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Entrevista - Ole RPM
Entrevista - Ole RPM
Entrevista - Ole RPM
esse
perodo,
trabalho
de
Paulo
Freire
tambm
estava
sendo
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RPEM: Como deve ser pensado um currculo de matemtica de forma que sejam
contempladas questes de democracia, questes sociais, econmicas, culturais e polticas,
abordadas pelo senhor na perspectiva da Educao Matemtica Crtica?
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OLE SKOVSMOSE: Existem desafios a enfrentar. Farei referncia a trs grupos de desafios:
Mostrar que a Matemtica representa uma racionalidade que poderia servir a muitos
interesses diferentes. Isso se aplica a quaisquer formas de Matemtica: matemtica acadmica,
matemtica no acadmica, matemtica aplicada, matemtica pura, matemtica escolar etc.
Reconhecer que a Educao Matemtica pode servir a funes muito diferentes em
diferentes contextos socioeconmicos, inclusive a uma disciplina.
Explorar em que medida possvel, por meio da Educao Matemtica, fazer a
diferena para alguns alunos em algumas situaes, e dessa forma tentar realizar uma Educao
Matemtica para a justia social.
Ao longo de minha carreira acadmica, tenho apresentado muitos exemplos de prticas de
sala de aula que so desenvolvidas com aspiraes a enfrentar tais desafios. No entanto, sempre
penso em exemplos apenas como exemplos, e no como elementos de algum currculo. Tambm
no penso nos exemplos como exemplos de sucesso, como exemplos de "como fazer". Eles so
exemplos de tentativas para enfrentar alguns desafios. E certamente h muitas maneiras
diferentes de faz-lo, dados os contextos particulares.
Citarei um exemplo que ilustra o problema de um currculo relacionado Educao
Matemtica Crtica (tambm me refiro a este exemplo no meu livro Um Convite Educao
Matemtica Crtica). Uma vez visitei Barcelona, e fui apresentado a diferentes iniciativas
educacionais que l ocorrem. Em Barcelona, existem muitos grupos de imigrantes, e alguns
bairros tomam a forma de favelas de imigrantes. Disseram-me que um currculo de Educao
Matemtica Crtica foi implementado para um determinado grupo de alunos. Fiquei interessado e
quis saber mais a respeito. Disseram que o contedo desse currculo crtico foi formulado tendo
como referncia especfica situaes da vida cotidiana conhecidas pelas crianas. Cada atividade
era cuidadosamente contextualizada. Havia tempo suficiente para abordar cada tpico.
Aparentemente, pode-se pensar nisso como um exemplo de Educao Matemtica
Crtica. No entanto, uma implicao direta desse currculo foi que nenhuma das crianas desse
bairro teve a oportunidade de ingressar no ensino superior. Assim, o currculo da Educao
Matemtica Crtica no estava ligado a qualquer dos requisitos formais para o ingresso
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educao superior. Dessa forma, devido ao programa educacional, as crianas ficaram presas a
sua prpria situao. Portanto, temos que ter cuidado quando consideramos quais poderiam ser
as funes especficas de um currculo de Educao Matemtica Crtica. A comunidade de
Barcelona a que me referi era uma comunidade cigana, mas podemos pensar em qualquer outra
comunidade que tende a ser excluda, e onde um igualmente bem-intencionado currculo do
Ensino Fundamental de Matemtica pode contribuir para a excluso.
Tomo esse exemplo como uma advertncia contra o estabelecimento de um currculo
particular para a Educao Matemtica Crtica. No entanto, certamente a Educao Matemtica
Crtica est relacionada ao contedo da educao. Porm, meu posicionamento sempre o de
formular uma Educao Matemtica Crtica que diga respeito a uma situao particular e a
alunos particulares.
Para mim, importante manter uma abertura em relao aos contedos possveis da
educao. A fim de proporcionar esta abertura, tenho apresentado a noo de cenrios para
investigao. E h realmente muitos cenrios diferentes de investigao, e muitos ambientes
diferentes de ensino e aprendizagem que podem estruturar uma Educao Matemtica Crtica.
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lgica do capitalismo estruturar o que est acontecendo na escola. O que significa que a funo
real da educao sempre ser ajustada s prioridades capitalistas.
Gostaria de enfatizar que, mesmo assim, compartilho o otimismo com relao educao
expressado por Mandela e Freire: a educao pode fazer a diferena. Mas certamente no sou
otimista no sentido de que podemos identificar um currculo que poderia garantir a justia social
e quebrar a lgica do capitalismo. Sou otimista, no entanto, no sentido de que a educao poderia
fazer algumas mudanas para alguns estudantes em algumas situaes.
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de crdito, e aps alguns movimentos com os dedos, a compra paga. Aparentemente, nenhuma
matemtica foi posta em ao.
No entanto, se olharmos para as tecnologias envolvidas na prtica de fazer compras,
encontramos uma grande quantidade de matemtica avanada presente em tal ao: os itens so
codificados e os cdigos tornam-se mecanicamente legveis; os cdigos so conectados a um
banco de dados contendo os preos de todos os itens; os preos so somados; o carto de crdito
lido; a quantidade subtrada da conta bancria associada ao carto de crdito; questes de
segurana so observadas; esquemas de codificao e decodificao esto ocorrendo.
Lidamos diariamente com uma prtica matematizada, e estamos imersos em tais prticas.
Vivemos em uma sociedade matematizada. E vemos exemplos de todos os tipos: processos de
produo esto continuamente tomando novas formas, devido s novas possibilidades de
automatizao. Qualquer forma de produo - seja de automveis, celulares, utenslios
domsticos, sapatos - representa uma determinada composio de processos automticos e
trabalho manual. E qualquer tipo de automatizao constitudo por meio da matemtica.
As tecnologias baseadas em matemtica desempenham um papel crucial em diferentes
domnios, e podemos pensar na medicina como exemplo. Aqui encontramos tecnologias
baseadas em matemtica para fazer diagnsticos, para a definio de normalidades, para a
realizao de um tratamento, para a realizao de uma cirurgia. Os instrumentos baseados em
matemtica esto definindo a medicina hoje. No entanto, no s a medicina, mas tambm a
guerra moderna um empreendimento matematizado.
Por meio da Educao Matemtica, possvel desenvolver atitudes diferentes em relao
ao
nosso
ambiente
tecnolgico
matematizao
da
sociedade.
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A noo de alfabetizao matemtica uma noo para a formulao de vises. Ela faz
parte daquilo a que pode se referir como imaginao pedaggica. Estar envolvido em uma
Educao Matemtica Crtica tambm significa estar pronto para formular vises. Assim, vejo
conexes entre as noes de crtica e imaginao.
Notas
*
Doutorando do Programa de Ps-graduao em Educao da UFSCar - Universidade Federal de So Carlos. Professor do Departamento de Matemtica da Universidade Estadual do Paran (UNESPAR/Cmpus de Campo Mouro). Email: ajceolim@gmail.com.
**
Mestre em Ensino de Cincias e Educao Matemtica pela UEL - Universidade Estadual de Londrina. Professor
do Departamento de Matemtica da Universidade Estadual do Paran (UNESPAR/Campus de Campo Mouro).
Email: eitohermann@gmail.com.
A entrevista no pode ser presencial, pois, na ocasio, o professor Ole Skovsmose estava na Dinamarca. As perguntas foram enviadas por e-mail em portugus e respondidas por ele em ingls. Procedemos, ento, traduo das
respostas, elaboramos o texto e enviamos para que ele desse seu aval.
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Devido polissemia dessa palavra, optamos por no traduzi-la. Para saber mais a respeito de alguns significados,
veja no livro Educao Matemtica Crtica: A questo da Democracia, de Ole Skovsmose, publicado pela editora
Papirus em 2001.
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