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LEUDJANE MICHELLE VIEGAS DINIZ PORTO - 30jul2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CAMPUS MINISTRO PETRÔNIO PORTELA


PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

LEUDJANE MICHELLE VIEGAS DINIZ PORTO

COM A PALAVRA, A/O MESTRA/E: a afrodescendência e a Educação Profissional


Tecnológica em tempos de educação para as relações raciais

TERESINA
2018
LEUDJANE MICHELLE VIEGAS DINIZ PORTO

COM A PALAVRA, A/O MESTRA/E: a afrodescendência e a Educação Profissional


Tecnológica em tempos de educação para as relações raciais

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Educação, do Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal
do Piauí, na linha de pesquisa Formação
docente e prática educativa, como exigência
para obtenção do título de doutora em
Educação.

Orientador: Prof. Dr. Francis Musa Boakari

TERESINA
2018
LEUDJANE MICHELLE VIEGAS DINIZ PORTO

COM A PALAVRA, A/O MESTRA/E: a afrodescendência e a Educação Profissional


Tecnológica em tempos de educação para as relações raciais

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Educação, do Centro de
Ciências da Educação da Universidade Federal
do Piauí, na linha de pesquisa Formação
docente e prática educativa, como exigência
para obtenção do título de doutora em
Educação.

Aprovada em: _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Francis Musa Boakari (Orientador)
Universidade Federal do Piauí

__________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Iraneide Soares da Silva (Examinadora Titular Externo)
Universidade Estadual do Piauí

__________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Raimunda Nonata da Silva Machado (Examinador Titular Externo)
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

_________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Shara Jane Holanda Costa Adad (Examinadora Titular Interna)
Universidade Federal do Piauí

_________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Antônia Edna Brito (Examinadora Titular Interna)
Universidade Federal do Piauí

_________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Claudia Maria Lima da Costa (Examinador Externo Suplente)
Universidade Estadual do Piauí

_________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria da Glória Carvalho Moura (Examinadora Interna Suplente)
Universidade Federal do Piauí
RESUMO

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados com a Lei 11.892/2008,


propõem a Educação Profissional para além dos moldes que, até então, vinha sendo realizada,
apresentando, em suas diretrizes, a necessidade de pensar essa modalidade de ensino na
perspectiva da educação para as diversidades, sendo a abordagem das relações raciais inserida
nesse contexto. Porém, essa proposta tenta se efetivar na realidade permeada por racismos,
sofridos, especialmente, por afrodescendentes. Problematizando esta realidade, emergiram as
seguintes questões: como a educação profissional, que tem forte tradição na valorização da
educação voltada para atender às necessidades do mercado de trabalho capitalista, relaciona-
se com a proposta da educação para as relações raciais? De que modo os documentos
institucionais fazem essa abordagem? Essas indagações conduziram ao objetivo geral de
compreender como o Instituto Federal de Educação do Maranhão (IFMA) lida com as
exigências da educação para as relações raciais considerando o que regem os documentos
legais e institucionais referentes à Educação Profissional e Tecnológica; e aos objetivos
específicos: caracterizar o modo como os documentos institucionais dialogam com a proposta
da educação para as relações raciais no Brasil de acordo com as prescrições nos documentos
legais; averiguar as relações entre o que dizem participantes da pesquisa sobre as exigências
da educação para as relações raciais brasileiras e o seu pertencimento racial; analisar práticas
relatadas no tocante à educação para as relações raciais brasileiras por profissionais do IFMA
que participaram do estudo. A tese que direcionou esta pesquisa é a de que a colonialidade
presente em nossos corpos e em nossas mentes faz com que a abordagem das relações raciais
estabeleça, quando muito, relações fronteiriças representando a possibilidade de questionar a
colonialidade na tentativa de enfrentar o racismo. Dentre os estudos que fundamentam as
análises da pesquisa, destacam-se: Bhabha (2013), Munanga (1999), Cunha (2000a), Mignolo
(2005,2008), Fanon (2005, 2008), Foucault (1982), Guimarães (2009), Boakari (2010),
Quijano (2010), Santos (2010), Boakari e Silva (2011), Hall (2011), Certeau (2014), Silva
(2014), Mbembe (2017), Nascimento (2010) Carneiro (2005). As fontes de informações para
a realização da pesquisa foram documentos institucionais e entrevistas realizadas com
docentes, gestores e gestoras do IFMA. Este estudo revela possibilidades de fronteiras
questionadoras das relações raciais na Educação Profissional Tecnológica, bem como expõe a
força do racismo no cotidiano do fazer institucional como um aspecto que faz parte da
racialização das relações de poder advindas com a colonização e reinventadas com a
colonialidade.

Palavras-chave: Relações Raciais. Educação Profissional Tecnológica. Afrodescendente.


Colonialidade.
ABSTRACT

The Federal Institutes of Education, Science and Technology, created by the Law 11.892 /
2008, propose the Professional Education beyond the patterns that until then had been carried
out, presenting, in its guidelines, the necessity of thinking this area of teaching in the the
perspective of education for diversity, and the approach of race relations is inserted in this
context. However, this proposal tries to be effective in this reality permeated by racism,
suffered especially by Afro-descendants. Critically analyzing this reality, the following
questions emerged: how does professional education, which has a strong tradition in valuing
education that aims to meet the needs of the capitalist labor market, relate to the proposal of
education for race relations? How do institutional documents take this approach? These
inquiries have led to the general objective of understanding how the Federal Institute of
Education of Maranhão (IFMA) deals with the demands of education for race relations
considering what legal and institutional documents pertain to Vocational and Technological
Education; and to the specific objectives: to characterize how institutional documents
dialogue with the proposal of education for racial relations in Brazil, according to the
prescriptions in legal documents; to ascertain the relations between what the research
participants say about the demands of education for Brazilian racial relations and their racial
belonging; to analyze practices related to education for Brazilian race relations reported by
IFMA professionals who participated in the study. The thesis directing this research is that the
coloniality existent in our bodies and in our minds makes the approach of race relations
establish, at most, borderline relations representing the possibility to question coloniality in
the attempt to face racism. Among the studies that base the analysis of this research, the
following stand out: Bhabha (2013), Munanga (1999), Cunha (2000a), Mignolo (2005,2008),
Fanon (2005, 2008), Foucault (1982), Guimarães 2009), Boakari (2010), Quijano (2010),
Santos (2010), Boakari e Silva (2011), Hall (2011), Certeau (2014), Silva (2014), Mbembe
(2005). The sources of information for conducting the research were institutional documents
and interviews with teachers and managers of IFMA. This study reveals possibilities of
questioning frontiers of racial relations in Professional Technological Education, as well as
exposes the force of racism in the daily practice of institutional making as an aspect that is
part of the racialization of the power relations resulting from colonization and reinvented with
coloniality.

Keywords: Racial Relations. Professional Technological Education. Afro-descendant.


Coloniality.
RESUMEN

Los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología, creados con la Ley


11.892/2008, proponen la Educación Profesional además de los moldes que, hasta entonces,
venía siendo llevadas a cabo, mostrando, en sus directrices, la necesidad de pensar esa
modalidad de enseñanza en la perspectiva de la educación para las diversidades, mencionando
las relaciones raciales insertadas en ese contexto. Sin embargo, esa propuesta intenta
realizarse en la realidad repleta de racismos, sufridos especialmente por la gente negra.
Cuestionando esta realidad, surgieron las siguientes preguntas: ¿cómo la educación
profesional que tiene una fuerte tradición en apreciación de la educación, orientada a
satisfacer las necesidades del mercado laboral capitalista, se refiere a la propuesta de la
educación para las relaciones raciales? ¿De qué modo los documentos institucionales hacen
ese abordaje? Esas cuestiones condujeron al objetivo general de comprender como el Instituto
Federal de Educación del Maranhão (IFMA) trata las exigencias de la educación para las
relaciones raciales, considerando lo que regulan los documentos legales e institucionales
referentes a la Educación Profesional y Tecnológica; y a los objetivos específicos: caracterizar
el modo como los documentos institucionales dialogan con la propuesta de la educación para
las relaciones raciales en Brasil en consonancia con las prescripciones en los documentos
legales; averiguar las interacciones entre los que se dicen participantes de la investigación
acerca de las exigencias de la educación para las relaciones raciales brasileñas y su
pertenencia racial; analizar las prácticas relatadas en la educación para las relaciones raciales
brasileñas por profesionales del IFMA que participaron del estudio. La tesis que impulsó esta
investigación es que la colonialidad presente en nuestros cuerpos y en nuestras mentes hace
con que el enfoque de las relaciones raciales establezca, cuando mucho, las relaciones
fronterizas que representan la posibilidad de cuestionar la colonialidad en un intento de
enfrentar el racismo. Entre los estudios que sustentan los análisis de la investigación, se
destacan: Bhabha (2013), Munanga (1999), Cunha (2000a), Mignolo (2005,2008), Fanon
(2005, 2008), Foucault (1982), Guimarães (2009), Boakari (2010), Quijano (2010), Santos
(2010), Boakari e Silva (2011), Hall (2011), Certeau (2014), Silva (2014), Mbembe (2017),
Nascimento (2010) Carneiro (2005). Las fuentes de informaciones para la realización de la
investigación fueron documentos institucionales y entrevistas realizadas con docentes,
gestores y gestoras del IFMA. Este estudio revela las posibilidades de fronteras inquisitivas de
las relaciones raciales en la Educación Profesional Tecnológica, así como expone la fuerza del
racismo en el cotidiano del hacer institucional como un aspecto que forma parte de la
racialización de las relaciones de poder derivadas de la colonización y reinventadas con la
colonialidad.

Palabras clave: Relaciones Raciales. Educación Profesional Tecnológica. Afrodescendiente.


Colonialidad.
A todas/os afrodescendentes que lutaram e
lutam pela igualdade racial: a minha força para
concluir esta tese vem da certeza que não estou
sozinha e que juntos/as temos a força
necessária para continuar acreditando que
nossa necessária luta é de possível realização.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por me proporcionar a paz de espírito necessária para a realização deste


estudo
Aos meus pais, Goretti e Walteneres, pelo amor e aconchego do colo sempre
preparado para o afago necessário. Se cheguei até aqui, vocês são os principais responsáveis
por esta vitória.
À minha irmã Lídia, pela atenção, pelo cuidado e carinho com tudo que faço.
Ao meu marido, Albéric, pela paciência, pelo carinho e pela confiança na minha
capacidade como pesquisadora. A sua mão junto à minha, nessa difícil caminhada, tornou
tudo mais fácil e prazeroso.
Ao meu amado filho Davi, que foi concebido ainda nas comemorações da primeira
qualificação, que apesar de, no ventre, ser um bêbê muito calmo, fazia questão de evidenciar a
sua presença no meu útero principalmente durante a realização das entrevistas; foi
amamentado, muitas vezes, durante as atividades da Roda Griô, por seu sincero sorriso que
me impulsinou nos momentos mais difíceis deste texto.
À minha irmã de alma, Ruth, sua presença torna tudo mais leve e todos os seus
ensinamentos de maternidade ajudaram a potencializar meu curto tempo de pesquisadora-
mãe.
À Cleudia, pelos cuidados com o Davi e por se esforçar para que a casa fosse o mais
tranquila possível para que eu pudesse realizar este estudo.
Ao meu querido e competente orientador Francis Musa Boakari, que soube ter a
paciência necessária na condução deste trabalho. A sua sabedoria e generosidade pessoal e
intelectual foi a coisa mais bonita que vivenciei dentro das diferentes universidades públicas
que tive a oportunidade de frequentar.Admiro-te muito.
Agradeço a participação desta banca de doutoramento composta pelo professor Francis
e pelas professoras: Shara, Antônia Edna, Iraneide, Raimunda, Cláudia e Glória na figura da
professora Shara, que é um encanto que encanta com sua coragem de ser o que é.
À Roda Griô, meu combustível nessa caminhada, agradeço a todas/os, em especial :
Elisiene, Vânia, Leylanne, Cláudio, Nelson, Débora, Rayane, Emanuella, Kácio, Luzia,
Regina, Francilene, Fabiana, Vicelma, Raimunda Gomes, Raimunda Machado, Denise,
Marcieva, Auréo, Illana, Alisson, Águida, Genilson, Fernanda, Efigênia, Wendel, Lhosna,
Lidiane, Ateneia, Márcia e Teresa. Nesta tese consigo visualizar o que aprendi com cada um
de vocês.
Aos/às amigos/as da 26ª turma do Doutorado em Educação pelos belos momentos que
passamos juntas/os. Em especial, agradeço à Elenita, minha companheira inseparável de todos
os momentos, sua presença alegra meu coração e sempre me deu força para continuar ; à
Ariosto ; pela calma e disponibilidade em colaborar ; e à Fabricia por sempre me mostrar que
eu não estava sozinha, sua mão caridosa sempre esteve estendida.
Ao programa de Pós Graduação em Educação (PPGED/UFPI) pela oportunidade dada.
Ao IFMA/Campus Caxias por permitir meu afastamento para que pudesse realizar
com tranquilidade este doutoramento, especialmente, a todas/os que fizeram e fazem parte do
NEABI.
LISTA DE SIGLAS

AI5 Ato Institucional Número 5


CEFETs Centros Federais de Educação Tecnológica
EPT Educação Profissional Tecnológica
ETP Ensino Técnico Profissionalizante
FIC Formação Inicial e Continuada
FNB Frente Negra Brasileira
IFMA Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Maranhão
IFs Institutos Federais
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
NEABI Núcleo de Estudos Afro-brasileiros
NSE Nova Sociologia da Educação
PDI Plano de Desenvolvimento Institucional
PIB Produto Interno Bruto
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PPI Projeto Pedagógico Institucional
PQD Programa de Qualificação Docente
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriais
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
TEN Teatro Experimental do Negro
UEMA Universidade Estadual do Maranhão
UFMA Universidade Federal do Maranhão
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNB Universidade de Brasília
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 12
1.1 Minhas histórias, nossas histórias...................................................................... 12
1.2 A pesquisa – Relações raciais na Educação Profissional e Tecnológica......... 21
2 RELAÇÕES RACIAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA: que máscaras 25
usamos?..................................................................................................................
2.1 Quem somos nós?................................................................................................. 25
2.2 Racismo: desafio histórico.................................................................................. 30
2.3 Colonialidade, Brasil, suas histórias e suas possibilidades.............................. 39
3 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA E AS SUAS 51
METAMORFOSES NA SOCIEDADE BRASILEIRA: breves comentários...
3.1 A educação colonizada: os eleitos da nação....................................................... 51
3.2 A educação profissional no século XX............................................................... 61
4 PERCORRENDO O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA........ 77
4.1 Abordagem............................................................................................................ 77
4.2 Instituição.............................................................................................................. 80
4.3 Participantes da investigação.............................................................................. 81
4.4 Fontes das informações........................................................................................ 85
4.5 Documentos oficiais.............................................................................................. 85
4.6 As entrevistas........................................................................................................ 87
4.7 Procedimentos para análise de dados 89
4.7.1 Organização e análise das documentações............................................................. 89
4.7.2 Transcrição e organização para a análise das entrevistas....................................... 89
5 A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES RACIAIS NO CONTEXTO DO 91
IFMA.....................................................................................................................
5.1 Desafios e possibilidades institucionais.............................................................. 97
5.2 Questões afrodescendentes e vivências profissionais 117
5.2.1 Somos morenos? O que o racismo tem a ver com isso? 118
6 PRÁTICAS EDUCATIVAS E EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES 137
RACIAIS...............................................................................................................
6.1 O NEABI, uma fronteira institucional?............................................................. 156
7 CONCLUSÕES COMO CONSIDERAÇÕES EM DESENVOLVIMENTO 167
REFERÊNCIAS................................................................................................... 174
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E 185
ESCLARECIDO (TCLE)
APÊNDICE B – ENTREVISTAS COM DOCENTES/GESTORES 188
APÊNDICE C – ROTEIRO PARA LEITURA E ANÁLISE DE 189
DOCUMENTOS OFICIAIS
12

1 INTRODUÇÃO

O perigo ao escrever é não fundir


nossa experiência pessoal e visão do
mundo com a realidade, com nossa vida
interior, nossa história, nossa economia e
nossa visão. O que nos valida como seres
humanos, nos valida como escritoras.
(ANZALDÚA, 2000, p. 233)

1.1 Minhas histórias, nossas histórias

A roda gira, mas nem sempre é fácil estar em uma roda quando a diferença causa
estranhamento. Às vezes, o diferente é também você, mas se olhar no espelho nem sempre é
fácil para um/a afrodescendente. Em nossa sociedade, as características, sobretudo
fenotípicas, são logo apresentadas negativamente e, como diz Fanon (2008, p. 83), “[...] o
complexo do colonizado [...]” se entranha em nossa carne e penetra muitos corações de uma
maneira tão “pretensiosamente” inocente que, por vezes, nem nos damos conta do momento
em que nosso corpo e nossa alma percebem, negativamente, a diferença presente em nós.
Os/as diferentes que somos.
Esta tese, que agora apresentamos, insere-se na Linha de Pesquisa “Formação docente
e prática educativa”, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da
Universidade Federal do Piauí (UFPI), é parte de minha trajetória como mulher
afrodescendente, maranhense, de São Luís, não só porque, mediante tantos temas, eu,
historiadora/educadora, resolvi, em diferentes contextos, estudar afrodescendentes e, hoje,
continuo com o desafio de escrever uma tese que problematiza a questão do tratamento das
relações raciais na Educação Profissional e Tecnológica (EPT). Pode parecer natural a escolha
da temática, uma afrodescendente pesquisar sobre afrodescendentes, mas esta não é uma
questão de natureza e, sim, de cultura, para onde as minhas possibilidades e vivências me
levaram. Assim, entendo com Foucault (1992, p. 150), que “[...] escrever é pois ‘mostrar-se',
dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro”.
Acredito que todo/a afrodescendente sabe o difícil caminho de entender os diferentes
meandros do racismo. Nem todos se preocupam em entender essa questão, pois torná-la
invisível é, para muitos/as afrodescendentes também uma forma de existência; esse
desvelamento, quando realizado, tem seus momentos de prazer, mas também de dor.
Sentir-se e se assumir publicamente afrodescendente não é nascer afrodescendente e se
sentir assim. Foi, e está sendo, para mim, uma difícil, libertadora e feliz possibilidade. É
13

assim que, de alguma forma, esta tese dialoga com a história da roda em minha vida: com a
história de uma criança que não queria entrar na roda e que se tornou uma mulher que se
permite aprender e conhecer junto a rodas de afrodescendentes, como a nossa Roda Griô -
Núcleo de Estudos de Gênero, Educação e Afrodescêndência, Ligada ao Programa de Pós
Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade Federal do Piauí.
Sei, pelas lembranças de minha mãe, Goretti, muitos acontecimentos de minha vida
que a minha memória não consegue acessar. Os motivos dessa inacessibilidade eu não sei,
mas penso que, como em alguns casos, pode ser devido a minha pouca idade. Conta minha
mãe, uma griô descendente de cordelista da baixada maranhense, que quando eu tinha por
volta dos três anos de idade, momento em que comecei a frequentar escola, a primeira
reclamação da professora foi pelo fato de ela perceber que, nas brincadeiras de roda, eu me
negava a ficar ao lado e segurar a mão de crianças de pele escura como eu. Conta mamãe que
a professora, Silvânia, se preocupou muito com isso. Cabe destacar que essa era uma escola
da periferia de São Luís, nos anos 1980, situada na Liberdade, bairro que foi povoado no pós-
abolição, majoritariamente, por afrodescendentes da ilha e muitos outros vindos do interior do
Maranhão.
O caso anteriormente narrado preocupou muito minha genitora e esta disse que, ao
chegar a casa, conversou muito comigo, perguntou por que me negava a segurar nas mãos de
determinadas colegas e outras não, e eu, segundo ela, não respondia de jeito algum,
perguntava, então, se tínhamos brigado ou alguma outra coisa que justificasse minha repulsa,
e eu continuava a não responder e, diante do meu silêncio, disse que eu era negra, como
também era ela, meu pai, minhas avós, meus avôs, meus tios, minhas tias , meus primos e
muitas amigas de minha escola. Mediante a colocação de minha mãe, eu teria rompido o
silêncio para dizer que “negros não, nem eu, nem ela, nem meu pai, nem ninguém da família”.
Segundo mamãe, foi uma difícil conversa, marcada por choro e birra. Nem sei como entendia
o que era ser negra, mas minha mãe disse que, depois de muita conversa em nossa casa, a
professora relatou que, nas outras aulas, eu passei a segurar as mãos das colegas, permitindo-
me entrar na roda e brincar tranquilamente.
Várias outras histórias poderiam ser contadas envolvendo minha vida pessoal e
situações que perpassam as relações raciais, porém, neste momento, quero evidenciar uma
história que está diretamente envolvida com nosso problema de pesquisa que envolve as
relações raciais na Educação Profissional e Tecnológica.
Em 1998, passei no meu primeiro vestibular: Licenciatura em Construção Civil, no
então CEFET. Para falar a verdade, eu não tinha a mínima noção do que consistia esse curso,
14

inclusive, tinha ficado sabendo há pouco tempo que no CEFET tinha curso superior; fiz o
vestibular porque alguns amigos meus fizeram; coloquei Construção Civil porque achei
bonito e me lembrei do meu pai, que trabalhava nessa área. Meu foco eram os cursos de
História e Direito, mas passei em Construção Civil e decidi cursar. Aquela aprovação, mesmo
que com um interesse desinteressado, era fruto de muitas horas de estudo: sim, estudava das 7
às 18 horas, quase que religiosamente, envolvendo, inclusive, o sábado e parte do domingo,
então, não quis perder a oportunidade, pois universidade naquele tempo ainda era artigo de
luxo e eu, filha da famosa classe média, não podia desperdiçar; sendo assim, fiz minha
matrícula e tentei a sorte.
Para mim, aquilo era, no mínimo, travessia temporária, mas, aos poucos, fui criando
respeito e certa raiva daquele lugar. Ele, até então, representava pouco para mim, apenas uma
aprovação, que me rendeu muitos parabéns e até festa, mas, para a minha avó, eu era aluna da
Escola Técnica e ela falava isso de um modo tão pomposo e feliz que comecei a achar
importante; para o meu tio Clemente, aquilo era mais lindo ainda, ele conseguia e consegue
chorar e escrever belas crônicas lembrando aquele seu tempo de Escola Técnica; esse amor
me comovia. Essa mesma Escola Técnica foi o local onde meu pai estudou no início dos anos
de 1970, um jovem da periferia de São Luís, que tinha nos estudos uma das poucas
possibilidades de não ser mais um invisível e de não entrar para as estatísticas de miséria da
nossa “bela ilha”.
Meu pai, apesar de odiar falar de pobreza, um dia me confidenciou, com certa tristeza
no olhar, que só tinha lanchado uma vez na cantina paga da escola. Isso aconteceu quando um
professor fez uma prova e disse que se algum aluno tirasse nota 10, ele pagaria um lanche
qualquer escolhido pelo aluno. Sei que uma nota 10 é importante, mas o que meu pai queria
mesmo, e ficou muito feliz, foi a possibilidade de lanchar naquele lugar de prestígio nunca
possível para ele. Aquilo foi tão forte, que me disse que todo dia eu teria dinheiro para lanchar
naquela lanchonete e ele cumpriu à risca a promessa. Porém, sem dizer a ele, quase não
frequentava aquele espaço, achava péssimo o lanche. É, eu pude ter opção.
Então, quando cheguei naquele lugar, não conseguia olhar para ele com o olhar de
minhas experiências pessoais: as memórias familiares adentravam a minha pele e eu via tudo
aquilo de modo respeitoso e rancoroso, mas ao vivenciar aquela instituição outros sentimentos
foram se agregando e lá vivi um dos piores racismos/sexismos nossos de todos os dias,
praticado por um professor doutor em Física. Eu nem sabia o que era professor mestre ou
doutor naquele tempo, mas que o referido docente fazia questão de falar isso, com toda
pompa, não apenas para se referir a um esforço acadêmico ou pra nos mostrar o mestrado e o
15

doutorado como uma possibilidade: ele usava aquilo para dizer que era melhor que todas/os
nós, por ser detentor de títulos.
Eu, uma das poucas mulheres na sala de aula (se não me falha a memória, de uns 35
alunos/as havia 7 mulheres e, dentre elas, 2 afrodescendentes), era motivo de chacota
cotidiana do professor. Ele dava vários exemplos da Física e me colocava nos casos citados,
mas resumindo, eu sempre era a “puta” da história. Naquele tempo, eu, que era tão
envergonhada, não sonhava em ter as leituras que tenho hoje sobre diversidade, homofobia,
racismo e machismo; lembro que foi bem difícil reagir, mas consegui, só lembrava minhas
muitas horas de estudo para estar ali naquela cadeira e aquele professor a toda aula me dizer,
de uma forma ou de outra, que aquele não era meu lugar. De tantas crueldades que disse, ele
falou que eu não tinha cara de quem estudava; mas, sim, que eu tinha cara dessas mulheres
que queriam viver no luxo e que precisavam de um homem como ele, bem de vida, doutor,
para patrocinar meus luxos.
Essa história foi muito forte, é forte até hoje, é muito machista e racista e também de
sutileza que, depois de minha reação, que foi na proporção do dito, levantei, fui até o docente
e disse que ele iria aprender a respeitar uma mulher e, se precisasse, faria isso com minhas
próprias mãos. Poucos colegas compartilharam a minha dor, alguns achavam que ele tinha me
feito um elogio ao dizer que patrocinaria uma mulher como eu, outros conseguiam ver uma
dose de machismo, mas o racismo é tão sofisticado, é tão fácil de sentir e tão difícil de
afirmar/comprovar, que, talvez, naqueles tempos, nem eu conseguia fazer essa associação.
A educação escolar foi um elemento de disseminação da colonialidade do saber e do
poder. O caso vivido por mim, e há pouco narrado, demonstra que educadores/as, ainda hoje,
conseguem ser tão coloniais ao dizer que o local de uma mulher afrodescendente não é em
uma universidade e, sim, em locais indicados pela colonização e reforçados pela colonialidade
do poder: em lugares subalternos.
Hoje, fazer parte de rodas de afrodescendentes, como a Roda Griô, não é só mais uma
das obrigações do doutorado ou um interesse associado à minha prática docente; é o lugar que
sempre quis estar, é um lugar onde meu corpo se encontra com minha alma, onde compartilho
medos, saberes, possibilidades, táticas e estratégias, nos dizeres de Certeau (2014). Sair da
história de uma criança que não queria segurar nas mãos de outras crianças afrodescendentes
e se tornar uma pessoa que assim se percebe, estuda e procura ficar junto aos seus, não foi
fácil; muitas outras histórias estão no meio do caminho.
Sentir-se preconceituoso/a não é nascer preconceituoso/a; tornamo-nos
preconceituosos/as. Isso, muitas vezes, cola na gente, se torna a pessoa, arranca, encarna de
16

uma forma que nem se percebe que não se nasce assim, fazendo com que não se questione
essa forma de sentir, agir, viver.
Como diz o poema “No meio do caminho”, de Andrade (2002), “[...] tinha uma pedra
no meio do caminho”: o preconceito racial é uma pedra/rocha, e chutar essa pedra, causar
fissuras nessa rocha, é necessário. Esta tese é, para além de tudo, um diálogo com a
possibilidade da educação para as relações raciais que valorizem as diferenças, entendendo
que o saber/fazer acadêmico/escolar só faz sentido se dialogar com nossas histórias de vida,
com as nossas inquietações, para nos fazer viver melhor. Afinal, para que serve mesmo a
ciência?
Pensar o/a afrodescendente na sociedade brasileira vem sendo uma temática recorrente
em meus estudos acadêmicos. Lembro que, desde o início da graduação, cada vez que tinha
oportunidade de escolher um tema para aprofundamento de pesquisa/escrita, lá estava eu a me
ater a essa temática. Assim, com o meu trabalho monográfico, não poderia ser diferente:
investiguei a criminalidade escrava como forma de resistência e poder na sociedade
oitocentista maranhense (DINIZ, 2005).
Autos de pergunta, inquéritos policiais, jornais, obras literárias e memorialistas eram
minhas fontes de pesquisa; vasculhar arquivos era, para mim, extremamente prazeroso e
emocionante, principalmente ler os autos de perguntas a africanos/as e a afrodescendentes
escravizados/as da capital maranhense. Com esses autos de perguntas, os crimes tomavam,
para mim, outra dimensão: eu conseguia ver essas ações para além do rompimento com os
códigos normativos, pois os crimes, de alguma forma, eram invenção de si, também formas de
possibilitar que gostos e vontades fossem oportunizados, criados e inventados, de acordo com
as possibilidades do momento.
Ler aquelas histórias era como ler parte de minha história. Apesar de o período
escravocrata ser aparentemente tão distante, uma pessoa afrodescendente é, ainda hoje
injustamente acusada de um crime tendo como principal motivo da desconfiança inicial a cor
de sua pele; assim, vejo como mais de um século que nos separa pode ter tantas relações.
Estigma e preconceito andam juntos na história do racismo e conseguem remodelar-se
inventando e se atualizando em diferentes contextos históricos; ou seja, o passado se
configura no presente, porém, de outro modo.
Aos poucos, no percurso da pesquisa monográfica, fui seduzida também pela leitura
dos romances. Percebi várias representações que lia naqueles autos/inquéritos, jornais
narrados com as sedutoras tintas de Aluísio Azevedo e costurados pelos sentidos que este
autor dava à escravização, tendo em vista sua preocupação com o futuro civilizacional de uma
17

nação mestiça. Ali conseguia juntar os rastros presentes nos arquivos com a imaginação
pretensiosamente realista/naturalista de Azevedo no seu romance “O mulato”.
Quando estava organizando o projeto de mestrado, fiquei na dúvida entre continuar
pesquisando a escravização via criminalidade, ou enveredar pelo caminho da literatura e das
representações da escravização. Na verdade, quem me ajudou a definir qual caminho seguir
foi o professor de História, Josenildo Pereira, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA),
que, com sua calma, inteligência, gentileza e generosidade, cedeu parte de uma manhã na
Biblioteca Pública do Estado do Maranhão, onde pesquisávamos, para conversar comigo
sobre as minhas vontades como pesquisadora e as possibilidades de aceitação dos projetos que
tinha em mente, para as universidades às quais estava pleiteando o mestrado.
Tentei mestrado em duas universidades, no Mestrado em História do Brasil, na UFPI e
no Mestrado em História Social da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O professor
Josenildo leu comigo os editais dos Programas de Pós-Graduação, bem como ajudou a pensar
nos/as professores/as que tinham probabilidade de me aceitar como orientanda. Chegamos ao
entendimento, naquele ano de 2006, que, por não haver nenhum docente que trabalhasse
diretamente com a temática afrodescendente, que era mais viável o projeto que trabalhava na
interface entre escravidão e literatura, além do meu apreço, tinha mais possibilidade de ser
aceito, porque, nos dois programas, havia professores/as com pesquisa na área da História e
Literatura e não tinha nenhum que, pelo menos, na leitura do currículo Lattes, trabalhasse na
interface entre História/escravização/afrodescendência.
De acordo com o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil: 2009-2010
(PAIXÃO, 2010), no que se refere ao acesso de pretos/as e pardos/as (negros/as) à educação
superior (pós-graduação), ainda em 2008, a população total residente no Brasil vinculada a
algum programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) foi de 325.907 pessoas. Desse
montante, 258.738 eram brancos/as e compunham 79,4% do total dos/as alunos/as cursando
mestrado ou doutorado no Brasil. Já os/as pretos/as e pardos/as vinculados/as a algum
programa de pós-graduação eram 65.045, representando apenas 20,0% do total dos/as
estudantes de mestrado e doutorado matriculados/as no país (PAIXÃO, 2010).
Lembro que o professor Josenildo, afrodescendente que pesquisa afrodescendentes,
falava-me de aspectos da pesquisa acadêmica que só muito depois voltei a pensar, eu estava
tão envolvida com o que eu queria fazer, era tão desconectada com os interesses
institucionais, que nem ligava para o contexto que envolve as dificuldades de ter um projeto
de mestrado/doutorado aprovado tendo como centralidade essa temática. Lembro que ele me
dizia que nós, afrodescendentes, precisávamos ser estratégicos para existirmos nos Programas
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de Pós-Graduação. Ele estava certo, fui aprovada nos dois programas e minha orientadora do
mestrado, Luciene Lehmkuuhl, confidenciou-me que só pode me aceitar por causa da
interface da escravização com a literatura e que sobre escravização de afrodescendentes
estava aprendendo comigo.
Foi um grande desafio essa empreitada: pesquisar tendo o romance como principal
fonte de pesquisa me desterritorializou pois precisei reforçar leituras ligadas à Nova História
Cultural. Antes, o foco era a História Social, então, precisei fazer disciplinas relacionadas à
teoria literária, que possuíam linguagem nova para mim. Foi difícil, mas foi um encantamento
permeado pela relação entre história, literatura, ficção, realidade, invenção, o que pensa o
autor, o não controle da invenção e da recepção de uma obra literária, dentre outros conceitos.
No mestrado, pesquisei sobre representações da escravidão na obra literária O mulato
(1881), do maranhense Aluísio Azevedo, objetivando entender como a escravidão era
representada por intelectuais que entendiam a literatura como missão e que pretendiam, por
meio do texto literário, contribuir com propostas de saídas para pensar a ideia de civilização
possível em uma sociedade caracterizada pela mistura racial. Nesse romance, Azevedo não
ficou preso às amarras deterministas das teorias raciais de cunho positivista que condenavam
ao fracasso nações miscigenadas como o Brasil. Na narrativa de O mulato, quanto menos
pigmentado fosse o mestiço, melhores condições teriam, pois, negando/apagando suas raízes
afrodescendentes e segundo o perfil eurodescendente, os mestiços, como o personagem
Raimundo, tinha condições de contribuir positivamente para a formação da nação (DINIZ,
2008).
Naquele período, ainda não pensava a questão ligada aos termos “negro”,
“afrodescendente”, “escravidão”, “escravização”. Hoje, sei que o modo de dizer e nomear está
associado às relações de poder em nossa sociedade; eles não são inocentes, dizem para além
do dito, carregam simbologias e estereótipos, como diz Fanon (2008): falar é suportar uma
cultura e também assumir o peso da civilização. No meu caso em particular, “sair” do século
XIX foi fundamental para essa percepção. Durante muito tempo, esse foi o meu “chão” como
pesquisadora, minhas leituras, principalmente aquelas que tinham mais aprofundamento
teórico, pertenciam a esse contexto.
Estudar afrodescendentes no século XIX e nos dias atuais tem as suas muitas
aproximações, mas também tem distanciamentos, e a necessidade de pensar/problematizar
esses desdobramentos, hodiernamente, foi tomando conta de mim na medida em que a
atuação docente exigia outras leituras e outras formas de olhar. A partir desse momento,
percebi que precisava ampliar o meu “chão”, não só para dar uma aula melhor, coordenar
19

núcleo de estudos e realizar outras atividades do fazer profissional, mas, inclusive, para me
entender melhor.
Uso o termo afrodescendente neste trabalho como uma escolha política. Voltarei, em
outro momento, a essa defesa, porém, vale destacar a luta, sobretudo, dos movimentos de
afrodescendentes na tentativa da ressignificação positiva referente ao segmento da população
de origem africana.
A temática proposta sobre a “A afrodescendência e a Educação Profissional
Tecnológica em tempos de educação para as relações raciais” faz parte de uma possibilidade
de continuar problematizando as realidades cotidianas brasileiras focando nas/os
afrodescendentes e está intimamente relacionada à minha atuação profissional.
Tive uma trajetória acadêmica majoritariamente restrita aos muros das universidades.
Fiz os 4/5 anos de graduação praticamente sem buscar uma relação com a prática docente,
exceto por alguns meses em que trabalhei em um programa da Universidade Estadual do
Maranhão (UEMA), chamado “Vestibular da Cidadania” – um cursinho preparatório para o
vestibular destinado à comunidade – e os estágios obrigatórios. Desse modo, os meus anos de
graduação, entre os anos de 2000 e 2005, foram densamente vividos pelos afazeres do
cotidiano acadêmico dos cursos de História e Serviço Social, permeados pelas pesquisas nos
diversos arquivos públicos da cidade de São Luís.
Da graduação, emendei o mestrado, sendo que os seis meses entre a graduação e o
mestrado passei também destinando minhas manhãs e tardes à pesquisa nos arquivos públicos
para fundamentar o projeto de pesquisa. No mestrado, não recebi bolsa de nenhuma
instituição de fomento, mas pude vivê-lo intensamente devido ao “paitrocínio” que sempre
tive. A prática docente ia ficando para momentos eventuais, pois sempre nas férias dava aula
pelo Programa de Qualificação Docente (PQD) da UEMA. Esse programa era formado por
cursos de licenciatura, como o curso de História, e tinha suas aulas ministradas durante as
férias acadêmicas, por ser voltado para professores sem a devida titulação.
Depois do mestrado, tinha o título de mestra em uma mão e o desemprego em outra, e
foi aí que comecei a estudar para concursos. Em pouco tempo, obtive aprovação para
professora do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) - Campus
Caxias e para professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) - Campus Grajaú.
Por motivos extremamente pessoais, optei pela carreira no Instituto Federal e, a partir daí,
passei a vivenciar intensamente o cotidiano acadêmico. Como foi difícil: a linguagem era
outra, as necessidades cotidianas de sala de aula exigiam de mim muitas coisas diferentes das
20

exigências da pesquisa – foi preciso inventar um jeito de ser professora que até hoje muda de
formas.
O preconceito racial não era apenas uma vivência minha, como mulher
afrodescendente, ou algo presente em fontes de arquivos ou representações literárias: era
também uma dificuldade encontrada nas práticas como professora, que se misturava a tantos
outros preconceitos e a tantas outras identidades. Essa realidade foi e é desafiadora, pois eu
percebia minha fragilidade teórica e de vivência para pensar dando sentido às questões na
atualidade. Sair do século XIX não foi fácil em vários sentidos.
Assim, a escolha pela contemporaneidade tem muito a ver com as minhas inquietações
na prática docente e como coordenadora, por quatro anos, do Núcleo de Estudos Afro-
Brasileiros e Índiodescendentes (NEABI) - Caxias. As motivações que encaminharam a
escolha dessa temática estão pautadas na opção de, como mulher, afrodescendente,
historiadora e professora contribuir, no meu fazer profissional, para a educação escolar que
respeite, valorize e reconheça as nossas diferenças.
Para pensar a questão racial não basta “boa vontade”. É preciso ter um misto de
conhecimento e sensibilidade. Pensar, aqui entendido como propõe Bondía (2002), é dar
sentido ao que somos e ao que nos acontece, perpassa pela necessidade de gerar experiência
como possibilidade de algo que nos aconteça e não apenas que se passa; ser tocado/a é ser
atravessado/a, provocando mudança. Exige outra postura, necessita que olhemos mais devagar
para poder sentir.
Sobre a aproximação entre pesquisador/a e objeto pesquisado, concordo com Munanga
(1999, p. 16), quando aponta que:

Em certo momento o negro era considerado objeto de estudo; mas a partir do


momento em que ele mesmo se tornou pesquisador da sua própria identidade, isso a
meu ver desbloqueia o conhecimento, pois ele como vítima, pode sentir certas coisas
de dentro que o pesquisador de fora não pode sentir. Assim, a meu ver há uma
colaboração em termos de desenvolvimento do conhecimento, e não vejo oposição
entre sujeito e objeto [...]. A emoção e emotividade são motivos de conhecimento e
não obstáculo.

Apesar de ainda serem minoria no mundo acadêmico, cada vez mais as questões
pertinentes às relações raciais vêm ganhando espaço nas análises e pesquisas educacionais.
Isso se deve às profundas transformações que estão acontecendo na sociedade brasileira e que
exigem posicionamentos mais críticos que incluam a imensa gama de diversidades existentes
com mais objetividade.
21

1.2 A pesquisa – Relações raciais na Educação Profissional e Tecnológica

A pesquisa em pauta “Com a palavra o/a mestre/a: a afrodescendência e a Educação


Profissional e Tecnológica em tempos de educação para as relações raciais” é focada no/a
docente, na sua atuação na EPT em tempos de educação para diversidade e em que algumas
leis, como a nº 10.639/03 (BRASIL, 2003) e a nº 11.645/08 (BRASIL, 2008), reforçam essa
necessidade e obrigatoriedade. O objeto de estudo desta investigação está voltado às/aos
docentes e gestores/as do IFMA. O que dizem sobre suas posturas, suas ações e as relações
existentes no seu fazer profissional com a educação para as relações raciais.
Os Institutos Federais, recentemente criados, em 2008, em substituição aos antigos
Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) e às Escolas Agrotécnicas Federais
apresentam, pelo menos no que tange aos seus objetivos de criação, proposta de valorização
da educação voltada para diversidade, temática que, até então, não aparecia como norteadora
da prática pedagógica dentro das antigas Escolas Técnicas. Essa postura fica perceptível já
nas diretrizes que nortearam a criação dos Institutos, em que se defendia a visão da EPT e
suas novas instituições como um bem público, portanto, devendo ser essas pensadas em
função da sociedade como um todo na perspectiva de sua transformação como aspecto que
funda a igualdade na diversidade (social, econômica, geográfica e cultural) (BRASIL, 2008a).
A investigação, focada no/a docente e gestor/a na sua atuação na EPT em tempos
educação para as relações raciais, apresenta o seguinte problema de pesquisa: a necessidade e
a obrigatoriedade da educação para as relações raciais é uma realidade, como realizar essa
educação para as relações raciais no contexto do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do
Maranhão (IFMA) é um desafio. Na esteira desse problema de pesquisa, formulamos o
seguinte objetivo geral: compreender como o IFMA lida com as exigências da educação para
as relações raciais considerando o que regem os documentos legais e institucionais referentes
à Educação Profissional e Tecnológica atual.
Considerando o objetivo geral, propomos os seguintes objetivos específicos:
caracterizar o modo como os documentos institucionais dialogam com a proposta da educação
para as relações raciais no Brasil de acordo com as prescrições nos documentos
legais; averiguar as relações entre o que dizem os/as participantes da pesquisa sobre as
exigências da educação para as relações raciais brasileiras e o seu pertencimento racial;
analisar práticas relatadas no tocante à educação para as relações raciais brasileiras por
profissionais do IFMA.
22

A questão central acima especificada, bem como nossos objetivos, conduz à seguinte
questão norteadora: como a educação profissional, que tem forte tradição na valorização da
educação voltada para atender as necessidades do mercado de trabalho capitalista, relaciona-
se com a proposta da educação para as relações raciais? De que modo os documentos
institucionais fazem essa abordagem?
Nossa tese é de que a colonialidade presente em nossos corpos e em nossas mentes faz
com que a abordagem das relações raciais estejam, quando muito, no entrelugar do qual falou
Bhabha (2013), na fronteira em que representa uma possibilidade de pelo menos questionar a
colonialidade. Como diz Luz (2013, p. 96-97), é preciso ser cupim, ou seja, “[...] penetrar nos
interstícios das instituições que se alimentam das relações de prolongação colonial no Brasil,
e, lentamente, ir desestabilizando, esvaziando, tornando oca a estrutura de valores [...].”
Assim, esta pesquisa se justifica pela proposta de contribuir para pensar as possibilidades, as
estratégias, os entraves e os desafios educacionais no âmbito das relações raciais na Educação
Profissional Tecnológica (ETP), tema ainda tão necessário mediante a realidade brasileira e a
força do racismo.
Acreditamos que problematizar as relações raciais, tendo a Educação Profissional
como contexto, possibilita-nos pensar facetas da educação brasileira e seu contraditório
discurso de educação para todas/os. Quem são esses/as “todas/os”? Quais os motivos em
destinar diferentes modelos educacionais dependendo das condições socioeconômicas? A
EPT é destinada a todas/os? Qual a relação entre o público que, historicamente,
majoritariamente, compôs a Educação Técnica Profissionalizante e os racismos brasileiros?
Quais narrativas culturais permeiam experiências valorizadas nessa instituição? Respeitar as
diversidades se baseando em quais referências culturais, valores socioculturais, discursos?
Concordamos com Silva (2014), quando aponta que as relações de poder e
desigualdade que perpassam a educação escolar e o currículo não podem ficar restritas à
classe social, uma vez que, em termos de representação racial, o currículo, evidentemente,
conserva as marcas de sua herança cultural, e essas cicatrizes seriam parte da economia de
afetos e desejos tecidos por sentimentos “irracionais” e que desumanizaram afrodescendentes.
Como termômetro dessas desigualdades na educação, podemos citar os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), indicadores de que, em relação à taxa
de frequência líquida à escola, também existem diferenças entre os grupos de
afrodescendentes e os dos chamados brancos, principalmente na medida em que sobe o nível
da escolaridade pesquisada. Assim, no ensino fundamental, quase não existem diferenças
entre os grupos raciais, sendo 92,4% a taxa de frequência líquida no caso da população
23

afrodescendente e 92,7% a da população considerada branca. No ensino médio, essa


frequência relacionada à raça/cor vai para 63,7% da população chamada branca e 49,3% da
população afrodescendente na faixa etária correspondente. E, no ensino superior, essa
diferença se afunila ainda mais, tendo 23,4% de frequência da população considerada branca e
10,7% da população afrodescendente (IBGE, 2016).
Observamos que a educação, do tipo escolar, não é um privilégio de todas/os e, dentre
os motivos para isso, estão inseridos diferentes interpretações. Pensamos que problematizar os
racismos brasileiros também nos proporciona relacionar os possíveis motivos de diferença tão
alargada quando o quesito é a relação educação e raça/cor.
Partindo das considerações preliminares, estruturamos o texto da tese em cinco
momentos. No primeiro momento, apresentamos essas considerações introdutórias, contendo
a relação do tema com nossa história de vida e possibilidades profissionais, bem como
apresentamos os elementos centrais da pesquisa como: problema de pesquisa, os objetivos, a
questão norteadora, a justificativa e a tese. Cabe destacar que elementos de minha história de
vida também aparecem nas demais seções quando relacionados aos aspectos específicos do
estudo.
Na segunda seção, “Relações raciais na sociedade brasileira: que máscaras usamos?”,
discutimos algumas leituras realizadas que ajudaram a compreender os meandros das relações
raciais e sua associação com as epistemologias, destacando as interfaces dessas com a
colonialidade do poder e do saber, e a opção pelo termo “afrodescendente”.
A terceira seção, “A educação profissional e suas metamorfoses na sociedade
brasileira”, tem como foco a educação profissional, sua historicidade, mudanças,
continuidades e associações com a temática das relações raciais.
Na terceira seção, “Percorrendo o caminho metodológico da pesquisa”, apresentamos
as influências epistemológicas e o percurso metodológico da pesquisa, com destaque para o
tipo de abordagem e o detalhamento da investigação realizada.
Na quinta seção, “Educação para as relações raciais no contexto do IFMA”,
desenvolvemos, de modo mais direto, os seguintes os objetivos específicos propostos na tese:
caracterizar o modo como os documentos institucionais dialogam com a proposta da educação
para as relações raciais no Brasil de acordo com as prescrições nos documentos
legais; averiguar as relações entre o que dizem participantes da pesquisa sobre as exigências
da educação para as relações raciais brasileiras e o seu pertencimento racial. Destacamos o
diálogo desses objetivos com as leituras desenvolvidas, a pesquisa realizada nos documentos
institucionais e as entrevistas com docentes e gestores/as do IFMA.
24

Na sexta seção, “Práticas educativas e educação para as relações raciais”


desenvolvemos o objetivo específico: analisar práticas relatadas no tocante à educação para as
relações raciais brasileiras por profissionais do IFMA. Para desenvolver esse objetivo, além
da fundamentação teórica, dialogaremos com a pesquisa realizada nos documentos
institucionais, com destaque para as atas das reuniões do NEABI/IFMA e com as entrevistas
realizadas com docentes e gestoras/es do IFMA.
Nas considerações finais, apresentamos não conclusões e, sim, considerações
proporcionadas pela pesquisa nesse momento em que foi necessário aparar as arestas e
analisar o que foi possível fazer. Porém, nossas constatações servem, fundamentalmente, para
continuarmos problematizando as relações raciais.
Acreditamos que há muito que aprender sobre a Educação Profissional no Brasil, suas
relações com os racismos brasileiros, as possibilidades e os desafios na intenção de realizar a
educação para as relações raciais. Acreditamos, também, que este estudo vai contribuir para
este empreendimento acadêmico cuja relevância não deve ser subestimada.
25

2 RELAÇÕES RACIAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA: que máscaras usamos?

Fazendo-se um apelo à humanidade, ao sentimento de


dignidade, ao amor, à caridade, seria fácil provar ou
forçar a admissão de que o negro é igual ao branco. Mas
nosso objetivo é outro. O que nós queremos é ajudar o
negro a se libertar de um arsenal de complexos
germinados no seio da situação colonial.

(Frantz Fanon, Pele negra, máscaras brancas)

Nesta seção, abordamos as relações raciais na sociedade brasileira, as suas


especificidades, os seus enfrentamentos e os seus desafios. Evidenciamos nossa opção política
pelo termo “afrodescendente” e analisamos as relações raciais, considerando como aspecto
significativo para entender os seus diversos meandros a colonialidade do poder e o
entendimento de que se reconfiguraram as estratégias coloniais que inferiorizaram as/os
afrodescendentes, fortalecendo racismos.

2.1 Quem somos nós?

Nosso país se formou tendo por base o trabalho africano, principalmente de sujeitos
criminosamente escravizados. Para tal empreendimento, homens e mulheres foram
arrancadas/os e trazidas/os de forma desumana, usando-se como justificativa para essa
atrocidade ora um discurso religioso que colocava a escravização de afrodescendentes como
um castigo divino, ora um discurso “dito” científico, que afirmava a existência de raças
humanas, de modo que esses indivíduos seriam um grupo inferior, bárbaro e fadado ao
fracasso e o eurodescendente seria uma raça civilizada que deveria guiar as demais de forma a
não atrapalharem os rumos da civilização.
Essa ideia de civilidade, pensada sob o escárnio das contribuições das/os
afrodescendentes na sociedade brasileira, não foi feita sem contestação e luta na perspectiva
de um olhar de inclusão e respeito. Acreditar que essa batalha por uma valorização da
identidade é coisa só atual é negar uma longa história de subterfúgios, desde a captura bárbara
na África até as muitas lutas ao longo da trajetória de construção sociedade brasileira.
A resistência desses povos se fez presente ao longo de nossa história. É difícil falar da
ação de afrodescendentes na busca por combater preconceitos e discriminações sociais
advindos de uma maneira racista de pensar e agir que estruturou nossa sociedade, pensando as
ações de afrodescendentes como um bloco homogêneo e harmônico. Diferentes formas de
26

luta, interesses, especificidades, contextos e possibilidades marcam os movimentos desses


grupos na sociedade brasileira. Tendo em vista a heterogeneidade que caracteriza tal luta
contra o racismo, entendemos, como Santos (1985), que essa batalha envolve todas as ações,
de qualquer tempo, fundadas e promovidas por tais indivíduos indo da resistência cotidiana
até a ação organizada contra tal forma de discriminação e seus efeitos.
Tentando sistematizar esses diferentes momentos, Silva (2016) apresenta três deles
que caracterizam a luta de afrodescendentes contra o racismo e os seus efeitos na sociedade.
O primeiro seria ainda sob a égide da sociedade escravagista, em que se destacam, por
exemplo, fugas, suicídios, a criação de irmandades, de quilombos e de revoltas, como a dos
Malês (BA), em 1835, e a Balaiada (MA), entre 1838 e 1841. Um segundo momento seria
caracterizado pela luta pós-abolição, em que a liberdade formal foi alcançada e a liberdade
real precisava ser conquistada. Nesse sentido, destaca-se a atuação de revoltas como a da
Chibata, em 1910, no Rio de janeiro, a atuação da Frente Negra Brasileira (FNB) (1931-
1937), que teve início em São Paulo, bem como o Teatro Experimental do Negro (TEN)
(1944-1968), no Rio de Janeiro. Um terceiro momento seria marcado, inicialmente, pela
constituição do Movimento Negro Unificado (MNU), destacando-se, também, na década de
1980, o Movimento das Mulheres Negras e, nas últimas décadas, os avanços em termos de
conquista de políticas públicas para a população afrodescendente após a III Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de
Intolerância (CMR), em Durban, África do Sul, em 2001.
Nesse contexto, entendemos que, nas últimas décadas, as políticas públicas voltadas
para essa população, como as políticas de cotas nas universidades pela Lei n.º 1 2.711/2012 e
de cotas no serviço público Lei n.º 12.990/ 2014 (BRASIL, 2014), as legislações no âmbito
educacional, caso das Leis n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008 (BRASIL, 2003, 2008b), que
versam sobre a obrigatoriedade do estudo da história e das culturas africana e afrodescendente
e indígena, devem ser lidas, fundamentalmente, não com um olhar caridoso dos governantes,
mas, sim, como fruto da luta histórica por respeito e por práticas que deem visibilidade às
especificidades e às necessidades desses indivíduos em uma sociedade gestada sob o signo do
racismo na forma de pensar e de agir.
Esse racismo gerou a naturalização da associação de “preto” e “negro” a coisas que
não prestam, o que teria implicado um longo e doloroso processo de negação da identidade
afrodescendente e de nossas raízes ancestrais, levando os movimentos desse segmento à
procura de outros termos que pudessem dar conta de um arregimentar de pessoas e que, ao
mesmo tempo, possibilitassem um fomento à busca solidária de superação das
27

discriminações. É nesse contexto que os termos “afro-brasileiros”, “afro-americanos” e


“afrodescendentes” vão ganhar relevância e se tornam realidades denunciadoras dos processos
de exclusões, ao mesmo tempo em que são referência para que se proponham e se busquem
estratégias conjuntas de inclusão (ROCHA, 2010).
A opção pelo termo “afrodescendente” para designar um conjunto multifacetado de
pessoas em torno da ancestralidade comum com a África é uma escolha política diante do
jogo de poder que envolve as nossas relações sociais, bem como significa uma possibilidade
de empoderamento, na medida em que aglutina, positivamente, sujeitos que ainda
representam uma parcela majoritariamente excluída na sociedade brasileira e que são, por que
não dizer, os mais discriminados ou marginalizados no mundo atual.
Para nós, a referida palavra captura a dinamicidade das realidades diaspóricas, de
modo a valorizar e a reconhecer nossas raízes, nossos saberes e nossas contribuições por meio
de um termo escolhido e não atribuído que provoca questionamentos e potencializa ações
cotidianas de resiliência. Nos dizeres de Certeau (2014, p. 38), “[...] o cotidiano se inventa
com mil maneiras de caça não autorizadas”. Essas formas são permeadas de táticas e
estratégias de dizer/fazer de outro modo o cotidiano – a invenção seria uma possibilidade de
se fazer presente, nas possibilidades do momento.
As considerações de Certeau (2014), ao discordar das concepções correntes no
momento em que escreve – que compreendem o cotidiano como o lugar marcado pela
passividade e pela reprodução –, percebem esse espaço de forma politizada. Ao analisar as
práticas cotidianas nas quais os usuários/consumidores criam meios de ser relacionar com
uma cultura que não produzem, o autor percebe a cultura como um campo de disputas,
afirmando que

[...] a cultura articula conflitos e volta e meia legitima, desloca ou controla a razão
do mais forte. Ela se desenvolve no elemento de tensões, e muitas vezes de
violências, a quem fornece equilíbrios simbólicos, contratos de compatibilidade e
compromissos mais ou menos temporários. As táticas do consumo, engenhosidades
do fraco para tirar partido do forte, vão desembocar, então, em uma politização das
práticas cotidianas. (CERTEAU, 2014, p. 45).

Pensamos o termo “afrodescendente” como uma tática, não autorizada, que nos dá a
possibilidade de problematizar e contextualizar as realidades das diásporas africanas, criando
aprendizagens e possibilitando um estar no discurso dentro de termos escolhidos por nós e
que reforçam, positivamente, nossas realidades de ontem e de hoje. Se a forma como
28

nomeamos tem historicidade, também podemos criar nossas curvas, nossos caminhos, nossos
nomes, nossas histórias.
Assim, tal palavra nos possibilita problematizar os enunciados que tomaram
significado dentro de estruturas coloniais de nomear, uma possibilidade de abrir discussão
sobre a história única criada de ser “negro/a” no Brasil, um percurso marcado pela negação da
ascendência, pela coisificação de nossa humanidade, pela passividade de nossa trajetória.
Termos como “preto” e “negro”, apesar da tentativa de ressignificação positiva, sobretudo
pelos movimentos sociais, ainda carregam carga negativa, pois, em uma sociedade de base
racista como a nossa, são frequentemente acionados no vocabulário coloquial de forma
pejorativa. A base discriminatória, presente também em nossa linguagem, demonstra outra
distinção criada com a colonização, que é o poder de nomear (COELHO; BOAKARI, 2013).
Para Fanon (2008, p. 83), a colonização fez emergir o que chamou de “complexo do
colonizado”, no qual a/o afrodescendente não apresenta os atributos para se enquadrar na
lógica colonial. Dessa forma, assumiria “máscaras brancas”, negando seu corpo, suas raízes
ancestrais, adaptando-se a uma estrutura de pensamento que lhe possibilite ser inteligível e
invisível.
O que é se tornar invisível? É não ser percebido? Como não ser percebido quando se é
diferente? Negando a diferença? Como negar uma diferença expressa não só no modo de
pensar, nas raízes culturais, mas também na pele? É possível? O que fazer nessa
impossibilidade? Fanon (2008, p. 44) nos mostra que as máscaras estão aí para isso. Agora, o
problema evidenciado pelo autor é que essas criam complexos que precisam ser desvelados.
Nesse sentido, sua pretensão/objetivo “[...] é ajudar o negro a se libertar do arsenal de
complexos germinados no seio da situação colonial.”
Para tal empreitada, Fanon (2008) tenta “desmascarar o negro”, para que ele,
entendendo seus complexos, possa se libertar daquilo que faz com que não veja a si próprio.
Nesse sentido, o autor afirma que assumir a linguagem e se esforçar para ter a organização de
pensamento à moda europeia é, dentro desse reforço de inferioridade, tanto uma alternativa
para tornar possível a sobrevivência dentro dessa lógica quanto uma possibilidade de assumir
a inferioridade de sua ancestralidade.
E por que atingir esses símbolos de civilização invisibiliza o negro? Por que esses
mesmos elementos da sociedade europeia que invisibilizam o negro tornam o branco visível?
O problema apresentado pelo autor é que o chamado “branco” é antes de ser, enquanto que o
rotulado negativamente de negro, mesmo sendo, nunca é. Isso se dá porque o primeiro,
mesmo não sendo, tem o reforço de que seus iguais foram ou são, de modo que o segundo,
29

mesmo sendo, tem nas marcas de sua pele a lembrança da diferença que sua ancestralidade
carrega – daí Fanon (2008, p. 46) dizer que “[...] provavelmente aqui está a origem dos
esforços dos negros contemporâneos em provar ao mundo branco, custe o que custar, a
existência de uma civilização negra”.
O que significa defender/mostrar a existência da civilização africana? Significa,
primeiramente, romper com a ideia de que existe uma civilização no singular: não havendo
isso, não haveria um padrão único a seguir; mostrar que viemos de algum lugar e que esse não
é qualquer lugar, mas é um local cheio de riqueza e de inteligência. Pensar nesses termos seria
uma possibilidade de tomar posse do nosso poder e da nossa ancestralidade como algo
positivo, seria romper e negar a lógica colonial que permanece em tempos de descolonização.
É necessário conhecer de outro modo, para além da história única que distorce e
simplifica formas de estar no mundo, saberes, culturas. Os africanos desumanamente trazidos
para o Brasil, com a escravização, vieram de diferentes regiões que atualmente são países
como Angola, República do Congo, Moçambique, Benin, Gana, Serra Leoa, Nigéria, dentre
outros. O próprio termo “africanos” diz pouco, simplifica diferenças, mas, pelo menos,
valoriza as ancestralidades. A negação de seus nomes de origem, com as nomeações de
“escravos”, “negros”, “pretos” e “mestiços”, teve a raça como significante de discriminações.
O poder de nomear representou e ainda representa uma das facetas do colonialismo e
de sua tentativa de inferiorização e de desumanização de afrodescendentes, negando que esses
sujeitos que para cá vieram tinham seus próprios nomes, suas histórias, suas memórias, suas
culturas e seus saberes. Como aponta Carneiro (2005, p. 99),

A negação da plena humanidade do outro, a sua apropriação em categorias que lhe


são estranhas, a demonstração de sua incapacidade inata para o desenvolvimento e
aperfeiçoamento humano, a sua destituição da capacidade de produzir cultura e
civilização prestam-se a afirmar uma razão racializada, que hegemoniza e naturaliza
a superioridade europeia.

Tendo em vista as facetas da colonialidade, como o poder de nomear, termos como


“negro” e “preto” serviram para homogeneizar e desumanizar e criaram estereótipos que
fortaleceram a lógica colonial. Para Bhabha (2013), o estereótipo e a sua “fixidez” são a
principal estratégia discursiva do discurso colonial. O outro seria sempre visto de modo
ambivalente: ao mesmo tempo em que previsivelmente naturalizado e fiel, seria também
demoníaco e imprevisível, sendo a força dessa ambivalência o que validaria o discurso
colonial.
30

Sendo assim, o objeto dessa concepção seria, para Bhabha (2013, p. 124), “[...]
apresentar o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem
racial, de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução”,
produzindo uma realidade social em que tal sujeito é apreensível, visível e previsível, mesmo
sendo o outro o diferente.
Entendemos que a relação da cor da pele com termos como “preto” e “negro” foram
criados dentro dessa lógica do discurso colonial, o qual, segundo Bhabha (2013) faz parte do
jogo da ambivalência que desumaniza e tenta transformar o estereótipo marcado por fobia e
fetiche em verdade, sendo apenas uma simplificação que nega o jogo da diferença.

A pele, como o significado chave da diferença cultural e racial no estereótipo, é o


mais visível dos fetiches, reconhecido como “conhecimento geral” em uma série de
discursos culturais, políticos e históricos, e representa um papel público no drama
que é encenado todos os dias nas sociedades coloniais. (BHABHA, 2013, p. 135).

Nesse sentido, corroboramos o entendimento de Coelho e Boakari (2013, p. 16), que


evidenciam que “[...] uma coisa é se dizer negro, cujo termo se refere à raça; preto ou pardo se
referem à cor, mas não acrescenta nada da descendência, da história, das origens. Outra coisa
é dizer afrodescendência, cujo termo traz uma carga positiva de reafirmação de origens,
identidade, história”. O termo “afrodescendente” significa, assim, uma possibilidade de
questionar o modo de nomear, ao escolhermos uma expressão fora dos padrões coloniais, uma
categoria descritiva com a potencialidade de problematizar as discriminações e os racismos.
A citada palavra, ao problematizar as realidades das diásporas, das distintas
“afrodescendências”, pode ser uma desestabilizadora de “verdades” coloniais, como uma
tática de estar no discurso causando fissuras, novas formas de ver, negando o lugar de “preto”
e “negro” que nos foi imposto pela colonialização.
No tópico a seguir, veremos como a colonialidade, um regime de poder e saber que
representa um prolongamento da inferiorização colonial a que culturas não eurodescendentes
foram submetidas, relaciona-se com o racismo na educação, que, por sua vez, tem muito a ver
com os desafios históricos de sociedades racistas.

2.2 Racismo: desafio histórico

A descolonização, como sabemos, é um processo


histórico: isto é, ela só pode ser compreendida, só tem a
sua inteligibilidade, só se torna translúcida para si
mesma na exata medida em que discerne o movimento
historicizante que lhe dá forma e conteúdo. A
31

descolonização é o encontro de duas forças


congenitamente antagônicas, que têm precisamente a
sua origem nessa espécie de substantivação que a
situação colonial excreta e alimenta.

(Frantz Fanon, Os condenados da terra)

Em fins do século XIX, mais precisamente em 1881, um escritor maranhense chamado


Aluísio Azevedo iniciou a escrita de seu romance “O mulato”, o qual versava, dentre outras
coisas, sobre o preconceito de cor e os mandos e os desmandos do clero maranhense, com as
seguintes palavras: “Era um dia abafadiço e aborrecido [...] em certos pontos não se
encontrava viva alma na rua; [...]só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no
ganho [...] um ou outro branco, levado pela necessidade de sair, atravessava a rua [...] à
sombra de um enorme chapéu-de-sol” (AZEVEDO, 1881, p. 1).
Sim, o Brasil não era mais colônia de Portugal, mas as/os portugueses/as e outros
eurodescendentes continuavam a ser aqueles/as que podiam, na São Luís do século XIX, dar-
se ao luxo de não sair no calor ou de sair com seus belos chapéus de sol, tendo seus pés
protegidos por sapatos e sandálias geralmente vindos do além-mar, seguindo a moda francesa.
O fim da colonização portuguesa não eliminou a escravização de seres humanos
afrodescendentes e de alguns indígenas, mas, pelo contrário, conseguiu fortalecer esse crime
contra a humanidade e conseguiu ser tão sofisticado, revolucionando-se continuamente, de
modo que, ainda hoje, sentimos seus efeitos nos racismos nossos de todo dia. Sim, a
colonização acabou, mas a colonialidade do poder reina ainda nestes tempos atuais.
Essas histórias, as dos afrodescendentes do século XIX e as dos de hoje,
aparentemente tão distantes, conseguem ter suas proximidades e tecer pontes, pois ambas são
marcadas pela colonialidade do poder que conseguiu atravessar séculos. Elas nos fazem hoje
questionar: de que modo a colonialidade se faz presente na educação profissional e
tecnológica e quais as especificidades dela nessa modalidade de ensino? Como pensar na
educação para as diversidades em um contexto marcado pela desvalorização do outro por
meio da imposição de um modelo de cultura, de beleza e de inteligência?
Nossa tese é de que a colonialidade presente em nossos corpos e nossas mentes faz
com que a abordagem das relações raciais esteja na fronteira, pois é realizada ainda nos
limites da sociedade racista, mas apresenta possibilidades de questionar essa lógica e de,
quem sabe, propor ações que possibilitem um olhar descolonizador.
A abordagem das relações raciais na educação não acontece em um terreno neutro. O
racismo que acreditamos ser estrutural, invade a escola, de maneira que a abordagem das
32

relações raciais, no que mandam as Leis n.º 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e n.º 11.650/2008
(BRASIL, 2008), tenta ser efetivada diante de um regime de poder/saber que se sustenta de
um prolongamento colonial que inferiorizou afrodescendentes e tentou eliminar suas histórias,
seus conhecimentos e seus saberes.
Entende-se o colonialismo como dominação de uma nação em relação à outra por
meio da imposição territorial, militar, política, econômica, cultural, enquanto a colonialidade
é tida como regime de poder que impõe padrões políticos, econômicos, morais e
epistemológicos. Esta é filha daquele, mas ela conseguiu ir muito além dos domínios
territoriais e do período que conhecemos como colonial. Colonizados não foram só os povos
da América, da África e da Ásia – esses foram partícipes da colonização moderna. Então, se o
colonialismo e a colonialidade se fundem em algum momento, esta apresenta bifurcações para
além da geopolítica colonial e moderna.
A modernidade e o capitalismo seriam construções da Europa e a partir de lá tomaram
corpo e vida, expandindo-se pelo mundo. Mignolo (2005) entende que essa interpretação que
associou esses dois conceitos, tendo um ponto de partida restrito a acontecimentos e ao
território europeu, teria colaborado para tornar invisível a colonialidade do poder, abafando,
assim, as influências e as significações da América nesse contexto.

Esse momento na construção do imaginário colonial, que será mais tarde retomado e
transformado pela Inglaterra e pela França no projeto da missão civilizadora, não
aparece na história do capitalismo contada por Arrighi (1994). Na reconstrução de
Arrighi, a história do capitalismo é vista ‘dentro’ (na Europa), ou de dentro para fora
(da Europa para as Colônias) e, por isso, a colonialidade do poder é invisível. A
consequência é que o capitalismo, como a modernidade, aparece como um
fenômeno europeu e não planetário, do qual todo o mundo é partícipe, mas com
distintas posições de poder. Isto é, a colonialidade do poder é o eixo que organizou e
continua organizando a diferença colonial, a periferia como natureza. (MIGNOLO,
2005, p. 36).

O que Mignolo (2005) mostra é que, nessa interpretação que invisibiliza o


protagonismo da América, da África e da Ásia, esse processo de construção do mundo
moderno capitalista não é algo desinteressado, não é apenas uma faceta possível de olhar um
acontecimento, como aparentemente pode indicar, pelo contrário, essa interpretação faz parte
do e se relaciona com o epistemicídio a que os povos que foram chamados de “americanos” e
“africanos” sofreram no processo de colonização, que se estendeu para além da existência das
colônias com a colonialidade.
33

Para Santos (2013), o epistemicídio se caracterizou por ser um instrumento de


dominação cultural ao negar as formas de conhecimento de povos não eurodescendentes,
conseguindo ir além do genocídio, pois

[...] eliminaram-se povos estranhos porque tinham formas de conhecimento estranho


e eliminaram-se formas de conhecimento estranho porque eram sustentadas por
práticas sociais e povos estranhos. Mas o epistemicídio foi muito mais vasto que o
genocídio, porque ocorreu sempre que se pretendeu subalternizar, subordinar,
marginalizar ou ilegalizar práticas e grupos sociais que podiam ameaçar a expansão
capitalista [...] (SANTOS, 2013, p. 343).

Corroborando a necessidade de pensar para além do epistemicídio, Anderson (1999)


aponta que termos como “pós-modernismo” e “modernismo”, ao contrário da expectativa
convencional de pensar que nasceram na Europa, então centro cultural, ou nos Estados
Unidos, ambos nasceram bem distantes dessas referências a que são frequentemente
associados.

Devemos a criação do termo “modernismo” para designar um movimento estético a


um poeta nicaraguense que escrevia num periódico guatemalteco sobre um embate
literário no Peru. O início por Rúbem Darío, em 1890, de uma tímida corrente que
levou o nome de modernismo inspirou-se em várias escolas francesas – romântica,
parnasiana, simbolista – para fazer uma “declaração de independência cultural” face
à Espanha, que desencadeou naquela década um movimento de emancipação das
próprias letras espanholas em relação ao passado. Enquanto em inglês a noção de
“modernismo” só passou ao geral meio século depois, em espanhol já integrava o
cânone da geração anterior. [...] assim como “liberalismo” foi uma invenção do
levante espanhol contra a ocupação francesa na época de Napoleão, uma exótica
expressão de Cádiz que só muito depois se tornaria corrente nos salões de Paris e
Londres. (ANDERSON, 1999, p. 9, grifo do autor).

Eurocentrismo e epistemicídio estavam entranhados no processo de significação dos


alcances da colonização moderna. Minimizar esse alcance e essa abrangência representava
também uma forma de controle. Nesse sentido, Quijano (2005) fala da necessidade de
entender que a modernidade foi colonial desde o seu ponto de partida, sendo, portanto,
constituída por conflitos e interesses sociais. Dessa forma, o modo eurocêntrico de pensar tal
conceito como algo localizado na e partindo da Europa seria uma invenção conveniente aos
colonizadores. A América não significou um acontecimento isolado ou que esteve na periferia
desse contexto de formação da modernidade, mas trouxe, sim, consequências imediatas no
mercado mundial e na formação de um novo padrão mundial, afetando todo o mundo então
conhecido.
Nessa lógica de interpretação, em que o continente americano seria o ponto de partida
da modernidade, e não o oposto, o eurocentrismo é entendido como:
34

O nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática começou


na Europa Ocidental antes de meados do século XVII, ainda que algumas raízes são
sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou
mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo da Europa burguesa. Sua
constituição ocorreu associada à específica secularização burguesa do pensamento
europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial capitalista,
colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América. (QUIJANO,
2005, p. 115).

Entre os elementos importantes para se pensar no eurocentrismo estaria a articulação


de polos antagônicos (tradicional/moderno, primitivo/civilizado, pré-capital/capital), mas
dentro de um evolucionismo linear em que a sociedade europeia estaria no comando: a
naturalização das diferenças culturais pela racialização e a vinculação a um passado de tudo
que é europeu (QUIJANO, 2005).
Nessa lógica de interpretação, vozes dominantes do referido continente aparecem
como modelo direcionador dessa racionalidade que desencadearia o progresso da
humanidade, em uma perspectiva salvacionista, em que o europeu, detentor da verdade, a
única válida, seria o salvador, o qual teria um rosto bem específico: além de, lógico, ser
europeu, teria de ser “branco”, cristão e heterossexual, de modo que todos os pobres mortais
que estivessem à margem dessa lógica seriam bárbaros, primitivos, atrasados, infantis e
folclóricos e deveriam aguardar a colonização de terras, de corpos e de mentes como uma
possibilidade de salvação no mundo.
O colonialismo moderno nasce embebido dessas ideias, apesar de as colônias não
serem um fenômeno que surgiu na modernidade, pois a presença delas antecede esse
momento histórico. Na modernidade, a colonização assume novos contornos, dentre os quais
está a raça. A cor da pele passa a ser justificativa para tais processos, para a escravização de
pessoas e para, com ela, o percurso de desumanizar seres humanos por causa do fator racial.
Nesse processo de desumanização estavam também as formas de nomear, as histórias, os
saberes, os deuses e as civilizações desses povos.
A dominação colonial não foi apenas política, mas foi também ideológica, ao
conseguir naturalizar o imaginário cultural do europeu como a forma mais apropriada de
relação com o mundo, redefinindo os modos, o conhecer, o agir e o desejar das populações
dominadas em função do modelo ocidental forjado junto à colonização (NASCIMENTO,
2010).
Nesse sentido, Mignolo (2005) afirma que a metáfora “sistema-mundo” considerou o
colonialismo, mas não trouxe à tona a “colonialidade do poder” e a “diferença colonial”, pois
não levou em consideração um imaginário do sistema-mundo-moderno de maneira conflitiva.
35

As noções de “colonialidade do poder”, cunhada por Quijano (2010), e de “diferença


colonial”, por Mignolo (2005), são fundamentais para o entendimento da proposta descolonial
vinda da própria América Latina e de outros contextos, bem como de seus autores marcados
pelo colonialismo e pela colonialidade, como, por exemplo, Fanon (2008).
Enquanto a colônia se limitou a um tempo específico de dominação política explícita,
também territorial, a colonialidade teve seu desdobramento para além dessas arestas,
provando ser mais duradoura que o colonialismo. Ela seria esse regime de poder que impõe
padrões políticos, econômicos, morais e epistemológicos para outros povos ao criar uma
identidade europeia por meio da expropriação das outras culturas que foram sistematicamente
inferiorizadas (QUIJANO, 2005).
A diferença colonial seria, então, “[...] o local ao mesmo tempo físico e imaginário
onde atua a colonialidade do poder, no confronto de duas histórias visíveis em diferentes
espaços e tempos do planeta” (MIGNOLO, 2003, p. 10). Tal concepção se apresenta como a
lógica que cria e sustenta a colonialidade, legitimando o eurocentrismo e o etnocentrismo ao
inferiorizar povos, saberes e territórios colonizados e colonializados, de modo a apresentar
uma classificação pautada em cor de pele, religião, língua etc.

A diferença colonial se instaura, então, no início da colonização definindo, no


projeto civilizatório, quem é e quem não é bárbaro e ligando à imagem deste o lugar
da subalternidade. Um dos critérios fundamentais de definição da barbárie é a
relação com os saberes e sua produção, com o conhecimento que desembocará, mais
adiante, na maneira europeia de fazer ciência, no eurocentrismo também denunciado
por Quijano. E a diferença colonial é exatamente esse espaço no qual se trata de
impor o pensamento hegemônico eurocêntrico para fundar a inferioridade da
população e justificar tal inferioridade. (NASCIMENTO, 2010, p. 43).

A naturalização das diferenças foi uma estratégia para construir essa história única
traçada pelo eurocentrismo e também um instrumento da colonialidade. Como diz Adichie
(2009), “É assim que se cria uma única história: mostre um povo como coisa, como somente
coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão”.
Tal concepção se fortalece dessa tentativa de imposição de uma história única, em que
povos são pensados fora da sua humanidade e da sua sabedoria, transformando diferenças
culturais em naturais na tentativa de evitar questionamentos e contestações, pois os europeus
seriam naturalmente superiores, escolhidos por um deus que é o único verdadeiro. Logo, estes
são evoluídos e, sempre na perspectiva positiva dos dualismos criados, eram os civilizados,
científicos, racionais e modernos, enquanto que os colonizados seriam tradicionais,
irracionais, demoníacos e míticos, por serem naturalmente inferiores.
36

Nesse contexto, a raça aparece como uma categoria mental da modernidade, sendo
estabelecida juntamente à identidade racial como instrumento de classificação social da
população, pois os colonizadores codificaram como cor traços fenotípicos dos colonizados e
associaram esses aspectos à inferioridade desses povos. Tal noção de raça construída na
modernidade não teria história conhecida antes da América e possibilitou, nesse contexto,
identidades sociais historicamente novas, como índio, negro, mestiço, europeu (QUIJANO,
2005).

Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de


dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova
id-entidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do
mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com
ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações
coloniais de dominação entre europeus e não europeus. Historicamente isso
representou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações
de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados. (QUIJANO, 2005, p.
107).

A raça como instrumento de dominação na colonização foi uma construção que


invisibilizou as atrocidades cometidas. Assim, um escravagista europeu ou eurodescendente
poderia torturar um africano e/ou afrodescendente sem que isso causasse nenhuma ou muito
pouca comoção popular. A naturalização da raça que transformou traços fenotípicos
específicos em elementos indicadores de uma natural inferioridade tornava um negro apenas
um negro, ou seja, isso passa a ser “[...] uma marcação de inferioridade com o poder universal
de classificação construindo uma ficcional homogeneidade de grupos racializados,
escondendo a heterogeneidade dessas populações” (NASCIMENTO, 2010, p. 27).
A colonialidade se sustenta, então, “[...] na imposição de uma classificação racial
étnica da população do mundo como pedra angular do referido padrão de poder e opera em
cada um dos planos, meios e dimensões, materiais e subjetivos, da existência social
quotidiana e da escala societal” (QUIJANO, 2010, p. 84).
Segundo Quijano (2005), essas novas identidades atribuídas e fundamentadas na ideia
de raça tiveram desdobramentos também na nova estrutura global do trabalho, sendo
associados elementos como raça e divisão do trabalho, podendo-se falar em uma divisão
racial do trabalho que se manteve no interior do capitalismo colonial e moderno ao longo de
todo esse período tendo como consequência disso o ofício assalariado concentrando-se
predominantemente entre os chamados brancos. Desse modo, associou-se, desde o princípio
da colonização da América o trabalho não pago ou não assalariado com grupos dominados,
pois eram tidos como inferiores, enquanto o trabalho pago, privilégio dos “brancos”.
37

[...] a economia capitalista mudou de rumo e acelerou seu processo com a


emergência do circuito comercial do atlântico, a transformação da concepção
aristotélica da escravidão exigida tanto pelas novas condições históricas quanto pelo
tipo humano (por ex.: negro, africano) que se identificou a partir desse momento
com a escravidão e estabeleceu novas relações entre raça e trabalho. (MIGNOLO,
2005, p. 36).

O racismo e a escravização de pessoas se articulam assim: iorubás, fons, mandes,


ambundos, kiokos, bacongos, apesar da heterogeneidade étnica existente, passaram a ser
apenas negros. Tornar visível apesar os traços fenotípicos como elementos de inferiorização e
invisibilizar histórias e saberes foi uma estratégia colonial que continua fortalecendo a
colonialidade do poder e os racismos nossos de todos os dias.
Isso é tão forte – de certo modo, comum e naturalizado – que faz com que muitos de
nós nem pensem ou reflitam sobre inúmeros fatos que acontecem ao nosso redor. Por
exemplo, não se refletiu sobre os significados, durante a abertura dos jogos olímpicos do
Brasil, em 2016, da fala sobre os povos que vieram de outras localidades para estas terras hoje
nomeadas de Brasil, como é o caso dos portugueses chamados de europeus e dos africanos
chamados apenas de negros.
Sim, os termos “europeus” e “africanos” são expressões e significações que, assim
como “índios”, estão dentro da lógica colonial, mas apagar a ancestralidade é, também, ainda
hoje, uma tentativa de negar suas histórias. Como diz Fanon (2008, p. 107), “[...] de um
homem se espera uma conduta de homem; de mim, uma conduta de homem negro”.
É nesse sentido que Fanon (2008, p. 34) afirma que falar é assumir uma cultura, é
assumir o peso de uma civilização. Assim, o afrodescendente antilhano será mais próximo do
eurodescendente, homem verdadeiro, à medida que ele falar o francês. Desse modo, o autor
entende que “[...] todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao
sepultamento de sua originalidade cultural – toma posição diante da linguagem da nação
civilizadora, isto é, da cultura metropolitana”.
A colonização conseguiu desumanizar seres humanos, negativando traços físicos,
tentando apagar suas histórias, sobretudo as de sucesso. Eurocentrismo e racismo não seriam
exclusividades dos europeus, ou dos chamados “brancos”, mas de todo um conjunto de
educados sob sua hegemonia (QUIJANO, 2010, p. 86).
Tal tipo de discriminação é um dos desmembramentos mais potentes da colonização e
na colonialidade. É difícil de ser identificado e afirmado, mas fácil de ser sentido, porque está
entranhado nos nossos modos de dizer, fazer e sentir. Então, como propor e realizar a
educação não racista em um contexto ainda hoje eurocêntrico? Como tirar as nossas máscaras
38

brancas em um contexto marcado pela colonialidade do poder? Como as escolas, os institutos,


as universidades podem fazer isso ou ajudar nesse processo tendo suas lógicas de
funcionamento e de pensamento tão marcadas pela forma europeia e/ou estadunidense de
pensar, fazer, ser e agir?
Autores, como Mignolo (2008), apontam a necessidade da descolonização, entendida
como a precisão de desprogramar nossos cérebros programados pela razão imperial/colonial,
pois a colonialidade continua. Esse processo teria de ser também fundamentalmente
epistêmico e político e precisaria se desvincular dos conceitos coloniais e da acumulação de
conhecimento, pois as pessoas consideradas inferiores tiveram seu agenciamento epistêmico
negado, necessitando que nós “aprendêssemos a desaprender” para um pensar/agir
descolonizador.
O pensamento colonial só teria sentido com um fazer descolonial. Nas palavras de
Fanon (2005, p. 52), “[...] a descolonização, que se propõe a mudar a ordem do mundo, é,
como se vê, um programa de desordem absoluta. Mas ela não pode ser resultado de uma
operação mágica, de um abalo natural ou de um entendimento amigável”.
Conhecer a partir dos povos que foram inferiorizados não significa inserir mais um
conteúdo no rol dos acumulados pelo conhecimento ocidental. Conhecer “a partir de”
significa pensar com o outro, potencializando suas formas de conceber o mundo – daí falar
em identidade “em” política, e não identidade “na” política.

Irei argumentar que a identidade em política é crucial para a opção descolonial, uma
vez que, sem a construção de teorias políticas e a organização de ações
fundamentadas em identidades que foram alocadas (por exemplo, não haviam índios
nos continentes americanos até a chegada dos espanhóis; e não havia negros até o
começo do comércio massivo de escravos no Atlântico) por discursos imperiais [...]
pode não ser possível desnaturalizar a construção racial e imperial da identidade no
mundo moderno em uma economia capitalista. As identidades construídas pelos
discursos europeus modernos eram raciais (isto é, a matriz racial colonial) e
patriarcais. (MIGNOLO, 2008, p. 289).

Assim, para Mignolo (2008), a identidade em política seria a possibilidade de pensar


em termos de projetos de descolonização, pois, sem a “desobediência epistêmica” e política,
não conseguiríamos sair da razão imperial. Isso não significa deslegitimar as ideias críticas
europeias pós-coloniais que se fundamentaram em autores como Lacan, Foucault e Derrida,
mas apenas se entende que essas críticas não chegam às raízes do problema, do epistemicídio.
A educação profissional e tecnológica é um espaço fértil para pensar essas relações
entre raça e trabalho que tiveram suas construções coloniais, mas se fortaleceram,
sofisticaram-se e criaram novas curvas com a colonialidade.
39

A população trabalhadora com menos acesso aos bens sociais tem sido o público-alvo
da educação profissional no Brasil, assim como em todas as antigas colônias modernas.
Quando se fala em grupos menos favorecidos socialmente, estamos falando majoritariamente
da população afrodescendente e de trabalhos que ficaram destinadas a esse segmento. A
colonialidade mostra toda a sua força!
A seguir, teremos por foco as relações raciais na sociedade brasileira, o modo como
foram tecidos e tramados nossos racismos, bem como as possibilidades questionadoras e
atuantes no sentido de desmistificar tais discriminações aspectos da descolonialidade.

2.3 Colonialidade, Brasil, suas histórias e suas possibilidades

Pensar a sociedade brasileira e as relações raciais é algo complexo, mas entendemos


que o caráter antagônico da discussão, presente tanto nas ações cotidianas, na prática teórica
acadêmica e na atuação dos movimentos sociais ao longo de nossa história, deixa nítida a
necessidade de tocar na ferida aberta do racismo e desvelar nossa realidade.
No livro “Nem preto nem branco, muito pelo contrário”, a autora Schwarcz (2012)
parte de uma pesquisa reveladora para construir seu posicionamento sobre o racismo no
Brasil. Ela acompanhou pesquisas realizadas pela Universidade de São Paulo dos anos de
1988 a 2011, em que era perguntado se a/o entrevistada/o tinha preconceito racial e,
posteriormente, era perguntado se ele/a conhecia alguém, do seu círculo próximo, que o
tivesse. Os dados, com pequenas alterações, mostraram que aproximadamente 90%
afirmavam não ter tal postura e, na resposta seguinte, quase 90% afirmavam conhecer pessoas
do seu convívio que a tinham. A autora contrapõe esses dados com pesquisa realizada nos
bailes negros, na cidade de São Paulo, por João Batista Felix, em que foi feita a pergunta
inversa e a maioria das/os negras/os entrevistadas/os negou ter sido vítima de discriminação,
mas confirmou casos de racismo envolvendo familiares e parentes próximos. Assim, a autora
aponta que não existe dúvida, nem para afrodescendentes nem para os eurodescendentes
chamados brancas/os, de que exista racismo no Brasil – a especificidade é o modo como
atribuímos ao “outro” o racismo. Dessa forma, indica que

[...] estamos diante de um tipo particular de racismo, um racismo silencioso e que se


esconde por trás de uma suposta garantia de universalidade e de igualdade das leis, e
que lança para o terreno do privado o jogo da discriminação. Com efeito em uma
sociedade marcada historicamente pela desigualdade, pelo paternalismo das relações
e pelo clientelismo, o racismo só se afirma na intimidade. É da ordem do privado,
40

pois não se regula pela lei, não se assume publicamente. (SCHWARCZ, 2012, p.
32).

Esse preconceito de intimidade à moda brasileira parece se envergonhar em assumir o


racismo, mesmo que este seja confirmado como prática cotidiana. Isso nos faz entender como
perspectivas antagônicas foram defendidas pela intelectualidade brasileira. A defesa de que
vivemos em uma democracia racial é um “belo” exemplo disso.
Vigorou na historiografia brasileira tradicional a perspectiva de que as relações raciais
na sociedade escravocrata foram amenas, contribuindo para que fossemos caracterizados,
posteriormente, como uma democracia racial. Autores como Gilberto Freyre (2005), nos anos
de 1930, com obras como “Casa grande e senzala”, contribuíram para a formação dessa
ideologia. Na visão do citado teórico (2005), na falta de mulheres eurodescendentes, deu-se
uma aproximação sexual entre as pejorativamente chamadas de negras e as indígenas com os
homens “brancos”, de modo que essas relações de intimidade teriam contribuído para
fortalecer laços de confraternização entre as raças, sem levar em consideração as violências
envolvidas nessas ligações, na sua grande maioria. Assim, o autor desloca as discussões do
plano das teorias raciais amplamente discutidas nas vésperas e no pós-abolição, vistas como
um problema para a sociedade brasileira, pois acreditavam ser a mistura de segmentos étnicos
um atrapalho para a civilização, inserindo-se a discussão no plano da cultura. Então, o nosso
país seria caracterizado por ter uma formação cultural solidária, possibilitando uma vivência
harmônica entre as raças, contribuindo com a tese de que vivemos em uma democracia racial.
De acordo com Munanga (1999, p. 89), o mito da democracia racial era baseado na
mestiçagem biológica e cultural entre três raças originárias tendo penetração profunda na
sociedade brasileira. Assim, “Freyre não privilegia na sua análise o contexto histórico das
relações assimétricas do poder entre senhores e escravos no qual surgiram os primeiros
mestiços”. Por isso, o autor referenciado defende que as teses de Freyre serviram para reforçar
o ideal do branqueamento, encobrindo conflitos raciais com o fortalecimento de que temos
uma unidade pelo fato de sermos brasileiras/os.
Essa perspectiva de uma democracia racial vem sendo amplamente contestada, tanto
pelos movimentos de afrodescendentes, desde o início do século, como mostra a atuação da
Frente Negra Brasileira, como pelo mundo acadêmico, que desde a década de 1950 mostra
pesquisadores como Roger Bastides e Florestan Fernandes constatando o engano do convívio
harmonioso, “[...] nomeando as falácias do mito: em vez de democracia, surgiram indícios de
discriminação, em lugar de harmonia, o preconceito.” (SCHWARCZ, 2012, p. 69).
41

Guimarães (2009), ao estudar o racismo e o antirracismo, aponta que, no Brasil, tal


discriminação se configurou em um tabu, criando uma representação problemática em que a
classe social, estrategicamente, sufoca as relações raciais. Diferentemente dos Estados
Unidos, que exibiu um padrão de relações violentas e segregacionistas, a realidade brasileira
mostrava uma refinada etiqueta de distanciamento, status e diferenciação social convivendo
com equidade jurídica e indiferenciação formal.
Essa diferença de nuance entre essas perspectivas não as colocava em pontos opostos.
A defesa da mestiçagem que teria originado uma democracia racial encobria, sorrateiramente
e intencionalmente, que a escala de cor no Brasil representava uma forma de racializar a
sociedade, defendendo que a negação da existência de relações raciais via proposta de
democracia racial contrariava interesses e valores do povo negro brasileiro.
Guimarães (2009, p. 59) afirma que o racismo, no Brasil, “[...] se perpetua por meio de
restrições fatuais da cidadania, por meio da imposição de distâncias sociais criadas por
diferenças enormes de renda e de educação, por meio de desigualdades sociais que separam
brancos e negros, ricos e pobres, nordestinos de sulistas.”
Essa discriminação pode ser sentida inclusive em termos utilizados em nosso
cotidiano, como, por exemplo, “negro de alma branca”, “negra, mas bonita”, “é preto, mas é
limpinho”, que, com a “nobre” pretensão de exaltar a população afrodescendente, mostram a
faceta simbólica do racismo brasileiro como forma de poder. Para Bourdieu (1998, p. 8-9),
“[...] o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
exercem.” Desse modo, nomear, ignorar e/ou dissimular é uma forma de reconhecer a
existência do racismo, cabendo-nos problematizar a dinâmica que possibilita esse poderio via
simbologia, como é o caso das expressões acima citadas.
Problematizar termos e formas de nomear é questionar o europeu como aquele que se
acha com poder de dizer/saber. Como diz Fanon (2008, p. 33), “[...] falar [...] é sobretudo
assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização”. As ideias de civilização e de cultura
foram formuladas pelas metrópoles colonialistas como uma imposição ou uma superioridade
cultural, pensando-se cultura no singular e civilização a partir de avanços específicos do
continente europeu. O que estava fora disso era barbárie. A questão central nesse caso é o
ponto de partida, e o ponto de partida para pensar o homem e a humanidade era o “homem
europeu”, com sua aparência física, sua racionalidade, seu modo de interagir com o sagrado,
com o trabalho e com as outras pessoas. A linguagem entra nesse contexto, no sentido em que
o citado autor trata, significando um “cimento” em que todas essas outras características
42

poderiam ser observadas, tanto no plano do consciente quanto no do inconsciente – daí a


linguagem conseguir denunciar até o que nos esforçamos em esconder ou aquilo que nem
mesmo tínhamos intencionalidade.
Com relação a essa significação, Fanon (2008, p. 34) enfatiza que “[...] todo povo no
seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento de sua
originalidade cultural toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da
cultura metropolitana”. Entendemos que até termos que pretendem exaltar o afrodescendente,
em uma sociedade colonizada como a nossa, fazem-no a partir do uso de máscaras que o
retiram do território de sua ancestralidade e o colocam como adepto das características
coloniais. A expressão “negro de alma branca”, acima evidenciada, como uma pretensa
qualificação positiva a uma/o afrodescendente, pode ser lido também como algo que não
reforça nossa identidade, por só observar nossa positividade/potencialidade,
desterritorializando-nos do nosso corpo, da nossa história, da nossa ancestralidade, ou seja,
vestindo-nos de máscaras brancas.
A sociedade brasileira vem, ainda que tardiamente, refletindo, descortinando o
racismo e propondo projetos e políticas públicas que tentam mudar/questionar a base racista
de nossa civilização. A educação tem importante responsabilidade nessa empreitada, mas
essas instâncias normativas precisam estar em consonância com a prática educativa de nossas
escolas.
Não podemos esquecer que o Brasil gestou suas raízes tendo por base o eurocentrismo.
Desse modo, saber, história, cultura e epistemologia, pensados no singular, contribuíram para
a criação de representações sociais nos moldes de uma história única. O eurodescendente veio
com a mentalidade de colonizador das terras e do que entende ser selvagens indígenas e
africanos. Essa forma de pensar propiciou ações genocidas, de maneira que o racismo se
tornou alicerce de distinção social.
A distinção entre civilizados e bárbaros, nos termos europeus, esteve extremamente
entranhada na relação entre as sociedades metropolitanas e os territórios coloniais, de modo
que estes não se encaixariam na lógica do pensamento moderno ocidental – daí nele se
produzirem e se radicalizarem distinções. A zona colonial seria o universo de crenças e
comportamentos incompreensíveis, o espaço de mágicas e idolatrias, em que a negação da
natureza humana dos seus agentes serviu, inclusive, para fortalecer essas distinções e
demarcar poder de ação e dominação. No sentido evidenciado, Quijano (2010, p. 119-120)
afirma:
43

A “racialização” das relações de poder entre as novas identidades sociais e


geoculturais foi o sustento e a referência legitimadora fundamental do caráter
eurocentrado do padrão de poder, material e intersubjectivo. Ou seja, da sua
colonialidade. Converteu-se, assim, no mais específico dos elementos do padrão
mundial do poder capitalista eurocentrado e colonial/moderno e atravessou –
invadido – cada uma das áreas de existência social do padrão de poder mundial,
eurocentrado, colonial/moderno.

A racialização das relações de poder mostra que, se, por um lado, não existem raças
humanas, não apresentando relação entre nosso fenótipo, intelectualidade e diferencial
biológico, por outro ângulo, as sociedades coloniais se gestaram usando práticas racistas para
justificar relações de poder e tecer suas representações sociais. Desse modo, pensar a
diversidade racial brasileira não significa celebrar a mestiçagem. Não somos um todo
harmônico, mas somos fruto de relações extremamente desiguais, sendo o racismo, ainda
fortemente presente, uma faceta das distinções sociais criadas desde a colonização e que ainda
funcionam como mecanismo para desqualificar grande parcela da população do país.
A necessidade de questionar/subverter as bases coloniais, de desvelar nossos racismos
e de possibilitar a educação para a diversidade que contemple nossas diferenças, urge na
educação brasileira. Na contramão dessa possibilidade, existe todo um arcabouço
epistemológico eurocêntrico que desqualifica esses estudos e questiona a necessidade dessa
abordagem no âmbito universitário e na atuação docente em geral.
Questionando esse modo de pensar a ciência, Gauthier (2012) enfatiza que devemos
pluralizar a noção do científico, questionar e ampliar conceitos e que isso não significaria
negar a cultura europeia, mas enfatiza que algumas estratégias ajudariam a problematizar essa
universalização: entre os exemplos apontados pelo autor está a qualificação das ciências
ocidentais como “eurodescendentes”. Assim, esse saber assumiria o particularismo que
significa no âmbito do conhecimento, bem como os saberes chamados “afrodescendentes” e
“indígenas”: considerados também ciência, os saberes “eurodescendentes” não poderiam ser
vistos como universais.
Guimarães (2009) aponta o uso do conceito de “raça” nos trabalhos sobre relações
raciais na atualidade como algo inquietante, tendo em vista a constatação científica de que não
existem subdivisões na espécie humana. Porém, afirma que essa constatação teria contribuído
para a construção da nacionalidade, uma vez que a abordagem racializada da ciência, herdeira
do século XIX, representava uma dificuldade para os “construtores” da nação. Essa
desracialização fortalecia a ideia de que éramos uma democracia racial. Então, não existindo
raça, importava apenas a classe social. Em contrapartida, o autor destaca que, sendo a nossa
miscigenação “pigmentocrática”, escondida no uso da classe, como principal distintivo social,
44

estava o caráter racialista das distinções de cor. Desse modo, o antirracialismo se entranhava
na ideia de democracia racial cumprindo uma função obscurecedora e manipuladora que
passou a incomodar, sobretudo, uma parcela da população afrodescendente que não queria ser
benevolamente embranquecida por essa terminologia cromática.
Como aponta Hall (2003, p. 69), raça é uma construção política e social. “É uma
categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de poder socioeconômico, de
exploração e exclusão – ou seja, o racismo.” Então, se não existem raças do ponto de vista
biológico, não podemos negar que a nossa formação social foi marcada por relações raciais
nada harmônicas, desconstruindo, então, o mito da democracia racial.
Nesse contexto, a/o afrodescendente foi estigmatizada/o não só quando da sociedade
escravista. No pós-abolição, a ideologia do branqueamento como norte civilizacional teve um
rebatimento avassalador perante a autoestima dessa população. Nessa perspectiva, Munanga
(1999, p. 110) destaca a importância dos movimentos desses sujeitos na contemporaneidade,
para os quais a construção da identidade dos excluídos supõe “[...] o resgate de sua cultura, do
seu passado histórico negado e falsificado, da consciência de sua participação positiva na
construção do Brasil, da sua cor da pele inferiorizada, ou seja, a reparação de sua negritude.”
A identidade das/os afrodescendentes não pode ser entendida de forma homogênea,
em que, uma vez posicionados como tal, todas/os entendam e sintam a sua imagem da mesma
forma. Concordamos com Hall (2011, p. 108) quando ele defende a concepção de que

[...] as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade tardia,
cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas
multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem
cruzar ou ser antagônicos. As Identidades estão sujeitas a uma historicização radical,
estando constantemente em processo de mudança e transformação.

Essa concepção rompe com a perspectiva de identidades estáveis e sem mudanças, em


que um eu coletivo se esconde dentro de outros “eus”, compreendendo-as “[...] como
produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e
práticas discursivas específicas, por trajetória e iniciativas específicas.” (HALL, 2011, p.
109).
Gomes (2010), em seu artigo sobre intelectuais afrodescendentes e produção do
conhecimento no contexto acadêmico brasileiro, faz importantes reflexões sobre a
compreensão de que a identidade afrodescendente não pode ser vista/analisada como um
bloco homogêneo e universal, pois esse seria um discurso que iria à contramão do direito à
diferença, sendo, portanto, um desafio entender que, se, em alguns momentos, devido a
45

situações de autoritarismo e ditadura, os grupos que lutam pelo direito à diferença se unem,
construindo discursos que parecem uniformizar uma identidade, essa pode ser uma estratégia
de luta, mas não uma realidade viável em uma sociedade democrática.
Para Gomes (2010, p. 508), tais intelectuais seriam “[...] sujeitos capazes de interpretar
e pressionar a entrada para o campo do conhecimento científico de formas de saber e conhecer
produzidas em um universo sociopolítico-cultural que tem a sua história enraizada em um
contexto de violência, opressão e luta.” Exemplificando essa realidade multifacetada da
identidade negra no contexto acadêmico/universitário, o autor aponta diferentes formas de
atuação desses indivíduos, possibilitando um olhar plural para o seu sentimento de
pertencimento e o seu campo de atuação.
Diante da realidade acima exposta, exemplificamos mostrando que, se nos anos 1980 e
1990 existia, de modo majoritário, uma pequena gama de afrodescendentes que adentravam
ao mundo universitário, tendo uma trajetória fortemente ligada a um engajamento nos
movimentos sociais, esse número, na atualidade, vem crescendo, mas muitos desses
intelectuais optam por questionar as relações raciais apenas no âmbito universitário, não se
vinculando diretamente aos movimentos sociais, existindo, portanto, diferentes maneiras de
ser intelectual afrodescendente, como é o caso de outros intelectuais de outros grupos. Assim,
apontamos para o desafio do diálogo entre sujeitos de um mesmo segmento que ocupam
diferentes lugares na universidade e na sociedade, de modo que essa característica representa
um caráter desafiador, inovador e diatópico (GOMES, 2010).
Vemos essa percepção dessas múltiplas identificações como uma possibilidade de
demonstrar nossa humanidade e nossa diferente inserção nas lutas sociais e no rebatimento
daquilo que afeta nosso cotidiano. Aquilo que nos atravessa cria potência de agir,
impulsionando-nos a mudar, lutar, questionar, e não pode ser entendido como
necessariamente igual só porque somos afrodescendentes. Nossa diferença é nossa riqueza, e
demonstrar diferentes modos de ser afrodescendente pode ser também lido como uma
conquista da luta democrática pelo direito à diferença.
Corroborando o pensamento de Gomes (2010), Hall (2011) e Silva, T. (2011) abordam
as relações de poder que atravessam a identidade e a diferença como processos de produção
social. Este último destaca a diferença de três estratégias pedagógicas em seu trato com a
diversidade. A primeira seria a “liberal”: que estimularia a boa vontade, tendo em vista que a
natureza humana tem uma variedade cultural em sua formação e que todas/os merecem
respeito, além de que a prática pedagógica se voltaria para possibilitar o contato com o
diferente. Segundo o autor, o problema dessa abordagem seria que, ao valorizar a natureza
46

humana, ela deixa de lado as relações de poder e o processo pelo qual acorrem as
diferenciações. A segunda estratégia é chamada de “terapêutica”, por atribuir a rejeição da
diferença a distúrbios psicológicos. Como estratégia pedagógica, a/o aluna/o deveria ser
corrigida/o por meio de atividades que possibilitassem um repensar das suas atitudes. Na
terceira proposta, que é a abordagem defendida pelo autor (SILVA, 2011) como apropriada
perante a sua defesa teórica, consistiria em pensar a identidade dentro do currículo como uma
questão política, procurando captar a produção das identidades e das diferenças dentro do
fazer das diferentes instituições. Assim, a prática pedagógica, mais do que reconhecer e
celebrar, deve proporcionar questionamentos, possibilitando subversão das construções
identitárias existentes.
A prática pedagógica entendida como práticas sociais, organizadas para concretizar
expectativas educacionais, tendo como objetivo a realização de processos pedagógicos
(FRANCO, 2016), deveria deixar nítidas as relações de poder presentes na sociedade,
promovendo uma postura questionadora de posicionamentos tidos como naturais e
verdadeiros. Entendemos poder em concordância com Foucault (1982, p. 183), que diz:

Não devemos tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e


homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de uma classe sobre as outras [...].
Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é
apropriado como riqueza ou um bem [...] nas suas malhas os indivíduos não só
circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação;
nunca são alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão
[...].

As relações raciais são atravessadas por relações de poder, e perpassam as diferentes


instituições sociais. Urge analisar como essa luta pelo poderio, no que tange ao
empoderamento da identidade afrodescendente, faz-se presente na prática docente, uma vez
que, não existindo “os donos do poder”, os retrocessos e os avanços fazem parte de uma
história de luta, e não de meras concessões.
Tendo em vista que as identidades são construídas no interior dessas relações de poder
e fundadas sobre uma exclusão, sendo, portanto, um “efeito do poder” (HALL, 2003),
entendemos a complexidade de pensá-las, uma vez que, não sendo categorias fixas no tempo e
no espaço, elas não excluem conflito e heterogeneidade no interior de sua formação. Servem,
então, como diz Boakari (2007, p. 2), como ponto de referência para conhecer a si próprio
quando decidimos não priorizar nossas semelhanças humanas. Segundo o autor, “[...] a
diferença desempenha o papel fundamental de ser alicerce e referência na construção das
diversas individualidades que se apoiam nas múltiplas identidades que todo indivíduo possui”.
47

Desse modo, tal concepção tem que ser algo reconhecido tanto por quem diz a ela pertencer
como pelo reconhecimento externo a esse sentimento de pertença.
Essa demarcação das diferenças faz parte de um momento de luta pelo reconhecimento
delas, em que as chamadas “minorias sociais” vêm saindo dos seus guetos em um
autorreconhecimento e lutando pelo reconhecimento social, o que pode ser observado nas
políticas públicas contemporâneas. Segundo Oliveira (2006, p. 35),

Será, portanto, nas sociedades multiculturais que a questão da identidade étnica e de


seu reconhecimento vai se tornar ainda mais crítica. Em tais sociedades, a dimensão
da identidade étnica relacionada com a da cultura tende a gerar crises individuais ou
coletivas. E com elas surgem determinados problemas sociais susceptíveis de
enfrentamento por políticas públicas, como, por exemplo, as chamadas políticas de
reconhecimento.

Problematizando a moral do reconhecimento, Oliveira (2006) afirma que o


preconceito sempre significou uma barreira para o reconhecimento. A busca pelo respeito de
si seria condição para lutar pelo reconhecimento de uma identidade étnica. Nesse sentido, ele
lembra que cultura e identidade não podem ser entendidas como sinônimos, pois os grupos
étnicos podem compartilhar de culturas distintas ou de diferentes modos de vivê-las e, ainda
assim, lutarem por uma identidade. Esse seria um aspecto político da luta pelo
reconhecimento que se efetiva quando não é só um autorreconhecimento, mas, também, um
reconhecimento do outro.
A identidade étnico-racial é pautada na vivência desarmônica das relações raciais em
nossa sociedade, em que a população afrodescendente, pelos pontos de convergência inscritos
na diferença, sente-se pertencente a uma luta. Nesse sentido, o uso do citado termo que a
identifica viria fortalecer o sentimento de pertença comum, evitando expressões pejorativas,
como negra/o e preta/o, sendo o termo “afrodescendente” capaz de unir os africanos que se
distanciaram pela diáspora em função de uma ancestralidade comum (BOAKARI; SILVA,
2011).
Essa perspectiva de uma identidade afrodescendente é criticada por autores como
Magnoli (2009, p. 15), para quem o termo “afro-americanos” seria uma expressão inventada
juntamente ao multiculturalismo, uma visão importada do racismo clássico. Para ele, “[...]
raça é, precisamente, a reivindicação de um gueto. O nome desse gueto é ancestralidade. A
vida de um indivíduo que define o seu lugar no mundo está organizada pelos laços reais ou
fictícios, que o conectam com o passado.”
48

Para Magnoli (2009), o multiculturalismo teria levado para outro plano um problema
que a ciência teria resolvido. Assim, uma vez que esta comprovou a inexistência de raças, a
sociedade deveria não pensar mais de forma racializada e, uma vez democrática, não deveria
mais criar barreiras que nos fizessem agir como sujeitos racializados. Dessa forma, o teórico
defende que o multiculturalismo jogou para o plano da cultura questões que antes eram
biologizadas, como a ideia de raças humanas. Não havendo raças humanas, o autor afirma
que, em sociedades democráticas, as políticas de “preferências raciais” seriam uma afronta ao
estado democrático de direito.
Um ponto importante a ser destacado nessa crítica ao multiculturalismo é o sentido
vazio do termo quando usado sem a devida explicação do seu significado. Nessa perspectiva,
Hall (2003) aponta o fato de a expressão ser usada hoje universalmente, sem, portanto, ser
acompanhada do devido esclarecimento sobre o seu sentido. Desse modo, o referido autor
diferencia, inicialmente, multicultural de multiculturalismo: o primeiro seria um vocábulo
qualificativo, enquanto que o segundo faz referência às estratégias e às políticas usadas para
administrar questões presentes nas sociedades que são assim caracterizadas. Assim, haveria
“multiculturalismos”. Como exemplos, o teórico destaca o conservador, o liberal, o pluralista,
o comercial, o corporativo e o crítico ou revolucionário, modos administrativos para
realidades de múltiplas culturas coexistentes.

O multiculturalismo conservador segue Hume (Golberg, 1994) ao insistir na


assimilação da diferença às tradições e costumes da maioria. O multiculturalismo
liberal busca integrar os diferentes grupos culturais o mais rápido possível ao
mainstream, ou sociedade majoritária, baseado em uma cidadania individual e
universal, tolerando certas práticas culturais particularistas apenas no domínio
privado. O multiculturalsimo pluralista, por sua vez, avaliza diferenças grupais em
termos culturais e concede direitos de grupos distintos a diferentes comunidades
dentro da mesma política comunitária ou mais comunal. O multiculturalismo
comercial pressupõe que, se a diversidade dos indivíduos de distintas comunidades
for publicamente reconhecida, então os problemas de diferença cultural serão
resolvidos, sem qualquer necessidade de retribuição do poder e dos recursos. O
multiculturalismo corporativo (público e privado) busca “administrar” as diferenças
culturais da maioria visando aos interesses do centro. O multiculturalismo crítico ou
“revolucionário” enfoca o poder, o privilégio, as hierarquias e os movimentos de
resistência. (HALL, 2003, p. 53).

Pensando a realidade multicultural em outra perspectiva, Gauthier (2012, p. 19) já


aponta para uma interculturalidade crítica, que teria como foco “[...] o estudo do inconsciente
coletivo, social e racial, tal como se constitui a partir de complexas relações de dominação,
que não apareceriam como binárias, pois as oposições entre dominantes e dominado/a
atravessam situações de classe, cultura, gênero, gerações etc.”
49

Concordamos com o historiador Le Goff (1990) quando ele diz que a mentalidade é
aquilo que muda mais lentamente. Essa afirmativa pode ser facilmente observada quando
refletimos sobre as raízes racistas ainda presentes na mentalidade nacional como resultado de
seu passado colonial escravocrata. Desse modo, entendemos que o posicionamento de
Magnoli (2009) faz querer que, como um passe de mágica, após a descoberta de que não
existem raças humanas, não se problematizem mais as relações raciais, esquecendo-se de
levar em consideração o fato de que, se não existem raças no sentido biológico, existem
relações raciais nada harmônicas e difíceis de serem apagadas nas mentalidades e nas práticas
sociais.
A existência desses vínculos tecidos pelos racismos da colonialidade nos leva a inferir
que a igualdade de oportunidades defendida pela população afrodescendente, e não aquela em
termos de sermos semelhantes, é ainda uma luta a ser alcançada, e no meu entendimento, não
dá para pensar teoricamente, por mais louvável que seja, sem levar em consideração o
contexto real vivido pelos homens e pelas mulheres no seu cotidiano.
Dados em relação à população afrodescendente no Brasil podem ser vistos como um
termômetro dessa exclusão. As informações do Ministério da Educação sobre analfabetismo
mostram que, apesar de algumas melhorias, a relação de desproporcionalidade entre
escolaridade e raça/cor ainda é acentuada. Segundo o PNAD (2016), entre os autodeclarados e
erroneamente chamados brancos o total de analfabetos é 4,2%, já para os que se autodeclaram
pretos e pardos o índice vai para 9,9 %, mais que o dobro dos primeiros citados. Quanto mais
o nível de educação vai se complexificando, maior é a diferença. Entre a população com 25
anos ou mais, apenas 8,8% dos autodeclarados pretos e pardos apresentam curso superior
completo, enquanto que, para os brancos, esse percentual vai para 22,2%, mostrando que
ainda temos um longo caminho a percorrer.
Esses dados são ainda mais afunilados quando o assunto é o número de professores/as
negras/os dentro das instituições federais brasileiras, como informa Linhares (2010) em sua
tese sobre políticas públicas e inclusão social na América Latina o autor constata que, na
Universidade de Brasília (UNB), dos 1.400 docentes, apenas 14 são afrodescendentes, ou seja,
apenas 1% do total. Entre as seis principais universidades do Brasil (Universidade de São
Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de
Brasília (UNB)), esses dados são ainda menores: apenas 0,6 % das/os educadores/as são
afrodescendentes.
50

Os dados supracitados fortalecem tanto a necessidade de novos trabalhos sobre o


racismo quanto a carência de uma maior representatividade de professores/as
afrodescendentes nas instituições públicas, bem como expõem diferenças de oportunidades
em uma sociedade democrática, o que configura uma contraditória realidade. Acreditamos
que estudos sobre a temática, como ora proposto, ajudem a repensar as nossas relações raciais,
tendo em vista que, no ambiente escolar, convivemos ainda hoje com a ferida aberta do
racismo. O desvelamento de tal contexto se torna urgente para a efetivação da educação para a
diversidade e ajudaria, como diz Sharpe (1982, p. 62), “[...] a convencer aqueles de nós
nascidos sem colheres de prata em nossas bocas, de que temos um passado, de que viemos de
algum lugar.”
Nesta seção, discutimos as relações raciais na sociedade brasileira e as suas
especificidades, a nossa opção política pelo termo “afrodescendente” e as relações dessa
abordagem com a colonialidade do saber e do poder. No próximo tópico, teremos em
destaque a Educação Profissional Tecnológica (EPT), a sua constituição e a sua trajetória na
sociedade brasileira, destacando as suas relações com o referido segmento populacional e com
diferentes contextos vivenciados por essa modalidade de ensino.
51

3 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA E AS SUAS METAMORFOSES


NA SOCIEDADE BRASILEIRA: breves comentários

Se as escolas técnicas se caracterizaram como o último


estágio que as pessoas negras poderiam almejar em suas
formações, é interessante que comecemos a construir a
partir destas instituições de ensino uma nova
consciência que permita compreender a presença negra,
não como mera peça de engrenagem que movimenta o
país, mas como segmento imprescindível na formação
da sociedade brasileira, mesmo em condições adversas
que não nos são estranhas.
(Nelson Olokofá Inocêncio)

3.1 A educação colonizada: os eleitos da nação

Tudo tem suas histórias, não é diferente com a educação. Pensar ações educativas no
Brasil perpassa pelo entendimento de um tecido de diferenças e de desigualdades que
caracterizam a sociedade brasileira. Se a política educacional “[...] diz respeito às decisões
que o poder público, isto é, o Estado, toma em relação à educação” (SAVIANI, 2008, p. 7),
pensá-la no contexto do nosso país no que se refere à educação para as relações raciais, que
tem as relações sociais como alicerce, ajuda-nos a perceber outras facetas das desigualdades
em nossa nação.
Muitas/os brasileiras/os costumam se orgulhar de ser uma “democracia racial”, em que
todas/os seriam tratadas/os com igualdade: sua cor não representaria distintivo social. O Brasil
seria o “país do milagre”. Quase quatro séculos de escravização de africanas/os e
afrodescendentes, com proibição de pertencerem aos sistemas de ensino formal do país
(Decreto n.º 1.331, de 17 de fevereiro de 1854), proibição de aquisição de terras (Lei n.º 601,
de 18 de setembro de 1850), proibição de exercer, com liberdade, suas religiões (Constituição
de 1824, Artigo 5º), tantas e tantas proibições nem sempre obedecidas, conseguiram ainda
fazer de nós brasileiras/os uma “democracia racial”, em que pertencimento racial e cor da pele
não comprometem o acesso às oportunidades sociais, em que todas/os sabem o seu lugar e,
assim, conseguem viver em harmonia, ordem e progresso. Puro milagre ou grande mentira
nacional? Discurso de uma história única? A quem ela serve? Quem nos contou ela? Outras
histórias podem e devem ser contadas? Outras já estão sendo contadas.
Em uma sociedade de base escravocrata como a nossa, a diferença entre o trabalho
manual e o intelectual representava também um distintivo social. Na colônia, afazeres práticos
52

eram considerados coisa de escravizadas/os – logo, entregar um simples bilhete poderia


representar uma grande ofensa a um homem livre. Como aponta Freyre (2005, p. 301),

Tamanho era o luxo de escravos que senhores se acompanhavam de um para levar-


lhes o chapéu, outro o capote, um terceiro a escova para limpar o fato, um quarto o
pente para pentear o cabelo. Mas toda essa opulência de roupa e criadagem na rua à
custa de um verdadeiro ascetismo dentro de casa. Esse brilho de vestuário à custa de
verdadeira indigência na alimentação. De falta absoluta de conforto doméstico. Ou
então à custa de dívidas.

Nessa sociedade de aparências, na qual o serviço manual passou a ser algo


desprestigiado socialmente, os ofícios exercidos manualmente eram considerados coisas de
escravizados ou afrodescendentes livres, enquanto o trabalho intelectual, fruto do saber
acadêmico, era coisa de homens livres e com posses econômicas – em sua maioria,
eurodescendentes.
Essa realidade onde a escravização de pessoas, na modernidade, estava associada à cor
da pele e à ancestralidade africana como castigo divino deixou marcas e simbolismos que
ultrapassaram e muito os quase 400 anos de escravização formal. Dentre muitas outras coisas,
contribuiu para a desvalorização dos trabalhos manuais, porque, devido ao preconceito de
tempos passados, que a todo o momento se reinventa no presente, criou-se uma concepção de
que tais ofícios eram coisa menor, não precisando de desgaste mental, de inteligência para
serem executados – daí serem serviço para africanos e seus descendentes: puro preconceito.
Sim, a educação escolar era um privilégio – e de poucos, daqueles que, em sua
maioria, não precisavam trabalhar para ter as necessidades básicas garantidas. Era um
privilégio de quem era considerado ser humano, daqueles que podiam pagar. Assim, esse
ensino se tornou um fator de diferenciação social e contribuiu para difundir a dicotomia entre
o trabalho manual e o intelectual, bem como procurou deixar evidente quem deveria executar
ou não determinados tipos de trabalhos.
A escola não se instaurou por acaso ou sem uma funcionalidade dentro do projeto
colonial. Desde o início, teve uma importante dimensão educacional, sendo por meio das
dimensões pedagógica e cultural que o conhecimento se ligava ao complexo das relações
coloniais de poder (SILVA, 2014).
É importante pontuar que a sociedade escravocrata não partia do pressuposto de que os
africanos que para cá foram trazidos eram seres humanos como os eurodescendentes. Além do
estatuto legal de coisas, sendo tratados na documentação colonial e imperial como “peças”, de
modo que, assim, poderiam ser doadas, alugadas, vendidas e leiloadas, outro indicativo da
53

negação da humanidade, inclusive por parte da Igreja Católica, era a percepção de que esses
sujeitos não tinham alma, pois seriam descendentes de Cam, filho amaldiçoado por Noé,
destinado a ser servo de seus irmãos. Essa construção mirabolante justificava a dita
inferioridade também como um castigo divino: note-se que a conversão ao catolicismo era
uma das estratégias da colonização, mas isso não interferiu na escravização de pessoas
Quanto aos povos indígenas, eles também passaram por tal processo de escravização,
aspecto pouco enfatizado pela historiografia, conforme traz Monteiro (2000, p. 105):

De fato, apesar de pouco abordada, a escravidão indígena desempenhou um grande


impacto não apenas sobre as populações nativas como também na constituição da
sociedade e economia coloniais. Em sua dimensão mais negativa, aliando-se às
doenças contagiosas, a escravização dos índios concorreu para o despovoamento de
vastas regiões do litoral e dos sertões mais acessíveis aos europeus. Ao mesmo
passo, porém, os cativos, deslocados de suas aldeias e terras para unidades de
produção e aldeamentos coloniais, viam-se obrigados a recompor suas vidas e sua
identidade dentro deste novo contexto.

Assim, os aldeamentos e a catequização foram estratégias para o aculturamento e a


consequente desestruturação de comunidades indígenas. Para Almeida (2010), a política de
aldeamento, que consistia na reunião desses povos em espaços de controle metropolitano que
geralmente ficavam próximos a povoações coloniais, foi fundamental para o projeto de
colonização, pois os aldeados compunham tropas militares e serviam de mão de obra para a
construção das sociedades coloniais. O objetivo disso era, portanto, integrar esses sujeitos na
sociedade, tornando-os aliados e súditos cristãos, garantindo, assim, a soberania sobre seus
territórios e a presença de trabalhadores tanto para os empreendimentos jesuítas como para os
dos colonos.
Uma estratégia de catequização foi o foco na conversão de crianças indígenas, sendo
essa uma das primeiras preocupações dos religiosos que utilizaram o ensino para transformar
esses povos em “bons” cristãos. Nesse contexto, acreditava-se ser mais fácil a conversão dos
pequenos devido ao fato de ainda estarem iniciando um processo de conhecimento e de
fortalecimento da cultura dos seus pais, no sentido de que os mais jovens poderiam formar a
“nova cristandade”, desafiando seus ancestrais e terminando por sucedê-los.
De acordo com Almeida (2010, p. 95), no cotidiano das aldeias,

Os padres preocupavam-se em preencher todas as horas livres do trabalho com


ladainhas, rezas, missas, doutrinas, aulas de ler e escrever, cantos, festas religiosas
etc. Dedicavam-se preferencialmente aos meninos que, segundo acreditavam, eram
mais facilmente transformáveis e os auxiliavam em diferentes tarefas, incluindo o
ensino. Todos os recursos de sedução da música, do teatro, das procissões e festas
religiosas foram aproveitados pelos jesuítas.
54

A catequização e, consequentemente, a cristianização de indígenas representavam


estratégias de conquista. Porém, à medida que o processo de colonização vai se consolidando,
segundo Filho (2013), até a catequese dos ditos gentios ficou em segundo plano. O foco
passava a ser, cada vez mais, a criação de seminários para a formação de quadros da ordem e
da instrução da elite eurodescendente latifundiária, propiciando-se aos filhos dos colonos a
possibilidade da continuidade dos estudos nas faculdades europeias.
Na colônia, a educação formal não era prioridade e estava destinada a poucos
escolhidos, tanto que, de acordo com as “suposições” de Saviani (2008, p. 9), no ano de 1759,
quando da expulsão dos jesuítas, então responsáveis pelo ensino oficial da colônia, “[...] a
soma dos alunos de todas as instituições jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira,
pois delas estavam excluídas as mulheres (50% da população), os escravos (40%), os negros
livres, os pardos, filhos ilegítimos e crianças abandonadas”.
O processo de independência do Brasil não alterou a base escravocrata da sociedade
brasileira – muito pelo contrário. Realizado de acordo com os interesses das elites, ele
reforçou elementos de segregação em um país onde desigualdade econômica, preconceito
racial e cultural andavam de mãos dadas formando um combo de difícil desassociação. Uma
amostra dessa realidade pode ser lida no Decreto n.º 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, cujo
artigo 69 determinava que não seria admitida a matrícula nem poderiam frequentar as escolas
os meninos que padecerem de moléstias contagiosas, os que não tiverem sido vacinados e os
escravos (BRASIL, 1854).
A escola não era espaço para todas/os. A educação escolar vai se configurando como
uma forma de conservar/perpetuar o poder da elite e dificultar e/ou impedir que os segmentos
populares pudessem ter sua realidade de vida alterada via instrução educativa. Enfim, cabe
questionar, quando se pensa no referido Decreto: que tipo de público sofria, de modo mais
frequente, com a insalubridade? Quem estava mais vulnerável às moléstias contagiosas com a
não vacinação? Quem eram as/os escravizadas/os? Nesse contexto, entendo que o
analfabetismo de grande parte da população fazia parte do jogo de poder que pretendia deixar
cada um no seu lugar. Mas quem criava essas leis? A quem elas interessavam? O que os
limites estabelecidos nos dizem sobre as desigualdades? O que tem desse passado no presente,
só que de outro modo?
O primeiro censo oficial do Brasil foi realizado pelo governo imperial em 1872, sendo
o único registro oficial da população escravizada no Brasil. A distribuição da população foi
realizada segundo a cor, o sexo, o estado de livres ou escravos, o estado civil, a nacionalidade,
a ocupação e a religião. A pesquisa de 1872 deixou evidente o pouco grau de instrução
55

existente no império, o que, por meio dos dados obtidos, pode dar uma noção da situação do
público letrado. No que tange ao Maranhão, por exemplo, de uma população de 359.040
habitantes, 284.101 eram livres e 74.939 eram escravos; quanto à amostra potencialmente
leitora, 44.375 homens e 24.196 mulheres sabiam ler (SENRA, 2012).
O censo apontava os limites da leitura para a população, constituída em grande parte
por escravizadas/os, os quais eram proibidas/os legalmente de matrícula, bem como de
frequentar as escolas estatais; e por mulheres que eram educadas para cuidar do marido e dos
filhos e, quando muito, deveriam aprender a ler e a escrever e a executar as chamadas prendas
domésticas. Mesmo entre os homens brasileiros eurodescendentes, aos quais eram reservadas
as vagas nas faculdades, nem sempre se podia continuar os estudos, sendo provavelmente o
público alfabetizado reduzido a uma parcela muito pequena do contingente populacional.
Observamos que a possibilidade de frequentar a escola era rara, mesmo entre a
população eurodescendente, livre e masculina, público a que essa educação escolar era
destinada, bem como sinaliza os reflexos da sociedade patriarcal, machista e escravocrata que
caracterizou a colônia. Nesse escasso sistema de ensino estava proibida a presença de grande
parcela da população, incluindo africanas/os e afrodescendentes escravizadas/os.
Cabe destacar que não ter acesso a isso não significa não ter a educação como um todo
– essa é uma forma de acesso ao conhecimento acumulado e não é sinônimo de educação, que
tem um significado mais amplo. Para dar um exemplo, apesar de todas as dificuldades
encontradas pelos afrodescendentes durante os séculos de escravização formal, segundo Reis
(2012), um fato que muito impressionou os eurodescendentes durante o levante dos Malês na
Bahia, em 1835, foi a presença da circulação, pelas ruas de Salvador, de escritos árabes entre
as/os africanas/os escravizadas/os. A escrita não era só europeia como atestam os
depoimentos de escravizados apresentados por Reis no artigo: muitos aprenderam o Árabe em
escolas corânicas na África e, chegando ao Brasil, difundiam a língua e a religião islâmica
pelas ruas da Bahia.
Podemos citar também como exemplo da luta das/os afrodescendentes para que,
mesmo em condições adversas, conseguissem aprender a ler e a escrever, o exemplo da
maranhense Adelina Charuteira. Ela recebeu a alcunha de “Charuteira”, porque vendia
charutos nas ruas de São Luís; mesmo escravizada, sabia ler e escrever e usava a “liberdade”
de movimento de seu ofício e as informações que obtinha nos diferentes espaços que
frequentava como vendedora para transmitir informações e planos dos escravocratas para a
associação abolicionista Clube dos Mortos, que, dentre as suas ações, promovia fugas e
escondia escravizados. (ALBERTI; PEREIRA, 2007).
56

Os romances dessa época, século XIX, também dão indícios de como o domínio da
leitura e da escrita era considerado saber que deveria ficar restrito às elites, por meio, por
exemplo, da construção dos personagens de cada segmento social, dos quais eram esperadas
práticas específicas. Nesse contexto se insere, por exemplo, Gustavo, do romance O mulato
(1881), de Aluísio Azevedo. Nessa obra, o autor aborda o modo como os donos das casas
comerciais maranhenses aceitavam, muito a contragosto, a leitura entre os caixeiros,
chegando até a relacionar essa prática a um defeito. Esse era o caso do citado sujeito, que aos
olhos do patrão era um rapaz de grandes qualidades, mas apresentava uma grande imperfeição
moral, “[...] que era um grande biltre, um peralta que estava sempre procurando do que ler!”
(AZEVEDO, 1881, p. 36-37).
Segundo Lajolo e Zilberman (2002), essa realidade teria criado uma mentalidade
nacional na qual a prática da leitura era vista de forma mitificada – muitos achavam que ler
era coisa de doutores ou dos “santos” padres. Nesse contexto, consolidava-se ainda mais uma
divisão preconceituosa no que tange ao pensar as diversas formas de trabalho. O ofício
intelectual seria coisa da elite masculina eurodescendente, enquanto o manual, altamente
desvalorizado, seria atribuição de africanas/os, indígenas e afrodescendentes.
Nessa perspectiva, Cunha (2000a) aponta que o colégio e a residência dos jesuítas
foram também os primeiros núcleos de formação para o trabalho, por meio das oficinas de
construção de obras, ferraria, carpintaria, olaria, dentre outras, sendo a prática desses fazeres
destinada a escravizadas/os e pessoas livres pobres – de preferência, crianças e adolescentes.
É importante destacar que até a prática de ofícios passava pela diferenciação entre
aqueles voltados para homens livres e aqueles voltados aos escravizados. O modo do trabalho
executado servia também para direcionar cada um dentro da classe social pertencente. Desse
modo, Marçal e Oliveira (2012, p. 90) afirmam:

As Corporações de Ofícios no Brasil assumiram diferentes formas, dependendo do


local onde foram efetivadas. Seu objetivo era ter um controle sobre determinado
ofício e definir, através de certificação, quem podia ou não exercê-lo. Um dos
fundamentos era impedir que o escravo praticasse determinados ofícios. Assim,
queria-se criar uma distinção: isso é ofício de escravo, isso é ofício de trabalhador
livre.

A política em educação se constituiu, desde o período colonial, em um ensino dualista,


apresentando um ensino academicista para a elite e, por outro lado, um de baixo nível para a
camada desprivilegiada. Esse descompasso proporcionava aos privilegiados uma forma de
conquistar e/ou de manter o seu status quo (BATISTA, 2015).
57

A prioridade das instituições escolares era a educação das elites, enquanto que o
ensino profissionalizante, de aprendizado de ofícios, representava também uma estratégia para
tornar os escravizados mais rentáveis aos senhores: assim, era prática frequente que estes
mandassem as pessoas por eles escravizadas aprenderem algum ofício. Em São Luís, por
exemplo, os senhores que quisessem ensinar o trabalho de ferreiro aos seus escravizados
poderiam procurar José Ferreiro, na Praça do Portinho, pois ele recebia discípulos para
ensinar esse fazer. (DINIZ, 2005).
No Império, com o país independente, não observamos mudanças significativas no
montante dos investimentos educacionais, nem mudança de seu público-alvo, como aponta
Saviani (2008, p. 9). O autor coloca que, “[...] durante os 49 anos correspondentes ao Segundo
Império, entre 1840 e 1888, a média anual dos recursos financeiros investidos em educação
foi de 1,80% do orçamento do governo imperial, destinando-se para a educação primária e
secundária a média de 0,47%.” Esse dado demonstra que mesmo o pouco capital para o setor
tinha o foco concentrado nas recentes faculdades de Direito e de Medicina criadas no período,
que voltavam seu atendimento aos filhos das elites, que antes precisavam necessariamente
estudar em universidades europeias.
Esses acadêmicos de Direito e de Medicina seriam “os eleitos da nação”, que, não por
mero acaso, sairiam do seio das elites rurais dominantes. De acordo com Schwarcz (1993),
essas faculdades se transformariam em pouco tempo em sede desse grupo. Não era só uma
questão de formar bacharéis para o mercado de trabalho em áreas de atuação específica: das
fileiras dessas faculdades sairiam grande parte dos políticos brasileiros, como deputados,
governadores, senadores e ministros que governariam a nação e que representariam,
sobretudo, os interesses das elites às quais se filiavam. Além do mais, estaria nas mãos desses
futuros profissionais a responsabilidade de fundar uma nova imagem do país independente.
Antes de serem mestres em erudição inquestionável, o que se pretendia era formar uma elite
independente e desvinculada da antiga metrópole portuguesa – daí o prestígio e a forte carga
simbólica desses bacharéis com seus saberes da metrópole.
A educação escolar fortalecia/fazia parte das dicotomias sociais que marcavam a
presença de diferentes mundos e de distintas possibilidades sociais, o que tornava o mundo da
academia não comunicável com o âmbito do trabalho, como traz Santos (2013) ao falar como
a hegemonia da universidade não pode ser pensada fora da relação entre educação e trabalho.

Essa dicotomia começou a significar a existência de dois mundos com pouca ou


nenhuma comunicação entre si: o mundo ilustrado e o mundo do trabalho. Quem
58

pertencia ao primeiro estava dispensado do segundo; quem pertencia ao segundo


estava excluído do primeiro. (SANTOS, 2013, p. 382).

O acesso à educação e ao tipo de modalidade que cada um poderia alcançar se


relacionava com o lugar social que o sujeito ocupava na sociedade. O ensino sempre
representou poder, e controlar esse acesso, limitar ou direcionar as modalidades a
determinados grupos sociais era uma forma de manutenção das elites. Nessa direção, as ações
governamentais se voltavam no sentido de impulsionar a educação profissional.
Em relação à educação profissional, basicamente entendida nesse momento como
uma alternativa de profissionalização para as camadas não privilegiadas pelos benefícios
sociais, observamos tímidas iniciativas. As primeiras proposições nesse sentido vão se dar
com a vinda da família real para o Brasil em 1808, quando a colônia passa a sediar o trono
português e uma série de medidas são criadas para tentar dinamizar a economia colonial.
Assim, em 1809, logo após a suspensão da proibição de funcionamento de indústrias
manufatureiras, temos o registro da primeira iniciativa governamental direcionada à educação
profissional, com a criação, em 1809, do Colégio das Fábricas, que se constituiu como uma
tentativa de viabilizar os estabelecimentos que começaram a se instalar, no então Reino Unido
a Portugal e a Algarves, com o fim da proibição que existia na colônia de instalação de
fábricas.
O Colégio de Fábricas, também chamado de Casa do Antigo Guindaste, espalhou-se
pelas ruas do Rio de Janeiro, possuindo dez unidades e 72 artífices em ocupações diversas,
sendo composto por “[...] casas de fazenda, de urdir, de estamparia e tinta; oficinas de
torneiro, sentieiro, carpinteiro e marceneiro, ferreiro e serralheiro; aulas de desenho, primeiras
letras e música; e armazém de madeira.” (BATISTA, 2015, p. 2).
Nesse contexto, Cunha (1979) relata a criação de uma companhia de artífice no Rio de
Janeiro:

Em 1810, um decreto do príncipe regente mandava reorganizar no Arsenal Real do


Exército, no Rio de Janeiro, uma companhia de artífices. Pelo que pude deduzir do
texto do decreto de 3 de setembro daquele ano, a companhia estava formada se não
exclusivamente, pelo menos principalmente, de soldados pontoneiros, os quais
foram distribuídos pelas companhias do Regimento de Artilharia da Corte. A
Companhia de Artífices reformada, anexa a este regimento, deveria ser comandada
por um capitão, secundado por três tenentes, dois sargentos, um furriel e quatro
cabos. Os artífices seriam 60, de diversas especialidades, principalmente ferreiros e
serralheiros. Além de soldo, fardamento e quartel, os artífices receberiam "jornal
proporcionado à sua habilidade", critério também utilizado para a sua hierarquização
militar: os mestres de oficina teriam a graduação de sargentos e os contramestres, de
cabos de esquadra. (CUNHA, 1979, p. 14).
59

Essa tentativa inicial de criação de uma companhia de artífice não teria vingado, tendo
vida fugaz devido à incipiente industrialização, com carência de maquinário e de mão de obra
especializada e com uma economia predominantemente ainda agroexportadora. Outro
momento que se destaca é entre os anos de 1840 e 1865, em que foram criadas, pelo Império,
10 casas de educandos artífices, uma em cada capital da província. De acordo com Cunha
(2000a, p. 113), essas entidades foram “[...] autorizadas por leis das assembleias provinciais
legislativas; sua clientela era constituída, predominantemente, de órfãos e expostos, o que as
fazia serem vistas mais como ‘obras de caridades’ do que como ‘obras de instrução pública’.”
Os objetivos dessas iniciativas voltadas para o ensino de ofícios estavam associados à
ideia de que ajudariam à camada menos favorecida a imprimir motivação para o trabalho,
evitariam o desenvolvimento de ideias e ações contrárias à ordem pública e contribuiriam para
a formação de trabalhadores motivados e ordeiros como mão de obra qualificada para as
fábricas, bem como possibilitariam que esses recebessem melhores salários (CUNHA, 2005).
Cabe evidenciar, nesse contexto, o Decreto n.º 1.331 (BRASIL, 1854), que dá indício
dos desprivilegiados do sistema educacional, em que aspectos que envolvem a questão racial
estavam em voga direcionando acessos e exclusões. Isso é tão verdadeiro que, por meio dessa
determinação, era proibida a presença de escravizados matriculados ou apenas frequentando
escolas públicas. Ou seja, a educação não era para todos, de modo que, dentre os privilegiados
para o ensino público, africanos e afrodescendentes escravizados não estavam contemplados,
mas, sim, expressamente proibidos. Quanto aos afrodescendentes livres, nascidos cativos ou
não, o que significaria ter esse pertencimento racial em uma sociedade em que a escravização
de pessoas estava diretamente ligada à sua ancestralidade e à cor da pele?
O ensino profissional, como iniciava estatal, nascia com um cunho assistencialista,
destinado a uma determinada parcela da população, a menos favorecida economicamente,
como uma estratégia para manter o controle social em uma sociedade carregada de
desigualdades e com grandes possibilidades de conflitos em um momento de reorganização
social e da produção, tendo em vista o processo abolicionista e o posterior rearranjo para um
mercado baseado na força de trabalho livre.
Essas propostas de profissionalização no pós-abolição foram úteis ao poder instituído
no processo de transição do trabalho escravo para o livre, pois ajudaram as elites a encontrar
alternativas sem perder o controle, pois a libertação dos escravizados trouxe novos desafios.
Segundo Marçal e Oliveira (2012, p. 91), um desses obstáculos foi
60

[...] “convencer” os negros, os mulatos e os pobres de que deveriam trabalhar de


forma assalariada. Tinha-se todo um discurso ideológico, herdado da escravidão, de
que negros e mulatos não seriam aptos a trabalhos que não o escravo. Nesse sentido,
a elite tinha de discursar que o assalariamento representava uma forma digna e nobre
de trabalho. Assim, pensou-se em espaços de educação, que oferecessem ofícios a
esses jovens, pobres desvalidos da sorte que deveriam ser atendidos.

Observamos que o período chamado de pós-abolição não significou o “pós-racismo”;


muito pelo contrário. A sociedade brasileira que inventou o “mito da democracia racial” e a
falsa abolição continuou elitista, racista e segregacionista, procurando, sim, reinventar formas
de dominação e controle: escravizar sem esse nome. Nesse sentido, fortalece-se um discurso
no mínimo contraditório, ainda tão presente entre nós: o de que o trabalho dignifica o homem
e que por meio do mérito pessoal todos podem chegar a ocupar os mesmos espaços. Ou seja,
toda a questão social típica de sociedades escravocratas como a nossa passa a ser um
problema do outro, e não uma questão nossa.
Nesse tópico, destacamos como a educação formal na colônia se deu de forma
elitizada, de modo que os sintomas disso podem ser observados no predomínio das atenções
governamentais ao ensino desses grupos por meio da priorização do nível superior em relação
a outros níveis educativos. Apesar disso, vimos que o público letrado não era exclusivamente
composto por aqueles que frequentavam as instituições formais. Alguns/mas africanos/as, por
exemplo, já vinham da África tendo a leitura e a escrita como forma de comunicação, bem
como alguns/mas, como no caso de Adelina Charuteira, aprenderam a língua do colonizador e
a usaram também como estratégia de resistência.
Nesse contexto de uma sociedade escravocrata e que se mantém assim, de modo
mental e comportamental, que associou o trabalho manual a um serviço inferiorizante, a
instrução profissional por meio do aprendizado de ofícios manuais foi algo subaproveitado e,
quando realizado, aconteceu no sentido de reforçar laços coloniais, tendo algumas iniciativas
na colônia e no império, mas sem grande destaque. A seguir, veremos como as iniciativas
relacionadas a tal perspectiva de ensino se configuraram em tempos de uma democracia
formal, interrompida frequentemente por ditaduras. Para isso, apresentaremos aspectos gerais
que caracterizaram as mudanças na Educação Profissional, indo da criação das Escolas de
Aprendizes Artífices, em 1909, até a constituição dos Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFET), em 1978.
61

3.2 A educação profissional no século XX

Com o fim legal da escravização criminosa de afrodescendentes e o advento da


República, para os segmentos populares, a educação profissional, então realizada por meio
das “Escolas de Aprendizes de Artífices”, começa a se redesenhar como uma alternativa.
Desse modo,

A justificativa do Estado brasileiro, em 23 de setembro de 1909, para a criação de


um conjunto de Escolas de Aprendizes Artífices era a necessidade de prover as
classes proletárias de meios que garantissem a sua sobrevivência, isto é, prover os
“desfavorecidos da fortuna”, expressão contida no Decreto n º 7.566, assinado pelo
então Presidente Nilo Peçanha no ato de criação dessas escolas, uma em cada capital
federativa, com duas exceções apenas. Nesse sentido, não há dúvida de que aos
objetivos das Escolas de Aprendizes Artífices associavam-se à qualificação de mão
de obra e o controle social de um segmento em especial: os filhos das classes
proletárias, jovens e em situação de risco social, pessoas potencialmente mais
sensíveis à aquisição de vícios e hábitos “nocivos” à sociedade e à construção da
nação. (BRASIL, 2010a, p. 10).

A criação dessas instituições, que contou nesse momento inicial com a determinação
da construção de 19 escolas espalhadas pelos diferentes estados da federação, foi iniciativa do
governo do então presidente Nilo Peçanha. Eram entidades destinadas a promover a
profissionalização gratuita, com o objetivo de, segundo o decreto n.º 7566, de 23 de setembro
de 1909, “formar cidadãos úteis à nação”.
Cabe destacar um ponto importante apontado por Cunha (2005): o caráter de barganha
e de troca de favores entre o Governo Federal e os governos estaduais com a criação dessas
escolas. Mais que suprir uma força de trabalho para a nascente industrialização, elas
constituíram um meio de troca política entre as oligarquias, tendo em vista que, uma vez
mantidas pelo poder público nacional os gastos com salários e verbas destinadas à
manutenção dessas organizações representavam um aporte econômico para as administrações
estaduais, além de toda a distribuição de cargos públicos e de vagas destinadas aos alunos ser
também utilizada como peça para barganha eleitoral.
Essa perspectiva de educação como privilégio de poucos, deixando bem delimitado
para esses “poucos” qual deveriam ser os espaços ocupados pelas elites e os destinados às
camadas populares, está totalmente interligada às heranças de uma sociedade que por tantos
séculos se constituiu tendo por base a mentalidade escravocrata e racista. Assim, em nosso
país republicano, quando falamos de classes desfavorecidas, estamos nos referindo
62

majoritariamente às populações afrodescendentes e índiodescendentes brasileiras, grupos


predominantemente marginalizados na sociedade.
Com o desenrolar da República, percebemos a pouca atenção dada à construção da
educação para todas/os. O ensino formal, restrito ainda a poucas/os, sobretudo no que diz
respeito às universidades, representava uma estratégia de perpetuação das elites. Esse era um
aspecto que dificultava ao segmento afrodescendente conseguir superar raízes históricas que o
colocava em situação de vulnerabilidade social.
Nessa perspectiva, a educação profissional tecnológica vai se configurando e se
expandindo no país como uma alternativa de ensino, voltada principalmente às camadas
populares como uma possibilidade educativa dentro dos limites estabelecidos pelas
tradicionais elites brasileiras, interligando-se aos poucos, de modo mais explícito, aos
interesses do mercado de trabalho e à proposta de industrialização do país.
A década de 1930 foi um momento em que a industrialização ganhou volume no país,
bem como as discussões sobre o mercado de trabalho e o controle da classe trabalhadora. A
disciplinarização do trabalho passa a ser a palavra de ordem e se constitui como uma
preocupação das elites industriais e também do governo de Getúlio Vargas (930-1945). Para
ambos, o controle político e ideológico do trabalhador estava na base do que entendiam ser
necessário para o progresso do país, apresentando solo propício para o surgimento da
ideologia do trabalhismo.
Segundo Paranhos (2007), tal abordagem entra em gestação entendida como um
conjunto de ideias que tentavam positivar o trabalho para além de seu contexto desigual, em
que o Estado, à sua moda, procuraria se apropriar da palavra “operária”, reelaborando-a tanto
quanto possível ao sabor dos interesses dominantes. Ideólogos como Francisco Campos e
Azevedo Amaral teorizavam e representavam muito bem o discurso dominante, defendendo
um Estado autoritário e elitista em que as massas irracionais deveriam se colocar em posição
de respeitar e acatar tudo o que a mente brilhante da classe dirigente, com o seu “líder
iluminado”, escolhesse para o futuro da nação. Pensamentos como o de Francisco Campos,
afirmando que “uma nação vale o que valem as suas elites”, e o de Azevedo Amaral, com
“governar e mandar”, expressam bem o pensamento desses ideólogos.
É importante destacar que, para além do que pensavam os mandantes, o trabalhador
não era massa de manobra dos interesses governamentais e a ideologia do trabalhismo só
pôde se sustentar devido às negociações existentes:
63

A ideologia do trabalhismo não operou no vazio. Sua força, historicamente, adveio


da “concessão” de direitos, ou melhor do atendimento a interesses mais ou menos
imediatos ou a certas aspirações das classes trabalhadoras, mesmo que esse
atendimento fosse parcial e integrado a uma estratégia geral que fugia aos propósitos
de amplos setores do movimento operário. (PARANHOS, 2007, p. 24).

Observamos, então, que existiam estratégias de luta por aspectos que os trabalhadores
entendiam importantes de serem alcançados para além dos ditames governamentais, tanto que
é enfatizada a presença do movimento operário, sendo ela importante no entendimento de que
a classe trabalhadora lutou pelos direitos alcançados, de modo que as conquistas advindas das
leis trabalhistas não foram um benefício estatal, mas fruto de lutas sociais e apropriações
governamentais.
No sentido de entender o jogo de interesses que envolvia a relação de Vargas com a
classe trabalhadora, é importante perceber que as ações para fortalecer a ideologia do
trabalhismo, para serem eficientes, não poderiam se limitar aos setores políticos e
econômicos. No âmbito cultural também foram criadas estratégias. Nesse sentido, a música
popular tanto foi usada como meio para conquistar a camada popular como também sofreu
forte repressão quando não se deixava enquadrar nos interesses governamentais.
Como afirma Novaes (2001), os ideólogos e propagandistas do Estado Novo (1937-
1946) sabiam o que faziam, e a escolha do samba como canal para aproximação e conquista
das camadas populares não foi por acaso. Tal ritmo estava intimamente ligado ao gosto
popular, por falar do povo, das suas dificuldades, das suas necessidades, das suas expectativas
e dos seus sonhos. Porém, estava muito relacionado à figura do malandro e à relação que
essas classes tinham com as suas expectativas de vida, o que também se configurava, por
meio das letras dos sambas, em denúncias sociais, aspecto que precisava ser “polido” pelo
crivo da censura.

A malandragem, nas primeiras décadas do século XX no Brasil, deve ser entendida


como rejeição ao trabalho e como modo de sobrevivência. Numa sociedade
profundamente injusta, em que centenas de milhares de ex-escravos foram jogados –
e o termo é esse mesmo, para acentuar o aspecto violento e cruel do fato – ao
mercado de trabalho, sem ter, a imensa maioria, capacidade ou formação para
competir com os trabalhadores brancos brasileiros e os imigrantes que aqui
chegavam em grande número, a malandragem era uma das estratégias que poderia
dar garantias mínimas de vida. Não se poderia esperar que o trabalho fosse
considerado, por grandes parcelas da população, uma atividade digna. Não tinha
valor moral, não compensava materialmente, e só a mínima parte dos que o
procuravam como ocupação conseguiam alcançá-lo. (NOVAES, 2001, p. 41).

Tendo em vista essa realidade vivida, sobretudo, pela população afrodescendente,


evidenciada nas composições dos sambas, as músicas, para serem gravadas, tinham de passar
64

pelo exame da censura: as canções mais apreciadas pela política governamental e que
geralmente ganhavam os concursos promovidos pelo Estado eram aquelas que se
enquadravam na ideologia do trabalhismo, valorizando o trabalho, a família e as belezas
naturais da nação, desprestigiando, de certa forma, a malandragem, a boemia, o linguajar do
morro, temas muito cantados pelos sambistas cariocas. Como exemplo, podemos citar trechos
do que foi considerado o primeiro samba-exaltação, Aquarela do Brasil, composto em 1939
por Ary Barroso:

Brasil, meu Brasil brasileiro,


Meu mulato inzoneiro,
Vou cantar-te nos meus versos:

O Brasil, samba que dá


Bamboleio, que faz gingar;
O Brasil do meu amor,
Terra de Nosso Senhor.
Brasil!... Brasil!... Pra mim!... Prá mim!... [...]

Ô! Esse Brasil lindo e trigueiro


É o meu Brasil brasileiro,
Terra de samba e pandeiro.
Brasil!... Brasil!

Segundo Schwarcz (2012), é só com o Estado Novo (1937-1946) que ocorre a


implementação de projetos oficiais na intenção de reconhecer na mestiçagem a verdadeira
nacionalidade. Como exemplos, o autor cita a descriminalização da capoeira, que foi
oficializada em 1937 como modalidade esportiva nacional; e a institucionalização do Dia da
Raça, em 30 de maio de 1939. O samba passa de “dança de preto” para “canção brasileira de
exportação”; a feijoada se torna um prato nacional; escolhe-se Nossa Senhora da Conceição
Aparecida, uma santa mestiça, como padroeira do Brasil; dentre outros exemplos. Essas
iniciativas passavam a mensagem de troca livre entre os vários grupos de traços culturais
distintos e simbolizava a harmonia entre as diferentes raças.
Essa abordagem era impulsionada e fortalecida teoricamente por estudos que
ganharam destaque na década de 1930, como o livro “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto
Freyre, cuja primeira edição saiu em 1933. A obra, ao focar na vida privada das elites
nordestinas, imprimia uma interpretação da identidade nacional apresentando a mistura racial
de modo otimista.

O “cadinho das raças” aparecia como uma versão otimista do mito das três raças
mais evidente aqui do que em qualquer outro lugar. “Todo brasileiro, mesmo o alvo,
de cabelo, traz na alma, quando não na alma, no corpo, a sombra, ou pelo menos a
65

pinta, do indígena e/ou do negro”, afirmava Freyre, tornando a mestiçagem uma


questão de ordem geral. Era assim que o cruzamento das raças passava a singularizar
a nação nesse processo que leva a miscigenação a parecer sinônimo de tolerância e
hábitos sexuais da intimidade a se transformarem em modelos de sociabilidade.
(SCHWARCZ, 2012, p. 49).

Fundamentando-se em autores conceituados como Freyre e utilizando interpretações


convenientes aos interesses governamentais, observa-se uma nova estratégia que
potencializava o “mito da democracia racial” e, com isso, também tentava colocar para
debaixo dos panos o racismo presente em estratégias de aparente valorização do
afrodescendente. É nesse sentido que observamos nos anos da década de 1930 a “cultura
mestiça” aparecendo como representação oficial da nação.
No âmbito educacional, foi criado, em 1930, o Ministério da Educação e Saúde
Pública, tendo à frente Francisco Campos. O ministério iniciou um processo de reestruturação
escolar brasileira, centrando suas reformas na inclusão do ensino religioso em diversos níveis
educativos, na construção de um estatuto para as universidades brasileiras e na reforma do
ensino secundário. Esse Ministério ficou também responsável pelos estabelecimentos
escolares federais, o que incluía as instituições de Aprendizes Artífices. Porém, essa
reorganização pouco afetou a educação profissional, e a reforma de Francisco Campos perdeu
a oportunidade de criar uma estrutura favorável para esse ramo. Foi a primeira vez que o
termo “técnico” foi empregado na legislação educacional brasileira, tanto que em 1937 foi
outorgada a constituição que transformou as Escolas de Aprendizes Artífices em Liceus
Industriais, mas a dualidade do sistema brasileiro permaneceu entre uma rede de ensino
profissionalizante voltada para as camadas populares e outra destinada às elites que
direcionava o ensino secundário para os cursos superiores (CAIRES; OLIVEIRA, 2016).
Esse dualismo da modalidade de ensino que representava uma discriminação negativa
da camada popular, restringindo o alcance da educação a ela destinada, não deixou de, nesse
contexto, receber críticas, como aquela feita pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.
Dentre os participantes dessa iniciativa, podemos destacar Fernando Azevedo, Afrânio
Peixoto, Anísio Spíndola Teixeira, Roquete Pinto, Júlio de Mesquita, Cecília Meireles e
Garcia Rezende, dentre outros.
Sobre as ideias centrais defendidas pelos integrantes desse movimento em relação à
educação profissional, alguns/as argumentavam que ela não deveria perpetuar a divisão de
classes da sociedade colonial. Cunha (2005) aponta que nem todos defendiam os mesmos
posicionamentos. Assim, os que lutavam por uma “educação nova” se dividiam entre os de
tendência elitista e outros de tendência igualitária. Os primeiros não viam os males sociais
66

como uma resposta do capitalismo, mas, sim, da má gestão dos negócios públicos, o que
resultaria em uma elite despreparada, de forma que o papel dessa perspectiva que surgia seria
preparar a elite econômica para uma diversificada atuação social. Em outro viés de análise
estavam os que defendiam um liberalismo igualitarista, dentre os quais se destacou Anísio
Teixeira, para quem a escola era um microcosmo da sociedade que deveria orientar para a
democracia, a cooperação e a igualdade. Para os defensores dessa perspectiva igualitária,
deveria ser mudado o caráter da educação profissional. Nesse sentido, Cunha (2005, p. 229)
aponta que, para esse segmento, seria necessário “[...] evitar que ela continuasse sendo um
instrumento para encarnação do dogma feudal da predestinação, ou seja, para a perpetuação
da divisão da sociedade em classes. Toda educação precoce (para criança e adolescente)
deveria, portanto, ser eliminada”.
No sentido de combater o ensino de um modo compartimentado que perpetua a
divisão da sociedade em classes, a crítica destacava a presença de sistemas educacionais
brasileiros antagônicos, excludentes e que feriam a democracia. O acesso ao nível secundário
seria um ponto importante nessa diferenciação, de forma que a sua unificação evitaria a
clássica separação entre trabalhadores manuais e intelectuais, tendo em vista que o modo que
vinha sendo feito e dividido reforçava estruturas coloniais e não democráticas.
Durante o Estado Novo (1937-1946), foram criadas as Leis Orgânicas do Ensino,
também conhecidas como Reforma de Capanema, a qual tentou organizar o então chamado
Ensino Profissional em três áreas da economia:

Ensino industrial (Decreto-lei n. 4073/1942), ensino comercial (Decreto lei n.


6.141/1943) e o ensino agrícola (Decreto lei n. 9613/1946). Esses cursos continham
dois ciclos: fundamental, geralmente de quatro anos, e outro técnico, de três a quatro
anos. Apesar da significância de se investir no nível técnico, essa reforma não
conseguiu resolver os problemas sérios que surgiram nesse nível de ensino, pois
havia falta de flexibilidade como ensino secundário e restringia-se o acesso ao nível
superior, uma vez que as leis orgânicas só permitiam tal acesso no ramo profissional
correspondente. (BATISTA, 2015, p. 168).

Observamos que, mesmo tentando oferecer diretrizes para o chamado Ensino


Profissional na época, a Reforma de Capanema não rompeu com a dualidade que envolvia a
realidade brasileira, continuando legalmente a impor barreiras no sentido de impedir
àqueles/as oriundos da referida modalidade o direito de continuar nos estudos em outros
níveis.
Para termos uma noção do modo como a dita “democracia” do país reforçava
estruturas coloniais permitindo desigualdades, de forma a perpetuar o ensino escolar como
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sendo especialmente de uma minoria eurodescendente, podemos visualizar os dados do


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) da década de 1950, quanto ao número
de diplomados segundo a cor (Tabela 1):

Tabela 1 – Diplomados com 10 anos e mais na população brasileira segundo a cor, em 1950
Cursos realizados
Cor
Elementar Médio Superior
Chamados brancos 4.523.535 928.905 152.934
84,10% 94,22% 96,87%
Chamados mulatos * 551.410 41.410 3.568
10,25% 4,20% 2,26%
Chamados negros* 228.890 6.794 448
4,26% 0,69% 0,28%
Chamados amarelos* 74.652 8.744 924
1,39% 0,89,00% 0,59,00%
5.378.487 985.853 157.874
TOTAL
100,00% 100,00% 100,00%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (apud SCHWARCZ, 2012).
*Para fins de consistência, tais segmentos compõem a população reconhecidamente afrodescendente.

Esse debate sobre o acesso à educação vinha sendo feito em um momento em que a
industrialização se intensificava no Brasil, o que tomou maior proporção, sobretudo, em
decorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e da “substituição de importação”,
aumentando o número de indústrias nacionais e trazendo juntamente a essa realidade a
necessidade de trabalhadores qualificados para atender a tal demanda que se avolumava.
Nesse contexto, Caires e Oliveira (2016) destacam a existência de três diferentes
frentes de ações por parte do governo brasileiro direcionadas à educação profissional. A
primeira seria a criação, em 1942, do Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriais
(SENAI) e, em 1946, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
O SENAI e o SENAC foram instituições criadas com a participação dos industriais e
organizadas pela Confederação Nacional do Comércio para atender às demandas de
qualificação para o trabalho nos diferentes níveis de profissionalização, tendo por intuito
capacitar, de forma rápida, um grande número de operários para os setores de produção, de
modo a formar aprendizes para a indústria e o comércio em articulação com a iniciativa
privada. (BATISTA, 2015).
A segunda frente foi a reforma do ensino, denominada de Capanema e conhecida
como Leis Orgânicas, a qual criou cursos técnicos e possibilitou a Educação Profissional
atrelada ao Ensino Médio. No entanto, essa legislação limitava a possibilidade do acesso ao
nível superior aos que finalizavam o ensino básico: aqueles que concluíssem a
68

profissionalização poderiam ingressar à universidade apenas para cursar as graduações que


estivessem atreladas ao curso profissional então realizado. A terceira medida realizada para o
desenvolvimento da dessa perspectiva de ensino foi a transformação, em 1942, dos Liceus
Industriais em Escolas Industriais e Técnicas (CAIRES; OLIVEIRA, 2016).
Observamos que, a partir dos anos de 1940, as mudanças na Educação Profissional
evidenciam o atrelamento, ainda maior, dessa modalidade às necessidades de formar mão de
obra para servir à industrialização em curso: as ações do Estado projetavam tal perspectiva de
ensino nessa direção. Desse modo,

As escolas Técnicas e Industriais, se justificam no interior das providências


necessárias para atender ao desenvolvimento orientado para a substituição das
importações, ao funcionamento das indústrias de base criadas no Governo Vargas
(1930-1945;1951-1954), ao desenvolvimentismo de Kubitschek – JK (1956-1960) e
seu Plano de Metas que abriu as portas às multinacionais e ampliou os investimentos
nos setores de transporte e energia e na indústria de base. (BRASIL, 2012, p. 38).

Observamos, então, que as diretrizes para tal abordagem nesse período, iam de
encontro à “ideologia do trabalhismo”, na qual o Estado procurou, por meio de ações
desenvolvimentistas, como favorecer a entrada de multinacionais, aplicar um projeto
econômico, tanto quanto possível, ao sabor dos interesses das elites dominantes. Logo,
preparar para o mercado de trabalho também significava, nesse contexto, disciplinar para o
mercado, sufocando conflitos e lutas sociais e tornando, sempre que possível, o trabalhador
dócil e colaborador, fazendo-o “vestir a camisa da empresa”. Tudo isso mesclava,
perigosamente, a ideia de patriotismo e de luta pelo bem comum da nação, mascarando todo
um jogo de poder em que governo e burguesia se afinavam.
No sentido de perceber os meandros dessa valorização do trabalho, Gomes (1988)
aponta que

[...] tratava-se de valorizar o trabalho manual, o ato de “trabalhar com as próprias


mãos”, como elemento responsável pela mobilidade e ascensão social, tanto em
termos econômicos, quanto políticos. Ser trabalhador era ganhar o atributo de
honestidade, um cidadão que neutralizava em termos de honra o estigma da pobreza.
Pobre, mas trabalhador, isto é, um cidadão digno dentro do novo Estado nacional.
(GOMES, 1988, p. 38).

Cabe novamente destacar que as camadas populares não eram meros objetos ou
joguetes ao bel prazer das elites. Esse foi um momento em que se destacou a luta do
movimento operário pelos direitos dos trabalhadores – tanto que vários direitos trabalhistas
adquiridos durante o período do governo de Vargas, como, por exemplo, jornada de oito
69

horas, regulação do trabalho da mulher e do menor, normatização das férias, instituição da


carteira de trabalho e do direito a pensões e à aposentadoria, não significaram meramente
benevolência governamental, mas são, sim, resultado das lutas dos operários, obrigando o
Estado a abrir frentes de conflito e também de negociação.
É nesse sentido que, ao falar sobre a atuação do movimento operário nos anos de 1920
e de 1930, Batista (2015, p. 19) traz a seguinte afirmação:

A classe trabalhadora e o PCB foram violentamente perseguidos. No entanto, não se


calaram diante das diversas formas de repressão. A disputa de hegemonia esteve
fortemente presente nesse período, em que a luta se deu de diversas formas,
denunciando-se as arbitrariedades do Estado, batalhando-se em defesa dos operários
e contra os patrões, divulgando-se as ideias de uma sociedade diferente.

Um exemplo de iniciativa de luta relacionada à questão racial no país nesse período foi
a criação da Frente Negra Brasileira (FNB), em 1931, que buscava a inserção do
afrodescendente na sociedade brasileira por meio do acesso à educação e ao mercado de
trabalho, tendo, segundo Pereira, A. (2013, p. 31), “[...] como principais características a
busca pela inclusão do negro na sociedade, com caráter ‘assimilacionista’, sem a busca de
transformação da ordem social; outra característica era a existência de um nacionalismo
declarado”.
A FNB, quando surgiu, contou na liderança com sujeitos como Arlindo Viega dos
Santos e colaboradores como José Correa Leite, Isaltino Veiga dos Santos, Gervásio de
Moraes e Jayme de Aguiar, dentre outros atuantes no Centro Cívico Palmares. Teve a
possibilidade de expressar seus objetivos e suas ações em jornais como “O clarim d’
alvorada” e “A voz da raça”. Teve vários departamentos: instrução e cultura, musical, de artes
e ofícios, de imprensa, médico, esportivo, jurídico social, doutrinário e de comissão de moços,
havendo entre os ofícios oferecidos aos filiados a presença de consultório dentário, salão de
barbeiro e cabeleireiro. A iniciativa realizou festivais, concursos, cursos de alfabetização
visando ao desenvolvimento do que chamava de “gente negra” (GOMES, 2005).
Tal Frente teve milhares de pessoas entre seus membros, com filiados em quase todos
os estados da federação. Incorporou o discurso assimilacionista pró-mestiçagem, entendendo
a realidade de preconceito e discriminação vivida por afrodescendentes como consequência da
escravização. Isso teria gerado um despreparo moral e educacional, negando, portanto, a ideia
de democracia racial brasileira. Por outro lado, a FNB se distanciava de elementos da cultura
desses povos. Seu objetivo não era apenas denunciar o racismo, mas aproximar seus filiados
de expectativas mais amplas, como cidadania e participação social (GOMES, 2005).
70

A sociedade brasileira apresentava diferentes frentes de resistências que envolviam as


questões sociais: o movimento operário, a atuação da Frente Negra Brasileira e a luta pela
democratização da educação são alguns exemplos importantes para entendermos as ações no
sentido de questionar e tentar combater as desigualdades.
Na segunda metade da década de 1940, com o fim do Estado Novo em 1946, a Lei
Orgânica do Ensino Industrial, n.º 4.073, de 30 de janeiro de 1942 (BRASIL, 1942), foi
alterada e ingressou, assim, no debate da legislação de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, só concluída em 1961 (BRASIL, 1961). Porém, diferentemente da Constituição de
1937, que fazia menção à educação profissional, a de 1946 não fez referência direta a tal
perspectiva, permanecendo as restrições àqueles/as que passavam pelo ensino
profissionalizante.
Em 1953, surge a Lei de Equivalência (BRASIL, 1953), que ampliou as conquistas
anteriores e permitiu o ingresso ao nível superior – em qualquer curso – de alunos egressos do
segundo ciclo dos ensinos secundário, industrial, comercial ou agrícola:

Art. 2º Terá direito à matrícula na primeira série de qualquer curso superior o


candidato que, além de atender à exigência comum do exame vestibular e às
peculiares a cada caso, houver concluído: I - o curso secundário, pelo regime da
legislação anterior ao Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942; II - o curso
clássico ou o científico, pela legislação vigente; III - um dos cursos técnicos do
ensino comercial, industrial ou agrícola, com a duração mínima de três anos.

Para Cunha (2000b), tal legislação foi decisiva no sentido de transformar os cursos
básicos e industriais, os quais apresentavam, até então, um conteúdo voltado para a
profissionalização, sendo quase que exclusivamente técnicos, e passaram, com as
necessidades exigidas por tal norma, a apresentar um conteúdo cada vez mais geral, que
deveria incluir as disciplinas do ginásio.
Em 1959, o então presidente Juscelino Kubitschek reformou o chamado Ensino
Industrial, sendo um aspecto principal dessa regulamentação a descentralização das Escolas
Técnicas Federais. Desse modo, as Escolas Industriais da Rede Federal do Ministério da
Educação não mais formariam um sistema (ou uma rede), pois passariam a gozar de
autonomia didática, financeira, administrativa e técnica, com personalidade jurídica própria.
Porém, o Governo não perdeu totalmente seu controle sobre elas, pois era competência da
Diretoria do Ensino Industrial a distribuição dos fundos necessários ao funcionamento delas,
além de deter a prerrogativa de instituir as diretrizes gerais dos currículos e preparar o
material pedagógico (RODRIGUES, 2002).
71

Foi nesse contexto que se iniciou, em 1959, o processo de transformação das então
Escolas Industriais e Técnicas em Escolas Técnicas Federais. Segundo a Lei n.º 3.552, de 16
de fevereiro de 1959 ( BRASIL, 1959), seria objetivo dessas instituições proporcionar base de
cultura geral e iniciação técnica que possibilitasse ao educando se integrar à comunidade e
participar dos trabalhos produtivos ou prosseguir nos estudos, bem como preparar o jovem
para o exercício de atividade especializada de nível médio (BRASIL, 1959).
O Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) avançou no tocante à articulação do
então Ensino Profissional como estratégia de desenvolvimento, a qual associava a
modernização ao progresso técnico, contribuindo para certa valorização da profissionalização
sem romper com a simbologia de essa ser uma modalidade destinada às camadas populares
(BRASIL, 2012).
Em 1961, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), n.º 4024/1961. Em relação ao então chamado ensino técnico, o Capítulo III
estabelece as seguintes normas:
Art.47. O ensino técnico de grau médio abrange os seguintes cursos:

a) industrial;
b) agrícola;
c) comercial.
Parágrafo único. Os cursos técnicos de nível médio não especificados nesta lei serão
regulamentados nos diferentes sistemas de ensino.
Art. 48. Para fins de validade nacional, os diplomas dos cursos técnicos de grau
médio serão registrados no Ministério da Educação e Cultura.
Art. 49. Os cursos industrial, agrícola e comercial serão ministrados em dois ciclos:
o ginasial, com a duração de quatro anos, e o colegial, no mínimo de três anos.
§ 1º As duas últimas séries do 1° ciclo incluirão, além das disciplinas específicas de
ensino técnico, quatro do curso ginasial secundário, sendo uma optativa.
§ 2º O 2° ciclo incluirá além das disciplinas específicas do ensino técnico, cinco do
curso colegial secundário, sendo uma optativa.
§ 3º As disciplinas optativas serão de livre escolha do estabelecimento.
§ 4º Nas escolas técnicas e industriais, poderá haver, entre o primeiro e o segundo
ciclos, um curso pré-técnico de um ano, onde serão ministradas as cinco disciplinas
de curso colegial secundário.
§ 5º No caso de instituição do curso pré-técnico, previsto no parágrafo anterior, no
segundo ciclo industrial poderão ser ministradas apenas as disciplinas específicas do
ensino técnico.
Art. 50. Os estabelecimentos de ensino industrial poderão, além dos cursos referidos
no artigo anterior, manter cursos de aprendizagem, básicos ou técnicos, bem como
cursos de artesanato e de mestria, vetado.
Parágrafo único. Será permitido, em estabelecimentos isolados, o funcionamento dos
cursos referidos neste artigo.
Art. 51. As emprêsas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em
cooperação, aprendizagem de ofícios e técnicas de trabalho aos menores seus
empregados, dentro das normas estabelecidas pelos diferentes sistemas de ensino.
§ 1º Os cursos de aprendizagem industrial e comercial terão de uma a três séries
anuais de estudos.
§ 2º Os portadores de carta de ofício ou certificado de conclusão de curso de
aprendizagem poderão matricular-se, mediante exame de habilitação, nos ginásios
72

de ensino técnico, em série adequada ao grau de estudos a que hajam atingido no


curso referido. (BRASIL, 1961).

Pelo exposto acima, a LDBEN (1961) retirou os impedimentos dos discentes da


Educação Profissional em ingressar, se desejassem, no nível superior, ao estabelecer
equivalência dos cursos técnicos com o Ensino Secundário para o referido ingresso.
Possibilitou também a matrícula, no Ensino Médio, para os que fizessem os cursos de
aprendizagem, estabelecendo em caráter facultativo a criação dos cursos pré-técnicos,
definindo o currículo não profissional dos conteúdos do primeiro ciclo do Ensino Médio e
estabelecendo obrigação das empresas industriais e comerciais em ministrar a aprendizagem
de ofícios e técnicas de trabalho aos seus empregados menores.
Em 1964, o Brasil sofre um golpe militar, ficando os anos de 1964 a 1984 sob a égide
de governos ditatoriais. Para o país, essas duas décadas foram marcadas, dentre outros
aspectos, por uma forte repressão aos movimentos sociais, bem como a toda forma de
contestação ao sistema vigente. Os movimentos de afrodescendentes não ficaram de fora
dessa coibição. Segundo Pereira, A. (2013), durante a Ditadura Militar, a comunidade
formada por tais sujeitos era observada pelos órgãos de segurança e de informação que
entendiam as estratégias de empoderamento desse segmento, a exemplo do movimento
“soul”, o movimento “black” da Bahia, bem como os institutos de cultura afro-brasileira,
como manifestações de racismo negro e propulsor de revanchismos, que precisavam ser
combatidos pelo estado para evitar conflitos raciais.
O ápice dessa triste realidade pôde ser sentido durante o decreto do Ato Institucional
Número 5 (AI5), de 1968, publicado pelo então ditador, no cargo de presidente, Artur da
Costa e Silva. Essa determinação estabelecia, dentre outros fatores, poder ao presidente da
República para dar recesso à Câmara dos Deputados, às Assembleias Legislativas (estaduais)
e à Câmara de Vereadores (municipais). No período de suspensão, o Poder Executivo federal
assumiria as funções desses Poderes Legislativos. O AI5 também dava poder ao presidente
para: intervir nos estados e nos municípios, sem respeitar as limitações constitucionais;
suspender os direitos políticos pelo período de 10 anos, de qualquer cidadão brasileiro; cassar
mandatos de deputados federais, estaduais e vereadores; proibir manifestações populares de
caráter político; decretar censura prévia para jornais, revistas, livros, peças de teatro e
músicas, dentre outros (BRASIL, 1968).
No campo da economia, esse foi um período marcado por certo crescimento,
apresentando, sobretudo nos anos de 1969 a 1973, aumento do produto interno bruto (PIB) na
média de 11,2%. Essa alta foi beneficiada pela disponibilidade de recursos internacionais em
73

forma de empréstimos, bem como pelo avanço da entrada do capital estrangeiro, com
destaque para a indústria automobilística. Os pontos vulneráveis do dito “milagre” foram,
acima de tudo, a excessiva dependência ao sistema financeiro e ao comércio internacional.
Essa política econômica também facilitou a concentração de renda nas mãos de poucos, com
um regime de aumento do salário abaixo da inflação. Outro ponto negativo diz respeito ao
retardamento dos programas sociais e à falta de uma preocupação ecológica, tendo em vista
que os grandes projetos desse período desconsideravam as questões ecológicas e das
populações locais (FAUSTO, 2006).
Ao longo do período da Ditadura Militar, observamos um forte endurecimento do
regime. A censura, principalmente após o AI5, tornava-se cada vez mais cotidiana, pagando
as vozes contrárias ao regime com punições das mais diversas, desde vigilância cotidiana até
torturas, ocasionando exílios ou a perda da própria vida. No âmbito cultural, percebemos o
fortalecimento dos meios de comunicação em massa, como foi o caso da indústria televisiva,
com destaque para a Rede Globo, que recebeu apoio governamental por favorecer, de certo
modo, o regime ditatorial.
Porém, não entendemos que com o AI5 a oposição estava liquidada. Mesmo com toda
a repressão, a resistência ao regime se fez presente, sim, por meio do movimento estudantil,
do teatro engajado, da música, da guerrilha, dentre outras formas. Todas essas manifestações
demonstravam engajamento crítico à situação vigente, tornando-se redutos da resistência ao
governo.
No âmbito da educação profissional, a Lei n.º 5.692/1971 produziu um grande impacto
no ensino, por equiparar o nível secundário e os cursos técnicos, tornando compulsória a
formação técnico-profissional no segundo grau (BRASIL, 1971). Seguem abaixo trechos da
legislação:

Art. 5º As disciplinas, áreas de estudo e atividades que resultem das matérias fixadas
na forma do artigo anterior, com as disposições necessárias ao seu relacionamento,
ordenação e sequência, constituirão para cada grau o currículo pleno do
estabelecimento.
§ 1º Observadas as normas de cada sistema de ensino, o currículo pleno terá uma
parte de educação geral e outra de formação especial, sendo organizado de modo
que:
a) no ensino de primeiro grau, a parte de educação geral seja exclusiva nas séries
iniciais e predominantes nas finais;
b) no ensino de segundo grau, predomine a parte de formação especial.
§ 2º A parte de formação especial de currículo:
a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de
1º grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau;
b) será fixada, quando se destina a iniciação e habilitação profissional, em
consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista
de levantamentos periodicamente renovados.
74

§ 3º Excepcionalmente, a parte especial do currículo poderá assumir, no ensino de 2º


grau, o caráter de aprofundamento em determinada ordem de estudos gerais, para
atender a aptidão específica do estudante, por indicação de professores e
orientadores (BRASIL, 2017).

Nesse contexto de uma profissionalização compulsória sem o oferecimento de


instrumental para tal realização, “[...] os Governos militares intencionavam formar técnicos
sob o regime de urgência, uma vez que continuavam a projetar altas taxas de crescimento
econômico” (BRASIL, 2012, p. 39). Observamos, assim, mais uma tentativa aligeirada de
resolver questões educacionais, adequando-as às necessidades econômicas/profissionais da
burguesia nacional, sem calcular os gastos necessários e a viabilidade da proposta tendo em
vista a realidade do país.
Nesse sentido, Delphino (2010) aponta que isso representava preparar técnicos,
oferecendo mão de obra barata e limitando o ensino superior a uma elite que se entendia
“mais capaz”. Porém, essa ideia não teria vingado em relação à profissionalização, pois não se
conseguiu transformar todo o ensino do segundo grau em profissionalizante, uma vez que as
unidades desse nível não foram preparadas e equipadas para oferecer os cursos, tendo em
vista os baixos orçamentos da educação e a falta de alinhamento entre escolas e empresas.
Assim, teria acontecido um descompasso entre as exigências da lei e a sua aplicabilidade.
A valorização da Educação Profissional durante a Ditadura Militar (1964-1985) foi
apenas de fachada – uma capa que expressava que o ensino técnico não seria destinado apenas
às camadas populares, mas a todos –, pois o que se observava era uma tentativa de formar
técnicos sem grandes responsabilidades com as necessidades da formação, bem como tornar o
ensino superior ainda mais restrito a uma elite econômica que poderia pagar por boas
instituições.
Ainda durante esse período, é sancionada pelo general Ernesto Geisel, em 30 de junho
de 1978, a Lei n.º 6545 (BRASIL, 1978), que dispõe sobre a transformação em Centros
Federais de Educação e Tecnologia das então Escolas Técnicas Federais de Minas Gerais, do
Paraná e do Rio de Janeiro (Celso Suckow da Fonseca). Com essa mudança, essas entidades
poderiam ofertar cursos de graduação e de pós-graduação, o que foi possibilitado também
pelo respaldo que elas tinham perante a sociedade. É nesse sentido que Campelo (2007, p. 2)
afirma “[...] serem os CEFET então criados instituições predominantemente de ensino
superior, tanto em termos administrativos como em relação aos objetivos educacionais”.
Para Cunha (2000b, p. 221), a “cefetização” não pode ser lida apenas como uma
valorização dessa Educação Profissional por ganhar status também de nível superior; esse
75

processo teria representado “[...] um desvalor dessas instituições pela manutenção de sua
situação apartada da universidade (sem adjetivos), quer dizer, uma forma pela qual se
processa a reprodução ampliada da dualidade da educação brasileira”.
Antes de ser criado o Sistema Nacional de Educação Tecnológica em 1987, foi criado
também o Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (CEFET-MA) e, em 1993,
o CEFET-BA. Só em 1994, foi promulgada uma lei que criou essa rede, de forma que, a partir
de então, todas as Escolas Técnicas seriam transformadas em CEFET, podendo também ser
incorporadas às Escolas Agrotécnicas. A década de 1990 foi marcada pelo projeto de Lei n.º
1.603/1996 (BRASIL, 1996), que, ao seguir as orientações do Banco Mundial para a
Educação Profissional, com foco em propor mudanças, como estabelecer flexibilidade
curricular e separar a parte profissional da acadêmica, teve por objetivo favorecer os
interesses do mercado de trabalho, possibilitando a articulação entre as empresas e a educação
profissional – tudo isso articulado com a globalização capitalista e as suas propostas de livre
mercado que desembocava na tendência de descomprometer o Estado com o financiamento da
rede federal de educação (BRASIL, 2012).
Em relação aos CEFETs, as autoras Caires e Oliveira (2016, p. 121) apontam que
ocorreu um direcionamento “[...] para o atendimento ostensivo às demandas do mercado de
trabalho, negligenciando a formação do cidadão crítico, ético e comprometido com as
questões sociais”. Esses aspectos levantados se relacionam com as características do modelo
de educação defendido durante o período da Ditadura Militar no Brasil, explicando também
esse direcionamento técnico e pouco crítico da Educação Profissional nesse contexto.
Essa trajetória reforça a presença, ainda hoje, de certa elitização das universidades, as
quais se configurariam em um espaço voltado para uma elite econômica/intelectual
eurodescendente. Por outro lado, temos a noção de que a Educação Profissional Tecnológica
seria uma alternativa para as camadas populares, formadas historicamente e
significativamente por afrodescendentes, de modo que, ao terem acesso ao ensino, pudessem
também garantir uma vaga no mercado de trabalho. Lembramos aqui que os trabalhos
socialmente entendidos como típicos das classes populares já se encontravam dentro de uma
proposta de educação que pouco valorizava o questionamento delas em relação ao lugar
socialmente esperado para essa parcela da população. Apesar de todo o debate em torno dessa
perspectiva educativa durante o século XX, em que se tentou questionar, limitar ou terminar
com a dualidade no ensino, observa-se que, adentrando no século XXI, apesar dos avanços,
essa é uma questão que ainda se faz presente.
76

Uma leitura possível poderia perpassar a interpretação de que a EPT foi marcada por
uma trajetória de ter as camadas populares como público-alvo, por fazer parte de políticas
públicas que entendiam que a educação dessas classes representava fundamentalmente a
extensão melhorada de nossas senzalas. Tal perspectiva de ensino seria um modo de inserir,
de forma mais rápida, tal segmento no mercado de trabalho, ajudando fundamentalmente a
industrialização a ser possível, bem como, ao possibilitar a essa população uma fronteira
social, sem perder o controle das oportunidades proporcionadas, conseguindo não só
mecanismos de controle, mas também de ascensão social dentro dos limites da colonialidade.
Nesta seção, apresentamos algumas características gerais da EPT, desde o seu
embrião, ainda na colônia, sob a égide da sociedade escravocrata, passando pelas mudanças
que foi sofrendo ao longo do século XX. No próximo tópico, trabalharemos a Educação
Profissional para as relações raciais no contexto do Instituto Federal de Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IFMA, abordando as mudanças advindas nesse
contexto com a criação, em 2008, dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Quadro 1 – Fluxo histórico da EPT no Brasil


Ano Tipo de ETP Característica
1809 Colégio de Fábricas Uma tentativa de viabilizar a instalação de manufaturas.
1909 Escolas de Escolas destinadas a promover a profissionalização gratuita, objetivando
Aprendizes Artífices “formar cidadãos úteis à nação”.

1937 Liceus Industriais Escolas que começaram a ministrar ensino industrial em nível ginasial.
1942 Escolas Industriais e Ofereciam formação profissional em nível equivalente ao secundário.
técnicas (EITs)
1959 Escolas Técnicas Autarquias com autonomia didática e de gestão.
Federais (ETFs)

1978 Centros Federais de Possibilitou a presença do ensino superior na educação tecnológica.


Educação e
Tecnologia
(CEFETs)

2008 Institutos Federais de Instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares


Educação, Ciência e e multicampi, especializadas na oferta de educação profissional e
Tecnologia (IFs) tecnológica nos diferentes níveis de ensino, com base na conjugação de
conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas
pedagógicas.
Fonte: Organização dos dados bibliográficos do estudo, junho de 2018.
77

4 PERCORRENDO O CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Os historiadores (e, de outra maneira, também os


poetas) têm como ofício alguma coisa que é parte da
vida de todos: destrinchar o entrelaçamento de
verdadeiro, falso e fictício que é a trama do nosso estar
no mundo.

(Carlo Ginzburg. O fio e os rastros)

4.1 Abordagem

Tecer caminhos é tecer um modo de caminhada. Nesse andamento, o trajeto nem


sempre é certo: precisamos ter um rumo, mas sempre sabendo que caminhos interessantes e
novas descobertas podem nos desviar das certezas, trazer dúvidas, encantamentos, agregar,
mudar a rota, inventar. A escrita não pode perder a beleza e a leveza do seu sentido de
comunicar e deve, ao comunicar, fazer sentido, criar sentido, estabilizar, desestabilizar.
A nossa trama de estar no mundo é, a nosso ver, pensar a realidade, mas sem esquecer
que o contexto da pesquisa não é algo material, que possa ser tocada e utilizada como verdade
inquestionável. A realidade é, para nós, o entrelaçamento de que nos fala Ginzburg (2007):
uma trama que envolve os fios que nos orientam nos labirintos da realidade aos rastros que
encontramos pelos caminhos que percorremos.
Esses fios que teceram as histórias das/os historiadores/as são marcados pelos distintos
modos de compreender o fazer historiográfico. Assim, o século XIX marca a
institucionalização da História no âmbito da academia. Para estar nesse meio, era necessário
que tal disciplina mostrar sua cientificidade, demonstrando que, como as demais ciências, ela
era também portadora de um discurso de verdade, legitimador do fazer historiográfico no
ambiente acadêmico. Nesse momento, predominava a História Política, que tinha como
característica uma abordagem dita factual, linear e anedótica, pautada na existência dos
chamados grandes homens e heróis. Sua escrita deveria ser fundamentalmente narrativa, pois
se acreditava que, ao ter sua pesquisa fundamentada em documentos escritos e oficiais, estes
por si só mostrariam ao historiador a história como ela realmente aconteceu. Dessa forma,
cabia ao historiador narrar de forma imparcial “a verdade” obtida por meio da pesquisa na
documentação oficial.
Foi contra essa perspectiva de História – proposta pela escola metódica, que teve em
Leopold Von Ranke, Langlois e Seignobos seus principais representantes – que o movimento
dos Annales criticou, propondo uma nova história, revolucionando, assim, a historiografia do
78

início do século XX. Vozes dissonantes ao fazer historiográfico dessa corrente teórica não
aparecem exclusivamente a partir do movimento dos Annales. Só a título de exemplo,
podemos destacar Jacob Burckhardt, que, em 1860, escreveu o livro “A cultura do
Renascimento na Itália”. Nessa obra, ele rompe com a história política analisada pelo viés
cultural, sendo um dos percussores da História cultural. Porém, foi principalmente na década
de 1930, após o surgimento, em 1929, da revista dos Annales, liderada por Marc Bloch e
Lucien Febvre, que tomou força a crítica ao fazer historiográfico da escola metódica
(BURKE, 1997).
Bloch e Febvre lideraram a primeira geração do referido movimento e, apesar das suas
diferenças, eles se configuraram não só como fundadores, mas como referenciais para os
demais nomes ligados a esse movimento. A interdisciplinaridade, uma nova concepção de
história, de tempo histórico e de alargamento das possibilidades de fontes, foram elementos
que fizeram parte da centralidade das discussões e das propostas. Assim, de acordo com
Febvre (1989, p. 249), para escrever, os historiadores poderiam se utilizar de “[...] tudo o que,
pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demonstra a
presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem.”
A nova história cultural está entrelaçada pelas conquistas, pelas preocupações, pelas
inquietações e pelas críticas geradas pelo e ao movimento dos Annales. A História cultural
nos apresenta novas possibilidades de interpretação, que, longe de buscar uma finalidade
única ou de se apegar a um viés de análise como determinante, entende tal ciência no reduto
das sensibilidades, partindo da observação de que a realidade é social e culturalmente
construída, como traz Hunt (1992, p. 9): “As relações econômicas e sociais não são anteriores
às culturais, nem as determinam; elas próprias são campos de prática cultural.”
A História Cultural volta, então, suas “lentes” para interesses variados e múltiplos, no
intuito de conseguir desvendar as teias de significados que as sociedades produzem acerca de
si e do outro. De acordo com Chartier, “[...] a história cultural, tal como a entendemos, tem
por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler.” (1990, p. 160).
Contrária à ideia de uma História total, com ênfase na coletividade, a Nova História
Cultural, influenciada por autores como Michel Foucault, volta seu olhar à ruptura, ao
singular. Para esse novo viés, foi fundamental também sua aproximação com disciplinas
como a Antropologia e a crítica literária, resultando daí deslocamentos das estruturas para as
redes, dos sistemas de posições para as situações vividas, das normas coletivas para as
estratégias singulares (CHARTIER, 1994).
79

Na contemporaneidade, assistimos a uma espécie de disputa entre o campo de atuação


da História e das demais disciplinas que lidam com o sociocultural. Se, por um lado, essa
aproximação gerou debates produtivos sobre inter, multi e transdisciplinaridade aplicados na
pesquisa da reconstituição do passado e na sua melhor compreensão, gerou também, por
outro, a diluição da constelação dos elementos e dos critérios disciplinares que compunham a
matriz epistêmica da própria história. Estabeleceu-se, dessa forma, uma relação entre as
possibilidades de produção de novos conhecimentos e a diluição dos critérios de sustentação
da sua plausibilidade. Essa ligação altera e orienta os debates para os campos da narratividade
e para uma aproximação com as linguagens do texto literário.
Esse vínculo, porém, não é muito amistoso. Há um foco de crítica antinarrativista
marcante na teoria historiográfica nos últimos 30 anos, e seu ataque é contra o parentesco com
as estruturas e os efeitos de certo gênero de ficção literária – o romance novecentista – que se
esconde sob a forma de narrativa – daí falarmos de “retorno da narrativa” (já que ela havia
sido recusada quando da formação dos Annales). A resistência a esse retorno é devido ao
embaraço provocado pelos aspectos ficcionais da composição da citada perspectiva teórica e
se prende às incertezas e às divergências sobre o estatuto cognitivo da disciplina, pois coloca
em questão o próprio valor da verdade histórica.
Desse modo, a polêmica sobre a volta da narração obteve forte repercussão nos
debates historiográficos. O diálogo com a narrativa, neste estudo, afina-se com a perspectiva
apontada por Reis (2006), que entende que ela, ao incluir o vivido, não se torna incompatível
com a inteligibilidade lógica, oferecendo, sim, inteligibilidade ao vivido, sendo a narração
produzida por uma imaginação que produz e cria novos sentidos.
No caso da narrativa histórica, o importante é não perder de vista que os termos
“invenção” e “fictício” não são sinônimos de “mentiroso” ou “irreal”. Quando o/a
historiador/a narra os acontecimentos, está, ao mesmo tempo, dando uma explicação deles, e
essa explicação não está pronta e acabada nos próprios documentos; ela precisa ser
“inventada” pelo pesquisador usando a matéria-prima disponível, o que inclui não apenas as
informações contidas nas fontes – as evidências –, mas também os paradigmas interpretativos
existentes em sua cultura, sejam eles teórico-científicos ou estético-literários (REIS, 2006).
Esta pesquisa busca dialogar juntamente à Nova História Cultural, explorando
justamente a riqueza da subjetividade da narrativa e entendendo que os significados não estão
prontos para serem interpretados apenas pelas estruturas, mas para além das subjetividades.
Assim, explorar a riqueza das narrativas de docentes e os significados apresentados pelas/os
narradores/as nos possibilitará perceber diferentes nuances que envolvem o pensar/viver a
80

Educação Profissional Tecnológica e as suas relações com as questões raciais, entendendo que
estas são realidades culturalmente construídas e contextualizadas que se movem juntamente a
táticas e estratégias de seus participantes, permeadas de relações de poder que possibilitam
“entrelugares” marcados por questionamentos e possibilidades inovadoras.
Entendemos a investigação em concordância com Ferreira (2004, p. 28), para quem a
ciência deve se transformar em sabedoria de vida, na qual “[...] a meta voltada para a melhoria
da situação humana concreta fosse o critério fundamental da validade da pesquisa” – daí a
necessidade também de um questionamento epistêmico da ciência eurocêntrica, que construiu
uma ideia de conhecimento e método dispersando saberes e formas outras de conhecer que
não as suas. Esse literal enquadramento científico também faz parte da colonialidade do poder
(QUIJANO, 2010) e está intimamente relacionado à dificuldade de valorização acadêmica dos
estudos que têm a afrodescendência como foco.
A abordagem que será utilizada nesta pesquisa é a qualitativa, por possibilitar uma
interação dinâmica, reformulando-se constantemente. Toda discussão sobre avanços na
historiografia se fundamenta nessa perspectiva. O viés qualitativo é visto como uma relação
com a realidade na qual ocorrem processos de produção de sentido, em que pesquisador e
participantes estão envolvidos. Assim, em vez de buscar validade e fidedignidade, deve-se
enfatizar a especificidade da situação de investigação, isto é, a descrição detalhada e rigorosa
do contexto de sua realização, do caminho percorrido pelo/a investigador/a e do modo como
as suas características, os seus interesses e os seus valores incidem sobre o delineamento do
estudo e sobre as suas interpretações (FERREIRA, 2004). O que faz sentido é primordial
nessas relações.
A utilização da citada abordagem se deu pelo entendimento de que ela é a mais
condizente com a pesquisa a ser realizada, tendo em vista que não acreditamos na
quantificação de subjetividades, assim como entendemos que as relações raciais que
perpassam as noções de raça e etnia são, como diz Silva (2014), uma questão de
conhecimento, poder e identidade, elementos humanos que vão bem além da quantificação e
voltam para aspectos de práticas e interpretações.

4.2 Instituição

O contexto institucional de desenvolvimento da pesquisa foi o Instituto Federal de


Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA). A origem dessa instituição se dá em
1910, quando é criada a Escola de Aprendizes Artífices do estado. Em 1937, é transformada
81

no Liceu Industrial de São Luís; em 1942, na Escola Técnica Federal de São Luís; e, em 1965,
na Escola Técnica Federal do Maranhão. Em 1989, esta foi transformada em Centro Federal
de Educação Tecnológica (CEFET-MA) e, em 2008, em Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), acontecendo a integração do CEFET-MA às
Escolas Agrotécnicas Federais de Codó, São Luís e São Raimundo das Mangabeiras.
A missão institucional do IFMA é promover educação profissional, científica e
tecnológica comprometida com a formação cidadã para o desenvolvimento sustentável.
Sua visão é ser uma instituição de excelência em ensino, pesquisa e extensão, de referência
nacional e internacional, indutora do desenvolvimento do estado do Maranhão. O Instituto
tem como valores a ética, a inclusão social, a cooperação, a gestão democrática e participativa
e a inovação (IFMA, 2018).
Atualmente, a entidade possui 29 campi, sendo eles: Açailândia, Alcântara, Araioses,
Bacabal, Barra do Corda, Barreirinhas, Buriticupu, Caxias, Codó, Coelho Neto, Grajaú,
Imperatriz, Itapecuru Mirim, Pedreiras, Pinheiro, Presidente Dutra, Santa Inês, São João dos
Patos, São José de Ribamar, São Luís - Centro Histórico, São Luís - Maracanã, São Luís-
Monte Castelo, São Raimundo das Mangabeiras, Timon, Viana, Zé Doca, Carolina, Porto
Franco, Rosário. Tem três Centros de Referência Educacional (em fase de implantação), um
Centro de Referência Tecnológica (Certec) e um Centro de Pesquisas Avançadas em Ciências
Ambientais. O IFMA oferece cursos de níveis básico, técnico, graduação e pós-graduação.
(IFMA, 2018).
A opção por esse contexto se justifica por ser uma instituição que oferece Educação
Profissional e Tecnológica no estado do Maranhão, que é um dos que apresentam um dos
menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, perdendo apenas para
Alagoas, e, que é formado, majoritariamente, por afrodescendentes (negros e pardos).
Segundo o PNAD (2012), a distribuição da população maranhense por cor/raça é de: 68,1%
parda, 21,1% branca, 10,3% negra, 0,4% indígena e 0,1% amarela, aspectos que, para nós, são
importantes para problematizarmos a afrodescendência e a educação profissional tecnológica
em tempos de educação para as relações raciais, bem como por ser uma realidade que nos é
próxima, sendo eu afrodescendente, maranhense e docente do IFMA.

4.3 Participantes da investigação

Para o desenvolvimento deste estudo, participaram como entrevistadas/os 11


servidores/as, entre docentes e gestores/as do Instituto Federal do Maranhão. O critério para
82

seleção dos participantes foi, dentre os que aceitaram espontaneamente, serem professores/as
efetivas/os tendo, no mínimo, 10 anos de trabalho na instituição. A definição desse fator se
deu para que, assim, pudéssemos melhor visualizar nosso problema de pesquisa, tendo em
vista que, com esse tempo de serviço, os profissionais vivenciaram distintas diretrizes
curriculares, podendo nos informar, com conhecimento também de suas vivências, suas
percepções em relação às mudanças propostas pela institucionalização dessas entidades
federais e suas possíveis tentativas/dificuldades de colocar em prática a educação também
voltada para as relações raciais.
A partir dos critérios especificados para a seleção dos sujeitos convidados, fizemos
contato, inicialmente, com 13 docentes que aceitaram participar das entrevistas, mas dois não
puderam efetivar participação devido à aprovação em Programa de Pós-Graduação em outro
estado, para onde tiveram de se direcionar. Tivemos, assim, a participação de 11
educadores/as na coleta de dados por meio das entrevistas, sendo eles informados previamente
da proposta da investigação e, ao assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido,
elucidados de que não teriam seus nomes identificados. Alguns/mas enfatizaram não ver
problema com tal divulgação, dando-nos liberdade para utilizar ou não suas respectivas
identificações.
Para preservá-las, decidimos utilizar codinomes e, para isso, selecionamos nomes de
afrodescendentes de sucesso em áreas afins às das/os entrevistadas/os, ficando, então, os
seguintes codinomes para os professores/as que aceitaram participar da entrevista: André
Rebouças, Chimamanda Adichie, José do Patrocínio, Teodoro Sampaio, Maria Firmina, Luís
Gama, David Blackwell, Antonieta de Barros, Henrique Cunha júnior, Richard Appiah Akoto
e Sueli Carneiro.
83

Quadro 2 – Participantes da pesquisa


Codinome Área de formação Campus atual Outros campi Anos de serviço
de atuação na instituição
1.André Monte Castelo (São
Engenharia Caxias 22 anos
Rebouças Luís)
2.Chimamanda Maracanã (São Não
Português/ Inglês 25 anos
Adichie Luís)
Maracanã e
3.José do Codó
Química Caxias 14 anos
Patrocínio
4.Teodoro Monte Castelo
Matemática Caxias 12 anos
Sampaio
Monte castelo
5.Maria Firmina Pedagogia Timon 34 anos
Monte Castelo (São Barra do Corda
6.Luís Gama Filosofia/Sociologia
Luís)
29 anos
7.David Monte Castelo (São Não
Matemática 24 anos
Blackwell Luís)
8.Antonieta de Monte Castelo (São Não
Filosofia 25 anos
Barros Luís)
9.Henrique Não
Monte Castelo (São
Engenharia 31 anos
Cunha Júnior Luís)

10.Richard São Raimundo


Ciência da Computação Caxias Nonato e Codó 11 anos
Appiah Akoto

11.Sueli Monte Castelo (São Não


História 12 anos
Carneiro Luís)

Fonte: Dados da pesquisa.

A pesquisa envolveu docentes que atualmente atuam nos campi: São Luís - Maracanã,
São Luís-Monte Castelo e Caxias. Escolhemos, principalmente, os localizados na capital
maranhense, porque eram os que já existiam antes da expansão de 2008, de forma que, então,
tínhamos mais probabilidade de encontrar, disponíveis a participar do estudo, profissionais
com mais de 10 anos de serviço, o que foi um dos critérios da investigação. No campus de
Caxias, apesar de as/os educadores/as serem majoritariamente concursados depois da criação
do IFMA, selecionamos alguns/mas deles, tendo em vista ser esse o meu local de atuação o
que facilitou o contato com alguns servidores que já trabalhavam na rede anteriormente à
criação dos institutos federais e que foram removidos quando da criação do dessa cidade.
Dentre os que aceitaram participar, estão quatro mulheres e sete homens. Cinco
ocupam ou já ocuparam cargos de gestão, por exemplo, na Reitoria, na Pró-Reitoria, na
Diretoria Sistêmica e na Diretoria Geral de Campus; outras/os seis têm suas atividades
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relacionadas à prática docente. Em relação à titulação, três são doutores, três são
doutorandas/os, quatro são mestres/as e uma é especialista. As áreas de formação das/os
entrevistadas/os são: Engenharia, Filosofia, Letras, Química, Pedagogia, Ciências Sociais,
Matemática, História e Informática.
As entrevistas foram realizadas em diferentes espaços, de modo que procuramos dar
prioridade aos locais onde as/os entrevistadas/os escolhessem por se sentirem mais à vontade.
Dos 11 participantes da pesquisa, cinco escolheram o espaço institucional, quatro optaram
pelos seus espaços familiares e dois preferiram ir até a minha casa para a realização das
entrevistas, alegando dificuldade de concentração tanto no ambiente de trabalho quanto no
familiar.
As conversas duraram entre 27 minutos e uma hora e 20 minutos, sendo gravadas em
áudio, com anuência dos sujeitos, de modo a ampliar o poder de registro e de captação de
elementos de comunicação, como pausas para reflexões, dúvidas ou entonação da voz, além
de aprimorar a compreensão da narrativa e preservar o conteúdo original.
Destacamos, também, o cuidado em selecionar pessoas que tivessem vivenciado
experiências profissionais em diferentes campi da instituição. Cabe destacar que, até 2008,
quando da criação dos institutos federais, a rede contava com os campi Monte Castelo,
Maracanã, Codó e São Raimundo das Mangabeiras, mas, após esse período, aconteceu uma
grande expansão pelo interior do Maranhão, conforme destaquei anteriormente. Dentre os
espaços em que as/os entrevistadas/os tiveram experiências profissionais, podemos destacar:
Monte Castelo, Maracanã, Barreirinhas, Codó, Caxias, São Raimundo das Mangabeiras,
Buriticupu, Timon e Barra do Corda. Entendemos que essa diversidade de vivências ajuda a
perceber a temática em distintas realidades. Dentre os indivíduos, apenas quatro trabalharam
sempre no mesmo local.
Na atualidade, essa vivência multicampi é muito frequente entre os/as servidores/as do
IFMA. Quando da expansão do Instituto (2008), muitos deles/as, dos campi que existiam até
então, foram convidadas/os para cargos de gestão nos novos espaços. A rotatividade entre
as/os servidores/as novas/os é intensa, tendo em vista, também, o fato de muitos serem
oriundos, principalmente, mas não só, de capitais como São Luís e Teresina.
A pesquisa viabilizou a interação entre pesquisadora e pesquisadas/os, propiciando,
juntamente à documentação institucional e ao referencial teórico que fundamenta este estudo,
o desvelamento dos objetivos propostos.
85

4.4 Fontes das informações

A pesquisa, para mim, é algo excitante: como uma boa história de amor, possibilita
encontro, desencontro, acelera o batimento cardíaco, gera novas descobertas. É sempre
criação, invenção, possui potência. A cada contato, existe a descoberta de novas
documentações e a aproximação com as/os entrevistadas/os – por meio das conversas
realizadas, vários sentimentos se encontram, gerando em nós uma teia de possibilidades e
muitos desafios.
Na busca por responder esses dilemas e essas indagações, o objetivo geral proposto
para este estudo é: compreender como o IFMA lida com as exigências da educação para as
relações raciais considerando o que regem os documentos oficiais referentes à Educação
Profissional e Tecnológica hoje. Para isso, foi realizada, inicialmente, uma pesquisa em
caráter bibliográfico, envolvendo estudos sobre a situação das/os afrodescendentes no Brasil,
identidade, raça, poder, educação profissional tecnológica, epistemologias, prática educativa,
dentre outros aspectos. Tal levantamento consiste na busca por referenciais relevantes sobre a
temática investigada, o que apresenta essencialmente a função de discorrer informações sobre
o problema do estudo na busca pelo aprofundamento das ideias, objetivando responder
questionamentos e discutir problemáticas que subsidiarão a análise dos dados advindos da
pesquisa de campo.
As fontes utilizadas para acessar às informações da pesquisa foram também
documentos institucionais tanto a um nível mais geral, que regem os institutos federais como
um todo, como outros específicos do foco da pesquisa sobre o IFMA. Foram utilizadas, ao
mesmo tempo, as entrevistas com docentes e gestoras/es da instituição. As documentações
institucionais e até as atas do NEABI nos ajudavam a entender o que a entidade pretendia com
sua nova institucionalização. As atas de reuniões do NEABI/IFMA e as entrevistas nos
colocavam diante do cotidiano da unidade de ensino, das suas possibilidades e dos seus
desafios no tocante ao tratamento da exigência da inclusão da temática das relações raciais
nas suas atividades curriculares.

4.5 Documentos oficiais

Dentre os documentos institucionais, destacamos, no plano dos institutos federais


como um todo, a Lei n.º 11892/2008 (BRASIL, 2008), que institui a rede federal e cria essas
entidades; as Concepções e diretrizes dos IFs, uma produção da Secretaria de Educação
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Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC) que evidencia os fundamentos dos institutos; as


Bases para uma Política Nacional de EPT (SETEC/MEC, 2008), apresentando os eixos
norteadores do trabalho da SETEC/MEC; e a cartilha de divulgação dos IFs, chamada Os
Institutos Federais: uma revolução na Educação Profissional e Tecnológica (SETEC/MEC,
2008).
Esses documentos nos possibilitaram entender a proposta educativa que a criação
dessas instituições objetiva para a Educação Profissional Tecnológica (EPT) e o modo como
ela dialoga com a tradição dessa modalidade de ensino. Nosso foco na leitura dessa
documentação foi perceber o modo como essa iniciativa dialogava com aspectos que
envolvem a abordagem da educação para as relações raciais no contexto institucional.
Entendemos essa proposta como um indicativo do que, no plano geral, pretende-se para a EPT
e observamos que entre a tradição, a proposta e a realidade do objeto da pesquisa existem
algumas aproximações, mas também distanciamentos.
Dentre os documentos específicos do IFMA, destacamos o seu Estatuto de
implantação (2009) que estabelece a sua constituição; o Regimento Geral (2010), que detalha
a estrutura da instituição disciplinando a sua organização, as suas competências e o
funcionamento das instâncias deliberativas, consultivas, administrativas e acadêmicas; o
Regimento Interno (2011), que detalha a estrutura interna de cada campus com normas e
disposições complementares ao Estatuto; o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
(2014-2018), que estabelece o planejamento organizacional a ser realizado no prazo de cinco
anos; o Projeto Pedagógico Institucional (PPI) (2016), instrumento de natureza filosófica,
política e teórico-metodológica que norteará a prática pedagógica da entidade, articulando as
dimensões de ensino, pesquisa e extensão; a Resolução n.º 008/2010 (2010), que aprova a
institucionalização do NEABI/IFMA, constituindo-se como um núcleo temático para a
execução de práticas pedagógicas no desenvolvimento de pesquisa, ensino e extensão
voltadas para o estudo das questões raciais; e as atas do NEABI/IFMA (2010-2016), em que é
narrado o ocorrido nas reuniões.
As atas das reuniões do Núcleo foram fundamentais para a percepção do cotidiano e
da dinâmica da instituição no que se relaciona diretamente com a efetivação da educação para
as relações raciais. Por meio delas, percebemos possibilidades e desafios institucionais
presentes no modo como essa temática é abordada por docentes, gestores/as e demais
servidores.
87

4.6 As entrevistas

Para a realização das entrevistas, dialogamos com a metodologia e os saberes da


História Oral, que possui proximidade com o presente, pois depende da “memória viva” e de
relatos já efetuados anteriormente. De acordo com Nora (1993, p. 9),

A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a


história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se
acomoda a detalhes que a confortam: ela se alimenta de lembranças vagas,
telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as
transferências, cenas, censuras ou projeções. A história, porque operação intelectual
e laicizante, demanda análise e discursos críticos.

A oralidade tem na memória sua base constituidora. Assim, concordamos com Portelli
(1993), quando ele diz que a História Oral tende a representar a realidade não como um
tabuleiro de lados iguais, mas como um mosaico, no qual cada pessoa tem um grande número
de histórias em potencial. Assim, os historiadores orais que possuem a arte de ouvir partem do
entendimento de que praticamente todas os sujeitos com quem conversamos enriquecem a
nossa experiência.
A História Oral depende da memória “viva”. A reação negativa que durante muito
tempo se teve no âmbito da pesquisa acadêmica quanto à oralidade está também associada à
relação entre eurocentrismo e tal aspecto que ligava a tradição oral à ausência de cultura e
valorizava o documento escrito como registro da verdade e portador de credibilidade, porque
é fruto da tradição letrada “à moda” europeia, na qual o saber científico não necessariamente é
ligado ao cotidiano.
Concordamos com Portelli (1997), que destaca que, apesar das muitas diferenças entre
os pesquisadores que trabalham com a História Oral, é fundamental “[...] a responsabilidade
não só de obedecer às normas confiáveis, quando coligem informações, como também de
respeitá-las, quando chegam a conclusões e interpretações – correspondam ou não a seus
desejos e expectativas”.
Para a efetivação desta investigação, foram realizadas entrevistas com docentes
gestores/as que deram subsídios para a análise das peculiaridades, das possibilidades e dos
entraves das experiências profissionais relacionadas à temática das relações raciais no IFMA.
Essas conversas foram do tipo semiestruturado, em que organizamos um roteiro de
questões que deveriam perpassar os diálogos. Porém, esses questionamentos eram para termos
88

uma dimensão dos aspectos que deveriam envolver as entrevistas, sendo elas realizadas em
um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal.
Esses momentos apresentaram um ritmo bem distinto uns dos outros. Percebemos que
as/os entrevistadas/os que tinham afinidade teórica e/ou de vivência profissional/pessoal com
a temática, demonstravam um ritmo mais fluido, de modo que foram desnecessários, em
alguns casos, questionamentos pontuais. Ao narrarem suas vivências pessoas e profissionais,
íamos tendo acesso de modo dinâmico às perguntas que perpassavam nosso problema de
pesquisa e nossos objetivos.
Entre os entrevistadas/os que não tinham vivência profissional e/ou pessoal com a
temática, observamos a dificuldade em focar no assunto das relações raciais, de modo que,
geralmente, direcionavam a entrevista para questões que envolviam outros aspectos da
Educação Profissional e Tecnológica, como fatores específicos de suas áreas de atuação,
dificuldades cotidianas dessa modalidade de ensino e questões que envolviam a gestão para
além da abordagem central da pesquisa. Nesses casos, os questionamentos elaborados foram
mais utilizados na tentativa de direcionar a conversa para a problemática central investigada.
Em alguns momentos, precisamos, também, reelaborar as perguntas, objetivando não romper
de modo brusco com o ritmo do diálogo que estávamos tendo e com os aspectos que os
entrevistados achavam importantes de narrar para além do foco do estudo. Interrogações
adicionais também foram realizadas para elucidar conteúdos que não ficaram “claros”,
ajudando a acessar as informações necessárias à problemática proposta.
Um caso vivido em uma das entrevistas foi interessante. Lembro-me de ter saído triste,
achando que, mesmo com todas as tentativas e reformulações, não consegui tocar a conversa
para o interesse do trabalho, e pensei inclusive em eliminá-la. Depois, analisando melhor,
durante a transcrição e a escrita do texto da tese, focando na questão norteadora e na narrativa
que estávamos organizando para apresentar os dados coletados, percebemos a importância
daquele diálogo, pois o entrevistado levantava aspectos institucionais que, no momento da
entrevista, não pareciam tão importantes, mas que, no momento de escrever e problematizar a
EPT, trouxeram aspectos importantes.
A importância desse olhar sensível ao que é relevante também para a/o outra/o narrar é
evidenciado por Portelli (1997), com o qual concordamos quando ele diz que, “[...] se
ouvirmos e mantivermos flexível nossa pauta de trabalho, a fim de incluir não só aquilo que
acreditamos querer ouvir, mas também o que a outra pessoa considera importante dizer,
nossas descobertas sempre vão superar nossas expectativas”. Desse modo, o que acessamos e
tratamos foi apanhado de realidades complexas e subjetividades diversas. O importante foi e
89

continua sendo as tentativas de conseguir aproximações com as realidades das relações raciais
na EPT.

4.7 Procedimentos para análise de dados

4.7.1 Organização e análise das documentações

Na fase inicial da análise, realizamos a leitura dos documentos institucionais,


grifando/selecionando as passagens que dialogavam com o nosso objeto de estudo de modo
aleatório, bem como observando a necessidade de outras leituras para um melhor
entendimento desses documentos em uma fase posterior de investigação. Esse momento foi
importante para nos familiarizarmos com a documentação, bem como para que
visualizássemos as possibilidades que a pesquisa nos apontava.
No segundo momento, fizemos uma leitura mais detalhada selecionando os trechos das
diferentes documentações que nos ajudavam a dialogar com nossos objetivos e nossa questão
norteadora. Para facilitar a análise dos dados, organizamos arquivos com as partes dos
documentos institucionais já direcionando para os institutos e as problemáticas propostas que
nos ajudavam a responder/problematizar a tese, o que facilitou no momento de organizar e de
pensar a escrita da tese.
No terceiro momento, com uma nova leitura da documentação, já focando na escrita
da seção de análise do trabalho, selecionamos de modo específico as passagens a serem
usadas no corpus da tese. Sempre que possível, cruzamos as informações entre as diferentes
documentações, sobretudo entre o que era proposta da instituição e o que observávamos no
seu cotidiano, necessitando de um constante diálogo com o referencial teórico pertinente ao
estudo.

4.7.2 Transcrição e organização para a análise das entrevistas

Para a análise das entrevistas, o primeiro momento foi o serviço de transcrição das
conversas, que tiveram como aporte metodológico a História Oral. Tentamos seguir algumas
indicações apresentadas por Matos e Senna (2011, p. 104):

a) A transcrição deve ser feita pelo próprio entrevistador, o quanto antes;


b) as passagens pouco audíveis devem ser colocadas entre colchetes;
c) as pessoas citadas devem ser designadas por iniciais (se necessário);
90

d) as palavras em negrito serão as de forte entonação;


e) anotações com risos devem ser grifadas;
f) subtítulos devem facilitar a leitura;
g) os erros flagrantes deverão ser corrigidos: datas, nomes próprios etc.

Em cinco transcrições, tivemos a colaboração de outro pesquisador da Roda Griô, o


pedagogo Nelson Barros, realizando-se em todas elas o trabalho de conferência. As
entrevistas foram todas integralmente transcritas, o que demandou um trabalho exaustivo,
mesmo após tal processo, com os respectivos destaques acima mencionados para facilitar a
leitura. Frequentemente, voltávamos aos áudios para entender melhor a leitura que estava
sendo feita, sobretudo nas passagens que fizemos de citação no corpo da tese.
No segundo momento, após escritas as entrevistas, fizemos um mapeamento de cada
entrevistada/o em relação aos pontos de destaque da conversa tendo em vista os objetivos
propostos e a possibilidade de diálogo com os aspectos que pretendíamos evidenciar no
trabalho. Ainda durante esse processo, realizávamos, ao final dessa análise individual, um
resumo dos pontos que considerávamos importantes daquele diálogo.
No terceiro momento, tendo em vista a organização das seções da tese e os intuitos
específicos a serem trabalhados em cada momento, procuramos estabelecer os fatores de
diálogo entre as entrevistas. Levando em consideração os pontos presentes no roteiro das
conversas, íamos selecionando os trechos que possibilitavam problematização com as
questões que nos impulsionavam em cada seção. Essa seleção e as possibilidades advindas
das potencialidades que íamos percebendo nos depoimentos iam, também, ajudando-nos a
compor a narrativa do texto das análises dos dados.
Nesta seção, apresentamos o caminho metodológico percorrido, a fundamentação com
a história cultural no sentido de buscar elementos para analisar as relações raciais no contexto
da Educação Profissional e Tecnológica, as contribuições do aporte metodológico da História
Oral para a realização e a transcrição das entrevistas, bem como apresentamos o contexto da
instituição pesquisada, os participantes da pesquisa, as fontes de informações e os
procedimentos para a análise dos dados. Na próxima seção, desenvolvemos a análise do
conteúdo investigado.
91

5 A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES RACIAIS NO CONTEXTO DO IFMA

Acreditamos que a educação


sozinha não transforma a sociedade,
sem ela tampouco a sociedade muda
(Paulo freire)

Nesta seção, desenvolvemos os seguintes objetivos específicos propostos na tese:


caracterizar o modo como os documentos institucionais dialogam com a proposta de uma
educação para as relações raciais no Brasil de acordo com as prescrições nos documentos
legais e averiguar os vínculos entre o que dizem os participantes da pesquisa sobre as
exigências de um ensino voltado para tal abordagem e o seu pertencimento racial. Para
problematizar os intuitos da investigação, partimos da seguinte questão norteadora: como a
educação profissional, que tem forte tradição na valorização do atendimento às necessidades
do mercado de trabalho capitalista, relaciona-se com a proposta de um ensino para as relações
raciais? De que modo os documentos institucionais fazem essa abordagem?
A ETP vem se reconfigurando nos últimos anos com a criação, em 2008, por meio da
Lei n.º 11.892, dos IFs. De acordo com a legislação, eles são instituições de ensino superior,
básico e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação
profissional e tecnológica nos diferentes níveis, com base na conjugação de conhecimentos
técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos dessa legislação
(BRASIL, 2008a). Tais institutos apresentam uma proposta que, em uma primeira leitura,
pretende repensar os significados, os objetivos e o alcance dessa modalidade educativa.
Para desenvolvermos tal intento de pesquisa, dialogaremos com alguns documentos
legais e institucionais, bem como com as entrevistas realizadas com docentes e gestores/as da
instituição, que nos ajudam a entender a proposição e as questões que envolvem o cotidiano
organizacional. Apresentamos, nos quadros abaixo, informações referentes a essa
documentação que consideramos importantes na discussão acerca da diversidade, com foco
especial para as questões das relações raciais:
92

Quadro 3 – Documentos oficiais do MEC utilizados na análise documental


Documento Ano Conteúdo

Lei n.º 11.892/2008 2008 Institui a rede federal e cria os Institutos Federais

Concepção e diretrizes dos Produção da SETEC que apresenta os fundamentos dos


2008
Institutos Federais Institutos Federais

Bases para uma Política Nacional Apresenta os eixos norteadores do trabalho da


2008
de EPT SETEC/MEC
Os Institutos Federais: uma
Cartilha de divulgação dos IFs, assinada pelo secretário
revolução na Educação 2008
da SETEC
Profissional e Tecnológica
Fonte: Dados da pesquisa realizada pela autora nos documentos institucionais citados, 2018.

Esses documentos citados evidenciam a proposta do Governo Federal ao criar os


referidos Institutos, apontando essa criação como algo inovador, que se desconecta da lógica
neoliberal de uma educação profissional com o foco prioritário nos interesses do capital e que
busca uma perspectiva para além das necessidades do mercado de trabalho: preocupada com a
formação do cidadão como um todo. Essa é uma documentação que se propõe didática,
tentando explicar o contexto de criação, os objetivos e os direcionamentos propostos para a
EPT.
93

Quadro 4 – Documentos específicos do IFMA utilizados na análise documental


Documento Implantação Descrição Tema da Diversidade
Abordado no segundo capítulo,
Estabelece a constituição do
tendo o “respeito à diversidade”
Estatuto 2009 Instituto Federal de Ciência e
como um princípio norteador da
Tecnologia do Maranhão.
instituição.
O “respeito à diversidade”
aparece como parte dos
Detalha a estrutura do IFMA
fundamentos dos processos de
disciplinando a sua organização,
gestão, destacando à Diretoria de
as suas competências e o
Regimento Geral 2010 Ensino que oriente a
funcionamento das instâncias
implantação de cursos nessa
deliberativas, consultivas,
área, articulados aos
administrativas e acadêmicas.
departamentos e aos núcleos
competentes.
Detalha a estrutura interna de
cada campus com normas e
disposições complementares ao
Regimento Interno 2011 Estatuto e ao Regimento Geral
do IFMA, disciplinando a ______________________
organização e o funcionamento
dos campi.

Intensificar as ações de fomento


Plano de Estabelece o planejamento
à inclusão e de respeito à
Desenvolvimento 2014-2018 institucional a ser realizado no
diversidade aparece como um
Institucional (PDI) prazo de cinco anos.
dos objetivos do documento.

Instrumento de natureza
filosófica, política e teórico- Apresenta uma abordagem
metodológica que norteará a teórica em relação ao referido
Projeto Pedagógico
2016 prática pedagógica da assunto no contexto educacional
Institucional (PPI)
instituição, articulando as em que está inserida a
dimensões de ensino, pesquisa e instituição.
extensão.

Aprova a institucionalização do
NEABI enquanto núcleo Apresenta uma proposta de
temático, para a execução de atuação direta com o citado
Resolução n.º
2010 práticas pedagógicas no tema, com ênfase nas relações
008/2010
desenvolvimento de pesquisa, raciais, contemplando as Leis n.º
ensino e extensão voltados para 10.639/2003 e n.º 11.645/2008.
o estudo da diversidade.
Fonte: Dados da pesquisa realizada pela autora nos documentos institucionais citados, 2018.

As documentações específicas do IFMA têm por base aquelas que institucionalizam e


estabelecem concepções e diretrizes para os Institutos Federais de modo geral. Porém, as
citadas no Quadro 4 evidenciam, sobretudo, o contexto maranhense, destacando desde a
constituição do IFMA, a sua trajetória e o seu planejamento de ações e de metas até o
direcionamento pedagógico e as interfaces com a abordagem das relações raciais.
94

Em seu artigo “Inquietações sobre os Institutos Federais de Educação, Ciência e


Tecnologia que desafiam a educação profissional”, Marçal e Oliveira (2012) chamam a
atenção para a criação dessas entidades apresentando a possibilidade de revigorar antigas
disputas, mas também colocando novas ideias no campo do ensino e da formação
profissional. As autoras indicam isso como um campo aberto porque, sendo a criação dos IFs
uma política de governo, carregaria consigo um potencial para manter a hegemonia da classe
dominante e, ao mesmo tempo, um potencial contra-hegemônico. Nesse sentido, entendem
que:

O que se discute é que a sociedade como a conhecemos foi historicamente


construída e, pela compreensão de que o papel dos atores inseridos na realidade dos
IFs é de agentes históricos, o que se põe em pauta é a disputa de um projeto de ser
humano, de escolarização e de sociedade. (MARÇAL; OLIVEIRA, 2012, p. 97).

A citação chama a atenção para a atuação dos atores inseridos na realidade dessas
instituições como ação que poderá proporcionar a mudança almejada com a criação delas,
mas, nessa relação, entre a modificação preterida e as iniciativas necessárias para a sua
realização existe todo um processo a se concretizar, envolvendo as transformações almejadas
com a institucionalização dos IFs e os desafios dos ranços institucionais que marcam essa
modalidade de ensino, como sua forte ligação com as necessidades do mercado de trabalho
como um fator impulsionador das práticas da entidade.
Com a criação dos Institutos Federais, observamos nas documentações uma tentativa
de desvincular a EPT dos interesses do mercado como fator determinante, quando se
evidencia que o foco da rede federal não deve ser nas necessidades da demanda
mercadológica mas, sim, na qualidade social, com possibilidade de fortalecer processos de
inserção cidadã de brasileiros se evidenciando como agentes de um desenvolvimento local,
fazendo valer uma concepção de educação tecnológica em sintonia com os valores universais
do homem como pessoa, sujeito social. (BRASIL, 2008b, p. 5).
Apesar de destacar uma relação com o mercado, a documentação desenvolve uma
proposta de trabalho como princípio educativo, tirando os interesses do capitalismo do foco
das preocupações educacionais, evidenciando que ela, “[...] sem ignorar o cenário da
produção, tendo o trabalho como seu elemento constituinte, propõe uma educação em que o
domínio intelectual da tecnologia, a partir da cultura, se afirma.” (BRASIL, 2008c, p. 34).
Nessa perspectiva, o ensino para o trabalho formaria o ser humano em sua totalidade,
potencializando a sua capacidade de conhecimento, de maneira a ter a sua realidade e a
95

possibilidade de emancipação como foco e meta. Esse redirecionamento no modo como a


ETP pensa esses conceitos norteadores do sentido da instituição se apresenta como fator
importante nesse momento de redefinição institucional.
O PPI do IFMA se afina com essa proposta e destaca, logo no início, as “Concepções
fundantes do IFMA”. Esse tópico é importante no sentido de nos ajudar a entender
conceitualmente a proposição da instituição expressa na sua documentação, porque esse é um
dos poucos momentos em que os documentos da entidade tentam explicar o que ela entende
por alguns termos, sobretudo os diretamente ligados ao seu nome, como “educação”,
“ciência”, “tecnologia”, “trabalho” e “cultura”. Todas essas expressões são registradas, mas,
muitas vezes, são apenas “jogadas”, sem uma devida explicação, o que dificulta o
entendimento, o sentido e a abrangência do que está sendo dito.
O PPI, nesse momento em que aborda as concepções fundantes do IFMA, apresenta
um encaminhamento teórico-metodológico na perspectiva do Materialismo Histórico-
Dialético, fundamentando-se em autores como Ciavatta (2005) e Frigotto (2004). Aborda
uma concepção de cultura e de ciência no plural, rompendo com a proposta elitista de pensar
essas categorias como algo de determinado grupo ou que possa ser exemplificado por práticas
específicas.

Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que não existe uma única e nem uma
cultura pura ou estanque, mas que as diferentes culturas possam estar imbricadas,
atravessadas, umas perpassando as outras, de forma a se estabelecer uma relação
intercultural entre os diferentes, a construir um espaço em que as divergências sejam
aproximadas. [...] entende-se que ciência consiste em trabalho sistemático e criativo,
abrangendo o conhecimento do ser humano e(m) sociedade, da natureza e da cultura.
A ciência deve ser vista a partir de sua dimensão ética e social, articulando-se à
utilidade e aplicabilidade das pesquisas que são realizadas. (PPI, 2016, p. 8-9).

Nesse sentido de pensar a ciência em suas múltiplas dimensões, apresentando-a como


um princípio educativo, que produz qualidade de vida e melhoria aos processos educacionais,
a interdisciplinaridade aparece como uma possibilidade necessária para a prática pedagógica e
o aperfeiçoamento do conhecimento produzido na instituição, sendo um princípio
metodológico que possibilita interação entre diferentes áreas do saber, potencializando o
conhecimento científico (PPI, 2016).
A tecnologia, entendida aqui como o desenvolvimento das descobertas humanas com o
objetivo de viver melhor a partir de suas produções/criações, é também um princípio
educativo, sendo vinculada ao desenvolvimento das ciências que, assim como ela, devem
envolver todos os perfis e todas as trajetórias formativas, de modo que é, no âmbito do IFMA,
96

entendida como “[...] a materialização de conhecimentos científicos articulados e


comprometidos em resolver problemas, elaborar bens, produtos, serviços e processos de
gestão” (PPI, 2016, p.10).
No geral, esses termos destacam uma abordagem humanizada da EPT, em uma
perspectiva crítica de emancipação social, valorizando a sua diversidade, em que a categoria
“trabalho” apresenta uma centralidade direcionadora de sentidos. Dessa forma, o PPI traz que,
para o IFMA, é importante assumir que “[...] por meio do trabalho o ser humano vai se
construindo e estabelecendo relações enquanto constrói o mundo, interpretando a realidade, e,
através desse trabalho, desenvolve-se o processo de transição dos saberes e técnicas para a
ciência, tecnologia, cultura e educação” (IFMA, 2016, p. 9).
Essa base também aponta para uma proposta de ensino que valorize a
interdisciplinaridade, entendida como um movimento articulador do processo de ensino-
aprendizagem, com ênfase na necessária relação entre ciência, tecnologia, cultura e
humanidades. Nesse contexto, também é apontada a necessidade de que os atores envolvidos
“[...] conheçam-se em sua humanidade comum e, ao mesmo tempo, venham a reconhecer-se
em sua diversidade cultural.” (BRASIL, 2010a, p. 25).
Para Caires e Oliveira (2016, p. 186), na atualidade, a educação profissional vem
procurando promover uma prática pedagógica de qualidade, “[...] tendo em vista o resgate da
oferta do ensino integrado, que viabiliza a concretização de uma educação focada no caráter
humanista, científico e tecnológico, direcionada para a formação cidadã, ética, inclusiva e
comprometida com o desenvolvimento sustentável do país.”
Abordando diferentes contextos em que a dicotomia entre educação e trabalho foi
sentida/vivida, Santos (2013) aponta que, com o desenvolvimento do capitalismo, ela vai
ganhando novas configurações.

Assim, a educação, que fora inicialmente transmissão da alta cultura, formação do


caráter, modo de aculturação e socialização adequado ao desenvolvimento da
direção da sociedade, passou a ser também educação para o trabalho, ensino de
conhecimentos utilitários, de aptidões técnicas especializadas de responder aos
desafios do desenvolvimento tecnológico no espaço de produção, a educação cindiu-
se entre a cultura geral e a formação profissional e o trabalho entre trabalho não
qualificado e trabalho qualificado. (SANTOS, 2013, p. 383).

Na atualidade, a citada oposição vem ganhando outros contornos. Porém, a dificuldade


de pensar a importância da abordagem humanista na EPT ainda vem dessa tradição elitista de
nossa educação, que entende que a formação profissional voltada para as camadas populares,
com foco em suprir apenas as necessidades do mercado, não necessitando de uma perspectiva
97

crítica, fundamentada teoricamente, problematizadora e voltada para as pessoas e contextos


em que estariam envolvidas.
Observamos, ao longo das entrevistas, certo embaraço: os documentos de
institucionalização da rede federal apresentam uma proposta que tira o foco dos interesses do
mercado capitalista e apresenta a necessidade da interdisciplinaridade, de um diálogo entre as
diferentes áreas do conhecimento, sem estabelecer predomínio de umas sobre as outras.
Por meio de tal documentação, parece que, em “um passe de mágica”, resolvem-se
questões que caracterizaram o fazer da EPT por tantas décadas. Agora a questão é a seguinte:
essa proposta não encontra uma folha em branco para ser escrita/executada. Em outras
palavras, os Institutos Federais guardam historicidade e apresentam uma cultura institucional
em que as legislações são parte de um possível processo de mudanças, e não um modo de
concretizá-la.
No tópico a seguir, veremos, por meio das entrevistas realizadas com profissionais do
IFMA, como as questões postas nas diretrizes oficiais dialogam com o cotidiano
organizacional.

5.1 Desafios e possibilidades institucionais

Com as entrevistas realizadas, observamos vivências institucionais e, nelas, os dilemas


e as relações que envolvem as tensões e as possibilidades entre o que pretende essa
documentação e o que os/as respectivos/as docentes e gestores/as vêm fazendo com essa
proposta em suas ações cotidianas.
Dentre as conversas realizadas, cinco foram com ex-alunos do hoje Instituto Federal:
quatro do Maranhão e um do Piauí. Eles apresentam uma história familiar com algumas
similaridades, vieram de famílias de baixa renda e tinham nos estudos uma das poucas
possibilidades de ascensão social, de modo que a Educação Profissional representaria uma
possibilidade de, em um prazo mais curto, ter acesso ao mercado de trabalho. Assim, a relação
entre a escolha por tal modalidade e as possibilidades de acesso ao emprego precocemente
aparece com frequência nos relatos, como podemos observar no depoimento abaixo:

Na sétima série fiz a prova e na oitava série fiz concomitante. Estudava escola
normal e escola técnica. Finalizando aí, eu fui para a escola, mas o objetivo da
escola técnica naquela época era preparar os alunos para trabalhar – não falávamos
em vestibular. Meu sonho era trabalhar, estava motivado naquela coisa de conseguir
um emprego, ganhar dinheiro e fui... Tanto que a Vale do Rio Doce absorvia muita
98

mão de obra nossa, e eu fui motivado para isso, né? (ANDRÉ, 2016. FRAGMENTO
DA ENTREVISTA).

A relação entre fazer um curso profissionalizante, entrar no mercado de trabalho e


ganhar dinheiro, com a possibilidade de direcionamento para grandes empresas da região,
como a Vale do Rio doce e a Alumar, mostrava-se como uma possibilidade sedutora e que
motivava/impulsionava o direcionamento das famílias para que seus filhos entrassem na
Educação Profissional.
O ator e escritor Lázaro Ramos, sem pretender fazer uma biografia, mas
compartilhando experiências pessoais e as interfaces dessas com as questões raciais, em seu
livro “A minha pele”, conta, no capítulo “Entre o laboratório e o palco”, a sua saga para não
seguir o mesmo caminho que seu pai, ou seja, fazer um curso profissionalizante no CEFET e
entrar no mercado de trabalho por meio dele:

Foi a vontade de perder a timidez, de me soltar, que me aproximou de vez do teatro.


Não exatamente com ambições profissionais. Na minha cabeça, ser ator era uma
opção economicamente inviável, e eu ainda tinha um medo danado de confessar para
meu pai que eu queria estudar interpretação. Seu plano era muito mais pé no chão.
Ele acreditava que o melhor para mim seria cursar o Ensino Médio em uma escola
técnica como o CEFET, o Centro Federal de Educação Tecnológica. Depois, poderia
procurar trabalho no polo petroquímico de Camaçari. Se esse caminho tinha dado
certo com ele décadas antes, minhas chances pareciam ainda maiores. (RAMOS,
2017, p. 44).

Fazer um curso profissionalizante, daqueles que você pode fazer para se especializar
em alguma área e começar a trabalhar o quanto antes, aparece como uma saída viável, tendo
em vista vir o ator de família de baixa renda, de forma que seu pai, que vinha de uma
realidade mais humilde que a sua, pensava que o filho seguindo os seus passos já estaria de
bom tamanho. Assim como o genitor, Lázaro veio do interior, foi morar na casa de parentes e,
aos olhos do seu pai, que conseguiu ter “alguma dignidade” por ter maior possibilidade de
empregabilidade dentro da sua realidade social sendo um técnico, pensava que um bom
destino para o filho seria seguir o exemplo.
Essa história lembra muito quando eu passei no vestibular para Licenciatura em
Construção Civil no CEFET. Não tinha o mínimo conhecimento sobre o curso, como eu não
tinha inclinação para nenhum dos oferecidos na época – isso no ano de 1998. Os oferecidos
naquele período eram, além do já citado, Licenciatura em Eletricidade e Licenciatura em
Mecânica e Tecnólogo. Eu resolvi fazer Construção Civil porque achei “bonito”: lembrava
Engenharia Civil e tinha alguma afinidade com o trabalho do meu pai, que era formado pela
antiga Escola Técnica Federal do Maranhão e que conseguiu passar em um “bom” concurso
99

para nível médio como topógrafo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA/MA), o que lhe dava algum status na família e no bairro da Liberdade em que fora
criado.
Mesmo com alguns parentes trabalhando na área da educação por meio dos cursos
superiores que existiam – minha tia Waldelina era pedagoga, meu tio Waldenar era químico e
meu tio Olegario era matemático –, meu pai, Walteneres, que também é historiador, mas
nunca exerceu o ofício, como técnico do INCRA, ganhava melhor e ainda ajudava em muitos
momentos esses irmãos. Lembro-me das memórias dos amigos do meu pai, como o Dilson,
que dizia que, quando meu pai passou no concurso, ele era considerado bem de vida, pagava
lanches e entrada ao estádio de futebol. Sempre lembro muito do meu pai chegando ao bairro,
mesmo não residindo mais lá, onde muitos colegas vinham lhe pedir para pagar “pinga”,
sendo que aquele dinheiro da cachaça parecia quase uma obrigação a ser paga. E eu, quando
pequena, por levar uma bola e uma rede de vôlei e por meu pai chegar lá de carro – um fusca
branco bem antigo –, era considerada “bem de vida” por meus/minhas amigos/as daquela
região.
Enfim, o curso técnico do meu pai, que passava quase despercebido entre os meus
amigos/as das escolas religiosas elitizadas que eu frequentava, como o Colégio Santa Tereza,
naquela realidade periférica parecia grande coisa. Percebi que eu, ao passar em Licenciatura
em Construção Civil, deixei meu pai feliz. Lembro-me de ele ter falado uma vez que agora eu
poderia ajudar melhor ele nos “bicos” que ele arrumava. Antes, meu trabalho nessas ocasiões,
ou seja, nas plantas de terrenos que meu pai fazia fora do serviço e que sempre rendiam bons
passeios e outros mimos, era fazer a leitura das áreas e das suas coordenadas, bem como
apagar com “gilete” alguns erros cometidos para facilitar o andamento do trabalho. Naqueles
anos, meu pai ainda fazia isso à mão, sentado em uma cadeira alta com uma mesa ampla que
tinha uma grande régua centralizada. Eu achava aquilo lindo, uma obra de arte, mas não tinha
a mínima aptidão.
Depois que passei no vestibular, mesmo sem ter mudado em nada o fato de ter
pouquíssima coordenação motora e quase nenhum jeito para desenho, fui promovida como
ajudante do meu pai. Agora eu era estudante de curso superior na área. Além de ganhar
melhor pelo meu serviço, passei também a cobrir de caneta Nankim algumas plantas que ele
desenhava manualmente. Lembro-me de ele falar que, se eu seguisse a profissão, poderíamos
ganhar bem mais com esses e outros trabalhos. Confesso que gostei do ganhar mais dinheiro,
mas, enfim, o amor pela área de humanas falou mais alto e não segui o exemplo do meu pai.
100

Assim como Lázaro, fugi do CEFET, mas, no meu caso, acabei voltando. Mas essa outra
história é esta história atual.
Essa relação da influência da família no direcionamento à educação profissional,
sobretudo daquelas famílias em que tal perspectiva de ensino possibilitou alguma ascensão
social, aparece como uma alternativa sempre presente também nas histórias de vida dos
docentes, dos ex-alunos da instituição, como é destacado no relato abaixo.

Quando foi no 3º ano, tinha um rapaz na minha sala que veio do interior – São
Matheus-MA. Ele morava próximo à minha casa no centro, pegávamos ônibus
juntos e tal. Mas, ao contrário dele, não tive a orientação em minha família, porque
minha orientação era estudar na escola técnica para que eu pudesse trabalhar, e todos
que se davam bem na família tinha passado pela escola, era motivado para isso, não
tive muita chance de escolha, foi essa, e eu trilhei por esse caminho. (ANDRÉ,
2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

Nesse contexto, a educação profissional, nem sempre como uma escolha, mas quase
como uma imposição do contexto social, limitava os/as adolescentes/jovens àquilo que era
possível dentro de um ambiente de privações econômicas e poucas possibilidades de emprego
Na fala de ex-alunos que entre os entrevistados são professores/as na faixa etária entre
40 e 60 anos de idade, aparece, permeando a memória deles, o direcionamento para a
profissionalização como saída possível e esperada – tanto que a descoberta do vestibular é
frequentemente algo que acontece por acaso, não como também uma possibilidade, tendo em
vista essa modalidade de ensino potencializar essa oportunidade. Observamos isso em alguns
relatos das histórias de vida desses/as docentes, ao enfatizarem o modo como tiveram acesso
ao pensamento de ter a educação superior também como uma possibilidade:

[...] Como o curso de Eletromecânica era de quatro anos, quando chegou no terceiro
ano ele fez o vestibular da UEMA – acontecia no meio e final do ano, duas vezes.
No meio do terceiro ano, ele fez vestibular da UEMA e um belo dia ele apareceu na
sala – estudávamos à tarde –, apareceu com a cabeça raspada. Quando olhei aquilo,
achei legal, fantástico. Os colegas cercaram ele, fomos conversar, porque ele falava
que estava estudando e ia fazer vestibular, e não ligávamos. Um outro grande susto
com este meu colega foi a primeira vez que fui na casa dele, porque a casa era muito
humilde, mas na sala tinha uma televisão, muita rede armada – que era ele e irmãos
–, uma estante, televisão e redes. Numa varanda, sala de jantar, tinha uma mesa
grande de madeira com muitos livros sobre a mesa – ele se dedicava muito para
estudar. Aí, eu vi o que eu tinha naquela época, minha família tinha uma condição
melhor do que a dele, mas eu não estava focado como ele estava, veio do interior
para isso. A partir daí, minha cabeça mudou um pouquinho [...] (ANDRÉ, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

[...] Sempre fui aluno da escola técnica e, como aluno da escola técnica, eu nunca
tinha ouvido falar de universidade. Para mim, minha história profissional é um
pouco conturbada, porque eu pensei que estudando na Escola Técnica terminaria o
curso e eu ia ser técnico, e a vida terminava ali, eu ia trabalhar. Mas eu me
101

deparei com algo muito difícil. Eu gosto sempre de desafios, procurei uns amigos
meus para conversar. Uns dias, eles estavam desaparecidos. Quando fui ver, estavam
estudando para o vestibular, e aquilo me deixou um pouco perdido. Fui pra casa e
tal. Aquilo era janeiro, fiz vestibular em outubro e tive a felicidade de fazer o
primeiro vestibular e passar [...] (DAVID, 2016. FRAGMENTO DA
ENTREVISTA).

A elitização das universidades, a necessidade de mais quatro ou cinco anos de estudos


e a necessidade de a família continuar arcando com os custos dessa educação, no caso do
nível superior, contribuíam no direcionamento dos alunos, sobretudo dos advindos das
camadas populares, para que focassem na formação técnica profissionalizante, e, como bem
destacou o entrevistado, “a vida terminava ali, eu ia trabalhar”.
Como aponta Cunha (2005, p. 235), “O sistema de ensino primário e profissional e o
sistema de ensino secundário e superior teriam diferentes objetivos culturais e sociais. A
escola primária e profissional servia à classe popular, enquanto a escola secundária e a
superior, à burguesia”. O que se observa é que, mesmo sendo o nível superior uma
possibilidade para os discentes da Educação Profissional, tanto é que muitos ex-alunos são
servidores do Instituto e/ou atuam em diferentes áreas ligadas aos seus respectivos cursos
superiores, existe todo um jogo de poder social e cultural que tenta simbolicamente delimitar
os espaços de cada segmento.
O significado do trabalho na EPT, no contexto de uma perspectiva voltada
prioritariamente para atender às necessidades do mercado, é do trabalho assalariado como
uma finalidade de vida, um fim em si mesmo, em que é preciso “vestir a camisa da empresa”
mesmo que para isso você tenha de esquecer aquela sua roupa velha de ficar em casa ou tenha
de deixar guardados, criando mofo, os seus trajes de passeio. Achei muito impactante quando
o entrevistado, ao falar do seu curso profissionalizante e de sua possível entrada no mundo do
emprego, disse que “a vida termina ali, eu ia trabalhar”. Mas penso que essa sua frase resume
bem o significado do ofício na vida dos “bons” trabalhadores, segundo o que preza e
considera a cartilha do mercado de trabalho capitalista.
Acho que foi forte para mim, porque lembrava cenas do meu cotidiano, assim como
lembrava também um dia a dia que não quero. Lembrava isso porque principalmente a minha
mãe vestia a camisa da empresa. Ela era professora da rede particular, saía cedo, voltava
tarde, não vinha almoçar para não chegar atrasada no turno da tarde, ganhava pouco, o
suficiente apenas para pagar a mensalidade da escola privada de minha irmã, ia a pé para o
trabalho – da nossa casa para lá o caminho durava cerca de uma hora. Ela não faltava serviço
nem em caso de doença nossa. Aos sábados e aos domingos, não ia aos passeios familiares,
102

nem à nossa ida tradicional ao centro da cidade para lanchar aquele caldo de cana no final da
Rua Grande1. Minha mãe precisava produzir e, muitas das vezes, no domingo à tarde e
quando enfim descansava conversando na porta da rua, corrigia provas. Minha mãe era
considerada funcionária padrão e toda a sua dedicação ajudou a empresa a crescer, mas, isso,
à custa de muitas ausências familiares e de outras histórias tão íntimas que não cabem nestas
linhas.
Desarticulado de outras necessidades do ser humano, esse tipo de trabalho não aparece
como uma das modalidades possíveis relacionada a um contexto histórico e social específico,
mas faz querer acreditar que emprego só pode ser entendido nos moldes de venda da força de
trabalho capitalista, assumindo uma característica universal, natural tendo sua necessidade e
sua legitimidade garantidas para além de qualquer questionamento.
Se assim fosse tão natural e inquestionável, não precisaria mudar a letra do samba
“Bonde de São Januário”, de Wilson Batista, que na década de 1940 foi censurado pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) por dizer assim: “Quem trabalha é quem tem
razão, eu digo e não tenho medo de errar. Quem trabalha... O Bonde de São Januário leva
mais um otário, sou eu que vou trabalhar”. A censura resolveu o problema substituindo o
“otário” por “operário”, ficando o samba pronto para glorificar a nobreza do ofício, a sua
naturalidade, fortalecendo o coro do trabalhismo varguista. (PARANHOS, 2007).
O trabalho não é algo natural, nem sempre foi realizado da mesma forma e com as
mesmas finalidades. Ele e seus diversos significados se relacionam com o contexto histórico,
social e cultural em que estão inseridos.
Assim, corroboramos o entendimento de que o serviço não é natural, e, sim, uma
forma de ação consciente do ser humano humana na natureza com o objetivo de produzir a
própria vida humana, sendo compreendido exatamente como aquilo que nos humaniza,
diferenciando-nos da natureza (MARÇAL e OLIVEIRA, 2012).
Será se a educação para o trabalho, nos moldes da cartilha do mercado capitalista, é
apenas coisa do passado que a gente estuda para contar como foi, e não como é? Terá algo
desse passado no presente? De que modo essas diretrizes institucionais dialogam com o fazer
cotidiano do/a docente/gestor/a? Viver a Educação Profissional e Tecnológica é mais
complexo que a propor, envolve um contexto institucional, o que ele é, o que gostariam que
ele fosse, o diálogo disso com a diversidade que envolve essa modalidade de ensino – e ainda

1
O outrora Caminho Grande, Rua Oswaldo Cruz, ou mais comumente descrita como Rua Grande é uma rua de
comércio de São Luís e tem a fama de ser um dos maiores centros comerciais a céu aberto do Brasil, fazendo
parte do Centro Histórico dessa capital. Disponível em: <http://saoluisemcena.blogspot.com.br>. Acesso em:
30. abr. 2018.
103

há os interesses pessoais e as histórias/memórias de cada um dos envolvidos influenciando


nesse fazer.
Para perceber e problematizar essas relações que perpassam o cotidiano daqueles/as
que atuam na EPT, fizemos alguns questionamentos em nossa entrevista. O que tem do
passado do Instituto no presente, mas de outro modo? Ao abordar essa relação na instituição,
alguns pontos aparecem em destaque nas conversas, como, por exemplo, a herança do
significado simbólico da Escola Técnica Federal do Maranhão, a relação com o mercado de
trabalho, certa tensão entre as diferentes áreas do conhecimento e os níveis de ensino que
compõem tal perspectiva de ensino.
O nome “Escola Técnica Federal do Maranhão” e, por extensão, o campus Monte
Castelo, assumem significados simbólicos, sobretudo entre os entrevistados que trabalham na
entidade e/ou que nela estudaram. É uma referência que sempre se volta para marcar um
distintivo e, de certo modo, indiretamente, indicar a necessidade de determinados respeito,
continuidade e direcionamento. Expressões como “no campus Monte Castelo, o maior do
Maranhão”, “campus mais antigo”, “campus que tem mais estrutura, mais consolidado” são
frequentemente usadas nessa direção.

[...] eu não digo nem do CEFET, há um peso muito grande da Escola Técnica, né?
Então, os professores mais antigos, eles têm um apego, digamos assim, muito grande
com a Escola Técnica, tanto é que, quando a maioria deles falam, eles falam da
escola, eles não falam do CEFET, pouquíssimos professores, como eu sou do
campus de Monte Castelo, né? Que é o campus mais antigo, poucos professores, eles
têm essa referência ou mencionam o CEFET, eles geralmente falam da Escola, e há
uma particularidade, a maior parte deles, eu acho que uns... Isso vem mudando agora
depois da expansão, mas eu acho que 90% dos professores estudaram lá, né? Na
Escola Técnica. Então, isso faz com que eles tenham uma relação muito maior.
(SUELI, 2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

O relato narrado é de uma professora sem vínculo de ex-aluna da instituição que já


entrou como docente quando da mudança de Escola Técnica para CEFET. Ela deixa
transparecer bem esse marcador de diferenciação institucional entre aqueles que
compartilham uma memória coletiva/afetiva com a entidade e demonstra também a
dificuldade em fazer parte do cotidiano, inclusive linguístico, dos momentos em que
aconteceram mudanças organizacionais que culminaram também em uma nova forma de
nomear a unidade.
Essa necessidade de “reinvenção”, com uma proposta educacional que não só desafia,
mas se propõe a outra coisa bem distinta do que estava posto no cotidiano da educação
104

profissional, faz fluir, entre os entrevistados que estão há mais tempo nesse ambiente, um
discurso saudosista e crítico aos tempos atuais:

[...] encontrei aquele regime bem fechado de escola técnica, de disciplina, de


conteúdo. A gente passa de CEFET a IFMA, vai avançando, adquirindo novas
metodologias e novas didáticas, e, hoje, vejo contexto desconfigurado, vejo muito
mais falta de compromisso, falta de domínio dos conteúdos específicos e ausência
plena do pedagógico. (MARIA, 2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

Esse espaço, herdeiro de um modo de ser e de fazer tradicional da instituição, dos


tempos de Escola Técnica, aparece nos relatos com nostalgia:

Minha história de vida está muito ligada à minha vida profissional. Desde muito
cedo, 13 anos, quando eu entrei na escola técnica, dediquei minha vida inteiramente
à instituição [...]. Naquela época, uma criança de 13 anos quando eu entrei
confrontava convivências com adultos, que a escola era muito adulta. Eu tinha medo
de andar nos corredores, tinha as hierarquias, tinha aquela história que hoje nem se
vê mais do bairrismo. [...] O grande segredo entre Escola Técnica e CEFET
começava pela seleção, mais fácil trabalhar com um aluno preparado do que com um
aluno despreparado. Não estou dizendo que está errado nosso seletivo, ele tem um
papel social muito grande. Na minha época, só entrava aqueles que tinham grandes
notas. A maioria dos professores quando ia trabalhar com esses grandes alunos, o
início de sucesso da escola era muito maior [...]. Toda essa experiência minha está
me ajudando muito, fazendo a diferença. Hoje consigo entender como a instituição
deve funcionar. Então, uma série de coisa que para mim é importante, eu entendo
quando o professor reclama, pais reclamam, eu consigo conversar com os diretores
gerais. É muito complicado essa convivência com os diretores. (ANDRÉ, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

O retorno à instituição e o conhecimento prático de vivência dessas mudanças em


diferentes modos de fazer parte da entidade (ex-aluno, docente, gestor) aparecem como um
distintivo, sendo que, mesmo sem esquecer as críticas ou outras possibilidades relevantes da
atualidade, o passado é marcado pelo saudosismo apresentando por quem dele compartilhou,
credencial para falar “melhor” ou, dizendo de outro modo, com um olhar diferenciado sobre a
unidade de ensino.
Como traz Nora (1993), a memória é um processo vivido, conduzido por grupos vivos,
que está, portanto, em evolução permanente e suscetível a todas as manipulações. Em linhas
gerais,

A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,
inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações (NORA,
1993, p. 9).
105

A lembrança não é sinônimo de passado, não o guarda “como ele realmente foi”. Ele
ficou em si. Tais recordações envolvem olhares que reinventam o antigo de modo a se
relacionar com o contexto vivido, sendo sempre atual e uma forma de manter o elo vivenciado
no presente, e são mundos imaginados.
Nesse sentido que Nora (1993) ajuda a ser pensado, entendemos que essas memórias
dos tempos de Escola Técnica fazem também parte do jogo das relações de poder, que
envolvem todo um rearranjo com as mudanças ideológicas institucionais, reorganizações que
convivem com um aumento expressivo do número de servidores, com novos campi em outras
cidades do estado, inclusive dentro da própria ilha de São Luís, envolvendo também disputas
por cargos, questões geracionais com profissionais que chegam sem relação afetiva e política
com a entidade e que são, muitas das vezes, mais novos, mas com qualificação acadêmica
correspondente ou superior à de antigos servidores.
Nessa constante mudança, é preciso reinventar as formas de viver, encontrar
distintivos, relacionar-se, de forma que a reconstrução da “memória coletiva”
(HALBWACHS, 2003) da instituição cumpre também esse papel e deixa transparecer as teias
emaranhadas que evolvem a aplicabilidade de uma diretriz curricular, pautada no
reconhecimento das diversidades e com foco na cidadania de afrodescendentes, e não apenas
ou prioritariamente nas necessidades do mercado.
A relação da EPT com as carências mercadológicas é um aspecto que se destaca nas
entrevistas na formulação de relações entre o passado e o presente da entidade e demonstra
um ponto nodal para a nova proposta dessa Educação voltada para a cidadania, para os
arranjos locais, abordando a atenção às exigências do mercado como apenas uma das
preocupações da instituição, mas não como o seu direcionamento principal hoje.
A EPT e as suas estreitas relações com as necessidades capitalistas aparecem ao longo
dos depoimentos como algo que assumiu e ainda hoje assume a centralidade no
direcionamento do IF.

Olha, o Instituto Federal, onde eu trabalho, a sede, eu percebo toda história do


IFMA, porque fui aluno da Escola Técnica. Existiam três momentos. A Escola
Técnica, embora ela tenha vivido, se credenciado naquela fase, dentro de um
sistema, ela serviu a sua existência social, ela formava técnicos e não formava
críticos, ela formava autônomos, pessoas que viviam para apertar o botão. O
CEFET, para mim, já melhora dentro de uma visão da tecnologia, mas ainda trazia
muitas coisas da ditadura. Todas as pessoas que organizaram, lideraram o CEFET,
entendeu?, vinha diretamente da Escola Técnica, com saudade daquele sistema [...].
Com o advento do Instituto Federal, tá certo? entrou mais pessoas com uma visão
muito melhorada, até em termos de comportamento mesmo de professor, exigiu uma
postura departamental, exigiu um discurso político, ideológico atualizado. (DAVID,
2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).
106

Um aspecto importante apontado na entrevista e que faz parte do desafio de pensar a


EPT e a dificuldade em se relacionar de um modo não dependente às necessidades do
mercado é que as mudanças da instituição nem sempre são discutidas por aqueles que a
operacionalizam. E essa questão, no cotidiano do fazer institucional, envolve resistências e
dificuldades em efetivar modificações para além dos textos oficiais da entidade, e, sim, no dia
a dia dela.
O peso da tradição de uma EPT voltada a atender às necessidades do mercado – e isso
como um distintivo dos campi mais antigos e estruturados – é apontado no relato trazido
abaixo, pelo pró-reitor:

Um exemplo, tu pega os alunos do campus Monte Castelo, que é campus que tem
mais estrutura, mais consolidado – porém, existem problemas –, tudo lá funciona.
Esses campus que estão nascendo, engatinhando ainda para ter um mínimo. Muito
comum irmos aos novos campus e vermos a necessidade de equipamentos,
laboratórios. Os alunos do Monte Castelo têm válvula de escape quando se formam,
e não é porque estão na capital, não, porque eles são preparados para o mercado, são
mais fáceis de se empregarem. Uma vez fui participar de uma formação em
Buriticupu, e lá eram 240 técnicos em Secretariado Escolar, um curso que não é
sazonal – naquela formatura, 240; no outro ano, 240. O que vão fazer essas turmas
todas? Quando tu pensa que está ajudando eles, tirou da rua e tal, beleza. Mas
quando tu olha a instituição, com o perfil que privilegia a inserção no mundo do
trabalho, bem aí tu compromete. (ANDRÉ, 2016. FRAGMENTO DA
ENTREVISTA).

Nesse relato, percebemos a vinculação de uma falta de planejamento à tentativa


institucional de inserção social dos alunos em um contexto desarticulado às necessidades do
mercado local, além da associação de sucesso educacional às exigências mercadológicas e à
perspectiva de empregabilidade do ensino. Características como inclusão social e mercado de
trabalho não precisam andar desconectadas e não são excludentes entre si. Essas ligações
demonstram dificuldade também em articular a proposta institucional de uma educação
voltada para a cidadania, a inclusão social, o diálogo entre diferentes áreas do saber e que se
relacione com o âmbito do trabalho de modo harmônico.
Outra especificidade da entidade, desde a mudança de Escola Técnica para CEFET, é
o fato de fazerem parte dela diferentes níveis de ensino, indo do básico ao superior, aspecto
que vem sendo evidenciado, gerando novos debates, sobretudo, neste momento de expansão
da rede. Os institutos assumem uma forma híbrida entre as universidades e o CEFET, sendo
instituições de “[...] educação superior, mas também de educação básica, e, principalmente,
profissional, pluricurriculares e multicampi; terão na formação profissional, nas práticas
107

científicas e tecnológicas e na inserção territorial os principais aspectos definidores de sua


existência” (PACHECO; CALDAS; DOMINGOS SOBRINHO, 2012, p. 23).
Com a presença desses diferentes níveis, nem sempre há uma convivência na
instituição com relações harmônicas: geram-se certos “ciúmes” por causa da participação de
alguns docentes em espaços com maior prestigio social e/ou institucional. A entidade tem sua
tradição no ensino básico profissional, de maneira que, quando chegaram os cursos
superiores, percebemos, por meio das entrevistas, a agudização de rixas , em decorrência, por
exemplo, das prioridades dadas a determinados níveis, do status de pertencer ao quadro de
professor de grau superior, tendo em vista uma tradição nacional de que a educação superior é
algo de maior prestígio. Além disso, depois da criação dos IFs, há o fato de não ter mais
concurso separado para níveis médio e superior, com a criação da carreira dos/as docentes do
Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT), na qual os que adentraram à rede, após a
criação dos Institutos, podem lecionar em qualquer um dos níveis educativos existentes na
instituição.
No relato abaixo, em que a professora destaca a prioridade, na organização dos
horários, das necessidades das disciplinas dos cursos técnicos em detrimento das do ensino
superior, podemos visualizar elementos desse debate:

Eu fui ser assistente da diretoria de ensino superior, tu sabe, porque tu foi minha
aluna e sabe que faço as coisas de maneira familiar, faço com competência,
seriedade, tento fazer o melhor. Eu peguei e mandei os horários do ensino superior
para o setor competente para fazer a distribuição da sala de aula. O diretor assinou, e
eu fiz como assistente e encaminhei. Logo que documento chegou ao setor
competente, eu fui chamada. Eu pensei que tinha esquecendo-se de algo no
documento que tinha mandado, esqueceu alguma turma, sala. Causou-me
estranhamento a forma como a pessoa do setor falou comigo. Ela disse, foi você que
me mandou o documento, olha, é o seguinte, isso aqui é só no final, depois que
distribuímos as salas do ensino técnico, o que sobra é do ensino superior, fiquei
chocada, como você constrói um ensino superior como sobra. (ANTONIETA, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

As novas diretrizes institucionais demonstram uma necessidade de aproximação entre


diferentes áreas do saber e níveis de ensino – do modo proposto, sem hierarquias e com a
necessidade de aprendizados mútuos. Assim, de acordo com o PDI (IFMA, 2016, p. 57), o
planejamento na instituição “[...] deve ser concebido como uma ação coletiva e compartilhada
entre os saberes, de modo a possibilitar a interdisciplinaridade e romper com as práticas que se
restringem à repetição da organização didática”. Apesar de ser algo teoricamente coerente, isso
perpassa por todo um jogo de poder institucional, impulsionador de tensões envolvendo
perdas e ganhos de espaço na entidade.
108

Em uma educação tecnicista, no sentido de privilegiar a organização racional dos


meios, ocupando professor e aluno posições secundárias, com foco em atender às
necessidades mercadológicas, sendo um técnico aquele que “aperta um botão”, que diz,
depois do curso concluído, “a vida terminava ali, e eu ia trabalhar”, as
questões/problematizações que envolvem os saberes ligados aos componentes curriculares das
Humanidades apresentavam pouco destaque institucional – o importante era operacionalizar
tarefas, e os elementos curriculares técnicos, ligados aos fazeres determinados da
profissionalização, cumpriam essa tarefa. Tal aspecto ainda hoje gera dificuldades aos
professores das Ciências Humanas em explicar a sua presença, a sua função e a sua
importância nesse contexto, como destaca a docente de Filosofia:

Tenho dois desafios: de ensinar a filosofia e de fazerem eles gostarem da Filosofia.


Há sempre aquela resistência de achar que a Filosofia é coisa de doido, é coisa
difícil, não serve para nada. Tem todos esses preconceitos em torno da disciplina
que a gente precisa de algum modo ir tirando. As disciplinas de humanidades são
relegadas em segundo plano, e a própria instituição de certa forma corrobora, a
dinâmica da instituição corrobora para que isso aconteça, para que as disciplinas da
área humana não sejam vista com a seriedade que deveria ser. (ANTONIETA, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

Nas entrevistas realizadas, sobretudo com professores ligados à referida área, essa
relação de valorização de determinados campos do saber, em detrimentos de outros, aparece
como um distintivo institucional daqueles que poderiam nomear os seus fazeres e direcionar
também as práticas que entendiam não corresponder ao seu metiê.

[...] eu ainda percebo assim uma supervalorização do Ensino Técnico, das Ciências
Exatas em detrimento das Ciências Humanas, né? Então, às vezes, a gente vai pra
algumas semanas pedagógicas e alguns professores diziam “‘nam’, mas isso é coisa
do pessoal de humanas, isso é coisa de artes”, sempre colocando essa relação aí,
digamos assim, desigual, entre o papel que as Ciências Humanas realmente
compreendem dentro da instituição. (SUELI, 2016. FRAGMENTO DA
ENTREVISTA).

As questões ligadas ao pedagógico parecem algo apartado das necessidades da


educação profissional. Logo, não poderiam fazer referência aos professores da área técnica, o
que demonstra também uma concepção, por parte desses docentes, de tal perspectiva
educativa como um ensino prático, e não como formação humana e cidadã. Sobre essas
questões, o educador abaixo problematiza:

[...] mas não foi isso que eu encontrei lá na instituição: era formar técnicos, bom
técnico em mecânica, bom técnico em eletrônica, para atender às ALUMAR e
109

ALCOA, às VALES da vida que estavam aí. Então assim, o Instituto que eu
encontrei era um Instituto que não tinha a preocupação, né? Consistente, com
relação à humanização daqueles seus formandos, a profissionalização dos formados,
que, em tese, seriam pessoas em formação moralmente forte, com atitudes humanas
forte e com conteúdos acadêmicos humanitários fortes, mas não era a lógica
pedagógica da instituição, não era isso. [...] Continua sendo o tom, o que pesa são as
mudanças de paradigmas que estão colocados aí nesta lógica, da educação
profissional através da rede, que, aí, bate com muita força a questão do olhar do
elemento cultura, cultural na questão, e de interagir com os arranjos locais, valorizar
as diversidades. Isso tá previsto, inclusive, mas há uma unidade muito forte, na
carga da formação profissional, que ainda é para formar o trabalhador para
responder a um mercado, então, mas isso é muito grande, dos formadores das
humanas, esse confronto, esse enfrentamento. Então, eu vejo que ainda tem, e,
assim, precisa ser trabalhado para ser desconstruído. E, assim, digo sem hesitar,
porque eu tenho consciência que não é um privilégio do Instituto Federal do
Maranhão, é uma realidade que está na instituição, nas instituições, de modo geral.
(LUIS, 2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

É necessário perceber como o discurso depende muito do ponto de partida do


entrevistador. Esses relatos citados são de uma professora de História e de um professor de
Filosofia, respectivamente, e, para eles, poucas mudanças são enfatizadas/sentidas nessas
disputas institucionais envolvendo as áreas do saber. Quando os participantes estão ligados às
áreas técnicas, o discurso muda de perspectiva. Vejamos o relato do educador de Química:

[...] a educação profissional anterior, na época que eu estudava, se caracterizava por


uma questão técnica forte. Essa questão técnica forte esquecia a parte de diversidade
cultural. Depois isso mudou, paulatinamente, mas agora, hoje, nós temos
enfraquecimento e um fortalecimento das disciplinas básicas. O Ensino Médio
fortalece essas discussões para as disciplinas de Sociologia, História, fortalece essas
discussões sociais. (JOSÉ, 2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

A questão aqui, neste momento da tese, é entender as relações que envolvem o diálogo
dos novos direcionamentos institucionais com o cotidiano da entidade. Essas relações
dependem muito do lugar, da área do saber, da intensidade da relação com a instituição, do
cargo nela ocupado, das relações sociais mantidas fora desse ambiente, do gênero, do
pertencimento racial, dentre outros aspectos.
Percebemos que passado e presente dialogam. Em muitos momentos, borram-se as
suas fronteiras, de modo que não sabemos onde termina um nem onde começa o outro – como
no caso das mudanças de nomes institucionais e dos significados das formas de nomear que
conseguem ultrapassar o tempo e as determinações oficiais, significando mesmo sem ser. Às
vezes, um está no outro de modo bem visível, mas, de outra maneira, como a relação da EPT
com o mercado de trabalho capitalista, outras vezes é preciso tentar visualizar pela lupa de
cada um o significado das áreas e as distintas maneiras de se visualizar e de se sentir na
instituição.
110

As legislações que mudam o perfil da entidade só fazem sentido na prática, a qual vai
criando modos de ser que nem sempre correspondem à letra da lei. Essas discussões que
envolvem as disputas internas entre as áreas técnicas e os campos ligados às humanidades, o
debate sobre o foco institucional nos cursos técnicos ou no nível superior e a necessidade de
um ensino crítico para a cidadania na EPT fazem parte também das problematizações sobre a
elitização, ou não, da educação brasileira.
O tema da elitização desse sistema, no sentido de ampliar a participação de diferentes
segmentos sociais da sociedade, fez parte de uma ampla discussão dos movimentos sociais,
sobretudo na década de 1980. O processo de redemocratização do Brasil nos finais dessa
década e a promulgação de uma constituição cidadã pelo menos nas letras da lei, o que pouco
vem se materializando em nossas vivências cotidianas, acenaram para a possibilidade de um
repensar as nossas bases racistas, abrindo margem constitucional para políticas públicas que
tivessem foco na melhoria de vida e na igualdade de condições das camadas populares,
levando em consideração suas diferenças constitutivas.

Esse não é um movimento recente, e suas origens podem ser claramente


identificadas na década de 1980, quando a reorganização do Movimento Negro, no
contexto da democratização, passou a incluir a temática do racismo e da
discriminação como uma pauta do debate sobre democracia e igualdade. Desde
então, a demanda e as iniciativas no campo da atuação governamental têm crescido e
se alterado significativamente. (JACCOUD, 2008, p. 138).

Nesse sentido, Jaccoud (2008) relata, a partir dos anos de 1980, três gerações de
iniciativas de enfrentamento à questão racial. A primeira se dá ainda nessa década, durante o
processo de redemocratização do país, com a luta dos movimentos sociais pelo
reconhecimento da igualdade de afrodescendentes. Surgem órgãos de assessoria e conselhos
em várias localidades do país, visando efetivar a participação dessa população. A criação da
Fundação Cultural Palmares, em 1988, representa um marco de conquista desse embate.
A segunda fase de iniciativas, em fins da década de 1980, foi marcada pela conquista
da criminalização do racismo como crime inafiançável e imprescritível. A Lei Caó (BRASIL,
1989) passou a penalizar, com prisão e multa, as violações relacionadas aos preconceitos de
raça, cor, sexo ou de estado, pois, até então, eram enquadradas legalmente apenas como
injúria racial no caso das discriminações raciais. A terceira etapa se inicia em meados dos
anos de 1990 e se caracteriza pelo combate à discriminação racial por meio de políticas
públicas que destacavam o racismo institucional e a necessidade de iniciativas como
estratégia de ação no enfrentamento a esse tema. Esses atos ganham volume em 2003, com a
111

criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e a


promulgação das Leis n.º 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e n.º 11.645/2008 (BRASIL, 2008).
Dentro dessa proposta de repensar os significados e os alcances das iniciativas
governamentais é que também são criados, por meio da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de
2008 (BRASIL, 2008), os IFs, pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, os quais
apresentam, já em suas concepções e suas diretrizes, a proposta de um novo modelo de
Educação Profissional Tecnológica, imbricado na perspectiva de política pública defendida
pela então gestão (BRASIL, 2008a).
Nesse sentido, o documento sobre as concepções e as diretrizes aponta:

O sentido de política pública que o atual governo adota amplia de forma


significativa esse conceito, ou seja, não basta a garantia de que é pública por estar
vinculada ao orçamento e aos recursos de origem pública. Ainda que o
financiamento da manutenção, a partir de fonte orçamentária pública, represente
condição indispensável para tal, a política pública assenta-se em outros itens
também obrigatórios, como estar comprometida com o todo social, como algo que
funda a igualdade na diversidade (social, econômica, geográfica, cultural etc.); e
ainda estar articulada a outras políticas (de trabalho e renda, de desenvolvimento
setorial, ambiental, social e mesmo educacional) de modo a provocar impactos nesse
universo. (BRASIL, 2010a, p. 7, grifo nosso).

Entendemos que esse conceito afirma um compromisso com o todo social e com a
proposta de uma igualdade na diversidade e se afina, pelo menos no plano teórico, com os
objetivos do que Jaccoud (2008) chamou de terceira geração de políticas públicas de iniciativa
de enfrentamento à questão racial, envolvendo o pensamento das questões sociais por meio de
ações no sentido de lutar contra o racismo institucional, entendido como toda prática
organizacional que distribui benefícios e recursos de forma desigual entre distintos grupos em
virtude de sua cor, sua cultura, sua origem racial ou étnica.
Em “Concepção e diretrizes”, o documento faz uma passagem pelos diferentes
momentos vividos pela EPT em nosso país, evidenciando desde a sua criação em 1909 à
presença de um conjunto de Escolas de Aprendizes de Artífices e às suas mudanças ao longo
dos séculos XX e XXI, transformando-se em Escolas Industriais, Técnicas, Escolas Técnicas
Federais, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais.
Nesse contexto, é abordada a relação entre o momento histórico e as mudanças então
empreendidas, destacando-se, posteriormente, que a proposta dos recém-criados IFs propõe
uma perspectiva de inversão da lógica até então existente.

[...] se o fator econômico até então era o espectro primordial que movia seu fazer
pedagógico, o foco a partir de agora desloca-se para a qualidade social [...]. Assume,
112

portanto, o ideário da educação como direito e da afirmação de um projeto societário


que corrobore uma inclusão social emancipatória. (BRASIL, 2010a, p. 7).

Esse deslocamento de foco se constitui a partir da necessidade de uma nova


institucionalidade, que pense a educação como possibilidade cidadã de emancipação humana.
Tal proposta inclusiva tenta desvincular a abordagem inclusiva na EPT de um viés meramente
assistencialista que acompanhou, por diferentes momentos históricos, essa proposta de
educação. O termo “inclusão social” aparece várias vezes, mas não exemplifica o seu
significado, nem descreve seus alvos e limites. Vejamos alguns trechos:

No entanto, é necessário ressaltar, neste contexto, uma outra dimensão associada à


rede federal de educação profissional e tecnológica e que diz respeito à competência
de instituições de tecerem em seu interior propostas de inclusão social.
Em síntese, esse novo desenho constituído traz como principal função a intervenção
na realidade, na perspectiva de um país soberano e inclusivo.
Assim, cada Instituto Federal deve ter a agilidade para conhecer a região em que está
inserido e responder mais efetivamente aos anseios dessa sociedade, com a
temperança necessária quando da definição de suas políticas para que seja
verdadeiramente instituição alavancadora de desenvolvimento com inclusão social e
distribuição de renda. (BRASIL, 2008c, p. 20-21).

Uma vez que o referido documento aponta que a criação dos IFs está afinada com as
propostas de políticas públicas do Governo Federal, isso nos leva a entender que o termo
“inclusão” pode estar sendo pensado e trabalhado com base nessa sincronia, que entende o
racismo como uma problemática também de responsabilidade estatal. Porém, em “Concepção
e diretrizes”, não se apresenta um detalhamento do entendimento e do alcance de
compromissos com a proposta inclusiva.
Na documentação específica do IFMA, a referida palavra aparece em consonância
com a as diretrizes dos dessas entidades (BRASIL, 2008c). Nesse sentido, o PDI (BRASIL,
2014) apresenta como um dos seus objetivos “[...] intensificar as ações de fomento à inclusão
e respeito à diversidade”, enquanto que o Regimento Geral destaca a necessidade de “[...]
incentivar a oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) na área de inclusão e
diversidade” (BRASIL, 2014, p. 23).
Das determinações institucionais do referido Instituto, percebemos que o que tenta
apresentar certo detalhamento do entendimento de inclusão é o Projeto Político-Pedagógico
(PPI), ao destacar que “[...] nesse cenário impõe-se a discussão sobre uma educação inclusiva,
admitida como cultura coletiva. Essa postura permite ao sujeito a possibilidade de assumir
suas identidades e de respeitar as possibilidades do outro” (BRASIL, 2016, p. 13).
113

É importante evidenciar o debate sobre o termo discutido, bem como o contexto e as


relações do qual ele também faz parte. De acordo com Bava (2003), o conceito de inclusão
social nasce com seu par antitético: o de exclusão social – os dois relacionados à questão da
pobreza e das suas consequências e a outros fatores relacionados. Porém, o primeiro,
diferentemente do outro, invisibilizaria o fenômeno de produção da pobreza. Nesse sentido, o
teórico citado aponta:

O principal objetivo desta política, deste discurso, é ocultar a natureza do processo


societário que gera a pobreza e aprofunda a desigualdade social e sujeitar os grupos
subalternos a buscarem a solução dos seus problemas pela via individual. Tanto a
discussão da exclusão social como a da inclusão social se centram na dimensão dos
indivíduos. Trata-se de buscar a inclusão de indivíduos. Dissociadas das políticas
macroeconômicas, estas estratégias focalizam o indivíduo e propõem soluções
individuais como caminho da superação da pobreza. (BAVA, 2003, p. 30).

Desse modo, a palavra “inclusão” seria mais eficiente para mascarar desigualdades, o
que facilitaria que ações no âmbito das políticas públicas, tirando o foco do problema
estrutural das desigualdades, direcionassem-se para algumas demandas sociais incorporadas
aos interesses e às possibilidades dentro dos limites governamentais. Isso permitiria algumas
concessões, mas sem promover alterações de base nessas problemáticas – seria como se tais
disparidades fizessem parte da natureza e, nesse contexto, nós só pudéssemos minimizar sua
ação.
A respeito dessa realidade, Burity (2006, p. 49) aponta:

A inclusão seria uma questão de abertura de gestão: abertura, entendida como


sensibilidade para identificar e recolher as manifestações de insatisfação e dissenso
sociais, para reconhecer a “diversidade” social e cultural; gestão, entendida como
crença no caráter quantificável, operacionalizável, de tais demandas e
questionamentos, administráveis por meio de técnicas gerenciais e da alocação de
recursos em projetos e programas (as políticas públicas).

Essa percepção de inclusão diluiria seu caráter político e se enquadraria nas


possibilidades da ordem vigente. Pensada e realizada desse modo, tal concepção despolitizaria
as demandas sociais, dificultando a percepção da historicidade e o alcance do entendimento
dos diferentes meandros das desigualdades que envolvem as “inclusões”.
Problematizando, então, os significados da tratada palavra, Burity (2006, p. 47) aponta
que ela perdeu significado preciso, passando a ser reivindicada por todos, e “[...] tornou-se
dependente de quem a enunciava e das articulações entre atores sociais e políticos concretos,
para adquirir conteúdo específico.” Incluir, nos moldes postos, é uma concessão dentro dos
114

limites daquele que enuncia e das relações de poder que envolvem o contexto de cada
inclusão.
Esse termo dialoga com “diversidade”, na perspectiva de terem amplas e distintas
possibilidades de significados, abrindo o leque para múltiplos usos, o que pode fazer parte de
um contexto de esvaziamentos de sentido. O que é diversidade? Essa é uma pergunta difícil
de ser respondida, pelos distintos significados que podem estar sendo vinculados e das
relações e dos interesses que envolvem os que proferem o tratado vocábulo.
Como aponta Silva (2014), destacar as diversidades das formas culturais na
contemporaneidade se tornou lugar comum e envolve interesses diversos, que vão da
manutenção das hierarquias sociais às reinvindicações dos movimentos sociais; em outros
momentos, com as necessidades do mercado de consumo e as suas produções culturais.
Assim, além de distintos sentidos para o termo, faz-se necessário perceber as relações de
poder que perpassam essas formulações.
Entender esses diferentes significados dialoga com o modo como diversidade e
diferença relacionam seus sentidos. Abramowicz, Rodrigues e Cruz (2011) destacam três
vertentes de relações. A primeira trata as diferenças e/ou as diversidades como contradições
que podem ser apaziguadas, de modo que a tolerância seria uma das muitas outras formas de
apaziguamento, harmonização, sem esgarçar o tecido social, sendo sintetizadas pelo
multiculturalismo. A segunda perspectiva, denominada liberal ou neoliberal, usa a diferença
ou a diversidade como estratégia de ampliação das fronteiras do capital, pela maneira com que
comercializa formas de vida, a partir de uma maquinaria de produção de subjetividades. Por
fim, a perspectiva que enfatiza as diferenças como produtoras delas mesmas, as quais não
podem se apaziguar, já que não se trata de contradições.
A quem serve um discurso harmonioso em nosso contexto? O que é a nossa harmonia?
Temos alguma? Pensando com os estudos de colonialidade, vemos que o nosso equilíbrio é
colonizado e, assim sendo, à medida que questionamos, propomos outras formas de ser, de
viver, de amar e de se relacionar com o sagrado, dentro outras, que questionem essa
colonialidade causando fissuras nessa harmonia. Então, se você é homem, branco, cristão
heterossexual, fica mais fácil ser harmônico, porque você já é antes de ser, quando você sabe
que o outro, o diferente, nunca é você.
Quando viver na diversidade é tolerar, festejar, respeitar, o outro é sempre o exótico,
um objeto de veneração e ao mesmo tempo de cuidado/controle. Ele pode ser um totem de
veneração, em alguns momentos específicos: desde que não altere o cotidiano nem mude a
lógica da colonialidade, é perfeitamente aceitável. E quando se questiona esse sentido?
115

A diferença é o perigo da diversidade, porque, enquanto elas andam juntas, tudo é


tanta coisa que para ser nada é bem fácil, mas, quando se borram fronteiras, quando se
questionam padrões e se cria algo novo, quando se questiona a lógica da colonialidade pela
diferença e não pela harmonia, abre-se margem para coisas outras que não sabemos aonde
chegarão, e esse é o medo do discurso da diferença. O medo da haitização – revolução de
afrodescendentes – não ficou na colônia, mas permanece de novos modos. Os discursos sobre
diversidade, guardada a difícil comparação de séculos, relaciona-se com o pensamento
colonial brasileiro de que era preciso fazer uma independência sem traumas, sem sangue,
formando uma nação mestiça. Isso foi possível? Isso é possível hoje?
Ser diferente não é ser diversificado. Desse modo, corroboramos o entendimento de
Abramowicz, Rodrigues e Cruz (2011, p.13), no sentido de que entender diversidade como
sinônimo de diferença “[...] esconde as desigualdades e fundamentalmente as diferenças. Sob
o manto da diversidade o reconhecimento das várias identidades e/ou culturas vem sob a
égide da tolerância, tão em voga, pois pedir tolerância ainda significa manter intactas as
hierarquias”.
Os documentos institucionais do IFMA fortalecem uma proposta de respeito à
diversidade. Assim, o “respeito à diversidade e ao meio ambiente” aparece no Estatuto de
IFMA como um princípio norteador. Como exemplo de diretriz de gestão, destaca-se a
“Responsabilidade social e ambiental [...], respeitando a diversidade e promovendo a redução
das desigualdades sociais como parte integrante da estratégia institucional”. No PPI, esse
aspecto aparece como norteador do processo educativo: “[...] o respeito à diversidade humana
e a desconstrução dos preconceitos e discriminações que levam à violação dos direitos”
(BRASIL, 2016, p. 34).
Problematizando a abrangência de tal proposta, Silva (2014, p. 88) afirma:

Apesar de seu impulso aparentemente generoso, a ideia de “tolerância”, por


exemplo, implica também uma certa superioridade por parte de quem mostra
“tolerância”. Por outro lado, a noção de “respeito” implica um certo essencialismo
cultural, pelo qual as diferenças culturais são vistas como fixas, como já
definitivamente estabelecidas, restando apenas “respeitá-las”.

Respeitar e tolerar não dá conta de pensar o outro como movimento, mudança,


hibridismo e identidades; ou seja, pensar que existem lados diferentes da linha, como diz
Santos (2010), seria uma forma de problematizar a diferença, tentando manter “cada macaco
no seu galho”. Essa proposta pouco ajudaria a pensar as relações de poder presentes no
interior das relações sociais.
116

Desse modo, como o próprio termo já propõe, “incluir na diversidade” não


representaria necessariamente uma ameaça à manutenção da ordem vigente; seria uma
concessão, mesmo que partindo da ideia de lutas sociais, cuja repressão custaria mais que o
reconhecimento, fazendo parte de rearranjos que continuam a manter a “colonialidade do
poder”.
Assim, questionamos: até que ponto o vago modo com que os termos “inclusão” e
“diversidade” se apresentam nos documentos institucionais podem dialogar com as estratégias
de fazer uma educação para as relações raciais de acordo com as forças ou os interesses do
momento? Quais os limites e os alcances da perspectiva inclusiva dentro dos Institutos
Federais, em especial, neste estudo, do IFMA?
Pensando essa nova proposta, Araújo (2013, p. 122), em sua tese intitulada “Novos
sentidos das políticas curriculares para a educação profissional no Instituto Federal Sul-Rio-
Grandense”, destaca que, embora tenha acontecido a ampliação da autonomia, nada garante a
efetivação de práticas inovadoras, pois “[...] a conformação histórica de uma instituição pode
gerar reações internas, num processo de ressignificação local conservadora, o qual pode tornar
inócua mesmo uma legislação pretensamente progressista.”
Os Institutos Federais, em sua nova institucionalidade, apresentam uma proposta
educacional inclusiva, que, pelo menos em suas diretrizes, entende a educação como uma
ação política associada à transformação social. Assim, tais entidades surgem como autarquias
“[...] de base educacional humanístico-técnico-científica [...] assumindo um papel
representativo de uma verdadeira incubadora de políticas sociais, uma vez que constroem uma
rede de saberes que entrelaça cultura, trabalho, ciência, tecnologia em favor da sociedade.”
(BRASIL, 2010a, p. 18-19).
Pelo exposto acima, entendemos que a proposta presente nos documentos
institucionais ligados à criação dos IFs está relacionada à intenção de propor um ensino
profissional tecnológico não mais de um modo tecnicista. Essa abordagem se atrela
diretamente aos interesses do mercado como um direcionador para tal modalidade,
apresentando uma perspectiva de mudança social e de inclusão que precisa ser
pensada/problematizada tendo por base os alcances e os limites do contexto em que a
proposição está inserida.
Os Institutos estariam situados na fronteira, em que diferentes possibilidades
educacionais se cruzam, chocam-se e se fundem. O que sairá dessas diversidades de
possibilidades dependerá, substancialmente, das negociações e dos conflitos existentes no seu
interior, bem como d99mmjmmmmmmmmmmjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjjmmjmmjmjjmjjjjjjjas
117

relações que a instituição consegue estabelecer com a sociedade e com as questões sociais nas
quais está inserida tal entidade. Não é apenas uma questão de saber quais são os perfis, as
diretrizes e os documentos que norteiam a sua proposta de criação, apesar de sua importância,
mas, sim, fundamentalmente, o que será possível fazer com isso e as significações para as
pessoas que fazem essa instituição no seu cotidiano.
Neste tópico, vimos que documentos institucionais dialogam com a proposta de uma
educação para as diversidades na qual se insere a perspectiva do ensino para as relações
raciais, mas observamos que essa abordagem está inserida em um contexto ainda muito
marcado pela tradição da Educação Profissional nos moldes tecnicistas, com dificuldade de
diálogo entre as diferentes áreas do saber e associada às necessidades do mercado de trabalho
para além de formação humana e cidadã.
Na próxima parte, objetivamos perceber o que os entrevistados/as da pesquisa pensam
a respeito da educação para as relações raciais e como manifestam o seu pertencimento racial
no tratamento dessa temática.

5.2 Questões afrodescendentes e vivências profissionais

Neste tópico, pretendemos desenvolver o objetivo específico que trata de averiguar as


relações entre o que dizem os/as participantes da pesquisa sobre as exigências de uma
educação para as relações raciais brasileiras e o seu pertencimento racial. Para problematizar
esse intuito, destacamos os seguintes questionamentos: de que modo as histórias de vida
dos/as docentes se relacionam com o modo como percebem, abordam e significam as relações
raciais no espaço institucional? Quais as especificidades de ser professor/gestor/a e se
perceber ou não afrodescendente? Para desenvolver esses propósitos, além da fundamentação
teórica, dialogaremos com algumas conversas realizadas com educadores e dirigentes do
Instituto Federal do Maranhão.
O objetivo inicial desta tese era trabalhar só com profissionais afrodescendentes – não
no seu sentido mais amplo, tendo em vista que a ciência confirma que os nossos primeiros
ancestrais são africanos e que da África partiram para povoar outros continentes, mas, sim, no
entendimento relacionado àqueles que apresentam fenotipicamente a cor mais pigmentada.
Com o avançar dos estudos, que envolveu conversas sobre o projeto com colegas do
IFMA, a realização de disciplinas no doutorado, a atuação no núcleo de estudos Roda Griô e
os ensinamentos do orientador, dentre outros fatores, chegamos à decisão de que trabalhar só
com afrodescendentes limitaria o entendimento do nosso problema de pesquisa, que se centra
118

em entender: como profissionais do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Maranhão


lidam com as exigências de uma educação para as relações raciais?
Ao longo das entrevistas, fui percebendo, desde o processo de seleção dos/as
entrevistados/as, como a questão racial continua complexa e bem envolvente. Procurei
escolher, entre os que se disponibilizaram a participar, sujeitos de diferentes fenótipos, tendo
em vista que procuramos ter uma diversidade racial entre os/as participantes. A dificuldade
começou logo nesse momento – nem sempre é fácil identificar quem é “branco” e quem é
“negro”. O interessante é que, em alguns casos, docentes que eu considerava fenotipicamente
de pele mais escura, algumas vezes, não se sentiam ou não falavam como parte desse
segmento, enquanto que outros cujo fenotípico eu considerava de pele mais clara
reivindicavam a identidade afrodescendente.
O modo como nos relacionamos com a questão racial, como ela atravessa ou não a
nossa vida, como estamos diante dela, como parte do processo, como espectador de questão
alheia ou indiferente à sua existência, relaciona-se com os modos como construímos nossas
identificações ao longo da vida. Não sendo essas relações algo natural, elas não nascem com
cada um de nós, mas são de ordem cultural. Sofrem influências dos diferentes espaços em que
vivemos, das experiências vividas e da atuação profissional – nossas escolhas, em meio a um
roll de possibilidades, não são desconectadas de nossas histórias outras. Assim, nesta seção, a
discussão surge a partir das entrevistas dos/as docentes sobre o modo como se relacionam
com as questões raciais.

5.2.1 Somos morenos? O que o racismo tem a ver com isso?

“Desculpa, eu tenho a mania de chamar todo mundo de


moreno!” (HENRIQUE, 2016. FRAGMENTO DA
ENTREVISTA)

Certo dia, no ano de 2000, em uma aula de Filosofia do meu primeiro período do curso
de História na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), surgiu um debate sobre como
cada um/a se sentia racialmente falando. Não era a aula em si, mas o professor já estava em
sala. Antes de começar o conteúdo, ficamos debatendo sobre essa questão. Nessa conversa, eu
afirmei que me considerava negra, mas me lembro de que pensei bastante antes de fazer essa
afirmação. Um colega de nome Frederico, um dos muitos que abandonaram tal graduação
para cursar Direito, mal deixou terminar a afirmação e foi dizendo: “Negra não, morena!”,
justificando isso com o discurso de que eu fruto de uma mistura racial, que a cor da minha
119

pela era bonita por causa da mistura e que isso de dizer que é negro/a não tinha nada a ver
com a minha personalidade. Era um discurso extremista. Por aí seguiu falando, em um tom de
quem estava me elogiando e de que me olhar como negra seria uma ofensa à minha beleza e
às minhas múltiplas ancestralidades.
Nessa conversa, em que eu tentava com muitas dúvidas me definir racialmente e meu
colega tentava facilmente me definir em meu lugar, veio o professor de Filosofia e disse, com
um tom firme e um jeito de intelectual, sempre muito observador e fundamentado, que
Frederico apresentava elementos mais coerentes que os meus e começou a explicar os motivos
da coerência do colega. Hoje, não me lembro de ao certo dos meandros da explicação do
docente, mas recordo que em mim ficou uma inquietação muito grande. Naquele momento, eu
gostei da exaltação feita pelo colega de minha beleza mestiça, mas pensei: não sou eu que
escolho o que eu sou? Ao mesmo tempo, imaginei: mas se ele me vê assim, como eu não sou
assim? E, por aquele tempo, a afirmação do educador pesou bastante. Fui para casa com a
sensação de que era bom ser definida como morena: tinha lá seus privilégios – ainda mais o
professor de Filosofia dizendo que eu era morena. Então, como é que eu podia ser outra
coisa?
Cabe destacar que não estamos usando o nome verdadeiro de pessoas citadas ou que
foram entrevistadas. No lugar deles, utilizamos denominações de afrodescendentes de
destaque na área ou em áreas afins às de atuação profissional dos participantes da
investigação.
Henrique, um dos nossos últimos participantes, ocupou vários cargos no Instituto,
dentre os quais o de reitor. É maranhense, da região dos Lençóis, vem de família humilde –
característica que, inclusive, é comum a todos/as os/as entrevistados/as – e narra uma história
marcada por dificuldades, em que a família encontrou na educação uma possibilidade de estar
no mundo de outro modo. Manteve um discurso de afastamento em relação ao seu
pertencimento racial, não demonstrando como se identificava. Destacou que foi a primeira
vez que tratou desse assunto academicamente falando, lembrando que nem quando aluno
essas questões eram apontadas em sala de aula, e estranhou o convite: achava que tinha
muitos outros colegas que podiam contribuir melhor – inclusive citou o nome de alguns e se
esforçou para mostrar a importância de que eu fizesse esses contatos.
Quando tocamos diretamente nos debates raciais, ele destacou a importância deles na
escola e falou das cotas, mas frisou que no ensino superior não: só pelo mérito. Não percebe
como trabalhar essas questões dentro da Engenharia e da Química, suas áreas de atuação
profissional, e foi desenvolvendo um discurso que evoluía para a necessidade de harmonizar
120

as diferenças, evitando conflitos e procurando formas de evitar polêmica. Achei bem


emblemáticos o modo como se relaciona com a questão racial e a forma que encontrou para
fugir das polêmicas que envolvem nomear pessoas por seus diferentes fenótipos, no sentido
de chamar todo mundo de moreno, afirmando: “Eu não chamava um negro de mulato, eu
chamava ‘moreno’. Desculpa! Eu tenho mania de chamar todo mundo de moreno”.
Termos como “moreno”, “mulato”, “cor de jambo”, “marrom bombom”, dentre
outros, têm historicidade, sendo que os contextos em que são produzidos, reinventados e
proferidos dizem muito dos seus significados e dos seus usos. Quando se fala em questão
racial, em um país em que o preconceito está diretamente ligado ao fenótipo e que inventa
uma “democracia racial” em que quanto mais branco melhor, expressões que camuflem a
relação ou a proximidade com uma cor fenotipicamente mais pigmentada são preferidas,
porque entram em harmonia com o discurso de “democracia racial”, em que aclamar que
somos todos mestiços “cai como uma luva” para aqueles/as que tiveram o poder de nomear,
de dizer, de interpretar, de inventar o que é a História do Brasil.
As representações da mestiçagem, como aquilo que dá sentido ao ausente
(CHARTIER, 1990), são construídas ainda no período escravocrata e atravessam-no
demostrando significações da mistura racial em um país como o nosso. Nesse sentido,
representações em diferentes linguagens foram usadas para simbolizar essa mistura preterida.
A colônia se findou, mas a colonialidade conseguiu modos de reforçar características
desiguais fincadas pela colonização – e o modo como a mescigenação foi criando significados
em nosso país diz muito sobre isso.
Diferentes linguagens e saberes contribuíram para formar essa representação dita
mestiça do Brasil, que teve o branqueamento como possibilidade civilizacional. Em fins do
século XIX, a Igreja Católica, que defendeu, durante a colonização, a argumentação de que
africanos/as não tinham alma, de modo que, assim, poderiam ser escravizados/as, e que, além
disso, eram descendentes de Cam, filho amaldiçoado de Noé, vai passando o bastão da
ignorância interessada para a ciência. Mesmo esta questionando dogmas da religiosidade,
quando a questão foi o preconceito racial, o conhecimento religioso e o científico entraram em
simbiose e fortaleceram discriminações. O racismo se fortaleceu da explicação religiosa para
a científica, sendo, em um primeiro momento, difícil entender onde começava um e onde
terminava o outro.
Um exemplo disso, foi a interpretação vencedora, em 1844, do primeiro concurso do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que teve o questionamento propulsor:
“Como se deve escrever a história do Brasil”. Era necessário “inventar” uma História do
121

Brasil, e o IHGB era a voz da ciência na área das humanidades e, assim, traria as “verdades”
que só o conhecimento científico poderia confirmar nesse momento.
A tese vencedora foi a do cientista alemão Carl von Martius, que, para construir sua
História do Brasil, usou a metáfora de um imponente rio que representava a herança
portuguesa e que, com suas águas límpidas e brancas, ia absorvendo outros dois menores que
apresentavam águas turvas e não límpidas – eram eles o da herança indígena e o, ainda menor,
da herança africana. Esses rios, apesar de distintos, não desarmonizavam. Com o contato, a
diferença ia se apagando, e eles se harmonizavam à medida que os menores iam jorrando suas
águas no maior, o qual, de águas límpidas, por apresentar correnteza mais intensa, enquanto
absorvia os outros dois, embranquecia as águas, prevalecendo na mistura final o rio que
representava a herança portuguesa, por ser mais forte e significativo que os demais.
(SCHWARCZ, 2012).
Essa argumentação apresentou uma representação mestiça do Brasil, mas uma
mestiçagem direcionada ao branqueamento. Miscigenação não é sinônimo de igualdade, tanto
é que, nessa construção os rios não apresentam mesma imponência, nem seguem juntos até o
final, no processo de mistura, aquele tido como mais forte engloba os demais, de forma que as
características dos menores vão sumindo e dando espaço às particularidades do representado
com maiores volume, beleza e imponência, ou seja, aquele que representava a herança
eurodescendente.
Essa representação dialoga com as teorias raciais da época, apesar de não ter um
consenso, em fins do século XIX, sobre uma possibilidade civilizacional ao Brasil por causa
de sua mistura racial. As teorias sobre o tema tinham em comum pensar o afrodescendente em
uma perspectiva de inferioridade em relação a outras ancestralidades. Assim, por exemplo,
positivistas como Auguste Comte apresentavam uma postura mais conciliatória, enfatizando
as “qualidades” presentes entre as diferentes raças, enquanto que darwinistas sociais como
Haeckel e Spencer focavam na ideia de seleção natural, em que sobreviveriam os mais fortes,
estando os mais fracos aptos para desaparecer nessa competição. Nessas discussões, mesmo
na vertente mais otimista, a miscigenação, para autores como Sílvio Romero, com predomínio
gradual dos eurodescendentes, seria uma saída possível para que países mestiços como o
Brasil se adequassem aos moldes civilizacionais da época (DINIZ, 2008).
Ao ler sobre essas perspectivas, podemos pensar: mas isso não é coisa de livro de
academia, a que só alguns poucos universitários tinham acesso? Será que essas ideias
chegavam e ainda chegam ao nosso cotidiano? Uma forma de propagar essas teorias raciais
ou de pelo menos acompanhar o desenvolvimento de suas abordagens, mas de outro modo,
122

eram os romances. Um exemplo disso, foi a construção do personagem Raimundo, no


romance “O mulato”, de 1881, do ludovicense Aluísio Azevedo.
Esse autor era leitor de textos positivistas e escrevia nos jornais maranhenses,
defendendo esse modo de pensar. “O Mulato” foi um dos primeiros romances naturalistas do
Brasil. Seu próprio autor dizia trazer a “verdade” por meio desse gênero literário. Na citada
obra, Raimundo, filho de um português com uma africana escravizada, foi criado ainda
pequeno pelo seu pai e, com a morte de seu progenitor, recebeu sua herança. Em relação à sua
cor de pele, passava por um “branquinho nacional”, inclusive durante seus anos de estudo na
Europa, e só veio saber de sua origem afrodescendente quando, voltando do exterior, sentiu na
pele o desconforto dos ludovicenses com a sua presença, o que veio a desembocar em uma
história de amor malsucedida devido aos preconceitos locais.
O personagem, quando estava ainda junto à sua mãe, era representado como uma
criança feia. À medida que foi “embranquecendo”, não só na cor, mas nas ideias e nas
companhias, passou a ser considerado um rapaz bonito e de belo porte. Ele é descrito no
romance da seguinte forma:

[...] um tipo acabado de brasileiro se não fosse os grandes olhos azues, que puxara
do pae. Cabellos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e amulata, mas fina;
dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estrutura alta e elegante;
pescoço largo, nariz direto e fronte espaçosa. A parte mais característica da sua
phisionamia eram os olhos – grandes, ramalhudos, cheios de sombras azues;
pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e húmido; as
sobrancelhas, muito desenhadas no rosto como a nanquim, faziam sobresahir a
frescura da epiderme, que no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e
transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz. (AZEVEDO, 1881, p. 47-48).

Nesse romance, a figura do mestiço era representada com um misto de pessimismo e


otimismo. Sempre que sua ancestralidade africana entrava em cena, a negatividade e a
desconfiança se instalavam, enquanto que, sempre que eram ressaltadas as suas características
eurodescendentes, o personagem era engrandecido e visto de modo positivo. O mulato, por
não pertencer a nenhuma raça específica, era uma figura enigmática, mas Raimundo vem
representar na narrativa a ideia de que um mestiço embranquecido no sangue e nas ideias teria
tudo para dar certo na vida se não fosse o preconceito racial de uma cidade atrasada como São
Luís (DINIZ, 2008).
As teorias raciais circulavam, e os textos científicos, os romances, como “O mulato”,
as representações artísticas, como a tela “Redenção de Cam”, de Modestos Brocos, que
celebravam o embranquecimento, dentre outras manifestações, eram usados também para
123

difundir as interpretações sobre os entraves e as possibilidades de um país miscigenado como


o Brasil.
Entender por que chamar alguém de “moreno/a”, como me chamaram na universidade,
é ainda hoje uma forma que muitos usam para evitar confusões que termos como “negro”,
“preto”, “afrodescendente” podem causar demonstra que a nossa mistura racial só é “bem-
vinda” quando embranquece, quando celebra uma “democracia racial” que coloca por debaixo
dos panos todo a jogo de poder e de discriminação que envolve nossas diferenças. Excluir
potencialidades não eurodescendentes faz parte de uma sutil tentativa de invisibilizar ou de
negar a importância/positividade da ancestralidade africana.
A discussão em volta dos usos de “moreno”, “preto”, “negro”, “afrodescendente” fluiu
durante as entrevistas. Mesmo eu não perguntando diretamente como as pessoas se definiam
racialmente, o “eu” olhando a minha pele e o “nós” olhando a pele do outro foram assunto
que perpassou por várias das conversas. A identidade é uma questão complexa. O eu e o outro
são relacionais, como eu me vejo? Como o outro me vê? Como eu me relaciono com as outras
lentes que me olham? Como vou mudando o entendimento que tenho sobre mim ao longo do
tempo? Quem sou? O que vejo? O que olham de mim? Enfim, as identidades são cada vez
mais fragmentadas, não apresentam uma unificação simplória, não são do domínio da
biologia, não nascem prontas, mas estão sempre em processo de mudança e de transformação,
sendo, então, construídas na diferença e relacionais (Hall, 2011).
Teodoro, professor de Matemática e nosso primeiro entrevistado, trouxe-me logo de
cara um grande desafio. Tenho trauma de cachorro, uma questão que volta da minha infância
e que nunca trabalhei dentro de mim – preferi evitar! Mas, quando cheguei à casa do
participante, fui muito bem recebida, mas – no meu caso, infelizmente – não só por ele:
também por seu cachorro. Eu me lembrei das recomendações que li nos trabalhos sobre
História Oral, que diziam que eu precisava deixar o entrevistado à vontade para falar. Para
quem tem e gosta desses animais, mexer com eles é uma grande afronta. Então, eu, com meu
medo que se multiplicava pelo fato de eu estar ainda no início de uma gravidez de risco, com
uma barriga pouco aparente, mas com os hormônios à flor da pele, guardei meu
apavoramento, cheguei sorrindo e quase fazendo graça para o cachorro. Fiz uma reza tão forte
ao entrar naquele lugar que só ao final da entrevista me lembrei do cão novamente.
Olhar envolvente, voz firme e com posicionamentos diretos, sem demonstrar
preocupação com polêmicas que poderiam causar o seu discurso: Teodoro fez questão de
enfatizar sua origem humilde e de demonstrar o quanto isso ajuda na sala de aula para criar
laços de proximidade com os alunos e possibilidades interdisciplinares. Ele pontuou:
124

[...] eu quero crer que, desde meus primeiros momentos como professor, eu já fazia
a então falada, ou então mal falada, interdisciplinaridade, porque eu nunca deixo o
contexto na Matemática, eu levo sempre o contexto para minha vida real, para o que
eu era, para o que eu sou, para o que eu devo ser, para o que eu quero ser,
atualmente, nessa coisa de ideias de preconceitos, de minorias e tal [...]
(TEODORO, 2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

Ele entende que aborda a questão racial em sala de aula não por trabalhar algum
conteúdo específico, mas pelo modo como tenta ensinar respeito e limite aos seus alunos
incluindo a abordagem das relações raciais no sentido de que todos são iguais e não se fala
mais nisso. Racialmente, identificou-se logo como “negro”, mas, quando falava sobre o que
chamava de “negros/as”, nunca usava o “nós”, era sempre “eles/as”, destacando que ser um
negro menos pigmentado tinha lá seus privilégios:

[...] olha aqui, não me importa se preto, branco, amarelo. Minha cor é um pouco
amarronzada, um pouco esbranquiçada, mas sou negro, me sinto negro por dentro,
porque sou filho de negro. A minha cor é que me dá um pouco de destaque e alguns
dizem que não sou negro, mas aqui não quero nada dessa coisa. (TEODORO, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

Como destacou o professor – “a minha cor é que me dá um pouco de destaque” –, essa


não é apenas uma constatação pessoal: a pigmentação da pele, em um racismo cromático
como o nosso, significa também a possibilidade de vantagens sociais. Quanto mais próximo
for de uma aparência eurodescendente, mais possibilidades de aceitabilidade em diferentes
espaços, o que corrobora também as chances de ascensão na sociedade. Essa constatação pode
ser sentida quando as pesquisas apontam que a pobreza no Brasil tem ancestralidade e cor: ela
é afrodescendente.
Segundo dados do IBGE (2014), os pretos e pardos são maioria da população
brasileira (52,9%). Essa população, no entanto, ganha menos da média do país, que é R$
1.012,254. A média de renda familiar per capita é de R$ 753,69 entre os pretos e de R$ 729,5,
entre os pardos. Os brancos têm a média de R$ 1.334,30. Quando o quesito abordado é o
desemprego, os dados seguem apontando a desigualdade: entre os pretos é 7,5%, entre os
pardos é 6,8% e entre os brancos é 5,1%. As disparidades sociais continuam na educação. A
taxa de analfabetismo é 11,2% entre os pretos; 11,1% entre os pardos; e 5% entre os brancos.
Carneiro (2005) destaca, em sua tese de doutorado, que a educação é
reconhecidamente o instrumento mais seguro de ascensão social para a camada popular e que
o controle das oportunidades educacionais representou e representa um fator intencional e
arquitetado desde a abolição para controlar a distribuição das oportunidades de ensino,
instituindo uma ordem social racialmente hierárquica. Segundo a autora,
125

É nosso entendimento que no início da República, foi acionado para isso o controle
da quantidade dos que teriam acesso à escola pública. Posteriormente é o controle do
acesso ao ensino de qualidade que será o instrumento. O sucateamento do ensino
público coincide com a afirmação social de uma classe média branca que pode
passar a pagar pela qualidade da educação que receberá. É também um momento e
um processo de demarcação dessa classe média branca em relação às classes
populares notadamente negras. (CARNEIRO, 2005, p.114).

Esse controle de oportunidades à população afrodescendente foi e é intencional. Faz


parte do jogo da colonialidade, que teve na racialização das diferenças uma forma de
prolongar o jogo colonial. Desse modo, entende-se porque minimizar e ou negar a tal
ancestralidade corresponde a uma estratégia epistemicida, inclusive educacional. No relato da
professora Maria, pedagoga, que trabalhou em todos os níveis de educação formal e ocupou
diversos cargos no Instituto, como o de diretora geral, essa negação, inclusive via sistema
educativo, em saber de sua história é explicita:

[...] o Brasil é um país 100% afrodescendente. A minha história, ela não foi contada
para mim: me contaram uma história que depois descobri que não era essa história.
Para alguns, ficou muito estranha sabendo que minha pele é branca, mas eu sou
afrodescendente. Era passado, de primeiro, que quem é preto é preto por causa da
pele. Quando você começa a estudar isso, você entende que eu tenho minha pele
clara, mas sou afrodescendente [...]. É a história do povo brasileiro que nunca foi
contada, precisa ser contada e precisa ser assumida, porque foi contada de forma
camuflada. Ela agora precisa ser contada na sua realidade e ser assumida. (MARIA,
2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

No relato da docente, é evidenciado o quanto esse conhecimento negado da história


afrodescendente teve um rebatimento na construção de sua identificação racial. Não conhecer
tal trajetória contribui para não se perceber parte dela, o que, para a entrevistada, teve um
rebatimento também na sua atuação profissional, tendo em vista que profissionalmente ela
nunca se preocupou com essas questões, afirmando: “[...] eu nunca presenciei durante quase
os cinco anos que passei frente da gestão alguém levantar a bandeira do afrodescendente
como gestor – inclusive eu: nunca levantei essa bandeira”.
Em relação ao termo “negro”, a entrevistada infere, então:

Que benefícios hoje eu posso tirar dessa situação que ninguém pode chamar o outro
de negro? Às vezes, as pessoas dizem: “não, ele é moreno!” Eu, por exemplo,
quando a pessoa se refere a alguém “não, aquela pessoa também, que é moreno”, eu
digo: “não, é negro”. Não tenha vergonha de dizer “é negro”. Não é pecado ser
negro, não é feio ser negro, mas as pessoas ainda têm receio – termo complexo.
(MARIA, 2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).
126

A entrevistada exalta positivamente o termo “negro”, mas aponta a complexidade de


significados. A necessidade de uma definição entre “branco” e “negro” também coloca um
pensamento dentro de linhas abissais. Vemos que uma das consequências desse entendimento
apontadas por Santos (2010) é a nossa dificuldade em pensar positivamente/inventivamente
na fronteira. Estamos em várias dessas fronteiras: raciais, religiosas, sexuais, profissionais,
territoriais, geracionais, dentre outras. Agora, por que assumir isso é difícil? Observamos que
o pensamento abissal tem suas artimanhas para nos colocar nos seus moldes de pensar mesmo
quando decidimos questionar as linhas abissais que nos cercam e, por vezes, sufocam-nos.
A negação da História, dos conhecimentos e dos saberes é a base do que Carneiro
(2010) chama de epistemicídio. Para a autora, esse conceito parte da negação e da
desqualificação dos conhecimentos dos povos subjugados, sendo um processo que se
desenvolve não só no plano das ideias, mas que faz parte também de estratégias cotidianas de
exclusão, perceptíveis na negação de uma educação de qualidade à grande parcela da
população afrodescendente, bem como na produção de uma inferiorização intelectual que fere
tanto a individualidade como a coletividade, com mecanismos que deslegitimam o
afrodescendente como alguém que tem e produz conhecimento.
O epistemicídio é, assim, uma estratégia da colonialidade que torna “invisíveis”, para
grande parte daqueles/as que compõem o mundo escolar/acadêmico, questões que gritam no
nosso cotidiano. Ele atua no dia a dia da escolar como uma técnica de manutenção dos
preconceitos. Demonstrar apenas parte da história, sobretudo aquela que inferioriza o outro e
o destitui de seus saberes, é outra possibilidade desse modo de conceber conhecimentos a
partir do ângulo de um saber específico como verdade universal.
Santos (2010, p. 32) afirma que o pensamento abissal é pautado em distinções visíveis
e invisíveis, apresentando linhas radicais entre esse e aquele lado da linha do aceito – dito de
outro modo, entre os territórios metropolitanos e as sociedades colonizadas. Assim, a
principal característica do pensamento abissal seria a impossibilidade da copresença dos dois
lados da linha. Isso, no meu entender, tem dificultado pensar nas fronteiras de nossa
existência. O pensamento abissal nos cobra a presença em um dos lados da linha onde, nos
moldes abissais de pensar, qualquer característica que lembre o colonizado é tida como
inferiorizante – logo, posicionar-se como sujeito de conhecimento e afrodescendente está
relacionado a um esforço que envolve, no caso dos nossos/as entrevistados/as, histórias e
conhecimentos que vão além de suas trajetórias profissionais.
Chimamanda, uma pessoa de temperamento firme que apresenta a docilidade na
medida da desconfiança de quem já sofreu, com resiliência, muito preconceito racial, chegou
127

pontualmente e, muito solícita, mas com ar de preocupação, disse-me: “Olha, menina, tu


nunca mais vai ser a mesma mexendo com esses temas. A gente descobre tanta coisa e muda.
O bicho comichão nunca mais sai de dentro da gente”. Eu gravei isso na mente, porque achei
muito intenso – parecia que eu estava indo para a forca. Hoje, entendo melhor o “bicho
comichão” ao qual ela se referia. É muito difícil cada vez que você descobre múltiplas facetas
do racismo, não só do estrutural ou do que mora no outro, mas também do racista que mora
em você. Descontruir isso não é de um dia para outro: é processo de uma vida inteira, talvez
várias vidas, mas isso já é uma outra história. Voltando à nossa entrevistada, Chimamanda é
dessas pessoas que, em casa, tem os primeiros ensinamentos e exemplos de como viver em
uma sociedade desigual e racista.

Sou filha de um operário. Meu pai era muito envolvido com questões sociais. Ele era
dono da escola Portela do Samba, muito envolvido na luta social, não admitia
injustiça, era semialfabetizado, mas era uma pessoa muito justa e tinha um
temperamento muito forte. E, assim, meu pai, por ser envolvido nas questões
sociais, não tinha muito espaço nos lugares, ele era operário de fábrica e trabalhou
em várias fábricas aqui de São Luís do Maranhão. Pelo posicionamento dele,
acabava saindo, reclamava, queria justiça. Eu tenho muito de meu pai. Ele era
engraxate, sapateiro de profissão, e, quando a gente não tinha nada para comer, ele
ia engraxar sapatos. Saímos de Augustino Torres no João Paulo e fomos morar em
Sacavem. Cheguei lá no Sacavem com três anos de idade. Meu pai sempre
alertando: “olha, nós somos pobres”. Meu pai era menos pigmentado. Embora com
pigmentação da pele clara, ele dizia: “nós somos pretos, e todo preto que se presta
tem que ter vergonha na cara” [...] (CHIMAMANDA, 2016. FRAGMENTO DA
ENTREVISTA).

A sua relação com os movimentos sociais, que enfatiza ao longo de toda a sua fala,
vem de família. Seu pai fazia parte desse contexto como operário, sendo ativista nas questões
sociais que permeavam seu contexto profissional, havendo, além disso, a presença de uma
vivência ligada a uma valorização da cultura de matriz africana. Trabalhar os assuntos raciais
no âmbito profissional parece ser um entrelaçamento entre a sua trajetória familiar, a
participação nos movimentos sociais e as escolhas profissionais.
A relação entre dificuldade financeira e cor da pele permeia os relatos da entrevistada,
que narra essa ligação pontuando elementos de sua história de vida e das trajetórias que
envolveram seus ancestrais africanos/as e afrodescendentes. A participante destaca a sua
dificuldade para saber a história de seus familiares, e, depois de muita pesquisa familiar, narra
a trajetória de seus ancestrais africanos que para cá vieram, fazendo relação com as
dificuldades vividas por eles:
128

[...] minha avó contava isso pra gente. Então, aquilo ficou muito gravado em minha
mente. Eu tinha 8 anos, aquilo ficou muito marcado. Minha avó era filha do
Português, quando minha bisavó veio de África – veio não: trouxeram amarrada.
Aliás, trouxeram ela, pegaram quatro: minha bisa mais três irmãos, que os pais de
minha bisa eram dono de algo lá, não sei se era fábrica, era algo de fazer tecelagem
– ela dizia o nome lá. Com aquela história do tráfico, eles foram enganados, chegou
Navio lá. Aí, vamos olhar. Quando chegaram à Bahia, os três irmãos da minha bisa
ficaram lá e minha bisa desceu para o Maranhão – olha a questão da diáspora. A
minha bia desce pro Maranhão com 14 anos. Quando chegou aqui, valia um réis. Aí,
veio esse fulano do lado de Grajaú e compra minha bisavó, só que ele estupra ela
bem no meio do caminho. Ela já chega grávida lá na fazenda, porque houve o
estupro. Aí, a barriga dela começa a crescer, e a branca já sabia, né? Ficou na dela
pra ver como era a menina. E realmente minha avó era branca, cabelos dela bem
ondulados, não era uma pessoa pigmentada assim como eu. Hoje estou lutando com
unhas e dentes para terminar esse doutorado na Ilha da Madeira porque minha bisa
dizia para minha avó que o navio ancorava na Ilha da Madeira e que ela chorava
muito querendo sair sem poder [...] (CHIMAMANDA, 2016. FRAGMENTO
ENTREVISTA)

Esse relato também aponta a importância da oralidade para populações


afrodescendentes. Remete a aprendizados que vieram de África tendo em vista que a
oralidade tem forte tradição nesse contexto. Como ensina Hampaté Bâ (1980, p. 187), “O que
a África tradicional mais preza é a herança ancestral. O apego religioso ao patrimônio
transmitido exprime-se em frases como: ‘Aprendi com meu mestre’, ‘Aprendi com meu pai’,
‘Foi o que suguei no seio de minha mãe’”. Na tradição oral africana, a palavra tem origem
divina, sendo instrumento de criação, apresentando o poder de criar e destruir a paz, sendo
força, vida e criação.
Tal comunicação representou também, nesse contexto da diáspora, marcado por
privações aos africanos criminosamente escravizados, uma possibilidade de transmitir
ensinamentos e saberes, tendo em vista que os escravizados não tinham acesso à educação
formal – daí poucos terem deixado registros escritos como Esperança Garcia, uma mulher
afrodescendente escravizada que, em setembro de 1770, escreveu uma carta endereçada ao
governador da Província do Piauí contando casos de maus tratos sofridos por ela e por seus
familiares. Não há relatos sobre os resultados da carta, mas ela conseguiu registrar as suas
experiências de escravizada no Piauí.
Com voz mansa e firmeza no falar, o professor de Filosofia e diretor sistêmico Luís
narrou a sua trajetória, que vai de se achar “o mais branco entre os brancos” até se entender
como um afrodescendente. Narra que vem de uma família muito preconceituosa e que, mesmo
vindo de uma camada socialmente desprivilegiada economicamente, passou grande parte de
sua vida se achando “branco”. O contato com os movimentos sociais e com uma companheira
já militante do movimento negro o fez ver de outro modo seu pertencimento racial.
129

[...] casei com uma mulher negra, assumida, engajada, consciente do seu
pertencimento. Quando conheci minha esposa, ela me levou a ter consciência da
minha responsabilidade social [...]. Avancei na consciência cívica e cidadã, mas
também avancei na consciência étnica. Avancei na consciência étnica, avancei na
percepção de que eu tenho essa tríplice etnia: eu sou branco, sou negro e sou índio,
mas eu optei politicamente para balançar a causa negra, decisão política minha a
ponto de não me colocar no IBGE como pardo [...]. Então, é uma opção. E, aí, com
essa consciência, eu passei a me voltar mais para o movimento negro, para as lutas
dos movimentos negros. Aí, me engajei partidariamente em um partido que tinha a
questão étnica, a questão do negro como uma das prioridades. (LUÍS, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

No caso do entrevistado, os aprendizados que teve na família e nos movimentos lhe


fizeram perceber de outro modo sua identificação. A sua atuação profissional, ligada às
questões raciais, não nasce de oportunidades vindas do mundo escolar/acadêmico que
frequentou, mas, pelo contrário, o entrevistado destaca que esses espaços só o ajudavam a
reforçar a sua origem eurodescendente. Seu engajamento, que se dá também no espaço
escolar, fez o caminho inverso: parte de contatos pessoais (família e movimentos sociais) para
seu contexto profissional, mostrando que diferentes ambientes de saber formam a prática
docente.
O engajamento de afrodescendentes nesses tipos de iniciativas de lutas, que buscam
igualdade racial, está também relacionado às barreiras que o racismo impõe a esses sujeitos, e
o cotidiano das instituições de educação vivencia essa questão de diferentes formas. Sobre
essa relação entre movimento negro, educação e intelectuais negros, Gomes (2010, p. 507)
destaca:

Esse grupo de intelectuais negros que hoje produz conhecimento sobre as relações
raciais na universidade possui trajetórias e filiações diversas. Possuem origens
socioeconômicas diferentes, embora a maioria seja oriunda de experiências de
pobreza, fazem escolhas políticas, partidárias diversas, porém têm algo em comum o
movimento negro pode ser considerado o seu principal lugar de aprendizagem
embora não seja necessariamente o seu espaço originário de atuação política.

Essa característica apontada pelo autor, de ter o movimento negro como principal
lugar de aprendizagem, pôde ser sentida também nesta pesquisa. Dos 11 entrevistados/as, três
docentes trabalham diretamente com a temática racial na instituição. Duas têm seus trabalhos
de graduação/pós-graduação relacionados com essa questão. Dois atuam nos núcleos de
estudos institucionais, e um tem atividade gestora focada nas relações raciais. Esses/as
docentes apresentaram em comum, em suas trajetórias, uma aproximação com o movimento
negro como lugar de aprendizagens e de atuação política.
130

É bom apontar que Gomes (2010) destaca também que esse perfil vem se
diversificando na atualidade e que aos poucos vem se constituindo uma presença de
intelectual afrodescendente cuja trajetória não se vincula diretamente ao movimento negro.
Percebo que, entre os/as participantes que abordam de modo mais direto essas questões no
ambiente institucional, essa aproximação com o movimento negro se fez mais presente devido
à seleção dos entrevistados ter privilegiado profissionais com mais de 10 anos de atuação no
Instituto Federal. Não fiz entrevistas com servidores/as mais recentes na instituição, os quais
poderiam apresentar um perfil mais acadêmico.
Eu sou uma professora recente na entidade, tenho oito anos de atuação nela, sendo
que, desses, quase quatro são de afastamento para este processo de doutoramento. Por minha
vivência nesse espaço, nunca fiz pesquisa direta sobre isso. Aponto também para o que
Gomes (2010) destacou sobre a diversificação do perfil do intelectual negro nas instituições.
Posso citar meu caso como exemplo. Estudo as questões raciais desde a graduação. No
mestrado e no doutorado continuei e continuo a trabalhar essa temática. Tenho uma trajetória
de aprendizados sobre o assunto muito ligado ao âmbito da academia, com atuação nessa luta
dentro do ambiente escolar. Sempre li muito sobre o movimento negro, mas não tive
atuação/participação nesse âmbito dos movimentos sociais. Aprendi com tal iniciativa pelo
que li e pela vivência de outras pessoas que participavam dela e socializavam seus
aprendizados.
O termo “negro” remete, inicialmente, aos significados escolhidos pelos colonizadores
para nomear de forma reducionista e universalizante afrodescendentes. Sobre a força desse
termo, Mbembe (2017, p.19) infere:

Produto da máquina social e técnica do capitalismo, da sua emergência e


globalização, este nome foi inventado para significar exclusão, embrutecimento e
degradação, ou seja, um limite sempre conjurado e abominado. Humilhado e
profundamente desinraizado, o Negro é, na ordem da modernidade, o único de todos
os humanos cuja carne foi transformada em coisa, e o espírito, em mercadoria- a
cripta viva do capital.

O autor nos instiga a compreender melhor a funcionalidade da citada palavra no


processo colonial, tendo a construção de sua significação na modernidade muito atrelada à
negativa da humanidade de seres humanos africanos e descendentes deles. Dentro dos olhares
e das práticas coloniais, inclusive de nomear, o termo significou um modo pejorativo de
identificar pessoas e passou também a ser usado como adjetivo de coisa ruim, como, por
exemplo, nos usos de “lista negra”, “ovelha negra da família”, “situação está ficando negra”.
131

A positivação da tratada expressão foi e ainda é uma luta dos movimentos negros. No
livro “O mundo negro”, Pereira (2013) foca na trajetória dessas iniciativas brasileiras e, para
desenvolver essa história, realiza entrevistas com vários/as de seus militantes. Nesse trabalho,
a positivação do termo aparece como uma luta muito associada também à valorização da
ancestralidade africana e das características que remetem a essa herança, em que assumir uma
“negritude” significaria reconhecer conhecimentos, saberes e belezas roubadas/negadas –
logo, criar novos sentidos para “negro” foi também uma estratégia de luta.
Essa ressignificação positiva não exclui as complicações advindas dos sentidos
coloniais que ainda reverberam em nosso cotidiano, demonstrando a força inventiva do
racismo. Alguns/mas entrevistados/as destacaram questões que envolvem os múltiplos
significados que os termos “negro” ou “preto” podem gerar. Ao contar a história da
multirracialidade que compõe a sua família, o professor e pró-reitor André destaca a presença
de filhos de diferentes fenótipos. Ele afirma: “Acho que em casa mesmo começamos a sentir
essas coisas. Chamamos o branco de ‘branquinho, vem cá’; outro de negão: ‘vem cá, negão’
[risos]. Ela chama ‘meu pretinho’ para ele, mas é jeito carinhoso, para ele”.
Termos como esses assumem significado a depender inclusive do tom da voz e da
intimidade daquele que profere. Nesse mesmo sentido, o professor Teodoro, falando também
de suas relações de amizade, relata:

[...] eu costumo dizer o seguinte: eu tenho meus amigos, meus melhores amigos de
cor, eu chamo ou de “neguin” ou de “negão”, e nenhum deles nunca me pediu para
cortar isso – até talvez porque o tom de voz de chamar “negrinho”, “negrão”, ou
“negão”, “neguinho”, não é tão ofensivo, quando de repente você tá num momento
de raiva e dizer: “negro sujo”, não sei, eu acho que dentro da gente vai sempre ter
algo como isso, algum resquício nosso de raiva de querer ofender, e para ofender vai
sair por aí com esse gatilho [...] (TEODORO, 2016. FRAGMENTO DA
ENTREVISTA).

Sim, como destacou o professor Teodoro, o preconceito racial é um “gatilho” ainda


apontado enquanto prática discriminatória a afrodescendentes. Ele invade diferentes espaços e
várias esferas de nossa vida, possibilitando ações discriminatórias, sendo as instituições
escolares parte desse processo, podendo reforçar o racismo e, outras vezes, questioná-lo
mostrando outras possibilidades para além dele.
A discriminação e o preconceito racial são frutos do racismo, que se configura em uma
forma de explicar diferenças sociais e culturais a partir de desigualdades tomadas como
naturais, de modo que o ato de discriminar um comportamento a prejudicar o outro por causa
132

da raça, sendo o racismo em ação, ou seja, por meio dessa prática se evidencia o racista que
por vezes lutava ou não para aparecer. (GUIMARÃES, 2012).
Dos 11 participantes, nenhum deixou de enfatizar situações em que presenciaram
preconceito e/ou discriminação racial, mas, quando o assunto foi a existência deles na
instituição, apenas três (Chimamanda, Luís e Sueli) afirmaram prontamente ter vivido e/ou
presenciado casos. Alguns, mesmo afirmando não presenciar ou vivenciar isso na instituição
de imediato, depois, no desenvolver da conversa, acabavam relatando ocasiões.
Após narrar casos de discriminação racial observados no interior de suas relações
familiares, o professor e diretor de campus José, ao ser questionado sobre a presença de
preconceito racial na entidade, respondeu prontamente que “na instituição não”, mas logo
depois foi mudando a ênfase da afirmação inicial:

Na instituição não, nunca presenciei, nem percebi. Piadas sim, mas a gente sempre
fala que a questão da piada seja uma brincadeira que acaba sendo sério, tanto com
negro como com homossexuais, que acho que é maior. A gente percebe a piada, mas
não lembro de nenhum caso específico. Se isso acontecer, é uma questão
complicada. Na instituição, isso tem que ser levado até o fim em termos de processo
administrativo, explicações, de se pedir desculpas, enfim. (JOSÉ, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

A piada racista aparece, na compreensão do professor, como um “meio preconceito”,


uma brincadeira, não se justificando, sendo a sua presença associada à existência de racismo
institucional. Essa percepção se repete em outras entrevistas. Nesse mesmo sentido, a
professora Maria aponta:

Em relação a racismo, eu não consigo me lembrar. Era mais aquelas expressões


como “aquele neguinho”. Teve caso assim: o professor não sabia o nome do aluno;
aí, ele fala: “aquele... é... aquele bem pretinho” – identificava o aluno pela cor. Isso
aí, várias vezes. Ou então, se era bagunceiro, dizia: “sabe aquele preto, ele que
estava...”. Era dessa forma, percebia na fala, mas presenciar publicamente não.
(MARIA, 2016. FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

A entrevistada também destaca o uso de expressões que conotam


inferioridade/desprestígio com relação à cor da pele. Porém, também minimiza a ação dizendo
que não se trata de racismo, sendo, para ela, termos proferidos na intimidade que não ganham
a cena pública. “Brincadeira” é coisa séria e pode chegar a ferir, a inferiorizar, sendo também
uma atitude grave. Chamar de “brincadeira” desmerece a gravidade da questão posta.
Nesse sentido, corroboramos o entendimento de Cunha Junior (2008, p.229), que
afirma:
133

Xingamentos e agressões diversas contra nós, Afrodescendentes, fazem parte do


cotidiano escolar e têm sido tratados como fatos de pouca importância pelos
professores, administradores escolares, conselhos escolares, associações de pais e
mestres e órgãos das secretarias de educação.

As questões raciais atravessam a escola, a qual não é um espaço neutro, até porque
existe uma cultura racista em que essa instituição é parte de um processo de maiores
amplitude e abrangência. Essas piadas e esses xingamentos são maneiras de negar o racismo
como ato sistêmico. A linguagem de tal discriminação, que é colonizada, tem seus
mecanismos de tornar pouco visíveis pontos questionadores de sua presença criando
estratégias de ocultação e disfarces que são internalizados em muitos de nós como algo nem
sempre consciente. Porém, tais atitudes não deixam de ser parte integrante de nossos racismos
(CUNHA JUNIOR, 2008).
Essa tendência de minimizar situações marcadas por tal preconceito é apresentada
inclusive quando os entrevistados narram casos bem explícitos de racismo institucional, como
o que segue no relato do professor André:

Temos um colega diretor lá de Coelho Neto, que tem o cabelo black, é do


movimento negro e tudo. Aí, a gente vê que, apesar de todos os diretores não
discriminarem ele, mas vira e mexe e sai uma piadinha, que parecem inofensivas que
acaba atacando, entendeu? Seria “corta esse cabelo”. São exemplos assim, entre a
gente. Agora imagina entre pessoas que se dizem ter acesso à informação, a debates,
vira e mexe e sai isso com um colega – imagina em outros espaços. São exemplos
que acontecem demais dentro da instituição. (ANDRÉ, 2016. FRAGMENTO DA
ENTREVISTA).

O docente André, mesmo destacando que ações como as acima citadas ofendem,
questionando o fato de serem realizadas por pessoas que têm acesso à informação, faz, ainda
assim, questão de reforçar, em seu discurso, que esse caso citado não se trata de racismo, ao
afirmar: “apesar de todos os diretores não discriminarem ele”. Nesse sentido, mesmo
relatando um caso institucional ligado à estética afrodescendente do seu colega de trabalho, a
ação é minimizada como uma brincadeira, uma piada.
A questão da aparência surge na pesquisa como motivo de frequentes
questionamentos, demonstrando ser o corpo do afrodescendente um corpo vigiado, em que as
pessoas se sentem no direito e com o poder de questionar e/ou polemizar o modo como cada
um de nós resolve estar no mundo.
A professora Antonieta, mesmo destacando que existe preconceito racial na entidade,
fez questão de evidenciar que ela, pessoalmente, nunca sofreu isso. Mesmo assim, relatou dois
casos em que teve as suas escolhas estéticas questionadas dentro do ambiente. Primeiramente,
134

destaca a crítica feita na instituição por uma colega de trabalho ao modo como usava seu
cabelo, tendo isso um rebatimento no modo como suas ações eram entendidas:

Eu usava o cabelo bem lisinho. Ela, na semana de cultura negra, se reportou a mim e
disse: “a Cristina estudou no CEUMA, ela se fingia de branca e pegou no meu
cabelo”. Quer dizer, é uma violência que a pessoa que está ali está dizendo que não é
preconceituosa, ela está colocando em evidência que só consegui sobreviver no
CEUMA porque as pessoas não me encaravam como negra. Não, eu era negra e
ainda era perturbadora. Eu dizia: “não, minha irmã, não é bem assim, não”. Passa
uma garota aí, depois passa outra garota, ela olha e diz assim: “que garota bonita”.
Se passa uma negra, diz: “que negra linda”. Por que tem que fazer referência como
negra linda? É uma garota como a outra também. São coisas assim que pregamos no
discurso, porque o preconceito está sempre presente. (ANTONIETA, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

A escolha da professora em alisar o cabelo é questionada no sentido de não pertencer a


uma “identidade negra”, vista como algo marcado pela fixidez por aquela que analisa as
escolhas estéticas da docente. Antonieta segue narrado que depois de um tempo resolveu
deixar de alisar o cabelo e que, mesmo assim, continuava a ter sua estética questionada na
instituição, como relata abaixo:

Tem, sim. Na instituição eu nunca sofri, apenas comentários – pega em meu cabelo
e diz: “ah! Mas é mole teu cabelo”, coisas assim. Uma professora perguntando “que
cachos são esses? De onde tu tiraste esses cachos?” São comentários assim. Agora
dentro da instituição, se teve algum preconceito em relação à minha pessoa, nunca
tiveram coragem de dizer francamente para mim. São bobagens assim. “Cabelo
agora é mole, resolveu ficar de cachos”. São coisas que até acho graça.

Observamos nesse relato os meandros do racismo brasileiro. As pessoas sabem que ele
existe, mas não conseguem associar os casos pessoais vivenciados como exemplos de
preconceito racial e discriminação institucional, ficando sempre essas ações no âmbito de
comentários, brincadeiras, bobagens. Nesse sentido, negação e silêncio vão se fortalecendo
como estratégias que escamoteiam práticas discriminatórias e continuam a vigiar o corpo
afrodescendente.
Fanon (2008, p. 107) afirma: “De um homem exige-se uma conduta de homem; de
mim uma conduta de homem negro [...], desde que era impossível livrar-me de um complexo
inato, decidi me afirmar como negro. Uma vez que o outro hesitava em me reconhecer, só
havia uma solução: fazer-me conhecer”.
Problematizando essas questões, Bhabha (2013, p.130) explicita:

O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma


dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa, de
135

representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação através do Outro


permite), constitui um problema para representação do sujeito em significações de
relações psíquicas e sociais.

O exemplo de estranhamento citado pela professora Maria fala com intensidade sobre
esse assunto:

Eu passei por uma estranheza, numa festa dessas do Instituto, quando fui à moda
antiga. Eu sou da moda antiga, eu sou muito recatada, e estava perto de uma pessoa
e falei: “tu tá percebendo que aqui no Instituto tem muita gente diferente?”. E
quando eu cheguei estava de sandália alta, salto fino. E cheguei na festa, vi gente de
camisa folgada rasteirinha, comecei a olhar. “Gente essa aqui é a nossa foto do
instituto” disse para a pessoa. A pessoa disse assim: “são teus colegas, e não meus”.
Eu quero mostrar que eu acabei me sentindo fora do contexto, e a pessoa disse “são
teus colegas, e não meus”. Quando percebeu que ali estavam os colares, o cabelão, a
calça folgada, chinelo, se assumindo fisicamente, culturalmente, e a pessoa disse
“são teus colegas, não meus”, e isso tem uns três anos. (MARIA, 2016.
FRAGMENTO DA ENTREVISTA).

O estranhamento de Maria e de sua colega de serviço demonstra que suas


representações de um/a docente não comportam a “estética afrodescendente”. O corpo
afrodescendente é vigiado porque incomoda de qualquer jeito – incomoda por se relacionar
com o discurso colonial e por questioná-lo. Ele incomoda porque, de toda forma, a sua
presença é uma afronta.
Tendo em vista que o racismo parte da negação da humanidade de africanos e de seus
descendentes, como, então, ter o direito de viver suas escolhas em um corpo dito não
humano? É daqueles que conseguem se posicionar pela fixidez, nesse discurso da
colonialidade, o poder de dizer sobre o corpo do outro, e isso não perpassa binarismos de que
o chamado “branco” sempre julga e o rotulado “negro” é julgado. Ambos podem se achar no
poder de julgar: é só se estabelecer de um lado da linha. O difícil é pensar na fronteira das
diferenças-semelhantes.
Estar na fronteira causa estranhamentos, e o aumento da representatividade de
professores afrodescendentes no quadro das instituições educativas vem incomodando, pela
possibilidade de indagar a produção de um conhecimento acadêmico como algo apartado das
nossas vivências cotidianas, como também pela presença de corpos que questionam mesmo
antes de falar.
A pesquisa demonstrou que a relação que os docentes estabelecem com as questões
raciais estão intimamente relacionadas com as suas histórias de vida, não só no âmbito da
atuação profissional, mas também envolvendo suas histórias familiares, amorosas e de
amizade. Essa não é uma questão em que se conseguem separar as atitudes cotidianas das
136

ações e dos posicionamentos profissionais – elas estão imbricadas, conversam, dialogam,


questionam-se mutuamente.
A abordagem das relações raciais no contexto institucional passa pela incorporação de
conteúdos específicos sobre a África e os afrodescendentes, bem como pela maior
representatividade desses sujeitos nos espaços das entidades. Porém, essa é uma questão vai
muito além disso: envolve minimamente ações que questionem a colonialidade e o seu modo
racista de pensar o certo, o bom e o belo, pois tal ideário vem conseguindo, ainda hoje, manter
a força do racismo como um fator de distinção social.
O que queremos dizer com isso é que esse não é um problema exclusivo da Educação
Profissional Tecnológica. Ademais, não acreditamos que essa modalidade seja capaz de, por
si só, mudar essa realidade, mas acreditamos ter a possibilidade de causar fissuras e de
possibilitar espaços questionadores e com potência de criar relações outras.
Nesta seção, voltamos nossas lentes para averiguar como os participantes da
investigação entendem as relações raciais percebendo em seus posicionamentos também o seu
pertencimento racial, destacando como a colonialidade se faz presente nas questões
cotidianas. Na próxima seção, teremos como foco as práticas docentes e gestoras no âmbito
do Instituto Federal do Maranhão relacionadas à questão das relações raciais.
137

6 PRÁTICAS EDUCATIVAS E EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES RACIAIS

O centro do mundo está em todo lugar


O mundo é o que se vê de onde se está
(Milton Santos)

Nesta seção, desenvolvemos o objetivo específico: analisar práticas relatadas no


tocante à educação para as relações raciais brasileiras por profissionais do IFMA. Para
problematizar este objetivo, destacamos o seguinte questionamento: quais tipos de práticas
são construídas para problematizar a questão racial? Para desenvolvê-lo, além da
fundamentação teórica, dialogaremos com a pesquisa realizada nos documentos institucionais
e com as entrevistas realizadas com docentes e gestoras/es do Instituto Federal do Maranhão.
Algumas pesquisas em nível de mestrado e doutorado vêm sendo realizadas,
problematizando a afrodescendência no contexto da prática educativa na Educação
Profissional Tecnológica. Como exemplo das discussões existentes, quando da criação dos
Institutos Federais, que ora se apresentam como desafios a superar, podemos citar as
constatações encontradas no livro “Abrindo caminhos, construindo novos espaços de
afirmação: ações afirmativas para a população negra brasileira na educação profissional e
tecnológica”, de Iraneide Soares Silva, que é fruto de sua dissertação de mestrado, teve por
objetivo levantar informações sobre a realidade da população afrodescendente nas unidades
de ensino tecnológico, bem como traçar um panorama das ações que tratam da
obrigatoriedade do ensino de História e da Cultura Africana e Afro-Brasileira nessas unidades
em cumprimento à lei 10.639/2003.
A pesquisa de Silva, I. (2011) aconteceu entre 2008 e 2009, quando da passagem dos
CEFETs para Institutos Federais e teve por objetivo redesenhar a nova ordem social que
pudesse agregar os seus segmentos raciais a partir da óptica de respeito às diferenças e da
supressão das desigualdades, que vai resultar na inserção no mercado laboral de forma justa e
equânime.
O descaso com a temática foi sentido pela pesquisadora desde o momento inicial, no
qual aponta que solicitou de docentes e gestores/as de 110 unidades escolares que
trabalhavam com a Educação Profissional Tecnológica respostas sobre questionamentos em
torno de seu objetivo de pesquisa. Apenas 12 instituições responderam e, dentre os que não
responderam, encontra-se, inclusive, a instituição na qual a pesquisadora era professora
(SILVA, I., 2011).
138

Ao se questionar sobre os motivos da baixa adesão à pesquisa, que diz respeito a um


tema que já se apresentava como obrigatoriedade de ensino, a autora questiona e infere:

Será que se fosse outro tema, as repostas viriam em maior quantidade? Acredito que
sim, pois chega a passar pelo campo do racismo institucional. É uma forma de
discriminação indireta. Será que a maioria das escolas não contribuiu com a
pesquisa por receio institucional de divulgar dados internos? Porque será que nem a
escola técnica do Ceará, com quem tenho dialogado cotidianamente sobre o tema
respondeu à pesquisa? Porque será? Estas são questões que me assolam e para as
quais certamente não terei resposta. (SILVA, 2011, p. 148-149).

Os questionamentos levam à discussão sobre as temáticas de interesse dessa


modalidade de ensino, as quais despertam a atenção de docentes e gestores/as e por que, bem
como o que não atrai prestígio e seus motivos; em resumo, nada é desinteressado ou por
acaso. Cabe destacar que, em 2008, época da pesquisa, entrava em vigor a Lei nº
11.645/2008, que criou os Institutos Federais (BRASIL, 2008b), e já estava em vigor, há
cinco anos, a Lei nº 10.639/03, que estabelecia a obrigatoriedade, nos estabelecimentos de
ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, do ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira (BRASIL, 2003). Destacamos que o conteúdo programático dessas instituições
deveria incluir o estudo de História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, sua
cultura e a relação com a formação da sociedade nacional, afirmando a contribuição do povo
negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil, bem como dos
povos indígenas.
Então, o respaldo legal para a importância da pesquisa existia, tanto na legislação
interna quanto externa, mas o racismo institucional apresentou-se como um dos tentáculos da
colonialidade. Por outro lado, alguns avanços, tímidos e pontuais, mas significativos, são
evidenciados nessa pesquisa, em que a região Sul apareceu com destaque em suas ações
pedagógicas ao desenvolver a temática da questão racial, bem como na implementação de
políticas públicas afirmativas no Ensino Tecnológico. A exemplo disso, a referida pesquisa
destaca a presença de 20% de cotas étnico-raciais no CEFET do Paraná, já em 2008.
No artigo “SETEC/MEC: bases para uma Política Nacional de EPT”, Pacheco (2008,
p. 11), então secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, apontava que

Uma das formas de limitar a elitização das escolas são as quotas sociais e étnicas,
assim como as articulações estabelecidas com escolas públicas de educação básica.
As experiências de democratização do acesso já em curso devem ser disseminadas e
(ou) incentivadas, de formas a fazer com que todas as unidades de ensino avancem
na adoção de políticas democratizadoras do acesso.
139

Apesar de o debate sobre a necessidade das cotas raciais como parte de outros tipos de
cotas já ser presente, essa proposta ainda não fazia parte da institucionalização do Governo
Federal, só vindo a se concretizar no ano de 2012, com a Lei nº 12.888/2012. A proposta de
cotas raciais não é mencionada no documento sobre a concepção e as diretrizes dos Institutos
Federais, porém, percebemos que essa não era uma discussão ausente na rede federal, tendo
em vista que o CEFET do Paraná já adotava esse sistema em 2008.
Outro estudo que podemos destacar, abordando a afrodescendência no contexto dos
Institutos Federais, é a tese de doutorado de Sueli Borges Pereira (2013), intitulada “O
currículo como percurso de reconhecimento da identidade negra: políticas e práticas
curriculares no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA):
Campus Monte Castelo”. Esse estudo já se apresenta de modo mais específico ao contexto de
um campus do IFMA, o Monte Castelo, localizado na cidade de São Luís, sendo também o
mais antigo da Instituição no estado do Maranhão.
A tese de Sueli Pereira é de 2013 e foi elaborada no contexto da nova configuração da
rede em Institutos Federais. Essa pesquisa contou com análise documental, entrevistas com
docentes e gestores/as e com observações realizadas pela pesquisadora no campus específico
do estudo. Teve por objetivo analisar as políticas e as práticas curriculares do IFMA - Campus
Monte Castelo, do ponto de vista da questão da identidade e do reconhecimento étnico-racial
(PEREIRA, S., 2013). Nesse contexto, a autora aponta a seguinte questão de pesquisa:

As políticas públicas curriculares no IFMA - Campus Monte Castelo se constituem


ações efetivas, críticas, consistentes, coerentes e satisfatórias que sejam referências
para processos de afirmação e reconhecimento étnico- racial dos/as alunos/as
negros/as na perspectiva de valorização de suas identidades, bem como para o
Estado e para a cidade de São Luís, tendo-se como instrumental analítico o conceito
de reconhecimento segundo Paul Ricoeur (2006) para pensar a Educação para as
Relações-Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
africana? (PEREIRA, S., 2013, p. 33).

Pereira, S. (2013) destaca algumas iniciativas institucionais, como a organização de


eventos e a criação de núcleos de estudos, bem como a incorporação do elemento curricular
“Educação Inclusiva” nos cursos superiores, porém, faz fortes críticas a essas ações
institucionais, destacando a pouca participação dos/as docentes nesses eventos. O fato desses
não estarem inseridos no calendário acadêmico, faz com que não sejam reconhecidos como
atividades pedagógicas permanentes do Campus. Quanto ao NEABI, a dissertação aponta que
esse não proporciona ações efetivas em relação às mudanças do currículo do Campus. Outro
ponto problematizado é o foco do elemento curricular “Educação Inclusiva” ser a educação de
140

pessoas com necessidades especiais, uma vez que, para essa discussão, é reservada a carga
horária de 90 horas, enquanto para o debate sobre as relações raciais a carga horária é de 45
horas, o que, segundo a autora, não seria tempo suficiente para as discussões necessárias sobre
a questão racial.
Com as constatações frutos dessa pesquisa, Pereira, S. (2013) defende a posição de
que o IFMA - Campus Monte Castelo não incorporou a política e a prática curricular
suficientemente efetiva, crítica, consistente, coerente e satisfatória a ponto de autorizá-lo
como instituição de referência para a cidade de São Luís e para o estado do Maranhão.
A pesquisa nos faz pensar até que ponto essa cultura organizacional necessitará, não só
construir “possibilidades inclusivas”, como propõem os documentos institucionais, mas
também criar estratégias para construir tais possibilidades, tendo por base a cultura
institucional, que também é nacional, de desvalorização de temáticas inclusivas como a
afrodescendência.
A pesquisa de Pereira, S. (2013) faz várias inferências que também fazemos nesta tese,
porém, no nosso caso, a finalidade não é compreender se o IFMA é ou não uma referência no
estado do Maranhão, mas, por meio das documentações institucionais e das práticas de
docentes e gestores/as perceber as possibilidades questionadoras da afrodescendência no
contexto do IFMA bem como perceber os tentáculos da colonialidade no fazer institucional.
Pensar a prática educativa é problematizar um emaranhado de motivações e de
interesses que envolvem o fazer educacional. Este jamais é neutro; é, sim, permeado pelas
relações de poder e de saber que perpassam as ações dos/as envolvidos/as. Desse modo, é uma
ação intencional e faz parte do cotidiano das sociedades, independentemente do modo como
cada uma delas sistematiza ou não essa ação. É conjunto complexo, repleto de variações
comportamentais, diferenças de atitudes e concepções variadas. Desse modo, consideramos
importante entendê-la, em termos plurais, como práticas educativas.
Assim, as práticas educativas têm a amplitude de compreender todas as mais variadas
formas que possibilitam os processos educacionais. Envolvem a prática pedagógica e a prática
docente, porém, não se restringe aos muros das escolas, sendo de amplitude mais abrangente
que a educação formal, envolve diferentes espaços, como a família, os locais de encontro das
diversas religiosidades, o Estado, dentre outros. Deve ser pensada sempre como algo em
construção/processo, partícipe de determinados contextos históricos e culturais, ora
reforçando concepções conservadoras de educação, ora também tentando dialogar e romper
com tais direcionamentos.
141

Estamos falando de educação, prática educativa, prática pedagógica e prática docente:


tudo isso seria a mesma coisa? Representaria apenas modos diferentes de dizer similaridades?
Guardariam aproximações e diferenças? Segundo Franco (2012), as significações de prática
educativa, prática pedagógica e prática docente são tidas como sinônimas ou unívocas, porém,
quando vistas de perto, guardam especificidades, campos de atuação e abrangências distintas.
Vamos a algumas considerações.
Apontando as similaridades, mas enfatizando as diferenças entre prática educativa,
prática pedagógica e prática docente, Bandeira e Ibiapina (2013, p. 113) apontam:

[...] prática educativa, como já explicitado, é ação intencional que acontece


em diferentes lugares e tempos; prática pedagógica é um processo educativo
que também se dá em vários espaços, no atendimento das necessidades
sociais práticas e teóricas; prática docente traz o atributo de ser exercida por
profissional do ensino, cuja ação, seja ela sistemática ou assistemática, dá-se
sempre no ambiente escolar.

Franco (2012) destaca que práticas educativas são ações que ocorrem para a
concretização de processos educativos. Já práticas pedagógicas são sociais, organizadas para
concretizar expectativas educacionais, tendo como objetivo a realização de processos
pedagógicos. Nesse sentido, a educação como prática tem abrangência mais ampla,
influenciando a vida das pessoas de modo difuso e imprevisível, e a Pedagogia se configura
como um conjunto de práticas sociais que fornecem direcionamento, organizando-se de modo
intencional para atender expectativas educacionais. Desse modo, a prática docente só será
prática pedagógica quando inserida em uma ação intencional e planejada, no contexto escolar,
detentora de criticidade e responsabilidade social.
Nessa direção, Souza (2009) aponta que Pedagogia é reflexão e teoria da educação,
não apenas uma ciência da prática, pois elabora teoria na medida em que formula concepção
de formação humana. Já educação reflete a atividade humana existente em todas as
sociedades, em toda atividade cultural na qual se dá o processo de ensino e de aprendizagem,
escolarizado ou não escolarizado; ela manifesta sempre as divergências, os interesses e os
conflitos presentes em determinada sociedade, que acontece em meio a seus antagonismos
culturais.
Charlot (2013) chama atenção para o triplo processo que perpassa a educação. Esta
seria composta por humanização, socialização e subjetivação/singularização, as quais
pertencem a dimensões indissociáveis. A educação evidencia que as relações entre as
gerações não são apenas uma questão de transmissão biológica, mas, sim, e
142

fundamentalmente, uma herança cultural, um movimento pelo qual uma geração recebe,
amplia e transmite criações culturais de gerações antecedentes.
Entendendo educação como fruto de heranças culturais distintas e não hierarquizáveis,
Brandão (1986, p. 4) infere:

A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras que as
pessoas criam para tornar comum, como saber, como idéia, como crença, aquilo que
é comunitário como bem, como trabalho ou como vida. Ela pode existir imposta por
um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como
armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do
trabalho, dos direitos e dos símbolos. A educação é, como outras, uma fração do
modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções
de sua cultura, em sua sociedade.

Não podemos deixar de apontar que existem várias concepções de educação, tanto ao
longo do tempo como em uma mesma temporalidade. Como enfatiza Brandão (1986, p. 9),
“[...] não há uma única forma nem um modelo único de educação; a escola não é o único local
onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é sua única prática e o
professor profissional não é seu único praticante”.
Assim, quando falamos de prática educativa, estamos englobando diferentes saberes,
envolvendo saberes do mundo acadêmico, sistematizados e com direcionamento teórico,
como no caso da prática pedagógica. Mas isso envolve também saberes outros, com
dinâmicas e intenções distintas dos acima especificados, como, por exemplo, os saberes
outros – africanos, afrodescendentes, indígenas, das mulheres, os saberes populares.
Educar não foi privilégio de nenhum povo, em todas as sociedades existem
mecanismos de compartilhar conhecimentos, o que diferencia é a concepção de educação, os
modos usados para se realizar as práticas educativas. Nesse contexto de pensar as práticas
educativas, a colonialidade também sabe estender os seus tentáculos, e, sutilmente,
desqualifica ou cria uma escala de valores para o ato de educar e ensinar, influenciados pelo
pensamento moderno e suas abordagens eurocêntricas de que a Grécia é o berço de tudo.
Uma forma é entender que todo povo tem educação, porém, na visão eurocêntrica da
colonialidade do poder/saber, o ensino teria começado com os gregos, porque esse ou aquele
filósofo propôs uma maneira de educar dita racional, porque desenvolveu um método de
realizar essa ação. Corroborando esse entendimento, que não questiona as explicações e as
narrativas centradas em valores europeus, Bandeira e Ibiapina (2014, p. 110) afirmam que
toda sociedade educa, porém, “[...] o ensino não nasceu colado à humanidade, começou com
os gregos, quando questionaram a natureza, a sociedade, os hábitos, a maneira de governar e
143

de educar. Foi nesse contexto que sofistas, Sócrates e Platão, propuseram uma maneira de
educar”.
Sim, entendemos que os gregos propuseram literalmente, “uma” maneira de ensinar e
educar e concordamos que, como colonizados por eurodescendentes, o nosso modo de educar,
sobretudo o da educação formal, desenvolvida em uma sociedade capitalista como a
brasileira, está muito interligado com essa forma de conhecimento e suas heranças, porém,
entendemos também que, por exemplo, a tradição oral africana da qual nos fala Bâ (1980),
bem mais antiga que esses filósofos gregos acima citados, já ensinavam por meio dos griôs e
dos tradicionalistas. Então, é possível dizer onde começou o ensino? Pensamos que seja
possível dizer sim, onde começou “uma” forma específica de ensinar. Compreendemos que
essa percepção é fundamental para o reconhecimento de saberes que podem ajudar a
descolonizar potencializando nossos saberes africanos e afrodescendentes e deixar bem
evidente que incorporar conteúdos ao currículo sem repensar as bases de nosso modo pensar
educação é uma estratégia da colonialidade que pouco ajuda a, no mínimo, questionar a
parcialidade de nossas “verdades”.
A prática educativa é aqui entendida em sua complexidade, sendo um fenômeno social
universal, uma atividade humana existente em todas as sociedades; logo, é produto do
encontro com o diferente que mistura culturas, sentimentos e visões de mundo permeadas por
relações de poder e significados de saber que envolvem as sociedades em diferentes
contextos. Sendo assim, a prática educativa é sempre uma construção que envolve
responsabilidade social e se volta para as questões da ética com o princípio humano de se
colocar no lugar do outro.
Dentre os autores que nos ajudam a pensar/problematizar as práticas educativas no
IFMA, destacamos Michel de Certeau, em seus estudos sobre cotidiano, com elaboração de
conceitos como o de “tática” e o de “estratégia”. Certeau (2014, p. 45) chama de estratégia
“[...] o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um
sujeito de querer e poder é isolável do ambiente”. Já tática seria “[...] um cálculo que não pode
contar com um próprio, nem, portanto, com uma fronteira que distingue o outro como
totalidade visível [...]”; seria, então, a arte do fraco que não tem por lugar senão o outro,
dependente e individual para fazer frente ao poder das instituições com as suas “estratégias”.
Nesse contexto, a prática educativa passa a ser analisada como uma ação permeada de
estratégias e táticas: estratégias em que as instituições, de diferentes formas, dentro das
relações de poder, elaboram todo um arcabouço teórico que tentam delimitar/circunscrever
ações, porém, todas essas estratégias não são facilmente mensuráveis ou possibilitam uma
144

prática educativa sempre previsível, tendo em vista que os sujeitos que a operacionalizam
apresentam as suas táticas para fazer do seu modo específico ou simplesmente não fazer.
Essa relação entre estratégias e táticas é sempre permeada pela possibilidade inventiva
dos seus praticantes. Como diz Certeau (2014, p. 38), “[...] o cotidiano se inventa com mil
maneiras de caça não autorizada”. Assim, as práticas, como, por exemplo, a educativa, seriam
maneiras de fazer, permeadas de táticas e de estratégias de seus participantes. Daí, serem
sempre plurais.
Esses esclarecimentos oferecidos por Certeau (2014) nos levam a ver, na educação
formal, por exemplo, que, para além do que mandam os currículos, as diretrizes e as
legislações, as táticas para fazer presente ou ausente o debate sobre as relações raciais
dependem muito da sensibilização, das vivências outras e do conhecimento docente. Essa é
uma questão em que as imposições legais têm lá a sua importância, mas o fazer cotidiano da
sala de aula pode direcionar para a educação não racista de alguns professores que, mesmo
antes das legislações inclusivas, lutavam como passarinhos tentando apagar um incêndio e,
mesmo assim, conseguiam fazer diferença. Ao mesmo tempo, podem ser também criadas
táticas para não serem trabalhadas essas questões no sentido de desmistificar preconceitos. O
que fazer, então? Eis a questão.
A prática educativa é plural e relacionada a campos de força e poder. Seria uma prática
plural porque ligada a modos de existir plurais; envolve multiplicidade de modos de ser e de
pensar. Nessa diversidade, os saberes docentes precisam interagir com as culturas existentes.
Na perspectiva de pensar a cultura no plural, cultura seria algo que nos constitui e a
educação seria algo também constituído pela cultura. As noções de cultura simbolizam que
nem sempre os diferentes saberes e povos foram vistos como detentores de cultura,
sinalizando que na medida em que a noção de cultura se amplia, aumenta também a
necessidade não só de incorporar, de valorizar, mas de, fundamentalmente, reconhecer os
diferentes saberes.
Em análise contemporânea, o termo cultura não faria sentido no singular, nem seria
passível de hierarquização, aprisionada às estruturas ou estanque. As culturas teriam um
componente ativo e construído nas relações sociais. Como assume Geertz (1989), a cultura
seria uma teia, e sua análise, uma ciência interpretativa que não tem como foco encontrar leis,
mas, sim, significados.
Problematizando questões culturais e as suas interfaces com a educação, Candau
(2011) destaca como, no âmbito das instituições educativas, a cultura escolar dominante,
construída a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade, ainda prioriza o
145

homogêneo dominante, o comum e o uniforme, apresentando uma ideia de universal em que


as diferenças devem ser ignoradas ou, quando muito, devem ser encaradas como um problema
a resolver. Assim, a homogeneização pretendida para o bem da educação ainda se faz com
padrões eurocêntricos que ditam o bom, o belo e o inteligível, em que tentam silenciar ou
invisibilizar saberes, cores, crenças e sensibilidades.
Sobre os riscos dessa homogeneização, Souza (2009, p. 102) ressalta que “[...]
homogeneizar significaria destruir uma enorme riqueza cultural. Esta, representada pela
diversidade de formas de viver a humanidade que os seres humanos temos inventado na busca
de não apenas por viver, mas por existir pela convivência intra e intergrupal”.
Esse processo violento que primou pela homogeneização, tendo ao centro de suas
referências o legado de um tipo de europeu, foi um processo, sobretudo, educacional, e, no
sentido amplo do termo, em que família, escola, meios de comunicação, Estado, economia,
dentre outros, coligaram-se, em grande parte, para construir e validar uma história única que
teve o preconceito e a ignorância gananciosa como alicerces e o racismo como um pilar
estrutural.
Assim, acreditamos na necessidade de um esforço social, também amplo, envolvendo
escola, família, meios de comunicação, movimentos sociais, dentre outros, para que novas
histórias, histórias inclusivas, histórias de presença significativa na diferença, sejam
construídas. Algumas dessas instituições deveriam servir como instigadoras e espaços de
proteção para visionários/as que conseguem ver e trabalhar em prol de novas construções
sociais.
Apesar de demostrar que a cultura escolar dominante ainda se desenvolve de forma
eurocentrada, Candau (2011) aponta que é possível identificar alguns marcos na direção de
um discurso sobre a diferença no campo pedagógico brasileiro. Desse modo, aponta que, na
primeira metade do século XX, contribuições da Psicologia e da Escola Nova abordaram tal
diferença tendo como foco o indivíduo e suas especificidades. Nas décadas de 1960 e 1970, a
Psicologia behaviorista pensou a diferença entre os/as alunos/as como algo no qual deveria ser
respeitado o ritmo individual de cada um/a. No final da década de 1970, a Nova Sociologia da
Educação (NSE) ampliou o olhar sobre o cotidiano escolar, sobretudo nas dimensões sociais e
econômicas. A autora destaca também a importância dada à cultura nas análises de Paulo
Freire, que já adiantava aspectos importantes da perspectiva intercultural.
Freire (1987) defendia, com base na concepção crítica, a educação como prática da
liberdade. A prática educativa de viés libertador desenvolveria um nível de consciência crítico
questionador de contextos massificados e alienados pela ordem dominante. Desse modo, as
146

pessoas não se limitariam a meros receptores dos conteúdos programáticos, já que assumem a
criticidade no processo educativo.
O discurso sobre a diferença, no campo pedagógico brasileiro, parte de tendências que
apresentaram contribuições que se centraram, fundamentalmente, nos aspectos individuais e
psicoafetivos, apresentando possibilidades limitadas por praticamente ignorar as dimensões
sócio-histórica e cultural. Com relação a esses aspectos, já citados, aos poucos, percebemos a
discussão que enfatiza mais aspectos sociais e culturais, o que contribui para entender a
questão da diferença não como um problema individual, de quem está fora dos padrões
construídos como certo em nossa sociedade eurocêntrica e racista, mas como aspectos que
perpassam relações de poder que desrespeitaram e inferiorizaram culturas, construindo uma
sociedade, como diria Fanon (2008), em “Pele negra e máscaras brancas”.
A perspectiva intercultural entende a cultura em contínuo processo de construção,
desestabilização e reconstrução, sendo as relações culturais atravessadas por relações de poder
marcadas por preconceitos e discriminações a determinados grupos socioculturais. Daí, a
necessidade de diálogo entre diferentes saberes, descartando qualquer tentativa de
hierarquizá-los, valorizando o diálogo entre os diferentes saberes e conhecimentos, assumindo
os conflitos que emergem desse debate e embate (CANDAU, 2011).
Na direção da perspectiva intercultural, a pedagogia interétnica, segundo Boakari
(1999), visa a utilização de estratégias que proporcionem a adoção de práticas e atitudes que
valorizem a diversidade, respeitando as diferenças étnicas dos grupos, dando a devida
importância a suas diferentes contribuições. Essa proposta poderia contribuir para construir
uma realidade social que reconheça as diferenças como valores dignos de respeito, o que
ajudaria a necessidade de repensar os currículos escolares.
Cruz (1987) destaca a pedagogia interétnica como um sistema pedagógico que
objetiva estudar o modo como o etnocentrismo e o racismo foram transmitidos nas diferentes
práticas educativas e, a partir de uma análise crítica, propor medidas educativas para combatê-
los e reconhecer os valores dos seres humanos como membros desse ou daquele grupo étnico.
Não podemos esquecer que a adoção de práticas educativas que valorizem nossas
diferenças ainda é um grande desafio e encontra muitas resistências. Elas necessitam, para
além de boa vontade, de muito conhecimento, disposição física e espiritual para entender que
problematizar nossos racismos e lutar pela educação em que não estejam presentes, é uma
questão não só de conteúdo, mas de mudança de perspectiva de vida, do modo de se olhar e
de olhar o outro.
147

No contexto de pensar práticas educativas que descolonizem nossa mente e nos


proporcione saber outras histórias, pensar novas referências de saber, aprender com eles e,
assim, dar vida à ancestralidade africana que está em nós, Petit (2015) propõe a “Pretagogia”,
que seria uma pedagogia potencializadora de aprendizados da nossa ancestralidade africana.
Constitui-se em um referencial teórico-metodológico que pretende fazer abordagem
afrocentrada para a formação de professores/as e educadores/as, de modo geral.
Para tal empreitada, Petit (2015) vai buscar o suporte da tradição e da literatura oral
africana para repassar valores dessa cosmovisão, entendendo que as particularidades das
expressões afrodescendentes devem ser tratadas com bases conceituais e filosóficas da Mãe
África. Dentre os elementos da cosmovisão africana destacados pela autora estão: a constante
interação entre o visível e o invisível; ser humano envolvido no coletivo com sua formação
ligada ao grupo; força vital como manifestação do sagrado que se manifesta na palavra; tempo
muito mais voltado ao passado que ao futuro, nele residindo respostas para os mistérios do
tempo presente; interação da morte com a vida; produção como um processo de apropriação
coletiva; dentre outros.
Dentre os ensinamentos da Pretagogia, a autora aponta: autorreconhecimento
afrodescendente; apropriação da ancestralidade; religiosidade de matriz africana como base e
entrelaçamento de saberes; entendimento do corpo como fonte primeira de conhecimento e
produtor de saberes; tradição oral; circularidade; território formando complexa rede de
relações sociais; e a compreensão do lugar historicamente atribuído ao afrodescendente.
Desse modo, a Pretagogia aponta a necessidade de quebrar as barreiras entre escola e espaços
de saberes afrodescendentes, pois a não valorização não significa ausência.
Segundo a pesquisadora Petit, os valores afrodescendentes foram “[...] repassados
explicitamente ou não de modo mais comum na família, nas práticas religiosas, nas práticas
de solidariedade, entre grupos comunitários, em práticas tradicionais (diversas artesanais), nas
festas populares e em toda sorte de brincadeiras que envolvem o coletivo” (PETIT, 2015, p.
110). A autora chama atenção para a necessidade de práticas educativas que valorizem os
saberes, as práticas que descolonizem e que essa descolonização se faça presente nas escolas.
Observamos, assim, que foram construídas na sociedade brasileira práticas educativas,
quer seja nas escolas, na família, nas igrejas, comunidades etc., sob o signo do eurocentrismo,
cravadas de preconceitos e fortalecedoras de racismos. Também observamos, sobretudo na
contemporaneidade, mas não só aqui, a luta pela existência de práticas educativas que
questionem esse racismo de forma inclusiva e que valorize nossas diferenças.
148

Assim, compreeender as práticas educativas em um determinado momento, é entender,


também, todo um conjunto de relações sociais permeadas de intenções e interesses, sendo
algo complexo, marcado pelo encontro com a diferença que mistura culturas, sentimentos e
visões de mundo enviesados pelo poder e para o poder.
A prática educativa é realizada em diferentes contextos e com diversas influências. As
histórias de vida, os diferentes espaços de sociabilidades vivenciados como família, escola,
movimentos sociais, terreiros, igrejas, dentre outros, contribuem para o entendimento e o
alcance da atuação do educador em relação a essa prática.
Nas entrevistas realizadas com docentes e gestores/as do IFMA, percebemos como
diferentes espaços de sociabilidades se relacionam com o modo como as/os entrevistadas/os
dão sentido e dialogam com sua prática educativa. No caso de Chimamanda, percebemos a
forte relação com sua afroancestralidade, advinda das aprendizagens de seus antepassados nas
comunidades quilombolas:

Quando demarcamos nosso território, aprendemos a viver bem com todo mundo,
isso aí, eu aprendi, tenho raízes nos quilombos, minha mãe vem de terra de
quilombo, e, isso aí, eu fui vendo, esses princípios de solidariedade, meu pai vem
disso também, e eu fui descobrindo que a minha história de vida precisa ser
respeitada, primeiramente por mim, e de forma que, hoje, já nessa minha fase da
vida, eu continuo com esse mesmo pensamento, de estar na luta, em nossa defesa,
demarcando espaço, agora de cabeça erguida e respeitando o espaço dos outros,
porque não é fácil negro ocupar o seu espaço, negro e pobre para ocupar o seu
espaço precisa estudar, se entender no seu mundo e garantir o espaço dele.
(CHIMAMANDA, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

Na entrevista acima evidenciada, é interessante perceber como os espaços de


aprendizagens, sociabilidades que a professora vivenciou, como, por exemplo, os
ensinamentos advindos das comunidades quilombolas e os princípios que traz de sua
afroancestralidade, dialogam com o modo como vê o potencial transformador das instituições
escolares como potencializadores de espaços socialmente restritos aos afrodescendentes,
tendo em vista as limitações da sociedade racista.
Os ensinamentos familiares aparecem, no relato da professora Antonieta, interligados
ao modo como entende que deve ser exercida a sua atuação docente, ensinamentos que dão
sentido ao seu modo e que direcionam a sua prática educativa:

Eu sou a mais velha de uma família que considero bem estruturada, pai e mãe
presente que serviram dizendo o que tem de ser feito, que, às vezes, ele próprio não
faça, foram modelos daqueles que eles diziam para a gente, eu tenho esse porto
seguro, minha família é um porto seguro para mim. Às vezes, brinco na sala de aula,
que o meu pai diz que a única coisa que o pobre tem é o nome, e valores como
149

honestidade, seriedade, competência. Quando eu comecei a dar aula, não dava com a
ficha em mão, porque eu tremia muito, tinha medo de perder o domínio da sala, do
aluno imaginar que eu estava tremendo porque não sabia. Eu estudava e fazia um
roteiro na minha cabeça, com o máximo que podia, e desenvolvia aquele roteiro na
sala de aula. Um belo dia, eu percebi que não estava nervosa, e aí, comecei a ficar
nervosa, eu fiquei nervosa de uma forma bem esquizofrênica. Eu parei e percebi que
não estava tremendo, e fiquei perguntando coisas para mim: tu não está mais
levando a sério tua profissão? Tu não está levando com seriedade? Aí, voltei a
tremer [risos]. Porque eu vi que eu precisava dessa seriedade. (ANTONIETA, 2016.
FRAGMENTO ENTREVISTA).

Os valores de família se estendem, no caso de Antonieta, ao modo como entende que


deve vivenciar o seu trabalho, daí, também a necessidade de uma sistematização de sua
prática docente, demonstrando que ela não faz parte de ações corriqueiras ou casuais e, sim,
resultado de preparo e de organização anterior.
No caso do professor Luís, são evidenciados os aprendizados que advém dos
diferentes movimentos sociais com os quais teve contato, como, por exemplo, o Movimento
Eclesial de Base da Igreja Católica (MEB) e o Movimento de Meninos de Rua (MMR),

[...] me engajei no movimento estudantil, antes disso, me engajei, paralelamente a


isso, me engajei no Movimento Eclesial de Base da igreja, como ex-seminarista, e
no movimento comunitário, aí, fui começando a entrar numa dimensão da militância
social, na militância social, me engajei no Movimento Nacional de Meninos de Rua,
aqui no Maranhão, [...] passei a chamar esse engajamento de dívida social, aí, eu
acrescento, dívida social impagável, porque o que pesa nas dificuldades, eu tenho
hoje uma formação acadêmica de nível superior que me garante emprego público
federal, que me garante um salário que me permite viver com dignidade, e que eu sei
que esse emprego, esse salário, esse investimento, eu estudei em escola pública,
minha faculdade foi em escola pública também, alguém investiu nisso, e não foi o
poder público que investiu, quem investiu isso foi os trabalhadores brasileiro,
trabalhadores brasileiros com seus impostos, com o seu suor, com a suas lágrimas,
com seus sacrifícios, que permitiram que existisse escola pública para que eu
estudasse, e que permite que exista emprego público para que eu trabalhe e que esses
impostos garantem meu salário, então, essa consciência me leva para que eu tenha
uma responsabilidade social, que eu chamo de dívida social, e que meu engajamento
da forma que você conhece e, até de outras dimensões, que você não conhece, meu
engajamento é a forma que defini na minha vida para eu devolver, devolver para os
trabalhadores brasileiros o investimento que fizeram e que continuam fazendo [...]
(LUÍS, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

A atuação nos movimentos sociais se relaciona com o modo como o professor Luís
destaca a necessidade de um engajamento social em sua atuação profissional. Fazer essa
“ponte” entre o seu engajamento nas atividades sociais e o entendimento do sentido do
trabalho que então executa como docente/gestor, parece algo que direciona a sua prática
educativa. De alguma forma, apesar das definições teóricas de prática educativa, cada
educador apresenta também o seu entendimento e suas influências ao educar e sua prática está
150

interligada às situações e aos espaços que geraram experiência em suas vidas. Experiência
como aquilo que toca, atravessa e faz mover.
A prática educativa realizada na educação formal, como no caso do IFMA, envolve
saberes específicos de cada área de atuação profissional, porém, o ato de educar, no nosso
entendimento, envolve muito além da transmissão de saberes específicos. Concordamos com
a compreensão de Freire (1987, p. 16):

É por isso que transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar


o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter
formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode
dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.

Entendendo com Freire (1987) que educar é também formar, fica evidente que o
conhecimento específico docente é parte de um complexo mais amplo que envolve a sua
atuação como educador/a. Como educar, formar, sem dialogar com questões que envolvem o
cotidiano docente para além de qualquer conteúdo específico? Como educar sem reconhecer
as diferenças? A compartimentação do saber, que, para efeitos didáticos faz algum sentido,
pode ser um grande limite quando se pensa a atuação docente no cotidiano escolar nos limites
de uma área específica do saber, até porque o conhecimento circula e precisa de “pontes” para
fazer sentido.
A abordagem das relações raciais no contexto educacional parte da necessidade do/a
educador/a ter o entendimento de que sua prática deve ir muito além de um conteúdo
específico de cada área do saber, inclusive, em fazer um esforço intelectual para compreender
que, ao compartimentar saberes, perde-se, muitas vezes, as “pontes” que ligam e dão
significado ao conhecimento como algo transversal e que deve fazer no cotidiano.
Em nossa pesquisa, quando perguntamos sobre a importância, ou não, da abordagem
das relações raciais no contexto do IFMA, e o modo como a abordagem das relações raciais
dialogam com a prática docente dos/as entrevistados/as, é interessante perceber que nenhum
entrevistado deixou de pontuar que essa abordagem era importante ser problematizada na
instituição. As justificativas foram as mais variadas, vejamos alguns exemplos:

Com certeza, aumentou o leque do nosso egresso, o mundo está diferente, se eu não
trabalhar isso, que preparação é que estou dando? Até para os alunos entenderem
que existe essa questão da discriminação, entenderem as diferenças. (ANDRÉ, 2016.
FRAGMENTO ENTREVISTA).

A relevância é contribuir para que esses jovens, esses estudantes, essas juventudes
tenham a possibilidade de descobrir seu sentimento de pertença. Para isso, é uma
151

relevância muito importante. (CHIMAMANDA, 2016. FRAGMENTO


ENTREVISTA).

Eu acho importante, o Brasil tem um déficit com a história do negro, o Brasil tem
um déficit com toda a história da grande maioria, mas com o negro é mais e quando
você, dentro do Instituto Federal, foge disso, aí, para falar somente de tecnologia, é
como se você não estivesse trabalhando com seres humanos (DAVID, 2016.
FRAGMENTO ENTREVISTA).

Eu acho fundamental, primeiro, porque a gente ainda tem um país que o racismo é
marcante, né? Que as desigualdades são gritantes, que os resquícios da escravidão
estão é… extremamente presente. (SUELI, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

Eu acho que está mudando, é fundamental as questões raciais, porque a gente


percebe que as pessoas ainda têm preconceito velado, então, quando se discute, se
sensibiliza as pessoas, é fundamental. (JOSÉ, 2016. FRAGMENTO
ENTREVISTA).

É muito importante você fazer essa abordagem, porque essa questão racial, ela
reflete a população brasileira, ela reflete muito um desequilíbrio, porque nós temos
muitos alunos que eles são [...] eles têm a questão racial e é muito importante estar
trabalhando isso dentro da educação profissional, e, principalmente, que... muitos
alunos, muitos deles ainda entram na escola, mas muitos deles não entram no
mercado de trabalho. (RICHARD, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

As justificativas para a importância da abordagem das relações raciais no contexto do


IFMA foram as mais variadas, indo de uma dívida histórica com os tempos de escravização,
passando pelo fortalecimento de questões identitárias, até as interfaces da educação
profissional com os desdobramentos dos racismos na atualidade. Então, nenhum dos
professores demonstra não ser algo importante a abordagem das relações raciais. No entanto,
a questão alcança outras nuanças quando perguntamos como o tema é trabalhado diretamente
na instituição e sua inserção objetiva ou não na prática docente de cada entrevistado/a.
Um dos aspectos evidenciados é o caráter de excepcionalidade com que a questão
racial é trabalhada na instituição, não parecendo fazer parte de uma política ou de um
planejamento institucional e, sim, como algo oportunizado pela vivência de servidores que já
trazem para a instituição essa demanda e tentam colocá-la em prática para além dos entraves
institucionais. Nesse sentido, a professora Sueli destaca:

Então, eu, sinceramente, e eu não consigo perceber pra além das ações individuais,
que você tem professores que pesquisam essa temática, que discutem, que têm essa
preocupação, que fazem essas atividades, mas não como uma pauta que tá no
planejamento da instituição, né? Que realmente seja o foco dela. (SUELI, 2016.
FRAGMENTO ENTREVISTA).

Essa característica evidenciada na entrevista da professora Sueli, de ser uma


abordagem pontual, uma demanda que vem para instituição com as especificidades de
alguns/as servidores/as, é também apontada pelo professor Luís: “[...] o que teve realmente de
152

iniciativa, de coisas produzidas, ela acaba sendo posições da boa vontade de servidores,
militantes que chegam com conteúdo, embasamento/engajamento, chegam com vontade de
contribuir”.
Na mesma direção desses relatos, a professora Maria infere:

Eu vejo ainda atividades, assim, ótimas, interessantes, mas não assumida pelo gestor
e não assumidas pela comunidade, mas um determinado grupo de professores, que já
se assumiu, que entendeu que o Instituto é afrodescendente, então, enquanto a gestão
não compreender isso, fica bastante complicado. (MARIA, 2016. FRAGMENTO
ENTREVISTA).

Tendo em vista que a instituição não é apenas e fundamentalmente formada por seus
gestores, mas por todos/as os que a compõem, como seu corpo docente, discente e dos/as
demais servidores/as, o que essas entrevistas nos evidenciam é que a relevância da questão
racial para a instituição é assumida, e que a abordagem das questões raciais está presente na
prática educativa da instituição, talvez não como uma prioridade institucional e com o
reconhecimento que a abordagem necessita. Então, questionamo-nos: quais possíveis entraves
para que essa abordagem faça parte da instituição para além dos “guetos” ali formados?
A pesquisa nos apontou que o reconhecimento da necessidade desse debate no
ambiente institucional pode ser o primeiro passo, mas não significa que, apenas esse
reconhecimento proporcione uma prática educativa que dialogue/combata/problematize,
efetivamente, os racismos no cotidiano da atuação docente. A abordagem da afrodescendência
em sala de aula é ainda vista como uma problemática quase exclusiva de docentes das
humanidades, sobretudo os das áreas exatas e técnicas. É com esse entendimento que o
professor Henrique fala sobre a abordagem das relações raciais:

Eu acho que todas as áreas não, certo? Eu acho que é voltado mais para algumas…
algumas áreas. Eu não vejo, não vejo… isso poderia ser tanto discutido de forma
pedagogicamente é… no planejamento, no plano, tá? Mas eu não sei onde localizar
isso numa disciplina da Matemática, tá? [...] aí, é uma questão a ser estudada, ser
discutida, levantada ...É! É… porque dentro da… de algumas disciplinas, é fácil, é
muito fácil tá discutindo esse tema, aí, eu dar… vamos dizer que eu vou tá
ensinando uma equação linear, aí, como é que eu vou abordar equação linear, tratar
das questões raciais? Aonde é que eu vou colocar… aonde é que estaria isso dentro
de uma disciplina de Matemática? Ou isto aqui seria uma questão discutida voltada
para as disciplinas sociais, deveria ficar bem claro dentro das diretrizes curriculares,
isso seria uma responsabilidade. Eu acho que já é uma conquista e tanto em todos os
níveis e o tema ser abordado, eu acho que atinge… atinge a todos… (HENRIQUE,
2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

A justificativa apresentada pelo professor Henrique, de que a questão é incompatível


com os conteúdos das disciplinas exatas e técnicas é uma das explicações que aparecem no
153

contexto da pesquisa, motivo que é reforçado pela escassa presença do corpo pedagógico da
instituição potencializando essa abordagem. Como abordar uma questão que não se conhece?
Não conhecer significa não existir?
Um exemplo de como as questões raciais podem ser abordadas em diferentes áreas do
saber é encontrado em autores com Cunha Junior (2010). Nesse estudo, sobre as tecnologias
africanas na formação brasileira, o autor, que é engenheiro elétrico e sociólogo, destaca a
importância da presença de africanos a afrodescendentes para o desenvolvimento científico
em diferentes áreas, como agricultura, farmacologia, mineração, tecnologias têxteis,
matemática, construção civil, dentre outras, evidenciando que a dificuldade em estabelecer
diálogos interdisciplinares envolvendo a questão racial e diferentes áreas do conhecimento é
decorrente não da inexistência de relações, mas, para ele, advém do âmbito racista da
colonização e da continuidade racista e desinformada sobre a África e os africanos que vieram
para terras brasileiras.
Então, ser sensível à abordagem das relações raciais pode ser um primeiro passo, mas,
para fazer o diálogo entre essa abordagem e diferentes áreas do saber, requer também esforço
acadêmico de pesquisa, leituras outras, busca por formação continuada, dentre outros.
Nas entrevistas, de certa forma, os professores que assumem não abordar a temática da
afrodescendência em sala de aula, que foram cinco dos entrevistados/as, devido ao
entendimento de essa abordagem ser incompatível com sua área de atuação, apresentam suas
táticas para justificar os motivos de seu pouco envolvimento com a questão e um dos aspectos
que aparece na pesquisa é que já se sentem contemplados com a abordagem da questão racial
realizada na instituição:

[...] eu tenho colegas que trabalham muito essa questão através da arte e de outras
disciplina, a questão hoje da diversidade, da história do negro, eu acho que é
presente, sim, tenho olhado que algumas colegas minhas de trabalho têm trabalhado
e difundido bem essa questão da história do negro, essa questão da diversidade, sou
testemunha dessa questão, isso porque, no IFMA, está muito presente no cotidiano
dos professores [...] Eu vejo de uma forma muito positiva o trabalho feito por meus
colegas que trabalham na área, acho que eles são muito eficientes, são atuantes, são
grandes professores. Acho que os professores do Instituto Federal, como você, são
atuantes, estão debatendo o que precisa ser debatido, mas estão lá nos pátios, nas
suas salas, no teatro, é uma coisa viva no Instituto Federal, eu não tenho nada a dizer
negativo em relação a isso. Acho que a coisa está sendo reconhecida e acho que tem
pessoas que são preocupadíssimas nessa questão. Eu não vejo nada de negativo que
eu possa influenciar sobre isso, muito pelo contrário, eu vejo profissionais dentro da
Escola Técnica na área de língua, humanas. Lá existem negros, amarelos, brancos,
contribuindo com a formação, então, não tenho nada a dizer de negativo. Eu tenho
grandes colegas que trabalham a questão social e fazem com que esse debate das
diferenças sociais se torne muito mais ativo e atenuam bastante esse problema.
(DAVID, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).
154

A questão racial, entendida como um “problema”, só bastaria ter alguém ou algumas


pessoas voltadas para essa questão e essa necessidade já estaria contemplada, ou seja, basta
saber de quem é o problema e confiar a responsabilidade, ou seja, uma questão nossa, passa a
ser vista como uma questão “deles/as”. Essa percepção é uma limitação para entender a
abrangência que envolve essa abordagem e todas as questões, inclusive, epistemológicas que
perpassam essa compartimentação do saber.
Outros pontos destacados pelos docentes foram as carências dessa abordagem em sua
área de formação e a necessidade de ser menos “conteudista”, priorizando também a formação
humana do discente,

O que eu vejo que não é muito trabalhado, são os profissionais de cada área, cada
pessoa poderia trabalhar mais, deixar de ser conteudista e trabalhar mais essas
relações humanas, as relações dentro da formação humana, dentro do Instituto. Os
limites disso é a formação docente, as limitações da graduação em si, porque isso
tem que ser uma política dentro da formação para que se possa fazer isso [...]
(RICHARD, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

O professor Richard evidencia as lacunas de formação, as dificuldades do diálogo


entre as diferentes áreas do saber, bem como a necessidade de perceber, na Educação
Profissional e Tecnológica, aspectos da formação humana. Por mais que existam documentos
institucionais dizendo o que deve e não deve ser feito e qual perspectiva que os educadores
devem direcionar seus saberes para os objetivos institucionais, essa relação entre proposta
curricular e a prática docente nunca é uma via de mão única e as práticas educativas não
podem ser analisadas pelas imposições, elas dialogam com essas determinações de diversas
formas, inclusive transgredindo.
Nesse sentido, entendemos que seja tática de alguns docentes, para escamotear da sua
responsabilidade de realizar a abordagem das questões raciais, evidenciar que não precisa
fazer essa abordagem porque já está sendo “bem-feita” por outros docentes, bem como não
buscar estratégias de atualização profissional e ficar sempre colocando os limites na formação
inicial. Não estamos querendo dizer com isso que essa abordagem não seja fundamental na
formação inicial, acreditamos que faça todo diferencial, porém, entendemos que, para os que
se interessam realmente, existem outras possibilidades de atualização profissional, dentre elas,
os cursos de formação continuada, bem como o engajamento nas vivências cotidianas
proporcionadas pela instituição, como, por exemplo, nas atividades dos Núcleos de Estudos
que abordam a questão racial.
155

A abordagem das relações raciais em sala de aula sempre contribui para questionar o
racismo? Todo tratamento é bem-vindo, ou só alguns tipos? Esses questionamentos envolvem
o seguinte caso vivenciado na instituição e relatado pela professora Sueli:

No ano passado, nós tivemos um problema sério, um professor que começou a


utilizar textos que difundiam ideias racistas, textos de Olavo de Carvalho, né? Que
afirmavam, por exemplo, que a cultura africana não servia pra nada, que a única
contribuição do negro era como mão de obra. É inadmissível ficar enganando, isso
são… e questões que estão nos textos que ele utilizou com alunos de primeiro ano,
segundo ano, terceiro ano, e quando os professores do departamento começaram a
questionar esses textos e alguns alunos, inclusive, a reclamar é… O corpo
pedagógico teve… Segundo esse professor, teve gente que disse que não tinha nada
demais ali, que leu o texto e não viu nenhum absurdo. Nós tivemos um problema
grande com esse professor, né? Inclusive, o contrato dele não foi renovado, ele abriu
um processo, eu tou sendo processada por ele, e o que a gente percebeu foi a
omissão da instituição, a instituição ficou muito assim…Vamos deixar isso de lado,
né? Como se isso não tivesse importância, o que, na minha visão, é um pouco do
racismo institucional [...] (SUELI, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

Na interpretação da docente, seu colega de trabalho abordava questões raciais em sala


de aula, porém, de modo preconceituoso. Nesse entendimento, o simples fato de abordar as
relações raciais no contexto educacional não significaria, necessariamente, contribuição no
sentido de romper com práticas racistas, podendo, inclusive, reforçar racismos.
Se é para abordar as questões raciais em sala de aula, uma tática utilizada para
continuar evidenciando antigas práticas e posicionamentos racistas é fazer essa abordagem,
utilizando-se de aspectos do conhecimento científico produzido em outros contextos, mas de
forma a reforçar estereótipos que negativizam o/a afrodescendente na atualidade.
Como assevera Santos (2010, p. 55): “[...] o que é característico de nosso tempo é o
facto de a ciência moderna pertencer simultaneamente ao campo das ideias e ao campo das
crenças. A crença na ciência excede em muito o que as ideias científicas nos permitem
realizar”. Desse modo, a ciência é vista também como crença, ou seja, sem a presença da
dúvida ou do questionamento do que está sendo, ou do que foi dito, essa dualidade da ciência
moderna dificulta o reconhecimento da diversidade epistemológica de mundo, pois, para
entender que existe, não ‘uma” epistemologia, mas epistemologias, é preciso, pelo menos,
questionar a ciência como um discurso portador de uma verdade particular que se assume
universal.
Nas entrevistas, quando conversamos sobre a importância da educação para as
relações raciais, bem como quando os professores narram ou não o modo como abordam essa
temática em sala de aula, percebemos que as legislações que oportunizam a obrigatoriedade
do ensino de história dos afrodescendentes e indígenas, como a Lei nº 11.645, de 10 de março
156

de 2008 (BRASIL, 2008), bem como a presença de concepções e diretrizes que direcionam,
nos documentos institucionais, para a necessidade da educação para as relações raciais,
podem ser lidas como uma estratégia, nos dizeres de Certeau (2014). No entanto, temos que
lembrar que a prática educativa envolve, fundamentalmente, as táticas de seus praticantes,
práticas que são sempre inventivas, permeadas de intenções e interesses que funcionam dentro
de relações de poder, sempre encontrando possibilidades de fazer do seu modo. É só
compreendendo essa relação entre as estratégias e as táticas, ou seja, o que os sujeitos que
participam do fazer institucional “fabricam” com essas legislações e diretrizes, que vamos
entendendo os desafios e as possibilidades institucionais.
Neste tópico, analisamos práticas de docente e gestores/as do IFMA, evidenciando
como pensam e/ou abordam as relações raciais. No tópico a seguir, continuaremos
problematizando práticas docentes, tendo como foco o Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e
Índiodescendente (NEABI/IFMA), um espaço institucionalmente criado para viabilizar a
abordagem das relações raciais no contexto institucional.

6.1 O NEABI, uma fronteira institucional?

Neste tópico, abordaremos as práticas docentes no que tangem às relações raciais,


tendo o NEABI/IFMA como espaço de problematizações da questão racial no contexto
institucional do IFMA. Os NEABIs são espaços construídos para problematizar e propor
ações de ensino, pesquisa e extensão que tematizam a diversidade étnico-racial, tendo essa
temática como impulsionadora de suas ações. Nesse contexto, as questões raciais são
abordadas muito além de temática de pesquisa acadêmica, mas, fundamentalmente, como
questão social, cultural e política que demanda olhar para o racismo como base de nossas
relações sociais.
Gomes (2010) destaca que esses núcleos nem sempre ocupam lugares hegemônicos no
interior das universidades, produzindo um conhecimento politicamente posicionado, sendo a
produção acadêmica dos NEABIs questionadoras do conhecimento científico desconectado do
cotidiano e da realidade social e política do Brasil.
Pensar as questões raciais, no sentido apontado por Gomes, requer, no mínimo,
problematizar o quão enviesadas são, para o desprestígio de afrodescendentes, as nossas
epistemologias. Pensamos que essa não valorização acadêmica de falar/escrever em nossas
pesquisas sobre nós mesmos/as, nossos medos e desejos é, também, parte das relações de
poder que tentam, ainda na contemporaneidade, invisibilizar afrodescendentes e o quanto
157

chegar a alguns espaços de prestígio social, como as universidades, é cheio de especificidades


para nós e muitas outras “minorias”.
Concordamos com Anzaldúa (2000, p. 234) quando diz que: “Escrever é perigoso
porque temos medo do que a escrita revela: os medos, as raivas, a força de uma mulher sob
uma opressão tripla ou quádrupla. Porém neste ato reside nossa sobrevivência, porque uma
mulher que escreve tem poder. E uma mulher com poder é temida.” Pensamos que essa ideia
da autora dialoga bem com a escrita afrodescendente. Nesse sentido, questionamos: quem tem
medo de nossas histórias?
Dentre as experiências de núcleos de estudos que tematizam as questões étnico-raciais,
o mais antigo que encontramos, em nossas pesquisas, foi o Centro de Estudos Afro-Orientais
(CEAO) da Universidade Federal da Bahia. Em entrevista à Revista Estudos Avançados,
Jocélio Teles, então diretor do Centro, informa que o “O CEAO é um órgão suplementar da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Foi criado em 1959 pelo professor George
Agostinho da Silva e, inicialmente, era ligado à reitoria da Universidade.” (TELES, 2004, p.
141).
Apesar desse relato, de um núcleo de estudos debatendo as questões étnico-raciais já
nos anos 1950, esse momento não parece ter sido muito fértil no sentido de dinamizar outras
possibilidades em diferentes espaços institucionais. Tal dinamização se dá, sobretudo, a partir
dos anos 1990, como destaca Gomes (2010, p. 501):

É também a partir dos anos 90 que assistimos à emergência de um número


significativo de núcleos de pesquisa e extensão fruto do processo mencionado
anteriormente, o qual se refere à entrada paulatina de um novo quadro de intelectuais
negros nas universidades públicas e privadas do país, engajados na luta em prol da
superação do racismo.

A representatividade de professores afrodescendentes engajados com as questões


raciais no interior das universidades foi fundamental para a dinamização dos núcleos de
estudos afrodescendentes no âmbito acadêmico. Dados do Consórcio Nacional de Núcleos de
Estudos Afro-brasileiros (CONNEABs) (2012-2014) informam a existência de 95 NEABIs
em todo Brasil, dos quais, 32 na região Sudeste, 25 na região Nordeste, 21 na região Sul, 9 na
Região Centro-Oeste, e 8 na região Norte, sendo que, desses, 87% em instituições públicas.
No IFMA, o NEABI foi criado e institucionalizado, por meio do Conselho Superior
(CONSUP), no dia 20 de janeiro de 2010, como proposta para melhor problematizar as
relações raciais na instituição, tendo por objetivo geral
158

[...] constituir um núcleo temático para a execução de práticas pedagógicas no


desenvolvimento de pesquisa, ensino e extensão voltadas para o estudo da
diversidade, contemplando as Leis 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e 11.645/2008
(BRASIL, 2008), no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia-IFMA.
(BRASIL, 2010b, p. 4).

Os objetivos específicos do Núcleo são:

I – Identificar a necessidade de formação continuada dos profissionais da educação


sobre as questões étnico-culturais; II – levantar dados de pesquisa para publicação
em periódicos, como meio de divulgação de resultados de estudos e pesquisas
desenvolvidas pelo núcleo; III – promover atividades de extensão sobre as questões
étnico-culturais; IV- intercambiar os resultados de pesquisas e publicações com as
comunidades do campus e comunidades externas ao Instituto; V- Constituir um
acervo bibliográfico das produções e estudos dos participantes do NEABI/IFMA;
VI- Divulgar os trabalhos científicos do/s grupo/s de estudo em eventos científicos
(locais, nacionais e internacionais) através de produção, artigos, revistas e outros; e
VII- Divulgar os trabalhos científicos do/s grupo/s de estudo em eventos científicos
(locais, nacionais e internacionais) através de produção, artigos, revistas e outros.
(BRASIL, 2010b, p. 4-5).

Destacando a importância dos movimentos sociais e amparado nas legislações de


obrigatoriedade do estudo dos povos afrodescendentes e indígenas no Brasil, tendo por base o
tripé ensino, pesquisa e extensão, o NEABI é, na atual conjuntura, “[...] um grupo temático
para execução de práticas pedagógicas no desenvolvimento de pesquisa, ensino e extensão
voltados para o estudo da diversidade, contemplando as Leis nº 10.639/2003 e nº
11.645/2008, e o estatuto da Igualdade Racial no IFMA.” (BOTELHO, 2014, p. 160).
Assim, o referido Núcleo propõe ser um instrumento acadêmico estratégico para a
discussão, a reflexão e a proposição de ações de caráter científico objetivando fomentar, nos
diferentes espaços socioeducativos, o interesse pela pesquisa e pela promoção dos valores
sócio-histórico-cultural e pedagógicos das populações afro-brasileiras e indígenas.
Fui nomeada professora de História do IFMA, em julho de 2010. Quando fui
efetivada, tinha uma representação da instituição em que não percebia como as minhas
pesquisas, ligadas às questões raciais, poderiam encontrar diálogo no contexto da EPT.
Lembro que, quando escutei falar do NEABI e fui incentivada pela direção do meu campus de
origem, Caxias, a participar das discussões, foi um momento de euforia no qual conseguia
pensar a possibilidade de desenvolver ações ligadas às questões raciais tendo, de certa forma,
um espaço institucional que possibilitasse diálogos.
Aquele momento inicial foi muito importante na minha trajetória, havia,
relativamente, um bom número de “colegas” de trabalho no campus Caxias motivados para
desenvolver ações pedagógicas voltadas às questões raciais. Destaco, naquele momento
159

inicial, as professoras Ana Paula Capelanne (Inglês/Português), Caroline Cunha (Filosofia),


Juciana Sampaio (Sociologia), Rodrigo Quintanilha (Educação Física) Diogo Sardinha e José
Barbosa (Agronomia), que participavam de modo mais ativo, dentre outros, que colaboravam
com as ações.
Conseguimos que o Núcleo tivesse uma sala própria para desenvolvimento das
reuniões e dos estudos, organizamos projetos, como o da “Capoeira na escola” e o “Cine
Diversidade”, participação de projetos de pesquisa com alunos bolsistas; propusemos
organização de programas de Formação Inicial e Continuada (FIC) na área das diversidades;
iniciamos a organização da proposta de especialização na área de Educação e Diversidades
que, anos depois, veio a se concretizar, dentre outras ações, como organização de eventos,
visitas às comunidades quilombolas da região.
A continuidade e o avanço das ações foram dificultadas, sobretudo por aspecto da
própria dinâmica da instituição, como veremos também na pesquisa realizada, mas, no caso
da minha vivência no campus Caxias, posso destacar, principalmente, a mudança constante do
quadro de servidores, devido às inúmeras remoções que acontecem dentro da rede, o que
mudava quase que cotidianamente a configuração dos participantes do Núcleo, que, aos
poucos, foi se tornando cada vez mais diminuta e, como muitas ações eram pensadas,
planejadas e executadas com as contribuições dos professores que estavam saindo do campus,
nem sempre, ou quase nunca, aqueles que substituíam esses professores tinham os mesmo
interesses, saberes e motivações para essa questão de modo específico. Outro aspecto que
posso destacar como um limitador é o fato de o NEABI não ter orçamento específico
destinado para suas ações, o que tornava alguns projetos de difícil viabilidade. Cabe destacar
que, apesar de haver o Núcleo central, que tenta sistematizar e propor ações, cada campus
apresenta dinâmica específica.
As discussões que culminaram na existência do NEABI parecem ter vindo de
distintos espaços problematizadores da questão racial dentro da rede, como relata o professor
Luís:

[...] em 2009 já... já havia tido uma discussão antes, houve uma discussão antes de
2008, no Monte Castelo, com relação a questão da... não da questão do NEABI, mas
da questão dos conteúdos da história da África, então, houve um seminário, em
2008, isso é uma questão de justiça, pioneirismo para se criar essa discussão da
forma que está, não diria da forma, mas o passo inicial da discussão não foi comigo,
eu cheguei e já encontrei uma história, um processo. Igualmente, em 2009 ou 2010,
em Santa Inês, houve uma discussão já então no campus de lá, uma discussão em
relação a isso, mas não avançou para criar uma estrutura para pensar a
implementação da lei a partir dos currículos, era uma discussão pontual,
160

infelizmente, ainda é, em grande parte. (LUÍS, 2016, FRAGMENTO DE


ENTREVISTA)

De acordo com a narrativa do professor Luís, em 2010, quando aconteceu a criação do


Núcleo, foi uma oportunidade de sistematizar, com o respaldo institucional, a
problematização que já vinha sendo feita, de modo fragmentado, em diversos espaços da
instituição, daí, ele destacar a presença da realização de seminários e debates sobre a
necessidade de uma ação institucionalizada que buscasse propor atividades no sentido de
efetivar as Leis 10.639/03 e 11.645/09 no contexto do IFMA. Assim, o NEABI significou
uma criação estratégica para discutir/propor/efetivar ações educativas antirracistas.
Para desenvolver a temática das relações raciais, considerando o processo de
construção cultural e suas implicações para a estruturação de um conteúdo acadêmico que
promova o saber e o fazer das populações afro-brasileiras e indígenas, o NEABI organizou
áreas de atuações e respectivas linhas de pesquisa, sendo as áreas de atuação as seguintes:
História da África; História Afro-Brasileira; História dos povos nativos do Brasil;
Comunidades Negras Rurais Remanescentes de Quilombos; Comunidades indígenas;
Políticas públicas para as populações afro-indígenas e Religião de Matriz Africana e
Religiosidade Popular (NEABI, 2011).
Amparado nas diretrizes institucionais e na garantia legal da obrigatoriedade do ensino
da temática africana, afrodescendente e indígena surge, então, algo novo dentro do IFMA, que
são núcleos de estudos institucionalizados, tendo a temática de pesquisa voltada aos estudos
das relações raciais. Essa abertura também pode ser entendida como um espaço político,
herdeiro da luta dos movimentos sociais e da atuação docente no interior dos Institutos.
No sentido de trabalhar práticas racistas na instituição, a professora Chimamanda
destaca:

Penso que o NEABI ajudou muito nos processos do pensamento racista, lógico que
nesse contexto aí, vamos ver outras formas em relação aos preconceitos. Mudou, no
momento em que houve essa vontade, essa determinação de alguns professores e
servidores contribuir com a implementação da alteração dos artigos da LDB, a partir
daí, minimizou algumas coisas em relação ao preconceito, mudou. Hoje, o colega,
para discriminar o outro ele, sabe que tem de engolir o racismo dele.
(CHIMAMANDA, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

Esse relato demonstra, a atuação do Núcleo, tanto na implementação de questões


legais dentro da instituição, como, também, dificultando as práticas racistas presentes na nela.
O NEABI se configura como uma instância de fortalecimento, em que as práticas racistas
161

podem encontrar espaço institucionalizado para repreensão e proposição de ações que as


criminalizem, logo, pode ser um inibidor de ações nesse sentido.
Algumas questões que perpassam a viabilização das atividades propostas pelo NEABI
foram identificadas pela leitura das atas de reuniões do Núcleo, bem como nas entrevistas
realizadas. Dentre elas, destacamos questões ligadas à efetivação da institucionalização dos
núcleos; aspectos que envolvem a participação da comunidade acadêmica; dificuldade em
efetivar ações devido ao orçamento e aos entraves institucionais; a dificuldade de alguns/mas
docentes e gestores/as entenderem que as ações do Núcleo são educativas da instituição.
O NEABI/IFMA tem a estrutura formada por Coordenação Geral; Vice-Coordenação
Geral; Secretaria Geral; Secretaria de Comunicação e Relações públicas e docentes, discentes
e técnico-administrativos. Os Núcleos locais são regidos pelo mesmo regulamento do Central,
tendo, cada Núcleo local que oficializar a indicação de pelo menos dois membros para o
Núcleo Central. O NEABI/IFMA não tem autonomia financeira, sendo assim, as necessidades
operacionais do Núcleo Central deverão ser viabilizadas pela Reitoria e as necessidades
operacionais dos Núcleos locais devem ser viabilizadas pela Diretoria Geral de cada Campus
(BRASIL, 2010b, p. 4).
Nessa organização administrativa, para institucionalizar a participação dos servidores
no NEABI/IFMA, são expedidas portarias pela direção do respectivo Campus de origem de
cada servidor/a. Nesse sentido, essa institucionalização, via efetivação de portarias, é algo que
suscitou muitas discussões, um aspecto que, durante nossa pesquisa nas atas de reunião do
Núcleo (2010-2016), foi constantemente retomado.
Vejamos alguns exemplos dessa situação em algumas atas:

Foi requerido para cada Campus do IFMA que já tem o NEABI local organizado o
repasse do nome dos coordenadores com seus contatos e portarias de
implementação, constatou-se que a organização do NEABI local é uma realidade
nos Campus Buriticupu, Imperatriz e Maracanã. (Reunião Buriticupu, 13/12/ 2010).

Isa, representante de Bacabal ressaltou que as portarias dos núcleos não é de


competência dos diretores, mas sim do reitor. O NEABI, sendo um núcleo seria sua
portaria expedida pela reitoria. Cristiane, representante do Centro Histórico ressaltou
o mesmo ponto de ISA; Priscila, representante do Campus imperatriz questionou a
validade desses procedimentos que dizem respeito a criação e regulamentação do
NEABI; sugere ainda a busca de autonomia do núcleo no tocante a formalização de
suas ações e produção de seus documentos. (Reunião, São Luís,17/09/2012).

O coordenador Geral do NEABI/IFMA recomendou que se fizesse a recomposição


das coordenações dos NEABIs locais e que fossem solicitadas junto às direções dos
Campi a emissão das portarias. Fez observações quanto a importância das mesmas,
não somente pela necessidade de regulamentar os núcleos, mas pela questão da
resolução n 40 de 04 de agosto de 2014 aprovada pelo CONSUP que estabelece
critérios e procedimentos para avaliação de desempenho acadêmico e para
162

verificação quanto ao requisito de titulação necessários para progressões e


promoções funcionais. (Reunião, São Luís 18 de agosto de 2014).

Pela recorrência com que a questão das portarias é discutida nas reuniões do
NEABI/IFMA, em que citamos apenas alguns momentos, faz-nos entender que existiam
entraves para a efetivação institucional dos participantes do Núcleo, a dúvida quanto às
responsabilidades em relação à emissão de portarias, já com dois anos de implantação do
NEABI Central, aparece como algo que demonstra a dificuldade para estabelecer
responsabilidades quanto às questões que legalizavam institucionalmente essas participações,
bem como quando da efetivação das atividades pedagógicas de seus participantes do interior
da instituição, tendo em vista a necessidade de aspectos burocráticos, como no caso das
portarias, para alcançar progressões e promoções funcionais.
A emissão de portarias é algo burocrático, não querendo dizer que, com sua ausência,
a questão não esteja sendo debatida na instituição, inclusive, nem todos/as servidores/as da
instituição que abordam, no cotidiano da sua prática educativa, a questão racial ,no sentido de
desmistificar preconceitos em favor da educação não racista, estão fazendo parte desse núcleo
de estudos, ele é apenas uma das possibilidades.
Entendemos, porém, que, para além do aspecto burocrático, existe, nesses debates em
torno da emissão das portarias, algo do campo simbólico de reconhecimento institucional para
um tipo de atividade que está sendo realizada na instituição, que, apesar de extremamente
necessária, em cumprimento das leis, tendo em vista nossos racismos, que afetam diretamente
a efetivação da educação democrática, tem uma trajetória de pouca valorização, inclusive no
âmbito das instituições escolares.
Outro aspecto evidenciado na pesquisa, dialoga com os limites e as possibilidades da
participação da comunidade acadêmica (docentes, discentes, técnicos administrativos,
gestores/as) em atividades ligadas às questões raciais. A pesquisa demonstra a dificuldade em
conceber as atividades do NEABI como ligadas à prática pedagógica da instituição, muitas
vezes, aparece como algo apartado da instituição. Um exemplo disso foi o caso relatado, a
seguir, pela professora Chimamanda:

[...] estávamos na área de vivência, quando os meninos saíram e, no outro dia, eles
nos procuraram. Eles saíram porque um determinado professor disse: ei, vamos lá
para baixo assistir a nossa aula dos brancos e deixa esses pretos aí, batendo tambor,
fazendo as bagunças deles. Outros casos são os jovens que dizem que na hora dos
encontros, das palestras, das questões étnico-racial, o determinado professor diz
assim: olha aqui, ninguém é para sair, porque esse NEABI aí, não vai aprovar vocês.
Quando os jovens saem e vão para as reuniões do NEABI, quando chegam, estão
com faltas e mesmo mandando a relação para o setor pedagógico dizendo que foram
163

para o encontro, não aceitam, as faltas continuam lá, aí, gera um desgaste para quê?
Você encaminhou, aí, para a coordenação pedagógica e eles receberam que os
alunos estavam no evento. (CHIMAMANDA, 2016. FRAGMENTO
ENTREVISTA).

O relato da docente denota a dificuldade em perceber as ações ligadas às questões


étnico-raciais como atividades da instituição; revela, também, a resistência de alguns/as
docentes e gestores/as em abordar e/ou reconhecer essas questões como educativas, ficando
sempre a dúvida em relação à natureza das atividades do Núcleo, como observamos durante
as reuniões a constante necessidade de explicar o caráter educativo das atividades do NEABI:

Foi destacado também que o NEABI não é um sindicato, nem um partido político e
nem um grupo de eventos. É um Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e
Índiodescendente que está constituído no Artigo 3º da Resolução n°1/2004, do
Conselho Nacional de Educação-CNE. (Reunião, São Luís, 11/04/2015).

Esse descrédito acerca das atividades pode ser compreendido como uma tática racista
no interior das instituições, que se manifesta de diferentes modos, assim como na inferência
sobre os usos dos corpos dos/as alunos/as. Nessa direção, a professora Sueli relata um caso
vivenciado por sua aluna: “Nós tivemos um problema, assim, um problema entre aspas, que
uma dessas alunas, inclusive que eu relato, ela começou a usar o turbante e uma pedagoga
pediu pra ela tirar o turbante, né? E isso gerou uma polêmica [...]” (SUELI, 2016.
FRAGMENTO ENTREVISTA).
O relato expõe um ato de violência simbólica quando é solicitada a retirada do
turbante da aluna. Os turbantes, algumas vezes utilizados apenas como adereços estéticos,
possuem significado religioso para religiões de matriz africana e islamismo, sendo também
símbolo da luta de movimentos afrodescendentes pela valorização de aspectos que positivem
a identidade afrodescendente. Então, a sua repreensão de uso no espaço escolar dialoga
negativamente com uma tentativa de reconhecimento da identidade afrodescendente
(CAPUTO, 2012).
Os aspectos que envolvem religiões de matriz africana são pontos de difícil diálogo na
sociedade e, por consequência, na escola. Enquanto o discurso é de que precisamos eliminar o
racismo, porque todos/as somos iguais, apesar das práticas racistas, poucas pessoas
confirmam seus preconceitos, mas quando o assunto trata dos aspectos que dificilmente
dialogam com esse discurso de “viva a diversidade”, e é preciso olhar e reconhecer o outro na
sua diferença, fica mais “difícil” não se identificar e assumir-se racista. Tanto nas atas, quanto
nos relatos dos/as docentes entrevistados/as, as polêmicas que aparecem com maior
164

frequência, no sentido de questionar as atividades ligadas à questão racial na instituição,


perpassam pela questão da religiosidade e envolvem não só aspectos do interior da instituição,
como observamos nas recomendações das reuniões do NEABI/IFMA:

Em função de algumas manifestações de que há muita resistência da parte dos pais


quando apresenta-se atividades que envolvem conteúdos da diversidade étnico-
racial e, em especial, quando se trata das religiões de matriz africanas, foi
apresentada a sugestão para que se discuta junto às coordenações de seleção para
acesso ao IFMA, que seja incluído nos editais um tópico referente a característica
laica e pluri-cultural da educação oferecida pelo IFMA. (Reunião, Centro-Histórico,
14/06/2010).

Há necessidade de relação mais estreita entre diferentes setores que perpassam o


funcionamento da instituição para que as questões raciais sejam abordadas na escola com o
respeito e o conhecimento devidos. As ações em prol da educação não racista precisam fazer
parte da escola como um todo e isso inclui a família. Na verdade, a escola é parte de uma
estrutura racista muito mais abrangente que ela. Sobre isso, Botelho (2014, p. 166) destaca
que as ações do NEABI “[...] têm recebido apoio, algumas resistências e muitas
incompreensões, haja vista as condições que se impõem a partir do que está consolidado no
imaginário coletivo dos discentes, professores, gestores e comunidade em geral.”
Existe um “jogo” de poder institucional que envolve essas questões, bem como a
presença da colonialidade, com suas estratégias cotidianas, que passam pelo racismo
institucional. A existência do Núcleo de Estudos, de modo institucionalizado, não significa
assegurar que o convívio sempre harmônico ou de garantia institucionais para a continuidade
das atividades propostas, mas indica uma possibilidade de diálogo.
A captação de recursos para desenvolvimento das atividades perpassa uma intensa
relação de poder institucional, como destacou o professor José, um dos diretores
entrevistados: “[...] a criação do NEABI é importante, é óbvio que o NEABI só funciona
dependendo da gestão”. Entendemos a atuação do Núcleo para além da gestão, mas concordo
que a ação da gestão possa contribuir ou dificultar as atividades, nesse sentido, podemos
destacar o relato do professor José:

[...] então, existe na instituição IFMA o racismo institucional, a homofobia


institucional, a intolerância institucional, o preconceito institucional, é forte, que se
manifesta de várias formas, primeiro na fragilidade da destinação de recurso público,
é uma lógica da vida pública que, para onde está o recurso, ali está a prioridade. Para
onde o orçamento distribuir maior porção de recurso, ali está a prioridade, então, se
não tem recurso destinado para essas áreas, é importante que essas áreas são apenas
de proforme, daí, porque, no decorrer do tempo, foi enfraquecendo a questão do
NEABI, enfraquecendo, o NEABI que já chegou a ter 15, 16, com núcleo
165

estruturado, atividades pedagógicas, foi se fragilizando, não sei se intencional, não


sei se é estrategicamente intencional, para não dar visibilidade, exatamente para não
fortalecer uma instância que surgiu e que tava tendo visibilidade, expondo
preconceitos, então, talvez, uma estratégia para deixar isso de lado, porque, por de
trás da mobilização que o NEABI faz, ele expõe toda a questão de gênero, de raça
[...] (JOSÉ, 2016. FRAGMENTO ENTREVISTA).

O relato do professor José evidencia que a questão racial perpassa as questões


institucionais, pode ser uma forma de perceber as relações de poder se movendo no fazer
institucional, porém, só pode ser entendida levando em consideração um contexto bem mais
amplo que os limites da instituição, reforça também o racismo institucional como estratégia
da colonialidade – a tentativa de silenciar e de invisibilizar as questões raciais. Concordamos
com Silva (2014), quando ele destaca que raça e etnia não são simplesmente “temas
transversais”, mas envolvem poder, identidade e o que entendemos como conhecimento. Ou
seja, não é apenas uma questão de acréscimo de informações, requer pensar a diferença como
questão histórica e política, em que questionar a diferença seria um caminho para o seu
reconhecimento, não podendo se limitar à celebração da diversidade:

[...] o racismo não pode ser considerado simplesmente como uma questão
individual. O racismo é parte de uma estrutura mais ampla de estruturas
institucionais e discursivas que não podem simplesmente ser reduzidas a atitudes
individuais. Tratar o racismo como uma questão individual leva a uma pedagogia e a
um currículo centrados numa simples ‘terapêutica’ de atitudes individuais
consideradas erradas. O foco seria o ‘racista’ e não o ‘racismo’. Um currículo crítico
deveria ao contrário, centrar-se na discussão das causas institucionais, históricas e
discursivas do racismo. (SILVA, 2014, p. 102-103).

Construir novas formas de pensar a sociedade brasileira no âmbito educacional, em


qualquer modalidade de ensino, requer problematizar as bases que originaram o que
chamamos de saber, pois, na escolha dos conteúdos a serem trabalhados, nem todos os saberes
foram igualmente valorizados ou sequer entendidos como dignos de nota. Os motivos “da
escolha” de um panteão de estudos majoritariamente eurocêntricos, em detrimento de todo um
conjunto de saberes que também formaram a sociedade brasileira, como, por exemplo, os
saberes afrodescendentes e de outros povos não europeus, precisam ser expostos,
questionados e ressignificados.
A presença de epistemologias outras, como propõem os estudos de Mignolo (2008),
Quijano (2010) e Santos (2010), nas quais também dialogam estudos como da Pedagogia
interétnica e da Pretagogia, ao propor e questionar verdades construídas sob a égide da ciência
eurocêntrica e seus limites epistemológicos, são potencializadoras de olhares outros, de
histórias outras, assim como as ditas verdades vêm sendo questionadas e os limites
166

epistemológicos tornando-se, como diz Bhabha (2013), fronteiras de outras vozes, de outros
discursos possíveis. Percebemos que esses questionamentos teóricos nos permitem pensar não
só nos centros, mas também nas margens, nas margens de caminhos cruzados, de fronteiras
possíveis e de identificações múltiplas, inclusive profissionais. Questionamentos constantes
fazem parte desse processo.
Pensar na fronteira é pensar com o outro. Nesse sentido, Bhabha (2013, p. 20) destaca
o “entrelugar”. Esse seria composto por “[...] momentos ou processos que são produzidos na
articulação das diferenças culturais [...]” e que forneceriam “[...] terreno para a elaboração de
estratégias de subjetivação-singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade
e postos inovadores de colaboração e contestação”.
O NEABI/IFMA foi criado como espaço para viabilizar trabalhos de ensino, pesquisa
e extensão do IFMA no campo da diversidade étnico-racial em consonância com as Leis
10.639/03 e 11.645/08. Percebemos, pela pesquisa, que o NEABI/IFMA vem trabalhando no
sentido de cumprir seus objetivos, porém, essa efetivação necessita do trabalho institucional
conjunto, não podendo ficar restrito aos participantes do Núcleo, pois envolve aspectos que
vão além das possibilidades daqueles que o compõem, como o cumprimento das legislações
federais que são para todos/as os/as docentes da instituição, motivação pessoal, conhecimento
de leituras e/ou vivências sobre as questões étnico-raciais, questões orçamentárias para
viabilizar projetos necessários, dentre outras, bem como perpassa, também e principalmente,
por questões para além dos “portões” institucionais, pois, o racismo, como destaca Quijano
(2010), é um pilar estrutural da construção das sociedades modernas.
Entendemos as ações de núcleos de estudos, como o NEABI/IFMA, como potência
para ser um “entrelugar” institucional, pois apresentam proposta que questiona o
eurocentrismo e os racismos formulados no contexto de colonialidade, buscam outras
histórias, sobretudo que valorizem culturas que estavam nas margens desse processo de
educação eurocentrado, dialoga com identidades múltiplas que atravessam a questão racial
como a religiosa, a geracional, de gênero, por exemplo, demonstrando que é possível educar
de outro modo. Porém, tentam fazer tudo isso nos limites de uma instituição em que a
problemática do racismo passa por ela, atravessa, e vai muito além do racismo institucional
que é parte de relações raciais que ainda deformam ao tentar formar pessoas, sendo um
desafio já aceito por muitos/as de nós pensar a educação tendo por base a humanidade comum
que temos, valorizando as nossas diferenças.
167

7 CONCLUSÕES COMO CONSIDERAÇÕES EM DESENVOLVIMENTO

És um senhor tão bonito


Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo [...]
(Oração ao tempo, Caetano veloso)

O tempo é relativo: pouco tempo, muito tempo, tempo ideal, tempo real, tempo do
corpo, tempo da mente, tempo. A composição de um trabalho acadêmico tem tempo de iniciar
e tempo de “aparar as arestas” e ver o que foi possível fazer, tendo em vista o fio e os rastros
que cada um desenha, que sempre são de acordo com as possibilidades que incluem a vida
acadêmica, porém, o tempo não para quando escrevemos uma tese, outras histórias, nem
sempre possíveis de serem relatadas nos textos acadêmicos, fazem parte diretamente do modo
como conseguimos entender e sistematizar a pesquisa. O meu contexto de mulher
afrodescendente, ludovicense, professora de História da Educação Profissional e Tecnológica,
esposa e que se tornou mãe ao mesmo tempo em que dava vida a esta pesquisa, dialogou
intensamente com este estudo.
Entendemos que a tese, para ter vida, precisa ir se reconfigurando com nossos novos
saberes, vivências pessoais, profissionais e com as inventividades daqueles que irão ler este
texto a partir de suas histórias, conhecimentos e interesses. Assim, “concluir” é um termo
muito forte para seres tão inacabados e em constante mudança como nós, o que temos, nessas
linhas que seguem, são considerações proporcionadas pela pesquisa neste momento e que
servem, fundamentalmente, para continuarmos problematizando as relações raciais e, quem
sabe, inspirar outros/as pesquisadores/as a perceber outras tantas facetas sobre as relações
raciais que podem aparecer neste texto e que precisam de aprofundamento.
Neste estudo, abordamos as relações raciais entendendo que a racialização das
relações de poder fincadas, com a colonização moderna, transformou a ancestralidade africana
e a cor da pele fenotipicamente pigmentada como significante de inferioridade e
subserviência, aspectos reinventados continuamente com a colonialidade do poder e do saber,
que se fortaleceu da tentativa de imposição de uma história única, em que os
168

eurodescendentes eram o padrão civilizacional, mesmo sendo propulsores de crimes contra a


humanidade, como a escravização criminosa de afrodescendentes e de indígenas das
Américas, sem esquecer dos genocídios, epistemicídios e roubos de riquezas culturais e
econômicas, todos crimes imprescritíveis porque continuam sendo praticados contra a
humanidade. Esse processo, que sai da escravização formal, para a liberdade vigiada com a
dita abolição, que acreditamos ser ainda inacabada, trouxe e trás, para nós, afrodescendentes,
muitas consequências cotidianamente desumanizadoras e que nem sempre são de fácil
percepção, mas ainda ferem as almas das pessoas.
A educação formal também corroborou esse processo de racialização das relações de
poder e uma faceta com a qual podemos perceber esse aspecto é a sutil delimitação do
público-alvo para os diferentes níveis e as diversas modalidades de ensino, e, nesse contexto,
aparece a Educação Profissional como uma modalidade voltada historicamente aos pobres e
marginalizados, direcionada, prioritariamente, às necessidades do mercado de trabalho
capitalista, realidade que, na atualidade, vem sendo questionada por meio de uma proposta de
educação cidadã que valorize as diversidades, de tal formar que, para se tornar real, vem
apresentando muitos desafios como, por exemplo, o peso da colonialidade na educação e o
racismo institucional, mas, também, algumas possibilidades, como a legislação institucional
que aponta a necessidade de repensar nossos racismos, bem como a existência de núcleos de
estudos que problematizam as relações raciais.
Esta pesquisa teve por objetivo compreender como o Instituto Federal do Maranhão
lida com as exigências da educação para as relações raciais, considerando o que regem os
documentos legais e institucionais referentes à Educação Profissional e Tecnológica hoje, e
partiu da seguinte questão norteadora: como a educação profissional, que tem forte tradição
na valorização da educação voltada para atender às necessidades do mercado de trabalho
capitalista, relaciona-se com a proposta da educação para as relações raciais? De que modo os
documentos institucionais fazem essa abordagem?
Ao caracterizar o modo como os documentos institucionais dialogam com a proposta
da educação para as relações raciais no Brasil, de acordo com as prescrições nos documentos
legais, observamos, nas documentações institucionais, uma proposta que desvincula a
Educação Profissional Tecnológica (EPT) dos interesses do mercado de trabalho capitalista
como fator determinante, evidenciando que o foco da Rede Federal de Educação não deve ser
as necessidades do mercado e, sim, a qualidade e a inserção social cidadã dos educandos. No
caso específico do IFMA, que é a instituição de pesquisa deste estudo, já no seu Estatuto de
Constituição, apresenta como princípio norteador o respeito à diversidade e, em outros
169

documentos, como Regimento Geral, Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Projeto


Pedagógico Institucional (PPI) e na Resolução nº008/2010, vem reforçando esse princípio
norteador da instituição.
Nesses documentos institucionais pesquisados, as relações raciais são abordadas de
modo específico apenas na Resolução nº 008/2010, que aprova a institucionalização do
Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Índiodescendentes (NEABI/IFMA), por apresentar uma
proposta de atuação direta com a temática da diversidade, com ênfase nas ralações raciais
contemplando as Leis 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e 11.645/2008 (BRASIL, 2008). Nas
demais documentações, observamos o termo “diversidade” englobando um conjunto de
elementos, que, entre outras possíveis leituras, passam pela questão das relações raciais, da
inclusão de pessoas com deficiência, dos saberes locais, dos aspectos que envolvem a
sexualidade, dentre outros. Compreendemos, como algo interessante, essa abordagem, porque
ela abre possibilidades múltiplas de diálogos institucionais, porém, ela precisa de cautela,
pois, pouco especificando o que entende com tantas diferenças que o termo diversidade
abarca, dificulta pensar na diferença para além das semelhanças. A ausência de definição do
entendimento relativo aos termos utilizados em documentos institucionais seria intencional?
Com as entrevistas, observamos que nem sempre é próxima a relação entre o que
propõem os documentos oficiais e o fazer cotidiano da instituição. Nesse sentido, observamos
que ainda é um aspecto atual a Educação Profissional Tecnológica direcionar suas ações
pedagógicas e estratégicas pelas necessidades do mercado de trabalho capitalista. A ênfase
saudosista dos tempos de Escola Técnica Federal do Maranhão, as hierarquias institucionais
entre as diferentes áreas de saber, com valorização das disciplinas ligadas diretamente às áreas
técnicas, e o foco na educação básica profissional em detrimento a outros níveis de ensino,
como o ensino superior, que fazem parte da instituição, diz muito sobre isso.
Nesse sentido, o fato de muitos/as docentes terem sido ex-alunos/as, e/ou estarem a
muitos anos trabalhando nesse contexto de Educação Profissional Tecnológica voltada,
prioritariamente, para as necessidades do mercado de trabalho, dificulta perceber e propor
ações no sentido dessa modalidade focada na formação com ênfase na educação cidadã dos/as
educandos/as e que valorize as relações raciais como parte também de um princípio norteador
da instituição.
A respeito das relações entre o que dizem os/as participantes da pesquisa sobre as
exigências da educação para as relações raciais e o seu pertencimento racial, observamos que
essa não é uma questão em que se consegue separar as atitudes cotidianas, as possibilidades
170

oferecidas pela trajetória de vida, das ações e dos posicionamentos profissionais, elas estão
imbricadas, conversam, dialogam, questionam-se mutuamente.
Consideramos que a nossa história afrodescendente, roubada dos currículos
escolares/universitários e, consequentemente, das práticas docentes de grande parte dos/as
profissionais da educação foi uma estratégia da colonialidade do saber para invisibilizar
saberes e perpetuar diferenças, tendo a cor da pele como significante. Essa nossa história
roubada fez e faz muita falta para que os/as docentes e os/as gestores/as tenham algum
direcionamento de como, do porquê e da importância de abordar as relações raciais. Esse
desconhecimento leva ao entendimento, observado na pesquisa, de que a questão racial é
temática de responsabilidade dos/as professores/as das humanidades e não uma questão
transversal, conforme preconizam, também, os parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
(BRASIL, 1997), que deve, pode e que é legalmente exigido que esteja no currículo escolar
como um todo.
Percebemos que entre os/as entrevistados/as, as trajetórias pessoais, ligadas aos
aprendizados de família e à atuação em movimentos sociais, foram mais contundentes para
que fossem abordadas, em suas práticas profissionais, a questão racial do que as
oportunidades vivenciadas nos espaços escolares/universitários dos docentes participantes da
pesquisa. Observamos, também, que a simples identificação como afrodescendente não está
diretamente relacionada a práticas profissionais questionadoras das relações raciais.
Na pesquisa, identificamos que uma das maneiras de o racismo institucional se fazer
presente, escamoteando seu aspecto criminoso, é por meio das ditas “brincadeiras”, “piadas”,
“apelidos” racistas. Nos relatos de docentes e gestores, esse aspecto aparece com intensidade.
Geralmente, esses casos vêm à tona como um questionamento aos distintos modos de ser
afrodescendente, uma forma de vigiar, tendo por base linhas abissais do que é belo e do
comportamento esperado quando um/a afrodescendente está em espaços sociais onde somos
minoria. Então, a dita “brincadeira” racista aparece como uma manifestação cotidiana do
racismo institucional.
Inferimos que a abordagem das relações raciais no contexto institucional passa pela
incorporação efetiva de conteúdos específicos sobre a África e os/as afrodescendentes, bem
como pela maior representatividade de nós, afrodescendentes, nos espaços institucionais,
porém, essa é uma questão que vai muito além disso, envolve, minimamente, ações que
questionem a colonialidade e seu modo racista de estruturação e sistematização dos diferentes
conhecimentos produzidos pela humanidade, a fim de que, assim, com esse olhar para além
do eurocentrismo, possamos, pelo menos, causar fissuras que possibilitem espaços
171

questionadores com potência de criar relações outras. Desse modo, questionamo-nos: como
diferentes espaços – familiares, de movimentos sociais, religiosos, educacionais, dentre outros
– podem dialogar no sentido de desestabilizar a colonialidade e oportunizar relações humanas
que não tenham as diferenças como motivo de inferiorização entre seres humanos?
Para analisar as práticas relatadas no tocante à educação para as relações raciais por
profissionais do IFMA, partimos do seguinte questionamento: quais tipos de práticas são
construídos para problematizar a questão racial? Observamos que as práticas profissionais que
problematizam a questão racial envolvem aspectos múltiplos das vivências do/a educador/a,
como os diferentes espaços de sociabilidade que fazem parte do cotidiano desses/as docentes,
necessitando que o/a educador/a consiga dialogar para além dos saberes específicos de sua
área de atuação e busquem constante atualização profissional.
A abordagem das relações raciais no contexto institucional foi vista como algo
importante pelos/as participantes da pesquisa, nenhum/a deles/as enfatizou que essa temática
não seja de importante problematização no contexto da Educação Profissional e Tecnológica,
e, para isso, lançaram mão de diferentes aspectos para justificar essa necessidade, porém,
observamos que achar importante não corresponde à presença de ações educativas voltadas
para problematizar as questões raciais por parte da maioria desses docentes. Então, ser
sensível à abordagem das relações raciais é o primeiro passo, mas não garante a efetividade da
temática no contexto institucional.
A abordagem da questão racial aparece como uma necessidade institucional, tanto que
está presente nos documentos institucionais que tentam direcionar a prática pedagógica da
instituição, bem como os participantes da pesquisa apresentaram diferentes motivações para a
necessidade dessa abordagem, porém, a efetivação da educação para as relações raciais
aparece como um “problema” do outro e não uma questão nossa.
Dentre os diferentes aspectos que a pesquisa apontou para as dificuldades de abordar
as relações raciais em sala, destacamos o entendimento de alguns/as docentes de que a
questão racial é incompatível com suas áreas de formação, e que se preocupar com tal
temática atrapalha o andamento dos conteúdos específicos, com destaque desse entendimento
para professores que trabalham disciplinas relacionadas às áreas técnicas. De que modo
podemos vencer essas barreiras de formação, tendo em vista que a educação é um processo
mais amplo que as especificidades entre as áreas do saber?
Foi evidenciado, também, que alguns/mas professores/as ligados às humanidades já
apresentam trabalho relacionado às questões raciais, o que faz com que professores/as de
172

outras áreas se sintam contemplados e satisfeitos com a atuação dos colegas que realizam tal
abordagem, logo, entendem desnecessárias as suas contribuições.
Os/as professores/as que destacaram realizar a abordagem das relações raciais em sala
de aula, evidenciaram, constantemente, o caráter de excepcionalidade com que tal questão é
trabalhada na instituição, afirmam que, quando a fazem, é a partir de demanda pessoal, por se
sentirem afetados/as com os preconceitos advindos da sociedade racista e por entenderem que
a educação tem importante papel, no sentido de contribuir para que a sociedade se torne não
racista, e não como uma necessidade presente na política institucional.
O NEABI/IFMA aparece, nesse contexto, como uma fronteira institucional, pois, para
a realização de suas ações, enfrenta o racismo institucional e, mesmo sendo um núcleo
institucionalizado, encontra dificuldade de fazer com que os profissionais da instituição
entendam essas ações como parte das práticas pedagógicas da instituição e não como uma
ação da vontade individual de um “gueto” institucional. Porém, ao propor ações que
contribuem para desmistificar racismos, demonstrando os tentáculos da colonialidade no fazer
cotidiano da instituição, proporciona espaços questionadores e com potência de problematizar
as relações raciais na Educação Profissional e Tecnológica.
A partir dessas constatações, confirmamos a seguinte tese deste estudo: de que a
colonialidade presente em nossos corpos e mentes faz com que a abordagem das relações
raciais esteja na fronteira, sendo realizada nos limites de uma sociedade eminentemente
racista, porém apresenta possibilidades de, ao evidenciar/descortinar esses racismos,
questionar a colonialidade que tem na educação formal ainda uma grande aliada.
Aprendemos, com este estudo, a importância de continuar problematizando diferentes
espaços onde os racismos se fazem presentes. O recorte desta tese na Educação Profissional e
Tecnológica nos faz ver algumas especificidades, como a estreita relação entre o
direcionamento do público-alvo para as diferentes modalidades de ensino e os racismos
brasileiros, porém, evidencia que o enfrentamento ao racismo se faz presente em múltiplos
espaços, inclusive no interior da prática profissional de servidores/as da Educação
Profissional Tecnológica. A importância deste estudo reside em possibilitar questionamentos
aos racismos brasileiros e, ao questionar, por meio de pesquisas, contribuir para o
conhecimento científico para além da colonialidade.
É preciso desestabilizar a colonialidade, deixando ver o modo preconceituoso com que
foram tecidas a nossa forma de ver o mundo; é preciso evidenciar que as contribuições da
humanidade não podem ser vistas sob as lentes de uma história única, pois existem meandros
que só se pode ver quando se respeita as especificidades das vivências e dos saberes
173

múltiplos. Como desestabilizar, cotidianamente, a colonialidade a ponto de esvaziar de


sentido esse ranço colonial? Como a Educação Profissional e Tecnológica pode reinventar
seus objetivos e, principalmente, suas práticas no sentido de desmistificar racismos? Como eu
posso tentar, com a minha prática educativa, contribuir para que a abordagem das relações
raciais tenha o respeito merecido? Acho muito bem ter o que perguntar, para mim, significa
que tenho muito, ainda, a aprender, a contribuir, e que, também, profissionalmente, estou bem
viva.
174

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APÊNDICES
185

APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI


CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGED
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Prezado senhor ou senhora,


Você está sendo convidado /a para participar, como voluntário, em uma pesquisa. Você precisa
decidir se quer participar ou não. Por favor, não se apresse em tomar a decisão. Leia
cuidadosamente o que se segue e pergunte ao responsável pelo estudo qualquer dúvida que você
tiver. Após ser esclarecido /a sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do
estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a outra é do
pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado /a de forma alguma. Em
caso de dúvida você pode procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí
pelo telefone (086) 3215 5437.

ESCLARECIMENTOS SOBRE A PEQUISA

Título: “COM A PALAVRA A\O MESTRA\E: O ENSINO PROFISSIOANAL


TECNOLÓGICO E A AFRODESCENDÊNCIA EM TEMPOS DE EDUCAÇÃO
PARA AS DIVERSIDADES”
Pesquisador responsável: Prof. Dr. Francis Musa Boakari
Telefone para contato: (86) 99427-6647
Pesquisador assistente: Leudjane Michelle Viegas Diniz Porto
Telefone para contato: (86) 99027527
Local: CCE/ Programa de Pós-graduação em Educação – PPGED/UFPI

DESCRIÇÃO DA PESQUISA
O projeto de pesquisa intitulado “COM A PALAVRA A\O MESTRA\E: O ENSINO
PROFISSIOANAL TECNOLÓGICO E A AFRODESCENDÊNCIA EM TEMPOS DE EDUCAÇÃO
PARA AS DIVERSIDADES” Tem por objetivo Compreender como o Instituto Federal do Maranhão-
Ifma lida, na atualidade, com a necessidade de um trabalho interdisciplinar voltado também para
ensino e pesquisa com foco nas diversidades/ afrodescendência. Você participará de entrevistas
semiestruturadas que serão registradas, via áudio, para posterior estudo.
Você tem total liberdade para, desistir de continuar na pesquisa a qualquer momento no
decorrer da pesquisa ou depois. Caso você sinta algum constrangimento em responder alguma
pergunta poderá optar por não responder. A sua participação será totalmente voluntária e uma
desistência sua não lhe causará nenhum prejuízo.
Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa
para esclarecimento de eventuais dúvidas. O orientador é o Prof. Dr. Francis Mussa Boakari, que pode
ser encontrado no endereço: Centro de Ciências da Educação – CCE, Programa de Pós-Graduação em
Educação – PPGED - Sala 02, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella - Bairro Ininga -
186

Teresina – PI, ppged@ufpi.edu.br ou poseducacao.ufpi@gmail.com .Fones: (86)3215-5820 - 3237-


1214 Fone FAX: (86)3237-1277 CEP: 64049-550
A pesquisa, por se tratar de uma investigação acadêmica, não oferece nenhum tipo de
vantagem material ou financeiro para o participante, como também, não implicará em nenhum tipo de
ônus. No entanto, na sua publicação e divulgação daremos os créditos aos sujeitos participantes (se
autorizado) seja na forma de publicação impressa ou audiovisual.
Entendemos que toda pesquisa apresenta riscos, no caso da nossa pesquisa, os riscos estão
associados ao aflorar de possíveis sensibilidades devido à narração dos participantes permearem suas
historias profissionais e pessoais, o que pode causar satisfação, mas também angústias. Os possíveis
desconfortos serão administrados pela sensibilidade da pesquisadora em evitar prolongar-se em
questionamentos que gerem desconforto emocional. Se tiver alguma situação grave, profissionais
qualificadas/os serão chamadas/os e os custos pagos pela pesquisadora. Os benefícios dessa pesquisa
estão em sua contribuição para o entendimento da valorização da temática das relações raciais na
sociedade, e em especial, no ambiente escolar/acadêmico, bem como contribuir para problematizar a
necessidade de efetivação das leis 10.639/03 e 11.645/08 na prática docente do Instituto Federal do
Maranhão.
Se você concordar em participar do estudo, seu nome e identidade serão mantidos em sigilo.
A menos que requerido por lei ou por sua solicitação, somente o pesquisador, a equipe do estudo,
Comitê de Ética independente e inspetores de agências regulamentadoras do governo (quando
necessário) terão acesso a suas informações para verificar as informações do estudo.
A pesquisa terá duração de 6 meses, com término previsto para o segundo semestre de 2016.
No entanto, o participante terá o direito de retirar o consentimento a qualquer tempo, sem que passe
por qualquer tipo de constrangimento por parte do pesquisador.

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO SUJEITO


Eu, ___________________________________________________________________________

RG nº_________________CPF nº_____________________, abaixo assinado, concordo

em participar do estudo “Com a palavra a/o mestra/e: O ensino profissional tecnológico e a


afrodescendência em tempos de educação para diversidades” como voluntário e sujeito da
pesquisa. Afirmo que fui suficientemente informado a respeito das informações que li ou que
foram lidas para mim, descrevendo o estudo titulado acima. Eu discuti com a pesquisadora
Leudjane Michelle Viegas Diniz Porto, sobre a minha decisão em participar neste estudo. Ficaram
claros para mim quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus
desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou
claro também que minha participação é isenta de despesas e que tenho garantia do acesso a
tratamento hospitalar quando necessário. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e
poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem
penalidades ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido, ou no meu
acompanhamento/ assistência/tratamento neste serviço.

Maranhão, ______de_____________2016.

____________________________________
Nome
CPF nº

Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):

Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre a pesquisa e aceite do sujeito


em participar da pesquisa “Com a palavra o/a mestre/a
187

“COM A PALAVRA A\O MESTRA\E: O ENSINO PROFISSIOANAL TECNOLÓGICO E A


AFRODESCENDÊNCIA EM TEMPOS DE EDUCAÇÃO PARA AS DIVERSIDADES”

_________________________________________________
Assinatura:
RG nº __________

_________________________________________________
Assinatura:
RG nº __________

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste
sujeito de pesquisa ou representante legal para a participação neste estudo.

Maranhão, ________de_______________de 2016.

_________________________________________________
Assinatura do pesquisador responsável
188

APÊNDICE B - ENTREVISTAS COM DOCENTES/GESTORES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI


CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGED
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

ENTREVISTAS COM DOCENTES/GESTORES


1. Você poderia nos contar, um pouco, sobre sua história de vida, relacionando com sua
escolha e atuação profissional?

2. O que tem do passado do Instituto, no presente, de outro modo?

3. Na sua avaliação, o que modifica na Educação Profissional com a criação dos Institutos
Federais (em relação ao que era antes como CEFET)?

4. Agora eu gostaria de saber como essas rupturas e continuidades se relacionam com a


perspectiva de uma educação para as diversidades?

5. Para você, qual a importância, ou não, da abordagem das relações raciais no contexto do
Ifma? A temática das relações raciais / afrodescendência está presente em sua prática
docente/e ou gestora? De que modo?

6. Em sua opinião a Instituição incentiva/ possibilita/ capacita a trabalhar na perspectiva de


uma educação para as relações raciais? Como? Quais os limites?

7. Na sua percepção, as ações educativas que valorizem a afrodescendência causam algum


estranhamento dentro da instituição? Quais motivos? Pode nos dá algum exemplo?

8. Como você se define racialmente? Você acha que o pertencimento racial de um


servidor/aluno está de alguma forma, relacionado com suas vivências na Instituição?

10. Para finalizar, em relação ao trabalho com as diversidades/afrodescendencia, o que você


gostaria que a Instituição fosse que ela não é hoje? Se você pudesse, sem todas as
limitações existentes, modificar/ propor ações ao Ifma o que você faria de diferente? (Por
que não é possível fazer isto?).

11. Eu gostaria que você fizesse uma pequena reflexão sobre esta entrevista, o tema da
pesquisa, as questões propostas, etc. e fizesse uma fala de encerramento.
189

APÊNDICE C - ROTEIRO PARA LEITURA E ANÁLISE DE DOCUMENTOS


OFICIAIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI


CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – CCE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGED
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

ROTEIRO PARA LEITURA E ANÁLISE DE DOCUMENTOS OFICIAIS


1. IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO (dados caracterizadores do documento)
TIPO DE DOCUMENTO:
NOME DO DOCUMENTO:
DATA:
OBJETIVOS CONTIDOS NO DOCUMENTO:
SÍNTESE DAS IDÉIAS PRINCIPAIS (Informações centrais e relevantes para a
compreensão do documento)
COMPOSIÇÃO DO DOCUMENTO
GRÁFICOS
TABELAS:
INSTRUÇÕES PRESENTES:

2. PRINCIPAIS CONCEITOS PRESENTES NO DOCUMENTO (Identificação das ideias,


pensamentos e definições predominantes no texto).

Data:
Horário:

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