Desistir - Uma Estratégia de Vida - Julia Keller
Desistir - Uma Estratégia de Vida - Julia Keller
Desistir - Uma Estratégia de Vida - Julia Keller
Autora:
Julia Keller
Tradução:
Sandra Martha Dolinsky
Preparação de texto:
Cínthia Zagatto
Revisão:
Jacob Paes
Larissa Robbi Ribeiro
Capa:
Dimitry Uziel
Keller, Julia
Desistir : uma estratégia de vida : o mito da perseverança – e como a nova ciência de
desistir pode libertar você / Julia Keller ; tradução de Sandra Martha Dolinsky. —
Porto Alegre : Citadel, 2024.
Bibliografia
ISBN 978-65-5047-420-1
Título original: Quitting – A Life Strategy
contato@citadel.com.br
www.citadel.com.br
Para Annie Kate Goodwin
1986-2019
Você não pode traçar linhas e repartições e se recusar a ir
além delas. Às vezes, precisa usar fracassos como
trampolins para o sucesso. É necessário manter um bom
equilíbrio entre esperança e desespero. No fim, é tudo
uma questão de equilíbrio.
– ROHINTON MISTRY, Um delicado equilíbrio
Afinal, nosso corpo é projetado para nos dizer quando desistir. Fica
em alerta máximo quando o colocamos sob estresse intenso. Manda
mensagens para que paremos, e elas vêm com equivalência a uma
sirene ululando e piscando luzes vermelhas. Como o professor da
Universidade de Stanford, Robert Sapolsky, escreve em seu clássico
livro sobre a fisiologia do estresse, Por que as zebras não têm úlceras, nosso
corpo tenta ao máximo nos avisar quando estamos sobrecarregados e
não conseguimos manter o equilíbrio homeostático; a frequência
cardíaca, a respiração e a pressão arterial disparam. Estamos com
problemas aqui, ele grita. Socorro!
É importante ressaltar que essa angústia não é só física. O estresse
psicológico pode ser igualmente agudo e ter consequências terríveis, se
ignorado. Como Bessell van der Kolk coloca em seu livro sensível e
distinto, O corpo guarda as marcas: cérebro, mente e corpo na cura do trauma,
“o trabalho mais importante do cérebro é garantir nossa sobrevivência,
mesmo sob condições miseráveis. Todo o resto é secundário”.
Se a vida está nos escapando, se não estamos fazendo o que parece
certo, se não estamos nutrindo nosso corpo e nossa alma
adequadamente, se não vivemos de acordo com os valores e padrões
que um dia imaginamos para nós mesmos, o impacto em nosso bem-
estar geral pode ser catastrófico. Se não desistirmos, talvez não
sobrevivamos.
Basta perguntar a Jody Alyn.
***
“Quando decidi me divorciar, meus amigos perguntaram: ‘Por que
está fazendo isso?’. E eu respondi: ‘Porque estou morrendo’.
Internamente, emocionalmente – era assim que me sentia”, disse Alyn.
“Eu disse às pessoas: ‘Saí antes de morrer’.”
Ela trabalhou em uma clínica de saúde mental durante muitos anos
e também foi coordenadora de diversidade em Colorado Springs.
Depois disso, abriu uma empresa de consultoria para pessoas físicas e
jurídicas. Ainda vai muito bem. Ela é engraçada, inteligente, articulada
e envolvente. É cuidadosa e comedida. Em outras palavras, não é do
tipo que comumente se entrega à hipérbole ou deixa suas emoções
saírem do controle.
Porém, quando descreveu para mim suas razões para terminar o
casamento e mudar totalmente sua vida, depois de criar dois filhos,
usou termos dramáticos, que um passarinho faminto entenderia: se ela
não desistisse, pereceria.
Alyn não foi a única que viu sua escolha dessa maneira. Em dezenas
de entrevistas, outras pessoas fizeram o mesmo. De fato, havia uma
notável semelhança na maneira como as pessoas falavam sobre sua
decisão de mudar aspectos significativos da vida. Todas as histórias
tinham detalhes diferentes, mas uma expressão aparecia sempre: vida
ou morte.
Elas não viam a desistência como uma entre muitas opções. Como
diziam, desistir era viver. Muitas foram enfáticas em relação a isso:
desistir não é apenas uma boa ideia; é oxigênio; é o sustento básico.
“Em meu treinamento, aprendi um alto grau de perseverança”,
disse Alyn. “Eu podia superar qualquer coisa. Podia transformar
desafios em ‘experiências de aprendizado’”, disse, pronunciando as
palavras com ironia. “Mas a verdade é que permaneci em certas
situações mais tempo do que deveria. Preciso sentir muita dor para
perceber que é hora da mudança.”
Seus amigos não entendiam o quanto estava doente, me contou ela,
e Alyn tentava confiar neles. “Eu ouvia isso o tempo todo: ‘Você parece
bem!’. Mas o que se parece por fora é totalmente diferente do que se é
por dentro. Por fim, pensei: ‘Não aguento mais’.”
Em 4 de setembro de 2021, ela colocou suas coisas no seu Subaru
Outback cinza e saiu de Colorado Springs em direção ao leste. “Tive
uma ideia: durante um ano, moraria em lugares diferentes para
descobrir onde queria me estabelecer. Se tivesse que trabalhar em um
café, uma livraria, uma biblioteca ou qualquer outro lugar, trabalharia.”
“E como está indo?”, perguntei. “Maravilhoso. Não dá nem para
dizer como é magnífico. Não tive um único instante de
arrependimento.”
Ela admite que, no começo, foi difícil se acostumar com a ideia de
apenas desistir. E começar de novo. “‘Desistente é um insulto!’, dizia meu
pai. ‘Você precisa ter perseverança.’ E também dizia: ‘Se começou um
trabalho, nunca o deixe pela metade’. A ética protestante do trabalho se
infiltra em nós da mesma maneira que o preconceito estrutural.
Quando mudamos de rumo, é como se estivéssemos errados, como se
houvéssemos cometido um erro.” E isso não é lá muito agradável de se
reconhecer.
Quando perguntei se ela se sentiu corajosa por ter feito uma
mudança tão drástica, Alyn rapidamente objetou: “É corajoso dizer ‘não
vou me deixar morrer’? Não. Não é coragem, é autopreservação”. Ela
deu uma risada calorosa. “Uma parte importante de ligar o foda-se – o
que estou fazendo – é que você não precisa justificar tudo que faz. Só
temos uma vida.”
***
Uma epifania semelhante aconteceu com Christine Sneed, escritora
e professora que trabalhou em Chicago por duas décadas, até maio de
2018 – momento em que de repente percebeu que sua vida lhe parecia
errada.
“Eu tinha que ir embora. Não podia continuar fazendo as mesmas
coisas”, disse ela, apesar de essas “coisas” incluírem um sólido histórico
de realizações. Ela publicou quatro livros bem recebidos pela crítica,
em seis anos, enquanto dava aulas de redação na Universidade de
Northwestern. Mas se sentia presa, sem rumo. “Era uma questão de
poder sair da cama de manhã com motivação. Eu vivia cansada, o
tempo todo. Tive que confiar em meus instintos.”
Então, ela e seu parceiro, Adam, treinador de futebol juvenil, se
mudaram para Pasadena. Agora, além de romances, ela escreve
roteiros. “Mesmo sendo difícil, é minha vida. Não me arrependo das
escolhas que fiz. Vir para cá foi uma renovação. Em Chicago, eu não
podia mais olhar para o vale abaixo de nosso condomínio sem querer
me estrangular.” Rindo, ela acrescentou: “Ou estrangular alguém!”.
Para essas duas mulheres, e também para outras pessoas que você
conhecerá neste livro, a crescente convicção de que precisavam fazer
uma mudança significativa não foi um impulso fugaz, um casual “talvez
um dia…”, como uma contemplação ociosa. Foi um passo radical, de
“agora ou nunca”. Um limiar. Um portal para um novo mundo.
***
O cérebro humano, como o de todas as criaturas vivas, sabe o que
fazer quando a sobrevivência está em jogo: desistir e tentar outra coisa.
O cérebro de Alyn sabia. O de Sneed também. Até o fungo mucilaginoso
em uma placa de Petri sabe. Assim sendo, por que mais pessoas não
fazem isso com frequência?
Em seu provocativo livro Burnout: o segredo para romper com o ciclo de
estresse, Emily Nagoski e Amelia Nagoski observam que saber quando
desistir “vem a nós da mesma maneira que para os pássaros e os
esquilos: como uma intuição que está fora da racionalidade.
Simplesmente ouvimos uma voz dentro de nós dizendo: ‘Você já fez
tudo que podia aqui. É hora de seguir em frente’”. Porém, muitas vezes
a ignoramos. “Os seres humanos – em especial as mulheres – têm uma
capacidade extraordinária de ignorar essa voz.”
As mulheres que vivem relacionamentos abusivos às vezes recebem,
de amigos e familiares bem-intencionados, conselhos de perdoar o
agressor e tentar de novo, para evitar destruir um lar. Ouvem que o
compromisso com um parceiro íntimo deve ter precedência sobre
tudo, inclusive sobre danos físicos ou emocionais infligidos por ele.
Desistir e ir embora, terminar um relacionamento, é desafiar
normas sociais poderosas, escrevem as irmãs Nagoski: “Vivemos em
uma cultura que valoriza autocontrole, determinação e perseverança.
Muita gente aprendeu a ver uma mudança de metas como ‘fraqueza’ e
‘fracasso’ […]. Se ‘fracassamos’ em atingir um objetivo, é porque há algo
errado conosco. Não lutamos o bastante. Não ‘acreditamos’”.
Às vezes, claro, você chega lá. Decide que vai desistir. Pode ser um
emprego que você precisa abandonar, ou um amor. Se você é um
pássaro, pode ser aquela semente no fundo do copo amarelo. “Isso não
está dando certo”, você pensa, “estou me esgotando à toa”. Então, faz o
que fizeram Alyn e Sneed. Ou o que fazem as abelhas e os corvos. Você
desiste a fim de ganhar tempo e energia para ir atrás de outra coisa, de
algo mais promissor.
E tudo começa com o espasmo de um neurônio.
Pense nisso
Você quer desistir. No fundo, sabe que é a hora. Quando uma
situação não parece certa, ouça seu corpo e sua mente.
Desistir e seguir em outra direção é uma estratégia de
sobrevivência, assim como o é para outros animais. Não deixe
que o medo de ser chamado de desistente o impeça de se
proteger de danos físicos e mentais.
CAPÍTULO 2
A neurociência do “para mim,
chega!”
Eu pesquisei, e isso pode acontecer: os rios mudam de curso, mas é um processo longo.
Acho que minha vida mudou de curso.
JACKSON BROWNE
Pense nisso
Quer manter seu cérebro ágil e flexível, mas não sabe como? O
cérebro é como o corpo: anseia por movimento e mudança.
Portanto, vale a pena reavaliar métodos e objetivos com
frequência, refletir sobre possibilidades e alternativas para sua
vida. Se decidir desistir, não veja isso como uma rendição: veja
como aeróbica para o cérebro.
CAPÍTULO 3
Jennifer Aniston pede demissão
– a bela arte de dizer “fui”
Será meio confuso, mas aceite. Será complicado, mas alegre-se com as complicações
[…] E não se assuste. Você sempre pode mudar de ideia. Disso eu entendo: tive quatro
carreiras e três maridos.
NORA EPHRON
Pense nisso
Você assistiu a Noiva em fuga uma dúzia de vezes. Comemora
quando Renée Zellweger diz poucas e boas a Hugh Grant em O
diário de Bridget Jones. Cenas de desistência fazem você se
sentir ousado e combativo, pronto para mudar sua vida. Ou
talvez não. Talvez elas o deixem nervoso e apreensivo. Revisite
cenas sobre desistência. Sua reação pode dizer muito sobre
seu nível de conforto com mudanças.
PARTE DOIS
Como “desistir” se tornou um
palavrão – e por que isso
importa
Fixar o trabalho árduo como a chave para o sucesso nos permite manter nossa
crença em um mundo justo e racionalizar a desigualdade.
ADAM GRANT
CAPÍTULO 4
Vendendo perseverança
Você conhece o clichê “um vencedor nunca desiste e um desistente nunca vence”? A
isso, Freakonomics Radio responde: “Tem certeza? Às vezes, desistir é estratégico e
pode ser seu melhor plano possível”.
STEPHEN J. DUBNER
Smiles pode não ser mais um nome familiar, mas o princípio que ele
criou e defendeu ainda controla nossas expectativas de uma vida feliz e
significativa. A crença fervorosa no “fazer-se sozinho” continua sendo
uma força motriz. O crescente movimento de coaching de vida vem
direto do manual de Autoajuda, tanto que, se Smiles estivesse vivo e
disposto a trocar aquela sobrecasaca e o colarinho engomado por
leggings e camisetas confortáveis, ele mesmo seria coach. Claro que
teria uma forte concorrência para conseguir acólitos.
Em 2007, uma mulher chamada Brooke Castillo, ungida como
“rainha reinante do mundo do coaching de vida” pelo Guardian,
transformou a ideia de autoempoderamento em um império lucrativo
de podcasts, livros e cursos on-line que continuam produzindo ainda
mais coaches de vida. Seus lucros quadruplicaram entre 2017 e 2019,
informa o jornal, e, em 2020, a Life Coach School de Castillo arrecadou
37 milhões de dólares brutos. Ela diz a seus clientes que “seus
problemas não são causados por circunstâncias externas – chefes ruins,
sogras difíceis –, e sim por sua incapacidade de administrar seus
próprios pensamentos”. Alguém já ouviu algo parecido?
No entanto, há um lado sombrio nesse elevado conceito de
perfeccionismo. Pode nos fazer sentir inadequados e envergonhados se
nossa vida não corresponder a algum padrão arbitrário de felicidade e
patrimônio líquido – você não podia ter trabalhado mais? Sério? Ande,
admita.
Ainda mais insidioso é seu efeito sobre nós em tempos de
devastação emocional. Como a conselheira na superação do luto Julia
Samuels escreve em Grief Works: “Nossa cultura está imbuída da crença
de que podemos consertar praticamente qualquer coisa e torná-la
melhor […]. O luto é a antítese dessa crença: abstém-se da evitação,
requer resistência e nos força a aceitar que algumas coisas neste mundo
simplesmente não podem ser consertadas”.
É difícil reconhecer isso em uma sociedade na qual a meta da
perfeição infinita penetrou tão profundamente na psique. É difícil
desenraizá-la, em especial, talvez, para os estadunidenses, que vivem
em uma terra onde a ideia fundamental é de pique e motivação.
“Somos um povo voltado para o futuro, preocupado com o futuro”,
reflete Sharon O’Brien em sua introdução a uma nova edição de Minha
Antonia, de Willa Cather, um romance que explora as dificuldades da
experiência de imigrantes na colonização do oeste estadunidense.
“Vemos essa crença (que é, na verdade, um desejo) manipulada da
forma mais crua e oportunista na publicidade que atende a nosso
desejo de renovação – anúncios de cosméticos, tênis de corrida,
produtos dietéticos, restauradores capilares, até eletrodomésticos;
itens que prometem um eu transformado e redimido.”
***
Brad Stuhlberg viu pessoalmente os resultados negativos dessa
busca interminável por perfeição. Em seu recente livro Groundedness: A
Transformative Path to Success That Feeds – Not Crushes – Your Soul, o escritor
e preparador físico descreve a situação de muitas pessoas de alto
desempenho que ele treinou: cansadas e estressadas. Correm muito
todos os dias, mas não sentem nenhum progresso. Quanto mais
alcançam, mais vazias se sentem. Mesmo assim, não querem desistir
nem mudar de rumo, diz Stuhlberg, porque acreditam que perderão o
embalo e ficarão para trás.
O culpado, aponta ele, é o “individualismo heroico”, “perpetuado
por uma cultura que diz implacavelmente que você precisa ser melhor,
sentir-se melhor, pensar mais positivamente, ter mais […]. Muitos
homens descrevem isso como uma necessidade pesada de ser à prova
de balas, invencível. E muitas mulheres relatam que precisam dar conta
de tudo sempre, ficando o tempo todo aquém de expectativas
impossíveis”.
Pense nisso
Você aprendeu, desde criança, que a perseverança é a chave
para o sucesso. Leu livros, ouviu podcasts e assistiu a vídeos no
YouTube que afirmam que desistir é ruim. Contudo, vista de
outro ângulo, a desistência fica mais complexa: afinal, é uma
maneira de começar de novo, de traçar uma linha entre quem
você é e quem gostaria de ser. Não se trata de falta de foco, e
sim de possibilidades.
CAPÍTULO 5
Sorte e desapego:
coisas acontecem
A aleatoriedade fundamental é insuportável para nós […]. Não desistimos enquanto não
encontramos conforto em estabelecer alguma causa, não importa quão implausível seja.
E agora, de repente, a física quântica nos fala de eventos que simplesmente acontecem.
Einstein ficou perturbado com isso; supostamente exclamou uma vez que, se a
aleatoriedade permanecesse conosco, preferiria trabalhar em um cassino a ser físico.
ANTON ZEILINGER
Pense nisso
Você teve um pouco de sorte na vida. E de azar também. É
assim para todos. No entanto, na incerteza de uma vida
confusa, você pode realizar pelo menos um ato puro e
definitivo: desistir. Pode mudar de curso quando precisar. É
uma maneira de lutar contra o acaso e recuperar seu poder.
CAPÍTULO 6
Fazendo do mundo um lugar
melhor – um “para mim,
chega!” de cada vez
O outro lado da positividade é, portanto, uma dura insistência na responsabilidade
pessoal: se sua empresa fracassa ou seu trabalho é eliminado, deve ser porque você não
se esforçou o suficiente.
BARBARA EHRENREICH
Pense nisso
Você é sempre informado sobre os problemas do mundo,
desde guerras e pobreza até fome e falta de moradia. Está
começando a questionar a mensagem que recebemos durante
tantos anos – que, se as pessoas marginalizadas tentassem
mais, conseguiriam se dar bem. O mito da perseverança é
muito usado pelos poderosos para demonizar as pessoas
necessitadas. É hora de parar de culpá-las, porque estamos
todos juntos nessa.
PARTE TRÊS
Desistência: um guia prático
Dê um passo para trás a fim de saltar mais alto.
DUDLEY CARLETON (1573-1632)
CAPÍTULO 7
O quase desistir: uma pausa e
uma guinada
Vamos recuar para poder atacar.
CHUCK RHOADES (PAUL GIAMATTI) NA SÉRIE BILLIONS
Pense nisso
Você está inquieto. Quer tentar algo novo. Está no estágio de
acordar no meio da noite e ficar escrevendo no notebook; é
hora de mudar. Mas você hesita em desistir de tudo. Por que
não deixar só algumas coisas para lá? A desistência não precisa
ser absoluta.
CAPÍTULO 8
Desistir e o caminho para o
sucesso no trabalho
A desistência estratégica é o segredo das empresas de sucesso.
SETH GODIN
Desde criança, ela pensava muito sobre como queria usar seus dons.
“Quando era jovem, imaginava que seria advogada”, contou-me
Spaulding, e acrescentou, rindo: “Eu era apaixonada por Claire
Huxtable do The Cosby Show. Pensava em voltar para o leste, morar em
uma casa de arenito vermelho, ter uma vida de classe média, com
poetas e músicos entrando e saindo da vida de meus filhos”. Depois do
segundo ano na faculdade, uma de suas professoras lhe perguntou se
ela já havia pensado em seguir carreira acadêmica. “Foi muito
perturbador para mim. Fiquei em choque. ‘Pretos não fazem isso’,
pensei.”
“Então a professora disse: ‘Você tem um talento especial. E eles vão
pagar para você fazer o curso’.” Spaulding riu de novo. “Eu disse: ‘Você
deveria ter me dito isso primeiro!’.” Mas a pós-graduação não foi o
cenário dos sonhos que ela havia imaginado. Suas dúvidas só cresciam,
até que enfim lá estava ela, sentada no carro com o pai, angustiada e
insegura. Ela sabia o que seus pais queriam que fizesse, mas o que ela
queria? Deveria desistir, o que lhe parecia o melhor caminho naquelas
circunstâncias, ou tentar continuar, com a bênção da família?
Spaulding acabou ficando no curso de Ph.D., mas decidiu sair de
West Lafayette. Alugou um apartamento em Chicago e escreveu seu
TCC lá, voltando ao campus quando necessário, mas passando a maior
parte do tempo em sua nova casa, curtindo a vida em uma cidade maior
e mais diversa.
“Meus conselheiros ficaram horrorizados”, contou ela. “Eles tinham
certeza de que eu nunca terminaria meu TCC longe de lá.” Mas eles não
a conheciam, nem à sua determinação.
Ela terminou o TCC, formou-se e, depois de vários empregos como
professora, tornou-se chanceler interina de diversidade, equidade e
inclusão na Universidade do Colorado, em Colorado Springs, enquanto
também lecionava no departamento de estudos femininos e étnicos.
Ela nunca esquecerá o dia em que ficou naquele estacionamento, ao
lado do pai, tentando decidir o que era certo para sua vida. Tinha que
tomar a decisão sozinha, mas, independentemente dos resultados,
sabia que nunca estaria só.
***
Em poucos lugares os julgamentos sobre a desistência são tão
rígidos e inequívocos quanto no mundo dos esportes. Quem desiste é
um covarde; quem continua lutando é vencedor. Para muitas pessoas,
de fato, a palavra “desistente” evoca a imagem de alguém se arrastando
por um campo, derrotado, sem capacete, de ombros caídos. Ou apenas
não aparecendo no treino seguinte. Desistir parece algo tão decisivo
quanto a pontuação final do placar.
Devagar com o andor, diz a Dra. Kristen Dieffenbach: “Há uma
diferença entre escolher parar e desistir. Essa é uma palavra mordaz.
Afinal, equiparamos a desistência ao fracasso. Mas esse não é bem o
caso. Em certos momentos, você pode deixar de fazer algo por ser
perigoso e insalubre. Só que damos um valor muito alto aos resultados
nos esportes, e se você desiste, é porque ‘não deu conta’”.
Dieffenbach é diretora do Centro para Treinamento Aplicado e
Ciência do Esporte, bem como professora associada de educação em
treinamento atlético na Universidade de West Virginia. Também é
atleta, assim como o marido, e eles são pais de uma jovem atleta. Em
outras palavras: ela está muito imersa no jogo de desistir ou não.
Um dos focos principais da pesquisa e das aulas de Dieffenbach é o
papel que figuras de autoridade, como pais e treinadores,
desempenham na vida de jovens atletas. Esses relacionamentos
complicam a ideia de desistir, aponta ela, porque há mais coisas
envolvidas, não só a decisão de uma pessoa. Investimentos substanciais
de dinheiro, tempo e energia emocional são feitos para ajudar o atleta a
desenvolver suas habilidades. Nós nunca desistimos de nada sozinhos.
Desistir nunca é um esporte solo.
“O esporte é uma área que mexe demais com a emoção da família”,
diz Dieffenbach. “Os pais têm que dirigir muito, passar horas sentados
nas arquibancadas. Então, quando uma criança desiste de um esporte,
não é só ela que desiste; é a família toda.”
Pense nisso
Você se importa com o que os outros pensam a seu respeito. E,
até certo ponto, tem razão. Mas nenhuma decisão que você
tome – inclusive a de desistir – terá 100% de aprovação. As
pessoas que o amam querem o melhor para você, mas só você
pode decidir o que significa “melhor”. Desistir é seguir seu
coração, mesmo que você decepcione outra pessoa.
CAPÍTULO 10
Desistir a céu aberto
Visibilidade, nos dias de hoje, parece equivaler a sucesso. Não tenha medo de
desaparecer – dela, de nós – por um tempo e ver o que aparece no silêncio.
MICHAELA COEL, CERIMÔNIA DO EMMY 2001
Pense nisso
Você gosta de compartilhar o que está acontecendo em sua
vida, como decisões importantes que toma em relação a
empregos, estudos, relacionamentos. Mas as redes sociais
aumentam o peso da desistência. Não deixe que isso o engane
e você acabe dizendo ao mundo qualquer coisa antes de se
sentir pronto.
CAPÍTULO 11
Uma comunidade de desistentes
Você não quer ser a mesma pessoa a vida toda, não é?
KAREN JOY FOWLER
Pense nisso
Você vê esse desejo de desistir como um inimigo, algo que deve
vencer. Mas tente imaginar a desistência como amiga e aliada,
parte de uma estratégia de longo prazo, criativa e dinâmica,
para uma vida cheia de possibilidades maravilhosas. Você pode
desistir quantas vezes precisar, quantas vezes achar que deve.
Ouça sua consciência, bem como seu coração. E prospere.
Posfácio
Uma grande verdade é uma verdade cujo oposto
é também uma grande verdade.
NIELS BOHR, FÍSICO VENCEDOR DO PRÊMIO NOBEL
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