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AUGUSTO DOS ANJOS e A Decomposição Orgânica Como Matéria de Composição Poética
AUGUSTO DOS ANJOS e A Decomposição Orgânica Como Matéria de Composição Poética
AUGUSTO DOS ANJOS e A Decomposição Orgânica Como Matéria de Composição Poética
Sinopse
Endereço residencial
Rua Felipe dos Santos 233-A
Bairro Antônio Dias
Tel. 551-1552
Ouro Preto- MG
CEP- 35400/000
ICHS-UFOP
Rua do Seminário s/n
Tel. 557-1322
Centro
Mariana- MG
CEP- 35420/000
*
Mestrando em História Social da Linguagem pela Universidade Federal de Ouro Preto
I
AUGUSTO DOS ANJOS
E
A DECOMPOSIÇÃO ORGÂNICA COMO MATÉRIA DE
COMPOSIÇÃO POÉTICA
Predeterminação imprescritível
Oriunda da infra-astral Substância calma
Plasmou, aparelhou, talhou minha alma
Para cantar de preferência o Horrível!
Na canonização emocionante
Da dor humana, sou maior que Dante,
–A águia dos latifúndios florentinos!
II
Deus-Verme
Insatisfeito com essa dubiedade, com as mais opostas
idiossincrasias, tomado pela gula negra das antinomias, o poeta se julga,
desgraçadamente, uma VÍTIMA DO DUALISMO, soneto do qual lemos
apenas o último terceto:
III
Dessa insatisfação, desse desconforto causado pelo estado
dicotômico de seu ser, é que o poeta passa a sonhar com uma
substância única, e é no monismo de Haekel, doutrina segundo a qual
o conjunto das coisas pode ser reduzido à unidade, que ele se inspira
para iniciar o MONÓLOGO DE UMA SOMBRA:
O MORCEGO
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência da orgânica sede,
IV
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
V
Chocalha os dentes com medonha fúria
Como se fosse o atrito de dous ferros !
Mundo que o oprime com todas as suas desgraças e reveses.
Uma agourenta asa de corvo paira sobre seu destino, um urubu pousou
sobre sua sorte. O poeta considera-se uma aberração, a mais hedionda
generalização do desconforto, como podemos ler nos dois últimos
tercetos de O POETA DO HEDIONDO:
Quanto me dói no cérebro esta sonda!
Ah! Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto...
VI
quase sádica em analisar as impressões de corrupção física dos seres e
das coisas que o rodeavam. O mundo para ele não era alegria de
renovação, mas constante dissolução de vida apodrecendo diante de
seus olhos.2
Ao adotar a decomposição orgânica como matéria de
composição poética, Augusto dos Anjos atraiu as mais pesadas críticas,
sendo taxado de metrificador de reminiscências do naturalismo científico,
aproveitador dos últimos lampejos do evolucionismo de Haeckel, Darwin,
Buchner e Spencer, alinhavador de estrofes cheirando a salmoura de
cadáveres e outras coisas mais. Agripino Grieco vê uma influência de
Cesário Verde em Augusto dos Anjos "pela mescla sistemática de lirismo
e sarcasmo, ternura e brutalidade. Ambos versejavam em ângulos
agudos, em riscos incisivos, cortantes como lâminas, em frases cheias de
ácidos e gumes, atraídos pelos pratos avinagrados e pelos frutos verdes
ou podres, nunca em boa sazão."3
Muitos críticos já apontaram elementos na poesia de Augusto
dos Anjos, que antecipam a linguagem moderna da poesia brasileira.
Num certo sentido, podemos dizer que Augusto dos Anjos realiza, com
antecedência, a antropofagia proposta por Oswald de Andrade, de se
comer, do que vem de fora, as partes boas, e jogar no lixo o restante . O
poeta se nutre, voluptuosamente, de ciência e filosofia, na busca de uma
catarse para seu sofrimento, mas, mesmo na paz de Buda, ainda sente o
cansaço e tenta, através do pensamento, desencarcerar-se da obscura
forma humana, para encontrar o nirvana na imortalidade das Idéias. É a
manumissão schopenhaueriana, isto é, libertação pela inteligência, pela
contemplação desinteressada, das idéias platônicas, colocada no soneto
O MEU NIRVANA:
No alheamento da obscura forma humana,
De que pensando me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana !
VII
.
Destruída a sensação que oriunda fôra
Do tacto – ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebéas-
Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéas!”
VIII
És suprema! Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
De que as próprias desgraças se engalanam!
Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato
Com os corpúsculos mágicos do tato
Prendo a orquestra de chamas que executas..
E, assim, sem convulsão que me alvorece,
Minha maior ventura é estar de posse
De tuas claridades absolutas!”
Na concepção de Schopenhauer, à medida que o homem
amplia seu conhecimento, maior torna-se sua dor, pois ela atinge,
unicamente, a vontade e resulta da obstrução desta. Do soneto acima,
depreende-se, portanto, que o poeta atingiu um grau elevadíssimo de
conhecimento de si mesmo, a ponto de transformar a dor em sua
própria amante, ou seja, é através dela, a dor, que advém o
conhecimento, pois ela é objetiva, deixando o poeta de posse das
claridades absolutas.
Segundo o psicoterapeuta Rollo May, 6 a autoconsciência dá-
nos aptidão para nos afastarmos da rígida cadeia de estímulos e
reações, fazer uma pausa e avaliar a situação. A seu ver, liberdade e
conhecimento caminham lado a lado. Quanto mais uma pessoa é
controlada por inibições, repressões, condicionamentos da infância,
conscientemente “esquecidos”, mas que ainda atuam incoscientemente,
tanto mais é impelida por forças que não consegue controlar. Assim,
quanto maior a percepção de si mesmo, tanto maior a capacidade de
orientar a própria vida. A essa capacidade é que o psicoterapeuta chama
de liberdade, que é acumulativa, isto é, uma opção feita com liberdade
possibilita um crescente na próxima opção, ampliando o âmbito da
personalidade.
Rollo May admite que nossas vidas sofrem um sem número de
influências deterministas, mas é preciso concordar que existe uma
margem na qual o ser humano pode ter consciência daquilo que o está
movendo, revelando-se a liberdade na maneira pela qual nos
relacionamos com as realidades deterministas.
6
May, Rollo. O homem à procura de si mesmo. Trad. Áurea B. Weissemberg. Vozes, 7ª ed.,1979
IX
Dessas poucas linhas podemos inferir que Augusto dos Anjos
soube exercer sua liberdade, apesar da “predeterminação
imprescritível” de ter de cantar o horrível. Avançando pela contra-mão
da corrente literária de sua época, o poeta mostra toda a sua lucidez,
apesar de ter sido recebido como louco. Para Eduardo Portella 7 as visões
reducionistas cercearam a leitura do EU, e a estética absolutista
promotora do "belo" ideal colocou e coloca todo o texto de Augusto dos
Anjos como uma questão de ''bom'' ou ''mau'' gosto. Ainda na visão de
Portella, a força modernizadora do poeta paraibano está na
desidealização do conceito de gosto e na dessacralização da linguagem.
Se é de mau gosto, ou não, a poesia de Augusto dos Anjos,
fica a cargo de cada um que a ler, julgar. O que não se pode negar é
sua capacidade de nos levar a uma reflexão profunda sobre a
efemeridade do ser humano sobre a face da terra, perdendo grande
parte do pouco tempo de vida que dispõe, com tolas preocupações e
mesquinharias, esquecendo-se que a todos está reservado o mesmo fim,
pelo menos para o corpo material.
Para a Prof. Lúcia Helena, há como que uma sedução em
identificar-se o EU, em letras vermelhas, com o eu autobiográfico do
autor. “A sua sombra magra”, diz a Professora, serve .de “nevoeiro
funéreo ao importante texto que nos legou o poeta, antecipando a
modernidade da poesia brasileira, ainda nos idos da primeira década do
século”. A seu ver, a crítica biográfica tem realizado aquilo, que de certo
modo, o poeta a induziu a fazer: agigantar, no texto poético, a dimensão
real de uma vida complexa e enigmática.8
Assim o descreve seu amigo e prefaciador, Orriz Soares:
Foi magro, meu desventurado amigo, de magreza
esquálida, faces
reentrantes, olhos fundos, olheiras violáceas e
testa descalvada.
A boca fazia a catadura crescer de sofrimento, por
contraste do olhar
doente de tristura e nos lábios uma crispação de
demônio torturado.
Nos momentos de investigações suas vistas
transmudavam-se rápido,
7
Portella, Eduardo. Uma poética da confluência. Obra cit.
8
Helena, Lúcia. O poeta da ruína. idem
X
crescendo, interrogando, teimando. E quando as narinas
se lhe dilata-
vam ? Parecia-me ver o violento acordar do anjo bom,
indignado da
vitória do anjo mau, sempre de si contente na fecunda
terra de Jeová.
Os cabelos pretos e lisos apertavam-lhe o sombrio da
epiderme tri -
gueira. A clavícula, arqueada. No omoplata, o corpo
estreito quebra -
va-se numa curva para adiante. Os braços pendentes,
movimentados
pela dança dos dedos, semelhavam duas rabecas tocando
a alegoria
dos seus versos. O andar tergiversante, nada
aprumado, parecia re -
produzir o esvoaçar das imagens que lhe agitavam o
cérebro.9
XI
conclui que na época em que Augusto dos Anjos forjava os instrumentos
de sua expressão poética, o parnasianismo e o simbolismo eram as duas
tendências atuantes na poesia brasileira (em 1900, Faróis, de Cruz e
Souza e Poesias, de Alberto de Oliveira; em 1902, Poesias de Olavo
Bilac e Kyriale, de Alphonsus de Guimarães, em prosa Canaã, de Graça
Aranha e Os Sertões, de Euclides da Cunha; em 1905, Os Últimos
Sonetos, de Cruz e Souza; em 1906 as Poesias, de Raimundo Correia
e em 1908, Poemas e Canções, de Vicente de Carvalho). Apesar de
sofrer influência de ambas, não se filiou a nenhuma, o que segundo
Gullar, pode ser compreendido se observarmos a diferença radical entre
sua visão de mundo e a dos parnasianos e simbolistas.
Do parnasianismo, Gullar vê, em Augusto dos Anjos, o verso
conciso, o ritmo tenso e a tendência ao prosaico e ao filosofante; do
simbolismo, além do gosto por palavras-símbolo com maiúscula, o
recurso da aliteração e certos valores fonéticos e melódicos. A poesia de
Augusto dos Anjos nasce, portanto, não de uma assimilação crítica e de
uma superação das técnicas e valores poéticos, mas de uma conjunção
de fatores que o obrigam a romper com a linguagem poética em voga,
conclui Gullar.
Rilke nos diz que o verdadeiro artista traz dentro de si o
potencial inestinguível de onde brota a obra de arte, como a forma
suprema da mais autêntica criação. A realidade cotidiana, com suas
insignificâncias, seus eventos passageiros, não altera a capacidade
criadora do artista, pois seus olhos vêm além da superficialidade formal
das coisas. Augusto dos Anjos vai muito além, desce ao subterrâneo,
ali onde tudo se decompõe, onde os organismos apodrecem, onde
tememos sequer um olhar de soslaio, e de forma surpreendente nos
lembra a terrível sentença divina: do pó vieste e ao pó voltarás.
XII
BIBLIOGRAFIA
XIII