três Fs à ansiedade e medo, do inglês: Fight, Flight, Freeze.
43
assim, a partir desses fatores estabelecer uma estruturação ambiental, social, de rotina e higiene
adequada ao bem estar do gato (BUFFINGTON, 2006; CARNEY et. al., 2014; DRECHSLER
E RUFINO, 2020).
Deve-se ressaltar que as atitude e posturas corporais dos felinos demonstram a sua
percepção de ameaça, assim, como, o quão percebem um evento ameaçador. Costumam ficar
agachados, com a musculatura tensa, escondem áreas do corpo, posicionam a região palmar e
plantar voltadas ao chão ou estrutura onde estejam, cauda próxima ao corpo, cabeça e pescoço
voltados ao tronco, orelhas achatadas, além da dilatação das pupilas. Costumam esconder-se
ficando hipervigilante, com um estado de sono vigilante, não relaxam, diminuem a higiene e o
grooming, mudam a rotina alimentar, andam menos e assustam-se facilmente. Essas ações são
de defesa voltadas para reclusão/repouso, mas caso não consigam efetuá-las ou se sua percepção
de ameaça for alta eles demonstram agressividade a fim de não entrarem em conflito, mas
afastarem a ameaça (CARNEY e GOURKOW, 2016).
Em situações mais críticas pode ser visto salivação, lambedura de nariz, deglutição
exagerada vocalizações, sibilos, rosnados, principalmente voltados para o fato estressor e
agressividade que é demonstrada nas tentativas de arranhar e/ou morder direcionadas ao
estressor como último recurso quando escapar, congelar ou se esconder não é possível, veremos
tremores, taquicardia e taquipneia, boca aberta e exposição da língua. Deve-se ressaltar que
essas ações vêm da frustação além da ansiedade e medo, levando a agressividade como uma
manifestação comum em casos elevados de frustação (CARNEY e GOURKOW, 2016).
Os comportamentos de frustração se refletem, segundo CARNEY e GOURKOW,
(2016) contrariamente as ações de ansiedade e medo, os felinos procuram ser notados, são mais
barulhentos, ativos e persistentes, as atitudes que refletem frustração são mais passageiras,
incluem cauda agitada e batidas na vertical (cauda em tambor), ondulações/tremores na pele do
dorso, rotação lateral de uma ou ambas as orelhas, comportamentos repetitivos e persistentes,
incluindo miado, rítmico e repetitivo, pulverização de urina e ataques voltados a pessoas e/ou
animais por conta da frustação.
É preciso perspicácia ao analisar as atitudes e histórico do gato para perceber atitudes
corporais e classificá-las dentro das emoções negativas, para rastrear os fatores
desencadeadores.
Constata-se que a qualidade de vida dos gatos depende da qualidade de seu ambiente,
um ambiente propício a garantir os pilares de bem estar voltado para uma boa distribuição de

44
recursos com enriquecimento e alimentação de qualidade felinos tem grande capacidade de
adaptação e assim de superação de fatores estressores.

2. EXPLANANDO A SÍNDROME DE PANDORA ALÉM DA CISTITE


INTERSTICIAL

Pandora representa a que possui todos os dons na mitologia grega, foi a primeira mulher
criada por Zeus que lhe deu uma jarra onde fenômenos abstratos eram guardados, esses podiam
causar consequências físicas e emocionais, foram chamados de males (FRÓES, 2019).
Ao abrir a jarra de Pandora, também conhecido como caixa de Pandora, esses males
eram incitados, mas fechando-a na hora certa não haveria o temor deles, pois não haveria o
conhecimento prévio deles. Fazendo analogia com a mitologia alguns felinos possuem uma
caixa de Pandora, a qual um gatilho pode abri-la e desencadear males; caso não seja reconhecido
o gatilho podemos ter uma ansiedade extrema no felino, pelo temor perpétuo, já que a caixa
será sempre aberta (FRÓES, 2019).
O gato doméstico acometido estaria passando pelos males como provas e adversidades
para criar um enfrentamento e adaptação; para se ver livre da ansiedade ele deve conseguir
enfrentar com seus mecanismos de defesas, ou seja, deve desenvolver capacidade de adaptação,
para isso necessitamos dar atenção ao seu ambiente e contexto de vida para fornecermos fatores
de resiliência (RÜNCOS, 2020; MARGIS et.al., 2003).
Muitas vezes essa expressão – caixa de Pandora – é utilizada como sinônimo de algo
curioso, misterioso e danoso; na medicina felina a Síndrome de Pandora é assim chamada por
seus efeitos serem sistêmicos, acometendo o gato como um todo, com motivos que parecerem
misteriosos, sobre a proposta do termo para a síndrome Buffington fala:
“Propus o termo “síndrome de Pandora” para descrever os sinais exibidos
por gatos domésticos que recebem cuidados veterinários para sinais clínicos crônicos
referentes a muitos sistemas orgânicos. O nome é derivado de muitos problemas
complicados liberados quando Pandora abriu a caixa mítica que encontrou. Esses
gatos experimentam combinações variáveis de uma história de experiência adversa
precoce ou eventos estressantes graves. As comorbidades apresentam aumento e
diminuição dos sinais clínicos associados a eventos ambientais.” (BUFFINGTON,
2018; sobre a apropriação do termo em 2011; tradução).

Para entendermos a Síndrome de Pandora faz-se necessário o conhecimento sobre CIF-


Cistite Intersticial Felina, de doenças do trato urinário inferior como um todo, e retomar os
conceitos da fisiopatologia do estresse. Atualmente alguns estudos e acadêmicos já consideram
Síndrome de Pandora como sinônimo da CIF assumindo que esta é uma síndrome, no entanto,

45
o primeiro termo não limita a patologia a um órgão específico, mas trata a cistite como um
desencadeamento (BUFFINGTON; WESTROPP; CHEW, 2014).
É preciso esclarecer que podemos ter episódios isolados de cistites inflamatórias de
causas psicogênicas, cistites associadas aos outros fatores de doenças do trato urinário inferior:
cristalúria e cálculos, por exemplo, mas que a síndrome vai além da cistite, por haver outras
comorbidades associadas, necessitando de uma investigação sistêmica, sendo parte do
diagnóstico baseado na exclusão de outras causas de doenças do trato urinário inferior
(BUFFINGTON, 2018).
Para abordarmos um paciente com suspeita de Síndrome de Pandora, concordamos com
MILLS (2016) quando este nos diz que: “os gatos não podem nos dizer quais emoções estão
experimentando. Portanto, para um diagnóstico preciso precisamos de uma avaliação holística”,
que englobe comportamento, linguagem corporal, estado de saúde e parâmetros fisiológicos no
contexto que o gato se encontra.
A incidência de patologias do trato urinário inferior nos felinos é alta na clínica médica,
há nomenclaturas generalistas para abarcar esses distúrbios como DTUIF – Doença do Trato
Urinário Inferior de Felinos, CIF – Cistite Inflamatória Felina, SUF – Síndrome Urológica
Felina, Anomalias do TUIF, ou seja, que englobam doenças heterogêneas do trato urinário
inferior (WESTROPP E BUFFINGTON, 2004; FORRESTER e TOWELL, 2015).
O desenvolvimento da síndrome de Pandora implica em animais susceptíveis com o
Sistema Central de Resposta a Ameaça sensibilizado sob efeitos epigenéticos, em um ambiente
desafiador com eventos estressores a desencadearem doenças crônicas pela ativação da genética
pré-existente, sendo uma delas a cistite intersticial. Torna-se crucial que na presença de
qualquer sinal de doenças heterogêneas do trato urinário inferior dos felinos que se chegue a
uma classificação de “idiopática” seja efetuado um diagnóstico minucioso e holístico pois pode
se tratar de uma resposta psicogênica inserindo-se na Síndrome de Pandora com todas as
respostas biológicas disparadas pelo SCRA (WESTROPP; DELGADO; BUFFINGTON,
2019). A doença, então, não surge no trato urinário inferior, ele é afetado pela patologia em
outros sistemas.
BUFFIGNTON (et. al. 2014; 2018) explica que o termo é baseado em quatro décadas
de pesquisa e experiência clínica com gatos apresentando sinais crônicos do trato urinário
inferior, desde da década de 70 era tratada como Síndrome Urológica Felina- SUF, Em 1984,
Osborne traz o termo DTUIF – Doenças do Trato urinário Inferior de Felinos e muitas das
doenças do TUIF eram atribuídos a dieta e formação de cálculos, no entanto, BUFFINGTON

46
(2011; 2018) relata a verificação de que as explicações estavam errôneas, na década de 90 as
cistites idiopáticas continuavam a ocorrer, havendo a classificação de cistite intersticial ou
idiopática felina.
Então, em 2011 o termo Síndrome de Pandora foi proposto para classificar os gatos com
sinais recorrentes de doenças heterogêneas do trato urinário inferior crônicos ou recorrentes na
presença de comorbidades comportamentais, dermatológicas, endócrinas, gastrointestinais e
outras, ou seja, comorbidades psiconeuroimunoendócrinas frente a uma ativação do SCRA por
gatilhos estressores (WESTROPP; DELGADO; BUFFINGTON, 2019).
Assim, a Síndrome de Pandora é uma afecção multifatorial podendo levar a inúmeras
alterações em vários órgãos, começando a ser apresentada nos gatos jovens, nos dois primeiros
anos de vida até o sexto em média. Atualmente, sendo tratada como uma doença advinda da
ansiedade e estresse crônicos nos gatos (BUFFINGTON, 2018; WESTROPP et. al. 2019).
A cistite intersticial é então um desencadeamento de uma ansiopatia decorrente da
ativação persistente do SCRA: a percepção de uma ameaça iminente excede a noção de controle
do gato afetando o emocional, sistema motor, autônomo, endócrino e imunológico resultando
em afecções disseminadas em outros sistemas (WSTROPP et. al., 2019).
Os eventos estressores costumam ocorrer no início da vida, até mesmo antes do
nascimento, quando o SCRA é mais plástico e vulnerável aos eventos levados aos filhotes pela
mãe através da placenta. No entanto, o SCRA pode ser sensibilizado em qualquer época da vida
por eventos severos, ou seja, por um estresse tóxico (BUFFINGTON, 2018).
WESTROPP et. al. (2019) traz a hipótese de que nos gatos com cistite intersticial o
impulso noradrenérgico central é acentuado somado a uma desregulação da adrenocortical, isto
se relacionaria com a cronicidade da doença; há um aumento da liberação de CRH pelo
hipotalâmico que é decorrente desse SCRA afetado por uma ativação excessiva por eventos
estressores nos períodos iniciais de vida. Essa ativação crônica leva a alterações de
noradrenalina, cortisol – exacerbando esses, dopamina e serotonina – diminuindo esses.
(BUFFINGTON, 2018), mas em gatos com cistite intersticial e comorbidades a adrenocortical
parece não ser ativada, pois eles apresentam o cortisol sérico reduzido (BUFFINGTON, et. al.
2014).
O estresse leva a liberação excessiva de catecolaminas pela ativação direta do SNS, e
pelo aumento do cortisol através da estimulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, gatos que
apresentam cistite intersticial, então, não apresentam feedback negativo com a liberação do
cortisol, demonstrando uma resposta insensível ao mesmo; em um animal saudável o cortisol

47
funciona como feedback negativo bloqueando o CRH, em um gato com Pandora esse feedback
parece não funcionar e o gato responde a um estresse crônico como sendo um agudo
permanentemente (vê figuras 10 e 11), haveria uma dessensibilização funcional de receptores
adrenérgicos alfa-2 centrais implicando que a ocorrência pregressa de ativação crônica a partir
de níveis altos de catecolaminas . (WESTROPP e BUFFINGTON, 2004; BUFFINGTON,
2018).

48
Fator Fator
Estressor Estressor
Medula CATECOLAMINAS Medula CATECOLAMINAS
Tronco adrenal Tronco adrenal
cerebral cerebral
BEXIGA
Hipotálamo Hipotálamo
SAUDÁVEL
F (-) BEXIGA CIF
Homeostasia
CRH CRH
Hipófise F (-) Hipófise
CORTISOL CORTISOL
ACTH ACTH

Córtex Córtex
adrenal adrenal

FIGURA 10 – Representa uma liberação normal de CRH em um animal com FIGURA 11 – Representando uma liberação acentuada (setas azuis em evidência) de
. CRH e assim de catecolaminas, somado a um desacoplamento (setas laranjas mais
respostas adequadas ao estresse. Mostra a liberação de catecolaminas e cortisol para
todos os sistemas, mas com retorno a homeostasia mantendo-o saudável. claras) na regulação entre os eixos HHA e SNS, respondendo assim a um estresse
Fonte: adaptação da figura 9, elaborada pela autora. crônico como um constante agudo. (WESTROPP e BUFFINGTON, 2004). Fonte:
adaptação da figura 9, elaborada pela autora.

49
Nos gatos com Pandora os sinais clínicos da cistite inflamatória são ondulatórios e
exacerbados após eventos estressores, há elevações de catecolaminas e diminuição do cortisol
sérico comparados com gatos saudáveis durante estresse agudo e crônico o que sugere que há
um desacoplamento na regulação desses sistemas, assim sendo, WSTROPP, et. al., (2019, p.
190) corroborando com BUFFIGNTON (2018) constata que “a síndrome envolve uma
variedade múltipla e complexa de anormalidade dos sistemas nervoso, endócrino e imune que
afetam além da bexiga”.
Deve-se excluir as demais causas de DTUIF para se conseguir chegar a um diagnóstico
de Pandora, pois cistites e uretrites agudas podem chegar ao veterinário como um episódio
isolado sem associações em outros sistemas ou o gato pode chegar evidentemente pandorizado
com alterações claras em outros sistemas e comorbidades. Assim como, nos distúrbios
comportamentais que envolvam micção inapropriada também deve-se distinguir um gato
estressado saudável de um pandorizado (BUFFINGTON, et. al., 2014).
Um gato com pandora pode já ter tido cistite no decorrer da vida dele, não importa o
período de ocorrência, se há registro de cistite inflamatória em seu histórico Pandora deve ser
um dos diagnósticos diferenciais, pois as comorbidades podem preceder, acompanhar ou
proceder a cistite; para isso uma linha investigativa deve ser traçada levando em consideração
todo o histórico do animal, anamnese completa, exame físico minucioso acrescido de exames
complementares de urinálise, de imagem e biopsia se necessário (BUFFINGTON, et. al. 2014).
Ampliando o foco para além do trato urinário inferior BUFFIGNTON (et. al. 2014;
2018) em relação às comorbidades, traz um esboço de critérios para o diagnóstico da síndrome,
ressaltando que sinais e comportamentos de doenças oscilam (aumentam e diminuem) e
apresentam cronicidade em resposta a eventos ambientais mais em pacientes com Pandora do
que naqueles sem. Esses sinais englobam as desordens a seguir em outros sistemas:
• Comportamental: esconder-se em excesso, síndrome de pica (alotriofagia), agressividade,
periúria, TOC.
• Cardiovascular: cardiomiopatia hipertrófica e trombo, taquicardia e hipertensão.
• Endócrino: obesidade, diabettes mellitus, distúrbios adrenais e hipertireoidismo.
• Gastrointestinal: lesão de reabsorção odontoclástica; regurgitação; vômito; vômito de bolas
de pelo (tricobenzoares) diarréia de intestino grosso, doença intestinal inflamatória.
• Imune: Infecções, principalmente em vias aéreas superiores.
• Nutrição: Paladar seletivo/exigente; obesidade.
• Respiratório: Asma.

50
• Pele/pelagem: Limpeza excessiva , acne felina, “atopia”, dermatite ulcerativa psicogênica,
tricotilomania.
• Urinário: urolitíases, cistite intersticial, periúria, pulverização de urina, doença renal
crônica.
É importante ressaltar que como a percepção de ameaça associada a qualquer doença
crônica tem potencial de ativar cronicamente o SCRA, pode-se considerar que os sinais serão
desproporcionalmente graves em relação a qualquer patologia identificada.
Sendo um diagnóstico clínico epidemiológico, este se baseia em três critérios: os sinais
de DTUIF em qualquer momento da vida associado a alterações em outros órgãos; oscilações
dos sinais clínicos associados com eventos estressores e a resolução dos sinais clínicos
associados a modificação ambiental multimodal (RECHE Jr., 2003; SOUZA e SANTOS, 2018;
BUFFIGNTON, 2018.).

51
3. AS CORRELAÇÕES DE FATORES EXISTENTES PARA O DESENVOLVIMENTO
DA CISTITE INTERSTICIAL FELINA - CIF

A cistite intersticial se dá por uma inflamação neurogênica, que geralmente cursa com
ausência de infecção bacteriana, autolimitante, na qual o gato apresenta sinais variáveis de
disúria, hematúria, estrangnúria, poliúria, periúria, podendo haver obstrução uretral, mais
frequentemente em machos. Alguns fatores aparecem em associação ao SCRA sensibilizado
nos gatos com Pandora que condicionam a CIF, em síntese trata-se da redução da camada de
glicosaminoglicanos, da alteração da permeabilidade da bexiga, concentração da urina e
retenção com consequente destruição do urotélio, fibras C em grande quantidade em ativação
gerando dor e aumentando a substância P, culminando em uma inflamação neurogênica
modulando neurônio motor (VIEIRA, 2017; RECHE Jr., 2003).
Duas formas de cistite intersticial são reconhecidas em seres humanos: a não ulcerativa
comum e ulcerativa incomum, compara-se a CIF coma forma não ulcerativa, no entanto,
WESTROPP ET. AL. 2004 relata que há descrição na literatura de um caso da forma ulcerativa,
com as "úlceras de Hunner". Nos casos mais frequentes ela é de forma comum e autolimitante,
perdurando de 2 a 8 dias sem intervenções medicamentosas, no entanto, esse fator leva o tutor
a não realizar acompanhamento clínico, encarando-a de forma simplória.
Já evidenciamos que o estresse e a dor estimulam o SNS resultando na liberação de
catecolaminas, nessa ativação temos a participação do lócus coeruleus , ele é o responsável pelo
estado de sono, vigília, analgesia e resposta visceral ao estresse; as atividades periféricas do
SNS são controladas centralmente por este complexo e pelo núcleo paraventricular, localizados,
respectivamente, na ponte e no hipotálamo. A noradrenalina é o principal neurotransmissor
produzido pelas células do locus coeruleus; a tirosina hidroxilase (IR-TH), é uma enzima que
hidroxila a tirosina para a produção de neurotransmissores nos neurônios adrenérgicos do
complexo, estudos demonstram que há um aumento da imunorreatividade da tirosina em gatos
com Pandora, mesmo sem manifestações clínicas da síndrome (RECHE Jr., 2003; HERMEL,
2001; FERNANDES, 2017).
A inflamação neurogênica é iniciada pela excitação de neurônios aferentes sensoriais
das fibras C e mediada por neuropeptídios: substância P, neurocinina e peptídeo relacionado ao
gene da calcitonina. Outras moléculas sinalizadoras oriundas de outros sistemas: ATP, óxido
nítrico, acetilcolina, substância P e prostaglandinas também promovem a ativação de neurônios

52
sensoriais aferentes e mastócitos. (SOUZA e SANTOS, 2018; RECHE Jr., 2003, VIEIRA,
2017).
Os neurônios aferentes da bexiga em gatos com cistite intersticial mostram aumento da
excitabilidade comparados a gatos sadios, neles há alteração na fibra C, resultando em maior
liberação do polipeptídeo substância P, causando espasmos vesicais o que leva a dor e
inflamação (FERNANDES, 2017).
A interação de neuropeptídios com receptores teciduais, além da vasodilatação, aumento
da permeabilidade vascular, causa edema submucoso, dor intrapélvica, migração de leucócitos
e ativação de mastócitos. Outro desencadeamento do estresse é a acentuada liberação de
mastócitos constatada em biópsias vesicais (VIEIRA, 2017), a ativação desses mastócitos
promove a liberação de inúmeras moléculas que levam a interleucinas inflamatórias,
vasodilatação, dor, fibrose e contração da musculatura lisa, agravando os efeitos das fibras C.
(MARQUES-DEAK et al., 2005; RECHE Jr., 2003).
Há ainda, uma maior sensibilidade dos receptores muscarínicos, levando a contração
espontânea da musculatura; como também, alterações no sistema colinérgico não neuronal que
afetam a síntese de acetilcolina resultando em hiperalgesia visceral (BUFFINGTON;
WESTROPP; CHEW, 2014); um aumento da proteína quinase C que dessensibiliza
progressivamente os neurônios sensoriais resultando em uma cascata de ativações refletidas em
dores persistentes; maiores lesões nos gânglios e aumento de 30% na sua dimensão
(WESTROPP, 2015).
A ativação do SNS somada a uma diminuição da camada de glicosaminoglicanos
(GAGs) aumenta a permeabilidade epitelial vesical disponibilizando agentes nocivos da urina
aos neurônios aferentes sensoriais causando dor e inflamação. A noradrenalina induz a secreção
de óxido nítrico na bexiga aumentando a permeabilidade e potencializando a inflamação
(WESTROPP, et. al. 2019).
Os glicosaminoglicanos são longos polímeros lineares compostos por unidades
repetidas de dissacarídeos presente nos tecidos, responsáveis pela proteção do uroepitélio,
estudos demonstraram que tanto nos animais, quanto nos humanos com suspeita de CIF há uma
diminuição da excreção urinária de GAGs, como também em níveis séricos. A camada de
GAGs na bexiga estando comprometida permite a migração de solutos urinários em todo o
epitélio: hidrogênio, cálcio e potássio, esses estimulam os neurônios sensoriais, causam injúria
tecidual e promovem uma maior a suscetibilidade à inflamação vesical neurogênica; pacientes

53
com Pandora tendem a reter urina o que nesse contexto agrava o quadro. (SOUZA e SANTOS,
2018; JÚNIOR RECHE, 2003; VIEIRA, 2017; WESTROPP e BUFFINGTON, 2004).
As anormalidades neurais sensoriais, centrais e eferentes, a atividade do eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal associada a resposta do sistema nervoso simpático (SNS) leva a
WESTROPP (2004) constatar que a CIF compreende anormalidades complexas dos sistemas
nervoso e endócrino reconhecendo seu curso sistêmico.
Há então, uma alteração da complacência da bexiga, aumento da pressão uretral
podendo haver obstrução, sinais exacerbados frente a estressores, citocinas pró inflamatórias
aumentadas, somados a um descontrole da noradrenalina e diminuição de níveis de cortisol
sérico. Esse contexto em um felino advindo de um ambiente doentio conduziu estudos
realizados por BUFFINGTON (2018) a tratar a patologia como síndrome, sendo sua resolução
efetiva com a associação da terapêutica clínica-cognitiva-comportamental associada a criação
de um ambiente saudável para os felinos, gerando adaptações e resiliência (WESTROPP,
DELGADO e BUFFINGTON, 2019).

4- APORTES PARA DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA SÍNDROME DE

PANDORA

O olhar sobre a suspeita de Pandora não pode ser restrito, mas ampliado visando todo o
contexto de vida do gato acometido. O diagnóstico da síndrome de Pandora será confirmado
principalmente quando todos os sinais do paciente diminuem frente a terapia de modificação
ambiental multimodal – Multimodal Environmental Modification – MEMO (BUFFINGTON,
2006).
A presença de fatores de risco pode suscitar a necessidade de uma investigação mais
apurada para o diagnóstico correto, esses fatores geralmente são estressores, tais como criações
indoor com um grande quantitativo populacional, confinamento e sem liberdade para exercer
as características da espécie, mudança de ambiente/casa, luto recente pela perda de algum gato
ou humano, recursos insuficientes, introdução de um novo gato, comportamentos de medo e/ou
ansiedade, gatos semidomiciliados com a presença de colônias de gatos próximo e um ambiente
sem enriquecimento, atividades e interação.
Como fatores de exclusão temos outras causas dos sinais clínicos, sinais e histórico
físicos incompatíveis, assim como outros exames laboratoriais e de imagem e uma patologia
explicável; sendo os de inclusão a existência de uma experiência (precoce) adversa,
54
comorbidades e comportamento de adoecimento (sickness behaviour) oscilações dos sinais e
uma boa resposta a MEMO, como já explicitado a presença de sianis clínicos em vários
sistemas, somado a sinais de causa “ idiopática” crônicos, combinações de váriaveis de sinais
referentes ao trato Gastrointestinal, pele pulmão, cardiovascular, SNC endocrino e imunológico
levam a suspeita de Pandora. (BUFFIGNTON 2014; 2018).
O guia para o diagnóstico está no histórico detalhado, na descrição dos recursos,
ambientes e gestão desses. WESTROPP et. al. (2019) E BUFFINGTON (2018) trazem
questionários para o detalhamento desse histórico, onde questionam sobre os demais animais
da casa para saber estado de saúde e as relações entre eles, pois pode estar interferindo no
problema do paciente ou pode revelar uma fonte de conflito entre gatos (vê anexo 2).
Eles chegam a visitar a residência do gato para avaliar a qualidade dos recursos, espaço
de segurança, disponibilidade, localização e gestão de alimentos e água; rotina de higiene,
localização e gestão da caixa de areia; e a interação social. Ou seja, eles averiguam qualidade
e gestão de recursos, rotina de higiene, estruturação ambiental e interação social,
procedimento adotado pelos comportamentalistas para verificar os pontos falhos da gestão
ambiental e assim identificar as áreas que possam se beneficiar com a MEMO.
Ao buscar sobre a história do gato deve-se atentar para eventos que incluem experiências
adversas precoces, como ser resgatado ou não, se tinha mãe ou não, se teve que ser alimentado
por mamadeira; se foi exposto a traumas graves e/ou instabilidade ambiental.
Sobre o histórico de saúde deve-se atentar se tem indicação de múltiplos problemas e se
recorrentes, verificar se as ocorrências são associadas a fatores estressores ambientais; e se o
gato demonstra comportamento de medo e/ou ansiedade.
Em relação ao ambiente de vida do gato, constatar se ele tem um espaço de descanso
seguro e protegido, amplos recursos bem localizados e gerenciados de forma adequada; se
interagem de acordo com as características da espécie com o ambiente, inclusive com pessoas
e outros animais da casa. BUFFINGTON (2018) relata que de acordo com a sua experiência e
mesmo sendo contraintuitivo, alguns gatos com síndrome de Pandora, muitas vezes machos,
exibem um comportamento mais parecido com o de um cachorro, como seguir as pessoas pela
casa, é um comportamento ligado à frustação já descrito.
As atitudes, posturas e comportamento do gatos devem ser avaliados, principalmente
para serem identificados comportamentos de adoecimento (SB), eles podem apresentar vômito,
diarreia, fezes amolecidas com ou sem presença de sangue, retenção de urina, eliminação
inapropriada de fezes e/ou urina, hiporexia, anorexia, letargia e falta de limpeza.

55
Ao analisarmos suas posturas e atitudes podemos constatar quando o gato se sente
ameaçado, ressaltando que essas respostas são variáveis de gato para gato, devemos traçar
parâmetros fisiológicos e comportamentais associados à percepção de ameaça e percepção de
segurança de cada paciente.
Esses parâmetros incluem dilatação da pupila, aumento da frequência respiratória,
temperatura, frequência cardíaca e pressão sanguínea, patas na região dos coxins “suadas”,
descamação excessiva, rubor da pele, lambedura dos lábios ansiosos. Aumentos nos
comportamentos de abstinência/inibitórios, Imobilidade: esconder-se, encolher-se ou
comportamentos de congelamento, tenta fugir ou evitar manipuladores, agressão defensiva –
assobiando, rosnando, cuspindo, cauda agitada, redirecionamento das orelhas, coçar e
mordedura; a ausência desses implica em uma percepção de segurança (CARNEY e
GOURKOW, 2016; WESTROPP, et. al. 2019).
Estratégias de tratamento que diminuem a ativação do SCRA parecem reduzir os sinais
de Pandora, os tratamentos que não abordam esse viés são menos eficientes. Até que
tratamentos mais eficazes para normalizar a capacidade de resposta deste sistema estejam
disponíveis, esforços para reduzir gatilhos de ativação desse sistema por modificação ambiental
multimodal eficaz (MEMO) demonstrou reduzir efetivamente os sinais clínicos da CIF e
comorbidades relacionadas (HEATH, 2020; STELLA et. al. 2013; WESTROPP et. al. 2019).
Os estudos apontam que uma relação empática com o cliente pode garantir um sucesso
na terapia cognitivo-comportamental e para uma MEMO eficaz, pois para minimizar os
comportamentos de doença e aumentar o intervalo de vida saudável necessitamos tão somente
do tutor. Tratamentos terapêuticos com finalidade de reduzir inflamação, dor e ansiedade são
utilizados, mas tratar o ambiente em conjunto e precocemente é a garantia de uma qualidade de
vida para os gatos acometidos (DRECHESLER e RUFINO 2020; HEATH, 2020;
BUFFINGTON et. al. 2006).
Já é sabido que as condições ambientais afetam o comportamento e a saúde dos animais,
particularmente animais em cativeiro, criação indoor e casas muticats. “Assim como a água é a
terapia primária para a prevenção de recorrência de cálculo urinário, MEMO é a terapia
primária para a prevenção de recorrência de sinais de Pandora.” (WESTROPP et. al., 2019).
Se gatos acometidos têm um SCRA sensibilizado, então os tratamentos que aumentam
sua percepção de controle e reduzem sua percepção de ameaça serão eficazes, ou seja, os
tratamentos visam diminuir a quantidade e intensidade de eventos estressores, viabilizando e
intensificando emoções positivas.

56
A MEMO visa permitir que o paciente se sinta seguro e entretido com novidades e
atividades com uma boa interação com os humanos. Se pauta no fornecimento de todos os
recursos necessários, refinamento das interações com os proprietários, tratando-se de conflitos
que esses sejam reduzidos a uma intensidade tolerável, deve haver cuidados com mudanças no
ambiente do gato, pois é seu território. Também estende a regra "N+1 um" que tradicionalmente
era aplicado a caixas sanitárias – uma para cada gato da casa, mais uma. (HOUPT, 1985) para
todos os recursos, especialmente áreas de descanso e alimentos, água e bacias sanitárias da
casa (WESTROPP, et. al. 2019; BUFFINGTON, WESTROPP, CHEW E BOLUS, 2006).
Na reorganização do ambiente, da rotina e das interações do gato e de seus recursos é
colocado como primordial esses pontos (DRECHESLER e RUFINO 2020; WESTROPP, et. al.
2019; BUFFINGTON, WESTROPP, CHEW E BOLUS, 2006):
• Lugares seguros para descansar e dormir, de preferência incluindo a caixa de transporte
utilizada para locomoção do felino como uma opção.
• Um ambiente que acomode todas as modalidades sensoriais, incluindo gustativas,
visuais, auditiva, tátil e olfativa. Lembrando que gatos são sensíveis a cheiros por sua
capacidade olfativa ser avançada e os portadores de Pandora têm um reflexo aumentado
para o estímulo sensorial auditivo.
• Alimentos satisfatórios, que atendam às preferências do dono e do gato, incrementando
a alimentação com dieta úmida e jogos alimentares.
• Oportunidades diárias para o gato brincar e se envolver em comportamentos
predatórios.
• Áreas múltiplas e separadas em residências multicats para os principais recursos
ambientais – descansar e dormir, comida, água, banheiros, arranhadura, escalar e
brincadeiras.
• Diferentes texturas e estilos nos recursos ambientais oferecidos como escolhas para
permitir que o gato expresse suas preferências e assim aumente sua percepção de
segurança.
• Um ambiente tão positivo, consistente e previsível quanto possível, evitando gatilhos
de medo e ansiedade, lembrando que gatos são extremamente metódicos.
• Interação social positiva diária entre humano e gato, consistente e previsível.
Assim, o correto manejo e enriquecimento ambiental pode reduzir o estresse,
diminuindo assim a hiperexcitação simpática, prolongando o intervalo entre os episódios de

57
doença. Torna-se fundamental para aumentar o senso de segurança e controle do gato em
relação a ter escolhas e exercer comportamento específico da espécie.
CARNEY et. al. (2014), elaborou diretrizes para criar um ambiente seguro e assim livre
de problemas comportamentais e comportamentos inadequados, neste é abordado cinco pilares
para o bem estar de gatos domésticos, esses são:1- fornecer um lugar seguro ao gato; 2- fornecer
recursos múltiplos e descentralizados; 3- Prover atividades de caça e brincadeira
(pseudopredatórias); 4- permitir interação social e 5- ambiente que proporcione respeito a
importância do olfato do gato7, as mudanças ambientais devem, então, serem baseadas nesses
cinco pilares.
O primeiro pilar diz respeito a necessidade do gato de se evadir em alguns momentos
que julgue necessário. Fornecendo um local seguro damos a sensação de escolha e segurança,
o gato deve ter acesso a locais ou recursos isolados onde se sinta protegido quando tem a
percepção de ameaça iminente. Boas estratégias são as tocas, nichos e prateleiras elevados, pra
onde ele possa se evadir perante cheiros, ruídos, pessoas e outros animais, aumentando assim o
seu senso de controle.
O segundo pilar traz a ideia de recursos múltiplos e descentralizados. Os gatos precisam
ter acesso aos seus recursos essenciais sem serem desafiados por algum fator ambiental e/ou
outros gatos. Os recursos essenciais compreendem alimentação, fontes de água, locais para
arranhadura, locais para brincadeiras e descanso e as bandejas sanitárias; esses devem ser
colocados aos gatos em áreas distintas e descentralizados. Esse conceito vale para casa com
apenas um gato, pois fornece opções, também, edificando a sensação de controle.
CARNEY et. al. (2014) especifica que os ambientes domésticos devem ter estações de
alimentação separadas para cada gato; vários locais de água separados das estações de
alimentação; múltiplos locais de descanso, alguns dos quais elevados, pois o aumento do espaço
vertical aumenta a percepção de espaço territorial para o gato, como também, alguns locais de
descanso cobertos devem ser fornecidos, que podem ser caixas de papelão e a própria
transportadora; múltiplas caixas de areia contendo substratos preferidos localizados em vários
lugares.
O terceiro pilar fala sobre fornecer oportunidades para brincadeiras e comportamento
predatório, tirando, assim, o tédio e estresse dos gatos, pois brincadeiras pseudopredatórias

7
A explanação sobre necessidades ambientais felinas e os pilares para um ambiente saudável foi pautada nas
publicações: Feline Environmental Needs Guidelines, ELLIS et. al. (2013) e Guidelines for Diagnosing and Solving
House-Soiling Behavior in Cats, CARNEY et. al. (2014).
58
garantem distração, satisfazendo o instinto de localizar, perseguir e matar sua presa, e quando
associadas a alimentação após teremos altos níveis de satisfação.
Essas atividades fornecem estimulação física e mental reduzindo ansiedade, risco de
doenças e comportamento indesejáveis, pois o gato estará manifestando seu comportamento
natural. A interação baseada em jogos com o tutor, ou com dispositivos de alimentação prendem
a atenção do gato e ele passa a ser mais ativo durante o dia. É indicado que as interações com
brincadeiras entre tutores de gatos durem no mínimo 10-15 minutos duas vezes ao dia.
É importante atentar que em casas com vários gatos teremos sub grupos, assim as
brincadeiras devem ser por sub grupo ou com gatos isolados; há vários utensílios que servem
para atender esse pilar, varinhas, bolas, penas, bichinhos de pelúcia, laser complementado com
algo físico após para ser caçado, tem-se que descobrir a preferência do (s) gato (s).
O quarto pilar discorre sobre interação social entre humanos e gatos, essas interações
devem ser positivas, consistentes e previsíveis. É benéfico para os gatos, principalmente
filhotes uma interação amigável e regular, o toque e carinho diminuem o estresse, medo e
estabelecem um vínculo entre o humano e o gato. No entanto, os gatos têm níveis distintos de
tolerância ao toque, preferem carinho ao redor da face e cabeça; como também, interações
frequentes e de baixa intensidade. Geralmente tutores que oferecem interações menos
frequentes, mas prolongadas, tendem a estressar gatos que não toleram por muito tempo o
toque, ou serem carregados. É necessário permitir que o gato inicie a interação e possa
interrompê-la caso deseje.
O quito pilar nos traz o conceito de respeito ao olfato felino, pois este é o sentido que
mais envia informação ao sistema psiconeural do felino. A mucosa nasal dos felinos é de
aproximadamente 20 cm², com 200 milhões de células receptoras, o dobro de dimensão do
epitélio olfatório humano, o que permite um olfato 30 vezes mais apurado que o nosso
(PEREIRA; PEREIRA, 2013).
Então, o gato doméstico necessita de um ambiente que respeite seu sistema olfatório que
é bem mais sensível que o do humano, informações são passadas e recebidas através dos cheiros
que eles liberam no ambiente, informações de segurança, conforto e bem estar, por isso a
limpeza excessiva com produtos de limpeza de cheiro ativo podem desorganizar a percepção
ambiental do gato em sua própria casa; a utilização de perfumes e desodorantes ativos próximo
do gato também pode irritá-lo pois afetam sua percepção sensorial.
Quando um gato encontra um olfato desagradável ou ameaçador, ativa mecanismos do
psiconeurais levando a comportamentos problemáticos associados à ansiedade. A marcação

59
territorial pode ocorrer em decorrência de uma percepção de insegurança e é um meio de
comunicação olfativo importante, visto como princípio fundamental de manter um ambiente
seguro e familiar, assim, é importante que não haja punições quando ocorrem eliminação de
urina em locais indesejados, mas que os recursos e gestão ambiental sejam readequados para
que a percepção de segurança e bem estar sejam retomadas.
É com base nesses pilares que tornamos um ambiente saudável para o gato, estes servem
tanto para o começo de vida de um gato, como para o remodelamento e tratamento de
ansiopatias como a Pandora, e assim, aumentar o intervalo entre estados de doença, por vezes
minimizá-los de forma considerável.
Todos esses conceitos devem ser repassados aos tutores principalmente por veterinários
especialistas em felinos, no entanto, é tão importante quanto que os tutores estejam receptíveis
a tal aprendizado e remodelamento ambiental, pois conceitos arcaicos sobre o manejo com gatos
estão arraigados na cultura de criadores, e mesmo havendo uma percepção de que o gato é um
membro da família, não há ainda enraizado uma percepção de que este tem características
específicas essenciais distintas dos humanos e cães e assim, a casa que também é do gato deve
ser um lar que o absorva em um ambiente sadio.
É nesse contexto que o campo da psiquiatria felina trabalha para fornecer terapia
cognitivo-comportamental pautadas em dispor bem estar e meios de adaptabilidade ao felinos
e a medicina preventiva visa cada vez mais reduzir a necessidade de tratar felinos que
apresentem sistemas centrais de resposta a ameaça sensibilizados, atuando nas causas,
edificando um ambiente e modos de vida saudáveis.

4.1 – Terapêutica farmacológica e holística

Toda a explanação anterior baseia-se em estratégias para diminuir o estresse crônico e


evitar gatilhos estressores, no entanto, podemos precisar de fármacos que visam analgesia e
redução da resposta inflamatória nos episódios de agudização. Para tratarmos a ansiopatia, em
associação, dependendo das particularidades do paciente, usaremos psicotrópicos,
nutracêuticos e fitoterápicos calmantes (vê quadro 5).; como também, lançaremos mão das
práticas integrativas com feromônio terapia, aromaterapia guiada, terapia com florais e a
acupuntura.

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Quadro 5 – medicamentos utilizados no tratamento de acordo com a sintomatologia/quadro
clínico do paciente.
MEDICAMENTOS INDICAÇÃO E USO
Tramadol Opioide. Usar 1 a 2mg/kg BID ou TID; oral ou SC.
Butorfanol Opioide. Usar 0,2 a 0,4mg/kg BID ou TID; oral ou SC.
Fentanil Opioide. Usar 25µg/h; IV ou gel transdérmico.
Meloxicam AINE. Usar 0.1mg/kg; após usar 0,03mg/kg enquanto necessário SID; oral ou SC.
Acepromazina Sedativo; antiespasmódico. Usar 0,05mg/kg SID IM ou SC.
Prazosina Antagonista alfa 1- adrenérgico; antiespasmódico. Usar 0,25 a 0,5mg/kg; BID; oral.

Amitripitilina Antidepressivo tricíclico. Usar 2,5-10mg/gato BID ou SID; oral.


Fluoxetina Inibidor seletivo da recaptação de serotonina. Usar 0,5 a 1mg/kg SID; oral.

Triptofano Aminoácido precursor da serotonina. Usar 5mg/kg ou 20mg/gato. SID; oral.

Melatonina Hormônio. Usar 3 a 12mg/gato. SID; oral.


Valeriana Fitoterápico. Usar 12,5 a 25mg/5kg SID; oral
Passiflora Fitoterápico. Usar 10mg/kg SID; oral.
Melissa Fitoterápico. Usar 10 a 20mg/kg SID; oral.

Hipericum Perforatum Fitoterápico. Usar 10mg/kg SID; oral.

Humulus lupulus Fitoterápico. Usar 10 a 30mg/kg SID; oral.

Fonte: SILVA e SUYENAGA, 2019; CARNEY, et. al., 2014; RÜNCOS, 2020.

Os felinos acometidos demonstram dor crônica e persistente, sendo indicado opioides


nas agudizações, antiinflamatórios não esteroidais, sendo meloxicam a droga mais indicada aos
felinos (WESTROPP e BUFFINGTON, 2010).
É recomendado o uso de antiespasmódicos para inibir espasmo uretral visando diminuir
o risco de obstrução uretral em machos, os mais indicados são a acepromazina e a prazosina
para relaxamento da musculatura lisa (CARNEY, et. al.,2014).
A instituição do programa MEMO (modificação ambiental multimodal) deve ser
realizada anteriormente a utilização de terapia farmacológica com psicotrópicos (BUFFINTON
et al. 2006). Os antidepressivos tricíclicos são úteis nos casos redicivantes ou crônicos por conta
de seus efeitos ansiolíticos, anticolinérgicos – atuando na complacência vesical,
antiinflamatórios inibindo a liberação de histamina pelos mastócitos, antagonistas α-
adrenérgicos e analgésicos (CARNEY, et. al 2014; PEIXOTO, 2019;). Estes medicamentos
também inibem a transmissão segmentar de uma ampla faixa de neurônios no núcleo trigeminal,
61
inibindo nervos sensoriais o que pode beneficiar o gato, os mais utilizados são amitriptilina e
clomipramina (0.25–1.0 mg/kg SID), sendo o primeiro o fármaco de eleição. Há ainda a
indicação de uso da fluoxetina um Inibidor Seletivo da Recaptação da Serotonina (ISRS).
Os ISRS são indicados para animais mais agitados e ansiosos e com reações de
agressividade, os antidepressivos tricíclicos para animais mais apáticos, no entanto, não há uma
regra de uso, o fármaco é decidido de acordo com a avaliação clínica do quadro psicológico de
cada paciente. Importante destacar que as respostas aos ISRS carecem de um período para se
obter respostas farmacológicas, não demonstrando benefícios para resolução a curto prazo do
quadro clínico de cistite agudos (CARNEY, et. al., 2014).
CHEW E ET. AL. (1998) constataram a eficácia do uso da amitriptilina na dose de 10
mg/gato SID, durante doze meses, na eliminação dos sinais clínicos na CIF crônica e recorrente,
nove dos quinze felinos apresentaram melhora, havendo efeitos colaterais de sonolência, ganho
de peso, e possivelmente formações de urólitos. BUFFINGTON et al. (1996) ressalta a
necessidade de acompanhar a concentração de enzimas séricas hepáticas por conta do uso
desses medicamentos. Os autores alertam também para o fato da amitripitilina não apresentar
efeitos antes de quatro semanas e caso não haja aparente melhora em até quatro meses deve-se
fazer a retirada gradativa da medicação, seguindo protocolos de desmame gradativo.
O tratamento com GAGs era sugerido para gatos com CIF devido aos níveis deficitários
na camada de GAGs que recobre o epitélio da bexiga fazendo parte da patogenia da síndrome,
mas não há evidências de sua eficácia para ser recomendado a terapia com GAGs. Entretanto,
é possível que a suplementação de GAGs auxilie o tratamento da CIF apresentando uma
resposta individualizada nos gatos. É indicada uma dose de 50 mg duas vezes ao dia, atentando
para o fato de que a superdosagem, teoricamente, pode resultar em anormalidades da
coagulação sanguínea, devido aos efeitos anticoagulantes dos GAGs. Assim, o polissulfato e o
sulfato de condroitina são utilizados por alguns profissionais para tratamento da CIF mas o uso
ainda é off label, desviando das indicações padrões e nenhum estudo documenta a real eficácia
destes tratamentos. (SOUZA e SANTOS, 2018; CARNEY, et. al. 2014; GUNN-MOORE et.
al., 2004; HOSTUTLER et al., 2005).
Em relação aos fitoterápicos, RÜNCOS (2020) fornece algumas opções que podem ser
utilizadas em particular ou associadas entre si e com o triptofano (descritas no quadro 5). São
escolhidos os que sintetizam efeitos de relaxamento e que atuem sob condições de estresse do
sistema nervoso simpático.

62
A Passiflora incarnata que são as folhas do maracujá vermelho são utilizadas em
situações de excitação constante e promovem o relaxamento e sedação no animal, devido a ação
produzida por seus metabólitos secundários, os flavonoides e alcaloides. A infusão (chá) de
camomila - Matricaria chamomilla proporciona efeitos sedativos promovido pelo seu óleo
essencial em condições de estresse (SILVA e SUYENAGA, 2019). As formulações escolhidas
devem priorizar o preparo em capsulas, alguns autores descrevem seus usos em forma de
tinturas, mas para o gato não é tão eficiente a administração.
O lúpulo - Humulus lupulus é utilizado no tratamento de distúrbios do sistema nervoso
em animais. O Hipericum Perforatum é usado para o tratamento e prevenção de diversas
doenças, dentre elas a ansiedade e depressão, estudos clínicos indicaram que esta espécie pode
ser útil no tratamento de desordens originadas do sistema nervoso central, como na depressão
unipolar (ALVES et. al., 2014). A Valeriana officinalis indicada como sedativo, relaxante
muscular e indutor de sono e folhas da Melissa officinalis, utilizadas no tratamento de estresse
e ansiedade em pets (SILVA e SUYENAGA, 2019).
Em relação a indicação da feromônioterapia, essa é feita por causa da detecção de
feromônios ser inerente aos gatos, sendo uma via de comunicação para a espécie. Eles
organizam e reconhecem seus territórios através da deposição de feromônios pela arranhadura,
marcação facial e urinária, por essas ações liberam feromônios das comissuras labiais e
bochechas, coxins plantares e urina, possuem glândulas localizadas na cabeça, queixo e dorso
que participam na produção. Os feromônios desencadeiam uma resposta emocional
inconsciente, que não requer aprendizagem prévia, pois os neurônios do órgão vomeronasal
ligam-se principalmente ao sistema límbico, sem passar pelo córtex cerebral (PEREIRA;
PEREIRA, 2013).
Através do olfato eles absorvem seu entorno e formam percepções de segurança e
controle, pois pelos odores dos feromônios que sentem podem distinguir outros animais que ali
estiveram, se estavam assustados ou calmos, o sexo e atividade sexual, se agressivos ou
amigáveis. Os feromônios liberados em situações estressantes ou desconhecidas tem potencial
de induzir alterações comportamentais, endócrinas e imunológicas dos animais receptores da
mesma espécie (KRONEN et al., 2006).
Foram isoladas cinco feromônios faciais nos gatos - F1 a F5; o F3 foi localizado em
objetos e humanos ao se esfregarem quando se sentem seguros e tranquilos. É produzido
sinteticamente frações do F3, disponibilizado comercialmente em difusores plug-in ou spray

63
com o intuito de facilitarem a percepção de familiaridade dos objetos aos gatos (MILLS, 2005;
WESTROPP, et. al., 2019).
O análogo sintético do F3 foi desenvolvido para diminuir os comportamentos
relacionados à ansiedade de gatos, pesquisas financiadas pela empresa demonstram redução da
ansiedade e assim de alguns comportamentos típicos: diminuição da pulverização em
residências multicats, diminuição da marcação e uma significativa diminuição da lambedura e
coceiras excessivas (WESTROPP, et. al., 2019).
Os semioquímicos não influenciam na resolução da fase aguda, mas servem como
complemento ao tratamento prolongado e edificador do ambiente saudável; pois sugere-se que
estes compostos atuem sobre o sistema límbico e, consequentemente, ocorra uma modificação
do estado emocional dos gatos, reduzindo o estresse, sobretudo em ambientes desconhecidos.
Alguns apontam a possibilidade de falha que se deve a tendência de se tratar os sinais sem
estabelecer a causa da ansiedade, ou por uma terapia MEMO e comportamental falha. (MILLS,
2005).
Alguns gatos podem responder beneficamente a outros aromas, como o do catnip
(Nepeta cataria), videira de prata, madressilva tatariana, lavanda e valeriana (WESTROPP, et.
al., 2019), mas deve ser oferecido ao gato respeitando o quinto pilar, ou seja, oferecendo em
um ambiente aberto, onde o gato tenha autonomia para decidir se quer continuar no local com
aquele aroma ou não.
Em um estudo SHREVE (2017) demonstrou que as preferências do gato de doméstico
em relação a categoria de estímulo foram, em sua grande maioria, a interação social com o
proprietário (50%) seguido por receber comida (37%), brinquedos (11%) e por aromas (2%).
WESTROPP et. al. (2019) chama a atenção para o fato de que essas respostas são
particularizadas gato a gato, eles apresentam uma variabilidade nas preferências de estímulos,
torna-se crucial e “perguntar ao gato”, oferecendo opções para escolhas e respeitando-as.
As terapias integrativas complementares também compreendem a acupuntura e florais
visando restabelecer o equilíbrio orgânico do gato, tratando o paciente e não a doença. A
massoterapia para elevar índices de serotonina, a aromaterapia com algumas essências
calmantes, musicoterapia e ainda a nutrição (PEIXOTO, 2019; RÜNCOS, 2020)
A nutrição desempenha um papel fundamental, pois ela oferece variedades e
oportunidade de escolha aos gatos, para que se alimentem além da ração seca, seus próprios
hábitos naturais remetem à necessidade da implementação de uma dieta úmida, assim, a
inserção de sachês, patês, e novas texturas tornasse atrativo e pode ser satisfatório ao gato, além

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de influenciar em um maior consumo hídrico o que no desencadeamento da CIF pode
influenciar na formação e eliminação da urina prevenindo recorrências (HOSTUTLER et al.,
2005; PEIXOTO, 2019).
Outra questão que a dieta pode contemplar é a adequação da ração para os gatos que
apresentam uma CIF obstrutiva e cristalúria de estruvita. Dentro da terapia MEMO
modificações dietéticas podem ser inseridas, mas sempre adequando às preferências do gato, se
uma mudança na dieta for apropriada, oferecer a nova dieta em um separado, além do alimento
já utilizado, em vez de removê-lo e substituí-lo pelo novo, será mais agradável ao gato, pois
permite que ele expresse sua preferência (ELLIS, 2013; CARNEY, et. al., 2014; WESTROPP
et. al., 2019; BUFFINGTON, ET. AL., 2006).
As necessidades e preferências do gato em questão devem ser levadas em consideração
junto as percepções do cliente para minimizar insatisfações por parte deste, e do próprio
paciente sobre a dieta na ativação de seu SCRA (WESTROPP et. al., 2019; BUFFINGTON,
2018).
A obesidade é uma das comorbidades associadas a Pandora, pode ser necessário, ainda,
a implementação de um programa de perda de peso baseado na MEMO o que também deve
seguir a ideia anterior (WESTROPP et. al., 2019; BUFFINGTON, 2018).
Existem opções de dietas no mercado com suplementos que visam diminuírem a
ansiedade – a-casozepina e o L-triptofano em gatos estressados, essas também associam uma
composição voltada para desfavorece formação de cristais de estruvita.
Os estudos demonstram que a junção dos fatores de prevenção e eliminação dos gatilhos
estressores é que fornecem resultados benéficos para o bem estar dos gatos, muitas vezes o
enriquecimento ambiental e todos os pilares bem estruturados dispensam modificações na dieta.

65
5 CONSIDERAÇÔES FINAIS

Ao longo do estágio supervisionado foi sendo evidenciado a importância deste período


e da escolha ser alinhada com as intenções do graduando na medicina veterinária. A espécie
felina a cada ano passa a ter mais espaço nas clínicas e consultórios veterinários, como também,
a concepção de que é uma espécie com características intrínsecas peculiares está sendo mais
valorizada, resultando em mais respeito e cuidado para o gato. O estágio foi de grande valia
profissional e humana, edificando bases para futuros aprendizados e para uma conduta
profissional humanizada.
A convivência harmônica entre felinos e humanos em uma residência depende muito do
quanto os humanos respeitam e se dedicam para garantir pilares básicos das necessidades
felinas, de sua saúde e qualidade de vida. Durante as consultas acompanhadas constatou-se que
muitos dos gatilhos de estresse para os gatos são negligenciados pelos tutores, muitas vezes por
falta de conhecimento e orientação sobre a real importância da ausência deles para a saúde dos
seus gatos.
Infelizmente dentro dos fatores estressores existem os que não podemos evitar e os que
ocorreram durante a gestação e infância dos gatos, esses podem afetar significativamente o
sistema central de resposta a ameaça (SCRA). Em períodos iniciais de vida o SCRA tem uma
neuroplasticidade e frente a experiências adversas ele se torna sensibilizado por conta da
constante ativação por meio do hipotálamo. E ainda há estudos que tentam correlacionar uma
atrofia da adrenocortical e baixos índices séricos de cortisol a estes eventos, afetando a resposta
do eixo HPA.
O estresse tem um fator benéfico quando estimula o gato a desbravar e descobrir coisas
novas, sendo algo agudo e de menor intensidade o organismo logo restabelece sua homeostase.
No entanto, estressores mais intensos e frequentes adoecem o organismo gerando uma resposta
biológica danosa refletida em comportamentos de doença cursando com inflamações e
patologias. A resposta do felino ao estresse crônico é extremamente adrenérgica com
inflamações neurogênica, o sistema imunológico, hepatobiliar, trato urinário inferior, e trato
gastroentérico são afetados, além do psicológico e endócrino, com reflexos em distúrbios
comportamentais.
Os estudos analisados demonstram que o SCRA sensibilizado está associado a
distúrbios imunoendócrinos e por esta razão utilizou-se e o termo psiconeuroimunoendócrino
para classificar a Síndrome de Pandora; classificando também ansiedade, medo e estresse

66
crônico já que nos felinos desencadeiam uma resposta na rede neural, sistema imune e
endócrino também.
O antigo termo Síndrome Urológica Felina deu lugar para Cistite Intersticial Felina ou
Cistite Idiopática por conta da semelhança com a cistite intersticial humana mas em 2011 foi
constatado que mesmo tratando a CIF como uma síndrome, qualquer termo que a limite a um
órgão parece errôneo, assim por conta de sua fisiopatologia psiconeuroimunendócrina o termo
Síndrome de Pandora tornou-se mais apropriado com todos os seus males e mistérios
intrínsecos – histórico predisponente e ambiente provocador, sendo causada principalmente por
um estresse e ansiedade crônicos e assim tóxicos.
Após este estudo constatou-se que nenhum protocolo terapêutico farmacológico
utilizado visa tratar a Pandora, mas intenciona aliviar os sintomas nas fases agudas e diminuir
a ansiedade, em partes por esta fase ser autolimitante, mas principalmente porque o essencial é
o controle dos níveis de estresse – dos fatores estressores, para a qualidade de vida do gato.
Considerando a Síndrome de Pandora como uma ansiopatia, devemos tratar a ansiedade
associando tratamento clínico com uma terapia cognitiva-comportamental focada em eliminar
todos os gatilhos passíveis de eliminação, ou seja, os gatilhos de estresse que pudermos
controlar.
O melhor tratamento é um diagnóstico correto, quanto mais cedo for percebida a
ansiopatia nos felinos mais chances temos de oferecer qualidade de vida a eles e assim aumentar
os intervalos de saúde. Por esta razão o histórico completo e uma boa anamnese tornam-se
cruciais.
É recomendado para todos os felinos a estruturação de um ambiente e rotina saudáveis,
mas para gatos em situações de ansiedade e estresse crônico deve-se focar na instituição de uma
terapia de Modificação Ambiental Multimodal específica e única para cada caso-gato-ambiente,
visando garantir os cinco pilares para um ambiente felino saudável.
Concluísse-se que é fundamental o papel do clínico especialista em felinos na educação
continuada dos tutores e que esses se tornem receptivos as recomendações, para que atentem e
deem importância às condições físicas e emocionais que seus gatos são submetidos, pois saúde
e bem estar ultrapassa a noção de teto-água-comida.
Assim, firma-se a importância de olhar a síndrome por um foco amplo, além da vesícula
urinária, abordar as outras comorbidades levando em consideração que as alterações de um gato
pandorizado somam-se ao longo da sua vida: cistites inflamatórias, problemas comportamentais

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e obesidade, por exemplo, olhar o gato como um todo é o caminho para entender e fechar a
caixa de Pandora.

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ANEXO 1 - ANEXO 1 – EXEMPLOS DE PRESCRIÇÃO E ORIENTAÇÃO

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ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO DE PESQUISA SOBRE O AMBIENTE DO GATO DE CRIAÇÃO INDOOR

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