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Universidade Federal de Minas Gerais

Departamento de Geografia

William Zanete Bertolini

O ENSINO DO RELEVO:
NOÇÕES E PROPOSTAS PARA UMA DIDÁTICA
DA GEOMORFOLOGIA

Minas Gerais - Brasil


Abril – 2010
William Zanete Bertolini

O ENSINO DO RELEVO:
NOÇÕES E PROPOSTAS PARA UMA DIDÁTICA
DA GEOMORFOLOGIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação do


Departamento de Geografia da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Geografia e Análise Ambiental.

Orientadora: Profª. Drª Vilma Lúcia Macagnan Carvalho

Belo Horizonte
Departamento de Geografia da UFMG
2010
Comissão Examinadora

____________________________________
Professora Drª. Vilma Lúcia Macagnan Carvalho

____________________________________
Professor Drº. Roberto Célio Valadão

____________________________________
Professora Drª Carla Juscélia de Oliveira Souza

____________________________________
William Zanete Bertolini

Belo Horizonte, ___ de ___________________ de _______

Resultado: ________________________________________________________________
AGRADECIMENTOS

À professora Vilma que, muito solicitamente, me acolheu no


mestrado e se dispôs a trilhar comigo os caminhos deste estudo.
Também pela confiança em mim depositada nas oportunidades
docentes que me ofereceu.

Ao professor Roberto Valadão pelo apoio e diálogo sempre que


precisei.

Aos companheiros Alex Lima, Diego R. Macedo, Vladimir Diniz


Ramos, Luis Felipe S. Cherem, Elizene Veloso, Bráulio M.
Fonseca, Malena Nunes, Marcina Nunes, Fabiano Belém.
RESUMO

Esta dissertação tem como objeto de estudo o conhecimento do relevo na perspectiva do


seu processo de ensino/aprendizagem em meio à geografia escolar. Tendo em vista que a
organização e estruturação do conhecimento constituem-se em fatores fundamentais para a
explicação e compreensão dos conteúdos, o principal objetivo desta pesquisa é apresentar propostas
de abordagem do relevo aplicadas ao ensino deste conteúdo. Indiretamente, pode ser apontado
como objetivo secundário a formação docente. Entretanto, ressalta-se que não se trata, em
princípio, de simplesmente oferecer aos professores materiais para o ensino do relevo, mas,
também e mais importante, de refletir sobre quais conhecimentos devem ser mobilizados ao se
abordar o conhecimento do relevo tanto a partir da realidade e do contexto nos quais estão inseridos
os alunos, quanto à luz dos conhecimentos geocientíficos. Dando-se conta de algumas conclusões
apontadas em estudos nacionais e internacionais a respeito das dificuldades enfrentadas por
professores e alunos com relação ao tratamento e construção do conhecimento em geociências,
julga-se que esta pesquisa encontra respaldo não somente em função de uma demanda ainda pouco
abordada pelas geociências no Brasil, mas, também, pela importância de um adequado
conhecimento desse saber em virtude de sua aplicação no planejamento ambiental. Para alcançar o
objetivo explicitado, a pesquisa visa analisar, discutir, aplicar e correlacionar a natureza conceitual
do conhecimento geomorfológico no que se refere às suas formas, processos e condicionantes
genéticos às noções necessárias que tanto alunos quanto professores devem ter para
compreenderem, adequadamente, os conteúdos didáticos referentes ao relevo. Para viabilizar a
construção dessas propostas foram delineadas as seguintes etapas metodológicas de subsídio à
pesquisa: (i) revisão de literatura a respeito da formação dos conceitos científicos e sua importância
no ensino do relevo; (ii) identificar as orientações dos PCN’s e CBC quanto à abordagem do relevo
no ensino básico a fim de se ter um parâmetro para a elaboração da proposta aqui objetivada; (iii)
elaborar representações gráficas do relevo (blocos-diagrama e fotografias) que demonstrem a
diversidade de formas do relevo e auxiliem na compreensão dinâmica e multiescalar do mesmo;
(iv) demonstrar as relações que podem ser estabelecidas entre a linguagem escrita e a linguagem
gráfica no ensino/aprendizagem do relevo.

Palavras-chave: Ensino de geomorfologia – Educação científica - Geografia


RÉSUMÉ

Cette dissertation a comme objectif d’étude la connaissance du relief dans la perspective de son
procès d’enseignement/apprentissage au milieu de la géographie scolaire. En tenant compte que
l’organisation et la structuration de la connaissance qui constituent des facteurs fondamentaux pour
l’explication et la compréhension des contenus. Le principal but de cette recherche est la
construction de propositions d’approche du relief liées à l’enseignement de ce contenu. Cependant,
on souligne qu’il ne s’agit pas, en principe, simplement d’offrir aux professeurs des matériels pour
l’enseignement du relief, mais aussi encore plus important, de réfléchir sur les connaissances qui
doivent être mobilisées. Quant à l’approche de la connaissance du relief, à partir de la réalité et du
contexte qu’on trouve les élèves comme la lumière des connaissances géoscientifiques. En tenant
compte de certaines conclusions pointées dans quelques études nationales et internationales sur les
difficultés qui font face aux professeurs et aux élèves par rapport à l’approche et à la construction
de la connaissance en géosciences, on juge cette recherche, on ne la justifie pas seulement en
fonction d’une demande peu approche par la géosciences au Brésil mais aussi, par l’importance
d’une connaissance juste de ce savoir, en fonction de son rôle à l’aménagement de
l’environnement. Pour atteindre le but explicité, cette recherche analyse, dispute, applique la nature
conceptuelle de la connaissance géomorphologique à partir de ses formes, ses procès et ses
conditionnements génétiques aux notions nécessaires que les professeurs et les élèves doivent avoir
pour comprendre les contenus didactiques reportés au relief. Pour rendre viable la construction de
ces propositions on a fait schéma des étapes méthodologiques suivantes : (I) la révision de la
littérature scientifique par rapport à la formation de concepts scientifiques et son importance dans
l’enseignement du relief; (II) l’identification des orientations du PCN’s et CBC quant à l’approche
du relief dans l’école basique afin d’avoir un paramètre pour l’élaboration de ce propos; (III) l’
élaboration et l’utilisation des représentations graphiques du relief (photographies, bloc-
diagrammes) qui démontrent la diversité morphologique du relief terrestre et qui aident la
comphrénsion dynamique et multi-escalier de ceci; (IV) la démonstration des relations qui peuvent
être établies entre la langue écrite et la langue graphique à la réprésentation du relief.

Mots-Clés: Enseignement de géomorphologie – Education scientifique - Géographie


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Esquematização da Paisagem no Contexto Ecológico ................................... 2


FIGURA 2 – Diagrama Metodológico da Pesquisa ........................................................... 10
FIGURA 3 – Conceitos e Ideias Envolvidos no Ensino, Aprendizagem e Pesquisa em
Geomorfologia .................................................................................................................... 31
FIGURA 4 – Elementos Constituintes do Processo de Ensino/Aprendizagem em Sala de
Aula .................................................................................................................................... 32
FIGURA 5 – Condições Relativas à Aprendizagem Significativa ..................................... 32
FIGURA 6 – Depressão de Gouveia e Serra do Espinhaço ............................................... 56
FIGURA 7 – Planície e Depressão do Rio Doce ................................................................ 59
FIGURA 8 – Diferentes Formatos ou Geometrias de Vertentes ........................................ 63
FIGURA 9 – Vertente Típica do Relevo de Mares de Morro do Sudeste Brasileiro:
Município de Rio Casca (MG) ........................................................................................... 64
FIGURA 10 – Relevo do contato entre o Planalto da Bacia do Paraná e o Planalto da
Canastra: entre Uberaba e Luz (MG) ................................................................................. 64
FIGURA 11 – Vertente Constituída por Afloramento Rochoso no Topo, depósito de tálus
na porção média e solo na parte baixa, junto ao nível d’água representado pelo Rio Doce.
Município de Aimorés (MG) .............................................................................................. 64
FIGURA 12 – Perfil de Relevo Mostrando Duas Vertentes e a Variação do Material que
Compõe a Vertente Leste ................................................................................................... 65
FIGURA 13 – Sequência de Eventos Responsáveis pela Formação da Lagoa Santa, no
Município de Lagoa Santa (MG) ........................................................................................ 70
FIGURA 14 – Cicatriz Erosiva e de Movimento de Massa na Porção Média/Superior da
Vertente. Município de Rio Casca – MG ........................................................................... 71
FIGURA 15 – Cicatrizes Erosivas em outro flanco da mesma vertente vista na Figura 14 .
............................................................................................................................................. 71
FIGURA 16 – Cicatriz de Movimento de Massa Planar em Encosta Convexa no Município
de Paula Cândido na Zona da Mata Mineira ...................................................................... 71
FIGURA 17 – As Transformações do Relevo ao Longo do Tempo .................................. 72
FIGURA 18 – Ação Fluvial na Elaboração do Relevo ...................................................... 77
FIGURA 19 – Ação Erosiva do Córrego Associada à Influência Humana no Meio
Ambiente ............................................................................................................................ 77
FIGURA 20 – O Relevo de Belo Horizonte no Contexto do Quadrilátero Ferrífero e seu
Entorno ............................................................................................................................... 79
FIGURA 21 – Corte Norte do Relevo de Minas Gerais ..................................................... 82
FIGURA 22 – Corte Centro-Oeste do Relevo de Minas Gerais ........................................ 83
FIGURA 23 – Corte Centro-Leste do Relevo de Minas Gerais ......................................... 84
FIGURA 24 – Corte Norte-Sul do Relevo de Minas Gerais .............................................. 85
FIGURA 24A – Corte Norte-Sul do Relevo de Minas Gerais sob outro ângulo ............... 86
FIGURA 25 – Mapas de Unidades e Macrocompartimentos do Relevo de Minas Gerais 90
FIGURA 26 – Relevo e Planejamento Ambiental ............................................................. 94
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Reconhecendo o Relevo através de fotografias e croquis (I): Figura 6 ........... 57


Quadro 2 – Reconhecendo o Relevo através de fotografias e croquis (II): Figura 7 ......... 60
Quadro 3 – O Relevo e suas Vertentes: Figuras 9, 10 e 11 ................................................ 64
Quadro 4 – As Transformações do Relevo ao Longo do Tempo: Figuras 13, 14, 15, 16 e 17
............................................................................................................................................. 74
Quadro 5 – A Compreensão da Relação da Escala Espacial com o Relevo: Figura 20 ..... 80
Quadro 6 – Cortes do Relevo de Minas Gerais em Bloco-diagrama: Figuras 21, 22, 23, 24
e 24A .................................................................................................................................. 87
Quadro 7 – As Relações entre Macrocompartimentos e Unidades de Relevo: Figura 25 . 91
Quadro 8 – Relevo e Planejamento Ambiental: Figura 26 ................................................. 95
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................1

ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO ..................................................................9

CAPÍTULO 1 – O ENSINO DO RELEVO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO


CIENTÍFICA E GEOGRÁFICA .....................................................................................14
1.1 – O contexto do ensino de ciências na atualidade ....................................................14
1.2 – Breves notas sobre o ensino de geografia frente às necessidades de uma
educação científica .................................................................................................16
1.2.1 – Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), os Conteúdos Básicos
Comuns (CBC) e o ensino do relevo no contexto geográfico..............................19
1.3 - Interseções entre geomorfologia, geografia, geologia e ciências da Terra ..... 22
1.4 – Algumas contribuições ao processo de ensino-aprendizagem a partir das
teorias cognitivas .................................................................................................. 24
1.4.1 – Códigos analógicos e proposicionais ....................................................................26

CAPÍTULO 2 – A NATUREZA DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO


APLICADA AO ENSINO .................................................................................................31
2.1 – Aspectos inerentes ao ensino/aprendizagem do relevo ........................................ 34
2.1.1 – A linguagem conceitual .........................................................................................34
2.1.2 – O Abstrato no raciocínio geomorfológico .......................................................... 39
2.1.3 – As noções de escala espacial e escala temporal .................................................. 40
2.1.3.1 – A escala espacial ................................................................................................ 41
2.1.3.2 – A escala temporal .............................................................................................. 42
2.1.4 – A linguagem visual e as representações gráficas ............................................... 44
O uso de mapas e representações em 3D do relevo ....................................................... 45
O perfil topográfico .......................................................................................................... 47
O uso de fotografias .......................................................................................................... 47
2.1.5 – As relações de causa/consequência e suas variáveis complexas: interação da
geomorfologia com outros campos do conhecimento .................................................... 48

CAPÍTULO 3 – ATIVIDADES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS ENVOLVENDO O


RELEVO E SUAS REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS ............................................... 51
3.1 – Pela própria abordagem do conceito de relevo ..................................................... 52
3.2 – O relevo é parte integrante da paisagem. Como reconhecê-lo através de
fotografias e croquis? ........................................................................................... 54
3.3 – Vertentes e vales: o relevo que vemos e sobre o qual andamos ........................... 61
3.4 O relevo é dinâmico: suas transformações e sua elaboração .............................. 66
3.4.1 Erosão: um conceito fundamental para se entender o relevo .......................... 67
3.4.2 Os conceitos de movimento de massa, desnudação e suas relações com a
erosão...................................................................................................................... 68
3.4.3 Os diferentes agentes erosivos ou morfogenéticos ............................................. 75
Os rios e o trabalho de erosão fluvial ..............................................................................75
3.5 – As dimensões do relevo e a ideia de que existem formas dentro de formas ........78
3.6 – A importância do relevo no planejamento ambiental .......................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 103

ANEXO 1............ Mapa dos Macrocompartimentos Geomorfológicos de Minas Gerais


Não sei como pareço para o mundo, mas para mim, sinto-me
somente como um menino brincando na praia e divertindo-me,
achando aqui e ali um seixo mais liso ou uma concha mais
bonita do que o comum, enquanto o grande oceano da verdade
permanece totalmente desconhecido diante de mim.

Isaac Newton
Introdução
_____________________________________________________________________________________

Introdução

Em meio as preocupações relativas à questão ambiental, o conhecimento em


geociências torna-se uma contribuição importante para saber pensar e agir frente aos
desafios impostos à educação ambiental e pelo desenvolvimento sustentável. A
Declaração sobre Ciência e o Uso do Conhecimento Científico, documento oriundo da
Conferência Mundial sobre Ciência realizada em Budapeste em 1999, afirma que há
consenso quanto ao fato de que o conhecimento científico é fator de desenvolvimento
social e econômico contribuindo para a melhoria do padrão de vida da população e o
respeito por um meio ambiente sustentável, necessidades indispensáveis para o bem-
estar das gerações futuras. Conhecer é o passo fundamental para saber cuidar, embora o
conhecimento não ofereça garantias de que as atitudes e escolhas, sejam elas individuais
ou coletivas, sejam as mais condizentes com as fragilidades do meio ambiente.
Conforme indica Jacoby (2009), as pessoas precisam ter uma compreensão básica do
sistema Terra, para lidar de maneira responsável com possíveis perigos e também
adaptar seu próprio comportamento de maneira a atenuar os danos ao planeta.
Hoje, mais do que nunca, as ciências naturais e sociais e suas aplicações são
indispensáveis ao desenvolvimento (UNESCO, 2003, p.50). Nesse sentido a geografia,
enquanto disciplina científico-escolar, parece ocupar um lugar privilegiado nessa tarefa.
Ela apresenta-se como um dos possíveis meios para se alcançar essa compreensão do
sistema Terra, já que tem como foco de análises as relações entre sociedade e natureza e
suas inter-relações sobre o espaço. Sociedade e natureza são duas esferas complexas que
comportam em si sistemas também complexos que interagem continuamente uns com
os outros produzindo a(s) dinâmica(s) do planeta Terra.
O sistema geomorfológico pode ser apontado como um desses sistemas que, por
sua vez, é caracterizado por diversos elementos constituintes e pelas inter-relações com
outros sistemas. Como mostra Christofoletti (1999), através da Figura 1, a morfologia
(formas e relevos) é um dos sistemas de preservação da vida que mantém um conjunto
de relações de interdependência com os outros sistemas da Terra.

1
Introdução
_____________________________________________________________________________________

Figura 1 – Esquematização da paisagem no contexto ecológico, evidenciando a complexidade


das inter-relações entre os vários sistemas do planeta. As setas indicam o quão complexo é o
conjunto de inter-relações entre os diversos elementos naturais da paisagem.

Do ponto de vista sistêmico, trabalhar o relevo em sala de aula é de grande valia


para entender o comportamento e as inter-relações de vários elementos ambientais como
o clima, a vegetação, os solos, a geologia, com o formato da superfície terrestre.
Embora não seja algo simples, o desafio que o ensino de geomorfologia representa pode
contribuir muito para a formação de cidadãos ambientalmente responsáveis, ou seja, que
se preocupam e saibam prognosticar os resultados das intervenções humanas e sociais
sobre o meio ambiente.
Contudo, para que o relevo se torne um conhecimento significativo a partir do
contexto escolar é preciso que meios e recursos eficientes sejam empregados com essa
finalidade. Delineia-se então a necessidade de uma didática eficiente baseada nas
especificidades do conteúdo e na sua adequada contextualização. O importante não é
apenas o que se ensina mas como se ensina. Nesse sentido, algumas perguntas
encontram-se no âmago desta pesquisa, como por exemplo: como ensinar e aprender os
significados das escalas temporal e espacial em geomorfologia? Que conhecimentos,
conceitos e informações devem ser mobilizados quando se ensina o relevo? Como
integrar as linguagens conceitual e gráfica no ensino do relevo? Essas são perguntas que

2
Introdução
_____________________________________________________________________________________

permeiam toda a pesquisa e suas possíveis respostas encontram-se refletidas nas


atividades apresentadas no capítulo 3 desta pesquisa.
O ensino do relevo permite a aquisição de certas habilidades cognitivas
importantes, como por exemplo: o pensamento conceitual, o deslocamento entre
diferentes escalas de tempo e espaço, a análise dos espaços considerando a influência
dos fenômenos da natureza e da sociedade, observando inclusive a possibilidade de
predomínio de um ou de outro tipo de origem do evento, a capacidade de abstração, a
construção de uma inteligência espacial e a capacidade de diagnosticar problemas
ambientais. De acordo com Carvalho (2004),
Entende-se que os conteúdos escolares da Geomorfologia propiciam
uma das formas de compreensão da superfície terrestre, possibilitando
ao aluno inferir a dinâmica das vertentes, com as suas variações de
forma, processos, evolução, área, altitude, inclinação, orientação, entre
outras, que integrariam e complementariam a aprendizagem da
espacialização dos fenômenos naturais e humanos. Colaboraria
também para educar o aluno para a valoração estética (cênica),
cultural (...) (CARVALHO, 2004).

Os objetivos do ensino de geografia na escola não são os mesmos que aqueles


propostos na universidade. No tocante ao relevo, na escola, esse conteúdo pode
contribuir para a formação de novos valores humanos frente ao uso dos recursos
naturais e a valorização do meio ambiente sob várias perspectivas, inclusive aquela que
lhe confere um valor estético e cultural, normalmente ausente em todos os níveis de
ensino. Tratada por um campo de conhecimentos específico – a geomorfologia – a
abordagem do relevo dentro da geografia escolar ganha contornos mais simplificados
tanto em função de certas necessidades didáticas quanto do cumprimento da rotina
escolar dentro de certos limites de tempo.
No ensino básico, este conteúdo fica a cargo da geografia e, embora sua
abordagem tenda a acontecer de maneira mais diluída nos últimos tempos, ainda, se
concentra entre os temas da 5ª série (ensino fundamental) e do 1º ano (ensino médio)
conforme apresentados nos livros didáticos.
Estudos recentes sobre aprendizagem de geociências, concepções prévias de
alunos e professores a respeito dos conhecimentos científicos nesse campo do
conhecimento permitem citar alguns problemas importantes que afetam o processo de
ensino/aprendizagem das geociências, tanto de maneira geral quanto no contexto do
ensino brasileiro, desde o nível fundamental ao nível superior, passando inclusive pela
formação docente. Entre esses problemas destacam-se os seguintes:

3
Introdução
_____________________________________________________________________________________

(i) A precária, limitada e fragmentada concepção de Geociências não capacita


os professores para desenvolver de forma sistêmica, hipotética e temporal a
desejável integração de informações ambientais na perspectiva geológica,
sob abordagem de uma natureza em permanente transformação. Isso sugere a
necessidade de se desenvolver metodologias para avançar o conhecimento
dos professores sobre o planeta (GONÇALVES e SICCA, 2005, p.105).
(ii) A opinião dos professores, de que os alunos fracamente conseguem
relacionar disciplinas e realidade, conduz à idéia de que, ao não ultrapassar
certos limites de aprofundamento, a contextualização está sendo banalizada e
pouco ajuda a formar o senso crítico dos alunos ou um entendimento claro
sobre como cada conhecimento científico (de cada disciplina) contribui para
desvendar a realidade (GONÇALVES e SICCA, 2005, p.105).
(iii) (...) a maioria dos professores encontra várias dificuldades na compreensão e
utilização de conceitos que estruturam o conhecimento geográfico e
cartográfico... (CASTELLAR, 2005a, p.73).
(iv) Limon e Carretero (1997) citados por Clayton e Gautier (2006, p.380)
“mostram que quanto à aprendizagem da origem da Terra, os estudantes
estiveram parcialmente cientes das contradições em seus sistemas de
conhecimento mas não foram capazes de integrar os dados em uma
explicação completa e coerente”.
(v) Apesar de universitários encontrarem-se na fase adulta, quando suas funções
psicológicas superiores possibilitam a aprendizagem de conceitos a partir de
abstrações e sínteses, o que se observou [em um grupo de alunos
universitários] foi a presença da dificuldade em operar, satisfatoriamente, os
conceitos relevo, processos geomorfológicos, agentes morfogenéticos,
condicionantes, formas de relevo e outros. Além disso, verificou-se no
raciocínio geomorfológico, dos referidos alunos, a forte presença da visão
linear na interpretação da dinâmica das formas de relevo e da concepção de
tempo como tempo geológico. Esses dois aspectos (conceitual e visão linear)
contribuem para, e constituem a existência de mais uma outra dificuldade, a
epistemológica, para aprendizagem do raciocínio geomorfológico pautado na
visão sistêmica, na complexidade e na inter-relação processos, escalas
espacial e temporal, relevo e formas de relevo (SOUZA, 2009, p.196).

4
Introdução
_____________________________________________________________________________________

(vi) Averiguando os conhecimentos mobilizados por um grupo de docentes de


geografia na escola básica através de certos experimentos didático-
pedagógicos, Ascenção (2009) conclui que não há uma relação lógica entre
processos e formas de relevo e entre escala espacial e temporal e formas de
relevo no raciocínio docente.
(vii) Apoiando-se em Del Gaudio (2006), Ascenção (2009) afirma que o estudo
do relevo no Ensino Médio está distante de uma das principais preocupações
do ensino de geografia; a possibilidade de que ele favoreça a participação
civil consciente na organização e reorganização espacial.
No que concerne aos materiais didáticos utilizados no ensino do relevo, aqui
representados pelos livros didáticos, a abordagem do relevo por estes, conforme
avaliação dos exemplares aprovados pelo PNLD 2005 (BERTOLINI, 2006), mostra
algumas lacunas e deficiências em sua abordagem. Em síntese, a abordagem do relevo
nos livros didáticos é, em geral, marcada pelos seguintes aspectos:
(i) Abordagem predominantemente macroescalar do relevo – montanhas,
planaltos, planícies e depressões.
(ii) Inadequação no emprego de certos termos, como vertente, erosão,
assoreamento, intemperismo.
(iii) Pouca correlação entre as dinâmicas do meio ambiente. Por exemplo, não
ficam claras as relações existentes entre os solos e o relevo quando, no
modelado de detalhe, ambos sistemas são vistos como um só.
(iv) Lacunas textuais e falta de clareza no que se refere às explicações
processuais da dinâmica do relevo.
(v) Correlação insuficiente entre a linguagem gráfica e a linguagem escrita.
(vi) Noção de relevo marcadamente associada à de espaço natural.
Tendo em vista que a utilização do livro didático é, em muitos casos, o único
guia do trabalho do professor em sala de aula e, em se tratando do relevo e sua
dinâmica, a abordagem desse conteúdo é feita quase que exclusivamente a partir desse
material (ASCENÇÃO, 2009), acredita-se que este material seja um bom indicador das
deficiências e dificuldades que são transmitidas e mantidas por professores e alunos ao
longo do tempo. O livro é o recurso que o aluno utiliza individualmente para assimilar o
conhecimento. Nesse sentido, se o texto didático não é claro e coerente o suficiente, o
aluno acaba encontrando barreiras na assimilação do texto e, consequentemente, do
conteúdo. E assim, reforçando possíveis obstáculos conceituais e epistemológicos.

5
Introdução
_____________________________________________________________________________________

Uma das características presentes em todas as coleções didáticas analisadas é o


destaque dado à abordagem macroescalar do relevo, aquela que prima pelas grandes
formas do relevo – planaltos, planícies e depressões. A abordagem macroescalar do
relevo é em grande medida muito mais abstrata que a meso ou microescalar, aquelas
que destacam as formas do relevo que podemos perceber no dia-a-dia (vertentes,
morros, colinas, ravinas, cicatrizes de erosão, vales). Pouquíssimos livros atingem o
nível concreto e menos abstrato do relevo, representado pela abordagem meso e/ou
microescalar. Todos introduzem as noções iniciais de geomorfologia pelo nível
macroescalar. As dificuldades advindas daí não são poucas já que se exige um alto grau
de abstração nessa compreensão macroescalar. Pode-se afirmar ainda que a abordagem
do relevo pela geografia baseia-se, principalmente, no estudo das formas, sem a devida
importância aos processos e materiais que conformam-nas. Materiais, processos e
formas são categorias da análise geomorfológica das mais importantes. Sem a devida
integração entre as ideias incluídas nessas categorias torna-se muito difícil a
compreensão do relevo enquanto fenômeno complexo.
Outra questão fundamental envolvida nesta problemática está relacionada à
formação dos professores e de como eles lidam com o conhecimento adquirido na
academia em sala de aula, isto é, em outro contexto de ensino. Embora a geografia
escolar tenha como fonte a geografia acadêmica, com destaque para os conceitos com os
quais ela trabalha, em sala de aula o conhecimento geográfico ganha contornos
pedagógicos específicos.
Tendo em vista as questões acima expostas e que a organização e estruturação
do conhecimento constituem-se em fatores fundamentais para a explicação e
compreensão do que se quer ensinar (COMPIANI, 1998), o principal objetivo desta
pesquisa é apresentar propostas de trabalho envolvendo o conteúdo de relevo e seu
processo de ensino-aprendizagem. E que, gradativamente, se chegue aos níveis mais
abstratos e de maior amplitude das formas. A proposta aqui defendida explora maneiras
como os conceitos inerentes ao relevo devem ser apresentados, tomando-se como
pressuposto básico o fato de que não se trata de ensinar o relevo por si mesmo, as
formas pelas formas simplesmente, mas, através disso mostrar como os diferentes
ritmos da natureza regem o sistema geomorfológico, a influência da humanidade sobre
esse contexto e como a dinâmica do relevo influencia a organização natural e
socioambiental do espaço.

6
Introdução
_____________________________________________________________________________________

Se deve haver um público definido ao qual seja voltado este trabalho, esse
público deve ser o professorado já que, no contexto do ensino escolar, há a necessidade
de domínio, por parte dos docentes, tanto das bases conceituais de determinado assunto
quanto dos modos envolvidos em sua abordagem e problematização. Esses dois âmbitos
(domínio das bases conceituais e modos de sua abordagem) são explorados nesta
pesquisa. No entanto, acredita-se que esta pesquisa possa servir de base reflexiva e
formativa, tanto para professores do ensino fundamental e médio, quanto para
graduandos em geografia e áreas afins. Contudo, a preocupação maior deste trabalho
não está centrada no público alvo mas na forma como o conhecimento acerca do relevo
pode ser abordado do ponto de vista científico-conceitual. As propostas aqui
desenvolvidas trazem consigo níveis diferentes de complexidade, podendo a mesma
atividade ser abordada de um ponto de vista mais simples até um mais complexo. Isso
depende da maturidade cognitiva dos receptores da mensagem.
As propostas aqui apresentadas não constituem meramente um mostruário de
atividades que podem ser utilizadas por professores e/ou alunos mas, também e mais
importante, meios para pensar em novas maneiras de abordar o conhecimento do relevo,
tanto a partir da dimensão mais próxima e perceptível, quanto da perspectiva mais
abstrata, ambas sob a luz dos conhecimentos geocientíficos.
Dando-se conta de algumas conclusões apontadas em estudos nacionais e
internacionais a respeito das dificuldades enfrentadas por professores e alunos com
relação ao tratamento e construção do conhecimento em geociências, julga-se que esta
pesquisa encontra respaldo não somente em função de uma demanda ainda
relativamente pouco abordada e explorada pelos geocientistas no Brasil, mas também,
pela importância de um adequado conhecimento das geociências em virtude de sua
aplicação na educação, no planejamento ambiental e, em termos mais amplos, na
qualidade de vida humana.
A fim de se alcançar seus objetivos e seu desenvolvimento, esta pesquisa
encontra-se estruturada da seguinte forma: uma introdução que apresenta o tema da
pesquisa e seu objetivo, justifica-o e o contextualiza na dimensão da geografia escolar.
Em seguida, o capítulo 1 é dedicado a explorar o papel da didática das ciências e sua
importância no processo de ensino/aprendizagem. Além disso, esse capítulo apresenta
algumas contribuições do ponto de vista da psicologia cognitiva para os mecanismos e
processos de ensino/aprendizagem. O capítulo 2 discute a natureza do conhecimento
geomorfológico aplicada ao ensino. Quais conceitos e noções devem ser considerados

7
Introdução
_____________________________________________________________________________________

como base para a compreensão do relevo terrestre. O capítulo 3 apresenta-se como um


capítulo de resultados da pesquisa, em que são apresentadas e descritas propostas de
atividades didático-pedagógicas para se trabalhar o relevo e as noções com ele
envolvidas. A elaboração das propostas baseou-se na discussão das ideias apresentadas
nos capítulos 1 e 2, tendo como pressuposto fundamental o fato de que as formas do
relevo só podem ser entendidas na inter-relação entre elas e não individualmente e por si
mesmas. Além disso, primou-se relação da linguagem gráfica com a linguagem
conceitual no ensino do relevo e por uma abordagem que parte do concreto/perceptível
até chegar aos níveis mais abstratos do conhecimento das formas do relevo. Por fim, nas
considerações finais são sintetizadas algumas ideias voltadas para a eficiência de uma
didática da geomorfologia. Além disso, são apresentadas questões para futuras
pesquisas nessa linha, sobretudo envolvendo a aplicação e análise das propostas aqui
sugeridas; trabalho que, em decorrência da falta de tempo, fugiu ao escopo desta
pesquisa.

8
Encaminhamento Metodológico
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Encaminhamento Metodológico

Considerando a necessidade de construção de recursos didáticos que facilitem a


compreensão e o ensino das geociências (PEDRINACI e BERJILLOS, 1994;
CARVALHO, 2004; SANCHEZ, PRIEUR e DEVALLOIS, 2004; GONÇALVES e
SICCA, 2005; ORION e TREND, 2009), esta pesquisa tem seu foco voltado às
condições e meios de ensino-aprendizagem do relevo, ou seja, à organização interna,
vocabulário, terminologias da linguagem utilizada com os alunos e inter-relação com os
recursos visuais empregados. Por organização interna compreende-se a estruturação
lógica e conceitual explícita (POZO, 1998a) do conteúdo do relevo no ensino escolar. É
aqui empregado o conceito de aprendizagem significativa. O uso do termo
aprendizagem significativa é aqui dado de acordo com Pozo (1998b) baseado na teoria
cognitiva de David Ausubel (1968). Conforme Pozo (1998b, p.211)

“uma aprendizagem é significativa quando pode ser incorporada às


estruturas de conhecimento que possui o sujeito, isto é quando o novo
material [símbolos, conceitos, proposições] adquire significado para o
sujeito a partir de sua relação com conhecimentos anteriores.”

Tendo como foco os aspectos acima mencionados, a pesquisa visa analisar,


discutir, aplicar e relacionar a natureza epistemológica e conceitual do conhecimento
geomorfológico no que se refere às suas formas, processos e condicionantes genéticos
às noções necessárias que tanto alunos quanto professores devem ter para
compreenderem os conteúdos didáticos referentes ao relevo numa perspectiva complexa
e multiescalar. Foram seguidas duas direções básicas para o cumprimento do objetivo
proposto. A primeira se refere à revisão bibliográfica sobre o assunto e está baseada,
conforme Perrenoud (2000), na necessidade de conhecer os conteúdos a serem
ensinados e sua tradução em termos de objetivos de aprendizagem. A segunda se refere
à elaboração dos recursos e propostas propriamente ditos e está baseada na construção e
planejamento de dispositivos para o ensino (PERRENOUD, 2000). Essas direções estão
esquematizadas no diagrama metodológico da Figura 2.

9
Encaminhamento Metodológico
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Figura 2 – Diagrama metodológico da pesquisa

A revisão bibliográfica baseou-se nos seguintes pontos e pressupostos teóricos


que a embasam:
• Levantar os problemas comuns à abordagem didática do relevo em sala de aula,
existentes na literatura.
• Discutir o ensino do conteúdo relevo no contexto da educação científica e
geográfica.
• Discutir sobre a formação dos conceitos científicos e sua importância no ensino
do relevo.
• Discutir sobre as ideias e noções estruturadoras do conteúdo geomorfológico:
linguagem conceitual, noção escalar de tempo e espaço, linguagem visual e
relações de causa/consequência. Este aspecto torna-se importante na medida em
que seria impossível prever os caminhos utilizados pelo pensamento de cada um
para se alcançar uma aprendizagem significativa. Isso porque “a memória é um
processo cíclico e contínuo de reestruturação da informação (NICOLA, 2007,
p.37).” Assim sendo, o que importa é fornecer lógicas de interpretação baseadas
em conceitos estruturantes e nos limites que esses conceitos implicam.

10
Encaminhamento Metodológico
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• Identificar as orientações dos PCN’s e dos CBC’s quanto à abordagem do relevo


no ensino básico a fim de se ter um parâmetro para a elaboração da proposta
aqui objetivada.
A concepção dos recursos didáticos e propostas tomou como base cinco
características inerentes ao ensino-aprendizagem do relevo: a linguagem conceitual, a
noção de escala espacial, a noção de escala temporal, a linguagem visual
(representações gráficas), assim como a questão do abstrato no raciocínio
geomorfológico, associada às relações de causa/consequência e suas variáveis
complexas. As quatro primeiras características foram baseadas em Souza (2009). Tais
características se traduzem, na apresentação das propostas, através de cinco ideias que
podem ser resumidas, mas não circunscritas a:
• A abordagem do relevo deve começar pela própria abordagem do termo relevo
em sua acepção geomorfológica.
• Deve-se aprender a reconhecer as formas de relevo através dos recursos
imagéticos.
• O relevo tem caráter dinâmico e sua dinâmica está relacionada aos processos de
sua transformação e elaboração.
• Existem formas do relevo de variadas dimensões e existem formas dentro de
formas.
• O relevo é um atributo da paisagem muito importante para o planejamento
ambiental.
Para a confecção dos recursos didáticos propriamente ditos procedeu-se aos
seguintes pressupostos e etapas:
• Ampliação das escalas de compreensão do espaço, através da leitura e análise de
espaços próximos, familiares e concretos (sala de aula, escola e bairro),
passando a conceitualização dos espaços distantes, desconhecidos e abstratos
(outros bairros, municípios, zona rural ou urbana) (LE SANN; GUADALUPE e
MEIRELLES, 2002; LE SANN e VIEIRA, 2003). Ao contrário da abordagem
presente nos livros didáticos, a proposta aqui defendida é que se comece a
trabalhar o relevo pelas escalas de mais fácil percepção (meso ou microescala),
conforme sugerem Le Sann (1989; 2002; 2003) e Ascenção (2009).
• Elaboração de representações gráficas do relevo (blocos-diagrama, perfis
topográficos) que demonstram a diversidade de morfologias e auxiliam na

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Encaminhamento Metodológico
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compreensão dinâmica e multiescalar do relevo. Para a elaboração dos blocos-


diagrama foram usadas imagens de radar do projeto SRTM (Shuttle Radar
Topography Mission) tratadas pela equipe da Embrapa Monitoramento por
Satélite (MIRANDA, 2005) e disponibilizadas no site da Embrapa. Foram
escolhidas sequências dessas imagens no sentido W-E que mostrassem cortes
representativos do relevo de Minas Gerais, em termos dos seus
macrocompartimentos geomorfológicos. Foi feito também um corte N-S do
relevo do estado. Essas imagens foram mosaicadas e, a partir daí, foram gerados
os blocos-diagrama com a ajuda do software ArcGis/ArcScene 9.2. Os perfis
topográficos relacionados a cada bloco-diagrama também foram gerados a partir
desse software.
• Uso de fotografias. O trabalho com fotografias tem o objetivo de fazer com que
os estudantes sistematizem as principais características presentes nas fotos, em
termos da morfologia, e apontem elementos de referência no intuito de, a partir
deles, conseguirem descrever a paisagem segundo a espacialidade dos
fenômenos observados. Para isso propõe-se a elaboração de croquis
interpretativos que consistem na reprodução dos principais elementos visíveis na
fotografia, conforme metodologia desenvolvida por Le Sann et al (2002; 2003).
• Demonstração das relações que podem ser estabelecidas entre a linguagem
escrita e a linguagem gráfica na representação e explicação do relevo. As
informações referentes a essas demonstrações estão contidas no item
OBSERVAÇÕES dos quadros explicativos que se seguem a cada proposta. A
elaboração desses quadros explicativos contempla ainda os objetivos de cada
proposta, possibilidades de trabalho para se alcançar esses objetivos e as
habilidades envolvidas com cada uma.
Com relação às atividades didático-pedagógicas, variados são os níveis de
complexidade com que cada uma delas pode ser trabalhada. Isso depende basicamente
do público alvo e do seu amadurecimento cognitivo. Os quadros de orientação que se
seguem a cada uma das atividades têm o intuito de esclarecer as perspectivas de
trabalho àqueles que se utilizarem das propostas apresentadas. Eles fornecem objetivos,
modos de trabalho sugeridos e observações conceituais que amparam a abordagem
conceitual do conteúdo.
Embora esta pesquisa centre-se mais na estruturação do conhecimento do relevo
do ponto de vista científico-geomorfológico ela não deixa de buscar nos conhecimentos

12
Encaminhamento Metodológico
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relativos à cognição e às teorias da aprendizagem mecanismos que forneçam instrução


necessária aos professores para relacionar os conhecimentos científicos àqueles
elaborados pelos alunos a partir de seu contexto de vivência e de seus modelos mentais.
Tal contribuição está presente no capítulo 1 deste trabalho.
Os exemplos utilizados nas atividades didático-pedagógicas apresentadas são
todos relacionados ao relevo de Minas Gerais. Vale a pena ressaltar que, no tocante ao
recorte de Minas Gerais, há uma carência geral na abordagem do relevo do estado de
Minas Gerais. Trata-se de uma abordagem um tanto quanto escassa, parcial e pouco
explícita nos manuais de ensino, inclusive quando se trata da região sudeste do Brasil.
Caso os professores queiram se utilizar do recorte espacial de MG para tentar tornar a
abordagem do relevo mais próxima aos alunos devem recorrer a textos acadêmicos nem
sempre de fácil compreensão e que dificilmente apontam para uma síntese do relevo de
Minas Gerais. Como nem sempre o professor tem tempo para isso e disposição para
sintetizar um volume relativamente grande de informações, esta pesquisa oferece
exemplos que demonstram a grande geodiversidade do estado.

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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1. O Ensino do Relevo no Contexto da Educação Científica e


Geográfica

1.1 – O contexto do ensino de ciências na atualidade


Ensinar ciências no contexto escolar não é uma tarefa simples. Implica
considerar e lidar com elementos materiais e não materiais que nem sempre são
adequados ou disponíveis tais como materiais, comportamentos humanos, dificuldades
de aprendizagem, políticas de ensino e problemas escolares nos mais variados âmbitos.
Na sua forma habitual, o contexto escolar muitas vezes considera tacitamente que o
aluno já está na margem da ciência, que esta desperta o seu interesse e que ele quer
resolver problemas científicos (MEC, 2008). E na prática o que se verifica e se
questiona é justamente o contrário e pode ser representado, como sugere Pozo (2000),
pelas seguintes questões:
• Por que os alunos não aprendem a ciência que lhes ensinamos?
• Será que eles não se interessam pela ciência e não se esforçam em aprendê-la?
• Será que a ciência não é complexa e abstrata demais e esses alunos ainda não
têm capacidade intelectual para aprendê-la?
• Ou será que não têm conhecimentos de base suficientes?
O próprio autor dá sua opinião e responde:
Não é que os alunos careçam de inteligência ou conhecimentos para
aprender ciência, mas sim que a ciência requer deles assumir motivos,
lógica e alguns modelos que são muito diferentes dos que são
requeridos na vida cotidiana, e, portanto a aprendizagem da ciência
requer que os alunos construam uma nova mentalidade ou
racionalidade diferente da que rege o conhecimento cotidiano (POZO,
2000).

Em termos cognitivos, “aprender ciência não implicaria tanto adquirir novos


conceitos ou substituir alguns conceitos (...), mas construir novas relações entre
conceitos e, finalmente, novas teorias (POZO, 2004, p.192)”. Assim ganha sentido o
discurso e o fazer científicos; através de uma iniciativa, um desejo que é individual e
baseado na emoção. A raiz latina da palavra emoção – motio – significa movimento, e,
segundo Maturana (2001), o que move aqueles que se dedicam à ciência é a curiosidade,
sob a forma do desejo ou da paixão pelo explicar. Por isso, antes de querer o
engajamento e a desenvoltura dos estudantes em termos do raciocínio científico é
preciso seduzi-los através do conhecimento. Mostrar o que pode haver de interessante
em pensar o mundo, as relações entre as coisas, de modo científico. De acordo com

14
Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

Maturana (2001), o discurso racional que não seduz emocionalmente não muda o
espaço e as atitudes dos outros. “A ciência não constrói desejos. Ela não tem o poder de
fazer sonhar porque o desejo não é engravidado pela verdade” (Alves, 2004b). Tudo
começa na emoção.
Todas as atividades humanas são operações na linguagem, e como tais
elas ocorrem como coordenações de coordenações consensuais de
ações que acontecem em domínios de ações especificados e definidos
por uma emoção fundamental (MATURANA, 2001, p.133).

A emoção só se realiza através de relações pessoais. Na sala de aula, isto


acontece pelas relações entre professor – aluno – classe. São elas que definem os
caminhos a serem trilhados sob o pretexto do conhecimento. Isto funciona em qualquer
nível de ensino, com diferenças importantes, é claro. Quando se trata de um ensino
especializado, como por exemplo o ensino superior, mesmo que o aluno tenha
preferência por determinado campo de conhecimento específico, sua maturidade
cognitiva e psicológica levam-no a pensar que, mesmo não sendo sua preferência,
determinado assunto integra o campo de conhecimentos mais geral que é de sua
competência e responsabilidade “dominar”. Na educação básica, existe um currículo
padrão imposto. E a maioria dos estudantes ainda não tem a maturidade cognitiva e
psicológica suficientes para lidar com essa imposição. A relação se desloca do
conhecimento, apenas mediado pelo professor, e se torna dependente da relação com o
sujeito professor. Muitas vezes a origem dos problemas disciplinares e dificuldades de
aprendizagem encontram-se nessa transferência inadequada, baseada na relação
professor-aluno(s).
Quando as relações emotivas entre professor e aluno(s) estão desequilibradas ou
desconstruídas o processo cognitivo fica prejudicado uma vez que o distanciamento
entre eles extingue as relações afetivas que são fundamentais no processo de
aprendizagem. Nas palavras de Edgar Morin (2003, p.102) “onde não há amor [ou outra
emoção cimentante], só há problemas de carreira e de dinheiro para o professor; e de
tédio, para os alunos”.
O trabalho do professor envolve não só trabalhar os conteúdos mas convidar os
alunos ao exercício do pensar. Como fazer isso?
Embora nem sempre as preocupações com o para quê ensinar ciências apareçam
ostensivamente no processo de ensino-aprendizagem, não é possível se furtar a essa
questão que é uma questão de base, orientadora do processo de ensino-aprendizagem.

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

Para quê ensinar ciência? Que tipo de contribuição o raciocínio científico oferece? O
que se ensina quando se ensina determinado conteúdo científico?
De maneira ampla, as ideias contidas na Conferência Mundial sobre Ciência
realizada em Santo Domingo, em março de 1999, e na Declaração sobre Ciência e a
Utilização do Conhecimento Científico de Budapeste, em 1999, delineiam um pouco
dos contornos das respostas a tais questões.
(i) As ciências devem se colocar a serviço da humanidade como um todo, e
contribuir para que todos tenham uma compreensão mais profunda da natureza e da
sociedade, uma melhor qualidade de vida e um meio ambiente sustentável e sadio para
as gerações presentes e futuras (UNESCO, 2003, p.26).
(ii) A educação científica é um requisito fundamental da democracia e também
do desenvolvimento sustentável, além, é claro, de ser essencial para o desenvolvimento
humano, para a criação de capacidade científica endógena e para que tenhamos cidadãos
participantes e informados (UNESCO, 2003).
(iii) A ampliação contínua do conhecimento científico sobre a origem, o
funcionamento e a evolução do universo e da vida oferece à humanidade abordagens
conceituais e práticas que exercem profunda influência sobre sua conduta e suas
perspectivas (UNESCO, 2003, p.26).
(iv) A ciência é um recurso poderoso para a compreensão dos fenômenos
naturais e sociais, e que seu papel promete vir a se tornar ainda maior no futuro, à
medida que for entendida a crescente complexidade da relação entre a sociedade e seu
meio ambiente (UNESCO, 2003, p.28).

1.2 – Breves notas sobre o ensino de geografia frente às necessidades de uma


educação científica
Em meio a esse contexto insere-se o ensino de geografia na contemporaneidade.
Em termos de sua operacionalização na escola, e bem como qualquer outro campo
disciplinar, situa-se entre o conhecimento científico da matéria e o conhecimento
contextual, ou seja, aquele que prima pela aplicação dos conhecimentos científicos à
compreensão de situações cotidianas e da realidade. Existe um certo conflito na
educação científica que é representado pelas tensões entre o ensino focado nos conceitos
e nas matérias científicas em si mesmos e o ensino focado em situações cotidianas em
que o conhecimento científico pode ser aplicado ao entendimento de determinado
contexto ou fenômeno. Trata-se de um conflito que passa pelo currículo. ABELL e

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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LEDERMAN (2007) citados por BYBEE, McCRAE e LAURIE (2009) colocam a


questão nos seguintes termos. Deve o currículo enfatizar a matéria científica em si
mesma, ou deve enfatizar a ciência em situações da vida real em que ela [a ciência] tem
papel importante? Embora, em princípio, essas sejam questões não opostas, o que
acontece na prática é um ensino fechado no conteúdo científico em si ou um ensino
orientado por propostas vagas ou abertas demais, perdidas em problematizações
excessivamente abstratas ou exemplos desconectados das raízes científicas que
explicam um fenômeno.
Tal discussão pode também ser representada pelas influências da geografia
acadêmica e da geografia escolar. Foge ao propósito desta pesquisa se aprofundar na
distinção entre as formas e meios com que são feitas a geografia acadêmica e a
geografia escolar. Entretanto, ressalta-se que, embora a geografia escolar não tenha
como objetivo ensinar a fazer ciência geográfica, ela se nutre dos conhecimentos
produzidos na academia de forma científica. E dessa forma os conteúdos geográficos
levados à escola se revestem das denominações e conclusões alcançadas pela pesquisa
acadêmica em torno de seus vários objetos de estudo. É normal que os conteúdos
escolares acompanhem as novas contribuições vindas das pesquisas acadêmicas. Isso foi
muito intenso nas últimas décadas, sobretudo no que concerne às ciências biológicas
com ênfase para os avanços da genética e da biotecnologia, por exemplo. Em que
medida isso aconteceu nas geociências e, de forma mais específica, na geografia? Esta é
uma pergunta que não se encontra respondida em detalhes e sobre a qual talvez valesse
a pena se debruçar, a fim de buscar respostas em torno do quanto a geografia, enquanto
disciplina escolar, tem contribuído para a construção de um raciocínio espacial, para a
construção de uma inteligência naturalista 1 e para a formação de cidadãos, funções
sociais de importância primordial e atreladas ao ensino geográfico (CAVALCANTI,
2003). A esse respeito, Castellar (2005b) afirma que, principalmente a partir da década
de 1980, o debate na geografia avançou nas universidades e estagnou nos currículos
escolares.
Como acontece com todas as disciplinas escolares, a discussão em torno de
quais conteúdos científicos devem ser ensinados na geografia escolar encontra-se entre,

1
Segundo a teoria das inteligências múltiplas, proposta e ampliada por Howard Gardner (1995; 2005), a
inteligência naturalista “envolve as capacidades de fazer discriminações consequenciais no mundo
natural: entre uma planta e outra, entre um animal e outro, entre variedades de nuvens, formações
rochosas, configurações de mares, e assim por diante. (...) as pessoas que se dedicam à preparação de
alimentos, à construção de barragens, à proteção do nosso ambiente ou à mineração de metais preciosos
precisam utilizar suas capacidades naturalistas (GARDNER, 2005).”

17
Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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de um lado, a visão propedêutica (tradicional) e, do outro, a necessidade de uma


abordagem renovada frente às mudanças culturais, econômicas e políticas da sociedade
como um todo. Pode parecer que no contexto das teorias construtivistas ou
socioconstrutivistas essa visão propedêutica tenha sido abandonada. No entanto, na
prática escolar cotidiana, não é isso que se observa e a força dos conteúdos em si é ainda
muito forte. Muitas tentativas em direção à renovação, o que implica mudanças na
postura, na linguagem e nas atividades de aprendizagem necessárias a uma leitura do
espaço vivido e do mundo, são superficiais e, fora desse discurso, mantêm-se na forma
de uma abordagem fechada e desvinculada da realidade vivida.
Essas duas visões constituem caminhos diferentes e talvez até opostos no ensino
escolar. Enquanto a visão propedêutica baseia-se em uma estruturação curricular e uma
abordagem conceitual hermeticamente fechadas e ortodoxas com a finalidade de
introduzir e preparar conteúdos sequenciais, a visão baseada numa abordagem renovada
do conhecimento científico baseia-se nos pressupostos de uma contextualização mais
eficaz dos conhecimentos, na boa dosagem do uso de conceitos científicos e na
aplicação destes para o entendimento e solução de situações e problemas cotidianos. De
certa forma, isto que aqui se chama de abordagem renovada do conhecimento científico
não é nenhuma novidade e as ideias relativas a isto encontram-se disseminadas por toda
parte, inclusive em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Contudo, embora as ideias relativas a essa necessidade consigam até ser claras o
suficiente para serem entendidas, não existem muitas discussões sobre como fazer para
alcançá-las. O que se quer dizer é que a pergunta Em que consiste essa abordagem
renovada do conhecimento científico? possui respostas abundantes. Já as respostas para
a pergunta Como fazer para alcançar essa abordagem renovada do conhecimento
científico? são ainda muito incipientes, para não dizer inexistentes. Os PCN’s, por
exemplo, sugerem boas direções mas sem indicar meios de como implementar tais
propostas.
Para se chegar a essas respostas é preciso ter bem claro as especificidades dos
conteúdos e temáticas científico-escolares. No caso do relevo, ter bem claras as ideias e
conceitos que o amparam, tais como: escala espacial, escala temporal, processos,
agentes, formas, etc.
Hoje em dia, os organismos educacionais dos países mais avançados,
assumindo os resultados da investigação didática, assinalam a
necessidade de uma renovação profunda da educação científica no
sentido já comentado: novos conteúdos de significado mais próximo

18
Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

ao aluno e métodos ativos baseados na investigação e resolução de


problemas (GONZÁLEZ, 2008, p.195).

Em maior ou menor medida, qualquer artigo ou discussão que trate do ensino de


ciências esbarra na insistente necessidade de aproximar os fenômenos e objetos
científicos do cotidiano de vida de cada um. Já menos exploradas são as peculiaridades
de cada campo de conhecimento científico ou de cada conteúdo em sua abordagem
didática.
No que concerne aos aspectos geomorfológicos do espaço, poucos são os
trabalhos que discutem as formas didáticas de abordagem desse conhecimento,
considerando-se sobretudo seu papel em meio às inter-relações entre sociedade e
natureza.

1.2.1 – Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), os Conteúdos Básicos


Comuns (CBC) e o ensino do relevo no contexto geográfico
Sob a influência da chamada Geografia Crítica muitos dos aspectos físicos do
espaço foram esquecidos ou deixados em segundo plano pelas análises geográficas nas
décadas de 1980 e 1990.
Desde a década de 1990, tanto os PCN’s quanto os textos acadêmicos recolocam
os elementos físicos do espaço como essenciais à compreensão da interação sociedade-
natureza e de sua organização espacial (ASCENÇÃO, 2009).
Dentre os objetivos do ensino de geografia, conforme colocados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998; 2006), tanto as séries finais do ensino
fundamental (5ª à 8ª séries) quanto o ensino médio (1º, 2º e 3º ano) apresentam como
objetivos desta disciplina os seguintes pontos:
• Perceber-se [o aluno] integrante, dependente e agente transformador do
ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo
ativamente para a melhoria do meio ambiente (PCN, 1998).
• Conhecer o mundo atual em sua diversidade, favorecendo a compreensão, de
como as paisagens, os lugares e os territórios se constroem (PCN, 1998).
• Conhecer o funcionamento da natureza em suas múltiplas relações, de modo que
compreenda o papel das sociedades na construção do território, da paisagem e
do lugar (PCN, 1998).
• Compreender os fenômenos locais, regionais e mundiais expressos por suas
territorialidades, considerando as dimensões de espaço e tempo (PCN, 2006).

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

• Compreender a espacialidade e temporalidade dos fenômenos geográficos


estudados em suas dinâmicas e interações (PCN, 1998).
• Orientá-los [os alunos] a compreender a importância das diferentes linguagens
na leitura da paisagem, desde as imagens, música e literatura de dados e de
documentos de diferentes fontes de informação, de modo que interprete, analise
e relacione informações sobre o espaço (PCN, 1998).
• Saber utilizar a linguagem gráfica para obter informações e representar a
espacialidade dos fenômenos geográficos (PCN, 1998).
Em linhas gerais, os PCN’s do Ensino Médio estabelecem os mesmos objetivos
que aqueles propostos no Ensino Fundamental, com a possibilidade de ampliação dos
conceitos geográficos. Ambos trazem objetivos gerais que se assentam no princípio da
contextualização “como processo de enraizamento dos conceitos científicos na realidade
vivenciada pelos alunos, para produzir aprendizagens significativas (MEC, 2008)”. Por
outro lado, tais parâmetros avançam muito pouco em como fazer para alcançar tais
objetivos. De certa forma, tal característica está de acordo com a natureza aberta e não
impositiva dos parâmetros. Os PCN’s apontam direções e não caminhos.
Os Conteúdos Básicos Comuns (CBC) constituem uma proposta curricular
desenvolvida pela Secretaria de Educação de Minas Gerais e aplicada às séries finais do
ensino fundamental e ensino médio das escolas estaduais. Em certa medida eles seguem
as diretrizes contidas nos PCN’s. Os Conteúdos Básicos Comuns “não esgotam todos os
conteúdos a serem abordados na escola, mas expressam os aspectos fundamentais de
cada disciplina, que não podem deixar de ser ensinados e que o aluno não pode deixar
de aprender (BUENO, CASTRO e SILVA, 2008, p.9).” Os conteúdos apontados para o
ensino médio se aplicam aos 1º e 2º anos, primeiramente, em um nível mais geral e
semiquantitativo (1º ano), e em um nível mais aprofundado e quantitativo no 2º ano. O
3º é de livre escolha por parte do corpo docente da escola, respeitando suas
especificidades e a identidade de cada uma.
Os conteúdos aparecem mais claramente quando o CBC expõe os eixos
temáticos que tornam possível a construção das competências e habilidades de
responsabilidade do ensino de geografia, incluindo-se aí o que se chama de conteúdos
atitudinais e procedimentais, ou seja, saber representar, interpretar, investigar,
comunicar e explicar. Essas competências e habilidades são as mesmas no ensino
fundamental e no ensino médio.

20
Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

Os temas contemplados pelos Conteúdos Básicos Comuns entre a 6ª e a 9ª séries


(ensino fundamental) são os seguintes:
• Cotidiano de convivência, trabalho e lazer. Encontram-se inseridos nesse
tema os seguintes tópicos: território e territorialidade, paisagens do cotidiano,
cidadania e direitos sociais, lazer, segregação espacial, redes e circulação, região
e regionalização, cidade e urbanidade, patrimônio e ambiente e espacialidade.
• Patrimônios ambientais do território brasileiro. Encontram-se contemplados
nesse tema os seguintes tópicos: turismo, cultura e natureza, sociodiversidade,
território e territorialidade, populações tradicionais, sistemas técnicos, paisagem
cultural, sítios arqueológicos e patrimônio e preservação.
• Redesenhando o mapa do mundo: novas regionalizações. Este tema abarca os
tópicos de regionalização e mercados, nova ordem mundial, revolução técnico-
científica, redes técnicas das telecomunicações, fragmentação, fronteiras,
impactos ambientais e sustentabilidade, território e redes, globalização e
diversidade cultural.
• Ambiente, tecnologia e sustentabilidade. Aí são abarcados os tópicos de
desenvolvimento sustentável, indústria e meio ambiente, cidades sustentáveis,
Agenda 21, padrão de produção e consumo, sociedades sustentáveis, ordem
ambiental internacional, políticas públicas e meio ambiente no Brasil,
globalização e revolução técnico-científica.
Chama a atenção no elenco de assuntos passíveis de serem tratados pela
geografia a completa ausência dos elementos físicos do espaço enquanto fenômenos
naturais, além da repetição de tópicos em eixos temáticos diferentes como salientado
por Signoretti e Carneiro (2008). O relevo, enquanto conteúdo conceitual, não aparece
em nenhum eixo temático e em nenhum tópico nos CBC de 6ª a 9ª séries do ensino
fundamental. Nem mesmo como conteúdo complementar.
Dentre os eixos temáticos aplicados ao ensino médio estão:
• Problemas e perspectivas do urbano
• As transformações no Mundo Rural
• Mutações no Mundo Natural
O terceiro eixo temático (Mutações no Mundo Natural) é o que mais se
aproxima dos elementos naturais da paisagem, deixando entreaberta e sem nenhuma
importância, entretanto, a possibilidade de abordagem dos aspectos geológicos e

21
Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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geomorfológicos. É o que está proposto no tópico denominado de “Domínios da


natureza no Brasil”. No detalhamento das habilidades a serem desenvolvidas a partir
desse tópico está: “avaliar os domínios da caatinga e do cerrado sob a ótica da
originalidade climática, hidrológica e pedológica, relacionando as possibilidades e os
limites de seu uso pela agricultura”. Contudo, nenhuma menção é feita ao relevo. Os
tópicos complementares desse eixo são: recursos hídricos; padrão de produção e
consumo; dinâmica terrestre; desertificação e diversidade biológica.
Somente como conteúdo complementar e de maneira bastante indireta e
implícita o relevo aparece, junto à dinâmica terrestre e ao reconhecimento dos
fenômenos responsáveis pela sua dinâmica (relacionados à litosfera, hidrosfera e
atmosfera).
Embora os objetivos gerais do ensino de geografia presentes nos PCN’s e nos
CBC’s sejam equivalentes, a listagem de tópicos associados aos diversos eixos
temáticos no CBC omite (ou exclui?) o relevo e os demais aspectos naturais do espaço,
privilegiando uma abordagem sociopolítica das questões geográficas. Nenhum dos dois
documentos associa o relevo à possibilidade de efetivação dos objetivos de ensino
anteriormente listados. Nenhum dos dois documentos aponta para o fato de que, do
ponto de vista ambiental, o sistema geomorfológico configura-se como uma
possibilidade de compreensão sistêmica de variados elementos naturais.

1.3 – Interseções entre geomorfologia, geografia, geologia e ciências da Terra


Na escola, é a geografia a responsável pelo desenvolvimento das noções e
conceitos relacionados à geologia e a várias outras ciências do sistema Terra. Ela é a
disciplina responsável por fornecer noções e conceitos referentes aos elementos naturais
da paisagem, ao seu arranjo espacial e às suas transformações. Num contexto em que
cada vez mais os tópicos relacionados ao espaço natural e aos elementos físicos do
espaço parecem desaparecer dos currículos, é importante que os professores de
geografia não se esqueçam desse fato.
Na verdade, a geomorfologia e seu objeto não mantêm relações com outras
ciências da Terra, e especialmente com a geografia e a geologia, por um acaso. A
constituição histórica desse campo disciplinar, em suas origens, está relacionada à
construção de uma história natural da Terra, baseada no conhecimento físico e empírico
das relações e dos processos naturais (VITTE, 2009). Os exemplos históricos dessa
história natural são muitos e representados pelos debates entre netunistas e plutonistas,

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

pelos estudos do relevo dos Alpes por Horace-Bénedict de Saussure (1740 – 1799), as
contribuições de Humboldt e Goethe em torno de uma ciência da paisagem, as
descobertas de Hutton sobre a natureza do granito e dos processos relativos à sua
gênese, etc. Todas essas questões apontam, segundo Vitte (2009), para o fato de que a
geomorfologia é o “produto de um complexo intercruzamento entre as descobertas da
história da Terra e as transformações filosóficas sobre a natureza e a arte.” Segundo esse
autor:
Até o século XVIII, a natureza era concebida apenas como um
exercício da razão e cujo fenômeno poderia ser explicado pela
dedução dos princípios constituintes da metafísica aristotélica. A
partir do século XVIII a natureza passa a ganhar status de
independência, particularmente a partir dos trabalhos de Newton, onde
o mecanicismo começa a impor uma separação entre a metafísica e a
ciência da natureza. A metáfora da natureza-máquina impulsiona o
surgimento da história natural e a separação epistêmica entre as várias
disciplinas, tais como a zoologia, a botânica e a geologia (VITTE,
2009).

Tomada por alguns autores como um braço da geologia, a geomorfologia,


entretanto, incorporou muitas contribuições da geografia em seu desenvolvimento
(BAUER, 1996). Nas universidades brasileiras, a geomorfologia se desenvolveu nos
departamentos de geografia, tendo peso expressivo no currículo geográfico.
A espacialidade característica do pensamento geográfico trouxe ideias
importantes para os estudos geomorfológicos como, por exemplo, a noção de que as
formas do relevo só existem e se transformam na inter-relação entre elas. Assim, a
organização espacial das formas é algo fundamental para a intensidade e magnitude dos
processos que atuam na transformação das próprias formas.
O que se quer enfatizar aqui é que a geomorfologia é um campo de
conhecimentos que comunga saberes diferentes em si. Como lidar com essa teia de
relações que compõem o sistema geomorfológico na prática de ensino? Algumas ideias
servem de porta de entrada para abordar esse aspecto. A começar pelo próprio objeto da
geomorfologia, o relevo, como sendo resultado tanto de um sistema interno, também
chamado de endógeno, quanto de um sistema externo ou exógeno. Tectônica e clima
são aí fatores fundamentais a serem considerados. O relevo é, portanto, um sistema de
interface entre as várias geoesferas. Diversas outras questões entram na constituição do
relevo enquanto fenômeno natural e na sua relação com o contexto socioespacial. Por
exemplo, o papel dos seres vivos na estruturação do solo, no intemperismo das rochas e
consequentemente no desenvolvimento do modelado.

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

O recente conceito de geodiversidade tem sido usado de uma maneira bastante


holística e que enfatiza as relações entre as geociências. A mais popular definição de
geodiversidade foi desenvolvida pelo Australian Natural Heritage Charter (AHC) em
2002 (GOUDIE, 2006).
Geodiversidade diz respeito ao quadro natural (diversidade) de feições
geológicas, geomorfológicas e pedológicas, conjuntos, sistemas e
processos. Geodiversidade inclui evidências da vida passada,
ecossistemas e ambientes na história da Terra bem como os processos
atmosféricos, hidrológicos e biológicos atuantes sobre as rochas,
formas de relevo e solos (AHC, 2002 apud GOUDIE, 2006).

Esse conceito traz implícita a noção de complexidade dos sistemas naturais e, para além
disso, contribui para o desenvolvimento de uma noção estética, de valorização e
conservação das paisagens. Tratar de geodiversidade significa tratar também das
condições e critérios que definem as fragilidades das paisagens, sejam estas decorrentes
dos seus constituintes naturais ou das pressões antrópicas.
A geografia escolar tem, por força da tradição, que lidar com temáticas de
naturezas muito distintas entre si. Contudo, e a despeito da inconsciência de muitos
educadores a esse respeito, as inter-relações entre sociedade e natureza mantêm-se como
eixo guia do currículo geográfico. Nesse sentido, um dos principais interesses da
geografia escolar deve ser o de mostrar como os aspectos do espaço e de sua
organização interferem nas atividades, ritmos, operações naturais e sociais. Trata-se, por
exemplo, de mostrar que a localização e organização espacial das favelas têm
importância fundamental no avanço da criminalidade, no controle que os traficantes
possuem em relação às baixadas, sobretudo quando se considera o poderoso armamento
que estes detêm.

1.4 – Algumas contribuições ao processo de ensino-aprendizagem a partir das


teorias cognitivas
As transformações políticas, econômicas, culturais e ambientais por que passou
a sociedade nas últimas décadas indicam a necessidade de adaptação e transformação
das maneiras como o conhecimento científico é ensinado e aprendido. Nesse sentido,
considerar as descobertas recentes da cognição sobre os mecanismos de aprendizagem
empregados pelo cérebro humano parece ser de grande contribuição no tratamento
didático daquilo que se quer ensinar.

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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Segundo Gardner (2005), a abordagem cognitiva do conhecimento baseia-se no


emergente entendimento científico de como a mente funciona, consequência dos
estudos em psicologia, neurociência, linguística e outras disciplinas afins. A cognição
leva em consideração nossas representações inatas ou iniciais, e reconhece seu débito
para com os fatores culturais e biológicos.
Os modelos ou representações mentais constituem as peças fundamentais de
análise dentro da teoria cognitiva. Todas as pesquisas com modelos mentais oferecem
um testemunho de peso para a natureza ativa dos processos cognitivos humanos.
Recebemos informações e vamos além delas, construindo um modelo para representar
nosso conhecimento e operá-lo (MATLIN, 2003).
Os modelos mentais capacitam os sujeitos a realizarem ações na
imaginação; consequentemente, permitem internalizar as
representações que se criam para as coisas e os estados de coisas no
mundo (BORGES, 1999) de acordo com o desenvolvimento
cognitivo. Logo, esses modelos evoluem com o desenvolvimento
psicológico e com a instrução recebida, por meio de um processo
conhecido como mudança conceitual (SOUZA, 2009, p.17).

De acordo com Johnson-Laird (1987) apud Souza (2009, p.16),


Os sujeitos das ciências naturais desenvolvem modelos mentais, que
apresentam aspectos comuns, e que constituem os principais suportes
para compreender a realidade. Trata-se de modelos mentais causais
caracterizados por três princípios, a saber: ‘1. No domínio
determinista, todos os eventos têm causa; 2. As causas precedem os
eventos; 3. A ação direta sobre um objeto é a principal causa por
qualquer modificação que ocorre nele.

Os conhecimentos mobilizados pelos professores para o ensino de determinado


conteúdo não se constituem unicamente pelos conceitos, termos técnicos e lógica
científica inerentes ao seu campo específico de conhecimento. No seio das relações
professor/aluno e ensino/aprendizagem é preciso que o professor saiba mobilizar
conhecimentos didáticos e pedagógicos sobre como transmitir a mensagem de sua aula.
Para construir novas relações entre conceitos e substituir ideias por outras é preciso que
o professor esteja consciente dos caminhos e mecanismos de raciocínio empregados por
quem aprende algo novo. Assim,
O professor cognitivamente orientado constrói experiências que
ajudarão na descoberta de um conceito mais poderoso, uma
história mais compelidora, uma teoria mais sólida, uma prática
mais efetiva e – no final – uma representação mental superior
(GARDNER, 2005, p.67).

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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Em termos das teorias da aprendizagem poderíamos dizer que a dualidade


representada por uma geografia física e uma geografia humana também aparece nas
teorias cognitivas da aprendizagem. Essa dualidade é aí representada pelas teorias
condutivistas ou associacionistas de um lado e pelas teorias construtivistas ou
estruturalistas de outro. As primeiras são epistemologicamente ligadas ao realismo e ao
empirismo com um enfoque mecanicista-atomista. As segundas são
epistemologicamente ligadas ao racionalismo com um enfoque mais organicista e
holístico. Enquanto a aprendizagem tomada pelas teorias condutivistas se processa por
associação, de acordo com as teorias construtivistas a aprendizagem se processa por
reestruturação.
Segundo Pozo (1998b),
de uma maneira geral, pode-se dizer que as teorias
organicistas/estruturalistas partem do princípio de que a unidade de
estudo da psicologia são globalidades e que estas não podem ser
reduzidas atomisticamente aos elementos que as compõem [como
pressupõe o associacionismo]. Além disso, assumem uma postura
construtivista, na qual o sujeito possui uma organização própria, ainda
que nem sempre bem definida. Em função dessa organização
cognitiva interna, o sujeito interpreta a realidade, projetando sobre ela
os significados que vai construindo (POZO, 1998b, p.55).

1.4.1 – Códigos analógicos e proposicionais


Enquanto alguns autores realmente consideram a dualidade entre os mecanismos
associacionistas e construtivistas como completamente separados, outros autores
admitem essa separação mas também admitem que embora o associacionismo não seja
causalmente suficiente para a aquisição de significados, ele não deixa de existir.
“Embora a mente humana seja um sistema de cômputo ou processamento da
informação, como sem dúvida o é, não pode ser reduzido a este (POZO, 2004, p.66)”.
Talvez essas teorias não sejam totalmente contrárias. Talvez, só tratem de níveis
explicativos diferentes. Talvez os mecanismos que elas explicam atuem
simultaneamente. Enquanto o processamento da informação vinculado ao
associacionismo se realiza em uma primeira etapa, em um segundo momento, à medida
que a informação primária entra em uma rede de conhecimentos pré-existentes,
acontece a reestruturação acompanhada pela construção de um novo significado ou pela
resignificação.
O processamento da informação parece ser o ponto de partida ou convergência
entre as várias teorias cognitivas da aprendizagem. Associando-se o processamento da

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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informação e a aprendizagem de conceitos, Pozo (1998b) diz que os conceitos


constituem as unidades básicas de significado tendo sido motivos de estudo de todas as
linhas teóricas da aprendizagem: aprendizagem discriminativa (Hull e Spence),
aprendizagem por comprovação de hipóteses (Bruner, Goodnow e Austin),
aprendizagem significativa (Ausubel, Novak e Hanesian), desenvolvimento cognitivo
(Piaget e Vygotsky), etc.
Os conceitos também são representações mentais; só que de uma complexidade
maior uma vez que, para serem formados, geralmente implicam uma relação com outros
conceitos e não somente com os objetos, numa concepção elementar/atomista.
Um dos principais debates nos estudos da cognição é o de que se nossas
imagens, modelos ou representações mentais (e diga-se também conceituais) têm a ver
com a percepção ou com a linguagem. Muitos teóricos argumentam que as informações
sobre uma imagem mental estão armazenadas em um código analógico, também
chamado representação imagética ou representação pictórica, que é análogo ao objeto
físico. De acordo com a abordagem do código analógico, a imaginação mental é parente
próximo da percepção (Baird e Hubbard, 1992; Matlin, 2003). Em contraposição ao
código analógico, outros teóricos argumentam que armazenamos imagens em termos de
um código proposicional. O código proposicional, também denominado representação
descritiva, é uma representação abstrata do tipo linguística; o armazenamento não é
visual nem espacial, e não lembra fisicamente o estímulo original (MATLIN, 2003,
p.129). De acordo com a abordagem do código proposicional, a imaginação mental é
um parente próximo da linguagem, e não da percepção (Baird e Hubbard, 1992; Matlin,
2003).
Como o objetivo aqui não é o de averiguar a preponderância do código
proposicional ou do analógico, propõe-se que haja uma consonância entre esses dois
códigos enquanto mecanismos cognitivos de aprendizagem. No caso do ensino de
geomorfologia, essa coexistência parece uma hipótese bastante cabível uma vez que há
tanto uma linguagem verbal quanto uma linguagem imagética envolvidas de maneira
muito forte no ensino do conteúdo geomorfológico. O quanto cada pessoa utiliza de
cada um desses códigos na construção de seus modelos ou representações mentais
depende de suas experiências prévias acumuladas e de suas aptidões cognitivas.
Matlin (2003) afirma que as tarefas que empregam formas mais complexas
podem estimular um código proposicional que exige rótulos verbais e não um código
analógico.

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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A perspectiva proposicional argumenta que, quando executamos


tarefas cognitivas que exigem imaginação, operamos nessas
proposições, e não nas imagens mentais superficiais. Pylyshyn propõe
que as informações são na verdade armazenadas em forma de
proposições, ou conceitos abstratos que descrevem a relação entre
itens. As pessoas retiram uma proposição do armazenamento e usam
essa informação proposicional para construírem uma imagem mental
(MATLIN, 2003, p.140).

Pesquisas têm confirmado que a imaginação visual pode realmente interferir na


percepção visual (MATLIN, 2003). Admitindo-se que haja uma coexistência entre os
usos dos códigos analógicos e proposicionais, necessariamente haveria uma
interferência do raciocínio linguístico na formação das imagens mentais. Assim, a
percepção visual seria também afetada pela forma como o raciocínio linguístico é
conduzido.
Outros fatores como, por exemplo, recompensas, a carga de atenção ou
percepções súbitas, parecem exercer tanta influência nos mecanismos cognitivos e na
aprendizagem de ciências quanto a imaginação e a percepção visual. É interessante
notar que normas e valores morais, emoções, sentimentos, crenças culturais e políticas
também são fatores que exercem grande influência nas escolhas e mecanismos de
compreensão e aprendizagem. Acevedo et al (2005) apontam que os estudantes tendem
a selecionar a informação que está mais de acordo com as suas crenças pessoais sobre
um tema em questão, mesmo que, dessa maneira, estejam em contraposição com a
qualidade científica das provas e dos dados existentes.
Quando as tarefas cognitivas empregadas estão relacionadas às lembranças, a
sugestão da psicologia cognitiva é a de que o sistema cerebral, cada vez que se recorda
de algo, recombina marcas mnemônicas – espécies de fiapos de memória chamados
engramas – voltando então a memorizar o resultado dessa recombinação (GRÜTER,
2009). “Quando pensamos no que passou, o sistema cerebral ativa e reagrupa os
engramas e suas referências voltam à consciência e são recombinados” (GRÜTER,
2009, p.46). Essa perspectiva, de uma memória construtiva, baseia-se na sugestão da
psicologia cognitiva de que “a memória é um processo cíclico e contínuo de
reestruturação da informação” (NICOLA, 2007, p.37). A despeito da aparente fluidez
contínua de ideias na mente humana existem mecanismos de estabilização da memória e
de transferência de um processamento instantâneo da informação para um arquivamento
permanente da mesma. Pesquisas recentes na área da cognição mostram que “o cérebro
memoriza o campo semântico, priorizando significados, em vez de apreender, com

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
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esforço, cada um dos detalhes” (GRÜTER, 2009, p.49). Da mesma maneira, “é mais
fácil para a memória armazenar uma versão esquemática de um evento do que uma
versão precisa do evento que representa exatamente todos os pequenos detalhes”
(MATLIN, 2003, p.145).
Outra questão envolvida com a efetivação do processo de aprendizagem diz
respeito às situações de súbita percepção ou insight. Na certa, a maioria de nós já se
perguntou: por que eu não pensei nisso antes? De repente, as coisas fazem sentido e aí
está a solução de um problema com o qual nos debatíamos. O insight pode ser definido
como a compreensão repentina de alguma coisa. Não se sabe ao certo como ele é
produzido em termos cerebrais, nem se é uma habilidade que pode ser desenvolvida ou
manipulada, embora haja opiniões a favor e contra isso. Alguns autores afirmam que o
insight corresponde mais a uma “experiência subjetiva irrepetível do que a um fato
psicológico contestável” (Burton e Burton, 1978 apud Pozo, 1998b, p.176). Nesse
mesmo viés, Resnick (1983) apud Pozo (1998b, p.176) afirma que “o sentimento de
compreender repentinamente algo pode não ter relação com uma autêntica
aprendizagem e sim com a tomada de consciência de uma aprendizagem já realizada”.
Por outro lado, Knoblich e Ollinger (2006, p.55) dizem que “quanto maior for nossa
capacidade de encarar problemas de um ângulo diferente do habitual mais será possível
se beneficiar dessa habilidade”, ou seja, da percepção súbita. Nesse sentido, a
experiência prévia e o conhecimento acumulado contariam como condições do insight.
Como seria possível estabelecer uma percepção súbita sobre um fenômeno ou situação,
sem estarem disponíveis os elementos conceituais que fizessem a ligação entre
significantes e significados? Seja como for, a existência da compreensão súbita oferece
motivos para a reflexão sobre a imprevisibilidade da eficiência de qualquer modelo ou
método de ensino, para certa fragilidade do discurso lógico enquanto ferramenta de
ensino, bem como sobre a efetividade dos modos de avaliação escolar tradicionais.
Todas essas descobertas da cognição trazem consequências importantes para a
didática do ensino de ciências. Não há dúvida de que a implantação de um enfoque
coerente com “a ideia de alfabetização científica não pode ser feita sem mudanças
didáticas importantes, que afetam os elementos curriculares e a dinâmica de aula”
(CAÑAL, 2006 apud GONZÁLEZ, 2008, p.188). Dependendo de como o conteúdo é
conduzido, de como as ideias são organizadas, criam-se caminhos mais curtos ou mais
longos para a compreensão; ou até mesmo fecham-se caminhos. Conhecer e reconhecer
os mecanismos que a mente utiliza no tratamento da informação e na conformação da

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Capítulo 1 – O ensino do relevo no contexto da educação científica e geográfica
_____________________________________________________________________________________

aprendizagem permite aos professores planejar adequadamente suas aulas e intervir nas
dificuldades demonstradas pelos alunos. Permite-lhes a construção de uma didática
maleável frente a essas dificuldades e de uma aprendizagem significativa. É claro que
esse (re)conhecimento dos mecanismos utilizados pela mente humana se faz pela
interação entre os sujeitos e mediante o desenvolvimento de um certo caráter
metacognitivo de cada sujeito, habilidade sem a qual o aluno dificilmente poderá
intervir positivamente no seu processo de aprendizagem. O aluno precisa estar
consciente de suas dificuldades e de suas habilidades mentais para poder lidar com as
mesmas. E essa é uma contribuição imprescindível, construída entre professores e
alunos através do ensino dos conteúdos, para o futuro desenvolvimento científico e a
formação cidadã.

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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2. A Natureza do Conhecimento Geomorfológico Aplicada ao


Ensino

O conhecimento das formas da superfície terrestre e da sua dinâmica dá corpo a


um ramo específico das Geociências, chamado geomorfologia. A geomorfologia tem
por objetivo analisar as formas do relevo, buscando compreender os processos pretéritos
e atuais de sua gênese e transformação e como estes influenciam na organização do
espaço. A geomorfologia tem grandes contribuições a oferecer no sentido de investigar
como o relevo condiciona a sustentabilidade. De que forma, por exemplo, o relevo pode
contribuir para as melhores alternativas de uso e ocupação do solo. Para construir esse
discurso e compreender melhor os fenômenos que acontecem na superfície da crosta, a
geomorfologia se vale de conceitos e ideias que suportam suas análises e interpretações
acerca do relevo. A Figura 3 apresenta uma síntese dos principais conceitos e ideias
envolvidos no ensino, aprendizagem e pesquisa em geomorfologia.

Figura 3 – Conceitos e ideias envolvidos no ensino, aprendizagem e pesquisa em


geomorfologia.

No que concerne à aprendizagem desse conteúdo em sala de aula, torna-se


necessário levantar quais aspectos são importantes no processo de ensino/aprendizagem,
tanto de maneira geral quanto no que se refere ao conteúdo relevo. Como mostra a
figura a seguir (FIG. 4), três elementos básicos interagem nesse processo.

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
_____________________________________________________________________________________

CONHECIMENTOS
PRÉVIOS

CONHECIMENTO
ALUNO PROFESSOR
CIENTÍFICO -
MATERIAL DIDÁTICO

Fonte: Bertolini, 2009.

Figura 4 – Elementos constituintes do processo de ensino/aprendizagem em sala de


aula.
No que se refere às condições para uma aprendizagem significativa, tem-se segundo
POZO (1998a) o seguinte esquema (FIG. 5):

CONDIÇÕES PARA A
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

RELATIVAS AO MATERIAL RELATIVAS AO ALUNO/ALUNA

ORGANIZAÇÃ
VOCABULÁRIO E CONHECIMEN PREDISPOSIÇÃO
O INTERNA
TERMINOLOGIA TOS PRÉVIOS FAVORÁVEL
(ESTRUTURA
ADAPTADOS AO SOBRE O PARA A
LÓGICA OU
CONCEITUAL ALUNO ASSUNTO COMPREENSÃO
EXPLÍCITA)

Fonte: POZO, 1998a.

Figura 5 – Condições relativas à aprendizagem significativa.


Conforme mostrado através do diagrama da Figura 4, variadas são as inter-
relações que se estabelecem no processo de ensino-aprendizagem. As variáveis
envolvidas com os três constituintes básicos (conhecimento – aluno – professor)
influenciam diretamente na qualidade do processo de construção do conhecimento em
sala de aula.

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
_____________________________________________________________________________________

Uma dessas variáveis, muitas vezes pouco valorizada pelos professores como
importante e influente na sua atuação em sala de aula diz respeito às relações
interpessoais entre professor-aluno e professor-classe. Alguns professores acreditam que
basta dominar o conteúdo a ser ensinado e saber como colocá-lo de uma forma
interessante aos alunos que o processo de ensino-aprendizagem fica garantido.
Entretanto não se dão conta de que isso só acontece em função da relação pessoal que
estabelecem com seus alunos no contexto educativo. A motivação, se deixada a cargo
dos alunos a fim de ser descoberta nos conteúdos escolares, não se concretiza. O
professor tem um papel fundamental neste ponto: o de seduzir os alunos através dos
conhecimentos escolares; o de saber cativá-los (BLANCHET, 2007). E isto tem a ver
com a emoção. Tem a ver com a aceitação do outro frente ao(s) conhecimento(s) que se
lhe oferece(m) (MATURANA, 2001).
Segundo Zabala (1998) apud Souza (2009, p.100):
“(...) o aspecto motivação deve ser levado em consideração, quando se
discute a aprendizagem, a qual depende de um sistema educativo, que
compreende a inter-relação de três aspectos: sujeito sociohistórico-
cultural, contexto educativo e processo ensino-aprendizagem”.

As pesquisas sobre cognição e mecanismos de aprendizagem dão conta de que os alunos


não se interessam em questionar quando não se interessam por algo (LIBARKIN e
BRICK, 2002). Criar ambientes de motivação é, portanto, extremamente necessário para
a efetivação do processo de ensino-aprendizagem.
Outra variável importante no processo de ensino-aprendizagem diz respeito aos
materiais voltados para o ensinar-aprender. Eles constituem um dos elementos
fundamentais na empreitada de um ensino de geografia bem sucedido (KIMURA,
2008). A inter-relação entre as diferentes formas de se apresentar este conhecimento é
um aspecto negligenciado pelos professores em sala de aula e nem sempre tratado de
maneira adequada. No caso das formas de representação do relevo, os mapas, perfis
topográficos e outras formas de visualização da superfície são pouco relacionados entre
si e com a linguagem escrita não contribuindo, assim, para que o aluno tenha mais
ferramentas para raciocinar sobre o objeto de conhecimento e poder compreendê-lo.

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
_____________________________________________________________________________________

2.1 Aspectos inerentes ao ensino/aprendizagem do relevo

2.1.1) A linguagem conceitual

Os diversos campos científicos comportam, enquanto domínios específicos de


conhecimentos, certos termos e conceitos inerentes às suas explicações acerca de
objetos, processos, dados, concepções e, em sentido amplo, do mundo. Esses termos e
conceitos são propagados através da linguagem oral e escrita e devem ser ferramentas
eficientes na comunicação, discussão, estruturação e reestruturação das ideias
científicas. Aliás, o próprio desenvolvimento científico não pode ser alcançado sem se
desenvolver a linguagem (BONITO, 1995). Bonito (1995, p.3-4) afirma que:
(...) sem conhecer a linguagem científica (...), ou seja, o seu
vocabulário específico, o processo de construção do pensamento e
modos de discurso particular, não é possível compreender uma
Ciência. Deve insistir-se na definição de termos científicos de modo a
que adquiram significado para o aluno (Stubs, 1987; Sutton, 1985).

Contudo, a definição de termos científicos deve ser feita sob certos cuidados a
fim de se evitar o desinteresse e até o fracasso escolar dos alunos. Para tanto, o
professor deve reconhecer as ideias dos alunos expressas de forma popular em suas
falas e, a partir delas, introduzir as bases preconizadas pelos conceitos científicos. De
acordo com Pozo (1998a, p.59) “as idéias dos alunos não devem ser concebidas como
um obstáculo para a aprendizagem conceitual e sim como um veículo para a mesma;
não se trata de que os alunos aprendam apesar dos seus conhecimentos prévios e sim
através dos mesmos”. A definição ou conceituação em si, neste sentido, não é o fato
principal a ser realizado mas apenas consequência das ideias que o conceito expressa. O
professor não pode dedicar mais atenção ao estilo de linguagem que o aluno utiliza do
que à ideia que este expressa (BONITO, 1995).
Outro fator importante a ser ressaltado no ensino de ciências é o uso de termos
mal empregados e/ou não essenciais à compreensão do assunto. A esse respeito, Bonito
(1995, p.1) afirma que “o uso de termos não definidos ou mal definidos, não essenciais
à compreensão do assunto, e, portanto, acessórios à aprendizagem, faz exigências
linguísticas aos alunos que são totalmente extrínsecas ao conteúdo a ensinar”. No caso
do ensino de conceitos, “é importante a comparação e a diferenciação entre conceitos,
assim como a sua exemplificação e aplicação a casos práticos (POZO, 1998a, p.53)”.
A polissemia de termos é outro aspecto importante a ser considerado na
linguagem utilizada em sala de aula. Termos comumente usados no cotidiano ganham

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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conotações diferentes quando tratados pelo discurso da ciência (BONITO, 1995). Isso
pode ser fonte de confusão para os alunos, tornando-se até um obstáculo à
aprendizagem. Se o aluno, por exemplo, tem a ideia de um morro como uma porção
mais elevada do terreno e o professor se detém em minúcias para diferenciar morro,
colina, encosta e escarpa dando a impressão de que são coisas completamente
diferentes, acaba por inviabilizar a correlação que o aluno prontamente estabeleceria em
sua mente entre morro, encosta e colina como sinônimos. Cabe ressaltar ainda que há
termos que podem ou não ser usados como sinônimos, cabendo ao professor fazer ou
não a distinção conforme a necessidade e o contexto. Os termos unidade
geomorfológica ou de relevo e compartimento geomorfológico ou do relevo são
exemplos disso. Unidade geomorfológica e compartimento geomorfológico podem ser
sinônimos, embora nem sempre sejam assim utilizados. Neste caso, um olhar mais
detalhado permite distinguir entre ambos pelo seguinte: as unidades de relevo, quando
empregadas na acepção macroescalar, referem-se aos planaltos, planícies e depressões.
Os compartimentos se referem a regiões únicas de relevo que possuem um fator comum
de gênese, manifesto em toda sua extensão. Não comportam necessariamente o domínio
de uma mesma unidade de relevo.
Há ainda a presença de termos comuns na linguagem que trata do relevo, mas,
que não realidade, em termos científicos, dizem respeito a realidades diversas. É o caso
do vocábulo serra por exemplo. Em termos geomorfológicos serra diz respeito aos mais
variados tipos de elevações dispostas ao longo de uma linha mais ou menos contínua. A
maior parte das áreas planálticas do Brasil é composta por serras que localmente
recebem os mais variados nomes. Segundo Guimarães (2006, p.171):
“(...) há serras de todos os tipos e origens; por isso ele [o
geomorfólogo] usará, conforme o caso, em vez daquele vocábulo,
outros termos, como sejam: flexura, escarpa de falha, crista
monoclinal, cuesta, cornija, hogback, horst, etc. (...). O mais que
podemos precisar é que ‘serra’ corresponde a um ‘desnível acentuado,
ou uma série de desníveis acentuados, ao longo de uma linha mais ou
menos extensa’”.

O próprio termo relevo é polissêmico e é tanto utilizado na linguagem corrente


para indicar importância, destaque, quanto na linguagem geocientífica associando-se às
formas da superfície terrestre. E mesmo dentro da linguagem geocientífica pode ser
usado sob diferentes acepções. O Dicionário Geológico-Geomorfológico de Guerra e
Guerra (2001) chama atenção para aspectos de relatividade do conceito de relevo:

35
Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
_____________________________________________________________________________________

Em topografia o relevo é sempre definido como a diferença de cota ou


altitude existente entre um ponto e outro, porém na geologia e
morfologia é um termo descritivo sujeito a explicação e interpretação.
Usa-se a expressão como sinônimo de diferentes paisagens (GUERRA
e GUERRA, 2001, p.527).

Na educação básica, os conceitos devem sobretudo fornecer aos alunos a


concepção básica da dinâmica do relevo através de seus agentes, processos, formas e
materiais. Ao contrário, no caso de um ensino especializado convém uma distinção
pormenorizada dos conceitos, correlata à complexidade inerente aos fenômenos
estudados.
Os conceitos são peças estruturantes do pensamento e do avanço da ciência na
medida em que munem aqueles que os utilizam a fim de desenvolver o raciocínio, inter-
relacionar ideias e, assim, poder reestruturar suas próprias representações acerca do
mundo físico e dos objetos (POZO, 2004). “O desenvolvimento do pensamento
conceitual permite uma mudança na relação cognoscitiva do homem com o mundo”
(CAVALCANTI, 2003, p.27). É por meio dele que os resultados do processamento da
informação são organizados na forma de conhecimentos.
Os conceitos científicos se organizam em um sistema hierárquico de inter-
relações (TUNES, 1995; POZO, 1998a). Não são elementos isolados. Fazem parte de
uma rede conceitual, de forma que o seu significado advém, em grande parte, da sua
relação com outros conceitos (POZO, 1998a). Assim sendo, “para aprender um conceito
é necessário, então, estabelecer relações significativas com outros conceitos (POZO,
1998a, p.22).” Por exemplo, como lembra Coll (1998, p.65) “todos sabemos que ‘o
vento é ar em movimento’, o que não quer dizer que compreendamos como se produz o
vento e qual é a sua função nas alterações metereológicas”. Para isso é preciso recorrer
ao conceito de pressão atmosférica, dinâmica atmosférica, aquecimento, etc.
Para estabelecer relações significativas com outros conceitos, não basta entender
os conceitos separadamente. É preciso entendê-los na conjuntura em que ganham
significado. Em suas verificações a respeito dos conhecimentos mobilizados pelos
docentes de geografia quanto ao relevo, Ascenção (2009) oferece um exemplo de como
um entendimento conceitual por si só não garante a correta aplicação contextual deste
conceito e consequentemente a correta compreensão do fenômeno relevo. Perguntado
sobre a confusão entre o topo de uma vertente como uma área de planalto o docente
respondeu o seguinte: “Não é no planalto que a retirada supera a deposição? Então, aqui
[indica na imagem] é a área da vertente onde tem mais retirada do que deposição”

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
_____________________________________________________________________________________

(ASCENÇÃO, 2009, p.108). Assim, o docente identifica erroneamente uma vertente


como um planalto.
Segundo Pozo (2004, p.192), “aprender ciência não implicaria tanto adquirir
novos conceitos ou substituir alguns conceitos (...), mas construir novas relações entre
conceitos e, finalmente, novas teorias”. Todavia, ainda segundo este mesmo autor,
a construção do conhecimento científico (...) requer não somente
adquirir novos conhecimentos – no sentido de incorporar nova
informação –, mas, sobretudo (...) reestruturar por meio de processos
de aprendizagem explícita, nossas teorias implícitas sobre o mundo
físico (POZO, 2004, p.190).

Vê-se por aí que deve haver um equilíbrio entre a carga conceitual e as demais
competências a serem trabalhadas em sala de aula. Se por um lado os conceitos
orientam o pensamento (CAVALCANTI, 2003), por outro é preciso cuidado para que
eles não se tornem viseiras que apontam para uma única direção ou somente para si
próprios. O emprego dos conceitos na linguagem científica é muito importante mas não
pode constituir um fim em si mesmo (HARLEN, 1989 apud BONITO, 1995). De
acordo com Cavalcanti (2003, p.26):
A experiência tem mostrado a ineficácia de se ensinar conceitos à
criança ou ao jovem apenas transmitindo a eles o conceito definido no
livro ou elaborado pelo professor. A pesquisa corrente sugere que o
professor deve propiciar condições para que o aluno possa formar, ele
mesmo, um conceito. Por essa razão, é relevante o investimento
intelectual para compreender o processo de construção de conceitos
(CAVALCANTI, 2003, p.26).
É preciso trabalhar adequadamente com os conceitos; afinal, apresentá-los
somente como um conhecimento acabado não conduz a uma aprendizagem
significativa. É preciso que os conceitos sejam ensinados não como fórmulas mas como
diretrizes que permitem acomodações do pensamento à realidade. Como fazer isso?
Cavalcanti (2003, p.157) afirma que o professor deve
(...) apresentar o conceito, no momento adequado, como uma
construção social sobre a realidade, e não como a própria realidade, o
que significa demonstrar o caráter relativo do conceito.

Outra questão importante a qual se deve dar a devida atenção reside no fato da
correta distinção entre fatos e conceitos. Segundo Pozo (1998a, p.24) “a confusão entre
esses dois tipos diferentes de conhecimento pode levar a que os alunos aprendam de
forma errada os conceitos como dados que devem memorizar”.
Os fatos ou os dados devem ser aprendidos, literalmente, de um modo
reprodutivo; não é necessário compreendê-los (...). Em geral a
aprendizagem factual costuma consistir na aquisição de informação

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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verbal literal (nomes, vocabulários, etc.) ou de informação numérica


(por exemplo, aprender a tabuada, decorar qual é o quadrado de 15 ou
qual é o valor de PI sem necessidade de calculá-lo) (POZO, 1998a,
p.24-25).

Por outro lado, no caso do ensino de conceitos:


Esse processo de repetição será insuficiente, no entanto, para
conseguirmos que o aluno adquira conceitos. Uma pessoa adquire um
conceito quando é capaz de dotar de significado um material ou uma
informação que lhe é apresentada, ou seja, quando ‘compreende’ esse
material, em que compreender seria equivalente, mais ou menos, a
traduzir algo para as suas próprias palavras (POZO, 1998a, p.25).

“Para que os dados e os fatos adquiram significado, os alunos devem dispor de


conceitos que lhes permitam interpretá-los (POZO, 1998a, p.21)”, integrando-os uns aos
outros e aos conhecimentos já adquiridos. Aí reside a importância de se levar em
consideração os conhecimentos factuais e conceituais que o aluno já possui. Mediante a
apresentação de novos conceitos o aluno constrói seu modelo mental a partir do que sua
imaginação tem a lhe oferecer em termos dos seus conhecimentos prévios, da suas
lembranças e de sua lógica interna de raciocínio. Assim ele tenta dar sentido ao
conhecimento científico que lhe é apresentado. Encontra-se aí a importância do
professor no sentido de oferecer ao aluno explicações suficientes e claras para ajudá-lo a
ativar lembranças ou ideias que façam a ligação entre o conhecimento colocado e os
seus conhecimentos prévios. Isto depende em grande parte de como o professor aborda
ou coloca o conteúdo ao aluno e, para tanto, é necessário que o professor apele para a
realidade comum aos alunos, no sentido da contextualização do conhecimento.
Esse apelo é uma condição essencial para a aprendizagem de conceitos porque,
segundo Pozo (1998), ajuda a ativar conhecimentos prévios que tornam explícita a
estrutura significativa do discurso – seja este o da fala do professor ou do texto didático.
Contudo, existem certos tipos de conhecimento que têm um apelo acentuado para o
caráter abstrato, sendo estranhos aos domínios da vida cotidiana dos alunos. Nesse caso,
“maior será a probabilidade de que o aluno careça de idéias específicas a esse respeito
(POZO, 1998a, p.42)”. De fato, as geociências estão repletas desse tipo de
conhecimento, sobretudo aqueles ligados diretamente à geologia. É o caso, por
exemplo, das estruturas em rochas nem sempre visíveis na superfície por causa da
erosão que as apagou. É o caso também da noção de placas tectônicas já que não há no
território nacional nada que visivelmente demonstre uma grande rachadura crustal.
Nesses casos é a capacidade de abstração e imaginação que ditará a construção do

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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modelo mental a partir das orientações fornecidas pelos conceitos com base em
analogias, metáforas e outros recursos de linguagem.
O ensino de geociências não deve ser sobrecarregado pelo uso de conceituações
dentre o vasto rol de termos específicos aí existentes. O professor deve saber eleger
conceitos importantes para a compreensão dos processos e das noções fundamentais às
geociências e introduzir gradativamente novos conceitos caso as discussões demandem
e permitam. Para que esta tarefa se cumpra efetivamente é necessário que tanto se
entenda o conteúdo das explicações relativas aos conceitos em si quanto seja capaz de
comunicar esse conteúdo de maneira efetiva (MARTINS, OGBORN e KRESS, 1999).

2.1.2) O abstrato no raciocínio geomorfológico


Segundo Nicola (2007), a abstração é um modo de pensar que não mantém
relação direta com os fatos.
Poderíamos dizer que é a capacidade de captar aquilo que é comum a
muitas coisas, sem levar em conta suas características particulares. É
captar o essencial, generalizar o que é típico, prescindir do que é
acessório. É através da abstração que conseguimos dar e guardar o
nome das coisas (NICOLA, 2007, p.69).

A capacidade de abstração inclui o desenvolvimento e a ativação de estruturas


cognitivas baseadas em lógicas construídas por cada um de nós. Nesse sentido, é preciso
atentar para os novos caminhos descobertos pelas neurociências (cognição) em que
segundo consta, as regras da lógica formal não são características intrínsecas ao
funcionamento efetivo da mente humana comum como pressupunha a filosofia até bem
pouco tempo atrás (NICOLA, 2007). Segundo este autor, “a tendência prevalente e
espontânea da psique tende a privilegiar não as soluções mais corretas, mas aquelas
mais facilmente representáveis” (NICOLA, 2007, p.129).
Aplicando essas ideias ao ensino do relevo, acredita-se que haja necessidade de
evocar ideias que façam a ligação do raciocínio conceitual com a realidade, seja ela
mais ou menos perceptível. Segundo Sanchez, Prieur e Devallois (2004), para lidar com
essas relações implícitas torna-se necessária a construção de recursos que contenham
uma semântica rica capaz de exprimir de maneira clara, sob os padrões humanos, as
relações entre o visto e o não visto, entre o conferido e o inferido.
O abstrato perpassa toda e qualquer abordagem do relevo, mesmo no caso da
dimensão do vivido ou perceptível. Se não em função das conceitualizações e da
linguagem oral, o abstrato manifesta-se através do raciocínio demandado pelos recursos

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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gráficos de representação do relevo. Evidentemente há diferentes níveis de abstração;


desde os mais simples aos mais complexos e elaborados. O caráter abstrato presente no
raciocínio geomorfológico se manifesta de variadas maneiras, em função de origens
diferentes. Reconhecer a origem das abstrações e lidar com elas no processo de ensino-
aprendizagem é um dos desafios que deve ser enfrentado pelos professores em suas
aulas. Para exemplificar como o abstrato se manifesta em relação ao conteúdo do relevo
pode-se citar o fato de considerar o que não está visto na fotografia, o fato de
determinada causa não levar a determinada consequência como se poderia supor, a
maneira como são tratados o caráter estático e o dinâmico do relevo, etc. Os fenômenos
geomorfológicos, assim como os geológicos guardam certa distância frente à realidade.
Tal fato decorre sobretudo das escalas de tempo e espaço implicadas nesses estudos. Por
exemplo, de forma geral, quanto mais retrocedemos na escala geológica do tempo, tanto
mais nos afastamos dos processos e fenômenos perceptíveis no cotidiano.
Reside, portanto, nessas questões grande parte da carga conceitual que
certamente torna-se um obstáculo à aprendizagem do relevo se não é corretamente
tratada.

2.1.3) As noções de escala espacial e escala temporal


O relevo é um fenômeno que tem larga abrangência do ponto de vista espacial e
temporal. Pode-se considerar o relevo de uma rua ou o de um morro, até o relevo do
continente sul-americano e o relevo do planeta Terra. Da mesma forma, pode-se
considerá-lo através das transformações que acontecem em fração de segundos até
movimentos extremamente lentos e progressivos que duram milhões de anos. Tempo e
espaço são, portanto, duas entidades complexas fundamentais à compreensão do relevo
e de suas transformações.
No raciocínio geomorfológico, essas entidades são aplicadas através das noções
de escala temporal e espacial. Ambas trazem consigo noções completamente diferentes
em termos da realidade que explicam. Amplitudes escalares diferentes implicam
escolhas conceituais e níveis de raciocínio diferentes na interpretação da dinâmica
terrestre.
No que se refere ao ensino, a compreensão das escalas temporal e espacial
aplicadas ao relevo é incipiente por parte dos alunos e dos professores de geografia do
ensino básico. (GONÇALVES e SICCA, 2005; SOUZA, 2009; ASCENÇÃO, 2009).

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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2.1.3.1) A escala espacial


A escala espacial não diz respeito simplesmente à noção de escala cartográfica,
ou seja, aquela referente à relação matemática entre distâncias. Para além desta
perspectiva matemático-proporcional de uma redução para a representação, existe
também a noção de escala espacial relacionada à abrangência de um fenômeno, isto é, a
escala geográfica. A noção de escala geográfica reporta-se aos “contornos para
expressar a representação dos diferentes modos de percepção e de concepção do real
(CASTRO, 2006, p.118)”.
Reside na distinção entre essas duas concepções de escala (geográfica e
cartográfica) um importante elemento sobre o qual os professores devem ter clareza ao
tratar o relevo sob a perspectiva escalar espacial.
Le Sann (1989, p.6) afirma que “uma grande proporção de estudantes encontra
na aprendizagem da noção de escala espacial um obstáculo quase intransponível.” Em
parte, isso acontece porque os professores transitam, na linguagem corrente, entre as
perspectivas da escala cartográfica e geográfica sem deixar muito claro aos alunos
quando estão se referindo a grandeza escalar em sentido cartográfico ou simplesmente
no sentido de abrangência da área de um fenômeno.
Os termos grande e pequena escala, empregados na acepção cartográfica,
funcionam como obstáculos à compreensão da representação escalar pois são contrários
à lógica que a própria linguagem denota. Existe aí uma confusão entre os raciocínios
espacial e matemático conforme atenta Castro (2006). Nesse sentido Castro (2006,
p.119) afirma que “referir-se ao local como grande escala e ao mundo como pequena
escala é utilizar a fração como base descritiva e analítica, quando ela é apenas
instrumental”.
A primeira coisa que se deve ter em mente quando se pensa nas escalas de
representação de um fenômeno é que escalas diferentes mostram coisas diferentes
(LACOSTE, 1997). E de acordo com a grandeza escalar adotada na construção do
mapa, que acontece em função daquilo que se quer representar no papel, alguns
elementos presentes na realidade não aparecem no papel. Isto parece óbvio mas nem
sempre é de fácil entendimento por parte dos alunos. A lógica dos alunos pode ser: se o
mapa é uma representação do real no papel, então porque não se encontram no papel as
representações das coisas que estou vendo na realidade? Exige-se aí um certo nível de
abstração por parte do aluno para entender que a impossibilidade de cartografar todos os
detalhes da realidade acarreta a escolha de uma determinada gama de fenômenos a ser

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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mostrada de acordo com os objetivos do mapa e as possibilidades de representação.


Essa dúvida, que pode se tornar um obstáculo para a compreensão das noções
cartográficas posteriores, pode ser facilmente sanada através da forma como se
apresenta o conceito ao aluno. Na verdade, não se trata simplesmente de uma
representação do real no papel mas, à reboque disso, de uma simplificação e de uma
escolha do que se quer mostrar, conforme determinados objetivos.
Na verdade, o trabalho com mapas perpassa variados conteúdos na geografia e a
própria cartografia é, muitas vezes, tratada como tópico conceitual à parte em alguns
livros didáticos; apresentando seus preceitos e conceitos básicos, fundamentais à
compreensão de quaisquer representações cartográficas.
Voltando à aplicação da escala no ensino do relevo, é preciso apontar aos alunos
como as formas do relevo mudam com a mudança da escala de representação. Na
realidade perceptível o relevo é um continuum. Entretanto, na lógica do pensamento
científico, formas diferentes, de tamanhos diferentes, são isoladas e hierarquizadas
conceitualmente como recurso facilitador da construção do conhecimento. Dessa
maneira, existem formas menores contidas em formas maiores que, sob o artifício da
escala aparecem fora dessa lógica de conjunto (fragmentadas) em virtude da visibilidade
que lhes é conferida através desse recorte permitido pela lógica escalar.

2.1.3.2) A escala temporal


No que se refere à escala temporal, é preciso dizer que esta ideia está embasada
pelo fato de as formas possuírem uma dinâmica de transformação ao longo do tempo.
Na história geológica da Terra inúmeras mudanças aconteceram e repercutiram nas
formas da sua superfície. Essas mudanças se referem a agentes de natureza diferentes
atuando por intervalos de tempo variáveis. Essa dinâmica é uma função, entre outros
fatores, do tempo de atuação dos agentes e processos morfogenéticos. A esse respeito
Priestley (2006, p. 464) afirma que:
A importância dos diferentes processos modificadores da paisagem
varia como uma função do intervalo de tempo no qual se observa a
mudança na paisagem. Por exemplo, variações no clima foram um
fator muito importante na evolução da paisagem durante os últimos
100 mil anos, mas representam apenas um fator minoritário em
escalas de tempo de 100 milhões de anos. Nesses longos intervalos de
tempo geológico, a história de soerguimento tectônico é
provavelmente muito mais importante.

No que se refere ao ensino do relevo, Souza (2009, p.52) afirma:

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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Se, para o professor essas escalas de tempo estão claras, para os


alunos podem não estar. Assim, naturalmente, o professor transita
nessas escalas, ora com ênfase nos processos e na idéia de evolução,
ora no processo e dinâmica atual. Cada um desses recortes
compreende um modelo, um termo, um conceito, que aos ouvidos dos
alunos passam a constituir um complicado campo de conhecimento
marcado por um rol de nomes de modelos que são interiorizados, mas
dificilmente aplicados na resolução satisfatória de questões
geomorfológicas.

Torna-se, pois, importante que o professor deixe bem claro aos alunos, através
do uso correto da linguagem científica o trânsito escalar e as questões referentes à
multiescalaridade no que se refere ao relevo. Segundo Pedrinaci e Berjillos (1994,
p.242), “devem ser planejadas estratégias de intervenção que ajudem a mobilizar as
idéias dos alunos desde posições estáticas até perspectivas dinâmicas.” Por exemplo,
quando se fala das grandes formas do relevo e também da configuração dos
macrocompartimentos geomorfológicos (de Minas Gerais ou do Brasil) retrocede-se a
centenas de milhões de anos atrás quando processos de origem tectônica soergueram
grandes porções continentais. Concomitantemente a estes movimentos tectônicos, mas
bem mais recentemente na escala do tempo geológico (cerca de 1 milhão de anos atrás),
os processos erosivos modelaram sobre esses grandes compartimentos a extensão de
morros arredondados que se vê, por exemplo, na maior parte do sudeste do Brasil.
Nesse sentido, é bom chamar a atenção para uma certa distinção que pode ser
feita em torno de uma escala de tempo geológico e de tempo geomorfológico, aí
incluído como a etapa “recente” de elaboração da superfície terrestre. Entretanto, isto
não significa dizer que não haja relevos “mais antigos” que outros, fato atestado, por
exemplo, pela presença de antigas superfícies aplainadas que encontram-se preservadas
em meio às formas de origens mais novas. No entanto, não se pode falar em um relevo
pré-cambriano pois todas as formas superficiais desta época remota já foram
completamente destruídas por vários ciclos erosivos. As marcas atuais do relevo
brasileiro remontam sobretudo ao período posterior ao Cretáceo chamado Paleoceno e
que marca o início da Era Cenozóica (65 milhões de anos). Por isso diz-se que o relevo
brasileiro é sobretudo Cenozóico; embora sua macrocompartimentação demonstre a
influência de fatores endógenos mais antigos que isso.
A respeito da construção da escala temporal, por parte dos alunos, é fundamental
que sejam oferecidas a estes referências temporais que ajudem a dimensionar a duração
dos processos (PEDRINACI e BERJILLOS, 1994). O conceito de tempo geológico é
um conceito complexo cuja construção é gradual e acontece na medida em que os

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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alunos vão integrando e relacionando processos diferentes e aprendidos de forma parcial


em seus modelos mentais (PEDRINACI e BERJILLOS, 1994). O importante em
princípio é deixar claro aos alunos a natureza mais ou menos rápida, mais ou menos
contínua e mais ou menos abrangente de cada um dos fatores responsáveis pela
estruturação e esculturação da crosta terrestre.

2.1.4) A linguagem visual e as representações gráficas


Um ponto importante destacado por Martins, Ogborn e Kress (1999) no que se
refere ao aprendizado de ciências é que este processo muitas vezes transcende os
problemas advindos das tentativas de apropriação da chamada linguagem científica.
Para esses autores,
aprender ciências significa, principalmente, considerar alternativas
radicalmente novas de conceber o mundo. Em sala de aula, isso é feito
através de estratégias que necessariamente empregam uma pluralidade
de meios de comunicação de forma coordenada. Nessa perspectiva, a
construção de novas significações não é vista exclusivamente
dependente da linguagem (escrita ou falada), mas como resultado da
interação entre diversos sistemas de representação que incluem
imagens, gráficos e diagramas (...) (MARTINS, OGBORN e KRESS,
1999, p.32).

A linguagem visual tem, nas geociências, papel importante na representação de


modelos do sistema Terra e na percepção de como funcionam esses modelos
(GONÇALVES, 2001). Todavia, o trabalho com esse tipo de recurso nem sempre é
feito de forma adequada junto aos alunos porque falta uma compreensão adequada do
que esses recursos podem demonstrar e como eles devem ser utilizados (SILVA et al,
2006).
Para compreender melhor esta questão é fundamental que se tenha consciência
de que a interpretação e aprendizagem através de recursos visuais sofrem influências da
percepção dos alunos. Além disso, deve-se saber que as formas de representação visual
têm efeitos diferenciados sobre a percepção (GRAVES, 1985). Tal fato revela a
importância de se conhecer a natureza do material visual com que se trabalha, a fim de
se alcançar os melhores e possíveis resultados.
De modo geral, as imagens tendem a ser pouco exploradas em sala de aula.
Segundo Silva et al (2006) talvez haja por detrás disso a concepção por parte dos
professores de que as imagens falam por si próprias ou transmitam um único sentido. E,
de fato, há de se tomar cuidado com relação aquilo que vemos e com o que esperamos

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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que os outros vejam. “As informações captadas por cada sentido têm suas
peculiaridades e são decodificadas de maneiras diferentes pelo corpo humano, por isso,
trabalham imagens mentais diversas (LEITE, MOURÃO e AVELAR, 2007)”.
Considerando o apelo visual característico da geomorfologia, sob o qual muitas
das formas do relevo podem ser visualizadas, torna-se importante estabelecer uma
aliança adequada entre o conteúdo conceitual e a utilização dos recursos imagéticos.
Segundo Silva et al (2006, p.220):
Embora nem todos os conceitos se estabeleçam a partir da sua
própria representação teórica, a compreensão de conceitos e
fenômenos pode ser, em muitos casos, potencializada pelos
aspectos atribuídos às imagens e às idéias que estas podem
comunicar.

A utilização adequada da imagem no ensino do relevo implica que o professor


tenha conhecimento do que a imagem pode e do que não pode mostrar, direta e
indiretamente. Considerando que qualquer imagem, tomada em si mesma, é uma
representação estática da realidade, a instrução que dela provem encontra-se limitada ao
que é imediatamente visível (LIBARKIN e BRICK, 2002; SOUZA, 2009). Ultrapassar
o imediatamente visível é um exercício de abstração que demanda do aluno a
consideração de elementos ausentes na imagem como por exemplo o tempo, no caso do
estudo do relevo.

O uso de mapas e representações em 3D do relevo

Segundo Graves (1985, p.149) “a capacidade para perceber o que existe em um


mapa varia significativamente em cada pessoa, e isto está relacionado em parte com
algum fator de velocidade perceptiva e em parte com a capacidade de conceituar o
espaço”.
No caso da geografia, é especialmente importante observar que as
dificuldades perceptivas aparecem muito frequentemente tanto na
observação direta do entorno como no estudo de dados indiretos,
especialmente mapas e fotografias (GRAVES, 1985, p.149).

As dificuldades envolvidas na compreensão dos recursos cartográficos são


devidas também ao desconhecimento das regras envolvidas na sua decodificação. Além
disso, a representação do relevo por mapas (forma bidimensional) exige do aluno certa
abstração em relação ao espaço real; sobretudo no sentido de relacionar mentalmente a

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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informação do relevo presente no mapa com a sua noção de espacialização. De acordo


com Oliveira (2007, p.23),
não podemos confundir o mapa, objeto concreto, com a representação
nele contida, que é uma abstração. No caso do rio, é preciso esclarecer
que a criança irá localizar uma linha que representa um determinado
rio e que o mapa não poderá fornecer informações para que a criança
experiencie a noção de rio.

É frequente no ensino de geografia intermediado por recursos visuais, o


professor não orientar o aluno sobre o que se pode enxergar a partir de determinada
imagem. E, como observa Graves (1985), há uma tendência perceptiva-conceitual
característica nas crianças pela qual eles tendem a se concentrar em aspectos limitados
da informação contida em um mapa. Por isso, tornam-se importantes as instruções
claras do professor no sentido de orientar o que pode ser visto e depreendido dos
recursos de imagem utilizados. Caso contrário, professor e aluno observarão coisas
diferentes (GRAVES, 1985). Segundo Oliveira (2007, p.23) “o valor do mapa está
naquilo que o professor se propõe a fazer com ele”.
A idéia de que o mapa é uma forma de representar a realidade no papel deve ser
assimilada pelo aluno para que seus processos cognitivos saibam usar esta informação
de maneira a não tomar pela representação a própria realidade. Os mapas são formas de
se organizar o conhecimento em termos espaciais e de localização, facilitando a
apreensão dos fenômenos e fatos espacialmente. Conforme afirmam Santos e Le Sann
(1985), os mapas indicam o quê e onde. O porquê não está explícito no mapa,
requerendo do professor problematizar essa questão por meio dos processos, embora as
questões referentes a isso possam ser formuladas a partir do que se vê no mapa.
As representações em 3D permitem a visualização mais próxima à realidade, já
que oferecem a percepção de profundidade, ângulo e perspectiva. Segundo Vieira
(2001, p.15) a representação tridimensional do terreno, característica dos chamados
modelos digitais do terreno (MDT’s) facilita a visualização e o entendimento da
transposição da forma tridimensional ‘da realidade’ para a forma bidimensional do
papel. Segundo esta mesma autora (2001, p.26) “o modelo digital de terreno é uma
técnica potencialmente aplicável ao ensino na medida em que permite ao aluno
visualizar o relevo, o que não ocorre com a representação em curvas de nível. A
interpretação sob a forma de curva de nível requer determinado grau de abstração e
percepção que os alunos do nível primário não detêm”. Lembrando que, como afirma
Oliveira (2007),

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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O mapa pode mostrar as várias combinações entre distância, direção,


forma e área, mas não pode representar os quatro aspectos
corretamente ao mesmo tempo (OLIVEIRA, 2007, p.23).

O perfil topográfico
Um perfil topográfico é um gráfico que representa a variação altimétrica da
superfície e consequentemente do relevo. Essa variação é representada no gráfico em
função da altitude (variável representada no eixo y) e da distância do corte de relevo
representado (variável representada no eixo x). O perfil topográfico é um instrumento
que auxilia na identificação de variações abruptas do relevo e na inferência de feições
geológicas, como falhas e lineamentos, responsáveis por essas diferenças altimétricas.
Uma analogia que pode ajudar os alunos a compreender o perfil topográfico é relacioná-
lo ao perfil de um rosto. Assim, o estudante pode construir a ideia do perfil como
apenas uma linha superficial da paisagem e entender que a tridimensionalidade do
espaço não pode ser ali representada em função de ser o perfil uma representação
bidimensional do espaço real. Essa é, aliás, uma desvantagem dos perfis topográficos.
Eles representam apenas uma linha da paisagem. Não se pode saber como é o relevo
fora daquela linha mostrada no perfil.

O uso de fotografias
As fotografias oblíquas são recursos muito interessantes no ensino do relevo
porque mostram, no papel, as formas da superfície do modo como são vistas
cotidianamente, por qualquer pessoa. Tal fato parece pouco relevante mas demonstra
que as fotografias oblíquas guardam forte correlação com o aspecto visível da realidade,
que é prontamente reconhecido por qualquer um.
Reynolds e Peacock (1998) afirmam que as observações através de fotografias
ensinam aos alunos a observar melhor e refletir sobre o meio ambiente no qual eles se
inserem, a estabelecer as diferenças entre observação e interpretação e também ajudam
a desenvolver habilidades de visualização espacial. No que se refere à ilustração do
relevo, as fotografias, tomadas de pontos de visada elevados e estratégicos, permitem a
visualização da extensão e da situação relacional entre compartimentos
geomorfológicos diferentes.
Oliveira (2007, p.37) sugere que “os primeiros materiais cartográficos a serem
manipulados pelos alunos devem ser, pois, os pré-mapas. Desse modo, as gravuras e as
fotografias, que não são seletivas e apresentam um nível pequeno de abstração, devem

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Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
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preceder os mapas, que são altamente seletivos e, consequentemente, se apresentam em


níveis variados de abstração”.
Para a criança que frequenta as séries iniciais é mais fácil estabelecer
as relações espaciais no espaço representado nas fotografias, pois elas
reproduzem um instantâneo da realidade e seu grau de abstração é
relativamente pequeno (OLIVEIRA, 2007, p.38).

Em estudo realizado por Long (1953, 1961) e citado por Graves (1985),
concluiu-se que com relação ao uso de fotografias, deve-se ensinar aos estudantes a
observar os traços importantes e, especialmente, a comparar o tamanho dos objetos
presentes na imagem fotográfica desenvolvendo o sentido da proporção. Hugonie
(1998) afirma que as fotografias não falam por si próprias e muitas vezes a identificação
dos elementos fotografados não é evidente. Chama atenção ainda para o fato de que a
observação e a descrição de uma fotografia são somente o ponto de partida para o
trabalho de significação da paisagem (para a reflexão geográfica em essência). Por isso,
a abordagem do conteúdo por meio de fotografias deve ser motivo de reflexão por parte
dos professores. De que forma a ligação entre o que a fotografia mostra e o conteúdo
pode ser feita? Nesse sentido, perguntas que estimulem a dúvida, a imaginação e
discussões acerca do assunto podem envolver os alunos de forma mais intensa do que
simplesmente se estivessem escutando o professor. Contudo, é importante que se façam
perguntas genéricas que não deem a entender ao aluno a existência de uma resposta
exata e que, possivelmente, ele não saiba (REYNOLDS e PEACOCK, 1998). As
perguntas, bem como as dúvidas, devem ser matérias-primas para estimular a reflexão
silenciosa ou coletiva, a criação de hipóteses e cenários.

2.1.5) As relações de causa/consequência e suas variáveis complexas: interação da


geomorfologia com outros campos do conhecimento

Do ponto de vista da realidade tomada enquanto algo independente do


observador, em ciências naturais, algumas coisas acontecem linearmente já que
determinadas causas conduzem a determinadas consequências. Nesse sentido, vale
lembrar como afirma Alves (2004) que a fumaça não faz fogo; é o fogo que faz a
fumaça. Entretanto, as consequências são retroativas e não lineares. Considerando a
abordagem complexa como propõe Morin (2001; 2003; 2007), muitas causas atuam
simultaneamente produzindo efeitos também simultâneos que influenciam uns aos
outros em velocidades, ritmos e tempos nem sempre bem compreendidos. Esse aspecto

48
Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
_____________________________________________________________________________________

caracteriza a complexidade e o caráter sistêmico envolvidos nos sistemas naturais, como


é o caso do relevo.
Entretanto, “a complexidade, lembremos, não explica as coisas, mas sim aquilo
que deve ser explicado” (MORIN, 2007, p.195). A complexidade é uma abordagem
que, aplicada ao ensino do relevo, revela as inter-relações entre os elementos
constituintes do sistema geomorfológico. Como adverte Léna (2007),
a aprendizagem da complexidade é rude, pois, para o adolescente,
apenas o simples é inteligível inicialmente. Advertê-lo contra as
simplificações abusivas é desejável. Fazer com que perceba o quanto
o real difere do discurso que fazemos sobre ele também (...). Mas
tenhamos cuidado para não diluir num procedimento global demais a
maravilhosa alegria de compreender. (LÉNA, 2007, p.58-59).

Por si só a abordagem complexa dos fenômenos não explica como os agentes


morfogenéticos atuam na configuração do relevo. Por isso é preciso recorrer a ideias ou
conceitos que representem e expliquem adequadamente o papel de cada elemento ou
componente do relevo em sua transformação e origem. Para isso, a distinção entre os
conceitos de agente, processo, forma e condicionante deve estar clara, fato nem sempre
frequente como atesta Souza (2009). Segundo a autora:
Processos não são formas, não são produtos. São movimentos de
transferência contínua de energia e matéria (física e química) no
espaço. Esses movimentos são dinâmicos quanto à intensidade,
freqüência e magnitude, e controlados pelas condições antrópicas,
bioclimáticas e geológicas. Os processos são subjetivos e não podem
ser apreendidos, por meio de uma materialidade temporal, como a
forma, mas a partir do concepto de sua existência e ocorrência no
tempo e no espaço, como bem já havia W. Penck percebido, por meio
da investigação das marcas e materiais depositados pelos processos
(SOUZA, 2009, p.48 – grifos meus).

O conceito de agente por sua vez se remete aos elementos naturais que
engendram os processos. A água líquida, na forma de chuva ou corrente fluvial, o gelo,
o vento, a gravidade que sob determinadas condições do solo o faz deslizar, o magma
que através de seus movimentos exerce pressões na crosta terrestre: todos esses são
agentes que modelam a superfície de variadas maneiras deixando à mostra, muitas
vezes, suas marcas. Quando vemos uma voçoroca estamos vendo uma forma que é
resultante de um processo erosivo. Não estamos vendo o processo. A completude do
processo nos escapa e mesmo quando vemos a enxurrada lavar a terra estamos vendo
apenas parte do processo de erosão.

49
Capítulo 2 – A natureza do conhecimento geomorfológico aplicada ao ensino
_____________________________________________________________________________________

Aplicar esta perspectiva de retroação dos efeitos ao ensino das ciências da Terra
de modo geral implica uma abordagem complexa e sistêmica dos fenômenos. Por
exemplo: quando nos reportamos ao relevo muitas vezes não se tem a ideia de que este
se confunde com o solo. Todavia, na escala de detalhe (do morro, da vertente, etc), o
relevo é na verdade a forma da cobertura pedológica que ali existe (ROSS, 1992).
Considerando uma escala de detalhe pode-se dizer que o relevo evolui pela
evolução/transformação do solo. A erosão por sua vez é um processo que atua no solo.
Sendo por definição um processo de retirada e transporte de material é preciso que a
erosão atue sobre um material passível de ser transportado por algum agente, seja ele o
vento, a água da chuva, do rio ou outro. É preciso explicar muito bem aos estudantes as
interseções entre os fenômenos para que se tenha clareza do que causa o que.
A existência de uma explicação também faz diferença no que diz
respeito ao que é um fenômeno. Pensar numa cadeia de montanhas
que divide dois países é totalmente diferente de pensar nessas mesmas
montanhas como um caso da crosta terrestre sendo dobrada. É a
existência da explicação que dirige nossa atenção para o que é
relevante e para como o mundo deve passar a ser visto (MARTINS,
OGBORN e KRESS, 1999, p.38).

“A abordagem analítica e a abordagem sistêmica são complementares. Uma focaliza-se


sobre os elementos enquanto a outra se interessa pelas interações entre eles” (ROSNAY,
2007, p.494).

50
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas

3. Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas


representações gráficas

Tendo sido discutido nos capítulos anteriores sobre a conjuntura do ensino de


ciências na atualidade, o papel das ciências da Terra e a contribuição do conteúdo de
relevo dentro do contexto das geociências na sociedade contemporânea, neste capítulo
essas discussões aparecem refletidas em propostas de atividades de ensino propriamente
ditas. Tais propostas detêm-se na aliança entre o caráter conceitual relativo ao conteúdo
e a didática aplicada ao ensino do relevo enquanto fenômeno, em sua perspectiva
geográfica. Como explorado no capítulo 2, algumas ideias são chaves para a
compreensão do relevo em seus múltiplos aspectos. Essas ideias se relacionam com: a
linguagem conceitual, a noção de escala espacial, a noção de escala temporal, a
linguagem visual (representações gráficas), assim como a questão do abstrato no
raciocínio geomorfológico, associada às relações de causa/consequência e suas variáveis
complexas.
O intuito deste capítulo é o de oferecer propostas de trabalho baseadas nessas
ideias e em suas conjugações com as diversas formas de representação do relevo através
dos recursos gráficos. Cada uma dessas formas de representação apresenta suas
peculiaridades e pode suscitar nos alunos maneiras diferentes de ativar novas estruturas
cognitivas associadas ao aprendizado do conteúdo.
As propostas apresentadas estão vinculadas a ideias e habilidades específicas da
geomorfologia, em sua maioria, e também a certas habilidades cartográficas. Variados
são os níveis de complexidade com que cada uma dessas atividades pode ser trabalhada.
Isso depende basicamente do público alvo e do seu amadurecimento cognitivo. Os
quadros de orientação que se seguem a cada uma das atividades têm o intuito de
esclarecer as perspectivas de trabalho àqueles que se utilizarem das propostas aqui
apresentadas. Eles apresentam objetivos, modos de trabalho sugeridos e observações
conceituais que amparam a abordagem conceitual do conteúdo.
Por onde começar? A pergunta implica certa hierarquização de ideias na
apresentação do conteúdo. A hierarquização abaixo é apenas uma sugestão. As
atividades ligadas a cada ideia podem ser tomadas isoladamente, como complementares
nas explicações dos professores ou como auxiliares no trabalho individual do aluno.

51
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas

3.1 – Pela própria abordagem do conceito de relevo.

Segundo Souza (2009, p.33), “pode parecer óbvio e banal, mas o entendimento
do conceito de relevo é fundamental, principalmente, quando transposto, também, para
a dimensão metafísica do objeto que o termo relevo dá significado”. Nesse sentido, a
autora quer dizer que o relevo diz respeito não somente às formas que são vistas na
superfície da Terra mas também a todo conjunto de forças que está além do visível,
responsável pela sua gênese e transformação. Estão incluídos na gênese do relevo
processos, formas, agentes e condições que não são prontamente percebidos à
superfície. É pelo jogo de forças no qual esses fatores estão envolvidos que o relevo é
transformado e originado ao longo do tempo.

Ideias importantes a serem desenvolvidas e esclarecidas com os alunos:

• A imagem ou ideia de relevo como uma superfície elevada em relação à outra


rebaixada é inadequada e pode induzir ao erro. Parece que só as saliências do
terreno constituem o relevo e em locais planos não há relevo, o que não
corresponde à realidade.
• O relevo é resultante de um sistema de forças, processos e materiais que atuam
distintamente e de modo peculiar ao longo do tempo e do espaço.
• O relevo se origina a partir de suas transformações. As inter-relações dos
elementos ambientais, que acontecem mediante trocas de energia e matéria, são
responsáveis pela evolução, e portanto, pela gênese do relevo da superfície
terrestre (ROSS, 2003).
• As transformações que acontecem sobre e no relevo conferem o caráter
dinâmico que lhe é próprio.
• Existem tipologias diferentes de relevo 3 que estão relacionadas a determinado
conjunto de processos morfogenéticos e estruturas geológicas que lhe deram
origem.

3
Os tipos de relevo compõem-se pelo conjunto das formas de relevo, como por exemplo, uma área onde
predominam formas em colinas. Esse conjunto de colinas define, portanto, um padrão de formas com
elevado grau de semelhança entre si (...). O tipo de relevo é uma unidade taxonômica superior em relação
à forma de relevo, e se define por um conjunto de formas mais ou menos delineadas, apresentando as
mesmas elevações absolutas, a mesma gênese, dependendo da mesma morfoestrutura, o mesmo conjunto
de agentes morfogenéticos e a mesma história de desenvolvimento (ROSS, 2003, p.44-45).

52
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas

• A erosão existe como um processo que envolve agentes, energia e movimento.


O resultado desse processo pode ser visto na(s) forma(s) (erosivas) deixada(s)
por esse processo no relevo e na paisagem. Essas formas também podem ser
denominadas de marcas ou cicatrizes.
• A atuação dos processos erosivos ao longo de muito tempo
(centenas/milhares/milhões de anos) deixa marcas de grande amplitude na
paisagem como a formação de grandes áreas deprimidas. Tal fato está
relacionado ao que se chama de Princípio do Uniformitarismo/Atualismo 4.
• O processo erosivo ocorre em variadas escalas do tempo e do espaço ao mesmo
tempo. Desde processos erosivos de pequeno porte como a enxurrada que sulca
a terra dando forma a uma ravina até processos erosivos de larga escala como a
ação da correnteza de um grande rio como o São Francisco.
• As marcas deixadas pelos processos geomorfológicos indicam transformações
na superfície e que, portanto, o relevo é dinâmico.
• As marcas deixadas pelos processos geomorfológicos e geológicos na superfície
foram superpostas ao longo do tempo. Muitas das marcas mais antigas já foram
apagadas por processos e marcas mais recentes. Recontar a história de evolução
da pele do planeta, do relevo, seja em que escala espacial for, é montar um
quebra-cabeças cujas peças não são todas conhecidas e cuja imagem foi se
alterando ao longo do tempo.
• A maior parte do relevo atual teve origem ao longo de 1 milhão e 800 mil anos
atrás – período Quaternário da Era Cenozóica (IUGS, 2000). Isso indica que a
maior parte do relevo terrestre é recente na escala do tempo geológico. Relevos
mais velhos que 1,8 Ma existem na forma de superfícies que conservaram sua

4
No século XIX, o escocês Charles Lyell popularizou a ideia de que os mesmos processos naturais que
atuam hoje no planeta atuaram no passado. Essa ideia ficou consagrada pela frase: o presente é a chave do
passado e ficou conhecida como UNIFORMITARISMO. Contudo, a ideia de Lyell tornou-se dogmática
demais porque ele considerava que os processos exógenos e endógenos atuais atuaram no passado da
mesma forma e com a mesma intensidade com que acontecem hoje. Todavia, sabemos hoje que isso não é
verdade. Por exemplo, perante a inexistência de cobertura vegetal nos continentes no período anterior a
400 milhões de anos atrás, os processos de intemperismo, erosão, formação de solos, absorção e reflexo
de energia solar certamente foram bem diferentes dos que atualmente operam. O uniformitarismo
proposto por Lyell revelou-se dogmático demais, de modo que se ensina o princípio de causas naturais
através do conceito de ATUALISMO, muito parecido com o uniformitarismo, mas sem a conotação da
estrita igualdade de condições entre o presente e o passado da Terra. Na sua essência, portanto, o
atualismo é a afirmação da constância das leis naturais que regem a Terra, mesmo que no passado os
produtos e intensidade dos processos geológicos tenham sido algo diferentes daquilo que se observa
atualmente (FAIRCHILD; TEIXEIRA e BABINSKI, 2000, p.314).

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas

topografia isenta das modificações proporcionadas pela tectônica e pelas


mudanças do clima no período Quaternário.
• As formas de relevo são recentes mas as estruturas geológicas que fizeram com
que as formas atuais fossem como as vemos hoje são antigas e remontam à idade
das eras mais antigas do planeta. Nesse sentido, diz-se que o relevo é uma
herança geológica.

3.2 – O relevo é parte integrante da paisagem. Como reconhecê-lo através de


fotografias e croquis?

Para se compreender as escalas temporal e espacial em geomorfologia é preciso


reconhecer a diversidade das formas. Para reconhecê-las é preciso observar e analisar o
que se vê com base nos conhecimentos inerentes ao assunto. O trabalho com
fotografias, proposto a seguir, tem o objetivo de fazer com que os estudantes
sistematizem as principais características presentes nas fotos em termos da morfologia e
apontem elementos de referência no intuito de, a partir deles, conseguirem descrever a
paisagem em termos da espacialidade dos fenômenos observados. Para isso, propõe-se a
elaboração de croquis interpretativos, conforme Le Sann et al (2002; 2003), o que
consiste em um exercício de atenção e análise da paisagem por meio da reprodução dos
principais elementos visíveis na fotografia.

FOTOGRAFIAS E CROQUIS ILUSTRATIVOS

Formas do relevo no município de Gouveia (MG). A foto a seguir (FIG. 6)


mostra o limite entre a Depressão de Gouveia e a Serra do Espinhaço. A Depressão de
Gouveia é uma área rebaixada, pelos processos erosivos, encravada em meio às terras
altas do Espinhaço. O seu relevo apresenta-se sob a forma de colinas que foram
modeladas em rochas granítico-gnaissicas do embasamento pré-cambriano. Essas
formas são vistas no primeiro e segundo planos da foto, demarcados pelas linhas branca
e amarela (FIG. 6a). As serras do Espinhaço aparecem principalmente em terceiro e
quarto planos da foto e constituem-se em elevações com o predomínio de rochas
quartzíticas (FIG. 6a). Nota-se que, em termos paisagísticos, sobre os afloramentos
rochosos não se encontram árvores de grande porte como as que são vistas sobre o
relevo colinoso da depressão, como pode ser evidenciado no croqui (FIG. 6b).
Às atividades propostas por meio das fotografias e seus croquis (FIG. 6 e 7),
seguem-se os quadros 1 e 2 que explicitam as possibilidades de trabalho, as habilidades

54
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas

envolvidas, as observações e os passos para se alcançar os objetivos de trabalho de cada


uma das figuras.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas

Figura 6 – Depressão de Gouveia e Serra do Espinhaço.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Quadro 1 – Reconhecendo o relevo através de fotografias e croquis (I) – Figura 6

POSSIBILIDADES DE
OBJETIVOS OBSERVAÇÕES HABILIDADES ENVOLVIDAS
TRABALHO
-Elaborar um croqui (desenho) da foto.
Reconhecer os elementos da - Localizar, escrevendo o nome, os
-
paisagem. seguintes elementos: colina, fundo de
vale, serras, mata ciliar.
- As linhas branca e rosa mostram o
- Representar diferentes formas de
plano mais próximo e mais distante,
relevo, a partir da linguagem
respectivamente. As linhas amarela e
verbal (SOUZA, 2009).
azul definem planos intermediários.
Identificar o(s) plano(s) mais
Trabalhar a noção de profundidade
próximo(s) e o(s) mais distante(s) no - Identificar as tipologias de
em fotografia. - O primeiro plano (mais próximo)
croqui. formas e conhecer as suas
encontra-se sempre na porção inferior
nomenclaturas (SOUZA, 2009).
da foto enquanto os planos mais
distantes encontram-se nas porções
- Visualizar as formas do relevo a
superiores.
partir de representações gráficas
- Árvores são vegetais que precisam
(SOUZA, 2009).
- Que tipo de vegetação pode ser vista de uma grande quantidade de
nos 1º e 2º planos da foto? nutrientes para alcançarem uma altura
- Compreender e interpretar os
como a que está mostrada na foto.
fenômenos considerando as
- Em quais planos (ou áreas) da foto
dimensões local e regional (PCN,
não são vistas árvores? Por que elas - O limite entre o 1º e 2º planos da
2006).
não estão presentes aí? foto (linha branca) mostra o fundo de
Perceber a variação da vegetação de
vale, para onde convergem as águas
acordo com o relevo. - Analisar os espaços considerando
- Mostrar que há uma concentração de da chuva e onde geralmente correm os
a influência dos eventos da
árvores no limite da linha branca (entre cursos d’água.
natureza e da sociedade (PCN,
o 1º e 2º planos). Por que existe essa
2006).
concentração de árvores nessa área? - O fundo de vale possui maior
umidade, o que favorece o
desenvolvimento e a concentração de
espécies arbóreas.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Na Figura 7, encontra-se uma paisagem típica da Depressão do Rio Doce. O


relevo plano observado na parte inferior da foto a), e delimitado pela linha vermelha,
corresponde à planície fluvial do Rio Doce, em sua margem direita, no município de
Fernandes Tourinho. Nessa região é muito comum a atividade de pecuária extensiva de
gado. A partir da linha vermelha encontram-se morros ou colinas formados tanto por
solo quanto por afloramentos de rocha. Os afloramentos rochosos, destacados pelos
círculos amarelos, localizam-se tanto no topo do morro quanto em suas partes mais
baixas. Destacadas pelos círculos de cor roxa estão áreas de solo exposto onde o
escoamento das águas da chuva tende a intensificar o processo erosivo laminar aí
predominante. Os sedimentos (areia, argila, cascalho) retirados daí pela erosão se
depositam na planície fluvial ou no leito do rio, caso o escoamento das águas da chuva
consiga carregá-los até esse ponto. O croqui interpretativo (b), possibilita a identificação
das duas tipologias de relevo presentes na área fotografada: o relevo plano delimitado
pela linha vermelha no primeiro plano focal da foto e o relevo colinoso característico da
Depressão do Rio Doce, ambos mostrados em a).
No Quadro 2, estão detalhadas as propostas de trabalho envolvidas com a Figura
7.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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b)
Figura 7 – Planície e Depressão do Rio Doce

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Quadro 2 – Reconhecendo o relevo através de fotografias e croquis (II) – Figura 7

POSSIBILIDADES DE
OBJETIVOS OBSERVAÇÕES HABILIDADES ENVOLVIDAS
TRABALHO
- Lembre-se: conceitos diferentes
Circular no croqui, com cores podem corresponder a coisas iguais na
Reconhecer os elementos da - Identificar as tipologias de
diferentes, as formas erosivas, os topos realidade. No caso da foto, um
paisagem. formas e conhecer as suas
de morro e os afloramentos rochosos. afloramento rochoso corresponde
nomenclaturas (SOUZA, 2009).
também ao topo de morro.
- Discutir o conceito de
- Representar diferentes formas de
compartimento geomorfológico ou do
relevo, a partir da linguagem
relevo. - Tudo o que está mostrado na foto faz
verbal (SOUZA, 2009).
parte do macrocompartimento
- Quantos compartimentos podem ser Depressão do Rio Doce. Entretanto, a
- Visualizar as formas do relevo a
Identificar compartimentos do relevo. identificados na foto, sabendo-se que área delimitada pela linha vermelha
partir de representações gráficas
junto à área plana, mas fora da foto, corresponde à planície fluvial do Rio
(SOUZA, 2009).
encontra-se o leito de um rio? Doce, compartimento mais baixo
dentro da Depressão do Rio Doce.
- Interpretar a forma do relevo,
- Delimitar os compartimentos com
expressa em tipologia de formas
uma linha vermelha.
de diferentes escalas espaciais e
- Para trabalhar este objetivo seria
temporais (SOUZA, 2009).
interessante que grupos diferentes
trabalhassem com fotografias
- Certamente alguns elementos não - Compreender e interpretar os
diferentes.
serão identificados, ou não serão fenômenos considerando as
identificados da mesma forma como o dimensões local e regional (PCN,
- Após cada grupo ter identificado
Compreender a importância de uma grupo de origem os identificou. 2006).
através de círculos os elementos da
legenda.
paisagem (como mostrado na foto a)
- Daí a importância de uma legenda - Analisar os espaços considerando
da figura 7) pedir que os grupos
que faça este trabalho e permita uma a influência dos eventos da
troquem as fotos entre si. De posse das
correta interpretação. natureza e da sociedade (PCN,
novas fotos, pedir que descrevam a
2006).
paisagem e identifiquem o que foi
circulado pelo outro grupo.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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3.3 – Vertentes e vales: o relevo que vemos e sobre o qual andamos.

A denominação dada a este subtítulo quer enfatizar formas de relevo que


podemos perceber com maior facilidade em nosso cotidiano. Embora essas formas
possam variar de acordo com a tipologia do modelado considerada, é comum, em
qualquer relevo que não seja completamente plano, a presença de vales e vertentes que
podem ser considerados unidades fundamentais do relevo.
Vertente é a denominação de qualquer espaço situado entre um topo de morro
ou interflúvio e o talvegue, que é o eixo mais baixo por onde normalmente escoam as
águas de um rio ou córrego (CHRISTOFOLETTI, 1980). Na prática, o talvegue
corresponde ao fundo de vale e nesse local nem sempre existe um rio ou uma drenagem
perene. As vertentes são formas tridimensionais do relevo modeladas pelos processos de
desnudação ou desgaste. Elas podem ser tomadas como componentes básicos do relevo
em termos de menores amplitudes. Morros, colinas, grotas, paredões, são formas do
relevo constituídas por vertentes. A vertente pode ser perfeitamente delineável na
paisagem e, dessa forma, vista como uma totalidade, tende a ser um “objeto”
importante para a análise e compreensão do relevo. Mais do que isso, na vertente podem
ser identificados os mecanismos pelos quais os agentes erosivos atuam na esculturação
das formas superficiais e como isso se relaciona à erosão dos solos. Sobre este assunto,
Ross destaca:
É evidente que os processos erosivos ou de esculturação operantes no
momento atual se manifestam ao longo das vertentes. A dinâmica
atual do relevo melhor se manifesta nas vertentes e é portanto neste
táxon que o homem pode melhor perceber e atuar junto aos processos
morfogenéticos, pois a vertente é o resultado da morfogênese ou
morfodinâmica viva, presente, atual. É ao nível da vertente que
confunde-se o estudo da dinâmica do relevo e os problemas relativos à
erosão dos solos, que na verdade fazem parte de uma mesma realidade
(ROSS, 1992, p.21).

Embora os termos vertente e encosta sejam frequentemente usados como


sinônimos, em uma concepção conceitualmente mais refinada a encosta se refere, na
verdade, à parte de maior declividade da vertente. Encosta e morro são termos genéricos
para partes da vertente: as partes de maior declividade. Vertente é um termo técnico
cujo emprego implica concepção dinâmica do relevo através do escoamento superficial
da água que se processa das partes mais altas do terreno para as partes mais baixas, no
fundo de vale. A vertente é um conceito que não está vinculado a tipologias específicas
de relevo como o relevo colinoso ou o tabuliforme, nem mesmo a unidades de planalto,

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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planície ou depressão. O relevo suave ondulado das pradarias do Rio Grande do Sul, por
exemplo, é composto por vertentes de grande extensão e baixíssimas declividades. O
relevo colinoso, característico dos chamados mares de morro do sudeste brasileiro, é
composto por vertentes ora mais declivosas ora menos declivosas, mas no geral com
pequenas extensões por causa da densidade de drenagem que corta o relevo. As
vertentes presentes no domínio do Planalto Central Brasileiro, por sua vez, são bastante
compridas e altas abarcando desde o topo das chapadas até o fundo dos vales largos e
planos. Embora o tamanho varie muito, existem vertentes aí que chegam a mais de 800
m de extensão. Toda topografia, se não for completamente plana, possui vertentes, ainda
que estas se apresentem sob as mais variadas formas e tamanhos. Existem geometrias
diferentes de vertentes e essas geometrias atuam de maneiras distintas frente ao
escoamento superficial da água. Existem vertentes que são completamente convexas,
existem aquelas que são côncavas ou mesmo as que são predominantemente retilíneas
(FIG. 8). E também existem vertentes que conjugam as três geometrias ao longo de sua
extensão.
Reside neste aspecto (a geometria) um fator fundamental para o planejamento
físico-territorial. A configuração do relevo em termos da inclinação e direção das
vertentes está diretamente relacionada ao escoamento superficial da água e,
consequentemente, ao papel que essa água desempenha na superfície seja em termos
dos processos morfodinâmicos seja quanto aos locais do terreno onde ela poderá se
acumular. Isto é fundamental em termos de planejamento ambiental: sobretudo no que
se refere às áreas susceptíveis à erosão, captação de águas, preservação de mananciais e
riscos de inundação.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Figura 8 – Diferentes formatos ou geometrias de vertentes.

A vertente é uma forma que varia muito em termos de escala espacial. Existem desde
pequenas vertentes, correspondentes a colinas (FIG. 9) até grandes vertentes que se
configuram como escarpas de uma área planáltica (FIG. 10).

As figuras a seguir (FIG. 9, 10 e 11) mostram essa variação morfológica das vertentes.
O Quadro 3 explicita a atividade proposta em torno dessas figuras, indicando
possibilidades de trabalho, objetivos pretendidos e as habilidades necessárias.

63
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Quadro 3 – O Relevo e suas Vertentes – Figuras 9, 10 e 11


POSSIBILIDADES DE HABILIDADES
OBJETIVOS OBSERVAÇÕES
TRABALHO ENVOLVIDAS
- As linhas amarelas mostram a porção
de topo das vertentes. As linhas
- Identificar as vertentes nas figuras
- Interpretação de fotografia brancas mostram a face das vertentes e
9, 10 e 11.
as setas a direção do escoamento
superficial .
- A vertente da figura 9 é constituída - Visualizar as formas de
por solo. relevo, a partir de
- As vertentes da figura 10 são representações e do real
- Analisar a variação de formatos de formadas por solo. (SOUZA, 2009).
vertente, materiais constituintes e a - Interpretação de fotografia - A vertente da foto 11 é formada por
variação de escala espacial. afloramento rochoso em seu topo,
depósito de tálus (blocos rochosos) em
sua porção média e solo em sua
porção inferior.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Um aspecto relativo às vertentes que ainda é pouco explorado pela didática


presente nos livros didáticos é a cobertura pedológica. O material componente da
vertente é predominantemente o solo. Dito de outra maneira, vertentes são formas do
relevo modeladas em solo. Às vezes, e isso não é incomum, existem afloramentos de
rocha que dão o contorno e formam uma vertente. Entretanto, no domínio tropical
úmido, a camada mais superficial da crosta, representada por grandes espessuras de
solo, é o principal material que dá forma às vertentes. Os solos (cobertura pedológica)
se organizam de forma diferenciada ao longo das vertentes, como pode ser entendido
através da Figura 12. Transformações microscópicas acontecem no solo e mudam suas
características físicas e químicas (RUELLAN, 1971; 1984; BOULET et al, 1997). Tais
mudanças condicionam a forma como o processo erosivo atua e, em última análise,
como o relevo se transforma (MILLOT et al, 1977).

Figura 12 – Perfil de relevo mostrando duas vertentes e a variação do material que compõe a
vertente de leste. Essa variação acontece também em função da localização ou posição do
material na vertente e dos processos a isso relacionados. Este perfil se refere a uma cobertura
pedológica próxima da cidade de Pedra Azul (MG), na estrada de ligação entre esta cidade e
Almenara.

Na escala de transformação do relevo a partir dos processos de vertente, o


conceito de vale mantém ligações estreitas com o de vertente. Vales podem ser
definidos como áreas mais baixas em relação a sua vizinhança, que apresentam um

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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formato mais longo do que largo e que são circundadas pelas vertentes que formam o
seu entorno (HUGGETT, 2003). As vertentes dão, portanto, o contorno ou a
configuração de um vale. Os vales ocorrem em uma grande variedade de tamanhos e
formas e são denominados também por termos como: desfiladeiro, hollow ou anfiteatro,
arroio, garganta, canyon, vale de fundo chato, vale em U, vale em V, etc.

3.4 O relevo é dinâmico: suas transformações e sua elaboração.

A ideia do relevo como um sistema ambiental dinâmico nem sempre é fácil de


ser entendida. Talvez porque os processos que imprimem novas marcas ao relevo e que
o transformam ocorrem, em sua maioria, em intervalos de tempo longos; tempos
subjacentes à escala do tempo geológico e não do tempo do nosso dia-a-dia. Aqui, uma
ideia importante a ser destacada é que o relevo se origina a partir de suas
transformações. A partir do “momento” em que um conjunto de transformações
imprime na superfície terrestre mudanças que a tornem diferente do que existia aí até
então, em termos de suas formas, tem-se um novo relevo. É claro que essas
transformações devem ser consideradas na escala espacial que lhes é própria. Desse
modo, existem transformações que afetam desde unidades pequenas de relevo, como a
encosta da vertente que se alterou pela instalação de um processo erosivo generalizado e
que hoje se constitui em uma voçoroca, até a transformação geral das grandes áreas de
relevo típico, como toda a região costeira do Brasil que no período Neoproterozóico
(1000 a 540 Ma) exibia um relevo de grandes cadeias montanhosas hoje não mais
existentes (SCHOBBENHAUS e BRITO NEVES, 2003).
Um relevo sempre se origina de um relevo pré-existente. Isto porque as
transformações da superfície terrestre se sobrepõem ao longo do tempo. Isto quer dizer
que, falando-se de modo geral, o relevo da Terra não teve um começo? Não é bem
assim. De fato, pode-se pensar que o relevo terrestre passou a existir quando as
primeiras porções de material magmático da jovem Terra incandescente se resfriaram e
se consolidaram, dando origem à crosta e aos primeiros núcleos continentais do planeta.
Isso aconteceu no período Arqueano, há cerca de 4000 – 2500 milhões de anos atrás
(ALLÈGRE e SCHNEIDER, 2008). Nesse período também foram formados os
primeiros oceanos, o que indica que já havia água líquida circulando no ambiente e,
portanto, sendo capaz de erodir e transformar a superfície das primeiras terras emersas
ou núcleos crustais. Com o mecanismo da tectônica de placas em funcionamento, todo o
relevo desses primeiros núcleos crustais foi desmanchado pela reciclagem dos

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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continentes pela tectônica e formação de novos continentes. Novos relevos já foram


formados e “desmanchados” várias vezes ao longo da história do planeta Terra. O
relevo atual que nos cerca é apenas a última pele do planeta, em constante mudança
pelos efeitos dos processos endógenos e exógenos que nela atuam.

3.4.1 Erosão: um conceito fundamental para se entender o relevo.

O processo erosivo é o principal meio pelo qual a superfície terrestre ganha


forma. Trata-se de um processo natural presente em toda a superfície do planeta. Nos
ambientes tropicais úmidos o principal agente da erosão é a água em seu estado líquido,
que circula continuamente em função das chuvas ou dos cursos d’água frequentes nesse
tipo de paisagem. A erosão equivale a uma eliminação de material que acarreta uma
perda de massa em um corpo (solo) e também uma diminuição do seu volume e do seu
tamanho (MARQUÉS, 1996). A água líquida é o principal agente realizador desse
trabalho erosivo, sobretudo em meio tropical úmido.
O conceito de erosão implica considerar três diferentes processos que o
constituem: (1º) a desagregação, (2º) o transporte e (3º) a deposição (MARQUÉS,
1996). Cada uma dessas etapas compreende processos específicos.
No processo de desagregação, para que o material se torne desagregado, as
reações de intemperismo do material são imprescindíveis. O intemperismo (ou
meteorização) se refere a um grupo de processos que produzem a desintegração física
(partir em partes menores) e a decomposição química (produz material com nova
composição) da rocha quando submetida à atuação dos agentes atmosféricos e
biológicos. O intemperismo pode ser considerado como um processo preliminar da
erosão e pode também ser tratado independente do processo erosivo. É perfeitamente
comum a existência de intemperismo sem erosão. O material é alterado pelas reações
intempéricas mas não é movimentado, não é deslocado por um agente erosivo. Pode-se
dizer que não existe erosão sem intemperismo, mas o intemperismo acontece sem a
ocorrência do processo erosivo, produzindo neste caso uma alteração in situ do material.
No processo de transporte, quem realiza o trabalho de transportar é o agente
erosivo do processo. De acordo com a energia de que dispõe o agente, seu tempo de
atuação e o balanço de força resultante da interação com outros fatores ambientais, que
tendem a impedir ou dificultar o transporte, a taxa de erosão varia. Entre esses fatores
ambientais, que influem na taxa de erosão, estão a chuva, a topografia do terreno, a
cobertura vegetal e as propriedades físicas e químicas do solo.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Por fim, no processo de deposição, acontece a acumulação do material


transportado. Seja onde for, esta fase pode ser relacionada ao processo de sedimentação
que gradativamente vai preenchendo espaços “vazios” do terreno e dando novos
contornos ao relevo.
A erosão dos solos afeta a sociedade de muitas maneiras. As principais são sua
perda e a perda de sua qualidade que, por sua vez, afetam a produtividade das atividades
agrícolas e consequentemente a produção de alimentos. Marques (1949) estimou que o
Brasil perde, por erosão laminar, cerca de quinhentos milhões de toneladas de terra
anualmente; esse prejuízo lento e continuado, que a erosão tem ocasionado à economia,
vem se expressando também na fisionomia depauperada de muitas regiões brasileiras
(BERTONI e NETO, 1999). Na Figura 15 essa situação pode ser visualizada. O
processo erosivo instalado na encosta acelerou-se, dando forma, atualmente, a uma
voçoroca que continua corroendo a encosta e reduzindo a área de pastagem do gado.

3.4.2 Os conceitos de movimento de massa, desnudação e suas relações com a


erosão.

Os movimentos de massa são definidos como movimentos descendentes de solo


ou rocha, das partes mais altas para as partes mais baixas do terreno, pela ação da
gravidade. Não há a intervenção, como agente primário de transporte, de nenhum fluido
seja ele água, ar, etc (MARQUÉS, 1996). Como todos os movimentos de massa
produzem uma mobilização e um transporte por ação da gravidade também produzem
uma diminuição de massa e em consequência erosão (MARQUÉS, 1996). Embora
conceitualmente diferente do conceito de erosão, pode-se dizer que os movimentos de
massa produzem efeitos erosivos importantes para a esculturação da paisagem.
Existem variados tipos de movimentos de massa e tanto a escala espacial quanto
a temporal de ocorrência desses fenômenos também são variadas. Existem desde
movimentos de massa lentos – da ordem de centímetros por ano – até movimentos
extremamente rápidos – da ordem de segundos. Também podem atingir materiais do
tamanho da palma da mão até enormes porções de terra. Avalanches, desmoronamentos,
quedas, deslizamentos, todos são exemplos de movimentos de massa que compõem a
dinâmica do relevo.
É comum que os movimentos de massa ocorram juntamente com o processo
erosivo; mas não com a mesma velocidade. Processos diferentes podem ocorrer ao
mesmo tempo, mas cada um a seu ritmo. Na Figura 14 isso pode ser visualizado. As

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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cicatrizes erosivas presentes na paisagem podem ter se originado pela desestabilização


da vertente proporcionada pela abertura da estrada. A partir de então, instalou-se um
processo erosivo laminar que, por sua vez, possibilitou o desenvolvimento de sulcos
erosivos lineares que foram se aprofundando e se alargando sob a ação das chuvas,
culminando no desenvolvimento da voçoroca vista na Figura 15. Durante o tempo que
levou esse processo, a ocorrência de movimentos de massa contribuiu para a aceleração
do processo erosivo, com o aprofundamento e alargamento das feições erosivas (FIG.
15). Outra hipótese que poderia explicar as transformações do relevo vistas nessa
paisagem é que o quadro de desestabilização pode ter começado por um movimento de
massa que, tendo deixado o solo exposto, permitiu a instalação de feições erosivas
subsequentes.
Na figura 13, é demonstrado como um processo geomorfológico (deslizamento
de terra) pode ter consequências que alteram drasticamente a paisagem de um lugar. No
caso dessa figura, Parizzi (1993) propôs um modelo explicativo da evolução da
paisagem que deu origem à formação da principal lagoa da cidade de Lagoa Santa
(MG).
O conceito de desnudação é, em certa medida, mais abstrato que o de erosão e o
de movimento de massa. Embora desnudação possa ser utilizado como sinônimo de
erosão, a desnudação não deixa necessariamente marcas na paisagem pois não implica
necessariamente mudanças na superfície. De acordo com Leeder (1991), desnudação
refere-se à perda de material, superficial e/ou subsuperficial, de uma bacia de drenagem
ou paisagem regional por qualquer tipo de intemperismo. Essa perda não se refere, em
princípio, à remoção de material sólido, no sentido de perda de solo como acontece pela
erosão. Portanto, o processo de desnudação não é sempre acompanhado pelo de erosão.
Quando os dois processos ocorrem conjuntamente é possível utilizá-los como
sinônimos.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Figura 13 – Sequência de eventos responsáveis pela formação da Lagoa Santa, no município de Lagoa Santa (MG). Em 1, o vale por onde corria o Córrego
Bebedouro. Em 2, o deslizamento de terra responsável pelo represamento do Córrego Bebedouro e inundação do vale. Em 3, a inundação do vale e a formação
da Lagoa Santa há cerca de 6.200 anos atrás (PARIZZI, 1993).

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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As transformações do relevo sob a perspectiva temporal devem ser consideradas


de acordo com o tempo de atuação dos processos, da continuidade e magnitude dos
mesmos. Mudanças de pequena magnitude mas contínuas podem convergir para
mudanças significativas na paisagem em relativamente pouco tempo como é o caso da
situação da Figura 17. Por outro lado, mudanças bruscas e pouco frequentes, como é o
caso de grandes deslizamentos de terra, são responsáveis por alterações significativas na
paisagem em questão de segundos. Seja por processos que começam e terminam em
segundos até aqueles que perduram por centenas e milhares de anos, todos vão deixando
marcas na superfície e subsuperfície que vão se acumulando, se sobrepondo e se
condicionando mutuamente na transformação do modelado. O modo pelo qual essas
transformações se sucedem ao longo do tempo não é algo simples de se prever uma vez
que o sistema geomorfológico tem múltiplos controles ambientais e graus de respostas
frente a esses controles (PHILLIPS, 2007). O parâmetro tempo, aplicado ao sistema
geomorfólogico, inclui um certo grau de imprevisibilidade já que, como afirma Phillips
(2007), existem sempre muitas possibilidades, determinadas por fatores específicos e
locais vinculados a tempos e espaços particulares, ou seja, a um caráter contingencial.
Não existe uma regra que diz nem de que forma nem a que velocidade as
transformações se iniciam e se desenvolvem. Às vezes, transformações insignificantes
na paisagem podem se repetir algumas vezes ou condicionar o aumento da intensidade
de outro processo fazendo com que os efeitos iniciais e insignificantes sobre o relevo
cresçam desproporcionalmente ao longo do tempo. Tomando o caso da Figura 17,
poderiam ter se passado 5, 10 ou 40 anos sem que nenhuma mudança pudesse ter sido
notada na paisagem, embora isso fosse bastante improvável já que as intervenções
humanas, principalmente através do uso da terra para pastagem de gado, como neste
caso, tendem a alterar o equilíbrio morfodinâmico do sistema. Assim, mudanças
acontecem no sistema em função da busca de um novo equilíbrio, a partir do reajuste de
forças e energia nele presentes. Isso pode acontecer naturalmente ou pela intervenção
humana na paisagem sendo que no caso da atuação do agente antrópico a energia
imputada ao sistema tende a agravar as susceptibilidades naturais do mesmo.
O Quadro 4 explicita as propostas de trabalho relacionadas aos itens 3.3, 3.4,
3.4.1 e 3.4.2 deste capítulo. Essas propostas servem tanto à identificação de formas
como a vertente, vale, planície fluvial quanto ao comportamento dessas formas
mediante os processos e o que isso tem a ver com o que se chama de dinâmica do
relevo.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Quadro 4 – As Transformações do Relevo ao Longo do Tempo – Figuras 13, 14, 15, 16 e 17

POSSIBILIDADES DE
OBJETIVOS OBSERVAÇÕES HABILIDADES ENVOLVIDAS
TRABALHO
As ilustrações mostram etapas do processo;
Compreender como o Interpretação do bloco- não o processo em sua completude.
relevo se transforma e se diagrama (FIG. 13) e As marcas deixadas pelos processos
origina. fotografias (FIG. 14, 15 e 16). geomorfológicos indicam as
transformações do relevo.
As figuras 14 e 15 são visões de ângulos
Desenvolver a habilidade
Interpretação das Figuras 14 e diferentes da mesma colina ou da mesma - Explicar a gênese do relevo, a partir
de rotação espacial das
15). encosta. Isto permite explorar o caráter da interação dos processos
imagens.
tridimensional da vertente em questão. geomorfológicos, processos
As feições erosivas deixam à mostra o geológicos, condicionantes na escala
Compreender as relações material que compõem a vertente: o solo. espacial e temporal (SOUZA, 2009).
entre vertente e
cobertura pedológica. A dinâmica do relevo neste local é - Analisar a relação forma-escala
Interpretação das Figuras 14 e caracterizada principalmente pelos espacial e temporal (SOUZA, 2009).
Compreender os 15. processos que ocorrem na vertente, por
diferentes tipos de meio da inter-relação com a cobertura - Diferenciar os conceitos: agente,
processo erosivo e suas pedológica. A perda de solo por erosão leva processo, forma e condicionantes
relações com este material em direção à planície do (SOUZA, 2009).
movimentos de massa. córrego, na baixa vertente.
O círculo branco na foto do centro superior - Identificar as tipologias de formas e
da página mostra a localização da vertente conhecer as suas nomenclaturas
Compreender a escala (SOUZA, 2009).
mostrada com maiores detalhes nos discos
temporal de ação dos
ovalados.
processos erosivos e suas Interpretação da montagem
consequências em fotográfica (FIG. 17).
As transformações observadas nessa figura
termos de formas e
são transformações do relevo na escala do
mudanças paisagísticas.
tempo humano e não têm como causa
agentes tectônicos.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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3.4.3 Os diferentes agentes erosivos ou morfogenéticos

Agentes diferentes desempenham a mesma função: a de erodir. Por exemplo,


chuva, córregos, rios, todos carregam solo. As ondas erodem as costas dos mares e
lagos. De fato, onde há água em movimento, ela está erodindo os seus limites
(BERTONI e NETO, 1999, p.68). Entretanto cada um desses agentes apresenta sua
dinâmica própria de atuação. Ou seja, cada um erode do seu jeito. Por isso é comum
adjetivar-se o termo erosão para esclarecer melhor qual é o agente, qual fator mais
influenciou o processo erosivo ou de que maneira principal ele se manifesta. Por isso
fala-se em erosão fluvial, erosão eólica, erosão diferencial, erosão lateral, erosão
vertical, erosão acelerada, etc.
Os agentes, processos e mecanismos de erosão são muito diversos, e entre eles
deve-se incluir a água, o vento, o mar, as geleiras, os rios, o homem e também os
movimentos de massa (MARQUÉS, 1996).

Os rios e o trabalho de erosão fluvial

O agente da erosão fluvial são as correntes e os fluxos hidráulicos dos rios,


córregos e outros tipos de cursos d’água perenes, isto é, trata-se da própria água
corrente. A força da água corrente, ao longo do canal, retira e transporta sedimentos
tanto do fundo dos rios quanto de suas margens. Contudo, os rios não são estáticos, ou
seja, eles não correm sempre no mesmo local. Ao contrário do que parece e do que nós
percebemos, os rios mudam de lugar ao longo do tempo geológico. Eles migram
lateralmente, dando forma à sua planície de inundação ou planície fluvial (FIG. 18). A
forma da planície fluvial se altera ao longo do tempo em função das alterações do fluxo
do canal e/ou da carga de sedimentos (SCHUMM, 1977 citado por GOUDIE, 2006).
Essas alterações influenciam o movimento de migração lateral dos rios que é análogo ao
movimento de uma cobra quando rasteja pelo chão. Entre as marcas deixadas por essa
movimentação do canal estão os terraços fluviais, áreas onde o rio já correu no passado.
Além do movimento lateral existe também um movimento do canal que é vertical. A
força da correnteza faz com que o rio se afunde mais ou menos no terreno, dependendo
da resistência do material onde se assenta o leito fluvial; se é um leito forrado de
cascalho, de lama e terra ou de rocha, por exemplo. O movimento vertical do canal
também pode ser denominado de incisão fluvial e está relacionado à capacidade que a
correnteza tem de “cortar” o material por onde passa. O vale mostrado na Figura 19 é

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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um vale escavado também por meio da incisão fluvial do canal que por ali passa.
Ambos movimentos do canal (lateral e vertical) são responsáveis pelo processo de
erosão fluvial. É importante ressaltar que a força da correnteza não é a mesma ao longo
de todo o rio. Por isso, trechos de um mesmo rio possuem formas diferenciadas; às
vezes trechos mais retilíneos ou mais meandrantes ou curvilíneos.
Ao longo do tempo geológico, o processo erosivo como um todo, incluindo-se aí
a ação erosiva dos rios, provoca alterações na configuração da própria bacia
hidrográfica e, por conseguinte, na paisagem. Isso acontece por meio de formação de
cachoeiras, formação de lagoas naturais por diminuição da velocidade do fluxo d’água,
captura de rios menores, formação de ilhas fluviais, extinção de pequenos canais por
entulhamento, alargamento de vales, espraiamento (aumento da largura) da planície
fluvial, etc. A intervenção humana também modifica bastante o regime fluvial e todo o
ecossistema fluvial e físico do entorno. Exemplos disso são os barramentos de rios para
aproveitamento hidrelétrico. As principais consequências disso são a diminuição da
velocidade da correnteza e o represamento de um maior volume de água em uma
determinada área. Também pode ser apontada como causa de mudanças na paisagem, a
ocupação urbana das planícies fluviais e das margens dos cursos d’água.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Figura 18 – Ação fluvial na elaboração do relevo: a comparação do bloco-diagrama (b) em


relação ao (a) permite visualizar mudanças na paisagem, decorrentes do trabalho de erosão
fluvial através da incisão vertical do canal e de seu movimento de migração lateral. Há uma
migração do canal para a esquerda (da figura b) e o desenvolvimento de novos meandros (b).
Associado a isso está a formação de terraços mais jovens (3, 4 e 5) que aqueles mostrados em
(a), 1 e 2, e o preenchimento do vale fluvial por sedimentos vindos das encostas vizinhas e
trazidos pelo canal.

Figura 19 – Ação erosiva do córrego associada à influência humana no meio ambiente: próximo
à sede urbana de Periquito (MG). O vale, mostrado em primeiro plano, foi escavado pela ação
erosiva do córrego em épocas passadas e, mais recentemente, por processos erosivos
desencadeados pela ação humana.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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3.5 – As dimensões do relevo e a ideia de que existem formas dentro de formas.

As formas de relevo possuem diferentes dimensões espaciais. Um mesmo tipo


de forma pode se apresentar sob variados tamanhos. É o caso da vertente, por exemplo.
Como já visto através das Figuras 9, 10 e 11 que mostram vertentes de diferentes
fisionomias e tamanhos. Embora o relevo seja um continuum de formas da superfície,
existem formas que podem ser visualmente identificadas no cotidiano como, por
exemplo, uma colina, uma cabeceira de drenagem, o topo de um morro, o fundo de um
vale, etc. Existem outras formas, maiores, que nossos olhos não dão conta de visualizar
em sua totalidade. Por isso, somente as vemos por meio de recursos como imagens de
satélites, radar ou fotografias aéreas. Na Figura 20, as ilustrações numeradas de 1 a 6
mostram como formas características do relevo de Belo Horizonte estão organizadas
hierarquicamente em termos da escala espacial. O Quadro 5 apresenta os objetivos,
possibilidades de trabalho, observações e habilidades envolvidas na compreensão da
relação da escala espacial com o relevo por meio dessa figura.
As Figuras 21, 22, 23 e 24 mostram bloco-diagramas de várias porções do relevo
do estado de Minas Gerais. O trabalho com essas figuras permite distinguir os grandes
compartimentos do relevo em função de seus volumes e cores relacionadas à elevação.
Além disso, a localização das fotografias demonstra que o relevo visível nelas é apenas
uma pequena parte de toda a extensão representada pelo bloco-diagrama.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Quadro 5 – A compreensão da Relação da Escala Espacial com o Relevo – Figura 20

HABILIDADES
OBJETIVOS POSSIBILIDADES DE TRABALHO OBSERVAÇÕES
ENVOLVIDAS
- Entender o conceito de - Identificar as tipologias de
- O topo de morro, neste caso, é entendido
topo de morro e suas formas e conhecer as suas
como a linha de cumeada ou divisor de águas
função ambiental de - Listar os elementos visíveis na foto 1. nomenclaturas (SOUZA,
+ a parte superior da encosta, aquela onde a
dispersor ou concentrador 2009).
declividade é mais acentuada.
do fluxo superficial. - Indicar a linha de cumeada, a encosta e
a direção de drenagem na foto 1. - Comparar formas e
- O papel da infiltração: se as características
- Entender como a diferenciar nomenclaturas
do solo dificultam a entrada da água no seu
ocupação urbana pode - Interpretação da fotografia 1. (SOUZA, 2009).
perfil essa água tenderá a escoar
alterar o comportamento
superficialmente.
do escoamento pluvial. - Analisar a relação forma –
- Trabalhar a noção de escala espacial (SOUZA,
- Chamar a atenção para o tamanho das casas
escala espacial a partir de 2009).
- Comparação dos elementos da paisagem em relação à encosta; da antena em relação à
elementos presentes na
com as formas do relevo na foto 2. encosta; do homem em relação à cicatriz
foto 2. - Reconhecer os diferentes
erosiva instalada na encosta.
tipos de formas em
- Comparar o topo de morro mostrado na
- Mostrar que existem ilustrações e modelos
foto 2 com aquele mostrado na foto 1. - Na primeira foto o topo de morro é côncavo;
formas diferentes de topos tridimensionais (SOUZA,
na foto 2 é convexo.
de morro. 2009).
- Interpretação da fotografia 3.
- Caracterizar o relevo de
- Visualizar as formas de
Belo Horizonte. - Nem tudo pode ser visto na fotografia e
- Esclarecer aos alunos que as formas relevo, a partir das
alguns elementos da paisagem, como a
mostradas nas primeiras fotos estão representações e do real
- Observar a mudança na ocupação urbana do solo, interferem na
contidas na terceira e que não são vistas (SOUZA, 2009).
representação do relevo de visualização das formas do relevo.
como foram vistas nas fotos 1 e 2 por
acordo com a escala.
uma questão de escala. - Compreender e interpretar
os fenômenos considerando
as dimensões local e
regional (PCN, 2006).

80
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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... continuação
OBJETIVOS POSSIBILIDADES DE TRABALHO OBSERVAÇÕES
- Identificar e diferenciar - Destacar os compartimentos do relevo
altimetricamente através da visualização de cores do - A porção sul e serrana do município faz - Analisar os espaços
compartimentos de relevo padrão altimétrico nas ilustrações 4 e 5. parte do Quadrilátero Ferrífero enquanto a considerando a influência
diferentes. porção centro-norte faz parte da Depressão dos eventos da natureza e
- Mostrar aos alunos que o 1º e o 2º Sanfranciscana, localmente conhecida como da sociedade (PCN, 2006).
- Localizar Belo Horizonte planos da foto 3 correspondem, no Depressão de Belo Horizonte. A porção
no contexto do modelo em 3D (nº 4), à Depressão de centro-norte de Belo Horizonte é também a
Quadrilátero Ferrífero e Belo Horizonte e à borda norte do área de entorno do Quadrilátero Ferrífero pela
seu entorno, mostrado no Quadrilátero Ferrífero que é a Serra do direção norte.
modelo em 3D no nº 5. Curral.
- Os macrocompartimentos podem ser
entendidos como áreas cujo relevo apresenta
pelo menos um fator de gênese comum em
toda sua extensão e que se diferenciam
- Compreender o conceito
morfologicamente do seu entorno seja em
de macrocompartimento
função da altimetria, seja em função do
do relevo. - Cada cor no mapa 6 representa um
padrão de formas ou de outro fator
macrocompartimento diferente*.
geomorfológico.
- Demonstrar que o
município de Belo - Na ampliação de Belo Horizonte
- Formas semelhantes de relevo são comuns
Horizonte possui um mostrada no nº 6, a área em amarelo claro
tanto em compartimentos planálticos quanto
relevo que é parte corresponde a uma parte da Depressão
nos deprimidos. Este é o caso, entre o
integrante de Sanfranciscana enquanto a área em roxo
Quadrilátero e a Depressão de Belo
compartimentos corresponde a uma parte do Quadrilátero
Horizonte. Este não é um fator que distingue
geomorfológicos Ferrífero.
esses dois compartimentos.
diferentes.
- Tanto o relevo do planalto do Quadrilátero
Ferrífero quanto o da Depressão de Belo
Horizonte são colinosos.

* Encontra-se no Anexo 1 o Mapa dos Macrocompartimentos Geomorfológicos de Minas Gerais com maiores detalhes.

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Quadro 6 – Cortes do Relevo de Minas Gerais em Bloco-diagrama – Figuras 21, 22, 23, 24 e 24A
OBJETIVOS POSSIBILIDADES DE TRABALHO OBSERVAÇÕES HABILIDADES ENVOLVIDAS

- As áreas representadas na forma de


- Reconhecer as diferentes
imagem de satélite e na forma de MDE
tipologias de formas em desenhos
são destacadas no detalhe do mapa de
e modelos tridimensionais
Minas (canto superior esquerdo das
(SOUZA, 2009).
Figuras 21, 22, 23 e 24).
- Identificar os limites dos
- Representar diferentes formas de
macrocompartimentos no modelo - Os modelos tridimensionais (MDE’s
relevo a partir da linguagem verbal
tridimensional a partir do mapa de Minas ou MDT’s) apresentados mostram os
- Reconhecer a (SOUZA, 2009).
Gerais e das imagens de satélite. diferentes macrocompartimentos
macrocompartimentação do
geomorfológicos nomeados em cor
relevo através de bloco- - Empregar o conhecimento
- Comparar os volumes e limites entre os branca nas imagens de satélite.
diagramas. cartográfico a favor da
diferentes macrocompartimentos do Entretanto os limites entre eles no MDE
visualização e representação
relevo. não são claros como da maneira com que
- Formar uma visão espacial das formas (SOUZA,
são representados no mapa
tridimensional do espaço. 2009).
- Identificar e visualizar o caráter geomorfológico. A representação do
volumétrico do relevo nos modelos relevo pelo MDT é mais afim à realidade
- Visualizar diferentes formas de
tridimensionais. já que demonstra o relevo em sua
representação do relevo.
tridimensionalidade e como um
continuum.
- Rotação espacial.
- A amplitude da escala espacial do
modelo não permite visualizar as formas
de detalhe (colinas, vales) que são vistas
nas fotografias.

87
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
_____________________________________________________________________________________

... continuação
POSSIBILIDADES DE TRABALHO OBSERVAÇÕES HABILIDADES ENVOLVIDAS
OBJETIVOS
- Identificar áreas de sedimentação e áreas - Os movimentos tectônicos atuam tanto
onde predominam os processos erosivos. no sentido de soerguimento quanto no de
rebaixamento da superfície.
- Identificar no perfil topográfico os
macrocompartimentos representados nas - Nem sempre é fácil reconhecer marcas
imagens de satélite e classificá-los em de processos tectônicos na paisagem.
planalto, planície ou depressão. Discutir Muitas delas já foram apagadas pela
sobre a variação altimétrica dentro de erosão. Deve-se ter em conta a história
cada uma das unidades comparando-as geológica da área e não simplesmente a
entre os quatro modelos tridimensionais. interpretação visual de um modelo.
- Aplicar o raciocínio abstrato
- Discutir a evolução do relevo - As linhas brancas ou pretas mostradas
na compreensão da
representado nos MDE, tomando como nas imagens de satélite indicam a
macrocompartimentação do
base a seguinte questão: é possível que localização dos cortes topográficos
relevo.
alguma das áreas representadas possa presentes em cada figura.
atingir um padrão de formas idêntico ao
- Compreender a tectônica
de outra área? Nesta discussão devem - Em função da amplitude geográfica dos
como um condicionante do
aparecer questões relacionadas ao tempo, MDE’s, as formas de planícies não são
relevo.
aos condicionantes atuantes no relevo (se facilmente reconhecíveis nas figuras, já
são os mesmos ou se condicionantes que o que se torna mais evidente, devido
- Entender os conceitos de
diferentes podem conduzir aos mesmos à altimetria, são as porções elevadas e
planalto, depressão e planície.
efeitos mediante a atuação dos mesmos rebaixados entre si, que correspondem
processos), ao padrão de dissecação do aos planaltos e depressões. As maiores
relevo imposto pela rede de drenagem, planícies encontram-se dentro das
etc. depressões, junto ao leito dos grandes
rios. As pequenas planícies encontram-
se em meio às unidades deprimidas e
planálticas.

88
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
_____________________________________________________________________________________

- A Figura 24A mostra o corte norte-sul - É importante salientar que os tipos de


... continuação do relevo de Minas Gerais sob outro rochas representados são classificações
ângulo de visão. Girando-se o bloco- genéricas para a área. Dentro de cada
diagrama (FIG. 24) no sentido anti- uma das litologias predominantes
horário temos na Figura 24A a existem muitos tipos de rochas.
- Compreender a distribuição e visualização da face oeste desse bloco,
a representação do substrato não visível na Figura 24.
geológico em blocos-diagrama.
- A ideia principal a ser ressaltada é a de
que o substrato geológico de uma região
tem uma organização tridimensional
complexa que, no papel, só podemos ver
em duas dimensões.

89
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
_____________________________________________________________________________________

Os mapas mostrados na figura a seguir (FIG. 25) permitem a continuação do trabalho envolvendo a noção de escala espacial e temporal
apresentado nos Quadros 5 e 6. Aqui os principais objetivos, desenvolvidos no Quadro 7, giram em torno de formas diferentes de representar
uma mesma realidade.

Figura 25 – Mapas de Unidades e Macrocompartimentos do Relevo de Minas Gerais.

90
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
_____________________________________________________________________________________

Quadro 7 – As Relações entre Macrocompartimentos e Unidades de Relevo – Figura 25


POSSIBILIDADES DE
OBJETIVOS OBSERVAÇÕES HABILIDADES ENVOLVIDAS
TRABALHO
Compreender que compartimentos - Identificar as tipologias de
diferentes do relevo correspondem a formas e conhecer suas
áreas planálticas. nomenclaturas (SOUZA, 2009).
- Comparar os dois mapas. Quantos e - A linha preta destacada no mapa da
quais são os macrocompartimentos do direita corresponde aos limites das - Empregar o conhecimento
Compreender que existem diferentes relevo de Minas Gerais que são de unidades de relevo representadas no cartográfico a favor da
formas de representar uma mesma relevo planáltico? mapa da esquerda. visualização e representação
realidade geográfica. espacial das formas (SOUZA,
2009).

91
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
_____________________________________________________________________________________

3.6 – A importância do relevo no planejamento ambiental

Sob a perspectiva ambiental, o relevo aparece como elemento fundamental no


diagnóstico, análise e planejamento físico-territorial. Diferentes áreas e serviços
demandam e empregam os conhecimentos referentes ao relevo: o turismo, vinculado às
belezas naturais de uma dada região; a exploração de recursos minerais; o
aproveitamento de recursos hídricos, vinculado ao dimensionamento da área de
inundação de reservatórios hidrelétricos; a recuperação de áreas degradadas; a previsão
e os riscos associados a movimentos de massa e erosão (GUERRA e MARÇAL, 2006).
A configuração do relevo em termos de inclinação, direção e geometria das
vertentes está diretamente relacionada ao escoamento superficial da água e
consequentemente ao papel que essa água desempenha na superfície seja através dos
processos morfodinâmicos, seja quanto aos locais do terreno onde esse volume de
água irá se acumular. Saber isso, em termos de planejamento ambiental, é fundamental
para definir, por exemplo, as áreas susceptíveis à erosão, captação de água e
conservação de mananciais. Entre outros exemplos de aplicação do conhecimento
geomorfológico ao planejamento ambiental está também o fato de o relevo ser um
aspecto importante no Zoneamento Ecológico-Econômico de qualquer área. O
Zoneamento Ecológico-Econômico é um documento e um instrumento legal que, a
partir de um diagnóstico que envolve todos os aspectos dos meios físico, biótico e
social, define medidas, planos e áreas para proteção e conservação do meio ambiente,
fomento de atividades econômicas sustentáveis e melhoria da qualidade de vida da
população (BRASIL, 2002). O zoneamento ecológico-econômico é amparado pela
legislação federal de meio ambiente e tem como pressuposto básico o fato de o
crescimento socioeconômico ser compatível com a proteção dos recursos naturais. No
caso de Minas Gerais, o zoneamento ecológico-econômico do estado foi desenvolvido
no âmbito do Convênio de Cooperação Administrativa, Técnica, Científica, Financeira
e Operacional, firmado entre o SISEMA (Sistema Estadual de Meio Ambiente) e
Universidade Federal de Lavras, através da Fundação de Apoio ao Ensino Pesquisa e
Extensão, e contou, em especial, com a parceria da Fundação João Pinheiro para a sua
execução.
O ZEE/MG será de grande importância no planejamento e elaboração
das políticas públicas e das ações em meio ambiente, orientando o
governo e a sociedade civil na elaboração dos seus programas e em
seus investimentos. Estes, aos serem planejados e implementados
respeitando-se as características de cada zona de desenvolvimento,

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Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
_____________________________________________________________________________________

irão promover com maior acertividade a melhoria na qualidade dos


serviços prestados e na qualidade de vida de toda a população de
Minas Gerais (www.zee.mg.gov.br, acesso em 14 de setembro de
2009).

Diversos atributos ou características do relevo e a ele diretamente associados são


avaliados e mensurados a fim de definir os locais mais adequados para as atividades
socioeconômicas e aquelas de proteção ambiental. Para exemplificar algum desses
atributos pode-se citar: declividade, geometria das vertentes, tipo de solo, regime de
chuvas.
Diversos instrumentos são utilizados para ajudar no levantamento e avaliação do
relevo aplicado ao planejamento ambiental. Entre esses destaca-se o mapa topográfico
que representa as reentrâncias e saliências do relevo através das curvas de nível.
O trabalho com mapa topográfico, proposto por meio da Figura 26, visa
demonstrar a função ambiental das áreas de cabeceira de drenagem bem como o
comportamento do escoamento superficial da água e da erosão mediante a configuração
do relevo na forma de suas reentrâncias e saliências. O Quadro 8 explicita os objetivos,
as possibilidades de trabalho, habilidades e observações envolvidas com a atividade,
tendo em vista o planejamento físico-territorial como contexto significativo para
amparar o conhecimento do relevo.

93
Capítulo 3 – Atividades didático-pedagógicas envolvendo o relevo e suas representações gráficas
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Quadro 8 – Relevo e Planejamento Ambiental – Figura 26


POSSIBILIDADES DE
OBJETIVOS OBSERVAÇÕES HABILIDADES ENVOLVIDAS
TRABALHO
Os contornos pontilhados coloridos de
cada foto correspondem aos contornos
de mesma cor no mapa topográfico e
identificam a localização da paisagem
representada nas fotos.

Atenção para a orientação das fotos na


Apagando-se o contorno colorido de
carta topográfica. Para melhor
cada foto, solicitar que sejam
- Reconhecer formas em carta correlação entre elas e sua localização
relacionados os quadrados pontilhados
topográfica (SOUZA, 2009). na carta topográfica deve-se girá-las
na carta topográfica com as fotos, por
para orientá-las de acordo com as
meio de mesmas letras ou números.
curvas de nível. Por exemplo, para se - Aplicar o raciocínio
orientar a foto 1 no mapa topográfico geomorfológico na discussão e na
é preciso virá-la de cabeça para baixo. resolução de questões
Sugere-se, para isso, que se trabalhe socioambientais (SOUZA, 2009).
com as fotos recortadas, de modo a
poder encaixá-las na posição correta -Reconhecer formas em carta
na carta topográfica. topográfica (SOUZA, 2009).
Circule os locais onde você
implantaria as seguintes medidas:
- Aplicar o raciocínio geomorfológico - recomposição da mata ciliar.
na discussão e na resolução de - plantio de milho Nem todo início de linha azul no
questões socioambientais (SOUZA, - plantio de árvores nativas. mapa indica nascente ou curso d’água
2009). - área de pastagem. perene. As cartas do IBGE indicam
- recuperação do solo. eixos de drenagem secos (como
- Tomar decisões em termos do - construção de habitação humana. ravinas) também por linhas azuis.
planejamento ambiental da área.
Discuta as justificativas envolvidas em
cada medida tomada.

95
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________________

Considerações Finais

As considerações finais a respeito deste estudo se referem ao que se ensina


quando se ensina o relevo e a quais cuidados devem ser tomados quando esse conteúdo
é ensinado. A primeira questão está diretamente ligada aos conhecimentos que devem
ser mobilizados quando do ensino de geomorfologia ou do conteúdo do relevo em sala
de aula. A segunda está vinculada aos aspectos didáticos envolvidos no ensino-
aprendizagem do conteúdo. Trata-se daqueles aspectos didático-pedagógicos que dão
suporte ao professor para a condução efetiva do processo de ensino/aprendizagem
baseado no conteúdo.

Em torno do que ensinar quando se ensina o relevo.


Em maior ou menor medida, de forma direta ou indireta, o relevo associa-se a
grandes e importantes questões como meio ambiente, recursos naturais, desastres
naturais, mudanças ambientais rápidas e progressivas, formação e perda de solos,
estabilidade de encostas, planejamento ambiental, qualidade de vida, entre outras. Todos
esses assuntos têm ligação direta com a formação de cidadãos conscientes de suas
atitudes frente às questões ambientais. Entretanto, para uma contribuição significativa
do relevo para o entendimento das situações envolvidas com cada uma dessas questões
é preciso ir além da simples nomenclatura e reconhecimento das suas formas. É preciso
mostrar como as formas da superfície se relacionam entre si e como isso se
relaciona ao uso e ocupação da terra pelo homem.
Fala-se muito a respeito dos problemas ambientais. No entanto, poucas vezes as
pessoas têm clareza a respeito do que o relevo tem a ver com o meio ambiente. É nesse
sentido que o ensino do conteúdo relevo deve ser pautado, sem, é claro, prejuízo aos
conceitos necessários à sua aprendizagem enquanto fenômeno natural. Como o relevo
pode influenciar a organização natural e social do espaço mediante as interações
que mantém com os outros elementos do meio? Essa é uma pergunta de base em
geomorfologia. Pergunta mais do que justificada pelo grande número de condicionantes
e forças que atuam sobre o sistema geomorfológico, em variados graus de magnitude.
Pergunta que motiva o desenvolvimento de muitas pesquisas acadêmicas em
geomorfologia aplicada, por exemplo. Pergunta para a qual já existem muitas respostas
e muitas ainda que vão aparecer. Como levar essas respostas para a sala de aula?
Para isso, é fundamental que haja formação contínua do corpo docente e maiores

96
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________________

contatos entre a comunidade acadêmica e a escolar. É preciso também que a


comunidade acadêmica se dedique mais aos modos com os quais são realizadas as
práticas de ensino em torno dos conteúdos escolares. E nessa mesma linha, também
discutir melhor a utilização e o emprego de termos e conceitos, nem sempre bem
definidos e carregados de uma relatividade confusa. Tal fato pode ser exemplificado
pelos próprios termos planalto, planície e depressão, largamente utilizados na geografia
escolar. Enquanto os dois primeiros são eminentemente conceituais, o conceito de
depressão é estabelecido em função do caráter altimétrico, em relação a tudo o que é
mais elevado em seu entorno. Ou seja, é estabelecido em função do conceito de
planalto, o que, em termos de ensino, pode gerar certa confusão com outras formas do
relevo, como os vales. Tal situação deve nos levar a refletir se, em parte, as dificuldades
que os professores apresentam com o conteúdo em si não são fruto de uma velada
negligência da academia em torno da definição e aplicação de certos conceitos.
A geografia escolar não fornece noções de planejamento socioambiental.
Isto precisa mudar e é de fundamental importância que o conteúdo relevo seja
incluído nesse quesito, a fim de que não seja visto meramente como um amontoado de
nomes e conceitos de formas da superfície, mas, que sirva para fornecer aos estudantes
bases para uma leitura crítica dos espaços vividos, em suas dimensões ambiental e
social. Essa leitura crítica deve incluir o trabalho com hipóteses aliado ao raciocínio
dedutivo e indutivo a fim de que os estudantes aprendam a solucionar problemas
específicos e a tratar das necessidades da sociedade através do uso dos conhecimentos e
técnicas científicas e tecnológicas (UNESCO, 2003).
Outro aspecto que não dá para ser dissociada do ensino do relevo diz respeito à
questão temporal e espacial. Portanto, quando se ensina o relevo ensinam-se também
as categorias de tempo e espaço na perspectiva ambiental. O relevo é o conteúdo do
currículo escolar que, mais de perto, permite lidar com as noções e conceitos relativos à
história geológica do planeta e de regiões específicas. Trata-se de um conteúdo que
permite uma abordagem integrada de saberes, na perspectiva temporal e espacial das
ciências ambientais. As dimensões temporal e espacial proporcionadas pelo ensino de
geociências são únicas no currículo escolar, sendo de fundamental importância para o
desenvolvimento de uma inteligência naturalista.
No que concerne às escalas de tempo e espaço aplicadas ao ensino do relevo na
escola básica, é preciso ir além do perceptível, do visível ao entorno. Não é possível
esgotar a abordagem do relevo nessa escala temporal/espacial. É interessante que o

97
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________________

professor parta dos níveis mais concretos das formas, como pressupõe a ordenação das
propostas apresentadas. Que parta de algo familiar aos estudantes como, por exemplo, o
entorno da escola. Contudo, é preciso também ampliar as escalas de compreensão. É
preciso chegar ao que a vista não alcança, ampliando-se assim a complexidade
inerente aos fenômenos e formas geomorfológicas existentes e a capacidade de
raciocínio abstrato. Para tanto, é preciso ter domínio dos conceitos geomorfológicos e
geográficos – ferramentas fundamentais à construção do raciocínio científico e
geomorfológico.
Um aspecto importante a ser sublinhado é que, normalmente, trabalha-se mais
o fenômeno do que suas implicações em termos espaciais. E quando isso acontece
perde-se muito do caráter geográfico do conteúdo. É preciso esclarecer que trabalhar o
fenômeno significa enfatizar certa problemática enquanto trabalhar a espacialização do
fenômeno implica ênfase de outra(s) problemática(s). São, na verdade, duas roupagens
diferentes que revestem uma mesma questão. Embora esses dois âmbitos estejam
conectados de várias maneiras, trata-se de duas abordagens diferenciadas, que podem
ser trabalhadas assim também. Dizer que a organização espacial das favelas tem a ver
com o relevo é um conhecimento diferente daquele que se refere ao fato de que os
sedimentos vindos da escarpa de um planalto constituem a planície na sua base. São
relações cognitivas diferentes evocadas por cada uma dessas situações. Cada uma delas
constela ordens diferentes de conhecimentos em torno do relevo. Assim, as relações
conceituais construídas a partir daí são também de naturezas diferentes.
A espacialidade aplicada ao relevo se refere muito mais à conjuntura
paisagística e suas implicações em termos ambientais do que ao entendimento dos
processos que o transformam e o originam em si. A compreensão dos processos
passa pela compreensão de leis gerais que governam a natureza, não sendo possível
fugir a certas relações causais na explicação do fenômeno relevo. Por outro lado, a
compreensão do relevo em seu caráter geográfico ou espacial está muito mais vinculada
a como são estabelecidas e interpretadas as relações entre processos, formas,
condicionantes e organização social do espaço, segundo tempos e locais específicos.
Essa distinção na abordagem do conteúdo geomorfológico nos leva a concluir que o
relevo, tratado enquanto fenômeno natural, é algo diferente da sua abordagem enquanto
fenômeno natural aplicado ao contexto socioespacial. Diferentes conhecimentos são
implicados em cada uma das situações. Embora possa parecer demasiadamente
cartesiano esse raciocínio, no âmbito do pensamento científico no qual vivemos e fomos

98
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________________

formados – o de separar para depois juntar, já que é impossível apreender a realidade de


uma maneira total, completa e única – é com essa possibilidade que trabalhamos. E
trabalhar com essa possibilidade não significa excluir do conhecimento científico a
incerteza. O conhecimento científico não é uma verdade indubitável. Como lembra
Edgar Morin (2003), todo o conhecimento dos fatos é sempre tributário da
interpretação, o que, portanto, comporta o risco do erro.
Ter consciência dessa distinção epistemológica e didática significa ter
consciência do nível de aprofundamento com que se quer trabalhar o relevo em sala de
aula. Evidentemente, o equilíbrio é desejável. Entretanto, é de acordo com a deliberação
docente que se lançará mão do relevo como fenômeno geomorfológico a ser explicado
e/ou como recurso de contextualização para a compreensão da organização espacial de
alguma situação geográfica. Tratar da conformação topográfica do terreno para
determinado uso do solo não implica abordar necessariamente o relevo do ponto de
vista de seus processos e dinâmica. Contudo, quem tem o poder de decisão a esse
respeito é o professor, dentro de sua autonomia pedagógica.

Em torno dos aspectos didático-pedagógicos envolvidos no ensino/aprendizagem


do relevo.
Um dos principais fatores que faz com que um professor, no processo de ensino
de um determinado conteúdo, seja mais eficiente que outro é a forma com que lida com
o conhecimento e a classe escolar. O professor deve ter consciência da importância do
conhecimento ensinado mas só isso não basta. É preciso que ele saiba mostrar isso aos
alunos, através do domínio do conteúdo e da relação com a classe. A ideia de
contextualização encontra-se subjacente a esse aspecto. Saber contextualizar é uma
forma de conferir significado e importância ao conhecimento.
Os professores devem estar preparados para semear a dúvida, a
curiosidade e os modos de satisfazê-las. Para tanto, os conhecimentos de psicologia
cognitiva são fundamentais e munem os professores de meios de abordagem do
conteúdo: meios que atuam diretamente no processo cognitivo do aluno seja no âmbito
da atenção, interesse, percepção ou raciocínio.
Para uma adequada abordagem didática do relevo no ensino escolar, alguns
princípios foram esclarecidos ao longo deste trabalho, utilizando-se propostas de
ensino/aprendizagem em torno de cinco características fundamentais da didática do
relevo: a linguagem conceitual, a noção de escala espacial, a noção de escala temporal,

99
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________________

a linguagem visual (representações gráficas), assim como a questão do abstrato no


raciocínio geomorfológico, associada às relações de causa/consequência.
A começar pela importância da linguagem conceitual no ensino de qualquer
conteúdo científico, afirma-se que os conceitos são peças fundamentais no raciocínio
geomorfológico. Eles são ferramentas importantes que orientam o raciocínio e a
compreensão de conteúdos escolares no processo de ensino/aprendizagem (COLL et al,
1998; CAVALCANTI, 2003; STOKES, KING e LIBARKIN, 2007). A sua adequada
expressão verbal conduz à construção de relações semânticas (proposicionais) e
analógicas. A adequada expressão verbal dos conceitos referentes ao relevo deve
começar pela própria abordagem do termo relevo, como colocado no item 3.1 do
capítulo 3.
As noções de escala espacial e temporal embasam a compreensão da amplitude
das formas e do seu caráter dinâmico. Cada forma traz consigo uma ordem escalar
(de espaço e tempo) predominante, o que permite o estabelecimento das relações
cognitivas em termos de magnitude, frequência e intensidade do fenômeno.
Assim como nas dificuldades inerentes à cartografia, a geomorfologia também
esbarra nos limites entre a percepção do mundo cotidiano e sua representação, que é um
dos principais meios pelos quais se ensina o relevo. A ideia que se faz de algo não é
exatamente correspondente à representação dessa ideia na forma de bloco-diagrama,
mapa ou qualquer outro recurso de imagem. Isso acontece porque além do
conhecimento representado existem outros conhecimentos que devem ser decodificados
antes, para o entendimento do que realmente interessa. Ou seja, é preciso compreender
as formas de representação para compreender o que se encontra representado. Por
isso, e de acordo com as peculiaridades envolvidas no ensino/aprendizagem do relevo
como visto no capítulo 2, alguns pontos precisam ser explicitados pelo professor na
condução do processo através das representações imagéticas:
• Apontar a correlação entre as formas do relevo e suas diferentes perspectivas de
representação.
• Apontar as relações de profundidade e espacialidade das formas nas fotografias.
• Levar em consideração que o ângulo, a altura do ponto de tomada das fotos, a
iluminação natural são fatores que influenciam na forma como o relevo aparece
nas fotografias.

100
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________________

• Os perfis topográficos são recursos que não demonstram a tridimensionalidade


do relevo; apenas a altimetria ao longo de uma linha ou perfil.
• Chamar a atenção para a tridimensionalidade do relevo quando aplicar o
conhecimento geomorfológico ao planejamento ambiental.
• Prestar atenção ao tamanho de elementos-padrão presentes em fotos, tais como
casas, pessoas, animais, e compará-los com as dimensões da área representada.
Esse exercício ajuda a consolidar a noção de escala espacial.
• O relevo que se vê, que se pode perceber ao nosso entorno, é apenas uma parte
muito pequena de um sistema bem maior em termos de formas, processos e
fluxos de energia.
Acredita-se que este estudo possa abrir caminho para novas pesquisas nesse
sentido. Ou melhor, subsidiar novas discussões baseadas, por exemplo, na aplicação das
atividades aqui propostas. Com isso, pode ser possível verificar a natureza das
dificuldades relacionadas à aprendizagem do conteúdo por parte dos alunos e onde
exatamente se encontram essas dificuldades: se na estruturação das representações, no
desenvolvimento dos conceitos a partir das imagens, etc.
É preciso lembrar que, mesmo com todos os cuidados em termos didáticos que
se possa tomar, não há garantias de um processo efetivo de aprendizado. Esse não é um
processo linear nem de fácil controle em todos os seus aspectos. Fatores cognitivos
contingenciais como os insights interferem nesse processo e podem fazer grande
diferença. Não existem receitas para um ensino correto ou para a melhor forma de
se ensinar determinado conteúdo. As pessoas aprendem de formas diferentes e
gradualmente. E também possuem motivações mais ou menos profundas para isso. A
simples sistematização e didatização do conteúdo também não bastam. Não tornar a
experiência com os conteúdos escolares algo desagradável para o aluno já é uma
contribuição importante do professor para que o sistema cognitivo do estudante
disponha de informações adequadas às quais recorrer quando quiser ou tiver que lidar
com determinado conteúdo escolar.
Contudo, existem cuidados a serem tomados em função da natureza do
conteúdo; da estrutura científica e conceitual já estabelecida em torno dele. E esses
cuidados devem ser considerados levando-se em conta os modelos mentais dos alunos a
fim de se ter aí um parâmetro de intervenção mais eficiente no processo de
ensino/aprendizagem. Prestar atenção a esses detalhes significa construir com os alunos

101
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________________

ferramentas para que eles possam avançar autonomamente na construção de seus


conhecimentos; para que construam seus próprios meios de aprender a aprender
(recursos metacognitivos). Aliás, qualquer didática que não preze por esse quesito, ou
seja, que não dê condições ao aluno de se perceber como sujeito ativo na construção do
seu próprio conhecimento e de estar consciente de seus meios de raciocínio, está
condenada a ser simplesmente uma receita dogmática de pseudoverdades. A verdadeira
didática deve conduzir ao que Morin denomina de incerteza humana. Deve estar
baseada no fato de que “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente
certa, mas dialogar com a incerteza (MORIN, 2003, p.59)”.
Existem muitos segredos que ainda não tivemos capacidade de conhecer, ou que,
talvez, a natureza ainda não tenha desejado nos mostrar. Muitos porquês ainda serão
desvelados. Para bem conhecê-los e aplicá-los, nossa missão, hoje, é a de preparar da
melhor forma possível aqueles que manifestarem o desejo e o talento de conhecê-los de
forma adequada. Contudo, para caminhos errados não serem tomados o ser humano
deverá sempre partir e retornar com frequência à fonte primordial de todas as coisas: o
conhecimento de si próprio.

102
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12° Encontro de Geógrafos da América Latina – EGAL. Montevideo, Uruguay.

110
Nom omnis moriar.
Horacio (65 a.C – 8 a.C)

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