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Sebenta TGDC I
Sebenta TGDC I
Sebenta TGDC I
Situações Jurídicas
Uma situação jurídica é uma situação de pessoas; é o produto de uma decisão apropriada,
correspondendo ao ato e ao efeito de realizar o direito, resolvendo um caso concreto. Pode
considerar-se subjetiva (por ser atinente ao sujeito), mas não tem uma essência psicológica:
sendo jurídica, ela compartilha a natureza cultural, ou seja, é objetiva e exterior.
Direito subjetivo
O prof. Menezes Cordeiro acaba por definir direito subjetivo como uma permissão
normativa especifica de aproveitamento de um bem. Decomponhamos estes termos:
• É uma permissão normativa – a norma é que atribui o direito. Isto quer dizer que na
base do direito subjetivo não está qualquer tipo de norma, tem que ser uma norma
permissiva. Por outro lado, o direito subjetivo não é qualquer poder – é só aquele que
é dado pela norma que permite. Confere Uma vantagem
• É uma permissão normativa específica – o direito subjetivo não confere um espaço de
autonomia genérico, mas é específico para aquela pessoa, ou seja, só permite a
alguém concretamente atuar.
• Destina-se a aproveitar os bens (em sentido amplo). Este elemento destaca a utilidade
– o direito subjetivo é útil a alguém.
• Tem também o elemento da vontade – "para o aproveitamento de um bem".
Critério do Direitos subjetivos patrimoniais: quando incidem sobre objetos que, tendo
objeto natureza económica, sejam avaliáveis em dinheiro; podem ser corpóreos (c/
existência física), incorpóreos (resultam de meras criações de espirito
humano, que abrangem bens intelectuais, prestações e realidades juridicas)
A doutrina costuma isolar cinco categorias de situações jurídicas ativas, que não os direitos
subjetivos:
• Obrigações – o CC define esta figura no art. 397º como o vinculo jurídico por virtude
do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação
• Dever – traduz a incidência de normas de conduta: impositivas ou proibitivas; a pessoa
adstrita a um dever encontra-se na necessidade juridica de praticar ou de não praticar
certo facto
(As obrigações e os deveres são suscetivas de inúmeras classificações: atendeno ao
objeto podem ser de dare (o adstrito deve entregar uma coisa a outrem) ou de facere
(o adstrito deve desenvolver uma atividade em prol de outrem, surgindo três sub-
hipoteses: de facere propriamente ditas – deve-se desenvolver uma atividade em si -,
de non facere – deve-se abster de certa atuação -, e de patti – deve-se sofrer que
alguém desenvolva, na sua esfera, uma atividade que, em principio, não poderia ter
lugar)
• Sujeições – situações jurídica passivas correspondentes aos direitos potestativos; está
numa sujeição a pessoa que possa ver a sua posição alterada por outrem,
unilateralmente
• Ónus e encargos - é encarado tradicionalmente como não tendo um dever, mas para
beneficiar de certas vantagens terá que adotar um certo comportamento. O Prof.
Menezes Cordeiro critica este entendimento, e reserva a figura do ónus para o direito
processual; propõe, como designação para esta figura, as expressões de ónus material
ou encargo. Ónus material ou encargo, para o Prof. Menezes Cordeiro, é um dever,
que, todavia, tem um regime particular que o faz distinguir das obrigações e deveres.
Essa particularidade reside no facto de se tratar de um dever que proporciona
vantagens a outras pessoas, mas essas outras pessoas não podem exigir o seu
cumprimento. Ex.: Art.ºs 916º e 1220º do Código Civil; segundo estes artigos, o
comprador de um bem defeituoso, ou o dono da obra que evidencie defeitos, tem que
denunciar ao vendedor ou ao empreiteiro esses defeitos, mas para que essa possível
denúncia de defeitos não se prolongue no tempo, a lei prevê prazos curtos para essa
denúncia; se não o fizerem no prazo previsto na lei, os seus direitos – nomeadamente
de eliminação de defeitos, ou de indemnização – caducam, mas o devedor não tem
direito a exigir o cumprimento desses deveres de denúncia.
• Deveres genéricos – traduzem-se em posições absolutas, isto é, sem relação jurídica.
Ex.: ao impor, em termos gerais, obrigações de silencio, durante a noite, o Direito
Atualmente, todo o ser humano é pessoa. Mas o Direito admite que possam aina ser
consideradas pessoa, realidades não correspondentes a seres humanos, as pessoas coletivas e
o nascituro. Por isso, a pessoa é definida, em termos dogmáticos, como a suscetibilidade de
ser titular de direitos e de ficar adstrito a obrigações; a pessoa é o destinatário de normas
jurídicas (centro de imputação dessas normas).
Concluímos que a ideia de bem de personalidade é tanto mais útil quanto mais preciso e
delimitado for o seu universo.
O art.70º CC dispensa uma tutela geral, podendo dar azo a diversos direitos subjetivos
de personalidade em sentido próprio: não há, neste domínio, qualquer tipicidade. Além disso,
poderá ainda haver uma proteção independente de quaisquer direitos subjetivos, antes
através de norma de proteção, no sentido do art.483º (responsabilidade civil).
Para que haja responsabilidade civil, é necessário que estejam preenchidos estes 5
pressupostos:
Exemplo: António tira uma foto de Bento durante a festa da cerveja, evidenciado a sua
embriaguez, e publica-a numa rede social, sem o seu consentimento. Facto ilícito: publicação
da foto de Bento numa rede social; dano: violação do direito à imagem e do direito à honra de
Bento; culpa: cabe a Bento provar a culpa do autor da lesão, neste caso António;
Imputabilidade: nos termos do art.448º, nada nos diz que António é imputável; Nexo de
causalidade: se António não tivesse divulgado a foto, o direito à imagem e o direito à honra de
Bento não teria sido violado.
➢ Direito á vida (art.24º CRP): assegura a preservação das funções vitais do organismo
biológico humano; um atentado à integridade física desse organismo ou qualquer
outro esquema que provoque sofrimento físico, mas que não ponha em causa
imediata a sobrevivência, atingirá outros direitos de personalidade, não o direito a
vida. Em qualquer conflito de direitos ou deveres, a dirimir de acordo com o art.335º
CC, o direito à vida, quando direta e funcionalmente em causa, nunca pode ceder; o
Direito civil não aceita a supressão de uma vida humana; nunca, definitivamente e em
caso algum, caso estejam em conflitos direitos à vida de diversas pessoas; por
exemplo, um medico que esteja perante um cenário de duas vitimas de um acidente
grave, só pode acudir um dos feridos, tendo, portanto, de deixar morrer o outro: o
problema terá de ser resolvido in concreto (salvar os mais viáveis, os mais mais novos,
as mães com crianças, os pais de família, o adversário, assim sucessivamente), e
verificados os pressupostos, o Direito civil considerará que, por conflito de deveres,
não houve qualquer violação do direito á vida. Também não haverá violação do direito
à vida perante uma causa adequada, como a legitima defesa.
O direito à vida é inviolável, logo, o seu titular não pode aliena-lo ou, de modo direto,
necessário ou eventual, proceder, ele próprio, á sua supressão, pedindo a morte ou
praticando suicídio; no caso de tentativa de suicídio, todos os danos colaterais,
incluindo tratamentos médicos e outras despesas, caberão ao suicida tentado; a
indemnização, poderá, todavia ser minorada ou suprimida, pois o suicida estará, em
geral, num estado de tal perturbação, que não é possível formular o juízo de culpa.
A eutanásia não é admissível, à partida, pelo Direito civil, seja como auxilio ao suicídio,
seja como produto exclusivo da atuação de terceiros, já que a eutanásia pretende
justificar a eliminação da vida de uma pessoa como modo de suprimir o seu
sofrimento. A morte de uma pessoa causa danos patrimoniais e morais: quer na
própria vitima, quer no circulo dos seus familiares, particularmente no do cônjuge
sobrevivo e nos dos filhos menores, quando esse seja o caso. Todos os danos
patrimoniais devem ser indemnizados, numa logica que se estende à hipótese de
atentado à integridade física – art.495º/1 e 2 -, e para alem dos danos patrimoniais,
temos ainda lucros cessantes: o falecido não poderá mais trabalhar, cabendo a
indemnização a familiares dele dependentes, delimitando o art.495º/3, o calculo dos
beneficiários da indemnização; os danos morais não são avaliáveis em dinheiro, sendo
essa matéria referida no art.496º: o nº1 refere o principio geral da ressarcibilidade dos
danos não-patrimoniais, o nº2 dá corpo a princípios e a valores básicos do nosso
ordenamento.
A matéria do dano-morte conhece divergências doutrinarias:
➢ Direito á reserva sobre a intimidade da vida privada (art.80º CC): o art.80º/1 protege
as esferas privada, secreta e intima; não já as publica e social-individual. O art.80º/2
delimita a proteção em função de dois elementos: o objetivo (tem a ver com os
especiais valores, in concreto, possam conduzir à intromissão na esfera privada) e o
subjetivo (reporta-se à notoriedade ou ao cargo da pessoa considerada ou à própria
postura que a mesma adote).
O início da personalidade
O direito á vida do nascituro, uma vez admitido, surge com a vida; como ao direito à vida
apenas se opõe o direito à vida, o aborto só é lícito se houver necessidade de salvar a mãe e
perante a alternativa concreta, real e comprovada, de a sobrevida do nascituro envolver a
morte da mãe.
• Art.66º/2: admite direitos reconhecidos, por lei, aos nascituros (em sentido amplo)
• Art.954º (doação a nascituros que, por via do art.951º/2, produz efeitos
independentemente de aceitação, nos termos aí dispostos)
• Art.1855º (perfilhação de nascituro)
• Art.1878º (conteúdo do poder paternal)
• Art.2033º (princípios gerais da capacidade sucessória)
• Art.2240º (administração da herança ou legado a favor de nascituro)
Registo Civil
O registo civil dá a conhecer os estados das pessoas que dele resultem: no seu
conjunto, podemos falar no “estado civil” das pessoas.
O registo civil assume uma eficácia relevante sobre os atos a ele sujeitos. O primeiro efeito
do registo civil é o seu papel condicionante absoluto de eficácia (segundo o art.2º do CRCiv, os
factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados; o nascimento, a
filiação, o casamento e o óbito produzem múltiplos efeitos e quem os pretender invocar em
juízo terá de usar os meios de prova facultados pelo registo civil, o que pressupõe que tenham
sido registados); o segundo efeito do registo é a sua eficácia probatória plena (o registo civil
faz prova plena dos factos a ele sujeitos e que dele resultem; não pode ser ilidido a não ser
através de ações especificas, que visem o estado da pessoa ou o próprio registo); o terceiro
efeito é a eficácia probatória exclusiva dos meios do registo (a prova dos factos sujeitos a
registo so pode ser feita pelos meios previstos no CRCiv, sendo esses meios a certidão, o
boletim e o bilhete de identidade/cartão de cidadão)
Identidade
A identificação civil e a emissão do bilhete de identidade são hoje reguladas pela Lei
nº33/99, de 18 de maio; a identificação civil é assegurada pelo Estado, através de serviços
competentes integrados na Direção-geral dos Registos e do Notariado, do Ministério da
Justiça.
O CC não define domicilio, e limita-se, nos seus art.82º e seguintes, a indicar diversos
domicílios: voluntario, geral, profissional, eletivo, dos menores e interditos, dos empregados
públicos e dos agentes diplomáticos portugueses. Podemos inferir dessas indicações que o
domicilio é um lugar no qual, juridicamente e para diversos efeitos, é suposto encontrar-se
determinada pessoa.
Quanto aos efeitos, temos: domicilio geral (releva para uma generalidade de situações
jurídicas) e domicilio especial ou particular (opera para situações especificas). Quanto à
escolha temos: domicilio voluntario (depende da opção do sujeito) e domicilio legal
(correspondente a uma estatuição da lei). Estas distinções podem intercruzar-se, e assim
teremos domicílios legais voluntários e legais, e domicílios especiais voluntários e legais.
Domicilio geral voluntario: figura nuclear. Depende de uma escolha do sujeito; tal escolha não
é, porem, diretamente dirigida ao domicilio, mas antes à residência ou ao paradeiro. O
domicilio vai, sucessivamente, corresponder: à residência permanente, quando o sujeito se
encontre, sem interrupção, num determinado local; à residência habitual, quando, circulando
por vários locais, ele tenha, todavia, um de presença claramente predominante; a alguma das
residências alternativas, na hipótese de ser esse o figurino habitacional do sujeito; à residência
ocasional, quando não seja possível apontar ao sujeito uma residência mais estável; ao
paradeiro, na falta de outro critério.
Domicilio legais: domicílios fixados pela lei. A primeira hipótese é a do domicilio dos menores e
dos interditos (art.85º/1); segue-se o domicilio legal dos “funcionários públicos” (art.87º/1),
que pode coincidir com o seu domicilio profissional; finalmente, o domicilio dos agentes
diplomáticos portugueses (art.88º).
Uma pessoa diz-se ausente quando não esteja onde seria de esperar vê-la (em termos
correntes); em termos jurídicos, a ausência implica um desaparecimento prolongado e sem
noticias.
1) Curadoria provisoria
2) Curadoria definitiva
3) Morte presumida
Art.95º e 96º: o curador provisório deve prestar contas do seu mandato ao tribunal ou
aos curadores definitivos, quando seja deferida a curadoria definitiva; ele tem direito a uma
remuneração equivalente a 10% da receita liquida que realizar. Com base neste regime,
podemos considerar que o curador provisório é um representante legal do ausente, inserindo-
se num estatuto próprio, decalcado do do mandato.
Os legatários e outras pessoas que, por morte do ausente, teriam direito a bens
determinados podem requerer, logo que a ausência esteja justificada, independentemente da
partilha, a entrega dos bens. Posto isto, a administração dos bens cabe ao cabeça-de-casal,
designado nos termos do art.2080º e ss., seguindo-se a partilha com a entrega dos bens aos
herdeiros do ausente, à data das ultimas noticias.
Os bens do ausente são entregues aos seus sucessores, nos termos do art.101º e ss.,
não havendo, porem, lugar a caução, que pode ser levantada se tiver sido prestada.
Art.118º: caso se prove que o ausente tenha falecido em data diversa da fixada na
sentença de declaração de morte presumida, tem de se recompor o mapa dos sucessores,
cabendo o direito à herança aos que, na data da morte efetiva, lhe deveriam suceder, sem
prejuízo das regras da usucapião; os sucessores assim designados de novo gozam apenas, em
relação aos antigos, dos direitos atribuídos ao ausente, no art.118º/2
Menoridade
Este critério é evidentemente formal - aos dezoito anos e menos um dia, não pode
reger os seus negócios jurídicos; aos dezoito e um dia, já pode: a pessoa não se torna
substancialmente mais capaz por perfazer 18 anos; mas havia que fixar uma fronteira
qualquer. Isto não significa que o sistema jurídico não seja sensível, por várias vias, a que,
abaixo dos 18 anos, haja patamares intermédios de capacidade. Esta é a linha divisória geral,
Mas diz a lei que pode haver disposições em contrário. São as tais exceções à
incapacidade dos menores, previstas no art.º 127.º; temos aqui três tipos de situações:
1. Atos de administração e disposição de bens adquiridos pelo trabalho (art.º 127.º n.º
1 al. a)). Se o menor pode trabalhar a partir dos 16 anos, desde que se verifiquem as condições
dos art.50.º e ss. do Código do Trabalho, então naturalmente ele pode administrar ou dispor
dos bens que tenha adquirido por via do seu trabalho. Quer isto dizer que, se só o pode fazer
depois dos 16, antes tem uma incapacidade de gozo - não pode sequer trabalhar. Esta regra
tem, todavia, que se conjugar com uma regra do Código do Trabalho sobre o destino da
remuneração, uma vez que o Código do Trabalho distingue entre capacidade para trabalhar e
o regime da remuneração, e só permite a que os progenitores se oponham a que o menor
aufira diretamente a retribuição. Se houver tal disposição dos pais, são eles quem recebe. Esta
norma prevalece, por ser posterior, ao Código Civil.
2. São válidos os negócios jurídicos decorrentes da vida do menor, que estejam ao seu
alcance, e que impliquem despesas de pequena importância. Está aqui ligada a tal ideia de
aptidão natural. Aqui tem-se por "capacidade" uma representação de "aptidão", isto é, ao
3. Negócios relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido autorizado a
exercer, etc. Esta norma tem uma redação muito desatualizada. Esta interpretação tem que
ser uma interpretação atualizada, para abranger contratos de prestação de serviços, de
trabalho, etc. Também esta norma exige conjugação com o Código Do Trabalho, porque há
autorização dos pais que pode ter formas diferentes consoante a idade do menor. Qual é a
diferença entre esta alínea (c)) e a al. a)? Numa, fala-se de dispor dos rendimentos (al. a));
noutra, nesta, fala-se dos atos que haja que praticar no âmbito de certa profissão específica.
Esta alínea deve ser conjugada com o n.º 2 - só os bens de que o menor possa dispor no
exercício dessa profissão é que são responsáveis pelos atos que venha a praticar no exercício
da mesma. E como se poderá suprir esta incapacidade genérica dos menores? Há aqui que
distinguir entre meios de suprimento e forma de suprimento. O meio de suprimento típico da
incapacidade dos menores é o poder paternal (art.º 124.º). Subsidiariamente, é a tutela (art.º
129.º). A lei não regula aqui nem um nem outro, até porque temos que ir ao regime jurídico
respetivo.
O que acontece aos atos praticados pelo menor no âmbito dessa mesma incapacidade,
ou seja, o que sucede se o menor pratica um negócio jurídico, não obstante não ter
capacidade para ele - uma compra e venda, uma doação, etc.?
Sobre esta matéria, diz-nos o art.º 125.º que os atos jurídicos praticados pelos
menores no âmbito da sua incapacidade são anuláveis. A anulabilidade é, pois, o desvalor
associado a estes negócios jurídicos, porque, o que está em causa é proteger o menor, e,
portanto, um interesse privado, não um interesse público ou um interesse geral. Estes
negócios são, pois, anuláveis.
Diz-nos a lei que tem que haver um interesse e só o interessado é que pode requerer a
anulação do ato. Os negócios podem ser anulados, em primeiro lugar, a requerimento do
progenitor que exerça o poder paternal, do tutor ou do administrador de bens, ou seja, da
pessoa que exerça normalmente a capacidade de exercício; há que pedir essa anulação no
prazo de um ano a partir da altura em que se tome conhecimento, mas nunca depois de o
menor fazer 18 anos: por exemplo, António, vendeu a 1 de Janeiro o carro que o avô lhe tinha
deixado em testamento; os pais do António só voltam do Japão a 1 de Fevereiro, logo, será até
31 de Janeiro do ano seguinte que se poderá pedir a anulação. Mas há aqui uma nuance: se o
António tivesse 17 anos e meio a 1 de fevereiro, o prazo acabava quando ele fizesse 18 anos.
Só não há dependência de prazo nos casos do n.º 2 do art.º 287.º: no caso de o negócio não
estar cumprido; tal como sucede em relação à anulabilidade em geral, não há aqui pendência
de prazo para requerer a anulação do negócio, só se o negócio estiver cumprido é que se
contam estes prazos.
A lei ainda prevê que o menor morra e deixe herdeiros. Para esse caso, atribui-se
legitimidade a qualquer herdeiro do menor no prazo de um ano após a sua morte, sua do
Apesar de tudo, a lei estabelece um limite, que é o que consta do art.º 126.º. Se o
menor tiver usado de dolo para se fazer passar por maior, etc., não pode usar a faculdade
prevista na al. b) que acima vimos. Não se trata de simples dolo na prática do negócio. O dolo
aqui será fazer-se passar por maior. Quando isso suceder, ele não poderá depois quando for
maior vir prevalecer-se da sua maioridade para atacar o negócio que praticou dolosamente. O
dolo trata-se de um artifício ou sugestão para induzir alguém em erro, ou não dissimular o erro
em que já está (art.º 253.º).
A doutrina discute a propósito deste artigo uma outra questão: este regime do art.º
126.º será só aplicável à ação proposta pelo menor no ano subsequente à maioridade ou
emancipação, ou não poderão também os seus representantes nem os seus herdeiros?
Prevê ainda a lei que, quanto a este caso, a anulabilidade possa ser sanável, nos
termos do regime geral, aqui com especificidades (art.º 125.º n.º 2), quer por confirmação do
menor quando atingir a maioridade, quer por confirmação dos
progenitores/tutores/administradores, desde que pudessem celebrar o negócio pelo menor.
Temos aqui pois um regime bastante protetor do menor, prevalecendo claramente o interesse
dele, com exceção do dolo. Esta questão do desvalor dos atos jurídicos praticados pelo menor
no âmbito da sua incapacidade.
Interdição e inabilitação
Interdição
A interdição tem os fundamentos previstos no art.º 138.º, desde que sejam verificadas
duas situações:
Do n.º 2 do art.º 138.º resulta que estas ações podem ser requeridas ainda num ano
antes da menoridade, para que se tornem eficazes na sua maioridade.
Em regra, os interditos são equiparados aos menores (art.º 139.º). Havendo uma
incapacidade genérica de exercício, a forma adequada de suprimento é ainda a representação.
É uma representação legal e não uma representação voluntária, sendo o meio a tutela. Em
alguns casos, essa tutela é assistida pela administração de bens.
A lei determina as pessoas a quem pode ser incumbida a tutela no art.º 143.º. Se se
tratar de um jovem, o que vai acontecer é que serão os pais que continuam a exercer o poder
paternal; nos restantes casos, será designado um tutor. A lei depois atribui competências aos
tribunais - isto é um processo judicial - e diz no art.º 141.º do Código Civil quem pode requerer
esta interdição. O Tribunal pode decretar providências intermédias enquanto não estiver
deferida a tutela, e decretará ainda quem exerce internamente a tutela (art.143.º e 144.º,
respetivamente), e estabelece ainda alguns deveres especiais do tutor nesta matéria (cuidar da
saúde, da pessoa, etc.); tem ainda total liberdade na medida que decreta, e pode, solicitada
uma interdição, decretar apenas inabilitação, ou vice-versa.
A interdição é uma situação de grande estabilidade - uma vez decretada, está lá para
durar - mas a lei coloca a possibilidade de a interdição ser levantada (uma pessoa que sofre de
uma doença psíquica grave, mas que se cure, por exemplo). Esse levantamento tem, contudo,
que ser judicial (art.º 151.º). Nos restantes aspetos, aplica-se o regime da menoridade: são
válidos os atos praticados no âmbito da vida corrente (art.º 127.º), etc., com as adaptações
que se julgarem necessárias. O mesmo se diz da possibilidade de anular, por quem, como, etc.
Inabilitação
O regime está previsto nos art.152.º e ss. Aqui temos dois tipos de fundamentos:
1. Comuns à interdição, mas menos graves (anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, mas
não tão graves que justifiquem a interdição), embora tenham que ser de carácter permanente
e menos graves que a interdição;
A administração é atribuída pelo Tribunal ao curador (art.º 154.º), e ele pode ser
assistido por um conselho de família. Em tudo o resto a lei manda remeter para o regime das
interdições, e daí por remissão dupla ao regime da menoridade.
Tal como a interdição, a inabilitação também pode ser levantada, mas só ao fim de
cinco anos.
O art.68º/3 dá por falecida a pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido,
quando o desaparecimento se tiver dado em circunstancias que não permitiam duvidar da
morte dela.
Consequências da morte:
1) Termo da personalidade
2) Extinção dos direitos de personalidade, dos direitos pessoais e de certos direitos
patrimoniais
3) Abertura da sucessão
O direito reconhece uma tutela post mortem dos direitos de personalidade, já que a
personalidade se extingue com a morte. O CC dispõe no art.71º a tutela dos direitos de
personalidade da pessoa falecida; tem legitimidade para requerer a tutela da personalidade as
pessoas referidas no art.71º/2 (que pode ser complementado com o art.496º/2).
Pessoas coletivas
Personalidade coletiva:
O organicismo de Von Gierke veio ceder o lugar a substratos mais subtis; assim, é possível
apontar três tradições que procuram o substrato das pessoas coletivas: o acervo de bens, as
manifestações institucionalizadas da vontade e organizações não especificas.
Pessoas rudimentares
Noção - Doutrina de Paulo Cunha; realidades a quem a lei recusaria a titularidade de direitos
civis, admitindo-lhes, todavia, direitos processuais. Às pessoas rudimentares podem aplicar-se
regras próprias da personalidade coletiva; fora do que a lei preveja, a pessoa rudimentar é
substituída pelos titulares efetivos dos bens em presença.
A pessoa coletiva retira a sua personalidade de um ato formal; todavia, a pessoa coletiva
prossegue objetivos práticos, surgindo dotada de um substrato: esse substrato põe-se em
marcha antes do ato formal atributivo da personalidade – pessoas coletivas em formação
(art.195º e ss.) -, ou pode manter-se depois de um ato formal do sentido contrario que,
visando a extinção da pessoa coletiva, venha suprimir a personalidade (plena) – pessoas
coletivas em extinção (equivalem as pessoas rudimentares).
Uma pessoa coletiva é diferente de uma pessoa rudimentar devido ao modo coletivo:
temos uma pessoa coletiva quando o modo coletivo atinja toda a entidade considerada; temos
uma pessoa rudimentar quando o modo coletivo atinge parcialmente a entidade considerada.
Surge, ainda, uma terceira categoria, a de situações em que o Direito trata, em conjunto,
realidades atinentes a varias pessoas, sem, todavia, nem total nem parcialmente, o fazer como
se de uma única se tratasse – modo coletivo imperfeito -, surgindo, assim, as figuras afins às
pessoas coletivas.
➢ Pessoas coletivas publicas vs. Pessoas coletivas privadas: quanto a esta distinção,
encontramos as teorias que permitem distinguir o Direito publico do direito privado.
Essas teorias são:
i) Teoria do fim ou do interesse prosseguido – as pessoas coletivas publicas
prosseguem fins ou interesses públicos, enquanto as privadas prosseguem fins
ou interesses privados. (Problema: podem prosseguir interesses públicos
entidades privadas e vice-versa)
ii) Teoria da titularidade de poderes de autoridade – as pessoas coletivas públicas
teriam o chamado ius imperii, podendo praticar atos de autoridade, só
discutíveis a posteriori, enquanto as privadas se moveriam no âmbito
igualitário do Direito privado. (Problema: há pessoas coletivas publicas que
apenas recorrem ao direito privado, enquanto certas pessoas privadas vêm-se
investidas em poderes de autoridade
iii) Teoria da integração – as pessoas coletivas públicas integrar-se-iam na
organização do Estado, ao contrario das privadas. (Problema: na organização
do Estado, atuam entes públicos e entes privados)
iv) Teoria da iniciativa – as pessoas coletivas públicas seriam criadas pelo Estado,
enquanto as privadas proviriam da iniciativa privada. (Problema: o Estado cria,
com frequência, sociedades anonimas por DL)
v) Teoria do regime – as pessoas coletivas públicas subordinar-se-iam a um
regime especifico que incluiria a sua sujeição geral ao Direito público, a
competência dos tribunais administrativos, um estatuto tributário especifico e
um regime particular das relações de trabalho. (Problema: a multiplicação de
híbridos e a tendência atual para remeter certos entes públicos para o foro
Nas pessoas coletivas vigora um principio de tipicidade, o que significa que é possível
indicar as diversas pessoas coletivas existentes. Como esta tarefa é mais fácil no Direito
privado, por força da iniciativa privada, os particulares acolhem-se às leis, reconduzindo-lhes
as figuras que criem. Podemos então concluir que são privadas as pessoas coletivas que se
rejam pelo Direito civil ou comercial, assumindo a forma de sociedades comerciais, de
cooperativas, de associações, de fundações ou de sociedades civis e, ainda, de outras figuras,
plenas ou rudimentares, que ocorram em setores civis ou comerciais extravagantes; as
restantes são publicas.
• Teoria da norma: defendida pelos organicistas, com relevo para Otto Von Gierke que
via, no ato constitutivo, uma “fonte autónoma e própria”; hoje, ela prolonga-se em
autores que apelam a um “ato conjunto”, ainda que negocial; na constituição de uma
pessoa coletiva, não haveria uma negociação na qual duas partes procurem
harmonizar os seus interesses.
• Teoria do contrato: vê, na constituição de uma associação, um contrato de
constituição, de tipo organizatório, e na de uma fundação, um negocio unilateral de
tipo fundacional
• Teoria mista: o ato de constituição teria natureza contratual, enquanto os estatutos
assumiriam natureza normativa.
As pessoas coletivas podem ser constituídas por diploma legal ou por deliberação de um
ente coletivo.
Dos estatutos deverão constar as regras que, para o futuro, vão reger o ente coletivo, as suas
relações com os associados e as destes entre si, quando os haja, e as relações com terceiros:
• Art.167º: refere os elementos essenciais (nº1) e eventuais (nº2) que devem constar
dos estatutos das associações
• Art.186º: os estatutos das fundações podem ser lavrados posteriormente, por pessoa
diversa do instituidor; todavia, este artigo dispõe os elementos necessários a indicar
pelo instituidor, no próprio ato de constituição
• Art.280º: os estatutos podem não conter algum(ns) dos elementos essenciais
apontados; nessa altura, ou é possível suprir a omissão, pela interpretação ou com
recurso a algum ato superveniente, ou a constituição da pessoa coletiva é nula, por
indeterminabilidade do objeto do ato de que ela dependa.
Na base do conteúdo necessário dos estatutos estão diversos elementos que, de acordo com a
tradição nacional, pode-se sistematizar em:
a) Elemento pessoal ou patrimonial, que tem a ver com a necessidade de associados nas
associações (elemento pessoal), e de bens nas fundações (elemento patrimonial). O
art.167º consigna o requisito dos associados, referindo os “bens ou serviços com que
os associados concorrem para o património social”: a associação dispensa patrimónios,
assim como dispensa, por maioria de razão, que os associados para ele concorram, e o
art.182º/1 al. d) considera causa de extinção da associação o falecimento ou
desaparecimento de todos os associados (nenhum preceito liga a ausência de
património a uma das causas de extinção das associações); quanto às fundações, a
insuficiência de bens justifica o seu não-reconhecimento (188º/2), sendo a insolvência
uma causa da extinção (192º/1, al. C))
b) Elemento teleológico ou fim da pessoa coletiva – tende a ser o fator essencial dos
estatutos (art.167º/1 e 186º/1). O fim da pessoa coletiva vai ditar a sua idoneidade e,
sendo o caso, o seu reconhecimento; a sua capacidade, em função do principio da
especialidade; o eventual reconhecimento de utilidade pública; o tipo de atuação
requerido aos titulares dos seus órgãos; as coordenadas de interpretação dos
estatutos.
c) Elemento organizacional – abrange um conjunto de fatores: a denominação, a sede, a
orgânica, e a forma do seu funcionamento (art.162º a 165º, 167º/1 e 186º/2). Trata-se
de um elemento primordial, já que dá corpo ao modo coletivo de aplicação das
normas, base da moderna doutrina da personalidade coletiva, e além disso, ele tem
um relevo prático que justifica o seu tratamento em rubrica própria.
A doutrina pergunta, por fim, pela existência de um elemento voluntário ou animus
personificandi, verificando-se três posições:
A pergunta por um animus personificandi é, todavia, mais do que a comum indagação pelo
papel da vontade dos negócios; não haverá, para alem dessa vontade, um suplementum de
intenção dirigido à personificação? Menezes Cordeiro responde que a vontade está sempre
presente no desenvolvimento de efeitos jurídicos tributários da autonomia privada.
Organização e funcionamento
Fiscalização: segundo o art.162º, os estatutos das pessoas coletivas devem prever um conselho
fiscal, constituído por um numero ímpar de pessoas, das quais uma é presidente; quanto às
associações, o art.171º/1 dispõe que o conselho fiscal seja convocado pelo respetivo
presidente e só possa deliberar estando presente a maioria dos seus membros. A lei civil nada
mais diz sobre o tema, sendo a lacuna colmatada pelos estatutos, e no silencio destes, há que
recorrer as disposições aplicáveis no domínio das sociedades anónimas (art.413º e ss. CSC, e
420º CSC quanto à competência).
Capacidade e atuação
• Limitações ditadas pela natureza das coisas: segundo o final do art.160º/2, excetuam-
se ao âmbito da capacidade de gozo das pessoas coletivas os direitos e obrigações
“inseparáveis da personalidade singular”; trata-se fundamentalmente de: situações
jurídicas familiares ou sucessórias; situações de personalidade centradas nas pessoas
singulares, como o direito à vida; situações patrimoniais, mas que pressupõem a
intervenção de uma pessoa singular, como a qualidade de trabalhador; diversas
situações de Direito público, como o direito ao voto. A violação de limitações impostas
pela natureza das coisas implica a nulidade do negocio, por impossibilidade legal
(art.280º/1).
• Limitações legais: são referidas na primeira parte do art.160º/2, e têm uma natureza
profundamente diferente das impostas pela natureza das coisas. A inobservância das
limitações legais à possibilidade de pratica, pelas pessoas coletivas, de certos atos,
conduz, em princípios, à nulidade do ato por violação de lei expressa (294º) ou por
ilicitude (280º/1).
• Limitações estatuarias: à partida, as disposições estatuarias não limitam a capacidade
de gozo da pessoa coletiva. As limitações estatuarias adstringem os órgãos da pessoa
coletiva a não praticar os atos vedados, sem, contudo, limitarem a capacidade da
sociedade. A violação a esses limites estatuários conduz à anulabilidade prevista nos
art.177º e 178º.
• Limitações deliberativas: deve ser aplicado o mesmo regime das limitações estatuarias.
A violação por estas deliberações responsabiliza o seu ator; a capacidade da pessoa
coletiva mantem-se, porem, inata.
A PC responde diretamente pelos atos ilícitos dos titulares dos seus órgãos, desde que
tenham agido nessa qualidade [art.165º]. Para efeitos de responsabilidade civil aquiliana, PC é
“comitente” e órgão é “comissário”. A culpa, enquanto juízo de censura, é-lhe aplicável
[art.483º]. Não se trata de responsabilidade das PC por atos dos seus órgãos, mas sim dos seus
representantes [voluntários ou legais], agentes ou mandatários.