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Aula 2 - MAGALHAES-Bernardina-Botelho-de - O-diario-de-Bernardina.-Da-Monarquia-a-Republica

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O diário de Bernardina

Bernardina Botelho de Magalhães

O diário de Bernardina
Da Monarquia à República,
pela filha de Benjamin Constant

Organização, introdução e notas:


Celso Castro e Renato Luís do Couto Neto e Lemos

Rio de Janeiro
Copyright da organização, introdução e notas © 2009,
Celso Castro e Renato Luís do Couto Neto e Lemos

Copyright desta edição © 2009:


Jorge Zahar Editor Ltda.
rua México 31 sobreloja
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
tel.: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800
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Todos os direitos reservados.


A reprodução não autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)

Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Projeto gráfico e composição: Mari Taboada


Capa: Rita da Costa Aguiar
Ilustração de capa: © Fine Art Photographic Library/Corbis/LatinStock

Fontes iconográficas: As imagens 8, 11 e 12 pertencem ao acervo


CPDOC/FGV; as demais imagens, ao acervo do Museu Casa de Benjamin
Constant/DEMU/IPHAN (imagens 10 e 16: fotografia de Maria Fernanda
Villas Boas). Todos os esforços foram feitos para identificar as fontes
de imagens aqui reproduzidas. Estamos prontos a incluir eventuais
omissões em futuras edições.

CIP-Brasil. Catalogação na fonte


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Magalhães, Bernardina Botelho de, 1873-1928


M164d O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de
Benjamin Constant / organização, introdução e notas, Celso Castro e
Renato Luís do Couto Neto e Lemos. — Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
il.
ISBN 978-85-378-0119-2
1. Magalhães, Bernardina Botelho de, 1873-1928 - Diários. 2.
Constant, Benjamin, 1737-1891. 3. Brasil – História – Proclamação da
República, 1889. 4. Brasil - Usos e costumes – Século XIX. I. Castro,
Celso, 1963-. II. Lemos, Renato Luís do Couto Neto e. III. Título. IV.
Título: Da Monarquia à República, pela filha de Benjamin Constant.

CDD: 981.04
08-5339 CDU: 94(81)
Introdução
Uma janela para o tempo
Celso Castro e Renato Lemos

O texto que se vai ler é o diário de Bernardina, filha de Benjamin


Constant Botelho de Magalhães. Benjamin Constant, como ficaria
conhecido, nasceu em 1837 e fez carreira no Exército brasileiro, ten-
do alcançado a patente de tenente-coronel, mas chegaria a general
“por aclamação” nos primeiros dias da República. Lecionou mate-
mática em várias instituições, como o Imperial Instituto dos Meninos
Cegos, a Escola Normal, a Escola Politécnica, a Escola Militar e a
Escola Superior de Guerra, todos no Rio de Janeiro. Adepto do positi-
vismo, que supunha ser a República a mais avançada forma de organi-
zação política, foi um dos primeiros e mais importantes divulgadores
da doutrina no país, transmitindo-a à juventude militar que passava
por suas aulas. Essa interação entre professor e alunos contribuiu deci-
sivamente para que a “mocidade militar” — para usar uma expressão da
época — se tornasse republicana.1 Benjamin esteve na linha de frente
da conspiração que resultou no golpe militar que depôs a Monarquia

1. Sobre o assunto, ver Celso Castro. Os militares e a República: um estudo de


cultura e ação política. Rio de Janeiro, Zahar, 1995. Algumas ideias e passa-
gens do presente texto foram anteriormente apresentadas em “O diário da
Bernardina”, capítulo de Escrita de si, escrita da história (org. Ângela de Castro
Gomes. Rio de Janeiro, FGV, 2004, p.229-39).

7
8 Bernardina Botelho de Magalhães

em 15 de novembro de 1889. Em seguida, integrou o primeiro gover-


no republicano, nos cargos de segundo vice-presidente e ministro da
Guerra e da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Morreu em 22
de janeiro de 1891, um mês antes da promulgação da primeira Cons-
tituição republicana, vindo a ser declarado “Fundador da República”
pelos constituintes então reunidos.2
Bernardina, a autora do diário, nasceu em 15 de abril de 1873,
a quarta filha do casamento de Benjamin Constant com Maria Jo-
aquina da Costa, se não contarmos os dois filhos que morreram
ainda nos primeiros anos de vida. Tinha 16 anos de idade quan-
do redigiu as notas que compuseram quatro cadernos, dos quais se
preservaram os dois aqui apresentados. Após sua morte, em 24 de
agosto de 1928, os cadernos estiveram em poder de Mário Cons-
tant de Magalhães Serejo, o filho que se tornou um historiador da
família, escrevendo sob o pseudônimo “Benjamin Constant Neto”.
Após a morte deste, em 1991, a documentação ficou com algumas
tias suas, entre elas Diva, irmã de Peri Constant Bevilaqua, também
neto de Benjamin Constant.3

2. Renato Lemos. Benjamin Constant: vida e história (Rio de Janeiro, Topbooks,


1999).
3. Nascido em 1899, filho de Alcida Constant Botelho de Magalhães e
José Bevilaqua, foi militar, tendo chegado à patente de general de Exército.
Ocupou vários cargos públicos, inclusive o de ministro do Superior Tribunal
Militar (STM), do qual foi desligado por força de medida baseada no Ato
Institucional n.5, que o aposentou compulsoriamente em janeiro de 1969.
Seu arquivo pessoal também se encontra depositado no MCBC. Sobre sua
trajetória pública, ver Renato Lemos, “O general juiz”, in Renato Lemos
(org.). Justiça fardada: o general Peri Constant Bevilaqua no Superior Tribunal Militar
(Rio de Janeiro, Bom Texto, 2004).
O diário de Bernardina 9

Tendo Diva passado a morar com o irmão, este se tornou o de-


positário do arquivo da família.4 Peri Bevilaqua doou os documentos
ao poder público, o que viabilizou a organização do Museu Casa
de Benjamin Constant (MCBC). Em meio ao acervo, identificou-
se um dos volumes do diário de Bernardina. Após o falecimento de
Peri Bevilaqua, em 1990, seu arquivo pessoal foi doado pelos filhos
ao Museu e, ao ser organizado, revelou um segundo caderno de ano-
tações de Bernardina.
Os cadernos parecem ter sido preservados principalmente em
função dos acontecimentos de 15 de novembro de 1889, dos quais
Benjamin foi um dos principais protagonistas, e que Bernardina des-
creve a partir de seu ponto de vista doméstico. Pequenos trechos re-
ferentes a esse dia e posteriores apareceram, anos mais tarde, já após a
morte de Bernardina, reproduzidos em três publicações. A primeira foi
a 3-ª edição da monumental biografia de Benjamin Constant feita pelo
diretor da igreja Positivista do Brasil, Raimundo Teixeira Mendes.5
Essa edição traz o anexo “Notas do diário de d. Bernardina Constant
de Magalhães Serejo, filha do Fundador da República” (p.491-4), com
alguns trechos de seu diário. Três anos mais tarde, os mesmos trechos
foram transcritos em livro de seu filho.6 Finalmente, temos o trecho do
diário referente ao dia 15 de novembro reproduzido em uma entrevista

4. Informações prestadas por Afonso de Escobar Bevilaqua, sobrinho-neto


de Bernardina.
5. Raimundo Teixeira Mendes. Benjamin Constant: esboço de uma apreciação
sintética da vida e da obra do Fundador da República Brasileira (Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1937, edição comemorativa do primeiro centenário
de seu nascimento, 18 de outubro de 1936).
6. Benjamin Constant Neto. Benjamin Constant (Rio de Janeiro, Leuzinger,
1940, p.215-8).
10 Bernardina Botelho de Magalhães

com o viúvo de Bernardina, publicada em 1939.7 Através dessa entre-


vista, ficamos sabendo que originalmente havia quatro cadernos, pois
o autor da matéria afirma havê-los folheado.
O destino dos cadernos seguiu, ainda, o curso do espólio de Ben-
jamin Constant. Após sua morte, muito daquilo que os historiadores
veriam como seu acervo sumiu: livros foram roubados, outros, que
estavam emprestados, não foram devolvidos, outros ainda foram do-
ados à Academia Brasileira de Letras. Esse percurso de desvios é
evidente no caso da correspondência da Guerra do Paraguai.8 Como
há indícios de que os quatro cadernos estiveram nas mãos do filho
de Bernardina, é razoável supor que houve extravio ou que algum
aventureiro se apossou deles posteriormente.
Hoje, dispomos de dois conjuntos de anotações pessoais, aqui
transcritos, sobre os quais devemos fazer algumas observações. Em
primeiro lugar, a própria palavra “diário” deve ser pensada no con-
texto de uma história cultural dos “registros de si”. Na capa de seu
caderno Bernardina anota apenas a frase “continuação das notas de
1889”. Não há, no texto que chegou até nós, nenhuma ocorrência da
palavra “diário”. Esse rótulo lhe foi atribuído posteriormente e pode
assumir múltiplas significações. O registro diário de informações −
definição mínima de “diário” − engloba um contínuo que vai de uma
simples “agenda” de acontecimentos ao registro de pensamentos “ín-

7. “Benjamin Constant através as (sic) reminiscências de um discípulo”,


Diretrizes ano II n. 20 (Rio de Janeiro, nov 1939, p.19-22).
8. Renato Lemos, “Introdução”, in Renato Lemos (org.). Cartas da guerra:
Benjamin Constant na campanha do Paraguai (Rio de Janeiro, Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Museu Casa de Benjamin
Constant, 1999).
O diário de Bernardina 11

timos” de seu autor. Essas notas de Bernardina, como as de muitos


outros, ficam em algum lugar no meio do caminho.
Pode-se imaginar a razão que teria levado Bernardina a redigir
suas notas. Possivelmente, foi influenciada pelo pai. Benjamin Cons-
tant demonstrava grande preocupação em registrar os eventos com
que se envolvia, talvez mirando a posteridade. Ele próprio tinha ca-
dernetas onde, na década de 1860, anotou fatos do cotidiano, in-
clusive o primeiro banho de mar com a esposa, poucos dias após o
casamento.9
Podemos ainda especular sobre a razão por que a família guardou
esses cadernos. Acreditamos que, para os familiares de Bernardina,
que o preservaram após sua morte,10 o diário era um objeto de memória
investido de uma dupla devoção: lembrança de um ser querido, mas
também — e, provavelmente, mais importante, já que foram guarda-
dos apenas dois dos cadernos do diário — prova documental de que
Bernardina e, através dela, toda sua família, foram participantes de
uma história memorável.
O objeto físico preservado − os cadernos em si, e não apenas seu
texto, transcrito em outros suportes − possivelmente tinha uma fun-
ção análoga à que Lévi-Strauss atribuiu aos churinga, objetos de culto
dos aborígines australianos que representam a reencarnação de um
antepassado.11 O diário não se tornou “histórico” após ter sido confia-
do à guarda de uma instituição de memória, gesto que pretensamente

9. Cf. Renato Lemos. Benjamin Constant: vida e história (Op.cit.).


10. Bernardina foi a segunda a morrer, dentre os filhos de Benjamin
Constant que chegaram à vida adulta.
11. Ver Claude Lévi-Strauss. O pensamento selvagem (São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 2a ed., 1976, cap. 9, “O tempo redescoberto”).
12 Bernardina Botelho de Magalhães

lhe atribuiria essa condição: ele já era assim considerado antes de


receber essa chancela por aqueles da família que o guardaram. Esse
reconhecimento vinha de seu caráter probatório: como os churinga e
nossos documentos e objetos “históricos”, o diário dava uma existên-
cia física à História, encarnava a qualidade íntima do acontecimento,
punha quem o possuía em contato com a pura historicidade. Por isso,
sua preservação para a posteridade era − e ainda é − importante.
Também o estilo das anotações merece reflexão. Um caminho
possível é compará-lo com outros diários de jovens mulheres dessa
época. Como, por exemplo, aquele mantido entre os 13 e 15 anos
por Alice Dayrell Caldeira Brant (1880-1970) e publicado pela
primeira vez em 1942, com o título de Minha vida de menina.12
Nesse diário, a autora registra cenas do cotidiano familiar e social
de Diamantina (MG). Se há uma grande diferença entre os dois
diários em relação à extensão e vivacidade daquilo que se registrava,
também há pontos em comum. Dentre eles, destaca-se o peso das
relações familiares e do destino então geralmente reservado às mu-
lheres, circunscritas aos cuidados com o lar e a família. Alguns si-
lêncios dos dois diários também são significativos, como a ausência
de aventuras amorosas ou mesmo admirações platônicas. Por esse
caminho, o diário de Bernardina pode tornar-se uma fonte para a
história social das mulheres no Brasil. E ele cresce em importância
quando sabemos que, no final do Império, quase dois terços das

12. Helena Morley (pseudônimo). Minha vida de menina (São Paulo,


Companhia das Letras, 1998). Uma diferença importante em relação
ao diário da Bernardina é que o livro reorganizava registros mantidos
50 anos antes em cadernos e folhas avulsas pela menina Alice.
Foi traduzido para o inglês e o francês.
O diário de Bernardina 13

mulheres brasileiras eram analfabetas, e que poucos diários femini-


nos dessa época chegaram até nós.13
O que estamos chamando de “diário de Bernardina” não é, a rigor,
um repositório de registros íntimos, mas um conjunto de anotações
do cotidiano familiar. Notas que resumem sucintamente o cotidiano,
em especial eventos familiares: visitas recebidas e saídas de seus pais e
irmãos. Muito integrada à família, Bernardina participava, direta ou
indiretamente, da maioria dos eventos que os envolviam. Os Botelho
de Magalhães residiam no prédio do Imperial Instituto dos Meninos
Cegos (na Urca, Rio de Janeiro), que Benjamin Constant dirigia e
que, após a Proclamação da República, receberia seu nome. Os vi-
sitantes, bem como os que se iam visitar, são, em geral, parentes ou
aparentados: tias, tios, uma irmã casada e seus três filhos, compadres
e comadres. Quase sempre se almoça, janta ou ceia com os anfitriões.
São visitas frequentes, quase diárias.
Bernardina sai pouco de casa, se é certo que o diário registra
todas ou ao menos a maioria de suas saídas. Quando sai, é em com-
panhia da mãe ou do pai, nunca sozinha. Saídas noturnas exigem a
companhia de algum homem adulto da família, geralmente o pai: vá-
rias vezes há o registro de que o pai foi buscá-la de volta. Esse padrão
repete-se para suas irmãs, que sempre saem e voltam escoltadas. Em
visitas ou compras, a mãe quase sempre leva uma filha em sua com-
panhia. O pai, professor, é o único que sai sozinho, e o único a traba-
lhar fora de casa. Idas ao teatro mobilizam boa parte da família.

13. Ver Anamaria Gonçalves Buieno de Freitas e Maria Amélia de Almeida


Cunha. “Dimensões da condição feminina no final do século XIX, nas
páginas do diário ‘Minha vida de menina’ (1893-1895)”, Horizontes vol. 19
(Bragança Paulista, jan-dez 2001, p.29-41).
14 Bernardina Botelho de Magalhães

É recorrente o registro de doenças e mal-estares de membros da fa-


mília: dores de cabeça, enxaquecas, pontadas, indigestões, constipações e,
mais grave, a pneumonia de um primo. Quanto a si mesma, Bernardina
registra cólicas, dores de garganta e de estômago. Aldina, a irmã imedia-
tamente mais velha, está tentando um tratamento por hipnose, mas nas
visitas que faz ao médico não consegue ou não se deixa hipnotizar − em
uma sessão, o hipnotizador é quem adormece. O pai é, de longe, o mais
doente, e seguidamente falta a aulas ou outros compromissos por pro-
blemas de saúde, provavelmente decorrência da malária contraída nos
alagadiços paraguaios durante a guerra. Já o irmão mais novo faltava
muito ao colégio mais por malandragem do que por doença.14
O que Bernardina fazia em casa? Em algumas manhãs, recebia
aulas de piano. Boa parte do dia era ocupada com pequenos trabalhos
de costura, a contar pelo registro de fronhas, corpinhos, aventais, cami-
solas e sapatinhos de lã que fazia para si e para os seus. Mais raramente,
aparece o registro de algo que cozinhou: chocolate, doce de abóbora e,
junto com a mãe, doce de ovos. Desta, recebia uma pequena mesada. À
noite, a mãe algumas vezes lia histórias para as filhas mais novas.
Além de não haver, no diário, registros do que hoje chamaríamos
de pensamentos ou “segredos íntimos”, faltam, também, nas cinco pri-
meiras semanas registradas, referências a fatos públicos, nacionais ou
internacionais. A vida de Bernardina era a vida em família; o mundo
exterior era limitado pelo tempo e espaço familiares. Porém, no dia
15 de setembro de 1889 a História subitamente adentrou sua casa:
“Esteve cá o militar Jayme Benévolo, que veio falar com papai sobre,

14. Para mais detalhes sobre o cotidiano embate entre Benjamin Constant
e seu filho no âmbito das atividades escolares, ver Renato Lemos. Benjamin
Constant: vida e história (Op.cit.).
O diário de Bernardina 15

segundo nos parece, uma nova questão militar, por ter o presidente do
Conselho preso injustamente um oficial.”
A partir desse momento, sua vida entrelaça-se, cada vez mais,
com a da República em gestação. Através de suas anotações, pode-
mos perceber a coexistência e interpenetração de diferentes ritmos
da vida social: “... o processo histórico se desvela como interseção de
ritmos de vida, conforme classificação proposta por Fernand Brau-
del: o ritmo acelerado da vida cotidiana — familiar, profissional —,
o ritmo médio da fase crítica da conjuntura política — definição do
embate entre forças em torno do poder — e por fim, mas não menos
importante, o ritmo lento da longa duração, que regula o desenrolar
de mudanças na estrutura política do país.” 15
A Questão Militar16 envolve decisivamente seu pai e seu padri-
nho − Marciano Augusto Botelho de Magalhães, também oficial do
Exército. Em ritmo célere, abrem-se as portas do lar para a rua. Por
elas, entram estudantes da Escola Militar, jovens oficiais e líderes
republicanos. Bernardina assiste à transformação de seu pai em líder
de um segmento militar politicamente mobilizado. Nesse processo,
que se acompanha através da leitura de seu “diário”, o status social
de Bernardina e de sua família mudará radicalmente. Suas anotações
chegam aos primeiros dias da República, quando Benjamin Cons-
tant ocupa o primeiro plano do processo de implantação da nova
organização política do país.

15. Renato Lemos. Benjamin Constant: vida e história (Op.cit., p.368).


16. Série de conflitos, ligados a tensões corporativas e políticas, que
opuseram segmentos militares e ministros na segunda metade da década de
1880. Para mais informações, ver Celso Castro. Os militares e a República: um
estudo de cultura e ação política (Op.cit.).
O diário de Bernardina 77

dado hoje pela Imprensa Fluminense em homenagem aos oficiais


chilenos; o sr. Carlos não quis ir e por isso pediu ao Benjamin para
acompanhá-la; papai, mamãe, tia Olímpia, Alcida e eu assistimos de
um camarote; meu padrinho também foi de camarote, com a família.
A d. Maria Teresa veio com irmã almoçar; a irmã foi embora depois
do almoço e ela ficou para jantar.

5 de novembro [terça-feira]
A d. Alcida e a Catarina estiveram cá depois do almoço; estão na ca-
sa do sr. Sampaio desde a semana passada. Benjamin veio hoje de
casa de Aldina. Não dei aula com Alvina porque não pude apron-
tar as lições em razão de ter vindo tarde ontem do concerto e ter
me acordado muito tarde. Depois do jantar mamãe foi com Elvira
à casa de d. Francisca e achou-a no mesmo. Papai foi de noite ao
Clube Militar.61 A Mariquinhas esteve cá com a Geraldina e não
jantou; o sr. Carlos jantou cá e ficou muito zangado porque Aldina
voltou ontem tarde do concerto. Alcida manifestou hoje desejo de ir
ao baile da Ilha Fiscal,62 com o que nos admiramos muito e causou
muito contentamento por vermos que ela está melhor, porém como
falta pouco para o dia do baile nós não vamos por não haver tempo
de fazer vestidos.

61. Tratava-se de uma reunião da diretoria que teve por objetivo preparar
a tão esperada sessão pública, a realizar­-se no dia 9, e aprovar a adesão de
43 novos membros — dentre eles, há apenas 8 oficiais superiores; a maior
parte era de tenentes e alferes-alunos. O objetivo dessa adesão em massa de
jovens oficiais radicais era garantir o quórum e uma confortável maioria na
sessão do dia 9.
62. O baile da Ilha Fiscal foi promovido pelo Imperador em homenagem aos
mesmos visitantes chilenos. Era a maior e mais imponente festa até então
realizada pelo Império — e terminou sendo sua última.
78 Bernardina Botelho de Magalhães

6 de novembro [quarta-feira]
Papai foi dar aula na Escola Superior. Mamãe foi com Alcida ao
dr. Érico Coelho. Depois do jantar papai foi à casa do general De-
odoro e de lá à casa de d. Francisca, que está a expirar; mamãe e
eu fomos à casa de Adozinda; as crianças estão melhores da tosse
e parece que não é coqueluche; dr. Álvaro não estava, foi para a
casa da tia; Adozinda deu-me um colete que não chega mais nela.
Quando mamãe e eu chegamos encontramos aqui cinco oficiais
que estavam à espera de papai, para falar sobre a questão militar.63
Meu padrinho, que jantou aqui, ainda estava quando chegamos e
foi embora quando os oficiais foram. Tia Olímpia foi à lição e não
veio jantar. O Benjamin passou o dia um pouco incomodado e teve
de noite um pouco de febre.

7 de novembro [quinta-feira]
Tio João veio hoje da Jurujuba. O Benjamin amanheceu melhor e
foi ao colégio. O dr. Amarante esteve cá de tarde, veio por parte de
dr. Álvaro participar-nos a morte da d. Chiquinha; morreu às 3h.
De noite estiveram aqui o sr. Quintino Bocaiuva e dois oficiais que
vieram falar sobre a questão militar.64

63. Eram eles Sólon, Mena Barreto e Joaquim Inácio, acompanhados


do aluno da ESG Aníbal Elói Cardoso e do tenente Saturnino Cardoso.
Lá já estava Marciano, o irmão mais novo de Benjamin Constant.
Segundo algumas versões, já se discutiam detalhes do golpe republicano,
como o que fazer com o Imperador.
64. Eram eles Sólon e Mena Barreto. Trataram possivelmente da
necessidade de se promover um encontro dos republicanos civis com
Deodoro — encontro que, afinal, se realizaria no dia 11.
O diário de Bernardina 79

8 de novembro [sexta-feira]
Papai foi antes do almoço à casa das irmãs do dr. Álvaro dar os pê-
sames pela morte de d. Francisca; foi depois do almoço ao Tesouro,
veio à casa e daqui foi com meu padrinho e o sr. Carlos ao enterro
da d. Chiquinha. O sr. Carlos veio cá primeiro saber se papai ia, foi a
casa mudar a roupa e voltou. O sr. Jaime Benévolo veio cá duas vezes
procurar por papai e ele não estava, na terceira vez veio junto com
ele da rua. Mariquinhas jantou cá; esteve copiando uns pontos que o
Benjamin me pediu para os copiar e, como eu lhe dissesse que estava
com preguiça, ela quis por força copiar um pouco para adiantar. Ma-
mãe foi depois do almoço à casa das irmãs do dr. Álvaro e de lá foi à
casa de Adozinda para ficar com as crianças, a fim de que Adozinda
pudesse vir à casa da tia do dr. Álvaro. Mamãe veio jantar e chegou
aqui muito tarde; o sr. Carlos e meu padrinho vieram jantar cá e o dr.
Álvaro também. Depois do jantar retiraram-se todos e papai foi ao
Clube Militar. Tia Olímpia foi dar lição, veio jantar e foi depois do
jantar à casa da falecida d. Chiquinha. De noite eu copiei um pouco
dos pontos do Benjamin. O Diário de Notícias trouxe hoje no arti-
go de fundo, escrito pelo conselheiro Rui Barbosa,65 sob a epígrafe
“Questão Militar”, um bonito elogio a papai.

9 de novembro [sábado]
Papai foi à escola. Meu padrinho esteve cá. Mamãe foi com Alcida ao
dr. Érico Coelho. Esteve cá o sr. Quintino Bocaiuva; dr. Álvaro também

65. Rui Barbosa, advogado e jornalista, teve importante papel na crise


final do Império, contribuindo, por meio de intensa atividade na imprensa,
para aguçar as contradições políticas que marcaram os últimos dias
da Monarquia no Brasil.
80 Bernardina Botelho de Magalhães

esteve cá e aqui jantou. Depois do jantar Aldina chegou com o sr. Car-
los e as crianças e fomos todos, menos as crianças, à ponte das barcas ver
a iluminação e as pessoas que iam ao baile [da Ilha Fiscal]; papai foi ao
Clube Militar;66 o Benjamin não quis ir. Voltamos às 11h, ceamos e o sr.
Ângelo disse-nos que papai esteve aqui e, como soube que estávamos
na ponte das barcas, foi para lá à nossa procura e nos desencontramos;
então esperamos que ele voltasse e fomos outra vez a ver se podíamos
ver a ilha de perto; desta vez Araci ficou dormindo, Aldina foi embora
com o sr. Carlos e [a] pequenina e, como amanhã ela tem de vir para
batizar a Edith, deixou aqui os dois meninos, de sorte que fomos só
mamãe, papai, tia Olímpia, Alcida e eu; papai lá indagou se não se
podia ir na barca dos convidados para voltar na mesma, porém disseram
que só com o cartão; então papai tratou um escaler a 1$ por pessoa e
vimos perfeitamente a ilha, o baile e as pessoas. Chegamos em casa às
3h e tanto da madrugada. O Benjamin, quando soube que nós fomos de
escaler, ficou arrependido de não ter ido. Faltei à aula.

66. Enquanto a família tentava assistir ao baile da Ilha Fiscal, Benjamin


presidia a última sessão do Clube Militar a se realizar antes do golpe
republicano — a sessão tão longamente aguardada pela “mocidade militar”.
Embora a maioria dos presentes já estivesse decidida pela conspiração, o
endosso do Clube era essencial para configurar o movimento como sendo
da “classe militar” e, com isso, conseguir a adesão de um número maior
de oficiais. Deodoro, doente, não participou da sessão, que transcorreu
num clima exaltado, com a participação quase exclusiva de jovens oficiais.
Encerrando a sessão, Benjamin, segundo a ata, afirmou que, não sendo os
meios legais suficientes para mudar a direção dos acontecimentos, “estaria
pronto para desprezar o que havia de mais sagrado — o amor da família —
para ir morrer conosco nas praças públicas, combatendo em prol da pátria
que era vítima de verdadeiros abutres, para o que só pedia lhe fossem dados
alguns dias para desempenhar-se de tão árdua quanto difícil missão de que
foi investido pela classe a que tem a honra de pertencer.”
O diário de Bernardina 81

10 de novembro [domingo]
Todos nós nos acordamos muito tarde em razão de termos nos dei-
tado de madrugada. Aldina veio com o sr. Carlos e a Edith; ao meio-
dia a Edith batizou-se na Igreja de Sto. Antônio, sendo mamãe a ma-
drinha e o padrinho um alemão conhecido do sr. Carlos; o padrinho
esteve cá um pouco depois do batizado e depois que ele retirou-se
é que almoçamos. Além da d. Chiquinha, Elvira, tia Olímpia e nós,
mais ninguém assistiu o batizado. Acabei hoje de copiar os pontos
do Benjamin. Papai foi à casa do general Deodoro, depois do almoço.
Meu padrinho esteve cá de noite, aqui ceou, e o Ciro também esteve
e saiu antes d’ele chegar.

11 de novembro [segunda-feira]
Papai foi ao dentista. Mamãe foi com Alcida ao dr. Érico. Meu pa-
drinho jantou cá com a Carlota e depois do jantar chegou a tia Julieta
com a Hermínia e o Benjaminzinho; meu padrinho saiu para dar
algumas voltas, veio cear e demorou-se mais para esperar por papai,
que saiu; foram embora depois do chá. Tia Olímpia foi dar lição e
veio jantar.

12 de novembro [terça-feira]
Papai saiu de manhã e voltou com meu padrinho para almoçar, tarde;
depois do almoço Aldina veio com as crianças para ir conosco ver a
Ilha Fiscal, que está em exposição; papai declarou que não podia ir;
o Benjamin não quis ir; tia Olímpia foi; saímos daqui às 2h e tanto,
mas como o mar estava muito forte, não pudemos embarcar; a Ma-
riquinhas, que chegava quando nós estávamos para sair, também foi
conosco até o ponto das barcas; tia Olímpia foi de lá para casa de d.
Alcida, lá jantou e veio de noite. Depois do jantar mamãe foi com
Aldina à casa de Adozinda e a Mariquinhas aproveitou a companhia
82 Bernardina Botelho de Magalhães

e foi embora com a Geraldina. Papai saiu depois do almoço e até


agora não voltou (meia-noite).

13 de novembro [quarta-feira]
Mamãe foi de manhã à casa de Adozinda para ficar com as crianças
e Adozinda poder ir assistir à missa da tia do dr. Álvaro, por isso ma-
mãe não foi à missa; papai, titia e Elvira foram à missa; eu e Alcida
não fomos por não termos trajes pretos; o Benjamin, por ter colégio.
A d. Alcida e a Eunice foram à missa e vieram almoçar cá; meu
padrinho também; depois do almoço, titia saiu para dar lição e d.
Alcida, como ia para a Praia Grande, acompanhou-a; tia Olímpia só
voltou de noite. Mamãe almoçou com Adozinda e veio logo para ir
com Alcida ao médico; Araci também foi. Papai foi dar aula e voltou
à hora do jantar; meu padrinho jantou cá. A d. Maria Teresa jantou
cá. Depois do jantar, mamãe, Alcida, Araci e eu fomos ver Alice, pela
primeira vez desde que chegou em casa do sr. José Rufino de Vascon-
cellos; papai não pôde ir hoje, mas já esteve com Alice.

14 de novembro [quinta-feira]
Papai saiu depois do almoço e veio tarde para jantar. De noite foi ao
Clube Militar e de lá à casa do general Deodoro e voltou tarde; meu
padrinho jantou cá, saiu depois do jantar e voltou de noite com papai,
para dormir cá. Dr. Álvaro esteve cá para falar com papai, e como ele
se demorasse, foi embora e ficou de vir amanhã cedo. Mamãe deu
hoje ao Benjamin umas camisas, uma bengala e um vidro de perfume
pelo dia 19; deu já porque desconfia que haverá breve qualquer baru-
lho no país, por causa das questões militares.

15 de novembro [sexta-feira]
Acordei hoje ao toque de trombetas dos soldados e assustada levan-
tei-me e soube então por mamãe que vieram de madrugada alguns
O diário de Bernardina 83

12. “Hoje acordei ao toque de trombetas dos soldados e assustada levantei-me”.


Desenho de Bellenger publicado no periódico L’Illustration de
21 de dezembro de 1889.
84 Bernardina Botelho de Magalhães

oficiais para irem com papai para o quartel-general, pois receavam


que o movimento para república rebentasse hoje; com efeito, pelo
meio do dia o Exército em peso, ligado à Armada, à Polícia da Corte
e de Niterói e reunido no quartel do Campo, prendeu os ministros
em reunião de Conselho e proclamou-se a República Brasileira pa-
cificamente e de um modo nobre; papai declarou que a Família Im-
perial seria garantida e protegida pelo Exército; disse ao ministro do
Império, barão de Loreto, que podia retirar-se porque é um homem
virtuoso e que agradecesse à sua esposa, e disse também que o est.67
não devia se fiar no Ouro Preto nem no Cândido de Oliveira; como
eles ficassem muito humilhados, o general Deodoro deu-lhes ordem
de soltura; o Ladário (min. da Marinha) foi ferido pelo alferes-aluno
Peña,68 em defesa própria; tendo o barão de Ladário querido atirar
sobre o Deodoro, o aluno deu-lhe ordem de prisão, ao que ele não
quis se sujeitar, apontando logo o revólver para o moço; então este
deu-lhe seis tiros de revólver.69 Meu padrinho e tio João acompanha-
ram papai de madrugada; por muita felicidade, não aconteceu nada
a papai; apenas teve uma arranhadura na sobrancelha, coisa leve; o
sr. Carlos veio cá quando soube do movimento, daqui foi para onde
papai estava, voltou cá e foi depois para Santa Teresa; logo que aca-
bou-se o movimento mamãe mandou-me escrever um bilhetinho à
Aldina tranquilizando-a. Dr. Álvaro esteve cá, foi ter com papai e
veio almoçar; almoçou também cá o sr. Licínio, que não se separou
de papai durante o movimento; o dr. Macedo também almoçou cá;

67. Está abreviado no original. Provavelmente significa “Estado”.


68. Adolfo Peña Filho.
69. Apesar de ferido, o barão de Ladário sobreviveu.
O diário de Bernardina 85

o sr. Agliberto veio cá para cumprimentar a papai, porém não o en-


controu. Aldina desceu com as crianças pela volta [sic] das 2h e aqui
dorme; o sr. Carlos voltou, aqui jantou, saiu depois com o tio João
e voltou logo; papai, depois do movimento acabado, andou em uma
marcha pelas ruas da cidade com o sr. Quintino e todo o Exército,
Armada e Polícia; depois ele veio para casa muito suado e cansado,
e nós todos fomos recebê-lo com flores; antes da marcha, ele passou
por cá para abraçar a mamãe e a nós; dr. Álvaro voltou de tarde, e dis-
se que Adozinda estava muito contrariada por não poder vir, pois não
tem com quem deixe as crianças; dr. Álvaro jantou aqui e foi embora
de noite. Estiveram aqui diversas pessoas que vieram cumprimentar
a papai, o sr. Rui Barbosa esteve aqui à espera que papai tomasse o
banho e comesse alguma coisa, para ir com ele para a casa do general
Deodoro e lá tratarem das bases do novo governo; de noite vieram
para cá e, com o sr. Quintino e mais alguns homens, estiveram traba-
lhando; estiveram aqui de noite o sr. Serzedelo, o sr. Jaime Benévolo
e muitos oficiais e paisanos; à noite souberam que o Ouro Preto es-
tava conspirando contra o Exército, então prenderam-no outra vez, e
andam à procura do Cândido de Oliveira, para prender; o Paço, onde
estão o imperador e a imperatriz, foi cercado. Como espalhou-se a
notícia que a Guarda Nacional ia fazer resistência ao Exército, papai
foi passar a noite no quartel-general.

16 de novembro [sábado]
Até hoje não houve, felizmente, a resistência ao Exército, que on-
tem constou que ia se dar. Papai veio do quartel antes do almoço,
lavou-se e mudou-se às pressas e foi para lá outra vez, acompanhado
pelo sr. Rui Barbosa e outros homens que vieram aqui para saírem
com ele. Veio hoje publicado o plano do Governo Provisório; fazem
parte o sr. Quintino, Rui Barbosa, Wandenkolk, mais dois homens
86 Bernardina Botelho de Magalhães

13. “Veio hoje publicado o plano do Governo Provisório”. Primeiro


decreto do governo provisório estabelecido a 15 de novembro de 1889.
O diário de Bernardina 87

e papai, a quem foi dada a pasta da Guerra. Adozinda veio cá com


o dr. Álvaro e o Adozindinho, cá jantou e foi depois do jantar, ela
queria abraçar o papai, porém como ele se demorou, ela foi embora,
pois deixara as crianças com minha madrinha, e o pequenino, que
precisa mamar; dr. Macedo almoçou cá e de noite veio também
cá; o capelão do Instituto e o sr. Menezes vieram cumprimentar
a papai; a Hermínia e a Carlota também vieram cá antes do jan-
tar, com o Benjamin, para esse fim, e trouxeram-lhe dois ramos de
flores porém não o encontraram. O sr. Freixo esteve cá. Passaram
por aqui, em préstito, os alunos e alguns professores das escolas de
Medicina e Politécnica, dando vivas à República, e ao passarem por
aqui deram muitos vivas a papai. O dr. Souza Lima, assim como
o dr. Veiga e sr. Honório, vieram cumprimentar a papai, porém só o
dr. primeiro o encontrou em casa. O sr. Licínio esteve cá e duran-
te o pouco que se demorou falou entusiasmado de papai, dizendo
que ele tem feito discursos muito brilhantes e que tem sido muito
aplaudido. Jantaram aqui o Ciro e o Benj. Silva, que veio das La-
ranjeiras. Papai, desde que saiu de manhã, não voltou até agora, e
parece que dorme no quartel.

17 de novembro [domingo]
Papai dormiu ontem no quartel-general e veio hoje de manhã acom-
panhado de alguns militares; pouco se demorou e foi embora para
o quartel antes do almoço. A Alice veio hoje acompanhada pelo sr.
cons. José Rufino, em casa de quem está, para passar o dia aqui; Ado-
zinda também veio passar o dia com o Adozindo e o dr. Álvaro; ela
foi ao quartel-general para abraçar a papai, pois ainda não o viu desde
a Proclamação da República. Vieram aqui várias pessoas procurar por
papai. O imperador embarcou hoje para Itália com toda a sua família;
disse que reconhecia em papai e no general Deodoro verdadeiros
88 Bernardina Botelho de Magalhães

amigos; ele partiu voluntariamente porque os militares fizeram-lhe


ver que a sua estada aqui podia provocar uma guerra civil mesmo, por
ser ele muito estimado pelo povo; consta que ele manifestou desejo
de falar com papai, porém papai não foi porque ficaria muito como-
vido e não tinha coragem. A d. Alcida mandou à mamãe uma carta
de parabéns em que felicitava muito a ela, a papai e a nós pela ati-
tude de papai nesse importante movimento. Vieram muitos cartões
de parabéns. Papai só veio de noite, e acompanhado pelo sr. Jaime
Benévolo; esteve também aqui o chefe de polícia de Niterói. Papai
trouxe uma mensagem muito tocante e bem-escrita que os alunos
militares lhe dirigiram. O sr. Licínio, que esteve cá, disse que papai
tem recebido inúmeras provas de afeto e admiração; foram ao quartel
cumprimentá-lo o sr. Teixeira Mendes e Miguel Lemos, que abraça-
ram-no muito.70 Aldina foi hoje de noite embora, com o sr. Carlos e
as crianças. Papai pouco se demorou aqui e foi logo para o quartel; é
mais certo dormir hoje lá. A Alice foi de noite com o Benjamin. O sr.
Faquinete veio cumprimentar papai e mais várias pessoas.

18 de novembro [segunda-feira]
Papai ontem voltou do quartel-general às 3h da madrugada, almo-
çou aqui e foi para o quartel depois do almoço; estiveram cá o sr.

70. Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes, dirigentes do Apostolado


Positivista do Brasil, haviam sido companheiros de Benjamin Constant −
o segundo foi seu aluno − na divulgação do positivismo no início da
década de 1880. Questões relativas à orientação doutrinária e ao
temperamento dos dois, contudo, levaram Benjamin Constant a
afastar-se da entidade em 1882, tornando-se alvo de ácidas críticas dos
ex-companheiros. As relações pessoais só foram reatadas após o golpe
republicano, quando Lemos e Mendes vislumbraram a possibilidade de
influenciar as decisões do novo governo.
94 Bernardina Botelho de Magalhães

oferecimento. Dr. Veiga e o dr. Álvaro cearam cá; papai veio cear. A
Mariquinhas com tia Leopoldina também fizeram parte da mani-
festação e vieram cá depois, porém não cearam; disseram que o sr.
Valentim de Magalhães fez um bonito e brilhante discurso a papai.75

24 de novembro [domingo]
Aldina veio passar o dia cá, com as crianças; o sr. Carlos veio depois do
almoço. O sr. Frasão esteve cá com a senhora. Esteve cá um oficial so-
brinho do general Deodoro e dois moços;76 também um moço conhe-
cido do Benjamin. O dr. Álvaro esteve cá; o sr. Licínio também. Papai
foi para o quartel e veio jantar de noite. De noite esteve cá o sr. general
Floriano Peixoto acompanhado de outro oficial; não cearam; Aldina e
o sr. Carlos também não cearam. O Edmundo jantou hoje cá.

25 de novembro [segunda-feira]
Papai almoçou mais cedo e foi para o quartel com o tio João. Esteve
cá a d. Brasília com as duas filhas, pouco depois chegou a d. Rosa,
sogra do dr. Veiga; esteve também cá o sr. Licínio. Mamãe, Alcina
[Alcida?] e eu saímos; fomos comprar dois cortes de vestido, para
mim e Alcida, e depois fomos levar à madame Latour para fazer com
pressa. Aldina veio para cá com as crianças e foi também conosco.
Mamãe comprou na madame Douvizoy um chapéu para mim. Al-
dina e o sr. Carlos jantaram aqui e foram embora depois do jantar.
De noite, mamãe foi comigo e Alcida à casa do dr. Veiga, para pedir

75. Antônio Valentim da Costa Magalhães (1859-1903) foi escritor e


membro fundador da Academia Brasileira de Letras.
76. O sobrinho de Deodoro provavelmente era Clodoaldo da Fonseca.
O diário de Bernardina 95

à d. Marianinha o grande obséquio de nos guiar e ensinar a fazer


duas bandeiras para oferecermos, em nome de todas as filhas, uma
à Escola Superior e outra à Escola Militar, como pequena prova de
gratidão pela dedicação e interesse que os alunos d’estas escolas têm
sempre dedicado a papai; ela mostrou todo o interesse, assim como o
dr. Veiga e a irmã, e disse que amanhã virá cá e irá comprar o que for
preciso; na volta, viemos no bonde com o sr. Mendes, aluno dedicado
de papai. Quando chegamos, encontramos na porta meu padrinho,
tia Julieta e o Benjamin, que já tinham estado cá. O Ciro passou o
dia cá e aqui ficou para dormir. Veio hoje de manhã cá agradecer a
papai o ter sido admitido alferes-aluno o sr. Euclides, que teve baixa
em consequência de ter quebrado as armas em presença do Ministro,
por ocasião de exercício, por estar excitado em razão de excesso de
estudo.77 Tia Olímpia foi à Praia Grande e só voltou de noite. Papai
ainda não voltou do quartel (meia-noite) e penso que dormirá lá por
ter hoje muito que fazer.

26 de novembro [terça-feira]
Papai veio ontem tarde do quartel. A d. Marianinha (irmã do dr.
Veiga) esteve cá para tratar da bandeira; mas como papai disse que
a bandeira ainda não está escolhida, ela ainda não pôde comprar os

77. Euclides da Cunha foi protagonista, em novembro de 1888,


de um episódio de revolta na Escola Militar da Praia Vermelha, da qual
era aluno. Quando os alunos desfilavam em continência ao ministro da
Guerra, Euclides saiu de forma sem licença e atirou ao chão a carabina
e o sabre-baioneta, depois de o haver procurado quebrar, sem sucesso.
Euclides afirmou que fizera aquilo por estar, bem como vários colegas,
com direito ao título de alferes-aluno sem ter sido promovido pelo
governo; segundo algumas fontes, também porque era republicano.
Euclides foi expulso da Escola.

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