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Miniseries Globo, Historia Romantica, Usp Gleizer
Miniseries Globo, Historia Romantica, Usp Gleizer
Miniseries Globo, Historia Romantica, Usp Gleizer
São Paulo
2006
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
O PROCESSO DE PRODUÇÃO EM
MINISSÉRIES HISTÓRICAS – O PASSADO
ROMANTIZADO
São Paulo
2006
A Angelo, Maria Imaculada e Vinicius
AGRADECIMENTOS
Imagens de A Muralha, produzida pela TV Excelsior em 1968. ( Revista Realidade, editora Abril)............p.16
Capa do CD Um Só Coração...........................................................................................................................p.75
Yolanda verdadeira, possivelmente em sua fazenda (Arquivo Histórico Wanda Svevo/Fundação Bienal de São
Paulo)...............................................................................................................................................................p.90
Público aguarda a abertura da II Bienal (Arquivo Histórico Wanda Svevo/Fundação Bienal de São
Paulo)...............................................................................................................................................................p.99
This dissertation aims to study TV dramas based on historical events. The two
selected works for analysis are mini-series dealing with historical narratives: A Muralha
and Um Só Coração, produced by Globo Networks – Brazil, also stressing out the work of
their author, Maria Adelaide Amaral. The initial goal in this study was a comparison
between fictional narratives and historical knowledge. However, developing the subject
allowed us to work with a collective cultural and industrial product, which uses the
historical information in order to build an unique fictional narrative.
These two mini-series based on historical events were selected because they both
relate to aspects of the history of São Paulo city. In comparing fiction with the
historiographical studies, we were able to identify some of the sources which were used, as
well as the transformations that have occurred at the mini-series.
We can see that the fictional narratives in television drama, even based in historical
events, are structured according to the logic of romantic fiction. The historical information
is diluted into the pitoresque, the exotic, the distinctive, but is still understood by the
average viewer an image of the historical truth.
Dedicatória
Agradecimentos
Índice de Ilustrações
Resumo
Abstract
INTRODUÇÃO..................................................................................................................p.1
CAPÍTULO I - A MURALHA........................................................................................p.12
1. VERSÕES DA MESMA HISTÓRIA
2. A OBRA LITERÁRIA E SUA AUTORA
3. A MURALHA DA GLOBO
CAPÍTULO V - OS PRODUTORES...........................................................................p.112
1. A EMPRESA GLOBO DE COMUNICAÇÃO
2. A EMISSORA DE TELEVISÃO
3. AUTOR/AUTORES
4. ATORES
5. DIRETORES
CONCLUSÃO................................................................................................................p.135
FONTES..........................................................................................................................p.140
BIBLIOGRAFIA CITADA...........................................................................................p.142
ANEXOS
1. ENTREVISTAS
2. FICHAS TÉCNICAS
3. TELENOVELAS E MINISSÉRIES AMBIENTADAS EM SÃO PAULO
INTRODUÇÃO
1
Há autores que consideram a produção televisiva brasileira como exemplar, para a
criação da comunidade e da identidade nacional. No início do século XX tal papel foi
atribuído ao rádio. A partir dos anos sessenta, a televisão passou a exercer este papel. As
produções foram sendo paulatinamente nacionalizadas até se tornarem originais e
referências internacionais.
A literatura nacional foi e é fonte relevante para a produção de telenovelas e
minisséries.
A teledramaturgia nacional apresenta também produções de novelas históricas ou de
época, que são inspiradas em fatos e acontecimentos da história do Brasil, ou ambientadas
em um período do passado. Dentre elas, muitas obtêm boas audiências, de acordo com suas
emissoras.
As produções históricas são uma forma segura para atrair a audiência. Nos últimos
anos, a Rede Globo, emissora que é a líder de audiência no país e a principal produtora de
teledramaturgia, está sofrendo a concorrência de outras emissoras de TV aberta que estão
investindo em produções de novelas. Esse investimento inicial de outras emissoras tem sido
em tramas com temáticas históricas, ambientadas no passado ou inspiradas na literatura.
A Rede Globo, além do horário “das seis”, apresenta anualmente uma minissérie
inspirada na história, normalmente após as 22h. Desde 2000, a autora de maior destaque no
horário é a dramaturga Maria Adelaide Amaral.
Nos último cinco anos Maria Adelaide assinou a autoria de quatro minisséries. A
primeira foi A Muralha (2000), idealizada como parte das comemorações dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil e inspirada no romance de Dinah Silveira de Queiroz, que retrata
vida de uma família de bandeirantes. A produção seguinte foi Os Maias (2001), inspirada
no romance homônimo de Eça de Queiroz que retrata a decadência da aristocracia
portuguesa na segunda metade do século XIX. Em 2003, escreveu A Casa das Sete
Mulheres, adaptação livre do romance homônimo da escritora gaúcha Leticia Wierchowski,
com co-autoria de Walter Negrão e alcançou altos índices de audiência. Narrava a trajetória
real e de personagens de ficção durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), através da
ótica das mulheres da família de Bento Gonçalves. 1
1
Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento (Projeto Memória das
Organizações Globo). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p.377-378.
2
Um Só Coração (2004) foi produzida como uma homenagem da emissora ao
aniversário de 450 anos da fundação da cidade de São Paulo. Contava a história da cidade
entre 1922 e 1954, dando especial ênfase à cultura do período. Foi a primeira parceria de
Maria Adelaide com o autor Alcides Nogueira, repetida em JK (2006), que contou a
história do ex-presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek.
Maria Adelaide tem uma reconhecida carreira como autora de teatro, mas foi na
televisão e através das minisséries que alcançou popularidade, sendo considerada
especialista em ficções históricas para este formato.
Ambas as minisséries, escolhidas para esta pesquisa, foram ambientadas na cidade
de São Paulo. Apesar de haver um grande número de novelas ambientadas no Rio de
Janeiro, São Paulo, quer a cidade ou o Estado, recorrentemente, aparece na teledramaturgia,
ocupando um espaço privilegiado na narrativa televisiva.
Recentemente, na Rede Globo, apareceu em Sinhá Moça, ambientada no final do
século XIX, período de luta pela abolição e pela república, na fictícia cidade de Araruna,
supostamente localizada no interior da província de São Paulo. A personagem principal,
filha de um barão do café era abolicionista, apaixonava-se por um advogado com os
mesmos ideais, que estudou no Largo São Francisco. O original é de autoria de Benedito
Ruy Barbosa, autor que costuma explorar São Paulo e sua história. Uma das produções
mais relevantes de Benedito foi Os Imigrantes (1981/1982), produzida e exibida pela Rede
Bandeirantes, sobre os grupos que ajudaram a construir o Brasil no século XX. A história
teve três fases e se estendeu por mais de um ano. 2
Outra produção recente foi Belíssima (2006), novela de Sílvio de Abreu, que
ambientou sua narrativa no contemporâneo da cidade, com locais e tipos populares (como
descendentes de imigrantes) e personagens ricas (caracterizadas como executivos de
grandes empresas que circulam nos centros empresariais e locais sofisticados da cidade).
Na produção deste autor, a cidade de São Paulo contemporânea é uma fonte de inspiração.
A Globo também está reprisando Chocolate com Pimenta, produção de 2003/2004,
que fez grande sucesso no horário “das seis”. Seu autor Walcyr Carrasco, além de fazer
novelas de época, costuma apresentar São Paulo em suas obras: Fascinação (1998), no
SBT, O Cravo e a Rosa (2000/2001), A Padroeira (2001/2002) e Alma Gêmea
2
Ismael Fernandes. Memória da telenovela brasileira. 4ª ed. ampl. São Paulo: Brasiliense, 1997, p.246-247.
3
(2005/2006), na Globo. A curiosidade sobre este autor é que cursou três anos de História na
Universidade de São Paulo. 3
A fictícia cidade de Guará, no interior de São Paulo, foi o cenário de Cidadão
Brasileiro, novela de Lauro César Muniz, produzida e exibida na Rede Record, em 2006.
Lauro também é um autor que usa São Paulo periodicamente. Exemplo disso foi o seu
primeiro trabalho original, Os Deuses Estão Mortos, também na Record. Era uma novela
histórica, passada no final do século XIX e abordava temas como a crise na sociedade
brasileira após a abolição da escravatura e a iminência da república. 4
Como podemos observar, alguns temas são repetidos por diversos autores que
utilizam a história de São Paulo em suas tramas. Entre os exemplos apontados está a luta
pela abolição e a república, temas que acabam levando a tratar da importância do café na
economia paulista e este como fator de desenvolvimento do país.
Outros temas utilizados por diversos autores são: imigração, decadência do café,
industrialização, entre vários outros. Observamos que um tema histórico está dentro de um
contexto que permite a ampliação e abordagem de outros. Por exemplo, ao falar de
indústria, trata-se do operariado, pois o tratamento de um tema histórico, mesmo que seja
na ficção, exige a contextualização, que serve de elemento para criação de conflitos e do
cotidiano das personagens.
Maria Adelaide Amaral é uma autora que freqüentemente explora São Paulo em
suas obras.
3
Janaína Nunes & Rosana Aubin. Abaixo as fórmulas. Diário de S. Paulo, 04/09/2005, c. Já TV, ano 9, nº
461, p.8-14.
4
As informações apresentadas sobre a produção de teledramaturgia e seus autores, que utilizam São Paulo
como tema e/ou ambientação, são referentes ao atual momento da televisão e produção deste texto. Não
podemos deixar de mencionar que outros autores, já falecidos, também usaram a cidade, seja na perspectiva
histórica, ou contemporânea a sua produção. São exemplos: Jorge de Andrade e Cassiano Gabus Mendes.
4
Entre as minisséries inspiradas na literatura, em sua maioria brasileira, encontramos:
Anarquistas Graças a Deus (1984); Rabo de Saia (1984); O Tempo e o Vento (1985);
Tenda dos Milagres (1985); Grande Sertão Veredas (1985); Memórias de um Gigolô
(1986); O Primo Basílio (1988); Riacho Doce (1990); O Sorriso do Lagarto (1991); Tereza
Batista (1992); Agosto (1993); A Madona de Cedro (1994); Memorial de Maria Moura
(1994); Incidente em Antares (1994); Dona Flor e seus Dois Maridos (1998); Hilda
Furacão (1998); Luna Caliente (1999); A Muralha (2000); Os Mais (2001); Presença de
Anita (2001); Pastores da Noite (2002), A Casa das Sete Mulheres (2003) e Mad Maria
(2005).6 Muitas delas acabam aliando a literatura e a história, pois são romances de época
ou históricos. Também destaca-se a produção de textos originais com temática histórica,
por exemplo: Anos Dourados (1986); Abolição (1988); República (1989); Anos Rebeldes
(1992) e Aquarela do Brasil (2000). Também há textos inspirados em biografias como:
Desejo (1990) e Chiquinha Gonzaga (1999).
Houve produções que usaram da comédia para contar a história do Brasil: A
Invenção do Brasil (2000) e O Quinto dos Infernos (2002).
Atualmente a Globo prepara uma minissérie para estrear em 2007 sobre a história
do Acre, com autoria de Glória Perez.
5
Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento (Projeto Memória das
Organizações Globo). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p.307-378. Contagem até a produção deste
texto.
6
As minisséries O Primo Basílio (1988) e Os Maias (2001) foram inspiradas em obras da literatura
portuguesa, do escritor Eça de Queiroz.
7
Sérgio Miceli. A Noite da Madrinha: ensaio sobre a indústria cultural no Brasil. Dissertação de Mestrado
em Sociologia. São Paulo: FFLCH/USP (Departamento Ciências Sociais), 1971.
8
Solange Martins Couceiro. Negro na televisão de São Paulo: estudo de relações raciais. Dissertação de
Mestrado em Antropologia. São Paulo: FFLCH/USP (Departamento de Ciências Sociais), 1971.
5
podemos citar os trabalhos de Renato Ortiz e Samira Youssef Campedelli durante os anos
oitenta. 9
Na Universidade de São Paulo houve a fundação de um núcleo de pesquisa
dedicado aos estudos de telenovela, abrangendo trabalhos sobre qualquer tipo de ficção
seriada - o Núcleo de Pesquisa de Telenovela da ECA/USP, de 1992. Muitos dos trabalhos
produzidos sobre telenovela na última década foram feitos por pesquisadores ligados a este
núcleo, como os das professoras Ana Maria Fadul, Maria Lourdes Motter, Maria
Immacolata Vassalo de Lopes e Renata Pallottini. 10
Na bibliografia internacional encontramos os trabalhos do professor Jesús Martín-
Barbero 11, que são referência para o estudo da telenovela latino-americana, e os de Armand
e Michèle Mattelart 12, além de diversos outros, especialmente em forma de artigos, hoje
acessíveis graças à disponibilização pela internet.
9
Renato Ortiz; Sílvia Helena Simões Borelli; José Mário Ortiz Ramos. Telenovela: história e produção. 2ª
ed. São Paulo: Brasiliense, 1991, (a primeira edição é de 1989); Samira Youssef Campedelli. A telenovela. 2ª
ed. São Paulo: Ática, 1987; -. Telenovela e folhetim. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FFLCH/USP
(Letras), 1983.
10
Anamaria Fadul (org.). Ficção seriada na TV: as telenovelas latino americanas com uma bibliografia
anotada da telenovela brasileira. São Paulo: Núcleo de Pesquisa de Telenovelas, ECA-USP, 1992; Maria
Lourdes Motter. Ficção e realidade: a construção do cotidiano na telenovela. São Paulo: Alexa Cultural,
Comunicação & Cultura, 2003; Maria Immacolata Vassalo de Lopes. Explorações metodológicas num estudo
de recepção de telenovela. In: Temas Contemporâneos em Comunicação. São Paulo: INTERCOM, 1997, p.
151-166; Renata Pallotini. Dramaturgia de televisão. São Paulo: Editora Moderna, 1998.
11
Jesús Martín-Barbero & Germán Rey. Os exercícios do ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São
Paulo: Editora SENAC/SP, 2001.
12
Armand Mattelart & Michèle Mattelart. O Carnaval das imagens: a ficção na TV. São Paulo: Brasiliense,
1989.
13
Maria Ataíde Malcher. A memória da telenovela: legitimação e gerenciamento. São Paulo: Alexa Cultural,
comunicação &Cultura, 2003, p.55.
6
como Marc Ferro e Past Imperfect, organizado por Marc C. Carnes. 14 Porém, temos clareza
que a ficção seriada televisiva não deve ser analisada como um filme, pois são produtos
culturais diferentes, com públicos e objetivos também diversos. Mas, em nosso entender,
em uma discussão interdisciplinar, os trabalhos analíticos sobre cinema podem trazer
contribuições e idéias para serem utilizadas na metodologia de análise.
No caso de Marc Ferro, optamos por adaptar suas idéias gerais para análise cinema
e história, porém respeitando o nosso objeto: o filme (minissérie) tem uma história que
também é história; análise do produto dentro da cultura e da época em que foi produzido;
diferenciar a leitura histórica do filme (minissérie) da leitura cinematográfica
(teledramatúrgica) da história.
Entre os trabalhos sobre cinema e história no Brasil destacamos o de Eduardo
Morettin, Cinema e história: uma análise do filme Os Bandeirantes. 15 A obra analisada por
Morettin, diferente das nossas que são ficções para entretenimento em veículo televisivo, é
uma obra cinematográfica de caráter educativo, porém constitui um documento histórico
que contribuiu para a imagem do paulista bandeirante. A mesma imagem foi usada por
Dinah Silveira de Queiroz, e em conseqüência por Maria Adelaide Amaral.
Dentro da contribuição das obras especificas sobre teledramaturgia, temos além das
já citadas, em especial o artigo de Maria Lourdes Motter: Argumentos para o estudo da
ficção A Casa das Sete Mulheres; ficção, realidade e história 16, que possibilitou o
aprofundamento de aspectos de nossa análise, visto que o artigo utiliza uma minissérie
histórica, inspirada na literatura e de autoria de Maria Adelaide.
Entre os trabalhos que inspiraram nossa análise, não podemos deixar de citar o de
Marco Antônio Guerra sobre a obra de Carlos Queiroz Telles. História e Dramaturgia em
14
Marc Ferro. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p.17; - O filme: uma contra-análise da
sociedade? In: Jacques Le Goff. & Pierre Nora. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1986; Marc C. Carnes(org.). Past imperfect: history according to the movies. New York: Owl Book, 1995.
15
Eduardo Victorio Morettin. Cinema e história: uma análise do filme Os Bandeirantes. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: ECA/USP (Departamento de Cinema Rádio e Televisão), 1994.
16
Maria Lourdes Motter. Argumentos para o estudo da ficção A Casa das Sete Mulheres; ficção, realidade e
história. Revista ECO-Pós, Rio de Janeiro, vol. 7, nº 1, jan./jul., 2004, p.85-99.
7
Cena (década de 70) 17. O livro oferece subsídios metodológicos e teóricos para trabalhos
relacionados à dramaturgia e história.
Em nosso ponto de partida para a pesquisa, elaboramos algumas questões: por que a
teledramaturgia pode ser entendida como uma obra coletiva? Quais são os produtores de
uma obra de teledramaturgia (emissora, autores, atores, diretores etc.)? Qual a participação
deles na produção? Que visão de história têm esses produtores? Esta visão é consciente ou
não? Qual é o tipo de pesquisa histórica feita para essas produções? Que fontes são
utilizadas? Como elas são utilizadas? Qual a história de cada produção? Qual o sucesso
comercial que elas podem ter? Como esse material pode ser utilizado para ensinar história?
Algumas dessas questões tentamos resolver no decorrer do trabalho e outras ficarão para
uma próxima etapa.
17
Marco Antônio Guerra. Carlos Queiroz Telles: história e dramaturgia em cena (década de 70). São Paulo:
Annablume, 1993.
18
Agnès Chauveau &Philippe Tétard. Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
8
na construção da trama da minissérie e que indicam visões sobre a Vila de São Paulo e seus
habitantes. E contamos a história da produção de 2000, da Rede Globo, feita em
comemoração aos 500 Anos do Descobrimento do Brasil, com um resumo da minissérie.
O capítulo 2 tem como objeto ainda a minissérie A Muralha, porém aí trabalhamos
alguns temas escolhidos, como o cotidiano e a condição feminina, e apresentamos algumas
das fontes históricas utilizadas pelos produtores para escrevê-la É importante ressaltar que a
minissérie teve sua ação passada no início do século XVII, enquanto no livro a ação
passava no início do século XVIII. Apresentamos como foram utilizados alguns autores
conhecidos da historiografia sobre São Paulo. Indicamos também outros temas abordados
na minissérie.
No capítulo 3, tratamos da minissérie Um Só Coração. E contamos a história dessa
produção, que foi concebida em homenagem ao aniversário de 450 anos da Cidade de São
Paulo. Foi uma minissérie bastante promovida em eventos culturais na cidade,
especialmente em exposições em museus. E teve vários produtos criados em função de sua
apresentação, tais como um CD, com a trilha sonora, livros sobre a minissérie e suas
personagens e até revistas populares, sobre acontecimentos históricos retratados na
minissérie. Também neste capítulo fazemos um resumo da minissérie.
O capítulo 4 também é sobre Um Só Coração, tratando os temas da minissérie, que
teve como fio condutor a vida de Yolanda Penteado. O principal objetivo da minissérie,
segundo seus autores era contar a história de São Paulo do ponto de vista da cultura e a
Yolanda Penteado ficcional era uma pessoa ligada a diversos momentos da cultura da
cidade. Além da cultura, foram mostrados aspectos políticos, econômicos e sociais do
período, sendo que a Revolução Constitucionalista de 1932 foi o mais destacado na
minissérie. Nele também trabalhamos com algumas fontes bibliográficas sobre o período e
suas personagens.
No capítulo 5, falamos sobre os produtores, entendendo a teledramaturgia como
obra coletiva. Por razões de limitação de tempo e material disponível, tratamos mais da
emissora Rede Globo, os autores, atores e diretores. Tentamos entender a relação que cada
profissional tem com a produção e a visão de história de alguns deles.
Na Conclusão, nosso objetivo foi o de responder a questões que colocamos no início
do projeto, com os elementos que conseguimos obter no cruzamento entre as produções
9
culturais televisivas, as minisséries de cunho histórico e as obras historiográficas que
serviram de fontes de informação, e mais do que isso, fontes de inspiração de elementos
emocionais para a construção da narrativa folhetinesca.
10
E o interesse despertado é grande, graças à audiência, que também é responsável
pela manutenção desse tipo de produção. A presença de Maria Adelaide Amaral nesses
projetos é muito significativa, pois é a sua forma de construção de narrativa televisiva que
tem marcado, no presente momento, as minisséries de cunho histórico.
Na estrutura do texto, definimos que as obras estão citadas em cada capítulo, pela
variedade de títulos e autor, e, as notas de rodapé estão organizadas por capítulo, pela
quantidade.
11
CAPÍTULO I - A MURALHA
1
Marcelo Bartolomei. Especialista elogia “sessão nostalgia”. Folha de S. Paulo, 12/03/2006, caderno
Ilustrada, p E6. Os especialistas consultados na reportagem, Gabriel Priolli, Maria Immacolata Vassallo de
Lopes e Raquel Paiva, indicam vários motivos que favorecem a prática de remakes e reprises de telenovelas.
12
original. Exemplificando, no remake de Anjo Mau (1997), Maria Adelaide Amaral mudou o
ambiente da história do Rio de Janeiro para São Paulo e alterou o final de modo que a
personagem Nice, que morreu na primeira versão, devidamente castigada por ser a vilã,
teve um final feliz. 2
Além do remake, outra prática comum na teledramaturgia nacional é o uso da
literatura como fonte de inspiração:
A Muralha, produzida pela Rede Globo, é a quinta versão de que se tem referência
desta história na teledramaturgia. Ismael Fernandes indica três versões: a primeira,
apresentada em 1958, pela TV Tupi; a segunda em 1963 pela TV Cultura e a terceira e mais
conhecida, em 1968, pela TV Excelsior. 4
Hélio Guimarães indica uma versão anterior, da TV Record, em 1954, ano da
primeira edição do livro e da comemoração do IV Centenário de São Paulo. Em artigo
publicado na Revista da USP5, apresenta algumas dificuldades de produção para a época.
2
Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento (Projeto Memória das
Organizações Globo). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 253.
3
Hélio Guimarães. A presença da literatura na televisão. Revista USP, São Paulo, 32, dez. 1996/fev. 1997, p.
192.
4
Ismael Fernandes. Memória da telenovela brasileira. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1997, p.111.
5
Hélio Guimarães. op. cit, p. 190-198.
13
A maioria das adaptações de livros para a televisão era baseada na literatura
estrangeira, que já possuía versões cinematográficas. A versão cinematográfica facilitava o
trabalho, pois os profissionais de então não tinham experiência em transpor o texto
diretamente para um meio audiovisual, no caso a televisão. O filme era considerado uma
importante fonte de inspiração, pois o trabalho de imaginação, com a criação de cenários,
diálogos e caracterização de personagens, já estava feito. E também havia dificuldades
técnicas em usar obras da literatura brasileira:
“(...). Uma das tentativas ocorreu em 1954, quando a Record exibiu A Muralha,
telenovela baseada na obra de Dinah Silveira de Queirós (sic). O depoimento do
adaptador e diretor, Miroel Silveira, dá idéia da dificuldade que foi adaptar o
romance para um veículo que se constituía basicamente de imagens e sons. Silveira
conta que a telenovela era exibida ao vivo três vezes por semana. Tudo era feito em
estúdio e, portanto, não havia possibilidade de cenas externas. Como o romance se
passa durante a Guerra dos Emboabas, no capítulo em que deveriam ser
apresentadas cenas da guerra, a solução foi a seguinte: „Nós tivemos como único
recurso convidar a autora, que veio do Rio de Janeiro e contou a Guerra dos
Emboabas num capítulo especial, que era uma entrevista.‟
O depoimento de Silveira ilustra a inexperiência em contar uma história através de
imagens e o desconhecimento de recursos narrativos da televisão. ” 6
6
Idem, p. 194-195.
7
Ismael Fernandes. op. cit, p.110-111.
14
“Procurando reconstituir fielmente o tempo dos bandeirantes, Sérgio Brito escolheu
tal número de cenários e objetos de decoração que não couberam num dos estúdios-
gigantes da TV Excelsior de São Paulo. Na pesquisa que a respeito empreendeu
contou com a experiência e o bom gôsto (sic) do cenógrafo Luiz Marinho.”9
“A novela está prevista para uma duração de seis meses –„mas poderá se prolongar
por mais tempo, dependendo do índice de audiência‟ – explica Sérgio Brito.”11
8
Não é fácil construir A Muralha. Realidade, São Paulo, nº 286, ano VI, 30/jun. a 6/jul., 1968, p. 16-17.
9
Idem, p.17.
10
Paulo Stein. A Muralha: as emoções da história. Realidade, São Paulo, nº 290, ano VI, 28/jul. a 03/ago.,
1968, p.26.
11
Idem.
15
Imagens não disponíveis para
internet.
12
Idem.
13
Antonio Candido. Aspectos sociais da literatura em S. Paulo. In: Ensaios paulistas: contribuição de O
Estado de São Paulo às comemorações do IV Centenário da cidade. São Paulo: Editora Anhambi S/A, 1958,
p.214.
16
Emboabas, entre 1707 e 1709. 14 Algumas personagens históricas como Manuel de Borba
Gato, Manuel Nunes Viana e Bento do Amaral Coutinho são também personagens da obra
literária.
O episódio da batalha do Capão da Traição, em 1708, aparece no enredo, reforçando
a paulistanidade. O orgulho, o sentimento de nacionalidade paulista e superioridade estão
retratados em toda a obra. Esse tipo de sentimento, aliado à força da modernidade e do
desenvolvimento econômico e cultural de São Paulo, esteve extremamente presente nas
comemorações do IV Centenário da fundação da cidade, em 1954, ano em que o livro foi
publicado pela primeira vez. Antes, o romance foi apresentado em capítulos, na revista O
Cruzeiro. 15
A autora
A autora Dinah Silveira de Queiroz nasceu em São Paulo em 1911 e faleceu no Rio
de Janeiro, em 1982. É descendente de família considerada bandeirante, cujo patriarca era
Carlos Pedroso da Silveira 16. Estudou no Colégio Des Oiseaux e lançou pela José Olympio
seu primeiro livro, Floradas na Serra, em 1939. Este livro inspirou um filme homônimo,
em 1955, da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, estrelado por Cacilda Becker e Jardel
Filho. É autora de vasta obra que inclui sete romances para adultos, quatro coleções de
contos, uma de crônicas, livros de histórias infantis, uma peça teatral e uma antologia.
Várias de suas obras foram traduzidas e publicadas no exterior.
Entre suas obras, além das já citadas, encontram-se os títulos: A sereia verde (1941);
Margarida de La Rocque – a Ilha dos Demônios (1949); As aventuras do homem vegetal
14
“(...).Termo (emboaba) muito utilizado pelos paulistas no sertão da Bahia e de Minas Gerais para designar a
guerra civil travada entre paulistas e os grupos recém chegados à região das Minas, entre 1707 e 1709. Com a
descoberta de ouro pelos paulistas, no final do século XVII, um número muito grande de aventureiros passou
a circular em Minas em busca do enriquecimento rápido, oriundos de Portugal e de diversas capitanias,
sobretudo da Bahia.(...).” IN: Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001, p. 270.
15
Nota da editora: dados bibliográficos da autora. In: Dinah Silveira Queiroz. Floradas na serra. 20ª ed. Rio
de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1981, p.vi.
16
O pai de Margarida, personagem de A Muralha, se chama Carlos Pedroso. In: Dinah Silveira de Queiroz. A
Muralha. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.84.
17
(1951); O oitavo dia (1956), As noites do Morro do Encanto (1957); Era uma vez uma
princesa... – Isabel, a Redentora (1960); Eles herdarão a terra (1960); Os invasores
(1965); A princesa dos escravos (1966); Verão dos infiéis (1968); Comba Malina (1969); O
livro dos transportes (1969); Café da manhã (1969); Seleta (1974); Eu venho – Memorial
do Cristo I (1974), Eu, Jesus – Memorial do Cristo II (1977). 17
17
As informações sobre Dinah Silveira de Queiroz foram retiradas de: Nota da editora: dados bibliográficos
da autora. In: Dinah Silveira Queiroz. Floradas na serra. 20ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio
Editora, 1981, p. v a x; Malcon Silverman. Moderna ficção brasileira 2. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; Brasília: INL, 1981, p. 28; e site
www.biblio.com.br/Templates/biografias/dinahsilveiradequeiroz.htm
18
A narrativa literária
“- Com quem ia se casar Tiago? Com alguma negra, alguma índia? Todo branco
que tem filha casadoura e é de altura de minha casa já tratou noivo para ela.(...).
Casar por conta própria é um negócio desgraçado e infeliz. Eu sei muito bem que
vosmecê é mulher de bom molde e de boa raça. (...).”18
Mas não eram apenas as mulheres de boas famílias que vinham para a nova terra em
busca de casamento. Junto com Cristina, veio uma prostituta, Joana Antônia, como a
prometida de Davidão, um comerciante. Através desta personagem, o texto passou a idéia
de que a necessidade de mulheres brancas fazia com que mesmo prostitutas fossem aceitas
como esposas.
Cristina chegou a São Vicente e foi recebida por Aimbé, mestiço, criado de Dom
Braz, que deveria acompanhá-la até a Lagoa Serena, fazenda da família, próxima à vila de
São Paulo de Piratininga.
Começou aí a descoberta da nova terra e dos costumes para a jovem Cristina, que
veio com expectativas românticas sobre seu noivo e sobre a riqueza. A viagem foi difícil,
cheia de perigos e de decepções, mas ela estava motivada pelo amor que já sentia pelo
noivo:
“(...). Como em toda moça de dezoito anos, nela o amor estava muito próximo da
idéia de céu merecido à custa de sofrimento. Se Piratininga estava longe, se tudo
que sofrera de cansaço até agora lhe atormentava o ânimo, nem por isso perdia a fé
naquilo em que seu ser obscuramente acreditava. Tiago seria um prêmio. Tiago não
a decepcionaria. (...).”19
18
Parte de diálogo de Dom Braz com Cristina. In: Dinah Silveira de Queiroz. A Muralha, op.cit., p. 101.
19
Dinah Silveira de Queiroz. A Muralha, op.cit., p.31-32.
19
Tão decepcionante quanto a viagem, foi sua chegada a São Paulo de Piratininga.
Nem o noivo, nem ninguém da família veio recebê-la. Sua decepção também foi grande
com o que era a vila na época:
“Muito tempo depois ela se lembraria da primeira visão que tivera da Lagoa Serena.
A lagoa, rente à pequena aldeia de casas e de compartimentos da Fazenda; e,
descendo a encosta, os bois carregando um carro transbordando de lenha. Os
edifícios – muitos -, a casa alta, de taipa, com uma varanda, e mandando ao ar um
fumaceiro alegre; o moinho, as casas menores, o paiol, o muro a cercar a linha
edificada no mar de vegetação, e, diante do muro, no chão limpo, uma fila estranha,
toda composta de mulheres. Ao centro, a cabeça altiva e branca de Mãe Cândida,
batida de luz, os cabelos soprados pelo vento da tarde. E ao lado, as filhas, a nora,
todas com ar cerimonioso e ao mesmo tempo simples de disciplina. (...)”21
20
Idem, p.42-43.
21
Idem, p. 44.
20
Imagem não disponível
para internet.
Uma das impressões mais fortes era que: “(...). Havia em tudo, uma extravagante
mescla de imponência e pobreza, que feriu o coração de Cristina. (...).”22
Mais uma vez Cristina se decepcionou: seu noivo não se encontrava. Estava em
viagem com os outros homens pelo sertão. A moça se deparou com a realidade: passaria o
tempo com as mulheres da família: Mãe Cândida, a mãe de Tiago; as irmãs, Basília e
Rosália e a cunhada, Margarida - personagens que apresentam o papel da mulher e o
cotidiano dessa sociedade:
22
Idem, p.44-45.
23
Idem, p.77.
21
A passagem acima é de um diálogo entre Margarida e Cristina, as duas cunhadas.
Margarida também era diferente das outras mulheres de Lagoa Serena: delicada, sensível e
culta. Sabia escrever e dedicava-se à poesia. Amava seu marido e era correspondida. Vivia
em uma casa enfeitada, com rosas e um papagaio. Margarida pode ser considerada uma
personagem com características anacrônicas para o momento histórico que o livro
procurava retratar, especialmente por ser nascida na colônia, em Taubaté. Esse anacronismo
24
é completamente absorvido na composição da personagem na minissérie.
As outras mulheres estavam mais próximas da descrição efetuada por Margarida no
diálogo com Cristina, acima citado: Mãe Cândida no comando da fazenda e da família;
Basília, a filha mais velha, solteira e descrita como uma mulher feia, que ajudava à mãe e,
no decorrer do livro, herda características dela em atitudes e postura. Rosália 25, a caçula, é
mais romântica e sonhadora e dedicava-se à atividade no comércio:
“(...). Rosália tinha o orgulho de ter seu próprio comércio e mandar caixas e caixas
de marmelada para longe dali. Todas as mulheres se ocupavam em trabalhos
rendosos. Era extraordinário. Havendo tanto esforço e tanto êxito, faltava todo e
qualquer luxo e conforto a tais mulheres. Cristina acabou pensando que isso se
devia ao fato de que Lagoa Serena tinha bocas demais, vidas demais, para serem
nutridas e agasalhadas.”26
24
A presença de uma poetisa ficcional em São Paulo nessa época, provavelmente é uma referência ou foi
inpirada na poetisa Teresa Margarida da Silva e Orta, nascida em São Paulo em 1711 ou 1712 e falecida em
Lisboa em 1793. Atentamos para o fato da obra de Teresa Margarida ter sido considerada de caráter e
propaganda antiabsolutista em Portugal e a suposta obra de Margarida eram versos para lembrar o marido
ausente no sertão. Sobre Teresa Margarida ver: Rubens Borba de Moraes. Bibliografia brasileira do período
colonial: catálogo comentado das obras dos autores nascidos no Brasil e publicadas antes de 1808 . São
Paulo: IEB, 1969, p.263-271.
25
As histórias de Basília e Rosália foram um pouco modificadas na minissérie, porém consideramos que a
essência psicológica das personagens foi mantida.
26
Dinah Silveira de Queiroz. A Muralha, op.cit., p. 58.
22
Tudo em São Paulo era assim na visão de Cristina, “...uma estranha união de fartura
e de miséria. (...).”27 Estranhava todos os costumes, do modo de viver a forma tratamento
entre as pessoas.
Esta parte do livro se encerrou com o casamento e a noite de núpcias de Cristina e
Tiago.
A segunda parte do livro foi intitulada “A Madama do Anjo” e fez referência ao
culto à Virgem Maria 28. Nesta parte, revelou-se a relação entre Tiago e sua prima Isabel.
Ela tinha a força e a rudez das mulheres de Lagoa Serena, porém era mais hostil e
masculinizada.
Isabel vivia com os homens no sertão e em muitos aspectos se comportava como
eles. Era como um outro filho de Dom Braz. Cuidava de sua onça, Morena, com mais amor
do que qualquer pessoa. Sua relação com Tiago era de hostilidade, mas encobria uma
atração, que acabou gerando um filho bastardo.
De início, não se sabe quem era o pai do filho de Isabel. Acreditava-se que o pai era
o índio Apingorá, que já havia servido à família de Dom Braz e vivia em uma aldeia com
os seus. Leonel, marido de Margarida, foi à aldeia vingar a honra da família, mata Apingorá
e incendeia o local.
A incerteza da paternidade do filho de Isabel gerou dúvidas sobre a fidelidade de
Leonel à Margarida, agravando os problemas de saúde que a levaram à morte.
O ato de Leonel teve conseqüências trágicas para Lagoa Serena. Revidando seu
ataque, os índios atacaram a fazenda, destruíram suas plantações e tentaram matar todos os
seus habitantes. 29
Mãe Cândida, Isabel, Cristina e Basília lutaram por sua sobrevivência, cada uma a
seu modo. Quando ocorreu o ataque, as mulheres estavam sozinhas, pois Dom Braz e Tiago
haviam partido em bandeira e Leonel, após a morte de Margarida, perdeu-se no sertão.30
Rosália fugiu com o aventureiro Bento Coutinho para as Minas Gerais, ganhando a
proteção de Manoel Nunes Viana, chefe dos emboabas.
27
Idem, p. 118.
28
“(...). Cristina, num abatimento enorme, os olhos a se esconderem de todos, se sentava junto da Virgem,
cuja lamparina estava apagada. (...).” Idem, p.99.
29
Estas histórias foram retratadas na minissérie.
30
No livro, Leonel não retorna para a família. Na minissérie, a personagem volta para se unir ao irmão na
busca por ouro em Sabarabuçu.
23
Cristina viu-se cada vez mais infeliz e revoltada, vivendo um casamento frustrado
em seus sonhos românticos, além de sofrer com as diferenças de costumes.
Nesta parte do livro foi narrado o episódio da luta entre paulistas e portugueses, os
emboabas. Após a vitória, parte desse grupo sob a liderança de Dom Braz foi massacrado
por homens de Bento Coutinho, no Capão da Traição. 31
A terceira parte é a “Canção de Margarida”. Rosália fugiu de Bento Coutinho, ao
saber o que este fez com os paulistas. A rotina da vila se modificou com a morte de seus
homens. Os que sobreviveram foram mal recebidos, pois eram considerados motivo de
vergonha para suas mulheres:
31
Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil Colonial, op. cit., p. 271.
32
Dinah Silveira de Queiroz. A Muralha, op.cit., p.348
33
Idem, p.356.
34
Idem, p.348.
24
As mulheres de Lagoa Serena se modificaram com a morte de seus homens. Mãe
Cândida envelheceu rapidamente e não demonstrou ter a mesma força de antes. Rosália
voltou a viver com a família. Basília se tornou mais rígida e tomou a atitude de doar todo o
ouro do pai para uma guerra que tinha como o objetivo de lavar a honra de São Paulo.
Cristina, que vivia insatisfeita e pensava em abandonar Tiago e voltar para o reino,
acreditava estar viúva. Chamada à casa de Joana Antônia, descobre que seu marido estava
vivo e fora salvo por Davidão. Mesmo assim, quer partir. Tentou de várias maneiras
escapar da responsabilidade em relação a Tiago, mas não conseguiu, pois as mulheres da
Vila não tiveram compreensão por sua sobrevivência, assim como não teve Mãe Cândida,
quando Cristina o levou doente para Lagoa Serena.
E presa àquele lugar, levou Tiago para a casa de Margarida e Leonel, que
permanecera trancada desde o sepultamento da cunhada. Lá Tiago se recuperou sob os
cuidados da esposa, que não desistiu de partir, apenas adiou o momento. Nesse período o
casal encontrou oportunidades para um entendimento, que não aconteceu. Tiago não
esclareceu para Cristina sua situação com Isabel.
No desenrolar da trama, Isabel, que não se importava com o filho, deixou a criança
com Mãe Cândida e partiu com uma bandeira.
Posteriormente foi descoberto que Tiago não se acovardara na luta, mas tinha sido
ferido. Sua família o quis de volta e ele foi escolhido para a expedição de Amador Bueno
da Veiga contra os emboabas. Cristina fica cada vez mais revoltada por ter cuidado dele,
enquanto sua mãe e irmãs se recusavam; e agora elas o queriam de volta e ainda o
mandariam para a guerra para correr risco novamente. Era um mundo muito estranho para
ela.
Decidida a partir, percorreu com Tiago o mesmo caminho que fez quando chegou.
Através dela são apontadas mudanças em Piratininga. Grávida, não conseguiu partir e fez
sua profecia sobre a grandeza da cidade:
25
“- Com homens assim, assim loucos e teimosos, e mulheres tão atrevidas e
obstinadas...sabes o que me veio agora à cabeça? Que esta sujeira... – e ela quase
cuspiu de raiva naquele desafio à grandeza de Deus, mas se dobrou, cativa de
imensidão - ...bem pode tornar-se, um dia, uma grande cidade.” 35
3. A MURALHA DA GLOBO
No final de abril de 1999, Maria Adelaide e mais quatro autores (Dias Gomes,
Lauro César Muniz, Sérgio Marques e Ferreira Gullar) 36 foram convocados por Daniel
Filho, então diretor artístico da Globo, para uma reunião, na qual foram discutidos os
projetos de cada um para celebrar os 500 anos do Descobrimento. A emissora pretendia
celebrar a data, realizando uma minissérie de oito a vinte e quatro capítulos para cada
século de história do país. Cada autor escolheu seu tema e seu século. Maria Adelaide foi a
última a escolher e conta como foi em passagem de sua biografia:
“(...).Então quando chegou a minha vez, o Daniel me disse: Bom, sobrou o século
XVI e o que você vai fazer‟ Eu disse: São Paulo – assim, sem pensar. Ele me
perguntou o que seria São Paulo do século XVI, e respondi sem pensar: A Muralha.
A Denise Sarraceni (sic), com quem eu faria parceria, disse que era boa idéia.
(...)”.37
A autora, que havia lido o romance ainda criança, confundiu o tempo histórico, pois
a narrativa se passava no início do século XVIII e não XVI:
“Quando cheguei a São Paulo e descobri que a ação se desenrolava em 1708 e não
no século XVI, meu primeiro pensamento foi: Me ferrei! Porém, logo em seguida
concluí que o equívoco poderia ser contornado. Conservaria os personagens e a
idéia central das tramas e mudaria o pano de fundo histórico. Ao invés de falar
sobre as Minas Gerais e a Guerra dos Emboabas, iria falar sobre o início do
Movimento Bandeirantista, ou seja, sobre aqueles homens que primeiro avançaram
para o interior em busca de mão-de-obra indígena, quando o ouro ainda não era o
35
Dinah Silveira de Queiroz. A Muralha, op.cit., p. 414. A idéia profética sobre São Paulo, no final do livro,
foi mantida na minissérie
36
Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral: a emoção libertária. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005, p.221.
37
Idem, p.222.
26
objetivo principal. Era isso que iria fazer. Falar sobre os avós de Raposo Tavares e
de Fernão Dias Paes.”38
Mas a Globo não produziu nenhuma das outras minisséries previstas para a
comemoração, em função das necessidades de recursos técnicos e financeiros e outras
dificuldades que a produção de cinco minisséries ao mesmo tempo acarretaria. A
justificativa é plausível, considerando o custo e o cuidado normalmente dado às produções
de minisséries. Da mesma forma, para a realização do projeto inicial necessitariam de
grande quantidade de profissionais, visto que por sua própria estrutura de programação
tinham que levar em consideração as necessidades das produções em andamento e em
exibição.
O fato de ser a única minissérie a ser produzida exigiu mais uma mudança para
Maria Adelaide: o aumento do número de capítulos para 48:
A versão de Maria Adelaide para A Muralha teve como cenário a vila de São Paulo
de Piratininga, no início do século XVII. Esta é a referência de tempo indicada no DVD,
porém em entrevista, a autora revelou que a ação se passou em 1612. 40
As justificativas apresentadas para a mudança de período histórico são bastante
simples: “sobrou o século XVI” e o equívoco com o tempo do livro. Como ficcionista a
38
Idem, p.223-224.
39
Idem, p. 227-228
40
Entrevista concedida pela autora Maria Adelaide Amaral para esta pesquisa.
27
autora contornou a situação, aproveitando a trama central, com algumas alterações,
enobrecendo personagens, criando vínculos afetivos que não existiam, novas tramas e
novas personagens. Pela necessidade de mais capítulos do que o previsto, essa criação foi
necessária. As modificações estavam autorizadas pela aquisição dos direitos autorais da
obra literária.
Dadas as diversas mudanças de tempo, podemos encontrar elementos do final do
século XVI, início do século XVII e também do século XVIII.
A minissérie histórica
41
Alexandre Maron. “A Muralha é um risco”, afirma Daniel Filho. Folha de S. Paulo, 14/12/1999, caderno
Ilustrada, p. 4-4.
42
Anna Lee. Índios fazem figuração em minissérie da Globo. Folha de S. Paulo, 30/09/1999, caderno
Ilustrada, p.4-4.
28
Televisão, Grande Prêmio da Crítica e Melhor Ator para Tarcísio Meira. Outro prêmio foi
2º Grande Prêmio Cinema Brasil, de Petrópolis, como Melhor Série de TV. Também foi
vendida para outros países: Chile, Guatemala, Letônia, Moçambique, Nicarágua, Paraguai,
Peru, Portugal, República Dominicana e Venezuela. 44
A trama da minissérie
43
Alexandre Maron. Bandeirantes vão invadir tela da Globo. Folha de S. Paulo, 02/01/2000, caderno TV
Folha, p.3.
44
Dicionário da TV Globo, op. cit. , p.369.
29
Beatriz foi recebida por Aimbé, mestiço de índio e branco, que vivia a serviço de
Dom Braz e Tuiú, um jovem índio escravo. Começaram aí as decepções de Beatriz. Na sua
chegada, não foi recebida por seu noivo. Além disso, foi obrigada a realizar uma penosa
viagem para subir a serra (a muralha que dá o título à obra) e chegar a São Paulo, onde
esperava encontrar acolhimento e riqueza. No entanto, o que encontra é uma cidade deserta,
pobre, com pessoas de costumes diferentes dos dela.
A família de Dom Braz vivia na fazenda Lagoa Serena, afastada da cidade. É para lá
que Beatriz se dirigiu e encontrou o que seria seu destino: viver a espera dos homens que
partiam para a mata, como Mãe Cândida, esposa de Dom Braz, Basília e Rosália, suas
filhas e Margarida, a nora, esposa de Leonel. Mulheres de personalidades e forças
diferentes.
Dom Braz e sua tropa retornaram e aí começaram os conflitos da família. Tiago
gostou de Beatriz, mas guardava um segredo que poderia impedir a relação de ambos.
Tiago se relacionava com sua prima Isabel, sem saber que esta na verdade era sua irmã.
Isabel estava grávida e mantinha em segredo quem era o pai da criança. Ela mantinha uma
forte relação com o índio Apingorá. Leonel e Margarida viviam um casamento de sonhos
para aquele mundo. Basília era casada com Afonso, que durante a história, perdeu a
memória e passou a viver com os índios.
Rosália, a filha mais nova, apaixonou-se por Bento Coutinho que era um
aventureiro, um dos vilões da trama e responsável por grande parte dos sofrimentos da
família de Dom Braz. Bento, ao participar de uma tropa de Dom Braz, roubou o mapa de
Ribeirão Dourado, um veio de ouro descoberto por Tiago e por direito de Dom Braz.
Enquanto essas relações se davam em Lagoa Serena, na vila de São Paulo, Ana
conhecia Dom Jerônimo, seu noivo e algoz. Apaixonada por Dom Guilherme, foi obrigada
ao casamento com outro e sofria desesperadamente. Dom Jerônimo descobriu seus
sentimentos e a submeteu a torturas e penitências. Ele era o maior vilão da trama.
Antônia despertou o interesse de vários homens, mas demorou em se decidir por
Davidão. Acabou sendo uma aliada para Ana e Guilherme.
O padre Miguel acabou discordando de vários princípios de sua ordem em relação à
situação do indígena. E acabou se apaixonando por uma índia, chamada Muatira.
30
Essas tramas se desenvolveram simultaneamente e as personagens se relacionaram
como amigas, ou inimigas. Bento Coutinho e Dom Jerônimo acabaram se aliando em
determinado momento para se apossar do Ribeirão Dourado.
Um dos momentos marcantes da trama foi a luta das mulheres de Lagoa Serena com
os índios. Antes que se revelasse a paternidade do filho de Isabel, Apingorá foi acusado de
ser o pai da criança. Leonel, para se vingar, matou Apingorá e destruiu sua aldeia, o que
motivou os índios a atacarem Lagoa Serena.
O outro momento marcante foi a batalha pelo Ribeirão Dourado, na qual morreu
Dom Braz.
Vemos que a narrativa teledramatúrgica aproveitou algumas personagens e
situações e criou outras: as personagens do núcleo de Ana e do padre Miguel não existiam
na obra original. Dom Guilherme não era uma personagem tão heróica e carismática no
livro e parecia nutrir interesse por Cristina (que na série é Beatriz). As questões dos índios,
dos jesuítas e da Inquisição foram elaboradas para a minissérie.
Algumas personagens apareciam sem destaque e com relações diferenciadas, como
Afonso Góis, algumas vezes citado no livro, mas que na minissérie se tornou marido de
Basília, que na narrativa original era solteira.
A trama de Antônia também foi modificada: na minissérie possui vários
pretendentes, e no livro, ela já vinha prometida para Davidão.
A história da irmandade de Isabel e Tiago também não é clara no livro.
A batalha do Capão da Traição foi substituída pela batalha do Ribeirão Dourado.
Devido ao deslocamento de tempo, não se tocou no assunto Guerra dos Emboabas, mas a
descrição da batalha no livro de Dinah foi muito semelhante à batalha ficcional por
Ribeirão Dourado.
Em muitos pontos, Maria Adelaide foi fiel ao livro de Dinah, especialmente em
captar e manter a essência psicológica das personagens. Alguns anacronismos presentes no
livro acabaram sendo transferidos para a minissérie.
Devido às licenças poéticas e necessidades de número grande de capítulos e de
facilitar o entendimento do telespectador, foram feitas também alterações como o nome das
personagens.
31
A obra televisiva tem regras de construção diferentes da obra literária, constituindo
outra obra:
45
Mônica de Moraes Oliveira. Telenovela & romance: Tocaia Grande na sala de aula. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1997, p.13.
46
Entrevista concedida pela autora Maria Adelaide Amaral para esta pesquisa.
32
CAPÍTULO II - O PASSADO RECRIADO
Este capítulo tem como objetivos: apresentar como o passado foi recriado na
narrativa teledramatúrgica, as imagens que permitiram a visualização do passado,
destacar o aspecto de gênero – a condição feminina, relacionar outros temas passíveis de
serem explorados, e, demonstrar como a historiografia foi apropriada pela autora do
roteiro.
"Para que se possa conviver com dezenas de personagens e ler suas trajetórias
de vida, seus problemas e entender suas ações com algum interesse, é
indispensável que eles nos pareçam reais. Um dos elementos fundamentais para
que esse efeito se realize, está, a nosso ver, na estruturação da personagem a
partir da instituição de um cotidiano que o prenda, que o ancore no espaço e no
tempo. Tecido de reiterações e recorrências, o cotidiano participa na construção
da personagem marcando-a por hábitos rotineiros, cuja sucessão demarca sua
individualidade, sua existência enquanto ser e lhe garante similitude com o real.
Seu cotidiano individual é organizado também em função do cotidiano que se
articula na trama geral da narrativa e da qual todos os personagens participam
como integrantes desse universo particular."1
1
Maria Lourdes Motter. Ficção e realidade: a construção do cotidiano na telenovela. São Paulo: Alexa
Cultural, Comunicação e Cultura - Ficção Televisiva, 2003, p.32.
33
Na narrativa da minissérie um dos primeiros aspectos que chamaram a atenção
do público telespectador, através de Beatriz, foi a pobreza em São Paulo. Encontrou um
local de chão de terra batida, molhada, parecendo barro, animais como porcos soltos na
rua, um local despovoado, com uma cruz ao centro, cercada de casas muito simples. A
vila era murada para evitar ataques indígenas e seus portões eram abertos para a entrada
de habitantes e viajantes. Sua impressão foi revelada em diálogo com Aimbé, reforçado
pela imagem:
para internet.
Chegada de Beatriz em São Paulo de Piratininga. A decepção ao ver um local desabitado, com poucas
casas e pobre.
“Beatriz: Como podem dizer que são pobres, com tanta fartura de
mantimentos?
Margarida: Mas isto é para nosso sustento e para trocarmos pelas coisas que
nos faltam. Porque dinheiro, dinheiro mesmo, não há, Beatriz. E também se
houvesse, o que haveríamos de comprar?” 3
2
Maria Adelaide Amaral. A Muralha (DVD). Globo Vídeo, 2002. Disco 1 – Capítulo 1.
34
A escassez não é só de recursos financeiros para compras, mas também de
objetos a serem adquiridos. O estranhamento de Beatriz foi muito grande. Mesmo sendo
considerada pobre no reino, tanto que teve que aceitar um noivo em terra estranha, por
não ter dote, estava acostumada a outra vida.
A questão do dinheiro e da produção foi mostrada em outra cena. Decepcionada
com a rejeição de Tiago, Beatriz pediu ao tio dinheiro para voltar ao reino. Dom Braz
riu e falou:
“Dom Braz: Beatriz, nossa moeda é o que plantamos e o que colhemos. Em
Piratininga não se compra. Troca-se. Portanto, mesmo que eu quisesse mandá-la
de volta ao Reino, não teria dinheiro para lhe emprestar.” 4
“Antônia: Ai, meu Santo Antônio. Aonde fui jogar a minha âncora sagrada?
Davidão: A vila é pobrezinha, mas tem a vantagem de estar longe dos braços de
El Rei.
Antônia: E ele é louco de importar-se com uma porcaria destas?” 5
“Bartolomeu: Moro numa casa coberta de telhas e tenho outra alugada por
oitocentos réis.
3
Idem.
4
Disco 1 – Capítulo 2.
5
Idem.
6
Idem.
35
Antônia: Mas isso não dá nem para comprar um penico. (...).
Bartolomeu: Sou ouvidor. Tenho curso de Letras em Coimbra, Os Lusíadas de
Camões e um morgadio em Portugal.” 7
E o vereador Cristóvão Rabelo, que possuía a única cama da vila de São Paulo
de Piratininga, além de:
7
Idem.
8
Idem.
9
Empresa que explorava a caça de índios.
10
Aprisionar.
36
“Bartolomeu: Eu ordeno que suspendam este leilão em nome de El Rei!
Dom Braz: E o que quer El Rei? Que morramos à míngua, nesta terra
abandonada por ele, e por Deus?
Leonel: El Rei está em Madri. Não conhece as nossas aflições.
Bartolomeu: Eu ordeno que libertem esses índios!
Dom Braz: Pois eu ordeno que vosmecê estude as leis, porque é costume e foro
dos paulistas se servir da indiarada (sic), devido à pobreza e ao abandono desta
capitania.
Padre Simão: Ou vosmecê solta essa gente, ou será excomungado!
Dom Braz: Pensa que eu tenho medo de sua excomunhão? Acima de vosmecê
está Deus, que sabe das nossas necessidades.” 12
Dom Braz (apontando para os índios) vende indígenas em leilão na fazenda de João Antunes (de costas).
11
Palavra de origem tupi que significa menino. Era como as crianças indígenas eram chamadas.
12
Maria Adelaide Amaral e outros. op. cit.. Disco 1 –Capítulo 2.
37
Imagem não disponível
para internet.
Padre Simão chega com Dom Bartolomeu, o ouvidor, para impedir o leilão.
Da esquerda para direita Tiago, João Antunes e Dom Braz. Tiago não concorda com as
atividades do pai, mas não consegue se opor a ele, quando questionado por Padre Simão.
38
Dom Braz representava o paulista da época, que desafiava a autoridade do rei e
da Igreja em favor de sua sobrevivência. Outra questão apontada é que a história se
13
passava no período da União Ibérica.
Outras atividades comerciais dos paulistas foram indicadas. Logo no
desembarque de Beatriz, Ana e Antônia, em Santos, ou São Vicente 14,quando
Guilherme e Davidão conversavam:
Na seqüência, Guilherme dizia que se Lisboa não queria o açúcar, ele seria
mandado para Buenos Aires. Além do comércio do açúcar e do sal, o diálogo indicou os
problemas com a atividade açucareira. Em Pernambuco houve o desenvolvimento e
enriquecimento através dessa atividade. Em São Paulo não prosperou. Também mostrou
uma relação de comércio com Buenos Aires, o que contradizia o que se conhece como
Pacto Colonial, que proibia a colônia de fazer comércio com outro país que não fosse a
metrópole.16
O açúcar e o sal eram extremamente valorizados. Dom Jerônimo ao receber Ana,
pede sua encomenda a Guilherme e diz a ela que: ...“ isso vale ouro nesta terra”, “vale
mais do que as jóias” que ela trazia. 17
A marmelada era também comercializada. Antônia aprende a fazer na casa de
Bento Coutinho. Com Davidão ela descobre que ele adulterava o produto, usando a
fruta–do-lobo.18
13
É chamado de União Ibérica o período entre 1580 e 1640, no qual, por razões de sucessão ao trono,
Portugal acabou anexado à Espanha. Ver referências em: Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil
Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.570 a 573.
14
Cf. Afonso de Escragnolle Taunay. São Paulo nos primeiros anos: ensaio da reconstituição social; São
Paulo no século XVI: história da vila piratiningana. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 146, havia comércio
pelos dois portos.
15
Maria Adelaide Amaral. op. cit., Disco 1 – Capítulo 1.
16
Sobre esse assunto ver: .Alice Piffer Canabrava O comércio português no Rio da Prata (1580-1640).
Belo Horizonte; São Paulo : Editora Itatiaia: Editora da Universidade de São Paulo, 1984.
17
Maria Adelaide Amaral. op. cit., Disco 1 – Capítulo 2.
18
Arbusto ou árvore de até 5 m, que ocorre no Brasil (AM a GO, MG, SP), com caule ereto, ramos e
folhas aculeados, flores azuis, grandes, em cimeiras racemosas escorpióides, e bagas globosas, amarelas,
de até 12 cm, comestíveis, de polpa doce é também usada como forragem e por propriedades medicinais;
fruteira-de-lobo, fumo-bravo, jubeba, jurubeba-grande, lobeira. Segundo Taunay era usada na falsificação
da marmelada em São Paulo no século XVI. Cf. Dicionário eletrônico Houaiss de língua portuguesa 1.0
5a. Também ver: Afonso de Escragnolle Taunay. op. cit. p.142. Maria Adelaide Amaral, Disco 1 –
Capítulo 2.
39
Davidão apareceu no Capítulo 1, embarcando produtos como marmelada,
farinha de milho e uma cama.
O mobiliário também era muito simples. A minissérie retratou uma mesa de
madeira para as refeições da família, bancos para se sentar, esteiras para dormir. Dom
Braz possuía uma cadeira. Havia também as redes. O uso da cadeirinha, para transportar
pessoas, era um grande luxo.
A alimentação também foi apresentada. Beatriz estranhou a ausência de talheres.
Em sua primeira refeição em Lagoa Serena, as mulheres comiam com as mãos. Mãe
Cândida diz a ela que em Lagoa Serena não carecia de luxo, nem vaidade, para ela não
19
comparar com o reino. Na festa de casamento de Beatriz apareciam os seguintes
alimentos: banana, maçã, milho, pão e carne assada na fogueira. 20
As pessoas apareciam normalmente sujas e suadas, com roupas em farrapos ou
rasgadas; os alimentos ficavam expostos e questões de higiene não foram abordadas
diretamente, mas, de acordo com as imagens descritas acima, era precária.
No aspecto das relações familiares, havia a família de Dom Braz e o viúvo João
Antunes. Entre os que viviam com Dom Braz estavam Aimbé (mestiço, filho do irmão
de Dom Braz), os índios Tuiú e Parati, além da criada índia, Genoveva. João Antunes
tinha seu filho Vasco. As outras personagens viviam sozinhas: Guilherme (com índios
servindo em sua casa), Gonçalo, Bartolomeu, Cristóvão e Bento. Dom Jerônimo vivia
com Ana, a empregada Leonor e a índia Muatira. Antônia vivia um tempo com cada
pretendente e no final passou a viver com Davidão.
Dom Braz era o patriarca autoritário da família. Sua relação com o filho Tiago
era tensa, tanto por ele não aceitar de imediato a noiva Beatriz, como principalmente por
querer se dedicar a busca de ouro e não a prear índios. Em cena do Capítulo 2, Tiago foi
repreendido pelo pai, pois saiu sem sua autorização e ainda não deu atenção à noiva. O
pai mandou sentar-se ao lado de Beatriz. Ele não quis e Dom Braz o ameaçou com
chicote para aprender a respeitar seu pai, sua mãe e sua noiva. Ele se justificou pois está
cansado da viagem à vila. Dom Braz, em atitude violenta, fez Tiago se ajoelhar. Mãe
Cândida sobriamente apoiou o marido. Toda essa situação deixou Beatriz assustada.
Após esse episódio, Dom Braz pediu que Margarida escrevesse no livro de
assentamentos 21:
19
Maria Adelaide Amaral . op. cit., Disco 1 – Capítulo 1.
20
Idem, Disco 2 – Capítulo 4.
21
Livro de registros.
40
“ Dom Braz: Neste dia em Lagoa Serena fizeram-se prometidos para tomar a
bênção dentro de duas semanas na igreja do Carmo, na vila de São Paulo de
Piratininga, meu filho Tiago Olinto e Dona Beatriz Ataíde, que com toda
solenidade obrigaram-se, sob minhas vistas, a manter a fé, amor, obrigação
entre ambos.
Beatriz: Dom Braz, bem sabeis que ainda há tempo de cancelar nosso
compromisso. Nós só temos por trato algumas cartas trocadas.
Dom Braz: Minha filha, tudo que acontece eu ponho nesse livro. Se estiver no
livro e não acontecer, é o mesmo que ter acontecido. ”22
João Antunes era amigo da família de Dom Braz e fez sociedade com ele para
formar uma armação e caçar índios. Também colaborou na batalha pelo Ribeirão
Dourado, na qual acabou morto. João tinha um filho legítimo, Vasco, que se enamorou
de Beatriz, tornou-se depois noivo de Rosália, mas ficou só no final. Vasco viveu em
Salvador e tinha características diferentes dos rapazes de São Paulo. No capítulo 8, João
Antunes se envergonhava ao saber que seu filho abandonou Dom Braz, quando ele foi
salvar as mulheres da família em Ribeirão Dourado. Depois, a história dá a entender que
Vasco foi deserdado pelo pai, em razão de tal comportamento. 23
Rosália também foi desprezada pela família por se casar com um homem que
sua família não aprovava. Ela fugiu para viver com Bento Coutinho. Os pais passaram a
considerá-la morta. 24
Apesar das discórdias com os padres, a religiosidade foi elemento presente na
vida das personagens. As missas mostradas foram rezadas em latim. Também foram
apresentadas as cerimônias de casamento de Beatriz, Ana e Antônia. 25 Outra prática
mostrada foi a da confissão para comunhão. A religiosidade em casa apareceu na
imagem da Virgem, chamada de Madona do Anjo, por Mãe Cândida. Na casa de Dom
Jerônimo apareciam vários santos, como São Sebastião. Antônia rezava em uma cena
para Santo Antônio. Os índios eram mandados para a catequese, a fim de seguirem a
religião dos brancos.
Acima foram citadas as práticas religiosas aceitas e oficiais, porém, entre os
índios na aldeia e entre os judeus convertidos, a história era outra. Através da
22
Maria Adelaide Amaral. op. cit., Disco 1 – Capítulo 2.
23
Idem, Disco 4 – Capítulo 8.
24
Idem, Disco 2 - Capítulo 5.
25
O casamento de Beatriz apareceu no Disco 2 – Capítulo 4; o de Ana no DVD 2 – Capítulo 3 e o de
Antônia no Disco 4 – Capítulo 9. O casamento era uma cerimônia religiosa de acordo com a Igreja
Católica, que também tinha a função cartorial. Rosália não casou com Bento Coutinho porque não foram
cumpridas as exigências de “correr os banhos” (aviso e consulta à comunidade sobre algum
41
personagem Caraíba 26, foi retratado o universo místico e religioso do indígena. Ana e
Davidão fingiram a conversão e ainda praticavam a sua religião, com leituras e cânticos.
Entre as práticas religiosas e atividades sociais estava a festa de São Lourenço,
retratada em procissão, pedidos e representação de auto, escrito por José da Anchieta.
Primeiramente, na procissão havia uma pessoa vestida de São Lourenço, pois não havia
uma imagem do santo. Crianças indígenas apareciam vestidas de anjos. Havia uma cena
de batalha, em moldes medievais, e índios cantando em seus dialetos.
Depois apareciam as personagens fazendo pedidos ao santo. A pessoa vestida de
São Lourenço ficava sentada, e uma pessoa de cada vez ajoelhava-se frente a ele. Nesta
cena, Mãe Cândida pedia para Tiago se casar com Beatriz e Basília pedia proteção para
Afonso. 27
Padre Miguel apresentou depois o auto, escrito por José de Anchieta, encenado
pelos índios em catequese, em dialeto indígena. O auto acabou não sendo encenado,
pois Muatira fugiu do palco, assustada com as pessoas. 28
Os aspectos principais do cotidiano de São Paulo foram apresentados junto com
as personagens, especialmente nos capítulos 1 e 2 do DVD, constituindo a vila e seus
costumes rudes, não apenas o cenário da história, mas também uma personagem a ser
descoberta.
2. A CONDIÇÃO FEMININA
impedimento). Ela passou apenas a viver com ele. Cf.:Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil
Colonial (1500-1808), op. cit. ,p.106-109.
26
“...homens especiais na cultura tupi-guarani, capazes de se comunicarem com o mundo dos mortos e os
espíritos ancestrais...eram, portanto, grandes pajés. Distinguiam-se do comum dos pajés, simples
curandeiros, exatamente por possuírem este dom, segundo as crenças nativas, de se comunicarem com os
ancestrais e mesmo encarná-los ...” In: Ronaldo Vainfas (org.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-
1808)., op. cit. , p.94.
27
Maria Adelaide Amaral e outros. op. cit. Disco 1 – Capítulo 2.
28
Idem, Disco 2 – Capítulo 3.
42
homens partiam para o sertão em busca da sobrevivência; a necessidade de trabalharem
e serem fortes para manutenção de suas casas: a condição de submissão da mulher
indígena e mesmo da mulher branca a certas regras sociais e preconceitos.
Consideramos que o produto cultural minissérie, segue as regras do folhetim
tradicional, portanto as tramas amorosas, suas motivações e desdobramentos, alimentam
a ficção e a história é apenas o pano de fundo.29
Identificamos alguns aspectos romanescos na obra que foi a fonte inspiradora, o
romance de Dinah Silveira de Queiroz. Podemos exemplificar com a forma romântica
que Cristina idealizou sua vinda para a colônia e seu encontro com o noivo:
“(...). Quantas noites não vira, acordada, na luz da sua idéia, que caminhava
enquanto seu corpo ficava inerte de sono – a cena da chegada! Ele, descendo
lépido do cavalo e vindo em sua direção, adivinhando-a à espera, e abrindo os
braços. Ela abria também os seus, e se aninhava junto do peito tão quente. E
tinha até a pretensão de saber como seria o cheiro, o cheiro de suor, de homem
do mato, e tinha até a ilusão de que podia sentir de longe a doçura da barba, de
seu rosto. (...).”30
Mesmo quando decide partir, seu diálogo com Mãe Cândida e Basília revela
docilidade e nobreza sentimentos, ao mesmo tempo que foi forte para contrariar a
família:
29
Sobre a relação folhetim/telenovela: “É conhecida a filiação da novela ao romance-folhetim. Vários
estudos reconhecem este tipo de narrativa como uma espécie de arquétipo da telenovela; neste sentido a
denominação “folhetim eletrônico é sugestiva: ela indica a persistência de uma estrutura literária herdada
do século XIX. (...).”In: Renato Ortiz; Silvia Helena Simões Borelli e José Mário Ortiz Ramos.
Telenovela: história e produção. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1991, p.11.
30
Dinah Silveira de Queiroz. A Muralha. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 93.
31
Beatriz tem a autorização da Igreja para se casar com o primo, apesar do grau de parentesco.
43
“Basília: Vosmecê nos abandona na hora que mais precisamos estar unidas
Beatriz.
Beatriz: Se para estarmos unidas é preciso aprovar o assassinato de um
sacristão, esqueça.
Basília: Vosmecês que vêm do Reino, parece que já chegam nessa terra com
ódio de quem nasce aqui.
Beatriz: Eu trazia muito amor, Basília. A maior riqueza de minha bagagem era
o que eu trazia aqui. (coloca a mão no peito).32
Beatriz em dois momentos: à esquerda, assim que chega a São Paulo, suja e cansada da viagem; à direita,
já em Lagoa Serana, à espera de Tiago.
A maior luta de Beatriz foi a com sua prima Isabel, também apaixonada por
Tiago. Isabel foi criada acompanhando o tio, Dom Braz, pelo sertão. Apingorá dizia que
ela era o soldado mais valente da tropa de Dom Braz. Ela se vestia como homem, mas
muitas vezes se comportava como um animal. Valente e de personalidade forte, mas
extremamente rude e amarga, carente, e com dificuldades para lidar com seus
sentimentos. Sua forma de ser refletia que se sentia pouco aceita e amada, exceto pelo
tio. Convivia muito com os índios e assimilou muito de seus hábitos e comportamentos.
Nua e pintada como uma bugra 36, “ofereceu-se” para Tiago e engravidou. A
condição de mulher grávida e solteira era mal-vista pela família, mais ainda pela
32
Maria Adelaide Amaral e outros. op. cit. Disco 4 – Capítulo 8.
33
Idem, Disco 3 – Capítulo 6.
34
Idem, Disco 4 – Capítulo 8.
35
Idem, Disco 4 – Capítulo 9.
36
Índia.
44
desconfiança de que o pai fosse Apingorá. Era perfeitamente normal um branco dormir
com uma índia, mas inconcebível a mulher branca dormir com um índio, quanto mais
engravidar. Em diálogo com Mãe Cândida, ela refletiu seu ressentimento:
Apesar de ser mulher branca, era tratada como um dos mestiços. Sempre se
sentiu inadequada. Dom Braz refletiu bem o preconceito à sua condição:
37
Idem, Disco 2 – Capítulo 5
38
Idem, Disco 2 – Capítulo 5
39
Idem.
45
Mãe Cândida era a matriarca da família. Bastante dura, mas em alguns
momentos com grande compreensão. Era um sustentáculo das outras mulheres e quem
controlava tudo quando Dom Braz não estava. Era considerada uma grande guerreira e
companheira. Comparada às mulheres vindas do reino e até à sua filha mais nova,
Rosália, era muito rude e pouco feminina.
A relação dela com Dom Braz talvez seja a mais próxima das relações
matrimoniais do período, caracterizando-se por amizade e respeito. Esta era a visão do
amor, com o cumprimento de suas obrigações e a aceitação de que o marido, enquanto
estava no sertão, não lhe era fiel.
Imagemnão disponível
para internet.
Mãe Cândida
Sua filha mais velha Basília era casada com Afonso Góis. Eles perderam um
filho, Pedro, e ela vivia inconformada com isso. Após seu desaparecimento, Afonso foi
primeiramente dado como morto e depois reapareceu, sem memória, passando a viver
entre os índios. Morreu com os outros homens, na batalha do Ribeirão Dourado. Basília
adotou um curumim, que batiza como Pedro Afonso. Era bastante retraída e amarga
pelos sofrimentos. No ataque dos índios à Lagoa Serena, levou uma flechada no rosto,
que foi costurado por sua mãe, deixando uma enorme cicatriz. Aparentemente, ela
estava destinada a ser a herdeira das características e posturas da mãe.
46
Imagem não disponível
para internet.
Basília
Rosália
47
Margarida era doce e frágil, quase como uma flor. Ela era caracterizada de modo
diferente das outras mulheres, sempre bonita, limpa, com roupas claras e leves. Assim
também foi narrada a personagem da obra literária. Sua ocupação, enquanto os homens
estavam no sertão, era escrever versos. As outras mulheres de Lagoa Serena se
entregavam ao trabalho. Foi com ela que Beatriz acabou se identificando, pois também
não pertencia à Lagoa Serena. Era casada com Leonel, um dos filhos de Dom Braz. No
amor deles, apareceram conceitos atuais de fidelidade: Leonel era fiel, e, ele e
Margarida se amavam muito. O sonho de Margarida era ter um filho, mas como tinha
uma saúde frágil e em virtude de abalos emocionais, acabou morrendo.
O mesmo tipo de amor romântico das personagens foi retratado na obra de Dinah
Silveira de Queiroz.
Margarida
Ana Cardoso, personagem criada para a minissérie, é uma judia que veio para se
casar com Dom Jerônimo, em uma troca para salvar a vida de seu pai, preso pela
Inquisição. Ana fingiu que abjurou 40, mas continuava com suas práticas religiosas, em
segredo. Ela se apaixonou por Dom Guilherme, mas seu dever a impedia, inicialmente,
de aceitar seus sentimentos.
A personagem sofreu muito, não só por sua condição religiosa, mas por ser
mulher. Dom Jerônimo era o maior representante da misoginia 41. Afligia à Ana muito
sofrimento, inclusive com procedimentos físicos, como a auto-flagelação. Era tratada
40
Abjurar significa abandonar a religião que ela professava, que era a judaica.
41
Ódio ou aversão às mulheres.
48
como uma prisioneira. Em diversas cenas, ela pedia para ir à igreja e ele dizia que não
ficava bem para uma mulher sair sozinha, “mesmo que seja em tão santa missão”. Em
um de seus diálogos:
“ Dom Jerônimo: Algo me diz que vosmecê é uma cobra que aninhei em meu
peito e que a qualquer momento vai me desferir a picada fatal.
Ana: Vossa Mercê atribui-me um poder, uma força, que eu não tenho.
Dom Jerônimo: Por que eu estou atento, Dona Ana. Porque eu vigio dia e
noite para que vosmecê não se afaste dos caminhos da salvação.” 42
Além de obrigar Ana a usar o cilício 43, para sua tortura física, ele também a
maltratava emocionalmente. Para não consumar o casamento, levou-a a uma sala cheia
de instrumentos de tortura e a mandou escolher um deles para seu martírio:
42
Maria Adelaide Amaral. op. cit. Disco 2 – Capítulo 3.
43
Cinto ou cordão eriçado de cerdas ou correntes de ferro, cheio de pontas, com que os penitentes cingem
o corpo diretamente sobre a pele.
44
Maria Adelaide Amaral. op. cit., Disco 2 – Capítulo 5.
45
Idem.
46
Idem, Disco 4 – Capítulo 9.
49
Imagem não disponível
para internet.
Ana
A outra mulher de destaque foi Antônia, prostituta no reino e que, devido à falta
de mulheres, veio para a colônia a mando do rei, para arrumar marido. E arrumou vários
pretendentes. Entre uma passagem e outra de convivência com cada um deles, acabou se
casando com Davidão. As cenas de Antônia e seus pretendentes contêm certo humor,
que aliviava a tensão e drama geral.
Quanto à falta de mulheres, diz:
Apesar de aceita por muitos, também sofria preconceito, por parte de algumas
pessoas:
“ Dom Jerônimo: Vossa Reverência não devia permitir certo tipo de mulher
dentro da nossa igreja.
Padre Simão: Dom Jerônimo, o próprio padre Manoel da Nóbrega pediu à
Coroa que mandasse para cá todas as mulheres brancas. Órfãs, viúvas, e até
mesmo as de vida errada.” 48
47
Maria Adelaide Amaral. op. cit., Disco 1 – Capítulo 2.
48
Idem.
50
A personagem Antônia era alegre e espontânea, sem preocupações com as
aparências e convenções sociais. Destacava-se da tristeza de Ana, do romantismo e
inexperiência de Beatriz, da amargura e rigidez de Mãe Cândida e Basília.
Segundo Ronaldo Vainfas, “(...). Solteira era a mulher desimpedida, livre, sem proteção de família ou
49
marido, passível de envolver-se em quaisquer relações amorosas e sexuais. (...).”. Não tinha o mesmo
51
Muatira participava da catequese na igreja do Colégio. Era aluna de Padre
Miguel e se apaixonou por ele. O padre correspondia aos sentimentos, o que causou
grande crise, levando-o a se afastar da Ordem. Muatira foi contaminada pelo padre, com
uma doença que não foi especificada na versão do DVD e morreu. A condição da
mulher indígena foi mostrada através dela, que também sofreu uma tentativa de estupro,
na frente de seu filho. 50
significado de hoje. Ver: Ronaldo Vainfas. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no
Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1989, p. 60.
50
Idem, Disco 1 – Capítulo 1.
52
Imagens não disponíveis para
internet.
Genoveva Leonor
3. OUTROS TEMAS
ADMINISTRAÇÃO
União Ibérica
A relação com Coroa e a fiscalização da descoberta de riquezas
A questão de leis em São Paulo de Piratininga – vila sem guarda e sem cadeia
ECONOMIA
Pobreza dos portugueses e a ilusão de riqueza e paraíso nas terras da colônia
Escravidão do indígena pelo branco e do índio pelo índio
53
Busca por ouro e por outras riquezas
Dois objetivos das bandeiras: escravizar índios; busca por ouro
Trabalho feminino
SOCIEDADE
Escravidão do indígena pelo branco e do índio pelo índio
Escassez de mulheres brancas (aceitação de prostitutas) / miscigenação
Formas de casamento: dever, obrigação, interesses, preconceito (miscigenação), etc
Relações familiares, tais como entre pais e filhos; maridos e esposas; agregados;
filhos bastardos, etc
Exploração do indígena: abuso sexual, escravização para o trabalho
Prostituição
Papel feminino
Papel masculino
CULTURA
Poder da Igreja Católica
Relatividade dos valores cristãos na expansão da Cristandade
Imaginário sobre perigos e feitiços nas terras descobertas
Costumes regulados pela cristandade
Conversão: de judeus em cristãos; índios em cristãos
Uso do Tupi
Religiosidade indígena
Catequese e alfabetização
Jesuítas
Judaísmo
Inquisição
54
informações históricas passadas através de veículo de comunicação de massa. Nem é
uma discussão historiográfica sobre os assuntos abordados ou o período. Não tem o
objetivo de negar ou confirmar a pesquisa realizada para a minissérie.
Nossa intenção é indicar algumas informações históricas e leituras da
historiografia, que possivelmente foram utilizadas como fontes de pesquisa, e, que
ganharam imagem e movimento através do universo ficcional da televisão.
Não tivemos acesso a toda a pesquisa inicial realizada pela autora e com a
dificuldade de reconstituirmos com fidelidade esse percurso, optamos, a partir das
referências dadas em entrevista e as informações da minissérie, em selecionar algumas
obras da historiografia.
A minissérie explorou muito a imagem de homens e mulheres corajosos e
empreendedores, apesar da pobreza e das adversidades que viviam. A necessidade de
sobrevivência explica as posturas. A relação com o indígena também foi bastante
retratada, entre a escravização, miscigenação de raças e costumes.
51
Em entrevista para esta pesquisa, Maria Adelaide Amaral indicou a data de 1612, porém na versão em
DVD apareceu apenas como referência o início do século XVII.
52
Afonso de Escragnolle Taunay. op.cit. p.419. As cenas do Governador Geral aparecem no Disco 4 –
Capítulo 8.
55
As fontes historiográficas
53
Serafim Leite. Cartas dos primeiros Jesuítas do Brasil. Comissão do IV Centenário da Cidade de São
Paulo, 1954, Vol.I 1538-1553, Vol. II 1553-1558, Vol. III. 1558-1563; Atas da Câmara de São Paulo.
São Paulo: A Câmara, 1562-1700; Alcântara Machado. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Governo
do Estado, 1978; Sérgio Buarque de Holanda. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras,
1994; Idem, Monções. 3ª ed. ampl. São Paulo: Brasiliense, 1990; Afonso de Escragnolle Taunay. op. cit. ;
Ernani Silva Bruno. História e tradições da cidade de São Paulo. 3 vol. Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio Editora, 1953; Ronaldo Vainfas.op.cit.. Alguns autores foram citados por Maria Adelaide em
entrevista ao jornal Folha de S. Paulo e outros em entrevista para esta pesquisa. A escolha dos títulos foi
feita a partir da nossa pesquisa.
54
Laima Mesgravis. Afonso de Escragnolle Taunay, o historiador de São Paulo. In: Afonso de
Escragnolle Taunay. op. cit, p.8.
56
Para comprovar as afirmações da historiadora citada, buscamos as obras de
Taunay que são dedicadas ao período, São Paulo nos primeiros anos: ensaio da
reconstituição social e São Paulo no século XVI: história da vila piratiningana. Como a
ação se passa no início do século XVII, encontram-se apresentados vários aspectos de
finais do século XVI, estudados por Taunay.
Outro motivo é que o historiador utilizou nessas obras a mesma documentação
citada por Maria Adelaide Amaral, as Atas da Câmara e as Cartas dos Jesuítas.
A penosa viagem de Beatriz encontrou amparo na descrição do Caminho do Mar
de Taunay:
“Moeda era coisa que quase não existia na Vila. O dinheiro da terra vem a ser
„mantimentos e carnes e cera, e couros, e gado, bois e vacas e porcos, porquanto
não há outra fazenda, alegava a Câmara de 1575 ao fechar um contrato.”57
55
Afonso de Escragnolle Taunay. op. cit., 2003, p.175.
56
Idem, p.156.
57
idem, , p.91.
58
Idem, p.129.
57
O exemplo acima nos permitiu perceber a articulação da ficção com os dados
históricos. Houve a inspiração, mas não a obrigação de retratar a personagem tal qual a
figura histórica. As citações de curandeiros e jesuítas como curadores também possuíam
coerência: havia a presença dessas figuras na vila, pois até 1597, e mesmo depois, foram
comuns tais práticas, sendo as pessoas chamadas para curar os doentes.
Mesmo explorando as fontes históricas e historiográficas, a minissérie não
apresentou toda a complexidade de ofícios da época, como sapateiros, alfaiates,
59
tecelões, ferreiros, carpinteiros, entre outros.
As principais atividades retratadas na minissérie estavam ligadas ao comércio. E
uma das atividades comerciais dos paulistas entre os séculos XVI e XVII era o
apresamento e escravização do indígena, o que gerava conflitos com os jesuítas.
Segundo Taunay, os padres obtiveram uma lei da metrópole, proibindo o
aprisionamento dos índios em “todo e qualquer caso”. Porém, isso não era cumprido e
no século XVII, a feição escravista era mais acentuada, gerando graves conflitos com os
jesuítas.60
Dentre os produtos comercializados foram citados o sal, que era exclusivamente
importado 61 e a marmelada, que era o principal produto de exportação do planalto
paulista.
A minissérie também indicou o comércio do açúcar, porém não explorou como
este produto foi importante para a economia colonial, nem que o fato de não prosperar
em São Paulo, influenciava na sua pobreza:
“Não havia em São Paulo fortunas, porque o planalto não produzia açúcar,
gênero de eldorado, ao qual deviam pernambucanos e baianos sua
opulência...”62
Quanto ao mobiliário:
59
Idem, p.132-138.
60
Idem, p.357.
61
Idem, p.172.
62
Idem, p.156.
63
Idem, p.158
58
A religiosidade foi outro aspecto mostrado pela minissérie. Em Taunay,
encontramos os argumentos para as disputas entre paulistas e jesuítas – o uso da mão-
de-obra indígena que para os religiosos devia ficar nos aldeamentos para a catequese.
Há também indicação de outras funções que os religiosos exerceram como as funções
de médico. 64
Taunay ofereceu algumas referências sobre as mulheres dessa época. Não tanto
aos seus hábitos e costumes cotidianos, mas sobre as famílias a que pertenciam 65 e a
quantidade de mulheres realmente brancas na capitania na época. 66
A introdução do autor às duas obras data de 1919 e a edição, em França, data de
1920 e 1921.
Sobre sua produção e contribuição há uma numerosa bibliografia, que é
contraditória: favorável a seus posicionamentos ou desfavorável. Desde a década de
oitenta do século XX, sua obra está classificada como uma das „criadoras da tradição
paulista‟.
O sentimento de “patriotismo paulista” e “orgulho de linhagem” que aparecem
em todas as versões de A Muralha, provavelmente sofreram influência de historiadores
da primeira metade do século XX, como Afonso de Taunay, Alfredo Ellis Jr. e
Alcântara Machado.67
A imagem construída por essa historiografia acabou sendo extremamente
difundida, conforme escreve Katia Abud em seu estudo sobre a construção da imagem
do bandeirante:
64
Idem, p.237.
65
Idem, p. 393 e 394.
66
Idem, p.388 a 390.
67
Katia Maria Abud. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições - a construção de um símbolo
paulista: o bandeirante. Tese de Doutorado em História Social. São Paulo:FFLCH/USP (Departamento
de História), 1985, p.138.
68
Idem, p. 180.
59
televisão, e ajudaram a disseminar a idéia de bandeirante que os historiadores de
São Paulo tinham formado.”69
69
Idem, ver nota 110.
70
Ilana Blaj. Sérgio Buarque de Holanda: historiador da cultura material. In: Antonio Candido. (org.)
Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998, p.45.
60
O embrutecimento é uma forma de sobrevivência, porém suas causas são
indicadas de maneira implícita na minissérie. O paulista se embrutece para sobreviver às
adversidades e é julgado, pela heroína, em seu caráter, hábitos e costumes, na narrativa
televisiva. A fim de dar elementos para a ficção, a oposição de Beatriz ao paulista é
maniqueísta, pois este é, a seus olhos, em determinados momentos, um vilão. Contudo,
ele pode ser o herói em relação a outras personagens, como Dom Jerônimo e Bento
Coutinho.
Das obras de Sérgio Buarque de Holanda escolhemos Caminhos e Fronteiras.
Este livro foi publicado pela primeira vez em 1957, dando um sentido unitário a escritos
do autor, ligado a outra obra também sobre o bandeirismo, Monções.72
Nos textos de Sérgio Buarque há informações sobre o uso de armas, que
aparecem integradas na minissérie, porém sem explicações sobre seu uso. 73 Alguns
outros aspectos que aparecem no livro, na mesma forma: o uso de calçados; a existência
de animais, como os porcos e os cavalos, e o uso da rede.
Um dos aspectos do cotidiano apresentado e já comentado é o da exportação da
farinha de milho. 74 Sérgio Buarque fala sobre uma “civilização do milho” e os motivos
do desenvolvimento deste cultivo. 75
71
Sérgio Buarque de Holanda. Caminhos e fronteiras. op. cit., p.21.
72
Sérgio Buarque de Holanda. Monções. op.cit.
73
Ver esp. capítulo sobre Caça e pesca. In: Sérgio Buarque de Holanda. Caminhos e fronteiras, op.cit.,
p.60 a 73.
74
Davidão embarca entre outros produtos farinha de milho. In: Maria Adelaide Amaral e outros. op. cit..
Disco 1 – Capítulo 1.
75
Sérgio Buarque de Holanda. Caminhos e fronteiras, op. cit., p. 181 a 189.
61
Imagem não disponível para internet.
62
No que diz respeito à cultura material e atividades comerciais podemos
encontrar em Sérgio Buarque referências sobre fiação e tear, porém o historiador
adverte que essa documentação é insuficiente para analisar seu funcionamento em
determinadas épocas:
76
Idem, p.221 e 222.
63
Outras informações dos historiadores já citados no texto também foram
aproveitadas em aspectos do cotidiano. Em relação às mulheres, particularmente na
história de Ana, podemos encontrar referências no trabalho de Ronaldo Vainfas,
Trópico dos pecados, que trata de moral e sexualidade no Brasil entre os séculos XVI e
XVII. 77 Ana teve toda sua história marcada pelo fanatismo de Dom Jerônimo. Ele a
amava, odiando, pois sentia ódio das mulheres, a seu ver, um símbolo do pecado. A
construção dessas personagens parece-nos ter sido inspirada em algumas informações
de Vainfas. Por exemplo:
Na fantasia de Dom Jerônimo, Ana era diabólica e mentirosa, o que podia ser
atribuído às mulheres de então, de acordo com a historiografia:
77
Ronaldo Vainfas. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil Colonial. op. cit.
78
Idem, p.120.
79
Idem, p.121.
64
Imagem não disponível
para internet.
80
Idem, p.63 e 64.
65
Aspectos de relacionamento e casamento também foram encontrados em
Vainfas, podendo complementar as tramas ficcionais, como o casamento arranjado de
Cristina com o primo, feito através de cartas entre familiares era comum. 81 E apesar das
fantasias românticas da personagem, ocorriam em sua maioria sem amor. 82
81
Idem, p.123.
82
Idem, p.125.
83
Alcântara Machado. op. cit.
84
John Manuel Monteiro. Negros da terra:índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
85
Alice Canabrava. op.cit.
86
Idem, p.123.
66
Assim, identificamos algumas fontes historiográficas e como as mesmas foram
trabalhadas na ficção, servindo como argumento. Concluímos, contudo, que apesar da
extensa pesquisas dos produtores da minissérie, não há a necessidade de ser fiel aos
aspectos históricos. Consideramos que os produtores procuram especialmente fidelidade
quanto a fatos e datas, porém nomes, relacionamentos e alguns aspectos do cotidiano
material foram alterados.
Sabemos que não esgotamos todas as possibilidades de temas e fontes para A
Muralha, mas pretendemos com este trabalho, levantar possibilidades de discussão
sobre esta obra e suas diversas versões.
67
CAPÍTULO III - UM SÓ CORAÇÃO
A Rede Globo pretendia aproveitar os 450 anos da cidade de São Paulo com uma
minissérie para homenagear a cidade e pediu para Maria Adelaide Amaral pensar sobre o
assunto. A autora acabara de escrever uma peça de teatro sobre Tarsila do Amaral, que
havia estreado em São Paulo, e, portanto, havia pesquisado sobre a pintora, seus amigos e
seu tempo. Propôs, então, aos responsáveis na emissora, uma minissérie que contasse a
história de São Paulo sob o viés da cultura, começando com a Semana de Arte Moderna,
em 1922, e terminando com as festividades do IV Centenário de São Paulo, que incluíam a
II Bienal, em 1954. Com a idéia pronta, escolheu um parceiro, Alcides Nogueira:
“... „pretendo trabalhar com Alcides Nogueira. Quem mais senão o Tide para se
juntar a mim nesse projeto? ‟ Era de família quatrocentona, tinha escrito uma peça
sobre a Revolução de 32, Paris-Belfort, outra sobre a Semana de Arte-Moderna,
Tietê, Tietê, e conhecia esse universo como ninguém. Além disso, era meu amigo,
culto, leal, bom caráter. Eu tinha certeza que ele seria um excelente companheiro,
como havia sido Walter Negrão. Depois, acreditava que duas cabeças pensam
melhor que uma.”1
1
Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral: a emoção libertária. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005, p.253.
68
A peça teatral
A peça Tarsila fora escrita a pedido da atriz Ester Góes e do diretor de teatro Sérgio
Ferrara. O processo de elaboração da peça se iniciou em novembro de 2001 e foi até março
de 2002, exigindo uma grande pesquisa, que foi realizada por Luciana Chen, formada
em Artes Plásticas e já então autora de trabalhos importantes no Museu de Arte Brasileira
da FAAP. Além de Tarsila do Amaral, outras personagens importantes do período, como
Anita Malfatti, Oswald de Andrade e Mário de Andrade deveriam ser incluídas.
No percurso de pesquisa, Maria Adelaide pode conhecer, conversar e ter a
colaboração da sobrinha-neta da pintora, também chamada Tarsila do Amaral e de seus
familiares. Através deles, conheceu o artista Tuneu, aluno e confidente de Tarsila, Anna
Maria Martins e Ana Luísa Martins. Anna Maria é viúva de Luís Martins, que foi
companheiro de Tarsila por muitos anos, e ambos apareceram como personagens da
minissérie.
Entre os contatos e uma longa pesquisa contatou também parentes de outras
personagens, além de professores e especialistas. Entre as pessoas que foram contatadas e
colaboraram estão arroladas: Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza, Jorge Miguel
Marinho, Telê Ancona Lopez, Beth Malfatti, Guilherme Amaral, Aracy Amaral, Radá
Abramo, Rudá de Andrade, Timó de Andrade e Lélia Coelho Frota.
Além das entrevistas acima citadas, leu toda a obra dos escritores Oswald de
Andrade e Mário de Andrade, a revista Antropofagia e uma vasta bibliografia, que levantou
em suas pesquisas. 2
Pode contar com colaboração de muitas pessoas, tais como Marlyse Meyer, que
cedeu a Revista de Antropofagia. Utilizou depoimentos gravados em institutos culturais,
como: Mário: um homem desinfeliz, do Instituto Itaú Cultural; Depoimento de Antonio
Candido sobre Oswald de Andrade, gravado no Museu de Imagem e Som/Secretaria da
Cultura de São Paulo, em 1999; Cem Oswald Anos, depoimento gravado no almoço
2
Tarsila, sua obra e seu tempo - Aracy Amaral; Tarsila do Amaral- Nádia BatteIla Gotlib; Correspondência
de Mário de Andrade e Tarsila do Amaral - org. Aracy Amaral; Cartas a Anita Malfatti - Mário de Andrade;
O salão e a selva - Maria Eugênia Boaventura; Oswald de Andrade - Maria Augusta Fonseca; Anita Ma/fatti
no tempo e no espaço - Marta Rossetti; Um bom sujeito - Luís Martins; Pagu - vida e obra - Augusto de
Campos; Mário de Andrade: exílio no Rio de Janeiro - Moacir Werneck .de Castro; Te dou a lua amanhã -
biofantasia de Mário de Andrade - Jorge Miguel Marinho; A lição do amigo - Cartas de Mário de Andrade a
Carlos Drummond de Andrade; Mário de Andrade por ele mesmo - Paulo Duarte
69
promovido no MIS/SP por ocasião dos 100 anos do nascimento de Oswald. 3
3
As informações sobre a peça Tarsila foram retiradas de: Maria Adelaide Amaral. A aventura de escrever
Tarsila. In: - Tarsila. São Paulo: Globo, 2004, p.5-8.
70
A minissérie e seus produtores
4
Tuna Dwek. Alcides Nogueira: Alma de cetim. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004, p.174.
5
Idem, p.14
6
Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral, op. cit., p.251 a 253.
71
circuito cultural da cidade de São Paulo e também o emocional, pois buscou atingir a
memória social dos grupos imigrantes do início do século XX.
O primeiro evento foi o do Museu de Arte Moderna/MAM de São Paulo, que fez
uma exposição no Ibirapuera entre 13 de dezembro de 2003 e 18 de janeiro de 2004, na
qual foram expostas obras, pertencentes ao acervo do museu, de artistas modernistas que
seriam retratados na minissérie. Além disso, apresentou também objetos sobre a história e
preparação da minissérie como: vídeo de cenas, figurinos, jóias e estudos para a montagem
de personagens7. A exposição foi bastante significativa, já que Ciccillo Matarazzo e
Yolanda Penteado, protagonistas da minissérie, foram os fundadores da instituição.
O MAM/SP foi fundado em 19488, mas sua primeira exposição foi em 1949:
7
Daniel Castro. Outro Canal: Vernissage 1 e Vernissage 2. Folha de S. Paulo, 27/11/2003, caderno Ilustrada
p. E 10.
8
José Carlos Durand. Arte, privilégio e distinção: artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil
(1855-1985). São Paulo: Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 1989, p. 120.
9
Francisco Alambert & Polyana Lopes Canhete. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos
curadores (1951-2001). São Paulo: Boitempo, 2004, p.32.
10
Idem, p.93-102.
72
Uma outra atividade cultural concretizada em função da minissérie foi o Circuito
cultural Um Só Coração, no Memorial do Imigrante/Secretaria da Cultura de São Paulo. O
evento promovia a minissérie, com um festival gastronômico, exposição e danças típicas, e
estava direcionado ao público que se considera descendente dos imigrantes que vieram para
a cidade no início do século XX.
O Memorial do Imigrante está localizado em parte do prédio da antiga Hospedaria
de Imigrantes do Brás, que foi inaugurada em 1887, com a finalidade de receber os
imigrantes de diversas nacionalidades que vinham para a então província de São Paulo. Foi
criado em 1998, e, além de conter um museu com material sobre imigração, possui serviço
educativo, biblioteca, arquivo, sendo possível consultar os livros de registros de
desembarque dos navios que atracaram no porto de Santos. 11
O acervo documental do Memorial é muito procurado, pois requisitam seus serviços
de pesquisa histórica tanto às pessoas que desejam localizar seus antepassados e reconstituir
a trajetória da família, como as que em nossos dias buscam a documentação com intuito de
conseguir dupla nacionalidade.
O evento contou com a promoção da Rede Globo e utilizou também o logotipo da
minissérie, demonstração de quanto a emissora estava interessada em vincular a minissérie
a uma instituição histórico-cultural da cidade, que atende a estudantes de ensino
fundamental e médio e interessados no passado em geral.
Foi realizada posteriormente uma exposição com outro tema, O vestir em São Paulo
pela lente de Um Só Coração, no Centro de Design e Moda Anhembi Morumbi, da
Faculdade Anhembi Morumbi, apresentada entre 29 de abril e 28 de maio de 2004, com
entrada franca. A mostra reuniu 70 figurinos originais, que foram de responsabilidade de
Emilia Duncan. Foram os professores da universidade que organizaram a exposição e um
seminário: A história da moda em São Paulo – reflexões sobre fatos e personagens. Este
seminário pode ser considerado a entrada da minissérie no circuito acadêmico.
11
As informações sobre o Memorial do Imigrante foram retiradas de: Imigração italiana no Estado de São
Paulo. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, Memorial do Imigrante/ Museu da Imigração, 1999, p.17.
(Série Resumos, nº 1) e http://www.memorialdoimigrante.sp.gov.br/institucional/index.asp .
73
A minissérie também já foi objeto de estudo em uma tese de doutorado da
ECA/USP, São Paulo: território intercultural de Um Só Coração, de Oriana Monarca
White, que trabalhou com questões de mídia, interculturalidade e identidade, através dos
imigrantes retratados na obra. A autora pôde acompanhar a minissérie desde um pouco
antes de sua estréia e estudar a repercussão na mídia. 12
12
Oriana Monarca White. São Paulo: território intercultural de Um Só Coração. Tese de Doutorado. São
Paulo: CCA-ECA/USP, 2005.
13
http://redeglobo.globo.com/Umsocoracao/0,18529,3131,00.html
14
O Orkut é um site de comunidade on-line, que conecta as pessoas através de uma rede de amigos. Nele é
possível criar uma página própria, na qual consta seus amigos, informações pessoais e recados. Pode-se
também criar e participar de comunidades diversas por afinidade de gosto, ou opinião. Virou febre entre os
brasileiros nos últimos anos. Espaço que revela muito do comportamento das pessoas nos dias atuais. Ver
endereço da comunidade: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1330644
74
5. Um Só Coração – (adaptação da Sinfonia nº 5 op.64, de Tchaikovsky)
6. Tum Balalaica – Gilbert
7. Rapaziada do Braz – Jair Rodrigues
8. Pot-pourri João de Barro Cabocla Tereza – Trovadores Urbanos
9. In the blue of the evening – Tommy Dorsey & Frank Sinatra
10. Coração sozinho (adaptação de Apenas um coração solitário) – Roger Henri
11. Viola quebrada – Trovadores urbanos
12. Ária Paulistana (Adaptação da Sinfonia nº 5 op.64, de Tchaikovsky)
Capa do CD de Um Só Coração.
15
São Paulo através da minissérie Um Só Coração. São Paulo: Editora Globo, 2004.
75
Imagem não disponível
para internet.
Capa do livro sobre os bastidores da minissérie, lançado pela editora Globo.
16
Oswald de Andrade Filho. Dia seguinte e outros dias. São Paulo: Códex, 2004.
17
Conforme informações em Maria Adelaide Amaral. A aventura de escrever Tarsila., op. cit., p.6. E de
Cassiano Eleck Machado. “Lições” de Nonê surgem em estréia póstuma. Folha de S. Paulo, 21/03/2004,
caderno Ilustrada, p. E3.
18
Conforme informação de nota publicada por Cassiano Eleck Machado na seção Livros/Lançamentos, no
caderno Ilustrada, p. E4, Folha de S. Paulo, em 6 de dezembro de 2003; a obra é de Ana Luísa Martins, Aí
76
sua obra. Quando terminou o casamento de Tarsila e Luís, ele se casou com Anna Maria. O
livro inclui também cartas de Anna Maria para Luís Martins, trechos da autobiografia do
crítico e crônicas publicadas por ele, que tratam das dificuldades da separação e do novo
casamento. As provas do livro já haviam sido cedidas para Maria Adelaide na pesquisa da
peça Tarsila, por Ana Luísa Martins, autora do livro e filha de Anna Maria e Luís. Lançado
um pouco antes da minissérie, foi mais um dos livros sobre personagens dela e ajudou na
construção do enredo.
Um outro livro, Yolanda 19, de Antonio Bivar, já estava planejado, porém também
foi lançado em 2004. A idéia de fazer uma biografia de Yolanda surgiu quando Bivar
lembrou de uma passagem do livro de memórias dela, Tudo em cor-de-rosa, 20 para utilizar
em outro trabalho. Relendo o livro, deu-se conta que Yolanda fazia cem anos em 2003.
Inicialmente, pensou em escrever uma biografia de bolso, sem grandes pesquisas. Ao saber
da minissérie ficou preocupado, pois achariam que ele só estava fazendo o livro por causa
disso. Entrou em contato com Maria Adelaide, que era sua amiga, e ela sugeriu que não
fizesse um livrinho, mas um best-seller:
“Best-seller não sei, mas decidi então escrever um blockbuster de umas trezentas
páginas. É claro que aí o compromisso teria que ser maior, eu teria que ir além da
despretensão que fora a idéia inicial, isto é, teria que pesquisar, conversar com
parentes da biografada e pessoas que a conheceram bem, ir nas bibliotecas, nos
arquivos, navegar na Internet, seria trabalho para mais de ano e isto se contasse com
alguma bolsa ou patrocínio. Mas como nunca fui de ir atrás de bolsa e a coisa pedia
urgência – o ideal, segundo Maria Adelaide, era que o livro saísse simultaneamente
ao lançamento da minissérie, mesmo que não tivesse nada a ver com a mesma – o
jeito era não pensar e fazer. Era now ou never.”21
Na procura por editoras, a notícia chegou a Pedro Paulo de Sena Madureira, diretor
da editora A Girafa, que estava em fase de estruturação 22. O interesse de Pedro Paulo, além
de comercial, possivelmente teve também outra razão, pois foi vice-presidente de duas
gestões da Fundação Bienal de São Paulo, e atuou na organização das exposições, tanto na
vai meu coração: cartas de Tarsila do Amaral e Anna Maria Martins para Luís Martins. São Paulo: Planeta,
2003.
19
Antonio Bivar. Yolanda. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.
20
Yolanda Penteado. Tudo em cor-de-rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976.
21
Antonio Bivar. op. cit., p.13.
22
Idem, p.14.
77
XXII Bienal Internacional de São Paulo (1994) como na XXIII Bienal Internacional de São
Paulo (1996).
O livro foi lançado em janeiro de 2004. A relação de Bivar com Yolanda era afetiva,
desde que leu Tudo em cor-de-rosa, trinta anos antes de iniciar seu projeto. 23
A peça Tarsila também foi beneficiada com a minissérie. Foi lançada em livro pela
editora Globo e teve uma remontagem, graças ao entusiasmo de Eliane Giardini com sua
personagem. Tarsila, Oswald e Mário foram respectivamente interpretados pelos atores
Eliane Giardini, José Rubens Chachá e Pascoal da Conceição, todos do elenco da
minissérie, com os mesmos papéis. A exceção ficou para a atriz Agnes Zuliani, que
interpretou na peça Anita Malfatti. Na minissérie, a pintora foi interpretada por Betty
Gofman. A peça estreou em 2 de julho de 2004, no teatro São Pedro de Porto Alegre. 24
23
João Luiz Sampaio. Versões de uma mulher chamada Yolanda. O Estado de S. Paulo, 18/01/2004, Caderno
2, p. D6.
24
Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral: a emoção libertária, op.cit, p..269.
78
em função de A Casa das Sete Mulheres. Também produziu uma edição especial da revista
TV Brasil, com a capa: “Um Só Coração, uma história de amor e coragem.” Na edição
sobre 32 aparece a propaganda da TV Brasil. São produtos de apelo popular e preço
baixo,26 nos quais são utilizadas fotos da minissérie e seus artistas para atrair compradores.
A revista é bastante ilustrada, inclusive com imagens da época, como, por exemplo, uma
foto de João Pessoa morto e a aclamação de Pedro de Toledo na Praça da Sé. 27
Esta publicação possui grande semelhança visual e de conteúdo com o livro sobre a
minissérie, editado pela Globo. Os temas são muito parecidos, com caráter ufanista, como
indica o editorial da revista:
“Quando se pensa a Revolução de 32, logo vem à mente a bravura do povo paulista
que pegou em armas contra todo o país para defender o ideal constitucionalista. O
que pouco se fala, porém, é que São Paulo foi traído pelos seus aliados e se viu
isolado, mal armado e com poucos recursos financeiros para enfrentar a luta.
Mesmo assim, sustentou sua causa com uma dignidade rara, com verdadeira „fibra
de herói‟.
Acompanhe-nos através deste túnel do tempo que irá conduzir você a uma galeria
de personagens que ajudaram a moldar a face do Brasil do século XX. Conheça os
bastidores da política, os motivos que conduziram a essa verdadeira guerra. Saiba a
respeito das armas e artimanhas que os paulistas inventaram para minimizar a falta
de recursos, do papel da mulher durante a revolução, da mobilização nas ruas, dos
movimentos estudantis. Venha conosco nesta viagem ao passado e veja a história
através dos olhos de quem a fez. É só assim que podemos entender melhor o nosso
presente.”28
25
Revoluções brasileiras: Revolução de 1932. São Paulo: Escala, 2004.
26
O preço da publicação é baixo: o exemplar sobre a Revolução de 32 tem na capa o valor de R$4,90, valor
que é bem mais acessível do que o preço de um livro.
27
Revoluções brasileiras: Revolução de 1932. São Paulo: Escala, 2004, p.8 e 14.
28
Idem, p.3.
79
Mário e Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, Paulo Prado e
Assis Chateaubriand, Yolanda Penteado e Ciccillo Matarazzo aqui convivem na
cidade das décadas de 1920 a 1950, unindo-se a outros personagens da história,
num verdadeiro passeio pelo tempo e pela memória paulistana.
Faça essa viagem.”29
29
São Paulo através da minissérie Um Só Coração. São Paulo: Editora Globo, 2004, p.7.
80
O sucesso da minissérie rendeu ainda uma edição em DVD. 30 Em 2004 a Globo
lançou as minisséries Os Maias e Agosto também para venda. Várias minisséries foram
lançadas um pouco antes dessa época, além de outras produções da emissora 31. A Globo já
vinha em um processo de lançar suas produções no mercado e isto só foi se consolidando
desde então.
O interesse e sucesso de Um Só Coração foi tão grande, que até houve político
pretendendo se aproveitar do fato. Em fevereiro de 2004, em pleno período de exibição da
minissérie, Paulo Maluf, que usa um coração como símbolo, teve problemas com sua
propaganda, como relata uma notícia da época:
30
Maria Adelaide Amaral & Alcides Nogueira. Um Só Coração (DVD). Globo Vídeo, 2004.
31
Consulta feita ao site: http://somlivre.com.br/
32
Nelson de Sá. Sem coração. Folha de S. Paulo, 11/02/2004, caderno Ilustrada, p. E8.
33
Laura Mattos. “Ser vilão está na moda”. Folha de S. Paulo, 24/09/2006, caderno Ilustrada, p.E1 e E3,
caderno Ilustrada. Na entrevista, Manoel Carlos fala sobre política e sobre a mudança da personagem Tereza,
interpretada por Renata Sorrah, que inicialmente seria uma juíza, personagem inspirada em Denise Frossard,
81
O conteúdo de uma novela pode influenciar muito a opinião pública e o sucesso
dela pode ser usado também de maneira a influenciar o eleitorado, mesmo quando seus
produtores não são coniventes com seu uso político. O sucesso de uma novela ou minissérie
pode fazer que certos elementos da produção sejam apropriados em situações de eleições e
promoção de candidatos.
O reconhecimento
Houve um tempo, um tempo longo, mais de três séculos, em que quem nascia no
Brasil era português.
A ruptura de 1822 foi, ao mesmo tempo, um ato de independência do colonialismo,
e, também, a clássica separação do filho que ao crescer deixa a tutela dos pais.
Nunca, no entanto, nem nos episódios mais sangrentos da grande guerra da
Independência, brasileiros e portugueses deixaram de repartir sua evolução comum.
Fratemidade - esta sempre foi a palavra de ordem entre nossos povos.
Sempre foi tão forte que o próprio Patriarca da Independência, José Bonifácio de
Andrada e Silva, acalentou o sonho de proclamar não um Reinado do Brasil, mas o
Império Luso-Brasileiro.
Seguimos nossa trilha de autonomia sem nunca fechar o porto às caravelas que
partiam da praia do Rastelo em direção ao Novo Mundo. O Brasil, terra da
aventura, do enriquecimento, paraíso dos trópicos, seara da liberdade, onde os
europeus podiam livrar-se do grilhão feudal, sempre foi o porto seguro dos que
queriam saber o que havia do outro lado do mundo.
Estamos aqui para homenagear uma dessas navegantes que o poeta Fernando
Pessoa tangeu com o verso "navegar é preciso". Nascida na cidade do Porto, a mais
nova cidadã de São Paulo embarcou na caravela para aqui fazer-se paulistana de
fato, de alma e coração, condições superiores à cidadania que a solenidade de hoje
apenas formaliza oficialmente.
candidata do PPS ao governo do Rio de Janeiro e o autor precisou mudar a personagem para não parecer
propaganda política.
82
A paulistana Maria Adelaide Amaral é uma 'artista do povo‟, e esta condição não
tem fronteiras.
Inevitável lembrar de outra portuguesa que adotou o Brasil com a sua arte de
encantar o mundo: Carmen Miranda.
Nossa homenageada é mais conhecida por seu trabalho na televisão. No entanto, é
grande e significativa sua contribuição ao teatro e à literatura, e foram estas artes
que a consagraram na brasileiríssima forma de narrativa que é a novela da TV.
Dramaturga premiada, escreveu peças como Chiquinha Gonzaga, De Braços
Abertos e Querida Mamãe, todas vencedoras do Moliére, além de Bodas de Papel,
A Resistência, O Abre Alas, Intensa Magia, que foi levada ao cinema no filme
Querido Estranho, de Ricardo Pinto.
Entre seus romances destacam-se Luísa: Quase uma História de Amor, e O Bruxo.
Traduziu peças de autores consagrados, e fez uma adaptação para o teatro do
romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo, do compatriota e Prêmio Nobel da
Língua Portuguesa José Saramago.
Desde sua estréia nas novelas da TV, como co-autora de Meu Bem, Meu Mal, em
parceria com Cassiano Gabus Mendes, na Rede Globo, Maria Adelaide Amaral
constitui prova de que há vida inteligente na televisão. Ela faz parte de um seleto
time de novelistas que podemos chamar de artistas do folhetim eletrônico. Esta
forma de narrativa, mesmo com as limitações naturais, impostas pelo rei ibope,
sobressai na cultura brasileira com momentos de criação comparáveis aos dos
nossos melhores romancistas.
Suas novelas e seus seriados resgatam a epopéia do povo brasileiro em várias
oportunidades.
Chiquinha Gonzaga não foi, por exemplo, apenas a biografia musical de nossa
primeira grande compositora.
Ao contar a história da autora do Abre-Alas, Maria Adelaide traçou todo um painel
do Brasil do começo do século, que se livrava da chaga da Escravidão e embarcava
no sonho da República.
Sua adaptação de Os Maias, do patrício Eça de Queirós, transpôs os limites da
crítica dura que o autor fez à sociedade lusitana de seu tempo. Também o Brasil
estava presente ali na figura detestável do traficante de escravos.
A Muralha, baseada na obra de Dinah Silveira de Queirós, fez justiça a uma figura
histórica a que o Brasil tanto deve - o bandeirante. Maria Adelaide pôde explorar
neste seriado sua rara sensibilidade para observar os diferentes aspectos da história.
As cenas dos sertanistas fazendo seus testamentos ficaram em nossas memórias
como um testemunho de coragem e desapego, pois aqueles homens sabiam que iam
partir, mas não sabiam se iam voltar. Cometeram erros e excessos, próprios da
época, mas foram, a seu modo e há seu tempo, heróis da conquista e ocupação de
um território que o Brasil só tinha nos mapas.
A levar à TV o romance A Casa das Sete Mulheres, Maria Adelaide soube tratar
com equilíbrio um episódio que dividiu os brasileiros, em sangrenta guerra civil,
para, ao final, uní-los ainda mais sob a bandeira fraterna de uma única Nação.
Nem farrapos nem imperiais, nem Bento Gonçalves nem Duque de Caxias. Brasil! -
eis a mensagem da autora.
E que já estamos num templo da arte, não custa comparar o seriado Um Só Coração
a um grande painel do maior dos nossos pintores - Cândido Portinari. Num e noutro
retratam-se a alma do Brasil. Ali desfilam não só os intelectuais do modernismo e
sua obra atualizadora, o que não seria pouco, mas se apresenta aos nossos olhos a
singularidade do povo brasileiro, em sua inteireza e combatividade.
83
A valiosa contribuição dos imigrantes, as lutas 'sociais e políticos, a marcha da
emancipação das mulheres, a luta pelos direitos trabalhistas, as greves, a
modernização do país agrário-exportador em pólo industrial, a resistência à tirania -
eis o pano de fundo da História heróica de que esta cidade foi palco e agente.
Vemos ali o surgimento do movimento operário, primeiro com os anarquistas,
depois com o Partido Comunista do Brasil. Tivemos a honra de contar em nossas
fileiras com personalidades tão marcantes como Oswald de. Andrade e Patrícia
Galvão, a Pagu, que nesta época deu à literatura brasileira o seu primeiro romance
proletário, Parque Industrial.
A vila do Padre Manuel da Nóbrega e de José de Anchieta não poderia ter recebido,
no aniversário de 450 anos, homenagem mais completa, histórica e poética, que esta
prestada por Maria Adelaide Amaral e seus colaboradores com o seriado Um Só
Coração.
Por tudo isso, nada mais justo que a formalidade se ajuste à realidade e a partir de
hoje Maria Adelaide Amaral possa apresentar o documento e dizer: "Paulistana,
com muito orgulho".
Para nós também.
Muito Obrigado.
84
3. RESUMO DA MINISSÉRIE
A minissérie contou a história da cidade de São Paulo entre os anos de 1922 a 1954.
O fio condutor foi a vida de Yolanda Penteado, filha de uma rica família de aristocratas
paulistas, típica representante da riqueza cafeeira e da tradição quatrocentona.
Yolanda estava sendo obrigada a se casar com um primo mais velho, Fernão, mas
gostava de Martim. Este último era de uma classe social diferente e por isso a família não o
aceitava. Entre vários encontros e desencontros, os dois se separaram e Yolanda se casou
com Fernão.
Com o passar do tempo, o casamento não deu certo e ela se uniu ao industrial
Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo, e com ele se dedicou à criação e
desenvolvimento de instituições de arte na cidade, como o MAM e as Bienais.
Por volta dos anos sessenta, Ciccillo e Yolanda se separaram e finalmente ela se
uniu a Martim.
Paralelamente e se entrelaçando à história de Yolanda, outras tramas se
desenvolvem. Uma das tramas que compunham o enredo era sobre a família de um
cafeicultor, paulistano tradicional. A família do Coronel Totonho era formada por ele e seus
filhos: Rodolfo, Maria Luísa, Bernardo, Maria Laura e Candinho.
85
Imagem não disponível
para internet.
O Coronel era um rico fazendeiro de café, arrogante e autoritário. Seu filho Rodolfo
tinha idéias parecidas com as dele, mas os outros filhos não. Maria Luísa queria viver seus
sonhos românticos, Bernardo tinha idéias revolucionárias e estava envolvido com os
anarquistas, Maria Laura se interessava por literatura e Candinho, no início da história era
uma criança. Tornou-se um rapaz de bom caráter, e um dos funcionários de Ciccillo
Matarazzo.
Um outro núcleo de personagens era a família de Ernesto, um militante anarquista,
que também tinha filhos: Ana (única adulta no início da minissérie), Uscha, Frederico e
uma garotinha que morreu em um ataque da Revolução de 1924. As personagens Ernesto e
Totonho eram opostas no caráter e nos ideais.
Há um núcleo de personagens históricas famosas, formado por artistas e seus
patrocinadores: Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del
Picchia, Guilherme de Almeida, Anita Malfatti, Paulo Prado, Olívia Guedes Penteado,
senador Freitas Valle. Ao redor dessas personagens havia um conjunto de outras
personagens, reais e fictícias que se relacionavam com elas.
A vida de todas as personagens foi marcada por vários acontecimentos do período
como: greves operárias, a Semana de Arte Moderna de 22, a Revolução de 1924, a Coluna
Prestes, a crise do café, a Revolução de 30, a Revolução de 32, o Estado Novo, a II Guerra
Mundial, entre outros.
86
De alguma forma todas as personagens se relacionavam com o universo cultural da
cidade de São Paulo, quer por serem artistas, ou mecenas, e também, na forma de amigos e
parentes dessas. Os grandes eventos sociais da minissérie giravam em torno do universo
cultural da cidade no período, indicando o quanto questões políticas, econômicas e sociais
podiam interferir nesse universo cultural.
A minissérie teve um grande número de personagens secundárias, porém históricas,
que apareceram em poucas cenas, mas foram importantes como referência do período. Por
seguir a ordem cronológica de acontecimentos, a obra acabou tendo um caráter didático,
mesmo não sendo esta a intenção de seus autores.
Destacamos o uso do recurso de ter um narrador, que também foi personagem da
história, Maria Laura, que contou a história.
Esta minissérie foi um texto original dos autores, porém não esteve livre de
inspirações de obras dos próprios e de outras tantas sobre história e literatura do período.
Foram inúmeras as fontes utilizadas por eles e seus colaboradores.
87
Imagem não disponível
para internet.
A narradora Maria Laura, filha do coronel Totonho. No início da série, a personagem é ainda criança.
A edição em DVD foi feita pelos autores 34, e é boa no que diz respeito à história
ficcional. Porém, não investiu em entrevistas extras, apresentando apenas um apanhado de
matérias do Vídeo Show.
Os autores Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira aparecendo na minissérie como figurantes.
34
Entrevista concedida pela autora Maria Adelaide Amaral para a pesquisa.
88
CAPITULO IV – O PASSADO REPUBLICANO RECRIADO
1
Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral: a emoção libertária. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo: Cultura-Fundação Padre Anchieta, 2005, p.252.
89
antepassados paternos, entre os quais se encontravam João Ramalho e Bartira. 2, o que a
caracterizava como uma aristocrata da terra. E assim, ela cresceu, vivendo em um
mundo “cor-de-rosa”, como o título de sua biografia diz.
Como era comum em famílias proprietárias de fazendas de café, os casamentos
eram realizados entre famílias aparentadas e de mesma origem social. Assim, Yolanda
se casou com Jayme da Silva Telles 3, que inspirou, na ficção, a personagem Fernão 4.
Mas a moça possuía outros admiradores, como o aviador Santos Dumont:
Santos- Dumont fazia parte do círculo das famílias cafeicultoras e era cunhado
de uma de suas tias.
2
Antonio Bivar. Yolanda. São Paulo: A Girafa Editora, 2004, p.20.
3
Yolanda Penteado. Tudo em cor-de-rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976, p. 49.
4
Como Yolanda também tem um irmão com nome de Jayme, o nome do marido foi alterado,
possivelmente para não confundir o público.
5
Yolanda Penteado. Tudo em cor-de-rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976, p.58.
90
Assis Chateaubriand foi um outro “apaixonado”, segundo a biografia de Chatô,
editada recentemente. 6 O episódio é comum aos dois livros: ocorreu na casa de Alfredo
Pujol, após a apresentação de Yolanda, em uma peça, O contratador de Diamantes:
“...nessa mesma noite, conheci, na casa do dr. Alfredo Pujol, um rapaz que não
era bonito e que, depois, me pediu em casamento sem resultado.. ele veio a se
tornar o melhor amigo que eu tive na vida. Chamava-se Francisco de Assis
Chateaubriand Bandeira de Mello e já era muito conhecido nos meios
jornalísticos como Assis Chateaubriand.”7
“Iolanda (sic) ainda estava vestida à Luís XV, com uma peruca coberta de talco
sobre a cabeça, quando conheceu Chateaubriand. Segundo ela mesma diria
depois, „ele ficou tonto‟ diante de sua beleza. Iolanda revelaria também, que
apesar de tê-lo achado „um rapaz não muito bonito‟, tinha ficado hipnotizada
com sua conversa. Chateaubriand convidou-a para caminharem juntos pelos
jardins e foi ali mesmo, um par de horas, após conhecê-la, que lhe propôs
casamento. Ao recusar de chofre, Iolanda não imaginava que aquele seria
apenas o primeiro pedido – apaixonado por ela até o fim da vida, Chateaubriand
voltaria a repeti-lo, sempre em vão, dezena de vezes. Ao retornar ao Rio e
comentar em uma roda da livraria Leite Ribeiro que havia recebido um „não‟ de
Iolanda – „uma verdadeira princesa austríaca‟, dizia – Chateaubriand ouviu uma
confissão do aviador Alberto Santos Dumont:
- A recusa dela ao seu pedido me consola. Quando Iolanda rejeitou a minha
proposta de casamento, meses atrás, achei que fosse por causa da diferença de
idade, pois sou trinta anos mais velho que ela. Mas se ela disse não a você, que
é um jovem, está tudo explicado: Iolanda não deve gostar de homens que andam
com a cabeça nas nuvens, como nós dois.”8
6
Fernando Morais . Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
7
Yolanda Penteado. op. cit., p.73.
8
Fernando Morais . op.cit., p.106 e 107.
9
Maria Adelaide Amaral & Alcides Nogueira. Um só coração. Globo Vídeo, 2004 - Disco 1
91
século passado, gostava de copiar hábitos europeus, como falar em francês com sotaque
e tomar chá, hábito dos ingleses.
“Freitas Valle, que se confunde com o próprio espaço do seu salão, foi poeta
simbolista, professor de francês, advogado, perfumista, gourmet mecenas,
deputado e senador estadual. Como legislador, teve uma atuação voltada para a
questão educacional e o ensino das artes, sendo um dos principais responsáveis
pelo Pensionato Artístico do Estado de São Paulo. Graças a ele, inúmeros
talentos tiveram oportunidade de se revelar, em nomes como Anita Malfatti,
Victor Brecheret, Leonor Aguiar, João de Sousa Lima e Francisco Mignone, por
exemplo, que puderam prosseguir os estudos em centros europeus.
A importância da Villa Kyrial torna-se tanto mais evidente se levarmos em
conta o fato de que São Paulo, apesar de se haver tornado um dos principais
pólos industriais, comerciais e políticos do país, praticamente não contava com
instituições culturais. (...).
Mas a Villa Kyrial também deve ser vista como expressão de uma elite que
pretendia assimilar as mudanças em curso na virada para o século XX e,
simultaneamente, preservar o status e privilégios. Em meio a profundas
metamorfoses, essa elite procurava alimentar um sentimento de continuidade,
mantendo hábitos aristocráticos e reforçando a tradição. Para se legitimar,
espelhava-se na França e na Inglaterra, reconhecidas como paradigmas de
cultura superior na Europa. De lá tomava emprestados valores a serem emitidos
com o objetivo de construir uma imagem de si mesma a mais próxima possível
do original franco-inglês.”10
10
Marcia Camargos. Villa Kyrial: crônica da Belle Époque paulistana. São Paulo: Editora SENAC São
Paulo, 2001, p.16.
93
Marcia Camargos11 realizou o estudo sobre a Villa Kyrial, que foi utilizado na
elaboração da minissérie, especialmente para o período inicial da história e não apenas
no tema das artes. A passagem acima indica algumas características da elite paulistana e
do viver em São Paulo, que foram aproveitadas.
Diversos artistas que passaram pela Villa Kyrial não foram retratados na
minissérie, e alguns dos eventos descritos na narrativa televisiva não estavam na obra
histórica. O livro foi utilizado como fonte de inspiração, referência e para levar ao
conhecimento de um público, supostamente menos esclarecido sobre o assunto,
informações sobre existência da casa e do mecenas das artes.
Outro importante momento artístico do início da minissérie foi a Semana de Arte
Moderna de 1922, que acabou servindo de cenário para um encontro proibido da
Yolanda ficcional e Martim. Não há registro da presença da Yolanda real no evento,
pois era muito jovem, com apenas dezenove anos. De acordo com Antonio Bivar, ela
passou a conviver com os artistas modernistas após a Semana. 12
A Yolanda ficcional foi aos poucos mostrando seu envolvimento com os artistas.
Ela era aluna de Mário de Andrade no conservatório e amiga de Paulo Prado. Porém, ao
nosso entender, a minissérie indicava sua tia, Dona Olívia Guedes Penteado, como a
grande mecenas e amiga dos modernistas. Yolanda, como sobrinha e moça da
sociedade, circulava nos meios e conhecia pessoas, porém só passou a demonstrar um
grande envolvimento com as artes quando uniu-se a Ciccillo Matarazzo.
No período inicial da minissérie, ela se casou com o primo Fernão e tentou
engravidar; salvou crianças baleadas na rua, durante a Revolução de 1924 e continuou
com sua vida aristocrática até 1930, quando a crise do café mudou sua situação
econômica.
A Yolanda real levava uma vida mais tranqüila, de acordo com as suas
memórias. Entre viagens com o marido e encontros com personalidades importantes,
parece que algo muda com o fim do casamento:
“No início de 1934, ficamos seis meses no Rio. Quando voltamos para São
Paulo, senti que havia acabado um período muito bonito de minha vida.
Como tudo é uma questão de tempo, se transforma constantemente, eu e Jayme
nos separamos.
11
De acordo com entrevista de Maria Adelaide Amaral para esta pesquisa, Marcia Camargos foi uma de
suas consultoras.
12
Antonio Bivar. Yolanda, op.cit.,, p.88 a 91.
94
A separação foi difícil, pois continuava a ter pela família Silva Telles, uma
amizade enorme e eles por mim. Esperei sete anos para que Jayme me desse o
desquite.”13
Yolanda e Ciccillo.
Na ficção, Ciccillo e a Yolanda viveram muitos anos entre idas e vindas antes de
oficializarem a união. A ida para a Suíça foi para tratamento de uma doença no
96
pulmão 15, mas rendeu os grandes feitos do casal. Ciccillo começou a presentear Yolanda
com as obras que seriam depois do acervo do MAM. Aí Yolanda começou a se
interessar pelos artistas e investir no trabalho pela cultura, inspirada na vida de sua tia
Olívia.
As etapas de elaboração do MAM e das primeiras exposições da Bienal foram
retratadas na ficção em conversas e alguns acontecimentos. Não foram feitas
reconstituições, exceto para o quadro Guernica, de Picasso, que veio para a II Bienal.
As cenas são narradas por Maria Laura, com fotografias de época, em sua maioria
pertencente ao Arquivo Histórico da Fundação Bienal.
Vários acontecimentos culturais da cidade foram retratados também de maneira
rápida: exposições, grupos de pintores (Santa Helena), grupos de críticos (Revista
Clima), a criação do TBC e da Vera Cruz, com investimento de Ciccillo, entre várias
citações de acontecimentos e personagens da cultura paulista.
Especialmente no período que compreende a última década retratada,
percebemos uma aceleração dos acontecimentos culturais. Muito diferente do começo
da minissérie, que a narrativa era mais lenta e focava mais os aspectos políticos,
econômicos e sociais. Um exemplo disso é que boa parte dos diálogos da peça Tarsila,
de Maria Adelaide, foi aproveitada. As personagens ligadas ao modernismo, também
tiveram suas histórias mais desenvolvidas no início da trama, sendo concluídas as
histórias de Tarsila, Oswald, Anita e Mário, que morre no decorrer da minissérie.
Porém, eles já não pertenciam ao grupo de artistas “de vanguarda”, na época. A
Bienal buscava inovações. Outros acontecimentos culturais ocupavam o lugar deles.
Jovens escritores e críticos surgiram. Até um jovem Antonio Candido ficcional
apareceu na minissérie, evocado pelo Oswald de Andrade ficcional, entre os “chato
boys”.16 Não só ele,mas também Jorge Amado, Lasar Segall, Blaize Cendrás, Flávio de
Carvalho, Villa-Lobos, Geraldo Ferraz, Cacilda Becker, Eliane Lage e muitos outros
apareceram como personagens da ficção. E Tônia Carrero e Paulo Autran apareceram,
interpretando pessoas que comentavam sobre eles no início da carreira.
A minissérie foi uma grande homenagem ao universo cultural da cidade no
período e finalizou com a festa de descasamento de Ciccillo e Yolanda, que serviu para
apresentar os nomes da cultura paulistana, posteriores ao período da minissérie.
15
A doença possivelmente era tuberculose, mas não está dito diretamente na ficção, ou em qualquer das
obras biográficas consultadas, como sugere Antonio Bivar. op.cit p. 213.
16
Maria Adelaide Amaral & Alcides Nogueira. op. cit. – Disco 5
97
Antes dessa festa houve a comemoração do IV Centenário e sua chuva de prata.
Alguns anos depois, houve a doação da coleção de obras do acervo do MAM/SP à
Universidade de São Paulo e a festa de descasamento. Aí finalmente, a Yolanda
ficcional vai viver seu amor por Martim.
A Yolanda Penteado real viveu todo esse período. Por essa razão, podemos
considerá-la uma boa escolha como personagem para conduzir tantos acontecimentos.
Trabalhou muito nesses eventos, viveu como descreveu com Ciccillo e após isso,
resolveu fazer um livro de memórias, contando sua trajetória, que se por um lado pode
fascinar, ao vê-la convivendo com tantas pessoas interessantes, por outro lado leva-nos
ao questionamento: mas será que foi assim mesmo? A maturidade dá tanta serenidade
para contar a sua vida?
Não nos cabe fazer a cobrança de uma reflexão crítica sobre seu papel na
sociedade de então. Seu relato de memórias é válido; é a percepção de uma senhora que
viveu oitenta anos e viu transformações importantes na cidade de São Paulo: de família
aristocrática, viu a decadência do café e o crescimento industrial e urbano; viveu
praticamente todo o século XX e suas grandes personalidades brasileiras e estrangeiras.
E teve a oportunidade de deixar uma obra cultural para a cidade.
Hoje, apesar dos problemas e do questionamento ao trabalho e funcionamento de
instituições culturais como o MAM/SP e a Fundação Bienal, não é possível desmerecer
o valor de ambas. Na prática, não importa a experiência real de Ciccillo e Yolanda, o
fato reconhecido consensualmente é que eles prestaram um serviço para a cidade,
dotando-a de equipamentos culturais inovadores.
98
Imagem não disponível
para internet.
99
2. A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 – ORGULHO DE SER
PAULISTA
17
Maria Adelaide Amaral & Alcides Nogueira. Um só coração. Globo Vídeo, 2004.
100
No conjunto de cenas foram levantados os seguintes temas: o discurso do
narrador (Maria Laura) 18, conversas entre as personagens demonstrando opiniões
diversas sobre a revolução, o desenvolvimento do movimento, a luta nas trincheiras, o
apoio da população, a utilização do avião como arma, as prisões e a conscientização da
derrota.
Como escreveu Holien Gonçalves Bezerra a respeito da literatura sobre o tema:
Não foi nosso objetivo fazer uma discussão historiográfica sobre 32, mas indicar
alguns aspectos da revolução e como eles são tratados na ficção. Um dos mais
relevantes foi a maneira emocional com que o episódio foi tratado, como coloca a
matéria do jornal Folha de S. Paulo sobre o assunto:
“(...). Três ou quatro vezes por semana, bem tarde da noite, a Globo transmite
Um só coração, que nos leva, em certos momentos, a verdadeiras evocações do
tempo em que ser patriota não era vexame nem politicamente incorreto. Bem
tarde da noite, quase sempre sozinhos, sentimos estufar o peito de orgulho de
viver em São Paulo, herdeiros da Revolução Anarquista de 24 (sic) e da
Constitucionalista de 32. Como quem não quer nada, os autores atrelam à fé
revolucionária a possibilidade de inclusão de todos os habitantes desta cidade
que recebe migrantes desde o início do século 20. Em certos momentos, os
patriotas tornam-se torcedores - quando vibram, gritam e constroem estrofes
cadenciadas de enaltecimento à causa. O patriota paulista de Maria Adelaide e
Alcides é um brasileiro. E é para todo o Brasil que clama que seja feita uma
Constituição. Cenas que poderiam ser pueris ganham peso quando recitadas em
paulistês. É o credo religioso que ganha novas palavras: „Creio em São Paulo e
na Constituição...‟. Vibra a corda certa do coração quando outros arremedos de
poesia pátria esbarram com o sagrado.” 20
18
Maria Laura é a narradora da minissérie e no final há uma sugestão de que ela escreva um livro,
contando sua história, da qual participam as personagens importantes da cidade.
19
Holien Gonçalves Bezerra. O jogo do poder: Revolução paulista de 32. São Paulo: Moderna, 1988, p.9
20
Ana Verônica Mautner. “Pátria amada”. Folha de S. Paulo, 18/03/2004, c. Equilíbrio, p.12.
101
“Quando eu vi o Mário Martins cair morto na minha frente, eu descobri que era
paulista. A minha batalha é aqui.”21
A Yolanda da ficção, separada de seu primeiro marido, partiu de São Paulo para
o Rio justamente para discutir seu desquite. Ao encontrá-lo questionou-o por não estar
21
Maria Adelaide Amaral & Alcides Nogueira. Um Só Coração (DVD). Globo Vídeo, 2004. – Disco 4.
22
Yolanda Penteado. Tudo em cor-de-rosa , op. cit., p.107.
102
lutando por São Paulo. E hospedados no mesmo hotel estavam Paulo Prado, sua esposa
e sobrinha, também partidários de São Paulo. Eram muito ligados com a família Guinle,
do Rio, o que é inspirado no relato de Yolanda.
Na articulação entre ficção e história, os autores aproveitaram a rivalidade
ficcional entre Yolanda (paulista) e Gilda (carioca), já que ambas disputavam o amor do
mesmo homem, para demonstrar também a rivalidade política. Em cena na qual estão
reunidos paulistas e outros brasileiros, Gilda acusa São Paulo de querer se separar do
Brasil. Yolanda responde:
Por esta fala, a Yolanda fictícia foi levada à prisão, na qual encontra seu amigo
Assis Chateaubriand.
Um dos momentos mais emocionantes na minissérie foi no início da revolução
quando Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo são mortos. Os quatro estavam
envolvidos com outras personagens, algumas delas centrais, trazendo conseqüências
para o andamento da trama, como foi indicado na fala de Bernardo acima citada.
23
Maria Adelaide Amaral & Alcides Nogueira. op. cit. Disco 4.
103
Numa das cenas de alistamento dos soldados, apareciam os estrangeiros
acolhidos em São Paulo, demonstrando seu comprometimento com a causa. É o que se
percebe no diálogo entre Samir (libanês) e Joaquim (português):
“São Paulo me acolheu, assim como acolheu o senhor. Devo tudo a esta cidade
e a este povo. Estamos cumprindo com o nosso dever, senhor Joaquim.”24
24
Idem.
25
Katia Maria Abud. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições – a construção de um símbolo
paulista: o bandeirante. Tese de Doutorado em História Social. São Paulo: FFLCH/USP (Departamento
de História), 1985, p.185-186.
104
Santos Dumont, horrorizado com o uso de sua criação para matar pessoas, teve
sua morte retratada na minissérie.
Nas trincheiras, os soldados lutaram não só por São Paulo, mas também pela
própria sobrevivência. O entusiasmo inicial foi sendo com o tempo substituído pelo
abatimento, desânimo, a dor da saudade e de ver amigos mortos. Alguns percebem a
inevitável derrota paulista:
“O entusiasmo dos primeiros meses arrefece. Uns poucos querem ainda resistir
e não aceitar o armistício que lhes era oferecido. Gesto de desespero. A elite
paulista vencida apressava-se em rever suas posições. Nos campos de batalhas
ficaram os mortos. Na memória dos homens que participaram da revolução uma
história que fala mais de seus sonhos e suas paixões do que sobre a realidade
que os gerou.”26
26
Emília Viotti da Costa. 1932: imagens contraditórias. São Paulo: Edições Arquivo do Estado de São
Paulo, 1982, p.12.
105
Imagem não disponível
para internet.
106
Imagem não disponível
para internet.
“Para as cenas da guerra de 1932, o que a gente tinha lá eram alguns meninos
que faziam o dublê. Tinham uns meninos que eram de uma turma de dublês
que faziam todas as cenas de explosões, que o cara saía voando, caía e se
arrebentava. Esses indicavam para os atores o manejo de arma, manejo de
espingarda, de revólver, de granada. Essas orientações nós tivemos lá.
...............
As cenas da guerra foram gravadas, todas, em uma fazenda em Minas Gerais,
perto de Juiz de Fora. Acho que a Globo já usou aquela locação para outros
trabalhos. Ali tinha um túnel perto de uma linha de trem, que continua a ser o
túnel da Mantiqueira, que aquele grupo de soldados da revolução estava lá para
defender. Difícil, por exemplo, foi, na cena da morte do Joaquim, todos os
efeitos especiais, de tiros. O Joaquim ia morrer com uma rajada de
metralhadoras, o que dava, acho que doze tiros que ele ia levar. Enquanto a
gente gravava outras cenas, esta equipe de efeitos especiais passou o dia
preparando a roupa, o uniforme do Joaquim... da morte, que era cheio de
explosivos... Eles passaram o dia preparando essa roupa da morte do Joaquim.
Tinha explosivos pela roupa inteira, pela calça... Eu lembro que aquele era o
último dia que eu ia gravar. Eu estava com uma viagem marcada para Santa
Catarina e tinha que gravar antes do pôr do sol de qualquer maneira, em função
da luz. Então, quase às 5 horas da tarde, lá na Serra, começou a baixar a luz
rapidinho e a gente teve que gravar às pressas. Vesti aquela roupa – que era um
uniforme normal, todo preparado – e passavam por dentro da calça os fios dos
explosivos que, todos juntos, davam mais ou menos a grossura de um pulso... E
esses fios todos estavam ligados em um aparelho que fazia explodir, espirrar o
sangue, e tal. Só que, do aparelho até mim a gente tinha um metro e meio de fio.
E a cena era o Joaquim correndo, tomando os tiros e caindo. E a gente não
podia repetir - esse era o grande problema. Eles passaram um dia para preparar
a roupa e iam levar mais umas quatro horas, no mínimo, para preparar uma
outra roupa se fosse o caso de regravar a cena. E só poderíamos fazer no outro
dia porque a luz estava caindo. Então, era um desespero; tinham quase duzentas
pessoas lá e na hora de gravar esta cena foi aquele silêncio geral. O Marcelo
disse: “Vamos lá, vamos lá. Atenção, gravando”. E eu falei: “Marcelo, pára.”
Ele falou: “O que foi?” Eu falei: “Marcelo, eu sei que o sol... mais dois minutos
não tem mais sol. Mas eu preciso de um segundo para me concentrar”. E o
Marcelo foi um anjo. Ele tremia de nervoso, mas falou: “Está bom. Silêncio”.
Olha, a minha responsabilidade: você sozinho, a câmera na sua frente. Duzentas
pessoas em sua volta, todas te olhando, esperando você gravar a cena. Todas em
108
silêncio porque o diretor mandou, o ator pediu que precisava de um segundo
para se concentrar. E era um saco porque eu tinha que vir correndo, tomar os
tiros e cair. Só que não era eu que acionava os explosivos. Era o técnico. Então,
eu tinha que reagir depois dos explosivos, mas com outra dificuldade. Eu não
podia correr porque só tinha um metro e meio de fio. Acho que tinha menos...
Acho que tinha um metro. Eu me lembro que eu podia dar um passo. E no fim
acabou dando tudo certo. Eu falei: “vamos lá”. Dei o passo e o cara explodiu
tudo. Então, teve esta preparação para todos atores que tomaram tiro, como
reagir...
....................
Talvez o Joaquim tenha feito o sucesso que fez pelo fato dele ser o espelho de
boa parte da sociedade, das pessoas que chegaram aqui, e de hoje em dia
mesmo. Hoje a situação do Brasil está complicada. Está complicado você
arrumar emprego. Quer dizer, o desemprego está aí para milhões de pessoas. A
gente vive uma recessão disfarçada. E o Joaquim é aquele cara que acredita que
o trabalho rende, que você, trabalhando, conquista. Mais ou menos como este
slogan do governo: “Sou brasileiro e não desisto nunca.” Mas assim como o
Joaquim, tem muita gente hoje que não consegue emprego e acaba montando a
barraquinha de cachorro quente não sei onde. Gente com diploma... Eu, por
exemplo, quando trabalhava com caminhão, conheci dois caminhoneiros que
eram formados. Um era advogado e o outro era médico. E foram trabalhar na
estrada. O brasileiro tem muito disso. Ele dá jeito, ele precisa sobreviver. O
Joaquim era o arquétipo dessas pessoas que batalham, que acreditam que o
trabalho honesto, com o suor do rosto, vai vir recompensado depois. E a morte
dele, da forma que foi feita, dando esta conotação heróica, épica, demonstra
também a questão dos princípios. Eu lembro da cena: ele vai porque vê um
companheiro sendo metralhado e fala “eu vou buscar o cara”. Ele era humano.
Ele era bom. E as pessoas torcem pelos mocinhos. É uma pena que a grande
maioria não seja como ele. Se a grande maioria fosse como ele, a gente – o
Brasil – estaria infinitamente melhor.27
27
Entrevista concedida pelo ator Renato Scarpin para esta pesquisa.
109
Não tivemos como objetivo esgotar a minissérie Um Só Coração, já que a
mesma é muito extensa e possui diversas possibilidades de estudo. Procuramos aqui
indicar alguns aspectos da construção de sua ficção, porém atentamos que ela constitui
uma obra mais complexa metodologicamente para análise do que foi A Muralha, seja
pela sua extensão de horas em DVD, longo período narrado (trinta e dois anos), ou pela
quantidade de assuntos e personagens nela retratados.
3. OUTROS TEMAS
POLÍTICA:
Getúlio Vargas – Revolução de 30, Revolução de 32 e Estado Novo
Anarquismo
Comunismo
II Guerra Mundial
República do café-com-leite
Coluna Prestes
Partidos políticos
Integralismo
Movimentos nazi-fascistas na Europa
ECONOMIA:
Algodão
Crise do café
Industrialização
Comércio
Transportes
Urbanização
110
CULTURA:
Música
Moda
Grupo Diários Associados
Modernismo e modernistas
Aviação
Cinema
Teatro
Pintura
Crítica literária
Artes Plásticas
Arquitetura
SOCIEDADE:
Moralidade
Condição feminina
Prostituição
Diferenças entre classes sociais
Saúde
Imigração
Migração
Famílias tradicionais paulistas
111
CAPÍTULO V - OS PRODUTORES
1
Nosso entendimento de coletivo se dá em função do envolvimento de diversos profissionais para realizar
uma novela, ou minissérie. Porém, vemos que esse tipo de produção cultural se realiza dentro de um
112
adquirir produção no mercado sem ter que se envolver diretamente na produção, o que
ainda hoje não é claramente captado pela audiência no país.
No Brasil, a empresa de comunicação que produz e emite teledramaturgia em
grande quantidade, mantendo até quatro produções de tipos diversos, em horários
diferentes, é a Rede Globo.
Em nossos dias já enfrenta a concorrência de outras emissoras, que também têm
como objetivo alcançar maior audiência e melhor retorno financeiro de seus
investimentos.
1. AS ORGANIZAÇÕES GLOBO
A Rede Globo de Televisão é uma das inúmeras empresas que fazem parte das
chamadas Organizações Globo. Incluem-se entre as empresas das Organizações Globo,
além do setor de mídia, “...fábricas de móveis e de microeletrônica até fazendas de gado
na Amazônia. (...).”2
3
De acordo com o portal www.globo.com , podemos encontrar diversas
empresas relacionadas aos setores de mídia e comunicação das Organizações Globo. Em
relação à mídia impressa, encontramos dois jornais de grande circulação, O Globo e
Diário de São Paulo, e a Editora Globo 4, que é responsável pela publicação de inúmeras
revistas como o semanário Época, a revista Quem (especializada em celebridades), as
femininas Marie Claire e Criativa, a científica Galileu, além de Globo Rural, Pequenas
Empresas & Grandes Negócios, Crescer, Autoesporte, Casa & Jardim e vários títulos
infantis.
Dentro do Sistema Globo de Rádio estão as rádios Globo, CBN e 98 FM. No
segmento musical, há a gravadora Som Livre, que vende no mercado as trilhas sonoras
dos programas da emissora.
esquema de produção industrial, gerenciado pela empresa produtora, que orienta as ações dos diversos
profissionais envolvidos.
2
João Olavo de Donato. O capital estrangeiro e as empresas de teledifusão brasileiras: o caso da Rede
Globo e PGQ – Padrão Globo de Qualidade. Tese de Doutorado em História Econômica. São Paulo:
FFLCH/USP (Departamento de História), 2002, p. 144.
3
Ver www.globo.com
4
“Em 1986, a então Rio Gráfica Editora, fundada em 1957, incorporou a Editora Globo, de Porto Alegre.
A partir daí além das revistas, passou a editar livros e fascículos e assumiu o nome de Editora Globo.
Com a reorganização pela qual passou em 1989, a Editora Globo evoluiu para se tornar a segunda maior
do país”, cf. Quem somos, in http://editoraglobo.globo.com/
113
Atualmente, há a Globo Filmes, que é o segmento responsável por investimentos
no cinema. Os profissionais da emissora são aproveitados para fazer filmes, que atraem
público pela participação de atores e diretores conhecidos.
A Globo também expande sua programação na TV por assinatura, através das
empresas Globosat, Net e Sky, que transmitem os canais Globo News, GNT, e o
educativo Futura, entre outros. A Net também atua na internet com o provedor Net
Virtua.
O portal www.globo.com hospeda vários sites das empresas das Organizações
Globo. Apresenta conteúdo diário de informação sobre política, economia, cultura,
esportes e personalidades, outros sites institucionais, como o da Fundação Bienal de São
Paulo, e de projetos sociais.
Dentro das Organizações Globo há também instituições e projetos direcionados
ao interesse público e social. É o caso da Fundação Roberto Marinho, que atualmente
colabora, entre outros, com o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.
Esse enorme grupo empresarial teve início com o jornal O Globo, herdado do
pai pelo jornalista Roberto Marinho, aos 20 anos, em 1925. O jornal tinha acabado de
ser fundado quando o pai do jornalista morreu. Marinho esperou seis anos para assumi-
lo. Apesar de ser o herdeiro, indicou um diretor, pois não se sentia em condições de se
responsabilizar pela redação no momento. Durante anos ele se dedicou a consolidar o
jornal e, em 1944, fundou a Rádio Globo. O próximo passo era a televisão e, a partir
dela, o surgimento de inúmeras possibilidades de expansão.
O que poderia ser apenas uma empresa jornalística familiar, como tantas outras
no país, foi se transformando em uma grande empresa de comunicação, administrada
por profissionais, embora membros da família Marinho ainda tenham algumas funções
administrativas.
A transformação da empresa jornalística familiar em uma empresa de
comunicação teve como ponto de partida a obtenção de direito de uso de um canal de
televisão.
2. A EMISSORA DE TELEVISÃO
114
consta em depoimento de Roberto Marinho para Olavo Donato 5 e, com mais
informações, em relato de Pedro Bial:
“TV Globo. Pouca gente sabe, mas uma das histórias mais espetaculares da
televisão mundial já tinha começado naqueles idos de 1950. Em 9 de janeiro de
1951, a Rádio Globo encaminhara oficialmente ao governo Dutra o pedido de
concessão de um canal de TV. (...).No dia 13 de março de 1951, Getúlio já
empossado, o requerimento foi aprovado pelo governo. Dois anos depois, em
janeiro de 1953, o presidente Vargas voltou atrás e revogou a concessão da TV
Globo. Juscelino Kubitschek, em 1957, devolveria o direito de Roberto Marinho
fazer a sua televisão. A segunda concessão para um canal em Brasília, foi
outorgada por João Goulart. Todos os outros canais, que viriam a formar a Rede
Globo, foram comprados mesmo, o Estado não deu mais nada. (...).”6
“(...). Mas o acordo de cooperação técnica era interessante para ambas as partes,
os advogados do Time-Life – José Nabuco e Sérgio Ckermont, e o da TV Globo
– Luís Gonzaga do Nascimento e Silva, conseguiram conceber um artifício
jurídico pelo qual o Time-Life tornava-se proprietário do prédio onde se
instalara O Globo e como forma de pagamento de aluguel receberia 3,5% do
faturamento e 49% do lucro da emissora. O contrato de assistência técnica foi
assinado em 24 de julho de 1962 e o de arrendamento da sede da emissora, em
15 de janeiro de 1965. (...).”9
5
João Olavo de Donato. op.cit., p.145-146.
6
Pedro Bial. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p.178-179.
7
Sérgio Mattos. A televisão no Brasil: 50 anos de história (1950-2000). Salvador: Editora PAS; Edições
Ianamá, 2000, p. 109-111.
8
Em 2002, Daniel Castro e Laura Mattos publicaram matéria na Folha de S. Paulo sobre a aprovação no
Congresso de uma emenda constitucional que liberava a entrada de investimentos estrangeiros na mídia.
As dificuldades para que isso acontecesse eram: a regulamentação para detalhar as regras para os acordos
com sócios estrangeiros; a situação econômica do país na época; a estrutura familiar e problemas judiciais
de algumas TVs. O primeiro passo estava sendo dado ao liberar a participação de pessoas jurídicas na
mídia. Até então as empresas de comunicação só podiam estar registradas em nome de pessoas físicas. A
Globo anunciou em 19 de junho de 2002 a sua transformação em empresa de capital aberto. Daniel
Castro e Laura Mattos. Sociedade anônima. Folha de S. Paulo, 21/06/2002, c. Ilustrada, p. E1.
9
João Olavo de Donato. op.cit., p. 147.
115
A Time-Life se desligou da Globo em 1969. 10
A programação foi, a princípio, direcionada às camadas sócio-econômicas de
menor poder aquisitivo, assegurando à emissora larga audiência, no final dos anos
sessenta. Nos anos setenta, alcançou grande desenvolvimento, apostando em estratégias
comerciais tais como a criação um departamento de pesquisa e análise, a adequação de
programas a diferentes gostos e padrões culturais, e o planejamento do uso de
publicidade em seus programas. 11 Outro elemento de transformação foi a nacionalização
de sua programação 12 e o início do chamado “Padrão Globo de Qualidade”. A emissora
preocupou-se com a melhora na qualidade técnica e no conteúdo dos programas.
Na mesma época, a emissora entrou no mercado internacional, ganhando
prêmios, como o prêmio “Salute”, em 1979, oferecido pela Academia Nacional de Artes
e Ciências da Televisão, dos Estados Unidos, e exportando produções. No mesmo ano,
já exportava programas para mais de noventa países, sendo a novela O Bem Amado
(1973), a primeira produção televisiva a obter expressiva receptividade no exterior. 13
Sérgio Mattos afirma que, na época do governo militar, a emissora foi
favorecida:
“Sem dúvidas, o governo foi a mais importante força motriz por trás do
desenvolvimento da indústria televisiva brasileira, especialmente da TV Globo
(criada depois do golpe de 64). Ao criar facilidades nas telecomunicações, tais
como as redes de microondas, o cabo coaxial, os satélites e a televisão a cor, o
regime militar brasileiro contribuiu para o desenvolvimento técnico da
televisão, utilizando-a para promover os ideais do regime. Os governos do
período 1964-1985, com suas políticas protecionistas, afetaram o
desenvolvimento da indústria publicitária no país e, em conseqüência, também
da televisão.”14
10
Idem., p.148.
11
Sérgio Mattos. op. cit., p.109-111.
12
Nos anos cinqüenta e sessenta, a programação da televisão apresentava muitos programas de origem
estrangeira, os chamados “enlatados”.
13
Sérgio Mattos. op. cit., p.123 a 125.
14
Idem., p.132-133.
116
manifestação em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984, mesclando o pedido por eleições
diretas e o aniversário da cidade; e o apoio da emissora à candidatura de Fernando
Collor de Mello, e, depois, ao seu impedimento. 15
Na área da teledramaturgia, a emissora Globo absorveu reconhecidos nomes do
teatro e do cinema, autores, diretores e atores, além de todos os outros profissionais
especializados em produção audiovisual. Esses profissionais, muitas vezes vigiados pelo
regime, pois eram considerados suspeitos de serem portadores de idéias subversivas,
e/ou membros de partidos políticos ilegais, acabaram trabalhando em uma emissora que
servia de porta-voz ao regime militar.
Contudo, mesmo como a emissora preferida do regime, como todos os veículos
de comunicação, também esteve sob vigilância e sofreu com a censura. Como era
prática obrigatória naquele tempo, todas as produções eram submetidas à censura prévia
e muitas cenas de novelas foram cortadas. O caso mais drástico enfrentado pela
emissora foi o da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, que teve sua primeira versão
censurada em 1975. 16
Apesar da censura, tal período tem sido considerado como o mais fecundo da
teledramaturgia brasileira. Segundo os autores especializados, o chamado “modelo
mexicano” na produção da teledramaturgia foi abandonado e firmou-se uma produção
com características nacionais, com originalidade de textos e maior realismo.
A partir de 2000, a emissora lançou alguns produtos no mercado com intuito de
apresentar sua história e demonstrar a importância que considera ter para a cultura
nacional. Entre eles, destacamos o Dicionário da TV Globo-vol.1: programas de
dramaturgia e entretenimento, que contém os dados e informações sobre a produção da
emissora desde o início de suas atividades.
Na apresentação da publicação, o diretor da Central Globo de Comunicação,
Luís Erlanger, faz a seguinte colocação:
15
Leandro Narloch . A voz do Brasil. Super Interessante, São Paulo: Abril, edição 214, jun./2005, p.55.
16
Dicionário da TV Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento (Projeto Memória das
Organizações Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p.142. Sobre a censura à primeira versão de
Roque Santeiro, com documentos, capítulos censurados e depoimentos de atores ver: Maria Fernanda
Almeida. A novela proibida. Revista Contigo, São Paulo: Abril, 01/09/2005, edição 1563, p. 94-101.
117
suas características, a Rede Globo assume um papel de importância indiscutível
nesse processo..."17
Em sua versão do passado, a emissora, que afirma ter sido cerceada pelo regime
militar no jornalismo, declara que a dramaturgia serviu de espaço para a crítica:
A idéia de que a Globo (ou, em especial, a sua produção de novelas) seja fator
de integração nacional, encontra respaldo em alguns estudos sobre a televisão.
Dominique Wolton, por exemplo, faz as seguintes colocações:
17
Luis Erlanger. Apresentação. Dicionário da TV Globo, op.cit., p.ix.
18
Idem.
19
Dominique Wolton. Elogio do grande público; uma teoria crítica da televisão. São Paulo: Ática, 1996,
p.159-160.
118
forma inscrito na identidade e no sonho nacional, que, segundo as épocas, ele é
reflexo de todas as histórias.”20
20
Idem., p.164.
21
Idem, p.16.
22
Esther Hamburger. O Brasil antenado: A sociedade da novela. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005,
p. 118.
119
importância está mais no alcance de sua produção, visto que é a emissora líder de
audiência, e por investir de modo sistemático para se manter na posição.
Quanto à qualidade ou ao conteúdo de seus produtos, vemos neles grande
variação: há produtos destinados a todas as faixas de público consumidor, desde o que
se satisfaz com produção cultural popular quase que caricatural e próxima do humor
circense, até produtos experimentais, com a introdução de técnicas sofisticadas de tipo
cinematográfico ou teatral, produtos de vanguarda, destinados a público mais
sofisticado e restrito. Em quase todos os produtos, há o cuidado com a linguagem
televisiva e a preocupação em acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos. Por outro
lado, a preocupação com a audiência, que deve ser sempre mantida ou ampliada em
relação aos produtos anteriores, acaba sendo um elemento de limitação de inovações,
pois deve atender a critérios morais e/ou preconceitos sociais, que podem ser arcaicos
ou conservadores. Como exemplo disso, citamos a polêmica causada com os
depoimentos no final de Páginas da Vida, que passaram a ter um controle e edição mais
rigorosos, após criarem polêmicas com seus conteúdos espontâneos. É também o que
leva a emissora a organizar um manual com princípios e normas para novelas e
telejornais, visando manter a qualidade de sua programação. 23
23
Daniel Castro. Globo terá manual para novelas e jornais. Folha de S. Paulo, 25/08/2006, caderno
Ilustrada, p.E10.
120
financiada, possibilitando a formação de um mercado independente da produção das
emissoras de sinal aberto. 24
3. AUTOR/AUTORES
É reconhecido em nossos dias que, ao realizar uma obra de arte, qualquer que
seja a forma de expressão artística ou literária, o artista age intuitivamente, nem sempre
tendo plena consciência dos pontos em comum que elas podem apresentar. O artista
retrata elementos de seu próprio universo e de suas experiências e vivências,
reelaboradas e redimensionadas. A proposta analítica que vê a obra de arte como um
mero reflexo da sociedade, tão presente no século passado, em nossos dias não tem a
adesão total dos teóricos, que sempre tentam observar o universo pessoal e
intransferível do artista.
E, por extensão, a mesma perspectiva deve ser aplicada ao autor/autores de
teledramaturgia. As descrições que faremos deles têm a finalidade de servir de ponto de
apoio para as conclusões da pesquisa que ora apresentamos.
A autoria de uma produção televisiva é coletiva, mas as etapas de produção são
assumidas por diversos indivíduos.
Neste item vamos apresentar os autores dos roteiros e seus colaboradores.
Embora a própria divulgação da emissora atribua a determinados indivíduos a autoria do
roteiro, sempre aparecem os colaboradores. A novela de Y é na verdade a novela de Y,
e J e até mesmo W. 25
O fato da produção da teledramaturgia ser complexa, exigindo grande número de
personagens, em trama romanesca, realizada em tempo acelerado, envolve inúmeros
aspectos de estruturação que na prática cotidiana obrigam o exercício da autoria a ser
compartilhado. O compartilhamento da atividade autoral favorece a emissora também,
porque possibilita a formação e o treinamento em campo de outros autores, que, por sua
vez, ao se tornarem os autores principais de novela, permitirão a outros seguirem a
mesma trajetória, garantindo a continuidade de um padrão de trabalho, que foi
desenvolvido através dos anos e de muitas produções.
24
São exemplos dessas produções as séries Mandrake e Filhos do Carnaval, produzidas pelo canal HBO
e Avassaladoras, que antes de ser exibida na TV aberta pela Record, começou a ser exibida pelo canal
Fox.
25
Sobre a questão de autoria em telenovela ver Lisandro Nogueira. O autor na televisão. Goiânia: Ed. da
UFG; São Paulo: EDUSP, 2002.
121
A trajetória de Maria Adelaide Amaral, autora das minisséries de caráter
histórico que escolhemos para analisar, é, de certo modo, exemplar do processo de
formação de autor de teledramaturgia no país.
A autora citada começou sua carreira na televisão como colaboradora de
Cassiano Gabus Mendes, em 1990, na novela Meu Bem, Meu Mal. Desde então, não
parou de produzir para a TV. Antes de Meu Bem, Meu Mal, teve uma experiência de
estepe (sic) de Lauro César Muniz, em 1979, ajudando-o com a novela Os Gigantes.26
Depois, atuou como colaboradora de Sílvio de Abreu nas novelas Deus nos Acuda
(1992) e A Próxima Vítima (1995), e de Marcílio Moraes em Sonho Meu (1994), sempre
na Rede Globo. A primeira telenovela em que foi responsável pela autoria foi o remake
de Anjo Mau, em 1997. Trabalhou também como autora em seis episódios do seriado
Mulher e, desde 2000, dedica-se às minisséries históricas, consagrando-se como autora
no formato e no horário. Além de sua obra para televisão, possui carreira autônoma
como autora de peças teatrais e literárias. Na sua obra para o teatro estão peças como A
Resistência; Bodas de Papel; Chiquinha Gonzaga, ó Abre Alas; De Braços Abertos;
Querida Mamãe; Tarsila, Mademoiselle Chanel, entre outras e adaptações como
Electra, Uma Relação tão delicada e O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Na literatura,
escreveu Luísa, Quase uma História de Amor, Aos Meus Amigos e O Bruxo.
26
Na função de estepe ela deveria assumir a novela caso o autor necessitasse de substituição, em caso de
doença, que foi o que aconteceu. In: Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral: a emoção libertária. São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Cultura: Fundação Padre Anchieta, 2005, p.155-156.
122
Podemos verificar que o universo cultural da cidade foi retomado em Um Só
Coração, já que o objetivo da autora e de seu parceiro, Alcides Nogueira, era contar a
história da cidade do ponto de vista da cultura.
O gosto pela história e pela literatura aparece em outras produções como A
Muralha, inspirada no romance de Dinah Silveira de Queiroz; Os Maias, baseada em
obras de Eça de Queiroz, e, em A Casa das Sete Mulheres, inspirada na obra de Letícia
Wierzchowski.
As obras de teledramaturgia Um Só Coração e JK são textos originais, com
profunda pesquisa histórica.
Segundo a autora, sua paixão pelos livros e pela História começou na infância:
“Gosto muito desse tipo de minissérie de época, desse filão com muitas
possibilidades, que une a história real com a ficção, personagens reais e
inventados, gosto muito de fazer e acho que faço bem. É freqüente cruzar com
pessoas na rua que me perguntam: „Então, sobre o que vai tratar a sua próxima
minissérie?‟ Ou a gente que me diz: „Aprendi tanto sobre a Revolução de 32‟,
ou: „Aprendo tanto com as suas minisséries‟. E constato que tenho um público
que espera que as minhas minisséries lhe ensinem alguma coisa.”28
27
Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral: a emoção libertária, op. cit., p.26-27.
28
Idem, p.267
123
sofreu na Abril. 29 Mesmo começando atuar como dramaturga, ainda continuou
trabalhando na Abril. Quanto a sua formação, bacharelou-se em jornalismo pela Cásper
Líbero, mas antes chegou a cursar por um tempo Ciências Sociais na USP.
Entre seus colaboradores mais constantes estão João Emanuel Carneiro e Vicent
Villari, com os quais trabalhou em A Muralha.
João Emanuel foi roteirista de Central do Brasil e também colaborador de Maria
Adelaide em Os Maias, respondendo pela parte de A Relíquia. Atualmente, é
considerado um dos autores mais promissores da emissora. Escreveu recentemente
Cobras & Lagartos, novela “das sete”, que melhorou os índices de audiência do
horário, que estavam baixos para o padrão da emissora. Também no mesmo horário, foi
autor de Da Cor do Pecado (2004), considerada um grande sucesso. É autor de vários
roteiros de cinema.
Outro colaborador é Vicent Villari, que a acompanhou também em Anjo Mau,
Os Maias e A Casa das Sete Mulheres. Atualmente, trabalha como colaborador de João
Emanuel em Cobras & Lagartos. Também foi colaborador em Da Cor do Pecado.
Alcides Nogueira é autor do texto de Um Só Coração com Maria Adelaide.
Alcides e Maria Adelaide se conheciam de trabalhos realizados com Silvio de Abreu.
Natural de Botucatu, em São Paulo, estudou na Faculdade de Direito do Largo São
Francisco. Descende de família bandeirante, e seu pai lutou na Revolução de 1932, o
que foi muito importante para o autor ao escrever Um Só Coração:
“Escrever Um Só Coração foi, para mim, fazer uma viagem proustiana, uma
coisa complexa de um lado e fascinante de outro, porque eu tive de rever
valores e ao mesmo tempo entender, não mais criticar, mas tentar aprender ou
introjetar, valores que perduraram durante muito tempo na minha família. Eu
ouvia e criticava. Mas tive de entender esses valores como parte da memória
que eu tenho de toda uma brasilidade, não apenas minha. E muito
especificamente de São Paulo. Por exemplo, durante muito tempo eu tive uma
postura dura em relação à Revolução de 1932. Eu não entendi o sentimento que
permeava esse movimento. Passei anos com a opinião de que havia sido um
movimento reacionário e não uma revolução. Eu achava que se lutava por uma
constituição retrógrada. Os valores não atendiam mais reivindicações sociais, e
eu não tinha entendido que havia sido um grande movimento de massa, o único
verdadeiramente homogêneo: ele reuniu desde a aristocracia até as classe
operárias em torno de um ideal, a constitucionalização do país. Isso é muito
sério.
..........
29
Idem, p. 69-76.
124
Hoje eu vejo que a Revolução de 32 coloca essa questão [discussão da ordem
social] de modo mais contundente do que a Revolução de 30. Além de tudo,
eivada de emoção. Não é um movimento cerebral, esquematizado nos salões,
nos escritórios e nos jornais. Ele extrapola os centros do Poder (sic), e se espraia
pelas cidade do Interior (sic), pelo campo, tomando todo o Estado de São Paulo,
há uma comoção.
Tudo isso estava explícito quando mostramos a batalha do túnel na minissérie
com todos os componentes cantando e lutando sem armamento, e cheios de
fervor. O lema era não só Tudo por São Paulo, era Tudo pelo Brasil. A vontade
era de mudar o País (sic), que Getúlio Vargas nos desse a Constituição e que
houvesse uma ordem social mais justa.”30
“Quem trabalha com núcleos é o pessoal que faz telenovela. Eu não faço isto.
Tenho um controle absoluto sobre todos os núcleos quer esteja assinando a
minissérie sozinha ou acompanhada. Quem vier trabalhar comigo já sabe disso.
Essa lição aprendi com o meu mestre Silvio de Abreu.
30
Tuna Dwek, Alcides Nogueira: Alma de cetim. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004, p.15 a 18.
125
Eu faço a escaleta, que é o roteiro de um capítulo, cena a cena. Cada cena, onde
será, qual locação, quais os personagens que estarão e qual será o assunto
mencionado. Aí eu distribuo as cenas de acordo com o perfil de cada
colaborador meu. Especialidade ou perfil. Eles escrevem as cenas e mandam
para mim. E eu faço a edição. Junto com as outras cenas já escritas, coloco na
seqüência, organizo, corto o que precisar ser cortado e faço a edição final. Aí eu
mando o capítulo para o consultor. Ele devolve com as suas observações. Aí
corrijo o que tiver que ser corrigido, e mando para a revisão que pode ser feita
pela Carmem Righetto ou por um colaborador mais atento. Eu deixo passar
muita coisa: palavras com erros de digitação ou ortografia. Eu mesma cometo
erros ortográficos. Depois do capítulo revisado envio para a Globo.
.......
No caso de Um Só Coração, o que eu costumo fazer é o seguinte: Eu escaleto,
eu divido, discuto muito com o Alcides a questão da seqüência da trama. E
quando termino a edição do capítulo, envio para ele antes de enviar para o
consultor. Muitas vezes acontece dele também fazer a escaleta e a edição
final.”31
“(...). Quando se escreve para teatro ou para televisão, seu texto será
intermediado pela concepção do diretor, pela interpretação dos atores e, no caso
da TV, até pelo editor, que é quem faz, por assim dizer, a arte-final da
minissérie ou da novela que vai para o ar. Ou seja, o texto que a gente escreve
pode ser transformado, melhorado, deformado, ou engrandecido por outros
profissionais. Porque uma peça de teatro e uma obra teledramatúrgica não
pertencem apenas ao autor do texto. Como a dança, a música e o cinema, são
artes coletivas.” 32
Da mesma maneira que a emissora tem uma idéia do seu papel na cultura e
identidade nacional, a autora faz a seguinte colocação em sua biografia:
31
Entrevista concedida pela autora Maria Adelaide Amaral para esta pesquisa.
32
Tuna Dwek. Maria Adelaide Amaral: a emoção libertária, op. cit. p. 121.
33
Idem, p. 267.
126
ninguém faz idéia. O resgate do orgulho gaúcho. As pessoas voltaram a usar
lenço vermelho, houve afluxo absurdo de turismo para o Rio Grande do Sul.
Quer dizer, voltaram a usar os símbolos deles, que na verdade são símbolos de
identidade.
Em São Paulo, eu já te falei do afluxo a museus e de gente que, muito
especificamente, entrava no MAC na Cidade Universitária e dizia: “eu quero
ver o auto-retrato do Modigliani”, a obra que o Ciccillo deu para a Yolanda em
Roma e hoje está no MAC. Atualmente há uma comoção em Minas Gerais. As
pessoas me ligam e dizem: “a gente fica muito emocionado com o JK”. As
pessoas ficam muito tocadas. Por isso o produto teledramatúrgico minissérie é
tão eficiente: ela te pega pela emoção. Eu percebo pelos resultados o quanto é
importante. E, na verdade, esta audiência enorme que nós temos, apesar do
horário, ela tem a ver com essa vontade do povo de se ver, de se reconhecer. O
público tem uma grande necessidade de se conhecer, de conhecer a sua
história.” 34
4. ATORES
34
Entrevista concedida pela autora Maria Adelaide Amaral para esta pesquisa.
127
necessitando de isolamento, como qualquer escritor. Já o ator aparece enquanto
personagem da trama e enquanto personagem de sua própria vida, explorada pela
mídia. Há atores que conseguem projeção por sua vida pessoal, mais do que por
personagens interpretadas ou qualidades artísticas. É comum mesmo que atores-
celebridades sejam escalados por serem figuras de destaque na mídia.
Devemos destacar que há uma grande quantidade de atores, que procuram
preservar a sua vida pessoal do olhar onipresente da imprensa. Há uma imprensa
especializada em acompanhar a produção da teledramaturgia que nem sempre respeita a
privacidade de seus objetos de atenção.
Quanto à seleção de atores para as produções, sabemos que há autores que
escrevem personagens pensando nos intérpretes. Outros, escrevem primeiro e depois
decidem, juntamente com a direção, os intérpretes das personagens, selecionando entre
antigos ou novos parceiros de trabalho.
Sobre a escolha de elenco para suas produções, Maria Adelaide declara:
“….. Só papéis secundários. Por exemplo, o pai do Davi, aquele judeu velho. Eu
escrevi para o Sérgio Viotti...”36
“…Eu, por exemplo, adoro a Ana Paula Arósio, adoro a Letícia Sabatella.
Ganhou a festa. Gosto muito do Tiago Lacerda. Ele fez um esplêndido
Garibaldi. Gosto muito do Mello (Luís). Adoro o Tarcisão (Tarcísio Meira).
Adoro com todas as forças do meu coração a Cássia Kiss. O Calone (Antonio),
a Alessandra Negrini. Paixão. Gosto muito da Deborah Evelyn, da Maria Luisa
Mendonça. Adoro o Mauro Mendonça. Nas minhas minisséries sempre tem o
Sérgio Viotti, Ariclê Peres, Mila Moreira, que são heranças do Cassiano Gabus
35
Entrevista concedida pela autora Maria Adelaide Amaral para esta pesquisa.
36
Idem.
128
Mendes. Deixa eu ver quem mais, quais são os atores que eu gosto. É tanta
gente boa que é muito difícil. É gente muito boa, é muito difícil. Eliane
Giardini, eu amo de paixão. Fábio Assunção, Walmor Chagas, de Os Maias.
Esse menino, o Dan, (Stulbach), está fazendo um grande trabalho. Ele começou
em Os Maias fazendo o Craft, que era um personagem secundário. Adoro o
Osmar Prado, tudo que ele faz é muito bom. Fez um Alencar em Os Maias
maravilhoso. Olha, é difícil.” 37
Embora a autora declare que não faz a escolha previamente, mantém o direito de
opinar e vetar. E mesmo sem escrever especificamente personagens para determinados
atores, acaba tendo um grupo deles repetidas vezes atuando em suas obras.
Exemplificamos com alguns atores presentes em A Muralha e Um Só Coração: Letícia
Sabatella, Celso Frateschi, Leandra Leal, Maria Luisa Mendonça, Mauro Mendonça,
Pedro Paulo Rangel, Tarcísio Meira, Paulo José. Alguns nomes estão em uma dessas
produções e em outras da autora, como por exemplo, Ana Paula Arósio, Camila
Morgado, José Wilker, Luís Melo, Débora Falabella, Alessandra Negrini, entre tantos
outros.
“Eu acho que A Muralha é um projeto em que a gente foi surpreendida pelo
espírito dos bandeirantes. O ineditismo. A gente tinha a sensação de estar
37
Idem.
38
Idem.
39
Maria Adelaide Amaral. A Muralha (DVD). Globo Vídeo, 2002. – Disco 1.
129
desbravando uma história de um período tão obscuro da história do Brasil.
Então, eu acho que esse espírito, ele permeia praticamente todo o tempo em que
se trabalhou nessa minissérie, A Muralha. (...).Eu acho muito importante essa
proximidade entre literatura e teledramaturgia, e, também contar uma história da
gente.(...)”(Vera Holtz/Mãe Cândida)
“Foi feito com muito amor. Foi feito com muita paixão...Paixão pelos
personagens. Paixão...Paixão pelo Brasil. Paixão pela história do nosso país. A
gente tinha essa responsabilidade de contar com a máxima verdade aquele
caminho percorrido pelos primeiros brasileiros.(...). Foi lindo. Foi lindo
trabalhar com os xavantes. Foi lindo ver aquela força daquele povo. Aquele
orgulho que os xavantes têm de si próprios. Eu falei: „Isso a gente precisa.‟ Isso
a minha personagem foi buscar e foi buscar com eles, lá, com os índios. Foram
os índios que ensinaram isso. E eu acho que isso é uma lição que todo brasileiro
devia aprender. Ter esse orgulho de ser quem se é. E o índio tem isso. Isso foi
muito bacana.” (Alessandra Negrini/Isabel)
“A Muralha foi uma minissérie que nos marcou a todos, que assistimos, que
vimos, porque retratou um Brasil e uma situação social de um Brasil, de uma
época que, eu acho, até então a gente não tinha visto de forma tão bem
elaborada. Com arte, com condições de ser realizada. Porque era uma minissérie
difícil. A gente teve povos indígenas brasileiros que contribuíram para a
minissérie. (...)”. (Letícia Sabatella/Ana)
“Gostei de ter feito A Muralha por várias razões. Uma delas é a adaptação de
Maria Adelaide Amaral. O romance de Dinah Silveira de Queiroz foi escrito por
ocasião do IV Centenário de São Paulo. Então, era, de certa maneira, uma
louvação ao espírito empreendedor do bandeirante, pioneiro, formador dessa
nação, que entra para o interior, com todo sacrifício e constrói este país que é o
Brasil.(...).”(Paulo José/Padre Simão)
Nos depoimentos, todos os atores são entusiastas do projeto e de como ele pode
revelar a história do Brasil. Percebemos nas falas que a visão de história contida na
minissérie assume o status de uma “história real”. A questão de resgate de orgulho
nacional, do patriotismo, está presente em todas as falas, de maneira direta ou implícita.
Há uma preocupação em resgatar a história dos primeiros brasileiros, e sabendo que a
minissérie foi escrita em comemoração aos 500 Anos do Descobrimento do Brasil,
podemos concluir que, para os atores, a história que produziram era a história do Brasil.
Não há para eles a referência do isolamento de São Paulo e de características próprias
nesse período, o que nos leva a entender que, para eles, São Paulo era o Brasil.
Esses depoimentos foram feitos especialmente para a edição em DVD da
minissérie A Muralha, que foi lançada dois anos depois da exibição. Um Só Coração
130
teve a edição em DVD40 lançada no mesmo ano de exibição e não contou com
depoimentos especiais para isso. Foram aproveitadas as matérias do programa Vídeo
Show sobre a minissérie, não constando depoimento ou entrevista de atores que pudesse
refletir uma visão de história, especialmente de São Paulo. Os depoimentos estão muito
centrados nos aspectos psicológicos das personagens. O máximo que é feito em termos
de aproximação histórica é mostrar a visita de alguns atores aos lugares em que suas
personagens viveram.
Em todos os casos acima citados, os depoimentos foram feitos para propaganda
da produção pela emissora, com o objetivo de promoção.
40
Maria Adelaide Amaral & Alcides Nogueira. Um Só Coração (DVD). Globo Vídeo, 2004 – Disco 6.
41
Entrevista concedida pelo ator Renato Scapin para esta pesquisa.
131
dos atores acaba sendo um processo bastante individualizado, mesmo quando há a
possibilidade de workshops e encontros com os autores.
Na minissérie há cuidados com a atuação, havendo uma preparação maior para
cenas através de ensaios. As personagens são mais definidas, mas há possibilidades de
alterações, por variados motivos.
Nosso objetivo nesta entrevista foi coletar informações que nos pudessem ajudar
a entender aspectos do processo de produção e o preparo dos atores dentro dele.
5. DIRETORES
132
visuais, sonoros, etc. Também há os diretores gerais, que são os diretores de fato da
produção, os diretores, assistentes de direção, produtores, diretores artísticos, diretores
musicais etc. O diretor de núcleo pode ou não estar envolvido na direção de fato da
produção. Dependendo de outras produções sob sua responsabilidade, ou solicitações da
emissora, acompanha o processo de outra maneira. Um exemplo é o diretor Ricardo
Waddington que até recentemente tinha três produções sob a responsabilidade de seu
núcleo: Sinhá Moça, que tinha como diretor geral Rogério Gomes, Malhação, que tem
Roberto Vaz nessa função, enquanto ele se dedica às primeiras gravações de Pé na
Jaca, a próxima “novela das sete”.
A estruturação da administração em núcleos indica o caráter empresarial da
atividade: produzir na e para a emissora Globo significa estar em uma linha de
montagem, da qual são cobrados resultados como audiência, que é compreendida como
o resultado da eficiência e da qualidade do produto, e em conseqüência, retorno
financeiro através da propaganda direta ou indireta.
Nas produções que estamos estudando, verificamos que cada uma coube a um
núcleo diferente.
No caso de A Muralha a direção coube ao núcleo sob a responsabilidade de
Denise Saraceni, que atuou também na direção, junto de Carlos Araújo e Luís Henrique
Rios. Um Só Coração teve direção de núcleo de Carlos Manga, que deixou a direção
geral a cargo de Carlos Araújo. Os outros diretores foram Marcelo Travesso, Ulysses
Cruz e Gustavo Fernandes.
Alguns desses profissionais haviam trabalhado antes com Maria Adelaide, como
Manga, Saraceni e Carlos Araújo, sendo que este último trabalhou nos dois projetos.
No que diz respeito às relações com os diretores, Maria Adelaide declara:
133
improvável que a gente volte a trabalhar porque ele me respeita e eu o respeito.”
6. CONSULTORES E PESQUISADORES
134
FONTES:
DVD
ENTREVISTAS
MAUTNER, Ana Verônica. “Pátria amada”. Folha de São Paulo, 18/03/2004, caderno
Equilíbrio, p.12.
Não é fácil construir A Muralha. Realidade, São Paulo, nº 286, ano VI, 30/jun. a 6/jul.,
1968, p. 16 e 17.
SÁ, Nelson de. Sem coração. Folha de S. Paulo, 11/02/2004, caderno Ilustrada, p. E8.
140
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18/01/2004, Caderno 2, p. D6.
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28/jul. a 03/ago., 1968, p.26.
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01/09/2005, edição 1563, p. 94-101.
CASTRO, Daniel. Globo terá manual para novelas e jornais. Folha de S. Paulo,
25/08/2006, caderno Ilustrada, p.E10.
MATTOS, Laura. “Ser vilão está na moda”. Folha de S. Paulo, 24/09/2006, caderno
Ilustrada, p.E1 e E3.
NARLOCH, Leandro. A voz do Brasil. Super Interessante, São Paulo: Abril, edição 214,
jun./2005, p.48-57.
NUNES, Janaína & AUBIN, Rosana. Abaixo as fórmulas. Diário de S. Paulo, 04/09/2005,
c. Já TV, ano 9, nº 461, p.8-14.
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http://www.memorialdoimigrante.sp.gov.br/institucional/index.asp
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1330644
www.globo.com
http://www.editoraglobo.globo.com
http://redeglobo.globo.com/Umsocoracao/0,18529,3131,00.html
http://somlivre.com.br/
141
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WOLTON, Dominique. Elogio do grande público; uma teoria crítica da televisão. São
Paulo: Ática, 1996.
146
CONCLUSÃO
O objetivo inicial deste trabalho era procurar entender qual a visão histórica
construída pelas minisséries históricas e a forma pela qual elas se apropriam do
conhecimento histórico.
Selecionamos duas minisséries baseadas em momentos históricos considerados
significativos da história paulista, as minisséries A Muralha e Um Só Coração, ambas de
autoria de Maria Adelaide Amaral.
A seleção de minisséries inspiradas em fatos da história paulista foi feita pela
possibilidade de acesso à bibliografia histórica e devido ao interesse em perceber o
processo de apropriação do conhecimento histórico por veículo de comunicação de massa.
Pensávamos encontrar uma continuidade entre os dois projetos na imagem retratada da
135
cidade, o que poderia permitir recuperar a noção histórica da cidade nas produções
televisivas da autora.
Também pretendíamos captar como as narrativas televisivas e principalmente as
minisséries históricas da autora se apropriam do conhecimento histórico transformado em
fontes informativas.
Para os estudiosos da história, a utilização de momentos significativos do passado é
sempre objeto de rejeição por apropriação indevida. Quer a apropriação se dê por narrativas
folhetinescas, quer por narrativas humorísticas, a rejeição é constante.
Para o público telespectador tais disputas são irrelevantes. A atração é a trama
romanesca, os heróis, heroínas, vilões e curiosidades - o passado entra como o exótico, o
curioso e o diferente.
136
A recepção pelo público telespectador é uma outra questão extremamente complexa,
que não foi objeto deste trabalho, por já ter sido objeto de análise.
A história é vista como argumento para a ficção, sem compromisso com uma narrativa
reflexiva. É um produto da cultura de massa, que tem a função de entreter, mantendo a
audiência presa na trama folhetinesca, garantindo o retorno financeiro pelo investimento
realizado. Os seus produtores não descartam a qualidade ao pesquisar sobre os assuntos
tratados, por entrevistar especialistas e contratar consultores para rever o resultado final.
137
procurando criar e recriar vidas, que ao mesmo tempo possam refletir um mundo que já não
existe e permitir a identificação com o telespectador contemporâneo, sua audiência, que
garante a continuidade de sua atividade profissional. As informações históricas
selecionadas podem não ser relevantes para um historiador, mas são fundamentais para a
trama ficcional.
Discutir o passado construído pela narrativa televisiva é irrelevante, pois cada qual
possui sua função, com objetivos diferentes. O importante para um historiador que trabalha
com cultura e veículos de comunicação de massa é compreender o fenômeno
contemporâneo, conhecer e entender a história da produção, e a partir disso, com o
conhecimento das fontes, dialogar com os produtores e com a forma que o argumento
histórico “dá cena”, mas tendo sempre em vista que é uma ficção.
Para a cultura brasileira, a utilização de referenciais literários e históricos pelos veículos
de comunicação de massa nas produções televisivas é de suma importância. A tentativa de
conexão dos produtos televisivos com a cultura e a realidade fortalecem a identidade
nacional, o imaginário social e auto-reconhecimento dos grupos sociais.
Do ponto de vista dos produtores a sua atuação é social e quase educacional, pois
sentem-se responsáveis por despertar o interesse coletivo em temas culturais, no caso da
literatura, não necessariamente só a brasileira, e nos temas históricos, que resgatam no
imaginário do telespectador a identidade local e nacional.
138
Em nosso entender, a diferença entre o conhecimento histórico e o que é divulgado nos
veículos de comunicação de massa não pode ser barreira para que os historiadores não
analisem os produtos contemporâneos. No tempo presente tais veículos são fontes para o
conhecimento do mundo contemporâneo, da mesma forma que as outras fontes:
manuscritas, impressas, iconográficas, cinematográficas e de cultura material.
139
Entrevista com Maria Adelaide Amaral
Entrevista realizada em 20 de janeiro de 2006, iniciada às 14:35 hs, com a escritora Maria Adelaide Amaral,
autora das minisséries A Muralha e Um Só Coração. Realizada por Maria Angela Raus para trabalhos
acadêmicos.
E - Eu vou apresentar. Inclusive, eu tenho uma entrevista com o Renato Scarpim para apresentar para
ele. Eu vou deixar tudo junto e também a do Alcides. Aí fica a critério de vocês. Está bom?
M.A. – Ok.
E - Como é feita a pesquisa histórica para os seus trabalhos? Qual é o seu grau de envolvimento ?
M.A. – Total, porque para mim isto é questão de princípio. Eu nunca inicio um trabalho de época sem
recorrer a uma bibliografia, sem recorrer a informações, a livros e outras fontes... No caso de A Muralha: eu
fui procurar livros em sebos pois as edições estão esgotadas. De modo geral trabalho com um consultor . No
caso de A Muralha trabalhei em estreita relação com o “Museu da Pessoa” e com a Íris Kantor, uma
historiadora da USP.
O “Museu da Pessoa” me assessorou, passou muito material. Nos sebos do centro da cidade e consegui as atas
da vila de São Paulo, que foram compiladas pelo Taunay e publicadas em 1954. Você não encontra mais isto
em livraria, mas acha em bibliotecas, acha em sebos.
No caso de A Muralha, a obra original é ambientada durante a Guerra dos Emboabas. Como havia uma
exigência que a época histórica fosse anterior, usei a trama amorosa do livro da Dinah Silveira de Queiroz,
mas fiz retroceder a ação histórica para 1612. Então, digamos que eu comecei a falar daqueles que foram os
avós dos bandeirantes, aqueles que começaram a se aventurar pelo território brasileiro, mas que na verdade
tinham como objetivo mais prear índios do que ir em busca de metais ou pedras preciosas.
E foquei nos problemas da vila de São Paulo de Piratininga na época. Curiosamente, eu descobri que São
Paulo plantava trigo, que era absolutamente auto-suficiente e ainda exportava o excedente para Buenos Aires.
Você imagina que naquela época São Paulo exportava trigo para Buenos Aires, para Argentina? Hoje é
exatamente o inverso.
Outra coisa que eu descobri também é que o principal produto de exportação era a marmelada mas já se
fraudava, já se adulterava o produto. Numa determinada sessão da Câmara os vereadores mencionam essa
fraude e as sanções que devem ser impostas aos fraudadores. Isto me rendeu uma boa cena. Porque quando
leio História penso em termos de cena: esta situação me dá cena, esta não me dá. Porque o que fazemos numa
minissérie é teledramaturgia e não documentário nem telejornalismo. E penso a História como possibilidade
dramática: este acontecimento histórico é fundamental para a evolução do personagem, para a trajetória do
personagem? É em função disto que construo minhas minisséries que são ficção televisiva livremente
inspirada na realidade.
Naturalmente gosto de História. Se eu não gostasse não me preocuparia tanto em pesquisar. Pegava o livro da
Dinah Silveira de Queiroz e simplesmente adaptava. Não existe, rigorosamente, na minissérie A Muralha,
uma informação histórica que não possa provar ser comprovada. Além dos livros que adquiri, tive acesso a
livros preciosos que a Íris me arrumou com as cartas dos jesuítas que foram publicadas em edição histórica de
1954.Então, muitas informações sobre a ação dos padres jesuítas, que não existem na obra original da Dinah
Silveira de Queiroz. Eu fiz questão, absoluta, de situar a importância dos jesuítas questionando seu trabalho
de catequese. No afã de converter, eles destruiam a cultura indígena e transmitiam aos índios doenças,
algumas delas banais para os brancos, mas que causavam enorme destruição entre os índios. Uma gripe, por
exemplo, podia dizimar uma aldeia.
Também falei sobre os cristãos-novos, que era um assunto sobre o qual eu sempre quis abordar. São Paulo na
época era pouco importante para atrair um Visitador, mas, de qualquer maneira, resolvi tocar no assunto
através do Dom Jerônimo e da Ana que também não existem na trama da Dinah Silveira de Queiroz. Já o
personagem Tiago, do Leonardo Brício, encarna a ambição do jovem bandeirante já movido pela busca de
metais preciosos, em oposição ao seu pai mais interessado em prear índios. Realmente os paulistas não tinham
recursos para comprar escravos negros, São Paulo era muito pobre e eles se valiam dos índios, a quem
chamavam negros da terra, como mão de obra.
O que faço sempre é recorrer às fontes disponíveis e ler intensamente antes de começar a escrever. Até
porque, se eu não souber sobre o que eu estou falando, eu não vou conseguir escrever. Terminado o capítulo,
ele vai para o consultor que vai checar as informações históricas contidas.
No caso de Um Só Coração, eu quis contar a história de São Paulo do ponto de vista da cultura, da arte e dos
artistas - seus protagonistas principais. Eu desafio qualquer biógrafo de Ciccillo Matarazzo, Yolanda
Penteado, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Oswald de Andrade a contestar uma informação histórica e
biográfica que eu tenha dado. Não estou falando de trama amorosa, embora nas tramas amorosas e conflitos
dramáticos que para uma minissérie são fundamentais, tivessem sido baseados em informações escritas ou
orais. E o que não aconteceu daquela forma, poderia acontecer em virtude das informações que nós obtivemos
dos familiares e demais pessoas que conheceram os personagens.
Nesse sentido levantamos algumas lebres e fomos extremamente úteis aos biógrafos do Oswald e da Tarsila
porque descobrimos que o Waldemar Belizário, que é o sujeito que se casa com a Patrícia Galvão para que ela
ficar com o Oswald, não era apenas um modesto pintor que morava nos fundos da casa da Tarsila. Nós
descobrimos que ele tinha uma obra, morou em Ilha Bela, realizou uma exposição em São Paulo e gozava da
absoluta admiração de Geraldo Ferraz, que foi o segundo marido da Pagu. Essas novas informações
obtivemos através de cartas e recortes de jornais que estavam em poder da viúva do Belisário em Ilha Bela e
que uma amiga dela fez chegar até nós.
Essa é a vantagem da televisão que sendo veículo de grande exposição faz com que as pessoas nos procurem
espontaneamente e nos dêem documentos aos quais muitas vezes o biógrafo não teve acesso porque não
conheceu esta pessoa e esta pessoa também não conheceu o biógrafo. Então, as pessoas nos procuram, as
pessoas nos trazem todo tipo de material informativo: cartas, documentos, artigos de jornal da época. O que
realmente é precioso para nós.
Eu vou te dar um exemplo: muitas das informações sobre o cotidiano de Tarsila, Oswald e até da Pagu foram
retirados de um original do Nonê, filho do Oswald, que era uma autobiografia poética que ele escreveu nos
anos 60 e que não foi publicada porque os editores faziam restrições à forma poética. O Timochenco, o
Timo1, filho do Nonê.2, trouxe para mim, quando eu estava escrevendo a minissérie, estes originais. Quando
eu vi a preciosidade daquele material e das informações que não constam em nenhuma biografia, falei “Puxa,
muito obrigado!” Mas agora qual é o próximo passo? O próximo passo é publicarmos isto. E por causa da
minissérie, esta autobiografia, que se chama O Dia Seguinte & Outros Dias, acabou sendo publicada. Esta é
outra grande virtude da minissérie: tornar público, ou dar visibilidade a assuntos ou pessoas que estavam na
penumbra ou absolutamente esquecidos.
Voltando a Um Só Coração. Em relação à parte histórica, convidamos a Companhia da Memória e o Vladimir
Sachetta e a Marcia Camargos para serem os nossos consultores. Eles ficaram responsáveis pelas informações
históricas. É claro que paralelamente Alcides e eu pesquisamos muito. Evidentemente, nós resolvemos falar
de 1924 de uma forma que jamais foi falada. Nós falamos da revolução de 1924 não do ponto de vista do
acadêmico, pois a gente nem tem essa pretensão, mas de quem a viveu. Por exemplo: nós pegamos o livro da
1
Timo de Andrade, neto de Oswald de Andrade.
2
Oswald de Andrade Filho.
Ecléa Bosi, Memória e Sociedade, porque muitos daqueles velhos que deram depoimento viveram a
revolução essa revolução e a mostramos do ponto de vista de quem a viveu.
E - As perspectivas humanas...
M. A– Da perspectiva do humano, da perspectiva do cidadão e não da oficialidade. A perspectiva do cara que
estava ali, do que significou para ele. Evidentemente, pegamos as impressões destas pessoas e as mesclamos,
misturando as informações de A com B com C com D, fundimos e transfiguramos e estendemos essas
experiências para alguns dos nossos personagens.
Tem também uma série de coisas que nós descobrimos e eu não sei se isto está na história. Durante a
revolução de 1924 quem estava no governo de São Paulo era um camarada que não entendia nada de nada,
mas que gostava de tocar piano. Aliás, ele entendia tanto do Estado que ele estava governando que eu nem me
lembro mais quem era. Era Carlos de Campos. Quando falaram para ele: “Presidente” – governador na época
era presidente Estado – “Presidente, precisamos combater a broca. A broca está dizimando os cafezais”. Ele
disse: “Eu vou mandar imediatamente um pelotão da polícia militar”. Ou seja, o cara não tinha menor idéia de
que se tratava de uma praga. Mas esse mesmo cidadão aí ao qual eu estou me referindo tocava piano no
palácio dos Campos Elíseos quando a revolução estourou e assim continuou tocando alheio aos bombardeios.
Então nós fizemos uma cena dele sendo retirado do palácio, totalmente tonto, pelo Paulo Prado... Na vida real
eu não sei se foi o Paulo Prado que o tirou, mas o Paulo Prado era um homem sensato e morava perto. Essas
licenças nós costumamos fazer. De qualquer maneira, ela tem base na realidade.
Em “Um só coração” abordamos a revolução de 1924 e a revolução de 1932. Falamos dos integralistas.
Falamos da progressiva chegada dos judeus, da Segunda Guerra, do Getúlio, do ódio que os paulistas tinham
do Getúlio. É verdade, o Getúlio era uma pessoa não muito benquista aqui.
O que mais nós falamos? Espere um pouco, porque eu não me lembro mais. Estou falando do ponto de vista
da história...
E - Voltando na questão da pesquisa. Como é selecionada a equipe de pesquisa histórica que trabalha
com você? É uma indicação da Globo, ou fica por sua conta?
M.A.– Por minha conta. Só a parte visual que é deles. Eu sou a principal pesquisadora. Para quem interessar
possa, eu trabalhei vinte anos na Abril Cultural como tal. Eu tenho uma grande pesquisadora que também veio
da Abril, a Carmen Righetto. Ela é uma craque, nos anos 60 fez todo o levantamento iconográfico do Grandes
Personagens da Nossa História.
E - Foi mesmo, foi muito bom. Inclusive, algumas coisas eu pensei a partir dali e das lacunas que eu fui
achando. Mas era uma preocupação que eu tinha, de deixar claro como vocês fazem porque eu estou
estudando vocês e vou atrás deste tipo de informação. Só que as pessoas comentam outras coisas...
M.A.– Algumas pessoas falam muita merda. Certas pessoas chutam muito e inferem a partir dos seus
preconceitos.
3
RUAS, Tabajara. Os Varões Assinalados: romance da Guerra dos Farrapos. Porto Alegre, RS: L&PM
Editores, c1985.
Quando eu propus Um Só Coração, porque ia fazer 450 anos de São Paulo, eu disse: “gente, vamos contar
isso do ponto de vista da cultura. Eu já tinha escrito uma peça de teatro sobre Tarsila, já tinha sido encenada e,
então, eu sabia que era uma ótima história, que tinha excelentes personagens. Aí o Mário perguntou: “Você
vai escrever sozinha?” Eu disse: “Não, vou escrever com o Alcides”. Nós fomos colaboradores do Silvio de
Abreu. Então, era uma pessoa que eu conhecia e respeitava. Ele é um autor de teatro, uma pessoa que entende
profundamente da Revolução de 1932. Ele tem uma peça sobre 1932 que se chama Paris-Belfort. O pai dele
lutou na revolução de 1932, ele é de família tradicional paulista, conhece profundamente este universo. Por
isso que eu acho que você deve conversar com ele. Então, eu convidei.
Eu gostei tanto da parceria que resolvi convidá-lo mais uma vez para escrever JK. Gostei muito de trabalhar
com ele. Uma pessoa muito culta, muito informada, muito interessante.
E - Você tem um método, uma fórmula para escrever uma minissérie histórica ou em cada uma você
acaba desenvolvendo de acordo com as necessidades?
M.A. – Cada uma tem as suas necessidades. O que as pessoas me perguntam, e você tem isso respondido, é se
a Globo me propõe. Não, ela nunca propõe nada. É sempre a gente que propõe. A Globo pergunta sobre quais
são os temas que a gente gostaria de falar e aí você faz a lista, ou simplesmente diz. No caso de Um Só
Coração eu disse: “Vamos contar a história de São Paulo, do ponto de vista da cultura?”
E - Na tua biografia você conta que eles ligaram do departamento comercial falando que...
M.A. – Eu entrei na sala e eles perguntaram se eu tinha uma idéia de uma minissérie sobre São Paulo. A
Muralha. Não, A Muralha já foi escrita. “É que o departamento comercial nos informou que São Paulo faz
450 anos”. E resolveram celebrar com uma minissérie que contasse uma parte da vida da cidade.
E - Você interfere na escolha dos diretores para sua obra? Eu gostaria que você falasse um pouco sobre
as equipes de direção de A Muralha e Um Só Coração.
M.A. – Seriam cinco minisséries cada uma alusiva a um século da História do Brasil. Cada autor contava com
seu diretor. No meu caso me coube a Denise Saraceni. Para nós restou o século XVI. Por isso eu tive que sair
da Guerra dos Emboabas e fazer retroceder a ação histórica. Mas por razões técnicas e artísticas, acabou
sendo produzida apenas A Muralha. Eu tinha a liberdade de colocá-la no século XVIII mas a pesquisa já
estava pronta resolvi situar a ação em 1612. E foi um sucesso enorme de crítica e audiência.
Em Um Só Coração eu queria mais uma vez a Denise ou o Jayme Monjardim. Eu queria o Jayme, mas ele
estava alocado para a novela da Glória Perez. No fim, nem uma coisa nem outra. Ficou muito chateado. Aí
eles deram para mim o Carlos Manga e o Carlinhos Araújo. O Carlinhos Araújo eu conhecia... Eu conhecia os
dois, na verdade. O Manga tinha sido diretor de núcleo do Anjo Mau. Eu sabia que a coisa ia ser meio
complicada, muitas vezes foi. Algumas vezes entramos em rota de colisão. Porém, nos respeitamos muito e
não é improvável que a gente volte a trabalhar porque ele me respeita e eu o respeito.
Eu li alguma coisa, quando o Jaime saiu de América, que ele ia para o JK...
M.A. – Era para o JK, mas eu não sei o que houve. Aí, o Denis me ligou e disse: “Se o Jayme não puder
dirigir, você me chama?” Aí eu disse: “Claro, eu adoro você”. Estou adorando o Denis. Muito legal trabalhar
com ele. É uma maravilha trabalhar com ele e com a equipe dele. Evidentemente, eu tenho minha equipe de
escritores, colaboradores e ele também tem a sua equipe. Muito legal.
E no JK eu tenho o Ronaldo Costa Couto que é o meu consultor de história. Eu sempre tenho consultor de
história.
E - Como são as reuniões da equipe antes de gravar, esses workshops que a gente (inaudível)
M.A. – O workshop, em geral, dura um dia. Você vai para o Rio e fica um dia inteiro lá. Eles chamam
especialistas para falarem sobre o tema. Os diretores costumam fazer workshops mais específicos com os
atores.
E - Fale sobre alguns atores que você gosta de trabalhar e que participaram das minisséries?
M.A. – É muito difícil. Eu, por exemplo, adoro a Ana Paula Arósio, adoro a Letícia Sabatella. Ganhou a festa.
Gosto muito do Thiago Lacerda. Ele fez um esplêndido Garibaldi. Gosto muito do Melo (Luís). Adoro o
Tarcisão (Tarcísio Meira). Adoro com todas as forças do meu coração a Cássia Kiss. O Calloni (Antonio), a
Alessandra Negrini. Paixão. Gosto muito da Deborah Evelyn, da Maria Luisa Mendonça. Adoro o Mauro
Mendonça. Nas minhas minisséries sempre tem o Sérgio Viotti, Ariclê Perez, Mila Moreira, que são heranças
do Cassiano Gabus Mendes. Deixa eu ver quem mais, quais são os atores que eu gosto. É tanta gente boa que
é muito difícil. É gente muito boa, é muito difícil. Eliane Giardini eu amo de paixão. Fábio Assunção.
Walmor Chagas, de Os Maias. Esse menino, o Dan (Stulbach), está fazendo um grande trabalho. Ele começou
em Os Maias fazendo o Craft, que era um personagem secundário. Adoro o Osmar Prado, tudo que ele faz é
muito bom. Fez um Alencar em Os Maias maravilhoso. Olha, é difícil.
E - Como você avalia o trabalho da direção e do elenco? Você costuma sugerir alguma mudança depois
que começa a minissérie, que você tem acesso às imagens?
M.A. – Em geral, a gente vai assistir os primeiros capítulos e faz a edição. Agora mesmo, no JK, a gente
fundiu o primeiro capítulo com o segundo. Alguns dos meninos que faziam JK criança eram muito
irregulares. Havia cenas que eles faziam bem, cenas que eles faziam muito mal. Então gente resolveu cortar.
E - A minissérie é uma obra com roteiro finalizado. É possível que haja modificações após entrar no
ar? Alguma mudança?
M.A. – Não.
E - A Muralha e Um Só Coração?
M.A. – A Muralha ficou pronta um mês e meio antes de ir para o ar. Os Maias, idem. As Sete Mulheres só
não ficou porque a gente começou bem depois. Agora, no JK, faltam oito capítulos. Então, não há muita coisa
para mexer.
E - É por que às vezes saem algumas notícias na mídia... Estou falando isto porque, na semana passada,
eu li uma revista dessas Ti-Ti-Ti, Minha Novela com uma entrevista do Dan Stulbach, dizendo que o
personagem dele ia sair da minissérie, mas que vai até o final. Já estava programada?
M.A. – Não sei se já estava programada ou se a gente resolveu no meio do caminho. Mas isto tem a ver com a
exigência da própria história. Você vai escrevendo e aí você fala: “que tal se a gente voltasse, se a gente
fizesse voltar fulano”. A sinopse é o ponto de partida, nunca é o ponto de chegada. As pessoas falam com
base naquilo que a gente escreve na sinopse. Mas qualquer autor sai da s inopse, você não pode ficar
engessado. À medida que você vai escrevendo, percebendo que os personagens ganham autonomia, a história
também começa a ficar autônoma. Então, você ia por aqui, mas resolve ir em frente. Isto faz parte do
processo.
E - Dentro das estratégias de marketing para promoção das minisséries, até que ponto você participa?
Você é solicitada para eventos de promoção? Por exemplo, festas, participação em programas da
emissora?
M.A. – Eu não vou a programa de auditório. Nenhum. Posso ir ao Programa do Jô e da Ana Maria Braga.
Gosto muito, por exemplo, de fazer Globo News, GNT, muito. Principalmente Globo News. Eu adoro.
A gente participa, na verdade, da festa de lançamento. Mas, não vou à festa do primeiro capítulo nem do
último. Prefiro ficar na minha casa e assistir sossegada com a minha família e os meus amigos. De qualquer
maneira ninguém nos força a nada. Nem a dar entrevistas.
E - Eu gostaria que você falasse um pouco sobre a audiência. Se vocês sofrem pressões?
M.A. – Não sofremos porque a minissérie é uma obra fechada e por causa do horário que ela vai ao ar. Eu
nunca sofri nenhum tipo de pressão por causa da audiência, nem quando ela foi pavorosamente baixa, como
no caso de Os Maias. Pavorosamente baixa. Você não faz idéia de quanto era baixa.
A minissérie, realmente, não está sujeita a este tipo de exigência. Mas eu também faço a minissérie para
agradar o público. Não me interessa também ter 14 em audiência. Meu objetivo é atingir o maior número de
telespectadores, mesmo sabendo que não será o público de uma novela por causa do horário.
Na verdade, eu pensei nesta pergunta pelo que vocês comentaram sobre o JK...
M.A.– É que o JK estourou demais.
E - Então, é assim: se você tivesse alguma informação se foi muito caro A Muralha, Um Só Coração.
M.A.– Eu não sei. Não faço a menor idéia porque não lido com isso. Em geral, eles calculam em duzentos mil
reais cada capítulo. Mais ou menos. Se você fizer mais ou menos cinqüenta capítulos...
E - Eu queria perguntar como foi dividido o seu trabalho com os colaboradores no caso de A Muralha?
Núcleos, você coordenava...
M.A. – Quem trabalha com núcleos é o pessoal que faz telenovela. Eu não faço isto. Tenho um controle
absoluto sobre todos os núcleos quer esteja assinando a minissérie sozinha ou acompanhada. Quem vier
trabalhar comigo já sabe disso. Essa lição aprendi com o meu mestre Silvio de Abreu.
Eu faço a escaleta, que é o roteiro de um capítulo, cena a cena. Cada cena, onde será, qual locação, quais os
personagens que estarão e qual será o assunto mencionado. Aí eu distribuo as cenas de acordo com o perfil de
cada colaborador meu. Especialidade ou perfil. Eles escrevem as cenas e mandam para mim. E eu faço a
edição. Junto com as outras cenas já escritas, coloco na seqüência, organizo, corto o que precisar ser cortado e
faço a edição final. Aí eu mando o capítulo para o consultor. Ele devolve com as suas observações. Aí corrijo
o que tiver que ser corrigido, e mando para a revisão que pode ser feita pela Carmem Righetto ou por um
colaborador mais atento. Eu deixo passar muita coisa: palavras com erros de digitação ou ortografia. Eu
mesma cometo erros ortográficos. Depois do capítulo revisado envio para a Globo.
E - Alguma coisa, alguma cena da minissérie, tanto A Muralha quanto Um Só Coração, que vocês
gostariam que tivesse entrado no DVD e não teve jeito ou foi tudo certo?
M.A. – Não, eu acho que o que entrou é o que deveria ter entrado. Acho que o que acontece muitas vezes a
gente vê no ar uma coisa muito diferente daquilo que estava no papel. Isto nos desgosta profundamente.
Então, quando a gente faz a edição do DVD e se isto está ao nosso alcance, a gente retira aquela cena que nos
desagradou. Em Um Só Coração, tiramos tudo o que nos incomodava ou tudo que nós achávamos que não
tinha sido gravado de acordo com o que estava escrito. Que tinha traído de alguma maneira o espírito da cena.
E - Você fez um comentário lá e eu tinha uma pergunta sobre as famílias. Houve alguma recomendação
das famílias Matarazzo, Penteado, etc. ao retratar os personagens? Alguma censura de informação...
M.A. – Não existe possibilidade de censura de informação porque tudo acaba chegando até nós, na maior
parte das vezes através das próprias famílias. Às vezes dá para você sentir diferenças e ressentimentos entre
os membros da família e no fim as pessoas acabam te contando coisas que o outro não contou. À medida que
você vai lidando com elas e captando os subtextos, joga verde para colher maduro e às vezes colhe
bombásticas revelações. Mas alguns familiares contam histórias que depois nos pedem para não usar. Não no
caso da Yolanda, que são uma maravilha de pessoas. Os Matarazzo também. De modo geral, sempre tendo a
estabelecer excelentes relações com as famílias. Logo de cara sou muito clara com a família. E aviso: “não
vou transformar o seu ente querido em um Santo. Vamos fazer justiça e tratá-lo com toda a dignidade. Mas
não vamos canonizar”.
Foi o caso, por exemplo, do JK. Eu fui até a família e a primeira coisa que coloquei foi o seguinte: “se eu não
puder tocar na vida extraconjugal do JK eu não vou fazer a minissérie”. O que eles me pediram foi que eu
tratasse disso com muita dignidade. Eu falei: “Nem pode ser diferente levando em consideração as pessoas
envolvidas”. Você tem que jogar claro e eles têm que autorizar por escrito. A gente tem que ter uma relação
de absoluta clareza porque este é o país da liminar. Este é um país que você pode tirar de circulação um livro.
As biografias têm que ser autorizada e nem as biografias autorizadas estão a salvo. Então, a gente tem que
tomar extremo cuidado. Em geral, a melhor política é estabelecer uma relação de confiança com as famílias.
Uma relação de confiança, uma relação de lealdade. Dependendo da família, deixamos muito claro o que
vamos fazer e explicamos porque o faremos. Por conta disso você acaba estabelecendo com as pessoas
relações de amizade bastante fortes. Um Só Coração me trouxe muitos amigos. Todas as famílias. A família
da Dona Olívia, a família da Yolanda, a família dos Matarazzo, dos Amaral lá da Tarsila, os Andrade, o
pessoal do Oswald. É muito bom isto. E agora com a família do JK, a família do Alckmim, do Lacerda. É
muito legal isto.
E - Você viu alguma dificuldade maior em trabalhar com uma história ou uma memória próxima? Eu
estou falando das críticas que você possa ter recebido em relação a Um só Coração e JK... Você não vê
uma diferença com um momento mais distante como A Muralha que não tem ninguém da família ou
alguém que conheceu a pessoa para questionar?
M.A. – Para mim isto não... Exatamente por esta razão que eu crio os personagens ficção, pois eles me dão
uma margem de manobra muito grande para falar sobre um período, ou sobre um determinado nível social,
um segmento, sem depender da autorização de ninguém.
Fim do lado B da fita 1
M.A. – Críticas, a gente sempre sofre. Tanto em relação à matéria próxima quanto a matéria remota no tempo.
Fui violentamente criticada pelos Queirozianos fundamentalistas em relação às pouquíssimas licenças que eu
tomei em Os Maias. Isto faz parte do nosso trabalho. Se você não está pronto para isto, é melhor mudar de
ramo.
É que o retorno e as compensações positivas e as críticas positivas são infinitamente maiores e mais
numerosas do que as restrições e as críticas negativas. Nenhuma crítica negativa será mais importante do que
a repercussão, da satisfação de ver o povo inteiro falar do assunto. Nenhuma crítica negativa tira rá de mim a
satisfação de ver no mesmo final de semana o JK como capa de duas grandes revistas, dois grandes
semanários de circulação semanal, que foi a Época e a Isto É. Fora aquilo que está nas bancas sobre o JK.
Nada me tirará a satisfação de ligar o rádio e de ver o tempo todo menções a minissérie ou a personagem do
JK. Eu tive críticas muito positivas. Acho que eu conto nos dedos e talvez não chegue a uma mão as críticas
negativas ou as observações negativas que eu tive a respeito da minissérie. Pelo menos nos jornais que eu
costumo ler.
Em relação a estas críticas eu gostaria que você falasse sobre alguma que tenha marcado. Uma de
jornalista, ou de historiador até, sobre Um Só Coração, ou A Muralha que você tenha achado pertinente
ou que você tenha achado que o cara falou bobagem.
M.A. – Eu não lembro disso. Acho que isto reflete bem a medida da importância que eu dou para este tipo de
coisa. Foi legal porque quando alguém escreveu que o cenário da batalha de Seival mostrado em “As Sete
Mulheres”, não tinha nada a ver com a topografia original, a Laura Mattos, da Folha de São Paulo, me
entrevistou e eu declarei que a minissérie não pretendia substituir a história e nem esgotar o assunto. Quem
desejasse se aprofundar que recorresse aos livros de História. Existe uma vastíssima bibliografia sobre o
assunto. O mesmo poderia ser dito a respeito de qualquer outra minissérie.
O papel da mulher nas minisséries. Em outro evento que teve na ECA o Ricardo Waddington falou que
novela é um produto feminino. Você não tem...
M.A. – Eu conto uma história, não estou preocupada com o papel da mulher ou do homem. Essas coisas,
esses conceitos...
Eu estou perguntando porque você tem personagens femininos muito fortes, tanto em A Muralha,
quanto em Um Só Coração. Isto é uma característica pessoal, que você criou? Não tem uma coisa de
direcionar mais para um público feminino?
M.A. – Não, eu tenho personagens masculinos muito fortes também.
Agora uma pergunta de historiador mesmo: as questões ligadas à educação e identidade nacional. O
meu objetivo no trabalho é mostrar que a questão de educação e história não é com o autor da
minissérie, da telenovela. A gente é que vai passar isto para as pessoas. Nós historiadores e
professores...
M.A. – Mas a minissérie ajuda muito. Eu acho que você deveria conversar com uma psicanalista e jornalista
chamada Anna Verônica Mautner. Anota o telefone dela. Você deveria recolher o depoimento dela, pois ela
tem uma teoria sobre isto. Ela diz que a novela é um produto de integração nacional. Eu acho que talvez ela
tenha alguma coisa a declarar sobre esse assunto. Você deveria procurar também o professor Renato Janine
Ribeiro...
E - É interessante. Eu ia chegar nesta questão da educação nesta da identidade nacional. Você consegue
ver sua obra dentro de um projeto de identidade nacional...
M.A. – Não consigo porque eu nunca raciocino nestes termos conceituais. Eu avalio resultados. Então, no
caso de As Sete Mulheres o que isto representou para o Rio Grande do Sul ninguém faz idéia. O resgate do
orgulho gaúcho. As pessoas voltaram a usar lenço vermelho, houve afluxo absurdo de turismo para o Rio
Grande do Sul. Quer dizer, voltaram a usar os símbolos deles, que na verdade são símbolos da sua identidade.
Em São Paulo, eu já te falei do afluxo a museus e de gente que, muito especificamente, entrava no MAC na
Cidade Universitária e dizia: “eu quero ver o auto-retrato do Modigliani”, a obra que o Ciccillo deu para a
Yolanda em Roma e hoje está no MAC. Atualmente há uma comoção em Minas Gerais. As pessoas me ligam
e dizem: “a gente fica muito emocionado com o JK”. As pessoas ficam muito tocadas. Por isso o produto
teledramatúrgico minissérie é tão eficiente: ele te pega pela emoção. Eu percebo pelos resultados o quanto é
importante. E, na verdade, esta audiência enorme que nós temos, apesar do horário, ela tem a ver com essa
vontade do povo de se ver, de se reconhecer. O público tem uma grande necessidade de se conhecer, de
conhecer a sua história.
E - Uma última questão. Pensando que você é uma imigrante que foi acolhida aqui em São Paulo, veio
muito jovem para cá. Essa cidade também é sua. Você trabalhou com São Paulo várias vezes, mesmo
com o Silvio e agora em A Muralha e em Um só Coração. Então, a imagem que você quis passar nas
suas minisséries, resumidamente, e a imagem que você tem da cidade hoje.
M.A. – O que eu posso te dizer? Não são apenas as minhas obras de televisão que são ambientadas em São
Paulo. Eu tenho vários romances – você deve ter o meu currículo e se não tem está no final do livro Emoção
Libertária – e quase todas as minhas peças, com exceção de Chiquinha Gonzaga e Channel, são ambientadas
nesta cidade. Porque eu tenho uma relação visceral, é o lugar ao qual eu pertenço. Não interessa se eu nasci
em Portugal. Este é o lugar onde eu criei raízes. Não pertenço a nenhum outro lugar. Ninguém perguntou a
Carmem Miranda se ela era portuguesa porque não fazia a menor diferença o fato dela ter nascido em
Portugal, já que ela era, fundamentalmente, uma representante da cultura brasileira. E eu me sinto da mesma
maneira. Até me deram o título de Cidadã Paulista por conta de Um Só Coração.
E - Eu não pretendia pegar pelo lado conceitual, mas por esse lado da emoção. Você vive aqui, você viu
modificações. Você contou a história. Então, é nesse sentido...
M.A. – Eu conheço profundamente esta cidade, pelo menos este pedaço do centro. Eu conheço e gosto. O
gostar é você aceitar com todos os defeitos.
E - O meu objetivo é mostrar a pessoa que produz a cultura e a relação que ela tem com isso, com o que
ela está representando. E como São Paulo é presente e também o meu objeto final é São Paulo... Por
isso eu entrei com esta questão.
Encerrando.
Fim da entrevista.
Entrevista com Renato Scarpin
Entrevista realizada em 31 de agosto de 2005, iniciada às 14:14h, com o ator Renato Scarpin. que
interpretou o personagem Joaquim na minissérie Um Só Coração.
Realizada por Maria Angela Raus para trabalhos acadêmicos. Autorizado o uso oralmente
E – É uma entrevista aberta, você pode contribuir com as suas observações em cima das perguntas.
Eu gostaria que você falasse sobre o processo de seleção dos atores para Um Só Coração. Eu li que
você fez também o teste para o personagem Martim.
RS – No início do processo, geralmente a Globo faz testes com os atores que pretende colocar no trabalho e
escolhe um texto qualquer. No caso, foi o texto para o Martim, que era o personagem principal da
minissérie e não tinham definido o ator ainda. Eles estavam testando várias opções, inclusive de idade e
fotogenia, porque tinha que contracenar com a Ana Paula Arósio - há que combinar a fotogenia desse novo
ator, e com o seu desempenho também. Eu, depois do teste do Martim, passados uns dias, eles me
chamaram para fazer um teste especificamente para o Joaquim, e acredito que vários atores foram chamados
até pela semelhança física; por exemplo, o Cássio Scapin para fazer o Santos-Dumont, depois maquiado
ficou irmão gêmeo. O Pascoal da Conceição que fez o Mário de Andrade, igualzinho, então para
personagens históricos, obviamente há uma procura mais específica. Personagens fictícios, como era o caso
do Joaquim, não. No meu caso, o diretor, o [Carlos] Manga: “eu preciso de um ator que tenha uma doçura
no olhar, mas que seja viril, porque ele vai contracenar com a Maria Fernanda Cândido, que é uma das
atrizes mais lindas que tem na televisão brasileira, e eu não posso colocar qualquer ator...” e no fim calhou
de ele ter gostado do teste e acabou me chamando.
E – Nos créditos o seu nome aparece como “apresentando”, mas você já tinha feito outros trabalhos
na Globo, participações em novelas. É alguma estratégia para promover a minissérie? Chamar a
atenção para lançamento de novos atores?
RS – É, na verdade os trabalhos que eu tinha feito eram todos pequenas participações. Participação de um
dia, ou de uma semana, mas eu não tinha desenvolvido um trabalho do início ao fim. Então, efetivamente,
foi o primeiro trabalho em um produto da Globo. O lance de colocar como “apresentando” é obviamente
para chamar atenção do público para um, ou dois, ou três atores que vão desempenhar papéis importantes na
trama e que ainda não são conhecidos do grande público. Como no meu caso, eu era par romântico da Maria
Fernanda e tinha outra menina, que eu não lembro o nome agora [Gabriella Hess]. Eram só dois, eu e ela,
ela era a neta da... irmã da Yolanda. É, a irmã da Yolanda, isso...
E - Vocês participaram de cursos sobre história e cultura sobre o período, tirando essas reuniões?
RS – Não, não. É como eu falei, eu acho que cada ator correu atrás das informações que ele necessitava por
conta própria. Como o Joaquim era personagem fictício, o que eu fiz? Eu sabia, pela sinopse da
personagem, que ele era português trasmontano, e tinha por volta de trinta anos. Vinte e cinco, trinta anos
em 1924. Por praticamente duas semanas, antes de começar a gravar, depois dessa reunião, eu fui quase
todo dia à Casa de Portugal, ali na Liberdade. Fui ler tudo o que eu podia achar sobre a imigração
portuguesa do começo do século. “Com que espírito os imigrantes vinham para o Brasil, por que motivo
vinham para o Brasil, com que riqueza?”
E – Como foi sua preparação individual? Você fez algum laboratório, houve alguma orientação
específica dos autores e da direção para o seu personagem?
RS – A direção fez uma reunião com cada ator, um pouco antes das gravações começarem. Nessa reunião
estavam o Manga, que era o diretor-geral da minissérie, o Carlinhos Araújo, que era o diretor que
efetivamente era responsável pela execução das gravações, e o Ulisses Cruz, que era o segundo diretor.
Nessa reunião eles conversavam como queriam que o ator conduzisse a personagem durante a minissérie.
No meu caso, o Manga me explicou por que eu tinha sido aprovado, que ele tinha adorado o teste, que eu
preenchia os pré-requisitos que ele imaginava para a personagem. Era aquela coisa do olhar cândido, mas
que demonstrava uma virilidade, a ponto de conseguir contracenar com a Maria Fernanda Cândido, sem
ficar menor que ela em cena. Foi nessa reunião, por exemplo, que eles definiram que nem eu, nem a Mika
Lins, faríamos sotaque português, embora a gente tivesse pedido. Eles não queriam que a gente fizesse
sotaque, porque, como ele explicou, a minissérie é assistida no Rio Grande do Sul e no Acre, então são
vários sotaques diferentes por esse Brasil afora e o sotaque português é meio chato de entender para quem
não está acostumado a ouvir. Então se definiu que nós não faríamos o sotaque e o encaminhamento para a
personagem. Na reunião, eu até comentei com ele, falei do filme do Carteiro e o Poeta. Eu falei, você quer
um personagem como o carteiro, como do Carteiro e o Poeta, que é humilde, que é ingênuo, mas é viril, é
másculo, no sentido de rústico, e o Carlinhos falou: “é isso aí, faz assim mesmo, é isso que eu quero.” Saí
dessa reunião, passei quinze dias, isso por vontade própria, pesquisando sobre imigração portuguesa do
início do século e final do século retrasado. Fui tentar descobrir por quê houve uma leva muito grande de
imigração portuguesa nesse período. As pessoas vinham e voltavam desde o descobrimento, mas nesse
período houve uma imigração muito forte, muito grande. Depois, eu descobri que as pessoas vinham porque
em Portugal havia uma crise absurda, estava para estourar uma revolução popular - então o pessoal veio
fugindo mesmo e chegava aqui sem eira nem beira. Daí fui ler sobre cultura, fiz toda uma pesquisa, acabei
fazendo duas apostilas de todos os livros que eu li sobre culinária, sobre música, sobre poesia, vestimenta;
ou seja, todas as informações que eu pudesse angariar nesse universo dos portugueses que aqui chegavam.
Houve também uma grande pesquisa por parte do pessoal de cenário e do figurino; tanto que para o pessoal
do figurino, quando me propuseram as roupas, eu até tinha mostrado umas fotos. A gente meio que chegou
mais ou menos na mesma idéia de figurino.
E – Sempre tem um diálogo dos atores com as equipes de produção, nesse sentido de compor o
personagem, o figurino, o cabelo...
RS – É, naquela primeira reunião que eu comentei, que houve uma palestra, naquele dia já houveram alguns
laboratórios, alguns experimentos de maquiagem e cabelo, principalmente mulheres, cabelo de época -
porque ou corta, ou pinta, ou alonga; para homem já é mais fácil. Eu, por exemplo, usava o cabelo, sem tirar
aqui, sem limpar o pescoço, que era uma característica da época. É uma bobagem, mas que tem a ver. E
meu cabelo era solto e do jeito que estava, estava ótimo [risos]. De maquiagem, também nada de mais,
porque eu fazia uma maquiagem no início da minissérie de passar meio que um óleo no rosto para dar
aquela sensação de suor - porque no começo da minissérie o Joaquim era um trabalhador braçal, então era
para dar aquela sensação de que está sempre trabalhando de sol a sol, aquela coisa toda. Mas, cabelo e
maquiagem é uma coisa que é feita meio em conjunto com os maquiadores, cabeleireiros e os atores.
Figurino, não. O figurinista responsável tem a sua equipe de pesquisa e ele já vem com a uma proposta
praticamente fechada para o figurino do personagem. Aí depois é uma questão só de você se adequar à
roupa, de falar “essa roupa não está legal, ou está, tem que ou aumentar ou diminuir; ou, não sei se essa cor
é bacana. Por exemplo, o figurino do Joaquim era todo escuro e acabou sendo mudado só para cores claras.
A Emília [Duncan], figurinista da minissérie, chegou um dia - eu estava provando o figurino, que era escuro
ainda, e ela falou assim: “Renato, tira tudo, eu vou fazer figurino só claro para você, branco, ou cremezinho,
ou pastelzinho, só cores pastéis e cores super claras porque você vai ser o herói da minissérie e herói tem
que usar claro”. Então há esse tipo de cuidado de informação. E, não é só isso. A pesquisa toda que eu fiz,
até essa apostila que eu acabei elaborando, vários pratos - acabei dando uma de presente para o Paulo
Goulart, que fazia o meu tio na minissérie, poder também estudar, porque acho que era também o interesse
dele. Mas foi tudo por conta própria.
E – Voltando para o personagem. Mais familiarizado com o Joaquim e com o contexto dele, o que
você contribuiu para ele? Você já falou da pesquisa que você fez, mas da tua personalidade, Renato,
há alguma característica, alguma experiência de vida que você acrescentou...
RS – Isso é engraçado, porque na minissérie, o Joaquim era apaixonado pela Ana e o Marcello Antony
ficava atrapalhando a relação toda e se chamava Rodolfo. Na minha vida real, a minha namorada se chama
Ana e o ex dela se chama Rodolfo. Então eu brincava com a Fê e com o Antony e dizia assim: “eu tenho
todos os argumentos para te odiar, Antony, em todas as cenas que a gente vai fazer.” Lógico, isso é
brincadeira, porque eu nem conheço o ex da minha namorada, mas é, a gente... [risos]. Essas
bobagenzinhas, na hora de gravar uma cena, você lembra e finge que é de verdade - então acabam
acontecendo. Mas eu lembro, por exemplo, na interpretação, de algumas coisas que acontecem que são
meio inexplicáveis. Logo que a gente começou a experimentar o figurino, eu dizia para Emília: “tá faltando
alguma coisa, eu não sei o que. Eu acho que esse personagem... não é só o figurino, não é só a boina, tá
falando alguma coisa, não sei o que pode ser”. De repente, um dia eu falei para ela: “Já sei. Tá faltando uma
correntinha de um santinho qualquer.” Ela falou: “Por que?” Falei, “Eu não sei. Ele é português, super
católico, ele é trasmontano, ele é hiper radical no sentido de valores.”
E – Eu revi suas cenas e tinha uma discussão no início com a Ana, com a vida que a Ana levava, com
os valores dela.
RS - Exatamente. Depois de toda essa pesquisa, lógico, você vai se infiltrando nesse universo que não é seu
- isso vai te dando também uma certa percepção. Então eu falei dessa correntinha. É muito louco isso: se eu
não estivesse com a correntinha, eu não conseguia fazer uma boa cena, porque eu sentia que não era o
Joaquim. Outra coisa era o fato do Joaquim ser um bronco, era muito bronco. Eu fui caminhoneiro muito
tempo. Então, todo o universo dos meus colegas que trabalhavam com caminhão era muito parecido com
esse universo do Joaquim. É aquela coisa da palavra que vale mais do que o papel. O fio do bigode vale
mais. Agir corretamente por princípio. Mesmo sendo pobre, mesmo sendo humilde, você tem princípio. Isto
eu transferi para o Joaquim. O Joaquim era muito “pé no chão” e, ao mesmo tempo, era muito sonhador. Se
você lembrar da história, você vai ver que o Joaquim, na verdade, não tinha nada a ver com a Ana. A Ana,
para época, era uma mulher ultra moderna. Posava nua. Era um escândalo. E o Joaquim, um super
retrógrado, um reacionário, firme nos seus princípios, nos seus valores. Mas ele achava que podia. E a
beleza do personagem estava ali, no fato dele, mesmo sabendo, e com as pessoas em volta dele dizendo que
ele não tinha condições de encarar uma relação como aquela, ele apostou e foi com tudo até que conseguiu
se casar com a Ana. É esta coisa do acreditar que é possível que tem no filme O Carteiro e o Poeta, e que
tem de certa forma na minha vida... Às vezes, eu brinco: “a gente pode tudo, porque ontem eu estava na
estrada com um caminhão e hoje eu estou na tela da Globo, em um produto classe A da Globo”. Quer dizer,
uma mudança radical de vida. Se alguém me dissesse há dez anos atrás, quinze anos atrás que eu estaria na
Globo... Eu nem queria ser ator nessa época. Então, é muito louco como você, batalhando os teus sonhos,
acaba conquistando. E o Joaquim tinha isso - essa força de vontade, essa crença. Eu me lembro de uma fala
do Joaquim com o Paulo Goulart, quando tinha estourado uma revolução...
E – Assisti, mas...
RS – Há muito tempo? Para mim, é um dos filmes mais lindos que o cinema já produziu. É estilo Cinema
Paradiso - uma coisa que é humana até o cerne. É maravilhoso. O carteiro é aquele sujeito bronco, filho de
um pescador, mal sabe ler e escrever. Ele conhece o Neruda, fica amigo do Neruda... Eu me lembro que
tinha uma cena que eu achava muito engraçada: ele pede para o Neruda fazer um poema para ele entregar
para a menina que ele gosta. E o Neruda fala que não é assim. “Não é assim, não pode, não faço, não faço”.
E o carteiro fica tão bravo e ele fala assim – porque o Neruda estava concorrendo ao Nobel – “com esse
egoísmo você nunca vai ganhar o Nobel”. E fala com o Neruda como se estivesse falando com qualquer um.
Essa falta de discernimento, de quem é quem, é que eu coloquei muito no Joaquim. Nessa cena que você
comentou - eu me lembro de uma dica do Paulo Goulart que mudou a cena. Na cena que ele xinga a Ana, o
Paulo Goulart me falou... Aliás, fique registrado que eu devo muito a ele nessa minissérie. O Paulo me disse
uma coisa que eu usei para a cena e ficou muito bacana: “quando você gosta muito de alguém, este alguém
te magoa e você quer ofender, é difícil para você xingar com raiva só. Você está com raiva, mas é difícil
passar pela garganta o palavrão e externar isto para a outra pessoa. Então, durante a cena em que ela fala
„pois é, eu já me deitei, não sei o que‟, ele fala: „Sabe o que você é? Você é... uma barregã.‟ Dói para ele
xingá-la.” Nem sei porque eu estou falando isto...
E – É porque eu lembrei da cena e você estava falando do Paulo Goulart, que ele te ajudou e que ele
falou isto e...
RS – Essas coisinhas que a gente coloca na interpretação que, obviamente, dão o brilho para a personagem.
Dão vida, na verdade. Porque isto é uma reação humana.
E – Houve alguma modificação do seu personagem ou de alguma trama que ele participava que não
estava prevista no roteiro inicial? Você conhecia toda a história do Joaquim antes de começar a
gravar?
RS – Inicialmente, o Joaquim ia passar pelas três fases da minissérie. Ele ia morrer com sessenta e poucos
anos, junto com a Ana. No decorrer da minissérie foi modificado o direcionamento do personagem, onde
ele iria para a guerra e morreria na Revolução de 1932. O que, de fato, acabou acontecendo. O Joaquim, que
era um personagem secundário, acabou se tornando um personagem de destaque na minissérie. Por isso,
também, fui escolhido para morrer na minissérie, como o herói que doa a vida em função de uma causa. O
que era bem a cara dele também.
Aconteceu uma coisa muito bacana no início da minissérie, com toda a crítica do primeiro dia da minissérie,
elogiando praticamente tudo, mas falando mal do Erick Marmo. No meu ponto de vista, foi até injusto com
o Erick , porque era o primeiro capítulo e o pessoal não teve dó: meteu o pau mesmo. O Manga fez uma das
coisas mais lindas que eu já vi. Ele chamou toda a equipe para dentro do estúdio – ator, diretor, cenógrafo.
Do cara que serve o cafezinho a ele, que era o comandante-chefe – reúne todo mundo no estúdio, senta na
poltrona do cenário do coronel Totonho, manda o Erick sentar do lado dele... E aquela tensão no ar... Meu
Deus do céu... o que o Manga vai fazer? O Manga tira um papel do bolso e começa a ler uma crítica. “É
ridículo, é indecente, o trabalho dele é um desserviço ao país, e um desserviço ao cinema, a televisão. E foi
todo mundo ficando cada vez mais encolhido. O Erick, coitado, sentado do lado do Manga, parecia o
Pequeno Polegar. Ele ia diminuindo, diminuindo... No final da crítica, ele dizia: “portanto, Carlos Manga
deveria procurar qualquer outro trabalho que não o cinema, porque ele é o pior cineasta do mundo. Rio de
Janeiro, não sei quando de 1956.” Ele olha para todo mundo e diz: “Esta foi a primeira crítica que eu recebi
na minha vida. Trinta anos, cinqüenta anos depois, eu estou aqui, dirigindo a minissérie de maior audiência
da história da Globo. Portanto, meu querido...”, ele virou para o Erick e disse, “... só te peço uma coisa: faça
com verdade”. Todo mundo se pôs a chorar porque foi uma atitude maravilhosa dele. O Erick, obviamente,
ficou muito mal. Mas depois disso, rolou um certo “vamos lá, vamos lá”. Todo mundo, uniu o time. O
próprio trabalho do Erick começou a melhorar. Mas isso em função destas críticas que saíram pelo Brasil
afora. Então, são essas pessoas que acabam fazendo a crítica e também direcionando o futuro de uma
personagem em um produto de televisão. Às vezes a crítica começa a falar muito bem, como agora estão
falando muito bem da filha da Glória Pires. Então, começa a se dar mais ênfase para relação dela. É mais ou
menos assim que funciona.
E – Mas nessa avaliação, a partir do momento em que os autores recebem e-mails, lêem as críticas,
enfim, como eles repassam isto para vocês? Você deu o exemplo do que o Manga fez, mas, por
exemplo, às vezes vinha uma anotação no roteiro que vocês recebiam? Alguma dica, um elogio?
Alguma mudança que eles estavam pedindo na interpretação?
RS – Não, isto não existe. O que acontece, às vezes, é do autor acabar ligando para você... Como o Alcides
fez na cena da morte do Joaquim. No dia que acabou a cena, o Alcides ligou para mim, elogiou, disse que
estava recebendo e-mails, cartas e telefonemas. Todos comovidos com a cena. Isso ele me passou
pessoalmente, por telefone. Mas não tem muito disso. Na Globo tem uma coisa engraçada. Um dos
termômetros desse trabalho é a quantidade de cartas que o ator recebe. Esse é um termômetro. Mas não tem
muito essa coisa de... Só se o ator tiver muito ruim. Aí, provavelmente... a gente diz: “ou o personagem vai
para a Europa, ou vai morrer.” Acontece alguma coisa assim...
E – Eu gostaria que você falasse sobre as gravações das cenas de 1932. Onde elas foram feitas? Como
era a preparação dos atores?
RS – Para as cenas da guerra de 1932, o que a gente tinha lá eram alguns meninos que faziam o dublê.
Tinham uns meninos que eram de uma turma de dublês que faziam todas as cenas de explosões, que o cara
saia voando, caía e se arrebentava. Esses indicavam para os atores o manejo de arma, manejo de espingarda,
de revólver, de granada. Essas orientações nós tivemos lá.
As cenas da guerra foram gravadas, todas, em uma fazenda em Minas Gerais, perto de Juiz de Fora. Acho
que a Globo já usou aquela locação para outros trabalhos. Ali tinha um túnel perto de uma linha de trem,
que continua a ser o túnel da Mantiqueira, que aquele grupo de soldados da revolução estava lá para
defender. Difícil, por exemplo, foi, na cena da morte do Joaquim, todos os efeitos especiais, de tiros. O
Joaquim ia morrer com uma rajada de metralhadoras, o que dava, acho que doze tiros que ele ia levar.
Enquanto a gente gravava outras cenas, esta equipe de efeitos especiais passou o dia preparando a roupa, o
uniforme do Joaquim... da morte, que era cheio de explosivos... Eles passaram o dia preparando essa roupa
da morte do Joaquim. Tinha explosivos pela roupa inteira, pela calça... Eu lembro que aquele era o último
dia que eu ia gravar. Eu estava com uma viagem marcada para Santa Catarina e tinha que gravar antes do
pôr do sol de qualquer maneira, em função da luz. Então, quase às 5 horas da tarde, lá na Serra, começou a
baixar a luz rapidinho e a gente teve que gravar às pressas. Vesti aquela roupa – que era um uniforme
normal, todo preparado – e passavam por dentro da calça os fios dos explosivos que, todos juntos, davam
mais ou menos a grossura de um pulso... E esses fios todos estavam ligados em um aparelho que fazia
explodir, espirrar o sangue, e tal. Só que, do aparelho até mim a gente tinha um metro e meio de fio. E a
cena era o Joaquim correndo, tomando os tiros e caindo. E a gente não podia repetir - esse era o grande
problema. Eles passaram um dia para preparar a roupa e iam levar mais umas quatro horas, no mínimo, para
preparar uma outra roupa se fosse o caso de regravar a cena. E só poderíamos fazer no outro dia porque a
luz estava caindo. Então, era um desespero; tinham quase duzentas pessoas lá e na hora de gravar esta cena
foi aquele silêncio geral. O Marcelo disse: “Vamos lá, vamos lá. Atenção, gravando”. E eu falei: “Marcelo,
pára.” Ele falou: “O que foi?” Eu falei: “Marcelo, eu sei que o sol... mais dois minutos não tem mais sol.
Mas eu preciso de um segundo para me concentrar”. E o Marcelo foi um anjo. Ele tremia de nervoso, mas
falou: “Está bom. Silêncio”. Olha, a minha responsabilidade: você sozinho, a câmera na sua frente.
Duzentas pessoas em sua volta, todas te olhando, esperando você gravar a cena. Todas em silêncio porque o
diretor mandou, o ator pediu que precisava de um segundo para se concentrar. E era um saco porque eu
tinha que vir correndo, tomar os tiros e cair. Só que não era eu que acionava os explosivos. Era o técnico.
Então, eu tinha que reagir depois dos explosivos, mas com outra dificuldade. Eu não podia correr porque só
tinha um metro e meio de fio. Acho que tinha menos... Acho que tinha um metro. Eu me lembro que eu
podia dar um passo. E no fim acabou dando tudo certo. Eu falei: “vamos lá”. Dei o passo e o cara explod iu
tudo. Então, teve esta preparação para todos atores que tomaram tiro, como reagir... Mas isso era lá com os
dublês, que estavam contratados para isso.
E – Em média, quantas cenas vocês gravaram nessa fazenda? Quantas por dia?
RS – A gente ficou lá uns quatro ou cinco dias. A gente gravava por dia, dependendo da personagem, mas
se gravava no máximo dez cenas. Este é o problema da locação: posicionar câmera, aí chove, não tem luz,
sol, passa avião... Então, é muito complicado. E as tomadas feitas para a guerra de 32, se você assistir, são
tomadas lindas. Aí tem que conciliar o tempo da explosão com o tempo do tiro e com o tempo da reação do
ator. Estas coisas todas demoram. Eu não tenho certeza, mas acho que não se gravava mais do que dez
cenas por dia.
E – Em geral, na minissérie todas as cenas acabam sendo ensaiadas, ou só uma de revolução, que é
uma elaboração maior, mais complicada, exige mais pessoas?
RS – Na minissérie, praticamente todas as cenas eram ensaiadas. Ensaiadas entre aspas... A gente fazia a
cena uma vez - era um ensaio para os atores, para o iluminador, para o cameraman e para o sonoplasta; para
ver se o boom não estava vazando, para ver se, da posição que ele estava, conseguia captar o som
perfeitamente, se a luz estava iluminando direito, se a câmera tinha os recursos para, da posição que ela
estava captar a cena e para os atores saberem a movimentação dentro dela. Feito isto uma vez, já ia direto
para a gravação, salvo cenas um pouco mais elaboradas. Por exemplo: teve uma cena em que eu não quis
ensaiar. A gente fez marcação, só. Mas eu não quis ensaiar. Nem eu, nem a Maria Fernanda. Era uma cena
em que ela conta que foi estuprada. Naquela cena a gente só se posicionou, mas não fez a cena. Mas
também a gente conversou muito com o diretor. É que aquela é uma cena que exigia emoção, então não dá
muito para você no ensaio... Se você no ensaio você se emociona, na hora de começar a cena você já está
com o olho...
E – Vermelho. Você já entrou, já saiu e vai ter que voltar para o personagem.
RS – É, fica um pouco complicado. Eu não quis ensaiar e nem a Maria Fernanda. Mas houve muita
conversa com o diretor, coisa que em novela não acontece. Em novela, o diretor chega: “Você entra aqui,
faz aqui, senta aqui, pega o copo, bebe, fala, levanta, olha a janela, dá tchau e vai embora. Ação”. É mais ou
menos assim que funciona. Na minissérie não. Mas também, isso é um pouco a característica do Carlinhos
Araújo. Ele gosta de falar com o ator, o que é fantástico, porque você, como ator se sente protegido e
também se sente mais seguro, porque você sabe exatamente aonde ele quer que você chegue.
E – O Joaquim morre como um herói da revolução. Como você avalia o seu personagem dentro da
história?
RS – Talvez o Joaquim tenha feito o sucesso que fez pelo fato dele ser o espelho de boa parte da sociedade,
das pessoas que chegaram aqui, e de hoje em dia mesmo. Hoje a situação do Brasil está complicada. Está
complicado você arrumar emprego. Quer dizer, o desemprego está aí para milhões de pessoas. A gente vive
uma recessão disfarçada. E o Joaquim é aquele cara que acredita que o trabalho rende, que você,
trabalhando, conquista. Mais ou menos como este slogan do governo: “Sou brasileiro e não desisto nunca.”
Mas assim como o Joaquim, tem muita gente hoje que não consegue emprego e acaba montando a
barraquinha de cachorro quente não sei onde. Gente com diploma... Eu, por exemplo, quando trabalhava
com caminhão, conheci dois caminhoneiros que eram formados. Um era advogado e o outro era médico. E
foram trabalhar na estrada. O brasileiro tem muito disso. Ele dá jeito, ele precisa sobreviver. O Joaquim era
o arquétipo dessas pessoas que batalham, que acreditam que o trabalho honesto, com o suor do rosto, vai vir
recompensado depois. E a morte dele, da forma que foi feita, dando esta conotação heróica, épica,
demonstra também a questão dos princípios. Eu lembro da cena: ele vai porque vê um companheiro sendo
metralhado e fala “eu vou buscar o cara”. Ele era humano. Ele era bom. E as pessoas torcem pelos
mocinhos. É uma pena que a grande maioria não seja como ele. Se a grande maioria fosse como ele, a gente
– o Brasil – estaria infinitamente melhor.
E – Com certeza.
RS – Mas você olha a CPI e você vê exatamente que tipo de pessoa... As pessoas estão muito mais para
Rodolfo do que para Joaquim.
E – Quais eram as orientações dos autores e da direção para o elenco no período de preparação?
RS – Nessa reunião que o Manga e o Carlinhos fizeram com cada ator – e o Ulisses estava junto – na qual
eles falavam como era o personagem, como eles queriam que você conduzisse o personagem e tudo mais...
No meu caso foi assim: tanto o Carlinhos quanto o Ulisses me indicaram alguns livros para pesquisar –
nada com valor histórico, mas para pesquisar emoções e reações da personagem. Eu li um do Eça de
Queiroz... Eu esqueci agora... Eu não vou lembrar, mas eram dois livros que contavam histórias parecidas,
de amores impossíveis, ou de amores entre a princesa e o plebeu, que se apaixonavam, em que ele fazia de
tudo para, no final, ficar com ela. Era mais ou menos a história do Joaquim com a Ana. Um deles era sobre
um cara que passou a vida inteira amando e escrevendo poesia. Tudo que ele via no mundo era sob a ótica
do amor dele pela mulher. Então, ele tinha uma visão toda poética do mundo. Tudo, para ele, relacionava-se
a este grande amor. E, de certa forma, também o Joaquim tinha um pouco disso com a Ana. Quando ele via
a Ana ou estava com a Ana, o mundo ficava meio cor-de-rosa para ele. Podia estar lá se ferrando na
mercearia do tio, mas tudo ficava bonito quando a Ana chegava. Era mais ou menos isso. Então, essa
orientação foi passada pela direção. Acredito que para cada um dos atores. Para mim, foi feito assim.
E – Não foi feito com todo elenco, como se faz com novelas?
RS – Não foi. Por exemplo, hoje em dia a América - todo santo Domingo... porque eles precisam alavancar
o IBOPE de América, porque não está nada bom. Mas da minissérie... Acho que A Casa das Sete Mulheres
teve muito mais destaque neste sentido do que Um Só Coração. É engraçado, porque mesmo contando a
história de São Paulo, foi a minissérie que mais deu IBOPE... Ainda hoje se lembra mais de A Casa das
Sete Mulheres do que de Um Só Coração. E se você vê a minissérie deste ano, Mad Maria, passou batido. É
uma história linda, a história da Madeira Mamoré. Mas passou batido.
Ficha técnica da minissérie A Muralha
Escrita por: Maria Adelaide Amaral, João Emanuel Carneiro e Vicent Villari
Câmeras – externa e estúdio: Lúcio Sibaldi, Edson Giachetto, Ricardo Fuentes, Antonio Laport, Luiz C.
Maidana, Carlos Monnerat, Romildo Inácio, João Ricardo
Direção: Marcelo Travesso e Ulysses Cruz Assistentes de Direção Gustavo Fernandez, Noa
Bressane, Federico Bonani e Felipe Louzada
Direção de Produção: Aluizio Augusto Gerente de Produção Verônica Esteves Cenografia Raul
Travassos, Gilson Santos e Isabela Urman
Cenógrafos Assistentes: Ana Paula, Antunes Lopes, Claudiney Barino, Gil mar Ventura, Gioconda
da Costa Ferreira, Luis Cláudio Velho, Márcio Coelho Fontes, Marcos Aurélio Nascimento
Sobrinho e Silvana Machado da Silva
Figurinistas Assistentes: Marie Salles, Jussara Magalhães, Carmen Rose de Farias, Daniela
Christino, Julia Brant e Maria Luiza Grabowski
Equipe de Apoio ao Figurino: Valdeci Alves da Silva, Fátima de Assis Paula, Genilton Domingos,
Ucia Margarida Ribeiro, Marcos André Souza, Marcos Avisk, Nilza Faria, Valdemir Nunes, Vânia
da Silva Andrade, Sheila Helená Pedra, Maria lara Gomes Rodrigues, Cacilda Cavalcante de Souza,
Durvalina Maria Resende Mendes, Éster do Carmo Carvalho, Maria Bezerra, Maria Dalva dos
Santos, Railda Marques Lima, Raimunda Martins Espírito Santo, Raquel de Castro Barbosa, Selma
Epifania da Silva, Wanda Pinto Ramos, Laura Maria e Dias da Silva
Equipe de Iluminação: Anselmo Silva Marinho, Arnaldino Saior, Ivan Ricardo Muniz da Silva,
Jorge Luiz Rodrigues de Brito, José Prates, Marcelo Ribeiro Nunes da Costa, Marco Antonio Costa
dos Reis, Renato Pedroso, Sandro Fernandes Garcia, Sidnei Cussa, Márcio Gonçalves, Marcelo da
Costa Sara mago Pinheiro e Otávio de Oliveira
Produtores de Arte Assistentes: Ana Paula Guimarães, Andréia Nakai, Jorge de Tharso
Equipe de Apoio à Arte: Guaracy da Silva Lima, IIbernon Jorge de Faria, Ricardo de
Paiva e Rogério Ribeiro Pestana Produção de Elenco Frida Richter
Equipe de Apoio à Caracterização: Núbia Maisa Silva, Ricardo Sartori, Jaldete Vieira Garcia, Jorge
Henrique Monteiro, Gilvana Lemos de Souza, Maria Conceição Santos, Maria de Lourdes Santos da
Silva, Marli Afonso de Toledo e Ulian Gomes do Amaral
Edição: Carlos Roberto Ferreira Mendes (Gordo), Anibal da Piedade Veiga, Paulo Henrique Farias e
William Alves Correia Junior
Sonoplastia: Aroldo de Barros Arruda, Francisco Carlos de Souza e Renato Pimentel Muniz
Direção de Imagem: William Garcez Câmeras Lúcio Sibaldi, Murilo Azevedo, Carlos Roberto
Erthal Monnerat, Luiz Carlos da Silva Maidana, Maurício Moreira de Azevedo, Afonso Henrique
Buriche Coutinho e Edison da Silva Carvalho
Equipe de Apoio à Operção de Câmera: Epitácio Alves do Nascimento, José Jorge Roberto Martins,
Jorge Leal, Manoel Tibúrcio de Medeiros Filho e Washington Carneiro Silva
Equipe de Vídeo: João Carlos Morgado de Souza, André Araújo Costa, José Antonio Fernandes
Mendes, Murilo Morgado Equipe de Áudio Dilson Nunes Costa, Lourival Santos Neto, Ricardo
Knupp, Leonardo da Silva Peçanha
Supervisor e Op. Sistema: Marcelo Cardoso de Almeida, Murilo Morgado, José Antonio Mendes,
André Araújo Costa
Equipe de Produção: César Brasil, Fernanda Moreno, Luiz Carlos Magalhães, Nelson Rodrigues,
Daniel Ruiz, Carlos Eduardo Bessa, Mônica Costa e Marcílio Thomaz Santana
Elenco
Adolpho Pasinato
Adriana Garib
Alexandre Akerman
Aline Ribeiro Dantas
Álvaro Freire;
Alvise Camozzi
Amanda Lee (Moema)
Amanda Pinheiro
Ana Bach
Ana Katarine Steffen
Ana Lúcia Torre (Sálua)
Ana Paula Arósio (Yolanda Penteado)
André Frateschi
André Gasparelli
André Guerreiro
Ângelo Antônio (Madiano Mattei)
Anna Erica Duncan
Anna Marcia Mixo
Antonio Adder
Antonio Calloni (Assis Chateaubriand)
Antonio Carlos Feio
Antonio de Bonis
Ariclê Perez (Madame Claire)
Augusto Gutierrez
Augusto Rolo
Bartholomeu di Haro
Betty Gofman (Anita Malfatti)
Breno Moroni
Bruna de Tullio
Bruno Rocha
Caco Baresi
Caio Junqueira (Nonê)
Camila Morgado (Cacilda Becker)
Carlos Bernardo C. Ferreira
Carlos Marques de Oliveira
Carlas Sato
Carlos Vereza (David Rosemberg)
Carol Nassif
Cássia Kiss (Guiomar Penteado)
Cássio Gabus Mendes (Juvenal Penteado)
Cássio Scapin (Santos Dumont)
Cecília Lage
Celso Frateschi (Ernesto da Silva)
Charles Myara
Chica Xavier (Isolina)
Cláudio Caparica
Cláudio de Andrade
Cláudio Fontana (Jayme Penteado)
Cláudio Gardin
Cláudio Jaborandy
Cristiana Guinle
Daniel de Oliveira (Bernardo Sousa Borba)
Daniela Escobar (Soledad)
Daniele Calmon
Daniella Oliverti
Débora Falabella (Raquel Rosemberg)
Deborah Catalani
Délcio Marinho
Diana Barcellos
Dinho Valladares
Dino Boy
Dira Paes (Magnólia Cavalcanti)
Edgar Muller
Edson Celulari (Francisco 'Ciccillo' Matarazzo)
Eduardo Hollanda
Eduardo Salles
Eduardo Vargas
Edward Boggiss
Eliane Giardini (Tarsila do Amaral)
Elias Gleiser
Emiliano Queiroz
Eric Nowinski
Érica Oliviero
Erik Marmo (Martim Paes de Almeida)
Etti Fraser
Fábio Cador
Fernanda Gomes
Fernanda Paes Leme (Elisa Furtado)
Fernanda Souza (Dulce do Amaral)
Flávio Araújo
Gabriela Hess (Guiomarita Penteado)
Gagan;
George Vassilatos
Gilberto Marmoros
Gilles Gwizdek
Glória Menezes
Guilherme Correa
Guti Rocha
Helena Ranaldi (Lídia Rosemberg)
Hélio Behring;
Hélio Fonseca
Herson Capri (Fernão Queiroz Chaves)
Igor Adamovich (João Cândido 'Candinho' Souza Borba)
Irving São Paulo (Geraldo Ferraz)
Isabela Cunha (Ursula Schmidt da Silva)
Isio Guelman
Ivan Gradin
Jacy Marques
Jayme dei Curto
José Augusto Branco
José Rubens Chachá (Oswald de Andrade)
Júlia Almeida
Julia Feldens (Maria Laura Souza Borba - adulta)
Júlia Ruiz
Juliana Lohmann
Juliano Righetto (Waldemar Belisário)
Junyor Prata
Larissa Vereza
Leandra Leal (Ursula Schmidt da Silva - adulta)
Leonardo Torloni
Leopoldo Pacheco (Samir)
Letícia Navarro
Letícia Sabatella (Maria Luísa Sousa Borba)
Lu Grimaldi (Frida Schmidt da Silva)
Luca de Castro
Lucas Maia
Luciana Fregolente
Luciano Mallmann
Luiz Damasceno
Luiz Thomaz
Luiza de Oliveira Junqueira
Magda Gomes (Maria José)
Marcello Antony (Rodolfo Souza Borba)
Marcelo Torreão
Marcelo Várzea (Guilherme de Almeida)
Márcia Fialho
Márcio Riciardi
Marcos Daud
Marcos Nofre
Marcos Pegossi
Marcos Winter (Luís Martins)
Marcus Aníbal
Maria Clara Mattos
Maria Eduarda Manga (Maria Laura Souza Borba)
Maria Fernanda Cândido (Ana Schmidt)
Maria Luísa Mendonça (Maria Bonomi)
Marília Passos
Mateus Solano
Mauro José
Mauro Mendonça
Max Fercondini (João Cândido 'Candinho' Souza Borba - adulto)
Miguel Nader
Mika Lins (Elvira)
Mila Moreira (Lola Flores)
Miriam Freeland (Patrícia 'Pagu' Galvão)
Miwa Yanagizawa
Múcio Medeiros
Murillo Loures
Murilo Grossi
Murilo Rosa (Frederico Schmidt da Silva - adulto)
Nina Moreno (Odila Penteado)
Nizo Netto (Camilo)
Pascoal da Conceição (Mário de Andrade)
Paula Hunter (Gilda Arantes)
Paulo Ascenção
Paulo Bernardo
Paulo Carvalho
Paulo Goulart (Avelino dos Santos)
Paulo Japyassu
Paulo José (Dr. Varela)
Paulo Leão
Pedro Paulo Rangel (Freitas Valle)
Phelippe Louis Bertin Terra Seca
Ranata Saiuri
Rainiere Gonzales (Menotti del Picchia)
Reanta Santos
Renato Scarpin (Joaquim Ferreira dos Santos)
Ricardo Herriot
Ricardo Tostes
Rodrigo Padilha
Rodrigo Penna
Roger da Silva Aires
Rogerio Faria
Roque Paulo Correia
Rui Rezende
Sebastião Lemos
Selma Egrei (Olívia Penteado)
Sergio Gelles
Sergio Mox
Sergio Viotti (Samuel)
Stepan Necerssian
Tamara Ribeiro (Erica Schmidt da Silva)
Tarcísio Meira (Totonho Sousa Borba)
Tato Gabus (Paulo Prado)
Thadeu Torres (Frederico Schmidt da Silva)
Thatiana Pagung
Theodoro Cochrane (Mário Martins)
Thiago Mesquita
Thiago Oliveira
Toninho Dantas
Tony Correa
Tuna Dwek (Marinete Prado)
Ulisses Cruz
Vicentini Gomes (Graça Aranha)
Vinicius Brambilla
Vinicius Marquez
Vinícius Soares
Viviane Araújo
Viviane Reis
Waldyr Balan
Walter Cândido
Xando Graça
Yoná Magalhães
Zé Luiz Perez
LISTA DE NOVELAS E MINISSÉRIES PRODUZIDAS PELA REDE GLOBO E
AMBIENTADAS EM SÃO PAULO
Novelas
Avenida Paulista 1982 Escrita por Daniel Más e Cidade de São Paulo
Leilah Assumpção,
coordenação de texto de
Luciano Ramos
Fernando Da Gata 1983 Escrita pelo jornalista Ferando Cidade de São Paulo
Pacheco Jordão
Anarquistas Graças a 1984 Adaptação de walter George São Paulo, década de
Deus Durst do livro de memórias 1920
homônimo de Zélia Gattai
A Máfia no Brasil 1984 Adaptação livre de Leopoldo Entre outros lugares
Serran do livro homônimo de teve locações em São
Edson Magalhães, roteiro final Paulo
de Paulo Afonso Grisolli e
Roberto Farias
Memórias de um 1986 Adaptação de Marcos Rey e São Paulo, final da
Gigolô de Walter George Durst do década de 1920
livro homônimo de Marcos
Rey. Roteiro final de Walter
Avancini
Sampa 1989 Escrita por Gian Francesco Ambientada em São
Guarnieri Paulo com elenco
predominantemente
paulista
Boca do Lixo 1990 Sílvio de Abreu
A Muralha 2000 Escrita por Maria Adelaide São Paulo, início do
Amaral e João Emanuel século XVII
Carneiro, com colaboração de
Vicent Villari
Um Só Coração 2004 Maria Adelaide Amaral e Cidade de São Paulo,
Alcides Nogueira. Escrita com entre as décadas de
Lúcio Manfredi. Colaboração 1920 e 1950.
de Rodrigo Arantes do Amaral
ANEXOS