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Aspectos Diagnosticos Do Transtorno Bipolar Na Inf

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Aspectos diagnósticos do transtorno bipolar na infância: uma revisão


abrangente

Article · April 2011

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Guilherme Wendt Marli Appel


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Encontro ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DO TRANSTORNO
Revista de Psicologia
BIPOLAR NA INFÂNCIA: UMA REVISÃO
Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010
ABRANGENTE
Diagnostic aspects of bipolar disorder in childhood: a
comprehensive review

Guilherme Welter Wendt


Pontifícia Universidade do
Rio Grande do Sul
RESUMO
guilhermewwendt@gmail.com

O transtorno bipolar é uma doença psiquiátrica que pode ocorrer


Marli Appel também na infância, embora especialistas afirmem que o diagnóstico é,
muitas vezes, difícil e controverso. Em face dessa lacuna de
Pontifícia Universidade do
Rio Grande do Sul conhecimentos sobre o tema, o presente estudo pretende elucidar
aspectos importantes dessa patologia, seu diagnóstico e fatores
mappel@uol.com.br
específicos na infância. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de revisão
bibliográfica, nos bancos de dados internacionais e em importantes
periódicos brasileiros. A análise desses estudos indica que o tratamento
medicamentoso e psicoterápico é uma necessidade premente nesses
casos, auxiliando na remissão dos sintomas e manutenção dos
resultados. Além disso, pais e cuidadores diretos também devem
passar por programas psicossociais, de modo a receberem informações
precisas acerca da patologia e empreenderem processos de reeducação,
como um fator importante para o apoio ao tratamento de crianças e
adolescentes com transtorno bipolar pediátrico.

Palavras-Chave: transtorno bipolar; infância; transtornos afetivos;


desenvolvimento humano; revisão bibliográfica.

ABSTRACT

Bipolar disorder is a psychiatric illness that may also occur in


childhood, although experts say the diagnosis is often difficult.
Considerating this gap of knowledge on the subject, this study aims to
clarify important aspects of this pathology. We carried out a theorical
review of research in international databases. The analysis of these
studies indicates that psychotherapy is a pressing need in these cases,
including pharmacotherapy, intending to help to remission of
symptoms. In addition, direct caregivers and parents must also join in
psychosocial programs in order to receive accurate information about
the pathology and to engage in rehabilitation processes, as an
important factor to support the treatment of children and adolescents
with pediatric bipolar disorder.
Anhanguera Educacional Ltda.
Keywords: bipolar disorder; childhood; affective disorders; human
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 2000 development; theorical review.
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
rc.ipade@aesapar.com
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Informe Técnico
Recebido em: 29/9/2010
Avaliado em: 11/4/2011
Publicação: 10 de agosto de 2011 183
184 Aspectos diagnósticos do transtorno bipolar na infância: uma revisão abrangente

1. INTRODUÇÃO

O transtorno afetivo bipolar (THB) pode ser categorizado como a ocorrência de oscilações
no humor, alternando entre períodos de euforia (mania) e momentos de depressão e
melancolia, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais,
em sua quarta edição (APA, 2002). A prevalência do THB na população geral varia entre 1
a 5% (ALCANTARA et al., 2005), sendo que muitos estudos têm sido realizados para uma
melhor compreensão da doença, responsável por grande prejuízo ao funcionamento
saudável da pessoa.

De acordo com os manuais CID-10 e DSM-IV, importantes guias de classificação


de transtornos mentais, o diagnóstico definitivo deve ser realizado após os 18 anos de
idade. Contudo, houve uma mudança significativa na compreensão clínica e científica
dessa patologia nos últimos anos, e crianças e adolescentes passaram a ser diagnosticadas
com esse transtorno (YOUNGSTROM; FREEMAN; McKEOWN-JENKINS, 2009). Tal fato
deve-se, entre outros fatores, à constatação de que esse transtorno é resultante da
interação complexa entre o ambiente e a genética do indivíduo (MACHADO-VIEIRA et
al., 2003).

Na maioria dos casos, esse transtorno se desenvolve entre os 15 e os 19 anos de


idade, contudo, também há casos diagnosticados antes dos 13 anos de idade
(GOLDSTEIN et al., 2009; SANTOSH; CANAGARATNAM, 2008; RHODE;
TRAMONTINA, 2005). A prevalência da patologia nessa população pode chegar a 4%,
conforme alguns estudos (GOLDSTEIN et al., 2009; JOSHI; WILENS, 2009; SANTOSH;
CANAGARATNAM, 2008).

Em vista a tais dados, os esforços da comunidade científica para o


aprimoramento do conhecimento acerca das particularidades do transtorno do humor
bipolar na infância se intensificaram. Assim, muitos estudos começaram a ser realizados a
respeito, a fim de identificar as características desse transtorno em crianças e adolescentes,
discutindo se existem diferenças entre jovens e adultos ou mesmo se os critérios do DSM-
IV podem ser aplicados aos casos de crianças e adolescentes, e quais desses critérios
podem servir como base para um diagnóstico diferencial (YOUNGSTROM; FREEMAN;
McKEOWN-JENKINS, 2009).

Do mesmo modo, conforme alguns estudiosos salientam, o diagnóstico precoce


da doença pode evitar uma série de danos ao paciente, comumente associados à doença
(COSTA, 2008). Abordar esses estudos torna-se importante, uma vez que podem orientar

Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 183-193
Guilherme Welter Wendt, Marli Appel 185

as pessoas a respeito do tema, tendo em vista que ainda existe, em muitos meios, a crença
de que crianças e adolescentes não apresentam transtornos mentais.

Tal noção deve ser alterada, pois, o tratamento precoce de transtornos mentais
possibilita um prognóstico mais favorável nessa idade que em adultos, quando as
patologias podem estar definitivamente instaladas. Do mesmo modo, conforme coloca
Costa (2008), o transtorno bipolar no adulto vem, muitas vezes, acompanhado de outras
doenças, entre elas a dependência química, transtornos de ansiedade e outras afecções.

2. CARACTERÍSTICAS DO TRANSTORNO BIPOLAR NA INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA

Apesar de haver discordância em relação ao fato de “rotular” crianças e adolescentes na


aferição de diagnóstico de algum transtorno mental, a severidade do transtorno bipolar e
sua tendência incapacitante tornam crucial o seu adequado diagnóstico, de modo que um
tratamento apropriado possa ser administrado. De acordo com Santosh e Canagaratnam
(2008), o diagnóstico do transtorno bipolar em crianças e adolescentes deve ser realizado
por uma especialista em saúde mental da criança e do adolescente, auxiliado por uma
análise prospectiva do humor, avaliando-se os sintomas apresentados versus os
comportamentos esperados para cada idade. Além disso, os autores salientam acerca da
importância de considerar-se o contexto no qual o indivíduo está inserido.

Considerando que o transtorno bipolar e seus espectros não podem ser


diagnosticados utilizando-se todos os critérios do DSM-IV para a aferição na infância e
adolescência, Staton Volness e Beatty (2008) realizaram uma pesquisa de modo a
identificar quais dos critérios desse manual podem ser aplicados a essa população. Os
resultados do estudo indicaram que a presença periódica ou crônica de sintomas como
grandiosidade e fuga de pensamentos associada com cinco critérios maníacos do DSM-IV
(sem exigências de periodicidade) podem englobar a maioria das desordens pertencentes
aos espectros do transtorno bipolar em crianças e adolescentes. Ademais, a periodicidade
e grau dos sintomas maníacos e depressivos podem identificar os subtipos do transtorno
bipolar pediátrico, sendo um indicativo clínico que merece ser rastreado quando da
avaliação de crianças (STATON; VOLNESS; BEATTY, 2008).

Os autores acrescentam que o fenômeno de distração-desatenção e episódios de


irritabilidade, geralmente de modo explosivo, são fenômenos altamente prevalentes nessa
população. Dessa maneira, esses sintomas deveriam ser observados para o teste de
hipóteses para obtenção do diagnóstico diferencial, salientam os pesquisadores (STATON;
VOLNESS; BEATTY, 2008).

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Youngstrom, Freeman e McKeown-Jenkins (2009) colocam que o diagnóstico do


distúrbio bipolar deve envolver uma série de instrumentos, sendo um destes a presença
da história familiar positiva para a doença. Os questionários apenas devem ser utilizados
em último caso, quando a história familiar é positiva, até porque na maioria dos países
ainda não existem questionários validados para as populações jovens.

Contudo, a história familiar aumenta o risco de desenvolvimento desse


transtorno, mas é apenas uma parte dos critérios utilizados para esse diagnóstico, que
deve abranger uma multiplicidade de instrumentos e medidas. Do mesmo modo, a
irritabilidade frequente (episódios de raiva) é um dos sintomas que fazem parte do
diagnóstico dos chamados “espectros bipolares”, embora essa característica também esteja
associada a outros transtornos mentais, tais como o transtorno de déficit de atenção e do
comportamento opositivo-desafiador (SANTOSH; CANAGARATNAM, 2008). Nesse
sentido, observam-se dois indicadores, que podem sugerir que uma criança ou um
adolescente possa estar desenvolvendo um transtorno bipolar: a história familiar positiva
e a irritabilidade frequente.

Porém, esses indicadores ainda são frágeis para um diagnóstico definitivo, sendo
que devem apenas servir como um alerta de que algo não vai bem com o jovem, além do
fato de que é necessária uma investigação mais aprofundada a respeito (SANTOSH;
CANAGARATNAM, 2008; YOUNGSTROM; FREEMAN; MCKEOWN-JENKINS, 2009). O
clínico deve avaliar com critério esses indicadores para planejar as intervenções com a
máxima eficácia.

A história familiar positiva para o transtorno bipolar, por sua vez, está associada
a 15% dos parentes de primeiro grau (SANTOSH; CANAGARATNAM, 2008). Além
disso, Sweeney (2006) encontrou que problemas perinatais aumentam o risco do
desenvolvimento desse transtorno; portanto, uma história familiar positiva, associada a
problemas perinatais, deve alertar o clínico acerca da possibilidade de desenvolvimento
dessa patologia. Seriam como heurísticas utilizadas para uma compreensão desse
continuum; a presença de fatores de risco, sinais e sintomas, bem como achados
laboratoriais pode instrumentalizar o clínico a um correto manejo dos casos envolvendo
crianças. A tabela abaixo sintetiza os aspectos sintomáticos e de curso sob uma
perspectiva de um continuum teórico e conceitual no transtorno na infância (SANTOSH;
CANAGARATNAM, 2008, p. 350).

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Tabela 1. Espectros do THB na Infância.


Variações Sintomas Curso
Normal Instabilidade de humor, mas com desenvolvimento Crônico, podendo estar
(temperamento normal; sem prejuízos significativos. presente desde a infância e
variante) adolescência.
Desordem do Habilidade intelectual preservada, sem sintomas Crônico, podendo estar
desenvolviment cognitivos, comportamentais ou biológicos, mas com presente desde a infância e
o da regulação prejuízos ao funcionamento devido à baixa regulação adolescência.
do afeto do afeto.
Desregulação Instabilidade de humor, irritabilidade severa e Crônico, podendo estar
severa de humor transtornos externalizantes; alguns sintomas presente desde a infância e
cognitivos, comportamentais ou biológicos e prejuízo adolescência.
ao funcionamento.
Ciclotimia Instabilidade persistente de humor, envolvendo Crônico, frequentemente
numerosos períodos de depressão moderada e elação apresentado desde a
moderada, sem que preencham critérios para adolescência. Sintomas
depressão ou hipomania. Alguns sintomas cognitivos, devem ocorrer por, pelo
comportamentais ou biológicos e prejuízo ao menos, dois meses.
funcionamento.
Transtorno Elação/euforia; sintomas cognitivos, comportamentais Mudança definida como
Bipolar sem ou biológicos; com prejuízo ao funcionamento da estado pré-morbido; os
outra pessoa. episódios devem durar 3 dias
especificação ou menos.
Transtorno Elação/euforia contínuos; sintomas cognitivos, Mudança definida como
Bipolar do tipo I comportamentais ou biológicos; pode ter sintomas estado pré-morbido; os
psicóticos e apresenta prejuízo em seu funcionamento episódios de mania devem
normal. durar 7 dias ou mais.
Transtorno Elação/euforia contínuos; sintomas cognitivos, Mudança definida como
Bipolar do tipo comportamentais ou biológicos; com prejuízo ao estado pré-morbido; os
II funcionamento da pessoa. episódios de hipomania
devem durar 7 dias ou mais.
Fonte: Traduzido de Santosh e Canagaratnam (2008).

Em primeiro lugar, é importante frisar que o transtorno bipolar não é uma


categoria diagnóstica única, existindo vários espectros que podem ser identificados, como
os especificados na tabela acima. Tal categorização se fez necessária de modo a agrupar
distintos graus de padecimento e para facilitar a administração de determinados
fármacos, específicos para cada apresentação da doença. A correta interpretação dos
níveis dentro de um espectro de sinais e sintomas pode ser útil também para a eliminação
de hipóteses ou variáveis difusas na obtenção de um psicodiagnóstico, por exemplo.

Estudo recente de Joshi e Wilens (2009), aponta que 90% dos casos de transtorno
bipolar em jovens apresentam comorbidades, o que dificulta seu diagnóstico e até mesmo
o seu tratamento. As comobidades mais associadas a esse transtorno são: Transtorno de
Déficit de Atenção e Hiperatividade, o uso e abuso de substâncias, o comportamento
opositivo-desafiador, a ansiedade generalizada e até mesmos sintomas obsessivo-
compulsivos. Casos com comorbidades associadas apresentam prognósticos mais
reservados também para crianças e adolescentes.

Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 183-193
188 Aspectos diagnósticos do transtorno bipolar na infância: uma revisão abrangente

Considerando a constatação de que o transtorno de déficit de atenção e


hiperatividade (TDAH) pode ser uma condição de comorbidade para o transtorno bipolar,
além de que ambos os transtornos apresentam alguns sintomas similares, tais como a
distração-desatenção e os episódios de irritabilidade explosiva, Dickstein et al. (2005)
realizaram um estudo a fim de averiguar detalhadamente essa interação.

Os cientistas conduziram avaliações neurocognitivas em crianças e adolescentes


que apresentavam apenas o TDAH; outras com transtorno bipolar, sem ou com TDAH
associado; comparando-as com resultados de crianças sem esses diagnósticos, que
compuseram um grupo de controle. Os autores identificaram que as crianças com TDAH
foram prejudicadas na sequência de tarefas repetitivas, e as com transtorno bipolar
revelaram prejuízos em tarefas sequenciais, devido, sobretudo, a uma atenção
inconstante, marco do prejuízo cognitivo decorrente da doença.

De acordo com pesquisa realizada por Goldstein et al. (2009), com jovens entre 7
a 17 anos, diagnosticados com transtorno bipolar, verificou-se que essa população
apresenta vários prejuízos psicossociais, que afetam a vida acadêmica e pessoal,
independente da idade. As variáveis preditivas de maior prejuízo identificadas pelos
autores foram: episódio atual de humor, severidade dos sintomas afetivos atuais,
sintomas psicóticos atuais e comorbidades atuais.

Durante os episódios de humor, os prejuízos psicossociais foram mais intensos.


No entanto, mesmo na remissão parcial desses episódios, os prejuízos psicossociais
também puderam ser identificados, embora em menor grau. Ademais, os prejuízos se
intensificaram na adolescência (GOLDSTEIN et al., 2009).

Em relação a modificações nas estruturas cerebrais, Caetano et al. (2005)


verificaram anormalidades nas estruturas fronto-límbicas em crianças e adolescentes
semelhantes às encontradas em adultos. Os pesquisadores verificaram tais alterações
através da análise de estudos sobre imagens de testes de ressonância magnética e
espectroscopia de ressonância magnética. Uma exceção observada foi que, nesses jovens,
o volume da amígdala cerebral apresentou-se menor que o comparado com jovens
saudáveis, o que não foi identificado na maioria dos estudos com adultos.

Também diferencialmente de adultos e jovens saudáveis, Ahn et al. (2007)


identificaram que crianças e adolescentes com transtorno bipolar revelaram maior volume
do núcleo acumbens direito, sugerindo um fenômeno neurodesenvovimental.
Corroborando com esses achados, Caetano et al. (2008) encontraram que as
anormalidades no corpo caloso, provavelmente devido à mielinização alterada durante o

Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 183-193
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processo neurodesenvolvimental, podem ter um papel na fisiopatologia do transtorno


bipolar nas crianças e adolescentes, similar ao revelado em adultos.

Por sua vez, Pavuluri et al. (2006) identificaram que, diante de condições de afeto
negativo para uma condição neutra, crianças e adolescentes com transtorno bipolar
demonstraram maior ativação do córtex cingulado anterior bilateral e na amígdala
esquerda, além de menor ativação do córtex pré-frontal ventro-lateral.

Na condição de afeto positivo, não houve ativação das referidas áreas. Esse
padrão de alteração funcional afetiva e cognitiva pode contribuir com a habilidade
reduzida para a regulação de afetos e para o autocontrole comportamental no transtorno
bipolar pediátrico, sugere o estudo (PAVULURI et al., 2006).

Uma síntese dos estudos aqui discutidos, a metodologia empregada e os


principais achados encontram-se na tabela dois. Ressaltamos que a revisão depreendida
nesse estudo não foi sistemática, fato esse que implica em discutirmos o “estado da arte”
sobre o THB na infância com parcimônia. Nosso objetivo, conforme mencionado
anteriormente, foi de fornecer aproximações conceituais e abrangentes, uma vez que
estudos específicos sobre o THB nessa etapa do ciclo vital ainda são escassos.

Tabela 2. Síntese dos estudos.


Estudo Objetivo Método utilizado Principais achados
Ahn et al. Avaliar se pacientes com Avaliação neurológica e Crianças e adolescentes com
(2007) THB possuem um maior psiquiátrica em uma transtorno bipolar revelaram
volume do núcleo amostra de 68 crianças e maior volume do núcleo
abumbens adolescentes com THB. acumbens direito, sugerindo um
Foi utilizada ressonância fenômeno neurodesenvovimental.
magnética utilizando um
1.5 Tesla scanner.
Alcântara et Analisar os avanços e Revisão da literatura. A prevalência de comorbidades
al. (2003) controvérsias sobre o psiquiátricas, como os transtornos
diagnóstico do THB de ansiedade, indicam que um
pediátrico. substrato neurobiológico em
comum ocorra nessas patologias.
Caetano et Verificar a fisiopatologia Uso do software Apple Anormalidades no corpo caloso,
al. (2008) do THB em crianças. Power Mac G4 running provavelmente devido à
NIH Image1.62 em uma mielinização alterada durante o
amostra de 16 crianças e processo neurodesenvolvimental,
adolescentes com THB. foram verificadas em crianças; os
achados são similares aos
verificados em adultos com THB.
Caetano et Avaliar as diferenças nas Revisão sistemática da Anormalidades nas estruturas
al. (2005) estruturas cerebrais de literatura, via MEDLINE. fronto-límbicas em crianças e
crianças e adolescentes adolescentes com THN foram
com THB em relação a semelhantes às encontradas em
adultos com mesmo adultos com o mesmo
diagnóstico. diagnóstico.

Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 183-193
190 Aspectos diagnósticos do transtorno bipolar na infância: uma revisão abrangente

Continuação da Tabela 2. Síntese dos Resultados.


Estudo Objetivo Método utilizado Principais achados
Costa (2008) Revisar estudos sobre Revisão da literatura, via Pessoas com THB apresentam
aspectos clínicos, de MEDLINE. elevados fatores de risco
carga cardiovascular e, assim, maior
risco de morte. A não obtenção de
da doença e desfechos
um diagnóstico preciso aumenta
financeiros do THB.
consideravelmente o aditivo e
custos da doença.
Dickstein et Avaliar crianças com Avaliação da Crianças com TDAH foram
al. (2005) THB e TDAH em performance motora e prejudicadas na sequência de
relação às que não neurognitiva em uma tarefas repetitivas, e as com
possuem essas doenças. amostra de 64 crianças e transtorno bipolar revelaram
adolescentes com THB, prejuízos em tarefas sequenciais,
TDAH e grupo controle. devido, sobretudo, a uma atenção
inconstante, marco do prejuízo
cognitivo decorrente da doença.
Goldstein et Avaliar o impacto Estudo longitudinal, com O transtorno bipolar pediátrico
al. (2009) psicossocial em uma 446 pacientes com idades associou-se a prejuízos
amostra de adolescentes entre 7 a 17 anos. psicossociais; as intervenções
que preenchem os devem buscar não apenas a
critérios para THB redução de sintomas, mas sim
presentes no DSM-IV. normalizar o funcionamento da
pessoa.
Joshi e Avaliar as comorbidades Revisão da literatura. 90% dos casos THB em jovens
Wilens no THB pediátrico. apresentam comorbidades, o que
(2009) dificulta o diagnóstico e até
mesmo o seu tratamento. As
comobidades mais associadas são:
Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade, o uso e abuso de
substâncias, o comportamento
opositivo-desafiador, a ansiedade
generalizada.
Machado- Revisar estudos sobre a Revisão da literatura. O tratamento psicofarmacológico
Viera et al. neurobiologia e mostrou eficácia em diferentes
(2003) psicofarmacologia do subtipos do THB infantil; novos
transtorno bipolar na estudos são sugeridos pelos
infância. pesquisadores.
Pavuluri et Avaliar os riscos Estudo quantitativo. Face às condições de afeto
al. (2006) biológicos para o THB Envolveu avaliação de 98 negativo para uma condição
em crianças e sujeitos. neutra, crianças e adolescentes
adolescentes. com transtorno bipolar
demonstraram maior ativação do
córtex cingulado anterior bilateral
e na amígdala esquerda, além de
menor ativação do córtex pré-
frontal ventro-lateral.
Potter, Analisar tratamentos Revisão da literatura, Carecem de evidências os
Moses e alternativos e/ou com foco na discussão de tratamentos complementares, e os
Wozniak complementares para o evidências. pesquisadores sugerem novos
(2009) THD e depressão em estudos que avaliem
crianças e adolescentes longitudinalmente os pacientes.

Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 183-193
Guilherme Welter Wendt, Marli Appel 191

Continuação da Tabela 2. Síntese dos Resultados.


Estudo Objetivo Método utilizado Principais achados
Rohde e Discutir aspectos sobre a Revisão sistemática da Os fármacos mais estudados são o
Tramontina psicofarmacologia do literatura, via PUBMED. lítio e o
(2005) transtorno bipolar na
valproato de sódio; os autores
infância.
salientam uma escassez de
estudos na área.
Santosh e Debater aspectos Revisão da literatura, O tratamento da patologia deve
Canagaratna teóricos e conceituais do com foco na discussão de envolver o uso de medicamentos
m (2008) transtorno bipolar evidências. e intervenções psicossociais.
pediátrico, seu
tratamento e fatores
associados.
Staton, Avaliar à aderência dos Estudo quantitativo. Os subtipos do THB na infância
Volness e critérios nosológicos do Utilizou-se entrevista devem ser avaliados em termos de
Beatty DSM-IV às percepções clínica com 130 nuances de intensidade dos
(2008) clínicas. pacientes. sintomas maníacos e episódios
depressivos enquanto preditores
do diagnóstico na vida adulta.
Youngstrom, Elaborar um passo a Revisão da literatura, Não há um protocolo perfeito
Freeman e passo para o auxílio de com foco na discussão de para a avaliação do THB; a
Jenkins clínicos no rastreamento evidências que sustentem pesquisa clínica deve prosseguir
(2009) de sintomas e o diagnóstico do THB no sentido de completar lacunas à
diagnóstico do THB na pediátrico. compreensão da etiologia,
infância. incidência e curso da doença.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa revisão teve por objetivo elucidar algumas questões relativas à presença de
transtornos mentais em crianças e adolescentes, sobretudo o transtorno de humor bipolar.
Foi possível observar que o transtorno bipolar nessa fase incide sobre crianças e
adolescentes em distintos níveis, desde comportamentais até neurológicos, sendo
necessário um diagnóstico precoce da patologia para a administração de um tratamento
efetivo. Por outro lado, estudos apontam que há escassa evidência científica disponível
para o embasamento clínico (ROHDE; TRAMONTINA, 2005).

O histórico familiar de doença, bem como a irritabilidade frequente, são


apontados na literatura como relevantes indícios para o surgimento de sintomas ainda na
infância. Muitos pais podem ter receio de tratarem seus filhos com medicações
convencionais, acreditando que estas possam ser prejudiciais às crianças. Embora toda
medicação incorra em alguns efeitos colaterais, os prejuízos dessa patologia para a vida de
crianças e adolescentes são tão severos (danos cognitivos, educacionais, de
relacionamentos, entre tantos fatores de risco), que sobrepujam qualquer possível efeito
indesejado em decorrência do uso.

Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 183-193
192 Aspectos diagnósticos do transtorno bipolar na infância: uma revisão abrangente

Alguns tratamentos alternativos (exercícios físicos, dieta balanceada, acupuntura,


massagem e administração de Omega-3) foram estudados ao longo do tempo, mas com
efeitos controversos e questionáveis no tocante a efetividade da remissão dos sintomas
dessa patologia, podendo ser utilizados apenas como coadjuvantes ao tratamento
medicamentoso tradicional (POTTER; MOSES; WOZNIAK, 2009).

O tratamento psicoterápico também é uma necessidade premente nesses casos,


auxiliando a remissão dos sintomas, aliado ao tratamento medicamentos (SANTOSH;
CANAGARATNAM, 2008). Dentre estas abordagens psicoterapêuticas, destacam-se as
abordagens cognitivo-comportamentais, com foco na reestruturação cognitiva do paciente
e na continua monitoração da sintomatologia. Do mesmo modo, os pais e cuidadores
diretos também devem passar por programas psicossociais, de modo a receberem
informações precisas acerca da patologia e empreenderem processos de reeducação, como
um fator importante para o apoio ao tratamento de crianças e adolescentes com transtorno
bipolar pediátrico.

REFERÊNCIAS
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Guilherme Welter Wendt


Psicólogo (PUC-RS), Mestrando em Psicologia
Clínica (UNISINOS). Bolsista Prosup/CAPES. Foi
monitor das disciplinas de Avaliação Psicológica e
Construção da Personalidade e Bolsista de
Iniciação Científica do CNPq.

Marli Appel
Psicóloga (PUC-SP), Especialista em Avaliação
Psicológica, Mestre em Psicologia da
Personalidade e Doutora em Psicologia pela PUC-
RS.

Encontro: Revista de Psicologia • Vol. 13, Nº. 18, Ano 2010 • p. 183-193

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