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Simiose
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Simiose
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Documento produzido em 21‐04‐2011
[Trabalho de Curso]
2010
Contacto:
maiaragraziellapsy@yahoo.com.br
RESUMO
A importância desde trabalho aflorou de uma inquietação sentida quanto a forma como se
estabelece a análise do sujeito, tanto em psicologia quanto em filosofia clinica, em clínica: pela
“fala”. E já que esta possui uma infinidade de sentidos, tanto na terapia quanto na vida cotidiana,
nada mais justo do que esboçar, sucintamente, como a linguagem se estabelece neste meio, como
é utilizada e compreendida, para que se torne um instrumento de análise e de comunicação. A
linguagem (“fala”) será abordada aqui como um dado de semiose, como sendo uma expressão de
sentimentos e sentidos (no que se refere ao sentido que algo tem para mim), ou ainda, numa outra
significação, de emoções, pois entendemos que para essas expressões virem a tona é necessário
haver uma emoção, um sentimento anterior à expressão; no caso deste trabalho a fala será tomada
especificamente como expressão.
“Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro
nome para a semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.
Sendo uma das ferramentas utilizadas pela filosofia clinica para identificar o que o
partilhante utiliza como canal de expressão, a semiose oferece técnicas para que o filósofo clínico
efetue, no consultório, a transmutação desses dados, o que é nomeado como “tradução”.
Na filosofia clínica, o termo semiose significa, segundo Lúcio Packter, “O que a pessoa usa
para se expressar.” (Packter, 2002, p. 7). Pode ser que, em determinada situação, algo não seja
dado de semiose para a pessoa, mas, com o passar do tempo, a mesma coisa passe a ser, ou seja,
venha a desencadear um sentido ou uma emoção.
É um alívio constatar que uma emoção autêntica, positiva ou não, aquela que às
vezes aperta o seu peito ou o meu, pode vir à tona, expressando, dando sentido ao
que queremos comunicar.
Esses termos que usamos para dar vazão às emoções e aos conceitos são os
Dados de Semiose, extremamente originais e singulares, e que constituem
elementos de transição entre as Estruturas de Pensamento e os Submodos. [...]
Talvez a palavra ‘alívio’ seja uma das mais adequadas para sintetizar a
pertinência, a importância, deste tópico no cotidiano de muitos seres humanos
(Packter, 2002, p. 3).
Tudo no partilhante pode ser um dado de semiose, pensado enquanto expressão ou sentido.
Se o partilhante fala, ele irá exprimir um determinado sentido nessa fala, se ele chora, um outro
sentido, mesmo que esteja falando as mesmas coisas. A questão é que ele se expressa e ao se
exprimir ele irá postular um sentido nessa expressão. O sentido é um dado muito singular do
partilhante, no entanto, o filósofo clínico pode tentar identificar esses sentidos construindo a sua
estrutura do pensamento. Isso pode caracterizar o sentido como um dado de semiose, contido
numa estrutura do pensamento.
O problema que queremos apontar aqui, é que o sentido-expressão não pode ser apenas uma
estrutura do pensamento, ele é mais do que isso, ele é a própria estrutura clínica em que o
partilhante e o filósofo clínico estão inseridos.
Podemos verificar algo parecido com o que queremos apontar em um outro trabalho em
clínica: a psicanálise. Embora a psicanálise não trabalhe propriamente com o conceito de
semiose, podemos fazer uma relação com os conceitos de fala, ou linguagem que é uma
expressão de sentimentos, emoções e signos.
Neste âmbito, a semiose na psicanálise tem alguns pontos de distanciamento da filosofia
clinica. Podemos dizer que o tópico da semiose da filosofia clinica estaria colocado em primeiro
lugar na psicanálise, pois a principal expressão que a psicanálise usa é a linguagem, a qual é
atribuída a principal ênfase, por dar acesso às emoções do paciente, emoções estas conscientes e
inconscientes. Isso não quer dizer que os outros dados de semiose são deixados de fora, eles
também são investigados em clinica, mas a fala tem uma conotação de maior importância, a qual
dá uma base concreta para a investigação das emoções expressas pelo paciente. “A psicanálise
tem uma relação imediata e necessária com a linguagem, como processo terapêutico funda-se
numa troca de palavras, e é através desse único instrumento que a cura se elabora” (Castro, 1992,
p.5).
O inconsciente se expressa na fala, sem conhecimento da intenção do sujeito e além de seu
conhecimento consciente, pois, o sujeito não tem acesso ao inconsciente, assim não sabe como
burlá-lo. Este processo de expressão do inconsciente pode se dar pela denegação1 . A denegação
é o fenômeno do dito negativo que deve ser entendido de forma afirmativa, isto é, a forma da
verdade inconsciente se revelar e se ocultar ao mesmo tempo, o desejo recalcado é formulado
verbalmente. Contudo, o sujeito dele se defende negando que este lhe pertença. Aqui podemos
notar o que se pode chamar de “multivocidade” da linguagem.
Este aspecto transcende o aspecto clinico da psicanálise, seu estudo deve levar em conta sua
articulação metapsicológica e seus fenômenos filosóficos. “Pela palavra temos a coisa na sua
ausência, e, mais, a coisa tem que estar ausente para ser representada” (Castro, 1992, p.69).
Pela palavra eu posso ter a experiência de algo que já se passou há algum tempo, por
exemplo: alguém pode me falar um nome e através desse nome posso lembrar-me de uma
situação que pode me valer muito, tanto para um sentimento de saudade como para relembrar
algo que tenha ficado recalcado no passado.
1
Não nos aprofundaremos nos termos da denegação, apenas o utilizaremos para criar um elo pouco consistente, para
explanar essa exteriorização do inconsciente.
conscientes, mas não há dúvida de que produzem todos os seus efeitos quando
em estado inconsciente. (Freud, vol. V, 1900-1901, p. 570)
Esta citação explicita a idéia de que os desejos inconscientes continuam a existir e gerar
efeitos no aparelho psíquico, fazendo-nos supor que os desejos inconscientes estão sempre em
estado de alerta para encontrar um caminho ou um dado de semiose para o acesso à expressão.
Nas obras de Freud, podemos notar claramente a ênfase que ele dá ao inconsciente,
portanto, essa exteriorização do inconsciente pode ser notada por meio da linguagem, dos sonhos,
das pulsões, dos atos falhos e dos mecanismos de defesa. Todas essas exteriorizações se dão pela
linguagem e por outros dados de semiose, ou de expressão.
Aqui é o ponto onde podemos ter um parâmetro de comparação entre os dois tipos de
análise, entre os dois tipos de clínica que, embora tenham aspectos diferentes, possuem princípios
muito semelhantes. O inconsciente, que envia mensagens ao consciente através de pequenos
dados de semiose (através de certas emoções, sentidos ou expressões muito particulares), é um
ponto de relação com aquilo que queremos designar como “dado de semiose alargado” em
filosofia clínica. Para isso precisaremos nos utilizar de uma caracterização muito singular a
respeito do sentido: o “sentido-acontecimento” de Gilles Deleuze.
Antes, porém, de nos determos na análise deleuziana a respeito do sentido, se faz necessária
uma pequena iniciação a esta comparação dentro de um ambiente mais prático, ou seja, mas
reservado à clínica.
Começaremos por explorar a prática da Filosofia Clinica. Nesta prática, para investigar se
há dados de semiose na situação problemática que a pessoa traz o trabalho do filósofo clínico, em
primeiro lugar, é: traçar a historicidade de seu cliente, do dia do seu nascimento até os dias
atuais, dessa forma terá acesso à estrutura do pensamento do partilhante. Da estrutura do
pensamento fazem parte 30 tópicos, conforme a teoria de Lucio, quais sejam: como o mundo
parece (fenomenologicamente); o que acha de si mesmo; sensorial & abstrato; emoções; pré
juízos; termos agendados no intelecto; termos: universal, particular e singular; termos: unívoco &
incompleto; estruturação de raciocínio; busca; paixões dominantes; comportamentos & função;
espacialidade: inversão, recíproca de inversão, deslocamento curto e deslocamento longo;
semiose; significado; padrão & armadilha conceitual; axiologia; tópico de singularidade
existencial; epistemologia; expressividade; papel existencial; ação; hipótese; experimentação;
saídas da mãe que certamente produziam desprazer para a criança, eram compensadas pela
representação lúdica, que por sua vez favorecia o acesso à linguagem da criança.
Pela linguagem institui-se uma distância do real, que pode então ser simbolizado. Como no
exemplo da criança, a linguagem torna algo presente na sua ausência, e esta é a sua condição de
possibilidade à distância. Sendo assim uma presença feita de ausência. (Castro, 1992).
Embora a psicanálise não trabalhe exatamente o conceito de semiose, para tal teoria, como
já foi dito, a expressão tem grande importância em clínica, como também oferece material
técnico e corpo teórico expansivo sobre.
Partindo para a terceira instancia deste trabalho, aprofundaremos o conceito de semiose,
nos postando diante do foco dos sentidos e emoções, estes que são expressos pela linguagem e
que na clínica são de suma importância para o trabalho terapêutico.
A proposição possui, segundo Deleuze, três dimensões, que estão sempre em relação, estas
dimensões são: designação, manifestação e significação.
A primeira delas é denominada designação ou indicação, aquilo que indicamos ou
nomeamos, uma união das coisas do mundo com as palavras, já que é com palavras que
indicamos as coisas. Unimos os signos lingüísticos aos estados de coisas existentes. Neste
panorama, existe um designante, ou representante, que seria o signo lingüístico e um designado,
que seria o estado de coisas que esta sendo representado. A indicação se dá, assim, por meio de
alguns designantes, tais como: isto, aquilo, ele, ontem, etc. Portanto, surgem aqui as indicações
2
Não nos deteremos aqui a toda à crítica que Deleuze faz à Imagem Dogmática do Pensamento e nem à crítica ao
modelo do juízo. Portanto, este trabalho não adentrará detalhadamente nas questões preliminares do sentido, mas
especificamente na sua análise do sentido perante a proposição.
de falsidade e verdade; sendo que uma representação de coisas por palavras quando se dá
satisfatoriamente esta proposição pode ser indicada como verdadeira, e insatisfatoriamente será
falsa.
A segunda dimensão é a manifestação, que trata “[...] da relação da proposição ao sujeito
que fala e que se exprime. A manifestação se apresenta pois como o enunciado dos desejos e das
crenças que correspondem à proposição” (Deleuze, 1998, p. 14). Assim, a manifestação se coloca
como uma referência ao subjetivo, já que é ele que manifesta uma proposição, e, segundo
Deleuze, o eu seria o manifestante de base, ou seja, todo o sujeito que manifesta, é, na verdade,
uma manifestação de um eu. Podemos dizer que a manifestação poderia ser dita anterior a
designação, já que a manifestação parece propiciar esta. Diferente da dimensão anterior, na
manifestação há a certeza e o engano, ao invés da verdade e da falsidade. A certeza se daria no
caso de o que é dito ter uma concordância adequada, ou seja, se o sujeito possui uma
correspondência com um predicado.
A terceira dimensão é a significação e trata do sistema lingüístico, este sistema é regido
pelas normas ou regras gramaticais como: conceitos universais, gramática etc. Estas regras
proporcionam as relações entre as proposições. A significação é responsável pela relação entre as
proposições, os caracteres especiais desta são: implica, se, logo, etc. A significação faz com que
as premissas se relacionem com a conclusão, ou seja, que a proposição tenha uma estrutura
lógica.
Para Deleuze, este esboço não é consistente para fundamentar uma “ontologia
proposicional”, já que as três dimensões servem de fundamento uma para a outra, ou seja, estão
num círculo proposicional. As condições de possibilidade para que o sistema se funde, não surge
de outra coisa além do círculo. Portanto, será necessária ainda outra dimensão para fazer as vezes
destas condições de possibilidade, esta dimensão é a que nos interessa. Ela não depende de
nenhuma das outras, e é a mais importante dentre as dimensões da proposição. Esta dimensão,
segundo Deleuze, é o sentido.
O sentido pode ser entendido como algo incorporal, o qual proporciona e fundamenta os
outros elementos proposicionais, que são corporais. Para Deleuze, o sentido é acontecimento, já
que é ele que torna possíveis os estados de coisas e a própria linguagem, onde existe: um sujeito
que inicia a fala que é o manifestante; aquilo do que ou sobre o que se fala, o designado; e o
aquilo que proporciona a relação das falas, a significação. Mas, o acontecimento não se inclui
nessa relação, ele esta no limite delas.
O sentido é denominado de acontecimento e definido como o expresso na proposição.
[...] ele pertence de tal forma à linguagem, habita-a tanto que não existe fora das
proposições que o exprimem. Mas ele não se confunde com elas, o expresso não
se confunde com a expressão. Não lhe preexiste, mas lhe pré-insiste, assim, lhe
dá fundamento e condição (Deleuze, 1998, p. 187).
O sentido é incorporal e esta na superfície das coisas, porém, não é visível, nem palpável, é
o acontecimento puro que insiste ou subsiste na proposição (Deleuze, 1969).
“A quarta dimensão da proposição, denominada por Deleuze como expressão, é, desta
forma, a dimensão do sentido” (Favreto, 2007, p. 160).
[...] o sentido é sempre um efeito. Não somente um efeito no sentido causal; mas
um efeito no sentido de “efeito óptico”, “efeito sonoro”, ou melhor, efeito de
superfície, efeito de posição, efeito de linguagem. Um tal efeito não é em
absoluto uma aparência ou uma ilusão; é um produto que se estende ou se alonga
na superfície e que é estritamente co-presente, coextensivo à sua própria causa e
que determina esta causa como causa imanente, inseparável de seus efeitos, puro
nihil ou x fora de seus efeitos (Deleuze, 1998, p. 73).
Perante o panorama apresentado acima, podemos verificar que o sentido é muito mais do
que a simples linguagem, do que a fala. O sentido é, para o nosso entendimento em clínica, as
próprias condições de possibilidade para que qualquer proposição possa existir, ou melhor, para
que a própria linguagem seja possível. Desta forma, podemos dizer que o sentido é algo mais
fundamental que a linguagem ou que qualquer outra forma de expressão de um sujeito. A
semiose, portanto, não pode ser relegada um papel pequeno em clínica, pelo contrário, os dados
de semiose devem exercer o principal dado de análise para um filósofo clínico ou para um
psicanalista. Estudar os dados de semiose é estudar as condições de possibilidade para que tais
acontecimentos estejam afligindo tal subjetividade.
Podemos perceber, por esta visão da filosofia deleuziana, que o processo terapêutico no
âmbito da semiose como foi colocada pela Filosofia Clinica parece impossível; pois a
“expressão” é um sentido-acontecimento, assim este não pode ser definido, segundo Deleuze,
como se ele se definisse em uma categoria. Pelo contrário, ele é muito mais abrangente e não
pode ser encontrado fixo a nada, nem mesmo no “nada”, pois ele esta sobre a superfície, no
limite das coisas, portanto, não se define em um tópico ou categorias; nem mesmo como Freud
defendeu na linguagem, ele está na linguagem na medida em que são as suas condições de
possibilidade, mas não é a própria linguagem.
Através da teoria de Deleuze poderíamos resumir os 30 tópicos da estrutura do pensamento
da Filosofia clinica, nas três dimensões da proposição: designação, manifestação e significação.
Desta forma, não seriam mais 30 tópicos e sim 29, pois o dado de semiose entraria na quarta
dimensão e, portanto, não caberia dentro dos tópicos, pois englobaria o processo todo, como o
Ser em sua plenitude. 3
Na teoria psicanalítica, a expressão tem uma conotação mais importante, a linguagem que
expressa um sentido esta no inconsciente. Para Deleuze, isso também não seria possível, visto
que, embora a psicanálise seja a que mais se aproxime a esta visão, não é possível reportar o
sentido ao inconsciente, já que ele estaria ainda num âmbito de subjetividade prévia e não de
condições de possibilidade para que o próprio sujeito da manifestação apareça. 4
3
Como nossa intenção aqui não é criar uma nova teoria respaldada em categorias e tópicos, não esboçaremos como
ficariam esses 29 tópicos nesta interpretação da filosofia clínica sob a ótica deleuziana, até mesmo porque fugiria da
nossa discussão, que é tornar mais expansiva a análise de alguns conceitos utilizados em clínica e não reduzí-las a
alguns conceitos que parecem ser universais.
4
A visão psicanalítica, apesar de ter algumas semelhanças com o olhar de Deleuze, já que lança o inconsciente como
algo que possibilita, mas que está inacessível, ela retoma um dado subjetivo, ela retoma algo que não aparece no
sentido-acontecimento. O inconsciente funda uma subjetividade, ela não funda qualquer identidade, mas uma em
específico. O que Deleuze tenta pensar é justamente nas condições de possibilidade do próprio sujeito e não no
sujeito como condição de possibilidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTRO, Eliana de Moura. Psicanálise e Linguagem. São Paulo: Editora Ática, 1992.
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio
de Janeiro: Graal, 2006.
______________. Lógica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas. 4. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1998.