RPM 27
RPM 27
RPM 27
htm
Geraldo Ávila,
Instituto de Matemática e Física, UFG
74001-970 Goiânia, GO
Introdução
Acho que quase todo professor de M atemática já teve a experiência de ser questionado
por seus alunos sobre a importância da M atemática e sua utilidade. Eles costumam fazer
perguntas deste tipo:
— Professor, para que serve toda essa M atemática que estamos estudando?
— Por que a gente tem de estudar todas essas coisas sobre triângulos, polinômios,
equações, trigonometria? Afinal, de que vai me adiantar tudo isso na vida?
Nosso objetivo, neste artigo, é o de abordar esse tema, procurando ajudar o professor,
primeiro, a bem entender toda a riqueza da M atemática e seu verdadeiro papel na
formação do aluno; e, depois, como lidar com essas perguntas sobre o porquê da
M atemática.
Justificativas Parciais
As razões mais frequentemente mencionadas para justificar o ensino da M atemática são
as seguintes:
Essas razões, embora legítimas, não são a justificativa mais importante para o ensino da
M atemática. A primeira delas, por exemplo, é praticamente irrelevante para uma pessoa
interessada em estudos na área de humanidades. De fato, basta um conhecimento
elementar de operações com números para atender razoavelmente bem às diversas
necessidades do dia-a-dia. Aliás, ironicamente até, o avanço tecnológico criou uma
situação curiosa: hoje em dia o cidadão comum necessita de menos M atemática — pelo
menos no que diz respeito a "cálculos com números" — do que décadas atrás, quando não
dispúnhamos, como hoje, desses instrumentos tão eficazes, que são as calculadoras de
bolso.
Como se vê, as técnicas matemáticas de que necessitamos em nosso dia-a-dia são tão
1 of 7 06/01/2010 01:11 PM
RPM 27 - Objetivos do ensino de Matemática file:///media/cdrom0/27/1.htm
modestas que podem ser plenamente atendidas no ensino das primeiras 5 ou 6 séries do
1.° grau. Por que, então, ensinar M atemática até a última série do 2.° grau? Será que a
segunda das razões acima citada justifica esse ensino? A nosso ver, ela também é
insuficiente, e vamos explicar por quê.
A intuição é a faculdade mental que nos permite obter o conhecimento de maneira direta,
sem a interveniência do raciocínio. Os matemáticos frequentemente referem-se a algum
fato como "intuitivo", querendo com isso dizer que se trata de algo cuja veracidade é
facimente reconhecível. M as é bom lembrar que "intuitivo" não é sinônimo de "fácil". Há
muitas verdades profundas e difíceis que são apreendidas pela intuição.
A intuição é, na verdade, uma faculdade mental mais poderosa que o próprio raciocínio. É
através dela que ocorrem as grandes criações do homem, nas artes, na filosofia e nas
ciências. HENRI POINCARÉ (1854-1912), um dos mais eminentes matemáticos dos
últimos 150 anos, testemunhou bem isso, num artigo que escreveu sobre Criação
Matemática, onde ele conta várias de suas experiências como pesquisador. Uma dessas
experiências ocorreu em suas tentativas de demonstrar um certo teorema. Depois de
vários dias de trabalho sem sucesso, interrompeu suas pesquisas para fazer uma excursão
geológica com várias outras pessoas. Foi como se estivesse tirando umas férias da
M atemática, passando dias distraído com outras coisas. Num dos momentos da viagem,
segundo ele conta, veio-lhe à mente, assim de súbito, a idéia de utilizar, na demonstração
de seu teorema, certos recursos matemáticos que ele já havia empregado tempos antes
numa outra situação. E ao voltar para casa, examinando detidamente essa idéia, pôde
verificar que ela era realmente a chave da solução que procurava. A "idéia", de fato, tinha
seu "mérito".
Idéias são coisas que nos vêm por intuição. Uma idéia não se deduz, "se intui". ALBERT
EINSTEIN (1879-1955) concebeu sua Teoria da Relatividade com base na idéia da
relatividade do espaço e do tempo, idéia essa que lhe veio por intuição, não por dedução.
Exemplos como esse e o de Poincaré existem em abundância na História da Ciência, não
apenas em M atemática ou em ciências exatas.
2 of 7 06/01/2010 01:11 PM
RPM 27 - Objetivos do ensino de Matemática file:///media/cdrom0/27/1.htm
colegas, tecer comentários sobre algum resultado novo que ele acredita ser verdadeiro,
embora não disponha ainda de uma demonstração. O pesquisador, com sua experiência e
familiaridade em determinada área de investigação, valendo-se das várias modalidades do
raciocínio (indução, analogia de uma situação com outra, argumentos de plausibilidade) e
da intuição, é levado a suspeitar da validade de um novo resultado ou teorema. A
demonstração, em geral, é a etapa final, que completa o trabalho de investigação. E muitas
vezes, por não conseguir encontrar uma demonstração, o teorema, tendo já adquirido
credibilidade na comunidade matemática, impõe-se com o nome de "conjectura",
"hipótese" ou mesmo "teorema". Há assim várias conjecturas na literatura matemática, ou
seja, resultados ainda não demonstrados, mas que os matemáticos acreditam serem
verdadeiros. De vez em quando uma dessas conjecturas é demonstrada, geralmente por
algum matemático jovem, que se torna, então, bastante conhecido entre seus pares. Uma
das mais famosas conjecturas pendentes é a chamada "Hipótese de Riemann" formulada
pelo matemático alemão BERNARD RIEM ANN (1826-1856) em meados do século
passado; outra é o chamado último teorema de Fermat (veja RPM 15, p. 14), de
formulação muito simples, mas que vem desafiando os matemáticos por mais de três
séculos, e que, nos últimos anos, vem sendo resolvida no contexto de uma ampla teoria
pertencente a duas importantes e difíceis disciplinas matemáticas, a Teoria dos Números e
a Geometria Algébrica. Dizemos "vem sendo resolvida" porque, de fato, várias vezes a
solução foi anunciada para, logo em seguida, revelar falhas. O "teorema" parece finalmente
demonstrado, mas, no momento em que escrevemos, está ainda sob verificação dos
especialistas.
3 of 7 06/01/2010 01:11 PM
RPM 27 - Objetivos do ensino de Matemática file:///media/cdrom0/27/1.htm
Perguntas como essas certamente atormentaram o espírito humano por muitos milênios,
até que, a partir do século VI a.C, começaram a ser respondidas, e com muito sucesso.
Foram idéias matemáticas simples de semelhança de figuras geométricas e
proporcionalidade que permitiram aos astrónomos, já no século III a.C, calcular o
tamanho da Terra (veja nosso artigo na RPM l), do Sol e da Lua e as distâncias a que se
encontram esses astros da Terra. E a solução desses problemas mudou radicalmente a
ideia do homem a respeito do mundo em que vivia.
Até mesmo em vários domínios da Arte, a M atemática tem tido uma influência
substancial e direta, como na Arquitetura, na Escultura, na Pintura e na M úsica.
4 of 7 06/01/2010 01:11 PM
RPM 27 - Objetivos do ensino de Matemática file:///media/cdrom0/27/1.htm
a M atemática de forma a garantir que todas as suas proposições possam ser testadas
como verdadeiras ou falsas. Em outras palavras, o edifício matemático, como resultado do
trabalho humano, não tem, nem pode ter, garantida sua consistência. Isso se reflete em
todo o conhecimento humano, já que a M atemática é, direta ou indiretamente, instrumento
do qual dependem, para sua organização, as demais ciências, como a Física, a Química, a
Biologia, a Cosmologia, etc. Em consequência, todo o conhecimento construído pelo
homem está necessariamente marcado pelas limitações da própria intelectualidade. E é o
próprio conhecimento humano que revela essas limitações. Em outras palavras, o homem
descobre as limitações de seu intelecto, através do exercício desse mesmo intelecto!
Esse rápido apanhado de vários exemplos serve para mostrar o quanto as "idéias
matemáticas" têm estado presentes na construção de todo o edifício do conhecimento,
influindo também, de maneira profunda e marcante, nas próprias concepções filosóficas
do homem diante de sua existência e do mundo em que vive.
A Matemática deve ser ensinada nas escolas porque é parte substancial de todo o
património cognitivo da Humanidade. Se o currículo escolar deve levar a uma boa
formação humanística, então o ensino da Matemática é indispensável para que essa
formação seja completa.
E claro que uma pessoa pode prescindir de conhecimento matemático e mesmo assim ser
um grande ator, escritor, estadista, enfim, um profissional realizado em muitos domínios
do conhecimento. M as certamente seus horizontes culturais serão mais restritos. A
situação é análoga à de uma pessoa que, mesmo possuindo competência matemática, tenha
poucos conhecimentos humanísticos; seus horizontes culturais também serão mais
limitados.
5 of 7 06/01/2010 01:11 PM
RPM 27 - Objetivos do ensino de Matemática file:///media/cdrom0/27/1.htm
Para atingir plenamente seus objetivos, o ensino da M atemática deve ser feito de maneira
a atender a certos requisitos básicos, que enumeramos a seguir:
3) O ensino da M atemática deve ser feito de maneira bem articulada com o ensino de
outras ciências, sobretudo a Física.
Em Classe
Neste ponto voltamos à questão inicial, que motivou todo este artigo: como deve o
professor lidar com as perguntas dos alunos sobre a relevância da M atemática?
Dissemos, no início, que essas perguntas não têm respostas fáceis nem breves. O ideal é
que o ensino proceda de maneira a justificar, a cada passo, a relevância daquilo que se
ensina. Cada novo tópico a ser tratado deve ser devidamente motivado, o que pode ser
feito com a formulação de problemas práticos interessantes; ou pequenas histórias que
ajudem a despertar a curiosidade dos alunos (veja, por exemplo, RPM 25, pp. 10 a 14);
ou, ainda, estimulando a participação ativa dos alunos (veja, por exemplo, a RPM 26, pp.
8 a 11). M as isso nem sempre é possível, pois há questões puramente teóricas, que
exibem belas idéias, como aquela de provar que existem infinitos números primos (RPM
19, pp. 26 a 28); então é preciso ter o cuidado de fazer uma boa exposição, de preferência
que não dure muito tempo, para cativar e manter os alunos atentos. Nos casos que
envolvem demonstrações, é de suma importância ressaltar as idéias envolvidas, pois são
elas que despertarão o interesse do aluno. E esse último exemplo que citamos, da RPM
19, ilustra muito bem esse ponto.
6 of 7 06/01/2010 01:11 PM
RPM 27 - Objetivos do ensino de Matemática file:///media/cdrom0/27/1.htm
E, se não estiver preparado para uma resposta satisfatória — o que acontece até
mesmo com as pessoas mais experientes —, o certo é dar alguma resposta parcial ou
provisória, sem rodeios ou evasivas, por exemplo, dizendo ao aluno: "vou pensar
mais nesse assunto" ou "vou procurar mais elementos para melhor esclarecer sua
curiosidade".
Para concluir, deve-se ter sempre em mente que nenhuma receita sobre ensino pode ter
sucesso se faltar ao professor amor e devotamento à profissão, e um esforço continuado
de sempre aprender mais e aprimorar seus conhecimentos de M atemática para melhor
motivar e despertar o interesse de seus alunos.
7 of 7 06/01/2010 01:11 PM