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A.1 ETHICS Portuguese 2020

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Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

Capítulo
INTRODUÇÃO A.1
ÉTICA
E
PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E DA
ADOLESCÊNCIA INTERNACIONAL
Adrian Sondheimer & Joseph M Rey

Tradutor: João Caseiro


Editores: Marta Queiros e Ricardo Krause

Hipócrates Recusa os Presentes de Artaxerxes I Adrian Sondheimer MD,


Anne Louis Girodet de Roucy-Trioson (1792) FAACAP
Divisão de Psiquiatria da
Infância e da Adolescência,
SUNY at Buffalo School of
Medicine, Buffalo, NY, USA.
Conflito de interesses: Nada a
declarar
Joseph M Rey MD, PhD,
FRANZCP
Professor de Psiquiatria, Notre
Dame University Medical
School Sydney; Honorary
Professor, University of Sydney
Medical School, Sydney,
Australia
Conflito de interesses: Nada a
declarar

Esta publicação é dirigida a profissionais em formação ou que exercem na área da saúde mental e não para o público em geral. As
opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as visões do Editor ou da IACAPAP. Esta
publicação procura descrever os melhores tratamentos e práticas baseadas na evidência científica disponível no momento em que foi
escrita e avaliada pelos autores, podendo mudar como resultado de novas pesquisas. Os leitores devem aplicar este conhecimento de
acordo com as diretrizes e as normas de orientação clínico do seu país. Algumas medicações podem não estar disponíveis em alguns
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são mencionados. Organizações, publicações e endereços eletrónicos são citados ou sugeridos para ilustrar conteúdos ou como uma fonte
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©IACAPAP 2020. Esta é uma publicação de livre-acesso sob a Creative Commons Attribution Non-commercial License. Uso,
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citado e que o uso seja não-comercial. Envie comentários sobre este livro ou capítulo para jmreyATbigpon.net.au
Citação sugerida: Sondheimer A, Rey JM. Ética e Psiquiatria da Infância e da Adolescência Internacional. In Rey JM, Martin A
(eds), IACAPAP e-Textbook of Child and Adolescent Mental Health (edição em Português; Dias Silva F, ed). Genebra: International
Association for Child and Adolescent Psychiatry and Allied Professions 2020.

Ética A.1 1
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

S
eguindo um enquadramento pensado e deliberado, o capítulo inicial do “Não vejo nenhum
primeiro livro de texto de saúde mental da infância e da adolescência da traço do propósito
IACAPAP centra-se na relação entre a ética e esta disciplina do conhecimento. moral na natureza. É
um artigo de fabrico
Apesar deste primeiro capítulo se focar nos médicos, a maior parte dos assuntos
exclusivamente
éticos discutidos também se aplica aos restantes profissionais de saúde mental (ex. humano, uma
psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas) que trabalham com crianças conquista nossa.”
e adolescentes. Se não for especificado de maneira diferente, “criança” refere-se Thomas Huxley
à pessoa com menos de 18 anos, “pai” refere-se aos seus progenitores e aos que
possuem o poder parental, “pedopsiquiatra” refere-se ao psiquiatra da infância e da
adolescência e “pedopsiquiatria” refere-se à disciplina da psiquiatria da infância e
da adolescência.
A pedopsiquiatria é uma subespecialidade da psiquiatria, sendo a psiquiatria
uma especialidade médica. A profissão médica é dirigida ao combate às maleitas do
corpo e da mente humana e procura atrair profissionais comprometidos com tal
causa. Se tomarmos por definição de ética a interrogação racional sobre a retidão
e a inadequação do comportamento humano (American Heritage New dictionary
of Culture Literacy, 2005) então a medicina é exemplar de entre as profissões, no
sentido em que a vocação e a dedicação beneficiam a condição humana, tanto do
ponto de vista individual como coletivo, já que ela é fundada e baseada na tentativa
de “fazer aquilo que está certo”. Assim tanto a profissão como os médicos baseiam-
se, à partida, numa perspetiva ética. Estas questões não podem ainda assim ser
abordadas numa ótica tão simplista. Na realidade, o estudo da ética tende a focar- Thomas Henry Huxley
(1825-1895) por Carlo
se nas complexidades da condição humana que, por definição e experiência, tende Pellegrini ("Ape") 1759-1840.
a ser cinzenta, complicada e a ter muitas áreas pantanosas. Raramente a inquisição Dibner Library, Smithsonian
ética é capaz de oferecer contrastes claros e dicotómicos. É esta última característica Institution.
que torna a avaliação das questões éticas tão interessante.
A psiquiatria, mais do que qualquer outra especialidade médica, tenta focar-se
tanto na mente como no corpo (Slavney, 1993). Idealmente a especialidade procura
integrar os dois, já que o funcionamento de ambos é mediado pelo cérebro. Assim,
uma perspetiva psiquiátrica abarca os processos cognitivos, afetivos, interpessoais
e comportamentais do utente enquadrando-os no seu contexto familiar, social,
cultural, económico, religioso, educacional e político. A pedopsiquiatria, uma
subespecialidade da psiquiatria geral, debruça-se sobre indivíduos com idades entre
a infância e a adolescência, com alguns clínicos a estenderem este leque até ao
adulto jovem. O desenvolvimento da criança implica crescimento e maturação em
diversas esferas que incluem o corpo, as cognições, os afetos, os comportamentos
e a capacidade de avaliar as situações. Como as crianças ainda não atingiram as
capacidades dos adultos em muitos destes domínios elas requerem proteção e
estímulo da parte dos seus tutores. Apesar dos pais desempenharem este papel, na
maior parte dos casos este também pode ser desempenhado por familiares, agências
governamentais, ou outros indivíduos a quem é confiado o papel de providenciar
ao jovem as condições para a sua maturação. Ao contrário dos psiquiatras gerais
que apenas trabalham com os seus utentes adultos, o pedopsiquiatra trabalha não
só com o jovem, mas também com os seus cuidadores, que muitas vezes fornecem
informação que a criança não quer ou não é capaz de dar. Trabalhar com duas
gerações e as suas interações levanta também os seus dilemas éticos já que o
terapeuta é muitas vezes testemunha dos seus conflitos.

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ÉTICA E O SEU CONTEXTO MAIS ABRANGENTE “Penso que devemos


sempre temperar as
nossas opiniões com
Teoricamente, as soluções para os dilemas éticos distinguir-se-iam de outras alguma dúvida. Não
respostas para estes problemas por duas características. Em primeiro lugar, as devo desejar que as
soluções deveriam ser universais, ou seja, independentes das circunstâncias em pessoas acreditem
dogmaticamente em
que surgissem, aplicáveis a qualquer contexto. Em segundo lugar, estas resoluções qualquer filosofia, nem
objetivas “universais” ultrapassariam as motivações pessoais e do grupo. sequer na minha”
Mas serão estas afirmações axiomáticas? Para chegar a uma resolução bem Bertrand Russell
fundamentada e justa, em contraste com uma judiciosa ou prudente, podemos
legitimamente ignorar o contexto, seja este político, económico, cultural ou religioso?
À primeira vista, parece improvável. Ao contrastar, por exemplo, o ambiente
onde os cidadãos das democracias tecnologicamente avançadas vivem com o das
autocracias totalitárias dominados pela guerra e pela pobreza, é difícil imaginar a
aplicação de um raciocínio ético idêntico e que chegue às mesmas conclusões. Para
adensar a confusão, existem ainda países onde há uma mistura destes elementos,
por exemplo, aqueles cujo desenvolvimento económico supera o das democracias
industrializadas, mas cuja arquitetura política é dominada por uma lógica de cima
para baixo. Há claros exemplos destes contrastes com os quais o pedopsiquiatra se
confronta e que servem para ilustrar a situação descrita: o luxo do dilema ético de
prescrever um medicamento de marca ou um genérico, quando as companhias de
seguros ou os protocolos aprovados pelo governo pressionam o pedopsiquiatra para
prescrever este último, contrasta com o desejo de um pedopsiquiatra de receitar um
Bertrand Russell (1872-
antidepressivo, qualquer um, num país que carece de muitas comodidades básicas. 1970)
Nomeadamente o fornecimento adequado de medicamentos psicotrópicos; a ética
envolvida na resistência à pressão subtil de um procurador para que um jovem
transgressor seja julgado num tribunal comum ao invés de um de família e menores,
quando comparada com ameaças, por parte das forças armadas de um governo,
de que o pedopsiquiatra perderá a sua fonte de sustento, ou pior, se se recusar a
internar para tratamento psiquiátrico um indivíduo mentalmente são que entrou
em conflituo com um funcionário público ou um oficial da polícia (LaFraniere &
Levin, 2010); a ética da prestação de cuidados a uma criança enlutada, rodeada de
entes queridos com recursos financeiros adequados, quando comparada com a da
prestação de cuidados a órfãos, cujos pais e familiares foram assassinados por uma
das fações de uma guerra, e que se encontra abrigado e a viver num dormitório para
jovens (Stover et al, 2007; Williamson et al, 1987).
Escrever sobre a ética da pedopsiquiatria com uma perspetiva internacional Poderá parecer que um
implica considerar um enorme leque de contextos administrativos, políticos, raciocínio idêntico deve
religiosos, culturais e económicos (Leckman & Levanthal, 2008). Será que estas ser utilizado em todos
os contextos. Contudo,
enormes diferenças implicam que o raciocínio ético deva ser feito de diferentes as circunstâncias devem
formas, consoante o contexto? Em teoria, a resposta é não. A mesma metodologia também ser consideradas,
de raciocínio deve ser utilizada independentemente do contexto. O contexto, ainda numa tentativa de chegar
às resoluções mais úteis,
assim, tem definitivamente de ser levado em conta quando se procura tomar as
e essas considerações
decisões mais úteis, e esta última consideração pode levar a que se tomem decisões podem dar lugar a escolhas
contrastantes em casos aparentemente semelhantes. finais contrastantes em
situações aparentemente
HISTÓRIA DA INFÂNCIA semelhantes

O desenvolvimento pleno das crianças é crucial para qualquer sociedade, já


que estas serão os adultos do futuro, aqueles de quem se espera que continuem as

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tradições e carreguem os seus valores. De acordo com as perspetivas dominantes


da história das sociedades ocidentais, após a infância, as crianças têm sido vistas “Ética é saber a
como pequenos adultos por milénios (Aries, 1962; DeMause, 1974). Elas eram diferença entre aquilo
a que se tem direito e
consideradas propriedade dos seus pais que tinham direito ao produto do seu aquilo que é correto.”
trabalho, como contrapartida da comida e abrigo que lhes era oferecido. As primeiras
ideias da necessidade de uma educação, para além da aprendizagem vocacional, Potter Stewart
começam a ganhar relevância durante o século XVII. A par deste desenvolvimento,
surgem também as primeiras conceptualizações da infância como uma fase do
desenvolvimento humano separada da adultícia. Nos últimos 100 anos, a conceção
da infância como um estádio único do desenvolvimento tem progredido a ritmo
acelerado. Neste período surgiram leis que tornaram a escolaridade obrigatória,
contra o trabalho infantil, que facilitaram e apoiaram o funcionamento e a saúde das
famílias, que criaram um sistema de justiça juvenil com uma abordagem específica,
e o relato de situações de abuso e/ou negligência de menores às autoridades tornou-
se obrigatório (Enzer,1985; Graham, 1999). À medida que os governos se foram
Potter Stewart (1915-1985)
responsabilizando pelo bem-estar das crianças, a profissão médica também foi antigo Juiz do Supremo
evoluindo. A pediatria surgiu como especialidade no final da primeira década do Tribunal de Justiça Norte-
século XIX. A pedopsiquiatria, enquanto subespecialidade da psiquiatria começa Americano
a aparecer nas décadas de 30 e 40 do século XX. Nos Estados Unidos a American
Academy of Child Psychiatry é fundada em 1953. No último meio século, a própria
infância tem sido subdividida, expandindo-se o seu alcance de forma a abarcar os
diferentes estádios da infância: lactância, pré-escolar, escolar e adolescência (esta
última subdividida em inicial, média e tardia). Assim, a conceção da infância foi
evoluindo ao longo do tempo a partir de um conceito largamente indiferenciado
até ao atual, onde existe uma diferenciação substancial, distinguindo-se faixas
etárias estreitas que incorporam necessidades e capacidades específicas. Embora
todas estas faixas tenham em comum a necessidade de cuidado por parte de um
adulto, as suas especificidades, como veremos posteriormente, têm frequentemente
um papel muito relevante nas considerações éticas.

PROFISSIONALISMO E CRIANÇAS
A ética médica é uma parte muito substancial do profissionalismo médico.
O conceito de profissionalismo estende-se para lá dos assuntos que afetam
diretamente os cuidados prestados, e refere-se ao comportamento geral do médico
(Gabbard et al, 2011; Wynia et al, 1999). Quando o comportamento do médico
afeta os cuidados de saúde prestados ao utente, direta ou indiretamente, as fronteiras
entre a ética e o profissionalismo podem tornar-se algo nebulosas. Consideremos
a pedopsiquiatria de forma abrangente, o pedopsiquiatra pode ter-se sentido
atraído para o seu trabalho com crianças por sentir que estas são vulneráveis, o
que despertou o seu desejo latente por cuidar, proteger e educar. Se por um lado
estes fatores podem beneficiar o jovem, facilitando a relação médico-utente, por
outro podem surgir também daqui alguns riscos. Por exemplo, os clínicos podem
sentir-se física ou emocionalmente atraídos pelos tutores dos utentes, ou até pelos
próprios; podem sentir necessidades de favorecer determinados utentes ou suas
famílias, ou solicitar-lhes apoio financeiro para financiar determinado projeto.
Enquanto tais pensamentos e fantasias devem ser entendidas e enquadradas no
contexto da prática clínica, agir em função delas de uma forma que seja deletéria
para o utente é pouco profissional. Em contraste, e como princípio cardinal da
prática clínica ética, a segurança, bem-estar e os interesses das crianças devem ser

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a principal preocupação do clínico. Tais princípios implicam que o pedopsiquiatra


não deve em nenhuma circunstância explorar um paciente menor ou a sua família,
violando as fronteiras do que é considerado profissional. Estas fronteiras são tanto
literais como figurativas e existem para prevenir tais comportamentos (Gabbard &
Nadelson, 1995; Schetky, 1995). Ao invés, a criança e o seu tutor devem poder
tomar por certo que o pedopsiquiatra terá uma conduta honesta e transparente,
pautada pela integridade e pela fidelidade.

CÓDIGOS DE ÉTICA
Ao longo dos milénios as sociedades humanas foram designando alguns dos
seus cidadãos como curandeiros. Nos últimos tempos estes indivíduos receberam
o título de médicos. Estes médicos, habitantes de sociedade desiguais, localizadas
em países dispersos pelo globo, criaram inúmeros códigos de ética para guiar o
seu comportamento profissional. A grande maioria destes códigos, não obstante
emanarem de sociedades com diferentes etnicidades, religiões, ou localização
geográfica, partilhavam o foco e as preocupações. Os princípios que se seguem são
referidos na maior parte destes códigos:
• Primado do respeito pela vida humana
• O bem-estar do doente é responsabilidade do médico
• Compromisso com o auxílio ou, pelo menos, com a não maleficência
• Enfase na virtude e no dever
A atenção é também dirigida aos seguintes temas específicos:
• Igualdade no tratamento, independentemente da disponibilidade
financeira do utente
• Expectativa de que os honorários sejam apropriados
• Uso de métodos legítimos no diagnóstico, incluindo a observação e
raciocínio clínico
• Consideração sobre como e quando tratar; se optar pelo tratamento,
utilizar terapias legítimas
• Natureza confidencial da relação médico-utente
• Proibição de relações sexuais entre médico e utente
• Imposição de castigo ou sanção na eventualidade de se verificar inépcia
técnica ou violação do código.

Códigos internacionais, adotados formalmente por organizações médicas,


surgiram inicialmente no século XX. A World Medical Association’s International
Code of Medical Ethics, redigida em 1949 e revista pela última vez em 2006,
releva os principais deveres dos médicos, bem como as suas responsabilidades
para com os utentes e os pares (World Medical Association, 2006). Este coloca
a enfase na necessidade do clínico ser competente, honesto, dedicado, integro,
do evitamento do viés ou da exploração, do respeito pela confidencialidade, da
colaboração e, curiosamente, da obrigação do clínico obter cuidados de saúde
para si na eventualidade de apresentar doença física ou mental. Um pensamento
semelhante levou ao estabelecimento de vários códigos psiquiátricos e declarações a
uma escala internacional. A World Psychiatric Association’s Declaration of Madrid
(1996), baseada na Declaração do Havaí (1977) e na Declaração de Viena (1983),
estabeleceu um padrão ético internacional e as linhas orientadoras para a prática

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O Juramento de Hipócrates é um juramento realizado


classicamente por médicos e outros profissionais de que
praticarão a medicina de forma ética. É crença geral que este
foi escrito pelo próprio Hipócrates ou por um dos seus alunos
Um manuscrito Bizantino do Juramento do século XII (Wikimedia
Commons)

clínica psiquiátrica (World Psychiatry Association, 1996). Para além da discussão


de elementos fundamentais como as responsabilidades do clínico para com o
utente, a necessidade de atualização científica permanente, a proteção dos utentes
nos ensaios clínicos, a confidencialidade, e a manutenção dos limites profissionais,
há uma especial atenção para a proibição da participação em ações como a tortura,
pena de morte, seleção de género, e procedimentos discriminatórios baseados
na etnicidade ou cultura. É ainda feita referência à necessidade de evitar os
conflitos de interesse, tenham estes por base interesses políticos ou industriais,
e à expectativa de que os tratamentos têm de se basear em diagnósticos válidos,
e ser administrados após o paciente receber toda a informação pertinente e dar
o seu livre consentimento. Em 1989 a Convenção dos Direitos da Criança das
Nações Unidas, com o apoio dos estados membros, estabeleceu que as crianças
tinham direito à vida, ao desenvolvimento, à proteção e a participação, incluindo
o direito a expressar as suas opiniões de forma livre, a uma defesa proporcional e a
viver com as suas famílias (United Nations, Centre for Human Rights, 1990) (Ver
capítulo J.7). A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência das Nações
Unidas (2006) enfatiza que o respeito e a dignidade têm de ser garantidos a todos
os indivíduos portadores de deficiência independentemente da idade, incluído
crianças e abarcando a criança com doença psiquiátrica, entre muitas outras (United
Nations, 2007; Stein et al, 2009). O documento releva a não discriminação e o
acesso em condições iguais à saúde, enfatizando o direito de todos os indivíduos
portadores de deficiência a uma igual inclusão em todos os aspetos da vida e das
suas liberdades fundamentais. Apesar do âmbito global destas declarações, é obvio
que a sua implementação varia enormemente entre os países signatários. Esta
situação seria expectável, dado os diferentes sistemas de governo das nações em

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causa. Apesar disto é reconfortante perceber que há um impulso ético global no


sentido de haver uma maior proteção das crianças e dos portadores de deficiência
e uma maior consciência de quais são as forças que promovem ou impedem a sua
implementação. Em 2006, a International Association for Child and Adolescent
Psychiatry and Allied Professions (IACAPAP) estabeleceu um conjunto de linhas
orientadoras e de princípios para os clínicos no documento Ethics in Child and
Adolescent Mental Health, que por sua vez foi derivado da resolução da IACAPAP
“Assuring Mental Health for Children”, promulgada em 1992 e revista em 1996
(IACAPAP, 2006). O documento da IACAPAP elenca princípios éticos básicos;
aborda os direitos tanto das crianças como dos seus pais/cuidadores; revê os
consentimentos; e trata tópicos como a confidencialidade, exploração potencial,
relações sexuais, honestidade, tratamento involuntário, presentes dos pacientes e
da indústria, apresentação de casos clínicos em publicações e reuniões científicas,
ética na investigação, colaboração multidisciplinar, e as orientações da organização
para aceitar financiamento.
O esforço inicial e as revisões subsequentes das várias declarações e orientações
são o resultado das circunstâncias e influências que se foram alterando ao longo
do tempo. A American Academy of Child and Adolescent Psychiatry’s (AACAP)
Code of Ethics pode servir como exemplo. Promulgada inicialmente em 1980,
sofreu alterações ligeiras em 2007 e profundas em 2009. Este código foi refletindo
a evolução no conhecimento médico, nos tipos de prática médica, nos modelos de
pagamento, na compreensão das dinâmicas psicológicas e das práticas das indústrias
farmacêuticas que evoluíram ao longo destas três décadas (American Academy of
Child and Adolescent Psychiatry, 2009). A revisão mais recente abordou de forma
direta e compreensiva os assuntos relativos à influência de terceiros, a expectativa
da publicação de todos os estudos – positivos e negativos, conflito de interesses,
envolvimento romântico ou sexual com utentes e familiares, riscos da investigação
com crianças, autoengrandecimento dos clínicos, e as espectativas de que os clínicos
conheçam as leis que se encontram na jurisdição da profissão, bem como as tensões
que possam existir entre a lei e as considerações éticas. Como Beauchamp (2009)
refere “a lei não é o repositório do nosso padrão moral e dos nossos valores”. Por
contraste, os códigos de ética são diretivas para o comportamento profissional e
diferem das leis por permitirem uma maior flexibilidade e escolha ao nível das
ações. Os códigos contêm os padrões da conduta profissional e o código atual da
AACAP é um exemplo ao nível da clareza, já que indica os comportamentos que
são preferíveis. Para o clínico que tem dúvidas acerca das motivações, tendências
ou condutas, próprias ou de um outro profissional, o aconselhamento com colegas
e o recurso às orientações de um código são muito provavelmente as mais úteis e
potencialmente esclarecedoras das opções.

CRIANÇAS, ÉTICA E PRINCÍPIOS ÉTICOS


As diferenças entre crianças e adultos são facilmente discerníveis. As
crianças são geralmente mais pequenas, têm uma menor compreensão da história
e dos eventos externos, estão a atravessar um processo contínuo de rápido
desenvolvimento e maturação, e requerem proteção e cuidados por parte de outrem.
As crianças não são, ainda assim, um grupo homogéneo – por exemplo, o lactante
e o adolescente são muito diferentes um do outro em várias das esferas acima
referidas, não obstante partilharem estas diferenças em relação ao adulto. Como
consequência da dependência que estes apresentam do adulto, normalmente a lei

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refere-se a estes como menores. Assim, decisões importantes, por exemplo onde e
com quem vivem, por onde podem andar ou se podem viajar, as escolas e igrejas
que frequentam, o acesso aos cuidados de saúde, estão nas mãos dos seus pais/
tutores. Em países dotados de sistemas de justiça eficazes o estado tem o direito
de intervir na tomada destas decisões apenas quando os pais não são capazes
de satisfazer as necessidades básicas das crianças, por exemplo comida, abrigo e
educação, ou são abusivos para com os jovens a seu cargo. Estas leis aparentemente
evidentes e geralmente aceites baseiam-se no entendimento ético combinado com
o conhecimento sobre o desenvolvimento infantil. Apesar de várias correntes do
pensamento moral concorrerem pela supremacia (Bloch, 2007), há vários princípios
fundamentais que norteiam a ética do trabalho com crianças. Assim, é esperado
que o clínico trabalhe no sentido de conseguir o melhor resultado possível para
a criança (beneficência), que evite práticas que possam causar mal à criança (não
maleficência), que respeite as escolhas e desejos individuais do utente (autonomia)
e que trate todos os utentes de forma justa, igual e fiel (justiça). Esta mesma
estrutura ética é aplicável às abordagens de natureza administrativa criadas com o
objetivo de providenciarem cuidados e proteção a um grupo significativo de jovens
(Sondheimer, 2010). Por exemplo, quando se planeiam e implementam medidas
para melhorar a abordagem à saúde mental nas escolas (Bostic & Bagnell, 2001;
Brener et al, 2007), ou programas inovadores para jovens com comportamentos
desviantes (Holden et al, 2003), é razoável que se espere que as autoridades
organizem a sua intervenção de uma forma que beneficie as crianças, que não as
magoe, que as faça sentir respeitadas, e que essa ajuda e proteção seja prestada de
forma equalitária.

Estas abordagens procuram a situação ideal, e algumas situações clínicas


ou condicionantes administrativas podem ser imediatamente catalogadas como
escolhas claramente certas ou erradas. No entanto, a realidade é frequentemente
cinzenta. A observação da criança num contínuo de maturação é uma boa
Frequentemente,
ilustração desta situação. Assim, o que pode ser benéfico para um adolescente de os princípios éticos
16 anos (por exemplo, respeitar o direito à autonomia na recusa do tratamento) empregues na procura de
pode não ajudar uma criança de 7 anos. Outros dilemas cinzentos são também respostas para questões
frequentes. Por exemplo, quando a perspetiva da criança e do tutor é diferente, clínicas ou administrativas
entram em conflito entre
a qual delas deve o pedopsiquiatra prestar deferência, não ignorando ainda assim si, sendo necessário uma
as preocupações do outro? Quando um grupo (por exemplo, a família) tem uma aproximação racional para
visão sobre uma questão, partilhada pela maioria dos seus membros, deve a visão se chegar à solução de
compromisso desejável.
da minoria (frequentemente a da criança) ser respeitada, e como? Quando deve
o pedopsiquiatra prestar atenção às necessidades individuais de um utente num
contexto de recursos limitados se, de uma perspetiva de saúde pública, o foco do seu
esforço na comunidade beneficiar um maior número de utentes? Frequentemente,
os princípios éticos empregues na procura de respostas para questões clínicas ou
administrativas entram em conflito entre si, sendo necessário uma aproximação
racional para se chegar à solução de compromisso desejável. De salientar que este
processo nunca deve implicar um resultado final predefinido.

RACIOCÍNIO ÉTICO
Por norma os clínicos trabalham com os utentes sem parar para questionar
as bases éticas das suas ações. O pedopsiquiatra médio é consciencioso, recebeu
formação adequada e, ao longo do tempo, adquiriu experiência clínica, o que

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o torna capaz de prestar bons cuidados de uma forma rotineira. Por vezes, o
pedopsiquiatra é confrontado com situações confusas ou inquietantes que o fazem
sentir desconfortável e sem certeza sobre qual será a melhor forma de proceder
(Sondheimer, 2011). A hesitação ou desconforto do pedopsiquiatra pode dever-se,
por exemplo, a um pedido dos pais para que realize um despiste de tóxicos na urina
do seu filho adolescente estipulando que este não deve ser informado da finalidade
da análise; as verbalizações ambíguas de auto-dano de um adolescente que deixam
o pedopsiquiatra inseguro em relação à segurança do utente; a requisição inocente
e apropriada de informação sobre um utente de um organismo do estado que,
se divulgada, pode ser injuriosa para o utente. Quando o pedopsiquiatra se foca
conscientemente, e não ignora, o seu desconforto, pode utilizar esta sensação
incómoda como um sinal relevante para perceber que está na presença de um
dilema ético, no qual é necessário clareza e discernimento de pensamento.
O processo de raciocínio ético segue um padrão consistente. Sendo a ética
“a procura de uma reflexão disciplinada sobre a intuição e as escolhas morais”
(Veatch, 1989), o passo mais importante do processo é, muito provavelmente,
o reconhecimento de que se está na presença de um conflito ético e de que este
necessita de uma resposta. Geralmente, este reconhecimento pelo pedopsiquiatra
segue-se, quase instantaneamente, a uma resposta afetiva de desconforto ou
apreensão, ela própria seguida por um fugaz desejo de fuga do problema ou de
passar a responsabilidade de encontrar uma solução a um colega. Esta resposta deve-
se a perceção de que nenhuma das respostas possíveis se destaca como obviamente
superior, e de que todas as opções têm problemas inerentes. Assim que a resposta
“imatura” passa, torna-se incumbência do pedopsiquiatra analisar o problema
de forma racional. Aqui há várias abordagens úteis. Em situações, que não as O processo de raciocínio
extremas que pedem uma resposta imediata, o pedopsiquiatra deve contemporizar ético segue um
e colocar questões, obter informação, e atrasar uma tomada de decisão definitiva. padrão consistente A
resolução tende a ser a
O pedopsiquiatra deve refletir sobre os valores pessoais que está a utilizar no menos prejudicial, não
processo de raciocínio. O autoquestionamento pode conduzir ao reconhecimento necessariamente a que
da relevância do crescimento, educação e experiências não profissionais do clínico, aparentemente ser a ótima
para o bem ou para o mal, nas suas considerações sobre o dilema. A partilha
do problema com um colega pode também ser útil. Se uma problemática pode
ser nova para um pedopsiquiatra, é provável que um colega, ou até a literatura
profissional, já se tenham deparado com a mesma. Mais, pode ser útil incluir o
utente e outros intervenientes relevantes na discussão do conflito ético, de forma
a que estes também sejam responsáveis pelo resultado. Por fim, depois de utilizar
a estratégia referida, o pedopsiquiatra pode considerar as escolhas relevantes e as
suas possíveis consequências, e fazer uma análise de risco-benefício. Os quatro
princípios éticos principais anteriormente mencionados, e as orientações clínicas
fornecidas pelos códigos de ética das organizações nacionais e internacionais de
pedopsiquiatria, podem ajudar na escolha da ação a tomar. Esta resolução tende a
ser a menos prejudicial, e não necessariamente a aparentemente ótima.

SEGURANÇA
Primum non nocere – primeiro não prejudicar, é o princípio cardinal da
prática médica (Smith, 2005). A sua tradução na prática psiquiátrica passa pelo
reconhecimento de que a segurança da criança (utente) deve ser a preocupação
primordial do clínico. Por exemplo, a criança deprimida com comportamentos

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suicidários recentes, cuja ideação de auto-dano permanece irrebatível, é melhor


cuidada numa instituição psiquiátrica que providencie supervisão constante
e apertada, isto apesar dos constrangimentos reais e implícitos à autonomia e
liberdade de movimento do jovem. Uma outra criança, que está deprimida,
mas não apresenta ideação suicida, beneficiaria mais de seguimento em consulta
externa, continuando a viver na sua casa com a sua família. Em ambas as situações
a segurança deve ser a principal preocupação, ainda assim os potenciais de ameaça
são diferentes, o que leva a que os cuidados sejam prestados com configurações
distintas. É importante acrescentar que uma prática pedopsiquiátrica ética requer
que o clínico esteja completamente ciente da proteção legal existente para as
crianças sobre a sua jurisdição, de forma a que os constrangimentos aos direitos da
criança sejam sempre os mínimos necessários.

CONTEXTO – CULTURA, HISTÓRIA E ECONOMIA


O contexto pode ser muito relevante ao nível das considerações éticas já
que diferentes culturas podem interpretar comportamentos semelhantes de forma
distinta. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o adulto que apresente
um discurso incoerente de difícil compreensão no seu lar de classe média, e que
apresentou episódios similares no passado que resultaram no seu internamentos
na psiquiatria, será muito provavelmente hospitalizado a pedido da sua família;
alguém da mesma idade, com comportamentos semelhantes, num contexto rural
e com uma igreja fundamentalista, poderá receber respostas solícitas e de suporte
da parte dos outros fieis. Analogamente, a criança que disputa verbalmente a
assunção provocadora de um professor, numa escola dita progressista, localizada
numa sociedade industrializada, pode receber aplausos pelo seu comportamento.
Por contraste, o estudante que vive num inserido num sistema tribal tradicional
que desafie os mais velhos ao exigir que as raparigas também possam frequentar
a escola, pode ser visto como inconveniente, indisciplinado ou espiritualmente
perdido (Robertson et al, 2004). Estes exemplos mostram que é uma incumbência
ética do pedopsiquiatra conhecer o contexto, ser “culturalmente competente”
(Bass et all, 2007; DeJong & Van Ommeren, 2005; Kirmayer & Minas, 2000)
nas suas considerações clínicas. A disponibilidade de recursos pode ter um papel
semelhante. Por exemplo, onde os recursos são limitados, a institucionalização de
uma jovem com dano cerebral pode ser considerada uma benesse, mesmo que o
apoio se cinja à institucionalização. Num ambiente de maior desenvolvimento, por
contraste, esta criança poderia usufruir de um conjunto de recursos educacionais,
recreativos e de estímulo interpessoal sem ter de deixar a casa da família. Em cada
um dos casos, a intervenção eticamente ótima está acessível, é a disponibilidade de
recursos que dita a escolha.
O conhecimento da história da psiquiatria é um outro fator importante
fator ao nível das deliberações éticas. Nos últimos mais de 100 anos vários
movimentos psiquiátricos de larga escala foram surgindo. Em momentos distintos,
a teoria psicanalítica, as terapias somáticas (ex. eletroconvulsivoterapia, choque
insulínico, psicocirurgia), farmacoterapia, terapias comunitárias, teoria dos
sistemas, institucionalização, desinstitucionalização, e as terapias atualmente
mais proeminentes (ex. grupal, familiar, cognitivo-comportamental, grito primal,

Ética A.1 10
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

milieu) disputaram a visibilidade e a primazia sobre as restantes. Frequentemente,


a integração de várias destas modalidades em simultâneo provou ser mais
eficiente (The MTA Cooperative Group, 1999; March et al, 2004) que a adesão
a uma única terapia. O desenvolvimento científico da psiquiatria da infância
e da adolescência levou a que atualmente exista um maior foco nas influências
moleculares e na natureza da sua interação com o ambiente (Rutter, 2010). As
economias das nações também se alteraram. O financiamento público e privado
dos cuidados de saúde, incluindo os seguros de saúde e o suporte de clínicas e
programas financiados por ambos os setores, têm variado ao longo do tempo,
dentro e além-fronteiras. Estas alterações afetam constantemente a disponibilidade
de recursos para as necessidades psiquiátricas dos menores, afetando desta forma as
considerações éticas. As mudanças da economia, súbitas ou graduais, não alteram
os fundamentos do raciocínio ético, ainda assim têm impacto na abrangência e
âmbito das considerações e escolhas clínicas ao dispor do pedopsiquiatra.

ÉTICA – O GLOBAL E O PARTICULAR


É comum que a discussão de dilemas éticos se foque em situações que o
clínico encontra enquanto presta cuidados a um indivíduo menor e/ou à sua família.
Para o clínico, é mais fácil concentrar-se e conceptualizar um caso de cada vez. A
aplicação do raciocínio ético abrange, no entanto, o universal, e as considerações
em relação à criança devem ser inicialmente generalistas. Os estudos feitos em
vários países indicam que a prevalência de doença mental entre a população
infantil é de 5 a 20% (Giel et al, 1981; Malhotra, 1995, Patel et al, 2007). Um
elevado número de crianças vivem como deslocados ou refugiados (Forbes, 1992),
são sem-abrigo (Raffaelli & Larson, 1999), ficaram órfãos devido à morte dos
pais por síndrome da imunodeficiência adquirida (UNICEF, 2000), e são vítimas
de abuso físico ou sexual. Quando são realizados estudos epidemiológicos bem
estruturados, um número elevado destas crianças apresenta sintomas relacionados
com o stress, depressivos e de ansiedade. A maior parte destas crianças vive em
países pobres com poucos profissionais de saúde mental. Mas para além de suprir
as necessidades destas crianças ao nível da alimentação, poder-se-ia dizer que, de
uma perspetiva ética, a capacitação dos educadores e dos prestadores de cuidados
de saúde primários ao nível da saúde mental e da preparação para a vida adulta por
parte dos profissionais de saúde mental, seria o enfoque que mais benefícios traria
às crianças e às suas mães que muitas vezes também estão deprimidas.
É em países com poucos recursos que as necessidades são maiores. Ainda
assim, a maior parte dos pedopsiquiatras mundiais estão concentrados em países
ricos. Os dilemas éticos com que estes mais frequentemente se confrontam surgem
no contexto de utentes individuais, isto apesar dos dilemas em si serem universais e
transcenderem as fronteiras. Questões como a avaliação, diagnóstico e tratamento;
aprovação/consentimento/divergência; conflitos pais-crianças; confidencialidade;
agência; responsabilidade médica; fronteiras; advocacia; estão entre as várias que
merecem ser examinadas.

AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
Antes do lançamento da terceira edição do Manual de Diagnóstico e
Estatística das Perturbações Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria
em 1980, os diagnósticos psiquiátricos nos EUA eram muitas vezes baseados em

Ética A.1 11
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

reflexões psicanalíticas que atribuíam a etiologia das perturbações à existência de


alterações nos processos intrapsíquicos do inconsciente. Como estes diagnósticos
eram baseados em construtos teóricos e não em fenómenos consensualmente
observados, os diagnósticos feitos pelos clínicos eram frequentemente uma
área de conflito. Além disso, o próprio conceito de “perturbação”, na ausência
de testes biológicos que pudessem confirmar o diagnóstico (contrastado por
exemplo, com os níveis elevados de glicose associados à diabetes mellitus; elevação
das troponinas, enzimas cardíacas e traçados específicos do ECG associados ao
enfarte agudo do miocárdio), levantou a preocupação dos observadores externos.
Por exemplo, o comportamento disruptivo de uma criança pode ser visto por
diferentes examinadores como uma variante do normal, como um sintoma de uma
perturbação de oposição ou da conduta ou como uma reação em resposta a um
fator de stress. Mesmo com critérios diagnósticos bem delineados, é concebível
a existência de não concordância diagnóstica entre médicos conscienciosos,
levantando questões sobre os fundamentos do processo diagnóstico e as
definições precisas de “doença” (Pies, 2007). A falta de confiança nos diagnósticos
psiquiátricos e a baixa concordância diagnóstica antes dos anos 80, associada aos
medos de “rotulagem” e ao estigma prevalente em relação à doença mental, levou ao
surgimento de um número considerável de proponentes do niilismo diagnóstico.
Além disso, a tomada de consciência do uso indevido de diagnósticos psiquiátricos
para fins políticos (por exemplo, a criação e uso na antiga União Soviética do novo
diagnóstico de “esquizofrenia progressiva” a fim de hospitalizar à força e tratar os
opositores políticos do regime contra a sua vontade) relevou, à escala internacional,
a necessidade de um consenso diagnóstico rigoroso (Wilkinson, 1986).
Nos últimos 30 anos, tem-se assistido a um consenso entre os investigadores
no campo da psiquiatria em relação ao uso de abordagens mais rigorosas no
agrupamento dos fenómenos observados. Estas conduziram ao estabelecimento
de categorias diagnósticas mais bem definidas. A colaboração entre os clínicos que
produziram as edições da Classificação Internacional de Doenças (CID) e dos
DSM subsequentes tem sido a regra, o que resultou numa razoável compatibilidade
entre estas duas versões “oficiais” dos diagnósticos psiquiátricos (Sartorius et al, O pedopsiquiatra deve
1993). Assim, o processo diagnóstico sofreu uma transformação que permitiu estar ciente dos vários
a colaboração em estudos internacionais para que se pudesse assumir de uma fatores que podem ser
relevantes no processo
forma mais confiável que os participantes que não os do país de origem do estudo
diagnóstico, estando
satisfaziam os critérios de inclusão e de exclusão. Ainda assim, é necessário ter também consciente de que
cuidado com uma possível sensibilidade insuficiente para as variáveis relacionadas o seu trabalho terá impacto
com a cultura (Belfer & Eisenbruch, 2007; Van Ommeren, 2003). significativo tanto no curto,
como possivelmente no
Critérios diagnósticos rigorosos permitem o desenvolvimento de tratamentos longo para o seu utente
dirigidos a diagnósticos específicos. Quando utilizado desta forma – para o bem criança.
do utente – o processo diagnóstico satisfaz de uma forma clara o princípio ético
cardinal. Ainda assim, o problema potencial do “rótulo” e do estigma permanece
como um potencial malefício para a criança (Pescosolido et al, 2007). O clínico
tem pouco controlo ou influência na forma como as pessoas, para lá da família
imediata, podem utilizar a informação. Particularmente na era atual, da transmissão
eletrónica de diagnósticos, estes podem ficar associados a um indivíduo para
“todo o sempre”, e as sociedades menos sofisticadas podem tornar-se temerosas
e desvalorizar a criança a quem foi associado um diagnóstico psiquiátrico. No
final, é responsabilidade do pedopsiquiatra fornecer uma avaliação e diagnóstico

Ética A.1 12
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

Quando Rebecca Riley faleceu em dezembro de


2006, os pediatras e psiquiatras Norte Americanos e
mundiais já debatiam se as crianças de idade pré-
escolar, como a criança de 4 anos de Hull, poderiam
ser diagnosticados com doença bipolar e perturbação
de hiperatividade e défice de atenção (Lambert, 2010).
Num acordo judicial o centro médico concordou em
pagar 2,5 milhões de dólares ao estado de origem
da Rebecca de 4 anos, que faleceu de overdose
de medicamentos que foram uns prescritos por um
psiquiatra e outros dados sem receita médica (Baker,
2011).
“Riley… era excecionalmente nova quando foi
diagnosticada [com doença bipolar], tinha apenas 2 anos e meio.” Foi prescrito a Rebecca
um antipsicótico, um medicamento utilizado no tratamento de doença bipolar em adultos,
e um medicamento para o controlo da tensão arterial, utilizado por vezes para ajudar
crianças hiperativas a dormir. “A controvérsia psiquiátrica debruça-se sobre o diagnóstico
de crianças antes dos 13 anos. Não há nenhum estudo científico sobre o diagnóstico de
crianças com menos de 6 anos” (Goldberg, 2007).


correto com o intuito de melhorar a situação do utente; utilizar procedimentos
que salvaguardem a confidencialidade dos registos clínicos; e contribuir para a
educação da sociedade local no que respeita à prevalência da perturbação mental,
exatidão diagnóstica, eficácia do tratamento, e da necessidade de suporte tanto da
família como da comunidade (Rosen et al, 2000; Thara et al, 2001).
Nos últimos anos verificou-se nos Estados Unidos da América um brutal
aumento na incidência de perturbação do espetro do autismo e bipolar nas
crianças. Apesar de parecer, em ambos os casos, que este aumento se deve a uma
combinação de um maior escrutínio e a uma definição diagnóstica mais alargada
destas perturbações, estes desenvolvimentos mostram que o progresso científico
não ocorre sem luta, controvérsia, conflitos e erros (Angell, 2011; Carey, 2007;
Kim et al, 2011; Moreno et al, 2007). No decorrer da revisão das definições
propostas, algumas crianças podem receber um diagnóstico errado enquanto outras
podem, de facto, beneficiar de critérios alargados. Para além disto, uma maior
consciencialização em relação ao diagnóstico de perturbação de hiperatividade e
défice de atenção e doença bipolar no domínio internacional pode estar relacionada
com o aumento da educação profissional e da sensibilização dos clínicos para
estas perturbações, promovido, em parte, por companhias farmacêuticas. Os seus
esforços podem ter por motivação o desejo de trazer benefícios a um número
substancial de crianças afetadas mas não diagnosticadas; mas o ganho financeiro
com o marketing dos medicamentos em mercados novos e emergentes, é também
um fator pertinente. No fim de contas, é uma incumbência do pedopsiquiatra
realizar a tarefa diagnóstica de forma cuidadosa e precisa. Este deve ter consciência
das várias influências que podem ser relevantes no processo diagnóstico, estando
também ciente que o seu trabalho terá impacto significativo tanto no curto, como
possivelmente no longo prazo, para o seu utente.

TRATAMENTO – SOMÁTICO E PSICOLÓGICO


O tratamento individual da criança, quando indicado, deve ocorrer após um
processo diagnóstico adequado. Colocando as ações preventivas por agora de parte,

Ética A.1 13
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

o conhecimento psiquiátrico é limitado ao uso de terapias somáticas ou psicológicas


ou, idealmente, a ambas. A provisão de tratamento é ainda assim frequentemente
condicionada pelo local, cultura, recursos disponíveis e conhecimento do clínico. É
incumbência do clínico conhecer os recursos disponíveis, o grau de flexibilidade ou
rigidez cognitiva dos indivíduos em tratamento, o malefício que pode ser causado à
criança se não for tratada, e as limitações do seu próprio conhecimento. O último
destes fatores é mais facilmente ultrapassado através de consulta da literatura e
colaboração com pares.

A medicina baseada na evidência deve ser a base dos tratamentos prescritos,


ainda assim, devido à falta de estudos compreensivo com crianças, tem um
alcance limitado. Os estudos mostram que uma certa classe de fármacos é útil
para uma perturbação específica – por exemplo: os estimulantes na perturbação
de hiperatividade e défice de atenção; os estabilizadores de humor na doença
bipolar; os inibidores seletivos da recaptação da serotonina na depressão major e na
perturbação obsessivo-compulsiva. Estas combinações também são verdade para
algumas psicoterapias, por exemplo psicoterapia cognitivo-comportamental para
perturbações fóbicas; internamento psiquiátrico milieu para comportamentos e
ideações suicidas graves. Ainda assim, uma mistura de tratamentos é a norma nas
intervenções psicoterapêuticas. Um estudo recente sobre o diagnóstico e tratamento
da perturbação de hiperatividade e défice de atenção em três países ricos é um
bom exemplo, já que encontrou grandes diferenças entre as nações ao nível da
incidência, opiniões sobre a gravidade da perturbação, e abordagens terapêuticas
(Hinshaw et al, 2011). Outros estudos produziram evidencia significativa de que o
uso de medicação psicotrópica e psicoterapia em conjunto e em tandem, quando
comparado com apenas um ou outro, traz um maior benefício ao utente. No
entanto, a possibilidade de proporcionar ambos está dependente da disponibilidade
de recursos e de pessoal (The MTA Cooperative Group, 1999; March et al, 2004).

Não raramente, preocupações éticas em relação aos tratamentos somáticos


ou mediados pela palavra são apresentadas como se os dilemas éticos fossem
diferentes. Na verdade, preocupações semelhantes aplicam-se a ambos. Ambos
têm o potencial de produzir benefício ou prejuízo; uma análise de risco/
benefício deve preceder a escolha de qualquer um deles ou ambos; o potencial
para engrandecimento desnecessário do terapeuta é inerente a ambos; a prestação
incorreta de ou outro pode facilmente prejudicar o utente. A medicação psicotrópica,
a electroconvulsivoterapia e as medicinas complementares ou “naturais” podem
todas afetar diretamente a estrutura do cérebro em desenvolvimento, os complexos
dos recetores de neurotransmissores, e outros sistemas de órgãos do corpo. Os
efeitos secundários potenciais mais imediatos são conhecidos, já no que diz
respeito aos de longo prazo é ainda pouco claro. De um modo semelhante, uma
psicoterapia benéfica ou inadequada é mais provável que apresente respetivamente
efeitos positivos ou negativos óbvios no curto-prazo. No longo-prazo os efeitos no
funcionamento psicológico, através da incorporação cognitiva da experiência, são
difíceis de determinar.

A prescrição off-label de medicação é comum na prática pedopsiquiátrica


devido à falta de estudos relevantes com crianças (Baldwin & Kosky, 2007;
Bucheler et al, 2002; Efron et al, 2003; Hugtenburg et al, 2005). O seu potencial
para causar benefício ou prejuízo é incerto e variável. Exemplos disto incluem

Ética A.1 14
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

o uso de agonistas alfa como segunda linha para o tratamento da perturbação


Off-label
de hiperatividade e défice de atenção; os neurolépticos nas perturbações do
comportamento graves; e o uso de lítio, anticonvulsivantes e neurolépticos no Por prescrição off-label
tratamento de um conjunto cada vez maior de utentes diagnosticados, nos últimos entende-se o uso de um
medicamento para uma
anos, com doença bipolar na infância. De um modo semelhante, a aplicação de perturbação, faixa etária
uma única modalidade psicoterapêutica para várias perturbações; as dificuldades ou via de administração
na prestação de psicoterapias devido a uma enfase insuficiente na formação diferente (exemplo, oral,
(Tucker et al, 2009); o foco no indivíduo em detrimento da família ou vice- parenteral) que não está
formalmente aprovada
versa; e a incorporação de restrição física ao invés do uso de métodos de restrição pela agência reguladora
estruturados (até no contexto da aprovação cultural das primeiras) são todos (Exemplo, FDA, EMEA).
exemplos de terapêuticas mediadas pela palavra e pelo ambiente ou abordagens que Esta pode variar consoante
podem ter efeitos deletérios em algumas crianças não obstante beneficiarem outras. os países.
A inovação e a crescente responsabilização contribuem para o desenvolvimento do A prescrição off-label de
campo ao adicionarem conhecimento e sublinham a necessidade de uma cada vez medicação é comum na
melhor formação e da expansão do arsenal terapêutico. Ao mesmo tempo, relevam prática pedopsiquiátrica
devido à falta de estudos
os limites da técnica e a arrogância dos profissionais. relevantes com crianças
e adolescentes. O seu
Para lá dos tratamentos para as perturbações psiquiátricas diagnosticáveis, potencial para causar
os tratamentos preventivos merecem também uma menção (Layne et al, 2008; benefício ou prejuízo é
Sanders, 2002, Silverman et al, 2008). Enquanto numerosos estudos descrevem incerto e variável.
tratamentos de perturbações de stress pós-trauma em crianças, o treino de inoculação
de stress foi desenhado para bloquear as respostas de stress pós-traumáticas pela sua
indução antes da antecipada exposição a situações indutoras de stress. Os estudos
descrevem intervenções grupais mediadas por um professor, conduzidas por um
pedopsiquiatra ou de outros profissionais de saúde mental, que utilizam metas de
treino de resiliência à institucionalização por inoculação de stress e fortalecimento
psicológico em grupos de crianças previamente expostas a traumas massivos
(Wolver et al, 2003). Enquanto estes estudos levantam preocupações éticas, por
exemplo, o sonegar de uma putativa intervenção terapêutica para os estudantes
do grupo de controlo, parece que o envolvimento de pedopsiquiatras no treino
dos educadores claramente beneficia os jovens tratados. Quando intervenções
preventivas e potencialmente terapêuticas são realizadas desta forma, um
número muito maior de crianças retira potenciais benefícios quando comparado
com intervenções realizadas após os factos e numa lógica de um-para-um. Esta
abordagem segue o princípio ético da justiça social, já que presta benefícios de
uma forma essencialmente equitativa. Também proporciona um contraste claro no
que diz respeito ao contexto, e indo ao encontro do pensamento ético que está por
detrás dos modelos de saúde pública de cuidados, que contrastam com a perspetiva
tradicional de prestação de cuidados ao indivíduo.

CONCORDÂNCIA, CONSENTIMENTO,
DISSENTIMENTO E AGÊNCIA
Com a exceção dos casos urgentes, a avaliação, o diagnóstico e o tratamento
apenas devem ser realizados com a concordância da criança e do seu pai/tutor. Em
muitos países o sistema judiciário faz distinções entre as capacidades mentais das
crianças e dos adultos, não obstante as idades definidas para fazer esta distinção
variarem entre jurisdições e países. São considerados adultos os indivíduos
competentes para tomar decisões em relação ao próprio e referentes aqueles de

Ética A.1 15
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

quem detêm a guarda. Desta forma, só eles podem consentir o tratamento das
crianças ao seu cuidado (Macbeth, 2002). As crianças, por definição legal, não
detêm as competências necessárias para dar a concordância, mas têm a capacidade
psicológica de expressar consentimento ou dissentimento (United Nations Centre for
Human Rights, 1990), ainda assim, de que forma a significância do consentimento
pode ser avaliada é uma questão ainda em aberto (Koelsch & Fegert, 2010).
Quando os pais querem um tratamento para a sua criança e esta última concorda,
os cuidados psiquiátricos são prestados sem questões de maior. No entanto, não
é raro que existam conflitos entre pais/tutores e crianças em relação à necessidade
de tratamento, com os pais por norma a concordarem com a necessidade do
tratamento e as crianças a recusarem ou a resistirem. É universalmente percebido
que a segurança da criança se sobrepõe a todas as outras considerações, isto avaliza
as decisões dos profissionais que condicionam o direito à autonomia do menor. As
situações típicas incluem os jovens suicidas ou os adolescentes anoréticos, física e
mentalmente debilitados, hospitalizados em serviços de psiquiatria contra a sua
vontade. Idade de
consentimento
É sempre uma incumbência do pedopsiquiatra levar em consideração o grau Na maior parte dos países
de desenvolvimento emocional e de maturação cognitiva da criança quando se trata a idade da maioridade
destas questões. Por exemplo, uma criança de 8 anos opositiva que é frequentemente são os 18 anos (embora
esta varie entre os 14 e
fisicamente agressiva na escola, pode ser levado, pelos pais à consulta para uma
os 21 anos). A idade da
avaliação psiquiátrica contra a sua vontade. Pelo contrário, um adolescente de maioridade corresponde
17 anos que aborrece os pais, já que se recusa a participar no rito religioso, não ao momento em que a
parece necessitar de cuidados profissionais, assim, o seu dissentimento em relação lei reconhece que os
menores deixam de ser
à sua avaliação psiquiátrica parece merecer respeito e deferência. Em suma, a idade considerados crianças (e
cronológica da criança, o grau de cognição e maturidade emocional, e a preocupação cessa a responsabilidade
em relação à sua segurança devem ser avaliados, bem como, quando se poderá dos seus pais) e assumem
ou quanto deve ser respeitada a capacidade de tomada de decisões autónomas o controle sobre a sua
pessoa e as suas ações.
do jovem. Estas considerações contribuem por sua vez para o cumprimento do No entanto, em alguns
objetivo do pedopsiquiatra de escolher a solução de maior benefício para a situação países (por exemplo a
clínica em questão. (De notar que deliberações semelhantes devem prevalecer nas Austrália e o Reino Unido)
os menores (pessoas com
situações em que crianças participem em investigação psiquiátrica. Este assunto é
menos de 18 anos) podem
discutido posteriormente na secção sobre investigação). consentir tratamento e
participar em estudos de
Diversas partes interessadas solicitam ou exigem ao pedopsiquiatra investigação a partir dos
considerações em relação à evolução clínica do utente. Por exemplo, os 16 anos ou até mais cedo
pedopsiquiatras que prestam cuidados a jovens delinquentes, que viveram em (“menores maduros”).
instituições de acolhimento antes de serem colocados numa instituição psiquiátrica Consulte também o
capítulo J.3.
pelo sistema judicial, irão receber solicitações dos tribunais, serviços sociais,
hospitais e instituições de tratamento residencial, do menor e da sua família
biológica ou de acolhimento. Não é raro que cada entidade tenha diferentes, e
possivelmente contrárias, metas e objetivos. É provável que o pedopsiquiatra sinta
um grau considerável de obrigação para todos estes agentes. Em termos éticos,
o pedopsiquiatra pode passar por uma crise de agência, por exemplo, a qual
destas entidades deve fidelidade? Em última análise, o conceito e o princípio da
fidelidade ditam que a primeira responsabilidade e obrigação do pedopsiquiatra
seja advogar pelo utente, este deve procurar o resultado que seja mais benéfico ou
menos prejudicial para o jovem. Para chegar ao resultado necessário é frequente
que o pedopsiquiatra tenha de facilitar a comunicação entre os vários interessados
e, muitas vezes fazer uma mediação entre estes. A principal obrigação ética do

Ética A.1 16
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

psiquiátrica é, no entanto, advogar pelos interesses do utente.


Periodicamente, tanto os pais como as nações, se entregam a derivas
autoritárias. Uma ilustração ao nível da família é o caso dos pais que culpam
os seus filhos pela disfunção familiar, que se recusam a fazer terapia familiar e,
posteriormente “resolvem o problema”, diminuindo assim a tensão, enviando as
crianças para colégios internos (Salinger, 1951). Um exemplo disto a um nível
mais elevado é a administração de uma cidade que expulsa um número elevado
dos seus residentes, incluindo os “instáveis” doentes mentais, para outros locais,
descrevendo estes cidadãos como ameaças à segurança publica (Spegele, 2011).
E ambos os casos o direito de autonomia de cidadãos relativamente indefesos é
ignorado. Claro que existem forças que estão para lá do controle do pedopsiquiatra,
mas este, enquanto profissional, deve bater-se pelas intervenções que sejam mais
respeitadoras das escolhas individuais e que produzam melhores resultados clínicos
tanto para os pequenos como para os grandes grupos de utentes.

CONFIDENCIALIDADE
Por norma os indivíduos têm diretos de privacidade, o que implica que
eles controlem a propriedade da sua informação pessoal. Quando tal informação
é comunicada aos médicos no decurso de uma avaliação ou tratamento, o
médico está ética (Winslade, 1978) e legalmente (Simon, 1987) obrigado a
tratar essa informação com confidencialidade, não a revelando a ninguém sem
o consentimento do utente, o seu proprietário. Este comportamento profissional
respeita a autonomia do utente e também previne o risco (não maleficência) a que
poderia ser sujeito tanto o utente individualmente como a relação médico – utente,
caso o sigilo fosse quebrado.
A manutenção da confidencialidade, independentemente da circunstância,
não é intrinsecamente boa, tal devoção rígida ao conceito pode causar mal. Várias
questões merecem consideração. Primeiro, a diferença entre a capacidade cognitiva
das crianças e dos adultos sugere que estes últimos adquiriram uma maturação
cognitiva que as crianças apenas atingirão após um processo contínuo de maturação
que ocorre ao longo da adolescência. Assim, entende-se que as crianças não possuem
a amplitude de compreensão que se presume nos adultos – neste caso concreto,
uma sólida compreensão dos direitos de confidencialidade e seus possíveis limites.
Consequentemente, da mesma forma que as crianças recorrendo a um raciocínio
semelhante, não podem consentir o tratamento, apenas os seus tutores legais
podem consentir a divulgação de informação confidencial da criança para terceiros.
Segundo, os tratamentos psiquiátricos para crianças são por norma iniciados pelos
pais ou pelos seus tutores, presumivelmente com uma intenção benigna. É natural
que os pais desejem feedback do pedopsiquiatra em relação à sua criança, podem
estar diretamente envolvidos no tratamento da criança, e frequentemente expressam
o desejo de aceder à informação clínica dos filhos, incluindo material possivelmente
confidencial. Em terceiro lugar, uma compreensão da confidencialidade, da sua
desejabilidade e benefícios, desenvolve-se gradualmente, concomitantemente com
o desenvolvimento do sentido de autonomia da criança. A criança pré-escolar e
do início da idade escolar ficaria chocada e chateada se o clínico não fornecesse
a informação pertinente aos seus pais com a justificação de que estaria a guardar
a confidencias da criança. Esta ação por parte do clínico poderia perturbar a
estabilidade emocional do utente. É com a maturação da criança que se torna mais

Ética A.1 17
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

provável que esta peça especificamente ao pedopsiquiatra que este não partilhe
material sensível com os seus pais.
Geralmente as lutas pais – criança pelo controlo da informação surgem
na adolescência. Os adolescentes levantam com frequência assuntos que entram
em conflito com os costumes e as atitudes sociais e parentais prevalentes ou que
levantam preocupações de segurança. De um ponto de vista retórico, como pode
o pedopsiquiatra abordar a intensão expressa do utente de entrar no sistema
informático da escola; ter atividades sexuais proibidas; experimentar drogas ilícitas;
não se deitar à hora estabelecida; aventurar-se em comunidades perigosas com os
amigos; ou empreender, de forma encoberta, atividades políticas perigosas? Estas
situações põem à prova a proficiência do clínico, e criam um conflito interno entre
o respeito ou violação da autonomia e dos direitos de confidencialidade do utente,
que aqui ocupam uma posição central.
Vários princípios equilibram a situação. A segurança é a principal
consideração. Se um psiquiatra se aperceber do risco iminente de um adolescente se
colocar a ele ou a outros em perigo, deve quebrar a sua lealdade à confidencialidade
e os tutores ou outras entidades protetoras devem ser informadas para assegurar
a manutenção da vida e da segurança do utente ou do ambiente. Na ausência
de expressões francas de intenções ou comportamentos potencialmente suicidas
ou homicidas, surge uma área cinzenta, que envolve graus variáveis de risco
potencial (Ponton, 1997). Nestas situações é necessária uma avaliação sensível
das circunstâncias mantendo, na melhor das hipóteses, incerteza no que respeita à
violação dos direitos de confidencialidade.
Para além disto, os clínicos podem melhor ajudar os seus utentes se
evitarem ficar aprisionados por regras rígidas no que diz respeito aos direitos de
confidencialidade. Pelo contrário, a adoção de início de uma abordagem terapêutica
familiar ao invés de uma baseada apenas no indivíduo, a existência de confiança
mútua ao invés da administração paternalista de conselhos como base para o
estabelecimento de uma relação terapêutica, o encorajamento do uso da razão,
persuasão, tato e juízo clínico, ditam o grau com que a informação confidencial
pode ser transmitida e por quem. Uma colaboração semelhante é necessária com
as crianças e os seus pais nas situações em que material escrito será transmitido
a agências ou outros prestadores de cuidados. Dada a potencial longevidade do
material é aconselhável precaução (Alessi, 2001), tal como no caso da sua libertação
para recipientes não desejados (Conn, 2001), ambas situações que devem ser
discutidas com o utente e o seu tutor.
As famílias tradicionais, que vivem em contextos pobres ou que emigraram
para um contexto de maior riqueza material, muitas vezes contrastam com
as famílias originárias deste último local já que prestam uma menor atenção à
autonomia dos seus filhos, o que, por contraste, põe um maior ênfase na necessidade
da vontade do jovem se aproximar das metas e desejos dos adultos da família ou
clã. Nestas famílias, a noção de direitos de confidencialidade da criança pode ser
mais questionada. Por exemplo: “Qualquer coisa que a minha criança queira dizer
pode e deve ser dita estando eu presente – não temos nada a esconder uns dos
outros”. Entrar em confrontação aberta com esta frase elencando os direitos de
confidencialidade conduzirá, muito provavelmente, a um fracasso. Ao invés disto,
a tomada de conhecimento do desejo parental de que a informação pertinente lhe

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Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

seja transmitida, promovendo ainda assim a compreensão dos benefícios potenciais


do respeito pela autonomia individual, dentro de um modelo que enfatize a inclusão
de todos os membros da família, poderá ter um resultado mais eficaz e trazer
maior benefício à criança. Ao contrário dos diferentes tipos de famílias, um estudo
que procurou determinar as respostas dos psiquiatras em três diferentes países a
determinados cenários de confidencialidade, não revelou diferenças significativas
entre os clínicos (Lindenthal et al, 1985).

INVESTIGAÇÃO
Como as crianças não podem dar o consentimento, a investigação em que
elas tomam parte coloca desafios éticos. Digno de nota é o fato de ser cada vez mais
considerado que é do melhor interesse das crianças que se faça investigação de boa
qualidade – a falta de evidência sobre a eficácia de vários tratamentos nas crianças
já foi anteriormente referida e a extrapolação para as crianças dos resultados
encontrados em ensaios feitos com populações de adultos não é necessariamente
válida. Para tentar resolver este problema alguns governos (por exemplo os Estados
Unidos da América) dão incentivos financeiros (por exemplo, através da extensão do
período da patente do fármaco) se for também realizada investigação nas crianças.
Apesar disto, a pesquisa com jovens tem de seguir cuidadosamente os princípios e
requerimentos éticos dados os riscos de exploração. Este princípios estão plasmados
em vários documentos que se baseiam no Código de Nuremberga (que contem
os princípios éticos da investigação em que há experimentação em Humanos e
que resultou dos julgamentos de Nuremberga após a Segunda Guerra Mundial)
e na Declaração de Helsínquia de 1974 (O capítulo J.7 deste livro descreve em
detalhe as implicações para a investigação da Convenção das Nações Unidas sobre
os Direitos das Crianças, particularmente nos países de baixo rendimento e em
comunidades que se deparam com guerras ou instabilidade civil).
A Declaração de Berlim da IACAPAP (2004) – Princípios Éticos na Saúde
Mental da Criança e do Adolescente (revisto em Melbourne, 2006) – refere que
o consentimento informado para se ser o sujeito de investigação deve seguir os
seguintes princípios:
• É essencial que a investigação clínica que envolve seres humanos tenha
por fim a promoção da saúde
• O bem-estar dos sujeitos alvo de investigação tem prioridade sobre os
interesses da ciência ou da sociedade
• A realização de um projeto de investigação que envolve seres humanos
deve ser baseada numa proposta de investigação escrita e clara aprovada
por uma comissão de ética independente que inclua representantes dos
pais e da justiça
• A participação é voluntária. Qualquer pessoa pode recusar ou
descontinuar a participação sem ser alvo de pressões, penalizações ou
perda de benefícios
• As crianças e os adolescentes podem não ter a capacidade de dar um
consentimento informado para serem um objeto de investigação. Ainda
assim, a sua concordância tem de ser obtida. O nível de concordância
deve levar em conta a idade, maturidade e o estado psicológico da
criança envolvida. Se a criança não é capaz de dar a sua concordância, a

Ética A.1 19
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

“concordância por procuração” de um dos progenitores ou representante


legal é necessária
• O consentimento informado requer uma declaração de que o estudo
envolve investigação, e informação sobre os pressupostos, a duração
e os procedimentos do estudo. Deve incluir uma descrição dos riscos
espectáveis, dos desconfortos envolvidos e dos benefícios esperados para
o sujeito, bem como dos resultados da investigação. Os tratamentos
alternativos devem ser discutidos
• Atualmente uma boa parte das prescrições de psicofármacos a crianças
são “off-label”. Há uma necessidade urgente de investigação ao nível
do uso de psicofármacos em crianças. É um imperativo ético que o uso
de fármacos em crianças seja estudado e a sua eficácia empiricamente
estabelecida antes de o seu uso se generalizar. Os resultados dos ensaios
clínicos devem estar disponíveis para o público mesmo quando
os estudos não se mostram capazes de estabelecer empiricamente
eficácia. “Nenhum ensaio clínico está terminado enquanto não se
disponibilizarem os resultados.”
A investigação com crianças deve ser sempre revista e aprovada por comités
de ética constituídos de forma adequada; este é um requisito para a publicação na
maioria das revistas científicas. Nos Estados Unidos da América os regulamentos
federais especificam as circunstâncias em que a investigação com crianças pode ser
aprovada; por exemplo, se a investigação:
• Não envolver riscos para lá dos mínimos
• Envolver riscos para lá dos mínimos, mas aparentar ter benefício direto
para o indivíduo em estudo. Neste caso o risco é justificado pelo benefício
antecipado e a relação entre o benefício antecipado dado o risco é, no
mínimo, tão favorável para o indivíduo como as alternativas disponíveis
• Envolve riscos para lá dos mínimos e não aparenta trazer benefício direto ao
indivíduo em estudo, mas é provável que traga conhecimento generalizável
em relação à doença em estudo se:
− O risco representa um aumento mínimo em relação ao risco
mínimo
− A intervenção é comparável ao nível da experiência com
a inerente à intervenção médica, psicológica, social, ou
educacional, usual ou esperada e
− É provável que a intervenção traga conhecimento generalizável
sobre a patologia do sujeito que é de importância vital para a
compreensão e melhoria da condição do sujeito.
• Investigação que se apresente como uma oportunidade para perceber,
prevenir, ou aliviar um problema sério que afeta a saúde ou bem-estar de
crianças se:
− A investigação apresenta-se como uma oportunidade razoável
para aprofundar o conhecimento, a prevenção, ou aliviar um
problema grave que afeta a saúde e bem-estar da criança, e
− A investigação será conduzida de acordo com os princípios
éticos
A utilização de placebos tem sido mais controversa nas crianças que

Ética A.1 20
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

nos adultos. Se a necessidade de ensaios clínicos controlados contra placebos é


conhecida, os placebos não devem ser utilizados se houver um risco de causar
dano aos participantes ou quando um tratamento igualmente seguro se encontra
disponível.

Concordância
Obter Concordância significa (Committee on Bioethics of the American Academy of
Paediatrics, 1995):
• Ajudar as crianças a alcançar uma compreensão apropriada ao seu desenvolvimento
da natureza da sua doença
• Explicar aquilo que podem esperar (bom e mau) do tratamento
• Avaliar a compreensão da criança da situação, incluindo se estão a ser pressionadas
de maneira inapropriada, e
• Procurar uma expressão da vontade da criança em aceitar o tratamento
Quando se trata de participar em investigações, se as crianças não têm escolha e a sua
recusa ou dissentimento não contam, não se deve fingir que foi requerida concordância ou
dada a possibilidade de escolha. As crianças necessitam de saber se têm, ou não, direito
a escolher. Um requerimento de concordância protege as crianças de riscos psicológicos Clique na imagem para
e outros. As crianças beneficiam de ter conhecimento do que se vai passar, tendo uma acessar “Entendendo
palavra a dizer e o direito de ser ouvidas mesmo que não possuam a autoridade para tomar o Consentimento em
a decisão final. A procura de concordância deve também respeitar a criança enquanto Pesquisas com Crianças: As
pessoa, isso passa por providenciar à criança a oportunidade de desenvolver autonomia. questões Éticas”
Ainda assim, a concordância por si só não é suficiente para autorizar a participação numa
investigação.
Dissentimento
Significa que as objeções e mal-estar da criança são levados em conta mesmo quando
a criança é incapaz de participar na discussão ou de tomar a decisão. No caso da
participação em ensaios clínicos, o dissentimento não funciona apenas aquando do
recrutamento para o estudo. O dissentimento pode estar relacionado com o desejo da
criança se retirar da investigação.

São os pais que tomam as principais decisões em relação às suas crianças,


incluindo as que dizem respeito à participação em investigações. A tomada de
decisão parental é um fator crítico da ética na investigação pediátrica, embora se
reconheça que os pais, tal como os investigadores, podem ter interesses que entrem
em conflito com o melhor interesse da criança. O papel legítimo da criança em
decisões sobre a participação em estudos de investigação é também reconhecido. O
conceito ético de concordância fornece uma base de auxílio para os investigadores
e pais, esforçando-se por incluir as visões da criança que é recrutada como sujeito
em investigação. A concordância é análoga ao consentimento nas situações em que
os participantes apresentam uma reduzida capacidade de perceber aquilo com que
estão a concordar.
Se os princípios gerais sobre o consentimento para a investigação são
largamente aceites, há variações entre os países e os assuntos podem tornar-se
mais complicados em situações especiais. Por exemplo, na Austrália e no Reino
Unido os menores podem, em algumas situações, consentir a investigação sem um
consentimento adicional por parte dos pais se a criança for “madura o suficiente
para perceber”. Quando o jovem demonstra maturidade, o risco da participação
na investigação não é mais que um desconforto, o objetivo é beneficiar jovens e há
outras boas razões para não envolver os pais (por exemplo, alguns estudos sobre

Ética A.1 21
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

internet), então o menor pode dar o consentimento. Além disso, o consentimento


dos pais nem sempre é necessário, por exemplo em situações em que pedir o
consentimento dos pais é inapropriado (por exemplo, se os pais são negligentes
ou abusivos) ou não confere qualquer proteção (ainda assim o consentimento por
parte de um outro adulto pode ser necessário se esse adulto é o responsável pela
segurança e bem-estar da criança).
Um outro assunto que pode levantar questões é perceber se é aceitável
oferecer dinheiro ou outros benefícios a crianças em troca da sua participação na
investigação e, se é, em que circunstâncias (esta situação apenas se coloca quando
dinheiro ou outros valores são superiores ao reembolso das despesas). As políticas
sobre recompensas também variam entre países, mas serão consideradas não éticos
se a recompensa puder levar os participantes – ou aqueles que decidem por eles – a
ignorar ou a desvalorizar riscos consideráveis.

POTPOURRI
Dado que o pensamento ético suporta a estrutura e a prática da psiquiatria
da infância e da adolescência no seu todo, a variedade de temas que podem ser Autoria
potencialmente discutidos é vasta. Os mais relevantes já foram referidos e os O International
tópicos que seguem, discutidos de forma breve, estão abertos à investigação em Committee of Medical
maior detalhe. Journal Editors (2006)
refere que a autoria deve
Conflitos de interesses
ser baseada em todos os
A comunicação social deu uma atenção considerável à influência de terceiros seguintes critérios:
num passado recente, consequência dos esforços da indústria farmacêutica para • Contribuição
promover as vendas dos seus produtos através de subsídios, tanto declarados como substancial para a
subtis, e outros incentivos dados aos médicos (Schowalter, 2008). Tentativas conceptualização e
externas de influência são também exercidas pelas seguradoras, agentes escolares, desenho do estudo,
agências governamentais, tutores, colegas e investidores financeiros. A competição ou recolha de dados,
entre lealdades internas pode evoluir de rivalidades, relações, paixões intelectuais e ou sua análise e
interpessoais, para vieses ao invés de julgamentos imparciais (Walter et al, 2010). interpretação
É comum que estes conflitos surjam tanto nos contextos da investigação e da • Esboço do artigo ou
publicação como no das relações interpessoais. Em todos os casos, o pedopsiquiatra revisão crítica; e
é obrigado a colocar em primeiro lugar o bem-estar do utente, acima de todos os • Aprovação do texto
outros interesses em competição. Os impulsos internos em conflito são melhor final
endereçados através da transparência, honestidade, notificação, divulgação, Autoria “convidada,
autoexame e autoescrutínio. O mais rigoroso dos testes é a colocação do clínico no “honorária” ou “oferecida”
lugar do paciente, examinando a questão dessa perspetiva (Brewin, 1993). são todas consideradas
Ensino, instrução e coação não éticas. Um autor
convidado é um que
A ética da educação é mandatada pelos corpos de acreditação do internato sabe que é listado como
médico (Dingle & Stuber, 2008). Os tópicos que são normalmente abordados autor para influenciar os
incluem a advocacia, consentimento/concordância, agência, autonomia, revisores ou que procura
investigação, fronteiras, confidencialidade, relação do clínico com os prestadores algum benefício ou favor
de cuidados de saúde e a indústria, e a relação e distinção entre a ética e a lei profissional.
(Sondheimer, 1998). O estudo do código de ética da psiquiatria da infância e da
adolescência do país é recomendado. Os recursos ao dispor dos pedopsiquiatras
que se deparam com problemas éticos incluem os comités de ética, a equipa de
avaliação institucional, os corpos de acreditação médica do estado ou do país, e
os indivíduos com mérito reconhecido na ética. Queixas de natureza ética contra

Ética A.1 22
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

médicos são periodicamente levantadas por utentes, suas famílias ou, raramente,
por colegas. Estas reclamações devem ser canalizadas para indivíduos ou comités
especialistas em ética, que podem recomendar qual a melhor forma de proceder e
quais os passos posteriores a dar.

Conflitos de interesse
Os conflitos de interesses podem ser inevitáveis devidas às múltiplas
responsabilidades e relacionamentos que são parte integrante da prática médica. Estar
sujeito a interesses que estão em competição não é, ainda assim, necessariamente
não ético. A manutenção de uma prática ética é determinada pela forma como se lida
com os mesmsos. O conhecimento dos padrões profissionais, o reconhecimento dos
conflitos potenciais e a declaração apropriada são passos chave neste processo.
A investigação financiada pela indústria farmacêutica publicada em revistas de psiquiatria
tem aumentado de forma sustentada. Alem disso, os resultados positivos são mais frequentes
em estudos financiados (78%) do que em estudos sem estes apoios da indústria (48%) ou
nos estudos financiados por um competidor (28%) (Kelly et al, 2006). O problema é perceber
até que ponto os resultados dos estudos financiados pela indústria podem ser confiados.
Os conflitos não se restringem a ensaios clínicos de medicamentos. Por ex., o The
Lancet publicou em 1998 um estudo que sugeria uma ligação entre o autismo e a vacina
tríplice (VASPR). Seu impacto foi global e assustou tanto pais como clínicos. Como
consequência, a toma desta vacina no Reino Unido nos 5 anos seguintes decresceu 10% e
os casos de sarampo quase quadruplicaram. Um jornalista descobriu posteriormente que o
autor principal não tinha revelado que o Legal Aid Board o tinha indicado para determinar,
pagando-lhe uma maquia considerável, se a evidência era suficiente para dar corpo a
uma ação legal da parte dos pais de crianças alegadamente prejudicadas pela vacina.
Posteriormente o The Lancet retirou o artigo e o UK General Medical Council concluiu que
o autor principal não tinha condições para exercer. A investigação subsequente refutou
de forma conclusiva a associação entre a vacina e o autismo (Demicheli et al, 2005).

Administração
O pedopsiquiatra trata pacientes individuais. Ele também encaminha utentes
para unidades de internamento ou de consulta externa, hospitais, e instituições
de tratamento residencial; é responsável por pequenos e grandes projetos de
investigação; planeia os cuidados para uma população demográfica específica de
dimensão altamente variável. Nestes papeis é responsável, ainda que indiretamente,
pelo bem-estar e condições de trabalho dos utentes e dos trabalhadores. Em graus
variáveis, o pedopsiquiatra administrador terá à sua responsabilidade o orçamento;
a segurança de documentos de natureza tanto clínica como administrativa; e a
supervisão de uma gama alargada de procedimentos de investigação, que incluem
o recrutamento, a obtenção de consentimento, a salvaguarda da confidencialidade,
a recolha e análise dos dados, e a disseminação dos resultados (Sondheimer, 2010).
Os problemas éticos costumam surgir nestas atividades. Como financiar um
novo serviço que pode ter um impacto negativo em outros, dado que os recursos
institucionais ou governamentais são limitados; como lidar com profissionais que
apresentam graus variáveis de adesão aos protocolos da organização; como lidar
com o conselho de revisão da instituição cujos membros, muitas vezes, são mais
amigáveis com algumas propostas do que com outras? Um raciocínio ético ajuda
a perceber a melhor forma de resolver estes conflitos. Frequentemente, o foco no
princípio da justiça (distributiva) ajuda a resolver os conflitos entre escolhas difíceis
(Sabin & Daniels, 1994).

Ética A.1 23
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

PREOCUPAÇÕES RECENTES E EMERGENTES


Genómica
Nas últimas duas décadas houve um crescimento exponencial do
conhecimento em relação à informação genética, tendo surgido a capacidade
de descodificar sequências completas de ADN de crianças. Foi feito um grande
esforço para se determinar a relação entre genes específicos e doenças psiquiátricas.
Se os resultados ainda não revelaram achados consistentes, é provável que a
continuação das investigações produza resultados úteis no futuro, que conduzam
a uma alteração da nomenclatura diagnóstica e à introdução de terapias génicas. A
confidencialidade, o consentimento/concordância, o direito a saber e a não saber
sobre a presença de uma doença, o rastreio autorizado contra o não autorizado,
e a predição da idade de início da doença, estão entre as preocupações éticas
levantadas pelas novas tecnologias e que vão requerer uma avaliação mais cuidada
(Appelbaum, 2004).
Pródromos psiquiátricos
Analogamente ao potencial da genómica molecular para prever o
desenvolvimento eventual de doença psiquiátrica, o exame das árvores familiares e
a observação clínica conduziu a estudos de intervenção terapêutica com populações
adolescentes em risco de desenvolverem esquizofrenia (McGorry, et al, 2009). De
uma forma semelhante, a expansão do conceito de doença bipolar levou à exposição de
crianças muito jovens a estabilizadores do humor, como foi referido anteriormente.
Se numa análise superficial estes esforços preventivos parecem admiráveis, já que em
teori, têm o potencial de travar o desenvolvimento e o padecimento de uma doença
mental grave, eles podem ser também muito questionados dado o nível atual de
conhecimento, ou melhor, de relativa ignorância, dos profissionais (Cornblatt et
al, 2001). Ferramentas preditivas fiáveis do desenvolvimento de doença ainda não
estão disponíveis, a determinação da efetividade preventiva ainda não é possível,
as intervenções terapêuticas medicamentosas (com neurolépticos) podem causar
maior prejuízo que benefício (especialmente quando prescritos a indivíduos que,
antes de tudo mais, não necessitam deles), e indivíduos não psicóticos podem ser
estigmatizados (Frances, 2011).
Neuroaprimoramento
O melhoramento farmacológico das funções normais levanta várias
e diferentes questões. O pedopsiquiatra está confortável a tratar doenças ou
disfunções (por exemplo, a dar antidepressivos para a depressão, neurolépticos
para perturbações do pensamento graves) para desta forma melhorar o humor,
cognição e funções relacionadas. Embora os diagnósticos, por norma, se baseiem
no preenchimento de critérios, por vezes eles são usados porque os sinais sugerem a
possível presença de uma perturbação. Por exemplo, os pais que procuram vantagens
académicas para a sua criança podem procurar tratamento – com base em algumas
queixas de dificuldades de atenção – utilizando a medicação estimulante para
melhorar o foco nas tarefas. Estarão estes pais a procurar uma vantagem injusta?
Será que estas manobras diminuem a autoestima derivada dos resultados obtidos
através do trabalho e do investimento do próprio? Irá o pedopsiquiatra considerar
os riscos potenciais, por exemplo os efeitos secundários, ou criar a ideia de que se
pode confiar em substâncias como moletas? Ou será que melhorar a performance
da criança é benéfico para a criança e para a sociedade como um todo (Farah et al,

Ética A.1 24
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

2004)? Será que melhorar o humor e a cognição recorrendo a fármacos


difere de forma significativa da melhoria no funcionamento físico e emocional
resultante da colocação de uma prótese do joelho, do uso de injeções de Botox
e das chávenas matinais de cafeína? Será que a sociedade distingue entre corpo e
mente, sentindo-se mais confortável com o aumento das capacidades físicas do que
das mentais (ou por outro lado, considerando o antagonismo que existe contra o
uso de esteroides e “doping com células” no desporto)? O aumento das capacidades
neurológicas levanta questões ao nível da identidade, do eu, do livre arbítrio, e da
responsabilidade futura, e estas questões irão surgir com uma frequência ainda
maior aos pais preocupados com os seus filhos (Cheung, 2010).
Informática, redes sociais, e bullying

A psiquiatria, após alguma trepidação inicial, mergulhou no mundo


da eletrónica (Huang & Alessi, 1996). Os clínicos e as instituições utilizam
computadores para conservar os registos, prescrever, faturar, marcar consultas e
comunicar; o profissional reage eletronicamente à cobertura da comunicação
social; e os clínicos desenham páginas web pessoais, blogs, e lidam com o uso e
abuso de uma enorme variedade de instrumentos eletrónicos por parte dos pais.
O mundo das novas tecnologias, como foi verdade em todas as épocas em relação
à inovação tecnológica, tem o potencial para ter impacto positivo e negativo
para os seus utilizadores e é melhor julgado pelos velhos e tradicionais critérios
da ética. Os dilemas que as novas tecnologias levantam são essencialmente os
mesmos, são simplesmente apresentados de uma nova forma. Para além do uso
da heurética tecnológica pelo pedopsiquiatra na administração diária, educação,
investigação e pratica clínica, ela oferece benefícios específicos aos utentes, por
exemplo, oportunidades para crianças do espetro das perturbações pervasivas do
desenvolvimento, socialmente inaptas ou temerárias, se envolverem socialmente
eletronicamente, ao invés de cara-a-cara (Panyan, 1984). Para muitos destes jovens,
esta comunicação providencia uma sensação de interação confortável e, em alguns
casos, leva-os a posteriormente conhecerem pessoalmente o indivíduo com que
contactaram. De um modo semelhante, muitos programas de computador assistem
crianças com perturbações da aprendizagem ou da comunicação.
Ainda assim, como com todas as novas tecnologias, também há espaço
para a utilização incorreta. O bullying de crianças por colegas é um problema
milenar, mas os autores puderam até aqui ser prontamente identificados. Com o
advento das tecnologias atuais, por contraste, o cyberbullying permite um assédio
anónimo e insuspeito de colegas vulneráveis e é frequentemente causa de mal-
estar e, ocasionalmente, de artigos de primeira página de jornal após o suicídio de
um jovem alvo de bullying ou “excluído” (Boyd & Marwick, 2011). Intervenções
preventivas e pós-incidente foram criadas em resposta mas, dada a compreensão
ainda imatura das consequências do anonimato dos meios eletrónicos por parte das
crianças, estes comportamentos maliciosos continuam a ocorrer, num mundo em
que o Facebook contem mais de 800 milhões de utilizadores. A ética psiquiátrica
requer que o pedopsiquiatra esteja ciente destes desenvolvimentos, do potencial
da informática para ser usada tanto para o bem como para o mal, da necessidade
de defender e de cuidar daqueles que sofreram, de educar as comunidades no
que diz respeito aos potenciais benefícios e riscos, e que seja capaz de ajudar na
implementação de programas de intervenção de base escolar relevantes.

Ética A.1 25
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

CONCLUSÃO
Os profissionais de saúde mental infantojuvenil, quer trabalhem em zonas
ou países ricos, pobres, ou áreas de classe média, partilham responsabilidades –
defender os direitos e prestar cuidados aos jovens, muito frequentemente o grupo
etário menos protegido e mais vulnerável, independentemente da localização.
Considerações éticas, princípios, e a forma como pensam sobre os dilemas, surjam
estes no contexto clínico, administrativo ou de investigação, continuam a ser as
mesmas, independentemente do local. Os recursos disponíveis são largamente
variáveis, o que pode resultar em diferentes resoluções para lidar com estes
dilemas nas diferentes localizações geográficas. A proteção e a implementação de
intervenções benévolas para as crianças são as funções éticas fundamentais que são
confiadas pela sociedade e pelos profissionais ao pedopsiquiatra. Este capítulo, que
se centra em questões básicas como a concordância, o dissentimento, o diagnóstico,
o tratamento, a confidencialidade e a investigação, aos quais se juntou um olhar
sobre os recentes desenvolvimentos na disciplina, procurou fornecer uma matriz
sobre as questões éticas com impacto na prática de saúde mental infantojuvenil,
independentemente do país ou cidadania.

Ética A.1 26
Tratado de Saúde Mental da Infância e Adolescência da IACAPAP

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