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Uma Leitura Popular Do Capital de Karl Marx (Carlo Cafiero)

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Sobre o Autor
Carlo Cafiero nasceu em Baretta, no antigo reino de Nápoles em
setembro de 1846. Por volta de 1870 começa a participar do movimento
operário internacional e daí por diante dedica sua vida à causa
revolucionária.
Compendio del Capitale foi escrito em 1879 e representa uma etapa no
trabalho de divulgação e popularização da obra de Karl Marx. O autor tem
como objetivo tornar o pensamento de Marx acessível ao público em
geral, uma vez que o texto de O Capital só era compreensível a uma
minoria de estudiosos. O texto do autor italiano foi elogiado por Marx em
carta endereçada a Cafiero pela sua “superioridade” em relação a trabalhos
de outros autores. Por sua simplicidade didática tem constituído uma
iniciação ao marxismo a numerosas gerações de trabalhadores e
estudantes.
Ao Leitor
Compendio del Capitale de Carlo Cafiero escrito em 1879 representa
uma etapa no trabalho de divulgação e popularização da obra de Karl
Marx. A presente tradução conta com texto acessível e moderno
enriquecido com expressões e passagens que objetivam a perfeita
compreensão do leitor brasileiro de hoje mantendo-se, no entanto, fiel à
valiosa obra de divulgação do pensamento socialista original. Convém
lembrar que Carlo Cafiero foi um homem revolucionário e singular na
história do movimento operário internacional.
Para maior fluência da leitura foram eliminadas as aspas do autor nos
trechos de O Capital de Karl Marx, obra disponível entre os títulos da
Centauro Editora a quem queira aprofundar seus estudos.

Os editores
Prefácio do Autor à Primeira Edição
Itália, março de 1878

Sentia uma tristeza profunda, estudando O Capital, ao pensar que este


livro era e é, sabe-se lá até quando, inteiramente desconhecido na Itália.
Mas se as coisas estão nesse pé, dizia a mim mesmo, não devo poupar
esforços para mudar a situação. Mas, o que fazer? Uma tradução? Droga!
Isso não adiantaria nada. Aqueles que estão em condições de compreender
a obra de Marx, como ele a escreveu, conhecem certamente o francês e
podem perfeitamente usar a bela tradução de J. Roy, inteiramente revista
pelo próprio Marx e que ele recomendou mesmo para os que dominam o
idioma alemão. É para outro tipo de gente que devo trabalhar. E essa gente
se divide em três categorias: primeira, composta pelos trabalhadores
inteligentes e com alguma instrução; a segunda, pelos jovens nascidos na
burguesia, mas que lutam pela causa dos trabalhadores e não têm ainda a
suficiente formação nem o desenvolvimento intelectual para compreender
O Capital; a terceira, finalmente, é essa moçada de escola, ainda quase
criança, que se pode comparar a uma árvore que pode dar bons frutos, se
transplantada para um terreno propício. Meu trabalho deve ser, portanto,
um resumo fácil e curto do livro de Marx. O Capital de Marx é demolidor:
é a verdade nova que arrasou e dispersou ao vento todo um castelo secular
de erros e mentiras. Uma verdadeira guerra! Uma guerra gloriosa pela
força do inimigo, e pela força ainda maior do comandante que a
empreendeu com uma imensa quantidade de novíssimas armas,
instrumentos e máquinas de todo tipo, o que o seu gênio soube extrair de
toda a ciência moderna. Incomparavelmente muito mais modesta é a
minha missão. Devo apenas conduzir uma tropa de voluntários ardorosos
por uma estrada mais fácil e rápida para o templo do capital e destruir esse
deus, para que todos o vejam com os próprios olhos e o toquem comas
próprias mãos nos elementos que o compõem. Arrancaremos as vestes dos
seus sacerdotes para que todos possam ver as manchas de sangue humano
que escondiam e as armas cruéis que usam para sacrificar um número
sempre crescente de vítimas. É com estes propósitos que me ponho a
trabalhar. Possa Marx cumprir a sua promessa, dando-nos o segundo
volume de O Capital, que tratará da circulação e das diferentes formas que
o capital assume no seu desenvolvimento, e também o terceiro volume que
tratará da história da teoria. O primeiro volume de O Capital foi escrito em
alemão e logo depois traduzido para o russo e o francês. Resumo-o agora
em italiano para aqueles que se interessam pela causa do trabalho, os
trabalhadores devem ler este livro e maduramente refletir sobre ele, porque
nele está não somente a história do desenvolvimento da produção
capitalista, mas também o Martirológio do trabalhador. E, finalmente,
dirijo-me também a uma classe muito interessada no destino da
acumulação capitalista: a classe dos pequenos proprietários. Como
explicar essa classe, outrora tão numerosa na Itália e hoje cada vez mais
reduzida? A razão é muito simples. Porque a Itália, desde 1860, percorre a
todo vapor o caminho que todas as nações modernas precisam
necessariamente percorrer: o caminho que leva à acumulação capitalista. E
essa acumulação capitalista teve na Inglaterra aquela forma clássica, da
qual se aproximam tanto a Itália como os demais países modernos. Se os
pequenos proprietários meditarem sobre a história da Inglaterra, referida
nas páginas desse livro, se meditarem sobre a acumulação capitalista,
agravada na Itália pela usurpação dos bens eclesiásticos e dos bens
públicos, se sacudirem essa apatia que oprime a sua mente e o seu coração,
se convencerão, de uma vez por todas, que a sua causa é a causa dos
trabalhadores, porque para eles a moderna acumulação capitalista não
deixou mais do que essa triste condição: ou se vender por um salário de
fome ou desaparecer para sempre na densa massa do proletariado.

Carlo Cafieiro
Parte 1: Mercadoria, Dinheiro, Riqueza e Capital
A mercadoria é um objeto que tem duplo valor: valor de uso e valor de
troca, que é o valor propriamente dito. Se tenho, por exemplo, 20 quilos de
café, eu posso consumi-los para meu uso próprio quanto trocá-los por 20
metros de tecido, por uma roupa,ou por 250 gramas de prata, se, em vez de
café, eu precisar de uma dessas três outras mercadorias. O valor de uso da
mercadoria se baseia na qualidade própria da mercadoria: se ela é para
beber, para comer, ou para se divertir. Portanto, essa qualidade é
determinada para satisfazer uma determinada necessidade nossa e não
qualquer outra de nossas necessidades. O valor de uso dos 20 quilos de
café é baseado nas propriedades que o café possui e estas propriedades são
tais que nos dão à bebida café, mas não prestam para fazer uma roupa ou
qualquer outra coisa. É por isso que só podemos tirar proveito do valor de
uso dos 20 quilos de café se sentimos a necessidade de beber café. Mas se
ao contrário, eu precisar de uma camiseta e não dos 20 quilos de café que
tenho em mãos? O que fazer? Não saberíamos, se a mercadoria não tivesse
também, junto com o valor de uso, o valor de troca. Encontramos agora
uma pessoa com camiseta, da qual não tem necessidade, mas que precisa
do café. Então fazemos uma troca. Eu lhe dou 20 quilos de café e ela me
dá uma camisa… Mas, como podem as mercadorias de propriedade tão
diferentes entre si, serem trocadas umas pelas outras em determinadas
proporções? Porque a mercadoria, além do valor de uso, tem também o
valor de troca. Isso já sabe. O que não sabíamos era que a base do valor de
troca, do valor propriamente dito, é o trabalho humano necessário para se
produzir esta mercadoria. A mercadoria é produzida pelo trabalhador.
Portanto, o trabalho humano é a substancia procriadora; é o trabalho que
dá a existência da mercadoria. Em sua essência, embora de propriedades
tão diversas entre si, todas as mercadorias são a mesma coisa,
perfeitamente iguais, porque são filhas de um mesmíssimo pai, tem todo o
mesmíssimo sangue em suas veias. Se trocamos 20 quilos de café por uma
camisa ou 20 metros de tecidos, é porque, para se produzir 20 quilos de
café, precisou-se de tanto trabalho humano quanto para a produção de uma
camisa ou de20 metros de tecido. Trocou-se uma camisa pó tanto trabalho
humano materializado nos vinte quilos de café, ou trocaram-se vinte quilos
de café pó tanto trabalho humano materializado em uma camisa. Ou seja,
trocou-se trabalho por trabalho. A substancia do valor da mercadoria está
no trabalho humano e a grandeza deste valor é determinada pela grandeza
do trabalho humano. Ora, se a substancia de valor é a mesma para todas as
mercadorias e isto quer dizer que todas as mercadorias como veículo do
valor são todas iguais e trocáveis entre si, o que nos resta, portanto, é
comparar o tamanho dessa grandeza, medi-la.
A grandeza do valor depende da grandeza do trabalho; e qual é a
medida do trabalho? O tempo: hora, dia, semana, mês etc. Em 12 horas de
trabalho se produz um valor duas vezes maior do que se produziria em 6
horas. Daí, alguém poderia dizer que quanto mais lento fosse um
trabalhador, quer por inabilidade, quer por preguiça, mais valor produziria.
Nada mais falso do que esta afirmação, pois o trabalho de que estamos
falando e que dá substancia ao valor, não é o trabalho de Pedro ou de
Paulo, e sim um trabalho médio, que é sempre igual e que é propriamente
chamado de trabalho social. É o trabalho que, em determinado centro de
produção, pode ser feito em média por um operário, o qual trabalha com
uma habilidade média e uma intensidade média. Conhecido o duplo
caráter da mercadoria, isto é de ser valor de uso e valor de troca,
compreendemos que a mercadoria só pode nascer por obra do trabalho, e
de um trabalho útil a todos. Por exemplo, o ar, os prados naturais, a terra
virgem, etc., são úteis ao homem, mas não constituem nenhum valor, por
que não são produtos de seus trabalhos e, consequentemente, não são
mercadorias. Também podemos fabricar objetos para nosso próprio uso,
mas que não podem ser úteis a outros; nesse caso não produzimos
mercadorias; do mesmo modo não produzimos mercadorias quando
trabalhamos com coisas que não tem nenhuma utilidade nem pra nós, nem
para os outros. As mercadorias, pois são trocadas entre sim; uma se
apresenta como equivalente da outra. Para maior facilidade das trocas,
começa-se a empregar uma determinada mercadoria como equivalente
para todas as outras. Esta mercadoria se destaca do conjunto de todas as
outras para se colocar a frente a elas como equivalente geral, isto é, como
dinheiro. Por isso, o dinheiro é aquela mercadoria que, pelo costume por
determinação legal, monopolizou o posto de equivalente geral. Assim o
dinheiro, a moeda, chegou até nós através da prata. Enquanto antes, 20
quilos de café, uma camisa, 20 metros de tecido e 250gramas de prata
eram mercadorias que se trocavam indistintamente, hoje, ao contrário,
tem-se que 20 quilos de café, uma camisa e 20 metros de tecido são três
mercadorias que valem cada uma, 250 gramas de prata, por exemplo, 500
reais. Mas, através das mercadorias diretamente, seja através do dinheiro,
a lei de trocas permanece a mesma sempre. Uma mercadoria só pode ser
trocada por outra se o seu valor de troca for igual. Isto quer dizer que se
uma mercadoria não tiver o mesmo tempo de trabalho que a outra não há
troca. Esta só acontece entre trabalhos iguais. E tudo o que vamos dizer de
agora em diante é baseado nela, nessa lei de trocas de mercadorias.
Com a chegada do dinheiro, da moeda, as trocas diretas ou imediatas de
uma mercadoria por outra desaparecem. Agora as trocas devem ser feitas
através do dinheiro. Desse modo, qualquer mercadoria que queira se
transformar em outra, deve, antes, de mais nada, como mercadoria,
transformar-se em dinheiro, retransformar-se em mercadoria. Portanto, o
esquema das trocas não será mais uma cadeia de mercadorias – uma
abóbora x uma melancia x um pão – e sim, uma cadeia de mercadoria e
dinheiro. Ei-la:

Mercadoria – dinheiro – mercadoria – dinheiro


M-D-M-D

Ora, se nesta formula assinalamos os giros que a mercadoria realizou,


assinalamos também os giros do dinheiro. Como veremos, é desta formula
que sai a formula do capital. Quando temos em nossas mãos, uma certa
quantidade de mercadorias ou de dinheiro,o que no caso vem a dar no
mesmo, somos,possuidores de uma certa riqueza. Se a gente pudesse dar a
esta riqueza um corpo, que é um organismo que se desenvolve, que se
alimenta, então teríamos o capital. Ter um corpo ou organismo capaz de
se desenvolver significa nascer e crescer. É nesse desenvolvimento que a
origem do capital parece desaparecer, na natureza possivelmente fecunda
do dinheiro. Mas de que maneira nasce o capital?
Naquela formula que assinala os giros da mercadoria e do dinheiro,
vamos acrescentar ao dinheiro um numero que indica seu aumento
progressivo:

Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro 1 – Mercadoria – Dinheiro


2 – Mercadoria – Dinheiro 3 …
E é exatamente essa a formula do capital: D – M – D1 – M – D2 – M –
D3…
Como vimos, a resposta ao problema (encontrar um método de fazer
nascer o capital) estava contida na resolução de outro problema: encontrar
uma formula de fazer aumentar progressivamente o dinheiro.
Parte 2: Como Nasce o Capital
Observando atentamente aquela formula do capital (D – M – D1 – M –
D2…), chega-se à conclusão de que a questão da origem do capital se
resolve, em última análise, nesta outra questão: encontrar um mercadoria
que dê mais dinheiro do que se gastou em sua compra. Em outras palavras,
encontrar uma mercadoria que, em nossas mãos, possa aumentar de valor,
de tal modo que, vendendo-a, se possa ganhar mais dinheiro. Portanto,
deve ser uma mercadoria bastante elástica para ser capaz de aumentar o
seu valor, a sua grandeza de valor. Esta mercadoria tão singular existe: é a
forças de trabalho.
Aí está. O homem do dinheiro acumulou riqueza e quer dessa riqueza
criar um capital. Ele chega ao mercado com endereço certo: comprar
forças de trabalho. Vamos segui-lo! Ele anda pelo mercado e dá de cara
com o operário, que está ali exatamente para vender sua única mercadoria:
a força de trabalho. Mas o operário não vende a sua mercadoria de uma
só vez e para sempre. Ele vende a sua força de trabalho em parte, por um
dado tempo, um dia, um mês, etc. Se o operário vendesse sua força de
trabalho, sua capacidade de trabalho inteiramente, não seria mais um
mercador e se transformaria ele mesmo, sua pessoa, em mercadoria; não
seria mais um assalariado, mas um escravo do seu patrão.
O preço da força de trabalho se calcula da seguinte maneira: tomam-se
os preços dos alimentos, da roupa, da habitação, enfim, de tudo que é
necessário ao trabalhador para se manter a sua força de trabalho durante o
ano e sempre em estado normal. Acrescenta-se, a esta primeira soma, o
preço de tudo que é necessário ao trabalhador para procriar, alimentar e
educar seus filhos, segunda condição: depois divide-se o total pelos dias
do ano – 365 – , e se saberá quanto,por dia, é necessário para manter a
força de trabalho, o seu preço diário, que é o salário diário do operário. O
que o trabalhador precisa para procriar, alimentar e educar seus filhos
entra neste calculo, porque os filhos do trabalhador representam à
continuação da força de trabalho. Assim, se o operário vendesse por
inteiro a sua força de trabalho, não apenas ele, mas também seus filhos
seriam escravos do seu patrão, eles seriam também, mercadoria. Porém,
como assalariados, ele tem o direito de conservar todo o resto, que se
encontra parte nele e parte nos filhos.
Com aquele calculo obtivemos o preço exato da força de trabalho. A lei
das trocas, como vimos no capitulo anterior, diz que uma mercadoria não
pode ser trocada por outra se não tiveram o mesmo valor; isto é, se o
trabalho que se requer para produzir uma não for igual ao trabalho que se
requer para a produção da outra. Ora, o trabalho que se exige para produzir
o que é necessário ao trabalhador e, portanto, o valor das coisas
necessárias ao trabalhador é iguala ao valor de sua força de trabalho; se o
trabalhador necessita de R$ 100,00 por dia para, comprar todas, as coisas
que lhe são necessárias, logicamente R$ 100,00 será o preço diário de sua
força de trabalho.
Pois bem. Sem alterar em nada o que falamos até aqui, podemos supor
que o salário diário de um operário alcance R$ 100,00. Suponhamos,
ainda, que em 6 horas de trabalho sejam produzidas 15 gramas de prata,
que equivalem aos R$ 100,00. Agora voltemos ao mercado.
Lá, enquanto isso, o homem do dinheiro fez um contrato com o
proprietário da força de trabalho, pagando o seu justo preço de R$ 100,00.
Ele é um burguês muito honesto e alem disso, muito religioso, incapaz de
especular com a mercadoria do operário. Nem é necessário dizer que o
salário do operário só vai ser pago no fim do dia, ou da semana, ou do
mês. Enfim, só depois que ele trabalhou depois que ele produziu, é que ele
recebe o salário. É o que acontece também com outras mercadorias, cujo
valor se realiza no uso, como é, por exemplo,o caso de uma casa, ou do
arrendamento de uma terra, cujo preço precisa ser pago de acordo como
prazo estabelecido.
Estes são os três elementos do processo do trabalho:
1) Força de trabalho;
2) Matéria-prima;
3) Meios de produção.
Bem voltemos ao nosso homem de dinheiro: depois de comprar a força
de trabalho, comprou também à matéria-prima, no caso algodão; os meios
de trabalho, isto é, a fábrica com todos os instrumentos e condições de
trabalho, já perfeitamente preparados. E agora, diz ele, saindo apressado
do mercado: Mãos à obra!
Uma certa transformação parece ter-se dado na fisionomia dos
personagens de nosso drama. O homem do dinheiro toma a dianteira, na
qualidade de capitalista, o proprietário da força de trabalho segue-o, como
seu trabalhador. Aquele, com a aparência honrada, satisfeita e atarefada; o
outro, tímido, hesitante, com a sensação de quem vendeu a própria pele,
no mercado e que agora não pode mais esperar outra coisa senão… ser
esfolado.
Enfim chegam à fábrica. O capitalista se apressa em botar o seu
operário para trabalhar, entregando-lhe dez quilos de algodão. Antes que
me esqueça, esse operário é fiandeiro, produz fio de algodão.
É consumindo os seus três elementos: a força de trabalho, a matéria-
prima e os meios de trabalho, que o trabalho se realiza.
O consumo dos meios de trabalho calcula-se do seguinte modo: da soma
do valor de todos os meios de trabalho – o prédio, suas instalações, as
ferramentas, o óleo, a eletricidade, etc. – subtrai-se a soma do valor dos
meios de trabalho consumidos no processo de trabalho; dividindo-se o
resultado dessa subtração pelo numero de dias que os meios de trabalho
possam durar, temos o consumo diário dos meios de trabalho.
Parece complicado, não? Vamos repetir isso, exemplificando com
números:
Suponhamos que os meios de trabalho (a fabrica com suas instalações,
máquinas, ferramentas, etc.) devam durar 10 anos ou 3650 dias. Por todos
esses meios de trabalho, o capitalista desembolsou, por exemplo, R$
1.460.00,00. Dividindo-se essa quantia por 3650 dias, temos R$ 400,00,
que corresponde ao consumo diário dos meios de produção.
O nosso operário trabalhou durante toda uma jornada de 12 horas. Ao
final dessa jornada ele transformou os 10 quilos de algodão bruto em 10
quilos de fio; entregou-os ao patrão e deixa a fabrica, retornando para a
casa. No caminho, como todo o operário, ele vai fazendo as contas, para
saber quanto o seu patrão poderá ganhar com aqueles dez quilos de fio.
– Não sei exatamente quanto custa o fio – vai dizendo para si mesmo -,
mas, de qualquer modo, a conta esta praticamente feita. O algodão cru, eu
mesmo vi que ele comprou no mercado: R$ 300,00 por quilo. Todas as
suas ferramentas podem ter um consumo, digamos de R$ 400,00 por dia.
Bem:
Ora, certamente, sobre o algodão ele não ganhou nada: pagou o seu
justo preço, nem um centavo a mais, nem um centavo a menos; do mesmo
modo ele comprou minha força de trabalho, pagando seu justo preço de R$
100,00 por dia.
Então continua pensando nosso fiandeiro, ele só pode ganhar vendendo
o fio acima do seu valor. Não pode vir de outra coisa, ele nunca perderia
tempo e energia, gastando R$ 3.500,00, para depois vender tudo e receber
os mesmíssimos R$ 3.500,00. Oh! Como são os patrões! A nós
trabalhadores, traquejados no mercado, ele não tem como disfarçar… E
esses patrões têm ainda a mania de bancarem os honestos na frente dos
trabalhadores… mas é um roubo vender uma mercadoria por mais do que
ela vale; venderá com peso falso, um quilo de novecentos gramas. Isto é
proibido por lei. É um roubo! As autoridades vão ter que fechar suas
fabricas. Vai ser bom! Em seu lugar, construiremos grandes fabricas
publicas, onde nós produziremos as mercadorias de que precisamos.
Assim fantasiando, o operário chega em casa. Após jantar, se enfia na
cama e adormece profundamente, sonhando com o desaparecimento dos
capitalistas da face da terra e com as grandes fabricas publicas.
Dorme pobre amigo, dorme, enquanto te resta uma esperança. Dorme
em paz, que os dias de desengano não tardarão a chegar. Mais cedo do que
pensas, vais entender por que os capitalistas podem perfeitamente vender
sua mercadoria com lucro, sem para isso precisar enganar a ninguém. Ele
mesmo te mostrara como pode ser tornar capitalista e mesmo um grande
capitalista, sem perder um fio de honorabilidade. Então, o teu sono não
será mais tão tranquilo assim. Verás, em tuas noites, o capital, como um
pesadelo, que te oprime e ameaça sufocar-te. Com os olhos e terrorizados,
vais vê-lo crescer, como um monstro com cem dentes de vampiro
penetrando nos poros do teu corpo, para chupar o teu sangue. Tomando
proporções desmesuradas e gigantescas, de sombrio e terrível aspecto,
com olhos e boca de fogo, vais vê-lo transformando suas garras em uma
enorme tromba aspirante em que vão desaparecendo milhares de seres
humanos: homens, mulheres, crianças. De tua fronte corre agora um suor
de morte, porque o monstro esta se aproximando, para agarra a ti, tua
mulher e teus filhos. Mas teu último gemido será abafado pelo riso
apavorante do monstro, satisfeito em sua gula. Quanto mais prospero, mais
desumano…
Voltemos ao nosso homem do dinheiro.
Este burguês modelo de exatidão e ordem acertou assuas contas do dia;
vejam como ele calculou o preço dos seus dez quilos de fio:

Mas, quanto ao terceiro elemento, que entrou na formação de sua


mercadoria, que é o salário pago ao operário, ele nada assinalou isto,
porque conhece muito bem a diferença que há entre preço da força de
trabalho e o preço do produto da força de trabalho.
O salário de uma jornada de trabalho representa o necessário para
manter o operário em 24 horas, mas não representa de fato o que o
operário produziu em uma jornada de trabalho. O nosso homem do
dinheiro sabe perfeitamente que os R$ 100,00 de salário que ele paga,
representam a manutenção de seu operário por 24 horas e não o que este
produziu nas 12 horas de trabalho em sua fábrica. Ele sabe tudo isso,
exatamente como o agricultor sabe a diferença que existe entre o que é
manutenção de uma vaca com seus currais, alimentação, etc., e o que esta
vaca produz em termos de leite, queijo, manteiga, etc.
A força de trabalho tem uma propriedade singular de render mais do
que custa e é por isso que o homem do dinheiro vai buscá-la no mercado.
E o operário não pode reclamar, porque ele pagou o preço justo pela sua
mercadoria. A lei das trocas foi rigorosamente observada. Além do que, o
operário não tem que se meter no uso que o comprador fará de sua
mercadoria, do mesmo modo que o dono do armazém nada tem a ver com
o uso que seu freguês dá às mercadorias que vende.
Página atrás, supôs que em 6 horas de trabalho se produzem 15 gramas
de prata, equivalentes a R$ 100,00. Ora, se em 6 horas a força de trabalho
produz um valor de R$ 100, 00, em 12 horas produzirá, portanto um valor
de R$ 200,00. Assim, o valor dos 10 quilos de fio passa a ser calculado
desse modo:
O homem do dinheiro, depois de ter gasto R$ 3.500,00, obteve uma
mercadoria que vale R$ 3.600,00. Consegui, portanto, embolsar R$
100,00. O seu dinheiro deu cria; pronto, resolvemos o problema: o capital
acaba de nascer.
Parte 3: A Jornada de Trabalho
Nem bem nasceu, o capital sente a necessidade imediata de alimento
para se desenvolver. E o capitalista, que vive somente para a vida do
capital, preocupa-se atentamente com as necessidades deste ser, tornando-
se o seu coração e sua lama, sabendo como alimentá-lo.
O primeiro meio empregado pelo capitalista em beneficio do capital é o
prolongamento da jornada de trabalho. Obviamente, a jornada de trabalho
tem seus próprios limites. Antes de mais nada, um dia não tem mais de 24
horas. Dessas 24 horas, já se tem que eliminarem umas tantas, pois o
operário precisa satisfazer suas necessidades físicas e espirituais: dormir,
comer, descansar para criar nova força, ler, passear, etc. Fala Marx: Mas
estes limites são, por si mesmos, muito elásticos e deixam muito espaço
para manobra. Assim, encontramos jornadas de trabalho de 6, 10, 12, 14,
16 e 18 horas, ou seja, das mais variadas durações e o capitalista comprou
a força de trabalho pelo seu valor diário. Com isto, ele adquiriu o direito
de fazer trabalhar, durante todo um dia, o trabalhador que esta a seu
serviço. Mas o que é afinal um dia de trabalho? Em todos os casos, é
menor do que um dia natural. Mas, de quanto? O capitalista tem sua
própria maneira de ver a questão sobre o limite necessário da jornada de
trabalho. O tempo durante o qual o operário trabalha, é o tempo durante o
qual o capitalista consome sua força de trabalho, que ele comprou do seu
operário. Se o assalariado consome o tempo que tem disponível, para si
mesmo, ele está roubando o capitalista.O capitalista não se apoia em outra
coisa que não seja a lei das trocas das mercadorias. Ele, como todo
comprador, procura tirar da mercadoria, do seu valor de uso, o maior
beneficio possível. Mas eis que o operário levanta a voz e diz:
“A mercadoria que te vendi se distingue de todas as outras mercadorias,
porque o seu uso cria valor, e um valor maior do que seu próprio custo. E é
por isso que compraste. O que para ti parece ser crescimento de capital,
para mim é excesso de trabalho. Tu e eu não conhecemos outra lei, que
não seja a da troca das mercadorias. O consumo da mercadoria não
pertence ao vendedor, que a aliena, mas o comprador, que a adquire. O uso
de minha força de trabalho te pertence, pois. Mas com o preço diário de
sua venda, eu devo todos os dias poder reproduzi-la, para vendê-la de
novo. Tirando a idade e outras causas naturais de desgastes, preciso
amanhã estar tão forte e capaz como hoje, para retomar o meu trabalho
com a mesmíssima força. Tu me pregas constantemente o evangelho da
“economia” e da “abstinência”. Taí! Quero ser um administrador sábio e
inteligente para economizar a minha única fortuna: minha força de
trabalho; devo abster-me, portanto, de qualquer esbanjamento. Quero,
diariamente, coloca-la em movimento, pô-la a trabalhar, enfim, gasta-la
apenas quando for compatível com sua duração normal e seu
desenvolvimento natural. Além do que, com um prolongamento na jornada
de trabalho, podes em um só dia mobilizar uma quantidade tão grande de
minha força de trabalho que não vou repô-la nem com três jornadas. O que
ganhas em trabalho, eu perco em substancia. Presta, pois, muita atenção: o
emprego de minha força de trabalho e o seu desfrute são duas coisas
distintas, muito distintas. Se eu, como operário, vivo em média 30 anos,
trabalhando num ritmo médio razoável, e tu consomes a minha força de
trabalho em dez anos, tu não me pagas mais do que um terço de seu valor
diário; portanto roubas de mim,todos os dias, dois terço de minha
mercadoria. Exijo,pois, uma jornada de trabalho de duração normal, e a
exijo sem apelar para seu coração, porque em negócios não se põe
sentimento. Tu podes ser um burguês modelo; até pertencer à Sociedade
Protetora dos Animais e, ainda por cima, exalar cheiros de santidade…
Pouco importa o que representas. És inteiramente estranho aos interesses
do meu coração. Exijo a jornada normal, porque quero o valor da minha
mercadoria como qualquer outro vendedor. Come se vê, estamos entre
limites muitos elásticos e a natureza mesma da troca não impõe nenhum
limite a jornada de trabalho. O capitalista mantém seu direito como
comprador, quando procura prolongar a jornada de trabalho o máximo
possível e tentando fazer de dois dias, um só. Por outro lado, a natureza
especial da mercadoria vendida exige que o seu consumo pelo comprador
não seja ilimitado, e o trabalhador mantém seu direito como vendedor,
quando quer restringir a duração da jornada de trabalho a uma duração
normalmente determinada. Direito contra direito, entre o capitalista e o
trabalhador, de acordo com a lei de trocas das mercadorias, há um empate.
E, o que decide entre dois direitos iguais? A força.
Como se emprega essa força, que hoje é toda do capital e para o capital,
nos dirão os fatos que agora exporemos. O que vamos contar neste livro
são quase todos os episódios do capital na Inglaterra. Em primeiro lugar,
porque foi lá o pais em que a produção capitalista chegou ao máximo
desenvolvimento (obs. este livro foi escrito em 1878); e em segundo lugar,
porque somente na Inglaterra encontramos uma material adequados de
documentos, falando das condições de trabalho e recolhidos por obra de
comissões governamentais,instituídas para este fim. Os modestos limites
deste manual não nos permitem, entretanto, reproduzir mais do que uma
pequeníssima parte do rico material recolhido na obra de Marx. Eis aqui
alguns dados de uma pesquisa feita entre 1860 e 1863, na indústria de
cerâmica:
W. Wood, de nove anos, tinha 7 anos e meio quando começou a
trabalhar. Wood trabalhava todos os dias da semana, das 6 da manhã até às
9 da noite, ou seja, 15 horas por dia. J. Murray, de 12 anos, trabalhava
numa fábrica, trazendo as formas e girando uma roda. Ele começava a
trabalhar às seis da manhã, às vezes, às quatro; seu trabalho era
prolongado de tal modo, que muitas vezes entrava pela manhã seguinte
adentro. E isto em companhia de outros 8 ou 9 meninos que eram tratados
do mesmo modo do que ele.
O médico Charles Parsons assim escreveu a um comissário do governo:
“Falo com base em minhas observações pessoais e não sobre dados
estatísticos. Não posso esconder minha revolta ao ver o estado destas
pobres crianças, cuja saúde é sacrificada por um trabalho excessivo, para
satisfazer a cobiça dos seus pais e de seus patrões.”
Ele enumera ainda vários casos de doenças e conclui a relação com a
causa principal: as longas horas de trabalho. Nas fábricas de fósforos, a
metade dos trabalhadores eram crianças com menos de 13 anos e
adolescentes com menos de 18 anos. Somente a parte mais pobre da
população cede seus filhos a esta indústria tão insalubre e imunda. Entre as
vitimas interrogadas pelo comissário White, 270 não tinham mais que 18
anos; 40 tinham menos de 10 anos; 12 tinham 8 anos e 5 tinham apenas 6
anos. A jornada de trabalho nessas fábricas variava entre 12, 14 e 15
horas. Eles trabalhavam durante a noite e comiam nas poucas horas
incertas, quase sempre no mesmo local de produção, tudo empestado pelo
fósforo.
Nas fabricas de tapete, nas épocas de grande movimento, como nos
meses que antecedem o Natal, o trabalho durava, quase sem interrupção,
das 6 da manhã, até às 22 horas. No inverno de 1862, de 19 meninas, 6
contraíram doenças por causa do excesso de trabalho. Para mantê-las
acordadas durante o trabalho, era necessário estar sempre gritando e
sacudindo-as. As mesmas viviam tão cansadas, que não podiam manter os
olhos abertos. Um operário depôs à Comissão de Inquérito nestes termos:
“Este meu garoto, quando tinha 7 anos de idade, eu o levava nas
costas, por causa da neve, da casa para a fábrica, da fabrica para a
casa. Meu garoto trabalhava normalmente 16 horas por dia.
Muitas vezes, tive de me ajoelhar para alimentá-lo, enquanto ele
estava na máquina,porque nem podia abandona-la, nem desligá-
la.”
Pelos fins de junho de 1863, os jornais de Londres destacavam em suas
manchetes a morte de uma costureira de 20 anos, por excesso de trabalho.
Ela morrera nas dependências da manufatura em que trabalhava. A jornada
de trabalho nessa manufatura era de 16 horas e meia por dia. Entretanto,
por causa de um baile no palácio do governo, para quem a empresa
executava encomendas, suas operarias tiveram que trabalhar 26 horas e
meia, sem parar. Eram cerca de 60 moças que trabalhavam em péssimas
condições, espremidas no reduzido espaço da oficina. A modista das
manchetes do dia seguinte, além disso, dormia em um quarto muito
estreito e sem ventilação. Ela morrera antes de concluir sua jornada de
trabalho. O médico chegou tarde de mais. Em seu laudo, além de observar
as condições de trabalho das costureiras, assinalou a causa mortis: excesso
de trabalho. Em uma das regiões mais populosas de Londres, morriam
anualmente, 31 entre cada 1000 serralheiros. E o que pode ter a natureza
humana contra essa profissão? Nada! Mas o excesso de trabalho tornou-a
destrutiva para o homem. Assim, o capital, tortura o trabalho, o qual
depois de muito sofrer, procura finalmente, defender-se. Os trabalhadores
se organizam e exigem que o Estado determine a duração para a jornada
de trabalho. E o que se pode esperar disso? Resposta fácil, considerando
que a lei é feita e aplicada pelos mesmos capitalistas: os operários
deveram estar sempre atentos às medidas tomadas pelos patrões e unidos
para protegerem suas vidas.
Parte 4: A Mais-Valia Relativa
A força de trabalho, produzindo um valor maior do que vale, isto é, uma
mais-valia, gerou o capital, aumentando ainda mais esta mais-valia através
do prolongamento da jornada de trabalho, conseguiu o tal alimento
suficiente para a sua primeira idade.
O capital vai crescendo e a mais-valia precisa ir aumentando para
satisfazer essa crescente necessidade. Mas o aumento de mais-valia, comi
vimos até agora, não quer dizer outra coisa que prolongamento da jornada
de trabalho. É claro que essa jornada tem o seu limite natural, que por
mais elástica que seja a sua duração. Por mais reduzido o tempo que o
capitalista deixa ao trabalhador para que ele satisfaça as suas mais
prementes necessidades, a jornada de trabalho será sempre menor do que
24 horas. Portanto, a jornada de trabalho tem um limite natural, e a mais-
valia, por conseguinte, encontra um obstáculo instransponível. Indiquemos
a jornada de trabalho com sua a linha AD:

A—B—C—D

A letra A nos indica o principio, e a D o fim, o limite natural que não se


pode ultrapassar. Seja AC a parte da jornada na qual o operário produz o
valor do salário recebido e CD a parte da jornada em que o operário
produz mais-valia. Como vimos o nosso fiandeiro recebendo R$ 100,00 de
salário, com uma metade de sua jornada reproduzindo o valor de seu
salário e com a outra metade produzia R$ 100,00 de mais-valia.
O trabalho AC, com o qual se produz o valor do salário, chama trabalho
necessário, enquanto o trabalho CD, que produz a mais-valia chama-se
trabalho excedente ou sobre-trabalho. O capitalista esta interessado no
sobre-trabalho, porque é ele quem cria a mais-valia. O sobre-trabalho
prolonga a jornada de trabalho, o qual encontra seu limite natural D,
representando um obstáculo instransponível para o sobre-trabalho e para a
mais-valia. E agora, o que fazer? O capitalista encontra logo o remédio.
Ele observa que o sobre-trabalho tem dois limites, um D quando termina o
fim da jornada; o outro C – quando acaba o tempo de trabalho necessário.
O limite D é irremovível; o capitalista não pode criar um dia com mais de
24 horas. Mas o mesmo não acontece com o limite C. Diminuindo o tempo
de trabalho necessário C, recuando-o até o ponto B, o sobre-trabalho CD
aumenta sua extensão. A mais-valia encontra, assim, uma forma de
continuar crescendo; agora, não mais de modo absoluto, isto é,
simplesmente prolongando a jornada de trabalho. A partir desse momento,
a mais-valia cresce em relação ao aumento do sobre-trabalho e
corresponde a diminuição do trabalho necessário. No primeiro tipo de
exploração, que chamamos de mais-valia absoluta, o patrão esticava a
jornada de trabalho de 10 para 12 horas; no segundo tipo de exploração,
que chamamos de mais-valia relativa, o capitalista embolsa,diminuindo o
tempo de trabalho necessário.
O fundamento da mais-valia relativa é a diminuição do trabalho
necessário. Esta diminuição se fundamenta na diminuição do salário. E a
diminuição do salário se fundamenta na diminuição dos produtos
necessários ao trabalhador; portanto a mais-valia relativa é fundamentada
no barateamento das mercadorias que servem o operário.
Alguém está se perguntando agora, se não haveria um jeito mais simples
para o capitalista arrancar a mais-valia relativa, se ele, por exemplo, ao
comprar a mercadoria do trabalhador, ou seja, a sua força de trabalho, lhe
pagasse um salário menor do que lhe cabe; isto é, não lhe pagasse o justo
preço de sua mercadoria.
De fato, este expediente é muito usado. Mas aqui, só vamos considerar a
lei das trocas em toda a sua pureza: todas as mercadorias – incluindo a
força de trabalho – devem ser vendidas ser compradas pelo justo valor. E,
além disso, o nosso capitalista é um burguês absolutamente honesto,
jamais usará de qualquer meio para fazer crescer seu capital que não seja
inteiramente digno dele.
Suponhamos que em uma jornada de trabalho de 12 horas um operário
produza 6 unidades de uma mercadoria. O capitalista vende essas 6
unidades pelo preço de R$ 75,00. No valor desta mercadoria entram:

Em cada mercadoria ele ganha R$ 5,00 de mais-valia (R$ 30,00 / 6


unidades) e gasta R$ 7,50 (R$ 45,00 / 6 unidades) para produzi – lá.
Ele vende cada unidade ao valor de R$ 12,50 (R$ 75,00 / 6 unidades).
Agora, suponhamos que, graças a um novo sistema de trabalho ou
simplesmente com o aperfeiçoamento do antigo, a produção duplique: em
vez de 6 unidades por dia, o capitalista produza 12 unidades. Vejamos
como ficam as contas:

Ele vende cada unidade ao valor de R$ 7,50 (R$ 90,00 / 12 unidades).


No mercado de hoje, portanto, o capitalista precisa de um espaço maior
para vender o dobro de suas mercadorias, o que ele consegue vendendo-as
um pouco mais barato (de R$ 12,50 para R$ 7,50). Em outras palavras o
capitalista tem a necessidade de encontrar uma razão pela quais suas
mercadorias possam ser vendidas, em quantidade duas vezes maior do que
antes; e a razão ele encontra, lógico, na baixa de preço.
Ele venderá os seus artigos a um preço menor que R$ 12, 50, que era o
seu preço anterior, mas mais caro do que R$ 7,50 que é o valor de hoje de
cada um.
Digamos que o venda a R$ 10,00 e já terá assegurado o dobro R$ 60,00
– foi o quanto lucrou com a venda de seus produtos – dos quais R$ 30,00
são a mais-valia e os outros R$ 30,00 ele conseguiu da diferença entre o
valor real e o preço pelo qual foram vendidos.
Como veem o capitalista não dorme no ponto, tirando grande proveito
do aumento da produção. Todos os capitalista, são altamente interessados
em aumentar a produção de suas indústrias, como acontece hoje em dia em
quase todos os ramos da produção. Mas aquele lucro extra que ele retirava
da diferença entre o valor da mercadoria e os eu preço de venda dura
pouco; o novo ou o aperfeiçoado sistema de produção passa a ser adotado,
pelos outros capitalistas. Resultado: o valor da mercadoria cai para a
metade. Antes, cada artigo valia R$ 12,50 e agora vale R$ 6,25. Mas o
capitalista continua tendo o mesmo lucro, apenas dobrando a produção.
Antes, R$ 30,00 de mais-valia em 6 unidades; hoje a mesma mais-valia,
R$ 30,00, entretanto em 12 unidades. Mas como os 12 artigos foram
produzidos no mesmo tempo em que eram produzidos os 6 artigos, isto é,
em 12 horas de trabalho, tem-se sempre os R$ 30,00 de mais-valia em uma
jornada de 12 horas, mas o dobro da produção.
Quando esse aumento da produção atinge os produtos necessários ao
trabalhador e sua família, cai o preço da força de trabalho e com isso
diminui também o tempo de trabalho necessário, aumentando o sobre-
trabalho, que constituí a mais-valia relativa.
Parte 5: Cooperação
Vamos deixar um pouco de lado nosso capitalista, a esta altura, próspero
e rico, vamos para sua fabrica e lá teremos o prazer de rever nosso amigo,
o fiandeiro. Venham aqui, juntos. Pronto já entramos.
Púúúú… Quantos operários! Não é somente um mais muitos e em pleno
trabalho. Todos em silêncio e ordenados, assim como se fossem soldados.
Parecendo oficiais, lá estão apontadores chefes que passeiam no meio
deles, dando ordens e vigiando o cumprimento file do trabalho. Do
capitalista nem sombra. Êi! Espere é o patrão… Vamos dar uma espiada.
O tipo tem mesmo muita figura, é muito sério também, mas não é o patrão,
não é o capitalista. Pssiu… (Alguns subordinados se aproximam do
homem; todos solícitos, ouvem suas ordens com a máxima atenção.)
Trimm! Trimm! Telefone! A secretaria atendeu e agora esta comunicando
ao senhor diretor que o patrão chama imediatamente para uma reunião.
Bem, mas onde está fiandeiro, nosso velho conhecido? Como encontra-lo
no meio de tantos operários?
Ah! Lá está ele! Ali no canto, inteiramente concentrado no seu trabalho.
Nossa! Como emagreceu! E vejam como está pálido! E que tristeza é
aquela! Nem parece o mesmo homem que vimos no mercado a tratar, de
igual para igual, a venda da sua força de trabalho com o homem do
dinheiro… Mas, nada de considerações! Hoje ele é um operário como
outro qualquer. Como muitos dos seus colegas, ele é oprimido por uma
jornada de trabalho cavalar, enquanto o homem do dinheiro tornou-se um
grande capitalista e vive agora como um deus, lá no alto do seu Olimpo,
de onde manda suas ordens através de um verdadeiro séquito de
intermediários.
Mas, a final, o que aconteceu? Nada mais simples. O capitalista
prosperou, teve sucesso. O capital cresceu e muito. E para satisfazer as
suas novas necessidades, o capitalista estabeleceu o trabalho cooperativo,
que é o trabalho realizado com a união de muitas forças. Naquela fábrica,
que antes empregava uma só força de trabalho, hoje atuam muitas forças
de trabalho em cooperação. O capital saiu de sua infância e se apresenta,
pela primeira vez, como o seu verdadeiro aspecto.
E que vantagens o capital leva na cooperação?
Pelo menos quatro:
a) Primeira vantagem: na cooperação, o capital tem a vantagem de
realizar a verdadeira força de trabalho social. Já vimos: força de
trabalho social é a força média entre um número de operários,
trabalhando com um grau médio de habilidade e intensidade, em um
determinado centro de produção. Um operário sozinho pode ser muito
hábil ou menos hábil do que a força média ou social, e esta só pode ser
medida juntando na fábrica um grande número de forças de trabalho,
trabalhando em cooperação, uma com as outras.
b) A segunda vantagem está na economia dos meios de trabalho. O
mesmo prédio, as mesmas instalações, etc., que antes serviam apenas a
um, hoje servem para muitos operários.
c) Terceira vantagem: é o aumento da força de trabalho. O poder de
ataque de um esquadrão de cavalaria ou o poder de resistência de um
regimento de infantaria difere essencialmente da soma de forças
individuais de cada cavalariano ou de cada infante. Do mesmo modo, a
soma das forças mecânicas dos trabalhadores isolados difere da força
social que se desenvolve quando muitas mãos agem simultaneamente,
na mesma operação indivisa, por exemplo, quando é necessário
levantar uma carga, girar uma pesada manivela ou remover um
obstáculo.
d) A Quarta vantagem é a possibilidade de combinar a união de
forças de trabalho para a execução de trabalhos que uma força isolada
jamais conseguiria, e se tentasse o faria de modo imperfeito. Quem
ainda não viu 50 operários, em apenas uma hora, podem transportar
uma carga enorme, enquanto uma única força de trabalho não
conseguiria, nem mesmo em 50 horas, mover um milésimo dessa
carga? Quem não viu ainda, numa construção, como 12 operários
dispostos em fila transportam em uma hora uma quantidade de tijolos
imensamente maior do que um só operário conseguiria em 12 horas?
Quem não sabe que 20 pedreiros fazem em um dia de trabalho que um
trabalhador isolado não faria em 20 dias?
A cooperação é o modo fundamental da produção capitalista. Conclui
Marx, encerrando mais este capitulo.
Parte 6: Divisão do Trabalho e Manufatura
Quando um capitalista reúne na sua fábrica os operários e cada um
executa as diferentes operações que criam a mercadoria, ele dá à
cooperação simples um caráter todo especial: ele estabelece a divisão do
trabalho e a manufatura. A manufatura nada mais é do que um mecanismo
de produção cujos órgãos são os seres humanos.
Embora a manufatura se baseie sempre na divisão do trabalho, ele tem
uma dupla origem: em alguns casos, a manufatura reuniu na mesma
fábrica os diversos ofícios necessários à produção de uma mercadoria;
estes ofícios estavam antes, como todas as atividades artesanais, separados
e divididos entre si. Em outros casos, a manufatura dividiu as diferentes
operações de um trabalho que antes formavam um todo na produção de
uma mercadoria, e juntou-as na mesma fábrica.
Por exemplo, uma carruagem, dessas que a gente vê no cinema, era o
produto global doa trabalhos de numerosos artesãos independentes como o
carpinteiro, o estofador, o costureiro, o serralheiro, o torneiro, o
passamenteiro, o vidreiro, o pintor, o envernizador, o dourador, etc. A
manufatura de carruagens reuniu todos esses diferentes artífices numa
mesma fábrica, onde trabalham simultaneamente, colaborando um com o
outro. Não se pode dourar uma carruagem antes de estar pronta; se, porém,
muitas carruagens são feitas ao mesmo tempo, umas podem ser douradas
enquanto outras se encontram em outras fases do processo de produção. A
fabricação da agulha, por exemplo, foi dividida pela manufatura em mais
de 20 operações parciais, que agora fazem parte do processo de fabricação
total dessa agulha. A manufatura, portanto, ora reuniu vários ofícios em
um só, ora dividiu um mesmo oficio em muitos.
A força e os instrumentos de trabalho foram também multiplicados pela
manufatura, mas ela os tornou terrivelmente técnicos e simples porque
foram reduzidos a uma única e invariável operação elementar.
São as grandes vantagens que o capital realiza na manufatura ao
determinar essas tarefas elementares e repetitivas para diferentes forças de
trabalho, pois a força de trabalho ganha muito em intensidade e precisão.
Todos aqueles poros, aqueles pequenos intervalos diferentes entre as
diferentes fases de um processo de elaboração de uma mercadoria que a
gente encontrava no trabalhador isolado, desaparecem, quando, agora, esse
mesmo trabalhador executa sempre a mesma operação. O trabalhador
daqui para frente não precisa mais passar anos a fio, aprendendo um
oficio, o que ele precisa e saber executar apenas uma das muitas operações
que formam todo um oficio e essa operação ele aprende em muito pouco
tempo. Esta diminuição de custos e de tempo é também uma diminuição
de coisas necessárias ao trabalhador, ou seja, uma diminuição de tempo de
trabalho necessário e um aumento correspondente de sobre-trabalho e mais
valia. O capitalista, pois, verdadeiro parasita, à custa do trabalho alheio,
cada vez mais rico e o trabalhador, por isso, sofrendo cada vez mais.
Enquanto a cooperação simples, em geral, não pode modificar o modo
de trabalhar do individuo, a manufatura o revoluciona inteiramente e se
apodera da força individual de trabalho em suas raízes. Deforma
monstruosamente o trabalhador, levando-o artificialmente a desenvolver
uma habilidade parcial, à custa da repressão de um mundo de instintos e
capacidades produtivas, lembrando aquela pratica das regiões platinas,
onde se mata um animal, apenas para tirar-lhe a pele e o sebo.
Não só trabalho é dividido e suas diferentes frações distribuídas entre os
indivíduos, mas o próprio individuo é mutilado e transformado em
instrumento automática de um trabalho parcial, tornando-se realidade,
assim, a fábula absurda do patrício romano Menennius Agrippa, em que o
ser humano aparece representado por um único fragmento de seu próprio
corpo,o estômago. Dugald Steawart chama os trabalhadores de manufatura
autômatos vivos, empregados na fração de um trabalho.
Originariamente, o trabalhador vendia sua força de trabalho ao capital
por lhe faltarem os meios materiais para produzir uma mercadoria. Agora,
sua força individual de trabalho não funciona se não estiver vendida ao
capital; para poder funcionar, ela necessita daquele centro social que só
existe na fábrica do capitalista. O povo eleito trazia escrito na testa que era
propriedade de Jeová; do mesmo modo, a divisão do trabalho ferreteia o
trabalhador com marca de seu proprietário: o capital. Storch dizia: “o
operário que do minha um ofício completo pode trabalhar por toda a parte
para se manter, o outro, o da manufatura, é quase apenas um acessório e,
separado de seus colegas de trabalho, não tem capacidade, nem
independência, sendo forçado a aceitar a norma que lhe querem impor”.
As forças intelectuais da produção – continua Marx – se tornam
bitoladas, ao se desenvolverem em apenas um sentido, tolhidas em tudo
que não se enquadrem em sua unilateralidade. O que esses trabalhadores
parciais perdem se concentra no capital que com eles se confronta. As
forças intelectuais da produção material, com a divisão manufatureira do
trabalho, aparecem ao operário como propriedades de outros e como poder
que os domina. Esse processo de dissociação já começa com a cooperação
simples, em que o capitalista representa para o trabalhador isolado a
unidade e a vontade do trabalhador coletivo.
Na manufatura, esse processo se desenvolve e mutila o trabalhador a
ponto de reduzi-lo a uma partícula de si mesmo. Na indústria moderna,
temos o processo completo, perfeito, que faz da ciência uma força
produtiva independente do trabalho e que a recruta para servir ao capital.
Na manufatura, o enriquecimento do trabalho coletivo e , por isso, do
capital, em forças produtivas sociais, realiza-se as custas do
empobrecimento da força produtiva do trabalhador individual.
“A ignorância”, diz Ferguson, “é a mãe da indústria como é da
superstição. O raciocínio e a imaginação estão sujeitos a erros; mas o
hábito de mover o pé ou a mão não depende nem de um, nem de outra. Por
isso, as manufaturas prosperam mais onde se requer menos inteligência, de
modo que, não tendo necessidade de forças intelectuais, a fábrica pode ser
considerada como uma máquina cujas peças são os seres humanos”.
Marx, para ilustrar o caso desse trabalhador mutilado, nos fala de
algumas manufaturas que, em meados do século 18, empregavam de
preferência indivíduos meio idiotas, em certas operações simples, mas que
eram segredos de fabricação.
Smith disse sobre a imbecilidade do trabalhador parcial: “a inteligência
da maior parte dos homens se forma necessariamente no decorrer de sua
ocupação do dia-a-dia. Um homem, que passa toda a vida a executar um
pequeno número de operações simples, não tem nenhuma condição
desenvolver a sua inteligência, nem de exercitar a sua imaginação… Ele se
torna, em geral, tão estúpido e ignorante quanto uma criatura humana pode
vir a sê-lo”. E, continua Adam Smith: “A uniformidade da vida
estacionária corrompe naturalmente a ânimo desse trabalhador… Chega
mesmo a destruir a energia de seu corpo, tornando-o incapaz de empregar
suas forças com vigor e perseverança em qualquer outra tarefa que não
seja aquela para que foi adestrado. Assim, sua habilidade em seu oficio
particular parece adquirida com o sacrifício de suas virtudes intelectuais,
sociais e guerreiras. E em toda a sociedade desenvolvida e civilizada, esta
é a condição a que ficam necessariamente reduzidos os pobres que
trabalham, isto é, a grande massa do povo”.
Para remediar esta degeneração completa que resulta da divisão do
trabalho. Adam Smith receita em doses prudentemente homeopáticas o
ensino popular pago pelo Estado. Essa ideia de Smith, que era um inglês,
foi combatida com coerência pelo seu tradutor e comentador francês, G.
Garnier, que, no primeiro império francês, encontrou condições naturais
para se transformar em senador. Segundo esse sujeito, a instrução popular
é contrária às leis da divisão do trabalho e adota – lá seria o mesmo que
acabar com todo o nosso sistema social. Vejam como ele se expressou:
“Como todas as outras divisões do trabalho, a que existe entre o
trabalho mecânico e o trabalho intelectual se torna mais acentuada
e mais evidente à medida que a sociedade (e esse Garnier chama
de “sociedade” o Estado com a propriedade da terra, o capital etc.)
se torna mais rica. Como qualquer outra divisão do trabalho, esta é
a consequência de progressos passados e causa de progressos
futuros… deve então o governo contrariar essa divisão e retardar
sua marcha natural? Deve empregar uma parte da receita pública
para confundir e misturar as duas espécies de trabalho que tendem
por si mesma se separar?”.
“A arte de pensar, num tempo em que tudo está separado, pode
mesmo se constituir em um ofício à parte”, escreveu Ferguson.
Certa deformação física e espiritual é inseparável mesma da divisão do
trabalho na sociedade. Mas, como o período manufatureiro leva muito
mais longe a divisão social do trabalho e, como sua divisão peculiar, ataca
o individuo em suas raízes vitais,é esse período que primeiro fornece o
material e o impulso para a patologia industrial. Ramazzini, professor de
medicina prática em Pádua, Itália, publicou em 1713 a sua obra “De
Morbis Artificum” (Da morte artificial), sobre doenças entre artesãos. A
lista de doenças que atingem o operário foi, naturalmente, muito
aumentada com a indústria moderna, como demonstram os escritores que
vieram depois dele: Dr. A. L. Fonterel, Paris, 1858; Eduardo Reich,
Erlangen, 1868 e outros, além de uma pesquisa muito importante
encomendada pela Sociedade de Artes e Ofícios, em 1854, na Inglaterra,
sobre a saúde pública.
“Subdividir um homem é executá-lo, se merece a pena de
morte; é assassiná-lo se não merece. A subdivisão do trabalho é o
assassinato de um povo”, afirmou o Dr. Urquhart, em 1865.
Hegel, um dos grandes pensadores na história da filosofia, tinha
opiniões muitos hieráticas, muito idealistas, sobre a divisão do trabalho.
Vejam como ele colocou o problema em sua obra, Filosofia do Direito:
“Por homem culto entendemos, em primeiro lugar, aquele que é
capaz de fazer tudo o que os outros fazem”.
Botando as coisas no chão, na sua realidade vamos concluir mais este
capitulo, com essas palavras de Marx:
“A divisão do trabalho, em sua forma capitalista, não é mais do
que um método particular de produzir a mais-valia, ou de fazer
aumentar, à custa do operário, os lucros do capital – é o que
chamam de riqueza nacional. Ás custas do trabalhador
desenvolve-se a força coletiva do trabalho em prol do capitalista.
Criam-se novas condições para assegurar a dominação do capital
sobre o trabalho. Essa forma de divisão do trabalho é uma fase
necessária na formação econômica da sociedade, é um meio
civilizado e refinado de exploração!”
Parte 7: Máquina e Grande Indústria
Em seu livro, Princípios de Economia Política, John Stuart Mill
escreveu: “Resta ainda saber se as invenções mecânicas realizadas até
agora aliviaram o trabalho diário de algum ser humano”. Besteiras desse
Mill. Em primeiro lugar, essa não é intenção do capital, quando emprega
uma máquina. Como qualquer desenvolvimento das forças produtivas do
trabalho, a máquina, na produção capitalista, tem por fim baratear as
mercadorias, encurtar a parte do sai de trabalho na qual o operário trabalha
para si mesmo e,com isso,prolongar a outra jornada de trabalho que ele dá
gratuitamente para o capitalista. A máquina é um método de fabricar a
mais-valia relativa.
Em segundo lugar, ainda em relação à frase de Mill, ele deveria ter dito:
“de algum ser humano… que não viva do trabalho alheio”. As máquinas
aumentaram, com certeza, o número dos ricos ociosos. Mas, quem é que
pensa alguma vez no trabalhador? Se o capitalista se preocupa com ele, é
somente para estudar uma forma de sugá-lo melhor. O operário vende sua
força de trabalho e o capitalista a compra, como única mercadoria que,
criando mais-valia, faz nascer e crescer o capital. O capitalista por outro
lado, só se ocupa em fabricar sempre mais e mais mais-valia. Depois de ter
exaurido a mais-valia absoluta, encontrou a mais-valia relativa. Agora ele
sabe: com as máquinas, ele pode obter, ao mesmo tempo, um produto
duas, quatro, dez, muitíssima vezes maior do que antes. E o que é que esse
moço religioso, honesto e, ainda por cima, amigo da tecnologia avançada
pode fazer? Impor as máquinas para seus trabalhadores! A cooperação, a
manufatura, se transforma assim na grande indústria moderna e a sua
oficina na fábrica, propriamente dita.
Depois de ter mutilado e estropiado o trabalhador com a divisão do
trabalho; depois de tê-lo limitado a uma única e maçante operação, o
capitalista vai agora nos oferecer um espetáculo mais triste ainda. Ele
arrancou das mãos do trabalhador as ferramentas que lhe restavam,
liquidando, assim, as únicas recordações de seu antigo ofício, de seu
antigo estado de homem completo, e o amarra à máquina. Agora, o
operário virou escravo da máquina, exatamente como o capitalista, precisa
dele. Com a introdução da máquina, o capitalista tem imediatamente um
enorme lucro; recordando o que dissemos da mais-valia relativa, a gente
compreende logo o por quê. Mas com a generalização do sistema de
produção mecânica aquele lucro extra, acaba, restando apenas o aumento
da produção, que, como resultado geral dessa generalização, diminui o
valor das mercadorias necessárias ao trabalhador, o tempo de trabalho
necessário e também os salários. O que aumenta é o sobre-trabalho e, com
ele, a mais-valia.
O capital se compõe de uma parte constante e de uma parte variável.
Chamamos de capital constante aquela parte que é representada pelos
meios de trabalho e pelo material de trabalho (matéria prima). O prédio da
fábrica, suas instalações, os instrumentos de trabalho, mesmo os
uniformes, com capacetes de segurança e tudo; o material auxiliar como a
graxa, o carvão, o óleo, a energia elétrica, etc.; a matéria de trabalho, como
o ferro, o algodão, a seda, a prata, a madeira, o plástico, etc., são coisas
que fazem parte do capital constante. O capital variável é aquela parte
representada no salário, isto é, no preço da força de trabalho. O primeiro é
chamado de constante porque seu valor, que entra no preço da mercadoria,
não se altera, permanecendo constante. O segundo é chamado de variável
porque o seu valor aumenta, e esse aumento entra também no valor da
mercadoria. É só o capital variável que cria a mais-valia. E a máquina,
como não pode deixar de ser, faz parte do capital constante.
Do mesmo modo que o capitalista lucrou de uma massa de forças
naturais, ele se propõe, na indústria moderna, a lucrar de uma massa
enorme de trabalho morte e de graça. Mas, para alcançar seu objetivo,
necessita ter todo um mecanismo, que se comporá de matéria mais ou
menos custosa e que sempre absorverá certa quantidade de trabalho.
Certamente, o capitalista não comprará a força do vapor, nem a
propriedade motriz da água e do ar, claro também não comprará as
descobertas e suas aplicações mecânicas e o aperfeiçoamento dos
instrumentos de um oficio. Isso ele pode usar quando quiser, sempre que
quiser, sem a menor despesa. Agora, o que o capitalista precisa é encontrar
um mecanismo capaz de aproveitar tudo isso. A máquina entra então como
meio de trabalho, como parte do capital constante, ela passa a entra no
valor da mercadoria em uma proporção que está em razão direta com o seu
próprio desgaste e do consumo de suas matérias auxiliares, como carvão,
graça, etc., e em razão inversa ao valor da mercadoria. Isto quer dizer que,
na produção de uma mercadoria, quanto mais se faz o uso da máquina e de
suas matarias auxiliares, maior é a parte de seu valor que passa à
mercadoria: enquanto que, ao contrário, quanto maior o valor da
mercadoria para a qual a máquina trabalha, menor é a parte de valor que
advém do consumo da máquina. Vocês já imaginaram o valor que o
desgaste e o consumo de carvão, ou energia elétrica e etc., de um
mastodonte como um martelo-pilão passaria para a matéria-prima se ele
fosse empregado para bater preguinhos? Pois bem: uma máquina distribui
um valor muito reduzido pela enorme quantidade de ferro martelado que
ela produz diariamente.
Quando, em razão da generalização do sistema na grande indústria, a
máquina deixa de ser fonte direta de lucro extra para o capitalista, ele
encontra outros meios pelos quais pode continuar a bombear do operário
uma enorme quantidade de mais-valia relativa, através do emprego da
máquina. Mulheres! Crianças! Ao trabalho! São essas as primeiras
palavras de ordem do capital quando começa a empregar máquinas. Este
meio poderoso de diminuir o trabalho do homem torna-se logo um meio
de aumentar o número de assalariados. A máquina, sob o regime
capitalista, submete todos os membros de uma família, sem distinção de
sexo, idade, ao chicote do capital. O trabalho comandado pelo capital
rouba o lugar dos jogos infantis e do trabalho livre no lar, e, justamente,
esse trabalho doméstico era o sustentáculo econômico da moral da família.
Anteriormente, o valor da força de trabalho era determinado pelas
despesas necessárias à manutenção do operário e de sua família. Jogando a
família no mercado, distribuindo assim, entre diversas forças de trabalho,
o valor de uma só, a máquina deprecia essa força de trabalho. Pode ser que
as quatro forças, por exemplo, que uma família operaria vende, lhe deem
mais do que dava antes, a força única do chefe da família, mas, ao mesmo
tempo, quatro jornadas de trabalho entraram no lugar de uma só; portanto
seu preço é rebaixado em proporção ao excesso de sobre-trabalho de
quatro sobre o trabalho de apenas uma. Resumindo, o capitalista tinha
antes à disposição apenas uma jornada de trabalho, agora tem quatro.
Quatro pessoas devem agora fornecer não apenas trabalho, mais ainda
sobre-trabalho ai capital, para que uma só família possa viver. É assim,
pois, que a máquina, aumentando a matéria prima humana explorável,
mulheres e crianças, aumenta, ao mesmo tempo, o grau de exploração.
O emprego capitalista da máquina revolucionou em suas bases o
contrato, no qual a primeira condição era que o capitalista e o operário
devessem se apresentar face a face como pessoas livres, mercadores os
dois, um possuidor de dinheiro e meios de produção, o outro possuidor da
força de trabalho. Mas agora, sob o ponto de vista jurídico, o capitalista
compra seres dependentes ou parcialmente dependentes. O operário que
antes vendia sua própria força de trabalho, da qual podia dispor
livremente, vende agora mulher e filhos. Virou traficante de escravos. Se a
máquina é o meio mais poderoso de aumentar a produtividade do trabalho,
isto é, de diminuir o tempo necessário para a produção de mercadoria
como sustentáculo do capital, ela é o meio mais poderoso de prolongar a
jornada de trabalho, além de todos os limites naturais. O meio de trabalho,
agora transformado em máquina, não está mais subordinado ao
trabalhador, tornou-se independente. Uma só paixão toma conta do
capitalista: reduzir ao mínimo a resistência que lhe opõem essa barreira
natural, flexível, que é o homem.
Nesta obra de escravização ajudando aparentemente a leveza do
trabalho junto às máquinas e também o emprego de elementos mais
submissos e maleáveis, como as crianças e as mulheres. O desgaste
material de uma máquina se apresenta sob um duplo aspecto. Uma em
razão de seu uso, como por exemplo, uma nota de R$ 10,00 passando de
mão em mão, outro, por inação, por permanecer sem funcionar, como uma
espada inativa que se enferruja na bainha. Neste último caso, as ações dos
elementos naturais a desgastam. No primeiro caso, quanto maior for o uso
da máquina, mais rápido será seu desgaste; no segundo caso, a razão é
inversa, ou seja, quanto mais máquina ficar parada maior será o seu
desgaste.
Mas a máquina sofre, além do desgaste material, um desgaste que
podemos chamar de moral. Esse desgaste moral ocorre quando a máquina
vai perdendo o valor, pois máquinas do mesmo tipo vão sendo
reproduzidas a preços mais baixos ou na medida em que máquinas mais
aperfeiçoadas passam a lhe fazer concorrência. Para remediar esse
prejuízo, o capitalista sente a necessidade de fazer a sua máquina trabalhar
o máximo possível, e começa antes de qualquer coisa com o
prolongamento do trabalho diário, introduzindo o trabalho noturno e o
trabalho por turma, turno, que como o nome mesmo indica,é o sistema que
o trabalho é executado por duas equipes de trabalhadores se revezando em
cada 12 horas, ou por três equipes se revezando a cada 8 horas, de modo,
que o trabalho segue, sem interrupção, durante as 24 horas do dia. Esse
sistema tão lucrativo para o capital foi adotado imediatamente com o
surgimento das máquinas, para satisfazer a ganância do capitalista em tirar
a maior quantidade possível de lucro extra, que, com a propagação da
maquinaria, não vão poder obter mais.
O capitalista, portanto, com a introdução de máquinas, acabam com
todos os obstáculos de tempo, todos os limites da jornada de trabalho que
durante o período da manufatura eram impostos ao trabalho. E quando ele
alcança o limite da jornada natural, absorvendo todas às 24 horas do dia,
ele encontra um modo de fazer, de apenas um dia, dois, três, quatro e mais
dias, intensificando o trabalho em duas, três, quatro ou mais vezes. De
fato, se em uma jornada de trabalho o operário é obrigado a fazer o
trabalho duas, três vezes, quatro vezes, etc., maior que antes, é claro que a
antiga jornada de trabalho corresponderá a duas, três, quatro ou mais
jornada de trabalho. Tornando o trabalho mais intensivo, comprimindo, em
outras palavras, em uma única jornada o trabalho de várias jornadas, o
capitalista consegue, graças à máquina, alcançar seus objetivos. O
aperfeiçoamento da máquina a vapor aumentou a velocidade de seus
pistões, que com grande economia de energia, movimenta agora um
mecanismo mais volumosos com o mesmo motor, mantendo o mesmo
consumo de carvão (energia) e as vezes, até diminuindo esse consumo de
combustível; diminuindo o atrito no mecanismo de transmissão, reduzindo
o diâmetro e o peso dos grandes e pequenos eixos do motor, dos discos de
cilindro, etc., cada vez mais,alcança-se transmitir com muito mais rapidez
a acrescida força de impulsão do motor a toda rede de mecanismos de
operação. O próprio mecanismo foi aperfeiçoado, as dimensões da
máquina-ferramenta foram reduzidas, enquanto sua mobilidade e sua
precisão aumentaram como no moderno terá a vapor; ou o tamanho e a
quantidade de ferramentas crescem com as dimensões da máquina, como é
o caso da máquina de fiar. Enfim, esses instrumentos sofrem incessantes
modificações de detalhes, como aquelas que há mais de um século atrás,
na década de 1750, conseguiram aumentar em 1/5 a velocidade dos fusos
das máquinas de fiar.
Já em 1836, declarava um industrial inglês: “O trabalho, que hoje se
executa nas fábricas aumentou muito, comparado com o de antigamente,
em virtude da maior atenção e atividades exigidas do trabalhador e devido
ao grande aumento da velocidade das máquinas”.
E, em 1844, ouviu-se na Câmara dos Comuns (Parlamento Inglês): “O
trabalho nas fábricas de hoje é três vezes maior que antes, quando se
iniciou este gênero de operações. Sem dúvida, a máquina tem realizado
tarefas que exigiriam a força de milhões de homens, mas multiplicou
assustadoramente o trabalho daqueles que são governados pelos seus
terríveis movimentos”.
Na fábrica, a virtuosidade ao trabalhar com uma ferramenta passa do
operário para a máquina; a eficácia da ferramenta não depende mais do
trabalhador e sim da máquina. A classificação fundamental se dá entre os
trabalhadores que estão diretamente ocupados com os instrumentos da
máquina (inclusive os trabalhadores encarregados de abastecê-las com o
combustível necessário) e seus manobristas (que são quase exclusivamente
crianças). Entre esses manobristas estão aqueles que alimentam a máquina
com a matéria-prima a ser trabalhada. Ao lado dessas duas classes
principais, há um pessoal pouco numeroso, que se ocupa com o controle
de toda a maquinaria e a repara continuamente,como engenheiros,
mecânicos, marceneiros, etc.. Essa classe superior de trabalhadores, uns
possuindo formação cientifica, outros dominando um ofício; estão fora dos
trabalhadores de fábrica, estando apenas reunidos a eles. Qualquer criança
aprende com muita facilidade a adaptar os seus movimentos ao
movimento continuo e uniforme de uma máquina. A rapidez com a qual
uma criança, aprende a dominar um trabalho mecânico, suprime
radicalmente a necessidade de converter esse trabalho em ofício exclusivo
de uma classe particular de trabalhadores. A especialidade em manejar um
único instrumento, se torna a especialidade de servir por toda a vida uma
máquina parcial. Abusam da maquinaria para fazer do operário, desde a
infância, uma peça de máquina, que é, por sua vez, apenas uma parte de
um complexo mecânico. Não só diminuiu consideravelmente o custo de
reprodução desse operário, mas sua dependência da fábrica, portanto do
capital, tornou-se absoluta.
Na manufatura e no artesanato, o trabalhador usava a ferramenta; na
fábrica, ele é usado pela máquina. Lá o movimento da ferramenta era dado
por ele; na fábrica, ele não faz outra coisa senão seguir o movimento
imposto pela máquina, pelo instrumento de trabalho. Na manufatura, os
trabalhadores eram membros de um organismo vivo; na fábrica, os
operários são incorporados a um mecanismo morto, que existe
independente deles, A própria facilidade do trabalho torna-se tortura, pois
a máquina não liberta o operário que poderia haver no trabalho. O
instrumental de trabalho agora é autômato que se coloca em frente ao
operário no processo de trabalho, sob a forma de trabalho morto, de
capital, que domina e suga sua força viva. Na grande indústria moderna se
completa, finalmente a separação entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual da produção, separação que se transforma em poder do capital
sobre o trabalho. Ao operário, sua habilidade parece ridícula frente aos
milagres da ciência, frente às imensas forças da natureza, frente à grandeza
do trabalho social, humano, incorporado na máquina e que constituí o
poder do patrão. Na cabeça desse capitalista, desse patrão, o seu
monopólio sobre as máquinas se confunde com a existência da máquina
mesmo. Assim, como se ele próprio as tivesse parido.
E, como disse Engels (que era amigo de Marx), o capitalista, ao entrar
em conflito com seus operários, tem a mania de lhes atirar na cara palavras
humilhantes como essas: “Os operários não deviam se esquecer de que
fazem um trabalho inferior e que não há outro mais fácil de se aprender e
melhor pago, tendo em vista a sua qualidade; basta um tempo mínimo e
um aprendizado mínimo para adquirir toda a habilidade exigida. A nossa
maquinaria desempenha um papel muito mais importante do que o
trabalho e a habilidade desses operários, que podem domina-la em seis
meses de instrução, e isto está ao alcance de qualquer lavrador ignorante”.
A subordinação técnica do trabalhador ao ritmo uniforme da máquina e
a composição particular do organismo de trabalho, formando por
indivíduos de ambos os sexos e de todas as idade, criam uma férrea
disciplina de caserna, que é a do regime de fábrica. Por isso, como já
dizíamos lá na fábrica, o trabalho de supervisão se desenvolve plenamente,
dividindo-se os trabalhadores em trabalhadores manuais e supervisores de
trabalho, em soldados rasos e em suboficiais do exército da indústria. Ure,
que ao contrario de Marx e de Engels, só via belezas no sistema fabril,
escreveu isso:
“A dificuldade principal na fábrica era de encontrar a disciplina
necessária para que seres humanos renunciassem seus hábitos irregulares
de trabalho e se identificassem com a invariável regularidade das grandes
máquinas. Inventar esse regulamento disciplinar adequando as
necessidades e à velocidade do sistema automático e aplica-lo com
sucesso foi, sem dúvida, uma empresa digna de Hércules”. Deixando de
lado a divisão dos poderes e o sistema representativo, tão decantado pela
burguesia, o capitalista elabora como bem entende toda uma legislação
privada, em que exerce o seu poder autocrático, ditatorial sobre os
operários através do regulamento da fábrica. A chibata do feitor de
escravos foi substituída por um livro de punições em que tudo se resolve
naturalmente, com multas e descontos nos salário.
Ouçam estas palavras de Engels: “A escravidão do proletariado à
burguesia mostra sua verdadeira cara no regulamento da fábrica. Aqui não
há nenhuma liberdade, nem de fato, nem de direito… Às 5:30 da manhã o
operário deve entrar na fábrica; se chegar 2 minutos atrasado, lá vem uma
multa, se o atraso é de 10 minutos, não o deixam entrar senão depois do
almoço, e com isso perde uma boa parte do seu salário diário. O industrial
é o legislador absoluto: dita os regulamentos como bem entende,modifica
e amplia seu código a seu bel-prazer e, se é acometido dos mais
extravagantes arbítrio,os tribunais respondem aos trabalhadores: se o
senhor aceitou voluntariamente este contrato, deve a ele obedecer… E os
operários estão condenados a viver, dos 9 anos até sua morte, sob essa
tortura física e espiritual”.
Tomemos dois exemplos do que “dizem os tribunais”: “Em 1866, numa
cidade inglesa chamada Sheffield, um metalúrgico fez um contrato de dois
anos com a fábrica. Por causa de divergências com o patrão, abandonou a
fábrica e declarou que, de modo nenhum, trabalharia mais para ele.
Acusado de romper o contrato, foi condenado a dois meses de cadeia.
(Ora, se fosse o patrão que violasse o contrato teria apenas que se
apresentar ao tribunal civil, expondo-se apenas ao risco de pagar uma
pequena multa). Pois bem, decorridos os dois meses de cadeia, o mesmo
patrão exigiu que o operário voltasse à fábrica, sob as mesmas bases do
contrato antigo. O metalúrgico recusou e alem do mais, já havia cumprido
a pena pela ruptura do contrato. O patrão processou-o de novo e a justiça
voltou a condená-lo. (Um dos juízes denunciou a sentença, publicamente,
como uma monstruosidade jurídica, pelo fato de condenar em períodos
sucessivos, repetidamente, o mesmo homem pela mesma ofensa ou pelo
mesmo crime) E vejam bem, essa sentença não foi pronunciada por um
tribunal qualquer, mas por uma das mais altas cortes de justiça, em
Londres!”
Um segundo caso ocorreu em Wiltshite, também na Inglaterra, em fins
de novembro de 1863. Cerca de 30 mulheres trabalhavam num tear a
vapor, empregadas de certo Harrupp, fabricante de toalhas, decidiram
fazer uma greve, por ter o patrão o agradável costume de reduzi-lhes, da
forma mais descarada possível, o salário por cada atraso matinal. Por 2
minutos de atraso, ele descontava (valor adotado para melhor
compreensão) R$ 10,00, por 3 minutos, R$ 20,00. A R$ 200,00 por hora,
as multas chegavam a R$ 2.000,00, quando o salário médio semanal, não
ultrapassa o valor de R$ 200,00. Mas esse Harrupp tinha outras
veleidades, p ara marcar o início do trabalho, ele botou um apito na boca
de um garoto. O garoto, muitas vezes, apitava antes das seis da manhã e,
depois desse apito, ninguém mais entrava. Quem ficava do lado de fora era
multado. As infelizes operárias ficavam à mercê do jovem guardião do
tempo, comandado por Harrupp, e a fábrica continuava sem relógio. As
mães de família e moças em greve declararam que só voltariam ao
trabalho, depois que fosse colocado um relógio, substituindo o apito do
garoto e quando fosse introduzido um sistema – diabos! – pelo menos
mais racional de multas! Harrupp, revoltado deu entrada a uma ação
judicial contra 19 empregadas, por ruptura de contrato. Elas foram
condenadas a pagar uma multa e mais as despesas do processo, o que
provocou indignação geral do auditório que acompanhava o julgamento.
Harrup, ao sair do tribunal, foi vaiado estrondosamente pela multidão que
o seguia.
Os operários nunca ignoraram as tristes conseqüências da fábrica e da
grande indústria, como demonstram a acolhida às primeiras máquinas.
Pelo século 17, em quase toda a Europa, ocorreram revoltas de
trabalhadores contra uma máquina de tecer fitas e galões, inventada na
Alemanha, chamada “Bandmuhle ou Muhlenstuhl”. O abade italiano
Lancelotti, num relato de 1636, conta-nos que “há cerca de 50 anos um
certo Anton Muller viu em Dantzig uma máquina muito engenhosa que
fabricava 4 a 6 tecidos, ao mesmo tempo.O Conselho da cidade, com
receio que a invenção jogasse à miséria grande quantidade de
trabalhadores, proibiu o emprego da invenção e mandou secretamente
estrangular ou enforcar o inventor”.
Em 1629, essa mesma máquina foi empregada pela primeira vez em
Leida, onde as revoltas dos tecelões forçaram as autoridades municipais a
proibi-la. “Há cerca de 20 anos inventaram nesta cidade um instrumento
de tecer, por meio do qual um só trabalhador podia fazer, no mesmo tempo
que vários tecelões manuais, uma quantidade muito maior de tecido e de
forma mais fácil. Daí surgiram agitações e protestos de tecelões, até que as
autoridades municipais proibiram o emprego deste instrumento.
Depois de uma série de leis mais ou menos proibitivos em 1623, 1639,
etc. os Estados Gerais da Holanda permitiram finalmente o emprego deste
tear mecânico, sob certas condições, com a lei de 15 de dezembro de1661.
A mesma máquina foi proibida em Colônia, em 1676, enquanto a sua
introdução na Inglaterra, à mesma época, provocavam uma série de
rebeliões, entre os tecelões. Na Alemanha, uma lei, de 19 de fevereiro de
1685, proibia o seu uso em toda a nação; por ordem das autoridades
municipais, em Hamburgo, o invento foi queimado publicamente. Carlos
VI renovou em 9 de fevereiro de 1719, a lei de 1685 e a Saxônia só
autorizou seu uso em 1765.
A Bandstuhl, que agitou a Europa, foi precursora das máquinas de fiar e
tecer e, portanto, da revolução Industrial do século 18. Ela capacitava um
jovem sem qualquer experiência de tecelagem a pôr em movimento,
empurrando e puxando uma biela, um terá inteiro com todas as suas
lançadeiras, e que produzia, em sua forma aperfeiçoada, 40 a 50 peças de
uma só vez. Nas primeiras décadas do século 17, um levante popular
destruiu uma serraria movida avento, construída por um holandês nas
proximidades de Londres. Ainda no começo do século 18, com muita
dificuldade, as máquinas de serrar movida a água conseguiram dobrar a
resistência popular protegida pelo Parlamento. Quando Everest, em 1758,
construiu a primeira máquina a água para tosquiar lã, esse invento foi
jogado a fogueira por 100 mil pessoas que ficaram sem trabalho.
50 mil trabalhadores que ganhavam à vida cardando a lã reivindicaram
ao Parlamento o fim das máquinas de cardar, inventadas por Arkwright. A
destruição de numerosas máquinas nos distritos manufatureiros ingleses,
durante os primeiros 15 anos do século 19, deu pretexto ao governo para
as mais reacionárias medidas de violência. Como vocês estão vendo, foi
necessário tempo e experiência até que os operários aprendessem a
distinguir entre a máquina e o emprego capitalista da máquina, e pudessem
então, lutar, não contra os meios materiais de produção, mas contra o seu
modo social de exploração.
E é assim, portanto, que temos que enxergar as consequências da
máquina e da indústria moderna para os trabalhadores. Antes de tudo, eles
são enxotados da fábrica em grande número e as máquinas vão substituí-
los. Os poucos que lá permanecem, sofreram: a) Humilhação de se verem
espoliados de seu último instrumento de trabalho e de serem reduzidos à
condição de escravos da máquina; b) O peso de uma jornada de trabalho
extraordinariamente prolongada;c) A renúncia à mulher e aos filhos, agora
também escravos do capital; d) Sofrer o indescritível martírio, produto da
tortura de um trabalho cada vez mais intensificado pela insaciável gana do
capitalista por mais-valia.

Nominibus mollire licet mala.


Parte 8: O Salário
Nada impede de se encobrir os males com palavras. É a outra maneira
de se traduzir o provérbio latino do nosso último capítulo. Salário também
é uma palavra e nós vamos procurar entendê-la no seu verdadeiro
significado, dentro do modo de produção capitalista.
Os defensores desse modo de produção capitalista dizem que o salário é
o pagamento do trabalho, e a mais-valia é o produto do capital.
Mas o que querem eles dizer com esse pagamento do trabalho, ou, em
outros termos, com valor do trabalho?
O trabalho, ou se encontra ainda no trabalhador, ou, já existe
materializado. O que quero dizer é que o trabalho, ou é a força, a
capacidade de fazer alguma coisa, ou é a coisa mesma já feita. Em suma, o
trabalho, ou é a força de trabalho ou é a mercadoria. O operário não pode
vender o trabalho já saído dele, já produzido pelo seu organismo, a
mercadoria, porque esta pertence ao capitalista e não a ele. Porque,
pudesse o trabalhador vender o trabalho já saído dele, a mercadoria que ele
produz, teria que ter os meios de trabalho e o material de trabalho, e seria,
então, mercador de mercadoria por ele produzida. Mas ele não possuiu
nada, é um proletário, que para sobreviver, precisa vender ao capitalista o
único bem que lhe resta, que é a sua potência ou força para trabalhar, a
força de trabalho. O capitalista não pode comprar dele mais do que sua
força de trabalho, que, como todas as outras mercadorias, tem um valor de
uso e um valor de troca. O capitalista paga ao trabalhador o valor
propriamente dito, que é o valor de troca, pela mercadoria que este lhe
vende. Mas a força de trabalho tem também um valor de uso e esta
pertence ao capitalista, pois ele a comprou. Ora, o valor de uso dessa
mercadoria tão singular tem dupla qualidade. Uma é aquela que ela tem
em comum com o valor de uso de todas as outras mercadorias: a de
satisfazer uma determinada necessidade; a segunda, é a qualidade que
somente a ela pertence, que é a de criar valor, e é isso que a distingue de
todas as outras mercadorias.
Respondendo, agora, àqueles defensores do modo de produção
capitalista, dizemos que o salário não pode representar outra coisa que não
seja o preço da força de trabalho.
E a mais valia não pode ser de modo nenhum produto do capital, porque
o capital é matéria morta; a quantidade de valor que o capital põe na
mercadoria permanece sempre a mesma. É a matéria que não tem vida
nenhuma e que, por si só, sem a força de trabalho, jamais existiria. É à
força de trabalho, somente ela, que produz a mais valia. É ela quem traz o
primeiro germe de vida ao capital. E é ela quem sustenta toda a vida do
capital. Este, de início, não faz outra coisa senão sugar, depois absorver
por todos os poros e, finalmente, sempre forte, extrair mais-valia do
trabalho.
As duas principais formas de salário são: salário por tempo e salário por
peça, por produção, por empreitada, etc.
O salário por tempo é aquele pago por um determinado tempo: uma
hora, um dia, uma semana ou um mês, etc.; de trabalho. O salário nada
mais é do que uma forma transformada do preço da força de trabalho. Em
lugar de dizer: o operário vendeu sua força de trabalho de um dia por R$
10,00, diz-se: o operário foi trabalhar por um salário de R$ 10,00 por dia.
O salário de R$ 10,00 por dia é, portanto o preço da força de trabalho
por uma jornada. Mas essa jornada pode ser mais ou menos longa. Se for
de 10 horas, por exemplo, a força de trabalho é paga a R$ 1,00 por hora,
ao passo que, se é de 12 horas, a força de trabalho é paga a R$ 0,83 por
hora. Logo ao prolongar a jornada de trabalho, o capitalista está pagando
ao operário um preço menor por sua força de trabalho. O capitalista pode
até aumentar o salário e mesmo assim continuar pagando ao operário, por
sua força de trabalho, o mesmo preço de antes, e até menos. Como? Se o
patrão aumenta o salário do operário de R$ 10,00 para R$ 12,00 e ao
mesmo tempo, prolonga sua jornada de 10 para 12 horas, ele, ainda que
tenha aumentado os salário diário em R$ 2,00,continuara pagando os
mesmos R$ 10,00 ao operário,pela hora de sua força de trabalho. Se o
capitalista o mesmo aumento – de R$ 10,00 para R$12,00 – mas, ao
mesmo tempo, prolonga a jornada de 10 para 15 horas, embora
aumentando o salário diário, pagará ao operário pela sua força de trabalho
menos do que antes. O mesmo resultado o capitalista obtém quando em
lugar, de prolongar a jornada de trabalho, aumenta a intensidade desse
trabalho, que é o que ele faz ao utilizar-se de máquinas, como já vimos.
Em suma, o capitalista, aumentando o trabalho, rouba honestamente ao
operário. E pode fazê-lo até bancando o generoso, aumentando o salário
diário de seus operários.
Quando o capitalista paga ao operário por hora, também aí encontra um
modo de lhe passar a perna, aumentando ou diminuindo o trabalho, mas
sempre pagando honestamente o mesmo preço por cada hora de trabalho.
Digamos que R$ 1,00 seja o salário de uma hora de trabalho. Se o
capitalista faz o operário trabalhar 8 horas, em vez de 12, ele pagará R$
8,00 e não R$ 12,00. Com isso o trabalhador perde R$ 4,00, que
corresponde a um terço de suas necessidades diárias. Se ao contrário faz o
operário trabalhar por 14 ou 16 horas, em vez de 12, mesmo pagando R$
1,16 ou R$ 1,33 no lugar dos R$ 1,00, tira do operário 2 ou 4 horas de
trabalho por um preço menor do que valem,pois é claro que depois de 12
horas de trabalho, a força de trabalho do operário já sofreu grande
desgaste, e as outras 2 ou 4 horas a mais de trabalho lhe custam mais do
que as 12 primeiras horas. Esta argumentação apresentada pelos operários
foi aceita, de fato, em diversas indústrias, onde se pagam as horas extras
por um preço maior do que o estabelecido para uma jornada normal.
Uma lei do modo de produção capitalista: quanto menor é o preço da
força de trabalho por tempo (hora, dia, mês, etc.), representado nos salário,
tanto maior é a duração do tempo do trabalho. Isto é claro. Se o salário é
de R$ 1,00 por hora, em vez de R$ 2,00, o operário tem de trabalhar o
dobro, para conseguir o necessário para sua sobrevivência. E quanto
menor, mais é a necessidade de mais tempo de trabalho. Assim a o capital
se alimenta de mais-valia, empanturrando o bolso do capitalista.
Assim, a diminuição do salário faz aumentar o trabalho; mas pode
acontecer também que o aumento de trabalho faça diminuir o salário. Com
a introdução da máquina, por exemplo, o operário passa a produzir o
dobro que antes e o capitalista diminui o número de braços.
Consequentemente cresce a oferta de força de trabalho no mercado e os
salários caem.
Os outros tipos de salários – por peça, por empreitada, por produção,
etc., não são mais do que modalidades do salário por tempo, que aparecem
transformadas em salário por peça, salário por empreitada, salário por
produção, etc. Tanto isso é verdade que se costuma usar indiferentemente,
não apenas nas diversas indústrias e mesmo até numa mesma indústria,
essas duas formas de salário.
No salário por peça, a qualidade do trabalho é controlada pela própria
obra, que deve ter a qualidade média exigida. Desse modo, o salário por
peça se torna uma fonte inesgotável de pretexto para se fazer descontos
sobre o salário do operário. E fornece, ao mesmo tempo, ao capitalista, a
medida exata da intensidade do trabalho. O único tempo de trabalho que
conta como socialmente necessário e, por isso mesmo pago, é o tempo em
que esse trabalho se materializou em uma massa de produtos determinada
e estabelecida com a experiência. É tão verdade isso que, nas grandes
oficinas de confecção em Londres, uma peça, por exemplo, o colete, é
chamada de “uma hora”, uma outra peça é chamada de “meia-hora”, etc., e
é paga x libras cada uma; sabe-se pela prática quanto se produz em média
durante um hora.Quando aparece um nova moda,ocorre sempre uma
discussão entre o patrão e o operário, se tal peça equivale ou não a uma
hora, até que a experiência decide. O mesmo se dá nas fábricas de móveis,
etc. Se o operário não possui experiência média de execução, se ele não
consegue um certo mínimo de peças durante a jornada de trabalho,é
despedido.
Assim sendo, a própria forma de salário assegura a qualidade e a
intensidade do trabalho e uma grande parte do serviço de controle e
supervisão se torna, então desnecessária. É em cima disso que é montado
todo o sistema de opressão e exploração, hierarquicamente constituído. O
salário por peça facilita, por outro lado, a intromissão de outros parasitas,
além do capitalista. Assim se dá, por exemplo, com o chamado trabalho
moderno a domicilio como é o caso do trabalho das costureiras, que
costuram “para fora”, para as indústrias de confecção. Elas recebem por
peça, mas quem lhes paga é o atravessador. O lucro do trabalho dos
intermediários sai da diferença entre o preço do trabalho, tal qual o
capitalista o paga, e a porção desse preço que eles pagam ao trabalhador.
Por outro lado, o salário por peça permite ao capitalista fazer um contrato
de tanto por peça com o operário principal, chefe, empreiteiro, etc. Este
chefe de grupo de operários ou operário principal, que nas minas é o
minerador propriamente dito, e nas fábricas é o que tem o comando das
máquinas, se encarrega, pelo preço estabelecido, de eles mesmo encontrar
os seus ajudantes e pagá-los. A exploração dos trabalhadores pelo capital
se torna, nesse caso, um meio de exploração do trabalhador pelo
trabalhador.
Estabelecido o salário por peça, o interesse pessoal atiça o operário a
empenhar ao máximo a sua força, e isto permite ao capitalista elevar
facilmente o grau de intensidade do trabalho. Se bem que se chegue a esse
mesmo resultado também por meios artificiais.
“O capitalista escolhe para chefe de um certo número de operários um
homem de força física superior e com mais habilidade no trabalho do que
a média dos outros trabalhadores do grupo todos os trimestres,ou dentro de
um período combinado,o chefe recebe um “salário suplementar” sob a
condição de que ele faça todo o possível para incrementar a concorrência
entre os seus comandados.
O operário está obviamente interessado em prolongar a jornada de
trabalho, como meio de aumentar o seu salário diário ou semanal: as
consequências são as mesmas do salário por tempo, sem contar que o
prolongamento da jornada, quando o salário por peça permanece
constante,implica em si mesmo no rebaixamento do preço do trabalho.
O salário por peça, forma mais adequado ao regime capitalista, é um
dos principais recursos do sistema de pagar o trabalhador por hora, sem
que o capitalista se empenhe em ocupá=lo regularmente durante a jornada
ou a semana. Nos estabelecimentos submetidos aos Factories Acts (leis
sobre as fábricas) que é a lei que limitou, na Inglaterra, a jornada de
trabalho a um determinado número de horas, o salário por peças se tornou
regra geral, pois o capitalista não tem outro recurso para aumentar o
trabalho diário senão apelando para a intensidade. O aumento da produção
é seguido pela diminuição proporcional do salário.
Esta variação de salário, ainda que puramente nominal, provoca uma
luta continua entre patrão e o trabalhador por vários motivos: seja porque
o capitalista cria pretexto para diminuir realmente o preço do trabalho, seja
porque um aumento da produtividade do trabalho acompanha um aumento
de sua intensidade, ou porque o operário, levando a sério o que é apenas
uma aparência criada pelo salário por peça – isto é, que é o seu produto e
não sua força de trabalho que está sendo paga–se revolta contra uma
redução de salário, a qual não corresponde a uma redução proporcional
nos preços de venda das mercadorias.
O capital, justamente com base na natureza do salário, refuta tais
reivindicações como grosseiramente errôneas. Ele as qualifica de
usurpação que tendem a barrar o progresso da indústria e conclui,
brutamente, que a produtividade do trabalho não tem absolutamente nada a
ver com o operário.
Parte 9: Acumulação de Capital
Acumular significa juntar, ajuntar, amontoar, amontoar riquezas, fazer
fortuna. Tudo isso só é possível à acumulação do capital se ele se nutrir
sempre mais e mais de mais-valia. Sem se apropriar do trabalho alheio, o
capital nem existira. Mas, aqui estamos começando um novo capitulo.
Quando observamos a fórmula do capital, compreendemos facilmente
que a sua conservação é toda baseada em sucessiva e contínua reprodução.
O capital,como já sabemos, divide-se em duas partes: constante e
variável. O capital constante, representado pelos meios de produção e pelo
material de trabalho, sofre continuo desgaste durante o processo de
trabalho. Os instrumentos se consomem, as máquinas se consomem o óleo,
etc., enfim, o próprio prédio se consome. Ao mesmo tempo, porém, que o
trabalho vai consumindo todo esse capital constante, vai também o
reproduzindo na mesma proporção em que o consome. O capital constante
encontra-se, pois reproduzido na mercadoria na mesma proporção em foi
consumido durante a sua fabricação. O valor consumido pelos meios de
trabalho e pela matéria prima é sempre exatamente reproduzido no valor
da mercadoria.
Do mesmo modo o capital variável. O capital variável representado pelo
valor da força de trabalho, isto é, pelo salário, se reproduz também
exatamente no valor da mercadoria. Também já sabemos que o operário,
na primeira parte de seu trabalho, produz o seu salário, e, na segunda, a
mais-valia, Como o operário só recebe seu salário ao final do trabalho,
este só lhe é pago depois que ele produziu o equivalente na mercadoria do
capitalista.
Os salários pagos aos trabalhadores são, portanto, reproduzidos inteira e
incessantemente pelos próprios trabalhadores. Esta incessante reprodução
do fundo dos salários perpetua a submissão do trabalhador ao capitalista.
Quando o proletário vende a sua força de trabalho no mercado, ele ocupa o
posto que lhe é assinalado pelo modo de produção capitalista e, contribui
para a produção social com a parte de trabalho que lhe cabe,retirando para
a sua manutenção aquela parte do fundo de salários,que
deverá,antes,reproduzir com seu trabalho.
É sempre, sempre, o eterno vínculo da sujeição humana, que seja sob a
forma de escravidão, quer seja sob a forma de servidão, quer seja sob a
forma de salário.
Quem vê as coisas superficialmente, pensa que o escravo trabalha
gratuitamente. Ele não vê que o escravo devia, antes de tudo, devolver ao
seu senhor tudo quanto este gastou para sua manutenção. E vejam bem,
muitas vezes a manutenção do escravo era mais cara do que o assalariado,
pois seu senhor estava altamente interessado em sua conservação, como
estava na conservação de uma parte de seu próprio capital. O servo do
sistema feudal, juntamente a com a terra, à qual está preso, pertence ao seu
senhor; para o mesmo observador superficial, este servo fez progressos em
relação ao escravo, pois se vê claramente que ele entrega somente uma
parte ao seu senhor, enquanto a outra parte de seu trabalho ele o emprega
na pouca terra que lhe é determinada para ganhar seu sustento. E o
assalariado aparece a esse mesmo tipo de observador como um indivíduo
muito mais evoluído, em comparação ao servo da gleba, por que o
trabalhador lhe aparece inteiramente livre, recebendo o valor do próprio
trabalho.
Doce ilusão! Se o trabalhador pudesse realizar por si mesmo o valor do
próprio trabalho, se ele não precisasse vender a sua força de trabalho, o
modo de produção capitalista nem poderia existir. E já sabemos por quê. O
trabalhador não pode obter outra coisa que não seja o valor de sua força de
trabalho, que é a única coisa que pode vender, por que é o único bem que
possui no mundo. O produto do trabalho pertence ao capitalista, que paga
ao operário o salário, isto é, a sua manutenção. Do mesmo modo que o
pedaço de terra, o tempo e os instrumentos necessários para trabalhá-la,
que o senhor deixa por conta do servo, são a soma dos meios de este tem
para se manter, enquanto deve trabalhar todo o resto do tempo para seu
senhor.
O escravo, o servo e o operário trabalham todos os três, uma parte para
produzir a sua manutenção e outra parte absolutamente para o lucro de seu
patrão. Representam, pois três formas diversas do mesmo vínculo de
sujeição e exploração humana. É sempre a mesma sujeição do homem
privado de qualquer acumulação primitiva, ao homem que possui uma
acumulação primitiva, os meios de produção, a fonte da vida.
A conservação do capital, a reprodução do capital é, consequentemente,
no modo de produção capitalista, a conservação deste vínculo de opressão
e exploração humana.
Mas o trabalho não somente reproduz o capital, mas também produz
mais-valia, que muitos chamam de renda do capital. Quando o capitalista,
anualmente acrescenta ao seu capital uma parte ou toda a sua renda, temos
uma acumulação de capital, que crescerá progressivamente. Com a
reprodução simples o trabalho conserva o capital; com a acumulação de
mais-valia o trabalhador faz o capital crescer.
Quando essa renda se junta, se funde com o capital, parte dela é
empregada em meios de produção, parte em matéria prima e parte em
força de trabalho. É agora que o sobre trabalho passado, o trabalho
passado não pago, vai fazer crescer o volume do capital. Uma parte do
trabalho não pago do ano passado serve para pagar o trabalho necessário
deste ano. E é isso que faz o sucesso do capitalista, graças ao engenhoso
mecanismo da produção moderna.
Uma vez aceito este sistema da moderna produção, todo ele baseado na
propriedade individual e no salário, nada se encontra a dizer cuja
consequência não seja derivada da acumulação capitalista. O que importa
ao operário Antônio se ao R$ 20,00 que lhe pagam de salário representam
o trabalho não pago do operário Pedro? O que ele tem direito de saber é se
os R$ 20,00 são o justo preço da sua força de trabalho, quer dizer, se são o
exato equivalente das coisas que lhe são necessárias em um dia; em uma
palavra, se a lei de troca foi rigorosamente observada.
Quando o capitalista começa a cumular capital se desenvolve nele uma
nova virtude, toda sua: a tal virtude da abstinência, que consiste e, limitar
a própria despesa, para empregar uma maior parte de sua renda na
acumulação.
A vontade do capitalista e sua consciência refletem as necessidades do
capital que ele representa; assim, o capitalista vê no seu próprio consumo
pessoal uma espécie de furto, ou pelo menos de empréstimo feito à
acumulação. Alias basta olhar em certos livros de contabilidade as
despesas pessoais lançadas contra o capital, ao lado das contas a pagar dos
capitalistas. Acumular, enfim, é conquistar o mundo da riqueza social,
ampliar a sua esfera de dominação pessoal, aumentar o número de súditos,
ou seja, sacrificar-se a uma ambição insaciável.
Lutero mostra muito bem, como o exemplo do usurário, que o desejo de
dominar é o motor do enriquecimento:
“A simples inteligência levou os pagões a considerarem o
usurário como assassino e quatro vezes ladrão. Mas nós, cristão, o
tratamos com toda a honra, quase o adoramos por causa de seu
dinheiro. Quem extrai, rouba e furta o alimento do outro é um
homicida moral, como o que mata uma pessoa de fome ou a
arruína totalmente. E é o que faz o usurário. Entretanto, senta-se
tranquilamente em sua cadeira, quando deveria estar, justamente,
na forca, sendo devorados por tantos urubus quantos fossem o
dinheiro por ele roubado, se tivesse carne para tão grande
quantidade de urubus. Mas hoje em dia só prendemos e
enforcamos pequenos ladrões… enquanto isso, os grandes ladrões
vão se pavoneando em ouro e seda. Depois do diabo, o maior
inimigo do homem na terra é o avarento, é o usurário, pois quer
ser Deus dominando os homens. Os soldados, os invasores, os
hereges turcos, os ditadores são também homens maus, todavia,
tem de deixar os outros viverem e confessam que são maus e
inimigos. Podem, e às vezes são obrigados a se apiedarem de
algumas pessoas. Ma o usurário, com sua avareza, quer que o
mundo morra de sede e fome, de luto e de miséria; ele mesmo o
faria se pudesse, para que tudo fosse dele, assim todos se
curvariam diante dele, com seus eternos escravos. Ostenta
elegância e aparenta limpeza impecável para ser visto de badalado
como homem honrado e bondoso… Mas o usurário é um monstro
enorme e devorador, pior que o Satanás. Já que prendemos e
matamos um ladrão de rua, os assassinos e os assaltantes, do
mesmo modo deveriam prender matar e decapitar todos os
usurários”.
Eis aí, de Lutero, reformador religioso, um discurso violento contra os
usurários. Continuemos com a violência capitalista, propriamente dita:
A acumulação capitalista exige um aumento de braços. O número de
trabalhadores deve aumentar quando se quer converter uma parte da renda
em capital variável. O organismo mesmo da reprodução capitalista é tal
modo que o trabalhador conserva a sua força de trabalho na geração
seguinte, da qual o capitalista arregimenta nova força de trabalho, para
continuar o seu incessante processo de reprodução. Mas o trabalho que o
capital exige hoje é superior ao que exigia antes e, consequentemente, o
seu preço deve subir. E aumentariam de fato os salários, se na própria
acumulação do capital não encontrasse uma razão para fazê-lo baixar.
É verdade que a renda deve ser convertida, parte em capital constante e
parte em capital variável; isto é, parte em meios de trabalho e matéria-
prima, e parte em força de trabalho, mas é preciso considerar a
acumulação do capital com o aperfeiçoamento dos velhos sistemas de
produção, com os novos sistemas de produção e a máquina: tudo coisas
que fazem aumentar a produção e diminuir o preço da força de trabalho, o
que já sabemos. À medida que cresce a acumulação do capital, a sua parte
variável diminui, enquanto a sua parte constante aumenta.Isto é,
aumentam as fábricas e instalações,máquinas com suas matérias
auxiliares, mas ao mesmo tempo, e na proporção deste aumento, com a
acumulação do capital, diminui a necessidade de mão de obra, a
necessidade de força de trabalho. Diminuindo a necessidade de mão de
obra, diminui a procura e finalmente diminui o preço.
Nestes termos, portanto, quanto mais progride a acumulação do capital,
mais os salários são rebaixados.
A acumulação do capital ganha vastas proporções através do crédito. O
crédito leva espontaneamente à fusão de uma massa de capitais, ou à fusão
de um capital mais forte do que um desses. A concorrência,ao contrário, é
a guerra que de todos os capitais fazem entre si, é a sua luta pela
existência, do qual os mais fortes saem muitos mais fortes do que antes.
A acumulação do capital inutiliza, portanto um grande número de
braços, isto é, cria um excedente de trabalhadores.
Mas se a acumulação produz necessariamente uma superpopulação
operária, esta se torna, por sua vez, a alavanca mais potente da
acumulação, uma condição de existência da produção capitalista, integrada
na sua lei de desenvolvimento. Esse excedente populacional operária
forma um exército de reserva industrial, que pertence ao capital, assim de
um modo absoluto, como se fosse seu gado, por ele alimentado e
disciplinado. Essa população excedente fornece matéria humana sempre
explorável e disponível para a fabricação demais-valia. É somente sob o
regime da grande indústria que a produção de um supérfluo da população,
se torna uma mola regular da produção de riqueza.
Este exército de reserva industrial, esta superpopulação operária se
divide em diversas categorias. A primeira delas é a melhor paga, sofre
menos com o desemprego e ainda executa um trabalho menos penoso; a
última dessas categorias, ao contrário,é composta de trabalhadores que só
esporadicamente encontram uma ocupação, que é sempre um trabalho
pesado e vil, pago pelo mais baixo preço a que possa chegar o trabalho
humano.
Esta última categoria é a mais numerosa, não só pelo grande
contingente criado anualmente pelo progresso industrial, mas, sobretudo
porque ela é composta de gente mais prolífera, com maior número de
filhos, como os próprios fatos comprovam.
“A pobreza parece favorecer a procriação”, escreveu Adam Smith. E
segundo o abade Galiani, espírito galante e perspicaz, esta é uma sábia
disposição divina. Eis uma de suas sentenças: “Deus dispôs que os homens
que fazem os trabalhos mais úteis nascessem em abundância”.
Com dados estatísticos à mão, Laing demonstrou que “a miséria, no seu
grau mais extremo de fome e epidemia, em vez de frear, aumenta ainda
mais o crescimento da população”, acrescentando que “se todos os seres
humanos vivessem em condições cômodas, o mundo em pouco tempo
estaria despovoado”.
Abaixo dessa categoria de trabalhadores circunstanciais, resta o último
resíduo desse exército industrial de reserva e que vive no inferno da
pobreza. Pondo de lado os vagabundos, os criminosos, as prostitutas,
enfim, o rebotalho do proletariado, essa camada social tem três categorias.
A primeira compreende operários capazes de trabalhar. O seu número
aumenta em todas as crises e diminui quando os negócios se reanimam.
Basta, para comprovar, olhar as estatísticas referentes à pobreza. A
segunda, os órfãos e os filhos dos pobres, que vivem da assistência
pública. Eles também são candidatos da reserva industrial e, nas épocas de
grande prosperidade, entram em massa no serviço ativo. A terceira
categoria pertence aos miseráveis, antes de tudo, o operário e a operária
jogados ao esgoto do desenvolvimento social, por sua incapacidade da
adaptação à nova divisão do trabalho; há ainda os que, desgraçados,
passaram da idade normal do assalariado; e finalmente, as vítimas diretas
da indústria: os alijados, os doentes, os estropiados, as viúvas, etc., cujo
número aumenta com as máquinas perigosas, com minas, com a indústria
química, etc.
A miséria é o asilo dos inválidos do exército ativo dos trabalhadores e
peso morto do exército industrial de reserva. A sua produção está
compreendida naquela do exército de reserva, a sua necessidade deste. A
pobreza forma com a superpopulação uma condição de existência da
riqueza capitalista.
Compreende-se, portanto, toda a estupidez da sabedoria econômica que
não para de pregar aos trabalhadores a necessidade de adaptar o seu
contingente, a sua população, às necessidades do capital, como se o
mecanismo do capital não realizasse continuamente esse desejado
ajustamento. A primeira palavra desse ajustamento é: criação de um
exército industrial de reserva; e a última: miséria nas camadas sempre
crescentes do exército ativo dos trabalhadores, peso morto da pobreza.
A lei na sociedade capitalista, segundo a qual uma massa sempre
crescente de meios de produção mobiliza progressivamente uma
quantidade sempre menor de força de trabalho, quer dizer que quanto
maior a produtividade do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores
sobre os seus empregos e, portanto, tanto mais precária sua condição de
existência, ou seja, as condições para a venda da própria força para
aumentar a riqueza alheia ou a expansão do capital.
A análise da mais-valia relativa levou-nos a este resultado: todos os
métodos para multiplicar a produtividade do trabalhador coletivo são
aplicados à custa do trabalhador individual; todos os meios para
desenvolver a produção se transformaram em meios de dominar e explorar
o produtor, que se torna um fragmento de ser humano, um mutilado, uma
mera peça de máquina. Esse modo de produção opõe ao trabalhador as
forças cientificas da produção, como uma das tantas forças inimigas; a
atratividade do trabalho é substituída pelo tormento do trabalho; as
condições de trabalho são desfiguradas e o trabalhador vê todas as horas
de sua vida transformadas em horas de trabalho e sua mulher e seus filhos
são lançados ao rolo compressor do capital.
Mas todos os métodos que ajudam à produção de mais-valia favorecem
igualmente à acumulação e todo aumento na acumulação torna-se,
reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos, o que quer dizer
que, qualquer que seja o nível dos salários, alto ou baixo, a condição do
trabalhador deve piorar, na medida em que o capital se acumula.
A lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército industrial de
reserva no nível adequado às necessidades da acumulação, acorrenta o
trabalhador ao capital mais firmemente do que as cadeias com que
Vulcano acorrentou Prometeu ao Cáucaso. É esta a lei que estabelece uma
correlação fatal entre a acumulação do capital e acumulação de miséria.
De tal modo que a acumulação de pobreza, de sofrimento, de ignorância,
de embrutecimento, de degradação moral, de escravidão no polo oposto,
onde se encontra a classe que produz o próprio capital.
No século 18, G. Ortes, um monge veneziano, um economista notável
de sua época, via no antagonismo da produção capitalista uma lei natural
da riqueza social:
“Numa nação, os bens e o males econômicos mantêm-se sempre
em equilíbrio: a abundância de bens de uns corresponde sempre à
falta deles para outros. Grande riqueza para uns, significa privação
absoluta do necessário para muitos outros. A riqueza de uma
nação esta na correspondência com sua população, e sua miséria
em correspondência com sua riqueza. O trabalho de uns leva
outros à ociosidade. Os pobres e os ociosos são consequências
necessárias dos ricos e dos trabalhadores”.
Ao contrário desse monge inteligente, que não ficou imaginando
projetos inúteis para a felicidade dos povos, e que se deu ao trabalho de
investigar as causas da infelicidade em que vive o reverendo Townsend
louvava, grosseiramente, a pobreza como condição necessária para a
riqueza. Vejam a sua piada:
“A obrigação legal dos trabalhadores exige grande dose de
aborrecimentos, violência e barulho, enquanto a fome é uma
pressão pacifica silenciosa e incessante, e que, como o estímulo
mais natural para a indústria e para o trabalho, nos fazem mais
esforçados”.
Mas o reverendo continua essa piada de mau gosto assim:
“Parece uma lei natural que os pobres sejam até certo ponto
precipitados” – tão precipitados que chegam ao mundo sem antes terem
garantido um berço de ouro – “o que proporciona a existência de
indivíduos para os trabalhos mais servis, mais sórdidos e mais ignóbeis da
comunidade. O cabedal da felicidade humana é ampliado, quando os mais
delicados ficam livres do trabalho grosseiro e podem realizar sua vocação
superior sem interrupções…” E vejam essa chave de ouro, essa joia de
conclusão:” A lei de assistência aos pobres tende a destruir a harmonia e a
beleza, a simetria e a ordem desse sistema que Deus e a natureza criaram
no mundo”.
Bem aí esta. Mas no fundo, a questão desse reverendo era protestar
contra as leis inglesas, que davam aos pobres o direito de se socorrerem
nas paróquias.
“O progresso da riqueza social gera aquela classe útil da
sociedade… que realiza as tarefas mais sórdidas, mais enfadonhas
e repugnantes, em suma, se sobrecarrega com tudo o que a vida
oferece de desagradável e servil, proporcionando assim às outras
classes, alegria espiritual e aquela dignidade convencional de
caráter”.
“Que bom”, anotou Marx, no final dessas palavras de Storch. E Storch
vê na sociedade capitalista, com sua miséria e degradação das massas,
comparada com a sua barbárie, uma grande vantagem: a segurança!
Finalmente, Destutt de Tracy, o fleumático doutrinador burguês, diz
abertamente:
“Nas nações pobres o povo vive como quer, e, nas nações ricas,
vive geralmente na pobreza”.
Vejamos agora quais são os efeitos da acumulação de capital. E, mais
uma vez, só podemos contar com uma parte mínima de todo o material
recolhido por na obra de Marx e que toma os exemplos da Inglaterra, pois
por excelência da acumulação capitalista, caminho de todas as nações
modernas.
Em 1863, O Conselho Privado, mandou fazer um inquérito sobre a
situação da parte mais mal nutrida da classe operária. O Doutor Simon foi
o médico oficial. Essas pesquisas se estenderam, de um lado, aos
trabalhadores agrícolas, e, de outro, aos tecelões de seda, às costureiras,
aos luveiros que trabalham com pelica, tecelões de meias, tecelões de
luvas e sapateiros. Excluindo-se os trabalhadores agrícolas e os tecelões de
meias, todas as demais categorias eram exclusivamente urbanas. Uma das
normas da investigação foi a de recolher em cada categoria as famílias
mais sadias e em situação relativamente melhor.
O resultado geral foi o seguinte:
“Só numa das categorias investigadas dos trabalhadores
urbanos, o suprimento de azoto ultrapassou um pouco o padrão
mínimo necessário, para evitar doenças de subnutrição; em duas
categorias observou-se carência no suprimento, tanto de azoto
quanto de carbono, e numa delas carência muito grave. Das
famílias dos trabalhadores agrícolas investigadas, mais de 1/5
tinha alimentação com teor de carbono inferior ao dispensável;
mais de 1/3, alimentação com teor de azoto inferior ao
indispensável. Em três condados, Berkshire, Oxfordshire e
Shomersetshire verificaram-se carência de azoto na dieta média
local”.
Entre os trabalhadores agrícolas mais mal nutridas, figurava os da
Inglaterra, a parte mais rica do Reino Unido. A subnutrição, entre os
trabalhadores. Incidia principalmente sobre mulheres e as crianças, pois “o
homem tem de comer para fazer o seu trabalho”. Penúria ainda maior
assolava as categorias investigadas de trabalhadores urbanos. “Eles tão
mal alimentados que têm de haver entre eles muito casos de privações
cruéis e ruinosas para a saúde” (consequência do espírito de renúncia do
capitalista, isto é, sua renúncia a pagar a seus trabalhadores o que estes
precisam apenas para vegetar.).
“Todo aquele que está familiarizado com a clínica de indigentes ou com
as enfermarias e clínicas dos hospitais pode afirmar que são numerosos os
casos em que a dieta deficiente produz e agrava doença”… Mas, temos de
acrescentar a isto um conjunto muito importante de condições sanitárias…
Devemos lembrar que a privação de alimentos é difícil de suportar e que
em regra uma dieta carente só ocorre depois de ter havido muita privação
anteriores. Muito antes de a insuficiência alimentar ter importância do
ponto de vista da higiene, muito antes de o fisiólogo pensar em contar os
grãos de azoto ou carbono que marcam a diferença entre a vida e a morte
pela fome, o lar já terá sido despojado de todo o conforto material. O
vestuário e o aquecimento terão se tornado mais escassos do que os
alimentos. Não haverá mais proteção contra as clemências do tempo, os
aposentos terão ficado tão reduzidos que produziram ou agravarão
doenças; quase nada mais restará dos utensílios e móveis da casa; a
limpeza se terá tornado extremamente custosa e difícil. E, se procura
mantê-la, por um sentido de dignidade, esse esforço representará novos
tormentos de fome. O lar terá de se instalar onde o teto for mais barato, em
bairros onde a fiscalização sanitária é menos eficaz, onde há maior
deficiência de esgotos, de limpeza, de maiores imundices, onde a água é
escassa e da pior qualidade, e nas cidades onde há maior carência de luz e
de ar. São estes os perigos sanitários a que se expõe inevitavelmente a
pobreza quando acompanhada da míngua de alimentos. Se a soma desses
perigos representa um tremendo fardo para a vida, a simples falta de
alimentos é em si mesmo horrenda… Estas reflexões são dolorosas,
principalmente quando verificamos que a pobreza de que se trata não é a
pobreza merecida dos ociosos. É a pobreza dos trabalhadores! Além disso,
com relação aos trabalhadores urbanos, o trabalho com que compram sua
escassa alimentação é em regra excessivamente prolongado. Só num
sentido muito limitado pode-se supor que esse trabalho dê para viver…
“Visto numa escala bem ampla, esse sustento nominal pelo trabalho não
passa de um rodeio mais ou menos curto para cair na pobreza”.
Qualquer observador desinteressado vê que quanto maior a
concentração dos meios de produção, mais os trabalhadores se aglomeram
e num espaço restrito; mais rápida a acumulação, mais miseráveis se
tornam a habitação e o embelezamento da cidade, consequência do
crescimento da riqueza, como a demolição dos quarteirões mal
construídos, a construção de luxuosos prédios para bancos, lojas, etc., o
alargamento das ruas para o trafego comercial e para os veículos de luxo, o
estabelecimento de linhas de transportes coletivo, desalojamos os pobres,
expulsando-os para os recantos cada vez piores e mais abarrotados de
gente.
Aqui uma observação geral do doutor Simon:
“Embora oficialmente fale apenas como médico, o sentimento
elementar de humanidade não me permite ignorar o outro lado do
problema. Quando o abarrotamento das habitações ultrapassa
certos limites, determina quase necessariamente uma eliminação
de toda a delicadeza, uma confusão imunda de corpos e de funções
fisiológicas, uma crua nudez animal e sexual, que não são
humanas, mas bestiais. Ficar sujeito a essas influências, é
degradar-se, com uma intensidade tanto mais profunda quanto
mais elas continuarem atuando. As crianças, nascidas sob essa
maldição, recebem o batismo da infâmia. E ultrapassa as raias da
esperança o desejo de ver pessoas, colocadas nessas
circunstancias, lutarem por aquela atmosfera de civilização cuja
essência é a limpeza física e moral”.
Os ciganos, os nômades do proletariado são recrutados no campo, mas
suas ocupações são em grande parte industriais. É a “infantaria ligeira do
capital”, como diz Marx, jogada, segundo as necessidades do momento,
ora aqui, ora ali. Em geral trabalham nas construções, na limpeza de
terrenos, nas olarias, nas cerâmicas, nas construções de estradas, etc.
Coluna móvel da pestilência, os rastros de seu caminho são a varíola, o
tifo, a cólera, a sífilis, a febre escarlatina, etc.Quando a empresa envolve
um gasto enorme de capital, como na construção de estradas, ferrovias,
etc., o próprio patrão é quem fornece para seu exército a habitação, ou
seja, barracos de madeira, espeluncas, ou construções semelhantes, que
formam verdadeiras aldeias improvisadas, sem cuidados sanitários
nenhum, sem controle de qualquer autoridade, mas altamente rendosa para
o patrão que, desta forma, explora duas vezes o trabalhador: como
empregado e como inquilino.
Peguemos mais um exemplo do relatório do doutor Simon:
Em setembro de 1864, o presidente do Comitê de Fiscalização Sanitária
da paróquia de Sevenoaks dirigiu ao Ministro do Interior, Sir George Gray,
a seguinte denúncia:
Nesta paróquia, há um ano, a varíola era totalmente desconhecida. Até
que se iniciaram os trabalhos da estrada de ferro Lewisham-Tunbridge.
Escolheram esta paróquia para o deposito central de todo o
empreendimento, cujos trabalhos são realizados nas vizinhanças desta
cidade. Um grande número de pessoas foi empregado. Sendo impossível
alojar tantas pessoas em casas, o empreiteiro, Mr. Jay mandou construir
barracos destinados à habitação dos trabalhadores, em diversos pontos ao
longo do traçado da linha férrea. Esses barracos não têm ventilação nem
fossa ou esgoto e, além disso, ficaram abarrotados, porque o locatário foi
obrigado a compartilhar seu barraco com outras pessoas, por mais
numerosa que fosse sua própria família e embora a habitação só tivesse
dois cômodos. Segundo o relatório médico que recebemos esses pobres
abrigados, em consequência disso, têm de sofrer todas as noites as torturas
da sufocação, para se protegerem das emanações pestilentas das águas
estagnadas e imundas e das latrinas colocadas logo abaixo das janelas. Por
fim, chegaram ao nosso Comitê queixas formuladas por um médico sobre
a situação deles nos termos mais severos e manifestou o receio das graves
consequências que haveria se não fossem tomadas certas providenciam
sanitárias. Há quase um ano, o referido Jay comprometeu-se a construir
uma casa onde seriam imediatamente isolados seus empregados que fosse
acometido de doenças infecciosas. Repetiu essa promessa no fim de julho
passado, mas não deu o menor passo para cumpri-la, embora desde então
tenham ocorridos em seus barracos diversos casos de varíola e, em
consequência duas mortes. A 9 de setembro,o doutor Kelson informou-me
de novos casos de varíola nos mesmos barracos, descrevendo sua horrível
situação. Para informação (do Ministro), devo acrescentar que a nossa
paróquia possui uma casa de isolamento, lazareto onde são cuidados os
paroquianos que contraíram doenças infecciosas. Há muitos meses que o
lazareto está continuamente superlotado de pacientes. Numa única família,
cinco crianças morreram de varíola ou de febre. De 1º de abril a 1º de
setembro desse ano, ocorreram nada menos que 10 óbitos por varíola,
sendo 4 nos referidos barracos, o foco da infecção. É impossível dar o
número dos atacados por doenças infecciosas,pois as famílias atingidas
procuram manter o maior segredo possível em torno do assunto.
Vejamos agora os efeitos da crise sobre aparte melhor paga da classe
operária, da sua aristocracia.
Um jornalista do Morning Star nos descreve a situação em uma das
principais localidades atingidas pela crise industrial, de janeiro de 1867:
“A oeste de Londres, há pelo menos 15 mil trabalhadores com suas
respectivas famílias literalmente a mingua. Dentre eles há mais de 3 mil
operários qualificados. Suas poupanças estão esgotadas, pois há seis ou
oito meses que estão desempregados. Uma multidão faminta assediava a
casa do Trabalho, a espera do vale pão. Tive dificuldade para chegar ao
portão do asilo. Não havia chegado a hora da distribuição dos vales. O
pátio do asilo é um imenso quadrado com um telheiro que corre em volta
dos muros. Havia pequenos espaços limitados por cercas de vime,como
currais de ovelhas, onde os homens trabalham quando o tempo esta bom.
No dia da minha visita,o tempo estava tão ruim que ninguém podia
trabalhar neles. Mas, assim mesmo,alguns homens britavam pedras
debaixo do telheiro. Trabalhavam por trinta shillings ao dia e um vale de
pão. Noutra parte do pátio havia uma casa,onde os homens, para se
manterem aquecidos, esfregavam-se ombro a ombro. Desfiavam estopas e
competiam para ver qual deles poderia trabalhar mais com um mínimo de
comida, pois a resistência era para eles ponto de honra. Só neste asilo eram
acolhidos 7 mil trabalhadores, entre os quais muitas centenas deles
recebiam, há 6 ou 8 meses, os mais altos salários pagos neste pais a um
operário qualificado. Se não houvesse as casas de penhor, o seu numero
seria o dobro. Deixando o asilo, fui à casa de um operário de industria
siderúrgica, desempregado há 27 semanas. O homem estava sentado com
toda a sua família num pequeno quarto aos fundo. O quarto não estava
ainda despojado, de todos os moveis e dentro dele ardia ainda um
fogo,para não enregelar os pés das crianças, pois o frio estava terrível.
Frente ao fogo havia certa quantidade de estopa que a mulher e as crianças
desfiavam para ganhar o pão do asilo. O homem britava pedras no asilo,
por uma vale de pão e 30 shillings por dia. Com muita fome dizia com um
sorriso amargo, chegando agora para o almoço: alguns pedaços de pão
com gordura derretida e uma xícara de chá sem leite… A próxima porta
onde batemos foi aberta por uma senhora de meia idade que, sem dizer
uma palavra, levou-nos a um pequeno quarto nos fundos, onde estava toda
a família, de olhos pregados num fogo que estava se extinguindo
rapidamente. Não desejo ver mais o uma cena com a que presenciei aquela
consternação, aquele desespero, que transparecia no rosto daquela gente
que dominava o pequeno aposento. Há 26 semanas, disse a senhora,
apontando para seus rapazes, que eles não conseguem ganhar nada, e todo
o nosso dinheiro foi embora, todo o dinheiro que eu e o pai conseguimos
guardar nos melhores tempos, pensando que nos seria útil quando
parássemos de trabalhar. Veja! Gritou ela selvagemente, mostrando sua
caderneta bancaria e assim, pudemos ver como a pequena fortuna crescera
do primeiro deposito de 100 shillins até atingir 50 mil shillings e depois
começou a cair, tostão a tostão, até que a caderneta ficasse sem valor
algum, como um pedaço de papel em branco. Essa família recebia
diariamente uma escassa refeição do asilo… A outra visita nos levou à
casa de um irlandês que trabalhava nos estaleiros navais. A sua mulher
estava doente por inanição, estendida com as suas roupas sobre um
colchão, pobremente coberta com um pedaço de tapete, pois toda a roupa
de cama tinha sido penhorada. Suas crianças em estado miserável
cuidavam dela e precisavam elas mesmas do cuidado materno. Contou-nos
a história do seu passado miserável, gemendo como se tivesse perdido
todas as esperanças… dezenove semanas de ociosidade forçada haviam
reduzido a família a esse estado de extrema necessidade. Chamado a outra
casa, vi um senhora e duas lindas crianças, um punhado de cautelas de
penhor e um quarto frio e vazio; era tudo o que tinha para mostrar.
Entre os capitalistas ingleses era moda apresentar a Bélgica como o
paraíso do trabalhador, pois lá não havia limitações à “liberdade do
trabalho” ou, o que é o mesmo, à “liberdade do capital”. Lá não havia nem
o despotismo ignominioso dos sindicatos, nem esse grupo opressivo de
comissários de fábricas. Vamos a algumas palavrinhas sobre a “felicidade”
do trabalhador belga. Não há ninguém, por certo mais familiarizado com
os mistérios dessa felicidade que o falecido Ducpétiaux, que era inspetor
geral das prisões belgas e da instituição de beneficência e membro da
Comissão Central de Estatística Belga. Abramos usa obra “Balanço
Econômico da Classe Operária na Bélgica”, publicada em Bruxelas, em
1855. Entre outras coisas, encontramos aí uma família belga normal, cujas
receitas e despesas são calculadas na base de dados exatos e cujas
condições de alimentação são comparadas com as dos soldados,
marinheiros e penitenciários. A família é constituída de pai, mãe e quatro
filhos; dessa família, quatro podem trabalhar como assalariados durante o
ano inteiro. Imagina-se que não há doentes e incapazes, nem poupanças
em bancos e caixas de aposentadoria. Nenhuma despesa supérflua,
nenhum luxo. Apenas uma contribuição para o culto. O pai e o filho mais
velho fumam e aos domingos vãos até o boteco, gastando semanalmente
nessas distrações um total de R$ 20,00. Toda a receita da família,
exatamente calculada, chega anualmente a R$ 10.680,00. Eis o balanço
anual da família:

Na hipótese de que o operário tivesse a alimentação:


Do marinheiro, a R$ 18.280,00 teria R$ 7.600,00 de déficit; Do soldado,
a R$ 14.300,00 teria R$ 4.050,00 de déficit; Do prisioneiro, a R$
11.120,00 teria R$ 4.440,00 de déficit.
Voltemos a Londres, onde uma pesquisa oficial foi feita, em 1863, sobre
a alimentação e o trabalho dos condenados, seja à deportação, seja ao
trabalho forçado. Ei-la:
“Uma comparação cuidadosa, entre a dieta dos condenados ás
prisões na Inglaterra, de um lado, e a dieta dos pobres nos asilos e
dos trabalhadores agrícolas livres, do outro, mostra, sem sombra
de dúvida, que os primeiros são muito melhor alimentados do que
quaisquer elementos das duas outras categorias… Além disso, a
quantidade de trabalho exigida de um condenado a trabalhos
forçados é quase a metade da que executa ordinariamente o
trabalhador agrícola”.
Um inquérito sobre saúde pública, em 1865,por ocasião de uma
epidemia numa área rural, cita entre outro, o seguinte fato:
“Um menino doente de febre dormia à noite ao mesmo quarto
como seu pai, mais um filho ilegítimo, mais dois irmãos, mais
duas irmãs, cada uma com um bastardo, ao todo 10 pessoas. Há
algumas semanas eram 13 que dormiam no mesmo aposento”.
Pelas proporções deste manual, não poderemos transcrever, com todos
os detalhes e a precisão de Marx, a situação miserável em que foi jogado o
trabalhador rural. Mas encerremos este capitulo, falando de uma
calamidade toda especial entre os trabalhadores agrícolas ingleses,
provocada pela acumulação de capital.
O excedente da população rural leva ao rebaixamento dos salários, em
certas épocas do ano, quando os trabalhos na agricultura têm de ser
realizado em determinado tempo, por exemplo, na época da colheita,
exige-se um número maior de braços; as necessidades do capital não são
quantitativamente satisfeitas com a população agrícola.
Consequentemente, recorre-se a um grande número de mulheres e
crianças, para suprir essa necessidade momentânea do capital; cumprida
essa função, essa gente vai aumentar a superpopulação rural. Este fato
produziu entre os trabalhadores rurais ingleses o sistema de bandos
ambulantes, os volantes.
Um grupo de volante sé formado de 10 a 40 ou 50 pessoas, mulheres,
jovens de ambos os sexos entre 13 e 18 anos, embora rapazes de 13 anos
sejam em geral excluídos, e finalmente crianças de ambos os sexos entre 6
e 13 anos. O seu chefe é um trabalhador agrícola comum, geralmente
velhaco, debochado, boêmio, bêbado, mas com certo espírito de iniciativa
e muito esperto. O grupo que ele recruta trabalha sob suas ordens e não
sob as do arrendatário, com quem acerta o trabalho por empreitada. O seu
ganho não é muito maior do que um trabalhador agrícola comum e
depende de sua habilidade para fazer o seu bando realizar a tarefa
contratada, no menor tempo possível. Os arrendatários descobriram que as
mulheres só trabalham com regularidade sob a ditadura masculina, e que
elas e as crianças, uma vez iniciada a tarefa, empregam impetuosamente
suas forças, enquanto o homem adulto, malandramente, procura poupar-se
o máximo possível no trabalho.
O chefe do grupo vai de uma fazenda pra outra, ocupando seus
elementos durante 6 a 8 meses por ano. Por isso, é muito mais rendoso e
mais seguro para as famílias dos trabalhadores servir com ele do que tratar
seu trabalho diariamente com o arrendatário, que só ocasionalmente
emprega crianças. Esta circunstancia lhe dá uma influencia tão grande que,
em certos povoados, as crianças, em regra, só podem ser empregadas por
seu intermédio. Ele consegue um ganho adicional, atravessando as
crianças individualmente, sem a família, para os arrendatários.
O lado sombrio do sistema de grupos ambulantes: o trabalho excessivo
das crianças e dos jovens, as longas marchas diárias para as fazendas,
muitas vezes a léguas de distância e finalmente, a desmoralização do
bando. O chefe, conhecido em alguns lugares como arreio, só
excepcionalmente recorre a violência, muito embora a tenha a sua
disposição. É um imperador democrático, procurando exercer uma atração,
como o gerente de um circo. Precisa de popularidade entre os seus
dependentes e os seduz como os atrativos da vida cigana que promove.
Licenciosidade grosseira, dissolução alegre e a mais obscena falta de
pudor dão asas bando. Em geral, paga os seus comandados num bar, e ao
sair cambaleante, vai, apoiado década lado por uma mulher robusta, à
frente do bando, e as crianças e os jovens acompanham-no fazendo maior
algazarra e entoando cantigas zombeteiras e pornográficas. Não são raras
as meninas de 13, 14 anos engravidarem de rapazes da mesma idade. Os
povoados que fornecem os contingentes do bando, transformam-se em
Sodomas e Gomorras, e a taxa de nascimento de filhos ilegítimos é o
dobro da observada em outras regiões do país.
Além de sua forma clássica, tal como descrevemos, há ainda os bandos
particulares. Sua composição é a mesma do bando comum, mas tem
menos pessoas, não são comandadas por um chefe autônomo, mas por um
velho criado para o qual o arrendatário não achou ocupação melhor.
Nestes bandos, o humor cigano desaparece, mas de acordo com o que
dizem as testemunhas, pioram o pagamento e o tratamento das crianças.
Este sistema de bandos continua crescendo nas últimas décadas e não
existe para o prazer se seu chefe. Existe para enriquecer os grandes
arrendatários e, indiretamente, os donos das terras. Os pequenos
arrendatários não empregam esses bandos e nem as terra pouco férteis.
Frente a uma Comissão de Inquérito, um proprietário, apavorado com
uma possível redução de seus ganhos, vociferou:
“Por que se faz tanto caso? Eu sei, é porque o nome do sistema
soa mal. Em vez de “bando”, podemos dizer “Associação
Industrial-Agrícola Cooperativa e Autarquia da Juventude” e tudo
estaria bem.”
Um antigo chefe se bando declarou: ”O trabalho dos bandos é mais
barato do que qualquer outro, e esta é a razão porque é utilizado”.
De um arrendatário: “O sistema de bandos é, sem duvida, mais barato
para o arrendatário e o mais nocivo para as crianças”.
Para os arrendatários, não há método mais engenhoso para manter os
trabalhadores muito abaixo do nível normal – deixando sempre a sua
disposição um suplemento de braços para as necessidades extraordinárias
– para obter muito trabalho com a menor despesa possível e para tornar
supérfluo o trabalhador adulto. Sob o pretexto de que há falta de mão-de-
obra, reclamam como necessário o sistema de bandos.
Parte 10: A Acumulação Primitiva
E estamos chagando ao fim do nosso drama. Um dia encontramos o
trabalhador no mercado, vendendo sua força de trabalho, como vimos
negociando com o homem do dinheiro. Ele não sabia ainda com seria duro
o caminho do Calvário que teria de enfrentar, nem tinha experimentado
ainda o cálice amargo do qual teria de beber até chagar a última gota. O
Homem do dinheiro não era ainda um capitalista, mas um modesto
proprietário de uma pequena riqueza, tímido e incerto em sua nova
caminhada, na qual empregava toda a sua fortuna. Vimos como acena
mudou.
O operário depois de ter gerado o capital com seu primeiro sobre-
trabalho, foi oprimido por um trabalho excessivo de uma jornada
extraordinariamente prolongada. O tempo de trabalho necessário para sua
manutenção foi encurtado pela mais-valia relativa, enquanto o sobre-
trabalho foi prolongado para nutrir sempre mais abundantemente o capital.
Na cooperação simples, vimos que o operário submetido a uma disciplina
militar, preso a uma corrente de concatenação de forças de trabalho, a
extenuar-se mais e mais, para alimentar o sempre crescente capital. Vimos
o operário mutilado, aviltado e oprimido ao máximo pela divisão do
trabalho, na manufatura. Vimos sofrer as indescritíveis dores materiais e
morais causadas pela introdução da máquina, na grande indústria.
Expropriado da última parcela de sua virtude artesanal, vimo-lo reduzido a
um mero servo da máquina, transformado, de membro de um organismo
vivo, em um apêndice vulgar de um mecanismo, torturado pelo trabalho
vertiginosamente intensificado pela máquina, que a cada momento ameaça
arrancar um pedaço de sua carne ou tritura-lo completamente entre suas
monstruosas engrenagens e,como se não bastasse, vimos sua mulher e seus
queridos filhos se tornarem escravos do capital. E, no entanto, o
capitalista, imensamente enriquecido, pagando-lhe um salário que ele pode
diminuir a seu prazer, embora dando mostras de conservá-lo no nível
anterior e até mesmo aumenta-lo. Finalmente, vimos o operário,
temporariamente inutilizado pela acumulação de capital, passar do
exercito ativo industrial, para a reserva, e então, desta, descer para o
inferno da pobreza. Todo o sacrifico foi consumado. Mas como foi
possível acontecer tudo isso?
De um modo muito simples! O Operário era, na verdade, proprietário de
sua força de trabalho, com a qual poderia produzir tanto quanto
necessitasse para si e sua família, mas a quem faltava os outros elementos
indispensáveis ao trabalho, ou seja, os meios e matéria de trabalho.
Desprovido, portanto, de qualquer riqueza, o operário foi obrigado, para
ganhar a vida, a vender seu único bem, sua força de trabalho, ao homem
do dinheiro, que tirou o seu proveito. A propriedade individual e o salário,
fundamentos do sistema de produção capitalista, são a causa primeira de
tanta dor. Mas isto é injusto! É criminoso! E quem deu a o homem o
direito à propriedade individual?! E, além disso, como foi que o homem
do dinheiro se apossou dessa riqueza, dessa acumulação primitiva, origem
de tanta infâmia?
Uma voz terrível levanta-se do templo do deus Capital e grita: “tudo é
justo, porque tudo esta escrito no livro das leis eternas. De há muito se foi
o tempo em que o homem vagava ainda livre e igual sobre a Terra. Poucos
deles foram laboriosos, sóbrios e econômicos; todos os demais foram
preguiçosos, luxuriosos e esbanjadores. A virtude fez a riqueza dos
primeiros e o vício, a miséria de outros. Os poucos conseguiram o direito
de gozar (eles e seus descendentes) da riqueza virtuosamente acumulada;
enquanto os muitos (ele e seus descendentes) são obrigados pela sua
miséria a se venderem aos ricos, foram condenados a servirem
eternamente a estes e seus descendentes”. Eis como certos amigos da
ordem burguesa veem as coisas. Essas insípidas ingenuidades continuam a
circular. Thiers, por exemplo, com a faixa presidencial da republica
francesa, apresentou sua estupidez a seus concidadãos escrevendo um
livro, no qual pretendeu ter aniquilado os ataques sacrílegos do socialismo
contra a propriedade.
Se a origem da acumulação primitiva fosse divina, a teoria que ela
deriva seria tão justa quanto aquela do pecado original e da predestinação.
O pai foi preguiçoso e beberrão, o filho sofrerá a miséria. Um é filho de
um rico, esta predestinada a ser feliz, forte, instruído, civilizado, etc.; outro
é filho de um pobre, está predestinado a ser infeliz, ignorante, bruto,
imoral. Uma sociedade fundada sobre tal lei deve, certamente, acabar, com
acabaram tantas outras sociedades menos bárbaras e menos hipócritas,
tantas religiões e deuses, a começar pelo cristianismo, em cujas leis de
encontram exemplos similares de justiça. Aqui poderíamos botar um ponto
final em nosso trabalho, se fosse possível levar a sério essa tolice
burguesa. Mas o nosso drama tem um final digno desse espetáculo,como
logo veremos, assistindo ao último ato.
Abramos a historia, aquela história escrita pala burguesia, e para
consumo da burguesia, busquemos nela a origem da acumulação primitiva
e é isso o que encontramos. Em épocas mais antigas, grupos de homens
nômades vieram a se estabelecer nas localidades melhor situadas e mais
favorecidas pela natureza. Ali fundaram cidades, cultivaram a terra e
fizeram tudo quanto é necessário para a própria prosperidade. Mas eis que
se encontram e guerreiam pela sua sobrevivência. Daí as guerras, mortes,
incêndios, rapinagem e devastações. Tudo o que era vencido se tornava
propriedade do vencedor, inclusive os sobreviventes que se tornavam
escravos.
Aí esta a origem da acumulação primitiva na antiguidade. Vejamos
agora, na Idade Média. Nesta segunda época da historia, só encontramos
invasões de povos aos países de outros povos mais ricos e mais
favorecidos pela natureza, e sempre o mesmo refrão de matanças,
rapinagem, incêndios, etc. Tudo o que era dos vencidos passa para as mãos
dos vencedores, com a diferença de que os sobreviventes não se tornam
mais escravos, como na época anterior, mas servos, e passam juntamente
com a terra a que estavam presos, para o poder do seu senhor.
Portanto, nem mesmo na época medieval encontramos o menor traço da
idílica laboriosidade, sobriedade e economia decantada por certa doutrina
burguesa sobre a origem da acumulação primitiva. E é bom que se diga
que na Idade Média é a época para qual nossos ilustres possuidores de
riqueza podem se reportar em busca de suas origens, de seus ancestrais.
Passemos, finalmente, para a época moderna.
A revolução burguesa destruiu o feudalismo e mesmo transformou a
servidão em salário. Mas, ao mesmo tempo, retirou doa trabalhadores os
poucos meios de existência, que o estado de servidão lhes assegurava.
Ainda que devesse trabalhar a maior parte do tempo para seu senhor, o
servo se assegurava com um pedaço de terra, com os instrumentos e o
tempo de cultivá-las, para ganhar sua própria vida. A burguesia destruiu
tudo isso e fez do servo um trabalhador “livre”, o qual não tem outro jeito
senão se deixar explorar pelo primeiro capitalista que o capturar ou morrer
de fome. Bem, deixemos agora essas observações gerais e passemos para
um caso particular. Peguemos a história de um povo e vejamos como é
feita a expropriação da população agrícola e a formação daquela massa de
operários, destinada a fornecer sua força de trabalho a indústria moderna
para variar, retornemos à historia na Inglaterra,onde todas essas doenças
por nós estudadas se desenvolveram mais cedo,oferecendo-nos um bom
posto para observação pratica.
Nos fins do século 14, a servidão tinha praticamente desaparecido da
Inglaterra. A imensa maioria da população se compunha agora, e mais
completamente ainda no século 15, de camponeses livres que cultivavam a
sua própria terra, qualquer que fosse o titulo feudal que lhe garantisse o
direito de posse. Nos grandes domínios senhoriais o antigo Bailiff, um
servo, foi substituído pelo arrendatário livre. Os assalariados rurais eram,
em parte, camponeses, que durante o tempo em que não precisavam
trabalhar em suas próprias terras, contratavam trabalhos com os grandes
proprietários; e, em parte, uma classe particular e pouco numerosa de
assalariados propriamente ditos. Mas estes eram, ao mesmo tempo,
lavradores independentes, pois além do salário, recebiam uma habitação e
uma terra de 4 ou mais acres para lavrar. Além disso, juntos com os
camponeses propriamente ditos, usufruíam das terras comuns, onde
pastavam seu gado e de onde retiravam a lenha, a turfa, etc., para seu
aquecimento.
A revolução que criou os fundamentos do modo de produção capitalista
teve seu inicio nos últimos anos do século 15 e nas primeiras décadas do
século 16. Em todos os países da Europa a produção feudal se caracterizou
pela repartição de terras entre o maior número possível de camponeses. O
poder do senhor feudal, como soberano, não dependia do tamanho de suas
rendas, mas do número de seus súditos, do número de camponeses
trabalhando em seus domínios. Repentinamente a libertação dos
numerosos séquitos senhoriais lançou no mercado de trabalho uma massa
de proletários sem eira, nem beira. Essa massa cresceu consideravelmente
por meio da usurpação dos bens comunais dos camponeses, bens estes
instituídos pelas leis feudais, nas quais os grandes senhores nem pensaram.
O florescimento da manufatura da lã, com o consequente aumento dos
preços da lã, motivou diretamente essas violências na Inglaterra.
Transformar as terras de lavoura em pastagens era o grito de guerra. “Mas
que importa aos nossos grandes usurpadores? As casas e choupanas dos
camponeses e trabalhadores foram violentamente demolidas ou
abandonadas à ruína total. Quando consultamos os velhos inventários de
algumas residências senhoriais, verificamos que inúmeras casas e
pequenas lavouras desapareceram que a terra alimenta um número bem
menor de pessoas, que muitas cidades desapareceram, embora prosperem
algumas novas… Poderia falar de cidades e aldeias que se transformaram
em pastos de ovelhas e onde apenas se encontram as mansões senhoriais”.
Velhas crônicas, como esta de Harrison, exageram as queixas, mas
traduzem exatamente a impressão dos contemporâneos que testemunharam
essa revolução das condições de produção.
No século 16, com a Reforma Protestante e o imenso saque aos bens da
Igreja Católica, o violento processo de expropriação do povo recebeu um
novo e terrível impulso. A Igreja católica era, nesta época, proprietária
feudal de grande parte do solo inglês. A extinção dos conventos, etc.,
enxotou os habitantes de suas terras, engrossando ainda mais o
proletariado. Os bens eclesiásticos foram amplamente doados aos vorazes
favoritos da Corte ou vendidos a preços ridículos a especuladores,
agricultores ou burgueses que expulsaram em massa os antigos moradores
hereditários e fundiram as suas propriedades. O direito dos pobres à
propriedade de uma parte dos dízimos da Igreja foi tacitamente
confiscado. Nesta época, a rainha Elizabeth fez uma viagem pela
Inglaterra. “Pauper ubique jacet”, espantou-se ela, em latim, logo após
cumprir o seu itinerário. O que ela quis dizer em português, é que “o pobre
está na miséria por toda a parte”, tanto assim que o seu governo foi
obrigado a reconhecer oficialmente a pobreza, introduzindo o imposto de
assistência aos pobres. Os autores dessa lei se envergonharam de explicar-
lhe os motivos e, sem os preâmbulos de praxe, a fixaram. Sob o reinado de
Carlos I, o Parlamento Inglês a declarou definitiva, e só veio a ser
modificada em 1834. Ao invés de receberam indenizações a que tinham
direto, deram aos pobres mais pobreza e mais castigos. Ainda no tempo de
Elizabeth, alguns proprietários de terras e alguns ricos arrendatários do sul
da Inglaterra se reuniram para estudar a lei sobre os pobres recentemente
promulgada. Um celebre jurista da época foi encarregado de ler e de dar
seu parecer sobre o anteprojeto dos proprietários.
“Alguns dos ricos arrendatários da paróquia imaginaram um
plano muito engenhoso para afastar todas as confusões que
ocorrem na aplicação da lei. Eles propuseram a construção de uma
cadeia na paróquia. Será negada qualquer ajuda ao pobre que nela
não se deixe encarcerar. Avisar-se-á por toda a vizinhança que
qualquer pessoa que deseje alugar os pobres da paróquia deve
apresentar propostas lacradas, num dia determinado, fixando o
menor preço pelo qual ficariam com eles. Os autores deste plano
supõem existirem nos condados, pessoas que gostariam de viver
sem trabalhar, mas que não podem realizar seu desejo por não
disporem de recursos ou créditos suficientes para arrendar ou
conseguir um barco. Estas pessoas estariam inclinadas a fazer uma
proposta vantajosa á paróquia. Se os pobres morrerem aos
cuidados do contratante, a culpa recairá sobre ele, uma vez que a
paróquia já terá cumprido todos os seus deveres em relação a eles.
Tememos que a lei que tratamos não permita medidas prudentes
com a que imaginamos. Informamos-lhe, entretanto, que os
demais proprietários alodiais desse condado e adjacentes se
juntarão a nós para levar seus representantes na Câmara dos
Comuns a propor um alei que permita o encarceramento e o
trabalho compulsório dos pobres, de modo que ficará sem direito a
qualquer auxilio aquele que se opuser ao encarceramento. Isso,
esperamos,impedirá os miseráveis de ter necessidade de
assistência”. No século 18, a lei mesma se torna instrumento de
espoliação. A forma parlamentar do roubo de terras comunais é
aquela das leis de cercamento das terras comunais, públicas. São
na realidade, decretos com os quais os proprietários de terras se
fazem eles mesmos donos dos bens comunais, decretos de
expropriação do povo. Um tal Sir F. M. éden chega a apresentar a
propriedade comunal como u7ma propriedade privada, embora
ainda indivisa, mas ele mesmo se contradiz em sua vergonhosa
argumentação jurídica, ao propor ao Parlamento uma lei geral para
cercar as terras comuns. E, não satisfeito ainda de ter confessado a
necessidade de um golpe de Estado para açambarcar os bens
comunais, ele insiste em se contradizer, ao pedir ao legislador uma
indenização para os pobres expropriados. Se não fossem
expropriados, não seriam, é obvio pessoas a serem indenizadas.
Sir F. M. éden, como vimos, é um poço de disparates e cobiça das
coisas alheias, mas não perde a “filantropia”.
“Em Northamptonshire e Lincolnshire, cercaram as terras
comuns na mais ampla escala e a maior parte das novas
propriedades daí surgidas está transformada em pastagens; por
isso, muitos senhorios não têm 50 acresarados, onde existiam
1.500… ruínas de casas, celeiros, estábulos, etc., são os únicos
vestígios dos antigos habitantes. Em muitos lugares centenas de
casas e famílias foram reduzidas a 8 ou 10.na maior parte das
regiões atingidas pelo cercamento, há 15 ou 20 anos, os
proprietários de terras são hoje em numero bem menor em relação
ao que existia antes. Não é raro ver 4 ou 5 ricos criadores que
recentemente usurparam e cercaram terras que se encontravam em
mãos de 20 a 30 lavradores arrendatários e outros tantos pequenos
proprietários e colonos. Esses lavradores e suas famílias foram
enxotados dos bens que possuíam, juntamente com muitas outras
famílias que empregavam e mantinham”.
Marx transcreveu este treco de uma “Pesquisa sobre as razões contrarias
ou favoráveis ao cercamento de campos abertos”, publicado em 1772, pelo
Reverendo Addington. Os lordes latifundiários (landlords) anexaram não
somente a terra inculta, mas também a cultivada em comum ou mediante
arrendamento à comunidade, sob o pretexto de cercamento. Ouçamos o
doutor Price:
“Falo aqui do cercamento dos campos e terras abertos que já
estão cultivados. Até os defensores do cercamento admitem, nesse
caso, que o cercamento diminui o cultivo das terras, eleva os
preços dos meios de subsistência e produz despovoamento… e
mesmo o cercamento de terras incultas, com atualmente se pratica,
rouba aos pobres parte de seus meios de subsistência e amplia as
áreas arrendadas que já são grandes demais. Se todas as terras
caírem nas mãos de alguns poucos grandes arrendatários, os
pequenos lavradores serão transformados em pessoas que terão de
ganhar a vida trabalhando para os outros e forçadas a irem ao
mercado para comprarem tudo que precisam… haverá talvez mais
trabalho, pois a coação será maior… Aumentarão as cidades e as
manufaturas, pois mais gente afluirá para ela procurando emprego.
Este é o sentido em que o açambarcamento das terras naturalmente
atua e em que, há muitos anos, tem realmente atuado neste reino”.
De fato a usurpação dos bens comunais e a revolução agrícola que
a seguiu foi tão duramente sentida pelos trabalhadores rurais que,
segundo o mesmo Éden, de 1765 a 1780 o salário começou a cair
abaixo do mínimo e teve de ser completado pela assistência
oficial. “O salário do trabalhador rural já não é mais suficientes
nem para as primeiras necessidades da vida”, disse ele.
No século 19 desaparecia, enfim, a lembrança daquele sentimento que
unia o homem do campo ao solo comunal. Que indenização,
perguntaríamos, recebeu a população rural, quando entre 1810 e 1831, foi
espoliada em 3.511.770 acres de terras comuns, com as quais, através do
Parlamento, os landlords presentearam os landlords? E isso sem contar a
extensão de terras roubadas em tempos mais próximos… Finalmente, o
último grande processo de expropriação dos camponeses é a chamada
limpeza das propriedades, que consiste em varrer desta os seres humanos.
Todos os métodos até agora observados culminaram nesta “limpeza”. Não
havendo mais camponeses para serem enxotados, a limpeza prossegue
demolindo as choupanas, etc., até que os trabalhadores rurais, nesse
processo de modernização, não encontrassem mais na terra em que
trabalham o espaço necessário para sua própria habitação.
Um depoimento sobre esse processo na Escócia: “Os grandes da
Escócia expropriaram famílias como se fossem ervas daninhas, tratando
aldeias e seus habitantes como indianos enraivecidos que atacam as feras
acuadas em seus refúgios… O ser humano vale uma pele de carneiro, ou
uma perna de carneiro ou menos ainda… Quando se invadiu o norte da
China, O Grande Conselho dos Mongóis discutia a necessidade de
exterminar seus habitantes e converter suas terras em pastagens. Muitos
proprietários escoceses não vacilaram em executar essa proposta em seu
próprio país, contra seus próprios conterrâneos”.
Mas vamos dar a mão aquém merece. A iniciativa mais mongólica foi
tomada pela duquesa de Sutherland. Essa senhora, de boa escola, logo que
tomou as rédeas da administração, recorreu a medidas radicais e converteu
em pasto todo o condado; a população, que já havia sofrido experiências
análogas, mas não em tão grandes proporções, já estava tão reduzida a 15
mil habitantes. Entre 1814 e 1820, estes 15 mil individuais, que formavam
3 mil famílias foram barbaramente expulsos. Todas as suas aldeias foram
destruídas e incendiadas e seus campos convertidos em pasto. Os
soldados, enviados para essa missão, bateram nos habitantes sem piedade.
Uma velhinha morreu queimada entre as chamas de sua cabana, da qual se
negou a sair. E assim, a nobre dama se assenhoreou de 794 mil acres de
terras que pertenciam à comunidade desde tempos imemoriais.
(Burgueses! Vós que reclamais do uso revolucionário do petróleo, limpai
as orelhas! O fogo desde há muito é usado contra o proletariado! É a vossa
historia que fala).
Voltando a duquesa. Aos camponeses expulsos, ela mandou que se
localizassem em 6 mil acres na orla marítima a 2 acres por família. Esses 6
mil acres eram inteiramente incultos até então, e não proporcionavam
qualquer renda. À duquesa não faltou a “fidalguia” de cobrar uma renda
razoável por acre, a ser pago pelos membros da comunidade, que, há
séculos, derma seu sangue a serviço dos Sutherland. Ela dividiu a terra
roubada em 29 grandes arrendamentos para a criação de ovelhas, cada um
habitado apenas por uma família, em geral oriunda da criação dos
arrendatários ingleses. Em 1825, os 15 mil aborígines gaélicos estavam
substituídos por 132 mil ovelhas. Os que forram lançados na orla marítima
procuravam viver da pesca. Transformaram-se em anfíbios e, na expressão
de um escritor inglês, viviam uma meia vida de duas partes, uma em água
e outra em terra. Mas a brava gente gaélica devia pagar ainda mais caro
pela idolatria que o seu romantismo serrano dedicava aos “grandes
homens” do seu clã. O cheiro de peixe chegou ao nariz dos grandes
homens. Farejaram algo lucrativo atrás dele e arrendaram a orla marítima
aos grandes mercadores de peixes de Londres. Os gaélicos foram expulsos
pela segunda vez.
Por fim, um aparte das pastagens se transformou em reserva de caça. O
professor Leone Levi, em abril de 1866, na Sociedade de Artes, disse em
sua conferencia sobre o problema: “O despovoamento do país e a
transformação das lavouras em meros pastos ofereceram os meios mais
cômodos para uma renda sem despesas… Tornou-se moda, depois
transformar os pastos em campos de caça. As ovelhas expulsas, pelos
animais de caça, do mesmo modo que os seres humanos foram enxotados
para dar lugar às ovelhas… Imensas áreas que figuravam nas estatísticas
da Escócia como pastagens de excepcional fertilidades extensão não são
cultivadas, nem melhoradas, estando reservadas exclusivamente para
algumas pessoas terem o prazer da caça em períodos curtos e
determinados do ano”.
No final de maio de 1866, um jornal escocês dizia: “Uma das melhores
pastagens de ovelha de Sutherlandshire, pela qual se ofereceu
recentemente uma renda anual de centenas de libras, será transformada em
reserva de caça”. Outros jornais da mesma época falaram sobre esses
instintos feudais, cada vez mais crescentes na Inglaterra; alguns deles
podem concluir, com dados e números, que tal fato não havia diminuído a
riqueza nacional. A criação desse proletariado sem direito algum era mais
rápida do que a utilização nas manufaturas nascentes. Alem disso,
brutalmente arrancados das suas condições habituais de existência, não
podiam enquadra-se, da noite para o dia, na disciplina exigida pela nova
ordem social. Muitos se transformaram em mendigos, ladrões,
vagabundos, em parte por inclinação, mas, na maioria dos casos, por força
das circunstancias. Daí ter surgido em toda a Europa ocidental, nos fins do
século 15 e no decurso do século 16 uma legislação sanguinária contra a
vadiagem. Os ancestrais, da classe operaria atual foram punidos
inicialmente por se transformarem em vagabundos e indigentes,
transformação esta que lhes foi imposta. A legislação os tratava como
delinquentes voluntários como se dependesse e deles prosseguirem
trabalhando nas velhas condições e que não mais existiam.
Na Inglaterra, essa legislação começou sob o reinado de Henrique VII.
Henrique VIII, em 1530: velhos e incapacitados para trabalhar obtêm o
direito de apelar à caridade pública, ou seja, esmolar; os sadios que
vagabundeiam são presos e chicoteados até sangrar; e, além disso, de
acordo com a lei posta em vigor, esses vagabundos devem jurar que
voltarão a terra natal ou á cidade onde viveram nos últimos 3 anos para,
como diz a lei, “se porem a trabalhar”.
Que ironia cruel! E essa lei é modificada para ser ainda mais dura, nesse
mesmo governo: o vagabundo reincidente, além de chicoteado, terá a
metade da orelha cortada, isso na primeira, porque na segunda
reincidência era condenado a forca, como criminoso irrecuperável e
inimigo de Estado. Eduardo VI, 1547, no primeiro ano do seu governo,
baixou uma lei determinando que aquele que não trabalhar a ser escravo
de quem o denunciou como vadio. (Assim, para lucrar com o trabalho de
um pobre coitado, bastava denuncia-lo como vadio). Segunda a lei, o dono
deve sustentar seu escravo a pão e água, bebidas fracas e resto de carne,
como achar conveniente, a chicotes e aferros tem o direito de obrigá-lo a
executar qualquer trabalho, por mais repugnante que seja. Se o escravo
desaparecer por duas semanas, será condenado à escravidão perpetua e
marcado a ferro, na testa e nas costas com a letra S (de “slave”: escravo,
em inglês); se escapar pela terceira vez será enforcado como traidor. O
dono pode vendê-lo, presenteá-lo, aluga-lo, como qualquer bem móvel ou
gado. Se o escravo tentar qualquer coisa contra seu senhor, será também
enforcado. Os juízes de paz, quando informados, devem imediatamente
providenciar a busca dos acusados. Se verifica que um vagabundo está
vadiando há 3 dias, será ele levado à sua terra natal, marcado com ferro
em brasa no peito com a letra V e lá posto a trabalhar a ferros, na rua ou
em qualquer outro serviço. Se informar falsamente o lugar de nascimento,
será condenado a ser escravo vitalício desse lugar, dos seus habitantes ou
da comunidade, e marcado com a letra S. Toda a pessoa tem o direito de
tomar os filhos de vagabundos e mantê-los como aprendizes: os rapazes
até a idade de 24 anos e as moças até20 anos. Se fugirem, tornar-se-ão, até
essa idade, escravos dos mestres, que pode polos a ferro, acoita-los, etc.,
como quiser. O dono pode colocar um anel de ferro no pescoço, nos braços
ou nas pernas de seu escravo, para reconhecê-lo mais facilmente e ficar
mais seguro dele. Por fim, a última parte de lei prevê que certos indigentes
podem ser empregados por comunidades ou pessoas que tenham a
intenção de lhes dar de comer e de beber e de arranjar-lhes um trabalho.
Chamados de rondsmen (rodantes), essa espécie de escravos de paróquia
existiu por muito tempo, chegando até o século 19.
Elizabeth, 1572: mendigos sem licença e com mais de 14 anos serão
acoitados severamente e suas orelhas serão marcadas a ferro, se ninguém
quiser tomá-los a serviço por dois anos; em caso de reincidência, se tem
mais de 18 anos, serão enforcados, se ninguém quiser tomá-los a serviço
por dois anos, na terceira vez serão enforcados, sem apelação, como
traidores do Estado. Vagabundos foram enforcados em massa, dispostos
em longas filas. Não havia ano em que 300 ou 400 vagabundos não
fossem levados à forca. Num único ano, só em Somersetshire, foram
enforcadas 40 pessoas, 35 ferreteadas, 37 acoitadas e postos em
liberdade183 criminosos incorrigíveis. E no, entanto diz Strype nos seus
anais, de onde foram recolhidos esses dados: “Este grande número de
acusados não compreendem nem um quinto de todos os criminosos, graças
a negligencia do juiz de paz e da estúpida compaixão do povo”.
Acrescenta: “Os demais condados da Inglaterra não estão em melhor
situação que Somersetshire e muitos até pelo contrario”.
Jaime I: quem perambule e mendigue será declarado vadio e
vagabundo. Os juízes de paz, em suas sessões, estão autorizados a mandar
acoita-lo e encarcera-lo por 6 meses, na primeira vez, e por 2 anos, na
segunda. Na prisão, receberam tantas chicotadas quantas os juízes de paz
acharem adequadas… Os vagabundos incorrigíveis e perigosos serão
ferreteados com um R sobre o ombro esquerdo e condenados a trabalhos
forçados; se novamente, forem surpreendidos mendigando, serão
enforcados sem clemência. Estes estatutos só foram abolidos em 1714.
Nas páginas 41 e 42 de seu famoso livro “UTOPIA”, Tomas Morus
escreveu:
“Homens, mulheres, esposos, esposas, órfãos, viúvas, mães
infelizes amamentando seus bebes, famílias inteiras, pobres de
recursos, mas muitos braços, por que a lavoura exigia muitos
braços. Pobres, simples desventurado as almas! Carregando seus
haveres, vão deixando os campos conhecidos e amados e, adiante,
não encontram onde repousar. Atirados ao acaso, sem destino, vão
perdendo seus humildes objetos por uma ninharia, premidos pelas
necessidades. Sem o último tostão, ao relento, o que lhes resta
fazer? Roubar e então, oh, Deus!, serem enforcados com todas as
formalidades jurídicas ou pedir esmola. Mas se mendigarem, eles
serão presos como vadios, vagabundeando sem trabalho; eles, a
quem ninguém quer dar trabalho por mais que implorem! Toda
essa miséria, por quê? Porque um agiota avarento e
insaciável,peste de seu torrão natal, tramou e conseguiu por meio
de fraudes, violência e tormentos e roubos de milhares de
alqueires, que ele cercou de estacas de valas, e expulsou os
lavradores de suas próprias terras”.
Conterrâneo destes desgraçados vagabundos do reinado de Henrique
VIII, de 1509 a 1547, quando foram enforcados mais de 72 mil vadios.
Tomas Morus nos contou como esses ex-lavradores eram obrigados a se
tornarem ladrões. E aí esta: a acumulação primitiva e sua origem! È com
essa violência e de todo esse sangue dos expropriados camponeses que
nasce a classe operaria, destinada servir de pasto a toda a indústria
moderna! O mais é idílio, conversa afiada…
Assim, a fogo espada, o capital preparou o ambiente necessário para
empregar um amassa de força humana destinada a nutri-lo. E, hoje, se não
é a da espada, se não é o fogo, é a fome: um meio muito mais cruel e
terrível. A crescente necessidade de acumulação levou a essa gloriosa,
moderna conquista da burguesia, que é a fome. Um meio que é mesmo
parte necessária para o funcionamento da produção capitalista como um
todo; enfim, por si mesma, agindo sem grandes escândalos, sem grandes
barulhos, é a fome um meio civilizado e honesto do mundo capitalista. E
para quem se rebela contra a fome, há sempre mais espada e fogo. Não nos
obram páginas para falarmos aqui dos heróis do capital nos países
colonizados. Remetemos os nossos leitores à historia das descobertas,
começando com a de Cristóvão Colombo e de toda a colonização;citemos
apenas um texto de um homem “reconhecido por seu fervor cristão” W.
Howitt:
“As terríveis atrocidades praticadas pelas chamadas nações cristãs, em
todas as regiões do mundo e contra todos os povos que conseguem
submeter, não encontram paralelo em nenhum período da historia
universal, em nenhuma raça, por mais feroz, ignorante, cruel e cínica que
se tenha revelado”. Se, como disse Augier, o jornalista francês, “o dinheiro
vem ao mundo com uma de suas faces manchada de sangue”,o capital –
conclui Marx – vem transbordando de sangue e lama por todos os seus
poros, dos pés à cabeça.
Parte 11: Conclusão
O mal é radical e os trabalhadores já sabem disso há muito tempo. E
estão dispostos, com os meios apropriados, a destruí-los. Muitos
Trabalhadores já sabem:
1. Que a propriedade privada é a fonte primeira de toda a opressão
exploração humana;
2. Que a emancipação dos trabalhadores (a emancipação humana)
não pode fundar-se em uma nova dominação de classe, as no fim de
todos os privilégios e monopólios de classe, e sobre a igualdade dos
direito e dos deveres;
3. Que a causa do trabalho, causada humanidade, não tem fronteiras;
4. Que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios
trabalhadores.
Trabalhadores de todo o mundo, unamo-nos! Não mais direitos sem
deveres, não mais deveres sem direitos! Revolução.
Mas a revolução perseguida pelos trabalhadores não é uma revolução de
pretextos, não é o meio pratico de um momento, para se lograr um
objetivo dissimulado. Também a burguesia, como tantas outras classes,
invocou um dia a revolução, mas somente para derrotar a nobreza e
substituir o sistema feudal de servidão por esse mais refinado e cruel que é
o do trabalho assalariado. E a isso chamam de progresso e civilização!
Todos os dias podemos ver ao ridículo espetáculo dos burgueses que vão
balbuciando a palavra revolução, como único objetivo de chagar ao topo
da montanha e usurpar o poder. A revolução dos trabalhadores é a
revolução pela revolução!
A palavra revolução, no seu sentido mais amplo e verdadeiro sentido,
significa mudar, transformar, girar. Com tal, a revolução é a alma de toda a
matéria infinita. De fato na natureza tudo se transforma, mas nada se cria
ou destrói como nos prova à química.
A matéria mantendo sempre a mesma quantidade, pode mudar
infinitamente as suas formas. A matéria perde sua antiga forma e adquire
uma nova forma, essa passa da antiga vida, na qual morre, para a nova na
qual nasce. Quando nosso fiandeiro transformou os 10 quilos de algodão
em 10 quilos de fio, não ocorreu a morte de 10 quilos de matéria sob a
forma de algodão e seu nascimento sob a forma de fio? E quando tecelão
transforma os fios em tecido, não ocorreu à mesma coisa que se sucedera
com a vida do algodão e a vida do fio? Portanto, a matéria girando de uma
vida para a outra, vive sempre mudando se transformando, se
revolucionando…
Ora, se a transformação é alei da natureza, que é o todo, deve também
necessariamente ser alei da humanidade, que é parte. Mas sobre a terra há
um punhado de homens que não pesam assim, ou, melhor que tapam os
olhos para não ver e os ouvidos para nada escutarem.
Agora, ouço um burguês que me grita:
“Sim, é verdade, alei natural, a revolução que você reclama,é a
reguladora absoluta das ações humanas. A culpa de todas as
opressões, de todas as explorações, devem ser atribuídas a essa
inexorável lei que se impõe à revolução, à transformação continua:
a luta pela sobrevivência, a vitória dos mais fortes sobre os mais
fracos, enfim,o sacrifício da espécie menos perfeita para o
desenvolvimento da mais perfeita. Se centenas de trabalhadores se
sacrificam para o bem estar de um só burguês, o burguês não tem
a menor culpa, ao contrario, esta aflito e desolado por causa desse
decreto, da única lei natural, da revolução”.
Quando os burgueses falam desse modo e os trabalhadores resolvem
também invocar a força dessa lei natural que quer a transformação, a luta
pela existência e a revolução, eles se preparam justamente para serem os
mais fortes, sacrificando toda a planta parasita, para o completo e prospero
desenvolvimento da planta homem, belo, perfeito, como deve ser em toda
a profundidade do seu caráter humano. E o que fazem os burgueses? Os
burgueses são muito temerosos e devotos para poder apelar à lei natural da
revolução. Em alguns momentos de veleidades, eles podem até invoca –
lá, mas, depois, voltando a si, feitas as contas, chegam ao resultado de que
tudo se desenvolve perfeitamente bem, no melhor dos mundos, para eles,
então passam a gritar, torturando os nossos tímpanos: ordem, religião,
tradição, família e propriedade! Assim, depois de conquistarem com
mortes, incêndios e roubos o lugar de dominadores e exploradores da
espécie humana, pensam poder brecar os passos da revolução. Mas eles
não sabem na sua estupidez, que seus esforços nada podem fazer do que
levar a humanidade e, portanto eles mesmos a uma terrível catástrofe,
assim, as forças revolucionarias exploradas por eles de um modo
irracional, imprevisivelmente explodem.
Eliminados os obstáculos materiais que se opunham a revolução, agora
livre no seu curso, bastará por si só para criar entre os homens o mais
perfeito equilíbrio, a ordem a paz e a felicidade mais completa, porque os
homens, no seu livre desenvolvimento, não procedem como animais, mais
como seres humanos, eminentemente racionais e civilizados, que
compreendem que nenhum homem pode ser verdadeiramente livre e feliz,
a não ser na liberdade e felicidade comum a toda a humanidade. Não mais
direitos sem deveres, não mais deveres sem direitos. Não mais, portanto a
luta pela sobrevivência entre um homem e um homem, mas a luta pela
existência de todos os homens com a natureza, aproveitando o possível das
forças naturais para a vantagem de toda a humanidade.
Conhecida a doença, o remédio é fácil: a revolução pela revolução.
Mas como podem os trabalhadores restabelecer o curso da revolução.
Aqui não é o lugar para desenvolver um programa revolucionário, já há
muito publicado em outros livros. Concluindo, me limito a repetir as
palavras se um operário, que são a epigrafe deste volume:
“O operário fez tudo, e o operário pode destruir tudo, porque
pode fazer tudo de novo”.
Table of Contents
Sobre o Autor
Ao Leitor
Prefácio do Autor à Primeira Edição
Parte 1: Mercadoria, Dinheiro, Riqueza e Capital
Parte 2: Como Nasce o Capital
Parte 3: A Jornada de Trabalho
Parte 4: A Mais-Valia Relativa
Parte 5: Cooperação
Parte 6: Divisão do Trabalho e Manufatura
Parte 7: Máquina e Grande Indústria
Parte 8: O Salário
Parte 9: Acumulação de Capital
Parte 10: A Acumulação Primitiva
Parte 11: Conclusão

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