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Simiose

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[Trabalho de Curso] 

A UTILIZAÇÃO DOS DADOS DE SEMIOSE


PARA O TRATAMENTO TERAPÊUTICO
EM FILOSOFIA CLÌNICA E PSICANÁLISE

2010

Maiara Graziella Nardi


Faculdade ITECNE de Cascavel Paraná, Brasil.
Discente do programa de pós-graduação em Filosofia, educação e existência, uma contribuição da Filosofia
Clinica do Itecne. Graduada em Psicologia pela Unipan e graduanda em Filosofia pela Unioeste – Toledo.

Contacto:
maiaragraziellapsy@yahoo.com.br

RESUMO

Este trabalho se destina a atender as exigências do Curso de Pós Graduação em Filosofia,


Educação e Existência, uma contribuição da Filosofia Clinica, da Instituição de Ensino ITECNE.
Tendo como objetivo principal a questão da semiose no tratamento terapêutico. Em uma primeira
instância, esta pesquisa abordará o que é a semiose, na psicanálise com Freud e na Filosofia Clinica
com Lúcio Packter. Seguidamente, será feita uma relação entre as principais características das duas
linhas, abordando suas teorias e forma de atuação. Por fim, em terceira instância, iremos alargar o
conceito de sentido e emoção, com a colaboração de Deleuze em uma relação com o conceito de
semiose e as teorias de Freud e Lúcio.

Palavras-chave: Semiose, linguagem, emoção, sentido.

1. O QUE É SEMIOSE (SEMIÓTICA) E A SUA RELAÇÃO COM A CLÍNICA

A importância desde trabalho aflorou de uma inquietação sentida quanto a forma como se
estabelece a análise do sujeito, tanto em psicologia quanto em filosofia clinica, em clínica: pela
“fala”. E já que esta possui uma infinidade de sentidos, tanto na terapia quanto na vida cotidiana,
nada mais justo do que esboçar, sucintamente, como a linguagem se estabelece neste meio, como
é utilizada e compreendida, para que se torne um instrumento de análise e de comunicação. A
linguagem (“fala”) será abordada aqui como um dado de semiose, como sendo uma expressão de

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sentimentos e sentidos (no que se refere ao sentido que algo tem para mim), ou ainda, numa outra
significação, de emoções, pois entendemos que para essas expressões virem a tona é necessário
haver uma emoção, um sentimento anterior à expressão; no caso deste trabalho a fala será tomada
especificamente como expressão.

“Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro
nome para a semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos”.

(Peirce, 1995, p. 44)

Sendo uma das ferramentas utilizadas pela filosofia clinica para identificar o que o
partilhante utiliza como canal de expressão, a semiose oferece técnicas para que o filósofo clínico
efetue, no consultório, a transmutação desses dados, o que é nomeado como “tradução”.
Na filosofia clínica, o termo semiose significa, segundo Lúcio Packter, “O que a pessoa usa
para se expressar.” (Packter, 2002, p. 7). Pode ser que, em determinada situação, algo não seja
dado de semiose para a pessoa, mas, com o passar do tempo, a mesma coisa passe a ser, ou seja,
venha a desencadear um sentido ou uma emoção.

É um alívio constatar que uma emoção autêntica, positiva ou não, aquela que às
vezes aperta o seu peito ou o meu, pode vir à tona, expressando, dando sentido ao
que queremos comunicar.

Esses termos que usamos para dar vazão às emoções e aos conceitos são os
Dados de Semiose, extremamente originais e singulares, e que constituem
elementos de transição entre as Estruturas de Pensamento e os Submodos. [...]

Talvez a palavra ‘alívio’ seja uma das mais adequadas para sintetizar a
pertinência, a importância, deste tópico no cotidiano de muitos seres humanos
(Packter, 2002, p. 3).

Tudo no partilhante pode ser um dado de semiose, pensado enquanto expressão ou sentido.
Se o partilhante fala, ele irá exprimir um determinado sentido nessa fala, se ele chora, um outro
sentido, mesmo que esteja falando as mesmas coisas. A questão é que ele se expressa e ao se
exprimir ele irá postular um sentido nessa expressão. O sentido é um dado muito singular do
partilhante, no entanto, o filósofo clínico pode tentar identificar esses sentidos construindo a sua
estrutura do pensamento. Isso pode caracterizar o sentido como um dado de semiose, contido
numa estrutura do pensamento.

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O problema que queremos apontar aqui, é que o sentido-expressão não pode ser apenas uma
estrutura do pensamento, ele é mais do que isso, ele é a própria estrutura clínica em que o
partilhante e o filósofo clínico estão inseridos.
Podemos verificar algo parecido com o que queremos apontar em um outro trabalho em
clínica: a psicanálise. Embora a psicanálise não trabalhe propriamente com o conceito de
semiose, podemos fazer uma relação com os conceitos de fala, ou linguagem que é uma
expressão de sentimentos, emoções e signos.
Neste âmbito, a semiose na psicanálise tem alguns pontos de distanciamento da filosofia
clinica. Podemos dizer que o tópico da semiose da filosofia clinica estaria colocado em primeiro
lugar na psicanálise, pois a principal expressão que a psicanálise usa é a linguagem, a qual é
atribuída a principal ênfase, por dar acesso às emoções do paciente, emoções estas conscientes e
inconscientes. Isso não quer dizer que os outros dados de semiose são deixados de fora, eles
também são investigados em clinica, mas a fala tem uma conotação de maior importância, a qual
dá uma base concreta para a investigação das emoções expressas pelo paciente. “A psicanálise
tem uma relação imediata e necessária com a linguagem, como processo terapêutico funda-se
numa troca de palavras, e é através desse único instrumento que a cura se elabora” (Castro, 1992,
p.5).
O inconsciente se expressa na fala, sem conhecimento da intenção do sujeito e além de seu
conhecimento consciente, pois, o sujeito não tem acesso ao inconsciente, assim não sabe como
burlá-lo. Este processo de expressão do inconsciente pode se dar pela denegação1 . A denegação
é o fenômeno do dito negativo que deve ser entendido de forma afirmativa, isto é, a forma da
verdade inconsciente se revelar e se ocultar ao mesmo tempo, o desejo recalcado é formulado
verbalmente. Contudo, o sujeito dele se defende negando que este lhe pertença. Aqui podemos
notar o que se pode chamar de “multivocidade” da linguagem.
Este aspecto transcende o aspecto clinico da psicanálise, seu estudo deve levar em conta sua
articulação metapsicológica e seus fenômenos filosóficos. “Pela palavra temos a coisa na sua
ausência, e, mais, a coisa tem que estar ausente para ser representada” (Castro, 1992, p.69).
Pela palavra eu posso ter a experiência de algo que já se passou há algum tempo, por
exemplo: alguém pode me falar um nome e através desse nome posso lembrar-me de uma
situação que pode me valer muito, tanto para um sentimento de saudade como para relembrar
algo que tenha ficado recalcado no passado.

[...] Nossas lembranças – sem excetuar as que estão mais profundamente


gravadas em nossa psique – são inconscientes em si mesmas. Podem tornar-se

1
Não nos aprofundaremos nos termos da denegação, apenas o utilizaremos para criar um elo pouco consistente, para
explanar essa exteriorização do inconsciente.

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conscientes, mas não há dúvida de que produzem todos os seus efeitos quando
em estado inconsciente. (Freud, vol. V, 1900-1901, p. 570)

Esta citação explicita a idéia de que os desejos inconscientes continuam a existir e gerar
efeitos no aparelho psíquico, fazendo-nos supor que os desejos inconscientes estão sempre em
estado de alerta para encontrar um caminho ou um dado de semiose para o acesso à expressão.
Nas obras de Freud, podemos notar claramente a ênfase que ele dá ao inconsciente,
portanto, essa exteriorização do inconsciente pode ser notada por meio da linguagem, dos sonhos,
das pulsões, dos atos falhos e dos mecanismos de defesa. Todas essas exteriorizações se dão pela
linguagem e por outros dados de semiose, ou de expressão.
Aqui é o ponto onde podemos ter um parâmetro de comparação entre os dois tipos de
análise, entre os dois tipos de clínica que, embora tenham aspectos diferentes, possuem princípios
muito semelhantes. O inconsciente, que envia mensagens ao consciente através de pequenos
dados de semiose (através de certas emoções, sentidos ou expressões muito particulares), é um
ponto de relação com aquilo que queremos designar como “dado de semiose alargado” em
filosofia clínica. Para isso precisaremos nos utilizar de uma caracterização muito singular a
respeito do sentido: o “sentido-acontecimento” de Gilles Deleuze.
Antes, porém, de nos determos na análise deleuziana a respeito do sentido, se faz necessária
uma pequena iniciação a esta comparação dentro de um ambiente mais prático, ou seja, mas
reservado à clínica.

2. PRINCIPAIS RELAÇÕES CLÍNICAS ENTRE A FILOSOFIA CLÍNICA E A


PSICANÁLISE NO ÂMBITO DA SEMIOSE

Começaremos por explorar a prática da Filosofia Clinica. Nesta prática, para investigar se
há dados de semiose na situação problemática que a pessoa traz o trabalho do filósofo clínico, em
primeiro lugar, é: traçar a historicidade de seu cliente, do dia do seu nascimento até os dias
atuais, dessa forma terá acesso à estrutura do pensamento do partilhante. Da estrutura do
pensamento fazem parte 30 tópicos, conforme a teoria de Lucio, quais sejam: como o mundo
parece (fenomenologicamente); o que acha de si mesmo; sensorial & abstrato; emoções; pré
juízos; termos agendados no intelecto; termos: universal, particular e singular; termos: unívoco &
incompleto; estruturação de raciocínio; busca; paixões dominantes; comportamentos & função;
espacialidade: inversão, recíproca de inversão, deslocamento curto e deslocamento longo;
semiose; significado; padrão & armadilha conceitual; axiologia; tópico de singularidade
existencial; epistemologia; expressividade; papel existencial; ação; hipótese; experimentação;

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princípios de verdade; analise da estrutura; interseções de estrutura de pensamento; dados da


matemática simbólica; e autogenia.
O filosofo clínico fará uma análise, se os dados de semiose possuem prioridade para a
pessoa ou se existem outros pontos primordiais a serem trabalhados. Esses pontos primordiais
podem se resumir num caso de existir um tópico de maior prioridade, que será trabalhado
primeiramente. Ao considerar as inter-relações entre os tópicos que compõem a estrutura de
pensamento, o filósofo clínico embrenhar-se-á em constatações que lhe permitem uma
compreensão apurada de alguns fenômenos.
Vamos expor um exemplo, usado por Lúcio em seu livro Semiose, que tornará mais fácil a
compreensão: na estrutura de pensamento de Maria, a necessidade de amor é determinante, bem
como é quase tão determinante a fé que ela tem em Deus, mas os dados de semiose são apenas
periféricos. Um esboço de sua estrutura de pensamento seria: emoções + prejuízos + semiose.
Então, estamos atentos para três tópicos específicos que se associam na historicidade dela. Para
Maria será irrelevante, provavelmente, receber amor pelos dados de semiose falado, escrito ou
tátil, para ela o determinante é de fato vivenciar o amor que precisa. O dado de semiose aqui é
somente um coadjuvante, sua propriedade consiste em ser um elo.
Se o dado de semiose fosse determinante, sua propriedade iria, além disso, exigir uma
especificidade como o toque físico: sensorial + emoção + semiose.
Na teoria psicanalítica, em contrapartida, o trabalho clínico é denominado de “associação
livre”. Esse trabalho é feito primeiramente pela fala do paciente, pois, para Freud, a linguagem
organiza o pensamento, as imagens de si e do mundo são constituídas pela mediação de outra
pessoa, mas especificamente o terapeuta ou psicanalista. Diante disso, a associação livre consiste
em libertar o sujeito de idéias intencionais desconhecidas, ou seja, inconscientes, tornando-as
conscientes.
É pedido ao paciente que fale tudo o que lhe vier à mente, evitando qualquer tipo de
censura, de modo a verbalizar os pensamentos involuntários que irrompem no curso de uma
narrativa. Para o analista os fenômenos mentais têm significação e estão dispostos em ordem
lógica - o curso das idéias involuntárias toma seu lugar na rede de conexões causais. Desse modo,
reduz-se o aparente contra-senso presente na narrativa. “[...] a linguagem serve não só para
expressar os próprios pensamentos, mas essencialmente, para comunicá-los a outrem [...]”
(Freud, 1910, vol. XI, p.143).
Castro, em seu livro “Psicanálise da Linguagem”, retoma o livro “Além do Princípio do
Prazer”, de 1920, no qual Freud representa a substituição de uma vivencia dolorosa, a ausência
da mãe, por símbolos. A brincadeira continuamente repetida se dava em atirar longe os
brinquedos da criança, este movimento é acompanhado por um som que representa a palavra que
significa longe, tem ido embora. Quando o objeto era puxado e reaparecia era dito outro som que
significa eis ai. Pelo fato da brincadeira ser repetitiva a criança se acostuma com aquilo, assim as

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saídas da mãe que certamente produziam desprazer para a criança, eram compensadas pela
representação lúdica, que por sua vez favorecia o acesso à linguagem da criança.
Pela linguagem institui-se uma distância do real, que pode então ser simbolizado. Como no
exemplo da criança, a linguagem torna algo presente na sua ausência, e esta é a sua condição de
possibilidade à distância. Sendo assim uma presença feita de ausência. (Castro, 1992).
Embora a psicanálise não trabalhe exatamente o conceito de semiose, para tal teoria, como
já foi dito, a expressão tem grande importância em clínica, como também oferece material
técnico e corpo teórico expansivo sobre.
Partindo para a terceira instancia deste trabalho, aprofundaremos o conceito de semiose,
nos postando diante do foco dos sentidos e emoções, estes que são expressos pela linguagem e
que na clínica são de suma importância para o trabalho terapêutico.

3. OS DADOS DE SEMIOSE COMO PORTAS PARA A EXTERIORIZAÇÃO DOS


SENTIDOS E EMOÇÕES

Como se pôde observar no capitulo anterior, há uma diferenciação na utilização da semiose


nas linhas pesquisadas. Parece que a filosofia clinica dá uma ênfase menor a ela, e a relega uma
determinação para o processo terapêutico apenas quando este tópico aparece associado em uma
primeira instancia com a estrutura do pensamento. Já para a psicanálise parece que os dados de
semiose são fundamentais para o inicio e para todo o resto do processo de analise. O dado de
semiose seria, portanto, aquilo que acompanha a fala.
Não quero aqui apenas apontar uma comparação entre ambas as teorias e ressaltar que o
sentido da teoria da Filosofia Clinica seja menos abrangente que a teoria psicanalítica. Quero sim
trazer uma nova forma de pensarmos a semiose (e com ela o sentido e a expressão) dentro da
teoria da Filosofia Clínica. Assim, tal teoria parece criar uma grande dúvida no sentido de relegar
aos dados de semiose uma segunda ou terceira instancia, enquanto que estes parecem ser de vital
importância para se pensar a clínica em si. Por exemplo, para termos acesso à historicidade de
um partilhante, estes dados terão que se apresentar a nos como uma forma de expressão, ou então
não teremos acesso nenhum a eles.
Esta historicidade será carregada de sentidos (expressão) e emoções para este partilhante,
como também para o filosofo clinico, portanto, esse tópico não deveria estar associado apenas a
estrutura de pensamento, ele faz parte da própria clínica, da análise, do quadro ao qual tanto o
partilhante quanto o clínico estão inseridos.

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Em relação à estrutura do pensamento, portanto fica difícil pensar esses tópicos


separadamente, no sentido que uns terem maior prioridade e outros menor, como se todos os
seres humanos se enquadrassem em algo completo e acabado.
Perante este panorama da Filosofia Clinica, para tentarmos evitar o problema de relegar a
semiose um dado muito pequeno em clínica, precisamos “alargar” o conceito e a função de
semiose. Isso nos renderá uma idéia maior do conjunto de singularidades que é o humano em
análise (partilhante). Para tanto, utilizaremos aqui o sentido como acontecimento de Gilles
Deleuze.

3.1. O sentido-acontecimento de Gilles Deleuze

Para a explicação do sentido, adentraremos especificamente no desenvolvimento da teoria


deleuziana baseada na proposição, para que possamos compreender melhor o que ele chama de
sentido-acontecimento2.

O modelo da proposição se distingue do modelo do juízo por não se pautar mais a


partir de uma analogia, mas de um sentido único, a univocidade. Enquanto que o
modelo do juízo não se regula na proposição mesma, já que tenta pensar o juízo
que se faz da proposição enunciada; o modelo da proposição reivindica o sentido
como parte da proposição, ou como uma nova dimensão desta. Pensar a
proposição e as suas dimensões é, muitas vezes, se deitar sobre os paradoxos que
a linguagem nos reserva; não fugir deles, mas reivindicá-los como parte
integrante de uma lógica do sentido, é reconhecer que a proposição pode nos
permitir pensar o próprio Ser, pode nos levar a uma ontologia mesma. (Favreto,
2007, p.154)

A proposição possui, segundo Deleuze, três dimensões, que estão sempre em relação, estas
dimensões são: designação, manifestação e significação.
A primeira delas é denominada designação ou indicação, aquilo que indicamos ou
nomeamos, uma união das coisas do mundo com as palavras, já que é com palavras que
indicamos as coisas. Unimos os signos lingüísticos aos estados de coisas existentes. Neste
panorama, existe um designante, ou representante, que seria o signo lingüístico e um designado,
que seria o estado de coisas que esta sendo representado. A indicação se dá, assim, por meio de
alguns designantes, tais como: isto, aquilo, ele, ontem, etc. Portanto, surgem aqui as indicações
2
Não nos deteremos aqui a toda à crítica que Deleuze faz à Imagem Dogmática do Pensamento e nem à crítica ao
modelo do juízo. Portanto, este trabalho não adentrará detalhadamente nas questões preliminares do sentido, mas
especificamente na sua análise do sentido perante a proposição.

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de falsidade e verdade; sendo que uma representação de coisas por palavras quando se dá
satisfatoriamente esta proposição pode ser indicada como verdadeira, e insatisfatoriamente será
falsa.
A segunda dimensão é a manifestação, que trata “[...] da relação da proposição ao sujeito
que fala e que se exprime. A manifestação se apresenta pois como o enunciado dos desejos e das
crenças que correspondem à proposição” (Deleuze, 1998, p. 14). Assim, a manifestação se coloca
como uma referência ao subjetivo, já que é ele que manifesta uma proposição, e, segundo
Deleuze, o eu seria o manifestante de base, ou seja, todo o sujeito que manifesta, é, na verdade,
uma manifestação de um eu. Podemos dizer que a manifestação poderia ser dita anterior a
designação, já que a manifestação parece propiciar esta. Diferente da dimensão anterior, na
manifestação há a certeza e o engano, ao invés da verdade e da falsidade. A certeza se daria no
caso de o que é dito ter uma concordância adequada, ou seja, se o sujeito possui uma
correspondência com um predicado.
A terceira dimensão é a significação e trata do sistema lingüístico, este sistema é regido
pelas normas ou regras gramaticais como: conceitos universais, gramática etc. Estas regras
proporcionam as relações entre as proposições. A significação é responsável pela relação entre as
proposições, os caracteres especiais desta são: implica, se, logo, etc. A significação faz com que
as premissas se relacionem com a conclusão, ou seja, que a proposição tenha uma estrutura
lógica.
Para Deleuze, este esboço não é consistente para fundamentar uma “ontologia
proposicional”, já que as três dimensões servem de fundamento uma para a outra, ou seja, estão
num círculo proposicional. As condições de possibilidade para que o sistema se funde, não surge
de outra coisa além do círculo. Portanto, será necessária ainda outra dimensão para fazer as vezes
destas condições de possibilidade, esta dimensão é a que nos interessa. Ela não depende de
nenhuma das outras, e é a mais importante dentre as dimensões da proposição. Esta dimensão,
segundo Deleuze, é o sentido.
O sentido pode ser entendido como algo incorporal, o qual proporciona e fundamenta os
outros elementos proposicionais, que são corporais. Para Deleuze, o sentido é acontecimento, já
que é ele que torna possíveis os estados de coisas e a própria linguagem, onde existe: um sujeito
que inicia a fala que é o manifestante; aquilo do que ou sobre o que se fala, o designado; e o
aquilo que proporciona a relação das falas, a significação. Mas, o acontecimento não se inclui
nessa relação, ele esta no limite delas.
O sentido é denominado de acontecimento e definido como o expresso na proposição.

[...] ele pertence de tal forma à linguagem, habita-a tanto que não existe fora das
proposições que o exprimem. Mas ele não se confunde com elas, o expresso não

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se confunde com a expressão. Não lhe preexiste, mas lhe pré-insiste, assim, lhe
dá fundamento e condição (Deleuze, 1998, p. 187).

O sentido é incorporal e esta na superfície das coisas, porém, não é visível, nem palpável, é
o acontecimento puro que insiste ou subsiste na proposição (Deleuze, 1969).
“A quarta dimensão da proposição, denominada por Deleuze como expressão, é, desta
forma, a dimensão do sentido” (Favreto, 2007, p. 160).

O sentido, o expresso da proposição, seria pois irredutível seja aos estados de


coisas individuais, às imagens particulares, às crenças pessoais e aos conceitos
universais e gerais. Os Estóicos souberam muito bem como dizê-lo: nem palavra,
nem corpo, nem representação sensível, nem representação racional. Mais do que
isto: o sentido seria, talvez, “neutro”, indiferente por completo tanto ao particular
como ao geral, ao singular como ao universal, ao pessoal e ao impessoal. Ele
seria de uma outra natureza (Deleuze, 1998, p. 20).

Assim se forma o conceito de sentido-acontecimento, de natureza incorporal, ele possibilita


o contato da linguagem com as coisas designadas, mas não se confunde nem com a linguagem
nem com as coisas, pois não é corpóreo ou sensível.
A natureza do sentido-acontecimento é “extra-ser” e não apenas a mera existência. “[...] é
este ‘extra-ser’ que configura toda a existência sensível dos estados de coisas e toda a existência
proposicional dos conceitos universais e da proposição na qual ele se expressa” (Favreto, 2007,
p. 161).
O acontecimento não pode ser dito como Ente, Ser ou Nada; ele é o atributo, o “extra-ser”
e o expresso.

[...] o sentido é sempre um efeito. Não somente um efeito no sentido causal; mas
um efeito no sentido de “efeito óptico”, “efeito sonoro”, ou melhor, efeito de
superfície, efeito de posição, efeito de linguagem. Um tal efeito não é em
absoluto uma aparência ou uma ilusão; é um produto que se estende ou se alonga
na superfície e que é estritamente co-presente, coextensivo à sua própria causa e
que determina esta causa como causa imanente, inseparável de seus efeitos, puro
nihil ou x fora de seus efeitos (Deleuze, 1998, p. 73).

O sentido-acontecimento, portanto, é aquilo que possibilita toda e qualquer experiência,


mas ele mesmo não é experienciável. O sentido é aquilo que possibilita qualquer sistema
lingüístico, mas ele mesmo não faz parte de nenhum sistema lingüístico.

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3.2. O sentido-acontecimento como semiose

Perante o panorama apresentado acima, podemos verificar que o sentido é muito mais do
que a simples linguagem, do que a fala. O sentido é, para o nosso entendimento em clínica, as
próprias condições de possibilidade para que qualquer proposição possa existir, ou melhor, para
que a própria linguagem seja possível. Desta forma, podemos dizer que o sentido é algo mais
fundamental que a linguagem ou que qualquer outra forma de expressão de um sujeito. A
semiose, portanto, não pode ser relegada um papel pequeno em clínica, pelo contrário, os dados
de semiose devem exercer o principal dado de análise para um filósofo clínico ou para um
psicanalista. Estudar os dados de semiose é estudar as condições de possibilidade para que tais
acontecimentos estejam afligindo tal subjetividade.
Podemos perceber, por esta visão da filosofia deleuziana, que o processo terapêutico no
âmbito da semiose como foi colocada pela Filosofia Clinica parece impossível; pois a
“expressão” é um sentido-acontecimento, assim este não pode ser definido, segundo Deleuze,
como se ele se definisse em uma categoria. Pelo contrário, ele é muito mais abrangente e não
pode ser encontrado fixo a nada, nem mesmo no “nada”, pois ele esta sobre a superfície, no
limite das coisas, portanto, não se define em um tópico ou categorias; nem mesmo como Freud
defendeu na linguagem, ele está na linguagem na medida em que são as suas condições de
possibilidade, mas não é a própria linguagem.
Através da teoria de Deleuze poderíamos resumir os 30 tópicos da estrutura do pensamento
da Filosofia clinica, nas três dimensões da proposição: designação, manifestação e significação.
Desta forma, não seriam mais 30 tópicos e sim 29, pois o dado de semiose entraria na quarta
dimensão e, portanto, não caberia dentro dos tópicos, pois englobaria o processo todo, como o
Ser em sua plenitude. 3
Na teoria psicanalítica, a expressão tem uma conotação mais importante, a linguagem que
expressa um sentido esta no inconsciente. Para Deleuze, isso também não seria possível, visto
que, embora a psicanálise seja a que mais se aproxime a esta visão, não é possível reportar o
sentido ao inconsciente, já que ele estaria ainda num âmbito de subjetividade prévia e não de
condições de possibilidade para que o próprio sujeito da manifestação apareça. 4

3
Como nossa intenção aqui não é criar uma nova teoria respaldada em categorias e tópicos, não esboçaremos como
ficariam esses 29 tópicos nesta interpretação da filosofia clínica sob a ótica deleuziana, até mesmo porque fugiria da
nossa discussão, que é tornar mais expansiva a análise de alguns conceitos utilizados em clínica e não reduzí-las a
alguns conceitos que parecem ser universais.

4
A visão psicanalítica, apesar de ter algumas semelhanças com o olhar de Deleuze, já que lança o inconsciente como
algo que possibilita, mas que está inacessível, ela retoma um dado subjetivo, ela retoma algo que não aparece no
sentido-acontecimento. O inconsciente funda uma subjetividade, ela não funda qualquer identidade, mas uma em

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O sentido-acontecimento explica com maior base filosófica a questão da semiose, neste


âmbito clinico, como expressão. A expressão sempre será aquilo que possibilita qualquer
experiência ou entendimento, ou mesmo um sentimento. Num sujeito, podemos ter uma
apresentação mais definida desta expressão como um sentimento ou emoção. Algo que traduza as
suas condições de possibilidade para aquelas disposições as quais ele esta passando.
Este “sentimento” que se for analisado metapsicologicamente, nem o paciente (ou
partilhante) e nem o psicanalista (ou filósofo clínico) tem acesso claramente a ele, ou seja, as
questões: de onde ele vem, o que ele é; não pode ser respondido afinal, ele não é algo existente, e
sim algo que possibilita qualquer existência no humano. Portanto, o terapeuta fazendo uma
analise categorial estará fechando e ontificando o sentido, isto que não é ôntico, mas ontológico.
O sentido estará sendo relegado a um dado existente e não a um dado “existencial” (como aquilo
que possibilita a existência). A visão deleuziana do sentido-acontecimento, portanto, nos fará
ampliar a noção de sentido, não o impondo uma função, uma qualidade ou uma negatividade.
Sendo assim, a análise, assim como para Freud, não teria fim, já que se tivesse acabaria
restringindo a expressão a um mero dado e não a condição desde dado surgir. Devemos pensar o
sentido-acontecimento, a expressão, como um campo mais amplo, aquilo que se coloca como
condição e não como categoria. Na filosofia clinica isso parece se focar totalmente no porque, na
explicação ou na finalidade das expressões e dos sentimentos. Isso nos parece mais um olhar
técnico da própria análise do que propriamente uma visão filosófica, ontológica e
metapsicologica das situações, e da própria condição que leva tal partilhante procurá-lo.
Precisamos perceber que este panorama deleuziano nos leva a ampliar a própria estrutura
clínica da filosofia clinica, já que nos remete a pensar o sentido (e com ele a semiose e os
sentimentos) como acontecimento, ou seja, como a condição de possibilidade para que a própria
clínica seja possível. Assim, uma interpretação categorial da semiose nos leva a caracterizar a
própria condição da clínica como um dado puramente técnico e não filosófico (o que parece ser a
proposta da filosofia clínica).

específico. O que Deleuze tenta pensar é justamente nas condições de possibilidade do próprio sujeito e não no
sujeito como condição de possibilidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi, Roberto Machado. 2. ed. Rio
de Janeiro: Graal, 2006.

______________. Lógica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas. 4. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1998.

FAVRETO, Elemar Kleber. Deleuze e a univocidade do Ser - Um novo agenciamento para


uma filosofia da diferença. Toledo: [s.n.], 2007. (Dissertação de mestrado – Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Centro de
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FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de


Sigmund Freud. Vol. V. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996.

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Maiara Graziella Nardi 12

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