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Tema 2 História Da Educação de Surdos

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História da Educação de Surdos

A história da educação de surdos é marcada por uma visão clínica sob o


viés ouvintista onde a narrativa é contada, sobretudo a partir da perspectiva
oralista. Para Lacerda (1998), as ações iniciais em torno da educação de
surdos está associada ao desenvolvimento da fala e da escrita. Muitos
professores de surdos iniciavam o ensinamento de seus alunos através da
leitura-escrita e, partindo daí, instrumentalizavam-se diferentes técnicas para
desenvolver outras habilidades, tais como leitura labial e articulação das
palavras.
Os surdos que podiam se beneficiar do trabalho desses professores
eram muito poucos, somente aqueles pertencentes às famílias abastadas. É
justo pensar que houvesse um grande número de surdos sem qualquer
atenção especial e que, provavelmente, se vivessem agrupados, poderiam ter
desenvolvido algum tipo de língua de sinais através da qual interagissem. A
partir desse período podem ser distinguidas, nas propostas educacionais
vigentes, iniciativas antecedentes do que hoje chamamos de "oralismo" e
outras antecedentes do que chamamos de `"gestualismo'".
Os primeiros exigiam que os surdos se reabilitassem, que superassem
sua surdez, que falassem e, de certo modo, que se comportassem como se
não fossem surdos. Os proponentes menos tolerantes pretendiam reprimir tudo
o que fizesse recordar que os surdos não poderiam falar como os ouvintes.
Impuseram a oralização para que os surdos fossem aceitos socialmente e,
nesse processo, deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora de toda a
possibilidade educativa, de toda a possibilidade de desenvolvimento pessoal e
de integração na sociedade, obrigando-os a se organizar de forma quase
clandestina. Os segundos, gestualistas, eram mais tolerantes diante das
dificuldades do surdo com a língua falada e foram capazes de ver que os
surdos desenvolviam uma linguagem que, ainda que diferente da oral, era
eficaz para a comunicação e lhes abria as portas para o conhecimento da
cultura, incluindo aquele dirigido para a língua oral. Com base nessas posições,
já abertamente encontradas no final do século XVIII, configuram-se duas
orientações divergentes na educação de surdos, que se mantiveram em
oposição até a atualidade, apesar das mudanças havidas no desdobramento
de propostas educacionais.
As primeiras notícias de educação de surdos segundo Goldfeld (2001)
surgiram no século XV, houve um longo período histórico em que se
desconsideram as potencialidades e capacidades cognitivas e emocionais das
pessoas surdas vistas como pessoas diminuídas com a legitimação da
subtração dos seus direitos em diversas sociedades. No século XVI, Girolamo
Cardamo declara que os Surdos podiam e deviam receber uma instrução. Ele
passou a se interessar pelos Surdos e pelo estudo do ouvido, nariz e cérebro,
porque o seu primeiro filho era surdo. Afirmava que os nascidos surdos
profundos podiam ser ensinados a ler e escrever sem falar. Parece que ele
elaborou, também, uma forma de ensino, mas não chegou a aplicá-la.
(MOURA, 2000, p. 17)
A partir de então, surgiram outros educadores de surdos, cada um com
seu método próprio de ensino tais como Yebra, Ponce de Leon, Bonet, L’ Epée
e outros que contribuíram na educação de surdos, muito embora a maioria não
ter deixado nenhuma contribuição escrita da aplicação desses métodos.
A fonte mais antiga que se tem da datilologia vem da Espanha através
do Monge franciscano Mechor Sánchez de Yebra (1524-1586) que utilizou o
alfabeto manual para fomentar entre os surdos a compreensão de conteúdos
espirituais. Ainda não é uma forma de educação escolarizada, mas com
finalidade catequética.
Contudo, torna-se necessário revelar que não eram todos e quaisquer
surdos que tinham direito à educação. Inicialmente o sucesso educacional
estava atrelado aos surdos que ainda tinham resquícios auditivos. Bem como
aqueles oriundos de famílias abastadas, estes sofreram com a educação sob a
tentativa oralista, enquanto as línguas de sinais se desenvolviam nos guetos
urbanos e nos monastérios onde era feito o voto de silêncio.
Perlin e Strobel (2006) enfatizam que antes de surgirem estas
discussões sobre a educação, os sujeitos surdos eram rejeitados pela
sociedade e posteriormente eram isolados nos asilos para que pudessem ser
protegidos, pois não se acreditava que pudessem ter uma educação em função
da sua ‘anormalidade’, ou seja, aquela conduta marcada pela intolerância
obscura na visão negativa sobre os surdos viam-nos como ‘anormais’ ou
‘doentes’. Muitos anos depois os sujeitos surdos passam a ser vistos como
cidadãos com direitos e deveres de participação na sociedade, mas sob uma
visão de assistencial excluída.
Os surdos passaram a receber assistencialismo. Situação que nos
revela que historicamente os surdos começaram a ser vistos pelo menos como
seres humanos que necessitavam de assistência mediante suas necessidades
básicas. Mas, ainda haveria um longo processo a ser percorrido para
conquistar seus direitos enquanto seres humanos.
Após serem estigmatizadas durante muito tempo, as pessoas surdas
recebem suas primeiras instruções ainda de forma muito rudimentar e que
desrespeitam o seu universo linguístico, mesmo com o uso do alfabeto manual.
Ponce de León contemporâneo de Yebra, monge beneditino espanhol
dedicou grande parte da sua vida à educação de surdos que eram filhos de
nobres, criando uma escola para surdos. Ponce de Leon teve seus méritos
reconhecidos através de seus trabalhos realizados com filhos de nobres que se
adaptam ao seu método. Porém, não deixou nada publicado em vida, pois era
tradição da escola manter segredo de seu método de educação para surdos,
visto que envolvia relações financeiras com famílias de nobres.
Juan Pablo Bonet também começou a educação de surdos na Espanha,
ele mesclava uso da fala, alfabeto datilológico e sinal. Bonet se utilizava das
técnicas do alfabeto para ensinar os surdos a falar, também trabalhando com
treinos fonoarticulatórios. O alfabeto usado por Bonet serviu de suporte para
outros educadores de surdos.
Jacob Rodrigues Pereire outro educador que defendia a oralização,
possivelmente o primeiro da França, trabalhou o ensino da fala e exercícios
que manipulam os órgãos da fala. Thomas Braidwood abriu a primeira escola
para surdos e crianças com problema de fala na Inglaterra e valorizava a leitura
orofacial. Os alunos aprendiam palavras escritas e seu significado. Moura
(2000) diz que Braidwood detinha o monopólio de outras escolas que foram
fundadas sob a tutela de seus familiares mantendo em segredo seu método de
educação para surdos.
No século XVIII, o trabalho Charles-Michel de L’Epée girava em torno da
humanização e ensino de sinais e escritas para surdos. Partiu dele a iniciativa
da criação do Instituto Nacional para Surdos-Mudos de Paris, a primeira escola
pública para surdos. Dando mais acessibilidade àqueles que não podiam pagar
por uma educação individual, a partir deste instituto outras escolas foram
formadas. Ele desenvolveu um método educacional, apoiado na língua de
sinais da comunidade de surdos, acrescentando a esta sinais que tornavam
sua estrutura mais próxima à do francês e denominou esse sistema de "sinais
metódicos". A proposta educativa defendia que os educadores deveriam
aprender tais sinais para se comunicar com os surdos; eles aprendiam com os
surdos e, através dessa forma de comunicação, ensinavam a língua falada e
escrita do grupo socialmente majoritário. O século XVIII foi produtivo, no
sentido quantitativo, devido ao aumento de escolas próprias para a educação
de surdos como também qualitativo no sentido que houve uma valorização
maior da educação dos surdos e assim eles podiam aprender profissões.
Contemporaneamente a De L'Epée havia renomados pedagogos
oralistas que o criticavam e que desenvolviam outro modo de trabalhar com os
surdos, como, por exemplo, Pereira, em Portugal, e Heinicke, na Alemanha.
Heinicke é considerado o fundador do oralismo e de uma metodologia que ficou
conhecida como o "método alemão". Para ele, o pensamento só é possível
através da língua oral, e depende dela. A língua escrita teria uma importância
secundária, devendo seguir a língua oral e não precedê-la. O ensinamento
através da língua de sinais significava ir em contrário ao avanço dos alunos
(Moores 1978). Os pressupostos de Heinicke têm até hoje adeptos e
defensores.
No Brasil, a educação de surdos iniciou-se em 1855 com a chegada do
padre surdo Hernest Huet (1822-1882), trazido pelo governo imperial. Em 26
de setembro de 1857 é fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual
Instituto de Educação dos Surdos (Ines), que utilizava a língua de sinais.
(GOLDFELD, 2001, p. 32) A criação do instituto é o marco inicial da língua de
sinais no Brasil. Misturando língua de sinais francesa, sinais metódicos com os
sistemas usados pelos surdos de vários lugares do Brasil. Huet apresentou um
programa de disciplinas para a educação dos surdos no Brasil.
Em 1880, foi realizado o II Congresso Internacional, em Milão, que
trouxe uma completa mudança nos rumos da educação de surdos e,
justamente por isso, ele é considerado um marco histórico. O congresso foi
preparado por uma maioria oralista com o firme propósito de dar força de lei às
suas proposições no que dizia respeito à surdez e à educação de surdos. O
método alemão vinha ganhando cada vez mais adeptos e estendendo-se
progressivamente para a maioria dos países europeus, acompanhando o
destaque político da Alemanha no quadro internacional da época.
Acreditava-se que o uso de gestos e sinais desviasse o surdo da
aprendizagem da língua oral, que era a mais importante do ponto de vista
social. As resoluções do congresso foram determinantes no mundo todo,
especialmente na Europa e na América Latina. Os métodos orais sofrem uma
série de críticas pelos limites que apresentam.
O descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de
sinais deram origem a novas propostas pedagógico-educacionais em relação à
educação da pessoa surda, e a tendência que ganhou impulso nos anos 70 foi
a chamada comunicação total.
“Comunicação Total é a prática de usar sinais, leitura orofacial,
amplificação e alfabeto digital para fornecer inputs linguísticos para estudantes
surdos, ao passo que eles podem expressar-se nas modalidades preferidas”
(Stewart 1993, p. 118). O objetivo é fornecer à criança a possibilidade de
desenvolver uma comunicação real com seus familiares, professores e
coetâneos, para que possa construir seu mundo interno. A oralização não é o
objetivo em si da comunicação total, mas uma das áreas trabalhadas para
possibilitar a integração social do indivíduo surdo. A comunicação total pode
utilizar tanto sinais retirados da língua de sinais usada pela comunidade surda
quanto sinais gramaticais modificados e marcadores para elementos presentes
na língua falada, mas não na língua de sinais. Dessa forma, tudo o que é
falado pode ser acompanhado por elementos visuais que o representam, o que
facilitaria a aquisição da língua oral e posteriormente da leitura e da escrita
(Moura 1993).
Entretanto, a forma de implementar a comunicação total mostra-se muito
diferente nas diversas experiências relatadas. Paralelamente ao
desenvolvimento das propostas de comunicação total, estudos sobre línguas
de sinais foram se tornando cada vez mais estruturados e com eles foram
surgindo também alternativas educacionais orientadas para uma educação
bilíngüe. Essa proposta defende a idéia de que a língua de sinais é a língua
natural dos surdos, que, mesmo sem ouvir, podem desenvolver plenamente
uma língua visogestual. Certos estudos (Bouvet 1990) mostram que as línguas
de sinais são adquiridas pelos surdos com naturalidade e rapidez,
possibilitando o acesso a uma linguagem que permite uma comunicação
eficiente e completa como aquela desenvolvida por sujeitos ouvintes. Isso
também permitiria ao surdo um desenvolvimento cognitivo, social etc. muito
mais adequado, compatível com sua faixa etária.
O modelo de educação bilíngue contrapõe-se ao modelo oralista porque
considera o canal visogestual de fundamental importância para a aquisição de
linguagem da pessoa surda. E contrapõe-se à comunicação total porque
defende um espaço efetivo para a língua de sinais no trabalho educacional; por
isso advoga que cada uma das línguas apresentadas ao surdo mantenha suas
características próprias e que não se "`misture" uma com a outra. Nesse
modelo, o que se propõe é que sejam ensinadas duas línguas, a língua de
sinais e, secundariamente, a língua do grupo ouvinte majoritário.
Sendo assim, o objetivo da educação bilíngue é que a criança surda
possa ter um desenvolvimento cognitivo-linguístico equivalente ao verificado na
criança ouvinte, e que possa desenvolver uma relação harmoniosa também
com ouvintes, tendo acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua
majoritária.

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